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CARLOS AUGUSTO TRINCA MORINI
RITUAL DE UMBANDA: A INFLUÊNCIA DOS ESTÍMULOS
SOMATO-SENSORIAIS NA INDUÇÃO DO TRANSE
MEDIÚNICO
PUC - São Paulo
2007
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CARLOS AUGUSTO TRINCA MORINI
RITUAL DE UMBANDA: A INFLUÊNCIA DOS ESTÍMULOS
SOMATO-SENSORIAIS NA INDUÇÃO DO TRANSE
MEDIÚNICO
Dissertação de mestrado em Ciências da
Religião, orientada pelo Prof. Dr. Edênio
Valle.
PUC - São Paulo
2007
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BANCA
EXAMINADORA
Dedicatória
Ao Criador,
Ao meu Pai Ogum, minha Mãe Oxum e todos os orixás,
Ao Caboclo Ubiratan, meu grande Mestre e líder espiritual
A todos os amigos espirituais, que tanto ajudaram na realização desta dissertação,
À Liliane, Sacerdotisa de Umbanda e legítima representante da Grande Deusa,
companheira desta e de muitas vidas e aos nosso frutos, Allan e Arthur.
Agradecimentos
Agradeço de todo coração:
À PUC, em nome do Professor Eduardo Cruz, pela concessão da bolsa de
estudo, sem a qual este trabalho não seria viável.
Ao Professor Doutor Edênio Valle, por ter apoiado este projeto desde o
início, por sua paciência e pela sabedoria com que me agraciou.
A todos os professores que me encorajaram a prosseguir com este projeto (e
foram muitos) e também aos que desafiaram muitos dos conceitos aqui contidos,
pois me obrigaram a buscar bases mais sólidas.
Ao Professor J. J. Queirós, cujo apoio e palavra amiga me impediram de
desistir quando as forças já me faltavam.
À Andréia, nosso anjo da guarda da Secretaria, que sempre conseguiu me
acalmar nos momentos de “pânico burocrático” e, que tem sempre um jeito de
facilitar a vida de todos.
À minha mãe e à minha esposa, por todo o suporte material e “ajuda digital”
RESUMO
Os estímulos somato-sensoriais, como a música, a dança, as velas, os
aromas e as cores das roupas, têm sido largamente utilizados em rituais de muitas
das principais religiões ao longo da história, para auxiliar os participantes a se
conectarem com o Sagrado. O objetivo do presente estudo é analisar porque tais
elementos parecem ser tão eficientes na indução de estados alterados de
consciência e está circunscrito e focado nos rituais da Umbanda, escolhida pela
abundância de elementos sensoriais presentes em suas práticas e também pela
presença obrigatória do transe mediúnico em todos os trabalhos.
A metodologia utilizada é a revisão bibliográfica, complementada por
pesquisa de campo realizada mediante a aplicação de questionários junto a médiuns
umbandistas, submetendo depois os dados a uma análise quantitativa.
PALAVRAS-CHAVE: CONSCIÊNCIA, ESTADOS ALTERADOS DE CONSCIÊNCIA,
UMBANDA, RITUAIS, ESTÍMULOS SOMATO-SENSORIAIS.
ABSTRACT – RESUMEN - RÉSUMÉ
The somatic-sensorial stimulus, like music, dance, candles, scent and clothe´s colors
have been wide used in many religion´s rituals along the history, helping people
thereselves to connect with the Sacred. The goal of our study is analyse why these
elements seem to be so efficient to induction altered states of conscience. Our study
will be delimited and direct to the Umbanda rituals, choosen by planty of sensorial
elements presents in it´s practices and also by the presence of the mediunic trance,
mandatory in all the spiritual jobs.
The methodology used is the bibliographic revision, complited by field research,
made througt questions application togheter Umbandistc meduins, submmiting after
the data to a quantitative analysis.
KEY-WORDS: CONSCIENCE, ALTERED STATES OF CONSCIENCE, UMBANDA,
RITUALS, SOMATIC-SENSORIAL STIMULUS.
ÍNDICE
Introdução.................................................................................................................10
1ª parte - Capítulos
1 – Da consciência ao cérebro – uma visão transpessoal .......................................16
2 – Estados alterados da consciência – macroestruturas cerebrais e
suas funções..............................................................................................................46
3 – A Umbanda e o transe mediúnico.......................................................................64
4 – Os estímulos somato-sensoriais e sua influência no transe mediúnico..............85
2ª parte
Dados da pesquisa empírica
Análise da pesquisa.................................................................................................108
Conclusão.................................................................................................................112
Glossário...................................................................................................................115
Bibliografia................................................................................................................118
Anexo (Questionário) ...............................................................................................123
10
INTRODUÇÃO
“Nhanderuvixá tenonde gua`i tove katú
ta`imbaraeté ta ipi`aguaxú
nhandére raa tape miri rupi”
(Grande primeiro-mestre,
seja forte e tenha coragem
para nos levar pelo caminho sagrado)
(Prece Guarani)
Nossa atenção focada sobre o tema desta dissertação vem de longa data. Em
21 anos dedicados à religião umbandista e 16 anos de atividade profissional na área
de Educação Física, temos tido exemplos quase que diários sobre o efeito que
estímulos corporais e sensoriais, como dança, sica, técnicas de respiração,
cores, aromas e estímulos táteis exercem sobre a consciência dos praticantes, tanto
em ambientes religiosos como fora deles.
Apesar de tantos exemplos empíricos, encontramos explicações precárias,
superficiais ou simplesmente evasivas para a pergunta fundamental: POR QUÊ isto
ocorre?
Tanto no ambiente acadêmico da Educação Física, quanto no dia-a-dia dos
terreiros, a influência dos estímulos somato-sensoriais sobre a consciência é
largamente utilizada, mas ninguém parece sequer se perguntar COMO isto
acontece.
O gosto pela pesquisa científica levou-nos, ainda durante a graduação, a
algumas respostas interessantes, publicadas em artigos científicos
1
e posteriormente
compiladas em forma de livro em 1997
2
. Após isso, as necessidades imediatas da
vida pediram sua prioridade, até que, em 2005, no programa de Ciências da Religião
da PUC-SP o apoio de alguns professores (e o desafio de outros) a estas idéias nos
fizeram retomar o assunto com a profundidade que merece.
1
Ativação Bioenergética em Meio Líquido – ABML para Portadores do Vírus HIV Revista Âmbito
Medicina Desportiva. Outubro de 1997, p. 40 a 44 .
Ativação Bioenergética em Meio Líquido. Revista Âmbito Medicina Desportiva. Dezembro de 1996,
p. 23 a 28.
2
Ativação Bioenergética em Meio Líquido – Stress e Qualidade de Vida. Jundiaí: Editora
Fontoura, 1997.
11
A dissertação que vamos apresentar é o resultado deste longo processo.
Iniciaremos nossa exposição convidando a uma digressão mais geral sobre a
música e a dança e suas relações com o sagrado, especialmente no contexto da
utilização em rituais religiosos de êxtase e possessão.
Em seguida, contra tal pano de fundo, situaremos as hipóteses, indicações
metodológicas, conteúdos temáticos, objetivos adotados e dados obtidos através de
pesquisa, salientando que nossa pesquisa se limita ao caso específico dos rituais da
Umbanda em terreiros da cidade de São Paulo.
Passemos, então, a uma visão panorâmica sobre o som, a música e a dança
no contexto do Sagrado.
O som tmico, musicado e sua irmã, a dança, parecem fazer parte dos mitos
da criação de muitos povos, geralmente instaurando a ordem em meio ao caos
indiferenciado e amorfo.
Em Eliade (2001, p.26) lemos que:
Quando o Sagrado se manifesta por uma hierofania qualquer, não
há rotura na homogeneidade do espaço, como também a revelação de
uma verdade absoluta, que se opõe à não-realidade da imensa
extensão envolvente. A manifestação do sagrado funda,
ontologicamente, o mundo.
No relato bíblico da criação (GÊNESIS, cap 1 v 2 e 3) está escrito que: “A
terra estava sem forma e vazia, e havia trevas sobre a face do abismo e o espírito de
Deus se movia sobre a face das águas. Deus DISSE: Faça-se a luz! E houve luz.”
De forma similar, no relato Egípcio da criação, In TAME (1993, p.228) lemos
que
Antes de existirem quaisquer formas de seres vivos, existia NU,
vasta massa de águas celestiais (...) Dessas águas celestiais surgiu
o primeiro deus, Quépera, ou Rá, PRONUNCIANDO o próprio nome.
A idéia do deus-primeiro emergindo a partir do som é relatada também no
mito Guarani da criação. Segundo MYOWA (1999, p.40):
Nosso ancestral e Divindade Primeira é a Grande Escuta, o Todo-
Ehendú, é NHAMANDÚ. (...) Dentro da escuridão total a envolve-lo,
NHAMAN brota banhado em brilho, numa fulgurante eclosão
sinfônica, cujos ecos ainda ouvimos ao penetrar nas matas.
12
Seja o OM dos hindus, o VERBO bíblico ou o deus pronunciando o
próprio nome, a fundação da criação a partir do som permanece. TAME (1993,
p.224) relata que
:
Acreditavam os sumérios que os deuses haviam criado o universo
com suas poderosas ordens(...) a mesma idéia volta a aparecer
no conceito pitagórico da harmonia das esferas (...) No POPOL
VUH que contém os relatos da criação segundo os maias-quichuas,
os deusesTepeu e Gucumatz formaram a terra em obediência às
suas ordens:” Assim seja feito! Encha-se o vácuo! Recue a água e
faça-se um vazio, apareça a terra e solidique-se. Assim se faça!
Assim falaram... e a terra foi criada por eles.” (Grifo do Autor)
BEAINI (1995, p.40) resume o processo da criação pelo som, e a ordenação
do caos através da música, da seguinte forma:
O Som, agindo sobre o Caos, explica a proveniência do Ser e da
ordem, o ritmo-múltiplo em suas escalas estabelece a diferença no
seio de um Universo cuja continuidade reside na melodia (...) o Ser,
derivado do Som Puro ou Essencial, vige enquanto freqüência, ciclo:
oriundo da vibração inaudível que estabeleceu a música enquanto
princípio de identidade e harmonia , de cujos tons resultaram os
opostos complementares.
Em sua incessante necessidade de reviver o mito da criação, recriar o cosmos
a partir do caos e re-ligar-se com o criador, os seres humanos elaboram seus rituais,
onde, por tudo que foi exposto, a música e a dança terão sempre papel fundamental.
Segundo BEAINI (1995, p.47) :
A proximidade entre Céu e Terra foi pouco a pouco sendo afastada
dos homens, que perderam a sonoridade primordial, princípio de
vida, força e renovação. Cumpre, pois, que os representantes divinos
implantem, como os deuses, o ápice rítmico: potência sagrada que
purifica, re-criando o cosmos.
Além do bem-estar espiritual, a música e a dança, enquanto instrumentos de
re-ligação com o sagrado, são utilizados ritualisticamente também para pedir às
divindades que abençoem os seres humanos com boa saúde e colheitas fartas. Em
MIOWA (1999, p.124) vemos um exemplo deste princípio entre os guaranis:
13
Prossegue a DANÇA em volta das oferendas, os Ñanderú
3
soprando
a fumaça dos seus cachimbos sobre as dádivas, de modo a
consagra-las: este é o momento de abençoar o avatí* e os demais
frutos da terra. Sempre acompanhado do coro, o Ñanderú principal-
invoca a ajuda de KARAÍ ETÉ para que não faltem alimentos no
decorrer do próximo ciclo, e pede que todos tenham boa saúde (...) o
canto coletivo, sempre ao tmo dos MBARACÁ dos homens, dos
TAKUAPÚ das mulheres, vai se elevando em coro, em harmonias
cada vez mais possantes. (Grifos do Autor)
No exemplo acima podemos ver claramente a música e a dança como
instrumentos de re-ligação com o Sagrado, ajudando os Guaranis a obter as
bênçãos de KARAI-RÚ-ETÉ.
BEAINI (1995, p.12) explica que:
O som, propagando-se no ar, é a matéria-prima da música, do ritmo,
da linguagem, da dança e da Festa, unindo o deus criador que o
produziu às criaturas que o reforçam em sua capacidade de
ressonância (...) oriunda do corpo, enquanto fonte de ressonância, a
música instrumental manifesta-se também, nas peças que
ornamentam os corpos, no ritmo do movimento circular, no qual se
estabelece a dança.
Assim como o som primordial imprime ordem ao caos, os sons ritualísticos
agem sobre os corpos dos participantes, imprimindo sobre os mesmos um padrão
rítmico e ordenado de movimentos que parecem brotar espontaneamente vindos de
dentro – a dança.
Juntos, música ritualística e dança sagrada tornam-se importantes
instrumentos para o ser humano entrar em contato com os deuses.
Em Rutherford (1991, p. 157) temos a descrição de um ritual dos xamãs
tungus, da Sibéria, que ilustra bem o processo:
Começa com o próprio xamã cantando e dançando, passando a
envolver lentamente todos os demais participantes em suas ações, à
medida em que vai repetindo a ladainha. Com a aceleração do ritmo,
o próprio xamã se torna possesso, mas a sua possessão é sentida
por todos os presentes, de modo que o estado de muitos dos
participantes torna-se semelhante ao registrado pelo xamã.
3
Ñanderú (Nhanderú)+ Nosso Pai. Neste caso, o termo está sendo usado para designar os anciões
da tribo, dotados de sabedoria e experiência.
14
Em outro tipo de utilização ritualística, a música e a dança, acompanhadas de
fortes bebidas, podem também, obedecendo ao mito do eterno retorno, gerar um
caos do qual deve surgir uma nova sabedoria e uma nova ordem.
Exemplo disso são os ritos Dionisíacos da antiga Grécia. Segundo Maffesoli
(2005, p. 60):
Na peça de Eurípedes, as Bacantes cantam e dançam
freneticamente durante o êxtase dionisíaco. A dança e a música
fazem parte da maior parte das práticas orgíacas. Se sublinhamos
aqui este fato, é para lembrar que é sempre a COINCIDENTIA
OPPOSITORUM que preside a harmonia orgíaca e a harmonia
musical. Simbolicamente, essa relação lembra que toda organicidade
provém da ordenação das diferenças.
Entre todas as utilizações da música e da dança no contexto das religiões e
do Sagrado, gostaríamos de destacar aquela de propiciar o transe de possessão,
onde os seres humanos manifestam divindades em seus próprios corpos.
Beaini (1995, p. 56) alude a este fato, afirmando que:
O ritmo musical é importante nos rituais de posse, pois é justamente
quando este se faz cada vez mais rápido, quer no que concerne aos
instrumentos visados, ou ao canto, que a incorporação se [...] é
dançando circularmente, girando sobre o próprio corpo, vivenciando
corporalmente em conjunção com todo o grupo, que os homens
deixam-se interpenetrar pelas forças do mundo inanimado que os
cerca e, em intimidade com elas, se colocam aptos para suportar o
processo do transe.
Do ponto de vista da riqueza de estímulos sensoriais em geral (cores, formas,
aromas, sabores) e particularmente da música e da dança, a Umbanda pode ser
vista como uma representante legítima de tudo o que mencionamos até agora.
Nosso objetivo, neste estudo, será o de tentar compreender os mecanismos
cerebrais que tornam possível tal fenômeno, ou seja, a indução de um estado
alterado de consciência (nesse caso, o transe mediúnico ou, falando simplesmente,
incorporação) através dos estímulos somato-sensoriais presentes no ritual da
Umbanda.
A hipótese que pretendemos comprovar supõe que uma adequada visão
neuro-psicológica daquilo que subjaz aos estados de transe (um dos muitos tipos de
E.A C.*) permite uma compreensão mais adequada da influência dos estímulos
15
somato-sensoriais na indução do transe mediúnico, como este se nos rituais da
Umbanda paulista.
Ademais, tal compreensão permite uma conexão mais adequada entre o que
dizem antigas tradições religiosas e o que cientistas contemporâneos (em especial
os que adotam um enfoque baseado na psicologia transpessoal), vêm mostrando
em suas análises teóricas e observações sobre tais fenômenos.
Assim, a parte I descreverá em 4 capítulos os conceitos e teorias em que nos
baseamos para tentar compreender o transe mediúnico em seus múltiplos aspectos.
Para tanto, a parte I se refere à elaboração do estado da questão. Partindo de uma
análise da relação cérebro-consciência na visão transpessoal (Cap. 1) se passará,
como ficou dito, a uma descrição das macro-estruturas cerebrais e das funções
neurológicas que permitem uma compreensão mais exata dos E.A C. (Cap. 2)
Após o delineamento desse quadro, passaremos a apresentar de maneira
breve, uma visão geral da Umbanda, dos estímulos somato-sensoriais contidos em
seus rituais e do transe mediúnico, chamado pelos umbandistas de incorporação.
(Cap. 3)
Para fechar este quadro teórico, explicitaremos a influência dos estímulos
somato-sensoriais na indução do transe mediúnico, utilizando para isto a abordagem
das neurociências. (Cap.4)
Esperamos que o referencial teórico contido na Parte I seja, ao menos,
suficiente para a compreensão do fenômeno em estudo, abordado empiricamente na
Parte II, através da coleta e análise de dados.
Na parte II falaremos sobre a pesquisa de campo efetuada em terreiros de
Umbanda da cidade de São Paulo, através da aplicação de um questionário de
nossa própria elaboração.
Os questionários foram devidamente preenchidos pelos médiuns de cada
terreiro visitado, sendo submetidos, posteriormente, a uma análise quantitativa das
respostas.
16
1) DA CONSCIÊNCIA AO CÉREBRO – UMA VISÃO TRANSPESSOAL
A doutrina de que o mundo é formado por objetos cuja existência é
independente da consciência humana mostra-se em conflito com a
mecânica quântica e com fatos estabelecidos por experimentos.
Bernard D´Espagnat.
(The Quantum Theory and Reality)
Antes de abordarmos diretamente os estímulos somato-sensoriais contidos
nos rituais de muitas religiões, especialmente, neste caso, a Umbanda e sua
influência na indução do transe mediúnico através da ação conjunta e coordenada
de várias macroestruturas cerebrais, achamos conveniente traçar uma linha de
raciocínio desde o conceito de consciência, explicitando e justificando a opção
teórica que utilizamos para tratar o tema.
A seguir, utilizando a mesma abordagem (transpessoal), tentaremos
esclarecer o que estamos entendendo como estados alterados de consciência
(E.A.C.), suas principais características e os tipos mais comumente encontrados,
entre os quais destacamos o transe mediúnico de incorporação.
A) CONCEITO DE CONSCIÊNCIA : UMA OPÇÃO TEÓRICA
“Devemos sempre escolher o caminho com coração para poder ficar
o melhor possível, para poder sempre rir. Um homem de
conhecimento escolhe um caminho de coração e o segue; depois
olha, se regozija e ri; e então ele VÊ e SABE.”
(D.Juan Matus – Xamâ)
Para poder falar a respeito dos estados alterados de consciência e do transe
mediúnico mais especificamente, precisamos falar sobre nossa opção teórica, pois
são muitas as hipóteses e os conceitos a respeito da consciência, sua origem e suas
capacidades.
Neste estudo, todas as vezes em que mencionarmos os termos
CONSCIÊNCIA, ESTADOS ALTERADOS DE CONSCIÊNCIA e TRANSE
17
MEDIÚNICO, estaremos nos referindo à abordagem TRANSPESSOAL destes
termos.
Segundo a Psicologia Transpessoal, a consciência humana, longe de ser
considerada um sub-produto do cérebro, pode ser vista como uma individualização
da consciência universal, que se manifesta e interage com o universo material
através do cérebro e do corpo. (GROF, 1994)
Assim, a psicologia transpessoal busca uma aproximação com tradições e
filosofias antigas, sobre as quais falaremos mais adiante, que apregoam que há uma
macroconsciência que permeia todo o universo e que se manifesta, em diferentes
níveis e formas, em todos os seres existentes; e se individualiza no ser humano,
através do Self.
Esta seria uma visão mais “religionista” da consciência, que se contrapõe a
visões mais “organicistas” ou materialistas.
Não é de hoje que os cientistas que estudam fenômenos considerados
religiosos, místicos ou de alguma forma relacionados à espiritualidade, se dividem
entre aqueles que aceitam os fenômenos como manifestação de “algo maior”, que
até o momento atual não pôde ser explicado pela ciência; e aqueles que procuram
reduzir os fenômenos apenas a causas materiais, humanas, sociais, culturais ou
psicológicas. Assim, se estabelece o front entre materialistas e religionistas, cada
qual defendendo sua visão de mundo e seu conceito de realidade.
Eliade (2001, p. 164) comenta sobre estas duas visões do mundo:
O homem religioso assume um modo de existência específica no
mundo e, apesar do grande número de formas histórico-religiosas,
este modo específico é sempre reconhecível. Seja qual for o
contexto histórico em que se encontra, o homo religiosus acredita
sempre que EXISTE uma realidade absoluta, o Sagrado, que
transcende este mundo, que aqui se manifesta, santificando-o e
tornando-o real... O homem moderno a-religoso assume uma nova
situação existencial: reconhece-se como único sujeito e agente da
história e rejeita todo apelo à transcendência... O homem (a-
religioso) faz-se a si próprio, e consegue fazer-se completamente
na medida em que se dessacraliza e dessacraliza o mundo. O
Sagrado é o obstáculo por excelência à sua liberdade.
Terrin (1998, p. 18) nos mostra como estas diferentes visões de mundo se
refletem nos estudos de Ciências da religião:
18
Para quem admite um conceito de religião de caráter “ostensivo”,
substantivo, que tenha como referência o Sagrado e sua
inefabilidade no plano humano e conceitual, o problema se resolve
com uma abertura para um horizonte de conhecimentos que jamais
poderá ser exaustivo e que, portanto, se colocará a partir de um
ponto de vista de caráter “religionista”; por outro lado para quem
pretende dissecar o problema do Sagrado com o bisturi da história,
da sociologia ou da psicologia, a ponto de contestar todo tipo de
“transcendentalidade” à qual se refere o mundo religioso, com o
objetivo declarado ou latente de reduzir a Religião e as religiões a
seu momento histórico-fatual e a nada mais, o objetivo da religião
torna-se “imanente” e a história e as outras ciências serão
adaptadas, em tudo e para tudo, a fim de se conhecerem seus
resultados e estabelecerem seus processos.
Então o que estes autores estão dizendo, basicamente, é que, no que se
refere ao sagrado e à espiritualidade de forma geral, pode-se fazer uma distinção
inicial entre aqueles que percebem, vivenciam o Sagrado e aqueles que, por várias
razões, não percebem e chegam em alguns casos a negar a possibilidade de sua
existência.
Segundo Maslow (apud Pinto 2001, p. 124) existem dois grupos distintos de
indivíduos:
Os non-peakers caracterizam-se como indivíduos essencialmente
práticos, pragmáticos, realistas, concretos, mundanos, capazes,
vivendo mais no aqui-e-agora, no domínio da motivação por
deficiência, ou seja, atendendo às necessidades de deficiência e
obtendo a cognição de deficiência (...)
Os peakers ou “transcendedores” estão mais conscientes do reino
do Ser, por viverem mais no nível dos valores intrínsecos, da
metamotivação, e por terem mais freqüentemente vivências da
consciência unitiva, das experiências-platô, das experiências
culminantes místicas, sacras e extáticas com iluminações e insights,
que são cognições que transformam a visão de si próprios e do
mundo.
Esta distinção entre os estudiosos que, de alguma forma, vivenciaram o
contato com o Sagrado e aqueles que não tiveram esta vivência, ou simplesmente
não a perceberam como tal, é pertinente, na medida em que, como veremos,
quando se trata de estudar o Sagrado, a própria visão de mundo do pesquisador irá,
de alguma forma, transparecer em seus estudos.
O uso científico das distinções elaboradas por Eliade, Terrin e Maslow,
contudo, terá neste estudo um sentido puramente descritivo, sem qualquer juízo de
valor.
19
Achamos fundamental esclarecer que não consideramos nossa opção
teórica (religionista) como a única verdade absoluta, e nem tampouco o enfoque
materialista o é. A nosso ver não seria desejável ou produtivo para a própria ciência
que uma única visão se impusesse como absoluta e irrefutável, porém, para que o
diálogo se estabeleça é necessário que os participantes do mesmo se posicionem,
como diz Terrin (1998, p. 22):
Cada um tem o direito de partir das suposições que quiser, basta que
esteja consciente do risco intrínseco a qualquer escolha e, é
suficiente que, depois, esteja consciente do fato de que seus
pressupostos constituem a verdadeira filigrana escondida em suas
asserções, uma vez que ninguém é capaz de pular fora de sua
suposição fundamental.
No livro Psicologia e Experiência Religiosa (VALLE, 1998, p.26)
encontramos também uma sólida argumentação favorável à complementariedade
das duas opções teóricas:
A língua alemã, sempre tão sutil e precisa, pode nos ajudar a captar
melhor o sentido primeiro de experiência em dois termos até certo
ponto intercambiáveis: Erlebnis e Erfahrung. A primeira é construída
a partir da palavra Leben (vida). Sempre que a experiência é algo
fundo, algo vivenciado desde dentro e dotado de um sentido ou valor
evidente em si para o sujeito, os alemães dizem Erlebnis(...)
Erfahrung designa algo mais empírico, mais concreto, não tem a
riqueza, a conotação subjetiva e o peso vital de Erleben. A palavra
Erleben toca o dentro sem excluir o que está fora; o segundo termo
(erfahren) parte do que está fora, do que se percebe com os sentidos
e pode, ou não, conduzir ao que está no interior, ao que transcende
o estímulo externo(...) Aplicando o acima dito à experiência religiosa,
deve-se dizer que essa, por sua natureza, necessita dos dois termos
– Erlebnis e Ehfarung – para ser explicitada de maneira adequada.
A título de ilustração desta contraposição conceitual a respeito da questão
sobre a primazia do cérebro sobre a consciência, podemos citar dois autores bem
fundamentados, mas com concepções opostas.
Por um lado, Antonio Damásio, neurocirurgião, em seu livro “O mistério da
Consciência afirma que:
A consciência começa como o sentimento do que acontece quando
vemos, ouvimos ou tocamos. Em termos um tanto mais precisos é
um sentimento que acompanha a produção de qualquer tipo de
20
imagem ... dentro de um organismo vivo (P 46) ... a consciência
ocorre no interior de um organismo (P 113) ...
Ou seja, Damásio opta pelo princípio de que a consciência é gerada pelo
corpo, mais especificamente pelo cérebro, a partir de sensações e percepções
oriundas dos cinco sentidos, “dentro de um organismo vivo”, baseando-se em
evidências empíricas de patentes alterações na consciência que ocorrem mediante
interferências mecânicas, químicas ou eletromagnéticas no cérebro de pacientes.
Adotando um ponto de vista oposto ao de Damásio, o psicanalista e
psiquiatra Franklin Goldgrub em sua obra “O neurônio tagarela” desmente o conceito
de que o cérebro ou mesmo o corpo possam produzir a consciência, mas que são
sim, necessários como veículo de expressão da mesma.
Segundo Goldbrub (2002, p.220):
A admissão de que pensamentos e emoções são veiculados ou se
expressam graças ao respectivo substrato neuronal é
diametralmente oposta à concepção organicista segundo a qual
pensamentos e emoções resultam do funcionamento cerebral. Uma
analogia plausível poderia ser feita com a comunicação telefônica:
cabos, fios e aparelhos constituem condição necessária para a
transmissão e a decodificação das mensagens, mas não geram as
vozes
Grof (1994, p. 17) também contesta a visão organicista da consciência em
termos bastante semelhantes:
Inúmeras observações clínicas e experimentais indicam estreita
conexão entre a consciência e certas condições neurofisiológicas e
patológicas, tais como infecção, trauma, intoxicação, tumor e
derrame cerebral. É evidente que tais condições são tipicamente
ligadas a dramáticas mudanças na consciência... Entretanto, isso
não significa, necessariamente, que a consciência origine-se desses
processos ou seja produzida pelo cérebro. Tal conclusão da ciência
ocidental é, antes, uma suposição metafísica ao invés de um fato
científico... Tomemos uma analogia: Um especialista em consertar
aparelhos de televisão, ao perceber uma distorção na imagem ou
som sabe, exatamente o que está errado e quais as partes que
devem ser trocadas ou reparadas para que o aparelho funcione bem
novamente. Entretanto, ninguém encararia esse fato como prova de
que é o aparelho que gera, dentro de si mesmo, os programas a que
assistimos quando o ligamos. Isso é, porém, o tipo de argumento que
a ciência mecanicista apresenta como prova de que a consciência é
produzida pelo cérebro.
21
De um ponto de vista muito mais empírico que argumentativo, o
neurocirurgião Raul Marino Jr (2005, p. 99) oferece uma informação “anti-
organicismo” difícil de refutar:
Há casos (...) de o paciente, portador de aneurisma cerebral gigante,
ter assistido (com a consciência projetada fora do corpo físico) até
mesmo parte da própria intervenção neurocirúrgica, realizada sob
parada cardíaca, hibernando artificialmente em hipotermia, e com
circulação extracorpórea.
É interessante notar que a maior parte desses pacientes,embora
estivessem inconscientes, anestesiados, ou em morte encefálica
clínica, relata ter estado de posse clara e aguda de sua funções
cognitivas e até mesmo hiperalerta, com sua capacidade mental
aumentada e sentindo suas capacidades perceptiva, visual e auditiva
ampliadas (...) (G.N.)
Tal informação torna-se importante no contexto a que estamos nos referindo,
a partir do momento em que, se a consciência fosse meramente um produto do
cérebro, seria impossível uma pessoa em morte encefálica estar em plena
consciência.
Acreditamos ser crucial, logo de início, enfatizar que não estamos querendo
menosprezar a influência e o papel do corpo e do cérebro na modulação da
consciência. Num trabalho que tem como eixo as neurociências, explicando a
influência dos estímulos somato-sensoriais sobre o cérebro e a consciência, isto não
teria sentido. Nosso ponto de vista é que o corpo e o cérebro influenciam e modulam
o padrão de consciência do indivíduo, mas que esta consciência, em si mesma, não
é produto do cérebro.
