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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Bento Fagundes de Abreu
Revista Bravo!
Desenho, Design e designios na perspectiva
dos Estudos da Cultura Visual
Porto Alegre
2008
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Bento Fagundes de Abreu
Revista Bravo!
Desenho, design e desígnios na perspectiva
dos Estudos da Cultura Visual
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Educação na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Educação.
Orientadora:
Profª Drª Susana Rangel Vieira da Cunha
Porto Alegre
2008
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3
Dedico este trabalho ao Guy,
meu mais importante incentivador.
4
Simplesmente ver não é outra coisa que receber
naturalmente no olho a forma e a semelhança da
coisa vista. Mas ver um objeto considerando-o,
mais que a simples e natural recepção da forma
no olho, é procurarmos com aplicação
particular o meio de conhecer bem esse mesmo
objeto.
Marin, Louis (2000, p. 126)
5
Agradecimentos:
Para que este trabalho se realizasse, foi fundamental a participação e apoio de
um grupo muito grande de pessoas. Faço aqui, meu sincero agradecimento à todas elas:
À Professora Susana Rangel Vieira da Cunha, por ter aceito esta orientação de
forma tão afetiva, pelas leituras atenciosas e críticas; pela oportunidade de cursar suas
disciplinas, que em muito contribuíram para este trabalho.
À Professora Analice Dutra Pillar, pela fundamental influência nesta formação
através das diversas disciplinas cursadas, por ter aceito e encorajado o meu projeto na
fase inicial;
À Professora Regina Maria Varini Mutti, por sua valiosa participação na banca
de qualificação;
Ao Professor Remi Klein, pelas inúmeras contribuições, bem como pela
acolhida afetiva a este projeto;
À Professora Cristianne Fammer Rocha pela disponibilidade e interesse em
participar deste processo, mesmo que à distância.
À Professora Gládis Elise Pereira da Silva Kaercher pelos ensinamentos tão
preciosos nas disciplinas e pelo seu outro olhar sobre o conhecimento acadêmico;
Agradeço também, às amizades que se fizeram neste processo. Através delas me
senti fortalecido em diversos momentos. Por todas as trocas, pelos momentos de
confraternização, pela cumplicidade e principalmente pelo afeto, obrigado: Ana Laura
Rolim, Ana Luiza
Paganelli Caldas, Adriana Ganzer, Aline Becker, Daniela Link,
Marisa Durayski, Neiva Panozzo, Rejane Ledur e Ruth Lerm.
Um agradecimento muito especial à Beatriz Oliveria e a Márcia Bertuol, pelos
processos terapêuticos e por todo afeto. Ao Gelson Casser pelos cuidados com o meu
físico.
Pela cumplicidade de todos os amigos, obrigado!
6
Resumo
Esta dissertação aborda a narrativa visual gráfica da revista Bravo! na perspectiva
dos Estudos da Cultura Visual. Considera a maneira como estão articuladas as
linguagens verbo-visuais no planejamento gráfico da revista, como ela se
relaciona com seu público leitor nas diversas instâncias da sua atuação na vida
cotidiana e as diferentes maneiras como é vista e percebida tanto no seu contexto
de comercialização quanto no universo educacional. Através da análise de seis
capas, reflete como a articulação dos elementos visuais constroem conceitos de
identidades culturais e como estes se referem à cultura brasileira. Neste contexto,
o autor formula diversos questionamentos em relação ao universo da revista,
como, por exemplo: Que papel elas representam nos meios de informação? De
que maneira os suportes digitais se relacionam e influenciam o design visual das
revistas? Como os periódicos estão inseridos no cenário urbano contemporâneo?
E, ainda, de que maneira as narrativas do design gráfico contemporâneo estão
articuladas e produzem pedagogias do ver? Esta pesquisa se utiliza também das
imagens para compor o seu conteúdo, no sentido de que elas auxiliam a construir
esta narrativa.
Palavras-chave: Revista Bravo! design editorial, cultura visual, educação,
pedagogias visuais.
Abstract
This study discusses the design and visual narrative of the Bravo! magazine
according to the conceptual framework of Visual Culture Studies. It focuses on
how verbal and visual languages articulate in its graphic design, how design
relates to its readership in the different instances of their daily activities, and how it
is seen and perceived in commercial and educational contexts. The analysis of six
magazine covers shows how the articulation of visual elements builds concepts of
cultural identity and how they relate to Brazilian culture. Several questions are
raised and discussed: What role do magazines play in media? How do digital
supports relate to and affect the visual design of magazines? How are magazines
inserted into contemporary urban scenarios? Finally, how do contemporary
graphic design narratives articulate and produce forms of teaching how to see?
Magazine pictures that support the construction of this narrative are also used to
develop this study.
Key words: Bravo! magazine; publishing design; visual culture; education;
visual pedagogies.
7
Índice de imagens____________________
1.Mapa do Rio Grande do Sul 15
2.Conjunto de pontes 17
3.Desenho rupestre 36
4.Caverna de Lacaux 36
5.Alfabeto fenício 36
6.Desenhos de M.C. Escher 37
7.Desenhos Leonardo Da Vinci 38
8.Conjunto de revistas 40
9.Site do MARGS e revistas. 43
10.Tipos móveis 46
11.Anúncio cubista 48
12.Design tipog. Gil Vicente 50
13.Revista Ilustração do Brazil 60
14.Revistas O Cruzeiro 62
15.Revistas do Globo 62
16.Elvis Presley 65
17.Jovens da década de 50 65
18.Obras de Andy Wharol 69
19.Obras de Jackson Pollock 70
20.Revistas Senhor 71
21.Revista Realidade 72
22. Revista Palavra 76
23.Aplauso, Raiz, Cult, Cartaz,
Bienart, Bravo 77
24.Revista Aplauso 79
25.Collor de Mello 111
Palavra, Cult, Bravo! 113
26. .Site da Revista Bravo! 116
27.Anúncio Revista Bravo! 117
28. Escrita fenícia 118
29.Representação gráfica
da Revista Bravo! 120
30.Diagramação da Bravo! 121
31.Bíblia de Gutemberg 121
32.Vanguardas art. do séc XX 121
33.Diagramação David Carson 123
34. Grade Estrutural 125
35.Obras de Henri Matisse 127
36.Obras de Pablo Picasso 127
37.Wim Wenders 128
38.Revistas Arara, Careta, Fazenda
39. Revistas Senhor 133
40.Revista Elle 134
41.Revistas Época, Cult e Isto É 135
42.Revistas Bravo! Caymmi 138
43.Logotipo Bodoni 139
44.Revista Vogue e Elle 139
45.Revistas Bravo! 143
46.Revista Bravo! W. Salles 143
47.Diagramação da Bravo! 145
48.Diagramação da Bravo! 147
49.Bravo, Elle, Capricho, Caras 148
50.Capas da Bravo! Ano 1 152
51.Bravo! Caetano Veloso 153
52.Grade Estrutural 153
53.Obras Pablo Picasso 154
54.Conjunto de capas Bravo! 157
55.Bravo! Carmem Miranda 159
56.Bravo! Pato Donald 161
57.Bravo! Wim Wenders 163
58.Glauber Rocha 163
59.Bravo! Rio de Janeiro 165
60.Bravo! Marilia Pêra 169
61.Rio antigo 170
8
Sumário
____________________________________________
Pra começo de conversa
09
Desenhando uma história
14
1. Abrindo a revista
1.1. Por entre fotos e nomes, os olhos cheios de cores 24
1.2. Eu organizo o movimento, eu oriento o carnaval
27
1.3. Design, desenhos e desígnios
35
1.4. Revistas, Cultura Visual e Educação
40
1.5. O design gráfico no contexto da Cultura Visual
44
1.6. As revistas na sala de aula
49
2. Revistas do Brasil: desenho, design e designios
2.1. A estética do frio: o pioneirismo da Revista do Globo
60
2.2. O design pictórico e utópico da Senhor
65
2.3. Sob o desígnio da Realidade
71
2.4. Outras palavras: desígnios contemporâneos
74
3. Revistando a cidade
3.1. O sol nas bancas de revistas: um olhar sobre as revistas
nos espaços públicos
81
3.2. Fora da palavra, quando mais dentro aflora: uma narrativa
visual
89
9
4. Contextos do Brasil, contextos do design
4.1. Um Brasil para a BRAVO!
111
4.2. Bravo! Mais que revista: além das páginas impressas
115
4.3. Grade pra que te quero: a estruturação do design
118
5. A Bravo! por dentro e por fora
5.1. Capas: muito mais do que cobertura
131
5.2. O design do logotipo
138
5.3. A chamada principal e as chamadas secundárias
141
5.4. A imagem principal
142
5.5. As imagens secundárias
143
5.6. Os sentidos do papel
144
5.7.Por dentro da BRAVO!
144
5.8. A construção visual da BRAVO!
147
5.9. Cores e nomes: um olhar sobre seis capas da BRAVO!
153
6. Considerações inconclusivas
173
7. Referências bibliográficas
176
10
Prá começo de conversa
inha formação acadêmica, tem início com o curso de graduação
em Educação Artística (Instituto Bennett, RJ, 1987) e tem
continuidade com a especialização em Expressão Gráfica
(UFRGS, 1990). Somado a isso, minha trajetória profissional em áreas
relacionadas á comunicação visual, publicidade e design gráfico, refletem
desde muito cedo meu interesse pelo universo visual e também pelas questões
da educação e da docência. Portanto, considero coerente ter buscado o
Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da
UFRGS para o desenvolver reflexões em torno do tema que se refere ao
design das revistas.
Entendo que os diversos artefatos e suportes a que a imagem está
submetida atualmente, influenciam nos processos de aprendizagem na medida
em que veiculam valores estéticos e culturais e por isso constroem modos de
ver. Nesse contexto escolho a revista como representante desses suportes, por
sua importância nos meios de comunicação de massa, porque são fruto das
técnicas de comunicação e porque narram os diversos aspectos da vida em
sociedade.
Portanto, este trabalho, pretende refletir e aprofundar sobre os modos
como o olhar é construído nas interações com a cultura a visualidade, tendo
como referência as narrativas da revista Bravo! Ao considerar as narrativas
visuais da revista, pretendo inserir nesta análise, não o que manifesta o seu
design visual gráfico, mas também a maneira como se relaciona com seu
público leitor nas diversas instâncias da sua atuação na vida cotidiana, as
diferentes maneiras como é vista e percebida e de observar de que maneira o
que se entende por identidade cultural brasileira é representada através destas
narrativas.
Observo, portanto, que os diversos conteúdos que a revista nos
disponibiliza, trazem para os processos educativos a possibilidade de refletir
criticamente sobre os modos como a sociedade se posiciona em relação às
diversas questões da vida, inclusive sobre sua produção cultural e tematizar a
M
11
produção visual (do passado e a contemporânea) bem como o entendimento
das diversas técnicas que configuram os meios de comunicação visual gráfica.
Nesse contexto, vejo na educação um dos caminhos para que o sujeito-
professor tematize a produção visual na era contemporânea. É importante
compreender, então, o que está visível e invisível nessas narrativas e como isto
se relaciona com outros aspectos da vida social, que são do universo da
subjetividade, das emoções, do desconhecido e dos discursos produzidos
pelos meios de comunicação de massa.
Assim, esta dissertação procura abordar a temática do design das
revistas na perspectiva dos Estudos da Cultura Visual, subdividindo-o em seis
partes:
Na introdução, Desenhando uma história: percursos e
aprendizagens, abordo aspectos da minha trajetória de vida, evidenciando
meu percurso nas áreas do design, da arte e da educação através do relato de
experiências marcantes, tanto do processo educativo, quanto de experiências
profissionais.
Abrindo a revista, título ao capítulo 1 é composto por seis seções:
Em, Por entre fotos e nomes, apresento a situação da revista no contexto das
mídias contemporâneas, bem como a questão das diversas formas de nos
relacionarmos com as narrativas verbo-visuais na atualidade, nos diferentes
suportes. Na seção nomeada de Eu organizo o movimento, eu oriento o
carnaval, apresento os procedimentos para realizar a pesquisa. No texto
seguinte: Desenho, design, e desígnios, trato dos diversos sentidos que
estas expressões adquiriram durante a história ao nomear varias atividades
que se inter-relacionam, e também, a maneira como está inserida no contexto
do design contemporâneo. Os aspectos que tratam do universo das revistas,
identificando algumas formas de nos relacionarmos com elas no dia-a-dia e
identificando este assunto com os Estudos da Cultura Visual, está inserido na
seção Revistas, Cultura Visual e Educação. O design gráfico no contexto
da Cultural Visual, discute a situação do design gráfico contemporâneo
enquanto atividade profundamente afetada pela tecnologia digital e reflete de
que forma está inserido nas diversas mídias contemporâneas. A seção
intitulada As revistas na sala de aula, discute de que modo as peças
12
editoriais têm sido utilizadas nos cursos de graduação em Design e
Comunicação Social como um artefato cultural, objeto que faz parte da vida
cotidiana, exercendo pedagogias do olhar.
Revistas do Brasil: design e desígnios, nome ao capítulo 2, que é
formado por quatro seções, faço uma breve retrospectiva histórica, destacando
títulos importantes na história do jornalismo editorial cultural brasileiro, bem
como suas principais características visuais. A estética do frio: o pioneirismo
da Revista do Globo destaca a importância desta revista nas primeiras
décadas do século XX, no sentido de que através do seu design gráfico,
privilegiava o conhecimento artístico por intermédio das ilustrações e
planejamento gráfico realizado por jovens artistas, recém saídos do Instituto de
Artes de UFRGS. Na seção: O design pictórico da Senhor, proponho uma
reflexão sobre esta revista que teve seu percurso marcado pelo período que
antecede a ditadura militar no Brasil e como o seu design criativo refletia
aspectos da identidade cultural do Brasil naquele período. Em Sob o desígnio
da Realidade apresento uma breve retrospectiva sobre esta importante revista
que marcou o jornalismo editorial brasileiro através de temas polêmicos e de
um design inovador. Este capítulo finaliza com o texto Outras palavras:
desígnios contemporâneos, que se propõe a identificar as revistas que
fizeram e fazem parte da produção editorial mais recente e de que forma as
revistas culturais foram conquistando seu espaço no concorrido mercado
editorial.
O capítulo 3 tem como título Revistando a Cidade.. Ele é composto por
duas partes distintas, uma verbal e outra visual. O sol nas bancas de
revistas: um olhar sobre as revistas nos espaços públicos, busca refletir
sobre a questão da revista na sua relação com o público nas diversas
situações de exposição para venda. A seguir, Fora da palavra, quando mais
dentro aflora:um ensaio visual, apresenta imagens que narram os contextos
da revista que vai desde a leitura solitária num café até à lojas esturturadas em
shopping centers, passando pelas bancas de rua. Estas imagens pretendem
não retratar o ponto de venda, mas também mostrar alguns aspectos dos
espaços urbanos, bem como os diferentes tipos de comunicação visual que
permeiam esses espaços, tais como a arquitetura urbana, os graffitis, os
cartazes de rua, entre outros.
13
O capítulo 4, Contextos do Brasil, contextos do design é
desenvolvido em três seções: Um Brasil para a Bravo! faz uma
contextualização do período em que surge a revista BRAVO!, identificando nas
figuras dos presidentes da época, representações de diferentes tipos de
políticas culturais para um país que vivia a recuperação da economia através
da implantação da nova moeda e dos projetos de desenvolvimento em tempos
sem inflação. Em Bravo! Mais que revista, apresento as diversas estratégias
de marketing que a editora Abril articula para dar visibilidade à marca BRAVO!
junto ao público e transformar esse conceito em mais do que uma revista. Para
isso, a editora mantêm uma versão online da Bravo!, promove eventos
culturais, produz edições especiais e produz cursos. Em, Grade pra que te
quero, discuto a questão composição visual, a grade, como recurso
estruturador do discurso verbo-visual, enfocando seu surgimento nesta área
profissional, bem como sua importância nos projetos de design
contemporâneos.
No capítulo 5, sob o título: Por fora e por dentro da Bravo! é formado
por oito seções e nele enfoco de que maneira a revista BRAVO! articula a
linguagem do design gráfico para produzir suas capas bem como suas páginas
internas. Em Capas: muito mais do que cobertura, reflito sobre os diversos
significados que a capa produz, no seu papel de comunicar, seduzir e vender a
revista; Em Design do logotipo, A chamada principal e secundárias, A
imagem principal e imagens sedundárias, e Os sentidos do papel,
apresento os elementos visuais que formam a linguagem do design gráfico na
capa da revista, bem como seu suporte, e a importância destes elementos na
construção das narrativas visuais. Em, Por dentro da BRAVO! abordo em
como a revista se organiza internamente e as diferenças que sua diagramação
adquire com o decorrer do tempo. Na seção, A construção visual da BRAVO,
apresenta a estruturação da revista, considerando seus aspectos físicos, como
o formato e o tipo de papel, comparando com outras publicações. Já, a análise
das narrativas visuais das capas da Bravo! é tratada na seção: Cores e
nomes. Através da escolha de quatro capas, que trazem como tema principal
de suas edições, a questão da identidade cultural brasileira, em diferentes
momentos da história da revista. A partir das quatro capas escolhidas, faço
14
uma leitura de seus elementos formais e analiso como elas narram as questões
da cultura e também de que maneira se articulam/dialogam com as outras
capas, produzindo determinadas visões sobre identidade cultural.
15
Desenhando uma história: percursos e aprendizagens
As narrativas constituem uma das práticas
discursivas mais importantes. Elas contam
histórias sobre nós e o mundo que nos
ajudam a dar sentido, ordem, às coisas do
mundo e a estabilizar e fixar nosso eu. O
poder de narrar está estreitamente ligado à
produção de nossas identidades sociais.
(Tomaz Tadeu da Silva, 1995, p.204-205)
o outro lado do rio uma
outra terra, um
estrangeiro. Uma outra
língua, uma outra cultura, um outro jeito
de olhar a partir da margem esquerda do
rio. Do lado de da ponte que une à
outra margem, uma cidade: Uruguaiana,
localizada na fronteira oeste do Estado
do Rio Grande do Sul, distante 640 km da capital, Porto Alegre. Esta cidade tem
como seu espelho a cidade argentina Passo de Los Libres, a poucos quilômetros
da fronteira com o Uruguai. É neste cenário de fronteiras, no pampa gaúcho,
onde nasci e vivi até meus vinte anos. A imagem, que o nome da cidade
argentina evoca, sempre me despertou curiosidade em refletir sobre seus
significados. Portanto, cresci olhando para um lugar que em português poderia se
chamar Passagem dos Livres.
Tratando-se de um território de fronteira, impossível não refletir sobre a
influência dessa proximidade com esse outro, tão diferente, mas tão próximo, a
ponto dessas relações de troca se tornarem naturais e se afetarem mutuamente.
Mapa do rio Grande do Sul
16
Não raro, esse entrelaçamento cultural influencia ambos os lados na forma
de ver e sentir o mundo, contaminando determinadas expressões da fala, da
escrita, dos gostos musicais e aspectos da gastronomia. Para expressar essa
troca provocada pelas diferentes culturas, Canclini (2005, p. 17) trabalha com os
conceitos de interculturalidade e multiculturalidade, dizendo que isto
[...] remete à confrontação e ao entrelaçamento, àquilo que
sucede quando os grupos entram em relações e troca. Ambos os
termos implicam dois modos de produção do social:
multiculturalidade supõe aceitação do heterogêneo;
interculturalidade implica que os diferentes são o que são, em
relações de negociação, conflito e empréstimos recíprocos.
É nesse cenário de culturas duplas, de vocabulários híbridos que aprendi a
ler, escrever e ver o mundo, os outros e a mim. Também ali tive meus primeiros
contatos com o universo do sensível, principalmente através do gosto pela música
que ouvia nas rádios do Uruguai e Argentina, bem como através das rodas
musicais promovidas pela família da minha mãe.
Uma curiosidade que destaco é o fato de que as três principais cidades
onde vivi até agora (Uruguaiana, Porto Alegre e Rio de Janeiro) possuem uma
particularidade comum: elas situam-se à beira de um rio ou de uma baía e
possuem pontes que as ligam a um outro território. Os rios são o Uruguai, o
Guaíba e a baía de Guanabara.
Ou seja, vivi sempre em lugares onde a água faz parte da paisagem e
onde é possível avistar um outro lado, um lado de a ser descoberto, um outro
território que está além e que extrapolava os limites da cidade onde eu morava.
Dessas experiências, além da imagem dos territórios do outro lado do rio
ou da baía, guardo as imagens das pontes que faziam a ligação entre os
territórios vizinhos. A ponte simbolizando o meio de acesso entre as terras
17
estrangeiras, como caminho, como união, como possibilidade de continuação,
como um sinal de que possibilidade de descobrir outros mundos, de vivenciar
outras experiências.
Nas imagens das diferentes pontes estão em evidência as linhas (princípio
básico do desenho) traçadas no espaço. Se as duas primeiras são incisivas por
suas retas horizontais, apenas interrompidas pela interferência dos marcos
verticalizados, a terceira desenha uma linha sinuosa que passeia sobre as água
da Baía da Guanabara. Linhas estas evidenciadas pelo olhar de diferentes
fotógrafos que as registraram em tempos específicos e que aqui se encontram
neste jogo de relações, fazendo um desenho no espaço, indicando percursos
para o olhar.
O fato de ter vivido nessas três cidades, também me trouxe a experiência da
mudança, de ter que me adaptar num outro lugar, com especificidades que se
diferenciavam daquelas do lugar onde nasci. A primeira mudança, de Uruguaiana
para a capital do Estado, simboliza, principalmente, a ruptura com a minha vida
de adolescente para entrar na vida adulta. A segunda, de Porto Alegre para o Rio
de Janeiro, tem um significado mais forte, na medida em que a mudança de
estado representou a minha adaptação num lugar que possuía uma série de
outros símbolos a serem decodificados, que a sensação era a de estar num outro
país, numa outra cultura, mesmo que dentro do Brasil. Somado a isso, existe toda
a carga simbólica sobre essa cidade de grande importância histórica, como é o
Rio de Janeiro, e pelas particularidades que evoca no imaginário de brasileiros e
estrangeiros. Desse período, destaco a realização de minha Graduação em Artes
Visuais no Instituto Metodista Bennett e meu contato com a produção cultural da
cidade.
Depois de quatro anos fora do estado, o retorno para Porto Alegre também
implicou numa nova adaptação, um reaprender a viver neste lugar com aspectos
tão peculiares em sua cultura e no seu modo de ver o mundo pela ótica de quem
está ao sul, muito mais próximo dos países do Prata do que do resto do Brasil.
Sobre os significados de habitar uma nova cidade, cito Achutti (2004, p. 38), que
reflete sobre o tema dizendo que
[...] habitar uma nova cidade, ou um outro país é como cumprir um
ritual para passar de uma cultura a outra, de um idioma a outro.
Habitar uma nova cidade significa reconstruir para si um cotidiano
18
que depende da soma de uma infinidade de pequenos detalhes no
tempo.
Do período da minha pré-adolescência destaco duas imagens/experiências
que, de alguma maneira, se relacionam com as atividades que escolhi para
exercer como profissional na vida adulta. A primeira é de um presente que ganhei
de minha mãe, quando eu tinha em torno de dez anos, uma aquarela de doze
cores. Para quem já tinha experimentado por muito tempo as pequenas aquarelas
escolares de seis cores, feitas especialmente para crianças em fase de
alfabetização, a possibilidade de ter uma aquarela com o dobro de cores, coladas
sobre um cartão grosso e com um pincel que na minha visão era quase
profissional, representava a possibilidade de ampliar meus experimentos com o
desenho e com a pintura de uma maneira muito mais rica e interessante do que
eu vinha fazendo até então. O resultado deste presente foi a pintura de uma série
de personagens do Walt Disney sobre cartão, que eu dava um acabamento e a
transformava em pequenos quadros. A coleção desses personagens era uma
forma de presentear amigos e familiares e dizer que eu sabia desenhar e pintar.
Para um menino tímido, esta era a maneira de expressar coisas que não eram
possíveis dizer com palavras, pois faziam parte de um outro universo: da
sensibilidade e da subjetividade.
A segunda lembrança refere-se a uma experiência ocorrida poucos anos
após, nos anos 70, quando, influenciado pela Revista Recreio, da Editora Abril,
e por outras publicações infanto-juvenis daquela época, resolvi criar uma revista
artesanalmente, onde cada exemplar era feito manualmente e reproduzido
através do papel carbono. Lembro-me de que o conteúdo da revistinha era
baseado em joguinhos de perguntas e respostas, quebra-cabeças, adivinhações.
A tiragem de cinco exemplares foi oferecida ao grupo de amigos do bairro, mas
não despertou o interesse que eu imaginara, que os meninos daquela faixa
etária estavam mais interessados em brincadeiras que envolvessem atividades
físicas do que ler e resolver charadas.
Essas experiências servem para ilustrar minha afinidade pela produção e
reprodução das imagens desde o período da infância, bem como meu interesse
pelo desenho, pelas técnicas da diagramação e por todo o universo visual gráfico,
que envolve o papel, as cores, a reprodução em série, entre outros aspectos.
19
Lembro que, no final dos anos 60 e início dos 70, numa cidade onde o
rádio era o meio de comunicação mais acessível e as informações visuais raras, a
forma de interagir com as imagens era através das revistas, de eventuais idas ao
cinema e da própria imaginação, que a televisão se instalaria na região
quando eu já era adolescente.
Entre as atividades artísticas que eram oferecidas na escola primária, uma
que me despertou muito interesse, no início, eram as aulas de música com o
grupo de alunos do coral. O repertório, basicamente formado por músicas do
folclore brasileiro, era ensinado pela professora Alaíde Stábile que, junto ao
piano, se dedicava àquela árdua tarefa do ensino musical para aquele grupo de
pré-adolescentes, nem sempre tão atentos. Dessa experiência guardo a nostalgia
das músicas sertanejas e imagens de lugares do Brasil que eu conheceria
depois de adulto, e o interesse pela música, que me acompanha até hoje.
Em relação às experiências de expressão visual, não percebia naquele
espaço escolar um lugar propriamente encorajador, mas na 5ª Série do primeiro
Grau (como era denominado na época) tive o prazer de contar com um professor
de desenho, que era um jovem artista da cidade. Com o professor Gaspar me
senti muito motivado para aprender mais sobre desenho e lembro também que
nas suas aulas tive os primeiros ensinamentos sobre perspectiva.
Paralelo ao ensino formal, demonstrava grande interesse por revistas e
jornais, que me atraíam pela diversidade de tratamentos gráficos. Observava com
atenção como as imagens eram utilizadas nos diversos periódicos, desde as
fotografias coloridas na revista Fatos e Fotos até as charges publicadas na Folha
da Manhã e no Correio do Povo, jornais tradicionais no RGS da empresa Caldas
Júnior daquela época. Encantavam-me também os desenhos das histórias em
quadrinhos da Disney bem como as revistas do Bolinha & Luluzinha, do Manda–
Chuva, entre tantas outras.
Nas ilustrações veiculadas em matérias e também em anúncios
publicitários, descobri que havia uma outra modalidade do desenho desenho
publicitário - que eu via na divulgação dos cursos de desenho por
correspondência e que me atraía profundamente.
Observo que, através do interesse e identificação com as publicações
(história em quadrinhos, revistas e jornais), iniciei meu aprendizado sobre as
questões do universo visual e, portanto, reconheço, hoje, que essas publicações
20
exerceram pedagogias do olhar, no sentido que elaboravam valores estéticos e
culturais através daquilo que mostravam e da maneira como mostravam.
No segundo grau, as atividades de Educação Artística, disciplina que foi
incluída no currículo escolar pela Lei 5692/71, tiveram um grande diferencial, pois
contavam com a atuação da professora Yolanda Azambuja, que acabara de se
formar em Educação Artística em Passo Fundo (RS) e tinha um perfil
diferenciado, ao inserir no seu conteúdo atividades de teatro, artes plásticas e
história da arte.
Essa metodologia de ensino, fruto da referida lei, instituía o professor
polivalente, que deveria contemplar e desenvolver conteúdos das diferentes
áreas expressivas em seu plano de ensino, que transformou, conforme Schramm
(2008), o ensino de arte em algo fragmentado e superficial:
A fragmentação no ensino da arte se em virtude do caráter
tecnicista da lei. Os professores de Desenho, Música, Trabalhos
Manuais, Canto Coral e Artes Aplicadas, que vinham atuando
segundo os conhecimentos específicos de suas linguagens, viram
esses saberes repentinamente transformados em "meras
atividades artísticas”.
(http://www.artenaescola.org.br/pesquise_artigos_texto.php?id_m=23, acessado
em 14 de maio de 2008)
Entendo que, apesar desse modelo de educação artística ter sido criticado
por possibilitar um ensino mais superficial, a experiência com a professora
Yolanda (fundadora da primeira Escolinha de Arte
1
em Uruguaiana na década de
70) representou algo significativo e inovador na minha vivência escolar, na
medida em que apresentava os conceitos artísticos com uma visão aberta e
transformadora para os padrões da época. O desenvolvimento dos temas
propostos por esta professora, bem diferentes daquilo que indicava a lei, eram
mais profundos e quase sempre adquiriam um caráter de reflexão social e
1
Escolinha de Arte do Brasil foi criada em 1948, no Rio de Janeiro, por iniciativa do artista pernambucano
Augusto Rodrigues (1913 - 1993), da artista gaúcha Lúcia Alencastro Valentim (1921) e da escultora norte-
americana Margareth Spencer (1914). O filósofo e teórico da arte Herbert Read (1893 - 1968) fornece as
principais inspirações para a experiência, sistematizadas em sua obra Education through Art (1943).
As idéias de Read - ancoradas no princípio de que a educação é o fundamento da arte - são
também conhecidas do blico brasileiro da época em função da exposição de arte infantil por ele
organizada no Museu Nacional de Belas Artes - MNBA, Rio de Janeiro, em 1941.
Fonte: www.itaucultural.org.br/
21
continham uma visão humanista que ultrapassava a fronteira de apenas cumprir
os conteúdos do Plano de Ensino.
Tive o privilégio de ficar amigo da professora Yolanda e de freqüentar
oficinas de desenho promovidas pela Escolinha de Arte. Ainda hoje, quando
estou em contato com obras artísticas, lembro-me de seus ensinamentos, das
nossas conversas sobre estética e das suas teorias sobre o ensino da arte e
sobre a vida.
Terminado meu período de ensino médio, fui para Porto Alegre com a
intenção de fazer o curso de Comunicação Social na UFRGS. Com a dificuldade
de obter aprovação no vestibular, aproveitei esse período também para fazer
cursos paralelos, que me abririam novas possibilidades de conhecimentos. Dentre
esses cursos destaco o Curso de Desenho Artístico e Publicitário da Escola
Nacional de Desenho, que freqüentei por três anos. O curso tão sonhado na
adolescência me traria a possibilidade de aprender algumas técnicas do desenho,
da pintura e da composição visual que foram importantes para as experiências
futuras nessa área.
Logo após, vinculado a uma oportunidade de trabalho no Instituto Bennett,
uma escola da Rede Metodista de Ensino no Rio de Janeiro (RJ), foi possível a
realização de um curso de graduação em Artes. A licenciatura em Artes Plásticas
parecia mais próximo do meu interesse, já que naquela unidade universitária este
era o único curso que tratava das questões da imagem. A experiência foi muito
rica, na medida em que acontecia numa cidade da importância histórica, cultural e
artística como é o Rio de Janeiro. A proximidade com São Paulo também
possibilitou diversas viagens àquela capital em função das atividades culturais
que oferecia, entre elas a Bienal Internacional de Artes Visuais.
Ao retornar para Porto Alegre, em 1987, paralelamente às atividades
profissionais, buscava também algum aperfeiçoamento e ele se fez através do
Curso de Especialização em Expressão Gráfica na Faculdade de Arquitetura da
UFRGS em 1990. A partir desta experiência, ampliei meus conhecimentos sobre
diversas questões do universo visual e pude perceber meu interesse pelo design
gráfico que, nesse período, começava a ser difundido com uma atividade
profissional paralela à publicidade. Compreender suas principais características,
suas inter-relações com a arte e suas diferenças da publicidade possibilitou-me
22
vislumbrar um campo de trabalho com novos desafios e possibilidades diferentes
do que eu vinha experimentando na publicidade.
O ano de 1996 marca o início de minha experiência como docente no
ensino superior na Universidade Luterana do Brasil e, através desta atividade, o
desafio de refletir sobre a interação entre a experiência do campo profissional do
design gráfico, da publicidade e dos diversos aspectos que compõem a
comunicação visual e a atividade docente.
No primeiro momento, o desafio da atividade de professor era descobrir as
diversas possibilidades de desenvolvimento pessoal que essa atividade oferecia.
Minha postura era de observação e experimentação para interagir com o
ambiente da sala de aula, agora não mais como aluno. O aprendizado da minha
licenciatura foi, sem dúvida, fundamental para aceitar esse novo desafio.
Passada esta primeira fase de adaptação como professor, percebi a
necessidade de aprofundamento teórico, da criação de dinâmicas criativas para
as atividades práticas e da importância dos conhecimentos que eu trazia da vida
profissional, em atividades relacionadas à comunicação visual.
