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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em História Social
Romanização e Reforma Católica Ultramontana da Igreja de
Juiz de Fora: projeto e limites(1890-1924)
por: Mabel Salgado Pereira
Dissertação apresentada ao Departamento
de História, no IFCS, UFRJ, como requisito
para obtenção do grau de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Francisco José Silva Gomes
Rio de Janeiro, 2002
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Banca Examinadora
________________________________________
Prof. Dr. Francisco José Silva Gomes Orientador
Universidade Federal do Rio de Janeiro
_______________________________________
Prof. Dr. Marcos Luiz Bretas da Fonseca
Universidade Federal do Rio de Janeiro
______________________________________
Prof. Dr. Marcelo Ayres Camurça
Universidade Federal de Juiz de Fora
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3
Para minhas filhas Marina e Marcela,
pelo amor e tudo mais que nos une.
4
RESUMO
Na presente dissertação procuramos analisar os principais movimentos que
permeiam o processo de Romanização e de Reforma Católica Ultramontana na
Igreja de Juiz de Fora e seus limites. A análise foi realizada levando em
consideração os seus principais agentes: episcopado, clero diocesano e regular, e
os seus destinatários, os fiéis.
Iniciamos em meados do século XIX, quando encontramos a presença de um
catolicismo tradicional, herdado do passado colonial, dominante. O nosso recorte
temporal concentra-se porém nos anos de 1890-1924, por considerarmos ser este o
momento da implantação das diretrizes reformadoras em Juiz de Fora.
Na análise foi utilizado um corpus documental de diversas procedências, no
qual se destacam as fontes da própria Igreja, documentos oriundos do poder civil e
jornais.
5
RÉSUMÉ
Cette dissertation a pour but d’ analyser les principaux éléments qui intègrent
le processus de Romanisation et de la Réforme Catholique Ultramontaine dans
l’Eglise de Juiz de Fora et ses limitations. L’analyse a tenu compte des principaux
agents de ce mouvement : l’épiscopat, le clergé séculier et régulier et de leurs
destinataires - les fidèles.
On commence vers le milieu du XIXème siècle, avec la présence d’un
catholicisme traditionnel, dominant, héritié du passé colonial. Notre périodisation se
concentre cependant entre les années 1890 et 1924, car c’est le moment par
excellence de l’implantation des directrices réformatrices à Juiz de Fora.
On a utilisé un corpus documentaire de différents provenances, où se
distinguent surtout les sources de l’ Église même, des documents du pouvoir civil et
des journaux.
6
AGRADECIMENTOS
Neste momento, ao finalmente parar para pensarmos nas pessoas e
instituições que tornaram possível, de uma forma ou de outra, que este trabalho
fosse levado a cabo, percebemos que, ao contrário do que pensávamos, não foram
poucos os que nos apoiaram. Assim, com carinho faço aqui meus agradecimentos e,
assumo desde já, os equívocos e possíveis falhas que devem ser creditadas
inteiramente a minha pessoa.
Começo, primeiramente, agradecendo às instituições. À Capes, pela bolsa de
pesquisa concedida, que tantas facilidades me proporcionou e, sem a qual a
consecução deste trabalho se tornaria muito difícil. Sou também extremamente grata
aos diretores do Instituto Teológico Arquidiocesano Santo Antônio e da Escola
Modelo Monteiro Lobato, ambos de Juiz de Fora, por minha liberação das atividades
acadêmicas.
Beatriz V. Dias Miranda e Riolando Azzi são os grandes colaboradores pela
realização deste trabalho. Ambos despertaram-me para questões pertinentes ao
meu tema de pesquisa sobre as quais eu ainda não havia refletido. A afinidade foi
tão grande que passamos a trabalhar juntos em vários outros projetos. A eles
agradeço a amizade, o estímulo e a confiança em mim depositada.
Ao Prof. Francisco José Silva Gomes, meu orientador desta dissertação, eu
agradeço pelo estímulo constante nestes meus primeiros passos como historiadora
e por sua generosidade intelectual.
7
Aos professores Marcos Luiz Bretas da Fonseca e Marcelo Ayres Camurça,
pela colaboração de ambos enquanto leitores críticos e avaliadores dessa
dissertação.
Ao professor Newton Barbosa de Castro, sempre solícito às minhas consultas,
agradeço pela confecção dos mapas em anexo desta dissertação. De maneira
especial, também agradeço aos funcionários responsáveis pelos vários arquivos
visitados, nos quais o espírito de solidariedade sempre nos acompanhou; a todos
deixo aqui meu reconhecimento.
Aos meus familiares, em especial e de forma muito carinhosa, à minha tia-
mãe Vitória de Oliveira Salgado, que, sempre presente, dispensou cuidados
especiais não só a mim, mas principalmente às minhas filhas, permitindo desta
forma o meu crescimento enquanto pesquisadora.
À minha secretária Josilene de P. da Silva, que durante todos estes anos
cuida carinhosamente minhas filhas, agradeço a confiança que possibilitou-me a
tranquilidade necessária para este êxito.
Por fim, a todos os meus amigos, aos que hoje estão no Rio de Janeiro e me
hospedaram durante os períodos em que cumpria os créditos e aos que
permanecem lado a lado na nossa caminhada diária, em especial a Helô que ainda
contribuiu com a revisão do texto.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................12
1- DA VILLA DE SANTO ANTÔNIO DO PARAHYBUNA À MANCHESTER
MINEIRA - JUIZ DE FORA: A CIDADE EM QUESTÃO..................................19
1.1- A cidade: uma herança .......................................................................21
1.2- Vanguardas ........................................................................................26
1.3- Em busca de um espaço urbano ideal................................................32
1.4- A Imprensa.........................................................................................40
2- UM MODELO DE CATOLICISMO TRADICIONAL AS TRADIÇÕES
RELIGIOSAS EM JUIZ DE FORA ......................................................................44
2.1- Irmandades religiosas em Juiz de Fora no século XIX..........................47
2.2- A presença de um clero tradicional........................................................64
3- ROMANIZAÇÃO E REFORMA CATÓLICA ULTRAMONTANA DA IGREJA DE
JUIZ DE FORA A AÇÃ REFORMADORA......................................................73
3.1- Afirmação do clero diocesano reformado................................................78
3.2- A força das congregações religiosas.......................................................93
3.3- O enquadramento dos fiéis....................................................................110
9
4- OS LIMITES DA ROMANIZAÇÃO E DA REFORMA CATÓLICA
ULTRAMONTANA - UMA SITUAÇÃO DE GRANDES DESAFIOS..................138
4.1- Os principais adversários da Instituição Eclesiástica.............................148
4.1.1- Os protestantes...........................................................................148
4.1.2- O Espiritismo...............................................................................157
4.1.3 A Maçonaria.................................................................................160
CONCLUSÃO........................................................................................................164
Anexos....................................................................................................................167
Fontes ....................................................................................................................177
Bibliografia..............................................................................................................180
10
LISTA DE ABREVIATURAS
ACRCG-JF Arquivo da Comunidade Redontorista do Curato da Glória
Juiz de Fora
AEAM Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana
AHMJF Arquivo Histórico Municipal de Juiz de Fora
BSM-LMFMJF Biblioteca Saldanha Marinho Loja Maçônica Fidelidade Mineira de
Juiz de Fora
CMIJF-AHPHOF - Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora Arquivo Histórico
Padre Henrique Oswaldo Fraga
SMBMMM Setor de Memória da Biblioteca Municipal Murilo Mendes
11
Parodiando Carlos Drumond de Andrade:
Merci, merci, merci.
Estou empapelada!
Deixo, feliz, aqui,
o meu muito obrigado
a Ti.
12
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como tema o estudo da Romanização e Reforma Católica
Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora: projeto e limites. O seu objeto está
circunscrito num dos aspectos mais relevantes da História da Igreja no Brasil no
século XIX, o movimento de Reforma Católica, realizado sob a liderança do
episcopado, e que teve como um dos principais pólos propulsores a Diocese de
Mariana, à qual pertencia a paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora.
Entende-se por Romanização o processo de centralização, com vistas a uma
uniformização, da Igreja romana na vida aclesial e eclesiástica da Igreja no Brasil.
Esta ação assumia os objetivos da Reforma Católica Tridentina. Por isto mesmo,
tanto a Romanização quanto a Reforma Católica partiam dos bispos auxiliados pelo
clero, com o objetivo de enquadrar a vida dos fiéis nas diretrizes de um novo modelo
de catolicismo e de Igreja, que denominamos ultramontanismo.
O recorte temporal que apresentamos como marco inicial deste processo é o
ano de 1890, ano em que identificamos as primeiras medidas reformadoras e a
presença em Juiz de Fora dos principais agentes eclesiásticos imbuídos deste ideal.
O marco final é o ano de 1924, momento da criação da Diocese de Juiz de Fora.
Para entendermos o real valor deste movimento fez-se necessário, um retorno ao
período que antecede o movimento reformador, abrangendo, desta forma, o período
de criação do próprio povoado, em 1850.
Este retorno a 1850 nos permitirá a compreensão de uma sociedade em
mudança, na qual é manifesto um certo conflito de mentalidades. De um lado, o
imaginário do progresso, pautado pela possibilidade da criação de um espaço
13
urbano ideal, incentivado por padrões capitalistas, pela presença de grupos de
imigrantes de várias nações, e pela difusão dos valores da modernidade. Por outro
lado, encontramos uma sociedade marcada pela tradição, com a presença de uma
aristocracia da terra voltada para os valores do catolicismo luso-brasileiro, com suas
crenças nos santos e sem o controle efetivo das instituições eclesiásticas.
A escolha deste objeto teve duas motivações. Primeiramente a escassez de
estudos sobre o mesmo. Não há uma tradição historiográfica em Juiz de Fora, como
vem ocorrendo em âmbito nacional, que esboce uma análise sistemática sobre a
experiência da Igreja católica juizforana, especificamente quanto ao fenômeno da
Romanização.
A outra razão está vinculada à relevância do tema. A partir do momento da
implantação das diretrizes reformadoras em Juiz de Fora, constata-se,
principalmente no setor educacional voltada para as elites, um controle hegemônico
da Igreja que permanece até nossos dias. Desta forma, para o entendimento da
sociedade juizforana, hoje, torna-se necessário um olhar para as transformações
ocorridas no contexto do processo de Romanização e Reforma Católica
Ultramontana na cidade.
A consecução da análise foi possível através da utilização de um múltiplo
conjunto de fontes variadas, as quais receberam um tratamento qualitativo e
quantitativo. Estas podem ser agrupadas da seguinte forma: a documentação interna
das irmandades, a documentação eclesiástica em geral, a documentação do poder
público e a imprensa liberal local.
O primeiro conjunto de fontes é composto pelos compromissos das
irmandades. Com esta documentação foi possível afirmar a presença e a
14
organização destas associações, assim como, a compreensão de sua vivência
devocional.
As fontes eclesiásticas em geral são formadas por um corpus documental de
diversas procedências que abrange: cartas pastorais individuais, coletivas e
reservadas ao clero; correspondência de padres das congregações religiosas ao
bispo diocesano; correspondência das congregações aos seus superiores na
Europa; livros de tombo e livros de crônicas. Através desta documentação foi
possível identificar as principais linhas das diretrizes reformadoras em Juiz de Fora.
A documentação do poder público possibilitou-me a compreensão da
formação do espaço urbano em questão, a cidade de Juiz de Fora, além das
relações entre instituição Igreja e as instâncias do poder municipal. Estão reunidos
neste conjunto de fontes os projetos, os ofícios e a correspondência enviada à
Câmara Municipal, documentos que fazem referência ao projeto de construção de
um espaço urbano ideal, além daqueles outros referentes, especificamente, às
questões da Igreja Católica.
Entre os jornais utilizados dois são católicos, a saber: Lar Catholico e O Lar
Catholico, que apesar do mesmo nome, tiveram sua existência em momentos
distintos. O primeiro circulou nos primeiros anos que identificamos como sendo o
momento da implantação das medidas reformadoras em Juiz de Fora, entre os anos
de 1891 e 1892. O segundo, de vida mais longa, passou a circular no início do
século XX e permaneceu em atividade para além de 1924. Através destes é possível
reconstruir o pensamento da Igreja Católica e suas principais preocupações naquele
momento.
15
Os outros jornais utilizados foram o Jornal do Commercio, O Pharol e Diário
de Minas. Estes, de maneira específica, permitiram-me acompanhar determinados
acontecimentos relacionados à história da Igreja de Juiz de Fora, possibilitando-me
uma visão mais geral de determinados acontecimentos, de um ponto de vista não
especificamente católico e, neste sentido, serviram como complemento às demais
fontes.
Além destas fontes fiz uso de uma vasta historiografia sobre temas
relacionados com a Romanização e Reforma Católica Ultramontana e com a
História da Igreja no Brasil de maneira mais geral. Porém, vale destacar que a
bibliografia utilizada não esgota o tema, tendo sido indicada as obras e os artigos
consultados e usados.
O plano teórico desta dissertação insere-se no quadro de uma História
Institucional, porém, por vezes em diálogo com elementos da História Cultural, por
considerarmos que a implantação do processo romanizador e reformador pode ser
entendida como um movimento social, já que “os movimentos não seriam
movimentos se não tivessem os seus emblemas, os seus sinais exteriores, o seu
estilo de comportamento, de discurso e de indumentária”
1
podendo, desta forma,
ocorrer diferentes graus de convicção, vários níveis de lealdade, consciente ou não.
Disso resulta que não há um único sistema de representação, mas vários,
caracterizando a existência de lutas e representações, onde o que está em questão
a ordenação da realidade, logo, a própria hierarquia da estrutura social. Assim,
entendo que as práticas do episcopado, seu discurso, as novas devoções, entre
1
GOMBRICH, H. E. Para uma História Cultural. Lisboa, Gradiva, 1994, p. 79.
16
outros, são representações que deram ao mesmo o instrumental necessário para a
implantação do modelo romanizador e reformador.
Enquanto globalizantes, deformantes e concorrentes, os sistemas de
representação e construção de significado do mundo social comportam esperanças
e utopia. Dar à representação uma função criadora implica atribuir-lhe uma
capacidade inventiva para criar a realidade. Nesse sentido as representações
podem impulsionar práticas que contribuem para dinamizar o movimento da história.
Entendido dessa maneira o conceito de representação, acredito que as
práticas, idéias e valores veiculados pelo episcopado reformador contribuíram para a
afirmação de um novo modelo de igreja, além de construir um novo modelo de
compreensão da ordem social.
Além deste diálogo com a História Cultural, esta dissertação, por ter um
recorte geográfico centrado na cidade de Juiz de Fora, serve-se também da
metodologia da micro-história e busca retificar afirmações que a historiografia de
malha mais larga faz sobre o movimento de Reforma Católica de maneira mais
geral. O caso de Juiz de Fora, neste sentido, não se insere totalmente no modelo de
reforma implementado em Minas Gerais a partir do movimento do primeiro Bispo
reformador de Mariana, Dom Viçoso.
A dissertação está dividida em quatro capítulos, cada um deles divididos em
tópicos para uma melhor compreensão dos elementos abordados. O capítulo 1 Da
Villa de Santo Antônio do Parahybuna à Manchester Mineira - Juiz de Fora: a cidade
em questão busca analisar a formação da cidade de Juiz de Fora, ressaltando
primeiramente a historiografia existente sobre o município para, em seguida,
abordar os principais elementos formadores que permeiam a construção da cidade.
17
Neste capítulo, nosso objetivo foi demonstrar que a cidade de Juiz de Fora não se
enquadra no modelo urbano do “tipo sacramental” de Mariana, sede do bispado à
qual pertencia a paróquia do município.
O capítulo 2 Um Modelo de Catolicismo Tradicional - As tradições religiosas
em Juiz de Fora tenta analisar as tradições religiosas existentes em Juiz de Fora
desde o momento de sua criação, em 1850. As irmandades religiosas e a presença
de um clero tradicional, herdados do passado colonial, ganham espaço na tentativa
de demonstrar que o movimento religioso, que se desenvolveu até a implantação
das medidas reformadoras, enquadra-se no contexto de um catolicismo tradicional
de cunho mais popular e não se difere das demais cidades brasileiras.
O capítulo 3 Romanização e Reforma Católica Ultramontana na Igreja de
Juiz de Fora - A ação reformadora trata das posturas e dos discursos e das
práticas reformadoras dos agentes eclesiásticos, da chegada das Congregações
religiosas européias e suas estratégias que visavam a intensificação da implantação
do novo modelo reformador e, finalmente, o enquadramento dos fiéis nesta nova
ordem, destacando neste sentido, as novas devoções e simbologias religiosas que
se firmaram em detrimento das antigas devoções.
O capítulo 4 Os Limites da Romanização e da Reforma Católica
Ultramontana - Uma situação de grandes desafios dedica-se, inicialmente, à
observação das dificuldades vividas pelos próprios agentes reformadores, em
especial os europeus. Em seguida, observo a presença de outras tendências
religiosas e o embate que se desenvolveu entre elas e a Igreja Católica.
Cientes de nossas limitações e das várias possibilidades de investigação e
interpretação do nosso tema, introduzimos este estudo sobre a Romanização e
18
Reforma Católica Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora com a intenção de que
possa ser uma contribuição a mais no conjunto de estudos que enriquecem a
História Regional, aliando-se às obras já existentes sobre a cidade de Juiz de Fora.
19
1- DA VILLA DE SANTO ANTÔNIO DO PARAHYBUNA À MANCHESTER
MINEIRA - JUIZ DE FORA: A CIDADE EM QUESTÃO
Uma das notas características da história da Igreja do Brasil no século XIX é o
movimento de Romanização e Reforma Católica Ultramontana que se estabelece
sob a orientação do episcopado. A Igreja devia ser compreendida como uma
“societas perfecta”
2
hierarquizada e autônoma, sob a chefia direta do Pontífice
Romano.
O objetivo do nosso trabalho é analisar o desenvolvimento deste processo na
Igreja de Juiz de Fora. Assim, neste primeiro capítulo a intenção é apresentar a
cidade em questão, valorizando os aspectos gerais, porém, enfatizando o processo
modernizador da segunda metade do século XIX do ponto de vista urbano,
considerando ser impossível uma compreensão clara do processo, sem o
entendimento do espaço urbano e da própria organização social nos quais o mesmo
se estrutura.
Esta é a tarefa que se coloca neste primeiro capítulo e que poderia ser
desenvolvida sob diversos aspectos, dada a riqueza de documentos que se
encontram preservados nos diversos arquivos históricos do município, além da
vasta bibliografia já desenvolvida por diversos estudiosos que se interessam pela
sua história.
2
A auto compreensão da Igreja na Teologia ultramontana passava por uma concepção societária da Igreja,
definida em termos canônicos como “societas perfecta”. Cf. CIFUENTAS, Rafael. Relações entre a Igreja e o
Estado. Rio de Janeiro, José Olímpio, 1989, p. 31. Apud.: GOMES, Francisco José S. De súdito a cidadão: os
católicos no Império e na República Velha(1822-1930). In: XII Congresso Internacional da Associação de
Historiadores Latino-Americanistas AHILA, Portugal, 1999, p. 10.
20
A bibliografia encontrada pode ser dividida em três eixos: no primeiro,
encontramos estudos realizados por intelectuais sem formação específica no campo
da história, mas em diversas outras áreas do saber, muitos deles pertencentes ao
Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora, criado em 1956, e à Academia
Mineira de Letras, fundada na cidade, em 1909.
3
Em segundo lugar, sem necessariamente pretender colocar numa ordem as
leituras sobre a história do município, encontramos os trabalhos de literatos que
interpretaram a história de Juiz de Fora e a sociedade em suas memórias, poesias e
outros gêneros.
4
E, recentemente, encontramos os trabalhos desenvolvidos pelos professores
do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora
5
. Reunidos
em torno do Núcleo de História Regional, eles contribuem também com diversos
artigos para a revista do departamento, “LOCUS”. A revista conta também com a
colaboração de professores de outros departamentos do Instituto e de outras
Universidades.
3
Ver ESTEVES, Albino & LAGE, Oscar Vidal Brabosa. Álbum do Município de Juiz de Fora; OLIVEIRA,
Paulino de. História de Juiz de Fora; OLIVEIRA, Almir de. A imprensa em Juiz de Fora; BASTOS, Wilson
de Lima. O Engenheiro Henrique Halfeld; STEHLING, Luiz. Os alemães em Juiz de Fora; LESSA, Jair.
Juiz de Fora e seus pioneiros, entre outros. Ainda não temos na historiografia regional um trabalho de
avaliação desta fase, o número de livros publicados é relativamente grande, sendo que alguns autores nesta fase,
como é o caso de Wilson de Lima Bastos, deixaram coleções.
4
Vale destacar os trabalhos de NAVA, Pedro. Baú de Ossos; JARDIM, Rachel. Os anos 40; MENDES, Murilo.
A Idade do Serrote; RANGEL, José. Como o tempo passa; BRAGA, Belmiro. Redondilhas. Sem a pretensão
neste momento de citar todas as obras destes autores.
5
Ver CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. A Europa dos pobres a belle-époque mineira; ANDRADE,
Silvia Maria Belfort Vilela de. Classe operária em Juiz de Fora; RIBEIRO, Cláudia Maria. Diferentes atores
em papéis diversos; a barguardia política no palco da gestão participativa em Juiz de Fora, 1983-1988.
(Dissertação de Mestrado); MIRANDA, Sônia Regina. Cidade, Capital e Poder: políticas públicas e questão
urbana na Velha Manchester Mineira(Dissertação de Mestrado); OLIVEIRA, Mônica Ribeiro. Imigração e
industrialização: os alemães e os italianos em Juiz de Fora - 1854 a 1920(Dissertação de Mestrado); PIRES,
Anderson Pires. Capital agrário, investimento e crise na cafeicultura de Juiz de Fora 1860-
1930(Dissertação de Mestrado); ANDRADE, Rômulo. A escravidão na Zona da Mata de Minas Gerais(Tese
de Doutorado)
21
Assim, diante da riqueza dos temas já tratados por todos estes estudiosos,
gostaríamos de apresentar a cidade de Juiz de Fora a partir e sob o olhar de um
grupo de homens ilustrados, integrado por engenheiros, sanitaristas, jornalistas,
entre outros. Acreditamos que os projetos apresentados à Câmara Municipal, da
época da fundação da Villa de Santo Antônio do Parahybuna até o início do século
XX, visando o processo de construção de um modelo de cidade ideal, são fontes
capazes de fornecer-nos precioso caminho para tentarmos entender como esta elite
pensava a sociedade de seu tempo.
Nesta leitura nossa intenção será a de compreender os processos e as
operações pelos quais este grupo particular atribui sentido ao mundo e, como indica
Chartier, “descrevem a sociedade tal como pensam que é ou como gostariam que
fosse”.
6
O capítulo desenvolvido desta forma se justifica porque pretendemos,
quando analisarmos as tradições religiosas, o processo de Romanização e a
Reforma Católica Ultramontana e seus limites, demonstrar seu diálogo com as
outras formas de representação na cidade em questão. Interessa-nos perceber a
presença destas outras representações em seu encontro e confronto com o
processo de Romanização e Reforma Católica Ultramontana.
1.1- A cidade: uma herança
Diante da documentação existente sobre o surgimento do município,
podemos afirmar que a “Villa de Santo Antônio do Parahybuna” nasce ao longo do
6
CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro/Lisboa,
Bertrand Brasil/Difel, 1990, p. 19.
22
Caminho Novo para as Minas, uma ‘picada’ idealizada pelo sertanista Garcia
Rodrigues Pais por volta de 1701, ligando a região das minas ao Rio de Janeiro,
com o objetivo de facilitar o transporte do ouro extraído e controlar o contrabando.
A capitania das Gerais encontrava-se dividida em quatro grandes comarcas:
Vila Rica de Ouro Preto, Vila Real de Sabará, Vila do Príncipe do Sêrro Frio e a da
Vila de São João del’Rei do Rio das Mortes. Esta última, com sede na Villa de
mesmo nome, abrangia vasto território, que ia desde Paraopeba e Congonhas, rumo
ao Sul, até o legendário rio Paraibuna e a serra da Mantiqueira, compreendendo a
região onde mais tarde surgiria a Villa de Santo Antônio do Parahybuna.
7
Os registros dos viajantes europeus, como o de Saint-Hilaire, confirmam os
encantos da região em suas: Voyages dans les provinces de Rio de Janeiro et de
Minas Geraes, afirmando que:
“A paizagem que se oferece aos olhos do viajante quando
chega á entrada da comarca do Rio das Mortes ás margens do
parahybuna tem qualquer coisa que surprehende por um mixto
de desordem e regularidade selvagem. Por todo a parte o rio é
dominado por altas montanhas”.
8
Destas altas montanhas, na região em foco, temos a memória do morro da
Boiada. Segundo Albino Esteves, o morro da Boiada “era um amontoado de casas,
ranchos para as tropas; pousadas (...) A Boiada chegou a possuir uma capelinha.
(...) em direção mais ou menos com o tunnel dos Marmellos.” Citando Saint-
Hilaire o autor confirma: “A uma legoa e tres quartos do Marmello, encontra-se a
7
Cf. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Vol. XXV, Rio de Janeiro, 1959.
8
HILAIRE, Saint. Voyages dans les provinces de Rio de Janeiro et de Minas Geraes. In: ESTEVES,
Albino & LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do Município de Juiz de Fora. Bello Horizonte,
Imprensa Official do Estado de Minas, 195, p. 46.
23
pousada de Juiz de Fóra, nome que, sem duvida, provém do cargo que occupava
seu primeiro proprietario.”
9
Assim, encontramos os primeiros referenciais: o rio Paraibuna, o morro da
Boiada, Marmellos e Juiz de Fora. Os documentos mais antigos, encontrados nos
arquivos municipais sobre o início do povoamento, datam de 1741 e tratam do
pedido de construção da primeira capela em devoção a Santo Antônio, expedido
pelo luso-espanhol Antônio Vidal à Diocese do Rio de Janeiro. O vigário confirma a
necessidade da construção ao seu superior justificando que:
“Tambem he certo que a capella q
e
o supp
te
quer emergir hé
necessaria e util, não só p
a
elle e sua familia mas tambem p
a
os
vizinhos, e passageiros de q. hé muy frequentado este cam
o
por ser hoje quasi o único por onde se comunicão todas as
minas.”
10
Desta forma, podemos constatar a importância do culto aos santos na
implantação da fé católica na região de Juiz de Fora, sendo Santo Antônio, o santo
mais popular entre os portugueses, o primeiro a ser cultuado na região.
Sobre este primeiro povoado somente o grupo dos primeiros estudiosos fez
registros em diversas obras. Deste período encontramos hoje em Juiz de Fora
apenas documentos de pedido de levantamento da igreja, os quais nos remetem
sempre ao nome de Antônio Vidal como o responsável pela organização social
neste início. O povoado da Villa Santo Antônio do Parahybuna se desenvolve
inicialmente apenas na margem esquerda do rio Paraibuna; no lado direito onde está
hoje situado o centro da cidade, não havia habitações, nem passagens.
9
Idem, ibidem, p. 46.
10
CMIJF / AHPHOF. Fundo Arquidiocese/Paroquial, Pasta Matriz de Santo Antônio.
24
A um Antônio sucedeu outro Antônio, nas terras de Santo Antônio. O
segundo, Antônio Dias Tostes, estabeleceu-se na região por volta do início do
século XIX. Jair Lessa afirma ter sido em 1812 o momento em que:
“cessaram as atividades da família Vidal em nossas
paragens(...) com a venda feita em 30 de junho, no Cartório de
Barbacena, por José Vidal, na qualidade de herdeiro universal,
da “Fazenda do Juiz de Fora” e da “Fazenda do Marmelo” , ao
tenente Antônio Dias Tostes. Reza a escritura que a primeira
possuia casa de sobrado, capela, e mais cinco sesmarias
anexas”.
11
A organização do espaço urbano na margem direita do rio Paraibuna, onde
hoje se encontra o centro do munícipio, teve início com a partilha dos bens do
tenente Tostes, entre seus doze filhos. Um engenheiro, o alemão Henrique
Guilherme Fernando Halfeld, casado com Cândida, umas das herdeiras, será o
responsável pelo desenho da planta que registra esta partilha, de 1844, guardada
hoje no Arquivo Público Mineiro da capital, Belo Horizonte.
Pela Lei Provincial n
o
472, artigo 8, de 31-05-1850, o povoado é elevado à
categoria de Villa de Santo Antônio do Paraybuna, sendo a nova paróquia
incorporada à diocese de Mariana, à frente da qual se encontrava Dom Antônio
Ferreira Viçoso. Em 02-05-1856, pela Lei Provincial n
o
759, a Villa passa à categoria
de cidade e, finalmente, em 19-12-1865, pela Lei Provincial n
o
1.262, passa a ser
cidade do Juiz de Fora.
Mesmo com a queda da extração do ouro, o Caminho Novo continua sendo a
referência enquanto ponto de ligação com a Corte. A Villa continua a se desenvolver
e, por volta de 1865, se faz sentir plenamente, no plano econômico, a importância do
11
LESSA, Jair. Juiz de Fora e seus pioneiros. Juiz de Fora, UFJF Funalfa, 1985, p. 32.
25
café. O município tinha no cultivo da rubiácea o principal fator de sua estabilidade
econômica e financeira.
Com a expansão cafeeira instalou-se definitivamente na região a mão-de-
obra escrava. “Em 1855(...) havia um total de 4.000 escravos para 2.400 homens
livres e, em 1872, havia 18.775 escravos para 11.604 livres.”
12
Assim, podemos
constatar por estes dados um número bem superior de escravos com relação aos
homens livres, bem como o rápido crescimento demográfico do município.
Em Minas Gerais, a principal região produtora de café foi a Zona da Mata. Em
1847/48 a produção alcançou o número de 743.707 arrobas, sendo 183.895 arrobas
saídas da região de Juiz de Fora.
13
Os recursos gerados por este passado glorioso
do café e concentrados nas mãos dos fazendeiros foram repassados para outros
setores da economia, possibilitando a criação de:
“condições efetivas para o avanço da modernização capitalista
nos vários vetores em que ocorreu(estruturação do mercado de
trabalho livre, diversificação econômica, industrialização,
investimento e comportamento econômico da aristocracia rural,
poder político das elites locais etc.)
14
Assim, passada a fase áurea do café, surgia no final do século XIX “a era da
indústria, o ciclo industrial (...) o progresso da metrópole. Neste setor, foi tão grande
e apresentava índices financeiros tão apreciáveis”
15
, que foi denominada por Rui
Barbosa de “Manchester Mineira”.
No plano do desenvolvimento das relações políticas podemos perceber que
12
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Juiz de Fora Vivendo a História. Juiz de Fora, EDUFJF, 1994, p. 26.
13
Cf. GIROLETTI, Domingos. Industrialização de Juiz de Fora. Juiz de Fora, EDUFJF, 1988, p. 31.
14
PIRES, Anderson. Tendência da produção agroexportadora da Zona da Mata de Minas Gerais
1870/1930. Juiz de Fora, Revista Locus, vol. 3, n. 2, 1997, p. 154.
15
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Op. Cit., p. 385.
26
Juiz de Fora não se distingue dos demais municípios brasileiros. Ocupavam os
cargos na Câmara Municipal aqueles que eram considerados homens bons, capazes
de defender os interesses da localidade, que muitas vezes se confundiam com a
defesa do seu próprio grupo. Segundo Patrícia F. Genovez, “uma Câmara de
Compadres onde se formaram grupos tradicionais atraindo, para sua órbita famílias
influentes da localidade”
16
, assim vemos repetidas vezes os nomes: Halfeld, Tostes,
Paula Lima, Penido, Lage, Horta. . . todos compadres.
Vale destacar a presença na Câmara Municipal de clérigos ilustrados, com
participação ativa na vida política de Juiz de Fora, na tradição de um clero politizado
da primeira metade do século XIX. Nesse sentido merece destaque o cônego José
de Souza e Silva Roussin que, nas eleições para vereador de 1860, foi o segundo
mais votado com 460 votos, além de exercer o cargo de vereador em outros dois
mandatos, de 1865 a 1868 e 1869 a 1872.
17
1.2- Vanguardas
Ao longo do seu processo de formação, a cidade participou diretamente de
grandes momentos da história nacional. No campo da criação de rodovias e da
implantação da iluminação pública, a cidade tornou-se pioneira. O espírito dos
homens ilustrados deste período é homenageado hoje nas placas da cidade, como
herança de um olhar voltado para a ciência e a tecnologia.
A gênese da primeira estrada de rodagem do Brasil, “e a maior obra de
16
GENOVEZ, Patrícia Falco. Câmara dos Compadres: Relações familiares na Câmara Municipal de Juiz
de Fora(1853-1889). Juiz de Fora, Revista Locus, vol. 2, n. 2, 1996, p. 79.
17
Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Juiz de
Fora, Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora, 2001, p. 73.
27
engenharia em seu tempo na América Latina, deu-se a 7 de agosto de 1852, quando
o dinâmico e visionário Mariano Procópio Ferreira Lage”
18
, obteve do Imperador a
autorização para a sua construção. Batizada como “União e Indústria”, a estrada
possuía 144 km, de Petrópolis a Juiz de Fora, que podiam ser percorridos em 12
horas de diligência.
No contrato, assinado entre o governo imperial e Mariano Procópio Ferreira
Lage, duas cláusulas merecem ser destacadas:
“que as despesas de construção e manutenção corressem
por sua conta, usufruindo a Companhia que para tal fim ele
organizasse, os lucros que fossem obtidos com o tráfego,
durante meio século. Condição contratual: a Companhia não
poderia usar mão-de-obra escrava.”
19
Em primeiro lugar, vale destacar o espírito empreendedor do construtor. Não
se trata apenas da abertura de uma estrada mas também de sua manutenção,
exploração, cobranças de pedágio e serviços de transportes, durante 50 anos,
caracterizando uma nova visão, de longo prazo.
O fato de não empregar mão-de-obra escrava, considerada aqui como sinal
da antiga ordem, contribuiu para o desenvolvimento das relações de
trabalho assalariado na região, criando desta forma:
“oficinas de serralheiros, de ferreiros, de carpinteiros, de
marceneiros, serviços de bombeiros , de mecânica, etc., com
que a empresa dava trabalho a mais de 150 operários
livres(...), além de 100 aprendizes e serventes.”
20
18
VASQUEZ, Pedro Karp. Álbum da estrada União e Indústria. Rio de Janeiro, Edição Quadratim G
Concer, 1997, p. 23
19
LESSA, Jair. Juiz de Fora e seus pioneiros. Op. cit., p. 68.
20
BASTOS, Wilson de L. Mariano Procópio Ferreira Lage. Juiz de Fora, Edições Paraibuna, 1991. p. 27.
28
A necessidade de mão-de-obra especializada, elemento raro em nossas
terras, levou seu idealizador a recorrer à imigração européia, assim:
“Manda vir da França a afamada dupla de engenheiros Garou
e Flajelat que, segundo as más línguas da época, ‘garrou a
flagelar’ as atrizes francesas da Corte e só planejou lá de
longe, não vindo aqui para o mato. Talvez tenha havido
exagero e a função deles fosse mesmo sobre a prancheta.
Uma intriga franco-prussiana, pois os engenheiros que vieram
logo em seguida e sujaram as botas na tabatinga
paraibunense eram alemães: Gambes, Lallemant, Gieber,
Keller e Mynssen.(...) Já em 1856 chegaram os funcionários
alemães, especialistas em pontes -de-ferro, mecânicos,
carpinteiros, ferreiros, construtores.(...) Da segunda remessa,
agora de colonos, no ano de 1858,(...)508 mulheres para 636
homens.”
21
Em sua construção, empregou-se o que havia de mais moderno, de forma a
garantir que permanecesse trafegável mesmo na época das chuvas. O projeto foi
inaugurado em 1861, com uma viagem da família imperial e sua comitiva, de
Petrópolis a Juiz de Fora.
A estrada União Indústria teve papel proeminente para o desenvolvimento da
província de Minas Gerais, facilitando o escoamento da produção e regularizando o
abastecimento da mesma. A construção merece destaque, também, pela
formação em Juiz de Fora de uma colônia de imigrantes alemães que muito
contribuiu para o desenvolvimento de manufaturas, embrião do desenvolvimento
industrial que marcará a cidade no final do século XIX e início do XX.
A presença positiva dos imigrantes pode ser observada, segundo Silvia Maria
B. V. de Andrade, também na formação de uma classe operária combativa no início
do século XX
22
, composta não só de alemães, mas também de italianos,
portugueses, turcos, espanhóis e outros. Influenciados por doutrinas européias,
21
LESSA, Jair. Juiz de Fora e seus pioneiros. Op. cit., p. 69
22
Cf. ANDRADE, Silvia Maria B. Vilela de. Classe Operária em Juiz de Fora. Juiz de Fora, EDUFJF, 1987.
29
serão alvo constante de reclamações por parte da Igreja. O Pe. Julio Maria acusa
Juiz de Fora de ser uma nova Nínive, e assim se dirige aos operários:
“Quantos são os operários que nesta cidade procuram a Igreja
já não digo para a confissão e comunhão, mas simplesmente
para a assistência à missa? De cada centena se pode tirar um?
De fato os operários estão afastados da Igreja; nem sequer de
espaço em espaço a procuram.
Jesus Cristo é o Deus dos pobres, dos miseráveis, dos
proletários. É principalmente para atraí-los a Jesus Cristo que a
Igreja não se cansa de lembrar o seu amor pela pobreza, a sua
renúncia dos bens do mundo, a fome e a sede que sofreu . . .
Quantos são os proletários que procuram a Igreja? Pelas ruas
veremos muitos; na Igreja nenhum.”
23
Apesar deste apelo do Pe. Júlio Maria aos operários, por não
freqüentarem a Igreja e não participarem dos sacramentos, é possível verificar a
presença do catolicismo devocional no primeiro momento da chegada dos imigrantes
a Juiz de Fora. Capelas foram erguidas com a finalidade de agradecer a intercessão
dos santos na proteção durante a travessia do Atlântico, e os registros nos revelam a
construção de capelas destinadas ao culto das comunidades, assim como capelas
particulares.
24
Assim, cumpre chamar a atenção para a especificidade de Juiz de Fora,
que distante das cidades barrocas que se formaram e se guiaram pelos sinos das
igrejas, a população teve sua vida normatizada pelos apitos das fábricas e o bater
dos tamancos de seus operários de ambos os sexos e diversas nacionalidades, bem
como uma burguesia nascente de forte tendência secularizante.
25
Porém, insistimos
em mencionar que o catolicismo devocional se encontra presente nas
23
BEOZZO, José Oscar. Pe. Júlio Maria. In: História da Teologia na América Latina. São Paulo, Ed.
Paulinas, 1981, p. 118.
24
Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950) Op. cit., p.
34.
25
Cf. CHRISTO, Maraliz de C. Vieira. Europa dos pobres a belle-époque mineira. Juiz de Fora,
EDUFJ, 1994, p. 10.
30
manifestações religiosas destes imigrantes. Templos foram erguidos para a devoção
aos seus santos protetores: Nossa Senhora da Glória, São Pedro e São Roque.
Outro empreendimento notável, que mais uma vez colocou o município na
vanguarda das cidades brasileiras, despertando a atenção das administrações
municipais de todo o país, refere-se à primeira experiência com a energia elétrica.
