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ANTONIO DE PAIVA MOURA
AMÉRICA LATINA:
FATORES IDEOLÓGICOS NA COLONIZAÇÃO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO
SUL - PORTO ALEGRE - RS
UNI-BH – BELO HORIZONTE
2003
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ANTONIO DE PAIVA MOURA
AMÉRICA LATINA:
FATORES IDEOLÓGICOS NA COLONIZAÇÃO
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
História Ibero-Americana da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
como requisito parcial e último à obtenção do
título de Mestre em História.
Linha de pesquisa: História Ibero-Americana
Orientadora: Prof. Dra. Maria Cristina Santos
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO
SUL - PORTO ALEGRE - RS
UNI-BH – BELO HORIZONTE
2003
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AGRADECIMENTOS
À Professora Dra. Maria Cristina Santos,
como orientadora e professora do curso.
A todos os professores da PUC-RS
que ministraram o curso em Belo Horizonte.
Professor Renato Assunção Silva – pela captura de livros.
Diretora da Biblioteca Central do UNI-BH – Maria Auxiliadora
Carneiro de Moura.
Tão trágica foi a conquista da América feita por nossas
armas.
A tanto custo descobriram-se suas minas.
Nelas não há veio de ouro ou prata que não haja feito
verter arroios de sangue de humanas vidas.
Feijóo.
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS
RESUMO
1. INTRODUÇÃO........................................................................ 8
2. AS GRANDES NAVEGAÇÕES E EXPLORAÇÕES.............. 19
2.1 A Espanha e seu quinhão: no princípio era só o verbo ...... 19
2.2 O verbo se fez realidade ..................................................... 27
2.3 Portugal: o ancho eixo dos achados................................... 41
2.3.1 Meditar para achar........................................................ 41
2.4 O Brasil premeditado........................................................... 71
3. MUTATIS MUTANDIS – O MUNDO MUDA – TUDO GIRA... 101
3.1 O Ocidente no século XVIII................................................. 101
3.2 A Espanha e seu império em descensão............................ 107
3.2.1 As chamas dos canhões iluminam a península............ 107
3.2.2 O Novo Mundo na revolução do Velho Continente ...... 112
3.3 O espectro da ruína ronda o reino de Luso ........................ 119
3.3.1 O ouro reluziu na história lusitana ................................ 120
3.3.2 O El Dourado: pouco mais que um sonho.................... 132
4. CONCLUSÕES....................................................................... 169
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................... 174
LISTA DE FIGURAS
1. “A volta de Ulisses” de Claude Lorrain................................ 23
2. “Amor sagrado e amor profano” de Ticiano......................... 101
RESUMO
.
O presente estudo aborda o processo histórico de colonização da
América Latina, desde seu descobrimento, em 1492, até o final do século XVIII,
salientando os fatores ideológicos ao longo de dois séculos de colonização.
Para tanto, foram analisadas, inicialmente, as narrativas de Colombo, desde os
preparativos de sua primeira viagem até seus relatórios finais.Um considerável
volume de textos selecionados na historiografia e na produção literária de
época, explicita os mecanismos ideológicos do processo de colonização.
INTRODUÇÃO
“O reino de Balascam produz as caríssimas pedras preciosas
conhecidas como balas (rubis), que se extraem da montanha como
outro metal qualquer”.
(Marco Pólo)
8
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo pretende abordar os fatores ideológicos na
colonização. Se por um lado o tema é abrangente ou global, intercontinental,
neste estudo visou-se a expressão de que a América Latina, por seus laços de
origem européia, em relação sincrética com os africanos e com os ameríndios,
fez surgir uma expectativa que perdura até hoje: o eurocentrismo que redunda
na ideologia de que os povos latino-americanos estão condenados ao
subdesenvolvimento.
O que antes era uma simples indagação sobre a belicosidade dos
povos do Oriente Médio e da Europa, passou a ser uma preocupação
investigadora da vocação de colonização e de dominação de uns povos sobre
os outros. Com este estudo buscar-se-á esclarecer algumas dúvidas geradas
na polissemia do termo ideologia
e nas manifestações culturais que abrigam e
preservam as ideologias configuradas no tempo e no espaço. Faz-se
necessário esclarecer o sentido semântico em que a palavra ideologia será
empregada nos textos a serem elaborados em função deste trabalho. Por
tratar-se de palavra polissêmica e motivo de muita controvérsia é que decidiu-
se por este esboço conceitual. Bobbio (1993) coloca como significado fraco e
significado forte. No significado fraco ideologia é a espécie dos sistemas de
crenças políticas: um conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem
pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos.
Nesse significado, ideologia é um conceito neutro e dificulta a análise crítica. O
significado fraco, portanto, não permite alcançar a essência do tema proposto,
pois tem sido empregado de forma vulgar por políticos e jornalistas. O
significado forte tem origem no conceito de Ideologia de Marx, entendido como
falsa consciência das relações de domínio entre as classes. Este conceito se
diferencia do primeiro porque mantém a noção de falsidade, embora muito
criticada ao longo do tempo após sua formulação. Volta-se para a política na
busca do significado de alienação, falsidade e função social da ideologia.
Conceito negativo que denota um caráter mistificante de falsa consciência de
9
uma crença política. Pareto (1982) mantém o requisito da falsidade da
ideologia, mas para ele, a sua função é a de persuadir. O que torna a ideologia
uma crença é a sua capacidade de controle dos comportamentos em
determinadas situações (Bobbio, 1993).
Mas foi com Karl Mannhein, em seu livro Ideologia e utopia
, que o
conceito apareceu mais claro. Ideologia é o conjunto das concepções, idéias e
teorias que se orientam para a estabilização ou legitimação da ordem
estabelecida. São todas aquelas doutrinas que têm um caráter conservador,
consciente ou inconscientemente, voluntária ou involuntariamente, servem à
manutenção da ordem estabelecida. Utopia, ao contrário, são aquelas idéias,
representações teóricas que aspiram uma outra realidade, ainda inexistente.
Tem, portanto, uma dimensão crítica ou de negação da ordem social existente
e se orienta para uma ruptura. Deste modo, as utopias têm uma função
subversiva, crítica e às vezes até revolucionária (Mannhein, 1993: 13).
Ordem e Ideologia estão ligadas por natureza de abordagem
científica, de vez que a noção de ordem sugere a idéia de coisas bem
alinhadas, cada uma no lugar que lhe compete. Com relação às comunidades,
entende-se por ordem a tranqüilidade, a disciplina, a obediência, havendo
ordem na família, na escola ou na empresa, quando a disciplina é respeitada. A
ordem social é mais complexa, pois consiste na submissão de todos os
membros de uma sociedade ampla às normas, valores e leis sobre as quais se
funda. Mas chama-se muitas vezes ordem social a uma ordem estabelecida
que faz prevalecer uma submissão de toda a gente a estruturas, a instituições
e a valores para favorecer classes ou camadas sociais privilegiadas
1
.
Embora seja produzida pelos interesses socioeconômicos de uma
classe dominante, a ideologia apresenta-se como um produto generalizado de
1
No discurso ideológico invoca-se o fato de que o bem fundamental de uma sociedade é a paz, a tranqüilidade, para
assim exigir que todos os seus membros se submetam de boa vontade, ou à força, a um regime social, a uma forma
de organização social que mantém as injustiças, as desigualdades e as causas da luta social. Pode designar, ainda,
diretamente a harmonia, o equilíbrio, a coerência das relações sociais, que pelo jogo de engrenagens econômicas e
políticas integram o conjunto dos indivíduos num querer viver e bem viver comum (Birou, 1976: 287).
10
toda a sociedade, ocultando a sua origem elitista. Transforma os valores do
grupo dominante em valores de todos. Desta forma, por meios pacíficos,
tornam-se legítimos os esquemas de dominação vigentes. A idéia de alienação
e persuasão é que se sintoniza com o momento e com as circunstâncias
históricas. No dizer de Marcondes Filho (1994) na criação artística, seja na
pintura ou na poesia, o artista dá uma contribuição que não precisa ser política,
mas que pode ser estética, moral, filosófica, religiosa ou de qualquer outro tipo,
onde está o trabalho do homem e a sua criatividade, ai está a produção e a
reprodução da ideologia.
De forma empírica foi-se observando como os historiadores
modernos tendiam a utilizar, na narrativa histórica, os textos literários, a
exemplo dos sermões de Padre Antônio Vieira; a poesia de Bandarra em
Portugal, "Fausto" de Goethe e, finalmente, os poemas e textos críticos de
Baudelaire sobre a modernidade. Em seguida passou-se a perceber que até
nas intitulações dos textos históricos os estudiosos passaram a empregar
metáforas para atrair a curiosidade e o interesse do leitor, aproximando
intenção historiográfica de postura literária. Mas a partir de um texto de
Krammer percebeu-se que poderia sair do empirismo e encontrar uma solução
metodológica satisfatória para o presente plano de pesquisa.
O segundo estágio da pesquisa aponta quais os móveis ou qual foi
a ambição dos grandes descobridores e, posteriormente, dos colonizadores.
Por que tanto risco de vida; tanto sacrifício e tantos infortúnios. Desde a leitura
das epopéias Ilíadas
e Odisséia de Homero; as conquistas de Roma Antiga; as
canções de Roland; as guerras de cuzadas; os cantares de miu cid.
Em todas
essas narrativas encontrou-se a plausibilidade de que havia uma enorme
ambição por acumulação de tesouros; uma constante busca de riquezas
materiais. Lucro, que em seu radical é o mesmo que logro, já aparece com
ênfase na linguagem corrente tanto dos povos antigos quanto medievais.
Cumpre, portanto, realizar um estudo sobre as cruzadas, buscando explicitar
os interesses materiais e psicológicos que as envolveram. As primeiras
11
grandes viagens marítimas tiveram um sentido cruzadista (Franco Júnior,
1981). Mas as cruzadas deixam lugar a uma outra forma de expansão européia
e procuram desenvolver as técnicas náuticas, astronomia e cartografia.
Depois das viagens marítimas de Américo Vespúcio e de Vasco da
Gama, sem contar a polêmica do pioneirismo de Vicente Pinzon e Pedro
Álvares Cabral, procurou-se interpretar os interesses da descoberta do Brasil
embutidos nos interesse de difusão da fé cristã. Os textos históricos baseados
em documentos e testemunhos de narradores ficcionistas comprovam tais
interesses. Desde o início, entre Portugal e Espanha, foi estabelecida uma
diferença na forma de relacionamento com as colônias, resultando ou
redundando na formação de dois arquipélagos culturais: a América espanhola
e o Brasil. Por isso precisam ser estudados separadamente sendo o resultado
do estudo. Continuar-se-á investigando os efeitos da colonização para o
suceder histórico no que vem a constituir no chamado capitalismo. Será
oportuno discutir os efeitos dos Tratado de Methuen e de Santo Ildefonso que
teriam beneficiado a Inglaterra, em prejuízo de Portugal e Espanha. Ao colocar
outros fatores em evidência, entre os quais o cultural e o ideológico, tentar-se-á
minimizar o valor histórico atribuído a tais tratados.
Então, chega o momento de concluir com a expressão do significado
das diferenças entre países colonizadores e países colonizados. Nenhum povo
ou grupo, por mais bem armado e poderoso que o seja, consegue dominar
outro povo de modo a sugar-lhe todas as riquezas, sem atrofiar ou mutilar sua
cultura. É pela interferência na cultura do dominado que o dominador consegue
impor suas ideologias, e assim, efetuar a espoliação.
Serão utilizadas obras literárias como ilustração na narrativa
histórica. A palavra ilustração entra como esclarecimento; sair da obscuridade
do entendimento. O momento histórico que mais valorizou a razão, o
iluminismo, usou esta metáfora do racional como luz e da ignorância como
escuridão, obscuridade. O debate entre Hayden White e Dominick La Capra,
12
sobre História, literatura, linguagem e crítica literária, na clareza da exposição
de Lloyd S. Kramer, trouxe novo alento ao presente propósito. O positivismo,
com sua ampla influência engessou a narrativa histórica. Pretendia uma
terminologia específica a pretexto de uma maior cientificidade. Com isso a
História perdeu de vista suas origens na imaginação literária. Para os
historiadores modernos o valor da literatura reside em sua predisposição a
explorar o movimento da linguagem e do significado em todos os aspectos da
experiência social, política e pessoal (Kramer, 1995: 131-172). Outro fator que
o referido debate proporcionou foi a flexibilidade no uso dos tropos. Contudo,
compreendeu-se que o emprego de metáforas no texto histórico deve ser
meticuloso para não dificultar, mas facilitar a sua compreensão. Então pode-se
indagar: o que existe sobre a terra e não é documento? o que não diz alguma
coisa sobre algo ou alguém que existe nas realidades passadas ou presentes?
O documento histórico não é terminado e acabado. Elaborado, ele preenche a
realidade viva de chaves e códigos de leitura que podem ser tomados como
realidade em si mesma. Se os documentos são elaborados e são matéria prima
da História, esta pode ser criação, identificando-se com a literatura. Hayden
White conclui que seria o caso de dizer que os textos dos historiadores são
maleáveis e sujeitos à criação tanto quanto o produto literário, constituído por
testemunhos, relatos e depoimentos de vida de onde o escritor retira a seiva de
sua escritura. Em conclusão: a literatura também é trabalho sobre documento.
Portanto, a obra de arte corre em sintonia com os momentos históricos.
Fischer (1987: 162) observa que é necessário acompanhar a evolução dos
temas na literatura e na arte, pois estes refletem as condições sociais e a
consciência social prevalecente. Cita os seguintes exemplos:
"A passagem dos temas míticos aos profanos, a penetração
do povo comum no mundo dos reis e dos nobres, a
secularização dos assuntos sagrados, a descrição da vida
cotidiana na cidade no campo, a descoberta da humanidade da
individualidade dos trabalhadores, a substituição do drama
aristocrático pela tragédia burguesa, todas essas mudanças
temáticas indicavam novos conteúdos e requeriam novas
formas. tais como a forma do romance".
13
Esclarece a ligação entre e história e arte dizendo que o escritor
revela o mundo em que ele vive. O que é histórico e o que é social não podem
estar ausentes da obra de arte.
Falar de um passado distante, de seus acontecimentos e dos quais
esteve-se ausente e não foi participante, é necessário ter em mente a que fim
servirá a escrita, o historiar. A finalidade primordial dos textos que se pretende
produzir é a de esclarecer muitas questões obscurecidas ou tamponadas pelas
ideologias que orientaram a colonização da América Latina possibilitando
colocar em evidências as forças visíveis e invisíveis que atuaram no passado, a
exemplo de privilégios oferecidos aos reinóis e exclusão dos crioulos;
concepção de que os nativos eram inferiores aos europeus justificando, assim,
a escravização e espoliação dos mesmos.
Com o que já foi exposto neste texto introdutório, cabe agora
demonstrar a que fim se destina o estudo, tanto a um amplo público
profissional da História quanto aos demais estudiosos das ciências sociais, ou
propriamente ditas humanas.
No particular, ou no que se refere aos objetivos específicos, o
presente estudo visa expressar a singularidade do Brasil e os aspectos
diversificados de sua formação histórica; motivos das dimensões de seus
territórios e porque se manteve tão distante dos demais países da América
Latina.
Muita coisa já foi escrita até o momento. Atesta isso, a longa
bibliografia que se levantou durante o curso, especialmente da disciplina
História Ibero-americana, além de outras obras indicadas que se encontravam
esgotadas, fora do mercado e raras nas estantes das bibliotecas a exemplo de:
“Relação de uma missão no São Francisco”, do Padre Martinho de Nantes;
“Padre Antônio Vieira na defesa perante o Tribunal do Santo Ofício”, de
Hernani Cidade; “América Latina: males de origem”, de Manoel Bonfim. A
14
busca nessa massa de publicações foi da plausibilidade da hipótese que os
interesses dos colonizadores, em parte, eram movidos por alguma ideologia
enraizada em sua cultura. Então, com o material em mãos partiu-se para o
estudo, certos de que o historiador de hoje deve ter a consciência do mnemon,
como uma pessoa que guarda a lembrança do presente e do passado em vista
do que ela pode produzir no futuro. Mas não mais como o escrivão de um
cartório, apenas testamenteiro de fatos e sim como juiz, que à luz de provas
destes, aponta uma diretriz ou proposta de solução.
O colonialismo, do século XVI ao século XVIII passou por
modificações estratégicas, pois associando as relações de produção com a
colonização, verificou-se que o extrativismo vegetal do primeiro século não foi
atrativo para as imigrações. No segundo século, a produção açucareira e a
criação de gado atraíram para o litoral, considerável massa populacional. No
terceiro século, a extração mineral foi um atrativo para ocupação do centro.
Ressalvando as diferenças históricas, as colônias espanholas, ao longo dos
séculos, foram sofrendo alterações substanciais. Em face de tais modificações
os beneficiados foram sempre os países europeus, mas nem sempre os
detentores de colônias. As regiões colonizadas sofreram enormes desgastes
tanto nos quadros naturais quanto humanos. Assim, a passagem do
mercantilismo para a procura de matéria-prima para a indústria européia em
nada contribui para melhorias das condições das regiões colonizadas.
Uma segunda questão é no sentido de explicitar a forma como o
capitalismo foi herdeiro do antigo ideal de colonizar e ao mesmo tempo gerador
do colonialismo moderno, isto é, associado ao mercantilismo à chamada
Revolução Industrial. Explicitar o papel que a ideologia exerceu beneficiando o
colonizador; facilitando a tarefa de explorar as colônias; os estigmas que a
ideologia da colonização deixou nos países latino-americanos.
Conforme Iglesias (1971), a idéia de colonizar ou de colonização
começa com o sentido de apropriação de granjas; pessoas destinadas a
15
ocupar lugares conquistados pelos romanos. Tem também o sentido de
cultivar, produzir explorar terras conquistadas. Mas o conceito de colonialismo
e colonização que serve ao presente estudo é o de que Espanha e Portugal
ocuparam e organizaram os territórios da América Central e do Sul, habitados
por populações tidas como de culturas inferiores, exercendo sobre elas um
poder despótico e excludente. Por isso, a colonização está ligada à questão
ideológica. Munido do ideal de superioridade; de sacralidade e de predileção da
divindade, os colonizadores imunizaram-se do sentimento de culpa por todos
os tipos de delitos: homicídio, latrocínio, saque, açoite, estupro, sodomia,
pedofilia, corrupção generalizada, excluindo-se apenas os missionários, parte
do clero secular e alguns homens de boa formação humanista, de forma que o
colonizador nunca era considerado criminoso e nunca tinha defeitos. O nativo
era considerado preguiço e depredador da natureza. O colonizador era sempre
o herói e nunca o vilão.
Para explicitar o esboço metodológico, de início, procurou-se uma
aproximação com a Semiologia na busca de um domínio da simbologia
enquanto condicionadora de significados empregados na linguagem corrente
das sociedades, absorvida e utilizada pela historiografia contemporânea. Sabe-
se que os vocábulos mudam de significado no decorrer do suceder histórico.
Cabe ao historiador acompanhar esta trajetória de modo a facilitar o estudo dos
textos históricos. Compreende-se que, como historiador moderno, deve-se
desvencilhar da postura positivista na narrativa histórica, passando também a
utilizar vocábulos até então desconhecidos na linguagem científica. A
semiologia começa a orientar a interpretação da linguagem científica a partir
dos títulos dos trabalhos produzidos no Brasil desde a década de 30. Conta-se
que uma bibliotecária, não acostumada com a liberdade de expressão dos
historiadores, tinha a incumbência de registrar o livro de Sérgio Buarque de
Holanda, "Raízes do Brasil". Não teve dúvida: classificou-o em botânica. Como
é curioso o título que a historiadora Jaqueline Hermann deu a seu livro sobre o
sebastianismo em Portugal nos séculos XVI e XVII: "No reino do desejado". O
capítulo 2 do mesmo livro Hermann o intitula de "O grande castelo de D.
16
Sebastião", referindo-se ao ideal de D. Sebastião em reconstruir Portugal,
considerado decadente em sua época. No "lid" do mesmo capítulo coloca uma
estrofe do poema de Diogo de Treve que confere com o que se esperava de tal
reino. Embora, na referida estrofe, o poeta não mencione o nome de D.
Sebastião, o primeiro verso se refere a ele, pois diz: "Que ele por Deus foi dado
a este reino" (Hermann, 1998; 73). Durkheim (1982: 331) chama a atenção
para a importância dos símbolos na interpretação da vida social de vez que os
acontecimentos são descritos através de símbolos. Quando se fala em pátria a
complexidade do conceito aparece representada por um símbolo. Assim,
programas políticos aparecem em forma de siglas partidárias e nomenclaturas
simbólicas.
As colonizações e os sistemas coloniais nunca redundaram em um
fim, mas quase sempre, em um meio. Desde a Antigüidade grega as colônias
eram feitorias comerciais, instaladas em pontos estratégicos. Nos tempos
romanos as colônias eram bases de pequenos povoamentos que visavam à
manutenção das conquistas dos reinos e províncias distantes. As modernas
colônias da América Latina serviram aos países ibéricos como conquista de
novas terras para instalação de estabelecimentos agrícolas e extrações
minerais, tendo contribuído para o desenvolvimento do sistema capitalista na
Europa. A partir da chamada revolução industrial o capitalismo já definido como
tal é que exercerá o controle das colônias ibero-americanas não só como
fornecedoras de matéria-prima, mas também como consumidoras de bens
industriais.
Na concepção de Birou (1976) o capitalismo, usando da sua força de
negociação e de coação, promove o aumento da riqueza de pequenos grupos
aumentando a desigualdade, primeiro em escala nacional e depois em escala
mundial, redundando em um antiprogresso social e humano. Em escala
mundial, o capitalismo utilizou-se do colonialismo e das ideologias que o
fundamentavam.
17
A teoria deste trabalho tem fundamento no conceito de ideologia
como argumento convincente do dominador sobre o dominado no processo de
colonização e exploração da América Latina.
O problema da dissertação é a colocação dos acontecimentos no
tempo e no espaço em busca de esclarecimentos.
A hipótese pretende dar conta de que os textos literários como
ilustração da narrativa histórica explicitam os ideais e os conhecimentos dos
colonizadores e dos colonos.
18
As grandes navegações e explorações
“Fundarei um novo céu e uma nova terra, e não mais se pensará no
que era antes”.
(Isaías)
19
2 . AS GRANDES NAVEGAÇÕES E EXPLORAÇÕES
As grandes navegações buscam o enriquecimento comercial dos
ibéricos além da difusão da cultura cristã ocidental.
2.1 A Espanha e seu quinhão: no princípio era só o verbo
O casamento de Isabel e Fernando em 1469 lança a primeira pedra
da convergência dos reinos hispânicos, depois de vários séculos de atritos e
rupturas. A princesa Isabel não teve um acesso cômodo ao trono castelhano.
Os nobres, habituados a manipular Enrique IV, começam por lançar rumores
sobre a ilegitimidade da herdeira Joana e por apoiar a candidatura de Isabel.
Graças à lealdade das cidades, de algumas famílias nobres e de certos
territórios, assim como dos exércitos do seu sogro, Isabel consegue dominar os
seus opositores. O conflito termina através dos tratados de paz de Alcáçovas
(1479) e Toledo (1480), comprometendo-se Portugal a abandonar os inimigos
de Isabel à sua sorte em troca de liberdade de movimento na África. Com a
relativa paz reinante, a união dinástica tenta adaptar a sua política
internacional, tanto quanto possível, aos interesses de todos os reinos. Como
herança do mundo medieval aragonês, o Mediterrâneo suscita os desvelos da
monarquia, mesmo à custa de novas guerras contra a França. A posição de
Navarra adquire novo valor na estratégia exterior, como porta para o coração
da Península, na época em que a concorrência castelhano-portuguesa pelo
domínio das rotas africanas do ouro, dos escravos e das especiarias acentuava
a rivalidade entre ambas as coroas. Castela lançava-se na aventura atlântica
proposta por Colombo, juntando os conhecimentos técnicos necessários, os
homens adequados e o desejo de maiores glórias, como bem ilustra uma
estrofe de Sêneca.
20
Com a passagem lenta dos anos,
Virão uns séculos em que o Oceano
Abrirá as barreiras do mundo
Descobrindo uma terra imensa, Tetis
Revelará novos mundos, e Tule
Deixará de ser a última das terras (Cortázar & Vesga, 1997).
Quando Colombo (1487) propôs aos reis católicos da Espanha uma
viagem em busca de um “novo mundo”, levava no seu ideário uma formação
mental européia edificada desde as cruzadas. Depois de longa experiência de
viagens; de leitura de importantes documentos e entrevistas com estudiosos e
navegadores; leitura de muitas narrativas de viagens em bibliotecas da Europa;
visitou os mares gelados do Norte. Lendo a Bíblia entusiasmou-se com uma
profecia de Isaías: "Eu fundarei um novo céu e uma nova terra e não mais se
pensará no que era antes". Como a linguagem do profeta é simbólica e
metafórica cabia ao navegador uma interpretação do texto. Cabe hoje uma
interpretação da interpretação do navegador. A interpretação bíblica de
Colombo convida a uma viagem no tempo medieval. Franco Júnior (1981) diz
que a reconquista cristã da Península Ibérica tomada pelos muçulmanos,
desde o século VIII, não tinha motivação religiosa. Era um movimento
camponês e pastoril. No século XI a reconquista cristã ganhou caráter religioso.
Predomina, então, um duplo interesse: material e religioso. Conforme Franco
Júnior, o próprio discurso do papa Urbano II no Concílio de Clermont, em 1095
diz:
Após ter prometido a Deus manter a paz em suas terras e ajudar
fielmente a Igreja a conservar seus direitos, vocês poderão ser
recompensados empregando sua coragem noutro empreendimento.
Trata-se um negócio de Deus. [...] Que tenha uma dupla
recompensa os que se esgotavam em detrimento do corpo e da
alma. A terra que habitam é estreita e miserável, mas no território
sagrado do Oriente há extensões de onde jorram leite e mel. ...”
(Franco Júnior, 1981: 27).
Mas Colombo estava diante de uma nova situação. Enfim, apagar a
história dos povos colonizados, “não mais se pensará no que era antes”.
Quando os reis católicos da Espanha apostaram na viagem de Colombo é
porque ele representava uma nova cruzada contra povos ainda não
21
explorados. Assim começa, portanto, a narrativa da primeira viagem de
Colombo (1492/93).
Com a ascensão de Carlos I ao trono espanhol (1516/1556) houve
uma grande ofensiva expansionista que envolve a Espanha em guerras
prolongada. A ambição imperialista de Carlos I converte em conquista de Túnis
e Argel no Norte da África; Milão e outras cidades repúblicas italianas tornam-
se satélites espanhóis. Cortázar & Vesga (1997: 189) dizem que a
incapacidade de alimentar a população explica a importância estratégica de
alguns dos horizontes políticos da monarquia: o Norte da África, Sul da Itália e
o Báltico. A voracidade de Carlos I refletiu na determinação dos exploradores
da América. Aos castelhanos entregou o comércio das Índias obrigando a
passar por Sevilha que em meio século aumentou sua população em quatro
vezes. O ouro e a prata da América jorrava em Sevilha. Os metais preciosos
provenientes da América eram, para a Espanha, garantia de um alto poder de
compra de produtos manufaturados beneficiando a indústria de Flandres. A
nobreza espanhola, ao tempo de Carlos I, não esteve tão interessada na
atividade comercial. Contentava-se com a ostentação de cargos militares e
com a atividade agrícola.
O reinado de Filipe II (1527/1598) foi pleno de acontecimentos
históricos, sendo sua preocupação principal a transformação da Espanha em
um centro universal de cultura, isto é, em verdadeiro centro do mundo. Sua
firme atuação na contra-reforma; a atuação de Loyola na Companhia de Jesus;
as vitórias dos cristãos sobre os mouros em Leponto reforçaram o prestígio do
imperador junto ao Papa como defensor da cristandade. Foi em seu reinado
que Portugal começou a sua submissão à Espanha (1580). O crescimento da
marinha inglesa redundou em obstáculo aos avanços da Espanha. Corsários
ingleses perseguiam os galeões espanhóis no Atlântico e no Pacífico. Ficou
célebre a pilhagem de Drake, que em 1580 regressou à Inglaterra carregado de
tesouros. A rainha Isabel da Inglaterra aceitou os protestos da Espanha com a
condição da partilha do produto do saque dos “aventureiros mercadores” como
22
chamavam na Inglaterra aos corsários, que tinham o apoio da coroa. As
questões religiosas agravaram a rivalidade entre a Inglaterra e a Espanha. A
execução de Maria Stuart serviu de motivo para a guerra entre os dois países.
Felipe II mandou preparar uma enorme força naval que foi quase toda
destruída no Canal da Mancha. A nobreza e os comerciantes foram os mais
beneficiados com as riquezas extraídas na América. Camponeses e outros
segmentos sociais continuaram cada vez mais arruinados. Nos de Cortázar &
Vesga (1997), ao findar o século XVI, verifica-se uma sociedade
profundamente injusta e desigual, onde as arremetidas de crise econômica e
da guerra reduziram os estratos privilegiados, enquanto os marginalizados se
amontoaram junto às instituições de caridade e às dependências religiosas
para sobreviver. Apesar da pobreza, assiste-se ao desenvolvimento do mundo
barroco, o culto da ostentação e da imagem exterior que contribuía para
aumentar as tensões sociais já existentes.
Aqui se inscreve o fenômeno Góngora e o Gongorismo. Luiz de
Góngora Argote (1561/1627) nasceu em Córdoba e estudou em Salamanca.
Quase obrigado por seu tio Francisco seguiu carreira religiosa. Ainda como
estudante, revelou-se voltado e dedicado à poesia profana, contrariando
determinações superiores, o que respondia com linguagem indireta. Transferiu-
se para Madri em 1612. Logo após sua ordenação foi nomeado capelão da
Corte de Felipe III, onde é cercado de personalidades. A tendência cultista de
Góngora já se manifestava desde tempos de estudante (1611/1612), na Fábula
de Polifemo e Galatea, em que recorre à mitologia grega. Clássico na forma, de
vez que o poema obedece a uma simetria nos 504 versos em decassílabos;
dividido em 63 estrofes oitilhas. Clássico no conteúdo, buscando a mitologia
grega, em que Ulisses (herói) náufrago entra em combate com Polifemo que o
prende em uma Caverna. Depois de furar o único olho do monstro, Ulisses
conseguiu fugir (FIG. 1). Para Góngora a criação da beleza consistia um fim
por si mesma, não precisando a arte preocupar-se com valores éticos e
espirituais. Deliberadamente escrevia em estilo requintado, muito próprio do
maneirismo. O que é espantoso em Góngora é que sendo religioso trata o
23
aspecto profano e o interesse material de forma desinibida. Trata Ulisses,
Galatea e Polifemo como símbolos trazidos para a vida social e histórica da
Espanha (Alonso, 1960). Talvez aí resida o fato de Vieira ter reagido ao
Cultismo, como no § V do Sermão da Sexagésima: “Já que falo contra os
estilos modernos [...] o estilo culto não é escuro, é negro e negro boçal e muito
cerrado. É possível que somos portugueses e havemos de ouvir um pregador
em português e não de entender o que diz” Vieira poderia não entender ou
fingir não entender, mas Góngora sabia o que queria com seus símbolos
exagerados e fictícios: exaltar a figura do rei espanhol para que ele enfrentando
infinitos obstáculos, de que meio fosse, estendesse os domínios da Espanha,
como nesta estrofe de Polifemo e Galatea:
"...Sicília, en cuanto oculto, em cuanto ofrece,
copa es de Baco, huirrto de Promona:
tanto de frutas ésta la enriquece.
Quanto aquél de racimos la corona.
En carro que estival trilho parece,
A sus campanha Ceres no perdona,
de cuyas siempre fértiles espigas,
las províncias de Europa son hormigas".
FIGURA 1 – “A Volta de
Ulisses” de Claude Lorrain
[1682]
Fonte: Ragghianti, 1967
24
Na oposição a Luiz de Góngora encontra-se Lope de Vega
(1562/1635). Oposição estilística, pois, no fim ambos estavam engajados na
mesma causa. Lopes de Veja mais lírico, mas não deixa dúvida quanto ao
regozijo pela expansão espanhola, especialmente na peça teatral O novo
mundo descoberto por Cristóvão Colombo. De certa forma o Conceptismo se
opõe ao Cultismo, especialmente na sua sofisticação e refinamento. Lins
(1935), diz que em Lope de Vega há dois homens: o grande poeta espanhol
educado, como todos os contemporâneos, com a tradição latina e italiana.
Estas duas metades de seu ser se harmonizam sempre que possível, mas, em
geral, andam separadas e segundo as ocasiões, ora triunfa uma ora outra.
Com sua alma de poeta nacional, Lope de Veja tem consciência da grandeza
de sua obra. Tem consciência de que o poeta deve ser culto, erudito, como ele
próprio expôs em “La Arcadia”. “No sólo há de saber el poeta todas las
ciências, ó a lo menos, princípios de todas, pero há de tener grandíssima
experiência de las cosas que em tierra y mar sucedem ...” Portanto, a tradição
do saber e a valorização de quem sabe estão arraigadas na cultura ocidental
mas Lope de Vega chama a atenção para o que deve ser uma obra
considerada espanhola, depois de já ter ensinado a arte de fazer comédias aos
comediógrafos modernos, (1609). “É escrita a tragédia no estilo espanhol, não
pela Antigüidade grega e severidade latina, fugindo das sombras, núncios e
coros, porque o gosto pode mudar os preceitos, como o uso dos trajes e
costumes” (Lins, 1935; 87). Portanto, da mesma forma que Vieira deixava
transparecer seu eruditismo ocidental, ambicionava a glória lusitana, Lope de
Vega tinha a Espanha no centro de seu universo.
O século XVII começa com o reinado de Felipe III (1598/1621).
Embora apático, tomou algumas medidas no sentido de agradar a Portugal. A
situação econômica da Espanha declinava: esgotaram-se as jazidas de prata
da América; as guerras prolongadas consumiam todos os recursos do Estado.
Em 1605, a expulsão dos descendentes de Mouros que permaneceram na
Espanha depois da conquista de Granada (mouriscos) privou o país da mão-
de-obra artesanal e de agricultores. Os outros estados europeus patrocinavam
25
as reformas aplicando uma política mercantilista que fomentava a exportação
de gêneros e travava a importação recorrendo a tarifas alfandegárias. Como
observam Cortázar & Vesga (1997), a Espanha deixou-se atrasar nessas
inovações, perdendo a corrida da modernização. “Os grêmios e a política de
liberdade de trocas praticada pela coroa tornaram a concorrência muito difícil, o
que viria a provocar a perda inexorável de mercado e capitais.”
Da leitura de “O Dom Quixote de la Mancha”, observa-se que a
Espanha de Cervantes participou na Grécia, em 1571, da batalha de Lepanto,
contra os turcos o que rendeu prestígio a Felipe II e a ele próprio. Em 1575, o
navio que viajava de volta da Grécia para a Espanha foi atacado pelos turcos e
naufragou, tendo ficado prisioneiro cinco anos na Argélia. Mediante pagamento
de resgate, foi posto em liberdade. Na Espanha abandonou a vida militar e
começou a escrever. Cervantes era a essência do espírito espanhol. Colocava
a vida em jogo para a defesa da causa do cristianismo ou de qualquer causa a
que se julgasse justa; os mouros ou qualquer outro segmento que ousasse
zombar da galhardia cristã e ibérica. A Espanha conserva o ideal de um sacro
império romano-ibérico, em contraste e harmonia com o absolutismo dos reis,
isto é, um misto de tomismo onde prevalecia a “vontade de Deus” no
provimento do poder do rei, tendo por fim o bem comum e por outro lado, o
estado moderno convivendo e usufruindo a sacralidade do rei mas tendo na
sua finalidade principal o enriquecimento de seus detentores.
A Espanha de Cervantes tem de tudo em contrastes: governantes
ambíguos; a opulência de Sevilha e a pobreza da Mancha que vê seus
habitantes emigrarem-se em massa; a regência das normas consuetudinárias
paralelamente ao direito positivo. Começa que Dom Quixote, em tudo que
contrata, empenha a sua palavra com base na tradição, começando assim os
atritos com seus contemporâneos. Encarnando a figura de um cavaleiro
medieval recusa a posse do dinheiro. – Tendes dinheiro, nobre senhor? –
perguntou o dono da venda, já preocupado com as possíveis despesas do
hóspede. Dom Quixote respondeu-lhe que não e nunca havia lido em livro
26
algum, que os cavaleiros andantes carregassem as mundanas e desprezíveis
moedas. – É claro que todos os cavaleiros devem portar dinheiro – disse o
outro. – Isso é tão normal que não havia necessidade de ser dito. Dom Quixote
começa a procurar seu escudeiro. Encontrou um seu vizinho de nome Sancho
Pança. Tanto prometeu, que afinal persuadiu o pobre lavrador a seguí-lo. Dizia
que, se ele se dispusesse a ser seu escudeiro, poderia conquistar riquezas e
poder. Talvez chegasse a ser governador de uma ilha, talvez até coisas
superiores. Certo dia Sancho cobrou de seu senhor a promessa e este
prontamente respondeu:- Fica sabendo, amigo Sancho, que foi um costume
muito usado pelos cavaleiros antigos fazer de seus escudeiros governadores
das ilhas ou reinos que conquistavam. Estou determinado a fazer o mesmo.
Mais adiante Sancho mostrou-se preocupado em distribuir os cargos entre os
filhos e a mulher. Dom Quixote responde – Deixe isso aos cuidados de Deus.
Ele saberá o que será conveniente. Certo dia Dom Quixote e Sancho Pança
encontraram-se com dois frades da ordem de São Bento montados em mulas.
Em seguida uma mulher a caminho de Sevilha, em uma carruagem escoltada
por cavaleiros e pajem. Dom Quixote, depois de prevenir Sancho a não entrar
na luta, desafiou os frades a libertar a mulher. Em seguida arremeteu a lança
contra um dos frades que caiu da besta. O segundo frade correu em fuga.
Sancho Pança, vendo caído o primeiro frade, correu até ele e começou a
arrancar-lhe todos os pertences, inclusive o hábito. – Que faz? Perguntou o
religioso. – É a presa de guerra! Respondeu Sancho Pança. – Por direito me
pertence, já que Dom Quixote, meu senhor, venceu a briga (Cervantes, 1997).
A Ibéria de Cervantes cultivava um dos mais abomináveis
preconceitos que é o social, isto é, a discriminação dos pobres; a degradação
do trabalhador manual; a exclusão dos portadores da cultura popular mantida
pela tradição; o preconceito de ordem estética que fazia renascer os padrões
de beleza da antigüidade clássica greco-romana, tentando ridicularizar tudo
que não tivesse essa afeição. Assim, o cavaleiro andante e seu escudeiro são
recebidos no luxuoso castelo de um potentado duque. Em tom de ironia, de
mofa e sujeitos a humilhações vexatórias os dois cavaleiros foram execrados
27
pelos habitantes do castelo. Havia um malvado ritual na hierarquia das
humilhações: Sancho Pança, por ser presumidamente inferior a Dom Quixote,
deveria ser mais castigado. Assim começa: Entre os caçadores estava uma
mulher de fulgurante beleza. Montava um magnífico garanhão e o conjunto não
poderia ser mais belo. Pela riqueza das vestes e altivez do porte, Dom Quixote
logo percebeu tratar-se de uma mulher pertencente à nobreza. Esse padrão de
beleza tem uma conotação com a obra do maneirista italiano, Tiziano Vecellio
(1480/1576) pintor oficial de Carlos I e de Filipe II. No quadro “O rapto da
Europa”, mostra uma mulher com vestes transparentes, ludibriada por Zeus
disfarçado em touro que a conduz para a ilha de Creta. Do outro lado, tudo era
fealdade: o cavalo de Dom Quixote, o jumento de Sancho Pança; o cavaleiro
era magro, esquisito; o escudeiro era gordo e trejeitado. No interior do castelo
organizou-se um encontro entre Dom Quixote, o padre, os nobres e seus
vassalos. O diálogo que se trava deixa transparecer a posição de cada
segmento presente colocando os viajantes em ridículo: Dom Quixote tinha
cérebro de macaco; Sancho Pança não sabia se expressar senão através dos
tradicionais provérbios populares. Chegava o momento de ridicularizá-los pelas
superstições, pela crença de que Dulcineia de Tobosa estava encantada em
uma mulher feia e indesejável. Para quebrar aquele encanto Dom Quixote
deveria ser surrado diante da platéia no castelo. Diante de sua recusa em
submeter-se ao castigo, sobrou para Sancho Pança (Cervantes, 1997).
Finalmente, como na flagelação de Cristo, Sancho Pança foi nomeado
governador de um arraial pertencente ao duque, em cumprimento à promessa
de seu amo. Cumpre uma verdadeira “via crucies” e paga por sua real
humildade, o preço dos preconceitos, o mais contundente instrumento do
excludentismo.
2.2 O verbo se fez realidade
"In nomine D. N. Jesu Christi. Porque, cristianíssimos e mui
augustos, excelentes e poderosos soberanos, Rei e Rainha
das Espanhas e das ilhas do mar, nossos monarcas, neste
presente ano de 1492, depois que vossas majestades deram
fim à guerra contra os mouros que dominavam a Europa e por
28
terminados os combates na mui grande cidade de granada,
onde neste mesmo ano, aos dois dias do mês de janeiro, por
força das armas, assisti ao hasteamento das bandeiras reais
de Vossas Majestade na Torre de Alfambra
2
Vi o rei mouro sair
pelas portas da cidade e beijar as mãos reais de Vossas
Majestades (Colombo [1898], 1991; 31).
Em seguida Colombo quer mostrar aos soberanos a conveniência de
sua viagem por mar. O ideal das cruzadas ainda está presente mas o
conquistador moderno ambiciona seu próprio enriquecimento e de seus
comandados. O ideal de missão de Colombo é inspirado em Marco Polo e não
na conduta dos templários que visava o enriquecimento da Igreja e da própria
ordem
3
.
Ao invés dos votos de pobreza Colombo diz aos reis da Espanha
que vai ao encontro das terras da Índia, do chamado “Grande Cã” citado por
Marco Polo, contos maravilhosos de fausto, riqueza e luxo que deixaram
Colombo extasiado. Sente-se orgulhoso de ser o comandante daquela cruzada.
Dirigindo-se aos reis católicos da Espanha diz textualmente:
Vossas majestade, como católicos cristãos e soberanos
devotos da Santa fé cristã, seus incrementadores e inimigos da
seita de Maomé e de todas as idolatrias e heresias, pensaram
em enviar-me às mencionadas regiões da Índia para ir ver os
ditos príncipes, os povos, as terras e a disposição delas e de
tudo e a maneira que se pudesse ater-se para a sua conversão
à nossa fé; e ordenaram que eu não fosse por terra ao Oriente,
por onde se costuma ir, mas pelo caminho do Ocidente, por
onde até hoje não sabemos com segurança se alguém teria
passado (Colombo [1898], 1991: 32).
Assim, a 3 de agosto de 1492 partiram da barra Saltes, as três
caravelas que compunham a expedição, comandadas por homens experientes:
Santa Maria, Pinta e Niña. As incertezas e as dificuldades técnicas encontradas
2
Trata-se de imenso castelo mourisco construído sobre uma elevação que domina a cidade de Granada e que hoje
tem o nome de Alhambra.
3
Conforme Pirenne [1933] (1995) o ideal econômico da Igreja adaptou-se admiravelmente às condições econômicas
da época, em que o único fundamento da ordem social era a terra. A terra foi dada aos homens para que pudessem,
somente, viver neste mondo pensando na salvação eterna e nada mais. A finalidade do trabalho não é enriquecer,
mas conservar-se na condição em que cada um nasceu, até que, desta vida mortal, passe à vida eterna. A renúncia
do monge é o ideal a que toda a sociedade deve aspirar. Procurar riqueza é cair no pecado de avareza. A pobreza é
de origem divina e de ordem providencial. As sobras das colheitas devem ser dividida com os pobres como se
faziam nas abadias.
29
durante a viagem fazem da narração de Colombo um importante documento
histórico. No dia 10 de outubro, com 67 dias de navegação, os marinheiros já
não se agüentavam mais; queixavam-se da longa viagem. Colombo, porém
incentivou-os o quanto pôde, dando-lhes boa esperança das vantagens que
poderiam obter: muitas terras e muitas riquezas, afim de que conservassem a
esperança e perdessem o medo que eles tinham de tão longo caminho
(Faerman, 1991). As promessas de Colombo a seus marinheiros tinham
fundamento na crença em que o navegador alimentava nas descobertas dos
fabulosos tesouros mencionados por Marco Polo
4
. Depois da terceira viagem
de Colombo à América (1498-1500), em carta aos reis católicos, Colombo tenta
justificar as vantagens de ter descoberto a o novo continente e o fato de ter-se
guiado por sábios incontestáveis quando buscava a Índia.
Foi também preciso frisar os valores temporais, quando se lhes
demonstrou os manuscritos de tantos sábios dignos de fé, e
que escreveram histórias em que contavam como nesses
lugares existiam vastas riquezas, e mesmo assim foi
necessário invocar o conceito e a opinião daqueles que
descreveram e situaram o mundo (Colombo [1898], 1991; 169).