Nesse período, busquei uma formação que também teve importância
significativa para minhas práticas como docente e profissional do design gráfico
através dos cursos de criatividade e design de superfície com a designer e
professora Renata Rubim, na década de 90. Baseado na metodologia criativa
destes cursos, criei a Oficina de Criatividade no Design Gráfico, com a supervisão
da própria Renata. Esse trabalho resgata a prática do desenho através de
exercícios de criatividade e possibilita leituras da imagem para o entendimento do
processo criativo.
Um dos pontos muito comentados pelos alunos ao final da atividade é a
possibilidade de realizar um trabalho de criação visual a partir da associação de
elementos muito simples, desenhados a mão, que vão se sofisticando na medida
em que o processo avança. Surge então a discussão da importância da interação
entre trabalhos analógicos e digitais, no sentido de que a maioria dos alunos,
comumente, faz todo o seu processo criativo diretamente no computador, ao
invés de elaborar uma investigação utilizando-se dos recursos do desenho
manual.
A opção em desenvolver este trabalho sobre o design gráfico das revistas
é, de alguma forma, o resultado dessas experiências e desses percursos que, por
23
abrangerem diversas áreas, como arte, educação, publicidade e design, e
cidades (Uruguaiana, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo), possibilitam um
olhar plural sobre essas áreas do conhecimento, que me constituíram pessoal e
profissionalmente.
Atualmente, me vejo como um profissional que conjuga essas duas
atividades: a do profissional que pensa e elabora projetos de design gráfico,
atendendo solicitações do mercado, e do professor universitário em disciplinas
relativas ao universo visual. Percebo que esses papéis, em diversos momentos,
se entrecruzam e se complementam, proporcionando uma visão mais aberta para
refletir sobre os diversos questionamentos que envolvem tanto uma quanto outra
atividade.
Entendo que esta experiência de formação através do mestrado seja mais
uma ponte que me mostra e me possibilita descobrir outros lugares para além dos
lugares que estão no meu campo de visão.
24
1. Abrindo a revista
1.1. Por entre fotos e nomes,
os olhos cheios de cores
1.2. Eu organizo o
movimento, eu oriento o
carnaval
1.3. Design, desenhos e
desígnios
1.4. Revistas, Cultura Visual
e educação
1.5. O design gráfico no
contexto da Cultura Visual
1.6. As revistas na sala de
aula
25
1.1. Por entre fotos e nomes, os olhos cheios de cores
o considerarmos a quantidade de publicações a que temos acesso
atualmente, não podemos deixar de evocar a pergunta que Caetano
Veloso fez na letra da sua música Alegria, Alegria: Quem tanta
notícia? Ou ainda, quem enche os olhos com tantas imagens e cores? Naquele
longínquo e cinzento ano de 1968, os olhos do artista se deixavam sensibilizar
pelas imagens, pelas cores e pelos textos dos periódicos que faziam das bancas
um varal multicolorido de fotos e nomes.
Naquele período, as bancas de revistas tinham um significado especial
para o público que buscava nos jornais e revistas as notícias de um país
absolutamente mergulhado na ditadura militar. Mesmo sabendo que as
publicações passavam por censura, o leitor buscava nas entrelinhas o conteúdo
que considerava importante ou ainda procurava avidamente pelos periódicos
alternativos, produzidos por grupos independentes.
No que se refere à sua materialidade, não poderíamos imaginar que,
mesmo quarenta anos após aqueles obscuros anos, as bancas de revistas
continuariam existindo e com uma configuração parecida com aquelas dos anos
sessenta, salvo a novíssima geração de bancas que começa a explorar um design
mais sofisticado e contemporâneo em sua arquitetura.
Não poderíamos imaginar, também, que muitas cenas futuristas que
mostravam formas avançadas de comunicação nos filmes e desenhos animados
do século passado, se tornariam realidade na primeira década do século XXI e
que estes recursos conviveriam paralelamente às tradicionais bancas, causando
um forte contraste entre esse tradicional lugar de acesso às informações com
diferentes formas de entrar em contato com conteúdos na era contemporânea.
Talvez o exemplo mais significativo destes novos modelos de
comunicação seja a internet, que possibilita conexão sem a necessidade fios e
pode ser acessada pelos telefones móveis. Mas é possível identificarmos um farto
cardápio de outras alternativas, como a tv por assinatura, a tv digital, os monitores
de alta resolução, os drives portáteis (pen drives), os cds, os dvds, entre outros.
26
Nesse contexto, poderíamos formular diversos questionamentos em
relação a esse universo, como, por exemplo: Que papel as revistas representam
nesse universo de informação? De que maneira os suportes digitais se relacionam
ou influenciam o design visual das revistas? Como os periódicos estão inseridos
no cenário urbano contemporâneo? E, ainda, de que maneira as narrativas do
design gráfico contemporâneo estão articuladas e produzem pedagogias do ver?
Se esses questionamentos nos falam de formas de ver, considero pertinente
trazer para esta discussão o que pode ser entendido como visão e visualidade. Na
conceituação que o Dicionário Aurélio (1999, p.2079) nos traz, a palavra visão
foca-se no ato, efeito ou faculdade de ver, sentido da vista, enquanto que
visualidade se refere à qualidade do que é visual; vista; miragem; aspecto
cambiante. Se a palavra visão nos remete ao aspecto físico de enxergar ou ainda,
conforme Rose (2001, p.6), a visão é o que o olho humano é capaz de ver
fisiologicamente, a expressão visualidade possui um significado que extrapola o
ato de ver e que nos remete a algo mais amplo que, conforme Rose (2001, p.6),
refere-se à forma da visão ser construída de diversas maneiras: como vemos, o
que nos é mostrado?
Portanto, ao utilizarmos aqui a palavra visualidade, estaremos nos referindo
aos processos que envolvem os modos de ver, conforme John Berger (1972,
p.10), que entende que é o ato de ver que estabelece nosso lugar no mundo
circundante. Um outro autor que reflete sobre os conceitos de visão e visualidade
é Elliot Eisner (1998, p.62), que coloca que olhar estaria implicado também pela
cultura ou o que ele denomina tradição:
[...] A percepção do mundo está influenciada pela capacitação, pelo
ponto de vista, pelo enfoque, pela linguagem e pela estrutura. O
olho não é somente uma parte do cérebro, é uma parte da tradição.
Por isso, se constatamos que o ato de ver está implicado por diversos
aspectos e que a era contemporânea nos possibilita interagirmos com a imagem
através de variados suportes, de que maneira estas mídias estariam afetando o
nosso olhar? Na opinião de José Saramago (2002), expressa no filme Janela da
Alma, a exacerbação da produção de mensagens visuais de nossa era seria um
fenômeno que estaria provocando uma dissociação entre o universo interno e o
27
externo do ser humano, o que causaria um sentimento de falta de orientação.
Conforme o autor:
[...] Vivemos todos numa espécie de ‘Luna Park’ audiovisual,
onde os sons se
multiplicam, onde as imagens se multiplicam, onde s, mais ou menos, creio
eu, vamos cada vez mais sentir-nos perdidos. Perdidos em primeiro lugar de
nós próprios e em segundo lugar perdidos na relação com o mundo e
acabamos por circular por sem saber muito bem nem o que somos, nem
pra que servimos, nem que sentido tem a existência.
Reafirmando esse ponto de vista, Evgen Bavcar (2002) diz que não
vemos nada, perdemos o olhar interior, perdemos o distanciamento, em outras
palavras, vivemos em uma espécie de cegueira generalizada.
Por outro lado, entendo que a questão do excesso dos estímulos visuais
a que estamos submetidos na era atual seria uma metáfora de outros excessos
da vida contemporânea, como o exagero na produção de bens de consumo.
Percebe-se que o consumo não está mais associado às necessidades básicas de
sobrevivência, mas expressa uma atitude compulsiva de consumir e substituir
objetos. Segundo Beatriz Sarlo (1997, p.30), os objetos criam um sentido para
além de sua utilidade ou de sua beleza ou, melhor dizendo, sua utilidade e sua
beleza são sub-produtos desse sentido que vem da hierarquia mercantil.
Se por um lado a sociedade industrial criou a possibilidade de novos
empregos em função das especificidades da produção em massa, isso também
refletiu numa parcela significativa da população que não tem poder aquisitivo para
acompanhar as demandas do mercado e resultou numa avalanche de
desemprego e miséria, segundo Roberto Kurz (2007, p.57).
Vejo, portanto, na revista um mundo de possibilidades para refletir sobre
sua relação com os leitores, sobre sua importância enquanto objeto visual gráfico
no universo da educação, bem como para pensar sobre quais aspectos
importantes da vida em sociedade na era contemporânea estão ali sendo
narrados.
1.2. Eu organizo o movimento, eu oriento o carnaval
Em relação aos procedimentos para realizar a pesquisa, inicio por um
levantamento das revistas culturais importantes da história editorial do Brasil, por
28
sua proposta editorial, bem como por sua concepção estética. Nesse contexto
identifico a Revista BRAVO! como publicação relevante no cenário das revistas
culturais brasileiras na atualidade por levar ao público-leitor assuntos abrangentes
da produção cultural contemporânea, bem como por sua tiragem e sua
distribuição que atingem as principais cidades brasileiras.
Para formar o corpus desta pesquisa escolhi seis capas da revista
BRAVO! que representam períodos distintos desta publicação. O que me orientou
na escolha destas capas foi o que elas possibilitavam em termos de leitura
interpretativa sobre a identidade cultural brasileira. As duas primeiras capas
(Caetano Veloso e Carmem Miranda) representam o universo da música popular
em dois períodos distintos através destes personagens que são caros à cultura
popular do Brasil; as duas capas seguintes (Pato Donald e Wim Wenders)
representam o olhar da cultura estrangeira sobre o Brasil e de como eles se
relacionam/dialogam com as questões culturais dos trópicos; as últimas duas
capas (A invenção do Brasil e o Brasil que o mundo vê) complementam esta
amostragem por tratarem de visões do passado e do presente que são conceitos
fundamentais para uma leitura sobre aquilo que foi construído como sendo a
identidade cultural do Brasil.
A partir dos seis exemplares selecionados, detenho-me na leitura da
capa de cada um deles, considerando os aspectos formais da narrativa visual,
bem como me proponho a identificar alguns sentidos produzidos pelo seu design,
através da abordagem dos Estudos da Cultura Visual.
Sobre as razões que me levaram a realizar esta pesquisa sobre o design
da revista BRAVO! destaco o fato de que atualmente a produção editorial tem
oferecido uma enorme variedade de títulos de revistas e percebe-se pouca
reflexão acerca do que é mostrado e como se mostra. Também destaco o
entendimento de que as narrativas visuais em objetos que fazem parte do
cotidiano vem ao encontro da proposta dos Estudos da Cultura Visual, no sentido
de que as revistas integram o conjunto de artefatos visuais a que temos acesso
na era contemporânea e que o design de suas capas exerce um tipo de
pedagogia.
Assim, minha intenção, ao realizar esta pesquisa, é refletir sobre que
narrativas o design gráfico da Revista BRAVO! está evidenciando, considerando o
contexto onde são produzidas, seus valores estéticos e culturais, bem como sua
29
inter-relação com o processo educativo. Esta escolha se em função de que
este recente campo teórico se dedica a estudar os fenômenos do universo visual
na contemporaneidade, considerando seus suportes, suas estéticas, bem como
sua inserção social e cultural. Fernando Hernández (2006, p.12) sinaliza que:
[...] a Cultura Visual não se refere a uma série de objetos, senão a um
campo de estudo que emergiu da confluência de diferentes disciplinas, em
particular da sociologia, as semiótica e dos Estudos Culturais, feministas e
da História Cultural da Arte, e que desenha diferentes perspectivas
teóricas e metodológicas.
Em relação aos Estudos Culturais, trago a visão de Richard Jonhson
(2006, p.22), que enfatiza a questão de que este campo teórico extrapolaria os
contornos do conhecimento acadêmico na forma como ele existe, acrescentando
ainda que devem ser interdisciplinares (e algumas vezes antidisciplinares) em sua
tendência.
Ainda sobre o caráter interdisciciplinar dos Estudos Culturais, Johnson
(2006, p.22) refere-se à aproximação destes estudos com a área da história, ao
enfatizar sua condição de “historiador do contemporâneo e constatar que
algumas virtudes do historiador parecem úteis aos Estudos Culturais, tais como
com o movimento, com a particularidade, com a complexidade e o contexto, por
exemplo.
Também considero o que André Villas-Boas (2002, p.9) acrescenta, ao
referir-se aos Estudos Culturais, ao considerar que esta área estaria
comprometida com o estudo de todas as artes, crenças, instituições e práticas
comunicativas de uma sociedade.
Esta pesquisa também se propõe a identificar e analisar como os
elementos que compõem a sintaxe visual gráfica se inter-relacionam e configuram
a complexidade desta linguagem; refletir como as peças editoriais estão inseridas
no contexto social e compreender de que modo as revistas se mostram e como
são vistas.
A abordagem metodológica da pesquisa baseia-se nos princípios dos
Estudos da Cultura Visual, por considerar os meios de produção visual da
atualidade, não no que se refere aos objetos visuais, mas também por
considerar que cultura visual pode ser entendida como relação visual entre objeto
30
e espectador. Ou, ainda, que os objetos visuais mobilizam certos modos de ver,
conforme Rose (2001, p.14).
Tais princípios procuram enfocar a análise crítica do discurso visual,
aspectos do contexto cultural e o processo de circulação deste veículo de
comunicação. Nesse sentido, trago para a pesquisa a revista em seu âmbito de
interação com o espaço urbano (localizado na cidade Porto Alegre), onde outros
olhares, somados ao meu, irão interferir e compor a teia de olhares sobre este
objeto.
Para dar conta das questões aqui levantadas, pretendo adotar uma
abordagem qualitativa para esta pesquisa, buscando suporte em referenciais
teóricos em interface com exemplos da prática docente. Considero essa
abordagem pertinente pelo fato de que meu objeto de investigação está
profundamente conectado com as questões da informação na era atual, se inter-
relaciona com as pedagogias culturais, na medida em que veicula conteúdos
verbo-visuais e propõe determinados valores estéticos.
Ao tratar de publicações editoriais, considero que estas pertencem ao
diversificado menu de meios de comunicação a que temos acesso em nosso
cotidiano e que elas contribuem para a construção do olhar dos sujeitos. Sobre as
características da investigação qualitativa e sua relação com aspectos do
cotidiano, Eliot Eisner (1998, p.33) coloca que:
Na realidade, a indagação qualitativa influi nos feitos
cotidianos da vida diária. A indagação qualitativa e em
geral o pensamento qualitativo não é uma forma de
atividade exótica reservada a pessoas com um talento
especial ou que estão corretamente iniciadas em formas
especiais de antropologia cultural. Ela se entende por
nossos juízos diários e proporciona as bases para nossas
decisões mais importantes: como a escolha de um
companheiro, de um modo de viver, o tipo de carreira
profissional que alguém deseja exercer, como alguém se
relaciona com a família e com os amigos. Tais decisões
estão guiadas por considerações qualitativas.
Ao considerar que a indagação qualitativa se relaciona com os feitos da
vida cotidiana, Eisner presentifica que é possivel trazer para as pesquisas
acadêmicas essa abordagem que tem bases na experiência da vida, retirando-a
de um campo inatingível onde somente iniciados ou com talentos especiais
poderiam ter acesso. Esse aspecto de trazer experiências do cotidiano para o
31
campo acadêmico também nos remete ao que Jorge Larrosa (2001, p.21) reflete
sobre a experiência, como sendo aquilo que nos passa, o que nos acontece, o
que nos toca.
A escolha da Revista BRAVO! se em função de que atualmente ela
representa a revista cultural de maior tiragem no país. Criada e publicada
inicialmente pela Editora D’Avila, em 1997, foi adquirida pela Abril, a maior editora
de revistas do Brasil, segundo Almir de Freitas (Diretor de Redação da BRAVO!),
em março de 2004. A BRAVO! nestes últimos dez anos pode ser considerada
uma referência quando o assunto se refere à produção cultural. Suas páginas
apresentam um projeto gráfico sedutor, que privilegia imagens em grandes
formatos e de alta qualidade técnica, aliadas a textos que noticiam, comentam e
criticam a produção cultural contemporânea, seja ela nacional ou internacional.
Na opinião de seu redator-chefe atual, em entrevista por e-mail, diz que:
[...] a BRAVO! cultiva a excelência na área da fotografia desde sua
fundação, há dez anos. O papel e a impressão excelentes facilitam
isso. A esta excelência na fotografia queremos acrescentar mais
infográficos e ilustrações que ajudem o leitor a entender os
fenômenos culturais e seus significados.
Observa-se, portanto, que esta publicação prima por um tipo de elaboração
visual que a coloca em posição de destaque junto ao variado repertório de
revistas oferecidas pelo mercado atual, seja nas bancas, bem como nas lojas
especialmente estruturadas para a comercialização de produtos editoriais.
Considerando que este objeto de estudo é um produto do design editorial
cultural, faz-se necessário trazer alguns significados que estas palavras evocam.
Primeiramente, busco localizar o design gráfico como uma atividade
profissional e área do conhecimento que estabelece relações com diversas
outras, caracterizando-a com uma área interdisciplinar. Nesse sentido, busco a
abordagem dos Estudos da Cultura Visual para esta pesquisa pelo fato de tratar a
revista como um aparato visual e meio de comunicação que está inserido no
cotidiano, ao lado de jornais, livros, cinema e internet, que vem ao encontro do
que Mirzoef (2003, p.25) refere quando diz que:
[...] do mesmo modo em que os estudos culturais m tratado de
compreender de que maneira os indivíduos buscam o sentido ao
consumo da cultura de massas, a cultura visual prioridade à
32
experiência cotidiana do visual, desde a instantânea até o deo e
inclusive a exposição de obras de arte de êxito.
Portanto, considero importante trazer alguns conceitos dos estudos
culturais tratados por Stuart Hall (1997), bem como por Nestor Canclini (2004) e
Villas-Boas (2002), no sentido de compreender o objeto deste estudo como um
produto cultural e suas relações com o contexto social. A seguir, oriento-me pelas
sugestões metodológicas de Gillian Rose (2001), bem como de outros autores
que considerei pertinentes para o desenvolvimento desta pesquisa.
Assim, esta abordagem que está inserida no contexto dos Estudos
Culturais nos possibilita pensar as questões do design gráfico em relação com os
outros diversos textos da era contemporânea, porque estão, conforme Tadeu da
Silva (1995, p.98), [...] comprometidos com o estudo da produção, da recepção e
do uso situado de variados textos, e da forma como eles estruturam as relações
sociais, os valores e as noções de comunidade.
Na medida em que conceituo e entendo o caráter interdisciplinar do design
gráfico, pretendo estabelecer relações ou ainda, conforme Villas-Boas (2002,
p.23), interlocuções com demais disciplinas com as quais (o design gráfico) tem
que conviver. No caso específico desta pesquisa, o design gráfico é o elemento
que se inter-relaciona com a prática educativa e por considerar o contexto em que
atua, dialoga com a sociologia, a antropologia e com a comunicação. A
interdisciplinaridade, segundo Villas-Boas (2202, p.21), é um ponto em comum
entre as abordagens dos estudos culturais e o design gráfico como disciplina
acadêmica e prática profissional específicas.
Escolho, inicialmente, dois conceitos referentes ao design que ajudarão a
delinear e delimitar o tema deste objeto de estudo.
Observa-se que a palavra design
atualmente é utilizada para designar as
mais diversas atividades profissionais e que essa proliferação do uso desta
expressão não contribui para o entendimento do que a mesma possa realmente
significar. Na introdução deste trabalho, apresento alguns conceitos que a
expressão design evoca e cito que Rafael Denis (2000, p. 16), entre outras
definições, diz que [...] o substantivo design se refere tanto à idéia de plano,
desígnio, intenção, quanto a de configuração, arranjo, estrutura (e não apenas de
objeto de fabricação humana).
33
no que se refere à especificidade do design gráfico, trago a definição de
Villas-Boas (1997, p. 12), que se refere à idéia de ordenação projetual quanto a
inter-relação entre os elementos verbais e visuais na composição visual que esta
atividade propõe
[...] uma atividade de ordenação projetual de elementos estéticos
visuais textuais e não textuais com fins expressivos para
reprodução por meio gráfico, assim como o estudo desta atividade
e a análise de sua produção. Essa produção inclui tanto a
ilustração quanto a criação e a ordenação tipográfica, a
diagramação, a fotografia e outros elementos visuais.
Não poderia deixar de considerar que esta atividade é vista, muitas vezes,
como algo que faz parte do universo da informática, do marketing, da publicidade
ou da administração dos negócios, mas este viés somente será abordado como
forma de ilustrar alguma situação específica e não como metodologia da
pesquisa, que, adaptando ao design o jargão, os referenciais teóricos e os
procedimentos destas disciplinas, esta posição se traduz em discursos
tecnicistas, conforme Villas–Boas (2002, p.24).
No que se refere às expressões editorial e cultural, elas aqui estão
interconectadas por fazerem referência a uma peça gráfica relacionada a
publicações de caráter cultural, como jornais, revistas e livros. O dicionário nos
oferece, na definição de Ferreira (1999, p.718), que a expressão editorial se
refere a editor ou editora; artigo que exprime a opinião do órgão, em geral escrito
pelo redator-chefe e publicado com destaque, enquanto que o Glossário de
Termos e Verbetes utilizados em design gráfico da Associação dos Designers
Gráficos (1998, p.41) define a expressão editorial como sendo artigo de jornal ou
revista, que reflete o pensamento e a orientação dos seus dirigentes; artigo de
fundo. Enquanto que, para Villas-Boas (2002, p.18), o aspecto cultural está
intrinsecamente ligado ao design. O autor defende a idéia de que
[...] o design é um discurso, e como tal espelha a condição cultural
na qual e para a qual foi concebido ao mesmo tempo em que
contribui para produzir, realimentar ou transformar esta mesma
condição cultural.
Então, este olhar sobre o design gráfico editorial entende a revista como
um aparato, como um suporte onde se organizam e se articulam os conteúdos
presentificados pela revista. Nesse sentido, a revista funciona como um recurso
tecnológico ao possibilitar que o público interaja com seus conteúdos.
34
Sobre esse entendimento de tecnologia, Silva (1995, p.70) diz que:
Assim, como um conceito genérico, a tecnologia”, implica a
especificação de um modo de produção; uma forma de organizar e
regular o trazer à presença de algo anteriormente sem presença.
Isso significa que a tecnologia” deve ser sempre entendida em
sua pluralidade, como campo diversificado de diferentes formas de
saber/poder.
Considerando a revista como objeto de estudo e um produto da indústria
cultural, no sentido de que ele é criado, reproduzido e distribuído a um grande
público com base em uma estruturação industrial, ela se enquadraria no conjunto
de aparatos tecnológicos culturais, que, segundo Silva (1995, p.71),
[...] refere-se ao conjunto de arranjos e práticas institucionais
intencionais no interior dos quais várias formas de imagens, som,
texto e fala o construídas e apresentadas e com as quais,
ademais interagimos.
Sobre o conceito da expressão cultural, primeiramente é preciso considerar
que a palavra cultura evoca uma variedade e uma grande complexidade de
conceitos, definições e conotações. No caso das revistas culturais e, em especial
a BRAVO!, está se referindo a conteúdos relativos à produção cultural direcionada
a um determinado público que demonstra seu interesse sobre essa temática, por
meio desse produto editorial. Nestor Canclini (2004, p.37) sugere que, quando
falamos de cultura, a expressão refere-se a narrativas e que
[...] a primeira noção, a mais óbvia, é a que continua a apresentar-
se no uso cotidiano da palavra cultura, quando se faz com que se
assemelhe a educação, ilustração, refinamento, informação ampla.
Nesta linha, cultura é o acúmulo de conhecimentos e aptidões
intelectuais e estéticas.
O autor esclarece que este conceito está baseado na filosofia idealista e
que a distinção entre cultura e civilização foi elaborada pela filosofia alemã no
final do século XIX e no princípio do XX (2004, p.37).
no que se refere à linguagem do design gráfico, identificamos que esta
atividade está radicalmente identificada com as manifestações culturais e sua
inter-relação com o cultural e com o contemporâneo seria uma de suas
35
especificidades. Sobre esse aspecto do design gráfico, Villas-Boas (2002) diz que
o design
[...] ‘fala’ da cultura e da contemporaneidade ao mesmo tempo que
faz parte delas e as realimenta: ele é sujeito e objeto ao mesmo
tempo. [...] tudo e todos somos simultaneamente sujeito e objeto,
mas a evidência desta condição é um pressuposto para que
possamos compreender a dimensão cultural do design gráfico em
seus devidos termos (p.18).
Entendo que os conceitos acima apresentados nos localizam em relação a
estas expressões e que delineiam uma análise que contempla diversas leituras e
interpretações. Por isso, no decorrer da pesquisa, outras conceituações são
agregadas a estas, no sentido de fundamentar as idéias aqui levantadas.
1.3. Desenho, design e desígnios
Conforme Ferreira, (2004, p.186), a palavra desenho significa:
Representação de formas sobre uma supeficie, por meio de linhas, pontos,
manchas.
A arte e a técnica de representar, com pis, pincel, etc., um tema
real ou imaginário, expressando a forma;
configuração, traçado, projeto.
Evoco as palavras desenho, design e desígnios
para iniciar esta reflexão sobre o universo da revista,
primeiramente por se tratarem de expressões que se
referem a diferentes atividades, que podem abranger
tanto os desenhos primitivos do período paleolítico,
quanto aos sentidos que foram sendo adotados no
transcorrer da história, até seus diferentes significados
na contemporaneidade.
Observa-se que, no transcorrer da história, o
desenho passou por diversas fases e entendemos
hoje que, no princípio, sempre esteve ligado à
necessidade de comunicação entre os seres humanos e, na medida em que foi
se desenvolvendo, resultou num sistema de escrita que se tornou o alfabeto,
que cada povo (egípcio, sumério, chinês e fenício) registrou nos mais
Desenho rupestre
Cavena de Lascaux - França
Alfabeto fenício
36
diferentes suportes (pedra, argila, papiro, papel) para representar, assim, seus
modos de pensar, organizar e de comunicação.
O ato de desenhar também ocupa diversos lugares nos processos
artísticos, tais como os estudos ou anotações visuais, mas pode ser o meio de
expressão de um determinado artista que desenvolve esta linguagem desde o
rascunho até o resultado final, que seria a obra gráfica. No que se refere à
pintura, o desenho muitas vezes funciona como a estruturação inicial da obra
pictórica, definindo as formas dos principais elementos, bem como organizando
a espacialidade, tendo aqui um caráter provisório ou de passagem para uma
outra linguagem. Sobre essa função do desenho, Salles (2007, p.38) diz que
até mesmo os esboços encontrados na própria tela, por baixo de camadas de
tinta, ainda não são pinturas, por serem feitos de grafite ou carvão.
O desenho, portanto, está profundamente inserido num contexto de
criação e que nos remete à possibilidade de transformação ou até mesmo da
capacidade de uma nova compreensão sobre um determinado tema. Sobre
esses aspectos que se referem à criação, Ostrower (1977, p.9) diz que:
Criar é, basicamente, formar. É poder dar uma forma a algo
novo. Em qualquer que seja o campo de atividade, trata-se
nesse ‘novo’, de novas coerências que se estabelecem para a
mente humana, fenômenos relacionados de modo novo e
compreendidos em termos novos. O ato criador abrange,
portanto, a capacidade de compreender; e, esta por sua vez, a
de relacionar, ordenar, configurar, significar.
Ao identificar o desenho nesse contexto de criação, organização e
configuração da representação visual, entendo que ele abrange diversas outras
modalidades da expressão visual na contemporaneidade. Percebe-se
atualmente que o ato de desenhar está profundamente afetado por uma série
de recursos nunca antes experimentados, entre eles, destaca-se as recém
criadas canetas óticas, que possibilitam fazer grafismos sobre uma mesa
eletrônica, sem a necessidade do uso do mouse, proporcionando e agilidade e
rapidez a todo o processo do ato de desenhar. Este é apenas um exemplo de
efetivar registros gráficos na atualidade, que é possível desenhar utilizando
os mais diferentes recursos. Sobre este aspecto do desenho intermediado
pelos recursos de produção visual na era contemporânea, Donis Dondis (1997,
p.1) coloca que
37
[...] o cinema, a televisão e os computadores visuais são
extensões modernas de um desenhar e de um fazer que tem
sido, historicamente, uma capacidade natural de todo ser
humano, e que agora parece ter se apartado da experiência do
homem.
Ao considerar estes recursos como extensões modernas do ato de
desenhar, Dondis evidencia a grande diferenciação que se estabelece entre a
expressão gráfica que esses
recursos possibilitam, com a
forma tradicional de desenhar,
que é o resultado de um saber e
de um fazer manual que
dependem de um tempo
equivalente ao tempo das
atividades humanas, enquanto
que os aparatos tecnológicos,
aos quais Dondis se refere,
produzem num tempo relativo à
rapidez das máquinas. Nesse
sentido, as imagens produzidas
através dessas máquinas são
manifestações de uma era em
que tudo é medido tendo como referência a escala dos gigabytes e não mais
as medidas e o tempo das atividades manuais.
Percebe-se, então, que o tempo dedicado para apreciar as imagens
contemporâneas também é afetado por essa super-aceleração, pois se a cada
segundo é possível produzir uma nova imagem que substitui a anterior, o
próprio olhar adquire um dinamismo que está sempre à espera do que vai ver a
seguir e que o tem o tempo necessário para perceber o que está sendo
mostrado, enquanto que o ato de desenhar manualmente nos chama
necessariamente para o ato de ver, no sentido de apreciar lentamente. Ver,
não de maneira apressada e superficial, como vemos um anúncio publicitário
no jornal, na revista ou na televisão. Ver, vivenciando um outro tempo, que, na
Desenhos de Leonardo da Vinci e M.C. Escher
38
perspectiva de Jorge Larrosa (2001, p 24), seria um tempo de cultivar a
atenção e a delicadeza, ou ainda de aprender a lentidão.
Claudio Ferlauto (2002, p.108) reflete sobre as diversas formas do
desenho existir e atenta para o fato de que também sabemos que desenhamos
com a mente, com a cabeça e não simplesmente com as mãos, com lápis e
computadores. Nesse sentido, ele nos fala da capacidade de criamos imagens
com a nossa imaginação.
No campo do design gráfico, o desenho adquire outros significados. Aqui
ele é entendido numa dimensão que envolve a concepção de projeto ou
modelo, planejamento ou ainda o produto desse planejamento, conforme
Aurélio Ferreira (1999, p.654). Ou seja, a idéia de desenho integra o nome da
atividade em seu estado ainda de concepção, de pré-figuração, diferentemente
do desenho como modalidade artística.
Antes da revolução tecnológica os designers utilizavam a técnica do
desenho manual para projetar suas criações gráficas, seja através dos
rascunhos, na estruturação espacial da página a ser impressa, seja ainda para
ilustrar matérias jornalísticas e anúncios publicitários. Também na etapa em
que os trabalhos exigiam a arte-final, que era o desenho finalizado a traço, em
preto e branco, sem nuances de cinza, este profissional executava um desenho
em que a preocupação técnica era muito importante e era auxiliado por
diversos tipos de materiais, como canetas a nanquim, pincéis, tintas, além de
réguas e gabaritos específicos. Ainda pode-se observar, atualmente, que, no
design gráfico, o desenho se configura através de máquinas e outros artefatos,
tais como scanners, canetas digitais e toda a variedade de tipos de câmeras
(analógicas e digitais) a que temos acesso.
Quanto à origem da palavra design, Rafael Cardoso (2000, p.16) alerta
para que ela vem da língua inglesa e que
[...] se refere tanto à idéia de plano, desígnio, intenção, quanto
à de configuração, arranjo, estrutura (e não apenas objetos de
fabricação humana, pois é perfeitamente aceitável em inglês,
falar do design do universo ou de uma molécula).
Portanto, as expressões desenho e design, neste contexto, possuem
uma ambigüidade, uma tensão dinâmica, entre um aspecto abstrato de
39
conceber/projetar/atribuir e outro concreto de registrar/configurar/formar,
conforme Cardoso (2000, p.16).
Se observarmos ainda a origem etimológica da palavra design,
encontraremos a expressão latina designare
,
verbo
que se refere a designar,
que também é uma atribuição do design, além de ainda se referir à atividade de
desenhar.
Nesse contexto de conceituação temos a palavra desígnios, que nos
coloca num quase outro caminho de pensamentos, pois nos retira da esfera em
que se refere ao ato de desenhar e/ou designar e nos aponta para conceitos
que sugerem iniciativa ou vontade para realizar algo, ou ainda trajetórias,
percursos e caminhos, ou, conforme a definição de Ferreira (1999, p.654),
intento, intenção, plano, projeto. Nesse sentido, o termo desígnios também
pode ser pensado na ótica de um acontecimento/enredo, de uma história a ser
contada, o que, supõe-se, necessita de uma narrativa.
