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REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS,
órgão dos estudos e pesquisas do Ministério da Educação e Cultura,
publica-se sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos, e tem por fim expor e discutir questões gerais da
pedagogia e, de modo especial, os problemas da vida educacional
brasileira. Para isso aspira congregar os estudiosos dos fatos
educacionais do país, e refletir o pensamento de seu magistério.
REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS publica
artigos de colaboração, sempre solicitada; registra resultados de
trabalhos realizados pelos diferentes órgãos do Ministério e pelas
Secretarias Estaduais de Educação. Tanto quanto possa, REVISTA
BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS deseja contribuir para
a renovação científica do trabalho educativo e para a formação de uma
esclarecida mentalidade pública em matéria de educação.
A Revista não endossa os conceitos emitidos em artigos nados e
matéria transcrita.
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REVISTA
BRASILEIRA DE ESTUDOS
PEDAGÓGICOS
PUBLICADA PELO INSTITUTO NACIONAL DE
ESTUDOS PEDAGÓGICOS
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA
VOL. XXXIV
JUL.-SET., 1960
N.° 79
1
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS
CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISAS EDUCACIONAIS
Rua Voluntários da Pátria, 107 Botafogo
Rio de Janeiro Brasil
DIRETOR ANÍSIO SPÍNOLA
TEIXEIRA
Documentação e Informação Pedagógica
PÉRICLES MADUREIRA DE PINHO
Documentação e Intercâmbio ELZA
RODRIGUES MARTINS
Inquéritos e Pesquisas
JOAQUIM MOREIRA DE SOUSA
Organização Escolar
ELZA NASCIMENTO ALVES
Orientação Educacional e Profissional
ZENAIDE CARDOSO SCHULTZ
Coordenação dos Cursos LÚCIA
MARQUES PINHEIRO
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos PAULO
ALBERTO MONTEIRO DE BARROS
Secretaria
ANTÓNIO LUÍS BARONTO
Toda correspondência relativa à REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS
PEDAGÓGICOS deverá ser endereçada ao Diretor do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos, Caixa Postal n.° 1669, Rio de Janeiro, Brasil.
REVISTA BRASILEIRA
DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS
Vol. XXXIV
Julho-Setembro, 1960 N' 79
SUMARIO
Estudos e debates:
AZEVEDO., Fernando de — A lição de um grande exemplo ................................................. 3'
BARROS, Roque Spencer Maciel de — Liberdade de ensino ............................................ 16
LOURENÇO FILHO, M. B. — Lei de Diretrizes e Bases ................................................. 34
ROSSELLO, Pedro — Especialistas em educação para a América Latina 52
Documentação:
Discurso de Fosse do Ministro Fedro Paulo Penido ............................................................ 58
Diretrizes e Bases da Educação Nacional ......................................................................... 63
Emendas da 1ª Convenção em Defesa da Escola Pública ao Projeto de
Diretrizes e Bases .................................................................................................. 87
Articulação do ensino no Brasil — 1960 .............................................................................. 101º
NOTAS PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Manifesto dos Educadores — 1932 ............................................................................... 108
INFORMAÇÃO DO ESTRANGEIRO .................................................................................................................. 128
LIVROS — LIMA, Alceu Amoroso — O espirito universitário; MEDEIROS,
Ethel Bauzer — Jogos para recreação na escola primária; NERICI,
Imideo Giuseppe — Introdução à didática geral; SODRÉ, Nelson Wer-
neck — O que se deve ler para conhecer o Brasil; UNESCO
Faits et chiffres ............................................................................................................... 178
REVISTAS Abreu, Jaime — Ensino no Brasil; Almeida, Hélio de — A sociedade da
ciência e da técnica na União Soviética;- Almeida Júnior A. de — Escola pública e
escola particular .Azevedo, Fernando de — O projeto em acusação Cardoso,
Fernando Henrique — Educação para o desenvolvimento Fernandes, Florestan — A
democratização do ensino; Villalobos, João Eduardo R. — Liber
dade de Ensino Noronha, António Alves — Instrução e educação
na U.R.S.S. Silva, Maurício Joppert da — O preparo de técnicos
na União Soviética ......................................................................................................... 180
JORNAIS Barros, Roque Spencer Maciel de — Religião e Educação/
Carranca, Luís F. Ensino privado e ensino público -Carvalho,
António Pinto de — Conceito de didática ...................................................................... 263
ATOS OFICIAIS — Decreto nº 47.997, de 4 de abril de 1960 — Aprova o Re
gulamento da Escola Nacional de Ciências Estatísticas; Decreto nú
mero 48.247, de 30 de maio de 1960 — Cria a Escola Nacional de Flo
restas e dá outras providências; Decreto n" 48.297, de 17 de junho
de 1960 — Dispõe sobre a instituição da Fundação Educacional do
Distrito Federal; Portaria nº 193, de 25 de abril de 1960 (Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos) — Dispõe sobre a concessão de
bôlsas-de-estudo; Portaria n' 218, de 5 de abril de 1960 (Direto-
ria do Ensino Secundário) — Aprova instruções relativas ao paga
mento de bôlsas-de-estudo, custeadas pelo Fundo Nacional do Ensino
Médio; Portaria n 294, de 15 de junho de 1960 — Dispõe sobre a
, estação de provas finais no ensino secundário ......................................................... 285
Estudos e debateu
A LIÇÃO DE UM GRANDE EXEMPLO
FERNANDO DE AZEVEDO
Da Universidade de S. Paulo.
Dos artigos que reuniu Louis Jouvet em suas "Réflexions du
Comédien", o primeiro que abre o livro e tem por título "Ou va le
theâtre?", termina com o seguinte diálogo entre êle e Pierre Renoir:
"Estou com a ideia (diz Jouvet) de que não somos inovadores, creio que
tens razão: somos ou seremos continuadores. — Se queres, está bem. —
Mas, um inovador, que é, na tua opinião ? — É um homem que detesta
seus predecessores. — Não é o meu caso, adianta Jouvet. — E que
detesta ainda mais seus sucessores", acrescenta Renoir. Embora, ao que
consta do texto, tivesse parado aí o diálogo, o grande homem de teatro
podia ter ajuntado com razão: "Não é também meu caso." A questão
posta, nesse rápido colóquio, pelos dois interlocutores, faz-me pensar
mais uma vez sobre a posição de A.F. de Almeida Júnior, que é um dos
mais autorizados líderes da educação nacional. Inovador ou
continuador? Poderá parecer um continuador, sob certos aspectos. Mas,
na verdade, o que é e tem sido esse eminente mestre, é um inovador.
Renovador, sim, que não rejeita o passado nem se inquieta com o
futuro, não detesta seus predecessores nem se previne contra seus su-
cessores, ou, se se preferir, um continuador de ideias progressistas e de
vistas largas. Por sua lucidez e serenidade de espírito, por sua
inteligência a que o temperamento, longe de perturbá-la ou de lhe criar
embaraços, permite a atividade, na plenitude de suas forças, esse
inovador tem um sentido muito exato da vida e pode ser contado entre
aqueles que, possuindo-o vivamente, sabem não renegar as grandes
tradições.
Não é, de fato, Almeida Júnior um desencadeador de movimentos
nem terá dado às suas obras um caráter pioneiro. Pode mesmo ter
provocado, nesse ou naquele momento, uma ação de freio. Mas é um
grande inovador à sua maneira: sem impulsos e sem arrebatamentos,
com um sentido extremamente vivo da relatividade das coisas,
dirigindo-se com firmeza a seus fins.
Do volume Figuras de meu convivio, a ser editado brevemente na coleção das
Obras Completas do Prof. Fernando de Azevedo, retiramos o presente capítulo que
nos foi cedido por deferência do autor.
Não parece ter pressa em alcançá-los. Êle sabe que "o tempo só respeita
aquilo que não o esquece." É, a certos respeitos, um contemporizador,
no sentido de que joga com o tempo e aprendeu a dar tempo ao tempo.
Como a precipitação vai frequentemente contra os nossos objetivos,
põe-se sempre em guarda contra ela, evita-a sistematicamente, em parte
por temperamento e em parte de caso pensado, pela confiança na
própria força das coisas e na vitória, através de insucessos provisórios,
do que é justo e racional. Uma das lições que se desprendem de sua
vida, tão rica de ensinamentos, é a de saber esperar, é a da paciência em
face dos acontecimentos. Não se entusiasma facilmente com os triunfos
nem se desalenta com os insucessos. Pois no dia em que um recuo
suficiente nos permitir ver os fatos sob sua verdadeira luz, a agitação
que se produziu, as iniciativas que dela resultaram, as transformações
que. se operaram, em consequência, no mundo das ideias e das
reformas, aparecerão como uma das situações mais inesperadas, uma
daquelas que ninguém poderia ter previsto. Dos dias que estão por vir e
se nos apresentam como que entre névoas, per speculum in aenig-mate,
na expressão paulina, tem êle, no entanto, um pressentimento bastante
vivo para esperar tranquilamente a atuação de forças socioculturais,
criadoras e renovadoras, que trabalham na direção de suas ideias e de
seus planos de ação.
Se, em todas as épocas, foi importante o papel de um inovador
dessa categoria, — pertinaz, sim, mas calmo e refletido, que exerce a
função de um time-binder, um elo entre o passado e o futuro, entre a
tradição e as aspirações, muito mais o é nas sociedades modernas em
processo acelerado de transformação. Na época atual, como observa
Paul Valéry, "o maravilhoso e o positivo firmaram uma espantosa
aliança, e os dois antigos inimigos se conjuraram para envolver nossas
existências numa carreira indefinida de transformações e de surpresas.
Pode-se dizer que os homens se acostumaram a considerar todo
conhecimento como transitivo, todo estado de suas indústrias e de suas
relações materiais como provisório. Isto é novo. O estatuto da vida
geral deve ter cada vez mais em conta o inesperado. O real já não está
nitidamente terminado. O lugar, o tempo, a matéria admitem liberdades
de que outrora não se tinha nenhum pressentimento". Nessas sociedades
em mudança agitadas por descobertas científicas e invenções técnicas
que se sucedem umas às outras, quase ininterruptamente; nesse estado
de ebulição e efervescência intelectual em que a sedução do novo
domina os espíritos e o tédio parece instalar-se quando tarda a surgir
algo de inesperado e de sensacional, compreende-se o alcance do papel
moderador dos que encarnam o bom-senso e, embora atraídos pela ideia
de progresso, amam o que é sólido e experimentado, e se dão ao
trabalho de separar, nas ideias novas, o essencial e
o acidental, o que fica, através do que passa, o durável e o transitório.
"O mundo não vale senão pelos extremos e não dura senão pelos
meios, como pondera, em outra passagem, Paul Valéry. Não vale
senão pelos ultras e não dura senão pelos moderados."
A aversão ao exagero, aos excessos, é uma das características de
sua personalidade, — uma força que se disciplinou e se contém. Para
êle, "ce qui est exaggeré ne compte pas", conforme ensina um ditado
francês. Olha, por isso, com ironia para certos agitadores que, como os
petréis, só se alegram no ar das tempestades. Observou-me Almeida
Júnior certa vez, com uns toques de censura, que não vive nem
gostaria de viver no estado de tensão permanente em que me via, nem
de "viver perigosamente", segundo queria Nietzsche e lhe parecia ser
tendência muito de meu temperamento. Não me disse mais nada a
respeito, mas, se tivesse procurado uma imagem para ilustrar seu
pensamento, não me compararia certamente a um planador que sobe a
grandes alturas aproveitando a força e a direção dos ventos, mas antes
a um avião poderoso voando com dois motores em fogo... Retraído,
discreto até a reserva, mas de uma sensibilidade viva que não lhe
permite ocultar a delicadeza e generosidade de coração, tem o bom
gosto de fugir a disputas e polémicas e, se fala pouco, é tão claro,
seguro e convincente no que diz, que é sempre, além de útil, um prazer
ouvi-lo. Nele asso-ciam-se, numa mistura singular, ao domínio dos
nervos e de si mesmo, à inteireza moral, à pertinácia no trabalho, um
cepticismo indulgente e motejador, certo ar de abandono e desencanto
que subtraem às suas fortes qualidades morais tudo o que pudessem
sugerir, de dureza e rigidez. Quando se julga molestado, num debate,
por uma crítica injusta ou impertinente, recolhe-se em si mesmo para
se dominar, e, se se dispõe a uma réplica, de viva voz ou por escrito, é
com uma lucidez, firmeza e serenidade que lhe dobram a eficácia e a
força de persuasão.
Desse conjunto de traços de caráter, espírito e constituição já se podem
deduzir, através de sua personalidade, e compreender melhor o tipo de
profissional que se forjou e de que é modelo, a sua vida e o seu sistema de
reações em face das coisas, das pessoas e dos acontecimentos. Almeida
Júnior é um desses raros que sabem ocupar as meias-distâncias sem jamais
se deixarem ganhar pela mediocridade. Êle estaria, a esse respeito, na linha
de um Montaigne ou de Montesquieu, tão bem apresentado por Jean
Starobinski, em "Montesquieu por êle mesmo". A moderação, tal como a
prática, não é uma atitude de retraimento ou redução. É, ao contrário, a que
torna possível a mais vasta perspectiva sobre o mundo, a mais fina
receptividade e o mais largo acolhimento. Não sei se foi por influência de
algum de seus mestres, nos anos de aprendizado, ou pelo contato com
a cultura francesa, desde sua mocidade, que se apuraram no grande
professor que veio a ser, essa tolerância, esse sentido de medida e de
equilíbrio, certo pudor dos sentimentos cujas raízes emergem do fundo
de seu temperamento e, portanto, de sua própria natureza. Mas é certo
que um homem, que faz um largo crédito à razão e a tem como
equilíbrio dos sentimentos, não se deixando estar à mercê de seus
nervos, não pode chegar a esse estado nem manter-se nele senão por um
constante esforço de autocrítica e auto-educação. Em suas reações e
atitudes, na continência de suas palavras, na exatidão de suas análises
como na construção de suas ideias, revela-se o homem que se encontrou
a si mesmo e, tendo aprendido a governar-se, domina emoções e
pensamento. Das duas espécies de direito, — o que se dirige à razão e o
que fala ao coração, que são para êle, como para nós, igualmente
respeitáveis, parece predominar em Almeida Júnior o primeiro, que dá
sempre o impulso, o estilo e o tom às suas atividades intelectuais e
profissionais.
É como professor que todas essas qualidades, muito suas, avultam
em forte relevo, conferindo-lhe, no exercício de suas funções, em
qualquer dos graus de ensino, uma autoridade magistral. A clareza,
ordem, segurança e erudição que apresentam suas preleções, tidas como
modelos por estudantes e professores, já o ergueram, há muito tempo, à
altura de um mestre consagrado, — um dos maiores que já teve a
Universidade de S. Paulo. Dispondo de todos os instrumentos
intelectuais, de raciocínio e de expressão, destaca-se, entre os demais
professores de seu nível, pelo seu poder clarificador de ideias. O que é
obscuro ou nebuloso, difícil de se perceber ou carregado de impurezas,
transforma-se, quando passa pelo filtro de suas análises e reflexões, em
algo de uma transparência cristalina. No professor que êle é, o que
sobressai, quando se dirige a qualquer público, de especialistas ou de
estudantes, é esse esforço lúcido, tenaz e metódico, esse "ostinato
rigore", que constituía a preocupação quotidiana de Leonardo da Vinci,
mestre por excelência pelo seu espírito crítico e criador a um tempo.
Mas, ao lado de uma curiosidade em todas as direções, da largueza e
elevação de vistas, observam-se ainda em Almeida Júnior rara
capacidade de fazer o comum de um modo incomum, o amor
apaixonado do ofício, certa maneira de ser generoso, uma sensibilidade
particular de sua profissão. Pois o ensino, para êle, é a um tempo
ministério e ofício: não saber seu ofício significa não tomar a sério seu
ministério. Não admite, como tantos cuidam, seja o ensino a única
profissão que se possa praticar sem dela ter feito a aprendizagem. E êle
a fêz, longa e escrupulosamente, em toda uma vida. E, como sabe que
somente a matéria humana sofre prejuízo quando, quem trabalha sobre
ela, não se preparou para
a modelar, e que a matéria humana é a matéria-prima por excelência,
fêz do magistério um ministério ou, por outras palavras, um apostolado.
Foi Wilhelm Dilthey quem observou que "o estado de alma do
pedagogo de génio é tão difícil de analisar e descrever quanto o do
grande poeta. É algo de completamente original. Êle reside na força de
certas impulsões espontâneas. É de notar que o poder de atração que um
homem exerce sobre outro, depende da maneira pela qual se dá e se
dedica". No contato com as crianças (e Almeida Júnior começou pelo
magistério primário), com os adolescentes, nos colégios, ou com a
mocidade, dos cursos de nível universitário, é sempre o mesmo, pela
simplicidade, clareza e capacidade de comunicação. Onde quer que
"essas fortes impulsões se desencadeiam (observa Dilthey), em contato
com as crianças que lhes correspondem apaixonadamente (ou com ado-
lescentes e jovens, acrescentamos nós), lá temos o dom, a aptidão
original". Almeida Júnior que "possui o espírito de invenção para
modelar, comunicar, empreender, ensinar", tem o dom de se adaptar a
todos os auditórios, como se cada um deles lhe fosse o mais familiar,
ensinando a crianças com a mesma naturalidade comunicativa com que
veio, logo depois, a ensinar a adolescentes e, mais tarde, a jovens dos
cursos superiores, como um tipo perfeito de scholar, para o qual não
tem segredos a arte difícil do magistério. Mestre acabado, genuína
expressão do génio pedagógico. Professor primário em Santos, onde
começou, em 1910, sua carreira magisterial, ou professor da escola-
modêlo isolada da capital do Estado de S. Paulo; professor de francês
da Escola Normal de Pirassununga, até 1915, de biologia e higiene na
Escola Normal do Brás (1921), de biologia educacional da antiga
Faculdade de Educação (1933), em 1938, da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras e, a partir de 1941, de Medicina Legal, por concurso,
na Faculdade de Direito, — as três da Universidade de S. Paulo, impôs-
se Almeida Júnior aos alunos de todos os níveis, como mestre de
qualidades excepcionais, que se situa na linha dos grandes educadores
não só do país como da América Latina.
Desde os cursos que realizou, — e foram todos brilhantes, — a
sua atividade no magistério, graduada pelos cargos sucessivos que
exerceu, da escola primária às instituições de ensino superior, com
escala pelas de nível médio, foi uma carreira profissional que não
conheceu saltos nem desvios e acidentes. Uma continuidade sem
ruptura. Uma ascensão sem desfalecimentos. A solidez, a coerência e a
unidade marcam essa vida, bela e fecunda, em que, ao mesmo tempo
que subia pacientemente para postos mais altos, foi ascendendo
laboriosamente para a clareza e precisão. A sua atividade de mestre e
orientador, não a exerceu, porém, apenas nos cursos que professou,
e para os quais se habilitara o professor diplomado, em 1909, pela
Escola Normal da Praça da República ou o médico formado, em 1921,
pela Faculdade de Medicina de S. Paulo, onde, no ano seguinte, defendia
tese de doutoramento, com a nota de "grande distinção". Em Conselhos
de que fêz parte, como o Conselho Nacional de Educação e o Conselho
Estadual do Ensino Superior; em comissões, como a do Estudo das
Diretrizes e Bases da Educação, instituída em 1947 pelo Ministro
Clemente Mariâni; em, conferências e congressos, de âmbito nacional,
ou Seminários Internacionais, como o de Petrópolis, em 1949, e o de
Montevideu, em 1950, a sua presença e atuação tem sido a de um
mestre, de "saber de experiências feito", a cuja palavra e a cujos
pareceres ficam atentos os ouvidos de todos os participantes, de
pequenos grupos ou de grandes assembleias. Não me lembra ter visto
uma vez sequer levantar-se Almeida Júnior para proferir conferência,
entrar em debate ou emitir parecer que não se voltasse para êle a atenção
geral, como para ouvir a palavra meditada, lúcida e precisa, com que se
esclarecesse um problema ou se cortasse uma discussão. Mas esse
interesse vigilante que desperta e sabe manter até o fim de suas palestras
e intervenções, não provém de se transfigurar, quando fala, nem de
qualquer atitude oratória, armada ao efeito, mas somente de sua
probidade intelectual, da lucidez de seu pensamento, do rigor de suas
análises, da transparência meridiana de sua palavra. Sensível às reações
do auditório, acrescenta a todos esses dons com que lhe conquista e
sustenta a atenção, o de temperar, aqui e ali, a matéria, despertando a
hilariedade com finas ironias e anotações pitorescas, tão de seu gosto.
Em todas as campanhas que se têm empreendido, para a
reconstrução educacional do país, nas iniciativas a que abriram
oportunidade; nas comissões de estudos e planejamentos, é, por isso,
instantemente solicitada sua inestimável colaboração. Nunca lhe
bateram à porta para lhe tomar conselhos ou o convocar para uma luta
ou um trabalho em comum, que não acudisse prontamente, ainda que
com sacrifício. Em 1926 colabora na fundação do Liceu Rio Branco, de
que foi professor e diretor até 1934, e, mais tarde, na da Escola Paulista
de Medicina, em que rege até hoje a cátedra de Medicina Legal. Em
1933, dá-me a honrar de cooperar com o Diretor Geral da Instrução
Pública de S. Paulo na elaboração do Código de Educação do Estado.
Resolve Armando Sales, no fim desse ano, fundar a Universidade de S.
Paulo. É mais uma vez chamado Almeida Júnior, agora, para integrar a
Comissão incumbida de proceder ao exame e à redação final do projeto
do decreto-lei que a criou em 25 de Janeiro de 1934. Membro do
primeiro Conselho Universitário, faz parte igualmente da Comissão que
elabora os Estatutos dessa Universidade. E de quantas outras
comissões?
De todas, entre as mais importantes, que se foram instituindo para o
estudo de problemas de educação e planejamentos de reformas. Da que,
em 1935, realizou, sob a presidência do Ministro Gustavo Capanema,
"os estudos preliminares para o Plano Nacional de Educação", previsto
na Constituição Federal de 1934; da de Estudo das Diretrizes e Bases
da Educação, constituída, em 1947, pelo Ministro Clemente Mariâni,
que lhe confiou depois o encargo de relator geral e recebeu de suas
mãos, em abril de 1948, o relatório dos trabalhos e de suas conclusões,
traduzidas e formuladas no Anteprojeto de Lei de Diretrizes e Bases,
enviado então à Câmara de Deputados; da Comissão Técnica de
Assistência do Ministério da Educação, criada em 1953 pelo Ministro
António Balbino, e, finalmente, da que foi organizada, em 1957, pelo
Ministro Clóvis Salgado para atuali-zar o Projeto de Diretrizes e Bases.
Mas não pararam aí as múltiplas e infatigáveis atividades de
Almeida Júnior, direta ou indiretamente, ligadas à educação, que é uma
das especialidades a que se dedicou. Houvesse Conselheiros de Estado
na República, como havia no Império, e o insigne professor seria
certamente um deles. Não apenas como um título honorífico, que não
gostaria de ostentar, mas como encargo de funções específicas, tão
elevadas quanto penosas. Conselheiro para os negócios da educação,
junto ao Governo Federal e ao do Estado de S. Paulo, membro do
Conselho Universitário, conforme já lembrei, na fase inicial da
organização da Universidade, fundada por Armando Sales; do Conselho
Nacional de Educação, para o qual foi nomeado em 1949, e a que
prestou notáveis serviços, durante mais de um decénio, ainda faz parte
do Conselho Consultivo da Escola de Sociologia e Política, do
Conselho Penitenciário, desde 1944, e, a partir de 1956, do Conselho
Estadual de Ensino Superior, de S. Paulo. Em todos esses Conselhos
deixa Almeida Júnior vincos profundos de seu saber e de sua
experiência; e, se por vezes surdos se tornaram aos seus pareceres,
avisos e apelos, nem por isso esmoreceu, em qualquer momento, na
defesa de seus pontos-de-vista e dos mais altos interesses da educação
nacional. Nesse ilustre conselheiro para a educação, andam ao par,
associadai em alto grau, dignidade e cultura, lucidez de pensamento e
cora-gem nas afirmações. Vivendo na intimidade com o "demónio do
conhecimento", não só nunca perdeu o contato mas está sempre às
voltas com o "demónio do bem", sob cuja inspiração, tão fecunda como
a daquele, se desenvolveu, numa permanente vigilância sobre si
mesmo, toda a sua vida profissional. Daí a influência que exerce, e o
prestígio que alcançou, com suas intervenções em debates e com seus
pareceres, claros, precisos e, por imparciais, frequentemente severos.
Entre os professores que mais têm lutado para salvaguardar, nos
Conselhos e fora
deles, a tradição universitária de independência e liberdade, nenhum a
terá resguardado com maior firmeza e equilíbrio, com esse rigor
tranquilo e frio, tão isento de concessões ao gosto do dia quanto livre
de preocupações polémicas.
Em Almeida Júnior não há, porém, esse dualismo artificial, tão
frequente nos meios intelectuais, entre pensamento e ação. Êle
reconhece que teoria e prática não constituem (as palavras são de
Alfonso Reyes) "dois orbes desconexos, mas que ambos aspectos
lógicos formam um contínuo biológico; que o fazer e pensar se
complementam, se inspiram e mutuamente se enriquecem". A
administração é, para nós, o ponto de interseção entre esses dois planos,
e eles se cruzaram frequentemente na vida pública do ilustre educador
que, se nunca demonstrou impaciências para inserir o ideal na
realidade, sempre foi encontrado pronto para entrar em ação. As
análises teóricas e empíricas, a que se dedica nas horas de recolhimento,
fornecem-lhe as diretrizes para planejar e agir, e é nas experiências que
se apoia, atento às suas duras lições, para retificar em uns pontos e
completar, em outros, suas ideias e doutrinas. Como se pode observar,
quando em plena atividade, nos postos de comando a que ascendeu,
suas maneiras e seus estilos de administrador refletem fielmente o
próprio estilo de pensamento. Nada de obscuridades e hesitações. Nada
também de obstinação e rigidez nos ásperos contatos com a realidade.
Solidez de julgamentos, confiança tranquila, capacidade de adaptação a
condições novas, flexibilidade, espírito prático e positivo, eis o que
caracteriza a ação pública de Almeida Júnior, quando lhe põem nas
mãos o bastão da liderança e as responsabilidades de direção. Parece
não ter pressa em tomar iniciativas e resoluções, mas, se examinarmos
atentamente as que tomou, temos de reconhecer que não lhe faltaram,
no momento de decidir, nem o senso da oportunidade nem o cuidado da
exatidão nem a clara visão dos problemas e de suas soluções. "Os
moinhos de Deus (reza um provérbio alemão) moem de vagar, mas
moem extremamente fino." Almeida Júnior é como uma dessas
moendas: o que delas tem saído é o trigo sem mistura, finamente
triturado. Pois, quando trabalha, marcha firmemente para seus
objetivos, sem precipitações, com bom humor, com malícia mas sem
malevolên-cia e, sobretudo, com extraordinária eficácia. Nada, por isso,
do que fêz ou iniciou, se perdeu.
Na administração, pública ou particular, não exerceu cargo, ainda
que por pouco tempo, sem que tivesse deixado a marca de sua
passagem, assinalada por importantes iniciativas e realizações. Auxiliar
da Diretoria do Ensino, organizou e dirigiu, em 1920, o recenseamento
escolar que então se empreendeu, como base para a reforma promovida
por Sampaio Dória, e na qual colaborou. Era ainda, em 1933,
diretor do Liceu Rio
Branco (1926-1934), quando, nomeado Chefe do Serviço de Higiene
Escolar e no desempenho dessas novas funções, cooperou com o então
Diretor Geral da Instrução Pública, na elaboração do Código de
Educação. Mas o período mais fecundo de suas atividades
administrativas estende-se de 1935 a 1938, em que serviu como Diretor
do Departamento de Educação, nos governos Armando Sales e Cardoso
de Melo Neto. Nessa época projetou e em grande parte realizou um
amplo programa de construções escolares, organizou e fêz publicar o
Anuário do Ensino (1936) que é um repositório de informações precisas
e de documentos técnicos, referentes não só à sua como também a três
administrações anteriores. Entre alternativas de avanços e recuos, de
sucessos e reveses de uma situação política instável; apesar das
dificuldades que lhe criavam o cepticismo de uns e a resistência de
outros, e à força de tenacidade tranquila e de fé inabalável, repôs de pé
a máquina burocrática que pouco a pouco levou os benefícios do ensino
e o reconforto da educação a milhares de crianças até então sem
escolas. Todas essas e outras iniciativas êle as tomou e, quando
obrigado a referir-se a elas, as descreveu, sem alarde e sem vaidade,
como a coisa mais natural do mundo. Foi com o mesmo espírito que
assumiu, em 1942, em conjuntura difícil, a direção do Colégio
Visconde de Porto Seguro, antiga Escola Alemã, a êle confiado por
motivo de guerra, e cuja restituição à entidade que o fundara, obteve do
Governo Federal através de obstáculos e incompreensões, cessadas as
hostilidades. Secretário da Educação e Saúde, na Interventoria Macedo
Soares, êle nos confirma, em pouco menos de quatro meses (1945-46),
a lição a que já nos habituara, de quanto é capaz a administração
pública, quando a firmeza se associa à prudência e entre esses dois
mundos, — o da probidade e o do talento, em vez de um antagonismo,
o que se estabelece é uma aliança senão uma íntima interpenetração.
Não se cuide, porém, que sua aversão ao diletantismo e à
superficialidade, à pressa e à improvisação, tenha contribuído de
qualquer forma, para lhe retardar a ação, quando administrador, ou
comprometer-lhe por um ritmo de trabalho, lento demais, a vida
intelectual. Se se penetrou da ideia de que "rien ne sert de courir, il faut
partir au point", e se acostumou, por isso, a evitar precipitações, sabe
resguardar-se por igual de protelações e demoras. As medidas, que
decorrem de seus planos, são maduramente pensadas, sim, mas logo
postas em prática; os trabalhos de que se encarrega, — e orçam por
uma centena ou mais suas publicações, — sempre prontos e acabados
no momento preciso. A sua produção intelectual, numerosa e de alto
teor, literário, científico ou técnico, testemunha o rigor de seus métodos
e sua imensa capacidade de trabalho. Repartida em quatro grupos:
educação; biologia; higiene e puericultura; e medi-
cina legal, essa vasta bibliografia, em que se encontram, além de obras
de maior tomo, comunicações, ensaios, discursos e conferências
constitui um conjunto equilibrado de importantes contribuições ao
estudo dos problemas que abordou, em épocas diferentes. Entre suas
obras principais, a Anatomia e fisiologia humana, que apareceu em
1931 e já atingiu a 21.
a
edição: a Biologia Educacional, que saiu em
1939 e está na 11.
a
edição (1957), podem ser apresentadas como
modelos de manual. e fontes seguras de informações. Nos domínios da
medicina legal, Paternidade (1940), As provas genéticas da filiação
(1941) e Lições de Medicina Legal, granjearam-lhe, com os outros 43
trabalhos sobre a matéria de que é professor na Faculdade de Direito, a
reputação de um mestre consumado em que não se sabe que mais
admirar se a solidez da cultura, se o rigor de espírito crítico, se a
claridade da exposição. Trabalhos preciosos que avultam entre os
melhores publicados no país sobre educação, pelas observações
fundadas numa longa experiência refletida, pela precisão da linguagem,
e pela riqueza de sugestões práticas, são a Escola pitoresca (l.
a
ed.,
1934; 2.
a
ed., 1951), os Proble?nas do ensino superior (1956) e o
volume E a escola primária'?, em que reuniu estudos relativos a
problemas do ensino primário.
A análise de cada uma dessas obras e do conjunto de seus
trabalhos ainda está por fazer e, sendo sobre assuntos tão diversos, não
poderá ser feita senão por entendidos nos principais campos por que se
repartem. Mas bastará a leitura de algumas delas para se perceber que
Almeida Júnior possui não somente uma ciência e uma informação de
uma riqueza pouco comum e, — o que ainda é menos comum, — um
sentido crítico, apurado e vigilante, e um alto e claro bom-senso. A sua
obra é, a um tempo, a de um homem de pensamento e a de um homem
de letras e, se se impõe pela substância, nutrida de ideias e reflexões,
atrai pela forma que é a de um escritor na plena posse de seus recursos
intelectuais. Pensamentos amadurecidos, apresentados na sua nudez,
severa e altiva, sem imagens e metáforas, ou com um ar irónico e
motejador de quem aprendeu também a apanhar o aspecto ridículo das
coisas. Mestre e educador, escreve não para aqueles que "se comprazem
em turvar as águas para darem a impressão de que são profundas", na
observação de Nietzsche, mas para os que procuram livros em que haja
mais luz do que sombras, mas precisões do que ambiguidades, mais
ideias do que palavras, mais realidades positivas do que fantasias.
Clareza, concisão, sentido de harmonia e de proporções, e essa
simplicidade difícil, — porque é a simplicidade que se alcança a poder
de análise e de esforço, — são outras tantas qualidades desse escritor
que pôs a sua pena a serviço da ciência e da educação. Das duas
correntes que se encontram na inte-
ligência francesa, — tão presente em sua cultura e em sua obra,
_
a
corrente racionalista que vem de Abelardo, e a corrente
pascaliana, que remonta a São Bernardo, abade de Claraval, é a
primeira delas que exerceu influência sobre o seu pensamento. E se à fé
na razão, ao espírito crítico, ao gosto pela objetividade, se' acrescentar o
sentido da relatividade das coisas, ter-se-á uma ideia mais exata (creio
eu) do que é esse educador-escritor, cuja obra educacional se mantém a
meio-caminho entre o apelo à inovação e o respeito da tradição, entre o
desejo de exprimir as razões do mundo tal como vai e a vontade de
melhorar a sociedade, segundo uma concepção ideal de vida e de
organização.
Ninguém, de fato, mais avesso a fórmulas esquemáticas ou
radicais nem mais atento à diversidade de condições concretas sem as
quais apodrecem na raiz projetos e reformas. Quando se recolhe para
pensar ou se dispõe a agir, nunca perde o con-tato com as coisas e o
sentido do real. Nem o sentimento da complexidade das situações e dos
problemas que delas emergem. Esse contato que é constante, esse
sentido que se mantém alerta, esse sentimento que a análise aviva, do
relativo e do complexo, é que lhe permitem ver sempre "a educação em
grande", como queria Michael Sadler, isto é, em relação com toda a
vida do povo e com os outros problemas da vida". Para êle, como para o
pensador e educador inglês, é da maior importância a compreensão
desse fato de que "muitos dos fatôres vivificantes da educação nacional
provêm não dos programas impostos às escolas mas da tradição social,
que, apesar de sua plasticidade, goza de uma grande influência, e de que
a escola, filtrando e esclarecendo essa tradição, daí tira seu melhor
impulso vital". Discute-se o problema do ensino secundário? O que esse
ensino fará pelo espírito e pelo caráter (o seu pensamento coincide com
o de Sadler), "dependerá da Universidade, no que concerne aos mestres,
e da escola primária pelo que respeita aos alunos. A escola primária fica
à base do problema". É da ideia de descentralização do ensino que se
trata? Êle não concorda facilmente que se estenda até o município. É
certo que a escola, municipal ou local, escaparia ao domínio da política
pelo alto; mas é por baixo, é localmente que ela lhe sofreria as
repercussões. A composição das diretorias ou dos conselhos municipais
resultaria, entre nós, cada vez mais de uma dosagem eleitoral. Mas, se
se repõe, como em 1959-60, outro problema, — o de diretrizes e bases
da educação nacional, bastará ler a sua exposição de motivos, para o
projeto que elaborou, suas conferências e suas "notas", magistrais para
O Estado de S. Paião, para se sentir que há o mesmo acento, — o da
paixão pela verdade, o mesmo cuidado, — o da objetividade e exatidão,
nas suas intervenções no diálogo que opõe as duas correntes mais
interessadas no debate da questão.
Para renovar as ideias mais familiares aos pedagogos, para lhes dar
movimento e interesse, êle tem em si mesmo, como o grande educador
francês, P. Bernard, retratado por Charles Chabot, "um saber vasto e
preciso, uma grande autoridade de mestre, um espírito curioso, aberto,
hospitaleiro, uma viva simpatia pelas novidades que libertam da rotina,
com um senso atilado da medida e da tradição, enfim, um talento que
sabe fazer valerem todos os matizes do pensamento". É Almeida Júnior
um desses tipos de educador, cada vez mais raros, em que se reúnem a
cultura, a lucidez e a aptidão para a ação. Com o seu ar retraído e um
tanto desajeitado, por demais esquecido de si mesmo, pode não dar logo
a impressão exata do que é. Mas basta que fale, para se perceber, em
toda a sua plenitude, a sua forte personalidade que é uma das mais alta-
mente civilizadas e confere, por isso mesmo, extraordinária serenidade
a uma arte de pensar, dizer e agir, cuja qualidade primordial é, sem
dúvida, o poder de autocrítica e de reflexão. "Das coisas preciosas (seja-
me permitido citar, a propósito de Almeida Júnior, as belas palavras de
Paul Valéry), umas são o produto de um encontro raríssimo de
circunstâncias favoráveis os diamantes, a felicidade e certas emoções
muito puras, são dessa espécie. Mas as outras são formadas pela
acumulação de uma infinidade de fatos imperceptíveis e de
contribuições elementares, que absorvem um tempo muito longo e
exigem tanto de calma quanto de tempo. As pérolas finas, os vinhos
profundos e maduros, as pessoas verdadeiramente realizadas, fazem
sonhar com uma lenta tesaurização de causas sucessivas e semelhantes:
a duração do crescimento da excelência delas tem por limite a
perfeição". Almeida Júnior, professor e educador, en-quadra-se na
segunda espécie de coisas preciosas a que se refere o poeta e ensaísta
francês: é uma dessas "pessoas verdadeiramente realizadas".
Sua história individual mistura-se, toda ela, como se viu, à história
da educação nacional nestes últimos quarenta anos, a essa história
coletiva que evoca a da comunidade paulista desde São Paulo antigo,
das famílias patriarcais que floresceram nas fazendas de café, até o São
Paulo de hoje, com suas grandes concentrações urbanas e industriais.
Nesse largo período, de atividades contínuas no terreno da educação,
muitas tentações deve ter sofrido, — e algumas bastante fortes, — para
se desviar da linha de suas ocupações dominantes. Desde a vida
académica, em que participou de campanhas eleitorais através da Liga
Nacionalista, até a sua atuação política no Partido Constitucionalista, na
"Resistência ao Estado Novo" e, a partir de 1945, na União
Democrática Nacional, de cuja seção paulista foi presidente em dois
biénios sucessivos (1951-52; 1952-54). Passando pelas lutas de que
resultou a Revolução de 32, na qual tomou
parte saliente, Almeida Júnior sofreu a atração da vida política, e muitas
vezes lhe cedeu às seduções, dominado pelo sentimento do bem
público, a que sempre procurou servir dentro de suas convicções
políticas. Mas por maiores que tenham sido esses apelos, em nenhum
momento foram bastantes para o obsorverem nem o afastarem de suas
atividades no plano do magistério e da educação. Todos esses fatos
intercorrentes, altamente significativos, não passam, no entanto, de
episódios em sua vida austera de trabalho, — a de um líder autêntico de
educação, mestre, guia e conselheiro. Essa é a vida que êle construiu
pacientemente, e lembra, sob vários aspectos, a história do homem
retratado no romance pedagógico Wilhelm Meister, de Goethe, "cuja
erigem, educação, fortuna e caráter o destinavam (nas palavras de
Hermann Hesse, em Dank an Goethe) a ser um cidadão satisfeito,
ajustado à sua civilização equilibrada, mas que, impelido por uma ânsia
divina, devia partir, seguindo estrelas, boas ou más, para realizar a
aspiração de uma vida mais alta, de mais pura espiritualidade, de mais
profunda e amadurecida consciência humana". Do personagem de
Goethe o que lhe faltava para ser um "satisfeito cidadão", terá sido a
fortuna, mas tinha a paz e segurança quando partiu de sua terra natal,
para iniciar a ascensão a uma vida mais útil e fecunda, a de mestre e
educador de educadores. "Gosto de ver um homem orgulhar-se do lugar
em que nasceu, — dizia Abraham Lincoln, — mas gosto também de ver
um homem viver de tal modo que permita ao lugar orgulhar-se dele". É
o caso de Almeida Júnior. Mas não é apenas o pequeno lugar em que
nasceu, que dele se orgulha. É o Estado de São Paulo. É o Brasil.
LIBERDADE DE ENSINO
ROQUE SPENCER MACIEL DE BARROS
Na ingrata tarefa de justificar o projeto de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional aprovado pelo Congresso, teimam os seus
defensores em insistir que êle institui no País a "liberdade de ensino" e
que seria, nesse sentido, uma espécie de carta magna do liberalismo, em
matéria pedagógica. Teriam razão os que assim pensam? A resposta só
poderia ser dada depois de uma análise do próprio conceito de liberdade
de ensino, que está longe de ser unívoco, podendo ser tomado em
diferentes acepções. O projeto tomou uma delas (a que identifica
"liberdade de ensino" com a faculdade a todos concedida de abrir
escolas, praticamente sem ingerência do Estado) como se fosse a única
ou, pelo menos, como se fosse a que correspondesse mais adequa-
damente à essência mesma do ideal pedagógico liberal que se invoca —
o que, como iremos ver, não é exato.
A concepção da liberdade de ensino, compreendida como
faculdade indiscriminada de abrir escolas e exigindo, ao menos como
ideal remoto, o abandono, pelo Estado, de sua função educadora, está
intimamente ligada com as doutrinas da livre concorrência, ou seja, com
os princípios do liberalismo econômico. Acreditava-se, desde os tempos
da revolução francesa — e é possível percebê-lo nos discursos sobre
educação de Mirabeau, ou nos diferentes planos pedagógicos dos
jacobinos — que o ideal em matéria de ensino, ainda que não
imediatamente realizável, era deixar as escolas entregues à iniciativa
particular, unicamente submetidas à lei de oferta e procura, sem a menor
ingerência do Estado. Não é só, entretanto, o ideal econômico da livre-
concorrência, que explica tal interpretação da liberdade de ensino: a seu
lado, e com êle formando um todo sistemático, ergue-se uma concepção
negativa do Estado, a justificar-lhe a expulsão do domínio pedagógico.
Compreende-se perfeitamente essa noção de um "Estado-gendarme",
encarregado exclusivamente de garantir a vigência das leis, da qual
decorre o princípio de não-intervenção estatal nos negócios dos
cidadãos: os homens que esposavam tais ideias vinham de uma luta
contra o Estado absoluto que, como o Leviatan de Hobbes, punha e dis-
punha de seus membros, considerando-os simples súditos, ao invés de
cidadãos. Mas, no momento em que se formula essa
concepção da liberdade de ensino, em termos de livre-concorrên-cia e
obstenção estatal, limita-se o seu alcance e restringe-se a sua
significação, isto é, compreende-se que não é possível submeter aos
interesses privados a questão vital da formação de cidadãos livres:
consagrando, não só como direito, mas também como necessidade
inadiável, a instrução elementar gratuita e obrigatória — teses inscritas
no fulcro mesmo da filosofia liberal e democrática — não se poderia
deixar ao arbítrio de particulares a sua concretização. Nem se podia
contar, no caso preciso da França pós-revolucionária, onde a questão se
propôs com toda a clareza, com o trabalho da Igreja Católica, aliada do
trono que a revolução derrubara. Fazia-se necessário, pois, que o Estado
se encarregasse da instrução pública, instituindo um sistema de
educação nacional. O famoso Informe sobre a instrução pública, de
Condorcet, o projeto de Talleyrand-Périgord etc, destinam-se
precisamente a tornar real o cidadão livre sonhado pela revolução. É
certo que, em nome da mesma necessidade, se formulam planos pouco
libei-ais, como o de Gilbert Romme, mas é igualmente certo que essa
necessidade reconcilia o liberalismo com a intervenção estatal em
matéria pedagógica. Mas não é só: em breve o pensamento liberal
acabou por compreender que o problema da educação não podia ser
tratado segundo os princípios da doutrina econômica da livre-
concorrên-cia. Em fins da primeira metade do século XIX, já Stuart
Mill escrevia que "qualquer governo bem intencionado e mais ou
menos civilizado pode crer, sem que isso implique presunção, que
possui ou deve possuir um grau de cultura superior à média da
comunidade que governa e que, por conseguinte, deve ser capaz de
oferecer às gentes uma educação e instrução melhores do que a maioria
dessas espontaneamente pediria. De outra parte, pode-se admitir que a
educação é uma daquelas coisas que, em princípio, um governo deva
prover para o povo. Este é um daqueles casos a que não se estendem
por necessidade ou de modo universal as razões do princípio da não-
intervenção". E aduzia, explicando, a sua tese: "Em questões de
educação é justificável a intervenção do governo, porque o-caso não é
daqueles nos quais o interesse e o discernimento do consumidor são
garantia suficiente da bondade da mercadoria."
1
Assim, se certos
liberais continuam a considerar o Estado-educador um "fato enorme",
2
como que crendo que o art. II da Declaração dos Direitos do Homem
— ("a livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos
mais preciosos direitos do homem; todo
1 Princípios de Economia Politica, trad. esp. Fondo de Cultura Económica, 2º edição, págs.
815 e 817.
2 Veja-se, por exemplo, Laboulaye, Le Parti Liberal, 8ème édition, pág. 75.
cidadão pode então falar, escrever, imprimir livremente, respondendo
pelos abusos dessa liberdade nos casos determinados pela lei") —
envolvesse também a liberdade indiscriminada de criar escolas, sem
ingerência estatal, o liberalismo convence-se cada vez mais da
imprescindibilidade dessa ingerência. Como dizia o nosso Tavares
Bastos, "esqueçam-se as prevenções que o despotismo aliado aos
jesuítas criara contra as tendências do ensino oficial. Depois que a
democracia se apoderou do governo dos Estados, o ensino oficial
revelou toda a sua eficácia. Afugentado o absolutismo que o
envenenava, êle cessou de oferecer perigos à liberdade".
3
Em resumo: a liberdade de ensino, em termos liberais, foi
concebida como liberdade de iniciativa particular para criar escolas,
acompanhada da progressiva abstenção do Estado, em vista de uma
situação histórica determinada e da aplicação de uma doutrina
econômica ao campo da pedagogia. Desde que essa situação histórica se
modificou, com a democratização do Estado (é claro que nos referimos
apenas ao Estado Democrático) e desde que se compreendeu a extensão
indevida de um princípio econômico à educação, tal acepção do
conceito de liberdade de ensino passou a ser secundária; sem negar a
liberdade da iniciativa particular em assuntos pedagógicos, o
liberalismo, ao mesmo tempo que passa a aconselhar a sua rigorosa
fiscalização pelo Estado, a fim de que a liberdade de alguns não pre-
judique a liberdade dos demais, compreende agora que não é essa a
essência da liberdade de ensino. Agora dizemos mal, já muitos liberais
tinham-na há muito claramente percebido. Assim é que Condorcet, no
seu Informe sobre a instrução pública, dizia que "um poder que
impedisse de ensinar uma opinião contrária à que serviu de fundamento
às leis estabelecidas, atacaria dire-tamente a liberdade de pensar e
estaria em contradição com o fim de toda instituição social — o
aperfeiçoamento das leis, consequência necessária do combate das
opiniões e do progresso das luzes".
4
Em nossa linguagem, diríamos que
"liberdade de ensino" é essencialmente "liberdade de cátedra". Na
Alemanha do século passado havia plena liberdade de ensino, na
medida que havia liberdade de cátedra — e não existia sequer uma uni-
versidade privada; toda instrução superior era dada nas universidades
autónomas do Estado. Poder-se-á, em contraposição, dizer que há
"liberdade de ensino" na Espanha de Franco ou no Portugal de Salazar,
onde, embora a iniciativa privada possa criar escolas, não existe, no seu
pleno significado, a liberdade de cátedra? O que caracteriza a
liberdade de ensino não é,
3 A Provinda, 1º edição, 1870, pág. 236.
4 Cf. Condorcet, Escritos Pedagógicos, trad. esp. "Calpe", Madrid, 1922, págs.
190/1.
portanto, o simples direito de abrir escolas — é a existência, em toda e
qualquer escola, da liberdade de cátedra, da liberdade de opinião e
pensamento, fundada, em última análise, no ideal de Uberdade de
consciência.
Tocamos, aqui, nos fundamentos mesmos do liberalismo, em
função dos quais poderemos esclarecer melhor o conceito de liberdade
de ensino; O liberalismo não é a doutrina econômica da livre-
concorrência, com a qual muitos, ainda hoje, teimam em identificá-lo;
êle é uma concepção ética autonômica da vida, contraposta à
heteronomia dos autoritarismos. Como diz admiravelmente Croce,
seguindo, aliás, a tradição de um Stuart Mill ou de um Hobhouse, o
liberalismo "pode perfeitamente admitir diferentes maneiras de
regulamentar a propriedade e a produção da riqueza, porém com uma só
condição e um só limite, tendente a assegurar o incessante progresso do
espírito humano: nenhuma das formas que se escolham deverá poder
impedir a crítica do existente, a busca e a invenção de melhoras, a
realização dessas melhoras; nenhuma pretenderá fabricar o homem
perfeito ou o autómato perfeito; nenhuma anulará no homem a facul-
dade de errar e de pecar, sem a qual não é possível fazer o bem, o bem
que cada um sente e se considera capaz de fazer".
5
No fulcro do
liberalismo não se encontra, por conseguinte, a doutrina da livre-
concorrência ou a concepção de um Estado absen-teísta, mas a ideia
ética mais profunda da liberdade de consciência. A organização
econômica da sociedade ou a estruturação política do Estado não são,
em termos de uma autêntica filosofia liberal, ideais em si mesmos, mas
meios, cuja justiça ou injustiça hão de ser julgadas em função de sua
"bondade" ou "maldade", de sua eficácia ou ineficácia para a plena
realização da liberdade de consciência. Pois bem, esse princípio da
liberdade de consciência há de ser válido para todas as consciências, o
que implica, necessariamente, a igualdade jurídica de todas elas, umas
limitadas pelas outras, segundo uma lei universalmente válida. Como
diz Kant, nos Princípios Metafísicos do Direito, o fundamento de todo
o direito não é senão "a liberdade (independência do arbítrio de outro)
na medida que pode subsistir com a liberdade de todos, segundo uma
lei uni-
5 Croce, Elementos de Política. Cf., na mesma linha, as observações de Stuart Mill
nos Princípios de Economia Política, cit., pág. 200: "Sabemos ainda pouco sobre o que
o sistema individual, levado a sua maior perfeição, ou o socialismo, na melhor de suas
formas, podem realizar, para poder decidir qual dos dois será a forma final da
sociedade humana. Se nos permitem aventurar uma opinião, a decisão final dependerá
provavelmente e de maneira principal da seguinte consideração: qual dos dois sistemas
é compatível com a maior soma de liberdade e de espontaneidade humanas?"
versar. Nestes termos, a tarefa do Estado devera ser a progressiva
efetivação de uma ordem (não cabe aqui discutir qual seja essa ordem)
que permita a plena realização da liberdade de todos os indivíduos
enquanto fins em si mesmos, isto é, enquanto pessoas éticas.
6
Ora, a
primeira condição para que o indivíduo passe da "animalidade à
humanidade" (a expressão é de Kant), converta-se num fim em si
mesmo e participe do reino do direito é precisamente a educação. Se
compete ao Estado (democrático), expressão comum de todas as
consciências, a tarefa de instituir a ordem que permite a realização da
liberdade de todos, e se a educação é um aspecto fundamental da
possibilidade dessa ordem, é claro que ela é eminentemente uma função
pública, uma tarefa do Estado. Sem desprezar os esforços privados,
naturalmente supletivos, o Estado deverá então garantir a educação de
todos, uma educação naturalmente democrática, inspirada na liberdade,
já que o que pretende é precisamente a efetivação do princípio da
liberdade de consciência.
É neste quadro doutrinário que se poderá chegar ao exato conceito
liberal de liberdade de ensino: esta implica, em primeiro lugar, a
liberdade de pensamento, isto é, a liberdade de cátedra, para o que
ensina, a independência da opinião, para o que aprende, em todos os
assuntos sujeitos a controvérsias. Mas, exatamente para garantir a
liberdade do que aprende, isto é, a liberdade do aluno, será preciso
exigir do que ensina, do professor, condições rigorosas de habilitação
para o exercício de sua própria liberdade: exatamente para defender os
direitos do aluno, o Estado haverá não só de organizar um amplo
sistema de ensino para atender à educação de todos, mas terá também o
dever de fiscalizar com rigor a educação dada pelos particulares, muitas
vezes mais interessados, quando não no lucro, na imposição de crenças
intocáveis ao educando, num flagrante desrespeito da sua autonomia, do
que na formação deste para o gozo de sua liberdade, que é o
fundamento de sua conduta ética.
Este é o conceito verdadeiramente liberal de "liberdade de ensino".
Cabe-nos perguntar, agora, se o projeto de diretrizes e bases o realiza,
atendendo, aliás, às exigências liberais de nossa Constituição.
Dedicando um título à liberdade de ensino, o que estatui aí o projeto?
Vejamo-lo. Diz o art. 4.° que "é assegurado a todos na forma da lei o
direito de transmitir seus conhecimentos, não podendo o Estado
favorecer o monopólio do ensi-
6 Para alguns neokantianos, a ordem política capaz de assegurar essa realização
ético-jurídica de todas as consciências é o socialismo. Nem por isso suas doutrinas são
menos liberais, se entendermos o liberalismo no seu sentido legítimo, como filosofia^
como concepção ética da vida.
no". Completa-o o art. 5.°, cuja redação é a seguinte: "São assegurados
aos estabelecimentos de ensino públicos e particulares legalmente
autorizados adequada representação nos conselhos estaduais de
educação, e o reconhecimento, para todos os fins, dos estudos neles
realizados." Não há uma palavra sequer sobre a liberdade de cátedra,
garantida pelo inciso VII do art. 168 da Constituição. Essa omissão,
aliada às disposições dos artigos 4.° e 5.°, revela claramente qual a
concepção de liberdade de ensino esposada pelos autores do projeto:
trata-se apenas da liberdade de abrir escolas, com o mínimo de
ingerência do Estado, como se pode depreender ainda nos artigos 16,
19, 39 etc. Não há no projeto sequer um dispositivo que resguarde para
o Estado o direito de cassar a licença de escolas inidôneas... E há mais:
pelo art. 5.°, combinado com o 8.°, o particular, além da liberdade de
abrir escolas de qualquer tipo, tem ainda o direito de participar, em pé
de igualdade com o Estado, da administração da educação do país...
Mas não é nosso propósito discutir agora esse direito ou a insólita
pretensão de divisão dos recursos públicos entre a escola oficial e a
particular — limi-tamo-nos à questão da liberdade de ensino. Pois bem,
quanto a esta, já vimos que o seu significado essencial, para o libera-
lismo, é de liberdade de pensamento na escola, para o professor e para o
aluno, sendo a liberdade de abrir escolas, sem ingerência do Estado,
uma acepção acidental, explicável pelas contingências históricas, do
conceito de liberdade de ensino.
7
Consagrando esta acepção acidental,
em prejuízo da essencial, o projeto não é então, de forma alguma, a
pretendida carta magna do liberalismo em matéria pedagógica; antes, ao
contrário, é um verdadeiro epitáfio inglório da autêntica liberdade de
ensino.
Mas, perguntará o leitor, se não se trata da concepção liberal de
liberdade de ensino, de que concepção então se trata? Qual a "filosofia"
orientadora do projeto?
7 Não queremos, com isso, dizer que não faça parte do conceito liberal de liberdade
de ensino a possibilidade de particulares abrirem escolas, naturalmente fiscalizadas
pelo Estado, que poderá cassar-lhes a licença caso se abastardem: o que afirmamos é
que essa não é a nota essencial do conceito cie liberdade de ensino. Nas emendas ao
projeto de diretrizes e bases, que enviou ao Senado da República, a Comissão Estadual
de Defesa da Escola Pública restabeleceu o sentido do conceito, propondo a supressão
do art. 5' e a substituição do 4' pelo seguinte: "Ê assegurado a todos na forma da lei o
direito de transmitir seus conhecimentos, devendo o Estado, entretanto, zelar pelo nível
do ensino. — Parágrafo único. Ê assegurada a liberdade de cátedra a todo professor no
exercício do magistério." Basta comparar a redação do projeto original e esta emenda
proposta para ver qual delas traduz o ideal liberal da liberdade de ensino.
II
O atual projeto de diretrizes e bases da educação nacional,
aprovado pela Câmara dos Deputados, não traduz, de forma alguma, os
ideais da "liberdade de ensino", da forma que os concebe a filosofia
liberal. É preciso lembrar, todavia, que há concepções não liberais dessa
liberdade e nosso propósito, no momento, é discutir essas concepções,
para ver qual delas está consubstanciada no projeto. Além da concepção
liberal da liberdade de ensino, há pelo menos duas outras, claramente
formuladas desde o século passado: a positivista e a católica. De acordo
com a primeira, o Estado deve renunciar a todo sistema completo de
educação geral, permitindo que os representantes de todas as doutrinas,
sem qualquer auxílio oficial, organizem livremente as suas escolas, até
que triunfe, sem nenhuma coação da parte do poder e apenas em virtude
de sua verdade intrínseca, uma filosofia definitiva, que seria
precisamente o positivismo. "A liberdade de ensino — esclarecia nesse
sentido Comte — que só o positivismo pode invocar com plena
sinceridade, tornou-se indispensável na nossa situação, seja como
medida transitória, seja mesmo como anúncio do futuro normal. Sob o
primeiro aspecto ela constitui uma condição do advento de toda
doutrina própria a determinar, em consequência de uma verdadeira dis-
cussão, convicções fixas e comuns que todo sistema legal de instrução
pública, longe de poder produzir, na realidade suporia. Apreciada sob a
segunda relação, a liberdade de ensino esboça já o verdadeiro estado
final, proclamando a incompetência radical de toda autoridade temporal
para organizar a educação. O positivismo está então longe de negar que
o ensino deva ser regulado, embora estabeleça que esta organização não
é ainda possível, enquanto durar o interregno espiritual, e que, quando
ela tornar-se realizável, segundo o livre ascendente de uma doutrina
universal, pertencerá exclusivamente ao novo poder intelectual e
moral", isto é, ao sacerdócio positivista.
8
Não foi, sem dúvida, essa
concepção da liberdade de ensino, apresentada como necessária para o
período da "transição orgânica", que inspirou os nossos legisladores:
além do positivismo, apesar de sua influência decisiva na evolução das
ideias pedagógicas, no Brasil, ter hoje apenas interesse histórico, fazia
parte integrante de seu conceito da liberdade de ensino a ausência de
qualquer auxílio oficial, financeiro ou sob qualquer outra forma, às
escolas livres fundadas pelos particulares...
Em tais condições, resta apenas uma acepção do conceito de
liberdade de ensino como possível inspiradora do projeto aprovado pela
Câmara dos Deputados: a católica. Procuremos, pois, precisar qual o
conceito católico de liberdade de ensino.
8 Cf. Système de Politique Positive, tomo I, pág. 122.
Já vimos que, para o liberalismo, a tese da liberdade de ensino é
uma consequência lógica da postulação da liberdade de consciência —
e a partir dos seus fundamentos mesmos a concepção católica se opõe a
esta. Para o catolicismo, a liberdade de consciência se confunde com a
"liberdade do erro", enten-dendo-se por erro tudo o que está em
desacordo com a doutrina da Igreja, e não pode ser assim admitida
como um direito legítimo. Ela não é senão um "erro pestilento", como
queria Gregório XVI,
9
e não decorre, de forma alguma, da liberdade do
homem, tal como a concebe a Igreja. Já Santo Anselmo, por exemplo,
assinalava que "poder de pecar não pertence à definição do livre-
arbítrio" (De Libertate Arbitrii, cap. I) — e que é, senão pecado, essa
liberdade de consciência que põe o catolicismo no nível das outras
religiões ou das outras filosofias? A "verdadeira liberdade", para o
católico, deve ser entendida de outra forma: "A liberdade — afirma-o
Leão XIII — como perfeição do homem, deve ter como objeto o
verdadeiro e o bom; porém a razão do verdadeiro e do bom não pode
mudar ao capricho do homem, mas se conserva sempre a mesma, com
aquela imutabilidade que é própria da natureza das coisas" (In-cíclica
Imortale Dei, § 38). E, acrescente-se, cabe à Igreja definir qual seja essa
verdade imutável, dirimindo as dúvidas e as controvérsias entre os
homens. Em outros termos, poder-se-ia dizer que a "verdadeira
liberdade" do homem é a submissão de sua consciência aos ditames da
Igreja católica; tudo o mais é erro e pecado e não se pode admitir a
"liberdade de errar e de pecar". A liberdade confunde-se, assim, com a
obediência que deveria produzir a unanimidade das crenças, sob a égide
da Igreja. O nosso padre Júlio Maria, quando era, ainda, apenas, o laico
Júlio César de Morais Carneiro, resumia com felicidade essas ideias nas
suas Apóstrofes, publicadas pela primeira vez em 1885: "Muita gente
filosofa, muita gente doutrina, dirige a sociedade. Pensais que isso é um
bem, uma vantagem, uma prova de progresso e de civilização? Não o
acrediteis. É um mal, uma desvantagem, um sintoma infalível de que a
humanidade está enferma, e sem achar uma medicina que a salve.
A unidade da verdade não comporta a multiplicidade das soluções
que os homens lhe querem dar".
10
O que pode significar, nos quadros desse pensamento, "liberdade
de ensino"? Ninguém melhor do que o papa Leão XIII esclareceu essa
questão: "Não pode realmente — escreveu êle na encíclica Libertas, de
20 de junho de 1888, § 32 — haver dúvidas de que só a verdade deve
ocupar o entendimento, porque nela está o bem das naturezas
inteligentes, seu fim e
9 Cf. a encíclica Mirari Vos, § 10.
10 Apóstrofes, 2º edição, 1897, pág. 155.
sua perfeição; de modo que o ensino não pode ser senão de verdades,
tanto para os que ignoram como para os que já sabem, isto é, para
dirigir uns ao conhecimento da verdade e conservar os outros nela. Por
este motivo, sem dúvida, é dever próprio dos que ensinam livrar do erro
os entendimentos e fechar, com seguros obstáculos, o caminho que
conduz a opiniões enganosas. Por onde se vê quanto repugna à razão
esta liberdade de que tratamos (a de ensino) e como nasceu para
perverter radicalmente os entendimentos ao pretender ser-lhe lícito
ensinar tudo segundo o seu capricho; licença que a autoridade do
Estado não pode conceder nunca ao público sem infração de seus
deveres." E mais adiante, completando o seu pensamento: "em matéria
de fé e de costumes, Deus fêz da Igreja partícipe do magistério divino e,
por benefício igualmente divino, livre do erro; em virtude do que é a
mais alta e segura mestra dos mortais e nela reside o direito inviolável à
liberdade de ensinar. E, de fato, vivendo a Igreja da doutrina mesma
recebida de Deus, nada antepôs ao exato cumprimento do encargo que
Deus lhe confiou e, mais forte ainda que as dificuldades que por todas
as partes a rodeiam, jamais cessou de combater pela defesa da liberdade
de seu magistério" (§ 34). Dito de outro modo, liberdade de ensino, para
os católicos, não quer dizer, de forma alguma, "liberdade de ensinar o
erro" — (e por erro entende-se toda opinião ou doutrina contrária às da
Igreja) — mas somente "liberdade para a Igreja" de ensinar a "sua
verdade". Rigorosamente falando, essa "liberdade da Igreja" excluiria a
de todos os demais, já que ela se considera a única depositária da
verdade e não admite o ensino do erro, que é, no seu entender, a única
coisa que os não-católicos poderiam ensinar. Essa conclusão, não tiram,
em geral, explicitamente, as autoridades católicas, porém ela está
implícita na doutrina, à espera apenas da oportunidade favorável.
n
Enquanto isso, insiste-se na exten-
11 Certos documentos pontifícios, contudo, deixam bem clara essa doutrina. Veja-
se, por exemplo, a proposição 47 do Syllabus, de Pio IX, em que é anatematizada a
seguinte tese: "A mais perfeita constituição da sociedade civil exige que as escolas
populares, isto é, as escolas abertas para todas as crianças de qualquer classe do povo, e
em geral os institutos públicos destinados ao ensino das letras e das mais graves
disciplinas, assim como a educação da juventude, se eximam de toda autoridade, força
moderadora e ingerência da Igreja e submetem-se apenas ao pleno arbítrio da auto-
ridade civil e política, segundo a vontade dos governantes, e a normas das opiniões
comuns do século." Se tal proposição é falsa, a verdadeira será a sua contraditória, de
acordo com a qual a Igreja deve ter autoridade sobre todas as escolas. Nestes termos, a
exigência formulada na encíclica Divini Illius Magistri, de acordo com a qual "é
necessário que todo o ensino e toda a organização da escola — mestres, programas e
livros, em cada disci-
são universal da missão educativa da Igreja. Como diz o principal
documento pedagógico católico, a encíclica de Pio XI, Divini lllius
Magistri, de 31 de dezembro de 1929, "quanto à extensão da missão
educativa da Igreja, estende-se a todos os povos, sem qualquer limite,
de acordo com o mandato de Cristo: Ensinai a todas as gentes; e não há
poder terreno que possa legitimamente disputar ou impedir o seu
direito. Primeiramente, estende-se a todos os fiéis, pelos quais, como
Mãe extremosa, tem solícito cuidado"... e... "sua missão educativa,
estende-se também aos não-fiéis, porque todos os homens são
chamados a entrar no reino de Deus e a conseguir a salvação eterna" (§
14).
12
Assim, é nos termos dessa "missão educativa universal" que se
deve entender a liberdade de ensino reclamada pela Igreja. De acordo
com esta, "O Estado deve respeitar os direitos inatos da Igreja e da
família à educação cristã, além de observar a justiça distributiva.
Portanto, é injusto e ilícito todo monopólio educativo ou escolar, que
force física ou moralmente as famílias a socorrerem-se das escolas do
Estado, contra os deveres da consciência cristã ou ainda contra suas
legítimas preferências.
13
Note-se bem que não se condena todo e qualquer monopólio, mas
somente o monopólio do Estado, já que o monopólio da Igreja seria por
ela recebido com os braços abertos. Já que este não é possível, em
virtude das circunstâncias do mundo moderno, a Igreja condena aquele,
ao mesmo tempo que exige a cooperação financeira do Estado para
garantir a sua "liberdade de ensino". É o que diz a referida encíclica de
Pio XI (§ 50, ed. bras., § 83, pág. 214) : "e não se diga que é impossível
para o Estado em uma nação dividida em várias crenças, prover a
instrução pública senão por intermédio da escola neutra ou da escola
mista, devendo mais racionalmente o Estado e podendo, até mais
facilmente, prover, deixando livre e favorecendo com justos subsídios a
iniciativa e a obra da Igreja e das famílias".
plina — estejam imbuídos de espírito cristão sob a direção e vigilância maternal da
Igreja, de sorte que a religião seja verdadeiramente fundamento e o coroamento de toda
a instrução, em todos os graus, não só no elementar, mas também no médio e superior"
(§ 49), não valeria apenas para a escola católica, mas, a rigor, para toda e qualquer
escola.
12 Pode encontrar-se em português essa encíclica no livro de Paul Foul-quié, A
Igreja e a Educação, trad. brasileira, Rio de Janeiro, Agir, 1957. A indicação dos
parágrafos nessa edição é diversa, distribuindo-se o texto citado pelos § 5 24 e 25,
págs. 162/3. O texto citado na nota anterior corresponde, na edição brasileira, ao § 82 e
se encontra às págs. 213/4.
13 Divini IlliusMagistri, § 24, edição brasileira, § 48, págs. 178/9.
Podemos, então, resumindo, dizer que, do ponto-de-vista católico,
a liberdade de ensino, em primeiro lugar, é a liberdade exclusiva, para a
Igreja, de propagar a "sua verdade", isto é, as suas crenças e doutrinas;
não sendo possível, entretanto, o seu monopólio, ela ataca o
"monopólio do Estado", concebido não só como monopólio do ensino,
mas, também, como aplicação exclusiva dos recursos públicos na escola
pública.
Pois bem, é exatamente esta a orientação dominante do projeto de
diretrizes e bases da Câmara dos Deputados, como se pode verificar já
nos seus primeiros artigos. Assim é que o art. 2.° estabelece, no seu
parágrafo único, que "à família cabe escolher, com prioridade, o género
de educação que deve dar a seus filhos", de acordo com o que manda o
§ 16 da encíclica Divini Illius Magistri.
u
Logo a seguir, no art. 3.°,
inciso I, divide-se a responsabilidade da educação entre o Estado e a
iniciativa particular para, no art. 4.°, proibir-se o monopólio estatal do
ensino, de acordo com o § 48 do citado documento pontifício. O art. 5.°
do Título III e todo o Título IV tratam, em seguida, de entregar a
própria administração do ensino à iniciativa privada, e, como esta é
preponderantemente católica (e sê-lo-á ainda mais com o
aproveitamento privado dos recursos públicos), à própria Igreja,
preparando o caminho para realizar o ideal da escola católica
estabelecido no § 49 da Divini Illius Magistri ou na referida proposição
47 do Syllabus. A distrtibuição das bólsas-de-estudo (artigos 93, 94 e
111) obedece, por outro lado, às exigências, já lembradas, do § 48 da
encíclica sobre educação.
14 "Primeiramente — diz-se aí — a missão educativa da família concorda
admiravelmente com a missão educativa da Igreja, porque ambas procedem de Deus de
maneira muito semelhante. À família, de fato, na ordem natural, Deus comunica
imediatamente a fecundidade, que é principio de vida, e por isso princípio de educação
para a vida, simultaneamente com a autoridade, que é princípio da ordem." E adiante:
"A família recebe, portanto, imediatamente do Criador a missão e consequentemente o
direito de educar a prole, direito inalienável porque inseparavelmente unido com a
obrigação rigorosa, direito anterior a qualquer direito da sociedade civil e do Estado, e
por isso inviolável da parte de todo e qualquer poder terreno" (cf. edição brasileira, § §
29 e 31, págs. 165/6). Note-se, contudo, que, antepondo o direito da família ao do
Estado, a encíclica subordina-o ao direito da Igreja; como se diz no § 10 (ed. bras. § 14,
pág. 156) "a educação pertence antes de tudo de modo supereminente à Igreja, por dois
títulos de ordem sobrenatural, exclusivamente a ela concedidos pelo próprio Deus e,
por isso, absolutamente superiores a qualquer outro título de ordem natural" (o grifo é
nosso). Isto é, sobrepõe-se a família ao Estado para sobrepor a ela a Igreja: como o
Estado moderno libertou-se da tutela direta da Igreja, esta, procura, indiretamente, por
intermédio da família, novamente submetê-lo.
E enquanto consagra tais medidas, o projeto emite, deliberadamente, as
garantias da liberdade de cátedra (art. 168, inciso VII da Constituição)
ou a condenação das discriminações religiosas, filosóficas ou políticas
(art. 141, § 8.° da Constituição)...
Na medida que os interesses das escolas privadas leigas coincidem
com os da Igreja, são elas beneficiadas pelo projeto, mas a doutrina que
nele impera é a dos textos pontifícios. E chegamos, assim, a este
absurdo: em vez de orientar-se pela Constituição que nos rege, o
projeto se regula pelos ensinamentos papais! Afinal, cabe perguntar,
por acaso a encíclica Divini Illius Magistri ou os demais documentos da
Igreja têm força de lei em nosso País? Voltamos, por acaso, ao regime
da religião de Estado? Devem as nossas leis obedecer às decisões do
Vaticano? Não podemos deixar de fazer tais perguntas, à vista das
doutrinas esposadas pelo projeto de diretrizes e bases que institui, não a
liberdade de ensino decorrente do liberalismo democrático da
Constituição, mas a "liberdade de ensino" conceituada pela Igreja. Cabe
ao Senado dar-lhes resposta, dizendo se a nossa Constituição ainda está
em vigor ou se passamos a obedecer diretamente às decisões romanas,
sem guardarmos sequer o direito do beneplácito, que defendia o
Império dos melefícios da religião de Estado...
Cremos ter cumprido o nosso propósito de mostrar qual a
"filosofia" orientadora do projeto de diretrizes e bases. Acreditamos
ainda, contudo, que é importante esclarecer melhor o conceito de
liberdade de ensino em função das lutas pedagógicas que se travaram
no nosso próprio País em torno dessa ideia, desde o Império. Este
exame ajudará a compreender, pela sua filiação ao passado, as
intenções dos combatentes de hoje.
III
A liberdade de ensino, que o projeto de diretrizes e bases aprovado
pela Câmara dos Deputados invoca sem esclarecer, não é uma novidade
na história das ideias pedagógicas em nosso País: desde a segunda
metade do século passado ela é uma constante das discussões teóricas e
das lutas políticas em torno da educação.
Muito mais do que hoje, o ensino no Império era precário e fraco,
não atendendo nem de longe às nossas necessidades em matéria de
educação. "O que chama a atenção, de início, ao estudarmos o ensino
no Império — escrevemos uma vez — é a ausência de um sistema de
educação nacional. Entre o ensino primário, insuficiente e mau, e o
superior, anacrónico e falho, há um hiato que o Colégio de D. Pedro II,
os Colégios das Artes, de S. Paulo e Pernambuco, e as poucas aulas de
preparatórios
espalhadas pelas províncias não poderiam nunca preencher. A
proporção dos alfabetizados é mínima; o diretor da repartição de
estatística, Manoel Francisco Correia, em 1877, informava: "Da
população livre recenseada, sabem ler e escrever 1.563.078 habitantes;
não sabem 6.858.594; dos que, excluídos os menores de 5 anos,
restariam 5.579.945. analfabetos. Da população escrava os que sabem
ler não passam de 1.403." As escolas primárias chegavam apenas a
4.890 — e apenas 170.000 crianças as frequentavam. Almeida Oliveira,
no seu trabalho sobre o ensino público, acentuava, comentando estes
últimos dados: "Para termos uma escola por 700 habitantes ou 100
escolares, visto que estes representam sempre a sétima parte da
população, deviam as escolas primárias subir a 12.324." Em lugar desse
número, bem modesto, as nossas 4.890 escolas estabeleciam a
proporção de uma escola por 1.722,2 habitantes, considerando-se
apenas a população livre (8.421.672 habitantes em 1870) — de uma
escola por 2.028,9, considerada também a população escrava, calculada
esta em 1.500.000 cativos, número de resto pouco seguro. À penúria de
escolas acrescente-se o número diminuto de alunos: 34,7 em média para
os estabelecimentos existentes. Depois da escola primária, para o
pequeno número de indivíduos que as frequentava, aprendendo,
geralmente mal, leitura, escrita, cálculo elementar e alguns rudimentos
de outros assuntos, nada, praticamente, se oferecia. Nem estudos
secundários regulares, nem instrução profissional.
15
Quanto ao ensino
superior, re-duzia-se às duas faculdades de direito, de S. Paulo e
Pernambuco, às duas faculdades de medicina, do Rio de Janeiro e da
Bahia, e, depois de 1875, à Escola Politécnica do Rio de Janeiro e à
Escola de Minas de Ouro Preto. As províncias, livres de se entregarem,
pelas disposições do § 2.° do art. 10 do Ato Adicional de 1834, à
organização do ensino, nos graus primário e secundário, pouco
contribuíam para a melhora da situação.
É nesse quadro desolador, quase o mesmo em 1877 ou dez anos
antes, que aparecem as primeiras reivindicações de liberdade de ensino,
entendia, como no atual projeto de diretrizes e bases, como faculdade
de abrir escolas, com o mínimo de ingerência estatal. Assim é que o
grupo radical, formado após a queda do gabinete Zacarias, em 1868,
reclamava já, neste mesmo ano, por intermédio do jornal a Opinião
Liberal, e no ano seguinte, por meio do Correio Nacional, o ensino
livre, como um item de seu programa. Em 1868, o deputado mineiro
Felício dos Santos apresentava à Câmara o primeiro projeto de
liberdade de ensino; em 1869, o liberal alagoano António Luís Dantas
de Barros
15 Cf. Roque Spencer Maciel de Barros. A Ilustração Brasileira e a Ideia da
Universidade, Boletim n' 241 da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade de S. Paulo, S. Paulo, 1959, págs. 200/1.
Leite apresentava ao Senado outro projeto de "ensino livre"; em 1870, o
Manifesto Republicano criticava a inexistência dessa liberdade
fundamental; em 1873 e 1877, António Cândido da Cunha Leitão
encaminhava à Câmara novos projetos no mesmo sentido.
16
A maioria
dos liberais de então acredita que a simples decretação da liberdade de
ensino, estimulando a fundação de escolas e faculdades e estabelecendo
a concorrência entre os estabelecimentos fundados, resolveria, por si só,
os problemas fundamentais do ensino, quanto à qualidade e quanto à
quantidade. Alguns mais extremados chegam até a sustentar a tese da
abstenção do Estado no domínio da educação, certos de que a iniciativa
particular atenderia a todas as necessidades pedagógicas. E não são só
os liberais que assim pensam: a propaganda positivista martela no
mesmo tema e os católicos ortodoxos, depois da questão religiosa, que
os fazia temer um Estado disposto a sustentar os direitos da Coroa
contra as teses ultramon-tanas do Syllabus e do Concílio do Vaticano,
tornam-se entusiastas das mesmas ideias sustentadas pelo catolicismo
francês. É claro, entretanto, que liberais, positivistas e católicos não
tinham a mesma concepção de liberdade de ensino — o que os unia era
a ausência de uma lei em que se precisasse o sentido do conceito.
Assim, enquanto para os liberais essa liberdade se estendia às cátedras,
para os católicos era apenas a liberdade da Igreja fundar escolas
católicas e para os positivistas, de acordo com a lição de Comte, a que
nos referimos no último artigo, era um elemento fundamental da
"transição orgânica" e deveria servir ao livre jogo das opiniões, para
facilitar a implantação da "doutrina definitiva" e a unificação final de
todas as crenças pela "filosofia regeneradora".
Só em 1879, entretanto, realiza-se o primeiro ensaio de liberdade
de ensino, consubstanciado no Decreto n.° 7.247, de 19 de abril, e no
Aviso de 21 de maio do mesmo ano. Não é nosso propósito examinar
aqui essa reforma e suas consequências; já o fizemos longamente em
outro lugar.
17
Queremos apenas assinalar que, concebida em termos
liberais, chegando mesmo a abolir, pelo seu artigo 25, o juramento de
catolicidade obrigatório para os membros do magistério, ela não
agradou aos católicos: João José de Oliveira Junqueira e Cândido
Mendes de Almeida, membros influentes do laicato católico, por
exemplo, investiram contra ela, já que não era a liberdade de ensino do
decreto a que a Igreja reclamava. Mas (e o tempo se encarregou de
demonstrá-lo), independentemente de sua orientação doutrinária, essa
reforma não resolveria os problemas específicos
16 Cf. A Ilustração Brasileira, cit, págs. 107, 229/30 e 254/65.
17 A Ilustração Brasileira, cit., 2º parte, cap. II, especialmente páginas 272/318.
do ensino, ainda que tenha tido real importância do ponto-de-vista
político. Na mesma época em que se faz esse primeiro ensaio de
liberdade de ensino, alguns liberais, entretanto, reconhecem que não é
possível enfrentar a sério o problema da educação sem afirmar a
prioridade do Estado, Tavares Bastos já o sustentava em A Província,
em 1870, e Joaquim Nabuco o proclama durante a própria discussão do
projeto de Leôncio de Carvalho pela Câmara dos Deputados, a 15 de
maio de 1879. Rui, por sua vez nos pareceres sobre a Reforma do
Ensino Primário, em 1883, fixa com nitidez essa ideia: "Enquanto a
preocupação de alguns sistemáticos e o exclusivismo de certos teoristas,
invocando a ciência da realidade, mas desconhecendo notavelmente o
estado real dos espíritos e das ideias no seio da civilização con-
temporânea, condenam o desenvolvimento que o nosso primeiro projeto
quer imprimir ao ensino oficial, preconizam a supressão dos graus
acadêmicos, tacham desdenhosamente de ciência oficial a instrução
distribuída nos cursos universitários, encarecem a iniciativa individual
como capaz de substituir o poder público no seu papel atual de grande
propulsor da educação popular e da alta cultura científica, reprovam,
em suma, o progressivo alargamento da ação protetora e tranquilizadora
do Estado nesta esfera, a tendência universal dos fatos, na mais perfeita
antítese com essas pretensões, com o subjetivismo das teorias dessa
nova classe de doutrinários, reforça, e amplia, entre os povos mais
individualistas, com o assentimento caloroso dos publicistas mais
liberais, o círculo das instituições ensinantes alimentadas pelo erário
geral; aduz todo dia o concurso de novos argumentos em apoio da
colação dos títulos universitários sob a garantia do Estado, e reconhece,
cada vez com mais força, a necessidade crescente de uma organização
nacional do ensino, desde a escola até às faculdades, profusamente
dotada nos orçamentos e adaptada a todos os géneros de cultivo da
inteligência humana."
18
Em contraposição, portanto, à tese segundo a qual, para resolver os
problemas do ensino, é preciso entregá-lo à iniciativa privada,
entendendo-se nesse sentido a liberdade de ensino, le-vanta-se,
vigorosa, a concepção do Estado-educador, em termos liberais e
democráticos.
A República, nos seus primeiros tempos, iria, contudo, retomar o
caminho da liberdade de ensino entendida no sentido pri-vatista. A
reforma de Benjamim Constant, em 1891, não só estabelece a liberdade
da iniciativa particular, mas equipara os estabelecimentos privados aos
públicos. Abria-se, assim, o caminho para a "desoficialização do
ensino", que a reforma de
18 Obras Completas de Rui Barbosa, vol. X, 1883, Reforma do Ensino Primário,
tomo I, Ministério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1947, páginas 85/6.
Rivadávia Correia, em 1911, finalmente consagraria.
19
Não é preciso
que nos detenhamos aqui nas desastrosas consequências da reforma
Rivadávia, que abriu caminho para toda sorte de irregularidades, a tal
ponto que o reformador seguinte, Carlos Maximiliano, embora crendo,
como Rivadávia, que era "esplêndida e adiantada" a ideia da
desoficialização do ensino, reconhecia as suas limitações e os seus
perigos: "Nos países novos — dizia na Exposição de Motivos da
reforma de 1915 — começa apenas a educação da legalidade; todo
poder é suspeito; obedecer, um sacrifício. Perigosa deve ser, portanto, a
outorga precipitada de amplas autonomias. Quanto ao ensino, os fatos
demonstram que se avançou demais.
20
Em outros termos, começava a
surgir a consciência de que era preciso reexaminar o papel do Estado no
domínio pedagógico, o que, entretanto, só iria ser feito seriamente após
a revolução de 30. Sem negar a liberdade de ensino, antes
compreendendo-a de acordo com as exigências do liberalismo e da
democracia os educadores pós-revolucionários abandonaram a tese da
"desoficialização", para defender o princípio da educação como função
pública. Os "pioneiros da educação nova", representantes típicos do
novo espírito, proclamavam que o Estado tem "o dever de considerar a
educação, na variedade de seus graus e manifestações, como uma
função social e eminentemente pública, que êle é chamado a realizar
com a cooperação de todas as instituições sociais.
21
Dentro do mesmo
espírito, o poder público, em S. Paulo, enfrentou com indisfarçável
seriedade, pela primeira vez, o problema da educação superior, com a
criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e da Universidade
de S. Paulo.
Essa aguda consciência da tarefa educativa do Estado, nascida do
malogro das experiências "desoficializadoras" e do contato com os
países estrangeiros, nos quais, mesmo nos mais democráticos, o Estado
chamava a si o dever de constituir um autêntico sistema de educação
nacional, transparece claramente na Constituição de 1934, a primeira a
dedicar um capítulo inteiro à educação e cultura. Reconhecendo a
"liberdade de ensino em todos os graus e ramos, observadas as
prescrições da legislação
19 "A presente organização — escrevia Rivadávia — assinala e tem em vista uma
suave e natural passagem da vigente oficialização do ensino para a sua completa
desoficialização, corolário fundamental do princípio da liberdade profissional,
consagrado na Constituição da República." Apud Primitivo Moacyr, A Instrução e a
República, tomo IV, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1942, pág. 14.
20 Primitivo Moacyr, ob. cit. págs. 83/4.
21 Cf. A Reconstrução Educacional no Brasil Ao Povo e ao Governo
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, S. Paulo, Companhia Editora Nacional,
1932, pág. 45.
federal e estadual" (art. 150, parágrafo único, letra c), afirma-va-se,
entretanto, sem vacilações, o papel educador a ser exercido pelo poder
público (arts. 148 e 149), ao mesmo tempo que eram exigidas garantias
sérias de idoneidade dos estabelecimentos particulares.
A marcha saneadora da educação foi, porém, interrompida pela
ditadura e é curioso lembrar que a carta fascista de 1937 concebeu a
função educadora do Estado como meramente supletiva. Efetivamente,
depois de estabelecer a liberdade de ensino (entendida como liberdade
de abrir escolas), no seu art. 128, estatui a Carta no art. 129: "À infância
e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em
instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos
Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino
em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação
adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais." Isto é,
só quando faltarem recursos para a educação privada entrará o Estado
em ação, o que caracteriza o seu papel "supletivo", como dizem ainda
hoje os que se proclamam defensores da liberdade de ensino. A mesma
ditadura que suprimiu a liberdade de cátedra inscrita na Constituição de
1934 (art. 155), que subverteu, praticamente, o princípio da gratuidade
do ensino (cf. art. 130 da Carta de 1937), aplaudiu a liberdade de abrir
escolas e deixou ao Estado apenas a tarefa de completar a obra da
iniciativa privada! Nada mais compreensível: para todo regime policial
a única liberdade de ensino "perigosa" é a liberdade de cátedra — e
mais vale, nesse caso, que o Estado se limite a policiar as consciências
nas escolas privadas, reservando os seus recursos para ofícios menos
nobres do que o educativo...
Derrubada a ditadura, a Constituição de 1946 voltou à linha
autenticamente liberal e democrática, restabelecendo a prioridade do
Estado no domínio da educação: "o ensino dos diferentes ramos — diz
o seu art. 167 — será ministrado pelos poderes públicos e é livre à
iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem". Ao mesmo
tempo, pelo inciso VII do art. 168, a cátedra readquiriu a sua liberdade,
vale dizer, a sua dignidade. O projeto de diretrizes e bases que então se
elaborou, em 1948, atendendo às exigências da letra d no inciso XV do
art. 5.° da Constituição, norteou-se por aqueles princípios, exigindo do
Estado o cumprimento de seu dever de educar, garantida a legítima
liberdade de ensino — a de cátedra — e deixando livre a iniciativa
particular, mas fiscalizando-a seriamente, para impedir abusos e
irreguaridades. Como lembrava o ministro Clemente Mariâni, na
Exposição de Motivos que acompanhava o projeto, a Lei de Diretrizes e
Bases terá "de descer às minúcias sobre as condições de
reconhecimento das escolas, sobre o processo de escolha dos seus
professores, sobre a organização dos currículos
sobre o regime de aulas e das provas, assegurando, em todas essas
matérias, uma vigilância por parte do Ministério da Educação, que
impossibilite seja a autonomia usada num sentido pernicioso, em vez de
sê-lo para a mais perfeita realização dos interesses nacionais em
matéria de cultura.
22
Toda a nossa experiência histórica parece esquecida pelos
legisladores atuais. Na ânsia de favorecerem o particular, em
detrimento da Nação e do Estado, acabaram por confundir o sentido
liberal e democrático de liberdade de ensino com uma anacrónica
contrafação dessa liberdade ou até mesmo com a sua negação, implícita
no conceito católico, e, o que é pior, parecem pretender, novamente,
encetar uma experiência que já fizemos e resultou completamente
nefasta para o ensino.
Que o Senado medite sobre as marchas e contramarchas da
liberdade de ensino no Brasil e se decida pela sua correta interpretação
liberal e democrática, emendando, convenientemente, o projeto
aprovado pela Câmara dos Deputados, a fim de que não se
comprometa, não sabemos por quantos anos, o já insuficiente sistema
nacional de educação e para que se possa, o mais brevemente possível,
pô-lo à altura das necessidades de um país democrático e liberal, em
plena luta contra o "subdesenvolvimento", não só econômico, mas
também cultural, político e moral.
22 Cf. Exposição de Motivos in Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, vol. XIII,
maio-agôsto de 1949, nº 36, pág. 20.
LEI DE DIRETRIZES E BASES
M. B. LOURENÇO FILHO
Professor Emérito da Univ. do Brasil
Atendo com prazer ao convite que me dirigistes, apresen-tando-
vos algumas ideias sobre o projeto de lei de diretrizes e bases da
educação nacional.
O que desejais, por certo, é uma análise objetiva desse documento.
Para que assim se faça, será útil usar de um método que isso nos
facilite. Imaginemos que não se trate de um projeto brasileiro, mas de
outro país, de um país vizinho, por exemplo. Alguém desse país a nós
se dirige, pedindo-nos uma opinião.
Nesse caso, afastamos as razões emotivas, as pessoas e grupos,
para serenamente interrogar os fatos. Uma lei é um instrumento de ação
política. Supõe a realidade de uma nação, um território e um povo,
gerações em face umas de outras, ocupação e trabalho. Supõe
igualmente certas ideias comuns desse povo sobre suas instituições,
normalmente compendiadas numa carta política, ou constituição.
Acerca de tudo isso, portanto, devemo-nos informar para que
possamos emitir uma opinião bem fundada sobre o valor do projeto,
como instrumento útil.
Certo que, ainda antes disso, podemos proceder a uma análise
formal do escrito. Está bem formulado ou não está; usa corretamente
das expressões técnicas, ou não usa; permite fácil interpretação, ou não
o permite.
Que há, no projeto, muitas falhas técnicas salta aos olhos. As
impropriedades são numerosas, e a redação, para um texto de lei, nem
sempre perfeita. Para só citar uns poucos exemplos: o projeto não
distingue entre educação e ensino, o que se vê pelas denominações de
títulos e capítulos; confunde cursos e ramos de ensino (artigo 47) ;
confunde matéria de ensino e disciplina, empregando como sinónimas
essas palavras (artigo 44 e seus parágrafos) ; usa da expressão
disciplinas optativas, de modo contrário ao consenso universal (artigo
45 e outros), pois admite opção pelos estabelecimentos, não pelos
alunos. Sugere também que os métodos de ensino e formas de atividade
escolar sejam questões de classes sociais (artigo 30).
Palestra realizada no Colégio Bennett, a 21 de julho de 1960.
Deslizes mais graves, quanto ao uso de expressões consagradas no
direito público são também frequentes. Tal é o caso, quando diz, por
exemplo, que o Ministério da Educação exercerá as atribuições de
Poder Público Federal em matéria de educação (artigo 6.°); ou quando
situa o Conselho Federal de Educação acima e fora desse Ministério
(artigo 7.°), admitindo no entanto que certo número de decisões desse
órgão tenham de ser obrigatoriamente homologadas pelo Ministro (§
1.° do artigo 9.°).
Tudo isso constitui, porém, aspecto acessório, questão de forma,
não de substância, e é da substância que devemos partir.
Ao consulente do país vizinho temos de pedir, para isso,
documentação que nos ilustre. Primeiramente, a Constituição de seu
país. Embora a elaboração legislativa se exerça com grande amplitude,
não é ela inteiramente livre. Devemos co-nhecer-lhe os limites e esses
limites estão na carta política. Depois, reclamamos dados sobre a
situação real da vida social e de ensino, no país. Estatísticas recentes, se
possível; dados sobre as despesas; informações sobre as tendências de
vida econômica; alguma coisa mesmo sobre a história e o movimento
das ideias ou da cultura, no país.
Nosso consulente logo nos apresenta a Constituição que pedimos.
Verificamos, sem esforço, que ela é do tipo moderno ou, como se
costuma dizer, de tendências avançadas. De fato, não se limita a
configurar o Estado, ou os poderes públicos, de um lado, e os direitos e
garantias individuais, de outro. Vai muito além. Cuida diretamente dos
grandes problemas sociais, da organização da família, da ordem
econômica, do direito do trabalho, do seguro e previdência social, da
defesa e proteção da saúde, das relações entre as igrejas e o Estado, é
com isso, também da educação e da cultura.
Detemo-nos logo no capítulo referente a esse último assunto, que
nos deixa a mais lisonjeira impressão. A primeira e solene afirmação aí
contida é a seguinte: "A educação é direito de todos e será dada no lar e
na escola. Deve inspirar-se nos princípios da liberdade e de
solidariedade humana."
Excelente, podemos logo dizer. E, como a educação aí se define
como direito, e direito "de todos", convirá examinar o capítulo "Dos
direitos e garantias individuais".
Então verificamos: 1) que nesse país todos são iguais perante a lei;
2) que por motivo de convicção religiosa, filosófica ou política,
ninguém será privado de nenhum de seus direitos; 3) que é livre o
exercício de qualquer profissão, observadas as condições que a lei
estabelecer.
Este último ponto associa-se à ordem econômica e social muito
em relação à qual há também um capítulo específico. E aí lemos: "A
todos é assegurado trabalho que possibilite uma vida digna"; e, mais, "o
trabalho é dever social".
Compreendemos então que esse país, segundo o texto de sua
constituição, tende a estabelecer uma democracia social, isto é, sem
privilégios; e uma democracia econômica, isto é, fundada na obrigação
social do trabalho, na produção da riqueza comum.
Mas devemos ir adiante, para verificar o que a carta do país amigo
dispõe sobre a organização propriamente política. No capítulo "Da
nacionalidade e da cidadania", temos em resumo o seguinte: os
cidadãos podem ser nascidos no próprio país ou em outro, uma vez que
se nacionalizem. Ao completar 18 anos, todos podem ser eleitores, com
três exceções: os analfabetos, os que não saibam exprimir-se na língua
nacional e os que, temporária ou definitivamente, sejam excluídos dos
direitos políticos. Explicam-se claramente as hipóteses dessa exclusão.
Apuramos que o governo é representativo, republicano e
democrático. Todo o poder emana do povo e em seu nome será
exercido. Mas o regime não é democrático apenas no sentido político. É
democrático também como sistema ou como filosofia de vida.
Essa conclusão sobre o país vizinho é reafirmada, aliás, por todo o
contexto da carta política. Na realidade, ela não considera a vida
democrática como uma contraposição entre o indivíduo e a sociedade
juridicamente organizada, ou, afinal, entre cada pessoa e a estrutura
social existente, admitida como estática. Não. O que vemos é que, além
de estabelecer preceitos sobre a estrutura do poder, a competência de
seus órgãos e os direitos do homem, a Constituição regula as
instituições fundamentais da sociedade, pondo-as ao serviço da
afirmação e responsabilidade da personalidade humana. Difere,
portanto, das constituições de tipo liberal clássico do século passado.
De fato, quando ela nos diz que a educação é direito de todos está
implicitamente dizendo que a formação da personalidade de cada um é
o que mais importa na expressão da vida social e em sua dinâmica.
No país vizinho, o problema de democracia torna-se afinal de
contas o problema da educação. Quereis ver? Na igualdade política, são
as condições de educação que antes de tudo importam.
De fato, não podem ser eleitores os analfabetos e os que não se
exprimam na língua nacional. Na igualdade econômica, ou de trabalho,
é ainda isso que decide. "A ordem econômica," diz o artigo 145, "deve
ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a
liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano."
De que depende essa iniciativa e essa valorização? Da capacidade
individual. Realmente, diz a Constituição que "é livre o exercício de
qualquer profissão, observadas as condições de capacidade que a lei
estabelecer". E para que não haja dúvida, declara no artigo 5.° que só a
lei nacional, por compe-
tência privativa da União, estabelece as "Condições de capacidade para
o exercício das profissões técnico-científicas e liberais". Por outro lado,
institui a Justiça do Trabalho, para decidir dissídios individuais e
coletivos, entre empregados e empregadores.
Também esse mesmo artigo 5.° declara que compete à União
"legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional". Já aí, porém,
não como competência privativa, mas apenas preferencial. Convém
esclarecer que o vizinho país é uma federação. Aos Estados, que o
compõem, também cabe legislar sobre a ma-ria, em caráter supletivo ou
complementar; e, ainda aos municípios, segundo poderes
remanescentes. Mas os poderes federais expressos prevalecem sobre os
estaduais e municipais, em tudo quanto não esteja expresso também
para eles, ou compreendido como poder remanescente para essas
unidades político-ad-ministrativas.
Agora, sim. Agora estamos mais habilitados, ao menos pelo
aspecto de organização político-administrativa, para analisar o projeto.
Há, no entanto, outro aspecto fundamental, e que é a situação real
do país, sua vida, seus costumes, suas expressões de trabalho, suas
rendas, suas possibilidades. O que até agora conhecemos é o que se
pode chamar a sua superestrutura legal, na forma ideal. Mas um país
qualquer não se resume a essa forma. Subjacente a ela, há uma
estrutura econômica e social. Há homens e grupos, classes e profissões,
instituições organizadas e das mais diversas. Por muitos aspectos estão
elas em cooperação, pois de outro modo não haveria vida nacional;
mas, também, por outros estão em oposição, senão mesmo em estado
de conflito.
Sobre uma mesma realidade econômica e social, dizem os
tratadistas, podem estabelecer-se superestruturas de cunho diferente.
Ambas, porém, não podem coexistir em conflito perenemente.
As leis que tendam a harmonizar e resolver esse conflito são leis
sábias. As que, ao contrário, assim não se fizerem, serão leis perigosas
para a harmonia social.
Justamente por isso, nas cartas políticas modernas, de modo tácito
ou explícito, reconhece-se que a educação popular pode e deve entre a
estrutura e a superestrutura representar como que um mediador plástico.
Em consequência também, os especialistas do direito público, em geral,
entendem que a função essencial do Estado, em nossos dias, deve ser a
de educar o povo.
Mas, ainda que essa não fosse a opinião em doutrina, a
Constituição do simpático país vizinho é claramente expressa a esse
respeito, em seus mandamentos. Com efeito, depois de dizer que a
educação é direito de todos, e que será dada no lar
e na escola, logo acrescenta: "O ensino dos diferentes ramos será
ministrado pelos poderes públicos e é livre à iniciativa particular,
respeitadas as leis que o regulem."
O mandamento é imperativo, como se vê pelo futuro do verbo: o
ensino será ministrado pelos poderes públicos. E é permissivo, ou tem
caráter de faculdade, no outro caso, em que emprega o presente do
verbo: "é livre à iniciativa particular". Isso quer dizer que ninguém é
obrigado a abrir escolas, mas que todos poderão fazê-lo, se assim
quiserem, respeitadas as leis sobre a matéria.
Pode-se notar que a Constituição do país vizinho (e veremos
depois como isso é importante) distingue entre educação e ensino. A
educação, como género, é obrigatória no lar. Lá está o verbo no futuro:
"Será dada no lar e na escola". A família é responsável pela educação
dos filhos, nisso tendo prioridade, e o pátrio poder regula o assunto.
Quando examinamos com o devido cuidado a Constituição,
verificamos que a palavra educação só é empregada, em seu texto, duas
vezes. Só duas vezes. A primeira é no artigo 5.°, quando diz que
compete ao governo central a fixação das diretrizes e bases da educação
nacional. A segunda é quando diz, no artigo 166, que a educação será
dada no lar e na escola, devendo inspirar-se nos princípios de liberdade
e ideais de solidariedade humana. Emprega o adjetivo educacional uma
só vez, no artigo 172, em que diz que cada sistema de ensino terá
obrigatoriamente serviços de assistência educacional que assegurem aos
alunos necessitados condições de eficiência escolar.
Fora disso, em todos os demais dispositivos do capítulo próprio, o
termo empregado não é mais educação, mas, sim, ensino.
É uma regra elementar de interpretação que nas leis não existe
nada de ocioso. Se há duas palavras diferentes, é porque os dois
conceitos são necessários. Pelo contexto geral, vê-se que a Constituição
do vizinho país admite a educação como um processo social geral,
comum à família e à escola; mas que nele distingue a forma
institucionalizada do ensino, que é ação intencional, graduada e
sistemática, cuja organização geral reserva ao Estado.
Por que será assim? Simplesmente porque, sem o ensino público,
o regime democrático previsto não poderia funcionar. Lembremo-nos
de que não podem ser eleitores os analfabetos; lembremo-nos também
de que não o podem ser os que não souberem exprimir-se na língua
nacional. A hipótese de famílias analfabetas, mesmo em país de
Constituição tão avançada, é sempre possível; a hipótese de famílias
que não pratiquem a
língua nacional é possível também, por efeito de imigração. \ssim,
mesmo crianças brasileiras, filhas de imigrantes podem tornar-se
adultas sem expressar-se na língua nacional.
Sem, pois, um sistema de ensino público, que a todos facilite, pelo
menos, o ensino primário, não haverá condições de cidadania para
menores brasileiros os quais ficarão assim privados de liberdade
política. Portanto, a própria existência da nação, no regime previsto,
regime representativo, em que todo o poder emana do povo, reclama
escolas públicas mantidas pelos poderes públicos.
Embora já os mais antigos pensadores políticos houvessem
salientado a importância das relações entre a educação popular e a vida
do Estado, — isso se lê em Platão e Aristóteles, por exemplo — a
verdade é que só a partir da organização dos chamados Estados de base
nacional, nos fins do século XVIII e começos do século passado, é que
se veio a reconhecer a íntima relação entre essas duas coisas: o governo
representativo e os sistemas públicos de educação. A cada comunidade
cultural reconheceu-se o status de comunidade política na forma de
nação, ao contrário do que antes se fazia, em que a nação decorria do
privilégio dinástico, ou do poder de famílias governantes.