O que apresentou aos reis como resultado de suas viagens era mais
real: um continente inexplorado. Mas na corte parecia ainda a frustração de um
sonho: o sonho das narrativas de Marco Pólo.
A quarta e última viagem de Colombo à América (1502/1504) foi
melancólica. Aos 51 anos de idade sente-se cansado. O sonho de atingir o
oriente e voltar carregado de valiosas mercadorias ainda não havia acabado.
Por isso batizou a caravana de “Alta Viagem”, na esperança de encontrar uma
passagem para o Oriente. Esteve bordejando a costa do Panamá sem,
contudo, encontrar a passagem para a China. Na carta do almirante aos reis
4
É incrível como Marco Polo ouviu e memorizou tantas histórias durante a sua fantástica viagem ao Oriente. Fatos
ouvidos com atenção e narrados como conto maravilhoso. Assim, em 1275, os cristãos forçaram a conversão do
califa de Bagdá depois que fizeram uma montanha mudar de lugar na presença de uma grande multidão. Ainda em
Bagdá, em 1255, quando a cidade foi invadida por Alau, irmão do Grande Khan, que apoderou-se de imenso e
fantástico tesouro. Para ostentar seu poder e humilhar o califa derrotado Alau mandou prendê-lo na torre em que se
encontrava o tesouro, sem comida e sem bebida. É encantadora e minuciosa a forma como narra o palácio do
Grande Khan. O espaço construído, cercado por um muro que mede uma milha de cada lado. No interior dessa
quadratura muitos palácios são edificados, destacando a residência do imperador. As paredes das salas e dos
quartos são recobertas de ouro e prata, delicadamente decoradas com histórias de mulheres, de cavaleiros e outras.
Há uma sala tão ampla que é capaz de abrigar seis mil pessoas (Pólo [1296], 1999).
30
católicos ele se curva humilhado e fracassado. Além disso, o falecimento de
sua protetora, a rainha Isabel, abalou mais ainda seu prestígio. O Colombo da
primeira viagem já não é mais capaz de incentivar os marinheiros. Ao contrário
narra muitos desastres, intempéries e infortúnios. "E volto aos navios, que a
tempestade me arrebatou, e me deixou sozinho. Nosso Senhor os coloca à
minha frente quando lhe imploro”. Lamenta ter perdido parte da carga e faz
referência à melhor sorte do irmão. "Durante esse tempo todo não encontrei
guarida, pois não pude, nem me deixaram as tormentas do céu, da água,
trovões, relâmpagos inacabáveis: mais parecia o fim do mundo. Cheguei ao
cabo de “Graças a Deus” e ali Nosso Senhor me concedeu vento e corrente
próximos (Colombo [1898], 1991: 196). Dá notícia de abundância de ouro mas
fracassa no momento de conquistá-lo. "Eu que, como disse, por várias vezes
me vi às portas da morte, soube ai das minas de ouro da província de Cimba
5
que tanto procurava. Dois índios me levaram a Carambaru, onde a população
anda nua e usa no pescoço um espelho de ouro; mas não quiseram vender
nem fazer permuta". Daí para diante toda a sua narrativa é de infortúnios.
Não era isso que esperavam os espanhóis, com a mentalidade
mercantilista já latente. Esperavam embarcações repletas de metais, pedras
preciosas, jóias, porcelanas, peças de jade e histórias inebriantes; as riquezas
dos reis e o luxo dos palácios. Dois anos depois da última viagem, inteiramente
desacreditado, Colombo morreu na pobreza. A carta de sete de julho de 1503,
é uma frustração aos espanhóis porque Colombo desprezou o Novo Mundo por
ele descoberto. Embora sua admirável cultura clássica faltou-lhe o fulgor
narrativo, a exemplo do seguinte episódio: "Cheguei quase ao ponto em que
estive antes, e ai então o vento e a corrente me foram outra vez adversos. E
retornei novamente ao ponto e não me atrevi a esperar a oposição de Saturno
com mares tão desvairados em conta bravia".
O momento das viagens de Colombo contém os sinais que
nortearão, em breve, o mercantilismo: crescimento das cidades;
5
Esta província tem o nome que Marco Polo deu a Cochinchina.
31
desenvolvimento do comércio e das técnicas náuticas; centralização do poder
nas mãos dos reis católicos e conseqüentemente acúmulo de tesouros em
bens e moedas. A beleza do discurso de Colombo no regresso da primeira
viagem não encontra eco nos palácios, castelos e catedrais da Espanha. As
ideologias reinantes exigem algo mais concreto, isto é, que tenha som, brilho
de metal e tudo que possa ser convertido em tesouros. Sete anos depois da
morte de Colombo, o navegador Nuñez de Balboa (1513) descobre o Pacífico
(Cortázar & Vesga, 1997: 202). Magalhães e Elcano dão a primeira volta ao
mundo (1519). Até então, para os espanhóis, nada diferente de Colombo. Mas
quando Cortês sai de Cuba, assalta o continente e subjuga o Império Asteca
com a ajuda dos povos submetidos à sangrenta Teenochtitlán; a satisfação é
geral. Mais ainda: Pizarro manipula as guerras civis da civilização inca a fim de
se apoderar das altiplanícies andinas, seguidas das dominações de Pedro
Valdívia, Jiménez de Quesada, Cabeça de Vaca preparam o campo para
efetivação da colonização com a implantação do catolicismo e demais traços
culturais dos espanhóis na América com o resultado imediato da fruição das
riquezas para a Espanha.
Até então o México se chamava Nova Espanha. Para a Europa, se
tratava de uma terra distante, cuja conquista inspirou a mais de um compositor
barroco, seduzidos como tantos outros pelo que diziam dos encantos e do seu
exotismo. Para a Espanha, durante três séculos (1519/1821), foi a flor de um
império que abarcava grande parte da América, desde a Califórnia até a
Patagônia. Mais que isso, diz Gruzinski (1988: 21) a Nova Espanha era a terra
de aventura dos bem nascidos da Espanha como novo para negros e mulatos
Assim começa uma história real, não mais a história apenas descritiva de
Colombo.
O que regia o mundo dos negócios, as riquezas e suas aplicações
não era a ciência econômica e nem o pensamento social, mas a busca do
poder nacional. A Europa Ocidental havia adquirido uma mentalidade contrária
àquela da pobreza e da resignação. Prevalecia a valorização do conquistador,
32
do acumulador de riquezas, do experiente e sábio. O que os historiadores
chamam de humanismo, foi a concepção de uma nova forma de educação e
formação do homem, coerente com a filosofia clássica greco-latina em
oposição à Escolástica medieval. Então, para o renascentista, as letras, a
história e a filosofia desempenhavam um papel essencial na formação mental
(Reale, 1990: 21).
Cristóvão Colombo e Cortés não eram apenas simples aventureiros,
eram considerados também como agentes do progresso econômico e o
ingrediente mais importante do poder nacional que era o ouro. Fazia parte do
ideal dos grandes exércitos e das aventuras; a riqueza real e a aventura
nacional, além de que se tudo fosse permitido na busca da fortuna, uma nação
não podia deixar de se tornar próspera (Heilbroner, 1996: 41). Esse traço
ideológico vinha de longos tempos e fez da guerra um ritual sagrado. Desde
Roma antiga até o final da Idade Média, o saque o roubo e a espoliação de
outros povos eram sagrados. Era essa ideologia que temperava o legendário
“Cantar de mio Cid”, Rodrigo Diáz de Bivar, El Cid que converteu-se no árbitro
das disputas mouras, tendo governado Valência quase como um rei. Não se
constrangia em vencer os inimigos para despojá-los de espadas de metais
preciosos e tesouros valiosos. Não faltava a esse herói, o companheiro de luta,
Minaya, ávido de sangue, sempre precipitado. A qualquer coisa lançava mão
da espada, já pronto para a luta. Em 1079 o rei de Castela determina aos dois
que fossem a Sevilha e a Córdoba para receber tributos que os reis mouros
deviam à coroa. A cobrança deveria ter a função de lembrar os mouros que
eles deviam pagar aos cristãos se quisessem continuar vivendo pacificamente
naquelas terras (José, 1988: 12). O entesouramento era uma forma de
patrimônio mobiliário ou patrimônio líquido que poderia garantir riquezas
circulantes; garantir recursos para novas conquistas e segurança para os
domínios existentes
6
.
6
O mais importante estudioso de El Cid é o historiador Ramón Mendes Pidal. Uma edição das mais conhecidas é a de
1910 em francês L’epopée castilane à travers la littérature espagnole. A primeira edição em português é recente,
realizada pela Tecnoprant em 1988, com texto de Ganymedes José, baseada em Cantar de mio cid, muito conhecido
nas façanhas do herói castelhano Rodrigo Dias de Bivar. Obra carregada de dramaticidade, de traições,
desconfianças e armadilhas, por sua aproximação com os mouros de onde lhe sai o cognome Sayid, que significa
senhor.
33
Maquiavel não criou idéias novas. Apenas organizou e registrou a
mentalidade reinante em sua época. Exatamente no momento que escrevia “O
Príncipe”, 1513, Cortés estava em franca atividade na ocupação da América.
Recomendava que o príncipe se comportasse tal qual Cortés que o antecipava.
Baseado em fatos históricos fazia espelhar o ideal de conquistador impetuoso.
Cita o exemplo do papa Júlio II (1503/1513) que restaurou o poder do papa e
absorveu de forma radical os valores clássicos da Renascença. Diz Maquiavel:
“Com sua violência e ímpeto, lançou-se pessoalmente na campanha de
Bolonha, contra a aprovação dos venezianos e espanhóis. Com sua atitude
arrastou os franceses”. A conclusão de Maquiavel é carregada de preconceitos
e tendências. Tenta ilustrar seu discurso com retórica de fundo grotesco, e por
isso mesmo, condensando as ideologias reinantes no final do Renascimento:
“Estou convencido do seguinte: É melhor ser impetuoso do que
cauteloso; porque a fortuna é mulher e é necessário, para
subjugá-la, espancá-la e surrá-la. E vê-se que ela se deixa
vencer mais por esses do que por aqueles que, friamente,
seguem em frente. Sempre, como mulher, a fortuna é amiga
dos jovens, pois estes são menos cautelosos, mais fogosos e
mais audazes ao dominá-las (Maquiavel [1513], 1996: 149).
Importantes documentos escritos pelo conquistador do México,
Hernán Cortés (1485/1547), mostram a determinação da Espanha na conquista
da América. Antes da morte de Colombo começa sua aventura chegando a
São Domingos em 1504. Em 1511 ocupou Cuba. Em 1518 sai de Cuba com o
objetivo de conquistar o México, cumprindo seu intento em fevereiro de 1519,
com nove barcos, 110 tripulantes, 500 soldados, 16 cavalos e 14 canhões. O
que mais impressionou os mexicanos de Tabasco foi a presença dos cavalos
que assombrados não impuseram resistência a Cortés. O consórcio com a
índia Malinche rendeu-lhe prestígio e poder. Passou a fundar e conquistar
cidades. De todas, a mais notável é a conquista de Tenochtitlán, atual cidade
do México, depois de dominar por todos os meios o imperador Monteczuma. A
partir daí as conquista de Cortés alcançam todo o México. Em 1523 Carlos V o
nomeou governador-geral de toda Nova Espanha. A determinação com a qual
Cortés se lançava na luta com o objetivo de conquistar riquezas materiais es
registrada com clareza em suas cartas enviadas ao imperador. A primeira
34
extraviou-se. A segunda, datada de 16 de julho de 1519, foi impressa em
Toledo, em 1522. Nesta carta acusa a fundação da vila de Veracruz e demais
conquistas. Sempre que chegava em uma vila relatava que havia sido muito
bem recebido, intimidando pelo poderio que ostentava, como ele mesmo diz:
Yo fui, muy poderoso señor, [...] donde de todos los naturales fui muy biem
recebido y hospedado (Cortés, 1963: 26). No povoado de Caltanmi, Cortés se
diz muito bem recebido e de ter falado com os habitantes do poderio da
Espanha sobre aquela região. Perguntou a um interlocutor se os habitantes do
povoado eram vassalos de Monteczuma ou se eram de alguma outra
parcialidade. Confirmou que eram vassalos de Monteczuma. Cortés respondeu
ao interlocutor daquele povoado que o rei da Espanha era muito poderoso e
devia ser obedecido e se o contrário fosse deveria haver punições. Em seguida
solicita que lhe dessem ouro a ser enviado a sua majestade. O interlocutor
respondeu que o ouro que possuía era para dar a Monteczuma. De outros
moradores mais distantes acabou recebendo alguns colares de ouro e oito
escravos, o que o fez partir contente dali. Noutra província encontra resistência
armada de súditos de Monteczuma como diz: "E como a bandeira da cruz,
empunhada por nossa fé a serviço de vossa sacra majestade, que em sua mui
real ventura Deus nos deu muitas vitórias" (Cortés [1522], 1963: 29).
A questão do ouro estava sempre presente na relação entre os
nativos e os ibéricos. Na província de Chalco, acompanhado de quatro mil
índios de outras províncias, Cortés foi recebido pelas principais autoridades do
lugar. Levaram-lhe a proposta de três mil pesos e ouro para que o conquistador
não chegasse até a cidade, por tratar-se de lugar muito pobre. Alegaram outros
inconvenientes de ordem geográfica. Cortés compreendeu que seus
interlocutores pretendiam impedir seu contato com Monteczuma e comportou-
se como diplomata. Sabia que estava próximo da cidade da qual o rei já tinha
notícia. Seguiu resoluto o conquistador sendo sempre bem recebido pelas
autoridades de Monteczuma. Na província de Cuzula os índios mostraram a
Cortés os rios de onde se extraiam o ouro de aluvião, além de oferecer jóias do
mesmo metal (Cortés [1522], 1963: 45).
35
Chega o momento de Cortés triunfar sobre Temixtitlan, a capital do
império Azteca. Descreve o sítio com minúcia de detalhe. Depois a organização
social e religiosa. Nesse ponto o narrador parece seguir o estilo de Marco Polo
ao realçar o aspecto da riqueza de povos estranhos aos europeus. Fica
encantado com a qualidade das casas de moradias dos senhores Azteca. Diz
Haring que a América era pródiga em diversos metais, mas os espanhóis
consagraram toda sua atenção ao ouro e à prata, além do mercúrio, porque
era útil na extração do ouro. Os índios, que haviam empregado o ouro e a prata
apenas para ornamento, utilizavam o cobre para a fabricação de utensílios e
armas (Corrêa & Bellotto, 1979). Conquistando o Azteca o que era mais
cobiçado estava nas mãos dos espanhóis: ouro e prata em abundância.
A conquista da Nova Castela não é só o Peru, mas toda a América
do Sul espanhola. Se existem algumas semelhanças com relação à conquista
do México, de vez que o móvel é o mesmo, a procura do ouro, Francisco
Pizarro foi mais violento. O Império inca que Pizaaro se defronta, com força e
instrumental inferiores aos de Cortés, era mais bem organizado. Mas na
medida que expandia a dominação inca cresciam também as dificuldades de
manutenção dos domínios. Em 1527, a morte de Huayna Cápac provocou uma
luta sucessória entre seus filhos Huascar e Athualpa. Pizarro chega ao Peru
em 1532, no momento em que Athaualpa já estava quase vencendo a
contenda com seu irmão, quando sofreu o ataque de Pizarro, deixando o poder
para os espanhóis. Pizarro apoderou-se de um enorme tesouro: um milhão e
meio de pesos em ouro e prata. O fabuloso tesouro encheu Pizarro de prestígio
e poder na luta para dominar os povos. Mas antes de praticar a mineração
sistemática, o ouro, a prata e as pedras preciosas que os reis incas tiveram em
tanta quantidade, não era tributo que fossem os índios obrigados a dar-lhes,
nem os reis o pediam, porque não tiveram como coisa necessária para a
guerra nem para a paz e tudo isso não avaliaram como fazenda nem tesouro,
porque como sabe, não vendiam nem compravam coisa alguma por prata nem
por ouro, nem com ele gastavam em socorro de alguma necessidade que se
lhes oferecesse; e por isso, o tinham como coisa supérflua: não era de comer e
36
nem para comprar de comer; somente o estimavam pela sua formosura e
resplendor (Vega, 1979: 17).
Era a prática de uma política de colonização encabeçada pela
Península Ibérica. No jogo da conquista e da colonização contavam os ibéricos
com uma superioridade que era a herança da cultura latina, formada há dois
mil e quinhentos anos do tempo de Colombo. Essa cultura proporcionou aos
espanhóis, munição ideológica; poderoso instrumental bélico; domínio de todas
as áreas do conhecimento humano. Para conseguir as recompensas materiais
os conquistadores espanhóis não mediam esforços e sacrifícios. Tinham
consciência da superioridade com relação aos inimigos. Acreditavam que, pelo
fato de serem cristãos, podiam gozar do favor divino. Quanto mais venciam,
maior era o reforço dessa crença. A perspectiva do ouro tornava toleráveis
todas as agruras e o risco de perderem a vida em busca da recompensa final.
BethelL (1998: 167) cita uma frase de Cortês que é muito significativa: “Eu e
meus companheiros sofremos de uma doença do coração que somente pode
ser curada com ouro”. Nada mais que isso poderia agradar aos reis espanhóis:
arcas repletas de esplendorosos metais.
Só se compreende uma colonização com a aculturação dos povos
conquistados. A substituição dos cultos ameríndios como Guacas, Curacas e
Incas pelo Cristianismo, foi muito rápida. A substituição da língua e da
organização social e política também foram imediatas. No miolo da aculturação
vinham as ideologias da colonização, como atesta o documento intitulado “Los
dioses de Santa Cruz”, crônica de Juan de Santa Cruz Pachacuti Yanqui
Salcamaygua. Narrando fatos de conversões e buscando os ancestrais dos
incas, o cronista deixa transparecer seu interesse em integrar a América
Indígena no contexto da história universal. Como recurso retórico cita a criação
do homem, do “Gênesis”, à imagem e semelhança de Deus, progenitor do
gênero humano, cuja descendência são os nativos de Tohmantinsuyu, bem
como as demais nações do mundo, os brancos e os negros. Para convencer as
conquistas, conversões e integração dos incas na civilização cristã, tece
37
interessante analogia: descreve a entrada de Francisco Pizarro em Cusco
dizendo que com suas barbas longas representava o imperador Carlos V; O
padre Fray Vicente, com sua mitra e capa, representava São Pedro e o Papa; o
inca com suas belas plumas, com suas vestes mais ricas, acompanhados dos
espanhóis representavam o povo (Millones, 1979: 127). O cronista deixa
transparecer o caráter ideológico vigente no relacionamento entre as duas
etnias: agente adaptador da cultura do dominador à cultura do dominado. Os
ameríndios adversários dos incas eram como pedras grosseiras não lapidadas,
sendo conveniente aos espanhóis o apoio e a aproximação aos incas. Mas o
que ocorreu, na realidade, foi uma constante anulação da cultura inca e sua
conseqüente reação bélica.
A ideologia sobre a qual se baseava o sistema inca estava em
extinção. Na nova sociedade dominada pelos espanhóis toda idéia de
reciprocidade e redistribuição de riquezas havia perdido seu sentido. O domínio
espanhol resultou numa transferência unilateral sem reciprocidade de garantir a
riqueza em benefício de todos.
A escravidão de indígenas, embora controvertida, em face da
doutrina cristã, passa pela cultura ocidental e permanece no mundo novo
conquistado. Conforme Direito Romano os bárbaros podiam ser escravizados.
Na Idade Média os bárbaros eram interpretados como infiéis ao cristianismo,
podendo ser escravizados. A questão da escravização do indígena é polêmica
de vez que ele não é bárbaro, mas apenas pagão, na perspectiva de tornar-se
súdito. Os sermões do padre Antônio Montesinos, em São Domingos (1511), a
favor dos indígenas revoltou os colonos espanhóis escravizadores de
indígenas. Defendia a idéia de que os índios também possuíam uma alma
racional e que ninguém tinha o direito de os reduzir à escravatura. Os
escravizadores deveriam ser denunciados ao rei. Em 1513 sobressai o bispo
Bartolomé de las Casas, autor de Brevíssima Relação da Destruição das
Índias,
sob cujo impulso se promulgaram admiráveis leis protetoras que nem
sempre foram cumpridas nas colônias. A partir de 1537, com base nos
38
documentos de Las Casas, cria-se uma doutrina oficial da Igreja, na qual os
índios deveriam ser considerados seres racionais livres, membros de pleno
direito da humanidade e vassalos do rei de Castela (Cortázar & Vesga, 1997:
242).
Apesar das leis e doutrinas firmadas os colonizadores espanhóis
encontraram uma forma de continuar submetendo os indígenas à escravidão.
Apelam para o aspecto medieval que permite escravizar infiéis para submeter
ameríndios aprisionados numa “guerra justa”, estendendo a índios rebeldes e
canibais. Em parte os brancos não desistiam da escravização de indígenas
porque o trabalho assalariado não conseguia convencê-los ao duro esforço
braçal da mineração e da lavoura. Mas diante das dificuldades de escravizar os
ameríndios, os espanhóis optaram pelos escravos negros. Há muito, os
portugueses comercializavam escravos negros africanos e até mouros. O
primeiro carregamento de negros ladinos que falavam espanhol chegou à
América em 1505. Houve uma pequena interrupção, mas em 1518 Carlos V
concedeu a um membro de sua família borgonhesa uma licença para que
enviasse quatro mil escravos para as índias no curso de oito anos. Essa
licença foi transferida a um grupo de navegantes genoveses. Esta concessão
passa a significar a internacionalização do rendoso negócio que era o tráfego
de escravos. Prevalece, portanto, o traço ideológico da sociedade escravista
na Península Ibérica (Bruit, 1991).
Segundo Bruit (1991) não há um escrito de Las Casas que não diga
algo relativo à destruição da América e à violência dos conquistadores. “A
brevíssima relação de destruição das índias", seu livro mais famoso, é um
tratado sobre a brutalidade humana e em todas as suas páginas o sofrimento e
o sangue escorrem a borbotões. Para o frade, a violência dos conquistadores
tinha a finalidade de fazer com que os índios perdessem a noção de que eram
seres humanos para exercer sobre eles a dominação total”. Se por um lado Las
Casas mostrou a extrema maldade e poderio dos conquistadores, sua escrita
serviu, também, para mostrar uma extrema fraqueza dos índios, predispostos a
39
serem dominados, aceitando sem resistência a dominação. Las Casas
transmite a imagem servil do índio, conformado com a derrota humilhante,
renunciando voluntariamente à sua existência cultural, assumindo devotamente
o sacrifício do bom cristão. O símbolo dessa entrega dos índios aos
conquistadores é Marina, a Malinche, amante e intérprete de Cortés, que
estigmatiza o permanente, o constante derrotismo dos latino-americanos e
assimilado pela historiografia. Mas o certo é que houve resistência por parte
dos índios, conforme registra Las Casas: suicídios coletivos; abortos praticados
pelas mulheres índias; guerra e outras formas veladas de resistência, não
vistas por Las Casas, como: silêncio, indolência, furtos, mentira,
desobediência, fuga e passividade para evitar fúria do colonizador. Das formas
abertas e frontais de resistência os espanhóis difundiram a idéia da fraqueza
dos indígenas. Das formas veladas difundiram os conceitos de defeitos
incorrigíveis dos nativos.
O surpreendente na história da conquista e apesar da destruição do
genocídio, é que os índios sobreviveram física e culturalmente e a presença
deles, de algum modo marcante em quase todas as sociedades do continente,
é um fato em face do qual não se pode fechar os olhos” (Bruit, 1991). Basta,
portanto, uma volta do olhar para o Centro e para o Sul da América para
identificar todos os traços culturais herdados, dos astecas, dos maias, dos
incas e dos guaranis.
Elliott (1998) analisa o fato de a partir do momento em que a
ocupação e exploração da América se consolidavam e com a abdicação de
Carlos I, em 1556, Filipe II conservou a condição de “rei da Espanha e das
Índias”. Mas consegue conservar o título de imperador, rei da Espanha, em
face das possessões na América A partir daí a coroa começa a criar as
condições de administração e institucionais com vista ao Novo Mundo. Os
conselhos passaram a ser representantes da pessoa do rei. A partir de 1561
têm sede em Madri, que passa a ser a sede da Monarquia. Todos esses
conselhos eram compostos de homens letrados, educados e versados em leis
40
nas universidades. Jamais foram homens nativos das colônias; todos atuavam
como guardiões do rei; jamais defenderam os interesses dos colonos.
Formava-se assim um enorme corpo burocrático. A administração na América
contava com aparelhos de juntas administrativa, militar, jurídica, financeira e
religiosa. No século XVI a governadoria era uma instituição ideal na busca da
expansão territorial, já que conferia a seus detentores amplos poderes. No
século XVII declinam-se as governadorias e começam a aparecer os vice-
reinos, que acumulavam funções judiciais, administrativas e militares, mas na
verdade, álter ego do rei, mantendo sua corte no palácio vice-real e trazendo
consigo as figuras da nobreza. Mas apesar do poder e dos privilégios que
gozavam os vice-reis e os ouvidores, estes eram mantidos sob controle por
uma coroa naturalmente suspeitosa dos funcionários que ela própria nomeava.
Para que as riquezas da América não se desviassem de seu curso para o reino
da Espanha, a legislação tratava de resguardar seus privilégios destituindo os
burocratas de qualquer vantagem além dos parcos salários previstos. Os
funcionários eram proibidos de casar com mulheres da área de jurisdição; não
podiam adquirir propriedades fundiárias e nem praticar atividades comerciais.
O ideal da coroa era que os funcionários da administração colonial fossem
servidores platônicos que amassem a metrópole sem nenhuma recompensa
material. A Igreja na América era de natureza missionária, responsável pelo
doutrinamento. Cumprida essa obrigação os missionários entravam em choque
com o clero secular pelo espaço de jurisdição e poder. Nos primeiros
momentos os bispos tiveram muita força de controle sobre os colonos brancos
e sobre os índios, principalmente como tribunos inquisidores. Todas essas
formas de controle estavam inseridas na esfera de uma conformidade
ideológica que sustentava o império e as colônias.
“Os castelhanos, imbuídos de um profundo senso de
necessidade de vincular seus empreendimentos a um fim moral
mais alto, tiveram de articular por si mesmos uma justificativa
para seu governo do Novo Mundo que inserisse suas ações
firmemente no contexto de um propósito divinamente prescrito.
A prata das Índias, que a Coroa explorava com o fim de
aumentar suas rendas, era considerada como uma dádiva de
Deus, que daria aos reis de Castela a oportunidade de cumprir
41
suas obrigações em toda a terra bem como manter e propagar
a fé” (Elliott, 1998: 300).
Estava aí, portanto, a legitimação da ordem estabelecida. O Império
era considerado um empreendimento sagrado como justifica Solorzano Pereira
na obra “Política Indiana” (1648) na qual estabelece que os indígenas, pelo fato
de serem tão bárbaros, precisam de alguém que, assumindo os deveres de
governá-los e educá-los, os reduzisse a uma vida humana civil, social e
política, de modo a poderem adquirir a capacidade de receber a fé e a religião
cristã. Afinal todos de alguma forma, usufruíam da riqueza destilada da
América: a coroa que mantinha o estafe imperial; a burocracia com salários e
privilégios; os que se enriqueciam nas colônias e voltavam para viver na
metrópole.
2.3 Portugal: o ancho eixo dos achados
2.3.1 Meditar para achar
Para chegar às grandes viagens marítimas e aos descobrimentos,
Portugal passou por um longo caminho histórico. Teve que contribuir para o
rompimento com obstáculos de ordem ideológica arraigados na cultura
européia antes de sua independência, no limiar do século XIII. Sem a
acumulação de fortunas e desenvolvimento do comércio, eliminando o sistema
feudal e seus assemelhados, o país não poderia ter-se aventurado pelos mares
nunca antes navegados. O primeiro obstáculo vinha do horror ao comércio, ao
mercador e ao comércio financeiro. Haviam proibições severas por parte da
Igreja. O empréstimo a juros teve significado pejorativo, sendo a usura uma
abominação. O comércio em geral, também era reprovado
7
. É perigoso para a
alma. Segundo Pirenne (1965), a reprovação da usura, do comércio, do lucro
sem outro objetivo senão o de lucrar era coerente com a situação medieval
pois o latifúndio se bastava a si mesmo e consistia em um mundo fechado. Não
7
O comércio é perigoso à alma, pois afasta-a de seus fins últimos. “Homo mercator, vix aut nunquem potest Deo
placere”. O homem mercador nunca pode agradar a Deus (Pirenne, 1965: 20). Frase atribuída a um bispo de
Aquitânia, em resposta a um comerciante que se sentia preocupado com a sua salvação.
42
fosse a proibição da Igreja, esses latifúndios teriam sido os primeiros a explorar
os pobres nas épocas de fome. Os próprios mosteiros, amiúde, infringiam os
preceitos da Igreja. Na verdade tais preceitos impregnaram tão profundamente
o mundo com seu espírito que somente no final da Idade Média foi aceita sem
reservas mentais a legitimidade dos lucros comerciais, da valorização do
capital e dos empréstimos com juros.
A partir das “questão das investiduras”o papa começa a disputar o
papel de imperador; o imperador queria exercer o papel de papa; acumular
fortunas passou a ser fundamental (Miradouro, 1989:8529). A “Canção de
Roland” ilustra este ideal. A campanha movida pelo rei francês, Felipe o Belo,
contra a Ordem dos Templários no século XIV, visava arrebatar-lhes os
imensos tesouros. A materialidade passa a predominar sobre a espiritualidade,
tanto nos indivíduos quanto nas instituições. A Igreja, os reis e os proprietários
exaltam e até sacralizam as posses materiais
8
.
Já com relação às fortunas adquiridas nas chamadas guerras santas
ou guerras justas, tomadas de inimigos do cristianismo, não havia maiores
restrições. Redundavam em incentivo para as conquistas. A expansão
européia, a questão das investiduras, o poder temporal e o enriquecimento
material da Igreja provoca distúrbios bélicos, degenerescência do
humanitarismo e dos valores morais; predominância da corrupção e dos
interesses materiais. A milenar palavra de Paulo, pronunciada no alvorecer do
cristianismo, sobre o amor e a caridade, havia caído em completo
esquecimento, ou melhor, não era a tônica do suceder histórico. Naquele
momento (séculos XII, XIII e XIV) o que interessava, tanto aos imperadores
quanto aos papas era acumular riquezas, poder, notoriedade. São Francisco de
Assis (1182 / 1226) puxa o cordão da tentativa de recuperação dos valores
cristãos. Seus poemas reprovam o materialismo conquistador e colonialista.
8
Os templários haviam conseguido acumular imensas riquezas. As casas da Ordem contavam-se por milhares nos
países europeus; fortalezas que recebiam depósitos de valores; reis, príncipes, bispos, grandes senhores, recorriam
à Ordem quando se viam em embaraços de dinheiro. Os Templários tornaram-se, por encargo dos papas, os
administradores dos fundos destinados às cruzadas. Eram os banqueiros dos reis, príncipes e prelados. Foi esse
poderio que motivou a ruína dos Templários, no começo do século XIV (Grande Enciclopédia... 1971).
43
Obedecer a autoridades e prelados corruptos era tremendamente doloroso
para o cidadão. O poeta então diz:
"Se acaso o súdito vê algo melhor e mais útil à sua alma do
que aquilo que o prelado lhe ordena, sacrifique a Deus o seu
conhecimento e se aplique com firmeza a cumprir as ordens do
prelado, pois nisto é que consiste a verdadeira obediência feita
com amor, que agrada a Deus e reveste a bem do próximo"
(Esser, 1979: 140).
Mas ao mesmo tempo adverte que acumular riqueza em uso do
cargo de prelado é perigoso para a salvação da alma. "
Os que estão
constituídos sobre os outros não se vangloriem dessa superioridade mais do
que se estivessem encarregados de lavar os pés aos irmãos" (Esser,
1979:141). Francisco de Assis percebe que o materialismo dos tempos
romanos estava de volta, avançando sobre a natureza com uma enorme
voracidade de destruição e posse. O poeta coloca tudo na natureza como
criação de Deus e, portanto, tudo como seu irmão: o sol, a lua, o pássaro, a
água, o pato, o jumento e boi. Daí sua recomendação no sentido de não criar
animais e nem utilizá-los ou explorá-los economicamente.
Francisco de Assis via o maometano de forma diferente de seus
contemporâneos. Como estava escrito no Evangelho que era preciso amar
todos os homens, inclusive os nossos inimigos, era-lhe impossível traduzir isso
por atacá-los e matá-los. Achava que também o maometano, inimigo ou não,
era um irmão e não se matam irmãos para alcançar um fim sagrado. Mas o
Papa Inocêncio III, ao invés do Evangelho, busca a profecia e escreve em
1213: "Parece que o dia da libertação está realmente próximo: o poder do islão,
cuja duração está indicada no Apocalipse, está agora no fim" (Doornik, 1977:
116).
A nobreza portuguesa, ambiciosa, truculenta e cruel na disputa com
seus próprios pares, impiedosa no relacionamento com as classes subalternas,
estava em aguda contradição com a doutrina do Cristianismo. Qualquer ação
praticada em nome do cristianismo e sob a sombra da cruz era sacralizada,
44
mesmo que com todo requinte de perversão. O rei pregava justiça entre os
súditos mas, no interior do castelo, abusava sexualmente de suas criadas. As
fortunas eram adquiridas de forma indecorosa. Um documento de 1227 revela
que “os juizes em Lisboa não ousavam resolver as queixas apresentadas pelos
pobres, porque os poderosos disso os impediam” (Saraiva, 1998: 62). Dom
Afonso Henrique (1111 / 1185) já era rei de Portugal quando, certo dia, foi
visitar o Conde D. Gonçalo de Souza na sua Quinta da União. O conde foi
preparar a comida para o rei que aproveitou-se de sua ausência para fazer
amor com a condessa. Quando voltava com a comida, viu a cena e não gostou.
Limitou-se a dizer: “Levantai-vos que a comida já está pronta”. O rei pôs-se a
comer. Mas enquanto isso o conde mandou tosquiar a condessa e devolvê-la à
casa dos pais, montada em uma besta mas virada para o rabo do animal.
Fernão Mendes, o Bravo, filho do Alferes-mor de D. Affonso Henriques, matou
sua mãe porque esta fizera uma intriga entre ele e sua amante que mantinha.
Fernão Mendes mandou cozê-la viva dentro de uma pele de urso e deu-a a
comer a seus cães de caça. Contam ainda, que o espanhol Gonçalo
Rodrigues, depois de tomar parte em uma expedição contra os mouros,
quando chegou o momento de repartir o saque entre os cavaleiros achou que
lhe davam menos que o devido. Insultou o fidalgo que fazia a partilha. Um
cavaleiro entrou em luta contra ele e foi abatido com um golpe de espada.
Gonçalo Rodrigues fugiu para Portugal e foi acolhido por Dom Sancho II
(1202/1248), tornando-se um poderoso senhor. Certo dia chegou-lhe a notícia
de que a mulher, que estava no Castelo Lanhoso, o atraiçoava com um frade
do Bouro. Correu lá, fechou as portas do Castelo e queimou as pessoas,
animais e coisas do castelo. Perguntaram-lhe porque não queimara apenas a
mulher e o frade. Respondeu simplesmente que havia sido traído por todos
(Saraiva, 1998; 66).
Inês de Castro, dama da mais alta estirpe castelhana descrita como
muito bela, acompanhou a infanta dona Constança, quando esta ia se casar
com o príncipe português, Dom Pedro, filho de Afonso IV, rei de Portugal. O
príncipe apaixonou-se por Inês de Castro, com a qual teve quatro filhos. Os
45
irmãos de dona Inês, que também eram castelhanos gozaram de favores do
príncipe. Os protegidos do rei Afonso IV exigiram do mesmo o assassinato de
Inês de Castro para afastar o perigo da preponderância de Castela sobre
Portugal, o que ocorreu no dia 7 de abril de 1355. O príncipe apoiado por
nobres espanhóis, reagiu com força armada contra o pai, convulsionando a
nação. Os artistas aproveitaram muito do tema: músicos, dramaturgos, poetas
e prosadores, entre os quais o poeta Antonio Ferreira (1558). O mais
importante poema sobre Inês de Castro foi de Fernão Lopes (1380/1460). Trata
em poesia a vingança de D. Pedro I (1320/1367) contra os assassinos de sua
amante. Para ter os executores de Inês de Castro em mãos, o rei de Portugal
fez um acordo com o rei de Castela comprometendo-se lhe mandar os
refugiados políticos castelhanos homiziados em Portugal. A esse acordo de
troca o poeta chama de escambo e parece querer dizer do mau caráter
vingativo e negocista de Dom Pedro.
"... A maneira de sua morte, sendo dita pelo miúdo, seria mui
estranha e crua de contar, ca mandou tirar o coração pelos
peitos e Pêro Coelho, e a Álvaro Gonçalves pelas espáduas; e
quais palavras ouve, e aquele que lho tirava que tal ofício havia
pouco em costume, seria bem dorida cousa d’ouvir; enfim
mandou-os queimar; e tudo feito ante os paços onde ele
pousava, de guisa que comendo olhava quanto mandava fazer.
Muito perdeu el-Rei de sua boa fama por tal escambo como
este, o qual foi havido em Portugal e em Castela por mui
grande mal, dizendo todos bons que o ouviam, que os reis
erravam muito indo contra suas verdades, pois que estes
cavaleiros estavam sobre segurança acoutados em seus reino”
(Goulart & Silva, 1975: 31).
Da mesma forma que devotar fidelidade ao rei significava a garantia
de privilégios, podendo os nobres praticar qualquer tipo de delito contra os
demais, traí-lo, certamente, redundava em desgraça total. Ficou célebre a
desapropriação que o rei Dom Sancho II fez a Dom Lourenço Fernandes, uma
fortuna enorme, na região de Guimarães. O que não foi possível aproveitar foi
destruído e incendiado. Para não cair em desgraça os senhores guerreiros e
potentados faziam canalizar para as mãos dos reis, fortunas incalculáveis,
passadas a herdeiros e a instituições militares. Na ordem da repartição desses
46
tesouros a preocupação maior era com a defesa. Seguiam depois as
instituições religiosas (Saraiva, 1998: 74).
Finalmente, nos séculos XIII e XIV são legitimadas as fortunas
adquiridas através do comércio marítimo, contrárias às fortunas adquiridas pela
nobreza, quase sempre conseguidas através de força bélica. Conta-se que D.
Pedro Novais tornou-se prisioneiro dos mouros, pagando alto valor em resgate.
Ao libertar-se correu os reinos de Castela, Leão, Galiza e Portugal colhendo
donativos para pagar as dívidas do resgate. O que arrecadou foi muito superior
ao que devia. Com o saldo comprou muita mercadoria e esperou um momento
de carestia para vendê-la por altos preços, acumulando enorme fortuna.
Portanto, a fortuna de Pedro Novais tem uma dupla origem: a guerra e o
comércio. O século XIV que foi o momento de preparação para as grandes
viagens marítimas, foi de considerável aumento das atividades comerciais,
intensas desde o século XVIII
9
. É em face desse comércio que Lisboa se
transforma numa grande cidade mercantil, superando os demais centros de
Portugal e assumindo a condição de capital. Intensifica não somente a
importação para as inúmeras feiras de Portugal, mas também a produção para
exportação de azeite e vinho. Esta situação gera uma crise interna que é a
escassez de trigo que perde o lugar para os produtos de exportação. Os
interesses em poder da nobreza começam a se esvaziar em função da fuga de
trabalhadores dos morgadios para as chamadas vilas. Com isso a nobreza
entra em choque com os comerciantes judeus e portugueses (Saraiva, 1998:
98).
A Revolução de 1383/85 colocou em recesso a nobreza e em
evidência a burguesia. Foram os burgueses, aliados a alguns nobres, que
decidiram a morte do conde de Andeiro, um aventureiro galego que dispunha
de grande poder político e que se constituía num entrave às mudanças
propostas. Assume o poder D. João I, (1357/1433), mestre da ordem militar de
9
A palavra caravela aparece escrita pela primeira vez no foral de Vila Nova de Gaia, de 1255. Indica a intensificação
do comércio por mar. Duas décadas antes mais de cem marinheiros mercantes portugueses obtiveram do rei da
Inglaterra salvo-conduto contra os ataques dos corsários. Já havia até uma espécie de seguro chamado bolsa, para
cobrir os prejuízos provindos de sinistros marinhos (Saraiva, 1998: 96).
47
Avis, filho bastardo de D. Pedro I. Sublevada contra a regente e contra os
nobres, a população de Lisboa assumiu a direção dos acontecimentos. Os
mosteiros e o chamado “povo miúdo” proclamaram o mestre de Avis “regedor e
defensor do reino”. Segundo narração de Fernão Lopes, os burgueses
hesitavam em participar do movimento, porque receavam arriscar as fortunas.
Um tanoeiro, (operio consertador de tonéis) falando em nome da multidão,
reunida em volta da Câmara, intimou os burgueses dizendo que “ele tanoeiro,
não tinha mais que arriscar que a garganta; os ricos cidadãos tinham mais a
perder; mas se não dessem o acordo à decisão do povo, não salvariam seus
pescoços” (Saraiva, 1998: 119). A Revolução proporcionou reformas e relativas
transformações. Curioso como Fernão Lopes, muito antes de Giovanni Battiste
Vico (1668/1744), a história do mundo dividia-se em seis idades e a sexta seria
a última em progresso
10
. Fernão Lopes entendia que, com aquela revolução
portuguesa, começara a sétima idade. Tudo era tão novo que parecia não ser
realidade. Homens humildes e pobres feitos cavaleiros. Outros se apegaram às
antigas fidalguias, de que já não era memória. Mas o que havia de novo era a
centralização do poder nas mãos do rei. O caso de Nuno Alvares Pereira ilustra
a força do rei sobre qualquer outra instituição.
Consolidada a posse de Ceuta em 1418, o infante Dom Henrique
(1394 / 1460), filho de D. João e de D. Felipa de Lancastre, mesmo que não
tenha fundado uma escola de navegação, foi de enorme importância para o
desenvolvimento das técnicas náuticas. Chamou do estrangeiro cosmógrafos e
matemáticos e com eles alguns cavaleiros de sua casa e se entregou ao
estudo das cartas marítimas. Ao morrer deixou reconhecida a costa africana
até Serra Leoa. Trinta e sete anos depois Vasco da Gama realiza o sonho de
D. Henrique.
É claro que todo o móvel da história inventariada acima, da tomada
de Ceuta até o descobrimento do Brasil, é o interesse material que se colocou
10
A concepção de Vico, em “história ideal” é a de três idades históricas, ou três fases que sempre se repetem. A
primeira é a história dos deuses, em que os homens foram pouco mais que animais. A segunda, a história dos heróis,
em que os homens eram bárbaros mas poetas, governados pelos aristocratas. A terceiras é a fase humana, que
começa com lutas internas contra os governantes, espécie de lutas de classes, com a conquista de um direito
seguro e escrito, superior ao direto natural, culminando com o estabelecimento de repúblicas (Sciacca, 1966: 123).
48
acima do espiritual. Mesmo que o Infante D. Henrique tenha sido uma fortaleza
moral que os santos portugueses tenham contribuído para o triunfo do
cristianismo, tudo redundou em contabilização de tesouros: as ideologias
asseguraram as condições de funcionamento dos sistemas de carrear riquezas
para as classes privilegiadas. A necessidade de ouro, prata e trigo
determinaram o desenvolvimento da ciência, da tecnologia, do apetite de lucro
e do desejo de guerra. O povo, representado pelos pescadores, mareantes e
todas as categorias de trabalhadores, dependia do que vinha da conquista
ultramarina. O regresso dos marinheiros representava a possibilidade de
ocupação e de lucro. O livro de Marco Polo incentivava a saída de Portugal à
procura de riquezas e deixava o povo esperançoso à volta do aventureiro.
Mesmo que a burguesia endinheirada estivesse próxima do rei, a nobreza não
perdia poder. Como diz Fernão Lopes: “Homens de tão baixa condição que não
cumpre de dizer, protestam em 1455 contra o fato de o rei privilegiar alfaiates,
sapateiros, barbeiros, lavradores, pessoas que fazem vergonha aos vassalos
que os são por linhagem”. Na verdade a nação portuguesa conservou as
ideologias que privilegiavam a vida marítima, a aventura, a guerra. O homem
continental português foi sempre discriminado. A vida econômica concentrava-
se no litoral, e ao mesmo tempo a atividade governativa do Estado
especializava-se na economia militar ultramarina. Era um estado de olhos
voltados ao mar, mas por isso mesmo de costas voltadas para a nação interior.
A vida campesina entrou então numa estagnação profunda, conservando até o
final do século XIX, numerosas sobrevivências medievais (Saraiva, 1998: 147).