A idéia de substituir a iluminação a gás por energia elétrica é obra do mineiro
Bernardo Mascarenhas que, após enfrentar muitas dificuldades, inaugurou a
iluminação pública na cidade no dia 05 de setembro de 1889. Coube à
Companhia Mineira de Eletricidade construir aquela que é considerada a primeira
usina hidroelétrica da América do Sul. Assim, pela primeira vez na América do Sul,
assiste-se ao espetáculo das luzes geradas pela força motriz de um rio, no caso,
através da cachoeira de Marmelos, no rio Paraibuna.
Toda a trajetória de Bernardo Mascarenhas e a história deste grande
empreendimento já se encontra registrada em muitas obras
26
. Nestas podemos
observar as dificuldades com os equipamentos, com técnicos e engenheiros, assim
como a própria obsessão deste pioneiro em colocar seu projeto em funcionamento.
Importante observar que Mascarenhas, além das dificuldades técnicas
encontradas, foi surpreendido também pela reação do público. Artigos
publicados no jornal Diário de Minas alertavam a população contra os possíveis
perigos trazidos pela energia elétrica, causando pânico entre a população e
26
Para este estudo vale destacar os trabalhos de: OLIVEIRA, Paulino de. Companhia Mineira de Eletricidade;
MASCARENHAS, Nelson Lage. Bernardo Mascarenhas: O surto industrial de Minas Gerais; BOTTI,
Carlos Alberto Hargreaves(org.). Companhia Mineira de Eletricidade.
31
obrigando o empreendedor a esclarecer no mesmo jornal as dúvidas relativas aos
riscos da eletricidade.
27
Com o objetivo de destacar, mais uma vez, o papel pioneiro de Juiz de Fora
neste campo, vale destacar que:
“a construção da Usina I,(...), que, finalmente, entra em
funcionamento em 1896, com dois grupos de geradores
bifásicos, de 300 kW cada um, de acordo com o projeto de
Bernardo Mascarenhas, de 1892. Dois anos mais tarde, em
28 de agosto, são inaugurados dois motores, de 30 HP e 20
HP respectivamente, que movimentam os sessenta teares da
Tecelagem Mascarenhas e mais o maquinário das oficinas da
Pantaleone Arcury e Timponi.”
28
Assim, concretiza-se o sonho de Mascarenhas: a utilização da energia elétrica
para fins industriais. Conseqüentemente, este fato atraiu para Juiz de Fora outros
empreendimentos industriais, que levou a cidade a ser denominada neste momento
glorioso como “Manchester Mineira”, resultado da comparação com a famosa
cidade industrial da Inglaterra, vitrine da Revolução Industrial.
Estes dois grandes empreendedores, Mariano Procópio Ferreira Lage e
Bernardo Mascarenhas, não tinham formação em engenharia, porém, podemos
situá-los no universo mental das elites ilustradas do século XIX; seus projetos
demonstram-nos características essenciais do olhar científico, técnico, e por que
não, progressista.
Para concluir este item vale lembrar as palavras, já em 1873, de Dom Viçoso,
Bispo de Mariana, que atribui ao progresso local o afastamento dos sacramentos:
“Que progressos são estes modernos, com que tanta gente enche a boca? (...)
27
BOTTI, Carlos Alberto Hargreaves(org.). Companhia Mineira de Eletricidade. Juiz de Fora, UFJF,
Cemig, 1994, p. 36
28
Idem, ibidem, p. 43.
32
Progressos, progressos! (...) Muitos progressistas abstêm-se destas coisas [os
sacramentos] nem nelas cuidam, e se riem ao ouvir estas palavras!”
29
1.3- Em busca de um espaço urbano ideal
Compartilhando do princípio que os engenheiros e os sanitaristas
problematizam a cidade, atuam sobre ela com um olhar instruído pela ciência e a
técnica, pretendo demonstrar neste pequeno item como criaram seus principais
projetos, levando a cidade a avançar num processo modernizador.
Vale destacar, neste momento do texto, que a historiografia regional ainda
não se debruçou sobre esta temática e não pretendemos, de maneira alguma,
esgotar a documentação sobre o assunto em Juiz de Fora. Pretendemos somente
dar uma visão daquele grupo de homens ilustrados, ressaltar nos seus projetos a
vontade de modernização e verificar como permitem ler a cidade através de seus
projetos.
Assumimos, desta forma, o pressuposto de olhar a cidade não como um
dado, mas como um espaço em construção, buscando entender os processos e
operações desta ordem representativa, tida como progresso e modernização.
Pretendemos analisar o debate promovido por este grupo, porém, interessa-nos não
tanto o seu aspecto operacional, ou seja, as aplicações na prática das medidas
discutidas, mas a própria discussão em si.
A preocupação com o projeto de uma cidade como modelo ideal abrangem as
atividades de vários engenheiros. O primeiro deles, Henrique Guilherme Fernando
29
VIÇOSO, Antônio Ferreira. Pastoral. Mariana, 01/08/1873, p. 2.
33
Halfeld, nasceu a 23 de fevereiro de 1797, na cidade de Klausthal Zellerfeld, Reino
de Hanover. Diplomou-se na ‘Bergakademie Clausthal’ , ocupou posto de capitão
nas tropas alemãs contra Napoleão Bonaparte e lutou na Batalha de Waterloo.
Chegou ao Brasil no ano de 1825, após obter baixa do exército, acompanhado da
primeira esposa, a alemã Dorothéia Augusta Filippina. Fora contratado como oficial
mercenário do Corpo de Tropas Estrangeiras do Exército Brasileiro, do qual teve
baixa em 1830, com o objetivo de trabalhar na “S. John Del-Rey Minnig Company” ,
onde permaneceu como engenheiro até 1834.
30
Para abertura da Estrada Nova do Paraibuna, o Governo de Minas contratou
o engenheiro Halfeld,
“seu início se dera um ano depois da Lei n
0
18, do dia 10 de abril
de 1835, a qual se estabelecia um plano de estradas ligando
Ouro Preto à capital do Império e aos quatro pontos cardeais da
Provínia. Trata-se de uma lei histórica, de que foi, possivelmente,
a Estrada do Paraibuna o primeiro fruto, tendo
desempenhado(...) o papel meritório de caminho da integração
da veneranda Província de Minas com a Corte, sendo Juiz de
Fora importante ponto obrigatório de passagem.”
31
Após o falecimento de sua primeira esposa, em 1839, e de contrair núpcias
com Cândida Tostes, em 1840, o engenheiro passou a viver definitivamente na
região de Juiz de Fora, passando, então, a comprar terras na margem direita do rio
Paraibuna, embora tenha sido considerado inexperiente para estes negócios, pois
adquiria terras tidas como ruins para a agricultura.
A discrepância entre a visão do agricultor e a do engenheiro pode ser
observada nestas aquisições. As terras poderiam não ser boas para o cultivo do
30
Cf. BASTOS, Wilson de L. Engenheiro Henrique Halfeld. Juiz de Fora, Edições Paraibuna, 1975, p. 13.
31
Idem, ibidem, p. 18.
34
café, porém, com as técnicas da engenharia podiam ser aproveitadas,
transformadas e usadas em outra função. Este era o pensamento do engenheiro
Halfeld, transformar aquelas terras em um espaço urbano ideal, construir uma nova
cidade.
Para construir a Estrada Nova do Paraibuna, aproveitou a maior parte do
Caminho Novo, exceto na região que analisamos, quando, vindo de Barbacena,
atravessou o rio Paraibuna e, agora pela margem direita, traçou uma grande reta, de
3 Km de extensão. Assim, Juiz de Fora pode ser considerada como uma das
primeiras cidades pré-traçadas do Brasil.
Desta forma, principia-se o processo de construção da cidade. O plano de
1853 registra os elementos históricos delimitadores da ocupação urbana: a grande
reta traçada inicialmente, registrada no plano como ‘Estrada actual’, a ‘rua da
California’ e o tracejado da ‘Estrada da Companhia’, formando um triângulo
imaginário. Ou, se considerarmos apenas a grande reta da ‘Estrada actual’ e o
tracejado da ‘Estrada da Companhia’, podemos vislumbrar a figura de um compasso.
Assim, sob os símbolos da Maçonaria, o triângulo e o compasso, nasce uma nova
cidade.
32
A linha reta, que formaria um dos lados do triângulo ou do compasso,
registrada por Pedro Nava, imortalizou a trajetória inicial de todo o processo
32
Ver plano em anexo n. 01. O original encontra-se no Arquivo Histórico Municipal de Juiz de Fora. O
engenheiro Henrique Guilherme Fernando Halfeld tem seu nome registrado no Livro de Matrícula Geral dos
Irmãos da Loja Maçonica Fidelidade Mineira de Juiz de Fora, sob o número 43, página 2, como membro
inaugurador, ‘filiado’ no dia 01-06-1873, o que quer dizer que, sendo filiado, o mesmo já era membro da
Maçonaria.
35
urbanístico do centro da cidade: a rua Direita. Aberta pelo engenheiro Halfeld, ficou
na memória como “a reta onde cabem todas as ruas de Juiz de Fora”.
33
No plano da engenharia, faz-se importante tal consideração sobre este
processo inicial. Com relação às ruas é necessário observar que,
diferentemente das demais cidades que se formam neste momento nas quais as
ruas seguem os caminhos traçados pela natureza, rios, montanhas e encostas, no
caso específico de Juiz de Fora, a técnica da engenharia é utilizada para trabalhar
esta natureza no sentido de transformar suas ruas. Assim, podemos observar no
traçado urbanístico da cidade, ruas sempre em linha reta.
O traçado da rua retilínea é justificado no modelo cartesiano como um
princípio racionalista:
“como rua da ciência, do geômetra, ela expressa plenamente o
triunfo do sujeito do conhecimento em dirigir os acontecimentos
e submeter a natureza e o acaso aos imperativos do impulso
ordenador e controlador do espaço, transformando-o (...)
Invenção da razão, a rua reta é a imagem perfeita da imposição
de ordem ao mundo.”
34
Descartes ressalta que “as ruas curvas e desiguais, dir-se-ia que foi mais o
acaso do que a vontade de alguns homens usando da razão que assim os dispôs”
35
.
Nesse sentido a retilinidade e uniformidade das ruas de Juiz de Fora podem ser
vistas como princípios de uma engenharia ordenadora, confiante na direção do fim
que se pretendia atingir: o progresso.
Progresso que não tardou a chegar, veio seguindo as curvas do traçado da
33
NAVA, Pedro. Baú de Ossos. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983, p. 53.
34
NUNES, Clarice. KROPF, Simone. HRESCHMAMN, Micael. Missionários do Progresso. Rio de
Janeiro, Diadorim, 1996, p. 112.
35
DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo, Abril Cultural, 1983, p. 34.
3
6
Estrada União Indústria e, posteriormente, os trilhos da estrada de ferro D. Pedro II,
que aqui chegaram na década de 1870. Neste contexto, o crescimento populacional
da cidade no final do século XIX nos revela os seguintes números: “em 1890, o
município de Juiz de Fora contava 55.185 habitantes, (...) em 1907 verifica-se (...)
85.450 habitantes.
36
Diante do crescimento populacional, a cidade, que fora construída em terras
desprezadas pelos agricultores, pântanos e alagadiços, levou à urbanização de toda
a área da várzea do Paraibuna. Desta forma, encontramos as autoridades
envolvidas, a partir da segunda metade do século XIX, com problemas de
saneamento do solo, esgoto, abasteciemento de água, entre outros.
O primeiro passo importante para o processo de solução da insalubridade da
cidade foi dado em 1863 pela Câmara Municipal, com a publicação do edital para a
construção do primeiro cemitério público. Até este momento os sepultamentos eram
realizados em cemitério perto da Igreja Matriz de Santo Antônio, porém, diante da
ameaça da epidemia de “Cólera Morbus”, sendo as autoridades municipais alertadas
pelos profissionais da área de saúde, resolveu a Câmara processar tal obra.
Segundo Paulino de Oliveira, desde 1853 este grupo ilustrado reclamava pela
construção do cemitério municipal
37
, entretanto, diante da documentação existente,
podemos confirmar que somente uma década depois realmente o debate em torno
desta questão surge como preocupação na Câmara Municipal.
36
ESTEVES, Albino & LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do Município de Juiz de Fora. Bello Horizonte,
Imprensa Official do Estado de Minas, 195, p. 83.
37
OLIVEIRA, Paulino. História de Juiz de Fora. Juiz de Fora, Companhia Dias Cardoso, 1953, p. 32.
37
Este movimento higienista, que levou ao rompimento da tradição de enterrar
os mortos junto e dentro das igrejas e capelas, encontrou resistências junto ao clero
e a setores largos da população. Em 1865 a Câmara Municipal indeferiu pedido feito
por sacerdotes para a construção de um cemitério nos fundos da Igreja Matriz, o
qual teria por finalidade servir aos Irmãos falecidos da Irmandade de Santo Antônio
e da Irmandade do Santíssimo Sacramento.
38
Através do contrato de arrematação das obras para a frente do cemitério,
documento de 18-01-1873, podemos observar a divisão do cemitério entre católicos
e protestantes, nos seguintes termos:
“O portão do Cemiterio Catholico será de gradil de ferro
conforme a planta conjuntamente com um gradil em cada lado
com vinte palmos cada um, devendo o portão ter dois metros e
meios de largura e ser firmado em dous pilares de Cantaria. O
portão do Cemiterio dos protestantes tambem cerá de gradil de
ferro com dous metros de largura firmados em pilares de tijolos
e assentados em soleira de cantaria.”
39
Duas entradas distintas, uma para católicos e outra para protestantes,
justifica-se porque o cemitério protestante não poderia ficar junto ao católico, por ser
o catolicismo a religião oficial do Estado e os bispos não permitirem o enterramento
de acatólicos.
Porém, interessa-nos neste ponto demonstrar como a postura das
autoridades locais, sua preocupação de uma intervenção, tida como regeneradora,
capaz de corrigir os desvios e assegurar as condições vitais para o seu
desenvolvimento, é proclamada. Portanto, tarefa a ser desenvolvida diretamente
pela competência destes homens, pois somente eles detinham o acesso a uma
38
Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Op. Cit., p.
67.
39
AHMJF Fundo Câmara Municipal Império. Sessão 104. Ver em anexo n. 02 o projeto dos portões.
38
informação abalizada para legislar sobre tudo o que dissesse respeito ao espaço
urbano.
Assim, encontramos nos estudos para o saneamento do solo, realizado pelo
diretor de obras municipais, datado de 17 maio de 1900, a seguinte observação:
“como medida urgente e imprescendivel para a salubridade desta cidade, a
drenagem do subsolo da parte baixa”.
40
Dentro deste mesmo processo, o diretor
envia, ainda no mês de maio, correspondência à Câmara Municipal, comentando as
discussões levantadas na imprensa local. Neste podemos observar o desconforto do
diretor ao propor:
“A nomeação de um medico hygienista notavel e de um
engenheiro nas mesmas condições, que possam fallar com
plena isenção de espirito, que revendo os meus estudos
começados, acompanhando os que se estão fazendo, e
fazendo-os separadamente por conta propria , possam com
inteira liberdade manifestar-se sobre as medidas propostas,
aconselhando, então, aquellas que devem ser emprehendidas;
a nomeação dessa comissão, repito, porá termo, de uma vez, à
discussão sobre o assumpto, permittindo assim que os
habitantes desta cidade, aguardem com inteira confiança a
execução dos trabalhos que forem aconselhados.”
41
Não nos interessa neste processo chegar à resolução do problema do
saneamento do solo que se coloca em questão, pretendemos apenas salientar como
a figura de um engenheiro acompanhado de um médico sanitarista, era
representada como sinal de confiança para a população e para o próprio diretor.
Importante sublinhar, mais uma vez, que ao focalizarmos as
transformações necessárias sobre a reforma urbana, interessa-nos problematizar
40
AHMJF - Fundo Câmara Municipal República Velha. Sessão 53.
41
Idem.
39
somente a importância simbólica das ações tomadas: a representação da cidade
como problema e projeto.
Outro ponto importante que se deve considerar refere-se à amplitude e
supremacia que ganha a voz dos engenheiros no que diz respeito ao
equacionamento dos problemas urbanos, assim como a colaboração dos
profissionais da área de saúde, assim:
“O pressuposto comum que une as análises destes dois grupos
de intelectuais sobre a cidade é o diagnóstico quanto ao
principal fator que justifica as necessidades concretas mais
imediatas da remodelação urbana: a questão da
insalubridade.”
42
Os surtos de epidemia que grassavam sobra a cidade no final do século XIX e
início do XX, colocam a questão da salubridade numa perspectiva de urgência
quanto à concretização de obras saneadoras. Sobre esta urgência, com base nas
justificativas dos processos dos engenheiros enviados à Câmara Municipal
43
,
podemos situar a cidade de Juiz de Fora como um espaço moderno, processado por
um grupo de engenheiros e sanitaristas que assumem a responsabilidade de um
olhar competente sobre o município.
Assim, confirmamos o que o historiador James William Goodwin Júnior
registra em seu trabalho sobre a atuação da Câmara Municipal:
“A leitura dos dados quantitativos, e a leitura qualitativa de
alguns documentos relativos à atuação da Câmara Municiapal
de Juiz de Fora, apontam para a mesma direção geral. Há
basicamente duas grandes prioridades para a Municipalidade
42
NUNES, Clarice. KROPF, Simone. HRESCHMAMN, Micael. Op. cit., p. 98.
43
AHMJF - Fundo Câmara Municipal República Velha. Sessão 64. Dentre os projetos apresentados à Câmara
Municipal vale destacar os projetos dos engenheiros: José Joaquim de Moraes Sarmento para a construção do
matadouro, do mercado municipal e o calçamento da rua Direita; de Heitor Jovem para a construção do mercado,
uma cópia do modelo da planta do mercado da cidade de Torin, Itália; do francês G. Howyan para o
abastecimento de água, que dividiu opiniões de várias famílias de Juiz de Fora, além de se manifestarem os mais
ilustres profissionais do país, com publicações de artigos na imprensa mineira e carioca.
40
neste período: a estruturação institucional e a urbanização da
cidade.”
44
Prioridades que chamam a atenção e revelam uma cidade atípica,
confirmando sua distância das tradicionais cidades mineiras, nas quais o centro da
cidade gira em torno de uma igreja, rodeada por uma praçinha e coreto, local por
excelência de expressão do sagrado.
Desta forma, acreditamos ser possível perceber um projeto de sociedade
através de um projeto de cidade, ou seja, ver na forma idealizada de seus projetos,
seus princípios, normas e valores que a desenham previamente à sua possível
concretização no real, a forma e os significados de uma ordem social que se
pretende erigir e, no caso deste grupo de homens ilustrados, o objetivo era a
construção de um espaço urbano ideal, moderno.
1.4- A imprensa
O recorte temporal que demarcamos para a pesquisa(1890-1924) inclui um
momento de apogeu econômico e cultural de Juiz de Fora. Até o final da terceira
década do século XX, Juiz de Fora conservou a liderança política, econômica e
cultural de Minas Gerais, quando passou a perder gradativamente para Belo
Horizonte.
No plano cultural, merece destaque o papel desenvolvido pela imprensa com
um número bastante significativo de jornais em circulação, alguns de vida bastante
44
JUNIOR, James William Goodwin. A Modernidade como projeto conservador: a atuação da Câmara
Municipal de Juiz de Fora-1850/1888. Juiz de Fora, Revista LOCUS, vol. 3, n.1, 1997, p. 127.
41
efêmera e outros que fizeram história e que hoje servem aos historiadores como
fonte privilegiada para suas investigações.
Assim como não temos, na historiografia regional, uma pesquisa sobre o
último item abordado, o papel dos engenheiros e sanitaristas na construção do
espaço urbano ideal, não encontramos também um trabalho mais crítico sobre a
papel da imprensa em Juiz de Fora no final do século XIX e início do XX, uma
temática em aberto para futuros pesquisadores.
Um levantamento do número de jornais, período de circulação de cada um
deles pode ser encontrado na obra de Almir de Oliveira, porém, o próprio autor
reconhece em seu livro que um estudo crítico da imprensa periódica, o que ela
representou para a cidade e o Estado como manifestação do pensamento e veículo
de idéias aguarda o seu historiador.
45
Dentre os jornais diários que tiveram vida longa, no final do século XIX,
merecem destaque ‘O Pharol’, o ‘Jornal do Commercio’ e o ‘Correio de Minas’. O
primeiro O Pharol’, começou a circular em 1871 como semanário, passando em
1874 a ser bissemanal, em 82 a trissemanal e, em 85 a diário. Passou por várias
alterações em sua orientação, liberal, conservador e imparcial. Circulou até o ano de
1939, quando numa fase tenebrosa da vida nacional, durante a ditatura de Getúlio
Vargas, a imprensa brasileira se viu aferrolhada.
46
O ‘Jornal do Commercio’ fundado em dezembro de 1896, também encerrou
suas atividades em 1939, no mesmo contexto de dificuldades da ditadura do Estado
45
Cf. OLIVEIRA, Almir. A Imprensa em Juiz de Fora. Juiz de Fora, Imprensa Universitária/UFJF, 1981.
46
Idem, ibidem, p. 17-18.
42
Novo, sendo que neste momento pertencia ao mesmo proprietário de ‘O Pharol’.
47
Segundo Almir de Oliveira, o jornal teve larga influência política, passando pelas
mãos de vários políticos importantes, homens, todos eles, de reconhecido valor
cultural e literário, que mantiveram o jornal em nível elevado e influente.
48
O Correio de Minas” foi a “Nona publicação diaria. Orgam republicano
dedicado aos interesses do estado de Minas. Appareceu em maio de 1894, sahindo
tres vezes por semana. Passou a ser diario em 1895.”
49
O jornal sofreu breves
interrupções, porém, durou até o ano de 1949, experimentando várias orientações
políticas.
50
Segundo Almir de Oliveira, “das 60 publicações, postas em circulação em
Juiz de Fora, de 1870 até o final do século, 5 foram revistas e 2 foram
almanaques.”
51
Números surpreendentes, que nos revelam uma sociedade com
desejo de padrões de civilização, de leitura e informação.
Considerando a imprensa como um importante instrumento de manipulação
de interesses e intervenção na vida social, a imprensa juizforana oferece amplas
possibilidades para investigação histórica, pois permite perceber a vida cotidiana em
seus múltiplos aspectos, fazendo emergir sujeitos dotados de consciência em
determinadas épocas e suas práticas sociais.
Assim, acreditando que “fontes documentais” não devem ser estudadas
isoladamente, mas em relação com outras fontes que ampliem sua compreensão,
faremos uso da imprensa juizforana em alguns momentos de nosso trabalho,
47
ESTEVES, Albino &LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do Município de Juiz de Fora. Op. Cit., p. 324.
48
OLIVEIRA, Almir. A imprensa em Juiz de Fora. Op. Cit., p. 28.
49
ESTEVES, Albino &LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do Município de Juiz de Fora. Op. Cit., p. 325.
50
OLIVEIRA, Almir. A imprensa em Juiz de Fora. Op. Cit., p. 27-28.
51
Idem, Ibidem., p. 28.
43
pressupondo, conforme Capelato, a imprensa como um espaço de representação do
real, ou melhor, de momentos particulares da realidade.
52
Desta forma, com o objetivo de encerrar este capítulo sobre a cidade de Juiz
de Fora, no qual procuramos destacar marcos de sua história, ressaltando princípios
constitutivos de uma nova ordem social no momento de sua formação, como seu
plano urbanístico inicial, a presença de engenheiros e sanitaristas e uma imprensa
atuante no final do século XIX, sendo por isto considerada por muitos historiadores
como moderna, gostaríamos de registrar a observação do padre da Congregação
do Santíssimo Redentor, em 1893, no momento da escolha da cidade para fixação
da Congregação no Brasil. O Padre Matias Tulkens, primeiro redentorista em Juiz
de Fora, assim escreve em sua correspondência para o provincial holandês:
“...Parece ser a cidade mais civilizada do Brasil”.
53
52
Cf. CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e História do Brasil. São Paulo, Contexto/EDUSP, 1994, p. 24.
53
LEITE, Pe. João B. Boaventura. Igreja N. Sra. da Glória JF 1
a
Fundação. Redentoristas no Leste
Brasileiro. Juiz de Fora, (Mimeo), v. 1, 1976, p. 25.
44
2- UM MODELO DE CATOLICISMO TRADICIONAL: AS TRADIÇÕES
RELIGIOSAS EM JUIZ DE FORA
Esta nossa tentativa de descrever as tradições religiosas presentes em Juiz
de Fora no período que antecede ao processo de Romanização e Reforma Católica
Ultramontana na cidade de Juiz de Fora(1890-1924), deve ser entendida numa
perspectiva de longa duração dos movimentos internos à Igreja no Brasil e de
formação da própria cidade. No entanto, tal processo conheceu ritmos diferenciados
em toda a Diocese de Mariana, o que se comprova no caso específico de Juiz de
Fora, na qual o processo começou tardiamente.
A criação da Villa de Santo Antônio do Parahybuna, em maio de 1850,
juntamente com a criação da nova paróquia, incorporada à diocese de Mariana, a
qual tinha à sua frente um bispo do movimento reformador, Dom Antônio Ferreira
Viçoso(1844-1875), nos revela o que acima se afirmou. O movimento na Igreja de
Juiz de Fora, apesar de pertencer à Diocese de Mariana, não pode ser analisado à
luz das medidas reformadoras de Dom Viçoso.
A Reforma Católica Ultramontana tinha como um dos seus objetivos a
afirmação clerical, a subordinação do laicato às medidas reformadoras dos bispos de
Mariana. Tais medidas não penetraram na cidade, com facilidade, antes do ano de
1890, data da morte do último vigário representante do catolicismo tradicional. Até
esta data podemos observar que a religiosidade que se desenvolve na cidade tem
suas raízes plantadas na prática do catolicismo tradicional e popular, herdado do
período colonial.
45
De maneira geral, entende-se por catolicismo popular “todas aquelas crenças
e práticas religiosas da população católica que não se enquadram no que é
oficialmente proposto pela hierarquia.”
54
Porém, segundo estes mesmos autores, o
conceito é vago, pois é definido por aqueles que não o praticam, a própria
hierarquia. Desta forma, preferem adotar em suas análises o conjunto de crenças e
práticas como sendo a maneira do povo praticar seu catolicismo, adotando o termo
‘catolicismo do povo’.
55
Em Minas Gerais o desenvolvimento do catolicismo nos revela uma
experiência diferenciada das outras capitanias, motivada sobretudo por razões
econômicas
56
. Lá não encontramos não encontramos as tradicionais Ordens e seus
conventos. Porém, a historiografia nos duas situações de exceção no século XVIII: o
recolhimento feminino de Nossa Senhora de Macaúbas, em Macaúbas, no Rio das
Velhas, fundado em 1714; e a Casa de Oração do Vale de Lágrimas, no vale do
Jequitinhonha, na divisa da província da Bahia com Minas Gerais, fundada no ano
de 1750. Estes recolhimentos eram um misto de recolhimento e escola para
meninas.
57
Como contrapeso a esta proibição em Minas Gerais temos a proliferação de
irmandades e confrarias, que se incumbiam de custear, erigir e adornar as igrejas.
Três características destas organizações chamam atenção: 1) Sua direção estava
54
OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de, VALLE, J. Edênio, ANTONIAZZI, Alberto. Evangelização e
Comportamento Religioso Popular. Petrópolis, Vozes, 1978, p. 23.
55
Idem, ibidem, p. 23-24.
56
A política religiosa em Minas Gerais era caracterizada pela proibição da fixação de ordens religiosas no seu
território e por variadas limitações que, sob o Padroado, o Estado impôs ao clero secular. O principal motivo
destas proibições refere-se ao controle sobre o contrabando do ouro extraído nas minas.
57
Cf. DEL PRIORI, Mary. Religião e religiosidade no Brasil colonial. São Paulo, Ática, 1997, p. 64.
Cf. HOORNAERT, Eduardo(coord. Área Brasil). História Geral da Igreja na América Latina. Tomo II/I.
Petrópolis, Vozes, 1992, p. 232.
46
nas mãos dos leigos, sendo o capelão contratado pela mesa provedora da
irmandade para prestar seus serviços religiosos; 2) Cada irmandade era uma
entidade autônoma e isolada, já que, uma vez aprovados os estatutos pela
autoridade diocesana e pelo Rei de Portugal, cada irmandade seguia seus próprios
caminhos; 3) Das irmandades dependia o brilho das festas religiosas, especialmente
as procissões. Toda organização e desenrolar das festas corria por conta das
irmandades.
58
Esse catolicismo de base leiga, popular, desenvolve-se ao lado da
organização eclesiástica institucional. Em Minas Gerais a criação da diocese de
Mariana data de 1745, com uma vasta extensão que se prolongava por toda a região
centro-oeste do país e foi a sede de vários bispos zelosos.
59
O clero mineiro, no caso exclusivamente secular, destes primeiros tempos,
enquadra-se no modelo tradicional, no qual o primeiro aspecto que se pode realçar é
o seu caráter bem próximo ao de um funcionário eclesiástico. Recebendo côngrua
do governo, o padre é considerado como se fosse um funcionário público incumbido
de exercer as funções litúrgicas próprias do catolicismo, que era a religião oficial do
Estado. A evangelização, catequese e conversão do povo eram tarefas relegadas a
um segundo plano, pois se supunha que a fé fazia parte da própria tradição cultural
da sociedade. Em geral, a formação teológica dos clérigos era bastante limitada,
58
Cf. OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de, VALLE, J. Edênio, ANTONIAZZI, Alberto. Evangelização e
Comportamento Religioso Popular. Op. Cit., p. 17-18
59
Cf. OLIVEIRA, Ronald Polito de(Estudo introdutório). Visitas Pastorais de Dom Frei José da Santíssima
Trindade(1821-1825). Estabelecimento de textos e índices de José Arnaldo Coêlho de Aguiar Lima e Ronald
Polito de Oliveira. Belo Horizonte, Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, Instituto
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, 1998. Nesta obra, além da publicação de todos os
registros das visitas pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade, é possível perceber a ação de outros
bispos no texto introdutório.
47
porém o nível cultural é ainda bastante elevado com relação à população. Era
comum neste período que os clérigos fossem absorvidos por atividades profanas,
seja de caráter comercial, ou profissional, seja de participação política.
60
Assim, a formação juizforana, a partir do momento de sua fundação como
vila, deve ser entendida como um espaço de tentativa de afirmação de dois grupos:
em primeiro lugar encontramos a presença de pessoas vinculadas à antiga tradição
senhorial, aristocrática e católica, que defendiam a permanência dos valores
religiosos herdados do catolicismo tradicional; e em segundo lugar, um grupo mais
vinculado às necessidades de uma rápida adaptação a um projeto modernizador de
cunho secularizante, conforme a análise desenvolvida no primeiro capítulo.
A documentação existente sobre a atuação de Dom Viçoso na paróquia da
Villa de Santo Antônio do Parahybuna não nos permite afirmar que o grupo
reformador de Mariana pudesse constituir um terceiro grupo de disputa nestes
primórdios da formação da sociedade juizforana, pelo contrário, a sua ausência é
sempre realçada em vários escritos.
2.1- Irmandades religiosas em Juiz de Fora no século XIX
As irmandades
61
, associações religiosas nas quais se reuniam os leigos no
catolicismo tradicional, “funcionavam como agentes de solidariedade grupal,
60
Cf. HOORNAERT, Eduardo(coord. Área Brasil). História Geral da Igreja na América Latina. Op. Cit.,
p.183-184.
61
Caio César Boschi aponta no seu trabalho “Os leigos e o Poder: Irmandades e Política Colonizadora em Minas
Gerais” para uma variada terminologia dessas associações, porém, ressalta que o Código do Direito Canônico,
no Cânon 700, aponta somente para três classes de associações: ordens terceiras, confrarias e pias uniões,
observando ainda que, na legislação portuguesa para o ultramar , só se tratava de irmandades e ordens terceiras.
Assim, tendo consciência da distinção jurídica entre estas associações , convencionarei a utilizar somente o
termo irmandade, visto que, no caso de Juiz de Fora, encontramos somente a ação deste organismo.
48
congregando, simultaneamente, anseios comuns frente à religião e perplexidades
frente à realidade social.”
62
De origem medieval, tiveram no Brasil seu período áureo
na colônia e perduraram com bastante força no período imperial.
63
Cada irmandade tinha registrado seu estatuto ou compromisso, com elenco
de direitos e deveres a serem cumpridos por seus membros. Desde os primórdios, a
aprovação de tais estatutos competia ao poder civil e ao eclesiástico, durante:
“o período colonial esses compromissos eram enviados a
Lisboa para receberem a aprovação da Mesa de Consciência e
Ordens, criada em 1532. Com a vinda da Corte portuguesa
para o Brasil, no início do século XIX, foi para aqui transferida a
Mesa de Consciência e Ordens. Após a independência, foi
mantida, até 1828 , tratando dos negócios eclesiásticos e,
consequentemente, das irmandades. A partir de 1828, os
negócios eclesiásticos passaram a integrar o Ministério da
Justiça. E em 1861, passaram para a alçada do Ministério dos
Negócios do Império.”
64
Com base nestes estatutos podemos observar que o processo de afiliação de
um irmão não significava uma mera formalidade, mas sim compromisso, prevendo
uma participação muito ativa e um envolvimento constante no desenvolvimento de
suas atividades.
A cidade de Juiz de Fora conheceu a organização das irmandades logo após
os primeiros anos de sua fundação. Porém, segundo Riolando Azzi, não
encontramos na prática deste catolicismo popular a força das irmandades do período
colonial e, ao analisar a pouca representatividade destas associações na cidade,
ressalta que: ”um aspecto tornou-se fator decisivo para que estas organizações não
62
BOSCHI, Caio César. Os leigos e o Poder: Irmandade e Política Colonizadora em Minas Gerais. São Paulo,
Ática, 1986, p. 14.
63
Na República as irmandades diminuíram em número e importância, mas resistem até hoje.
64
OLIVEIRA, Anderson José Machado de. Devoção e Caridade: Irmandades Religiosas no Rio de Janeiro
Imperial(1840-1889). Niterói, 1995. 306 p. Dissertação(Mestrado em História)-ICHF, UFF, p. 56
49
vingassem: o caráter de modernidade secular que marcou desde o início sua
formação social.”
65
Os registros nos revelam que, no dia 06 de agosto de 1854, um grupo de
homens liderados pelo Barão de Bertioga, José Antônio da Silva Pinto
66
, redigiram o
compromisso da primeira irmandade da cidade, “Irmandade de Nosso Senhor dos
Passos”. Constituído por sete capítulos e quarenta e um artigos, tal estatuto nos
revela que a Irmandade de Nosso Senhor dos Passos apresenta características que
se encontram nas demais existentes no Brasil na época imperial. Sua aprovação
pelas autoridades competentes, poder civil e eclesiástico, datam do ano de 1855.
67
A aprovação do estatuto pelo presidente da província de Minas Gerais
adverte que o artigo número 20, sobre a competência do escrivão, e 36, sobre os
livros da irmandade, devem estar em conformidade com as leis do Império. A
aprovação por parte do poder eclesiástico destaca o mesmo artigo 36, ressalta que
aprova o compromisso da irmandade com exceção do dito artigo, argumentado: “que
se deve observar as Leis em vigor, respeito a rubricas e sellos, ficando sempre salvo
os direitos parochiaes e os de Fabrica da Igreja Matriz.”
68
65
AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal. A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Juiz de Fora,
Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora, 2001, p. 35.
66
José Antônio da Silva Pinto foi um rico proprietário que fez fortuna com o café, nascido em 1785 estabeleceu-
se na região de Juiz de Fora, vindo de Simão Pereira, por volta de 1830. Recebera o título de Barão de Bertioga
por decreto imperial de 16 de maio de 1861, coincidindo com a data da visita do Imperador a Juiz de Fora. O
Barão de Bertioga era também irmão da Ordem Terceira do Carmo de Ouro Preto, remido e filiado na mesma
Ordem no Rio de Janeiro, da Ordem Terceira de São Francisco de Paula, bem como da Irmandade da Santa Casa
de Misericórdia, e ainda, do Santíssimo Sacramento na freguesia de Santa Rita e, finalmente da Irmandade de
Nossa Senhora Mãe dos Homens do Caraça e de Barbacena. Faleceu a 06 de maio de 1870 com 85 anos de
idade. Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850/1950). Op. Cit.,
p. 37-45.
67
O compromisso manuscrito datado de 1854 encontra-se arquivado na Provedoria da Santa Casa de
Misericórdia de Juiz de Fora, assim como, os manuscritos da aprovação do poder eclesiástico e do poder civil,
datados de 1855. Utilizamos para este trabalho uma cópia do original de toda esta documentação que se encontra
no Arquivo Histórico Padre Henrique O. Fraga do Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora.
68
CMIJF / AHPHOF - Documento de aprovação da Irmandade de N. S. dos Passos pelo poder eclesiástico. Pasta
Santa Casa de Misericórdia. Cópia.
50
A preocupação do Estado e Igreja em manter as irmandades sob rígida
vigilância pode ser observada nestes documentos de aprovação. O limite entre as
jurisdições destes poderes não parece claro, apesar de elas serem de direito misto,
o que permite que ambas as partes possam tentar controlar tais organizações e
eventualmente entrar em conflito.
Podiam participar desta irmandade, segundo o artigo número dois, católicos
de ambos os sexos de condição “livre” e de “reconhecida moralidade”. Seu primeiro
provedor, Antonio José da Silva Pinto, esteve à frente da administração da mesma
até a data de sua morte, 06 de maio de 1870, conforme se encontra
registrado no artigo 9
o
:
“O irmão(...) Comendador José Antonio da Silva Pinto de sua
propria espontaneidade hé o Provedor perpetuo da Irmandade
e seo Benfeitor, e durante a sua vida não se procederá a
elleição p
a
preencher aquelle cargo.”
69
Promover o culto católico e socorrer os irmãos mais pobres, esta é a principal
finalidade da Irmandade de N. S. dos Passos. O culto devocional, a organização da
procissão do Senhor dos Passos ocupa todo o artigo número 30, todos os detalhes
da procissão devem ser observados, desde o depósito da imagem no dia anterior
até os andores e tochas que devem levar os irmãos. O dia designado para a festa
dos Passos era o primeiro domingo de maio.
Participar de uma irmandade no Brasil significava ter assistência em
vida e, principalmente, no momento da morte. Os mortos eram preocupação
fundamental nos estatutos de tais organizações. Os funerais se revestiam sempre de
importante caráter social, sendo sempre acompanhados pelos irmãos vestidos com
69
CMIJF / AHPHOF - Estatuto da Irmandade de Nosso Senhor dos Passos. Pasta Santa Casa de Misericórdia.
Cópia.
51
suas opas. Esta preocupação pode ser observada, no artigo número 35 da
Irmandade de N. S. dos Passos, no qual destaca que às custas da irmandade serão
sepultados os irmãos que tiverem caído em extrema pobreza e, no artigo número
33, ressalta o número de missas que deveriam ser ditas para cada um dos irmãos,
vinte e cinco para aqueles que possuíram cargos, e para aqueles não ocuparam
cargos o número de seis missas.