Ao nominar este trabalho, buscando nestas expressões seus múltiplos
significados, entendo que o design gráfico contemporâneo está inserido num
contexto de comunicação visual que pode ser visto, sentido e analisado por
diversos aspectos e que estes se inter-relacionam na configuração de seus
significados, provocando e produzindo pedagogias do olhar ou, ainda,
produzindo determinados tipos de visualidade que, conforme Susana Vieira da
Cunha (2005, p.30),
[...] é o modo como vamos construindo nossos olhares sobre
determinados campos visuais, em como vamos direcionando
nossas escolhas sobre determinadas imagens, cores, texturas,
objetos e até sobre a própria noção de distância mencionada
no dicionário.
Os aspectos sobre a construção de visualidades, citados por Vieira da
Cunha, podem ser observados na maneira como nos relacionados com as
múltiplas formas em que se expressam o design editorial, a publicidade, o foto-
jornalismo e, até mesmo, mais recentemente, o web-design.
40
1.4.
Revistas, cultura visual e educação
41
As revistas não nos deixam passivos diante das infinitas possibilidades
de explorá-las e em interagirmos com seus textos e imagens. Ao percorrermos
suas páginas, deparamo-nos com narrativas construídas por imagens, cores,
texturas e textos e através delas podemos descobrir um universo de
informações. Nas revistas, encontramos conteúdos que vão dos meramente
informativos aos que remetem a conhecimentos que merecem a leitura mais
atenta e demorada. Assim, os textos enfocam desde as futilidades cotidianas
às descobertas científicas. Mas, também, é possível encontrar nas revistas os
mais diferentes tipos de imagens, sejam elas imagens de cunho comercial e
que possuem a intenção direta e objetiva na comunicação com o público, bem
como preciosidades do arquivo de um fotógrafo famoso ou ainda obras de arte,
além de desenhos, ilustrações, foto-colagens, entre outras.
Cada revista possui suas características próprias, que é o resultado da
linha editorial adotada para cada publicação em função de um determinado
assunto e do seu público de interesse. É importante também a definição dos
aspectos formais, tais como o formato, tipo de papel, número de páginas,
tratamento visual gráfico e a abordagem que este mesmo tema terá em suas
páginas. Ou seja, a revista é o resultado do sincretismo dos elementos formais
e linguagens: textos, imagens, logotipos, cores, texturas, alinhamento,
diagramação, contraste, ordenação, design, desenho e desígnios.
As revistas também representam grande parte da informação a que
temos acesso e poderíamos dizer que adquiriram um espaço de onipresença
em nosso cotidiano, tal a infinidade de títulos com que nos relacionamos. Estas
peças se tornaram tão comuns nos espaços que freqüentamos, seja na
exposição multicolorida das bancas onde são vendidas, nas salas de espera
dos consultórios, nas cafeterias, nas escolas ou em nossas residências, que
pouco refletimos sobre o seu design.
É comum em nosso cotidiano folhearmos as páginas de uma revista
quase de maneira automática. No entanto, se estamos absorvidos pelo tema
de uma matéria que julgamos interessante ou hipnotizados pela beleza da foto
de um anúncio publicitário, não nos detemos no fato de que um grande grupo
de profissionais esteve envolvido para que aquele objeto estivesse ali em
nossas mãos e que a articulação das linguagens verbo-visuais foi projetada
42
para atrair um determinado tipo de público, para seduzi-lo a percorrer suas
páginas e saborear seu conteúdo. Assimilamos, portanto, a maneira de nos
relacionarmos com a revista, assim como nos relacionamos com nossas
agendas, telefones celulares, CDs e DVDs entre tantos outros objetos que
fazem parte do nosso cotidiano. Sobre esse aspecto da nossa relação com os
objetos do cotidiano, Hendel (1999, p.1) reflete que
[...] quanto mais mundano um objeto (um lápis, um livro),
menos pensamos em seu design. Quanto maior a eficiência
com que ele trabalha e maior a freqüência com o que usamos,
menos pensamos sobre como veio a existir.
Ao considerar a revista como um objeto da experiência visual do nosso
cotidiano, aproximo-me dos Estudos da Cultura Visual, tendo em vista que eles
observam que a cultura visual afasta nossa atenção dos cenários de
observação estruturados e formais, como o cinema e os museus, e a centra na
experiência visual da vida cotidiana, conforme Mirzoeff (2003, p.25).
A era contemporânea apresenta uma infinidade de suportes e aparatos
para a produção e a veiculação de imagens, fazendo com que a cultura
fragmentada que denominamos pós-moderna, se entenda e se imagine melhor
através do visual (MIRZOEFF, 2003, p.20). Dentre estes suportes destacamos
a revista como um veículo que faz parte do universo da comunicação atual e
que articula seu discurso através da linguagem do design gráfico, que, segundo
Cauduro (1998, p.63), é um processo de busca de soluções para problemas de
comunicação, que procura inventar assim como re-articular signos.
A revista faz parte de um universo de meios de comunicação a que
estamos imersos e que poderia ser visto como um sintoma do quanto a nossa
sociedade valoriza a informação. Isso fica evidente ao constatarmos que
expressões como era da informação ou sociedade de informação são comuns
nos noticiários de rádio e TV, nos artigos de jornais e revistas e até mesmo nas
discussões acadêmicas. Aparentemente, essas expressões nos remetem à
idéia de que estamos permanentemente em contato com o conhecimento ou de
que conhecemos diversos assuntos, como se conhecimento se desse sob a
forma de informação (LARROSA, 2001, p.22). E, na medida em que nos
consideramos informados, também nos autorizamos a opinar sobre os diversos
43
assuntos, pois, para nós, a opinião, como a informação, converteu-se em um
imperativo, complementa Larrosa (2001, p.22).
Nota-se também que a cada dia a informação digital adquire um lugar de
maior importância na sociedade atual, mas as revistas impressas sobre o papel
ainda permanecem tendo uma importância siginificativa em nossas vidas. Seja
pelo número de publicações a que temos acesso ou pela praticidade de
carregarmos esse objeto para qualquer parte, o que importa é que a revista
resiste aos novos paradigmas da era da informação e parece fortalecida,
enquanto objeto impresso. No entanto, percebe-se que se o design gráfico foi a
referência para que o design digital se estruturasse, o que se percebe na
atualidade é a influência das mídias digitais sobre a estruturação dos
conteúdos da revista, que, muitas vezes, apresenta a forma esquemática e
suscinta em seus conteúdos, valorizando info-gráficos e imagens em
detrimento do texto verbal.
44
Podemos entender a que a articulação dos conteúdos de uma revista
constroem uma narrativa que, segundo Jonathan Culler (1999, p.85), tem
origem na teoria literária. Conforme este autor,
A teoria narrativa (narratologia) é um ramo ativo da teoria
literária e o estudo literário se apóia em teorias da estrutura
narrativa: em noções de enredo, de diferentes tipos de
narradores, de técnicas narrativas.
Enquanto que na perspectiva dos Estudos da Cultura Visual, segundo
Hernández (2007, p.11), narrativas são formas de estabelecer a maneira como
há de ser pensada e vivida a experiência.
Penso, portanto, que, além das narrativas que as próprias revistas
apresentam em sua configuração verbo-visual, a experiência educativa
também pode ser refletida como uma pedagogia visual, na medida em que
aprendemos também através das imagens.
1.5. O design gráfico no contexto da Cultura Visual
Ao escolher peças do design editorial para analisar, estou delimitando
um tema, um espaço, demarcando um lugar de onde estou falando. Gostaria
de contextualizar o tema, tecendo algumas reflexões sobre esta atividade
profissional e área de conhecimento presentificando alguns conceitos dos
Estudos da Cultura Visual.
O design gráfico na pós-modernidade, enquanto atividade profissional e
área de conhecimento, está inserido num universo onde os recursos
tecnológicos adquiriram uma importância tal que afetou e modificou
fundamentalmente o nosso cotidiano e a própria linguagem. No entanto, o
modo digital de interagir com essa linguagem abriu um leque de possibilidades
criativas e norteia o design gráfico pós-moderno que, na visão de Cauduro
(2001, p.103), tem sua concepção fortemente influenciada pelas estéticas dos
grupos jovens ligados a movimentos musicais, tais como
45
[...] (techno, punk, grunge, pop) entre os designers gráficos.
Ele
se caracteriza pelo ecletismo de suas fontes históricas de
inspiração (que incluem soluções vernaculares, regionais,
como muito adotavam os designers do Push Pin Studio),
pela valorização de elementos afetivos pessoais, pela
introdução de impertinências visuais, pela hibridação das novas
tecnologias da computação com mídias e técnicas mais
tradicionais e pela procura de soluções aparentemente
irracionais (trabalhadas em parte pelo acaso por fragmentos,
deteriorações, defeitos, em parte por processos
desconstrutivos das formas). Esses trabalhos são controlados
pelo design e realizados com a ajuda do, mas não só no,
computador.
Cauduro (2001) refere-se à produção visual da era contemporânea e
como é produzida e reproduzida através de inúmeros aparatos. Assim sendo,
PCs (personal computers), Macs (machintosh computer), Palms Tops
(computadores de mão), Lap Tops, (computadores portáteis) impressoras,
scanners e internet fazem parte do nosso menu diário de assessórios
tecnológicos desde o final dos anos 80. Gillian Rose (2001, p.6), ao comentar
os estudos sobre as questões da visualidade contemporânea, diz que muitos
teóricos desse tema têm argumentado que o visual é central para a construção
da vida social nas sociedades ocidentais contemporâneas.
Observa-se que o acesso a esses recursos trouxe um novo paradigma
para o universo da comunicação visual, modificando radicalmente a maneira de
se produzir uma peça visual gráfica. Ao invés de uma prancheta com uma
infinidade de ferramentas, como papéis, canetas a nanquim, pincéis, réguas,
gabaritos, cola e tintas, o que temos hoje é uma relação virtual com esses
instrumentos através dos programas gráficos em nossos computadores.
Ao consideramos a importância dada aos recursos e aos diferentes
modos de produção e reprodução de conteúdos verbo-visuais, podemos refletir
também que diferentes significados são construídos e difundidos através
desses meios. Rose (2001, p.6) observa que esses conteúdos não são neutros
ou inocentes em sua formulação:
Todos estes tipos diferentes de tecnologias e imagens
apresentam visões de mundo; traduzem o mundo em termos
visuais. Mas essa tradução, mesmo através de fotografia,
nunca é inocente. Estas imagens nunca são janelas
transparentes para o mundo. Elas interpretam o mundo;
apresentam-no de formas bem particulares.
46
Se no início dos anos 80 as grandes empresas e universidades tinham
uma certa exclusividade na utilização da tecnologia digital, a década seguinte
se caracterizou como o momento de grande
“democratização” desses recursos, onde profissionais
liberais, estudantes e o público em geral foram
transformando seus escritórios, estúdios e casas em
pequenas estações de computação gráfica. Se
considerarmos que, a partir dessa revolução digital, as
pessoas tiveram mais acesso a esses recursos,
apropriando-se de técnicas de comunciação, antes
somente manipuladas por profissionais, poderíamos relacionar esse momento
com o invento da prensa tipográfica por Gutenberg, em 1450. Também naquele
período acontecia uma ruptura no que se refere à produção de documentos
manuscritos, na medida em que era a primeira vez na história ocidental que
existia um aparato tecnológico para a reprodução de textos, uma vez que no
oriente as letras móveis não seriam, porém, uma novidade. Em 1041, ou seja,
mais de quatro séculos antes dos europeus, os chineses já conheciam e
empregavam tal processo, conforme Ribeiro (1997, p.44-45).
Mas essa visão de democratização dos recursos não é compartilhada
por Haraway, (1991, p.188), que nessa forma desregrada dos meios e das
manifestações visuais a articulação das relações de poder social. Na sua visão,
a gula visual contemporânea estaria à disposição de algumas pessoas e
instituições, em particular daquelas que fazem parte da história da ciência
ligada ao militarismo, capitalismo, colonialismo e supremacia masculina.
Haraway, (1991, p.188).
Essa revolução eletrônico-digital se reflete nas diversas áreas da
sociedade, causando transformações radicais no modus vivendis das pessoas,
e traz consigo uma nova visão do mundo do consumo, que se reformulou
utilizando-se das ferramentas oferecidas por esse novo meio, intensificando o
conceito de sociedade capitalista, com o viés do neo-liberalismo. Como
exemplo disso, poderíamos citar as possibilidades da comunicação em rede,
que viabilizam transações comerciais entre quaisquer pontos do planeta via
internet, a constante atualização de modelos de produtos eletrônicos que
potencializa as vendas dos mesmos e as possibildades do cidadão comum
Tipos Móveis
47
adquirir equipamentos que há dez anos atrás só seriam viáveis para empresas
ou pessoas de alto poder econômico ou ainda a possibilidade de acessar
imagens e textos de toda e qualquer natureza.
Nesse sentido, percebemos que os recursos tecnológicos nos permitem
ampliar nossa relação com as narrativas visuais contemporâneas e afetam
diretamente as relações sociais e portanto refletem na cultura.
Se o acima exposto refere-se ao contexto da vida cotidiana, de que
maneira afetaria o contexto da educação? Que significados passa a ter esse
universo de softwares, megabites e gigas? Será que estamos reduzidos a
decodificadores de programas que se desatualizam em poucos meses? No
universo da educação esta discussão ultrapassaria a questão das novidades
oferecidas pelos programas e da descartabilidade dos equipamentos, na
medida em que nos possiblita pensar sobre os outros sentidos que fazem parte
desta temática.
Entender as diversas questões que envolvem o design gráfico, conhecer
seu desenvolvimento histórico, sua cnica e de que maneira ele está inserido
nas mídias contemporâneas (livro, revista, jornal, video, design, dvd, internet),
é a janela por onde podemos ver que, por trás da tecnologia que sustenta a
produção gráfica, existe um universo que está intimamente vinculado ao ser
humano, ou seja, às idéias, à criatividade, aos sentimentos e às mudanças.
Portanto, a educação encontra-se na posição de refletir e questionar os
paradigmas da imagem na era contemporânea. Nesse sentido, Herdández
(2007, p.42) também manifesta uma posição de que se revisem os
fundamentos teóricos, epistemológicos, disciplinares e pedagógicos da
educação das artes visuais, reconhecendo as transformações do mundo atual,
mais, especificamente do período relativo às
[...] duas últimas décadas, (onde) apareceu uma série
de perspectivas sobre as maneiras de olhar,
representar e sobre a própria concepção da imagem,
sob o manto da cultura visual, que traz novas
contribuições e nos permitem refletir em termos dos
fundamentos, das finalidades e das experiências para a
aprendizagem “de” e “pelas” artes visuais na Escola.
É importante enfatizar que o ensino do design gráfico possui
especificidades em função de sua linguagem e está profundamente relacionada
com o olhar estético, pois considera a produção artística no sentido de que a
48
comunicação visual (publicitária e de design gráfico) sempre sofreu a influência
dos movimentos artísticos para compor sua linguagem, adquirindo, portanto,
um caráter interdisciplinar.
Um exemplo disto pode ser
observado em anúncios e posters do
início do século XX, que exploravam na
ilustração aspectos da estética do
movimento cubista, ao compor imagens
em que a ausência de perspectiva, a
geometrização das figuras e a
sobreposição eram predominantes. Assim
como o cubismo, os diversos movimentos
da vanguarda artística do século XX
foram definidores de padrões estéticos para a comunicação, como a estética
dadaísta, ao experimentar novas composições tipográficas em revistas e
cartazes. Sobre a influencia do dadaísmo no design gráfico, Hurlburt (2002, p.
22) comenta que o dadaísmo influiu nos designers gráficos de duas maneiras
igualmente importantes: ajudou-os a se libertarem das restrições retilíneas e
reforçou a idéia cubista do uso da letra em si mesma como experiência visual.
Nesse contexto, o designer busca no conhecimento artístico as
referências para desenvolver seus projetos, reforçando o caráter sincrético e
interdisciplinar desta atividade, ao considerar conhecimentos de diversas
áreas, inclusive, mais recentemente, resgatando aspectos das técnicas que
exigem habilidade manual, o que, na visão de Cardoso (2000, p.17), tem
gerado discussão entre os profissionais:
A distinção entre design e outras atividades que geram
artefatos móveis, como artesanato, artes plásticas e artes
gráficas, tem sido preocupação constante para os forjadores de
definições, e o anseio de alguns designers de se distanciarem
do fazer artesanal ou artístico tem engendrado prescrições
extremamente rígidas e preconceituosas. Design, arte e
artesanato têm muito em comum e hoje, quando o design
atingiu uma certa maturidade institucional, muitos designers
começam a perceber o valor de resgatar as antigas relações
com o fazer manual.
Um americano em Paris. Campanha para os pianos
Steinway. Estilo neocubista (1929) Miguel Covarrubias
49
Ao situar o design gráfico como uma das produções da cultura visual,
entendo que os territórios da arte o são tão definidos como algumas
décadas atrás, quando a produção artística estava restrita a determinados
espaços, como museus, galerias, centros culturais ou em publicações
especializadas. Ao considerar o design gráfico como uma área que se
relaciona com os valores artísticos e, na medida em que a sociedade cria e
potencializa os recursos de produção visual, se faz necessário repensar o
modo de nos relacionarmos como os conhecimentos tradicionalmente
estabelecidos para compreendermos o universo visual. Nesse sentido,
Hernández (2006, p.12) coloca que a Cultura Visual seria uma nova forma de
denominar ou repensar a História da Arte.
Reconheço, portanto, que, atualmente, o universo do design gráfico está
profundamente inserido num contexto de interconectividade com diversas
outras áreas, tais como o desenho, a fotografia, o cinema, a publicidade, o
jornalismo, a moda, entre outros, e que estas mantêm um estreito vínculo com
a produção artística, estando assim sob o manto da cultura visual (Hernández,
2007, p.42).
1.6. As revistas na sala de aula
A reflexão que tenho feito em sala de aula com os alunos dos cursos de
Comunicação e de Design, é a de que o mundo da era da informação não
nos desafia a conhecer e operar com os diversos aparatos tecnológicos, como
também nos coloca a necessidade de perceber que as narrativas produzidas
com estes meios devem estar a serviço de uma idéia, de um conceito, de um
determinado sentimento. Assim como afirma o cineasta Wim Wenders (2003)
sobre a imagem no contexto do cinema: A imagem tem que estar a serviço de
uma história, de uma idéia; penso que também na elaboração de projetos de
design essa preocupação deve estar presente.
Desde o início da minha experiência como docente no ensino superior,
em 1996, em disciplinas ligadas à comunicação visual, escolhi a revista como
suporte para esse aprendizado, porque considero que, através destas peças
editoriais, é possível apreender diversas questões que se referem ao universo
visual gráfico, pois lá estão todo o tipo de imagens, os textos, as cores,
50
texturas, estilos de diagramação, o design tipográfico, entre outros elementos
do design gráfico.
No que se refere ao design tipográfico, responsável pelas informações
verbais, pode-se perceber sua presença em situações que vão desde a
identificação da revista, através do seu logotipo, até os títulos das matérias,
bem como nas colunas de textos. Portanto, é um elemento fundamental na
elaboração de uma peça visual gráfica, mas a atuação da tipografia ultrapassa
o sentido funcionalista de apenas registrar o texto. Segundo Perrota (2005,
p.29),
[...] a tipografia não é apenas o desenho das letras, e sim o
desenho que se faz com as letras, a maneira como as letras
são usadas numa diagramação. Tipografia é uma linguagem
que tem como fonte de expressão o desenho das letras e o seu
uso.
Através do design tipográfico, é possível identificar na capa da revista o
nome da publicação particularizado em um determinado tipo ou fonte
tipográfica, que seria o logotipo. Conforme Gilberto Strunk (2001, p.70), é a
particularização da escrita de um nome ou ainda um nome representado por
um mesmo tipo de letra (especialmente criado ou não), isso é um logotipo.
O design tipográfico pode adquirir, também, o status de imagem na
medida em que os projetos visuais exploram o desenho das letras de maneira
que o texto extrapola sua função de narrativa verbal e assume o papel de
narrativa visual, seja pelo espaço ocupado na página ou pela criatividade do
designer que pode compor através do desenho das letras uma infinidade de
formas, massas compactas, sobreposições e outras associações. Na visão de
Heller (apud Ferlauto, 2002, p.63):
No design de hoje o texto tem novas
funções. Expandiu sua capacidade de
comunicação através de sua
funcionalidade, transitando num contexto
ilustrativo (o tipo como imagem), no
ambiente tecnológico ou no expressivo.
Desse modo, imagens podem ser lidas
seqüencialmente e combinadas para
formar padrões complexos de informação.
Design tipográfico de Vicente Gil
51
Também compõem esse universo verbo-visual as questões relativas aos
padrões cromáticos, às imagens, às texturas, aos diversos tipos de papéis e às
técnicas de impressão. Ou seja, trata-se com uma linguagem que possui um
outro tipo de organização, que se diferencia da estruturação do discurso verbal
e que, na visão de Ferlauto (2002, p.62), é comandada por outra lógica, ou por
uma analógica, que se estabelece pelas dimensões, formas, posições, cores,
texturas. Quanto à importância da comunicação através das imagens, observa-
se que na tradição oriental elas possuem uma importância que pode superar o
verbal, enquanto que para o ocidente a lógica verbal está muito associada a
um conhecimento superior ao provocado pelas imagens, sendo que, na visão
de Mirzoeff (1999, p.24),
[...] a cultura ocidental tem privilegiado o mundo verbal de
forma sistemática, considerando-o a mais alta forma de prática
intelectual e qualificando as representações visuais como
ilustrações de idéias de segunda ordem. (tradução minha).
Assim, a intenção em utilizar as revistas no processo de ensino nos
cursos de graduação coloca o professor na posição de desafiar os alunos a
(re)conhecer esse objeto já tão conhecido, tão comum, tão mundano. A revista
torna-se significativa na medida em que veicula não somente informações
verbais, mas um variado repertório de imagens que inclui a ilustração, a
charge, a fotografia em preto e branco e a colorida, até chegar às imagens
produzidas digitalmente, o que atualmente representa o que de mais
contemporâneo no que se refere à produção de imagens visuais.
Para atingir esse objetivo de apreender através das revistas e despertar
nos alunos o interesse em relacionar-se com esta peça editorial, é necessário
então que eles percebam e analisem a revista criando um vínculo mais estreito
com determinadas publicações. Nesse aspecto, essa relação com a revista
exige não uma leitura no sentido de conhecer os seus conteúdos, mas uma
relação que se transforme numa experiência de aprendizado, na medida em
que os alunos façam um mapeamento ou uma decodificação detalhada sobre
uma determinada publicação e identifiquem as principais informações que
fazem com que aquela revista tenha aquela identidade. Essa identificação
abrangeria a editora responsável pela publicação, o ano de lançamento da
revista, o tipo de matéria que ela veicula, o público-leitor, bem como sua
52
concepção estética. Portanto, esse procedimento que num primeiro momento
fragmenta a revista pela identificação de seus elementos isoladamente, a
seguir, se reconfigura quando o aluno estabelece as diversas relações
propostas pelo design gráfico, possibilitando o entendimento do todo e suas
várias leituras. Nesse sentido, interpreto este processo como uma experiência
que abrange o inteligível e o sensível ou, como João Francisco Duarte Jr.
(2001, p. 127) considera, entre o conhecer e o saber. Trago aqui os conceitos
desse autor, que distingue estas duas formas de aprendizado. Ele entende que
[...]
o inteligível, consistindo em todo aquele conhecimento
capaz de ser articulado abstratamente por nosso cérebro
através de signos eminentemente lógicos e racionais, como as
palavras, os números e os símbolos da química, por exemplo; e
o sensível dizendo respeito à sabedoria detida pelo corpo
humano e manifesta em situações as mais variadas, tais como
o equilíbrio que nos permite andar de bicicleta, o movimento
harmônico das mãos ao fazerem soar diferentes ritmos num
instrumento de percussão, entre outros exemplos.
Um dos objetivos dessa didática, portanto, seria a de que, ao observar e
analisar os diversos aspectos do design gráfico das revistas, o aluno poderia
estabelecer relações desse conhecimento com outras situações onde o design
gráfico se manifesta e compreender a complexidade dessa linguagem em
outros suportes, como nos livros, na internet ou nos anúncios publicitários, por
exemplo.
Se vivemos numa era onde os meios visuais adquiriram um status de
descartabilidade e a multiplicidade de informações verbo-visuais aparece e
desaparece diante de nossos olhos nos diversos tipos de suportes eletrônicos
(computador, televisão, telefone celular, ipod, câmeras digitais, entre outros),
para que se efetive uma experiência educativa, se faz necessário que os
alunos exercitem um olhar mais demorado sobre este objeto e não mais o olhar
rotineiro, apressado, quase desatento. Ou seja, é necessário que a relação
com estes objetos se torne uma experiência, que tenha um tempo diferente da
relação frenética a qual estamos submetidos diariamente com os meios de
informação e que de alguma maneira sensibilize o aluno. Para que essa
experiência se realize, é necessário que o sujeito se desacelere, que se
permita filtrar algumas informações para poder conectar-se com um outro tipo
de olhar, que, segundo Larrosa (2001, p.24),
53
[...] requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase
impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar,
parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar,
olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir,
sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a
opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o
automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir
os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece,
aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do
encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.
Nesse sentido, a primeira estratégia para esse encontro, para esse re-
conhecer as revistas, não se somente através da visão, mas também da
relação tátil com o objeto. É através da manipulação, da percepção do formato,
da identificação se a revista é com lombada ou apenas grampeada, da
diferença entre o tipo de papel da capa e o papel das páginas internas, que se
inicia o reconhecimento da revista. Sobre esse processo, Rubem Alves (2005,
p.59-60), referindo-se ao conhecimento através dos livros, diz que
[...] eles são dados à visão. Mas antes de gozar a sua leitura,
eu gozo um livro como objeto tátil. Eu o seguro nas minhas
mãos, sinto a textura da capa, das folhas.[...]. O tato contém
um saber. Talvez uma provocação ao saber. Faz-nos pensar.
Teríamos então que pensar o tato como uma das experiências
essenciais que devem acontecer no espaço escolar.
Ao citar Alves (2005) e Duarte Jr. (2001) para falar da questão do
sensível, evoco um ponto de vista que considera os sentidos como fator
importante nos processos de aprendizagem, somando-os às capacidades
cognitivas do sujeito. Também acrescento a esse ponto de vista o conceito de
experiência trazido por Larrosa (2001, p.21), que a considera como sendo
aquilo que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Este mesmo autor
reafirma a idéia da importância de experienciarmos algo ao invés de apenas
passarmos por isso, ao referir-se a um artigo de Walter Benjamin, onde diz que
observava a pobreza de experiências que caracteriza nosso mundo. Nunca
se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara.
(LARROSA, 2001, p.21).
Portanto, ao considerar que os conteúdos propostos pelas revistas
trazem uma contribuição importante aos currículos escolares, na medida em
que essas narrativas verbo-visuais também evidenciam muitos aspectos da
54
vida cotidiana, do universo do aluno e de suas experiências, entendo que estão
inseridas nas propostas fundamentais dos Estudos Culturais que, entre outras,
entendem a importância de vincular o currículo escolar às experiências que os
estudantes trazem para seus encontros com o conhecimento institucionalmente
legitimado, conforme Silva (1995, p.97). Isso viria ao encontro da colocação de
Barbero (2002, p.2), que a experiência de acessar conhecimentos através
das diversas mídias contemporâneas, como um conjunto de processos e
experiências, que testemunham a grande circulação de saberes valiosos, para
além dos livros. (tradução minha).
Entendo que, ao considerar as revistas como uma fonte de informação e
conhecimento no espaço escolar, estou propondo que os diversos temas que
as revistas narram façam parte dos conteúdos das aulas, assim como o
conhecimento que envolve suas qualidades técnicas, seus valores estéticos e
seus conteúdos e as formas de relacionar-se com seu público-leitor que se
encontra num contexto cultural. Nesse sentido, o viés dos Estudos da Cultura
Visual, conforme Hernández (2007, p.21), seria uma área de investigação e
uma iniciativa curricular centrada na ‘imagem visual’, e por meio da qual os
significados são produzidos em contextos culturais.
Por outro lado, percebe-se que recentemente se tornou comum o
entendimento da educação como uma prestação de serviço, equiparando-a a
outras atividades que vêem na sua existência o retorno financeiro como
aspecto mais importante. Isso, no entendimento de Hernandéz (2007, p.12),
seria a narrativa atual do mercado e que
[...] nesse relato, a educação não é um direito, mas um serviço
mediado pelas tecnologias que se hão de inserir na economia
de mercado e nos ditames da Organização Mundial do
Comércio. Os alunos e as famílias são clientes, e o Estado,
cada vez mais desvalorizado em suas responsabilidades, deve
fornecer os recursos mínimos para que a população seja
atendida.
Nessa perspectiva, observa-se que os currículos dos cursos de
graduação que têm na imagem um dos seus focos principais, como os cursos
de Design e de Publicidade, vêm adquirindo uma abordagem que privilegia
muito mais os aspectos tecnológicos (conhecimento e domínio dos softwares
gráficos) do que os conhecimentos relativos à criatividade, à estética, à história
55
da arte e à filosofia do olhar. Isso nos remete ao alerta que Giroux (apud
Hernández, 2007, p. 39) faz sobre os currículos:
Não esqueça de que o currículo é uma construção social, um
produto cultural, que reflete um campo de luta no qual os
diferentes grupos tratam de impor seus significados. Onde os
conteúdos não o objetivos nem neutros, mas sujeitos à
controvérsia e à interpretação dos diferentes grupos que tratam
de impor sua hegemonia.
Ao considerar o universo de informações que as revistas contêm, o fato
de trazê-las para a sala de aula seria considerar que elas possibilitam também
uma reflexão sobre um determinado contexto e seus valores culturais. Nessa
perspectiva, Ana Claudia Gruzynski (2000, p. 21) reflete que:
A aparência visual de uma determinada peça não representa
apenas um estilo estético, mas também fala da sua época
através de aspectos indiciais, isto é, da cultura, dos meios de
sua produção, e da sociedade na qual se insere.
Portanto, ao refletir e analisar as diversas questões que se referem à
representação visual gráfica nas revistas culturais da atualidade é uma
tentativa de trazer para a sala de aula uma reflexão que extrapole o suporte
revista e possibilite sua articulação com as diversas mídias contemporâneas e
os significados propostos pelos produtos culturais. Entendo, então, que essa
proposta pedagógica possibilita refletir, conhecer e criticar os processos sociais
que, na visão de Simon (1995, p. 62), seria entender a pedagogia como um
modo vital de envolvimento na tarefa de transformação social e que
evidenciaria a função político-educativa da escolarização.
Dessa maneira, podemos entender o espaço escolar também como um
lugar onde professores e professoras podem contestar formas dominantes de
produção cultural numa variedade de locais nos quais as pessoas moldam sua
identidade e suas relações com o mundo. Simon (1995, p. 66).
Na medida em que trago para a discussão esses diversos aspectos da
educação visual, estou sugerindo que eles afetam diretamente o pensar e o
fazer do sujeito-professor, justamente por conterem elementos da ética e da
estética e provocarem nesse sujeito-professor uma postura que estaria para
56
além do domínio dos conteúdos e que, na visão de Rosa Fischer (2007, p. 2), a
docência seria um entre-lugar ou, ainda,
[...] um lugar privilegiado de experimentação, de transformação
de si, de exercício genealógico lugar de indagação sobre de
que modo nos fizemos desta e não daquela forma; de que
modo temos aceitado isto e não aquilo; de que modo temos
recusado ser isto ou aquilo, no caso, como docentes.
Considero, portanto, que os professores teriam esse papel de trazer
para o espaço da sala de aula os diversos temas que configuram a
problemática da imagem hoje, na perspectiva de produzir um conhecimento
que extrapola os aspectos dos suportes e das tecnologias, mas que provoca
reflexões sobre o que essas imagens estão narrando sobre o mundo
contemporâneo.
Entendo, então, a revista como um aparato/suporte contemporâneo que
integra o conjunto de tecnologias culturais a que temos acesso e que, através
de seus conteúdos, interfere/contribui/afeta a construção de significados no
espaço escolar e que, conforme Simon (1995, p. 68), elas
[...] seriam o conjunto de práticas organizacionais, curriculares
e pedagógicas que contribuem para definir as formas pelas
quais o significado é produzido, pelas quais as identidades são
moldadas e os valores contestados ou preservados.
A reflexão que tenho proposto em sala de aula com os alunos dos
cursos de Comunicação e de Design é a de que o mundo da era da informação
não só nos desafia a conhecer e operar com os diversos aparatos tecnológicos,
como também nos coloca a necessidade de perceber que os discursos
produzidos com estes meios devem estar a serviço de uma idéia, de um
conceito, de uma emoção, no sentido de que a configuração visual de uma
determinada peça gráfica não é apenas o resultado de um conjunto de técnicas
a serviço de um layout esteticamente bem resolvido, mas os elementos ali
reunidos devem manifestar um conteúdo e uma intenção em comunicar algo e
de dialogar com os sentidos.
57
2.