Os portugueses buscavam as riquezas pela forma das guerras de
cavalarias, extensão cruzadista e através do comércio exterior. Em pleno
século XV os portugueses preparam-se para uma enorme guerra de cruzada. A
tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453, foi ponto de partida para
invasões em direção à Europa Central, chegando a Belgrado em 1556. O papa
mandou pregar a cruzada contra os infiéis. A Europa não atendeu ao apelo do
papa. Mas D. Afonso V (1432 / 1481), encarnando a vocação de seus pais e
avós, havia se tornado fanático guerreiro e acolhe com garbo o pedido do papa
49
Calisto III. Entre as escrituras de seu pai, D. Duarte (1391 / 1438), duas por
certo, o influenciou: a primeira “O leal conselheiro”, segundo o próprio autor é o
abc da lealdade, um elucidativo escrito moral. Há nele muitas lições de coisas
variadas. A segunda é o “Livro da ensinança de bem cavalgar a toda sela”.
Tem caráter didático e filosófico com ensinamentos e conselhos sobre a arte da
cavalaria. A equitação era muito mais que um exercício físico ou uma
preparação militar; acompanhava a formação moral do homem e a sua
emancipação; estava ligada aos mais altos ideais de vida: a honra, a justiça, o
heroísmo a lealdade ao rei e o respeito pela mulher
11
. (Figueiredo, 1960: 103).
Na opinião de Gama, há um certo projeto ou ideal de Portugal e do povo
português que “O leal conselheiro” reflete as preocupações profundas de um
rei que ausculta os sinais de decadência e de ressurgimento da nação. A obra
propõe um modelo de comportamento conservador, manifestado na própria
conceituação de lealdade, isto é, lealdade a Deus e por extensão ao rei,
encarnação da divindade. “... e todos estes por lealdade recebem grande
ajuda para serem bem governados; ou de todos eles a lealdade é grande e
principal fundamento” (Gama, 1995: 79).
D. Afonso V informou o papa de que iria com doze mil combatentes
lutar contra os turcos, com recursos próprios para aquisição de navios;
cunhagem de moeda de ouro, tomando a denominação de “cruzado” em face
de sua finalidade. Essa moeda tinha circulação garantida no ocidente cristão.
Como o papa faleceu em 1458, a idéia de guerrear os turcos foi abandonada.
D. Afonso V aproveitou os preparativos e atacou Alcácer Seguer, praça forte
dos mouros, entre Ceuta e Tânger. Depois de fracassar na guerra de Tânger,
mais tarde, conquista Arzila. Os mouros abandonaram Tânger e o rei cavaleiro
a ocupou em 1471. Toda a riqueza com o direito de saque do vencedor foi a
crédito da nobreza ávida de poder hegemônico.
Portanto, a diversos segmentos sociais interessavam os
descobrimentos e as explorações. Para clérigos e nobres a conquista
11
É daí que vem o termo cavalheiro e cavalheirismo.
50
redundava em cristianização, forma de servir a Deus; servir o rei e de merecer
por isso as recompensas concomitantes: comendas, tenças, capitanias, ofícios.
Para os mercadores era a perspectiva do bom negócio, das matérias-primas
colhidas na origem e revendas com bom lucro. Para o rei era um motivo de
prestígio, uma boa forma de ocupar os nobres e, sobretudo a criação de novas
fontes de receita, numa época em que os rendimentos da coroa tinham caído
muito. Desta convergência de interesses só ficavam fora os lavradores
proprietários agrícolas que perdiam (Saraiva, 1998:128)
O clima cultural da segunda metade do século XV, detectado a partir
da produção literária, sintonizado com a ordem social vigente, confere com o
conteúdo de “O cancioneiro geral”, de Garcia de Resende (1470 / 1536), do
último quartel do século. Inspira-se no sentimento de ufania das glórias de
Portugal, então no auge do seu ascendente no mundo. A par de feitos ilustres
na navegação e na conquista, de que Resende traça um quadro eloqüente, ao
mesmo tempo em que continuava valorizando o cultivo da elegância e da
gentileza (Figueiredo, 1960: 107). O tema preferido da poesia passa a ser o
amor, associado ao heroísmo cavalheiresco. A nação estava em festa. D.
Manoel I determinava que em todo o país se festejasse triunfalmente o
regresso de Vasco da Gama e de Cabral. Os chefes das expedições já não
eram os homens práticos das lides do mar, mas altas figuras da nobreza
cortesã, que disputavam nomeações e as correspondentes fortunas.
O século XVI foi o período da expansão portuguesa para o extremo
Oriente. Quando se diziam “Índia” referiam-se não somente à Península
Indiana mas todo o mundo oriental, desde o Cabo da Boa Esperança ao Japão
e aos arquipélagos do Pacífico. Observa Saraiva (1998) que uma parte dessas
ocupações estava a serviço do rei, feitorias comerciais, cidades e fortalezas
que serviam de base ao comércio oriental. A outra parte era da exploração
particular ou iniciativa privada que muito contribuiu para a expansão
portuguesa. A sede da organização colonial portuguesa no Oriente era Goa.
Foi também Goa o ponto de partida para um amplo movimento de expansão do
51
catolicismo, que visava a conversão de toda Ásia. Aí os portugueses edificaram
uma cidade européia com grandes prédios renascentistas, dos quais restam
poucas lembranças. Foi a partir do período administrativo de Afonso de
Albuquerque, de 1509 a 1515, que se colocou em prática um plano de
integração racial, por meio de casamento entre portugueses e mulheres de
Goa
12
. A miscigenação resultou em uma população que falava português, mas
se dividia entre o hinduismo e o catolicismo.
Mas o comércio dos portugueses, da Ásia para a Europa era
basicamente o das especiarias. Era atividade puramente comercial de vez que
não produziam e nem eram donos de terras na Ásia. A vantagem que tinham
sobre os italianos era a de ir diretamente do produtor ao consumidor. Essa
atividade não era pacífica de vez que os portugueses tinham que lutar contra
os mercadores árabes. Ajuntava-se às atividades legais exercidas através de
contratos, os contrabandos e os corsários que saqueavam outros marinheiros.
O personagem de Fernão Mendes Pinto, (Pinto, 1998) corsário Antônio Faria,
em “Peregrinação”, reflete o ideal de homem do mar para os portugueses: em
nome de Cristo, mata e saqueia sem a menor piedade. Diogo do Couto em
suas “Décadas da Ásia”, conta que D. João III que reinou de 1521 a 1557,
estava pobre pelas muitas despesas que se tinham feito nas grandes armadas
à Índia e tendo sido informado da existência de um pagode no reino de Bisnagá
onde havia um infinito tesouro de casas cheias de ouro e com pouca guarda,
mandou que o governador da Índia, Martin Afonso de Souza, fundador da vila
de São Vicente no Brasil,lá fosse em pessoa com uma armada, com o que
ficaria o Estado tão rico e próspero, que poderia prosseguir nas conquistas e
enriquecer a Índia bem como todo o Reino de Portugal”. Comenta Araújo
12
A população de Goa era formada pelos imigrantes dos estados vizinhos da Índia redundando em uma minoria
significativa. Alguns eram artífices, ourives, carpinteiros, caldeireiros e barbeiros. Além disso, muitos eram
mercadores que negociavam especiarias, tecidos e produtos alimentares. Árabes, persas, armênios e judeus
estavam representados na comunidade goesa. As fontes dos séculos XVI e XVII são mais informativas acerca da
população de Goa, de origem européia e euro-asiática. À parte, um número relativamente pequeno de fidalgos,
homens de leis e burocratas, que monopolizavam as posições políticas e militares mais lucrativas do Estado da Índia.
Eram tantos os portugueses morando em Goa que criaram as categorias de casados, soldados e religiosos. Os
casados eram pessoas que iam prestar serviços em Goa e que se casavam com asiáticos. Os soldados também se
casavam em Goa. Muitos não voltavam para Portugal. A presença do Clero em Goa do tempo dos Habsburgos foi
notável. Algumas igrejas paroquiais eram construções esplêndidas, mas poucas igualavam em tamanho e
magnificência os numerosos conventos, mosteiros e outras edificações religiosas espalhadas pela cidade. Entre os
mais importantes, contava-se o Colégio de São Paulo, a maior escola jesuíta da Ásia, com setenta religiosos e dois
mil estudantes (Disney, 1981: 36).
52
(1992) que a singularidade desse fato está em que, enquanto os assaltos e
morticínios anteriores eram de iniciativa dos capitães das armadas, esse fora
ordenado pelo próprio rei, que envergonhado por tal procedimento, mandou a
ordem em caráter secreto.
Bonfim (1993) mostra como a colonização na Índia e na China foi
movida à corrupção e jogo de interesses. Conta que D. Duarte de Meneses
substituiu um governador amigo dos portugueses, por um outro querido dos
mouros, porque este lhe deu cem mil párduas em xerafins novos e em conta,
ricas pérolas, jóias e alfofares. Os capitães seguiam o exemplo dos
governadores. Em Hormuz, Diogo de Melo queria matar o sultão porque este
não queria dar-lhe dinheiro. Os soldados roubavam, os capitães roubavam com
eles. As fortalezas eram compradas por dinheiro aos vice-reis: um rapaz
imberbe pagou uma dessas por um saleiro de prata em serviço de mão, isto é
artesanal. Compravam capitanias por duzentos párduas. Provido no lugar de
capitão faziam-se mercadores e contrabandistas, conluiando-se com os
empregados, fiscais, mouros e judeus. Como negociantes, à imagem do rei,
exigiam também em favor próprio um monopólio. Na função de fiscais
roubavam os navios e as cargas. Os lucros do comércio não lhe bastavam e o
roubo vinha engrossar o rendimento das capitanias.
Isso não escandalizava a ninguém. D. Manuel e seus
conselheiros têm um plano só: explorá-las e arrastar para
Lisboa por quaisquer meio as riquezas do Oriente. Sistema e
programa de governo foram coisas desconhecidas. D. Manuel
perdoava tudo, os crimes, os roubos, as carnificinas e as
brutalidades, os incêndios e piratarias, que lhe mandassem o
que ele, sobretudo ambicionava: curiosidades, primores e
riquezas. Manda pimenta e deita a dormir, dizia Tristão da
Cunha a seu filho governador. O saque da Índia ia ordenado de
Lisboa” (Bonfim, 1993: 96).
Os portugueses não se interessavam pelo interior. O declínio do
poder naval a partir de 1588 desativou o projeto expansionista. Os holandeses
assumem a supremacia marítima e passam a destruir as fundações
portuguesas. Ocupam Malaca e se estabelecem em Ceilão.
53
Agora as atenções se voltam para o Brasil. Ao se tratar o início de
exploração das terras conquistadas pelos portugueses na América tem-se um
referencial diverso do espanhol. São conhecidos os livros de pessoas que
conheceram a América. Havia um certo interesse, mas de forma exótica.
Idealizam o novo ou imaginavam o mundo de forma distorcida e radical: inferno
ou paraíso. Foi a força das lendas sobre riquezas e maravilhas que aumentou o
interesse pela colonização e exploração. Segundo Holanda (1959), a Espanha
foi mais sensível ao lendário do México, do Peru e da Amazônia, bem como às
fantasias que Portugal, com relação ao Brasil. Além da riqueza dos mitos e das
fábulas dos espanhóis, a colonização destes foi mais monumental. Entrou em
contato com grupos humanos de nível bem mais elaborado; a aventura foi mais
espetacular que no Brasil. No Brasil, só mais tarde, o que se contou foi a idéia
de maravilha com o ouro e a pedra preciosa. As mesmas manifestações
sobrenaturais que em toda parte e em quase todos os tempos formaram como
que o cortejo mágico e o resplendor das minas preciosas. O que o historiador
quer mostrar é o enorme interesse do reino português pelas riquezas minerais
e produtos de alto interesse comercial na Europa. O mais não passa do
exotismo ou da curiosidade com relação à fauna; o interesse pela ampliação do
território. O Brasil não despertou interesse humano logo que descoberto. Os
habitantes da terra, enquanto homens, só eram considerados por alguns
abnegados religiosos.
Barboza Filho (2000), através da produção literária, confirma que as
transformações sociais, econômicas e políticas são gravadas na mentalidade
artística ao longo do século XVI, em Portugal e nas demais regiões da Europa.
Portugal é o intermediário entre o produtor asiático e o consumidor europeu. A
internacionalização das relações comerciais corresponde à internacionalização
do fato cultural. Mendes Pinto e Camões são viajantes e escritores. João de
Barros que dirigiu a Casa da Índia, escreveu as “Décadas da Ásia”. Da mesma
forma que os bens de consumo vêm de fora, os textos literários estão repletos
de elementos externos: paisagens, personagens, protagonistas, mitos,
mistérios e tudo que o Oriente oferece para a curiosidade européia. Eram
54
novas histórias de sentido contrário ao medieval: homens aventureiros,
ambiciosos, heróis, inteligentes e ardilosos fazem o ideal dos vencedores do
mundo. No plano político, Maquiavel trata a sabedoria dos príncipes em suas
relações exteriores; desobriga o príncipe de submissão a preceitos morais que
prejudiquem sua dominação. Embora a escritura de Maquiavel não tenha sido
conhecida em seu tempo (1513), era o que por extensão se praticava no reino
português do século XVI. Em Roma não é diferente a partir do pontificado de
Alexandre VI, de 1492 a 1503. Foi o mais inescrupuloso dos papas:
mulherengo e ávido por dinheiro. O espírito da época continua com o papa
Júlio II, Giuliano della Rovere, pontífice de 1503 a 1513. É um imperador
guerreiro que faz emitir moeda com sua própria efígie (Miradouro, 1989: 1485).
Segundo Reale (1990) o Renascimento significa a restauração dos
valores do mundo clássico antigo, desprezando toda a cultura medieval. Se os
navegadores procuraram novos conhecimentos ou novas tecnologias náuticas,
adotaram também procedimentos bélicos diferentes dos cruzados, explorando
o mar como os gregos e os romanos antigos. Os modelos de heróis são os
ambiciosos guerreiros de Homero: Ulisses, Menelau, Aquiles e Ajax
13
. Os
textos de “Ilíada” e de “Odisséia”, de Homero, registram o apego dos gregos a
objetos de valor, acúmulo de riquezas, associado a poder, prestígio e triunfo.
Sem falar de causa e conseqüência da filosofia e da religiosidade naturalistas
na Grécia Antiga, é certo que os textos de "Ilíada" e "Odisséia" de Homero,
registraram o apego dos gregos a objetos de valor, acúmulo de riquezas,
associado a poder, prestígio e triunfos. Em "Odisséia", Ulisses, de volta a Ítaca,
confessa a Alcino na Esquéria, que seria mal recebido em casa, se voltasse de
mãos vazias: "Mais estimado hei de ser e acolhido com mais reverência; Por
13
A maior divindade grega era Zeus, considerado o justiceiro, protetor dos fracos e oprimidos. Responsável pelos
acontecimentos naturais que faziam abater sobre a terra terríveis castigos; autor das dádivas celestiais. Pertencia à
segunda geração divina, chegando ao poder e atacando seu próprio pai, o titã Cromo, em luta que durou dez anos. O
Olimpo foi dividido com os titãs que o ajudaram. A partir de então torna-se um conquistador de poderosas, belas e
ricas mulheres com as quais teve muitos filhos. Em troca de carícias, Zeus prestava favores às suas amantes
mortais e às divindades femininas com as quais se unia. Comportava-se como um político ambicioso, temido e
bajulado por heróis, guerreiros e reis, a exemplo de Ulisses. Segundo Homero e Hesíoso, pode-se dizer que tudo é
divino, porque tudo o que ocorre é explicado em função da intervenção dos deuses: os raios e os relâmpagos são
arremessados por Zeus, do alto do Olimpo; as ondas do mar são provocadas pelo tridente de Posseidon; o sol é
levado pelo áureo calor de Apolo e assim por diante. Mas também a vida social dos homens, a sorte das cidades,
das guerras e da paz são imaginadas como vinculadas aos deuses de modo não acidental e, por vezes, até mesmo
de modo essencial (Reale, 1990: 17).
55
quantos homens em Ítaca à minha chegada assistirem" (Odisséia - XI - 360-
361 - In: Nunes, 1996).
Menelau oferece a Ulisses riquíssimos presentes trabalhados em
ouro e prata, cavalo, taça de ouro maciço e também parelhas de mulas
robustas.
"Que es de bom sangue, meu caro, se vê pelo modo que falas.
Outros presentes vou dar-te em lugar dos primeiros, que o
posso.
De quantas coisas precisas em casa se encontram guardadas.
Quereo oferecer-te a mais bela e de mais estremada valia.
Dou-te uma taça de fino trabalho e de linha artística..." Obra de
Hefeto, presente de Fédimo, ousado guerreiro .... (Odisséia IV -
610-618 - In: Nunes, 1996).
Antes de partir para Ítaca, Arete, esposa de Alcino recomenda a
Ulisses que prestasse atenção na maneira de fechar o bem que ela acabara
de depositar os ricos presentes que lhe tinham sido reservados, querendo
prevenir o herói contra assaltos em navios.
“Nota tu próprio o feito da tampa e lhe passa um bom laço”,
de forma tal que ninguém no caminho te lese, ainda mesmo
que durma sono agradável de novo, no escuro navio"
(Odisséia, VIII, 433-5, In: Nunes, 1996).
Na viagem, Ulisses passa por diversas aventuras: permanece vários
anos detido na ilha de Calípso em função da deusa que o ama; é socorrido,
semimorto de frio e fome por Nausica, filha do rei. Conta aos cortesãos o que
lhe sucedera anteriormente: visitara a ilha de Circe e o país dos mortos;
atravessara o mar entre Caribe e Cila; conhecera as sereias a cujo canto
resistira. Ao chegar a Ítaca disfarçado em mendigo, encontra-se com Penélope,
que há vinte anos o esperava e finge dar a ela notícias do marido.
O que se continua a presenciar na Ilíada é a trama formada com os
desígnios de Zeus, que por súplica de outras divindades femininas, em favor de
uma ou de outra parte, determina vitórias ou derrotas. O poeta privilegia os
personagens dotados de ambição de poder, de luxo, de riqueza, narrando os
56
objetos de metais nobres como ouro e prata. A discórdia entre Aquiles e
Agamemnone por causa de uma jovem e bela escrava possuída como despojo
de guerra acaba por provocar a guerra de aquivos contra troianos. Tétis leva a
Zeus um pedido de interferência contra os troianos. Aquiles havia tomado de
Agamemnone uma escrava. Zeus se irrita com Aquiles e dá a vitória aos
troianos como castigo ao grande guerreiro. O mais interessante é a premiação
aos vitoriosos que nos duelos ou nas batalhas oferecia como incentivo aos
conquistadores coloniais.
“Alevantando, aos Aqueus valorosos, então, se dirige:
Ora convido dois fortes guerreiros, dos mais destemidos,
devidamente amesados e armados de bronze cortante,
a experimentarem as forças à vista de todos os Dâneos.
O que em primeiro lugar conseguir volnerar a epiderme
do opositor, através da couraça até o sangue anegrado,
receberá como prêmio esta eespada de cravos de prata
De Asteropeu, conquistado por mim; é trabalho da Trácia.
Os dois campeões ficarão com as armas do claro Sarpédpme
e em minha tenda hão de Ter, hoje mesmo, um banquete
magnífico ...
Que se apresentem, agora os que a prova tentar desejarem.
Para cinco anos terá provisão suficiente de ferro
Quem conquistar este globo; e se longe seus campos ficarem,
nunca há de ferro faltar-lhe, sem ver-se obrigado a
incumbência, dar a um dos homens, colono ou pastor, de à
cidade ir comprá-lo” (Ilíada: canto XXIII, versos de 800 a 835.
In: Nunes, 1996).
A partir da liga de Delos, que reuniu as cidades marítimas da Grécia
sob a direção de Atenas, pela ascensão dessa cidade à condição de potência
marítima e comercial, provocou despeito e inquietação de Esparta, Atenas
constituía-se em um centro mercantilista, isto é, uma intensa troca de
mercadorias por moedas. O mercantilismo não se faz pelo mercado livre, mas
pela coerção de uma potência e o resultado lucrativo redunda em favor dessa
potência. Como em Atenas eram muitos os beneficiados com a supremacia
colonial, foi implantado um regime “democrático”, que visava ratear os
benefícios obtidos pelas classes dominantes.
57
Os poemas de Homero coincidem com o momento grego de maior
expansão colonial, séculos VIII e VII a.C. A colônia grega “apokia” possuía leis
próprias e certa independência política, embora qualquer rebeldia ou
desacordo, fossem respondidos com a guerra. Com isso os gregos garantiam o
controle dos pontos estratégicos que lhes asseguravam escalas nos grandes
caminhos marítimos e detenção dos locais de passagens obrigatórias dos
navios a exemplo de Tróia. Levando a religião e o temor de seus deuses e
mitos e sua cultura os gregos estabeleciam as feitorias comerciais por todo o
Mediterrâneo, na Gália e na Espanha, sem maiores resistências por estas.
Lisboa é a cidade ulíssipa, consagrada a Ulisses que a teria fundado.
O século XVI em Portugal foi de enorme efervescência intelectual. O
fluxo de novas idéias transportado por navegantes através da narração verbal e
de publicações gráficas gerou a proibição da posse e leitura de livros
constantes dos “índices expurgatórios” ou catálogos de obras nacionais e
estrangeiras consideradas subversivas pela inquisição. Todos os exemplares
existentes deviam ser entregues pelos possuidores e eram apreendidos onde
quer que fossem achados. A queima de livros era uma das solenidades do
chamado “auto-de-fé”. A produção literária interna era submetida à censura do
Santo Ofício “A Peregrinação”, de Fernão Mendes Pinto só foi publicada 34
anos depois de concluída. As obras de Gil Vicente e de Camões sofreram
cortes e remendos deformadores, levados a conhecimento somente pelos
historiadores do século XIX.
Mas apesar de tanta vigilância os escritores do século XVI
ofereceram preciosos sinais sobre as diretrizes, as ordens vigentes, as
ideologias que favoreciam os colonizadores.
Diversos interesses e valores sociais dirigiam a atuação dos
indivíduos ligados à exploração dos indígenas, pertencentes a diversos
estamentos da sociedade colonial: primeiro era o colono,
para o qual submeter
os indígenas eqüivalia tomar-lhes as terras; convertê-los à escravidão; usar
58
sexualmente suas mulheres; tratá-los como objetos e negociá-los. O segundo
estamento era o administrador
ou agente da coroa que compartilhava dos
interesses mencionados, mas que era obrigado a amenizá-los, por causa da
pressão das circunstâncias, como por exemplo, a coleta do pau-brasil e outras
utilidades, coexistia com a exploração agrícola através do apresamento de
índios. Para a coroa havia a possibilidade de utilizar as tribos “aliadas” como
instrumento de conquista e de controle dos territórios ocupados. Além de
oferecer às tribos “aliadas” algumas garantias, a coroa ameaçava os rebeldes
com a chamada “guerra justa” e o direito de escravizá-los. O terceiro, os
jesuítas, cujas atividades contrariavam, com freqüência, os interesses dos
colonos e as conveniências da coroa, mas concorriam igualmente para atingir o
fim essencial, que consistia em destruir as bases de autonomia das sociedades
tribais e reduzir as povoações nativas à dominação do branco (Fernandes,
1963: 83).
A obra dramática de Gil Vicente (1465/1537 ±) voltou-se criticamente
para seu tempo, numa sociedade ociosa e carente de bens materiais. Nos
autos religiosos e nas farsas populares ninguém escapou de seu penetrante
olhar satírico: nem o clero, nem a nobreza, nem o povo. Numa sociedade em
ebulição pela chegada de riquezas nunca vistas que colocava Lisboa como a
Corte mais rica da Europa, poucos continuavam a se preocupar com a
produção. Importava-se de tudo. Era mais fácil adquirir bens como ouro e as
especiarias provenientes das navegações, ficando o trabalho mais pesado com
os escravos capturados na África e na Ásia. Nessa situação, a população rural
deixava o campo e corria para Lisboa; os artífices afastavam-se das
manufaturas, os fidalgos acotovelavam-se em torno do palácio real,
desorganizando-se assim a produção. Todos, inclusive o clero, procuravam
usufruir desse vertiginoso afluxo de riquezas. O tipo mais intensamente
observado e satirizado por Gil Vicente é sem dúvida o clérigo, especialmente o
frade, presente em todos os setores da sociedade portuguesa, na corte e no
povo, na cidade na aldeia. Gil Vicente censura nele a desconformidade entre
os atos e os ideais, pois, em lugar de praticar a austeridade, a pobreza e
59
renúncia ao mundo, busca a riqueza e os prazeres: é espadachim, blasfema,
tem mulher e prole, ambiciona honras e cargos; procede-se como se a tonsura
sacerdotal o imunizasse contra os castigos que Deus tem reservado para os
pecadores. A principal ambição dos clérigos para Gil Vicente, é bispar, ou seja,
tornar-se bispos ou prelados. Critica o espírito das cruzadas e da falsa
consciência religiosa que inspira a exportação da guerra; o episódio dos
cavaleiros na Barca do Inferno; parece desmedido no Atuto da Índia, onde um
soldado do Oriente confessa, na intimidade, não Ter tido outro propósito senão
o de enriquecer-se com a pilhagem guerreira. O espírito de cruzada servia os
interesses do rei (Saraiva & Lopes, 1985: 209).
Fernão Mendes Pinto (Pinto, 1998) viajante e escritor português, foi
cativo muitas vezes. Viajou por todo o Oriente acompanhando São Francisco
Xavier. No seu livro “Peregrinação”, publicado por iniciativa das filhas, em
1614, registrou as extraordinárias aventuras que viveu durante suas viagens.
Por isso inventaram para ele o seguinte trocadilho: “Fernão Mentes? minto! Foi
o Marco Polo da época moderna. Além de conferir todo o testamento de Marco
Polo, participou da história como ator e como autor, estando no meio dos
acontecimentos de corpo e alma. O narrador se mistura no ambiente e nas
tramas, na confirmação das reportagens de seu antecessor Marco Polo,
vivendo uma ambigüidade doutrinária angustiante de sua época. O inimigo
principal do cristianismo e de Portugal é o Islão. Contra ele trava-se sem trégua
a Guerra Santa (Saraiva & Lopes, 1985).
Lima (1998), em recente e minucioso estudo sobre a obra
“Peregrinação”, salienta a constante da violência como marca básica do
encontro entre os defensores das duas divindades rivais. A violência está
incrustada nas ideologias reinantes que sustentam a determinação de exclusão
dos rivais. Na guerra entre as duas divindades não deve haver mais que um
sobrevivente, porque para ambos, há apenas um Deus: o Deus de cada lado.
O Deus do adversário é sempre a encarnação do diabo que deve ser
esmagado. Aniquilar o mouro não é somente fazer desaparecer um homem,
60
mas destruir um pedaço do Deus inimigo, que só será completamente
exterminado quando for dizimado seu último defensor. Não há alternativa; é
Cristo ou Mafamede.
Mendes Pinto narra a figura do aventureiro e corsário Antônio de
Faria que navegava por todo o Oriente, assaltando navios mouros. A figura de
um mau cristão que mata para roubar ou para vingar, é contemplada como
herói na causa contra o Islão:
Antônio de Faria então bradando também aos seus lhes
disse: à cristãos e senhores meus, se estes se esforçam na
maldita seita do Diabo, esforcemo-nos em Cristo Nosso Senhor
posto na cruz por nós que não há de desamparar por mais
pecadores que sejamos, porque enfim somos seus o que estes
perros não são
” (Lima, 1998: 130).
Com a mesma radicalidade na qual trata o Islão, Mendes Pinto
mostra-se intolerante com a ignorância do gentio, embora com uma diferença.
O gentio não é um inimigo violento e cruel como Islão. Mas nesse caso a luta é
no sentido de atacar a “cegueira” com a luz de Cristo, para que fique provada a
superioridade da sua verdade. Por isso há que ser implacável com a
“bestialidade“ para que não persista nem prospere a ignorância, justificando a
doutrina jesuítica da catequese do gentio. Recorre à capacidade de luta do
jesuíta Francisco Xavier (1506/1552) salientando a velocidade com que elimina
os contendores asiáticos desqualificando seus argumentos. O argumento dos
bonzos é tão “bestial” que não oferece a menor dificuldade em destruí-lo.
Finalmente Mendes Pinto focaliza a guerra santa contra os maus cristãos.
Para ele, muitos portugueses, do capitão de fortaleza ao mais simples soldado,
são violentos, cruéis, cobiçosos e arrogantes, corruptos, egoístas e
mesquinhos. Na guerra santa há uma mistura de interesses. Novamente o
corsário Antônio Faria entra em ação. Certa vez, parada no Porto de Madel na
Cochinchina, ouviu vozes de portugueses pedindo socorro. Ao tentar socorrê-
los Antônio de Faria foi recebido a balas, terminando em uma tremenda batalha
naval. Os portugueses que pediam socorro foram retalhados a golpes de
espadas pelo corsário mouro Himinilau. Capturado por Faria, Himinilau
61
confessou ter sido cristão, mas que em face de maus tratos pelos portugueses
havia tomado ódio do cristianismo. A forma cruel com a qual Himinilau decepou
as cabeças dos portugueses, inclusive a de uma formosa mulher e seu filhinho
no braço, justifica a vingança de Faria matando o rival. A guerra e a execução
do mouro são atos sagrados porque suas vítimas eram cristãs. O corsário
Antônio de Faria podia cometer qualquer tipo de crime que estaria salvo. Mas
Himinilau deveria morrer porque havia se perdido no relacionamento com maus
cristãos (Lima, 1998: 145).
O mais eloqüente proclamador da consciência épica portuguesa foi
Luis Vaz de Camões (1524/1580). Filho de pequenos nobres empobrecidos
freqüentou a Universidade de Coimbra onde entrou em contato com os autores
clássicos gregos e latinos, modelos do humanismo renascentista. A
surpreendente inovação do poema português está em que o tema é revelado
pela história de Portugal, embora seus heróis estejam simbolizados por figuras
da mitologia grega e romana: Baco na forma de Mouro; Mercúrio avisa aos
portugueses a cilada; Cupido arranja mulheres para os portugueses viajantes;
Lisboa é cidade de Ulisses; Ulisses navegador simboliza Vasco da Gama;
Heitor da Silveira, tratado como Heitor troiano; Hera, simbolizando Nossa
Senhora; Inês de Castro, Helena de Tróia; Duarte Pacheco Pereira é Aquiles;
compara a tempestade antes de chegar a Calicute, como a passagem entre
Cila e Caríbdis de Ulisses. “Os Lusíadas” (1572) é uma obra de ficção realista
com base no passado histórico, tentando a revivescência do caráter heróico
português. Transportando-se ao passado da viagem de Vasco da Gama
(1497), há três quartos de século da época em que escreve “Os Lusíadas”. A
data eixo da obra é 1497. O que se refere antes desta data é passado e tudo
que estiver depois de 1497 é futuro. A mentalidade registrada pela obra é da
época de D. Sebastião (1554/1578), o desejo que os portugueses tinham de
retomar as conquistas na Ásia e na África. Camões faz também ficção
antecipada. Júpiter revela a Vênus as futuras conquistas na Ásia, dizendo a ela
que não temesse os lusitanos e que a história iria se esquecer dos gregos e os
romanos, pois os lusitanos mostrariam novos mundos ao mundo. Veriam
62
fortalezas, cidades e altos muros serem por eles edificados. Veriam os reis da
Índia subjugados pelo poderoso rei de Portugal e, como senhores de tudo, eles
dariam leis melhores às terras conquistadas, da Índia até a China. Previa a
tomada de Queluz, a conquista de Diu e de Goa que se tornaria a capital do
Oriente.
“Vereis a inexpugnável Dioforte
Que dous cercos terá, dos vossos sendo.
Ali se mostrará seu preço e sorte,
Feitos de armas grandíssimos fazendo.
Invejoso vereis o grão Mavorte
Do peito lusitano, fero e horrendo.
Do mouro ali verão que a voz extrema
Do falso Mafamede ao céu blasfema” (Os Lusíadas, canto II, v.
393 / 400).
O poeta estabelece uma relação sincrética entre as figuras da
mitologia greco-romana e o cristianismo. Júpiter determina a Mercúrio que
acalmasse o mar para que os portugueses seguissem viagem para Melinde,
depois das dificuldades em Mombaça. Revelou aos portugueses o perigo que
corria e que deveriam afastar-se o mais rápido possível:
“Dizendo: fuge, fuge, lusitano,
Da cilada que o rei malvado tece
Por te trazer ao fim e extremo dano.
Fuge, que o vento e o céu te favorece;
Sereno o tempo tens e o oceano,
E outro rei mais amigo, noutra parte,
Onde podes seguro agasalhar-te” (Os Lusíadas, Canto II,
versos 489 / 496).
Os lusitanos evocam o Cristianismo e determinam a partida.
“Daí velas, disse, daí ao largo vento,
Que o céu nos favorece, e Deus o manda;
Que um mensageiro vi do claro assento,
Que só em favor de nossos passos anda” (Os Lusíadas, canto
II, versos de 513 / 516).
Em Melinde os portugueses se apresentaram como conquistadores
e não como piratas.
“Não somos roubadores, que passando
Pelas fracas cidades descuidadas,
63
A ferro e fogo as gentes vão matando,
Imos buscando as terras apartadas” (Os Lusíadas, canto II, v.
633 / 638).
Depois das incursões pelo futuro, Camões dá uma guinada para o
passado mais remoto da história portuguesa com narração do personagem
tripulante da expedição, Paulo da Gama, irmão de Vasco.
“Este é o primeiro Afonso, disse o Gama,
Que todo Portugal aos mouros toma:
Por quem no Estígio logo jura a Fama.
De mais não celebrar nenhum de Roma.
Este e aquele zeloso, a quem Deus ama.
Com cujo braço o mouro inimigo doma.
Pera quem de seu reino abaixa os muros,
Nada deixando já para os futuros “ (Canto VIII, v. 81 / 89).
[...]
Vê-lo cá, donde Sancho desbarata
Os mouros de Vandália em fera guerra;
Os imigos rompendo o alferes mata.
E hispálico pendão derriba em terra (Canto XIII, v. 153 / 156).
O reinado de D. Sebastião é uma época de sonhos de
revivescências dos tempos de D. Manoel. Camões viajante experiente,
conhecedor da história e das glórias do passado. D. Sebastião tentando
reeditar as glórias de D. João I, há 163 anos, se lança na aventura de
reconquista da África. Ulisses é o modelo ideal de guerreiro que sofre
perseguições de inimigos e das intempéries da natureza. Refere a estada de
Ulisses na ilha de Eca, reduto da feiticeira Circe; o encontro com o gigante
Polifemo; o canto sedutor das sereias; o desembarque na terra dos ciclones,
povo da Trácia e comedores de loto; a armadilha em que caíram os
companheiros de Ulisses, que provaram desse fruto e não queriam regressar
(Camões [1572], 1990; 216).
“Contem, louvem e escrevem sempre extremos
Deuses seus semideuses e encarecem,
Fingindo magas circes, Polifermos,
Sirenas que co canto os adormeçam;
Dêem-lhe mais navegar à vela e remos,
Dêem-lhes perder nas águas o piloto (Canto V, v. 697 / 704).
64
No discurso atribuído ao Velho do Restelo, Camões expõe o
pensamento do povo português com relação às expedições marítimas. Arma
uma discussão na qual a voz dos opositores às grandes expedições se fazia
presente. A voz do velho era uma antítese no discurso da visão otimista das
gigantescas expedições. Era uma pausa para meditação sobre o sacrifício da
nação em prol de uma causa duvidosa e incerta. Para o Velho do Restelo,
fama e glória são nomes com os quais o povo ignorante é enganado.
“A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
De perigos, que mortes lhes destinas,
De baixo dalgum nome preeminente?
Que promessas de reinos e de minas
D’ouro, qaue lhe farás tão facilmente?
Que famas lhes prometerás ? que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?” (Canto IV, v. 769 /
776).
Ao finalizar Camões coloca sua experiência de viajante, o ideal
português afinado com a mundividência renascentista. Ao invés de confirmar
as queixas do Velho do Restelo, Camões aponta para o paraíso, para o jardim
das delícias que Ulisses (Vasco) podia desfrutar: Vênus indica ao vencedor
uma ilha repleta de belas mulheres. Os homens, movidos pelo desejo, correm
ansiosamente para as ninfas. Elas fugiam por entre os ramos, mas sem muita
pressa. E pouco a pouco, sorrindo e gritando, deixaram-se alcançar pelos
caçadores. Houve um rapaz que se atirou no lago vestido e calçado, com
pressa de matar na água o fogo que nele ardia. Como um cão de caça, arfante,
ele lançou-se sobre a sua presa (Camões [1572], 1990: 346).
“Oh! Que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves, que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava?
O que mais passa na manhã e na tarde
Que Vênus com prazeres inflamava;
Milhor é experimentá-lo que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo" (Canto IX v. 657
/ 604).
65
A sociedade portuguesa vinha passando por uma longa crise que se
agravava com o falecimento de D. João III em 1557, deixando como herdeiro
do trono seu neto, D. Sebastião, com apenas três anos de idade. A viúva
Catarina de Áustria renunciou à regência que ficou para D. Henrique. A
manutenção da Índia tornava-se extremamente difícil. A chegada de grandes
quantidades de especiarias, com grandes margens de lucro, durante a primeira
metade do século XVI forçou as constantes migrações do interior para a capital
e contribuiu para a formação de uma sociedade cortesã parasitária, em
prejuízo de uma sociedade produtora e empreendedora. A corte de Lisboa
passou a ser faustosa e numerosa. O consumo de produtos importados
aumentou gerando desequilíbrio na balança comercial. Piratas e corsários
infestavam o Atlântico e as naus carregadas de especiarias tinham de ser
comboiadas por navios de guerra na travessia dos Açores para Lisboa, fazendo
onerar os produtos asiáticos (Saraiva, 1998: 168).
Em 1568, D. Sebastião fez quatorze anos e começou a governar.
Combater os hereges era para ele uma obsessão. A armada que organizou em
1572 foi destruída por uma tempestade antes de sair do Tejo. Em 1578, com
vinte e quatro anos, embarcou para a África com dezessete mil combatentes,
dirigindo-se ao encontro do exército do rei de Marrocos. O confronto dos dois
exércitos foi nas proximidades de Alcácer Quibir. A metade do contingente de
D. Sebastião foi morta e a outra metade aprisionada. O rei morreu mas o povo
português nunca acreditou que ele tivesse morrido e que um dia voltaria para
vencer o inimigo e salvar Portugal de sua decadência e de sua dependência da
Espanha. Assim nasceu a lenda do Príncipe Encoberto, a crença do
sebastianismo. A derrota da última cruzada cristã deixou os portugueses
inconformados motivo pelo qual desejavam a ressurreição do jovem rei.
Transformado em mito Dom Sebastião passa a ser objeto da sobrevivência da
ideologia do heroísmo português.
Em trabalho recente Hermann (1998) aborda a questão da
sacralidade do rei em Portugal através das chamadas profecias de Gonçalo
66
Anes Bandarra, escrita entre 1530 a 1540, produzidas em meio a uma
comunidade de cristãos-novos, com a qual Bandarra se relacionava
estreitamente. Meio século depois a releitura dos textos de Bandarra permitem
acreditar na Volta do Encoberto entre lendas e letras, em que:
a esperança na volta de um rei salvador do reino português,
gestada após aquele fatídico agosto de 1578, se transformou
ora em seita (fruto da cultura letrada), ora em crendice (produto
irracional da cultura popular), dependendo do enfoque que se
dê ao problema” (p.187).
A idéia de tempo cíclico embutido no conceito de mito, conta uma
história sagrada. Relata um acontecimento que teve lugar no tempo primordial,
no tempo fabuloso dos começos adaptada à esfera de um rei que iria retornar
os destinos gloriosos da nação na forma do milagre. Baseada na dramaticidade
da trajetória de vida, processo histórico e crenças sobre D. Sebastião,
Hermann (1998) o classifica como um autêntico rei barroco: dilacerado e
inquieto, medieval e moderno, cavaleiro e rei absoluto; herói e mártir, profeta e
messias. O interesse pelas trovas de Bandarra, pouco erudito, encaixa com
exatidão mundividência barroca. Tempo de contrastes e conflitos; tempo de
adaptação às mudanças políticas e culturais impostas pela perda da
independência. A estética e ética barrocas voltavam-se para o populismo,
contra o racionalismo renascentista teriam levado Vieira a adotá-lo e a usá-lo
como instrumento da ideologia do heroísmo cristão a renascer. Vale dizer,
contra a modernidade renascentista; uso da criatividade; a persuasão; a luz
como metáfora da inspiração de Deus e não como símbolo da inteligência,
clareza e simplicidade no lugar da erudição.
Respondendo junto ao Tribunal do Santo Ofício, uma inquirição
quanto à sua adoção das trovas de Bandarra quanto à implantação do V
Império de Cristo na Terra com a ressurreição de um rei português, Vieira foi
claro na idéia de que os profetas endinheirados e poderosos, nunca tinham
existido. “Sendo Bandarra um homem leigo, casado, idiota (iletrado), a que fim
lhe havia Deus de comunicar uma tão rara e grande coisa como é o espírito
67
profético, e mais em Portugal quase em nossos tempos...? Responde Vieira
que:
"... o espírito de profecia não anda vinculado à correia nem ao
escapulário e não tem outro voto de obediência mais que a
vontade divina que o dá ou deposita onde é servida. [...] Só por
falta de coerência é que se recusavam à crença no Bandarra,
por ser quase contemporâneo, àqueles mesmos que
prontamente a ofereciam a todo o sobrenatural que invadia as
crônicas conventuais, na época do narcisismo nacionalista, se
julgaria não ser Portugal digno de espírito profético” (Cidade,
1957: 11).
Na verdade Vieira lamenta as perdas portuguesas e as crises que se
sucedem a partir da morte de Dom Manoel, que no “Sermão pelo bom sucesso
das armas de Portugal contra as da Holanda:”, pregado na Igreja de N. S. da
Ajuda, Bahia, em1640, conforme recorte no seu parágrafo I:
“Ouvimos a nossos pais, lemos nossas histórias e ainda os
mais velhos viram, em parte com seus olhos, as obras
maravilhosas, as proezas, as vitórias, as conquistas, que por
meio dos portugueses obrou em tempos passados vossa
onipotência. Senhor, vossa mão foi a que venceu e sujeitou
tantas nações bárbaras, belicosas e indômitas, e as despejou
do domínio de suas próprias terras para nelas os plantas como
plantou com tão bem fundadas raízes; e para nelas os dilatar,
como dilatou e estendeu em todas as partes do Mundo, na
África, na Ásia, na América. [...] Porém agora, Senhor, vemos
tudo isso tão trocado, que já parece que nos deixastes de todo
e nos lanças de vós, porque já não ides diante de nossas
bandeiras; nem capitaneais como dantes os nossos exércitos.
[...] Não fora tanto para sentir, se, perdidas fazendas e vidas,
se, salvara aumentos a honra; mas também esta a passos
contados se vai perdendo; e aquele nome português, tão
celebrado nos anais da fama, já o herege insolente com as
vitórias o afronta, e o gentio de que estamos cercados e que
tanto o venerava e temia, já o despreza. [...] Não havia de ser
assim se vivera um Dom Manoel, um Dom João, o terceiro, ou
a fatalidade de um sebastião” (Vieira, 1998: 182).
Estar sob o jugo filipino significava o abono das concepções
renascentistas e maneiristas tão em voga na Espanha, apesar da radicalidade
contra-reformista assumida por Felipe II e Felipe III. Mas o jogo das
semelhanças e dos contrários próprio da estética barroca estava presente em
68
todo o sermão de Vieira. Comparando Dom Sebastião a São Sebastião, ferido
açoitado e atormentado por seus verdugos, morto de uma forma tão cruel,
representa o ideal de quem morre por Deus.
As outras mortes são o que parecem. Encobrindo o grande
cristão que era por dentro, foi grande político por fora; parecia
um cortesão de palácio da Terra e era uma peregrina da Corte
do Céu; parecia um capitão que militava abaixo das águias
romanas, e era um soldado que serviu debaixo da bandeira da
cruz. Dom Sebastião usou todos os artifícios para enganar: sua
fortuna, seu hábito e traje, seu nome, tudo era suposto
(Hermann, 1998: 229).
Na verdade Dom Sebastião estava a serviço de dois reinos: da terra
e do céu. Por mais contraditório que tudo isso possa parecer, Dom Sebastião
era um político santo. Pela causa que defendia, valia mentir, valia falsear, valia
representar, matar e morrer. Ele próprio Vieira, no “Sermão dos bons anos”,
proferido em 1641, se contradiz e nega seu sebastianismo dizendo que o
Esperado D. Sebastião não ressuscitou e Dom João IV, que não era esperado,
foi o libertador (Vieira, 1998: 209-210).
O saber ou o conhecimento racional, mais que nunca, redundava em
instrumento de poder. Como tal não é desprezado pelo universo barroco, que
dele se mune na luta contra o iluminismo, extensão do renascimento. Dai o
cultismo no barroco, onde o conhecimento toma caráter mais lúdico que
objetivo. Joel Neves citando aula do professor Moacyr Laterza observa a
sutileza do drama barroco enquanto seu próprio modo de transgredir.