A preocupação com os funerais aparece ainda no artigo número 34, este
destaca que, como a irmandade não possuísse cemitério próprio os irmãos deverão
ser sepultados no cemitério geral enquanto não se realizar esta construção. Assim
como muitas outras irmandades no Brasil possuíam seus próprios cemitérios, em
geral atrás da capela, a Irmandade do N. S. dos Passos em Juiz de Fora também
pretendia construir o seu, porém, não temos notícia de que este projeto tenha sido
tentado.
70
A prática da caridade, que foi outro fator fundamental destas organizações
durante todo o período de sua existência, a exemplo de umas das mais antigas
irmandades no Brasil, a Irmandade da Misericórdia
71
, foi seguido em Juiz de Fora
pelos irmãos da Irmandade de N. S. dos Passos. A preocupação com a caridade
aparece no artigo número 40, destacando que o provedor perpétuo da irmandade
tem o desejo de fundar ao lado da Capela de N. S. dos Passos uma Casa de
Caridade. Desta forma: “em 1859 a Casa da Caridade já estava levantada e
70
Vale destacar que estamos tratando de um período em que se iniciava a discussão da criação dos cemitérios
municipais(públicos).
71
Cf. HOORNAERT, Eduardo(Coord. Área Brasil). História Geral da Igreja na América Latina., Tomo II/1,
Op. Cit., p. 235, a Irmandade da Misericórdia se encontra presente desde os primeiros tempos no Brasil, na
Bahia a irmandade aparece no momento da fundação da cidade, no Rio de Janeiro começou a se formar por volta
de 1560. A Irmandade da Misericórdia manteve um aspecto nitidamente social, através de sua atividades de
assistência social aos pobres e enfermos contribuiu para melhorar as condições de vida da sociedade.
52
prestava serviços à Vila, em uma construção de apenas um pavimento, ao lado da
capela”.
72
A construção desta casa de assistência aos enfermos pela Irmandade de N.
S. dos Passos tomará todo o final do século XIX, receberá posteriormente o nome
de Santa Casa da Misericórdia. Segundo as notícias e artigos que aparecem no
jornal O Pharol, podemos considerar que esta foi a principal obra da dita irmandade,
sendo a sua grande preocupação a manutenção da mesma.
Em 1881, com dois anúncios no jornal O Pharol, a preparação da festa dos
Passos, a procissão aparece como preocupação:
“Os abaixo-assignados tendo dirigido circulares á muitos
fazendeiros e á diversas Exmas. Sras. Fazendeiras, pedindo-
lhes donativos ou esmolas, para se fazerem as procissões de
N. S. dos Passos e Dôres, na Quaresma que está a entrar, e
não tendo ainda recebido resposta, pedem de novo a esses
Exms. Srs. e Sras., se dignem a responder quanto antes ás
ditas circulares, visto que o tempo urge e é preciso saber-se
com quem se pode contar para esse fim.
José Joaquim da Silva
João Baptista da Silva”
73
“No sabbado, 9 do corrente, pelas 7 horas da noite, terá lugar o
deposito da imagem de N. S. dos Passos, que sahirá de sua
Capella e virá para a de S. Sebastião, afim de ter lugar a
procissão no Domingo 10 pelas 3 ½ da tarde. Pede-se portanto
a todos os fieis não só o seu comparecimento no deposito,
como na procissão e que todos os moradores da rua Direita até
a Praça Municipal illuminem as frentes de suas casas, e a
todos os moradores das ruas da Imperatriz, Imperador e
Halfeld, para que se fação o mesmo nos dias das procissões, e
mandem todos limpar e varrer as suas testadas. E espera-se
que todos assim o farão.
José Joaquim da Silva
João Baptista da Silva”
74
Os pedidos de ajuda, as observações quanto à iluminação, a limpeza da
frente das casas, todos estes detalhes nos levam a crer que a procissão promovida
72
TRAVASSOS, Miriam. Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora Uma reportagem para a História.
Juiz de Fora, Esdeva, 1993, p. 29.
73
SMBMMM - O Pharol, Ano XV, 30 de Janeiro de 1881.
74
SMBMMM - O Pharol, Ano XV, 07 de Abril de 1881.
53
pela irmandade de Nosso Senhor dos Passos era realmente um momento especial
para os irmãos como para a cidade, ocasião de reunião social. A teatralidade da
festa, tochas, velas, janelas enfeitadas acabava por evidenciar o prestígio da
irmandade. Porém, um elemento chama atenção nestes anúncios. Os artigos
editados nos jornais não aparecem assinados pelo provedor da irmandade, como é
comum naqueles recorrentes às questões da Santa Casa da Misericórdia.
As publicações que aparecem no mesmo jornal O Pharol sobre esta
irmandade, no ano de 1885, nos parece bastante reveladoras:
“Está marcada para o dia 21 do corrente, para ter lugar a
reunião dos membros da Irmandade do Nosso Senhor dos
Passos, afim de se proceder á aleição de uma nova mesa, visto
ter sido dissolvida a antiga.
Os irmãos que forem eleitos para os cargos administrativos,
terão não somente de cumprir os deveres religiosos impostos
pelo compromisso, como ainda de se ocuparem com os
negócios da Casa de Caridade.
È de esperar que, comprehendendo a importância do assumpto
reunão-se irmãos em número sufficiente para se proceder á
eleição da mesa; se assim não acontecer, a irmandade será
extinta pelo juiz competente, passando a pertencer ao Estado
todos os bens que a referida irmandade possuir.
E é justamente o que cumpre evitar, não se deve consentir que
fique assim perdido o muito que se fez em favor da Misericórdia
o finado Barão de Bertioga, e que passe a pertencer á fazenda
publica o dinheiro com que concorrerão tantos cidadãos
caritativos e religiosos, afim de que possuisse esta cidade um
hospital em que possão ser recolhidos os enfermos desvalidos.
Estamos certos de que tal não acontecerá, e que a reunião
convocada para o dia 21 comparecerá numero sufficiente de
irmãos afim de se fazer a eleição da mesa.
É impossivel que em um municipio como este, em que se tem
levantado centenas de contos de réis para a construção da
matriz, Forum, theatro, linhas de bondes e estradas de ferro,
não se consiga construir uma casa de caridade, principalmente
quando já existe quantia mais que sufficiente para se
começarem as obras.
Basta para isto um pouco de boa vontade e o comparecimento
dos irmãos á reunião convocada pelo Sr. Dr. J. C. Moraes e
Castro, administrador da irmandade de Nosso Senhor dos
Passos.”
75
75
SMBMMM - O Pharol, Ano XIX, 19 de Abril de 1885.
54
Neste momento de crise da irmandade, a grande preocupação é a Santa
Casa da Misericórdia. A possibilidade de todos os seus bens passarem para a mão
do Estado parece o maior temor do administrador naquele momento. Outro detalhe
importante é a interferência do Estado na questão, dissolvendo a mesa e colocando
prazos a serem cumpridos.
A situação parece resolver-se, mas os problemas financeiros relacionados
com a obra parecem se estender por todo o final do século. Em maio de 1887, o
provedor da irmandade se dirige à Câmara Municipal nestes termos:
“A mesa administradora, ainda em exercício, da Irmandade de
N. S. dos Passos, estando construindo o hospital da
Misericórdia e precisando para enfim a quantia de R2:000$000
que pela Assembleia Provincial foi votada para esta instituição,
conforme votada para essa instituição, conforme o orçamento
vigente, vem requerer a V. S. S
os
se dignem de solicitar o
pagamento dessa verba, sirvindo-se informar que as obras
estão em andamento e carecem do auxílio pedido”
76
Neste caso fica claro que os membros da irmandade estão, neste momento,
em aliança com o poder civil e, para uma cidade que buscava estar próxima da
modernidade, um hospital deveria ser obra de todos. Porém, podemos observar
que, mesmo com todas as alianças realizadas pelos irmãos da Irmandade de N. S.
do Passos, a construção de sua maior obra não foi fácil. As notícias que aparecem
nos jornais nos mostram uma história de lutas e glórias:
“Informamos que, por falta de recursos necessários á sua
manutenção, acha-se em vesperas de fechar-se esse nosso
estabelecimento de caridade, que, forçoso é, reconhenhel-o já
tem prestado muitos relevantes serviços às classes
desfavorecidas da fortuna”.
77
“Para commemorar o primeiro anniversario da fundação do
hospital, foi hontem, ás 10 horas do dia, celebrada uma missa
76
AHMJF - Fundo Câmara Municipal Império. Sessão 59/5.
77
SMBMMM - O Pharol, Ano XXIV, 08 de Março de 1890.
55
solenne na capella dos Passos pelo padre Hyppolito de
Campos, capellão da irmandade.”
78
Desta forma, podemos perceber que a Irmandade de Nosso Senhor dos
Passos, ao nascer, tem preocupações que a aproximam das demais irmandades do
período colonial, porém, no desenvolvimento de suas funções e a partir da criação
da Santa Casa de Misericórdia sua principal preocupação passará a ser a
construção e a manutenção da mesma, além da administração dos demais bens que
tomam cada vez mais espaço nas reuniões dos irmãos:
“O Dr. Provedor apresentou á mesa uma proposta de João
Cordeiro de Couto que pede o arrendamento de duas casas
pertencentes á Misericórdia, por espaço de oito annos e pela
quantia de 30$ mensais, fazendo, porém, os pagamentos
trimestrais vencidos(...)
O irmão thesoureiro informou á mesa, achar-se o individuo de
nome Boaventura atrazado nos alugueis da casa em que está
residindo em cerca de 300$000, e propoz recisão de
contracto(...)”
79
Um balanço mais detalhado dos bens da Irmandade de Nosso Senhor dos
Passos pode ser observado nos trabalhos de Albino Esteves, destacando que no
ano de 1897, a irmandade possuía além de imóveis, apólices da dívida pública e
municipais e letras hipotecárias, tudo no valor de 39:200$000.
80
Cabe destacar, com relação a esta questão de caráter econômico, que a
irmandade que valoriza especialmente sua tarefa caritativa, tinha que dar caráter
predominante à gestão de suas receitas e despesas, caso quisesse manter em
primeiro plano sua ação caritativa, numa época em que cada vez mais se aprecia o
caráter filantrópico das instituições.
78
SMBMMM Diário de Minas, Ano II, 03 de Julho de 1889.
79
SMBMMM Diário de Minas, Ano II, 04 de Agosto de 1889.
80
Cf. ESTEVES, Albino & LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Album do Municipio de Juiz de Fora.
Bello Horizonte, Imprensa Official do Estado de Minas, 1915, p. 252.
56
Encontramos também em Juiz de Fora a presença da Irmandade do
Santíssimo Sacramento. Esta irmandade, muito difundida no período colonial e
imperial, era reservada apenas aos homens e congregava nos principais centros
urbanos pessoas destacadas da elite local. Sua função era a promoção do culto do
Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Os irmãos vestiam opa vermelha e se
destacavam por estarem mais próximos aos sacerdotes, junto ao altar-mor.
81
Não encontramos para este trabalho o compromisso da Irmandade do
Santíssimo Sacramento, porém, é possível encontrar registros de sua existência
ainda no século XIX, através de chamadas nos jornais para as reuniões dos irmãos:
“O abaixo assignado convida aos membros da mesa
administrativa da irmandade do Santissimo Sacramento a se
reunirem no proximo Domingo, depois da missa conventual, no
consistorio da matriz desta cidade.
Juiz de Fora, 20 de janeiro de 1881 O Provedor Manoel Vidal
Barbosa Lage”
82
Vale destacar que o fato dos irmãos serem convocados, no ano de 1881,
através da imprensa liberal, confirma a presença de um grupo de elite. Já que
grande parte da população não conhece as letras, tal fato nos revela ser este o
espaço de um grupo muito reservado. É de se destacar o local das reuniões: o
consistório da Igreja Matriz.
Da mesma forma que encontramos na imprensa liberal, no ano de 1885,
registros de momentos de dificuldades da Irmandade de Nosso Senhor dos Passos,
também a Irmandade do Santíssimo Sacramento teve sua mesa dissolvida pelo juiz
da provedoria:
“O abaixo assignado, nomeado administrador da Irmandade do
Santissimo Sacramento, por despacho do meretissimo Dr. Juiz
81
Cf. HOORNAERT, Eduardo(Coord. Área Brasil) História Geral da Igreja na América Latina. Tomo
II/1.Op. Cit., p. 236.
82
SMBMMM O Pharol, Ano XV, 20 de Janeiro de 1881.
57
da provedoria, publicado em audiencia de 21 de Março findo,
convoca os irmãos da respectiva irmandade para no dia 26 de
do corrente mez, comparecerem na igreja matriz, ao meio dia,
para elegerem a nova mesa visto estar dissolvida a
existente.(...) O administrador da Irmandade do Santissimo
Sacramento, Marcelino de Assis Tostes.”
83
Este registro nos confirma, mais uma vez, a presença da elite à frente da
irmandade. Nomes como os de Vidal Barbosa Lage e Assis Tostes estão
relacionados com as famílias mais importantes da cidade, de muitas posses.
Dificuldades à parte, observa-se a presença atuante desta irmandade junto à
matriz de Santo Antônio em documentos enviados à Câmara Municipal no ano de
1888:
A Meza Administrativa da Irmandade do Santissimo
Sacramento d’esta Cidade, pelo seu provedor, abaixo
assignado, requer a V
as
Ex
as
se dignem ordenar a entrega ao
Thesoureiro da mesma Irmandade, da quantia liquida existente
no Banco do Brazil e proveniente das loterias pertencentes às
obras da Igreja Matriz d’esta cidade, visto a mesma Irmandade
ter de dar começo as obras da mesma Igreja Matriz.”
84
Além de estar à frente das reformas da igreja matriz, a Irmandade não deixa de
realizar as tarefas do culto para a Semana Santa de 1890: “A irmandade do
Santissimo Sacramento pretende solemnizar este anno alguns actos da Sagrada
Paixão de Christo, para o que conta o auxilio dos habitantes desta cidade”.
85
É de
destacar o papel importantíssimo desta irmandade no sentido da promoção do culto
e da manutenção do templo.
Diante da falta de documentação desta irmandade, não podemos conhecer
com precisão a data de sua criação, assim como suas principais atividades. Porém,
vale destacar que a Irmandade do Santíssimo Sacramento sobrevive até a presente
83
SMBMMM O Pharol, Ano XIX, 25 de Abril de 1885.
84
AHMJF Fundo Câmara Municipal Império, Sessão 59/5 Irmandades.
85
SMBMMM O Pharol, Ano XXIV, 12 de Fevereiro de 1890.
58
data e com toda a pompa de sua roupagem vermelha ainda anima o culto na
Catedral Metropolitana, antiga Matriz de Santo Antônio, e tem sua sede na sacristia
da mesma.
Outra irmandade presente no século XIX em Juiz de Fora é a Irmandade de
Santo Antônio que, mesmo não tendo sido preservado seu compromisso, é possível
confirmar sua existência também através de anúncios de jornal.
A mesma dificuldade vivida pelas irmandades já citadas, no ano de 1885,
quando tiveram suas mesas dissolvidas pelo juiz provedor, pode ser observada
também com a Irmandade de Santo Antônio. Pelo jornal, o administrador da
irmandade “convida os irmãos a se reunirem no dia 03 de Maio proximo futuro, no
consistorio da matriz, depois da missa conventual, afim de se proceder á eleição de
uma nova mesa, visto ter sido dissolvida a antiga.”
86
Este documento nos revela que a Irmandade de Santo Antônio estava, assim
como a Irmandade do Santíssimo Sacramento, ligada à Igreja Matriz. Porém, a
ausência de registros não nos permite fazer conclusões mais aprofundadas sobre
esta irmandade.
É provável que a simultaneidade das crises em 1885, nas três irmandades
citadas, se deva a uma maior fiscalização por parte das autoridades civis, tentando
responder a uma insistente demanda dos bispos reformadores que estavam
novamente recuperando a aliança tradicional do trono e o altar, após a turbulenta
crise conhecida como “Questão Religiosa(1872-75)”.
87
86
SMBMMM O Pharol, Ano XIX, 28 de Abril de 1885.
87
Exemplo do auge das divergências entre poder temporal e espiritual no Brasil revela-se na “Questão
Religiosa”, na qual os bispos do Pará e Pernambuco, D. Macedo Costa e D. Vital, lançaram interdito sobre as
confrarias religiosas que mantinham maçõns entre seus membros. Essas associações apelaram para a Coroa, a
qual em força dos direitos do Padroado, solicitou aos bispos a revogação das penalidades eclesiásticas, sob a
59
Além do registro das três irmandades citadas, encontramos ainda, no final do
século XIX, o compromisso da Irmandade do Rosário. Presente no Brasil desde os
tempos coloniais, a devoção a Nossa Senhora do Rosário progressivamente passou
a ser um espaço devocional exclusivo de negros, livres ou escravos.
Segundo Boschi, alimentando a ilusão de igualdade com os brancos no plano
da religião, os negros incorporaram os padrões de organização da classe
dominante, minimizando a expressividade cultural de seus grupos originais. Ao
permitir a formação destas associações, o Estado visava preservar as relações de
dominação e submissão, não resultando em um espaço de conscientização de
classe, pelo contrário, acabaram se tornando uma manifestação conformista das
classes inferiores.
88
Entretanto, sem a pretensão de discordar da tese de Boschi, vale ressaltar que
a historiografia mais recente afirma o importante papel das irmandades negras,
demonstrando que o movimento não deve ser visto como conformista, pelo contrário,
é no interior desta organização cultural que estes se encontram numa rede de
solidariedade étnica, de reivindicação social e conservação dos valores de suas
religiões nativas.
89
alegação de estarem interferindo em estatutos de entidades aprovadas pelo governo imperial. Fiéis ao princípio
de que se deveria obedecer às leis do Estado até que não entrassem em conflito com com os direitos da Igreja, os
bispos recusaram-se a obedecer, sendo em seguida presos e processados. Cf. AZZI, Riolando. O altar unido ao
trono. São Paulo, Paulinas, 1992, p. 69; Cf. GOMES, Francisco José Silva. Le Projet de Neo-Chretienté dans
le Diocese de Rio de Janeiro de 1869 a 1915. These de Doctorat, Toulouse, Université de Toulouse le Mirail,
1991, Tome II, p. 347-349.
88
Cf. BOSCHI, Caio César. Os Leigos no Poder: Irmandade e Política Colonizadora em Minas Gerais. Op.
Cit., p. 156.
89
Cf. OLIVEIRA, Anderson José Machado de. Devoção e Caridade: Irmandades Religiosas no Rio de Janeiro
Imperial(1840-1889). Op. Cit., p. 125-129.
60
O compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Juiz de Fora
data de 22 de abril de 1888, ou seja, 21 dias antes da abolição da escravidão e
chama atenção pelo conteúdo dos seus artigos. A respeito dos seus membros:
“Serão admittidos como Irmãos todas as pessoas de um e
outro sexo, sem distincção de côres, e condições, exigindo-se
sómente, que não estejam ligados com censuras eclesiasticas ,
e que não pertençam a sociedade prohibidas pela Igreja.”
90
Num momento em que o aparelho eclesiástico buscava um maior controle
sobre as irmandades, principalmente contra a presença nestas associações de
pessoas ligadas à maçonaria, a advertência citada revela-nos um compromisso
desta associação com os objetivos da hierarquia eclesiástica. Além disto, a presença
de irmãos sem distinção de cores mostra-nos uma abertura que a distingue do
tradicional modelo das irmandades do Rosário do final do período colonial,
exclusivas de negros.
Porém, o compromisso revela-nos que, mesmo permitindo a presença de
brancos, era este um movimento liderado por negros. O primeiro detalhe que
podemos observar refere-se aos membros. Encontramos como secretário a
assinatura de Feliciano Mendes Ribeiro, irmão do vigário da Igreja Matriz Tiago
Mendes Ribeiro, negro. Além disto, diversos membros têm seu nome inscrito no
modelo “arrogo”, o que nos permite concluir que esta associação era formada por
uma maioria de analfabetos, o que era muito comum entre negros no final do século
XIX.
90
CMIJF AHPHOF. Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário(1888). Fundo
Arquidiocese/Paroquial, Pasta Igreja do Rosário. Cap. 1, art. 3.
61
A presença de um rei e uma rainha
91
na Irmandade do Rosário de Juiz de
Fora remonta à figura de Francisco da Natividade, o famoso Chico-Rei de Vila Rica.
Antigo rei na África, foi vendido escravo e trazido para o Brasil. Após conseguir sua
alforria e de sua família, chega a liderar um grupo de negros forros. Era devoto de
Nossa Senhora do Rosário.
92
A presença de reisado, no entanto, aparece como uma
das principais características das irmandades de negros no Brasil.
Os irmãos de Juiz de Fora se comprometem com a “celebração da
festividade de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedicto, São Eslebão e Santa
Efigenia”
93
, sendo que:
“A festividade da Santissima Virgem do Rosario terá lugar no
primeiro Domingo de Outubro, precedida de Novena;
constando a Festa de Missa cantada, Sermão ao Evangelho,
Procissão a tarde. Sermão e Te-Deum na entrada da
Procissão, o que tudo se fará com a pompa devida, segundo os
recursos da Irmandade.”
94
Sendo que a “Festa de São Benedicto, São Eslebão e Santa Efigenia poderá
ser feita no dia designado pela Mesa administrativa, reunindo-se em um só festejo
os tres Gloriosos Santos”
95
, na qual devem comparecer todos os irmãos,
independentes de convite ou não, com a opa branca. O fato da irmandade festejar
no mesmo dia os três santos de devoção negra, confirma a hipótese de ser a
associação predominantemente de negros.
Além das preocupações com os tradicionais festejos dos santos, o
compromisso revela a preocupação tradicional com os enterramentos dos irmãos.
91
Idem. Cap. 1, art. 4.
92
Cf. GOMES, Núbia P. de Magalhães & PEREIRA, Edimilson de Almeida. Negras Raízes Mineiras: Os
Arturos. Juiz de Fora, EDUFJF, 1988, p. 182.
93
CMIJF AHPHOF. Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário(1888). Fundo
Arquidiocese/Paroquial, Pasta Igreja do Rosário. Cap. 1, art.7.
94
Idem. Cap. 11, art. 35.
95
Idem. Cap. 11, art. 36.
62
Nestes momentos, “A Irmandade acompanhará de cruz alçada a todos os Irmãos
fallecidos”
96
, e de acordo com a hierarquia interna da organização, o número de
missas pela alma de cada um dos irmãos se encontra estipulado da seguinte forma:
“Os que tiverem servido a cargo de Rei ou Rainha doze
Missas, de Juiz e de Juiza serão suffragados com oito Missas.
Os que tiverem occupado o cargo de Secretario, Thesoureiro e
Procurador com seis Missas. Os Irmãos e Irmães de Mesa com
cinco Missas. Todos os Irmãos e Irmãos que tiverem servido
cargos com tres Missas.”
97
O projeto de ter um cemitério próprio, elemento muito comum nas
irmandades do período colonial, também é preocupação dos irmãos pois: “Logo que
a Irmandade disponha de recursos sufficientes mandará construir um Cemiterio para
o sepultamento dos seus Irmãos”.
98
Porém, não temos registro na cidade de nenhum
cemitério pertencente a estas organizações analisadas.
Neste sentido vale lembrar que na Corte, Rio de Janeiro, os cemitérios
públicos foram estabelecidos pelo decreto n
0
. 583 de 1850, que autorizou o governo
a determinar o seu número e a localização.
99
Em Juiz de Fora, o edital para a
construção do cemitério público data de 1863, e o contrato de arrematação das
obras para a frente do cemitério tem data de 1873.
100
Sobre as atividades da irmandade de Nossa Senhora do Rosário
encontramos, além do compromisso original, apenas um documento enviado à
Câmara Municipal no qual:
“A meza administrativa da Irmandade de Nossa Senhora do
Rozario, por meio de secretario abaixo assignado, vem
respeitosamente requerer a Vsa licença para construir o adro
96
Idem. Cap. 11, art. 39.
97
Idem. Cap. 11, art. 40.
98
Idem, Ibidem. Cap. 11, art. 41.
99
Cf. RODRIGUES, Claúdia. Lugares dos mortos na cidade dos vivos. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal
de Cultura, 1997, p. 124.
100
AHMJF Fundo Câmara Municipal Império. Sessão 104.
63
da Capella de N. S. do Rozario, em construção na Rua de
Antonio Dias, esquina da de Progresso n’esta cidade,
mandando o alinhador fazer o respectivo alinhamento, pago os
direitos da lei. Nestes termos pede deferimento.
Juiz de Fora, 10 de agosto de 1893
O Secretario da Irmandade Gabriel Silino de Oliveira Junior”
101
Com base neste documento, podemos concluir que a irmandade esteve à
frente da construção do templo em devoção a Nossa Senhora do Rosário, num
momento em que a Igreja de Juiz de Fora se encontrava na fase inicial de afirmação
do poder clerical, com o início da implantação da Reforma Católica Ultramontana.
A presença de uma irmandade que, ao que parece, é predominantemente de
negros, mesmo após a escravidão, releva-nos que estas continuaram funcionando
como instrumento de distância entre as classes sociais, conservando, desta forma, a
antiga ordem social fundamentada em critérios de hierarquia e cor.
Desta forma, diante da documentação encontrada sobre as irmandades, vale
a pena voltar as palavras de Riolando Azzi, que conforme citado no início, coloca-
nos que estas não tiveram na cidade grande representatividade. Com este pequeno
estudo podemos observar que elas tiveram seu espaço, como no caso da Irmandade
de Nosso Senhor dos Passos, na construção do primeiro hospital da cidade, no
projeto de reforma e (re)construção da Igreja Matriz pela Irmandade do Santíssimo
Sacramento e na construção da Igreja do Rosário pela sua irmandade. Assim,
acreditamos que não podemos, sem um estudo mais aprofundado de suas
atividades, concordar com a hipótese de pouca representatividade destas
associações, mesmo nos dando conta que, neste momento, elas estão deixando de
ser tão expressivas no Brasil. Desta maneira, reconhecemos que esta temática
ainda persiste como um desafio para os pesquisadores.
64
É de se ressaltar que só foram encontradas, até a data de 1890, data que
consideramos como marco do início do processo de Romanização e Reforma
Católica Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora, apenas quatro irmandades, o que
não elimina a possibilidade da existência de outras. Das quatro analisadas acima é
de se salientar que duas são predominantemente ligadas às elites. Uma, a do
Rosário, está ligada à população de ex-escravos e seus descendentes, já que foi
criada dias antes da abolição da escravatura. A de Santo Antônio parece ser uma
devoção mais genérica, até porque está ligada à devoção do orago da vila, o que
supõe uma reunião de uma população mais geral. E ainda vale lembrar que a
devoção do Santíssimo Sacramento está ligada ao culto Eucarístico, a do Senhor
dos Passos à Paixão de Cristo em direção à cruz. Estas devoções eram típicas do
Brasil colonial, ambas herdadas do Portugal tardo-medieval.
Quanto à devoção a Santo Antônio, o mais popular dos santos portugueses,
a tradição popular liga-se a várias considerações: capitão do mato, protetor nos
interesses de conquista e expansão e, mais tarde, santo casamenteiro. E finalmente,
a devoção ao Rosário liga-se ao fator cultural de que os negros, por não saberem
ler, apenas rezavam as contas do rosário, contas que lembram seus colares e os
reportavam, em certa medida, à tradição de seus cultos da África.
2.2- A presença de um clero tradicional
Até a data da criação da Villa de Santo Antônio do Parahybuna, em maio de
1850, a capela de Santo Antônio estava na alçada da vizinha paróquia de Simão
101
AHMJF - Fundo Câmara Municipal República Velha. Série 226.
65
Pereira. Desmembrada da antiga sede e elevada à categoria de Matriz teve como
principal sacerdote a figura do Padre Tiago Mendes Ribeiro
102
, que durante os anos
de 1859 e 1890 foi o responsável pelos serviços religiosos da nova paróquia.
O ano de 1859 registra a posse do Pe. Tiago Mendes Ribeiro como vigário
colado nos seguintes termos:
Aos 25 de novembro de 1859, nesta cidade Parahybuna, em a
Igreja matriz de S. Antonio por occazião da Chrisma que ia
administrar Sua Ex
a
Rm
o
o S
r
D. Antonio Ferreira Viçoso, Bispo
de Marianna, reunido grande numero do povo, li a Carta
Imperial, auto de Collação do Pe Thiago Mendes Ribeiro.”
103
Porém, a presença do vigário na Matriz pode ser observada em data bem
anterior ao momento de sua posse. O diário escrito por Dom Pedro II sobre sua
visita a Juiz de Fora no ano de 1861 nos revela que:
“Dia 26 de junho: Às 8 almoçei, falei com o vigário, que se
chama Tiago Mendes Ribeiro, e estudou no colégio de
Congonhas as humanidades, e depois teologia moral, residindo
nesta freguesia a dez anos, primeiramente como coadjutor do
finado vigário. Disseram-me hoje que ele jogava.”
104
A presença do Pe. Tiago, em período posterior a sua posse, aparece
também na obra do Cônego Francisco M. de Oliveira, na qual confirma que:
“Enquanto esperava sua nomeação definitiva ou colação, o Pe.
Tiago foi assistido por outros sacerdotes, mas orientado
principalmente pelo líder Pe. Joaquim Furtado de Mendonça,
cujo nome integrou as primeiras comissões de urbanização da
nova cidade.”
105
102
O nome do Padre Tiago Mendes Ribeiro aparece em muitos documentos como ‘Thiago”, com TH, porém, sua
assinatura aparece sem o H. Portanto, sempre que o seu nome aparecer em nota seremos fiéis ao documento.
103
CMIFJ / AHPHOF. Arquidiocese/Sacerdotal - Provisão do Primeiro Vigário de Juiz de Fora, p. 13. A
paróquia só passou a ter pároco colado nove anos após sua elevação, porque isto dependia da postulação para o
Pe. Tiago que já era cura de uma vaga que exigia um concurso público. Uma vez nomeado pároco colado era
preciso que o mesmo fosse canonicamente instalado pelo bispo, o que ocorreu aproveitando a visita de D. Viçoso
à nova paróquia para realizar a crisma.
104
Diário de Dom Pedro II. In: STEHLIG, Luiz José. Juiz de Fora Companhia União Indústria e os Alemães.
Projeto Documento Coleção Juiz de Fora I, Prefeitura Municipal, 1979, p. 228. (Grifo nosso)
105
OLIVEIRA, Francisco M. de. Sinais da Igreja no Juiz de Fora. Tomo I. Juiz de Fora, Esdeva, 1976, p. 41.
66
Assim, com base nestes registros, podemos confirmar que desde os
primeiros anos da fundação da cidade(1850) até a data de sua morte(1890), o
modelo de catolicismo praticado na paróquia de Juiz de Fora está ligado diretamente
aos trabalhos realizados pelo Pe. Tiago.
Porém, o modelo praticado pelo vigário encontrava-se longe do pretendido
pelo Bispo de Mariana, Dom Viçoso. No plano de sua vida pessoal ele vivia
publicamente em concubinato, rodeado de filhos numa chácara ao lado da Igreja
Matriz, o que parece não ter incomodado a sociedade juizforana, já que o povo
estava acostumado a conviver com sacerdotes que possuíam famílias
106
. Além disto,
como confirma o diário de Dom Pedro II, era adepto do jogo e temos notícia de que
participava ativamente da política local.
No plano político podemos observar que seu nome aparece sendo indicado
a compor diversas comissões, como esta:
“Indico que para dar seu parecer sobre as obras do Cemiterio
Publico, examinando se estão conforme o plano, se nomeia a
comissão composta dos cidadãos Comd
or
Halfeld, Dr. Miguel
Alves Villela e Rev
do
Vigario Thiago Mendes Ribeiro, a qual se
fornecerá copia do contrato.”
107
Certamente, as obras do cemitério público eram de interesse da Igreja,
porém, a presença do padre em atividades políticas se encontra registrada em
outros momentos, como por exemplo, sua participação como candidato a vereador
nas eleições de 1860, na qual obteve apenas 16 votos.
108
106
Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Op. Cit., p.
61.
107
AHMJF Fundo Câmara Municipal Império. Sessão 156.
108
Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Op. Cit., p.
73.
67
Definitivamente, sabemos que este não era o modelo de vigário pretendido
pelo movimento episcopal que em Mariana esteve representado pelo seu bispo,
Dom Viçoso, iniciador do movimento reformador no Brasil que desejava um clero
obediente, principalmente no que se referia à questão do celibato, dedicado
exclusivamente à sua missão religiosa, sem envolvimento em questões políticas.
Outro detalhe sobre a pessoa do Padre Tiago Mendes Ribeiro refere-se a
sua cor, era negro. Uma referência sobre sua cor encontra-se no diário de Dom
Pedro II:
“Dia 4 de junho: Ao chegar à porta da igreja um cônego soltou
um viva à minha católica majestade, e fui aspergido pelo
vigário, que já me tinha dado o crucifixo a beijar na porta da
Câmara. O vigário é preto como carvão, mas informaram-me
muito favoravelmente de sua inteligência e qualidade morais,
parecendo abastado, pois que possui uma boa casa de
sobrado onde mora”.
109
Digna de nota são as palavras de cunho racista do Imperador Dom Pedro II
ao se referir ao Padre Tiago. A presença de negros ocupando postos importante no
século XIX, em meio a uma sociedade escravista, não era nada comum, o que
chamou a sua atenção foi que além da cor o padre era dado ao jogo, mas tudo isto,
aos olhos do Imperador é compensado por suas qualidades, sua inteligência e pela
manutenção de um status digno de um sacerdote, já que vivia em uma casa de
sobrado e era abastado. Outro detalhe importante nas suas anotações refere-se às
“qualidades morais” do padre, o que confirma que o fato do clero viver em
concubinato não significava para a população uma desqualificação moral.
Sobre o desenvolvimento das atividades religiosas na Igreja Matriz assim se
109
STEHLING, Luiz José. Juiz de Fora Companhia União Indústria e os Alemães. Op. Cit., p. 226.(Grifo
nosso)
68
refere um estudioso:
os principais ‘inimigos’ do catolicismo em Juiz de Fora: a falta
de catequese, a instrução religiosa, os escândalos do clero, o
indiferentismo religioso, a falta de militância dos católicos,
acomodados e adormecidos, embalados pelo Padroado.”
110
Considerando o novo modelo sacerdotal pautado pelos padrões tridentinos,
o estudioso descreve a figura do padre com tintas carregadas de negatividade,
completa sua análise reforçando que a sua presença à frente da Igreja Matriz
atrasou a reforma católica segundo os cânones tridentinos, iniciada em Minas Gerais
por Dom Viçoso, nos anos quarenta.
A presença do Bispo Diocesano não era muito comum na cidade,
acostumado ao clima religioso de sua sede episcopal, Juiz de Fora fugia ao controle
eclesiástico. Em visita pastoral à cidade no ano de 1859, ano da posse do padre
Tiago, o presidente da Câmara Municipal assim escreve ao Bispo: “A visita
verdadeiramente apostolica de sua V. E
xa
R
ma
era á muito almejada por esta parte
do numeroso rebanho confiado aos fraternaes cuidados de V. E
xa
R
ma
.”
111
Como se pode verificar, as visitas pastorais de Dom Viçoso não eram
mesmo freqüentes, fato que pode estar relacionado com a presença de um vigário
que não se encaixava no modelo marianense.
Porém, não podemos pensar que Pe. Tiago não correspondia às
necessidades do seu cargo, no plano de defesa dos interesses da Igreja. Junto ao
poder temporal municipal reclamou seus direitos, como se pode verificar nesta
110
AZEVEDO, Henrique Oswaldo Fraga de. Evolução do Catolicismo em Juiz de Fora. Juiz de Fora,
Revista Rhema, 1997, n 10, vol. p. 109.
111
AHMJF - Fundo Câmara Municipal Império, Sessão 59/3.(Grifo nosso)
69
correspondência de Dom Viçoso, datada de 05 de fevereiro de 1866, enviada à
Câmara municipal:
“Queixa-se o Vigario collado da Freg. de Sto. Antonio do
Paraybuna Thiago Mendes Ribeiro contra as posturas da
Camara da mesma Cid
e
como oppostas ás Leis da Igreja, ás
Leis Mineiras, e aos Direitos do mesmo Parocho: eis os
capitulos de sua queixa.
1- Consente a Camara que se sepultem os cadaveres sem
sciencia, nem consentimento do Parocho, o que he
1
0
) Contra a Constituição do Bispado que no n
0
. 849 diz assim=
Ordenamos e mandamos, q
e
nas Igrejas, Capellas, Cemiterios,
ou qualquer outro lugar sagrado do nosso Bispado, se não abra
sepultura para se enterrar algum defunto, posto que seja
creança de pouca idade, sem licença do Parocho da Igreja.(...)
1- 1- Priva o Parocho de passar a certidão de obito, q
e
lhe
pertense e a faz passar pelo guarda do mesmo cemiterio.
2- Oppõe-se a Lei de Mariana n
0
. 258 de 23 de Maio de 1844:
1) 1) Quando a Lei exige 2$000 a Camara exige 6$000
2) 2) Os rendimentos da fabrica são pela Lei applicados em
beneficio da Igreja; mas a Camara ainda depois de endenizar
do que dispedeo no Cemiterio publico continuará a applicar a
si o que pertence a Igreja.”
112
3)
Os conflitos entre poder temporal e espiritual, principalmente durante o
período do Segundo Reinado, tiveram em vários momentos espaço privilegiado nas
relações entre os dois poderes. No caso de Juiz de Fora, como se pode notar, estas
questões também se faziam presentes, e o Pe. Tiago encontrava-se atento,
cumprindo suas obrigações e levando ao conhecimento do seu bispo as
divergências entre os poderes no espaço de sua paróquia.
Sobre suas atividades religiosas não existem muitos registros. Do período de
seu paroquiato não existe livro de tombo, o que dificulta analisar esta questão,
porém, é possível encontrar na imprensa liberal chamados do vigário, como este:
“Sexta-feira, 1 de Maio, terá começo na matriz desta cidade, ás
6 horas da tarde, o muito importante e piedoso exercicio do
Mez de Maria. Convido, pois, aos meus parochianos para
celebrarem os seus louvores, e prestarem reverente
homenagem a esta Virgem poderosa, Virgem cheia de
bondade, nossa advogada e protectora.
112
AHMJF Fundo Câmara Municipal Império. Sessão 20.
70
Juiz de Fora, 25 de Abril de 1885 Vigário Thiago Mendes
Ribeiro”
113
Assim, um balanço mais conclusivo sobre as atividades religiosas do Pe.
Tiago pode parecer prematuro diante da falta de documentos. Torna-se necessário
neste caso entender que ele representa o modelo de clérigo tradicional, o que não
quer dizer que sua atuação junto aos fiéis tenha sido negativa, muito pelo contrário,
cumpridor dos seus deveres e sacerdote devoto, eram condições indispensáveis
para o apreço de um padre no Brasil tradicional.
Os últimos dias de sua vida são acompanhados pela imprensa local sempre
com muito pesar:
“Foi hontem accomettido de uma congestão pulmonar,
acompanhada de fortissima hemoptyse, o rvdm. Padre Thiago
Mendes Ribeiroa, digno vigario desta freguezia. O respeitavel
sacerdote apresentava para a tarde algumas melhoras,
conquanto seja ainda muito melindroso o seu estado. Juntamos
os nossos votos aos de toda a população desta cidade, pelo
prompto restabelecimento do verando vigario.”