Democracia e escola pública são, em consequência, duas faces de
um mesmo processo em evolução: o processo de transformação das
sociedades rígidas, da Idade Média, com hierarquia de poder assinalada
pelo nascimento, para sociedades móveis do presente, em que todas são
iguais; ou, na forma negativa, que não podem os homens ser diferentes
segundo sua origem familiar. Os cidadãos já não estão presos a uma
estrutura social fixa, mas a uma estrutura em mudança. Hoje sabemos
que essa mudança muito depende das transformações de formas de
produção, embora nem só delas. Dependem das ideias e sentimentos e
de sua comunicação entre grupos sociais, os povos e as próprias nações,
entre si.
Como quer que seja, os Estados modernos fundam-se numa
homogeneização cultural básica, que incumbe ao Estado facilitar, pelos
instrumentos elementares de aquisição e expansão da cultura: a leitura,
a escrita, as noções gerais sobre a natureza e a vida social, inclusive a
vida política.
E estudos recentes mostram que isso importa também o
desenvolvimento mental das populações. Neste particular, temos o
prazer de oferecer-vos dois exemplares de recente publicação de uma
grande pesquisa do género, realizada no país.
Por tudo isso, universalmente se reconhece a gratuidade e a
obrigatoriedade do ensino primário.
Quando examinamos a constituição do país vizinho, lá en-
contramos, de fato, um artigo, que diz que o ensino primário é gratuito
e obrigatório.
Mas, a fim de que certos grupos, ou classes sociais mais
poderosas, não possam, mediante ensino ulterior ao primário, ter
privilégio, também lá se diz que o ensino desses níveis, o médio e o
superior, também será gratuitamente ministrado para todos quantos
provarem falta ou insuficiência de recursos. Se-gue-se, aí, uma
tendência universal. Há países onde hoje o ensino é obrigatório até ao
fim da adolescência e ninguém dirá que ofende a liberdade da família
em educar. Desse modo, a educação pública, além de visar à
homogeneização básica, característica da idade da infância, passa a
tratar da formação da adolescência, na qual se incluem as funções de
diferenciação ou diversificação dos indivíduos.
Diversificar corresponde, em nossos dias, a duas coisas da maior
importância na vida democrática. A primeira é a plena expansão da
personalidade de cada um, segundo a infinita variedade de tendências,
aptidões e circunstâncias. A segunda é a organização solidária do
conjunto nacional, só possível num sistema de produção variável, e
ainda mais, mutável também nas técnicas de produzir, de transpor, de
comunicar.
Outrora, nas sociedades simples do passado, determinadas, como
já se referiu, por uma estrutura rígida derivada de direitos de
nascimento, as exigências da educação poderiam ser atendidas, e assim
o eram, só no meio familiar, com o auxílio indireto de outras
instituições não pedagogicamente especializadas. A própria frequência
à escola poderia representar uma especialização para certos ofícios ou
ocupações.
Hoje, não é assim. O lar que era um centro de produção, não só de
consumo e que bastava à orientação e formação profissional das
crianças e jovens, modificou-se enormemente. Dantes o normal era que
os filhos seguissem as profissões dos pais. Hoje não se pode pensar
assim. O trabalho, cada vez mais especializado, reclama ensino também
especial, em diferentes níveis e ramos pelo que a escola se torna
imprescindível na organização das atividades produtoras.
Eis por que os sistemas públicos tiveram de desenvolver-se em
todos os graus, e em numerosos ramos.
Parece-nos perfeitamente louvável, portanto, que a Constituição do
vizinho país diga que o ensino dos diferentes ramos será ministrado
pelos poderes públicos. Deseja, com isso, evidentemente, garantir a
todos melhor habilitação para o trabalho e as funções sociais, e não só a
certos grupos privilegiados.
Coerente com a mesma ideia, determina que o governo central
aplique nunca menos de 10 %, e os Estados e municípios, nunca menos
de 20%, da renda resultante de impostos, na manutenção e
desenvolvimento do ensino público. E, ainda mais, prevendo a
desigualdade de recursos entre os Estados, manda que o governo
central, além de desenvolver um sistema próprio de
educação, com ação supletiva, auxilie os sistemas estaduais de ensino
público em seu desenvolvimento, concedendo-lhes ajuda pecuniária. E
não é tudo. Às empresas comerciais e industriais obriga a ministrar
aprendizagem a seus trabalhadores menores, e, às empresas de qualquer
tipo, inclusive agrícolas, quando nelas trabalharem mais de cem
pessoas, obriga a manter ensino primário para seus operários e os filhos
destes. Os homens públicos do vizinho país são portanto muito
adiantados... ao menos em sua constituição... De qualquer modo, para
que eles construam uma boa lei sobre diretrizes e bases da educação,
deverão verificar quais são as condições reais do ensino no seu país.
Igualmente, assim o devemos fazer, para sobre ela opinar.
O nosso consulente fornece-nos dados estatísticos, e os exa-
minamos com o devido cuidado. Alguns índices podem dar uma ideia
clara da situação. No ensino primário, o simpático país revela grande
insuficiência de escolas. Houve relativo progresso nos últimos tempos,
é verdade. Mas, ainda mais de 30% de crianças em idade escolar não
frequentam escola. Isso, como índice global referente a todo o país.
Estados há, com 50% de crianças sem ensino algum, e municípios,
muito numerosos, onde a matrícula não vai além de 20% das crianças
em idade escolar. Existe grande desigualdade geográfica, ou, se quiser-
mos, uma estratificação regional da ignorância e, com isso, da miséria e
da doença. Nesse caso, que nos desculpem os homens do vizinho país, a
democracia de que eles falam, para essas populações, é uma burla ou
uma farsa.
No ensino médio, próprio da adolescência, a situação quantitativa,
como se poderia esperar à vista da do ensino primário, é ainda mais
grave. Do contingente da população nessa idade, pouco mais de 10%
frequentam escolas. E é de observar que 62% do discipulado
frequentam escolas particulares, isto é, escolas onde devam pagar
anuidades. Assim as oportunidades educacionais não são as mesmas.
Do ponto-de-vista qualitativo, o que se pode observar, nesse grau,
é ainda pior. O ensino médio compreende estes ramos: secundário,
comercial, industrial, agrícola, artístico, normal e de certos tipos de
aprendizagem técnica. O ensino secundário, que eles têm, não se
caracteriza como comum ou ensino popular. Não é o caso das high
schools dos Estados Unidos, por exemplo, que todos sabem que têm
esse nome, justamente porque com ê!e se designa um estágio mais alto
da escola comum, da primária. Constitui, assim, escola essencialmente
popular, que procura dar logo uma preparação para o trabalho ou para a
vida prática.
Mas no vizinho país, segundo facilmente se verifica, a situação é
diferente. O curso secundário se caracteriza por ensino de valor
individual, contemplativo ou de gozo estético, não
de interesse social. Bastará dizer, por exemplo, que o ensino do latim é
obrigatório para todos os alunos; que nele se pretende ensinar cinco
línguas; e que há sete anos de estudos históricos. .. A função normal
desses estudos é levar ao ensino superior, o qual, sendo embora
apanágio de poucos, é muito procurado por indicar qualificação social.
Durante muito tempo, as carreiras liberais qualificavam os jovens
para casar-se nas famílias abastadas dos grandes fazendeiros, para os
altos postos do funcionalismo e o domínio da política.
Por efeito da tradição, temos então esta realidade: de todos os
alunos do curso médio, ainda no ano de 1958, 75% estavam
matriculados no secundário. No ramo comercial (que no vizinho país é
também uma espécie de secundário auxiliar), estavam matriculados
16%. No industrial, apenas 2%. E no agrícola, menos de 0,5%. Se
quiséssemos gracejar com o nosso consulente, diríamos que, em seu
país, há 2,5% de alunos que se preparam para a produção real, nos
ramos agrícola e industrial, e que há 16% para contabilizar essa
produção.
Mas o caso não é para gracejos, e tanto mais que o vizinho país
vem apresentando, apesar disso, acelarado desenvolvimento industrial.
Naturalmente que a produtividade é muito baixa. Por falta de instrução,
o operário produz pouco e mal. Ainda assim, o desenvolvimento
industrial tem sido enorme. Há 30 anos a produção não era maior que 3
bilhões da unidade monetária que esse país utiliza, o cruzeiro. Em 1950
já subia, porém, a 120 bilhões. Certo que, no país vem se dando grande
processo inflacionário; tomados esses números, em seus valores
absolutos são, portanto, ilusórios.
Não obstante, aumento real existiu. Quando se reduz o último total
a preços constantes, o aumento não foi de quarenta vezes, mas ainda
assim de quinze vezes, o que é admirável. E diz-nos o nosso consulente
que a produção no corrente ano, só num ramo industrial, o de
automóvel, ultrapassa o total de toda a indústria no ano de 1950.
Quando consideramos tudo isso, começamos a compreender muita
coisa, inclusive talvez algumas tendências do próprio projeto que
devemos analisar. Como é sabido, a industrialização acelera o processo
de mobilidade social, quer no sentido horizontal ou geográfico, por
migrações internas, quer no sentido vertical. E essa mobilidade vertical
ameaça a estrutura social existente, provocando reação.
De qualquer forma, a industrialização aumenta a concorrência
cultural. Ela adensa a população das cidades. Desloca grandes grupos
rurais. Abre numerosas perspectivas de trabalho. Verificamos que, ao
menos nas cidades, há regime de pleno emprego, embora exista também
populações marginais em su-
bemprêgo, e boa parte das populações rurais que só praticam uma
agricultura de subsistência. Plantam para comer. Muitas famílias, um
pouco iludidas, por certo continuam a mandar seus filhos para o ensino
secundário geral. Mas, muitas delas também o fazem porque o ensino
primário, mesmo nas maiores cidades, é de extensão muito reduzida, de
três ou quatro anos. E, como as leis só permitem o trabalho depois dos
14 anos, existe um hiato entre a escolaridade possível nas escolas
públicas e a idade de trabalhar.
Isso explica também certa afluência no ensino secundário, mas
também a evasão nele. Dos alunos que se matriculam na primeira série
do primeiro ciclo (eles lá têm dois ciclos de ensino secundário), apenas
40°/o chegam ao seu término. Proporção ainda menor atinge ao
segundo ciclo, ou chega a completá-lo.
Claro que não há inconveniente algum em que o povo procure
maior escolaridade. O inconveniente é que, sendo o tipo de ensino
muito acadêmico, concorre para o desajustamento de muitos jovens, os
quais passam a ver as atividades diretamente produtivas, as da
agricultura e a indústria, por exemplo, como inferiores ou
depreciativas. O nosso consulente chegou mesmo a nos confessar que o
ideal de muitos jovens, em seu país, continua a ser o funcionalismo
público, ou como êle próprio esclarece, usando de uma fórmula
pitoresca, o ideal de "sombra e água fresca"...
E quanto ao ensino superior? Quanto a esse, o vizinho país só
possuía em 1930 escassos 20 mil alunos. Agora, já possui 89 mil. Então
as espécies de curso superior, nelas incluídas as de feição artística, não
chegavam a duas dezenas. Hoje, são mais de cem, confirmando a
diversificação de atividades, o que se poderia esperar com o progresso
da industrialização.
Contudo, quando examinamos a proporção dos diplomados dos
diferentes ramos, temos grande decepção. O país, embora em acelerado
processo de industrialização, especialmente prepara bacharéis em
direito. Depois, vem a classe dos estudantes de filosofia e letras, que aí
corresponde à de formação do professorado secundário. Em cada um
desses ramos, no ano de 1955, registraram-se quase 2 mil diplomados.
Já em medicina, o número baixava a 1.400, e, em engenharia, não era
superior a 1.000. A maior parte destes diplomados em engenharia eram
do ramo civil (uma espécie de bacharelado em ciências matemáticas e
físicas) de arquítetura e urbanismo. Engenheiros mecânicos, ou
metalúrgicos, não chegam a poucas dezenas.
Os agrónomos figuravam apenas com 107, ainda que o país
exporte principalmente produtos agrícolas. Os veterinários eram 24,
embora o país tenha o quarto ou terceiro rebanho do
mundo. E os químicos industriais, já que o vizinho país está
desenvolvendo suas indústrias? Esses foram apenas 43, naquele ano.
Eis aí, em números gerais, as feições dominantes da realidade.
Insuficiente e deficiente o ensino primário. O ensino médio e o ensino
superior sem qualquer planejamento realístico, em face das
necessidades mais urgentes do país. E não esqueçamos; no ensino
secundário, 62% dos alunos cursam estabelecimentos privados. E no
ensino superior, cerca de 50%.
Em face desses dados, que nos deram, primeiro, a feição ideal do
regime político e, depois, a realidade do ensino no vizinho país,
poderíamos supor que os seus eminentes legisladores estivessem
especialmente preocupados em fortalecer as instituições públicas do
ensino, para propagá-las por toda a parte, planejando-as racionalmente.
Contudo, quando se volta a ler o projeto, verificamos que não é
assim. Os legisladores não estão preocupados com a realização
democrática da escola. O que os preocupa — mirabile visu — vá lá o
latim de que eles tanto gostam, é uma coisa que Estado favorecer o
monopólio do ensino."
Não estamos gracejando não. Lá está escrito, no artigo 4.° do
projeto, o seguinte: "É assegurado a todos, na forma da lei, o direito de
transmitir seus conhecimentos, não podendo o Estado favorecer o
monopólio do ensino."
Não haveria engano em nossa leitura ou em nossa interpretação?
Ou não haveria engano na cópia que o nosso consulente nos
apresentou? Absolutamente, não, respondeu êle. Veja que o documento
é o "Diário do Congresso Nacional" — Seção Senado Federal, sexta-
feira, 26 de fevereiro de 1960.
Então talvez não saibamos o que seja monopólio. Por isso abrimos
um dicionário, o velho Aulete. E aí encontramos o seguinte:
"Monopólio, s.m., privilégio que o governo dá a alguém para poder
sem competidor explorar uma indústria ou vender algum género
especial. Comércio abusivo, que consiste em um indivíduo ou corpo
coletivo se tornar possuidor de um determinado género de mercadorias
para, à falta de competidores, poder depois vendê-lo por preço
exorbitante."
Então, relemos o texto, confrontamos o princípio constitucional já
conhecido: "O ensino será ministrado pelos poderes públicos e é livre à
iniciativa particular." A seguir, verificamos as estatísticas. No ensino
médio, 62% dos alunos em escolas privadas, mantidas pelas mais
diferentes instituições; e no ensino superior, também quase 50% dos
alunos em escolas privadas.
Nas escolas do governo não se cobra nada, não havendo assim
comércio, ao qual o nome de monopólio possa caber. Nas particulares,
é evidente, o ensino tem de ser pago, mas há uma perfeita concorrência
entre os vários estabelecimentos, alguns, por sinal, que muito bons.
Não podemos assim perceber nenhuma organização encoberta que
esteja querendo açambarcar o ensino. Ou há?... Eis aí um delicado
problema, no qual não conseguiríamos penetrar devidamente.
O dispositivo citado é muito curioso, porque não se refere a um
monopólio do ensino pelo Estado, mesmo porque isso seria absurdo,
em face do texto expresso da Constituição. Diz é que o Estado não pode
favorecer o monopólio do ensino. Monopólio de quem?
Interrogamos o nosso amigo, e, diante de nossa argumentação, êle
ficou um pouco confuso, apresentando-nos então uma larga
documentação, em artigos, entrevistas, e mesmo em discursos na
Câmara dos Deputados. E, por tudo isso, — acredi-te-se ou não! — o
que o projeto está precisamente temendo, é o monopólio do ensino pelo
... Estado! Tanto é assim, explica o nosso consulente, que o projeto
procura defender o direito de educar "pela família".
Mas este direito está ameaçado, ou tem sido ameaçado, com
postergação dos direitos constitucionais? Já houve tentativa dos poderes
públicos em obrigar alguma família a dar educação a seus filhos
diferente daquela a que ela tenha desejado dar? Ou as escolas públicas
estão procurando influenciar os alunos em determinada profissão
religiosa, ou em determinada política, que não seja a dos princípios
constitucionais? Ou, ainda, tem o Estado impedido a abertura de
escolas particulares mesmo que ofereçam condições técnicas e morais
das mais satisfatórias?
O nosso consulente declarou que não. E observou que nas escolas
oficiais secundárias e superiores do vizinho país há absoluta liberdade
de cátedra, liberdade completa de ensinar e, às vezes, conforme
confessou, liberdade mesmo de não ensinar.
Ocorre-nos, então, pedir ao nosso consulente os "Anais da
Assembleia Constituinte", pois talvez nas discussões aí travadas se
encontre a chave do mistério. Como é sabido, além da interpretação
literal de cada dispositivo de uma lei e da interpretação sistemática,
resultante do sistema de pensamento geral, ad-mite-se uma
interpretação histórica, ou derivada dos elementos históricos da
discussão de cada assunto. Obtevemos assim os "Anais da
Assembleia", e também os "Anais da Comissão da Constituinte".
Nada menos de 23 volumes.
No volume preliminar da última dessas obras, com a epígrafe
"pareceres e relatórios das subcomissões", verifica-se que a redação
inicial dada ao capítulo que depois veio a receber o
título "Da educação e da cultura", começava com um princípio que
pretendia consagrar a doutrina esposada pelo projeto em exame. A
redação era a seguinte:
"A educação é dever e direito natural dos pais, competindo
supletiva e subsidiariamente aos poderes públicos" (pág. 87).
Ainda no seio da subcomissão, como resultado de emendas, o
preceito veio a ter esta nova redação:
"A educação integral é direito de todos e será ministrada pela
família e pelos poderes públicos estaduais e municipais" (pág. 338).
Mas, na 33.
a
reunião da Comissão da Constituição, que se deu a 2
de maio de 1946, o assunto foi ampla e exaustivamente ventilado por
ilustres constituintes, cujos nomes convém citar: Hermes Lima,
Aliomar Baleeiro, Guaracy Silveira, Mário Ma-zagão, Ivo Daquino,
Ataliba Nogueira e Prado Kelly. Este último, de forma concisa e
precisa, assim esclareceu o ponto-de-vista vencedor na Comissão:
"A contar da Constituição alemã de 1919, se passou a considerar
que a matéria de educação devia constituir capítulo especial das
constituições, porque aos direitos clássicos do indivíduo, ou da pessoa
humana, se devia acrescentar o direito à educação."
Essa é a tese.
Ora, senhores, desse direito à educação quem é o titular? O
educando. Nem pode deixar de ser. Mas, para a Comissão, é o
educador: "A educação é dever e direito natural dos pais."
Mas tal regra só tem em vista a educação dos menores; não prevê,
sequer, a do adulto. E não podemos esquecer, num sistema de
educação, a do adulto.
Como se vê, houve confusão. Pretendeu-se transportar do capítulo
"Da família", onde se enquadrava o pátrio poder na Constituição de 37,
dispositivo que aquela mesma Constituição não incluía no capítulo "Da
Educação", a fim de que neste figurasse a norma filosófica do sistema
educacional no direito brasileiro.
A Carta de 34 dizia, e muito bem: "A educação é direito de todos e
deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos."
Quando observei que o art. 125 regulava, em substância, o pátrio
poder, procedia a observação, porque lembrei que no Código Civil
estava dito — "é direito dos pais a guarda e educação dos filhos, como
integrante do pátrio poder".
É disso que se cogita e, por isso, figura o dispositivo no título "Da
Família". No entanto, não é essa a regra basilar para a educação. A
educação constituiu direito que toda pessoa tem, menor ou maior, de se
instruir. É este o direito que o Es-
lado deve assegurar. Mas, ao assegurá-lo, não pode nem deve invadir a
esfera da família. Daí a declaração de que educar é um dever da família
e do Estado, porque o direito é do educando. A fórmula deve ser essa".
E, depois de novamente citar o dispositivo referente ao assunto, na
Constituição de 1934, rematava o eminente Dr. Prado Kelly:
"Concluímos: educação — direito; e ser ministrada — dever da
família e do Estado.
Segue-se então a faculdade, e é o que se prevê num parágrafo
único, com a ressalva da iniciativa particular.
O parágrafo único foi copiado do projeto do Instituto dos
Advogados. Qual a sua vantagem? Em primeiro lugar, estabelecer a
liberdade de instrução, da ciência e da arte. Em segundo, admitir um
temperamento, ou uma restrtição no que tange ao ensino, porque não se
trata de matéria que estejamos querendo agora resolver, mas que já foi
por nós solucionada quando atribuímos competência à União para
legislar em assuntos de educação.
Acredito que estas explicações tenham sido perfeitamente claras.
Não podemos deixar de incluir a iniciativa individual em matéria de
ensino porque força é reconhecer os benéficos serviços que têm
prestado à instrução e à cultura nacional os colégios, os institutos e as
faculdades particulares. Não creio, portanto, tenham subsistido no
espírito de qualquer dos ilustres membros da Comissão dúvidas sobre a
clareza, a limpidez e o acerto da fórmula que apresentamos ao veto do
plenário" (pág. 195 e seg., vol. III, ob. cit).
Feitas algumas observações sobre o alcance teórico e prático dos
princípios, que se examinavam, pelo Dr. Gustavo Ca-panema, são então
aprovados o artigo e o parágrafo, com a seguinte redação, que ainda
não seria a última:
"A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e
pelos poderes públicos."
"A instrução, a ciência e a arte são livres à iniciativa individual e
coletiva, respeitadas as leis do ensino."
Mas, há mais. A reunião a que nos reportamos deu-se a 2 de maio
de 46. A 18 de junho, ilustres deputados, a pedido do Sindicato dos
Estabelecimentos de Ensino Secundário e Primário do Rio de Janeiro,
como consta da justificação, apresentaram nova emenda, que tomou o
número 1352, assim redigida:
"A educação dos filhos é o primeiro dever e direito natural dos
pais; o Estado exercerá ação supletiva, de modo a possibilitar igual
oportunidade a todos" (Anais da Assembleia Constituinte, vol. XIII,
pág. 450).
Mas essa emenda, que repetia quase os mesmos termos da Carta
menos democrática de 1937, não foi aceita pelo plenário. Em
consequência, prevaleceu o ponto-de-vista da maioria, que passou a
figurar no capítulo "Da Educação e da Cultura", segundo a redação
conjunta, em novo substitutivo, que lhe deu o Dr. Gutsavo Capanema,
examinada, discutida e afinal aprovada em duas sessões do dia 31 de
agosto, como se pode ver no vol. XXIII, pág. 332 e seg., dos "Anais da
Assembleia".
Não pode haver a menor dúvida, portanto, quanto à intenção do
constituinte. O que êle quis e, por êle a nação, é a escola pública, a
escola de todos, sem prejuízo dos que desejarem escola privada.
Imaginando a situação num país estrangeiro, meus senhores,
fizemos apenas um esforço para analisar mais objetivamente a questão.
E parece que se tornou claro o ponto de origem da distorção das ideias
e, portanto, das dissensões ou divergências entre o substitutivo atual e o
projeto primitivo, esse organizado pelo Ministério da Educação em
1947, e depois várias vezes revisto por comissões ministeriais.
É bastante curioso que os pontos de reforma propriamente de
ensino, referentes à composição dos cursos, sua duração e medidas
gerais de descentralização administrativa são mantidos, ou apenas
rapidamente modificados. Muitos dos dispositivos repetem mesmo a
redação primitiva, ou a dos projetos revistos.
No que há grande mudança é nas formas de administração e nos
critérios de aplicação dos dinheiros públicos. Quer um, quer outro
desses pontos são assuntos para estudos especiais, e a eles certamente
dareis grande atenção na sequência de vossas reuniões.
Aqui apenas teremos ensejo de a eles aludir.
O temor de um monopólio de ensino pelos poderes públicos levou
o atual projeto a imaginar um sistema de administração curiosíssimo,
sem similar em qualquer país do mundo. Podereis notar que, na órbita
federal, se pretende criar um órgão supremo, acima e fora do Ministério
da Educação, e que é o Conselho Federal de Educação; e que, na órbita
estadual, se pretende a organização de conselhos regionais similares
para cada Estado.
Do ponto-de-vista constitucional, há logo a fazer algumas
observações. A forma ideada, quanto aos conselhos estaduais, e que é a
base do sistema, pois estes indicarão a maioria dos membros do
conselho federal, atenta contra dispositivos expressos da Constituição.
De fato, diz o art. 18 de nossa carta política: "Cada Estado se regerá
pela Constituição e pelas leis que adotar, observados os princípios
estabelecidos nesta Constituição."
Ora, não havendo a Carta Federal indicado qualquer princípio
sobre o assunto, isto é, sobre conselhos estaduais, claro está também
que uma lei ordinária não poderá fazê-lo. Toda essa matéria é, em
consequência, inoperante. Os Estados poderão seguir as regras aí
estabelecidas, ou não. E, ainda mais: em relação a vários Estados, as
suas próprias constituições já dispõem sobre conselhos estaduais de
educação, indicando a forma de sua organização e até mesmo em
alguns casos as suas funções. Isso quer dizer que, para que a lei possa
ser executada, haverá necessidade de se reformarem essas
constituições. Será isso possível e conveniente?...
Mas, ainda que a questão pudesse ser dirimida com rapidez, o que
devemos fazer notar é que o projeto labora numa grande ilusão quando
pensa que o progresso da administração, nos serviços de ensino, como
em outro qualquer, resulte apenas da forma de indicar os homens, e não
dos métodos e critérios que eles devam seguir.
Todo o progresso administrativo consiste em submeter a ação
discricionária do administrador a princípios legais, antes de tudo, mas
também em submetê-la a norma objetiva, à funda-damentação menos
empírica. Isso quer dizer que a administração se torna mais eficiente,
mais segura, mais objetiva e, portanto, mais justa quando se funde em
dados reais, convenientemente colhidos e interpretados. Por isso, em
toda parte cons-tituem-se órgãos técnicos, retirados, tanto quanto
possível, da intromissão da política partidária. O INEP, criado em 1938,
a isso já visava, e o seu desenvolvimento continuou e continua a ter
esse objetivo. Ora, no caso do projeto, os conselhos estaduais, como
por seu reflexo o Conselho Federal, serão logo contaminados pelo
espírito de política de grupo e de partido.
As consequências serão sensíveis. Bastará verificar o encargo da
distribuição de dotações pelos Estados, e não só por eles como também
diretamente para auxílio a colégios particulares, e até mesmo para
bolsas individuais de estudo. Toda essa parte está a exigir, portanto, um
longo e cuidadoso estudo de vossa parte.
Nossa opinião é que muito mais útil seria a lei se estabelecesse
alguns critérios objetivos e insofismáveis, quanto à distribuição de
auxílio às unidades federadas. Por exemplo, certos índices da
população, da insuficiência de renda per capita nos Estados, ou outros
que permitissem traduzir o espírito da Constituição no que toca à ação
supletiva de auxílio pelo governo federal. É o que fazem, por exemplo,
os Estados Unidos e a Suíça. Um dos grandes instrumentos de
progresso regional em educação nos Estados Unidos tem sido o sistema
de auxílios federais, sempre pautado em obrigações recíprocas de
cooperação, em projetos comuns.
Queremos deixar claro também que pessoalmente entendemos que
deverá existir um plano objetivo de auxílio a instituições particulares de
ensino, respeitados os princípios constitucionais. Cremos que fomos
mesmo a primeira autoridade federal a assinalar, em documento público
e em estudos especiais, essa necessidade. Somos, pois, insuspeitos
para abordar a questão.
Mas, quanto mais examinamos o sistema ideado pelo projeto, mais
verificamos que as medidas alvitradas não consultam os interesses reais
do ensino, nem atendem ao espírito da Constituição.
Segundo o artigo 111 do projeto, por exemplo, de redação pouco
clara, parece que se deseja que haja uma distribuição de recursos
idêntica para as escolas públicas e para as escolas particulares. De fato,
aí se diz que a cada aluno matriculado nas escolas médias e superiores
oficiais, deverá corresponder uma bolsa individual da mesma
importância dos gastos aluno-ano em tais estabelecimentos. E não será
isso apenas. Como o projeto cuida também de subvenções e auxílios
diretos aos estabelecimentos, o quantum das despesas com o ensino
particular passaria a ser, por isso, maior do que 50% das possibilidades
financeiras do poder público.
Num país das condições sociais do nosso, com variação de renda
muito variáveis segundo os Estados, bem podeis imaginar o perigo
dessa solução. Pode-se ver o perigo de certos grupos passarem a
manejar o sistema de forma menos conveniente para os interesses do
povo, isto é, para os interesses da vida democrática.
O que estamos observando na vida nacional é uma grande
mudança de ordem social, quer dizer uma grande mudança da estrutura
geral dos grupos e classes. O processo educacional, quando vitalizado
por medidas de ação política realmente bem inspiradas, pode
representar uma ação intencional muito fecunda, porque reduzirá os
conflitos, tendendo a uma harmonização de ordem geral. Mas, quando,
ao contrário, medidas mal inspiradas levem a acentuar dissensões e
discordâncias, tudo poderá ser muito perigoso.
Com os vossos estudos, meus senhores, neste Congresso, a que
não trago senão insignificante parcela, podereis concorrer para o
esclarecimento de muitos pontos de dúvida, e, assim também, concorrer
para o esclarecimento da opinião pública. O sistema democrático de
governo e a filosofia de vida em que êle tem a origem, é o diálogo. Em
filosofia diferente admitem-se opiniões unipessoais, ou de grupos de
pressão, que apenas traduzem interesses e aspirações de minorias
poderosas. Na democracia não.
Como vivemos em regime democrático, assegurado pela
Constituição, tudo devemos fazer no sentido de melhores soluções de
espírito cooperativo, e não de conflito.
Já há bons quarenta anos, escrevia o historiador inglês Wells que a
humanidade entrava numa fase em que se iria assistir a uma desabalada
corrida entre a educação e a catástrofe. Nós, educadores, acreditamos
no valor construtivo da educação e, por isso mesmo, temos tomada a
nossa orientação. É a que tem como lema um mundo menos imperfeito,
por vigilante ação educativa, inspirado, como diz a nossa Constituição,
em princípios de liberdade e de solidariedade humana.
Congratulo-me sinceramente convosco pela realização desse
Congresso, e agradeço a gentileza de vossa atenção.
ESPECIALISTAS EM EDUCAÇÃO PARA A
AMÉRICA LATINA
PEDRO ROSSELLO
Diretor do Bureau International de
1ºEducation.
Considero grande ventura para os organizadores do curso, para o
professorado e para os participantes estarem eles associados a esta obra
de vanguarda, a uma experiência cujos resultados irão repercutir não só
além do país, mas do continente que os auspicia.
Sem pretender ser profeta, não creio arriscar-me demasiado ao
prever que a formação de especialistas, de líderes da educação,
alcançará um nível que seria impossível prever há poucos anos.
A explicação deste fenômeno é óbvia. Paralelamente ao
desenvolvimento das demais atividades humanas, o ritmo do progresso
da educação acelerou-se e complicou-se ao mesmo tempo. É para fazer
frente às exigências desta complexidade crescente que a intervenção
dos técnicos, dos engenheiros da educação torna-se cada vez mais
decisiva.
Enquanto a construção de uma casa se limitava a uma planta baixa
e, no máximo, a um andar, um mestre de obras era suficiente.
Em 1960, quando a estrutura e as dimensões da educação se
tornam tão extensas e tão complexas como as de um arranha-céu, como
prescindir dos especialistas, dos "arquitetos" da educação?
A formação desses técnicos, desses líderes — quase me atreveria a
dizer desses estadistas — coloca uma série de problemas tanto mais
interessantes quanto em sua maioria apresentam um caráter inédito.
Não é difícil um acordo com respeito às disciplinas básicas e
especializadas que devem constituir o plano de estudos dos futuros
especialistas. Porém, em pedagogia distinguimos entre instrução e
educação. Acaso a formação do especialista não
Discurso proferido na inauguração do Curso de Especialistas em Educação no Centro
Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo, em tradução da Prof.ª Nair Batista.
implica, ao lado da aquisição de determinados conhecimentos e
técnicas, o desenvolvimento paralelo de determinadas aptidões
específicas?
Será impossível promover o cultivo prévio e sistemático das
atitudes que desejaríamos fossem adotadas pelo especialista em sua
tarefa cotidiana? E quais são essas atitudes?
É em volta dessa pergunta que, se me fôr permitido, quisera
formular algumas considerações.
a) Uma das primeiras atitudes do especialista é a de tratar, ver com
clareza a essência, a medula das metas a alcançar.
Assim como o estrategista, o técnico em educação deve possuir
uma visão clara dos objetivos que tem em vista. Cabe aplicar aqui a
expressão favorita do grande vencedor da primeira guerra mundial, o
marechal Foch: "Antes de tudo, vejamos claro."
Lamentavelmente, a obscuridade dos problemas aumenta em
proporção direta de sua complexidade. E nunca os problemas
educativos se haviam tornado tão intrincados como se nos apresentam
na atualidade.
O especialista em educação deverá, pois, logo de princípio, sair do
labirinto em que se verá cada vez mais encerrado pela realidade que o
cerca.
O projeto principal n.° 1 oferece aos especialistas em educação
uma excelente oportunidade para exercitar sua faculdade intuitiva e
suas aptidões de clareza.
Quais são, em síntese, as metas imediatas — não falo das remotas
— que se trata de alcançar?
Quando a UNESCO convida os governos da América Latina a
mobilizar todas as suas forças para resolver de modo integral o
problema do ensino primário, a batalha tende a concentrar-se em três
frentes principais: o professor, o local-escola e o material escolar.
Compreendida em sua expressão mais simples, a campanha
pretende abolir as discriminações existentes e assegurar a cada criança,
sem exceção, o gozo dos três direitos elementares do aluno primário em
meados do século XX:
1) Direito ao professor — Trata-se de obter que cada criança, quer
nascida no planalto, na serra, no equador, na floresta ou no litoral, quer
tenha visto a luz na cidade ou no vilarejo, desfrute durante seis anos dos
cuidados de um professor competente. E não há necessidade de exigir
que esses seis anos constituam uma ração educativa mínima. Se
compararmos a criança a uma planta, este mínimo representará para ela
6.000 horas de insolação intelectual, quando em certos outros países
crianças mais privilegiadas já recebem, obrigatoriamente, um total de
dez, onze e até doze mil horas.
2) Direito ao local-escola — Cada aluno deve ter garantido,
durante esse prazo mínimo de seis anos, o usufruto de um metro
quadrado de superfície dentro de uma sala de classe limpa, clara,
arejada e acolhedora. O direito de habitação completa-se com o direito a
um mobiliário que responda às exigências elementares da pedagogia e
da higiene.
3) Direito ao material escolar — Ou em termos mais concretos,
direito ao livro de texto, ao caderno e à pena: não se sabe a razão por
que o material de ensino tem sido considerado como fator desprezível.
Talvez nos encontremos ante um resquício do caráter puramente oral da
arte de ensinar. Porém, quem se atreveria a pedir a um dos melhores
mestres de uma das escolas consideradas modelo, que lecionasse sem
que cada aluno tivesse à sua disposição um livro de texto
correspondente a cada disciplina, o número de cadernos necessários aos
diversos exercícios e uma caneta e um lápis que escrevam de maneira
legível. E não obstante, este é o milagre que se exige de milhares e
milhares de professores rurais, cuja preparação deficiente se agrava com
a ausência em quantidade suficiente dos auxiliares educativos mais
imprescindíveis.
b) Uma visão clara dos problemas implica — e esta é a
segunda atitude que se pode exigir do especialista — a faculdade
de hierarquizar os problemas. Quem não foi vítima alguma vez
do afã de resolver todos os assuntos de uma vez?
A sabedoria popular já proclamou que, quem tudo quer, tudo
perde. O melhor meio de perder uma guerra é combater em várias
frentes. O técnico em educação deve saber classificar as questões
segundo uma ordem de prioridade. A arte de governar, dizem, consiste
em escolher entre dois grandes inconvenientes. E postos ante o dilema
de eleger, a preferência deve recair, não no problema mais espetacular,
porém no mais urgente. No plano da educação como em tantos outros, o
artigo de primeira necessidade deve prevalecer sobre o artigo de luxo.
c) Parece desnecessário salientar que o técnico em educa
ção deve possuir um temperamento inovador, ser homem de ação,
com uma concepção otimista do resultado de todo esforço, dis
posto a lutar sem trégua pelo progresso. Isso não quer dizer
que confunda o verbo "melhorar" com o termo "mudar" e o
conceito de "atividade" com o de "agitação". Com efeito, se
bem que pareça paradoxal, todo desejo louvável de modernização
implica um poder de resistência aos mitos inerentes a determi
nados vocábulos como o de "novo" e "tradicional". Acaso o
que se chama "novo" hoje, não será qualificado de "velho"
amanhã? A "Pont Neuf" de Paris é a mais antiga da capital
da França.
Se fazemos esta restrição, é porque o prurido do moderno o
desprezo do clássico tem induzido alguns países a saltar etapas que
alguns outros Estados, muito mais poderosos, ainda não superaram.
Como explicar, com efeito, que, ao pretender generalizar o ensino
obrigatório nas zonas rurais, não se recorra nesses países ao sistema
que consiste em confiar a um só mestre as seis ou oito classes da
primeira série? Não por haverem sido preconizadas por Lancarter, as
escolas primárias completas com mestre único deixaram de prestar
grandes serviços, posto que, só nos Estados Unidos, há ainda 26.000
estabelecimentos desta espécie?
d) Saber aproveitar as conjunturas é outra das qualidades
do estadista em assuntos de educação. Trata-se de perceber a
tempo as correntes favoráveis ou desfavoráveis que condicio
nam a execução dos projetos ou planos educativos. É mais do
que nunca necessário que o reformador saiba ler e interpretar
a rosa dos ventos.
Com efeito, apesar dos obstáculos, jamais a conjuntura terá sido
tão propícia. Tem sido dito que o dinheiro é o nervo da guerra.
Queiramos ou não, o dinheiro é também o nervo da educação. E pela
primeira vez na história já não são unicamente as forças espirituais as
que propugnam pelo desenvolvimento da educação. As potências
materiais, reacionárias até há pouco, descobriram finalmente que a
educação não só cria riqueza como cria consumidores. O homem sem
instrução bas-ta-se a si mesmo. Não existe como cliente. E isto num
momento em que, seja qual fôr o regime político-econômico domi-
nante, a produção agrária ou industrial é cada vez mais escrava do
consumo em grande escala. Daí que a conjuntura financeira, condição
primária de todo desenvolvimento educativo, talvez seja, no fundo,
mais propícia do que denotam as aparências.
e) De acordo com cálculos realizados, a produção científica
aumenta anualmente em uns 6%, o que não representa nada de
estranho se levarmos em conta que 90% dos homens de ciência,
que têm existido desde o começo da história, vivem atualmente.
Como consequência desse avanço das ciências, o especialista vê
restringir-se cada dia o horizonte, o ângulo de abertura de sua
especialidade.
Se por um lado nos podemos felicitar por este progresso, não há
como ocultar o perigo que a especialização extremada significa para o
técnico em assuntos de educação. É cada vez maior o perigo de que as
árvores isoladas impeçam a visão da totalidade da floresta. O ideal seria
que ao lado de sua especialidade, o técnico em educação fosse o que
um humorista chamou "um especialista de coisas em geral". O
técnico em educação
não deve esquecer que, apesar de tudo, — diria, antes de tudo — é um
educador. E como tal, nada do que é humano pode deixá-lo indiferente.
Pobre do especialista cujo temperamento se mostre alérgico aos
grandes problemas apresentados pela marcha da civilização e às
manifestações da cultura e da arte em geral.
f) Pode alguém atrever-se a encarecer como uma das
características específicas de um técnico em educação a posse de uma
grande dose de semo comum?
É evidente que urge encontrar o antídoto que neutralize o ritmo
trepidante, para não dizer frenético, da vida privada e profissional do
homem moderno. Na esfera que nos interessa, assusta considerar o
número de decisões que um estadista ou um administrador tem de
tomar no transcurso de vinte e quatro horas. Acaso, damo-nos conta do
risco que supõe a diminuição do tempo de reflexão que podemos
dedicar ao exame de cada assunto que nos é submetido?
Só o senso comum, atuando como fator de discernimento entre o
essencial e o secundário, salvará o especialista de perecer sob a massa
de papel cada vez mais densa com que encobrimos, para não dizer
escondemos, a essência das coisas.
Só o senso comum poderá recordar ao especialista que sua missão
consiste em simplificar os assuntos, e que sua razão de ser reside, não
em criar ou complicar os problemas, mas em resolvê-los.
Dizia-se que o destino de muitos Estados líderes consistia em
preparar a guerra anterior, isto é, a guerra que já passou. Não seria
correto afirmar que em educação nos afanamos em preparar a geração
passada. Poder-se-ia dizer, ao contrário, que, com uma falta de senso
comum notória, preparamos a geração futura, a que viverá o período
álgido de sua existência no ano dois mil, como se tivesse de viver o ano
1960. Mais do que na educação urbana esse contra-senso é evidente na
educação rural. No ano corrente, nos países mais evoluídos, 10% da
população são suficientes para assegurar a produção agrícola.
Anteriormente esta proporção era de 80
c
/c Tudo se explica levando em
conta que em 1800 um camponês necessitava de uma hora para segar
com uma foice uma área de trigo; em 1850, com um gadanho,
necessitava apenas de 15 minutos. Agora em 35 segundos não apenas
sega como trilha a espiga de trigo nesses cem metros quadrados.
Excelente tema de meditação para autores de planos de estudos e de
programas das escolas rurais, os quais esquecem a miúdo que as
crianças do campo terão de saber, por exemplo, tanta física como os da
cidade, posto que muitos deles já não se dedicarão à agricultura e
mesmo os que o façam, em vez de manejarem a enxada ou o arado,
guiarão tratores.
g) Visão clara das coisas, poder de clareza, temperamento
inovador, percepção das conjunturas, interesse pelas coisas em geral,
senso comum. O quadro seria incompleto se não se acrescentasse certo
fator que, embora óbvio, vale a pena ser proclamado. É a fé na
grandeza da missão, que nos é recomendada. O técnico em educação
deve acreditar em seu trabalho. Ninguém nos obrigou a escolhê-lo. Se
bem no íntimo do foro interior sentimos surgir a dúvida ou a
indiferença, então vale mais não nos empenharmos. A fé, diz-se,
transpõe montanhas. Só a fé na transcendência da obra que lhe é
confiada dará ao estadista em educação a força necessária para sair
vitorioso das ingentes dificuldades com que tropeçará em seu caminho.
Documentação
DISCURSO DE POSSE DO MINISTRO
PEDRO PAULO PENIDO
Ao assumir a pasta da Educação e Cultura, em 7 de julho, na
presença de altas autoridades, figuras representativas dos meios
educacionais, parlamentares, estudantes, o novo Ministro proferiu
estas palavras:
Permiti, senhores, que ora me seja dado encontrar força e
inspiração no exemplo de lealdade e profunda obra criadora que se
irradiou deste Ministério de Educação e Cultura, de cujas altas
iniciativas culturais o Brasil toma consciência para a conquista de sua
grandeza definitiva.
O Governo, neste momento decisivo de realizações históricas,
integrou-se no sentido construtor da nova política, de que o mandato
conferido pelo povo ao Presidente Kubitschek constituiu expressão
altamente significativa. Nesta jornada em ritmo vertiginoso, com
reflexos de esplendor sobre o futuro da Nacionalidade Brasileira, teve o
grande estadista a cooperação leal, eficiente e tenaz do Ministro Clóvis
Salgado, justamente em um setor a que Littré chamou o GRANDE
CAMPO DE BATALHA DA CIVILIZAÇÃO.
Sentir-me-ia pequeno e desaparelhado, na minha mineira
humildade de homem de província, se não tivesse percebido na honrosa
confiança do Sr. Presidente da República — embora se trate de uma
investidura por apenas alguns meses — a homenagem à grande e
incomparável efetividade dos educadores brasileiros; homenagem que
se dirige à Universidade, e não a mim pessoalmente, pois que, antes de
tudo, me orgulho de ser homem de equipe. É imensa, pois, a ventura do
Reitor da Universidade de Minas Gerais em ser o veículo do tributo do
Governo ao magistério de todos os graus e à realidade integradora da
instituição da Universidade, que se afirma e avança em todos os
recantos da Pátria.
Quero acentuar, e com a maior ênfase possível, o reconhecimento
do Governo ao Conselho Nacional de Educação, elaborador da múltipla
experiência educacional do Brasil, antena captadora de suas aspirações,
juiz equilibrado e equânime dos seus empreendimentos, autêntico
Tribunal Superior do Ensino no Brasil.
E assinalo, senhores, com incontido orgulho, a presença, aqui, do
Conselho Nacional do SESI, obra fecunda dos homens de empresa, que
faz fulgurar a previdência social como atividade educativa de primeira
ordem. É um novo instrumento de uma nova modalidade da educação
moderna, revelando, sob a intensa luz das realizações incontestáveis e a
fecundidade criadora da filosofia da paz social, mais um esforço
convergente para a formação do novo homem brasileiro.
Meu caro Ministro Clóvis Salgado:
Desejo significar a V. Ex.
a
que, no prosseguimento da obra aqui
lançada, se hão de empenhar todas as minhas forças e aptidões, a fim de
que o Ministério da Educação não se desmobilize. Este continuará
sendo um Ministério operativo, e não contemplativo; um intérprete, e
não uma testemunha; um artífice, e não um espectador; um edificador,
e não um usuário.
O dinamismo que de contínuo se acrescenta ao impulso já
adquirido pelo Ministério da Educação não há de alterar-lhe a estrutura.
Em seus dois pólos — educação e cultura — sintetiza êle todo um
processo irreversível. A educação aparelha o homem para o
desenvolvimento, torna-o senhor das imensas riquezas de seu país
privilegiado e outorga-lhe as conquistas e realizações da ciência e da
técnica. Educação para o desenvolvimento que rasga estradas, cria
indústrias, expande o território, domina o átomo, constrói Brasília,
expressão altiva e generosa de nossa própria grandeza, lança cravada no
futuro nosso e da América, monumento e marco de uma época.
O próprio ritmo do desenvolvimento, que realiza em limitados
anos um processo que noutras partes constituiu a sedimentação de
decénios, senão de séculos, cria tarefas imensas para a cultura, que deve
ser a consciência da profundidade e alcance dos próprios feitos desta
hora fecunda, que nos transfigura e agiganta como nação. É a tarefa
hercúlea de elaborar, exprimir, sintetizar e impulsionar ainda mais alto
a frutificação espiritual do progresso material.
Assim, o Ministério da Educação mantém a convocação e
mobilização permanente de seus próprios e magníficos recursos,
funcionais como órgão da administração pública, e das imensas e
poderosas forças da sociedade brasileira, de que é a um só tempo,
intérprete e instrumento. Com o dinamismo, a eficiência, a operosidade
do funcionalismo do Ministério da Educação, temos segurança de bom
êxito na continuidade de ação, que é o nosso objetivo único e essencial.
Reforçaremos, mais e mais, os elos da íntima cooperação com os
homens da empresa, cujo devotamento à causa do ensino abrange um
campo que vai desde a alfabetização, passando pela mão-de-obra
qualificada e detendo-se na formação de técnicos de média e alta
especialização, até a comunhão fecunda da Uni-
versidade — Indústria. Este esforço comum multiplicou salas de aula,
plasmou escolas de artífices para suprirem a indústria automobilística e
de construção naval, introduziu as cátedras técnicas nas Universidades,
e nos dará, em 1960, a primeira turma de geólogos formados no Brasil.
Escusado dizer-vos da significação integradora das tarefas em curso.
Elas não se restringem ao formidável impulso urbano de nossa
civilização: incidem sobre o campo, ao qual já entram a proporcionar
recursos mecânicos, conhecimentos especializados e elevação do nível
de cultura, o que há de intensificar-se à base da sólida plataforma
industrial e à agricultura imprimirá um cunho de indústria, dando-lhe
plano, coordenação, técnica, organização e previsão. Assim, o previu e
concebeu a visão política do Presidente Jusce-lino Kubitschek, que,
como êle mesmo acaba de afirmar, lega "às administrações vindouras os
elementos fundamentais a uma agricultura compatível com as
exigências de um país moderno, forçado a produzir em quantidade
considerável, dentro dos princípios tecnológicos".
Cabe agora, senhores, especial referência à contribuição
importante das Forças Armadas à política educacional do País,
contribuição definida e consagrada através de nossa própria História.
Elemento plasmador da nacionalidade e do regime, a parte armada da
Nação representou-a no martírio do Alferes Tiradentes, que anunciou a
Independência, na Proclamação da República, com Deodoro; na sua
consolidação, com Floriano; e, nos dias atuais, assegurou a estabilidade
do regime constitucional, firmando o império da lei e da continuidade
democrática.
A nossa convocação dirige-se, alto e bom som, ao mundo do
trabalho, essa força nova da consciência nacional e da realidade social
brasileira. Nosso operário é cada vez menos o homem que despende
apenas e simplesmente energia física, para ser, cada vez mais, o homem
que sabe fazer, porque faz, para que e para quem faz. Não é o pária
algemado à máquina, como seu antecessor europeu do século XIX; é o
artífice e construtor de uma pátria, um homem novo e sem precedentes,
liberto de todas as servidões.
Nosso apelo ardente de confiança, endereça-se à mulher brasileira,
silenciosa edificadora de consciências no recesso dos lares e
contingente inestimável de inteligência e capacidade de trabalho
chamado às mais relevantes funções em todos os setores de atividade.
Mestra e técnica, educadora e, especialista, encarnação da lucidez e
dignidade de uma nação, tem a mulher brasileira a seu alcance um
mundo desdobrado. Para ela, o Brasil — na escola, na fábrica, na
tribuna, na função pública, nos postos de comando.
E há vibração de fé e confiança no chamamento à nova geração,
— muito particularmente à mocidade estudantil, tão sensível aos
problemas nacionais, tão generosa no seu espírito de sacrifício, tão
brasileira no seu impulso idealístico. Para ela existe toda a estrutura do
Ministério da Educação; para ela, presente e futuro da Pátria. Quanto
mais estudiosa, isto é, quanto mais sequiosa de saber, quanto mais
impregnada da responsabilidade de saber e conhecer para atuar e servir,
tanto mais nos ajudará e obrigará.
Deixei para o fim, intencionalmente — nunca por subesti-mação
— o apelo aos educadores, aos mestres. Jamais, colegas, nossa missão
teve neste País a importância e o alcance que hoje tem. Agora, amigos,
não se trata somente de resguardar e cultivar as tradições espirituais e
cristãs do nosso magistério. Essa herança preciosa, da qual não abrimos
mão, e que vem dos primórdios da formação brasileira, não é passiva e
apática: ela nos inspira e impele, no momento em que se nos confia
tamanha responsabilidade na formação do homem brasileiro. É de la-
mentar que muitos não compreendam a grandeza e não alcancem a
fecundidade desta hora. Vêem as fábricas, e não vislumbram sequer as
escolas que as tornaram possíveis; vêem as cidades e percorrem as
estradas, porém, não se capacitam do espírito, da cultura, da
competência profissional dos seus construtores. A meta final e decisiva
— é o homem. Pela primeira vez na história republicana, sob o Governo
Kubitschek — para honra nossa, que o seguimos e o ajudamos, que
trabalhamos e produzimos sob sua orientação e comando —
reservaram-se os 10% constitucionais da receita do País ao Ministério
da Educação. Eis a prova de que o ensino, o espírito e a cultura não
ficaram em plano secundário, mas foram guindados à relevância que lhe
cabe de fato e de direito. Não se trata, no entanto, do homem abstrato,
na responsabilidade que nos é confiada. É o homem novo, brasileiro —
o novo homem, armado de ciência e técnica, de espírito alevantado e
altivo; e aqui enraizado, desta terra o senhor indiscutido e indiscutível.
Homem brasileiro, que varreu os complexos da inferioridade e cuja
proverbial capacidade de improvisação não é mais do que a capacidade
de realizar e criar em ritmos mais rápidos que todos os outros. Desde os
grandes feitos esportivos, cujas láureas se concentram no Brasil, até às
mais altas conquistas científicas — isolando, no País, o urânio
nuclearmente puro, ou, no estrangeiro, impondo a nossa inteligência
mediante figuras jovens de nossa terra.
Espelho desta nossa grandeza é esta Capital, obra-prima da
vontade, coragem e decisão nacionais. Ela já nasceu das mãos criadoras
dos brasileiros. Daqui olhamos o mundo confiantes. Nossos arquitetos e
urbanistas, universalmente famosos, nossos operários e técnicos,
senhores de ritmos de trabalho que emo-
cionam e surpreendem as velhas civilizações, criaram este mirante, do
qual vemos e conhecemos o que vamos criar e conquistar para o Brasil
e para as gerações de amanhã.
Na raiz de tão insigne façanha, em que se integram e unificam
indissoluvelmente épocas e culturas — o Norte e o Sul, o litoral e o
interior — num mesmo e potente Brasil, subjaz o trabalho anónimo e
pouco valorizado dos mestres. Ninguém melhor do que os professores
de todos os recantos pode trazer um depoimento fidedigno e completo
acerca dos matizes de estados de espírito locais e regionais, das reações
despertadas e das aspirações dos brasileiros em todos os recantos. A
síntese da alma nacional está nas mãos dos educadores. Por isso mesmo
acalento a ideia de ainda poder reuni-los e ouvir suas observações,
críticas e conselhos, colhêr-lhes as experiências e os sonhos em todas as
partes deste Brasil inexaurível, para culminar com a afluência aqui de
seus representantes, como a alma, o sopro divino no corpo desta
Brasília que é a juventude e a maturidade nacional, o presente que
audaciosamente moldamos e o futuro que sem desfalecimentos
continuamos a construir.
Acalento a esperança de que, pela voz dos mestres, se comprove e
proclame que realizamos a educação para o desenvolvimento e o
desenvolvimento para a educação.
Essa codificação da experiência dos educadores brasileiros,
articulada com as dos educadores dos países irmãos, há de formar o
capítulo educacional da Operação-Pan-Americana e projetar para o
mundo a contribuição dos educadores da América.
A hora é de construir, senhores.
DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL
Dando continuidade à documentação relativa ao Projeto 2.222-B,
de 57, apresentamos novo pronunciamento da Associação Brasileira de
Educação, constante de esboço de substitutivo enviado à apreciação da
Câmara Alta e sua justificação.
A presente Comissão é a terceira designada, no decurso dos
últimos anos, pela Associação Brasileira de Educação, para formular
pareceres sobre a lei de diretrizes e bases da educação nacional. A
primeira enviou em 1951 à Câmara dos Deputados Sugestões
minuciosas, decorrentes de conclusões aprovadas na Décima
Conferência Nacional de Educação. Essas Sugestões foram publicadas
no Diário do Congresso Nacional de 24 de agosto de 1958, págs. 3.818
e 3.820.
Diante de novos projetos surgidos na Câmara dos Deputados, uma
segunda Comissão foi designada no ano findo pela ABE, e os seus
pareceres foram também insertos no Diário do Congresso Nacional —
(20 de outubro de 1959) — (págs. 7.510 a 7.517). Tendo sido aprovado
pela Câmara um novo substitutivo, o Conselho Diretor da Associação
julgou necessário uma nova consideração do assunto e dela incumbiu a
presente Comissão. Ao oferecermos à consideração dos Srs. Senadores
o esboço de um Substitutivo, é jubilosamente que declaramos estarem
nele incorporadas as principais ideias que vêm sendo persistentemente
defendidas na Associação Brasileira de Educação.
JUSTIFICAÇÃO DO ESBOÇO DO SUBSTITUTIVO
Ao estudarmos o projeto da lei de diretrizes e bases da educação
nacional e os diversos substitutivos para êle sugeridos dentro e fora do
Congresso, vemos que todos consideram ser da competência da lei:
1 — Definir os objetivos gerais da educação nacional:
2 — Caracterizar as atribuições educacionais dos governos
do país nas diferentes jurisdições, bem como as da iniciativa
privada;
3 — Constituir na administração federal determinados
órgãos educacionais;
Se tivermos claramente em vista as necessidades do
país, chegaremos à conclusão de que, aos objetivos da lei
acima mencionados, devem juntar-se os seguintes, embora
um deles fique expresso em forma negativa ;
4 — Assegurar a elaboração de planos a vigorarem por
determinado prazo;
5 — Abster-se de preceitos imobilizadores da evolução edu-
cacional no país.
I — OS OBJETIVOS GERAIS DA EDUCAÇÃO NACIONAL
Hoje vai-se disseminando a convicção de que as escolas, já nos
graus primários, não podem ser neutras quanto aos objetivos políticos
fundamentais da nacionalidade, ainda que o quisessem ser. Ou elas
educam para a democracia, ou educam para o personalismo, para o
absolutismo. Ou habituam as crianças a escutarem as opiniões alheias, a
dominarem as suas emoções, a refletirem, a formarem convicções
próprias e a exprimi-las, ou elas as condenam à escolha entre o
acatamento servil e a indisciplina impulsiva.
Repelindo a neutralidade, a nossa Carta Constitucional diz que a
educação deve "inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana". A definição é por demais concisa e por isto os
diversos projetos da lei complementar procuram ampliá-la. No projeto,
ora em trânsito no Senado, pare-ce-nos ter havido uma preocupação
demasiado intelectualista. Nas primeiras Sugestões formuladas por uma
Comissão designada pela Associação Brasileira de Educação foi dado o
devido destaque ao desenvolvimento harmonioso da personalidade do
educando. Elas ainda nos parecem as mais satisfatórias, se lhes
adicionarmos o objetivo da pesquisa das aptidões individuais e dos
meios de satisfazê-las, como se verá no esboço que sugerimos.
Segundo pensamos, a lei não deveria ir neste capítulo além dos
objetivos gerais da educação. Segmentar esses objetivos pelos
diferentes graus de ensino é uma tarefa eminentemente técnica, que
nem mesmo seria própria à legislação estadual e poderia, quando muito,
aspirar a figurar em regulamentos. Definir concisa e expressivamente os
objetivos nos diferentes graus é tarefa difícil de ser alcançada. Não a
alcançou certamente o
projeto em exame. Basta ler o art. 25: "0 ensino primário tem por fim o
desenvolvimento do raciocínio e das atividades de expressão da criança
e a sua integração no meio físico e social." O primeiro objetivo compete
tanto ao ensino primário como ao pré-primário e ao médio, pois em
todos esses graus se trata de desenvolver "o raciocínio e as atividades
de expressão". Na segunda parte o pensamento está obscuro: se
substituirmos, para torná-lo mais compreensível, a palavra integração
por adaptação, cumpre lembrar que esta, relativamente ao meio físico,
é sobretudo uma atividade biológica realizada pelo organismo in-
dividual e só secundariamente depende da educação.
A definição da educação nas escolas médias como destinada à
"formação do adolescente" (art. 33) é evidentemente muito pouco
significativa.
Comparem-se esses objetivos com os fins gerais da educação
expressos no art. 3.° e ver-se-á como estes ficaram amesquinha-dos ao
serem parcelados pelos diferentes graus.
Finalmente cumpre notar que a definição dos objetivos gerais da
educação ficaria inteiramente platónica se a lei não cogitasse de
sanções para o caso desses objetivos serem violados. Tal lacuna foi
preenchida nas primeiras sugestões vindas da Associação Brasileira de
Educação e em nosso esboço (art. 24 e parágrafos).
II — AS ATRIBUIÇÕES EDUCACIONAIS
A separação das atribuições educacionais entre o governo federal
e os estaduais não pode ser feita sem o conhecimento da tradição
nacional a respeito.
A melhor exegese dos textos constitucionais de 1891 mostra que
eles visavam a uma real descentralização do ensino. Nada nesses textos
autorizava a União a estabelecer normas para a organização dos
estabelecimentos de ensino médio e superior mantidos pelos Estados e
pela iniciativa privada. Nada a autorizava a fiscalizar esses
estabelecimentos. Tão profundo, entretanto, era o sulco deixado pela
tradição centralizadora, originada na época colonial e revigorada no
Império, que os textos constitucionais passaram a ser ignorados. A
primeira República, como as posteriores, foi prolífera em leis e
regulamentos sobre o assunto, e sua aplicação foi sendo fiscalizada por
corpos de inspetores federais.
Na Assembleia Constituinte de 1934 procurou-se a princípio um
compromisso entre a tradição e as novas ideias: à União caberia o
poder de traçar diretrizes' para a educação, no país, mas aos Estados
caberia o de organizar os seus sistemas públicos
educacionais. Os que pugnaram por esse compromisso atribuíam à
expressão — "sistemas estaduais de educação" — um significado
semelhante ao adotado no país donde era importada: Estados Unidos da
América do Norte. Lá, os Estados, em face do governo federal, gozam
de inteira liberdade não só em administração como em legislação
escolar. A situação nossa se aproximaria desta, mas não seria idêntica,
em vista da União passar entre nós a ter constitucionalmente o poder de
traçar diretrizes, que nos Estados Unidos não existe. Como todos
sabem, os constituintes de 1934 estavam procurando seguir a orientação
iniciada pela Assembleia de Weimar, quando esta constituiu a primeira
República Alemã.
Mas a expressão sistemas públicos de ensino perdeu entre nós o
mordente que lhe era congénito quando, à última hora, em 1934, foi
inserto na Carta Constitucional um dispositivo dando ao Governo
Federal o poder de determinar as condições de reconhecimento das
escolas médias e superiores e de fiscalizá-las. Praticamente, voltou-se
à situação anterior.
Em 1946, o dispositivo acima referido não foi reproduzido na
Carta Constitucional, mas a União ficou tendo o poder de traçar não
somente diretrizes como também bases para a educação nacional. A
palavra bases não tinha um significado profissional conhecido e era
estranha em geral à literatura pedagógica e à prática legislativa no
assunto. O seu autor, Dr. Gustavo Capanema, não lhe atribui um
significado muito diverso de diretrizes, mas acha que esta última pode
ter a elasticidade que lhe quiser atribuir o legislador ordinário. Os seus
antagonistas replicam que a autonomia indispensável aos sistemas
públicos de ensino consagrados na Constituição é incompatível com mi-
núcias legislativas federais.
Em face de textos constitucionais passíveis de interpretações
diversas, o conflito entre a tradição secular e as novas correntes
descentralizadoras só pode ser resolvido por meio de compromissos na
lei complementar. Todas as tentativas a esse respeito se tornam
naturalmente sujeitas à crítica de não obedecerem a cânones lógicos
definidos. Não vamos analisar senão três dessas tentativas.
O anteprojeto primitivo enviado ao Congresso Nacional em 1948,
pelo Poder Executivo, atribuía aos Estados o poder de fixar as
condições de reconhecimento das escolas de grau médio e de fiscalizá-
las, mas: a) já estabelecia na própria lei federal várias condições sobre a
organização do ensino nesse grau; b) dava ao Conselho Nacional de
Educação o poder de fixar um currículo mínimo para as referidas
escolas; c) mantinha o controle federal sobre o ensino superior. Além
disto, todas as decisões do Conselho eram sujeitas à homologação pelo
Ministro da Educação.
Inspirada nas decisões da X Conferência Nacional de Educação,
elaborou em 1951 Sugestões para um anteprojeto uma Comissão
designada pela Associação Brasileira da Educação, à qual já nos
referimos. O compromisso adotado por essa Comissão consistiu em
manter o ensino primário e normal sob o controle estadual e o médio e
superior sob o federal, mas facilitou o processo descentralizador pela
exclusão na lei de quaisquer dispositivos imobilizadores da experiência,
e pela atribuição da prerrogativa de estabelecer normas para o ensino
médio e superior a um Conselho Nacional de Educação, escolhido pela
maior parte regionalmente e obrigado taxativamente a permitir
adaptações regionais e locais (parágrafo 3 do art. 13 das Sugestões).
O projeto agora remetido ao Senado pela Câmara procurou seguir
neste capítulo a orientação traçada no projeto primitivo de origem
oficial. Transferiu para os Estados a prerrogativa de estabelecer normas
para o ensino médio (parágrafo 3 do art. 16). Mas o Conselho Federal
de Educação ficou tendo o poder de influir no currículo de tal ensino,
indicando até cinco disciplinas obrigatórias para constituí-lo (parágrafo
1 do art. 35). Muito menos defensável: à própria lei federal ficaram
incorporados numerosos dispositivos de natureza técnica, limitando,
relativamente ao ensino médio, o campo da experimentação nacional.
Para verificá-lo basta ler os diversos artigos dos capítulos I, II, III e IV
do Título VII e do Título VIII. Será difícil encontrar-se na legislação
dos países mais adiantados em educação qualquer exemplo de uma
adesão tão extremada a preceitos legais uniformizadores. Mesmo na
Inglaterra, onde a pequena extensão do país poderia justificar a
uniformidade, a Lei Educacional de 1944 mostra a extrema reserva do
legislador ao penetrar em tal seara: ela se limita, nesse capítulo, a
definir, em um único artigo, os objetivos gerais da educação.
A transferir aos Estados uma atribuição já legalmente atrofiada de
organizar normas para o ensino médio, parece-nos preferível confiar-
lhes a elaboração inicial dessas normas, mas exigir sua aprovação pelo
Conselho Federal de Educação, obrigado a promover adaptações
regionais e locais (v. parágrafo 1 do art. 16 do nosso esboço). Assim se
aproveitariam os dispositivos mais interessantes do projeto vindo da
Câmara e das Sugestões provindas da A.B.E.
Cumpre salientar que o projeto invade a esfera de atribuições
estaduais quando define qual deve ser o preparo e quais devem ser as
funções de funcionários estaduais tais como inspetores e orientadores
de ensino (parágrafo 2 do art. 16 e artigos 62 a 65). Acresce que tais
definições incluídas solenemente na lei federal são impugnadas
tecnicamente por estudiosos dos problemas pedagógicos.
Criar Conselhos Estaduais de Educação e estipular a sua
composição não parecem ser legítimas decisões de uma lei federal. É,
entretanto, o que faz o art. 10 do projeto. Como nos parece que a
criação daqueles órgãos é tão conveniente quanto a do Conselho
Federal, julgamos indicado fazer dela depender a concessão do auxílio
financeiro federal em educação.
Em relação ao ensino superior, o projeto segue uma orientação
difícil de ser defendida. Enquanto pelos arts. 9, 14 e 15 fica
praticamente aos Estados o poder de reconhecer as suas próprias
universidades e estabelecimentos isolados de ensino superior, à União,
pelo art. 14, fica o de reconhecer e inspecionar as universidades e
estabelecimentos isolados mantidos pela iniciativa privada nesses
Estados. Se a autonomia estadual ficasse violada com a fiscalização
federal no primeiro caso, também o ficaria no segundo. E, para maior
perplexidade, vem o artigo 84 dando ao Conselho Federal a atribuição
de suspender, em certos casos, por tempo determinado, a autonomia "de
qualquer universidade, oficial ou particular". Não tendo o poder de au-
torizar o funcionamento das universidades estaduais, isto é, não tendo o
poder de prevenir, o Conselho não deveria ter o de punir.
Enfrentemos agora o problema dos direitos e deveres do Estado,
da família e da iniciativa privada em educação. Em primeiro lugar,
devemos notar que existe hoje um acordo geral para recusar a qualquer
dessas entidades o direito a um monopólio em educação. Tais
monopólios seriam além disso injustificáveis em face da nossa Carta
Constitucional. Praticamente a questão a ser solucionada pelo legislador
ordinário é a seguinte: "Deverá o Estado dedicar a maior parte dos seus
recursos financeiros educacionais a criar e manter escolas para o povo,
primárias e médias, ou a estimular a iniciativa privada a criá-las e
mantê-las?" Pelo que se tem lido a respeito parece que não somente os
gregos como os troianos aceitam a adoção do primeiro alvitre
consubstanciada no art. 93 do projeto vindo da Câmara. Esse artigo na
sua parte inicial e mais incisiva assim reza: "Os recursos a que se refere
o art. 169 da Constituição Federal serão aplicados preferencialmente na
manutenção e desenvolvimento do sistema público de ensino...."
Mas acontece terem ficado no projeto princípios doutrinários que,
interpretados de certa maneira, podem levar a consequências opostas às
previstas no art. 93. É assim que o parágrafo único do art. 2 diz: "À
família cabe escolher com prioridade o género de educação que deve
dar aos seus filhos." Esse é um dos direitos humanos insertos na
Declaração Universal aprovada em 1948 pela Assembleia Geral das
Nações Unidas. Ao ser transposto para o projeto de nossa lei foi-lhe
dada uma interpretação segundo a qual o Estado deveria custear a edu-
cação das crianças necessitadas em escolas particulares, se estas fossem
preferidas pelas respectivas famílias. No próprio pro-
jeto esse pensamento vem reproduzido no artigo seguinte, no qual se
diz que o direito à educação é assegurado não somente "pela obrigação
do Poder Público e pela liberdade da iniciativa privada de ministrarem
o ensino em todos os graus, na forma da lei em vigor" como "pela
obrigação do Estado de fornecer recursos indispensáveis para que a
família e, na falta desta, os demais membros da sociedade se
desobriguem dos encargos da educação quando provada a insuficiência
de meios, de modo que sejam asseguradas iguais oportunidades a
todos". Diante dessas disposições, resulta que, em vista de serem
maioria as famílias brasileiras dotadas de meios insuficientes, se elas
preferirem escolas particulares, a maior parte dos recursos do Estado
será concentrada na manutenção dessas escolas através das famílias.
O princípio inserto na Declaração dos Direitos Humanos não nos
parece autorizar a última conclusão. Como assinalam os autores do
parecer remetido à Câmara dos Deputados, o ano findo, pela
Associação Brasileira de Educação, "o direito de escolher o género de
educação é uma coisa, o direito de escolher esse género e exigir que o
Estado o custeie é outra". (Diário do Congresso Nacional de 20 de
outubro de 1959, Seção I, pág. 7.515, col. 3). Mas prova cabal de que o
princípio de prioridade íamiliar não autoriza tal conclusão é que esta
não é adotada na prática educacional de nações como a Inglaterra, os
Estados Unidos e a França, signatários da Declaração. Em nenhuma
delas se admite que as previsões orçamentárias em matéria de educação
fiquem dependendo das preferências das famílias.
O parágrafo 1.° do art. 94 ajunta mais uma contradição quando
dispõe que os recursos concedidos sob a forma de bôlsas-de-estudo
"poderão ser aplicados pelo candidato em estabelecimento de sua livre
escolha". Agora se transfere, da família para o estudante, a prerrogativa
de escolher os estabelecimentos de ensino, para o exercício da qual nem
ela nem êle se acham preparados.
Nos países em que predominou por muito tempo um laicismo
intransigente, como em França, os seus adeptos, infensos a qualquer
forma de subvenção aos estabelecimentos de ensino confessionais
atacam até hoje a lei que ampliou o número de bolsas à iniciativa
privada, por considerá-las uma forma de subvenção disfarçada. Entre
nós, porém, esse estádio já foi de há muito transposto com a subvenção
oficial direto, aos estabelecimentos de ensino particulares, religiosos ou
não. Sejam, porém, diretas ou indiretas, as subvenções devem ser feitas
a critério da autoridade pública, que certamente delas fará um estímulo
às instituições capazes de aperfeiçoar-se, em virtude, por exemplo, de
possuírem professorado competente e devotado. Não são as famílias e
muito menos os estudantes os melhores juízes para a distribuição desses
prémios.
III — CONSTITUIÇÃO DOS ÓRGÃOS EDUCACIONAIS BÁSICOS
Todos os anteprojetos e projetos até agora apresentados, visando a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, criam um Conselho de
Educação, apelidando-o ora de Nacional, ora de Federal. A autonomia
atribuída a esse órgão é variável e pode ser avaliada conforme a
importância dos casos nos quais a decisão do Conselho é definitiva ou
tem de ser homologada pelo Ministro da Educação e Cultura. A
convicção mais fundamentada nos parece ser que as funções normativas
bem como outras de julgamento administrativo que versem, por
exemplo, sobre autorização para funcionamento de instituições
educacionais, cabem mais apropriadamente a um órgão coletivo do que
a uma autoridade singular. Assim a primeira deveria ser a instância
final.
A mais generalizada doutrina jurídica e a prática universal
mostram que, neste capítulo, não se ergue como um obstáculo o
princípio da não delegação de poderes. A separação desses poderes em
sua pureza é geralmente considerada impraticável, e nehuma
constituição pode obrigar ao impraticável. Por outro lado, aqui também
não se pode invocar o argumento de pertencer o poder regulamentar
somente ao Presidente da República. Tal poder não abrange todas as
normas que não estejam inscritas em leis. Basta lembrar a função
reguladora de vários órgãos que lidam com a economia nacional. Basta
lembrar as normas estabelecidas em simples portarias ministeriais,
inclusive no campo da educação.
A separação entre lei e regulamento e entre regulamento e normas
de outra natureza, por achar-se ainda na fase empírica, fica na alçada
das leis ordinárias específicas. Achamos, pois, que uma lei da
importância fundamental da lei de diretrizes e bases da educação
nacional pode perfeitamente investir um Conselho Federal de Educação
de amplas funções normativas. Nos Estados Unidos, onde também a
separação de poderes se acha consagrada constitucionalmente, tais
funções são desempenhadas por diversas comissões reguladoras
federais e, na esfera estadual, os conselhos de educação são dotados de
ampla autonomia. Entre nós a aspiração a um Conselho Nacional
autónomo vem sendo defendida há longos anos por diversas comissões
designadas pela Associação Brasileira de Educação, para estudar o
assunto. Esposou-a a X Conferência Nacional de Educação, reunida em
1950. Finalmente consubstanciou-se nas Sugestões elaboradas no ano
seguinte por uma Comissão à qual presidia o eminente jurista Dr. Prado
Kelly.
Conforme já foi justamente lembrado, a autonomia do Conselho
não impede que ao Ministro fique uma vasta esfera de atividades: de
um lado, na defesa perante o Presidente da República e perante o
Congresso, da necessidade de irem aumentando progressivamente os
recursos federais para educação, de outro, no estímulo constante e
pessoal aos empreendimentos de maior vulto iniciados, nos diversos
pontos do território nacional, por autoridades oficiais ou pela iniciativa
privada. Êle deve ser também, perante o público, um intérprete
autorizado das aspirações da opinião profissional de cuja justiça esteja
convencido. Finalmente, o sistema supletivo federal já se acha em
certos graus suficientemente hipertrofiado para que o bom funciona-
mento das molas administrativas exija uma supervisão geral incansável
e perspicaz.
Assim, pois, não nos parece que exalte o prestígio do Ministro, e
ainda menos o do Conselho Federal de Educação, a exigência de serem
homologadas por aquele as decisões mais importantes deste, conforme
dispõe o parágrafo 1.° do art. 9 do atual projeto.
Relativamente à composição do Conselho Federal, não achamos
inteiramente satisfatória nem a fórmula do projeto, nem a das Sugestões
primeiras provindas da Associação Brasileira de Educação. Da primeira
adotamos a ideia de constituir-se a maioria do Conselho com
representantes das diversas unidades federativas. Da segunda achamos
interessante a Sugestão para que o Presidente da República escolha
quatro membros entre pessoas com experiência na administração de
sistemas públicos de ensino e outros quatro entre representantes de
associações agrícolas, industriais, comerciais e culturais (ver art. 18 do
nosso Substitutivo). Com estes últimos membros o Conselho terá a
assistência da opinião associativa, incluindo a de grupos vitalmente
interessados na economia nacional e, por conseguinte, atentos aos
reflexos da educação no progresso dessa economia.
Sob o ponto-de-vista técnico, as funções mais importantes do
Conselho são as que se referem ao ensino superior, que a "União
continuará a controlar. O crescimento imoderado da rede federal exige
uma atenção particular. A subdivisão do Conselho em câmaras para os
diferentes graus do ensino não concorre para o desempenho cabal das
funções relativas ao ensino superior, por isto que a maioria ou mesmo a
totalidade dos membros do Conselho poderá não ter conhecimento
adequado dessas funções. Pareceu-nos, pois, justificada a aspiração dos
que acham necessário adaptar ao nosso país a instituição britânica do
University Grants Committee, à qual atribuímos o caráter de órgão
consultivo do Conselho (ver, em nosso esboço, artigo 13 e seus
parágrafos e, nos seguintes, os dispositivos referentes à Comissão do
Ensino Superior).
5
Achamos fundamentada uma das Sugestões anteriormente
provindas da A.B.E. relativamente à criação na lei do órgão executivo
federal de maior importância: O Departamento Nacional de Educação.
Hoje, porém, achamos talvez seja melhor deixar a uma lei especial a
discriminação minuciosa de suas funções. No mais devemos concordar
em que a experiência provou os malefícios do decreto-lei que, em
começos de 1946, mutilou o Departamento retirando-lhe várias
Diretorias. Cumpre repetir de quando em quando o princípio formulado
por Roederer há mais de um século: "Déliberer, c'est le fait de
plusieurs; aãmi-nistrer, c'est de fait d'un seul". Não é demais, pois, que
a Lei de Diretrizes e Bases procure ensejar a aplicação do princípio no
domínio educacional, tanto quanto •possível.
IV — EXIGÊNCIA DO PLANEJAMENTO
Ao estudar-se a experiência dos países politicamente melhor
organizados quanto à concessão do auxílio financeiro pelos governos
nacionais aos governos regionais ou locais, emergem duas lições de
grande valor: uma é a das vantagens decorrentes da fixação de um
critério para esse auxílio; outra é a das vantagens decorrentes de ser
antecipado legalmente o seu montante anual. Sem um critério prévio,
fixado na lei ou nela exigido, fica à discrição do Executivo proteger as
regiões onde tem mais amigos. Tão dolorosa tem sido a nossa
experiência a respeito que não poucos pretendem ter o arbítrio na
distribuição dos recursos federais subvertido o regime federativo.
Quanto à fixação do quantum- a ser concedido anualmente, durante
determinado período, é fácil imaginar que isso possibilita aos Estados
planejarem a aplicação das próprias verbas e do auxílio federal.
É preciso, porém, que o planejamento estadual se entrose com o
federal. As despesas federais com educação passaram a crescer
sensivelmente. E nem sempre benèficamente. Iniciativas partidas ora de
órgãos do Executivo, ora de particulares, ora de representantes da
Nação, tornam-se vitoriosas, sem que uma visão do conjunto tenha
permitido decidir esse problema: no oceano das necessidades nacionais
em educação, não haveria outras mais urgentes clamando por
satisfação? Caminhamos assim no escuro.
No projeto em trânsito no Senado, não vemos que os problemas
acima expostos tenham sido levados em consideração. Nenhum
dispositivo exige um critério para a distribuição do auxílio federal aos
Estados. Nenhum exige a fixação desse auxílio por certo número de
anos. Quanto ao planejamento, é verdade que o parágrafo 2.° do art. 92,
ao fixar as parcelas dos recursos federais para os Fundos de Ensino
Primário, Médio
e Superior, acrescenta: — "O Conselho Federal de Educação elaborará,
para execução em prazo determinado, o Plano de Educação referente a
cada fundo." Mas que autoridade terá esse Plano em matéria
orçamentária se não fôr aprovado em lei?
O único anteprojeto que trata do assunto é o consubstanciado nas
Sugestões provindas da A.B.E. (art. 9 e seus parágrafos). Mas que
esses dispositivos se acham incompletos foi reconhecido em pareceres
da mesma origem, publicados no "Diário do Congresso Nacional" de 20
de outubro de 1959 (pág. 7.513, col. 4, e pág. 7.514, cols. 1 e 2). O
melhor meio de solucionar o problema nos parece ser instituir, por lei,
planos quinquenais e incumbir o Conselho Federal de organizar e
encaminhar ao Ministro os anteprojetos dessas leis, após um inquérito
sobre as necessidades do país e a organização de uma escala de
prioridades (v. art. 9 e seus parágrafos e letra c do item B do art. 16 do
nosso esboço).
Como opor um dique ao crescimento anormal do ensino superior,
estimulado pelas federalizaçõesl O projeto vindo da Câmara procurou
fazê-lo parcelando em partes iguais os recursos federais para os Fundos
dos diversos graus (parágrafos 1.° do art. 93).
Mas achamos melhor atribuir uma preferência aos dois primeiros
graus do ensino, pois são eles os que visam as escolas para o povo.
Assim reza o parágrafo único do art. 8 do nosso esboço: "Os recursos
federais serão destinados preferencialmente ao desenvolvimento e
aperfeiçoamento do ensino primário e médio." Conforme notamos no
começo destas observações, a preferência pelo ensino público já é
adotada no art. 93 do projeto em discussão, e com mais amplitude do
que a perfilhada por nós, pois abrange também os recursos estaduais e
municipais.
Para construir uma barreira ainda mais forte contra o crescimento
intempestivo do ensino superior, diz o parágrafo 3 do art. 16 do nosso
esboço: "Não poderá ser aprovado o pedido de autorização para
funcionamento de universidades ou instituto isolado de ensino superior
cuja manutenção deva ser custeada no todo ou em parte, por dinheiro
federal, mas não tenha sido contemplada nos planos quinquenais a que
se refere o art. 9."
É de notar-se a quase nenhuma preocupação do projeto vindo da
Câmara com o aperfeiçoamento do ensino. O art. 96 faz referência à
melhoria da qualidade do ensino, mas define de uma maneira muito
imprópria o meio de atingi-la juntamente com a elevação dos "índices
de produtividade do ensino em relação ao seu custo"; "promovendo a
publicação anual das estatísticas do ensino e dados complementares" e
"estudando a composição de custos do ensino público e propondo
medidas para ajustá-lo ao melhor nível de produtividade".
V — NECESSIDADE DE LEI FLEXÍVEL
Todos os colaboradores na redação de projetos e anteproje-tos da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional afirmam solenemente a
sua preferência por uma lei flexível e genérica da qual os preceitos
técnicos minuciosos fossem eliminados o mais possível. Na prática,
porém, são raros os que resistem à sedução da possibilidade de
tornarem mais perenes do que o bronze as suas preferências pessoais.
Quanto ao projeto em discussão, no decurso deste estudo já
fizemos referência a vários dispositivos seus que tendem a coar-tar a
experimentação no país de novas formas de organização,
principalmente no ensino médio. Vamos agora fazer observações sobre
o capítulo referente ao ensino superior. Aqui, onde é reconhecida, por
todos, inclusive pelos autores do projeto, a necessidade de um controle
maior pelo Conselho Federal de Educação, menos se justifica ainda a
armadura legal para os preceitos de organização. Dir-se-á que todos os
inscritos no projeto são de uma utilidade indiscutível. Não nos parece
demonstrável a asserção. Basta ver a aparentemente inócua divisão de
cursos superiores em: de graduação, de pós-graduação, de
especialização, de aperfeiçoamento e de extensão. Semelhante divisão,
aliás já muito disseminada no país, dá aos cursos de pós-graduação
características de cursos gerais, separando-os dos cursos de
especialização e aperfeiçoamento. Ora, os cursos pós-graduados são
muitas vezes procurados pelos que desejam especializar-se ou
aperfeiçoar-se em algum ramo de sua profissão.
Mais importantes são os dispositivos sobre concursos de títulos e
de provas. A Constituição de 1946 já havia imobilizado o processo de
seleção do professorado no ensino secundário oficial e no superior,
oficial ou livre, impondo a exigência do "concurso de títulos e provas".
Em nosso país vozes autorizadas já têm mostrado como nos centros
mais adiantados é comum fu-gir-se a uma regra única, que pode afastar
do magistério figuras de valor excepcional. O que a lei deveria fazer,
para atenuar o rigor da Carta Magna, seria destacar a importância da
experiência profissional dos candidatos, amplamente investigada.
Substituir tal investigação por um exame de títulos, quase sempre
realizado intra muros, e por uma defesa de tese, não permite avaliar
devidamente tal experiência. Sem incluir o menor detalhe sobre o
processo de concurso, o art. 14 do nosso esboço reza: "Ao atender ao
preceito constitucional que exige o preenchimento das cátedras por
meio de concurso de títulos e provas, o Conselho deverá dispor em suas
normas de organização que seja verificada a idoneidade moral dos
candidatos e que seja
dado o devido apreço à experiência deles no ensino e na pesquisa,
amplamente investigada pelo órgão competente." Por sua vez o
parágrafo 1.° do art. 13 dispõe sobre as normas de organização que
devem ser bastante flexíveis para possibilitar adaptações regionais e
locais e a experimentação de novas formas provadas úteis.
Finalmente devemos notar que não cabe à União fixar o prazo de
obrigatoriedade do ensino. Para essa obrigatoriedade não ficar letra vã,
o seu prazo, maior ou menor, depende dos recursos oficiais disponíveis.
As tentativas para impor aos Estados uma duração escolar que eles irão
custear, em vários pontos do território nacional, têm resultado em
fracasso, isto é, em desobediência aos textos legais. Em países como a
Inglaterra e a França, que, pelo seu tamanho, são suscetíveis de leis
centralizadoras, a extensão da obrigatoriedade faz-se cuidadosamente,
após um cômputo abalizado das novas despesas com professorado, com
edifícios escolares e com material. Num governo federativo como o
nosso, para a União agir no mesmo sentido só pode ser através de
condições estipuladas para o auxílio financeiro federal.
Rio, 13/6/1960
Assinados:
José Augusto Bezerra de Medeiros, presidente
Adalberto Menezes de Oliveira
A. Carneiro Leão
Ismael de França Campos
Mário Travassos
Miguel Daddário
Zilda Farriá Machado
Gustavo Lessa, relator.
ESBOÇO DE UM SUBSTITUTIVO AO PROJETO DA LEI DE
DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL
I — DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. l.° A fim de tornar a educação acessível a todos, segundo a
capacidade de cada indivíduo, os poderes públicos, na medida dos
recursos e dentro das atribuições previstas na Constituição Federal e na
presente lei, deverão promover:
a) a disseminação e o aperfeiçoamento dos estabelecimentos de
ensino em seus diversos graus e ramos;
b) a difusão cultural sob as suas diversas formas;
c) o estímulo à iniciativa privada todas as vezes que esta se
inspirar no propósito de bem servir à educação;
d) a assistência aos alunos necessitados;
e) a extensão progressiva da gratuidade aos graus de ensino
oficial ulterior ao primário;
f) a concessão de bôlsas-de-estudo a alunos necessitados e
capazes, na conformidade de normas para seleção objetiva.
Art. 2.° É dever dos pais ou tutores promoverem, na medida dos
seus recursos, a formação de um ambiente familiar propício à educação
integral dos menores.
Art. 3.° Os pais ou responsáveis, a fim de satisfazerem, em relação
aos menores, a exigência da obrigatoriedade do ensino primário,
poderão optar por uma das seguintes soluções: a) matriculá-los em
escola pública; b) matriculá-los em escola particular; c) facilitar-lhes o
ensino conveniente no domicílio.
§ 1.° A opção pelo ensino no domicílio ficará sujeita às limitações
estatuídas na legislação estadual complementar.
§ 2.° Quando não houver escola pública acessível nos termos da
legislação estadual complementar, cessa a obrigatoriedade do ensino,
exceto no caso do item III do art. 168 da Constituição.
§ 3.° Se houver escola pública acessível e nenhuma das soluções
referidas no art. 3 tiver sido adotada, impor-se-á ao pai ou responsável a
penalidade que fôr estabelecida na legislação estadual complementar.
Art. 4.° A educação terá por objetivo:
a) promover o desenvolvimento harmonioso da personalidade
do educando, sob o ponto-de-vista físico, moral e intelectual, bem como
revelar as aptidões de cada um e assegurar a satisfação das mesmas;
b) favorecer o seu ajustamento familiar e social e, ao mesmo
tempo, torná-lo capaz de contribuir para a melhoria da comunidade em
que vive;
c) habilitá-lo ao desempenho consciente dos deveres cívicos;
d) prepará-lo espiritualmente, para se opor aos antagonismos
entre classes, entre povos e entre raças, e às perseguições por motivos
religiosos, filosóficos ou políticos.
Art. 5.° Aos estabelecimentos de ensino público, cumprirá entrar
em contato com a comunidade em que se achem situados, estudar suas
condições físicas, biológicas e culturais, e colaborar, na medida do
possível, para o seu progresso.
§ 1.° As escolas da zona rural coadjuvarão as autoridades quanto a
medidas de saneamento e de educação agrícola e quanto ao
desenvolvimento de ofícios e artes regionais.
§ 2.° Incumbe às escolas, onde fôr necessário, colaborar na
assimilação social dos imigrantes e de seus filhos.
Art. 6.° Os poderes públicos se esforçarão por promover a
educação, em classes ou estabelecimentos especiais, das crianças a
cujas anomalias do desenvolvimento ou desajustamentos sociais não se
puder atender em escolas ou classes comuns.
Art. 7.° Ministrarão o ensino religioso, em estabelecimentos
oficiais, pessoas indicadas pelos representantes autorizados das
respectivas confissões religiosas.
Parágrafo único. A indicação poderá recair em professores
públicos, desde que aceitem o encargo e a aprove a administração do
ensino da qual o estabelecimento fôr dependente.
II — DEVERES DA UNIÃO
Art. 8.° Compete à União:
a) estimular o desenvolvimento do ensino em todo o território
nacional por meio do auxílio técnico e financeiro aos governos das
unidades federativas e, por intermédio destes: 1) aos governos
municipais; 2) à iniciativa privada, quando esta não tiver escopo
nacional, sendo, em caso contrário, permitido o auxílio direto;
b) organizar e manter o sistema de ensino dos Territórios;
c) organizar e manter um sistema federal de ensino que supra
estritamente as deficiências locais e, ao mesmo tempo compreenda
estabelecimentos modelares sob o ponto-de-vista da organização
didática e administrativa;
d) realizar, em determinados pontos do território nacional,
demonstrações de serviços, de métodos e técnicas educacionais, de
acordo com os governos das respectivas jurisdições;
e) criar o Fundo Nacional de Educação, no qual ficará integrado,
especificamente, o Fundo Nacional do Ensino Primário ;
f) amparar a pesquisa e todas as atividades culturais de alcance
nacional.
Parágrafo único. Os recursos federais serão destinados
preferencialmente ao desenvolvimento e aperfeiçoamento do ensino
público, e, dentro deste, preferencialmente ao desenvolvimento e
aperfeiçoamento do ensino primário e médio.
Art. 9.° Antes de cada período de cinco anos serão fixadas, em lei
especial, aprovada mediante proposta do Executivo:
a) a quantia a ser anualmente concedida, durante o período, aos
governos das diversas unidades federativas, a fim de promoverem o
desenvolvimento do ensino em seus respectivos territórios;
b) a importância das dotações orçamentárias anuais correspondentes às
despesas com o sistema federal de ensino, escalonadas durante o
período.
§ 1.° A referida lei deverá: a) estabelecer o critério para a
distribuição do auxílio aos governos das unidades federativas; b)
determinar que cada um destes, antes de receber a quota a êle destinada,
apresente ao Conselho Federal de Educação plano de distribuição
também equitativa em seu próprio território, com discriminação das
instituições, associações e serviços, quer oficiais, quer particulares, a
serem beneficiados; c) exigir a publicação ampla do plano na respectiva
unidade, antes de ser o mesmo submetido à aprovação do Conselho
Federal de Educação; d) fixar os meios de distinguir entre associações,
instituições e serviços educacionais ou culturais de qualquer natureza, e
associações, instituições e serviços assistenciais, de maneira que toda
subvenção ou auxílio concedidos aos classificados na primeira categoria
estejam dentro da quota do auxílio educacional cabível à respectiva
unidade da federação.
§ 2.° Da quota do auxílio, que couber a cada unidade federativa,
será deduzida qualquer quantia gasta pelo Governo Federal na
respectiva unidade: a) com serviços ou instituições federais
educacionais aí instaladas e que sirvam preferencialmente à respectiva
população; b) com pessoal cedido ou material doado para objetivos
educacionais.
§ 3.° Caso o Ministro da Educação e Cultura julgue conveniente,
poderá ser feito diretamente às associações e instituições particulares
beneficiadas o pagamento das subvenções ou financiamentos a elas
destinados nos planos aprovados pelo Conselho Federal de Educação.
§ 4.° As importâncias a que se refere o art. 9 serão consignadas em
dotações razoavelmente globais, cujo destino, entretanto, será
minuciosamente justificado perante o Congresso, antes da aprovação da
lei e, anualmente, após o início da execução da mesma lei.
§ 5.° No plano referido no § 1.° deverá figurar também a
importância das bôlsas-de-estudo para a concessão das quais a unidade
federativa necessite do auxílio federal, e propor-se-á o programa de
distribuição das mesmas.
§ 6.° A lei federal estabelecerá dentre as condições de auxílio às
unidades federativas as seguintes: a) a criação pelas mesmas de
Conselhos Estaduais de Educação, dotados de autonomia semelhante à
do Conselho Federal; b) a transferência progressiva, aos governos dos
municípios que se forem mostrando habilitados às novas funções, da
administração dos estabelecimentos de ensino público, primário e
médio, situados nos respectivos territórios, bem como a supervisão dos
estabelecimentos de ensino mantidos pela iniciativa privada,
subsistindo, em relação aos primeiros, o encargo estadual do seu custeio
total ou parcial, durante o período que fôr estipulado nos respectivos
convênios.
Art. 10. As atribuições da União em matéria de educação e cultura
serão exercidas pelo Ministério da Educação e Cultura, ressalvados os
estabelecimentos de ensino militar e os de ensino agrícola não
ministrados em Universidades.
Art. 11. Ao Ministro da Educação e Cultura compete, na esfera da
educação: a) exercer a supervisão geral sobre a administração federal
do ensino; b) informar-se, pelos meios que julgar necessários, das
necessidades do ensino no país e propor ao Presidente da República as
medidas adequadas, inclusive as que devem ser solicitadas ao
Congresso Nacional; c) estimular os empreendimentos educacionais de
maior alcance que estejam sendo realizados em qualquer ponto do
território brasileiro.
Art. 12. Ao Conselho Federal de Educação compete estabelecer
normas:
a) para a articulação do ensino médio com o superior, visando
estas normas apurar primordialmente o desenvolvimento da capacidade
de reflexão do adolescente;
b) para a organização de quaisquer institutos de ensino superior,
quer isolados, quer agrupados em universidades, que visem expedir
diplomas necessários ao exercício das profissões liberais no país;
c) para a distribuição de bôlsas-de-estudo custeadas, no todo ou
em parte, por dotações federais;
d) para o registro de diplomas que habilitem ao exercício das
profissões liberais;
e) para a elaboração pelos governos das unidades federativas dos
planos de distribuição das quotas que lhes competirem anualmente no
auxílio federal;
f) para o seu próprio funcionamento.
§ 1.° As normas para a organização do ensino superior, das quais
trata o presente artigo, serão bastante flexíveis para possibilitar: a)
adaptações regionais e locais; b) experimentação de novas formas de
organização cuja utilidade esteja plenamente demonstrada.
§ 2.° Nas referidas normas, o Conselho Federal de Educação
atribuirá às universidades oficiais e aos institutos isolados de ensino
superior também oficiais, autonomia administrativa, financeira e
didática, sendo a das universidades mais ampla do que a dos institutos
isolados.
§ 3.° A autonomia financeira e administrativa dos esta-
belecimentos mantidos ou subvencionados pelo Governo Federal não
excluirá a exigência: a) da elaboração de balanços periódicos
minuciosos sobre o emprego das dotações ou subvenções recebidas; b)
a inspeção contabilística, quando determinada pelo Conselho Federal de
Educação.
§ 4.° Os institutos de ensino superior e as universidades deles
resultantes, se mantidos pela iniciativa privada, gozarão de autonomia
na organização dos seus corpos dirigentes e na delimitação das funções
destes, desde que sejam satisfeitas as exigências das leis reguladoras da
organização das sociedades civis e seja definida a responsabilidade pela
aplicação das leis sobre o ensino.
§ 5.° Sob o ponto-de-vista didático, os graus de autonomia das
universidades e institutos de ensino superior mantidos pela iniciativa
particular serão idênticos aos das instituições oficiais.
Art. 13. As normas a que se referem as letras a, b e d do art. 12, e,
no que diz respeito ao ensino superior, as letras c e e do mesmo artigo,
serão organizadas mediante propostas de uma Comissão de Ensino
Superior composta de um número de membros não inferior a 15,
escolhidos pelo Presidente da República.
§ 1.° A escolha será feita mediante lista tríplice organizada pelo
Conselho dentre reputados professores do ensino superior ou
pesquisadores de renome nacional, que estejam aposentados ou venham
a ser afastados de suas funções para o exercício na Comissão.
§ 2.° A Comissão, antes de apresentar ao Conselho a proposta de
normas sobre a organização do ensino superior no país, procederá a
amplo inquérito sobre a situação do mesmo ensino, colherá os pareceres
das diversas instituições desse nível e promoverá ampla divulgação dos
mesmos, bem como da sua própria proposta.
§ 3.° Para a execução dos deveres anteriormente referidos e de
outros que adiante serão mencionados a Comissão poderá dividir-se em
Subcomissões, mediante aprovação do Conselho Federal de Educação.
Art. 14. Ao atender ao preceito constitucional que exige o
preenchimento das cátedras no ensino superior por meio de concurso de
títulos e provas, o Conselho deverá dispor, em suas normas de
organização, que seja verificada a idoneidade moral dos candidatos e
que seja dado o devido apreço à experiência dos mesmos no ensino e na
pesquisa, amplamente investigada pelo órgão competente.
Parágrafo único. Nas referidas normas também será disposto sobre
os casos de preenchimento de vagas mediante transferência ou contrato.
Art. 15. O Conselho Federal de Educação exigirá que em
dispositivos estatutários ou regimentais se estabeleçam meios de
verificar, nos cursos superiores, a assiduidade e devotamento dos
professores e alunos, bem como sanções em caso de desídia.
§ 1.° A fiscalização federal deverá verificar se tais dispositivos
estão sendo aplicados.
§ 2.° O Conselho organizará, visando a incorporação aos planos
quinquenais e mediante proposta da Comissão de Ensino Superior, um
programa para o aproveitamento progressivo dos professores desse
ensino sob o regime de tempo integral.
Art. 16. Compete ainda ao Conselho Federal de Educação:
A — Aprovar:
a) as normas de organização do ensino médio elaboradas pelas
diversas unidades federativas e submetidas ao parecer do Departamento
Nacional de Educação;
b) os planos de aplicação do auxílio federal apresentados pelas
diversas unidades federativas e submetidos ao parecer do Departamento
Nacional de Educação, bem como da Comissão do Ensino Superior, na
parte referente ao ensino deste grau;
c) os relatórios estaduais e OH relatórios do Departamento
Nacional de Educação sobre a maneira pela qual esteja sendo aplicado
o auxílio federal;
d) os pedidos de autorização para funcionamento e de
reconhecimento das universidades e institutos isolados de ensino
superior, mediante parecer da Comissão de Ensino Superior;
e) a cassação da autorização para funcionamento ou do
reconhecimento já concedidos, quando pedida por dois terços dos
membros da Comissão de Ensino Superior em parecer devidamente
documentado;
f) os Estatutos das Universidades, respeitados os dispositivos
desta lei e mediante parecer da Comissão de Ensino Superior.
B — Encaminhar ao Ministro da Educação e Cultura:
a) a proposta de um anteprojeto criando o Fundo Nacional de
Educação, destinado a impulsionar o ensino em todo o país, e de outro
anteprojeto relativo à primeira dentre as leis quinquenais a que se refere
o art. 9.°, tão cedo quanto possível após a promulgação da presente lei,
contanto que a elaboração de ambos os anteprojetos seja precedida de
um inquérito sobre as necessidades educacionais do país e pelo
estabelecimento de uma escala de prioridades na satisfação dessas
necessidades;
b) os anteprojetos das leis quinquenais posteriores à primeira ;
c) a proposta anual das despesas com educação, elaborada de
acordo com os planos quinquenais e mediante estudo pelo
Departamento Nacional de Educação e, na parte referente ao ensino
superior, pela Comissão respectiva;
d) quando fôr julgado conveniente, a proposta da reforma da
legislação federal sobre a educação, se fôr aprovada por dois terços dos
seus membros.
C — Determinar:
a) a execução — por meio da Comissão de Ensino Supe
rior e de outras comissões compostas de técnicos do Departa
mento Nacional de Educação, ou de pessoas idóneas estranhas
ao quadro do mesmo, ou de uns e de outras — de inquéritos
obre a situação do ensino em seus diversos graus, a fim de verificar a
sua eficiência e a sua conformidade com a Constituição e as leis
federais, bem como servir de base aos anteprojetos de que falam as
letras a e b do item B;
b) a elaboração, por meio de comissões constituídas na forma da
alínea anterior, de sugestões sobre programas, métodos pedagógicos e
organizações do ensino em geral, para uso de administradores, de
supervisores e de professores, sobretudo os do ensino pré-primário,
primário e médio;
c) a disseminação dessas sugestões por intermédio do De-
partamento Nacional de Educação;
d) a concessão de prémios aos autores de livros didáticos,
originais ou adaptados, que melhor satisfaçam aos objetivos delineados
nas sugestões previstas na alínea b, confiando, sempre que possível, o
julgamento de tais livros às próprias comissões elaboradoras daquelas
sugestões.
§ 1.° Na aprovação das normas sobre ensino médio elaboradas nas
diversas unidades federativas (letra a do item A) o Conselho Federal
deverá sempre ter em mente a necessidade: a) de adaptações regionais e
locais; b) de experimentação de novas formas de organização cuja
utilidade esteja provada.
§ 2.° Na aprovação dos pedidos de autorização para
funcionamento e de reconhecimento de universidades e de institutos
isolados de ensino superior (letra d do item A), o Conselho Federal de
Educação poderá permitir modalidades de organização que não hajam
sido previstas em as normas por êle elaboradas, mas ofereçam inegáveis
possibilidades de um desenvolvimento frutífero no país.
§ 3.° Não poderá ser aprovado o pedido de autorização para
funcionamento de universidade ou instituto isolado de ensino superior
cuja manutenção deva ser feita, no todo ou em parte, por dinheiro
federal, mas não esteja contemplada nos planos quinquenais a que se
refere o art. 9.°.
Art. 17. Não serão submetidos à decisão do Conselho Federal de
Educação casos individuais de matrícula, inscrição para exame e
transferência de alunos, bem como os casos relativos a registro de
diplomas e a provimento de cargos docentes. Tais casos serão
submetidos à decisão dos órgãos indicados pelo Conselho em as
normas que elaborar (letras 6 e d do art. 12).