Desejando escapar à renascença, ainda se encontra dentro de uma tradição
canônica dessa mesma época e também da Idade Média. O Barroco, neste
jogo, quer ser moderno, sem ser renascentista; quer ser medieval sem ser
antigo
” (Neves, 1986; 69). Estava explicito o interesse de Vieira: Portugal como
69
potência católica ocidental. Persuadir o seu povo a ser fiel a seu novo rei e ao
cristianismo católico de forma radical
14
.
Vieira não estava de acordo com a força da nobreza que impunha a
permanência de velhos privilégios e uma injusta política tributária, isto é, rigor
excessivo com o estamento povo e isenção tributária para a nobreza. O lucro
obtido com a atividade mercantil era investido em atividades não produtivas: no
luxo e na suntuosidade dos templos e palácios. Discorda da destinação das
riquezas no âmbito da nação; critica a linha voraz mercantilista que explora a
colônia de forma predatória: suga as classes subalternas; depreda a natureza
de forma inconseqüente; leva as riquezas à custa de sacrifícios dos homens
pobres, à custa da escravização de indígenas e de maus tratos aos negros. É o
que expõe não “Sermão da Quinta Dominga da Quaresma”, pregado na Capela
Real, em Lisboa, no ano de 1655, conforme recorte do parágrafo VII,
imaginando estar no interior de um palácio maravilhoso que passa a descrever:
“Entremos e vamos examinando o que vimos parte por parte.
Primeiro que tudo vejo cavalos, liteiras e coches: vejo criados
de diversos calibres, uns com librés, outros sem elas: vejo
galas, vejo jóias, vejo baixelas: as paredes vejo-as cobertas de
ricos tapizes: das janelas vejo ao perto jardins, e ao longe vejo
quintas; enfim vejo todo o palácio e também o oratório; mas
não vejo a fé. E porque não aparece a fé nesta cas? Eu o direi
ao dono dela. Se os vossos cavalos comem à custa do
lavrador, e os freios que mastigam, as ferraduras que pisam, e
as rodas e o coche que arrastam são dos pobres oficiais, que
andam arrastados sem cobrar um real; como se há de ver a fé
na vossa cavalariça? Se o que vestem os lacaios e os pajens,
e os socorros de outro exército doméstico masculino e feminino
dependem das mesadas do mercador que vos assiste, e no
princípio do ano lhe pagais com esperança e no fim com
desesperações a risco de quebrar; como se há de ver a fé na
vossa família? Se as galas, as jóias e as baixelas, ou no Reino,
14
Embora precursor do iluminismo, Descartes (1596/1650) forneceu a este a base metodológica do racionalismo.
Postulava que somente através de métodos lógicos e racionais o homem poderia atingir o conhecimento científico. O
cartesianismo e o Iluminismo colocam-se em oposição à estética barroca em face da severidade de tal método
racionalista. Mas Descartes e os iluministas viveram na Europa exatamente no momento em que vigorava a estética
barroca, marcada pela tensão entre opostos irreconciliáveis. Ainda prevalecia a visão renascentista de otimismo e
exaltação da vida coexistindo com o outro lado pautado pela reclusão religiosa e negação do mundo. Descartes,
como os artistas barrocos, busca a novidade e desconfia do saber do passado. Segundo ele, para se chegar à
verdade o indivíduo tem que se desfazer de todas as opiniões que recebeu e reconstruir o novo desde os
fundamentos. Diz Brandão (1991: 116) que “tal como o espaço existencial da época propunha o engajamento e
participação do cidadão em um sistema dominante, a filosofia cartesiana procurou criar um sistema persuasivo,
centralizado, integrado e extenso”.
70
ou fora dele, foram adquiridas com tanta injustiça e crueldade,
que o ouro e a prata derretidos, e as sedas se se espremeram,
haviam de verter sangue, como se há de ver a fé nessa falsa
riqueza? Se as vossas paredes estão vestidas de preciosas
tapeçarias, e os miseráveis a quem despistes para as vestir a
elas, estão nus e morrendo de frio, como se há de ver a fé,
nem pintada nas vossas paredes? Se a Primavera está rindo
nos jardins e nas quintas, e as fontes estão nos olhos da triste
viúva e órfãos, a quem nem por obrigação, nem por esmolas
satisfazeis, ou agradeceis o que seus pais vos serviram: como
se há de ver a fé nessas flores e alamedas? Se as pedras da
mesma casa em que viveis, desde os telhados atéos alicerces
estão chovendo os suores dos jornaleiros, a quemo fazíeis
féria, e, se queiram busca a vida a outra parte, os prendíeis e
obrigáveis por força; como se há de ver a fé, nem sombra dela
na vossa casa?” (Vieira, 1998: 245-246).
Vieira discordava da destinação das riquezas que alimentavam o
ócio, o luxo e a frivolidade da nobreza, porque queria aplicá-las no seu neo-
cruzadismo. Sonhava com o dinheiro dos judeus que poderia ser empregado
na difícil catequese e na construção do novo império luso-romano, a que
chamava de V Império. Na defesa perante o Tribunal do Santo Ofício fez o
seguinte depoimento
“Não houve no mundo, dinheiro mais sacrílego do que aqueles
trinta dinheiros por que Judas vendeu Cristo. E que se fez
desse dinheiro? Duas coisas notáveis: a primeira foi que
daquele dinheiro se comprou um campo para sepultura de
peregrinos. Houve no mundo maior impiedade que vender
Cristo? Não a pode haver. Há no mundo maior piedade que
sepultar peregrinos? Não a há maior. Pois eis aqui o que faz
Deus, quando obra maravilhas: que o dinheiro que foi
instrumento de maior impiedade passa a servir a obra de maior
piedade” (Cidade, 1957: 12).
Mais que a nobreza e mais que a corte, Vieira tinha um projeto
político para Portugal, revelado na sua vibrante retórica. Muitas vezes esse
projeto revelava-se utópico e por isso mesmo, no contraponto da ideologia da
colonização portuguesa.
Portugal dominaria as quatro partes do mundo, mas a predileção dos
pregadores de profecias não era pelo Brasil, mas pela Índia, Japão, China e
71
África. Segundo Mello (2001) é palpável o ressentimento com que é encarado o
tratamento dado à Colônia pela Metrópole, com exceção de Dom João III
(1502/1503), que distribuiu as terras do Brasil em capitanias heredirias e
esforçou-se em colonizá-lo; a quem se atribuiu o propósito de fundar novo reino
na América.
Os monarcas lusitanos, sejam Aviz ou Habsburgo, fizeram
pouco caso de nós, a ponto de, podendo se intitular reis do
Brasil, preferiram se chamar reis da Guiné. [...] Tampouco
premiaram os serviços prestados pelos povoadores, motivo do
fracasso da colonização do Brasil nos séculos XVI e XVII
O Mercantilismo português conservava uma velha orientação no
sentido de só manter uma colônia se ela produzisse especiaria ou riqueza
metálica. A ausência de tais produtos tornou o interesse português pelo Brasil
quase nulo.
2.4 O Brasil premeditado
Ao pisarem as terras do Brasil, de imediato, 21 de abril de 1500, os
portugueses ficaram espantados em face do desconhecido, que no dizer de
Todorov suscita um sentimento de estranheza radical. O primeiro documento
testemunhal do “achamento” do Brasil, a carta de Pero Vaz de Caminha, revela
essa surpresa da terra habitada por gente exótica que andava nua: “Eram
pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas” [...]
gente bestial, de pouco saber e por isso tão esquiva “. Nesse apontamento de
Caminha já se manifestava a intenção de tratar o indígena como coisa para
permitir a sua extrema exploração. Nessa estranha terra não havia os
cobiçados metais preciosos tão procurados pelos navegadores que se
destinavam ao Oriente: “Nela, até agora, não podemos saber que haja ouro,
nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro, nem lho vimos” (Cortesão,
1943: 202-238). O episódio Descobrimento do Brasil causou um impacto forte
porque começou a ser fator de equilíbrio na luta de Portugal com a Espanha
pelos espaços na América. Dom Manuel imediatamente participou o achado
aos parentes castelhanos, Fernando e Isabel, enfatizando seu valor estratégico
72
para Portugal como etapa intermediária para as frotas em rota para a Índia. No
ano seguinte organizou uma nova expedição com o fim de dar continuidade à
exploração da “Ilha de Vera Cruz”, assim chamada por Pero Vaz de Caminha.
A segunda frota deixou Lisboa, em 1501, sob o comando de Gonçalo Coelho,
trazendo como cronista o experiente Américo Vespúcio. Nessa expedição
batizou diversos locais, um dos quais, o Rio São Francisco (4/10/1501), nos
800 quilômetros da costa brasileira. A impressão de Vespúcio não animava
uma colonização imediata: “... não entramos nada de que possa tirar-se
proveito, salvo infinidade de árvores de tinturaria e de cássia [...] e outras
maravilhas da natureza que não se pode descrever...” (Johnson, 1998: 247).
Passado mais de um século da visita de Vespúcio, Ambrósio
Fernandes Brandão apresenta a peça Diálogos das Grandezas do Brasil
(1618), em que os dois personagens (Alviano e Brandônio) encontram-se em
animada conversa, colocando com clareza o interesse do autor pela Colônia do
Brasil. Lamenta o fato de a corte reservar o território americano para uma
emergência em caso de fuga da Europa, enquanto a farta natureza continua
esperando colonos para explorá-la convenientemente. Como cristão-novo
Fernandes Brandão critica o preconceito ou aversão dos fidalgos portugueses
pelos trabalhos manuais, substituídos pela mão-de-obra escrava.
"Alviano: E os próprios moradores são por ventura os que
lavram e serram essas madeiras?”
Brandônio: Não, porque a gente do Brasil é mais afidalgada do
que imaginais; antes a fazem serrar por seus escravos, e há
homem que faz serrar em cada ano mil e dois mil caixões de
açúcar, que vendem aos senhores de engenho.
Alviano: E o que é que vos disse esse fidalgo?
Brandônio. [...] Que do tempo e hora que teve El-Rei aviso de
seu descobrimento, que achara que a terra novamente
descoberta havia de ser uma opulenta província, refúgio e
abrigo da gente portuguesa, posto que a isto não devemos dar
crédito, são sinais da grandeza em que cada dia se vai pondo.
Alviano: Não permita Deus que padeça a nação portuguesa
tantos danos que venha o Brasil a ser o seu refúgio e amparo"
(Candido & Castelo, 1968: 39).
73
O grau de eficiência e amplitude da relação colonial resulta
primordialmente da possibilidade da metrópole de multiplicar os laços de
dependência na sociedade colonizada. Esses laços não são apenas
econômicos de vez que a colônia depende dos produtos da metrópole. A
dependência da colônia começa pelo cultural. A colônia importa a cultura e os
comportamentos sociais da metrópole, o que a faz aceitar uma situação de
inferioridade e a conseqüente dominação. Aceitando a ideologia incorporada a
essa cultura importada, a colônia tende a se comportar como um apêndice, um
prolongamento da metrópole. Os fatores da expansão territorial do Brasil são
as bandeiras, as missões religiosas e a criação de gado (Prado Júnior, 1979:
120).
As bandeiras dirigiram-se às regiões desabitadas do Brasil com uma
mentalidade de iniciativa privada. Os primeiros bandeirantes são portugueses
acostumados com a guerra. O leque de interesses das bandeiras é grande:
caça, coleta, pesca, roça de milho, apresamento de índios para a escravização.
Tiveram também iniciação em pesquisa mineralógica por técnicos espanhóis
contratados pelo governo português. Ellis Júnior (1967) faz uma análise com
muita propriedade sobre o caráter social dos fidalgos que vieram habitar o
Planalto e constituir o núcleo dos bandeirantes:
gente que enferrujara os esmaltes dos seus brasões, ou
esmaecera as cores de seus lambrequins, ou se prenomeava
com títulos ribombantes desde o de simples dons, até ao de
marquês, passando pelo de cavaleiro fidalgo ou de moço de
câmara. Com esses homens que se haviam despregado dos
degraus do trono e que constituem as origens de quase todos
os títulos de Pedro Taques, vieram os plebeus, os burgueses e
dizem que até degredados pelas violações das normas
absurdas do famoso livro 5º das Ordenações” (Ellis Júnior,
1967: 48).
Com as circunstâncias que envolveram os moradores do planalto,
criou-se uma psicologia do altaneiro, ousado, bravio, amante da
independência, arrogante, própria de seu modo de vida aventuroso, guerreiro,
semi-nômade. Por isso, continua Ellis Júnior (1967:49),
74
O Planalto era uma região rudíssima. [...] Quem tivesse feitio
para se destacar nesse meio e estivesse armado para se
sobressair nessa vida que roçava com a barbaria deveria
fatalmente galgar as altas culminância do prestígio. [...] O
Planalto albergando uma sociedade econômico-militar criou a
ideologia de só outorgar prestígio e valimento aos homens de
proceder másculo e truculento”.
Antônio Raposo Tavares (1598 / 1658), nascido em Beja, Portugal,
encarna exatamente a figura do bandeirante, na descrição de Ellis Júnior. Em
1622 fixou-se em São Paulo, dedicando-se à captura de indígenas e ao
combate às reduções jesuítas. No início de 1629 a bandeira organizada por
Manoel Preto, Raposo Tavares e Salvador Pires de Mendonça atacou a região
do Guairá, destruindo muitas reduções, aprisionando os índios, expulsando os
jesuítas e destruindo burgos castelhanos. De 1632 a 1635 continuam os
bandeirantes investindo contra Guairá anexando ao Brasil o que corresponde o
Mato Grosso. De 1636 a 1637, novamente sob o comando de Raposo Tavares,
na bandeira de Aracambi, atingiu o Rio Grande do Sul em caráter de
observação e apresamento de índio. Em 1638 Fernão Dias Pais também
comandou expedição para o Sul. Em 1641 foram conquistadas as regiões do
Tape e do Uruguai.
Em face dos ataques às reduções de Guairá, os jesuítas
apresentaram protestos junto ao governo-geral na Bahia. Diante da resistência
dos vicentinos e cariocas interessados na manutenção dos apresamentos, as
autoridades civis não deram grande atenção a esses protestos. Diante da má
vontade do governador-geral os jesuítas apelaram para o rei da Espanha,
Felipe IV e ao Papa Urbano VIII. O rei e o papa mandaram representantes à
América para negociar com as autoridades, mas a ideologia da submissão e da
exploração do indígena era uma persuasão muito forte para que se resistisse a
ela. As hostilidades dos agricultores e bandeirantes continuaram com a
expulsão dos jesuítas de São Vicente. Em 1641 os inacianos voltam para São
Paulo tendo então permissão para se defenderem com armas contra os
bandeirantes. Relata Ellis Júnior (1967) que na época da restauração do trono
português, em 1640, quase toda a população masculina de São Paulo estava
75
no sertão, em luta ferocíssima e encarniçada contra os jesuítas, no território
mesopotâmico de entre os rios Uruguai e Paraná. Em carta ao Padre Provincial
do Brasil, em 1654, o Padre Antônio Vieira faz sérias denúncias à bandeira de
Raposo Tavares.
No ano de 1649 partiram os moradores de São Paulo ao
sertão, em demanda de uma nação de índios chamados
serranos. [...] Contava o arraial de duzentos portugueses e
mais de mil índios de armas, divididos em duas tropas. A
primeira governada pelo Mestre de Campo Antônio Raposo
Tavares, que também por cabo de tudo, a Segunda o \Mestre
de Campo Antônio Parreira. Andados meses de viagem
encontraram essa Segunda tropa com uma aldeia de índios da
doutrina dos padres da Companhia de Jesus, pertencente à
Província do Paraguai, e estando todos na igreja, e o padre
dizendo-lhes a missa solene, por ser dia de Todos os Santos,
segundo a relação dos que menos querem encobrir a fealdade
do feito, entraram os soldados de mão armada na aldeia, e
dentro da mesma igreja prenderam e meteram a ferro a todos
os índios e índias que não puderam escapar, e nem os altares,
vestiduras e vasos sagrados perdoava a cegueira e a cobiça,
porque de tudo despojaram a igreja” (Vieira, 1960: 137).
Raposo Tavares foi excomungado pelos jesuítas e deposto do cargo
de ouvidor da capitania de São Vicente, mas dirigiu-se ao Rio de Janeiro onde
conseguiu ser absolvido e reposto ao cargo. O historiador português Jaime
Cortesão o exalta como herói por sua determinação no propósito de fixar no
território do Brasil o caráter lusitano; figura importante na expansão territorial do
Brasil.
A epopéia de Raposo Tavares continua, chegando a Quito no
Equador, daí pelo Rio Amazonas saiu no Maranhão. Volta a São Paulo sem
tropas e sem riquezas, fraco e desconhecido pela própria família. Mas continua
Vieira em sua carta de 1654 dizendo:
“O matador, ao tempo que isso escrevo, está no Pará, e se
aponta o dedo, os que governam o eclesiástico e o secular,
posto que o conheçam, o deixam andar tão solto e tão absoluto
como os demais, mas permite Deus muitas vezes que
semelhantes delitos os dissimulem os homens, porque quer
que se paguem com maiores castigos do que são os que se
podem dar na terra. O certo é não faltou o do céu a esta
76
grande impiedade, porque dentro em um mês se viram os
executores dela castigados com peste, fome e guerra: a peste
foi tal que nenhum ficou não adoecer-se mortalmente: a fome
era quase extrema porque as raízes e frutos agrestes das
árvores eram o maior regalo dos enfermos e esses não havia
ainda quem tivesse forças para ir buscar e colher; sobretudo,
no meio desta fraqueza e desamparo, eram continuamente
assaltados de bárbaros, de pé de cavalo, que os atravessavam
com flechas” (Vieira, 1960: 138).
Além de sentir-se vingado pela derrocada da bandeira de Raposo
Tavares, Vieira reage contra a brutalidade dos colonizadores portugueses que
entravam nas aldeias abatendo índios sem antes tentar uma forma pacífica de
convivência. Diz textualmente:
“Todos estes homicídios e latrocínios se toleram em um reino
tão católico como Portugal, há mais de sessenta anos, posto
que, no tempo em que estivemos sujeitos a Castela, se acudiu
com provisões reais e breves dos Sumos Pontífices, que se
não guardaram. Com a restituição ao legítimo rei se nos
acabou a desculpa destas maldades que ainda se continuam
como dantes, sem haver para elas nem devassa nem castigo
[...] senão pública e total imunidade” (Vieira, 1960: 143).
As bandeiras que visavam a descoberta de minerais foram
estimuladas por cartas régias enviadas aos paulistas, como a de Afonso VI, a
Fernão Dias:Bem sei que não é necessário persuadir-vos a que concordais de
vossa parte com o que for necessário para o descobrimento das minas [...]
encomendando-vos façais toda assistência, para que consiga como bom fim
que lá tanto se deseja e que eu quisesse vê-lo conseguido” (Faoro, 1958: 83).
Prometiam recompensas aos sertanistas que descobrissem minerais preciosos.
Na segunda metade do século XVII, após a restauração do trono, Portugal
passa por prolongada crise econômica e financeira, agravada pela decadência
da indústria açucareira do Nordeste. Era premente a substituição do açúcar,
em declínio nos mercados europeu, se possível, por metais e pedras preciosas.
Esse declínio contribuiu para diminuir o interesse pelo apresamento de
indígenas que não foi de todo descartado. Muitos sertanistas de São Paulo
percorreram o sertão mineiro, goiano e mato-grossense, a exemplo de
Lourenço Coutinho Taques, em 1668, abrindo caminho na região de
77
Cataguases; Luiz Castanho de Almeida, em 1671, Manuel de Campos Bicudo,
em 1675, ao Norte de Mato Grosso e Bartolomeu Bueno da Silva, (O
Anhanguera), em 1676, em Goiás. Entre tantos se destaca a de Fernão Dias
que partindo de São Paulo no dia 21 de julho de 1674, durante sete anos,
explorou das nascentes do Rio das Velhas até as cabeceiras do Rio
Jequitinhonha, tendo passado por riachos ricos em jazidas de ouro e diamante,
sem, contudo, descobri-los. Mas o sacrifício de Fernão Dias não foi em vão.
Sua expedição contava com experientes sertanistas como Matias Cardoso de
Almeida; com seu genro Manuel Borba Gato; com seus filhos Garcia Rodrigues
Pais e José Dias. (Este mameluco e filho natural). Esses homens, mesmo
depois da morte de Fernão Dias, em 1681, persistiram na procura das riquezas
minerais. Tiveram que fundar núcleos de povoamento, plantar roças para
subsistência. Matias Cardoso abriu estrada que ligou a futura região das minas
aos currais de gado do São Francisco, fundou a vila de Morrinhos que hoje tem
seu nome. Borba Gato devassou o sertão do Rio das Velhas e fundou Sabará.
Garcia Rodrigues Pais, por empreitada, abriu o Caminho Novo que ligava o Rio
de Janeiro às minas. Mas coube à expedição de Antônio Rodrigues Arzão,
saindo de Taubaté em 1693, a descoberta ou a oficialização da descoberta do
ouro (Ellis Júnior, 1963: 295).
As bandeiras constituíram-se em importante fator de configuração do
território brasileiro. Contribuíram para a fixação da ideologia da iniciativa
privada e ação empreendedora. Enquanto a ambição de lucro e de
enriquecimento máximo, a qualquer custo e à custa do sacrifício de outras
etnias e estratos sociais, vinha embutida na cultura portuguesa, eternizada nos
versos lusíadas de Camões e sermões de Vieira.
Depois dos bandeirantes, o segundo núcleo de povoamento foi o de
Pernambuco. Forma-se na carta de doação de Duarte Coelho, assinada em
Évola aos 10 de março de 1534, quando o Rei D. João III fixou em 60 léguas a
extensão do litoral da Capitania e entrará na dita terra e demarcará dela todo o
Rio São Francisco. A cobiça do ouro era certamente o objetivo dos navegantes
78
que vinham para a Colônia do Brasil. Duarte, depois de tomar posse da
Capitania voltou ao reino para conseguir meios de explorar o interior e
principalmente o Rio São Francisco, misterioso e imenso, cuja corrente
impetuosa parecia brotar de um país de lendas e de promessas. Muito cedo as
margens do são Francisco atraíram os criadores de gado. Assim foi que o
Pernambuco logo se avantajou às capitanias vizinhas no desenvolvimento da
pecuária. O nome de André da Rocha Dantas aparece entre os mais antigos
povoadores do São Francisco. Até o começo do século XVII, o Rio São
Francisco vinha sendo quase inacessível às entradas regulares e à exploração
pacífica em face da presença do índio nos arredores e as cachoeiras que
impediam a navegação. Somente as proximidades da foz estavam
conquistadas. É na segunda metade do século XVII que os pernambucanos
conquistam a margem esquerda do Médio São Francisco (Lima Sobrinho,
1929: 76).
A monocultura da cana-de-açúcar para exportação não permitiu que
se desenvolvesse nos férteis e favoráveis terrenos da beira-mar nem a lavoura
de subsistência, nem a pecuária. Relegou para o interior tais atividades
produtivas que requeriam condições climáticas mais adequadas, com
pluviosidade mais alta que a canaveeira. Relata Prado Júnior (1962) que a
produtividade de gado da região era baixa
15
. A necessidade de subir o São
Francisco em direção às nascentes e barras de seus grandes afluentes era
obstaculada pela política de privilégios e monopólios dos portugueses,
especialmente o do sal. A venda do sal foi reservada aos lusitanos e sua
produção foi proibida em 1665. A partir de 1647 há uma série de proibições de
fabricação de aguardente, alegando concorrência com os vinhos portugueses.
Além disso, todo tipo de produção para consumo local que não interessava ao
comércio português era proibido. Para Prado Júnior essa política monopolista
visava canalizar para o reino o resultado de todas as suas atividades.
15
Basta dizer que neste milhão de quilômetro quadrado, praticamente todo ocupado, o número de cabeças de gado
não alcançara talvez nunca dois milhões, umas duas cabeças em média por quilômetro. Quanto à qualidade, ela
também é ínfima: as reses, em média, não fornecerão mais de 120 kg de carne por animal; e carne de pouco valor
(Prado Júnior, 1962: 44).
79
Procurava compensar o que perdera no Oriente, onde os holandeses, ingleses
e franceses desbancaram os portugueses.
Nas primeiras décadas do século XVI não havia homens brancos na
região do São Francisco. As embarcações marítimas não eram apropriadas
para a navegação fluvial, em águas correntes. Foi necessário um longo
processo de adaptação, inclusive assimilação de técnicas indígenas na
confecção das canoas de tronco de árvore. Com o aperfeiçoamento das
embarcações, missionários e portugueses espalharam-se pelos afluentes do
São Francisco. Os missionários chegaram antes que os portugueses como
Padre Martinho de Nantes que documentou a ação portuguesa partindo da
Bahia e de Pernambuco. No início do século XVII “já havia um número
significativo de portugueses na região com seus escravos nativos preados em
guerra e escravos negros; [...] e nesse contexto, a pecuária assume
predominância: os currais ao longo das duas margens do rio” (Neves, 1998:
32). Ao contrário do século anterior, em que predominava o interesse pela
produção do açúcar para exportação, no século XVII, os portugueses
incentivavam a ocupação das duas margens do Rio São Francisco espalhando
seus afluentes tanto da margem esquerda (Pernambuco), quanto direita
(Bahia). Já no final do século Antonil registra as demarcações baianas partindo
do Rio das Velhas até a barra do São Francisco. Registra um maior número de
currais sob o domínio de Pernambuco ficando vago, porém, o ponto que atingiu
rio acima. Antes da descoberta das minas de ouro o interesse da coroa era o
abastecimento das povoações e engenhos da Bahia e Pernambuco, como
observa Neves. “Aqui o que se deve reter de fundamental é a articulação entre
o São Francisco e as cidades da Bahia e de Pernambuco, verdadeira cabeças
de ponte do processo colonizador” (Neves, 1998: 32).
A orientação da coroa com relação à colonização do Médio São
Francisco é a mesma adotada a partir da capitania de São Vicente, isto é, nos
primeiros momentos, século XVI, não havia interesse em ocupar o interior,
senão a certificação da existência de riquezas minerais. No século XVII a
80
penetração no interior é intensa: procura dos metais e pedras preciosas;
escravização de índios e estabelecimento de currais. A inter-relação do São
Francisco com os núcleos baianos e pernambucanos era coerente com o
interesse da coroa. Em diversos momentos do relato do Padre Martinho,
constata-se a presença do Estado seja municiando os portugueses para a
guerra contra os índios Cariris, seja nomeando capitães-mores na região ou
arbitrando os conflitos entre a Igreja e os donos da terra e do gado (Neves,
1998: 32). Na verdade, a ocupação e povoamento do São Francisco, da foz
para as nascentes foi lenta mas muito conflituosa como todas as outras
regiões da colônia. A procura de novos espaços implica em escamotear,
escravizar ou eliminar o indígena, com protesto do missionário. Uma das
formas mais evidentes que o processo de dominação concretamente assumiu,
foi a escravização, conforme se pode inferir dos relatos do Padre Martinho
numa localidade próxima a Juazeiro na Bahia: mulheres cativas passavam à
condição de concubinas dos colonizadores:
“Os índios estavam quase sem armas e mortos de fome.
Renderam-se todos, sob condição de que lhes poupassem a
vida. Mas os portugueses, obrigando-os a entregar as armas,
os amarraram, a sangue frio, todos os homens de arma, em
número de quase quinhentos; fizeram escravos seus filhos e
mulheres (Nantes, 1979: 53).
Neves vai adiante registrando o fato de os missionários utilizarem
os recursos náuticos dos indígenas.
“Nesse particular, a apropriação cultural que então se
processa, inclui a utilização das canoas indígenas pelos
missionários, para a catequese de aldeias localizadas ao longo
do rio. Os padres utilizavam-se dos serviços que os índios
podiam prestar, ampliando o trabalho de catequese na região
com o auxílio de grupos anteriormente contratados” (Neves,
1998: 36).
Os missionários associam-se aos índios; o branco traz o escravo
africano e esses quatro elementos se interagem na formação da população
nordestina ancoradas nos limites da região mineradora, que em breve surgirá.
81
A terceira forma de ocupação e povoamento do território foi
constituída pelas missões religiosas. Instalado o Governo Geral da Colônia na
Bahia (1548), Tomé de Souza empreendeu visita às capitanias do sul, já que a
coroa havia concedido à capitania de Pernambuco uma certa autonomia, isto é,
não autorizava Tomé de Souza a visitá-la. Chega em São Vicente em 1552,
levando o Padre Manuel da Nóbrega, pressionado pelo bispo de Salvador e
seus pregadores. Resolve partir para a Capitania de São Vicente, parecendo-
lhe digna de nela se fazer mais fundamento do que de nenhuma outra, sendo,
conforme suas palavras,
“a mais sã de todas e ainda de melhor acesso sertão;
por isso achava que S. A. devia lançar mãos dela tal como o fizera com a da
Bahia.” Mas Tomé de Souza se opõe ao projeto de Manuel da Nóbrega, de
meter-se pela terra dentro, entre gentios, com irmãos, capela e cantores, a
fazer ali uma “grande cidade”, segundo seu intento confessado. Compreendia
Tomé de Souza que o intuito de Nóbrega não fosse conveniente ao serviço da
Coroa. Por isso era com pesar que contrariava os padres. Conforme
depoimento do próprio Manoel de Nóbrega a proibição do governo era por
temer que as casas religiosas no sertão podiam servir de abrigo aos
malfeitores e devedores dando ensejo a que se despovoasse a capitania com
prejuízo para a sua defesa. O governador temia também pela perda de
riquezas minerais “já que topava aos outros o caminho do sertão, onde havia
novas de muita prata, não parecia bem a Tomé de Souza que lá fossem os
jesuítas, ainda que se estabelecessem em lugar apartado das minas” (Holanda,
1963: 127).
Com a substituição de Tomé de Souza por Duarte da Costa,
Nóbrega não encontra a mesma resistência. A 29 de agosto de 1553 funda, no
campo de Piratininga a aldeia para a qual se muda no ano seguinte, com o
nome de São Paulo, a missão e o colégio. Os jesuítas forçam a penetração no
continente e contrariam os padrões de colonização impostos pelos portugueses
que deveria sempre margear o litoral. Trata-se de orientação fundada na velha
vocação mercantil de Portugal que sempre esteve nos mares da África e da
Ásia em exploração comercial sem penetrar nos continentes. O governo
82
português, ao longo do tempo, não permitia que os governadores das
capitanias construíssem vilas no interior, mas somente ao longo da costa e dos
rios navegáveis. O regimento das capitanias determinava que ninguém fosse
por terra de uma capitania a outra sem licença especial, ainda que entre estas
reinasse paz e tranqüilidade. Alegavam que a agricultura do litoral era mais
conveniente, ou mais lucrativa, porque era de custo inferior e de menor risco de
deterioração. Embora essa política possa parecer aleatória ou espontânea, ela
encontra fundamento no pensamento de Maquiavel que recomenda às cortes
européias a manutenção de uma ou duas colônias de exploração, que sejam
apêndice do Estado em lugar de manutenção de tropas armadas. “Em colônias
não se gasta muito e com pouca despesa ou nenhuma, o príncipe pode instituí-
las e controlá-las e só prejudicar aqueles de quem tira terras para dá-las aos
novos habitantes. A minoria dividida e dispersa não causará dano. Concluo que
estas colônias que não custam, são mais fiéis e causam menos preocupações.
Os ofendidos não podem causar danos, sendo pobres e dispersos, como já
disse” (Maquiavel, 1998: 20).
Pelo menos nos séculos XVI e XVII Portugal pretendia manter o
Brasil somente no tipo de colônia de exploração, ao contrário dos espanhóis
que logo adotaram o sistema de colônia de povoamento no interior do
continente
18
. Uma ordem real espanhola do século XVI manda que não se
escolham sítios para povoamento beira-mar pelo perigo de corsários e por não
ser tão sadio, além de não ser bom para a lavoura e para os bons costumes
(Holanda, 1963: 130). Ainda segundo Holanda, o que denunciam interditos
dessa natureza é a vontade da coroa de ter mão em quem entendesse de ir a
descobrir segredos e riquezas da terra visando apenas ao seu interesse
pessoal, sem que deles resultassem proveito maior para a Real Fazenda. Na
raiz dessa vontade estava incluído o cunho largamente mercantil da política
colonial dos reis portugueses. Essas diretrizes que procuram reduzir a
colonização ao litoral coadunam-se com as exigências de uma crescente
centralização do poder.
83
Nessa linha de preferência pelo litoral e não permitindo maiores
poderes aos jesuítas é que estes se instalaram em Piratininga, em 1554. A
casa abrigava filhos de índios, servia de escola, dormitório, refeitório,
enfermaria, cozinha e despensa. Começaram a introduzir o indígena na vida
cristã e na cultura européia. Com missas, conversões, batismos e casamentos
inauguraram o marco de conquista interior na Colônia. Não foi sem obstáculos
e resistência que os jesuítas iniciaram sua ação social e catequética no Brasil.
Em 1553, Diogo Mirrão transmitia aos jesuítas a decisão de Inácio de Loiola de
que os irmãos não deveriam mais aceitar o encargo das instituições de órfãos.
Em 1556 a Constituição da Companhia impunha a seus membros voto de
pobreza, segundo o qual ninguém poderia ter renda alguma para o seu
sustento ou por outra coisa. E mais do que isso: nenhuma igreja ou casa da
Companhia, a não ser os colégios e os estabelecimentos de noviciado poderia
ter renda própria (Carvalho, 1963: 142). Em 1564 D. Sebastião abriu
concessão de um benefício com o nome de redízima ao Colégio da Bahia que
em 1568 se estende ao Colégio do Rio de Janeiro e Olinda, em 1576. Com o
incentivo de D. Sebastião, a companhia ampliou a ação de catequese. No
século XVII, continua a expansão com a fundação do Colégio de São Luiz do
Maranhão, em Ilhéus na Bahia, Belém do Pará e Recife. Os jesuítas como os
bandeirantes estiveram em todos os extremos do Brasil. Do Pará ao Rio
Grande do Sul. No Oeste paraense e no Sudeste mato-grossense e no interior
do Rio Grande do Sul houve estabelecimentos de missões jesuíticas
espanholas, antes da passagem ao domínio português. De 1631 a 1636 os
inacianos fundaram reduções na região do Tape. Ai foram atacados e expulsos
pelos bandeirantes preadores de índios.
O sistema educacional dos jesuítas visava a colonização. O ensino
era gratuito e público, disponível não só para o indígena, mas, para os colonos,
a exemplo do filho de lavrador, Basílio da Gama que chegou a fazer parte da
elite intelectual. Nas proximidades dos colégios, surgiam os aldeamentos e os
povoados. Para os jesuítas povoar não era fazer concentrar em um
determinado sítio, mas, criar condição de cidadania preparando os indivíduos
84
para a vida em sociedade. Leite, 1945 estabelece um paralelo entre o ideal
colonizador do português e do jesuíta.
”Se os colonos e os administradores portugueses
governassem a terra e a cultivassem como fonte de riqueza e
elemento de soberania, os jesuítas da Assistência de Portugal
amavam a terra e os seres humanos que essa terra alimentara
no decorrer dos séculos. Os primeiros apoderaram-se do
corpo; os segundos, da alma. Do curso de uns outros,
completando-se nasceu o Brasil. Enquanto os governadores,
capitães e funcionários iam estabelecendo as bases do Estado,
o elemento religioso alicerçava o novo edifício com formas tão
elevadas e nobres, que dariam ao conjunto a solidez da
Eternidade” (p.18).
Do início da colonização até o final da guerra holandesa, os jesuítas
foram os mais interessados na defesa do território. Foram os únicos capazes
de controlar o indígena e fazê-lo útil na defesa do território. Pelo controle que
mantinham da situação colonial, mesmo que os jesuítas contrariassem aos
interesses da Metrópole em alguns pontos, não havia a mínima possibilidade
de afastá-los, imediatamente, do processo. As contradições entre os jesuítas e
a administração existiam. Mas os jesuítas entravam em choque, mais com as
forças locais que com as da metrópole. Com estas, de início, mantinham
permanentes trocas: ofereciam a catequese, diplomacia, serviços técnicos
especiais em troca de concessões e subsídios da metrópole, como é o caso do
Maranhão, aonde o sistema jesuítico, cuja produtividade aparentemente
chegou a ser elevada, mas, sobre a qual não se dispõe de muitas informações,
a ordem não pagava impostos nem publicava estatísticas, isto é, a Companhia
gozava de privilégios não concedidos a outras instituições. É transigência da
administração para evitar choques violentos e continuar recebendo os
benefícios que a Companhia de Jesus podia dar. Vieira dizia que “no Brasil
quem possuísse o índio se tornaria logo senhor do Estado” (Mesquita Filho,
1956: 273). Desta frase pode-se verificar três conflitos na disputa pelo índio:
com o colono, pela posse do índio; com o clero secular, por área de influência e
com a coroa, pela idéia de posse do Estado.
85
Assim, o primeiro conflito reside na ideologia da finalidade do
indígena. Para o bandeirante, o índio era objeto de mercado e útil na
substituição do escravo negro; para o jesuíta, o índio era objeto de catequese
religiosa e caminharia para a condição de súdito. Esse choque não ocorreu na
região açucareira onde o trabalho cabia aos escravos africanos com que
estavam de acordo missionários e fazendeiros, mas sim nas áreas onde o índio
teve que trabalhar, como afirma Sodré:
“É notória a pertinaz defesa do índio efetivada pelo jesuíta,
especialista da catequese. Causou espécie, sempre, por outro
lado, o contraste entre a proteção conferida ao índio e o
absoluto desinteresse pela sorte do negro escravizado e
transplantado, por parte dos missionários. Quanto ao africano,
não há problema: o colonizador é livre de escravizá-lo” (Sodré,
1964: 113).
Em carta ao Provincial da Ordem, de 22 de maio de 1653, Vieira
reclama contra a resistência dos senhores em não cumprir a lei e continuarem
na escravização do indígena com aquiescência do clero secular.
“Tinha nesta ocasião S.M. uma lei, na qual declara por livres
como nesse Brasil, a todos os índios desse Estado, de
qualquer condição que sejam. Publicou-se o bando com caixas
e fixou-se a ordem de S.M. nas portas da cidade. O efeito foi
reclamarem todos a mesma lei com motim público, na Câmara,
na praça e por toda parte, sendo as vozes as armas, a
confusão e perturbação o que costuma haver nos maiores
casos, resolutos todos a perder antes a vida (e alguns houve
que antes deram a alma) do que consentir que se lhes
houvessem tirar de casa os que tinham comprado por seu
dinheiro. [...] Mas esta a desgraça: que os da mesma profissão
de ordinário (padres de outras ordens) os mais apaixonados
contra nós; porque só eles querem valer na terra e ofende-lhes
os olhos tanta luz na companhia e posto que houvesse
pessoas, das mais graves e autorizadas, que se puseram em
campo por nós, contra um povo furioso ninguém prevalece”
(Vieira, 1960: 101/102).
Na mesma carta expõe um ardil político do capitão-mor governador
da capitania do Maranhão que lhe propõe pregar no domingo seguinte sobre o
espinhoso assunto, na condição de que, se o povo aceitasse libertar seus
escravos indígenas ele passaria para o lado dos jesuítas. Aceitando a aposta
Vieira pregou:
86
Mostrei primeiramente, com maior eficácia que pude, como
uma alma vale mais que todos os reinos do mundo; depois
passei a desenganar com a maior clareza os homens do
Maranhão, mostrando-lhes que todos estavam em estado de
condenação, pelos cativeiros injustos dos índios: enquanto este
habitual pecado se não remediasse, todas as almas dos
portugueses deste Estado haviam de ir para o inferno [...]
acabei prometendo grandes bênçãos de Deus e felicidades,
ainda temporais, aos que, por serviço do mesmo Senhor e por
salvar a alma aos que sacrificassem esses interesses” (Vieira,
1960: 107).
A ideologia da escravização do indígena, da escravização do outro,
da escravização das outras etnias não européias era muito forte para que,
dialeticamente, se interpusessem a ela. No final do século XVII, com a
precariedade da ação de Vieira e com seu falecimento, (1697) nem a
Companhia de Jesus constituía-se mais obstáculo à escravização do índio.
Conta com o apoio de Andreoni, que se coloca a favor do trabalho indígena,
quer em condições de escravatura, quer em regime de assalariado servil.
Designado provincial em 1698, Andreoni propõe a revogação das
determinações anti-exploratórias de indígenas do Pe. Vieira alegando que, se
os demais senhores de engenho se valiam do índio, porque só os religiosos
não podiam fazê-lo (Bosi, 1992: 134).
A segunda esfera de conflito, entre o jesuíta e o clero, por área de
influência foi significativa na demonstração de interesse pela dominação do
índio. Chegando ao Maranhão o bispo D. Gregório dos Anjos, em 1679,
preparou-se para visitar o Bispado, incluindo as aldeias indígenas,
administradas pelos jesuítas que não concordavam em estar sujeitos não só
aos ordinários, mas ainda a seus delegados. Pe. Antonio Vieira foi consultado
sobre a situação que respondeu com prudência:
“Vas. Sas. não devem resistir a que o bispo visite as ditas
igrejas e os índios fregueses deles, mas não as pessoas dos
párocos, quando Sua Senhoria nos não queira fazer a cortesia
que sempre nos fizeram todos os bispos do Brasil, não
havendo um que até hoje visitasse, nem intentasse visitar
aldeia alguma nossa, havendo por bem descarregados suas
consciências pelas visitas que nelas fazem os nossos
superiores”
(Lacombe, 1968: 67)
.
87
Mas o Clero Secular é uma parte do Governo. A administração não
tinha outra opção senão transigir a favor dos jesuítas, pois ainda era impotente
diante do poderio dos jesuítas. Afirma Prado Júnior (1979) que a Igreja no
Brasil se tornava em simples departamento da administração portuguesa e o
clero secular e regular seu funcionalismo.
O terceiro ponto de conflito é entre a Companhia de Jesus e a
administração que se efetivará no momento da verificação do interesse que os
jesuítas alimentavam pela posse do Estado. Segundo Vellinho,1964 a
Companhia chegou a alimentar o propósito de construir, no âmago do Novo
Mundo, àquele temporário e como que em disponibilidade, um império próprio.
Encravado entre os domínios nominais das duas coroas ibéricas, esse Estado
singular cresceria sob a égide dos reis católicos, mas evoluiria fatalmente para
a emancipação. Se Vellinho exagera na conjectura, é certo que o Pe. Antônio
Vieira respondeu processo inquisitório em Portugal, em face de tais
proposições. A idéia do V Império de Cristo na Terra e sua atribuição de
conceder a graça da conversão universal aos judeus, gentios, hereges e
incorporação das doze tribos hebraicas desaparecidas, foi enviada ao Santo
Ofício em Roma para qualificação, tendo sido reprovada com a seguinte
observação: “Sacrílega e injuriosa para a Igreja” (Cidade, 1957: 28). Júlio de
Mesquita Filho (1956) mostra que os jesuítas eram também apresadores de
índios, mas com a suavidade retórica do termo “resgate”, isto é, limitado aos
índios derrotados por outras tribos e mantidos prisioneiros que podiam ser
resgatados para trabalho em suas reduções. Por causa das prerrogativas dos
jesuítas sobre os índios e a luta para impedir a sua escravização pelos colonos,
Mesquita Filho chamou tais conflitos de “luta entre dois imperialismos”:
“Em seu formal radicalismo, ia esta última disposição ao ponto
de subordinar o próprio governo da colônia à Ordem, em tudo
quanto dissesse respeito à população autóctone. Era a total
subversão da ordem jurídico-econômica da colônia. A sua
repercussão seria profunda, determinando a demissão do
governador geral Diogo Botelho”
(p.265).
88
Depois da inquisição de Vieira pelo Tribunal do Santo Ofício, aquela
identidade que existiu entre a obra missionária da Companhia de Jesus e a
política colonizadora da coroa começa sofrer abalos. Só não se desfaz
imediatamente, por falta de meios e condições para exigência da coroa. A
Companhia de Jesus estava de forma envolvida no processo de colonização
que se agiganta diante das necessidades imediata das coroa.
Outras ordens religiosas atuaram nos séculos XVI e XVII na
catequese colonizadora, como sempre, nas proximidades do litoral e nas
margens dos grandes rios. Os franciscanos foram os primeiros a chegar,
erigindo a primeira custódia no Pernambuco, em 1585, mais tarde elevada à
condição de província. Não tardaram os atritos com a coroa portuguesa que
não permitiam a presença de nativos da colônia nos conselhos da irmandade.