114
Tem experimentado animadoras melhoras podendo-se,
felizmente, considerar livre de perigo, esse estimado
sacerdote.”
115
Diante das notícias publicadas referentes à sua enfermidade, podemos
constatar que o padre tinha boa aceitação na sociedade. Esta boa receptividade
pode também ser apreciada pelo amplo noticiário no momento de sua morte:
“Para se avaliar quão dolorosa foi para toda a população desta
cidade a notícia do falecimento do nosso venerando vigário,
seria preciso que em extenso artigo enumerássemos todos os
atos de cavalheirismo, de caridade evangélica, e de admirável
abnegação, que caracterizavam o bondoso sacerdote, durante
os trinta anos que aqui exerceu o cargo de vigário colado.
Humilde e afastado da sociedade, quando a estima e
consideração de que gozava, davam -lhe o direito de viver
obscuramente, o virtuoso ministro de Cristo empregava grande
parte do tempo, que lhe sobrava dos misteres de sua profissão,
113
SMBMMM O Pharol, Ano XIX, 26 de Abril de 1885.
114
SMBMMM O Pharol, Ano XXIV,28 de Fevereiro de 1890.
115
SMBMMM O Pharol, Ano XXIV, 01 de Março de 1890.
71
em mitigar os sofrimentos de quantos desgraçados se lhe
aproximavam, certos de que não seriam repelidos, antes,
acolhidos com sincera benevolência e cavalheiresca solicitude.
Idolatrado por todos os seus paroquianos, o vigario Tiago
impunha-se á estima e ao respeito de quantos o conheciam de
perto, pela lhaneza e afabilidade com que a todos tratava, e
pela rara abnegação com que procedia sempre, revelando-se
sem ambições, desinteressado e indiferente em questões
fortuna que conseguiu acumular, durante os longos anos em
que paroquiou esta freguezia, que, incontestavelmente, dispõe
de elementos bastantes para lhe ter proporcionado a aquisição
de abastados haveres.
E a população desta cidade tanto reconheceu as elevadas
qualidades do pranteado sacerdote que, desde que soube
prostrado pela violenta enfermidade, que lhe roubou a preciosa
existencia, acompanhou-o com solicitude e carinho até seus
últimos momentos. Dir-se-ia que todos queriam por essa forma
demonstrar ao ilustre enfermo, as dedicações que ele
despertara em torno de si, e o reconhecimento de que se fizera
credor, desempenhando condignamente e elevado cargo que
lhe fora confiado pela Igreja. Curvamo-nos respeitosos ante a
sepultura do venerado sacerdote que foi o exemplo de
acrisoladas virtudes evangélicas.”
116
Mesmo levando em conta o caráter de laudatório presente em elogios
fúnebres, fica visível o reconhecimento da sociedade juizforana para com o seu
vigário. Podemos enquadrar o Pe. Tiago, diante dos dados disponíveis, no modelo
tradicional, como um dedicado funcionário eclesiástico disposto a atender as
necessidades da comunidade. Porém, conforme a nota, o padre vai além disto, por
suas qualidades elevadas, seus atos de cavalheirismo, sua afabilidade, humildade,
sincera benevolência e virtudes evangélicas, que ficam bastante claras através da
visão de uma população que chora a sua morte.
Na análise do Pe. Henrique Oswaldo, em seu estudo sobre “A evolução do
catolicismo em Juiz de Fora”, a morte do vigário aparece da seguinte forma:
“a morte do velho vigário, aos 12 de março de 1890 foi um
grande alívio. Enterrado o Vigário Thiago, podemos dizer que
se enterrou em Juiz de Fora um modelo de catolicismo
brasileiro que tão bem conhecemos e que já era descrito por
Saint-Hilaire.”
117
116
SMBMMM - O Pharol, Ano XXIV, 13 de Março de 1890.(Grifo nosso)
117
AZEVEDO, Henrique Oswaldo Fraga de. Op. Cit., p. 109.
72
Não pretendemos neste ponto julgar a análise do referido estudioso,
queremos apenas ressaltar que sua opinião quando diz ‘alívio’, mostra uma
perspectiva ligada não à continuidade, mas à ruptura que representou os primeiros
passos da implantação da Romanização e Reforma Católica Ultramontana na Igreja
de Juiz de Fora.
Assim, podemos concluir que o quadro clerical presente em Juiz de Fora na
segunda metade do século XIX não se enquadrava no modelo da Reforma Católica
Ultramontana, que a espiritualidade vivida pelos fiéis remonta ao quadro de
irmandades, de devoção aos santos, de uma prática típica do catolicismo tradicional.
Trata-se, portanto, no contexto da Diocese de Mariana, de um caso entre outros, em
que a ação reformadora não obteve imediatamente e integralmente resultados
positivos no século XIX.
73
3- ROMANIZAÇÃO E REFORMA CATÓLICA ULTRAMONTANA DA IGREJA DE
JUIZ DE FORA - A AÇÃO REFORMADORA
A Reforma Católica Ultramontana teve início no Brasil a partir da década de
40 do século XIX, no contexto de pacificação do país e do golpe da Maioridade.
Nesta época, os padres Antônio Ferreira Viçoso e Antônio Joaquim de Melo
assumiram posição declarada em favor da legalidade, constituindo desta forma,
elemento importante para que o Imperador os designasse como bispos. Dom
Antônio Ferreira Viçoso foi nomeado bispo de Mariana em 1844 e Dom Antônio
Joaquim de Melo de São Paulo, em 1851.
118
A obra reformadora dos bispos deste período desenvolve-se com base em
três linhas principais: a corrente tradicionalista, que assume como matriz do seu
pensamento o conceito de pátria católica
119
; o enfoque tridentino, que tem como eixo
básico a concepção de mundo dividido em duas “sociedades perfeitas”, a civil e a
eclesiástica, ambas autônomas e com finalidades distintas
120
; e a perspectiva
ultramontana, na qual a Igreja devia ser compreendida como uma sociedade
hierarquizada e autônoma, sob a chefia direta do Pontífice Romano
121
. Embora
distintas, as três linhas apresentam formas de reflexão filosófico-teológica
interligadas. Entendemos que o modelo do “catolicismo reformador” predominante
no Brasil era igualmente pensado em termos de europeização, uniformização e
centralização, a que chamamos de Romanização.
118
Cf. AZZI, Riolando. O Movimento Brasileiro de Reforma Católica Durante o Século XIX. Revista
Eclesiástica Brasileira, vol. 34, fasc. 135, setembro 1974, p. 646-662.
119
Cf. AZZI, Riolando. O Estado Leigo e o Projeto Ultramontano. São Paulo, Paulus, 1994, p. 72-73.
120
Cf. AZZI, Riolando. O Altar Unido ao Trono. São Paulo, Paulinas, 1992, p. 57.
121
Cf. AZZI, Riolando. A Crise da Cristandade e o Projeto Liberal. São Paulo, Paulinas, 1991, p. 226.
74
A principal preocupação dos reformadores orientava-se em duas direções:
definição da ortodoxia católica no campo doutrinário e a reforma dos costumes
morais da Igreja, estendendo-se desde a hierarquia até os fiéis católicos. O baixo
nível de cultura religiosa, quer do povo, quer do próprio clero, pode ser visto
como decorrência das restrições impostas pela Coroa lusitana durante o período
colonial, dentro de uma herança regalista que o Império reforçou. O esforço pela
afirmação de determinados valores morais foi realizado tanto em relação ao clero
quanto em relação aos leigos.
Com relação ao clero, o esforço orientou-se no sentido da restauração da
observância do celibato eclesiástico e da preocupação com a santidade do
clero. Além da castidade, o padre deve mostrar-se diante do povo como
verdadeiro homem de Deus. Era a afirmação do modelo tridentino, reforçado pela
escola francesa de espiritualidade do século XVII.
A manifestação mais importante da santidade devia ser a preocupação com o
culto divino e com as funções eclesiásticas. O lugar próprio para o padre era o
recinto das igrejas, onde ele deveria atuar principalmente no púlpito, pregando as
verdades religiosas e conclamando o povo à observância das regras morais; no
confessionário perdoando os pecadores e orientando-os na prática dos deveres
cristãos e, por fim, no altar, no exercício do seu ministério, onde ele exerce a
mediação entre a divindade e a humanidade pecadora. A aliança entre Igreja e
Estado Imperial , a partir do Segundo Reinado, desejava reconduzir o clero às suas
75
funções puramente eclesiásticas, retirando-o da sua participação direta no campo
político.
122
Para tal empreendimento, os bispos de Mariana e de São Paulo encontraram
o sólido apoio dos Padres da Missão, religiosos europeus que desembarcam no
Brasil com esta função específica. Dom Viçoso, ele próprio lazarista, conta
com a colaboração dos lazaristas franceses, enquanto Dom Antônio Joaquim
conta principalmente com o apoio dos Padres Capuchinhos da província de
Sabóia, na França. Os novos prelados afastam-se decididamente de uma
participação direta nas atividades políticas do país, passando a se dedicar
exclusivamente à sua missão pastoral.
123
A diocese de Mariana, tendo à frente D. Viçoso, que além de atuar dentro
das preocupações já mencionadas,
“abre duas frentes de combate: em primeiro lugar contra o
próprio governo imperial, opondo ao seu regalismo uma atitude
ultramontana de fidelidade irrestrita à Santa Sé; em segundo
lugar, contra os maçons e liberais, mantendo uma postura
conservadora, autoritária e anti-liberal em matéria religiosa,
também aqui fiel às diretrizes de Roma, expressas no longo
pontificado de Pio IX(1846-1878)”.
124
Dom Viçoso pretendia a formação de um clero santo, dedicado
exclusivamente à missão religiosa e exigia o não envolvimento deste em questões
políticas. Porém, boa parte do clero nacional encontrava-se imbuída das concepções
liberais e/ou regalistas em termos políticos; muitos deles tinham se envolvido com a
formação política e cultural do país, principalmente na época do Movimento de
122
Cf. LIBÂNIO, J. B. A Volta à Grande Disciplina. São Paulo, Loyola, 1983.
123
Cf. AZZI, Riolando. O Movimento Brasileiro de Reforma Católica Durante o Século XIX. Op. Cit., 650-
653.
124
MATOS, Henrique C. J. História do Cristianismo Estudos e Documentos Vol. IV. Belo
Horizonte, direitos reservados, 1990, p. 149.
76
Independência e na Regência. Estavam convictos de suas crenças religiosas, mas
tinham um envolvimento com a instituição clerical que deixava a desejar, segundo a
ótica dos bispos reformadores. Estes padres eram conhecidos como clérigos
ilustrados ou iluministas
125
. Dom Viçoso reprovará a atitude deste clero por não se
dedicar integralmente à pastoral e em razão do seu envolvimento político.
O bispo marianense não deveria apenas reformar o antigo clero para pôr em
prática as reformas e as lutas pretendidas, era preciso também preocupar-se
diretamente com as novas gerações de sacerdotes. Para este último
empreendimento, dedicou todos os esforços na reorganização do seminário
diocesano, convidando os Padres Lazaristas a assumirem a direção do mesmo.
Outro meio utilizado para a implantação da reforma em Minas Gerais por Dom
Viçoso foram as visitas pastorais. Na sua carta pastoral de 05-05-1844, escreve:
“Também se pode considerar um bispo como um servo de
todos os seus diocesanos, servo que com a tocha na mão vai
para alumiar-lhes o caminho na noite tenebrosa desta vida,
notar-lhes os tropeços e precipícios que lhes podem servir de
ruína na jornada, até as pôr junto a porta do céu, abrir-lha e
entrar com eles”.
126
Através desta ação episcopal tridentina, bem em sintonia com Roma, o bispo
mineiro introduziu um modelo de reforma e fez escola, formando diversos discípulos
que prosseguiram fiéis aos rumos por ele traçados em várias dioceses no Brasil, que
chegou a contar com 12 circunscrições eclesiásticas no Império.
Tal modelo de reforma eclesiástica será introduzido em Juiz de Fora somente
no ano de 1890, ano da morte do padre Tiago Mendes Ribeiro, estando à frente do
125
Cf. WERNET, Augustin. A Igreja Paulista no Século XIX. São Paulo, Ática, 1987.
126
VIÇOSO, Antônio Ferreira. Pastoral . Mariana. In: MATOS, Henrique C. J. História do Cristianismo
Estudos e Documentos . Op. Cit., p.152.
77
governo diocesano neste momento Dom Antonio Maria Corrêa de Sá e
Benevides(1876-1896), que atacado por várias enfermidades, entrega efetivamente
a Dom Silvério Gomes Pimenta(1890-1922), Bispo Auxiliar, o governo da diocese.
Em 1890, a reforma eclesiástica não sofre mais as ingerências do Estado, já que a
separação da Igreja e do Estado acabara de se consolidar com o advento da
República em 1889 e com o decreto de Separação, de janeiro de 1890.
Dom Silvério
127
foi o primeiro bispo sagrado após a proclamação da
República. A cerimônia se deu em São Paulo por estarem reunidos nesta cidade, em
agosto de 1890, quase todos os bispos brasileiros, que em reuniões de estudos
buscavam posicionar-se diante da nova situação colocada à Igreja pelo decreto que
oficializou a separação entre Igreja e Estado. “Tornou-se a principal figura do
episcopado na liderança do movimento reformador nos primeiros lustros da
República. Foi o redator dos principais decretos do episcopado nesse período.”
128
Formado em Mariana, fiel discípulo de Dom Viçoso, herdando-lhe plenamente
o espírito reformador, garantiu a estabilidade e a continuidade da Reforma Católica
em Minas Gerais. Assim, foi sob o báculo deste bispo que a Igreja de Juiz de Fora
passou de um catolicismo de tradição lusa, de caráter predominantemente leigo,
para um catolicismo romano e clericalizado. Em 1922, ano de sua morte, a Igreja
local encontrava-se em sintonia com o movimento reformador em âmbito tanto
127
Sobre a vida e a obra de Dom Silvério existe uma vasta bibliografia. Ver ASSIS, Antônio Augusto. Os
últimos dias de D. Silvério. Mariana, Tipografia Arquiepiscopal, 1922; SOUZA, Joaquim Silvério de. Vida de
Dom Silvério Gomes Pimenta, 1
o
Arcebispo de Mariana. São Paulo, Escolas Profissionais do Liceu Coração
de Jesus, 1927; OLIVEIRA, Alípio Odier de. Traços Biográficos de D. Silvério Gomes Pimenta, 1
o
Arcebispo de Mariana. São Paulo, Escolas Profissionais Salesianas, 1940; ORTIZ, Benedito. O Arcebispo
Negro: Ensaio de uma Síntese da Vida e Obra de D. Silvério Gomes Pimenta. Petrópolis, Vozes, 1942, entre
outras.
128
AZZI, Riolando. O Movimento Brasileiro de Reforma Católica Durante o Século XIX. Op. Cit., p. 652.
78
nacional quanto da Igreja Católica em geral, cabendo ao seu sucessor, Dom
Helvécio Gomes de Oliveira, a criação da diocese de Juiz de Fora, realizada em 01
de fevereiro de 1924.
A Reforma Católica Ultramontana transplantada tardiamente para a cidade de
Juiz de Fora, a partir de 1890, sob o báculo episcopal de Dom Silvério pode ser
analisada a partir de três eixos que lhe deram sustentação: a ação do clero
diocesano, a força das congregações religiosas e a participação dos leigos. Na
realidade estes elementos se inter-relacionam num todo único: o processo de
construção de uma identidade católica reformada na cidade.
3.1- Afirmação do clero diocesano reformado
A construção de uma nova identidade para a Igreja de Juiz de Fora resulta da
recuperação de elementos positivos já presentes, da negação das falhas e limites
desta herança e da implantação das orientações reformadoras. Assim, se durante o
episcopado de Dom Antônio Ferreira Viçoso as visitas pastorais à paróquia de Santo
Antônio não eram muito comuns, ao contrário, Dom Silvério “realizava aqui quase
anualmente o retiro de uma parte de seu clero(...) recrutando todos os seus padres,
vigários e curas de almas dessa parte sul de sua arquidiocese”.
129
Nesse sentido nos interessa perceber como no processo de criação de uma
nova identidade religiosa, a presença do bispo reformador atuou como um
socializador no enquadramento do clero no novo projeto, como uma primeira etapa
do desenvolvimento de sua ação com relação aos fiéis.
129
OLIVEIRA, Francisco Maximiano. Sinais da Igreja no Juiz de Fora. Tomo II. Juiz de Fora, Gráfica
Esdeva, 1978, p. 15.
79
Além dos retiros anuais, os livros de tombo registram a presença do bispo
diocesano na cidade em outras ocasiões, por motivo das mais diversas naturezas. A
autoridade pastoral faz-se assim presente em momentos de dificuldade e de
festejos, demonstrando ser um bispo de grande zelo apostólico.
Devido à posição geográfica de Juiz de Fora, caminho de Mariana para o Rio
de Janeiro, sua presença se torna uma constante, os registros revelam que: “Dom
Silvério, que ontem chegou e pernoitou(...) Amanhã(...) sairá para Petrópolis e dalí
para Roma.”
130
Ou ainda, “O nosso bispo, Dom Silvério, que chegou por acaso à
cidade e passou a noite num hotel, celebrou aqui cedo e deu às irmãs a sua
benção.”
131
Estas notas, além de registrar a freqüência das visitas e das passagens do
bispo pela cidade, revelam também o exercício de seu múnus episcopal, elemento
fundamental na formação da nova identidade católica que marca o reforço da
autoridade episcopal junto ao clero e aos fiéis. Sua presença na cidade é registrada
até o ano de 1921; a última visita pastoral ocorreu “um ano antes de sua morte(...)
veio a Juiz de fora presidir os exercícios espirituais do clero.”
132
Vale ressaltar o destaque que é dado à cidade ao sediar o Primeiro
Congresso Católico Mineiro, realizado na Academia de Comércio entre 01 e 06 de
janeiro de 1910. Nele se reuniram os católicos de projeção de toda a arquidiocese,
sendo a comissão central formada por representantes vicentinos de Juiz de Fora e
130
CMIJF- AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894-1923). Cópia, p. 56.
131
Idem, p. 45 v.
132
OLIVEIRA, Francisco Maximiano. Sinais da Igreja no Juiz de Fora. Tomo II. Op. Cit., p. 15.
80
de Ouro Preto
133
. E, no final do período que elegemos para este trabalho, em 1923,
sob o báculo episcopal de Dom Helvécio Gomes de Oliveira, no mesmo local:
“Realizou-se mais uma vez a importante Conferencia dos
Exmos Snrs Bispos da Archidiose de Marianna. Coube a Juiz
de Fora tão subida honra. Estiveram presentes na sessão
inaugural, no dia 19 de Abril os seguintes Prelados: o Exmo
Snr D. Henrique Gasparri, DD. Nuncio Apostolico; O Exmo
Snr Helvecio Gomes de Oliveira, nosso digno Arcebispo, os
Exmos Srs D. João de Almeida Ferra, Bispode Campanha; D.
Carloto Fernandes Tavora, de Caratinga, D. Octavio Chagas
de Miranda, de Pouso Alegre; D. Manoel Nunes Coelho de
Aterrado; D. Ranulpho da Silva Faria, de Guaxupe, D. Antonio
dos Santos Cabral de Bello Horizonte; e D. Manoel Gomes de
Oliveira, de Goyas.
Foram recebidos com os mais puros sentimentos de alegria
de fé e sympathia pela população de Juiz de Fora.”
134
Fazer-se presente à frente de seu rebanho, não descuidar do zelo pastoral e
prestigiar a cidade como sede de encontros importantes, talvez por considerar bem
avançado o processo de reforma na cidade, são aspectos que devem ser
considerados como elementos positivos da obra, inicialmente de Dom Silvério e,
posteriormente, do seu sucessor, Dom Helvécio.
Ao lado deste aspecto fundamental, da presença do bispo, o enquadramento
do clero na construção da nova identidade se torna outro fator primordial. Assim, a
escolha de padres em sintonia com o processo reformador foi preocupação do
pastor logo no início. No contexto das celebrações da Semana Santa de 1891
observamos o seguinte artigo:
“Terão começo hoje os actos da Semana Santa , havendo
bençam de Ramos, procissão em roda da egreja, textos e
missa solemne, ocupando a tribuna sagrada o revd. Vigario dr.
Venancio Café.(...)
Entre os sacerdotes, que se farão ouvir na tribuna durante as
solenidades, notámos com verdadeira estranheza e sincero
pezar que não tenha sido incluido o provecto orador sagrado,
133
Primeiro Congresso Cathólico Mineiro Trabalhos e Resoluções. Ouro Preto, Typ. d’O Regenerador, 1910.
134
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925). Cópia, p.
74v-75.
81
revd padre-mestre João Roussin, cuja eloquencia é justamente
apreciada pelos nossos conterraneos.
È realmente lamentavel que se tenha dado semelhante lacuna,
sabendo-se que aquelle sacerdote, como pessoalmente nos
disse, prestava-se de boa vontade a tomar parte nas referidas
solenidades.”
135
O descontentamento do editor do jornal evidencia o lamento de toda a
sociedade juizforana com a medida de afastamento do padre, porém, falta-lhes o
entendimento de que no novo projeto, que começava a se firmar na cidade, a
presença de sacerdotes ligados a movimentos da política não são mais bem vindos.
O padre-mestre João Baptista de Souza Roussin participava ativamente da política
local, tendo sido eleito vereador, e conforme nos indica o mesmo jornal, chegado à
presidência da Câmara Municipal no ano de 1885.
136
O afastamento do padre das celebrações desta Semana Santa de 1891 leva à
reação de parte da sociedade numa atitude bastante tradicional:
“Ante-hontem, por ocasião de sair da matriz a procissão do
Enterro, quebrou-se a imagem de N. S. das Dores, que por
isso, foi immediatamente recolhida á egreja.
Numerosas pessoas que se achavam no atrio da egreja,
disseram que havia muita relação de dependencia entre
aquelle incidente e o facto de não ter sido convidado a tomar
parte nos festejos da Semana Santa o ilustrado João Baptista
Roussin.”
137
A mentalidade do povo manifestava uma certa confusão entre as fronteiras do
sobrenatural e das realidades terrestres. Os religiosos reformadores consideravam
que essas massas viviam mergulhadas na noite da ignorância religiosa e da
superstição. As fantasias humanas não tinham limites no seu processo de
criatividade. Este é, em parte, o clima religioso que o bispo Dom Silvério irá
encontrar ao encetar as primeiras medidas reformadoras na cidade.
135
SMBMMM O Pharol, Ano XXV, 22 de Março de 1891.
136
SMBMMM O Pharol, Ano XIX, 24 de Janeiro de 1885.
137
SMBMMM O Pharol, Ano XXV, 29 de Março de 1891.
82
Nos primeiros anos da década de 1890, a escolha de três sacerdotes
impulsionou o movimento na paróquia de Santo Antônio em Juiz de Fora, são eles:
Padre Dr. Venâncio Ribeiro de Aguiar Café, Padre Júlio César de Moraes Carneiro e
o Padre João Emílio Ferreira da Silva.
O primeiro, Pe. Café, fez seus estudos secundários no Colégio do Caraça,
transferindo-se em seguida para o seminário de Diamantina onde iniciou sua
formação sacerdotal já dentro do espírito ultramontano. O seminário era dirigido pelo
lazarista francês Francisco Xavier Bartolomeu Sipolis. Ordenado sacerdote em 1873,
foi designado como pároco de sua cidade natal, a freguesia de Nossa Senhora do
Porto de Ganhães.
138
Sua atuação na cidade do Porto de Ganhães não nos revela ainda um pároco
completamente identificado com o modelo reformador ultramontano, chegando,
inclusive, a ser eleito Deputado Estadual, em 1880, pelo Partido Liberal. Em 1886
transfere-se para Diocese de Mariana, vindo a residir em Juiz de Fora.
139
A passagem por Juiz de Fora neste período foi breve, já que dois anos após
sua chegada à cidade, seguiu o Pe. Café para Roma. Sua passagem por Roma nos
revela um quadro de aperfeiçoamento nos estudos eclesiásticos:
“A Cúria de Mariana possue o registro de seus títulos
acadêmicos mais importantes obtidos em Roma: o de Doutor
em Sagrada Teologia, conferido-lhe aos 19 de dezembro de
1889 e o de Doutor em Direito Canônico, passado aos 29 de
março de 1890 pela Universidade Pontifícia de Santo
Apolinário. Durante sua estada em Roma lecionou no Colégio
Pio Latino-Americano onde se hospedou como aluno e
trabalhou como professor.”
140
138
Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Juiz de Fora,
Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora, 2001, p. 101.
139
Cf. AZEVEDO, Henrique Oswaldo Fraga de. A Evolução do Catolicismo em Juiz de Fora(1741-1925).
Juiz de Fora, Revista Rhema, n. 10, 1997, p. 112.
140
Idem, Ibid. p. 113.
83
Sua permanência em Roma reforçou-lhe o espírito do catolicismo reformado
e, ao retornar ao Brasil, assumiu plenamente seu compromisso com este modelo.
Em 1890, foi nomeado vigário da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora,
tomando posse a 18 de junho do mesmo, substituindo o Pe. Tiago recentemente
falecido.
141
Sua primeira ação foi a criação do Jornal Lar Cathólico. O primeiro número
circulou em fevereiro de 1891 e o último em setembro de 1892. Apesar da curta
duração, foi através deste jornal que o Pe. Dr. Café, redator chefe, pôde veicular
suas idéias renovadoras e reformadoras, tentando doutrinar os fiéis ainda pouco
romanizados e divulgar os documentos de Roma e do Episcopado Nacional.
O Jornal Lar Catholico que nasceu na conjuntura do estabelecimento da
República brasileira, acentuadamente positivista, maçônica, liberal e anti-clerical,
encontrou em Juiz de Fora um campo fértil no sentido da defesa dos interesses
católicos na cidade. Muitos destes que a Igreja considerava seus “inimigos”, já se
encontravam presentes na cidade e suas instituições bem organizadas. A luta
contra eles traduzia-se no jornal pelo tom apologético, guerreiro, de defesa da Igreja
e dos seus dogmas.
A Constituição de 1891 abriu espaço para a liberdade de ação dos diversos
cultos. Sobre esta questão o jornal traz o seguinte comentário:
“Liberdade de cultos, é um termo equivoco, um laço armado,
contra a religião catholica.(...) Um governo, pois, que admitte a
liberdade de cultos, admitte a confusão, consagra a
perseguição contra a religião catholica, e se colloca, em
relação á religião em estado atheu”
142
141
Cf. Capítulo I, p. 64-72.
142
CMIJF AHPHOF. Isaho. X. D - Jornal Lar Catholico. Anno I, N. 14, 19 de Março de 1891, p. 3, Cópia.
84
De acordo com a linha de atuação do episcopado brasileiro, o jornal procurou
reagir àquelas questões fundamentais para a Igreja naquele primeiro momento do
rompimento do sistema de cristandade, herdado da colônia. O casamento civil é
visto pelo redator como a “mancebia civil, ou o que elles chamam, por verdadeira
injuria da palavra, casamento civil.”
143
O cemitério na cidade de Juiz de Fora que já
se encontrava em poder do município desde a década de 1870, volta à tona por
ocasião da secularização dos cemitérios no início da República, destacando que:
“A moderna theoria da neutralisação dos cemiterios, dando
logar á promiscuidade das sepulturas, onde se enterrem os
mortos pertencentes a todos os cultos, e mesmo aquelles que
morrem na impiedade e no atheismo, tira ás necropoles
catholicas o seu caracter sagrado e religioso, e derrocando o
Cruzeiro, que lhes é indispensavel, destróe este eloquente
signal da communhão ou solidariedade da Egreja dos vivos
com a dos mortos.
Para a Egreja, portanto, a secularização dos cemiterios é uma
horrivel profanação de seu culto divino, e um atroz attentado ás
suas leis santas.”
144
Além desta típica reação às novas leis que se colocavam com a separação
entre Estado e Igreja, o jornal do Pe. Dr. Café trazia também uma defesa
contundente dos dogmas e da disciplina da Igreja, alertando, por exemplo, para a
importância do celibato eclesiástico com as seguintes palavras:
“O sacerdote, com efeito, que pertence a uma mulher, não
pertence mais a seu rebanho, nem bastantemente a si proprio.
Com o cuidado em seus filhos não se deixaria jamais levar
pelos movimentos de seu coração: a esmola, a attenção, o
conselho ás ovelhas, tudo seria prejudicado.”
145
A preocupação em elevar o nível moral do clero, fundamental no processo
reformador, recebe neste sentido atenção especial do redator. Porém, outros
elementos estruturais da reforma como a luta pela prática religiosa dos fiéis merece
143
Idem, 18 de Outubro de 1891.
144
Idem, 22 de Fevereiro de 1891.
145
Idem, 05 de Novembro de 1891.
85
destaque em diversos artigos intitulados “Deveres Christãos”, assinados pelo padre
Franco. Num deles argumenta:
“Eu sou christão porem não pratico. A referida maxima é mais
que uma contradição; é um atheismo pratico; porque quem,
professando-se catholico, não exercita as praticas do culto de
sua religião, por qual outra maneira honra a Divindade?”
146
O certo é que a organização dos fiéis em torno das novas associações
religiosas, típicas deste período, ainda não existia neste primeiro ano da presença
do movimento reformador em Juiz de Fora, o que parece aos olhos do padre como
uma dificuldade para uma prática mais sistemática dos deveres religiosos.
Para fechar a análise do jornal o Lar Catholico vale destacar a tese da
infalibilidade da Igreja e do Papa, cujos princípios são assim descritos:
“A infallibilidade da Egreja é o dom sobrenatural que Nosso
Senhor Christo lhe fez, em virtude do qual ella não póde errar
em materias de doutrina e de crença.
A infallibilidade da Egreja é o signal supremo da divindade de
sua missão. Se Jesus Christo é Deus, e se a Egreja Catholica é
a sua Egreja, segue-se que ella deve possuir a infallibilidade,
isto é, a soberania do ensino.”
147
Na mesma linha afirma:
“A infallibilidade doutrinal do Chefe da Egreja acha-se tão
claramente ensinada no Evangelho, que realmente não se
póde conceber, como a não viram lá certos espiritos sérios.
Para semelhante evidencia, foi mister lançar mão de todas as
sutilezas da trapaça, de todas as argucias manhosas do
orgulho, que se não quer submetter.”
148
Desta forma, o Pe. Dr. Café confirma, através do seu jornal, uma das tônicas
principais do pensamento ultramontano, ou seja, a Igreja romana como a única
representante verdadeira de Deus no mundo, não podendo existir liberdade para
opção alternativa. Esta perspectiva teológica de exclusividade da fé católica glorifica,
146
Idem, 11 de Junho de 1891.
147
Idem, 03 de Setembro de 1891.
148
Idem, 24 de Setembro de 1891.
86
consequentemente, o dogma da infalibilidade pontifícia
149
, que se traduz na
possibilidade de uma diretriz segura e infalível, em matéria de dogma e de
costumes, nos múltiplos caminhos da história.
Provavelmente por falta de leitores, o periódico não conseguiu sobreviver,
porém confirma-nos o espírito reformador do Pe. Dr. Café que permaneceu à frente
da Igreja Matriz de Santo Antônio até a sua morte, ocorrida no ano de 1898.
O segundo padre citado, Júlio César de Morais Carneiro, natural de Angra
dos Reis-RJ, formou-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São
Paulo, no ano de 1874. Passou a ocupar o cargo de Promotor Público na cidade de
Mar de Espanha, em 1876, aproximando-se de Juiz de Fora. Em Mar de Espanha,
casou-se em 1877 com Ana Clementina Rothier Duarte que vem a falecer, ainda
jovem, dando à luz a uma menina. Casou-se novamente com Joana Batista de
Menezes Carneiro, com quem teve mais três filhos. Em 1884, mudou-se para a
cidade de Rio Novo e passa então a frequentar a Igreja e os sacramentos. Neste
período, começa a manifestar seu ideal apostólico. Após as missas dominicais,
expõe a doutrina católica que passa a anunciar com paixão. Viúvo pela segunda
vez, em 1889, ingressa no Seminário Maior de Mariana. Enfim, sua história de vida
nos revela um caso raro na Diocese de Mariana.
150
Sua formação sacerdotal no Seminário Maior de Mariana, considerado um
modelo na formação reformada, será dirigida pelo reitor lazarista Pe. João Batista
Cornaglioto. Ordenado em 29 de novembro de 1891, aos 41 anos, passaria a
149
Este dogma foi proclamado pelo Concílio Vaticano I(1869-1870), sendo então uma questão muito cadente até
para os próprios católicos.
150
Cf. AZEVEDO, Henrique Oswaldo Fraga de. A Evolução do Catolicismo em Juiz de Fora(1741-1925).
Op. Cit, p. 118-9
87
assinar Júlio Maria em homenagem a Nossa Senhora. Em 1892, inicia sua vida
sacerdotal em Juiz de Fora como capelão da igreja de São Sebastião.
151
Sua atuação evangelizadora em Juiz de Fora orientava-se para dois temas
centrais: 1) a ênfase na Eucaristia e na comunhão sacramental, denunciando a “falta
de consciência” da devoção popular; 2) a necessidade da confissão sacramental.
O ano de 1895 encontra a paróquia num crescente movimento reformador. O
Pe. Júlio Maria faz uso da imprensa liberal na tentativa de convencimento dos mais
recalcitrantes na prática dos deveres cristãos, como neste pequeno artigo intitulado:
“Capela de São Sebastião: o confessor diário”, no qual anunciava à cidade que:
“Resolvi impor a mim próprio a obrigação que, desde hoje, 5 de
fevereiro, assumo perante a população de, diariamente, salvo
caso de força maior, conservar-me na Capela de São
Sebastião das 6 às 7 horas da tarde. Com resultado ou sem
ele, mas em todo o caso para a glória de Deus e salvação das
almas, fica assim instituido desde hoje, naquela capela O
confessor diário (...) Um meio cômodo e facílimo de cumprir o
preceito sem cujo cumprimento não há vida cristã nem a
mínima garantia de salvação e é dirigido a todos: à senhora, o
negociante, o operário, o empregado público, o escolar, o
caixeiro, o criado, o industrial, o artista, o homem de letras, o
professor qualquer desses poderia muito facilmente sem
aparatos e nenhum acanhamento, procurar o
confessionário.”
152
Numa época em que a religião era considerada coisa para mulher, podemos
perceber que o esforço de confessor diário do Pe. Júlio Maria estava diretamente
direcionado aos homens, visto que estes temiam ser ridicularizados ao se
aproximarem do confessionário. Era preciso renovar o sentido religioso da
comunidade que se encontrava em estado lastimável quanto à evangelização,
segundo a opinião dos reformadores ultramontanos.
151
AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1959). Op. Cit.,
p. 103-4.
152
Cf. AZEVEDO, Henrique Oswaldo Fraga de. A Evolução do Catolicismo em Juiz de Fora(1741-1925). Op.
Cit. p. 124.
88
Desta forma, o Pe. Júlio foi o braço direito de Pe. Dr. Café no exercício de
transmitir aos católicos a essência da fé, sendo orador sacro em quase todos os
acontecimentos importantes da paróquia e da cidade. Em decorrência da sua
capacidade intelectual, direcionava seus sermões às elites locais, objetivando
fornecer um substrato racional para sua crença religiosa.
Entretanto, o pensamento e ação do Pe. Júlio Maria não se restringia ao
espaço da sacristia e de Juiz de Fora. Vai muito além das fronteiras do modelo do
clero piedoso, limitado aos recônditos da sacristia, cumprindo seu ofício litúrgico,
distante do novo mundo que se anunciava, impulsionado pelas descobertas da
ciência e da técnica. Nesse sentido apresenta-se como parte de um clero culto e
audacioso, que se atreve a discutir no púlpito as exigências dos novos tempos,
principalmente no que se refere à nova situação da Igreja Católica diante do governo
republicano.
A partir de 1894, seu âmbito de ação se amplia, iniciando uma série de
conferências nas principais cidades de diversos estados brasileiros. Os principais
temas de suas conferências são sintetizados por João Fagundes Hauck da seguinte
forma:
“mostrava a possibilidade de acordo entre o sistema
democrático e a Igreja, entre o clero e a república; lembrava
que a Igreja não é contra a ciência e o progresso; insistia muito
na necessidade de a igreja assumir a causa do povo,
ocupando-se dos assuntos políticos, econômicos e sociais;
exigia que a pregação da Igreja não se restringisse a
panegíricos, mas fosse encarnada na realidade social.”
153
Na mesma linha de referência ao pensamento do Pe. Júlio Maria, José Oscar
Beozzo, com muita acuidade, analisa seu pensamento teológico como um retorno
153
Cf. AZZI, Riolando. O Estado Leigo e o Projeto Ultramontano. Op. Cit., p. 105.
89
parcial às teses do clero liberal dos fins do século XVIII e início do XIX, porém, com
fundamento nas próprias diretrizes da Santa Sé e baseando-se, principalmente nas
teses de Leão XIII, procura justificar que a Igreja não deve se opor a nenhuma forma
de governo, mas apenas na recusa de leis constitucionais que se oponham aos
interesses católicos.
154
O ano de 1905 marca a entrada do Pe. Júlio Maria para a comunidade da
Congregação do Santíssimo Redentor, onde, apesar de todas as resistências,
tornou-se o primeiro sacerdote redentorista brasileiro
155
. Em 1907 foi transferido para
o Rio de Janeiro e continuou fazendo fama com seus sermões, muitos deles
dirigidos principalmente aos positivistas, agnósticos e intelectuais ateus. Morreu em
1916 no Rio de Janeiro.
Para completar o quadro dos três primeiros padres reformadores da paróquia
de Juiz de Fora, vale destacar a presença do sacerdote João Emílio Ferreira da
Silva. Nascido em 1863 na cidade de Queluz(hoje Conselheiro Lafayette). Iniciou
seus estudos em Congonhas cursando Humanidades, transferiu-se para o Seminário
de Mariana sendo ordenado por Dom Antônio Maria Corrêa de Sá e Benevides no
ano de 1886. Em 1888, já se encontrava em Juiz de Fora onde foi Capelão de São
Sebastião, dos Passos e da Santa Casa de Misericórdia e, após a morte do Pe.
Tiago Mendes Ribeiro, exerceu o cargo interino de vigário da Matriz de Juiz de
Fora.
156
154
Idem, Ibid. p. 105-6.
155
Cf. WERNET, Augustin. Os Redentoristas no Brasil. Vol. I. Aparecida, Editora Santuário, 1995, p. 240-
245.
156
Cf. AZEVEDO, Henrique Oswaldo Fraga de. A Evolução do Catolicismo em Juiz de Fora(1741-1925).
Op. Cit., p. 87.
90
Vale observar que os três sacerdotes, que se encontravam neste momento
inicial da reforma católica da Igreja de Juiz de Fora, possuem uma
característica comum: são homens de cultura bastante elevada, uma necessidade
para a afirmação da reforma junto à elite burguesa que se afirmava neste centro
urbano em crescimento.