Parágrafo único. Se os referidos órgãos entenderem que os casos
contenciosos decorrem de dificuldades na aplicação das normas
traçadas pelo Conselho, este deverá responder às con-
sultas feitas sobre o modo de interpretá-las, bem como poderá, de
ofício, tomar as medidas indispensáveis à sua execução.
Art. 18. O Conselho Federal de Educação será constituído de 29
membros, nomeados pelo Presidente da República e escolhidos da
seguinte forma: a) 21, dentre as listas tríplices organizadas pelos
governos das diversas unidades federativas, correspondendo cada
membro escolhido a uma unidade; b) 4, dentre listas tríplices
organizadas por associações agrícolas, industriais, comerciais e
culturais, de escopo nacional, correspondendo cada membro escolhido a
cada um destes quatro tipos de associação; c) 4, livremente pelo
Presidente da República, dentre pessoas idóneas que já tenham
assumido ou estejam assumindo na ocasião a responsabilidade da
direção técnica e administrativa de um sistema educacional e se hajam
destacado na referida direção.
§ 1.° As listas tríplices serão organizadas com pessoas idóneas,
que reúnam os seguintes qualificativos: a) as destinadas a ser membros
da categoria a acima referida, cultura geral, conhecimento dos
problemas gerais do ensino e experiência satisfatória na direção de
serviços ou instituições educacionais; b) as destinadas a ser membros da
categoria b acima referida, cultura geral e devotamento reconhecido à
causa pública.
§ 2.° O mandato dos membros do Conselho será de seis anos,
exceto para os que, em um sorteio inicial e único, o tiverem reduzido a
três anos, a fim de facilitar a renovação parcial em cada triénio.
§ 3.° A renovação do Conselho será feita pela metade dos
membros nas categorias 6 e c, e, inicialmente, por dez membros, na
categoria a.
Art. 19. Os membros do Conselho só poderão ser destituídos em
caso de infração do dever funcional ou de falta grave na conduta,
apuradas em inquérito realizado por uma comissão designada pelo
Conselho, cujas conclusões sejam aprovadas por este, após ter sido
assegurada plena defesa ao acusado.
Art. 20. O Departamento Nacional de Educação compreenderá as
Diretorias do Ensino bem como o Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos, ao qual se atribuirá o grau de autonomia necessário a uma
instituição de pesquisas.
Art. 21. Ao Departamento Nacional de Educação compete, além
das funções determinadas na presente lei, outras de pesquisas sobre
educação, de inquéritos no território nacional e de supervisão e
estímulo, que serão definidas em lei especial, mediante proposta do
Conselho Nacional de Educação submetida ao Ministro da Educação e
Cultura.
Art. 22. O Ministério da Educação e Cultura, pela repartição
especializada competente, filiada ao Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, elaborará anualmente a estatística na-
cional do ensino e as demais estatísticas culturais, de acordo com o
disposto no convênio intergovernamental de 20 de dezembro de 1931.
Art. 23. Os diplomas do curso superior, para que produzam efeitos
legais, serão previamente registrados no Ministério da Educação e
Cultura.
Art. 24. O Departamento Nacional de Educação levará ao
conhecimento do Ministro da Educação e Cultura, para as necessárias
providências, suas observações, em qualquer ponto do território
nacional, quando: a) estabelecimentos educacionais, mesmo os não
sujeitos à superintendência ou fiscalização federais, ou serviços
educacionais, estaduais ou municipais, estiverem transgredindo os
dispositivos constitucionais ou os objetivos básicos da educação
definidos no art. 4.° da presente lei; b) livros e publicações de qualquer
natureza destinados à educação ou outros meios de difusão cultural,
incidirem na mesma transgressão; c) autoridades estaduais ou
municipais não estiverem cumprindo o dispositivo constitucional
relativo à aplicação de percentagens da renda proveniente de impostos
na manutenção e desenvolvimento do ensino.
§ 1.° Se, no caso das alíneas a e 6, os estabelecimentos de ensino
ou os órgãos de difusão cultural estiverem sob a jurisdição federal, o
Ministro da Educação e Cultura providenciará para que seja reparada a
transgressão e punidos os responsáveis.
§ 2.° No caso das alíneas a e b, se os estabelecimentos de ensino
ou os órgãos de difusão cultural estiverem sob a jurisdição estadual, e
no caso da alínea c, o Ministro da Educação e Cultura, com a aprovação
do Presidente da República encaminhará o processo ao Procurador
Geral da República para as providências judiciárias que forem cabíveis.
§ 3.° O Ministro da Educação e Cultura, antes de tomar as
providências acima aludidas, ouvirá o Conselho Federal de Educação.
III — DEVERES DOS ESTADOS, DAS UNIDADES FEDERATIVAS E DOS
MUNICÍPIOS
Art. 52. Aos governos dos Estados compete:
a) promover o desenvolvimento do ensino em seus respectivos
territórios, seja pela criação de estabelecimentos, seja pelo estímulo aos
governos municipais e à iniciativa privada para que os criem e
mantenham;
b) traçar normas flexíveis para a organização do ensino pré-
primário, primário e normal, estabelecendo, em relação ao segundo, as
condições relativas à sua obrigatoriedade e à exigência de ser
ministrado na língua vernácula;
c) ampliar progressivamente a gratuidade do ensino nos
estabelecimentos oficiais e a assistência aos alunos necessitados;
d) colaborar com a administração federal: 1) fornecendo, em
períodos determinados, os dados estatísticos necessários; 2) facilitando
os inquéritos sobre a situação do ensino, promovidos pelas autoridades
federais competentes;
e) distribuir bôlsas-de-estudo a alunos necessitados e capazes,
quer os recursos necessários provenham de fundos federais, quer de
fundos estaduais;
f) reconhecer e fiscalizar os estabelecimentos de ensino médio
mantidos pela iniciativa privada e pelos municípios.
Art. 26. As administrações educacionais das unidades federativas
deverão enviar ao Conselho Federal de Educação, por intermédio do
Departamento Nacional de Educação, os informes relativos à
organização didática e administrativa dos estabelecimentos de ensino
normal existentes em seus respectivos territórios.
§ 1.° Na base dessas informações e de outras que julgar necessário
apurar, o Conselho fará uma classificação dos estabelecimentos que
forem equivalentes quanto à formação Professional.
§ 2.° Os Estados e o Distrito Federal não poderão negar validade a
diplomas expedidos por estabelecimento situado fora do seu território,
mas colocado, na classificação feita pelo Conselho, em categoria
equivalente ou superior à dos estabelecimentos mantidos ou
reconhecidos por eles.
Art. 27. Os planos de aplicação do auxílio federal, elaborados
pelas administrações educacionais nos Estados e no Distrito Federal,
deverão abranger os estabelecimentos de ensino que, no respectivo
território, fizerem jus ao benefício, quer sejam mantidos pela
administração estadual, quer pela municipal, quer pela iniciativa
privada, e qualquer que seja o grau ou ramo de ensino.
Art. 28. Compete aos governos municipais contribuir para o
desenvolvimento e aperfeiçoamento do ensino nos respectivos
territórios, no limite dos recursos de que dispuserem e da autoridade
que lhes fôr delegada pela legislação estadual.
IV — DEVERES DA INICIATIVA PRIVADA
Art. 29. Para serem reconhecidos oficialmente, todos os
esabelecimentos particulares de ensino deverão submeter-se às normas
traçadas pelos órgãos competentes e à fiscalização deles.
Art. 30. Poderão organizar-se livremente os cursos e
estabelecimentos de ensino ou divulgação cultural que não aspirem ao
reconhecimento oficial, se: a) satisfazerem aos objetivos
gerais da educação definidos no art. 4.° da presente lei; b) se
registrarem perante a autoridade competente, para verificação da
idoneidade dos dirigentes e do corpo docente, bem como das condições
higiénicas do ensino; c) fornecerem periodicamente os dados
estatísticos necessários.
§ 1.° Tais cursos ou institutos não poderão conferir diploma de
qualquer natureza.
§ 2.° A ausência ou denegação de registro imporá à autoridade
educacional fiscalizadora o dever de providenciar o fechamento do
curso ou dos estabelecimentos em causa.
Art. 31. Os cursos ou estabelecimentos que ministrem ensino em
um grau ou ramo para o qual as autoridades competentes ainda não
tenham estabelecido normas de funcionamento, só poderão ter os seus
diplomas registrados sob as condições que essas autoridades fixarem,
por ocasião de expedir as normas respectivas.
V — DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS
Art. 32. Enquanto não fôr organizado o Conselho Federal de
Educação e não forem por êle aprovadas as normas relativas ao ensino
superior, continuará em vigor a legislação sobre o referido ensino.
Art. 33. Enquanto não forem elaboradas pelas unidades federativas
as normas relativas ao ensino médio e não tiverem sido as mesmas
aprovadas pelo Conselho Federal de Educação, continuará em vigor a
legislação sobre o referido ensino.
Art. 34. O Conselho Federal de Educação deverá ficar constituído
no máximo até 90 dias após a promulgação da presente lei, e submeterá
o mais urgente possível ao Ministro da Educação e Cultura um plano
para facilitar a transição entre o regime instituído pela presente lei e o
anterior.
EMENDAS DA l.
a
CONVENÇÃO EM DEFESA DA
ESCOLA PÚBLICA AO PROJETO DE DIRETRIZES
E BASES
Elaboradas por uma das comissões da Campanha em Defesa da
Escola Pública, foram encaminhadas ao Senado em documento cuja
íntegra é a seguinte:
TÍTULO I
Substitua-se o art. l.° pelo seguinte:
"Art. l.° A educação nacional inspira-se nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana.
I — No sentido da liberdade, favorecerá as condições de
plena realização da personalidade humana, centro de um clima
democrático, de modo a assegurar o integral desenvolvimento do
indivíduo e seu ajustamento social.
II — No sentido da solidariedade humana, incentivará a
coesão da família e a formação de vínculos culturais e afetivos,
fortalecerá a consciência da continuidade histórica da Nação e
o amor à paz, e coibirá o tratamento desigual por motivo de
convicção religiosa, filosófica ou política, bem como os precon
ceitos de classe e de raça."
Justificação: o texto sugerido pela emenda substitutiva é o do
projeto de 1948 que, além de mais incisivo, ajusta-se melhor ao espírito
da Constituição Nacional, particularmente porque exige que se coíba na
escola (inciso II) a desigualdade de tratamento por motivo de convicção
religiosa, filosófica ou política, bem como os preconceitos de classe e
raça, o que é não só um ideal de toda legítima filosofia liberal e
democrática, mas também um preceito constitucional (art. 141, § 8 da
Constituição).
TÍTULO II
a) Suprima-se o parágrafo único do art. 2.° cujo texto é o seguinte:
"À família cabe escolher, com prioridade, o género de educação que
deve dar a seus filhos":
6
Justificação: ou o parágrafo em questão é inócuo — já que,
independentemente do texto de lei, são os pais que escolhem a educação
dos filhos — ou, se há nele outra intenção, pode representar um perigo
para a escola, pois prestar-se-ia às mais diversas interpretações, desde a
que estimulasse a intervenção indébita da família na escola, em assuntos
fora de sua competência, até a que exigisse escolas fechadas, opostas ao
espírito e à letra da Constituição (art. 141, § 8 e art. 166) e do próprio
art. l.° do projeto, que reafirma o ideal de solidariedade humana como
um dos fins da educação democrática e liberal. Para evitar os mal-
entendidos, aconselhamos a supressão do parágrafo. b) Substitua-se o
art. 3.° pelo seguinte: "Art. 3.° O direito à educação é assegurado:
I — pela obrigação imposta aos pais ou responsáveis, de
proporcioná-la por todos os meios ao seu alcance, às crianças e jovens
sob sua responsabilidade;
II — pela instituição de escolas de todos os graus, por parte do
poder público, respeitando-se a liberdade da iniciativa particular, nos
termos da lei;
III — pela gratuidade escolar, desde já estabelecida para o
ensino primário oficial, e extensível aos graus ulteriores, me
diante :
a) redução progressiva, até final extinção, das taxas e emolumentos
das escolas oficiais; b) assistência aos alunos que dela necessitarem, sob
forma de fornecimento gratuito, ou a preço reduzido, de material
escolar, vestuário, alimentação e serviços médicos e dentários; c)
concessão de bolsas para estimular estudos especializados de interesse
geral, ou assegurar a continuação dos estudos a pessoas de capacidade
superior, em instituições públicas;
IV — pela gratuidade do ensino oficial ulterior ao primário,
para quantos, revelando-se aptos, provarem falta ou insuficiência
de recursos."
Justificação: redigido como está, o artigo 3.°, em primeiro lugar,
foge à exigência constitucional da obrigatoriedade e da gratuidade do
ensino, princípios essenciais de toda educação que se pretenda
democrática. A emenda restabelece em toda a sua força esses
princípios. Em segundo lugar, o artigo praticamente equipara a função
do particular à do poder público, o que é um absurdo, pois só este tem a
obrigação, o dever, de manter uma rede nacional de educação,
enquanto aquele tem a liberdade de dedicar-se ou não à tarefa
educativa. A lei, reconhecendo a liberdade da iniciativa privada, não
pode contar obrigatoriamente com ela ao instituir o sistema nacional de
ensino. É o que estatui, aliás, o art. 167 da Constituição: "O ensino dos
diferentes ramos será ministrado pelos poderes públicos e é livre à
iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem." Em
outros termos, a tarefa educativa compete ao poder público, não estando
vedada ao particular que a ela queira dedicar-se, por sua conta e risco,
respeitando as leis vigentes. É o preceito constitucional que a emenda
procura restabelecer no seu inciso II, evitando a redação defeituosa do
inciso I do artigo aprovado, de acordo com o qual o direito à educação é
assegurado "pela obrigação do poder público e pela liberdade de
iniciativa particular". Ora, não é a mesma coisa dizer que o ensino será
ministrado pelo poder publico, sendo livre à iniciativa particular, como
o faz a Constituição, e unir, por uma conjunção copulativa, a obrigação
do poder público e a liberdade da iniciativa particular, como o faz o
projeto. Este equipara o que é diverso na Constituição, desrespeitando,
já não dizemos o espírito, mas a própria letra constitucional.
Finalmente, o inciso II do artigo reduz o poder público a um verdadeiro
estabelecimento bancário, mero fornecedor de recursos para que a
família e outros grupos particulares cuidem da educação dos pobres, o
que, por anacrónico e antidemocrático, minimizando as tarefas do
Estado-edu-cador e desconhecendo as necessidades mais urgentes da
civilização moderna, não pode atender às exigências de um país mo-
derno em desenvolvimento, de uma nação liberal e democrática. A
emenda, assim, procura restabelecer a verdade constitucional, muito
mais feliz na tradução dos ideais e necessidades da nacionalidade.
TÍTULO III
a) Substitua-se o art. 4.° pelo seguinte:
"Art. 4.° É assegurado a todos na forma da lei o direito de
transmitir seus conhecimentos, devendo o Estado, entretanto, zelar pelo
nível do ensino.
Parágrafo único. É assegurada a liberdade de cátedra a todo
professor no exercício do magistério."
Justificação: na forma em que está redigido, o artigo é redundante,
já que o monopólio do ensino é proibido pela Constituição e já que o
próprio projeto assegura a liberdade de ensino no inciso I do art. 3.°.
Nossa emenda anterior também estabelece no inciso II do art. 3.°. A
emenda atual, entretanto, reafirmando a liberdade de ensino, estabelece
o seu complemento natural: a fiscalização do poder público, essencial
para que a liberdade de alguns não prejudique a de outros, isto é, que a
liberdade de ensino, facilitando o exercício da tarefa educativa, não
venha a comprometer o nível dos estudos, abastardando-o, em prejuízo
dos educandos. Quanto ao parágrafo único acrescentado, não vemos
necessidade de justificá-lo: sua omissão no projeto deve levar-se à conta
de um descuido do relator.
b) Suprima-se o art. 5.°.
Justificação: a matéria foge à alçada da União, como parece tê-lo
reconhecido, depois de votar o artigo, a própria Câmara
TÍTULO IV
Substituam-se os artigos 6.°, 7.°, 8.°, 9.° e 10 pelos seguintes :
"Art. ... Compete ao poder público federal e aos poderes locais
assegurar o direito à educação, nos termos desta lei, promovendo,
estimulando e auxiliando o desenvolvimento do ensino e da cultura.
"Art. ... As atribuições da União, em matéria de educação e
cultura, serão exercidas pelo Ministério da Educação e Cultura,
ressalvados os estabelecimentos de ensino militar.
"Art. ... Ao ministro da Educação, como responsável pela
administração federal do ensino, incumbe velar pela observância desta
lei e promover a realização de seus objetivos, coadjuvado pelo
Conselho Nacional de Educação e pelos departamentos e serviços
instituídos para esse fim.
"Art. ... Cabe ao Conselho Nacional de Educação:
a) assistir o ministro da Educação no estudo dos assuntos
relacionados com as leis federais do ensino e bem assim no dos meios
que assegurem a sua perfeita aplicação;
b) emitir parecer sobre as consultas que os poderes públicos lhe
endereçarem, por intermédio do ministro da Educação;
c) opinar sobre a concessão de auxílios e subvenções federais
aos estabelecimentos de ensino e outras instituições culturais;
d) sugerir aos poderes públicos, por intermédio do ministro da
Educação, medidas convenientes à solução dos problemas
educacionais;
e) baixar instruções sobre a execução de programas de ensino;
f) elaborar o seu regimento interno e exercer as demais
atribuições que a lei lhe conferir.
Parágrafo único. As decisões do Conselho Nacional de Educação
dependem da homologação do ministro da Educação para que
produzam efeito legal.
"Art. ... O Conselho Nacional de Educação, cujo presidente nato
será o ministro da Educação, terá quinze membros nomeados pelo
presidente da República, por seis anos, dentre pessoas
de notório saber e experiência em matéria de educação, dos quais três
serão especializados em ensino primário, três em ensino de grau médio
e três em ensino superior.
Parágrafo único. De dois em dois anos cessará o mandato de um
terço dos membros do Conselho, permitida a recondução por uma só
vez. Em caso de vaga, o substituto terminará o prazo do substituído.
Justificação: Na forma do projeto aprovado, deu-se uma autêntica
inversão dos papéis do Ministério da Educação e do Conselho Federal
de Educação, de forma contrária a todas as nossas tradições e
experiências pedagógicas. Ao invés de con-ceber-se o Conselho Federal
de Educação como um órgão técnico, vinculado ao Ministério da
Educação e a êle subordinado, esta-beleceu-se exatamente o contrário: o
Conselho decide e cabe ao Ministério, de acordo com o art. 7.° do
projeto, velar pelo cumprimento de suas decisões. O Conselho
transforma-se, assim, num super-Ministério, usurpando todas as funções
essenciais do Ministério propriamente dito, funções essas que o projeto
estabelece com uma minúcia própria de regulamentos e não de uma lei
que deve conservar seu caráter genérico (veja-se o art. 9.° do projeto).
De outra parte, a composição do Conselho é concebida em função de
um critério regional pouco feliz, que sacrifica o critério da competência
que norteava o projeto de 1948, que a emenda procura restabelecer. Mas
não é só: ao critério regional soma-se um critério classista, já que a
eleição dos membros das unidades federadas será atribuída aos
Conselhos Estaduais (art. 5.° do projeto), nos quais será assegurada
adequada representação (tratar-se-á de representação proporcional?)
aos estabelecimentos públicos e privados de ensino. Em tais condições,
ao invés de ser um órgão técnico, capaz de sugerir um plano de
educação coerente ao Ministério, o Conselho Federal será apenas o
representante de uma política de equilíbrio de interesse, tanto mais que,
a prevalecer o critério da proporcionalidade sugerido no art. 5.°, será
inteiramente dominado pelos representantes do ensino particular. E
teremos então esse fato insólito: uma lei que determina a subordinação
do exercício do poder público aos interesses particularistas que, é claro,
não exprimem as aspirações e necessidades da Nação como um todo. E
isso exatamente num setor como o da educação, do qual depende o êxito
da política desenvolvimentista que em boa hora o País encetou.
O mais prudente, portanto, é voltar às determinações do projeto de
1948, que nossa emenda restabelece, e que, além de estar de acordo
com as nossas melhores tradições, se casa perfeitamente com as
exigências de uma política nacional de educação a serviço da
democracia e do desenvolvimento.
CAPÍTULO V
Substituam-se os artigos 16 e 17 pelos seguintes:
"Art. ... É da competência dos Estados e do Distrito Federal
estabelecer, em seus territórios, as condições de reconhecimento das
escolas primárias e médias, assim como orientá-las e inspecioná-las,
salvo se se tratar de estabelecimentos mantidos pela União.
§ 1.° O reconhecimento das escolas de grau médio pelos governos
dos Estados e do Distrito Federal será comunicado ao Ministério da
Educação, e nele registrado, para o efeito da validade dos certificados e
dos diplomas que expedirem.
§ 2.° Os serviços educacionais dos Estados e do Distrito Federal
promoverão a classificação das escolas particulares incorporadas ao seu
sistema, tendo por base a satisfação dos requisitos exigidos para o seu
funcionamento, fazendo-a publicar para conhecimento dos pais e
responsáveis.
Art. ... São condições mínimas para o reconhecimento:
a) idoneidade moral e profissional do diretor e do corpo
docente;
b) existência de instalações satisfatórias;
c) plano de escrituração escolar e de arquivo, que assegure a
verificação da identidade de cada aluno e da regularidade e
autenticidade de sua vida escolar;
d) garantias de remuneração condigna aos professores, e de
estabilidade enquanto bem servirem;
e) observância dos demais preceitos desta lei.
Art. ... O Conselho Nacional de Educação poderá negar ou, a
qualquer tempo, cassar, por inobservância dos preceitos desta lei, o
registro de reconhecimento concedido pelo Estado ou Distrito Federal a
escolas médias, ficando sem nenhum valor os certificados e diplomas
que desde então emitirem.
Justificação: Na forma como estão redigidos os artigos em
questão, praticamente desaparece a fiscalização do Estado sobre eles:
uma vez obtido o reconhecimento, o poder público não terá forças para
cassar a licença de escolas relapsas, já que o projeto não faz qualquer
menção a respeito. Além disso, torna-se esse reconhecimento
independente das garantias de que o estabelecimento possa dar de que
está apto para remunerar condignamente os seus professores. Ora, se
uma escola não está em condições de pagar convenientemente a seus
professores, é claro que os
recrutará sem critério, não poderá selecioná-los, comprometendo o
nível de seu ensino. Se está em condições de fazê-lo e não o faz, foge às
mais elementares obrigações, competindo aos Estados zelar para que
isso não aconteça, garantindo, assim, as condições materiais
indispensáveis para o digno exercício da profissão do professor.
Mais uma vez, portanto, voltamos a insistir para que se restabeleça
o texto do projeto de 1948, que apresentamos como substitutivo, texto
esse que reinstitui a competência do poder público e impossibilita
qualquer exploração do trabalho do professor por estabelecimentos de
ensino pouco escrupulosos.
Suprima-se o artigo 18.
Justificação: Embora justa à primeira vista, a medida pode dar
lugar a equívocos ou a injustiças. Queremos crer que melhor seria
deixar às próprias escolas oficiais a decisão de cada caso, tendo em
vista as condições especiais de cada uma (número de vagas, total de
matrículas etc). Não nos parece, assim, que tal medida deva figurar no
texto de uma lei geral como deve ser a de diretrizes e bases da educação
nacional.
TÍTULO IV
Substitua-se o artigo 25 pelo seguinte:
"Art. 25. O ensino primário será obrigatório e tem por fim o
desenvolvimento do raciocínio e das atividades de expressão da
criança, a sua adaptação ao meio físico e a sua integração numa
civilização em mudança.
§ 1.° O ensino primário deverá iniciar o educando em técnicas e
artes aplicadas adequadas à idade e poderá ampliar-lhe os
conhecimentos, tendo em vista o ingresso no ensino médio.
§ 2.° O ensino primário oficial é gratuito para todos e os poderes
públicos deverão proporcionar todos os meios adequados para que as
crianças possam realmente usufruir dessa gratuidade.
Art. 26. O Fundo Nacional do Ensino Primário, de que trata o
parágrafo único do artigo 171 da Constituição Federal, será constituído
de dotações orçamentárias correspondentes a 2%, no mínimo, da renda
dos impostos e será aplicado na manutenção e no desenvolvimento do
ensino primário público, incluindo o ensino complementar, o supletivo
e o especial, e no aperfeiçoamento do respectivo professorado.
Parágrafo único. Os recursos destinados às unidades federativas
ser-lhes-ão distribuídos na razão direta da população e inversa da renda
per capita de cada qual.
Justificação :. O ensino primário público, devendo ser obrigatório
e gratuito, conforme preceitua a Constituição Federal, não apresenta o
atual projeto estas duas características fundamentais. Dessa maneira,
propusemos o artigo 25, sob nova redação, esclarecendo a
obrigatoriedade e indicando os fins de uma escola primária criadora de
bons hábitos de pensar e agir, além de iniciar as crianças naquelas
técnicas que constituem os aspectos mais evidentes da civilização
contemporânea. Os parágrafos 1.° e 2.° desse artigo completam as
características de curso primário, sem esquecer a tradicional
competência de iniciar as crianças nos conhecimentos indispensáveis à
iniciação dos estudos do curso secundário.
Procurando regulamentar, de modo geral, a aplicação das dotações
orçamentárias constitutivas do Fundo Nacional do Ensino Primário, a
emenda ao artigo 25, e a inclusão do 26, procura indicar os dois
critérios essenciais dessa necessária regulamentação. O princípio que
orientou a sua redação procurou vincular as necessidades culturais de
alfabetização das grandes camadas populares. Daí, o critério de dar
mais dinheiro às regiões de maiores índices demográficos e de renda
per capita inferior.
Suprimir o artigo 30.
Justificação: Este artigo, por ser notória e escandalosamente
inconstitucional, dispensa maiores comentários para justificar sua
supressão.
No artigo 31 do projeto, suprimir: o termo "contribuição em
dinheiro" e a especificação do que constitui "bôlsa-de-estudo" para este
caso; e a substituição do termo "operário" por "servidores".
No artigo 32: especificar que são propriedades rurais que contêm
menos de 100 empregados.
TÍTULO VII
Artigo 39 e §§: substitua-se pelo seguinte:
"Art. 39. A apuração do rendimento escolar ficará a cargo dos
establecimentos de ensino, salvo nas últimas séries de cada ciclo, em
que será feita por intermédio de bancas oficiais."
Justificativa: Desde que, como estabelece o art. 19, "não haverá
distinção de direitos, para qualquer fim, entre os estudos realizados em
estabelecimentos oficiais e os realizados em estabelecimentos
particulares reconhecidos", faz-se necessária a instituição dos exames
de Estado, para que essa indistinção não seja apenas legal, mas real.
TÍTULO IX
Substitua-se no art. 68 a sua redação pela seguinte:
"Art. 68. Os graus conferidos pelas universidades ou pelos
estabelecimentos isolados de ensino superior oficiais ou particulares
terão apenas valor científico.
Parágrafo único. Os graus que conferem privilégio para o
exercício de profissões liberais, para o magistério ou para a admissão a
cargos públicos serão concedidos mediante a prestação de exames de
Estado, na forma em que a lei o estabelecer, aos portadores de graus
científicos universitários."
Justificação: É inadiável a separação, no País, entre os graus
científicos e os profissionais, de forma que a simples conclusão de
curso superior não gere, por si só, o direito ao exercício da profissão
correspondente. E isso por um motivo patente: num País desigualmente
desenvolvido, cujas escolas estão longe de garantir uma equivalência
quanto ao nível mínimo de ensino, onde escolas há que, sabidamente,
não estão à altura de desempenhar adequadamente as suas funções, é
necessário que se institua um rigoroso exame de Estado, para aquilatar
de real capacidade do portador do grau científico, antes de permitir-lhe
o exercício da profissão correspondente. Além disso, tal medida atende
aos anseios de autonomia didático-administrativa da parte das escolas
superiores, oficiais ou privadas, pois, desde que o grau que conferem
não tenha por si só valor profissional, não envolvendo, portanto, a
responsabilidade do Estado (que é quem há de garantir a real
correspondência entre a competência e o privilégio) este poderá
conceder-lhes muito maior liberdade de movimentos, reservando-se o
direito de julgar dos resultados conseguidos no momento dos exames
para a obtenção do grau profissional.
Substitua-se no art. 70 sua redação pela seguinte:
"Art. 70. A duração dos cursos que habilitem à obtenção de
diploma capaz de assegurar a posse dos graus científicos necessários
para a admissão ao exercício das profissões liberais, do magistério ou
admissão aos cargos públicos obedecerá à seguinte norma:
a) curso de medicina, seis séries anuais;
b) curso de direito, de engenharia civil, engenharia industrial,
engenharia eletrotécnica, engenharia de minas e metalurgia, química
industrial, arquítetura, cinco séries anuais;
c) cursos de farmácia, odontologia, veterinária, agronomia,
ciências econômicas, ciências contábeis, ciências atuárias, e estatística,
quatro séries anuais;
d) cursos de bacharelado em matemática, física, química,
história natural, geografia, história, filosofia, psicologia, ciências
sociais, letras clássicas e vernáculas, letras modernas, pedagogia,
geologia, jornalismo, pintura, escultura e outras artes plásticas, de
serviço social ou de enfermagem, três séries anuais;
e) outros cursos de graduação, com a duração que fôr fixada, em
cada caso, pelo Conselho Federal de Educação."
Justificação: A emenda restabelece a orientação do anteprojeto de
1948. A fixação de norma para a duração mínima dos cursos é matéria
de natureza substantiva: é indispensável que os mesmos cursos
superiores de todas as unidades da Federação tenham a mesma duração.
Não nos parece aconselhável deixar que o assunto seja regulamentado
pelo Conselho Federal de Educação.
"Art.... (Acrescente-se onde se julgar mais conveniente) O
currículo mínimo dos cursos superiores que habilitem à obtenção de
graus científicos necessários para a admissão ao exercício da profissão
liberal, de magistério, ou admissão aos cargos públicos deve conter as
disciplinas essenciais ao propósito de cada curso, dispostas em
conveniente seriação e será submetido à aprovação do Conselho Federal
de Educação no caso de escola superior isolada ou à aprovação do
Conselho Universitário respectivo, no caso de escola integrante da
Universidade."
Justificação'. A emenda neste assunto também restabelece a
orientação do projeto de 1948. Duração e currículo mínimos devem
obedecer a normas de alcance nacional. A competência rio Conselho
Universitário, no caso de escola integrante de Universidade, para
aprovar o currículo dentro das condições estabelecidas no artigo decorre
da própria autonomia administrativa e didática que o projeto confere às
universidades.
Suprima-se o parágrafo único do art. 70.
Justificação'. A matéria já foi objeto de exame das emendas
anteriores.
Art. 71. Suprimir e no seu lugar propor o seguinte: "Nos
estabelecimentos de ensino superior serão observadas as seguintes
normas:
I — Cento e oitenta dias letivos efetivamente computados, em
cada série anual;
II — Programa de cada disciplina organizado pelo professor e
aprovado pela Congregação;
III — Frequência obrigatória aos exercícios práticos e fre
quência às aulas a ser regulamentada pelos Conselhos Universi
tários, no caso de Escolas Integrantes de Universidade e pelo
Conselho Federal de Educação no caso de estabelecimentos
isolados;
IV — Verificação do aproveitamento escolar por processos
estabelecidos pelas Congregações e aprovados pelo Conselho Uni
versitário, no caso de Escola integrante e pelo Conselho Federal
de Educação, no caso de escolas isoladas;
V — Obrigação por parte do estabelecimento de fazer fun
cionar anualmente pelo menos 70% do total das aulas e exercí
cios que o calendário escolar atribua a cada disciplina, sob pena
de não se realizar a promoção dos alunos;
VI — Limite de matrícula em cada série, de acordo com as
possibilidades materiais e didáticas da escola, a juízo do Conse
lho Federal de Educação, para as escolas superiores isoladas, e
do Conselho Universitário respectivo para as demais."
Justificação: Ainda aqui a preocupação foi a de voltar às normas
estabelecidas no projeto de 1948. A ordenação nele proposta é mais
lógica e corresponde melhor às exigências do ensino superior do País.
Houve, sem dúvida, algumas alterações com o cuidado de tornar ainda
mais flexíveis as normas propostas, v. g. as de número IV e V.
Suprimam-se os arts. 72, 73 e 74.
Justificação: O art. 72 foi transformado numa das normas fixadas
na emenda anterior. O art. 73, no que se refere à assiduidade do
professor, procura corrigir abusos sem dúvida muito frequentes. Não
acreditamos, entretanto, que o significado draconiano destas disposições
possa, na prática, ter alcance efetivo. Ao contrário, a norma V da
emenda anterior fornece ao corpo discente das escolas um instrumento
para a fiscalização da assiduidade dos professores, pois sem 70% de
total de aulas anuais ministradas não poderá haver promoção. O art. 74
dispõe sobre matéria de discutível interesse e inverte inexplicavelmente
a ordem natural das coisas ao estabelecer que as disciplinas obrigatórias
serão ministradas por professores catedráticos, nos cursos de graduação,
e as facultativas e as demais que se ministrem nos cursos de pós-
graduação, especialização, aperfeiçoamento e extensão, por professores
contratados. Os §§ 1.°, 4.°, 5.°, 6.° e 7.° podem ser transformados em
artigos e incorporados neste título (por exemplo, o § 6.°) ou no Título
XIII que trata das disposições gerais e transitórias.
Art. 75, VII, § 4.°, redija-se: "As Congregações que não
disponham de professores catedráticos em número suficiente para
praticar os atos regimentais relativos aos cursos serão integradas, para
esse fim por catedráticos de outras escolas por elas indicados e
aprovados pelo Conselho Universitário, ou, em se tratando de
estabelecimento isolado, pelo Conselho Federal de Educação."
Justificação: É óbvio que as probabilidades das Congregações
conhecerem melhor os problemas de suas próprias escolas são muito
maiores do que as dos Conselhos. As possíveis maquinações poderão
ser evitadas, pois a indicação das congregações deverá ser aprovada
pelos Conselhos mencionados.
Substituir o que se dispõe no § l.
d
do art. 79 pelo seguinte: "§ 1.° O
nome Universidade é privativo das instituições deste género."
Justificação: Tradicionalmente o nome Universidade indica um
tipo característico de instituição na qual se integram várias escolas
destinadas à formação de profissionais ao redor de uma faculdade de
filosofia, ciências e letras. A variedade e a universalidade dos
conhecimentos são elementos fundamentais de toda organização
autenticamente universitária. Não se deve, em suma, consagrar em lei o
abastardamento de um nome.
Neste mesmo art. 79 acrescentar mais um parágrafo do seguinte
teor: "As disciplinas básicas nos domínios das ciências, letras, filosofia
e pedagogia que integram os cursos destinados à formação profissional
serão incorporadas, nas universidades, às Faculdades de Filosofia,
Ciências e Letras."
Justificação: Compete às faculdades de filosofia não só a
formação de especialistas e de professores mas ainda ministrar o ensino
de disciplinas básicas aos alunos de todos os cursos universitários. Se
quisermos realizar a ideia de uma verdadeira universidade, o primeiro
passo será a instituição de cursos comuns, numa escola única, aos
alunos que se destinarão, posteriormente, às escolas de formação
profissional.
TÍTULO XII
Substitua-se o parágrafo 1.° do artigo 92 pelo seguinte: "Parágrafo único.
Não receberão auxílio federal para educação as unidades administrativas
que não incluírem em seus orçamentos as percentagens referidas neste
artigo." Substituam-se os artigos 93 e 94 pelos seguintes: "Art. 93. Os
Estados, os Municípios e o Distrito Federal aplicarão os recursos, a que
se refere o artigo 169 da Constituição Federal, na manutenção e
desenvolvimento do ensino público, de acordo com os planos
estabelecidos pelos respectivos poderes públicos.
Art. 94. Os recursos que excederem aos limites mínimos
estabelecidos pelo artigo 169 da Constituição Federal poderão
ser aplicados no auxílio às instituições particulares de ensino na
forma e sob as condições a serem determinadas por lei especial."
Suprimam-se os artigos 95 e 96.
Justificação: 1) A Associação dos Professores do Ensino
Secundário e Normal Oficial do Estado de São Paulo entende que um
projeto de diretrizes e bases da educação nacional não deve, ao cuidar
da habilitação dos poderes responsáveis para o cumprimento do seu
dever constitucional para com a educação do povo brasileiro, ser
minuciosa como procura o atual projeto de lei aprovado pela Câmara
dos Deputados. Tal matéria ficará melhor resolvida mediante lei
ordinária que regulamentasse o artigo 169 da Constituição Federal, que
estipula o montante dos gastos públicos com o ensino. 2) A esse
respeito, lembra esta Associação de classe do magistério público
paulista a iniciativa do governo federal que, em outubro de 1957, por
intermédio do seu Conselho do Desenvolvimento, apresentou um plano
inicial cujo objetivo principal era regulamentar o referido dispositivo
constitucional, a fim de melhor definir o esforço educacional a ser
desenvolvido pelos poderes públicos em resposta às atuais exigências
da situação econômica e social do País. 3) Entende, da mesma forma,
esta Associação de classe, que uma lei ordinária, preparada pelos órgãos
técnicos educacionais das diferentes esferas administrativas,
estabeleceria mais racionalmente a adequada aplicação dos recursos
financeiros dos poderes públicos, tendo em vista a insuficiência e a
inadequada distribuição das verbas orçamentárias destinadas à educação
pública democrática. 4) Acredita, finalmente, a Associação dos
Professores do Ensino Secundário e Normal Oficial do Estado de São
Paulo (APES-NOESP) que uma lei especial, preparada e pensada por
representantes categorizados e especializados em matéria de educação
pública, deverá permitir que se realize, o mais rapidamente possível, a
adaptação da escola brasileira às circunstâncias sociais impostas pelo
desenvolvimento industrial e econômico do País.
DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS
Substitua-se o artigo 105 pelo seguinte:
"Art. 105. Os poderes públicos instituirão serviços públicos e
fornecerão orientação técnica às instituições particulares, visando
amparar escolas ou centros de educação na zona rural."
Justificação: Não cabe, na lei, postular sem condições um amparo
a instituições particulares. Por outro lado, a parte final do artigo é
desnecessária uma vez que no item sobre os fins da educação já se
definiu o objetivo do ensino.
No artigo 106, onde se diz "os sistemas de ensino de apren-
dizagem", diga-se:
"...os cursos de aprendizagem etc".
Justificação: Trata-se de retificar manifesta impropriedade de
redação. Suprima-se o artigo 108.
Justificação: Trata-se de dispositivo geral e inócuo numa lei que já
regulamenta, noutros artigos, a cooperação entre os poderes públicos e
as empresas e entidades particulares.
Suprima-se o artigo 110. v
Justificação: Não há como admitir-se, numa lei descen-tralizadora,
a opção prevista. Além disso, a que "sistema federal de ensino" referir-
se-á o artigo 110?
Suprima-se o artigo 111.
Justificação: Ou o artigo é inteiramente inócuo, ou subverte o
princípio da gratuidade do ensino, uma vez que transforma cada aluno
das escolas públicas gratuitas num bolsista.
Suprima-se, no artigo 115, a expressão "particular ou".
Justificação: É inconveniente aos interesses do bom ensino que se
dilate o âmbito de realização dos exames de suficiência, mormente
quando se sabe que estes exames atribuirão licença para exercício de
profissão, o que é de competência estatal exclusiva.
Suprima-se, no artigo 116, a expressão "particulares ou".
Justificação: A mesma relativa ao artigo 115.
Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Associação dos
Professores do Ensino Secundário e Normal do Estado de São Paulo
(APESNOESP), União dos Professores Primários do Estado de São
Paulo (UPPESP), Centro do Professorado Paulista (CPP), Sindicato dos
Trabalhadores nas Construções Civis de São Paulo, Sindicato dos
Metalúrgicos de São Paulo, União Estadual dos Estudantes de São
Paulo, União Paulista dos Estudantes Secundários, Associação dos
Docentes do Ensino Industrial e Agrícola do Estado de São Paulo
(ADEIA), União Brasileira dos Escritores — Seção de São Paulo."
ARTICULAÇÃO DO ENSINO NO BRASIL — 1960
A articulação de cursos, no presente quadro, foi feita to-mando-se
por base as seguintes leis:
]
Lei
Orgânica do Ensino Industrial — Decretos-leis ns. 4.073,
de 30/1/42, e 8.680, de 15/1/46;
Lei Orgânica do Ensino Secundário — Decreto-lei número
4.244, de 9/4/42;
Lei Orgânica do Ensino Comercial — Decreto-lei número
6.141, de 28/12/43;
Lei Orgânica do Ensino Primário — Decreto-lei número
8.529, de 2/1/46;
Lei Orgânica do Ensino Normal — Decreto-lei número
8.530, de 2/1/46;
Lei Orgânica do Ensino Agrícola — Decreto-lei número
9.613, de 20/8/46;
Lei n.° 1.821, de 12/3/53, que dispõe sobre o regime de
equivalência entre os diversos cursos de grau médio
para efeito de matrícula no ciclo colegial e nos
cursos superiores, e Decreto n.° 34.330, de 21/10/53,
que regulamentou a Lei n.° 1.821.
O presente quadro da "Articulação do Ensino no Brasil — 1960" foi elaborado por
Maria Luísa Barbosa de Oliveira, da Divisão de Documentação e Informação
Pedagógica do C.B.P.E.
O quadro da articulação do ensino no Brasil, nos seus vários
ramos e graus, sofreu grande modificação com a Lei n.° 1.821, de
12/3/53 (D.O. de 16/3/53, pág. 4.505) e com o Decreto n.° 34.330, de
21/10/53 (D.O. de 3/11/53, pág. 18.590), que a regulamentou.
Essa lei possibilita a transferência de um para outro curso, nos
diferentes graus e ramos de ensino, tanto nas séries intermediárias
como no final de cada ciclo, bastando, para isso, que o candidato se
submeta a exames de adaptação das matérias não estudadas no curso
de onde provém e que constem do currículo do curso em que deseja
ingresso.
Considerando que são inúmeras as possibilidades que essa lei
oferece, permitindo que os candidatos se transfiram de um para outro
curso, desde que sejam satisfeitas determinadas condições,
pretendemos indicar, no presente quadro, apenas os casos de
articulação em que não seja exigido o exame de adaptação. Assim, a
articulação está representada da seguinte maneira:
1) entre o 1.° e o 2.° ciclos, pela mesma côr que as figuras
apresentam;
2) entre o ciclo médio e o superior, pelas linhas que, com a
mesma côr dos cursos que representam, dão acesso aos cursos de
outras modalidades. Portanto, onde não houver ligação das linhas com
as figuras, o acesso só será possível mediante exame de adaptação.
Os exames vestibulares exigidos para o ingresso em vários
cursos do 2.° ciclo de nível médio são feitos para apurar os
conhecimentos dos candidatos que já possuem condições de ma-
trícula, não sendo considerados como exames de adaptação
(exceto no ensino militar).
Dentro da legislação que regulamenta a matéria, é possível a
articulação horizontal entre as séries intermediárias dos cursos de nível
médio, tanto do 1.° quanto do 2.° ciclo.
ENSINO SECUNDÁRIO
O curso ginasial dá direito a ingresso em qualquer curso de nível
médio de 2.° ciclo.
O curso colegial dá direito a ingresso em qualquer curso superior,
ressalvando-se o caso peculiar do ensino artístico que exige o curso
médio dos respectivos ramos (vide ensino artístico) — Lei Orgânica
do Ensino Secundário, Decreto-lei n.° 4.244, de 9/4/42, Título I, Cap.
IV, artigo 9.° (D.O. de 10/4/42 — Retificado nos D.O. de 15, 20 e
24/4/42.
ENSINO COMERCIAL
O curso comercial básico dá direito a ingresso:
a) no curso científico, segundo os termos da Circular n.° 7,
de 16/11/53, da Diretoria do Ensino Secundário, item 14.
ò) nos cursos técnicos do ensino industrial e agrícola, de
acordo com o Decreto n.° 34.330, de 21/10/53, artigo 2.°, c.
c) no curso de Magistério de Economia Rural Doméstica, de
acordo com a Circular n.° 772, de 18/7/57, da Superintendência do
Ensino Agrícola e Veterinário.
d) na Escola Preparatória de Cadetes do Ar, segundo artigo 3.°
da Portaria n.° 402-GM3, de 5/7/55, do Ministério da Aeronáutica, que
determina para ingresso naquela Escola a exigência de curso ginasial ou
outro a êle equivalente, estando no caso o comercial básico, em virtude
do item 14 da Circular n.° 7, de 16/11/53.
e) na Escola Preparatória do Exército (vide ensino militar).
/) na Escola da Marinha Mercante (vide ensino militar).
O comercial técnico dá direito a ingresso nos seguintes cursos:
Ciências Económicas, compreendendo: Ciências Económicas, Ciências
Contábeis e Ciências Atuariais; Direito; Jornalismo, Geografia,
Ciências Sociais e História, das Faculdades de Filosofia; e Sociologia e
Política, como dispõe o Decreto n.° 36.681, de 29/12/54 (D.O. de
31/12/54, pág. 20.801), que alterou os itens: a, relativo aos cursos
mencionados, e d do artigo 5.°, do Decreto n.° 34.330, de 21/10/53.
ENSINO NORMAL
Terminado o curso de Regente de Ensino Primário, o candidato
poderá matricular-se:
a) no curso técnico industrial, pois a Lei Orgânica do Ensino
Industrial, Título III, Cap. VIII, Seção I, artigo 30, III, a, assim o
determina — Decreto-lei n.° 4.073, de 30/1/42 (D.O. de 9/2/42, pág.
1.997, retificado no D.O. de 9/1/43, pág. 289), e Decreto-lei n.° 8.680,
de 15/1/46 (D.O. de 17/1/46, pág. 761);
b) no curso técnico agrícola ou curso de Magistério de
Economia Rural Doméstica, em virtude do Título III, Cap. IV, Seção I,
artigo 26, III, da Lei Orgânica do Ensino Agrícola — Decreto-lei n.
9.613, de 20/8/46 (D.O. de 23/8/46, pág. 12.019).
O Curso de Formação de Professores dá direito a ingresso: a) no
curso de Educação Física Infantil, de acordo com os
Decretos-leis ns. 1.2" 2, de 17/4/39, e 8.270, de 3/12/45, artigo
21, c (D.O. de 5/12/45, pág. 18.245);
b) nos cursos: Direito; Pedagogia, Letras Neolatinas, Letras
Anglo-Germânicas, Letras Clássicas, Geografia e História e Ciências
Sociais das Faculdades de Filosofia; Música, Sociologia e Política, de
acordo com o Decreto n.° 36.681, de 29/12/54, que alterou o Decreto
n.° 34.330, de 21/10/53, no seu artigo 5.°, itens a e d, relativos aos
cursos mencionados.
Como as legislações do ensino normal são de âmbito estadual, só
está indicada a articulação com o 2.° ciclo para o candidato que provém
do curso ginasial ou do normal regional, porque esta é a regra comum a
todos os Estados.
Há alguns, porém, que aceitam, para ingresso no Curso de
Formação de Professores, a realização de qualquer curso de 1.° ciclo de
nível médio, como, por exemplo: Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte
e São Paulo, conforme se indica:
Ceará: Lei n.° 4.410, de 26/12/58, Título I, Cap. III, artigo 5.°
(D.O. de 27/12/58, pág. 1) : "Articulação com os diversos cursos
médios do 1.° ciclo".
Paraíba: Lei n.° 850, de 6/12/52, Título III, Cap. IV, artigo 42
(D.O. de 24/12/52), "equivalente ao ginásio".
Rio Grande do Norte: Lei n.° 2.171, de 6/12/57, Cap. II, artigo 14,
/, parágrafo único (D,O. de 7/12/57, pág. 2) ; "mediante conclusão do
curso ginasial ou outros a êle oficialmente equivalentes".
São Paulo: Lei n.° 3.739, de 22/1/57, artigo 2.°, §§ 1.° e 2.° (D.O.
de 21/1/57, pág. 3) ; "Curso básico de nível médio".
ENSINO INDUSTRIAL:
Com o curso básico industrial poderá o candidato matri-cular-se
no curso técnico agrícola e de Magistério de Economia Rural
Doméstica, de acordo com a Circular n.° 772, de 18/7/57, da
Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário e com a Portaria de
2/1/54, da Diretoria do Ensino Industrial.
O curso de Aprendizagem Industrial, de 4 anos, é equiparado ao
curso básico para os fins previstos no Decreto n.° 34.330, de 21/10/53,
de acordo com a Portaria n.° 55, de 30/1/56, da Diretoria do Ensino
Industrial (D.O. de 6/2/56, pág. 2.179).
Para o ingresso nos cursos pedagógicos do ensino industrial
(didática e administração) deverá o candidato ter concluído o curso
técnico ou de mestria, além da aprovação em exame vestibular, e ter
trabalhado, respectivamente, um ou 3 anos na indústria. Poderá, ainda,
matricular-se nesses cursos o diplomado em engenharia e química
industrial (Lei Orgânica do Ensino Industrial, Cap. VIII, Seção I, artigo
30, itens IV e V, Decreto-lei n.° 8.680, de 15/1/46, D.O. de 17/1/46).
Terminado o técnico industrial, o candidato poderá matri-cular-se
nos seguintes cursos: Engenharia; Química Industrial; Arquítetura e
Desenho; Matemática, Física, Química das Faculdades de Filosofia; e
no curso de Pedagogia dessas Faculdades, aquele que houver concluído
o curso pedagógico, além do técnico, ambos do ensino industrial, de
acordo com o Decreto n.° 34.330, de 21/10/53, artigo 5.°, 6 e f.
Na elaboração do presente quadro, não foi levada em consideração
a Lei n.° 3.552, de 16/2/59, que dispõe sobre nova organização escolar
e administrativa dos estabelecimentos de ensino industrial do M.E.C.,
e o Decreto n.° 47.038, de 16/10/59, que a regulamentou.
ENSINO AGRÍCOLA
Após o curso de mestria agrícola, poderá o candidato ma-tricular-
se no técnico industrial, de acordo com o Decreto n.° 34.330, artigo 2.°,
c.
De acordo com o Cap. II, n.° 10, da Portaria n.° 772, de 18/7/57,
da Superintendência de Ensino Agrícola e Veterinário, é exigido dos
alunos provenientes dos cursos secundário, comercial, industrial,
normal ou seminário, exame de adaptação em matéria de cultura
técnica, cujos conhecimentos básicos sejam necessários para o
prosseguimento do curso.
ENSINO MILITAR
Como o Colégio Militar mantém o curso ginasial, o aluno que dele
procede terá os mesmos direitos daquele que frequenta esse curso fora
desse estabelecimento.
Só é permitido o ingresso no curso científico dos colégios
militares àqueles que provêm do ginásio do "Colégio Militar" (Decreto
n.° 46.336, de 30/6/59, D.O. de 1/7/59, pág. 15.033).
Somente a Escola Preparatória de Cadetes do Exército usa do
exame vestibular como adaptação, pois aceita qualquer curso de 1.°
ciclo do ensino médio como condição de matrícula.
Na Escola de Marinha Mercante do Rio de Janeiro é exigido o
curso ginasial para o ingresso no curso fundamental de Náutica e
Câmara; e o certificado de aprovação dos cursos de 1.° ciclo,
secundário, comercial, industrial, agrícola e aprendizagem para o curso
fundamental de máquinas, de acordo com o Cap. I, artigo 2.°, IX, a e b
das condições de ingresso (impresso da Escola de Marinha Mercante do
Rio de Janeiro, Diretoria de Portos e Costas, Ministério da Marinha).
O aluno que cursar a Escola Preparatória de Cadetes do Ar ou do
Exército ou o Colégio Militar, terá direito a ingressar em qualquer
curso superior, pois os seus cursos são equiparados ao científico, como
especificam os respectivos regulamentos: Escola Preparatória de
Cadetes do Ar — Decreto n.° 30.976, de 10/6/52, Cap. II, artigos 9.° e
10 (D.O. de 14/6/52, pág. 9.745) ; Escola Preparatória de Cadetes do
Exército, Decreto n.° 18.732 de 28/5/45, Título II, Cap. I, artigo 3.°, a
(Coleção das Leis de Brasil — vol. IV — 1945 — pág. 544).
O curso do Colégio Naval, por ser de dois anos, não da direito a
ingresso no curso superior.
Poderá ingressar na Escola Naval o aluno proveniente de Colégio
Naval e do Colégio Militar, de acordo com o Decrete n.° 41.946, de
31/7/57, Cap. IV, artigos 20, /, 22, § 1.° e 23 (D.O. de 6/8/57, pág.
19.135).
Poderá ingressar na Escola Militar o aluno proveniente daí
Escolas Preparatórias de Cadetes do Exército e do Colégio Mi litar, de
acordo com o Decreto n.° 17.738, de 2/2/45, artigo 113 (D.O. de
15/2/45, pág. 2.403).
Na Escola de Aeronáutica terá ingresso o que terminar o curso
colegial, de acordo com a Portaria n.° 243, de 14/9/52 Cap. II, artigo
2.°, e; o que terminar o curso da Escola Prepara tória de Cadetes do Ar,
do 3.° ano científico do Colégio Militar Colégio Naval e da Escola
Preparatória de Cadetes do Exército de acordo com o artigo 2.°, § 1.°,
letras a, b, c da referida Portaria.
A Escola de Formação de Oficiais de Polícia Militar dará ingresso
ao curso superior, se o seu regulamento fôr baseado n; Lei n.° 3.104,
de 1/3/57, que acrescentou dois itens ao artigo 2.° da Lei n.° 1.821, de
12/3/53 (D.O. de 2/3/57, pág. 985)
ENSINO ARTÍSTICO
Para ingresso no curso superior do Ensino Artístico é ne cessário
ter o candidato o curso médio respectivo e o curso se cundário
completo:
Belas-Artes: Regimento da Escola Nacional de Belas-Arte: (D.O.
de 13/12/57, pág. 28.018).
Música: De acordo com o Regimento da Escola Nacional de
Música da Universidade do Brasil, artigo 4.°, parágrafo único (D.O de
10/2/47, pág. 1.791).
ENSINO ECLESIÁSTICO
0 artigo 2.°, V, da Lei n.° 1.821, de 12/3/53, determina que, para
ingresso em curso superior, sendo candidato proveniente do curso de
seminário, é necessário que este possua nível equivalente ao curso
secundário, ministrado em estabelecimento idóneo. Em seu parágrafo
único, determina que, sem prejuízo das exeções admitidas em lei,
exigir-se-á sempre do candidato não habilitado no ciclo ginasial ou no
colegial ou em nenhum dos dois, exame das disciplinas que bastem para
completar o curso secundário.
Com o curso de seminário de 7 anos, poderá o aluno ingressar nos
seguintes cursos: Direito; Filosofia, Letras Clássicas, Letras Neolatinas,
Letras Anglo-Germânicas e Pedagogia das Faculdades de Filosofia, de
acordo com o Decreto n.° 34.330, de 21/10/53, no artigo 5.°, e.
ENSINO DE ENFERMAGEM
O curso de auxiliar de enfermagem articula-se com o primário.
O superior exige secundário completo, pela Lei número 775, de
6/8/49, artigo 5.°; porém, a Lei n.° 2.995, de 10/12/56 (D.O. de
10/12/56, pág. 23.441) prorrogou o prazo, que se extinguira, até 1961,
para que o ingresso possa ser feito mediante apresentação do certificado
de conclusão do 1.° ciclo de nível médio.
EDUCAÇÃO FÍSICA
Exige o curso secundário completo, segundo o Parecer número
118, de 2/5/58, do Conselho Nacional de Educação, homologado pelo
Sr. Ministro em 25/5/58.
ASTRONOMIA
Funciona atualmente na Faculdade Nacional de Filosofia o curso
de Astronomia, com duração de quatro anos.
NOTAS PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Lançado em 193.2, o Manifesto dos "Pioneiros da Educação Neva",
peias repercussões que produziu em nossos me:os pedagógicos e
culturais, constituiu-se num acontecimento marcante na história da
educação brasileira.
A oportunidade de sua divulgação justifica-se uma vez que
procuramos oferecer aos leitores elementos para uma compreensão
objetiva das transformações ocorridas em nosso pensamento educa-
cional.
A RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL Ao
povo e ao governo
Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da
educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de
reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas
condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o
preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que
são os fatores fundamentais do acréscimo de rique|za de uma sociedade. No entanto, se depois de
43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil,
verificar-se-á que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispen-
sável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade
de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização
escolar à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo fragmentário e
desarticulado. A situação atual, criada pela sucessão periódica de reformas parciais e
frequentemente arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e sem
uma visão global do problema, em todos os seus aspectos, nos deixa antes a
impressão desoladora de construções isoladas, algumas já em ruína, outras abandonadas em seus
alicerces, e as melhores ainda não em termos de serem despojadas de seus andaimes...
Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização ao que de
desorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da
determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos
métodos científicos aos problemas de educação. Ou. em poucas palavras, na falta de espírito
filosófico e científico, na resolução dos problemas da administração escolar. Esse empirismo
grosseiro, que tem presidido ao estudo dos problemas pedagógicos, postos e discutidos numa
atmosfera de horizontes
estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma cultura universitária e na formação
meramente literária de nossa cultura. Nunca chegamos a possuir uma "cultura própria", nem mesmo
uma "cultura geral" que nos convencesse da "existência de um problema sobre objetivos e fins da
educação". Não se podia encontrar, por isto, unidade e continuidade de pensamento em planos de
reformas, nos quais as instituições escolares, esparsas, não traziam, para atraí-las e orientá-las para
uma direção, o pólo magnético de uma concepção da vida, nem se submetiam, na sua organização e
no seu funcionamento, a medidas objetivas com que o tratamento científico dos problemas da
administração escolar nos ajuda a descobrir, à luz dos fins estabelecidos, os processos mais
eficazes para a realização da obra educacional.
Certo, um educador pode bem ser um filósofo e deve ter a sua filosofia de educação; mas,
trabalhando cientificamente nesse terreno, êle deve estar tão interessado na determinação dos fins
de educação, quanto também dos meios de realizá-los. O físico e o químico não terão necessidade
de saber o que está e se passa além da janela do seu laboratório. Mas o educador, como o
sociólogo, tem necessidade de uma cultura múltipla e bem diversa; as alturas e as profundidades da
vida humana e da vida social não devem estender-se além do seu raio visual; êle deve ter o
conhecimento dos homens e da sociedade em cada uma de suas fases, para perceber, além do
aparente e do efémero, "o jogo poderoso das grandes leis que dominam a evolução social", e a
posição que tem a. escola, e a função que representa, na diversidade e pluralidade das forças
sociais que cooperam na obra da civilização. Se tem essa cultura geral, que lhe permite organizar
uma doutrina de vida e ampliar o seu horizonte mental, poderá ver o problema educacional em
conjunto, de um ponto-de-vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico ou dos métodos
ao problema filosófico ou dos fins da educação; se tem um espírito científico, empregará os métodos
comuns a todo género de investigação científica, podendo recorrer a técnicas mais ou menos
elaboradas e dominar a situação, realizando experiências e medindo os resultados de toda e
qualquer modificação nos processos e nas técnicas, que se desenvolveram sob o impulso dos
trabalhos científicos na administração dos serviços escolares.
MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO EDUCACIONAL
À luz dessas verdades e sob a inspiração de novos ideais de educação, é que se gerou, no
Brasil, o movimento de reconstrução educacional, com que, reagindo contra o empirismo dominante,
pretendeu um grupo de educadores, nestes últimos doze anos, transferir do terreno administrativo
para os planos político-sociais a solução dos problemas escolares. Não foram ataques injustos que
abalaram o prestígio das instituições antigas; foram essas instituições, criações artificiais ou
deformadas pelo egoísmo e pela rotina, a que serviram de abrigo, que tornaram inevitáveis os
ataques contra elas. De fato, por que os nossos métodos de educação haviam de continuar a ser tão
prodigiosamente rotineiros, enquanto no México, no Uruguai, na Argentina e no Chile, para só falar
na América espanhola, já se operavam transformações profundas no aparelho educacional,
reorganizado em novas bases e em ordem a finalidades lucidamente descortinadas? Por que os
nossos programas se haviam ainda de fixar nos quadros de segregação social, em que os encerrou a
República, há 43 anos, enquanto nossos meios de locomoção e os processos de indústria
centuplicaram de eficácia, em pouco mais de um quartel de século? Por que a escola
havia de permanecer, entre nós,
de influir sobre êle, quando, por toda parte, rompendo a barreira das tradições, a ação educativa já
desbordava a escola, articulando-se com as outras instituições sociais, para estender seu raio de
influência e de ação?
Embora, a principio, sem diretrizes definidas, esse movimento francamente renovador
inaugurou uma série fecunda de combates de ideias, agitando o ambiente para as primeiras reformas
impelidas para uma nova direção. Multiplicaram-se as associações e iniciativas escolares, em que
esses debates testemunhavam a curiosidade dos espíritos, pondo em circulação novas ideias e
transmitindo aspirações novas com um caloroso entusiasmo. Já se despertava a consciência de que,
para dominar a obra educacional, em toda a sua extensão, é preciso possuir, em alto grau, o hábito
de se prender, sobre bases sólidas e largas, a um conjunto de ideias abstraías e de princípios gerais,
com que possamos armar um ângulo de observação, para vermos mais claro e mais longe e
desvendarmos, 'através da complexidade tremenda dos problemas sociais, horizontes mais vastos.
Os trabalhos científicos no ramo da educação já nos faziam sentir, em toda a sua força reconstrutora,
o axioma de que se pode ser tão científico no estudo e na resolução dos problemas educativos,
como nos da engenharia e das finanças. Não tardaram a surgir, no Distrito Federal e em três ou
quatro Estados, as reformas e, com elas, as realizações, com espírito científico, e inspiradas por um
ideal que, modelado à imagem da vida, já lhes refletia complexidade. Contra ou a favor, todo mundo
se agitou. Esse movimento é hoje uma ideia em marcha, apoiando-se sobre duas forças que se
completam: a força das ideias e a irradiação dos fatos.
DIRETRIZES QUE SE ESCLARECEM
Mas, com essa campanha, de que tivemos a iniciativa e assumimos a responsabilidade, e com a
qual se incutira, por todas as formas, no magistério, o espírito novo, o gosto da crítica e do debate e
a consciência da necessidade de um aperfeiçoamento constante, ainda não se podia considerar
inteiramente aberto o caminho às grandes reformas educacionais, É certo que, com a efervescência
intelectual que produziu no professorado, se abriu de uma vez a escola a esses ares, a cujo oxigénio
se forma a nova geração de educadores e se vivificou o espírito nesse fecundo movimento renovador
no campo da educação pública, nos últimos anos. A maioria dos espíritos, tanto da velha como da
nova geração ainda se arrastam, porém, sem convicções, através de um labirinto de ideias vagas,
fora de seu alcance, e certamente, acima de sua experiência; e, porque manejam palavras, com que
já se familiarizaram, imaginam muitos que possuem as ideias claras, o que lhes tira o desejo de
adquiri-las... Era preciso, pois, imprimir uma direção cada vez mais firme a esse movimento já agora
nacional, que arrastou consigo os educadores de mais destaque, e levá-lo a seu ponto culminante
com uma noção clara e definida de suas aspirações e suas responsabilidades. Aos que tomaram
posição na vanguarda da campanha de renovação educacional cabia o dever de formular, em
documento público, as bases e diretrizes do movimento que souberam provocar, definindo, perante o
público e o governo, a posição que conquistaram e vêm mantendo desde o início das hostilidades
contra a escola tradicional.
REFORMAS E A REFORMA
Se não há país "onde a opinião se divida em maior número de cores, e se não se encontra
teoria que entre nós não tenha adeptos", segundo já observou ALBERTO TORRES, princípios e
ideias não passam, entre nós, de "bandeira de discussão, ornatos de polémica ou simples meio de
êxito pessoal ou político". Ilustrados, às vezes, e eruditos, mas raramente cultos, não assimilamos
bastante as ideias para se tornarem um núcleo de convicções ou um sistema de doutrina, capaz de
nos impelir à ação em que costumam desencadear-se aqueles "que pensaram sua vida e viveram
seu pensamento". A interpenetração profunda que já se estabeleceu, em esforços constantes, entre
as nossas ideias e convicções e a nossa vida de educadores, em qualquer setor ou linha de ataque
em que tivemos de desenvolver a nossa atividade, já denuncia, porém, a fidelidade e o vigor com
que caminhamos para a obra de reconstrução educacional, sem estadear a segurança de um triunfo
fácil, mas com a serena confiança na vitória definitiva de nossos ideais de educação. Em lugar
dessas reformas parciais, que se sucederam, na sua quase totalidade, na estreiteza crónica de
tentativas empíricas, o nosso programa concretiza uma nova política educacional, que nos
preparará, por etapas, a grande reforma, em que palpitará, com o ritmo acelerado dos organismos
novos, o músculo central da estrutura política e social da nação.
Em cada uma das reformas anteriores, em que impressiona vivamente a falta de uma visão
global do problema educativo, a força inspiradora ou a energia estimulante mudou apenas de forma,
dando soluções diferentes aos problemas particulares. Nenhuma antes desse movimento renovador
penetrou o âmago da questão, alterando os caracteres gerais e os traços salientes das reformas que
o precederam. Nós assistíamos à aurora de uma verdadeira renovação educacional, quando a
revolução estalou. Já tínhamos chegado então, na campanha escolar, ao ponto decisivo e
climatérico, ou se o quiserdes, à linha de divisão das águas. Mas, a educação que, no final de
contas, se resume logicamente numa reforma social, não pode, ao menos em grande proporção,
realizar-se senão pela ação extensa e intensiva da escola sobre o indivíduo e deste sobre si mesmo
nem produzir-se, do ponto-de-vista das influências exteriores, senão por uma evolução contínua,
favorecida e estimulada por todas as forças organizadas de cultura e de educação. As surpresas e
os golpes de teatro são impotentes para modificarem o estado psicológico e moral de um povo. É
preciso, porém, atacar essa obra, por um plano integral, para que ela não se arrisque um dia a ficar
no estado fragmentário, semelhante a essas muralhas pelásgicas, inacabadas, cujos blocos
enormes, esparsos ao longe sobre o solo, testemunham gigantes que os levantaram, e que a morte
surpreendeu antes do coroamento de seus esforços...
FINALIDADES DA EDUCAÇÃO
Toda a educação varia sempre em função de uma "concepção da vida", refletindo, em cada
época, a filosofia predominante que é determinada, a seu turno, pela estrutura da sociedade. É
evidente que as diferentes camadas e grupos (classes) de uma sociedade dada terão
respectivamente opiniões diferentes sobre a "concepção do mundo", que convém fazer adotar ao
educando e sobre o que é necessário considerar como "qualidade socialmente útil". O fim da
educação não é, como bem observou C. DAVY,
"desenvolver de maneira anárquica as tendências dominantes do educando; se o mestre intervém
para transformar, isto implica nele a representação de certo ideal à imagem do qual se esforça por
modelar os jovens espíritos". Esse ideal e aspiração dos adultos torna-se mesmo mais fácil de
apreender exatamente quando assistimos à sua transmissão pela obra educacional, isto é, pelo
trabalho a que a sociedade se entrega para educar os seus filhos. A questão primordial das fina-
lidades da educação gira, pois, em torno de uma concepção da vida, de um ideal, a que devem
conformar-se os educandos, e que uns consideram abstrato e absoluto, e outros, concreto e relativo,
variável no tempo e no espaço. Mas, o exame, num longo olhar para o passado, da evolução da
educação através das diferentes civilizações, nos ensina que o "conteúdo real desse ideal" variou
sempre de acordo com a estrutura e as tendências sociais da época, extraindo a sua vitalidade,
como a sua força inspiradora, da própria natureza da realidade social.
Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época, que lhe define o
caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento pedagógico, a educação nova não
pode deixar de ser uma reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do
serviço educacional, artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida. Desprendendo-se
dos interesses de classes, a que ela tem servido, a educação perde o "sentido aristológico", para
usar a expressão de ERNESTO NELSON, deixa de constituir um privilégio determinado pela
condição econômica e social do indivíduo, para assumir um "caráter biológico", com que ela se
organiza para a coletividade em geral, reconhecendo a todo o indivíduo o direito a ser educado até
onde o permitam as suas aptidões naturais, independente de razões de ordem econômica e social. A
educação nova, alargando a sua finalidade para além dos limites das classes, assume, com uma
feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se para formar "a hierarquia
democrática" pela "hierarquia das capacidades", recrutadas em todos os grupos sociais, a que se
abrem as mesmas oportunidades de educação. Ela tem, por objeto, organizar e desenvolver os
meios de ação durável, com o fim de "dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em
cada uma das etapas de seu crescimento", de acordo com certa concepção do mundo.
A diversidade de conceitos da vida provém, em parte, das diferenças de classes e, em parte, da
variedade de conteúdo na noção de "qualidade socialmente útil", conforme o ângulo visual de cada
uma das classes ou grupos sociais. A educação nova que, certamente pragmática, se propõe ao fim
de servir não aos interesses de classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se funda sobre o
princípio da vinculação da escola com o meio social, tem o seu ideal condicionado pela vida social
atual, mas profundamente humano, de solidariedade, de serviço social e cooperação. A escola
tradicional, instalada para uma concepção burguesa, vinha mantendo o indivíduo na sua autonomia
isolada e estéril, resultante da doutrina do individualismo libertário, que teve aliás o seu papel na
formação das democracias e sem cujo assalto não se teriam quebrado os quadros rígidos da vida
social. A escola socializada, reconstituída sobre a base da atividade e da produção, em que se con-
sidera o trabalho como a melhor maneira de estudar a realidade em geral (aquisição ativa da cultura)
e a melhor maneira de estudar o trabalho em si mesmo, como -fundamento da sociedade
humana, se organizou para remontar a corrente e restabe-
lecer, entre os homens, o espírito de disciplina, solidariedade e cooperação, por uma profunda obra
social que ultrapassa largamente o quadro estreito dos interesses de classes.
VALORES MUTÁVEIS E VALORES PERMANENTES
Mas, por menos que pareça, nessa concepção educacional, cujo embrião já se disse ter-se
gerado no seio das usinas e de que se impregnam a carne e o sangue de tudo que seja objeto da
ação educativa, não se rompeu nem está a pique de romper-se o equilíbrio entre os valores mutáveis
e os valores permanentes da vida humana. Onde, ao contrário, se assegurará melhor esse equilíbrio
é ao novo sistema de educação, que, longe de se propor a fins particulares de determinados grupos
sociais, às tendências ou preocupações de classes, os subordina aos fins fundamentais e gerais que
assinala a natureza nas suas funções biológicas. É certo que é preciso fazer homens, antes de fazer
instrumentos de produção. Mas, o trabalho que foi sempre a maior escola de formação da
personalidade moral, não é apenas o método que realiza o acréscimo da produção social, é o único
método suscetível de fazer homens cultivados e úteis sob todos os aspec*os. O trabalho, a
solidariedade social e a cooperação, em que repousa a ampla utilidade das experiências; a
consciência social que nos leva a compreender as necessidades do indivíduo através das da
comunidade, e o espírito de justiça, de renúncia e de disciplina, não são, aliás, grandes "valores
permanentes" que elevam a alma, enobrecem o coração e fortificam a vontade, dando expressão e
valor à vida humana? Um vício das escolas espiritualistas, já o ponderou JULES SIMON, é o
"desdém pela multidão". Quer-se raciocinar entre si e refletir entre si. Evita experimentar a sorte de
todas as aristocracias que se estiolam no isolamento. Se se quer servir à humanidade é preciso estar
em comunhão com ela...
Certo, a doutrina de educação, que se apoia no respeito da personalidade humana, considerada
não mais como meio, mas como fim em si mesmo, não poderia ser acusada de tentar, com a escola
do trabalho, fazer do homem uma máquina, um instrumento exclusivamente apropriado a ganhar o
salário e a produzir um resultado material num tempo dado. "A alma tem uma potência de milhões de
cavalos, que levanta mais peso do que o vapor. Se todas as verdades matemáticas se perdessem,
escreveu LAMARTINE, defendendo a causa da educação integral, o mundo industrial, o mundo
material, sofreria sem dúvida um detrimento imenso e um dano irreparável; mas, se o homem
perdesse uma só das suas verdades morais, seria o próprio homem, seria a humanidade inteira que
pereceria". Mas, a escola socializada não se organizou como um meio essencialmente social senão
para transferir do plano da abstração ao da vida escolar em todas as suas manifestações, vivendo-as
intensamente, essas virtudes e verdades morais, que contribuem para harmonizar os interesses
individuais e os interesses coletivos. "Nós não somos antes homens e depois seres sociais, lembra-
nos a voz insuspeita de PAUL BUREAU; somos seres sociais, por isto mesmo que somos homens, e
a verdade está antes em que não há ato, pensamento, desejo, atitude, resolução, que tenham em
nós apenas seu princípio e seu termo e que realizem em nós somente a totalidade de seus
efeitos".
O ESTADO EM FACE DA EDUCAÇÃO
a) A educação, uma função essencialmente pública
Mas, do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logicamente para o Estado
que o reconhece e o proclama, o dever de considerar a educação, na variedade de seus graus e
manifestações, como uma função social e eminentemente pública, que êle é chamado a realizar, com
a cooperação de todas as instituições sociais. A educação que é uma das funções de que a família
se vem despojando em proveito da sociedade política, rompeu os quadros do comunismo familial e
dos grupos específicos (instituições privadas), para se incorporar definitivamente entre as funções
essenciais e primordiais do Estado. Esta restrição progressiva das atribuições da família, — que
também deixou de ser "um centro de produção" para ser apenas um "centro de consumo", em face
da nova concorrência dos grupos profissionais, nascidos precisamente em vista da proteção de
interesses especializados, — fazendo-a perder constantemente em extensão, não lhe tirou a "função
específica", dentro do "foco interior", embora cada vez mais estreito, em que ela se confinou. Ela é
ainda o "quadro natural que sustenta socialmente o indivíduo, como o meio moral em que se
disciplinam as tendências, onde nascem, começam a desenvolver-se e continuam a entreter-se as
suas aspirações, para o ideal". Por isso, o Estado, longe de prescindir da família, deve assentar o
trabalho da educação no apoio que ela dá à escola e na colaboração efetiva entre pais e professores,
entre os quais, nessa obra profundamente social, tem o dever de restabelecer a confiança e estreitar
as relações, associando e pondo a serviço da obra comum essas duas forças sociais — a família e a
escola, — que operavam de todo indiferentes, senão em direções diversas e às vazes opostas.
b) A questão da escola única
Assentado o princípio do direito biológico de cada indivíduo à sua educação integral, cabe
evidentemente ao Estado a organização dos meios de o tornar efetivo, por um plano geral de
educação, de estrutura orgânica, que torne a escola acessível, em todos os seus graus, aos
cidadãos a quem a estrutura social do país mantém em condições de inferioridade econômica para
obter o máximo de desenvolvimento de acordo com as suas aptidões vitais. Chega-se, por esta
forma, ao princípio da escola para todos, "escola comum ou única", que, tomado a rigor, só não
ficará na contingência de sofrer quaisquer restrições, em países em que as reformas pedagógicas
estão intimamente ligadas com a reconstrução fundamental das relações sociais. Em nosso regime
político, o Estado não poderá, decerto, impedir que, graças à organização de escolas privadas de
tipos diferentes, as classes mais privilegiadas assegurem a seus filhos uma educação de classe
determinada; mas está no dever indeclinável de não admitir, dentro do sistema escolar do Estado,
quaisquer classes ou escolas, a que só tenha acesso uma minoria, por um privilégio exclusivamente
econômico. Afastada a ideia do monopólio da educação pelo Estado num país, em que o Estado,
pela sua situação financeira não está ainda em condições de assumir a sua responsabilidade
exclusiva, e em que, portanto, se toma necessário estimular, sob sua vigilância as instituições
privadas idóneas, a "escola única" se entenderá, entre nós,
não como "uma conscrição precoce", arrolando, da escola infantil à universidade, todos os
brasileiros, e submetendo-os durante o maior tempo possível a uma formação idêntica, para
ramificações posteriores em vista de destinos diversos, mas antes como a escola oficial, única, em
que todas as crianças, de 7 a 15, todas ao menos que, nessa idade, sejam confiadas pelos pais à
escola pública, tenham uma educação comum, igual para todos.
c) A laicidade, gratuitidade, obrigatoriedade e coeducação
A laicidade, gratuitidade, obrigatoriedade e coeducação são outros tantos princípios em que
assenta a escola unificada e que decorrem tanto da subordinação à finalidade biológica da educação
de todos os fins particulares e parciais (de classes, grupos ou crenças), como do reconhecimento do
direito biológico que cada ser humano tem à educação. A laicidade, que coloca o ambiente escolar
acima de crenças e disputas religiosas, alheio a todo o dogmatismo sectário, subtrai o educando,
respei-tando-lhe a integridade da personalidade em formação, à pressão perturbadora da escola
quando utilizada como instrumento de propaganda de seitas e doutrinas. A gratuidade extensiva a
todas as instituições oficiais de educação é um princípio igualitário que torna a educação, em
qualquer de seus graus, acessível não a uma minoria, por um privilégio econômico, mas a todos os
cidadãos que tenham vontade e estejam em condições de recebê-la. Aliás o Estado não pode tornar
o ensino obrigatório, sem torná-lo gratuito. A obrigatoriedade que, por falta de escolas, ainda não
passou do papel, nem em relação ao ensino primário, e se deve estender progressivamente até uma
idade conciliável com o trabalho produtor, isto é, até aos 18 anos, é mais necessária ainda "na
sociedade moderna em que o industrialismo e o desejo de exploração humana sacrificam e
violentam a criança e o jovem", cuja educação é frequentemente impedida ou mutilada pela
ignorância dos pais ou responsáveis e pelas contingências econômicas. A escola unificada não
permite ainda, entre alunos de um e outro sexo, outras separações que não sejam as que
aconselham as suas aptidões psicológicas e profissionais, estabelecendo em todas as instituições "a
educação em comum" ou coeducação, que, pondo-os no mesmo pé de igualdade e envolvendo todo
o processo educacional, torna mais econômica a organização da obra escolar e mais fácil a sua
graduação.
A FUNÇÃO EDUCACIONAL
a) A unidade da função educacional
A consciência desses princípios fundamentais da laicidade, gratuidade e obrigatoriedade,
consagrados na legislação universal, já penetrou profundamente os espíritos, como condições
essenciais à organização de um regime escolar, lançado, em harmonia com os direitos do indivíduo,
sobre as bases da unificação do ensino, com todas as suas consequências. De fato, se a educação
se propõe, antes de tudo, a desenvolver ao máximo a capacidade vital do ser humano, deve ser
considerada "uma só" a função educacional, cujos diferentes graus estão destinados a servir às
diferentes fases de seu crescimento, "que são partes orgânicas de um todo que biologicamente deve
ser levado à sua completa formação". Nenhum outro princípio poderia oferecer
ao panorama das instituições-escolas perspectivas mais largas, mais salutares e mais fecundas em
consequências do que esse que decorre logicamente da finalidade biológica da educação. A seleção
dos alunos nas suas aptidões naturais, a supressão de instituições criadoras de diferenças sobre
base econômica, a incorporação dos estudos do magistério à universidade, a equiparação de
mestres e professores em remuneração e trabalho, a correlação e a continuidade do ensino em
todos os seus graus e a reação contra tudo que lhe quebra a coerência interna e a unidade vital,
constituem o programa de uma política educacional, fundada sobre a aplicação do principio
unificada
1
, que modifica profundamente a estrutura íntima e a organização dos elementos
constitutivos do ensino e dos sistemas escolares.
b) A autonomia da função educacional.
Mas, subordinada a educação pública a interesses transitórios, caprichos pessoais ou apetites
de partidos, será impossível ao Estado realizar a imensa tarefa que se propõe da formação integral
das novas gerações. Não há sistema escolar cuja unidade e eficácia não estejam constantemente
ameaçadas, senão reduzidas e anuladas, quando o Estado não o soube ou não o quis acautelar
contra o assalto de poderes estranhos, capazes de impor à educação fins inteiramente contrários aos
fins gerais que assinala a natureza em suas funções biológicas. Toda a impotência manifesta do
sistema escolar atual e a insuficiência das soluções dadas às questões de caráter educativo não
provam senão o desastre irreparável que resulta, para a educação pública, de influências e
intervenções estranhas que conseguiram sujeitá-la a seus ideais secundários e interesses
subalternos. Daí decorre a necessidade de uma ampla autonomia técnica, administrativa e
econômica, com que os técnicos e educadores, que têm a responsabilidade e devem ter, por isto, a
direção e administração da função educacional, tenham assegurados os meios materiais para
poderem realizá-la. Esses meios, porém, não podem reduzir-se às verbas que, nos orçamentos, são
consignadas a esse serviço público e, por isto, sujeitas às crises dos erários do Estado ou às
oscilações do interesse dos governos pela educação. A autonomia econômica não se poderá
realizar
1
, a não ser pela instituição de um "fundo especial ou escolar", que, constituído de
patrimónios, impostos e rendas próprias, seja administrado e aplicado exclusivamente no
desenvolvimento da obra educacional, pelos próprios órgãos do ensino, incumbidos de sua direção.
c) A descentralização
A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do Estado, no
espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade nacional, não implica um
centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições geográficas do país e a necessidade de
adaptação crescente da escola aos interesses e às exigências regionais. Unidade não significa
uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade. Por menos que pareça, à primeira vista, não é,
pois, na centralização, mas na aplicação da doutrina federativa e descentralizadora que teremos de
buscar o meio de levar a cabo, em toda a República, uma obra metódica e coordenada, de
acordo com um plano comum, de completa eficiência, tanto em intensidade como em extensão. À
União, na capital, e aos Estados, nos seus respectivos territórios, é que deve competir a educação
em todos os graus, dentro dos princípios gerais fixados na nova constituição, que deve conter, com a
definição de atribuições e deveres, os fundamentos da educação nacional. Ao governo central, pelo
Ministério da Educação, caberá vigiar sobre a obediência a esses princípios, fazendo executar as
orientações e os rumos gerais da função educacional, estabelecidos na carta constitucional e em leis
ordinárias, socorrendo onde haja deficiência de meios, facilitando o intercâmbio pedagógico e cultural
dos Estados e intensificando por todas as formas as suas relações espirituais. A unidade educativa,
— essa obra imensa que a União terá de realizar sob pena de perecer como nacionalidade,
manifestar-se-á então como uma força viva, um espírito comum, um estado de ânimo nacional, nesse
regime livre de intercâmbio, solidariedade e cooperação que, levando os Estados a evitar todo
desperdício nas suas despesas escolares a fim de produzir os maiores resultados com as menores
despesas, abrirá margem a uma sucessão ininterrupta de esforços fecundos em criações e
iniciativas.
O PROCESSO EDUCATIVO
O conceito e os fundamentos da educação nova
O desenvolvimento das ciências lançou as bases das doutrinas da nova educação, ajustando à
finalidade fundamental e aos ideais que eia deve prosseguir os processos apropriados para realizá-
los. A extensão e a riqueza que atualmente alcança por toda parte o estudo científico e experimental
da educação, a libertaram do empirismo, dando-lhe um caráter e um espírito nitidamente científico e
organizando, em corpo de doutrina, numa série fecunda de pesquisas e experiências, os princípios
da educação nova, pressentidos e às vezes formulados em rasgos de síntese, pela intuição luminosa
de seus precursores. A nova doutrina, que não considera a função educacional como uma função de
superposição ou de acréscimo, segundo a qual o educando é "modelado exteriormente" (escola
tradicional), mas uma função complexa de ações e reações em que o espírito cresce de "dentro para
fora", substitui o mecanismo pela vida (atividade funcional) e transfere para a criança e para o
respeito de sua personalidade o eixo da escola e o centro de gravidade do problema da educação.
Considerando os processos mentais, como "funções vitais" e não como "processos em si mesmos",
ela os subordina à vida, como meio de utilizá-la e de satisfazer as suas múltiplas necessidades
materiais e espirituais. A escola, vista desse ângulo novo que nos dá o conceito funcional da
educação, deve oferecer à criança um meio vivo e natural, "favorável ao intercâmbio de reações e
experiências", em que ela, vivendo a sua vida própria, generosa e bela de criança, seja levada "ao
trabalho e à ação por meios naturais que a vida suscita quando o trabalho e a ação convêm aos seus
interesses e às suas necessidades".
Nessa nova concepção da escola, que é uma reação contra as tendências exclusivamente
passivas, intelectuais e verbalistas da escola tradicional, a atividade que está na base de todos os
seus trabalhos, é a atividade espontânea, alegre e fecunda, dirigida à satisflação das
necessidades do próprio indivíduo. Na verdadeira educação
funcional deve estar, pois, sempre presente, como elemento essencial e inerente à sua própria
natureza, o problema não só da correspondência entre os graus do ensino e as etapas da evolução
intelectual fixadas sobre a base dos interesses, como também da adaptação da atividade educativa
às necessidades psicobiológicas do momento. O que distingue da escola tradicional a escola nova,
não é, de fato, a predominância dos trabalhos de base manual e corporal, mas a presença, em todas
as suas atividades, do fator psicobiológico do interesse, que é a primeira condição de uma atividade
espontânea e o estímulo constante ao educando (criança, adolescente ou jovem) a buscar todos os
recursos ao seu alcance, "graças à força de atração das necessidades profundamente sentidas". É
certo que, deslocando-se, por esta forma, para a criança e para os seus interesses, móveis e
transitórios, a fonte de inspiração das atividades escolares, quebra-se a ordem que apresentavam os
programas tradicionais, do ponto-de-vista da lógica formal dos adultos, para os pôr de acordo com a
"lógica psicológica", isto é, com a lógica que se baseia na natureza e no funcionamento do espirito
infantil.
Mas, para que a escola possa fornecer aos "impulsos interiores a ocasião e o meio de realizar-
se", e abrir ao educando, à sua energia de observar, experimentar e criar todas as atividades
capazes de satisfazê-la, é preciso que ela seja reorganizada como um "mundo natural e social
embrionário", um ambiente dinâmico em íntima conexão com a região e a comunidade. A escola que
tem sido um aparelho formal e rígido, sem diferenciação regional, inteiramente desintegrado em
relação ao meio social, passará a ser um organismo vivo, com uma estrutura social, organizada à
maneira de uma comunidade palpitante pelas soluções de seus problemas. Mas, se a escola deve
ser uma comunidade em miniatura, e se em toda a comunidade as atividades manuais, motoras ou
construtoras "constituem as funções predominantes da vida", é natural que ela inicie os alunos
nessas atividades, pondo-os em contato com o ambiente e com a vida ativa que os rodeia, para que
eles possam, desta forma, possuí-la, apreciá-la e senti-la de acordo com as aptidões e
possibilidades. "A vida da sociedade, observou PAULSEN, se modifica em função da sua economia,
e a energia individual e coletiva se manifesta pela sua produção material". A escola nova, que tem de
obedecer a esta lei, deve ser reorganizada de maneira que o trabalhe seja seu elemento formador,
favorecendo a expansão das energias criadoras do educando, procurando estimular-lhe o próprio
esforço como o elemento mais eficiente em sua educação e preparando-o, com o trabalho em grupos
e todas as atividades pedagógicas e sociais, para fazê-lo penetrar na corrente do progresso material
e espiritual da sociedade de que proveio e em que vai viver e lutar.
PLANO DE RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL a)
As linhas gerais do plano
Ora, assentada a finalidade da educação e definidos os meios de ação ou processos de que
necessita o indivíduo para o seu desenvolvimento integral, ficam fixados os princípios científicos
sobre os quais se pode apoiar solidamente um sistema de educação. A aplicação desses princípios
importa, como se vê, numa radical transformação da educação pública em todos os seus graus,
tanto à luz do novo conceito de educação, como à vista das necessidades nacionais. No
plano de reconstrução
educacional, de que se esboçam aqui apenas as suas grandes linhas gerais, procuramos, antes de
tudo, corrigir o erro capital que apresenta o atual sistema (se é que se pode chamar sistema),
caracterizado pela falta de continuidade e articulação do ensino, em seus diversos graus, como se
não fossem etapas de um mesmo processo, e cada um dos quais deve ter o seu "fim particular",
próprio, dentro da "unidade do fim geral da educação" e dos princípios e métodos comuns a todos os
graus e instituições educativas. De fato, o divórcio entre as entidades que mantêm o ensino primário
e profissional e as que mantêm o ensino secundário e superior, vai concorrendo insensivelmente,
como já observou um dos signatários deste manifesto, "para que se estabeleçam no Brasil, dois
sistemas escolares paralelos, fechados em compartimentos estanques e incomunicáveis, diferentes
nos seus objetivos culturais e sociais, e, por isto mesmo, instrumentos de estratificação
social".
A escola primária que se estende sobre as instituições das escolas maternais e dos jardins de
infância e constitui o problema fundamental das democracias, deve, pois, articular-se rigorosamente
com a educação secundária unificada, que lhe sucede, em terceiro plano, para abrir acesso às
escolas ou institutos superiores de especialização profissional ou de altos estudos. Ao espirito novo
que já se apoderou do ensino primário não se poderia, porém, subtrair a escola secundária, em que
se apresentam, colocadas no mesmo nível, a educação chamada "profissional" (de preferência
manual ou mecânica) e a educação humanística ou científica (de preponderância intelectual), sobre
uma base comum de três anos. A escola secundária deixará de ser assim a velha escola de "um
grupo social", destinada a adaptar todas as inteligências a uma forma rígida de educação, para ser
um aparelho flexível e vivo, organizado para ministrar a cultura geral e satisfazer às necessidades
práticas de adaptação à variedade dos grupos sociais. É o mesmo princípio que faz alargar o campo
educativo das Universidades, em que, ao lado das escolas destinadas ao preparo para as profissões
chamadas "liberais", se devem introduzir, no sistema, as escolas de cultura especializada, para as
profissões industriais e mercantis, propulsoras de nossa riqueza econômica e industrial. Mas esse
princípio, dilatando o campo das universidades, para adaptá-las à variedade e às necessidades dos
grupos sociais, tão longe está de lhes restringir a função cultural que tende a elevar constantemente
as escolas de formação profissional, achegando-as às suas próprias fontes de renovação e
agrupando-as em torno dos grandes núcleos de criação livre, de pesquisa científica e de cultura
desinteressada.
A instrução pública não tem sido, entre nós, na justa observação de ALBERTO TORRES, senão
um "sistema de canais de êxodo da mocidade do campo para as cidades e da produção para o
parasitismo". É preciso, para reagir contra êss_s males, já tão lucidamente apontados, pôr em via de
solução o problema educacional das massas rurais e do elemento trabalhador da cidade e dos
centros industriais, já pela extensão da escola do trabalho educativo e da escola do trabalho
profissional, baseada no exercício normal do trabalho em cooperação, já pela adaptação crescente
dessas escolas (primária e secundária profissional) às necessidades regionais e às profissões e
indústrias dominantes no meio. A nova política educacional, rompendo, de um lado, contra a
formação excessivamente literária de nossa cultura, para lhe dar um caráter científico e técnico, e
contra esse espírito de desintegração da escola, em relação ao meio social, impõe reformas
profundas, orientadas no sentido da produção e procura
8
reforçar por todos os meios, a intenção e o valor social da escola, sem negar a arte, a literatura e os
valores culturais. A arte e a literatura têm efetivamente uma significação social, profunda e múltipla; a
aproximação dos homens, a sua organização em uma coletividade unânime, a difusão de tais ou
quais ideias sociais, de uma maneira "imaginada", e, portanto, eficaz, a extensão do raio visual do
homem e o valor moral e educativo conferem certamente à arte uma enorme importância social.
Mas, se, à medida que a riqueza do homem aumenta, o alimento ocupa um lugar cada vez mais
fraco, os produtores intelectuais não passam para o primeiro plano senão quando as sociedades se
organizam em sólidas bases econômicas.
b) O ponto nevrálgico da questão
A estrutura do plano educacional corresponde, na hierarquia de suas instituições escolares
(escola infantil ou pré-primária; primária; secundária e superior ou universitária) aos quatro grandes
períodos que apresenta o desenvolvimento natural do ser humano. É uma reforma integral da
organização e dos métodos de toda a educação nacional, dentro do mesmo espírito que substitui o
conceito estático do ensino por um conceito dinâmico, fazendo um apelo, dos jardins de infância à
Universidade, não à receptividade, mas à atividade criadora do aluno. A partir da escola infantil (4 a 6
anos) até à Universidade, com escala pela educação primária (7 a 12) e pela secundária (12 a 18
anos), a "continuação ininterrupta de esforços criadores" deve levar à formação da personalidade
integral do aluno e ao desenvolvimento de sua faculdade produtora e de seu poder criador, pela
aplicação, na escola, para a aquisição ativa de conhecimentos, dos mesmos métodos (observação,
pesquisa e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações científicas. A escola
secundária, unificada para se evitar o divórcio entre os trabalhadores manuais e intelectuais, terá
uma sólida base comum de cultura geral (3 anos), para a posterior bifurcação (dos 15 aos 18), em
seção de preponderância intelectual (com os 3 ciclos de humanidades modernas; ciências físicas e
matemáticas; e ciências químicas e biológicas), e em seção de preferência manual, ramificada, por
sua vez, em ciclos, escolas ou cursos destinados à preparação às atividades profissionais,
decorrentes da extração de matérias-primas (escolas agrícolas, de mineração e de pesca), da
elaboração das matérias-primas (industriais e profissionais) e da distribuição dos produtos
elaborados (transportes, comunicações e comércio).
Mas, montada, na sua estrutura tradicional, para a classe média (burguesia), enquanto a escola
primária servia à classe popular, como se tivesse uma finalidade em si mesma, a escola secundária
ou do 3.° grau não forma apenas o reduto dos interesses de classe, que criaram e mantêm o
dualismo dos sistemas escolares, É ainda nesse campo educativo que se levanta a controvérsia
sobre o sentido de cultura geral e se põe o problema relativo à escolha do momento em que a
matéria do ensino deve diversificar-se em ramos iniciais de especialização. Não admira, por isto, que
a escola secundária seja, nas reformas escolares, o ponto nevrálgico da questão. Ora, a solução
dada, neste plano, ao problema do ensino secundário, levantando os obstáculos opostos pela escola
tradicional à interpenetração das classes sociais, se inspira na necessidade de adaptar essa
educação à diversidade nascente de gostos
e à variedade crescente de aptidões que a observação psicológica registra nos adolescentes e que
"representam as únicas forças capazes de arrastar o espírito dos jovens à cultura superior". A escola
do passado, com seu esforço inútil de abarcar a soma geral de conhecimentos, descurou a própria
formação do espírito e a função que lhe cabia de conduzir o adolescente ao limiar das profissões e
da vida. Sobre a base de uma cultura geral comum, em que importará menos a quantidade ou
qualidade das matérias do que o "método de sua aquisição", a escola moderna estabelece para isto,
depois dos !5 anos, o ponto em que o ensino se diversifica, para se adaptar já à diversidade
crescente de aptidões e de gostos, já à variedade de formas de atividade social.
c) O conceito moderno de Universidade e o problema universitário no Brasil
A educação superior que tem estado, no Brasil, exclusivamente a serviço das profissões
"liberais" (engenharia, medicina e direito), não pode evidentemente erigir-se à altura de uma
educação universitária, sem alargar para horizontes científicos e culturais a sua finalidade
estritamente profissional e sem abrir os seus quadros rígidos à formação de todas as profissões que
exijam conhecimentos científicos, elevando-as todas a nível superior e tornando-se, pela flexibilidade
de sua organização, acessível a todas. Ao lado das faculdades profissionais existentes,
reorganizadas em novas bases, impõe-se a criação simultânea ou sucessiva, em cada quadro
universitário, de faculdades de ciências sociais e econômicas; de ciências matemáticas, físicas e
naturais, e de filosofia e letras que, atendendo à variedade de tipos mentais e das necessidades
sociais, deverão abrir às universidades que se criarem ou se reorganizarem, um campo cada vez
mais vasto de investigações científicas. A educação superior ou universitária, a partir dos 18 anos,
inteiramente gratuita como as demais, deve tender, de fato, não somente à formação profissional e
técnica, no seu máximo desenvolvimento, como à formação de pesquisadores, em todos os ramos
de conhecimentos humanos. Ela deve ser organizada de maneira que possa desempenhar a tríplice
função que lhe cabe de elaboradora ou criadora de ciência (investigação), docente ou transmissora
de conhecimentos (ciência feita) e de vulgarizadora ou popu-larizadora, pelas instituições de
extensão universitária, das ciências e das artes.
No entanto, com ser a pesquisa, na expressão da CULTER, o "sistema nervoso da
Universidade", que estimula e domina qualquer outra função, com ser esse espírito de profundidade
e universalidade, que imprime à educação superior um caráter universitário, pondo-a em condições
de contribuir para o aperfeiçoamento constante do saber humano, a nossa educação superior nunca
ultrapassou os limites e as ambições de formação profissional, a que se propõem as escolas de
engenharia, de medicina e direito. Nessas instituições, organizadas antes para uma função docente,
a ciência está inteiramente subordinada à arte ou à técnica da profissão a que servem. com o
cuidado da aplicação imediata e próxima, de uma direção utilitária em vista de uma função pública ou
de uma carreira privada. Ora, se, entre nós, vingam facilmente todas as fórmulas e frases feitas; se a
nossa ilustração, mais variada e mais vasta do que no império, é hoje, na frase de ALBERTO
TORRES, "mais vaga, fluida, sem assento, incadaz de habilitar os espíritos a formar
juízos e incapaz de lhes
inspirar atos", é porque a nossa geração, além de perder a base de uma educação secundária
sólida, posto que exclusivamente literária, se deixou infiltrar desse espírito enciclopédico em que o
pensamento ganha em extensão o que perde em profundidade; em que da observação e da
experiência, em que devia exercitar-se, se deslocou o pensamento para o hedonismo intelectual e
para a ciência feita, e em que, finalmente, o período criador cede o lugar à erudição, e essa mesma
quase sempre, entre nós, aparente e sem substância, dissimulando sob a superfície, às vezes
brilhante, a absoluta falta de solidez de conhecimentos.
Nessa superficialidade de cultura, fácil e apressada, de autodidatas, cujas opiniões se mantêm
prisioneiras de sistemas ou se matizam das tonalidades das mais variadas doutrinas, se tem de
buscar as causas profundas da estreiteza e da flutuação dos espíritos e da indisciplina mental, quase
anárquica, que revelamos em face de todos os problemas. Nem a primeira geração nascida com a
República, no seu esforço heróico para adquirir a posse de si mesma, elevando-se acima de seu
meio, conseguiu liberfar-se de todos os males educativos de que se viciou a sua formação. A
organização de Universidades é, pois, tanto mais necessária e urgente quanto mais pensarmos que
só com essas instituições, a que cabe criar e difundir ideais políticos, sociais, morais e estéticos, é
que podemos obter esse intensivo espírito comum, nas aspirações, nos ideais e nas lutas, esse
"estado de ânimo nacional", capaz de dar força, eficácia e coerência à ação dos homens, sejam
quais forem as divergências que possa estabelecer entre eles a diversidade de pontos-de-vista na
solução dos problemas brasileiros. É a universidade, no conjunto de suas instituições de alta cultura,
prepostas ao estudo científico dos grandes problemas nacionais, que nos dará os meios de combater
a facilidade de tudo admitir; o cepticismo de nada escolher nem julgar; a falta de crítica, por falta de
espírito de síntese; a indiferença ou a neutralidade no terreno das ideias; a ignorância "da mais
humana de todas as operações intelectuais, que é a de tomar partido", e a tendência e o espírito fácil
de substituir os princípios (ainda que provisórios) pelo paradoxo e pelo humor, esses recursos
desesperados.
d) O problema dos melhores
De fato, a Universidade, que se encontra no ápice de todas as instituições educativas, está
destinada, nas sociedades modernas a desenvolver um papel cada vez mais importante na formação
das elites de pensadores, sábios, cientistas, técnicos, e educadores, de que elas precisam para o
estudo e solução de suas questões científicas, morais, intelectuais, políticas e econômicas. Se o
problema fundamental das democracias é a educação das massas populares, os melhores e os mais
capazes, por seleção, devem formar o vértice de uma pirâmide de base imensa. Certamente, o novo
conceito de educação repele as elites formadas artificialmente "por diferenciação econômica" ou sob
o critério da independência econômica, que não é nem pode ser hoje elemento necessário para fazer
parte delas. A primeira condição para que uma elite desempenhe a sua missão e cumpra o seu
dever é de ser "inteiramente aberta" e não somente de admitir todas as capacidades novas, como
também de rejeitar implacàvelmente de seu seio todos os indivíduos que não desempenham a
função social que lhes é atribuída no interesse da coletividade. Mas,
perfeitas serão as sociedades quanto mais pesquisada e selecionada fôr a sua elite, quanto maior
fôr a riqueza e a variedade de homens, de valor cultural substantivo, necessários para enfrentar a
variedade dos problemas que põe a complexidade das sociedades modernas. Essa seleção que se
deve processar não "por diferenciação econômica", mas "pela diferenciação de todas as
capacidades", favorecida pela educação, mediante a ação biológica e funcional, não pode. não
diremos completar-se, mas nem sequer realizar-se senão pela obra universitária que, elevando ao
máximo o desenvolvimento dos indivíduos dentro de suas aptidões naturais e selecionando os mais
capazes, lhes dá bastante força para exercer influência efetiva na sociedade e afetar, dessa forma,
a consciência social.
A UNIDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
E A UNIDADE DE ESPÍRITO
Ora, dessa elite deve fazer parte evidentemente o professorado de todos os graus, ao qual,
escolhido como sendo um corpo de eleição, para uma função pública da mais alta importância, não
se dá, nem nunca se deu no Brasil, a educação que uma elite pode e deve receber. A maior parte
dele, entre nós, é recrutada em todas as carreiras, sem qualquer preparação profissional, como os
professores do ensino secundário e os do ensino superior (engenharia, medicina, direito, etc), entre
os profissionais dessas carreiras, que receberam, uns e outros, do secundánio a sua educação geral.