Os capuchinhos que haviam estado no Brasil voltaram em 1654 e se
estabeleceram no Recife e eram, na maioria, francesa. Destaca-se o trabalho
de catequese realizado no Vale do São Francisco. Conforme registro de Lima
Sobrinho (1929), os capuchinhos franceses contavam na ocasião seis missões
no Brasil, sendo uma na Paraíba, outra no Rio de Janeiro e as demais no São
Francisco. A aldeia mais antiga e numerosa era a da ilha de Aracapá, a
escolhida de Frei Martinho de Nantes. A prosperidade dessas missões foi
grande, merecendo os seus pregadores elogios reiterados das autoridades
reais. Os capuchinhos deixaram seus postos em conseqüência do desacordo
entre Roma e Lisboa. Esta exigia juramento de fidelidade dos frades por serem
franceses, com o que não concordavam. Mas antes de se retirarem os
capuchinhos abriram enormes caminhos e fixaram colonos até as cabeceiras
do São Francisco, já no território hoje compreendido pelo Norte de Minas, às
vésperas da descoberta do ouro (Lima Sobrinho, 1929: 85). O conflito dos
portugueses com os capuchinhos advém da proteção que estes davam aos
indígenas e os registros testemunhais de crueldade com os mesmos.
Faoro (1977) afirma que a questão da natureza do antagonismo
entre as confrarias religiosas e a administração colonial reside no fato de que
89
esta dava ao Estado uma finalidade única de alimentar e enriquecer o reino, a
metrópole e sua elite do comando político. O indígena, o negro e os pobres não
eram consumidores de bens e serviços. O Estado não se dedicava à busca do
bem comum no amplo sentido, isto é, o bem do total da sociedade. O Estado
colonial não se preocupava com a vida humana em coletividade, ignorando as
necessidades de serviços públicos. As organizações não governamentais, a
exemplo das confrarias religiosas é que se preocupavam com os segmentos
desamparados da sociedade. O reino português, de forma veemente,
proclamava-se cristão e católico, mas em grave contradição no comportamento
governamental. Desconhecia, ignorava ou rechaçava a doutrina de Santo
Tomás de Aquino (1225/1274) para quem a lei tanto natural quanto humana
deveria estar acima da autoridade. A tirania, que é a menos adequada forma
de governo, é fonte de todos os males e contra ela é lícito rebelar-se inclusive
com as armas. A autoridade para ser boa e legítima deve garantir os direitos da
pessoa e o bem-estar da comunidade. O estado deve reconhecer os seus
limites, mesmo com relação à Igreja. Mas tanto a Igreja quanto o Estado devem
colaborar para a obtenção do único fim, o bem comum. O direito positivo não
pode contrariar o direito natural que é dado ao homem para que ele busque a
conservação da vida
19
(Sciacca, 1967).
Mello (2001) ressaltando a discriminação dos portugueses sobre os
colonos após a guerra contra os holandeses, disse que os pernambucanos
“nem sequer viriam a desfrutar das regalias de cidadão do
porto, de que gozariam maranhenses, baianos e até cariocas,
as quais privilegiavam quem houvesse exercido cargos de
gestão municipal com certos direitos associados à condição de
fidalgo, como o do porte de armas, de prisão domiciliar ou nas
fortalezas d’el-rei, isenção da tortura etc” (p. 46).
É o cúmulo do absurdo os súditos de um reino reivindicar o
privilégio de isenção da tortura. O Estado nesse caso, colocava-se como
agente da violência. A tortura, a mais torpe das corrupções, é feita norma e se
19
Santo Tomás distingue três espécies de leis que dirigem a comunidade ao bem comum: a lei natural, comum a
todos os homens, bem como a conservação da vida, geração e educação dos filhos e desejo da verdade; a lei
humana, ou positiva, estabelecida pelos homens sobre a base da lei natural e dirigida à utilidade comum; a lei divina,
que guia cada homem para a consecução do seu sobrenatural (Schiacca, 1967: 228)
90
incorpora à ordem vigente como ideologia da colonização. O absolutismo
papal, a partir de Alexandre VI, havia contaminado os monarcas portugueses
da segunda metade do XVII, juntamente com seu despótico estamento clerical
que o sustentava. Por ignorância ou por resistência os príncipes portugueses
negavam a sabedoria de Maquiavel que recomendava que o príncipe deveria
se fazer temer quando não conseguisse conquistar pelo amor, mas de qualquer
jeito evitar o ódio. Isso é conseguido quando se respeitam os bens de seus
cidadãos e de seus súditos (Maquiavel, 1998: 101). O Estado português
negava aos cidadãos o que Hobbis (1588/1679) reputava o bem comum
prioritário que é a segurança; negava sua atuação no sentido de impedir ou
evitar a violência; mantinha privilégios que jogavam umas classes contra as
outras em choques cruentos. O colonizador, pragmático por excelência,
encarava a assistência social e tudo que se fizesse no sentido do bem comum,
como ônus para o Estado e para o empreendimento colonial.
Ao falar do caráter da escravidão exercida pelos portugueses, com
os olhos críticos dos dias atuais, deve-se ressalvar que o fenômeno é muito
amplo e antecede à existência do Estado português. A conquista sem piedade,
a ocupação brutal, a destruição dos chamados povos inferiores foi um
fenômeno geral. Todos os europeus foram escravocratas e o cristianismo
reinante em Roma, França e Inglaterra não amenizaram a questão, porque
teve o mesmo comportamento cruel e escravocrata de Portugal. A Inglaterra
muito se enriqueceu com o tráfego de escravos africanos. O estabelecimento
da escravidão teve base de sustentação em um sistema doutrinário que
justificava o racismo, isto é, estabelecia a discriminação racial, sem a qual não
havia lugar ou apoio moral para a escravização do negro. Na Grécia e em
Roma, os filósofos contribuíram para a sustentação da escravidão, a exemplo
de Aristóteles que via no escravo apenas instrumento vivo que não tinha
direitos perante quem o usava. No direito bizantino a discriminação aparece
clara na codificação ordenada por Justiniano: “Os escravos vivem sob o poder
dos senhores: este poder emana do direito das gentes”
(José, 1988: 28).
Observa Pirenne (1965) que na Idade Média ocidental, com exceção dos
91
proprietários todos os homens que viviam no território de uma corte ou de uma
vila eram servos. Se a escravidão antiga desaparecera, havia ainda vestígios
dela na condição dos servi-quotidiani, dos mancípia, dos quais, até a pessoa
pertencia ao senhor. Dedicavam-se ao seu serviço e eram mantidos por ele. O
servo era um pouco diferente do escravo porque não podia ser vendido. Devia
permanecer na propriedade senhorial. A Igreja condenava a escravização de
cristãos por outros não cristãos, mas, admitia que indivíduos de outras raças e
culturas podiam ser importados nos mercados levantinos. Santo Agostinho e
Santo Tomás de Aquino consideravam a escravidão como uma forma de
punição imposta aos pecados. Portanto, os tempos modernos e o Novo Mundo
americano encontraram um corpo doutrinário que endossava o sistema
escravista, como observa Mesquita Filho (1956:226):
“O tipo de civilização que se inicia foi, assim, fator de primacial
importância para a implantação do regime escravocrata em
todo o benefício ocidental. Não foi entretanto o único. Outra
causa decisiva para que todos os povos vissem na escravatura
um direito natural era a distinção nítida que a filosofia cristã
estabelecia entre os adeptos da Igreja católica e os que a ela
não pertenciam. Anos após a descoberta de Colombo
discutiam os doutores da Igreja se devia ou não conceder uma
alma aos habitantes nativos das Américas. [...] Quase ninguém
considerava o tráfego um mal. O sentimento geral dos cristãos
era que os cristãos ou não-cristãos eram dois mundos
absolutamente opostos.”
Mas não é este o único fator de discriminação básico que justifica a
escravização do negro, pois uma vez batizado, catequizado e incorporado ao
catolicismo não mais justificaria tal distinção. A contradição fundamental estaria
nos fatores cor da pele e resíduos culturais africanos, dos quais lançavam mão
a escravocracia, embora de modo velado. Continua Mesquita:
“Era pois absolutamente geral esse estado de espírito. Países,
instituições e indivíduos se irmanavam na convicção de que
usavam um direito perfeitamente compatível com a essência do
espírito religioso ao reduzir à condição de máquina de produzir
utilidades os habitantes da África, da Ásia e da América. E tão
profundamente se havia essa estranha concepção das coisas,
que nem mesmo os jesuítas delas se eximiam. [...] Angola é
por um tempo colônia jesuíta. Os padres governam, os
governadores são pupilos seus; o clero secular e os bispos em
vão protestam e reagem contra os intrusos. Não havia, porém,
92
em Angola, nem meios, nem utilidade em aldear negros e
plantar cana; havia porém um rendoso negócio, a escravatura,
para a qual eram desnecessário catequese e proteção dos
indígenas. Por isso a Companhia deitou-se ao negócio dos
escravos (batizados, convertidos, escusado é dizê-lo) obtendo
o privilégio de exportação de umas centenas, em três navios ao
ano, isentos de direitos.” (p.226-227).
Padre Vieira (1998), no XIV sermão, pregado à Irmandade do
Rosário, em um engenho na Bahia, em 1633, firma a doutrina da escravidão,
em contradição com a universalidade do homem e a igualdade entre os povos,
sustentados pelo próprio cristianismo. No § VI esclarece que os portugueses
descobriram a Etiópia ocidental de onde foram os etíopes trazidos para a
América em enormes quantidades; crêem, confessam e adoram o Rosário da
Senhora:
“Se a gente preta, tirada das brenhas da sua Etiópia e
passada ao Brasil, conhecera bem quanto deve a Deus e sua
santíssima mãe por este que pode parecer desterro, cativeiro e
desgraça e não é senão milagre? Dizei-me vossos pais, que
nasceram nas trevas da gentilidade e acabam a vida sem lume
da fé nem conhecimento de Deus, onde vão depois da morte ?
Todos como credes e confessais, vão ao inferno e lá estão
ardendo e arderão por toda eternidade [...] Vós que sois seus
filhos, vos salveis e vades ao céu, como os filhos de Coré
No § VII Vieira continua sua tentativa de persuadir os escravos pela
resignação de ser escravo apesar do enorme sacrifício:
“Não se pudera nem melhor nem mais altamente descrever
que coisa é ser escravo em um engenho do Brasil. Não há
trabalho nem gênero de vida no mundo mais parecido à cruz e
paixão de Cristo que vosso em um destes engenhos. Bem-
aventurados vós, se soubéreis conhecer a fortuna do vosso
estado e com a conformidade e imitação de tão alta e divina
semelhança, aproveitar e santificar o trabalho. Em um engenho
sois imitadores de Cristo porque padeceis em um mundo
semelhante o que o mesmo senhor padeceu na cruz e em toda
a sua paixão” (p.143).
Traçando um paralelo entre o sofrimento de Cristo e o sofrimento do
escravo, Vieira estabelece uma cadeia de metáforas, a partir da base da cruz
ter sido composta de dois madeiros e a presença de duas canas na
crucificação:
93
“uma servindo de cetro de escárnio e a outra levando a
esponja com o fel; a paixão de Cristo parte foi a noite sem
dormir, parte foi de dia sem descansar e tais são as vossas
noites e vossos dias; Cristo despido e vós despidos; Cristo sem
comer e vós famintos; Cristo em tudo maltratado e vós
maltratado em tudo” (p.144).
No § VIII, estabelece um jogo de contrários pontuando o sofrimento
do escravo de acordo com os mistérios dolorosos e gozosos do Rosário:
“Os dolorosos são os que vos pertencem a vós, como os
gozosos aos que, devendo-vos tratar como irmãos, se chamam
vossos senhores. Eles mandam e vós servis; eles dormem e
vós velais; eles descansam e vós trabalhais; eles gozam o fruto
de vossos trabalhos e o que vós colheis deles é um trabalho
sobre o outro. Não há trabalhos mais doces que os das vossas
oficinas; mas toda essa doçura para quem é? Sois como as
abelhas, de quem disse o poeta: o mesmo passa nas vossas
colméias. As abelhas fabricam o mel sim, mas não para si. E
posto que os que o logram é como tão diferente fortuna da
vossa, se vós porém vos souberdes aproveitar dela e
conformá-la com o exemplo e paciência de Cristo e vos
prometo primeiramente que esses mesmos trabalhos vos
sejam muito doces, como foram ao mesmo senhor e depois
sois companheiros de Cristo nos mistérios dolorosos de sua
cruz, assim o sereis nos gloriosos de sua ressurreição em
ascensão.” (p.151/152).
A ordem escravista estava mantida e mais que isso, sacralizada.
Somente no século XIX sofrerá seus primeiros abalos dialéticos das forças
contrárias a ela.
Cabe, finalmente, uma palavra sobre o mercantilismo, sistema
econômico considerado o protótipo do capitalismo. O mercantilismo se pautava
pelo desejo de lucro e acumulação, agora sem os obstáculos morais que
prevaleceram na Idade Média. É oportuno esclarecer que o desejo de lucro
remonta a muitos séculos antes do capitalismo. Isoladamente sempre houve
grandes fortunas sem que significasse uma ordem estabelecida. Mas é a partir
do mercantilismo que a atividade de troca se estabelece como norma e da qual
dependem os demais segmentos sociais. Antes do mercantilismo os reis
faziam guerra para adquirir tesouros; os nobres lutavam pelo domínio das
94
terras e o lucro comercial era raro. Mas a mentalidade da fortuna dos heróis e
dos reis começa a ceder lugar à fortuna do lucro comercial no final da Idade
Média, aliada à idéia de poder nacional, tendo o ouro como o principal objeto: a
formação dos grandes exércitos e das aventuras, a riqueza real e a aventura
nacional, além de uma crença de que se tudo fosse permitido na busca da
fortuna, uma nação não podia deixar de ser próspera. Com outras palavras
expõe Ianni (2000:44):
“O novo Mundo nasce e se desenvolve como produto e
condição da acumulação originária, processo por meio do qual
se inicia e se desenvolve a metamorfose do dinheiro em
capital; metamorfose que influencia decisivamente as
condições sob as quais se dá a Revolução Industrial inglesa.
(...) Está em curso a gênese do capitalismo, que envolve a
busca de metais preciosos, especiarias, produtos tropicais,
matérias-primas, formas compulsórias de organização do
trabalho e da produção, pirataria, intensa e generalizada
reprodução mercantil e metamorfose do dinheiro em capital.”
Nesse sentido, completa Iglésias (1971) que se deve ligar à
colonização, na era do mercantilismo, sobretudo ao afã de lucro, de riqueza. A
colonização vem a ser o instrumento do imperialismo, a partir do
descobrimento do Novo Mundo.
“Assiste-se ai ao processo de europeização da terra, quando
os padrões europeus se impõem ou tentam ser impostos a
todos. Prega-se o cristianismo nos vários continentes, como
religião por excelência; as línguas, a literatura e a arte dos
europeus sãos vistas como superiores, enquanto os outros
homens são rudes, bárbaros, pois não são brancos, não se
vestem como os europeus, não têm suas crenças nem suas
idéias. É preciso impor esses produtos, ainda que necessário a
força” (p.69).
As ideologias da colonização chegam envoltas na cultura espiritual e
material, especialmente no mercantilismo que marca com sua política a história
dos tempos modernos; a política dos Estados Nacionais, fundada no ideal
intervencionista, com excesso de regulamentação, com monopólios. Agora o
que vale é a riqueza do Estado, jamais o bem-estar social do povo. É nesse
sentido que Iglesias (1971:68) questiona:
95
“Se essa política pensa na riqueza e não nas conveniências
dos súditos, pode-se imaginar o que a colonização vem a ser;
se os próprios nacionais são peças de uma engrenagem que
visa à riqueza do Estado, os homens das colônias são ainda
menos e nada contam.”
Se nos primórdios da colonização do Brasil ela não se constituiu no
tipo classificado como de povoamento, no século XVII, toma um caráter
peculiar formando um tipo de sociedade muito original, como analisa Prado
Júnior (1962). Não sendo uma simples feitoria, mas conservando um
acentuado caráter mercantil, a empresa do colono branco conta com a
prodigalidade da natureza e o trabalho escravo tanto do indígena quanto do
africano para a produção de gêneros de grande valor comercial. Pode-se dizer
que esse sistema de colonização tornou-se híbrido ao conservar o caráter das
feitorias exploradoras mas ao mesmo tempo admitiu o enraizamento de uma
pequena massa populacional empregada na exploração dos recursos naturais,
em proveito do comércio europeu. Foi com o objetivo de fornecer açúcar,
tabaco e algodão para o comércio europeu que se constituiu a sociedade
brasileira; não voltada para si mesma. Veio o português para especular,
realizar um negócio; tendo o indígena e o negro apenas como força de
trabalho. Assim começa a formar a colônia brasileira.
O elemento central da atividade produtora é o engenho. No início
significava apenas as instalações necessárias à fabricação do açúcar. Mas
tarde passou a designar o conjunto da propriedade, como uma grande fazenda.
Além do açúcar os engenhos produziam também a aguardente, que servia para
o consumo na colônia e como elemento de troca para aquisição de escravos na
África. O tabaco tinha também as mesmas finalidades. Essas fazendas são
dotadas de grandes propriedades territoriais cedidas pelo sistema de doação
de carta de sesmarias. Todo o esforço da coroa era no sentido de carrear para
o reino todas as vantagens nas relações de produção, por isso, impunham
privilégios aos reinóis em prejuízo dos colonos. Abreu (2000) mostra esse
caráter do português de ganhar fortuna o mais depressa possível para ir
desfrutá-la no além-mar. Os diversos componentes da população nutriam
96
desafeição pela colônia. O português vindo da terra, o reinol, julgava-se muito
superior ao português nascido nestas paragens alongadas e bárbaras; o
português nascido no Brasil, o mazombo, sentia e reconhecia sua inferioridade.
O próprio nome inicialmente dado à capitania de Pernambuco por Duarte
Coelho, de Nova Lusitânia, indica a disposição dos portugueses para
considerar a região como uma extensão de Portugal. Quando a lei não era
suficiente para manter os privilégios sobre os índios, negros, mulatos e nativos,
estabeleciam normas arbitrárias ou usavam a força. Os navios que levavam o
açúcar, a aguardente e o fumo para o mercado de além-mar, voltavam
carregados de tecidos de vários tipos, agulha, papel, tinta para escrever; anzóis
e linhas para pescar; pratos e jarras de estanho de uso dos escravos; enxadas
e foices para os trabalhos da lavoura; pregos, tijolos, cobres para as tachas e
ferros para os tambores da moenda; tabuadas para as caixas de açúcar; breu,
enxárcia, estopa, cordas e amarras para barcos; copos de vidro e louça para as
refeições dos mais graduados; azeite, vinho, vinagre, sardinha, bacalhau, carne
de baleia, presunto, chouriço, queijo, farinha de trigo, pão e biscoito; objetos de
luxo. O fabricante de açúcar quase não recebia em dinheiro a mercadoria
exportada mas sim em produtos europeus importados. Os mercadores
percorriam os engenhos levando mercadorias supervalorizadas. Os impostos
arrecadados com exportação e com a importação iam brutos para a Metrópole,
sem que parte alguma fosse aplicada em benefício dos colonos, como relata
Abreu (2000: 296): “Não havia fontes nem pontes; nem estradas; se por
alguma circunstância favorável construía-se alguma, à falta de conservação
estragava-se ou ficava de todo arruinada”. Na verdade, como a moeda quase
não circulava, até os tributos eram pagos em espécie. O português, óbvio, não
ambicionava somente a riqueza mas o “status” que proporcionava. Quem
possuía a terra possuía ao mesmo tempo prestígio e poder. Por isso, toda
atividade lucrativa era reservada aos portugueses natos e a legislação garantia
exclusividade e monopólio aos reinóis. Proibia a circulação e a fabricação de
todo e qualquer produto da colônia que fizesse concorrência aos produtos do
reino. Chegou a proibir a fabricação de aguardente na colônia por concorrer
97
com o vinho do Porto. Os reinóis faziam obstáculo até à agricultura de
subsistência que somente nos domingos podia ser praticada.
A monocultura do açúcar é uma outra extensão do Mercantilismo.
Como os preços do açúcar no mercado externo eram vantajosos todos os
esforços se canalizavam para a sua produção. Daí a importância e o
significado do senhor de engenho real, conforme coloca Antonil (1996:75), no
acadêmico título:
Do cabedal que há de ser o senhor de um engenho real. “O
senhor de engenho é título a que muitos aspiram, porque traz
consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos. E se
for, qual deve ser, homem de cabedal e governo, bem se pode
estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quanto
proporcionalmente se estimam os títulos entre os fidalgos do
Reino.[...] Dos senhores dependem os lavradores que têm
partidos arrendados em terras do mesmo engenho, como os
cidadãos dos fidalgos; e quanto os senhores sãos mais
possantes e bem aparelhados de todo o necessário, afáveis e
verdadeiros, tanto mais são procurados, ainda dos que não têm
a casa cativa, ou por antiga obrigação, ou por preço que para
isso receberam. Servem ao senhor do engenho, em vários
ofícios, além dos escravos de enxada e foice que têm nas
fazendas e na moenda, e fora os mulatos e mulatas, negros e
negras de casas, os ocupados em outras partes, barqueiros,
canoeiros, calafates, carapinas, carreiros, oleiros, vaqueiros,
pastores e pescadores. Têm mais cada senhor destes,
necessariamente, um mestre de açúcar, um banqueiro e um
contrabanqueiro, um purgador, um caixeiro no engenho e outro
na cidade, feitores nos partidos e roças, um feitor-mor do
engenho, e para o espiritual, um sacerdote seu capelão, e cada
qual destes oficiais tem soldada.”.
Desta forma Antonil se coloca na conformidade da ordem
mercantilista vigente, oferecendo orientação e garantias aos investidores,
contrapondo-se aos pequenos senhores de engenho, possuidores de poucos
escravos.
O lucro da monocultura açucareira criou o mercado dos produtos do
gado bovino como a carne e o couro. Se na agroindústria açucareira já existiam
enormes latifúndios, a sua conseqüente criação de gado iria contribuir para o
98
alongamento das propriedades territoriais. Novamente aqui prevalecem os
privilégios nas concessões das propriedades, a exemplo do morgadio que é a
mais intricados forma de direito territorial. O proprietário não podia alienar o
imóvel e somente seu primogênito poderia herdá-lo. A coroa, contudo, podia
obstar a herança em caso de mau comportamento do herdeiro. Desta forma, os
herdeiros de um morgadio deveriam estar sempre afinados com a ordem da
corte. Ficou célebre o morgado da Casa da Ponte, descrito por Antonil
(1976:200):
“Sendo o sertão da Bahia tão dilatado, quase todo pertence a
duas principais famílias da mesma cidade, que são da Torre, e
a do defunto mestre de campo Antonio Guedes de Brito.
Porque a casa da Torre tem duzentos e sessenta léguas pelo
Rio de São Francisco, acima á mão direita, indo para o Sul e
indo do dito rio para o norte chega a oitenta léguas. E os
herdeiros do mestre de campo Antônio Guedes de Brito
possuem desde o Morro dos Chapéus até nascente do Rio das
Velhas, cento e sessenta léguas. [...] E assim como há currais
no território da Bahia, de Pernambuco e de outras capitanias,
de duzentas, trezentas, quatrocentas, oitocentas e mil cabeças
assimfazendas a quem pertencem tantos currais que
chegam a ter seis mil, oito mil, dez mil e até vinte mil cabeças
de gado”.
Na margem esquerda do São Francisco, território de Pernambuco
dominava a família D’Avila, herdeiros de Francisco Dias D’Avila que no dizer de
Lima Sobrinho (1929: 91-92), aparece como capitão de entradas, na condição
de explorador dos índios, conforme depoimento de Frei Marinho de Nantes:
“Quantas vezes os índios pacíficos não teriam sido provocados
para que os capitães os escravizassem e se apropriassem de
suas terras. [...] Raros eram os litígios que triunfavam em juízo
contra a família potentada dos Ávila, tal a importância de que
gozava, o prestígio de que dispunha, os imensos serviços
prestados nas conquistas das bandeiras e nos vários ramos de
administração.”
O despotismo e o sentido materialista chega ao cúmulo de Francisco
Dias D’Ávila ocupar com cavalos os espaços habitados por índios, conforme
denuncia Frei Martinho:
“O coronel Dias de Ávila, sob pretexto de que o rei de Portugal
lhe havia doado todas as terras devolutas do Rio São
99
Francisco, a fim de as povoar com rebanhos, para o serviço
das cidades da Bahia e de Pernambuco, desejava apoderar-se,
e na realidade se apoderou do que o rei executava
formalmente nas provisões que o contemplavam. De sorte que
ele espalhava rebanhos não somente de um como do outro
lado do rio, em terra firme, mas também punha cavalos nas
ilhas em que os índios se haviam refugiado, cedendo-lhe tudo
o mais para poderem viver em pás. (...) e como sobreviesse
uma grande seca, esses cavalos, já muito incômodos para os
índios, obrigando-os a cercar suas lavouras, e estando
premidos pela fome, forçavam as melhores cercas e tudo
devoravam. Avisei a Francisco Dias D’Ávila, pedindo-lhe, por
todos os meios capazes de o enternecer, para retirar seus
cavalos, pois que reduziam os índios a morrer de fome. Ele
apareceu, certo domingo, na região, para ouvir missa e, depois
do que eu lhe expus de viva voz, respondeu-me que o que eu
lhe pedia não o incomodava e que por isso não fazia nada”
(Nantes, 1979: 60).
Ávila foi para a Bahia e lá denunciou com calúnias o Padre Martinho.
Procurando defender-se o missionário escreveu ao Governador da Bahia,
mostrando a penúria dos índios e seu trabalho na região. O governador nunca
lhe deu respostas.
Portanto, as grandes navegações e explorações desde os estudos
náuticos realizados na Itália e na Península Ibérica tiveram como objetivo a
expansão da Europa. A Espanha teve sua recompensa, isto é, colheu os frutos
de seu esforço. Portugal amplia seus domínios e se enriquece com as
descobertas de caminhos intercontinentais.
100
MUTATIS MUTANDIS – O MUNDO MUDA – TUDO
GIRA
“O primeiro passo para a filosofia é a incredulidade”. (Diderot)
101
3. MUTATIS MUTANDIS – O MUNDO MUDA – TUDO GIRA
Os acontecimentos históricos, notadamente o desenvolvimento
tecnológico, colocaram a Europa em acentuada situação de domínio sobre as
demais regiões do mundo.
3.1. O Ocidente no século XVIII
FIGURA 2 – “Amor sagrado e amor profano”, de Ticiano [1515]
Fonte: História Del Arte (16), 1985
O iluminismo do século XVIII foi o auge das correntes que
marchavam de forma acelerada para as concepções materialistas. A marcha
lenta, contudo, havia começado no final da Idade Média, quando o homem
europeu deixava de organizar-se exclusivamente em torno da idéia de Deus e
voltava suas atenções para o mundo material. O materialismo sistematizou-se
nas obras de Julien Offroy de la Metrie (1709/1751) que publicou em 1742 Uma
história natural da alma e em 1748, O homem e a máquina. O Barão de
Holbach publicou em 1770, “Sistema da natureza”. O materialismo do séc.
XVIII serve à causa da burguesia e ao individualismo. De forma idealista tenta
resgatar os antigos atomistas gregos e o modelo artístico dos clássicos. Com
isso, o homem burguês, senhor do saber, se espelha no mundo clássico antigo
porque aquela mentalidade significava a garantia da manutenção da ordem
conquistada desde o final da Idade Média. Resgatar os mitos gregos e
romanos era um apelo à perpetuação dos valores configurados na ideologia
burguesa. Funari (1988:262) diz que “as permanências ligadas à herança
102
clássica, explicitam-se como constructos ideológicos que visam preservar
certos valores e costumes, de origem supostamente antiga, impostos pela
cultura dominante. A natureza passa a ser contemplada como algo de vida
própria e o homem como parte da natureza age independente da vontade de
Deus. Os homens de pensamento e de ciência do século XVIII contemplam as
divindades ou os mitos gregos por causa da sua naturalidade. Reale (1990:17)
diz que as divindades gregas não pedem ao homem que ele mude sua
natureza, ou seja, nada acima de si mesmo, mas ao contrário, que ele siga a
sua própria natureza. “
Fazer em honra dos deuses aquilo que está na
conformidade com sua própria natureza é tudo o que os deuses pedem do
homem”.
O século XVIII, desde seu começo aponta para uma série de
“revoluções”, isto é, mudanças radicais em todos os setores da vida: na
História, como modo de ver o passado da humanidade; na filosofia preparando
e anunciando o mundo contemporâneo. É o chamado “século das luzes”. O
avanço dos conhecimentos desenvolve a fé no contínuo progresso da
humanidade. O catolicismo marca um período de recuo, em todo o mundo
fazendo surgir novas concepções de mundo. As técnicas aperfeiçoaram-se a
ponto de serem consideradas revoluções: náutica e industrial. Em face da
detenção dos conhecimentos racionais da ciência e da técnica, os europeus
adquiriram a primazia sobre o restante do mundo: impõem seus domínios, a
religião, a estética. A Europa prossegue a conquista, a ocupação e a
transformação do mundo repartido entre seus Estados. A filosofia do
iluminismo contrapõe aos princípios morais e filosóficos da Idade Média e do
Renascimento, começando por entender que “os nossos sentidos revelam-nos
que nos encontramos na terra para gozarmos a felicidade, isto é, para o prazer.
Devemos começar por repetir a nós próprios que nada mais temos a fazer
neste mundo além de procurar sensações e sentimentos agradáveis” (Mousnier
& Labrousse, 1961: 86). Com relação ao pacto social estabelecem que as
sociedades devem ser organizadas para a felicidade dos homens. Para garanti-
la os homens assinaram entre si, um contrato no sentido de unir força contra os
103
flagelos naturais. Os homens escolhem seus governantes para que estes lhes
assegurem tais direitos. Se os governantes não respeitam o contrato e violam
seus direitos, a insurreição passa a ser um direito do povo. Por outro lado o
governo deve ser despótico e monárquico.
O príncipe deve garantir os direitos do homem; em primeiro
lugar a liberdade da pessoa humana: para isso precisa suprimir
a escravatura e a servidão. Concederá também a liberdade de
movimentos, do comércio, da indústria, da navegação, a
liberdade civil, mas não a liberdade política, ou então uma
liberdade política limitada. [...] O príncipe deve também garantir
a igualdade perante a lei, suprimindo os privilégios de
nascimento. Eclesiásticos e nobres devem pagar o imposto
proporcional, sendo todos julgados pelos mesmos tribunais e
punidos igualmente pelas mesmas faltas [...] A natureza deu
aos homens uma vontade, uma inteligência e aptidões
desiguais. Desta desigualdade de talento resulta a
desigualdade de fortunas que, portanto, é natural” (Mousnier &
Labrousse, 1961: 87).
Estava, portanto, configurada a mentalidade burguesa: o estado e a
sociedade moldados a partir de seu caráter, isto é, numa visível contradição:
condenava os privilégios da nobreza e do clero, mas postulava o privilégio da
desigualdade gerada pela disparidade de aptidões e de talentos. Para os
enciclopedistas a propriedade é natural e sagrada, o príncipe deve manter a
inviolabilidade da propriedade e conceder aos mais ricos e aos proprietários
fundiários um poder legislativo. Para os enciclopedistas os benefícios do
conhecimento científicos e técnicos, savoir-faire, não deveriam atingir o povo
que é muito estúpido, como dizia Voltaire: ”A quantidade da canalha é, mais ou
menos, sempre a mesma [...] a multidão é ignorante e embrutecida; [...] o povo
tolo e bárbaro precisa de uma canga, de um agulhão e de feno”. (Mousnier &
Labrousse, 1961: 87).
Para Ianni (2000) esse corpo de idéias, essas posições
alimentadoras de privilégios, essas noções de excludentismos, essas
consagrações de direitos em nome da natureza, a razão submetida aos
interesses da classe dominante, a fé religiosa colocada a serviço da
104
acumulação de capitais e da busca de lucro, assim, tudo contribui para uma
nova forma de relacionamento da Europa com as colônias. O saber tecnológico
instrumentaliza as explorações na América com tudo que há de mais sagrado
até então: a demagogia. Mas além da demagogia que possibilita à burguesia
um discurso que lhe garanta poder e prestígio, mas continua considerando que
o povo precisa de canga, que a escravidão é absurda mas não abre mão dela.
As novas idéias burguesas repelidas pela Igreja Católica buscam refúgio e
proteção na Maçonaria. A velha instituição medieval que protegia o trabalhador
é transformada e passa a dar guarida a fidalgos, burgueses, abastados,
membros de profissões liberais, filósofos como Montesquieu, Hivetius, Voltaire.
A nobreza aderiu em massa e dela saíram inúmeros grão-mestres. A
Maçonaria passa a ser uma potência que espalha as idéias dos pensadores
europeus. No interior dessa instituição iniciática e secreta, os “iluministas”
protegiam-se contra os governos despóticos e a igreja inquisidora.
Dialeticamente, da mesma forma que as idéias iluministas lançam luz interior
do nicho das novas formas de colonização, elas oferecem armas às colônias
para uma reação independentista (Mousnier & Labrousse, 1961).
A partir das idéias iluministas de que era necessário dar liberdade ao
indivíduo porque este conhece seus próprios interesses melhor que qualquer
outra pessoa: laisses faire, laisser passer, Adam Smith (1723/1790) no livro
intitulado “A riqueza das nações” (1776) mostra a existência de uma ordem
natural, que se realiza quando se deixa a natureza funcionar livremente.
“O homem tem tendência a melhorar sua sorte e é
soberanamente apto a descobrir onde se encontra seu
interesse pessoal: o melhor, portanto, é deixá-lo livre. O Estado
só deve intervir quando os indivíduos se mostram incapazes de
criar as instituições úteis à sociedade. A fixação dos salários é
o resultado de uma discussão entre o capitalista e o operário,
discussão que se transforma numa luta de classes rivais. Os
senhores constituem uma espécie de liga para impedir o
aumento dos salários”
Heibroner (1996) considera Smith um revolucionário que jamais
teria apoiado um levante que desorganizasse as classes cavalheirescas e
entronizasse os pobres comuns; é um admirador do trabalho do burguês, mas
105
desconfiado de seus motivos e consciente das necessidades das grandes
massas trabalhadoras. Estava preocupado em promover a riqueza pela nação
inteira. Foi-se a noção de ouro, tesouro, mercadorias reais; foram-se as
prerrogativas de mercadores, fazendeiros ou guildas de trabalhadores. Para
Smith o consumo de bens e serviços não deveria estar restrito somente às
classes privilegiadas, mas por todos os segmentos sociais.
A expansão econômica dos países europeus se realiza dentro de
esferas administrativas racionalizadas visando o aproveitamento máximo das
colônias em favor das nações colonizadoras. Os ingleses empreenderam
política agressiva de expansão de negócios na rota para o Oriente, África e
América, tendo a escravatura como elemento que supre a escassez de mão-
de-obra além de constituir-se em valiosa mercadoria que proporciona altos
lucros. O Tratado de Utrecht (1713) concede à Inglaterra poderes marítimos e
comerciais. A burguesia rica composta de financistas, negociantes e
armadores, aumentam. Depois da Guerra dos Sete Anos (1756/1763), com a
vitória da Inglaterra, esta aumenta sua hegemonia ou poder de competição e
provoca uma enorme modificação do sistema internacional do livre comércio;
supera os termos escritos do mercantilismo. O surto comercial e a revolução
industrial transformam os grandes domínios ingleses.
É preciso mais lã para a indústria, mais trigo e mais carne para
as cidades que crescem. Os burgueses, que compram
domínios senhoriais pretendem, como é seu hábito, tirar deles
o máximo proveito. [...] O comércio subverte a sociedade
contribuindo com um surto de depravação moral. [...] a frieza
da Igreja Anglicana contribui com o evangelismo e filantropismo
prestando à burguesia um serviço evidente: contribuiu para que
o proletariado agüentasse com paciência” (Mousnier &
Labrousse, 1962: 191).
Na França a burguesia pretende e reivindica a liberdade para seus
negócios; a supressão dos privilégios de nascimento; uma participação na
elaboração das leis, o controle do orçamento e da política real, além da
manutenção de muitos direitos senhoriais pois alguns burgueses compraram
feudos. Algumas medidas favoráveis à burguesia foram efetuadas. Após 1750
a administração real atenua os regulamentos de fabrico; permite fazer tecidos
106
pintados e tingidos; suprime artigos dos regulamentos e só aplica outros com
certa prudência. Em 1788
a nação francesa estava dividida: de um lado Clero,
Nobreza e Terceiro Estado, do outro os burgueses que criam um partido
nacional. As hostilidades são cada vez mais violentas e culmina com a
Revolução Francesa de 14 de julho de 1789 (Mousnier & Labrousse, 1962:
200).
Muito bem situada nesse tempo a novela de Diderot intitulada “O
sobrinho de
Rameu”
.
O nome da obra é o mesmo do personagem principal e
decorre do fato de ser sobrinho do músico clássico francês Jean-Phillippe
Rameu (1683/1764). Trava um enorme diálogo, após encontro num café de
Paris onde gente desocupada jogava dama e xadrez. Como o sobrinho de
Rameu ainda não era independente, deveria permanecer calado; como não
tinha dotes não podia se casar com a filha de um homem de posses (Diderot,
1973: 340-455). A novela “O sobrinho Rameu” é importante pela simbologia
que estampa, ou seja, a representação da burguesia em sua totalidade:
poderosa pela detenção do saber e os privilégios que usufrui em face desse
saber; o individualismo levado ao extremo, pois, o resto do mundo não lhe
interessa; a detenção de resíduos da cultura ao tentar viver sem trabalhar; a
preocupação com a aparência física para impressionar o interior do indivíduo;
viver intensa e folgadamente os prazeres da vida sem jamais pensar no outro;
a idéia da necessidade de pessoas medíocres para eleger os gênios. Enfim, a
literatura burguesa se encarrega de levar aos quadrantes do mundo a ideologia
de sua superioridade e do merecimento de ingentes recompensas.
Depois de Diderot surge, na segunda metade do século um
pensador que usa o texto literário como veículo de suas idéias, que é Jean-
Jacques Rousseau (1712/1778) que se coloca na contramão do
enciclopedismo, buscando um sentido mais humano para a vida em sociedade,
como no discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade dos
homens,
no qual traça o retrato do bom selvagem em estado natural, no estado
de graça: robusto e ágil, solitário, instintivo, perfeitamente feliz. O homem que
107
pensa é um animal depravado. Da propriedade nascem as desigualdades, a
concorrência, a rivalidade, o orgulho, a avareza, a inveja, a maldade, as lutas
de classe, as guerras. Numa espécie de autocontradição, Rousseau coloca na
obra Do contrato social, ficção que idealiza uma forma de estado resultante de
um acordo comum entre seus membros. Os indivíduos devem ceder parte de
suas prerrogativas para se tornarem cidadãos. A contradição de Rousseau com
relação ao discurso sobre as origens das desigualdades é que o estado social
não é natural, apóia-se em convenções. Mas o objetivo do contrato social é
encontrar uma forma de associação que conserve aos indivíduos a igualdade e
a liberdade que a natureza lhe deu. O Emile (Emílio) é a utopia pedagógica, de
certa forma completa a teoria política de Rousseau. O preceptor de Emílio
isola-o da sociedade, que é considerada má e corrompida, a fim de melhor
educá-lo para fazê-lo viver de acordo com a natureza, utilizando a sua
disposição para procurar o que é agradável ao homem e para repelir o resto. O
método pedagógico em “Emílio” consiste no ensino através da experiência
mais que na racionalização: educação como um processo espontâneo em
contato com a natureza. O aprendizado ocorre de acordo com a superação das
dificuldades da vida. A educação deve ser oferecida numa atmosfera de
sinceridade e de liberdade, bem diferente da educação praticada até então. A
educação religiosa era somente após os vinte anos. Rousseau conseguiu
influenciar a sua época e a época subsequente, sobretudo pelo espírito
humanista que rechaça a frieza e a dureza dos enciclopedistas. As idéias
socialistas românticas e o valor da democracia no século XIX inspiram-se em
Rousseau (Rosseau, 1978:22).
3.2 A Espanha e seu império em descensão
3.2.1 As chamas dos canhões iluminam a península
O reinado de Filipe V (1700/1746) inaugura o século XVIII e se
caracteriza por uma enorme turbulência. Embora a situação econômica fosse
desesperadora, foi o enfraquecimento da coroa que ameaçou e abalou a
108
sobrevivência do país. Segundo Branding (1998), o papel relativamente
passivo que a Espanha desempenhou na guerra que decidiu seu destino,
tornou-se totalmente manifesto no tratado de paz assinado em 1713 em
Utrecht. Na renúncia ao trono espanhol, o imperador da Áustria recebeu os
Países Baixos, Milão, Sardenha e Nápoles. O rei da Sabóia foi agraciado com
a Sicília. Além disso, a Grã-Bretanha conservou o domínio de Gibraltar e
Minorca; o monopólio do tráfico de escravos africanos para todo o império
espanhol; direito de enviar anualmente um navio com quinhentas toneladas de
mercadoria para o comércio das colônias da América; cessão de Sacramento,
à margem do Rio da Prata a Portugal, local ideal para contrabando. Em 1733 e
1743 mais guerra e mais pacto redundando em ruínas para a Espanha. Em
1737 o embaixador inglês, sir Benjamim Keene escreveu que o país estava
destituído de alianças e de amigos estrangeiros, desequilibrado em suas
finanças, com o exército em má condição e a marinha em situação pior, se é
que é possível, e sem ministro forte”. Somente o reinado de Fernando VI
(1746/1759) resolveu abandonar as disputas dinásticas em favor da tentativa
de paz, na busca da austeridade interna. Firma com seu sogro, D. João V, o
importante Tratado de Madri, de 1750, que fixou as fronteiras dos vice-reinos
do Peru e do Brasil; afastou fontes potenciais de atrito internacional. Somente
no final do século, Carlos III (1759/1788), no que pese as perdas com a Guerra
dos Sete Anos, consegue recuperação econômica para a Espanha, graças aos
serviços de ministros, especialmente Floridablanca (Branding, 1998: 394).
Do ponto de vista institucional a Espanha, no século XVIII,
continuava sendo o que os reis contribuíram para arruinar o poder político dos
senhores, não conseguiam tirar o país da Idade Média. Leis, regulamentos e
costumes contribuíam para o emperramento da administração e do
desempenho institucional. Fornece para a Inglaterra, França e outros países
europeus, na forma de matéria-prima a lã de seus carneiros, os metais
preciosos, o ouro e a prata das colônias, recebendo, em troca, os produtos
industrializados de que necessitava. Os reis esforçaram-se por desenvolver o
comércio e a indústria, incentivando as manufaturas reais; importação de
109
técnicas estrangeiras; apoio a manufaturas particulares com subvenções e
proteção alfandegária; criação de companhias de comércio; fundação de
sociedades econômicas e patrióticas para dar ao trabalho lugar de honra;
construção de estradas e canais; proteção dos rendeiros; em 1775, suprime as
alfândegas internas. O certo é que a partir de 1779, não se importam mais
tecidos sedas e chapéus da França. Conforme Mousnier & Labrousse,
1962:201, os corpos instituídos que poderiam opor-se à vontade real foram
dominados. O que foi conservado teve de obedecer ao governo. Em 1753 o rei
assumiu temporariamente a nomeação dos bispos de forma permanente. Os
jesuítas foram suprimidos em 1767 sob a acusação de traição ou “intenções
regicidas”, mas na verdade, em face de pregações contrias ao direito
monárquico.
No terreno das idéias sobressaem as defesas dos direitos políticos;
renovação da educação e a luta pela liberdade de pensamento. O lastro da
cultura barroca que reforçava o princípio da autoridade constitui-se em forma
de resistência à liberdade de expressão individual. O poder disciplinador da
Igreja obrigava os iluministas a aceitar os modelos que lhes eram impostos. A
inquisição renova o index de livros proibidos. Acompanhando a censura
eclesiástica Fernando VI colocou em evidência a censura do estado,
obrigatória para qualquer escrito publicado na Espanha. Relata Cortazar &
Vesga que censores ignorantes não foram capazes de formalizar sentenças
razoáveis, especializando-se em ser contrários a edições apenas suspeitas.
Carlos III ameniza a situação, mas os motins de 1766 reavivam o medo da
imprensa, provocando o envio de censores para as alfândegas e redução da
autorização de novas edições.
O enciclopedismo francês infiltra-se através das cidades
comerciais como Barcelona, Valência, Bilibau e Cádis. Mais de
vinte livrarias, algumas de origem francesa, demonstravam a
procura cultural da burguesia e o caráter relativamente público
da transação de publicações proibidas” (p.302).
Moreira (1998:59) reforça essa tendência vigente na Espanha,
chamando como testemunho os textos de Frei Rafael Vélez:
110
Toda a literatura destinada à valorização de uma atitude crítica
universal, apregoadora do triunfo da razão e da negação da
verdade revelada, incentivadora da busca da felicidade
terrenal, otimista e satírica, saída das penas de Montesquieu,
Voltaire, Diderot, Helvécio e outros, mas, sobretudo de
Rousseau com o Contrato social e o Emílio, entrou em território
espanhol para desespero dos censores. Frei Rafael Vélez
refere-se ao pus e aos estragos causados por ela: uma
rebelião dos povos contra a religião [...], uma imoralidade, uma
corrupção, uma peste que contraímos de o comércio com a
França, da leitura de seus livros”.