Ao Padre João Emílio coube a tarefa de coordenar a ação social da paróquia
de Juiz de Fora. Sua grande obra, “Associação Protetora da Probreza”, tinha como
objetivo abrigar os mendigos que vagavam em grande número pelas ruas da cidade,
consequência da abolição da escravidão, urbanização acelerada, industrialização e
êxodo rural, fenômenos presentes em Juiz de Fora no final do século XIX e início do
século XX.
A solução encontrada pelo Pe. João Emílio seguia a orientação apresentada
pelos documentos pontifícios, os quais pedem que:
“Appliquem a isto os ministros sagrados todas as forças de sua
alma e todas as industrias de seu zelo; e, que sob a
auctoridade de vossas palavras e de vossos exemplos,
Veneraveis Irmãos, não cessem de incutir nos homens de
todas as classes as regras evangelicas da vida christã; com
todo o seu poder trabalhem para a salvação dos povos, e mais
que tudo se esforcem por nutrir em si mesmos e em excitar
outros a caridade, rainha e mestra de todas as virtudes.”
157
Com efeito, trata-se da encíclica Rerum Novarum de Leão XIII(1878-1903),
que segundo Francisco J. S. Gomes:
“foi a primeira intervenção oficial do magistério da Igreja
católica sobre a Questão Social.(...) A encíclica surgiu
tardiamente, recorre a uma argumentação abstrata(da neo-
escolástica), está presa nostalgicamente a um modelo
retrospectivo de sociedade a sociedade rural e artesanal da
Cristandade medieval pré-capitalista e contém considerações
moralizantes. A bem da verdade, a RN foi inspirada em parte
157
CMIJF AHPHOF Documentos Pontifícios. Carta Encíclica “Da Condição dos Operários” do Papa Leão
XIII. Roma, 15 de maio de 1891. Traduzida e publicada pela Typografia de J. A. R. de Moraes, Mariana-MG, p.
50.
91
pelo temor de que os operários católicos aderissem ao
socialismo.”
158
Ainda no ano de 1890, o Pe. João Emílio lança a campanha para a
construção de um “Asilo de Mendigos”. Chegou a receber a doação de um
terreno próximo à Igreja do Rosário para a obra, porém, uma comissão da
Sociedade de Medicina julgou inadequado o local para a construção, alegando o
perigo de disseminação de doenças contagiosas. Confirma-se a preocupação de um
grupo de engenheiros e médicos sanitaristas, presentes na cidade no final do século
XIX, conforme ressaltamos no capítulo I, que tinham preocupações em construir uma
cidade como modelo ideal, onde as obras eram planejadas e discutidas dentro dos
preceitos da modernidade.
Entretanto, numa época em que a filantropia era prática comum das elites
dirigentes, não parece ter sido difícil para o padre conseguir outro terreno. O jornal
local registra que:
“O infatigável Padre João Emílio, depois de grandes dificuldade
e dissabores, conseguiu ontem, da generosidade do Sr.
Comendador Gervásio Antônio Monteiro da Silva, o terreno
necessário para a fundação do asilo de mendigos, tendo-se
passado a competente escritura de doação. O terreno é situado
no prolongamento da Rua Direita, junto à chacara do Revm
o
Padre João Roussin, a sua área é de 27.600 metros
quadrados. Devem, pois, começar em breve as obras de
construção do asilo que tantos benefícios vai prestar aos
desprotegidos da sorte.”
159
Em artigos publicados no mesmo jornal sob o título “As Instituições de
Caridade”, o sacerdote busca nas mulheres apoio para a sua obra. Ressalta a
158
GOMES, Francisco José S. Verbete Rerum Novarum. In: SILVA, Francisco Carlos T. da, MEDEIROS,
Sabrina E., VIANNA, Alexandre M. Dicionário Crítico do Pensamento da Direita: Idéias, Instituições e
Personagens. Rio de Janeiro, FAPERJ-Mauad, 2000, p. 395-396.
159
SMBMMM O Pharol, Ano XXV, 20 de Março de 1891.
92
importância de sua generosidade observando que: “Onde não está a mulher, chora e
geme o pobre”
160
Nos textos fica evidente que o padre não é capaz de discernir as
causas sociais e econômicas que geram o empobrecimento de muitos
membros da sociedade. O pobre aparece como um modo de ser e estar no
mundo, onde tudo é vontade de Deus. Inscrevia-se portanto na mentalidade
dominante na época. Faleceu no ano de 1899.
Estruturava-se, desta forma, em Juiz de Fora, o esquema eclesiológico
tridentino: o Papa em Roma, Dom Silvério em Mariana e os ilustres padres em
Juiz de Fora. Porém, este esquema de afirmação dos padres diocesanos teve na
paróquia de Juiz de Fora vida efêmera, devido à morte prematura do Pe. Café(1898)
e do Pe. João Emílio(1899) e a transferência do Pe. Júlio Maria para o Rio de
Janeiro, sendo seus postos ocupados progressivamente por religiosos europeus.
Para finalizar, vale ressaltar que os sacerdotes que estavam à frente da
implantação das diretrizes reformadoras em Juiz de Fora encontravam-se afastados
da participação da vida política. Mas aos poucos desenvolveram-se relações
amistosas com o poder civil, como podemos observar pela correspondência do
Padre Frederico Hellenbrock, pároco da Igreja Matriz nos anos de 1900-1908,
enviada ao Presidente da Câmara Municipal, nestes termos:
“Em resposta á consulta que V. Ex
a
. teve occasião de fazer-me
sabado p. cumpre-me communicar-lhe que desejo que o
pagamento das quotas da Loteria Mineira seja feito
mensalmente. E quanto á reconstrução do paredão espero
depois se ser pago as dividas da Matriz que são cerca de
3:000$000 Rs achar um meio que esteja ao alcance meo
para assumir a responsabilidade de uma obra, cuja execução
exige certos e sufficientes recursos. A Matriz não os tem, a
não ser a subvenção da Loteria Mineira, cujo producto é
destinado principalmente para a conservação do adro e do
edificio da egreja. Iniciarei os trabalhos logo que estiver nas
160
SMBMMM - O Pharol, Ano XXVIII, 12 de Março de 1894.
93
condições de fazel-o. Certo que V. Ex
a
. Reconhecerá a
prudencia d’esta medida, que a situação financeira me dicta,
subscrevo-me com toda estima e consideração.”
161
Assim, podemos concluir que a concepção tridentina que permeia a
implantação do processo reformador em Juiz de Fora é fundamentada na
cooperação entre os dois poderes. A vinculação deste empreendimento da Igreja
com o poder civil fazia-se de muitas maneiras e, como podemos observar nesta
nota, a Igreja juizforana pôde contar com os recursos do Estado.
3.2- A força das congregações religiosas
Uma das principais características do movimento de Romanização e Reforma
Católica Ultramontana no Brasil foi a colaboração de novos institutos vindos da
Europa. A Pastoral Coletiva de 1901 destaca que:
“È de maximo proveito para o progresso espiritual das
dioceses, no clero e no povo, a existencia de Ordens e
Congregações Religiosas, principalmente das que se dedicam
às missões urbanas e ruraes; por conseguinte os Srs. Bispos
procurarão os meios praticos de ter em suas dioceses
residenciais desses missionarios e lhes prestarão todo o auxilio
moral que hajam mister para bem se dedicarem ao seu sancto
ministerio.”
162
Neste contexto, encontramos em Juiz de Fora a presença de duas
congregações masculinas: os redentoristas holandeses e os verbitas alemães; e três
congregações femininas: as religiosas de Santa Catarina, as Servas do Espírito
Santo e as do Bom Pastor, que confirmam a orientação reformadora.
163
161
AHMJF Fundo Câmara Municipal República Velha. Série 226(Igreja Matriz)
162
CMIJF AHPHOF. Documentos episcopais. Carta Pastoral Collectiva de 1901, Rio de Janeiro, Typografia
Leuzinger, 1902, p. 70-71
163
Vale destacar que estiveram presentes também em Juiz de Fora os Salesianos e as Irmãs da Congregação de
Nossa Senhora do Sion, porém, não permaneceram na cidade. Os Salesianos, em 1900, quando receberam a
doação da Academia de Comércio, porém transferiram a doação para a Congregação do Verbo Divino em
fevereiro de 1901. As Irmãs da Congregação de Nossa Senhora do Sion desembarcaram no final da década de
1890, chegaram a ter um colégio na cidade, que foi fechado no ano de 1900 em consequência da febre amarela
94
Os primeiros missionários a se estabelecerem em Juiz de Fora, foram os
padres holandeses da Congregação do Santíssimo Redentor, fundada por Santo
Afonso Maria de Ligório, formando assim sua primeira comunidade no Brasil, em
1894.
164
O primeiro pedido de missionários redentoristas foi feito em 1843 pelo
padre Antônio Ferreira Viçoso, poucas semanas antes de ser nomeado bispo de
Mariana, diocese da qual tomaria posse em 1844. Dom Viçoso pedira missionários
redentoristas para pregar as Santas Missões na diocese de Mariana e ensinar
Teologia no Seminário de Mariana. Não tendo sido aceito o convite, o bispo volta a
insistir entre 1857/58. Posteriormente, outros bispos brasileiros também fizeram
pedidos à Congregação do Santíssimo Redentor para obter misssionários.
165
Na continuação da obra reformadora de Dom Viçoso, Dom Silvério, entre
outras medidas, empenhou-se com obstinação em obter congregações religiosas
para sua diocese e, com a Separação entre Estado e Igreja, estava aberta a
possibilidade da entrada destas. Assim, “na última década do século XIX se
estabeleceram na diocese de Mariana os salesianos em Cachoeira do Campo, as
filhas de Maria Auxiliadora em Ouro Preto e Ponte Nova, os maristas em Congonhas
do Campo e os redentoristas em Juiz de Fora”
166
Além de Juiz de Fora foi oferecida, como local para a fundação da
comunidade redentorista, a cidade de Congonhas do Campo, local de peregrinação
que assolou o município. Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de
Fora(1850-1950). Op. Cit., p. 121-124, 155-156.
164
Os primeiros padres holandeses chegaram em Mariana em 1893, foram eles: Matias Tulkens e Francisco
Xavier Lohmeyer. Cf. WERNET, Augustin, Os Redentoristas no Brasil. Vol. I. Op. Cit., p. 14.
165
Cf. WERNET, Augustin. Os Redentoristas no Brasil. Vol. I. Op. Cit., p. 10-11.
166
AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Op. Cit., p. 96.
95
popular. Os motivos da escolha de Juiz de Fora são assim descritos no livro de
crônicas da casa dos redentoristas:
“Primeiro porque Congonhas ficava à distância de mais ou
menos duas horas e meia da estrada de ferro com caminhos
péssimos ao passo que havia em Juiz de Fora duas estações.
Segundo porque Congonhas, fora do tempo das romarias em
setembro, não haveria bastante serviço o que haveria de sobra
em Juiz de Fora durante o ano todo. Finalmente porque era
impossível chegar a um entendimento com a irmandade que
em Congonhas administrava os rendimentos do santuário.”
167
Com a escolha da cidade de Juiz de Fora, o Pe. Matias Tulkens, primeiro
redentorista a chegar à cidade, deixou Mariana e passou a residir em Juiz de Fora
ainda em dezembro de 1893, sendo hospedado inicialmente na residência do Pe.
Dr. Café, vigário da Matriz. Em carta pastoral de 1895, Dom Silvério se dirige aos
fiéis de Juiz de Fora:
“Aos fiéis da ilustre cidade de Juiz de Fora e de sua Comarca
Eclesiástica, Saúde, Paz e Benção em Jesus Cristo Nosso
Senhor. Há mais de um ano pudemos obter para esta diocese
os primeiros filhos de Santo Afonso de Ligório e foi a opulenta
Juiz de Fora o primeiro teatro escolhido pela misericórdia
providência, para o centro das operações de tão insignes
campeões da Religião de N. Senhor Jesus Cristo.
Desde o princípio de seu episcopado desejou o Sr. D. Antônio
Ferreira Viçoso; de saudosíssima memória, introduzie entre nós
os Congregados Redentoristas de Santo Afonso de Ligório; e
para isto deu passos tão acertados que já estava quase
resolvida a vinda deles, quando uma dificuldade posta pelo
governo então da Itália foi causa que tudo se suspendesse.
Não era chegada a hora determinada nos conselhos de Deus.
Quase 50 anos depois, governando a diocese, o ilustre
sucessor de D. Viçoso, o Exmo. Sr. D. Antônio Maria Corrêa de
Sá e Benevides, em cujo nome por cuja autoridade vos falo,
podemos alcançar o por que suspirava D. Viçoso; e aí temos já
a primeira colônia desses obreiros da vinha santa.”
168
167
CMIJF AHPHOF. Livro de Crônicas da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894-1923). Cópia. p. 13.
168
Citado por OLIVEIRA, F. Maximiano de. Sinais da Igreja no Juiz de Fora. Tomo I. Op. Cit., p. 48
96
Assim, Dom Silvério recorda ao povo uma história de 50 anos de tentativas do
estabelecimento desta Congregação em Minas Gerais. Em Juiz de Fora, os padres
redentoristas holandeses iriam assumir a Igreja de Nossa da Glória, denominada
pelo povo de ‘Igreja dos Alemães’, pois esta havia sido construída em 1858, no
Morro da Gratidão, para servir aos imigrantes da colônia alemã que se
estabeleceram na cidade em função da construção da antiga estrada União e
Indústria. A posse pelos Redontoristas da ‘Igreja dos Alemães’, assim como do
cemitério atrás da mesma, será motivo de discórdia entre os imigrantes alemães
dirigentes do ‘Culto Católico Mariano Procópio’, que até então eram responsáveis
pela igreja e cemitério, e os padres holandeses. Estas divergências aparecem nos
livros de tombo como a “Questão Alemã”.
Após escolhido o local para a primeira fundação, tiveram início os primeiros
acordos entre os padres e o bispo Dom Silvério, ficando estabelecidas as seguintes
claúsulas:
“1
o
- A igreja dos alemães em Juiz de Fora fica entregue aos
redentoristas de modo que poderão regular os exercícios na
igreja sem nenhuma dependência do Vigário da paróquia.
2
o
- Não são obrigados a prestar contas dos rendimentos da
igreja a alguma fábrica ou irmandade.
3
º
- Poderão aumentar a igreja, se assim o julgarem
necessário, e não lhes poderá ser tirada a igreja a não ser que
eles mesmos por livre e espontânea vontade queiram
abandoná-la.
4
o
Doação de um terreno para a igreja e, em redor da
mesma, outro para construírem um convento e fazer um
jardim.”
169
O acordo, celebrado no dia 20 de janeiro de 1894, promovia a igreja a curato
e nomeava o Pe. Matias Tulkens para o cargo de primeiro cura, de tal modo que
ficaram os redentoristas totalmente independentes da Igreja Matriz. Diante das
169
WERNET, Augustin. Os Redentoristas no Brasil. Vol I. Op. Cit., p. 16-7.
97
atividades que passaram a desenvolver no Curato da Glória observa-se que os
missionários se enquadravam “perfeitamente na conjuntura da Reforma Católica
Ultramontana da segunda metade do século XIX por causa de seu compromisso
com o catolicismo tridentino, da fidelidade e valorização do papado.”
170
De acordo com o livro de tombo do Curato da Glória, os padres holandeses
exerceriam autoridade e jurisdição dentro dos seguintes limites:
“Deste o Morro da Gratidão da dicta cidade até o termo da
freguesia em Benfica(isto de Sul a Norte) De leste a oeste
desde a divisa com a freguesia de Chacara na altura da capella
de Gramma, vindo em linha para a Tapera e seguindo nesse
rumo até as colonias de dentro a todos aquelles limites, onde
estão as colonias com as freguesias de S. Francisco e Rosario.
E quanto aos limites com Chapeu D’Uvas e Agua Limpa até a
Capella da Barreira e por alli até a Serra da Agua Limpa, e
pelos limites com a Chacara até as alturas da Gramma.”
171
Apesar de traçar de forma complicada os limites do Curato da Glória, fica-nos
bastante claro que estes limites eram extensos e, segundo os trabalhos de
assistência espiritual registrados no mesmo livro, os padres holandeses ficaram
responsáveis por três capelas filiais: Capela de Nossa Senhora das Dores em
Grama, Capela de São Pedro, na colônia de mesmo nome, e Benfica
172
. Para os
holandeses, cuja referência eram as paróquias da Holanda, o Curato da Glória
representava uma imensa paróquia rural, equivalente na sua extensão a uma
diocese da Holanda.
Neste primeiro momento dos redentoristas na cidade, eles registram suas
impressões sobre o povo da seguinte maneira:
“Em geral o povo é bom e pacifico, mas o indiferentismo
religioso é grande. Antes de nossa chegada 80 porcento não ia
170
Idem, Ibid, p. 22.
171
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925). Cópia. p. 2.
172
Ver anexo n. 3 mapa da cidade de Juiz de Fora, em destaque os limites da extensão do Curato de N. S. da
Glória.
98
à missa aos domingos e festas de guarda e pior ainda era o
número dos que não faziam a páscoa. Muitíssimos viviam e
vivem em uniões ilícitas e a maior parte morria sem os
sacramentos.(...) Por aí pode formar-se alguma idéia do nível
religioso e moral desta pobre terra.”
173
Diante deste quadro e na tentativa de impor sistematicamente seus valores
religiosos e suas tradições européias, os redentoristas encontraram desde o início
de sua atuação uma forte oposição e resistência. Sobre as festas populares de
devoção aos santos suas críticas são freqüentes:
“Hoje é a festa de Sto. Antônio, padroeiro da paróquia. Já na
véspera soltaram-se por tôda parte foguetes. Aqui fazem tudo
para exterioridades, solenidades, procissões etc. Oxalá
assistissem antes a missa aos domingos”
174
Não é difícil encontrar nos livros de Tombo e de Crônicas as reclamações
dos padres, o que nos revela que o processo de aculturação não parece ter sido
tarefa muito fácil para os holandeses, neste primeiro momento.
Em 1899, chegaram a Juiz de Fora os padres alemães da Congregação do
Verbo Divino(SVD). A história desta segunda congregação a se instalar na cidade se
relaciona com a saída do 5
o
vigário da Igreja Matriz, Pe. Hipólito de Oliveira Campos.
Neste momento passava o vigário por uma séria crise espiritual que termina com sua
renúncia ao cargo de vigário da Igreja Matriz, abandonando o sacerdócio da Igreja
Católica e passando para a Igreja Metodista.
Porém, Dom Silvério já havia conversado nesse ano, em Roma, por ocasião
do Concílio Plenário Latino Americano, com o Padre Arnaldo Janssen, fundador da
SVD, sobre a possibilidade do estabelecimento desta Congregação em Juiz de Fora.
Ao retornar de Roma, o bispo de Mariana entra em contato com o Pe. Frederico
173
CMIJF AHPHOF. Livro de Crônicas da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora. Cópia. p. 14.
174
Idem, p. 18.
99
Hellenbrock, verbita que se encontrava em Petrópolis à frente do seminário
diocesano. O convite para os verbitas se instalarem em Juiz de Fora e assumirem a
Igreja Matriz era a tentativa do bispo de manter em andamento o processo de
Romanização e Reforma Católica Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora, sobretudo
depois do abandono da Igreja Católica pelo Pe. Hipólito de Oliveira Campos.
A saída do padre diocesano marca a transferência do cargo de vigário da
matriz para as mãos de religiosos europeus que estiveram à frente dos
trabalhos na Igreja Matriz por duas décadas e meia(1900-1925). Durante o período
da Primeira Guerra Mundial, a paróquia foi confiada interinamente a padres
diocesanos, porém, os verbitas continuaram como coadjutores e, passado o
momento da guerra, retornaram aos seus postos.
A história da chegada desta congregação também está ligada à história da
Academia de Comércio de Juiz de Fora, instituição de ensino comercial superior, a
primeira do genêro no país. Idealizada por Francisco Baptista de Oliveira, foi
constituída em 1891 a Sociedade Anônima Academia de Comércio. No mesmo ano
foi lançada a pedra fundamental e tiveram início as obras. No dia 26 de julho de
1894 foi inaugurada a Academia de Comércio de Juiz de Fora.
Mesmo com todo o esforço desenvolvido pelos acionistas, o ensino
profissional era ainda visto como um curso de segunda categoria. Assim, diante das
dificuldades e dos problemas financeiros que se avolumavam, resolveram os
acionistas entregar o instituto a uma congregação religiosa e entraram nesta
sondagem sucessivamente a Companhia de Jesus, a Congregação do Sagrado
Coração de Maria e os Salesianos. Finalmente a doação foi feita aos Salesianos.
Porém, poucos meses após ter sido lavrada a escritura de doação, os Salesianos
100
transferiram a doação para a Congregação do Verbo Divino. Segundo Maraliz
Christo, três motivos podem ser apontados para esta transferência: “a abertura de
um novo colégio em Salvador, na mesma data, o reduzido número de padres, e a
existência na cidade de duas outras congregações: os Redentoristas e os do Verbo
Divino”
175
Foi assim que, no dia 08 de abril de 1901, a Congregação do Verbo Divino
tomou posse do prédio da Academia de Comércio, com os compromissos
especificados na escritura de doação de prosseguir as obras que demandavam
conclusão, a abertura de um curso ginasial e a manutenção do curso de comércio.
176
O tempo confirmou a lisura dos propósitos científicos e culturais dos padres
da Congregação do Verbo Divino, contratando professores leigos credenciados para
o ensino e enviando sacerdotes para a Europa com o propósito de se habilitarem a
dirigir o curso comercial anexo ao Ginásio. Em 1915, existiam os seguintes cursos:
“Commercial, Commercial Nocturno, Eletrotechnico, Gymnasial, Preparatorio,
Preliminar(primario).”
177
Indiretamente coube a Dom Silvério a glória do feito. Vemos asssim, adiantar-
se na cidade as orientações do episcopado brasileiro sobre a necessidade da
educação da mocidade, pois acreditavam que “é a educação base da felicidade
175
CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Europa dos Pobres: a belle-époque mineira. Juiz de Fora, EDUFJF,
1994, p. 94.
176
Cf. BASTOS, Wilson de Lima. Academia de Comércio de Juiz de Fora. Juiz de Fora, Edições Paraibuna,
1982, p. 123.
177
ESTEVES, Albino & LAGE, Oscar V. Barbosa. Album do Municipio de Juiz de Fora. Bello Horizonte,
Imprensa Official do Estado de Minas, 1989. p. 261.
101
temporal e eterna do indivíduo, o mais poderoso fator da vida e prosperidade dos
povos, esperança e força da Sancta Madre Egreja.”
178
O empenho dos Verbistas alemães à frente da Academia, transformando-o
num importante centro de educação católica para os filhos dos proprietários rurais da
região e da burguesia urbana, também é analisado por muitos estudiosos como uma
resposta católica à fundação do primeiro colégio protestante na cidade, o Instituto
Grambery, fundado no ano de 1890.
A Academia de Comércio e o Colégio Grambery disputavam a formação dos
moços que fariam o projeto de modernização da cidade. A valorização da
democracia liberal pregada pelos protestantes metodistas, a consequente
incompatibilidade entre católicos e prostestantes provocou a reação dos
conservadores católicos.
Entretanto, o projeto educacional dos padres verbitas no momento de sua
chegada em Juiz de Fora não se limitava a sua atuação na Academia de Comércio.
O primeiro verbita a tomar posse na Igreja Matriz, Pe. Frederico Hellembrock, fundou
em 1903 a “Escola Parochial Menino Jesus”. O livro de matrícula registra no ano de
sua fundação 128 alunos matriculados, entre 05 e 14 anos, de ambos os sexos.
179
O
relatório anual do movimento religioso na Igreja Matriz de 1912, registra o seguinte
número da “Escola Parochial: meninos 103; meninas 118; Escola S. Vicente 50”
180
, o
que indica a abertura de mais uma sala além da já existente na Igreja Matriz.
178
CMIJF AHPHOF. Documentos episcopais. Carta Pastoral Collectiva de 1901, Rio de Janeiro, Typografia
Leuzinger, 1902,
p. 22.
179
CMIJF AHPHOF. Livro de Matrícula da Escola Paroquial Menino Jesus, Igreja Matriz, p. 3.
180
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925). Cópia, p. 54 v.
102
Seguindo de perto o dever de auxiliar “seus Parochos na obra de fundar e
sustentar as escolas primarias parocchiaes”.(C.P.L.A.n.679)
181
, Dom Silvério
concedeu licença em 1912 para “se construir, em prolongamento à Igreja Matriz de
Santo Antônio de Juiz de Fora, um edifício, para a escola paroquial, o que foi
feito”.
182
O álbum do município, editado em 1915, registra uma foto dos alunos da
Escola Parochial S. C. de Jesus acompanhados de duas Irmãs. Tudo nos leva a crer
que esta é a turma da Escola Paroquial Menino Jesus, da Igreja Matriz, pois as
Irmãs que acompanham os alunos vestem o hábito da Congregação das Servas do
Espírito Santo, que chegaram em Juiz de Fora em 1902 e , como têm o mesmo
fundador da Congregação do Verbo Divino, ajudaram estes certamente nas tarefas
da Escola Paroquial.
183
Outra obra de destaque dos verbistas, na qual também mostraram o espírito
reformador, refere-se à imprensa. Nesse sentido seguiam as orientações do
episcopado brasileiro, enviando quantias anuais para a Diocese em auxílio à Boa
Imprensa
184
, além de criar um jornal católico semanal para a cidade. O novo jornal
ganhou o nome do antigo ‘Lar Catholico’, acrescentando apenas o artigo “o”, porém,
ao longo do tempo houve mudanças e passou a se chamar ‘A Bússola’, voltando
depois a ser ‘O Lar Catholico’.
181
CMIJF AHPHOF. Documentos Episcopais. Carta Pastoral Coletiva de 1904, Rio de Janeiro, Typografia
Leuzinger, 1904 p. 49. A sigla C.P.L.A. refere-se ao Concílio Plenário Latino Americano.
182
OLIVEIRA, Francisco M. Sinais da Igreja no Juiz de Fora. Tomo I. Op. Cit., p. 63.
183
Cf. ESTEVES, Albino. Op. Cit., p. 260.
184
CMIJF CMIJF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925). Cópia, p. 50,
54v. A obra Boa Imprensa foi criada, na primeira década do século XX, no contexto da Reforma Católica
Ultramontana, pelos franciscanos em Petrópolis, com o apoio de todo o episcopado brasileiro, cujo objetivo
principal era fazer oposição direta à imprensa liberal e maçonica , com seus ataques à instituição católica.
103
Sobre a Bússola encontramos o seguinte registro feito pelos redentoristas no
ano de 1917:
“Na ‘Bússola’ dos padres da Academia veio Domingo passado
uma gravura conhecida: encontro no deserto dum viajante com
um leão sem comentário. Alguns acharam uma afronta feita ao
Brasil interpretando o leão forte como a Alemanha e o viajante
em frente de gatinhos o Brasil além disso parecia o viajante
mais com um macaco. Já antes ameaçaram a tipografia dos
padres por ser de alemães e porisso foi publicada no Diário
Mercantil uma explicação do revmo. Leopoldo Pfad, provincial
e vigário da cidade, dizendo que nada disto estava na intenção
da revista. O clichê já tinha sido encomendado na Estamparia
Mineira da cidade muito antes de se romperem as relações
com a Alemanha. Em lugar da ‘Bússola’ será publicada um
jornal revista ‘Sacrário do Amor’ que será semanal.”
185
Do ‘Sacrário do Amor’ não existe nenhum registro, o jornal voltou a se chamar
novamente ‘O Lar Catholico’ e com este nome se firmou como semanário católico da
paróquia de Santo Antônio. Da mesma forma não existem registros sobre
perseguições aos padres alemães no período da guerra. A orientação do jornal é
voltada para a formação da família, com regras de civilidade, normas sobre moda e
cinema, entre outros.
Para alimentar ainda mais o projeto Romanização e Reforma Católica do
episcopado de Mariana, Dom Silvério pôde contar com a ajuda efetiva de três
congregações femininas: em 1898 chegaram as Irmãs de Santa Catarina e, em
1902, chegaram as Irmãs Servas do Espírito Santo e as Irmãs do Bom Pastor.
As primeiras Irmãs de Santa Catarina que chegaram em Juiz de Fora vieram
a pedido do provedor da Santa Casa de Misericórdia, Dr. Braz Bernardino Loureiro
Tavares, no ano de 1898. Assim se encontra registrado no seu relatório esta
passagem:
185
CMIJF AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894-1923). Cópia, p. 207v.
104
“No meu relatório passado vos comuniquei que havia
contratado com Frei Cyriaco, Superior dos Franciscanos de
Petrópolis, a vinda de tres Irmãs de Santa Catarina para
tomarem conta da administração interna do Hospital. Com
efeito, em 11 de janeiro deste ano, chegaram a esta cidade as
tres Irmãs contratadas; e depois de algum tempo de estada no
hospital, foi tal a ordem e a economia que se notou neste, que
vos pedi logo autorização para contratar mais tres Irmãs, pois
as tres eram insuficientes para o serviço, e estas chegaram em
junho, sendo uma farmacêutica habilitada em Berlim.”
186
O entusiasmo do provedor com o trabalho das Irmãs é tal que chega a
comentar que:
“a dedicação e a caridade com que os enfermos são
tratados pelas filantrópicas irmãs que muitos , mesmo depois
de curados, não querem sair, sendo preciso usar-se de energia
para fazê-los retirar-se do estabelecimento”.
187
Além dos cuidados com os enfermos, o provedor destaca que as Irmãs
conservavam a Capela no maior asseio e ordem, e confeccionavam belos
paramentos.
A partir de 1901, os padres do Verbo Divino assumiram também a assistência
espiritual da Santa Casa de Misericórdia, o culto na Capela dos Passos e a pastoral
dos doentes. Desde então quase todos os pacientes podiam receber os
sacramentos, o que não era sempre possível no tempo em que a assistência era
feita pelos redentoristas, dada a distância entre a Santa Casa e o Curato da Glória.
As Irmãs faziam seu retiro anual, parte na Santa Casa de Misericórdia, e parte em
Petrópolis.
Outro grupo de Irmãs de Santa Catarina chegou à cidade em janeiro de 1900.
Estas vieram a pedido do vice-cônsul alemão George Francisco Grande para se
186
CMIJF AHPHOF. Isaho. V. I. 11 - Histórico da Santa Casa , p. 1.
187
Idem, p. 2.
105
dedicarem à instrução e à educação das crianças da Escola Católica da Colônia dos
Alemães, que neste momento se encontrava fechada por falta de professores.
Num primeiro momento, as Irmãs ficaram hospedadas no Asilo João Emílio. A
Escola Católica ficava do outro lado da cidade, hoje bairro Fábrica, na rua conhecida
como ‘Rua das Escolas’, pois lá já estavam instaladas também a Escola Agrícola e a
Escola Evangélica. Na Escola Católica, as aulas eram ministradas em classes para
crianças brasileiras e classes para crianças que só falavam alemão.
Devido à distância ser bastante grande entre a residência das Irmãs e a
Escola, uma benfeitora ofereceu às Irmãs alguns quartos vazios anexos à Escola
Agrícola. Mudaram-se para lá desejando ficar mais próximas do Curato da Glória,
para frequentarem diariamente os sacramentos. E mais tarde, as Irmãs se mudaram
para a rua dos Artistas, em frente ao Curato da Glória.
188
Passaram a lecionar também, a partir deste momento, na Escola Paroquial
criada pelos Redentoristas, que funcionava no Salão São Geraldo em frente ao
Curato. Porém, continuaram as Irmãs com as aulas na Escola Católica até o final do
ano de 1907, ano em que a ‘Questão Alemã’ vem novamente à tona, sendo que
desta vez os representantes do Culto Católico Mariano Procópio colocaram para as
Irmãs a necessidade da escolha: dar apoio à comunidade alemã ou aos
Redentoristas. As Irmãs ficaram do lado dos redentorsitas e a Escola Católica foi
fechada.
189
As Irmãs abriram uma classe destinada a meninas que podiam pagar
mensalidade, continuaram a lecionar na Escola Paroquial dos Redentoristas e foram
188
Ver anexo n. 4 mapa “Pontos importantes de referência para a História da Igreja de Juiz de Fora”
189
CMIJF AHPHOF. Isaho. V. I 3-4 - Colégio Santa Catarina, p. 2.
106
convidadas a lecionar também na Escola Agrícola. Em 1908, os padres redentoristas
com o objetivo de:
“continuar com as escolas parochiaes, cuja manutenção, desde
que o tal ‘Culto Cathólico’ dispunha para outros fins os
rendimentos do cemiterio que antes servião para manter as
escolas, cuja manutenção digo se tornava cada vez mais
difficil, para aumentar esta obra tão necessaria, para qual as
Irmãs de Sta Catharina, que abandonarão as escolas dos
‘revolucionarios’ erão cooperadoras generosas; o R
vmo
.
Capellão Cura lembrou-se em boa hora de juntar, com plena
approvação do E
xmo
. Diocesano uma associação
appropriada.”
190
Assim, foi criado no Curato da Glória a Sociedade Propagadora do Ensino
Primário, cujo objetivo principal seria “Fundar e sustentar escolas parochiaes no
Curato da Gloria. Fazer todo o possivel para tornar o ensino primario, nas escolas
parochiaes, accesivel a todas as classes de pessoas.”
191
É possível observar que o projeto educacional criado pelos padres
holandeses recebe colaboração direta das Irmãs de Santa Catarina. Um panfleto da
Sociedade destinado às matriculas traz as seguintes informações:
“Durante o mez de janeiro acha-se aberta a matricula de
alunnos e alunnas para as escolas parochiaes das Rev. Irmãs
de Santa Catarina no prédio do morro da Gratidão e para a
escola diurna e nocturna de S. Roque na Tapera”.
192
Porém, o projeto educacional das Irmãs de Santa Catarina não ficou limitado
à cooperação nas Escolas Paroquiais dos Redentoristas. Neste mesmo ano, 1908,
elas compraram um terreno no Morro da Gratidão e iniciaram a obra do seu próprio
colégio. Os Redentoristas registraram desta forma o acontecimento:
“Hoje realizou-se um fato muito importante para o nosso Curato,
a saber o lançamento solene da primeira pedra do Colégio de
Sta Catarina.(...)A alta sociedade estava presente entre outros o
prefeito Antônio Carlos e Esposa.(...) Após a solenidade foram
190
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925). Cópia, p. 85.
191
ACRCG-JF. Pasta Escola Paroquial
192
Idem.
107
os senhores para o nosso Convento e as Senhoras para a casa
das irmãs. Pobre Culto Católico! Como devem ter ficado
sentidos!”
193
Em 1909, já se encontrava o colégio funcionando em um prédio de dois
andares e uma capela provisória. A obra ficou aos cuidados da Companhia
Panteleone Arcuri & Spinelli, construtores imigrantes italianos, que mesclaram com
tijolinhos coloridos influências da arquitetura neogótica, renascentista italiana e
romântica.
194
O projeto da Escola Paroquial ganhou reforço das Irmãs com a
construção de quatro salas dentro do próprio colégio em 1910, sendo para lá
transferidas as aulas do Salão São Geraldo.
Em 1915, o número de alunos matriculados era de 370, sendo alunas internas
e externas, e a Escola Paroquial. O ensino compreendia: curso primário e
secundário; línguas portuguesa, francesa, alemã, doutrina cristã, história universal,
história do Brasil, história sagrada, caligrafia, geometria, lições de cousas, geografia,
história natural, física, canto, desenho, trabalhos de agulha, além de um curso
especial de música, pintura e inglês.
195
Diferente das Irmãs de Santa Catarina que se encontravam na Santa Casa,
as Irmãs educadoras sofreram ameaças no período da Primeira Guerra Mundial.
Não foram atingidas diretamente, porém, o ano de 1917 foi especialmente crítico
com notícias alarmantes nos jornais anunciando que o Colégio estava em chamas.
O jornal ‘A Noite’ chegou mesmo a publicar fotos do colégio em chamas.
196
193
CMIJF AHPHOF. Livro de Crônicas da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894-1923). Cópia, p.
128v-129.
194
Álbum Juiz de Fora em Dois Tempos. Juiz de Fora, Tribuna de Minas, s/data, p. 87.
195
Cf. ESTEVES, Albino. Op. Cit., p. 263.
196
CMIJF AHPHOF. Isaho. V. I. 3-4 Colégio Santa Catarina, p. 3.
108
Entretanto, o sensacionalismo das notícias serviu apenas para tornar o
Colégio Santa Catarina ainda mais conhecido e aumentar o número de alunas. Em
1924, foi construído um novo pavilhão de três andares, o número de alunas internas
neste ano chegou a oitenta com aumento também de alunas externas. Desta forma,
as Irmãs marcaram presença ativa na área educacional na cidade, famílias ricas
confiavam suas filhas ao Colégio, de modo que as dificuldades iam sendo vencidas.
Outro reforço importante na área da educação pode ser analisado com a
chegada na cidade, em setembro 1902, das Irmãs da Congregação das Servas do
Espírito Santo, cujo fundador foi o Pe. Arnaldo Janssen, também fundador da
Congregação do Verbo Divino. Muitos registros se referem às Irmãs como sendo do
Verbo Divino, como este:
“Em nome do Sr. Bispo, vai o padre Reitor às 17 hs à estação
receber as irmãs do Verbo Divino que abrirão em frente à igreja
dos passos, um novo colégio. Acompanhado do revmo. Padre
Matias foi o padre reitor em seguida à Matriz e dalí ao novo
Colégio. Além das filhas de Maria e algumas senhoras não
havia quase ninguem.”
197
Se a recepção não foi tão calorosa, segundo o nosso cronista, a chegada das
Irmãs trouxe mais fôlego à obra reformadora de Dom Silvério. Em 1903, fundaram o
Colégio ‘Stella Matutina’ , inicialmente em frente à Capela dos Passos, destinado
exclusivamente à educação feminina. A partir de 1905 as Irmãs se instalaram em
local mais próximo do centro urbano, dando início à obra do Colégio que ficou pronta
em 1917, em estilo gótico, uma réplica exata da casa central das Servas do Espírito
Santo, originária da Alemanha e com sede na Holanda.
198
197
CMIJF AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora. Cópia, p. 86v.
198
Cf. Álbum Juiz de Fora em Dois Tempos. Op. Cit., p. 36.
109
Albino Esteves registra em 1915 o número de 170 alunas matriculadas, com
fotos de alunas internas e externas. No quadro de professores deste ano apenas um
leigo, o ‘Sr. Pharmaceutico Palleta’, sendo o restante dominado pelas Irmãs.
199
Seguindo as orientações típicas dos colégios católicos do início do século,
nos quais a cultura ornamental da educação feminina realizada através de regras
rígidas de comportamento e vestuário, destinadas principalmente a preparar a
mulher para o casamento, as irmãs transformaram mais este estabelecimento em
lugar especial das filhas “das classes mais distintas” da sociedade juizforana.
Para os trabalhos de assistência social do Asilo Padre João Emílio, chegaram
também em 1902, as Irmãs da Congregação do Bom Pastor, fundada em Angers, na
França. Através de uma carta, o vigário geral de Mariana, Mons. José de Souza
Teles Guimarães, comunicava ao pároco de Juiz de Fora que:
“Tive grande júbilo quando por telegrama me foi comunicada
a chegada das religiosas do Bom Pastor nessa cidade.