Revistas do Brasil:
desenhos, designs e
desígnios
2.1. A estética do frio: o pioneirismo da Revista do Globo
2.2. O design pictórico e utópico da Senhor
2.3. Sob o desígnio da Realidade
2.4. Outras palavras: designios contemporâneos
58
2. Revistas do Brasil: desenhos, designs e desígnios
atuação das revistas no Brasil tem uma tradição que remonta ao
período do Império e é possível identificar nesse percurso histórico
a busca em demarcar uma identidade nacional através desses
veículos de comunicação que, segundo Ramos (2002, p. 48),
Tanto a revista quanto o jornal surgiram no Brasil no início dos
oitocentos, de forma bastante rudimentar. Como é o caso do
Correio Brasiliense Armazém Literário, notadamente o
primeiro jornal voltado ao Brasil. Coordenado por Hipólito José
da costa, era impresso em Londres e circulou mensalmente
entre 1808 e 1822.
Observa-se que nesse período as revistas ainda estavam à procura de
uma identidade visual, que necessitavam diferenciar-se das características
do livro e procuravam também estabelecer uma periodicidade regular para
esse tipo de publicação. Sobre as características das primeiras publicações,
Ramos (2002, p. 49) diz que
[...] nesse período da história da imprensa no país, jornal e
revista não tinhas muitas diferenças: na maioria das vezes
eram impressos em folhas avulsas, infolio, e tratavam de
assuntos não necessariamente pactuais. A partir da metade do
século XIX, com a instalação de pequenas tipografias, o jornal
foi assumindo a veiculação diária de informações imediatas,
enquanto a revista caminhou para uma periodização semanal,
quinzenal ou mensal, em que trataria de abordar temas com
uma maior elaboração.
Nesse contexto de definição de um padrão visual para distinguir a
revista do jornal, destaco que, somente a partir de 1860, as revistas passam a
utilizar com regularidade imagens impressas pela técnica da litografia, que
possibilitava uma imagem com definição muito próxima à fotografia, que
esta, segundo Cardoso (2005, p. 61),
[...] demorou a se integrar satisfatoriamente ao mundo
das imagens impressas. Sua simples invenção não
havia resolvido os problemas de estabilidade e de
permanência daquelas imagens, que muitas vezes
esmaeciam ou sofriam alterações cromáticas ao longo
do tempo.
59
Um exemplo que pode bem representar esse período é a Revista
Ilustração do Brazil, editada em 1876, que, além de trazer em seu cabeçalho
uma detalhada cena do Rio de Janeiro junto ao logotipo, apresentava em sua
capa uma grande imagem retratando a princesa Isabel, o Conde d’Eu e o filho
do casal, o príncipe do Grão-Pará.
No que se refere ao contexto editorial do
Rio Grande do Sul, percebe-se que no período que
envolve o século XIX, houve diversos investimentos
nessa área, ainda embrionária na região, mas
somente nas primeiras cadas do culo XX, as
revistas adquirem um papel significativo para o
desenvolvimento do jornalismo cultural no sul do
Brasil. Nesse período, o estado era considerado o
terceiro mais industrializado, ligando zonas de
produção e portos comerciais nacionais e
estrangeiros, segundo Golin e Ramos (2007, p. 107).
Nesse contexto destacam-se duas publicações que entraram para a história do
jornalismo cultural: A Revista Madrugada, em 1926, e a Revista do Globo, em
1929. A primeira teve uma trajetória breve, de apenas cinco edições, mas
envolveu um grupo de jovens intelectuais que se esforçou para que a
publicação expressasse de forma ousada e criativa as promessas de um
mundo moderno, buscando sincronizar a cultura da província com os centros
cosmopolitas, conforme Golin e Ramos (2007, p. 108). Mesmo sendo
produzida num período onde o design gráfico ainda estava nos seus primórdios
e nem era entendido como tal, a Madrugada conseguiu criar um planejamento
visual que primava pelo não convencional. (Golin e Ramos, 2007, p. 110).
O aspecto curioso é que Sotero Cosme, responsável pelo tratamento
visual da revista, intuitivamente esboçou uma identidade visual para a
publicação ao estabelecer um desenho para o logotipo que se repetiu nas cinco
edições, prática esta que não era comum no design das revistas de então.
as ilustrações das capas tinham uma forte influência das vanguardas artísticas
daquele início de século e,
[...] ao adotar formas abstrato-geométricas, ele
sintetizava elementos do cubismo, do construtivismo
Revista Ilustração do Brasil - 1876
60
russo e do Futurismo italiano, veiculando ideologias
cosmopolitas de velocidade e aerodinâmica e
constituindo, por assim dizer, o estilo moderno por
excelência (Golin e Ramos, 2007, p. 110, apud
Fonseca, 2006).
Identifica-se, portanto, que nesse período havia no sul do Brasil um
campo profissional em desenvolvimento, que despertava o interesse de jovens
artistas, que se aventuravam em formular e descobrir os segredos do que viria
a ser nas décadas posteriores o design gráfico. Talvez esses jovens artistas
ainda não soubessem da importância que essa atividade teria nas décadas
finais do século XX, em função das novas tecnologias e das infinitas
possibilidades de criação, produção e reprodução de imagens. No que se
refere ao design das capas, observa-se que os trabalhos desenvolvidos por
esses artistas/ilustradores ainda influenciaria as produções editoriais que
surgiriam, como a Revista do Globo, em 1929.
2.1. A estética do frio: o pioneirismo da Revista do Globo
A situação do Brasil em relação às possibilidades de produzir e publicar
impressos no início do século XX esbarrava no fato de que os recursos
técnicos eram escassos e precários nesse período, sem falar na alta taxa de
analfabetismo da população que, segundo Ramos (2002, p.33), era ultrajante:
cerca de 78% da população não sabiam ler. Ou seja: o risco comercial de
editar livros ou impressos no Brasil era muito alto.
Nesse contexto, as alternativas de se ter acesso a publicações estavam
restritas à importação de títulos estrangeiros, escritos principalmente em
francês e, eventualmente, adquirir novelas e romances assinados por autores
brasileiros, porém impressos, sobretudo, na França ou em Portugal, conforme
Ramos (2002, p.33). Somente a partir da década de 20 essa situação se
transformaria com mudanças radicais nos meios de produção, através de
investimentos em recursos técnicos de melhor qualidade e da tradução de
títulos que antes somente se encontravam disponíveis em língua estrangeira.
61
No sentido de buscar uma forma de acompanhar as
idéias de modernidade que proliferavam pelo mundo, bem como
informar-se sobre os novos inventos que surgiam, é lançada em
Porto Alegre, no dia 5 de janeiro de 1929, a Revista do Globo,
pela Editora Globo, sendo que, segundo Ramos (2003, p. 40),
durante pelo menos 3 décadas, entre os anos de 1930 e o final
da década de 50, a Livraria e Editora Globo foi uma das mais
importantes casas editoriais do Brasil.
A Revista do Globo surgia um ano após o lançamento da
sua principal concorrente, a revista O Cruzeiro, esta produzida no Rio de
Janeiro, que, no seu primeiro editorial, anunciava o seu nascimento, fazendo a
apologia dos principais recursos de comunicação da época:
Depomos nas mãos do leitor a mais
moderna revista brasileira. Nossas
irmãs mais velhas nasceram por
entre as demolições do Rio colonial,
através de cujos escombros a
civilisação traçou a recta da
Avenida Rio Branco: uma recta
entre o passado e o futuro.
Cruzeiro encontra já, ao nascer, o
arranha-céo, a radiotelephonia e o
correio aéreo: o esboço de um
mundo novo no Novo Mundo. Seu
nome é o da constelação que, ha
milhões incontaveis de annos,
scintila, aparentemente immovel, no
céo austral, e o da nova moeda em
que resuscitará a circulação do
ouro. Nome de luz e de opulencia,
idealista e realistico, synonymo de
Brasil na linguagem da poesia e
dos symbolos.
(http://www.memoriaviva.com.br/ocr
uzeiro)
A Revista do Globo, de periodicidade quinzenal, tinha seu layout
elaborado no formato de 27x21cm e explorava nas ilustrações das capas e nas
matérias os mais diversos temas visuais, todos criados pelas mãos de
renomados artistas gaúchos. Nomes como Sotero Cosme (autor da primeira
capa), João Fharion, Francis Pelichek, Libindo Ferrás e Fernado Corona, entre
outros, faziam parte da equipe de colaboradores assíduos da revista.
Capas Revista Cruzeiro
62
Observa-se que estes artistas tinham uma forte ligação
com a Escola de Belas Artes da UFRGS, onde alguns tinham
sido alunos e outros professores, como Libindo Ferrás e Francis
Pelicheck. A revista dedica, na primeira edição, uma
reportagem de uma página acerca da Escola de Belas Artes e
de seus dois ilustres professores: Libindo Ferrás e Francis
Pelichk, também colaboradores da publicação, segundo Ramos
(2003, p.129). Seria uma forma de divulgar ao blico que o
estado possuía artistas talentosos e que estes estavam
colaborando com a revista.
Porém, neste período, muitos artistas e o próprio público
não consideravam de bom tom um artista dedicar seu talento às
artes comerciais, como criar capas e ilustrações para revistas.
Por causa disto, muitos deles não assinavam as ilustrações ou,
às vezes, criavam pseudônimos para esconder a verdadeira
identidade.
Um outro aspecto que se observa na Revista do Globo é o
fato de que na elaboração de suas capas a imagem principal não
tinha relação direta com o conteúdo da publicação. As imagens
produzidas pela equipe de desenhistas da editora, entre eles
João Fahrion, Sotero Cosme e Francis Pelichek tinham como
objetivo mostrar ao público uma imagem que chamasse a
atenção por uma estética que transmitisse a idéia de
moderninade e beleza e em que a figura feminina era uma
constante. A apreciação de Ramos (2002, p.132), referindo-se às ilustrações
que fizeram parte da capa da Revista do Globo entre os anos de 1929-39, diz
que:
Ao longo destes dez anos, quem dominou as capas da
publicação eram os trabalhos assinados pelos artistas
da Seccção de Desenho, que produziam ilustrações
que necessitavam apenas ser bonitas. Não precisavam
apresentar fatos, notícias ou manchetes. Naquela
época, o princípio das capas era exatamente este:
beleza. E o motivo, quase sempre o mesmo: a mulher.
63
Passado o período inicial, quando imagens consideradas futuristas ou
modernistas eram mostradas nas capas, a partir de 1930, a Revista do Globo
explorou em diversas edições a imagem do gaúcho. Em relação à escolha
desse tema para compor algumas capas, é possível refletir a partir
de duas questões: Seria uma tentativa de conectar o contexto
regional com as informações do mundo em desenvolvimento
através desse meio de comunicação? Ou ainda: ao retratar a
tradicional figura do gaúcho, a revista não estaria querendo
também afirmar conceitos de bravura, heroísmo e patriotismo?
Destaco duas referências a estas capas a partir de Ramos (2002,
p.140), que comenta as edições 169 e 170 de 1935, dizendo que:
Desenhada por Nelson Boeira Faedrich, (a capa da edição 169)
era comemorativa aos 100 anos da Revolução Farroupilha. Traz
a figura de um gaúcho mítico, heróico, que segura com ambas as
mãos uma lança. Apesar do vento que lhe levanta o pesado
poncho, o guerreiro se mantém impassível, corajoso, altivo. Na
capa da edição seguinte (170), não asinada, o bravo gaúcho já
aparece montado sobre o cavalo, fazendo um chamamento a
todos para que fossem prestigiar a Exposição Comemorativa ao
Centenário, que aconteceu no Parque da Redenção, em Porto
Alegre. Esse tipo de imagem, como a criado por Erico Veríssimo
para o personagem Capitão Rodrigo, de O Tempo e o Vento,
muito colaboraram para forjar a imagem do gaúcho forte,
combativo e belicoso.
Observa-se ainda que, durante todo o período de sua existência, as
capas da Revista do Globo veicularam diversos tipos de imagem, que
contemplavam desde temas que refletiam conceitos de modernidade, bem
como de exaltação do regionalismo, do esporte, da política, da dança e
também de fantasia, ufanismo e nacionalismo exacerbado, conforme Ramos
(2002, p.144).
Nesse período de formação da identidade visual das publicações
brasileiras, destacam-se outras duas revistas que trouxeram uma contribuição
importante, no sentido de terem aprofundado as questões ligadas à imagem e
também na maneira de trabalhar os textos em suas matérias. A primeira delas
é a Revista Senhor, que surge no final dos anos 50. A segunda é a revista
Realidade que representa o desenvolvimento jornalístico brasileiro nas
décadas de 60 e 70. Ambas revolucionaram o mercado editorial brasileiro, não
somente através de suas matérias, mas também pela proposta inovadora de
seus projetos visuais gráficos. Uma observação curiosa é que, enquanto a
Senhor tem sua trajetória desenhada nos anos pré-ditadura militar no Brasil, a
Realidade acontece no período concomitante a esse regime político. Em
relação ao período de existência da revista Realidade, Melo (2006, p.182) diz
que
[...] o período mais efervescente foram os três primeiros anos,
totalizando pouco mais de trinta edições mensais. Em
dezembro de 1968, imediatamente após o AI-5, um numeroso
contingente de profissionais foi demitido, incluindo o comando
do corpo editorial. A partir daí, a revista entrou em lento
declínio, tendo cessado suas atividades em 1976.
Identifica-se, portanto, nessas publicações, dois tipos de abordagens e
de narrativas, relativas ao seu tempo e contexto político. A Senhor expressava,
através de seu design e dos conteúdos de suas matérias, a crença na
criatividade, na imaginação e na utopia, enquanto que a Realidade, fazendo jus
ao seu próprio nome, voltava-se para um tipo de jornalismo que chamava para
questões da vida real, num período em que o Brasil necessitava sintonizar-se
com os avanços dos novos inventos, como a TV a cores, as câmeras
fotográficas automáticas, os head-phones, os utensílios de plástico, bem como
sobre temas polêmicos relativos ao comportamento, como a pílula, o divórcio e
o sexo antes do casamento, entre outros.
Outros aspectos importantes sobre essas duas publicações serão
desenvolvidos a seguir.
Ao resgatar estes aspectos sobre a história e sobre a estética da Revista
do Globo, percebe-se que o Rio Grande do Sul, mesmo distante das capitais
do centro do país, consegue produzir uma publicação com padrão de qualidade
que se iguala a suas concorrentes do Rio e São Paulo e se estabelece como
um marco no jornalismo editorial brasileiro.
Nesse contexto, vale destacar a atuação dos artistas gaúchos na
elaboração estética da revista num período em que ainda não existia a
profissão do designer gráfico, bem como do grupo que redigia as matérias,
65
que muitos, dentre eles, viriam a se tornar grandes nomes da literatura, como
Mário Quintana e Érico Veríssimo.
2.2. Desígnios utópicos da Senhor
A década de 50 é um período de grandes
transformações no mundo e, entre elas, poderíamos
destacar o surgimento do rock’nroll que viria, através da
irreverência daquele estilo musical, a evidenciar a
insatisfação do público jovem com as regras de
comportamento estabelecidas pela sociedade de então. É
a partir desse período que a contestação social, política e
estética adquire grande visibilidade através dos meios de
comunicação e da indústria cultural. Observa-se, então,
que o modelo de identidade pregado pela cultura estava
sendo questionado e revisto. Se até então as regras
sociais defendiam que a vida do indivíduo deveria guiar-
se por um modelo que atendesse as expectativas da
sociedade no sentido de seguir uma narrativa previsível e
conservadora, este período de questionamentos das
identidades culturais se faz importante por trazer novos
paradigmas para se pensar a vida em sociedade, bem
como sobre os padrões de comportamento, de estética e,
portanto, sobre uma nova visão do mundo.
Nota-se, portanto, que esse fenômeno provoca uma crise no sujeito,
uma desestabilização que, segundo Hall (2006, p 9), perderia o “sentido de si”
estável, o que provoca uma descentração ou deslocamento do sujeito.
Hall (2006, p. 10) está se referindo ao que ele chama de sujeito do
Iluminismo, que se baseava
[...] numa concepção da pessoa humana como um indivíduo
totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de
razão, de consciência e de ação, cujo ‘centro’ consistia num
núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito
nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo
essencialmente o mesmo contínuo ou idêntico” a ele ao
longo da existência do indivíduo. O centro essencial do eu era
a identidade de uma pessoa.
Elvis Presley
Jovens na década de 50
66
O que se percebe é que, a partir do questionamento sobre o padrão de
identidade que primava pela visão individualista e unificada do sujeito, surge
um entendimento de identidade cultural que considera a interação deste com o
grupo social, o que, para Hall (2006, p. 11), seria o sujeito sociológico. Essa
nova visão de identidade cultural, a partir da concepção sociológica, identifica
uma relação entre o interior e o exterior, no sentido de considerar a relação
entre o mundo pessoal e o mundo público. Para Hall (2006, p. 12):
O fato de que projetamos a ‘nós próprios’ nessas identidades
culturais, ao mesmo tempo em que internalizamos seus
significados e valores, tornando-os ‘parte de nós’, contribui para
alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos
que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade então
costura o sujeito à cultura.
Nesse sentido, as revistas contribuíram muito, para que esses novos
valores relativos à identidade cultural se difundissem, seja através de suas
matérias ou da própria estética visual gráfica inovadora que propunham. A
Senhor, mesmo sendo uma publicação voltada para o público culto e elitizado,
está entre as publicações que inovaram ao colocar no mercado editorial uma
revista que trazia elementos da literatura na forma de contos ou artigos ou de
matérias que refletiam sobre os rumos da sociedade brasileira daquela época,
como a intitulada O Brasil e o Brasil, referindo-se ao aumento do número de
favelados no Rio de Janeiro. Segundo Gaudêncio Júnior (2006, p.37), nessa
época, tanto a literatura quanto a arte brasileira atravessavam um período de
maturidade cultural, renovando o distante conceito de modernidade da
Semana de Arte Moderna de 1922.
2
Assim como a Revista do Globo nas décadas de 30, 40 e 50, a Revista
Senhor revolucionou o universo editorial ao produzir uma publicação que
conseguia aliar forma e conteúdo com alto grau de criatividade. Pelo fato de
2
Inserida nas festividades em comemoração do centenário da independência do Brasil, em 1922, a
Semana de Arte Moderna apresenta-se como a primeira manifestação coletiva pública na história cultural
brasileira a favor de um espírito novo e moderno em oposição à cultura e à arte de teor conservador,
predominantes no país desde o século XIX. A Semana de 22 não foi um fato isolado e sem origens. As
discussões em torno da necessidade de renovação das artes surgem em meados da década de 1910 em
textos de revistas e em exposições, como a de Anita Malfatti em 1917. Em 1921 existe, por parte de
intelectuais como Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia, a intenção de transformar as comemorações
do centenário em momento de emancipação artística, conforme a Enciclopédia de artes visuais Itaú
cultural (www.itaucultural.com.br).
67
que, naquela época, os recursos de reprodução gráfica ainda não
possibilitavam a fácil utilização de fotografias como hoje, a Senhor explorou em
seu tratamento visual o recurso das ilustrações produzidas por diversos artistas
daquele período, o que levou Melo (2006, p.107) a chamar esta abordagem de
design pictórico, principalmente devido ao fato de contar com a direção de arte
dos artistas plásticos gaúchos Carlos Scliar e Glauco Rodrigues.
Diferentemente de outras
publicações tradicionais que viam na
dificuldade da reprodução de imagens
um limite, a Senhor, explorava diversas
soluções visuais ao compor sua
diagramação, entre elas a relação entre
os espaços preenchidos com espaços
em branco que poderia ser relacionado
às concepções da arquitetura moderna.
Sobre esses aspectos, Ferlauto (2002,
p.90) diz que
[...] a Senhor abusava dos espaços brancos e de uma
diagramação avançada que lembrava os vazios da
arquitetura moderna e as paredes brancas de Le
Courbusier. Uma lógica de organização visual
modernista próxima da máxima de Mies van der Rohe,
de que na arquitetura ‘o menos é mais’.
No que se refere aos padrões estéticos, a Senhor apresentava,
principalmente nas capas, imagens que exploravam as mais diversas
composições e cnicas no tratamento visual, como a pintura, a colagem e o
desenho, sem seguir uma regra rígida de diagramação dos elementos. Essa
variação no visual das capas proporcionava uma surpresa aos seus leitores a
cada nova edição. Na Senhor, somente mais tarde, no início dos anos 60, a
fotografia entraria como elemento visual a compor o layout das capas.
Nesse período, ainda não existia no mercado editorial a figura do
designer gráfico como profissional e, portanto, era comum que desenhistas,
ilustradores, arquitetos, artistas plásticos e profissionais de outras áreas que
lidassem com imagens assumissem essa função.
68
A estreita relação que a revista tinha com a arte não se dava apenas por
contar com artistas como colaboradores. O fato de ser produzida em São
Paulo, nesta época uma importante capital da América do Sul, possibilitava
que o perfil da revista estivesse em sintonia com os novos movimentos
artísticos que surgiam nos anos 50 no mundo, como a Pop Art
3
, por exemplo.
Essa intertextualidade (sincretizar valores da estética artística à do
design gráfico) concedia à revista uma
diferenciação ou uma particularidade que não
cumpriam com seu papel de articular
conteúdos jornalísticos, mas agregavam um
valor que superava o nível informacional por
trazer para o campo do jornalismo editorial
uma estética sofisticada que surpreendia os
olhares em uma época em que as imagens
ainda eram raras nos meios de comunicação
do Brasil.
No que se refere às obras relativas à Pop
Art, elas tinham a característica de trazer
para o universo artístico aspectos da
estética do universo do consumo e
misturavam diversas peças do idioma
comercial numa linguagem artística subjetiva
e transformaram-nas em termos de sua
visão pessoal, conforme Honnef (2004,
p.17). Esse movimento surge nos Estados
Unidos,
[...] mais precisamente em Nova York, e mais especificamente em Manhattan.
Nomes como Roy Lichesnstein, Claes Oldenburg, James Rosenquist, Tom
3
Pop Art: Na década de 1960, os artistas defendem uma arte popular (pop) que se comunique diretamente
com o público por meio de signos e símbolos retirados do imaginário que cerca a cultura de massa e a
vida cotidiana. A defesa do popular traduz uma atitude artística contrária ao hermetismo da arte moderna.
Nesse sentido, a arte pop se coloca na cena artística que tem lugar em fins da década de 1950 como um
dos movimentos que recusam a separação arte/vida. E o faz - eis um de seus traços característicos - pela
incorporação das histórias em quadrinhos, da publicidade, das imagens televisivas e do cinema.
Enciclopédia Itaú Cultural.(www.itaúcultural.com.br) acessado em 28/10/2008.
Obras de Andy Wahrol
69
Wesselmann e Andy Warhol, eram mencionados pelos conhecedores.
(Honeff, 2004. p. 6).
Ao representar imagens através
da cnica do hiper-realismo, as
obras da pop art figurativizam
objetos do consumo e, segundo
Wollf (2005, p.43), não
representam realidades, mas
representações; fazem imagens
de imagens, divertem-se em
mostrar imagens como imagens.
Também foi nessa década em
que a obra de Jackson Pollock
começa a ser mundialmente
conhecida e que tem na abstração gestual sua expressão mais forte. Somado a
isso, talvez a manifestação artística mais eloqüente desse período seja a
criatividade da obra de Andy Wharol que, através de suas serigrafias
multicoloridas, colagens e experiências fotográficas, trazia para o mundo da
arte um novo paradigma ao colocar ícones do universo pop e imagens da
sociedade do consumo como imagem artística. Ou seja, Wahrol retira do
design (gráfico e de produto) seus elementos para compor sua expressão
artística e apresenta para o público uma re-visão daquilo que começava a
representar um valor social, como as mercadorias, logomarcas e outras
imagens de consumo. Era, portanto, um período em que a criatividade
encontrava respaldo nas novas técnicas de reprodução, que podia ser a
fotocópia ou a serigrafia e que identificava um momento histórico em que a
palavra de ordem era transgressão.
Nesse contexto a Senhor criou uma maneira própria para expressar
seus conteúdos ao articular criativamente as diferentes linguagens que
compõem o design gráfico editorial. Sobre o que esse sincretismo criativo
representou para a história do design editorial brasileiro, Mello (2006, p.144) diz
que:
Obras de Jackson Pollock
70
Os grandes momentos de Senhor ocorrem quando imagem,
texto e diagrama combinam-se de tal modo que cada um
desses aspectos está inapelavelmente relacionado aos outros
dois. Mais ainda: quando a ilustração deixa de ter valor apenas
como obra plástica e passa a ter valor também no contexto da
página. O design alimenta e é alimentado por outras
linguagens. Em Senhor, ocorreu uma simbiose entre as
linguagens das artes plásticas e do design. As duas saíram
ganhando com isso.
Diagramação da Revista Senhor
71
Se a Senhor, através da sua maneira de exercer o que entendia por
jornalismo editorial, conquista o público com seus conteúdos que expressavam
profundidade na abordagem dos temas e na originalidade de seu design, entra
em crise justamente no período em que se inicia a ditadura militar no Brasil,
encerrando sua trajetória. O país, a partir de então, entrava em um outro
importante momento histórico em que as abordagens do jornalismo
necessitavam de uma nova maneira de narrar os desígnios da realidade.
2.3. Sob os desígnios da Realidade
Cabe lembrar que a década de 60 continuidade aos
primeiros movimentos surgidos na década anterior, no sentido
de que provocam profundas mudanças sociais. Isto fica
evidenciado, principalmente, pela organização dos mais
diferentes grupos que, através de suas contestações, lutavam
por uma nova sociedade ou, conforme Hall (2006 p. 44),
formavam os novos movimentos sociais. Destacam-se, entre
estes grupos,
[...] o movimento feminista, o movimento estudantil,
os movimentos juvenis contraculturais e
antibelicistas, as lutas pelos direitos civis, os
movimentos revolucionários do Terceiro Mundo, os
movimentos pela paz e tudo aquilo que está
associado com 1968.
Nesse contexto de revisão dos valores sociais, a mídia
impressa tinha um papel importante, no sentido de registrar e
divulgar o que se pensava e se fazia no mundo. No Brasil, uma
publicação que desempenhou esse papel e que tem seu lugar
marcado na história das revistas brasileiras é a Realidade. Ela
teve seu primeiro número veiculado em abril de 1966, ou seja,
num momento em que a ditadura militar estava instalada no
Brasil e se disseminava pela América Latina. A linha editorial da
Realidade era fortemente influenciada pelo new journalism, que
privilegiava o jornalismo em primeira pessoa. Mesmo não
Capas da Realidade
72
podendo ser classificada exatamente como uma revista cultural, no sentido de
divulgar somente temas relativos à produção cultural, a Realidade propunha
uma narrativa através da abordagem de sua pauta, que se diferenciava da
Senhor que, segundo Ferlauto (2002, p. 90), dirigia-se pragmaticamente a um
público especial, que se localizava no topo da pirâmide cultural e social do
Brasil dos anos 50/60. A intenção da Realidade era a de comunicar-se com um
público de poder econômico médio/alto, que quisesse acompanhar as
discussões sobre temas polêmicos que refletissem os anseios e
questionamentos de uma sociedade em transformação ou, como Mira (2001,
p.42) comenta, esse período do jornalismo brasileiro se caracteriza pela busca
de especialização, em que se buscam públicos mais específicos. Sobre a
relação das diversas revistas com seus públicos, Mira (2001, p. 42) destaca
que a Realidade tinha um leitor mais intelectualizado e Veja deve muito de seu
sucesso inicial aos jovens universitários.
As matérias da Realidade pretendiam colocar o leitor em contato com
temas impactantes daquele período, como drogas, o anti americanismo, a nova
pré-escola, a mulher brasileira, entre outros
.
A periodicidade mensal permitia
reportagens de lego, que marcaram época na imprensa brasileira, tanto pela
profundidade como pelo espírito crítico (MELO, 2006, p.147). Essa nova
maneira de fazer jornalismo também estava fortemente apoiada pelo arranjo
sincrético de outras linguagens que
compunham aquela publicação. Essa é
a contribuição maior de Realidade à
história da linguagem jornalística
brasileira: texto, fotografia e design
passam a andar juntos, dividindo
irmanamente a responsabilidade pela
construção do discurso. (MELO, 2006,
p.148).
No que se refere à renovação do
conceito de planejamento visual gráfico,
talvez essa tenha sido a grande
contribuição da Realidade ao inaugurar
Diagramação da Realidade
73
uma nova maneira de trabalhar com as imagens. Nela, as fotografias não
serviam apenas para ilustrar a matéria, mas faziam parte dela num forte arranjo
estético que remetia a outras linguagens, como a televisão e o cinema.
A Realidade durou dez anos e, na visão de Mira (2003, p.69), talvez seja
também a revista que melhor retrata as contradições vividas naquele Brasil da
segunda metade dos anos 60, épocas de grandes transformações no mundo e
de desenvolvimento acelerado do país sob o domínio do regime militar.
A revista Realidade nasce num período em que outras publicações
importantes também circulavam no Brasil (O Cruzeiro, Claudia, Veja, entre
outras). Percebe-se que, nesse período, os recursos de produção e impressão
de periódicos ofereciam recursos mais sofisticados dos que até então vinham
sendo utilizados, possibilitando às editoras maior valorização das imagens
coloridas em detrimento das imagens em preto e branco, comumente utilizadas
nas revistas daquela época. Em relação aos textos, tradicionalmente o
jornalismo tinha a literatura como modelo, valorizando o conteúdo verbal e
utilizando as imagens como complemento ou ilustração dos assuntos das
matérias. Percebe-se, a partir de então, a crescente valorização da imagem
como narrativa e de independência do texto, dando maior visibilidade e
importância ao fotojornalismo.
Mas, se por um lado as matérias da Realidade trabalhavam com textos
74
longos, com a intenção de aprofundar a discussão sobre os temas
apresentados, por outro, a composição de verdadeiros ensaios visuais através
da diagramação criativa e instigante de fotografias era um fator que fazia
diferença nesta revista. Nestas reportagens visuais, a combinação de textos
curtos com uma seqüência de imagens que tinha na linguagem cinematográfica
sua referência maior, criava uma narrativa visual em que cortes e
enquadramentos davam o ritmo e a carga emocional que o tema propunha.
Melo (2006, p.164) observa que a maneira como esses ensaios visuais
eram compostos remete muito à linguagem do cinema:
[...] identificamos, sem dificuldades os movimentos da câmera
percorrendo a cena retratada: cortes, aproximações,
afastamentos, mudanças de ângulo. A mesa do arte-finalista
ganha ares de ilha de edição. Apesar de sua inquestionável
importância, a televisão dava na época os primeiros passos
para se firmar como linguagem. Quem está presente no design
de Realidade é mesmo o cinema.
Observa-se, então, o fato de que, a partir daí, as imagens começam a
ganhar mais espaço nas páginas das revistas e a narrar os mais diferentes
aspectos da vida brasileira. É o que Mira (2001, p. 42) considera um momento
de descobrir e mostrar o Brasil ao leitor brasileiro, e isso se percebia através
das matérias sobre uma diversificada pauta que apresentava essas
características:
Claudia queria mostrar a mulher, a moda e a cozinha brasileira.
Quatro Rodas pretendia traçar um mapa físico do Brasil. O
projeto de Realidade era desvendar um país que o noticiário
comum não mostrava. O objeto de Veja era integrar o Brasil
através de informação. [...] O Cruzeiro teria sido uma
publicação que deixou de ter vergonha de seu país e resolveu
fotografá-lo e mostrá-lo.
Essa intenção em marcar a identidade brasileira através das imagens
nas revistas fica mais evidente a partir deste período e se estende nas décadas
seguintes através de outras publicações que marcaram época.
2.4. Outras palavras: designios contemporâneos
Se nas décadas de 60 e 70 o jornalismo editorial conquistou um grande
espaço junto ao público leitor, em função de que nesse período importantes
75
revistas foram criadas e tiveram aceitação por parte significativa do blico, as
décadas que fechariam o segundo milênio trariam outras inovações para este
universo.
No que se refere ao contexto social, as ditaturas militares na América
Latina haviam acabado e o mundo entra numa fase em que o conceito de
globalização permeia o modo de vida. Em relação aos recursos técnicos na
área editorial, estes se haviam aperfeiçoado e percebe-se que os impressos de
um modo geral adquirem maior qualidade. A indústria do papel oferecia um
leque maior de opções, tanto em gramatura quanto em variação de tipos
(opacos, lisos e texturados), o que veio a qualificar ainda mais essas peças
editoriais, proporcionando mais definição no resultado impresso das imagens e
textos.
Entre os diversos títulos que surgiram a partir dos anos 80, destaco
alguns exemplos de publicações que marcaram época. Entre estas, a revista
Gráfica que, mesmo destinada a um público bastante específico, surgiu com a
proposta de divulgar a diversidade criativa do design gráfico e possuía como
característica visual gráfica o fato de ser grande, bonita, bem desenhada e é
considerada por muitos a melhor revista de design criada e produzida no
Brasil. (FERLAUTO, 2002, p. 25).
Capas da Revista Gráfica
No final dos anos 90, o público brasileiro teve oportunidade de conhecer
a revista Palavra dirigida por Ziraldo, que se propunha a ser um guia cultural
fora do eixo Rio-São Paulo, valorizando matérias de produções culturais das
pequenas cidades, quebrando o paradigma da mídia tradicional que reitera que
76
o
o que é bom e de vanguarda acontece nas grandes capitais. Num formato que
lembrava as antigas Cruzeiro e Manchete, a Palavra se propunha a executar
um projeto visual gráfico não tradicional, onde a criatividade estava presente
desde o padrão cromático até a diagramação das matérias, numa composição
onde o diálogo entre texto e imagens não seguia a regra da diagramação limpa
e rigorosamente ordenada, mas um
discurso visual gráfico dinâmico,
informal e alegre, ao contrário de
publicações que trabalhavam sobre
um rigoroso projeto visual gráfico,
fortemente influenciado pelo
funcionalismo do design
estruturalista europeu ou americano.