Em toda essa opacidade e inflexibilidade há uma situação que
contrabalança: na linha de defesa do liberalismo político e econômico Valentin
de Foronda insiste na urgência de preservar a propriedade e a segurança face
às limitações excessivas e as tendências tutelares do poder. Juvelinos e
Cabarrús lamentam que o impulso reformista tinha chegado ao fim. As
reformas eram fruto do despertar da visão liberal típica do século, anunciando
um desenvolvimento capitalista harmônico num mercado transparente onde o
Estado desempenha o papel de simples espectador; uma sociedade baseada
no interesse individual e a total liberdade de idéias (Cortázar & Vesga, 1997:
297).
A situação social é delicada em face do empobrecimento
generalizado na península. A burguesia comercial tentava se organizar em
todas as grandes cidades. A tendência da nobreza era a de reduzir-se
quantitativamente e em nível de ostentação. Somente os nobres mais ricos
conseguiam uma sobrevivência estável. O declínio da média nobreza foi
compensado pelo crescimento da burguesia comercial. Moreira (1998) nos
oferece um quadro surpreendente sobre a pobreza espanhola, na qual acabava
boa parte da população espanhola, na maioria camponesa que assustava os
viajantes de outros países. Faz ampla incursão pelo estudo do Pe. Feijóo que
considera a miséria do lavrador e o abandono da agricultura como uma das
principais causas da decadência espanhola. Registra, ainda, estudo de Antônio
José Cavanilles, de 1784, dizendo que em Villares e Ortells a miséria estava de
sentinela; em Salsadella tudo respirava antigüidade e negligência.
111
O conde Francisco de Cabarrús (1752/1810), político com
bom domínio da teoria da administração pública, que no breve
de José Bonaparte chegou a ocupar o Ministério da Fazenda,
recorda com que violência a combinação de fatores adversos –
estabilidade das colheitas e epidemia da maleita – assolava,
em 1786, a população rural da mancha. [...] Gaspar Melchor de
Jovellanos (1746) observa que o desfile da pobreza é
impressionante: em tal lugar, terras boas, mas tudo
despovoado; mais adiante, terra fria, desolada, sem que se
apresente um só vivente, nem mais cultivo que algum canteiro
(p.26).
A acumulação da propriedade territorial e as rendas pagas no
momento da colheita, que eram humilhantes para o trabalhador braçal,
contribuíram pra expulsar os homens do campo. Sob a influência do
humanitarismo de Rousseau, Juan Meléndez Valdés (1754/1817),
representante do arcadismo espanhol, influenciado por Jevellanos, registra a
indignação perante a injustiça social que presencia, conforme registra algumas
estrofes da Epístola VII dirigida a Carlos IV:
Vede e chorai. Em miseráveis palhas
Sumida jaz a virtude: falece
O pai de família que ao Estado
Enriqueceu com um enxame de filhos:
[...]
O pai sede do lavrador, os passos
Dos bons segui. Mas ah!, não basta
Que o instruais, que a socorrê-lo venham
De vossa voz mil úteis doutrinas.
Para onde quer que se volte entre cadeias graves,
Sem ação vê seus membros vigorosos
Parece que a sorte um muro há levantado
De Bronze entre ele e o bem: trabalha a sua;
E em vão anela despedir o jogo.
O grave jogo que seu pescoço oprime
Busca a terra onde a famosa possa
Seus braços empregar, e anseia chorando
A doce propriedade, que uma omiosa
Vinculação para sempre lhe arrebata
Não tem um palmo onde lavrar, em torno
Léguas vê de inúteis baldios.
(Juan Melendez Valdéz citado por Moreira, 1998: 28-30).
A queda nas rendas provenientes da América causou uma
derrocada em todas as classes, inclusive a nobreza que, em 20 anos, sofre
112
uma queda quantitativa de 66%, isto é, 722.794 em 1768, cai para 480.589 em
1787. O clero que representava 5% da população continua caindo em 1787. O
sistema de os mortas, conforme Moreira, abarcava e imobilizava a quase
totalidade do solo, em conjunção com os morgados.
Cerca de 140.000 mendigos vagavam pelos campos e
cidades, deixando no seu rastro de misérias, furtos e assaltos a
mão armada. [...] Os resultados alcançados na identificação
das causas da pobreza são dignas de nota, embora o mesmo
não se possa dizer das ações corretivas, na maioria dos casos
postas a perder por seu radicalismo extemporâneo, pela
resistência de estruturas multicentenárias e pela conjuntura
desfavorável. [...] O primeiro dos obstáculos que, na maior
parte das vezes, não foi possível eliminar e, em contadas
ocasiões, mal puderam contornar, diz respeito a uma questão
de mentalidade. Na medida em que se enfrentam com tabus
sociais – ojeriza pelos ofícios mecânicos, considerados baixos
e vis; mania de grandeza; deificação da pobreza” (Moreira,
1998: 78).
Essa ideologia da discriminação pela ocupação afeta a vida da
colônia onde o espanhol quer ser somente o privilegiado na totalidade das
relações. Se com o recrudescimento da crise interna sofrem todas as classes
subalternas espanholas, muito mais sofreram os povos americanos sobre os
quais recaíram os ônus, começando aí o sonho da independência.
3.2.2 O novo mundo na revolução do velho continente
Após o Tratado de Utrecht o Império das Índias Ocidentais, como
era chamada a América Espanhola, era administrado em nome do rei da
Espanha, pelo Conselho das Índias. As decisões deste conselho eram
executadas pelos vice-reis: o de Nova Espanha na cidade do México e do
Peru, na cidade de Lima. Nomeados pelos reis dispunham de todos os
poderes. Subordinados aos vice-reis estavam os capitães-gerais da
Guatemala, e de São Domingos. Subordinados aos reis, também estavam os
governadores de Cuba, Porto Rico e Flórida. A administração das comunidades
113
estava a cargo das municipalidades. A justiça era exercida em primeira
instância pelos alcaides, a de segunda e de terceira instâncias pelos auditores.
Em tese os povos indígenas podiam conservar seus costumes, desde que não
infringissem os preceitos da Igreja Católica. As comunidades indígenas
estavam sob a responsabilidade dos corregedores que além de poder jurídico e
administrativo podiam obrigar os indígenas a trabalhar mediante remuneração.
Os corregedores serviam de intermediários entre os indígenas e os brancos. O
regime de monopólio em favor da metrópole gerava resistências e desvios que
exigiam constantes ações do “
staff
” político, administrativo, jurídico e militar
instalado. As colônias não podiam produzir nada que fosse produzido na
península (Cortázar & Vesga, 1997:189).
O Peru obteve autorização para cultivar oliveira com a condição de
não exportar azeite e vinho para as outras partes do império abastecidas pela
metrópole. As províncias não podiam fabricar nada que a Espanha fabricava.
Somente a Espanha comprava na América os seus produtos; só ela vendia os
objetos de consumo nas colônias. A Câmara de Comércio de Cádiz, único
porto que podia negociar com as colônias, fixava a tonelagem das mercadorias,
o preço e o número de navios a serem destinados ao mercado da América.
Assim, periodicamente, seguiam enormes caravanas carregadas de
mercadorias destinadas aos portos de Cartagena, Vera Cruz e Porto Belo, de
onde retornam à Espanha levando produtos das colônias
16
. O único tráfego
direto com a África e a América era o de escravos, feito pelos ingleses
(Mousnier & Labrousse, 1961: 322). Com essa política de produção e
monopólio na América a Espanha sofreu com a redução de capitais e mão-de-
obra. A administração oficial e os contrabandos retiravam da América os metais
preciosos sem proveito algum, tanto para a metrópole quanto para as colônias.
O alto custo dos transportes, corpo burocrático e técnico redundaram em
fatores que oneravam em muito o custo dos produtos. Para compensar tais
16
Na América do Sul, Cartagena, de onde as mercadorias atingiam Quito e Lima, pelos vales da Madalena e do
Cauca, as cidades de Medehlim, Santa Fé de Bogotá, Papaia; de Porto Belo, de onde eram transportadas através do
istmo até o Panamá e onde se fazia o transbordo com do ístimo a Lima. Daí seguiam em lombo de mulas até a
Bolívia, o Chile, Salta, onde se realizava novo transbordo e, depois em carros até Tucumã, Córdoba e Buenos Aires
(Mousnier & Labrousse, 1961: 324).
114
danos e prejuízos a pressão metropolitana recaia sobre os povos da América.
Durante toda a primeira metade do século XVIII, a Espanha envolveu-se numa
batalha desesperada para retomar o controle do comércio colonial. O
contrabando havia tomado um caráter geral. As grandes casas do México e de
Lima procuraram restringir o fluxo de mercadorias provenientes da Península a
fim de salvaguardar seus ganhos com o monopólio. O lucro com as
possessões americanas aumentou o poder de compra das manufaturas
estrangeiras, fazendo aumentar o poder do contrabando que se tornou uma
potência invencível. Era praticado em primeiro lugar, pelos ingleses: os
asianistas, os capitães dos barcos ingleses autorizados a comerciar com a
América, cuja carga ultrapassava sempre as 500 toneladas previstas nos
tratados. Além dos asianistas, os comerciantes livres, ainda ingleses, que se
utilizavam os portos americanos, a exemplo de Honduras, para passar
mercadoria contrabandeada no continente. De tal forma os ingleses protegiam
este tipo de tráfego que acabou gerando as guerras anglo-espanholas, de
1739-1748, de 1762-1763 e as franco-inglesas de 1742-147. (Mousnier &
Labrousse, 1961: 325). Se o mundo oficial espanhol lutava para eliminar o
contrabando, o crioulo tendia mais a apoiá-lo, pois a atividade clandestina
gerava mais lucro que a oficial. Foi através dessa clandestinidade que as
colônias receberam notícias da Europa e livros franceses proibidos pelo index.
Com a melhoria no sistema de transporte, impulsionada pela força
do comércio, houve um incentivo para o cultivo do milho, cevada, trigo, oliveira
e vinha. Os colonos e os crioulos utilizaram os escravos negros para o
desbravamento e implantação da lavoura de cana, tabaco, baunilha, cacau e
café nas baixadas do Peru, na Colômbia, Venezuela, Guiana, México e
Antilhas. Além disso, em face do comércio, mestiços, mulatos e índios
embrenham-se nas matas na extração da madeira para tinturaria e para
mobiliário bem como a cultura do mate. Em face da nova demanda por animais
para transporte, para o consumo de carne e para o couro, a pecuária começa a
se expandir. Só o Peru importava de Tucumã e do Chile, mais de 100.000
mulas por ano. O aumento da população e a preocupação com a infiltração
115
estrangeira nas colônias geraram medidas burocráticas de repressão
provocando revoltas:
Movimento comunal dos crioulos (brancos nascidos na
América) do Paraguai, em 1721; revolta de crioulos e de
espanhóis do Peru, em 1741; levantamento dos mestiços e dos
índios contra os proprietários territoriais na Venezuela, em
1749; os jesuítas do Paraguai se insurgem contra o governo
espanhol que os obriga a sair da região” (Mousnier &
Labrousse, 1961: 326).
Na segunda metade do século XVIII os espanhóis tiveram muita
dificuldade para deter os ingleses na América. Sucedem as ocupações inglesas
de Havana e Manila em 1762; em 1763 teve que ceder Porto Rico e Flórida.
Recuperou Havana e Cuba, mas perdeu a Flórida. Em 1777 recupera a Colônia
do Sacramento e o direito exclusivo de navegar no Rio da Prata e no Uruguai”
(Mousnier & Labrousse, 1961: 328). Embora mantivesse a exclusividade do
comércio com as províncias o governo espanhol depois da independência dos
EUA, melhorou as condições de fornecimento e tornou-se melhor cliente dos
produtos da América, concedendo maior liberdade de comércio aos crioulos,
aumentando as relações com a metrópole.
Aparentemente as relações da metrópole espanhola com a colônia
americana eram melhores e mais avançadas que as de Portugal com relação
ao Brasil, pelo fato de Portugal não permitir imprensa e nem universidade no
Brasil durante a dominação colonial. Nas províncias espanholas da América,
onde foi permitida a circulação do jornal “Mercúrio Volante”, em 1822, na
cidade do México, em menos de um ano foi fechado. Na primeira metade do
século XVIII as universidades do México, Lima, Santa Fé de Bogotá, Córdoba,
Chácaras, Guatemala, Cusco, São Domingos, ministravam ensino de Teologia,
Filosofia, Direito, Medicina, Belas-Letras e Matemática. Em Lima e México
ensinam as línguas locais ou nativas. Embora existissem tipografias no México
e no Peru, os livros eram raros e caros. O governo fiscalizava a impressão, só
deixando entrar nas províncias os livros considerados inócuos; proscreve as
obras de tendências racionalistas e mecanicistas. É auxiliado pela inquisição
que organizou uma lista de 5.420 autores proscritos. Os latino-americanos
116
encontravam-se, pois, numa situação de tutela. Na segunda metade do século
criaram-se novas universidades em Santiago do Chile, Havana e Quito. Nas
antigas introduziram-se cursos com ciências modernas. A tipografia foi
autorizada em Nova Granada, Buenos Aires e México, a exemplo de a “Gazeta
Literária” do México, em 1788. “Entretanto, a Inquisição e o Ministro das Índias,
continuavam, teimosamente, fechando as províncias americanas aos livros
estrangeiros” (Mousnier & Labrousse, 1961: 329).
Analisando as peculiaridades da estratégia de exploração da
América pelos ibéricos, a partir do século XVIII, Barboza Filho (2000) relata que
houve um distanciamento das práticas passadas que basicamente lançava
mão do saque e da pilhagem de cidades e reinos distantes, como princípio
básico de ação. Nesse século prevalecem os planos de reformas, com a
intenção de sistematizar o esforço do homem para arrancar da natureza a
riqueza que ela acumulou. O saque do novo tempo é sobre a natureza, sobre o
espaço conquistado. E, diz mais: “sistematização que não se desdobra
conduzida por uma forma racional de economia, mas sustentada na decisão
política” (p.397). Essa fartura da natureza que oferece terra e riqueza com
abundância exigia mão-de-obra disponível para explorá-la, fatalmente optou
pela escravidão negra. A natureza é o novo alvo da exploração. O escravo é o
instrumento do novo corsário continental; o novo salteador que age por ordem
da classe proprietária. Se o escravo trabalha sob coação e sem remuneração,
ele é o primeiro a sofrer a ação do saque legal e institucionalizado. Aparece
então a ideologia de que a exploração da natureza é necessária e, portanto,
legítima. Qualquer meio utilizado para explorá-la “será legítimo”. Os fins
justificam os meios, isto é, a partir da proclamação da necessidade de
exploração, a depredação da natureza, a espoliação e a escravidão tornam-se
legítimas.
O absolutismo na Península Ibérica, tendo na Espanha o Imperador
Carlos III e em Portugal o Marques de Pombal, fechou o cerco sobre os
jesuítas culminando com a expulsão da confraria da América, em 1767.
117
Branding (1998) diz que era uma medida que advertia a Igreja sobre a
necessidade de obediência absoluta, de vez que os jesuítas eram conhecidos
por sua independência da autoridade episcopal; por sua intransigência com
relação ao pagamento dos dízimos eclesiásticos; por sua devoção ao papado;
por sua riqueza extraordinária e por sua habilidade em litígios com a burocracia
real. No Paraguai, havia estabelecido um virtual Estado dentro do Estado,
governando 96.000 índios guaranis protegidos por sua própria milícia armada.
Em outros lugares, como Sonora e as províncias amazônicas de Quito, a
Ordem dirigia uma série de unidades missionárias. Em todas as províncias os
colégios jesuítas educavam a elite crioula, exercendo uma enorme influência
sobre a sociedade colonial. Pode-se dizer que após a expulsão dos jesuítas
houve uma reação silenciosa e que refletiu nos movimentos de independência.
A nata da elite crioula compreendida por mais de mil jesuítas, teve que ir para a
Itália, deixando na América uma grande parentela descontente.
Os crioulos, filhos de colonos espanhóis, julgam-se sacrificados pela
Espanha porque todas as altas funções públicas se achavam providas por
espanhóis nascidos na Espanha e os assuntos locais lhes escapavam.
Contudo, são os crioulos os porta-vozes da ideologia do poder metropolitano:
por serem brancos desprezam os mestiços e os mantem afastados. Os que
vivem nas terras concedidas pelo rei a espanhóis são obrigados a prestar
trabalho forçado mediante salário nas minas e nos campos. Quanto aos índios,
embora a legislação os protegesse, o governo era incapaz de impor a sua
execução. Condenados, muitas vezes, a um trabalho excessivo, mal pagos,
mal alimentados, vítimas de exações, os índios odiavam seus senhores. Em
um plano inferior aos índios, encontravam-se os negros escravos que não
tinham perspectivas de libertação nem na legislação vigente, nem no corpo
doutrinário iluminista que apenas começava a discutir a questão. No último
estágio de degradação encontravam-se “os zambos, mestiços de negros e
índios, desprezados por todos, na maioria dos casos, aos trabalhos mais duros
e piores remuneração” (Mousnier & Labrousse, 1961: 323).
118
No final do século XVIII o imperialismo europeu, do tipo colonial,
estendeu-se por todo o mundo, com exceção da própria Europa: no plano da
cultura, a expansão do imperialismo desdobrou-se em aspectos econômicos,
ideológicos, patrióticos e sociais. Impuseram às colônias um processo de
ocidentalização e de criação de elites políticas, intelectuais e artísticas voltadas
para os padrões ocidentais. Hobsbawn (1998) relata que das conseqüências
desse fenômeno advém o fato de que no contexto imperialista,
Os que não eram europeus nem norte-americanos passaram
a ser concebidos, visto e tratados como inferiores,
indesejáveis, fracos e atrasados, ou mesmo infantis e eram
representados como objetos perfeitos de conquista, pois
destinados a se converterem à única e verdadeira civilização”
(p.118).
Mesmo as populações indígenas da América, tão idealizadas e
valorizadas por filósofos e humanistas entre os séculos XVI e XVIII, a partir do
final do século XVIII passaram a ser considerados “povos primitivos”, não
brancos.
A literatura na América refletiu de forma acentuada a passagem da
estética e demais caracteres da época barroca ao enciclopedismo e seu clima
de revolução. Bandeira (1960), citando Picón-Salas, diz que no conjunto do
século XVIII participaram fatores externos e internos. A Colônia foi influenciada
por idéias da França e da Inglaterra; da Espanha de Carlos III em
contraposição à política inglesa de descrédito do império espanhol em suas
possessões americanas; indigenismo pré-romântico da época; numerosa
literatura de viajantes. Os fatores internos originaram-se da crescente
maturidade histórica da sociedade crioula; o espírito de insubmissão contra a
metrópole a partir da revolta de Antequera no Paraguai (1721) até as
manifestações das burguesias regionais que lutavam contra o regime
centralizador e monopolista espanhol que encontraram aliança na rica literatura
dos jesuítas expulsos em 1767. Os idealizadores da independência da América
foram homens que escreveram para jornais; redigiram documentos oficiais;
fizeram romances, poesia e dramas. O primeiro foi Francisco de Miranda
(1750/1816). Nascido em Caracas emigrou-se ainda jovem para a Espanha,
119
onde começou a carreira militar. Era conhecido das personalidades mais
eminentes do tempo: Napoleão, Washington, Catarina da Rússia e outros do
mundo intelectual. Miranda não chegou a escrever romance ou fazer poesia,
mas deixou uma grande coleção de documentos e um volumoso diário, onde
fazia registros autobiográficos e impressões das terras que visitava. “Entre os
seus planos políticos se destacava o projeto de um Estado americano que iria
das cabeceiras do Mississipi à extremidade austral do continente, com
exclusão do Brasil e das Guianas” (Bandeira, 1960: 75). Da mesma forma,
Simon Bolívar (1783/1830) que não foi poeta, mas na prosa de ficção deixou o
romance “Mi delírio sobre el Chimborazo”. Deixou obras de valor em cartas e
discursos, cerca de 300, especialmente na histórica carta de Jamaica, com
certeira profecia sobre a sorte futura da América. José Joaquim Olmedo (1780-
1847), nascido em Guaiaquil, freqüentou a Espanha desde sua juventude. Foi
professor de Direito na Universidade de São Marcos. De volta para a América
viveu em Guaiaquil e Peru, onde participou do movimento de Independência.
Entre os três poemas de Olmedo o que mais se destaca é “La vitória de Junín”,
que é um canto a Bolívar. Como uma reminiscência barroca, há muito de
hiperbólico no louvor da vitória e na consagração do herói, mas era clássico no
esmero da forma.
3.3 O espectro da ruína ronda o reino de Luso
Portugal é conhecido como a terra de Luso, derivado de Lusitânia,
antiga província romana na Península Ibérica.
Camões em “Os Lusíadas”,
canto VII, versos de 9 a 14 nomeia Luso como o fundador de Portugal:
A vós, ó geração de Luso, digo
Que tão pequena parte sois no mundo
Nada digo ainda no mundo, mas no amigo
Curral de quem governa o céu rotundo
Vós, a quem não somente algum perigo
Estorva conquistar o imundo.
Os descentes de Luso são os portugueses que têm um pequeno
território, como também a Igreja Católica que governa o céu redondo; estorva
conquistar os muçulmanos. Lisboa era conhecida na Antiguidade por Olisppo,
120
Olysipp ou Ulyspo, nome que os humanistas atribuíram a hipotética fundação
por Ulisses. Não se sabe de que língua e em que época se formou o vocábulo
assim transcrito pelos romanos. Não há na Ilíada ou na Odisséia, de Homero,
nenhuma referência ao fato. Somente no século X o topônimo Lusitânia foi
substituído por Portugal. No canto I, versos 305/312 de “Os Lusíadas”, Baco
era amigo de Luso, mas por causa da disputa pelo Oriente, tornaram-se
inimigos (Camões [1572], 1990: 42).
3.3.1 O ouro reluziu na história lusitana
No final do século XVII, antes da descoberta do ouro, Portugal, da
mesma forma que a Espanha, passava por uma aguda crise. No comércio com
as Índias Orientais e com o Norte da África tinha que lutar contra a
concorrência em luta bélica, contra a Espanha, Inglaterra e Holanda. O Brasil
sofria constantes invasões em sua costa. O alvorecer do século XVIII não traz
melhoras nesta questão. A proteção aos navios mercantes encarecia
demasiadamente os produtos portugueses, faltavam capitais e empresários.
As exportações muito fracas, constituindo-se basicamente de vinho
e pau-brasil, efetuavam-se apenas para a Inglaterra. O país não aproveitou o
comércio que manteve no passado para criar uma indústria e renovar a
agricultura. Somente a partir da época de D. Sebastião José de Melo, o
Marquês de Pombal (1750/1777) é que esboçam algumas reformas, sem,
contudo, colher resultados que colocassem Portugal em um nível satisfatório
de desenvolvimento. Conforme análise de Saraiva (1998), o apreço pela moda
estrangeira tinha-se difundido em Portugal o que aumentava a importação.
“Tudo quanto exigisse uma técnica mais evoluída tinha de se
importar, porque não se fabricava em Portugal. Os
economistas da época viam nesse progressivo desequilíbrio da
balança comercial portuguesa uma causa da pobreza nacional:
para pagar a importação saía ouro o que deixava o país mais
pobre. Nos primeiros anos do século XVIII, chegou-se a
importar roupa velha (casaca, lençóis, camisas, cabeleiras)
com indignação da Câmara de Lisboa, que dizia que era roupa
que podia ter pertencido a tísicos e leprosos, representando um
121
perigo para a saúde. A cidade estava inundada de espelhos de
moldura dourada, bufetes, escritórios, mesas, armações,
lâminas douradas, paramentos e ornatos de casa, caixas de
prata e ouro com pedraria e sem ela, açoite encastoados em
prata que se vendem em lojas e em casas particulares. [...] Não
era somente a gente rica da cidade que comprava os produtos
franceses: o gosto comunicava-se às camadas populares e
alastrava a todo o País. Em 1723 observa a Câmara: andam”.
pelas ruas tantos estrangeiros com canastras de vidros
cristalinos, louças de Macau, Gênova e Inglaterra, óleos de
jasmins e outros ungüentos, águas da rainha da Hungria e
outras bagatelas, tantas moças coms para cabeleiras e
graxas para sapatos, se fazem muitas despesas supérfluas”
(p.234).
No mesmo documento a Câmara continua opinando que essas
mercadorias eram oferecidas ao público livremente por ambulantes além da
grande quantidade de lojas. A facilidade de se adquirir produtos estrangeiros
levou o povo a rejeitar qualquer produto nacional. Saraiva conclui que os
portugueses procuravam vestir-se à européia, viver exteriormente à européia.
Mas à europeização do gosto não correspondia uma mudança nas técnicas de
produção. O fabrico de artigos portugueses mantinha os seus processos e
modelos arcaicos e a produção dirigia-se ao abastecimento dos mercados
rurais no interior do País. Isso fazia acentuar as diferenças entre os homens do
campo e da cidade. O atraso econômico de Portugal era visível sobretudo aos
olhos dos portugueses que conheciam os países estrangeiros e podiam,
portanto, estabelecer comparações.
O fluxo de ouro e diamante do Brasil alimentava o mercantilismo de
Portugal enquanto em outras nações européias o liberalismo priorizava a
produção industrial para o mercado internacional. O mercantilismo priorizava o
equilíbrio da balança de pagamento com a produção de ouro. Quanto mais
ouro, maior era o poder de compra de Portugal. Quanto maior a produção
industrial interna, menor a necessidade de importação e maior o saldo em ouro.
Os portugueses não ignoravam a necessidade de incrementar a indústria para
substituir as importações, mas as medidas advindas dessa consciência não
eram suficientemente abrangentes para tirar o país do atraso em que se
122
encontrava. O Tratado de Methuen (1703), se por um lado provocou um
aumento da produção de vinho, por outro estagnou a indústria têxtil. Todo o
aumento da produção das vinhas se destinava à exportação. Mas os ingleses
chamaram para eles o comércio internacional do vinho português. Os mesmos
navios que levavam a Portugal as fazendas inglesas regressavam carregados
com vinho. Beneficiava-se tanto do lucro da exportação quanto da importação.
Em 1754, os produtores queixavam-se de que a pipa de vinho paga pelos
ingleses no Porto a dez mil réis era vendida na Inglaterra a setenta e sete mil
réis (Saraiva, 1998: 237).
Em 1703 Portugal e Inglaterra firmaram o tratado de “Comércio e
amizade”, de Methuen, nome do diplomata inglês que o obteve. Por ele, a
Inglaterra se encarregou, virtualmente, da sustentação militar e diplomática da
frágil nação lusa, numa Europa conflagrada pela guerra de sucessão da
Espanha, em troca de uma virtual abertura dos portos lusitanos aos artigos
manufaturados britânicos. Para a Inglaterra, senhora dos mares e que logo
inicaria a sua fase de expansão capitalista industrial e liberal burguesa, essa
ruptura no protecionismo monopolista do mercantilismo vinha ao encontro da
necessidade de ampliar mercados. Quanto a Portugal, a única vantagem que
obteve no Tratado de Methuen, no plano econômico, consistiu em privilégios
alfandegários na colocação de seus vinhos no mercado inglês, em detrimento
da França (Tôrres, 1980: 457).
Foi enorme a produção de ouro do Brasil. Oficialmente, de 1700 a
1800, entraram em Portugal 975 toneladas de ouro, não contando o
contrabando e o que circulava no Brasil. O período auge da produção foi de
1724 a 1735 quando foram despachados para a metrópole 762.345 quilos de
ouro. Toda essa fortuna era convertida em moeda que corria para os cofres da
corte e para os empreendimentos privados. Apesar da grande arrecadação de
tributos a casa real estava sempre devendo e a balança comercial sempre em
déficit. Além do ouro, o tabaco, o açúcar e o tráfego de escravos geravam
tributos para Portugal. A utilização de todos esses recursos refletia a
123
mentalidade e a formação da sociedade portuguesa. O longo reinado de D.
João V, (1706/1750) caracterizou-se pela inexistência quase completa de
quadros empresariais; pela falta de gente preparada para melhor utilização da
riqueza como instrumento criador de novas riquezas. Mesmo no período
pombalino como observa Vieira (1968:363), “quando ia no auge da produção
de ouro, já se verificara que tamanha riqueza passava por Portugal sem mediar
suas péssimas finanças, na conformidade do simples e arguto sistema
imaginado pelos propositores do Tratado de Methuen”. Na pertinência da
abordagem do Tratado de Methuen Torres (1980) têm uma versão raramente
focalizada por outros historiadores brasileiros e que reforça a linha
historiográfica deste trabalho. Para ele, com o tratado Portugal comprou à
Inglaterra a sua independência, sem saber como iria pagar. D. João IV lutava
contra a Europa inteira. Nesse desespero, a ajuda inglesa era um achado. Na
data de sua assinatura nada mais conveniente aos portugueses. A coerção
inglesa sobre Portugal vai além do Tratado e é aí que reside o lamento dos
portugueses, especialmente na exposição de Alexandre de Gusmão: “As
causas principais deste dano têm muitos e diversos princípios: mas obram
todos de conformidade para a extração da Moeda do Reino: e como a pouca
que nela entra não supre a muita que dela sai, já vemos por experiência o
como se vai empobrecendo” (p.458). As parcas vantagens de Portugal
auferidas em face ao tratado, não eram bem vistas pelos ingleses que
acabaram por anulá-las em 1786. Não combinavam com a doutrina do
liberalismo econômico. Os ingleses evitavam ao máximo as importações que
concorriam com seus produtos internos. Smith (1996) condenava a importação
de gado vivo ou de carne conservada pela Inglaterra para não prejudicar a
pecuária nacional. Sua crítica ao Tratado de Methuen era no sentido de
condenar a proteção ao vinho português em prejuízo da indústria vinícola
inglesa. As riquezas de um país não consistem apenas no ouro e na prata, mas
em suas terras, casas e nos bens de consumo de todos os tipos. Ao contrário
levava a supor que a riqueza consiste totalmente em ouro e prata e que o
grande objetivo da manufatura e do comércio da nação consiste em multiplicar
esses metais. “Cabe, portanto, desestimular as importações e estimular as
124
exportações, pois se a balança comercial for favorável certamente os metais
preciosos aí fluirão” (p.433).
No tempo de Dom João V o ouro e o diamante proporcionaram
recursos para grandes edificações a exemplo do palácio-convento de Mafra
(Palácio das Necessidades). Como o país não dispunha de recursos técnicos e
humanos, contratou o arquiteto alemão Ludwig (Ludovice). O conjunto
compreende um grande palácio, um convento para trezentos religiosos e uma
basílica, atingindo 4000 metros quadrados, com mil e trezentas dependências.
O estilo é inspirado no clássico romano. A maior parte das estátuas foram
esculpidas em Roma, Veneza, Milão, França, Holanda e Gênova. A pintura é
de italianos e franceses. Outra obra que era um velho sonho dos portugueses
foi a capitação das nascentes das Águas Livres para Lisboa. Desta forma
foram concluídas obras do monumental Aqueduto das Águas Livre, em 1748.
No reinado de D. José, (1750/1777) foi construído o suntuoso Palácio Nacional
de Queluz, em Lisboa, sob a direção do arquiteto português Mateus Vicente e
do francês Robillon. Tinha a intenção de rivalizar-se com Versalhes de Paris.
Estilo neoclássico e rococó. No interior predomina a pintura rococó, verde claro
e tons rosa, onde os pintores portugueses atuaram com inspiração francesa.
É
certo que houve esbanjamento de tesouro. Mais de cem milhões de moedas de
ouro (cruzado); 2308 quilates de diamante e nada menos de 6.417 arrobas de
ouro, “o generoso e beato rei D. João V entregou para comprar do papa o título
de patriarcal para a Sé de Lisboa e, para si mesmo o título de fidelíssimo
(Araújo, 1992).
Antes das reformas pombalinas, diversos intelectuais portugueses
partiram para o estrangeiro à procura de aperfeiçoamento científico, técnico e
artístico, alguns em missões diplomáticas, como Cunha Brochado, Cavaleiro de
Oliveira, D. Luis da Cunha, Alexandre de Gusmão e Pombal; outros fugindo da
inquisição como Jacob de Castro Sarmento e Ribeiro Sanches. De volta a
Portugal trazendo novas idéias receberam a alcunha de “estrangeirados”,
opositores aos jesuítas que mantinham o monopólio do ensino das
125
humanidades, de caráter pré-universitário. O movimento de renovação
pedagógico teve como principal representante o padre Luiz Antônio Verney,
cujo pai era francês e a mãe portuguesa. Estudou em colégio jesuíta em Évora.
Na Itália refez seus estudos distanciando-se da linha inaciana. Verney
respondia pela alcunha de Barbudinho. Na carta relativa à física afirma a
superioridade dos modernos sobre os filósofos da Antiguidade:
Qualquer pobre mulher católica é infinitamente mais alumiada
do que não era Platão, e sabe mais verdades importantes do
que ele não sabia Metafísica [...] Eu acho nos antigos filósofos
espalhados alguns pensamentos, que nós hoje recebemos
como certos; mas sem método, sem razão, sem demonstração;
e pela maior parte, por via de conjectura (Cidade, 1975: 104).
A polêmica obra O verdadeiro método de estudar foi publicado em
1746 e contém as bases orientadoras de uma profunda reforma dos estudos
em todos os campos da ciência, com métodos e instrumentais modernos.
Antigamente, os filósofos não viam nos animais senão aquilo que os
carniceiros podem observar; das árvores, nada mais que os carpinteiros
sabem; dos metais não sabiam outras coisas senão o que sabe um fundidor
(Cidade, 1975: 105). A sua paixão pela verdade científica e da falsa idéia da
neutralidade da ciência leva Verney a um certo repúdio à poesia barroca, de
vez que pretendia afastar da poesia os recursos sensibilizadores. Pretendia o
estabelecimento de um cânone onde o belo fosse a conclusão lógica. Na sua
crítica a Pe. Antônio Vieira e outros, diz: “Porque o estilo dos poetas deste
Reino é totalmente contrário ao que fizeram os melhores modelos da
Antiguidade; sobretudo porque é contrário ao que ensina a boa razão” (Cidade,
1975: 119). A fealdade pode, mais do que a formosura, captar o pensamento
para a contemplação.
Houve muita reação ao cristianismo impregnado de cientificismo e
materialismo de Verney. As ordens religiosas, principalmente os jesuítas,
atacados nos seus processos de ensino; os poetas e os pregadores, colocados
em ridículo; os universitários profanados pela crítica reagiram com panfletos
anônimos condenando e criticando o método do padre Verney (Cidade, 1975:
126
129). Ainda no tempo de D. João V, os que mais usufruiriam a riqueza mineral
do Brasil, foram os protegidos frades da Congregação do Oratório, que
representavam a pedagogia moderna, a partir do Convento das Necessidades
onde funcionava um laboratório de física. Apesar de ter contratado o médico
judeu Jacob de Castro Sarmento para a tradução do Novum organon, de
Bacon, o trabalho não foi concluído em face das resistências de conservadores
a ele interpostas. Criou a Real Academia da História, com renovação do
método de investigação histórica com pesquisa em documentos históricos
inéditos.
Com a morte de D. João V sobe ao trono D. José I (1750/1777), que
escolheu para seu superministro, o diplomata Sebastião José Carvalho e Melo
(1699/1782) que havia regressado da Áustria onde esteve em atividade
diplomática. Com a mesma finalidade havia estado na Inglaterra. Era formado
em Direito por Coimbra e ex-membro da Academia Portuguesa de História. A
indolência de D. José que passava o tempo em caçadas, jogos, concertos e
diversões, deu notoriedade a Sebastião. De Conde de Oeiras foi promovido a
Marquês de Pombal em 1770. Desde o começo de seu governo travou
incansável luta contra todos os seguimentos que ofereceram resistência ou
obstáculos a seus planos e metas. O primeiro foi a nobreza. Em 1756 falhou
uma conspiração que visava a formação de um governo com representação da
nobreza. Os implicados foram deportados para Angola. Em 1758 houve um
atentado contra a vida de D. José, a Inconfidência de Lisboa. Aproveitando-se
do episódio, Pombal ampliou a repreensão. Além das execuções, foram feitas
mais de mil prisões. As confissões foram obtidas através de tortura, não
escapando as testemunhas de acusação. Como a pena de morte prevista em
lei era a forca, os juízes foram autorizados a aplicar outro tipo de pena que
causasse mais terror como, por exemplo, esmagamento dos ossos dos réus
com martelo e depois queimá-los vivos. Nada menos de dois mil e
quatrocentos nobres morreram na cadeia. A Companhia de Jesus foi acusada
de implicação no atentado. Começou aí uma longa batalha entre Pombal e os
jesuítas que culminou com a expulsão deles do país. Com apoio da França e
127
da Espanha chegou a propor uma ação militar contra o papa e a invasão dos
estados pontificados, caso a Companhia não fosse extinta. Antes de Pombal os
jesuítas eram os inquiridores, mas a luta terminou com a vitória de Pombal. A
Igreja portuguesa tornou-se desde então um instrumento dócil nas mãos do
ministro e não faltaram os defensores de uma Igreja lusitana (Saraiva, 1998:
251). Em 1757, no Porto, eclodiu a revolta contra os monopólios e privilégios
da Companhia Geral de Agricultura dos Vinhos. Pombal tomou o ato como
ofensa e insubordinação às ordens reais. Desclassificou o movimento para
“reação da plebe”, e, portanto, intolerável. A cidade foi ocupada por tropas e
uma comissão de juízes foi incumbida de justiçar os amotinados por processos
sumaríssimos: prisão e execução imediatas. Resultado: os trinta amotinados,
inclusive um juiz foram enforcados imediatamente. Faltava ainda, reformar a
corte, isto é, varrer os resíduos da monarquia “gótica” e instaurar a monarquia
“moderna”, tal qual havia visto na sua vida diplomática na Inglaterra e na
Áustria. Para isso desferiu golpes cruéis sobre todos os benefícios e privilégios
em que a monarquia até então se sustentava. Para esses nobres, Pombal não
passava de um tirano sanguinário, uma mancha na história portuguesa
(Saraiva, 1998).
Com todo esse poder lançou-se Pombal às reformas. A primeira foi
da Universidade de Coimbra. Faculdades, estabelecimentos de trabalhos
práticos, programas e métodos de estudo, disciplinas e sanções das atividades
acadêmicas, edifícios, livros de ensino, tudo foi profundamente remodelado e
renovado. Até os professores eram selecionados e nomeados por Pombal.
Para a execução da reforma foi constituída uma junta, cuja primeira providência
foi a de destruir os valores da educação dos jesuítas, acusando-os de
malfeitores, julgados até então como beneméritos. Como solução a junta
recorreu ao “Verdadeiro Método de Estudar”, do padre Verney. E vai uma série
de críticas à Escolástica com seus infindáveis e repetitivos silogismos, com as
conclusões nulas de conteúdos e distantes da realidade, como diz no texto:
vender fumo por substância”
.
Mas contundente ainda noutro texto:
“adelgaçar
o espírito, delir sua atividade em vapores; gasta-la em escritos sem objeto que
128
importe e valha; trabalhar a razão em agudezas que só a si mesmas significam,
tudo isto é como aguçar o faminto cansadamente a faca, sem jamais tocar no
alimento”. As idéias reformistas em Portugal, mesmo depois de Pombal
continuam híbridas, isto é, ao mesmo tempo em que queriam estar atualizadas
com racionalismo francês, não dispensavam a credulidade e a prática cristã
enraizadas na alma portuguesa. As reformas esbarravam em uma noção de
cristianismo amalgamada à história lusitana. Sociedade que resultava do
heroísmo, das conquistas e ações das quais “não se podiam dispor” mas que
Pombal queria também resgatar. A cultura literária da época pombalina
percorreu os mesmos meandros da cultura científica. O cientista e o poeta
eram desejados, porém, vigiados e reprimidos. A própria idéia de escola,
arcádia ou academia implicava em severos filtros de ingressos que acabavam
nivelando a estética vigente à ideologia do poder.
A reconstrução de Lisboa é planejada em oposição à cidade
aleatória do passado. Arquitetos e urbanistas portugueses concebem uma
cidade nova, de acordo com estilo sóbrio, geométrico, rigidamente uniforme, da
mesma forma que uma sociedade literária tentaria remodelar a eloqüência, a
língua e a poesia. Era a Arcádia Ulissiponense. As composições dos árcades
passavam por diversas peneiras censoras com direito a um dadivoso direito de
defesa do autor. A Arcádia era um ideal utópico de reconstituição da vida
intelectual dos gregos, revivendo a simbologia da simplicidade da vida de
pastores, numa alusão crítica aos excessos do gongorismo (Cidade, 1975:
256).
Na verdade essa crítica de Garção leva a quase nada, pois o
gongorismo era tão clássico como o arcadismo. Mas os árcades queriam
aparar os excessos das metáforas de Góngora e seus influenciados. Para tal
Garção remendava a imitação dos antigos, sem, contudo plagiá-los. Mas é
possível imitar e criar ao mesmo tempo? Garção recorre a Horácio para instruir
a poesia neoclássica:
129
Quem imita deve fazer seu o que imita; e se imito a fábula,
devo conservar a sua ação e a sua alma, mas devo variar de
forma os episódios, que pareça outra nova minha [...] Se imito
o estilo, não devo servir-me das palavras dos Antigos, mas
achar na linguagem portuguesa temas equivalentes, enérgicos
e majestosos, sem torcer frase, nem adaptar barbarismos
(Cidade, 1975: 257).
A concepção neoclássica de que a imitação não impede a criação
deixa a literatura presa a cânones resistentes e que dificilmente são quebrados.
Revela o conservantismo da burguesia que vê necessidade de renovar mas de
tal forma que seus ideais de vida sejam preservados. A sobrevivência das
culturas antiga e renascentista é a garantia de continuidade desse ideal de
vida. Da mesma forma que na Espanha de Carlos III, Portugal do Marquês de
Pombal não admitia oposição. Os poetas que não se engajavam no poder e na
moda da bajulação ao ministro caíram por certo em desgraça completa ou no
ostracismo perpétuo, como na história de Pedro Antônio Joaquim Correia
Garção (1724/1772), um dos fundadores da Arcádia Ulissiponense; autor de
duas comédias; foi escrivão da receita da Mesa do Consulado Geral da
Entrada e Saída da Casa da Índia; foi redator da Gazeta de Lisboa de 1760 a
1762 quando foi fechada. A partir daí perdeu os cargos e passou a viver
modestamente nos arredores de Lisboa. Por motivos não revelados o Marquês
de Pombal mandou prende-lo. Morreu no cárcere, no dia em que lá chegou a
ordem para ser colocado em liberdade. Ao invés da bajulação aos potentados
Garção reverencia a memória dos portugueses, que como os personagens de
Homero e Horácio enfrentaram a natureza hostil para levar o ouro para a sua
Pátria (Cidade, 1975: 275).
Sorte diferente teve Antônio Diniz da Cruz e Silva (1731-1799); ao
pretender ingressar-se na ordem de São Bento de Avis, teve sua vida
inteiramente devassada. A investigação tinha o propósito de descobrir se o
candidato tinha “mancha de mecânico ou de judeu”, isto é, se era de família
130
plebéia, dedicada a trabalhos manuais ou se descendia de cristãos novos
judeus
17
.
As investigações só tiveram fim quando souberam que seu pai viera
para o Brasil como aventureiro, mas havia sido promovido a sargento-mor e
ajudava o filho financeiramente em Portugal. Depois de fazer os preparatórios
nos Oratorianos, formou-se na Faculdade de Leis. A partir daí sempre ocupou
altos cargos de confiança no governo de Pombal e depois, por continuidade, no
reino de D. Maria I, tendo sido o inquiridor dos inconfidentes mineiros. Quanto à
qualidade poética de Cruz e Silva, pode-se dizer que ele tende ao poema de
fundo épico, tendo como personagens figuras de proa do poder, com
demonstração de refinada erudição, a exemplo da Ode a Pombal na qual
exalta a reforma da Universidade de Coimbra.
A sã filosofia, que até agora
Entre espinhos esquálida jazia,
Vê roxear a aurora
De seu império, cheia de alegria.
Do famoso Carvalho
A um só aceno, a fronte ergue vaidosa (Cidade, 1975:
290
).
Se no barroco a poesia valorizava a monarquia absoluta por aceita-
la como de origem divina, no arcadismo devota apoio ao despotismo
esclarecido, pela competência do mandatário. Os árcades são mais laicos e
mais políticos que os poetas barrocos: podem satirizar ou bajular as
autoridades. É certo que a bajulação garante ao poeta prestígio e poder,
enquanto a sátira o leva à degradação. O caso de Basílio da Gama é bem
ilustrativo. Acusado de jesuitismo, depois de viver em Lisboa e Roma voltou ao
Brasil e passou a morar no Rio de Janeiro, onde novamente foi acusado de
envolvimento com os jesuítas. Foi preso e recambiado ao Tribunal da
Inquisição, em Lisboa, de onde deveria ser deportado para Angola. Recorreu
17
A substituição ordenada por Pombal das censuras do ordinário e da Inquisição pela Real Mesa Censória, parece à
primeira vista ter acrescentado, ao lado da defesa da fé, o zelo da defesa do Estado. A Real Mesa Censória é, em
1787, já sob D. Maria I, substituída pela Comissão Geral para o Exame e a Censura dos Livros (Cidade, 1975:
362/363).