Na conversa com o Exmo. e Revmo. Sr. Bispo Diocesano,
depois de ter agradecido à Revma. Superiora, e aos Exmos.
Srs. Braz Loureiro e Felício dos Santos a delicada
comunicação, confirma por esta o meu telegrama de ante-
ontem, pedindo a V. Revma. O favor de representar na festa
de instalação do Instituto em Juiz de Fora a autoridade
diocesana, e mais uma vez me congratulo com a Revma.
Madre Superiora, com a v. Rvma., e com os fiéis dessa
cidade, pela vinda das religiosas, e pela fundação da primeira
casa do Bom Pastor nesta diocese de Mariana.”
200
Assim que as Irmãs chegaram, instalaram-se no Asilo e passaram a dirigir a
casa. Neste período, a administração era feita por uma mesa, a qual não conseguiu
entendimento com as Irmãs. O problema foi resolvido com a entrega definitiva do
Asilo ao Bispo Diocesano, que conservou as Irmãs na direção, nomeando seu
199
Cf. ESTEVES, Albino. Op. Cit., p. 263.
200
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925). Cópia, p.
21v.
110
procurador e representante, em todos os negócios temporais e materiais, o Dr. Braz
Bernardino Loureiro Tavares, também dirigente da Santa Casa de Misericórdia.
201
Em 1915, encontramos registro de “Religiosas em número de 12 que são
empregadas alternativamente na instrução, moralização e vigilancia das internadas.
Existem matriculadas 83 asyladas.”
202
Os padres do Verbo Divino eram
responsáveis pela assistência espiritual do Asilo. Nos relatórios anuais do
movimento religioso da Paróquia encontramos registros do números de comunhões,
que no ano de 1915 foi de 17.054, somente no Asilo.”
203
Desta forma, podemos observar que o processo de Romanização e Reforma
Católica Ultramontana da Paróquia de Juiz de Fora teve orientação de religiosos
europeus, com a atuação de três nacionalidades diferentes: holandesa, alemã e
francesa.
3.3- O enquadramento dos fiéis
A tarefa de transformação da prática religiosa preocupada com as
necessidades imediatas da vida terrestre, para uma religião sobrenatural da
salvação eterna, não foi tarefa simples. Segundo Libânio, não se trata apenas de
um processo de criação, que deve se fundamentar principalmente em dois campos:
doutrinal e sacramental, implica também na demolição do antigo edifício, ligado ao
catolicismo tradicional. Este processo de demolição e criação de um novo imaginário
201
Cf. OLIVEIRA, Francisco Maximiano. Sinais da Igreja no Juiz de Fora. Tomo I Op. Cit., p. 57.
202
ESTEVES, Albino. Op. Cit., p. 263.
203
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora. Cópia, p. 67.
111
religioso social foi obra da conjugação de um expressivo trabalho do clero e de
medidas práticas dentro de um novo espírito de busca de eficácia.
204
A reforma dos costumes do próprio clero e a criação de uma nova imagem do
padre visavam gerar uma presença mais significativa junto ao povo. O principal
centro de revitalização deste processo foi a paróquia, investir-se-á muita energia em
diversos movimentos paroquiais procurando sedimentar uma nova identidade
religiosa junto aos fiéis.
No período que identificamos como o da Romanização e Reforma Católica
Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora encontramos os seguintes registros sobre
templos religiosos católicos: “Dentro do perímetro urbano existem três igrejas: a
Matriz com o vigário da vara Dr. Café, a igreja dos Passos com dois sacerdotes, e a
igreja alemã”
205
, assim registraram os Redentoristas em seu livro de crônicas
quando chegaram. No jornal Lar Catholico do Pe. Café, de 1891, na descrição do
número de padres e da extensão da sua “freguezia”, ele revela-nos um número
expressivo de padres: 07
206
“vigários de Deus” trabalhando nas igrejas acima citadas
pelos redentoristas, acrescentando ainda ser território de sua paróquia a Capela de
Matias Barbosa.
207
Porém, no relatório anual do movimento religioso da paróquia de Juiz de Fora,
do ano 1903, enviado ao Bispo de Mariana, encontramos também dados referentes
à comunidade de Coronel Pacheco, localidade que não aparece registrada no livro
204
Cf. LIBÂNIO, J. B. A volta à grande disciplina. Op. Cit., , p. 60.
205
CMIJF AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894-1923). Cópia, p. 14.
206
Joaquim X. Lopes Cançado, Adolfo Januscka, João B. da Fonseca, Cesar Megale, João Emilio F. da Silva,
João Sabino Las Casas, João B. de Souza Roussin, porém não podemos afirmar que todos tinham se
identificavam com o projeto de Romanização e Reforma Católica Ultramontana.
207
CMIJF AHPHOF. Jornal LAR CATHOLICO, Anno I, N. 61, 03 de setembro de 1891, p. 01. Cópia.
112
de tombo da Igreja Matriz. Esta informação nos leva a crer que outras comunidades
foram contempladas neste processo de enquadramento dos fiéis no contexto de
implantação das medidas reformadoras.
208
No álbum do município de 1915
209
aparecem, além das três igrejas já citadas
pelos redontoristas, a Igreja de São Sebastião, Igreja do Rosário, Igreja de São
Mateus e Igreja de São Roque. A Igreja de São Sebastião, situada atrás do Parque
Halfeld, “foi construída em terreno doado pelo Comendador Halfeld, em 1872.”
210
.
Em 1892, o Pe. Júlio Maria inicia suas atividades em Juiz de Fora como capelão
desta Igreja, porém os Redentoristas não a registram em seu livro de crônicas. A
construção da Igreja de Nossa Senhora do Rosário foi iniciada pela Irmandade de
mesmo nome
211
, sendo:
“abandonada por algum tempo, sua construção foi reiniciada,
após a instituição universal do mês do Rosário em outubro. O
reinicio das obras e o acabamento da igreja deve-se a uma
comissão encabeçada pelo Cel. Alfredo de Souza Bastos,
Pantaleoni Arcuri e outros.”
212
Tudo indica que diante da abolição da escravidão, da separação entre Igreja
e Estado e de um maior controle da Igreja sobre as Irmandades, o movimento em
torno da devoção à Nossa Senhora do Rosário foi perdendo força até a paralisação
da obra. Porém, não se deve desconsiderar a construção da Igreja como obra da
Irmandade, sendo que a comissão só cuidou do acabamento do templo. Em 1906,
através de uma portaria de Mariana, assinada pelo Mons. Cônego José Maria
208
AEAM P7,A4,G4 Relatórios Paroquiais.
209
Cf. ESTEVES, Albino. Op. Cit., p. 337-9.
210
OLIVEIRA, Francisco Maximiano. Sinais da Igreja no Juiz de Fora. Tomo I. Op. Cit., p. 38.
211
Cf. capítulo II, p. 58.
212
OLIVEIRA, Francisco Maximiano. Sinais da Igreja no Juiz de Fora. Tomo I. Op. Cit., p. 38. Grifo nosso.
113
Rodrigues de Moraes, encontramos o registro que: “permitte conservar o SS.
Sacramento na Capella de Nossa Senhora do Rosario d`esta cidade, contanto que
haja ao menos uma missa cada semana”
213
. Mesmo estando em construção no
momento da chegada dos Redontoristas, a Igreja não aparece citada por estes.
A Igreja de São Mateus surgiu de um cruzeiro, no caminho da Fazenda de
São Mateus, que os habitantes construíram dando o testemunho de sua fé.
Inicialmente, no lugar do cruzeiro, foi feita uma pequena sala onde se reuniam os
moradores da rua São Mateus em dias de festa, quando a imagem do Apóstolo e
Evangelista São Mateus era trazida da Fazenda São Mateus emprestada para
abrilhantar o movimento. Aos poucos a Igreja surgiu: uma pequenina sala a
princípio, um pouco maior logo depois e, em 1913, a Capela de São Mateus recebeu
do Sr. Francisco Valadares a imagem do santo.
214
A Capela em devoção a São Roque foi obra dos imigrantes italianos que, em
torno da Irmandade de São Roque fundada em 08 de agosto de 1902, tinham
o objetivo de edificar uma capela com a invocação de seu patrono. A capela foi
inaugurada em 1907 e, a partir desta data, inicia-se a famosa "Questão São Roque",
tensão entre os Redontoristas holandeses e os membros da Irmandade de São
Roque, que se arrasta até o ano de 1920 quando a Irmandade já desgastada
publicamente e economicamente assinou escritura de doação da Capela de São
213
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio(1900-1925). Cópia, p. 31.
214
CMIJF AHPHOF. Revista das Bôdas de Prata da Paróquia de São Mateus(1927-1952).
Arquidiocese/Paroquial/ São Mateus. p. 23-24.
114
Roque à Diocese.
215
Vale ressaltar que a Capela de São Roque foi construída nas
mediações do Curato da Glória.
A Capela de São José que, apesar de não aparecer nos registros do Álbum
do Município de 1915, aparece no relatório do movimento religioso anual do mesmo
ano, no livro de tombo da Igreja Matriz como centro paroquial “Botanagua” e, a partir
desta data, em todos os relatórios anuais seguintes, até que no relatório de 1925
aparece já com o nome de Capela de São José.
216
Segundo a tradição oral, o nome
Botanágua tem origem por ser esta parte da cidade cortada pelo Rio Paraibuna,
sendo este local utilizado pelos moradores para despejar o lixo e, em datas mais
remotas, até mesmo pessoas assassinadas. O que nos parece certo é que a Capela
de São José, assim como a de São Mateus, foi sendo gestada aos poucos e,
somente em 1932, foi lançada a pedra fundamental da atual paróquia de São
José.
217
Além das igrejas acima citadas, existiam no período que elegemos para este
trabalho várias capelas particulares, como a Capela da Academia de Comércio, a
Capela do Colégio Santa Catarina, do Colégio Stella Matutina e do Asilo João
Emilio.
Para finalizar, esta parte sobre os templos em Juiz de Fora, vale lembrar que
atrás da Igreja dos Alemães, construída pelos alemães do Culto Católico Mariano
215
Cf. FERENZINI, Valéria Leão. Igreja Católica e Imigrantes Italianos em Juiz de Fora A Questão São
Roque(1902-1920). Monografia apresentada no Curso de Especialização em História do Brasil, Faculdade de
História, ICHL, UFJF, 1999.
216
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925). Cópia, p.
67v, 80v.
217
Cf. OLIVEIRA, Francisco Maxiamo. Sinais da Igreja no Juiz de Fora, TOMO II. Juiz de Fora, Esdeva,
1978, p. 223.
115
Procópio, foi edificada outra Igreja pelos Redontoristas holandeses.
218
Um incêndio
na madrugada do dia 12 abril de 1923 destruiu em pouco tempo a antiga Igreja
219
. A
nova Igreja, bem mais ampla que a antiga, foi inaugurada no dia 27 de abril de 1924
com a bênção da nova imagem de Nossa Senhora da Glória.
220
Foram nestes templos que, orientados por um clero reformado e obstinado
por sua tarefa de Romanização e Reforma Católica Ultramontana, se realizou o
processo de enquadramento dos fiéis. A paróquia atinge a comunidade desde cedo,
com os ensinamentos religioso-doutrinais e práticos através do catecismo. Na Carta
Pastoral Coletiva de 1904 aparece como um dos principais deveres do pároco:
“a obrigação de ensinar a doutrina christã aos meninos e aos
que a ignoram, e procurar, a todo seu poder, a educação
christã das crianças, arredando-as do peccado e dos vicios, e
firmando-as no sancto temor de Deus, desde os primeiros
annos.”
221
A dificuldade de um material didático para a catequese, uniformizado e que
atingisse as crianças em todo o território nacional, levou o episcopado
brasileiro, em 1904, por ocasião da sua 2
ª
Conferência realizada em Aparecida, a
anunciar a publicação de um texto único do catecismo. Na ocasião foram redigidos
três manuais: “O catecismo resumido da doutrina cristã”, “O primeiro e segundo
catecismo da doutrina cristã”, e um ano depois, “O terceiro catecismo da doutrina
cristã”. Em 1905, o episcopado brasileiro passou a denominar os dois primeiros
manuais de Catecismos Menores e o último de Catecismo Maior.
222
218
Ver anexo n. 5 fotografia da Igreja dos Alemães e ao fundo Igreja a do Curato de N. S. da Glória.
219
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925). Cópia, p. 161.
220
Idem, p. 168.
221
CMIJF AHPHOF. Carta Pastoral Collectiva 1904. Op. Cit., p. 22.
222
Cf. PASSOS, Mauro. Os contornos históricos do movimento catequético. In: PASSOS, Mauro(Org.). Uma
História Plural: 500 anos do movimento catequético brasileiro. Petrópolis, Vozes, 1999, p. 44.
116
No Curato da Glória, os Redentoristas adotaram a divisão por faixa etária,
maiores e menores de 10 anos, adiantando-se, já em 1894, às orientações
episcopais de 1905:
“Aos 21 do mez de janeiro abrirão-se para crianças de mais de
10 annos as aulas de cathecismo. A primeira chamada
obedecerão umas 100 crianças. Depois da missa conventual
da se aula em Portugues, de tarde antes da benção em
Allemão.”(...)Abrirão-se aulas de cathecismo para crianças de
menos de 10 annos, havendo d`aqui em diante, 8 de junho, 6
aulas por semana para varias turmas, sendo tres em Portugues
e tres em Allemão”.
223
Esta pedagogia, fundamentada numa divisão por faixa etária, não
contemplava uma preocupação com o social vivido, integrando os elementos
culturais e religiosos de cada comunidade. Seguindo de perto as orientações
episcopais, em janeiro de 1906, “Foi introduzida a nova edição oficial do Catecismo
e começou-se com a explicação do Cat. Romano nas introduções”
224
, e em 1920:
“fundou-se a associação da Doutrina Christã para promover o
ensino do catecismo em todos os bairros do Curato. Desde o
principio alistarão-se umas 12 catechistas, e espera-se da
novel associação grande proveito.”
225
Os padres da Congregação do Verbo Divino registraram, no balanço do
movimento religioso de 1915, a presença de vários centros:
Catecismo Parochial: 7 Centros
Matriz: 190
Rosario: 180
S. Sebatião: 175
S. Mateus: 150
Avenida D. R. H: 70
Julio Modesto: 160
Botanagua: 180 1105.”
226
223
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925). Cópia, p. 4-4v.
224
Idem, p. 106v.
225
Idem p. 147.
226
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925). Cópia, p.
64-v. Vale observar que neste registro aparecem o Oratório Júlio Modesto, que também aparece em outros
relatórios anuais com número de missas, e um no centro, na Avenida Direita, dos quais faltam maiores
referências.
117
Além destes centros urbanos de catecismo, devemos considerar também o
catecismo das missões
227
que atingia as crianças do interior, com as mesmas
prescrições, apesar das diferenças culturais. Diante desta uniformização, no ensino
catequético, vale ressaltar o Pe. Júlio Maria como um defensor da valorização do
aspecto histórico-cultural, já que sua ação catequética abria-se ao diálogo com as
exigências, condições e situações reais do sujeito e do contexto social:
“Fazer da religião não só um negócio de alma, mas também
uma coisa ativa prática, misturada aos interesses sociais. (...)
O nosso dever é não limitá-la à piedade, à devoção, como
muitos entendem; mas pelejar, combater com todas as armas
de nossa época.”
228
No contexto de diversidade cultural, a cidade de Juiz de Fora foi alvo dos
missionários, mesmo antes da chegada dos Redentoristas. Os exercícios das
Santas Missões começaram a ser praticados pelos jesuítas
229
em 1893:
“No trem expresso do meio dia chegaram ontem a esta cidade
os Revm
o
s Missionários Bartolomeu Taddei e José Maria
Giomini, da Ordem de Jesus(sic) e professores do Colégio de
Itú. Na estação foram S. Revm
a
s recebidas pelo Revm
o
Vigário
Dr. Café, por grande concurso de povo, autoridades civis,
oficiais do 3
0
Corpo Militar e duas bandas de música. Da
estação seguiram os misssionários para a Igreja Matriz onde se
achavam para recebê-los muitas senhoras da freguezia,
acompanhando-os a irmandade do Rosário e uma banda de
música. As práticas religiosas começam hoje à hora da missa
conventual, na Igreja Matriz.”
230
Expressivo nesta nota é o caráter festivo de que se revestia a chegada dos
227
O conceito de missão comportava o projeto de (re)catolização da sociedade brasileira. Trata-se das missões
paroquiais, que tiveram grande difusão em todo o Brasil. Durante 10 a 12 dias, os missionários insistiam na
dimensão espiritual da fé, na conversão pessoal, nos aspectos morais e no conhecimento da doutrina cristã. Nessa
ocasião os temas que predominavam eram os mandamentos da lei de Deus e da Igreja, os novíssimos e o
Sacramento da Confissão. Cf. PASSOS, Mauro. Op.. Cit., p. 55.
228
MARIA, Júlio. Conferências de Assunção. Aparecida, Santúario, 1988, p. 132. In: PASSOS, Mauro. Op.
Cit., p. 56. Grifo nosso.
229
Os jesuítas retornaram ao Brasil no Segundo Reinado, por volta dos anos 40 e, em 1893, tinham em Nova
Friburgo o colégio que estava mais próximo de Juiz de Fora.
230
SMBMMM O Pharol, Ano XXVII, 15 de Janeiro de 1893.
118
missionários à cidade. Além das bandas de música, a Irmandade do Rosário, oficiais
do 3
o
Corpo Militar, autoridades civis, senhoras e cavalheiros, o que nos revela a
importância das Santas Missões enquanto elemento de sociabilidade, com todos os
grupos incluídos, o que contribuía igualmente para a divulgação dos conteúdos
doutrinários, objetivo precípuo dos missionários.
Os missionários dispunham de variados métodos, como por exemplo, a
cerimônia realizada em cemitérios
231
. Em Juiz de Fora esta cerimônia
impressionante não foi esquecida, para a qual o Pe. Café convidou o povo através
do jornal local:
“Procissão do Cemitério
Domingo às 5 horas da tarde
Como um dos exercícios mais próximos dos dias da Missão
Apostólica terá lugar Domingo próximo, à tarde, a procissão
solene ao cemitério, conforme já foi anunciado do púlpito pelo
Revm
o
Missionário Diretor.
O ato sendo tocantemente religioso por si mesmo fala
suficientemente aos corações, para que nenhum cristão deixe
de concorrer a tão comovedoras preces por todos os que nos
são caros e ali fazem sepultados. È uma afirmação da nossa
fé no dogma da expiação tão consolador, e mais ainda, no
dogma da ressureição dos corpos(...)
A procissão desfilará da Matriz às 5 horas da tarde depois de
um breve discurso apropriado. Um coro popular irá cantando as
preces públicas que serão entremeadas de marchas fúnebres
pela banda musical. No recinto do cemitério se fará a solene
encomendação, seguindo-se logo o sermão análogo e depois a
volta para a Matriz onde tudo se terminará com a Bênção do
Senhor.”
232
Numa sociedade recém-saída de uma estrutura social e econômica baseada
na escravidão, apontar para a questão da igualdade social no pós-morte, parece-nos
uma forma de escamotear os conflitos sociais, jogando para o Além um ideal que
deveria ser perseguido e conquistado no devir histórico.
231
Os missionários com as cerimônias de cemitério buscavam ressaltar entre os fiéis a igualdade de classes
sociais após a morte, onde ricos e pobres, patrões e empregados, senhores e escravos, encontravam-se nivelados
pela sepultara.
232
SMBMMM O Pharol, Ano XXVII, 21 de Janeiro de 1893.
119
Estava, pois, iniciada a jornada missionária em Juiz de Fora, porém, será a
partir da chegada dos Redontoristas que este movimento tomará grande impulso.
Em 1895, os padres pregaram três missões em Juiz de Fora: em Gramma, São
Pedro e Benfica, com duração de oito a dez dias. Já em 1896, o número de missões
cresceu para 29, incluindo as mais importantes cidades de Minas Gerais, além de
obviamente, Juiz de Fora. A quase totalidade das missões foi pregada na Diocese
de Mariana numa área geográfica que começava em Juiz de Fora e ia em direção a
Belo Horizonte, sendo que nos anos de 1900 e 1902, a área de atuação foi ampliada
em direção ao norte, de Curvelo e Diamanatina, e em direção ao oeste, para a
região de Uberaba.
Na correspondência dos padres missionários, dirigida ao padre Provincial na
Holanda, podemos ter uma idéia bem clara da seqüência dos trabalhos das Santas
Missões. Assim escreve, em 1897, o Pe. Beks:
“Para as missões, temos agora um plano fixo, baseado na
experiência dos lazaristas e em nossa própria experiência; ele
é autenticamente afonsiano. A duração das missões é de
quinze dias completos. Durante as missões, organizamos
algumas solenidades e comunhões gerais. Na Segunda ou
terceira noite, há uma solenidade de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, nossa padroeira. Faz-se um sermãozinho
sobre a história do quadro e depois a entrada na igreja de
virgenzinhas, banda de música e sacerdotes com saudação a
N. Senhora do Perpétuo Socorro feita pelo missionário.
A seqüência dos sermões é a seguinte:
Primeira noite: Salvação;
Segunda: Pecado;
Terceira: Morte;
Quarta: Juízo Final;
Quinta: Inferno;
Sexta: Impureza.”
233
Digna de nota neste caso é a presença da banda de música animando a
233
WERNET, Augustin. Os Redentoristas no Brasil. Vol. I. Op. Cit., p. 159.
120
saudação à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, isto porque nos revela um espaço
de aculturação com a comunidade local, sempre festiva. Em vários momentos os
Redentoristas deixaram registrado, nos livros de Tombo e de Crônicas do Curato da
Glória, a sua insatisfação com a exterioridade das festas.
A carta do Pe. Beks termina ressaltando que:
“Na segunda semana, chega muita gente de fora e, então, mais
uma vez é ativada a artilharia pesada: Juízo Final, Eternidade,
Protelação da Conversão, Ocasiões próximas, Casamento e os
Deveres dos pais(estes dois últimos tocam grandes males do
brasileiro). Há mais algumas matérias supletivas: o Escândalo
e a Misericórdia. Finalmente, o Sermão do Cruzeiro, da Oração
e da Perseverança.”
234
Nesta seqüência, apresentada pelo padre, o casamento daqueles que viviam
em uniões ilícitas merece destaque, pois grande parte da população não havia
legitimado o sacramento do matrimônio. Números expressivos de casamentos
legitimados aparecem nos livros de tombo dos Redentoristas. Nas Santas Missões
pregadas no Curato da Glória no ano de 1913 encontramos o registro de 21
casamentos.
235
As Santas Missões desempenhavam, nos centros urbanos e regiões rurais, o
papel de colocar a Reforma Católica Ultramontana em funcionamento. A
comunidade vivia nos dias de missão em função dela; os horários, temas, maneira
de falar eram sugeridos nos manuais de missão. O objetivo era alcançar todos os
grupos humanos, desde os homens adultos até as crianças, ensinando-lhes as
orações básicas, introduzindo o hábito da oração da manhã e da noite, o costume do
234
Idem, Ibid., p. 160.
235
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925). Cópia, p. 113.
121
exame de consciência à luz das verdades eternas, inculcar o medo salutar do
pecado, do inferno, do purgatório, do juízo de Deus e levar o fiel à confissão geral.
236
As missões, além do importante papel de colocar o motor da Romanização e
Reforma Católica Ultramontana em funcionamento, produziam o contato dos
missionários com o povo, aperfeiçoando cada vez mais a instituição paroquial.
Neste contexto de enquadramento dos fiéis por meio da instituição paroquial,
processou-se igualmente uma clericalização das devoções. A estratégia dos bispos
reformadores foi a de desvalorizar o catolicismo dos leigos, substituindo-o por um
mais romanizado. Esta ação foi feita principalmente por um processo de substituição
das devoções aos santos tradicionais por devoções em voga na Europa,
especialmente as devoções marianas e a devoção ao Sagrado Coração de Jesus
com grande florescimento desde a segunda metade do século XIX.
As novas associações religiosas, criadas para os leigos, distinguem-se
radicalmente das antigas irmandades e confrarias pela posição que nelas
ocupavam os leigos. Estes foram destituídos da sua posição de liderança, com a
direção passando a ser função do vigário. Nos estatutos das novas associações, os
vigários ocupavam o papel principal nessas organizações, e tinham efetivamente o
controle das decisões. O clero assumia assim, de fato, as funções de controle das
atividades religiosas.
237
A organização destas novas associações em Juiz de Fora produziu um
impacto impressionante pelo seu rápido crescimento e o número de associados
236
Cf. LIBÂNIO, J. B. A volta à grande disciplina. Op. Cit., p. 64.
237
Cf. OLIVEIRA, Pedro R. A. de, VALLE, Edênio J. , ANTONIAZZI, Alberto. Evangelização e
Comportamento Religioso Popular. Petrópolis, Vozes, 1978. p. 20-21.
122
obtidos. Nesse sentido a estrutura paroquial revela-se, na sua versão
reformada, elemento fundamental deste empreendimento. Os padres da
Congregação do Verbo Divino, em 1910, dez anos somente após a sua posse da
Igreja Matriz, registram os frutos do seu desempenho junto aos fiéis:
“Associações religiosas e irmandades:
1) Irmandade do Ss. Sacramento: 60 membros.
2) Confrades de S. Vicente activos: 48
Subescriptores: diversos
Famílias: 40 a 50
Obra especial: Casa da Avenida: 27 viuvas e uma fam. 83
pessoas.
3) Apostolado da oração: Zeladoras : 84
Associados: 2575
Associadas: 3353
4) Confraria do Purissimo e Imaculada Coração de Maria.
Zeladoras: 59
Associados: 196
Associadas: 990
5) Damas de caridade: activas: 22
Honorarias: 45
Contribuintes: 9
Famílias pobres: 19
Socorridos: 57
6) Congregação Mariana(dos jovens caholicos)
socios: 48
aspirantes: 44
7) Pia União das Filhas de Maria.
Filhas: 57
Aspirantes: 37
8) Obra da Sta Infancia:
Membros: 250
9) Obra dos Tabernaculos:
Socias activas: 33
” ” protetoras: 1
” ” Contribuintes: 25.
10) Ordem Terceira:
Professas: 13
Noviças: 10
Noviços: 4
11) Pão de Sto. Antonio.”
238
Vale destacar nesta nota o número de mulheres associadas, bastante
superior ao número de homens. Outro detalhe que pode ser realçado é o da
238
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925). Cópia, p.
44v-45.
123
importância que assume a devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Junto aos leigos,
esta devoção vai se difundir através de um novo organismo: O Apostolado da
Oração, que no caso de Juiz de Fora, conforme a nota, congrega o maior número
de fiéis.
A prática do controle clerical sobre todos os movimentos no âmbito paroquial,
como fica claro, por exemplo, nos Estatutos da Pia União das Filhas de Maria, criada
em 1911, na Capela do Colégio Stela Matutina, das Irmãs Servas do Espírito Santo:
“Art. 6. A Directoria da Pia União compoe-se: 1, do Director,
que deve ser o sacerdote da Congregação do Verbo Divino,
actualmente pela autoridade Diocesana reconhecido Vigario
da Freguezia de Sto. Antonio de Juiz de Fora, ou um outro
sacerdote da mesma Congregação, designado pelo Vigario e
approvado pela autoridade eclesiastica.”
239
Ou ainda, no Estatuto da Obra dos Tabernáculos de 1907, formada por
mulheres, que tinha o objetivo de auxiliar as capelas da freguesia com alfaias e
paramentos religiosos. O artigo número dois ressalta que: “ A associação está
collocada sob os auspicios da Autoridade Eclesiastica, á qual ficara sujeita.”
240
Neste mesmo processo de enquadramento, os Redentoristas holandeses
criaram no Curato da Glória um movimento tão expressivo quanto a dos Verbistas
na Igreja Matriz, conforme este registro:
“Curato da Glória, Juiz de Fora
1896 Arquiconfraria de N. Senhora do Perpétuo
Socorro, 3.839 membros;
1896 Conferência Vicentina, sem indicação;
1902 Liga Católica Jesus, Maria, José, 500 membros;
1904 Pia União das Filhas de Maria, 330 membros;
1908 Obra de São Geraldo, 11.739 membros;
1909 Círculo São José, 500 membros;
1912 Apostolado da Oração, 1.700 membros;
1914 Sodalitium Sancti Gerardi.”
241
239
Idem, p. 49.
240
Idem, p. 32v.
241
WERNET, Augustin. Os Redentoristas no Brasil. Vol. I. Op. Cit., p. 145.
124
Segundo os números, devemos destacar as associações ligadas à
Congregação dos Redentoristas, sendo que a Obra de São Geraldo se encontra em
primeiro lugar, seguida pela Arquiconfraria de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e
a Liga Católica Jesus, Maria, José.
Os estatutos da Obra de São Geraldo nos revelam uma prática de
continuação do catecismo e de inserção dos jovens na vida cristã adulta, pois:
“se compõe de moços de 12 a 16 anos, que sejão de bom
costumes e vida exemplar.(...) Art.3. Será esta congregação a
preparação para a entrada na archiconfraria da Liga Catholica
de Jesus Maria José, de modo que os congressitas depois de
completarem 16 annos podem immediatamente entrar na Liga
Catholica recebendo diploma e medalha.”
242
O efeito prático destas associações foi o desmantelamento das antigas
irmandades e confrarias voltadas para os santos tradicionais, fazendo com que
novos santos ocupassem o seu lugar. Dentro deste contexto, novas festas religiosas
tinham lugar em substituição às antigas festas populares. Assim sendo, as antigas
irmandades começaram a perder suas funções propriamente religiosas e foram se
extinguindo. No caso de Juiz de Fora, a Irmandade de Santo Antônio e a Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário já não aparecem mais nos registros paroquiais a partir
de 1900, ou passam então para o controle paroquial, como foi o caso da Irmandade
do Santíssimo Sacramento, na Igreja Matriz.
No campo das atividades filantrópicas de Juiz de Fora, torna-se importante
ressaltar o papel das Conferências Vicentinas , entidades paroquiais que, no final do
século XIX, passaram a ocupar o lugar das antigas irmandades. A primeira
Conferência Vicentina foi fundada em 1894, na Igreja Matriz, com o apoio do Pe. Dr.
242
CMIJF AHPOF. Livro de Tombo do Curato da Igreja da Glória(1894-1925). Cópia, p. 124.
125
Café. No início do século XX, já havia três núcleos: na Igreja Matriz, nos Passos e no
Curato da Glória.
243
Um balanço mais preciso deste movimento pode ser retirado do balanço
realizado pelos padres Verbitas, no ano de 1925:
“Conferências de S. Vicente
a) Conferencias 16
b) Conselho particular 1
Membros 300
As conferencias socorrem a 150 familias, distribuindo lhes
mensalmente 1.300$000, além de medicamentos. O conselho
Particular mantem as seguintes obras especiais:
1) casas 15
2) onde abrigam familias 22
3) uma escola nocturna 1
4) obra de visita e assistencia aos encarcerados
5) rouparia para os pobres
6) recolhrimento de S. Vicente de Paula, onde abriga quem
não tem teto.”
244
Outra importante obra idealizada pelos Vicentinos, que não aparece nesta
nota, foi a Associação de Caridade “Pão de Santo Antônio”, fundada por um dos
mais proeminentes Vicentinos, Francisco Baptista de Oliveira
245
. Muito comum
encontrar nos jornais locais artigos referentes a este movimento, como este:
“A PEDIDOS
Pão de Santo Antônio
Aviso aos confrades do <<Pão de Santo Antonio>> e <<S.
Vicente de Paulo>> que será celebrada no dia 13 corrente, ás
7 ½ horas da manhã, na Igreja Matriz, uma missa solemne em
honra e gloria de Santo Antonio de Padua.
Os pobres socorridos na hora e dia referidos, deverão
comparecer á egreja, onde será feita a distribuição de Pães. Os
que quizerem commungar deverão preparar-se na vespera.
Francisco Baptista de Oliveira.”
246
Ou ainda,
243
Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Op. Cit., p.
176.
244
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora (1900-1925). Cópia, p.
81v-82.
245
O nome de Francisco Baptista de Oliveira já apareceu citado neste trabalho anteriormente, ele foi o
idealizador do projeto da Academia de Comércio.
246
SMBMMM Jornal do Commercio, Ano V, 10 de Junho de 1900.
126
“DONATIVOS
Para o Pão de Santo Antonio recebemos hontem a quantia de
5$, sendo: 1$ de um anonymo, 2$ de uma senhora de Bello
Horizonte e 2$ de uma devota.
Essa Quantia fica á disposição do sr. thesoureiro, na gerencia
desta folha.”
247
A caridade tinha como meta específica minorar o sofrimento do homem pobre,
em conformidade com os preceitos cristãos. Numa sociedade assolada
freqüentemente por epidemias, como por exemplo, a febre amarela que grassou a
cidade no ano de 1900, ou em 1918 que “desde a 2
a
parte outubro alastrou-se a
espanhola fazendo umas 20 vítimas por dia. Alguns estão acamados desde o 1
o
de
novembro; o p
o
Reitor deitou-se ontem.”
248
Entretanto, as piores calamidades
ficavam por conta das constantes enchentes do rio Paraibuna que causavam
enormes prejuízos para a comunidade, como a de 1906 que os Redentorsitas assim
registram:
“As chuvas impertinentes causaram uma enchente pavorosa do
Rio Paraibuna que causou muito prejuizo a Juiz de fora. Em
redor da cidade e mesma em várias ruas do cidade canoas
navegavam à vontade. Muitas pessoas tinham que fugir à toda
pressa de suas habitações; dizem os jornais que 2.000 pessoas
ficaram desabrigadas.(...) Nesta calamidade pública brilhou a
caridade dos brasileiros. Somas avultadas foram entregues para
ajuda aos necessitados. Muitos dias foram entregues cartões e
talões para comida e roupa.(...) O Pl. R. P. Beukers tinha
mandado rezar-se o têrço durante as missas, para as chuvas
pararem.”
249
A sociedade juizforana foi constantemente castigada por estas enchentes do
Rio Paraibuna, porém, o que nos interessa nesta nota é perceber que, além da
caridade dos brasileiros ser reconhecida pelos holandeses, a atitude do Padre
Beukers, Visitador e Reitor em 1906, é a de mandar rezar o terço para que as
247
SMBMMM Jornal do Commercio, Ano V, 21 de Abril de 1900.
248
CMIJF AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentorsiras de Juiz de Fora(1894-1923), p. 223v, Cópia.
249
Idem, p. 106v.
127
chuvas parassem, o que nos leva a uma prática típica do catolicismo tradicional
muito difundida na espiritualidade ultramontana. Enfim, é também importante
ressaltar que as Conferências Vicentinas atingiram um âmbito bastante expressivo
com suas atividades assistenciais em Juiz de Fora.
Dentro da mesma estratégia de ação reformadora, encontramos novamente o
nome de Francisco Baptista de Oliveira, desta vez na organização da primeira e
histórica romaria a Bom Jesus do Matozinhos, no dia 24 de maio de 1900, em
Congonhas do Campo. A divulgação do movimento ocupou as páginas dos jornais
da cidade, com anúncios do tipo:
“A PEDIDOS
Peregrinação a Mattosinhos
Abrir-se-á no dia 20 do corrente, na casa n. 114 da rua Direita,
desta cidade, a inscripção das pessoas que desejarem tomar
parte na proxima peregrinação ao Santuario de
Mattosinhos.(...)
Cumpre declarar, todavia, que só poderão tomar parte na
peregrinação os catholicos que sincera, verdadeira,
religiosamente, tiverem em vista render uma homenagem a
Nosso Senhor Jesus Christo.(...)
A direção espiritual da peregrinação e bem assim os seus actos
religiosos ficam a cargo dos revdmos. Padres Julio Maria,
vigario Frederico e Redemptoristas.
Ass. Francisco Baptista de Oliveira.”
250
O controle dos centros de romaria foi uma medida importante no contexto da
Romanização e Reforma Católica Ultramontana no Brasil. Este movimento de Juiz
de Fora, apesar de ser preparado por iniciativa de um leigo, membro da Conferência
Vicentina, revela-nos que o mesmo está subordinado ao clero no que se refere aos
aspectos espirituais do movimento.
Neste contexto da presença de leigos agindo em sintonia com os padres
reformadores, vale destacar que a elite juizforana atuou como suporte importante na
250
SMBMMM Jornal do Commercio, Anno V, 22 de Fevereiro de 1900.
128
construção do novo imaginário social religioso tridentino. Segundo Libânio, este
imaginário:
“ocupa o interior das consciências e do inconsciente dos
indivíduos e da coletividade católica. Sustenta por dentro a
identidade. Dá-lhe consistência, validade, força. É motivação
de ação, de compromisso.”
251
Compromisso que pode ser analisado neste momento de afirmação dos
colégios católicos na cidade. A elite apoiou o processo fazendo-se presente desde
os primeiros tempos. Podemos citar, no momento inicial do Colégio Santa Catarina,
de propriedade da Irmãs de Santa Catarina, a solenidade de bênção do terreno
adquirido para a construção do colégio, na qual estiveram presentes “muitas
pessoas de destaque p. e. o Exm
o
Agente Executivo Dr. Antonio Carlos de
Andrada
252
com sua senhora”,
253
ou ainda, este registro mais contundente sobre a
confiança, da principais famílias da sociedade, depositada na educação do Colégio:
“Muitas famílias ricas e distintas(entre elas, as Famílias Tostes,
Quinet, Villela, Andrade, Penido) confiaram suas filhas às
Irmãs, de modo que as dificuldades econômicas eram
vencidas, uma vez que várias alunas pagavam mensalidades
justas.”
254
Os religiosos(as) são agentes mediadores entre o episcopado e os fiéis, no
intuito de os enquadrar. No entanto, estes religiosos eram em sua maioria europeus,
recém-chegados ao Brasil, que necessitavam de conseguir meios de subsistência, já
que os bispos não tinham recursos para tanto. Como a educação, através do colégio
confessional católico, era um dos objetivos da Reforma Católica Ultramontana no
251
LIBÂNIO, J. B. Volta à Grande Disciplina. Op. Cit., p. 75.
252
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada foi um importante político em Minas Gerais. Foi eleito Vereador para a
Câmara Municipal de Juiz de Fora de 1901-1904, Prefeito de 1908-1910, depois chegou a Senador Federal e
Presidente do Estado de Minas Gerais em 1926. Católico fervoroso, sua presença como Presidente do Estado
facilitou em Minas Gerais o projeto de Restauração Católica, aliança de compromisso e cooperação entre o poder
espiritual e poder civil, a partir dos anos de 1920.
253
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925), p. 87, Cópia.
254
CMIJF AHPHOF. Isaho. V.I. 3-4 Colégio Santa Catarina, p. 3.
129
sentido de enquadramento dos fiéis, os religiosos(as) encontraram nas elites o
público frequentador destes colégios possibilitando sua sobrevivência. Os
institutos/congregações de religiosos(as) criaram igualmente escolas gratuitas para
os pobres.
Assim, o projeto da educação católica se estruturava sem dificuldades na
cidade. No Colégio Academia do Comércio, dirigido pelos Padres da Congregação
do Verbo Divino(SVD), o movimento não foi diferente, o ano letivo de 1903 reuniu 75
alunos; em 1910, chegou a 353.