No layout das capas da Palavra
podem ser observados os padrões cromáticos que exploram as cores quentes,
tanto no logotipo vermelho quanto em algumas imagens, bem como a
organização da diagramação interna que projeta um tipo não linear na maneira
de compor os textos, definindo outras posições dos elementos textuais e
Diagramação Revista Palavra
77
configurando um layout que propõe um jogo dinâmico e alegre ao olhar do
leitor.
Nos anos 90, outras tantas revistas foram lançadas. Dentre estas
destaco a Aplauso
,
Raiz
,
Cult
,
Cartaz
,
Bien’art
,
e Bravo!
,
esta última, objeto de
estudo deste trabalho.
Revista Aplauso nº 58 Revista Raiz nº 4 Revista Cult nº21
Revista Cartaz nº 23 Revista Bien’art nº 4 Revista Bravo nº93
Identifica-se, neste período de final de milênio, o surgimento de novos
recursos tecnológicos que afetaram radicalmente não o universo da
comunicação, que se tornou globalizada, mas o próprio conceito de identidade
cultural que, segundo Hall (2006, p.12), até então possuía o viés sociológico,
adquirindo novos contornos nessa nova sociedade, onde tudo tornou-se mais
provisório, variável e problemático.
78
No entendimento de Hall (2006, p.13), esse processo instável e
fragmentado produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo
uma identidade fixa, essencial ou permanente. Nesta visão a identidade seria
[...] formada e transformada continuamente em relação às
formas pelas quais somos representados ou interpelados nos
sistemas culturais que nos rodeiam.
[...] O sujeito assume identidades diferentes em diferentes
momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um
“eu” coerente.
No que se refere ao percurso histórico das publicações, as revistas que
possuem como proposta principal tratar dos temas culturais, têm de alguma
forma conquistado uma fatia significativa do mercado editorial e criado um
espaço de discussão, permitindo, assim, que assuntos dessa área adquiram
uma maior visibilidade e importância. Isso significa que, na medida em que
esses temas deixam de ser informação complementar, adorno editorial ou
conteúdo confinado em páginas menos privilegiadas, o público tem a
possibilidade de se relacionar com mais naturalidade com esses conteúdos e
assim compreender e dar aos assuntos culturais a importância atribuída aos
assuntos aceitos com naturalidade por parte do público-leitor, como a
economia, o futebol ou a política.
Observa-se também que, na última cada, as editoras ampliaram
significativamente seus investimentos nesta área, reforçando a idéia de que
investir em cultura possibilita uma rie de retornos para o investidor que vão
desde a valorização da sua marca, a divulgação de seus serviços e produtos,
bem como o retorno que se refere ao benefício social que uma determinada
empresa propicia ao engajar-se num projeto cultural. E isso se dá,
basicamente, em função de que no país existe uma produção que justifica
novos investimentos e também públicos dispostos a consumir esses produtos
culturais. Soma-se a isto a existência de leis que possibilitam o investimento
em projetos culturais, como é o caso das Lei Ruanet e a LIC, que possibilitam
ao investidor destinar verbas para projetos culturais e abater esse valor no
Imposto de Renda.
Se até poucos anos atrás os projetos culturais que tinham espaço na
grande mídia eram os do porte da Bienal de Arte de São Paulo, hoje é possível
79
identificar no país uma série de eventos artístico-culturais, que servem para
alimentar a pauta das revistas culturais durante o ano inteiro. Percebe-se que,
além dos grandes projetos, como as bienais de arte ou os festivais de teatro, as
produções culturais são significativas, independente dos seus tamanhos e
abrangência de público. Logo, é possível identificar no Brasil uma produção
cultural que cresce e se qualifica a cada ano e que, de alguma maneira,
interfere e modifica o cotidiano das pessoas e as revistas refletem isso.
No que se refere à área editorial, no âmbito do Rio Grande do Sul
podemos identificar a Revista Aplauso
4
como uma revista que cumpre com o
papel de fomentar e divulgar a produção cultural do estado. O reconhecimento
da Aplauso extrapolou a relação com seu público e conquistou a esfera
estadual, que tem conferido à revista diversas premiações, conforme
divulgação em seu próprio site. Desde 1998, quando circulou sua primeira
edição, a Aplauso já conquistou vários prêmios, entre eles
[...] o Troféu orianos de Literatura nos anos de 1999, 2004,
2005, 2006 e 2007, o troféu Amigo do Livro 2002 (promovido
pela Câmara Rio-grandense do Livro), o Prêmio Rodrigo Mello
Franco 2003 (do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional/IPHAN) e o Prêmio O Sul Nacional e os Livros
2004 (oferecido por Sonae e Rede Pampa). Em 2005 e 2007,
além do Açorianos, a APLAUSO também conquistou troféus no
Prêmio ARI de Reportagem Cultural, entregue pela
Associação Rio-grandense de Imprensa (pelas matérias de capa
sobre Erico Verissimo, de Paulo César Teixeira, e sobre o
mercado cultural brasileiro, de Daniel Feix). O Prêmio ARI é
considerado o mais importante do jornalismo gaúcho, e o
Açorianos, o mais importante da cultura produzida no Rio
Grande do Sul. (www.aplauso.com.br).
Observo na trajetória de sucesso da Aplauso dois aspectos importantes,
no que se refere à solidificação de sua identidade editorial: primeiro, que ao
priorizar que em suas páginas veiculem conteúdos verbo-visuais relativos à
produção cultural do Rio Grande do Sul, possibilita que o próprio gaúcho, ao
ver e ler sobre seus aspectos culturais, também se veja, se reconheça e se
valorize; o segundo aspecto é que esse diálogo com a comunidade do estado e
3
APLAUSO é a revista de cultura do Rio Grande do Sul. É uma publicação dirigida à divulgação e ao
debate de iniciativas artísticas produzidas no estado e no restante do Brasil. Tudo o que de mais relevante
acontece no cinema, teatro, música, literatura, artes plásticas, arquitetura ou museologia, entre outras
manifestações culturais, está nas páginas de APLAUSO. A revista também promove e estimula as ações
empresariais de apoio à cultura.
80
também com o poder público (que a reconhece através dos prêmios) se
estabelece através da linguagem do design gráfico que a revista tanto preza,
atualiza e com que se preocupa. Nesse sentido, ela também está contribuindo
para que o blico/leitor reconheça, mesmo que inconscientemente, que ali
existe uma proposta estética visual que não pretende ser neutra e, por causa
disso, está produzindo pedagogias do olhar. Isso pode ser notado, tanto na
criação visual gráfica que explora diversas técnicas do design gráfico para
resolver a diagramação de suas matérias, como na utilização de colagens,
texturas produzidas manualmente e posteriormente tratadas nos programas
gráficos, no uso de fotografias históricas e recentes, como no fato de
mostrarem imagens dos mais diversos personagens que representam a cultura
produzida neste estado.
81
3. Revistando a cidade
brasa da palavra,
a hora clara, nosso pai
hora da palavra,
quando não se diz nada
A terceira margem do rio – Caetano Veloso
3.1. O sol nas bancas de revistas:
um olhar sobre as revistas
e seus públicos
3.2.
Fora da palavra, quando mais dentro aflora:
uma narrativa visual
82
3.1. O sol nas bancas de revistas:
um olhar sobre as revistas e seus públicos
sta seção pretende refletir alguns aspectos do universo da revista
no que se refere à maneira como ela atua no espaço urbano e como
se relaciona com seus diferentes públicos.
Esta abordagem está baseada, principalmente, nas Metodologias
Visuais de Gillian Rose (2001) no aspecto que analisa as imagens em sua
relação com o público, ou mais especificamente no que a autora chama de
audiencing.
No que se refere às interpretações das imagens visuais em geral, Rose
(2001, p.16) propõe que três sítios em que se dão os significados de uma
imagem: o(s) sitio(s) de produção duma imagem, o sítio da imagem em si, e
o(s) sítio(s) em que a imagem é vista por rios públicos. A autora reconhece
que estes sítios possuem diferentes aspectos para cada um de seus
processos, o que os torna um tanto complexos. Mas esclarece que os mesmos
têm como função contribuir para a compreensão crítica das imagens: Esses
diferentes aspectos Rose (2001, p. 17)
nomeia de modalidades, que seriam:
A tecnológica, definida como “qualquer forma de aparato
destinado a ser observado ou a realçar a visão natural”;
A composicional, que se refere às estratégias formais da
imagem, tais como conteúdo, cor e organização espacial;
A social, que seria a cadeia de relações, instituições e práticas
econômicas sociais e políticas que cercam uma imagem e
através do qual é vista e empregada.
Escolho aqui a situação das revistas em seu espaço de relação com o
público. Público este que passa ou pára para observar e consumir os produtos
oferecidos pelas bancas de revistas. Isso nos remete ao que Rose (2001, p.
25) chama de audiencing, como sendo um dos lugares que dão os
significados de uma imagem. Ou seja, a maneira como o público se relaciona
com as imagens em determinadas circunstâncias específicas.
Nesta observação da relação do público com as revistas em exposição
para venda, nota-se a diversidade de manifestações visuais que permeiam
E
83
esses espaços, como a publicidade, a arquitetura dos prédios, a sinalização do
trânsito, os cartazes nos muros, os graffitis e o próprio trânsito das pessoas
que passam naquele lugar. Sendo assim, a revista está inserida num contexto
onde é apenas mais um produto em meio a uma diversidade de outras imagens
e que ao ser vista, escolhida e adquirida passa a ter um outro significado
para quem a compra.
Podemos identificar, no caso da revista, que, de acordo com o lugar
onde ela está exposta e o tipo de público com que ela está se relacionando, o
olhar sobre ela pode mudar de status. Um exemplo disso seria o significado de
uma revista que adquire uma importância histórica ou que tem seu design
visual gráfico reconhecido como importante para uma determinada cultura e
está exposta em um museu. Isso exigiria do público um olhar diferenciado
sobre aquela publicação, uma vez que, neste caso, a revista estaria fora do seu
ambiente original onde tem somente uma conotação comercial e não seria
socialmente considerado uma mercadoria cultural. Villas-Boas (2002, p. 35)
propõe que o museu a legitimaria enquanto produto cultural porque estes estão
entre as mais fortes instituições de legitimação cultural que possuímos.
Nesse contexto de análise, Rose (2001, p.25 - 26) coloca que, através
do audiencing, percebe-se que os modos de ver são influenciados pelas
práticas sociais, que em parte é uma questão das diferentes práticas sociais
que estruturam o ver de determinadas imagens em determinados lugares.
A comercialização das revistas se em diversos espaços estruturados
para este fim, e estes variam tanto de localização na cidade quanto de
estrutura física. Somado a isso existe o público que circula em cada espaço
específico. Observar e registrar as imagens que permeiam esses universos é
importante não por lançar um olhar sobre a visibilidade das revistas, mas
também porque revela o que está em torno delas. Como exemplo dessa
proposta, as imagens pretendem mostrar uma narrativa onde os personagens
são os diversos objetos visuais que circundam as bancas, seja na rua ou no
shopping center. Os personagens podem ser tanto aspectos da arquitetura
daquela localização, como outras imagens visuais que habitam esses lugares,
já citadas acima.
Na medida em que olho, observo, analiso e registro através do olho/lente
da máquina fotográfica, estou evidenciando um recorte desse universo que se
84
constrói através de diversos outros olhares além do meu: o olhar do próprio
sujeito que trabalha na banca e que organiza as revistas de forma que o
público se sinta atraído por elas; o olhar das pessoas que circulam ou
freqüentam aqueles espaços e o olhar dos objetos acima citados.
Sobre as diferentes maneiras de nos relacionarmos com as imagens é
possível identificarmos que seus sentidos variam e dependem do contexto
onde elas estão inseridas. A esse respeito, Rose (2001, p.15) coloca que
[...] o ver uma imagem sempre se dá num contexto
social particular que medeia seu impacto. Também
sempre se numa localização específica com suas
próprias práticas particulares. Essa localização pode
ser um quarto do rei, um estúdio de cinema de
Hollywood, uma galeria de arte de vanguarda, um
arquivo, uma sala de estar, uma rua. Estas diferentes
localizações têm suas próprias economias, suas
próprias disciplinas, suas próprias regras de como seu
tipo particular de espectador deva portar-se, e tudo isso
afeta a forma de determinada imagem ser vista
também.
Assim, ao nos referirmos ao universo das revistas, devemos considerar
que elas dialogam com seus espaços e seus públicos, podendo provocar
leituras particulares em função da sua localização específica e adquirir
múltiplos sentidos em função de quem as olha e como as olha.
Observa-se que a comercialização das revistas se em espaços
geralmente associados às questões do entretenimento e do lazer, e que esta
exposição a coloca numa situação que difere do espaço de uma livraria, por
exemplo.
Ao considerar a quantidade de informações visuais que permeiam os
espaços urbanos, pode-se pensar sobre quem circula e interage com esse
meio. Nesse sentido pode-se identificar desde o indivíduo que percorre
apressado esses espaços, em função de objetivos específicos de sua rotina,
bem como o personagem que passeia descomprometido, sem pressa e que
nos remete à figura do flaneur. Sobre esses personagens do final do culo
XIX, Golin e Ramos (2007, p. 108) dizem que eles possuem uma consciência
coletiva, de envolvimento com a cidade, que os levava a detectar os ritmos e
mudanças do urbano, numa atitude característica da modernidade, desde o
flaneur de Baudelaire.
85
Porém, em função das características das cidades contemporâneas e da
estruturação de seus espaços comerciais, a imagem deste segundo tipo (do
flaneur) necessitaria ser revista e contemporanizada. Na visão de Canevacci
(1990, p.131), esse flaneur contemporâneo interage com os espaços urbanos
de forma diferente e
[...] substitui o parisiense do século XIX já analisado por
Benjamin - no sentido em que, ao invés de ser puro e
isolado ocioso, é um vago desperdiçador de horas que
nos envolve um pouco em preciosos espaços urbanos
e faixas temporais: nasce o status-game, em que cada
um expõe os próprios signos e decifra facilmente os
dos outros, para chegar a uma plena e satisfeita
“consciência do seu papel”.
O que Canevacci (1990, p.131) propõe é que o flaneur contemporâneo é
o personagem que está em constante interação com as imagens e, nesse
sentido, a sua própria imagem e expressão corporal fazem parte desse cenário,
considerando que a maneira de vestir-se e expressar-se corporalmente são
profundamente afetadas, tanto pela moda quanto pela música e que estas,
estão dialeticamente entrelaçadas aos corpos, como antes as formas de luta e
de organização estavam à consciência.
Portanto, quem explora ou adota essa postura de interação com as
imagens e com tudo o que configura o universo visual das ruas e dos espaços
comerciais torna-se um decodificador desses diferentes signos. Nesse sentido,
Canevacci (1990, p.131) acrescenta que
[...] a cultura do consumo fundamenta-se na constante
produção e reprodução de sinais bem reconhecíveis
pelos seus possuidores e pelo seu ‘público’; ela não
encoraja um conformismo passivo na escolha das
mercadorias, mas, ao contrário, procura educar os
indivíduos a ler as diferenças dos signos, a decodificar
facilmente as infinitas minúcias que distinguem as
roupas, os livros, as comidas, os carros, os quartos.
No que se refere ao universo de comercialização das revistas, pode-se
considerar que ele faz parte do contexto imagético a que estamos submetidos
em nossos percursos urbanos e que contribui para esse colorido cenário, que
estimula a decodificação de sinais, reforçando a idéia de neutralidade das
mensagens ou ainda de uma certa informalidade dessa realidade.
86
Um elemento importante na configuração do espaço de comercialização
das revistas são os anúncios publicitários que a maioria das bancas de revistas
exibe na parte traseira de suas instalações. Soma-se a isso a publicidade
exibida no interior da banca, que explora desde pequenos banners
5
até
adesivos, cartazes e displays.
4
Nas lojas estruturadas nos shopping centers também não faltam banners
e anúncios nos espaços da arquitetura do local. Tudo isso reforça a idéia de
descontração, diversão e entretenimento e de não se referir a temas sérios.
Portanto, não poderíamos deixar de considerar que a publicidade nos
convoca para um mundo irreal e fantasioso, que suas mensagens veiculam
conceitos de modos de vida idealizados, referindo-se aos produtos como
portadores do poder de trazer ao consumidor algum estado de felicidade.
Sobre essa aparente superficilidade sugerida nos anúncios e das questões
subjacentes que se referem às diferenças sociais, Rose (2001, p. 95) considera
que
[...] os semiólogos argumentariam que os anúncios na
verdade lidam com questões sérias: ocupam-se com
alguns assuntos mais importantes,
na verdade com
questões
quanto à diferença social e hierarquia social.
Mas parte de sua força está justo no fato de não terem
essa aparência.
Como estes sinais visuais fazem parte do mundo globalizado, um
aspecto relativo à sensação provocada pelos anúncios e pelas logomarcas,
pode-se observar que facilmente o sujeito consumidor/usuário os reconhece e
os identifica como algo muito familiar, o que lhe confere uma sensação de
conforto e de estar em contato com mensagens que fazem parte de seu
repertório de informações visuais.
Sobre essa questão das referências universais, Sarlo (1997, p.20) diz
que
[...] logomarcas, siglas, letras, etiquetas não requerem
que seus intérpretes estejam enraizados em nenhuma
4
BANNER: Peça impressa, em geral por processos digitais, em material rígido ou flexível terminada em
formato arredondado ou em “V”, para ser fixada verticalmente. (Volmer, 1998, p. 15).
5
DISPLAY: peça
promocional destinada a promover, expor, demonstrar e auxiliar a vender determinado produto ou serviço
em ponto-de-venda, podendo ser colocado diretamente no solo, em vitrine, sobre balcão e em gôndola.
(Volmer, 1998, p.37-38).
87
cultura anterior, ou distinta da cultura do mercado.
Assim, o shopping produz uma cultural extraterritorial
da qual ninguém pode sentir-se excluído: mesmo
aqueles que menos consomem se movimentam com
desenvoltura pelo shopping e inventam alguns usos
imprevistos que a máquina tolera desde que não
dilapidem as energias que o shopping administra.
Nesse sentido, a própria arquitetura dos shopping centers contribui para
reforçar a idéia de alienação de quem freqüenta aquele espaço, que estes
são projetados de forma para que o sujeito que circula por seus corredores e
lojas não tenha conexão com o externo, com a vida real. Ao adentrar nessas
obras arquitetônicas, o sujeito estaria circunscrito num tempo e num espaço
suspensos, onde seria possível somente perceber e subjetivar o que ali se
apresenta. Sobre a ausência ou a alteração da percepção temporal e espacial
nesses espaços, Sarlo (1997, p. 17) nos diz que o dia e a noite não se
distinguem: ou o tempo não passa, ou o tempo que passa também é um tempo
sem qualidades. Ainda sobre a característica de negação da realidade exterior,
Sarlo (1997, p.6) coloca que
[...] como uma nave espacial, o shopping tem uma
relação indiferente com a cidade a sua volta: essa
cidade é sempre o espaço externo, sob a forma de
autopista ladeada por favelas, avenida principal, bairro
suburbano ou rua de pedestres.
Observa-se, ainda, que o espaço do shopping center criou na população
o bito de freqüentá-lo independente da necessidade de consumir. Como se
aquele espaço fosse uma grande praça ou uma micro-cidade onde é possível
passear descompromissadamente. É comum perceber as pessoas desfrutarem
desses espaços numa atitude despreocupada e observadora, já que ali é
possível identificar uma grande variedade de tipos de serviços e comércio que
tanto pode mostrar as novidades em moda, eletrônicos ou objetos para a casa,
entre outros.
A narrativa visual sobre o contexto de exibição das revistas
apresentadas a seguir, manifesta um tipo de olhar sobre este universo que
extrapola o aspecto de retratar apenas o ponto de venda, mas pretende
evidenciar que o contexto onde as revistas estão colocadas também possui sua
narrativa. Essa intenção se aproximaria do que Achutti (1997, p.76) coloca
como sendo uma narrativa etnográfica, ao dizer que para olhar diretamente ou
88
fazer ver fotograficamente deve-se levar em conta o contexto no sentido
mais amplo possível.
Ao observar esses contextos, percebe-se que é cada vez mais comum
identificar que eles oferecem uma série de outros produtos e serviços além das
revistas, que seriam o produto principal. É possível encontrar numa banca de
revistas: cartões telefônicos, balas, chocolates, cigarros, pequenos lanches,
cds, dvds e livros, além de jornais. No caso das lojas situadas nos shoppings
centers, o local de venda de periódicos quase sempre está associado a outros
serviços, como cafeteria, internet, tabacaria, entre outros. Essa estruturação do
espaço comercial com mais opções de consumo teria como objetivo seduzir
pelos sentidos e atingir um maior número de pessoas consumidoras.
Ao compor esta série de imagens sobre os espaços que a revista ocupa
no espaço urbano e que integram o ensaio visual que compõe a próxima
seção, me utilizo de parâmetros de análise da narrativa visual focada na
relação da revista com sua audiência e que, através da lógica plural produzida
pela fotografia, está produzindo significados que extrapolam a lógica da
comunicação verbal. Tal ensaio reflete um olhar bastante particular, na medida
em que escolho determinadas situações, enquadramentos e posições para
mostrar estas imagens. Segundo Achutti (1997, p. 76), quem fotografa precisa
assimilar as questões culturais em jogo, assim como aquele que as tais
fotografias precisa recebê-las de forma contextualizada.
Nesse sentido, a narrativa que estas imagens sugerem, traz para esta
pesquisa aspectos subjetivos provocados pela estética das fotografias e que
poderão ser vistas e lidas de diferentes formas, considerando o contexto e a
subjetividade do olhar de cada leitor.
89
3.2. Fora da palavra,
quando mais dentro
aflora:uma narrativa visual
A terceira margem do rio – Caetano Veloso
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91
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Puro silêncio, nosso pai...
110
4.Textos
do Brasil,
contextos
do design
4.1. Um Brasil para a Bravo
4.2. Bravo! Mais que revista
4.3. Grade pra que te quero:
a estruturação do design
111
4.1. Um Brasil para a BRAVO!
Revista BRAVO! surge no cenário editorial brasileiro lançada pela
Editora D'Ávila, em outubro de 1997. Neste período, o Brasil vivia
sob o primeiro mandato do governo de Fernando Henrique
Cardoso, que tinha como principal bandeira a derrota da inflação. Nos anos
anteriores, a inflação em torno de 60% ao mês tinha se tornado uma ameaça à
economia do país, que, conforme DANTAS e MURPHY (2007),
[...] nos dez anos anteriores ao Plano Real, lançado em
julho de 1994, a inflação brasileira medida pelo IPCA
acumulou 310 bilhões por cento. Nos dez anos
posteriores, ela somou 167% (equivalente à inflação de
três meses, logo antes do Plano Real), ou 10,3% ao
ano, em média. (www.estadao.com.br).
Essa situação que afetava todos os setores da sociedade, também
impedia que uma série de projetos da área cultural se realizassem. Somente a
partir da derrota da inflação é que a sociedade recuperaria gradativamente a
capacidade de viabilizar projetos e, dentre estes, os projetos culturais.
Vale lembrar que o Brasil vinha de um governo anterior, do então
presidente Collor de Mello, substituído por seu vice, Itamar Franco, e que, em
sua proposta de reestruturação do país, interfere drasticamente na economia
popular, impedindo que o povo acessasse os valores aplicados em cadernetas
de poupança e destituindo os órgãos ligados à cultura, como a EMBRAFILME e
departamentos ligados ao MEC, entre outros.
No que se refere aos sentidos provocados pela imagem
destes dois governos (Collor e FHC), observa-se que o primeiro,
vindo do nordeste do país e tendo naquela população grande
parte de seus eleitores, investia numa imagem que pretendia
agradar o gosto popular. Em sua campanha presidencial, por
exemplo, apresentava a imagem do caçador de marajás que viria
fazer justiça, caçando e julgando os privilegiados da nação. Nos
primeiros meses de seu governo, sua investida de marketing
explorava a imagem do super-herói e era comum a mídia mostrá-
lo em situações extraordinárias, como pilotando um avião a jato, saltando de
pára-quedas ou esquiando de jet-sky. Essas estratégias tinham como objetivo
Presidente
Fernando Collor de Melo
112
em construir a imagem de um presidente que tinha super-poderes, que não
temia a nada e poderia salvar o país. Durante o seu governo, também era
comum que a mídia veiculasse notícias da contratação de cantores de sica
sertaneja para animar as festas do Planalto, bem como suas extravagâncias
financeiras em recepções e festejos. Esses exemplos de investidas na
construção da imagem de Collor por um lado remetia a um sensacionalismo e a
um apelo popular, mas por outro criava adversidades com grande parte da elite
cultural do país.
O segundo presidente citado, Fernando Henrique Cardoso, sociólogo
formado pela USP, tinha, de alguma forma, a imagem identificada com a
cultura elitizada, por ter um histórico ligado à vida acadêmica e política. O fato
de ter vivido fora do país e lecionado em universidades da importância da
Sorbonne em Paris e também ter atuado como ministro das relações exteriores
no governo de Itamar Franco em 1985, traduzem essa perspectiva de
identificação com a cultura elitizada.
Sobre o cenário de recuperação da economia proposto por FHC, pode-
se refletir sobre alguns aspectos, tais como o nome adotado para a nova
moeda brasileira, o Real, que remete a um outro significado, ou até mesmo a
uma situação oposta à que era vivida pela população até então. Nesse sentido
Canclini (2001, p.34) faz uma reflexão crítica colocando que
[...] essa aposta de confiar a um significante forte o
revigoramento do significado é tão inconsistente a partir
das teorias lingüísticas e da representação como, do
ponto de vista econômico, o é fazer depender da
estabilidade da moeda a reordenação e o controle
endógeno da economia.
Mas para um país ainda se recuperando do longo período de ditadura
militar e que sofrera todos os impedimentos de desenvolvimento por causa de
uma economia perversa, agarrava-se a mais esta promessa, mesmo que sem
a possibilidade de vislumbrar o futuro a médio e longo prazo. Na área da
cultura, poderíamos identificar no cinema um marco da recuperação do
desenvolvimento cultural do país. O filme Carlota Joaquina (1995), da diretora
Carla Camuratti, representaria o reencontro do cinema com o público brasileiro
através de um roteiro que vai buscar na própria história do país os elementos
113
para sua obra, como se fosse necessário compreender como foi o nosso
começo para que fosse possível projetar um novo futuro.
Na área editorial observa-se alguns exemplos de projetos que surgiram
nesta época e que marcaram a história das revistas no Brasil. Entre vários
outros destacamos os projetos das revistas Palavra
,
Cult e Bravo
.
Revista Palavra nº 1 Revista Cult nº1 Revista Bravo nº 1
Nesse contexto, a revista BRAVO! surge nas bancas com uma proposta
editorial que pretendia não noticiar os acontecimentos culturais, mas
também provocar reflexões sobre temas dessa área. Prova disto é a capa da 1ª
edição que tinha como chamada O gordo ano 50 do MASP, referindo-se às
comemorações do cinqüentenário do Museu de Arte de
São Paulo. Como complemento a essa chamada
aparece: Entre Botero, Michelangelo, Monet e Portinari
o museu da elite se impõe como a casa do povo
.
Identifica-se, então, que a produção cultural à
qual a revista está se referindo representa o que de
mais sofisticado e elitizado existe nessa área. Como
exemplo disso poderíamos citar desde as matérias que
se referem aos concertos das principais orquestras do
mundo, ou as que se reportam às maiores e mais
importantes mostras de artes-visuais ou ao lançamento
de clássicos da literatura. Se olharmos essas produções do ponto de vista de
quem pode consumi-las, facilmente é possível associá-la como cultura para um
Edição nº 01 da Bravo!
114
público erudito ou de elite, pois tratam de produtos e espaços culturais formais,
voltados para um público de alta-cultura.
Villas-Boas (2002, p.28) nos apresenta que a expressão alta-cultura é
uma categoria de uso relativamente recente entre nós e de tradição mais
fortemente ligado aos autores anglo-saxões (high culture) e nos coloca que ela
teria duas leituras que andam juntas:
A primeira é de juízo de valor: alta-cultura como a
cultura letrada e consensualmente legítima. A segunda
como expressão de classe hegemônica, o mecanismo
de sua legitimação se dá pela associação de valores de
autenticidade e exotismo que permitem a valorização
de dadas produções sem a valorização efetiva da
classe que a produz.
na visão de Stuart Hall (1997, p.2), esse conceito seria tradicional,
sendo possível utilizarmos a palavra cultura atualmente para nos referirmos
[...] às formas amplamente distribuídas de música
popular, publicidade, arte, design e literatura, ou às
atividades de lazer e entretenimento, que compõem o
dia-a-dia da maioria das “pessoas comuns” o que é
denominado “cultura de massa” ou “cultura popular” de
uma época.
Nesse sentido, a visão de Hall vem ao encontro do que os Estudos da
Cultura Visual focalizam, na perspectiva de considerar as produções visuais de
cultura popular como uma manifestação importante para esses estudos.
Observa-se que, na medida em que estas manifestações visuais são
analisadas, se reflete também sobre o contexto onde estão inseridas e, nesse
sentido, presentificam aspectos da sociologia e da antropologia, o que nos
remete novamente para o que Hall (1997, p.2) observa sobre a palavra cultura
ao situá-la num contexto mais identificado com a ciência social, dizendo que
quando esta palavra é utilizada é para se referir a tudo que seja distintivo com
respeito ao ‘modo de vida de um povo, comunidade, nação ou grupo social.
Nesse contexto de refletir sobre cultura e grupos sociais, caberia aqui
destacar dados de uma pesquisa realizada em 2007, pelo Ministério da Cultura
(MINC), em pareceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA),
sobre como os brasileiros acessam os produtos culturais. Conforme Daniel Feix
(2007, p.31),
115
[...] 70% nunca visitaram um museu;
70% nunca foram ao teatro;
60% nunca foram ao cinema;
60% não têm o costume de ler livros, revistas
ou jornais;
Dedicamos 3% do que ganhamos à cultura;
84% desse investimento acontece no ambiente
doméstico (tv, rádio, leitura, computador);
9% é destinado a equipamentos culturais;
7% ao lazer em geral (danceterias, zoológicos).
Observa-se, portanto, que a prática de acessar a produção cultural no
Brasil ainda é muito baixa por parte da população. Mas Feix (2007, p.29)
sinaliza que nossa situação não difere muito de países como a Argentina e
Uruguai e que, nesse ranking, não estaríamos tão abaixo de países
desenvolvidos, como a França.
Mesmo enfatizando um tipo de produção cultural mais identificada com
um público elitizado, a revista BRAVO!, ao difundir seus conteúdos através dos
milhares de exemplares, torna-se um produto que é consumido pelo grande
público, mesmo por quem não tem como prática freqüentar os espaços
estruturados para este fim, ou que não possui poder aquisitivo para adquirir os
produtos culturais ali divulgados. Nesse sentido, a interação com a produção
cultural extrapola a questão de classes e a revista possibilita o acesso a esses
conteúdos, interconectando esses dois pólos sociais.O que se percebe é que,
cada vez mais, as fronteiras do que é considerado popular ou erudito se
hibridizam e criam novos padrões de identidades culturais.
4.2. BRAVO! + que revista
As editoras em sua preocupação em manter seu espaço no concorrente
mercado, estão sempre buscando novas estratégias de marketing para fidelizar
e ampliar seu público consumidor. Para isso são utilizados os mais variados
recursos para que as marcas de seus produtos sejam lembradas e adquiridas,
tais como campanhas publicitárias nas revistas da Editora Abril, a manutenção
116
do site da revista, a promoção de eventos ligados à literatura e à filosofia, como
veremos logo a seguir.
Pode-se observar que, a partir do advento da internet no mundo dos
negócios, praticamente todos os segmentos do comércio e mesmo da indústria
tem nesse tipo de mídia um suporte ou complemento para a divulgação, a
promoção e a venda de seus produtos.
A Editora Abril, no posto de maior editora do país, investe de maneira
expressiva nessa estratégia ao criar para cada uma de suas revistas um sitio
específico para reforçar a imagem da publicação e promover as vendas.
No endereço www.bravonline.com.br encontra-se a versão virtual da
Bravo! e, conforme o anúncio na própria revista, é um espaço para se
programar, se informar e opinar sobre o que acontece no universo cultural
(2008, p.6).
Além disso, a griffe BRAVO! se estende para uma série de outros
produtos culturais, tais como cursos, que se propõem a trabalhar com o
conteúdo didático sobre temas abordados pela revista, ministrados por
professores renomados, realizados em parceria com a Casa do Saber e
Academia de Idéias, conforme Lima (2008, p.6); e edições especiais da Bravo!
que podem tratar somente de filmes, livros ou lugares essenciais da cultura.