É lógico que existem também autores mais céticos, que analisam tais
experiências sob outros enfoques. Segundo Grom (1994, p. 347):
Entre los elementos característicos de las vivencias de excursión
figuran, por um lado, el predomínio de uma percepción falseada del
cuerpo y del espacio y, por otro, la impresión de que se trata de algo
real (...)
Los psicoanalistas las han interpretado como reacciones de rechazo
frente al miedo de la muerte, que inducen a creer que solo muere el
cuerpo, mientras que el yo puede contemplar, sin verse afectado, la
muerte y sobreviverla.
4
4
Entre os elementos característicos das experiências fora do corpo figuram, por um lado, o
predomínio de uma percepção equivocada do corpo e do espaço e, por outro, a impressão de que se
trata de algo real. [...] os psicanalistas as tem interpretado como reações de negação perante o medo
22
O que não se explica, nesta hipótese, é a maneira pela qual um paciente
moribundo poderia, através de uma simples “impressão equivocada do corpo e do
espaço”, ver e ouvir com exatidão o que se passa na sala ao lado da sua, ou ainda
de que forma, durante tais experiências, pacientes CEGOS enxergariam
perfeitamente tudo o que ocorre à sua volta (Kubler-Ross apud Rinaldi, 2000, p. 50)
De qualquer maneira, a ciência está ainda longe de uma posição definitiva
sobre o tema, que sem dúvida necessita de estudos mais amplos.
A contraposição entre cientistas mais materialistas e mais religionistas é
também referida por Barbour (apud Valle, 2001, p. 4), segundo o qual, ao longo do
século 20, quatro posições de fundo se alternaram, predominando segundo a época:
A primeira posição via (e vê) um antagonismo de base entre as
duas visões. Entre ambas existiria uma incompatibilidade intrínseca e
de princípio. O antagonismo é defendido pelos dois lados (...)
Mais tarde, firma-se uma posição epistemológica diversa
fundamentada no princípio da existência de uma independência
entre dois tipos de conhecimento, o religioso e o científico. Não
existe um conflito de raiz entre os dois, uma vez que as ciências
objetivam uma compreensão natural e direta dos fenômenos do
mundo, enquanto que a religião interpreta a ação indireta de Deus na
natureza. Seriam duas abordagens distintas, embora afins e
complementares (...)
Uma terceira forma de se correlacionar religião e ciência é a
que postula a possibilidade de um diálogo entre as duas. São muitos,
hoje, os cientistas que reconhecem que a investigação científica não
tem como chegar a questões como: o que havia antes do big bang?
Em que direção apontam certos fenômenos detectados pela física
quântica? São dados irrefutáveis que ultrapassariam as
possibilidades das ciências, ao menos pelo momento, abrindo,
assim, um campo próprio à explicação filosófica e religiosa.
Nos últimos anos, indo mais longe, cientistas advindos da
biologia, da astronomia, da neurologia e da física, falam já da
possibilidade de uma futura integração entre ciência e religião. As
duas confluiriam, em veis distintos, para explicar
complementarmente fenômenos que não se deixam explicar de
modo exaustivo por só uma delas.
Tais exemplos servem para ilustrar que existem estudiosos bastante
conceituados tanto aderindo quanto se opondo à visão organicista da consciência.
Chegar a um consenso a respeito parece ser tarefa e meta ainda distantes e,
assim sendo, o que fizemos foi optar pela teoria que pareceu mais coerente e
da morte, que induzam a crer que morre somente o corpo, enquanto que o Eu pode contemplar a
morte, sem ver-se afetado e sobreviver a ela.
23
estruturada, integrando vários ramos do conhecimento. Nossa convicção e hipótese
coincidem com o que diz Stanislav Grof (1994, p. 33):
Hoje acredito firmemente que a consciência é mais que um
subproduto dos processos neurofisiológicos e bioqmicos do
cérebro humano. Vejo a consciência e a psique humana como
expressões e reflexos de uma inteligência cósmica que permeia todo
o universo e a existência.
Esta idéia de que o universo é gerado e permeado por uma macro-
consciência da qual os seres humanos seriam individualizações, o é nova. Pelo
contrário, é encontrada nos grandes relatos de muitas das religiões mais antigas do
planeta.
Apenas a título de exemplo, cabe aqui citar alguns ensinamentos
tradicionais: Shankara (apud Wilber, 2003, p. 242), um dos grandes mestres do
hinduísmo ensina:
Assim como o Brahman constitui o EU de uma pessoa, assim não é
alguma coisa que possa ser atingida por essa pessoa. E ainda que
Brahman fosse de todo diferente do EU de uma pessoa, não seria
alguma coisa que pudesse ser obtida; pois sendo ONIPRESENTE,
faz parte de sua natureza estar sempre presente a tudo. (Grifo do
autor)
Da tradição xamânica dos índios Dakota nos vem que: “Cada objeto no
mundo tem um espírito e esse espírito é um wakan; assim, os espíritos das árvores
ou coisas desse tipo, embora não sejam como o espírito do homem, também são
wakans”.(GRAMACHO, 2002, p. 93)
Na antiga Grécia, Aristóteles (Sobre a alma, 411, 7-8) refere-se à teoria de
que todos os seres seriam dotados de “alma”, atribuindo o conceito a Tales de Mileto
(Barnes, 2003, p. 74): “Dizem alguns que a alma está misturada no universo todo.
Talvez seja por essa razão que Tales supunha estar tudo pleno de deuses.”
Nos mistérios egípcios encontramos este fragmento onde Hermes
Trimegistos (In Schuré, 1985, p. 107) ensina: “Escutai em vós mesmos e olhai no
infinito do espaço e do tempo. retumbam o canto dos astros, a voz dos números,
a harmonia das esferas. Cada sol é um pensamento de Deus e cada planeta um
modo desse pensamento.”
24
Também no Evangelho de São Tomé encontramos um ensinamento
semelhante: “Jesus disse: Eu sou a luz que está acima de todos eles, Eu sou o
Todo, o Todo veio de mim e o Todo chegou a mim. Racha um pedaço de pau, Eu
estou ali; ergue uma pedra e Me encontrarás.”
São apenas alguns exemplos pontuais, pois a presente dissertação não
versa sobre as tradições milenares, mas acreditamos haver ilustrado que a idéia da
holoconsciência tem sido amplamente recorrente em diversas tradições.
Dentro da mesma abordagem, mas sob o enfoque transpessoal, Grof, (1994,
p. 242) levando em conta dados das neurociências atuais descreve:
A pesquisa moderna de consciência revela que nossa psique não
tem limites reais e absolutos. Ao contrário, somos parte de um
campo infinito de consciência que engloba tudo o que existe além do
tempo-espaço e no interior de realidades que ainda devemos
explorar. Nossa pesquisa mais recente revela que a consciência e
experiência humanas são mediadas pelo cérebro, mas não têm ali
sua origem ... Novas descobertas científicas estão começando a
apoiar crenças de culturas de milhares de anos, que mostram nossa
psique individual como, em última análise, uma manifestação da
consciência e da inteligência cósmicas que fluem através de toda a
existência.
Além de possuir razoável similaridade e coerência com muitas tradições
religiosas e filosóficas da antiguidade, a idéia de que nossas consciências são
manifestações individualizadas da consciência cósmica vem sendo defendida por
importantes cientistas nos ramos da biologia, cosmologia, física quântica,
neurociências e filosofia. Para citar alguns exemplos, iniciaremos com Amoroso (in
Di Biase & Amoroso, 2004, p. 35):
O númeno da consciência tem dois aspectos complementares.
Todas as qualidades da mente se originam de uma dessas raízes ou
de ambas, que em termos de funcionamento estão integradas ao
cérebro e ao corpo físico.
Primeiramente a inteligência elementar significa a primeira
demarcação ou limite perene de qualquer self ou unidade individual.
Em segundo lugar, um princípio cosmológico de consciência
preenche e ordena a imensidão do espaço.
Em outras palavras, Amoroso parece em total acordo com a noção de que
existe uma macroconsciência, e que o Self seria uma individualização da mesma,
localizada num ponto do tempo e do espaço através do corpo físico.
25
No segundo capítulo iremos nos referir aos mecanismos cerebrais de
filtração seletiva da percepção, que de certa forma impedem o ser humano de
perceber o Todo da Realidade durante a maior parte do tempo. Numa leitura mais
ingênua ou apressada isto poderia parecer ruim, mas a capacidade de estabelecer
os limites do Self, a diferença entre o “EU” e o “outro” é o que nos permite manter a
sanidade e viver equilibrada e realisticamente nossas vidas.
Na prática, por exemplo, todo médium bem orientado sabe que deve “fechar
o campo psíquico” durante todo o tempo, permitindo que sua percepção se
“abra” no ambiente seguro do centro ou terreiro. A abertura descontrolada da
percepção costuma ter conseqüências muito prejudiciais a quem a experimenta.
Essa é uma constatação que já Roger Bastide fazia reiteradamente em seus estudos
sobre religiões Afro-Brasileiras (1971).
Assim, o corpo e o cérebro, agindo como anteparos, regulam a abertura da
consciência, fornecendo ao indivíduo os limites do seu “eu”.
Segundo Amoroso (in Di Biase & Amoroso, 2004, p.38):
A inteligência elementar como uma unidade base da mente fornece
um padrão de referência para a individualidade (...) se a inteligência
individual não tem um campo definido, isto é, o está delimitada de
alguma maneira, ela não pode existir com qualquer conotação de
individualidade (...) sem alguma forma de separação da unidade não
há qualquer auto-identidade.
Sem essa identidade ou limites, qualquer coisa desapareceria na
unidade ou no nada.
O crescente interesse em conciliar conceitos-chave de filosofias e religiões
antigas com ciência contemporânea é mencionado por Valle (1998, p. 203, 204,
205):
[...] Karl Pribram , neurocirurgião, expõe uma teoria completa sobre o
fundamento holonomístico do cérebro humano que seria paralelo ao
do cosmo e ao das microestruturas cerebrais. Seu objetivo final é
demonstrar que o particular está no todo e o todo no particular, como
os místicos de todas as religiões intuíram. Vindo da genética, Rupert
Sheldrake o campo morfogenético humano, modernamente
descrito por aquela ciência, dentro do quadro aristotélico da forma
única que é multiplicada em distintos princípios materiais. Essa
unidade heliomórfica do campo genético humano estaria indicando e
comprovando uma unidade mais fundamental, existente entre todos
os seres, animados ou não.
26
[...] Em quase todos os países, o nome científico mais exaltado e
conhecido é o de Fritjof Capra. Esse físico atômico busca sobretudo
mostrar a unidade entre a visão do mundo da física atômica moderna
e a do misticismo oriental.
[...] O que Capra afirma é a necessidade de se partir de um novo
paradigma científico capaz de superar definitivamente a imagem
mecanicista do racionalismo científico ainda vigente.
[...] O mundo é um todo, é uma rede unitária e complexa de
interseções e coligações que vai do microcosmo atômico ao
macrocosmo.
Também a física quântica tem contribuído muito para esta nova visão a
respeito da consciência e do universo, como lemos em Grof (1994, p. 23) :
Em seu livro WHOLENESS AND THE IMPLICATE ORDER, (o físico)
David Bohm trata, em dois capítulos, do relacionamento entre
consciência e matéria, e como isso é encarado pelo físico moderno.
Descreve a realidade como um todo intacto e coerente envolvido
num inacabável processo de mudança chamado holomovimento...
Matéria e vida são, ambos, abstrações extraídas do holomovimento,
isto é, do todo não-dividido... De maneira similar, a matéria e a
consciência são ambas aspectos do mesmo Todo não-
fragmentado...
Como seres humanos, não somos entidades newtonianas isoladas e
insignificantes; pelo contrário, como campos integrais do
holomovimento, cada um de nós é também um microcosmo que
reflete contém o macrocosmo
Outro defensor da idéia de que a consciência seria a base formativa do ser,
e não mero produto do cérebro, é Amit Goswami, que fundamenta suas teorias na
física quântica. Segundo Goswami (in Di Biase & Amoroso, 2005, p. 101):
A consciência considerada a base do ser (e não um epifenômeno
do cérebro) – media as ações paralelas da mente e do cérebro.
Para entender como a consciência pode atuar como mediadora da
interação mente-cérebro e como mantenedora do paralelismo
psicofísico, precisamos da física quântica. Atualmente está
firmemente estabelecido que os objetos materiais obedem à física
quântica. Isso significa que os objetos materiais são descritos em
termos matemáticos como ondas de possibilidades [...] Para eventos
individuais, a redução da onda de possibilidade (também chamada
de colapso) para uma única possibilidade não pode ser prevista [...]
Na interpretação da mecânica quântica baseada na consciência,
reconhece-se que a consciência é tanto necessária quanto suficiente
para realizar a tarefa de colapsar a onda de probabilidade [...] Uma
análise detalhada demonstra (GOSWAMI, 1993) que a consciência
deve ser a base do ser no qual a matéria existe como possibilidade e
que a consciência deve ser unitiva (isto é, nossa individualidade é
um epifenômeno ilusório).
27
O antigo aforismo hermético “Quod est superius est sicut quod est inferius et
quod est inferius sicut quod est superius ad perpetua miraculanda rei unius”
5
nos
remete a este conceito que vai ganhando mais e mais adeptos em nossos dias,
segundo o qual o ser humano seria um microcosmo, e a consciência humana seria
uma individualização da “consciência universal” focalizada em um ponto do tempo e
do espaço. Em Di Biase (in Di Biase & Amoroso, 2005, p. 258), temos uma descrição
deste conceito em termos científicos:
Toda a natureza é holoinformacional, ou seja, organizada de modo
significativo, e este processo de significação é crucial para
entendermos a natureza holoinformacional da consciência e da
inteligência no universo. Matéria, vida e consciência são atividades
significativas, isto é, processos quântico-informacionais inteligentes,
ordem transmitida através da evolução cósmica, originária de um
campo holoinformacional gerador, situado além de nossos limites de
percepção...
Teoricamente, isto nos remete também à questão do inconsciente,
que deste modo poderia ser hipoteticamente compreendido como a
parte da consciência holográfica universal desdobrada no cérebro-
mente que se desfoca” , se “obscurece, quando se auto-organiza
como consciência humana, tal como em um holograma, em que a
parte contém o todo de forma menos nítida.
A consciência holoinformacional quando estruturada (incorporada) no
cérebro humano reduz a qualidade (qualia) da percepção da
unidade/totalidade (holos) da natureza, fazendo com que estes
aspectos permaneçam habitualmente
inconscientes, restringindo o
campo consciencial do ser, limitando-o mental e simbolicamente.
Analisando desde estes enfoques, o cérebro e o próprio corpo seriam
aparelhos receptores de individualizações da consciência universal, capazes de fixar
e focalizar a consciência em um determinado ponto do tempo-espaço, a qual
deixaria então, de ter acesso ao todo, e gerando a ilusão de separatividade entre o
“eu” e o “outro” , entre o “sujeito” e o “objeto”.
A relativização da fronteira entre o “eu” e o “outro”, (que Allan Watts chamou
de “ilusão egóica”) é um dos pontos-chave da psicologia transpessoal, crucial para a
compreensão do transe mediúnico de incorporação, que veremos em detalhes no
capítulo 3, onde o médium (eu) e o guia espiritual (outro) se fundem
5
“Aquilo que está acima (macrocosmo, Brahman) é semelhante ao que está embaixo
(microcosmo, Atman) e aquilo que está embaixo é semelhante ao que está acima,
realizando a miraculosa (maravilhosa) criação única.”
28
harmonicamente. no caso dos grandes místicos da humanidade, a fusão se
diretamente com a consciência universal.
Vejamos o que nos diz Wilber (2003, p. 72):
O “dentro” é precisamente a Fonte, a Testemunha, que no hinduísmo
se chama Atman, o conhecedor supremo em cada um de nós, que
outro não é senão Brahman, a única e básica realidade do universo,
de modo que, ao compreender esse dentro, esse Atman, essa
Subjetividade Absoluta em cada um de nós pode dizer: “Eu e o Pai
somos um”, ou segundo o Chandogya Upanishad: Aquilo que é a
mais fina essência, este universo todo, tem por seu EU. Isso é
Realidade. Isso é Atman. Isso és tu”
Ou seja, aludindo a textos sagrados do hinduísmo, Wilber associa a
consciência humana (Atman) à consciência universal (Brahman). Em outro trecho, o
mesmo autor menciona como se cria através do corpo (e do cérebro) a ilusão do ego
e da separatividade.
Na verdade, existe a só-mente, oniabrangente, não-dual, base
intemporal de todos os fenômenos temporais, “fusão sem confusão”,
realidade sem dualidade mas não sem relações. Nessa fase nós nos
identificamos com o todo, estamos em comunhão com a energia
básica do universo... Mas, através do processo de Maya, do
pensamento dualístico, apresentamos dualidades ou divisões
ilusórias, criando dois mundos a partir de um só... e sendo assim
enganado, o homem se aferra ao primeiro dualismo primordial, o do
sujeito e objeto, do eu e do não-eu, ou simplesmente do organismo e
do meio-ambiente. Neste ponto, o homem se transfere de uma
identidade cósmica com o todo para uma identidade pessoal com
seu organismo... (idem, P 87)
Até pouco tempo atrás, tais conceitos poderiam ser vistos apenas como mais
uma bela metafísica. Atualmente, no entanto, estudos vindos de ciências “hard”
como a biologia, a física quântica e as neurociências vão, progressivamente,
oferecendo suporte para esta teoria.
A função do cérebro de equipamento transdutor da macroconsciência para a
microconsciência individualizada (self) bem como de manter a uniformidade da
realidade através da modulação da percepção é descrita por Amoroso (in Di Biase &
Amoroso, 2005, p. 36):
Parece que o cérebro pode ser uma raiz ou local de entrada de força
do campo noético da consciência... o rebro-corpo é um
29
processador entre a temporalidade e a atemporalidade. A tarefa
corporal é semelhante à função última dorebro. O corpo atua
como uma garrafa magnética para acoplar e dar uma base para a
onda estacionária da realidade percebida ... Se a mente não é um
estado emergente, e como foi dito, o cérebro é, ao contrário, um
local de entrada para campos de consciência primários e não-locais,
qual é, então, a função do cérebro e qual o motivo de sua
complexidade? A resposta mais simples é que ele controla o corpo, a
difícil é que ele mantém a uniformidade da realidade.
No trecho acima, Richard Amoroso
6
enfatiza a importância do corpo e do
cérebro na modulação da consciência humana dentro de limites definidos no tempo
e no espaço, bem como deixa claro que esta mesma consciência não tem origem no
corpo ou no cérebro.
No segundo capítulo iremos aprofundar bastante os mecanismos e
estruturas cerebrais que tornam possível esta percepção parcial e seletiva do Todo a
que costumamos chamar de realidade. A este ponto acreditamos que esteja clara a
opção teórica por nós adotada neste estudo, opção esta, a respeito da consciência,
que nos distancia de conceitos mais materialistas os quais descrevem a consciência
como um produto do cérebro.
B) ESTADOS ALTERADOS DE CONSCIÊNCIA
Assim como o vento, conquanto Uno, assume novas formas no que
quer que penetre; o espírito, conquanto Uno, assume novas formas
no que quer que viva. Ele está dentro de tudo e também está fora...
KATHA UPANISHAD.
Olhando segundo o ponto de vista da psicologia transpessoal, o estado de
individuação, de separação absoluta entre o “Eu” e o “outro”, chamado por Allan
Watts de “ilusão egóica”, o estado em que estabelecemos uma separação clara e
objetiva entre o que está “dentro” e o que está “fora”, seria apenas UM entre
MUITOS estados possíveis da consciência. O problema (segundo a
transpessoal) começa quando tomamos este tipo de consciência como o ÚNICO, e
os dados sensoriais obtidos neste nível de consciência como a ÚNICA REALIDADE
EXISTENTE.
6
Richard Amoroso é psicólogo, mestre em estudos da consciência e PHD em cosmologia e filosofia
da mente.
30
Esta problemática não é nova. Pelo contrário, é extremamente antiga e se
faz presente entre os questionamentos mais profundos em todas as épocas.
É exatamente neste contexto que Mircea Eliade situa os estados alterados
de consciência: um estado no qual o ser humano teria acesso a realidades
profundas, arquetípicas, capazes de ressignificar a realidade vivida pelo sujeito que
as experimenta. Segundo Eliade (1993, p. 52):
Each of the major religions and philosophies of the world speaks,
often in symbolic terms, about states of consciousness other than
those of our ordinary experience. According to these teaching, we
have the potential to experience qualitatively different levels of
perception, awareness, and orientation toward ourselves, others, and
the universe.
[…] Transformation to higher states of consciousness may result from
adherence to the ideas, methods, and prescrib meditations of an
authentic religious discipline, whereby consciousness is refined,
converted, and realigned from “the coarse to the fine. The higher, or
superior, states are characterized by enhanced faculties of attention,
thought, feeling, and sensation. A new type of seeing becomes
prominent, and perception, awareness, and experience conform more
adequately and fully to the various levels of reality and truth in the
universe.
7
Assim, Eliade coloca de forma muito clara, que existem muitos estados de
consciência diferentes do habitual e cotidiano, estados esses que permitem vivenciar
os vários NÍVEIS DE REALIDADE existentes no universo.
Conceito semelhante é o proposto pelos fundadores do NEPER
8
: Alexander
Moreira de Almeida e Francisco Lotufo Neto. Segundo Almeida & Lotufo Neto
(2003):
O termo experiência anômala (E.A ) é empregado para designar uma
experiência incomum (Ex: alucinação, sinestesia (sic) ) ou que,
embora seja relatada por muitas pessoas (Ex: Vivências interpretadas
7
A maioria das religiões e filosofias do mundo fala, ao menis em termos simbólicos, sobre estados de
consciência diferentes daqueles de nossa experiência cotidiana.
De acordo com esses ensinamentos, nós temos o potencial para experimentar tipos de percepção,
consciência e orientação qualitativamente diferentes em relação a nós mesmos, aos outros e ao
universo. A transformação para estados superiores de consciência podem resultar da aderência a
idéias, métodos e meditações prescritas em uma disciplina religiosa autêntica, aonde a consciência é
refinada, convertida e realinhada. O estado superior é caracterizado por uma aperfeiçoada capacidade
de atenção, raciocínio, sentimentos e percepções. Um novo tipo de visão acontece, aonde percepção,
consciência e experiências assimilam de forma mais adequada e completa os vários veis de
realidade e verdade do universo. (Tradução livre do autor)
8
NEPER: Núcleo de Estudos de problemas espirituais e religiosos vinculado ao Instituto de
Psiquiatria HC – FM – USP.
31
como telepáticas), acredita-se diferente do habitual e das explicações
usualmente aceitas como realidade. Não necessariamente uma
relação com patologia ou anormalidade.
Este último dado em relação às experiências anômalas é salientado pelos
autores como muito importante, na medida em que:
Freqüentemente as publicações científicas têm considerado tais
vivências como fenômenos raros, vestígios de “culturas primitivas” ou
indicadores de psicopatologia (...) no entanto, várias pesquisas
populacionais recentes têm demonstrado que experiências
dissociativas (Ross, Joshi e Currie, 1990) e tidas como paranormais
(Ross e Joshi, 1992) são muito freqüentes. Neste último estudo,
alguma experiência “paranormal” (incluindo telepatia, sonhos
precognitivos, dejà vú, conhecimento de vidas passadas...) foi relatada
por 65% da população de uma região no Canadá. (Almeida & Lotufo
Neto, 2003)
A relação entre estados anômalos (E.A ) e estados alterados de consciência
(E.A C.) é vista por estes autores como muito próxima. Segundo eles:
Bastante relacionados com os EA estão os “estados alterados de
consciência” (E.A C.), que Charles Tart (1972) definiu como “uma
alteração qualitativa no padrão global de funcionamento mental que o
indivíduo sente ser radicalmente diferente do seu modo usual de
funcionamento (...) As E.A . e os E.A.C. são descritos em todas as
civilizações de todas as eras, constituindo-se muitas vezes elementos
importantes na história das sociedades e, principalmente, de suas
religiões. (Almeida & Lotufo Neto, 2003, p.22)
Para citar alguns exemplos, e utilizando uma ordem cronológica, podemos
lembrar as palavras do Mundaka Upanishad (apud WILBER-2003, p37):
dois modos de conhecer que podem ser atingidos, como dizem
os conhecedores de Brahman: Um superior e um inferior. O inferior,
chamado de APARAVIDYA corresponde ao que chamamos
conhecimento do mapa simbólico: é um conhecimento inferencial,
conceptual e comparativo, que se baseia na distinção entre
conhecedor e conhecido. O modo superior, chamado PARAVIDYA
não se alcança por intermédio de um movimento progressivo através
das ordens inferiores do conhecimento, mas por assim dizer,
repentina, intuitivamente, imediatamente.
Também no próprio berço da civilização ocidental, temos a mesma idéia
exposta por um dos maiores filósofos que a humanidade conheceu: Platão (2000,
32
p.263) em “A república” fala sobre o estado da natureza humana na famosa
“Alegoria da caverna” onde os seres humanos viviam perpetuamente acorrentados
de costas para a abertura, onde brilha a luz do sol, simbolizando a Realidade Última.
Devido a essa condição, tais pessoas construíam seu senso de realidade,
sua ciência e sua filosofia baseadas apenas nas sombras projetadas no fundo da
caverna, alegando que não haveria nada de real e verdadeiro fora da caverna.
Quando, por alguma razão, um dos prisioneiros era libertado das correntes e
levado a ver o mundo externo, percebia então, o equívoco em que viviam seus
companheiros. Porém, ao retornar e tentar explicar-lhes o que vira e experimentara
do mundo exterior, tornava-se motivo de riso ou de escândalo, e sua mensagem era
prontamente rechaçada.
Em outras palavras, podemos dizer que no estado comum, ordinário de
consciência, o ser humano tem acesso apenas ao “Aparavidya” dos Upanishads,
análogo, talvez, ao Erfahrung, anteriormente citado por Valle que teria semelhança
com o “homem dentro da caverna” de Platão. Durante os E. A.C. (não patológicos,
logicamente), o ser humano teria acesso ao Paravidya, ao Erlebnis, que
corresponderia ao “sair da caverna” de Platão.
Os estados não-comuns de consciência começaram a despertar interesse na
comunidade acadêmica entre o final do século 19 e início do século 20. Um dos
principais expoentes no estudo dos estados alterados de consciência e de sua
conexão com as experiências religiosas e o sagrado foi William James, que em seu
livro “As variedades da experiência religiosa” afirma com todas as letras que:
A nossa consciência desperta normal, a consciência racional como
lhe chamamos, não passa de um tipo especial de consciência
enquanto que em toda a sua volta, separada pela mais fina das telas,
se encontram formas potenciais de consciência inteiramentye
diferentes. Podemos passar a vida inteira sem suspeitar-lhes da
existência; basta, porém, que se aplique o estímulo certo para que, a
um toque, elas ali se apresentem em sua plenitude (...) Nenhuma
explicação do universo em sua totalidade poderá ser final se deixar
de lado essas outras formas de consciência. (JAMES- 1995, P. 242)
William James foi um dos pioneiros, ao propor os estados alterados de
consciência como uma capacidade natural do ser humano, no ambiente acadêmico
do início do século 20. Depois dele viriam vários outros, propondo, o apenas que
os estados alterados de consciência fazem parte da natureza humana, como
também que somos podados pela própria sociedade, treinados para “perceber isto e
33
não aquilo”, ensinados que “tal coisa existe e tal coisa não”, de forma que nossa
própria percepção daquilo que comumente se chama “Realidade” é condicionada.
Uma crítica da realidade tipo senso-comum ditada pela percepção dos cinco
sentidos e auto-referenciada pela própria sociedade que a adota, vem da sociologia.
Segundo Erich Fromm (in Wilber, 2003, p. 121):
O efeito da sociedade não consiste apenas em verter por um funil
ficções em nossa consciência, mas também em impedir a percepção
da realidade ... Cada sociedade, pela própria prática de viver e pelo
modo de relacionar-se, de sentir e de perceber, desenvolve um
sistema de categorias que determina as formas de percepção. Esse
sistema funciona, por assim dizer, como filtro socialmente
condicionado. A experiência poderá penetrar a percepção se tiver
penetrado o filtro ... Estou cônscio de todos os meus sentimentos e
pensamentos autorizados a passar pelo filtro triplo da linguagem
(socialmente condicionada), da lógica e dos tabus (caráter social). As
experiências que não puderem ser filtradas continuarão fora da
percepção, quer dizer, permanecerão inconscientes.
A utilização deste ponto-de-vista questiona a visão cético-materialista sobre
os fenômenos transpessoais (ver para crer), sugerindo que, para experimentar tais
estados, é importante crer para ver” (ou ao menos aceitar a possibilidade de sua
ocorrência) na medida em que nossas crenças pessoais parecem, realmente,
condicionar nossa percepção do mundo.
A relativização do conceito de realidade baseada nos dados sensoriais é
referida também em segmentos da antropologia. Segundo Hall (apud Wilber, 2003,
p. 186):
A filtração seletiva de dados sensoriais admite algumas coisas ao
mesmo tempo que filtra outras, de sorte que a experiência percebida
através de um conjunto de cirandas sensoriais culturalmente
padronizadas é muito diferente da experiência percebida através de
outro.
De maneira semelhante os psiquiatras Alexander Almeida e Francisco Lotufo
Neto (2003, p.24) colocam que:
Nossas percepções do mundo e de nós mesmos, bem como nossas
reações a eles, são CONSTRUÇÕES SEMI-ARBITRÀRIAS. Apesar
de terem uma base na realidade física, são dependentes dos recursos
da nossa aparelhagem biológica, e moldados pelo ambiente cultural
onde nos desenvolvemos (...) Cada cultura valoriza e desenvolve um
34
determinado repertório de capacidades e condena, suprime outros.
(Grifos do Autor)
Esta teoria de que nossa percepção da realidade é parcial e incompleta, e
de que os estados alterados de consciência poderiam ser estados em que a
“filtragem seletiva” é parcial ou completamente suspensa, revelando aspectos da
realidade normalmente inacessíveis à maioria das pessoas tem sido também
defendida por numerosos neurocientistas.