O magistério primário, preparado em escolas especiais (escolas normais), de caráter mais
propedêutico, e, às vezes misto, com seus cursos geral e de especialização profissional, não recebe,
por via de regra, nesses estabelecimentos, de nível secundário, nem uma sólida preparação
pedagógica, nem a educação geral em que ela deve basear-se. A preparação dos professores, como
se vê, é tratada entre nós, de maneira diferente, quando não é inteiramente descuidada, como se a
função educacional, de todas as funções públicas a mais importante, fosse a única para cujo
exercício não houvesse necessidade de qualquer preparação profissional. Todos os professores, de
todos os graus, cuja preparação geral se adquirirá nos estabelecimentos de ensino secundário,
devem, no entanto, formar o seu espírito pedagógico, conjuntamente, nos cursos universitários, em
faculdades ou escolas normais, elevadas ao nível superior e incorporadas às universidades. A
tradição das hierarquias docentes, baseadas na diferenciação dos graus de ensino, e que a lingua-
gem fixou em denominações diferentes (mestre, professor e catedrático), é inteiramente contrária ao
princípio da unidade da função educacional, que, aplicado, às funções docentes, importa na
incorporação dos estudos do magistério às universidades, e, portanto, na libertação espiritual e
econômica do professor, mediante uma formação e remuneração equivalentes que lhe permitam
manter, com a eficiência no trabalho, a dignidade e o prestígio indispensáveis aos
educadores.
A formação universitária dos professores não é somente uma necessidade da função educativa,
mas o único meio de, elevando-lhes em verticalidade a cultura, e abrindo-lhes a vida sobre todos os
horizontes, estabelecer, entre todos, para a realização da obra educacional, uma
compreensão recíproca, uma vida sentimental
comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e nos ideais. Se o estado cultural dos adultos
é que dá as diretrizes à formação da mocidade, não se poderá estabelecer uma função e educação
unitária da mocidade, sem que haja unidade cultural naqueles que estão incumbidos de transmiti-la.
Nós não temos o feiticismo mas o princípio da unidade, que reconhecemos não ser possível senão
quando se criou esse "espírito", esse "ideal comum", pela unificação, para todos os graus do ensino,
da formação do magistério, que elevaria o valor dos estudos, em todos os graus, imprimiria mais
lógica e harmonia às instituições, e corrigiria, tanto quanto humanamente possível, as injustiças da
situação atual. Os professores de ensino primário e secundário, assim formados, em escolas ou
cursos universitários, sobre a base de uma educação geral comum, dada em estabelecimentos de
educação secundária, não fariam senão um só corpo com os do ensino superior, preparando a fusão
sincera e cordial de todas as forças vivas do magistério. Entre os diversos graus do ensino, que
guardariam a sua função específica, se estabeleceriam contatos estreitos que permitiriam as
passagens de um ao outro nos momentos precisos, descobrindo as superioridades em gérmen,
pondo-as em destaque e assegurando, de um ponto a outro dos estudos, a unidade do espírito sobre
a base da unidade de formação dos professores.
O PAPEL DA ESCOLA NA VIDA E A SUA
FUNÇÃO SOCIAL
Mas, ao mesmo tempo que os progressos da psicologia aplicada à criança começaram a dar i
educação bases científicas, os estudos sociológicos, definindo a posição da escola em face da vida,
nos trouxeram uma consciência mais nítida da sua função social e da estreiteza relativa de seu
círculo de ação. Compreende-se, à luz desses estudos, que a escola, campo específico de
educação, não é um elemento estranho à sociedade humana, um elemento separado, mas "uma
instituição social", um órgão feliz e vivo, no conjunto das instituições necessárias à vida, o lugar onde
vivem a criança, a adolescência e a mocidade, de conformidade com os interesses e as alegrias
profundas de sua natureza. A educação, porém, não se faz somente pela escola, cuja ação é favo-
recida ou contrariada, ampliada ou reduzida pelo jogo de forças inumeráveis que concorrem ao
movimento das sociedades modernas. Numerosas e variadíssimas são, de fato, as influências que
formam o homem através da existência. "Há a herança que é a escola da espécie, como já se
escreveu; a família que é a escola dos pais; o ambiente social que é a escola da comunidade, e a
maior de todas as escolas, a vida, com todos os seus imponderáveis e forças incalculáveis".
Compreender-se-á, então, para empregar a imagem de C. Bouglé, que, na sociedade, a "zona
luminosa é singularmente mais estreita que a zona de sombra; pequenos focos de ação consciente,
as escotas não são senão pontos na noite, e a noite que as cerca não é vazia, mas cheia e tanto
mais inquietante; não é o silêncio e a imobilidade do deserto, mas o frémito de uma floresta
povoada".
Dessa concepção positiva da escola, como uma instituição social, limitada, na sua ação
educativa, pela pluralidade e diversidade das forças que concorrem ao movimento das sociedades,
resulta a' necessidade de reorganizá-la, como um organismo maleável e vivo, aparelhado de um
sistema de instituições suscetíveis de lhe alargar os limites
e o raio de ação. As instituições periescolares e pós-escolares, de caráter educativo ou de
assistência social, devem ser incorporadas em todos os sistemas de organização escolar para
corrigirem essa insuficiência social, cada vez maior, das instituições educacionais. Essas instituições
de educação e cultura, dos jardins de infância às escolas superiores, não exercem a ação intensa,
larga e fecunda que são chamadas a desenvolver e não podem exercer senão por esse conjunto
sistemático de medidas de projeção social da obra educativa além dos muros escolares. Cada
escola, seja qual fôr o seu grau, dos jardins às universidades, deve, pois, reunir em torno de si as
famílias dos alunos, estimulando e aproveitando as iniciativas dos pais em favor da educação;
constituindo sociedades de ex-alunos que mantenham relação constante com as escolas; utilizando,
em seu proveito, os valiosos e múltiplos elementos materiais e espirituais da coletividade e
despertando e desenvolvendo o poder de iniciativa e o espírito de cooperação social entre os pais,
os professores, a imprensa e todas as demais instituições diretamente interessadas na obra da
educação.
Pois, é impossível realizar-se em intensidade e extensão, uma sólida obra educacional, sem se
rasgarem à escola aberturas no maior número possível de direções e sem se multiplicarem os pontos
de apoio de que ela precisa, para se desenvolver, recorrendo à comunidade como á fonte que lhes
há de proporcionar todos os elementos necessários para elevar as condições materiais e espirituais
das escolas. A consciência do verdadeiro papel da escola na sociedade impõe o dever de concentrar
a ofensiva educacional sobre os núcleos sociais, como a família, os agrupamentos profissionais e a
imprensa, para que o esforço da escola se possa realizar em convergência, numa obra solidária, com
as outras instituições da comunidade. Mas, além de atrair para a obra comum as instituições que são
destinadas, no sistema social geral, a fortificar-se mutuamente, a escola deve utilizar, em seu
proveito, com a maior amplitude possível, todos os recursos formidáveis, como a imprensa, o disco, o
cinema e o rádio, com que a ciência, multiplicando-lhe a eficácia, acudiu à obra de educação e
cultura e que assumem, em face das condições geográficas e da extensão territorial do país, uma
importância capital. À escola antiga, presumida da importância do seu papel e fechada no seu
exclusivismo acanhado e estéril, sem o indispensável complemento e concurso de todas as outras
instituições sociais, se sucederá a escola moderna aparelhada de todos os recursos para estender e
fecundar a sua ação na solidariedade com o meio social, em que então, e só então, se tornará capaz
de influir, transformando-se num centro poderoso de criação, atração e irradiação de todas as forças
e atividades educativas.
A DEMOCRACIA, — UM PROGRAMA DE
LONGOS DEVERES
Não alimentamos, decerto, ilusões sobre as dificuldades de toda ordem que apresenta um
plano de reconstrução educacional de tão grande alcance e de tão vastas proporções. Mas, temos,
com a consciência profunda de uma por uma dessas dificuldades, a disposição obstinada de
enfrentá-las, dispostos, como estamos, na defesa de nossos ideais educacionais, para as existências
mais agitadas, mais rudes e mais fecundas em realidades, que um homem tenha vivido desde que
há homens, aspirações e lutas. O próprio espírito que o informa de uma nova política
educacional, com
sentido unitário e de bases científicas, e que seria, em outros países, a maior fonte do seu prestígio e
em nome do nacionalismo, persistem em manter a educação, no terreno de uma política empírica, à
margem das correntes renovadoras devem ser resolvidos de maneira científica, e se a ciência não
tem pátria, nem varia, nos seus princípios, com os climas e as latitudes, a obra de educação deve
ter, em toda parte, uma "unidade fundamental", dentro da variedade de sistemas resultantes da
adaptação a novos ambientes dessas ideias e aspirações que, sendo estruturalmente científicas e
humanas, têm um caráter universal. É preciso, certamente, tempo para que as camadas mais
profundas do magistério e da sociedade em geral sejam tocadas pelas doutrinas novas e seja esse
contato bastante penetrante e fecundo para lhe modificar os pontos-de-vista e as atitudes em face do
problema educacional, e para nos permitir as conquistas em globo ou por partes de todas as grandes
aspirações que constituem a substância de uma nova política de educação.
Os obstáculos acumulados, porém, não nos abateram ainda nem poderão abater-nos a
resolução firme de trabalhar pela reconstrução educacional no Brasil. Nós temos uma missão a
cumprir: insensíveis à indiferença e à hostilidade, em luta aberta contra preconceitos e prevenções
enraizadas, caminharemos progressivamente para o termo de nossa tarefa, sem abandonarmos o
terreno das realidades, mas sem perdermos de vista os nossos ideais de reconstrução do Brasil, na
base de uma educação inteiramente nova. A hora crítica e decisiva que vivemos, não nos permite
hesitar um momento diante da tremenda tarefa que nos impõe a consciência, cada vez mais viva da
necessidade de nos prepararmos para enfrentar com o evangelho da nova geração, a complexidade
trágica dos problemas postos pelas sociedades modernas. "Não devemos submeter o nosso espírito
firme e seguro; chegar a ser sérios em todas as coisas, e não continuar a viver frivolamente e como
envoltos em bruma; devemos formar-nos princípios fixos e inabaláveis que sirvam para regular, de
um modo firme, todos os nossos pensamentos e todas as nossas ações; vida e pensamento devem
ser em nós outros de uma só peça e formar um todo penetrante e sólido. Devemos, em uma palavra,
adquirir um caráter, e refletir, pelo movimento de nossas próprias ideias, sobre os grandes
acontecimentos de nossos dias, sua relação conosco e o que podemos esperar deles. É preciso
formar uma opinião clara e penetrante e responder a esses problemas sim ou não de um modo
decidido e inabalável".
Essas palavras tão oportunas, que agora lembramos, escreveu-as Fichte há mais de um século,
apontando à Alemanha, depois da derrota de lena, o caminho de sua salvação pela obra
educacional, em um daqueles famosos "discursos à nação alemã", pronunciados de sua cátedra,
enquanto sob as janelas da Universidade, pelas ruas de Berlim, ressoavam os tambores franceses...
Não são, de fato, senão as fortes convicções e a plena posse de si mesmos que fazem os grandes
homens e os grandes povos. Toda a profunda renovação dos princípios que orientam a marcha dos
povos precisa acompanhar-se de fundas transformações no regime educacional: as únicas
revoluções fecundas são as que se fazem ou se consolidam pela educação, e é só pela educação
que a doutrina democrática, utilizada como um princípio de desagregação moral e de indisciplina,
poderá transformar-se numa fonte de esforço moral, de energia criadora, de solidariedade social e de
espírito de cooperação. "O ideal da democracia que, — escrevia Custave Belot em 1919, — parecia
mecanismo político, torna-se princípio de vida moral e social, e o que parecia coisa feita e realizada
revelou-se como um caminho a seguir e como um programa de longos deveres". Mas, de todos os
deveres que incumbem ao Estado, o que exige maior capacidade de dedicação e justifica maior
soma de sacrifícios; aquele com que não é possível transigir sem a perda irreparável de algumas
gerações; aquele em cujo cumprimento os erros praticados se projetam mais longe nas suas
consequências, agravando-se à medida que recuam no tempo; o dever mais alto, mais penoso e
mais grave é, decerto, o da educação que, dando ao povo a consciência de si mesmo e de seus
destinos e a força para afirmar-se e realizá-los, entretém, cultiva e perpetua a identidade da
consciência nacional, na sua comunhão íntima com a consciência humana.
Fernando de Azevedo,/Afrânio Peixoto,/A. de Sampaio Dória,/Anísio Spínola Teixeira,/Manoel
Bergsfròm Lourenço Filho,J Roquette Pinto,/J. C. Frota Pessoa, Júlio de Mesquita Filho, Raul Briquet,
Mário Casassanta,iCarlos Delgado de Carvalho,/António Ferreira de Almeida Júnior,^. P. Fontenelle,
Roldão Lopes de Barros, Noemy M. da Silveira, Hermes Lima, Attilio Vivacqua, /Francisco Venâncio
Filho,/ Paulo/ Maranhão, [Cecília Meirellss, I Edgar Sussekind de Mendonça, Armanda Álvaro Alberto,
Garcia de Rezende, Nóbrega da Cunha, Paschoal Leme e Raul Comes.
INFORMAÇÃO DO PAÍS
CAMPANHA EM DEFESA DA
ESCOLA PÚBLICA
A 5 de maio último, instalou-se na
Biblioteca Municipal do Estado de S.
Paulo a I Convenção Estadual em
Defesa da Escola Pública,
promovida pela União Estadual de
Estudantes, Associação de
Professores do Ensino Secundário e
Normal Oficial, Centro do
Professorado Paulista, além de
outras entidades, com a participação
de educadores, estudantes e
representantes de Sindicatos. Da
pauta dos trabalhos, transcrevemos
o relatório do Prof. Florestou
Fernandes sobre os Obje-tivos da
Campanha, bem como a Declaração
de Princípios aprovada no
encerramento. A contribuição de
outros relatores da Convenção está
incluída na se-ção Revistas, págs.
180-262 deste número.
OBJETIVOS DA CAMPANHA DE
DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA
A Campanha de Defesa da Escola
Pública surgiu, praticamente, da
indignação provocada em quase todos os
círculos da sociedade brasileira pelo
projeto de lei sobre "Di-retrizes e Bases
da Educação Nacional". Existiam
fundadas esperanças de que esse projeto
de lei iria inaugurar uma nova era na vida
educa-
cional do país, fornecendo as bases para a
reorganização do ensino primário, do
ensino médio e do ensino superior, bem
como a solução pelo menos dos
problemas educacionais mais graves que
enfrentamos. Precisamos transformar a
estrutura e o rendimento da escola
primária, ainda desadaptada às
necessidades educacionais das camadas
populares e da própria ordem social
democrática, pela qual optamos com a
República. Precisamos arrancar o ensino
elementar extraprimário do marasmo e
ineficiência a que ficou relegado, para
contarmos no Brasil com verdadeiras
modalidades de instrução técnico-
profissional e artística, úteis à formação
dos artífices mais numerosos e ativos do
nosso futuro progresso econômico,
intelectual e social. Precisamos diferen-
ciar, melhorar e expandir toda a rede
escolar do ensino médio: I
o
) para criar
escolas capacitadas para produzir
operários qualificados, técnicos e
especialistas em todos os seto-res da
economia rural, da industrialização, da
economia urbana, da administração
racional e de qualquer forma produtiva de
trabalho; 2ª) para ajustar o ensino
secundário aos conhecimentos que devem
ser dominados pelo homem numa
sociedade em que o trabalho é
dignificado socialmente e todos devem
colaborar responsavelmente pelo bem-
estar da coletividade. Precisamos
superar o
padrão brasileiro de escola superior, que
divorcia o labor intelectual universitário
da pesquisa, da produção original e do
progresso tecnológico, essenciais aos
anseios de autonomia econômica, cultural
e política da sociedade brasileira. O
projeto de lei omitiu-se diante de todas
essas necessidades e comprometerá
terrivelmente, se fôr promulgado de
modo definitivo, a nossa capacidade de
resolvê-las no presente ou no futuro
próximo. Ficou tão aquém das esperanças
mais legítimas e do que deveria ser feito
como mínimo, que representa um passo
atrás, em relação à própria Constituição
vigente, muito mais "liberal" e
"progressista" nas disposições sobre a
educação nacional.
As manifestações de repúdio
partiram, espontaneamente, de todos os
meios responsáveis, dos mais modestos
aos mais importantes. As entidades
estudantis secundaristas e universitárias
irmanaram-se com entidades
representativas dos professores de todos
os níveis do ensino, dos escritores e
jornalistas, dos trabalhadores e líderes
sindicais, dos líderes mais esclarecidos
dos diversos partidos e de órgãos
patronais para exigir a rejeição, primeiro,
e a refundição, em seguida, do malfadado
projeto de lei. Mesmo deputados federais,
cônscios pelo debate dos riscos que
corremos, aderiram a essas entidades e
nos elucidaram sobre as forças que
pressionaram os representantes do povo
ou os iludiram. Conjugaram-se, assim,
esforços que suscitaram e deram corpo a
uma causa pública sem precedentes no
Brasil. Desde o Manifesto dos Pioneiros
da Educação Nova, em 1932, jamais se
vira semelhante mo-
vimento de opiniões em torno dos
problemas educacionais brasileiros.
Contudo, a oposição ao projeto de lei
sobre "Diretrizes e Bases da Educação
Nacional" não foi senão o episódio que
desencadeou esse movimento de ideias a
de luta pela reconstrução educacional no
País. As posições já estavam tomadas. As
limitações, incongruências e concessões
do projeto de lei apenas chamaram à
responsabilidade e à ação aqueles que
vinham, direta ou indiretamente,
propugnando pelas reformas educacionais
urgentes. No fundo, pois, o projeto de lei,
aprovado pela Câmara dos Deputados,
lançou à Nação o desafio desabrido dos
círculos reacionários e obscurantistas, que
se opõem de tôdas as maneiras à re-
construção educacional, e êle foi aceito
com decisão pelos que tinham o dever de
lutar por suas próprias convicções e
ideais. Agora, urge modificar o
encaminhamento do embate, para evitar
confusões nocivas e para extrair do
movimento a contribuição positiva, que
êle poderá dar à causa da democratização
e aperfeiçoamento do ensino no Brasil.
Em primeiro lugar, o nosso obje-tivo
central é a qualidade e a eficácia do
ensino. Se defendemos a Escola Pública,
fazemo-lo porque ela oferece condições
mais propícias, num país
subdesenvolvido e dotado de recursos
escassos para a educação, de produzir
"bom ensino" e de proporcioná-lo, sem
restrições econômicas, ideológicas,
raciais, sociais ou religiosas, a qualquer
indivíduo e a todas as camadas da
população. Não somos, portanto, contra a
Escola Particular, nem tão pouco contra
as instituições ou entidades, leigas e
confessionais, que patrocinam seus
interesses na defesa intransigente do
projeto de lei de "Diretrizes e Bases da
Educação Nacional". Sabemos que o
Brasil muito deve à contribuição
educacional das escolas privadas, que elas
ainda prestarão serviços às famílias
brasileiras que puderem subvencionar os
estudos de seus filhos e que devemos
zelar tanto pelo prestígio dessas escolas,
quanto pela qualidade do ensino que elas
ministram. Em segundo lugar, pretende-
mos impedir que o Estado Democrático
continue prisioneiro de interesses
particularistas na esfera da educação, com
perda maior ou menor de sua autonomia
na realização das tarefas educacionais que
lhe competem, administrativa e
politicamente, e com a devastação
improdutiva dos recursos oficiais
destinados à educação. Dados o caráter
escasso desses recursos, a gravidade dos
problemas educacionais brasileiros e a
existência de um sistema de ensino
público que carece de melhoria e de
expansão, julgamos que a intervenção do
Estado nos assuntos educacionais deve
concentrar-se nas escolas criadas por sua
iniciativa e abertas, indistinta e
gratuitamente, a todos os candidatos de
aptidões comprováveis. Em terceiro
lugar, pretendemos esclarecer e alertar as
opiniões, para que todos os cidadãos
patriotas e responsáveis, independen-
temente do seu saber ou prestígio,
venham a preocupar-se com os problemas
educacionais brasileiros e com sua
solução, colocando-se assim em
condições de influenciar, pelos
mecanismos normais do regime de-
mocrático, as decisões e orientações dos
partidos e do Governo nesse campo. A
"má escola" é produto direto do
desinteresse dos usuários dos serviços
educacionais por seu funcionamento,
destino e rendimento. A "má
aplicação" dos fundos educacionais e a
"má política educacional" também são
frutos diretos da indiferença da
coletividade às iniciativas oficiais no
terreno da instrução pública. O progresso
educacional, base e condição de qualquer
outra espécie de progresso (econômico,
político ou social), depende de uma
participação ativa, consciente e altruísta
de todos os cidadãos na melhor utilização
dos recursos educacionais disponíveis.
Essa participação, numa sociedade de
massas e de organização democrática,
afeta tanto os que "conhecem" os
problemas educacionais, quanto os que
"nada sabem" a seu respeito. Por isso,
visamos deliberadamente incluir os
problemas educacionais brasileiros
dentro do horizonte intelectual do
cidadão comum, com o fito de torná-lo
um colaborador constante, construtivo e
vigilante do nosso progresso
educacional.
Esses objetivos demonstram que
nossas críticas ao projeto de lei sobre
"Diretrizes e Bases da Educação
Nacional" partem e se alimentam de
aspirações elevadas e altamente
produtivas. Combatêmo-lo, porque êle é
insatisfatório, incongruente e pernicioso.
Combatêmo-lo, porque queremos
substituí-lo por algo melhor, que atenda
às necessidades educacionais prementes
do Povo Brasileiro. Mas, êle não é o alvo
exclusivo da nossa Campanha nem seu
termo final. Estes se acham na própria
causa da instrução popular, da
democratização do ensino e do
aperfeiçoamento e ampliação do sistema
de educação nacional. Qualquer que seja
o destino desse projeto — e confiamos no
espírito cívico dos representantes do
Povo no Governo: esperamos que êle
também seja repudiado pelo Congresso e
pe-
lo Executivo — a Campanha de Defesa
da Escola Pública continuará. Agora, ela
existe para defender a causa que nos
impele a opor-nos ao referido projeto de
lei. Amanhã, ela nos permitirá conclamar
nossos homens públicos à atuação
política e administrativa responsável,
inclusive para exigirmos deles uma lei
que corresponda às expectativas e às
necessidades educacionais, que se im-
põem inapelavelmente. No porvir, ela
fará da educação uma preocupação
essencial de todo brasileiro, iluminando
nossas esperanças na direção de dias
melhores, cheios de grandeza na
liberação do Homem e na afirmação do
Brasil como artífice do aperfeiçoamento
material e moral da civilização moderna.
Para assegurar à Campanha de
Defesa da Escola Pública eficiência em
relação a objetivos tão complexos, que
envolvem de permeio um combate tático,
mas sem tréguas, ao projeto de lei sobre
"Diretrizes e Bases da Educação
Nacional", é preciso garantir às atividades
desenvolvidas a maior penetração
possível em todos os círculos e camadas
sociais; coordenação de todos os mo-
vimentos e realizações de âmbito local,
municipal, estadual, regional ou nacional;
continuidade de trabalhos, para que a
difusão e a propagação da causa da
Educação Pública produza influxos
construtivos na área da política
educacional brasileira. Em vista disso, o
Grupo de Planejamento sugere à
Comissão Executiva:
1º) a adoção de um esquema or-
ganizatório bastante plástico para
conquistar adesões e pronunciamentos
em todos os setores da nossa sociedade
(conforme Anexo I, que trata da
organização da Campanha, elaborado
por uma subcomissão do
Grupo de Planejamento, composta pelos
colegas Gildo Panzone, José Chasin, José
Paschoal Rosário, Ana Profis e Gabriel
Bolaffi);
2") a formação de uma literatura
sobre os problemas educacionais
brasileiros, escrita com simplicidade mas
com espírito positivo e obje-tividade, que
sirva como fonte de esclarecimento de
todos e meio de preparação dos aderentes
da Campanha mais atuantes (conforme
Anexos II e III, em que essa literatura é
iniciada através de dois estudos, elabo-
rados por uma subcomissão do Grupo de
Planejamento, composta pelos
professores Laerte Ramos de Carvalho,
Fernando Henrique Cardoso, Roque
Spencer Maciel de Barros e João
Vilalobos);
3") a constituição de uma Comissão
de Coordenação, Contatos e
Propaganda, com representação na
Comissão Executiva pelo menos com um
terço de seus membros, para cuidar da
aplicação dos planos feitos e do
desenvolvimento prático da Campanha
de Defesa da Escola Pública.
DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS
A 1º Convenção Estadual de Defesa
de Escola Pública afirma a sua absoluta,
intransigente fidelidade ao princípio da
liberdade de pensamento e de
expressão.
Nessas condições, através de suas
comissões permanentes e de quaisquer
outros meios eficazes, bater-se-á no
campo político, social, educacional,
técnico e cultural pelos seguintes
princípios:
1 — Apoio total à doutrina esta-
belecida pela Constituição Federal em
seus artigos 141, parágrafos 7'
e 8º, e 166, 167, 168, números I a IV e
VII, a saber: liberdade de pensamento
sem que dependa de censura; liberdade
de consciência e crença; não ser o
indivíduo privado de nenhum de seus
direitos por motivo de convicção
religiosa, filosófica ou política.
Art. 166. A educação é direito de
todos e será dada no lar e na escola. Deve
inspirar-se nos princípios de liberdade e
nos ideais de solidariedade humana.
Art. 167. O ensino dos diferentes
ramos será ministrado pelos poderes
públicos e é livre à iniciativa particular,
respeitadas as leis que o regulem.
Art. 168. A legislação do ensino
adotará os seguintes princípios: I — O
ensino primário é obrigatório e só será
dado na língua nacional; II — O ensino
primário oficial é gratuito para todos; o
ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á
para quantos provarem falta ou insufi-
ciência de recursos; IH — As empresas
industriais, comerciais e agrícolas, em
que trabalhem mais de cem pessoas, são
obrigados a manter ensino primário
gratuito para os seus servidores e os filhos
destes; TV — As empresas industriais e
comerciais são obrigadas a ministrar, em
cooperação, aprendizagem aos seus
trabalhadores menores pela forma que a
lei estabelecer, respeitados os direitos dos
professores: VII — É garantida a
liberdade de cátedra.
2 — Prioridade do Estado no
ministério e na organização do ensi
no, admitida a iniciativa particular
como elemento supletivo, respeitada
a legislação vigente.
3 — Prioridade do ensino pri
mário, tendo em vista as exigências
do desenvolvimento social, económi-
co do País, em contrário à orientação
atual da política educacional seguida
pelos nossos governos.
4 — Igual expansão e assistência ao
ensino industrial e agrícola.
5 — Efetivação da obrigatoriedade
do ensino de maneira a cum-prir-se o
texto constitucional até agora violado •—
com a adoção de medidas rigorosas que
assegurem a frequência à escola de toda a
população infantil em idade legal.
6 — Extensão da escolaridade
através do curso complementar equi-
valente aos dois primeiros anos do curso
médio, até os 14 anos, idade legal de
trabalho.
7 — Reorganização total do ensino
médio adaptando-o às exigências da
sociedade moderna, com localização dos
estabelecimentos consoante critérios
pedagógicos científicos; aperfeiçoamento
rigoroso dos corpos docentes, sendo que
os professores secundários devem
originar-se exclusivamente das
Faculdades de Filosofia e de cursos
especializados quando inexistente a
disciplina nos "curricula" daquelas
Faculdades; garantia do professor contra
influências particulares, religiosas ou de
político-partidárias locais; oportunidade
de acesso e frequência facilitada
igualmente a todas as camadas sem
distinção.
8 — Criarem-se maiores exigências
em relação ao ingresso e ao nível do
professorado das escolas normais e
acentuação do caráter profissional dessas
escolas. Estabelecimento de rígidos
concursos de títulos e provas para o
ingresso no magistério primário.
9 — Cumprimento pelas escolas
superiores em geral do dispositivo sobre
concurso de títulos e provas
para o recrutamento do respectivo
magistério.
10 — Exigência em relação às
escolas superiores particulares de
condições patrimoniais e bem assim
de renda livre para o regular funcio
namento de seus cursos.
11 — Adoção do exame de Estado
para os portadores de diplomas de curso
profissional de nível superior, devendo
esse exame ser realizado perante órgãos
disciplinados da classe ã medida que tais
órgãos se instituam para cada classe em
50% das unidades federadas.
12 — Racionalização dos serviços de
educação de maneira a impedir que
qualquer interferência de política
partidária ou de ordem religiosa
prejudique os interesses do ensino.
13 — O poder público não pode
abdicar dos seus deveres de administrar o
ensino e a educação que garantem a
própria unidade nacional.
14 — O dinheiro público só pode ser
aplicado na manutenção e
desenvolvimento da escola pública. Os
auxílios oficiais dados aos esta-
belecimentos particulares deverão ser
exclusivamente fornecidos pelos
institutos de crédito oficiais, tais como
Banco do Brasil, Banco do Estado,
Caixas Económicas e outros, de acordo
com as normas vigentes nessas
instituições.
15 — Todos os estabelecimentos de
ensino, primário, médio ou superior,
oficiais e particulares, sem exceção, não
poderão estabelecer restrições à matrícula
de alunos com base em preconceitos de
raça, de côr, de nacionalidade, de classe,
de religião, de ideologia, ou em virtude
de determinada situação civil dos pais
dos alunos.
OS ESTUDANTES MINEIROS E O
PROJETO DE DIRETRIZES E
BASES
A União dos Estudantes de Minas Gerais,
por sua Comissão de Educação,
elaborou parecer em que analisa o
Projeto 2.222-C, apontando suas
omissões, bem como apresentando
sugestões e reivindicações.
Transcrevemos do Diário do
Legislativo de Minas Gerais o
referido texto, que foi abordado na
Câmara Estadual, em sessão de 7 de
junho último, na palavra do
Deputado Hernâni Maia:
O SR. HERNÂNI MAIA Sr. Pre-
sidente, nobres pares.
Aqui estamos para trazer o apoio da
bancada trabalhista à União dos
Estudantes do Estado de Minas Gerais,
pelo trabalho apresentado sob o título
"Diretrizes e Bases da Educação
Nacional", referente ao projeto número
2.222-C em trâmite no Congresso
Nacional. O parecer é publicação da
União Estadual dos Estudantes de Minas
Gerais na gestão de 1959 a 1960 e se
destacam nesse trabalho jovens e cultos
compatriotas, especialmente o
coordenador Domingos Muchon e o
relator secretário Luiz Fernando Victor,
além dos senhores Francisco Décio
Stortini, Herbert José de Sousa, José
Ribeiro Paiva, Ornar Souki e Oneil
Teixeira de Abreu.
Desejo apresentar a Vv. Exas., neste
discurso, atendendo aos briosos
estudantes de nossa Pátria, os dados
essenciais que vão comprovar que,
realmente, os nossos jovens compatriotas
estão certos. Isto interessa ao povo em
geral e, particularmente, à classe
operária, porque
o filho do operário de hoje, pela evolução
histórica, pelo influxo que atualmente recebe
dos povos civilizados, pelo ditame das ideias
filosóficas e socialistas que hoje assoberbam o
mundo, o filho do operário de hoje será, em
verdade, o estudante e o intelectual de amanhã.
Os trabalhadores do setor manual que tanto
têm sofrido, hoje se entrelaçam com os
estudantes no mesmo elo afetivo, porque as
aspirações dos intelectuais e as aspirações dos
operários e, também, da classe média são,
antes de tudo, ideais comuns; não têm anta-
gonismos, correm pari passu no mesmo
caminho, para atingir a mesma finalidade.
Sr. Presidente, se hoje o trabalhador está
sentindo, na sua própria carne, a elevação
constante e desenfreada do custo de vida,
através de uma inflação que, na sua alta per-
centagem, não é aquele estilo que admite
justificativas, pois a inflação do Brasil não é
provocada por realizações de ordem
econômica que realmente venham emancipar a
Pátria: ela é provocada por desgovernos
administrativos e outros males praticados por
grupos econômicos que dominam o País.
Eis por que, sr. Presidente, os
trabalhadores se solidarizaram com os
estudantes. Então, vejamos:
"Do reconhecimento de ser a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional o
fator que mais de perto consulta os interesses e
ideais da Nacionalidade, os estudantes de
Minas Gerais, por sua Comissão de Educação,
expõem os estudos realizados, suas
reivindicações e sugestões, em torno do
projeto 2.222-C:
I — Visão sumária da educação e do
ensino no Brasil;
II — A preocupação do povo bra
sileiro e, em especial, dos estudantes
e dos trabalhadores, em se concreti
zar uma lei do ensino, condizente e
condicionada às aspirações e à rea
lidade brasileira;
III — Análise e críticas ao contexto e às
omissões do projeto de lei n' 2.222-C;
IV — Restrições ao referido projeto:
conclusões, reivindicações e sugestões.
DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO
NACIONAL
Visão sumária da educação e do Ensino
no Brasil
Para uma visão do ensino os dados
estatísticos são a melhor forma expositiva de
que podemos lançar mão; todavia, neste caso,
a estatística não reflete o todo da realidade. Ao
lado das quantidades, dos números, uma outra
ocorrência reflete em inteira plenitude o
magno problema das deficiências do nosso
ensino: sua qualidade.
Pelas estatísticas, segundo o senso
demográfico de 1950, o país possuía
18.882.486 (51,65%) de analfabetos
(indivíduos de mais de 10 anos de idade).
Segundo esse mesmo censo, possuíamos
6.720,219 crianças em idade escolarizável
(entre a idade de 7 a 11 anos), das quais
4.049.865 estavam fora da escola. O índice de
analfabetos caiu de 1900 até 1950, isto
percentualmente (de 65% para 51,65%); mas,
em dados absolutos, o número de analfabetos
aumentou.
Em virtude do elevado índice de
crescimento de nossa população (procriação
— mortalidade) e em virtude da inoperância
do poder público
nesse sentido, o número de analfabetos
tende a aumentar (inclusive per-
centualmente); longe, pois, estamos de
uma erradicação do analfabetismo.
Agrava-se mais ainda o problema,
porquanto, como é sabido, o maior
número de analfabetos se encontra e é
gerado na zona rural, onde, dada a sua
dispersão populacional (pequena
densidade demográfica) têm-se
encontrado dificuldades de toda ordem.
Além do índice do analfabetos e do
índice de indivíduos que não estão
recebendo ensino no período da idade
escolarizável (e a maioria destes nunca
mais receberá ensino), ve-rifica-se um
outro elemento bastante grave: o da
evasão escolar. Em 1950 possuíamos na
1º série do curso primário 2.087.964
crianças; destas somente 243.652 (12%)
concluíram (conclusão em 1953);
1.844.312 (88%) eva-diram-se — sendo
incluídas na classe analfabeta na sua
maioria e os outros na classe dos semi-
analfabetos.
Por que estará ocorrendo isto como o
ensino de grau primário?
Quanto ao analfabetismo e à falta de
escolarização:
a) por falta de escolas;
b) por falta de professores;
c) por inoperância do poder pú-
blico no sentido de efetuar a chamada e a
matrícula de toda a população
escolarizável;
d) por falta de esclarecimento dos
responsáveis pela educação da criança.
Quanto à evasão escolar:
a) falta de professores qualificados
;
b) falta de inspeção nos casos de
infrequência;
c) rigidez excessiva, sem justi-
ficativa e sem método, nos sistemas de
promoção (exames);
d) necessidade que o educando sente
de trabalhar desde criança.
Ao lado dessas "justificativas",
citemos algumas de ordem financeira (a
que as demais, direta ou indi-retamente,
estão ligadas):
1º — O poder público não vem
cumprindo o preceito constitucional de a
União empregar 10% e os Estados e os
Municípios 20% de suas receitas com a
educação. (De 1948 a 1956 a União
aplicou somente 69% dos 10% previstos;
os Municípios aplicaram 87,8%; e os
Estados man-tiveram-se fiéis).
2ª — O fundo destinado ao ensino
primário vem sofrendo sensível declive;
aumentaram, em consequência, os fundos
do ensino médio e principalmente os do
superior. Ve-rifica-se, assim, que a escola
primária sofre golpes vindos de todas as
direções. (Enquanto o ensino primário,
em 1948, recebia 60,3% das despesas
públicas globais com o ensino, o grau
médio recebia 27,3% e o superior 12,4%;
em 1956 passamos: primário com 43,2%;
médio com 30,8% e superior com 26%).
3' — As verbas de investimento
(construção de escolas e de património
imóvel) na despesa total nunca chegam a
atingir mais de 20%; assim os 80% das
despesas são feitas com a conservação e
manutenção. Isto não tem correspondido
às necessidades. (Referimo-nos aos 3
graus de ensino e aos 3 níveis de
governo.)
Ora, sendo o ensino de grau pri-
mário, comum, gratuito (em toda sua
extensão), o que dá acesso a todo e
qualquer indivíduo ao nível de cidadão, e
dá ao indivíduo meios para gozar seus
direitos civis, etc. (já que o analfabeto
não pode escolher seu lídimo
representante para reger os destinos de
sua Pátria, não pode: as-
9
sinar recibos, processos, carteiras, etc,
etc. o que iguala, por vezes, a detentos)
podemos concluir que o verdadeiro
sentido da democracia não está sendo
seguido no Brasil, com mais da metade
de sua população analfabeta. Sendo,
ainda, o ensino primário aquele que abre
as portas do acesso aos demais graus de
ensino, verificamos que a metade de
nossa população (e também os semi-
analfabetos) encontra-se irre-
mediavelmente relegada às trevas da
ignorância, do obscurantismo, da
submissão e relegada ao mero papel de
trabalho brutal, irracional e des-
classificado. Serve ainda para ser contada
nas estatísticas.
Cremos que esta pequena exposição,
do ensino primário tão-sòmente, é o
bastante para uma visão (bastante triste)
do ensino no Brasil. Os demais graus do
ensino são um reflexo e ao mesmo tempo
"responsáveis" pelo que ocorre com a
escola primária.
No ensino médio verificamos um
fato singular. O total dos alunos no
ensino médio sendo de 780.639, vamos
encontrar: 579.781 no curso secundário;
114.000 no comercial; 67.000 no normal;
19.000 no industrial e somente 1.200 no
agrícola. Em consequência, encontramos,
em um total de 2.363 educandarios de
ensino médio, a seguinte distribuição:
1.887 escolas secundárias; 628
comerciais; 873 normais; 86 industriais e
17 agrícolas.1
Além das inadequações e falhas que
são próprias no nosso ensino médio, em
todos seus cursos, os dados acima
mostram cabalmente a prioridade que é
dada ao curso secundá-
1 Cf. Anísio Teixeira, Educação Não é
Privilégio, Liv José Olímpio Editora —
Rio — 1957.
rio (o que irá dar acesso às elites da
sociedade), em detrimento total dos
cursos técnico-profissionais (es-
pecialmente agrícola e industrial).
O ensino superior é aquele que tem
merecido especial atenção do poder
público, e, principalmente, prioridade no
rateio das dotações. E, felizmente, no que
se refere à quantidade do ensino, é algo
melhor do que o ministrado nos outros
graus. Peca, e isto é essencial, por negli-
genciar recursos e maior fomento às
faculdades e escolas de ensino científico
e industrial superior.
Todavia, o que inspira maiores
cuidados no ensino superior, é a verba
que este vem desviando dos fundos de
educação (e que deveria des-tinar-se aos
outros graus, especialmente ao primário,
o mais necessitado) para construções de
faculdades, construções essas sem
justificativa alguma, porquanto as que
vemos nascer diariamente não são
destinadas à formação de um pessoal para
atender ao mercado de trabalho que a
Nação apresenta e que o desenvol-
vimento há muito solicita.
As deficiências qualitativas podem
ser esquematizadas pelas suas causas:
a) anacronismo em todo o sistema
de ensino;
b) anacronismo na motivação
finalista;
c) processo educativo longe de
consultar as necessidades e interesses do
indivíduo e da comunidade a um só
tempo;
d) falta de fé na educação e uma
grande fé na busca de títulos, que
perpetua a nossa hierarquia de
pseudovalores;
e) com raras exceções, a educação
tem-se mantido num academicis-mo
medieval e estéril, resumido no
processo de alfabetização e de "cultura
geral", defasado do momento histórico e
a serviço de uma elite privilegiada;
f) pouca saúde e precária ali-
mentação do educando.
Para finalizar, transcrevemos parte
do que a própria Comissão de Educação
e Cultura do Conselho de
Desenvolvimento postulou com refe-
rência ao que deve responder um sistema
educacional para a atual situação do
Brasil:
a) A sociedade brasileira vem
sofrendo uma transformação rápida de
estrutura, caracterizada pela maior
diversificação da economia, e, portanto,
dos tipos de ocupação profissional, e por
uma ascensão das classes trabalhadoras,
que reclamam educação de nível mais
elevado.
b) A educação primária, na so-
ciedade moderna, deve assegurar, não
a posse das técnicas fundamentais da
cultura (ler, escrever e contar), mas
também a habilitação mínima do homem
para os deveres da produção e da
convivência social.
c) A educação chamada secundária
perde, em face da generalidade dessa
aspiração, o seu caráter de ensino médio
ou intermediário entre o primário e o
superior, para adquirir um caráter
autónomo e exprimir o nível geral de
preparo a que tende a coletividade.
d) A educação chamada superior
não pode, em face da diversificação
crescente da economia e das ocupações,
permanecer compartimentada segundo o
sistema tradicional de escolas e cursos
estanques. Sua tendência é para a
flexibilidade dos currículos, para a
interpenetração das faculdades e cursos e
para um ajustamento dos planos de estu-
do às demandas da sociedade.
e) A reforma da educação, que se
impõe à sociedade brasileira e
contemporânea, não pode ser pensada e
planejada a priori,, tendo em vista um
ideal de formação intelectual
independente do tempo, mas deve
encontrar seu ponto de partida numa
investigação da realidade social presente
e de suas perspectivas futuras, no
inventário das necessidades coletivas a
que a educação pode dar resposta, e
sobretudo na perfeita compreensão do
sentido das transformações sociais que se
processam em torno de nós.2
II
A preocupação do povo brasileiro e, em
especial, dos estudantes e dos
trabalhadores, em se concretizar
uma lei do ensino condizente e
condicionada às aspirações e à
realidade brasileira.
A democratização do ensino sig-
nifica, antes de tudo, dar escolas —
quantas necessárias e quantas solicitadas
pelo indivíduo e pela comunidade — a
todos; não somente dar escolas, mas dar
bom ensino, de modo a assegurar, em
toda amplitude, iguais oportunidades a
todos. Para a realização destas
aspirações, ponderemos um fator
assinalado pelo Prof. A. Almeida Júnior:
"em beneficio da juventude da classe
média, falam seus pais; em benefício da
juventude da classe endinheirada, fala o
dinheiro de seus pais; mas, em benefício
das classes populares, do operariado, da
criança rural, não há ninguém que fale
porque seus próprios pais não se
interessam por ès-
2 In "Desenvolvimento e Con-
juntura", n. 6 — Ano I — Dezembro
1957.
se problema fundamental para a infância,
que é o problema da educa-ção".3
Acrescentamos ainda: que pelos filhos
dos trabalhadores ninguém tem falado
porque o timão da Pátria está nas mãos
de quem se tem preocupado com tudo,
menos com. o povo e com a própria
Pátria; e o próprio trabalhador da Nação,
para infelicidade sua e da sua prole, não
possui sequer os meios necessários para
compreender e reconhecer o magno
problema da educação, por ser, a sua
grande maioria, de analfabetos e semi-
analfabetos.
O estudantado brasileiro tem o
mérito de ser a classe dinâmica de
vanguarda. Suficientemente esclarecida,
com o pensamento voltado não para
resultados ou interesses pessoais ou
imediatos, mas para o Brasil e para o
brasileiro do amanhã.
Unidos, trabalhadores e estudantes,
numa comunhão de fé e de propósitos
nobilitários, lançam suas vozes em
uníssono em defesa do mais sagrado
direito do indivíduo: edu-car-se; em
uníssono em defesa do mais sagrado
ideal do cidadão: o porvir da Pátria. Em
uníssono pela efetivação de uma lei da
educação para o Brasil.
Os cofres públicos têm tido dinheiro
suficiente para tudo, menos para a
educação do povo; temos tido lei para
tudo, menos para a educação, e quando
esta é elaborada e dado a público seu
contexto, as esperanças sofrem um total
arrefecimento.
Todavia, estamos alertas. E des-
fraldamos a bandeira de nossas rei-
3 Conferência realizada em Belo
Horizonte, pelo Prof. A. Almeida Jr., em
14 de fevereiro de 1960, e referente ao
projeto de Diretrizes e Bases da
Educação.
vindicações; não no sentido de luta
contrária ao Projeto n. 2.222, pela sua
morte; não. Mas, tendo a lei de nascer (e
batalhamos pelo seu nascimento) e com o
receio de vermos mais uma década passar
sem a existência dessa lei, nos lançamos á
luta contra algumas de suas partes, pela
sua revisão, visando emendas,
retificações e a aceitação de sugestões
que têm nascido, quase que unânimes, de
norte a sul do País.
Julgamos justas, lógicas e prin-
cipalmente democráticas as nossas
reivindicações; julgamos honesta nossa
posição porque se coaduna não só com os
ideais de Pátria, mas ainda porque se
identifica com o profundo sentido de
defesa daqueles que não sabem responder
por si. Estamos certos de que seremos
ouvidos.
III
Análise e críticas ao contexto e às
omissões do Projeto n. B.B22-C.
Título I: "Dos Fins da Educação" —
Os fins da educação não comportam,
numa crítica, longa discussão porque: 1º)
trata-se de assunto extremamente
complexo e que, em lei, só pode ser
exposto em termos genéricos; 2") o título
não encontra justificativa em si mesmo,
isto é, os fins da educação, o produto que
se quer obter a partir de uma diretriz de
ensino, estruturado segundo uma lei, só
pode ser percebido, compreendido o
fixado realmente no todo da lei. Os fins
da educação são como que o "espírito" da
totalidade dos trabalhos e manifestações
educacionais, e espírito inclusive e
principalmente da lei. Cabe, pois,
verificar se o presente projeto contém,
postula,
os fins ideais cia Nacionalidade. Como
procuraremos mostrar, o contexto vai
contra aquilo que postula o seu artigo 1".
Nesse artigo 1º ressalvamos uma
omissão: o preceito que contraria a
segregação escolar, aliás constante do
projeto liberal. "A educação nacional (...)
coibirá o tratamento desigual (— e o
direito de educar e de ser educado em
qualquer estabelecimento de ensino —)
por motivo de convicção religiosa,
filosófica ou política, ou preconceito de
classe ou de raça."
Título II — "Do Direito à Educação":
"A educação é direito de todos. Será dada
no lar e na escola." "À família cabe
escolher, com prioridade, o género de
educação que deve dar a seus filhos." A
todos, pois, é facultado pela lei, o direito
de educar-se e aos progenitores o direito
de educar sua prole, etc. Estamos de
inteiro acordo com o que expõe o art. 2º.
Agora, quanto ao art. 3º: assegurará,
realmente, o direito à educação? Art. 3' —
"O direito à educação é assegurado: I —
pela obrigação do poder público e pela
liberdade de iniciativa particular."
Respondemos negativamente, porque o
poder público, pela reda-ção deste artigo,
passa a mera posição supletiva. A bem da
clareza e da textura da nossa sociedade,
de-ve-se transcrever (ou obedecer) o que
consta da Constituição: "O direito à
educação é assegurado: I — pela
obrigação do poder público em ministrar
o ensino dos diferentes ramos, "sendo
livre" à iniciativa particular, etc." Pela
redação da alínea do projeto, existe uma
acentuada "equivalência entre as respon-
sabilidades" de que o Estado toma para si
e daquela que transfere à
iniciativa particular, senão confrontemos
mais uma vez: "pela" obrigação do poder
público "e pela liberdade" de iniciativa
particular, etc". Aqui êle (o projeto) não
só atribui uma liberdade ao particular mas
também e principalmente atribui e trans-
fere uma responsabilidade, que é do
Estado.
Continuando: II — "pela obrigação
do Estado de "fornecer recursos
indispensáveis" para que a família e na
falta desta os demais membros da
sociedade se desobriguem dos encargos
da educação, quando provada a
insuficiência de meios, de modo que
sejam asseguradas iguais oportunidades a
todos". Sobre essa alínea — que completa
a anterior — frisamos: a) o que são
"recursos indispensáveis"? b) quais são os
"demais membros da sociedade"? (existe
uma infinidade); c) a Constituição (artigo
168) "não se refere a" "fornecer recurso
indispensáveis" para a educação, mas sim
à obrigação do Estado de "ministrar
ensino", dar ensino e não meios, o que vai
lá uma fundamental diferença; d)
"provada a insuficiência de meios"; deve-
se citar o termo constitucional (ou pelo
menos obedecê-lo): "provada a "falta" ou
insuficiência de meios", embora a falta
seja uma insuficiência total; e) afinal, em
todo o art. 2ºe no 3º "não encontramos
explícita (e nem implícita) a afirmativa
constitucional de que o ensino primário é
gratuito para todos", e o ulterior ao
primário sê-lo-á para quantos provarem
falta ou insuficiência de recursos.
Em suma: um longo palavreado para
não dizer nada, ou o que o artigo 3º com
suas alíneas contém, são contrários aos
ideais da comunidade e contrários ao
próprio texto da Cons-
tituiçao. No que concerne à alínea II, por
que não citar o art. 168 — II da
Constituição: pela obrigação de o Estado
fornecer ensino primário oficial fratuito
para todos, sendo o ensino oficial ulterior
ao primário gratuito para quantos
provarem falta ou insuficiência de
recursos"?
Título III — "Da Liberdade do
Ensino": O título justifica-se pela
contingência de expor: quem pode e
quem não pode realizar o processo
educativo. Todavia, o título em seus dois
artigos não estabelece coisa alguma.
(Embora para o artigo 5' tenha sido
votado destaque para sua apreciação
isolada, será objeto de nossas
considerações.)
Art. 4º— Ê supérfluo. Como observa
ainda o Prof. Almeida Júnior, mais vale
cancelá-lo com título e tudo. Cremos,
porém, que o título tem sua razão de ser e
julgaríamos estranho nada existisse na lei
que se referisse à liberdade do ensino. To-
davia, sendo o presente projeto uma
verdadeira colcha de retalhos, não é de
estranhar que no título em questão nada
exista a respeito da liberdade, e sim de
problemas de administração de ensino. O
art. 4º fala: "é assegurado a todos, na
forma da lei, o direito de transmitir seus
conhecimentos, não podendo o Estado
favorecer o monopólio". 1") "transmitir
seus conhecimentos — na forma da lei"
•— que conhecimentos? Por que não se
estipular: "a liberdade de na forma da lei,
realizar a educação"? Parece-nos que há
um emprego injustificado e incorente de
palavras. 2º) "não podendo o Estado
"favorecer" o monopólio do ensino";
primeiro: nunca existiu perspectiva de tal
monopólio por parte do Estado;
segundo: à revelia do que o
próprio texto contém ("favorecer") o
projeto vai, no fluir dos seus artigos
posteriores, abrir as portas à concorrência
nociva por parte dos estabelecimentos de
ensino particular com a escola pública.
Art. 5º: Refere-se não à liberdade de
ensino propriamente dita, mas sim a dois
problemas: 1") O de administração, qual
seja: assegurar aos estabelecimentos de
ensino públicos e particulares, "adequada"
representação no Conselho Estadual. É
absurdo que elementos ligados ao comér-
cio do ensino participem da administração
de cúpula da educação; o artigo deve cair
em virtude do que estabelece o parágrafo
1º do artigo 8': O Conselho Estadual deve
ser composto de elementos de nomeação
di-reta do poder público local, nunca
ligados (direta ou indiretamente) a
estabelecimentos particulares. 2") O de
igualdade para todos os fins dos estudos
realizados num ou noutro es-
tabelecimento; de nossa parte, con-
cordamos com esta equivalência. To-
davia, cremos que esse aspecto poderia
ser tratado pelo sistema de cada unidade
federativa, que resolveria, segundo suas
pecularidades, o problema.
Encontra-se omisso no Título III um
dos elementos inerentes á liberdade do
ensino: a liberdade de cátedra.
Título IV — "Da Administração do
Ensino" — O Ministério da Educação e
Cultura, "que exerce as atribuições do
poder público", vê-se depauperado,
reduzido a mero monumento. O Conselho
Federal de Educação passará a ser o mais
alto órgão da administração educacional.
A lei, por outro lado, é omissa no que diz
respeito à distribuição (distribuição
objetiva dos 10% da re-
ceita da União (fundo do ensino), o que
virá a perpetuar a atual situação; ou seja:
além de a União não estar cumprindo os
preceitos constitucionais do artigo 169, o
referido fundo é distribuído "irmãmente"
entre os outros ministérios, como provam
as estatísticas; essa dispersão do fundo do
ensino ao qual até a Presidência da
República tem tido acesso (no ano de
1957 — ainda conforme as estatísticas —
o Presidente da República auferiu uma
dotação daquele fundo pouco inferior ao
que toda a Nação gastou com o ensino
primário), e um dos responsáveis mais
diretos pela calamitosa situação do
ensino. Cabe ao "Ministério da Educação,
por atribuição prevista em lei, receber
integralmente aquele fundo, procedendo
a sua distribuição direta e objetiva."
Art. 8º — O Conselho Federal de
Educação — Não podemos ser contrários
ao C.F.E. Êle deve existir, mas com
atribuições de ordem unicamente técnicas
e consultivas e não administrativas ou
deliberativas. Somos contrário sim à
forma como se estabelece a sua
constituição: 1") o poder público
(podendo mesmo serem observadas
certas equivalências regionais) fará a
nomeação dos conselheiros, conselheiros
esses de renomada capacidade
(capacidade nos setores do ensino) e
nunca ligados direta ou indiretamente a
empresas de iniciativa particular. No art.
9º nos manifestamos contrários a todas as
letras que se referem ao controle fi-
nanceiro, especialmente letras / e g;
somos categoricamente pela queda do
que dispõem. Por outro lado, embora
atribuindo-se ao C.F.E. função técnica e
consultiva, qualquer planejamento por êle
realizado deve submeter-se á sanção do
M.E.C, e
do Presidente da República. No pro-jeto
nota-se um excesso de atribuições
conferidas ao Conselho Federal de
Educação. A maior parte dessas
atribuições deveria ser exercida pelo
M.E.C., outras deveriam ser exercidas
por comissões, criadas e ligadas ao
M.E.C, (já que os conselheiros nunca
realizarão tarefas de ordem estritamente
técnica, de planejamentos, etc). Ê de fácil
compreensão a necessidade da existência
dessas comissões (comissões com
objetivos reais de trabalho), num setor
complexo como é o do ensino, para estu-
dos e planejamentos do mesmo; o
projeto, todavia, não estabelece uma
perspectiva sobre a sua criação.
Art. 10 — Somente o Estado pode
saber dos interesses da Nação. Somente a
êle cabe deliberar sobre a administração
do ensino. Não poderá entregar a
terceiros, mormente particulares com
interesses pessoais, a faculdade de
distribuir os fundos da Nação e de pesar
os destinos da educação nacional.
Outrossim, ainda a respeito dos
Conselhos Estaduais, cremos que a lei
deve prever a criação de um Órgão
Estadual, sem maiores detalhes, cabendo
a cada unidade da Federação deliberar
sobre os demais; cada uma poderá criar
conselhos, podendo, entretanto, criar um
outro órgão qualquer. O art. 10 tor-na-se
mais perigoso, mormente pelo que dispõe
o § 1º do art. 8', e o art. 5º.
Ainda no título da administração, e é
um elemento que predomina em todo o
projeto, verifica-se uma grande confusão,
quer no conteúdo, quer na própria forma
legislativa. O projeto deve ser simples e
preciso a um só tempo; claro e exato;
com delineamentos mestres maciços, mas
que permitam uma intensa maleabilidade
dentro dele. E nesse aspecto frisando
ainda: a grande "burocracia em tudo que
se refere a ensino, terá que se submeter";
o acúmulo de funções em órgãos
diferentes, etc. Art. 17 — Afinal, estamos
discutindo uma lei de diretrizes e bases da
educação! Achamos supérfluos o artigo.
Ademais cremos que êle dispõe sobre
matéria que não é de atribuição do
M.E.C., já que o Estado possui órgãos
especializados para o cômputo estatístico
e o registro será feito pelas diversas
unidades federativas.
Art. 18 — "Nos estabelecimentos
oficiais de ensino médio e superior, será
recusada matrícula ao aluno reprovado
mais de uma vez em qualquer série ou
conjunto de disciplinas". Julgamos
necessária a medida como terapêutica aos
elementos estagnados ou como medida
mesmo de seleção. Todavia, como es
exposto o assunto, parece-nos incoerente
e excessivamente categórico, porquanto,
por um senso de justiça, temos de prever
os casos de exceção. Quando o aluno, por
questão plenamente justificada, como no
caso de doença, incorrer na reprovação,
não terá apelativa. Deverá, pois, o artigo
ser retificado, devendo estabelecer, "des-
de que a reprovação do aluno seja
reconhecidamente injustificada".
Art. 19 — E uma redundância. (Cf.
art. 5º, última frase). Uma notória
preocupação em colocar a escola
particular, mormente nos seus direitos,
acima da escola pública. Aliás, a
igualdade prevista é uma decorrência
lógica da liberdade de dar educação; de
que valeria facultar a liberdade de
educação a particulares sem reconhecer-
lhe a validade?
Confrontemos o que dispõe o §
2º do art. 9º, com o art. 14: "Art. 9º (...) |
2º: A autorização e a fiscalização dos
estabelecimentos estaduais isolados de
ensino superior caberão aos conselhos
estaduais de educação, na forma da lei
estadual respectiva". Art. 14 — "E da
competência da União reconhecer e
inspecionar os estabelecimentos
particulares de ensino superior". Ora (Cf
art. 85), os estabelecimentos isolados de
ensino superior podem ser particulares;
há, pois, uma função (autorização e fi-
nanciamento, e reconhecimento e ins-
peção, que é, a mesma coisa), que será
desempenhada tanto pela União como
pelos conselhos estaduais.
Art. 21 — Mais uma invenção, mais
um elemento para minar o erário;
invenção que ninguém sabe ao certo o
que poderá vir a ser: "escola pública
autónoma"! Con-fronte-se seu § 1º: "a
escola pública autónoma pode cobrar
anuidade (!) (...) ficando sujeita à presta-
ção de contas e à aplicação (...) em
qualquer saldo verificado no exer-cicio".
É fácil compreender que nunca existirá
saldo positivo. Confron-te-se ainda o I 2º:
"Em caso de extinção (...) o seu
património reverterá ao Estado, se não se
dispuser de maneira diversa no ato de
instituição"! Depende, pois, do contrato.
Julgamos abuso conservar-se o que
dispõe o art. 21.
Confrontemos, também, o art. 21 e
seus parágrafos com o que dispõem os
arts. 83 e 85:
"Art. 21 — O ensino de todos os
graus pode ser ministrado em escolas
públicas autónomas, mantidas por
fundações, cuja dotação seja feita pelo
poder público, ou por este e particulares,
ficando o pessoal (...)". § 1º — "As
escolas públicas autónomas podem
cobrar anuidades, (...)".
"Art. 85 — Os estabelecimentos
isolados oficiais serão constituídos sob a
forma de fundações ou de autarquias; os
particulares, de funda-daçôes ou
associações".
"Art. 83 — O ensino público su-
perior, "tanto nas universidades como nos
estabelecimentos isolados, será gratuito"
para quantos provarem falta ou
insuficiência de recursos".
Ao lado desta comparação, aliás,
sutil, pode-se verificar uma pequena
contradição!
Art. 22 — Foi colocada, às pressas, a
abrigatoriedade da educação física nos
cursos primário e médio: "até" a idade de
18 anos. Um bom e, logicamente,
necessário remendo. Mas, e os educandos
noturnos? E os portadores de defeitos
físicos? A lei deve prever esses casos.
Titulo VI Da Educação de Grau
Primário
"Da Educação Pré-Primária": Art. 24
— "As empresas que tenham (...) serão
estimuladas a manter, por iniciativa
própria ou em cooperação com os poderes
públicos, etc". A educação pré-primária
deve ser liberada; a esse primeiro estágio
do ensino só afluem crianças das classes
mais abastadas, em condições de custear
as despesas; não sendo um processo geral,
e tratando-se de educação de
privilegiados, o poder público não poderá
nem deverá despender seus recursos em
seu favor. Poupemos aqui o dinheiro —
para aproveitá-lo onde êle é realmente
mais necessário. O artigo pode ser
redigido com o mesmo espírito do art.
168 •— III da Constituição, podendo o
poder público dar estímulo moral, mas
nunca "cooperação financeira".
"Do Ensino Primário" — Nada
encontramos (e aqui não seria re-
dundância) em todo o capítulo que se
referisse à gratuidade (para todos) do
ensino primário.
Art. 26 — "O ensino primário será
ministrado, no mínimo, em quatro séries
anuais", podendo os sistemas de ensino
estendê-lo até 6 anos, etc. Verifica-se: 1)
Que a lei não estabelece a duração, em
horas, do ensino primário, elemento esse
que achamos imprescindível. Consultadas
as possibilidades (zona urbana e zona
rural), deverá estabelecer-se a duração de
6 (seis) horas diárias, ou, no máximo, a
regulamentação do redobramento. Não é
minúcia de nossa parte, porquanto: a)
julgamos de extrema importância esta
duração; b) o próprio projeto prevê a
duração para o ensino médio (cf. art. 38,
I, letra b). 2º) Não estabelece, em dias, a
duração do ano escolar. 3°) Julgamos que
a lei deveria estabelecer definitivamente a
duração mínima de 6 anos (cumpriríamos
assim a promessa feita no Congresso de
Lima, em 1956, e estaríamos a partir
deste ponto — primacial — dando o mais
importante passo na educação do nosso
povo, na educação elementar, comum e
universal), e não criaríamos
ambiguidades, segundo os sistemas, com
a duração de 4 e 6 anos; outrossim, será
infuncional o que estabelece a lei,
fazendo os dois últimos primários
equivalentes ao 1º ginasial, somente.
Art. 30 — Parágrafo único — Letras
a, b e c. Encontramos aqui a síntese do
espírito do projeto, espírito esse aqui
retratado não mais em termos de
incoerência, nocividade ou atentado aos
interesses da nacionalidade, mas em
termos do ridículo e do absurdo, como
plenamente se po-
dera verificar. Constituem casos de isenção a
pais ou responsáveis por crianças que não
estejam recebendo educação primária:
"comprovado o estado de pobreza do pai ou
responsável; insuficiência de escolas e matrí-
cula encerrada". Neste caso teríamos de
emendar a Constituição e dizer, "a educação é
direito de todos, com exceção dos pobres"; e
ainda outra emenda: "o ensino será ministrado
pelos poderes públicos, quando estes tiverem
escolas e quando nas escolas existirem vagas".
Quando na própria lei da educação se es-
tabelece a possibilidade da não existência de
escolas de matrícula "encerrada, cremos que a
lei nasce morta e estéril, é lei para
regulamentar tão-sòmente a educação dos
filhos dos legisladores. Por outro lado, é
especialmente ridículo o conteúdo da letra o:
"comprovado o estado de pobreza do pai ou
responsável". Ê absurdo prever a pobreza do
povo e mais absurdo ainda justificar a falta de
instrução à criança em virtude de sua pobreza.
Afinal, a Constituição estabelece que o ensino
primário será gratuito para todos — de sorte
que o estado de pobreza não pode mesmo ser
base de isenção. Concluindo: por uma questão
de vergonha, cancelemos todo o parágrafo.
Título VII — Do Ensino de Grau Médio
— Antes da publicação do presente projeto
não conhecíamos diferença de nomenclatura
entre "ensino médio" e "ensino secundário";
reconhecíamos uma mera sinonímia. A partir
deste ponto, todo o título VII estabelece uma
confusão jamais vista numa lei. Ora, como
sabemos, é no ensino de grau médio onde en-
contramos as mais graves falhas do nosso
regime de ensino, onde encontramos o maior
anacronismo, onde
vamos encontrar as "solicitações" feitas
diretamente pela comunidade e pelo momento
histórico e que até hoje não mostram sinais de
ser resolvidos. Por isso, a regulamen-ção do
ensino de grau médio deveria ser clara,
precisa, esquemática, formulada com base
numa realidade presente. Em todo o assunto
não encontramos sequer a definição e os fins
objetivos do ensino de grau médio, do curso
secundário, do curso técnico e dos demais.
Art. 38 — I — letras a e b: "Na
organização do ensino de grau médio serão
observadas as seguintes normas: — duração
mínima do período escolar: a) — cento e
oitenta dias de trabalho, etc. Convém, em face
do que diz este artigo, fixarmos defini-
vamente um dos responsáveis pela deficiência
do nosso ensino: a duração do ano escolar.
Nossos estabelecimentos de ensino vivem
quase que em férias permanentes; há um ex-
cesso de descanso para quem não trabalhou
quase nada. O aproveitamento, em virtude
desta pequena duração, é mínimo e o
professor, com raríssimas exceções, nunca
consegue dar mais do que 3/4 do programa.
Deve-se estabelecer, pois, a duração do ano
escolar no mínimo com 240 dias (8 meses
efetivos).
Art. 39 — "A apuração (...) ficará a cargo
dos estabelecimentos de ensino, aos quais
caberá expedir certificados, etc". Isto, afinal, é
uma lei de diretrizes e bases, de lei que define
o significado dos cursos, que postula, que
preestabelece metas, que dita princípios, que
estabelece esquemas e prevê planejamentos;
não é regulamento interno de educandá-rio, ou
balcão de Secretaria de Educação. O artigo
fixa e perpetua, unicamente, o espírito, a
mentalidade de
Qjue andamos imbuídos: estudar para
adquirir um diploma, um título, um
elemento formal queao indivíduo
acesso à escola de pseudovalores. A
partir destes detalhes deveríamos
procurar formar a nova mentalidade:
estudar para adquirir um grau de cultura
de capacidade efetiva, de meios para
lutar na vida, educar para um
desenvolvimento, desenvolvimento em
todos os sentidos.
Em todo o capítulo I não encon-
tramos artigo que faça alusão à punição
que será dada ao professor que não
cumprir os programas ou a professores
faltosos. Onde isso não era viável (art.
73-11), a lei estabeleceu; aqui, a lei é
omissa.
Art. 40 — "... compete ao Conselho
Federal e aos Conselhos Estaduais de
Educação, etc." — letra b: permitir aos
estabelecimentos de ensino escolher
"livremente" até duas disciplinas
optativas para integrarem o currículo de
cada curso". Ora, em face disso,
confronte-se o artigo anterior, art. 35 — §
1.º "... cabendo aos Conselhos Estaduais
de Educação complementar o seu número
(completar o número de disciplinas
obrigatórias) e relacionar as de caráter
optativo que podem ser adota-das pelos
estabelecimentos de ensino". Assim
sendo, os estabelecimentos de ensino não
poderão escolher livremente (liberdade
essa que seria absurda) até duas
disciplinas, mas, sim, "escolher" duas
disciplinas "dentre as relacionadas" pelo
Conselho Estadual. Em não se fazendo
uma análise tão rigorosa nota-se que a
letra b do art. 40 não está bem redigida,
dando margem a interpretações
inconvenientes. Muitos outros artigos,
sobre este assunto possuem esse aspecto.
Art. 40 — letra c: "dar (atribuição do
Conselho Estadual) aos cursos que
funcionarem à noite, a partir das 18
horas, estruturação própria, inclusive
fixação do número de dias de trabalho
escolar efetivo, segundo as
peculiaridades de cada curso". Pelo
artigo, parece-nos que o curso noturno
será inteiramente ("estruturação própria")
diverso daqueles que funcionam durante
o dia, o que é realmente improcedente. A
regulamentação do curso noturno deve
ser feita em outros termos.
Em pleno título VII, da lei de
diretrizes e bases, art. 42, lê-se: "O
diretor da escola deverá ser educador
qualificado". Só?! E já achamos muito!
Afinal, é um critério simplório ao
extremo para que um cidadão tenha sob
sua responsabilidade a di-reção de um
educandário. Ademais, o assunto não é
da alçada da lei. Cada unidade federativa,
com seu sistema, determinará esses
detalhes. Pelo que se verifica aqui, e em
outros pontos do projeto, parece-nos que
não houve uma interpretação segura e
precisa do significado de "diretrizes e
bases".
Arts. 47 a 51 — "Ensino técnico":
Cinco artigos tratam do ensino téc-nico-
profissional. Cinco artigos que dizem
pouco ou quase nada. Nada sobre os fins
desse ensino; nada sobre a sua adequação
a uma necessidade reinante; nada sobre
um planejamento para atender ao atual
mercado de trabalho técnico-profissional.
Sugerimos que se faça uma revisão total
nestes artigos, um estudo especial e
criterioso, porquanto, desde que não
atentemos para a sua importância,
permaneceremos na condição de eternos
submissos no campo da industrialização e
do desenvolvi-
mento e na condição de importadores de
técnicas e técnicos.
O ensino industrial é objeto de
abordagem, embora confusa. Todavia o
ensino comercial e especialmente o
agricola foram plenamente omitidos.
Capítulo III — "Da formação do
magistério para o ensino primário e
médio" — Além do que se observará
durante a análise das "Disposições Gerais
e Transitórias (exames de suficiência), o
capítulo comporta algumas observações.
Nota-se uma completa despreocupação,
um desconhecimento das
responsabilidades do professorado (que é
um dos responsáveis pela deficiência do
ensino no País). Deve-se estabelecer
estímulo à classe; regalias mesmo;
previsão de bons salários, etc. Arts. 54 e
56: somos contrários ao "exercício do
magistério primário" por elementos que
têm formação tão-sòmente por serem
"regentes de ensino primário".
Título VIII — "Da orientação
educativa e da inspeção": 4 artigos
oportunos e satisfatórios.
Título IX — "Da Educação de Grau
Superior" — Capítulo I — Do Ensino
Superior. Art. 74 — e sobre o mesmo
assunto, art. 75-III e § 2º e alínea
correlata: do provimento de cátedra.
Julgamos inconveniente es-tabelecer-se,
como um dos processos de provimento de
cátedra vaga, a "transferência" de
professor de outro estabelecimento (onde
tenha sido nomeado após concurso — não
se faz menção se o estabelecimento é
congénere ou não) através de "simples
concurso de títulos". Sugerimos seja
cancelado o contexto que se refere a este
processo, visando evitar ocorrência de
futuros provimentos mediante um meio
que dá margem
(e dando será aproveitada) a fraudes.
O problema do "regime de tempo
integral" deve ser regulamentado de-
finitivamente, e não somente como
estabelece o § 7" do art. 73: "Os
professores e auxiliares de ensino devem
ser postos em regime de tempo integral, à
medida que o permitam as possibilidades
do eztabelecimento". Devemos ser
categóricos ao estabele-cer-se esta
exigência; todo estabelecimento pode ter
possibilidades e meios para a execução
desta medida, que, além de outras
consequências benéficas, trará uma
moralização no corpo docente do ensino
superior e uma melhoria acentuada na sua
produção.
Art. 81 — "As universidades oficiais
serão constituídas sob a forma de
autarquias ou fundações; as universidades
particulares, sob a forma de fundações ou
autarquias. Verifi-ca-se, assim, que as
universidades constituídas sob a forma de
fundações não têm limites determinados
entre o particular e o público; as
"fundações" se integram nas duas formas
(Cf. art. 21).
Art. 83 — "O ensino público su-
perior, tanto nas universidades, como nos
estabelecimentos isolados, será gratuito
para quantos provarem falta ou
insuficiência de recursos". (Cita-se no
projeto o art. 168-11 da Constituição.) O
artigo em si não comporta crítica. Deve,
porém, ser visto através do conteúdo total
do projeto. Não podemos aceitar que a lei
seja "omissa quando se refere à
gratuidade nos outros graus de ensino e
que somente quando trata do ensino
superior estabelece a sua gratuidade neste
grau". Nota-se, pois, claramente, que as
portas vão sendo abertas paulatinamente
para consu-
mar a subvenção, o financiamento, o
amplo sistema de bolsas, para o Estado
fornecer meios à educação e não
proporcionar ensino de grau médio e
primário. A gratuidade, conforme já
frisamos, deve ser especificada (segundo
o preceito constitucional) no devido
lugar, e não especificada no ensino
superior e omitida no primário e médio.
Art. 78 — Além do que regulamenta
esse artigo (cancelando-se a frase: "na
forma dos estatutos das referidas
entidades", o que é supérfluo), deve-se
prever a oficialização dos centros ou
agremiações académicas, quando
representem o corpo discente.
Conforme é sabido, um dos pro-
blemas que afligem o ensino superior
atual e, consequentemente, os fundos do
ensino, é a criação incontrolada de novas
faculdades. Este assunto (a fundação de
novas escolas superiores) deve ser
regulamentado, previsto em lei, segundo
um controle total a que o assunto se deve
submeter junto ao MEC ou, em ca-ráter
de planejamento, ao Conselho Federal.
Título X — "Da Educação de
Excepcionais" — Embora tenhamos a
metade da população incorrendo no caso,
concordamos com o título. Discordamos
inteiramente do art. 89, que estabelece:
"Toda iniciativa privada considerada
eficiente (e só isso) pelos Conselhos
Estaduais de Educação, relativa à
educação de excepcionais, receberá por
parte do Estado tratamento especial
através de bôlsas-de-estudo, empréstimos
e subvenções." Por esse artigo, dentro de
alguns anos, teremos milhares de obras
de iniciativas "caridosas". O Estado tem
muito o que fazer com seu dinheiro.
Permitamos que a ca-
ridade seja desprendida, pura, total,
integral; nada de auxílio do Estado, que
viria, inclusive, comercializar a caridade.
Caia o art. 89, todo êle, como medida de
prevenção e para permitir que os
benfeitores (e existem muitos) façam sua
obra simplesmente.
Título XI — "Da Assistência Social
Escolar" — Dois artigos existem a
respeito da Assistência Social, assistência
essa prevista pela Constituição de 46.
Todavia, são supérfluos. A assistência
social escolar é de extrema importância e
a lei, para não ultrapassar seus limites,
deveria, tão-sòmente, transferir aos
sistemas de ensino essa incumbência. Ao
invés de fazer dois artigos plenos de
verborreia, deveria definir a assistência
social escolar e prever a sua realização
pelos sistemas.
Título XII — "Dos Recursos Para a
Educação" •— O título foi elaborado
seguindo o que dispõe o art. 3, I e II,
obedecendo a uma interpretação
destorcida ido parágrafo único do art. 2º.
Para facilitar a leitura e compreensão
desta parte dos comentários,
transcrevemos parte dos artigos do Título
XII (Dos Recursos Para a Educação), e
que estão intimamente relacionados com
a crítica feita:
"Art. 92 (...). § 1º — Com nove
décimos dos recursos federais destinados
à educação, serão constituídos, em
parcelas iguais, o Fundo Nacional do
Ensino Primário, o Fundo Nacional do
Ensino Médio e o Fundo Nacional do
Ensino Superior."
§ 2º — O Conselho Federal de
Educação elaborará, para execução em
prazo determinado, o Plano de Educação
referente a cada Fundo."
"Art. 93 — Os recursos a que se
refere o art. 169, da Constituição Federal,
serão aplicados preferencialmente na
manutenção e desenvolvimento do
sistema público de ensino de acordo com
os planos estabelecidos pelo Conselho
Federal de Educação e pelos Conselhos
Estaduais, de sorte que se assegurem:
1) o acesso ã escola de maior
número possível de educandos", etc.
"§ 1º do art. 93) — São consideradas
despesas com o ensino:
a) as de manutenção e expansão do
ensino;
b) as de concessão de bôlsas-de-
estudo;
O (...);
d) as de administração federal,
estadual ou municipal de ensino, in-
clusive as que se relacionam com
atividades extra-escolares, de finalidade
educativa imediata."
"Art. 94 — A União proporcionará
recursos a educandos que demonstrarem
necessidade e aptidão para estudos, sob
duas modalidades;
a) bolsas gratuitas para custeio
total ou parcial dos estudos;
b) financiamento para reembolso
sob forma de bôlsas-de-estudo, (...)."
"Parágrafo 4' (do art. 94) — As
bolsas aos alunos do curso primário serão
concedidas sem caráter competitivo
(....)."
"Art. 95 — A União dispensará a
sua cooperação financeira no ensino sob
a forma de:
a) subvenção, de acordo com as lei
especiais em vigor;
b) (...);
c) financiamento a estabeleci
mentos mantidos pelos Estados, Mu
nicípios ou particulares, para a com
pra, construção ou reforma de pré-
dios escolares e respectivas instalações
e equipamento."
Como não poderia deixar de ser, aqui
atingimos o ponto nevrálgico do projeto;
ponto culminante, mormente porque,
afinal de contas, o ensino no Brasil
carece, sim, de planejamento, de
previsões, tem deficiência de métodos,
acrência de professores, mas tudo isso é
devido a uma carência de dinheiro, a uma
negligência do poder público em fornecer
os recursos necessários, à falta de critério
e honestidade na distribuição dos fundos
do ensino, a uma falta total de
responsabilidade pela educação e de
consciência do processo educativo. E
para a educação o pouco dinheiro que é
vinculado per-de-se, dispersa-se, nunca
chegando integralmente à meta
necessária.
Queremos, ainda, fazendo um re-
trocesso, firmar nosso ponto-de-vista de
que é atribuição de uma lei de ensino,
prever, no seu contexto, o destimo — não
só da renda federal — mas também
daqueles 20% que a Constituição prevê
no que toca ao Município e às unidades
federativas. Como ocorre atualmente, os
Estados e os Municípios vêm fracionando
em três partes suas receitas para o ensino;
a União também em três partes; resulta
haver, no final, uma distribuição sem
equidade entre os três níveis do governo e
os três graus de ensino, de acordo com
suas necessidades. Assim, ao lado do art.
42 do projeto, deveríamos ter, após o seu
parágrafo 1", outros parágrafos que se
referissem à distribuição da receita
estadual e municipal. Previsto o fato de
modo elementar e fundamental na lei, não
estaríamos, de modo algum, invadindo
seara alheia mas unicamente evitando que
verbas sejam desviadas para setores
supérfluos em detrimento de setores mais
necessitados e a quem a verba especifica
do Município ou do Estado deve atender.
Temos, como exemplo, o caso dos
Municípios que vêm desviando dinheiros
para a construção (sem planejamento e
necessidade) de faculdades.
Art. 92 — Parágrafo 1º — Como as
estatísticas têm provado, os três graus de
ensino despendem quantias não
equivalentes; o ensino primário é aquele
que mais onera a receita global da Nação;
a êle, pois, deve ser dada prioridade no
rateio (conside-rando-se ser o ensino
fundamental, comum e que deve atender
a todos). Quanto ao que dispõe o
parágrafo 1º, cremos inconveniente a
constituição dos três graus em parcelas
iguais; o fundo nacional do ensino médio
e o fundo nacional do ensino superior. E
do conhecimento geral que, na receita da
União, o rateio do ensino primário é
inferior aos demais, sendo o mais
favorecido o ensino superior. Mesmo
assim, é bastante usar o bom-senso para
compreender que a distribuição dos 9/10
da receita deve ser feita segundo a
solicitação e necessidade de cada grau do
ensino, obedecendo-se a uma
hierarquização; não se deve, pois,
estabelecer "quantos" rígidos ou fixos
para cada grau. Especifique-se que o
rateio será feito segundo uma hierarquia,
segundo as necessidades previstas por um
planejamento. O parágrafo apresenta um
inconveniente (ao lado da conveniência
de o ensino primário ser favorecido pela
União) de o ensino secundário receber
uma dotação que vai muito além das suas
necessidades.
Mais uma vez frisamos a necessi-
dade de especificar-se que a receita da
União deve ser encaminhada dire-
tamente ao MEC, que aplicara, segundo
planejamentos, objetivamente, os
recursos com a educação; evitaremos
assim a dispersão e os desvios.
O art. 93 estabelece: "Os recursos a
que se refere o art. 169 da Constituição
Federal serão aplicados,
preferencialmente, na manutenção e
desenvolvimento do sistema público de
ensino, de acordo com os planos
estabelecidos pelo Conselho Federal e
pelos Conselhos Estaduais de Educação,
de sorte que se assegure, etc". Os que
argumentam pela aprovação integral
deste projeto, estribam-se neste artigo
para dizer que êle (o projeto) não
desampara a escola pública. Pois bem: se
os recursos da União fossem distribuídos
50% para a escola pública e os outros
50% para a escola particular (ou bolsas,
empréstimos, subvenções, etc), teríamos
uma distribuição equitativa; agora, desde
que a escola pública receba 51% teremos
uma distribuição preferencial; de sorte
que a palavra "preferencialmente" dado o
todo do projeto, não protege a escola
pública. O artigo, definitivamente, deve
ser redigido: "Os recursos (...) serão
aplicados na manutenção e de-
senvolvimento do sistema público de
ensino, etc".
Continuando o art. 93: "de sorte que
assegure: 1") o acesso à escola do maior
número possível de educandos", etc, e 3º:
"São consideradas despesas com o
ensino: a) as de manutenção e expansão
do ensino (não se refere se é público ou
particular) ; b) as de concessão de bôlsas-
de-estudo". E o parágrafo 3" do art. 94:
''Os Conselhos Estaduais (...) fixarão o
número e os valores das bolsas de acordo
com o custo médio do ensino oficial
em relação
à população em idade escolar; b)
organização das provas de capacidade,
sob condições de autenticidade e
imparcialidade que assegurem opor-
tunidades iguais para todos", etc. Fi-xa-
se, aqui, o comércio de ensino e o amplo
regime de bolsas.
O assunto, bastante complexo,
mereceu um comentário especial e um
estudo comparativo. Como ocorre
atualmente com os colégios públicos, os
candidatos são submetidos a rigorosas
provas de seleção. Acontece, porém, que
os elementos classificados são aqueles que
mais meios tiveram para preparar-se (e
que, em média, podem não ser os mais
aptos ou inteligentes), isto é, aqueles que
mais tempo e melhores condições
acessórias tiveram para estudar; aí estão
incluidos os filhos das famílias abastadas
e alguns da classe média. Assim sendo, —
e a experiência tem comprovado isto, —
somente os que realmente não têm falta
nem insuficiência de recursos são os que
logram um lugar ao sol do
estabelecimento público, gratuito. Os que
realmente necessitam são desclassificados
e, assim sendo, salvo a custo de grandes
sacrifícios, não conseguem estudar. O
regime de bolsas que a lei estabelecerá,
condicionará o seu recebimento a um
prévio exame de seleção. Nada mais
injusto. A situação permanecerá idêntica
àquela exposta com os colégios públicos.
E ainda, a administração do sistema de
distribuição de bolsas gerará, como tem
gerado, injustiças, fraudes,
intermediarismos, etc. Conclusão: aqueles
que realmente são necessitados (tenham
falta ou insuficiência de recursos)
continuarão sem receber ensino gratuito.
As bolsas e as escolas públicas (do grau
médio e do superior) existirão para
atender
àqueles que poderiam, e muito bem,
pagar seus estudos. Por outro lado, a
solução do problema através de bolsas,
para as condições do Brasil, é
inaconselhável; é um mero palea-tivo, um
contiuísmo ou ainda uma agravante da
situação, que já é desesperadora, isto
porque, enquanto o erário se consome
distribuindo bolsas (em número que
ninguém pode prever), o Estado cai numa
situação embaraçosa, de impossibilidade
de ampliar sua rede de escolas, impede
que o Estado crie um património de
ensino, património esse que, dentro de
uma década de honestidade, de boa
vontade, e de fé na educação, poderá
proporcionar ensino para todos, gratuito,
melhor que o existente, e que abre suas
portas a todos.
Adicionemos ainda a estes co-
mentários o fato de os estabelecimentos
públicos (que o Estado deve procurar
ampliar) de ensino proporcionarem a seus
alunos — e isto é uma vantagem
meritória, — amplos laboratórios,
aparelhos para práticas, etc. Esse
equipamento de ensino, salvo raríssimas
exceções, não é encontrado nos
estabelecimentos particulares, dado o seu
alto custo.
Em suma: o sistema de bolsas que se
quer implantar não é uma solução, mas
sim uma regressão; permitirá o
estagnamento do ensino médio e superior
e permitirá, mais ainda, a perpetuação do
acesso dos privilegiados em detrimento
daqueles que realmente carecem de meios
para educar-se.
Não sendo em função de uma
interpretação destorcida ou unilateral do
parágrafo único do art. 2º (à família cabe
escolher, com prioridade, o género de
educarão a dar a seus filhos), pode existir
a distribuição de bolsas, com uma
regulamen-
tacão inteiramente diversa da que o
projeto contém, com caráter de número
de bolsas reduzidíssimo. Nessa nova
regulamentação, além de outros pontos,
deve-se frisar explicitamente que
concorrerão às bolsas (concorrerão —
observe-se o termo) somente aqueles que
provarem falta ou insuficiências de
recursos, o que quer dizer: os que têm
suficiência de recursos nem sequer
concorrerão as bolsas. E no que se refere
ao exame de seleção que existe e existirá
para o acesso às escolas públicas: somen-
te serão candidatos aos exames de
admissão, equêles que provarem falta ou
insuficiência de recursos. Os
educandários particulares chamarão a si e
suprirão as dificiências da rede de ensino
local, educando aqueles que tenham
meios para pagar sua educação — e
tendo meios, os colégios poderão mesmo
cobrar taxas e anuidades à altura de evitar
débitos, de modo que não necessitem de
assistência financeira do Estado. O
Estado, por sua vez, procurará construir
ampla rede de escolas, de sorte que nunca
seja necessário lançar mão do regime de
bolsas.
Art. 94 — § 4º — "As bolsas aos
alunos do curso primário serão con-
cedidas sem caráter competitivo, quando,
por falta de vaga, não puderem ser
matriculados nos estabelecimentos
oficiais." Todo este parágrafo deve cair.
E, antes de tudo, anti-constitucional. O
ensino de grau primário é gratuito para
todos. O Estado, dada a falta de escolas,
deverá então prover o número suficiente
de educandários. Pelo que a realidade nos
mostra, temos atualmente centenas de
milhares de crianças sem possibilidade de
serem matriculadas em escolas
oficiais, a maioria das
quais (ou totalidade) — e será fácil
compreender isto — não será brindada
com uma bolsa. Sob todos os aspectos,
este parágrafo do art. 94 é absurdo, e
deve ser suprimido.
O problema das bôlsas-de-estudo,
que é, juntamente com o do finan-
ciamento e o da subvenção, o mais grave
do projeto, merece mais uma
consideração, consideração essa fun-
damental, dada a interpretação unilateral
que se quer fazer do preceito "à família
cabe escolher, com prioridade, o género
de educação que deve dar a seus filhos",
conforme já frisamos. Não estamos
incorrendo em incoerência aceitando tal
preceito e ao mesmo tempo pugnando
pela extinção do amplo regime de bolsas
e contra a subvenção e financiamento,
porque: 1º — não existe diferença entre a
educação ministrada em um
estabelecimento oficial e em um par-
ticular no Brasil (e observe-se que o
projeto — da Declaração dos Direitos
Fundamentais do Homem, pela ONU —
refere-se à educação e não à escola); 2º
— o que estabelece o preceito,
corroborado pela Convenção da
Salvaguarda dos Direitos do Homem,
preocupar-se em impedir que o Estado
pregue, incuta no adolescente ou na
criança, uma filosofia de vida diferente
daquela que êle, pela família, possui —
filosofia essa emanada de preceitos
religiosos, políticos ou filosóficos
propriamente ditos; visa evitar que o
Estado passe ao totalitarismo na
formação do indivíduo, o que nunca
ocorrerá, com base na própria
Constituição de 46; 3º — a liberdade de
escolha do gênero de educação tem maior
importância porque consulta os interesses
de ordem religiosa; ora, o ensino re-
ligioso será livre, podendo ser minis-
10
trado inclusive nas escolas públicas; 4º —
a nossa família não está qualificada para
ter sob sua responsabilidade a escolha do
género de educação que deve dar à prole
(este documento não comporta uma dis-
cussão em torno deste particular), salvo
raríssimas exceções; 5' — a família
brasileira nem sequer se preocupa com
esse problema, dada a liberdade e a
liberalidade do nosso regime de ensino e
da nossa própria sociedade.
Pelo que procuramos expor, através
desta pequena crítica ao regime de bólsas-
de-estudo (e posteriormente ao
financiamento da escola pública, gratuita
e de todos, nunca conseguiremos o que
deseja o próprio projeto: "o acesso à
escola do maior número possível de
educandos; a melhoria do ensino e o
aperfeiçoamento dos serviços de
educação; o desenvolvimento do ensino
técnico-científico", nem hoje e nem
nunca.
Art. 95 — A União dispensará a sua
cooperação financeira ao ensino sob a
forma de:
a) subvenção de acordo com as leis
especiais em vigor;
b) assistência técnica visando o
aperfeiçoamento do magistério (...);
c) financiamento a estabeleci-
mentos mantidos pelos Estados, Mu-
nicípios ou particulares, para a compra,
construção e respectivas instalações e
equipamentos".
Pelo que expõem as letras acima, do
art. 95, ficam definitivamente, e para
todos os fins, equiparados os
estabelecimentos oficiais e os parti-
culares.
Ao que nos consta, salvo raríssimas
exceções e salvo publicações feitas após
dada a público a íntegra do projeto 2.222-
C (!), nenhum estabele-
cimento de ensino particular dá prejuízo a
seus proprietários; alguns consideram
mesmo o ensino como um bom comércio
— nós cremos que êle não é tão redondo,
todavia, proporciona lucros a quem a êle
dedica, sabendo trabalhar.
Assim sendo, em face dessa realidade,
por que então o Estado se prontifica
auxiliar os estabelecimentos particulares
através de subvenções e financiamento?
(Consulte-se a definição de
"financiamento", dada pela economia.)
Nunca poderemos permitir, e nisto
somos categóricos, que o ensino no
Brasil seja comercializado (e é bem este o
termo). Que as escolas particulares
existam, que cobrem anuidade, mas sem
prejuízo dos interesses da Nação e do
povo. A única forma, a única restrição que
admitimos neste particular, é o auxílio
da Nação através do pagamento do
professorado e através de fornecimento de
material escolar (especialmente livros) ao
educando. Formas lógicas, viáveis, e que
não dão margem a fraudes. Nunca,
porém desviar o dinheiro público para
compra de terrenos, construção de pré-
dios, etc, etc. Por este aspecto do
projeto, voltamos ao problema ne-
vrálgico: a construção do património de
ensino e a erradicação do analfabetismo, a
alfabetização total, e os meios para
proporcionar os demais graus do ensino,
além do primário, gratuito para quantos
provarem falta de recursos. A Nação mal
consegue conservar e fazer funcionar sua
rede de educandários; assim sendo,
como o atual fundo poderá ser desdobrado
(51% para o público — "pre-
ferecialmente" e 49% para o particular!)
para atender seu próprio campo de
ação e para subvencionar e financiar
particulares? Nunca con-
seguirá manter sua atual estrutura, que
dirá ampliá-la! E isso, para o Brasil, é
golpe de misericórdia.
Pensemos nos legítimos interesses da
Pátria e nas patentes necessidades do
povo, e saberemos que a escola pública,
pelo atual projeto, caminha para a força,
para a anemia; e, com ela, o povo
caminha para a ignorância e servidão,
com o regalo de poucos e com a
perpetuação da minoria privilegiada.
Nunca sejam entendidas as nossas
palavras como sendo contrárias à
existência da escola particular.
Admitimos que ela pode existir, como a
própria Constituição assegura. Mas não
condicionemos a sua sobrevivência e sua
hipertrofia ao sacrifício da escola pública
— esta pode atender e abrir as portas a
tantos quantos a procurem, sem distinção
social, racial, financeira ou religiosa; esta
procura educar o brasileiro, o brasileiro
para o Brasil e para a humanidade,
segundo uma filosofia de educação para o
desenvolvimento e de uma filosofia de
bem-estar comum e de democracia, ao
lado de qualquer filosofia de vida, que êle
traga consigo ou que a família queira dar-
lhe.
Das disposições gerais e transitórias
— Art. 105 — Somente através deste
artigo, o poder público se mostra disposto
a amparar o ensino na zona rural. Isto
deveria estar exposto no devido lugar.
Ainda, ao invés de se responsabilizar pela
instituição do ensino de ordem rural de
fixação do homem na zona rural (o que
vai lá um absurdo), propõe-se, mais uma
vez, passar a posição supletiva. O artigo
deve ser emendado.
Art. 108 — "O poder público co-
operará com as empresas e entidades
privadas para o desenvolvimento do
ensino técnico e científico". Achamos
necessário o artigo, todavia, cremos ser
necessário especificar-se também a forma
de cooperação, a qual nunca poderá ser
financeira. As empresas e entidades (?)
interessadas no desenvolvimento do
ensino técnico, certamente visarão
resultados imediatos e terão suficiente
amplitude de recursos para o custeio de
suas aspirações. O Estado deve, tão-
sòmente, estimular.
Art. 110 — "Pelo prazo de 5 anos, a
partir da data da vigência desta lei, os
estabelecimentos particulares de ensino
médio terão direito de opção, entre os
sistemas de ensino federal e estadual,
etc". Cremos que: 1º) o prazo é muito
longo para sua integração, sendo três
anos o suficiente; 2º) a escola particular
deverá ajustar-se às exigências locais, às
formas e administração de ensino locais;
por isso, julgamos absurdo o direito de
opção entre o sistema federal e o
estadual; o estabelecimento deverá
submeter-se, irremediavelmente, à
jurisdição e ao sistema estadual.
Art. 111 — "Nas escolas públicas
gratuitas, de grau médio ou superior, para
cada estudante devidamente matriculado
tocará uma bôlsa-de-es-tudo de valor
correspondente ao custo efetivo do
ensino, de acordo com a estimativa do
orçamento em vigor no estabelecimento".
Achamos melhor dizer que não
compreendemos o presente artigo, É
excessivamente absurdo ou incorente
para ter algo de compreensível.
E para encerrar este breve co-
mentário, tratemos dos "exames de
suficiência", que somos obrigados a
admitir a sua existência.
Arts. 115 e 116 — que regulamen-
tam os exames de suficiência. Estes
exames, quer para o magistério de
grau primário, quer para o de grau médio,
só devem ser feitos em estabelecimentos
oficiais, e nunca em estabelecimentos
particulares, o primeiro em institutos de
educação ou escolas normais; o segundo
nas faculdades de filosofia.
IV
CONCLUSÕES — REIVINDICA-
ÇÕES — SUGESTÕES
Conclusões:
O projeto longe está de ser bom; para
sermos benevolentes, admitimos que sua
revisão poderá torná-lo aceitável; para
sermos criteriosos, julgamos que êle só
ficará bom sendo feito novamente, isto
porque as emendas que se fazem
necessárias são, a nosso ver, as mais
importantes e que criam o espírito do
projeto. Sem a aceitação das sugestões
que apresentamos quer o projeto seja este
mesmo, quer seja um outro qualquer,
cremos que permanecerá o impasse.
O Projeto longe está de ser bom:
1º — por falta de unidade;
2° — por falta de estrutura de lei;
3º — por apresentar contradições e
omissões;
4º — por apresentar artigos que
atentam contra os interesses da Na-
cionalidade e do povo, por perpetuar e
ainda agravar o atual regime de ensino,
consagradamente falido.
Reivindicações:
Julgamos justas, pacíficas, lógicas e
principalmente de fundo democrático as
nossas reivindicações, cremos
convictamente na honestidade de nossa
posição, porque coaduna com os ideais
da Pátria e ainda porque se identifica com
o profundo
sentido de defesa daqueles que não
sabem responder pelos seus interesses e
suas necessidades: os 3/4 da nossa
população. Reivindicamos:
— volta do projeto de lei n. 2.222-
C à Câmara dos Deputados, onde:
2º — deverá o projeto receber
emendas, retificações, cortes de artigos,
adições, segundo as gestões que têm
surgido dos quatro cantos do País,
segundo as sugestões que os estudantes
mineiros fazem por este Documento;
3º — deverá o projeto, finalmente,
passar por uma comissão de re-dação,
onde, além de se consolidar a sua
unidade, receberá estruturação de lei e
disposição linguística condizente.
Sugestões:
1º — que se inclua na lei a norma
proibitiva da segregação racial, religiosa,
política e social.
2º — que se retifiquem totalmente a
redação e o espírito do art. 3º, que
assegura o direito à educação, de modo
que: I — o Estado tome a
responsabilidade capital de ministrar
ensino, assegurando a liberdade ao
particular nos termos: "pela obrigação do
poder público em ministrar o ensino dos
diferentes ramos, sendo livre (ou é livre)
à iniciativa particular, etc"; II — que se
assegure o princípio da gratuidade para o
ensino primário, e gratuidade para os
demais graus quando da falta ou
insuficiência de meios do educando, nos
termos: "pela obrigação do poder público
de ministrar ensino de grau primário
gratuito para todos, sendo o ensino oficial
ulterior ao primário gratuito para quantos
provarem falta ou insuficiência de re-
cursos".
3º — que se dê nova redação ao art.
, subtraindo-se a parte que se refere ao
"monopólio estatal": na nova redação
substitua-se a expressão "transmitir
conhecimentos".
4º — que se cancele integralmente o
art. 5º ou no máximo se dê direito à
representação nos Conselhos Estaduais
somente a estabelecimentos públicos de
ensino, e nunca direito aos
estabelecimentos particulares.
5º — que se inclua no título m á.
liberdade de cátedra, como fixa a
Constituição.
6º — que se de maiores poderes e
atribuições ao MEC (que exerce as
atribuições do poder público) e ao
mesmo tempo se reduza o vasto campo
do setor administrativo e financeiro do
Conselho Federal de Educação.
7º — que o C.P.E. seja composto de
elementos de nomeação direta do poder
público (federal), que escolherá entre os
cidadãos de maior valor no setor
educacional do País os conselheiros,
podendo, em tese, ser observada a
representação regional.
8º — que se fixe, claramente, que a
receita a que se refere o art. 169 da
Constituição será vinculada dire-tamente
ao MEC, e que se preestabeleça o destino
(segundo os graus de ensino e segundo os
níveis de governo) dos 20% dos Estados
e dos Municípios.
9º — que se preveja somente a
criação do órgão de administração
estadual, e não fixando o conceito de
"Conselho Estadual".
10º — que se de ao C. F. E. função
unicamente consultiva e técnica.
11º — que se cancele a letra g do art.
9º e que se dê nova redação à letra f do
mesmo artigo.
12º — que se retifique radicalmente
o art. 10 (cf. art. 5º); na nova
redação deverá estabelecer-se que o
órgão estadual será composto de ele-
mentos de notória e demonstrada ca-
pacidade no setor do ensino, e de
nomeação direta do poder público
(estadual) — os conselheiros nunca
poderão estar ligados, direta ou in-
diretamente, a estabelecimentos par-
ticulares de ensino.
13º — que a lei seja simplificada no
seu todo quando se refere aos serviços de
registros, etc, visando redução da
burocracia e redução do empreguismo;
corte do artigo 17.
14º — que se dê nova redação ao art.
18, prevendo-se a reprovação justificada.
15º — que se faça revisão total no
que dispõe o art. 21 e seus parágrafos 1º e
2º, devendo ser abolido também o
espírito comercialista da "escola pública
autónoma" e o auxílio pelo poder
público.
16º — que se crie, definitivamente, o
Exame de Estado, exame esse que será
realizado tão-sòmente no final de cada
ciclo ou curso.
17º — que se dê nova redação ao art.
22, prevendo-se o caso de estudantes
noturnos e de estudantes com defeitos
físicos.
18' — que se libere a escola pré-
primária; cancele-se o auxílio pelo poder
público (art. 24).
19º — que se faça revisão total do
art. 30 e que não se oficialize a
possibilidade de a criança deixar de
receber educação primária por ser pobre,
etc; cancelem-se as letras a, b e c.
20º — que se estabeleça a duração
do ano escolar primário com 6 anos na
zona urbana e, na impossibilidade de 6, 4
na zona rural.
21º — que se estabeleça para o
ensino primário a duração de 6 horas.
22º — que se faça revisão, em vir-
tude da contradição existente, nos artigos
21, 83 e 85.
23º — que se preveja a gratuidade
do ensino primário.
24º — que se estabeleça a duração
(art. 83-1, o) do ensino médio para 240
dias (8 meses).
25º — que se cancele o art. 39, cujo
assunto ficará a cargo dos diversos
sistemas de ensino; sugerimos o
cancelamento do artigo em questão, em
face do que dispõe.
26º — que se especifique, na lei, a
punição dada a professor (do ensino
médio) faltoso ou que não cumprir a
totalidade dos programas.
27º — que se dê nova redação à letra
c do art. 40, que prevê receberem os
cursos noturnos "estruturação própria".
28º — que se cancele o art. 42, por
ser absurdo e que legisla coisa fora do
âmbito de uma lei de diretrizes e bases.
29º •— que sejam revistos comple-
tamente os 5 artigos que se referem ao
ensino técnico-profissional; que se dê
maior assistência, maior amparo e maior
estímulo ao ensino industrial e agrícola;
que se preveja o incentivo à dedicação
aos estudos destes ramos, etc.
30º — que se cancele a equivalência
entre "regente de ensino primário" e
"professor primário".
31º — que a lei tome a si a res-
ponsabilidade de estimular o exercício do
magistério e de melhorar a qualidade do
ensino e reduzir, assim, o alto índice de
reprovações e evasões escolares
primários.
32º — que se cancele o que dispõe o
art. 74 e 75 — III e § 2º com respectiva
alínea, sobre o provimento de cátedra
através de transferên-
cia de professor de outro estabele-
cimento.