117
A revista ainda divulga a sua participação em eventos culturais, como a
Feiras Literária de Paraty e de São Paulo, bem como os encontros na livraria
FNAC e no Café Literário Bravo! no Centro de Cultura Judaica.
As múltiplas possibilidades de estar em contato com a revista dão ao
leitor/consumidor a sensação de que está interconectado com a idéia de
produto cultural abrangente, que condiz com o sinal mais (+) que antecede a
palavra BRAVO! no título dos anúncios, como o que diz: Acrescente a maior
revista de cultura ao seu dia-a-dia. Esse conceito proposto reforça a idéia de
que a revista oferece um produto que é mais do que apenas uma revista.
Anúncio da Revista Bravo! – Edição 125 (janeiro de 2008)
Um outro aspecto da revista BRAVO! a ser observado é que suas
matérias, na sua maioria, estão vinculadas a algum evento cultural, seja da
área da música, da dança, do teatro ou das artes visuais e para o público ter
acesso a esses eventos um custo praticado por esse mercado, que muitas
vezes é acessível para uma classe de alto poder aquisitivo. Existe ainda a
particularidade de que as matérias relativas à literatura, à música e ao cinema,
e lançamentos de DVD, por exemplo, têm sempre relação com a
comercialização desses produtos. Sendo assim, essa forma de produzir
matérias culturais vem ao encontro de um público/leitor que se identifica e
relaciona informação com algum tipo de consumo.
Isso reforça o conceito de sociedade que prioriza suas necessidades
(naturais ou criadas) de consumo, numa perspectiva de enfatizar o aspecto
118
individual, da competição, do egocentrismo e que valoriza muito mais o ter do
que o ser.
4.3. Grade pra que te quero: a estruturação do design gráfico
A busca por um sentido de ordenação acompanha a trajetória humana
desde há muito tempo. É possível identificar indícios da preocupação com
algum tipo de organização espacial nos primórdios da
manifestação gráfica e um exemplo disso está claro em
alguns registros dos sumérios no período próximo ao ano de
2.350 a.C., praticamente 1.000 anos antes da criação do
primeiro alfabeto, organizado pelos fenícios em 1.400 a.C.
Através do traçado de linhas horizontais e verticais se
configurava um tipo de ordenação que continua até os dias
atuais auxiliando na organização e na visualização dos
elementos verbo-visuais em qualquer tipo de suporte, seja
ele o papel ou os suportes digitais.
Assim, a idéia do pensamento estrutural tem uma trajetória que marcou
diversas culturas na sua forma de organizar suas vidas e também de enfrentar
adversidades como as guerras. Sobre estes aspectos, Samara (2007, p. 9) diz
que
[...] o pensamento estrutural, mesmo antes de sua
última codificação no modernismo europeu e
americano, é um traço característico das culturas que
lutam pela civilização. Os chineses, os japoneses, os
gregos e romanos, os incas todos esses povos
seguiram idéias estruturais ao construir cidades, fazer
guerras e organizar imagens. Em muitos casos, essa
estrutura se baseava no cruzamento de eixos que
correspondiam à interseção do céu e da terra.
Percebe-se, portanto, que o conhecimento e a cultura dos mais
diferentes povos se orientaram por esse tipo de regramento e é possível
identificar principalmente nos textos impressos (em livros, jornais e revistas)
que essa forma de organização representou muito mais do que estruturar a
escritura, mas, segundo Barbedo (2002, p.2), foi um modelo que influenciou o
2.350 a.C. - Escrita Fenícia
119
modo inteiro de aprendizagem: linearidade seqüencial da esquerda para a
direita, tanto física como mental e verticalidade de cima para baixo, tanto
espacial como simbólica. Nesse sentido, atualmente, com o acesso aos
saberes através dos meios digitais, essa lógica se modifica e a sociedade
reinventa uma outra ordem para acessar o conhecimento, a partir da
informação fragmentada e labiríntica à qual temos acesso através dos textos
na internet.
No que se refere ao espaço escolar, percebe-se que o modelo de
ordenação dos alunos nas salas de aula, por exemplo, repete essa prática de
exploração ordenada na espacialidade. Nesses espaços pode-se observar que
a disposição do mobiliário se orienta por linhas horizontais e verticais,
remetendo a um tipo de organização arquitetural e espacial das salas de aula
que favorece a disciplina, a ordem, a regulação e a doutrina. Essa visão da
ordenação espacial nos espaços educacionais teria a influência da concepção
arquitetônica modernista (Le Corbusier), que, segundo Rocha (2000, p.120),
remetem à idéia de padronização, normalização, funcionalidade objetiva (forma
idêntica à função).
Especificamente no que se refere à linguagem do design gráfico, este
recurso ganhou internacionalmente o nome de GRID e que em português se
transformou na grade, que, de acordo com Ferlauto (2002, p.62), é considerado
o sistema mais elementar de organização, capaz de harmonizar em si os
conceitos de unidade e de variedade. A grade atua no espaço da página antes
mesmo da colocação dos conteúdos. Através dela poderemos antever as
possíveis divisões espaciais, a visualização das colunas e a disposição de
imagens e textos complementares. Este recurso hoje faz parte do rol de
ferramentas disponíves em diversos softwares gráficos e possibilita a
organização dos elementos visuais, através da combinação entre linhas
horizontais e verticais que resultam na grade. Ainda conforme Ferlauto (2002,
p.63):
As duas formas de organizar os signos são por
similaridade/semelhança ou por justaposição. A grade
permite estas duas operações mentais: nela podemos
posicionar lado a lado coisas, signos, imagens
parecidas, fazendo uma combinação ou rima, ou
justapor signos díspares, em oposição, conflito ou
120
contraste. A grade ajuda a localizar os pontos focais da
composição, conscientiza as margens e os limites da
tela e do papel.
É possível observar no exemplo abaixo, retirado da revista Bravo!, a
importância da grade na definição dos espaços destas duas páginas que
apresentam a matéria: Me sinto roubado por Bush, que trata do filme A Última
Noite do diretor americano Spike Lee. Percebe-se, primeiramente, neste
planejamento gráfico, que a parte superior das páginas foi destinada para as
imagens, enquanto que a inferior abriga as colunas de textos. O que está em
evidência é o princípio do contraste, que acontece como resultado de diversas
oposições: entre as imagens em preto e branco com a colorida; entre a imagem
da página direita, que possui uma grande área em branco e tons de cinza
contrastando com o fundo preto da parte inferior da mesma página; o xadrez
que resulta da combinação dos quatro retângulos que formam a dupla de
páginas. A questão do contraste extrapola a questão visual e se inter-relaciona
com o visual e isso fica evidente quando se o texto que intitula a parte final
da matéria: Preto ou Branco. Essa articulação entre visual e verbal contribui
para que o significado da matéria fique ainda mais evidenciado, que, neste
caso, se refere às questões ligadas ao racismo nos EUA, tema recorrente nos
filmes de Spike Lee.
Representação gráfica da estruturação das páginas da Bravo!
121
Observa-se que a preocupação com estrutura da página tem sua gênese
nos primeiros impressos, que, naquela época (por volta
de 1450), apresentavam a diagramação dos textos
organizados em colunas, como a bíblia impressa por
Gutemberg, enquanto que no design gráfico editorial
contemporâneo este recurso cnico está baseado na
vertente funcionalista, difundida pelas Escolas da
Bauhaus
6
e da Suíça a partir dos anos 50, onde a
decomposição do espaço da página estava
absolutamente indexada à grade estrutural, com uma rigorosa definição das
famílias tipográficas e de elementos que se repetiam no decorrer das páginas,
demarcando a identidade visual daquela peça. Essa perspectiva funcional do
início do design está profundamente conectada com aquele contexto histórico,
pois expressava não somente a necessidade de organizar a própria atividade
que surgia, como também refletia a rígida noção de estruturalidade de que o
mundo necessitava em função do contexto próximo da Segunda Guerra
6
A Bauhaus foi considerada a mais influente e mais famosa escola de arte do século XX. Ela se tornou o
centro nervoso de algumas das mais utópicas ideologias e tendências de sua época. [...] Suas evidentes e
palpáveis realizações na teoria e prática da educação artística foram extraordinárias, estabelecendo os
cânones da moderna pedagogia do design. A história da Bauhaus é, em suma, a história do surgimento do
design moderno e das relações tensas entre arte e tecnologia das máquinas. (Arthur, 2001, p.10)
Bíblia impressa por Gutemberg
Diagramação da Revista Bravo!
122
Mundial. Para Ellen Lupton, na Suíça, após a II Guerra Mundial, eles criaram
uma metodologia de design total em torno do diagrama tipográfico, ansiando
construir com ele uma ordem social nova e racional. (2006. p.113). Para
ampliar a reflexão sobre esses critérios de ordem instrumental poderíamos
associá-la ao que Landowsky (2006, p.94) refere quando manifesta sua opinião
sobre essa maneira de objetivar o mundo:
Essa maneira de fixar a significação e o valor dos
objetos a partir de critérios de ordem instrumental deixa
por princípio os seres e as coisas no estatuto de
realidades, por assim dizer, sem alma. Em outras
palavras, a perspectiva funcional que subjaz a nossas
práticas ordinárias nos conduz a objetivar o mundo e,
assim fazendo, a dele nos distanciar.
Mas a influência de diversos movimentos artísticos de vanguarda no
decorrer do século XX fez com que os designers repensassem sobre os
significados das regras tão limitantes que propunham os cânones do design.
Poderíamos citar a importância do
cubismo, do dadaísmo, e do
construtivismo russo, como correntes
que questionaram através de seus
experimentos estéticos essa lógica tão
cartesiana. Eles influenciaram de forma
definitiva a idéia de compor o layout
para uma peça gráfica.
Wagon Bar: cartaz de A.M. Cassander, 1932
e fotomontage Dadamerica
de George Grosz e John Heartfield, 1920
123
Todo esse percurso de questionamentos e quebra de paradigmas fez
com que o design editorial pós-moderno se sentisse livre para experimentar
formas mais radicais de expressar seus conteúdos. Isso ficou mais evidente a
partir dos anos 80 quando os layouts de diversas revistas exploraram a
sobreposição, a saturação e o caos na sua forma de diagramar. O resultado
visual era um discurso onde clareza do texto verbal não era o mais importante
e sim a fusão entre texto e imagem que produzia um todo verbo-visual e que
instigava o leitor a interagir com aquela forma de expressão. O exemplo mais
evidente deste período se encontra no trabalho do designer norte-americano
David Carson que influenciou uma geração de designers e ficou conhecido
mundialmente por seus projetos editoriais.
Nesses casos a autoria do designer é mais evidente em detrimento dos
projetos gráficos de vertente funcionalista, que esconde a expressividade de
seu autor. Soma-se a isto o fato de que forma e conteúdo estão
interconectados e neste caso podemos entender o design gráfico concorrendo
com o conteúdo verbal, ou ainda, em muitos casos, se sobrepondo a este.
Esta vertente do design se basearia num estilo que Cauduro (2002,
p.11) considera influenciado pela
[...] gradual popularização nas escolas de design
americanas das teorias pós-estruturalistas de
significação (Derrida, Barthes, Lacan) em conjunto com
Páginas diagramadas por David Carson
124
as teorizações sobre a arquitetura vernacular
americana, de origem comercial, propostas por Robert
Venturi e Denise Scott-Brown, em Lernning from Las
Vegas, em 1972, assim como devido aos trabalhos
visuais do movimento Pop Art (Andy Warhol, Roy
Lichtenstein e Robert Rauschenberg, entre outros) dos
anos 60 e 70.
Sobre a importância da utilização da grade ou do diagrama, tanto no
ensino como no campo profissional do design gráfico, as opiniões se dividem.
o grupo que acredita que um projeto visual gráfico deve seguir rigidamente
esse recurso, não permitindo experimentações que fujam das regras básicas
determinadas pelas possibilidades da grade. Esta vertente corre o risco de
obter resultados um tanto estáticos, repetitivos e por vezes assépticos,
enquanto que os que acreditam na importância do diagrama como elemento
organizador do espaço, mas que não deve determinar toda a composição
espacial, investem nos aspectos intuitivos e sensíveis do designer, que pode
surpreender seus leitores com uma diagramação dinâmica e criativa. Nesse
sentido, Lupton (2006, p.134) coloca que:
O diagrama visto como espaço infinito, desafiando
limites e dominando mais pela mente que pelo corpo, é
um instrumento poderoso da teoria modernista, onde
aparece como uma forma ao mesmo tempo racional e
sublime. No início do culo XX, os designers da
vanguarda expuseram o diagrama para dramatizar as
condições mecânicas da impressão. Depois da II
Guerra Mundial, os designers suíços criaram uma
metodologia de design total a partir do diagrama,
recheando-o de intenções ideológicas. Com a virada
pós-moderna, em direção às fontes históricas,
vernaculares e populares nos anos 1970 e 1980,
muitos designers rejeitaram o diagrama racionalista
como um artefato antiquado da ordeira sociedade
suíça.
Uma outra visão que ajuda a compreendermos a importância do uso
deste recurso é a de Samara (2007, p.30), que considera a criatividade do
designer como elemento definidor do resultado do layout de uma página
impressa.
Um grid só funciona realmente se o designer, depois de
resolver todos os problemas literais, vai além da
uniformidade implícita em sua estrutura e o utiliza para
criar uma narrativa visual dinâmica, capaz de manter o
interesse ao longo das páginas. O maior risco no uso
125
de um grid é sucumbir à sua regularidade. Cabe
lembrar que o grid é um guia invisível que existe no
‘subterrâneo’ do layout; o conteúdo acontece por cima,
às vezes contido, às vezes livre. Quem cria um layout
sem graça não é o grid, é o designer.
Parece-me que a proposta de Samara é de chamar a atenção para uma
conscientização no uso deste recurso, no sentido de que ele deve ser um
elemento que traga sua contribuição sem que o designer perca a noção da
importância da criatividade e da possibilidade de provocar surpresas na
(des)organização visual do layout da página.
Exemplo dos campos definidos pela grade sobre uma capa de revista
Se a partir de Carson o design gráfico contemporâneo adota uma
estética que explora a saturação, a desordenação e a poluição visual, numa
postura de total desobediência aos cânones do design gráfico e sob a forte
influência dos movimentos undergrounds já citados (techno, punk, grunge,
pop), esta atividade chega ao século XXI fortemente influenciada pelo graffitti e
pela arte de rua.
Por outro lado, observa-se que no design editorial, atualmente produzido
pelas grandes editoras, a estética que prevalece é a que privilegia um tipo de
ordenação visual em que a coerência, a harmonia entre texto e imagem não
126
causem estranhamentos ao leitor. No caso das publicações culturais, os
possíveis estranhamentos ficam por conta das imagens que ilustram as
matérias, estas podendo ser de obras de arte ou fotografias artísticas. Sobre
essa estética previsível e harmoniosa que as peças visuais gráficas
contemporâneas possuem, trago a reflexão de Vieira da Cunha (2005, p. 35)
que sugere que eles constroem padrões estéticos que são assimilados sem
questionamentos:
As práticas do olhar produzidas pelas corporações de
entretenimento são de uma dócil adesão e não de
questionamento frente ao visto. O espaço para o
estranhamento é mínimo, tendo em vista as estratégias
envolvidas na captura do olhar. Este olhar reduzido de
possibilidades é ‘ensinado’ pela cultura midiática como
um olhar consumidor de qualquer coisa, faminto, veloz,
navegante, que não fixa detalhes, não vasculha, não
discrimina.
Entendo que essa estratégia buscaria um tipo de comunicação com seus
leitores de modo que estes se sintam confortáveis e não críticos ao perceber as
mensagens, que na sua maioria remetem ao consumo indiscriminado.
Em relação às estéticas que se opõem no campo do design gráfico, este
jogo também é recorrente nas artes-visuais, com as quais poderíamos traçar
um paralelo.
Para ilustrar estas oposições estéticas existentes no design gráfico,
evoco a relação entre as produções artísticas de Picasso e Matisse na primeira
metade do século XX. Enquanto personalidade viril, radical, libertária e
politicamente engajado, conforme Rezende (2008, p.30), Picasso produzia uma
arte que foi uma afronta contra o gosto médio e a sociedade vulgar que o criou.
Matisse evitava a política em sua arte, preservava um ideal de calma e
reclusão no casamento, e percebia na sua produção artística uma calma
influência na mente, algo como uma cadeira de balanço que relaxa do cansaço
físico.
127
Obras de Pablo Picasso
Obras de Henri Matisse
128
Se a estética de Carson, assim como a de Picasso refletem de alguma
maneira o modo caótico da sociedade atual, se que o design gráfico que
prima pelo equilíbrio e pela harmonia não estaria querendo trazer para esta
realidade caótica algum sentido de ordenação, estrutura e clareza? Ou estaria
valendo-se de uma poética visual que se diferencia radicalmente da outra
manifestação? Ou, ainda, será que os sentidos provocados pelos conteúdos
dessas manifestações visuais não teriam sido contaminados por seus suportes,
por habitarem a superfície dos mesmos e tornaram-se apenas agradáveis à
visão?
Nesse sentido, trago mais uma vez a visão do cineasta Wim Wenders
para referir-se sobre o aspecto da superficialidade na imagem contemporânea:
Acredito que a palavra superficial não significa mais grande coisa.
Toda nossa cultura, essa cultura da imagem, que se torna a principal
cultura de nosso tempo, é extremamente superficial. É a natureza da
imagem que nos mostra sobretudo a superfície. E o que quer dizer
superfície? É a área, a extensão, não? Ela se torna cada vez mais
refinada, interessante, de maneira que cada vez menos se quer ver
o que por trás dessa superfície. Vemos todo um gênero de
filmes que abandonou completamente a idéia de nos mostrar outra
coisa que não seja a superfície. Tudo o que está por trás, como a
psicologia, já não interessa mais. (EICHENBERG, 2000, p. 55).
O que se pode perceber também é que o advento
dos recursos digitais, além de democratizar e flexibilizar a maneira de se
produzir peças visuais gráficas, sensibiliza o olhar do público, cria novos
padrões de visualidade e particulariza bitos culturais da arte de ver
(Hernández, 2005. p.18). Sobre essas particularidades Hernández também
enfatiza que a visualidade pode caracterizar-se como ativa, performativa e
produtiva, em contraste com o modelo moderno cartesiano de visualidade que
se nos apresenta como passivo e mecânico (2006.p.18-19).
Entendo, portanto que o uso da grade, em maior ou menor grau, é um
recurso de estruturação da narrativa visual gráfica que contribui para a
educação de um determinado tipo de olhar, na medida em que é através dela
que são organizados os elementos visuais numa página. Sobre essa questão
pode-se considerar que a importância da grade para os designers gráficos
oscila entre dois los: o grupo que considera seu uso incontestável,
Wim Wenders
129
possibilitanto a precisão da construção visual e o grupo de visão oposta, que a
considera como limite, prisão e impedimento para um trabalho mais expressivo.
130
4. A Bravo! por dentro e por fora
5.1. Capas: Muito mais do que cobertura
5.2. Design do logotipo
5.3. Chamada principal e chamadas secundárias
5.4. A imagem principal
5.5. Imagens secundárias
5.6. Os sentidos do papel
5.7.Por dentro da BRAVO!
5.8. A construção visual da BRAVO!
5.9. Cores e nomes: um olhar sobre seis capas da
BRAVO!
131
5.1. Capas, muito mais do que cobertura
Quem procura uma determinada revista, seja na banca de rua, na livraria
de um shopping center ou na gôndola de um supermercado, muitas vezes é
capturado pela capa. É pelo seu formato, pelo desenho do logotipo, pelas
cores, pelo tipo de imagem que ela está veiculando, ou seja, é pela articulação
de uma série de elementos verbo-visuais que o nosso olhar se atém a
determinada publicação. Esses elementos configuram a identidade visual de
uma revista e é através deles que o público identifica e se identifica ao
reconhecê-los nas capas.
A capa funciona como o elemento de sedução do leitor e é através dela
que a revista inicia a comunicação mais imediata com seu público, atraindo-o
para o conteúdo no interior das páginas. Hernandes (2004, p.88-89) comenta
os principais aspectos que devem ser trabalhados para a obtenção de uma boa
capa, bem como sua função de não revelar totalmente o tema em destaque:
A capa nega o caos do cotidiano humano ao eleger o
grande “fato” para o qual todos os outros devem se
subordinar. A boa capa também é um paradoxo: para a
mesma carga de informação, deve corresponder um
tanto de mistério. O leitor deve ficar sabendo que o
sabe (ou não sabe em profundidade) o grande
destaque da revista.
Werneck (2000, p.24) questiona quais seriam os mecanismos que
levam o leitor a escolher uma determinada publicação. Seria a foto da capa? A
originalidade dos temas? As cores? O punch
7
das chamadas? Enquanto que
para Leslie (2003, p.6) é o tamanho da página, a grade, os tipos de letra e os
pormenores, tudo o que contribui para a identidade e o impactante visual de
uma revista.
Acredito que as editoras se esforçam cada vez mais em criar efeitos de
comunicação visual nas capas de suas revistas para atrair um número cada
7
Punch: Werneck se refere ao poder da “puxada” que o texto tem sobre o leitor. Esta expressão poderia
ser comparada ao que Barthes (1984, p.46) diz sobre a existência desse elemento na fotografia, que ele
chama de Punctum, pois punctum é também picada, pequeno buraco, pequena mancha, pequeno corte e
também lance de dados. O punctum numa foto é esse acaso que nela me punge (mas também me
mortifica, me fere).
132
vez maior de leitores. Muitas vezes esses efeitos são mais relativos aos
aspectos técnicos, como verniz brilhante sobre a imagem principal ou no
logotipo, ou ainda a utilização de papéis diferenciados para criar uma idéia de
que aquela revista é especial, diferente das demais. No que se refere à
concepção visual gráfica, os editores experimentam ora concepções mais
clássicas, onde o projeto gráfico é mais previsível e não explora um tipo de
diagramação que possa causar qualquer tipo de surpresa no leitor. outros
projetos primam pela ousadia, pois pretendem comunicar-se com leitores que
se sentem desafiados por soluções visuais mais dinâmicas e criativas. As
escolhas da estética do projeto gráfico dependem do tema, do contexto e do
público com que a revista pretende se comunicar.
Quanto à técnica de relacionar o tema da capa com o conteúdo interno
da revista, uma prática consagrada no jornalismo editorial contemporâneo, não
era utilizada nas revistas brasileiras das primeiras décadas do século XX
.
A
este respeito, Werneck (2000, p.24) diz que:
Publicações mundanas do começo do século XX (como
Fon-Fon!) traziam na capa apenas desenhos ou
reproduções de pinturas. Ela tinha vida própria, não
refletia o conteúdo de artigos e reportagens. Caberia a
O Cruzeiro, nos anos de 1940, e também a Manchete,
na década seguinte, sair atrás do furo jornalístico. Os
editores descobriram, então, o valor da chamada de
capa, texto breve, preciso, irresistível piscadela verbal
a seduzir o leitor.
Revistas do início do século XX, quando as capas ganham cor. Arara (à esquerda, é de 1905) explora uma
ilustração com arabescos e motivos brasileiros; Careta (de 1908) traz a caricatura do Presidente Afonso
Penna, enquanto que A Fazenda (de 1910) traz uma fotografia em preto e branco recortada sobre um
fundo alaranjado, com aplicação de cor sobre o chapéu do personagem. (Werneck, 2000, p.27)
133
Percebe-se que o design das revistas desse período é fortemente
influenciado pelos magazines ilustrados ou revistas de variedades do século
XIX, de inspiração européia, sobretudo francesa. (MIRA, 2001, p.14).
Um outro exemplo de revista que explorou a autonomia da capa em
relação ao conteúdo foi a Revista Senhor. Publicação esta que marcou a
história do jornalismo cultural brasileiro no final dos anos 50 e início dos 60,
conforme a apresentação feita no capítulo 2 deste trabalho.
134
Observa-se que a estratégia da revista Senhor, ao compor suas capas,
foi adotar a ausência de padrão visual, no sentido de não estabelecer, de o
fixar a localização, o tamanho e o tratamento gráfico dos elementos. Percebe-
se que, nesta revista, as capas exploram diferentes padrões cromáticos,
diversos tamanhos para o logotipo, bem como sua localização, que pode variar
de acordo com a ilustração, podendo a imagem principal ser um desenho, uma
pintura, uma colagem, bem como uma composição fotográfica. Atualmente esta
maneira de relacionar as informações da capa ao conteúdo da revista está
muito vinculada com as questões de marketing, pois o design deve estar em
sintonia com o seu público-leitor e disso resulta o sucesso comercial da
publicação. Observa-se que faz parte dessa estratégia de marketing estruturar
um conceito
8
que deve permear a publicação (influenciado por seu formato,
tipo de papel, bem como pelas imagens e matérias veiculadas), e que é
estruturado em função de um determinado público com grande potencial para
tornar-se um consumidor dos diversos produtos anunciados pela revista. Nesse
sentido Mira (2001,p.11) diz que:
Toda a dinâmica da revista de grande circulação atual
já está aí presente: o leitor passa a ser visto como
consumidor em potencial e o editor torna-se um
especialista em grupos de consumidores. Um
especialista que encontrou a fórmula editorial capaz de
atrair no mercado nacional, o grupo de consumidores
que determinados anunciantes pretendem atingir.
Cria-se, portanto, um via de mão dupla, no sentido de que a revista é
pensada em função do seu público preferencial e o público
responde através da compra da revista, bem como da
interatividade com o veículo, que mantém canais diretos de
comunicação com seus leitores, seja através de telefones,
bem como e-mails e cartas.
Complementando essa visão da sintonia entre design
e as estratégias de marketing, Andy Colwes, editor da revista
Rolling Stone, em entrevista a Leslie (2003, p.10), vai mais
8
Conceito: no campo da comunicação visual (design, publicidade e marketing) e também em áreas
ligadas à moda, design de produtos e arquitetura, a idéia de conceito está associada a um estilo, modismo
ou atitude, que é vendida como valor agregado ao produto.
Capa da revista Elle
135
além, ao sugerir que as estratégias de marketing teriam como função atingir
aspectos subjetivos do leitor:
[...] penso em revistas bem sucedidas do ponto de vista
estético, mas que não tiveram êxito comercial, e sinto
dificuldade em separar os dois componentes. Quando penso
em comercial, não penso em resultados financeiros. Penso em
identificação com o leitor e as suas aspirações e os seus
desejos.
Nesse contexto de concepção estética da capa, pode-se perceber que
cada linha editorial recorre o a um repertório visual que seja facilmente
identificado pelo seu leitor preferencial, mas que, sobretudo, contenha
características culturais identificáveis por aquele
público. Um exemplo disso pode ser percebido
nas capas das diferentes revistas, como, por
exemplo, o tipo de imagem que é veiculada numa
revista de fofocas sobre as celebridades, ou as
imagens das revistas semanais ou culturais.
A BRAVO! busca comunicar-se com seu
público-leitor apresentando um trabalho visual
gráfico em que o conceito estético busca
diferenciar-se das revistas semanais e de
entretenimento, o nos recursos técnicos,
mas em soluções visuais que se relacionem aos
temas culturais e dialoguem com os leitores, que,
para Hernandes (2004, p.14), estão na categoria
dos formadores de opinião. São pessoas que no trabalho, em casa, na escola
ou no bar influenciam outros brasileiros com sua visão de mundo, de estética e
de interesses.
Definido o perfil do público, as estratégias de comunicação devem seguir
os códigos que esse determinado público vai identificar. Ou seja, deve haver
uma inter-relação entre design gráfico e a possível demanda do público-leitor,
ou ainda o que Villas-Boas, (2002, p.18) chamaria de uma relação que
considera a sintonia entre o discurso do cliente e o discurso do público-alvo.
Nesse sentido, a revista BRAVO!, certa de conhecer o público com o qual está
falando, opta por soluções com as quais o seu leitor irá se identificar. O atual
Revista Caras, Época, Cult e Isto É
136
diretor de redação define a estética adotada pela revista apontando os
princípios fundamentais do planejamento visual gráfico da BRAVO!:
O essencial é que as páginas, além de impecavelmente
bonitas, expressem com eloqüência as idéias contidas
nos textos, chamando à leitura de forma irresistível.
Com limpeza e elegância um bom desenho de
página, assim como um bom texto literário, busca a
clareza e a simplicidade, e tem terror à afetação. (Lima,
2008, p.6)
As mais diferentes estratégias de comunicação
visual são exploradas, tais como fotografias, detalhes
de obras de arte, ilustrações ou composições gráficas
podem fazer da imagem da capa o segredo da
sedução de seus leitores. Nesse sentido, a
concepção do layout da revista BRAVO! estabelece
uma inter-relação entre o design gráfico com outras
linguagens (pintura, fotografia, gravura) para a
construção da sua narrativa.
Ao escolher personagens importantes da vida
cultural para fazerem parte de suas capas, a BRAVO!
escolhe nomes que possuem um alto grau de
aprovação por parte do público, seja uma atriz ou um
diretor de cinema. Quando o tema são as artes visuais, a comunicação pode
ser uma reprodução de uma pintura famosa ou ainda dar destaque à chamada
principal com o nome de um grande nome da música erudita, como é o caso da
capa que comemora os 250 anos de Amadeus Mozart.
Considero, então, que a manifestação visual gráfica da capa como
sendo uma única imagem, resultado de diversos procedimentos relacionais
advindos da linguagem do design gráfico, que também expressa uma condição
cultural, que Villas-Boas (2002, p.19) apresenta como sendo [...] um discurso, e
como tal espelha a condição cultural na qual e para a qual foi concebido ao
mesmo tempo em que contribui para produzir, realimentar ou transformar esta
mesma condição cultural.
Toda essa articulação deve ter como objetivo comunicar-se com seu
público-leitor e deve buscar, portanto, a sintonia com o que no universo da
Capas da Revista Bravo!
137
comunicação (publicidade, design, jornalismo) é uma das premissas na
elaboração de um projeto: o briefing. A elaboração do briefing seria, entre
outras coisas, a identificação do perfil do público-leitor, com suas
características econômicas e preferências de consumo. Para Volmer (1998,
p.18), o briefing é a
[...] série de referências contendo informações sobre o
produto ou objeto a ser trabalhado, seu mercado e
objetivos. O briefing sintetiza os objetivos a serem
levados em conta para o desenvolvimento do trabalho.
Muitas vezes o designer auxiliar na sua delimitação.
Por fim, pode-se observar que as revistas das primeiras décadas do
século XX representaram um papel importante na construção de visualidades,
pelo fato de que nesse período não havia tantos recursos tecnológicos para
produção e reprodução de imagens, como a tv e o cinema, que estavam numa
fase ainda embrionária. No entanto, é importante destacar que, no início do
século XX, por haver ainda poucos recursos para a produção e a reprodução
de imagens, estas assumiam um papel diferenciado na apreensão visual e
possuíam o poder de impressionar mais do que as imagens de hoje, em função
do seu caráter de raridade, em oposição à saturação de imagens da era
contemporânea.
Portanto, percebe-se que a capa cumpre com um papel que vai além de
apenas identificar determinada publicação. Ela seria o elemento que se
comunica primeiro com o leitor, criando um elo entre o externo e o interno da
revista.
Por isso, ao contrário do que se possa imaginar, a apresentação visual
da capa, para atingir seus objetivos, deve estar em sintonia com o conteúdo
interno da revista e seu projeto visual gráfico. Ela deve ser estruturada a partir
de algumas regras básicas da linguagem do design gráfico para poder
estabelecer a comunicação desejada com o público-leitor. É na capa que
aparecem os primeiros sinais ou as primeiras pistas daquela publicação e é
através desses sinais que o leitor poderá sentir-se capturado para percorrer
suas páginas e explorar seus conteúdos.
A capa da revista BRAVO! é composta basicamente por cinco tipos de
elementos visuais gráficos, de que a seguir faço a apresentação:
138
5.2. O design do logotipo
Pode-se iniciar a leitura dos elementos que formam a capa da BRAVO! a
partir do seu logotipo que fica localizado na parte superior e está apresentado
com todas as letras maiúsculas, acompanhado pelo sinal de
exclamação no final da palavra. O nome BRAVO! foi
particularizado pela fonte tipográfica Bodoni, que possui seu
desenho originalmente criado pelo tipógrafo italiano Giambatista
Bodoni entre os anos 1803 e 1812, em Parma, conforme
Bringhurst (2005, p.145).
Sobre a estética deste tipo pode-se observar que, por possuir traços
retos, uma transição radical entre o traçado das hastes finas e grossas,
Giambatista Bodoni
139
transmite muita clareza e elegância ao compor textos. Sobre a influência da
estética da escrita romana daquele período, Rocha (2002, p.99) diz que,
[...] mesmo sendo de um período em que os tipos
romanos incorporavam traços e ritmos da escrita
manual, os tipos de Bodoni eram desenhados
acrescentando as inovações características de sua
época, como o eixo vertical, a serifa hairline e grande
contraste entre as hastes finas e grossas. (ROCHA,
2002. p.99).
Observa-se que muitas revistas cujo tema é moda ou comportamento
escolhem fontes semelhantes em seus logotipos por considerarem que este
design tipográfico possui qualidades que remetem à tradição cultural, à idéia do
que seria clássico e por isso seriam interpretados como conceitos de elegância
e sofisticação.