Segundo Rubia Vila (In VELASCO & BAZAN, 2002, p. 183):
En realidad, la experiencia mistica representa outra realidad que
nuestra realidad cotidiana, pero que para el sujeto que la
experimenta tiene um mayor valor de objetividad y profundidad que
ésta. Tendremos, pues que aceptar que el ser humano puede
experimentar dos realidades distintas: la realidad consciente y
cotidiana, em la que existe um pensamiento lógico-analítico, dualista,
o sea, que divide el mundo em términos antinômicos... y otra realidad
que se siente como más profunda y significativa, com mayor carga
afectiva, en la que los términos antitéticos pueden existir
conjuntamente, en la que el yo lógico-analítico se disuelve en la
divinidad, la naturaleza, el vacío o la nada.
9
Como expusemos anteriormente, o corpo humano e, particularmente, o
cérebro são responsáveis por essa modulação da consciência do ser humano, que
desta forma pode fixar-se em sua individualidade para viver e interagir socialmente,
bem como, nos chamados Estados alterados de consciência, pode ter acesso às
realidades transpessoais.
Um dos mecanismos que se destacam nesta “focalização” da consciência
dentro dos limites espaço-temporais do indivíduo é a filtragem seletiva da percepção.
Marino Jr (2005, p. 66) é bastante específico na asserção de que nosso
cérebro possui mecanismos de filtragem seletiva da percepção:
A maior parte das informações que circulam pelo sistema nervoso
central é filtrada por essas estruturas de origem primitiva (sistema
límbico) que arcam com pesada carga ... Smythies, em 1966,
9
Na realidade, a experiência mística representa outra realidade que a nossa realidade cotidiana, mas
para o sujeito que a experimenta, tem um valor maior de objetividade e profundidade do que esta.
Temos pois, que aceitar que o ser humano pode experimentar duas realidades distintas: a realidade
consciente e cotidiana, onde existe um pensamento lógico-analítico, dualista, ou seja, que divide o
mundo em termos opostos... e outra realidade que se sente como mais profunda e mais significativa,
com maior carga afetiva, onde os termos em antítese podem existir conjuntamente, aquela em que o
eu lógico-analítico se dissolve na divindade, na natureza, no vazio ou no nada. (Tradução livre do
autor)
35
postulou que os circuitos límbicos constituem o substrato anatômico
e fisiológico para a avaliação e a integração da experiência, retendo
na memória o que é importante e desprezando dados de pouca
importância
... Segundo Herrick, impulsos aferentes (estímulos)
seriam canalizados pelas várias vias do sistema límbico, que
“decidiriam” se tais estímulos deveriam emergir como resposta
inespecífica ou como componentes de uma resposta específica ... A
descoberta de que essas atividades podem ser colocadas em
funcionamento a partir dos níveis mais elevados do sistema nervoso
(alocórtex e neocórtex) foi uma das maiores contribuições da
neurofisiologia moderna ...
É justamente nesta atuação (percepção seletiva) do neo-córtex sobre o
sistema límbico que se baseia a influência da sociedade, da linguagem e da cultura
sobre nossa percepção da realidade. Os conceitos, linguagem e comportamentos
socialmente aprendidos dizem ao cérebro o que deve e o que não deve ser
percebido.
Esta visão nos leva ao raciocínio de que necessitamos de novos conceitos
de realidade, que possam, de alguma forma, abranger coisas e fenômenos
existentes nos grandes relatos da humanidade, tais como Deus, Divindades, orixás,
animais de poder, aura e chacras,guias espirituais e seres elementais, os quais não
fazem parte da realidade cotidiana, mas que são vivenciados durante os E.A C.
É exatamente sobre a capacidade do ser humano de ampliar a percepção e
acessar a realidade transpessoal que falaremos a seguir.
C) SENSUS NUMINIS
10
, O ACESSO À REALIDADE TRANSPESSOAL
Se alguém que cresceu numa cultura cristã disser: “Eu sou Deus”,
nós concluímos que está louco. Mas na Índia, quando alguém afirma
“Eu sou Deus”, eles dizem: “Parabéns, finalmente você chegou lá”.
(Allan Watts)
Seguindo a abordagem teórica a que nos propusemos, esperamos que
esteja claro, que existem estados menos comuns de consciência nos quais os seres
humanos experimentam aspectos da realidade normalmente inacessíveis, como
explica James (1995, p. 47):
10
Sensus Numinis” é um termo usado para designar a percepção direta do transcendente vivenciada
pelo ser humano durante um êxtase mistico
36
É como se houvesse na consciência humana um sentido de
realidade, um sentimento de presença objetiva, uma percepção do
que podemos chamar “alguma coisa ali”, mais profunda e mais geral
do que qualquer um dos sentidos especiais e particulares pelos quais
a psicologia atual supõe que as realidades existentes são
originalmente reveladas.”
Dentro de uma abordagem mais próxima das neurociências, Morini (1997, p.
72) coloca os E. A.C. como capacidade natural do ser humano, o qual possuiria em
seu cérebro estruturas que possibilitariam tal fenômeno:
Estados alterados de consciência em que as pessoas percebem
aspectos incomuns da realidade não são coisas fantasmagóricas ou
místicas, mas sim uma capacidade NATURAL de qualquer ser
humano, e que desperta mediante certas situações. Vejamos como
isto é possível. Segundo Guyton (1988): “mais de 99% de toda a
informação sensorial é eliminada pelo encéfalo como sendo de
pouca importância. [...] O tálamo é a principal via de entrada para
quase todos os sinais nervosos sensitivos ao córtex.”
Isto quer dizer que o tálamo age como um filtro e, que pode assim,
influenciar aquilo que vemos, ouvimos ou sentimos, ou seja, nossa
percepção da realidade.
Este ponto de vista é adotado também por neurocientistas como Karl
Pribram cuja teoria do “cérebro holográfico” fornece contribuições importantes para a
compreensão do “sensus numinis”.
Em The Brain/mind Bulletin (IN WILBER (ORG), 1994, p. 11) Pribram
resume sua teoria, explicando que:
Nossos cérebros constroem matematicamente a realidade “concreta”
interpretando freqüências provenientes de outra dimensão, um
domínio de realidade primária, significativa e padronizada que
transcende tempo e espaço. O cérebro é um holograma
interpretando um universo holográfico.
Fenômenos envolvendo estados alterados de consciência podem ter
origem numa sintonização literal com uma matriz invisível que gera a
realidade “concreta”. Isso poderia possibilitar a interação com a
realidade num nível primário, respondendo desse modo por
fenômenos como precognição, psicocinese, cura paranormal, ... e
pela experiência da “unicidade com o universo”, a convicção de que
a realidade ordinária é uma ilusão, descrições de um vazio que é
paradoxalmente pleno...
Dentro de uma visão multidisciplinar, necessária e valiosa ao estudo de
Ciências da Religião, a abordagem favorável ao “sensus numinius” advinda de
neurocientistas de renome como Karl Pribram, Raul Marino Jr, Eugene D`Aquili,
37
Andrew Newberg e Francisco di Biase, entre outros, é, no mínimo, encorajadora à
hipótese central deste estudo.
Em Grof (in DI BIASE E AMOROSO, 2005, p. 139) a idéia de que os seres
humanos possuem capacidades de percepção bem maiores do que se suspeitava é
colocada de maneira direta:
No estado “ordinário” ou “normal” da consciência, nos vivenciamos
como objetos newtonianos, existindo dentro dos limites de nossa
pele[...] Nossa percepção do ambiente é restrita pelas limitações
fisiológicas de nossos órgãos sensoriais e pelas características
físicas do ambiente [...] Nos estados transpessoais da consciência,
no entanto, nenhuma dessas limitações é absoluta e qualquer uma
delas pode ser ultrapassada.
A capacidade de entrar em sintonia com o divino também é colocada de
forma inequívoca:
Nos seus casos extremos, a consciência pode se identificar com a
consciência cósmica, ou com a mente universal, conhecida sob
muitos nomes diferentes Brahma, Buda, o Cristo cósmico, Keter,
Alá, o Tao, o Grande Espírito e muitos outros. A experiência máxima
parece ser a identificação com o vazio supra-cósmico ou meta-
cósmico, o vazio misterioso e primordial e o nada que é consciente
de si mesmo e é o berço último de toda a existência. (idem, p. 141)
A idéia de que o ser humano possui um “sensus numinis”, uma capacidade
de perceber a realidade transcendente é adotada também por Pierre Weil, um dos
pais da psicologia transpessoal. Segundo Weil (1990, p.7):
Ao longo de toda a história da humanidade, têm surgido certas
pessoas, mais particularmente sábios e santos, que declaram ter tido
contato direto com a Verdade, ter tido uma intuição muito forte e
indescritível de uma dimensão diferente daquela vivida pelo comum
dos mortais. [...] Muitas dessas pessoas são por demais conhecidas,
como Krishna, Gautama o Buda, Moisés, Ezequiel, Ramakrishna,
Rama Maharishi, Tereza D´Ávila, João da Cruz, e são
representantes de correntes filosóficas ou religiosas. Outros, no
entanto, são desconhecidos e fazem parte do comum dos mortais, e
em geral guardam este tipo de experiência para si, por considera-la
assunto demasiadamente íntimo.
Neste ponto, acreditamos ser conveniente explicar as características
principais destes E. A.C., até porque estas características servem para diferenciar os
38
E.A.C. que possibilitam o acesso aos domínios transpessoais daqueles estados
alterados patológicos, como histeria, psicose, esquizofrenia e epilepsia.
D) CARACTERÍSTICAS DOS E. A.C.
Deus fala, ora de um modo, ora de outro, embora o homem possa
não atentar para isso. Em sonho ou em Visão de noite (...) Então
lhes abre os ouvidos, e lhes sela sua instrução, para apartar o
homem de seu orgulho.” (Jó 33
12 a 17)
Mircea Eliade, em seu livro THE ENCYCLOPEDIA OF RELIGION, utiliza os
estudos de William James sobre os estados alterados de consciência, propondo
quatro qualidades ou características fundamentais dos mesmos. Segundo Eliade
(1993, p. 54):
James defines mystical states by demarcating four of their salient
qualities. He does this, in part, to rescue the appellation from its
disreputable position as the catchall synonym for any anusual,
exciting, or weird experience.
The first such quality James terms the “noetic”, or cognitive, aspect of
the mystical state. This is not the rational, discursive, comparative
function of the mind; it is, rather, wisdom a power of heightened
intellectual discernment and relational understanding in which
positioning, valuation, and function are apprehended and seemingly
disparate facts are properly ranked and organized into meaningful
entities.
The second component he characterizes as “ineffability”. Because
they are ineffable, these transformations in consciousness cannot be
verbalized in a manner that does justice to the nuances of the
experience.
The tird characteristic is “transience”. Mystical states usually are
short-lived. Having their own distinctive flavor, they appear to be
connected and continous with each other; and those who experience
them generally report a new and vivid awareness of being in the
present moment.
Fourth, mystical states are characterized by a feeling of passivity”,
as if one´s personal will were suspended and one had opened
oneself to a higher or superior force. The experience is of not quite
being oneself; there is another force, power, or “person” operating
through one.
11
11
James define estados místicos demarcando 4 de suas principais características. Ele o faz, em
parte, para distanciá-los de sua má reputação, a qual os equipara a sinônimo de experiência incomum
ou bizarra.
A primeira Característica proposta por James é a noética ou cognitiva. o a função racional,
discursiva ou comparativa da mente, mas sim, uma poderosa elevação do discernimento intelectual e
39
Os místicos em geral sempre foram e, os médiuns na atualidade também o
são, freqüentemente vistos como “esquisitos”, “problemáticos”, ou até como
portadores de distúrbios mentais. Através das características definidas por estes
autores pode-se, com alguma observação mais cuidadosa, estabelecer claramente a
diferença
Outra classificação um pouco mais elaborada é dada por Weil (1990, p.10):
Entre as características isoladas por diversos autores podemos citar:
- Unidade: é o desaparecimento da percepção dual eu-mundo.
- Inefabilidade: a experiência não pode ser descrita com a
semântica habitual.
- Caráter noético: um senso absoluto de que o que é vivido é
real, às vezes muito mais real do que a vivência cotidiana comum.
- Transcendência do tempo-espaço: as pessoas entram numa
outra dimensão, o tempo não existe mais e o espaço tridimensional
desaparece.
- Sentido de sagrado: o senso de que algo grande, respeitável e
sagrado está acontecendo.
- Desaparecimento do medo da morte: a vida é percebida como
eterna, mesmo se a existência física é transitória.
Uma outra lista, bem mais minuciosa, compilada pelo filósofo norte-
americano W.T. Stace e ligeiramente modificada por W.N. Pahnke, é mencionada
por Rubia Vila (IN VELASCO & BAZAN, 2002, p. 181), e nela se encontram nada
menos de 12 características comuns às experiências místicas:
1) Sensación de unidade com la consecuente “pérdida” de el yo.
2) Pérdida del sentido del tiempo y del espacio.
3) Sensación de entrar em contacto com lo Sagrado.
4) Sensación de objetividad y de realidad profundas.
5) Cualidad noética: sensación de tener intuiciones de verdades
profundas al margen Del intelecto discursivo.
6) Superación Del dualismo y de las contradicciones.
7) Perdida Del sentido de causalidad.
8) Inefabilidade.
9) Sensación de bienestar, paz, alegría, felicidad.
compreensão profunda aonde posicionamento, valoração e funções são apreendidas e fatos
aparentemente díspares são corretamente associados e organizados em sua significação.
O segundo componente é inefabilidade”. Porque são inefáveis, estas transformações na consciência
não podem ser verbalizadas de um modo que faça jus a suas nuances.
A terceira característica é “transiência”. Estados místicos são imediatos, curtos, instantâneos, aqueles
que os experimentam reportam uma nova e vívida consciência do momento presente.
A quarta, estados místicos são caracterizados por um sentimento de passividade, como se a vontade
própria fosse suspensa e como que transferida para uma força superior. A experiência é como se
houvesse outra força, poder ou pessoa operando através de si, ou de seu corpo. (Tradução livre do
autor)
40
10) Percepción de luz blanca, cegadora, brillante; o fuego, sensación
de calor intenso.
11) Transitoriedad.
12) Câmbios positivos em la conducta.”
12
Acreditamos ser importante ressaltar que em cada experiência mística ou
E.A.C. podem aparecer apenas algumas características destas listas, e em graus
bastante variáveis. Apenas muito raramente aparecerão todas elas, como nos casos
de êxtases de santos, místicos e profetas.
Para melhor compreensão do tema, iremos explicar melhor os termos: experiência
mística e E.A C.
Estados alterados de consciência (EAC) é um termo abrangente, que
designa uma ampla gama de estados de consciência, que vão desde aqueles bem
simples, mais fáceis de serem experimentados, tais como o relaxamento profundo, a
meditação e o sono lúcido; passam por estados intermediários, mais profundos
como: canalização, clarividência, percepção extra-sensorial e transe de
incorporação, psicografia e projeção extracorpórea, chegando, por fim, às
experiências místicas ou êxtase místico onde o indivíduo alcança uma
identificação profunda com a Consciência Universal ou o Criador.
Assim, pode-se dizer que o êxtase místico seria UM entre muitos tipos de
E.A C., talvez o mais profundo e avassalador de todos para o ser humano.
Quanto à tarefa de discernir se as experiências vividas seriam de teor
patológico ou não, basta observar os efeitos da mesma sobre o sujeito, durante e
depois da experiência. Segundo GROM (1994, p. 331):
Cabe sospechar la existência de um transfondo neurótico cuando el
visionário queda bloqueado em sus temores y deseos y se aleja de
su entorno social. Debe aceptarse la presencia de um impedimento
psicótico si las alucinaciones están acompañadas de uma acusada
1)
12
Sensação de unidade, perda do “eu”
2) Perda do sentido de tempo e espaço
3) Sensação de estar em contato com o sagrado
4) Sensação de objetividade e realidade profunda
5) Qualidade noética: sensação de ter intuições de verdades profundas
6) Superação das dualidades
7) Perda do sentido de causalidadeInefabilidade
8) Inefabilidade
9) Sensação de bem-estar, paz, alegria
10) Percepção de luz branca, brilhante, ou fogo, sensação de calor intenso.
11) Transitoriedade
12) Modificações positivas na conduta
41
incapacidad de orientación y de los sintomas típicos de las
esquizofrenias, epilepsias, delírios y otras enfermidades.
13
Confirmando a asserção de que, estados alterados de consciência não
estão, necessariamente relacionados a psicopatologias. O D. Alexander Almeida, em
sua tese de doutorado, após entrevistar 115 médiuns espíritas, chegou à conclusão
de que a proporção de médiuns que apresentava algum transtorno mental era
significamente menor que a encontrada na população em geral
14
.
A título de conclusão a respeito da diferenciação entre os E. A.C. positivos,
benéficos e aqueles patológicos, mediante as caracterísitcas supra citadas, caberia
citar Mateus (12,33): “ou fazei a árvore boa e seu fruto bom, ou fazei a árvore má, e
seu fruto mau, pois pelo fruto se conhece a árvore”.
E) Tipos de E.A.C.
Acerca dos dons espirituais, irmãos, não quero que sejais
desconhecedores [...] Há variedade de dons, mas o espírito é o
mesmo [...] E variedade de operações, mas o mesmo Deus opera
em tudo e em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito
para proveito de todos. (I Coríntios, 12)
Acreditamos que seriam estas as características principais, comuns à grande
maioria das vivências transpessoais ocorridas durante estados alterados de
consciência.
Agora vamos citar os principais tipos de vivências transpessoais, detendo-
nos, especificamente, sobre um desses tipos, que será nosso foco principal de
estudo: o transe mednico de incorporação.
A gama de percepções, vivências, comunicações e interações que podem
ocorrer durante os E.A.C. é muito ampla, de forma que a psicologia transpessoal
reúne tais vivências em grupos com características semelhantes, a fim de facilitar
seu estudo e compreensão.
Segundo Grof (1994, p. 174):
13
Cabe suspeitar da existência de um fundo neurótico quando o visionário fica bloqueado por seus
temores e desejos, apartando-se de seu meio social. Deve aceitar-se a presença de um impedimento
psicótico se as alucinações estão acompanhadas de uma patente incapacidade de orientação, e dos
sintomas típicos das esquizofrenias, epilepsias, delírios e outras enfermidades.
14
Folha Espírita, Agosto de 2005.
42
uma extensa categoria de experiências transpessoais que vão
além do continuum espaço-tempo e da realidade que conhecemos
no dia a dia. Aqui experienciamos o mundo do mito, das aparições,
da comunicação com os mortos; e a capacidade de ver as auras, os
chakras ou outras energias sutis, geralmente não reconhecidas ou
não verificadas por métodos científicos modernos. Aqui podemos
também experienciar encontros com espíritos-guias, animais de
poder, várias entidades super ou sub-humanas ou podemos fazer
viagens fantásticas por universos diferentes do nosso.
Antes de prosseguirmos neste panorama sobre os tipos de E.A.C., é
importante ressaltar que esses tipos de padrões não são “compartimentos
estanques”, ou seja, dois ou mais tipos podem ser vivenciados simultaneamente ou,
vários tipos de E.A.C. podem ir sucedendo um ao outro durante uma mesma
vivência.
Como nossa abordagem teórica a respeito de consciência e estados
alterados de consciência é baseada na psicologia transpessoal, as denominações
para os tipos de E.A.C. utilizados serão os desta linha.
Segundo GROF (1994) as experiências vivenciadas durante os E.A.C.
podem ser agrupadas nos seguintes tipos principais:
Consciência cósmica: estado no qual a barreira do ego desaparece
e o ser humano se identifica com a consciência universal (Deus,
Brahman, Grande Arquiteto do Universo, Alá...). Quando vivencia
esse estado de grande beatitude, o ser humano “sente” que
compreende o significado de toda a criação e os desígnios do Criador
para todos os seres. (p. 200)
Unidade –dual: estado em que desaparece a barreira do ego, porém
com a percepção/atenção voltada para outra pessoa, com a qual,
então, a consciência se funde num processo de identificação
espantoso, bastante freqüente entre casais apaixonados. (p. 117)
Identificação com seres dos reinos animal, vegetal ou mineral:
durante tais vivências transpessoais, o indivíduo deixa de se
sentir/perceber como um ser humano e passa a experimentar
episódios da vida de um determinado animal, vegetal ou mineral, com
grande riqueza de detalhes e sentido de realidade. (p. 125)
43
Identificação com a biosfera do planeta Terra: em outro tipo de
vivência menos comum, a pessoa experiência a totalidade da vida no
planeta, associado a uma profunda empatia com a vida e intenso
sentimento ecológico. (p. 131)
Experiências embrionárias e fetais: neste tipo de E.A.C., o indivíduo
revive episódios relativos à vida intra-uterina, desde o momento da
fecundação até as últimas semanas de gestação, inclusive com aguda
percepção dos sentimentos, conflitos, pensamentos e sensações
oriundos da mãe. (p. 142)
Vivências ancestrais: neste caso, a pessoa acessa memórias de
eventos significativos vividos por parentes ou mesmo ancestrais
remotos que viveram séculos atrás. Muitas vezes as histórias
podem ser verificadas e mostram-se verdadeiras. (p. 149)
Experiências raciais e coletivas: modalidade de vivência
transpessoal onde o indivíduo experiência fatos coletivos históricos
vividos por raças específicas, como o genocídio de povos indígenas, a
escravização de povos africanos ou o holocausto judeu, mesmo sem
possuir parentes ou antepassados entre estes povos. (p. 153)
Percepção extra-sensorial: esta categoria engloba vários tipos de
percepção que ultrapassam os limites do corpo físico, do tempo e do
espaço. Entre os fenômenos mais comuns vivenciados estão o da
telepatia (conhecer corretamente o pensamento de outra pessoa),
clarividência (perceber fatos passados e futuros), psicometria (acesso
psíquico à história de objetos) e a experiência fora do corpo (o
indivíduo se vê fora do corpo físico e com capacidade de se deslocar
para lugares distantes). (p. 166)
Contato com animais de poder: de grande importância nos cultos
xamânicos, nesta vivência o indivíduo entra em contato com um
“animal de poder”, que é um tipo de espírito animal, guardião e mestre
do poder e da sabedoria de sua espécie. (p. 182)
Contato com guias espirituais e seres supra-humanos: nesta
modalidade de E.A.C., o indivíduo entra em contato com guias
espirituais. Segundo a transpessoal, tais seres são descritos como
seres humanos dotados de níveis de consciência e energia muito
44
maiores do que os nossos e fornecem conselhos, amparo energético
e orientação firme e segura em momentos difíceis. É nesta categoria
que se situam boa parte dos guias espirituais da Umbanda. (p. 186)
Identificação com figuras arquetípicas: são figuras relacionadas a
qualidades arquetípicas e que o indivíduo acaba identificando com
alguma divindade. Assim, por exemplo, o arquétipo do amor pode ser
associado à deusa Hator egípcia, à Afrodite grega ou à Oxum
africana; a coragem, força e impetuosidade do guerreiro podem ser
associados ao Hórus egípcio, ao Ares grego, ao Gurudrápur tibetano
ou ao Ogum africano, e assim por diante. Durante o E.A.C., a pessoa
tanto pode ter uma vivência contemplativa da divindade, conhecendo-
a diretamente, como também pode vivenciar o efeito de Unidade-dual,
fundindo-se à própria divindade, como acontece por exemplo, nos
cultos de Candomblé. Nestes casos, fala-se que o médium “recebeu o
santo”, ou seja, o orixá incorporou no médium. (p. 196)
Experiências espiritualistas mediúnicas: nesta categoria
encontramos experiências desde as mais simples, como comunicação
em sonhos com um ente querido que faleceu, passando por
experiências mais elaboradas como ver e ouvir “espíritos” e transmitir
suas mensagens através da fala (psicofonia) ou da escrita
(psicografia), até chegar à mais completa, que seria o transe
mediúnico de incorporação, onde o indivíduo passa por mudanças
físicas acentuadas, bem como alterações de voz, postura e gestual.
Em alguns casos, a pessoa pode executar danças, traçar símbolos
hieroglíficos e falar idiomas completamente desconhecidos para ela,
bem como falar fluentemente sobre temas muito acima de sua
capacidade intelectual e cultural. (p. 175)
Para os espíritas e umbandistas, estas mudanças são possíveis por causa
da incorporação, onde o médium em transe cede seu corpo para o guia, que assume
então, não apenas a parte mental e emocional, mas também a parte motora do
médium.
É exatamente sobre este fenômeno que recairá o foco de nossa pesquisa.
No capítulo 2, serão focadas as estruturas cerebrais que possibilitariam ao ser
45
humano o acesso às experiências transpessoais e, mais especificamente, ao transe
mediúnico de incorporação.
46
2. ESTADOS ALTERADOS DA CONSCIÊNCIA: MACROESTRUTURAS
CEREBRAIS E SUAS FUNÇÕES
Se as portas da percepção fossem abertas, tudo
apareceria ao homem tal qual é, infinito.
Pois o homem fechou a si mesmo, vendo as coisas através
das estreitas fissuras de sua caverna” (William Blake)
Agora que explicitamos nossa abordagem teórica sobre os termos
consciência, estados alterados de consciência e transe mediúnico, gostaríamos de
adentrar ao núcleo de nossos estudos: as estruturas cerebrais que possibilitam
acesso às chamadas “realidades transpessoais”.
Antes de especificar qual ou quais estruturas poderiam ser denominadas
responsáveis pelo acesso aos estados alterados de consciência e pelo transe
mediúnico de incorporação, acreditamos ser importante ressaltar que, segundo os
mais recentes avanços em neurociências, nenhuma estrutura cerebral age de forma
isolada ou independente das demais.
Segundo Marino Jr (2005, p 149):
Um grupo de pesquisadores liderados por D´Aquili e Newberg, entre
1993 e 2001, tem tentado desenvolver modelos para estudar as
várias modalidades de alterações cerebrais produzidas pela
meditação e por estados espirituais ou experiências religiosas (...) o
grupo concluiu que esses estados especiais são produto
principalmente da ativação do córtex pré-frontal, do giro cíngulo, dos
núcleos talâmicos e do lóbulo parietal póstero-superior (em termos
de deaferentação); da ativação das principais estruturas do sistema
límbico lobos
temporais, amígdala, hipocampo e da atividade
complexa do sistema nervoso autônomo, sobretudo a
parassimpática.
Ou seja, existe uma ampla interconexão funcional, um verdadeiro trabalho
de equipe entre todas as estruturas envolvidas nos E. A.C.
Em nossa abordagem optamos, também, por focalizar nossa atenção nas
macroestruturas cerebrais envolvidas na produção dos E.A.C.; portanto, não nos
aprofundaremos no papel desempenhado por microestruturas neuronais, as quais
estariam envolvidas em eventos quânticos moduladores da percepção (ou, segundo
a física quântica, da CONSTRUÇÃO) da realidade, tais como os trabalhos de
47
Hammeroff & Penrose (apud Marino Jr, 2005, p. 114), que destacam o papel dos
microtúbulos neuronais como processadores de informações geradas por padrões
auto-organizadores; e o de Pelletier (IN Wilber (Org), 1995, P117), o qual destaca a
ocorrência de eventos quânticos (produzidos pela própria consciência) no interior
das sinapses neuronais, os quais produziriam aumento ou diminuição do potencial
de transmissão de impulsos nervosos.
Tal opção deve-se ao fato de que não seria viável pesquisar TODOS os
fatores cerebrais envolvidos nos E.A.C. em se tratando de uma dissertação de
mestrado. Pelo mesmo motivo, não estaremos abordando fatores neuro-químicos
como neurotransmissores, PH sanguíneo e taxas de O2 e CO2, apesar de seu
inegável papel nos mecanismos cerebrais e nos E.A.C.
A título de esclarecimento, macroestruturas cerebrais são estruturas
pluricelulares, visíveis a olho nu, cujas funções já têm sido definidas pela ciência.
São várias as estruturas cerebrais que, conjuntamente, tornam possível à
consciência humana o acesso às chamadas “dimensões transpessoais”, aonde se
enquadram os E.A.C.
Entre as mais conhecidas estaremos mencionando:
A) Sistema reticular ativador (S.R.A.)
B) Tálamo
C) Hipotálamo
D) Lobos pré-frontais
E) Amígdala-hipocampo
F) Corpo pineal
G) Lobo parieto-temporal
Agora procuraremos elucidar um pouco mais a fundo a função de cada uma
dessas estruturas nos E.A.C.
A) SISTEMA RETICULAR ATIVADOR
Situado na parte filogeneticamente mais antiga do cérebro, conhecida como
cérebro reptiliano, o S.R.A. começa na medula, ocupa grande parte do tronco
cefálico e sua extremidade superior acopla-se a estruturas límbicas como o tálamo e
o hipotálamo.
48
O S.R.A. é uma das estruturas mais importantes no controle dos níveis de
atividade do sistema nervoso central, agindo assim, diretamente na MODULAÇÃO
DO PADRÃO DE CONSCIÊNCIA do indivíduo.
Segundo Morini (1997, P.29):
Sabemos que a destruição de grandes porções do córtex cerebral
não impede que tenhamos pensamentos. Por outro lado, a
destruição de porções bem menores da porção mesencefálica do
S.R.A. pode provocar acentuada diminuição da atenção e, inclusive,
a inconsciência completa.
Guyton (1998, P 643) também é conclusivo a respeito do papel do S.R.A.
sobre os níveis de consciência:
O S.R.A. é responsável pelo controle do grau geral de atividade do
sistema nervoso central, e pelo menos parcialmente, pelo controle de
nossa capacidade para dirigir a atenção às zonas específicas de
nossa mente consciente...
Machado (2006, p. 196), também atribui ao S.R.A. a função de regular os níveis de
consciência do indivíduo.
Uma das descobertas mais importantes e ao mesmo tempo mais
surpreendentes da neurobiologia moderna é que a atividade elétrica
do córtex cerebral, de que dependem os vários veis de
consciência, é regulada basicamente pela formação reticular do
tronco encefálico. (Grifos do Autor)
A importância do S.R.A. nos E.A.C. se torna clara à medida em que
recordamos que estes estados são exatamente um tipo especial de consciência e,
portanto, submetidos à maior ou menor ativação do córtex cerebral.