33º — que se verifique a consti-
tucionalidade dos §§ 2º e 3º do artigo 73.
34º — que se retifique o que dispõe
o art. 81, sobre a constituição das
universidades em autarquias e fundações.
35º — que se conserve o art. 78 e
que inclusive preveja a oficialização dos
grémios ou diretórios acadêmicos.
36º — que a lei chame a si a
responsabilidade de controlar a criação
de novas faculdades, evitando a epidema
que invade o Brasil.
37º — que se cancele o art. 89,
permitindo, assim, a realização da
"verdadeira caridade".
38º — que se dê nova redação ao §
1º do art. 92, prevendo-se a distribuição
hierarquizada dos 10% da receita da
União, de acordo com aa necessidades de
cada grau de ensino.
39º — que se cancele tudo que se
refere à comercialização do ensino,
subvenções, financiamentos e em-
préstimos.
40º — assim sendo, que se cancele
ou que se dê nova redação ao § 1º, e
respectivas letras, do art. 93 —
especialmente letra a e b.
41º — que se cancelem as letras a e
c do art. 95.
42º — que se dê nova redação a todo
art. 94 — cancele-se no mesmo o seu §
3º.
43º — que se cancele totalmente o §
4º do art. 94.
44º — que a lei, a caráter precário,
restrito e controlado, estabeleça a
existência de bôlsas-de-estudo (para o
ensino médio e superior), can-celando-se
tudo o que existe a res-
peito no projeto, sendo observada as
seguintes condições:
a) o regime de bolsas não é ca-
minho para a solução do problema do
ensino no Brasil (ao lado do fi-
nanciamento e subvenções, tolherá
completamente a construção do "pa-
trimónio de ensino");
b) as bolsas não podem ser dis-
tribuídas a rodo;
c) as bolsas só serão distribuídas
em caráter excepcional;
d) que se preveja a distribuição de
bôlsas-de-estudo no estrangeiro, e de
aperfeiçoamento de estudos superiores;
e) quando o Estado receber a
solicitação de bolsa, deverá encaminhar o
interessado a colégios ou faculdades
públicas;
f) o Estado deve preocupar-se em
constituir seu património educacional e
não asfixiar a sua realização;
g) em última instância, quando se
fizer a distribuição de uma bolsa, se fôr
isto admissível, que a concessão se
submeta ao critério de sele-ção "somente
entre os que provarem falta ou
insuficiência de recursos", e não a todos.
45º — nos estabelecimentos públicos
de ensino (médio e superior), o exame de
seleção obedecerá o mesmo critério
acima exposto; só poderão concorrer
aqueles que provarem, previamente, falta
ou insuficiência de recursos; não havendo
o preenchimento de vagas, abrir-se-á
novo concurso, ao qual todos poderão
candi-datar-se.
46º — cancele-se o art. 111, o artigo
é confuso quando confrontado com o que
diz de "bôlsa-de-estudo". O assunto deve
e pode ser regulamentado pelo regimento
interno da faculdade ou colégios que,
consulta-
da a sua dotação, fixará um número
limitado de bolsistas (de caráter de
mérito).
47º — que se dê maior atenção ao
ensino ministrado na zona rural, previsto
elementarmente no art. 105; retifique-se
o referido artigo. Reti-fique-se, da mesma
forma, o art. 108.
48º — que se dê nova redação ao art.
110; a escola particular integrar-se-á no
sistema de ensino local, e essa integração
poderá ser exigida a partir do 3º ano.
49º — que se estabeleça o regime de
tempo integral para os professores de
curso superior, estabelecimento esse
integral e não como quer ser controlado
pelo § 7º do art. 74.
50º — que sejam retificados os arts.
115 e 116: os exames de suficiência só
devem ser realizados: para o ensino de
grau médio, em faculdades de filosofia
oficiais; para o ensino de grau primário,
em ins-tituos de educação ou escolas nor-
mais oficiais, e nunca em particulares.
Este "Parecer" foi aprovado pelo VIII
Conselho Estadual dos Estudantes de
Minas Gerais, realizado em Belo
Horizonte, de 20 de março a 2 de abril,
sem voto discrepante.
PROFESSORES DE FILOSOFIA E
A LEI DE DIRETRIZES E
BASES
Em documento encaminhado ao Sr.
Presidente da República, 28 pro-
fessôres da Faculdade de Filosofia
de 8. José do Rio Preto tomam
posição diante do projeto de lei em
andamento no Senado:
Ao excelentíssimo Senhor Presidente
da República.
Os professores, abaixo-assinados, da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
de São José do Rio Preto, Estado de São
Paulo, sentem-se no indeclinável dever
de apresentar a Vossa Excelência sua
veemente desaprovação ao Projeto sobre
Diretri-zes e Bases da Educação
Nacional, aprovado, em momento de
desfalecimento democrático, pela
Câmara Federal. Nem poderiam eles
alhear-se do movimento generoso que le-
vanta estudantes, professores, escritores,
pais de família, sindicatos, profissionais
da imprensa e do rádio, na defesa das
tradições republicanas do ensino
brasileiro.
Depois de longos anos à espera de
uma lei orgânica que colocasse a escola a
serviço das grandes tarefas que lhe
cabem no desenvolvimento material e
moral do País, eis que sucessivas
capitulações descaem em um projeto
ideologicamente retrógrado e
tecnicamente inepto. Ideologicamente
retrógrado porque, no momento em que
as concepções liberais de educação se
aperfeiçoam para poder competir,
vitoriosamente, nas condições políticas
do mundo atual, retroage a posições
antiliberais em matéria de ensino.
Tecnicamente inepto porque, além de
apre-sentar-se como um amálgama
confuso de normas gerais e regulamentos
particulares, além de violar, reinterpretar
ou elidir mandamentos constitucionais,
além de ignorar conquistas modernas de
pedagogia e consagrar formas de ensino
demonstradas obsoletas pela própria
experiência brasileira, elimina a possi-
bilidade de uma planificação racional dos
recursos e objetivos nacionais em
matéria de educação, me-
dida indispensável para a superação do
subdesenvolvimento cultural do povo
brasileiro.
A nossa lei maior define o indivíduo
como a pessoa jurídica e ôntica final, sob
o critério da qual se legitimarão todo os
atos. O projeto, que visa dar às escolas
particulares regalias públicas, sem perda
do seu caráter privado, consagra a família
como pessoa jurídica a critério exclusivo
da qual se processariam todos os atos
educativos. Desta posição que, além de
totalmente inconstitucional, impossibilita
qualquer integração harmoniosa da
família e do Estado, decorrem duas
consequências igualmente nefastas. A
primeira permite que grupos particulares,
ar-rogando-se a representação da família,
assumam a orientação moral e política da
educação pública e imponham suas
convicções, por mais intolerantes e
anacrónicas, como norma geral na
formação das gerações ascendentes. A
segunda assegura a grupos, igualmente
privados, se apossarem do dinheiro
público para financiar suas incursões
comerciais na seara do ensino. Tanto é
assim, que o projeto estabelece, com
minúcia de portaria, estes dois supostos
direitos, cria Conselho Federal e
Conselhos Estaduais de Educação a
serem compostos, majorità-riamente, por
representantes do ensino particular,
outorgando ao Conselho Federal tais
poderes que o transformam em
superministério. O critério corporativista
de composição do Conselho Federal fere
o princípio constitucional de
representação di-reta e pessoal na defesa
dos interesses individuais e retira do
Poder Executivo nacional, de tipo
presidencialista, a faculdade básica de
imprimir à política da educação as di-
retrizes emanadas da opinião Pública. O
critério regionalista na eleição dos
conselheiros, além de assegurar ao ensino
particular uma representação dominante,
avaliará o mérito de nossos educadores
por critérios geográficos.
O projeto autoriza o desvio de
verbas do orçamento do ensino, já
de si insuficientes para a constru
ção de escolas públicas gratuitas, em
todos os graus, para todos quantos
não tiverem recursos, como manda
a Constituição, a fim de financiar
escolas particulares, cujo primeiro
objetivo é o lucro. Este financiamen
to, decidido e concedido pelo mes
mo Conselho Federal, vai desde o
empréstimo para a construção, ins
talação e manutenção dos edifícios
até ao pagamento de mensalidades
sob a forma de bolsas a serem con
cedidas aos alunos, na escola que o
aluno desejar, sem nenhuma garan
tia real de reembolso. E de ressal-
tar-se que o projeto teve o cuidado
prévio de retirar, do poder público,
toda a possibilidade de aferir o ren
dimento escolar de tais escolas e
tais alunos, mediante fiscalização
adequada e exigência de exames de
Estado. º
Estas disposições ameaçam tanto a
liberdade de consciência, de pesquisa e
ensino, apanágio glorioso de escola
pública, universal e gratuita, quanto à
organização contábil do serviço público,
ambas amparadas pela Constituição da
República. Representam o fortalecimento
de um ensino de classe e, em alguns
casos, de casta, como o dinheiro
arrecadado do povo brasileiro, que verá
excluído das escolas que êle mesmo, à
custa do seu sacrifício diário, construir e
mantiver. O projeto não
transcreve, sequer o preceito cons
titucional que assegura a liberdade
de cátedra e na sua redação foi
eliminada uma disposição de projeto
anterior, segundo a qual seriam coi
bidos na educação nacional, não só
tratamento desigual por convicções
filosóficas, mas também preconceitos
de classe, religião ou raça. Como
pode Vossa Excelência verificar, tra-
ta-se de um projeto de educação para
subdesenvolvimento, pois a eman
cipação do País exige a elevação rá
pida do rendimento produtivo per
capita e este não se dará sem opor
tunidades educativas oferecidas a
todos. ,
O projeto, contrariando ordenação
expressa da Consttiuição, não estatui o
ensino primário como gratuito e
obrigatório. Não define quais sejam as
diretrizes pedagógicas do ensino
primário, médio e superior, no que deverá
ser cuidadoso e explícito, limitando-se a
generalidades sem nenhum significado
prático. Não se dispõe a extinguir o
analfabetismo da metade da população
brasileira. Não altera a estrutura colonial
do ensino médio, nem se lembra de criar
um sistema nacional e público de ensino
técnico-industrial capaz de atender às
imperiosas exigências de uma sociedade
que, ou se industrializa aceleradamente,
ou caminha para a miséria. Não se dispõe
a reorganizar o ensino superior, de ma-
neira a habilitá-lo a prover tanto às
necessidades de um ensino médio
modernizado quanto às tarefas que lhe
cabem no desenvolvimento material do
País e na descolonização da inteligência
nacional.
O projeto adia, de maneira inde-
finida, a solução do problema da for-
mação profissional específica para
o magistério, rebaixando as exigências
mínimas, já de si insatisfatórias, da
legislação em vigor.
Mantendo tradições educativas
superadas e corporificando-as em uma
sistemática estranhamente corporativista,
o projeto não resolve o problema de
descentralização administrativa e da
centralização ideológica do ensino. As
soluções que apresenta configuram graves
ameaças à unidade de formação da
consciência nacional, especialmente
quando a di-reção axiológica e a
manipulação orçamentária da educação é
entregue à iniciativa privada, o que acar-
retará, inevitavelmente, disputas dou-
trinárias e a pulverização dos recursos do
Estado. Será conveniente lembrar que o
sistema educativo dos Estados Unidos da
América do Norte, pais onde a iniciativa
privada se apresenta como a constelação
mais forte de poder e de orientação, entra
em crise, nas condições atuais de
competição internacional, precisamente
devido à ausência de uma planificação da
educação como função eminentemente
nacional e pública. O que aconteceria no
Brasil, país onde o Estado ainda constrói a
nação e onde conflitos de interesses
dividem as próprias classes dirigentes?
Deverá o Estado brasileiro mutilar a
escola na sua função criadora de uma
consciência nacional autónoma, original e
moderna, apenas para aplacar grupos
inconformados com as disposições
constitucionais que garantem, na escola
pública, a liberdade de pesquisa e ensino,
e somente para satisfazer o apetite voraz
de mercadores que traficam com o que
deverá ser um bem comum?
Não podemos crer que tal crime se
consume contra os interesses maiores da
nacionalidade, que se confundem, hoje,
com a democratização da educação e da
cultura.
Nós, professores democratas, que
trabalhamos em uma Faculdade nova, do
Interior de São Paulo, para vincularmos a
educação aos problemas reais do País e
da vida diária de nossos alunos,
reafirmamos nossa solidariedade à escola
pública, gratuita e universal, a única que
assegure liberdade de ensino e pesquisa, a
única que não permite preconceitos de
classe, raça ou religião, escola que só não
admite a intolerância, porque, mantida
com o dinheiro de todos, é de todos.
Repetimos o projeto de degradação
da escola pública em bloco, pois toda a
sua inspiração é antidemocrática e sua
formulação, inconstitucional e anacrónica.
Não podemos tran-sacionar com o direito
à liberdade de consciência e nem com o
direito de todo o povo e toda a educação,
nem como a determinação do Brasil de
libertar-se das dependências humilhantes
do subdesenvolvimento. — aa) Wilson
Cantoni, Michael Lowy, Carlos Funari
Prosperi, Sarah Rot-teriberg, Carlos de
Assis Pereira, João Jorge da Cunha,
Orestes Nigro, Anoar Aiex, Rodolpho
Azzi, Hélio Leite de Barros, Mércia
Scarano, Estevão Nador, Norman
Maurice Pot-ter, Alberto Barbosa Pinto
Dias, José Aluysio Reis de Andrade,
Celso Abba-de Mourão, Daud Jorge
Simão, Geraldo Marcondes Meirelles
Filho, Luiz Dino Vizotto, Roberto
Nogueira Cardoso, Fahad Mousés Arid,
Hermione Elly Melara, Flávio Vespasiano
Vi Giorgi, Jamil Amansur Haddad, Maria
Edith do Amaral G-arboggini,
Nancy Isabel Campbell, Casemiro dos Reis
Filho, José Luiz Beraldo. — São José do Rio
Preto, 21 de abril de 1960.
PRONUNCIAMENTO DE CIENTISTAS
BRASILEIROS SOBRE DIRETRIZES E
BASES
Os cientistas que participaram, em
Piracicaba, da XII Reunião da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência,
elaboraram apelo dirigido aos Srs.
Senadores, a propósito da tramitação do
projeto na Câmara Alta.
São estes os termos da proposição :
"Os cientistas brasileiros, reunidos em
Piracicaba, para a realização da XII Reunião
Anual da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC), cumprem o
dever de alertar Vossas Excelências sobre as
limitações e as presumíveis consequências
negativas do projeto de lei sobre Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, aprovado pela
Câmara dos Deputados e em tramitação nessa
Augusta Casa. O referido projeto de lei
mantém intacto o nosso obsoleto sistema de
ensino, que não prepara o homem para a era da
civilização científica e tecnológica, por ser
incapaz de ajustar as práticas educativas à
natureza ou às exigências intelectuais do
pensamento científico. Limitando-nos ao
essencial, cabe-nos ressaltar, especialmente,
que esse projeto de lei: 1) é lacunoso e omisso
no que diz respeito ao ensino médio, em geral,
e ao ensino secundário, em particular, pois
favorece a perpetuação de concepções
educacionais pré-cientificas, com os
objetivos, normas e técni-
cas pedagógicas correspondentes; 2) é
anacrónico e sob muitos aspectos inaceitável
no que se refere ao ensino superior, porque
consagra de forma regimental (!) um padrão de
labor docente que não associa o ensino à
pesquisa científica, à produção original e às
funções da ciência nas coletividades
modernas; 3) é perigoso, em virtude do destino
dado aos recursos oficiais a serem empregados
na esfera da educação, seja por abrir
perspectiva de emprego improdutivo e
dispersivo de recursos sabidamente escassos,
seja por colocar em pé de igualdade, de
maneira disfarçada, instituições aptas a
promover o progresso da pesquisa científica e
outras que são mais ou menos contrárias à
mentalidade científica.
Dadas as condições do desenvolvimento
da ciência no Brasil, pa-rece-nos que se impõe
escolher as soluções educacionais que favore-
çam a formação de cientistas e estimulem o
contínuo aperfeiçoamento de instituições
educacionais aparelhadas para este fim. De
outro lado, tememos que a dispersão dos esfor-
ços construtivos do Estado acarretará prejuízos
insanáveis. Os poderes públicos não têm
conseguido corresponder sequer às obrigações
contraídas com a fundação e com a
manutenção de centros de ensino e pesquisas
criados por sua conta e risco. Por isso,
apelamos a Vossas Excelências para que se
convertam em arautos dos interesses edu-
cacionais legítimos da ciência, retirando do
projeto de lei em questão falhas, ou omissões
clamorosas e estatuindo medidas que
coloquem o nosso sistema educacional a
serviço do progresso do conhecimento cien-
tífico. Esperamos que a prudência
de Vossas Excelências possa guiar-nos
sabiamente na escolha das melhores
soluções e que vossa coragem cívica vos
coloque ao abrigo de concessões que
ponham em risco o futuro da ciência no
Brasil".
OS ESPIRITAS E A ESCOLA
PÚBLICA
Realizou-se a 16 de julho ultimo, na
Federação Espírita do Estado de São
Paulo, a sessão de encerramento da
I Convenção Espírita em Defesa da
Escola Pública, ocasião em que foi
proclamada a seguinte Declaração
de Princípios definindo a posição
dos espíritas em face do problema
educacional:
A I Convenção Espírita de Defesa da
Escola Pública, reunida em São Paulo, de
11 a 16 de julho de 1968, apoiada e
integrada pelos órgãos de máxima
representação do movimento espírita
estadual, depois de examinar
atentamente, com a colaboração de
eminentes educadores de orientações
ideológicas diversas, a situação atual do
ensino e da política educacional no
Brasil, resolve:
a) Declarar lesivo aos interesses
nacionais, altamente atentatório às
conquistas democráticas da educação
brasileira e ao seu desenvolvimento, e
anticonstitucional o Projeto de Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
aprovado pela Câmara Federal e em
tramitação no Senado da República.
b) Manifestar sua esperança de que
o Senado rejeite essa nefasta propositura,
propiciando a necessária oportunidade à
Câmara Federal para reexaminar sua
posição, atual-mente comprometedora,
em face do problema básico da
educação.
c) Apelar aos partidos políticos, às
instituições representativas de nossas
forças econômicas, sociais e culturais,
seriamente ameaçadas pelas inevitáveis e
imprevissíveis consequências do referido
projeto, e a Sua Excelência o Sr.
Presidente da República, para tomarem
medidas urgentes de preservação do
nosso património educacional.
d) Apelar às bancadas paulistas na
Câmara e no Senado Federal, para que
tomem posição enérgica na defesa da
escola pública, do ensino livre e
obrigatório em todo o País, como único
meio possível de libertarmos o povo do
analfabetismo, da ignorância e da
miséria.
e) Formular a seguinte declaração
espírita de princípios educacionais que
define a posição dos espíritas paulistas,
em consonância com os de todo o País,
segundo a orientação doutrinária e as
manifestações individuais já efetuadas
por todo o território nacional, em face do
problema da educação:
1º) NO PLANO GERAL
I. Ensino livre, gratuito e edu
cação leiga, para toda a população,
através da escola pública, mantida
pelo Estado, segundo a política edu
cacional e a filosofia democrática
da educação consagrada pela Cons
tituição Federal.
II. Liberdade para a iniciativa
particular no ensino supletivo, em todos
os graus, desde que respeitados os
princípios democráticos e o caráter leigo
do ensino público, indispensável à
formação da unidade espiritual da nação,
em bases humanistas.
III. Exclusão urgente do ensino
religioso facultativo nas escolas públicas
e particulares, por constituir
fonte de discriminações e injustiças,
prejudicando os superiores objetivos
pedagógicos.
IV. Formação moral no ensino
leigo, como supletivo da família
através de normas éticas de ordem
geral e de educação cívica elevada,
com vistas à formação humanista.
V. Ensino de religião como ma
téria filosófica, noa cursos médios e
superior, sem qualquer tendência
sectária ou particularista.
VI Instituição de penalidades legais
para a prática de qualquer forma de
discriminação nas escolas públicas e
particulares, inclusive as decorrentes da
posição civil dos pais.
VII. Combate à evasão escolar no
curso primário, assegurando-se a sua
extensão a toda a população em idade
escolar.
VIII Instituição de medidas efetivas
de aproveitamento vocacional, a partir do
curso primário, superando-se, com os
recursos do Estado, os prejuízos
decorrentes dos desníveis econômicos-
sociais, no aproveitamento das aptidões
especiais.
IX. Incentivo do ensino técni
co, agrícola e da pesquisa científica,
através do planejamento adequado e
da instalação de escolas primárias,
médias e superiores especializadas,
em todo o País.
X. Aplicação rigorosa dos di
nheiros públicos na manutenção, de
senvolvimento e aprimoramento do
ensino público, sem qualquer des
vio de recursos para a escola par
ticular ou outras finalidades.
2º) NO PLANO DOUTRINÁRIO
XI. Ensino da doutrina espíri
ta, no lar e nas instituições doutri
nárias, através de cursos especiais,
como se faz atualmente.
XII. Instituição de cursos de extensão
cultural para jovens e adultos,
relacionados com a doutrina espírita, a
exemplo dos que são ministrados pelo
Instituto de Cultura Espírita do Brasil,
visando à boa formação cultural do meio
espírita.
XIII, Manutenção das escolas
espíritas existentes e criação de outras, no
maior número possível, como meio de
propiciar aos pais espíritas a
oportunidade de subtraírem seus filhos às
influências e à coação religiosa
imperantes na maioria das escolas
particulares, e até mesmo na escola
pública atual, minada pela excrescência
legal do ensino religioso facultativo.
XIV. Apoio e incentivo às ins
tituições de pesquisas científicas da
fenomenologia espírita, objetivando
o desenvolvimento constante das ba
ses científicas da doutrina.
XV. Esclarecimento constante da
opinião pública sobre o sentido e a
finalidade humanista do espiritismo,
como um momento histórico de tran
sição dos problemas sobrenaturais
para o plano do natural, enquadra
dos na sistamática racional das leis
que regem o universo.
UNIVERSIDADE, FATOR DE
DESENVOLVIMENTO NACIONAL
Assumindo a Reitoria da Universidade
de São Paulo a 16 de maio último, o
Prof. António Barros Ulhoa Cintra
proferiu no ato de vosse as seguintes
palavras:
No setor especializado de Meta-
bologia, para melhor investigar e
conhecer as doenças na intimidade das
células e dos mecanismos fundamentais,
fui obrigado a voltar à quí-
mica e, mais tarde, à física, tendo
sentido então, em toda a sua força, o
impacto do complexo e violento
progresso científico desse século sobre a
vida universitária. Este impacto ressoa
em todo o universo como uma explosão
irreal. O homem acardou, entre
aturdido e apavorado, de um sono
tranquilo de séculos num mundo novo,
onde ainda hoje é uma criança perdida.
Enquanto dormia, a ciência semeara, em
seu planeta, visões e fantasmas. Diante
deles, toda a estrutura em que
respousava vacila e ameaça ruir e destruí-
lo. Seus princípios filosóficos, suas
crenças, o conceito do bem e do mal, suas
convicções mais caras, a soberania de
suas pátrias, as fronteiras de suas
nações, a noção de família, a sua
própria sobrevivência estão ameaçadas e
se encontram em risco. A ciência parece
mais veloz do que seu espírito e êle não
sabe se a vida lhe concederá tempo
para aprender a viver em seu mundo
novo. Tem os olhos ainda mal abertos e a
mente embaraçada, acha-se estatelado
e confuso. Para salvar o homem, os
espíritos simplistas precronizam a li-
mitação ou a destruição da tecnologia,
como se a ciência desumanizasse, como se
a essência humana fosse mais pura e mais
plena no homem das cavernas, como se
o progresso material o brutalizasse e
a volta às selvas e ao barbarismo
constituísse condição indispensável ã
sobrevivência da espécie. Aos homens
de elite, na ciência e na cultura, aos
que criaram o crescente domínio do
homem sobre a natureza e seu sempre
maior império sobre o cosmo em que
nasceu, bem como as escolas e instituições
por êle responsáveis, compete agora o
ajustamento físico e moral, social,
intelectual e espiritual
do ser humano em relação ao mundo que
produziram. Por isso mesmo, a missão
das universidades adquire nova
concepção na vida do homem, deixando
elas de ser simples congregações de
escolas, para se constituírem na força
diretriz e impulsora da trajetória que a
espécie humana seguirá em seus destinos.
A MISSÃO DA UNIVERSIDADE
A primeira missão de nossa Uni-
versidade na ordem cronológica, é
estimular a pesquisa e difundir e orientar
a ciência. Qualquer que seja a concepção
de vida que se possa ter, a direção dos
acontecimentos obriga a um progresso
material e, para simples sobrevivência,
devemos ao menos nos equiparar ao dos
outros povos. É inegável que este
progresso se pode realizar hoje com
rapidez surpreendente, muito mais pelas
facilidades tecnológicas propiciadas pela
ciência do que pela visão extraordinária
dos homens de governo.
Quando se fundou a Universidade, as
dificuldades eram enormes, na razão
direta do estado incipiente de nosso
progresso científico. O simples
desenvolvimento da metodologia para
trabalho produtivo e o preparo preliminar
de tecnologia adequada exigiam imenso
esforço, pela necessidade de se
executarem todas as tarefas, desde as de
trabalho mais rudimentar até às con-
cepções mais altamente teóricas. A
ausência de técnicos, de auxiliares
preparados, de operários de laboratório,
obrigava os generais a fazerem também o
papel de soldados. Assim se iniciou, não
há muito, com uma plêiade de homens
incan-
sáveis, o espantoso progresso científico de
São Paulo. Logo em seguida, definiram-se
os campos de trabalho, formaram-se
técnicos capazes racionalizou-se o
trabalho científico, com delineamentos
prévios, métodos precisos, resultados
idóneos. O papel milimetrado, os gráficos,
as fórmulas matemáticas, os tubos de
ensaio substituíram a especulação e o
empirismo. O planejamento suplantou a
aventura. Com investigação própria,
adquirimos rapidamente consciência de
nossas possibilidades, senso crítico,
domínio do "como saber" e nos libertamos
do colonialismo intelectual em que
vivíamos. Qualquer programa de ação que
faça crescer a Universidade deve incluir,
em primeiro lugar, este incentivo ao seu
progresso material, a máxima satisfação
às suas exigências técnicas.
Não há conflito, muito ao contrário,
entre as preocupações de ordem
puramente cultural e as de ordem
material. Crescendo desordenadamente,
avançando em pontas de lança isoladas, o
organismo cultural do Brasil, quando a
Universidade se iniciou, dispunha apenas
de poucos setores dispersos. Faltava, a
nosso ver, mais do que cultura
humanística, a mentalidade científica.
Cultura geral, na acepção comum então,
quase excluía de seu seio a ciência
aplicada. Fazia-se distinção estrita entre a
ciência pura ou desinteressada e ciência
aplicada ou imediatista. A revolução
técnica fêz desabar as diferenças e as
divergências. Seria difícil traçar, hoje, os
limites entre ciência pura e aplicada, a não
ser pela adjetivação imprópria a ambas
imposta. Cultura e ciência não se
contrapõem, mas se fundem e se
confundem. Em nosso meio, o
crescimento da indústria de
São Paulo e do Brasil, a modernização de
sua agricultura, a racionalização de sua
administração torna-ram-se palpitantes
problemas técnicos a pôr em destaque a
tecnologia tantas vezes mal compreendida
quando se censurava a técnica pela téc-
nica, opondo-se o interesse por ela a
interesses superiores de ordem espiritual.
Um grande avanço resultou do
reconhecimento, em âmbito nacional, dos
elos íntimos que ligam a técnica à ciência
e, portanto, à cultura e não apenas ao
treinamento artesanal. Assistência
científica à tecnologia constitui problema
de suma importância nesta fase de evo-
lução do país. Da boa ciência resultara
boa técnica e como decorrência direta,
aquisição do "como saber" brasileiro, isto
é, as nossas próprias soluções aos
problemas, dentro das nossas próprias
condições.
As universidades brasileiras têm por
obrigação fomentar ciência, cultura e
ensino e formar a elite intelectual da
Nação. Neste sentido, as universidades
adquiriram raio de ação sem fronteiras.
Em toda parte multiplicam-se os institutos
especializados de pesquisas. As grandes
organizações industriais criam depar-
tamentos de investigação científica que
ultrapassam a esfera aparente de suas
necessidades imediatas. Surgem conselhos
governamentais de amparo à ciência.
Distribuem-se, através deles, incessantes
verbas para projetos diversificados e
atuam, desta forma, como estruturas capa-
zes de influir na própria orientação do
progresso científico. Programas de-
pesquisas em setores de interesse público
mais imediato ou mais aparente, como a
luta contra o câncer ou provisões de
defesa nacional, mobilizam enormes
recursos parti-
culares e governamentais. A própria arte
de governar vem-se tornando cada vez
menos arte e cada vez mais ciência. E
inevitável que a Universidade se
constitua no organismo capaz de atuar,
como força centrífuga, e de dar solidez,
forma e direção a tais empreendimentos
díspares. Entretanto, para desempenhar
este papel ela precisa, antes, in-tegrar-se
em si mesma.
Ao aceitar a responsabilidade que ora
assumo, acho-me bem consciente de que
a Universidade está ainda em fase de
adolescência e de que não vão longe os
ecos da pergunta de Armando de Sales
Oliveira a seu cunhado: "Que faria V. no
governo do Estado?" Da resposta de Júlio
de Mesquita Filho nasceram a
Universidade de São Paulo e a sua
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.
Planos, projetos, debates e concretização
foram acontecimentos rápidos e
sucessivos, animados pela pujança de São
Paulo. As diretrizes formuladas pelos
seus fundadores continham a marca
indelével que deverá constituir, sempre, a
espinha dorsal do organismo adulto.
Mas, em suas origens, em contrastes
com a da maioria das Universidades
europeias e americanas, compunha-se a
Universidade de S. Paulo de várias
instituições de ensino superior já
estruturadas em suas características de
isolamento, independência e
produtividade. Motivos de ordem
sobretudo tradicional e, às vezes,
didáticas, ditavam a separação de suas
várias disciplinas e instituições. Eram
elas estranhas entre si, repousando cada
uma em fundamentos diversos,
dependendo de métodos diferentes,
buscando fenômenos ímpares.
A necessária integração universitária
não se impunha, como não se deveria
impor, por medidas cer-ceadoras de seus
direitos e deveres. O espírito universitário
só poderia surgir, criado
espontaneamente, pela própria força
agregadora de superiores interesses
comuns.
Creio natural que ela tardasse, como
tardou. Com efeito, a própria tendência à
especialização, necessária para a pesquisa
e para aprofundar conhecimentos, pode
ser desagregadora, ocupando cada indiví-
duo todo o seu tempo em assunto
diferente daquele de seu vizinho. Este
fenômeno, próprio das fases de formação
das universidades, mesmo das
universidades mais antigas de velhos
países com altas tradições culturais, deixa
de existir quando surgem os interesses
comuns na estrutura básica das diferentes
instituições.
No mundo moderno, com a procura,
em praticamente todos os ramos da
biologia, dos processos bioquímicos e
físicos da vida, as barreiras se quebram e
as disciplinas se unem: Ciências
fundamentais para genética, biologia
geral, medicina, veterinária, agronomia
são as mesmas. Matemática, física e quí-
mica passaram a constituir o tripé sobre o
qual repousa o crescimento de qualquer
ramo especializado do conhecimento
científico.
Os instrumentos de trabalho, o
equipamento científico, os métodos de
estudo são os mesmos em ciências de
designação diversa. A obrigatoriedade de
intercâmbio e de trabalho comum é uma
lei a que a Universidade de São Paulo
não poderia fugir. Foi uma fortuna pa-
ra ela que seus fundadores tivessem
compreendido, desde sua origem, a
indispensabilidade de um elo unificador,
e criado, ao mesmo tempo, a Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras.
Admirável concepção da unidade
universitária e do espírito universitário,
se completou com a criação da Cidade
Universitária. Dá-se, assim, à unidade,
uma existência orgânica e concreta.
Somente a coexistência, no espírito e no
espaço, de estudantes e professores, de
homens de ciência, de filosofia e de artes,
poderá produzir a verdadeira vida
universitária, com suas limitadas
decorrências.
Equipamento material para as
disciplinas básicas, estímulo de toda
ordem para a formação de cientistas e de
pessoal técnico, apoio ininterrupto para as
pesquisas científicas, complementação da
Cidade Universitária, deverão ter
absoluta prioridade nesta gestão. Somente
assim, a Universidade de São Paulo
integrará o estágio preparatório para
poder cumprir as suas mais altas missões.
A outra missão da Universidade,
com primazia na escala hierárquica, é a
realização do bem e da felicidade do
homem dentro do mundo em que se está
criando.
A ciência não tem finalidade em si.
Tanto pode servir à estupidez como à
sabedoria humana. Ela é um meio e não
um fim, podendo tanto criar o bem como
o mal. A esfera de valores éticos se situa
dentro da sabedoria e não da ciência. O
fim espiritual é imortal nos séculos e na
espécie. Emana de valores essenciais
próprios ao homem
e do amor ao mundo em que vive.
Cultura, em seu sentido ético e
metafísico, é a definição destes valores
humanos, a satisfação de anseios
espirituais, a objetivação de suas
finalidades, a conquista dos caminhos do
belo, da compreensão, da bondade e do
amor. Um mundo científico destituído de
valores espirituais seria um universo de
monstros, de máquinas animadas, de au-
tómatos geniais. A própria ciência tem
sua origem irrompida do íntimo espiritual
da espécie humana. Ela nasceu no
coração dos homens que amaram o
mundo, e se apaixonaram pela beleza da
terra, dos mares, do espaço, dos astros;
que se condoeram com o sofrimento de
seus semelhantes, que se enterneceram
com o sorriso das crianças, a aflição das
mães, a tristeza e a morte dos entes
queridos. A aventura humana continuará
a ter, nos séculos de civilização científica,
os mesmos princípios, os mesmos fins, os
mesmos ideais. Subjugada a natureza que
o subjugava, senhor e não mais escravo, a
contemplação encantada dos mundos
novos não deverá apagar o respeito pelo
que êle tem de melhor dentro de si
mesmo nem estrangular os valores
imutáveis da vida espiritual ou deturpar
sua visão ética.
Na era da ciência, as Universidades
representativas das tendências culturais,
éticas e espirituais do homem têm de
assumir o papel de missionárias e para
isso criar, em seu seio, ao lado de
cientistas e artistas, filósofos e apóstolos,
preservando a sua essência perene de re-
positório máximo de saber, cultura e
idealismo.
11
REFORMA DO ENSINO INDUS-
TRIAL PAULISTA
O Prof. Osmar Sales Figueiredo, in-
tegrante da comissão incumbida de
elaborar a reforma do ensino
industrial no Estado de S. Paulo,
assim justificou o anteprojeto de Lei:
Muito embora a Constituição Federal
de 1946 já houvesse declarado, era seu
art. 171º que "os Estados e o Distrito
Federal organizarão os seus sistemas de
ensino", o dispositivo constitucional não
foi regulamentado por lei ordinário, por
entenderem muitos legisladores que isto
só seria possível após a aprovação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional.
Pelo Decreto n. 35.070, de 1959, o
governador Carvalho Pinto houve por
bem designar uma comissão para
proceder aos estudos necessários. Essa
Comissão, presidida pelo Prof. Arnaldo
Laurindo, diretor do Departamento do
Ensino Profissional, logo em suas
primeiras reuniões, optou franca e
unanimemente pela organização de
sistema autónomo, mesmo porque foi o
Estado que organizou a maior rede de
estabelecimentos neste ramo de ensino.
Após vários meses de exaustivas
consultas, pesquisas, estudos e reuniões,
a Comissão, em ato solene realizado no
salão nobre da Secretaria de Educação,
entregou o anteprojeto de lei que agora
vem de ser enviado à Assembleia
Legislativa pelo Sr. Governador.
TIPOS DE ESCOLAS E CURSOS
Os diversos cursos dos estabe-
lecimentos de ensino industrial foram
escolonados em duas categorias,
de modo a melhor atender à preparação
para a verdadeira era tecnológica que
atravessamos, bem como para fazer face
à demanda de mão-de-obra especializada
exigida pela crescente industrialização do
Estado de São Paulo e do Brasil:
a) Cursos destinados à orientação e
iniciação técnica, abrangendo os cursos
de Iniciação Industrial e o Básico
Industrial, ambos do 1º ciclo;
b) Cursos destinados à formação
profissional, abrangendo, no 1º Ciclo, os
Cursos de Aprendizagem Industrial e o
Técnico Industrial, no 2º ciclo.
Segue daí a necessidade de três tipos
de estabelecimentos:
1 — Escolas de Aprendizagem
Industrial, que poderão ministrar os
Cursos de Iniciação Industrial e os
Cursos de Aprendizagem.
2 — Escolas Industriais, que po-
derão ministrar os Cursos Básicos e os
Cursos de Aprendizagem.
3 — Escolas Técnicas Industriais,
que ministrarão Cursos Técnicos.
A espinha dorsal do ensino industrial
será o Curso Básico que, na denominação
proposta pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, ora em fase final de
estudos no Senado, será um verdadeiro
giná-sio-industrial, pois, além de visar à
complementação da base de cultura geral
ministrado no ensino primário, oferece,
ao mesmo tempo, a iniciação técnica, a
orientação profissional, permitindo ao
educando a dupla possibilidade, não
apenas de prosseguir seus estudos, como
também de ingressar imediatamente
numa função remunerada.
Por isso mesmo o Curso Básico (ou
ginásio-industrial) continuará equiparado
ao ginásio e acredito
mesmo que, para o futuro, será o tipo de
estabelecimento de ensino que irá se
multiplicar por todo o Estado, visto que
alia de maneira harmoniosa, o ensino
ginasial e o industrial, numa só
unidade.
ENSINO DE ECONOMIA DOMES-
TIÇA E DE ARTES APLICADAS
Paralela e simetricamente ao ramo de
ensino industrial, funcionará, atendendo à
tradição histórica do Estado de São
Paulo, o ensino de Economia Doméstica
e Artes Aplicadas, destinado
especificamente ao sexo feminino,
visando a oferecer vasto campo de
preparação às jovens, como futuras donas
de casa e como agentes de elevação do
padrão de vida familiar, ao mesmo tempo
que possibilita à mulher uma oportu-
nidade de habilitação para o exercício de
profissões referentes às ati-vidades
domésticas e com as artes aplicadas.
Tanto no ramo do ensino industrial,
para o setor masculino, como para o de
Economia Doméstica e de Artes
Aplicadas — setor feminino — haverá o
funcionamento de Escolas Técnicas, que
terão por ob-jetivo, na própria expressão
do ante-projeto apresentado, a formação
de técnicos para o desempenho de fun-
ções de imediata assistência a enge-
nheiros ou administradores, ou para o
exercício de atividades em que as
aplicações tecnológicas exijam pro-
fissionais dessa graduação técnica.
Como cúpula do sistema do Ensino
Industrial e de Economia Doméstica e
Artes Aplicadas, teremos o Instituto
Pedagógico do Ensino Profissional, que
já vem funcionando há alguns anos com a
denominação de
Instituto Pedagógico do Ensino In-
dustrial, e que terá como um de seus
objetivos formar, aperfeiçoar e es-
pecializar professores, administradores e
supervisores, no campo pedagógico,
próprio da área do Ensino Industrial e de
Economia Doméstica e de Artes
Aplicadas.
OUTRAS INOVAÇÕES
Além dos cursos ordinários dos
diversos tipos de estabelecimentos de
ensino industrial e de economia
doméstica e artes aplicadas, funcionarão,
tanto no período diurno como noturno,
cursos extraordinários, de duração
variável, com características apropriadas
à formação do ofício a que se
destinarem.
Procurou-se sanar o "hiato nocivo",
situado entre as idades dos 11 aos 14
anos, isto é, do momento em que o aluno
sai do curso primário até que possa
empregar-se na indústria ou comércio.
As Escolas de Aprendizagem, nos
seus Cursos de Iniciação, receberão
justamente os diplomados pelos cursos
primários, com 11 anos de idade, a
completar no ano le-tivo, e terão a
duração de dois anos, articulados com as
séries dos Cursos Básicos das Escolas
Industriais.
A articulação dos cursos entre os
próprios estabelecimentos da rede do
ensino profissional, bem como os outros
ramos de grau médio, tais como o
ginasial e o comercial, não foi esquecida
pela reforma proposta.
Assim é que será possível a
transferência de alunos desses três ramos
— industrial, ginasial e comercial — de
uns para outros dando a mesma
possibilidade aos diplo-
mados, nos cursos técnicos, científico ou
clássico.
Outra inovação digna de registro é a
instituição de Internatos e Refeitórios
junto aos estabelecimentos, bem como a
instituição de bôl-sas-de-estudo, gratuitas
ou na forma de empréstimo, resgatáveis a
longo prazo, para candidatos desprovidos
de recursos e que revelarem aptidões para
os estudos neste setor educacional.
ESCOLA TÉCNICA INDUSTRIAL
DE JUNDIAI
Não poderíamos encerrar essa rápida
entrevista sem focalizar o funcionamento
da futura Escola Técnica Industrial de
Jundiaí, assunto que tem sido bastante
difundido, na cidade, com o
funcionamento da Escola Industrial "Dr.
Antenor Soares Gandra", tradicional
estabelecimento do qual me honro de ser
di-retor há mais de quatro anos.
Paralelamente ã rede de estabe-
lecimentos de ensino industrial estadual,
quatro Escolas Técnicas, de nível
superior, estão planejadas para ser
construídas e instaladas no Estado de São
Paulo, mediante convênio entre a União,
o Estado e o Município. À União
competirá fornecer os recursos para a
construção dos prédios e aquisição de
máquinas e ferramentas necessários; ao
Estado competirá a manutenção das Es-
colas e o fornecimento de pessoal
docente e administrativo; ao Município
competirá a doação do terreno.
Essas quatro Escolas Técnicas serão
localizadas em São Bernardo do Campo,
em São José dos Campos, em Santos e
em Jundiaí. A de Jundiaí, cuja construção
deverá ser ini-
ciada dentro em breve em terreno doado
pela Prefeitura, nas proximidades do
Trevo da Via Annhan-guera, receberá da
União a contribuição de perto de
seiscentos milhões de cruzeiros. A sua
finalidade específica será a de formar
elementos dentro do ramo de
Construções Civis, isto é, elementos
intermediários entre os operários
especializados e os engenheiros.
. Não haverá antinomia nem oposição
entre o funcionamento dessa Escola
Técnica Industrial com a Escola
Industrial "Dr. Antenor Soares Gandra",
pois, o ingresso em cada uma delas
depende de condições di-: versas.
Enquanto para o ingresso na Escola
Industrial só há a exigência de diploma
de grupo escolar e idade mínima de 12
anos, para can-didatar-se aos exames
vestibulares, para o ingresso na futura
Escola Técnica Industrial há a
necessidade de apresentação do diploma
de conclusão de ginásio, escola industrial,
ou escola comercial.
PELO ESTIMULO AO ENSINO
INDUSTRIAL
O Diretor da Escola Industrial "Fer-
nando Viana", Prof. Cardoso Pe-
reira, analisando a situação do
ensino industrial no Brasil, de-
clarou:
Em breves traços, é esta a situação
em que nos encontramos: demasiada
preocupação bacharelesca em prejuízo do
ensino dos ofícios e das técnicas;
entretanto, esta não é a orientação
seguida pelos povos líderes do momento,
e assim sendo, refutamos sobre o assunto
e, decididamente, somemos todos os
esforços pe-
la sobrevivência de nosso ensino in-
dustrial.
ENSINO ATUANTB
A Lei Orgânica do Ensino Industrial,
sancionada pelo governo federal a 16 de
fevereiro de 1959 descortinou novos e
promissores horizontes, pois que tem
aquele diploma legal, originário do
próprio Executi-vo e aprimorado em sua
tramitação pelo Congresso Nacional, o
objetivo louvável de tornar atuante o
ensino industrial no Brasil.
Inspirou-se nos estudos da 1º Mesa
Redonda Brasileira de Educação
Industrial reunida sob os auspícios da
Comissão Brasileiro-Americana de
Educação Industrial (CBAI), levan-do-se
a concluir que a estrutura do ensino
profissional deve ser tanto mais flexível
quanto mais diversas forem as
peculiaridades regionais de natureza
sócio-econômica e as diferenciações
individuais, equacionando, desse modo, o
preparo do aluno com as exigências
atuais do mercado de trabalho na
indústria.
AUTONOMIA
Na tramitação pela Câmara dos
Deputados sofreu a proposta do executivo
federal surpreendentes modificações,
destacando-se a que concedeu autonomia
didática, administrativa, técnica e
financeira às escolas industriais pelo
Ministério da Educação e Cultura,
medida, sem dúvida, de caráter
revolucionário do ponto-de-vista de nossa
tradição escolar.
Para estudar e propor as alterações
necessárias à adaptação do ensino
técnico-industrial ministrado pelas
escolas do Departamento de
Educação Técnico-Profissional, nos
termos da nova legislação federal
pertinente ao assunto foi constituída uma
Comissão da qual faço parte, como
redator, e integrada pelos professores
Benevenuta Ribeiro Carneiro Monteirº e
Walfrido Leo-cádio Freire.
Já concluímos o nosso trabalho. O
decreto que elaboramos será dentro de
breves dias entregue ao Secretário Geral
de Educação e Cultura, para
encaminhamento ao Sr. Governador
Provisório do Estado da Guanabara.
A Comissão não se deixou empolgar
pelo fascínio dessa conquista,
representada pela autonomia. Aceitou,
tão-só, a parte relativa à nova
organização dos cursos por atender,
satisfatoriamente, à necessidade de
preparo profissional, em nível médio, do
jovem aspirante ao exercício de uma
atividade especializada na indústria.
Nesta parte, a citada lei nova é mais
realística, mais objetiva, mais concreta,
em sua finalidade educativa, do que o
Decreto-lei n. 4.073, de 30 de janeiro de
1942, por ser este de excessiva
minuciosidade quanto a cursos e quanto à
distribuição curricular de um sem-
número de disciplinas técnicas, algumas
até desnecessárias e outras dificílimas de
serem ministradas, faltando-lhe, por isso
mesmo, a justa medida para que sua
execução se tornasse exequível e
proveitosa.
CONSOLADORA ESPERANÇA
No fundo da reforma vigente (Lei n.
3.552), tal como no da caixa de Pandora,
há uma consoladora esperança. Por ela,
isto é, pela refor-
ma aludida, o ensino industrial passa a
ser finalístico na preparação do aluno
para o exercício de atividade
especializada de grau médio, e prope-
dêutico pela razão de permitir-lhe o
prosseguimento em estudos mais ele-
vados, pois funcionará o curso industrial
básico com as características do curso
secundário, abrindo, em consequência, e
sem estorvo, o caminho para que possa
ser alcançado o curso colegial, na forma
preceituada pela Lei federal n. 1.821, de
12 de março de 1953 e respectiva regula-
mentação.
MODALIDADES DE CURSOS
No anteprojeto que elaboramos, a
Comissão se limitou ã organização
escolar prevista na lei nova, adotan-do,
mercê das vantagens que proporciona, as
seguintes modalidades de curso: a)
aprendizagem industrial, em 20 meses,
no minímo; b) industrial básico — 1º
ciclo, em quatro séries; c) industrial
técnico — ciclo, em quatro ou mais
séries.
ALCANCE SOCIAL
A rigor, foi, apenas, instituído o
primeiro, destinado aos jovens de 14
anos, pelo menos, que dispondo de
simples conhecimentos elementares
queiram aprender um ofício qualificado.
Trata-se, como se vê, de uma providência
de penetrante alcance social, porque
evitará o abandono escolar daqueles que
se desajustam por causas várias, não se
devendo daí concluir serem as escolas
industriais um centro destinado ao
tratamento social e educacional de
retardados e anormais, ou de
jovens-problema,
como bem ressalta o Prof. Grant Conner,
da Faculdade de Treinamento de
Professores do Ensino Industrial de Nova
York, pois educação profissional é parte
importante, significativa, essencial da
educação moderna. Dessa forma, o curso
em apreço se impõe, particularmente, pe-
la sua expressão social, dado que poderá
evitar a proliferação de marginais, que se
forma pela falta de uma preparação
técnica da juventude no que diz com os
ofícios tão reclamados pela nossa
indústria. Em se apontando, portanto, aos
moços o caminho da oficina, ter-se-á de
futuro, inquestionavelmente, em Brasil-
nação digno, próspero e respeitável.
EDUCAÇÃO FEMININA
Não ficou a Comissão adstrita à
escola profissional masculina e, assim,
cuidou por igual da escola de educação
feminina, incluindo-a no anteprojeto sem
lhe alterar a atual organização de suas
oficinas, aliás excelente para os fins de
uma educação doméstica, resumindo-se,
por conseguinte, as providências da Co-
missão em adaptar o currículo dos
estudos teóricos às linhas mestras da lei
nova, a fim de não se perderem as
vantagens concedidas pela Lei nº 1.821,
de 12 de março de 1953, às alunas que
concluírem o respectivo curso.
RESULTADOS ÚTEIS
Mas, qualquer reforma desse tipo, só
poderá proporcionar resultados úteis se a
administração superior lhe dispensar
continuada atenção, se acaso
compreender o altipotente sentido da
escola profissional. Entre
nós, no Rio de Janeiro, de certo tempo a
esta parte, provocou-se a exinanição do
ensino profissional pela preferência do
ensino ginasial. Já não sem tempo,
partimos agora para novos rumos,
buscando-se o necessário ajustamento à
realidade presente.
PLANO EXPERIMENTAL DE
CARAGUATATUBA
O Ministério da Educação e Cultura
e a Secretaria de Educação do Estado de
S. Paulo firmaram acordo com o objetivo
de realizar em Cara-guatatuba um plano
experimental de erradicação do
analfabetismo.
O plano prevê, além da aplicação de
novos métodos de ensino, a instalação de
um "Parque Primário". Essa unidade tem
em vista oferecer às crianças de 7 a 14
anos educação integral, levando em conta
aspectos culturais, econômicos, morais e
cívicos no planejamento das atividades.
Compõe-se o Parque Escolar Pri-
mário de três subunidades: a primeira
será uma escola elementar de quatro
anos, devendo transmitir não somente
conhecimentos de leitura, atividades
manuais relacionadas com
os trabalhos habitualmente realizados na
região praiana, como seja a confecção de
cestos, a tecitura de redes, artefatos de
madeira e barro. A segunda subunidade
será uma escola complementar de dois
anos, com programação cultural para
estudantes de nível pré-secundário. Nesta
escola, o trabalho desenvolvido nas ofi-
cinas, sem caráter profissional, ocupará
cerca de 50% do tempo útil, permitindo
aos professores e orientadores melhor
conhecimento das aptidões dos alunos e
em consequência prestar-lhes efetiva
assistência. A terceira subunidade possui
caráter profissional, destina-se ao
Aprendizado Industrial. Visa fornecer aos
alunos instrumentos tecnológicos que os
habilitem a uma profissão. O aprendizado
relacionar-se-á com a atividade
econômica primária da região: a pesca,
até agora sem utilizar os processos
tecnológicos que permitem a
industrialização.
O sistema do Parque Escolar não
verá isolar-se das outras escolas exis-
tentes no município. Contará com
orientadores educacionais que visitarão
os estabelecimentos da localidade
transmitindo a experiência pedagógica
alcançada.
INFORMAÇÃO DO ESTRANGEIRO
PREVISÕES ORÇAMENTARIAS DA
UNESCO
0 arçamento ordinário da UNES
CO para 1961-1962 eleva-se a um to
tal de 28.668.000 dólares, revelado um
aumento de 2.698.000 dólares (10,4%)
em relação ao orçamento do exercí
cio de 1959-1960.
Os gastos mais substanciais estão
previstos do seguinte modo:
1 — Política Geral — 1.309.520
dólares (para 1.463.211 em 1959-1960,
ou seja, um decréscimo de 10,5%.
II — Realizações e Serviços do
Programa — 21.105.734 dólares (para
19.009.886, correspondendo a um aumento de
11%).
III — Administração Geral — 3.424.129
dólares (para 3.134.782, correspondendo a um
aumento de 9,8%).
IV — Encargos Comuns ...................
2.829.080 dólares (para 2.362.584, cor-
respondendo a um aumento de 19,7%).
O aumento dos créditos da parte III não
tem maior significação, uma vez que a taxa
(9,2%) é inferior ao aumento total do
orçamento ordinário (10,4%) e da parte II que
agrupa
as realizações e serviços do programa (11%).
A análise dos orçamentos de 1958 da
ONU e das instituições especializadas,
apresentada ã 12º seção da Assembleia Geral,
mostra que, para o exercício de 1958, a
UNESCO foi, após a Organização Mundial de
Saúde, a de menor percentagem nas despesas
administrativas em comparação com o
orçamento global. Essa percentagem é de 13,2
e portanto sensivelmente inferior à média das
cinco principais organizações — ONU, OIT,
FAO, UNESCO, OMS — que é de 17,9%.
As previsões orçamentárias relativas aos
cargos comuns (parte IV) foram estabelecidas
na base do custo das prestações de serviços e
taxas de salários em vigor em junho de 1959.
A experiência dos cinco primeiros meses deste
ano demonstram a insuficiência dos créditos
inscritos no orçamento de 1959-1960 para as
comunicações e transportes.
A repartição dos créditos entre os
diferentes capítulos do programa (parte II) se
apresentaria do seguinte modo:
1959-1960 1961-1962
Educação ....................................................................
Projeto maior para a América Latina ..........................
Ciências Exatas e Naturais .........................................
Projeto maior para terras áridas ..................................
Ciências Sociais ........................................................
Atividades Culturais ....................................................
Projeto maior para Oriente-Ocidente .....................
Informação ................................................................
Transferência de Pessoal ..........................................
Relações com os Estados-membros .........................
3.884.841
4.974.875
775.887
811.081
2.116.442
2.202.063
669.100
708.757
2.067.622
2.241.907
2.878.668
3.075.778
745.087
1.012.228
3.128.617
3.350.536
1.407.259
1.377.222
1.336.363
1.351.287
A esses créditos são acrescentados
fundos provenientes do programa de
assistência técnica que, se-
gundo se espera, terá relevo a partir de 1960. E
o que demonstra o quadro abaixo:
Educação ....................................................................
Projeto maior para a América Latina ..........................
Ciências Exatas e Naturais .........................................
Projeto maior para terras áridas ..................................
Ciências Sociais ........................................................
Atividades Culturais ....................................................
Projeto maior para Oriente-Ocidente ...................
Informação ................................................................
Transferência de Pessoal ...........................................
Relações com os Estados-membros .........................
7.019.274
1.559.967
5.221.013
935.570
2.330.542
3.070.668
745.087
3.571.017
1.407.259
1.336.363
8.071.135
1.619.181
5.218.653
962.157
2.566.907
3.323.378
1.012.228
3.757.586
1.377.222
1.351.287
Em resumo, é a seguinte a distribuição
dos recursos prevista pela
UNESCO para 1961-1962:
Recursos
Percentagens
Parte I — Política geral .................................................
Parte II — Obras e Serviços do Programa
Parte III — Administração geral ......................................
Parte IV — Encargos comuns ..........................................
1.309.520 3
,
4
30.435.164 80,1
3.424.129 9,0
2.829.080 7,5
37.997.893 100,0
ENSINO PRIMÁRIO NA ÁSIA
Representantes dos Estados asiáticos,
membros da UNESCO, reuni-ram-se em
Karachi, nos princípios do corrente ano, com o
objetivo de estudar as possibilidades de
execução do que foi recomendado pela Con-
ferência Geral realizada em Paris sobre o
ensino obrigatório.
Desse encontro resultaram importantes
decisões: resolução contendo seis
recomendações relativas ao ensino primário,
de caráter administrativo e pedagógico; plano
de trabalho que visa instaurar o ensino
primário gratuito e obrigatório na Ãsia no
espaço de 20 anos, isto é,
até 1980. Por essa época, a população de 15
países, calculada hoje em 760 milhões de
habitantes, alcançará a cifra de 1 bilhão e 100
milhões. Consequentemente, o sistema de en-
sino primário que beneficia hoje 65 milhões de
alunos (aproximadamente 8,5% da população
total) deverá am-pliar-se de maneira a atender,
em 1980, a 220 milhões de alunos (apro-
ximadamente 20% da população). Urge,
portanto, um aumento substancial do corpo
docente e dos estabelecimentos escolares.
O plano prevê a escolarização de 156
milhões de alunos, o recrutamento de 5,5
milhões de professores suplementares, a
construção de 5,5 mi-
lhões de escolas, de 4 milhões de alo-
jamentos e o fornecimento de material
escolar adequado.
O custo total do programa está
avaliado em 65 bilhões de dólares, ou
seja, 3 bilhões e 200 milhões por ano. A
declaração de Karachi observa que,
nestas condições, a despesa média por
habitante, atualmente de 3,5 dólares, será
elevada para 5 dólares em 1980, o que
representa menos de um décimo das
despesas correspondentes do Ocidente.
Os delegados à Conferência de
Karachi dirigiram apelo aos Estados
membros da Ásia para que consagrem ao
ensino primário o máximo de seus
recursos financeiros, salientando a
necessidade não só de uma planificação
econômica em cada Estado para atender
às despesas do ensino, especialmente as
do ensino primário, mas também a de
uma assistência financeira externa com
vistas à execução do plano.
BULGÁRIA
Reforma escolar. O Ministério da
Instrução Pública e da Cultura elaborou
novos planos de estudos e programas de
acordo com a nova lei de educação que
eleva de dez para doze o número de anos
de escolaridade primária e secundária. As
novas disciplinas da educação poli-
técnica: fundamentos da economia rural
(agricultura, criação e mecanização),
fundamentos da produção industrial
(mecanização, mecânica de automóvel ou
de trator) e fundamentos de indústria
elétrica vêm duplicar os cursos de
formação geral. Entretanto, a edução
politécnica não deve efetuar-se em
detrimento da
cultura geral dos escolares, e esta
preocupação se afirma no atual plano de
estudos. De 11.761 horas de estudo da 1º
à 12º série 9.392 horas, isto é 80%, são
destinadas à instrução geral; 845 horas ou
aproximadamente 7% das horas da 1º à
8º classe são reservadas à instrução
técnica; 1.525 horas, ou seja 12%, da 9º à
12º classe, são ocupadas pelos cursos
politécnicos, preparação técnica e
trabalho nas empresas.
JAPÃO
Livro branco sobre educação
Segundo o Livro Branco publicado
recentemente pelo Ministério da Edu-
cação, a percentagem de analfabetos não
vai além de 2 a 3%, o que situa o Japão
no mesmo nível da Inglaterra e dos
Estados Unidos. A duração da
escolaridade, ao contrário, é mais re-
duzida: 30% das crianças frequentam a
escola primara durante nove anos e mais
(50% nos Estados Unidos) e 6% apenas
em 13 anos e mais. Com relação à
frequência escolar (99,8%), o Japão situa-
se no mesmo plano que os Estados
Unidos, Inglaterra, Alemanha Ocidental e
França. Cerca de 53% dos alunos,
havendo concluído o ensino obrigatório,
ascendem ao secundário e superior. No
que se refere aos estudantes univer-
sitários, o número deles triplicou depois
da guerra; o total dos estudantes é sete
vezes superior ao número existente antes
da guerra. A média dos alunos por classe
é de 44. Em 1959, eram necessárias
15.000 classes primárias e 4.200
secundárias. A fim de remediar a
situação, o Ministério da Educação
adotou um plano quinquenal que prevê
para 1963 o suprimento de prédios
escolares.
TUNÍSIA
Plano decenal de escolarização
O governo tunisiano propõe-se assegurar
a escolarização de todas as crianças em
idades de frequentar a escola elevando a
cifra de 320.000 alunos inscritos em 30
de junho de 1959 a 836.000 na
abertura do ano
letivo de 1968-1969. Para 1960, a pri-
meira etapa do plano decenal, as pre-
visões estão sendo cumpridas e até
mesmo ligeiramente ultrapassadas em
todos os níveis. Assim, por exemplo, o
número de classes atendidas alcançou o
total de 8.903, enquanto a previsão era de
8.743; o das escolas foi de 993, em vez
das 889 do plano.
LIVROS
LIMA, Alceu Amoroso — O espírito
universitário. Rio de Janeiro, Liv.
Agir Ed., 1959, 50 p. (Ensaios 3).
O autor procura, neste trabalho,
resumir os elementos capitais da estrutura
e do espírito universitário. Mostra como,
no Brasil, apesar da proliferação dos
estabelecimentos de ensino superior e do
número crescente de estudantes que os
frequentam, não existe ainda
Universidade no sentido autêntico da
palavra. Considera que a Universidade
não pode ser simplesmente uma fábrica
de diplomas, nem se pode deixar absorver
por preocupações políticas que a façam
perder o seu caráter de instituição de
estudo e pesquisa.
Daí a necessidade de autonomia em
relação ao Estado, de existência orgânica,
de equilíbrio entre formação
especializada e cultura geral. Daí também
a importância dos programas que devem
agrupar os estudos numa harmoniosa
escala de valores e da metodologia de
aprendizagem que ensina a estudar.
(R.T.)
MEDEIROS, Ethel Bauzer — Jogos
para recreação na escola primária.
Rio de Janeiro, MEC, INEP, Centro
Brasileiro de Pesquisas
Educacionais, 1959, 763 p. ilust.
O objetivo principal deste livro,
escrito para o professor primário, é
estimular o interesse pela introdução das
atividades de recreação e jogos na escola
primária, acentuando as suas
possibilidades educativas.
Procura facilitar aos mestres, essa
prática, traçando os princípios para a
construção de programas, oferecendo
sugestões para a direção dos períodos dos
jogos e apresentando material
abundante e variado.
Fixa os objetivos gerais e imediatos a
serem alcançados nas várias séries
escolares de acordo com os programas de
estudo e, na descrição de cada jogo,
aponta os objetivos educacionais
específicos.
Os jogos foram classificados ºse-
gundo a natureza da atitvidade física
neles predominantes, sendo reunidos
depois, dentro de cada um desses grupos,
de acordo com a ordem crescente da
dificuldade de sua aprendizagem e
execução. Para tornar mais fácil ao
orientador a seleção dos jogos adequados
às várias turmas escolares, foram eles
classificados ainda em três grupos de
idade: 6 e 7, 8 e 9, 10 a 12 anos.
Acompanham o volume extensa
bibliografia nacional e estrangeira das
obras consultadas, índices dos jogos e um
quadro sobre os ºObjetivos gerais e
imediatos de um programa de jogos para
a escola primária (segundo aspectos do
desenvolvimento dos escolares)º.
(R.T.)
NERICI, Imideo Giuseppe — Introdução
à didática geral; dinâmica
da escola. Rio de Janeiro, Ed. Fundo
de Cultura, 1960, 383 p. (Bib. Fundo
Universal de Cultura, Estante de
Pedagogia).
Trabalho destinado à divulgação da
didática da escola secundária que, sem
pretender tornar-se original, foi elaborado
à base de grupamento dos problemas
fundamentais daquela disciplina, tendo
como finalidade a orientação do professor
do referido ensino.
(N.B.)
SODRE!, Nelson Werneck — O que se
deve ler para conhecer o Brasil, Rio
de Janeiro, MEC, INEP, CBPE,
1960, 388 p. (Publ. CBPE, sér. 3
Livros fontes 3).
Bibliografia, selecionada e co-
mentada de obras sobre o Brasil. O livro
está dividido em três grandes partes: 1)
Desenvolvimento histórico; 2) estudos
especiais compreendendo: estudos
históricos, economicos, sociais,
institucionais, geográficos, militares,
antropológicos, linguísticos,
educacionais, territoriais; 3) A cultura
brasileira, abrangendo: o folclore, as
artes, as ciências, a literatura, a imprensa,
os costumes.
As indicações bibliográficas, di-
vididas em fontes principais e subsi-
diárias, são acompanhadas de um
pequeno resumo crítico e são precedidas,
dentro de cada seção e capítulo, de uma
introdução destinada a
ºoferecer ao leitor menos experimentado
ou ao leitor estrangeiro o ambiente
necessário à situação dos assuntos
indicados.
No fim do volume encontram-se:
bibliografia das obras de referência
consultadas, índices onomástico e de
assuntos.
(R.T.)
UNESCO, FAITS ET CHIFFRES;
Statistiques internationales rela-tives
à l'education, à la culture et à
l'einformation — 1959; [Paris],
1960, 198 p.
Os dados estatísticos que, no
presente volume, dizem respeito à
educação, focalizam a situação de-
mográfica, a extensão da rede escolar e as
despesas públicas com o ensino, em todos
os países do mundo, inclusive o Brasil.
Estes dados mostram, por exemplo, a
distribuição da população por continentes
e regiões, a percentagem de analfabetos
adultos, uma estimativa da população
total e da população de 5 a 19 anos e a
percentagem desta que frequenta as
escolas. Mostram também estes dados a
situação da rede escolar em cada país,
tomando como referência o número de
estabelecimentos de ensino, de
professores e alunos, em todos os graus
de ensino. Os presentes dados foram
coligidos pela Unesco até junho de
1959.
(O.B.)
REVISTAS
ENSINO NO BRASIL
JAYMB ABREU
Na abordagem de tema de tal amplitude, em curto espaço, há necessidade de se
isolar alguns aspectos que pareçam fundamentais, deixando à margem alguns outros,
mais particulares, embora relevantes. Na linha desses aspectos fundamentais, questões
como as seguintes, seriam postas:
— É ponderável o investimento financeiro brasileiro em educação? E suficiente a
distribuição quantitativa de educação? E adequada e eficaz a nossa escola em relação às
exigências da sociedade a que serve? E democrática a sua filosofia? E bem ajustada a
sua estrutura administrativa ao contexto cultural em que se insere?
Temos aí cinco questões, inquestionavelmente da máxima importância e que
exigiriam, para o seu correto desenvolvimento, um livro, pelo menos, cada uma delas.
Vamos tentar, todavia, sintetizar seus aspectos mais essenciais.
£ ponderável o esforço financeiro brasileiro em educação?
Durante anos a fio, asseverou-se que era irrelevante o esforço brasileiro em matéria
de investimento educacional. Provavelmente essa afirmação, em seus aspectos de
gratuidade, se devia à insuficiência da nossa rede escolar. A larga percentagem de
analfabetos, escolas primárias minguadas, escassas escolas de nivel médio, raras
escolas de nível superior eram aspectos que levavam à afirmação de que o Brasil
investia pouco em matéria de educação escolar.
Quando a comprovação da realidade passou da conjetura para a observação,
verificou-se que não era bem assim e que se confundia investir insuficientemente com
investir pouco, em relação à renda nacional. O levantamento feito pelo Dr. Américo
Barbosa de Oliveira, por iniciativa da Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal de
Nível Superior (CAPES) em 1951, "o ensino, o trabalho, a população e a renda",
mostrou que o investimento feito na educação nacional correspondia a 2,5% da renda
nacional, percentagem comum a países outros em nosso nível de desenvolvimento,
como ê, por exemplo, o caso do México. E preciso convir, outrossim, que a composição
demográfica do país, com a grande juvenilidade de sua população e a fraca densidade
das faixas etárias adultas onde se concentra a força do
trabalho, torna particularmente árduo esse esforço de financiamento da educação. A
esse fator se deve acrescentar que certas indeclináveis exigências no desenvolvimento
do país tornam necessariamente ainda mais exígua a disponibilidade para o
investimento educacional. O grande financiador da educação nacional é o poder
público, Estados, União e Municípios, por ordem decrescente, seja mantendo escolas
próprias, seja financiando, cada vez mais, o ensino privado. No levantamento a que
acima aludimos, evidencia-se que o poder público financiava em torno a 84% a
educação brasileira, sendo a contribuição privada em torno a 16%, registrando-se a
existência nela de relevante parte de auxílio público. Esse financiamento público da
educação se concentrava no ensino primário e médio (84%) e no superior, 53%.
Com ser ponderável, não é todavia suficiente nosso investimento no aparelho
escolar, seja do prisma quantitativo, como qualitativo. Precisamos de mais e melhores
escolas e, portanto, mais dinheiro para criá-las e mantê-las.
Isto, à primeira vista, pareceria implicar numa inviabilidade total de se conseguir o
"quantum-satis" de boa educação aos brasileiros. É preciso, todavia, não perder de vista
que a abolição de certos estereótipos em nossa escola e a adoção de critérios racionais
de investimentos, melhoraria, sensivelmente, o panorama. Na escola primária, por
exemplo, só a abolição de critérios, que levam à repetência em massa e à desordem
cronológica das idades de matrícula, daria uma muito ponderável margem de maior
aproveitamento das disponibilidades escolares, não sendo exagero, por exemplo, di-zer-
se que em Estados como São Paulo estaria praticamente resolvido o problema da
matrícula na escola primária pública com a adoção de novos critérios. Não há qualquer
exagero, outrossim, em proclamar-se a ausência de planos racionais no investimento
educacional, que, se adotados, poderiam levar a uma rentabilidade seguramente muito
maior dos gastos feitos. O planejamento e a execução dos serviços educacionais se
põem, de regra, em termos que lhes retira qualquer caráter de racionalidade de
investimento.
Há, ademais, a arraigada tendência de se reclamar que o público subsidie o
privado, ao invés de o privado auxiliar o público, conseguindo-se, assim, pagar pelo
Estado a Educação de quem pode educar se, em detrimento do dever público,
constitucional, de ministrar educação básica a quem não pode.
S suficiente a distribuição quantitativa de educação f
Positivamente não. Seis milhões de crianças de 7 a 14 anos de idade estão hoje sem
vagas nos bancos escolares e se juntarão amanhã aos analfabetos, que somarão, em
1960, cerca de vinte milhões. Um em cada dez dos jovens brasileiros ingressa no ensino
médio e somente sete por cento deles concluem o curso. A mocidade são oferecidas
apenas vinte mil vagas no ensino superior, disputadas anualmente por cerca de sessenta
mil candidatos, por processos geralmente em função não da comprovação de uma
aptidão razoável para seguir esses cursos, mas em torno do "numerus clausus".
A grande maioria dos matriculados na Escola primária não vai além de uma
frequência, nela, de dois anos. Na maioria dos municípios brasileiros não há um
estabelecimento de ensino médio. Esse quadro funciona ainda à base de uma escola
primária e secundária de dois e três turnos, tantas vezes albergadas em "galpões" de
emergência, que duran anos. A gravidade desta situação é evidente, quando não mais
vivemos a época de uma sociedade agrária, monocultora e patriarcalista, ã qual
bastavam uns tantos bacharéis, médicos e engenheiros. Estamos vivendo um processo
rápido de industrialização e urbanização e de democratização da vida pública, ao qual
não poderão bastar as condições do aparelho escolar do país.
E adequada e eficaz a nossa escola em relação às exigências da sociedade a que serve!
A resposta só pode ser negativa. Vivemos um período histórico de transição em
que a existência de fatores como ciência, tecnologia, industrialização, urbanização,
secularização da cultura, não foi ainda devidamente incorporada à nossa "praxis"
escolar. Há uma positiva, cada vez mais aguda, defasagem entre os moldes de
funcionamento de nossa escola e as exigências da sociedade atual a que deve servir.
Assim ocorre com a escola primária, subalternizada, comprimida, sem conteúdo e
finalidade própria; o mesmo acontece com a escola secundária, académica, concebida
em rígidos termos de enciclopedismo e uniformidade, dominada pelo espírito de
"escola preparatória", que, mesmo assim, está longe de realizar; a escola superior só em
raros casos realiza autenticamente sua tarefa, devido à improvisação, que lhe alarga
falsamente o âmbito.
S democrática a sua filosofia?
A análise, apenas, das leis que instrumentariam a prática desse ideal democrático
nos leva a dizer que não. Mais do que isso, a subalternização a que relega a escola
comum à nação, que é a escola primária, gratuita, obrigatória e universal, nos
demonstra, inequivocamente, que nossa escola continua permeada de certo espírito de
estamentações aristocráticas.
Com o advento da República, houve certo ímpeto ideológico no sentido de pôr a
escola a serviço de ideais educacionais liberais, republicanos, democráticos.
Gradualmente se foi apagando a defesa vigorosa e consistente desses ideais e ainda
agora tivemos a oportunidade de ver proposta, em lei, a gradual supressão da escola
pública em favor da escola privada, que é, não se pode procedentemente negar, por
definição, uma escola de classe; e o que é mais: mantida, essa escola privada, pelos
dinheiros públicos, de cuja aplicação e utilização conselhos integrados por educadores
privados, nesse caráter, tomariam conta. Em trabalho recente do Conselho Nacional do
Desenvolvimento Econômico, "Análise do esforço financeiro do poder público com a
educação (1948-1956)", chama-se a atenção para a "cada vez menor participação do
grau elementar no rateio das despesas públicas com o ensino". E fato positivo,
ainda, que esse nível de ensino, básico à
educação democrática no país, tem merecido pouca atenção das empresas privadas de
educação. Não se pode assim classificar de imbuida de uma filosofia democrática uma
educação estruturada em tais bases.
j5 bem ajustada a sua estrutura administrativa em relação ao contexto cultural em que
se insere t
Diríamos que não. A organização administrativa da educação brasileira vive
dominada por certos estereótipos que colidem flagrantemente com a realidade
brasileira.
O primeiro deles é a centralização, forma sutil de colonialismo interno. Acha-se
próprio que a um país da extensão territorial e da diversidade cultural do Brasil caiba
uma administração centralizada, o que é uma impossibilidade. Outro mito arraigado é o
de que só o federal é o nacional. De modo que, qualquer concessão à nossa organização
de República Federativa, respeitando direitos constitucionais dos Estados é tida como
ameaça à unidade nacional. Em matéria de administração educacional, até bem pouco,
era pacífico que nesse campo estava a interpretação mínima do dispositivo
constitucional que confere aos Estados o poder de organizar os seus sistemas de ensino.
Hoje nem mais esse poder terão, pois lhes será imposta, nesse campo, por lei federal, a
criação de conselhos de educação, em moldes que receberão para cumprir. Atingida por
defeitos básicos dessa ordem, obviamente a administração educacional brasileira está
longe de ter adequação ao contexto cultural de que é parte — (Revista Esso Rio)
A SOCIEDADE DA CIÊNCIA E DA TÉCNICA NA
UNIÃO SOVIÉTICA
HÉLIO DE ALMEIDA
Coube ao engenheiro Vassily Grigorievitch Siluyanov dirigir-se ao Clube de
Engenharia do Rio de Janeiro, em sua qualidade de Presidente do Conselho Nacional
da Sociedade da Ciência e da Técnica da União Soviética, para transmitir o convite de
que resultou o envio à Rússia da delegação designada pelo nosso Conselho Diretor para
cumprir o programa de visitas técnicas e industriais desenrolado nos 21 dias de nossa
permanência naquele país.
O mesmo Siluyanov foi quem primeiro nos deu as boas-vindas, logo ao
desembarcarmos do TU-104A que nos transportara, em 3 horas e 20 minutos, de Paris
a Moscou, sem escalas. Consigo aguardavam-nos, no gélido outono moscovita, vários
diretores dessa Sociedade, de cuja organização e funcionamento conhecíamos
realmente muito pouco, além do fato de que reunia em seu seio os engenheiros e
técnicos de vários graus da União Soviética.
Na manhã seguinte ao nosso desembarque realizamos, como primeira atividade de
nosso programa, uma visita de cortesia aos nossos anfitriões.
12
Fomos recebidos na sede do Conselho Nacional da Sociedade da Ciência e da Técnica e
coube ainda ao engenheiro Siluyanov a tarefa de nos oferecer o primeiro bosquejo da
forma de organização vigente para a S.C.T., suas finalidades e a maneira pela qual
cumpre os seus objetivos.
Muito melhor, entretanto, do que quaisquer palavras de Vassily Siluyanov,
demonstraram-nos os fatos, demonstrou-nos a realidade viva do funcionamento da
S.C.T. constatado a cada passo de nossa viagem, a importância e utilidade desse
organismo que reúne, congrega, movimenta cerca de 934 mil elementos que se
constituem na vanguarda da força que impulsiona a produção técnica e industrial da
União Soviética. Sentimos a sua presença nas fábricas, nos laboratórios, nos canteiros
de trabalho das grandes obras de engenharia, nas Casas de Cultura, nas Casas de Propa-
ganda técnica e científica. Em Moscou, em Stalingrado, em Leningrado, soubemos de
Congressos, de Simpósios e de reuniões técnicas que ali se realizavam, na ocasião,
promovidas pela S.C.T.
Mas, o que é, afinal, a Sociedade da Ciência e da Técnica da URSS? Como
funciona? Como se compara com as nossas associações de engenheiros, em que se
diferencia do nosso Clube de Engenharia, por exemplo?
Digamos, de início, que a Sociedade da Ciência e da Técnica difere subs-
tancialmente da forma de organização de nosso Clube de Engenharia e mesmo de
qualquer outra sociedade de engenheiros ou técnicos de que tenhamos notícia no
mundo ocidental. Quero crer mesmo que uma organização como essa só poderia existir
num regime socialista, dadas certas peculiaridades de nossa estrutura capitalista que se
chocariam, irremediavelmente, com alguns dos postulados da S.C.T.
A S.C.T. é uma sociedade civil, particular, não estatal, embora colabore ativamente
com o governo. Reúne não apenas engenheiros, mas também técnicos, cientistas,
estudantes de engenharia e operários especializados que se destaquem em trabalhos de
caráter técnico ou de racionalização de métodos de produção.
Na realidade a S.C.T. não é uma, mas sim 21 sociedades, cada uma ligada a um
diferente ramo de indústria e grupadas no âmbito federal, pelo Conselho Nacional, a
que já nos referimos. Assim existem, por exemplo, a SCT da indústria siderúrgica, a
SCT da indústria química, a SCT da indústria automobilística, a SCT da indústria
ferroviária, a SCT da indústria de construção civil, etc.
As SCT nacionais são dirigidas cada uma por uma Direção Central, composta de
45 a 70 membros (dependendo do número de seus associados), eleitos em Congresso
nacionais, realizados bienalmente. Após o Congresso, a Direção Central, que se reúne
ordinariamente 2 a 3 vezes por ano, elege o seu Presidium, composto de 7 a 17
membros e que é o órgão executivo da Sociedade, reunindo-se ordinariamente uma
vez por mês.
Em cada fábrica, empresa, instituto, laboratório ou departamento governamental
ligado à produção há (ou pode haver) uma organização de base da S.C.T.
correspondente ao ramo de indústria a que se filie o organismo em causa. Há hoje, em
toda a URSS, cerca de 26.000 SCT de base. São nessas organizações que se
inscrevem, espontaneamente, os engenheiros e
técnicos interessados, bem assim as próprias empresas, que podem inscrever-se como
"sócios coletivos". As taxas de anuidade são de 12 rublos por ano para os "sócios
individuais" e variáveis de 100 até 10.000 rublos para os "sócios coletivos",
dependendo do vulto da organização associada (ao câmbio presente podemos
considerar 1 rublo = 15 cruzeiros, aproximadamente).
As SCT de base, de determinada região e pertencendo a um ramo de indústria, se
reúnem para formar a Direção Regional. Há repúblicas pequenas, como por exemplo a
Letónia, que não possuem regiões administrativas, não havendo aí, por isso, as Direções
Regionais. Outras repúblicas há, entretanto, que possuem várias, como por exemplo a
Ucrânia, que tem 24. Nestes casos, as várias Direções Regionais se reúnem para formar
a Direção Republicana.
São os representantes das 15 Direções Republicanas (tantas quantas são as
repúblicas constituintes da União Soviética) que se reúnem em Congresso Nacional
bienalmente para, como vimos, eleger a Direção Central da respectiva sociedade.
Esse é o esqueleto da "organização vertical" da SCT, desde os organismos de base
até às Direções Centrais para cada uma das 21 diferentes SCT. Vejamos agora como se
constitui a "organização horizontal", ou seja, as interligações entre as SCT dos
diferentes ramos de indústria.
Numa mesma região, os representantes das diversas Direções Regionais se
congregam no Conselho Regional, a quem estão afetos os problemas que digam
respeito a mais de uma das indústrias componentes do sistema. Por pua vez, os
representantes das Direções Republicanas se congregam para formar os Conselhos
Republicanos. Finalmente, como já vimos de início, o Conselho Nacional é o órgão
máximo, a cúpula de todo esse extraordinário conjunto de organizações reunindo perto
de 1 milhão dos melhores elementos técnicos de que dispõe a URSS.
E, afinal, o que fazem os membros da SCT? Qual o objetivo da Sociedade?
Como realiza os seus fins?
Vimos já a parte mecânica da organização. Vamos agora examinar-lhe as
finalidades e os instrumentos de que se utiliza para atingir seu desiderato.
Ao contrário de nossas organizações técnicas cujos objetivos são principalmente os
de aproximação social entre os associados, o trato de assuntos de cultura geral e a
discussão de problemas de ordem técnica, quase sempre em círculo fechado, a
Sociedade da Ciência e da Técnica tem sempre presente, em todas as suas atividades, o
objetivo muito definido de fazer aplicar a técnica moderna à melhoria constante da
produção.
Este ê, pois, o objetivo básico, primacial, preponderante da Sociedade da Ciência e
da Técnica da URSS: criar condições para o incremento da produção Industrial russa,
dentro dos mais modernos requisitos possibilitados pelo avanço da ciência e da técnica.
As organizações de base debatem, incessantemente, os planos de produção fixados
para sua fábrica ou empresa, discutem a melhor maneira de cumpri-los, estimulam
meios para aprimorar os processos técnicos emprega-
dos e apresentam à administração do empreendimento gestões concretas de melhorias
técnicas que redundem em benefícios no desenvolvimento da produção.
Para tanto, organizam cursos especializados, realizam simpósios e seminários,
divulgam por todos os meios tudo o que a ciência e tecnologia moderna apresentem de
novidade. Procuram despertar nos operários, técnicos e engenheiros o espírito de
iniciativa, o espírito inventivo, o espírito renovador. Promovem pesquisas, publicam
resultados.
E cabe aqui revelar um dos aspectos que tanto os diferenciam de nós, uma de suas
mais constantes iniciativas, impossíveis para nós outros de copiar: — se determinado
técnico ou operário especializado aperfeiçoa determinado equipamento, ou modifica um
processo de fabricação que aumente extraordinariamente a produtividade em qualquer
ramo da indústria, todas as demais indústrias interessadas recebem a respectiva
comunicação, com todos os ff e rr, discutem-na e aplicam-na, caso lhes convenha. Já
pensaram, "mutadis mutandis", se entre nós um técnico da Fábrica Nacional de
Motores, por exemplo, aperfeiçoasse um método que permitisse abreviar o tempo gasto
na linha de montagem de um caminhão para 10 minutos? Estaria a FNM disposta a,
prazerosamente, revelar o segredo a seus colegas da Volkswagem ou da General
Motors? Da mesma forma, estariam os dirigentes das nossas maiores fábricas de
tecidos, por exemplo, de acordo em reunir-se para ouvir a comunicação de um deles
que desenvolvera um novo tipo de tear eletrônicamente operado, dando um rendimento
100 vezes maior do que o convencional e que altruisticamente oferecia a seus colegas,
juntamente com seus técnicos para aplicar, sem qualquer paga, tal processo nas demais
fábricas desse setor?
Certamente serão ociosas tais perguntas. A própria estrutura de nossa sociedade
capitalista é baseada no regime de competição, não no de colaboração. Os inventos e
aperfeiçoamentos são preservados, patenteados, constituem património de uma só
entidade ou de um só grupo econômico.
Foge naturalmente ao escopo desta despretensiosa palestra estabelecer polémica
sobre os dois regimes. Poderíamos afirmar que a livre iniciativa, a competição
capitalista obriga ao aperfeiçoamento técnico e, mais do que isso, aguça a preocupação
do baixo preço da produção, visando, exatamente, enfrentar a concorrência. Mas não
poderemos deixar de conceder que a nação, tomada como um todo e não apenas como
um arquipélago de interesses divergentes, por certo deveria ser vantajoso usufruir, em
toda a sua plenitude, sem exclusivismos nem alheamentos, todas as possíveis e imedia-
tas aplicações da ciência e da tecnologia, tão cedo reveladas pelos pesquisadores ou
pelos inovadores.
Numa economia planificada como ê a economia soviética, presta também a SCT
outros bons serviços a seu país. Visto que congrega tantos e tão bons obreiros do
desenvolvimento industrial, em verdade os responsáveis últimos pela execução dos
planos traçados para cada ramo de indústria, é a SCT chamada sempre a colaborar com
o Governo no planejamento das
metas a atingir, quer na elaboração dos planos gerais — quinquenais, até há pouco,
setenal, agora — como também na programação das quotas de produção anuais e no
estabelecimento de novas linhas de fabricação.
Problemas outros, como os da automação, os da economia da produção, os da
melhoria de qualidade de produtos, etc, merecem também a atenção da SCT, que
possui, em seu Conselho Nacional, comités especiais para tratar desses assuntos
específicos, realizando congressos, nacionais e internacionais, para debate,
equacionamento e encaminhamento de tais problemas que assumem vital importância
para o desenvolvimento econômico.
A cibernética é, aliás, um dos problemas que vem merecendo especial atenção na
URSS. Boa parte de sua indústria se acha, ainda, equipada com maquinaria antiga e
operando dentro de antieconômicos processos de produção. Nota-se, entretanto, uma
generalizada tendência para modernização de seu parque industrial, e a automoção vem
ganhando terreno a olhos vistos, como tivemos oportunidade, pessoalmente, de
verificar.
Das várias indústrias que visitamos na União Soviética, merecem menção:
— A ZIL, em Moscou. 40.000 empregados. 120 mil caminhões e 7.000 ôni-bus
por ano, 2.000 bicicletas e 300 refrigeradores por dia, uns poucos automóveis especiais
por ano.
A GPZ, em Moscou. A maior fábrica de rolamentos da URSS. 10.000 operários.
1.100 tipos diferentes de mancais. Rolamentos esféricos, cilíndricos, cónicos e outros,
desde 30 milímetros até 1 metro e meio de diâmetro.
— A ELECTROSILA, em Leningrado. 10.000 operários. A maior e mais antiga
fábrica de geradores da União Soviética. Fabricando hoje geradores e turbo-geradores
até 200.000kw.
No meu caderno de apontamentos preenchido por ocasião mesmo das visitas
realizadas, encontro notas esparsas. Em relação à ZIL: — "Projeta-se agora uma
reconversão completa, com programa de produção de caminhões de novo tipo: diversas
linhas automáticas substituirão o trabalho manual ainda presente em várias seções da
fábrica". Na visita à GPZ: — "Observamos seções de equipamento muito antiquado; os
tubos sem costura, por exemplo, são fabricados ainda por processos exigindo
demasiada mão-de-obra, serviço manual sem qualquer mecanização; visitamos,
entretanto, outras seções com linhas completamente automáticas, em que não há inter-
venção do homem senão para apertar o botão para o início e término da operação;
informam-nos em que 1960 estarão fabricando rolamentos cilíndricos por processos
totalmente automatizados e que, em breve, a fábrica estará trabalhando com 80% de
suas seções inteiramente em linhas automáticas, previsão, aliás, consignada no plano
setenal". Nas anotações relativas à Electrosila: — "Certas seções, com maquinaria bem
antiga. Em compensação, vimos excelentes tornos automáticos, inteligentes
dispositivos de enrolamento, a impressão é que a fábrica está sofrendo ativo processo
de modernização".
A automação está, assim, na ordem do dia, na Rússia, e ocupa proeminente papel
no desenvolvimento tecnológico que ali se vem processando. A colaboração da
Sociedade da Ciência e da Técnica na exploração do problema
e na aplicação da cibernética aos processos industriais russos é realmente relevante.
Quase todas as organizações de base da SCT, sediadas nas próprias fábricas, possuem
entre seus comités também o da automação. Com-preende-se o empenho dos
engenheiros e técnicos na pesquisa e no emprego da automação nos métodos de
produção. Mas como reagirá o operário russo ante a implantação, em seus locais de
trabalho, de máquinas automáticas, de linhas automatizadas que fazem, num tempo
muito menor e de uma forma muito mais perfeita, o trabalho de dezenas, de centenas,
de operários?
Sabemos bem como esse problema tem agitado os meios operários do mundo
ocidental. Nos Estados Unidos, por exemplo, a automação tem sido um permanente
pomo de discórdia entre as poderosas "Unions", ou seja, os sindicatos operários, e o
"management", isto é, as administrações industriais. A modernização dos meios de
produção fabril fazem diminuir os efetivos de mão-de-obra o que, nos Estados Unidos,
significa desemprego. Na defesa da estabilidade de seus associados, opõe-se, por isso,
às Unions, — às mais das vezes — todo e qualquer processo de automação e tal atitude
vem entravando perigosamente o incremento da produção industrial norte-ameri-cana,
ao mesmo tempo em que impede que, pela racionalização dos processos industriais, se
obtenham ali sensíveis economias no custo da produção em muitos e vitais setores da
economia dos nossos vizinhos do norte.
Nem todos sabem, por exemplo, que a recente greve geral dos operários da
indústria do aço foi a primeira grande greve americana que não teve por motivo
principal o simples aumento de salário. Por coincidência estava eu em Pittsburgh
quando eclodiu o movimento grevista e acompanhei, então, com interesse, o noticiário
das demarches iniciais entre empregados e patrões. Pretendiam as empresas que quando
da próxima renovação dos contratos coletivos de trabalho fossem retiradas das Unions a
faculdade que presentemente lhes é assegurada de homologarem ou não os planos das
empresas sempre que envolvam modernização dos métodos industriais. Contra isso se
insurgiram os sindicatos que pretendem não apenas reter tal faculdade mas ampliá-la
ainda mais. O desfecho da questão acabamos de lê-lo nos jornais. Após quase 4 meses
de paralisação total das maiores usinas siderúrgicas americanas, da aplicação da lei
Taft-Hartley forçando a volta ao trabalho de quase meio milhão de operários até que se
arbitrasse a questão, eis que chegam a acordo ambas as partes, sendo renovados os
contratos na base da manutenção dos poderes anteriormente outorgados aos sindicatos e
que lhes dão, praticamente, o poder de "veto" à aplicação do programa tecnológico nas
indústrias básicas.
Tal esdrúxula situação tem gerado, aliás, situações que atingem as raias do ridículo.
Por exemplo: ao tempo das locomotivas a vapor, todas as máquinas tinham o seu
foguista, cuja função, como bem sabemos, era alimentar a caldeira. Trabalho árduo,
intenso, cansativo. Pois bem, com a modernização dos equipamentos, as ferrovias
norte-americanas estão adotando locomotivas elétricas ou diesel-elétricas que,
evidentemente, não têm caldeira alguma a alimentar e possuem todos os elementos de
segurança que possibilitam sua operação por apenas um homem. Todas essas
locomotivas, entretanto, continuam levando em sua cabine um segundo homem, o
"fo-
guista", que não tem ali nada a fazer de essencial. E por que isso? Porque as
administrações ferroviárias não têm o direito de dispensar seus homens tornados
prescindíveis por modernizações de métodos de trabalho a menos que, com isso,
concordem as Unions. E elas não concordam...
Como se equacionaria, na Rússia, esse mesmo problema de automação? Como
reagem ali os operários diante de seus concorrentes mecânicos, automatizados?
A reação é completamente diversa da reação típica do operário norte-americano. É
mais do que diversa, é oposta. Pelo que pudemos observar, o operário soviético é um
entusiasta da automação, estimula, mesmo, e aplaude toda a modernização que, em
escala apreciável, vem ultimamente atingindo os principais setores da indústria russa.
Como explicar tal incoerência aparente? Pois então a máquina não toma o lugar do
homem, não o desloca, não o desemprega? Na Rússia, aquina toma, sim, o lugar do
homem, desloca-o, sim, mas não o desemprega. Eis por que: — O surto do
desenvolvimento econômico do país é de tal porte que, apesar da formação maciça de
técnica e da existência de milhões e milhões de operários, o seu número é ainda
insuficiente para atender aos reclamos das empresas industriais que têm, muitas vezes,
cerceado seu incremento, pela falta acentuada de mão-de-obra, que se não tem
multiplicado na razão direta do desenvolvimento industrial. Por isso, quando uma linha
automática entra em serviço em determinada fábrica, os operários que ela substitui não
se defrontam com o amargor do desemprego. Não. São eles imediatamente absorvidos
pelas demais atividades ainda carentes de mão-de-obra. A automação, desse modo,
além de não prejudicar o operário e de aumentar a produtividade, diminuindo o custo da
produção, beneficia, indiretamente, as demais indústrias que absorverão o pessoal que
ela tornou disponível.
Uma observação, entretanto, cabe aqui assinalar. O ritmo de automação que se
observa no parque industrial russo está ganhando um tal momento que, certamente,
dentro de pouco tempo, o número de operários que tornará dispensáveis ultrapassará,
sem dúvida, a capacidade de absorção das indústrias ora deficitárias de mão-de-obra. O
que ocorrerá então? O desemprego? A reação operária? Não. Nada disso. O que
ocorrerá, o que se acha mesmo anunciado no plano setenal corrente, é que tal processo
de racionalização e modernização ocasionará a redução consequente das jornadas de
trabalho. Até há bem pouco, era de 48 horas o regime de trabalho semanal imperante na
grande maioria das fábricas russas. Hoje, a jornada de trabalho se situa entre 40 e 44
horas semanais. Pois bem, a previsão das autoridades soviéticas é de que entre 1966 a
1968 estará instituída, em todo o país, a semana de 35 horas, em 5 dias de 7 horas. E
para os operários de minas e outros de condições penosas, a semana será, a essa época,
de 30 horas apenas, em 5 dias de 6 horas...
Estão, dessa forma, os russos palmilhando o caminho certo do ideal de fazer com
que a máquina seja escrava do homem e não este escravo daquela... E isto explica bem
porque o operário russo é um entusiasta da automação, porque nas fábricas os
organismos de base das SCT trabalham tão
ativamente nos programas de automação e porque o próprio Conselho Nacional, órgão
de cúpula dessa gigantesca sociedade de 934 mil membros mantém seu Comité próprio
que coordena e desenvolve o conceito de aplicação máxima da cibernética à indústria
do seu país.
Conheço razoavelmente bem a indústria norte-americana e sou fervoroso
admirador do extraordinário desenvolvimento tecnológico que ali se verificou neste
século. Os índices de produção e de produtividade que se manifestam no parque fabril
dessa nação amiga são realmente dignos de admiração e respeito. E motivo, entretanto,
de preocupação a existência ali de um tão evidente mal-entendido quanto à aplicação
industrial da cibernética, ciência que deve, aliás, boa parte de sua criação e progresso
ao génio inventivo dos pesquisadores norte-americanos.
Em quase todas as indústrias básicas, a produção norte-americana ultrapassa, por
boa margem, a produção russa. Isso, aliás, os próprios dirigentes soviéticos proclamam.
Melhor diríamos, entretanto, que, nesses setores, a produção dos Estados Unidos
ultrapassa ainda a produção da Rússia, porque a taxa de crescimento anual que se
verifica na Rússia é superior à dos E.U.A., em todos os últimos 5 ou 10 anos e isto
também os governantes americanos reconhecem. E a menos que uma saudável reação
se manifeste "do lado de cá", a tendência manifesta é o de que o poderio industrial
russo terminará por ter a liderança mundial abrindo-lhe as muitas portas do comércio
exterior ao mesmo tempo em que abre ao seu povo as muitas portas de um conforto
maior com trabalho de menos. Eis aí, pois, um exemplo que, independentemente de
ilações políticas de qualquer espécie, deve ser profundamente meditado pelo mundo
ocidental, que hoje tropeça no próprio progresso tecnológico, seus operários temerosos
do espectro do desemprego, as empresas aparentemente incapazes de encaminhar os lu-
cros da automação para uma diminuição da jornada de trabalho, porque tal,
beneficiando embora os empregados, traria uma redução dos dividendos, desgostando
assim os senhores acionistas...
Uma última palavra deve ser, ainda, dita sobre a Sociedade da Ciência e da
Técnica. Mantém ela, por si só ou em colaboração com sindicatos ou administrações,
em quase todas as fábricas, empresas e departamentos governamentais ligados a
problemas técnicos e industriais, Casas de Cultura, compreendendo bibliotecas, cursos,
auditórios, teatros, etc. E parte saliente, também, na instalação e funcionamento das
chamadas Casas de Propaganda técnica e científica, onde são vulgarizados e
transmitidos os ensinamentos ligados aos últimos avanços da ciência e da tecnologia.
Procuramos dar, no que acima ficou dito, uma noção sobre as ativi-dades da
Sociedade da Ciência e da Técnica da União Soviética. Dissemos, em linhas gerais, o
que ela é, o que ela faz. Digamos agora o que ela não é, e o que ela não faz.
Não é a SCT órgão dedicado a pesquisas científicas, não faz ela qualquer
trabalho de investigação, de ciência pura, desenvolvimento científico. Tal tarefa de
vanguarda, de pioneirismo, cabe, em toda a URSS, à sua Academia de Ciências.
Acredito seja de interesse público dar alguns informes sobre essa outra importante
entidade soviética, hoje credora da admiração mundial pelos sucessos que ali tiveram
origem e consagraram seus sábios com as recentes e contínuas vitórias no campo da
astronáutica.
E a Academia de Ciências a cúpula de toda a atividade científica da URSS:
fundada em 1726, sofreu inicialmente a influência de professores contratados na
Alemanha e teve significativa atuação no panorama cultural da Rússia dos czares. Aos
poucos, entretanto, foi perdendo sua atuação de vanguarda para transformar-se quase
que numa sociedade honorífica, como a Academia de Ciências de tantos outros países,
inclusive a nossa, do Brasil (a despeito de possuirmos tantos valores realmente
apreciáveis no campo do saber superior).
O governo soviético resolveu dar à Academia todos os poderes, meios e recursos
para que reassumisse ela a liderança de todas as grandes pesquisas do conhecimento
humano e se lançasse ao aperfeiçoamento científico. Hoje, a Academia de Ciências da
URSS é um órgão autónomo, não está subordinado a nenhum Ministério, nem mesmo
ao Ministério da Educação Superior, e reporta diretamente ao Conselho de Ministros da
URSS.
Menos de duzentos sócios efetivos e cerca de trezentos sócios candidatos (ou
correspondentes) compõem o cenáculo da Academia. O título de acadêmico é vitalício
e constitui a consagração máxima a que pode aspirar um sábio
soviético. A admissão é feita por convite e somente são convidados, como é óbvio,
aqueles que já trouxera ou estão em condições de trazer importantes subsídios para o
desenvolvimento científico. Os acadêmicos percebem honorários de 5.000 rublos
mensais (cerca de Cr$ 80.000,00) em aditamento aos salários que recebem de suas
atividades profissionais. Além disso, muitos deles são consultores de indústrias e outras
entidades, havendo acadêmicos que chegam a perceber mais de 200 mil rublos por ano
(cerca de 3 milhões de cruzeiros).
A Academia é composta de 8 seções principais, que, por sua vez, se subdividem
em vários ramos de atividades. As 8 seções são: — ciências físicas e matemáticas;
química; geologia; geografia e astronomia; biologia; tecnologia; história; literatura e
linguagem; e filosofia, direito e economia.
A Academia de Ciências é uma entidade eminentemente dinâmica. Superintende,
dirige, executa pesquisas e estudos desde os de ciência pura até à mais variada gama de
aplicações para cada especialidade.
Centenas de expedições científicas são simultaneamente realizadas e, ainda há
poucos anos, tivemos uma delas no interior do nosso Goiás, para observações de um
eclipse do sol que somente naquela região era visível. Também, há poucos meses,
tivemos, por dois dias, atracado ao porto do Rio de Janeiro, um navio-laboratório
soviético que voltava de longo período de pesquisas nas regiões da Antártida.
Mais de cem importantes centros de pesquisas trabalham diretamente subordinados
à Academia de Ciências. Um deles é o de Coninsk, que tivemos oportunidade de
visitar, e onde se acha instalada a primeira central atómica do mundo, utilizando um
reator de urânio com moderador de grafi-
te e produzindo energia elétrica para toda aquela região. Outro é o de Dubno, cidade
hoje mais conhecida por "Atomgrad", onde se acha instalado o mais potente
desintegrador atómico do mundo, um protonsincroton de 10 bilhões de electrovolts.
Também o programa cujo apaixonante objetivo é a conquista do espaço tem sido,
todo êle, projetado e executado pela Academia de Ciências. Seua mais notáveis
membros se acham associados nessa tarefa gigantesca e os resultados primorosos que o
mundo todo saúda como exemplos de precisão e apuro científico constituem o trabalho
dessa equipe de primeira água que conta, por um lado, com o apoio incondicional de
seu governo, principalmente na concessão de recursos jamais regateados, e, por outro
lado, com o estímulo e a cooperação do povo soviético do qual uma boa parcela se de-
dica, nas 24 horas de cada dia, a trabalhos visando à pesquisa, ao progresso da ciência e
à aplicação prática de seu desenvolvimento.
Os cientistas e os técnicos constituem hoje, sem dúvida, uma classe privilegiada na
União Soviética. Mas esse é um tipo de privilégio que — diga-se a bem da justiça —
não deriva de favores nem favoritismos. E conquistado à custa de valor, de estudo, de
trabalho. São eles — os cientistas e técnicos — principalmente eles, que vêm
modificando totalmente, radicalmente, a feição das 15 repúblicas que se reuniram sob a
égide da URSS e que marcham hoje, a passo acelerado, na crista da vaga de um
inegável desenvolvimento econômico, tornado possível graças ao culto da ciência e ao
devota-mento à técnica. — (Revista do Clube de Engenharia, Rio).
ESCOLA PÚBLICA E ESCOLA PARTICULAR
A. DE ALMEIDA JÚNIOR
Há poucos anos um grupo de estudantes de direito me procurou para solicitar apoio
na batalha, que já haviam travado, contra a proliferação de institutos particulares de
ensino jurídico. "Não por serem particulares (disse-lhes eu) e sim por serem maus!"