Revistas Vogue Living, Vogue e Elle
140
O desenho deste tipo de letra é de um período em que a escrita manual
era muito utilizada, bem como a criação de uma matriz tipográfica dependia do
traçado feito por pincel. Neste caso, o resultado obtido no design desta letra é
relativo a um período em que, conforme afirma Bringhurst (2005, p.146),
[...] a pena larga desapareceu. Em seu lugar veio a
pena pontuda e flexível. A pena larga produzia um
traço suavemente modulado, cuja espessura variava
com a direção, mas a pena pontuda comporta-se de
maneira bem diferente. O traço de uma pena flexível
muda repentinamente de espessura de acordo com as
mudanças de pressão. Utilizada com moderação, ela
produz um floreio neoclássico. Manuseada com mais
força, gera um floreio mais dramático e romântico. O
contraste dramático é essencial para boa parte da
música e da pintura românticas e também para o
desenho dos tipos românticos.
O resgate desse conhecimento (das características do desenho original
dos tipos) fornece-nos dados que nos remetem a outros períodos da história da
escrita e nos conscientiza de que o design tipográfico contemporâneo, mesmo
que aparentemente criativo, é fortemente influenciado por essas antigas
matrizes.
Ao identificar as características que compõem o logotipo desta revista,
não poderia deixar de refletir sobre o que a marca BRAVO! estaria tentando
evocar ao escolher esta palavra para intitular-se. Ao utilizar aqui a expressão
marca, estou me referindo à forma como um nome de produto ou serviço é
classificado no universo da comunicação. É através da marca que o público
identifica e se relaciona com os diversos aspectos ligados ao universo da
comercialização de produtos e serviços. Na opinião de Strunck (2001, p.18):
A marca é um nome, normalmente representado por
um desenho (logotipo e/ou símbolo) que com o tempo,
devido às experiências reais e virtuais, objetivas ou
subjetivas que vamos relacionando a ela, passa a ter
um valor específico.
Se nos distanciarmos do primeiro conceito que nos fornece o dicionário,
que associa a palavra BRAVO aos adjetivos: feroz, valoroso, intrépido,
exaltado e furioso, entre outros, vamos identificar uma outra linha de
conotações que conceitua esta palavra como aplauso ou ainda com
141
interjeições de aprovação como apoiado e muito bem. Estas últimas estariam
mais próximas do que a revista pretende evocar, já que BRAVO! é a interjeição
mais utilizada quando o público aprova um determinado espetáculo. No
editorial da edição de novembro de 2007, João Gabriel de Lima (redator-chefe
da BRAVO!) também expressa sua opinião sobre o significado da palavra que
dá nome à revista, dizendo que
[...] BRAVO! é uma revista passional. A começar por
seu logotipo. Nele, a palavra utilizada para saudar
performances arrebatadoras vem acompanhada de um
ponto de exclamação. BRAVO !, dizem os editores da
revista para as peças de teatro, shows, concertos,
filmes, livros e exposições que merecem destaques a
cada edição. (p.10).
Neste sentido, esta palavra está se referindo à expressão usada nos
espetáculos que acontecem em espaços formais, tais como teatros ou casas
especialmente construídas para este fim e, em especial, evoca a relação com
espetáculos eruditos, como concertos, óperas, teatro e dança.
Portanto, o nome BRAVO! presentifica o conceito de estar aplaudindo o
melhor que na produção cultural. A revista pode comunicar-se tanto com o
público que freqüenta e consome produtos culturais quanto com aquele que se
identifica e busca informação sobre o universo cultural por não ter acesso
direto a essas produções.
Uma outra possibilidade de refletir sobre os significados que o nome da
revista provoca seria a de que, ao adquirir este nome, o leitor também estaria
adquirindo a possibilidade de aplaudir as diversas produções culturais ali
reportadas e de alguma forma comungar da experiência de participar da vida
cultural e artística, mesmo que não freqüentando efetivamente a produção
cultural ali apresentada, seria como uma participação imaginada.
5.3. Chamada principal e chamadas secundárias
Ainda fazendo referência ao campo do verbal, o layout da capa conta
com estas duas categorias de texto. A chamada principal tem a função de,
através da palavra, apresentar o tema principal, mostrado na imagem
principal. Este texto não cumpre com o papel da legenda, no sentido de
142
identificar o que a imagem está mostrando, mas sim de ampliar o sentido
desta. Nesse sentido, Barthes (1982, p.32) chama estas informações verbais
de mensagens lingüísticas e atenta para a importância dos textos nos meios de
comunicação de massa, que contribuem para a construção da estrutura
informacional.
Hoje, ao nível das comunicações de massa, quer-nos
parecer que a mensagem lingüística está presente em
todas as imagens: como título, como legenda, como
matéria jornalística, como legendas de filme, como
fumetto; como se vê, questiona-se hoje o que se
chama a civilização da imagem: somos ainda, e mais
do que nunca, uma civilização da escrita, porque a
escrita e a palavra são termos carregados de estrutura
informacional.
Ainda nesse contexto, as chamadas secundárias teriam a função de
identificar o que está sendo noticiado através das imagens secundárias e aqui
estes textos estariam mais próximos da legenda.
5.4. A imagem principal
A imagem principal na capa da revista BRAVO! é o
elemento que ocupa a maior parte da área da capa e é a
partir dela que se relacionam os outros elementos que têm
uma função complementar. A imagem principal tem como
função definir o assunto mais importante da revista e de
certa maneira é ela quem cria, através do visual, a atmosfera
daquela edição. Por exemplo, na edição em que o
personagem da capa é o músico Dorival Caymmi, a
fotografia em preto e branco mostra o artista com uma
expressão risonha que toma conta de toda a capa. Ao dialogar com o calor da
cor amarela do logotipo e do título principal, o layout da capa adquire um
resultado visual alegre, próximo (considerando que o personagem é bastante
conhecido do público) e, por isso, afetivo. Um exemplo que poderia contrastar
com este seriam as edições que trazem como imagem principal fotografias em
que os tons escuros se sobressaem, dando à capa uma atmosfera séria, densa
e dramática, conforme os exemplos abaixo:
143
5.5. Imagens secundárias
As imagens secundárias são as que geralmente aparecem em tamanho
menor, na lateral esquerda (no projeto gráfico dos primeiros anos da revista).
Eles têm a função de chamar o leitor para os outros assuntos que fazem parte
da edição, mas que não possuem a importância do
assunto principal, sendo, porém, temas que
merecem um certo destaque no contexto da
revista. No projeto inicial da Bravo! estas imagens
ocupavam uma estreita coluna vertical na parte
esquerda da capa e eram em número de quatro.
As três primeiras, de cima para baixo, eram
apresentadas em formato quadrado e a última
geralmente era uma imagem recortada, que fazia a
ligação visual entre essa coluna e a imagem
principal. Essa concepção da capa modificou a
partir da edição de número 50, quando a revista
não veiculou mais imagens secundárias.
Capas da Revista bravo!
144
5.6. Os sentidos do papel
No que tange a sua materialidade, a revista BRAVO! apresenta-se
através de uma edição totalmente impressa sobre papel couché branco, onde o
projeto de design visual se manifesta através de textos e imagens, resultado do
tratamento gráfico que utiliza os mais sofisticados recursos da indústria gráfica
contemporânea para a produção de peças editoriais. A capa desta revista é
impressa sobre um papel de gramatura maior do que as revistas semanais e
até mesmo do que as tradicionais revistas femininas, o que lhe confere um
status de maior importância. Percebe-se que, no período inicial da revista, o
acabamento técnico da capa era dado com um verniz fosco, apenas com a
finalidade de proteger a impressão. Mais recentemente a editora adotou o
verniz brilhante para este acabamento, deixando a revista neste aspecto com a
aparência próxima da maioria das revistas que atualmente se utilizam deste
recurso.
Ao salientar os aspectos da sua materialidade, estou propondo que
também através deles a revista está manifestando determinados sentidos. Por
exemplo: ao optar pelo papel branco (de maior gramatura na capa e de menor
nas páginas internas), a revista também está propondo uma série de
significados que essa cor tem para a nossa cultura, como luz, pureza, limpeza,
assepssia, entre outras. Portanto, esses sentidos também remetem a algo de
valor superior ou que é destinado a uma classe superior. Podemos observar,
ainda, que essas características da aparência da revista em nada se
aproximam de aspectos artesanais, populares ou de qualquer expressão que
não pareça resultado de algo muito elaborado.
5.7. Por dentro da BRAVO!
As páginas internas da BRAVO! exibem um tipo de diagramação que
alternam áreas de total preenchimento (com fotos, ilustrações ou áreas
compactas em uma determinada cor) com espaços vazios nas laterais ou parte
superior das páginas. Essa opção estética se diferencia das publicações que
145
priorizam mais a informação textual e demonstra uma preocupação em
proporcionar uma leitura dinâmica e confortável aos seus leitores. No entanto,
o arranjo do design da revista busca valorizar os conteúdos, seja pela
disposição de textos curtos em uma página que comportaria um volume muito
maior ou através das imagens que podem ocupar grandes espaços. A isso
soma-se a possibilidade de apresentar imagens raras do universo da produção
cultural, como uma cena do making off de um filme ainda a ser lançado, um
músico ensaiando seu musical, um artista-visual trabalhando em seu atelier ou
uma foto rara de um cineasta, escritor ou artista.
Diagramação da Bravo! Edição de dezembro de 2001
Percebe-se que o projeto gráfico da fase inicial da BRAVO! estruturou
seu diagrama, privilegiando a ênfase vertical das colunas de textos, apoiadas
146
por uma falsa coluna nas laterais, que servem para informações
complementares sobre a matérias e, quando estas são em menor quantidade,
este espaço fica quase que totalmente em branco e isso contribui para que as
duas colunas de texto fiquem ainda mais em destaque. Mas, quando as
colunas de apoio nas laterais são preenchidas com uma cor de fundo, causam
um forte contraste com a área branca das páginas, definindo diferentes campos
de informação, que dialogam entre si e se complementam.
Em relação às imagens, tomando como exemplo a matéria sobre a
artista plástica Regina Silveira, elas criam uma narrativa que inicia com a
grande silueta destorcida da obra Paradoxo do Santo, que ocupa as duas
páginas que abrem a matéria. A figura em negro contrasta com as paredes em
azul claro do museu onde está exposta, bem como com as letras em vermelho
do título: A geometria da distorção. As páginas que dão a seqüência da matéria
privilegiam o fundo branco e as colunas de texto ocupam apenas o espaço
necessário para que as obras se destaquem. Apenas em uma gina o projeto
explora dois pequenos blocos de texto, lado a lado. Nas demais ginas, os
espaços são preenchidos por uma coluna de texto, que são interferidos por
alguma das partes da imagem. Nesse sentido, o layout da página não
estabelece espaços distintos para imagem e texto, mas considera que as duas
linguagens (visual e verbal) possam se relacionar de maneira que uma invada
o espaço da outra e vice-versa. A maneira mais complexa e mais criativa de
resolver as informações verbo-visuais para compor sua narrativa não
acompanhou a Bravo! nas reformulações do seu projeto gráfico com a mesma
intensidade. Observa-se, que nas edições mais recentes (a partir do ano de
2004), esses aspectos da diagramação foram adquirindo um formato mais
objetivo, onde os elementos verbais e visuais têm cada um o seu lugar. O fato
da revista adotar um tipo de diagramação que privilegia a definição dos
espaços das colunas e que prima pela clareza e previsibilidade das
informações, reforça seu aspecto mais comercial, no sentido de que seu visual
resulta mais uniforme e a estruturação dos elementos apresenta um grau
menor de complexidade. Isso pode ser percebido na diagramação da matéria
Guerra e Paz, da edição de agosto de 2008, que aborda a relação artística
entre Roberto Carlos e Caetano Veloso. Aqui, o diagrama é definido por áreas
147
destinadas somente aos textos ao lado de
áreas destinadas somente às imagens.
Essa postura reflete, entre outras,
que, ao facilitar a leitura da revista, a
editora investe na ampliação do seu
público-leitor e que, ao diminuir as
características que davam à revista
aspectos que refletiam algum tipo de
complexidade do seu design, agora a
colocam bem mais próximas de outras
publicações que privilegiam a informação
sem ênfase no design gráfico.
Nesse contexto da diagramação,
vale ressaltar, portanto, que a Bravo!
mantém a utilização dos espaços em
branco na composição da página. Esse
recurso, utilizado também nos livros, além de possibilitar uma leitura mais
confortável, valoriza as áreas impressas ao dar-lhes um espaço mais amplo,
em que a matéria “respira” e o conteúdo adquire um status de informação
especial, sofisticada, única.
5.8. A construção visual da Bravo!
No que tange à materialidade do objeto revista, A BRAVO! da primeira
fase tinha uma apresentação visual que se diferenciava das outras revistas
existentes no mercado editorial até então. A começar pelo formato maior (23,5
x 30,0 cm), que remetia a revistas que marcaram época, como a Cruzeiro e
Manchete. Possuía uma capa em papel couché de alta gramatura, com
aplicação de verniz brilhante sobre toda a extensão e explorava um tipo de
encadernação com lombada, que cria uma conexão com publicações
próximas ao livro e, portanto, se distancia da aparência descartável e popular
das revistas com um número menor de páginas que são grampeadas, por
exemplo.
Páginas da Bravo em 2008
148
A manifestação física da revista é, portanto, o resultado da operação de
uma série de recursos tecnológicos que possibilita que este suporte esteja
inserido no universo dos meios editoriais, tais como o de livros e jornais, mas
também de outros aparatos a que temos acesso atualmente, como os
computadores, os telefones celulares, as máquinas
fotográficas digitais, a televisão, entre outros.
Assim como as revistas, todos estes tipos
diferentes de tecnologias e imagens apresentam
visões de mundo; traduzem o mundo em termos
visuais (ROSE, 2001, p. 6).
Essas visões de mundo sempre expressam
um olhar de alguém sobre alguma coisa e por isso
elas nunca o neutras ou inocentes. Sobre esse
argumento, Rose (2001, p.6) alerta para o caráter
simbólico das imagens, bem como de que a
manifestação visual reflete um determinado olhar
ou uma forma particular de ver:
[...] mas essa tradução, mesmo através de fotografias,
nunca é inocente. Estas imagens nunca são janelas
transparentes para o mundo. Elas interpretam o
mundo; apresentam-no de formas bem particulares.
A configuração das narrativas verbo-visuais que compõem uma peça
gráfica articulam um discurso carregado de simbolismo que se expressa
materialmente no plano da visualidade, de forma a veicular nestes valores
mediante a preservação deste mesmo caráter simbólico, segundo Villas-Boas,
(2001. p.19). Nesse sentido, ao fazermos a leitura visual de uma imagem,
estamos em contato com o visível e o invisível, representado pelo simbolismo
da sintaxe visual.
Ao fazer a leitura visual das capas da Bravo!, considero alguns aspectos
da linguagem do design gráfico e também me proponho a identificar os
conteúdos propostos através da articulação das suas narrativas. Penso que,
através do levantamento dos dados constitutivos, seja possível tecer diversos
diálogos entre os elementos que constroem as narrativas verbo-visuais, bem
como de que maneira constroem visões sobre o que é cultural.
149
Rose (2001, p.16) estabelece três lugares em que se produzem os
significados da imagem: o lugar de produção da imagem, o lugar da imagem
em si e o lugar em que a imagem é vista por vários públicos. Seriam nesses
lugares que se configuram a idéia cultural da revista.
Sobre o lugar de produção da imagem a autora chama a atenção para o
fato de que as circunstâncias em que a imagem foi produzida podem contribuir
para o efeito que elas tenham, conforme Rose (2001, p.18). Nesse sentido a
autora refere-se aos diversos recursos tecnológicos para a feitura de imagens,
trazendo como exemplo as diferenças entre a produção de uma pintura à óleo
e de uma fotografia, dizendo que essas tecnologias (...) determinam sua
forma, significado e efeito. (p.18).
Sobre o lugar da imagem em si, Rose refere-se aos componentes
formais contidos na imagem. Ela destaca, entre estes componentes, que o
padrão cromático, bem como a questão da composição, moldariam a forma de
ver. No caso de uma fotografia publicada numa revista, o que é visto ou
apreciado pelo público é o resultado das escolhas técnicas para se chegar
aquele efeito ou recurso. A autora exemplifica que tratando-se de uma imagem
publicitária, esta circunstância afetaria a forma da mesma ser vista, que ela
estaria envolvida numa circunstância econômica que lhe proporcionaria uma
aparência comercial.
O terceiro lugar que Rose estabelece para a imagem é o lugar em que a
imagem é vista por vários públicos ou o audiencing. Esta abordagem se refere
ao processo pelo qual a imagem tem seus significados renegociados, ou
mesmo rejeitados, por determinados públicos espectadores em circunstâncias
específicas, conforme Rose (2001. p.25). Estes aspectos o abordados de
maneira mais abrangente no capítulo 3 deste trabalho, intitulado: Revistando a
Cidade.
Considerando a complexidade desses três lugares, a autora propõe
subseções que contribuem para uma compreensão crítica das imagens, que
seriam as modalidades, tecnológica, composicional e a social (2001, p.16).
Nesta seção, pretendo me ater à modalidade composicionial,
examinando as estratégias utilizadas na composição do layout das capas, tais
como conteúdo, cor e organização espacial.
150
Diferentemente da linguagem artística, que se propõe a produzir
imagens que contenham diversas camadas de sentidos, a imagem da mídia
tem como característica um alto grau de objetividade, que está
comprometida com aspectos da comercialização da própria revista e também
de idéias, serviços e produtos. Portanto, mesmo contendo estas
características, é inegável que esse tipo de imagem contenha múltiplos
sentidos. Sobre essa maneira de nos relacionarmos com os diferentes
significados da imagem, Barthes (1990, p.32) diz
que
[...] toda imagem é polissêmica e
pressupõe, subjacente a seus
significantes, uma ‘cadeia flutuante’
de significados, podendo o leitor
escolher alguns e ignorar outros. A
polissemia leva a uma interrogação
sobre o sentido.
Percebe-se, no entanto, que a maioria das
imagens da mídia atua de diversas formas e
produz diferentes sentidos, dependendo do tipo de
suporte a qual ela está associada.
Um exemplo disso pode ser observado na
diferenciação de estrutura de layout entre a capa
de um jornal e de uma revista. Enquanto que os
jornais, que têm o compromisso com o factual,
com o mais imediato, com que é o assunto do dia,
as revistas, especialmente as de periodicidade
mensal, têm mais liberdade em construir suas
pautas ao escolher um assunto que está mais em
evidência naquele período e que é de interesse de
um determinado público.
A concepção da capas, tanto de jornais
quanto de revistas, utiliza recursos de
comunicação visual semelhantes, tais como (o
logotipo, títulos, fotografias, legendas), mas se
diferencia principalmente pelo fato de que nas
151
capas das revistas a narrativa está baseada na imagem principal e que não
utiliza conteúdos de textos em colunas verticalizadas, como é comum nas
capas dos jornais. A principal diferença, então, se fundamentaria na maneira
em articular a linguagem do design gráfico. Enquanto que a revista se apóia
mais na valorização da imagem principal como elemento que define a estética
da capa, o jornal utiliza várias imagens e apresenta através de textos curtos,
bem como de pequenos gráficos e tabelas, uma prévia das matérias mais
importantes do dia.
No que se refere à concepção do layout das capas da Bravo!, pode-se
observar, no conjunto de capas do primeiro ano, que ela apresenta uma
variedade de temas que contemplam os principais assuntos da produção
cultural, tais como: as artes-plásticas, nas capas dos números 1, 6 e 9; a
música na capa número 2, a literatura nas capas números 3, 8 e 10; o cinema
nas capas números 4 e 11 e o teatro nas capas números 7 e 12.
O critério para selecionar as capas das edições aqui apresentadas será
o que considero importante do ponto de vista de que representam temas que
refletem aspectos significativos da identidade cultural brasileira. Portanto, deste
primeiro grupo, destaco a edição número 2, que traz a figura do compositor,
cantor e escritor Caetano Veloso.
152
153
5.9. Cores e nomes: um olhar sobre seis capas da BRAVO!
Gosto de ser e de estar
e quero me dedicar a criar
confusões de prosódias
e uma profusão de paródias
que encurtem dores e furtem
cores como camaleões
.
(Língua – Caetano Veloso)
Cores e nomes. Ditas assim, tomadas de empréstimo da poesia de
Caetano Veloso, estas palavras podem aqui significar os elementos visuais
gráficos que constroem a narrativa da capa de uma revista. Cores
representando tudo que se refere às imagens, e nomes, os elementos verbais.
Se, em nossa relação cotidiana com a revista, nosso olhar quase não se
detém nos detalhes e muitos deles passam despercebidos, aqui o objetivo é
vasculhar e esmiuçar esta página impressa e tentar perceber quais os
possíveis sentidos que ela nos provoca.
Temos, como primeiro dado, a superfície plana do
papel, e é nesse espaço que acontecem essas narrativas
verbo-visuais. Para nos situarmos nos percursos da
narrativa visual, busco o recurso da grade estrutural,
para identificar, situar e perceber os diversos
personagens que compõem a cena da capa impressa. A
grade define os campos situados na parte superior,
inferior, laterais direita e esquerda e o campo central.
Seguindo o sentido de leitura ocidental (da
esquerda para direita e de cima para baixo), identifico o
logotipo da revista, que está centralizado na parte
superior. Ele representa a marca da revista e, portanto, tem o papel de
Grade estrutural
154
identificar a publicação através do nome. Nesta edição, o logotipo está
apresentado em amarelo claro, sobrepondo a imagem principal monocromática
e é a informação verbal em maior destaque nesta capa, tanto pelo grande
formato das letras, bem como pelo contraste com os outros elementos da capa.
Na parte central, ocupando a dimensão relativa a toda a altura da capa e
praticamente toda a largura, a imagem principal desta edição apresenta uma
fotografia monocromática do artista Caetano Veloso. O que se percebe,
inicialmente, é que ela contrasta com os outros elementos que compõem a
capa, tais como o logotipo, o fundo azul escuro da coluna vertical, bem como
as imagens e textos secundários. As capas da BRAVO! recorrem
freqüentemente a este efeito de figura e fundo, que, através do contraste, tem
como objetivo ressaltar a figura. Sobre este recurso, Pedrosa (1996, p.122) diz
que:
Com efeito, figuras coloridas apresentadas contra
fundo de cor muito diferente, mas de igual claridade
(medida ao fotômetro), são muito pouco visíveis. Seus
limites são flutuantes. Mas se mesmo uma cor uniforme
é acompanhada de ligeira diferença de grau em
claridade entre figura e o fundo, isso basta para
estabilizar a percepção. A diferenciação inicial mostra,
pois, que nenhum objeto sensível, se não estiver em
relação com um “fundo”, será jamais percebido.
Além do contraste entre a figura com o fundo e com a coluna vertical da
esquerda, a fotografia retrata o artista fazendo uma expressão facial que
destaca o olho esquerdo por forçar sua abertura e criar um franzido na testa. A
posição do rosto
enfatiza todo o lado
esquerdo do rosto
deixando-o
desproporcional ao
restante da figura.
Numa representação
que evidencia apenas
as linhas desta
imagem, podemos fazer relações às figuras cubistas de Picasso, que dão um
grande destaque ao olho de seus personagens.
Desenho da capa da Bravo e pinturas de Picasso.
155
Na parte inferior à direita vemos o título principal: No olho do furacão,
com o subtítulo referindo-se ao lançamento de livro e cd de Caetano Veloso; na
lateral direita lê-se um título secundário que chama a atenção para a matéria
sobre João Cabral de Melo Neto (imagens e poesias das aldeias universais de
Recife e Sevilha); na lateral esquerda tem uma estreita coluna vertical que
serve de base para as chamadas das matérias secundárias, que aqui vêm
acompanhadas por pequenas imagens relativas aos temas em destaque, tais
como: teatro, cinema, arquitetura e dança. Sendo que a imagem referente à
dança é apresentada recortada e ocupa uma parte da base da coluna vertical,
mas também se sobrepõe à imagem principal.
No que se refere à busca de significados, considero que eles são
sugeridos por diversos aspectos que compõem a narrativa da capa e que em
algum momento poderão conter um alto grau de objetividade e clareza,
enquanto que outros aspectos podem nos parecer um tanto instáveis e
abrangem um nível mais subjetivo da análise. Isso nos coloca num terreno
menos previsível e instável. Sobre essa maneira de tratar a questão do
significado Hall (2006, p.41) coloca que
[...] o significado é inerentemente instável: ele procura o
fechamento (a identidade), mas ele é constantemente
perturbado (pela diferença). Ele es constantemente
escapulindo de nós. Existem sempre significados
suplementares sobre os quais não temos qualquer
controle, que surgirão e subverterão nossas tentativas
para criar mundos fixos e estáveis.
A instabilidade do significado a qual Hall se refere pode ser percebida
pela intertextualidade que ocorre entre as narrativas de texto e imagem, no
sentido que cada uma é independente, mas neste contexto estabelece um
diálogo com a imagem, ampliando o sentido. Barthes (1982, p.31) também
coloca essa questão sobre a inter-relação entre texto e imagem ao perguntar
se a imagem duplica certas informações de texto, por um fenômeno de
redundância, ou é o texto que acrescenta à imagem uma informação inédita?
Identifica-se o contexto confuso do qual Caetano fala ao dizer que ele quer
criar uma confusão de prosódias.
Percebe-se, nesta capa, uma forte ligação entre o destaque dado à
imagem do olho e o texto do tulo da matéria: O olho do furacão. Aqui a
156
palavra furacão também remete à instabilidade e à imprecisão e por isso pode
estar fazendo uma alusão ao estilo intempestuoso e provocador do artista, que
a cada trabalho experimenta diferentes formas de expressar sua arte, seja ela
musical, visual ou escrita, não se fixando a um único modelo de produção
artística.
A imagem do olho nos remete a um olho atento e vivo, que capta e
provoca novos olhares. Ao relacionarmos esta capa com outras capas que têm
na imagem do olho um elemento de destaque na construção da narrativa
visual, identifico que os diferentes olhares destes personagens são carregados
de simbolismo e de valores culturais.
Destaco, então, entre os inúmeros personagens que povoam as capas
da BRAVO!, as edições que trazem em destaque Carmen Miranda, o Pato
Donald e o cineasta alemão Wim Wenders.
A partir do olho provocador de Caetano Veloso, que significados
estariam propondo os diferentes olhos e olhares destes outros personagens? O
que poderia existir de comum entre estas figuras, representantes de culturas
tão específicas? Estas questões podem nortear este jogo de olhares que as
capas da BRAVO! propõem.
A edição com a imagem de Carmen Miranda na capa é comemorativa
aos 90 anos do nascimento dessa artista nascida em Portugal, que construiu
sua carreira no Brasil e viveu o apogeu de sua trajetória nos EUA. A capa que
estampa o Pato Donald festeja o centenário do nascimento de Walt Disney e a
capa que apresenta Wim Wenders saúda o cinema produzido pelo diretor ao
escrever abaixo do título: Em entrevista exclusiva, um dos maiores diretores do
mundo anuncia o futuro com uma câmera digital na mão.
A primeira relação que podemos tecer para compor esta análise visual
do conjunto destas capas da revista BRAVO! é identificar alguns conceitos de
identidade cultural que as imagens destes personagens provocam.
Primeiramente, podemos construir este pensamento sobre identidades
culturais a partir das propostas de Hall (2006, p. 47), que coloca a idéia de que
as culturas nacionais onde nascemos se constituem em uma das principais
fontes de identidade cultural e que, ao nos apresentarmos dizendo que somos
ingleses ou galeses ou indianos ou jamaicanos, acreditamos que essas
identidades fazem parte de nossa natureza essencial. O autor ainda diz que, ao
157
fazer isso, estamos falando de forma metafórica, pois as identidades
nacionais
não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e
transformadas no interior da representação, (p.48).
Revista Bravo! Edições 02, 17, 34 e 51
158
Portanto, os personagens aqui escolhidos e agrupados podem construir
narrativas o influenciadas por aquilo que foi construído como sendo suas
identidades culturais, mas também através das relações que podem se
estabelecer entre as diversas culturas aqui representadas, gerando, então,
conceitos de interculturalidade, que se diferencia da idéia de identidade cultural
unificada.
Ao escolher a capa que traz a imagem de Caetano Veloso como ponto
de partida para estabelecer estes diálogos narrativos entre as diferentes capas,
pode-se primeiramente pensar sobre a origem do artista. Ele é natural do
estado da Bahia, que é um dos principais pontos geográficos da história do
Brasil, no sentido de que foi ali que os portugueses aportaram em 1500, em
sua descoberta do Brasil. Então temos esse olhar de quem nasceu e viveu na
região que foi o primeiro cenário histórico-cultural brasileiro. É neste cenário
que uma outra cultura chega para se sobrepor à que aqui existia e que, na
mistura de diversas etnias, formaria o Brasil que existe até hoje.
Ao colocar a Bahia como ponto geográfico central, pode-se pensar
nesse lugar como o olho do furacão da cultura brasileira, no sentido de que foi
a partir dali que o conceito de cultura brasileira se desenvolveu. Nesse sentido,
o próprio Caetano, através de suas composições, identifica na língua
portuguesa os sinais da identidade cultural que tanto pode ser do Brasil quanto
de Portugal, ao misturar nomes importantes da literatura e da poesia de ambas
as nações:
[...] Gosto de sentir a minha língua roçar
A língua de Luís de Camões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
[...] E deixem os portugais morrerem à míngua
Minha pátria é minha língua
Fala Mangueira
Fala!
[...]
A língua é minha Pátria
E eu não tenho Pátria: tenho mátria
Eu quero frátria.
Caetano nega a idéia tradicional de pátria (eu não tenho pátria) e evoca
a idéia de mátria (mãe) e frátria (irmã). Neste sentido, ele constrói uma
metáfora que utiliza os elementos básicos do cleo familiar, a origem
159
formadora da nossa primeira identidade, para refletir sobre a representação da
identidade nacional.
Sobre a importância da língua como meio dominante de comunicação
em toda a nação, Hall (2006, p. 49-50) diz que:
A formação de uma cultura nacional contribui para criar
padrões de alfabetização universais, generalizou uma
única língua vernacular como o meio dominante de
comunicação em toda a nação, criou uma cultura
homogênea e manteve instituições culturais nacionais,
como, por exemplo, um sistema educacional nacional.
Ao considerar a cultura portuguesa como
fator determinante na formação do que veio a
tornar-se o Brasil, relaciono a capa que traz
Caetano Veloso com a capa da edição 17 com a
artista Carmem Miranda, que Carmem também
representa uma forte referência para o trabalho
artístico de Caetano e para a cultura brasileira.
A matéria tem o título: A marca de
Carmem. A primeira pergunta que desafia o leitor
é: Que marcas a trajetória desta artista de origem
portuguesa teria deixado na história cultural do
Brasil? Ou ainda: o que o uso exagerado de
acessórios, enfeites e maquiagem refletiria sobre determinados aspectos
culturais brasileiros?
A representação de Carmen nesta capa se faz através de uma de
suas inúmeras fotografias em que está caracterizada de baiana, que foi a
personagem que a divulgou pelo mundo. O enquadramento da imagem
privilegia sua expressão facial e mostra seu rosto, que preenche quase toda a
totalidade da capa. Os brincos de pérolas, bem como os detalhes do turbante,
ficam misturados com os outros elementos do design gráfico, como o logotipo
na parte superior e o tulo e a imagem secundária na inferior. A personagem,
que parece estar cantando, tem o olho direito aberto e o esquerdo fechado,
com o olhar direcionado para o lado esquerdo, numa expressão
completamente inversa à de Caetano Veloso, que tem uma expressão fixa e
sisuda. Seu olhar expressa graça e sensualidade, está voltado para fora da
160
capa e parece ser o resultado de um movimento do rosto que acompanha o
ritmo da sica, flertando com o que pode acontecer fora do limite da capa,
que pode ser tanto o público, como o próprio leitor.
Nessas duas capas, também percebe-se a inversão de elementos e
padrões cromáticos em outros aspectos do design, como no fato de que a capa
da edição que apresenta Caetano Veloso é monocromática, enquanto que esta
é policromática; a personagem de Carmem está com a boca aberta, em
movimento, como se estivesse cantarolando, enquanto Caetano está de boca
fechada; Carmem tem todo o rosto iluminado, enquanto que a imagem de
Caetano explora um jogo de luz e sombra que deixa o lado esquerdo da foto
com mais luz, enquanto que o direito do seu rosto está mais sombreado.
Quanto ao que se refere à representação da identidade cultural
através desta imagem, pode-se apontar que ela estaria centrada no estereótipo
da baiana, que seria aquela mulher moldada pela canção de Dorival Caymmi,
um dos sucessos cantados por Carmem:
O que é que a baiana tem?
Mas o que é que é que a baiana tem?
Tem torço de seda, tem!
Tem brincos de ouro, tem!
Correntes de ouro, tem!
Tem pano da costa, tem!
Tem bata rendada, tem!
Pulseira de ouro, tem!
Tem saia engomada, tem!
E sandália enfeitada, tem!
Tem graça como ninguém!
Como ela requebra bem!