Além de ser um dos principais responsáveis pela ativação do sistema
nervoso central, o sistema reticular ativador participa também do mecanismo de
filtragem dos impulsos sensoriais aferentes, também conhecido como percepção
seletiva, que faz com que o indivíduo possa focar a atenção em algumas sensações
e ao mesmo tempo deixar de perceber outras. Segundo Machado (2006, p. 198):
Sabe-se que o sistema nervoso é, até certo ponto, capaz de
selecionar as informações sensoriais que lhe chegam, eliminando ou
diminuindo algumas e concentrando-se em outras, o que configura o
fenômeno de atenção seletiva [...] ampla evidência de que esse
49
controle eferente da sensibilidade se faz principalmente por fibras
originadas na formação reticular.
Esta capacidade do S.R.A. de permitir seletivamente a passagem de
impulsos sensoriais para áreas específicas do córtex será de suma importância para
a compreensão do transe mediúnico de incorporação, que, como veremos, depende
em grande parte da deaferentação do LPPS esquerdo.
B) O TÁLAMO
Estrutura importantíssima no estudo dos mecanismos cerebrais envolvidos
nos E.A.C., o lamo pode agir de três maneiras para sintonizar o cérebro nestes
estados.
B1) A primeira maneira é o controle dos níveis de percepção, ou seja, de
todos os estímulos cerebrais que chegam ao tronco encefálico, o tálamo seleciona
os que chegarão ao córtex e os que serão descartados.
Segundo Marino Jr. (2005, P 85):
O tálamo é a estrutura de passagem mais central entre os gânglios
de base e o cérebro. Sua função é controlar o fluxo de toda
informação neuronal e sensorial dirigida ao córtex cerebral. (Grifos
do autor)
Machado (2006, P246) confirma tal asserção:
Todos os impulsos sensitivos antes de chegar ao córtex, param em
um núcleo talâmico, fazendo exceção apenas os impulsos
olfatórios... Admite-se entretanto, que o papel do Tálamo não seja
simplesmente retransmitir os impulsos sensitivos ao córtex, senão de
INTEGRÁ-LOS E MODIFICÁ-LOS. (Grifos do Autor
A função de selecionar o que o indivíduo vai ou não vai perceber do que
chega através dos sentidos é confirmada também por Guyton (1998, p 582):
Quase toda informação sensorial que entra no cérebro (...) faz
sinapse em um ou outro dos núcleos talâmicos (...) Obviamente o
controle corticofugal do impulso sensitivo poderia permitir ao córtex
cerebral alterar o LIMIAR DE PERCEPÇÃO para diferentes sinais
sensitivos. (Grifos do Autor.)
50
A capacidade do tálamo de agir como filtro da percepção de cada indivíduo
será muito útil na compreensão daqueles E.A.C. tipificados no capítulo 1 como
percepção extra-sensorial (P.E.S.), fenômeno freqüente durante o transe mediúnico
na Umbanda.
B2) ESTIMULAÇÃO SELETIVA DO CÓRTEX:
Outra função crucial na produção dos E.A.C. exercida pelo tálamo é a
estimulação ou inibição de áreas específicas do córtex cerebral.
Procuramos agora esclarecer de que maneira o processo acontece.
Comecemos com Guyton (1988, P 538):
O córtex cerebral é, de fato, uma expansão das regiões mais
inferiores do encéfalo, especialmente do Tálamo. Existe, para cada
área do córtex cerebral uma área correspondente no tálamo, com
conexões entre ambas; a ativação de uma pequena parte do tálamo
ativa a porção correspondente, muito maior, do córtex cerebral.
Supõe-se que desta maneira o tálamo pode convocar a sua vontade,
as atividades corticais.
Em outro trecho, o mesmo autor confirma a ação do tálamo sobre áreas
específicas:
Em resumo, o sistema tálamo-cortical difuso controla o grau geral de
atividade do córtex. Provavelmente pode facilitar a atividade em
áreas regionais do córtex, distintas do restante do mesmo. (idem, P
646)
A conexão entre a estimulação seletiva do tálamo e os E.A.C. fica evidente,
por exemplo, em sua atuação sobre o LOBULO PARIETAL PÓSTERO- SUPERIOR
(LPPS). Segundo Marino Jr (2005, P 87):
O lóbulo parietal póstero-superior (LPPS) é também conhecido como
“área 7 de broadmann”, hoje estudada por sua importância na
integração e análise de informações somestésicas, auditivas e
visuais do mais alto nível recebidas do tálamo. (Grifo do autor)
A função de regular o fluxo de informações (estímulos) sensoriais, que
chega ao LPPS é, como dissemos anteriormente, importantíssimo para a
compreensão dos E.A.C., na medida em que a diminuição dos estímulos que chega
51
a estas áreas (LPPS esquerdo e direito) conhecida como deaferentação, irá facilitar
o surgimento de um E.A.C. conhecido como “consciência cósmica”, caso ocorra no
LPPS direito, ou, um outro E.A.C. conhecido como transe mediúnico (incorporação),
se a deaferentação ocorrer no LPPS esquerdo.
B3) INDUÇÃO DE ONDAS ALFA:
A freqüência de ondas cerebrais, medida através de eletroencefalograma
(EEG) informações sobre o tipo de atividade que o cérebro do indivíduo realiza
num dado momento.
A freqüência de ondas alfa é característica dos estados de relaxamento
profundo e de meditação, e está intimamente associado a alguns tipos de E.A.C.
Segundo Guyton, (1998, P 648):
As ondas alfa são ondas rítmicas cuja freqüência varia entre 8 e 13
ciclos por segundo. [...] Estas ondas são mais intensas na região
occipital, mas podem também registrar-se nas regiões PARIETAL E
FRONTAL. [...] No córtex cerebral não se produzem ondas alfa se
não houver conexão com o tálamo e, fora isso, o estímulo dos
núcleos talâmicos difusos muitas vezes produz no sistema
talamocortical ondas entre 8 e 13 ciclos por segundo, a freqüência
das ondas alfa. (Grifo do Autor)
Assim, presume-se que as ondas alfa resultem da atividade do sistema
talamocortical difuso, que ocasiona tanto a periodicidade das ondas alfa quanto a
ativação sincrônica de milhões de neurônios corticais durante cada onda.
C) HIPOTÁLAMO
Apesar de não estar diretamente envolvido com os processos de ativação
do córtex cerebral ou de filtragem seletiva da percepção, o hipotálamo possui
importantíssima função INTEGRATIVA, devido a suas abundantes conexões
neuronais com outras estruturas importantes para os E.A.C.
Vamos analisar algumas delas:
HIPOTÁLAMO/ S.R.A
Segundo Morini (1997, P30):
52
O hipotálamo desempenha papel coadjuvante no processo de
ativação do córtex cerebral (...) não obstante, demonstrou-se que o
hipotálamo, além de ter como parte integrante a própria formação
reticular, possui suas próprias formas de ativação relacionadas a
várias partes do cérebro.
HIPOTÁLAMO / HIPOCAMPO
Marino Jr (2005, P77) nos oferece informações precisas sobre tal relação:
O hipocampo, também importante estrutura dos lobos temporais, age
modulando o moderando o despertar cortical e sua responsividade
por meio de ABUNDANTES CONEXÕES com o córtex pré-frontal e
outras áreas neocorticais, como a AMÍGDALA e o HIPOTÁLAMO...
(G.N.)
Machado (2006, p. 231) oferece mais detalhes sobre a conexão hipotálamo-
hipocampo:
O hipocampo liga-se pelo fórnix aos núcleos mamilares do
hipotálamo, de onde os impulsos nervosos seguem para o núcleo
anterior do tálamo através do fascículo mamilo-talâmico fazendo
parte do circuito de Papez.
HIPOTÁLAMO / AMÍGDALA / SIST. NERV. AUTÔNOMO
A amígdala
15
é uma pequena estrutura do sistema límbico, geralmente
associada à capacidade de dar significados emocional às experiências sensoriais.
Sua conexão com o hipotálamo é explicada por Machado (2006, p. 231): “Fibras
originadas nos núcleos amigdalóides chegam ao hipotálamo principalmente através
da estria terminal.”
A relação integrativa do hipotálamo se estende também à amígdala cerebral
e ao sistema nervoso autônomo, como vemos em Marino Jr (2005, P 149):
A estimulação da amígdala temporal à direita acarreta uma atividade
do núcleo hipotalâmico ventro-medial e conseqüente ativação do
sistema parassimpático (Joseph, 1996), resultando numa sensação
subjetiva, primeiro de relaxamento, e depois de profunda quietude e
descanso.
15
Neste estudo, nos referiremos sempre à amigdala cerebral, em nenhuma ocasião à amígdala da
garganta.
53
Portanto, por analogia simples, a estimulação à esquerda irá ativar o sistema
simpático, favorecendo a incorporação (mais adiante descreveremos em detalhes o
papel da ativação do ramo simpático do S.N.A. na indução do transe mediúnico).
HIPOTÁLAMO / SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO
A função integrativa do hipotálamo, conectando e interligando funcionalmente
as mais importantes regiões do cérebro, se estende também a todas as funções
vegetativas do corpo humano, através do sistema nervoso autônomo. Segundo
Machado (2006, p. 232):
O hipotálamo é o centro supra-segmentar mais importante do
sistema nervoso autônomo, exercendo esta função juntamente com
outras áreas do cérebro, em especial com as do sistema límbico [...]
o hipotálamo anterior controla principalmente o sistema
parassimpático, enquanto o posterior controla principalmente o
sistema simpático.
A integração entre o hipotálamo e o S.N.A. tem grande importância nas
alterações metabólicas que ocorrem durante os E.A.C. Segundo Marino Jr (2005, P
150):
Uma vez estimulado, o sistema parassimpático também produz
redução das frequências cardíaca e respiratória (...) e à liberação de
arginina - vaso pressina (...) pelo núcleo supra-ótico do hipotálamo,
liberação essa que é dramaticamente aumentada durante estados de
meditação.
Em outro trecho, o mesmo autor nos diz que:
Uma estimulação dos sistemas simpático e parassimpático pode
resultar em intensa estimulação de estruturas do hipotálamo lateral e
do fascículo prosencefálico medial, resultando na produção de
estados extáticos, como felicidade suprema. (idem, P. 151)
Também em D´Aquili & Newberg (2002, p. 43), encontramos salientada a
importância do hipotálamo na conexão neural entre o sistema nervoso autônomo e o
neocórtex, produzindo a integração entre o que acontece no corpo e na mente:
Even though the hypothalamus is part of the limbic system, it can be
thought of as the master control for the autonomic nervous system.
54
The hypothalamus has two basic sections: the inner section which is
connected to the quiescent system and can generate calming
emotions, and the outer edge, whichis an extension of the arousal
system into the brain…One of the major roles of the hypothalamus is
to link the operations of the autonomic system to the higher structures
of the brains neocortex.
16
Além disso, esta conexão entre o hipotálamo e o sistema nervoso autônomo
será fundamental para compreendermos a influência dos estímulos sensoriais sobre
a consciência, na medida em que os principais nervos que compõem o S.N.A.
possuem fibras Aferentes e Eferentes, sendo capazes, portanto, de conduzir
informações sensoriais do corpo para o hipotálamo, a partir do qual as mesmas
seriam distribuídas para as outras estruturas cerebrais envolvidas nos E.A.C.
HIPOTÁLAMO / GLÂNDULA PINEAL
O hipotálamo também influencia o funcionamento da glândula Pineal, como
refere Marino Jr. (2005, p. 151):
O aumento de serotonina, juntamente com a ativação lateral do
hipotálamo, pode provocar também o aumento da melatonina
produzida pela glândula pineal, diminuindo a sensibilidade à dor e
dando uma sensação de tranqüilidade.
HIPOTÁLAMO / CÓRTEX PRÉ-FRONTAL
Sabendo-se que o córtex pré-frontal possui entre suas principais funções a
de moderador de picos emocionais gerados no sistema límbico, torna-se clara a
necessidade de que o mesmo esteja ligado ao hipotálamo. Machado (2006, p. 231)
nos informa que as conexões do hipotálamo com a área pré-frontal:
[...] têm o mesmo sentido funcional das anteriores (sistema mbico),
visto que o córtex da área pré-frontal também se relaciona com o
comportamento emocional. A área pré-frontal mantém conexões com
o hipotálamo diretamente ou através do núcleo dersomedial do
tálamo.
16
Mesmo sendo parte do sistema límbico, o hipotálamo pode ser chamado de controle-mestre do
sistema nervoso autônomo.
O hipotálamo possui duas seções básicas, uma conectada com o sistema trofotrópico (ramo
parassimpático) do SNA, e outra seção, conectada com o sistema ergotrópico |(ramo simpático) do
SNA (...) uma das principais funções do hipotálamo é a de interligar as operações do neocortex.
55
Esperamos ter deixado claro o papel fundamental do hipotálamo, pois,
apesar de não ser diretamente responsável por nenhum tipo específico de E.A.C.,
possui participação em todos eles, na medida em que desempenha verdadeiro papel
de “central telefônica”, interconectando todas as estruturas envolvidas nos processos
cerebrais dos E.A.C.
Além disso, o hipotálamo será muito importante na organização das
respostas emocionais relativas a cada E.A. C.
D) COMPLEXO AMÍGDALA-HIPOCAMPO
Como visto anteriormente, a amígdala faz parte do sistema límbico, agindo
em estreita ligação com o hipotálamo e o hipocampo, e sua função é a de dar um
significado profundo às experiências emocionais, como explicam D´Aquili & Newberg
(2002, p. 44):
Located in the middle part of the temporal lobe, the amygdala is also
the oldest structure in the brain and controls and mediates virtually all
high-order emotional functions . […] When a stimules requiring our
attention is presented, the amygdala acts to analyse its significance
in a very basic way, then directs the mind to pay attention by
assigning emotional value to the stimulus.
17
Então, não parece precipitado afirmar que a amígdala é uma estrutura
capaz de conferir o profundo significado de que alguns tipos de experiência
transpessoal se revestem.
Localizados no sistema límbico, a amígdala e o hipocampo são estruturas
estreitamente interligadas do ponto de vista anatômico e também funcional.
Segundo Marino Jr (2005, P 56):
O giro hipocampal relaciona-se intimamente com o subículo, além de
estar associado à amígdala (...). Mac Lean (1954) concluiu que a
formação hipocampal, como um todo, seria um analisador capaz de
derivar universais a partir das particularidades da experiência e de
relacioná-las simbolicamente sob a forma de experiência emocional.
17
Localizada na parte interna do lobo temporal, a amigdala é também a estrutura mais antiga do
cérebro e controla virtualmente todas as funções emocionais. [...] quando um estímulo que requer
nossa atenção se apresenta, a amigdala age analisando seu significado básico, que direciona a
mente a prestar atenção nele para aferir seu valor emocional. (Tradução livre do autor)
56
A estreita interdependência funcional entre amigdala e hipocampo é descrita
por D´Aquili & Newberg (2002, p. 45):
Located slightly behind the amygdala in the temporal lobe, the
hippocampus is greatly influenced by the activity of the amygdala,
and the two structures often act in a complementary way to focus the
minds attention on interesting sensory input to generate emotions,
and to link those emotions to images, memory and learning.
18
Assim, podemos compreender a primeira função do complexo amígdala-
hipocampo, que é a de, juntamente com o córtex do lobo temporal, apreender o
significado profundo de imagens e símbolos religiosos, atribuindo-lhes também sua
correspondente carga emocional.
Além disso, a amígdala terá parte fundamental em um dos processos
cerebrais mais importanrtes na indução dos E.A.C. - a ativação simultânea dos dois
“braços” do sistema nervoso autônomo: o simpático e o parassimpático.
The ability of the amygdala to trigger autonomic arousal activity is a
key element in the generation of human emotion, but the amygdala
does not exert its influence directly upon the autonomic system.
Instead, it activates the hypothalamus, which in turn influences
autonomic activity. (D”AQUILI & NEWBERG, 2002, p. 45)
19
Apesar de não fazer parte do sistema nervoso central, o sistema nervoso
autônomo participa indiretamente do processo de INDUÇÃO dos E.A.C. através de
situações intensamente emocionais (nível simpático) ou de tranqüilidade profunda
(nível parassimpático), bem como através dos estímulos somato-sensoriais
produzidos no corpo, os quais irão ativar as estruturas que estão sendo estudadas.
Uma outra função exercida pelo hipocampo é a de auxiliar o tálamo em sua
função de filtragem seletiva da percepção.
Segundo D´Aquili & Newberg (2002, p. 45):
18
Localizado bem atrás da amigdala no lobo temporal, o hipocampo é grandemente influenciado pela
amigdala e as duas estruturas agem de forma complementar para focar a atenção mental em
estímulos sensoriais importantes para gerar emoções com imagens, memórias e aprendizagens.
(Tradução livre do autor)
19
A habilidade da amigdala para despertar a atividade de alerta do S.N.A. é um elemento-chave na
geração de emoções humanas, mas a amigdala não a exerce diretamente sobre o S.N.A., mas sim
através do hipotálamo. (Tradução livre do autor)
57
The hippocampus also seens to exert a regulatory effect on another
limbic structure, the thalamus. The hippocampus, both by itself and in
conjunction with the thalamus, can often block sensory input to
various neocortical areas.
20
Como vimos anteriormente, o mecanismo de filtragem seletiva da percepção
está diretamente relacionado àqueles E.A.C. descritos no capítulo 1 como percepção
extra-sensorial.
Além disso, o hipocampo age como moderador da atividade cerebral,
evitando extremos que poderiam ser devastadores e está intimamente relacionado a
atenção e a memória e exerce papel integrativo entre as muitas estruturas
envolvidas nos E.A.C., como lemos em Marino Jr. (2005, p. 77):
O hipocampo, também importante estrutura dos lobos temporais, age
modulando e moderando o despertar cortical e sua responsividade
por meio de abundantes conexões com o córtex pré-frontal e outras
áreas neocorticais como a amígdala e o hipotálamo [...] O hipocampo
funciona em conjunto com o tálamo, o hipotálamo e os núcleos
septais a fim de prevenir extremos de vigília, mantendo um estado de
alerta silencioso; está em íntimo contato com a amígdala temporal,
interagindo com esta na geração de atenção, emoção, memórias e
alguns tipos de imagens [...] A modulação da emoção nos lobos pré-
frontais também se faz pelo hipocampo e suas conexões
amigdalianas.
E) LOBOS PRÉ-FRONTAIS
A importância da área pré-frontal do córtex cerebral começou a ser
compreendida após o estudo de casos como o de PHINEAS GAGE, funcionário
exemplar de uma companhia ferroviária que, após perder parte do rebro em um
acidente, no qual uma explosão fez com que uma barra de ferro transfixasse seu
crânio, tornou-se irresponsável, irascível, indolente e malicioso, a ponto de tornar
insuportável o seu convívio social.
Estudos posteriormente realizados indicaram que a barra de ferro havia
arrancado a parte do cérebro de Gage correspondente ao lobo pré-frontal direito e
também parte do esquerdo. A mudança radical no comportamento do ferroviário
forneceu os primeiros indícios sobre algumas funções dos lobos pré-frontais.
20
O hipocampo também exerce efeito regulatório sobre outra estrutura límbica, o tálamo. O
hipocampo, por si próprio e em conjunto com o tálamo pode bloquear os impulsos sensoriais
aferentes a várias áreas neocorticais. (Tradução livre do autor)
58
A maioria dos neurocientistas concorda com a afirmação de que os lobos
frontais estão diretamente relacionados à cognição, à capacidade de manter a
atenção focada e ao controle sobre os impulsos emocionais do sistema límbico.
Segundo Carter (2002, p. 31):
Os lobos frontais fazem sua primeira aparição por volta dos seis
meses, trazendo os primeiros vislumbres de cognição. Por volta de
um ano de idade, estarão obtendo o controle dos impulsos do
sistema límbico.
A função dos lobos frontais na capacidade de focalizar a atenção é referida
por Guyton (1988, p. 660) onde lemos que:
Uma das características marcantes do indivíduo que tenha perdido
suas áreas frontais é a facilidade com que é desviado de uma
sequência de pensamentos. Do mesmo modo, nos animais inferiores
cujas áreas pré-frontais tenham sido removidas, a capacidade de
concentração em testes é quase completamente perdida.
D´Aquili & Newberg (2002, p. 29) vão mais além, atribuindo aos lobos
frontais não apenas o papel de focalizadores da atenção e de controladores de
impulsos emocionais oriundos dos sistema límbico, mas também o papel de sede da
Vontade e da iniciativa motora:
The attention association área, also know as the prefrontal cortex of
the brain, plays a major role in governing complex, integrated bodily
movements and behaviors associated wich attaining goals. []This
structure is so heavily involved in such intentional behavior, in fact,
that a number of researchers think of the attention area as the
neurological seat of the will.
21
Lurya (1981, p. 163) não apenas concorda com os autores supra citados no
tocante ao papel de focalizador da atenção e concentração do córtex pré-frontal,
como associa essa importante região como produtora de ondas alfa. Ou seja,
exatamente o padrão de ondas de um E.E.G. associado aos estados meditativos.
21
A área de atenção, também chamada de córtex pré-frontal possui papel importante no controle de
atividades complexas, integrando movimentos corporais e associando comportamentos no sentido de
atingir metas. Esta estrutura é fortemente envolvida com todo comportamento intencional e, de fato,
muitos pesquisadores pensam que o córtex pré-frontal seria a sede da vontade. (Tradução livre do
autor)
59
O papel preponderante do córtex pré-frontal na produção de estados
meditativos também é abordado por Marino Jr. (2005, p. 85):
Os fenômenos da concentração intensa e da atenção também são
mediados pelo córtex pré-frontal, que parece mediar a prática da
meditação... Registros realizados durante estados de meditação
demonstram que ocorre, concomitantemente, uma ativação do giro
cíngulo e do córtex pré-frontal (Herzog el al. 1990-91; NEWBERG et
al, 2001 e LAZAR et al, 2000). Desse modo o estado de
concentração meditativa costuma iniciar-se após a ativação dessas
duas áreas.
F) CORPO PINEAL
Uma das estruturas mais misteriosas e controvertidas do cérebro humana, o
corpo pineal é, sem dúvida, a mais mencionada em abordagens metafísicas do tipo
“New Age”, porém, muito antes do surgimento destas tendências no ocidente, a
glândula pineal era centro de afirmações polêmicas. Em Carter (2002, p. 33)
lemos que:
[...] no início do século XVII, o filósofo francês René Descartes
concebeu a noção de que a mente existia numa esfera distinta do
universo material, um conceito que ainda perdura. Em seu esquema,
o cérebro era uma espécie de receptor de rádio que estabelecia
conexões proveitosas na dimensão da mente via glândula pineal.
(Grifo do autor)
Imbuídos de espírito científico de investigação, alguns neurocientistas
voltam a investigar esta estrutura com novas tecnologias que trazem elucidações
importantes quanto a sua função.
O médico e mestre em ciências pela USP, Dr. Sérgio Felipe de Oliveira
(apud Rinaldi, 2000, p. 67) parece adotar ponto de vista semelhante ao de
Descartes:
a glândula pineal é uma verdadeira caixa de ressonância, pelo rico
arranjo de cristais de Hidroxiapatita que compõe sua estrutura,
envolvidos na captação magnética e transdução neuroquímica.
Seria uma poderosa antena no mais perfeito aparelho de
transcomunicação: o cérebro humano, deve estar o foco de
entendimento da neuroanatomia desta instigante função psíquica
que é a mediunidade.(Grifo do Autor)
60
Adotando um viés mais neuroquímico, o neurocirurgião Raul Marino Jr.
(2005, p. 152), também associa o corpo pineal à indução de E.A.C.:
O aumento da serotonina, juntamente com a ativação lateral do
hipotálamo, pode provocar também o aumento da melatonina
produzida pela glândula pineal, diminuindo a sensibilidade à dor e
dando uma sensação de tranqüilidade. Sob intensa ativação, as
enzimas da Pineal podem sintetizar endogenamente um poderoso
“alucinógeno”: 5-METOXIDIMETILTRIPTAMINA ou DMT. Guchait
em 1976 e Strassman em 2001 associaram essa substância a uma
variedade de estados místicos, inclusive a experiência fora-do-
corpo, distorções do espaço tempo e interações com entidades
supernaturais.(Grifo do autor)
A respeito da Dimetiltriptamina (DMT), é conveniente lembrar que a mesma
é o princípio ativo da AYAHUASCA, bebida utilizada séculos em rituais
xamânicos, praticados por muitos povos indígenas sul-americanos, especialmente
os da Região Amazônica, associados a fenômenos de cura, clarividência,
incorporação de entidades e acesso a realidades arquetípicas, logo, parece lógico
que o aumento da produção de DMT na glândula pineal terá papel importante em
vários tipos de E.A.C.
G) CÓRTEX PARIETAL E TEMPORAL
Chegamos, finalmente, a duas áreas do rtex cerebral, extremamente
importantes para nossa compreensão dos mecanismos cerebrais que tornam
possível ao ser humano vivenciar experiências místicas.
Assim como o complexo amígdala-hipocampo, também desempenha tarefas
distintas, mas intimamente relacionadas durante os E.A.C. Em Marino Jr. (2005, p.
90), encontramos referências a estas estruturas e suas funções:
Em 1983, durante um exame eletroencefalográfico de rotina para
monitorar os efeitos da meditação transcendental em uma de suas
pacientes, Persinger notou que ela apresentava uma anormalidade
eletrográfica no lobo temporal direito. Durante essa “crise” subclínica,
a paciente dizia estar cheia de espírito”, sentindo am presença de
Deus consigo naquele laboratório. [...] A fim de estudar esse achado
em outros pacientes, Persinger desenvolveu uma técnica: por meio
de um capacete especial, pacientes voluntários vendados e
colocados numa câmara a prova de som – receberiam fracos e
complexos campos magnéticos gerados por computador [...] o
registro eletrográfico das experiências de Persinger demonstrou que
61
seus achados envolviam os córtices temporoparietais e suas
aferências amigdalianas e o hipocampo, ambos portais para a
experiência de um significado e de memórias complexas para a
representação cerebral dessas sensações.
D´Aquili & Newberg (2002, p. 31), especificam um pouco melhor a função
dos lobos temporais, atribuindo-lhes a função de apreender o significado profundo
de símbolos e conceitos religiosos:
The verbal conceptual association área is extremely important for all
of our mental funtioning, and it should come as no surprise that it is
equalty important in religious experience, since almost all religious
experiences have a cognitive or conceptual component – that is,
some part that we can think about and understand.
22
Ramachandran (2002, p. 237) realizou uma bateria de testes laboratoriais
em indivíduos com a chamada “personalidade do lobo temporal” e detectou que
estas pessoas possuíam responsividade, muito acima da média, a palavras e ícones
religiosos, corroborando, assim, as asserções de D`Aquili & Newberg.
Mediante tais esclarecimentos torna-se mais cil compreender a
importância que cânticos, símbolos e imagens, considerados sagrados, possuem
para os fiéis.
Nos capítulos 3 e 4 iremos aprofundar mais o papel deste mecanismo,
focalizando-o especificamente no ritual de Umbanda.
É bom lembrar que os córtices temporal e parietal possuem importantes
aferências neuronais com amígdala e hipocampo, estruturas também associadas ao
significado profundo de experiências, símbolos e palavras de cunho religioso.
Segundo Rubia Vila (IN VELASCO & BAZAN, 2002, p. 188):
Em la profundidad de este lóbulo (temporal) se encuentram
estructuras pertenencientes al sistema mbico, como la amígdala y
el hipocampo, estructuras que están asociadas con la asignación de
significación biológica a estimulos externos, en el caso de la
amígdala, y con la memoria episódica en el caso del hipocampo.
23
22
A área de conceituação verbal (lobos temporais) é extremamente importante para todas as funções
mentais e não é surpresa que seja igualmente importante em experiências religiosas, desde que toda
experiência religiosa possui elementos cognitivos e conceituais, ou seja, a parte da experiência que
podemos pensar e compreender. (Tradução livre do autor)
23
Na profundidade do lobo temporal se encontram estruturas pertencentes ao sistema límbico como a
amigdala e o hipocampo, estruturas que estão associadas à compreensão de significados biológicos
referentes a estímulos externos (amigdala) e com a memória episódica (hipocampo). (Tradução livre
do autor)
62
Por outro lado, a região parietal do córtex possui função diferente,
profundamente associada aos E.A.C. de cunho místico, de transposição das
fronteiras do ego, de fusão com o universo ou de identidade absoluta com o outro.
Segundo Marino Jr. (2005, p.87):
O lóbulo parietal póstero-superior (LPPS) é também conhecido
como “área 7 de Brodmann”, hoje estudada por sua importância na
integração e na análise de informações somestésicas, auditivas e
visuais do mais alto nível recebidas do tálamo. A partir desses
impulsos talâmicos o LPPS elabora uma imagem tridimensional do
corpo no espaço, permitindo-nos realizar a distinção entre o nosso
próprio “eu” ou self e os outros “eus”.
Joseph (1996) observou que o LPPS direito desempenha importante
papel na localização somática em geral e nas coordenadas
espaciais, dando-nos a sensação correspondente, enquanto o LPPS
esquerdo detecta principalmente os estímulos provenientes de
objetos apalpados ou manipulados. Essas áreas, portanto, permitem
de per se uma distinção entre o eu e o mundo (LPPS esquerdo),
habilitando-nos a julgar entre essas duas categorias de distâncias, o
que Joseph chamou de “função dicotômica entre o eu e o outro”.
É fundamental que recordemos, a este ponto, que o LPPS realiza estas
funções a partir das informações (estímulos) sensoriais provenientes,
principalmente, do Tálamo. Quando mencionamos anteriormente esta estrutura,
dissemos que a mesma podia selecionar quais informações iriam ou não chegar ao
córtex, como também enviar maior quantidade de impulsos para uma determinada
área e pouca ou nenhuma para outra. Desta forma, o Tálamo pode produzir a
chamada deaferentação, a cessação de estímulos sensoriais para um ou para
ambos os lados do LPPS.
[...] A deaferentação, ou seja, a interrupção da estimulação dessas
áreas cerebrais orientadoras LPPS direito e esquerdo -, constitui,
portanto, um importante conceito na fisiologia da meditação.