Realmente, é preciso distinguir. Sob a pressão de políticos a cabalar em véspera de
eleições, ou sob aquelas outras influências mais sutis que Joaquim Nabuco já
denunciara em 1879, e que atuam em caráter permanente nos domínios da educação da
classe média; graças ainda à excessiva indulgência ou ao temor reverenciai, tão vivo em
certos órgãos administrativos, a autorização de escolas de direito de qualidade inferior
se convertera em verdadeira calamidade nacional, somente ultrapassada, pouco depois,
pelo dilúvio de faculdades de filosofia de baixo nível — verdadeiras fábricas de
licenciados. E a batalha foi deflagrada pela juventude das Arcadas, com relativo êxito,
tanto que seu rumor impediu, entre outras coisas, que se abrisse uma casa de ensino
que, antes de vir à luz, já se tornara célebre pelas próprias condições de sua génese:
nascera ela da cabeça de certo capitalista lusitano que, tendo recebido em pagamento de
dívida a biblioteca de um homem culto, e não sabendo como
faze-la render, resolvera fundar esse curso jurídico de arrabalde, o qual, segundo lhe
disseram, proporcionaria lucros excelentes. Eram essas (disse eu aos acadêmicos), e não
as faculdades sérias, as que mereciam ser fer-reteadas como indigna de autorização para
lecionar e para conceder graus em nome do governo da República.
A gravidade do problema de hoje
Hoje o problema é infinitamente mais grave. Não está em jogo apenas o ensino
jurídico, nem o brado de alerta vem só do Largo de São Francisco: é todo o sistema
educacional do Brasil, do grau primário ao superior, que corre perigo; e é toda a
juventude estudantil do país que se alia aos seus mestres de orientação liberal, e aos
homens de tendências progressistas, a fim de responderem em uníssono ao desafio dos
que pretendem travar a marcha de nossa civilização, e, ao revés, impulsioná-la no
sentido retrógrado, em busca dos tempos medievais. Por isso, "mais uma vez
convocado", aqui estou ao lado de meus colegas e à frente dos estudantes.
Reafirmo neste momento minha homenagem às boas escolas particulares
brasileiras — brasileiras e democráticas; — às escolas particulares que vêm educando
as novas gerações deste país, preocupadas essencialmente com que se eleve o nível
cultural e econômico de nossa população e se fortaleçam cada vez mais, no Brasil, os
velhos ideais — velhos, sim, mas sempre renovados — de unidade nacional e de
solidariedade humana. Evidentemente, não é a essas escolas, por todos os títulos
credoras de nosso respeito, que nos referimos quando procuramos pôr em destaque os
vícios da rede escolar privada que pretende asfixiar a escola pública e apoderar-se do
seu espólio; dessa rede escolar "sui generis" que, para justificar-se por andar a pedir
subvenções, alega sua qualidade de órgão de um serviço público; mas, quando a
convidam a cumprir a Constituição Nacional e a colocar-se à altura da missão que a lei
máxima lhe atribui, esquiva-se, cruza os braços, adia indefinidamente e, reclamando
imunidades de um estado soberano enquistado dentro da Nação, refugia-se no
derradeiro argumento de que recebeu seu mandato diretamente da família.
O ensino primário e as entidades privadas
A incumbência que me distribuíram os promotores desta Convenção, foi a de
estabelecer um confronto entre o ensino público e o privado, na situação em que o
vemos presentemente no Brasil, e também segundo as previsões com que nos alarmam,
por nossos filhos, as diretrizes e bases do projeto recentemente aprovado pela Câmara
Federal. Se me fosse exigido executar à risca esse trabalho de comparação, o prazo de
três semanas que me deram, não teria bastado, e eu me veria na contingência de pedir
aos jovens organizadores que o dilatassem para dois ou três anos de tempo integral,
além de reclamar uma equipe de auxiliares que se dispersassem em revoada, a coligir
dados de caráter objetivo. E evidente, portanto, que ficarei muito aquém desse vasto e
ambicioso programa.
A comparação entre os dois projetos que a Câmara examinou durante um ano, para
afinal decidir-se pelo pior, já foi feito com abundância de fatos e argumentos, inclusive
por mim mesmo, através de conferências, artigos de jornal e entrevistas. No capítulo
referente ao ensino primário, o projeto vencedor começa por ameaçar o princípio
constitucional da gratuidade e, pelo simples fato de atribuir a liderança administrativa
da educação brasileira às instituições de caráter privado, põe em risco a própria gene-
ralização da escola elementar. Basta ter presente que o ensino de grau primário, que é,
em suma, aquele que mais de perto interessa às classes populares, nunca apaixonou os
cavaleiros andantes dos institutos privados. Era assim no passado, e assim vem sendo
sob a vigência de nossa democracia educacional de fachada. "Ora, a escola primária!..."
Para os pregoeiros da chamada "liberdade do ensino", esse grau escolar poderia mesmo
ser suprimido, ou reduzir-se às escolas paroquiais do reinado de Luís XVI, tão propícias
à conservação da ignorância. Era por isso de esperar que a interferência antiliberal no
projeto liberal só prejuízos trouxesse a este ultimo. Suas inovações (como em trabalho
anterior assinalei) criaram o inútil e dispendioso registro das escolas primárias de todo
o país no Ministério da Educação; oficializaram a pobreza dos pais como causa de
isenção escolar e, amesquinhando os dois anos do curso complementar primário com
equipará-los a um ano da escola média, enfraqueceram o prestígio que o projeto liberal
procurara conferir àquele curso, assim como ergueram mais alto a barreira que se
interpõe entre a infância popular e a escola média. Tínha-se também grande esperança
em que os dois anos complementares iriam enfim preencher o "hiato nocivo" cuja
existência denunciei em 1932, e que a Constituição Federal mantém até hoje, por haver
limitado a obrigatoriedade escolar ao curso primário, e ter permitido o trabalho (aliás
com muita sabedoria) somente aos catorze anos. Essa esperança agora se enfraquece: o
"hiato nocivo" continuará a existir para os adolescentes do povo.i
Quanto ao professorado primário, a ser formado em escolas de nível médio — a
única medida que caberia dentro de uma lei nacional, para o fim de estimular os
institutos particulares a melhorar a qualidade dos mestres que eles produzem, — essa
medida consubstanciava-se no art. 14 do projeto liberal, que dizia:
"Os serviços educacionais dos Estados e do Distrito Federal,
atendendo aos critérios fixados pelo Conselho Nacional de Educação,
classificarão as escolas de grau médio integrantes dos respectivos
sistemas, para conhecimento dos pais e responsáveis."
0 mencionado artigo atenuaria um pouco o erro da Constituição Federal,
que omitiu a exigência de concurso para o provimento das cadeiras dos cur
sos médios particulares — entre os quais figuram os de natureza pedagógi
ca. Mas o projeto antiliberal cancelou esse artigo, no pressuposto, talvez,
de que os cursos normais particulares, apesar de entregues a professores
mais ou menos improvisados, pessoas, não raro, de grandes virtudes, mas
1 Almeida Júnior (A). — O hiato nocivo na vida legal dos menores, Confe
rencia realizada em 30-12>-32 na Soa de Med. Legal e Criminologia de São Paulo.
de nenhum contato com a vida e a cultura, são bons de nascença e, pelo simples fato de
provirem da iniciativa particular, possuem, dotes inexcedí-veis de moralidade e
eficiência.
O ensino de grau médio
Mas passemos ao grau médio. Também aqui o confronto entre a escola pública e a
particular revela a inferioridade global desta última. Inferioridade "global" — repito;
inferioridade do conjunto e não de todas as entidades, pois numa e noutra categoria se
encontram amostras que vão desde o pior até o excelente. Cheguei por três caminhos
distintos a essa conclusão. Primeiro, através do estudo estatistico do corpo docente de
uma e outra categoria. Já vimos que, em obediência à Constituição Federal, a escola
média oficial recruta o seu professorado mediante concurso de títulos e provas; e que a
escola média privada não está obrigada a essa exigência, nem toma espontaneamente a
iniciativa de adotá-la: a escola média privada contrata livremente seus mestres, desde
que registrados no Ministério da Educação, cujas praxes nesta matéria são, como se
sabe, extraordinariamente benignas. Que tipo de formação cultural ou pedagógica
tiveram os professores particulares que lecionam em escolas médias? Em 1956,
segundo dados oficiais, vinham eles das seguintes categorias: normalistas, 9.222;
licenciados, 7.748; sem declaração, 3.716. Isto posto, podemos dizer que nenhuma
garantia oficial existe de que os professores de grau médio, em exercício nas escolas
livres brasileiras, estão em condições de ensinar convenientemente. Haverá entre eles
alguns da melhor qualidade. Mas, em face dos resultados oferecidos pelos concursos
destinados ao provimento de vagas nas escolas oficiais (concursos a cuja análise já
procedi, e cujo estudo rigorosamente estatístico outros professores também efetuaram),
é lícito supor que os normalistas, os licenciados, os não diplomados e os que nada
declararam — todos integrantes do corpo docente de grau médio — se submetidos
àquelas provas depuradoras, dariam, na melhor hipótese, reprovações que ficariam
entre 60% (taxa dos licenciados) e 73% (taxa dos normalistas). À vista de tais dados, a
conclusão é evidente: os candidatos em condições de serem aprovados em concurso
vão ensinar nos institutos oficiais; mas os que restam para os institutos privados são,
em grande maioria, os que naquela prova não lograram ou não lograriam classificação.
Outro sinal de inferioridade é o que se revela nos resultados dos exames
vestibulares prestados perante os institutos de grau superior. Analisei tais resultados em
1954, com referência às provas efetuadas nesse ano perante a Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, não me preocupando, então, com separar os candidatos
segundo proviessem de cursos oficiais ou de cursos particulares. Contudo, ao verificar,
no fim, que 89 candidatos se haviam mostrado tão fracos que, se submetidos na escola
secundária a exames honestos, não teriam vencido sequer o ciclo ginasial, fui indagar
da respectiva origem. Tinham vindo de uma dezena de colégios, alguns de bom nome;
mas cinco de tais colégios — todos da Capital do Estado— haviam fornecido, em
conjunto, 52 dos certificados absolutamente
imerecidos. Dos cinco, um era oficial, e quatro particulares; e, destes últimos, um —
verdadeiro balcão de certificados — fornecera (sabe Deus por que preço!) 16
certificados, todos do clássico; o seguinte, também particular, também balcão,
fornecera 15 (sete do clássico, oito do científico). Nessa ocasião pude defrontar-me
concretamente com uma fraude a que se prestam certos colégios da Capital: a de
matricular por transferência, na última série colegial, alunos que não querem preocupar-
se com o estudo das disciplinas dessa série, a fim de poderem dedicar todo o seu tempo
ao "cursinho" que os prepara para o vestibular. Tais alunos deixam os estabelecimentos
honestos e vão para os mais desmoralizados institutos particulares de grau médio, cuja
direção praticamente lhes assegura o certificado de conclusão do curso,
independentemente de frequência e de examesrios. Isto que acabo de referir, relatei-o
à Congregação da Faculdade de Direito, à Dire-toria do Ensino Secundário (a esta
mencionando o nome dos institutos) e, por fim, ao Conselho Nacional de Educação.
No confronto desse tipo de colégios privados, que infelizmente pululam no país,
com o dos bons colégios oficiais — bons ao menos em sua moralidade funcional — e
que constituem, talvez, a totalidade desse grupo — não podemos tergiversar. Ajude o
erário os colégios particulares que o mereçam; mas será sempre de seu dever (e também
do interesse da Nação) concentrar o máximo dos recursos financeiros reservados à
educação média, para os institutos organizados pelo próprio Estado, providos de
professores nomeados mediante concurso e abertos indistintamente a todos, sem outra
discriminação que não seja a da inteligência, a da cultura e a da capacidade de esforço.
Se o não fizer — e não o fizer com a necessária firmeza — dentro em breve
assistiremos à extinção do ensino oficial de grau médio, fechados 50% dos seus
institutos porque as respectivas verbas terão sido absorvidas pelos institutos
particulares, e os outros 50% por não terem podido resistir ao impacto dos pais,
inconformados com a reprovação dos jovens que não querem estudar, nem à violência
açulada pelos ignorantistas, que uivam de furor ao ouvirem falar nas vantagens do
ensino científico ou nas doutrinas de Darwin e de Gregório Mendel.
A degradação do ensino superior
E vamos afinal ao ensino superior. Ainda aqui, como no caso do ensino médio, a
iniciativa privada vence a iniciativa oficial na quantidade de institutos, mas não a vence
na qualidade. Uns e outros são defeituosos, como resultados, que representam, da
política demagógica de descentralização indiscriminada. Ê verdade que a lei federal
reclama condições; contudo, sob a pressão de forças bem conhecidas, de caráter
político ou catequético, vêm sendo autorizadas, para regiões de franco analfabetismo,
faculdades desprovidas de recursos financeiros, faculdades sem instalações para as
aulas, sem professores com um mínimo de preparação específica, sem candidatos com
a necessária habilitação para a matrícula. E tais faculdades ficam entregues, não raro, a
pessoas que não possuem sequer a imprescindível honesti-
dade de propósitos. E fácil prever o resultado. Se no mercado da moeda envilecemos o cruzeiro ã
custa de descontroladas emissões, a proliferação de faculdades destituídas de base material e
humana está rebaixando no pais o padrão tradicional da cultura universitária.
Pertenci de junho de 1949 a junho de 1959 ao Conselho Nacional de Educação, e durante
esse longo período muito me esforcei, como outros conselheiros (e dos mais ilustres), por
melhorar o sombrio quadro da nossa rede escolar de grau superior. Nosso segredo consistiu apenas
em dar à lei a interpretação que nos pareceu exata. Disto resultou que apertássemos o crivo das
novas autorizações, mormente naquilo que dizia respeito à "capacidade técnica" dos professores
propostos. E também que procurássemos coibir a fraude de "substituição de pessoa" na regência
das cátedras.
Até 1949, a "capacidade técnica" prevista na lei podia ser provada com a apresentação apenas
do diploma provindo de curso equivalente à escola superior onde o candidato iria lecionar: o
bacharel em direito seria capaz de lecionar, em curso universitário, desde o Direito Romano ou a
Teoria Geral do Estado até o Direito Civil, o Direito Judiciário Penal ou a Filosofia do Direito; e
assim o médico, cujo diploma justificaria só por si a aceitação do candidado para a cátedra de
Anatomia ou de Clínica Médica, de Bioquímica ou de Psiquiatria. Para a Faculdade de Filosofia,
qualquer diploma de grau superior podia ser aceito — ou nem mesmo diploma era necessário. Um
ano depois de entrado no Conselho, iniciei a reação através do parecer n° 184/1950, em que, a
propósito do reconhecimento de uma Faculdade Católica de Filosofia, adverti:
"Dos 42 professores propostos, 21 são bacharéis em direito, 8 são
diplomados por Faculdade de Filosofia, 6 são agrónomos, 4 são médicos, 2 são
engenheiros, 1 é agrimensor. Estes titulares (declara o relatório do Inspetor)
compõem um corpo docente muito interessante, por isso que é quase todo muito
jovem e com uma disposição acentuada para se submeter às provas de
concurso."
Havia oito candidatos cujos diplomas não tinham a mínima correlação com a cadeira que
pretendiam. E entre os oito figurava um caso a que dei especial destaque:
"Trata-se de moço de 30 anos, formado em direito; em outras escolas leciona,
ou lecionou francês e inglês ; é funcionário do IAPC; é secretário geral da
Federação do Comércio, do SENAC e SESC; e tem escritório de advocacia. Com
tais títulos vem indicado para reger a cadeira de Língua e Literatura Alemã." (...)
"Faculdade deficiente (disse eu) ; deficiente na capacidade financeira, deficiente
nas instalações; deficiente no corpo de professores."
Mas estávamos diante de fato consumado: autorizada três anos antes, a Faculdade funcionara
desde aquela época e tinha no momento 250 estudantes matriculados. Concordei em que
continuasse a viver, depois que corrigidos os defeitos mais graves (que apontei), e prevaleci-me do
ensejo para fixar perante o Conselho a fórmula que desde então me orientou: maior severidade
em relação às novas autorizações, estímulo mais vivo e mais
generosa assistência em benefício das faculdades atuais". Seis meses mais tarde, em
janeiro de 1951, acrescentei a essa fórmula o critério que tomou depois o rótulo de
"começo de especialização":
"Devemos reclamar sempre, e fazer constar circunstanciadamente
do parecer, as habilitações de caráter especializado de cada um dos
candidatos à docência" (Anais, 1951, I, pág. 65).
Fórmula que, embora a princípio combatida por eminente conselheiros, foi mais
tarde unanimemente aprovada.
Fraudes e espertesas
Iniciou-se desde então, ou melhor, intensificou-se (pois que o mal vinha de longe)
um tipo de insinceridade (seja-me perdoado o eufemismo) com que certas entidades
privadas usavam iludir as exigências do Conselho. Anteriormente organizavam um
corpo docente enfeitado por figurões da política, dos quais se entendia que sua missão
era a de remover os obstáculos opostos pela lei à vida das novas faculdades: obteriam
primeiro a autorização de funcionamento; conseguiriam depois as subvenções oficiais.
E o que se pode inferir quando se confronta ainda agora o elenco nominal do corpo
docente de alguns institutos desse género, com favores obtidos por esses mesmos
institutos em matéria de auxílios financeiros. Encarada a questão do ponto-de-vista do
ensino, o que despertava a curiosidade era o fato de haver em tais escolas duas
congregações — a de fachada, que dava nome, prestígio e... subvenções; e a
congregação ef etiva, constituída de anónimos que lecionavam por qualquer preço.
Aquela, legalizada perante o Ministério da Educação; esta, fora da lei.
A exigência de diploma adequado e de "começo de especialização" não alterou o
aspecto da paisagem a não ser na composição do "corpo docente de fachada": a partir
de 1952 começaram a predominar as personalidades ilustres — ilustres e respeitáveis
— da grei universitária e da aristocracia judiciária, para elas se deslocando a função de
"dar o nome".
A título de preventivo de tais irregularidades, que aliás não depunham apenas
contra as escolas corruptoras, apresentei ao Conselho uma "Indicação" cujo propósito
era o de disciplinar as substituições, e bem assim, por meio de um documento solene,
assinado e com firma reconhecida, vincular cada professor à regência efetiva da cadeira
(Anais, 1951, II, págs. 596-598). Desta proposta nasceu dias depois uma "Indicação"
mais ampla, abrangendo também o critério do "começo de especialização." Tudo isso
foi afinal aprovado unanimemente em dezembro de 1951 (Anais, 1951, II, págs. 633-
663). Qual o resultado desse novo provimento? Tenho razões para crer que, se me-
lhorou um pouco a situação, não conseguiu regularizá-la totalmente, pois as espertezas
e as restrições mentais continuam a existir. Há professores que viajam para a sede da
escola e despejam num só dia as três lições da semana, como se a cabeça do aluno fosse
igual aos reservatórios de água, que podem encher-se de uma só vez, sem necessidade
de intervalos. Houve professor — um padre — que obteve do hoteleiro da cidade o
seguinte ates-
tado de residência: "O Revº X ........................ reside em meu Hotel sempre que vem
a esta cidade." E um jovem livre docente da Capital paulista, preso pelo compromisso de assumir
a regência da cátedra em faculdade longínqua, quando indagado por alguém sobre se ia mesmo
mudar-se para o interior, respondeu: — "De jeito nenhum. Assinei o compromisso porque me
disseram que era simples formalidade. Dar aula é que não vou."
Não encerraríamos tão cedo esta melancólica exposição, se pretendêssemos esgotar a relação
dos vícios que deslustram o sistema escolar brasileiro de nível superior — oficial ou particular.
Mas no ensino oficial, conhecido o cancro, é êle desde logo circunscrito e extirpado.
Escolherei agora, como último da série, um tipo de fraude disseminado entre as faculdades
privadas que cuidam mais de enriquecer seus donos do que de preparar a juventude para o
exercício honesto das profissões liberais. O caso está publicado nos Anais do Conselho Nacional
de Educação, mas, por motivo de decência, omitirei os nomes próprios. Certa Faculdade de Direito
do interior, funcionando havia dois anos, tinha autorização para matricular 50 alunos por série. Já
no segundo ano de vida pediu ao Conselho que lhe fosse permitido matricular cinco vezes isso,
isto é, 250, pois a cidade em que funcionava era "a de maior relevância do Estado." Ao dis-cutir-se
o assunto, um conselheiro dos mais diligentes e, segundo disse "partícipe das responsabilidades do
ensino", asseverou haver sido procurado por um estudante
"o qual me informou estarem ali classificados cerca de duzentos e tantos alunos,
sendo as vagas apenas de 50. (...) Confirmou essa pessoa que exerce sua atividade
em X.R. (nome da Capital), onde mantêm um escritório comercial, e acrescentou
que, como êle, muitos outros residem naquela Capital. Indagado por que teria pre-
ferido fazer o vestibular em M. (nome da cidade "de maior relevância do Estado"),
respondeu ser difícil de explicar. (...) Assim, ligando os fatos, fica-se com a
convicção de que a Faculdade de M. não está resolvendo um problema local, pois
muitos dos interessados ali vão apenas deixar o nome... Desta forma a cidade de
M. vai ser uma verdadeira Meca dos estudantes desejosos de possuir diploma. O
que deveria interessar a esses estudantes seria sua verdadeira formação; mas esta,
ao que parece, pelo menos com referência aos estudantes residentes em X. R.
(nome da Capital) (..., é igual a zero." Anais, 1953, I, pág. 230).
Esta faculdade é um simples exemplo entre dezenas. E o que nos deve preocupar — mais do
que a própria degradação do ensino — é a perspectiva da degradação moral das futuras gerações,
pelo espectáculo, a que se vão habituando desde os bancos escolares, de violação da lei, de
práticas simuladas e de fraude. Mas é tempo de concluir.
Planejamento, educação popular e economia
Um dos males mais sérios, decorrentes da eventual entrega do programa de expansão da rede
escolar à iniciativa particular, seria a impossibilidade, em que ficaria o poder público, de
disciplinar aquela expansão através da elaboração de planos periódicos. O ritmo na criação de
escolas, a distribuição equitativa de tais escolas segundo as necessidades regionais, a escala
de prioridade dos diferentes ramos escolares — tudo isso se tornaria desordenado e
anárquico, pois o que entraria a vigorar seria o interesse, senão o capricho e os
preconceitos dos indivíduos ou das entidades privadas. E evidente, com efeito, que num
país imenso como o nosso, e tão mal servido de escolas, o planejamento se impõe. Foi
pelo planejamento que a Rússia resolveu em curto prazo o respectivo problema
educacional; é pelo mesmo caminho que a Grã-Bretanha está conduzindo com êxito o
aperfeiçoamento de suas escolas, desde o grau pré-primário até à Universidade. Se há
dois ou três séculos era possível confiar-se na chamada "adaptação espontânea" entre as
forças sociais, hoje em dia, depois que duas guerras catastróficas deram outros rumos à
civilização e produziram ao menos o benefício de fortalecer a vida democrática, somos
forçados a planificar para libertar o homem dos principais flagelos da vida em comum,
a saber: — a exploração econômica, a miséria, a doença e a ignorância. Ou, na frase de
Mannheim: temos que planejar para a liberdade. E planejar nesses termos, só o poder
público pode fazê-lo, ao passo que a iniciativa privada, interferindo neste setor com
propósitos particularistas, está mais apta a criar embaraços do que a facilitar as
soluções.
Em nosso país, importante consequência da falta de planejamento para o ensino,
seria a absorção quase total das respectivas verbas pelas escolas da classe média (escola
secundária académica e institutos de nível superior), como sucedia na Europa do século
passado e como sucede ainda agora no Brasil. "No ensino popular está o nosso futuro"
— clamam em público os estadistas indígenas; mas na intimidade sorriem e cochicham
entre si: "— Ora, a escola primária..."
O preconceito vem de longe, desde antes da Política de Aristóteles. E atravessou os
séculos. Em 1559, enquanto no Planalto de Piratíninga os veneráveis apóstolos Nóbrega
e Anchieta se exauriam por evangelizar os pequeninos guaianases, as Constituições que
de Roma os governavam inscreviam em seu texto: "Nenhum dos homens que se
empreguem no serviço doméstico da Companhia de Jesus deve aprender a ler ou
escrever (...), pois para eles é bastante que saibam servir com simplicidade e humildade
Nosso Senhor Jesus Cristo." Nos começos do século passado os homens da religião na
Grã-Bretanha rezavam pela mesma cartilha. "É mais seguro (escreveu então o bispo de
Londres), é mais seguro, tanto para o governo como para a religião do país, manter as
classes inferiores no estado de ignorância em que a natureza as colocou." Através de
trabalho anterior já mencionei a palavra de Thiers, defensor na Câmara francesa das
ideias reacio-nárias do abade Dupanloup: "Ao sair da escola (disse êle), o menino não
quererá pegar no arado!" No próprio Brasil, a despeito dos altos princípios invocados
por Martim Francisco em sua famosa Memória escrita à véspera da Independência, a
aristocracia do segundo Império se opunha ao ensino primário obrigatório, contra o qual
proclamavam "a liberdade do pai de família" — exatamente como fazem hoje os
inimigos da escola pública ao invocarem de boca cheia "o direito da família."
Foi o respeito à chamada "liberdade do pai de família" — que abrangia, inclusive, a
liberdade de manter o filho na ignorância — foi esse direito egoístico e cruel,
frequentemente oposto ao direito das novas gerações, que represou durante séculos, no
mundo inteiro, o movimento em prol da educação popular, o qual se vem efetivando
finalmente, nos grandes países da atualidade, graças à crescente expansão do ensino
público. Depois de 1829, a Rússia czarista instituíra um sistema educacional semelhante
àquele que podemos prognosticar para o Brasil, se a fatalidade fizer vingar, no Senado,
o projeto retrógrado aceito pela Câmara. Havia então, naquele Império, completa
segregação social, e por lei se determinava que as classes inferiores não tivessem acesso
à escola secundária. Lá, era a lei; aqui será a exaustão das verbas, carreadas todas para o
ensino dos privilegiados. Por isso (dizem os historiadores), por não haver ensino
primário na zona rural da Rússia czarista, era enorme a hecatombe dos filhos de
camponeses: de cada mil crianças rurais que nasciam cada ano, 500 morriam antes do
primeiro aniversário. E mantinha-se em nível baixíssimo, naquela zona, a produtitvi-
dade do trabalhador.
Essa referência à Rússia leva-me a conjeturar sobre os efeitos que advirão à criança
rural brasileira, decorrentes da adoção do infeliz projeto da Câmara. Sabemos todos
quanto é deficiente, hoje, a rede escolar brasileira fora das cidades. Sabemos também
que a solução integral do problema será difícil e lenta. Mas estamos trabalhando no
sentido de alcançá-la, sendo lícito esperar que, à medida que melhorem as condições
econômicas do país, aquela solução se torne mais próxima. Contudo, se o regime de
administração escolar vier a ser o proposto no projeto da Câmara; se os Conselhos de
Educação tiverem a composição nele prevista; se o crescimento da rede escolar se
operar ao sabor dos interesses privados, — não mais haverá verbas para a escola
primária rural; nem mesmo, talvez, para a escola primária do povo em geral; pois,
segundo nos ensino a história universal da educação, a preocupação pela escola
primária popular nunca foi o forte dos defensores do "direito da família."
"Primeiro enriquecer, depois educar..."
A propósito da escola popular, impõe-se referir um episódio de há pouco meses,
que fortalece em meu espírito os prognósticos pessimistas. Ao pronunciar erudita
conferência sobre o ensino superior e a pesquisa, uma personalidade de grande
eminência política e digna de respeito sob todos os aspectos, levantou a certa altura a
cabeça, afastou os olhos do texto que vinha lendo, e proferiu estas palavras: "— Há
quem pense que devemos primeiro saturar de escolas primárias o país inteiro e que só
depois é que convém pensar no ensino superior e na pesquisa. Eu não penso assim, poi3
entendo que devemos primeiro tratar de enriquecer o país e só depois dar a todos
educação primária."
Ignoro a existência de pessoas de responsabilidade que defendam, hoje, a tese
atacada pelo conferencista. Tese ingénua — escrevi em 1934 e repeti
publicamente em 1959.2 Contudo, a tese oposta, que propõe às nações da atualidade "primeiro
enriquecer para depois educar", além de errada, é cruel. Mas deixo de lado, por ora, o aspecto
propriamente humano do problema, e por isso fecho os olhos à hecatombe de pequeninos roceiros
— de cada mil que nascem, 500 morrendo antes do primeiro aniversário, como na Rússia Imperial,
onde também se acreditava que a ignorância da população rural deveria esperar mais alguns
séculos. Não considero tampouco a estabilidade política de uma democracia que, cuidando
primeiro de enriquecer-se. exclui da vida cívica, por incultura, 50% de sua população adulta.
Ponho de parte, enfim, o desperdício do capital "inteligência", que, por não haver sido mobilizado
na devida época, deixa de se desenvolver integralmente.
O que realmente discuto — para negar a conclusão do conferencista — é o seu próprio
raciocínio. Será de fato possível enriquecer um país sem ao mesmo tempo educá-lo desde a base?
Em 1949, ao dissertar sobre esse problema num Seminário Internacional, assinalei como coisa que
supunha sabida por todos, que entre a economia e a educação se forma um círculo vicioso; ou,
mais precisamente, uma relação de reciprocidade: a debilidade econômica do indivíduo
acarretando educação deficiente, a educação deficiente trazendo consigo a redução da
produtividade. Ou, para colocar a questão em termos afirmativos: melhorar a educação é melhorar
o trabalhador e as técnicas de trabalho, donde maior produção econômica; aumentar a produção
econômica é aumentar as possibilidades de educação. Não há jeito de separar as coisas; não há
como justificar a tese de primeiro enriquecer e depois educar."
Um grande economista de nossos dias, Gunnar Myrdal, da Universidade de Stocolmo, ex-
secretário executivo da Comissão Económica da Europa, publicou em 1944 uma das mais notáveis
obras vindas a lume até hoje, a respeito da situação dos negros nos Estados Unidos. Eis em síntese
as suas palavras a propósito da citada interdependência:
"O fator econômico — que muita gente (sem falar nos marxistas) erige em
fator primário, não merece esse prestigio. Em um sistema interdependente de
causalidade dinâmica, não existe causa primária, pois cada fator ê também, por si,
fator dos demais. O baixo padrão educacional, por exemplo, produz os baixos
salários e as deficiências de saúde. Qualquer desses três termos — economia,
educação e saúde — pode por sua vez ser considerado fator dos outros dois."
Quanto à influência específica da educação geral, Gunnar Myrdal cita e apoia as palavras de
um líder da população negra dos Estados Unidos:
"Não se tivesse instalado no sul uma rede escolar primária e secundária para
aquela população, e os negros, ali, teriam em pouco tempo regressado ao
regime da escravidão". 3
Eis por que considero profundamente desumana, antiliberal e também inexata, a tese
afirmada pelo citado conferencista em momento de passageira ausência, e que condensei dentro da
frase — "primeiro enriquecer, de-
2 A. Almeida Júnior — Ba Escola Primária, S. Paulo, 1959, pág. 10.
3 Gunnar Myrdal — An American Dilemma, New York, 1944, págs. 75-78.
pois educar..." Por tudo isso, embora procurando evitar as demasias de pessimismo,
sinto-me compelido a admitir, em face da realidade já conhecida, que a entrega do
ensino brasileiro à liderança dos particulares nos levaria a perder o pouco terreno já
conquistado nos domínios da educação popular, e faria que as classes menos
favorecidas regressassem a um regime social semelhante ao da escravidão. Ê contra
semelhante retrocesso que neste momento se levanta a voz da juventude académica de
São Paulo. — (Anhambi, S. Paulo).
O PROJETO EM ACUSAÇÃO
FERNANDO DE AZEVEDO
Desde que rompeu (e fui eu um dos que tiveram a iniciativa de desencadeá-lo),
tenho estimulado por todas as formas e acompanhado de perto o movimento contra os
últimos projetos de lei de Diretrizes e Bases que ameaçaram e ainda põem em perigo a
educação pública do país. Já é tempo, — a esta altura da campanha em defesa da escola
pública, — de dar o balanço às atividades e aos resultados obtidos e de responder a
certas afirmações muito discutíveis e a outras de todo ponto falsas dos que tomaram a
defesa do projeto posto por nós em acusação. Dentre nossos adversários na luta em que
estão empenhadas todas as nossas forças, destacam-se alguns que são sinceros e,
supondo estar com a verdade, agem de boa-fé na defesa de seus pontos-de-vista.
Habituei-me a respeitar as opiniões contrárias, ainda que não me pareçam exatas ou
aceitáveis, não apenas por um princípio de tolerância mas pela observação de que,
muitas vezes, aqueles que propugnam, com valor e veemência ideias diferentes das
nossas ou opostas, as têm por justas e crêem nelas. Em Dorian Gray, observa Oscar
Wilde: "Quando um inglês examina uma ideia, pouco lhe importa se ela é justa ou não;
êle se pergunta somente se aquele que a professa, nela crê ou não".
Mas, dada essa explicação preliminar, é preciso dizer a verdade inteira, e esta é a
de que estamos com toda a razão nessa campanha áspera e penosa, que devemos levar
por diante, custe o que custar, até a vitória final que deverá vir ainda que através de
dificuldades e reveses. "Digo a Verdade não tanto quanto gostaria mas tanto quanto me
atrevo e cada vez me atrevo mais à medida que envelheço", — é o que, tomando as
palavras a Montaigne, costumo repetir em uma época atribulada e contraditória, de
fugas e deserções, em que tudo tende a capitular e a rastejar, e homens, que
supúnhamos de responsabilidade, enfardam suas convicções, quando as têm, na trouxa
de velharias ou, o que é pior, as misturam no balaio de seus interesses particulares ou
eleitorais. Ainda não despertou em todos a consciência de que os grupos que se
agarram ao Projeto de Diretrizes e Bases, onde têm pregados os olhos é nos cofres
públicos, e de que, uma conspiração de interesses privados, continuarão sua ação tenaz
com a tática habi-
tual: o deslizar, sob a invocação de princípios, até o alcance da presa, e depois o salto
com todas as garras de fora. É contra eles que temos de manter-nos vigilantes, pois,
ainda que não estivesse nas intenções do Projeto (e duvido muito que não esteja), estará
nas suas consequências o desmantelamento do sistema de educação pública do país.
Não nos sendo possível, pelo tempo que nos foi concedido, abordar todos os
argumentos apresentados em defesa do projeto, nem revidar a todos os golpes vibrados
contra nós, vejamos apenas alguns deles para mostrarmos quanto aqueles são falsos e
estes injustos. Afirmam os seus defensores (para darmos um exemplo) que esse projeto,
"atendendo aos interesses de todos os grupos é um plano de educação eminentemente
democrático". Para nós, porém, nada mais antidemocrático do que o projeto em
discussão. E por quê? Porque favorece a discriminação econômica e social, a discrimi-
nação racial e a discriminação religiosa que são abolidas na escola pública e só a escola
pública está em condições de abolir. Porque tende a instalar o predomínio de classes e
grupos, — as classes mais abastadas e grupos confessionais: a maior parte da
população não pode suportar o custo do ensino privado ou particular, destinado àqueles
que podem pagar, e o Estado, subvencionando-o, favorece evidentemente as camadas
mais ricas da população. Porque, afinal, o ensino particular sendo um ensino pago,
desenvol-ve-se e tende a desenvolver-se exatamente nos setores da educação, secun-
dária e superior, em que são maiores as perspectivas de lucro. No nível primário, como
o provam os dados estatísticos, já tantas vezes apontados, é irrisória, quase nula, a
participação das instituições particulares.
Dos princípios da democracia (e a democracia não é apenas um regime político;
"ela necessita, para existir verdadeiramente, de toda uma estrutura econômica e social,
todo um mecanismo de instituições") dos princípios de democracia que assinala
Kingsley Davis, bastará destacar três, que nos interessara de modo particular, para
termos uma compreensão mais clara da importância da escola pública, como uma das
instituições democráticas. Na impossibilidade, pela escassez de tempo, de analisá-los
um por um, eu me limitarei a indicá-los para que reflitam sobre eles. O primeiro é a
igualdade ética, na expressão de Kinsley Davis, ou seja o reconhecimento do valor de
todos os indivíduos. O segundo, a oportunidade de progresso para todos, seja qual fôr a
condição de nascimento, de recursos materiais ou da classe a que pertençam. E qual o
terceiro, sobre que insiste Davis com razão e que se deduz, como uma consequência,
dos dois anteriores? A educação pública, — sim, a educação pública, — que torna
possível exatamente aquela oportunidade, permitindo às pessoas classificarem-se
segundo seu merecimento e não segundo seu grau de fortuna. Donde se conclui que a
educação pública é essencial à democracia em que se insere como uma de suas
instituições fundamentais.
Ora, com ser a educação profundamente atingida no projeto em questão, que
manda às urtigas esses três princípios, saltam, do outro lado, os defensores do Projeto
para afirmarem que êle nada mais pretende do que reconhecer às instituições privadas o
papel que lhes cabe na educação, sem desmerecer ou desvalorizar a educação pública.
Outra afirmação, redonda-
mente falsa. Em primeiro lugar, esse reconhecimento já fora feito expressamente pela
Constituição Federal de 1946, quando estatui no art. 177: "O ensino de todos os ramos
será ministrado pelos poderes públicos e é livre à iniciativa particular respeitadas as leis
que o regulem." Em segundo lugar, fornecendo dinheiros públicos as instituições
particulares, quando o Estado não se encontra ou declara não se encontrar em condições
de ampliar a rede do ensino público, o Estado demite-se da missão e do dever que lhe
impõe a Carta Magna, para dispersar os recursos de que dispõe, em benefício das
escolas particulares. E, por último, subvencionando escolas particulares com dinheiros
públicos, exonera-se (o que é espantoso) do dever de estabelecer as condições para essa
subvenção e de fiscalizar a aplicação desses dinheiros, concedendo-lhes uma liberdade
que vai até a licença, e não admite (no que faz muito bem) para as escolas públicas.
Não somos nós somente que condenamos, sob esse aspecto, o Projeto de Diretrizes e
Bases. Ê também um líder católico, do valor e da projeção intelectual de Alceu
Amoroso Lima, que expressamente o condena, sem a êle se referir, quando declara:
"São indispensáveis a liberdade e a flexibilidade ao trabalho da escola. Compete,
porém, ao Estado a supervisão desse processo, a fim de que não se incida no risco de
concorrência, inclusive no plano da comercialização."
Por mais que queiram escamoteá-la com sofismas e mistificações, a verdade, pois,
é que o Projeto de Diretrizes c Bases, aprovado pela Câmara de Deputados, é, nas suas
disposições, e será nas suas consequências, a destruição do ensino público, tramada
com o mais desabusado desrespeito aos princípios democráticos e a mais completa
ignorância, real ou dissimulada, de fatos que são de uma evidência agressiva e
correspondem a três aspectos, — histórico, político e cultural, — da questão. A história
do ensino, nos tempos modernos, e por imposição das condições da vida social,
econômica e política, é a história de sua conversão em ensino público. Esse é um dos
fatos incontestáveis, a que tenho feito várias vezes referência. O outro, não menos
importante e por todos mais do que reconhecido, proclamado, é o papel eminentemente
assimilador do Estado e da escola pública que tende a dissolver as diferenças de
costumes e constitui a oficina em que se tempera e se consolida a unidade nacional.
"Quando se fala do papel nacional da escola (escreve F. Pécaut), pensa-se em sua
utilidade para a prosperidade material ou para a moralidade da nação, por exemplo, ou
ainda que ela serve para despertar a consciência nacional. Mas, a verdade fundamental
é outra. E que a escola primeiro ou antes de tudo fait de la nation; ela é um dos mais
poderosos fatôres de assimilação." Este, o aspecto político da questão, que não é
preciso encarecer.
Mas há um outro aspecto sumamente importante: o aspecto cultural, científico e
técnico. A pesquisa científica em todos os domínios, e a formação de técnicos, de que
carece a sociedade industrial, de base científica e técnica, não podem ser alcançadas em
grande escala senão pelo sistema de educação pública, montado e desenvolvido com
esforços e recursos cada vez maiores. Esta, a lição de todos os países, de todas as
sociedades capitalistas ou socialistas, que atingiram um alto grau de cultura e
desenvolvi-
mento econômico. Já me referi a esse ponto no Manifesto "Mais uma vez convocados",
de 1.' de Julho de 1959, assinado por cento e oitenta professores, educadores, cientistas
e escritores. Mas prefiro dar a palavra aos trinta e três físicos, liderados por César
Lattes, que declaram, no seu corajoso e lúcido Manifesto, que, com esse projeto,
"estaremos trazendo uma trágica contribuição ao retardamento do desenvolvimento
econômico do Brasil. E um truísmo dizer que o desenvolvimento econômico de um
país depende de seus técnicos. A indústria moderna requer, além de técnicos altamente
especializados, um grande número de técnicos de grau médio. O golpe vibrado na
escola pública pelo Projeto de Diretrizes e Bases cortará drasticamente o número de
jovens instruídos e aptos para se transformarem nos técnicos de que o Brasil carece
para a sua emancipação econômica. A pesquisa científica será afetada (acrescenta o
referido Manifesto). A investigação na ciência moderna requer o investimento de
quantias tão grandes que somente os governos podem custeá-las. As Universidades
oficiais do país sofrem da falta de recursos suficientes para o desenvolvimento de suas
pesquisas. É incompreensível que, não dispondo de recursos suficientes para financiar a
pesquisa, o Governo venha a ser obrigado por força de lei a distribuir esses poucos
recursos entre Universidades particulares inaptas para essa tarefa de investigação
científica."
Como se vê, o Projeto tem defeitos, falhas e erros, e dos mais graves. Ê confuso e
contraditório, e no que é preciso e claro, como no que apresenta de vago e nebuloso,
criará para educação no país uma situação coática, insustentável. Poderá parecer
fundada na paixão a crítica severa que lhe fazemos. Não é, porém, de forma alguma.
Outros o têm julgado com a mesma severidade, examinando-lhe os pontos principais.
Leia-se, por exemplo, a crítica que faz ao Projeto um homem que se confessa católico,
— alto espírito sereno e motejador, pouco inclinado a lutas apaixonadas, — Abgar
Renault, duas vezes Secretário de Educação em Minas e ex-Ministro da Educação. "A
meu ver (escreve êle) a lei não tem sistema, não tem unidade, contraditória, fala em
monopólio do ensino por parte do Estado, — monopólio que não existe e ao qual dá
combate, ao passo que o atribui aos particulares e à custa dos cofres públicos; é
inconstitucional em muitos pontos; contém graves falhas pedagógicas; não dá ao ensino
primário a importância que merece, pois distribui os recursos, — os do ensino primário,
os do ensino médio e os do ensino superior, em três partes iguais, esquecida d© que há
quatro milhões de crianças fora das escolas primárias, e isto não é apenas indigno e
antipedagógico — é estúpido." No curso da campanha julgamentos semelhantes têm
surgido, a cada passo, de educadores, escritores e cientistas, em discursos e
conferências, artigos e entrevistas.
Que tenha o Projeto esses e outros defeitos, e dos mais graves, aqueles mesmos
que o defendem, às vezes, o reconhecem. Mas se os reconhecem, como o tem
confessado, porque não o combatem? Vejam a precariedade desse argumento que seria
um achado, se não fosse de cabo de esquadra. Em debates travados sobre a matéria em
associações de proprietários e diretores de colégios particulares ou ligadas a confissões
religiosas, chegou-se a afirmar alto e bom som, como foi noticiado pela imprensa:
"Sim, o Pro-
jeto tem defeitos. Não podemos contestá-lo. Mas poderão eles ser corrigidos no
Regulamento da Lei." Não é de espantar? E por que não já, agora, quando ainda está
em discussão? Nunca se deixam defeitos, tidos como graves em um projeto de lei, para
serem emendados em um problemático Regulamento que aliás não pode modificar o
texto legal. O argumento é capcioso e de má-fé. É a primeira vez que tenho notícia de
tamanho disparate. Mas, se é coisa que não se justifica, explica-se no caso em questão.
Por que não corrigi-los agora? Por que, dada a composição dos futuros Conselhos,
Federal e Estaduais, em que poderão prevalecer ou ter maioria os representantes de
escolas particulares, não seriam corrigidos senão os defeitos de menor monta que não
afetem os pontos capitais. O Regulamento que viesse a ser elaborado por eles nos
Conselhos (admitida a hipótese, muito provável, da predominância dos delegados de
associações de ensino particular) só poderia contribuir para agravar a situação já de si
insustentável. Pois, o que no projeto em questão consideramos defeitos e erros, é o que
os seus defensores têm por qualidades — e qualidades essenciais. Entre os dois pontos-
de-vista, na apreciação e no julgamento do Projeto, o que existe, na verdade, é uma
oposição radical, irredutível. Não há conciliação possível.
files, os defensores do Projeto, sentem-no claramente. Daí as muletas de que se
servem, para o apoiarem, na falta de argumentos. Asseverou na Câmara e, fora dela, na
imprensa, um ilustre deputado (e assim o disse a título de consolo para os que o
combatem) que o Projeto, que tem cento e vinte artigos (em parte, matéria estritamente
regulamentavel), conservou apenas 10% ou cerca de doze artigos do Substitutivo, ainda
mais radical, que foi rejeitado pela Comissão de Educação e Cultura. Mas que represen-
tam, afinal, esses artigos? O que importa não é o número deles, mas o sentido das
inovações que introduzem e são exatamente as que temos criticado com mais fortes
razões. Entre o substitutivo, que se rejeitou, e o novo Projeto, agora em discussão, não
há diferença substancial. A política de educação que inspirou aquele, é a mesma que
comanda este, em suas principais disposições. Se condenamos um, não podemos aceitar
o outro. Por que, pois, não se aproveitar o momento em que deve entrar em discussão
no Senado, para expurgá-lo de seus defeitos? Se esses artigos impugnados por nós, — e
são numerosos, •— foram rejeitados pelo Senado, teria de voltar à Câmara o Projeto
(clamam os nossos opositores) e iria prolongar-se por muito tempo, em consequência, a
situação atual. com grave prejuízo para estudantes e professores. Ora (respondemos),
prejuízo por prejuízo, o que decorrer, para a educação, da permanência da situação
atual, e incomparavelmente inferior ao que resultará da situação que venha a ser criada,
para o país, com a aceitação do Projeto de Diretrizes e Bases, tal como foi aprovado na
Câmara de Deputados.
Dizer-se ainda, como se tem repetido tantas vezes, que o Projeto não foi aprovado
rapidamente, de atropelo (como temos afirmado) pois estava há doze anos na Câmara,
é uma pilhéria de mau gosto. O primitivo projeto não esteve em discussão doze anos na
Câmara de Deputados. Esteve, sim, cerca de onze anos engavetado, bloqueado, sem
que a Câmara, nesse longo
período, tivesse dele tomado conhecimento. Foi, como é notório, o Ministro Clemente
Mariàni, no governo do Marechal Eurico Dutra, que elaborou e remeteu o primeiro
Projeto de Diretrizes e Bases ao Presidente da República, o qual, tendo-o aprovado, o
encaminhou à Câmara, acompanhado de uma mensagem, com a exposição de motivos.
Depois, o silêncio, um longo processo de hibernação, de que ressurgiu, afinal, o Projeto
Clemente Mariâni, mas já o desfigurado pelas metamorfoses por que passou, que não
se pode reconhecer no atual, elaborado pela Comissão de Educação e Cultura, um traço
sequer das suas grandes linhas e diretrizes. Em onze anos ou perto disso não se falava
em Lei de Diretrizes e Bases nem no projeto que a Câmara recebera para discutir, mas
preferiu sepultar entre os assuntos intocáveis, adiando o debate para as calendas gregas.
Como, pois, — para assegurar-se que o Projeto vinha sendo cuidadosamente estudado
— consi-derar-se, como de discussão, todo esse largo período de silêncio e de amor-
daçamento?
Mas, já é tempo de concluir esse rápido balanço de uma campanha, em que os
estudantes têm tido tão importante papel, por seu idealismo, interesse edificante e zelo,
dedicação sem desfalecimentos. Aludem os nossos opositores, — os que vêm apoiando,
como podem, o Projeto em acusação, "aos interesses que temos atrás de nós, na luta
que contra êle sustentamos. Ê uma alusão ferina com que pretendem atingir e
amesquinhar uma ação desencadeada e desenvolvida com a maior elevação e
honestidade e com os olhos postos exclusivamente na educação da infância e da
mocidade brasileira, para uma sociedade em mudança. Os interesses que temos atrás de
nós, são imensos, sim, são os interesses de mais de quatro milhões de crianças sem
escolas e de mais de trinta milhões de brasileiros, analfabetos, abandonados à sua
própria sorte, sem os meios que lhes foram sistematicamente negados, de receberem
sequer a educação fundamental primária, que devia ser obrigatória e gratuita para
todos. Esses, os interesses, os únicos que temos atrás de nós. E é uma honra, para nós,
confessá-los. E os dos nossos opositores (salvo honrosas exceções) são, conforme
apontou o Manifesto dos Físicos, "os interesses econômicos de proprietários de escolas
particulares ou então os interesses de propaganda confessional das instituições que o
patrocinam".
Como vêem, há uma pequena diferença entre "os interesses que estão atrás de nós"
e de que tão acerbamente nos acusaram, e os interesses que estão atrás dos outros. Mas,
com essas e quaisquer outras insinuações malévolas que nos tenham feito ou se
disponham a fazer-nos, não conseguirão abalar os nossos propósitos de levar até o fim
a campanha em defesa da escola pública: uma luta sem tréguas, luta junto ao Senado
para obtermos a rejeição do Projeto ou as emendas indispensáveis; luta junto à Câmara,
quando o Projeto com modificações importantes voltar à apreciação dos senhores
Deputados; luta junto ao Senhor Presidente da República, para o veto se fòr preciso, —
veto total ou parcial; luta, enfim, sem descanso, para a revogação da lei, se em lei
porventura fôr transformado o projeto em questão. Adiantam os nossos opositores, bem
ou mal informados, que lutaremos em vão e que já não nos restam esperanças de
vitória, na campanha
de defesa da escola pública. Admitamos que sim. Não importa. Pois "as lutas mais belas
são as que se travam sem esperanças", dizia Jules Ferry, que acabou, apesar de todas as
resistências, a arrebatar a vitória na campanha que, na França, empreendeu, também
sem grandes esperanças. Não é, de fato, o êxito ou o sucesso que as torna grandes e
belas, mas a nobreza do ideal que as inspira, a força de convicções em que se apoiam, o
espírito de sacrifício que reclamam, o entusiasmo que despertam e que as envolve,
como nesta tarde, numa atmosfera quente de fé, compreensão e solidariedade humana.
(.Anhembi, S. Paulo)
EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
O Brasil é um país subdesenvolvido. Esta afirmação, que fora um lugar-comum
para caracterizar a estagnação econômica do país, começa a trans-formar-se numa
idéia-fôrça para a transposição do atraso econômico. A consciência da situação de
miséria e dependência econômica segue-se a vontade de transformação da realidade.
Sob este prisma, revêem-se posições, renovam-se soluções para os problemas crónicos
do país, tanto no atinente à economia, quanto ao que se refere aos demais setores da
vida nacional. Em todos os setores a vontade da maioria é a mesma: superar o conjunto
de fatôres de retardamento gerados pelo subdesenvolvimento econômico para que a
civilização industrial moderna floresça.
Aceita-se, pois, tacitamente, que é preciso romper as barreiras do sub-
desenvolvimento para que a nação possa usufruir os benefícios da civilização moderna.
Sabe-se que a circularidade do processo atraso econômico-civilização estagnada foi
rompida no primeiro pólo e têm-se consciência que o desejo de progresso impõe
soluções audaciosas e muitas vezes cruéis em termos dos valores e das formas de ser
que orientavam a vida e o ajustamento tradicional dos homens. Mas o sacrifício é feito
na expectativa de que à antiga ordem de coisas, estável mas injusta, onde a socialização
das perdas e o domínio inconteste das camadas de altas rendas eram a norma, sobre-
ponha-se uma forma de organização da sociedade onde a economia industrial permita
que o fluxo das rendas percorra — embora ainda desigualmente — grupos cada vez
mais amplos da população.
Um sistema de ensino consentâneo com esse propósito precisa basear-se numa
escola capaz de fornecer os meios necessários para que cada um possa colocar-se na
vida da comunidade como um elemento ativo na sua construção e transformação, em
lugar de uma escola que forneça conhecimentos ociosos para a transformação da
realidade, embora preciosos para a fruição da cultura pelos grupos privilegiados. Em
vez de uma educação pseudo-huma-nística através do ensino das matérias que os
programas oficiais propõem para a mocidade brasileira (como se o latim, o grego e o
ensinamento da cultura clássica dispersos num currículo heterogéneo e
sobrecarregado pu-
dessem produzir o milagre de formar espíritos orientados pelos valores realmente
humanísticos), precisamos de um ensino de base técnica, ao lado de uma educação
inspirada por uma concepção do homem e da sociedade impregnada dos valores
realmente humanísticos que a civilização pôde elaborar no transcorer da aventura
humana na história, a começar pela convicção de que a sociedade e o homem, enquanto
ser cultural, são produtos da própria atividade humana. Partindo-se desta convicção,
será possível almejar uma sociedade em moldes mais justos, na qual a capacidade de
realização de cada um seja real medida das coisas.
Nesse sentido, educação para o desenvolvimento supõe instrução de base técnica,
sólida e generalizada. Para tanto, é preciso democratizar o próprio conteúdo do ensino
brasileiro, isto é, organizar os currículos dos diversos níveis de ensino de tal modo que
nele se contenham conhecimentos úteis para a construção do progresso, fi preciso,
porém, que estes conhecimentos se distribuam num conjunto de matérias que não
ultrapasse o limite do número de disciplinas pedagogicamente aceitável e economica-
mente realizável, para que cada vez maior número de pessoas possa dispor dos
conhecimentos seguros necessários para que cada qual se coloque na sociedade em
moldes que permitam usufruir efetivamente do progresso que está ajudando a construir.
O padrão tradicional do ensino brasileiro não se apoia, naturalmente, numa
orientação desse tipo. Quando a instrução como privilégio era, não diria a regra efetiva
porque possivelmente ainda o seja, mas o ideal aspirado pelos grupos que dominavam a
sociedade e aceito como fatalidade pelos que sequer se beneficiavam como grupos
dominados, de condições sociais que permitissem a crítica nacional da espoliação
cultural de que eram vítimas, o ensino pode ter sido, nalgumas escolas, um ensino
efetivamente de humanidades e a educação uma educação humanística. Com a desa-
gregação da antiga ordem senhoreai brasileira, contudo, a ampliação da rede escolar
tornou-se inelutável. Esta ampliação, entretanto, efetivou-se, man-tendo-se, no que era
possível, o espírito, o espírito de antigo ensino que via no conhecimento das línguas
clássicas, no domínio de algumas línguas vivas e no conhecimento da literatura, da
história e da geografia universais a própria objetivação do que de melhor havia na
tradição cultural do Ocidente: a formação do homem-do-mundo. No centro da
Amazónia, como no sertão do Nordeste ou nos subúrbios do Rio de Janeiro, passou-se
a ministrar, pelo menos formalmente, o mesmo tipo de ensino que no passado era
transmitido nas poucas escolas secundárias e, pouco mais numerosas, primárias que
atendiam à clientela escolar, composta de filhos das classes abastadas.
Ora, quando este ensino era para poucos, e exatamente para aqueles que
dispunham do ócio suficiente para se embevecerem e se comoverem diante da
multiplicidade de soluções culturais engendradas pelo homem no transcorrer da sua
experiência histórica, este ensino chamado humanístico não só era possível, como
correspondia às necessidades sociais definidas das camadas dominantes. Quando,
porém, o problema da instrução de segmen-
tos cada vez mais amplos à população se impõe como condição para que o próprio
ritmo do desenvolvimento econômico se mantenha, a questão crucial é transformar a
instrução num meio pelo qual todos possam participar do processo de modificação da
realidade e da criação de uma modalidade específica de organização da vida: a
sociedade democrática de base industrial.
A partir do momento em que a expansão quantitativa do ensino se impôs, a antiga
escola brasileira (de nível primário, médio ou superior) tor-nou-se anacrónica. Seria
possível demonstrar que este anacronismo afeta, além do conteúdo do ensino que se
ministra na escola, o próprio padrão de organização da instituição escola. E isto é
compreensível quando se pensa que o sistema escolar não independe do padrão geral de
organização da sociedade e que, portanto, os pressupostos nos quais se assentavam os
componentes da velha escola brasileira deixaram já de existir. Basta pensar na
respeitabilidade social da posição de mestre no passado e na rotinização da função
didática como uma profissão aberta a todos e mal remunerada, numa sociedade que vê,
em grau crescente, no salário, no lucro e na renda, a medida do valor e da
respeitabilidade de cada um, como é a sociedade capitalista que se está constituindo no
Brasil. O resultado da manutenção do antigo padrão da escola brasileira num sistema de
ensino em expansão é conhecido: uma instrução pior que anacrónica, desfigurada num
pseudo-humanismo beletrista; uma escola pior que obsoleta, desmoralizada e ine-
ficiente.
Vê-se, pois, que os problemas a serem enfrentados para a organização de um
sistema de ensino adequado a um período de expansão industrial são complexos e
situam-se em níveis diversos, se bem que complementares: a extensão do ensino impõe
alterações na qualidade de ensino e ambos supõem modificações no padrão de
organização da escola.
Até que ponto, porém, em termos do desenvolvimento econômico capitalista a
democratização do ensino, no seu duplo aspecto de extensão da rede escolar e de
transformação do próprio tipo de instrução, deve ser considerado como um requisito
para o progresso?
Não tenhamos dúvida, o problema da democratização do ensino, a partir desta
indagação, deixa de ser meramente técnico. A história conhece exemplos de
crescimento econômico ao lado da miséria e da indigência cultural. E quanto à resposta
à pergunta formulada é obtida a partir da consideração do número de especialistas nos
vários graus de ensino necessários para o crescimento dos diversos ramos da atividade
econômica, pode-se simplesmente chegar a resultados que indiquem que o crescimento
econômico pode perscindir, variavelmente de etapa para etapa, de estender à todos a
instrução, ou de envolver todos os níveis de ensino no processo de democratização.
Porém, para os educadores e para os que desejam a prosperidade nacional não apenas
como um recurso verbal para exprimir a acumulação de lucros pelo grupos de altas
rendas, mas como uma realidade em termos do aumento do montante global da renda
nacional paralelamente com a intensificação do processo de melhor distribuição da
renda, o crescimento econômico para ser um valor social geral deve ser concebido
como um meio
para intensificar o bem-estar de cada um. Neste sentido é que a educação para o
desenvolvimento é, na sua etapa inicial, instrução elementar para todos. Instrução
elementar para todos não porque o desenvolvimento capitalista moderno se apoia em
técnicas que por mais rudimentares que sejam dependem em grau crescente do
conhecimento da leitura, da escrita e das operações elementares, mas porque só com o
domínio dessas técnicas cada pessoa consegue colocar-se em posição mais vantajosa no
processo de criação de riquezas, beneficiando-se, ao mesmo tempo, de melhor distribui-
ção das rendas que ajudou a constituir. De fato, num país onde o regime capitalista se
acha em processo de formação, a apropriação mais vantajosa de parte da renda nacional
é suscetível de ser obtida pelos não proprietários dentro de certos limites, através do
domínio de técnicas econômicas, por elementares que ssjam, que possibilitem o
engajamento nos setores da economia que já se acham em face de transformação, e a
alfabetização é requisito necessário para o domínio dessas técnicas. O sertanejo
nordestino analfabeto, como o trabalhador rural analfabeto de qualquer área atrasada do
Brasil, será sempre um ser miseravelmente explorado pelos setores prósperos do país,
independentemente do grau de riqueza que nestes últimos se acumular e do consequente
aumento do cálculo de renda nacional per capita. Sua miséria é tanto mais trágica
quanto menos capaz êle é, por estar imerso num processo de total atraso cultural, de
exigir que as condições que o esmagam se alterem. Pouco importa, para o educador que
não deseja transformar-se num ideólogo do "desenvolvimento", que a miséria do
trabalhador rural e sua ignorância sejam desprezíveis em termos das necessidades de
crescimento da indústria do país — e, às vezes, mais que irrelevantes, o atraso e a
miséria são condições favoráveis, falando-se do ponto-de-vista estritamente econômico
— a instrução deve alcançar também estes segmentos da população que estão às
margens das necessidades do desenvolvimento, e deve alcançá-los como uma condição
mesma para instilar neles a vontade do progresso, o ânimo para reivindicarem para si,
partes maiores da renda nacional.
Isto não quer dizer, como logo se verá, que o sistema de ensino possa ser pensado
independentemente das possibilidades efetivamente abertas pela prosperidade do país
para custear sua expansão. Nem significa que as necessidades intrínsecas do
crescimento deixem de implicar a democratização do ensino. Ao contrário, quando se
pensa na expansão da rede de ensino e na transformação do tipo de ensino requeridos
pela industrialização e pelo crescimento capitalista da economia do país, vê-se que o
problema se apresenta, de outro ângulo, com premência e com força de compulsão. Ou
se consegue fazer que as teias da economia de mercado integrem cada vez mais as
populações atrasadas das áreas marginais aos setores propulsores da produção e do
consumo, ou o desenvolvimento econômico será restringido tanto pela dimensão
estreita do mercado interno quanto pelo ónus cada vez mais pesado das populações
miseráveis, às quais algumas formas elementares de auxílio, no mínimo, terão de ser
prestadas pelos setores prósperos do país, num esforço sisífico de manter a miséria
para que os homens não sucumbam. Como agente catalisador de mudança econômica e
como condição necessária para acelerar a integração das populações pobres ao processo
de crescimento econômico, impõe-se a extensão a todos da instrução elementar,
independentemente de estarem em dado momento, engajado no processo de produção
de riqueza.
O produtor capitalista individual tenderá a colocar o problema de outro ângulo:
tendo em vista a formação de operários e técnicos necessários ao desenvolvimento, é
mais barato concentrar os recursos disponíveis para o ensino naquelas áreas já
integradas no mercado e na produção capitalista. Sem dúvida, em termos de negócio o
argumento procede, mesmo porque são lentos os efeitos da integração das áreas
atrasadas que favorecem a economia como um todo, e até certo ponto a existência de
"áreas coloniais" dentro de uma comunidade nacional pode ser favorável para os
empresários das áreas desenvolvidas, quando se pensa nas reservas de mão-de-obra e
matérias-primas baratas dessa áreas. Entretanto, a educação não é um negócio. Aqui
reaparece a diferença entre o ponto-de-vista dos que consideram o problema
educacional meramente de um ângulo técnico em termos das nacessidades de mão-de-
obra, para o desenvolvimento econômico (compreendido como um processo de
acumulação de riquezas por alguns segmentos da população) e o ponto-de-vista dos que
aceitam a expressão "educação para o desenvolvimento" apenas quando se empresta ao
conceito de desenvolvimento um significado que o situe como algo capaz de ser dese-
jado em termos de um processo do qual resultem benefícios para todos e, cada vez
mais, benefícios iguais para todos. Mesmo porque, a posição contrária não poderia ser
defendida em nome da herança da filosofia educacional da civilização ocidental, onde a
instrução transparece nitidamente como um valor na medida em que é um processo
criado pelo homem que lhe permite a luta contra sua própria alienação, contra outras
criações suas que o avassalam.
Encarada a instrução como algo que se impõe em nome mesmo da civilização,
tendo em vista o desenvolvimento das potencialidades do homem, é possível discutir,
por outro lado, a outra implicação fundamental do problema da extensão da rede
escolar. Se a instrução se justificasse apenas em termos do crescimento econômico,
seria relativamente fácil, do ponto-de-vista educacional, resolver as dificuldades que se
apresentam num país subdesenvolvido para a manutenção da rede de ensino: bastaria
deixar a cargo dos setores da economia diretamente interessados na difusão das
técnicas, desde as mais elementares até àquelas que são ministradas nos cursos
superiores, o financiamento, a administração e a ministração do ensino.
Como, entretanto, a educação não é um negócio, nem a instrução mera técnica para
permitir a propriedade dos negócios, ao Estado nas sociedades capitalistas
democráticas, cabe financiar a expansão da rede escolar, cuidar da sua administração e
das condições de ministração do ensino. Nesse sentido, a escola democrática é a escola
pública, a escola que visa estender o ensino a todos independentemente das vantagens
econômicas que dessa expansão possam advir.
A esta altura da exposição pressinto já a contra-argumentação candente: os termos
do problema foram invertidos. A educação, que é algo mais que a instrução, é um
direito da família; o Estado-educador, ainda e sempre o leviatã moderno, é o Estado
Totalitário. Estas, as principais acusações contra a escola pública, sob este aspecto, dos
que querem tudo manter no projeto de lei sobre Diretrizes e Bases, para melhor
manterem-se. Contudo, a primeira parte da argumentação é um sofisma, tanto mais
cínico quanto mais sabidas são as condições em que vivem as famílias carecentes dos
mínimos para uma vida digna, que ainda constituem a maior parte da população
brasileira aglomerada nas favelas, nos cortiços e nos mocambos, ou esparsas pelas
choupanas miseráveis da zona rural. Nessas populações os filhos terão de educar os
pais, se realmente se pretende dar algum conteúdo humano à expressão educar, se
realmente se deseja que valores sejam inculcados no homem, e não se quer apenas
garantir a transmissão de técnicas de sobrevivência, muitas das quais ignominiosas, que
constituem meios extremos de que parte destas populações lança mão como recurso
para que ao menos subsista nelas o que de animal há no homem, a começar pela própria
vida. A prioridade que muitos desejam para a família em face da escola transforma-se,
neste caso, num argumento despido de sentido educativo real. Outros, contudo, a
defendem por temor do que está expresso na segunda parte da argumentação dos
adversários da escola pública: por temor do Estado Totalitário. Entretanto, o suposto na
minha argumentação, que é a argumentação geral dos que, na atual campanha,
defendem a escola pública, é o Estado Democrático. E nas condições de desenvolvi-
mento da sociedade brasileira parece vão o temor do Estado Totalitário, transformando-
se a luta contra sua instauração numa peleja contra moinhos de vento, uma vez que a
família exerce, de fato, antes do Estado, a ação educativa no lar. Em termos da situação
real, como acima afirmei, o que ocorre é precisamente o contrário do que pensam os
que tanto temem a intervenção desmoralizadora do Estado sobre a família: as famílias
em situação de miséria transformam-se num obstáculo à educação. A escola pública,
neste caso, criaria as condições, através da instrução e da formação de personalidades
íntegras, para a reeducação dos pais pelos filhos, como condição mesma para a
manutenção da instituição da família.
Contudo, seria ingenuidade ou farisaísmo afirmar-se em nome de uma filosofia de
vida, que a instrução é um dever do Estado que se impõe categoricamente, como
norma, sem ao mesmo tempo cogitar das possibilidades reais de custear a extensão da
instrução e não só no nível primário, pois, como ideal, a possibilidade de acesso aos
vários níveis da cultura deve ser aberta também a todos. Quando se indaga destas
possibilidades, ainda uma vez os partidários do monopólio da escola privada
disfarçados em cultores de uma liberdade de ensino que nunca foi negada nem está
ameaçada no Brasil acorrem com a solução do problema: exatamente nos países
subdesenvolvidos onde os recursos a serem investidos na educação rareiam, não há
outro caminho que não seja permitir que a escola particular, confessional ou leiga, se
incumba da tarefa educativa, incentivada pelo Estado através de bolsas, financiamentos,
donativos etc. Que, pelo menos,
em nome da impossibilidade da rede oficial atender a todos ou fazê-lo con-
venientemente destine-se parte das verbas públicas para garantir a "liberdade
educativa", isto é, a possibilidade de cada um escolher o tipo de educação que deseja.
Alega-se, ainda, que assim seria possível com menos recursos atender mais pessoas,
pois o custo da instrução particular é menor que o da escola pública.
A fragilidade destes argumentos é manifesta, quando se parte das premissas
colocadas nesta exposição. A função educativa do Estado não pode, pela sua própria
natureza, visar apenas obter uma taxa favorável de custo por cabeça de aluno. A escola
particular concentra-se nas áreas de grande população escolar e nos tipos de ensino
"mais barato", isto é, nos quais, seja porque se pode pagar miseravelmente os
professores, seja porque se pode cobrar caro dos alunos, o lucro é alto. Sabe-se que o
ensino nas zonas rurais, por exemplo, onde seu custo é grande, está nas mãos da escola
pública. Por êle, só como exceção se têm interessado as escolas particulares. Mas o
ensino público não é um negócio nem pode, para bem desempenhar sua tarefa
essencial, como a definimos, cogitar apenas do custo por unidade escolar ou por aluno,
por isso deve estender-se por aquelas áreas ou naqueles níveis de instrução onde o
rendimento das inversões não é grande, mas onde, nem por isso, deixa de existir gente à
sua espera.
Quanto à afirmação de que o auxílio do Estado às escolas particulares existentes
seria solução mais barata para atender às necessidades escolares, o argumento parte já
do pressuposto falso do rendimento da inversão como critério pedagógico, e, pior
ainda, de que a rede escolar privada pode atender, no essencial, a todas as camadas da
população. Ora, isto não é verdade nem quantitativamente era face da grande parcela da
população em idade escolar sem escolas, nem quando se pensa nas camadas sociais que
são atendidas pela rede de escolas particulares, pois é sabido que as camadas pobres, no
geral, não frequentam escolas particulares. Dir-se-á: mas com auxílio público a rede
privada de escolas poderá estender-se a todos os níveis do ensino e à maior parte da
população escolar. Sim, na mesma medida em que a rede escolar oficial fôr capaz disso
e, neste caso, com o mesmo rendimento em termos da relação aluno-inversão, ou ainda,
com o rendimento melhor na exata proporção em que mais forem explorados os
professores e funcionários das escolas particulares quando se cotejar seu nível de
salário com o das escolas públicas...
Resta a "liberdade de escolha do género de educação" que, ou é um sofisma, já que
o género da educação em sentido lato nunca deixou de ser escolhido pela família, à
medida em que a própria educação num país democrático, diferentemente da instrução,
é orientada pela família, ou uma afirmação com certo laivo de cinismo, se por educação
se quiser entender instrução, e. a título de liberdade de instrução, se quiser forçar que o
Estado, num país sem escolas, destine parcelas do dinheiro público para garantir a
"liberdade de educação" nas escolas particulares, em detrimento da expansão da rede
de ensino.
Estas considerações todas não significam a inexistência de um problema real:
como garantir a expansão da rede escolar num país subdesenvolvido?
14
Ora, num país pobre os recursos são escassos para a tarefa educativa. Portanto, a
instrução para o maior número de pessoas só será alcançado através da concentração
maciça dos recursos e sua distribuição racional. Neste sentido, sem planejamento não
há educação para o desenvolvimento. Como planejar as inversões, se a expansão do
sistema escolar ficar a cargo da iniciativa privada que, pela sua própria natureza,
compete nas éreas de maior lucro, duplicando esforços inutilmente, em detrimento dos
inversões nas áreas onde o "negócio do ensino" não é vantajoso? Que dizer então da
pulverização de recursos, sob as mais variadas formas de bolsas, financiamento ou
donativo que o atual projeto de Diretrizes e Bases consagra?
A concentração de recursos e sua distribuição racional permitirão a extensão
gradual da rede de ensino nos vários níveis de instrução. A satisfação de todas as
necessidades educacionais será, naturalmente, demorada. Contudo, ainda que parcelas
ponderáveis da população continuem sem ensino por muitos anos ou com ensino
insatisfatório (a rapidez e a possibilidade de atender a toda a população dependerá,
naturalmente, do grau de prosperidade da economia e da capacidade dos grupos e
pessoas interessadas no ensino e de obter verbas cada vez maiores para a educação
pública), havendo planejamento da extensão da rede escolar e havendo a energia
necessária para transformar o ensino brasileiro de seu espírito pseudamente erudito
aristocrático, no ensino simples, eficiente e democrático que é menos custoso, e sendo
possível simplificar a própria organização da escola brasileira ajus-tando-a ao que ela
deve ser, isto é, uma instituição de um país pobre, sem muitos gastos suntuário3 e
muita complicação "burocrática", a tarefa de estender a todos a educação pelo menos
no nível elementar e médio será tarefa para poucas gerações. Se, ao contrário,
seguirmos a linha atual piorada com a aprovação do Projeto de Diretrizes e Bases é
possível que venhamos a dispor, em pouco tempo, de algumas escolas excelentes quiçá
aquelas mesmas ligadas à expansão industrial, mas à custa da taxa crescente de
analfabetos e da indigência cultural da maior parte da população.
É por isto, senhores, que nesta campanha insistimos tanto que a educação não é
privilégio, o ensino não é negócio e o dinheiro público deve ser usado na escola
pública. — (Anhembi. S. Paulo)
A DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO
FLORESTAN FERNANDES
O tema que me foi atribuído é demasiado complexo para ser relatado em poucos
minutos. Ele envolve as questões que se relacionam mais profundamente com os
grandes desafios educacionais de nossa era e os principais problemas educacionais com
que nos defrontamos presentemente no Brasil. Não obstante, faremos um esforço de
concisão, restringindo-nos à situação educacional brasileira e tratando, nesta, somente
dos aspectos essenciais do assunto.
O que vem a ser "democratização do ensino"? Através desse conceito, pretende-se
assinalar coisas que são distintas, como universalização de certas oportunidades
educacionais, a transformação das técnicas e dos métodos pedagógicos ou uma
interação aberta e construtiva da escola com as necessidades e os interesses sociais dos
círculos humanos que ela sirva. Em termos sociológicos, o aspecto central do processo
de democratização do ensino está na distribuição equitativa das oportunidades
educacionais. Um país tende a democratizar seu sistema de ensino quando procura
atenuar ou abolir as barreiras extra-educacionais que restrinjam o uso do direito à
educação e o convertam, aberta ou disfarçadamente, em privilégio social.
Assim entendida, a democratização do ensino traduz uma nova avaliação social do
homem, da natureza da educação e da sua importância para a sociedade. Na base do
processo se acha uma ordem social que se inspira na crença da igualdade social e se
funda (ou deve fundar-se) em mecanismos igualitários de organização do poder.
Pretende-se preparar o homem para as responsabilidades sociais produzidas pela
igualdade das quais a individualização de poder é um dos aspectos, e para as tarefas que
ela cria na espera da reconstrução social. Em suma, a democratização do ensino pode
ser apreciada tanto como requisito da ordem, social, democrática, quanto como fator de
seu aperfeiçoamento. Ela assegura seja a evolução mais rápida para estilos
democráticos da existência, seja a consolidação do próprio regime democrático, seja a
capacidade deste de manter-se fiel a seus princípios fundamentais, renovando-se
incessantemente para corresponder a novas exigências de conforto material, de
segurança social, de aprimoramento espiritual e de satisfação moral dos homens. Daí a
justeza do ponto-de-vista dos educadores modernos, de que não existe democracia sem
democratização do ensino. Ê verdade que, no plano histórico, a democratização do ensi-
no representa um produto do florescimento da democracia. Mas, esta depende daquela,
pois cabe à escola transformar a mentalidade do homem, para ajustá-lo à ordem social
democrática e às suas possibilidades de desenvolvimento. Portanto, a democratização
do ensino oferece uma das vias — pode-se supor, mesmo, que a principal via — de
funcionamento normal e de dinamização da ordem democrática, pois ela a encaminha
para o progresso material, intelectual e social das coletividades humanas.
A democratização do ensino foi um dos mais pesados encargos herdados pela
República no Brasil. De fato, a instrução fora um privilégio aristocrático na antiga
ordem social escravocrata e senhorial; assim se manteve, com variações insignificantes
na essência, ao longo de mais de meio século de experiências republicanas, pelo menos
nos setores da sociedade brasileira que conservaram com maior tenacidade a concepção
tradicionalista do mundo e os hábitos sociais correspondentes. Paltaram-nos recursos
materiais, humanos e culturais para empreendermos modificações rápidas e profundas
no sistema educacional existente. Por isso, os três primeiros decénios da história
educacional republicana compreendem estranhas transações, graças às quais o Estado
Democrático patrocionou e expandiu, na verdade, soluções educacionais que
contradiziam a sua própria natureza e os fundamentos da filosofia da educação
democrática. E bem verdade que, entre 1890 e 1950,
por exemplo, a proporção de alfabetização passou de 15 para 49%.l Em números absolutos essa
alteração é quase espantosa, evidenciando que a República arcou como pôde com suas tarefas
educacionais: em 1890, contávamos com 2.120.559 indivíduos alfabetizados; em 1950,
14.916,779 indivíduos se declararam como tais. Este total representa mais de sete vezes o primeiro
montante e supera em 2.703.413 indivíduos a população global do Brasil naquela data! Malgrado
os nossos 50% de analfabetos na população global, isso nos dá uma medida impressionante do
esforço educacional da República, quase todo êle devido à iniciativa oficial, pois em 1957, 90%
das escolas primárias eram públicas, absorvendo 88% da matrícula geral!
Apesar disso, a República não teve sucesso na esfera propriamente pedagógica. Não ims
novos ideais e novos valores educacionais, que visassem organizar a escola segundo o novo
modelo de homem, exigido pela ordem social democrática. Tampouco conseguiu ajustar o sistema
nacional de educação à expansão das zonas prósperas do País, mantendo mais ou menos intactos
— mesmo no seio das escolas públicas — os padrões orga-nizatórios obsoletos das antigas escolas
primárias, secundárias e superiores, seu baixo rendimento educacional e seu divórcio da vida
prática em todos os campos, da economia à política e à atividade intelectual. Em poucas palavras,
em vez de criar escolas novas, em todos os níveis e ramos do ensino, que correspondessem às
necessidades sócio-culturais do presente, o Estado Democrático adotou a solução mais cómoda de
expandir a rede de ensino mediante a multiplicação das velhas escolas. E o que salienta com
argúcia um estudioso recente da questão: "E mais difícil modificar a orientação do ensino para
satisfazer novas necessidades, do que administrar o ensino tradicional a clientela mais numerosa,
quando apenas se pretende aumentar a quantidade, sem modificar o produto. Premido pelos
acontecimentos, o Brasil não tentou ainda a reconversão do seu ensino de cultura geral tradicional:
quis atender à grande e manifesta procura da instrução multiplicando os estabelecimentos de
ensino, para distribuir a cultura geral aristocrática, não mais a uma pequena elite abastada, mas a
massas relativamente grandes".2 Em consequência, estamos diante de uma expansão predo-
minantemente quantitativa, que está longe de ter germinado um sistema de ensino realmente
democrático, em sua estrutura, na mentalidade dominante nas relações pedagógicas ou nos
produtos dos processos educacionais. Ao contrário do que deveria suceder, a situação atual ainda
consagra o ensino como privilégio social, embora esse privilégio se tornasse acessível a maior
número, como muito bem o demonstrou em suas análises Anísio Teixeira.3
0 pior é que isso se reflete em dois setores vitais. Primeiro, no grau de
diferenciação e organicidade do sistema nacional de educação. Como o
demonstra o Quadro I, há flagrante desequilíbrio no desenvolvimento dos
1 Notando-se que os 15%, em 1890, abrangiam pessoas de todas as idades; e os 49%, em
1950, apenas pessoas de 15 anos e mais.
2 Cf. Jacques Lambert, Os Dois Brasis, INEP, Rio de Janeiro, 1959, págs. 210-211.
3 Cf. especialmente Educação não ê Privilégio, Livraria José Olympio Editora, Rio de
Janeiro, 1957, passim; A Educação e a Crise Brasileira, Companhia Editora Nacional, São Paulo,
1956, esp. caps. 2, 3, 4, 6 e 7,
diferentes ramos do ensino. As desproporções existentes fazem que se formem e mantenham,
indefinidamente, verdadeiras "áreas de estrangulamento" no seio de nossos sistemas educacional,
as quais afetam principalmente o ensino elementar extra-primário, médio e superior. Segundo, na
forma de distribuição das escolas dos diferentes níveis de ensino pelo País. Como o sugere o
Quadro 2, as oportunidades educacionais se concentram em certas regiões da sociedade brasileira,
que chegam às vezes a absorver 80% ou mais do movimento educacional (cotejando-se o Leste e
o Sul com as demais regiões).
QUADRO I
Distribuição percentual dos ramos do ensino no Brasil
por unidades escolares, matrícula geral e conclusões de
curso em 1957 (•)
Ramos do ensino Unidades Matricula Conclusões de
escolares inicial cursos
Primário ............................................ 91,0 85,6 74,7
Extra-primário elementar .... 0,6 0,3 0,5
Médio ................................................ 6,9 12,8 22,1
Superior ........................................... 1,2 1,1 2,4
Distribuição
ou curso e
QUADRO II
percentual do ensino por unidades escolares matrícula
geral em relação às regiões do País em 1959 <**)
Ramos do Ensino
Ensino primário:
Unidades escolares
Matricula inicial
Ensino médio:
Unidades escolares
Matricula inicial
Ensino Superior:
Cursos
Matricula inicial
REGIÕES DO PAÍS Norte
Nordeste Leste
3,4 24,6 29,2 39,0 3,6
3,1 16,6 34,4 42,3 3,4
2,6 13,3 34,9 45,5 3,4
2,3 12,0 35,9 47,0 2,5
2,1 16,2 39,1 40,5 2,0
1,5 11,2 40,9 44,6 1,5
Embora semelhante processo pareça "natural", por ser uma decorrência do desenvolvimento
demográfico, econômico, político, social e cultural do Brasil, isso significa que o baixo
rendimento e ineficácia do sistema nacional de ensino está sujeito a flutuações muito graves e
que êle ainda está
(*) Ponte dos dados brutos: Anuário Estatístico do Brasil — 1959, IBGE,
Conselho Nacional de Estatística, Rio de Janeiro, 1959, págs. 349-52 e 354.
(*•) Ponte dos dados brutos: Anuário Estatístico do Brasil — 1959, IBGE. Conselho
Nacional de Estatística, Rio de Janeiro, 1959, págs. 349-72.
Sul Centro-Oeste
longe de atuar efetivamente como fator uniforme do progresso social. Em conjunto, é
admissível concluir, juntando-se a estas reflexões nossas conclusões anteriores sobre as
deficiências relacionadas com a expansão e a qualidade do ensino primário: 1º) que o
ensino básico comum só é compartilhado por uma fração da sociedade brasileira,
aparentemente a metade da população, sem contribuir de forma definida para o novo
ajustamento do homem às condições de existência social criadas pela implantação da
República, pelo desenvolvimento das cidades e pela industrialização; 2º) que ainda não
dispomos de um sistema educacional capaz de enfrentar seriamente as condições
adversas das diferenças regionais, sejam elas demográficas e econômicas,
sejam políticas, sociais e culturais; 3º) que se mantém fortemente em nossos
dias o teor seletivo extra-educacional dos mecanismos de procura e de utilização da
escola, em todos os ramos do ensino, o que dá prioridade absoluta, no aproveitamento
das oportunidades educacionais, aos alunos pertencentes a famílias ricas ou prósperas e
impede uma diferenciação maior de todo o sistema educacional. Em suma, a República
não conseguiu aHerar profundamente a situação educacional brasileira, não obstante os
consideráveis avanços realizados. A educação continua a ser um privilégio, embora não
estejamos mais na era da sociedade escravocrata e senhorial e apesar disso ser uma
aberração, em face do regime político pelo qual optamos e dos progressos que
desejamos atingir na esfera econômica, cultural e social.
Passando desse plano de consideração da questão para outro mais geral, podemos
admitir que as tendências à democratização do ensino, imperantes em nosso meio, são
fortemente contidas ou solapadas por nossa reduzida capacidade de adaptar o sistema
de ensino herdado do passado aristocrático às exigências educacionais do presente.
Precisamos ajustar a educação aos requisitos econômicos, políticos, sociais e culturais
da ordem societária vinculada ao regime democrático, à economia mecanizada e à
civilização tecnológica-industrial. Porém a escassez de recursos financeiros,
especialmente destinados à educação, somada à disponibilidade limitada de recursos
materiais ou humanos propriamente educacionais e à pressão negativa da estrutura
demográfica, na qual prevalece uma camada muito extensa de pessoas carentes de
vários tipos de instrução, têm-nos desviado de modo incessante das soluções que
seriam desejáveis, construtivas e eficientes. Os avanços são notáveis, tornando-se
perceptíveis até na escala de um ano para outro. Contudo, jamais alcançam plena
eficácia, prejudicando tanto o ritmo dentro do qual se processa a democratização do
ensino, quanto o alcance de seus efeitos quantitativos e qualitativos.
Pode-se verificar a consistência dessas explanações confrontando-as jom as
medidas requeridas pela democratização do ensino na sociedade brasileira atual. Em
primeiro lugar, impõe-se estender o ensino primário a todos os indivíduos em idade
escolar (ou acima desta, quando não o possuam) e assegurar a todas as regiões do País,
independentemente de sua estrutura demográfica e de suas riquezas econômicas, meios
para incentivar esse desiderato. Aqui, estamos diante da concretização de uma garantia
social conferida universalmente a todos os brasileiros por nossa Carta Magna:
democratização do ensino significa, meramente, participação normal de um
complexo de direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros. Em segundo lugar, impõe-
se diferenciar internamente o sistema educacional brasileiro, de modo a dar maior
amplitude as funções educacionais dos diferentes tipos de escolas, ajustando-as
convenientemente às necessidades educacionais das diversas comunidades humanas
brasileiras. Sob o aspecto técnico, aa medidas a tomar seriam de alcance qualitativo,
envolvendo a forma de organizar as escolas e de integrá-las umas às outras; no entanto,
no terreno prático a questão assume feição quantitativa, já que implica na criação e
disseminação de escolas adaptadas às suas funções educacionais, quer no que tange a
necessidades educacionais de caráter universal (relacionadas com o tipo de instrução e
suas conexões com o desenvolvimento da personalidade dos alunos), quer no que tange
às necessidades educacionais que variam em escala local ou regional. Da escola
primária à escola técnica e ã escola superior, democratização do ensino, aqui, significa,
literalmente, resolução educacional, leva-nos primordialmente para a mudança de
mentalidade e de hábitos pedagógicos, redefinindo o uso social da educação através de
novas concepções educacionais e da correspondência efetiva para com as exigências
educacionais de nossa época. Trata-se de dar prioridade aos aspectos qualitativos mais
profundos do processo pedagógico, para organizá-lo institucionalmente em novas
bases, fornecidas por técnicas, valores e princípios fundados em nossa filosofia
democrática da educação e em seu obje-tivo central, que consiste em formar o homem
segundo o modelo da personalidade democrática. Em terceiro lugar, por fim, impõe-se
a abolir a seleção educacional com fundamento em privilégios (de riqueza, de posição
social, de poder, de raça ou de religião). Há duas coisas em jogo: alterar a significação
simbólica dos graus de ensino, ainda identificados com critérios aristocráticos de
avaliação da educação; pôr a educação a serviço da reconstrução social, fazendo da
escola, em qualquer dos seus níveis, o primeiro degrau de carreiras úteis para a
coletividade. Democratização do ensino significa, aqui, intervenção gradual na
fiscalização direta ou indireta da distribuição e fruição das oportunidades educacionais.
Não basta quebrar a rigidez da escola e do sistema escolar geral; é preciso tornar todas
as oportunidades educacionais acessíveis a todos, deixando às aptidões de cada um a
decisão final sobre a espécie e aproveitamento educacional a ser dado à sua pessoa.
Nenhuma sociedade moderna poderá sobreviver e progredir, em nossa era, sem que
essa condição ocorra, de modo a estabelecer, efetiva e regularmente, a utilização
construtiva das energias criadoras dos indivíduos pelas comunidades e instituições
sociais em que eles vivam.
Essa enumeração leva-nos à questão essencial. Até hoje, não demos senão alguns
passos tímidos na primeira direção. Ensaiamos inovações parciais, incompletas e com
frequência tumultuaria, sob a pressão inexorável dos "fatos consumados", e sob os
alvos inconstantes das "medidas improvisadas", visando menos a democratizar o ensino
em todas as direçõe3 legítimas, que freá-lo segundo as conveniências de um padrão
lento de mudança social. Na verdade, só episodicamente conhecemos a "reforma
educacional" autêntica. Nossa política educacional ficou entregue a círculos sociais
cuja lealdade se volta predominantemente para o passado — para as concepções
tradicionalistas e para uma valorização aristocrática do ensino. Por isso, não é de
estranhar-se que as mudanças nas outras duas direções tenham sido sopitadas, às vezes
deliberadamente, por interesses sociais e religiosos, e que elas se reduzam a efeitos
cegos da seleção espontânea, que graduam a extensão dos privilégios às camadas
melhor sucedidas na competição econô
mic
a, social e política. Mesmo o espetáculo animador a que assistimos numa cidade como
São Paulo cai nessa categoria. O aumento da rede escolar extraprimária tem
acompanhado o aumento da procura de ensino médio c superior por parte de uma
clientela de crescente capacidade aquisitiva. As questões fundamentais, relacionadas
com uma política de democratização do ensino, sempre ficaram de lado ou em segunda
plana. É inútil frisar que o resultado de semelhante situação consiste no influxo ainda
maior dos fatôres extra-educacionais na distribuição das oportunidades educacionais e
no próprio funcionamento das escolas.
O lado mais construtivo do projeto de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
está no fato de êle ter sido imaginado, pelos educadores brasileh-os-como um
expediente para modificar essa orientação. Êle surge como a primeira oportunidade que
tivemos de submeter uma vasta área de nossa vida escolar a uma disciplina nova, mais
coerente com as necessidades educacionais fomentadas pela formação e
desenvolvimento da sociedade de classes, do regime democrático da civilização
tecnológica-industrial no Brasil. Sem investir contra a iniciativa particular no ensino,
sua autonomia e capacidade de expansão, os dois projetos elaborados por nossos
educadores procuravam definir a responsabilidade básica do Estado na promoção do
desenvolvimento educacional através do sistema público de ensino e das instituições
pedagógicas, técnicas ou científicas correlatas. Semelhante posição poderia ser
amplamente defendida no terreno doutrinário, pois a experiência moderna demonstra
que a escola pública gratuita é o único instrumento eficaz de democratrização do
ensino, especialmente no que concerne ã distribuição mais equitativa das oportunidades
educacionais. Todavia, os argumentos de teor ideológico quase não pesaram em suas
decisões e sugestões. Acompanhando-se as discussões que suportavam seus projetos,
cons-tata-se que deram decidida preferência a dados concretos. O volume das
obrigações educacionais que pesam sobre nós dificilmente poderia ser enfrentado com
sucesso pela iniciativa particular. Esta preferiu, como não podia deixar de ser, o ensino
que proporciona melhores condições de prosperidade para as empresas escolares. Em
1957, por exemplo, as unidades escolares subordinavam-se à seguinte distribuição no
setor do ensino particular: ensino primário, 10%; ensino elementar extraprimário, 81%;
ensino médio, 68%; ensino superior, 60%. Esses dados são, em si mesmos, deveras
sugestivos. Para que o Estado contribuísse positivamente para a diferenciação e o
progresso do ensino, seria preciso que êle, além de duplicar praticamente a rede de
ensino primário, correspondesse de maneira efetiva a obrigações educacionais
perigosamente negligenciadas até agora. É claro que, no fundo, a natureza dos
raciocínios e os fundamentos das decisões não alteravam o produto final. Promovia-se a
defesa da escola pública, a expansão do sistema de ensino público no terreno
prático, forçando-se uma
politica de participação ativa e responsável do Estado no desenvolvimento educacional
do País.
Essa orientação, não só foi mal recebida, e interpretada, como acabou sendo posta
de lado no projeto de lei. Prevaleceram as antigas motivações, que teimavam em manter
o nosso ensino preso a modelos obsoletos de organização e a critérios que o identificam
como verdadeiro privilégio social. O jogo das influências que se fizeram sentir é muito
claro. Os estabelecimentos de ensino particular converteram-se, em sua maioria, em
grupos de pressão e compeliram os deputados a optarem por soluções que representam
sério golpe na proverbial tendência laicista de nossa legislação e de nossa política
educacionais. Ora, tais estabelecimentos de ensino não estão diretamente interessados
em todas as direções e implicações da democratização do ensino, mencionadas acima.
Quando eles tomam consciência desses problemas, fazem-no tendo em vista os
interesses e os fins da própria clientela. Por isso, em vez de exercerem pressão no
sentido mais construtivo, contribuíram para transformar o projeto de lei em uma
fórmula de arranjos e acomodações prejudiciais aos interesses educacionais da
coletividade como um todo. As escolas particulares leigas, abrindo mão do princípio de
que "a escola particular para ser livre precisa ser economicamente independente",
deram relevo à maior participação do Estado no financiamento de empresas de ensino
lucrativas por motivos extritamente pecuniários. Está claro que a situação educacional
brasileira exige que o Estado intervenha segundo novo estilo no crescimento
educacional. Se isso acontecer e o sistema público de ensino absorver a capacidade de
intervenção do Estado, o caminho para a progressiva diminuição da clientela das
escolas particulares estará aberto. Vê-se que não temem, propriamente, a concorrência
com as escolas públicas na situação atual. Temem, isto sim, as medidas que poderiam
transformar em adversas as vantagens existentes no momento, graças à própria omissão
do Estado em suas tarefas educacionais. As escolas particulares católicas, como e
enquanto empresas econômicas, são movidas pelos mesmos motivos. Graças a razões
espirituais, acrescem a esses motivos a defesa da posição dominante que a Igreja
Católica sempre ocupou na formação intelectual e moral do homem na ordem social
tradicional. Essa posição foi mais ou menos ameaçada pela expansão do sistema
público de ensino, o que estimulou os sacerdotes católicos a lutarem aberta e
denodadamente por novos meios de revitalização do sistema escolar submetido a
fiscalização direta da Igreja Católica.
O que pensar dessas influências? Elas animam, de fato, as tendências à
democratização do ensino? Parece-me óbvio que não. A dispersão dos recursos oficiais,
destinados à educação, vai prejudicar frontalmente e em conjunto todas as medidas de
democratização do ensino que se impõem. Dado o volume de responsabilidades
educacionais do Estado e a escassez de meios para atendê-las, essa dispersão nos levará
a algo que só pode ser definido como devastação pura e simples dos recursos públicos
de forma improdutiva ou semiprodutiva. Doutro lado, além de servir diretamente a
interesses imediatistas dos proprietários de escolas particulares, vai tornar impossível
uma intervenção maior do Estado na distribuição das oportu-
nidades educacionais em bases justas ou equitativas. Como o demonstrou Almeida
Júnior,4 as bolsas destinadas a pagamento de anuidades escolares irão beneficiar
camadas da população brasileira que podem custear a educação dos imaturos. A
alternativa que se impunha, para beneficiar os setores menos privilegiados da sociedade
brasileira, seria a concessão de bolsas a alunos pobres — não para pagar anuidades,
mas para permitir a frequência à escola pública gratuita. O subaproveitamento das
oportunidades educacionais no Brasil resulta do nível de pobreza da maioria da
população, que está em condições econômicas sequer de aproveitar a escola pública
gratuita onde ela exista. Essa alternativa se chocava, porém, com os interesses
egoísticos dos grupos de pressão, que exerceram influência na confecção do projeto de
lei e, por isso, não foi considerada. Ela parece ser, não obstante, uma das vias para as
quais precisaremos apelar, para promover o desenvolvimento educacional nos setores
pobres da população brasileira, em particular nas regiões menos prósperas do País.
Na presente discussão, procurei evitar a formulação dogmática das conclusões.
Pareceu-me mais indicado e conveniente seguir uma linha objetiva de exposição. O que
se entende, sociologicamente, por democratização do ensino? O que vem a ser e como
tem se manifestado a democratização do ensino na sociedade brasileira? Em que
sentido o projeto de lei sobre Diretrizes e Bases da Educação Nacional poderia
favorecer ou contrariar as tendências à democratização do ensino que estão operando
em nosso meio? Ainda que semelhante procedimento complicasse a análise, êle tem o
mérito de basear os argumentos em fatos ou em interpretação verificáveis. Contudo, há
interesse na estratégia expositiva evitada. Os assuntos educacionais podem e devem ser
debatidos à luz de princípios ou de valores, ou seja, em termos doutrinários e
dogmáticos. Desse ângulo, existe pleno cabimento em indagar qual seria a "boa"
solução e por que caminho os legisladores "deveriam optar".
Questões desse tipo podem ser respondidas tanto em termos ideais, quanto em
termos realistas. O legislador preocupado com os ideais da democracia ou do regime
democrático não teria outra alternativa senão em defender uma política educacional que
favorecesse o aperfeiçoamento da escola pública e a expansão do sistema público de
ensino. Só esta escola oferece ao Estado as perspectivas e as condições para a plena
realização de suas tarefas educacionais, para o recurso crescente ao planejamento edu-
cacional, para a fiscalização dos fatôres extra-educacionais que interferem no processo
educativo e para o aproveitamento progressivo das aptidões dos educandos. Além disso
a escola pública não seleciona sua clientela jegundo critérios econômicos, étnicos ou
ideológicos. Por natureza, é aberta a todos os candidatos aptos a receber instrução, a
todo progresso do conhecimento científico e a toda tentativa de ampliar o horizonte
intelectual do homem, especialmente no que concerne à participação responsável na
vida coletiva. Ao Estado Democrático, que é um Estado-educador por excelência, não
corresponde nem. convém melhor outra modalidade de escola. O legislador
4 Cf. "Ainda as Diretrizes e Bases da Educação Nacional" in Anhembi, Ano X
Número 110 — Vol. XXXVII, Janeiro de 1960, pags. 236-237.
animado com intuitos realistas teria de fazer duas espécies de indagação. A primeira,
qual o tipo de escola suscetível de exercer influências mais construtivas na expansão da
ordem democrática no Brasil. A segunda, até que ponto um país em que a escassez de
recursos para a educação é crónica pode propor-se a estratégia de intervenção
simultânea em dois sistemas de ensino. Ambas as questões mereceriam respostas que
me dispenso de ventilar, tão patentes elas se mostram...
Portanto, desse ângulo também se imporia a conclusão de que as medidas
aventadas no projeto de lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional merecem sérias
restrições. Elas não tomam em conta que a intervenção do Estado Democrático na
esfera da educação se relaciona com propósitos definidos, que não podem ser outros
senão o fortalecimento da ordem social democrática sob o influxo da escola e a melhor
utilização social da escola sob o influxo do estilo democrático de vida. Doutro lado,
elas negligenciam as peculiaridades histórico-sociais do regime democrático e da escola
pública no Brasil. Ambos são essenciais ao desenvolvimento autónomo da sociedade
brasileira. Mas, ainda se acham em fase formativa. Não poderão sobreviver nem
produzir frutos se os homens não lutarem com denodo por um e por outra. Os
legisladores deram-nos um triste exemplo, que devemos repelir com intransigência.
Cada país tem o regime político e a escola que merece. Nós devemos proceder de modo
a termos o melhor — um Estado Democrático autêntico e uma Escola Pública capaz de
servir ao nosso aperfeiçoamento material, intelectual e moral.
LIBERDADE DE ENSINO
Joio EDUARDO R. VILLALÔBOS
Expressões como "liberdade de ensino", "ensino livre", "escola autónoma" etc, dão
margem, quando está em jogo a luta pela escola pública e a educação democrática, à
aplicação de uma teoria ao mesmo tempo curiosa e pérfida, a da dupla verdade,
implicitamente invocada por todos os que, hoje como outrora, adotam a tática da linha
justa em matéria político-social. E o que vem ocorrendo no Brasil, como em outros
países, no momento em que atinge o seu auge a luta que vem de longe entre os defen-
sores da escola pública, isto é, da democratização do ensino, e os que pretendem que a
situação educacional permaneça como está ou volte ao statu quo ante, isto é. que o
ensino continue a ser um privilégio exclusivo, ou quase exclusivo, de ricos. Falam os
defensores dos interesses particularistas ou confessionais, como liberais travestidos, em
educação livre ou liberdade de ensino para conscientemente engodar aos que, alheios ao
verdadeiro conteúdo significativo dessas palavras dentro da realidade histórica, vislum-
bram aí a defesa dos mais caros princípios democráticos e a única política educacional
compatível com os ideais de liberdade. É preciso entretanto
que se ponha a descoberto as verdadeiras intenções dos que assim fazem, a insídia dos
que hoje, em face do debate aberto, se apresentam como paladinos da liberdade de
ensino, um dos principais meios escolhidos para a consecução de seus verdadeiros
propósitos.
O Projeto de Diretrizes e Bases da Educação, aprovado pela Câmara Federal em
rapidíssima sessão, vem sendo defendido por aqueles cujos interesses êle consulta, em
nome de certos princípios, entre os quais o da liberdade de ensino. No próprio projeto,
contudo, revela-se aquela dupla verdade. A contradição não se verifica entre duas
afirmações, mas entre uma afirmação e uma omissão. O título III do projeto consagra o
princípio da liberdade de ensino, estabelecendo-se no artigo 4
9
que é "assegurado a
todos na forma da lei o direito de transmitir seus conhecimentos, não podendo o Estado
favorecer o monopólio do ensino." Entendeu o legislador, portanto, que a liberdade de
ensino é incompatível com o monopólio estatal e acautelou-se determinando ao Estado
que não o favoreça, como se o perigo fosse iminente. Há porém no projeto uma
omissão que o professor Almeida Júnior classificou de sintomática. Nos projetos
anteriores, com exce-ção do substitutivo do deputado Carlos Lacerda, dizia-se que "a
educação nacional (...) coibirá o tratamento desigual por motivo de convicção religiosa,
filosófica ou política, ou preconceito de classe ou de raça!" Temos aqui todas as
peças do enredo. Senão vejamos.