131
ao estratagema de escrever um canto nupcial à filha de Pombal. Emocionado o
superministro desejou conhecer o poeta. Deferiu seu pedido de perdão e o
nomeou oficial da secretaria de estado dos negócios do reino (Menezes, 1978:
297).
No reinado de D. Maria I (1777/1816), a relativa estabilidade política
que se verificou até ao final do século e ocorrências de saldo na balança
comerciais, em face da exportação de vinho, tornaram possíveis muitas
iniciativas culturais do estado e de particulares. Em 1779, foi aprovado o
Estatuto da Real Academia das Ciências, tentando colocar as ciências ao
serviço do desenvolvimento econômico de Portugal. Porém, quanto à
mineração no Brasil, apesar do aumento do arrocho fiscal e da severa
repressão, a produção continua em queda. Reluta em aplicar a ciência e a
tecnologia modernas na produção de ouro e de diamante. Outras instalações
culturais são a Aula Pública de Debuxo e Desenho, Aula Régia de Desenho em
Lisboa, Biblioteca Pública da Corte. Seguem edificações de diversas casas de
caridade e santuários. O luxuoso palácio de Queluz foi concluído, passando a
ser a residência dos reis desalojados desde o terremoto (Saraiva, 1998: 262).
No século XVIII, principalmente na Península Ibérica a arte ainda era
muito cortesã, mas a burguesia vai se apropriando dela e do artista que não
deixa de ser um escravo de cabeleiras postiças. Vásquez (1968: 181) faz uma
interessante observação sobre a arte como instrumento de afirmação de novos
valores morais e expressão da vitalidade cívica naquele momento:
A arte retorna ao classicismo, mas impregnando-o de um novo
conteúdo ideológico. O artista se solidariza com os ideais e
valores da burguesia e, no marco de um novo classicismo,
acentua o predomínio do puritanismo; imposição da força de
expressão dos poderosos; o sacrifício da criação artística em
face dos cânones acadêmicos”.
132
3.3.2 O eldorado: pouco mais que um sonho
No final do século XVII e no começo do século XVIII, o açúcar
atravessou uma grave crise devido à concorrência de Barbados, de maneira
que a descoberta das minas encontrou uma ressonância favorável entre os
elementos quase arruinados, que viram nelas o meio de recuperar a
prosperidade que o açúcar não mais lhes proporcionava. Pitta (1976:241)
informa que as primeiras levas de povoadores provinham justamente da zona
açucareira.
O ouro das minas do sul foi a pedra imã da gente do Brasil e
com tão veemente atração, que muita parte dos moradores das
suas capitanias, principalmente da Bahia correram a buscá-la
levando escravos que ocupavam em lavouras, posto que
menos ricos para ostentação mas necessários para a vida, se
a ambição dos homens não trocara quase sempre o mais útil
pelo mais vão. Da sua ausência se foi experimentando a falta
na carestia dos víveres e mantimentos, por haverem ficado
desertas as fazendas que produziam
A notícia do descobrimento do ouro correu com velocidade atraindo
grande contingente populacional para o território compreendido pelas comarcas
de Ouro Preto, Rio das Velhas, Serro Frio e Demarcação Diamantina no centro
do atual Estado de Minas Gerais, onde foram surgindo, nas margens dos
córregos e rios, os caminhos, as capelas, vendas, roças, arraiais, termos e
vilas. Associada à atividade mineradora surge a população dos criadores de
gado nas margens do Rio São Francisco. Os primeiros foram os paulistas que
desde o final do século XVII e nas duas primeiras décadas do século XVIII, se
espalharam por todas as partes à procura de novas jazidas superficiais de
ouro. Os baianos foram os primeiros competidores dos portugueses, mas
acabam perdendo a batalha que culmina com a mudança da capital para o Rio
de Janeiro. Os paulistas eram os filhos de portugueses nascidos no Brasil que
seguiam os ideais europeus do usufruto da natureza. Antes da descoberta do
ouro já haviam explorado a escravização de índios e eliminado o Quilombo dos
Palmares. Os forasteiros já eram cada vez mais numerosos, vindos
especialmente de Portugal, procedentes, na maior parte, da região de Braga.
133
Não eram bons mineradores. Dedicavam-se mais ao comércio. Conforme
relatório da época,
“... neste estado se achavam as minas, correspondendo o
rendimento ao custoso trabalho dos mineiros com rendosas
conveniências, aumentando de cada vez mais o concurso dos
negócios e do povo de várias partes e, maiormente de
Portugal, entre os quais vieram muitos que, sendo mais
ardilosos para o negócio, quiseram inventar contratos de vários
gêneros para, mais depressa e com menos trabalho, encherem
as medidas a que aspiravam da incansável ambição, como foi
um religiosos trino, Frei Francisco de Meneses” (Matoso, 1999:
192).
Os primeiros aglomerados não chegavam a formar arraiais em face
do nomadismo dos exploradores. As primeiras capelas também são
provisórias, sem vigários, em situação anárquica, como registra o dice Costa
Matoso:
Não se duvida que entre tantos bons havia alguns maus,
principalmente mulatos, bastardos e carijós, que alguns
insultos faziam, como os mais fazem ainda nas corte entre a
Majestade e as Justiças, quanto mais em um sertão onde, sem
controvérsia, campeava a liberdade sem sujeição a nenhuma
lei nem justiça a natural observada dos bons” (1999:193).
Os portugueses chegam determinados a expulsar os paulistas e a
ocupar o espaço; impor o monopólio comercial a todos os produtos consumidos
na região mineradora. Com eles vieram muitos cristãos-novos. O choque maior
foi contra os paulistas e em seguida com as próprias autoridades do rei
(Carrato, 1968: 4). Nessa situação caótica a administração portuguesa tentou
sustar o fluxo de forasteiro que de todas as partes do Brasil, da Península
Ibérica e de outros países, se encaminhavam para Minas Gerais em busca de
riquezas, responsáveis pelo extravio do ouro na forma de contrabando. Proibiu
aos estrangeiros de irem às conquistas de Portugal ou morarem nelas. Em
1707 reforça essa proibição determinando que todos os estrangeiros deveriam,
sem remissão, ser despejados da terra. A presença desses estrangeiros
parecia nefasta porque viriam eles a fazer o seu próprio comércio, que era dos
naturais do Reino” (Holanda, 1968: 277). Se a coroa quis privilegiar os reinóis
reservando a eles o privilégio do comércio, foram eles os principais
134
responsáveis pelo descaminho do ouro e do diamante; os reinóis queriam por
vocação permanecer nas orlas do mar, mas ao mesmo tempo dominar os
negócios e as riquezas do interior.
O sítio preferido pelos portugueses era o Rio de Janeiro. O primeiro
governador-geral, Tomé de Souza, em visita às capitanias do Sul, mostrou-se
encantado com as belezas do Rio de Janeiro, prevendo para o local “uma
honrada e boa tanto mais quanto, ao longo da Costa, já não há rio em que
entrem os franceses senão neste, e tiram dele muita pimenta
” (Holanda, 1963:
126). Pimenta é símbolo de bons negócios, de negócios rendosos e fáceis.
Tomé de Souza, de volta do Sul permaneceu longo tempo no Rio de Janeiro,
chegando a Salvador somente no final de seu mandato. Progressivamente o
Rio de Janeiro vai tomando de Salvador os poderes de capital. Essa ideologia
de privilégios comerciais centralizados em uma cidade talhada para o mesmo
fim, não se dissolveu com a atividade mineradora. Concentrada na Capitania
do Rio de Janeiro, grande quantidade de portugueses e seus descendentes
fluminenses migram-se para a região das minas. Relatório de um viajante
francês anônimo, de 1703, observa que a descoberta das minas provocou um
grande desequilíbrio econômico na capitania do Rio de Janeiro, com milhares
de habitantes deixando as plantações desertas e tudo reduzindo à penúria em
que se debatia então o resto do Brasil.
Se esses dez mil homens que antes se dedicavam, quase
todos, a cultivar a terra, não desamparassem suas habitações,
permaneceria ali a abundância que fazia a sua verdadeira
riqueza. Em conseqüência do afluxo para as terras mineiras, a
farinha de mandioca se já era cara na Bahia, desaparecera do
Rio ou era vendida a preços fabulosos” (Holanda, 1968: 280).
Os paulistas são mais numerosos que os fluminenses. Com sua
escravaria atuam na lavoura, na mineração e na criação de animais de carga.
Não eram mais bravos que os portugueses como Raposo Tavares, mas tinham
o sangue ameríndio. Nas bandeiras aprenderam com os indígenas a se
defender das intempéries e as ações bélicas. Sabiam combinar as armas dos
135
europeus com as dos índios. A corrida para as minas chegou despovoar parte
de São Paulo. Os nordestinos, antes da descoberta do ouro, já vinham
circulando no território das minas. Relatório anônimo de 1705 informa que pelo
Rio São Francisco “entram os gados de que sustenta o grande povo que está
nas minas de tal sorte que de nenhuma outra parte lhe vão nem lhe podem ir
os ditos gados, porque não os há nos sertões de São Paulo nem nos do Rio de
Janeiro” (Abreu, 2000: 159). Reinóis, fluminenses, baianos e pernambucanos
misturavam-se no léxico Emboabas, e se identificavam pela reivindicação de
privilégios comerciais. Holanda (1968) relata que a sedução dos negócios
altamente rendosos, incluídos neles os de contrabando, serviu, provavelmente,
para povoar Minas Gerais. No início a lavoura não despertou atenção, além do
desinteresse governamental por ela.
A posse das minas havia sido garantida aos paulistas pela carta
régia de 18 de março de 1694, exigindo dos proprietários o pagamento do
quinto devido à Fazenda Real. Em 1700 a Câmara de São Paulo solicitou da
coroa portuguesa não doar datas de terras na região das minas a não ser para
os moradores da vila que tanto sacrifício tinha sido para os descobridores. O
rei remeteu o documento ao governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá
Meneses, para que ele opinasse, mas recomendava ao mesmo que não
concedesse data alguma de terras de sesmarias, limitando-se a fazê-lo em
relação às terras aurífera, na forma do regimento do governador. Este
regimento irritava os paulistas porque privilegiava os forasteiros portugueses.
Numerosos ricos e importantes mercadores do Rio de Janeiro conseguiram
grandes doações, com protesto de Garcia Rodrigues Pais, filho de Fernão Dias
Paes. Na opinião de Golgher (1982), as reivindicações dos paulistas eram
descabidas uma vez que eles não dispunham de capitais para investimentos
em tecnologia e não dominavam o mercado externo, nem condições de
abastecimento. Nas minas só venciam aquele que conseguia arrancar mais
ouro dos ribeiros, nada valendo ser um fidalgo, comerciante ou agricultor. Ali
todos se transformavam em mineradores, simplesmente. A mineração era
niveladora social no sentido democrático. O bandeirante, embora insubstituível
136
na penetração, não foi o tipo ideal para a atividade mineradora, completamente
falha para a exploração pacífica.
Por outro lado, também os portugueses não estavam preparados.
Agiram às cegas, sem obedecer a qualquer traçado prévio. Observa Golgher
(1982) que, desde os primeiros anos do século XVIII até a Independência do
Brasil, nunca houve plano administrativo. Somente no início do governo de
Pombal houve uma tentativa de racionalização administrativa sem ter chegado
a termos práticos. Os problemas que vieram à tona estavam acima da
capacidade dos quadros governamentais geridos por Lisboa. A carestia e a
falta de braços eram supridas pelo êxodo das populações do campo. Surgiram
grandes e próximos núcleos urbanos que, em face do alto poder aquisitivo,
proporcionaram o aparecimento de um enorme mercado consumidor, sobre o
qual os portugueses queriam ter monopólios, gerando descontentamentos
generalizados. Proibiram tudo: abertura de caminhos; migrações internas;
comércio de escravos de outras regiões que não a do Rio de Janeiro.
Para resolver um problema puramente econômico, o Estado
feudal português pôs em funcionamento seu aparelho
governamental de repressão, convocando os delatores a
dividirem com a Fazenda Real, os bens daqueles que iam pôr
em pleno funcionamento as minas que deveriam quintos para a
coroa. Essas medidas absurdas não eram de caráter provisório
que visassem apenas atender a uma emergência; tiveram elas
papel estorvante por muito tempo e sua influência negativa no
desenvolvimento da Colônia” (Golgher, 1982: 54).
Como reinava a desconfiança com relação aos governos de
capitanias, a coroa resolveu criar uma Superintendência das Minas, em 1703,
gerida diretamente pelo rei, concedendo ao superintendente poderes
extremamente amplos. O primeiro superintendente foi o desembargador José
Vaz Pinto que teve mais poderes que qualquer outra autoridade governamental
existente na colônia: acumulava os poderes de efetuar negócios; exercer
administração, justiça, polícia e fisco. Estava acima dos governadores de
capitanias. Os poderes do superintendente Vaz Pinto anularam os paulistas,
colocando em prática o Regimento das Minas vindo de Lisboa. Próprio de uma
137
época de despotismo esclarecido, o legislador tentou diminuir os conflitos
latentes na região, mas não preveniu quanto ao facciosismo dos
superintendentes. No dizer de Golgher, entregaram ao gato a proteção do rato.
Com efeito, o pobre, esbulhado, nada podia esperar da
proteção do superintendente ou guarda-mor. Isto, na realidade
era um engodo, mormente quando consideramos a estrutura
social-econômica da mineração sob o domínio dos paulistas,
que se alicerçava em castas privilegiadas. Não podia,
conseqüentemente, o homem do povo, contar com a justiça
que o Estado lhe oferecia
” (Golgher, 1982: 63).
O homem vindo da Península Ibérica, mesmo que lá pobre,
desvalido e discriminado, na região das minas foi protegido tornando-se
homem de brio e lutador pelos seus direitos e por isso, muitas vezes pegou em
arma. Ocorre que as autoridades régias faziam e desfaziam suas próprias
resoluções para desfrutar de vantagens na mineração. Outro fator que
contribuiu para a discórdia e para a exaltação dos ânimos entre paulistas e
forasteiros foi a luta do português Frei Francisco de Menezes, aliado de Nunes
Viana, para obter o monopólio da carne de gado, sob protesto dos paulistas. O
governador do Rio de Janeiro, ao negar o monopólio levou em consideração o
excessivo preço da carne bovina, o que constituiria na extorsão das gentes
famintas da região.
Em 1705, o superintendente Vaz Pinto, inesperadamente, deixou o
cargo e fugiu para o Rio de Janeiro. Aproveitando-se da situação caótica, o
guarda-mor tenente general Manoel de Borba Gato usurpou o cargo assumindo
a Superintendência das Minas. Começa a dar atenções aos paulistas sob
protestos dos emboabas, a exemplo de uma carta do rei de Portugal dirigida ao
governador do Rio de Janeiro, de 17-06-1705:
“Fui informado que nas Minas do Sul há grandes desordens
não só a respeito dos quintos pertencem à Fazenda Real mas
ainda na justa distribuição das datas e repartição das mesmas
minas, procedendo daqui tantos escândalos e excessos que
merecem se lhe aplique o maior cuidado para se quietarem [...]
chamado à nossa presença os moradores nobrres e principais
138
daquele distrito obedeçais da minha parte fazendo-lhe ver a
minha carta ...” (Golgher, 1982: 73/74) .
No último ano que precedeu a guerra aberta entre as duas facções
(1708) a situação ficou muito tensa, com muitas mortes. Nos relatos de Pitta
(1976:142) os paulistas reagem com violência à expansão do poderio
português.
“Tiveram princípio as dissensões no arraial do Rio das Mortes,
por uma que fez um paulista tirania e injustamente a um
forasteiro humilde: que vivia de uma agência. Desta sem razão,
alterados os outros forasteiros e desculpavelmente enfurecidos
solicitaram a vingança da vida de um e da ofensa de todos”.
Ao mesmo tempo ocorreram novos distúrbios em Caeté onde os
filhos bastardos do paulista José Pardo mataram um português, refugiando-se
na casa do patrão, sendo perseguidos pela multidão. Diante da resistência de
José Pardo à entrega dos homicidas, a multidão invadiu a sua casa e o matou.
O incidente entre Jerônimo Pedrosa de Barros que respondia pela alcunha de
Jerônimo Poderoso
18
, aliado a Júlio César tentou tomar de um forasteiro a sua
espingarda. A resistência dos forasteiros em não entregar a arma mereceu a
intervenção de Manoel Nunes Viana (Matoso, 1999: 197). Derrotados, os
paulistas recorreram a Borba Gato, superintendente das Minas e tio de
Jerônimo Poderoso, para tentar a expulsão de Nunes Viana da região das
minas. Em bando
19
de 1708 Borba Gato intimou Nunes Viana a deixar as minas
em 24 horas, alegando que ele havia praticado comércio ilegal de gado. Nunes
Viana não se intimidou com as ameaças de confisco de bens contidas no
bando e passou a mobilizar forças. Conseguiu organizar um contingente de
dois mil homens. Os paulistas de Caeté se refugiaram em Sabará, enquanto
Nunes Viana era aclamado chefe do levante e general das Minas. Foi
constituído um governo com sede em Caeté, tendo como chefe o português
Manoel Nunes Viana e os demais cargos distribuídos aos baianos. As primeiras
18
A variação do apelido Poderoso é um trocadilho de Pedroso com a conotação de respeitado/malvado, pois ao
personagem são atribuídas diversas apropriações pessoais e coletivas (Matoso, 1999: 197).
19
Chamava-se bando uma determinação, ou um decreto do governador da capitania. A leitura do bando, pelas ruas da
vila ou arraial, era precedida do rufar de caixas e tambores.
139
medidas dos emboabas foram no sentido de anular a ação dos paulistas,
enquanto estes buscavam forças no governo da capitania do Rio de Janeiro.
As lutas por interesses e privilégios nas minas desagradavam à
coroa de vez que prejudicavam tanto a produção mineral quanto à arrecadação
de tributos. A população ficava prejudicada com a escassez e com a carestia,
principalmente de alimentos. O governo da capitania do Rio de Janeiro, São
Paulo e Minas, Dom Fernando de Lancastre, continuava se desgastando, pois
todas as medidas tomadas provocaram descontentamentos de ambos os
lados. Neste ambiente, os paulistas dos arraiais de Sabará, Raposos, Rio das
Velhas e Roça Grande resolveram isolar o reduto Emboaba em Caeté. Nunes
Viana atacou de surpresa os paulistas fazendo incendiar as suas casas. Muitos
paulistas foram feitos prisioneiros e outros fugiram a nado pelo Rio das Velhas.
Os Emboabas vitoriosos promoveram a eleição de Manoel Nunes Viana como
governador de Minas até que o rei viesse a nomear outro (Pitta, 1976; 242).
Apesar de Nunes Viana ser português e fidalgo, contrariava os interesses de
Lisboa que não queria que as riquezas das minas se escoassem via Bahia. O
Rio de Janeiro era o escoadouro preferido, onde os novos ricos, com toda
segurança, deveriam embarcar para a Ibéria. Por isso Dom Fernando de
Lancastre tentou afastar os emboabas e retornar os paulistas não ao mando,
ao poder, mas ao papel de gestor de produção. Retiraram-se os paulistas para
o Rio das Mortes, onde se prepararam para a defesa. Nunes Viana mandou
forças para destruir-lhes sob o comando de Bento do Amaral Coutinho
enquanto os paulistas tinham como chefe Valentim Pedroso de Barros. A
primeira investida sobre São José Del Rei (hoje Tiradentes) foi favorável aos
paulistas. Mas ao se dispersarem em pequenos grupos pelas matas,
possibilitaram a tropa de Bento do Amaral Coutinho efetuar emboscadas nas
matas. Um desses capões de mata foi cercado por Coutinho que garantiu aos
paulistas poupar-lhes as vidas mediante entrega das armas. Acreditando nas
promessas de Coutinho os paulistas depuseram as armas e em seguida foram
eliminados pelos emboabas.
140
A historiografia tem oferecido amplas e controvertidas informações
sobre esse episódio chamado “capão da traição”. Se os testemunhos da época
torceram a veracidade dos fatos em favor das facções envolvidas, não se tem
hoje o interesse de um julgamento no qual aponte os menos ou mais malvados
na contenda. Ambos os belicosos estavam dispostos a matar os adversários na
defesa de seus interesses. A literatura, que narra o fato com toda a paixão, tem
funda razão: a mais sólida é a que os portugueses muniam-se da tradição do
enriquecimento por meio de chumbo e pólvora, como fizera Raposo Tavares no
século anterior. O luso-baiano Rocha Pitta, contemporâneo do fato, defende
Manoel Nunes Viana e condena com veemência o comandante Bento do
Amaral Coutinho.
“Estranharam este horrendo procedimento as pessoas dignas
que iam naquele exército, e não quiseram mover as armas
contra os rendidos, afeando aquela maldade, imprópria de
ânimos generosos e católicos, e ainda das mesmas feras, que
muitas vezes se compadecem dos que se lhes humilham.
Porém as de ânimo vil e os escravos, disparando e esgrimindo
as armas, fizeram nos miseráveis paulistas tantas mortes e
feridas que deixaram aquele infeliz campo coberto de corpos,
uns já cadáveres, outros meio mortos, ficando abatido e
fúnebre o sítio pela memória da traição e pelo horror do
estrago; e com estas bizarrias cruéis voltou o Amaral vilmente
ufano com o seu destacamento para o lugar donde saíra”
(Pitta, 1976: 243-244).
O governador do Rio de Janeiro, Dom Fernando de Lancastre,
resolveu ir a Minas, em 1709, passando pelo Rio das Mortes e tomando o
caminho para Congonhas, onde se encontrava Nunes Viana. Correu a notícia
de que o governador castigaria Nunes Viana o que o fez receber Lancastre
com hostilidade. Sem forças o governador voltou humilhado para o Rio de
Janeiro. A metrópole nomeou um outro governador para o Rio de Janeiro, Dom
Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, com instruções especiais para a
pacificação do território mineiro. Intimado a comparecer à presença do novo
governador, Nunes Viana prestou-lhe submissão, retirando-se para as suas
fazendas do São Francisco. O novo governador visitou outras localidades e
tomou diversas medidas administrativas. Providenciou a criação da Capitania
141
de São Paulo e Minas, pela carta régia de 11 de julho de 1711,
desmembrando-se do Rio de Janeiro. A nova capitania teve como primeiro
governador o próprio Antonio de Albuquerque, que logo após a sua posse
partiu para Minas, onde criou os primeiros municípios: Mariana, Ouro Preto e
Sabará. O governador encontrava-se em São Paulo para impedir que os
paulistas marchassem para Minas de arma em punho. Como parte do
entendimento devolveu aos paulistas as suas jazidas auríferas e pôs fim à
Guerra dos Emboabas (Mattos, 1963; 306). A partir daí os paulistas vão
perdendo as posições e os papéis em Minas. Como queriam os portugueses,
os paulistas são pesquisadores de novas jazidas, ajudam ampliar o território de
Minas Gerais e descobrem as minas de Goiás e Mato Grosso. Mas a metrópole
reserva aos portugueses o poder e os serviços burocráticos; as atividades
rendosas como a agricultura de subsistência nas proximidades das minas, o
comércio e o abastecimento, o transporte e a pecuária.
Ao mesmo tempo em que os portugueses se conflitavam com os
paulistas em Minas, ocorria em Pernambuco o conflito entre proprietários de
terras de Olinda e a elite comercial de Recife, formada por reinóis. Depois da
expulsão dos holandeses, em 1654, os produtores perderam o mercado de
açúcar para os antilhanos. Os comerciantes portugueses radicados em Recife
eram chamados de mascates. Por sua superioridade econômica os mascates
passaram a elevar as taxas e executar hipotecas, embora não contassem com
autonomia política. Mas, em 1710, Recife consegue a emancipação política
para descontentamento de Olinda. No mesmo ano os olindenses invadiram
Recife e derrubaram o pelourinho. A coroa decidiu interferir no confronto
nomeando um novo governador que confirmou a autonomia de Recife. A
discriminação, os preconceitos mantidos pelos portugueses visavam excluir os
nativos. Os revoltosos de Olinda eram chamados de pés-rapados, isto é,
desclassificados. Mello (2001) mostra as particularidades das contradições
entre os interesses coloniais e metropolitanos e entre a açucarocracia e o
comércio. “
Como homens de negócios, os mascates eram suspeitos de só
desejarem os cargos públicos com a mira no lucro, especialmente na
142
arrematação dos contratos de impostos e na fixação de altos preços para os
víveres” (p.59). O interesse dos portugueses ao deixarem a Europa para
exercer cargos públicos na Colônia como governador de capitania, ouvidor,
juiz-de-fora era o de enriquecimento ilícito, levando vida tranqüila na volta ao
Reino. As oportunidades de ganhos ilícitos davam lugar aos maiores abusos.
Era essa a ambição dos portugueses na luta contra os olindenses. Queriam
participar da vida pública não como ideal cívico, mas à busca de vantagens
pessoais.
Passada a turbulência emboaba começa a fixação do homem nas
terras mineradoras e seus arredores. No momento em que o aventureiro
encontra uma jazida de ouro ou algo que lhe ofereça renda em função da nova
mina, ele se estabelece na terra. A sua condição de minerador, de comerciante
estabelecido, ou ambulante, que encontrou a fortuna, o diferencia do outro
aventureiro que ainda é nômade à procura da fortuna. Enquanto espera a
riqueza mineral, o aventureiro vive mal no meio da carestia, na quase
marginalidade causada pelos preconceitos conta os não possuidores de bens.
Além dos mineradores, há outra gente que vai se fixando na sociedade mineira
em formação: o dono de terra, o agricultor que é o elemento mais numeroso da
capitania. São estes os “homens bons” que estão no topo da hierarquia social.
Em face das riquezas que fazem canalizar ao Reino, tornam-se absolutos,
dificultando a administração da capitania. O governador Gomes Freire de
Andrade, o conde de Bobadela, no momento em que ia colonizar o Rio Grande
do Sul, em instrução a seu irmão que o substituía no governo da capitania, diz
que a hierarquia da gente mineira estava na razão direta da riqueza que
possuía e na condição no Senado da Câmara de sua vila.
Essa gente torna-se tão arrogante, que pode por em xeque o
próprio governador: cada um que nas Minas tem dinheiro, si o
quer prodigalizar, acha na Corte (d’onde vindes) mil protetores,
e, por porem em mais obrigação e dependência aos seus
protegidos, não duvidam manchar com impostura a honra do
governado” (Revista do Arquivo Público Mineiro, 1899: 730).
143
O conde de Bobadela denuncia ainda a disposição desses
potentados em usar a corrupção para aumento de poder e posses, cada vez
mais se distanciando dos segmentos mais humildes: os pés-rapados, os sem-
terra da época
20
. Cria-se, portanto, uma elite poderosa pela posse do dinheiro,
que no dizer de Carrato éuma nobreza dos nouveau-riches que vai
estabelecendo nas vilas, especialmente na Capital em que habitam os homens
de maior comércio, cujo tráfego e importância excede em comparação ao maior
dos maiores homens de Portugal” (Carrato, 1968: 14). O que dá notoriedade
aos senhores tanto do campo quanto da cidade é a propriedade que representa
a estabilidade, selando o ideal e a ordem burguesa. A constituição da família é
o primeiro fator dessa ordem. Para a metpole o homem solteiro, livre, é mais
perigoso e ameaçador à ordem pública. Em 1721 o rei D. João V, em carta ao
conde de Assumar, governador da Capitania, recomenda:
que empenhe com toda a diligência para que as pessoas
principais, e ainda quaisquer outras tomem o estado de casado
e se estabeleçam com suas famílias reguladas para a sua
povoação, porque desse modo ficarão tendo mais amor à terra
e maior conveniência do sossego dela e mais obedientes às
reais ordens, e os filhos que tiverem do matrimônio os farão
ainda mais obedientes” (Lopes, 1955; 125).
Quanto ao indígena observa Daniel de Carvalho que em Minas
Gerais não houve, como na região missionária, a mesma interfusão de sangue
aborígine, ocorrida até recentemente. Lá os mestiços puderam expandir
livremente seus instintos e tendências, ao passo que em Minas o indígena foi
banido da convivência com o colono. A pouca contribuição do indígena na
formação da gente mineira foi dada pelos paulistas que se fixaram na região.
Quase todos os bandeirantes tinham filhos mamelucos. Longe da proteção dos
missionários, na mineração, os portugueses os trataram com crueldade como
denunciam os autores de “Cartas Chilenas”:
“Talvez prezado amigo, que nós, hoje, / sintamos os castigos
dos insultos / que nossos pais fizeram; esses campos / estão
20
A inimizade dos ouvidores ainda é mais voraz. Os escrivães lhes passam certidões de documentos de quanto
imaginam ser-lhes conveniente e posto a majestade tem declarado não tenham fé alguma enquanto os ministros
estiverem nos lugares [...] fazem valer não só as certidões falsas, mas as cartas que as acompanham” (Revista do
Arquivo Público Mineiro, 1999).
144
cobertos de insepultos ossos / de imemoráveis homens que
mataram. / Aqui os europeus se divertiam / em andarem à
caça dos gentios, / como à caça de feras, pelos matos. / Havia
tal que dava aos seus cachorros, / por diário sustento, humana
carne, / querendo desculpar tão grave culpa / com dizer que os
gentios, bem que tinham / a nossa semelhança enquanto aos
corpos / não eram como nós enquanto às almas./ Que muito,
pois, que Deus levante o braço / e puna os descendentes de
uns tiranos / que, sem razão alguma e por capricho,
espalharam na terra tanto sangue” (Ávila, 1967: 66).
O negro, apesar da degradação provocada pela escravidão; apesar
dos preconceitos alimentados de longa data, foi importante elemento na
formação da população de Minas. A literatura historiográfica e fictícia é rica em
narração de concubinas de homens brancos, cujos filhos bastardos chegaram
a ser cidadãos de posições na sociedade, a exemplo de: Antônio Francisco de
Lisboa, o Aleijadinho, escultor e arquiteto; Joaquim José Emérico Lobo de
Mesquita, músico, maestro e compositor profissional; Manuel da Costa
Athayde, mestre e pintor; Plácido Pires Pardinho, filho de Chica da Silva,
músico instrumentista, discípulo de Lobo de Mesquita; Silvério Gomes Pimenta,
bispo de Mariana; Simão Pires Sardinha, filho de Chica da Silva, paleontólogo,
formado na Alemanha.
Os cristãos-novos eram os que vieram de Portugal, após o
descobrimento das minas e os que já se encontravam na terra mesclados aos
bandeirantes, como os Fernandes, Vaz de Barros, Dias Pais, Taques, Raposo
Tavares, Gomes da Costa, Quadros e Pires. O caso mais curioso foi o de
Manuel Nunes Viana que teve que ir a Lisboa acusado de judaísmo
(1725/1728), mas voltou de lá mais enaltecido ainda, visto comprovar serviços
desde 1703. “Apesar de cristão-novo recebeu o hábito da Ordem de Cristo, o
ofício de escrivão da ouvidoria do Rio das Velhas e outros benefícios
(Salvador, 1992; 11). Conta ainda que Garcia Rodrigues Pais Leme, filho de
Fernão Dias e Maria Garcia Betim (Beting) de origem hebráica; considerado
edificador da história lusitana, mas que só não recebeu o hábito da Ordem de
Cristo por causa de sua linhagem materna. O traço característico do cristão-
novo que se fixou em Minas é a disposição para o trabalho manual, a cultura
145
da indústria caseira, do artesanato e das artes plásticas. Além disso, o cristão-
novo soube aproveitar-se da condição mercadológica da região mineira e
lançou-se por inteiro na produção de alimentos. Homens, mulheres e filhos
lançaram-se todos na lida da fazenda: aravam a terra, plantavam,
administravam, ordenhavam as vacas, faziam queijo, moíam cana, faziam
açúcar, tendo o escravo apenas como subsídio.
Durante o século XVIII, em que predominou a mineração, todas a
regiões do Brasil cresceram, tanto do ponto de vista populacional quanto
econômico. Mas a região mineradora que era sertão desabitado passou a ser o
centro de condensação de uma população de caráter urbano, conforme estudo
de Prado Júnior (1979). Estava localizada numa faixa que se estende de sul a
norte, da bacia do Rio Grande às proximidades das nascentes do
Jequitinhonha; mais ou menos entre os pontos em que se formaram a vila de
Lavras e o arraial do Tejuco (Diamantina). Ela corresponde à serra do
Espinhaço, onde se verificaram os principais afloramentos de ouro no Brasil.
Este fato explica suficientemente a concentração ai do povoamento,
multiplicando-se as aglomerações, às vezes bem próximas umas das outras e
cujas principais são: as vilas de São João e São José Del Rey (Tiradentes),
Vila Rica (Ouro Preto), cidade de Mariana, Caeté, Sabará, Vila do Príncipe
(Serro) Pitangui e arraial do Tejuco (Diamantina). Em torno deste núcleo
central, que constitui as minas gerais, nome que mais tarde se estendeu a toda
a capitania, foram surgindo outros secundários: Minas Novas, a nordeste,
ocupadas desde 1726; Minas do Rio Verde, com Campanha por centro
principal, que são de 1720; Minas do Itajubá, onde se formaria a cidade deste
nome, exploradas a partir de cerca de 1723; Minas do Paracatu, a oeste, que
são as últimas descobertas, em 1744. Outros núcleos de povoamento tiveram
origem em atividades subsidiárias da mineração, ou que a elas se substituíram,
quando começa a decadência das explorações na segunda metade do século
XVIII. Naquele tempo as regiões mineradoras não eram, em conjunto,
favoráveis nem à agricultura nem à pecuária. O relevo acidentado e a natureza
ingrata do solo se opunham a tais atividades. Além disso, a coroa tentava
146
impedir a agropecuária nas proximidades da mineração. Para o abastecimento
da população que nelas se adensou, o que se fez com grande rapidez, teve de
se recorrer, a princípio, a territórios não muito próximos. A carne, elemento
essencial na alimentação da colônia, foi fornecida pelo gado que vinha das
fazendas estabelecidas ao longo do curso do médio São Francisco, na Bahia
21
.
Estimuladas pelo mercado próximo, as fazendas subiram mais as margens do
rio, alcançando o território que é hoje mineiro, e penetraram até o rio das
Velhas. Povoou-se, assim, uma área contígua ao norte dos centros
mineradores. Ao sul deles, na bacia do Rio Grande, que formaria a comarca do
Rio das Mortes, instala-se de permeio com os estabelecimentos mineradores
locais, de pequeno vulto e logo decadentes, um outro centro pastoril, no que
constitui hoje o Sul de Minas. Essa região passa a mandar excedentes de
produtos agropecuários ao Rio de Janeiro. Com as descobertas das minas de
Mato Grosso e de Goiás completa o povoamento da colônia que no começo do
século XVIII era de três mil habitantes. Durante o século cresceu 1.100% (mil e
cem por cento), chegando a três milhões e trezentos mil habitantes, estando
em Minas Gerais mais de meio milhão (Prado Júnior, 1979: 51).
O episódio conhecido como Revolta de Vila Rica, de 1720, resulta
da ambição dos portugueses pelo enriquecimento rápido, prevalecendo os
meios ilícitos dos aventureiros através do contrabando, da sonegação de
tributos, assaltos a mão armada, falsificação de moedas e documentos. Do
lado governamental, a corrupção e o despotismo, confiscando bens de
cidadãos, exorbitando na cobrança de tributos. Os líderes da revolta
pretendiam nomeações a cargos importantes, com o intuito de usufruir
benefícios e privilégios. Manuel da Veiga Cabral postulava o cargo de
Governador da Capitania. Manuel Mosqueira Rosa pretendia o lugar de
Ouvidor. Felipe dos Santos Freire era Almocreve. Assim, no dia 2 de julho de
1720, um grupo de habitantes de Ouro Preto, entre os quais concessionários
21
A Seca Grande de 1791-1793 foi o último e quase mortal golpe sofrido, no século XVIII, pelos sertões do Nordeste.
Esta a causa principal porque a região perdeu seus mercados nos grandes centros agrícolas do litoral norte, que
passam, em proporções crescentes, a consumir o xarque do Rio Grande do Sul, onde verifica aumento de população
(Prado Júnior 1979: 68).
147
de mineração de minas de ouro, advogados e escravos, num total de mil
pessoas, dirigiu-se a Mariana, então capital da Capitania, apresentando-se ao
Conde de Assumar, D. Pedro de Almeida, Governador e Capitão-General da
Capitania de São Paulo e Minas. Levava um documento contendo 14 cláusulas
reivindicatórias que apontam vícios no serviço público e um elevado grau de
corrupção dos funcionários. Na primeira cláusula pedem que não se instalem
as casas de fundição, pois estas significavam o fim da sonegação e do
contrabando. Reclamam que pagam imposto na passagem da Borda do
Campo (Barbacena) e quando a mercadoria chegava em seu destino cobravam
novamente os tributos. Propõem uma nova forma de cobrança dos quintos e
denunciam a existência de mineradores que não pagaram o tributo devido
sobre a produção de ouro. Denunciam que escrivões, tabeliães e oficiais de
justiça cobravam taxas maiores que as do Rio de Janeiro e reivindicam a
equiparação das mesmas. Apontam erro propositado nas balanças oficiais que
pesam ouro, em prejuízo dos mineradores e vantagem para o Governo.
Ironizando a corrupção dizem que essas balanças “fazem mais milagres que
Santa Luzia”. Querem que as penalidades aplicadas contra o povo, isto é,
pessoas humildes, sejam de acordo com a legislação vigente e não
exorbitantes e arbitrárias como vinha ocorrendo. Os calçamentos de ruas só
eram feitos se os moradores cotizassem as despesas. Reivindicam “que as
calçadas das ruas onde forem necessárias se façam à custa da Câmara e não
do povo”. Os soldados da Companhia de Dragões se hospedavam e se
alimentavam nas casas de pouso e saiam sem pagar as despesas, daí a
reivindicação nº 11: “querem que as companhias de Dragões comam à custa
de seus soldos, e não à custa dos povos”. Reclamam quanto à forma abusiva
da cobrança dos dízimos
22
: “também querem que os contratadores dos dízimos
não usem do seu privilégio para cobrarem suas dívidas executivamente senão
durante o tempo do contrato e quando seja necessário mais algum tempo, V.
Exa. lho concederá a seu arbítrio”. Reclamam quanto ao abuso dos oficiais de
22
A arrecadação dos dízimos, nos primeiros anos da colonização, não foi muito regular. Em Minas Gerais, no ano de
1708, a taxa foi elevada para mais de mil oitavas de ouro e, a partir de 1715, vigoraram os contratos. Ao que parece,
os dízimos fugiram à finalidade para a qual foram criados: financiar a expansão da fé cristã. Acabaram sendo
utilizados para pagar os salários das autoridades coloniais: o governador e os demais membros do aparato
administrativo, como agentes militares, judiciais e fiscais (Botelho, & Reis, 2001: 62).
148
justiça na cobrança de custas judiciais. O documento foi assinado por
Domingos da Silva, secretário do governo, por Dom Pedro de Almeida, o
governador da Capitania e mais 24 pessoas (Tôrres,1980, 172).
Não existiu na revolta a consciência de um papel histórico de
contestação do sistema, mas a mentalidade de aproximação das forças de
produção; de maior relacionamento com os funcionários e outros
trabalhadores. O concessionário de mineração aurífera, uma espécie de testa
de ferro, precisava do povo e da coroa ao mesmo tempo. Era um súdito valente
e fiel, embora rebelde. Rebelde não contra o império e seu imperador mas
contra os considerados maus agentes da coroa. Conhecendo os seus súditos,
a inteligência portuguesa soube aceitar as reivindicações diante da turba em
Mariana. Crente na vitória, o grupo reivindicador voltou em festa a Ouro Preto.
O movimento era secreto de vez que os homens saiam mascarados e
promoviam desordens de grande alcance. Assumar tentou colocar o próprio
povo contra os revoltosos, isentando de culpa e premiando em ouro a quem
matasse um mascarado. A linguagem do governador nessa ordem é grosseira
e bárbara
23
. Através de informações secretas Assumar conseguiu os nomes
dos líderes do movimento e mandou prender Manoel Mosqueira Rosa, Pascoal
da Silva Guimarães, Frei Vicente Botelho, Frei Francisco de Monte Alverne e
mais 12 acusados. Em seguida mandou atear fogo nas casas dos líderes do
movimento. Felipe dos Santos Freire foi preso em Cachoeira do Campo
quando tentava recrutar elementos para a sedição. Condenado à morte pela
forca, teve sua cabeça exposta em Ouro Preto; um quarto foi para Cachoeira
do Campo; outro para São Bartolomeu; outro para Itabira do Campo e a última
parte para Passagem de Mariana. Foi o fim. A ditadura colonial fortalecida
deixa as suas marcas traçadas com carvão no morro de Pascoal da Silva,
23
Faço saber a todos os moradores de Vila Rica, que para evitar todo o gênero de desassossego que tem com os
mascarados, tornando estes insolentes a aparecer, lhes atirem e os matem, por serem perturbadores do sossego
público e inquietadores do povo; e se lhes declara que não ficarão incursos em crime algum, todo o que matar os
ditos mascarados, antes sim, se lhes dará um prêmio de cem oitavas a todo aquele que constar que matou algum
mascarado que apareça no morro, ou na vila a qualquer hora da noite, e para que venha a notícia de todos, o mando
publicar a som de caixas e se registrará nos livros da Secretaria deste Governo e nos mais que tocar. Vila do Carmo,
13 de julho de 1720. a) Conde Dom Pedro de Almeida”(Carvalho, 1930; 135/136).
149
(Morro da Queimada) e com sangue de Felipe dos Santos nos arredores de
Ouro Preto.
Quando foi oficializada a descoberta dos diamantes em 1729, a
pedra já vinha sendo explorada na região e contrabandeada através da Bahia,
há mais de uma década
24
. Em 1733 foi criada a Intendência dos Diamantes,
feita a primeira demarcação do distrito e nomeação do primeiro Intendente, o
magistrado português Rafael Pires Pardinho. Nesse momento começa o
capítulo mais contundente da história do despotismo ibérico no Brasil. O
contrabando do diamante era, de certa forma, mais fácil que o contrabando do
ouro. Para sustar as explorações clandestinas e evitar a mobilidade social de
seus moradores, foram tomadas medidas das mais severas. O Distrito
Diamantino, cuja sede administrativa era o arraial do Tijuco, foi cercado por
todos os lados. Aí ninguém saía ou entrava sem autorização superior e
especial. Os poderes delegados aos contratadores (1733-1771) e aos
Intendentes (1772/1822), chegaram ao extremo do despotismo e das medidas
repressivas. A metrópole experimentava de momento em momento, uma forma
de repressão, mandando fechar as casas comerciais do distrito, por considera-
las o maior foco de contrabando; deposição e inquéritos contra intendentes;
prisões e execuções sumárias; fechamento das fronteiras; autoridade absoluta
ao comandante do destacamento; confisco de bens em geral; devassas e
processos; proibição do exercício de bacharel sendo mesmo proibido residir no
distrito.
Regido com leis particulares, debaixo do mundo de
autoridades especiais, como uma colônia isolada [...] faz ver os
rigores e severidades das ordens transmitidas ao intendente.
As vistas da Corte era haver todo o proveito do descobrimento
dos diamantes: daí deviam os governadores tirar as regras de
sua conduta, e assim não valiam as melhores intenções; [...]
embora com o sacrifício dos povos, porque sabiam que de
tanto mais confiança gozariam, quanto mais promovessem os
interesses do fisco
” (Santos, 1976; 61).
24
Segundo Felício dos Santos a descoberta dos diamantes é atribuída a Bernardo Fonseca Lobo que comunicou à coroa, tendo em
recompensa sido nomeado tabelião da Vila do Príncipe (Santos, 1976: 49).
150
Os portugueses entram e saem do Distrito Diamantino, constituindo
a massa de funcionários civis, militares, fiscais, comerciantes, feitores e
almocreves (tropeiros). “As autoridades encarregadas da execução das ordens
superiores eram portuguesas e só as cumpriam com severidade quando se
tratava dos que não eram seus patrícios” (Santos, 1976; 51). Quando Felício
dos Santos afirma que o Distrito Diamantino era uma colônia isolada,
segregada do resto do Brasil, queria dizer do ponto de vista fiscal, pois
encontrava-se incrustada na Capitania de Minas Gerais, cujos governadores
eram os transmissores das ordens régias, conforme informa o próprio autor.
Para assistir e regular a arrematação do contrato com João Fernandes de
Oliveira (velho), em junho de 1739, veio ao Tijuco o governador Gomes Freire
de Andrade, que procedeu à nova demarcação do Distrito Diamantino. Na
oportunidade passou ordem proibindo que, daquela data em diante, não podia
residir, nas terras demarcadas, pessoa alguma que não tivesse ofício ou cargo,
as quais pessoas se chamam ordinariamente contrabandistas;
[...] e o que for encontrado dentro da demarcação, pagará da
cadeia 100 oitavas de ouro pela primeira vez, e será
exterminado para fora da Capitania, e sendo segunda se lhe
assentará praça para a Nova colônia Rio Grande ou ilha de
Santa Catarina” (Santos, 1976; 71).