[...] Assim, a pura sensação de espaço, decorrente de uma
cessação total dos estímulos recebidos pelo LPPS direito, seria
experimentada subjetivamente como uma união absoluta com o
mundo, ou como uma sensação de totalidade, de absoluta
transcendência, com perda do sentido do eu; e a cessação dos
impulsos recebidos pelo LPPS esquerdo resultaria numa supressão
da dicotomia entre o eu e o outro durante a referida sensação.
(MARINO JR., 2005, p.87)
Parece existir um amplo consenso sobre as funções dos lobos parietais no
sentido de construir os limites do nosso ego e também de “focalizar” nossa
63
consciência no tempo-espaço tridimensional, D´Aquili & Newberg (2002, p. 28),
explicam estas funções nos seguintes termos:
The orientation association area, situated at the posterior section of
the parietal lobe, receives sensory input from the sense of touch as
well as from other sensory modalities, especially vision and hearing.
These give it the ability to create a three-dimensional sense of “body”
and to orient that body in space. […] The left orientation area is
responsible for creating the mental sensation of a limites, physically
defined body, while the right orientation area is associated with
generating the sense of spatial coordinates that provides the matrix in
which the body can be oriented. In simpler terms, the left orientation
area creates the brains spatial sense of self, while the right side
creates the physical space in which that self can exist.
24
Estas informações nos permitem chegar a um dos mecanismos mais
importantes do fenômeno conhecido como transe mediúnico.
No primeiro capítulo tentamos demonstrar, apoiando-nos em vários autores
da psicologia transpessoal, da física quântica e das neurociências, nossa hipótese
de que a consciência de cada ser humano pode ser vista como uma manifestação,
individualizada no tempo e no espaço, do que se chama comumente de “consciência
universal”. Tal demarcação seria realizada pelo corpo físico e pelo rebro,
produzindo-se assim o “self” individual.
No segundo capítulo vimos que, mediante o acionamento de determinados
mecanismos cerebrais, os limites do “self” individual podem ser total ou parcialmente
“diluídos”, abrindo-se então possibilidades de comunicação ou conexão direta com
outras consciências (no caso específico da Umbanda, com os guias espirituais).
Vamos então, no próximo capítulo, falar um pouco sobre a Umbanda, sobre
os guias espirituais e sobre os estímulos somato-sensoriais contidos em seus rituais.
24
A área de orientação espacial (LPPS) situada na seção posterior do lobo parietal, recebe impulsos
sensoriais dos órgãos dos sentidos, e através destes impulsos cria o senso de corpo no espaço [...].
O LPPS esquerdo é responsável por criar a sensação mental de limites, definidos pelo corpo,
enquanto o LPPS direito é associado com o senso de orientação espacial que permite ao corpo se
movimentar e agir. Em termos simples, o LPPS esquerdo cria o senso do Self e o LPPS direito orienta
o Self e seu corpo no espaço. (Tradução livre do autor)
64
3: A UMBANDA E O TRANSE MEDIÚNICO
“João tomou a palavra e disse: Mestre, vimos alguém que expulsa
demônios em teu nome, e o impedimos, porque não segue conosco.
Jesus lhe respondeu: Não o proibais, porque quem não é contra nós,
é a nosso favo
r.” (
LUCAS :9
49 e 50)
Agora que expusemos a visão transpessoal dos estados alterados de
consciência (Cap. 1) e as macro-estruturas cerebrais que participam do processo
(Cap. 2), cabe-nos realizar uma breve exposição sobre a Umbanda e o transe
mediúnico de incorporação.
Sendo a Umbanda um campo de estudo muito amplo e complexo, torna-se
necessária uma delimitação, tanto nos aspectos teóricos quanto na pesquisa de
campo. Assim sendo, aquilo que seexposto neste capítulo refere-se à Umbanda
contemporânea, urbana, praticada na capital do Estado de São Paulo.
A) O QUE É A UMBANDA?
De maneira simples e objetiva, podemos explicar a Umbanda como uma
religião genuinamente brasileira, predominantemente urbana, que sintetiza e re-
significa em sua doutrina e em sua práxis elementos de origem européia, africana,
indígena e também oriental, variando os matizes de terreiro para terreiro. Seus
rituais giram em torno dos guias espirituais, que atuam incorporados nos médiuns.
Vejamos então, algumas referências sobre cada um desses pontos
fundamentais.
A maioria dos autores concorda em afirmar a Umbanda como uma religião
genuinamente brasileira. Segundo Bairrão (2004, p.200):
Atualmente, a denominação mais disponível para o que aqui,
genericamente, se denomina espiritualidade brasileira é "Umbanda",
termo que originalmente, antes do Brasil, refere artes de cura no
universo Banto. No século XX, criando a impressão de surgimento de
uma nova religião (brasileira), a palavra foi eleita para recobrir e
acolher a progressiva criação de uma mitologia brasileira e de uma
religiosidade reflexiva da experiência humana nacional, a partir de
elementos de proveniência diversa e de cultos populares locais mais
ou menos sempre perseguidos (jurema, catimbó, pajelança, batuque,
cabula, macumba, etc.)"
65
Giumbelli (IN SILVA, 2002, p.183) aponta para as dificuldades em se
estabelecer as origens exatas da Umbanda e ao mesmo tempo para sua
característica brasileira: “O Brasil pode aparecer como o lugar da própria fundação
da Umbanda. Lembremos que tão comum quanto a reivindicação da
imemoriabilidade da Umbanda é sua designação como “religião autenticamente
brasileira.”
Também em Prandi (2002, p.5) encontramos esta mesma qualificação:
A Umbanda é chamada de a religião brasileira” por excelência, num
sincretismo que reúne o catolicismo branco, a tradição dos orixás da
vertente negra e símbolos e os espíritos de inspiração indígena,
contemplando as três fontes básicas do Brasil mestiço.
Além das influências africanas, indígenas e européias, nas décadas mais
recentes a Umbanda tem progressivamente incorporado também influências
orientais. Segundo La Porta ( 1979, p. 91) As religiões asiáticas como Budismo,
Zen-Budismo, com as teorias sobre Cosmos, etc., são também incorporadas pela
Umbanda.”
A presença de elementos orientais no sincretismo umbandista também é
assinalado por Concone (2001, p.292):
Outros grupos migrantes, estes vindos de fora, também encontram
seu lugar entre as figuras míticas da Umbanda paulista, assim, a
linha do oriente apresenta guias japoneses e, quando tal acontece,
tais guias têm Buda como santo predileto.
Conversando com trabalhadores e, principalmente, sacerdotes de Umbanda
durante nossa pesquisa de campo, pudemos perceber a infiltração de conceitos
orientais na visão de mundo e na doutrina por eles ensinada.
Isto se observa principalmente em terreiros cujos sacerdotes possuem maior
formação acadêmica e buscam aprofundar-se doutrinária e filosoficamente.
Tal fato nos pareceu bastante relevante, na medida em que tais sacerdotes
procuram, desta forma, solucionar o impasse umbandista de estar “entre a cruz e a
encruzilhada” , valendo-se, por exemplo, da filosofia Taoísta para relativizar os
conceitos de bem e mal absolutos oriundos do catolicismo.
Vamos agora tentar explicar as principais características desta religião
tipicamente brasileira.
66
B) CARACTERÍSTICAS DA UMBANDA
Apesar de sua patente mutabilidade, variando bastante os rituais, doutrinas e
procedimentos magísticos de região para região e de terreiro para terreiro, todas
essas “Umbandas” possuem duas características básicas, uma na doutrina e
filosofia, a outra em sua “práxis”.
A primeira seria o caráter sincrético e a segunda o fenômeno do transe
mediúnico, chamado de “incorporação” pelos umbandistas.
Vamos abordar primeiramente o sincretismo:
Ao estudar a formação da Umbanda, acentua-se a sensação de que a
mesma reflete a índole acolhedora do povo brasileiro, em seu aspecto inclusivo e
assimilador.
Prandi (2003, p.1) alude a este fato, englobando a formação de todas as
religiões afro-brasileiras:
Desde o início as religiões afro-brasileiras se fizeram sincréticas,
estabelecendo paralelismos entre divindades africanas e santos
católicos, adotando o calendário de festas do catolicismo,
valorizando a freqüência aos ritos e sacramentos da igreja. Assim
aconteceu com o candomblé da Bahia, o Xangô de Pernambuco, o
tambor-de-mina do Maranhão, o batuque do Rio Grande do Sul e
outras denominações.
Falando especificamente sobre a Umbanda, Mallandrino (2006, p. 95) coloca
que:
Essa síntese religiosa feita pela Umbanda traz em si práticas
religiosas dos Bantos africanos, introduzidos no Brasil como
escravos, mescladas com práticas religiosas de outros grupos
africanos, em especial os Iorubás; práticas religiosas de fundo
católico introduzidas pelos colonos portugueses; práticas de
espiritismo Kardecista introduzidos no Brasil por imigrantes
europeus; práticas religiosas de cunho indígena fornecidas pelos
nativos do país; e ainda influências orientais como budismo,
hinduísmo e xintoísmo.
Apesar de possuir em si mesma tantos elementos de diferentes origens
étnicas e culturais, a Umbanda não deve ser encarada como simples "colcha de
retalhos", uma vez que estes elementos passam por um contínuo processo de re-
significação. Segundo Magnani (1986, p. 13):
67
A Umbanda certamente não é uma espécie de degeneração de
antigos cultos africanos ou do espiritismo Kardecista. É, sim, o
resultado de um processo de re-elaboração, em determinada
conjuntura histórica, de ritos, mitos e símbolos que, no interior de
uma nova estrutura, adquirem novos significados.
A assimilação e reelaboração contínuas de doutrinas, símbolos e práticas
oriundas das mais variadas religiões conferem à Umbanda seu caráter dinâmico, de
constante mutação e adaptação, mantendo, no entanto, a característica de síntese
harmoniosa.
Segundo Friedericks (2006, p.45):
Os elementos das diferentes culturas que compõem a Umbanda co-
existem através da utilização de símbolos específicos, que estão
presentes de forma harmônica nos rituais, iniciações e sacramentos
da religião, como a forma de relacionamento entre os vivos e os
mortos do Kardecismo, os santos católicos, os cantos africanos e as
danças indígenas.
Outro ponto importantíssimo para nosso estudo é a caracterização da
Umbanda como religião mediúnica, como veremos a seguir:
C) O TRANSE MEDIÚNICO:
“Nós aprenderemos com aqueles espíritos que souberem mais e
ensinaremos a aqueles que souberem menos, e a nenhum viraremos
as costas, a nenhum diremos não, pois esta é a vontade do Pai.
(Caboclo Sete Encruzilhadas)
De fato, por mais que mudem de terreiro para terreiro, as práticas, as
doutrinas e os símbolos, o elemento que nunca muda, que está sempre presente, é
a manifestação mediúnica. A gira de Umbanda existe e se organiza em torno dos
guias, que atuam incorporados em seus respectivos médiuns.
Malandrino (2006, p.111) alude ao papel da incorporação na Umbanda,
afirmando que:
68
O transe de possessão é o elemento central do ritual umbandista, ou
melhor, da gira. É também um marco significativo não da
Umbanda, como também das religiões afro-brasileiras.
Nas giras, o momento essencial é o da descida dos espíritos que
vêm para trabalhar e praticar a caridade. Pode-se supor que uma
gira de Umbanda não acontece sem que haja um transe de
possessão ou, em linguagem comum, uma incorporação."
Mais adiante tentaremos esclarecer um pouco melhor os termos “possessão”
e “incorporação” e seus respectivos contextos de utilização.
Capellari (2001, p.82) também ressalta o papel central da incorporação nos
cultos afro-brasileiros:
O transe nas religiões afro-brasileiras exerce um papel essencial. É
através dele que os deuses se apresentam, incorporando nos
sacerdotes. Sem a presença dos deuses, orixás, não existe
sacralidade. O ambiente de culto, pois, se torna sagrado, sobretudo
pela intercessão direta dos deuses através da incorporação.
É interessante esclarecer que a incorporação de orixás é característica dos
terreiros de Candomblé, acontecendo, por vezes, na Umbanda, não como regra mas
como exceção, em ocasiões especiais como nas festas comemorativas dos orixás
ou em momentos de grande necessidade espiritual do terreiro. Segundo Capellari
(2002, p.93):
Ao invés de cultuar, como nas demais religiões afro-brasileiras, os
deuses (orixás, voduns, inquices) (...) seu drama consistirá, com
base igualmente no transe, na incorporação de espíritos que farão
parte desta ou daquela linha, referida pela entidade que a comanda.
Ou seja, não são deuses, e sim espíritos, cujos nomes
correspondem à linha evolutiva à qual pertencem.
A diferenciação entre guias e orixás, nem sempre clara para os “freqüenta
dores de terreiro”
25
, passa pela sua definição. Optando por um viés psicológico,
Malandrino (2006, p.113) coloca que:
Os orixás se enraízam numa área mais arcaica do psiquismo e da
história do mundo físico, que são definidos como forças da
25
No linguajar popular dos umbandistas, o termo “freqüentador de terreiro” refere-se àquelas
pessoas de pouca fé, que recorrem aos terreiros apenas para “resolver problemas” materiais, sem
nunca procurar aprimoramento doutrinário ou espiritual.
69
natureza, o que torna possível imaginá-los como arquétipos do
inconsciente coletivo em decorrência da experiência humana com o
mundo material. Os guias pertencem às lembranças históricas
relativas às experiências vividas nas origens da sociedade brasileira.
De qualquer forma os guias se identificam com os orixás e possuem
uma ligação com eles.
A definição de Orixás como sendo forças da natureza parece ser
amplamente consensual entre os estudiosos do tema. Segundo Concone (1987, p.
38):
As religiões africanas se apresentam como uma ordenação de
forças. No topo da hierarquia está a figura de Deus supremo ou
criador, o mais das vezes inacessível [...] abaixo dele nesta
hierarquia, uma série de forças, que são os intermediários ou
intercessores junto aos homens.(Grifo do autor)
Também em Verger (1990, p. 19) lemos que:
O Orixá é uma força pura, imaterial, que só se torna perceptível aos
seres humanos incorporando-se em um deles. Esse ser escolhido
pelo orixá [...] é chamado de Elegún.
os guias de Umbanda são vistos como espíritos humanos
desencarnados, dotados de sabedoria e axé
26
superiores e, portanto, com
capacidade de aconselhar, doutrinar, curar e também de interceder magisticamente *
na resolução de problemas do dia a dia.
Bairrão (2004, p. 220) explica a atuação dos guias nos seguintes termos:
O morto, sem deixar de ser morto, dialoga e convive com os vivos,
que em transe lhe cedem os seus corpos para receberem suas
orientações. Os espíritos, sempre muito humanos, tipificadores de
potenciais qualidades (ou defeitos) e com forte colorido associado a
raízes locais, dão voltas para resolver histórias mal paradas.
Magnani (2002, p. 3) também define os guias de Umbanda como seres
humanos desencarnados*, acrescentando à sua explicação, nuances de doutrina
espírita:
26
A partir deste ponto, as palavras identificadas por * estarão explicadas no Glossário.
70
As entidades umbandistas são, portanto, espíritos de mortos ainda
que não individualizados – para quem a missão de ajudar os homens
é um meio de expiar faltas passadas de acordo com a doutrina do
carma, e assim progredir em busca da perfeição. Tem-se assim a
crença na comunicação concreta e real entre o mundo dos vivos e
dos mortos.
Como dissemos anteriormente cada terreiro assume para si aspectos
doutrinários das vertentes africanas, católicas, orientais, espíritas e indígenas com
ênfases e intensidades muito distintas entre si. Desta forma temos denominações
como “Umbanda cruzada”, onde predominam elementos do Candomblé; “Umbanda
branca”, onde a doutrina espírita se faz mais presente. “Umbanda esotérica ou
iniciática”, onde se valorizam mais as religiões e técnicas orientais e assim por
diante.
Apesar de tanta diversificação, a identificação dos guias de Umbanda como
espíritos de pessoas desencarnadas é largamente aceita.
Jensen (2001, p.10) confirma tal asserção, utilizando conceitos e contextos
aproximados ao espiritismo:
A terra constitui a plataforma para espíritos que experienciam sua
encarnação humana em diferentes níveis de evolução espiritual. Ela
é visitada por espíritos do mundo astral, que são incorporados pelos
médiuns nos centros de Umbanda, ajudando, deste modo, aos seres
humanos.
Mais adiante, neste capítulo, faremos uma breve descrição dos orixás e
guias mais cultuados na Umbanda paulista.
D) ASPECTOS HISTÓRICOS
‘Então Jesus lhes disse: lestes nas escrituras: A pedra que os
construtores rejeitaram, tornou-se pedra angular; pelo Senhor foi
feito isto, e é maravilha ante nossos olhos?”(MATEUS 21
42)
Sendo, como já dissemos anteriormente, uma síntese dinâmica que re-
significa e assimila continuamente elementos de muitas religiões, torna-se quase
impossível determinar com precisão histórica o início da Umbanda.
Segundo Ortiz (1999, p.32):
71
A Umbanda não é uma religião do tipo messiânico, que tem origem
bem determinada na pessoa do messias, pelo contrário, ela é fruto
das mudanças sociais que se efetuam numa direção determinada.
Ela exprime assim, através de seu universo religioso, esse
movimento de consolidação de uma sociedade urbano-industrial.
Não obstante as controvérsias entre historiadores e praticantes sobre seu
início exato, existe um consenso em dizer que a Umbanda se afirma como religião
brasileira e começa a crescer e ganhar adeptos entre as décadas de 1920 e 1930.
Para Capellari (2001, p.92):
O movimento umbandista se estabeleceu em fins da década de 30,
quando um conjunto de terreiros gravitava em torno de doutrinas
que estimularam, em 1939, sob os auspícios de Zélio (de Morais) e
outros líderes, a formação, no Rio de Janeiro, da sua primeira
federação: A União Espírita de Umbanda do Brasil.
Do ponto de vista sócio-histórico, a nascente Umbanda formou seus quadros
de trabalhadores e fiéis a partir de espíritas, insatisfeitos com uma certa “aridez” das
práticas e da doutrina espírita, e que se agradaram da presença de Caboclos e
Pretos-velhos na macumba carioca, bem como por sua riqueza ritualística,
bastante sincrética.
Por sua vez, os praticantes da macumba carioca viram na nascente
Umbanda uma possibilidade de aceitação e ascensão social, graças, exatamente
aos seus componentes doutrinários de cunho espírita.
Prandi (2003, p.4) também refere-se à consolidação da Umbanda como
religião a partir das décadas de 20 e 30:
Formada no Rio de Janeiro nos anos 20 e 30 do século XX, logo se
espalhou pelo Brasil todo como religião universal sem limites de raça
ou etnia, geografia e classe social.
para os praticantes, segundo tradições orais até hoje em circulação, a
origem histórica da Umbanda é um pouco diferente:
Zélio Fernandino de Moraes, jovem morador do bairro das Neves, São
Gonçalo, Rio de Janeiro, na ocasião com 17 anos, foi acometido por estranhas
manifestações, incompreensíveis para sua família de formação católica.
72
O jovem Zélio durante tais episódios, algumas vezes se curvava e
balbuciava frases, num dialeto exótico, outras, assumia posição altiva de guerreiro,
falando sobre os seres da floresta.
Sem saber como lidar com os estranhos fenômenos, a família tentou
primeiro o auxílio da ciência, submetendo o jovem a exames psiquiátricos que não
constataram nada de anormal.
Um padre católico, tio de Zélio, teria também tentado o ritual tradicional de
exorcismo. As manifestações prosseguiram, inalteradas.
Sem saber mais o que fazer, seus pais o encaminharam à Federação
Kardecista de Niterói, onde, no dia 15 de novembro de 1908, manifestou-se o
Caboclo Sete Encruzilhadas.
Afirmando-se descontente com o preconceito racial existente no espiritismo
daquela época, o Caboclo Sete Encruzilhadas explica um dos motivos da criação da
Umbanda:
[...] vocês, homens preconceituosos, não contentes em estabelecer
diferenças entre os vivos, procuram levar estas diferenças além das
barreiras da morte. Porque não podem nos visitar estes humildes
trabalhadores do espaço, se trazem importantes mensagens do
além? Por que o não aos caboclos e pretos-velhos? Acaso não são
eles também filhos de Deus?
27
No dia seguinte, 16 de novembro, na residência de Zélio de Moraes, às 20
horas, o Caboclo incorporou de novo, e com estas palavras iniciou um novo culto:
Vim para fundar a Umbanda no Brasil. Aqui inicia-se um novo culto
em que os espíritos de pretos-velhos africanos e índios nativos de
nossa terra poderão trabalhar em benefício de seus irmãos
encarnados, qualquer que seja a sua cor, raça, credo ou posição
social.
28
Desta forma foi fundada a Tenda Nossa senhora da Piedade, a qual existe
até hoje sob a direção de Zilméia de Moraes, filha de Zélio.
27
A citação é extraída de uma apostila sem referência bibliográficas, utilizada como material didático
do “Curso de Teologia da Umbanda”, ministrado por Alexandre Cumino (vide anexo)
28
Idem nota anterior.
73
É interessante notar que, apesar de ser esta uma versão de cunho
confessional, espécie de “mito fundante” da Umbanda, a mesma não é totalmente
desprovida de fundamentos históricos.
Giumbelli (2002. p. 197) comenta que alguns artigos de jornais escritos por
Leal de Souza nos últimos meses de 1932,
Dão destaque ao Caboclo da Sete Encruzilhadas, o qual teria sido
responsável pela criação de diversas tendas vinculadas à Linha
Branca de Umbanda e Demanda. A primeira delas, 23 anos antes
(ou seja, 1909), é a Tenda Nossa Senhora da Piedade, iniciada por
meio de Zélio de Moraes e seu pai.
O mesmo autor menciona as pesquisas efetuadas por Diana Brown, que
afirma:
[...] o centro de Zélio e aqueles fundados por seus companheiros são
os primeiros que encontrei em todo o Brasil que se identificavam
conscientemente como praticantes de Umbanda, e que o relato de
Zélio é extremamente convincente no sentido de dar conta de como
a fundação da Umbanda realmente ocorreu. (GIUMBELLI, 2002, p.
187)
E) ORIXÁS E GUIAS NA UMBANDA
Como mencionamos anteriormente, o ritual umbandista não está centrado
nos orixás, como acontece no Candomblé, mas sim nos guias espirituais, que
incorporam nos médiuns para ajudar a assistência através de passes, consultas,
banhos de ervas, chás e outros procedimentos magísticos.
A incorporação de orixás em giras de Umbanda é evento raro, sempre visto
como uma grande benção e, geralmente o médium escolhido pelo orixá é o próprio
Pai ou Mãe-de-santo do terreiro, indicando o grau de importância do fenômeno.
O quadro abaixo oferece uma visão geral e bastante resumida dos principais
orixás cultuados na Umbanda paulista, os santos católicos com os quais são
sincretizados e seus aspectos correspondentes na natureza (conhecido pelos
umbandistas como ponto-de-força do orixá)
74
ORIXÁ SANTO CATÓLICO PONTO DE FORÇA
OXALÁ JESUS SOL
YEWÁ SANTA CLARA NÉVOA, NEBLINA
OXUM Nª.Sª.APARECIDA CACHOEIRAS
OXUMARÊ S.BARTOLOMEU ARCO-IRIS
OXÓSSI S. SEBASTIÃO FLORESTAS
OBÁ Stª.JOANA D´ARC SOLO DAS FLORESTAS
XANGÔ S.JERÔNIMO PEDREIRAS
YANSÃ Stª. BÁRBARA TEMPESTADES
OGUM S. JORGE CAMINHOS
EGUNITÁ Stª. SARA KALY FOGO
NANÃ Stª. ANA LAGOAS, BREJOS
OMOLÚ S. LÁZARO CEMITÉRIOS
YEMANJÁ Nª.Srª. CONCEIÇÃO OCEANOS
(Tabela adaptada e resumida, baseada no “curso de Teologia de Umbanda
Sagrada”)
Em todos os terreiros visitados durante nossa pesquisa, os trabalhos
espirituais são sempre precedidos por cânticos, saudações e louvores aos orixás.
Os guias espirituais, por outro lado, são presença obrigatória em toda gira de
Umbanda.
Apesar de serem considerados seres humanos desencarnados, os guias de
Umbanda quase nunca utilizam nomes próprios ou fornecem muitas referências
sobre suas vidas passadas e personalidades.
O mais freqüente mesmo é que os guias se identifiquem por nomes
simbólicos que definem suas linhas e forma de atuação.
Bairrão (2004, p. 203) explica que:
Cada linha tem um significado próprio, ilustrativo de alternativas para
encruzilhadas existenciais cujas conseqüências, em última instância,
se decodificam a partir dos destinos dos espíritos explicitados pelas
narrativas das suas “vidas” e pelos episódios subseqüentes a suas
“passagens”. [...] No conjunto, as diversas categorias trabalham
solidariamente, ilustrando cada uma um tipo de enfoque sobre cada
problema tratado.
75
Assim, os guias espirituais utilizam nomes como: Caboclo Sete Lanças de
Ogum, Exu Tranca-Ruas, Boiadeiro Sete Ferraduras, Baiano dos Cocos e assim
por diante.
Segundo Friedericks (2006, p. 59):
As entidades espirituais se apresentam organizadas em linhas, que
são divididas de acordo com suas características e especialidades e,
compreende atualmente, as seguintes linhas: caboclos e caboclas,
pretos e pretas-velhas, baianos e baianas, boiadeiros, erês ou
crianças, ciganos e ciganas, exús-mirins, marinheiros, exus e
pombagiras.
Um fato interessante observado nos terreiros é que médiuns mulheres
geralmente incorporam tanto guias masculinos como femininos, o que não ocorre
com médiuns homens, os quais muito raramente incorporam entidades femininas
como caboclas ou pombagiras.
Voltando ao tema das linhas espirituais, veremos que a compreensão
daquilo que as mesmas simbolizam serão essenciais para entender a Umbanda.
Bairrão (2004, p. 205) oferece descrições bastante pertinentes sobre as
linhas espirituais de Umbanda:
Os caboclos são antropomorfoses do distante, do elevado. São
metáforas do Outro, do não-familar, são emissários do
desconhecido. Por definição, consubstanciam a alteridade, longínqua
e grandiosa. Conduzem, guiam, promovem travessias. Tipificam a
figura do mestre espiritual. Não raro, respondem pela direção
espiritual dos médiuns e dos terreiros.
Os caboclos costumam ser muito respeitados e até temidos, por causa da
postura altiva, gestos enérgicos e brados de guerra que às vezes, proferem.
Já os pretos-velhos
[...] refletem a condição humana experiente. Espelham em si a mais
ampla gama de experiências e atitudes da alma. [...] Personificam
um estado espiritual de superlativa concentração no Sagrado, que se
traduz em um grau extremo de obediência ao divino. (BAIRRÃO,
2004, P. 205)
76
Devido ao temperamento bondoso e sabedoria para aconselhar e resolver
“casos” por vezes difíceis, os pretos-velhos são muitas vezes chamados
carinhosamente de “vozinho”, “vovô”, “pai” ou “paizinho”.
As crianças ou erês são o
Futuro anteposto ao presente, símbolos de realização espiritual por
acontecer e retratos da matéria-prima do espírito em estado puro,
ainda não amadurecida. Traduzem o que talvez seja o mais elevado
estado espiritual humanamente ambicionável. [...] Os seus aéreos e
elevados jardins (metáforas de elevados graus de realização
espiritual) [...] aludem a uma promessa do resultado de
peregrinações por itinerários (espirituais) ainda não percorridos, aos
quais os caboclos convidam. (BAIRRÃO, 2005, p. 206)
Apesar de serem vistos como crianças, seus conselhos e intercessões
magísticas são muito valorizados e procurados pela assistência, e as festas de
Cosme e Damião são freqüentadas até por não-umbandistas.
Os baianos são,
Espíritos pragmáticos e divertidos[...] uma espécie de comissão de
boas-vindas da Umbanda.[...] Os recém-chegados precisam primeiro
ficar à vontade e se sentir bem, e mesmo a gente mais antiga da
casa às vezes precisa de um “refresco”.
Os baianos trazem notícias do norte, mas “pegam leve”, evitando
exigências penosas e cobranças angustiantes. (BAIRRÂO, 2005, p.
206)
Muito alegre e extrovertidos, gostam de rir alto, cantar e dançar, quando lhes
é permitido e por este espírito de amizade, hospitalidade e confraternização, não
gostam de pessoas e situações onde impera a falsidade.
Os boiadeiros por sua vez, são entidades conhecidas por sua e também
pela determinação, são muito procurados por pessoas que querem atingir metas
distantes ou de difícil consecução.
São pastores habilitados a pegar bichos fortes e bravos, quer se trate
de seus fiéis, quer da realização de metas por eles ambicionadas e
de coisas grandiosas a que se destinam [...] Significam a força da
determinação e tudo o que se possa associar a um movimento de
agarrar e a uma peregrinação. (BAIRRÂO, 2005, p. 206)
77
Os marinheiros ou marujos, apresentam-se cambaleantes, em alusão ao
caminhar no convés da embarcação, que oscila ao sabor das ondas. São muito
solicitados no terreiro para “limpeza espiritual” dos médiuns e também por seus
excelentes conselhos em questões e situações difíceis da vida.
O marinheiro é uma explícita personificação do morto, (em geral,
morreram afogados), portanto, do espiritual e sua missão parece ser
noticiar que em certo momento se acaba a terra (o corpo); que em
certo sentido, o chão que se pisa, a vida, cercada de não-ser por
todos os lados (o mar) é o convés de um navio. (BAIRRÃO, 2005,
p. 208)
Entidades carismáticas, os ciganos costumam exercer certo fascínio sobre a
assistência, que busca seus préstimos em questões de ordem afetiva e financeira.
Os ciganos associam-se ao Oriente (em uma acepção espiritual).
Sua missão é trazer notícias do futuro, são adivinhos.
Significam que saída, tem-se um caminho, vem outro tempo,
outro lugar para ir. Recordam que um destino. (BAIRRÂO, 2005,
p. 208)
Os exus são entidades freqüentemente associadas ao diabo ou aos
demônios pelos opositores das religiões afro-brasileiras devido a sua ação
libertadora em relação aos tabus e culpas associados ao corpo, ao poder pessoal e
à liberdade de viver como se quer. Nos trabalhos de Umbanda são vistos como a
“polícia do astral”, responsáveis por afastar espíritos obsessores e desmanchar
trabalhos de magia negra.