Entende o projeto aprovado pela Câmara Federal que o simples favorecimento do
monopólio do ensino por parte do Estado não se coaduna com o princípio da liberdade
de ensino por isso que assegura a todos o direito de educar. Omite, entretanto, a
necessidade de se coibir nas escolas o tratamento desigual por motivos ideológicos ou
de preconceito, o que significa que não considerou relevante a questão da liberdade
dentro da escola. O temor da escola pública que o projeto revela, ao impor ao Estado a
proibição constante do artigo 4º somado à omissão citada, considerando-se que é
precisamente a escola pública que, por natureza, oferece condições para a liberdade no
ensino, mostram com razoável clareza a contradição objetiva e a má-fé intencional de
seus executores e defensores. Que haja liberdade de criar escolas, mas que não se
favoreça a expansão da rede de escolas públicas para que não haja liberdade na escola,
eis a dupla verdade.
O que se deve entender por liberdade de ensino, não como meio tático numa luta
contra a escola pública, mas em função de seu significado democrático e da sua missão
histórica? Ninguém melhor do que Condorcet para esclarecer esse significado, pois que
voltamos ao próprio momento em que surgia e se firmava a consciência de que não
pode haver Estados democráticos sem educação popular. "Quando a lei, escreve o autor
das Memórias sobre a Instrução Pública, faz a todos os homens iguais, a única distinção
que os separa é a que, nasce de sua educação... O filho do rico não será da mesma
classe que o filho do pobre se não os aproxima a instrução... O dever da sociedade, no
que diz respeito à obrigação de tornar efetiva a igualdade dos direitos, consiste,
portanto, em proporcionar a
cada homem a instrução necessária para exercer as funções comuns de homem, de pai
de família e de cidadão, para sentir e conceber todos os deveres." Tendo considerado
como dever da sociedade a instrução, para a efetivação da igualdade, define Condorcet
a liberdade na escola pública nestes termos: "Os princípios da moral ensinada nas
escolas e nos institutos serão os que, fundamentados nos conhecimentos naturais e na
razão, constituem património comum de todos os homens. A Constituição, reconhe-
cendo o direito de cada indivíduo de escolher seu culto e estabelecendo uma completa
igualdade entre todos os habitantes da França, não pode admitir, em absoluto, na
instrução pública um ensino que afastando os filhos de uma parte dos cidadãos destrua
a igualdade das vantagens sociais e dê a dogmas particulares uma supremacia contrária
à liberdade das opiniões... Os pais, quaisquer que sejam suas opiniões sobre a
necessidade desta ou daquela religião, poderão portanto enviar sem repugnância seus
filhos a estes estabelecimentos nacionais, e o poder público não terá usurpado os
direitos da consciência sob o pretexto de iluminá-la ou conduzi-la."
Há quase dois séculos, por conseguinte, já se definia a escola pública, definição
inequivocamente relacionada com a própria concepção democrática do homem. É a
escola popular, tolerante, integradora, onde a consciência de cada qual encontra
condições para se desenvolver livremente. Mas não bastava defini-la. Era preciso
consolidá-la e expandi-la, tendo em vista a sua missão história dentro do Estado
democrático contemporâneo. Tal regime, para que efetivamente se realize e não passe
de uma simples teoria a descambar para a farsa sombria, exige, como premissa, a
autonomia da vontade e a liberdade de consciência sem as quais não é possível
deliberar e querer. A consciência crescente da necessidade da instrução para o tipo de
governo que pretende ser do povo, pelo povo e para o povo, levou o Estado
democrático contemporâneo a tomar a si a tarefa de promover a instrução pública e
gratuita, para que se pudessem incorporar à vida ativa da nação amplas camadas
humanas, até então submetidas a um processo de alienação política e social. E foi nesse
momento que se iniciou, nos países mais adiantados da Europa a democratização do
ensino, e que significava, como até agora significa, a expansão do ensino popular, da
educação pública e gratuita.
Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, que inspiraram o aparecimento do
Estado democrático só se poderiam tornar efetivos a partir do momento em que,
havendo liberdade, houvesse também igualdade. Esta igualdade, contudo, continuará a
ser meramente teórica enquanto persistirem desnivelamentos sociais provocados, entre
outras causas, pelas enormes diferenças culturais determinadas pela ausência de escolas
para o povo. De fato, a mera iniciativa particular, fazendo do ensino um comércio de
cujos benefícios só desfrutam os privilegiados da forma, e traduzindo apenas os
interesses da classe econômica dominante, que por sua própria natureza não pode senão
desconhecer o problema da instrução popular, não está em condições de
proporcionar a todos as mesmas oportunidades
educacionais. E como a desigualdades na instrução, como disse uma vez o grande
paladino da escola pública no século passado, Jules Ferry, não pode haver a igualdade
efetiva de direitos.
A noção que começou a se impor com força crescente, e que procura superar uma
contradição imanente às doutrinas liberais clássicas, qual seja a de que não pode haver
liberdade se não houver também igualdade, pois que só os iguais são livres, forçou o
Estado contemporâneo a intervenções igualitárias nos diversos setores da vida social, e
a escola pública foi o efeito dessa intervenção na esfera educacional. Foi portanto em
nome da ideia liberal, e não do liberalismo histórico que comandou um dos episódios
da vida dos povos que se encaminhavam para a formação do Estado democrático, que
os governos chamaram a si a responsabilidade da educação popular. E é precisamente
aqui que se verifica a contradição dos liberais de última hora que fazem a defesa da
iniciativa particular no campo educacional e combatem, com todos os seus recursos, a
intervenção estatal. Anacrónicos de um lado e maquiavélicos de outro, combatem essa
intervenção porque nela enxergam uma limitação das liberdades individuais, apelando
para uma doutrina que nunca aceitaram, nem como um episódio histórico nem como
uma ideia perene.
Tais contradições, como não poderia deixar de ser, revelam-se no terreno da ação
prática. Instituições que se julgam representantes das verdades eternas, e para as quais a
liberdade de consciência e a autonomia da vontade só podem ser exercidas dentro dos
limites determinados pelos seus dogmas, falam em liberdade de ensino para mascarar
seus reais propósitos de criar o tipo de escola onde o ensino verdadeiramente livre seja
substituído pelo ensino autoritário. O que querem, de fato, e não poderia ser outro o
desejo, é o monopólio do ensino para a transmissão de suas verdades, e onde o
desenvolvimento livre da inteligência e o florescimento espontâneo da personalidade
sejam substituídos pela imposição dogmática de doutrinas fixas e pela sufocação das
pontencialidades espirituais do ser humano. E o lema "liberdade de ensino" só é
empregado onde tais instituições já não mais possuem, por intermédio da educação, o
monopólio das consciências, ou estão em vias de perdê-lo. Nos países onde as
circunstâncias sociais políticas lhes garantem os meios para realizar o seu objetivo de
colonizar os espíritos — e casos atuais poderiam ser citados — e onde detêm de fato ou
de direito o monopólio das consciências, a palavra de ordem é a luta aberta contra a
liberdade de ensino.
Tais são os termos em função dos quais devemos considerar o problema da
liberdade de ensino. Na hora em que o debate se torna franco e na qual estão em jogo
ao mesmo tempo os destinos da educação popular e das instituições democráticas não
cabem mais equívocos ou dubiedades. Ataquem a escola pública os que desejam a
manutenção de uma situação iníqua e infeliz para a maioria do povo brasileiro;
defendem-na os que almejam uma sociedade melhor, onde o livre desenvolvimento de
cada um seja a condição de livre desenvolvimento de todos. — (Anhembi, S. Paulo)
INSTRUÇÃO E EDUCAÇÃO NA U.R.S.S.
ANTÓNIO ALVES NORONHA
Sou dos que pensam que todo o progresso da U.R.S.S. decorre do elevado nível de
instrução geral e do alto grau de cultura de seu povo. Penso, mesmo, que não existe no
mundo outro país que possua massa popular que se dedique mais à leitura e ao estudo
do que a U.R.S.S. A sua constituição proclama e garante a todos os cidadãos soviéticos
o direito á instrução, direito este que está, hoje, assegurado pela instrução setenal (sete
anos) geral e obrigatória, pela pujança do ensino secundário, pela gratuidade do ensino
secundário, médio e superior, pelo sistema de bolsas fornecidas aos estudantes das
escolas superiores pelo Estado, pelo ensino escolar ministrado na língua materna, pela
organização do ensino profissional, técnico e agronómico gratuito dado aos
trabalhadores nas usinas, fazendas. estações de máquinas e de tratores.
Na U.R.S.S. estudam, atualmente, mais de 50.000.000 de pessoas, o que equivale a
se ter um estudante para cada 4 habitantes e não há um único analfabeto. A instrução
pública é um negócio do Estado, correndo todas as despesas por conta do orçamento da
U.R.S.S. ou dos orçamentos das Repúblicas Federadas. E ministrada de uma forma
verdadeiramente democrática, estando ao alcance de todas as pessoas,
independentemente de sexo, raça, nacionalidade, situação material e religião. Na União
Soviética, o Estado estabelece uma unidade de programas, de métodos de ensino e de
encadeamento lógico de matérias, de modo que todas as células de seu sistema
educacional se ligam harmónica e perfeitamente, desde os jardins de infância até às
escolas de ensino geral e os estabelecimentos de ensino secundário e superior.
Na U.R.S.S. a escola é separada da igreja, da mesma forma que a igreja é separada
do Estado. Esta é a razão por que não há ensino religioso nas escolas. Existem,
todavia, nas organizações religiosas, escolas de religião.
O sistema educacional do povo soviético compreende:
a) Estabelecimentos de iniciação pré-escolar
b) Escolas de formação geral
c) Departamentos de ensino extra-escolares para crianças
d) Escolas e Estabelecimentos de Ensino Profissional
e) Escolas Técnicas e Superiores
ESTABELECIMENTOS DE INICIAÇÃO PRE--ESCOLAR
Os estabelecimentos de iniciação pré-escolar têm uma grande importância no
sistema educacional da União Soviética, existindo, para isso, uma grande rede de
berçários, clínicas infantis, creches e jardins de infância. O
número de crianças de 3 a 7 anos de idade que frequentam, hoje, os jardins de infância,
ultrapassa, de muito, a cifra de 2 milhões.
No verão, por ocasião das férias dos pais, abrem-se nos parques de cultura e de
férias, nos jardins das cidades, numerosas creches especiais, a fim de receberem
milhares de crianças em idade pré-escolar e darem, portanto, às mães a possibilidade de
tomarem parte ativa na vida social, política, cultural e econômica da U.R.S.S.
A finalidade principal dos jardins de infância é dar às crianças uma iniciação física,
intelectual, moral e estética. Há neles condições adequadas para o desenvolvimento das
aptidões intelectuais e artísticas da criança. Ela aprende, por meio de diferentes lições e
divertimentos, a empregar corretamente seu idioma paterno, a desenhar, a modelar, a
cantar, a dançar, etc. Sua fantasia criadora, seus dons de observação, suas aptidões para
desenho, pintura, modelagem e canto, são despertadas nos jardins de infância.
ESCOLAS DE FORMAÇÃO GERAL
As escolas de formação geral constituem a base principal de todo o sistema
educacional soviético e se apresentam sob três modalidades:
1º) Escola Primária, com um período de 4 anos, para crianças de 7 a 11
anos (I-IV)
2º) Escola Setenal, com um período de 7 anos, para crianças de 7 a 14 anos
(I-IV) — (V-II)
3º) Escola Secundária, com um período de 10 anos. para crianças de 7 a 17
anos (I-IV) — (V-VIII) — (VIII-X)
Os conhecimentos ministrados nas escolas primárias e setenal são os mesmos
ministrados nos 7 primeiros anos na Escola Secundária, sendo essa unidade o traço
característico do ensino de formação geral. O conteúdo de ensino escolar é fixado em
programas oficiais únicos que determinam estritamente o volume dos conhecimentos
que devem fornecer as diferentes escolas (primárias, setenais e secundárias). fi assim
que os soviéticos conseguem realizar no ensino escolar o grande princípio democrático
de dar a todas as crianças, sem distinção de sexo, raça, nacionalidade e religião, os
mesmos ensinamentos gerais, permitindo, portanto, que elas continuem seus estudos
em graus superiores (escola superior ou escola secundária especial) ou possam servir
mais tarde nos diferentes ramos da atividade humana.
Da rede de escolas de formação geral fazem parte, também, as escolas especiais
para crianças que tenham defeitos psíquicos.
Nos últimos dois anos, foram fundadas mais de 300 escolas-internatos, tendo por
finalidade principal a iniciação da juventude nos ideais políticos do povo soviético.
Nessas escolas, são criadas condições muito favoráveis à obtenção, pelos meninos, não
só de uma grande instrução geral e politéc-
nica como, também, de altos predicados morais, sem deixar de lado sua preparação para a vida
prática. Nessas escolas promove-se a ligação da instrução com a vida e a unidade da educação
com o trabalho produtivo.
Nas escolas-internatos são admitidas, de preferência, as crianças filhas de mães que vivem
sós e as filhas de inválidos de guerra ou de trabalho, os órfãos e as crianças que, em família, não
têm ambiente favorável à sua educação. De qualquer forma, a admissão nas escolas-internatos só
se Jaz com o consentimento de seus responsáveis.
Para as crianças que têm pendores especiais para as artes e para a música, há escolas
especiais de formação geral.
Nos sanatórios há também escolas especiais para as crianças que não gozam de boa saúde.
Nestas escolas elas têm, além de instrução adequada, uma assistência médica permanente.
Para a juventude que já exerce atividade na indústria e no campo, existe uma rede completa
de escolas para jovens operários e jovens camponeses. O Estado zela, carinhosamente, pela
eficiência máxima do ensino nessas escolas. Os jovens, que as frequentam ficam dispensados dos
serões e obtêm, por ocasião das provas, uma licença adicional, sem perda de salário.
Há na U.R.S.S. atualmente 16.700 escolas deste tipo, frequentadas por mais de 2 milhões de
jovens e adultos.
A programação de ensino da Escolas Secundária prevê 9.857 horas de estudo assim
distribuídas:
Língua e literatura Russas ................................................................ 2.788
Matemática ..................................................................................... 1.980
História .............................................................................................. 660
Constituição da U.R.S.S.................................................................... 33
Geografia ......................................................................................... 479
Biologia .......................................................................................... 396
Física .............................................................................................. 544
Astronomia ....................................................................................... 33
Química ........................................................................................... 347
Psicologia ................................................................... ,................... 33
Língua estrangeira ............................................................................ 660
Educação Física .................................................................................. 660
Desenho ............................................................................................ 198
Desenho Técnico ........................................................................... 132
Canto .............................................................................................. 198
Trabalhos e exercícios práticos nos laboratórios e
campos experimentais das escolas .................................... 330
Trabalhos práticos no domínio da agricultura, das
máquinas e da eletrotécnica .................................................... 198
Excursões e visitas a fábricas, usinas de força, fazen
das, estações de máquina e de tratores ..................................... 188
Com essa programação, a Escola Secundária abrange um ciclo humanístico e um ciclo
científico.
15
Os ramos do ciclo humanístico familiarizam os alunos com a História da Cultura
Universal no seu mais amplo sentido e, em especial, com a ideologia das diferentes
classes. Aos grandes vultos da literatura universal como, por exemplo, Homero,
Shakespeare, Molière, Byron, Goethe, Balzac, etc, é dedicada uma atenção toda
especial.
O ensino da Matemática não só dá aos estudantes os fundamentos da Aritmética,
Álgebra e Trigonometria, como, também, desperta neles suas aptidões para o uso destes
conhecimentos na solução dos problemas práticos. Este ensino visa, ainda, desenvolver
o pensamento lógico, a imaginação dimensional, a sagacidade e a capacidade de
trabalhar racionalmente. Importância capital é dada à vida e à obra dos grandes
matemáticos (Euclides, Arquimedes, Descartes, Euler, Gauss, Lobatschewski, etc.) e,
também, ao papel que cabe à matemática no estudo das outras ciências e da
técnica.
Em Física aprendem os alunos a essência dos fenômenos físicos (Leis da mecânica,
da acústica, da óptica e da eletricidade) e iniciam-se nas teorias mais importantes da
física moderna (Teoria molecular da constituição da matéria, teoria eletronica, teoria
das ondas de luz). Em Química são dadas as leis das variações qualitativas da matéria.
Em Biologia foca-liza-se o animalismo do organismo, a anatomia e a fisiologia do
homem, a história do desenvolvimento do mundo orgânico, a origem do homem. Em
Geografia a parte física ocupa posição de destaque, ministrando-se, também,
conhecimentos elementares de economia, de organização da produção, da distribuição
territorial das riquezas do subsolo e dos ramos da economia.
O principio mais importante da educação na Escola Soviética é o da mais estreita
união da teoria com a prática. Ela procura dar aos estudantes conhecimentos não só
dotados de um objetivo prático, também, que possam ser utilizados imediatamente. Isso
favorece o desenvolvimento do poder de imaginação dos jovens, sua capacidade de
observação e seu espírito de iniciativa, contribuindo, portanto, para disciplinar seu
trabalho independente e ao mesmo tempo dando-lhe possibilidade de tomar parte em
uma atividade produtiva dos diferentes domínios da economia nacional.
Na Escola Soviética se dá, também, acentuado valor à iniciação no trabalho e à
ligação da educação com o trabalho produtivo. Nos últimos anos vem-se fazendo um
grande esforço no sentido de se politecnizar o ensino, isto é, no sentido de dar aos
alunos das escolas secundárias gerais uma instrução politécnica. Em consequência
disso, eles têm a possibilidade não só de aprender os fundamentos das Ciências como,
também, adquirem noções das bases científicas gerais da produção industrial e agrícola,
especialmente de seus elementos principais, tais como a Energética, a Mecânica, as
Tecnologias Mecânicas e Química e respectiva exploração. Exige-se, ainda, que os
jovens aprendam, também, os princípios gerais da construção e de funcionamento de
uma série de máquinas motrizes e operatrizes, tais como motores elétricos,
transformadores, máquinas a vapor, motores de explosão, motores Diesel, prensas
hidráulicas, tornos, etc. Com a instrução politécnica os alunos aprendem a manejar os
mais diversos materiais e os mais diferentes instrumentos.
No plano geral do ensino, novos ramos serão introduzidos para que sejam
ministrados conhecimentos básicos da produção industrial e agrícola. Além disso são
previstas horas especiais para aprendizagem da prática da exploração industrial nas
fábricas, usinas e fazendas.
Os alunos são iniciados no trabalho prático nas oficinas e campos de aprendizagem
das escolas, nas fábricas e nas fazendas. Seu trabalho produtivo que depende de grau de
instrução que recebeu na escola, realiza-se na confecção de quadros e objetos
necessários ao ensino, na eletrificação de escolas e fazendas, na construção de usinas
hidráulicas para vilas, em trabalhos de pesquisa de natureza agrícola, em assistência a
animais domésticos, etc.
Cada vez toma mais corpo o trabalho que está mais estreitamente ligado com a
instrução politécnica e que é executado fora das horas de estudo.
Nas escolas, são criadas sociedades de trabalho visando, principalmente, as
máquinas agrícolas, a eletrotécnica, a radiotécnica, etc. Desta maneira, os alunos que
saem das escolas, quando entram na vida prática já levam consigo um grande preparo
técnico.
Até agora a Escola Secundária tem preparado a juventude quase que
exclusivamente para as Escolas Superiores. O crescimento vertiginoso da economia
soviética, o desenvolvimento da ciência e da técnica, estão a exigir, agora, dos
dirigentes de ensino um novo esforço no sentido de aprimorar mais ainda o nível
técnico e cultural do trabalhador.
Existem atualmente na U.R.S.S. mais de 200.000 escolas primárias, sete-nais e
secundárias, com mais de 35.000.000 de alunos matriculados. As escolas secundárias
atingem a cifra de 34.000. O número de professores das Escolas de Formação Geral é
de 1.700.000.
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO EXTRA-ESCOLAR
No sistema de educação comunista adotada pela União Soviética, há para mais de
10.000 departamentos de educação extra-escolar, nos quais são realizados diferentes
trabalhos de instrução e de educação. Há, também, vários Departamentos de Educação
e de Cultura para adultos que realizam trabalhos extra-escolares com crianças. Esses
departamentos colaboram com as escolas consolidando e aprofundando os
conhecimentos das crianças aperfeiçoando seus talentos criadores, alargando seus
interesses e aprimorando seus dotes intelectuais.
A fim de imprimir a esses departamentos extra-escolares uma ação metódica,
foram instituídos Postos Centrais para os jovens Técnicos e os jovens Naturalistas,
como também um Posto Central para o Turismo da Juventude. Há na U.R.S.S. 2.382
Palácios dos Pioneiros, Casas dos Jovens Pioneiros e Casas dos Escolares, onde se
realizam com as crianças trabalhos de instrução e de educação nos domínios da
Ciência, da Técnica, da Literatura, da Arte, da Cultura Física e do Esporte. Os palácios
dos pioneiros e as casas dos jovens pioneiros ajudam as escolas na execução de
diferentes trabalhos fora das horas da instrução. Organizam e preparam,
também, festas coletivas, tais como o "Dia do Pássaro", o "Dia da Arvore", a "Semana
do Jardim", a "Festa das Flores", etc.
Em geral os palácios dos pioneiros e as casas dos jovens pioneiros são belos
edifícios. Em Leningrado, por exemplo, a organização dos pioneiros ocupa um doa
mais lindos palácios da cidade, o antigo palácio Anitschkov, onde há cerca de 300
quartos. Na montagem das oficinas, laboratórios, ateliers, tomaram parte cerca de 200
indústrias e repartições públicas da cidade.
A organização comunista infantil Lenine dos jovens pioneiros é uma organização
política de massa para crianças de 9 a 14 anos. O número de jovens pioneiros ultrapassa
a casa dos 20 milhões. Essa organização e a Liga da Juventude Comunista Lenine
(Consomel) são os maiores auxiliares do professorado na confecção de programas
interessantíssimos para as horas de lazer dos escolares. Juntamente com as escolas,
aquelas organizações empenham-se em despertar nos jovens o interesse pelo saber, a
perseverança e o gosto pelo trabalho, e a vontade de dedicarem sua inteligência e sua
energia em prol da felicidade do povo soviético. Na escolas procura-se intensamente
desenvolver nas crianças seus dons e sua força criadora.
Os professores organizam êsss trabalho. Para isso apóiam-se no espírito de
iniciativa das crianças, e o conduzem para solucionar diferentes problemas de vida
escolar. A organização dos pioneiros e ao Consomel, cabe dirigi-lo e realizá-lo.
Realizam-se, frequentemente, tardes dos pioneiros, discussões e olimpíadas, festas
esportivas e exposições de trabalhos escolares. Fomenta-se a troca de correspondência
com estudantes de outras terras.
Milhões de árvores frutíferas já foram plantadas pelos jovens pioneiros. Mais de
25.000 pioneiros e escolares compartilham mensalmente das exposições agrícolas,
exibindo suas últimas conquistas no domínio da cultura do trigo, do milho e dos
legumes e, também, da criação de gado.
Sociedades de trabalho de jovens mecânicos, tratoristas, torneiros, maquinistas,
etc, desenvolvem-se cada vez mais. Enquanto as crianças tomam parte em trabalhos
extra-escolares não só se robustecem fisicamente, como também adquirem novos
conhecimentos e realizam um trabalho produtivo para a nação.
Nos últimos anos tem sido fomentado entre os jovens o conhecimento do trabalho
soviético. Basta que se diga que anualmente mais de 6 milhões de escolas tomam parte
em excursões a fim de conhecerem melhor sua pátria. Estas excursões robustecem as
crianças, enriquecem seu saber e constituem, ao mesmo tempo, um grande deleite.
Todo este trabalho é preparado nas escolas pelos departamentos de turismo da
juventude. Estes preparam as vias para as pequenas e grandes excursões, favorecem a
fundação de museus de arte nacional, instalam postos de turismo, organizam competi-
ções entre os jovens turistas e, também, exposições de arte nacional.
As "Estações dos jovens Naturalistas" desempenham um grande papel no
incitamento da criança no sentido de conhecer a natureza e de amar os trabalhos de
pesquisa das ciências naturais. Despertam o interesse pelo trabalho de campo, tornam
conhecidas das crianças as conquistas das ciên-
cias biológicas, concitando-as a zelar pela natureza e pelo plantio de espécies vegetais
nas cidades e nos campos e, também, procuram aprimorar as habilidades práticas nos
setores das construções dos pomares, hortas, jardins e estâncias. As estações dos jovens
Naturalistas possuem jardins experimentais modelos, viveiros de plantas, estufas,
estações meteorológicas, etc. O trabalho destas estações é controlado metodicamente
pelo Posto Central dos jovens Naturalistas. Este posto central edita um grande número
de folhetos e brochuras com o fim de propagar, em grande escala, as conquistas e os
trabalhos de pesquisa feitos pelos jovens naturalistas no domínio das ciências
biológicas.
O movimento dos jovens Naturalistas adquiriu o caráter de um movimento de
massa. Só na República Federada Russa tomam parte nas sociedades de trabalho dos
jovens e naturalistas cerca de 400.000 jovens pioneiros e escolares. Quase todas as
escolas das vilas e muitas das cidades possuem jardins e hortas escolares. Neles é feita
a cultura de várias espécies de cereais, de árvores frutíferas e de adorno, de flores, etc.
No sistema de trabalho extra-escolar das crianças, as Estações dos Jo-veis Técnicos
desempenham, também, um papel muito importante. Em 1926 foi fundada em Moscou
a "Estação Técnica Central para Crianças" com o nome de N.M. Chvernics, a qual é,
hoje, o órgão controlador das Sociedades dos Jovens Técnicos. Nessa estação central
são executadas as experiências metódicas com as crianças e, baseando-se nelas, são
elaborados programas e diretrizes para ser seguidos pelas diferentes sociedades dos
jovens técnicos.
Um carinho todo especial é dado pelas estações dos jovens Técnicos distritais,
municipais e regionais à propaganda da ciência e da técnica entre os escolares.
Preparam, para isso, com os diretores das escolas colóquios e seminários, organizam
cursos, zelam pela divulgação ampla das conquistas neste domínio e realizam mostras,
exposições, etc.
Nas escolas e nos departamentos extra-escolares o círculo "Mãos Hábeis" tem uma
grande expansão entre os escolares. Nele se aprimoram as habilidades das crianças nos
trabalhos com papel, cartolina, madeira e folhas metálicas.
Na exposição soviética da Criação Técnica das Crianças, são expostos milhares de
trabalhos escolares que atestam, de forma clara e nítida, a capacidade da criança em
construir e montar modelos que funcionam de diferentes máquinas, aparelhos de física,
de química e de matemática. Preferência especial merecem das criança os modelos de
avião e os trabalhos de técnica de rádio.
Concursos, exposições são organizados frequentemente, com o fim de interessar,
ao máximo, as crianças no domínio da ciência e da técnica.
Nos departamentos extra-escolares dá-se também grande importância ao domínio
da arte. Em muitos dos "Palácios dos Pioneiros", e "Casas dos Jovens Pioneiros",
existem conjuntos de canto e danças. Há milhares de círculos onde existem orquestrar e
estúdios para o desenvolvimento das faculdades criadoras das crianças no domínio da
música, do bale, do teatro e da declamação. As "Casas para a Iniciação Artística da
Criança" que,
preferencialmente, se ocupam da iniciação estética, organizam, também, palestras sobre
temas de arte, encontros com os mestres das artes, espetáculos para crianças, festivais,
olimpíadas, etc.
Com o fim de desenvolver o poder de imaginação das crianças e, ao mesmo tempo,
tornar seus períodos de férias agradáveis, organizam-se jogos infantis, os mais diversos,
tanto nas cidades como nos campos.
A educação física é ministrada tanto nas escolas como nos departamentos extra-
escolares. Em cada escola, existe uma associação de educação física, da qual fazem
parte os alunos. Os trabalhos destas associações apóiam-se na iniciativa e atividades
escolares. Anualmente cresce o número de seções de esporte da juventude que são
organizadas nas escolas e que se associam às associações de esporte.
Na U.R.S.S. há mais de 1.000 escolas de esporte para a juventude que têm por
finalidade preparar jovens para os mais diversos tipos de esporte. Essas escolas são
frequentadas por mais de 170.000 crianças.
À educação física se dá, também, muita importância. Anualmente saem dos
estabelecimentos de ensino médio e superior e de 106 faculdades e departamentos de
escolas superiores de pedagogia, uma quantidade muito grande de especialistas em
educação física. Seu número é hoje superior a 50.000. Os campeonatos de futebol,
natação, remo, ginástica, etc, entre a juventude iornaram-se uma tradição.
O esporte é a ocupação predileta dos jovens na U.R.S.S. Ele tomou conta da
grande massa da população, justificando, assim, o sucesso da juventude soviética em
todas as paradas e festas esportivas em que toma parte. Há estádios especiais para a
juventude e seções para jovens nos estádios para adultos.
O governo soviético e os sindicatos despendem somas imensas de dinheiro cm
benefício da saúde das crianças. Em 1957, mais de 6 milhões de crianças e jovens
passaram suas férias em casa de repouso para jovens, sanatórios para crianças e casas
de turistas para crianças. Para as crianças que passam o verão nas cidades, há nas
escolas e parques locais apropriados para que elas se possam distrair
convenientemente.
A adoção da iniciação politécnica e o significado cada vez maior da instrução
profissional aconselharam uma nova forma de trabalho de verão para as escolas. Esta
nova forma fêz com que, nestes últimos anos, os alunos das últimas séries das escolas
secundárias tivessem uma preferência especial pelos postos da juventude do Consomel.
No verão, nesses postos, eles podem trabalhar com grande prazer nas fazendas; tomam
conhecimento da satisfação que dá trabalho coletivo e das habilidades necessárias aos
trabalhos de campo.
As experiências e observações feitas na U.R.S.S. assinalam que a participação das
crianças nos trabalhos dos adultos melhoram seu comportamento em face das
atividades produtivas e revigoram seus conhecimentos.
A leitura é outro baluarte de educação extra-escolar. Há na U.R.S.S. mais de
400.000 bibliotecas com mais de 1,5 bilhões de livros. As bibliotecas infantis e os
departamentos infantis nas bibliotecas para adultos realizam juntamente com as escolas
um trabalho fecundo no sentido de difundir a
literatura infantil. Realizam conferências de leitores, promovem contato com os
escritores, organizam diferentes círculos de amigos do livro e fazem, com as crianças,
críticas dos diversos livros.
Os escolares preparam exposições de livros e, muitas vezes, têm nas escolas
jornais literários manuscritos.
Há na U.R.S.S. uma editora Detgis, que publica exclusivamente livros para as
crianças e os jovens. Esses livros são preparados pelos melhores escritores, artistas,
professores, pesquisadores e pedagogos soviéticos. Sáo editados atualmente na
U.R.S.S. 137 jornais e 37 revistas para crianças e jovens.
Desde 1944, realiza-se por ocasião das férias escolares da primavera, uma festa de
massa que recebe o nome de "Semana do Livro Infantil". Nos dias dessa semana,
promove-se o encontro de escritores e poetas com seus jovens leitores, promovem-se
serões e conferências literárias e abrem-se bazares de livros.
Em 1950, fundou-se na República Federada Russa a "Casa do Livro Infantil" que
não é mais que um departamento de fomento científico de literatura infantil e da
metodização da leitura para crianças. Esse departamento que zela pela qualidade da
literatura da juventude, desempenha um papel importante na educação da criança. Ele
zela pelos interesses e pelas necessidades do jovem leitor.
Ajudam o trabalho extra-escolar das crianças as mais diferentes camadas da
sociedade soviética e, em especial, os sindicatos e o Consomel. As grandes fábricas
têm casas de cultura especiais para crianças. Há também uma vasta rede de setores
infantis nos Palácios de Cultura e Clubes de Adultos.
Os engenheiros e os técnicos organizam "Sociedades de Trabalho para a Criação
Teórica" ou "Clubes dos Jovens Técnicos". As Estradas de Ferro Infantis instaladas
pelo Ministério da Viação, são extremamente apreciadas pelas crianças.
ESCOLAS PROFISSIONAIS
Com a preparação do trabalhador qualificado, ocupam-se os Departamentos de
Ensino e as Escolas das Reservas de Trabalho do Estado e as Escolas Profissionais e
Técnicas dos diversos Ministérios. Atualmente há um sistema das Reservas de
Trabalho do Estado, que compreende mais de 3.000 departamentos de ensino, onde são
preparados trabalhadores qualificados de mais de 600 especialidades. Estabelecimentos
de ensino para artífices, maquinistas, mineiros com cursos de 2 anos instruem os jovens
trabalhadores para diversos ramos de indústria e da técnica ferroviária. Nesses
estabelecimenetos são admitidos jovens de ambos os sexos em idade de 15 e 16 anos
que tenham terminado o curso ginasial.
Um outro tipo de estabelecimento de ensino das Reservas de Trabalho do Estado,
são as Escolas Profissionais de Construção, de Mineração e de Mecânica. Elas formam
trabalhadores de Massa para as indústrias da construção, da metalurgia, do petróleo e
para as fábricas de máquinas, de
equipamento elétrico, de equipamento químico, de papel, etc. A duração dos cursos é
de 10 a 12 meses.
Todas as questões que dizem respeito à iniciação e instrução do jovem trabalhador
estão a cargo do Estado. Os departamentos de ensino e as escolas das Reservas de
Trabalho têm uma base material fixa. Os estudantes são mantidos pelo Estado,
recebendo para isso alimentação, vestimenta, material de ensino e habitação.
Com o fim de estabelecer uma ligação íntima da instrução com a prática, existe
entre os estabelecimentos de ensino e a indústria um contato muito estreito, de modo
que os estudantes não só aprendem seu ofício, como também tomam parte ativa no
trabalho produtivo e nos encargos da indústria, das estradas de ferro e de outros ramos
da economia soviética.
Há, também, departamentos especiais de ensino nas fazendas para a formação
profissional de tratoristas e mecânicos.
Novos tipos de escolas profissionais estão sendo fundadas agora na U.R.S.S. com
cursos de duração variando de 6 a 24 meses. Exigem que os alunos tenham o curso
secundário de 10 anos. Essas novas escolas têm por finalidade preprar mais
solidamente os trabalhadores que se destinam a trabalhar com máquinas operatrizes,
turbinas a vapor, turbinas hidráulicas, máquinas automáticas, etc.
ESCOLAS TÉCNICAS E SUPERIORES
Nos estabelecimentos de ensino médio, tais como Escolas Técnicas, Escolas
Normais, Escolas de Medicina, etc. a duração do ensino será de 4 anos, quando o aluno
só tem o curso setenal e de 2 anos se êle tiver o curso secundário.
Estes estabelecimentos formam especialistas de qualificação média para diferentes
ramos da economia e cultura soviética. É o caso dos técnicos, auxiliares de agrónomo,
zootécnicos, professores de escolas primárias e setenais, bibliotecários, etc. O jovem
que faz estes cursos tem direito, depois de trabalhar 3 anos em sua especialidade, de
ingressar numa escola superior. Atualmente, estão matriculados nesses cursos de ensino
médio mais de 2 milhões de jovens.
O número de estabelecimentos de ensino superior é hoje de 767 com mais de 2
milhões de alunos matriculados. Neste número, estão incluídos 38 Universidades e 195
estabelecimentos superiores de ensino de engenharia e cerca de 100 escolas superiores
para agrónomos e zootécnicos. As universidades soviéticas só se ocupam do ensino da
filosofia, das ciências e das línguas. Assim é que a Universidade de Moscou,
considerada pelos soviéticos como o maior estabelecimento de ensino superior do
mundo, compreende-13 faculdades, assim distribuídas:
1) História
2) Ciências Jurídicas
3) Economia
4) Filosofia
5)
Filolo
g
ia
6)
Jornalismo
7)
Línguas do Oriente
8)
Matemática e Mecânica
9)
Física
10)
Química
U)
Biologia e Solos
12)
Geologia
13)
Geografia
A duração de ensino nas 7 principais faculdade é de 5 anos e nas 6 últimas de 51/2
anos.
Além dessas faculdades existe uma especial para os estudantes estrangeiros
aprenderem Russo. O período letivo é de 1 ano, apenas.
Nesta Universidade de Moscou que recebeu o nome de L. V. Lemenessov, seu
fundador, há cerca de 200 anos, estudam 25.000 jovens, existem 210 cátedras, 148
auditórios, mais de 100 laboratórios, cerca de 6.000 alojamentos para estudantes, 3
museus, 3 observatórios, 2 jardins botânicos, 3 institutos de pesquisa, 8 estações
científicas de estudo. Labutam 2.500 professores e auxiliares de ensino dos quais 89
são membros efetivos ou membros correspondentes das Academias de Ciências da
U.R.S.S.
Esta Universidade possui um edifício central com 32 andares e vários outros
edifícios onde estão localizadas algumas faculdades, alguns laboratórios, os
alojamentos para professores e alunos, etc.
Há ainda na União Soviética mais de 50 escolas superiores de arte: Conservatórios,
Escolas de Arquitetura, Escolas de Teatro, Escolas de Pintura, etc.
Nos estabelecimentos superiores de ensino de engenharia, estudam mais de
700.000 jovens. Em 1958, formaram-se 98.000 engenheiros na U.R.S.S.
O acesso aos estabelecimentos de ensino superior, se faz por meio de um exame
vestibular. Setenta e cinco por cento dos alunos matriculados nesses estabelecimentos
recebem, para estudar, um salário do governo, independentemente da gratuidade de
ensino.
Todos os professores dos estabelecimentos de ensino superior são obrigados a
prestar concurso de 5 em 5 anos. Seus salários atingem os níveis mais altos dos salários
dos trabalhadores russos e são os seguintes:
Catedráticos ............................ 4.000 a 5.000 rublos mensais
Docentes ................................ 3.200 rublos mensais
Assistentes ............................. 1.750 rublos mensais
Note-se que 10 rublos valem 1 dólar e, mais, que os professores ainda podem
receber outros proventos, tais como os provenientes da venda de livros, de consultas
técnicas, etc. Todavia esses proventos adicionais não podem ultrapassar de 50% o
salário básico. Para se poder ajuizar do padrão de vida destes homens, deve-se levar em
conta que a habitação é praticamente gratuita, que seus filhos têm ensino gratuito e,
muitas vezes, remu-
nerado, que a assistência médica corre por conta do Estado e sua velhice é amparada,
também, pelo Estado.
Além de extensa rede de estabelecimentos de ensino superior, desenvol-veu-se,
também, de forma acentuada o ensino por correspondência e o ensino noturno, sem
prejuízo do trabalho diurno. Há atualmente na U.R.S.S. 22 Institutos de Ensino por
correspondência, mais de 450 departamentos de ensino por correspondência nos
estabelecimentos de ensino superior, 41 escolas técnicas por correspondência e ura
grande número de departamentos de ensino por correspondência nas Escolas Técnicas.
Somente no Instituto Politécnico por correspondência da União Soviética estudam
cerca de 32.000 jovens. O número de estudantes que estudarão nos estabelecimentos de
ensino noturno e por correspondência atingirá em 1960 a cerca de 1 milhão.
As Escolas Superiores por correspondência têm postos de consultas em diferentes
cidades e fábricas. Nestes são ministradas preleções, trabalhos de laboratório e de
consulta para os estudantes de ensino por correspondência.
Em 1956 foram adotadas para os jovens de 14 a 16 anos, um dia de trabalho de 4
horas e para os jovens de 16 a 18 anos, um dia de trabalho de 6 horas, a fim de que eles
possam obter, além de uma educação gratuita, também, mais tempo livre para se
dedicarem ao estudo e ao desenvolvimento cultural.
Para o preparo de cientistas e professores de escolas superiores, há, nos Institutos
de Pesquisas e nas Escolas Superiores, lugares de Aspirantes Científicos. A instrução
desses aspirantes é ministrada gratuitamente, recebendo eles, ainda, um ordenado de
700 a 800 rublos. Além desse ordenado, ainda lhes é dado mais o ordenado de um mês
para a aquisição de literatura técnica.
Para obtenção do grau científico de Candidato da Ciência, os aspirantes se
submetem a uma série de provas e são obrigados a defender uma tese sobre assunto de
sua especialidade, perante uma banca constituída de professores da Escola. Aos
candidatos da Ciência é dada a possibilidade de preparar uma outra tese para a
obtenção de mais alto grau científico que è justamente o grau de Doutor. Esta tese
deverá, também, ser defendida perante uma banca de professores e aprovada pela
Comissão de Classificação Superior do Ministério da Educação Superior da U.R.S.S., a
qual é constituída dos mais proeminentes cientistas do país.
Os aspirantes aos graus científicos na U.R.S.S. são encorajados de todos os modos.
Para completarem a tese de Candidato ou Doutor, aos instrutores, auxiliares de ensino
das Escolas Superiores onde têm a oportunidade de se dedicarem à pesquisa científica,
uma vez que só devem dedicar ao magistério duas ou três horas por dia, concedem três
meses de férias. com ordenado integral. Um outro processo de se prepararem os
candidatos da ciência é o de preparar-lhes cursos de pós-graduação, com duração de
três anos. Todos os alunos desses cursos recebem ordenados do Estado. Há
também cursos de pós-graduação, com duração de um ano, para os instrutores que
querem ser candidatos à Ciência. Durante esse ano eles continuam recebendo seus
ordenados.
ENSINO DE ENGENHARIA
O ensino da engenharia é professado em escolas superiores de engenharia de dois
tipos: O Instituto Politécnico e o Instituto Especializado.
Os Institutos Politécnicos são estabelecimentos de ensino superior com muitas
faculdades ou departamentos, onde se formam especialistas para os diferentes ramos da
indústria. Um dos maiores institutos deste tipo é o Instituto Politécnico de Lenigrado, o
qual compreende diversas faculdades, tais como a de Metalurgia, a de Mecânica e de
Construção de Máquinas, a de Hidrotécnica, a de Engenharia de Rádios, a de
Eletrotécnica, etc. Outros grandes institutos desse tipo são o Instituto Politécnico de
Carcov com 14 faculdades, o Instituto Politécnico dos Urais com 13 faculdades e
muitos outros.
Os institutos especializados, preparando especialistas para um ramo particular da
economia nacional, pertencem ao segundo tipo.
Os Institutos especializados de minas são muito numerosos na U.R.S.S. e o
número de engenheiros de minas que se formam por ano, ultrapassa a unidade dos
milhares. Institutos especializados de petróleo e Faculdades de petróleo (em Moscou,
Leningrado, Grozni, Lvov, Ufa, Bucu e outras cidades) forma especialistas na extração
e tratamento de petróleo e dos gases naturais.
Várias escolas superiores preparam engenheiros metalúrgicos. Algumas delas,
como os Institutos de Metalurgia da Sibéria e de Magnitogorsk, funcionam junto às
usinas siderúrgicas. Escolas Superiores semelhantes a estas foram fundadas, também,
na Ásia Central, no Cáucaso e em outros centros siderúrgicos.
Quase todas as escolas de engenharia soviéticas formam engenheiros mecânicos
para os diversos ramos da indústria. Além de Moscou, Leningrado, Stalingrado, etc, há
várias cidades que possuem institutos especializados de construção de máquinas. Cerca
de 40 institutos especializados preparam engenheiros eletricistas, engenheiros de
energia e engenheiros de rádio. Vários estabelecimentos de Ensino Superior de
engenharia têm cursos de química, madeira, celulose, papel, indústrias leves e de
alimentação, de transportes terrestres, marítimos e aéreos.
Como exemplo de um Instituto Politécnico temos o Instituto Politécnico da
Bielorússia. Esse instituto tem as seguintes faculdades:
1) Faculdade de Mecânica
2) Faculdade de Tratores e de Automóveis
3) Faculdade de Energia
4) Faculdade de Tecnologia e Química
5) Faculdade de Engenharia Civil
6) Faculdade de Hidrotécnica
7) Faculdade de Turfas
As sete faculdades têm as seguintes especialidades:
1) Faculdade de Mecânica
a) Tecnologia da Engenharia Mecânica
b) Ferramentas e instrumentos para trabalhar metais
c) Máquinas e Tecnologia do Tratamento com Pressão
d) Equipamento e Tecnologia das cadeiras
e) Aparelhos e máquinas da produção química
2) Faculdades de tratores e de automóveis
a) Automóveis e tratores
b) Exploração de transportes por automóveis
3) Faculdade de Energia
a) Instalações de energia térmica nas usinas de energia elétrica
b) Usinas de energia elétrica, redes e sistemas
c) Eletrificação das empresas e instalações industriais
4) Faculdade de Tecnologia Química
a) Tecnologia dos silicatos
b) Tecnologia da produção de fermentos
5) Faculdade de Engenharia Civil
a) Arquitetura
b) Engenharia Civil
c) Abastecimento de água e esgotos
d) Suprimento de gás, calefação e ventilação
6) Faculdade de Hidrotécnica
a) Construção de barragens e de estações de energia hidráulica
b) Máquinas e equipamentos para construção e estradas
7) Faculdade de Turfas
a) Exploração dos depósitos das turfas
b) Máquinas para exploração das turfas
INSTITUTO DE ENGENHARIA CIVIL, DE MOSCOU
Este Instituto tem 7 faculdades:
1) Faculdade de Construção Civil e Construção Industrial
2) Faculdade de Hidrotécnica-Construções
3) Faculdade de Abastecimento de Gás e Calor
4) Faculdade de Abastecimento de Agua e Canalização
5) Faculdade de Urbanismo e Economia
6) Faculdade de Produção de Concreto Armado Pré-fabricado
7) Faculdade de Construção de Máquinas para Construção Civil
Dessas faculdades a que tem mais alunos é a primeira. Nela existem cerca de 300
alunos em cada série. Há 5.000 alunos matriculados nesse Instituto. O curso em
qualquer fas faculdades é feito em 5 anos. O período de férias nos dois primeiros anos é
de dois meses. Nos outros anos o período de férias varia de 1 a 1 1/2 meses. Há na
U.R.S.S. 65 Institutos de Engenharia Civil.
Como exemplo de um instituto de engenharia especializada, citemos o Instituto de
Minas de Caraganda, o qual abrange os seguintes ramos:
a) Exploração dos depósitos de matéria-prima
b) Eletromecânica das minas
c) Construção das empresas de minas
d) Levantamento das minas
A admissão num Instituto de Engenharia é feita através de um exame vestibular, o
qual compreende língua e literatura russas, matemática, física e uma língua estrangeira.
Os estudantes que mais se destinguem no curso, isto é, aproximadamente, quatro
quintos, recebem ordenados crescentes com a série que estão. Os ótimos alunos ainda
recebem uma gratificação extra de 25% do seu ordenado. Os ótimos alunos que tomam
parte em trabalhos de pesquisa, recebem bólsas-de-estudo especiais que levam o nome
de grandes cientistas ou grandes estadistas e que podem atingir até 800 rublos por mês
ou sejam 80 dólares.
Os estudantes que não residem na cidade em que estão localizados os institutos,
hospedam-se, em geral, em hotéis onde pagam apenas 15 rublos por mês, tendo direito
a habitação, calefação, luz, roupa de cama, limpeza, etc.
Em qualquer estabelecimento de ensino superior, não se paga nenhuma taxa, isto é,
o ensino é completamente gratuito. Durante o período de trabalho prático na indústria
ou na agricultura, os estudantes recebem, além de seus ordenados, uma ajuda de custo
para as viagens e passagem gratuita.
Os estudantes dispõem ainda de estadas e campos de esporte, clubes, palácios de
cultura, casas de férias e sanatórios. As passagens para viagem às casas de férias e
sanatórios ou são gratuitas ou são compradas com desconto de 70%. Todos eles
dispõem de assistência médica gratuita.
O período de duração dos cursos normais nos Institutos de Engenharia é de cinco
ou de cinco anos e meio, dependendo da especialidade. Para cada especialidade, há um
curriculum preparado pelo Instituto e aprovado pelo Ministério da Educação Superior
da U.R.S.S. Como os estabelecimentos superiores da educação técnica têm tradições
didáticas próprias, seus curricula diferem, consideravelmente. Como regra geral,
porém, todos os institutos politécnicos e um grande número de institutos especializados
preparam seus alunos de acordo com planos individuais elaborados tendo em vista as
suas normas científicas. A técnica moderna exige que o enge-
nheiro tenha uma base sólida de matemática e de física e, também, um conhecimento
profundo dos assuntos científicos e técnicos relativos à sua especialidade. Daí a razão
por que as matérias de engenharia geral e científica ocupam um lugar importante nos
curricula dos Institutos de Engenharia Soviéticos. Como consequência desta orientação
resulta ser o engenheiro soviético altamente preparado, podendo ser transferido, facil-
mente. de uma empresa para outra e dirigir trabalhos de empresas industriais
complexaa
Vários são os métodos de ensino adotados pelos institutos de engenharia, map.
quaisquer que sejam, eles têm um objetivo comum a todos, qual seja o de desenvolver,
ao máximo, o talento e a habilidade de cada estudante.
O principal método usado pelos institutos consiste em ministrar um curso
sistemático de preleção, o qual absorve cerca da metade do tempo escolar. A outra
metade do tempo é absorvida com outras formas de ensino em que predomina o
trabalho independente do aluno.
Entre estas formas destaca-se como mais importante a prática de laboratório, que é
realizada de acordo com a diretriz individual cuidadosamente elaborada pela cátedra. O
aluno recebe uma diretriz, prepara seu equipamento de laboratório, traça o esquema de
suas experiências, anota os resultados e tira suas conclusões.
Muitos estudantes organizam círculos científicos que funcionam sob as vistas dos
professores, são membros de sociedades científicas de estudantes, etc, o que lhes
permite participar em trabalhos de pesquisas, os quais são sempre encorajados pelos
institutos e nas cidades, notando-se, ainda, que os melhores são publicados em revistas
e symposia especiais e seus autores recebem, por eles, prémios.
A par da prática de laboratório, os alunos são chamados a executar exercícios de
matemática, de mecânica teórica, materiais e de muitas outras matérias. Ao fazerem
seus exercícios na presença de um instrutor, os estudantes são obrigados a fazer
cálculos numéricos, desenhos gráficos, resolver problemas, etc, tudo relativo à matéria
exposta nas preleções. Exames orais e trabalhos escritos são outros métodos de
verificação do aproveitamento dos alunos.
A elaboração de cálculos numéricos e o desenho de gráficos constituem os
primeiros passos na aplicação independente, pelos alunos, dos conhecimentos teóricos
à prática. Em algumas cadeiras o aluno é obrigado a fazer um projeto ao terminar seu
estudo. Na cadeira de elementos de máquinas, por exemplo, os alunos de todos os
institutos de engenharia elaboram um projeto que vem acompanhado da memória de
cálculo e memória justificativa. Nos institutos de construção de máquinas, este trabalho
é precedido de um projeto relativo à teoria das máquinas e dos mecanismos. Em outros
institutos, são escritas dissertações sobre assuntos de engenharia geral e,
posteriormente, elaborados projetos sobre assuntos de disciplinas especializadas, fisse
método torna possível aos estudantes não só adquirirem conhecimentos básicos, como,
também, se familiarizarem com os processos da arte de projetar, cientificamente.
O trabalho prático nas oficinas do Instituto ou em empresas e fábricas é uma outra
modalidade muito importante da formação do engenheiro soviético, a qual lhe dá mais
facilidade de adquirir conhecimentos práticos de sua especialidade.
Nas oficinas dos institutos, os estudantes familiarizam-se com os equipamentos
para trabalho de metais, madeira, plásticos e outros materiais, aprendendo a manejá-los
com eficiência. No fim de cada curso prático os estudantes são obrigados a preparar
uma máquina-ferramenta para o trabalho, planejar o beneficiamento de determinado
produto e, finalmente, beneficiá-lo êle próprio.
A prática de oficina se faz, principalmente, nos primeiros dois anos do curso,
servindo de base à prática nos últimos anos, a qual dura de vinte a trinta e cinco
semanas e se realiza em fábricas, usinas, minas, construções civis, etc, onde são
empregadas as técnicas mais modernas.
Como regra, durante a prática "industrial", os estudantes trabalham em dois ou três
dos mais importantes setores de sua especialidade futura. Ai eles fazem suas
observações e colhem os dados necessários para elaboração de seu relatório que será
defendido perante uma comissão formada de 2 ou 3 instrutores designados pelo chefe
do curso. Se o relatório não fôr considerado satisfatório, o estudante será obrigado a
repetir sua prática "industrial".
O trabalho prático dos estudantes é supervisionado por seu instrutor e por
especialistas experimentados indicados pela empresa industrial em que está sendo
realizado aquele trabalho prático.
Durante a prática nas empresas industriais, os estudantes recebem uma ajuda de
custo e se hospedam gratuitamente em hotéis. Se as condições de trabalho não forem,
muito salubres, eles ainda recebem alimentos especiais.
Os jovens realizam exercícios práticos em empresas industriais três vezes durante
seu curso, sendo que o último precede à preparação de seu trabalho para a obtenção do
diploma, o que, incontestavelmente, é de grande vantagem, pois permite e facilita a
colheita de elementos para aquele trabalho. Em geral, o exercício prático que precede a
elaboração do trabalho para a obtenção do diploma, se faz na empresa industrial, onde
deverá ir trabalhar o jovem engenheiro após sua diplomação. Êle dura de vinte a vinte e
cinco semanas. Os temas destes trabalhos são os mais variados possíveis. Normalmente
o estudante recebe uma ordem para elaborar o projeto de um objeto complexo de
acordo com sua especialidade, como, por exemplo, de um automóvel, de uma fábrica,
de uma usina hidrelétrica, de um edifício, de uma locomotiva Diesel, de um aeroplano,
etc.
Este projeto compreende de 8 a 12 folhas de desenho, memória de cálculo e
memória justificativa. Em certas especialidades, como, por exemplo, metalografia,
solda, etc, permite-se substituir o projeto por um relatório referente a trabalhos de
pesquisa. Todavia, cumpre salientar que se dá sempre preferência ao projeto, pois esse
permite ao estudante revelar-se plenamente, como futuro engenheiro. Nos últimos dez
anos, os projetos apresentados pelos estudantes para a obtenção de diploma de
engenheiro têm sido utili-
zados, muitas vezes, para a construção de novas máquinas, novos aparelhos, novos
equipamentos, novos edifícios e novas fábricas. Os instrutores verificam se os
estudantes executam a tempo todos os seus encargos e, também, se suas soluções estão
certas.
No fim de cada série, aproximadamente uma semana antes dos exames, os
estudantes são submetidos aos testes previstos pelos curricula. Só aqueles que
satisfazem a estes testes prestam exames perante uma banca examinadora formada de
professores e docentes das respectivas cadeiras.
Os estudantes que tiverem sido aprovados nos exames das cadeiras de todas as
séries e que tiverem completado seu projeto para a obtenção do diploma são, então,
autorizados pelo Diretor do Instituto a defender aquele projeto. A defesa se faz,
publicamente, perante uma Comissão formada de representantes das cátedras de
ciências gerais, de engenharia e, também, das empresas industriais. Ao se fazer o
julgamento de um projeto elaborado para a obtenção do diploma, dá-se muito valor à
opinião dos revisores que, em geral, são engenheiros ou cientistas trabalhando na
mesma especialidade.
Os estudantes que obtêm nota "ótima" em três quartos de todas as cadeiras de seu
curso e nota "boa" nas outras e que na defesa de seu projeto final obtêm, também, nota
ótima, recebem seu diploma com uma menção honrosa. Isto lhes dá facilidades nos
cursos de pós-graduação e, também, lhes permite obter melhores encargos nas
empresas industriais. Todo graduado dos estabelecimentos superiores de ensino de
engenharia tem garantido seu diploma de engenheiro e quatro semanas de férias pagas
pelo Estado. Após esse período êle inicia suas atividades práticas na empresa para que
foi designado com o seu consentimento. Depois de 2 anos de vida prática, período em
que, decerto, adquiriu suficiente experiência de produção, êle poderá retornar ao
Instituto de Engenharia e continuar seus estudos como aluno do curso de pós-
graduação.
Todos os institutos mantêm um contato muito íntimo com seus antigos alunos. Isto
não só permite que os institutos tomem conhecimento dos aspectos positivos e
negativos de seu ensino, como, também, ajuda os jovens engenheiros a melhorar seus
conhecimentos.
NOMEAÇÃO DOS JOVENS ESPECIALISTAS
Os jovens soviéticos têm pleno conhecimento de que não ficarão sem trabalho e
que uma missão interessante, de acordo com sua vontade, os aguarda.
Aqueles que terminam o curso de uma escola de formação geral ou ingressam
numa escola profissional ou escola superior ou se iniciam no trabalho produtivo de uma
empresa industrial ou agrícola, aqueles que terminam o curso de uma escola superior
ou profissional, sabem que lhes é assegurado um emprego em sua especialidade. A
escolha desse emprego é feita levando em conta suas aptidões, a residência de sua
família e sua vontade pessoal.
Após o término de seus estudos, o jovem adquire uma série de vantagens. Obtém
uma licença de um mês com ordenado. Aquele que é encaminhado logo para uma
atividade produtiva na indústria ou na apicultura, recebe ajuda de custo equivalente a
um mês de ordenado e, mais, o pagamento de sua passagem e de sua família até o local
de trabalho.
A economia planificada permite determinar, com exatidão, o número de
especialistas de que necessita o Estado e, portanto, o número de vagas em cada
estabelecimento de ensino. Não existe na U.R.S.S. falta de trabalho em qualquer setor
de produção.
GARANTIAS MATERIAIS DO DIREITO À EDUCAÇÃO
O direito à educação está expresso na Constituição da U.R.S-S. file é garantido por
uma série de medidas oficiais; pelo ensino setenal obrigatorio pela adoção do ensino
secundário de 10 anos; pela gratuidade de qualquer tipo de instrução: primária,
secundária, profissional e superior; Por um sistema de bôlsas-de-estudo nos
estabelecimentos de ensino profissional superior, e pela instrução gratuita nas
empresas, nas fábricas e nas fazendas.
Cada ano a verba dedicada à instrução e à educação cresce no orçamento da União
Soviética. O desenvolvimento vertiginoso da educação escolar exige, cada dia, novos
estabelecimentos de ensino.
O número de livros didáticos editados na U.R.S.S. em 1957 ultrapassou a casa dos
250 milhões. Estes atingem hoje a 26% de todos °s livros editados. Os autores desses
livros são sempre os melhores professores.
O PROFESSORADO
O número de professores na U.R.S.S. ultrapassa hoje a casa de 1.800.000. O seu
trabalho humano e nobre é dignificado: merece o reconhecimento sincero de todo o
povo soviético. O governo é o primeiro a lhe dar
a
posição que merece repetindo com o
grande pedagogo russo Jan Ames Komenski que a profissão do magistério é a mais
nobre que existe sobre a terra.
O governo soviético mediante decreto oficial estabeleceu para os professores uma
série de dignidades honoríficas que são assinaladas Por meio de títulos e medalhas. O
título máximo é o professor emérito da União Soviética, o qual só é concedido àqueles
que mais se distinguem nas ativi-dades do magistério. na República Federada
Russa, há mais de 3.000 professores eméritos. Muitos professores têm o título de
"trabalhador qualificado da educação do povo".
O governo soviético preocupa-se, seriamente, em elevar, cada vez mais, a posição
do professor. Os professores que exercem atividades de magistério durante mais de 25
anos, recebem uma pensão adicional de 40% de seu salário regular. Os professores das
vilas têm casa, luz e calefaçao gratuita. A eles o governo dá um crédito, a longo prazo,
para a construção de sua casa própria.
16
Os professores são membros dos "Sindicatos dos Trabalhadores da Edu-ção, das
Escolas Superiores e dos Estabelecimentos Científicos". Estes sindicatos, além de
zelarem por uma posição de destaque material e social dos professores, procuram,
também, desenvolver e utilizar a experiência dos grandes pedagogos, incentivar a
iniciativa criadora dos mestres e despertar seu interesse pelo aperfeiçoamento cada vez
maior do ensino nas escolas. Os sindicatos possuem uma grande rede de "Casas do
Professor", as quais dirigem trabalhos de educação e de ilustração, e servem para
descanso dos mestres. Mais de 400.000 professores fazem parte das sociedades de
trabalho de seus clubes e procuram as "Casas do Professor" para ali descansarem,
ouvirem uma conferência, lerem um bom livro, assistirem a um filme e trocarem ideias
com sábios, escritores e mestres da Pedagogia.
As excursões, o turismo e os esportes, representam um grande papel na vida dos
professores. Em 1955, o número de professores e trabalhadores do ensino, que fizeram
turismo na U.R.S.S., ultrapassou o número de 700.000. Os sindicatos são os
financiadores dessas viagens, gastando com isso alguns milhões de rublos.
O número de pedagogos soviéticos cresce constantemente. Os estabelecimentos de
ensino de pedagogia dão aos estudantes uma educação profissional e politécnica tão
necessária ao trabalho nas escolas. Nos curricula das Escolas Superiores de Pedagogia,
a prática pedagógica dos estudantes nas escolas das cidades e das vilas e nas estações
dos pioneiros ocupa um lugar de destaque. Com este objetivo, existe em cada
estabelecimento de ensino de pedagogia, uma escola experimental própria, onde os
estudantes praticam e onde são executadas, sob as vistas da cadeira de pedagogia,
pesquisas relativas à instrução e à educação.
Milhares de professores têm a possibilidade de aperfeiçoar seus conhecimentos e
aprimorar sua educação por meio dos estudos por correspondência. Os estudantes por
correspondência, quando têm de prestar exames, recebem uma licença especial,
correndo as despesas de viagem até o local onde se realizam aqueles exames por conta
dos estabelecimentos de ensino.
O professor soviético progressista, isto é, homem de educação polimór-fica,
possuidor de uma visão cultural e político-social imensa, amante da ciência, profundo
conhecedor de sua especialidade e dotado da faculdade de ensiná-la aos alunos, têm
garantido não só seu sucesso no magistério como, também, a gratidão e a veneração
dos escolares.
Os esforços dos órgãos responsáveis pela educação do povo soviético são dirigidos
no sentido de estimularem as energias criadores dos professores, de propagarem a
experiência pedagógica dos grandes mestres e utilizá-las em benefício da coletividade
estudantil. Um dos pontos característicos da dedicação dos professores soviéticos é o
interesse que eles têm pelo aperfeiçoamento da educação e da instrução, o que se
comprova pelas soluções felizes que têm sabido dar a todos os difíceis problemas que
dizem respeita à teoria e prática da vida estudantil.
Institutos de aperfeiçoamento para professores nas diversas regiões e gabinetes
pedagógicos nos círculos e cidades ajudam os professores na sua luta pelo maior saber
pedagógico. Nestes institutos são realizados cursos, conferências e seminários, são
feitas consultas e trocas de experiência pedagógica e os professores tomam
conhecimento do que há de mais moderno no domínio das publicações científicas e
literárias. Especialmente necessário para o aperfeiçoamento cultural dos professores é o
contato que devem ter com o que há de mais moderno nas literaturas metódica e
pedagógica.
Há na U.R.S.S. 58 jornais de metodologia e pedagogia com uma tiragem de mais
de 14 milhões de exemplares. Além disso, há ainda 15 revistas especializadas nesse
domínio.
A Academia de Ciências Pedagógicas da República Federada Russa, fundada em
1943, presta valoroso auxílio aos professores. Sua finalidade principal e o
aperfeiçoamento científico de todas as soluções dos problemas que dizem respeito à
Pedagogia Geral e Especial, à História da Pedagogia, à Psicologia, à Higiene Escolar e
aos métodos de instrução dos diversos assuntos da escola de formação geral. A
Academia se ocupa, também, da educação dos quadros de professores, do
desenvolvimento da educação popular e da democratização dos conhecimentos
pedagógicos. A Academia ajuda a escola na solução dos problemas atuais de instrução
e educação, colaborando com os professores e os órgãos governamentais responsáveis
pela educação na execução de seu trabalho criador.
Os ordenados dos professores são os mais elevados de toda a União Soviética. Eles
chegam a receber por mês 5.000 rublos e mais os rendimentos provenientes de direitos
autorais de trabalhos publicados que podem chegar até 50% de seu ordenado ou sejam
mais 2.500 rublos por mês. Para se ter uma ideia precisa do que isso significa, basta
dizer que o salário minímo na U.R.S.S. é de 400 rublos por mês.
A EDUCAÇÃO E A INSTRUÇÃO DAS MULHERES
As mulheres têm o mesmo direito à educação e à instrução que os homens. O
número de mulheres matriculadas nas Escolas Profissionais e nas Escolas Superiores é
hoje muito grande. Assim é que entre 1.684.000 de alunos matriculados nas escolas
profissionais, 54,8% são do sexo feminino. Entre 1.217.000 de alunos matriculados nos
estabelecimentos de ensino superior, 52,3% são do sexo feminino. Nos números dados
acima, não estão incluídos alunos matriculados nas escolas de ensino por
correspondência.
Em certos estabelecimentos de ensino superior, predominam as mulheres. Nas
escolas superiores industriais de alimentação elas são 75%; nos da indústria leve e
têxtil, 74,5%; nos institutos de medicina, 71%; nas Universidades e Institutos de
Pedagogia, 67%. Em outros estabelecimentos de ensino superior elas são minoria.
Assim é que nas Escolas Superiores de Construção, seu número atinge 40% dos alunos
matriculados; nos Institutos Agrícolas, 37%; nas escolas superiores de metalurgia,
31%; nos institutos de
geologia, 31%; nos institutos de construção mecânica, 23%; e nos institutos de minas,
16,5%.
E interessante notar que, hoje, na U.R.S.S. 53% das pessoas que têm instrução
superior são mulheres e que entre os médicos elas são 76% e entre os professores 70%.
Mais de 76% dos trabalhadores ocupados nos estabelecimentos científicos e
educativos, são mulheres.
Há cerca de 10.000 mulheres trabalhando em pesquisas científicas, 42,3% dos
pesquisadores da Academia de Ciências da U.R.S.S. são mulheres. Mais da metade de
entre elas têm o grau de doutor ou de candidatas das ciências.
SERVIÇO MILITAR
É interessante registrar aqui que, enquanto o serviço militar é obrigatório e dura
três anos para todos aqueles que não ingressaram nas Escolas Superiores, êle não é
prestado pelos que ingressaram nelas. Os estudantes de nível universitário ficam,
totalmente, dispensados de qualquer exercício de caráter estritamente militar. Recebem,
quando muito, durante, no máximo, uns três meses, algumas noções teóricas de
medidas relativas à defesa nacional.
CONCLUSÕES
Acreditamos, sinceramente, que o alto grau de instrução do povo soviético e sua
elevada cultura são os responsáveis pelo grande progresso material e moral que
pudemos constatar na visita que tivemos ocasião de fazer à U.R.S.S. e que ninguém
mais no mundo pode obscurecer. A edificação socialista que atinge, hoje, naquela
nação seu pensamento culminante, não é mais do que o produto do esforço árduo e
dedicado de seus cientistas, engenheiros, técnicos e operários qualificados, Estes
realizam, em conjunto, o mais belo trabalho de engrandecimento de uma nação. Os
sindicatos que são os órgãos que zelam pelo bem-estar de todos os trabalhadores
soviéticos dirigem, através das Sociedades da Ciência e da Técnica, este grande e nobre
empreendimento. A essas Sociedades da Ciência e da Técnica que nos distinguiram
com o honroso convite de uma visita oficial à U.R.S.S. cabe hoje o elevado mister de
conduzir a União Soviética para o seu mais glorioso destino. — (.Revista do Clube de
Engenharia, Rio)
O PREPARO DE TÉCNICOS NA UNIÃO SOVIÉTICA
MAURÍCIO JOPPERT DA SILVA
Quando se instituiu o regime comunista na Rússia, em 1918, o ensino técnico de
grau médio e o superior modelavam-se pelos métodos alemães, o que vinha
acontecendo desde o início do século XX. E, de um modo geral, era bem cuidado.
Foi Pedro, o Grande, que fundou em 1701 em Moscou a primeira escola técnica
russa, com o nome de Escola de Ciências Matemáticas e de Navegação, destinada a
preparar técnicos especializados para os diversos serviços públicos. Em 1773 fundou-
se, em São Petersburgo, o Instituto de Minas que exerceu uma grande influência sobre
o ensino técnico superior na Rússia por várias gerações.
Em 1914, por ocasião da 1º Grande Guerra, a Rússia possuía 16 estabelecimentos
de educação técnica superior com um total de 21.000 alunos.
O colapso econômico generalizado, que se seguiu à derrota do Governo Provisório
em outubro de 1917, e a guerra civil que lhe sucedeu paralisaram, por assim dizer, o
sistema educacional russo. No período de recuperação da Nova Política Económica, de
Lenine, que sucedeu ao terror e ao "comunismo de guerra", antigas universidades e
outras escolas de educação superior reassumiram gradualmente suas funções
tradicionais, embora em um ambiente bastante diverso. Seus estudantes eram admitidos
sem os antigos requisitos acadêmicos, bastando ter a idade de 16 anos, não sendo
necessário apresentar diploma, certificado ou prova qualquer de ter completado curso
secundário, ou frequentado escola. As condições importantes eram a origem social e as
convicções ideológicas. Faculdades especiais foram organizadas por ordem do Partido
Comunista para dar aceleradamente instrução preparatória de colégio a trabalhadores,
possuindo pouca ou nenhuma educação. Aos professores só era exigida a fidelidade
política ao comunismo e os currículos de humanidades; as faculdades de ciências so-
ciais, então controladas pelos doutrinadores do Partido, foram expurgadas de
disciplinas em conflito com a ideologia partidária. As fileiras do magistério foram
muito reduzidas pela fuga de antigos professores e afastamento de outros, exilados ou
fuzilados, vítimas das intrigas dos próprios estudantes e de espiões ou colegas. A
disciplina e a aplicação relaxaram-se, nada era exigido dos alunos e o aproveitamento
do curso não se apurava.
Com a inauguração dos planos quinquenais em 1928, para uma rápida
industrialização do país, estabeleceu-se um período de frenéticas experiências com o
sistema educacional: sucessivos decretos, ordens e instruções apareceram, um após
outro. O objetivo era mobilizar, expandir e dirigir as possibilidades do sistema
educacional de modo que êle atendesse prontamente às necessidades da planificação
econômica. Muitas dessas primeiras inovações foram abandonadas o que não impediu
que as copiássemos e conservássemos até hoje, apesar de se terem revelado tão nocivas
na educação da mocidade lá como aqui. Outras, porém, ficaram e foram incluídas na
primeira grande reforma do ensino da União Soviética, em 1930.
Hoje, chegou-se a um regime satisfatório, depois de reformas sucessivas o de uma
longa experiência, demonstrada na grandiosa expansão industrial da Rússia e na grau
apurado de sua tecnologia e de sua ciência. Existem presentemente 195 escolas de
ensino superior técnico, com mais de 700.000 estudantes, espalhadas por todo o
território da União Soviética.
* • *
Tratando-se da formação de técnicos, ou seja, do sistema educacional que conduz a
esse resultado, não se pode deixar de aludir a toda organização do ensino russo porque
ela ligou intimamente as duas etapas que costumamos chamar de primária e secundária,
em escolas denominadas de "sete-anos", e "dez-anos" das quais o jovem russo sai apto
para ganhar a sua vida com habilitações da tecnologia das profissões elementares que
lhe permitem trabalhar numa fábrica, ou na lavoura, sem uma prática demorada.
Assim, a reforma de 1934, objetivando fazer desaparacer o analfabetismo de todo o
território, tornou obrigatório o ingresso de todas as crianças da União Soviética aos sete
anos de idade em uma escola chamada de "sete-anos", dividida em dois ciclos de 4 a 8
anos, respectivamente; o primeiro correspondendo ao que se chama entre nós do curso
primário e o seguinte ao ensino secundário clássico. Mais tarde essas escolas foram
chamadas de "incompletas" e um novo tipo de escolas de "dez-anos", ou "secundárias
completas", divididas em três ciclos (4-3-3), tornaram-se obrigatórias a partir do ano
corrente de 1960.
Para as academias militares as Escolas Secundárias de "sete-anos" são
especializadas, encaminhando o jovem estudante desde os primeiros anos da escola
para a carreira militar.
Nas Escolas de "sete" e "dez-anos", as duas matérias, russo e matemática são
ensinadas em todos os anos do curso. E obrigatório o estudo da física durante 5 anos,
da química 4 anos, da biologia, da geografia, da história e o de uma língua estrangeira,
à escolha dos interessados.
O ensino é muito objetivo, sendo as Escolas magnificamente equipadas para
ilustrar com experiências, demonstrações e projeções a matéria lecio-nada.
Nas Escolas Secundárias completas, isto é, de "dez-anos", nos três últimos anos
leciona-se de modo prático a tecnologia das profissões elementares, à escolha dos
candidatos, levando-se os estudantes a praticar nas fábricas de modo a fixar o ensino
teórico. Sai, assim, aos 17 anos um jovem, de qualquer sexo, com educação secundária
completa, senhor de um ofício que lhe permite ganhar a vida nas indústrias, ou nos
campos.
E lógico que nesse sistema se tenham diferenciado as Escolas Secundárias
especializadas, dedicando-se cada uma a poucos ramos da tecnologia ou mesmo a um
só: mecânica, eletricidade, tecidos, etc.
O regime didático é tratado com muito cuidado, de modo a facilitar a
aprendizagem e a despertar a atenção dos alunos sem fatigá-los. Exige-se tanto dos
professores como dos alunos o maior rigor no cumprimento dos deveres. A frequência
às aulas é fiscalizada e aos domingos os professores, — em grande parte do sexo
feminino —, comparecem com os alunos aos museus, institutos, laboratórios,
planetários, observatórios para visitas, expli-cando-lhes os objetos em exposição e o
funcionamento dos aparelhos mostrados.
O regime escolar é também severo, a disciplina rigorosa, visando incutir no
espírito dos jovens estudantes o respeito pelo cumprimento das obri-
gações, sem esquecer uma dose de propaganda política do comunismo, ministrada,
aliás, desde a mais tenra infância.
A fim de praticar o trabalho da madeira, do ferro e de outros metais, da cerâmica,
etc, as escolas secundárias especializadas possuem oficinas próprias, utilizando ainda
as fábricas para estágio de alunos.
O aperfeiçoamento do pessoal operário, dispondo apenas do que aprendeu nas
Escolas Secundárias, criando os mestres de oficina e condutores técnicos de serviços,
levou à criação das Escolas Técnicas onde se ministram o cursos de grau médio. Esses
cursos têm a duração de 4 anos para os que fizerem o programa das Escolas
Secundárias incompletas e de 2 a 2 % anos para os que terminaram as Escolas de "dez-
anos". Ao contrário das Escolas Secundárias, que são obrigatórias para todos os jovens
da União Soviética, as Escolas Técnicas são facultativas, frequentando-as apenas os
que desejarem aprofundar e aperfeiçoar seus conhecimentos.
Desse regime saem operários possuidores de uma técnica elevada, habi-litando-os
a grandes aperfeiçoamentos nas máquinas e nos métodos de trabalho em benefício da
produção industrial.
Convém observar que tanto as Escolas Secundárias como as Escolas Técnicas
oferecem, além do curso diurno, curso noturno para os jovens que precisam trabalhar
para ajudarem suas famílias. Ainda para os que estão impossibilitados de comparecer
às Escolas, há os cursos de correspondência com regulamento severo.
A verificação do aproveitamento do ensino ministrado é feita por meio de provas
parciais e de promoção, realizadas sem perturbação da regularidade dos cursos. Os
programas da matéria das provas são organizados por Comissão do Ministério da
Educação, podendo ser adquiridos pelos alunos com antecedência.
O ensino é gratuito em todos os graus.
As Escolas Técnicas diplomam Tecnologistas ou Técnicos-Industriais. Em 1956
registravam-se dois milhões de matrículas de Tecnologistas e um milhão para
Industriais em toda a União Soviética, atingindo o número de diplomados cerca de
200.000 anualmente.
A proporção de Engenheiros para Técnicos de grau médio era de 1,5 a 2.
Convém esclarecer que tanto o curso secundário como o diploma de Escola
Técnica têm uma finalidade própria e não dão direito nem vantagem à admissão nas
Universidades e nos Institutos Técnicos ou Politécnicos onde se estudam os diversos
ramos da Engenharia, isto é, nos estabelecimentos de ensino superior.
As Universidades russas conservam a tradição de cultura superior ou científica das
instituições congéneres do Continente Europeu. Visitamos a de Moscou durante a
nossa estada na Rússia e surpreendeu-nos a sua grandiosidade, a abundância de salas,
auditórios e instalações, assim como o acabamento luxuosíssimo, tanto interno como
externo.
Diz-se que é na hora presente um dos mais importantes estabelecimentos de ensino
superior do mundo. Compreende 12 faculdades e um instituto com o estatuto de uma
faculdade, 3 institutos de pesquisas cientificas, 3 museus,
8 estações científicas de estudo, 2 jardins botânicos, 3 observatórios. Para a direção dos
estudos, dos estudantes, dos aspirantes e das pesquisas científicas há 210 cátedras. O
corpo didático é composto dos melhores representantes da ciência soviética.
Encontram-se entre eles sábios célebres de renome mundial, consagrados pelas suas
descobertas e trabalhos de alto valor.
Em 1953, a Universidade de Moscou recebeu de presente os novos edifícios sobre
os montes Lenine, pequenas colinas situadas na concavidade de uma volta do Moskva,
em frente à qual foi localizado o Estádio da Cidade com a capacidade para 50.000
espectadores.
Nos montes Lenine surgiu uma verdadeira cidade universitária: o edifício central
de 32 andares, os edifícios das faculdades de ciências naturais, laboratórios, edifícios e
terrenos esportivos, um jardim botânico, etc. O conjunto dessas construções representa
um volume de 2.750.000 metros cúbicos, o que equnivale aproximadamente a uma vila
de 50.000 habitantes.
Esses edifícios compreendem cerca de 40.000 recintos isolados. Perto de um
milhão de aparelhos e de instalações diversas, 350.000 pranchas, cartas, etc, estão
reunidas em seus laboratórios e gabinetes científicos.
A admissão na Universidade de Moscou, como nos outros estabelecimentos de
ensino superior da Rússia, faz-se mediante exame de entrada. Os cursos são gratuitos e
o Estado concede bolsas aos estudantes e um lugar no internato aos que vierem das
províncias. Nas alas laterais do corpo central do edifício principal há 6.000
apartamentos para estudantes de ambos o sexos, pequenos, é verdade, mas muito bem
instalados e confortáveis.
Professores habilitados e experientes, um equipamento moderno, uma biblioteca
com 5,5 milhões de volumes, criam condições extremamente favoráveis ao estudo.
As distrações não foram esquecidas: estudantes, professores e pesquisadores
científicos podem assistir a conferências, ver filmes, ouvir concertos, na Grande Sala
de cerimónias da Universidade ou nos numerosos clubes. À noite, no internato, os
estudantes se reúnem em grupo para cantar, dançar e distrair-se. Áreas esportivas,
cobertas ou não, e a piscina estão igualmente à disposição dos estudantes.
A Universidade tinha matriculados em 1959 cerca de 25.000 alunos, dos quais
51% do sexo feminino. Possui 148 auditórios de capacidade variável, podendo
acomodar de 25 a 600 estudantes, dispondo ainda de 1.000 laboratórios. As Faculdades
de Física, Biologia e Solos e Químicas têm edifícios separados.
Os cursos ministrados na Universidade de Moscou são os seguintes: 7 cursos de
Ciências Humanísticas (História, Ciências Jurídicas, Ciências Económicas, Filosofia,
Filologia, Jornalismo e Línguas orientais);
1 curso de Matemáticas;
1 curso de Mecânica Racional;
1 curso de Física;
1 curso de Química;
1 curso de Biologia e Solos;
1 curso de Geologia;
1 curso de Geografia.
A duração dos cursos varia de cinco anos a cinco anos e meio.
O Governo Soviético procura atrair a mocidade estudiosa para os cursos superiores
das Universidades e das Faculdades Técnicas ou Politécnicas, oferecendo-lhes
vantagens que vão desde a dispensa do serviço militar obrigatório à concessão de
bolsas aos mais aplicados e à garantia de bons empregos aos diplomados. As bolsas são
concedidas aos candidatos que em exame de admissão tiram nota acima de 3, no valor
de 400 rublos por mês, levando-se nos últimos anos a 450 e mesmo 600 rublos. Para se
ter ideia do que esta quantia representa em moeda a que estamos mais habituados
podemos esclarecer que se compra na Rússia com 10 rublos o que nos países ocidentais
se compraria com um dólar. Aliás, é esta a correspondência de câmbio feito para os
turistas.
Os bolsistas que durante o curso tiraram um grau 3, ou menor, nas provas de
promoção, perderão as bolsas.
0 ensino superior técnico, porém, não é feito nas Universidades e sim
nos Institutos. Técnicos que são consagrados a um só ramo da engenharia,
embora com diversas especialidades, e nos Institutos Politécnicos que com
preendem diversas Faculdades cada uma se dedicando a um ramo da
engenharia.
Os Institutos Técnicos são ainda chamados de Institutos Industriais.
Entre os maiores Institutos Politécnicos, cita-se o de Leningrado, com as seguintes
Faculdades especializadas: Metalurgia, Mecânica e Construção de Máquinas, Electro-
Mecânica, Construção de Máquinas de Produção de Força, Física e Mecânica,
Melhoramentos Hidráulicos, Radiotécnica, Hidro-técnica e alguns outros.
Os Institutos de Minas são muito numerosos na União Soviética e diplomam
anualmente alguns milhares de Engenheiros de Minas. Do mesmo modo se
multiplicaram os Institutos de Metalurgia, na Rússia europeia e na Sibéria, de
preferência nas regiões onde se localizou a indústria metalúrgica.
Para dar uma ideia da constituição de Institutos Técnicos e Politécnicos com seus
diversos cursos e Faculdades, citaremos dois exemplos, a saber: o Instituto de Minas de
Karaganda e o Instituto Politécnico da Bielorússia.
INSTITUTO DE MINAS DE KARAGANDA
Relação dos Cursos
1 — Exploração das jazidas de matérias-primas
2 — Mineração eletro-mecânica
3 — Instalação das empresas de mineração
4 — Topografia das minas
INSTITUTO POLITÉCNICO DA BIELOROSSIA
1 — Faculdade de Mecânica
Relação dos Cursos
a) Tecnologia mecânica
b) Ferramentas e instrumentos de corte de metal
c) Máquinas de prensagem e tecnologia
d) Equipamento de fornos e tecnologia
e) Aparelhos e máquinas de produção química
2 — Faculdade de Automóveis e Tratares
Relação dos Cursos
a) Automóveis e tratores
b) Exploração do transporte por automóveis
3 — Faculdade de Produção de Força
Relação dos Cursos
a) Instalações térmicas de força e usinas elétricas de terça
b) Usinas elétricas de força, redes e sistemas.
c) Eletrificação das empresas industriais e intalaçoes
4 Faculdade de Tecnologia Química
Relação dos Cursos
a) Tecnologia dos silicatos
b) Tecnologia da produção fermentativa
f) — Faculdade de Engenharia Civil
Relação dos Cursos
a) Arquitetura
b) Engenharia Civil
c) Abastecimento de água e esgotos
d) Gás, aquecimento e ar condicionado.
6) — Faculdade de Bidrotécnica
Relação dos Cursos
a) Construção de barragens e estações de força hidráulica
b) Estrada, máquinas de construção e equipamento
7 — Faculdade de Turfa
Relação dos Cursos
a) Exploração dos depósitos de turfa
b) Máquinas de exploração de turfa
É! evidente que a natureza das faculdades não é a mesma em todos os Institutos
Politécnicos e variam conforme o interesse técnico-econômico das regiões a que
pertencem.
A maioria das escolas superiores técnicas da União Soviética diploma engenheiros
mecânicos para vários ramos da indústria. Cerca de quarenta Institutos Industriais têm
cursos de engenheiros, eletricistas, especialistas em eletro-mecânica, produção de
força elétrica e técnica de rádio.
O corpo docente dos institutos de ensino superior soviético compõe-se de
professores, docentes e assistentes. O recrutamento é feito por concurso, sendo os
candidatos eleitos em votação secreta pelos Conselhos Académicos (Congregações,
entre nós) dos institutos. A cada docente é assegurada a oportunidade para pesquisa e
atividade científica eficiente no campo que o interessar. Ele pode mesmo dedicar-se
inteiramente a esse trabalho, reservando apenas duas ou três horas por dia para as suas
funções pedagógicas. A pesquisa científica habitualmente consiste numa tese que é
apresentada para a conquista do grau de Candidato (Mestre) ou de Doutor em Ciência.
As teses são defendidas perante o Conselho Académico do Instituto, em data
previamente anunciada. Além disso, o candidato manda exemplares dele aos principais
especialistas no ramo do seu trabalho. O Conselho Académico tem autoridade para
conferir ao pretendente o grau de Candidato mas para o grau de Doutor sua decisão
depende de confirmação da Comissão Superior de Habilitação da União Soviética do
Ministério da Educação Superior, que é constituída pelos mais proeminentes cientistas
da nação.
Os pretendentes aos graus científicos nos institutos soviéticos são encorajados de
todos os modos. Para completar as teses de Candidatos ou Doutores, os docentes
podem dispor de três meses de dispensa de suas funções pedagógicas sem prejuízo dos
respectivos vencimentos. Um método muito divulgado para preparar Candidatos em
ciência é por meio dos cursos de pós-graduação de três anos. Todos os matriculados
nesses cursos são remunerados pelo Estado. Há também os cursos de pós-graduação de
um só ano nos quais se matriculam os docentes que desejam acabar de fazer as suas
teses, continuando a receber os salários durante esse prazo.
Os professores e docentes recebem muito bons salários. Um professor, Doutor em
Ciência, por exemplo, com dez anos efetivos de exercício de
magistério, percebe mensalmente 5.000 rublos (cerca de UR$ 500.00), sem prejuízo de
outras fontes de receita, tais como direitos autorais, etc. Podem ainda acumular funções
idênticas em dois institutos, recebendo em um deles vencimentos integrais e no outro
50%. De passagem, observamos que um professor de Escola Superior Federal, com 10
anos de serviço recebe entre nós, ao câmbio de hoje, cerca de US$ 94,50. A diferença
chega a ser humilhante e vale por um atestado do desprezo oficial pelo problema da
instrução superior.
As matrículas nos institutos técnicos soviéticos depende de exame de admissão
compreendendo as matérias: Língua e literatura russa, Matemática, Física e uma língua
estrangeira, à escolha.
Os estudantes que se mostram aplicados e fazem grandes progressos, recebem
remuneração que aumenta nos anos sucessivos; os alunos que conquistam os primeiros
lugares, têm um aumento de 25% e os que participam dos trabalhos de pesquisas
recebem bolsas especiais com os nomes de grandes cientistas ou estadistas, atingindo
800 rublos por mês.
Os estudantes que vêm do interior são alojados em pensões, onde pagam uma
pequena importância, cerca de 15 rublos mensalmente.
As matrículas, como nas universidades, são gratuitas, e durante os períodos de
trabalhos práticos nos estabelecimentos industriais ou na agricultura, além das mesadas,
os estudantes têm as passagens pagas, de ida e volta. Dispõem de parques de recreio,
campos esportivos, clubes, biblioteca, casas para passar feriados e sanatórios, estes
últimos com um desconto de 70%. Possuem ainda assistência médica gratuita e os
graduados de um instituto superior técnico são encaminhados para empregos de suas
especialidades.
A duração dos cursos nos institutos de ensino superior técnico varia de cinco anos e
cinco anos e meio, conforme a natureza da especialidade. Os currículos são
organizados pelo corpo docente de cada instituto e aprovados pelo Ministério da
Educação Superior da União Soviética. Por isso, variam conforme o interesse
econômico da região a que pertencem. As ciências e técnicas fundamentais de cada
especialidade são lecionadas com rigor e desenvolvimento, ocupando um lugar
importante no currículo dos institutos.
Diversos métodos são usados para transmitir ao estudante os conhecimentos
indispensáveis à sua futura profissão. Em primeiro lugar citam-se as conferências que
tomam a metade do horário. A outra metade é dedicada a formas de instrução em que
predomina o trabalho independente dos estudantes. Entre estas cita-se a prática de
laboratório em que cada aluno recebe o seu problema formulado pelo docente, prepara
os instrumentos, faz o esquema dos ensaios, toma suas notas, inscreve os resultados das
medidas e apresenta um relatório com a solução pedida, habituando-se desse modo a
vencer por si as dificuldades.
Muitos estudantes frequentam círculos de ciência funcionando sob a direção de
professores, são membros de sociedades científicas estudantis, etc, onde convivem em
um meio de estudos e debatem assuntos de modo
a esclarecer as dúvidas suscitadas. Tudo isso desperta o interesse pelo estudo e
prepara os futuros cientistas e técnicos.
Além da prática de laboratório os estudantes são obrigados a resolver exercícios
sobre as matérias fundamentais, a saber: matemática, mecânica racional, teoria das
máquinas e dos mecanismos, resistência dos materiais, etc. Esses exercícios, feitos com
a assistência de instrutores, compreendem cálculos e gráficos sobre a matéria lecionada
nas conferências, isto é, nas aulas técnicas, segundo a nossa terminologia. Há também
arguições orais e provas escritas, tudo enfim que possa apurar o aproveitamento dos
estudantes.
Cálculos e gráficos são os primeiros degraus para se chegar aos proje-tos de meio
de curso de certas disciplinas, tais como Peças de Máquinas, havendo para isso em
cada instituto folhas impressas que são fornecidas aos alunos para facilitar o trabalho e
onde são feitos os desenhos e cálculos, acompanhados de uma sintética memória
justificativa. Em outros institutos são pedidas memórias sobre as cadeiras teóricas. Esse
método familiariza o aluno com as aplicações do que vai estudando a problemas de sua
futura vida profissional.
Têm ainda os estudantes o ensejo de praticar nas oficinas dos institutos e das
empresas em que estagiar, habituando-se ao manejo do equipamento para trabalhar
metais, madeiras, plásticos e outros materiais, o que lhe será muito útil na vida futura.
No final dessa prática os estudantes deverão especificar um produto, preparar as
máquinas e fabricá-lo.
O estágio nas oficinas é rigorosamente controlado, acompanhado de notas,
comentários e relatórios, recebendo cada estudante uma nota em quatro gradações para
definir sua aplicação. Se o estudante fracassar, terá que repetir sua "prática industrial".
Durante o curso o estudante faz três estágios de prática industrial, sendo o último
nas proximidades da diplomação, tendo assim o ensejo de recolher elementos para a
elaboração do projeto indispensável para obter o diploma.
Os temas para o projeto de diplomação variam conforme as naturezas das
especialidades seguidas pelos alunos. Contudo, dá-se preferência aos temas que
permitam a cada aluno revelar o grau de conhecimento que tem dos assuntos de sua
profissão, dentro da realidade nacional. Em alguns casos tais projetos foram depois
utilizados para a solução de problemas que se acham em estudos. A elaboração dos
projetos é acompanhada por instrutores.
Antes dos exames finais os estudantes são submetidos a testes sobre os currículos e
só comparecem aos exames os que passaram nos testes.
Os estudantes aprovados nos testes e nos exames, defenderão suas teses
publicamente, perante uma comissão composta de professores das matérias
fundamentais, tecnológicas e especiais. Aos alunos que tirarem a nota "excelente" em
3/4 de seus exames e testes e "bom" nos outros, assim como
a mesma nota no projeto de diplomação, será conferido o diploma de "graduação com
honra", o que lhe facilitará obter na vida profissional os melhores lugares.
Após dois anos de atividade, os diplomados poderão voltar aos institutos para os
cursos de pós-graduação.
Todos os institutos mantêm contato com seus antigos alunos, acompa-nhando-os e
assistindo-os no trabalho profissional para terem desse modo uma demonstração da
eficiência de seu ensino.
Demos, talvez, um pouco de desenvolvimento à vida escolar e ao regime didático
dos institutos de ensino superior técnico para mostrar como o problema do preparo de
técnicos foi tomado a sério, sendo esta uma das causas principais do sucesso
tecnológico na industrialização da União Soviética. Na fase de instabilidade em que
nos encontramos no Brasil, sem rumo certo a tomar, mantendo um ensino livresco em
que as matérias tecnológicas são ensinadas a giz no quadro-negro, é difícil chegar a
resultados satisfatórios. Enquanto não equiparmos devidamente os estabelecimentos de
ensino superior técnico, submetendo alunos e professores a uma disciplina de trabalho
rigorosa e articulando o ensino com a prática nas indústrias, o preparo de nossos
técnicos deixará muito a desejar.
Para encerrar esse estudo, faremos uma exposição do equipamento de ensino em
um dos grandes institutos industriais da União Soviética, ou seja o Instituto Técnico de
Força, de Moscou. E na realidade um Instituto Politécnico com dez Faculdades
(também chamados Departamentos), a saber:
1) Eletro-Mecânica;
2) Construção de Máquinas Geradoras de Força;
3) Eletrotécnica;
4) Fôrça-Térmica;
5) Fôrça-Hidráulica;
6) Eletrificação das Indústrias e dos Transportes;
7) Termotécnica;
8) Radiotécnica;
9) Eletro-Vácuo;
10) Construção de Máquinas-Ferramenta.
O Instituto de Moscou prepara engenheiros eletricistas de 25 especializações.
Possui um departamento vespertino, frequentado por 11.000 operários depois que
deixam o serviço. O corpo docente, da mais alta qualificação, compreende 10 membros
e membros-correspondentes da Academia de Ciências, 69 Doutores em Ciência e 376
Candidatos. Ê bom esclarecer que na terminologia pedagógica russa o título de
Candidato corresponde ao de Mestre de Ciência nos Estados Unidos. A palavra
Candidato origina-se no fato de ser esse título indispensável aos que pretendem
inscrever-se em concurso para Professor.
Nos espaçosos edifícios em que funciona o Instituto há 167 grandes auditórios e 17
pequenos, salas especiais com pranchetas para desenho, salas de leitura e uma grande
biblioteca. Além disso, há 102 laboratórios bem
equipados com microscópios eletronicos, oscilógrafos, integradores eletro-me-cânicos
e eletronicos, espectrógrafos, etc. e ainda gerador de oscilação de voltagem até
1.700.000 V, outro de oscilação de corrente até 12.000 A, estações de vapor em alta
pressão, aparelhos com isótopos radioativos e muitos outros aparelhos e instalações
importantes. Há mesmo instalações industriais para estudo e prática dos alunos, tais
como uma estação produzindo força elétrica e água quente para abastecer um distrito
de pequena cidade.
As amplas facilidades do Instituto, o grande número de Cátedras com diferentes
especializações auxilia seus professores, instrutores e alunos a resolverem problemas
técnicos e científicos de alta importância na esfera da técnica de produção de força. A
melhor disposição dos turboblocos para as usinas hidrelétricas de Kuibyshev e
Stalingrado, por exemplo, foram ensaiados e escolhidos no Instituto de Moscou.
Escolhendo temas para a pesquisa científica, os departamentos procuram atender
quanto possível às demandas da economia nacional. Demais, uma parte considerável da
pesquisa dos cientistas do Instituto é efetuada em colaboração íntima com os
engenheiros e pesquisadores trabalhando na indústria. A conjugação de seus esforços
conduz à invenção de novas máquinas, instrumentos e aparelhos, na rápida elaboração
e introdução de tipos de produção tecnicamente perfeitos, na introdução de novos
métodos mais perfeitos de tecnologia e organização de produção.
O horário limita os trabalhos escolares a 36 horas por semana para os quatro
primeiros anos e a 30 horas para o quinto ano. Além dos estudos teóricos, os estudantes
prestam dois exames por ano (durando de 3 a 4 semanas), trabalham em uma empresa
industrial no fim de cada um dos três primeiros anos (por 6 a 8 semanas de cada vez) e
executam um projeto-diploma em 24 semanas.
A ordem em que são estudadas as diversas matérias do currículo escolar, é a
seguinte:
1º e 2º anos — Ciências gerais, compreendendo, Matemática Superior, Física,
Mecânica Racional, etc.
3º e parte do 4º ano — Matérias tecnológicas relativas à especialização do curso:
Medidas Elétricas, Materiais Eletroquímicos, Máquinas Elétricas, etc.
Segunda parte do 4º e 5º anos — Matérias Especiais.
Atualmente é dada muita ênfase aos trabalhos individuais, feitos em casa, ou pelo
aluno sozinho, escolhendo-se para isso os problemas com o maior cuidado. Ê atribuída
maior importância ao trabalho individual nos últimos anos, dispensando-se a
frequência ao Instituto em certos dias; no quinto ano, chegou-se mesmo a reduzir a
frequência a 18 horas por semana.
Descrevendo as instalações, equipamentos, regime pedagógico e escolar do
Instituto de Força de Moscou, quisemos dar uma ideia do cuidado posto pela União
Soviética na preparação de técnicos, diplomando-se anualmente entre 95 e 100.000
engenheiros, dos quais maior número provêm daquele Instituto.
A importância dada pela União Soviética ao ensino técnico de nível superior
reflete-se ainda nos salários pagos aos professores que só são excedidos pelos dos
membros da Academia de Ciências e do Praesidium. Completando a referência já feita
aos professores com mais de cinco anos de magistério, a seguinte tabela dá uma ideia
dos salários da biblioteca. Além disso há 102 laboratórios bem equipados com
magistério superior na União Soviética:
Com mais
de 5 anos
(Rublos)
Com mais
de 10 anos
(Rublos)
Professores
a) Chefes de Departamento
Com grau
4.250 5.750
Sem grau de Dr....................... 3.250 4.500
b) Comuns
Com grau
3.750 5.000
Sem grau
3.000 3.750
Docentes
Com grau de Candidato ... 2.620 3.500
Sem grau de Candidato ... 2.000 2.750
Assistentes
Com grau de Candidato ... 2.250 3.000
Sem grau de Candidato ... 1.750 2.250
A comparação com a moeda dos países ocidentais poderá ser feita na base de 10
rublos por um dólar.
Os membros da Academia de Ciências recebem salários bem mais altos de acordo
com suas descobertas, seus trabalhos e mérito pessoal, atingindo 20 a 30.000 rublos por
mês.
Abstraindo de qualquer alusão ao regime político dominante na União Soviética,
estudando os métodos de ensino técnico superior nela adotados, quisemos trazer uma
contribuição ao nosso País para ajudar a desfazer a confusão reinante, em parte por
falta de experiência e noutra parte por imitação mal-compreendida de países exóticos.
Conforme se pôde ver pela nossa exposição, a União Soviética depois da fase
inicial de liberdade absoluta que se seguiu ao regime implantado em 1918, voltou aos
métodos alemães. Mas não ficou neles: à medida que ganhava experiência foi
modificando o que podia ser melhorado, até chegar a um sistema onde há muito de
esforço e de inteligência, notável pelos resultados conseguidos e que deve merecer a
atenção dos outros países. — (Revista do Clube de Engenharia, Rio).
JORNAIS
RELIGIÃO E EDUCAÇÃO
ROQUE SPENCER MACIEL DE BARROS
Na luta que a opinião pública vem travando contra o projeto de dire-trizes e bases
da educação nacional, aprovado pela Câmara dos Deputados, não se tem distinguido,
devidamente, a escola particular confessional da leiga: a crítica se dirige,
indiscriminadamente, contra a pretensão de ambas de participar das verbas públicas
destinadas à educação. Ora, embora nenhuma delas, leiga ou confessional, tenha o
direito de exigir a partilha dos recursos do Estado, parece-nos importante distingui-las
rigorosamente, a fim de deixar mais patente a autêntica fraude que se quer cometer
contra a nação. E é preciso distingui-las porque a escola confessional, ao lado de outros
motivos nem sempre confessados, tem, pelo menos, um motivo de ordem doutrinária
em que estriba as suas reivindicações — enquanto esse motivo falta à escola particular
leiga. Em tais condições, esta, para a qual o projeto de diretrizes e bases é apenas um
alto e rendoso negócio, trata de disfarçar os seus motivos reais, escondendo-se atrás de
um motivo doutrinário que apenas a escola confessional poderia invocar... Enquanto a
escola confessional entra com a "doutrina" que justifica a repartição das verbas
públicas, dando um que de dignidade aos interesses do Sindicato de proprietários de
estabelecimentos de ensino, a escola particular leiga engrossa a onda, aumenta as
forças da escola confessional, porque seus interesses se casam perfeitamente com os
dela. Assim, unem-se escola confessional, especialmente católica, e escola particular
leiga embora esta, em termos doutrinários, deva valer para aquela tanto quanto as
escolas do Estado... Em outros termos, se é o carater laico da escola oficial que a faz
suspeita aos olhos dos defensores da escola católica, torna-se difícil compreender como
essa mesma laicidade não os assusta quando caracteriza a escola de seus ocasionais
aliados, É que, na luta que empreenderam pela divisão dos cofres públicos, interessa às
duas escolas, confessional e leiga, a união, que faz a força, e não a perfeita
caracterização doutrinária, que, dividindo, enfraquece. Mas, se essa união faz parte da
tática de assalto aos recursos públicos, deve fazer parte da estratégia defensiva a
divisão das forças contrárias, particularmente quando tal divisão é real e a união apenas
aparenta,
Comecemos, então, por assinalar que nenhum motivo doutrinário pode a escola
particular leiga invocar como justificativa para a partilha das verbas públicas: se tal
escola é leiga, ela é tão "neutra" em matéria religiosa quanto a escola do Estado. Não
poderá, portanto, invocar o "neutralismo religioso" da escola oficial como argumento
para justificar, doutrinariamente, a sua existência como algo "diferente" daquela. E isso
é tão evidente que os proprietários de escolas privadas leigas apenas têm repetido,
desajeitados, a cantilena da "liberdade de ensino" (que os católicos invocam) mais ou
menos conscientes de que estão somente a representar um papel e de que toda a gente
sabe que se trata apenas de ficção... De nossa parte, não vemos sequer como discutir a
pretensão de tais escolas. Por que haveria o Estado de conceder-lhe polpudos
empréstimos, de financiar, por meio de bolsas, o estudo de alunos pobres no seu seio?
