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que, mesmo que se efetive a Área de Livre-Comércio das Américas, esta
não venha a se tornar o projeto desenvolvido pela União Européia. Resta
esperar que as elites políticas latino-americanas percebam isto, deixando
de sonhar em entrar como 'convidados' no clube dos países ricos.
E, por outro lado, não existe a necessidade de nos classificarem
como “ocidentais” simplesmente porque as civilizações confuciana e
islâmica
14
(cuja coalizão seria para Huntington a mais capaz de
obstaculizar os interesses ocidentais e/ou norte-americanos) não
representam diretamente uma ameaça a esta parte do mundo como
outrora fora a “ameaça” comunista/soviética. Na atualidade, não parece
haver motivos concretos para nos engajarmos com euro-ocidentais e
norte-americanos nas estratégias de contenção aos muçulmanos, chineses
e outros.
Isto significa que do ponto de vista de uma 'geopolítica brasileira'
o paradigma do choque das civilizações não deve vir a cumprir função
análoga à desempenhada pelo paradigma da Guerra Fria. Isto é ainda
mais verdadeiro se levarmos em conta que a hegemonia norte-americana
na América do Sul já não é a mesma das décadas de 50 e 60, época em
que Golbery do Couto e Silva
15
propunha um alinhamento com os EUA
em troca de uma autonomia relativa para o Brasil:
Os países do Cone Sul - Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai - têm
retornado à espécie de vínculos internacionais variados que possuíam
antes da Segunda Grande Guerra, recuando os Estados Unidos a um
papel secundário, correspondente a sua falta de grandes interesses
específicos.
16
Assim, não parece que o paradigma do choque das civilizações
tenha como traduzir-se no mesmo tipo de questões internas existentes
durante o modelo da Guerra Fria, o que levou o país a acatar e mesmo
14
É importante notar que, por exemplo, o Brasil tem ficado a margem das rotas de
atentados terroristas por parte de grupos islâmicos. Aliás, este é um 'problema'
especificamente para países e regiões como Israel, alguns países da Europa Ocidental e
EUA. Quanto à 'ameaça' confuciana, esta restringe-se para nós ao aspecto comercial, com
a invasão de importados que tem destruído parte de nossos setores industriais.
15
COUTO E SILVA, Golbery do. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio,
1967. Para o General, a projeção desse poder teria como centro geográfico o Atlântico
Sul; para tanto, seria necessário que o Brasil estreitasse seus laços políticos e comerciais
com os vizinhos sul-americanos e os países africanos de língua portuguesa.
16
LOWENTHAL, Abraham F. Os Estados Unidos e a América Latina de 90: interesses e
políticas norte-americanas em mudança em um mundo novo. Política Externa, v.1, n. 3,
dezembro de 1992, p. 163.