Os exus representam liberdade e responsabilidade, por isso,
associam-se às encruzilhadas [...] Na Umbanda e congêneres,
chama-se Exu a uma função espiritual associada à sombra que a
corporeidade humana projeta na luz. (BAIRRÃO, 2005, p. 209)
Erroneamente vistas pelos menos conhecedores do tema como espíritos de
prostitutas, devido à sensualidade evidente nos gestos, no falar, nas roupas e nos
meneios de quadris, as pombogiras são, juntamente com os exus, mestras em fazer
com que as pessoas abandonem a hipocrisia, assumindo seus desejos e sua forma
de viver a sexualidade, sem medos e sem culpas.
78
Provavelmente uma versão brasileira contemporânea de ritos de
fertilidade e do culto às deusas-mães, a sua associação à
voluptuosidade da vida não desperta simpatia por parte dos que
repudiam o corpo como um horizonte de experiência do Sagrado [...]
Associadas aos fascínios do corpo, expressam espiritualmente a
sexualidade e a sedução, a fertilidade da terra e os prazeres
sensoriais. (BAIRRÃO, 2005, p. 209)
Entidades espirituais às vezes de difícil controle, os exus-mirins aliam as
características dos exus à imaturidade própria das crianças ou adolescentes.
Os exus-mirins espelham a situação “sem nem cabeça” das
crianças de rua brasileiras. Referem destinos infantis abortados,
carências radicais e crueldade reativa. Mas também significam o
momento de passagem do infantil para o adulto, a saída da casa
para a rua, inerente ao adolescer. (BAIRRÂO, 2005, p. 210)
Assim, mostrando-se aos fiéis como figuras arquetípicas constitutivas do
próprio povo brasileiro, os guias conseguem, ao mesmo tempo, representar o
Sagrado que se manifesta (são espíritos que vêm de “outro plano”); como também
estabelecer uma identificação mais fácil, espontânea e, por vezes, afetiva, com
aqueles que buscam seus conselhos eajuda, devido a seu linguajar simples e direto;
e suas maneiras autênticas. É bastante freqüente que cada pessoa, após algum
tempo, acabe desenvolvendo maior afinidade com alguma linha, por identificar-se
com sua forma de trabalhar, de agir e de se expressar.
F) O TRANSE MEDIÚNICO DA UMBANDA
Como vimos, o transe mediúnico e o sincretismo religioso são duas
características onipresentes nos terreiros de Umbanda, sejam quais forem as
variações regionais, doutrinárias ou pessoais (no caso do pai ou da mãe-de-santo).
Segundo La Porta (1979, p. 111):
O transe é o fenômeno central e a razão de todo culto Afro-brasileiro,
quer seja na Umbanda ou Candomblé. [...] É o fenômeno da
incorporação da divindade no interior do corpo e na personalidade do
crente que, possuído pela divindade, serve apenas de aparelho {...]
influenciado pela divindade, entidade, orixá ou qualquer outro
espírito.
79
Controvérsias semânticas
Quando se fala sobre o fenômeno mediúnico, acima descrito, algumas
controvérsias surgem em relação ao nome que se dá ao processo pelo qual uma
entidade espiritual utiliza o corpo de um médium para se comunicar.
Concone (1987, p. 91) é bastante clara ao afirmar que:
Na verdade, se formos nos deter em tais problemas, veremos que
não existe consenso algum; ao contrário, os termos transe e
possessão são usados alternativamente, são substituídos por outros,
ou são adjetivados, mas é freqüente que se esteja falando dos
mesmos fenômenos usando nomes diferentes, ou, o que é pior,
falando de fenômenos diferentes tratados pelo mesmo nome.
Como não é o objeto de estudo de nossa dissertação esclarecer tais
controvérsias semânticas, limitar-nos-emos a constatar que o termo mais utilizado
nos terreiros que visitamos é incorporação. Geralmente, o umbandista alega que
“possessão” acontece em terreiros de Candomblé, em pessoas “feitas no santo”.
Também entre os autores que tratam do tema, vemos o termo incorporação
sendo largamente utilizado: “Pode-se supor que uma gira de Umbanda não acontece
sem que haja um transe de possessão, ou em linguagem comum, uma
incorporação”. (MALLANDRINO, 2003, p. 111) (Grifo do Autor)
Concone (1987, p. 122) também adota tal termo sem maiores problemas:
A babá e o pai, quando incorporados, cumprimentam-se de pé. [...]
o único a fumar charuto durante a incorporação foi o caboclo
Urubatão, incorporado no babalaô [...} A incorporação dos
médiuns experientes é rápida e sem muita encenação. (Grifo do
Autor)
Assim, utilizaremos também o termo incorporação para definir o estado
alterado de consciência (E.A.C.), no qual as consciências do médium e do guia
espiritual entram numa sintonia tal que permite ao guia espiritual controlar total ou
parcialmente o corpo do médium.
É importante esclarecer que dizemos total ou parcialmente porque existem
níveis de incorporação, que variam de médium para médium e também durante a
gira.
80
Estas variações nos níveis de incorporação (desde a mais “leve”, onde o
médium está quase totalmente consciente do que se passa à sua volta, até a
incorporação completa, total, onde o médium se torna inconsciente) acontecem
mediante fatores como:
o tipo de mediunidade com que cada indivíduo é dotado;
o seu nível de desenvolvimento mediúnico (aprimoramento teórico e prático
que é ministrado no terreiro);
a necessidade intrínseca a cada momento, dentro do ritual, geralmente em
momentos mais difíceis ou tratamentos muito importantes, o nível do transe
se aprofunda.
Vamos agora tentar abordar o fenômeno da incorporação de guias na Umbanda,
utilizando o enfoque da psicologia transpessoal.
A incorporação como um tipo de E.A.C.
Vimos no primeiro capítulo deste estudo, que nosso estado comum de
consciência (vigília) é apenas um entre muitos estados possíveis. Vimos também
que nos estados alterados de consciência, as barreiras entre o “EU” e o “OUTRO”
podem ser transcendidas de várias maneiras diferentes, dando ao ser humano o
acesso às chamadas “realidades transpessoais”.
No segundo capítulo, abordamos algumas estruturas cerebrais que
possibilitam a ocorrência destes fenômenos.
Agora, tentaremos descrever a incorporação dos guias espirituais nas giras
de Umbanda como um tipo de estado alterado de consciência.
Concone (1987, p. 94) refere-se aos estados de transe nos seguintes
termos: “aqueles nos quais existe uma consciência alterada, que permite
manifestações de um comportamento vindo dos mais profundos estratos da
personalidade”.
Mallandrino (2003, p. 111) também é bastante clara quanto a esta
caracterização: “O transe de possessão se caracteriza por um estado alterado de
consciência (parcial ou total), que normalmente se manifesta através de alterações
comportamentais, sensoriais, perceptivas e mnemônicas evidentes”.
Concone (1987, p.99) refere-se também às modificações que ocorrem no
médium durante a incorporação:
81
Alguns elementos são importantes para definir transe como ESTADO
ALTERADO DE CONSCIÊNCIA: descontinuidade das funções da
personalidade, descontinuidade das modalidades sensoriais,
descontinuidade da memória, descontinuidade dos padrões
comportamentais.
Quando se trata de retratar a incorporação de guias na Umbanda como um
tipo de E.A .C., é importante notar que, dos 12 itens compilados por W.T.Stace
(Rubia Vila, IN VELASCO & BAZAN, 2002, p.181) como características encontradas
durante os estados alterados de consciência mais importantes, pelo menos 8 são
comumente relatados pelos médiuns de Umbanda:
- Sensação de perda da noção do “eu”.
- Perda da noção de tempo e espaço
- Sensação de entrar em contato com o Sagrado
- Sensação de objetividade e realidade profundas
- Qualidade noética
- Superação do dualismo e das contradições
- Sensação de felicidade, alegria
- Mudanças positivas na conduta social
Quanto aos TIPOS de vivências transpessoais relatadas por Grof (1994)
mencionadas no capítulo 1, constatamos que a incorporação encontrada nos
terreiros de Umbanda reúne em si mesma vários tipos de vivências transpessoais
mencionadas por esse autor:
- Experiências espiritualistas mediúnicas: os médiuns estão em contato
direto com os espíritos de pessoas já falecidas (neste caso, os guias).
- Percepção extra-sensorial: podem ocorrer de vários tipos, entre os mais
comuns a clarividência*, empatia* e telepatia*.
- Experiências raciais e coletivas: como já referimos anteriormente, os
guias representam a vivência coletiva de segmentos raciais do Brasil. Os
Caboclos representam os indígenas; os baianos, os migrantes
nordestinos e assim por diante.
- Contatos com guias espirituais e seres supra-humanos: Os Guias de
Umbanda, apesar de serem definidos como seres humanos
82
desencarnados, são também, em muitos casos, descritos como
portadores de sabedoria e poderes que os colocam num patamar
espiritual mais elevado, descritos por Grof (1994) como “guias espirituais
e seres supra-humanos.
Esta complexidade do fenômeno chamado incorporação nos fornece
algumas pistas para compreender porquê o chamado “desenvolvimento mediúnico” -
processo de treinamento teórico e prático ao qual os médiuns devem se submeter -
leva um tempo considerável para ser percorrido (3 a 7 anos, em média).
É extremamente importante notar que a colocação da incorporação
umbandista dentro de um quadro teórico que abarca a psicologia transpessoal, a
física quântica e o paradigma holoinformacional do Universo, por um lado fornece ao
cientista da religião algumas bases para melhor compreensão do fenômeno religioso
na Umbanda, como também suscita aos médiuns e umbandistas em geral que não
se contentem com uma visão por vezes simplista demais daquilo que vivenciam no
dia-a-dia de seus terreiros.
Passaremos, agora, à análise dos estímulos somato-sensoriais presentes
num ritual de Umbanda e seu papel na indução do transe mediúnico (incorporação)
G) O Ritual de Umbanda e seus Elementos
Do ponto de vista dos estímulos somato-sensoriais, um ritual de Umbanda é
extremamente rico.
Mesmo antes de iniciar-se o ritual propriamente dito, chamam a atenção a
profusão de imagens de santos, velas acesas de todas as cores, colares de contas
utilizados pelos médiuns, tudo se parece muito com a preparação de uma grande
festa.
Quando os trabalhos iniciam, os estímulos aumentam: vêm os Cânticos e
louvações aos orixás, as defumações* lançam uma profusão de aromas no
ambiente, os médiuns e trabalhadores do terreiro dançam ao som dos atabaques*.
As pessoas da assistência, até então em relativa passividade, começam a se
entusiasmar, alguns cantam e batem palmas, acompanhando os atabaques.
Feito o cerimonial de abertura dos trabalhos, chega o momento tão
esperado. O Sagrado vai se manifestar, os guias espirituais são chamados das
83
“terras de Aruanda”* para trabalhar, incorporando nos médiuns. Os atabaques
repicam com maior intensidade ainda, enquanto os ogãs* entoam os pontos-
cantados* específicos de cada guia que deverá “baixar” no terreiro.
Após breves momentos de suspense, o guia-chefe* incorpora, geralmente no
pai ou na mãe-de-santo, sucedendo-se então a incorporação dos outros guias, em
seus respectivos médiuns. Os trabalhos espirituais vão começar.
Durante as consultas, outros estímulos sensoriais vão sendo
experimentados: charutos, cachimbos, águas-de-cheiro e ervas medicinais oferecem
seus aromas característicos; aguardente, cerveja ou vinho são utilizados pelos guias
durante os trabalhos; por vezes, também comidas ritualísticas são compartilhadas
entre os presentes, depois de devidamente abençoadas pelos guias.
Lado a lado com os componentes que sugerem festa, apresenta-se também
o “misterium tremedum” : dos guias irradia uma aura de poder e autoridade, seus
gestos, suas palavras e suas ações encerram uma sabedoria que exige dos
presentes respeito, fé e humildade, pois falam mais à alma que ao intelecto puro.
Juntamente com a alegria e satisfação de rever os guias, que trarão alento,
esperança e sabedoria, os fiéis o perdem de vista o fato de que estes guias são
“espíritos”, que vêm “do outro lado” da morte, capazes assim, de dizer e fazer coisas
que ultrapassam a capacidade dos encarnados.
Durante as consultas podem-se observar variados estados emocionais:
alguns consulentes choram, relatando situações de vida aflitivas
29
, outros, de olhos
brilhantes, agradecem bênçãos recebidas, curas e vitórias profissionais; aqueles que
cometem deslizes éticos ouvem reprimendas, por vezes ásperas. Há também os que
vêm para confraternizar com os guias, quase como se fossem parentes saudosos
que se encontram.
Por esta descrição pode-se perceber que são muitos e variados os estímulos
facilitadores do transe mediúnico durante as giras. É comum pessoas de maior
sensibilidade psíquica entrarem espontaneamente em transe, durante a consulta ou
até mesmo sentadas na assistência.
Em nossa descrição fizemos questão de relatar, juntamente com os
estímulos somato-sensoriais, também alguns elementos que remetem a aspectos
29
H.PETER FRY e G.N. HOWE (1975, p.75-04) chamam a Umbanda de “resposta à aflição”
84
psicológicos, culturais e sociais do ritual, de forma a reiterar que os estímulos
somato-sensoriais são importantes, mas não suficientes, por si sós, para induzir o
transe mediúnico.
Esta afirmação seconfirmada em seu aspecto teórico, por vários autores
da área de neurociências, que aludem a fatores emocionais e um certo stress
psicológico, agindo sobre estruturas como o hipotálamo e o sistema nervoso
autônomo, como também pela pesquisa empírica por s efetuada, onde 35% dos
entrevistados consideraram os estímulos somato-sensoriais relativamente
importantes, enquanto outros 39% consideraram-nos muito importantes. Tal
equilíbrio parece sugerir que, em sua vivência empírica, os umbandistas
entrevistados percebem que os estímulos sensoriais o ferramentas importantes,
mas que, para o Sagrado se manifestar, é preciso mais que isso.
Voltando para nosso foco principal, vimos que, num ritual de Umbanda
podemos encontrar estímulos visuais (cores, símbolos, imagens, colares, velas),
auditivos (cânticos, toques de atabaque), proprioceptivos (danças), olfativos
(defumações, água-de-cheiro, ervas, tabaco) e gustativos (alimentos, bebidas). o
encontramos, apenas, os estímulos táteis no ritual, excetuando-se, talvez, as
palmas.
Segundo Concone (1987, p. 99):
Nos estudos do transe no contexto religioso, podemos encontrar
exemplos das mais variadas fórmulas de indução: jejum, auto-
flagelação (comum entre índios das planícies norte-americanas), uso
do tabaco (p. ex. índios brasileiros), efeito hipnótico (p. ex. entre
crianças balinesas) uso da música, uso da dança etc. Com
freqüência mais de um ao mesmo tempo.
Esperamos, assim, ter deixado claro quão ricos e variados são os estímulos
somato-sensoriais oferecidos aos participantes num ritual de Umbanda.
Tentaremos agora, retomando a abordagem das neurociências, descrever a
ação específica destes estímulos somato-sensoriais na indução do transe
mediúnico.
85
4: OS ESTÍMULOS SOMATO-SENSORIAIS E SUA INFLUÊNCIA NO TRANSE
MEDIÚNICO
Hoje vós não vedes. Nem ouvis, e é melhor assim. Um dia, porém, o
véu que cobre vossos olhos será retirado pelas mãos que o teceram.
E a argila que obstrui vossos ouvidos será rompida pelos dedos que
a amassaram. Então Vereis e Ouvireis. E não deplorareis ter
conhecido a cegueira e a surdez. (Kahlil Gibran)
Nos capítulos anteriores, expusemos nossa opção teórica sobre os conceitos
de consciência e estados alterados de consciência; analisamos a função das
principais macroestruturas cerebrais em relação aos estados alterados de
consciência e fizemos um breve resumo sobre a Umbanda, seus rituais e o
importante papel que o transe mediúnico de incorporação desempenha nos
mesmos.
Passaremos agora, à análise dos estímulos somato-sensoriais presentes
nos rituais de Umbanda sobre as macroestruturas cerebrais dos médiuns, facilitando
o transe mediúnico de incorporação.
Primeiramente, no entanto, gostaríamos de pontuar, como expusemos na
introdução, que a música e a dança são utilizadas há milhares de anos como
instrumentos “mágicos” capazes de induzir o transe mediúnico que trazia consigo os
poderes ocultos do ser humano.
Um dos exemplos arqueológicos mais antigos é a pintura encontrada no
interior da caverna de Trois-Frères, datando de 13.000 anos, onde vemos claramente
um xamã (ou algo equivalente) vestindo uma pele de gamo e executando um
sofisticado passo de dança.
Segundo Grof (2000, p. 182):
... a respiração, a música e outras formas de tecnologia sonora têm
sido usadas por milênios como poderosas ferramentas em práticas
espirituais e rituais. Desde tempos imemoriais, o monótono som de
tambores, cânticos e outras técnicas de produção de som têm sido as
principais ferramentas de xamãs em diferentes partes do mundo.
Muitas culturas pré-industriais desenvolveram, de maneira bastante
independente, ritmos de tambores que em experimentos laboratoriais
têm notáveis efeitos sobre a atividade elétrica do cérebro.
86
As danças sagradas eram também utilizadas em celebrações religiosas
milenares na Índia, no Egito e na Grécia como forma de homenagear os deuses e,
por vezes, de entrar em contato direto com eles. (MORINI, 1997, p. 6)
Em RUTHERFORD (1991, p.150) lemos que:
A maneira pela qual a possessão é provocada é curiosamente
semelhante em quase todos os cultos, envolvendo em geral a
exposição dos participantes a intensos estímulos dos sentidos físicos,
acompanhados de considerável stress emocional (...). O mais vital de
todos os elementos talvez fosse a constante música rítmica e o
barulho dos tambores que acompanhavam todo o ritual.
Como exemplos contemporâneos de utilização da música e da dança em
rituais religiosos de êxtase e possessão podemos citar os adeptos do Sufismo, os
devotos do Movimento para a Consciência de Krishna, algumas Igrejas
Neopentecostais, cultos religiosos indígenas, o Movimento Carismático da Igreja
Católica e a grande maioria das religiões com matrizes Africanas nas Américas, tais
como o Vodú no Haiti, a “Maria Lionza” na Venezuela, a Obeah no Caribe e o
Candomblé e a Umbanda no Brasil.
VERÍSSIMO (IN CAMON ,ORG.,2004, pg. 178) assinala que:
Os cantos, a música, a dança, as palmas, as imagens e as palavras,
o ritmo, o incenso, as velas, a recitação de prece, tudo isso envolve
os celebrantes em um elo único (...). Procura-se criar uma energia e
um êxtase coletivo que se amplie continuamente, gerando em todos
proteção e força, pela identificação com os atributos das divindades
que estão sendo cultuadas.
Os movimentos corporais e sua influência sobre as emoções, a mente e a
própria consciência não são utilizados apenas no contexto religioso, mas também
terapêutico.
Segundo MORINI (1997, p.15):
A movimentação corporal sempre foi e continua sendo usada em
nossos dias como meio para melhorar a saúde, como no caso da
Yoga e suas derivações; para promover harmonia, equilíbrio mental e
energético, como no Tai-Chi-Chuan; para desbloquear e aprimorar o
lado emocional, como no caso da bioenergética e da biodança; e até
para atingir estados alterados de consciência e contato com a
divindade, como no Xamanismo e na nossa conhecida Umbanda.
A questão que se coloca e que tentaremos esclarecer é: Por quê esses
elementos (música e dança) têm sido utilizados há tanto tempo (e continuam sendo,
87
nos dias atuais), em tantas religiões, particularmente quando se busca os estados de
êxtase e possessão?
Antes de iniciarmos nossa explicação sobre os efeitos oriundos dos estímulos
somato-sensoriais sobre o cérebro, cumpre-nos esclarecer que tais estímulos, por si
só, não seriam suficientes para induzir o transe místico ou o êxtase religioso.
O transe mediúnico passa também por: fatores cognitivos (tais como o sistema
de crenças do indivíduo); sociais (Ex: necessidade de pertença a um grupo);
psicológicos (Ex: medo, insegurança, necessidade de proteção, carência emocional),
e culturais (Ex: identificação com a doutrina, com as próprias divindades ou seres
espirituais em questão), entre outros.
Apesar de estes aspectos não fazerem parte de nossa pesquisa, é necessário
e importante mencioná-los de antemão para que nossa visão sobre o fenômeno não
seja qualificada como um reducionismo organicista.
Existe também a manifestação do Sagrado, a contraparte espiritual do
fenômeno (neste caso, os guias espirituais que incorporam) mas a ciência ainda não
dispõe de recursos suficientes para estuda-los; portanto, falaremos sobre a parte que
nos concerne, ou seja, os mecanismos cerbrais envolvidos no fenômeno.
Isto posto, tentaremos explicar alguns mecanismos (certamente não todos)
que permitem que estímulos somato-sensoriais (danças, músicas, perfumes,
cânticos, imagens e cores) presentes nos rituais religiosos de Umbanda produzam
nos praticantes o chamado transe mediúnico de incorporação.
Para tanto, analisaremos uma a uma, as estruturas cerebrais envolvidas no
fenômeno, sem deixar de lembrar que todas elas interagem entre si, como uma
orquestra.
A relação muito direta entre os movimentos corporais e as estruturas que
tornam possíveis os E.A. C. é abordada de forma bastante objetiva por GUYTON &
HALL (2006, p.713):
o encéfalo tem um centro mais antigo localizado abaixo,
anteriormente e lateralmente ao Tálamo incluindo o hipotálamo, a
amígdala, o hipocampo, a região septal anterior ao hipotálamo e ao
Tálamo e até mesmo regiões mais antigas do tálamo e do próprio
córtex cerebral – todas as quais funcionam em conjunto para iniciar a
MAIORIA DAS ATIVIDADES MOTORAS e outras atividades
funcionais do sistema nervoso central. Estas áreas são chamadas
coletivamente de sistema límbico.”
88
Vamos então, tentar aprofundar a compreensão sobre alguns mecanismos
principais que participam deste processo.
A) SISTEMA RETICULAR ATIVADOR (S.R.A.)
Como vimos anteriormente, o sistema reticular ativador é, juntamente com o
Tálamo, extremamente importante para determinar o nível geral de ativação do
córtex cerebral e, conseqüentemente, o nível de consciência do indivíduo.
Estímulos sensoriais rítmicos como o som dos atabaques ou as danças
ritualísticas da Umbanda passam primeiramente pelo S.R.A. antes de atingir o córtex
cerebral.
Segundo Guyton (1988, pg. 612):
Através de toda a extensão do tronco cerebral, no bulbo, ponte,
mesencéfalo e mesmo em parte do diencéfalo estão áreas de
neurônios difusamente dispostas conhecidas como formação reticular
(...). Dispersos no interior da formação reticular estão os neurônios não
motores como sensitivos(...). Os grandes neurônios são,
sobretudo de função motora, e amiúde os seus axônios bifurcam
quase que imediatamente, com uma divisão estendendo-se para
baixo, em direção à medula espinhal, e a outra indo para cima em
direção ao tálamo ou outras regiões basais do diencéfalo ou do
cérebro. (Grifo do Autor)
O efeito dos estímulos sensoriais sobre o sistema reticular ativador será de
extrema importância para a compreensão das cnicas corporais na indução do
transe mediúnico, na medida em que o reconhecemos como um estado alterado de
consciência.
Guyton (1988, pg. 643) nos dá uma idéia sobre a dimensão desses efeitos:
Quando um animal dorme, o nível de atividade do S.R.A. está
bastante diminuído; entretanto, quase qualquer tipo de sinal sensitivo
pode ativá-lo de imediato. Por exemplo, os impulsos
proprioceptivos provenientes das articulações e também de
receptores musculares, impulsos dolorosos da pele, os impulsos
visuais e os auditivos e até mesmo sensações viscerais podem,
todos, provocar uma ativação brusca do sistema reticular ativador e,
através dele, despertar o animal (...) certos tipos de estímulos
sensoriais são mais potentes que outros para provocar a reação de
despertar; os mais poderosos são os impulsos dolorosos e a
sensibilidade proprioceptiva. (Grifo do Autor)
Além dos impulsos sensitivos vindos do corpo, o S.R.A. recebe também
estímulos oriundos do próprio cérebro.
89
Entre as principais estruturas capazes de enviar tais sinais ao S.R.A. estão o
córtex sensitivo motor, o córtex frontal, giro cíngulo, hipocampo e hipotálamo,
estruturas direta ou indiretamente envolvidas na produção de E.A.C. (GUYTON,
1988/p.645)
Com isto, o que estamos tentando evidenciar é que:
A) O S.R.A. é, juntamente com o Tálamo, o principal ativador do rebro,
com influência direta sobre o patamar de consciência do indivíduo; e
B) Que os estímulos sensoriais, especialmente os proprioceptivos, possuem
amplas condições de modular os níveis de consciência do indivíduo via S.R.A.
Com estas informações podemos começar a compreender que, quando os
atabaques soam num ritmo específico e os médiuns executam determinado tipo de
dança, isto ajuda o cérebro a funcionar de uma forma que permite a conexão entre a
consciência do médium e a do guia.
Esse mecanismo de ativação do neo-córtex exercido pelo S.R.A. e pelo
Tálamo poderia ser um dos responsáveis pelos estados de hiper-lucidez e pelas
características noéticas dos E.A.C. e do transe mediúnico de incorporação, onde o
médium geralmente exibe capacidades intelectuais superiores, acima do seu padrão
normal. Especialmente se pensarmos no fato de que o córtex pré-frontal (que confere
profundidade, gica e coerência ao raciocínio) e o córtex temporal (que faz a
associação de conceitos, símbolos e eventos e confere significado profundo aos
mesmos), são bastante ativados no processo, como veremos adiante.
Desta forma, parece plausível dizer que aqui está um primeiro mecanismo
através do qual os estímulos somato-sensoriais modulam a consciência e auxiliam a
induzir o transe mediúnico.
Além disso, o S.R.A. irá desempenhar outra função crucial para nossa
compreensão dos efeitos dos estímulos somato-sensoriais na mediação cerebral dos
E.A.C. Essa função é a de ativar outras estruturas diretamente envolvidas nos
E.A.C., tais como o tálamo, o hipotálamo e o sistema nervoso autônomo.
Vejamos o que nos diz Guyton (1988, p. 673):
Nesta altura, devemos reconhecer que muitas funções de conduta
executadas pelo hipotálamo e outras estruturas límbicas são
mediadas através da formação reticular do tronco encefálico (...) A
maior parte dos sinais para o controle do sistema nervoso autônomo
origina-se nos núcleos localizados na formação reticular do tronco
encefálico; mesmo sinais transmitidos de centros superiores passam
90
através desses mesmos núcleos. Portanto, do ponto de vista
fisiológico, a formação reticular é uma parte muito importante do
sistema límbico, mesmo que se considere anatomicamente uma
entidade separada.
O efeito da estimulação do tálamo, do hipotálamo e do sistema nervoso
autônomo será descrito em detalhes logo a seguir. Por enquanto, acreditamos ter
deixado claro que o S.R.A. é uma das estruturas mais importantes para entendermos
de que maneira os estímulos somato-sensoriais auxiliam na indução do transe
mediúnico de incorporação.
A influência do S.R.A. sobre os E.A.C., no entanto, não pára neste ponto.
Esta importante estrutura participa, juntamente com o Tálamo, do mecanismo de
percepção seletiva (MACHADO, 2006, p. 198), já descrito no capítulo 2.
Este mecanismo nos fornece indícios interessantes (se bem que ainda não
conclusivos) para a compreensão de fenômenos como a clarividência, que
ocasionalmente acompanham o transe mediúnico de incorporação.
Assim sendo, de forma geral, podemos dizer que, dentro de um ritual de
Umbanda, temos vários tipos de estímulos sensoriais capazes de ativar o S.R.A., e
dentre todos, o mais destacado será o estímulo proprioceptivo, oriundo das danças
específicas de cada guia, ritmadas pelo som dos atabaques.
A estimulação do S.R.A por estes elementos do ritual, teriam então, efeitos
tais como:
A) Ativação geral do neo-córtex, o que poderia explicar,
parcialmente ao menos, o estado de hiper-lucidez, de muitas manifestações
mediúnicas.
B) Estimulação do hipotálamo e S.N.A, associados às fortes
emoções e as sensações físicas presentes em grande parte das
incorporações de guias e orixás.
Passaremos agora à descrição de alguns mecanismos de facilitação do
transe mediúnico através dos estímulos sensoriais, protagonizados pelo Tálamo.
91
B) O TÁLAMO
Assim como o S.R.A., o Tálamo desempenha crucial papel na ativação do
córtex cerebral e, desta forma, é capaz de modular os níveis de consciência do
indivíduo.
Uma diferença apontada pelos autores é que a ação do S.R.A seria mais
global, envolvendo todo o cérebro, enquanto que a ação do tálamo parece ser
bastante específica em relação ao córtex cerebral.
Em Guyton & Hall (2006, p. 715) lemos que:
[...] todas as áreas do córtex cerebral tem extensas conexões
eferentes e aferentes com estruturas mais profundas do cérebro. É
especialmente importante enfatizar a relação entre o córtex cerebral
e o tálamo (...) a excitação talâmica do córtex é necessária para
quase toda atividade cortical.”
Isto nos leva a mais um importante mecanismo de modulação da
consciência através dos estímulos sensoriais, na medida em que o tálamo é a porta
de entrada para estes estímulos.
Segundo Guyton (1988, p. 645):
O Tálamo é a principal via de entrada para quase todos os sinais
nervosos sensitivos ao córtex, com exceção daqueles provenientes do
sistema olfatório.
Isto quer dizer que os estímulos sensoriais irão passar pelo Tálamo, causando
assim uma ativação do córtex e sua correlata alteração da consciência. Guyton
(1988, p. 646) explica tal processo em detalhes:
Supõe-se que a estimulação pelo sistema talâmico difuso provoque
principalmente a despolarização parcial de uma grande quantidade
de dendritos próximos à superfície do córtex, o que causaria, então,
um aumento generalizado no grau de facilitação cortical.
Além disso, a música e a dança possuem mais um componente que
potencializa bastante seu efeito sobre o cérebro e a consciência: o ritmo.