Observa-se que, principalmente a trajetória internacional de Carmem
Miranda entre os anos de 1939 e 1945 nos EUA, está situada num contexto de
crises internacionais e que seu trabalho teria, entre outras, a função de
propiciar ao público americano momentos de distração e entretenimento, ou,
conforme Barros (1999, p. 49), de oferecer uma grande dose de fantasia,
ilusão, escapismo, numa época de agudas incertezas mundiais.
Nesse sentido, relaciono o trabalho de Carmem a produção de Walt
Disney, que, além de estar associada aos conceitos de escapismo lúdico,
também reforça valores da cultura americana, que, conforme Giroux (1995, p.
140), investem em estratégias de
161
[...] esquecimento histórico e de uma pedagogia
repressiva nos livros, discos, parques, filmes e
programas de TV, [...] produzem uma série de
identificações que, incansavelmente, definem os
Estados Unidos como branco, de classe média e
heterossexual.
Percebe-se, então, que as narrativas produzidas pela Disney
representam a cultura americana não através de seus diversos
personagens, mas também por tudo o que constitui até hoje o universo Disney,
que, conforme Augusto (2001, p. 58), é uma assinatura que possui um grande
poder, ou ainda,
[...] mais que um nome, é uma marca, tão poderosa e
onipresente quanto a Coca-cola. Sua obra não afetou
somente a história do cinema, mas até a paisagem
americana. Impossível imaginar o século XX sem sua
presença e as míticas criaturas que inventou.
Na visão de Giroux (1995, p. 140), a
onipresença dos personagens de todo o
maravilhoso mundo da Disney é mais que uma
logomarca, no sentido de que tanto seus
personagens quanto a variedade de produtos
derivados deles, modificaram padrões da
identidade cultural que extrapolaram os limites geográficos dos EUA. Para
Giroux, o mundo Disney demonstra como o terreno do popular tornou-se
central ao processo de mercantilização da memória e de reescrita de narrativas
de identidade nacional e expansão global.
Um outro aspecto que Giroux (1995, p.52) comenta é a questão de
que a construção do mundo imaginário criado por Disney oferece uma idéia de
segurança, coerência e inocência infantil onde as crianças encontram um lugar
para se situar em suas vidas emocionais. A receptividade dessa realidade
idealizada se daria em função de que ela se diferenciaria radicalmente da
realidade sem graça e freqüentemente dura da escolarização. O autor comenta
ainda que a fantasia produzida pelos filmes coloca a criança num estado de
aventura e prazer, num mundo fantasioso de possibilidades e numa esfera
comercial de consumismo e mercantilização.
162
No contexto desta análise, relaciono, então, o olho de Carmem
Miranda ao olho do Pato Donald, que traz este personagem com um olhar
tenso e crítico, provocando leituras que remetem não mais ao olhar da origem,
que Caetano Veloso, nem ao olhar brincalhão de Carmem. Identifico neste
olhar, a representação do olhar do dominador ou da dominação da cultura
americana sobre os povos sul-americanos.
Sobre os processos de conquista e imposição de uma hegemonia
cultural sobre outras nações, trago o que Hall (2006, p.60) reflete ao colocar
que
[...] a maioria das nações consiste de culturas separadas que foram
unificadas por um longo processo de conquista violenta. Cada conquista
subjugou povos conquistados e suas culturas, costumes, línguas e
tradições e tentou impor uma hegemonia cultural mais unificada.
Sobre o que representou a cultura Disney como instrumento de
dominação cultural, pode-se lembrar que, assim como Carmem Miranda, os
estúdios Disney também teriam contribuído para a campanha de política de
boa vizinhança criada pelo governo Roosevelt, nos anos 40. Segundo Barros
(1998, p.49), essa campanha pretendia conquistar culturalmente os povos para
tê-los como aliados ou como vizinhos servis e teria se concretizado em relação
com a América Latina, a partir da criação do personagem Carioca, que,
conforme Augusto (2001, p.60),
[...] durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, (Disney) desceu até
a América do Sul a bordo da Política da Boa Vizinhança. Foi quando
visitou o Brasil e providenciou a criação de Carioca, futuro coadjuvante
do Pato Donald numa das mais eficazes peças de propaganda pan-
americanista, Você Foi à Bahia?, que seus estúdios produziram em
1945.
Sobre os diálogos que o layout da capa que traz o Pato Donald pode
estabelecer com a capa de Carmen Miranda, percebe-se que possuem alguns
antagonismos, como o fato de que, enquanto a imagem de Carmem é o
resultado de uma fotografia, a imagem de Donald é uma ilustração digital; no
que se refere ao padrão cromático; a primeira explora as tonalidades rosadas
no rosto da artista, com um destaque para a boca vermelha, enfatizando,
portanto, tons quentes, enquanto que a segunda tem na cor azul a sua
163
predominância, tanto no fundo claro como nos detalhes do vestuário do
personagem, enfatizando os tons frios. A base da página também se utiliza do
azul mais escuro para compor a área que contém as chamadas secundárias da
edição. Tudo isso contrasta com as tonalidades avermelhadas do logotipo da
revista, do título da matéria principal, bem como do bico do pato.
Continuando o jogo de olhares provocados pelas capas, evidencio
aqui o olhar do cineasta alemão Wim Wenders. Vale destacar que a construção
do layout desta capa se utiliza de um recurso de enquadramento que é raro ver
em capas de revistas, pelo fato de colocar o personagem principal num tipo de
enquadramento que coloca o rosto em primeiríssimo plano e que corta quase a
metade dele, mostrando uma imagem incompleta. Numa alusão direta à sua
atividade de cineasta, a fotografia mostra o diretor criando com a mão um limite
para ver a cena que está a sua frente. A mão, por sua vez, emoldura o olho sob
a moldura preta dos óculos, definindo duplamente o recorte ou o
enquadramento da
cena a sua frente.
O texto que
compõe o título
desta capa diz: O
cinema novo de
Wim Wenders,
acompanhado do
subtítulo: Em
entrevista
exclusiva, um dos
maiores diretores
do mundo anuncia
o futuro com uma câmera digital na mão. Este texto
cria duas relações do diretor europeu com o cinema brasileiro: a primeira
estaria no título, ao referir-se às novas produções de Wenders, fazendo uma
analogia com o movimento do cinema novo
9
, ocorrido no Brasil na década de
9
Cinema Novo: Os primeiros sinais do movimento que viria a ser conhecido como Cinema Novo
brasileiro podem ser encontrados no período de passagem dos anos 50/60. O Cinema Novo fez a crítica
internacional descobrir que se faziam filmes no Brasil - e, um dos principais responsáveis foi Glauber
Glauber Rocha
164
60. A segunda estaria no subtítulo, ao anunciar o futuro do cinema se utilizando
dos recursos digitais para fazer seus filmes ao invés dos recursos analógicos.
Aqui, o final da frase: um dos maiores diretores do mundo anuncia o futuro com
uma câmera digital na mão, cria um jogo de sentidos com a célebre frase de
autoria do cineasta brasileiro Glauber Rocha, para definir o estilo de produção
de filmes do Cinema Novo, que era ter uma idéia na cabeça e uma câmera na
mão.
Nesse sentido, observa-se que, tanto o título quanto o subtítulo, são
independentes da imagem e não cumprem com a função de legenda, que
esta, conforme Barthes (1990, p.20), possui
[...] um efeito de conotação mais evidente do que a manchete
ou o artigo; título e artigo separam-se sensivelmente da
imagem, o título por seu destaque, a imagem por sua distância;
um porque delimita, outro porque afasta o conteúdo da
imagem; a legenda, ao contrário, por sua própria disposição,
por sua extensão limitada, para duplicar a imagem, isto é,
participar da sua denotação.
Na visão de Barthes (1990, p.20), o texto, na situação do título, teria a
função de ampliar os significados propostos pela articulação entre verbal e
visual. Segundo este autor, o texto é uma mensagem parasita, destinada a
conotar a imagem, isto é, ‘insuflar-lhe’ um ou vários significados segundos. [...]
a palavra é parasita da imagem.
Ao considerar a função conotativa do texto, Barthes (1990, p.21)
acrescenta que o código da conotação não é nem natural, nem artificial, mas
histórico ou cultural, no sentido de que projetamos na leitura da imagem
sentimentos e valores enraizados na história e, portanto, teriam o caráter
cultural, assim como
[...] gestos, atitudes, expressões, cores ou efeitos, dotados de
certos sentidos em virtude dos usos de uma determinada
sociedade: a ligação entre o significante e o significado, isto é,
a significação propriamente dita, é aqui, se não imotivada, pelo
menos inteiramente histórica.
Rocha, destacava-se como o genial. Superada a ditadura, vivia-se uma conjuntura marcada pela
articulação da nova ordem democrática, onde a intensificação do processo de industrialização preenchia
de otimismo o imaginário das elites que anteviam a realização do sonho do desenvolvimento econômico.
http://br.geocities.com/ideia_form/glossario/gloss_cine.html, (acessado em 15/agosto/2008)
165
A partir da leitura desses conteúdos, pode-se pensar que a elaboração
desta capa produz diversas narrativas e que, entre elas, se poderia interpretar
que a intenção dos profissionais que a produziram, é a de que o olhar do
diretor europeu busca um diálogo com o cinema brasileiro e, ao entender que
sua filmografia tem algo de novo a propor, comparam-no a genialidade do
diretor Glauber Rocha. Isso fica mais evidenciado através do texto que faz
referências às características do Cinema Novo. Considerando-se estas
relações com o cinema de Glauber e o Cinema Novo e que esta edição é do
período em que Wenders lançou o aplaudido Buena Vista Social Club, sobre a
velha guarda da música cubana, pode-se pensar também sobre o olhar do
europeu sobre os povos da América Latina, ou, ainda, sobre as representações
da cultura tropical para o olhar do europeu.
Bravo! Edição 74
novembro de 2003.
A partir do número 51 a revista Bravo! sofre
modificações em seu projeto visual gráfico e isso é percebido
em seu tamanho que diminuiu a altura e aumentou a largura,
aproximando-se do formato mais da forma quadrada de que
de a retângulular, como no projeto anterior.
A antiga coluna vertical da lateral esquerda que
continha os títulos e imagens secundários deslocou-se para o
rodapé e o número da edição ganhou um grande formato e
situa-se na extremidade inferior direita da capa. Internamente,
os textos de algumas seções começam a ser compostos em
fontes tipográficas sem serifa, enquanto que os textos das
matérias permanecem com a fonte tipográfica serifada,
original.
No que se refere à capa, essa modificação
possibilitou que a imagem principal ocupasse sozinha a largura da capa e o
fato de o existirem outras informações sobre ela ficou mais valorizada
visualmente. Considerando que esta análise privilegia o tema da identidade
166
cultural brasileira, a escolha da capa da edição 74 se justifica, primeiramente,
em função de seu título: A Invenção do Brasil e seu subtítulo: O centenário de
Ary Barroso e a música que construiu a mais duradoura imagem de exportação
do país. Ao observar os aspectos composicionais do layout desta capa,
observa-se que ela possui características pouco utilizadas na BRAVO!, que é
criação de uma ilustração para representar visualmente a matéria principal, ao
invés da utilização de uma imagem fotográfica, como é o procedimento mais
usual.
A imagem fotográfica no contexto jornalístico tem a característica de
apresentar o realismo do fato fotografado, ou o que Barthes (1990, p.12)
chamaria de analogon. Ao conceituar a linguagem fotográfica, Barthes diz
ainda que: é bem verdade que a imagem não é o real, mas é, pelo menos, o
seu analogon perfeito, e é precisamente esta perfeição analógica que, para o
senso comum, define a fotografia.
Nesse sentido, recorro novamente à modalidade tecnológica, de Rose
(2001, p.19) que refere-se à imagem fotográfica chamando a atenção para o
fato de que as noções de representações fotográficas ‘verídicas”, foram
construídas e que se atribui à fotografia uma idéia de que aquela imagem é um
instantâneo da vida real, que mostram recortes de verdade.
o desenho ou a ilustração não possuem a capacidade de transmitir
a informação literal, mas oferecem uma imagem denotada ou simbólica, onde,
segundo Barthes (1990, p.34),
[...] os caracteres da mensagem literal não podem, pois, ser substanciais,
mas sim relacionais; é, inicialmente, uma mensagem privativa, constituída
pelo que resta na imagem, quando apagamos (mentalmente) os signos de
conotação (retirá-los não seria realmente possível, pois podem impregnar
toda a imagem).
Portanto, a representação não realista dos elementos desta narrativa
visual se inicia pela representação do próprio logotipo da revista, na parte
superior esquerda, que aqui está integrado à ilustração pelo tratamento manual
dado às letras, substituindo a forma tradicional de representação visual a partir
do design das fontes tipográficas com matriz digital. A ilustração apresenta a
silueta do Pão de Açúcar e da Baía da Guanabara e, mesmo com a economia
de detalhes, remete à imagem do Rio de Janeiro. O seu todo, tem como
objetivo passar a idéia de que o tema se refere ao passado e isso fica
167
evidenciado pelo tratamento obtido através das pinceladas, do padrão
cromático que utiliza o princípio do contraste entre as cores amarela, preta e
tonalidades de cinza, pela inserção de um sico na lateral esquerda,
remetendo à boemia, ao samba e à musicalidade brasileira, e pelos motivos
florais que pontuam o cenário, reforçando ainda mais a atmosfera romântica e
utópica do paraíso tropical que o Rio de Janeiro representa no imaginário
popular. A cor amarela tem importância predominante e reforça a idéia de um
lugar ensolarado, festivo e quente.
Ao homenagear o compositor Ary Barroso, a revista traz à tona sua
história, bem como sua importância como o brasileiro que conseguiu divulgar o
Brasil aos quatro cantos do mundo através de suas composições, mais
especialmente por meio da sua mais popular criação que é a Aquarela do
Brasil, composta no verão de 1939.
Para identificar e analisar os aspectos que a narrativa verbal está
propondo me baseio na chamada de capa (ou título) e em alguns versos da
letra de Ary Barroso, que exalta o Brasil como um lugar idílico.
Ao nomear a matéria principal da edição 74 com a frase A Invenção do
Brasil, fica sugerido que o que se entende por Brasil ou sua identidade cultural
foi construído, inventado, e que a obra de Ary Barroso contribuiu para isto. O
texto expõe literalmente essa idéia na frase complementar ao título em que diz:
O centenário de Ary Barroso e a música que construiu a mais duradoura
imagem de exportação do país.
Portanto, o conceito que o design da capa pretende é invocar o
passado, assim como na letra de Barroso, quando diz: abre as cortinas do
passado, e remeter o leitor a uma outra época, que não a presente. Nesse
sentido, na medida em que a imagem que está sendo proposta não é a
fotografia realista desta região do Rio de Janeiro, reforça o aspecto de estar
retratando uma cena que também não existe.
Sobre a ênfase nos superlativos na letra de Aquarela do Brasil, Sérgio
Augusto (2003, p. 19) coloca que, mais do que evocar um Brasil do passado,
Barroso evoca um país idealizado em sua exuberância e riqueza, ou, ainda,
evoca um país que muito deixou de existir se é que um dia existiu com
todas aquelas superlativas virtudes. Ou seja, manifesta o desejo de um lugar
ideal, que talvez possa existir no imaginário, visto que, conforme Enoch
168
Powell, (1969, p.245, apud Hall, 2006, p. 51), a vida das nações, da mesma
forma que a dos homens, é vivida, em grande parte, na imaginação.
Ainda sobre essa idéia de exaltação de um lugar imaginado e,
portanto, idealizado, identifica-se nos versos de Barroso outros trechos que nos
servem de exemplo, como:
[...] Brasil, terra boa e gostosa
[...] Ô Brasil, verde que dá
Para o mundo admirá
Ô Brasil, do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil,...Brasil! prá mim!... prá mim
Ao narrar um lugar de tantas qualidades imaginadas, o autor cria uma
realidade onírica que manifesta um desejo de negação da realidade cotidiana,
que para a maioria das pessoas é de dificuldades de várias naturezas, como a
qualidade de moradia, alimentação inadequada, falta de acesso à
educação, meios de transporte ineficientes, salários baixos, entre tantas outras.
Ou ainda, como Hall (2006, p. 52) diz: Ela significado à nossa monótona
existência, conectando nossas vidas cotidianas com um destino nacional que
preexiste a nós e continua existindo após nossa morte.
Isso estaria num contexto que Hall (2006, p. 51) chama de comunidade
imaginada,
[...] que tem como pano de fundo nas histórias e nas literaturas nacionais,
na mídia e na cultural popular. Elas fornecem uma série de histórias,
imagens, panoramas, cenários, eventos históricos, símbolos e rituais
nacionais que simbolizam e representam as experiências partilhadas, as
perdas, os triunfos e os desastres que dão sentido à nação.
Nessa capa, portanto, observa-se que toda a narrativa é construída
tendo como base esses fundamentos e, ao não se utilizar de uma imagem
fotográfica para criar o seu layout, diferencia-se das outras revistas, na própria
banca ou no local de venda que, em sua maioria, utilizam imagens fotográficas
para compor suas capas. Ao mostrar um tipo de imagem facilmente
reconhecível pelo público e que tem um forte apelo histórico e emocional nos
brasileiros, a revista comunica-se com o leitor, estabelecendo uma conexão
que conjuga o passado real com o imaginado.
169
REVISTA BRAVO – 93
junho de 2005
A edição de número 93 faz parte do período em
que a revista Bravo! havia passado para a Editora
Abril e que sofre algumas intervenções em seu layout.
Percebe-se que sua estruturação não conta com a
barra na extremidade inferior da capa e que os títulos
secundários, que antes ali se localizavam, agora ocupam a lateral esquerda.
Diferentemente da edição 74 em que a imagem principal da capa era uma
paisagem pintada, a edição 93 constrói o seu layout utilizando uma fotografia
como imagem principal. O tema é a identidade cultural brasileira, desta vez
referindo-se à programação cultural apresentada pelos brasileiros no ano do
Brasil na França
10
. (exposições de arte, lançamento de livros, CDs, peças de
teatro, shows de música, desfiles de moda, entre outros). O primeiro impacto
visual que esta capa provoca é causado pelo paradoxo dos adereços usados
pela atriz Marilia Pêra. O que representaria uma mulher elegantemente vestida
e adornada com anéis de brilhante, brincos e colares de pérola, mas com um
exagerado turbante verde e amarelo na cabeça, que tem como arremate na
parte frontal, uma enorme flor verde? Somado a essa construção visual,
localizado na parte inferior esquerda da capa, o título: O Brasil que o mundo vê.
Assim como o título e os demais textos, vale ressaltar que a personagem
que Marilia Pêra interpreta também está voltada para o lado esquerdo, ou seja,
no sentido contrário ao da leitura ocidental, que é da direita para a esquerda. É
como se a personagem estivesse voltada para o passado, de costas para o
futuro, mas seu olhar é para o leitor, no presente. A fotografia foi tirada de
forma que a posição da atriz fica em diagonal, ligeiramente apoiada sobre o
braço esquerdo, com o queixo levemente apoiado na mão repleta de anéis. Se
a personagem da peça que Marilia interpreta é o ícone francês da moda
10
O secretário de Articulação Institucional, do Ministério da Cultura, Márcio Meira, afirmou que o Ano do Brasil na
França é "o maior evento cultural já realizado pelo Brasil no Exterior". Para ele, nunca o país preparou uma
amostragem tão grande e tão completa sobre a arte, a cultura e a sociedade brasileiras. Meira acredita que o evento
pode trazer repercussões econômicas para o Brasil se o país conseguir exportar, no sentido metafórico, uma imagem
forte e positiva. (www.radiobras.gov.br) acessado em 29/agosto/2008.
170
mundial, Cocô Chanel, o turbante remete a outro ícone da cultura mundial que
é Carmen Miranda.
Nesse sentido, percebe-se, na forma como o figurino da personagem foi
construído, um sincretismo cultural, pois este combina elementos
característicos de mulheres que viveram em épocas e países diferentes e por
representarem tipos de cultura, tidas como opostas: Coco Chanel
representando a cultura elitizada do universo da moda, enquanto que Carmen
representa a cultura popular, difundida através dos discos e dos filmes que
produziu. Percebe-se, então, um tipo de representação antagônica na junção
estética das duas personagens, no sentido de que a imagem apresenta uma
Chanel popular e uma Carmen Miranda sofisticada.
Se a imagem desta capa provoca algum estranhamento pelas oposições
visuais citadas acima, o texto do subtítulo complementa e esclarece o que pode
ter causado alguma dúvida: Em meio a um ano de homenagens na França, o
país discute a força e os clichês de sua cultura.
O que a matéria pretende é refletir sobre o que estará sendo mostrado
no evento francês e o que representam estas manifestações contemporâneas
da cultura brasileira, no sentido de apresentarem
novas visões do Brasil. Isso fica mais claro quando a
matéria ressalta os aspectos criativos dessa recente
produção. O embaixador brasileiro ressalta que os
resultados dos processos criativos são totalmente
diferentes do que se faz em qualquer lugar, ao
comentar a produção do Grupo Corpo e os móveis
dos irmãos Campana, segundo Amaral (2005, p. 26).
Um outro tipo de leitura que o tema desta
desta capa possibilita é que, no sentido inverso, ela remete à Missão Francesa
enviada ao Brasil em 1816.
11
Se naquele período em que a Família Real se
11
Missão Francesa:
Quando em 1808 a Família Real se viu obrigada a vir para o Brasil, trouxe com ela, mesmo
que inconscientemente, a semente da criação desta, que seria a precursora do ensino de arte no Brasil, a missão
artística francesa de 1816. Composta por importantes nomes das artes francesas veio para ser o marco inicial do
Morro de Santo Antonio
Nicolas Antoine Taunay
artista integrante da Missão Francesa
171
instalava no Brasil e pretendia criar aqui a primeira escola de Belas Artes, com
um renomado grupo de artistas franceses, o grupo de brasileiros que
desembarca em Paris para as comemorações do ano do Brasil na França se
propõe a mostrar a diversidade cultural brasileira e estreitar os laços culturais
entre Brasil e França. Observa-se que, na primeira situação, a intenção era,
através da criação da escola de artes, implantar um ensino em que não o
padrão estético, mas a própria maneira de ver eram européias e que
influenciaria toda a produção artística brasileira até a ruptura provocada pela
Semana de Arte Moderna, em 1922
12
que, entre outros, tinha como objetivo
trazer um novo olhar sobre a produção artística brasileira, considerando os
diversos aspectos da nossa cultura e não seguindo os cânones da pintura
tradicional.
O que se pode refletir sobre as narrativas propostas pelo conjunto de
capas de diversos períodos da revista BRAVO! aqui analisadas é que elas
podem propor leituras tanto a partir da edição individualizada, quanto na
relação com outras capas, no sentido que cada uma possui um amplo
repertório de elementos/conteúdos que possibilitam uma ampliação dos seus
sentidos, quando relacionadas com os elementos/conteúdos de outras capas.
Um outro aspecto é que mesmo quando a imagem principal traz um
personagem que representa uma outra cultura que não a brasileira, a narrativa
construída pelos diversos outros elementos estabelece uma conexão com
questões da cultura brasileira. Isso pode ser identificado na capa em que
aparece o cineasta Wim Wenders, por exemplo. Neste caso, o texto faz a
ensino de arte no Brasil. UCHOA, Marcelo. A Missão Artística Francesa. www.(historianet.com.br) acessado em 29
de agosto de 2008, 10h39min)
12
Semana de Arte Moderna:
Inserida nas festividades em comemoração do centenário da independência do Brasil,
em 1922, a Semana de Arte Moderna apresenta-se como a primeira manifestação coletiva pública na história cultural
brasileira a favor de um espírito novo e moderno em oposição à cultura e à arte de teor conservador, predominantes
no país desde o século XIX. Entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 1922, realiza-se no Theatro Municipal de São Paulo
um festival com uma exposição com cerca de 100 obras e três sessões lítero-musicais noturnas. Entre os pintores
participam Anita Malfatti (1889 - 1964), Di Cavalcanti (1897 - 1976), Ferrignac (1892 - 1958), John Graz (1891 -
1980), Vicente do Rego Monteiro (1899 - 1970), Zina Aita, Yan de Almeida Prado e Antônio Paim Vieira (1895 -
1988), com dois trabalhos feitos a quatro mãos, e o carioca Alberto Martins Ribeiro, cujo trabalho não se desenvolveu
depois da Semana de 22. No campo da escultura, estão Victor Brecheret (1894 - 1955), Wilhelm Haarberg (1891-
1986) e Hildegardo Velloso (1899 - 1966). A arquitetura é representada por Antônio Garcia Moya (1891 - ca. 1949) e
Georg Przyrembel. Entre os literatos e poetas, tomam parte Graça Aranha (1868 - 1931), Guilherme de Almeida
(1890 - 1969), Mário de Andrade (1893 - 1945), Menotti Del Picchia (1892 - 1988), Oswald de Andrade (1890 -
1954), Renato de Almeida, Ronald de Carvalho (1893 - 1935), Tácito de Almeida, além de Manuel Bandeira (1884 -
1968) com a leitura do poema Os Sapos. A programação musical traz composições de Villa-Lobos (1887 - 1959) e
Debussy, interpretadas por Guiomar Novaes (1894 - 1979) e Hernani Braga, entre outros. (www.itaucultural.
Acessado em 04 de setembro de 2008, 16h15min).
172
conexão com a cultura brasileira ao referir-se ao cinema novo. edição que
traz o Pato Donald, apesar de não fazer essa conexão objetivamente, aqui foi
considerada por representar sua relação com a questão da imposição de uma
hegemonia cultural, no caso, da cultura dos EUA sobre a América Latina e seu
significado enquanto elemento de entretenimento e distração em tempos de
crise, que é comparado com o mesmo período em que a imagem de Carmem
Miranda é usada para este mesmo fim nos EUA.
as outras capas aqui apresentadas e analisadas fazem referências
mais objetivas à cultura brasileira, como é o caso da capa que traz o artista
Caetano Veloso, a atriz Marília Pêra, a ilustração do Rio de Janeiro e Carmen
Miranda. A leitura das narrativas visuais destas capas, associada aos conceitos
de cultura propostos por Stuart Hall, possibilita um entendimento de que, ao
nos depararmos com tais narrativas, identificamos conceitos de identidade
cultural, que são resultados da construção histórica, que muitas vezes se
estabelecem no campo das identidades imaginadas, como é o caso do Brasil
idealizado mostrado na edição em que se refere ao centenário de Ary Barroso.
173
Considerações inconclusivas
Impuro, imperfeito, impermanente
Incerto, incompleto, inconstante
Instável, variável, defectivo
Eis aqui um vivo
Eis aqui...
Lenine e Carlos Rennó
Considero este trabalho não o resultado específico deste período de
estudos. Acredito que de, alguma forma, ele seja o reflexo das minhas
trajetórias, percursos e designios (pessoais, educacionais e profissionais) e,
portanto, reflete a maneira como eu vejo / percebo / interpreto / sinto o mundo.
As reflexões aqui colocadas, que vão desde os aspectos históricos da
revista, de sua estruturação visual, da sua relação com o público, bem como de
sua posição no universo da cultura visual e da educação, são provocações
para que outras novas reflexões possam surgir e, portanto, se tornam
inconclusivas. Ou ainda, conforme a reflexão de Hall (2006, p.41), tudo o que
dizemos tem um ‘antese um ‘depois’ uma ‘margem’ na qual outras pessoas
podem escrever. Por isso, entendo que este texto, mesmo concluído,
permanece como pista para outras interferências (minhas e dos leitores).
No que se refere às revistas, em tempos de informações digitais, não
podemos ainda prever se elas, enquanto produto do design gráfico,
sobreviverão da maneira tradicional, como as conhecemos hoje, impressas
sobre papel. Nesse sentido, é provável que, daqui pra frente, os caracteres
tipográficos, os diversos tipos de papéis e os recursos técnicos específicos da
impressão fiquem reduzidos a peças de museu ou talvez a curiosidades
relativas a um design retrô. Talvez, daqui a poucos anos possamos ter acesso
a outros tipos de suportes para essas informações que não o papel. Mas
acredito que, mesmo deixando de existir da forma como atualmente são, os
conteúdos das revistas, assim como os dos outros meios de comunicação,
174
sempre despertarão o interesse das pessoas em função de que registram e
refletem os pensamentos, as ações, valores culturais e estéticos da sociedade.
Observa-se que, mesmo em meio à grande variedade de mídias
existentes, a revista ainda desperta curiosidade e interesse por parte das
pessoas e as influencia desde a infância. Nesse sentido, destaco aqui alguns
depoimentos de alunos do curso de graduação em Comunicação Social da
ULBRA (2008.2), que relatam as diversas maneiras como se relacionam com a
revista e sobre a importância delas na sua formação, desde a fase da infância:
Esse informativo, repleto de curiosidades e investigações
detalhadas, que ultrapassa a linha do tempo e espaço, sempre
fez parte da minha vida, desde pequeno. Luan
Catarina relata que desde criança a revista fez parte de sua
vida. Estava sempre na banca de revista em busca de um
divertimento. [...] o gosto por ler revistas me influenciou
bastante na escolha de minha futura profissão de jornalista.
No depoimento a seguir, a aluna se refere à revista como uma pessoa
amiga que faz companhia:
Ler revistas é para mim algo tão prazeroso como conversar
como um amigo. Por esta razão, tenho com ela uma forte
amizade, preenchida com muita informação e alegria, pela
companhia que ela me proporciona, aonde quer que eu vá.
Ranieli
Diego gosta das revistas porque elas lhe trazem conhecimento e cultura
e acredita que elas devem ser trabalhadas de forma ética e com
profissionalismo, por considerar que os meios de comunicação influenciam na
transformação social e podem contribuir para que a sociedade melhore.
De alguma forma, esses depoimentos refletem o poder que as revistas
exercem sobre crianças e adolescentes no seu processo de aprendizagem da
leitura, seja ela verbal ou visual.
Entre as diversas reflexões que esta pesquisa propõe, destaco a que se
refere à importância das revistas, como veículos de informação e formação
social, bem como do seu caráter cultural, já que, desde quando surgiram,
tinham uma forte relação com a literatura e com os assuntos culturais. Esse
exemplo foi destacado no capítulo 2, quando apresento os aspectos visuais e a
contextualização histórica das primeiras publicações brasileiras.
175
Sobre a importância da revista enquanto meio que veicula informação e
conhecimento de caráter cultural, portanto, de conteúdos que refletem na
educação da população de modo geral, trago um dado que chega na edição
133 (2008, p. 13) da revista BRAVO! referente ao período em que esta
conclusão está sendo desenvolvida. Trata-se de uma Carta do Editor, Roberto
Civita (Presidente da Editora Abril), que comunica ao público a decisão de que
as revistas da Abril, com o apoio do Ministério da Educação, trarão ainda mais
informações sobre educação. Segundo ele, serão notas, dicas, reportagens,
cartilhas e artigos dedicados a ajudar os pais a acompanhar melhor tanto a
educação dos seus filhos como o andamento e a qualidade da educação nas
escolas de sua comunidade.
Entendo que essa decisão reflete que, ao pensar nas revistas como
meio de levar à população conteúdos relativos à educação, o governo busca
nos meios de comunicação de massa uma forma de ampliar ou complementar
a ação educativa da escola, na medida em que as revistas, por suas altas
tiragens, atingem uma grande parcela do público. Não cabe aqui discutir a
validade desta iniciativa, mas sim de refletir sobre a importância que tanto a
revista quanto os novos suportes de conteúdos podem trazer para a educação
na atualidade.
Um outro aspecto a ser considerado é que, na medida em que este
suporte faz parte do conjunto dos muitos outros meios a que temos acesso e
que tem seu conteúdo estruturado a partir de narrativas verbo-visuais, ele deve
ser entendido como formador de pedagogias do olhar.
Sobre a Revista BRAVO!, objeto desta pesquisa, entendo que, por ser
um produto de uma grande editora, estará sempre preocupada em acompanhar
as solicitações do mercado editorial e buscando sintonizar-se com o seu
público-leitor.
Este estudo sobre as capas da BRAVO! também possibilitou a
percepção de que as capas desta revista, em sua maioria, apresentam
imagens identificadas com um tipo de produção cultural que pretende ser
entendida como intelectualizada ou cult. Nesse sentido, a revista privilegia
imagens de personagens que estão associados ao que é entendido como
cultura erudita, na maioria das vezes. Também observa-se que, quando a
176
imagem principal da capa é uma pessoa, ela geralmente é do sexo masculino e
branca, o que reitera um padrão criado pela cultura ocidental.
Portanto, entendo que através desta pesquisa, fica evidenciado que as
tecnologias visuais formulam visões sobre nós e sobre os outros e nesse
contexto, as revistas contribuem para que tenhamos determinadas formas de
ver. Nesse sentido, a BRAVO! adota uma determinada linha editorial que
conjuga os conteúdos verbo-visuais com a intenção de conceber uma
determinada estética, bem como um determinado entendimento de produção
cultural..., ..., ..., ...
177
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E-mail:
Entrevista por e-mail com o Redator-chefe da BRAVO!, João Gabriel de Lima, em 18/06/2007.
CD- ROM
BRAVO! (conteúdo integral de 84 edições da revista BRAVO! de 1997 a 2004. São Paulo,
Editora Abrill, 2007 .
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