255
Neste contexto, vale lembrar a orientação
episcopal sobre Educação Católica na Carta Pastoral de 1915, na qual se destaca
que:
“Desejamos ardentemente que se encarreguem da direção de
nossas escolas os Religiosos das diversas Congregações de
ambos os sexos, aprovadas pela Igreja, os quais deverão
adotar os métodos modernos mais aperfeiçoados do ensino
primário(Concílio Plenário Brasileiro 464).”
256
Importante perceber que no processo de Romanização e Reforma Católica
Ultramontana da Igreja, o episcopado brasileiro valorizou a educação como suporte
de sustentação da formação de uma sociedade católica reformada, ressaltando em
seus escritos que: “Cuidar da educação da mocidade é uma obra em que nunca se
fará o bastante”
257
, numa meta bem definida de assegurar a permanência dos
valores morais e religiosos católicos, alçando inicialmente o indivíduo, e
posteriormente, a sociedade como um todo.
255
BASTOS, Wilson de Lima. Academia de Comércio de Juiz de Fora. Op. Cit., p. 138-156.
256
Nova edição da Carta Pastoral Coletiva de 1915. Capítulo VIII Escolas Católicas. Canoas, Tipografia LA
SALLE, 1950, p. 52. O CPB(Concílio Plenário Brasileiro) foi realizado em 1939 e assumiu a mesma diretriz
fixada em 1915.
257
Idem, p. 50.
130
De qualquer forma é inegável destacar que neste momento o ensino particular
na cidade de Juiz de Fora sofreu um processo acelerado de europeização. Este
projeto educacional proposto pela Igreja é reconhecido pela elite juizforana, formada
por membros da antiga aristocracia rural e da nova burguesia emergente, como um
processo de modernização da sociedade, o que explica a confiança depositada nos
colégios.
Para assegurar uma melhor formação da sociedade nos valores do
catolicismo reformado, vale destacar a realização de congressos, retiros e
conferências para leigos, realizados neste período. O Primeiro Congresso Católico
Mineiro realizado em Juiz de Fora no ano de 1910 foi gestado numa sucessão de
retiros espirituais dos membros da Conferência de São Vicente de Paulo, realizados
no Seminário de Mariana, de Diamantina e, na Academia de Comércio de Juiz de
Fora. Na assembléia de 1908, na Academia de Comércio de Juiz de Fora, “resolvem
convocar, para os cinco primeiros dias de janeiro de 1910, o primeiro congresso das
associações de catholicos desta Archidiocese”, no qual o principal objetivo “será a
acção social catholica”, sendo “a política é totalmente banida do congresso”.
258
Formado por duas comissões de trabalho, uma de Ouro Preto composta por
quinze membros e, outra de Juiz de Fora com vinte e cinco membros e, divididos no
interior destas comissões em cinco temas centrais: Imprensa Católica, Educação e
Instrução católicas, Instituições de Caridade, Mutualidades Católicas e União dos
Católicas, foi o congresso representado por duzentos e noventa e uma associações
258
CMIJF AHPHOF. Primeiro Congresso Catholico Mineiro Trabalhos e resoluções. Op. Cit., 6-7.
131
católicas de Minas Gerais e contou com a participação de cento e vinte e cinco
congressistas.
259
O discurso inaugural de Dom Silvério é categórico, afirma que a revolução de
1789 prometeu a mais completa satisfação, porém, o povo passou de um cativeiro
para outro jugo e, julgando-se livre, o indivíduo procurou substituir sua pessoa à
sociedade, predominando desta forma a noção de sociedade criada por Jean
Jacques Rousseau no Contrato Social, que negou ao homem a qualidade natural de
ser sociável. A sociedade foi condenada à morte, sucedendo-lhe um novo ídolo: o
Estado, que em breve vingava a sociedade, absorvendo-lhe todos os direitos,
negando-lhe todas as garantias, anulando-a finalmente. O homem não reconheceu
até hoje a sua anulação e continua a considerar-se livre e soberano, sendo que
somente um embargo podia incomodar sua soberania: a submissão a Deus. Era
preciso que não existisse ou pelo menos não se intrometesse em suas cogitações.
Eis a origem, a causa, da crise social que atravessamos, que se manifesta na
questão política, moral, econômica, operária, financeira, etc, que tem origem na
negação da sociedade e no repúdio da sociedade.
Termina seu discurso analisando o caso brasileiro, criticando tenazmente o
Estado republicano que separou a idéia de pátria da idéia de Deus, destacando por
último que o amor de Deus nunca deixará de acompanhar o coração do brasileiro, o
amor da pátria e esse duplo movimento é a explicação da presença de todos no
congresso.
260
259
Idem, p. 9-32.
260
Idem, p. 34-9.
132
Neste contexto, “os discursos proferidos no Congresso adotavam frases de
efeito, apelativas e nostálgicas, apontando o catolicismo como formador da nação
brasileira, responsável pelo grau de civilidade alcançado pelo país”.
261
As teses
debatidas formulavam as principais preocupações da Igreja neste período: imprensa
católica, educação católica, instituições de beneficência, questão operária e união
dos católicos.
Este foi sem dúvida, no contexto da Romanização e Reforma Católica
Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora, um momento importante de despertar no
grupo de fiéis que estiveram presentes a necessidade de organização das
associações católicas, para que estas fossem capazes de agir e transformar a
sociedade de acordo com os preceitos do cristianismo.
O contexto mais abrangente da realização deste congresso é em termos
brasileiros o encontro de interesses, objetivos da Igreja e do Estado, que voltam a se
encontrar em torno de um projeto conservador, de formar bons cidadãos e bons fiéis.
As obras católicas começam a ser enquadradas no padrão do pontificado de Pio X
que já as chama de “Ação Católica”
262
.
Os retiros espirituais para os leigos são uma constante neste período que
analisamos. Encontramos diversos registros destes, tendo como alvo desde as
crianças até os adultos: “De Belo-Horizonte veio o padre de Jong para pregar o retiro
261
OLIVEIRA, Simone G de. A Igreja Católica e o século XIX: Impasses entre a tradição e os tempos
modernos registrados no Primeiro Congresso Católico Mineiro. In: MIRANDA, Beatriz V. Dias &
PEREIRA, Mabel Salgado(orgs.) Memórias Eclesiásticas: Documentos Comentados, Juiz de Fora, Centro da
Memória da Igreja de Juiz de Fora, EDUFJF, 2001, p. 59.
262
A “Ação Católica” oficial chegou ao Brasil em 1935 através do episcopado brasileiro chefiados pelo Cardeal
Dom Leme, do Rio de Janeiro, atendendo a um apelo do Papa Pio XI, que havia oficializado a Ação Católica
para todo o mundo. Neste movimento os leigos passaram a ser conceituados como o braço direito da hierarquia
eclesiástica.
133
às crianças de Sião”
263
; “O p
e
Mathysen prega retiro aos vicentinos da cidade”
264
, ou
ainda; “Como nos annos anteriores realizou-se durante este mez o retiro espiritual
para as Snras Zeladoras do Apostolado, da Confraria e das Senhoras em geral que
nelle quizeram tomar parte. Foi bem concorrido.”
265
Momentos de preparação especiais, como por exemplo a morte, eram a
preocupação dos padres Redentoristas que, no ano de 1912:
“Aos 28 de janeiro introdusiu-se a pratica piedosa da
preparação á morte segundo Sto. Affonso, pratica que consiste
nisso que no quarto Domingo do mez na missa das 6 horas o
celebrante depois dos avisos de costume, em lugar de fazer a
pratica, reza com o povo as orações d’este exercicio.”
266
Para completar esta visão de conjunto sobre o enquadramento dos fiéis,
temos ainda, as conferências do Pe. Júlio Maria em maio de 1892, nais quais
proferiu uma série de conferências dogmático-morais, com temas voltados para a
mulher, como: “Porque Deus confia a mulheres grandes missões religiosas”, “Santa
Cecília e o paganismo romano” e “Santa Mônica ou a esposa, a mãe e a viúva
cristã”. Lotada ficava a Igreja nas famosas conferências do Pe. Júlio Maria,
chegando mesmo a haver reclamações nos jornais por parte daqueles que se
sentiam prejudicados por não ouvir bem a palavra do pregador, pois:
“Aqueles que não puderam se aproximar do púlpito, perderam
quase toda a conferência, ao passo que bem ao centro da
igreja viam-se mulheres, carregando no colo crianças que
tinham a miúdo fortes acessos de coqueluche, perturbando
assim a audição aos que estavam mais distantes.”
267
Percebe-se através da nota como eram concorridas as conferências deste
263
CMIJF AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894-1923), p. 71, Cópia.
264
Idem, p. 156.
265
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925). p. 60v,
Cópia.
266
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925), p. 107, Cópia.
267
Cf. AZEVEDO, Henrique Oswaldo Fraga de. A Evolução do Catolicismo em Juiz de Fora(1741-1925). Op.
Cit., p. 119.
134
famoso pregador e como era necessário não deixar arrefecer o fervor da
comunidade. Com efeito, os padres reformadores utilizavam a estratégia de convidar
pregadores famosos para proferir conferências sobre temas interessantes que
objetivavam chamar o povo a lotar a Igreja.
Entretanto, esta obra de enquadramento dos fiéis está radicada no momento
histórico da cidade de Juiz de Fora, no qual os valores da modernidade iam se
firmando juntamente com as transformações estruturais da sociedade. Assim, estes
valores deveriam ser incorporados na constelação simbólica religiosa e, como
recurso para esta ação, encontramos em Juiz de Fora a presença de uma imprensa
católica ativa, obra dos padres da Congregação do Verbo Divino, o jornal O Lar
Catholico.
O Jornal não difere dos demais jornais católicos deste período. Seus artigos
são voltados para a questão fundamental da Igreja neste período: a inculcação das
idéias, sistemas de valores e padrões de comportamento reformadores.
Nesse sentido vale observar um número bastante grande de artigos voltados
para o comportamento feminino, como este intitulado Horário de uma moça
elegante:
“9 ½ - Levantar-se(Signal da cruz, oração da manhã... nada)
Das 9 ½ ás 10 ½ - Lavar o rosto, caiação de pó de arroz,
rouge nos labios e nas maças tintura de agua oxigenada ou
tinta preta nos cabellos, polimento das unhas bem pontudas,
arrepiamento dos cabellos na ultima moda.
Das 10 ½ ás 11 ½ - Mirar-se ao espelho, vestir o vestido de filó
preto e cantar o Abatjour e um cafézinho.
A’s 12 horas Almoço.
O resto do dia até o jantar, conversas com os almofadinhas, de
janella, leitura de romances, da <Scena Muda>, discussão
sobre a belleza da tela, as ultimas novidades dos figurinos, a
vida alheia, etc., toda a especie de futilidade e mundanismos.
A’s 5 horas da tarde Vestir-se de novo, nova caiação, nova
pintura, passeio com as amiguinhas e namoro a valer nas
esquinas e praças.
135
A’s 6 horas Jantar.
E depois... Tocatas, passeios, cinemas, prosas de janella,
namoros, enfim já não sabe que...
Deitar-se Varia das 9 ás 10 quando não há baile, quando o
há á hora que os gallos estão cantando...
Que contraste da moça piedosa e sensata! Esta, ás 9 ½ já
ouviu Missa, commungou, arrumou a casa, e o resto do dia
corre-lhe em actos de virtude, sempre, modesta, grave, sem
exaggeros e affectações. Grande será a recompensa de uma
jovem christã e virtuosa na Eternidade. A mundana terá que
prestar ao Senhor contas dos escandalos que deu e peccados
que provocou; ao seu encontro irá um Deus que morreu na
cruz para mostrar que não é de rosas o caminho do céo.”
268
O estilo de vida da sociedade urbana, afetada pelo processo de
modernização que produz transformações profundas na visão de mundo, merece
atenção especial visando a organização, com base nos preceitos católicos, das
vivências domésticas.
Os reformadores souberam aproveitar dos imaginários sociais religiosos para
perpetuar seu projeto de enquadramento, e somando-se a isto uma relativa
autonomia com relação a estes imaginários, dado o seu papel de intelectuais,
podendo redefini-los criativamente.
Concluindo este terceiro capítulo, é Impossível não encontrar uma palavra
elogiosa do bispo Dom Silvério no livro de tombo da paróquia nos seguintes termos:
“Da visita que faço a esta cidade e freguesia de S. Antonio do
Juiz de Fora levo impressão mui consoladora pela
prosperidade religiosa em que a encontrei: os sacramentos
frequentados em proporções admiraveis, os meninos
doutrinados com cuidado e com esmero, a escola parochial
funcionando com grande numero de alunnos, as associações
catholicas em plena atividade: Conferencia de S. Vicente de
Paulo, Dama da Caridade, Pão de S. Antonio, Obra dos
Tabernaculos, Vocações Eclesiasticas, União Catholica ou Liga
Catholica, Apostolado da Oração, Irmandade do SS
Sacramento, Confraria do Purissimo Coração de Maria, Guarda
d’ Honra, Congregação Mariana dos jovens, Sta Infancia, Pia
União das Filhas de Maria, Doutrina Christã, Ordem Terceira de
São Francisco. Raro é encontrar tantas obras em uma cidade
cuja população não deve exceder a 30 mil almas. Estas
associações e as Congregações de mulheres, Servas do
268
CMIJF AHPHOF. Isaho X. A. Jornal OLar Catholico, 03 de junho de 1923. Cópia.
136
Espirito Santo, Irmãs do Bom Pastor e de S Catharina são as
que mais auxiliam a acção parochial, cujo zelo reconheço e ate
admiro. Por isso aqui deixo consignado meo reconhecimento
ao rvdo. Vigario Leopoldo Pfad , e a santa Congregação do
Verbo Divino, cujos serviços e beneficios nesta paroquia são
dignos dos maiores elogios. Sinto que a escassez do tempo e
meo estado não me permittissem completar a visita, o que farei
o mais breve que me for possivel. Entretanto pelo que visitei e
conheci fico em extremo consolo. Minha bencção ao Rdo
Vigario e ao povo desta paroquia, (...) tambem sobre os que
ainda permanecem miseraveis aos chamamentos da graça, e
complete a obra de regeneração de todos. Juiz de Fora 23 de
junho de 1911.
+ Silverio Arcebispo de Marianna.”
269
Ao longo deste período, a Cúria de Mariana constituía o centro dinamizador
do processo reformador. Ao bispo competia orientar em todos os sentidos o
desenvolvimento da vida católica na cidade, e, como podemos perceber, houve uma
completa sintonia entre a ação paroquial e o projeto do episcopado.
Desta forma, consolida-se na paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora o
processo de Romanização e Reforma Católica Ultramontana e, quando em 1922
Dom Silvério vem a falecer, coube a seu sucessor, Dom Helvécio Gomes de
Oliveira, a criação da Diocese de Juiz de Fora, ocorrida em fevereiro de 1924
através da bula Ad Sacrosanti Apostolatus Officium. O primeiro bispo de Juiz de
Fora, Dom Justino José de Sant’ Anna, tomou posse da nova diocese no dia 1
o
de
fevereiro de 1925.
270
Assim, as relações que se desenvolveram durante o episcopado de Dom
Silvério levaram a Igreja de Juiz de Fora a encontrar-se em sintonia com uma nova
fase da História da Igreja nacional, fase denominada pelos historiadores como
269
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora, p. 47-47v, Cópia.
270
Cf. Azzi, Riolando. Sob o Báculo espiscopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Op. Cit., p.
196-198.
137
Restauração Católica
271
, encerrando-se assim, a grande fase de atuação dos
prelados de Mariana em Juiz de Fora.
271
O conceito de Restauração Católica deve ser entendido como um esforço da Igreja nacional, em particular do
episcopado, de uma aproximação entre a Igreja e o Estado, no sentido de uma maior colaboração entre as duas
instituições. A título exemplificativo desta temática, LUSTOSA, Oscar F. A Igreja Católica no Brasil
República. São Paulo, Paulinas, 1991; AZZI, Riolando. O Estado leigo e o Projeto Ultramontano. São Paulo,
Paulus, 1994.
138
4- OS LIMITES DA ROMANIZAÇÃO E DA REFORMA CATÓLICA
ULTRAMONTANA - UMA SITUAÇÃO DE GRANDES DESAFIOS
Nos primeiros anos do processo de Romanização e Reforma Católica
Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora encontramos um número expressivo de
padres
272
, porém, muitos destes ainda não se encontravam imbuídos do espírito
reformador, o que colocava o episcopado em uma situação extremamente delicada.
Muitos párocos exerciam funções públicas e políticas
273
que lhes consumiam
as energias e o tempo, pouco sobrando para as tarefas mais diretamente eclesiais.
Concebiam, desta forma, a direção da paróquia de maneira muito mais
administrativa do que espiritual. Descuidavam e, alguns até mesmo ignoravam, os
principais problemas religiosos da sua comunidade.
Para a tarefa que se impunha no momento, de Romanização e Reforma
Católica Ultramontana, era necessário um clero secular forte e coeso, voltado
exclusivamente para a obra reformadora. A dificuldade de formar este clero pode ser
sentida não somente no âmbito de Juiz de Fora, mas de toda a arquidiocese de
Mariana ao longo de todo o período que delimitamos para este trabalho, pois em
1919, Dom Silvério, em circular reservada aos párocos de seu arcebispado, reclama
da falta de união do clero, nestes termos:
São porem menos raros, os que murmurão dos collegas até
diante dos seculares, os que ridicularizão seus actos,
assoalhão suas faltas, envenenão suas intenções, exagerão
seus erros. Se o padre teve uma desgraça, da qual se
arrependeo, essa infelicidade, que já obteve perdão inteiro do
Coração de Jesus, não obtem compaixão da lingua de um
collega, que, com toda sua justiça pharizaica, está nos olhos de
Deus muito abaixo do padre publicano , arrependido e
272
Cf. Capítulo III, nota 206.
273
Como por exemplo o Padre João B. Roussin, citado no Capítulo I, nota n. 17.
139
perdoado. Tenhamos caridade com todos os homens, e de
modo muito especial com os nossos irmãos no sacerdocio.”
274
Ao iniciar tal queixa, Dom Sivério faz uso das palavras “convem insistir”, o que
nos demonstra ser esta uma dificuldade que acompanhou todo o processo que ora
apresentamos e, na tentativa de uma solução, o prelado faz uso de uma circular
reservada, um chamamento indispensável na tentativa de formar um clero
harmônico.
A necessidade de harmonia não deve ser entendida somente do ponto de
vista da organização interna da Igreja, deve ser estentida também à sociedade como
um todo. Neste sentido percebemos as dificuldades que teve o Pe. Dr. Café com a
publicação de seu jornal o Lar Catholico.
Dois dias depois do aparecimento do 1
o
número do Lar Catholico, o redator do
jornal O Pharol, de maneira bastante sutil, procura mostrar quão ineficaz era um
jornal católico, que nascia com uma linguagem distanciada do povo ao qual se
destinava, com as seguinte palavras:
“Recebemos o 1
o
mero do ‘Lar Cathólico’ , periódico de
propaganda religiosa, do qual é diretor o Revmo Dr. Venâncio
Café. Destinado às famílias, tendo por fim combater erros e
heresias que a jornalada, a imprensa perversa espalhada por
toda a parte, o ‘Lar Catholico’ deveria ser escrito em linguagem
chã, simples, compreensível , mais ao alcance dessa ordem de
leitores que pensam com o jornal que lêem deixando-se
paulatinamente, imbuir do erro ou da verdade, em matéria de
religião. Um periódico, que, além de ser escrito em estilo por
demais esmerado tem o luxo de trazer dois artigos-programas,
como se um não fosse bastante para definí-lo, corre o riso de
ser lido por poucos, o que dificultará em muito o êxito da
propaganda, a que se destina. Esse fato, porém, jamais se
dará conosco, pois, tendo lido com particular atenção o número
de que nos ocupamos, de igual modo leremos os
subsequentes, desejando que o ‘Lar Catholico’ tenha próspera
e longa existência, para o engrandeciemento da Religião de
que é digno ministro o seu ilustrado diretor.”
275
274
CMIJF AHPHOF. Circular reservada ao clero, Dom Silvério Gomes Pimenta, 24 de fevereiro de 1919, p. 8.
Pasta Mariana, Cartas Pastorais.
275
SMBMMM O Pharol, Ano XXV,03 Fevereiro de 1891.
140
Com este trabalho do jornal, o Pe. Dr. Café deixa bastante claro sua intenção,
que é a de uma ação no presente com vistas ao futuro, pois seus artigos predizem
imagens de uma sociedade que deveria ser reproduzida num futuro próximo. Porém,
com o alerta do redator de O Pharol , o Pe. Dr. Café não soube fazer uso de uma
linguagem própria para o grande público e, inevitavelmente, lemos a seguinte
notícia:
“Em seu número de domingo último, esse nosso distinto colega
de imprensa local declarou suspender definitivamente sua
publicação por lhe terem faltado apoio e animação por parte do
público. Nós, que conhecemos de perto seu ilustrado e
infatigável diretor, somos testemunhas do desinteresse e
abnegação com que manteve aquela folha cerca de um ano.
É de lamentar que os verdadeiros crentes dos princípios
religiosos defendidos pelo Lar Catholico não o tenham
auxiliado como deviam.”
276
Na realidade, o que podemos perceber é que o fechamento do jornal
católico, nestes primeiros anos do movimento reformador na paróquia de Santo
Antônio de Juiz de Fora, se deveu, além da dificuldade apontada pelo redator do uso
de uma linguagem escrita em estilo por “demais esmerado”, ao fato de não haver
ainda neste momento um público receptor para o discurso reformista emitido pelo
jornal.
A falta de auxílio dos próprios católicos para a imprensa católica, apontada
pelo editor do jornal O Pharol, deve ser analisada num contexto maior, não só de
desinteresse pela imprensa, mas também de que de uma maneira geral, a
sociedade juizforana encontrava-se adormecida para uma participação mais efetiva
da prática religiosa segundo as diretrizes reformadoras. O Pe. Júlio Maria deixa claro
em seus escritos as dificuldades encontradas nos primeiros anos:
276
SMBMMM O Pharol, Ano XXVI, 20 de Setembro de 1892.
141
“A multidão dos fiéis vive persuadida de que um santo, por
exemplo, Santo Antônio, São Sebastião, ou São Benedito,
dispõe soberanamente, sem dependência de Jesus Cristo,
dos tesouros da Igreja; e que basta honrá-los com
septenários ou novenas, missas cantadas, sermões e
procissões para que removam-se os flagelos, evite-se a
peste, atraia-se a graça e se consiga a salvação.”
277
A cidade de Juiz de Fora nos anos de 1890 era bem o modelo da vivência do
catolicismo brasileiro de antes da reforma pretendida e perseguida com todas as
forças pelo clero reformador, o qual como podemos perceber ainda não obtivera nos
primeiros anos, os frutos pretendidos.
O Pe. Júlio Maria relembra o episódio bíblico de Nínive, uma cidade cuja
iniquidade havia ultrapassado os limites da compaixão divina, comparando-a com
Juiz de Fora nestes termos:
“Oh! Se esta cidade quisesse a salvação! Oh! Se este povo
quisesse a graça! Eu estimo esta cidade, eu amo este povo;
mas não posso encobrir os castigos que o Senhor lhe reserva.
Ele me ensina nas suas Escrituras que, em sua mente divina,
tem certa medida destinada aos pecados não só de cada
homem, e de cada nação, mas também de cada cidade.”
278
E completa sua argumentação de forma expressiva: “Oh! Eu quisera ser o
Jonas desta cidade; eu quisera que ela me desmentisse.”
Os frutos pretendidos pela ação reformadora podem ser observados de forma
mais clara a partir do início do século XX, como vimos no capítulo anterior, com a
investida e atuação bastante eficaz dos religiosos europeus que desembarcaram em
Juiz de Fora com a finalidade de dinamizar a ação do clero e enquadrar os fiéis no
modelo romanizador.
Porém, não podemos pensar que a atuação destes europeus se realizou sem
nenhum tipo de dificuldade. Para analisar este ponto baseio-me nos documentos
277
MARIA, Júlio. O Deus Desprezado. Juiz de Fora, Tip. Americana, 1895, p. 64.
278
MARIA, Júlio. A Graça. Juiz de Fora, Tip. Americana, 1897. p, 24.
142
dos padres redentoristas holandeses, pois estes registraram esta questão de forma
muito contundente. Assim, encontramos logo no início as suas reclamações no que
se refere à questão da moradia:
“Nossa hospedagem é bastante précaria. A casa tem só cinco
quartos; dois maiores e dois menores com além disso um
corredor e uma cozinha. Os revmos padres Helsen e Mathysen
moram juntos e um dos quartos maiores; o outro quarto maior
serve de refeitório, sala de recreio etc. O irmão Gregório dorme
no corredor entre a cozinha e o resto da casa. Os dois outros
são hospedados num pequeno quarto em frente à sacristia na
igreja. Estão faltando muitos móveis.”
279
Porém, com o anúncio da construção do convento ao lado da igreja, seguido
por pedidos de cooperação, aparecem listas e muitos registros de presentes de
famílias de posses, como este de outubro de 1894: “Hoje ganhamos de presente um
trono para exposição. Foi presente da família Weit, que nos deu também uma bíblia
portuguesa em dois volumes com anotações.”
280
Mas as dificuldades continuam
sendo registradas, principalmente no que se refere à demora do material que deveria
chegar da Holanda. Em janeiro de 1895, temos o seguinte comentário:
“Afinal chegaram os três missais novos e os três pro
Defunetis de Pustet. Foram encomendados aos 31 de julho;
tinham chegado ao Rio aos 24 de outubro! Estamos na Terra
da ‘Paciência’”
281
. Estas dificuldades de transporte e comunicação irritavam os padres
holandeses recém-chegados ao Brasil, mas parece ter sido a língua portuguesa a
maior dificuldade nos primeiros anos, uma necessidade para engajar-se na pregação
das Santas Missões e nos serviços pastorais do curato. Nesse sentido o ambiente
tornou-se tenso, e o desabafo do Pe. Lohmeyer, do dia 16 de fevereiro de 1895, feito
em carta ao padre Provincial da Holanda reflete bem a situação:
279
CMIJF AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894-1923). Cópia, p. 17.
280
Idem, p. 20.
281
Idem, p. 23.
143
“Ainda não me adaptei ao novo ambiente, tenho que ficar na
inatividade por causa do desconhecimento da língua e do povo.
Isso provocou uma crise em mim. O padre Matias Tulkens é um
homem dominador, quer fazer tudo sozinho. A nomeação do
padre Schrauwen foi um erro..., ele é um incompetente. Na
igreja houve 3700 comunhões, mas são incluídas as dos
nossos irmãos, das beatas e do colégio das moças. O padre
Tulkens fez em dez minutos 34 erros de português. O Morro da
Glória convida à ociosidade. Sinto-me muito infeliz e não
encontro consolação junto dos confrades.”
282
Sobre seus próprios conhecimentos da língua portuguesa, o mesmo padre
escrevia um pouco antes: “Estudo o dia inteiro, mas continuo a fazer erros de
pronúncia e não entendo nada, quando alguém fala.”
283
Esta situação de dificuldades com a língua portuguesa gerou impedimento na
eficácia das Santas Missões, conforme assinala o Pe. Wayenburg, segundo Reitor
do Curato de Nossa Senhora da Glória em Juiz de Fora:
“Muitos sermões não são entendidos por causa do sotaque e
por causa do barulho e da algazarra que o povo faz na igreja.
Na Holanda não se pode ter idéia da situação. Muitas vezes, o
pregador deve interromper o sermão para pedir silêncio. Os
homens saem da igreja durante o sermão uns para fumar
cigarro, outros para tomar um trago de pinga. O povo faz das
missões uma festa à brasileira: foguetes, bandas de música e
discursos. Melhor seria menos movimento externo e mais
profundidade.”
284
Esta decepção expressa pelo padre reflete o impacto, nos primeiros anos, do
conflito da cultura européia com a brasileira, pois para os brasileiros a Igreja
continuava sendo o local da festa, do encontro e da alegria. A possibilidade de uma
conversão em profundidade pretendida através das Santas Missões, passa a ser
questionada pelos próprios missionários:
“Quando a gente se limita à leitura das cartas publicadas no
‘Missionário do Povo’, então se admira muito os grandes
282
APRJ, Cartas dos fundadores e primeiros missionários: Carta do Pe. Lohmeyer ao Pe. Provincial da Holanda,
Juiz de Fora, 16 de fevereiro de 1895. Apud: WERNET, Augustin. Op. Cit., p. 19.
283
Idem. Carta do Pe. Lohmeyer ao Pe. Oomen, 15 de agosto de 1893. Apud: WERNET, Augustin. Op. Cit., p.
20.
284
Idem. Carta do Pe. Wayenburg, 18 de agosto de 1898. Apud: WERNET, Augustin. Op. Cit., p.
162.
144
resultados. Olhando, porém, tudo de mais perto pensa-se
diferentemente.
É suficiente para julgar os frutos das missões basear-se
apenas nos números de confissões e comunhões?
A conversão é permanente?
Como são as confissões? Há verdadeira disposição?
Em cinco lugares foi realizada a renovação, apenas em um
lugar se percebeu algo da missão anteriormente pregada. E
isto foi num lugar, onde o vigário cumpre os seus deveres.”
285
A ausência de mudança de mentalidade deve ser pensada também como
fruto da periodicidade das próprias missões, pois “a partir de 1900, a duração da
missão foi mais bem definida: 5 dias para vilas pequenas, 8 a 10 para vilas e cidades
médias e 12 a 15 para cidades maiores”
286
. Porém, muitas vilas recebiam os
missionários em espaços de anos, o que certamente dificultava um processo de
verdadeira conversão na ótica dos missionários. Em dias de missão todos se
voltavam para a igreja, mesmo fazendo da missão uma festa à brasileira, depois
ficavam sob os cuidados do vigário local, que tradicionalmente não tem vida religiosa
regular, não sendo capaz de manter os resultados dos dias de missão.
Quando ao desconforto em tempos de missão a queixa é clara, assim escreve
o Pe. Wiegant:
“Não há cerveja, não há vinho, somente água tirada do rio, a
igreja descuidada e miserável..., e não passo nenhum dia,
nenhum momento, sem me irritar por causa de um ou outro
ponto na sacristia, na casa, na mesa, em toda a parte a gente
encontra coisas que incomodam, escandalizam e enjoam.”
287
O mal-estar provocado por esta situação de desconforto por ocasião das
missões populares, com respeito à falta de cultura do povo, sobretudo, a
simplicidade do povo da roça por seu caráter indolente, que durante o sermão sai
285
Idem, Ibid.
286
WERNET, Augustin. Os Redentoristas no Brasil. Vol. I. Op. Cit., p. 158.
287
APRJ, Cartas dos fundadores e primeiros missionário. Carta do Pe. Wiegant , 17 de agosto de 1898. Apud:
WERNET, Augustin, Op. Cit., p. 163.
145
para fumar e tomar um trago de pinga, torna-se menos relevante se analisarmos a
oposição aos padres holandeses por parte de certos segmentos da sociedade que
se encontravam nos grandes centros urbanos. No caso de Juiz de Fora, a oposição
torna-se clara e, realiza-se sempre através da imprensa liberal. Para ilustrar esta
questão usaremos como exemplo as Missões que foram pregadas pelos padres
Francisco Lohmeyer, Afonso Mathysen, Adriano Wiegant e Paulo Tweehuisen, de 26
de maio a 10 de junho de 1906, na Igreja Matriz. O ponto de atrito e de divergência
foi o sermão pregado para as moças sobre o sexto mandamento, o que acabou por
levar as Santas Missões para as manchetes dos jornais, da seguinte maneira:
“Pessoas que têm assistido ás missões que ora se prégam na
egreja matriz desta cidade, aliás muito bons catholicos, pedem-
nos que chamemos a attenção do revd. Vigario da freguezia
para os termos improprios de que usam os reverendos
prégadores.
Segundo as informações que nos foram ministradas, chegam
os termos por elles empregados no pulpito a constituir
desenvoltura de linguagem, sob pretexto de ensinamentos
moraes, digna até de severa repressão.
Entretanto em minucias incovenientes, embora, julguem ser
isso proprio ao aperfeiçoamento moral dos fieis, descrevem os
prégadores, em côres vivas, certos e determinados peccados
que nossas jovens não commettem e nem de nome conhecem,
porque a familia brasileira é tradicionalmente moralizada,
porém que ficam sabendo pela simples audição de similhantes
prédicas.(...)
Os pais de familia no Brasil sabem dar a seus filhos, pelo
exemplo e pela educação, ensinamentos de sã moral. Nem
para isso jamais necessitam de missões. Com ellas ou sem
ellas, a sociedade brasileira é o que é: moralizada e honesta,
pela única direção que os nossos chefes de familia, sempre
souberam imprimir á cultura moral de sua prole.
Essas prédicas talvez se adptem á educação de tribus
nomadas do centro africano.”
288
O certo é que os padres redentoristas holandeses, apesar de perceberem a
educação diferenciada dada aos moços e às moças, pois isto sempre foi muito claro
na sociedade brasileira do final do século XIX e início do século XX, continuavam a
288
CMIJF AHPHOF. Isaho. V.E.6 Artigos e jornais(1906). Correio de Minas, 06 de junho de 1906, Cópia.
146
dar ênfase no sermão à questão da impureza. Assim, as contestações e
agressividades contra os pregadores aparecem de forma enfática, com artigos
assinados na imprensa liberal, como este de Celso Dianrte, no qual ressalta:
“E’ preciso que, de uma vez para sempre , se callem nos
pulpitos dos templos catholicos umas tantas vozes que, longe
de concorrerem para a regeneração dos nossos costumes vem
despertar sentimentos condemnados pela religião, que essas
mesmas vozes julgam apontar ao povo como a única que nos
conduzira pelo caminho do Bem e da Virtude.”
289
Esta oposição nos meios urbanos foi qualitativamente mais importante e
demonstra-nos a existência de católicos com atitudes de benevolência para com os
outros grupos religiosos existentes na cidade, mas é especialmente agressiva
quanto às pregações dos missionários, além da crítica à idéia de um imaginário
social católico como o único capaz de levar o homem ao plano da salvação eterna.
Neste contexto de oposição contra os padres missionários, inserem-se
naturalmente críticas ao processo de substituição do clero nacional por estrangeiros.
A questão pode ser observada no mesmo artigo de Celso Dinarte, que faz a
seguinte observação:
“De um certo tempo a esta parte tem-se notado no clero
brasileiro o desapparecimento dia a dia dos padres nacionaes,
e o surgimento sempre crescente de padres estrangeiros, cuja
procedência muitas vezes ignorada causa certo mau ver
áquelles que, religiosos, catholicos por convicção e não por
phanatismo, se interressam pela religião e desejam vel-a
sempre triumphante, quer no conceito do povo, quer nos
embates com as seitas que lhe são adversas.”
290
Pelo fato de serem estrangeiros, de desconhecerem a cultura e costumes do
povo, o estilo de suas pregações nem sempre correspondia às expectativas e
necessidades do povo, provocando desinteresse e críticas. Desta forma, vale
ressaltar que as críticas ao clero estrangeiro aparecem sempre acompanhadas da
289
CMIJF AHPHOF. Isaho. V.E.6. Artigos e jornais(1906). Correio da Tarde, 09 de junho de 1906, Cópia.
147
afirmação de que Juiz de Fora tinha um padre que por si só era uma garantia para a
religião católica, a referência é sempre para o Pe. Júlio Maria.
Entretanto, as críticas ao processo de europeização do clero brasileiro não
pode ser analisada apenas em termos de Juiz de Fora, de maneira mais geral houve
reação em todo o país a este movimento. No livro de crônica dos Redentoristas , em
janeiro de 1900, encontramos o registro de que:
“O Jornal do Comércio(do Rio) trouxe alguns artigos(transcritos
do Diário de Minas) contra o clero estrangeiro que em tudo são
privilegiados pelos bispos e ao clero nacional tiram as
paróquias mais pingues. Fala-se aí também de nós que em tão
grande número estamos no morro.”
291
O certo é que esta crítica valia para todos os padres estrangeiros, assim
como para o episcopado brasileiro, pois eram estes os responsáveis pela presença
de um número tão grande de estrangeiros em suas dioceses.
Vale somar a todas estas questões, as dificuldades vividas pelos
Redentoristas holandeses em Juiz de Fora ao se envolverem em duas questões
extremamente desgastantes: as conhecidas ‘Questão Alemã’ e a ‘Questão São
Roque’
292
. Apesar do desfecho de ambas as questões terem sido favoráveis aos
padres holandeses, foram questões que se arrastaram durante anos, geraram
descontentamentos, desentendimentos e antipatia de um número bastante grande
de imigrantes que se havia fixado na cidade.
Importante destacar nesta questão que os imigrantes italianos que entraram
em atrito com os holandeses, por volta de 1902, quando foi instalada a Irmandade
de São Roque, resistiram até o ano de 1920, ano da doação da Capela de São
290
Idem.
291
CMIJF AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894-1923). Cópia, p. 63 v.
292
Cf. Capítulo III deste, Questão Alemã p. 96, Questão S. Roque p.113, nota 215.
148
Roque à Arquidiocese, o que demonstra que não foi fácil para os Redentorsitas o
controle das Irmandades.
Além de todas estas questões delicadas, apresentadas até agora, torna-se
necessário registrar que a Igreja Católica de Juiz de Fora, no final do século XIX,
não detém mais a hegemonia religiosa sobre a população. Segundo Camurça,
“Em 1907, a Câmara Municipal procede a um recenseamento
da população, chegando ao seguinte resultado com respeito ao
percentual de adeptos das religiões na cidade: Católicos:
26.785, Protestantes: 441, Espíritas: 226, Ignorado: 2.464.”
293
Assim, diante deste contexto de pluralidade religiosa, encontramos um terreno
apropriado para a competição entra as diversas tendências apontadas, às quais
ainda devemos somar a maçonaria. Competição acirrada, que por vezes chegou
mesmo a embates com o uso da violência.
4.1- Os principais adversários da Instituição Eclesiástica
4.1.1- Os Protestantes
Os protestantes em Juiz de Fora encontravam-se divididos entre luteranos e
metodistas. Os primeiros luteranos chegaram à Juiz de Fora no contexto da
construção da estrada União e Indústria(1857)
294
, num momento em que o processo
de Romanização e Reforma Católica Ultramontana ainda não começara a se
processar na região.
293
CAMURÇA, Marcelo Ayres. A carta pastoral de Dom Justino e o “Juramento de Fidelidade à Igreja”:
controle do rebanho face às ameaças do “lobo voraz” espítita! In: MIRANDA, Beatriz V. Dias & PEREIRA,
Mabel Salgado. Memórias Eclesiásticas: Documentos Comentados. Juiz de Fora, Centro da Memória da
Igreja de Juiz de Fora, EDUFJF, 2001, p. 99.
294
Cf. Capítulo I, p 26.
149
Em 1861, quando Dom Pedro II visitou a cidade, os colonos alemães
protestantes solicitaram que fosse cumprida a determinação da condição Sexta do
contrato assinado pela Companhia para importar colonos:
“O Governo Imperial auxiliará com a quantia de Rs.