Estímulos repetitivos e ritmados são instrumentos facilitadores do transe
mediúnico, pois tendem a sincronizar grandes áreas do cérebro, e este mecanismo
começa no tálamo, a porta de entrada dos estímulos sensoriais para o córtex.
Segundo Guyton (1988, p.646):
92
Um outro aspecto da estimulação do sistema difuso (do Tálamo) é a
chamada resposta de recrutamento. Quando este sistema é
estimulado seguidamente, a primeira resposta é relativamente fraca,
a segunda um pouco mais forte, a terceira ainda mais forte e assim
por diante (...) isto é, o sistema recruta mais e mais sinapses
corticais para o padrão de resposta com a estimulação repetitiva.
Isto quer dizer que o ritmo marcante dos atabaques, dos cânticos, das
palmas e das danças pode induzir uma resposta de recrutamento no córtex,
intensificando o estado de transe.
A extensão e a importância dos estímulos sensoriais ritmados na indução dos
E.A.C. são referidas também por D´Aquili & Newberg (2002, p.88):
Repetitive motors behaviors such as dancing or singing in ceremonies
can have significant effects uppon the limbic and autonomic systems,
(...). One study has shown that repetitive auditory and visual stimuli
ritualized dancing, singing or chanting, for example can drive cortical
rhythms to produce ineffable, intensely pleasurable feelings (...) In
combination with other contributing activities that are often a part of
ritual fasting, hiperventilation, and the inhalation of incense or other
frangrances this multisensory stimulation can affect the
phisiology of the body in ways that can lead to altered mental
states.(Grifo do Autor)
30
Desta forma, podemos compreender que o Tálamo é ativado através dos
estímulos sensoriais ritmados do ritual e atua na indução do transe mediúnico
através da ativação seletiva do córtex cerebral, bem como de estruturas límbicas,
especialmente o hipotálamo, o quel, por sua vez, é o principal responsável pela
ativação do S.N.A., sobre o qual falaremos adiante.
É claro que, como já dissemos, os estímulos ritmados e repetitivos são
importantes, mas não suficientes para induzir um transe mediúnico. Tal fato torna-se
evidente à medida em que podemos perfeitamente estar no meio de uma escola de
samba, por exemplo, onde haverão estímulos sonoros ritmados, cânticos e danças,
sem que passemos pelo estado de transe mediúnico.
Isto acontece porque, dentro do ritual de Umbanda, o médium está
psicologicamente disposto a entrar em transe, e sua mente está firmemente focada
30
Comportamentos motores repetitivos como danças e cânticos em cerimônias, possuem efeitos
importantes sobre os sistemas límbico e S.N.A. [...] um estudo mostrou que estímulos sonoros e
visuais repetitivos – danças, músicas e cânticos rituais por exemplo – podem levar o córtex a produzir
inefáveis e intensamente prazerosos sentimentos [...] Em combinação com outras atividades que
também fazem parte dos rituais – aceleração, hiperventilação e inalação de incenso e outras
fragrâncias – esta estimulação multisensorial pode afetar a fisiologia do corpo de forma a levar a
estados alterados de consciência. (Tradução livre do autor)
93
no processo de conectar-se ao guia. Com isto, outras estruturas cerebrais entram
em ação, como veremos a seguir.
Como já explicamos, o LPPS é a estrutura cerebral que nos possibilita a
delimitação entre o “eu” e o “outro” , a partir dos estímulos visuais, auditivos e
proprioceptivos transmitidos pelo Tálamo. Se este fluxo sensorial diminui, diminuem
também as fronteiras do ego, permitindo ao médium uma espécie de “fusão” com o
guia espiritual, fenômeno conhecido como incorporação, mas qual seria o estímulo
capaz de fazer o Tálamo interromper o fluxo de informações ao LPPS?
Para que isto ocorra, é necessário um período de intensa concentração por
parte do médium, focando completamente o pensamento nos Guias* e nos Orixás*.
Além da vontade firme e focada do médium, vários elementos do ritual
facilitam a concentração, tais como o ponto-cantado*, o ponto-riscado*, as cores de
velas, imagens e ritmos de atabaques que são específicos daquele guia, que o
caracterizam e destacam dos demais.
Estes elementos agem como instrumentos que auxiliam grandemente a
concentração do médium.
Essa concentração intensa é que nos leva ao outro mecanismo operado pelo
Tálamo, que passa primeiramente pelo Córtex Pré-frontal.
Segundo Danucalov et al (2006, p. 152):
Estudos de imageamento cerebral sugerem que tarefas que
requerem uma atenção focada são iniciadas através da ativação do
córtex pré-frontal (...) Há evidências de que o CPF, quando ativado,
estimula o núcleo reticular do tálamo (...) Dentre as funções dessa
região talâmica podemos destacar aquelas que governam o fluxo de
informações sensoriais para o processamento cortical por meio de
suas interações com o núcleo geniculado lateral e o núcleo posterior
lateral (...) o núcleo posterior do tálamo comunica-se com o lobo
parietal posterior (LPPS) concedendo-lhe informações sensoriais (...)
Se a diminuição dos estímulos aferentes para o LPPS de fato ocorrer,
o indivíduo em questão poderia perder o seu senso espacial habitual,
e com ele a delimitação do seu próprio “eu” no espaço.
(Grifo do Autor)
Quando se fala em transe mediúnico de incorporação, a deaferentação do
LPPS, principalmente o esquerdo, será de vital importância, na medida em que
proporciona a diminuição das barreiras entre as consciências do médium e do guia
espiritual.
94
Assim sendo, o papel do tálamo no mecanismo neuronal do transe mediúnico
de incorporação, pode ser descrito como uma ativação geral do cérebro, derivada
dos impulsos proprioceptivos da dança e dos estímulos sonoros rítmicos dos
atabaques (produzindo o estado de hiperlucidez característico destes estados),
enquanto que a intensa concentração, auxiliada pelos cânticos, imagens e cores
específicos de cada guia, leva o lamo à deaferentação do LPPS (via córtex pré-
frontal), diminuindo as fronteiras entre o médium e o guia, facilitando a chamada
incorporação.
Existe ainda mais um mecanismo cerebral associado ao Tálamo, que tem
relação com fenômenos conhecidos como percepção extra-sensorial*,
freqüentemente encontrados nos indivíduos em estado de transe mediúnico.
Vimos no primeiro capítulo que, segundo a psicologia transpessoal, nossa
percepção do mundo é delimitada pelos conceitos, desde cedo ditados pela
sociedade da qual fazemos parte.
Depois, vimos no segundo capítulo que o Tálamo é a estrutura responsável
pela filtração seletiva da percepção, ou seja, de toda a informação sensorial captada
pelos sentidos, o Tálamo seleciona o que vai ou não ser, efetivamente, percebido
pelo indivíduo. Desta forma, parece plausível deduzir que uma modificação no
padrão de funcionamento do mesmo poderia alterar a filtração seletiva, permitindo ao
médium ver, ouvir e sentir coisas que não perceberia em seu estado normal.
Se este raciocínio estiver correto, isto poderia explicar, ao menos em parte, o
funcionamento dos fenômenos chamados de percepção extra-sensorial
(clarividência, clariaudiência, sensitividade, etc.), que em alguns casos acompanham
o transe mediúnico de incorporação.
C) SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO
Vários autores que estudam os aspectos neurofisiológicos dos E.A.C.
concordam que estímulos sensoriais como a dança, a música, os ritmos, os
perfumes e as cores são instrumentos valiosos na indução destes estados, e que o
sistema nervoso autônomo tem participação importante nesse mecanismo.
Segundo Rubia Villa (IN VELASCO & BAZAN, 2002, p. 187):
El chamán es capaz de alcançar el éxtasis con determinadas técnicas
que implican la danza, el aislamiento, la exposición a frios o calores
95
extremos, la mortificación corporal, el sonido rítmico de los tambores,
las canciones y la música.
Todos estos estímulos lo que hacen es excitar el sistema nervioso
autónomo, especialmente aquella parte que se denomina sistema
nervioso simpático.
31
Sobre áreas ou estruturas ativadas através dos estímulos dos rituais, vários
autores têm se pronunciado, acertadamente, graças aos modernos sistemas de
mapeamento cerebral.
O que estamos tentando evidenciar é de que forma estas estruturas são
ativadas pelos estímulos sensoriais oriundos de um ritual umbandista clássico.
Os rituais tradicionais da Umbanda possuem elementos e técnicas bastante
semelhantes às do Xamanismo, principalmente a música, a dança e o ritmo
marcante dos atabaques, produzindo uma excitação geral do sistema nervoso
central, bem como do ramo simpático do sistema nervoso autônomo.
A ativação do ramo simpático do S.N.A. através dos estímulos somato-
sensoriais do ritual da Umbanda se dá através de várias formas. Vejamos como isto
funciona: vimos anteriormente de que maneira os estímulos somato-sensoriais
influenciam o funcionamento do S.R.A .
A ação do Sistema reticular ativador sobre o S.N.A .se em associação
com o hipotálamo. Segundo Guyton (1988, p. 673):
Devemos reconhecer que muitas das funções de conduta
executadas pelo hipotálamo e outras estruturas límbicas são
mediadas através da formação reticular (...) a maior parte dos sinais
para o controle do sistema nervoso autônomo origina-se nos núcleos
localizados na formação reticular do tronco encefálico.
- Os estímulos olfatórios dos incensos e defumações utilizados nos rituais serão
processados na amígdala, reforçando a ativação do S.N.A. simpático (falaremos
em detalhes sobre a amígdala mais adiante).
- Os símbolos visuais (imagens) e os cânticos específicos de cada guia espiritual
mantém o foco da atenção do médium, ativando o córtex pré-frontal, o qual, por sua
vez irá agir sobre o hipotálamo, estrutura de suma importância na ativação do S.N.A.
31
O xamã é capaz de alcançar o êxtase com determinadas técnicas como a dança, o isolamento, a
exposição a frios ou calores extremos, a mortificação corporal, o som ritmado dos tambores, das
canções e da música. Todos estes estímulos agem estimulando o S.N.A. especialmente o ramo
simpático do S.N.A. (Tradução livre do autor)
96
Tal asserção é confirmada por Goldgrub (2002, p. 219):
A mediação entre o estado mental-emocional e o soma é efetuada
pelo sistema nervoso autônomo (...) Em termos anátomo-fisiológicos, a
referida articulação dá-se através do rtex, mais especificamente o
lobo frontal, substrato do discurso (estado mental-emocional), e o
hipotálamo, que sedia a articulação entre os estados discursivos e o
sistema nervoso autônomo.
Assim, temos uma descrição de alguns mecanismos através dos quais os
estímulos vibrantes e intensos dos rituais umbandistas geram uma hiper-ativação do
nível simpático do S.N.A.
No entanto, para que ocorram os efeitos físicos e sensações características
do transe de incorporação, é necessário que os dois ramos do S.N.A . – o simpático
e o parassimpático sejam estimulados. Como veremos, é exatamente isso que
ocorre.
Quando a estimulação de um dos ramos (simpático ou parassimpático) do
S.N.A. atinge certos níveis críticos de ativação, deflagra-se um mecanismo
compensatório do outro ramo, fazendo com que ambos atinjam o mesmo nível. O
principal responsável por esta ação re-equilibradora é o hipocampo, cuja função
principal é a de manter a harmonia funcional entre as diferentes estruturas cerebrais.
Esta atividade intensa e acentuada dos dois ramos produziria então as
poderosas e marcantes sensações associadas aos êxtases místicos e aos transes
mediúnicos profundos
32
, como também os efeitos físicos associados a esses
estados.
Entre os efeitos físicos e sensações mais comumente associados ao transe
mediúnico de incorporação podemos citar: aceleração dos batimentos cardíacos e
da respiração, aumento significativo da força e resistência física, sensação de
confiança, alegria, euforia e poder. Estes efeitos físicos e sensações podem estar
associados à ativação simultânea dos dois ramos do S.N.A . e foram relatados pela
maioria dos entrevistados na pesquisa de campo.
Por outro lado, o S.N.A. seria responsável por um mecanismo de feedback
em relação a estruturas como o S.R.A., o Tálamo, o Hipotálamo, a Amígdala e o
Hipocampo, devido às conexões neuronais aferentes e eferentes que possui com as
mesmas.
32
Como explicamos no capítulo 3, os veis de transe podem variar desde os muito suaves até os
muito profundos.
97
Este mecanismo de feedback neuronal permite que a ação destas estruturas
atinja níveis máximos, aprofundando o estado de transe na medida em que seus
efeitos são sentidos.
É importante salientar que ambos os ramos do sistema nervoso autônomo
(simpático e parassimpático) trabalham no sentido de produzir um equilíbrio
dinâmico, de forma que uma estimulação intensa de um dos dois ramos acaba
produzindo uma estimulação indireta do outro ramo. Esta equalização do
funcionamento do S.N.A. é realizada pelo Hipocampo, do qual falaremos mais
adiante.
Terrin (1998, p.144) alude ao mecanismo compensatório que é ativado
quando o ramo simpático (ergotrópico) atinge um nível limite de excitação dizendo
que: “V. Turner parece ter aderido a essa tentativa de explicação partindo da análise
do ritual e da excitação ergotrópica que o rito comporta com EFEITO DE
RICOCHETE DE UM SISTEMA PARA OUTRO. Na esteira de Mandell, ele afirma
que a atividade rítmica do rito, com a contribuição de “guias” sonoros, visuais,
luminosos, etc., pode levar ao estímulo máximo e simultâneo de ambos os sistemas
(ergotrópico e trofotrópico)” (Grifo do Autor)
É esta a razão pela qual estados alterados de consciência podem ser
produzidos tanto pela meditação, isolamento, silêncio, privação sensorial (ramo
parassimpático) quanto por estímulos muito intensos, como os da Umbanda, do
Candomblé, do Xamanismo ou das danças Sufis (ramo simpático).
Danucalov et al (2006, p. 154) nos relata que:
GELHORN E KIELY desenvolveram um modelo dos processos
fisiológicos envolvidos na meditação, baseado quase que
exclusivamente no sistema nervoso autônomo (SNA). Os autores
sugeriram que a estimulação intensa e continuada do sistema
nervoso simpático ou do parassimpático poderia resultar em
descargas neuronais sobrepostas dos dois ramos que compõem o
S.N.A.
Como temos assinalado várias vezes neste estudo, o que os autores
supracitados nos relatam sobre a importância do S.N.A. nos E.A.C. não significa que
seja esta a estrutura central do processo. Quando se trata do funcionamento cerebral
é quase impossível falar-se em uma estrutura ou função atuando isoladamente.
98
A ativação dos dois ramos (simpático e parassimpático) do S.N.A. é uma
etapa importante do processo de indução do transe mediúnico, mas essa ativação
em si mesma depende de outras estruturas, como o S.R.A., o tálamo e o hipotálamo.
Quando ativado, por sua vez, o S.N.A. irá produzir efeitos em estruturas
também relacionadas aos E.A.C., como a amígdala, o córtex pré-frontal, o
hipocampo e o LPPS, num mecanismo de feedback que amplifica os efeitos do ritual.
Vejamos o que nos dizem D´Aquili & Newberg (2002, p. 121) sobre este
mecanismo:
The simultaneous activation of both arousal and quiescent functions
sends a flood of maximal stimulations surging back up through the
limbic structures, to both sides of the attention association área. As a
result of this sudden neural flood, activity in the attention area is
pushed to maximal levels, which amplifies the mind´s ability to focus
uppon the object of attention, causing significant repercussions in
both the left an right orientation area (LPPS).
33
Temos assim, que, além dos efeitos físicos e sensações poderosas
associadas à ativação simultânea dos dois ramos do S.N.A ., ocorreria também um
aumento na atividade do córtex pré-frontal, focalizando mais ainda a mente do
médium na percepção e conexão com o guia.
O aumento da atividade do córtex pré-frontal, por sua vez, contribui para a
deaferentação do LPPS (via lamo), diminuindo as barreiras individuais do ego do
médium, facilitando assim o processo de incorporação.
D) A AMÍGDALA
Como dissemos no capítulo anterior, a amígdala é uma estrutura intimamente
ligada ao córtex temporal, estando assim, associada à compreensão do significado
profundo de experiências, sejam elas sensoriais, interpessoais, cognitivas,
simbólicas ou espirituais.
Desta forma, a estimulação da amígdala e do lobo temporal, do qual a mesma
faz parte, nos torna cada vez mais capazes de compreender o significado das
33
A ativação simultânea dos dois sub-sistemas (ergotrópico e trofotrópico) do S.N.A. enviam um fluxo
máximo de estímulos através do sistema límbico, aos dois lados dos lobos frontais. Como resultado, a
atividade desta área é levada ao nível máximo o que aumenta a capacidade mental de focalizar sobre
o objeto de atenção, causando importantes efeitos sobre os dois lados do LPPS. (Tradução livre do
autor)
99
palavras, símbolos e gestos do ritual, bem como de focalizar cada vez mais a
atenção nos mesmos. Segundo D´Aquili & Newberg (2002, p.88):
The oddness of this gesture attracts the attention of the watchdog – like
amygdala. Although the amygdala is looking for signs of opportunity
and danger, inexplicable movements, such as the marked actions of
human rituals, might easily capture and hold its attention for longer
than usual periods of time.
34
Além disso, relaciona-se também com a adequada expressão emocional
relativa a tais experiências, através de sua intrínseca relação com o hipotálamo e o
S.N.A, conforme explicamos no capítulo 2.
De uma maneira mais detalhada, pode-se dizer que alguns estímulos
sensoriais como cores, cânticos, símbolos, imagens e gestos possuem significação
profunda para os praticantes daquele ritual específico, e a amígdala seria a estrutura
cerebral responsável por apreender, interpretar e contextualizar tais estímulos.
Sua ação também se estenderá a transmitir impulsos ao hipotálamo e S.N.A ., os
quais irão gerar os efeitos físicos e as respostas emocionais características do
transe de incorporação.
Vejamos como isto ocorre:
Da mesma forma que o hipotálamo e o hipocampo, a amígdala possui
ligações neuronais com as principais estruturas do sistema límbico, com o córtex pré-
frontal e também o temporal, sendo importantíssima para a ativação do ramo
simpático do S.N.A., cujos efeitos são cruciais na indução do transe mediúnico de
incorporação.
Segundo Guyton (1988, p. 675):
A amígdala recebe impulsos de todas as partes do córtex mbico, das
superfícies orbitais dos lobos frontais, do giro cíngulo e do giro
hipocampal. Por sua vez, transmite sinais: A) Em direção retrógrada
para estas mesmas áreas corticais; B) para o hipocampo; C) para o
septo; D) para o tálamo e E) especialmente para o hipotálamo.
O mecanismo neuronal de ativação do ramo simpático do S.N.A. pela
amígdala é descrito por D´Aquili & Newberg (2002, p.45):
34
A singularidade destes gestos atraem a atenção do sentinela – a amigdala. Enquanto a amigdala
presta atenção em sinais de oportunidade ou perigo, movimentos inexplicáveis como as ações
marcadas dos rituais, podem facilmente capturar e focalizar a atenção por períodos muito mais longos
que os habituais. (Tradução livre do autor)
100
The ability of the amygdala to trigger autonomic arousal activity is the
key element in the generation of human emotion, but the amygdala
does not exert its influence directly upon the autonomic system.
Instead, it activates the hypothalamus, which in turn influences
autonomic activity.
35
Do ponto de vista dos estímulos somato-sensoriais oferecidos em um ritual de
Umbanda, o estímulo olfativo é o que terá influência direta sobre a amígdala.
É exatamente o que nos relatam D´Aquili & Newberg (2002, p. 89):
The feelings of awe can be further augmented by the sense of smell,
which might account for the costumary use of incense and other
fragrances in religious rites. The middle part of the amygdala receives
nerve impulses from the olfatory system, so strong smells could
stimulate the watchdog to generate alertness or a mild fear response
(...) When rituals combine fragrances with marked actions and
repetitive sounds (...) the resulting stimulation to the amygdala might
result in an intensification of the sense of religious awe.
36
Trazendo estas explicações para o caso da Umbanda, veremos que a
amígdala possibilitará ao médium a compreensão profunda dos elementos
específicos inerentes ao ritual (danças, cânticos, símbolos, etc...), possibilitando sua
ressignificação naquele tempo-espaço sagrado específico.
Ao mesmo tempo, os perfumes das defumações, charutos, cachimbos
estimularão diretamente a amígdala, intensificando sua ação sobre outras estruturas
envolvidas no processo do transe, tais como o S.N.A ., hipocampo, tálamo e
hipotálamo.
E) CÓRTEX PRÉ-FRONTAL
Como vimos anteriormente, o rtex pré-frontal, em sua função primária, é
responsável, entre outras funções, pela capacidade de focalizar e manter a atenção,
estando, por esta razão, diretamente associado aos E.A.C. mais tranqüilos como a
35
A habilidade da amigdala de gerar resposta de alerta no S.N.A. é elemento-chave na geração das
emoções humanas, mas a amigdala não influencia diretamente o S.N.A. mas sim através do
hipotálamo. (Tradução livre do autor)
36
Os sentimentos de fé e devoção podem ser aumentados pelo sentido do olfato, o que explica o uso
costumeiro de incenso e outras fragrâncias em rituais religiosos. A parte interna da amigdala recebe
impulsos sensoriais olfatórios, então aromas marcantes podem despertar o sentinela para gerar
alarme ou um simples medo suave. [...] quando rituais combinam aromas com gestos rituais e sons
repetitivos a estimulação resultante pode resultar no aumento do sentimento de devoção. (Tradução
livre do autor)
101
meditação. no caso do transe mediúnico de incorporação sua participação se
indireta, mas de forma alguma desprezível.
A influência dos estímulos sensoriais no córtex pré-frontal tem uma via de
atuação bastante específica: auxiliar na concentração e na manutenção do foco da
atenção com a intensidade e a duração necessárias à incorporação.
Vejamos: Nas primeiras etapas da indução do transe mediúnico de
incorporação, além dos estímulos mencionados (música e ritmo dos atabaques,
dança, incensos) o médium procura prestar especial atenção a um cântico específico
(ponto de chamada) entoado pelos ogãs, bem como na imagem ou ponto riscado
(símbolo específico) do guia em questão.
Nossa hipótese é a de que estes estímulos visuais e auditivos, plenos de
significado intrínseco para o médium, devidamente assimilados e compreendidos em
sua importância pela amígdala e córtex temporal, auxiliam e intensificam a
focalização da atenção, estimulando fortemente o córtex pré-frontal.
A partir daí o córtex pré-frontal irá facilitar o transe mediúnico de incorporação,
através da deaferentação do LPPS via tálamo (DANUCALOV et al, 2006), explicado
no item “Tálamo” deste capítulo bem como pela ativação do ramo simpático do
S.N.A. (via hipotálamo).
Vejamos como isto é possível. Em D´Aquili & Newberg (2002, p.120) lemos
que:
Actives types of meditation begin not with the intention to clear the
mind of thoughts, but instead, to focus it intensely upon some thought
OR OBJECT OF ATTENTION. A Buddhist might chant a mantra, or
focus upon a glowin candle or a small bowl or water for example (...)
since the intention is to focus more intensely upon some specific
object of thought, the ATTENTION AREA (córtex pré-frontal)
facilitates, rather than innibits, neural flow (...) continuous fixation
upon this image, induced by sustained contemplation, causes
discharges from the right attention area to travel down through the
limbic system to the HYPOTHALAMUS, triggering the arousal section
of that structure, resulting in a mildly pleasant state of excitation.(Grifo
do Autor)
37
37
Meditação ativa começa não com a intenção de limpar a mente de pensamentos, mas sim de focar
intensamente o pensamento num objeto de atenção. Um budista pode cantar um mantra ou focar a
mente numa vela acesa ou num pequeno copo de água. [...] enquanto a atenção é concentrada mais
e mais intensamente sobre um objeto ou pensamento, o lobo frontal facilita o fluxo neural. [...] a
contínua fixação sobre esta imagem, induzida pela contemplação contínua, causa descargas do
córtex pré-frontal direito através do sistema límbico até o hipotálamo, despertando o ramo simpa´tico
do S.N.A., resultando em um agradável estado de excitação. (Tradução livre do autor)
102
Este mecanismo seria o mesmo descrito por Goldgrub (2002, p. 219), o qual
já mencionamos anteriormente ao explicarmos a ativação do S.N.A.
F) GLÂNDULA PINEAL
No segundo capítulo mencionamos dois possíveis mecanismos através dos
quais a glândula pineal poderia ajudar a indução do transe mediúnico de
incorporação.
Apesar de ambos parecerem viáveis e válidos (e, portanto, não excludentes
entre si), abordaremos mais enfaticamente o mecanismo descrito pelo Dr. Marino Jr.
Por ser teoricamente mais próximo de nosso enfoque.
Segundo Marino Jr. (2005, p. 152) a glândula pineal, sob intensa ativação,
poderia produzir DIMETILTRIPTAMINA (DMT), substância que é o princípio ativo da
AYAHUASCA e que estaria associada a E.A.C. como experiências fora do corpo,
distorções do tempo-espaço e interações com “entidades supernaturais”.
Também vimos no segundo capítulo que esses efeitos são associados à
deaferentação de um ou de ambos os lados do LPPS. (MARINO JR, 2005, p.87)
(D´AQUILI & NEWBERG, 2002, P.28), assim
,
pode-se inferir que a produção de
DimetilTriptamina (DMT) na glândula pineal participe também na inibição do LPPS,
facilitando a conexão com os guias.
O mecanismo de ativação da Glândula Pineal pelo hipotálamo é descrito por
Marino Jr (2005, p. 151):
A estimulação dos sistemas simpático e parassimpático pode resultar
em intensa estimulação de estruturas do hipotálamo lateral e do
fascículo prosencefálico medial resultando na produção de estados
extáticos, como felicidade suprema (...) O aumento da serotonina,
juntamente com a ativação lateral do hipotálamo, pode provocar
também o aumento da melatonina produzida pela glândula pineal (...)
sob intensa ativação, as enzimas da pineal podem também sintetizar
endogenamente um poderoso alucinógeno: 5-
metoxidimeteltriptamina (DMT).”
Se, como já dissemos anteriormente, a ativação dos dois ramos do S.N.A . é
um dos mecanismos presentes no transe de incorporação da Umbanda, parece
lógico inferir que a Glândula Pineal venha também a participar do mesmo.
103
G) O HIPOCAMPO
Estrutura bastante importante no mecanismo cerebral, que possibilita o transe
mediúnico de incorporação via estímulos somato-sensoriais, o hipocampo irá
desempenhar seu papel em dois mecanismos mencionados anteriormente: a
deaferentação do LPPS e a compensação equilibratória dos dois ramos do S.N.A.
Vejamos. A influência de estímulos sensoriais sobre o hipocampo é
mencionada por GUYTON (1988, p. 676):
Quase todos os tipos de experiências sensoriais originam ativação
instantânea de diversas partes do hipocampo, e estas, por sua vez,
distribuem muitos sinais de saída para o hipotálamo e outras partes
do diencéfalo através do fórnix.
Como dissemos anteriormente, o LPPS é a estrutura cerebral que
possibilita a separação conceitual entre o “eu” e o “outro” (LPPS esquerdo) e a
localização deste mesmo “eu” no tempo e no espaço (LPPS direito), logo, a
deaferentação do LPPS se um mecanismo fundamental no transe mediúnico de
incorporação.
O papel do hipocampo na deaferentação do LPPS é referido por Danucalov et
al (2006, p. 153):
A diminuição dos estímulos aferentes no LPPS direito durante a
meditação pode também resultar da estimulação do hipocampo direito.
Isso se devido à relação de modulação exercida pelo hipocampo
em relação à atividade cortical.
Já mencionamos também que os E.A.C. podem ser estimulados:
a) pela via da quietude e do silêncio (Ex: meditação), onde será ativado o ramo
parassimpático do S.N.A. e a deaferentação ocorrerá principalmente no LPPS
direito, produzindo o sentimento oceânico, a união cósmica, o nirvana;
b) pela via da excitação dos sentidos (Ex: Umbanda, Xamanismo), onde haverá
maior ativação primária do ramo simpático do S.N.A. e deaferentação mais
acentuada no LPPS esquerdo, reduzindo a fronteira entre o “eu” do médium e
do guia.
A participação do hipocampo nesse mecanismo de deaferentação é
confirmada por D´Aquili & Newberg (2002, p. 46):
104
The hippocampus, both by itself and in conjunction with the thalamus,
can often block sensory input to various neocortical areas.
É importante assinalar que o hipocampo é chamado a “desativar” certas
áreas do cérebro (entre as quais o LPPS), quando os níveis de excitação se tornam
muito altos, ou seja, aquilo que acontece no ritual de Umbanda, por exemplo.
D´Aquili & Newberg (2002, p. 87) explicam que:
When the hippocampus senses that brain activity has reached
excessively high levels, it exerts an inhibitory effect on neural flow (...).
As a result, certain brain structures are deprived of the normal supply
of neural enput on which they depend in order to perform their
functions properly. One such sturcture is the orientation area (LPPS)
(...) which requires a constant stream of sensory information to do its
job well. When that stream is interrupted it has to work with whatever
information is available. In neurological parlance, the orientation area
becomes deafferented...
38
Também mencionamos anteriormente que os ritmos acelerados dos
atabaques e das danças, juntamente com outros estímulos visuais e olfativos
presentes num ritual da Umbanda teriam acentuada ação excitatória sobre o rtex
cerebral, via S.R.A. e tálamo, bem como sobre o ramo simpático do S.N.A.
Como vemos, esta super estimulação induzida pelo ritual irá deflagrar a ação
do hipocampo, o qual, além da deaferentação do LPPS (via tálamo), irá providenciar
que ambos os ramos (simpático e parassimpático) do S.N.A. entrem em equilíbrio
funcional (via hipotálamo), outra condição neurofisiológica importante dos E.A.C.
(Vide Diagrama 8)
Segundo D´Aquili & Newberg (2002, p.86):
The process of ritual begins as rhytmics behaviors subtly alter
autonomic responses in the body´s quiescent and arousal systems. If
those rhytms are fast in the case of Sufi dancing, for example, or in
frenzied rites of Voudon the arousal system is driven to higher and
higher levels of activation. This increasing level of neural activity soon
becomes an issue for the hippocampus, the diplomat of the limbic
structure that is responsible for maintaining a sense of equilibrium in
the brain.