O monopólio da exploração dos diamantes tinha como inimigos os
garimpeiros que eram mineradores clandestinos. O destino da produção do
garimpo era o contrabando. Prado Júnior (1979) registra em síntese, a forma
como era perseguido: odiado pela administração, admirado pelo povo, temido
por todos, vivia o garimpeiro à margem da lei, constantemente a um passo da
forca ou do tiro de uma espingarda, invadindo as áreas proibidas para minerar
nelas, desafiando não raro as autoridades a quem chegava a fazer frente de
armas na mão. De forma trágica conta Joaquim Felício dos Santos o episódio
de José Basílio, um garimpeiro condenado à pena de galés ou trabalho forçado
na Passagem do Jequitinhonha, (Mendanha). Dormia jungido por correntes e
gargalheira. Certa noite conseguiu atear fogo no rancho e fugir atrelado a João
151
Bago. Caíram no Jequitinhonha e nadaram rio abaixo até que foram
surpreendidos pelos guardas que atiravam contra eles. João Bago foi atingido e
morreu. José Basílio continuou rio abaixo arrastando seu fardo defunto. Os
guardas deixaram os fugitivos julgando tê-los matado. Salvo, José Basílio
procurou livrar-se da gargalheira e persistir no garimpo (Santos, 1976). Como
José Basílio, o garimpeiro se aproximava das pessoas humildes e dos
oprimidos que protegiam e defendiam, levando-o a uma posição de simpatia,
com presença na literatura mineira do século XIX.
Tôrres (1980: 306) apresenta a população do Tijuco como rica e
luxuosa. “O diamante era contrabandeado para a Holanda e os cofres reais
recebiam, apenas, a migalha, os restos da produção. E com isto todos
ganhavam muito: os garimpeiros vendendo a sua produção e os servidores
pela conivência com aqueles”. O período pombalino tem alguns sinais de
melhora, mas o arrocho fiscal e o despotismo continuam. Da chegada da
Família Real ao Brasil até a Independência, os brasileiros lutaram para
reformar ou desenvolver novos procedimentos na mineração diamantífera mas
a coroa relutava em mudar. Desta forma, somente após a Independência do
Brasil os habitantes do Tijuco começaram a ter uma vida melhor e por isso é
enganosa a afirmação de Tôrres. Ninguém podia custodiar ou possuir nenhuma
forma de riqueza, dinheiro, bens, jóias, pedras preciosas, ouro ou mesmo obra
de arte que os cobradores de impostos (sobre mercadorias, dízimos, subsídio
literário e capitação) confiscavam em nome da Fazenda Real. Os portugueses
que enriqueciam voltavam para Lisboa. Num processo sobre contrabando de
diamantes o contratador Francisco Ferreira da Silva diz:
“Não se lhes faz (aos habitantes do Distrito) injustiça ou injúria
em se lhes dar rigorosas buscas, todas as vezes que o
comandante do destacamento e eu quisemos. [...] Mas sua
Majestade quatro anos, com tanta despesa de sua fazenda, a
proibição dos diamantes, e antes ele quererá ver o Distrito
Diamantino desprovido de seus moradores do que tornarem
estes às passadas traficâncias de diamantes”
(Santos, 1976:
73).
152
Felício dos Santos continua, com a mesma dramaticidade, expondo
o clima reinante no Distrito Diamantino:
Vivíamos como se estivéssemos em um eterno bloqueio. [...]
Ninguém podia julgar-se seguro em sua casa. O senhor via
com desconfiança no escravo um inimigo oculto que
denunciando-o obtinha a liberdade e partilhava seus bens com
a Fazenda Real. A devassa geral que se conservava sempre
aberta, era como teia imensa, infernal, sustentada pelas
delegações misteriosas, que se urdia nas trevas, para envolver
as vítimas, que muitas vezes faziam a calúnia, a vingança
particular, o interesse e ambição dos agentes do fisco. [...] Era
assim à noite as ruas do Tijuco que tornavam-se melancólicas
e silenciosas, como lúgubres galerias de um vasto cemitério:
apenas se ouviam o tinir das armas e o andar compassado e
monótono dos soldados que rondavam” (Santos, 1976: 110).
A cultura era sedimentada através das ideologias da colonização, da
qual o barroco e o rococó são marcas incisivas de difícil remoção. Estava
ligada aos interesses dos colonizadores e reinóis; associada a Roma, assimilou
e difundiu as diretrizes do Concílio de Trento (1545/1563), no sentido da
colonização da América; no combate ao protestantismo e outras manifestações
religiosas. A cultura barroca valorizava o enriquecimento dos colonizadores
católicos. De um lado, continuava a existir a visão de mundo do renascimento,
otimista e de exaltação da vida; de outro, o extremo oposto desta visão
também encontrava muitos adeptos, que preferiam abraçar uma vida de
reclusão religiosa do mundo. Duas frases em latim, de sentidos opostos
ilustram a ambigüidade do comportamento barroco: carpe diem, que significa
aproveita o dia de hoje; a outra é memento mori, que significa lembre-te,
homem, que morrerás um dia. Na verdade, para os colonos subalternos só era
lícita a segunda frase. A arte barroca contempla o luxo e a riqueza como forma
de intimidação. A poesia e a prosa barrocas exaltavam as “virtudes” e feitos
heróicos das figuras reais, dos reinóis colonizadores, das autoridades civis,
militares e religiosas, especialmente no reinado de D. João V. A produção
literária era de caráter barroco e eclético, contendo de um lado a glorificação da
monarquia absoluta, respeitada e venerada como coisa sagrada ou divina e do
outro a ideologia de que o fim da espoliação é justo. É a ideologia que encobre
153
o engano, que justifica o erro, que veda a passagem da luz. O Brasil está no
fundo da caverna, sem luz e sem o fio de Ariadne
25
para sair. O mundo barroco
é essa caverna que tenta iludir e manter preso na escuridão o homem latino-
americano.
O trabalho historiográfico de Sebastião da Rocha Pitta (1660-1738) tem
caráter de crônica, cheio de retóricas com citações e personalidades da história
e da mitologia antigas
26
. Empregando o superlativo nos adjetivos exalta as
riquezas do Brasil, como dádiva de Deus à monarquia portuguesa. Assim, já na
introdução do primeiro livro de História da América Portuguesa (1824), cita:
“Do Novo Mundo, tantos séculos escondido, e de tantos sábios
caluniado, onde não chegaram Hanon com as suas
navegações, Hércules Líbico com as colunas, nem Hércules
Tebano com as suas empresas, é a melhor porção o Brasil;
vastíssima região, felicíssimo terreno, em cuja superfície tudo
são frutos, em cujo centro tudo são tesouros, em cujas
montanhas e costas tudo são aromas; tributando os seus
campos o mais útil alimento, as suas minas o mais fino ouro, os
seus troncos o mais suave bálsamo, e os seus mares o âmbar
mais seleto: admirável País, a todas luzes rico, onde
prodigamente profusa a natureza, se desentranha nas férteis
produções, que em opulência da Monarquia e benefício do
mundo apura a arte, brotando as suas canas esprimido néctar,
e dando as suas frutas sazonadas ambrósia, de quem foram
mentida sombra o licor, e vianda, que aos seus falsos deuses
atribuiu a culta gentilidade (Pitta, 1976: 19).
Ao contrário do incentivo dado a Pitta o livro do jesuíta André João
Antonil (1649-1716), Cultura e opulência do Brasil, impresso em Lisboa em
1711 teve sua edição confiscada e grande parte destruída, por ordem régia. A
coroa temia que as informações contidas no livro despertassem o interesse de
outras potências européias sobre as riquezas do Brasil. O livro rico em
conhecimento de técnicas agrícolas e mineralogia, o que para os reinóis da
época pouco interessava. A concepção econômica da época, na Europa como
25
Ariadne é filha de Minos e de Pasifae. Quando Teseu chegou a Creta com o fito de lutar contra o Minotauro, Ariadne
apaixonou-se por ele. Para que conseguisse sair do labirinto escuro da caverna, prisão de Minotauro, deu a Teseu
um novelo de fio que ele foi desenrolando e lhe indicou o caminho de volta.
26
Pitta esteve em Portugal muitos anos. Pertencia à Academia Real de História Portuguesa e lá concluiu o livro
História da América Portuguesa (1724). De regresso ao Brasil ocupou posições de relevo tendo sido coronel,
fidalgo da Casa Real e Cavaleiro da Ordem de Cristo.
154
nas colônias, era de que era necessário manter os pobres na pobreza. “Existia
quem dissesse que Deus havia determinado que os pobres fossem pobres e
que mesmo que assim não fosse, sua pobreza era essencial para a riqueza da
nação” (Heilbroner, 1996; 42). Antonil defendia o regime de escravidão do
negro e o indígena como meio de enriquecimento dos senhores de engenho,
mineradores e por extensão o Estado Português. Para um cativeiro ser bom e
produtivo deveria ministrar a técnica dos três “P”: pão, pau e pano. O senhor de
escravo deveria, contudo, ser moderado e ter como base a doutrinação
religiosa. Essa ideologia exploratória vigorou no Brasil enquanto durou a
escravidão. Antonil tinha tudo para agradar a todos os reinados do século XVIII,
mas o perigo de seu livro residia no fato de revelar e despertar nos demais
povos europeus a fábula que era o comércio da região das minas. O ouro em
pó circulava como moeda e era medido em oitava
27
. Uma oitava correspondia a
3,168 mg. Um grama de ouro foi cotado, aproximadamente, em 2002, a nove
dólares. Portanto, uma oitava equivaleria a 28,50 dólares. Agora vejam-se os
valores das mercadorias ao tempo de Antonil.
Um boi, cem oitavas = U$ 2.850,00 ±
Um saco de farinha de mandioca, quarenta oitavas
Um pastel, uma oitava
Uma galinha, três oitavas
Um queijo da terra, quatro oitavas
Um queijo importado, dezesseis oitavas
Uma boceta (caixa) de marmelada, três oitavas
Um barrilote de aguardente, cem oitavas
Um barrilote de vinho, duzentas oitavas
Uma vara (11 palmos) de tabaco em corda, três oitavas
Uma casaca de pano fino, 20 oitavas
Uma camisa de linho, quatro oitavas
Um chapéu fino de castor, doze oitavas (Antonil, 1976; 170-
171).
Mesmo que o livro de Antonil não tenha circulado, a notícia correu
de boca em boca e daí a dificuldade da administração para conter a onda de
forasteiros, entre os quais clérigos em grande quantidade.
27
Uma oitava de ouro equivalia a 3,168 miligramas, no seguinte desdobramento: uma oitava é igual a 72 grãos; um
grão é igual a 44mg: 44 x 72 = 3.168.
155
Relata Ávila (1967) que o primeiro documento de interesse literário a
reportar às manifestações de um estilo de vida barroca na sociedade
mineradora do século XVIII é o Triunfo Eucarístico, livro publicado em Lisboa
em 1734, no qual o português morador de Ouro Preto, Simão Ferreira Machado
descreve as festividades que, em 1733, marcou a inauguração da nova matriz
de N. S. do Pilar, bairro de Ouro Preto, habitado basicamente por portugueses.
Enquanto durou a construção da matriz o Santíssimo esteve em custódia
temporária na igreja de N. S. do Rosário. Com a inauguração da matriz a
Eucaristia é transladada para o novo e luxuoso templo. Machado procura situar
o acontecimento num contexto português de religiosidade e de ação
colonizadora. A expansão colonial de Portugal é associada à predestinação de
colonizar pela fé, inerente à nação portuguesa, desde Afonso Henriques:
redenção dos povos bárbaros pela conversão ao cristianismo. O autor não
esconde que paralelo a essa ideologia corria o interesse material, a ambição
pela riqueza. A narração de Machado ocorre no momento em que a produção
de ouro atingia o auge e oficializava a produção de diamantes. Evidenciava o
estado de euforia da sociedade mineradora através de uma festa mais de
regozijo dos sentidos que propriamente espiritual. A Igreja vê também a
oportunidade de afirmar a hierarquia colonizadora nas Minas, verdadeira
demonstração de poderio temporal e domínio religioso. Machado mostra-se
muito sensível aos aspectos visuais e formais dos desfiles de diversos dias que
antecederam à transladação do Santíssimo, detendo-se nos aspectos
cenográficos, coreográficos, trajes e as alegorias; os efeitos visuais e sonoros
em todo o luxo e a riqueza que simbolizavam.
Serviram à festividade deste dia muitas danças e máscaras,
ricamente vestidas; e continuaram aos olhos sempre vario, agradável
espetáculo, ordinariamente de dia; aos ouvidos sonora e contenciosa harmonia
de músicas, principalmente de noite, até vinte e quatro de maio, dia da
transladação” (Machado, 1967: 39-40).
Prossegue a narração dos detalhes de luxo, esplendor e brilho com
o objetivo de comover, deslumbrar, emocionar, impressionar e até humilhar
156
com a exibição dos metais preciosos e os efeitos especiais nos elementos
alegóricos e cenográficos:
Se dilatava outra vistosa dança, composta de máscaras, em
cujas figuras era o ornato to telas, e preciosas sedas de ouro e
prata; pertenciam-lhe dois carros de madeira pintura; um
menor, que patente aos olhos uma serpente; outro maior, de
artifício elevado em abobada, que ocultava um cavalheiro: este,
abrindo-se a abobada, saiu de repente, e já montado, a cabeça
da serpente (Machado, 1967: 48-49).
Essa força de persuasão através da retórica, do exagero, da
hipérbole que o barroco representa a seiva ideológica do colonizador, revela e
comunica aos povos subalternos seu alto poder aquisitivo e conseqüentemente
o poder de ostentação. O aparato alegórico foi preparado não só em Ouro
Preto, mas em diversas vilas da capitania e outras cidades da colônia. Tudo
para expressar que o povo português era feliz porque era eleito por Deus para
conquistar a natureza, os povos e riquezas. Cabia às gentes “inferiores” e
subalternas a resignação.
Com o fim do reinado de Dom João V inicia-se a administração do
primeiro ministro de D. José, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marques
de Pombal. Preocupa-se com a colônia do Brasil de uma forma geral e não só
com a região mineradora. Talvez tenha sido o primeiro a considerar o indígena
como um possível súdito e não escravo, da mesma forma que os jesuítas,
desde que estivessem fora do controle da Companhia de Jesus. Confia a seu
irmão o governo do Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Em
1757 acaba com a administração temporal dos missionários nas aldeias. As
maiores destas foram elevadas a vilas. Determinava que os indígenas
deveriam ter um diretor em cada aldeia até que se mostrassem capazes, com a
função de orientação e instrução. O desejo de Mendonça Furtado era que os
índios aprendessem a língua portuguesa, pagassem os dízimos e que não
fossem tratados como indígenas, mas como cidadãos, cristãos e ricos”.
(Cunha, 1968: 42). Determina a Gomes Freire de Andrade deixar o governo de
Minas e colonizar o Rio Grande do Sul (1752) e lutar para a anulação dos
castelhanos na região. Providencia a imigração de 180 famílias açorianas para
157
o povoamento da região Sul. Conforme Maxwell (1985), Pombal foi o primeiro
funcionário português a perceber que a dependência de Portugal à Inglaterra
possibilitava a esta absorver as imensas riquezas oriundas das descobertas de
ouro e diamantes no Brasil. O grande fluxo de ouro do Brasil para a Inglaterra
proporcionara a esta meios para criar sua formidável marinha e importante
indústria. Mas Pombal compreendia que era necessário incentivar a
diversificação da produção colonial para diminuir a dependência com relação à
Inglaterra. A frota do Rio de Janeiro levava ouro e considerável carga de
couros e de prata; de Pernambuco ia a madeira e o açúcar. As frotas do Grão
Pará e Maranhão transportavam cacau. Da Bahia iam barcos carregados de
ouro, prata, diamantes, jaspe, cacau, balsama, algodão, fumo e açúcar.
Portanto, a estratégia de Pombal era a de fortalecer a colônia com a
diversificação da produção, associada à ocupação das regiões extremas;
racionalização da produção e coleta de tributos; incentivar nos colonos o
interesse pela defesa da terra. “O interesse do Estado na libertação dos índios
chocava-se com os dogmas filosóficos fundamentais da política protecionista
dos jesuítas” (Maxwell, 1985; 33). Além disso, expedia instruções mais
incorporadoras em relação à elite local, assinalando-a como elite imperial, ou
seja, atrelando o seu sucesso econômico e as posições de poder ao destino do
Império como um todo (Barboza Filho, 2000: 400). Daí a idéia de monopólio da
Companhia do Grão Pará e Maranhão que fortalecida tiraria Portugal da tutela
da Inglaterra no comércio de seus produtos americanos. Passa a confiar aos
nativos importantes cargos na administração, na justiça e na polícia.
Com o Tratado de Madri (1750) os portugueses cederam à Espanha
a Colônia de Sacramento e o norte do Rio da Prata em troca das fronteiras
fluviais ocidentais do Brasil. Incluindo o Rio Uruguai passava a Portugal o
domínio sobre Sete Missões. O acordo determinava a evacuação dos jesuítas
e seus neófitos indígenas bem como mais de um milhão de cabeças de gado.
Em carta secreta a Gomes Freire de Andrade, Comissário português,
determinou o povoamento da região. O Duque Silva Tarouca escreveu a
Pombal, de Viena, em 1752, dizendo que se Portugal aproveitasse o “mouro, o
158
branco, o mulato ou mestiço, todos deveriam servir e que os reis de Portugal
poderiam chegar a ter um império como a China no Brasil” (Maxwell, 2001). As
reformas de Pombal aprofundavam as divergências entre o Estado e a
Companhia de Jesus. Como observa Azevedo (1930), “os jesuítas
transformaram a obra missionária num trabalho colonizador não indiferente aos
interesses mercantis. Foram colonizadores e a obra que haviam empreendido
tinha caráter temporal. [...] A sociedade religiosa era, pois, também mercantil”.
Portanto, uma profunda contradição de vez que Pombal via nos jesuítas os
concorrentes do estado e sua política monopolista. Primeiro os expulsa do
Grão Pará e depois, literalmente, liquida com a companhia e os expulsa do Sul.
Na verdade, desde a época de D. João V, para não concorrer com os
portugueses, os jesuítas foram impedidos de penetrar ou de se estabelecerem
em Minas. Os atritos do estado com a companhia precedem ao “século das
luzes”, mas ele por coincidência ou por efetivas influências, torna-se o ponto de
precipitação. Conforme interpreta Kern (1982), as conseqüências das
mudanças operadas no século XVIII refletiram nas colônias americanas. Nos
Trinta Povos, o desenvolvimento interno continuará sendo constante,
principalmente do ponto de vista cultural. Crescem as instalações materiais em
concorrência com o estado monopolista e territorialista.
“As pressões externas, provenientes tanto do Império
Português, para o qual as missões eram um obstáculo ao
expansionismo, bem como da própria sociedade hispano-
americana, precipitarão a queda de todo o conjunto, a partir do
Tratado de Madri até a expulsão final da ordem jesuíta em
1768” (Kern, 1982: 14).
Pombal tentou racionalizar a máquina arrecadadora de tributos,
especialmente o quinto, evitando execuções sumárias. Evitou o grave risco do
processo de derrama. A segurança da colônia deveria ser garantida por sua
população. Conforme Maxwell (1985), a política de modernização de Pombal
resultou na formação de uma classe detentora de fortunas às base de negócios
escusos, a exemplo de uma grande parte dos inconfidentes. Além disso,
valorizou a intelectualidade acadêmica visando o progresso científico. Com a
159
morte do rei Dom José e a queda de seu ministro, as reformas por ele postas
em prática sofreram pesadas restrições. O sistema de exploração retrocedeu
aos tempos de Dom João V. Os teares, já em grande número, produzindo
tecidos de boa qualidade foram destruídos e confiscados; entrou em prática o
fiscalismo intransigente com ameaça de volta da derrama. A plutocracia de
Minas formada no período pombalino tentou resistir transformando-se no que
se denominou de inconfidentes. Enquanto corria o processo contra os
inconfidentes, relata Maxwell, deu-se a ressurreição da influência pombalina,
com presença de novos ministros e altos funcionários no governo. Daí
novamente a valorização de estudos técnicos e científicos na forma cogitada
pelos inconfidentes. Neste momento Manoel Ferreira da Câmara (futuro
Intendente Câmara) foi convidado pelo governo para fazer curso de
mineralogia e física, em Paris e Freiberg, mesmo sendo irmão de José de Sá
Bitencourt, implicado na Inconfidência. Interessava-se pela descoberta de
nitreiras para fabricação de pólvora e instalação de fábricas de ferramentas
para mineração e lavoura. Pretendiam liberalizar o Distrito Diamantino;
planejavam criar escolas de mineração e suspensão do arrocho fiscal e
derramas. Desta forma, a metrópole resolveu ser mais condescendente no
julgamento dos implicados. Somente o ativista Tiradentes, que não tinha a
mesma relevância social dos demais, foi executado.
É muito contraditório o fato de, no reinado de Dona Maria I, existir
um certo incentivo ao progresso tecnológico e científico na Metrópole e um
estúpido impedimento de sua prática na Colônia. Os trabalhos científicos,
voltados para o desenvolvimento dos meios de produção, não eram aceitos
porque partiam de estudiosos com formação não puramente técnica.
Desvinculavam-se do compromisso teocrático a que estava atrelada a coroa
portuguesa. De acordo com Carrato (1968), eles foram desprezados por
Lisboa, que somente entendia como remédio para salvar a produção mineral, o
arrocho fiscal e a derrama. Quando José Vieira Couto propôs iniciar suas
explorações pelas terras do Distrito Diamantino, o Intendente Amaral da
Silveira obsta os passos do cientista de todas as maneiras. O mineralogista Dr.
160
José de Sá Bitencourt e Acioli, implicado na Inconfidência mineira, irmão do
Intendente Câmara, teve seus projetos rechaçados pela política de Lisboa, com
imensos prejuízos tanto para os portugueses como para o Brasil. Porque foi
capaz de fundir o ferro de modo não oficial e por sua própria conta, teve que se
refugiar na Bahia até que amenizassem as perseguições sobre a sua pessoa
(Revista do Arquivo Público Mineiro, 1909; 475). Para Barboza Filho (2000),
nem Pombal e nem os Bourbons não se empenharam na substituição da
religiosidade barroca do povo, que continuava a ver no soberano o substituto
de Deus. A religião torna-se elemento do estado e o projeto de modernização
de Pombal é através deste. Pleiteia-se o enriquecimento do Estado e das elites
que dele se servem. Daí, de forma eclética, a resistência ao iluminismo, ao
liberalismo e apoio à continuidade do mercantilismo já tardio, com seus direitos
e monopólios. Dois irmãos do cientista José Vieira Couto foram presos: um em
Diamantina e o outro em Lisboa, acusados de idéias liberais e de filiação
maçônica. Ambos acabaram sendo assassinados. Mas, continua Barboza
Filho:
A Ibéria não tinha condições históricas ou reflexivas para
perceber as potências revolucionárias inerentes ao trabalho. E
ainda que desfrutasse de consciência iluminada dessas
potências, não as aceitaria como eixos de um programa de
reestruturação social e econômica de seus reinos. Consciente
de si, e inconsciente do mundo e do futuro: o espaço, o
território” (p.395).
A expansão para o Sul e para a Amazônia, acompanhada de efetiva
ocupação e de intensa exploração fazia parte dessa concepção e dessa opção.
A constante queda na produção de ouro a partir da segunda metade
do século XVIII, não fez diminuir a população de Minas e nem seu comércio.
Houve sim maior movimentação interna no sentido Norte-Sul e Leste-Oeste.
Mas com a decadência da mineração acelera-se o crescimento da produção
têxtil. Afirma Daniel de Carvalho que de tal modo se desenvolveram e
prosperaram estas atividades, chegando em alguns lugares a se fazerem
tecidos tão finos que se exportavam para fora da capitania, a ponto de provocar
no governador da Capitania, D. Antônio de Noronha o receio de ficarem os
161
habitantes da capitania, dentro de pouco tempo, independentes dos do reino,
pela diversidade de gêneros que em suas fábricas se trabalham. O governador
propõe a proibição das fábricas como solução. Quando o marquês do Lavradio
deixou o vice-reinado, informou ao seu sucessor que
“...a independência que os povos de Minas se tinham posto dos
gêneros da Europa, estabelecendo a maior parte dos
particulares, nas suas próprias fazendas, fabricas e teares,
com que se vestiam a si, e à sua família e escravatura, fazendo
panos e estopas, e diferentes outras drogas de linho e algodão,
e ainda de lã que uns povos compostos de tão más gentes, em
um país tão extenso, fazendo-se independentes, era muito
arriscado e podem algum dia dar trabalho de maior
conseqüência” (Lima, 1970: 56-57).
Não era somente o setor têxtil que havia se desenvolvido, a indústria
caseira fornecia ao mercado diversos outros produtos: os engenhos de açúcar,
rapadura e aguardente; os laticínios, como queijo, manteiga e requeijão; banha
de porco, lingüiça e chouriço; doce, sabão e azeite para iluminação; farinha de
mandioca, polvilho e fubá de moinho d’água. Martinho de Melo e Castro (1716-
1795), ministro dos Negócios Ultramarinos, substituto de Pombal, em resposta
ao relatório do marquês do Lavradio, remeteu instrução minuciosa e severa ao
visconde de Barbacena para que governasse a Capitania de Minas com punho
de ferro para que, mesmo sofrendo o povo, procurasse salvar os interesses da
Real Fazenda, com a proibição das culturas da amoreira, algodão e oliveira.
Em 1785 Melo e Castro envia instrução ao governador da capitania no sentido
de impedir a instalação de novos teares, apreender e destruir os existentes:
“... que se não cuidar eficazmente nos e modos de os coibir, a
conseqüência será que todas as utilidades e riquezas destas
importantíssimas colônias ficarão sendo patrimônio dos seus
habitantes e das nações estrangeiras, com quem eles as
repartem, e que Portugal não conseguirá mais que aparente,
estéril e inútil domínio nelas. Quanto às fábricas e manufaturas
é indubitavelmente certo que sendo o Estado do Brasil mais
fértil e abundante em frutos e produções da terra, e tendo os
seus habitantes vassalos desta coroa, por meio da lavoura e da
cultura, não só tudo quanto lhe é necessário para sustento da
vida, mas muitos artigos importantíssimos para fazerem, como
fazem, um extenso e lucrativo comércio e navegação; e se
estas incontestáveis vantagens ajuntarem às da indústria e das
artes para o vestuário, o luxo e outras comodidades precisas,
ou que o uso e costumes têm introduzido, ficarão os ditos
habitantes totalmente independentes da sua capital dominante:
é por conseqüente: indispensavelmente necessário abolir do
162
Estado do Brasil as ditas fábricas e manufaturas” (Maxwell,
1985: 99).
O documento de Melo e Castro revela com clareza o ideal
mercantilista; a finalidade das colônias; a forma discriminatória com que tratava
os habitantes da colônia. A capitania de Minas Gerais, no final do século XVIII
por ser muito populosa e urbana, por sua expressiva protoindústria, pela
atualizada cultura européia que abrigava, de caráter liberal e iluminista,
expressa pelo rococó e pelo arcadismo e pelas condições sociais de sua
população, havia se distanciado do modelo de colônia portuguesa. Como
observa Maxwell (1985: 119), o desenvolvimento verificado em Minas era a
antítese daquilo que a mentalidade oficial de Lisboa acreditava constituir a
função de uma capitania colonial. “
As pressões locais que levaram D. Rodrigo
José de Meneses a propor a criação de uma fundição de ferro eram
excomungadas pelos formuladores do novo e rígido neomercantilismo”. A
incongruência da Capitania de Minas determina o seu desmonte. A
inconfidência Mineira foi a gota d’água que faltava. Os centros urbanos
constituídos pelas vilas começam a se esvaziar e o território da capitania se
amplia.
A ideologia que privilegiava ou priorizava a obtenção da riqueza para
os ibéricos, com sacrifício do povo, do crioulo, do negro e do índio, começa a
sofrer uma resistência na mentalidade dos chamados árcades mineiros. A
utopia de Alvarenga Peixoto, Cláudio Manoel da Costa, Tomaz Gonzaga,
Basílio da Gama e Santa Rita Durão, se não fez quebrar a ordem vigente,
contribuiu para o surgimento de uma nova consciência que valorizava o
humanismo. As estrofes em quadras de Alvarenga Peixoto, abaixo, questionam
a validade do ferrolho governamental e patronal.
Eles mudam aos rios as correntes,
rasgam as serras, tendo sempre armados
da pesada alavanca e duro malho
os fortes braços feitos ao trabalho
Que fez a natureza
em por neste país o seu tesouro
das pedras na riqueza,
163
nas grossas minas abundantes de ouro,
se o povo é miserável?
Isto, que Europa barbaria chama,
do seio de delícia tão diverso,
quão diferente é para quem ama
os ternos laços do seu pátrio berço! (Peixoto citado por
Cardoso, 1956: 33).
Tomaz Antônio Gonzaga (1744/1810), embora tenha superado as
questões estéticas do barroco, continua engajado na política de colonização.
“O Tratado do Direito Natural apóia o iluminista com inclinação ao despotismo,
Hobbes contrapõe-se ao iluminista liberal Locke. Diz Gonzaga: “A minha
opinião é que o rei não pode ser de forma alguma subordinado ao povo; e por
isso ainda que o rei governe e cometa algum delito, nem por isso o povo se
pode armar de castigos contra ele” (Cardoso, 1956: 37-38). Para John Locke
(1632/1704) o fim do estado é proteger os direitos naturais de cada um.
Quando o estado não reconhece ou nega aos cidadãos os seus direitos,
desempenha mal a sua função. Nesse caso, os cidadãos têm o direito de
oferecer-lhe resistência e inclusive de rebelar-se (Sciacca, 1966). O momento
de “Tratado de Direito Natural” é o de Pombal a quem Gonzaga quer agradar e
merecer confiança. O momento de “Cartas Chilenas” é de D. Maria I e do forte
ministro Martinho de Melo e Castro, documento que revela a indignação diante
do despotismo. O governador da Capitania, D. Luiz da Cunha Menezes (1783-
1788) é tratado como um devasso, mau caráter, a quem Gonzaga lhe dava o
codinome Fanfarrão Minésio.
“Apenas, Doroteu, o nosso chefe
as rédeas manejou de seu governo,
fingiu nos intentou que tinha uma alma
amante da virtude. Assim foi Nero.
Governou aos romanos pelas regras
da formosa justiça, porém logo
trocou o cetro de ouro em mão de ferro.
Manda pois aos ministros lhe dêem listas
de quantos presos as cadeias guardam:
faz a muitos soltar e aos mais alenta
de vivas bem fundadas esperanças.
Estranha o subalterno, que se arroga
o poder castigar ao delinqüente
164
com troncos e galés; enfim, ordena
que aos presos, que em três dias não tiverem
assento declarado, se abram logo
em nome dele, chefe, os seus assentos.
Aquele, Doroteu, que não é santo
mas quer fingir-se santo aos outros homens,
pratica muito mais do que pratica
quem segue os sãos caminhos da verdade.
Mal se põe nas igrejas, de joelhos,
abre os braços em cruz, a terra beija
entorta o seu pescoço, fecha os olhos,
faz que chora, suspira, fere o peito
e executa outras muitas macaquices,
estando em parte onde o mundo as veja.
Assim o nosso chefe, que procura
Mostrar-se compassivo, não descansa
Com estas poucas obras: passa a dar-nos
de sua compaixão maiores provas.
[...]
Já leste, Doroteu, o Dom Quixote?
Pois eis aqui, amigo, o seu retrato
Mas diverso nos fins que o doido Mancha” (Gonzaga, citado
por Cândido & Castello, 1968: 202-203).
Gonzaga critica com severidade a religiosidade exteriorista das elites
coloniais, sem contrição espiritual. Religiosidade gestual com investimento
político para adquirir prestígio e poder. Enfim, a religiosidade da conveniência
barroca, dramatizada e bizarra.
Frei José de Santa Rita Durão (1722-1784) nasceu em Mariana
(MG), estudou no colégio Jesuíta do Rio de Janeiro e partiu para Portugal.
Doutorou-se em Teologia pela Universidade de Coimbra onde lecionou.
Escreveu “O Caramuru” em 1781, poema épico que exalta as belezas e
riquezas da terra, mas o herói é o bem comportado português Diogo Álvares
Correia, o Caramuru que se casa com a indígena Paraguaçu. Diogo dá
proteção ao herói indígena Gupeva em sua luta com uma tribo inimiga. Por
causa dos poderes e equipamentos próprios da civilização européia Caramuru
torna-se um dominador respeitado pelos indígenas. Por isso, viaja com sua
esposa Paraguaçu para a França. Lá foram mostrar aos discípulos de
165
Rousseau o “feliz” casal de “o bom selvagem” e o “bom Ibérico”. Ao rei da
França descrevem o paraíso do Brasil.
Mas não come o estrangeiro, nem consente
Comer-se carne humana; e só teria
Outra carne qualquer por inocente,
Aves, feras, tatus, paca, ou cotia;
Receba pois de nós grato presente,
De quanto houver nos matos da Bahia;
Saia-se à caça; e como lhe compete,
Prepare-se a hospedagem de um banquete (“Caramuru”, canto
II, estrofe XXXVIII).
Prepara-se um banquete com grandeza,
Em que a cópia compita côa elegância;
E os dois consortes se dispõe a mesa
No magnífico Paço emgia estância:
Nem se dedgna a Soberana Alteza,
Depois de os regalar com abundância,
De dar rainha e rei, de ouvir curiosos,
Uma audiência privada aos dois esposos.
Depois (disse o monarca) que informado
De meus ministros tenho a História ouvido,
Como foste das ondas agitado,
Como da gente bárbara temido:
Sabendo que os sertões tens visitado,
E o centro do Brasil reconhecido,
Quero das terras, dos viventes plantas,
Que a história contes de províncias tantas (“O Caramuru”,
canto VII, estrofes XX e XXI).
O romance “O Caramuru” foi composto no momento em que
especialmente a Península Ibérica tentava mostrar para a Europa a sua cultura
iluminada, associada à ideologia de afirmação dos valores burgueses, em
princípios opostos à truculência guerreira. Os heróis modernos impressionam
pelo saber ou pelo poderio tecnológico. Santa Rita Durão quer ressuscitar o
espírito jesuítico na consideração do indígena como verdadeiro súdito e com
isso anda na contramão da realidade histórica. No ideal, Caramuru e
Paraguaçu eram politicamente corretos, mas seu criador não os levou a Roma
166
para entrevistar-se com o Papa e nem a Lisboa para banquetear com a rainha
Dona Maria I.
Cláudio Manoel da Costa (1729-1789), nascido em Mariana e
falecido em Ouro Preto, esteve em Coimbra onde estudou Direito, mas de volta
ao Brasil, esteve em franca atividade profissional e literária. Cláudio Manoel
revela a consciência libertária de seu tempo. No poema épico “Vila Rica”, de
edição póstuma, é historiador que, embora de forma simbólica, critica o atraso
dos colonos na primitiva técnica de minerar e nas arcaicas práticas agrícolas,
desconhecendo o arado e lançando mão das tristes queimadas.
“Entre serras est’outro vai buscando
as betas de ouro; aquele vai trepando
pelo escabroso monte, e as águas guia
pelos canais, que lhe abre a pedra fria.
Não menos mostra o gênio a agricultura
tão cara do país, aonde a dura
força dos bois não geme ao grave arado;
só do bom lavrador o braço armado
derriba os matos, e se ateia fogo
sobre a seca matéria o ardente fogo” (Costa, 1983).
Os colonizadores portugueses, com todas as dificuldades,
mantiveram a mineração da forma que mais lhes convinham, com a
prevalência do arcaísmo, enquanto
: a) existiam jazidas superficiais, isto é,
depósitos aluviais recentes, em que os minerais podiam ser extraídos com
instrumental e técnicas rudimentares; b) foi possível manter a repressão para
abafar revoltas, motins e resistências contra os privilégios e as injustiças; c)
puderam evitar as mudanças modernizadoras do sistema exploratório que
exigiam aplicações de capitais a longo prazo e tecnologia mais apropriada; d)
foi possível nutrir no povo a crença de que os lusitanos eram eleitos por Deus
para colonizar, isto é, obrigar o povo a aceitar a sacralidade da colonização. Os
colonizadores perceberam que não podiam ou não conseguiam mais manter a
mineração aurífera. A punição aos inconfidentes com degredos, confinamentos
e pena de morte foi aterrorizante, como revela o esquartejamento de
Tiradentes. Igualmente rigorosas foram as perseguições sobre os habitantes
167
das cidades auríferas, com prisões, confiscos de bens e humilhações públicas.
A partir da Inconfidência Mineira as cidades do ciclo do ouro passaram por um
melancólico esvaziamento. Os mineradores, os clérigos e escravos se
distanciam das cidades buscando longínquas terras. Por onde chegam os ex-
mineradores, já transformados em agropecuaristas, vão empurrando as linhas
divisórias da Província de Minas. Conforme Carrato (1968), uma verdadeira
diáspora. Os migrantes partiram em massa na busca de novas aventuras,
encontrando imensas florestas e terras desabitadas. Às vezes ainda tentavam
a mineração de ouro ou de gemas, mas acabavam abrindo currais, fazendas e
pequenos negócios; começa a ereção de capelas, criação de freguesias ou
vilas. No momento da Inconfidência e logo depois do dia 21 de abril de 1792,
os espaços inexplorados nas imediações dos centros auríferos começaram a
ser ocupados, atestando a criação de novos municípios, como em 1789 -
Itapecerica; em 1790 - Conselheiro Lafaiete; em 1791 - Barbacena; em 1798 -
Campanha e Paracatu.
168
CONCLUSÕES
“Vê meu fiel Sancho: diante de nós estão mais de trinta insolentes
gigantes a quem penso dar combate e matar um por um. Com seus
despojos iniciaremos nossa riqueza, além de arrancar essas
sementes ruins da face da terra. Essa é a ordem de Deus que
devemos cumprir”.
(Miguel de Cervantes)
169
4. CONCLUSÃO
As hipóteses levantadas na introdução deste trabalho pretenderam
dar conta de que os textos literários como ilustração da narrativa história foram
eficientes porque explicitaram os ideais e os conhecimentos dos colonizadores
e dos colonizados.
Ao eleger essa forma de busca não se negou ou anulou preferência
pelas fontes primárias dos arquivos públicos, mas comprovou-se a eficácia da
experiência na narrativa histórica.
Durante toda a exposição sobre a história da colonização americana
fez-se referência a alguns mitos da Antiguidade Clássica presentes nos textos
literários dos conquistadores e colonizadores europeus. A transfiguração e a
transposição de tais mitos para a literatura da época moderna mudaram seus
conteúdos. O mito grego, por exemplo, em sua forma original tinha por objeto a
apresentação de um conjunto de ocorrências fabulosas com que se procurou
dar sentido ao mundo. Sua função é de mediação simbólica entre o sagrado e
o profano proporcionando o entendimento da ordem do mundo e as relações
entre os seres.
A ideologia desempenha quase a mesma função no mundo moderno
que o mito nas sociedades primitivas tradicionais, na medida que mitifica as
idéias e os ideólogos. Nada se assemelha mais ao pensamento mítico do que a
ideologia política, o que faz o historiador ao evocar a expedição de Hernán
Cortes ao México, referindo-se a uma seqüência de acontecimentos passados.
Os mitos das riquezas fabulosas quer narrados por Colombo quer citados na
mitologia Asteca estavam presentes em seus objetivos.
170
Quando Gongora recorre à mitologia grega e traz o herói Ulisses
para a vida social histórica da Espanha ele estava em concordância com a
ideologia que enaltece a realeza. O rei, em primeiro lugar é que deve acumular
as riquezas. Os mitos, as fábulas de tesouros narrados por Marco Pólo, o
Grande Cã encaixa na ideologia que justificava e legitimava a posse das
riquezas para os cristãos ocidentais.
O mercantilismo praticado pelos ibéricos já não beneficiava somente
o rei e sua corte, mas aos grandes navegadores. Camões também busca no
mito Ulisses o ideal de herói navegador invencível, rico, próspero. Ulisses
representa o bem, o Ocidente. Baco representa o mal, o Oriente, deve ser
derrotado. Com o mercantilismo do século XVIII, com a descoberta dos metais
e as pedras preciosas no Brasil; com o aumento da produção e do consumo de
bens industrializados, não são somente os tesouros reais que se acumulam,
mas também as fortunas privadas. Configurava a mentalidade burguesa que
desejava levar uma vida livre. O novo mito é o homem genial, criativo, sábio
como o personagem de Diderot, Rameu, gênio da música francesa que banira
o canto gregoriano. As obras de Rousseau são de ficção, mas seus
personagens são tipos ideais de homens pensantes, os mitos modernos.
Enquanto a França e Inglaterra procuravam inovações, Espanha e
Portugal continuavam refratárias a mudanças, em constantes crises
econômicas e sociais. Luiz Antonio Verney repudiando a poesia barroca
afirmava que Vieira havia contrariado os melhores modelos de antiguidade,
sobretudo porque foi contrário ao que ensina a boa razão.
As idéias iluministas justificam a existência das desigualdades entre
os homens partindo da lógica de que a natureza deu a estes uma vontade, uma
inteligência e aptidões desiguais. Surgia, portanto, uma nova forma de
expressão da ideologia da desigualdade das fortunas. O estado e o príncipe
deveriam garantir à nova elite a posse das propriedades e o poder. O saber
tecnológico e o saber intelectual concorrem para o aumento dos benefícios da
171
burguesia e altera o processo de exploração das colônias. A literatura se
encarrega de levar para as colônias a ideologia da superioridade e do
merecimento de recompensas aos homens afortunados. Como em “Jacques, o
fatalista e seu amo”, de Diderot. O saber do amo é racional. O amo é senhor de
seus atos e por isso merecedor da fortuna. O saber do criado é mecânico,
conduzido pelo destino e, portanto, dependente. No último quartel do século
XVIII a idéia de defesa da propriedade privada com Valentim de Foronda que
se contrapõe às limitações excessivas e às tendências tutelares do poder na
Espanha. O aumento do poder da burguesia coincide com o aumento do
contrabando da América com enormes prejuízos tanto para a metrópole quanto
para as colônias. O emergente mercado nas colônias atraiu o contrabando de
produtos europeus beneficiando a França e a Inglaterra. A repressão ao
contrabando e ao enriquecimento dos crioulos gerou uma resistência ao
colonialismo. O espírito de insubmissão contra a metrópole culmina com a
idealização da Independência da América Latina, como consta dos “Diários”, de
Francisco Miranda.
As reformas em Portugal tiveram um caráter híbrido: levaram em
conta uma noção de cristianismo enraizada na história lusitana, cheia de
heroísmo e conquistas, as quais Portugal queria resgatar. A produção literária
de Portugal passou por um meticuloso patrulhamento de modo a impedir o
rompimento com a ordem literária vigente na época de Pombal. A burguesia
busca os favores do estado e do príncipe. A bajulação ao Marquês de Pombal
marcou de forma acentuada a literatura em Portugal e no Brasil, na segunda
metade do século XVIII, a exemplo do poeta Antonio Diniz da Cruz e Silva que
recebia a ajuda do pai, um rico sargento-mor e minerador que vivia no Brasil. O
momento da obra “Tratado de Direito Natural”, de Tomaz Antonio Gonzaga é o
de Pombal a quem ele quer agradar e merecer confiança. Por isso afirma que
ainda que o rei governe e cometa algum delito, nem por isso o povo se pode
armar de castigo contra ele”.
172
Foi, portanto, esse homem burguês liberado que ganhou uma
expressão própria na América e esboçou uma reação anti-colonialista. A
ideologia que privilegiava ou priorizava a obtenção da riqueza para os ibéricos,
com sacrifício do povo, do crioulo, do negro e do índio começa a sofrer
resistência. Não faltaram punições aos escritores, considerados subversores
da ordem estabelecida, da vontade e da cultura dos colonizadores. Santa Rita
Durão em “O Caramuru” diz aos europeus como se deve tratar o indígena: com
dignidade e não com estupidez. Mostra a contradição dos europeus que se
afirmaram como superiores aos demais homens do mundo. Alvarenga Peixoto
sente o peso do colonialismo, do despotismo e da discriminação dos europeus
com relação à América e brada:
Que fez a natureza em por neste país o seu tesouro das
pedras na riqueza, nas grossas minas de ouro, se o povo é
miserável? Isto, que Europa barbaria chama, do seio de delicia
tão diverso é para quem ama, os ternos laços do seu pátrio
berço!”
173
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
“DEVE-SE SABER QUE HÁ DOIS MODOS DE COMBATER: UM COM AS
LEIS E OUTRO COM A FORÇA. O PRIMEIRO É PRÓPRIO DOS HOMENS, O
SEGUNDO DOS ANIMAIS. COMO, MUITAS VEZES, O PRIMEIRO NÃO
BASTA, CONVÉM RECORRER AO SEGUNDO”.
(MAQUIAVEL)
174
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