4:000$000(quatro contos de réis) a construção de uma casa de
oração sem forma de templo, para os colonos que não
seguirem o culto católico. Este auxílio será realizado logo que
haja um número de religião dissidente superior a
quatrocentos.”
295
Tendo neste momento um número superior, 507 protestantes, Dom Pedro
atendeu ao pedido dos colonos e o templo foi construído. O atendimento espiritual
era feito, inicialmente, pelo Pastor Bernharrd Pflüger, pastor de Rio Novo, na
província do Espírito Santo, e posteriormente, pelo Pastor Gottlieb Strölle, residente
em Petrópolis-RJ. Para atender seus fiéis, deslocava-se uma vez por mês de
Petrópolis, permanecendo em Juiz de Fora por três dias. Os alemães protestantes
construíram também uma escola, porém, segundo os relatos do Pastor Strölle, a
formação das crianças era deficiente.
Segundo Dreher, não consta nenhum atrito entre católicos e protestantes no
interior da colônia alemã, pelo contrário, estavam organizados e em sintonia quanto
à questão religiosa, pois antes da construção do templo, “construíram uma escola,
na qual aos domingos, primeiro os católicos e depois os protestantes, assistidos pelo
professor Waltenberg, realizavam seus cultos”
296
, assim como se realizavam
casamentos entre estes. Nestes casos, de casamentos interconfessionais, tornava-
se necessária a autorização do bispo de Mariana, como o processo que segue:
295
STEHLING, Luiz José. Os alemães em Juiz de Fora, p. 276. Apud: DREHER, Martin N. Imigração alemã
e protestantismo em Minas Gerais, ao longo do século XIX. Juiz de Fora, Revista RHEMA, 1998, v. 4, n. 16,
p. 94.
150
“Francisco Rodrigues de Paula, da ordem de Cristo, Oficial da
Rosa, Arcipreste da Catedral, Provisor e Vigário Geral G. S.
Faço saber que não podendo contrair o sacramento do
Matrimônio como pedem, impedidos os senhores abaixo
declarados, dei a minha sentença de teor seguinte: VISTO
estes autos de dispensa do Sr. Carlos Taucher e Eva Tebanu,
residentes na freguesia da cidade de Paraibuna deste Bispado,
ambos alemães da nação deles demonstraram serem os
próprios ligados com o impedimento de “Cultos Disparitus” por
ser esta protestante e aquele católico romano. Provando-nos
ser a senhora pobre e órfã de mãe, e mesmo o senhor com seu
ofício e agência a poder amparar e ela não foi raptada.
Segundo vistos pela justificação junto, tendo eles provado
estado livre e a senhora assinado termo de não embaraçar seu
consorte no exercício de sua religião católica e de educar e
criar seus filhos(quando os tenha) na religião católica, usando
dos poderes concedidos aos Exmos. Srs. Bispos do Brasil, pelo
Santíssimo Padre Pio IX no breve que começa UNIVERSI
DOMINICE GREGIS expedido em Roma aos 17 de março de
1848, e a mim cometido por sua Exa. Revma., dispenso os
referidos senhores do mencionado impedimento Cultos
Disparitus para que se possam receber em Matrimônio que
será celebrado, fora da igreja e sem bênção ou outra
formalidade religiosa, e nesta forma se lhes dê sua sentença.
Mariana, 26 de outubro de 1858.
Francisco Rodrigues de Paula, Bispo.”
297
Nestes termos, apesar da presença deste grupo de protestantes luteranos na
cidade, o processo de aculturação que se desenvolveu não foi tão negativo para a
Igreja Católica, pois sendo os filhos destes casamentos educados na doutrina
católica, o resultado parece ter sido positivo.
Vale notar que a situação que se desenvolve com a “Questão Alemã” leva os
luteranos a concentrar forças num projeto de resistências contra os padres
holandeses. A falta de um projeto maior, de afirmação de sua religião, pode ser
analisado em parte pelo direcionamento que foram obrigados a dar na busca de não
perder aquilo que consideram como seus bens. Assim, vemos representantes do
Culto Evangélico Mariano Procópio em Mariana na luta por esta causa, como deixa
296
DREHER, Martin N. Imigração alemã e protestantismo em Minas Gerais, ao longo do século XIX. Juiz
de Fora, Revista RHEMA, 1998, v. 4, n. 16, p. 94.
297
Citado por STEHLING, Luiz José. Companhia União Indústria e os Alemães. Projeto Documento
Coleção Juiz de Fora I. Juiz de Fora, Prefeitura Municipal, 1979, p, 274.
151
clara a correspondência do Pe. Adriano Wiegant a Dom Silvério, em novembro de
1907:
“Junta com esta vai a exposição escrita da questão religiosa,
onde V. E. achará tudo o que poderá elucidar a questão com
os documentos relativos a ella.
Assim como nós apresentamos a V. E. copias authenticas de
todos os documentos, que provam que a Capella da Gloria com
seu patrimonio, o cemiterio e as escolas são bens
aclesiasticos, assim seja permittido lembrar a V. E. que exiga
tambem dos membros da comissão, que irão procurar V. E.,
copias de todos os documentos pelos quaes elles pretendem
provar que a Capella da Gloria e o cemiterio e o patrimonio e
as escolas são bens civis.”
298
Uma história de resistências que ainda não foi totalmente desvendada pelos
historiadores, mas que nos indica perdas, tanto para os alemães, que tiveram seu
culto desestruturado, quanto para os Redentoristas, que se envolveram em uma
questão bastante desgastante também, tirando energias que poderiam ter sido
empregadas no processo de Romanização e Reforma Católica Ultramontana.
Porém, com os metodistas as relações que se desenvolveram não foram
totalmente diferentes. Os primeiros misssionários metodistas chegaram a Juiz de
Fora
299
em maio de 1884. São eles: Samuel Elliot, Hemann Gartner e Ludgero de
Miranda. Alugaram uma casa à Rua Santo Antônio n. 10 e, em seu piso térreo,
montaram uma casa de culto público. Durante três semanas pregou alí o Rev.
James L. Kennedy, porém, os tempos não eram mais aqueles tempos pacíficos
298
AEAM P. 12, A. 4, G.1. Correspondência dos Redentoristas com Dom Silvério.
299
A estratégia missionária metodista no Brasil teve como prioridade à educação das classes dominantes, assim,
a escolha de Juiz de Fora deve-se ao fato de seu “desenvolvimento econômico, sua influência política e sua
posição geográfica estratégica, era, na época, o principal centro republicano e maçom da Província. Os pastores
metodistas concebiam-na como o Vaticano do Metodismo Brasileiro”. Cf. MESQUIDA, Peri. Hegemonia
Norte-Americana e Educação Protestante no Brasil. Juiz de Fora/São Bernardo do Campo,
EDUFJF/EDITEO, 1994, p. 124
152
entre católicos e protestantes alemães, sendo as pregações do pastor interrompidas
quando a casa foi apedrejada sob a liderança de um padre católico.
300
Mesmo sob pedradas, os metodistas criaram no centro da cidade uma
congregação e, em 1886 colocaram em circulação o ‘Metodista Católico’, com o qual
procuravam rebater as críticas que lhes eram feitas
301
. Em 1890, fundaram o Colégio
Americano Grambery, com uma prática educacional:
“preocupada com o ensino prático e eficiente, identificado com
uma pequena burguesia e com as camadas médias urbanas
ascendentes, mais dinâmicas, menos tradicionais, ligadas, em
parte, ao comércio e à industria nascente, como também a
certos tipos de profissões liberais”.
302
O sucesso do Colégio Grambery, com a criação das Faculdades de Farmácia
e Odontologia em 1904 e, em 1912, com a Faculdade de Direito é indiscutível, o que
levou a uma disputa mais acirrada com os representantes da Romanização e
Reforma Católica Ultramontana.
O confronto entre as partes passou a ilustrar as páginas do principal jornal
liberal da cidade O Pharol. Para responder às críticas dos metodistas, temos como
representante da Igreja Católica o Pe. Hipólito de Oliveira Campos, 5
o
vigário da
Igreja Matriz. Os ataques se fazem seguindo um jogo de controvérsias, como esta
sobre o culto das imagens dos santos:
“’Porque tiramos o chapéo O culto das Imagens’
Assinado Padre H. Campos
Os autores da Reforma tem pretendido prover ser o culto das
imagens uma idolatria. <<Mas, diz ainda Leibniz, que não pode
ser suspeito, depois de haver demonstrado que não se
reconhece outra veneração ás imagens além de que se refere
ao original, não há mais idolatria neste culto do que n’aquele
que se rende a Deus e ao Christo. (...)
300
Cf. DREHER, Martin N. Op. Cit., p. 97.
301
Idem, Ibid., p. 98.
302
CHRISTO, Maraliz de C. Vieira. Europa dos Pobres: a belle-époque mineira. Juiz de Fora, EDUFJF, 1994,
p. 59.
153
Na egreja toda a honra tributada ás imagens se refere aos
originaes, pelos quaes rendemos nossas homenagens ao Deus
Eterno, único que merece as honras divinas, e cujos beneficios
admiramos nos outros, vendo suas imagens, afim de que esta
vista nos anime cada vez mais a consideral-o como o fim
derradeiro>>(Leibniz Système de theologie p. 144 e 150).
Devemos, pois, para serem consequentes consigo mesmos
concordar equalmente que o culto das imagens, auctorisado
em todos os tempos na Egreja catholica, nada tem de commum
com o culto dos idolos.”
303
Como podemos perceber, o Pe. Hippólito é um homem de cultura, sustenta
suas afirmações com base nos escritos de um grande filósofo. A resposta do pastor
metodista aparece no mesmo jornal três dias depois, nos seguintes termos:
“’Resposta á defeza das imagens pelo padre Hyppolito’
Assinado por J. W. Wolling
Pastor da Egreja Methodista.
Uma pessoa bem séria e respeitavel me contou que durante a
semana santa, nesta cidade, não muito longe daqui, um padre
estava pregando e, apontando a uma imagem presente, gritou:
<<Olhae a mãe de deus, olhae as lagrimas della>>; e o povo
curvou na presença da figura.(...)
E a quem toda a culpa dessa tolice?
A voz quasi unaime responde: aos padres.
Por tres seculos elles tém tido o privilegio de ensinar ao povo
deste paiz, e em vez de expor-lhe a palavra divina e lhe ensinar
o culto de Deus, simples e espiritual como nosso Divino Mestre
nos ensina dizendo: Deus é espirito; e em espirito e verdade, é
o que devemos adorar, elles tém perdido tempo com as
imagens sem valor algum.(...)
Em conclusão, supponhamos que no passado houvesse um
proveito em collocar as imagens nas egrejas, é necessario
continuar esta prática no Brasil de geração em geração? Quer
o padre dizer que a nação brasileira depois de tres seculos de
adoração as imagens, ainda acha-se na infância, deleitada com
os brinquedos duma criança.”
304
A maior critica do pastor refere-se à questão de como poderiam os fiéis
discernir as diferenças entre Cristo e os santos. Este jogo de respostas ousadas, de
críticas à pratica de um e outro são uma constante nos jornais, até que um
acontecimento inédito, considerado pelos católicos escandaloso, viria abalar ainda
mais as relações com os metodistas. O principal envolvido no escândalo é o próprio
303
SMBMMM O Pharol, Ano, XXIV, 16 de Abril de 1890.
304
SMBMMM O Pharol, Ano XXIV, 19 de Abril de 1890.
154
Pe. Hippólito que, depois de tantos anos a julgar e criticar a doutrina protestante
passa a considerá-la como verdadeira e converte-se ao metodismo em fevereio de
1900. O ex-padre explica sua atitude relatando que:
“Deixei sem pezar e sem tristezas a freguezia de Juiz de Fora,
devolvendo por duas vezes ao meu bispo a ultima provisão de
vigário da vara daquela comarca eclesiástica. Fui para roça, e,
lá, retirado das agitações dos grandes centros, pude estudar
melhor as Santas Escrituras, e assim me convencer, mais e
mais, das heresias e abominações do papismo.
No meu retiro, modesta morada, foram procurar-me com o fim
de reconduzir-me ao seio da Igreja Romana, muitos amigos e
algumas comissões representando corporações católicas e
acatólicas. Senti-me tão contrariado e oprimido com tantos
pedidos e propostas desses amigos e comissões, que,
conhecedor já da recomendação de S. Paulo Apostolo, que os
presbíteros e diaconos, salvo motivo especial, devem ser
maridos de uma só mulher, tomei a resolução definitiva de me
casar, não somente para definir-me perante a sociedade e viver
de harmonia com a vontade de Deus, mas também para com
esse ato, separar-me por completo da doutrina romanista e
livrar-me das propostas absurdas, dos amigos meus e do
bispo.”
305
Cumprindo a promessa, o ex-padre casou-se em curtíssimo prazo de tempo,
retornando a Juiz de Fora e ingressando definitivamente como ministro na Igreja
Metodista. Em setembro, do mesmo ano de 1900, publicará seu primeiro artigo
entitulado “Porque deixei a Egreja Romana”.
O escândalo da conversão do padre ao metodismo mistura-se com a chegada
em Juiz de Fora da Congregação do Verbo Divino. No livro “Sinais da Igreja no Juiz
de Fora”, escrito pelo Cônego Francisco M. de Oliveira, nota-se uma preocupação
do autor em demonstrar a falta de entendimento entre o Padre Hippólito e os
verbistas, além disto fica claro que neste momento o processo de Romanização e
Reforma Católica Ultramontana caminhava e, portanto, não havia espaço para os
padres que não fossem realmente celibatários.
305
CMIFJ AHPHOF. Anuário do Concílio Regional Norte 20 de julho de 1932, p. 47.
155
Os padres redentoristas registraram, em agosto de 1900, a atitude do ex-
padre da seguinte forma:
“De acôrdo com as últimas notícias, apostatou-se formalmente
o ex-vigário de Juiz de Fora, Hipólito de Campos e passou para
os metodistas. Num manifesto venenoso comunica êste fato no
folheto metodista ‘Jornal cristão’ de hoje. Com a bíblia na mão
tenta provar que o celibato dos sacerdotes católicos é um
abuso e que ele tinha feito bem em casar-se com a tal viúva.
Depois de êle xingar muito o bispo de Mariana, os papas e as
práticas perniciosas que se infiltraram na igreja católica de
hoje, declara ter passado para a doutrina dos metodistas a qual
lhe dera a paz do coração há tanto desejada!!!
O tal ‘manifesto’ transborda de fel. Se o homem não teria falado
mais acertado em dizer que afinal achara uma amásia há tanto
desejada, e que obteve em troca do seu papel de Judas um
bom ordenado na seita dos metodistas, disso nada se diz! (...)
E assim vamos despedir-nos nestas crônicas dêste infeliz
apóstata.”
306
Despedir-se do ex-
padre neste momento não quer dizer que os conflitos entre
católicos e metodistas se tornaram amenos. Este foi, sem dúvida, u
m escândalo que
abalou o processo reformador, porém, as divergências continuaram e chegaram ao
extremo da violência em junho de 1906, no contexto das Santas Missões pregadas na
Igreja Matriz, já citada anteriormente. O momento é de fanatismo religioso, as
notícias dos
conflitos entre as partes podem ser lidas nos principais jornais da cidade, como esta:
“Não sabemos que providencia haja tomado a policia com
relação aos conflictos de ante-hontem occorridos no atrio da
matriz, por causa do fanatismo religioso excitado de meia duzia
de irresponsaveis e boçaes. Entretanto, parece-nos que este
um caso, pela sua brutalidade e pela furia de que deram
mostra os agressores, ao qual não deve faltar a prompta acção
da policia.
Além do espancamento de Heitor Menegale, que aliás
commeteo a imprudência de ir se metter onde não era seu
logar, há os ferimentos produzidos na pessoa de Octavio
Pimentel Barbosa, que ali descia tranquillamente pela rua do
Espirito Santo e que escapou de ser morto ás mãos dos
desordeiros fanaticos, porque o dr. José Mariano
corajosamente enfrentou, de revolver em punho, os caceteiros
do fanatismo.”
307
306
CMIJF AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894-1923). Cópia, p. 69v.
307
CMIJF AHPHOF. Isaho V.E.6 Artigos de jornais de 1906. Jornal Correio de Minas, 09 de junho de
1906, cópia.
156
A nota dá conta do grau de fanatismo dos católicos que se sentiam
incomodados, e talvez inconformados, com a presença de um protestante no
momento da pregação na Igreja Católica.
Violência à parte, vale ressaltar que houve um grande esforço por parte dos
padres redentoristas em dar respostas a todas as ações possíveis dos metodistas no
que se refere à tomada do espaço católico. Assim, lemos em 1906 que:
“Para cortar a propaganda methodista que se fazia no bairro da
Tapera por uma aula nocturna , que os sectarios tinhão aberto,
o R
mo
. P
e
. Capellão Cura tratou de abrir em 10 de setembro
uma aula nocturna gratuita no mesmo bairro, correndo as
despesas com professora etc etc por conta dos
Redemptoristas: a aula methodista exigia 3 mil reis
mensaes.”
308
Ou ainda, a carta do Padre José (sic) ao Bispo de Mariana, datada de 28 de
maio de 1908, expressando sua preocupação com os planos da criação da
Faculdade de Medicina, na qual alerta que:
“Há pouco tempo um dos medicos d’esta cidade, o Dr. Aguiar,
escreveu nos jornais diversos artigos sobre a fundação de
uma faculdade de Medicina n’esta cidade.(...)
No ultimo sabbado houve sessão da sociedade de Medicina
para deliberar-se sobre esta idea e ver se convinha insistir
n’ella. Se a faculdade ficasse independente, como desde
principio foi a intenção, baseada sobre uma pessoa juridica
independente, não havia tanta inconveniencia, antes a nova
faria concurrencia á escola de odontologia e pharmacia dos
Metodistas.
Mas(...), os medicos em vez de persistir na idea de uma
personalidade juridica independente inclinão agora a idea de
fazer uma fusão com a escola de odontologia e pharmacia
dos methodistas, que já tem aequiparação por acharem assim
mais facil a idea, que por outra forma se tornaria muito mais
difficil a executar.(...)
O que fazer agora, para combater este plano e perigo?”
309
308
CMIJF AHPHOF. Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925). Cópia, p. 73.
309
AEAM P 12, A 4, G 1. Correspondência dos Padres Redentoristas com Dom Silvério.
157
Como combater os metodistas foi uma preocupação que ocupou as mentes
dos representantes da Romanização e Reforma Católica Ultramontana da cidade de
Juiz de Fora, ao longo do período que analisamos neste trabalho, muitas forças
foram deslocadas no sentido de não perder espaço mas que certamente limitou a
ação reformadora. Porém, não foi somente com os metodistas que a batalha se
travou.
4.1.2- O Espiritismo
310
A proximidade de Juiz de Fora com relação ao Rio de Janeiro reforçou a
tendência de uma mentalidade metropolitana, contribuindo positivamente para o
desenvolvimento e aceitação de novas idéias. Segundo Simone G. de Oliveira, dois
elementos reforçam a constatação de que o movimento espírita atingiu Juiz de Fora
vindo do Rio de Janeiro: em primeiro lugar porque as primeiras notícias do
espiritismo na cidade datam de 1882, período em que o mesmo se encontrava em
desenvolvimento no Rio de Janeiro; e em segundo lugar, pelo fato de que o primeiro
310
Este item está aqui apresentado com a finalidade de apenas ilustrar uma das frentes com a qual a
Romanização e a Reforma Católica Ultramontana se enfrentou. O tema, já bastante estudado apresenta
bibliografia rica, da qual destaco: OLIVEIRA, Simone G. de. “Fé Racionada” na “Atenas de Minas”: Gênese
e consolidação do Espiritismo em Juiz de Fora e algumas repercussões para a contemporaneidade. Juiz de
Fora, 2001. 175 p. Dissertação(Mestrado em Ciência da Religião) ICHL, UFJF; CAMURÇA, Marcelo Ayres.
“Le livre des Esprits” na Manchester Mineira: A modernidade do Espiritismo face ao conservadorismo
Católico nas primeiras décadas do século em Juiz de Fora. Revista Rhema, v. 4, n. 16, 1998, p. 199-223;
CAMURÇA, Marcelo Ayres. Fora da Caridade não há Religião! Breve histórico da competição religiosa
entre catolicismo e espiritismo kardecista e de suas obras sociais na cidade de Juiz de Fora:1900-1960. Juiz
de Fora, Revista Locus, vol. 7, n. 1, 2001, p.131-154; CAMURÇA, Marcelo Ayres. A Carta Pastoral de Dom
Justino e o “Juramento de Fidelidade à Igreja”: Controle do rebanho face às ameaças do “Lobo
Voraz”Espiríta! In: MIRANDA, Beatriz V. Dias e PEREIRA, Mabel Salgado. Memórias Eclesiásticas:
Documentos Comentados. Juiz de Fora, Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora/EDUFJF, 2001, p. 93-107.
158
Centro Espírita da cidade originou-se a partir de reuniões familiares, ocorridas em
casa de pessoas oriundas do Rio de Janeiro.
311
No contexto de uma sociedade que buscava ‘civilizar-se’, o desenvolvimento
do espiritismo em Juiz de Fora se deu no seio das camadas médias letradas e das
reuniões informais em suas residências, formou-se o primeiro Centro Espírita União
Humildade e Caridade, em 02 de abril de 1901.
312
Apontado pela Igreja Católica como um dos principais erros modernos, o
espiritismo é definido na Pastoral Coletiva de 1915 como:
“O conjunto de todas superstições e astúcias da incredulidade
moderna, que, negando a eternidade das penas do inferno, o
sacerdócio católico e os direitos da Igreja católica, destroi todo
o cristianismo.[Advertindo que] os espíritas devem ser tratados,
tanto no fôro interno como no externo, como verdadeiros
hereges e fautores de heresias, e não podem ser admitidos à
recepção dos sacramentos, sem que antes reparem os
escândalos dados, abjurem o espiritismo e façam a profissão
de fé.”
313
Apesar de tal condenação, não encontramos nos documentos, em
especial nos livros de tombo, uma forte reprovação sobre o movimento em Juiz de
Fora. Segundo Azzi, a não reação da Igreja Católica ao espiritismo nas primeiras
décadas do século XX deve-se exatamente à sua difusão mais restrita ao âmbito
familiar, com pouca visibilidade social.
314
Porém, segundo Camurça, uma das formas pelo quais o espiritismo se
311
Cf. OLIVEIRA, Simone G. de. “Fé Racionada” na “Atenas de Minas”: Gênese e consolidação do
Espiritismo em Juiz de Fora e algumas repercussões para a contemporaneidade. Juiz de Fora, 2001. 175 p.
Dissertação(Mestrado em Ciência da Religião) ICHL, UFJF, p. 32.
312
Cf. CAMURÇA, Marcelo Ayres. “Le livre des Esprits” na Manchester Mineira: A modernidade do
Espiritismo face ao conservadorismo Católico nas primeiras décadas do século em Juiz de Fora. Revista
Rhema, v. 4, n. 16, 1998, p. 200-2.
313
CMIJF AHPHOF. Carta Pastoral Coletiva de 1915, Tipografia LA SALLE, Canoas-RS, 1950, p. 38.
314
Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Op. Cit., p.
183.
159
legitimou perante a população de Juiz de Fora foi através da ação caritativa como
atividade concreta dos seus adeptos. Desta forma:
“como extensão dos trabalhos do Centro Espírita ‘União,
Humildade e Caridade(...) é criado em 1903, o ‘Albergue dos
Pobres’ por iniciativa do jornalista Dr. João Lustosa e do Sr.
Joaquim Gouvêa Franco, que visava o amparo das viúvas.
Nessa mesma linha será fundada mais tarde pela ‘Casa
Espírita’ segundo Centro Espírita da cidade, fundado em
1919 o ‘Abrigo João de Freitas’ para velhos desamparados e
viúvas com filhos pequenos. Dentro do estilo ‘kardecista’ de
ação caritativa, orientado pela FEB, é instituído pela ‘Casa
Espírita’ o ‘Natal dos Pobres’, em 1920, com distribuição de
alimentos, doces, roupas a 300 pobres, ‘sem distinção de credo
religioso’. Em 1923 é criada a ‘Caixa de Natal dos pobres’
destinada a custear a atividade do Natal. Em 1921, em um
galpão, passa a funcionar a ‘Escola Primária João Lustosa’,
que oferece ensino às crianças pobres(...) Em 1923, contíguo à
‘Casa Espírita’, é adquirido um terreno para a construção do
‘Instituto Profissional Eugênia Braga’ destinado a educar
profissionalmente moças e meninas carentes.”
315
Assim, diante deste avanço da ação e das obras desenvolvidas pelos
espíritas, a Igreja Católica sentido-se ameaçada, buscou reagir alertando os seus
fiéis sobre a necessidade da prática da caridade com finalidades sociais. O discurso
do Padre João Castilho Barbosa, feito durante o I Congresso Católico Mineiro,
ocorrido em Juiz de Fora em 1910, ressalta que:
“A caridade feita pelo amor dos homens ou o altruismo, alivia,
por algum tempo apenas, as dores do infeliz, mas não cura as
chagas de um’alma; isto só a caridade christã o faz.”
316
Outra forma de reação dos católicos ao espiritismo foi, apoderando-se de
discursos médicos, realizar seus ataques acusando-o de charlatanismo e de
promotores da loucura, acusações estas que se ligavam às atividades dos médiuns.
Segundo Simone G. de Oliveira, o que se percebe é um campo de batalha, no qual
315
CAMURÇA, Marcelo Ayres. Fora da Caridade não há Religião! Breve histórico da competição religiosa
entre catolicismo e espiritismo kardecista e de suas obras sociais na cidade de Juiz de Fora:1900-1960.
Revista Locus, Juiz de Fora, vol. 7, n. 1, 2001, p. 147-8.
316
I Congresso Católico Mineiro Trabalhos e Resoluções. Ouro Preto, Typografia O Regenerador, 1910, p.
113.
160
o clima de disputas, às vezes, fugia às regras do bom comportamento social,
incorporando agressões verbais entre os concorrentes religiosos.
317
4.1.3- A Maçonaria
Ao combater os inimigos da fé, a instituição católica procurava garantir um
espaço de influência sempre maior na sociedade juizforana. Assim, outra frente de
reação foi aberta contra a presença da Maçonaria, intituição que se encontrava
presente na cidade desde o ano de 1870.
O papel da Maçonaria em Juiz de Fora ainda não se encontra claramente
documentado, uma verdadeira lacuna na historiografia regional. Porém, com base
em documentos da Bliblioteca Saldanha Marinha, da Loja Maçonica Fidelidade
Mineira, a primeira a ser fundada na cidade, podemos registar que a primeira
reunião preparatória ocorreu no dia 12 de março de 1870, em casa alugada para
este fim situada à Rua Direita, sob a liderança do Ven:. Dr. Christovam Rodrigues de
Andrade. A segunda sessão se verificou em 28 de novembro de 1872.
318
No mesmo opúsculo é possível verificar que os membros da Loja Maçonica
Fidelidade Mineira procuravam, assim como os espíritas, atuar na linha caritativa,
registrando que diante da febre amarela que grassava sobre a população em 1872:
“Os membros da Loja são incansáveis nos préstimos pessoais, prestando e
dispensando socorros ininterruptos a todos os necessitados, sem distinção de credo,
raça, política, religião e condição social.”
319
317
Cf. OLIVEIRA, Simone G. de. Op. Cit., p. 106.
318
BSM-LMFMJF. Livreto da Fundação da Loja Maçonica ‘Fidelidade Mineira’. Juiz de Fora, Editado pela
administração da L:. M:. Fidelidade Mineira em março de 1958, p. 3.
319
Idem, p. 7.
161
A não distinção de credo pode ser observada entre seus membros no Livro de
Matrícula Geral dos Irmãos de 1873-1922. Neste é possível observar um grande
número de católicos, seguido de protestantes e espíritas.
320
A presença de um forte movimento republicano no interior da Loja Maçônica
Fidelidade Mineira de Juiz de Fora aparece registrada como grande “fato histórico,
de eminente relêvo na evolução social do nosso querido Brasil, de que o último
congresso republicano se realizou neste Aug:. recinto.”
321
Segundo Mesquida, a relação entre Maçonaria e movimento republicano pode
ser confirmada pelo fato de ser Juiz de Fora a primeira cidade de Minas a aderir ao
Manifesto Republicano de 1870, nos revelando, desta maneira, um fato
surpreendente, com base no Almanaque de 1899 o autor diz: “nem se deve à
casualidade o fato de Juiz de Fora ser, na época, a cidade líder da maçonaria na
Província: quinze lojas.”
322
No mesmo trabalho, Mesquida faz importantes observações sobre a aliança
entre protestantes metodistas e membros da maçonaria, principalmente no que se
refere ao apoio e confiança no momento da fundação do Colégio Grambery,
ressaltando em seus escritos que:
“A Igreja Metodista, uma instituição eclesiástica com objetivos
hegemônicos, procurou aproximar-se desta mesma classe
sócio-política em Minas Gerais e recebeu dela o estímulo e o
apoio de que necessitava para por em execução seu plano de
se fazer presente no Brasil pela educação. Os livros de
matrícula do Colégio Grambery em Juiz de Fora revelam que
uma grande parte da clientela inicial do colégio era constituída
de filhos dos maçons republicanos e de seus amigos.”
323
320
BSM-LMFMJF - Cf. Livro de Matrícula Geral dos Irmãos de 1873-1922.
321
BSM-LMFMJF Livreto da Fundação. Op. Cit., p. 14.
322
Almanaque de Juiz de Fora para 1899, organizado po Heitor Guimarães. Juiz de Fora, Typografia Mattoso., p.
285. Citado em MESQUIDA, Peri. Hegemonia Norte-Americana e Educação Protestante no Brasil. Op. Cit.,
p. 29.
323
Idem, p. 130.
162
Neste contexto, a educação metodista que representava uma reação à
pedagogia rígida das escolas católicas, simbolizando a presença de modernidade e
progresso, elementos de uma sociedade mais evoluída, se colocava como modelo a
ser imitado entre os maçons republicanos.
Para finalizar este item sobre a presença da Maçonaria em Juiz de Fora, vale
destacar que não somente os homens se encontravam organizados no interior da
Loja Maçonica Fidelidade Mineira, primeira loja da cidade, mas as mulheres
chegaram a criar, ainda que por pouco espaço de tempo, a Loja Mista denominada
‘Loja de Adopção Filhas de Hiran’, cuja primeira ata tem data de 20 de julho de 1902
e a última 04 de outubro de 1903.
324
Um estudo mais pormenorizado sobre a
atuação destas mulheres na sociedade juizforana também não se encontra
realizado, visto que as mulheres não tinham o mesmo espaço de atuação que os
homens no interior de tal organização.
Neste contexto de competição, a Igreja Católica, ao longo do período que
analisamos, procurou através de seus representantes máximos alertar os seus fiéis
dos perigos que representavam as iniciativas dos considerados ‘inimigos’. Assim, no
último ano do período que recortamos para este trabalho, 1924, ano da criação da
Diocese da cidade, encontramos no jornal O Lar Catholico a seguinte advertência:
“Aos nossos diocesanos fazemos um vehemente apello, para
que se mantenham firmes na fé catholica, não assistam a
pregações protestantes ou a sessões espiritas, nunca leiam
livros, folhetos ou jornaes de nenhuma dessas seitas; nunca
procurem ou acceitem remedios de curandeiros espiritas, e
nunca mandem seus filhos a collegios protestantes ou espiritas;
nunca tomem parte em festas promovidas pela maçonaria ou
qualquer outra seita e nunca auxiliem os inimigos da Egreja na
construcção de seus templos e escolas.
324
BSM-LMFMJF Livro de Atas da Loja Mista ‘Loja de Adopção Filhas de Hiran’.
163
Palavras dos Srs. Bispos reunidos em Juiz de Fora.
325
Tal advertência nos leva a conclusão de que os protestantes, principalmente
os metodistas, espíritas e maçons foram os principais adversários da Igreja no
período em análise, limitando e muitas vezes desviando forças do movimento de
Romanização e Reforma Católica Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora.
325
CMIJF AHPHOF. Isaho X. A. Jornal O Lar Catholico, 11 de maio de 1924, cópia.
164
CONCLUSÃO
A presente dissertação teve como objetivo analisar o processo de
Romanização e Reforma Católica Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora. Em outras
palavras, ambicionava-se a construção de um novo modelo de Igreja, no qual o
monopólio do sagrado seria gerenciado pelos especialistas religiosos, o clero
católico, restringindo e eliminando o papel dos leigos , transformando-os em meros
consumidores dos bens e serviços produzidos pelo clero.
Partimos da hipótese de que o processo reformador da Igreja Católica
juizforana não se enquadrava nas medidas do modelo marianense de Dom Viçoso.
Seguindo tal hipótese, iniciamos nosso trabalho apresentando a cidade de Juiz de
Fora ressaltando os elementos que a distinguem do “modelo sacramental” de
Mariana. Assim, confirmamos a presença de uma sociedade plural no momento de
sua formação, com a presença sobretudo de dois grupos sociais dominantes: o
primeiro nos revela uma trajetória que nos permite pensar num modelo
modernizador; enquanto o outro nos remete à religiosidade conservadora, herdada
do período colonial.
Desta forma, desenvolvemos o primeiro capítulo ressaltando os projetos
apresentados por um grupo de homens ilustrados que objetivavam a construção de
uma sociedade norteada pelos valores da modernidade e de civilização. E, para
demonstrar os valores do segundo grupo, o mais conservador, elaboramos no
segundo capítulo uma análise do movimento religioso na cidade, na tentativa de
demonstrar que a religiosidade vivida pelo fiéis e o papel desenvolvido pelo próprio
clero nos revelam a prática do catolicismo tradicional, herdado do período colonial.
165
A permanência de elementos religiosos do catolicismo tradicional, até o ano
de 1890, confirma nossa hipótese de que o movimento reformador se inicia em Juiz
de Fora somente na última década do século XIX. A partir desta data encontramos
uma vasta documentação que nos revela a inserção de um forte movimento de
cunho romanizante e reformador.
Assim, procuramos no terceiro capítulo demonstrar através dos principais
agentes reformadores, clero diocesano e congregações religiosas européias, o êxito
alcançado por suas atividades, em destaque no enquadramento dos fiéis. Desta
abordagem podemos concluir que o processo de Romanização e Reforma Católica
Ultramontana que se desenvolveu era realmente necessária para assegurar o
espaço católico já existente em Juiz de Fora. Os números de agregados das novas
associações que se formaram nos demonstram que a sociedade juizforana
continuava a ter na Igreja Católica o seu principal projeto de legitimação social.
Neste capítulo percebemos que a ação romanizadora da Igreja foi tentada,
num primeiro momento, com a ação de um clero reformado e competente, mas que
não conseguiu plenamente os intuitos do bispo. Assim sendo, dadas as
características modernizantes da cidade, o bispo tentou uma nova solução com o
auxílio de congregações religiosas européias que assumiram não somente as
tarefas pastorais e paroquiais como também as tarefas educativas e assistenciais
ligadas a colégios, hospitais e asilos.
Portanto, é necessário ressaltar que, mesmo sendo o processo reformador
de cunho conservador, o enquadramento dos fiéis sob as diretrizes do clero, em um
novo modelo no qual os fiéis perdem muito da sua autonomia na Igreja, teve enorme
aceitação por parte dos mesmos, como podemos observar através do grande
166
número de associações. O grupo de homens ilustrados, que pensavam a cidade
como um projeto mais voltado para os elementos da modernidade, também aderem
parcialmente ao projeto, isto porque a Romanização e a Reforma Católica
Ultramontana oferecem à cidade elementos de modernidade, como no caso da
criação dos colégios dirigidos pelos religiosos europeus.
Porém, não podemos considerar que o projeto alcançou uma vitória completa.
Na luta pela instituição do monopólio dos bens religiosos, os agentes do movimento
enfrentaram, além das dificuldades na implementação das próprias medidas
reformadoras apresentadas no capítulo quarto, a presença de outros credos e
ideologias concorrentes, o que dificultou e limitou o processo reformador, deixando
todavia espaço para sua permanência.
Assim podemos concluir que o movimento reformador certamente ocorreu,
porém não podemos deixar de mencionar que muitas práticas religiosas do
catolicismo tradicional continuam presentes, o que prova que a Romanização e a
Reforma católica Ultramontana se, por um lado integraram-se na vida da Igreja
Católica de Juiz de Fora, tiveram de compor, por outro lado, com a herança colonial.
167
ANEXOS
Anexo n
o.
1: Plano da cidade de Juiz de Fora traçado pelo
engenheiro Henrique Guilherme Fernando Halfeld
168
169
Anexo n
o.
2: Projeto dos portões do Cemitério Municipal de
Juiz de Fora
170
171
Anexo n
o.
3: Mapa da cidade de Juiz de Fora, em destaque os limites da
extensão do Curato de N. S. da Glória
172
173
Anexo n
o.
4: Mapa “Pontos importantes de referência para a História da Igreja
de Juiz de Fora”
174
175
Anexo n
o.
5: Fotografia - Igreja dos Alemães em primeiro plano e ao fundo a
Igreja do Curato de N. S. da Glória
176
177
Fontes
Fontes manuscritas:
Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana
Ø Relatórios Paroquiais - Bispado de Dom Silvério.
Ø Correspondência dos Redentoristas com Dom Silvério.
Arquivo Histórico Municipal de Juiz de Fora
Ø Fundo Câmara Municipal Império. Sessão 20, 59/3/5, 104,156.
Ø Fundo Câmara Municipal República Velha. Sessão 53, 64, 226
Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora Arquivo Histórico Padre Henrique
Oswaldo Fraga
Ø Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925).
Ø Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925).
Ø Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894-1923).
Ø Petição referente à construção da primeira Igreja de Santo Antônio em Juiz de
Fora Fundo Arquidiocese/Paroquial.
Ø Estatuto da Irmandade de Nosso Senhor dos Passos.
Ø Estatuto da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário.
Ø Provisão do Primeiro Vigário de Juiz de Fora.
Ø Livro de Matrícula da Escola Paroquial Menino Jesus.
178
Biblioteca Saldanha Marinho Loja Maçônica Fidelidade Mineira de Juiz de Fora
Ø Livro de Matrícula Geral dos Irmãos.
Ø Livro de Atas da Loja Mista”Loja de Adopção Filhas de Hiran”.
Fontes impressas:
Arquivo da Comunidade Redentorista do Curato da Glória Juiz de Fora
Ø Pasta Escola Paroquial
Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora Arquivo Histórico Padre Henrique
Oswaldo Fraga
Ø Documentos Pontifícios. Carta Encíclica “Da Condição dos Operários” do Papa
Leão XIII.
Ø Documentos Episcopais
- Carta Pastoral Coletiva de 1901.
- Carta Pastoral Coletiva de 1904.
- Carta Pastoral Coletiva de 1915.
Ø Documentos do Padre Hipólito de Oliveira Campos.
Ø Documentos da Santa Casa de Misericórdia.
Ø Documentos do Colégio Santa Catarina.
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Ø Jornal Correio de Minas(1906).
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Ø Jornal Correio da Tarde(1906).
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Dom Silvério Gomes Pimenta
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Biblioteca Saldanha Marinho Loja Maçônica Fidelidade Mineira de Juiz de Fora
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Ø Jornal Diário de Minas(1889)
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