39
38
Quando o hipocampo percebe que a atividade cerebral atingiu níveis excessivamente altos,
executa ações inibitórias sobre o fluxo neural. [...] como resultado, certas estruturas ficam privadas do
fluxo normal de impulsos sensoriais, do qual dependem para executar suas funções. Uma destas
estruturas é o LPPS, que requer um fluxo constante de informações sensoriais para fazer seu
trabalho. Quando este fluxo é interrompido ele tenta fazer sua função com qualquer informação
disponível. Em termos neurológicos, o LPPS ficou deaferentado. (Tradução livre do autor)
39
O processo do ritual começa com ações ritmadas gerando respostas simultâneas nos ramos
simpático e parassimpático do S.N.A. Se os ritmos são rápidos, o sistema ergotrópico (ramo
105
Além destas funções, diretamente envolvidas com a indução do transe
mediúnico de incorporação, o hipocampo toma parte importante na análise,
interpretação e integração do significado profundo dos símbolos, gestos, cores e
cânticos encontrados em rituais religiosos como os da Umbanda, devido à sua
importante ligação anatômica e funcional com a amígdala e o córtex temporal.
H) O HIPOTÁLAMO Como dissemos anteriormente, o hipotálamo é uma
estrutura extremamente importante, na medida em que participa de quase todos os
mecanismos anteriormente descritos.
Segundo Guyton & Hall (2006, p. 732):
O hipotálamo, apesar de seu tamanho muito pequeno, de somente
alguns centímetros cúbicos, possui caminhos bidirecionais de
comunicação com todos os níveis do sistema límbico (...)
conseqüentemente, o hipotálamo, que representa menos de 2% da
massa encefálica, é uma das estruturas de controle mais importantes
do sistema mbico. Ele controla a maioria das funções vegetativas e
endócrinas do corpo, bem como muitos aspectos do comportamento
emocional.
Apesar de não ser ativado diretamente pelos estímulos somato-sensoriais
encontrados num ritual de Umbanda, o hipotálamo influencia e é influenciado por
estruturas como o S.R.A ., o tálamo, o córtex pré-frontal, o hipocampo e a amígdala.
Ativado por estas estruturas durante o ritual de Umbanda, o hipotálamo será
responsável pelas fortes reações emocionais e sensações físicas relatadas pelos
médiuns quando ocorre o fenômeno denominado incorporação.
Muito importante também, no contexto do ritual, é a estimulação da glândula
Pineal executada pelo hipotálamo, pois desta forma é produzida a dimetiltriptamina,
substância que, participa provavelmente da inibição do LPPS, auxiliando e
aprofundando o transe mediúnico.
I) O LPPS
Chegamos, finalmente, à última estrutura por nós estudada nesta pesquisa.
simpático) é levado a níveis cada vez mais altos de atividade. Este elevado nível de atividade
neuronal deflagra a ação do hipocampo, o diplomata do sistema límbico, responsável por manter um
senso de equilíbrio no cérebro. (Tradução livre do autor)
106
mencionamos de forma bastante extensa o papel do LPPS: fornecer a
localização do corpo no tempo e no espaço, e estabelecer as fronteiras do Self
individual.
Estas funções, importantíssimas para viver no mundo e conviver em
sociedade, podem ser vistas como “a última fronteira” a ser transposta quando se
trata de entrar no estado de transe mediúnico, e efetivamente incorporar um guia
espiritual.
A maior dificuldade relatada pelos médiuns iniciantes é exatamente essa:
deixar-se levar pelo desconhecido, abandonar os controles e defesas do ego, abrir-
se para uma identificação de tal maneira profunda, que as duas consciências (do
médium e do guia espiritual) entram em ressonância harmônica, funcionando como
se fossem uma só.
O ritual de Umbanda existe, entre outras razões, também para facilitar a
transposição desta última fronteira.
Seus estímulos somato-sensoriais intensos e plenos de significado induzem
uma super-excitação do cérebro como um todo, e isto provoca a ação de estruturas
reguladoras da atividade cerebral como o lamo, o hipocampo e a glândula pineal,
os quais, por sua vez, vão agir sobre o LPPS, reduzindo drasticamente o fluxo de
informações sensoriais para o mesmo – a chamada deaferentação do LPPS.
É nesse ponto que as fronteiras entre o Self do médium e do guia diminuem
muito, ou mesmo desaparecem, produzindo o fenômeno conhecido como
incorporação.
Quem assiste a uma manifestação autêntica deste fenômeno
(incorporação), dificilmente duvida de sua veracidade, dadas as alterações
profundas no timbre de voz, postura, expressão facial, padrão de movimentos,
vocabulário, bem como pelo domínio de conhecimentos, conceitos e idiomas
desconhecidos para o médium.
Finalizando, gostaríamos de , ainda mais uma vez, relembrar que os
mecanismos cerebrais aqui descritos são, em nosso estudo, os meios que o ser
humano possui para captar ALGO que o transcende e que ele sente como Sagrado.
Em momento algum nos pareceu, no decorrer desta pesquisa, que o cérebro fosse
capaz de PRODUZIR aquilo que está sendo manifestado durante o fenômeno
denominado incorporação.
107
Dizemos isto porque com certa freqüência ouve-se explicações reducionistas
do tipo: ao estimular-se tal região do cérebro com um eletrodo, tem-se a sensação
da “presença de Deus”, logo, Deus, o Sagrado e todas as manifestações da
espiritualidade humana NADA MAIS SÃO DO QUE ilusões produzidas no próprio
cérebro”. Ora, tais elocubrações, além de reducionistas, carecem de lógica, pois, se
com o mesmo eletrodo estimularmos a região de memórias da infância, o indivíduo
poderá ter a sensação da presença ou poderá mesmo ver, a própria mãe ali a seu
lado, e nem por isso os apóstolos do materialismo deduzem, brilhantemente, que a
Mãe do indivíduo NÃO EXISTE, mas que seria também, produto do seu cérebro...
Concordamos com Terrin (1998, p. 144), quando afirma que:
Apoiar-se em uma concepção organicista e neurobiológica da vida
do espírito como um todo, torna-se estranha, e dificilmente
conciliável com o mundo espiritual e religioso (...). Entretanto, é
preciso dizer que esta tese está dentro de um contexto mais amplo,
no qual não se exclui que a matéria possa ser vista como o que
interage com o espírito, e que ambos tenham, portanto, a
possibilidade de expressar-se numa ulterioridade espiritual-global.
108
Alise da Pesquisa
Nesta segunda parte nos referiremos à pesquisa de campo por nós efetuada
junto a terreiros de Umbanda da cidade de São Paulo, no sentido de verificar se
nossas hipóteses e teorias seriam confirmadas.
A pesquisa foi efetuada mediante aplicação de questionários elaborados por
nós e aplicados aos médiuns dos terreiros visitados durante o ano de 2007, com o
objetivo de conhecer o perfil dos médiuns e importância dos estímulos somato-
sensoriais percebida por eles no momento da incorporação e no transcorrer dos
trabalhos mediúnicos.
Os terreiros visitados foram:
ICPP – Instituição de Caridade Pedra Preta
Tenda de Umbanda Pai Preto e Pai Zulu
Tenda da Cigana (nome fictício utilizado para denominar um terreiro
visitado cuja mãe de santo não permitiu a divulgação do nome)
Templo da Luz das Sete Linhas
Após a coleta de dados, efetuamos uma análise quantitativa sobre os
mesmos, cujo resultado exporemos a seguir:
Quanto ao perfil, 71% dos médiuns entrevistados é do sexo feminino,
fenômeno que pode ser observado em outras religiões também, onde as mulheres
são a maioria, tanto do corpo de trabalhadores, quanto do corpo de fiéis.
Em relação ao grau de escolaridade, a maioria (53%) tem escolaridade a
partir do superior incompleto e média salarial entre 2 a 5 salários mínimos (50%)
Em seus momentos livres, 59% não tem por hábito a prática de atividades
físicas e 71% afirmou ler 3 livros ou mais ao ano, utilizando o tempo livre também
para leitura, estudo e cursos sobre a Umbanda, espiritualidade e religião (71%).
Quanto ao perfil socio-cultural, o dado que mais nos chamou a atenção foi o
número de médiuns com escolaridade de nível “superior incompleto” e acima, o qual
alcançou 53% dos entrevistados.
Também os hábitos culturais dos umbandistas revelam que a busca do
conhecimento está em franco crescimento:71% 3 livros ou por ano , percentual
bem acima da média brasileira; 71% também afirma freqüentar cursos, estudar e ler
livros sobre Umbanda, espiritualidade e religião.
109
Consideramos pertinente colher, analisar e comentar tais dados, na medida
em que parece refutar um dos preconceitos frequentemente mencionados pelos
opositores da Umbanda: o de que os umbandistas seriam pessoas ignorantes, semi-
analfabetas.
Dos médiuns entrevistados, a maioria freqüenta a Umbanda regularmente há
mais de 5 anos, com concentração para o período entre 5 e 10 anos (38%).
Em relação às alterações físicas sentidas no momento da incorporação,
praticamente todos os médiuns (92%) tem a percepção da presença do guia, 71%
percebe alterações em sua respiração, 57% sente alegria, leveza e movimentos
involuntários do corpo, acompanhadas por sensação de força e poder (46%) e
formigamento do corpo (42%).
42% relataram perda da noção de tempo e espaço, 35% sentem a perda do
“eu”, 25% percebem palpitação e taquicardia , sendo mais rara a perda de sensação
em todo corpo (28%) e tremores e convulsões (11%).
Estas sensações e percepções fornecem indícios muito interessantes para a
compreensão do fenômeno, permitindo a associação com as estruturas cerebrais
descritas nos capítulos 2 e 4.
A “sensação de presença relatada por 92% dos médiuns poderia estar
associada à estimulação dos lobos temporais do córtex, os quais, como já dissemos,
estão intimamente relacionados à amigdala e ao hipocampo.
Temos também as sensações mais físicas, associadas ao ramo simpático do
sistema nervoso autônomo: respiração alterada (71%), formigamento do corpo
(42%), palpitação e taquicardia (25%) e, finalmente tremores e convulsões (11%).
É conveniente comentar que as variações nos percentuais de sensações
físicas podem estar relacionadas ao grau de desenvolvimento mediúnico de cada
indivíduo. Vimos no capítulo 3 que, quanto mais desenvolvido é o médium, menores
são os efeitos físicos associados ao processo de incorporação.
No meio umbandista, este fato é bem conhecido, recebendo a explicação de
que, conforme o médium e o guia se adaptam um ao outro, diminui a “diferença
vibratória” entre eles e, assim, a incorporação vai se fazendo mais tranqüila, menos
“espetaculosa”.
As percepções de cunho mais emocionais e subjetivos, tais como alegria e
leveza relatadas por 57% dos entrevistados, bem como a sensação de força e poder
(46%), poderiam estar associadas à estimulação do hipotálamo.
110
Temos também sensações referidas que parecem confirmar a deaferentação
do LPPS (processo que, como vimos, passa pelo córtex pré-frontal, tálamo e
glândula pineal): 42% relataram perda da noção de tempo e espaço, 35% sentiram a
perda do “eu” e 28% se referiram à perda da percepção nos braços, pernas ou do
corpo todo.
Acreditamos que o percentual poderia ser maior, pois, quando da aplicação
dos questionários, pudemos perceber que muitos entrevistados não estavam
familiarizados com os termos e conceitos subjacentes a estas sensações e, desta
forma, não assinalavam as alternativas referentes aos termos desconhecidos.
Outras características importantes associadas aos E.A.C. e ao transe
mediúnico (hiperlucidez, compreensão profunda de significados, percepção extra-
sensorial) não puderam ser verificadas, na medida em que necessitaríamos de
instrumental, tempo e recursos muito maiores do que aqueles de que dispúnhamos
para esta pesquisa.
Podemos, então, apenas mencionar que tais fenômenos são referidos por
aqueles que freqüentam os trabalhos de Umbanda.
É preciso destacar que no questionário, a alternativa relativa à sensação de
medo, temor e insegurança não foi assinalada por nenhum dos 29 médiuns
entrevistados, que, em grande maioria (59%), afirmaram também que não costumam
ter manifestações mediúnicas fora do terreiro.
A influência dos estímulos somato-sensoriais na indicação do transe
mediúnico foi descrita como muito importante ou indispensável por 57% dos
entrevistados e como relativamente importantes por 35%. Apenas 7% dos médiuns
referiram-se à mesma como sendo de pouca importância.
Estes dados nos pareceram bastante encorajadores no sentido de confirmar
nossa hipótese central, ou seja, a de que os estímulos somato-sensoriais seriam
instrumentos facilitadores do transe mediúnico.
Entre os estímulos corporais considerados como mais importantes ou
eficazes na indução do transe mediúnico, os toques de atabaque e os cânticos
surgem como destaques absolutos, comando 70% das respostas, o que parece
estar de acordo com as tradições mencionadas na introdução, as quais dão amplo
destaque ao som e à música em sua relação com o Sagrado. Aromas, cores, danças
e palmas receberam, juntos, 25% de menções, enquanto que gestos ou expressões
corporais foram considerados importantes em apenas 5% das respostas.
111
Finalmente, perguntados sobre os efeitos produzidos pelas danças
executadas pelos guias (já incorporados) durante a gira, obtivemos os seguintes
resultados: 52% relataram que a dança produziria a fusão completa entre o médium
e o guia, 15% relataram um aumento da sensação de poder e euforia, outros 15%,
que a dança ampliaria a sensação de perda do controle dos movimentos do corpo e
em número igual (15%), relataram aprofundamento da perda da noção de tempo e
espaço e, 3% disseram que a dança aprofunda a sensação de desaparecimento do
“eu”.
Desta maneira, parece plausível inferir que a dança seria capaz de
aprofundar o estado de transe, depois que o mesmo já está confirmado.
Estes dados parecem confirmar o papel dos movimentos corporais em sua
influência sobre o sistema reticular ativador. S.R.A., o qual, como já dissemos,
possui mecanismos de atuação sobre o hipotálamo, o sistema nervoso autônomo e
outras importantes estruturas do sistema límbico, inclusive o tálamo.
A super-estimulação produzida pela música e pela dança, geraria então uma
resposta dos mecanismos de controle do cérebro, aumentando a deaferentação do
LPPS via tálamo, hipocampo e glândula pineal, produzindo então, os efeitos
referidos.
112
CONCLUSÃO
No presente trabalho, nossa proposta foi a de esclarecer de que maneira a
consciência humana pode ser influenciada por estímulos somato-sensoriais,
particularmente por aqueles presentes num ritual de Umbanda, no sentido de induzir
um tipo de estado alterado de consciência chamado de transe mediúnico.
A consciência humana, neste contexto, é vista como uma individualiozação
da macroconsciência, que permeia e ordena todo o universo.// Tal
delimitação da consciência no tempo e no espaço é gerada a partir do cérebro e do
corpo físico produzindo-se, assim, o Self individual de cada um de nós.
O cérebro assume papel fundamental neste processo de delimitação,
possuindo estruturas que modulam nossa percepção da realidade que nos cerca,
tornando possível viver em sociedade, interagindo com o ” outro” e com a natureza.
A demarcação do Self, entretanto, não é absoluta, tal como o têm afirmado
os místicos de muitas tradições ao longo dos séculos. Nossos cérebros possuem
estruturas capazes de modular a consciência, ampliando a percepção da realidade,
de forma a captar informações e vivenciar experiências normalmente inacessíveis.
Durante os estados alterados de consciência, os limites do ego podem ser
transcendidos, possibilitando ao ser humano o acesso às realidades transpessoais.
Os estados alterados de consciência, neste estudo, estão sendo vistos como
capacidades potenciais dos seres humanos, possuindo características que os
diferenciam claramente de estados patológicos tais como esquizofrenias e psicoses.
Entre os muitos tipos de estados alterados de consciência estudados pela
psicologia transpessoal, aparece o transe mediúnico, chamado pelos umbandistas de
incorporação.
A incorporação, entre os umbandistas, é vista como uma espécie de “fusão”
entre as consciências do médium e do guia espiritual, que passam então a atuar em
conjunto, expressando-se através do corpo do médium.
Vários mecanismos cerebrais entram em ação para possibilitar o fenômeno
chamado incorporação. Entre eles destaca-se a deaferentação do LPPS, que reduz
as barreiras do Self do médium, facilitando a “fusão” com a consciência do guia
espiritual.
113
Este fenômeno é um dos elementos principais da Umbanda, religião
genuinamente brasileira, que se iniciou no começo do século XX. No Rio de Janeiro
e espalhou-se rapidamente por todo o Brasil, agregando e re-significando diferentes
doutrinas, credos, culturas e práticas religiosas.
O perfil sócio-cultural levantado mostrou que pessoas com maior grau de
escolaridade estão procurando a Umbanda em maior número e, que os umbandistas
em geral estão despertando para a necessidade de um maior aprofundamento
doutrinário e filosófico, buscando cursos e literatura específicas sobre o assunto.
O ritual de Umbanda apresenta uma riqueza multi-sensorial digna de nota e
os dados levantados na pesquisa de campo confirmaram que os umbandistas
percebem a importância que estes estímulos sensoriais possuem, enquanto
facilitadores do transe mediúnico.
Entre os estímulos percebidos como mais fortes ou importantes para induzir
a incorporação, destacam-se o som rítmico dos atabaques e os cânticos, o que
confirma a hipótese da atuação do rtex pré-frontal e do tálamo na deaferentação
do LPPS.
a dança surge como um fator de aprofundamento do transe, depois que o
guia incorporou, dando suporte à hipótese da estimulação do sistema reticular
ativador pelos estímulos proprioceptivos, produzindo assim, a intensificação do
transe, devido às conexões do S.R.A. com as principais estruturas do sistema
límbico.
A pesquisa mostrou também que, em seu saber empírico, os médiuns
umbandistas possuem a noção de que os estímulos somato-sensoriais do ritual são
importantes ferramentas, mas que, para que o Sagrado se manifeste, é preciso mais
do que isso, pois nem tudo pode ser controlado ou manipulado pelo ser humano; e
todos os estudos realizados academicamente nesta pesquisa apontam, também,
nesta direção.
A confirmação empírica das teorias levantadas nos 4 capítulos iniciais, nos
levam para alguns passos mais longe dos reducionismos organicistas, mas por outro
lado despertam a necessidade ainda maior de pesquisas profundas nesta área, pois
o assunto está muito longe de ser esgotado.
Após tudo o que foi compilado, refletido, analisado e estruturado nesta
dissertação, parece-nos ter se confirmado a suposição de que ALGO se manifesta
através dos médiuns durante a incorporação; ALGO que se mostra benéfico para os
114
médiuns e para a comunidade, que a eles recorre em busca de alívio para seus
problemas e esclarecimentos espirituais; ALGO que, até para os sacerdotes mais
experientes, nunca deixa totalmente de ser um “MISTERIUM TREMENDUM ET
FASCINANS.”
Dentro de um estudo científico como esta dissertação pretende ser, não nos
cabe determinar se aquilo que está se manifestando é o inconsciente coletivo, o
espírito santo, um extra-terrestre ou, como crêem os praticantes da Umbanda, um
guia espiritual.
Nosso estudo pretende apenas esclarecer através de quais mecanismos
cerebrais o fenômeno se torna possível e, neste sentido, esperamos ao menos ter
compilado e estruturado dados interessantes de forma coerente.
Se, com isto, conseguimos aplainar mais um trecho do caminho que algum
dia irá unir a ciência e a religião, teremos servido bem a ambas.
115
GLOSSÁRIO
AXÉ Energia universal, força vital que se traduz em saúde, sorte, prosperidade,
fecundidade e poder de realização.
ASSISTÊNCIA Pessoas que acorrem aos terreiros de Umbanda em busca de
auxílio e orientação espiritual.
ARUANDA Local para onde vão os espíritos valorosos e bios após o
desencarne. É também o local onde habitam os guias espirituais, que o descrevem
sempre como repleto de belezas naturais como florestas, cachoeiras, montanhas,
etc.
ATABAQUES Instrumentos de percussão largamente utilizados em rituais de
Umbanda. Tradicionalmente são utilizados 3 atabaques, assim denominados: RUN,
que produz os tons mais graves; RUMPÍ, que produz os tons médios e LÊ,que
produz os agudos.
CAMBONES Trabalhadores que auxiliam os guias incorporados, acendem
charutos, providenciam materiais, anotam procedimentos para os consulentes,
organizam a assistência e assim por diante.
CLARIVIDÊNCIA – Tipo de E.A C. algumas vezes associado à incorporação, no qual
o médium tem acesso a informações sobre o consulente, tais como problemas
pessoais, doenças, relacionamentos e até mesmo vidas passadas.
DEFUMAÇÃO – Procedimento magístico realizado mediante a queima de ervas
aromáticas num braseiro. A fumaça assim produzida teria o poder de “ limpar”
energeticamente os trabalhadores do terreiro e a assistência, facilitando, desta
forma, o trabalho dos guias.
DESENCARNADOS São os “mortos”. Seres humanos que não possuem corpo
físico. São também chamados genericamente de Egúns.
116
EMPATIA – Tipo de E.A C. que ocorre também na Umbanda, quando o guia,
incorporado no médium, tem acesso direto aos sentimentos e emoções do
consulente.
ENCARNADOS – Seres humanos dotados de corpo físico. São os “vivos”.
GIRA Nome dado às sessões de Umbanda. Geralmente são realizadas
semanalmente. É o ritual umbandista propriamente dito, às vezes é também
chamada de sessão ou culto.
GUIA-CHEFE Geralmente o guia que incorpora na mãe ou pai-de-santo e que irá
comandar os trabalhos naquele dia.
KARAÍ ETÉ – KARAÍ = Curador; = Pai; ETÉ= Verdadeiro, divindade
Guarani da Cura, associado ao quadrante sul. Os outros três quadrantes estão assim
dispostos: TUPÃ RÚ ETÉ, divindade das chuvas e do trovão, associado ao oeste;
KUARAHY ETÉ, divindade do sol, associada ao norte; e JAKAI ETÉ,
divindade da neblina, associada ao leste.
MÃE-DE-SANTO – Sacerdotisa de Umbanda, às vezes chamada de Yalorixá.
MAGISTICAMENTE Atuar através de magia, na ótica umbandista, significa a
manipulação do axé através do uso de velas, ervas, bebidas, fumo, pólvora entre
outros, no sentido de auxiliar o consulente a superar uma situação difícil em sua vida.
MAGÍSTICO – Procedimento de magia, refere-se na Umbanda aos processos e
técnicas de manipulação e utilização do axé, produzindo resultados práticos como
cura, prosperidade, realização pessoal, desenvolvimento mediúnico e assim por
diante.
MBACARÁ – Instrumento musical utilizado nos cultos da religião guarani.
117
MÉDIUM Pessoa que nasce com o dom e a missão de auxiliar aos seres humanos
através da incorporação dos guias.
NHAMANDÚ – Deus primordial, o criador, na cosmovisão guarani.
OGÃS Trabalhadores do terreiro responsáveis por tocar os atabaques segundo o
preceito de cada linha de orixá e também por entoar os cânticos específicos para
cada situação na gira.
OLORUM – Nome dado ao criador na cosmovisão Yorubá.
PAI-DE-SANTO – Sacerdote de Umbanda,às vezes chamado de babalorixá.
PASSE Procedimento magístico executado pelos guias, mediante o qual são
removidas as “energias negativas” do consulente.
PONTO-RISCADO Expressão gráfica da qualidade energética e espiritual de um
guia. São utilizados pelos guias como pontos de apoio magístico durante os
trabalhos.
TAKUAPÚ - Instrumento musical utilizado nos cultos da religião guarani.
TELEPATIA Tipo de E.A C. que ocorre também na Umbanda, quando o guia,
incorporado no médium, tem acesso direto aos pensamentos do consulente.
TERREIRO Denominação que às vezes é usada para designar o espaço, o lugar
onde se realizam as giras. Pode-se também encontrar as denominações centro,
tenda e templo.
118
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LA PORTA, Ernesto. Estudo psicanalítico dos rituais afro-brasileiros. Rio de
Janeiro, Ed. Atheneu, 1979.
MACHADO, Ângelo. Neuroanatomia funcional. São Paulo: Atheneu, 2006.
MAGNANI, José Guilherme Cantor. Umbanda. São Paulo: Ática, 1986.
MALANDRINO, Brígida Carla. Umbanda: mudanças e permanências. Uma
análise simbólica. São Paulo: EDUC, 2006.
MARINO JR., Raul. A religião do cérebro. São Paulo: Editora Gente, 2005.
MYOWA, Yara. Kuarahycorá, o círculo do sol. São Paulo: Ed. Elevação, 1999.
MORINI, Carlos Augusto Trinca. Ativação bioenergética em meio líquido. Jundiaí:
Editora Ápice, 1997.
ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro: umbanda e sociedade
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PINTO, Lílian Costa. Iluminação espiritual: a emergência do Sagrado. Petrópolis:
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Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/sociologia/prandi/seguidor.doc>. Acesso em:
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121
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Paulo: Editora Record, 2002.
RINALDI, Sonia. Espírito o desafio da comprovação. São Paulo: Editora
Elevação, 2000.
RUTHERFORD, Ward. Os druidas. São Paulo: Editora Mercuryo, 1991.
SCHURÉ, Edouard. Os grandes iniciados. São Paulo: IBRASA, 1985.
TABONE, Márcia. Psicologia transpessoal. São Paulo: Editora Cultrix, 2005-12-06
TAME, David. O poder oculto da música. São Paulo: Cultrix, 1993.
TERRIN, Aldo Natale. O sagrado off limits. São Paulo: Editora Loyola, 1998.
VALLE, Edênio. Psicologia e experiência religiosa. São Paulo: edições Loyola,
1998.
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www.pucsp.br/rever/rv3_2001/p_valle.pdf - acesso em 25.05.2007
VERGER, Pierre Fatumbí. Orixás, Deuses Yorubas na África e no novo mundo.
São Paulo: Corrupio, 1990.
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ANGERAMI-CAMON (Org.). Espiritualidade e Prática Clínica. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2004. p. 193 a 214.
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WEIL, Pierre. A consciência cósmica. Petrópolis: Editora Vozes, 1990.
WILBER, Ken. O espectro da consciência. São Paulo: Editora Cultrix, 2003
122
WILBER, Ken (Org). O paradigma holográfico e outros paradoxos. São Paulo:
Cultrix, 1994.
123
ANEXO -
Pesquisa com Médiuns
1. Terreiro:
2. Nome:
3: Idade:
4. Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino
5. Profissão:
6. Escolaridade: ( ) Fundamental incompleto ( ) Fundamental completo
( ) Médio incompleto ( ) Médio incompleto
( ) Superior incompleto ( ) Superior completo
( ) Pós-graduado ou pós-graduando
7. Média salarial: ( ) 2 a 5 salários mínimos ( ) 5 a 10 salários mínimos
( ) 10 a 15 salários mínimos ( ) 15 a 20 salários mínimos
( ) acima de 20 salários mínimos
8. Pratica esportes ou atividades físicas regularmente? (mais de uma vez por semana)
( ) Sim ( ) Não
9. Assinale quais são suas atividades em momentos de lazer:
( ) Vai ao cinema 1 vez ou mais ao mês
( ) Vai ao teatro 2 vezes ou mais ao ano
( ) Lê jornal 2 vezes por semana ou mais
( ) Lê 3 livros ou mais por ano
( ) Assiste a shows musicais 2 vezes ou mais ao ano
10. Costuma ler, estudar ou fazer cursos sobre a Umbanda, espiritualidade ou religião?
( ) Sim ( ) Não
Por quê?
124
11. Frequenta a Umbanda regularmente há:
( ) menos de 5 anos ( ) de 5 a 10 anos
( ) 15 a 25 anos ( ) mais de 25 anos. Quantos?
12. Nos momentos em que você está “na vibração” do guia, prestes a incorporar, você sente:
(marque quantas alternativas quiser)
( ) palpitação, taquicardia
( ) respiração alterada
( ) formigamento pelo corpo
( ) perda da noção do tempo/espaço
( ) percepção da presença muito próxima do guia
( ) sensação de força, poder
( ) sensação de medo, temor, insegurança
( ) sensação de alegria, leveza
( ) sensação de perda do “eu”
( ) movimento involuntários do corpo
( ) tremores, convulsões
( ) não sente os braços e pernas ou o corpo todo
( ) outros. Quais?
13. Você costuma ter manifestações mediúnicas involuntárias fora do terreiro?
( ) frequentemente
( ) às vezes
( ) quase nunca
( ) de forma alguma
125
14. Marque as linhas com as quais você atua mediunicamente:
( ) caboclos ( ) pretos-velhos
( ) baianos ( ) boiadeiros
( ) exus ( ) bombogiras
( ) marinheiros ( ) erês
( ) ciganos ( ) linha médica
( ) linha do oriente ( ) linha d´água
( ) outras. Quais?
15. Em sua opinião, qual é a importâncias dos estímulos corporais (cânticos, danças, aromas,
cores, toques de atabaque, palmas...) na sua incorporação? (marque apenas uma resposta)
( ) pouca ou nenhuma importância
( ) importância relativa (ajudam, mas pode-se perfeitamente trabalhar sem eles)
( ) muita importância (é possível trabalhar sem eles, mas muito difícil)
( )indispensáveis (não existe gira de Umbanda sem eles)
16. Entre os estímulos corporais mencionados acima, quais os mais importantes ou eficazes
para induzir ou manter sua incorporação? (enumere de 1 a 7, sendo 1 o mais importante e 7 o
menos importante)
( ) aromas (defumação, perfumes, charutos etc)
( ) cantos
( ) toques de atabaque
( ) cores (velas, roupas, fio de contas etc)
( ) danças
( ) palmas
( ) gestos ou expressões corporais
126
17) Durante a gira, quando o guia que já está incorporado em você (médium) executa sua
dança específica, isto provoca um aumento da:
( ) sensação de poder, euforia
( ) sensação de medo, temor
( ) sensação de fusão completa entre você e o guia
( ) perda do controle voluntário dos movimentos do corpo
( ) perda da noção de tempo e espaço
( ) desaparecimento total do “eu”
( ) não produz alterações
( ) outras. Quais? ___________________________________________________________
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