Por que, como manda o mais elementar bom-senso, não aplicar inteiramente esses
recursos na ampliação da rede de escolas públicas? O que distingue, geralmente, a
escola privada leiga da escola pública é apenas a maior eficiência e seriedade desta, a
ausência, no seu seio, do privilégio, a sua gratuidade, em oposição às discriminações e
ao alto custo, para o aluno, daquela. Como então justificar o auxílio oficial para essas
escolas caras e prósperas, que começam, frequentemente, numa velha casa mal
adaptada e em pouco tempo se instalam em soberbos edifícios? E se os proprietários de
tais escolas insistem nos seus imaginários prejuízos, nos seus sacrifícios pouco remu-
nerados pela causa de educação, o remédio é simples: é só mudar o ramo dos negócios.
O Estado é que não haverá de sacrificar uma tarefa que talvez seja a mais importante de
todas as que lhe incumbem para satisfazer aos anseios de prosperidade de alguns
particulares que, por viverem de seus lucros com o ensino, não podem, por isso mesmo,
encarregar-se. em escala nacional, da educação. Por definição mesmo o ensino público
é um ónus, é um encargo; por definição mesmo o ensino particular é um meio de vida,
tem as características de negócio. Admitir que o Estado desvie um centavo daquele
para favorecer a este é conceber desvirtuadas as funções do Estado; é pensá-lo, não
como agente do bem geral, mas como instrumento de grupos ou facções. Se o Estado
pode dar ensino melhor, mais amplo, mais extenso — e gratuito — do que o particular,
é inconcebível que o deixe de fazer para benefício exclusivo deste e prejuízo geral da
nação.
Os proprietários de estabelecimentos de ensino privados leigos sabem disso tão
bem quanto nós. E por isso preferem trabalhar nos bastidores; preferem a "conversa ao
pé do ouvido" com os figurões da política do que o debate amplo e franco a respeito do
assunto. Debater, que debatam (e assim mesmo não muito) o clero e o laicato católico,
que, pelo menos, poderão invocar motivos mais elevados...
É, portanto, com os representantes da escola confessional que havemos de debater
o problema, já que não é possível argumentar com quem, ao invés de cuidar de
argumentos, se ocupa somente de orçamentos.
Pois bem, qual é o argumento de que lançam mão os representantes da escola
confessional, ou melhor, da escola católica, já que, pelo número reduzido, pouco
pesam as escolas da outras confissões? Procuremos formulá-lo
da maneira mais simples e clara: reza o Código de Direito Canónico, promulgado em
1917 por Bento XV, que "as crianças católicas não devem frequentar escolas católicas,
neutras, mistas, isto é, abertas também aos que não são católicos. Só o Ordinário do
lugar, de acordo com as instruções da Sé apostólica, pode decidir em que condições e
por meio de que precauções, para evitar o perigo da perversão, a frequência a essas
escolas poderá ser tolerada" (Canon 1.374, cf. também, no mesmo sentido, a Encíclica
de Pio XI, Divini Illius Magistri, 81). Em outros termos, as crianças católicas devem
frequentar escolas católicas e estas, por sua vez, não podem ser abertas aos não-
católicos (ou se tornariam igualmente mistas). Não vamos discutir, agora, o caráter
fechado dessa escola católica, o seu caráter discriminatório, em flagrante contradição
com o espírito da Constituição nacional e com as próprias tradições do catolicismo
brasileiro, que em geral preferiu ser menos romano e mais humano. Admitamos, para
argumentar, a legitimidade dessa escola sectária e fechada. O que decorre daí? Que os
católicos fieis à totalidade da doutrina dos pontífices (e estes, no Brasil, são uma
minoria insignificante, prevalecendo em geral um catolicismo independente, totalmente
desvinculado dessa doutrina) devem abrir escolas católicas e, naturalmente, custeá-las.
Como ainda há pouco reconhecia, nas páginas deste jornal, o insigne católico Prof.
Agostinho da Silva ("Escolas Religiosas", in "O Estado de S. Paulo" de 22 de maio
último), as escolas dessa confissão "deverão sustentar-se com os recursos que lhes
fornecerem os católicos desejosos de que a obra se realize, sem procurar verbas que
vêm do Estado e só ao Estado devem servir; ninguém que serve a Deus deve reclamar
de novo. e às vezes com juros, o dinheiro que deu a César"... etc. Aliás, nem no mais
aceso da luta ultramontana em prol da chamada "liberdade de ensino", na França do
século passado, pretenderam os católicos essa esquisita liberdade de participar do
erário...
O catolicismo brasileiro oficial invoca, entretanto, um novo argumento: o cidadão
paga impostos que devem reverter em seu benefício; ora o cidadão católico paga
impostos que, num setor pelo menos, o da educação, não revertem diretamente em seu
benefício, já que êle, uma vez que se disponha a seguir a doutrina consagrada no citado
cânon 1.374, não pode permitir que seus filhos frequentem a escola oficial laica. Logo,
é preciso que uma parte desses impostos seja revertida em favor da escola católica, por
meio de financiamentos, empréstimos ou bôlsas-de-estudo.
O raciocínio peca pela base: em primeiro lugar, não é o Estado que impede o
cidadão católico de desfrutar dos benefícios da escola pública — é o católico que, por
convicções íntimas que não interessam à comunidade sócio-política, se recusa a servir-
se de um benefício que lhe é oferecido tanto como a qualquer outro cidadão. Se o
Estado pretendesse atender a cada forma de objeção de consciência, em breve estariam
rotos todos os laços da comunidade. E o novo católico ultramontano, de acordo com o
velho espírito do Syllabus, acabaria por pedir, contra a letra da Constituição nacional
(art. 141, § 26), até mesmo a instituição do foro privilegiado e doo tribunais de
exceção...
Mas, o que é mais importante, não é como católico, como não é como espírita,
protestante ou xintoísta, que se pagam impostos, mas como cidadão. Assim, o benefício
recebido sê-lo-á igualmente pelo cidadão e não pelo sectário de uma confissão. Esse
"neutralismo religioso" do Estado é a condição essencial da existência da liberdade de
consciência e da liberdade religiosa, consagrada na Constituição (art. 141, § 7º). Que o
Estado veja no homem não o cidadão, livre de acreditar no que quiser, mas o membro
de uma seita religiosa, e estará em perigo a liberdade de consciência e de cultos, pois
estará aberto o caminho para as discriminações religiosas e ideológicas. O Brasil já
conheceu, nos tempos do Império, essa situação e custou uma longa luta a nossos
antepassados a derrubada do princípio da religião de Estado, consagrada no art. 5º da
Constituição Imperial. Desde o momento, entretanto, em que se aboliu a religião
oficial, com a República, o Estado tornou-se "neutro" em assuntos religiosos e, para
proceder coerentemente, ignorou a religião na conceituacao do cidadão na posse plena
de todos os seus direitos. Isto é, o cidadão passou a ter, como direito inalienável, a
liberdade de seguir a religião que quiser ou de não seguir nenhuma e, por isso mesmo,
para o Estado a religião que éle professe é um acidente na sua caracterização jurídica.
Assim, pouco importa ao Estado que o cidadão seja ateu ou católico, como pouco lhe
importa que êle seja kantiano, spinozista; hegeliano ou existencialista, como pouco
deve importar-lhe, ainda, que seja trabalhista, pessedista ou udenista... Se se fossem
tomar em conta todas as divisões entre os homens em todos os setores da vida da
cultura, se se pretendessem subsidiar oficialmente escolas para os filhos dos
positivistas, dos marxistas, dos fenomenologistas, dos idealistas críticos etc, no domínio
das divergências filosóficas — para os filhos dos petenistas, per-repistas, pedecistas,
etc, no domínio das divergências político-partidárias — para os filhos dos
"acadêmicos" ou dos "modernos", no domínio das divergências artísticas, etc. —
ninguém, deixaria de reconhecer o absurdo da situação. E nem se diga que as
divergências, religiosas são, em si mesmas, mais importantes do que as filosóficas,
políticas ou artísticas. Pelo menos assimo o crêem o filósofo, o político e artista
laicos, que nem por isso desdenham quem não pense como eles, evitando-lhe o contato,
fugindo à "convivência pacífica" que é um desideratum fundamental da autêntica
civilização.
Não tem procedência, portanto (a não ser que se aceitem como legítimos todos os
disparates que sugerimos em matéria de financiamentos oficiais a possíveis escolas
mantidas por diferentes seitas filosóficas, políticas, artísticas, etc), esse equívoco
argumento de certos católicos, de acordo com o qual o Estado há de subsidiar a escola
católica porque o católico paga impostos ao Estado e tem o direito de receber de volta,
especificamente, como católico e não como simples cidadão, os benefícios de tais
impostos. Se o católico teme o Estado do qual é parte, se desconfia de sua
"perversidade" em matéria de ensino (embora não pareça, temê-lo em qualquer outro
domínio), paciência! Se não quer conviver com seus irmãos protestantes budistas,
espíritas ou ateus, se quer ilhar-se na sua fé, por temer que ela desmorone no convívio
de outras crenças, se prefere ser intolerante a com-
preensivo, romano a humano, ainda uma vez paciência! Embora os não-católicos o
sintam, não podem impedi-lo... há que respeitar a sua liberdade de consciência. Mas
que o Estado, enquanto expressão dos anseios comuns, enquanto promotor do bem da
comunidade em geral, enquanto guardião da lei, que há de ser a mesma para todos, vá
fomentar o insulamento, a divisão, a discriminação, o sectarismo, o fanatismo — e o
próprio ódio que sempre acaba por vicejar quando os homens não querem entender-se,
quando se recusam a conviver — isso é pedir demais, é pedir-lhe que traia a sua própria
missão. Ora, a grande maioria dos católicos brasileiros, que não é ultramontana, não
pede tal coisa, não deseja essa alienação.
E por esse motivo, entre outros muitos, que é preciso salvar o País de um projeto de
diretrizes e bases da educação que convida o Estado a descurar do bem comum para
atender às "objeções de consciência de uns poucos e às aspirações de enriquecimento
fácil de mais alguns que se escondem atrás dos primeiros e que não terão qualquer
autoridade moral, para insistir, quando as pretensões daqueles forem rejeitadas. — (O
Estado de S. Paulo)
ENSINO PRIVADO E ENSINO PÚBLICO
Luís F. CARRANCA
O Conselho da Federação Nacional dos Estabelecimentos Particulares de Ensino
aprovou manifesto proclamando que "as escolas particulares não desejam ser mantidas
com recursos do Estado" mas sim "que lhe fique assegurado o direito que têm de
convencionar livremente com as famílias e os alunos, quando maiores, as condições
econômicas que permitam o aprimoramento da vida pedagógica da própria escola".
Evangèlicamente não falam nem em lucros.
Trocado em miúdos: os estabelecimentos particulares não querem dinheiro oficial
mas apenas o direito de cobrar o que entenderem dos alunos ou de suas famílias.
Dom Távora e outros veneráveis prelados brasileiros, declaram que a "Igreja não é
autora desse projeto" mas, afirma o ilustre bispo de Aracaju, "tem simpatia por esse
projeto" no qual não vê qualquer "ameaça à Escola Pública". O que houve apenas no
caso, ao que se depreende de tais declarações, foi uma superposição toda acidental
entre as ideias dos respeitáveis antístetes e a Lei de Diretrizes e Bases. Qualquer
semelhança etc, etc. será mera coincidência, como na advertência usual dos filmes
cinematográficos.
Diante de definições tão autorizadas e tão meridianamente claras fica estabelecidos
que:
I) As escolas particulares não querem dinheiro público. II)
Não existe qualquer ameaça à escola oficial.
Nesse caso verifica-se que os defensores do ensino oficial estiveram esgrimindo
contra fantasmas de agressores e nada mais lhes resta, já agora,
senão pendurar os fantasmas de floretes com que estiveram esgrimindo no vácuo, nas
panóplias fantasmas de suas salas e confessarem-se heróis res-surrectos de nova e
nunca havida Batalha de Itararé.
Pois sim, "seu" Abreu!
Diz-se que nada põe em perigo a escola pública cuja existência é assegurada pela
Constituição, inderrogável por leis ordinárias.
Por que então os privatistas do ensino tanto se assanham contra o fantasma do
monopólio estatal, quando a existência da escola privada é assegurada por essa mesma
Constituição no seu artigo 167, inderrogável por qualquer lei ordinária? Por que o
mesmo artigo deve tranquilizar os defensores da escola pública e faz perder o sono dos
proprietários de escolas particulares, quando, o mesmo artigo assegura a existência de
ambas as escolas?
O fato é que o artigo 93 da L. D. B. que determina que os recursos públicos "serão
aplicados PREFERENCIALMENTE na manutenção e desenvolvimento do sistema
público de ensino" pode encantar os adeptos da indústria privada de ensino.
Aos defensores da escola pública não traz nenhuma tranquilidade, pois, basta,
insisto, que sejam investidos 50,1% para que se salve a gramática do texto mas se
afunde o ensino oficial.
Se a totalidade das verbas (descontando-se o muito que já vai para o ensino
particular) ainda é insuficiente para as necessidades da escolha pública, que se dirá
quando a metade praticamente fôr destinada ao bolso dos particulares?
E quem estabelece as verbas e lhes dá destinação? Os Conselhos Estaduais e o
Conselho Federal de Educação que, fatalmente serão empolgados por particulares.
Afirmou-se, gratuitamente, que, dos Conselhos, os representantes do Poder Público
"nunca poderão estar em minoria".
Onde se estriba tal afirmativa?
O artigo 5º da L. D. B. está assim redigido: "São assegurados aos estabelecimentos
de ensino público e particulares legalmente autorizados ADEQUADA representação
nos conselhos estaduais de educação e o reconheci-meito, para todos os fins, dos
estudos neles realizados".
E, se a indústria privada do ensino conseguiu afeiçoar no âmbito federal a L. D. B.
a seu arbítrio, é lógico admitir que agirá com muito mais eficiência nos Estados onde
sua influência é muito mais direta.
Como se processará a "adequada" representação? Levando-se em conta o número
de estabelecimentos? Proporcionalmente ao número de professores?
Vejamos o caso do ensino secundário. Em apenas três unidades da Federação o
ensino público está em maioria:
São Paulo — Estabelecimentos públicos, 376; particulares, 311.
Paraná — Públicos, 88; particulares, 60.
Amapá — Públicos, 2; particulares, 0.
Teríamos a impressão de que sendo o ensino oficial em São Paulo, tão poderoso
no grau médio (secundário, agrícola, profissional, técnico e normal) o número de
professores públicos superasse o dos particulares. Engano.
Os professores públicos (estaduais, federais e municipais) segundo a "Estatística do
Ensino Médio por Município", do Ministério da Educação, são 7.545, e os particulares
9.714.
Aparente anomalia que se explica porque o Estado de São Paulo mantém em 221
municípios estabelecimentos em que os ginásios estaduais são o único estabelecimento
secundário existente e cujos professores, em geral, não exercem como atividade
econômica senão o magistério. Ora, os estabelecimentos particulares, cujo pagamento
ao professor se faz por aula, dispõem de maior número de docentes, em geral,
acrescendo-se ainda o fato de que, por via de regra, para o professor particular o
magistério é atividade suplementar, especialmente nas cidades do Interior, onde o
número de escolas não permite a profissionalização integral do professor. E preciso
observar, ainda, que, inferiorizados numericamente nos estabelecimentos secundários
os particulares estão em maioria em outros ramos do ensino como, por exemplo, no
ensino comercial.
Some-se ainda o fato de que os estabelecimentos religiosos, estritamente
hierarquizados, votarão em massa nos candidatos que lhes forem determinados.
No caso do ensino privado leigo, os pleitos serão autênticas mistificações, pois
faltará ao professor independência, tal a pressão que sofrerá não só no que respeita a
vencimentos como no que tange a horários, conforme pormenorizei em recente artigo.
Mas o certo é que leigos e religiosos estarão unidos na escolha dos representantes,
que, para eles, corresponderá a um assento na arca do Tesouro.
Enquanto isso o magistério oficial, distribuído por todo o Estado, sem a visão da
Fazenda Nacional, cuja posse une na mesma ação leigos que não defendem qualquer
filosofia e um grupo religioso fortemente estruturado, perderá as eleições e ficará em
minoria nos Conselhos.
Justifica-se, portanto, o temor dos defensores da escola pública que não querem
nem nunca pleitearam a extinção da escola particular, verdade demonstrada solarmente
pelos fatos.
Exigem, apenas, o dinheiro público para a Escola pública.
Segundo proclama o Conselho da Federação dos Estabelecimentos Particulares de
Ensino, as escolas privadas não querem o dinheiro público. Mas a Câmara Federal,
pelo visto, violando propósitos tão sadios, quer compeli-las a associar-se à Fazenda de
todas as órbitas do poder público.
Pelo artigo 95 da Lei de D. B. a União dispensará a sua cooperação financeira em
forma de subvenções, financiamento para compra, manutenção, construção ou reforma
de prédios escolares e equipamento, além de assegurar aos estabelecimentos
particulares uma larga freguesia de bolsistas.
Mas estes bolsistas, pagos com o dinheiro público, poderão ser recusados pelas
casas particulares, se a ortodoxia religiosa da família dos alunos não oferecer seguras
garantias, se o dono do estabelecimento entender que a tez do bolsista se distingue
demasiadamente da dos demais alunos ou se a sua classe social puder comprometer o
nível social da clientela da casa.
O governo é apenas o coronel pagante que não participa da festa.
Os estabelecimentos particulares que se investem de funções públicas para exigir o
dinheiro oficial podem recusar-se a aceitar os bolsistas do governo sob o fundamento
de que são casas particulares, tudo como no caso da corrente do bravo lusitano que
às vezes era de ouro e às vezes não.
E que exige a L. D. B. para a concessão dos empréstimos aos colégios
particulares? Entre outras coisas, artigo 95º: a) idoneidade moral e pedagógica dos
responsáveis pelo estabelecimento, que é a declaração categórica que os inidôneos
podem continuar a manter escolas, apenas, sem direito a empréstimos; b) a existência
de escrita contábil FIDEGNA, reconhecimento explícito da existência de outras
indignas de fé, fato certamente desprimoroso em uma casa de educação, coisas sabidas
e ressabidas. é verdade, mas que, por pudor, não deveriam constar de uma lei de
ensino.
Pois bem. Se o Conselho da Federação Nacional de Estabelecimentos Particulares
de Ensino está sendo sincero na sua proclamação, porque não participa conosco da luta
pela supressão desses artigos da L. D. B. com que estão sendo seduzidos os seus
escrúpulos de se associar à Fazenda Pública?
Se hoje as subvenções são votadas pelos legislativas, com a existência de relativa
fiscalização dos deputados, senadores e vereadores, que se dirá quando os proprietários
de colégios, em maioria no Conselho que governam as finanças de educação, passarem
a dividir o bolo da Fazenda Pública?
Fui presidente e relator de uma comissão de inquérito em um estabelecimento de
ensino em que foram apuradas as mais cruas fraudes. O autor das escandalosas
maroteiras funda um outro estabelecimento de ensino. Pois bem, ambos os
estabelecimentos são contemplados na lista de subvenções de um deputado.
Será preciso imaginação muito fértil para supor o que acontecerá quando a
indústria privada do ensino governar as verbas oficiais da educação, quando, então, as
eleições dos membros dos Conselhos de Educação forem decididas entre candidatos e
eleitores à base de mútuas concessões?
Não se diga que o domínio dos Conselhos pelos proprietários de escolas seja
hipótese improvável. A L. D. B. assegura aos proprietários de casas de ensino
ADEQUADA representação nos Conselhos.
Termos cavilosamente vago. Suponhamos que o Conselho Estadual de São Paulo
seja constituído de 15 membros com igual número de representantes para o ensino
primário, médio e superior, tal como determina a L. D. B. quando divide as verbas
federais igualmente pelos três graus de ensino.
Admitamos que o ensino oficial eleja a maioria dos representantes do ensino
primário, pois que conta com a maioria dos estabelecimentos, das matrículas e dos
professores.
No ensino superior ficará em minoria, pois existem três universidades particulares
para uma oficial. No ensino médio, o paulista, o mais vigoroso sistema oficial do
Brasil, ainda fica em minoria quer quanto ao número de docentes quer quanto ao
número de estabelecimentos. Pois, com toda a imensa organização da Universidade de
São Paulo, com todos os créditos
de sua admirável contribuição científica, com todos os méritos de suas experiências em Ribeirão
Preto (Faculdade de Medicina) e Assis (Faculdade de Letras), com todos os benefícios que o
governo estadual leva a 221 cidades paulistas, nas quais o ginásio estadual é o único
estabelecimento secundário, mesmo levando em conta a sua excelente rede de escolas técnicas,
industriais e profissionais, o ensino oficial paulista será submergido pelo número de
subfaculdades, subginasios e subescolas normais privadas; com a exceção, é evidente, de um
reduzido grupo de escolas particulares do mais alto padrão.
E os inefáveis matreiros que dos bastidores sopraram à Câmara Federal a L. D. B. bem sabem
disso. São de fácil acesso as estatísticas. Basta ver a situação numérica do professorado nas
unidades da Federação, onde é mais denso o ensino oficial.
NÚMERO DE PROFESSORES DE ENSINO MÉDIO
São Paulo ..............................................
Pernambuco ........................................
Bahia ...................................................
Minas Gerais .........................................
Rio de Janeiro .......................................
Distrito Federal ....................................
Paraná ...................................................
Rio Grande do Sul ..............................
Público
Particular
7.545 9.714
288 2.082
1.080 1.902
1.673 6.207
911 2.632
2.576 5.441
2.214 1.056
2.475 3.723
Apenas no Paraná o número de professores públicos supera o de particulares.
E, com o domínio dos Conselhos, o domínio do dinheiro público, o grande
objetivo da indústria privada do ensino, que não combate pela liberdade do ensino,
existente hoje até à licença, inconformada em que o dinheiro público seja para a
escola pública, a escola de todos, a escola democrática.
Sete a um
Não se trata do resultado de alguma partida do torneio Rio-São Paulo. Ê coisa
muito mais séria. Ê um dos argumentos com que os adversários da escola pública
lentejoulam a sua campanha contra a escola democrática: "Gasta o governo para
instruir 1 aluno (um) o que os particulares gastam para instruir e educar 7 (sete)."
Devo ao meu prezado amigo Eng. Mário Covas, assistente técnico do Sr. Prefeito
municipal um meticuloso trabalho sobre o custo do ensino da Prefeitura de Santos, que
farei chegar às mãos do Prof. Carlos Corrêa Mas-charo, docente de Administração do
Ensino, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São
Paulo, e grande estudioso dos
problemas de ensino municipal. Infelizmente a cuidadosa e laboriosa pesquisa do Dr.
Mário Covas não pode, pela sua extensão, ser integralmente aproveitada nestes
comentários.
Basta-se dizer que o jovem técnico calculou o custo da assistência médica, da
odontológica, da administração do ensino, da merenda escolar, das vantagens dos
professores, do material permanente e de consumo, do pessoal permanente e do
variável, do ensino propriamente dito, e ainda separadamente o custo do aluno-ano nas
escolas isoladas, nos parques infantis, nos grupos escolares, de forma que os
administradores escolares possam verificar de que maneira cada rubrica onera o custo
do aluno-ano do ensino municipal.
Mas, para os objetivos que temos em vista, bastam-nos os resultados globais.
CUSTO DO ALUNO-ANO NOS GRUPOS ESCOLARES E ESCOLAS ISO-
LADAS DO ENSINO MUNICIPAL DE SANTO — Cr$ 7.448,10
Cabe aqui ressaltar que este custo se eleva ainda porque o custo dos alunos das
escolas isoladas é superior ao dos grupos escolares e, separadamente, alcança, no caso
das escolas isoladas da Bertioga, a quantia de Cr$ 9.119,50, por aluno-ano. Anomalia
fácil de explicar porque o poder público tem de atender a áreas de menor densidade
demográfica, sem pleno aproveitamento da capacidade das classes, coisa que nunca
interessaria ao particular, especialmente tratando-se de populações de baixa renda por
capita.
Pois, ainda assim, o custo do aluno-ano dos grupos e escolas isoladas importa em
Cr$ 7.448,10.
Vejamos agora as anuidades de alguns estabelecimentos particulares de Santos,
entre os mais frequentados:
ESTABELECIMENTO X:
Média das anuidades do Curso Ginasial ...................... Cr.$ 13.350,00
Média das anuidades do Curso Básico ........................ Cr$ 13.175,00
Média das anuidades do Curso Técnico ....................... Cr$ 14.100,00
Média das anuidades do Curso Científico ...................Cr$ 14.800,00
ESTABELECIMENTO P:
Curso Ginasial (anuidade) .......................................... Cr$ 12.000,00
Curso Normal (anuidade) ......................................... Cr$ 14.400,00
ESTABELECIMENTO Q:
Curso Ginasial (anuidade) ......................................... Cr$ 14.600,00
ESTABELECIMENTO Z:
Curso Ginasial (anuidade) .......................................... Cr$ 10.200,00
Curso Básico (anuidade) .......................................... Cr$ 9.000,00
Curso Técnico (anuidade) ..........................................Cr$ 11.200.00
ESTABELECIMENTO Y:
Curso Ginasial (anuidade) ......................................... Cr$ 9.000,00
Curso Colegial (anuidade) ........................................ Cr$ 10.600,00
ESTABELECIMENTO M:
Curso Ginasial (anuidade) ........................................ Cr$ 11.100,00
Cursos Normal (anuidade) ........................................ Cr$ 11.650,00
Curso Colegial (anuidade) ....................................... Cr$' 12.100,00
Cabe aqui destacar que no Instituto Municipal de Comércio até o papel do
requerimento de matrícula é fornecido graciosamente aos alunos, não são pagos os
diplomas ou certificados e mesmo os convites das solenidades de formaturas são pagos
pela Prefeitura que, ainda este ano, auxiliou financeiramente os moços na sua festa de
diplomação.
Não sobra aqui espaço para discutir certas rubricas que influem no custo do ensino
público, especialmente no superior, e que serão referidas em outro comentário.
O que acima foi dito, no cotejo do custo do ensino oficial da municipalidade como
o de vários estabelecimentos particulares da cidade, comparação dentro do mesmo
meio geo-econômico-social põe por terra um dos cartazes mais repetidos da campanha
dirigida contra a escola oficial, por aqueles que não querem compreender que o
dinheiro público é para a escola pública.
Importa relevar que no custo do ensino primário municipal entram: assistência
médico-odontológica, extensiva às crianças das escolas isoladas que são atendidas por
uma ambulância com completo equipamento odontológico, lanche (leite, mel,
proteínas, açúcar), sopa (no Parque Infantil Maria Patrícia), uniforme para as crianças
que o possam adquirir, medicamentos (vitaminas, vermífugos, B.C.G. etc), raios X,
óculos para os desprovidos de meios para fazê-lo ã expensa da família, tudo
importando em Cr$ 1.780,10, por aluno-ano, e ainda o encargo das bolsas para o ensino
superior, que são computadas nas verbas do gabinete do chefe do Departamento de
Educação.
E convém observar que o professorado municipal, com padrões de vencimentos
superiores aos do Estado, tem acesso da letra I (Cr$ 10.100,00) à letra N (Cr$
14.500,00), mais as vantagens (salário família, percentagens por tempo de serviço, que
alcançam 30% no fim da carreira e outras vantagens quando o professor conta com
mais de 30 anos de serviço), além de licenças-prêmio cada cinco anos e licenças por
motivo de gestação, de forma que a professora municipal pode alcançar vencimentos
superiores a Cr$ 20.000,00 mensais.
Além disso, cada grupo ou parque infantil, possui um médico, um dentista e uma
enfermeira, e as escolas isoladas recebem a mesma assistência dos grupos escolares.
Em contraste, muitos estabelecimentos particulares que além das rendas do ensino
têm a ajuda de preciosas contribuições laterais (cantinas, livraria, venda de uniforme,
contribuições dos grémios, cujos patriomônios se in-
corporam ao do estabelecimento, taxas de diplomas) pagam ao seu professorado
primário vencimentos que medeiam entre 3 e 6 mil cruzeiros, limite muito pouco
frequentemente atingido e sem qualquer das vantagens de que goza o professorado
municipal, inclusive aposentadoria com vencimentos integrais.
No ensino de grau médio cada aluno do Instituto Municipal de Comércio (Ginásio
ou Curso Técnico) custa por ano Cr$ 7.103,90 (os alunos do Instituto não recebem
merenda nem assistência médico-odontológica).
Nos estabelecimentos de ensino médio da cidade, os mesmos citados anteriormente
para o curso primário, e que agora desingnaremos com outras letras para não serem
identificados vigoram as seguintes anuidades:
Estabelecimento A (média da anuidade do Curso
Primário) ............................................................. Cr$ 8.450,00
Estabelecimento B (anuidade do Primário) .... Cr$ 7.600,00
Estabelecimento C (anuidade do Primário) ....Cr$ 6.800,00
Estabelecimento D (anuidade do Primário) _______ Cr$ 7.200,00
Estabelecimento E (anuidade do Primário) .... Cr$ 9.500,00
Quando se fala em ensino privado, é de hábito serem esquecidas às subvenções
oficiais de forma que as benemerencias do ensino particular aparecem com a mais
incontrastável generosidade.
Pode parecer que essas subvenções e auxílios pouco representem, mas os números
que retiro do notável trabalho do Dr. Américo Barbosa de Oliveira, "O Ensino, o
Trabalho, a População e a Renda", publicado em o número 53 da Revista do Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos, janeiro-março de 1954, colocam as coisas no justo
termo.
Os dados referem-se ao ano de 1951. Ê evidente que, em virtude da inflação, as
verbas perderam qualquer contato com a realidade atual, de forma absoluta. Mas, o que
importa é a relação entre os gastos no ensino particular e as subvenções públicas.
DESPESAS COM O ENSINO PARTICULAR E CALCULADAS PARA
1951
No Ensino Primário (sem as subvenções) ................. Cr$ 117.500.000,00
Subvenções recebidas do Governo .............................. Cr$ 115.973.000,00
No Ensino Médio (sem as subvenções) ..................... Cr$ 860.300.000,00
Subvenções governamentais recebidas ...................... Cr$ 79.341.000,00
No Ensino Superior (sem as subvenções) ................. Cr$ 549.000.000,00
Subvenções governamentais ..................................... Cr$ 434.465.000,00
Hoje, 9 anos após, mesmo deflacionando-se as verbas, são tantas as faculdades
fundadas graças ao "ímpeto generoso" da iniciativa privada no ensino (mas pagas,
conforme já se via em 1951, em grande parte, pelo poder público, ao que se deve
acrescentar ainda a suplementação dos vencimentos dos professores particulares por
verbas federais), que a situação se deve ter alterado bastante, mesmo no que tange ao
ensino médio.
Verifique o leitor que, malgrado caber ao ensino particular primário apenas
11,43% das matrículas (em nosso Estado essa taxa desce a 5,5%), ainda assim, já em
1951, os auxílios concedidos pelas diversas ordens do governo eram praticamente
iguais ao gasto efetivo dos particulares.
No ensino superior verifica-se o mesmo fato.
No ensino médio (secundário, normal, profissional, industrial, técnico, comercial e
agrícola) a predominância do ensino secundário privado altera a situação.
Sendo o secundário o ramo de grau médio de maior prestígio na sociedade
brasileira, como antecâmara do ensino superior, portanto escada para os pergaminhos
de doutor, a progressiva urbanização do Brasil oferece à indústria privada do ensino
uma vasta clientela de uma classe média numericamente em ascensão, que faz todos os
sacrifícios para subir pela capilaridade social, mas que, empobrecida pela inflação, não
suporta novos aumentos de anuidades nas escolas particulares.
Daí a luta da escola privatista para abocanhar o dinheiro público, seja sob forma de
bolsas, de financiamento, de subvenções, para não perder a clientela.
Ainda assim os gastos com o ensino médio em geral (todos os ramos) eram assim
distribuídos em 1951:
Ensino Público .............................................................Cr$ 1.599.742.000,00
Ensino Particular ......................................................... Cr$ 860.300.000,00
O custo do ensino oficial
E aqui volta a questão do preço do ensino oficial. E que enquanto cabe aos
particulares o ensino acadêmico, livresco, de modestos equipamentos e instalações,
conforme se verifica na maioria dos casos (ginásios, cursos de comércio, escolas
normais) onera-se o poder público na manutenção de escolas industriais, profissionais,
técnicas, agrícolas, exigentes de equipamentos caríssimo e que não podem ser
instaladas, como um ginásio, em qualquer casa de pensão desalugada.
Com o que foi investido na Escola SENAI da Ponta da Praia (que não é particular
no sentido corrente do termo), para a simples formação de operários, montavam-se
meia dúzia de ginásios ou algumas faculdades de filosofia ou de ciências econômicas.
Na Escola Técnica de Construções Navais de Santos vão os poderes públicos
(Estado, União e Município) investir mais de 600 milhões de cruzeiros, com o que se
ergueria meia dúzia de universidades, dessas que andam por aí.
E isto para formar técnicos de grau médio e não doutores.
E por que se elevam as despesas públicas com o próprio ensino secundário?
Porque o Estado se obriga a manter turmas deficitárias, colégio clássico com grego
inclusive, quando os alunos o exigem, estabelecimentos em pequenas localidades onde
os investimentos não produzem juros de usura, mas que constituem deveres de que o
Estado não se pode eximir.
Em 221 cidades do Interior de São Paulo o Estado mantém os únicos ginásios
existentes e em trinta outras um dos dois únicos existentes, e em dezenas de outras a
única escola normal ou colégio.
Vejamos a frequência dos ginásios estaduais de algumas delas:
Lindóia, 109 alunos, Alfredo Marcondes, 140, Angatuba, 128, Apiaí, 114,
Bananal, 102, Barra Bonita, 113, Caconde, 96 (oito no Colégio), Cedral, 69,
Cordeirópolis, 32, Cunha, 61, Fartura, 112, Gália, 107, Iguape, 52 (mais 23 na Escola
Normal), Salto, 98, Salto Grande, 82 etc.
E isto com ensino gratuito. Qual seria a frequência para suportar o ensino
particular, cujos investimentos não se podem furtar às normas comerciais?
Picariam os jovens de metade das cidades paulistas sem ensino médio.
No ensino superior dá-se o mesmo. Ficam os particulares com as escolas de ensino
acadêmico. Cabe ao governo as escolas de equipamento caríssimo, com um sem-
número de pesquisadores, sem o que não se pode falar em autêntico ensino
universitário. Mantém as escolas oficiais cursos de quimica do petróleo, de arquitetura
naval, de geologia, de metalurgia de minas, de energia atómica, onde só um reator
absorve o orçamento de um Estado, cursos de aerovias, de aeronaves, de eletrônica etc.
para um pequeno número de estudantes.
A Escola Nacional de Química mantinha no 1º ano, 41 alunos, no 2º, 33, no 3º, 32,
no 4º, 16, no 5º, 3, no ano de 1937.
A Politécnica de São Paulo no seu Curso de Química tinha respectivamente, 11,
10, 7, 5 e 4, no mesmo ano.
Qual a escola particular que o faria mantendo o ónus da pesquisa científica?
Assis revoluciona o ensino das Letras, como Ribeirão Preto alterou a concepção do
ensino médico, à custa de muito dinheiro público, tarefas a que se não abalançariam os
que aspiram lucros certos.
E são ainda professores da Universidade de São Paulo, em regime de tempo
integral, segundo informação que recebi de alto membro de sua Reitoria, que vão a
uma universidade privada do Interior para ministrar aulas.
Espécie de "gentleman's agreement". à margem da lei, com que se beneficia mais
uma instituição privada.
Com tudo isso ainda a indústria privada do ensino não está satisfeita e pretende
mais DINHEIRO PÚBLICO QUE DEVE SER DESTINADO A ESCOLA
PÚBLICA.
Composição social da escola
À vista dos artigos anteriores, através dos quais verificamos que em metade dos
municípios do Interior de São Paulo só há um ginásio, o estadual, parece provado que a
indústria privada do ensino só se estabelece nas localidades em que existem classe
média e alta, suficientemente numerosas para tornar a atividade lucrativa.
Com maior razão no primário. Ê por isso que em Santos o ensino privado primário
alcança taxa superior a 30% das matrículas, quando a média geral do Estado é de 5,5%.
Na capital ocorre o mesmo fato. Segundo um estudo efetuado pelo Centro Regional de
Pesquisas Educacionais, nas escolas particulares de Vila Buarque, Higienópolis, Santa
Cecília, Jardim América, Jardim Paulista, Cerqueira César, Vila Mariana existem
14.061 alunos que frequentam escolas particulares, enquanto 11.067 frequentam
escolas públicas estaduais.
Nos bairros populares, como Vila Prudente, Vila Maria, São Miguel, Nossa
Senhora do Õ, há apenas 1.819 alunos em escolas particulares para 44.123 nas escolas
públicas estaduais. Nos subúrbios como Jaraguá, Perus, Guia-nazes, Capela do Socorro
e Parelheiros não existem escolas particulares. Mas existem 6.063 crianças que
frequentam as escolas do Estado.
Por mais que o indivíduo tenha os olhos voltados para as delícias do céu, as
terrenas razões econômicas emergem gritantes.
Dizer-se que o governo atende em maior massa aos alunos da escola primária
porque é a mais fácil de todas na sua realização é reverenda patetice.
Nem sempre mesmo é a mais barata, pois, verifica-se em Santos, que o aluno da
escola isolada é de mais alto custo que o do Instituto Municipal de Comércio, que é de
grau médio.
A verdade é que o ensino agrícola, o industrial, o técnico, o ensino tecnológico e o
científico superior, todos caríssimos, são mantidos quase que integralmente pelo poder
público. As nossas maiores e melhores escolas de engenharia ou medicina, as escolas
de agricultura, as nossas mais evoluídas escolas de Química, o único instituto de
estudos aeronáuticos, os grandes centros de pesquisas físicas que possuímos são
oficiais.
Das 402 escolas técnico-profissionais que possuímos em 1956, 162 pertenciam ao
governo da União, 176 aos Estados, 15 aos Municípios e 49 atribuídas à iniciativa
particular. Mas convém recordar que as numerosas escolas SENAI entram na rubrica
particular, mas nada têm de comum com a indústria privada do ensino.
Outro argumento dos selenitas que advogam o retorno do monopólio confessional
é o de que a escola pública não recebe os filhos dos trabalhadores.
Solicita-se até aos trabalhadores que visitem nossas escolas oficiais, a fim de que
vejam "com os próprios olhos quais são "os muitos pobres" que lá estudam", segundo a
saborosa ironia clerical empregada.
Precisamente porque são trabalhadores, desejo poupá-los a novos trabalhos e tratei,
eu mesmo, de promover a verificação para o que contei com a inexcedível boa vontade
dos meus prezados amigos Eng. Mário Covas, professores Edu Botelho Baraúna,
Joaquim da Silveira, Walkiria Mori, Almeida Queirós, Maria Francisca Pires Penteado,
Otávio Filgueiras, Nelson Guedes.
Vejamos como se distribuem os alunos das escolas primárias municipais por
categoria econômica dos pais. Para maior facilidade de exposição dividi as categorias
econômicas em duas grandes classes. Na primeira, coloquei os proletários e os
primeiros degraus da classe média: comerciários, industriários, bancários, balconistas,
operários, artesãos, funcionários públicos, estivadores, doqueiros, ensacadores,
motoristas, marítimos, portuários, ferroviários, professores, pescadores, aposentados,
viajantes, telegrafistas, etc. Na segundo, elementos das profissões liberais,
comerciantes, despachantes, conferentes, inclusive de carga e descarga, empreiteiros,
farmacêuticos, corretores, contadores, industriais, lavradores, feirantes, construtores,
exportadores, etc.
É evidente que, em certas categorias extensas, como, por exemplo, funcionários
públicos, haja elementos que deveriam ser incluídos na segunda classe. Mas entre os
negociantes, contadores e mesmo profissionais liberais, há muitos que, por suas rendas,
deveriam ser classificados na primeira. Será, portanto, sensato admitir que os erros se
compensem. Vejamos, pois, a distribuição:
GRUPO ESCOLAR MUNICIPAL.
"AUXILIADORA DA
INSTRUÇÃO'
1º classe ..................... 1.224 alunos — 98,1%
2º classe ..................... 23 alunos — 1,8%
GRUPO ESCOLAR MUNICIPAL
"CIDADE DE SANTOS"
1º classe ..................... 1.374 alunos — 92,6%
2º classe ..................... 110 alunos — 7,4%
GRUPO ESCOLAR MUNICIPAL
PADRE LEONARDO NUNES
classe ..................... 704 alunos — 98,3%
2º classe ..................... 12 alunos — 1,7%
GRUPO ESCOLAR MUNICIPAL
MARTINS FONTES
1º classe ..................... 625 alunos — 95,2%
2º classe ..................... 30 alunos — 4,8%
GRUPO ESCOLAR "LOURDES
ORTIZ"
1º classe ........................... 923 alunos — 96,8%
2º classe .......................... 30 alunos — 3,2%
GRUPO ESCOLAR MUNICIPAL PEDRO
II
1º classe ........................... 914 alunos — 95,2%
2º classe ........................... 46 alunos — 4,8%
GRUPO ESCOLAR
"OLAVO BILAC"
1º classe .......................... 962 alunos — 89,07%
2º classe .......................... 118 alunos —10,93%
GRUPO ESCOLAR MUNICIPAL "BARÃO
DO RIO BRANCO"
1º classe ........................... 510 alunos — 84,7%
2º classe ........................ 92 alunos — 15,3%
GRUPO ESCOLAR MUNICIPAL "DR.
FERNANDO COSTA"
1º classe ........................... 721 alunos — 96,2%
2º classe .......................... 28 alunos — 3,7%
Cai aqui um dos argumentos prediletos que é usado, não direi por "opacidade córnea", mas
por "ma-fé cinica". E se, em Santos, onde o ensino primário oficial apenas atinge 70% das
matrículas, o panorama é o que se vê, que dizer do aspecto geral do Estado onde o ensino oficial
alcança 94,5% das matrículas? A não ser que se queira argumentar que os 5,5% restantes sejam
precisamente os pobres, o que seria sumamente auspicioso para nós.
No que respeita ao ensino de grau médio vejamos se o aspecto geral justifica a malícia de
sotaina.
INSTITUTO MUNICIPAL DE
COMÉRCIO
Pesquisa feita apenas no curso ginasial (noturno).
18
1º classe .......................... 165 alunos — 94,2%
classe .......................... 10 alunos — 5,8%
ESCOLA INDUSTRIAL D.
ESCOLÁSTICA ROSA
1º classe .......................... 734 alunos — 88,7%
2º classe .......................... 94 alunos — 11,3%
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
"MARTIM AFONSO"
1º classe .......................... 757 alunos — 70,62%
2º classe ........................... 315 alunos — 29,38%
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
CANADA
1º classe .......................... 220 alunos — 60,6%
2º classe .......................... 143 alunos — 39,3%
(Amostra de 363 alunos do curso diurno. A inclusão do curso noturno iria elevar sem dúvida
a taxa da primeira classe, a exemplo do que acontece com o Instituto Municipal de Comércio).
Em virtude da forma por que me foram fornecidos os dados dos três restantes
estabelecimentos oficiais secundários tive de dividir a sua composição em três classes.
GINÁSIO ESTADUAL "D. LUÍSA MACUCO"
Classe A (profissões liberais, corretores, comer
ciantes etc.) ................................................................. 63 — 19,1%
Classe B (bancários, militares, funcionários pú
blicos etc.) ................................................................... 68 — 20,6%
Classe C (comerciários, portuários, estivadores,
marítimos, ensacadores, artífices, operários,
motoristas, industriários etc.) ................................... 198 — 60,2%
GINÁSIO ESTADUAL DE CUBATÃO
Classe A (prefeitos, industriais, comerciantes, em
preiteiros etc.) ............................................................... 37 — 19,9%
Classe B (chefes de seção da Refinaria, funcio
nários, topógrafo) ....................................................... 38 —20,4%
Classe C (motoristas, carpinteiros, pescadores,
estivadores etc.) .............................................. 111 — 59,6%
GINÁSIO ESTADUAL DE GUARUJÁ
Classe A (engenheiros, comerciantes, empreitei
ros etc.) ............................................................ 30 — 20,2%
Classe B (funcionários públicos, contadores, ban
cários, etc.) ...................................................... 38 — 25,6%
Classe C (portuários, pescadores, operários, co-
merciários etc.) ................................................ 80 — 54%
Uma observação interessante: enquanto no I. E. Martim Afonso a taxa geral da
classe considerada economicamente forte é de 29,38%, no Curso Colegial essa taxa
sobe a 40,36%. Índice de razões econômicas influindo na seletividade do 2º ciclo.
Confirma-se ainda uma vez, à inspeção dos dados acimas, a forte pressão das classes
média e alta sobre os estabelecimentos de ensino secundário, e comprova-se que pelo
menos o primeiro ciclo já vai perdendo o caráter seletivamente social para se tornar um
ensino tão fundamental como o primário, destinado a todos. Mas em que fica, então, a
inconsistente e demagógica denúncia segundo a qual os trabalhadores não encontram
matrícula nos estabelecimentos oficiais, ainda mesmo no caso do "Canadá"? A forte
percentagem de alunos considerados de classe economicamente robusta, observada nos
estabelecimentos oficiais secundários da região santista, só nos rejubila. Ê uma
demonstração de confiança de tais classes na escola pública, demonstração de que não
foi o fator econômico o inspirador de sua preferência. Evidência de que, libertas de
preconceitos e exclusivos confessionais, famílias de prol depositam sua fé na escola
pública, em cuja educação manifestam confiança integral.
Para nós, infensos a qualquer monopólio, mesmo celestial a escola pública não é
só escola de pobres. Isto é o que "eles" querem. Para nós, insisto, a escola pública é
destinada a todos que nela queiram ingressar e com capacidade para realizar nos seus
cursos.
Escola que não se fecha para o negro, para o proletário, para o filho de mãe
solteira, para o filho do ateu, do israelita, do católico, do espírita, para o filho do
desquitado ou divorciado, a escola onde há liberdade de cátedra, a escola onde ricos e
pobres convivam e onde se esbatam os antagonismos de classes econômicas, de
crenças, de convicções filosóficas, de prejuízos raciais, de categorias sociais, de
sectarismo político.
A afirmativa de que "só deseja o monopólio estatal aquele que não pensa com a
Igreja", dá a medida das convicções democráticas de seus autores. E um teste que vale
por uma bateria de testes de inteligência. Que alívio nos dá saber que Torquemada
repousa (morto) em Espanha. E que depois que Nosso Senhor o chamou para a glória já
se passaram quatro séculos e meio. Foi bom para êle. Melhor para nós. — (.A Tribuna,
Santos)
CONCEITO DE DIDÁTICA
ANTÓNIO PINTO DE CARVALHO
Na opinião de muita e boa gente, didática vale tanto quanto pedagogia, e os dois
termos são empregados um pelo outro em virtude de uma sinonímia que não vamos
agora submeter a discussão. Qualquer que seja sua importância, a didática não resolve
em si a pedagogia, nem esta se resolve naquela, do mesmo modo que a pedagogia não
se resolve pura e simplesmente em filosofia. O conceito de pedagogia é muito mais
vasto e mais rico que o de didática, enquanto compreende problemas francamente espe-
culativos, que estariam fora de lugar na didática.
Com a opinião comum contrasta, ao menos sob certo aspecto, a tese que nega a
existência e a consistência científica da didática, tese propugnada, entre outros, por
Lombardo-Radice, insigne pedagogo italiano, embora não dotado de têmpera
filosófica, mas que se deixou sugestionar por indiscriminadas influências idealistas
crocianas e gentilianas. A negação da didática inspira-se na crítica crociana da poética.
As poéticas dos tempos antigos eram amálgama de elementos heterogéneos,
especulativos e empíricos, com preponderância destes últimos. A par de observações
gerais sobre conceitos estéticos, continham regras e preceitos, com os quais se
pretendia ensinar a poetar: pretensão absurda, uma vez que a poesia como arte, no
significado mais profundo da palavra, não se ensina. Pode, quando muito, ensinar-se a
técnica do verso, não a arte de criá-lo como expressão inconfundível do ânimo.
Lombardo-Radice concluía que, assim como tendo passado de moda as poéticas, não
pode haver em nossos dias senão a crítica literária e artística, assim também, pondo de
parte a didática, só pode subsistir a crítica didática.
Tudo isto estará muito certo. Simplesmente uma crítica didática, sem didática,
seria impossível ou contraditória, pois a crítica pressupõe sempre o conceito daquilo
que se critica.
Sem dúvida, pode-se criticar e rejeitar o conceito de didática como técnica
milagrosa, ou milagreira, do ensino, do mesmo modo que se rejeita o conceito da
poética como prontuário infalível da poesia. A didática não faz o mestre, como nem a
poética faz o poeta; mas, se não é condição suficiente, é todavia condição necessária,
desde que se precise seu verdadeiro núcleo conceituai, se justifique sua exigência e se
esclareçam seus limites.
A didática não pode ser concebida como sistema infalível de normas ou receitas
práticas para o ensino, que consinta a qualquer, que o tenha assimilado, arvorar-se em
mestre e ensinar com êxito. Se o espírito humano fosse um mecanismo, então sim, nada
obstava a que houvesse uma técnica da instrução, do mesmo modo que existe uma
técnica das construções. A etimologia consentiria o paralelo, pois que instruere
significa struere in ali-quo loco. Cuidado, porém, com as etimologias. Importa
desconfiar delas, porque nem sempre devem ser tomadas à letra, na medida em que se
fundam, como no caso presente, em analogias que não suprimem as diferenças. A
instrução edifica, mas da maneira que é dado edificar ao espírito e no espírito. A
atividade pedagógica implica uma ação e uma relação
de caráter espiritual. É impossível construir numa consciência sem o concurso ativo e
insubstituível do sujeito e construir, aqui, não pode significar senão promover o
incremento e o desenvolvimento da personalidade.
Pelo que, uma didática como complexo de normas rígidas e abstraías ou
aproximativas e empíricas para serem apreendidas mnemônicamente, como as regras
de uma técnica qualquer, sufocaria as premissas básicas da vitalidade e da eficácia do
ensino, exterminaria no futuro docente o mestre, ainda antes de o produzir. E teria
como resultado único o de estimular, quando não de criar, a tedência ao mecanismo
mnemónico, em que se exprimem a inércia espiritual e a preguiça mental de muitos,
quem sabe até se da maior parte.
A didática, para ser fecunda, precisa de brotar de uma completa teoria pedagógica,
de uma filosofia da formação integral do homem, a qual, criticamente fundamentada,
indague o caráter, as leis e os valores do espírito. Vivificada por esta íntima conexão, a
didática perderá sua rigidez e, ao mesmo tempo, a ingénua confiança em métodos
infalíveis, objeto de invenção e de monopólio por parte desta ou daquela escola,
renunciará a argumentos empíricos e pedantescos, a processos que pretendem fixar, de
uma voz por todas, os momentos do processo de ensinar e aprender como fases cons-
tantes e infalíveis de um ritmo uniforme e monótono, para adquirir valor crítico, força
de penetração e eficácia educativa.
Ao invés, despegada de suas premissas filosóficas e pedagógicas, a didática não
poderá deixar de flutuar à mercê de não conhecidas influências ou de encalhar em
considerações banais e supérfluas, as mais delas resíduos de indiscriminado
empirismo.
A experiência pedagógica, que, oportunamente iluminada e joeirada, preside à
formação da filosofia da educação, tem por certo parte importante na elaboração da
didática, mas tomada em si e desprovida da luz de princípios filosóficos, não poderia
sugerir senão orientações incertas e regras falsas ou aproximativas, congeladas por uma
pretensão de validade universal, a que não podem aspirar as máximas exclusivamente
empíricas. De-senvolvendo-se em terreno fecundado por uma adequada teoria
pedagógica, a didática poderá nutrir-se de seiva mais pura, sem incorrer no perigo de
atrofias ou de hipertrofias igualmente deletérias.
Considerada na legitimidade de seus limites e de seu desenvolvimento, a didática
pode ser definida como complexo de normas e de corolários, provenientes da
pedagogia como ciência filosófica, e que interferem na prática do ensino. Mas, por
outro lado, ela é de contínuo submetida à verificação da experiência.
Ê hábito distinguir a didática geral e a didática especial, e podemos manter como
oportuna esta distinção, sem que a sobrevalorizemos, e com a advertência que a
didática especial deva estar sempre em harmonia e em conexão lógica com a didática
geral. A didática geral compreende as normas comuns do ensino e ocupa-se de toda
espécie de regulamentações que representem sua organização concreta. A didática
especial resulta do complexo de normas, de máximas e de sugestões, que dizem
respeito a cada disciplina ou matéria de ensino.
A didática tem por fim avizinhar, quando não acomodar, o real ao ideal, e deve,
portanto, tomar em consideração as exigências históricas que modificam a consciência
pedagógica, nas diversas épocas e plasmam diversamente as instituições educativas e
escolares.
Sem entrar em pormenores, limitemo-nos a observar que a lei fundamental da
didática, segunndo o exposto, é que todo ensino deve corresponder a uma
potencialidade e a uma exigência da consciência do aluno. O mestre deve sondar as
cordas móveis do ânimo para delas arrancar um som que ressoe profundamente na
consciência do educando, o qual frequentemente se ignora e, ignorando-se, não dá
conta de suas energias latentes nem de suas obscuras necessidades intelectuais e
morais.
O conhecimento profundo da natureza humana, e da do aluno em particular, deve
guiar a atividade maiêutica do mestre, aplicada a fazer aflorar à consciência, não ideias
inatas, mas aquelas exigências da natureza e da consciência que o saber é chamado a
satisfazer. A isto terá de visar o interesse que o mestre deve conferir a suas lições ou
com elas suscitar. Compete ao mestre despertar o interesse, sem se desviar e sem
desviar das finalidades do seu ensino. Não quer dizer que o interesse deva preceder
sempre a concreta aprendizagem de uma noção, pois que pode ser gradualmente
estimulado à medida que essa noção vai sendo aprendida ou aprofundada. Os vários
estratagemas, de que o mestre se serve para suscitar, estimular ou reavivar o interesse
pelo objeto da lição, fazem parte integrante do ensino. Não se julgue pois que o
interesse seja algo estranho à atividade pedagógica concreta.
Desta maneira, sem unilateralidade nem deformação, se conciliam as exigências
que se encontram tanto à base da chamada educação negativa quanto do método ativo.
A educação negativa, se prescindirmos dos paradoxos de Rousseau, inspi-ra-se na
exigência, sentida e por vezes também expressa pelos maiores pedagogos de todos os
tempos, de que o conteúdo ou matéria de ensino não seja mecanicamente imposto ou
sobreposto como algo de estranho à consciência do aluno. Ora, a verdade nunca pode
ser alheia à humana consciência, embora circunstâncias contingentes e fatôres
históricos, sociais e individuais, a possam tornar tal. Do mesmo modo que o agricultor
pode encontrar-se diante de um campo, não infecundo, mas que necessita de ser
alqueivado e mondado, assim o mestre se encontra a cada passo, em face de
consciências tornadas obtusas ou insensíveis ao fascínio da verdade pela
preponderância da inércia mental ou de outros fatôres, externos, de deseducação.
Reavivar nessas consciências a natural ânsia da verdade, é a tarefa árdua do mestre, que
não pode limitar-se a uma atividade indireta, senão que deve empregar uma ação direta,
sem violentar as consciências, mas estimulando-!hes as energias congénitas de
conhecimento e de conquista. O que, naturalmente, implica já a obra do ensino: para
que a verdade seja conhecida e amada, importa ensiná-la. Mas, para ensiná-la, é mister
torná-la atraente e acessível, principiando pelos seus espectos mais simples ou pelas
suas consequências mais visíveis e pelos resultados mais fecundos. — (O Estado de S.
Paulo)
ATOS OFICIAIS
DECRETO Nº 47.997 — DE 4 DE
ABRIL DE 1960
Aprova o Regulamento da Escola
Nacional de Ciências Estatísticas.
O Presidente da República, usando
da atribuição que lhe confere o artigo 87,
item I, da Constituição, decreta:
Art. 1º Fica aprovado o Regulamento
da Escola Nacional de Ciências
Estatísticas, que com este baixa, assinado
pelo Presidente do Instinto Brasileiro de
Geografia e Estatística.
Art. 2° Dentro de noventa (90) dias,
a contar desta data, a Congregação da
Escola submeterá o an-teprojeto de seu
Regimento ao Presidente do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, o
qual elaborará o respectivo projeto e o
encaminhará à consideração do Presiden-
te da República, através do Ministério da
Educação e Cultura.
Art. Este decreto entra em vigor
na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 4 de abril de 1960;
139º da Independência e 72º da
República.
JUSCELINO KUBITSCHK
Armando Ribeiro Falcão
Clóvis Salgado.
REGULAMENTO DA ESCOLA
NACIONAL DE CIÊNCIAS
ESTATÍSTICAS
CAPÍTULO I Das
finalidades e da organização
Art. 1º A Escola Nacional de
Ciências Estatísticas (E.N.C.E.), criada
a 6 de março de 1953, em obediência ao
art. 20 do Decreto número 24.669, de 6
de julho de 1934, e integrada no Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, é
um estabelecimento isolado do ensino
superior, e tem por finalidades principais:
I — Ministrar o ensino da Esta
tística:
a) em nível superior;
b) em diversificados setores de
especialização, subsequentemente à
formação no curso de nível superior;
c) através de cursos de pós-
graduação, destinados a elementos
diplomados em cursos superiores, ofi-
cialmente reconhecidos.
II — Contribuir para o desenvol
vimento da ciência estatística no
País, promovendo, em especial, a ela
boração e publicação de obras espe
cíficas.
III — Cooperar com a Universi
dade do Brasil e respectivos Institu
tos, bem assim com outras Universi
dades no País, ou no Exterior.
IV — Cooperar com a Organiza
ção das Nações Unidas e respectivos
Institutos ou departamentos, através
do Ministério das Relações Exterio
res, do Brasil, e com o Instituto In-
teramericano de Estatística, perten
cente à União Pan-Americana, quan
to à formação de pessoal técnico.
V — Cooperar tecnicamente na
organização de cursos, de nível mé
dio, ou de nível superior, de Estatís
tica, a serem mantidos pelo poder
público ou por entidades do direito
privado, porém do interesse público.
Parágrafo único. Poderá a Escola,
outrossim, ministrar cursos de Estatística,
de nível médio segundo disposto em lei,
como, ainda, nesse nível, cursos livres.
Art. 2º Poderá a E.N.C.E. :
a) ampliar a sua atividade di-dática,
através da organização ou incorporação
progressiva de institutos de pesquisas
estatísticas, ou de finalidade correlata;
6) firmar acordo com instituições
culturais, técnicas ou científicas,
nacionais ou estrangeiras, para a
realização, no Brasil, de cursos previstos
na organização didática da Escola.
Art. 3º A Escola terá sede na cidade
do Rio de Janeiro.
Parágrafo único. O Ministério da
Educação e Cultura examinará, de
comum acordo com o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística, a
conveniência e a data da transferência da
sede para Brasília.
Art. 4° A Escola gozará de plena
autonomia didático-pedagógica e de
relativa autonomia administrativa,
respeitada a Legislação do Ensino
Superior e os limites fixados por este
Regulamento e pelo Regimento a ser
decretado.
Art. 6º Qualquer modificação neste
Regulamento, como no Regimento,
somente poderá ser efetuado se fôr
proposta pela Congregação da Escola e
aprovada pelo Conselho Nacional de
Educação.
Art. 6º A E.N.C.E. será mantida
financeiramente através dos recursos :
a) que lhe forem consignados no
Orçamento da União, em rubrica
específica nas dotações do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística;
&) provenientes de taxas e emo-
lumentos escolares;
c) resultantes de auxílios, doações
ou subvenções;
d) resultantes da prestação de
trabalhos técnicos ou científicos, ou da
ministração de cursos especiais,
realizados sob a forma de acordo, ou
convênio, com instituições nacionais ou
estrangeiras;
e) da renda de aplicação de bens
patrimoniais;
f) de receita eventual.
Art. 7º O regime financeiro da
Escola obedecerá às normas em vigor
nos órgãos federais do ensino superior.
§ 1º O saldo de cada exercício será
lançado à conta do fundo patrimonial, ou
de fundos especiais, tendo em vista a
aquisição de instrumental técnico
científico, considerada necessária à
eficiência do ensino ministrado pela
Escola, ou à execução de pesquisas;
§ Para a realização de planos de
trabalhos técnicos ou científicos, cujo
custo econômico deverá exceder um
exercício financeiro, as despesas
previstas serão aprovadas globalmente,
consignando-se nos orçamentos seguintes
as dotações destinadas àquele fim.
Art. 8° A Escola movimentará,
através de sua Secretaria, sob a res-
ponsabilidade imediata do Diretor, os
respectivos recursos financeiros segundo
as normas fixadas no Regimento.
Art. 9º A prestação anual de contas
será feita pelo Diretor da Escola ao
Presidente do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, até o último dia
do mês de janeiro do ano seguinte ao do
exercício a que as contas se referem,
depois de aprovadas pelos órgãos
competentes da Escola.
Art. 10. O património da Escola será
constituído:
a) dos atuais bens móveis que
constituem sua instalação, doados ou
adquiridos desde 1953, conforme dis-
criminação pormenorizada na Conta
Patrimonial;
b) pelos bens e direitos que lhe
forem doados, ou vierem a ser adquiridos
;
c) pelos legados e doações, re-
gularmente aceitos;
d) pelos saldos de rendas próprias,
ou de recursos orçamentários, quando
transferidos para a conta patrimonial.
Art. 11. Os bens e direitos per-
tencentes à Escola somente poderão ser
utilizados para a consecução de seus
objetivos, permitida, entretanto, inversão
de uns e de outros para a obtenção de
rendas destinadas àqueles fins.
Art. 12. A direção e administração
da E.N.C.E. serão exercidas pelos
seguintes órgãos:
a) Congregação (C.);
b) Conselho Técnico-Adminis-
trativo (C.T.A.);
c) Diretoria (D.).
Art. 13. A Congregação, órgão
superior da direção didática, pedagógica
e técnico-científico da Escola,
será constituída na forma da lei e do
Regimento, incumbindo-lhe, ainda,
apreciar as questões que possam in-
teressar à vida administrativa da
Instituição.
Art. 14. O Conselho Técnico-
Administrativo terá, além dos seus
encargos de órgão consultivo da Di-
retoria, relativamente à matéria de ordem
didática, pedagógica, técnico-cientifica e
administrativa, funções deliberativas, em
conformidade com disposições de lei e
com as atribuições definidas no
Regimento.
Art. 15. A Diretoria, representada na
pessoa do Diretor, é o órgão executivo
que coordena, fiscaliza e superintende
todas as atividades da Escola.
Parágrafo único. O Diretor será
nomeado pelo Presidente do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, que
o escolherá de uma lista constituída de
três (3) nomes eleitos pela Congregação,
e terá o mandato de três (3) anos,
permitida a recondução.
CAPÍTULO II
Dos Cursos
Art. 16. O ensino superior de
Ciências Estatísticas terá em mira as
seguintes finalidades principais:
a) formar profissionais de alta
cultura técnica c científica, indis-
pensáveis ao exercício de atividades
específicas nos órgãos de pesquisas
científicas, na administração pública, no
comércio, na indústria, na agricultura, ou
onde se impuser a aplicação da ciência
estatística;
6) aperfeiçoar os conhecimentos dos
diplomados no curso de formação, de
sorte a ampliar-lhes a cultura científica;
c) preparar profissionais de apurada
especialização.
Art. 17. O ensino superior de
Ciências Estatísticas compreenderá:
a) curso de formação;
b) cursos de pós-graduação. Art.
18. O curso de formação,
com a duração mínima de quatro
(4) anos, destinado a formar Ba-
charel em Ciências Estatísticas, obe-
decerá à seguinte seriação: Primeira
série:
1. Complementos de Matemática.
2. Análise Matemática.
3. Cálculo de Diferenças Fini-
tas.
4. Cálculo de Probalidades.
5. Introdução à Estatística.
6. Sociologia.
Segunda série:
1. Análise Superior.
2. Teoria da Medida.
3. Teoria das Matrizes.
4. Probabilidades Estatísticas.
5. Análise Estatística.
6. Economia Racional.
Terceira série:
1. Processos Estocárticos.
2. Inferência Estatística.
3. Planejamento de Experimentos.
4. Programação Matemática.
5. Estatística Demográfica.
6. Econometria.
Quarta série:
1. Tecnologia da Amostragem.
2. Controle Estatístico de Qua-
lidade.
3. Conjuntura Económica.
4. Análise das Séries Tempo-
rais.
5. Pesquisa Operacional.
§ 1º Além das cinco matérias
especificadas, da quarta série, minis-
tradas, indistintamente a todos os
alunos aí regularmente matriculados, o
estudante deverá cursar uma outra, da sua
livre escolha, selociona-da entre as
seguintes: Estatísticas do Trabalho,
Estatísticas Agrícolas, Estatísticas do
Transporte, Estatísticas Financeiras,
Estatísticas Industriais, Estatísticas da
Educação, Pesquisa e Análise de
Mercado, Socio-metria, Biometria e
Psicometria, ou outra especialidade que
vier a ser estabelecida pela Congregação,
em consequência de necessidade no mer-
cado de trabalho.
§ 2º Poderá a Congregação efe-tuar
desdobramentos e ampliação no currículo
de que trata este artigo, tendo em vista a
maior eficiência do ensino e a
atualização de conhecimentos.
Art. 19. Os cursos de pós-graduação
serão os seguintes:
a) de aperfeiçoamento;
b) de especialização;
c) de doutoramento;
d) de extensão.
§ 1º O curso de aperfeiçoamento,
com a duração mínima de um ano, será
destinado à revisão, em sentido de
profundidade, de estudos processados no
curso de formação, em determinada
matéria.
§ 2º O curso de especialização, com
a duração mínima de dois (2) anos,
destinar-se-á a diplomados no curso de
formação, e visará à aplicação de Ciência
Estatística na Indústria, Comércio,
Agricultura, Medicina, Engenharia,
Economia, Atuária, Sociologia,
Educação, Psicologia, Biologia,
Mecânica, Física, Química, Astronomia,
Termodinâmica, Climatologia e
Meteorologia, Estratégia, Contabilidade e
em outros campos de aplicação
estatística.
§ 3
9
O curso de doutoramento, com
a duração mínima de dois (2)
anos, será destinado à formação de
Doutores em Ciências Estatísticas.
I 4º O curso de extensão, com a
duração mínima de um ano, visará à
complementação cultural, em Estatística,
de portadores de diplomas de Engenharia,
Agronomia, Atuária, Economia,
Sociologia, Medicina, Física,
Astronomia, Arquitetura, Química,
Matemática, Administração Pública e de
outros cursos superiores em cujas
aplicações se torna indispensável a
ciência estatística.
Art. 20. As matérias dos diferentes
cursos integrantes do ensino superior de
Estatística serão agrupadas, segundo a
especialidade, nos quatro (4) seguintes
departamentos:
a) Departamento de Matemática
(D.M.);
b) Departamento de Teoria Es-
tatística (D.T.E.);
c) Departamento de Estatística
Aplicada (D.E.A.);
d) Departamento do Economia
(D.E.).
Parágrafo único. Incumbirá a cada
departamento, respeitado o seu campo de
competência, cuidar da uniformidade e
da eficiência do ensino, propondo ao
Conselho Técnico-Administrativo as
providências que julgar aconselháveis.
Art. 21. Os trabalhos de pesquisas,
análises e investigações, quer os
executados em decorrência de atividades
escolares, quer os realizados pela Escola,
por força de acordo ou convênios —
ficarão a cargo do Instituto de Pesquisas
Estatísticas.
Art. 22. As condições de matrícula
no curso superior, o critério de promoção
à série imediatamente superior, as
obrigações dos alunos, a duração do ano
letivo, tudo obedecerá às leis do ensino
superior, a ins-
truções emanadas do Ministério da
Educação e Cultura e ao disposto no
Regimento da Escola.
Art. 23. A Escola conferirá diplomas
e certificados correspondentes aos
diferentes cursos.
§ Ao aluno de concluir regu-
larmente o curso de formação, será
conferido o título de Bacharel em
Ciências Estatísticas.
5 2º O diploma de que trata o
parágrafo anterior será registrado no
Ministério da Educação e Cultura,
Diretoria do Ensino Superior.
Art. 24. A Escola concederá títulos
honoríficos, para distinguir
personalidades científicas ou profis-
sionais eminentes.
Art. 25. Além do ensino superior,
compreendendo o curso de formação e os
de pós-graduação, poderá a Escola
ministrar o Curso Técnico de Estatística e
o Curso Comercial Básico.
|1º O Curso Técnico de Estatístico e
o Curso Comercial Básico conformar-se-
ão à Lei Orgânica do Ensino Comercial,
a atos legais posteriores e a instruções
que, sobre o assunto, houverem sido
baixadas pelo Ministério da Educação e
Cultura, relativamente à estrutura dos
cursos, a condições de matrícula, a todos
os atos da vida escolar, aos direitos e
deveres dos alunos, à natureza dos
diplomas e certificados expedidos.
§ 2º O registro dos certificados de
conclusão em cada um dos dois cursos
referidos neste Artigo será efetivado na
Diretoria do Ensino Comercial, do
mesmo Ministério.
Art. 26. As disciplinas de cultura
geral e de cultura técnica, no Curso
Técnico de Estatística, terão, na Escola
Nacional de Ciências Estatísticas, a
seguinte seriação:
Primeira Série: 1) Português; 2)
Inglês; 3) Matemática; 4) Física; 5)
Química; 6) Estatística Geral; 7)
Elementos de Contabilidade; 8 Desenho
Técnico.
Segunda Série: 1) Português; 2)
Inglês; 3) Matemática; 4) Física; 5)
Biologia; 6) Estatística Geral; 7)
Ciências Sociais; 8) Desenho Técnico.
Terceira Série: 1) Português; 2)
Complementos de Matemática; 3) Es-
tatística Aplicada; 4) Geografia Humana
do Brasil; 5) História Económica e
Administrativa do Brasil; 6) Ciências
Sociais; 7) Mecanografia.
Parágrafo único. Os programas serão
baixados pelo Conselho Técni-co-
Administrativo e obedecerão, nas suas
linhas gerais, aos expedidos pela
Diretoria do Ensino Comercial, podendo
a Escola, entretanto, ampliá-los e
aprofundá-los.
Art. 27. As disciplinas do Curso
Cemercial Básico terão, na Escola, a
seguinte seriação;
Primeira Série: 1) Português; 2)
Francês; 3) Matemática; 4) Geografia
Geral e do Brasil; 5) História Geral e do
Brasil; 6) Desenho; 7) Caligrafia.
Segunda Série: 1) Português; 2)
Francês; 3) Inglês; 4) Matemática; 5)
Geografia Geral e do Brasil; 6) História
Geral e do Brasil; 7) Noções de
Comércio; 8) Desenho Aplicado.
Terceira Série: 1) Português; 2)
Francês; 3) Inglês; 4) Matemática; 5)
Geografia Geral e do Brasil; 6) História
Geral e do Brasil; 7) Prática de
Escritório.
Quarta Série: 1) Português; 2)
Francês; 3) Inglês; 4) Matemática: 5)
Ciências Naturais; 6) Prática de
Comércio; 7) Prática de Escritório.
Parágrafo único. Os programas serão
elaborados pelo Conselho Téc-nico-
Administrativo e obedecerão, nas suas
linhas gerais, aos expedidos pelo
Diretoria do Ensino Comercial, podendo
a Escola, entretanto, ampliá-los e
aprofundá-los.
Art. 28. Poderá a Escola, ainda,
ministrar, cm caráter intensivo, cursos
livres de Estatística, de nível médio, para
atender a necessidades do mercado de
trabalho.
S 1º A conclusão em cursos dessa
natureza não confere direito à obtenção
de diploma, ou certificado, mas, apenas,
a um atestado, que não será registrado
oficialmente.
§ 2º Os cursos referidos por este
artigo obedecerão à organização que lhes
fôr determinada pelo Conselho Técnico-
Administrativo.
CAPÍTULO III Disposições
Gerais e Transitórias
Art. 29. Será considerado o dia 6 de
marco de 1953 como a data de fundação
da Escola, cujos símbolos e insígnias
serão estabelecidos pela Congregação.
Art. 30. A Escola instituirá,
anualmente, de acordo com os seus
recursos financeiros, bôlsas-de-estu-do,
para os cursos de extensão, referidos no §
4º do art. 19, e para o curso livre,
nomeado pelo art. 28, a candidatos,
nacionais ou estrangeiros.
§ 1º Os candidatos nacionais serão
rigorosamente selecionados pelas
instituições que os indicarem, devendo a
escolha recair entre pessoas:
o) pertencentes ao magistério da
Estatística, em escola de nível médio ou
superior, oficiais ou não;
6) dedicadas a tarefas estatísticas, em
órgãos da administração pública (federal,
regional, local ou pa-ra-estatal), ou em
entidades do direito privado;
c) integradas em entidades, oficiais ou
não, devotadas a pesquisas estatísticas.
§ Os candidatos estrangeiros deverão
ser selecionados, ou indicados:
a) por órgãos ou departamentos da
Organização das Nações Unidas (UNESCO,
FAO ou outros), através da comissão de
Assistência Técnica do Ministério das
Relações Exteriores do Brasil;
b) pelo Instituto Interamerica-no de
Estatística, da União Pan-Americana;
Art. 31. A Secretaria é o órgão central da
Escola, devendo aí serem processadas as
inscrições, realizadas as matrículas e
transferências, pagos os emolumentos e taxas
escolares, autorizadas as despesas e efetuadas
os demais atos administrativos, ou de gestão.
Art. 32. O pessoal docente e o pessoal
administrativo da Escola terão sua situação
funcional — condições de admissão, deveres e
direitos — conformada à legislação em vigor e
às exigências definidas pelo Regimento.
Art. 33. Enquanto o Poder Executivo não
baixar o Regimento da Escola, continuará esta
a obedecer ao seu atual Regimento, no que não
contrariar a Legislação do Ensino Superior e
às disposições deste Regulamento.
Art. 34. Os alunos que concluíram
regularmente o curso superior da Escola,
segundo os currículos estabelecidos pelas
Resoluções nº 416, de 6 de março de 1953, e
nº 442, de
29 de maio de 1954, do Conselho Nacional de
Estatística, terão seu diploma registrado no
órgão competente do Ministério da Educação
e Cultura.
Rio de Janeiro, em 4 de abril de 1960. —
Juranclir Pires Ferreira.
(Publ. no D. O. de 11-4-1960)
DECRETO Nº 48.247 — DE 30 DE MAIO
DE 1960
Cria a Escola Nacional de Florestas e dá
outras providências,
O Presidente da República, usando das
atrbuições que lhe são conferidas pelo art. 87,
item I da Constituição Federal, decreta:
Art. 1º Fica criada a Escola Nacional de
Florestas.
Art. 2º A Escola Nacional de Florestas
tem por fim ministrar a instrução superior,
profissional e técnica referente às ciências
florestais, para o exercício da profissão de En-
genheiro Florestal em todo o país.
Art. 3º A Escola Nacional de Florestas,
de cinco anos de curso, será integrada à
Universidade Rural do Estado de Minas
Gerais, com sede em Viçosa.
Art. 4º A Escola Nacional de Florestas
será mantida por meio de recursos
provenientes de convênio a ser celebrado entre
o Ministério da Agricultura, o Ministério da
Educação e Cultura e a, Universidade Rural do
Estado de Minas Gerais para auxiliar a
criação, a instalação, o equipamento, o
funcionamento e a expansão da mesma Escola.
Art. 5º Na Escola Nacional de Florestas
serão ministrados os seguintes assuntos: 1 —
Silvicultura; 2 — Dendrologia; 3 — Genética
aplica-
da às florestas; 4 — Ecologia e fito-
geografia; 5 — Aerofotogrametria,
inventários florestais e construções; 6 —
Proteção florestal; 7 — Tecnologia de
produtos florestais; 8 — Matérias
optativas.
Art. 6º Os assuntos referidos no
artigo anterior serão lecionados nos
últimos 3 anos do curso da Escola
Nacional de Florestas.
Art. 7º As matérias do primeiro e
segundo anos serão básicas e comuns aos
cursos da Escola Nacional de Florestas e
da Escola Superior de Agricultura da
Universidade Rural do Estado de Minas
Gerais.
Art. 8º No último ano da Escola
Nacional de Florestas haverá matérias
optativas para estudos mais avançados.
Art. 9º Para suas atividades de ensino
e pesquisas a Escola Nacional de
Florestas disporá de laboratórios,
gabinetes, museus, campos de
demonstrações e ensaio, veículos e
maquinaria para os trabalhos florestais,
usinas-pilôto para produtos florestais e
seu aproveitamento, áreas de matas
naturais e artificiais e mais instalações
necessárias.
Art. 10. Além do curso de primeira
graduação, logo que a Escola Nacional
de Florestas disponha de instalações
adequadas serão mantidos cursos de alta
especialização, de um ou de dois anos,
regidos por regulamento próprio, para os
Engenheiros Florestais que desejarem
defender o título de Doutor em Ciências
Florestais.
Art. 11. As condições de exame de
admissão, certificados, matrícula,
transferência de alunos, ano letivo,
excursões, regime escolar, provas, ar-
guições, diplomas, conselho técnico,
administração da Escola, estágio, prémio
de viagem, biblioteca, publica-
ções, disposições transitórias e gerais
deverão constar do Regulamento.
i 1º A transferência somente será
feita de alunos de escolas de agronomia
ou superiores de agricultura para os três
primeiros anos do curso da Escola
Nacional de Florestas.
§ 2º Referida transferência será
concedida desde que os alunos tenham
satisfeito as exigências do currículo
anterior à série a que se destinem.
§ 3º O currículo a que se refere o
parágrafo anterior será o adotado pela
escola padrão do país.
Art. 12. Dentro do prazo de 120
(cento e vinte) dias, a Universidade Rural
de Minas Gerais apresentará a
regulamentação da Escola Nacional de
Florestas — ouvido previamente o
Conselho Universitário —, para efeito de
aprovação pelo Sr. Ministro de Estado
dos Negócios da Agricultura.
Art. 13. Este decreto entra em vigor
na data da sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Brasília, 30 de maio de 1960; 139º
da Independência e 72º da República.
JUSCELINO KUBITSCHEK
Fernando Nóbrega
Clóvis Salgado.
(Publ. no D. O. de 20-6-1960)
DECRETO Nº 48.297 — DE 17 DE
JUNHO DE 1960.
Dispõe sobre a instituição da Fundação
Educacional do Distrito Federal.
O Presidente da República, usando
de suas atribuições,
Considerando a necessidade de se
estabelecer no Distrito Federal o
sistema de ensino a que se refere o art.
171 da Constituição;
Considerando que cumpre à Pre-
feitura do Distrito Federal solucionar tais
problemas, mobilizando para esse fim
seus recursos financeiros;
Considerando ainda que o melhor
meio de ação educacional consiste em
convocar a colaboração de outras esferas
do poder público e dos particulares em
geral, decreta:
Art. 1º Fica o Ministério da
Educação e Cultura autorizado a cooperar
na organização, manutenção e
administração da Fundação que vier a ser
instituída pêra Prefeitura do Distrito
Federal com a finalidade de prestar
assistência educacional à população da
capital da República, nos níveis
elementar e médio.
Art. 2º Sem prejuízo de quaisquer
outras modalidades de auxílio ou
assistência previstas na legislação
aplicável, a cooperação a que se refere o
artigo anterior consistirá no seguinte:
I — quanto à organização, serão
submetidos à prévia aprovação do
Ministério a escritura de instituição
e os estatutos da Fundação, para
observância das normas e condições
constantes deste decreto;
II — quanto à manutenção, o
Ministério, independentemente de
qualquer pagamento ou retribuição:
o) cederá à Fundação as instalações e
bens móveis que lhe pertencem e que
estejam vinculados a serviços
educacionais em Brasília, e os recursos
financeiros que, por lei ou a juízo do
governo federal, forem atribuídos a esse
fim, observando a Fundação, no seu
emprego, a destinação prevista nas leis
que concederem ou autorizarem tais
recursos;
6) providenciará no sentido de serem
incluídos, anualmente, na proposta
orçamentária da União, recursos
destinados a suplementar a receita da
Fundação, nos limites necessários;
c) transferirá à Fundação os serviços
educacionais instalados em Brasília, pelo
Ministério, e o pessoal docente, técnico e
administrativo admitido para tais
serviços;
III — quanto à administração:
a) a Fundação deverá ter um ou
mais órgãos diretores colegiados, ficando
reservado ao governo federal indicar a
metade dos membros efeti-vos e
suplenter,, os quais, com ex-ceção do
presidente da Fundação, terão mandato
de prazo certo;
b) a escolha do presidente da
Fundação, dos diretores, se houver, e dos
demais membros dos órgãos colegiados
será regulada nos estatutos, a critério da
Prefeitura do Distrito Federal,
instituidora da Fundação.
Art. 3º Este decreto entra em vigor
na data de sua publicação, ficando
revogadas as disposições em contrário,
inclusive, uma vez instituída a Fundação,
os decretos ns. 47.472, de 22 de
dezembro de 1959, e 47.832-A, de 4 de
março de 1960.
Brasília, 17 de junho de 1960; 139º
da Independência e 72º da República.
JUSCELINO KUBITSCHEK
Clóvis Salgado. (Publ. no
D. O. de 18-6-1960)
PORTARIA Nº 193 — DE 25 DE
ABRIL DE 1960.
Dispõe sobre a concessão de Bôlsas-de-
estudo.
O Diretor do Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos, devidamen-
te autorizado pelo Sr. Ministro da
Educação e Cultura e tendo em vista o
disposto no art. 6º do Decreto-lei n"
8.583, de 8 de janeiro de 1946, resolve
expedir as seguintes Instruções
reguladoras da concessão de bôlsas-de-
estudo, para o exercício de 1960:
I Da Natureza
das Bolsas
O Instituo Nacional de Estudos
Pedagógicos distribuirá, no ano de 1960,
bôlsas-de-estudo para preparação e
aperfeiçoamento, por meio de cursos e
estágios, de diretores e professores de
Escolas Normais ou Institutos de
Educação, pessoal para se encarregar de
assistência técnica ao magistério por
meio de cursos, estudos e publicações e
de atividades de demonstração de bom
ensino, Assistentes de diretores de
educação, Orientadores do Ensino
Primário, Especialistas em Educação,
Diretores de escolas primárias, Diretores
estaduais de Serviços de Educação
Musical e Professores para Conser-
vatórios de Canto Orfeônico, Professores
primários, inclusive para Escolas
Experimentais; bolsas de especialização
em Jardim de Infância, Artes Industriais,
Arte Infantil, Recreação e Jogos,
Educação de crianças excepcionais e,
ainda, em especialidades de interesse
para os planos de desenvolvimento do
ensino primário das várias unidades
federadas.
II
Da Finalidade dos Cursos e Estágios
Os cursos e estágios organizados
pela Coordenação dos Cursos do Ins-
tituto Nacional de Estudos Pedagógicos
terão como finalidades:
a) o enriquecimento dos sistemas
educacionais dos Estados e Territórios
federais, a estes oferecendo
oportunidades, inexistentes na região, de
aperfeiçoamento e especialização de
pessoal que se dedique ao ensino
primário, ao ensino normal e à supervisão
de serviços educacionais;
b) o completamento dos qua
dros dos Centros Regionais do INEP
e do Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais.
III Da Duração dos
Cursos e Estágios
A duração dos cursos e estágios será
fixada para cada caso, em particular, a
dos estágios e cursos em instituições
especializadas decorrendo do período de
atividades dessas instituições e de
entendimentos com as mesmas.
IV
Das Condições para Inscrição de Bol-
sistas que exercerão suas atividades nos
órgãos Administrativos Estaduais
São exigidas para candidatos dos
Estados às bolsas do INEP as condições
seguintes:
a) ser serventuário efetivo estadual
ou dos Territórios, com dois anos, no
mínimo, do exercício no cargo exigido,
em cada caso;
6) merecer, a inscrição do mesmo,
parecer favorável da autoridade escolar
da região;
c) atender às condições de sele-
ção fixadas para cada caso, em es
pecial;
d) estar em condições satisfatórias de
saúde;
e) apresentar bom ajustamento
psicológico e condições de personalidade que
concorram para o bom desempenho das
funções que lhe caberão;
f) ser pessoa idónea;
g) comprometer-se a voltar ao Estado ou
Território federal de origem e a exercer as
atividades para as quais se aperfeiçoou,
quando solicitado pela autoridade educacional
do Estado ou Território federal.
V
Das condições para a inscrição de
bolsistas que exercerão suas atividades nos
centros do INEP
Os professores que exercerão atividades
nos Centros do INEP deverão:
o) apresentar boas condições de saúde;
b) atender às exigências de se-leção
fixadas pelo Centro Regional em que irá servir
ou pelo Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais, conforme o caso, relativas a
histórico funcional e condições intelectuais,
bem como de personalidade;
c) ser indicados pelo Diretor do INEP
ou do Centro a que se destinem;
d) comprometer-se a prestar pelo
menos cinco anos de serviço no Centro a que
se destinem, desde que solicitados.
VI
Dos deveres do bolsista durante o curso
São deveres do bolsista do INEP: a)
Aguardar, no Estado, a comunicação
relativa à concessão da
bolsa e a passagem a ser enviada pelo INEP,
que não reembolsará as despesas feitas com
aquisição de passagens pelo próprio bolsista;
b) apresentar-se, conforme o caso, à
Coordenação dos Cursos ou ao Centro
Regional, na data fixada para a realização do
curso ou estágio programado;
c) apresentar à Coordenação dos
Cursos do INEP a documentação que fôr
exigida, em cada caso;
d) obrigar-se a frequência integral,
salvo caso de doença, comunicada
imediatamente à Coordenação dos Cursos do
INEP ou ao Centro Regional em que se
realizar o estágio;
e) consagrar-se apenas às atividades do
curso ou estágio que estiver realizando,
abstendo-se de exercer quaisquer outras, não
ligadas aos interesses do campo de estudo a
que se estiver dedicando;
/) não realizar tratamentos dentários ou
médicos que interfiram com o horário dos
cursos, a menos que se trate de doença grave
manifestada após a vinda do bolsista, e tendo
obtido aprovação da Coordenadora dos
Cursos;
g) realizar os trabalhos solicitados e
atender aos horários exigidos;
h) apresentar um relatório geral dos
trabalhos realizados;
t) manter em nível elevado as relações
com os encarregados do estágio ou curso e
com os colegas;
j) ter bom comportamento social e
moral;
/) reembolsar o INEP de todas as
despesas de transporte e mensalidade, no caso
de abandonar o curso antes de seu término, a
menos que o INEP julgue que o fêz por
motivo justificado;
19
m) voltar ao Estado de origem 8
(oito) dias no máximo após o término da
bolsa, atendendo, porém, ao prazo fixado
pelo Estado, se for menor que o citado.
VII Dos direitos
dos bolsistas
Os bolsistas do INEP têm direito a
receber:
a) passagem de ida e volta da
capital do Estado de origem ao local do
estágio ou curso, em avião misto ou por
via marítima, a critério do INEP;
b) mensalidade de Cr$ 7.500,00
(sete mil e quinhentos cruzeiros) des-
tinada a despesas de alojamento, ali-
mentação e transporte, a ser paga
proporcionalmente ao número de dois
que o bolsista frequentar as aulas, no
primeiro e último meses;
o) auxílio de Cr$ 2.000,00 (dois mil
cruzeiros) iniciais para instalação;
d) orientação na escolha de alo-
jamento;
e) auxílio suplementar de ..........
Cr$ 2.000,00 (dois mil cruzeiros), para
aquisição de agasalhos, caso o bolsista se
destine ao Rio Grande do Sul ou a São
Paulo, vindo de Estados do Norte ou do
Nordeste.
/) outros auxílios, fixados em cada
caso.
VIII
Da apreciação do aproveitamento do
bolsista
a) A apreciação do rendimento do
bolsista será realizada através de
observações de trabalho, relatórios
participação em seminários e demais
trabalhos exigidos, bem como em face
das qualidades de interesse, aptidão e
dedicação ao trabalho, reveladas durante
o estágio ou curso; b) o resultado dos
trabalhos realizados será comunicado aos
Srs. Secretários ou Diretores de Educação
dos respectivos Estados ou Territórios ou
aos Diretores dos Centros do INEP,
conforme o caso.
IX
Do desligamento do bolsista durante o
estágio
A não satisfação por parte do
bolsista das condições exigidas em cada
caso e a falta do cumprimento dos
deveres constantes deste Regulamento
importará no cancelamento imediato da
bolsa, volta do bolsista ao Estado de
origem e comunicação da ocorrência,
com as razões que a determinaram, à
Secretária ou Dire-toria de Educação do
respectivo Estado.
O bolsista poderá, também, ser
desligado do curso, tendo a bolsa can-
celada, se as más condições de saúde
física ou mental vierem a impedir o
normal acompanhamento de aulas e
atividades relativas ao curso ou estagio
que estiver realizando.
X
Os casos omissos neste Regimento,
inclusive quanto à seleção do bolsista,
serão resolvidos pelo Diretor do Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos,
ouvida a Coordenação dos Cursos.
Rio de Janeiro, 25 de abril de
1960. — Anísio Spínola Teixeira, Diretor
do INEP. (Publ. no D. O. de 13 de julho
de 1960)
PORTARIA Nº 218 — DE 5 DE
ABRIL DE 1960
Aprova instruções relativas ao paga-
mento de Bôlsas-de-Estudo, custeadas
pelo Fundo Nacional do Ensino
Médio.
O Diretor do Ensino Secundário do
Ministério da Educação e Cultura,
usando das atribuições que lhe confere o
artigo 14, item XIV, do Regimento
aprovado pelo Decreto número 40.040,
de 29 de setembro de 1956, resolve:
Art. 1º Aprovar as instruções a que
se refere o Ofício-Circular número 2004,
de 5 de abril de 1960, que fixa normas
gerais sobre o sistema de pagamento de
Bôlsas-de-Estudo distribuídas pela
Diretoria do Ensino Secundário através
dos recursos do Fundo Nacional do
Ensino Médio.
Art. 2º As instruções referidas no
artigo anterior revogam a Circular nº 2,
de 18 de setembro de 1958, da Diretoria
do Ensino Secundário.
Rio de Janeiro, 5 de abril de 1960.
Gildásio Amado. Diretor
INSTRUÇÕES SOBRE
BÔLSAS-DE-ESTUDO
1. FIXAÇÃO DAS QUOTAS:
1.1. — A Diretoria do Ensino Se-
cundário fixará as quotas das Inspe-torias
Secionais na segunda quinzena do mês de
janeiro de cada ano.
1.2. — O encaminhamento dos
candidatos classificados nos exames de
seleção será iniciado logo após terem as
Inspetorias Secionais conhecimento das
quotas que lhes foram
destinadas. Os bolsistas, cujas bolsas
forem renovadas, serão encaminhados
nas épocas julgadas oportunas pela
Inspetoria.
1.3. — As quotas, fixadas para as
Inspetorias Secionais, serão constituídas
de duas partes:
a) parte fixada pela Diretoria do
Ensino Secundário e relativa à verba do
P.N.E.M. para bôlsas-de-estudo e
constante do Orçamento da União e
b) parte relativa às compensações
decorrentes de auxílios para obras e
equipamentos recebidos do Fundo
Nacional de Ensino Médio, por
estabelecimentos situados na área sob a
jurisdição da Inspetoria Secional.
2. COMPENSAÇÃO DOS AUXÍLIOS
RECEBIDOS DO F.N.E.M. :
2.1. — Todo e qualquer auxílio
para obras e equipamentos, recebido por
estabelecimento de ensino particular ou
quando oficial, que cobre anuidade igual
ou superior a 50% do salário mínimo
local, SERÁ COMPENSADO,
OBRIGATORIAMENTE, EM
BÔLSAS-DE-ESTUDO.
2.2. — Efetuado o pagamento do
auxílio, a Comissão Assessora do
F.N.E.M., junto à Diretoria do Ensino
Secundário, comunicará à Inspetoria
Secional e ao estabelecimento
beneficiado que a compensação do
auxílio deverá ser feita a partir do ano
seguinte àquele em que o mesmo foi
recebido. — (Modelos CBE-1 e CBE-2).
2.3. — Recebendo a comunicação
do pagamento, a Inspetoria Secional
entrará em entendimento com o
estabelecimento beneficiado a fim
de que o mesmo, dentro do prazo de 30
dias, apresente um plano de compensação
(Modelo CBE-3), em duas vias.
2.4. — A lº via do plano de
compensação referido no item anterior,
será remetida pela Inspetoria Secional â
Comissão Assessora e a 2º via será
anexada à comunicação da D.E.Sec. à
Secional relativa no pagamento do
auxílio, constituindo um processo com
numeração da Inspetoria.
2.5. — No verso de cada plano de
compensação, serão feitas, pela Comissão
Assessora (na 1º via) e pela Inspetoria
Secional (na 2º via), as deduções
referentes aos resgates efetuados, até a
amortização total do auxílio recebido do
F.N.E.M.
2.6. — Além das deduções acima
especificadas, feitas no verso dos
respectivos planos, nos termos do item
anterior, a Inspetoria Secional organizará
um fichário próprio, mantendo, para cada
estabelecimento, uma ficha de controle
(Modelo CBE-4).
2.7. — A ficha referida no item
anterior será constituída de colunas,
destinadas à escrituração, não só dos
pagamentos comunicados às Inspe-torias
Secionais pela Comissão Assessora do
F.N.E.M. e das compensações feitas no
ato dos pagamentos das las. e 2as.
parcelas das bôlsas-de-estudo, como
também do saldo, que representa o total
ainda por compensar pelo
estabelecimento.
2.8. — A compensação será feita
por ocasião dos pagamentos das duas
parcelas — (1º e 2º) das bôl-sas-de-
estudo, de acordo com o plano respectivo
organizado pelo estabelecimento, nos
termos do item 2.3 — das presentes
instruções.
2.9. — EXEMPLO: — Suponha
mos que um estabelecimento haja
recebido, em 1958, um auxílio do
F.N.E.M., para obras e equipamentos,
no valor de Cr$ 500.000,00, compro-
metendo-se, conforme plano apresen
tado à Inspetoria Secional, a com
pensar, anualmente, a partir de 1960,
a importância de Cr$ 50.000,00. Para
esse mesmo estabelecimento, foram
encaminhados 60 bolsistas, com anui
dades de Cr$ 6.000,00, redundando
num compromisso anual por parte do
F.N.E.M. no total de Cr$ 360.000,00,
a ser pago em duas partes iguais de
Cr$ 180.000,00. Ao elaborar o modelo
PCBE-1 (Formulário de pagamento
de bôlsa-de-estudo), correspondente
à 1º parcela de pagamento das bôl-
sas-de-estudo, serão relacionados to
dos os bolsistas, com importância re
lativas à lº parcela, de modo que a
soma total atinja aos Cr§ 180.000,00.
Dessa quantia, será feita a dedução
de metade da 1º quota de compensa
ção ou sejam Cr$ 25.000,00. Ao esta
belecimento será paga a diferença,
isto é, Cr$ 155.000,00 (ver modelo
PCBE-1 preenchido para exemplo).
2.10. — Para a compensação efe-
tuada em cada estabelecimento, a
Inspetoria Secional providenciará uma
comunicação à Comissão Assessora
(Modelo CBE-5).
2.11. — Logo após o pagamento
total de cada parcela, a Inspetoria
Secional remeterá à Comissão Assessora,
devidamente colecionadas e
acompanhadas de ofício, todas as co-
municações (Modelo CBE-5) sobre as
compensações.
2.12. — Para os estabelecimentos,
que tenham a compensar importância
superior ao total de bôlsas-de-estudo,
deve o excesso ser compensado, no ano
seguinte, a fim de evitar
que o regaste total se dê além do prazo
máximo estabelecido por lei, que é de 10
(dez) anos.
2.13. — A Inspetoria Secional cabe
tomar providências no sentido de que os
bolsistas sejam encaminhados,
preferentemente, aos estabelecimentos
que devam compensações ao F.N.E.M.,
para não se verificar a situação referida
no item anterior.
2.14. — Se não fôr possível à
Inspetoria Secional encaminhar para
estabelecimentos que devam com-
pensações ao Fundo Nacional do Ensino
Médio, bolsistas classificados nos
exames de seleção realizados nos meses
de dezembro e janeiro, na forma do
artigo 9º da Portaria n' 59, de 30-1-1956,
deverão ser realizadas em época especial
e entre alunos de estabelecimento na
situação supra, provas de seleção
econômica e intelectual, de acordo com
os critérios gerais que regulam a
concessão de bôlsas-de-estudo.
2.15. — As compensações, por-
ventura feitas segundo os critérios
fixados na Circular n' 2, de 18-9-58, são
computadas para todos os efeitos. No
entanto, os estabelecimentos organizarão,
nos termos do item 2.3, um "plano de
compensação" relativo à importância
ainda por compensar.
2.16. — Para as compensações
realizadas até 31-12-59, a Inspetoria
Secional providenciará o preenchimento,
em duas vias, do Modelo CBE-6, no qual
se declarará a importância já compensada
e a maneira por que foi efetivada,
organizando, para cada auxílio recebido,
um processo distinto. A 1º via do modelo
CBE-6 será encaminhada à Direto-ria do
Ensino Secundário, através da Inspetoria
Secional e a 2º permanecerá no arquivo
desta.
2.17. — As fichas modelo CBE-4,
relativas a estabelecimentos enquadrados
nos itens anteriores, terão como
lançamentos, na coluna "CREDITO" o
total das compensações feitas até 31-12-
59 e, no histórico, a anotação: "Valor das
compensações de auxílios para obras e
equipamento recebidos do Fundo
Nacional do Ensino Médio, feitas de
acordo com a Circular n' 2, de 18 de
setembro de 1958". Na coluna
"SALDO", figurará o restante do auxílio
a compensar, a partir de 1-1-60.
2.18 — A Inspetoria Secional,
constatando que algum estabelecimento
não esteja sujeito a compensação do
auxílio recebido do F.N.E.M., para obras
e equipamentos em Bol-sa-de-Estudo,
deverá enviar à Comissão Assessora, a
necessária comunicação para efeito de
baixa da responsabilidade (Modelo CBE-
7).
3. RELATÓRIO DAS
BÔLSAS-DE-ESTUDO
3.1. — O relatório das Bôlsas-
de-Estudo, distribuídas pela Inspeto
ria Secional, deverá ser organizado
em 3 vias, que terão c seguinte en
caminhamento :
1º e 2º vias — Serão remetidas,
IMPRETERIVELMENTE, até o dia 30
de março, à Diretoria do Ensino
Secundário, em duas pastas dº e 2º vias);
via — Constituirá arquivo da
Inspetoria Secional.
3.2. — O relatório, referido no
item anterior, será composto dos se
guintes elementos:
a — ofício de encaminhamento
(Modelo RBE-1);
b — quadro demonstrativo da
importância a ser remetida pela Di-
retoria do Ensino Secundário (Modelo
RBE-2);
c — relação dos estabelecimentos
(Modelo RBE-3), da qual constem:
I — número de ordem dos esta
belecimentos separados por cidade;
II — importâncias distribuídas;
III — importâncias a serem
compensadas;
IV — líquido a receber pelos es
tabelecimentos.
d — ligeiro relatório ao plano de
assistência educacional desenvolvido no
ano anterior;
e — dados sobre o processamen to
da distribuição das bôlsas-de-estu-do
(Modelo RBE-4);
f — relação dos bolsistas, separados
por estabelecimento (Modelo RBE-5); —
preencher um modelo para cada
estabelecimento.
g — classificação geral dos can-
didatos submetidos às provas de se-leção
(Modelo RBE-6);
h — quadro demonstrativo das
inscrições e aprovações; distribuição ou
renovação de bôlsas-de-estudo e
cancelamento, a partir de 1955 (Modelo
RBE-7);
i — quadro demonstrativo das
bôlsas-de-estudo concedidas ou reno-
vadas (Modelo RBE-8).
OBSERVAÇÃO: — No relatório de
1960, a Inspetoria Secional organizará os
Modelos RBE-7 e RBE-8, com dados a
partir de 1955 até 1960. A partir do
relatório do próximo ano (1961) deverão
constar somente dados correspondentes
ao exercício a que se refere o
relatório.
3.3. — Ao preencher o quadro
demonstrativo (Modelo RBE-2), referido
na alínea b, deve o Inspetor Secional, no
item referente à quota a ser aplicada,
discriminar somente as despesas
relativas às bôlsas-de-es-
tudo propriamente ditas (ANUIDADES E
AUXILIO MATERIAL). A Inspetoria
Secional não deverá aplicar totalmente
em tais despesas a quota que lhe foi
fixada. Deverá reservar uma importância
correspondente a 5% da quota, no
máximo, destinada aos encargos com a
assistência educacional, que será objeto
de item especial destas instruções
3.4. — Recebido o relatório pela
Diretoria do Ensino Secundário e
após o seu estudo na Seção compe
tente, será o mesmo submetido à
aprovação do Sr. Diretor, que auto
rizará o respectivo pagamento.
3.5. — Do relatório, além dos
elementos citados no item 3.2., deverão
constar todos os esclarecimentos que a
Inspetoria Secional julgar necessários
para conhecimento da Diretoria.
3.6. — Nenhuma Inspetoria Se-
cional poderá aplicar importância su-
perior à quota que lhe foi fixada.
4. PAGAMENTO DAS
BÔLSAS-DE-ESTUDO
4.1. — O pagamento das bôlsas-
de-estudo será realizado, normalmen
te, em duas parcelas.
4.2. — As despesas, a serem
atendidas, são de duas modalidades:
a — Pagamento de anuidades
(integral ou parcial)
b — Pagamento de auxílio material.
4.3. — O pagamento das bôlsas-de-
estudo (anuidades) será feito através de
cheques, emitidos em nome dos
estabelecimentos beneficiados ou no caso
de auxílio material, em nome do
responsável pelo bolsista.
4.4. — Os recibos (Mod. PCBE-1)
serão confeccionados em quatro
vias. As três primeiras, deverão, por
ocasião da prestação de contas, ser
encaminhadas à DIRETORIA DO
ENSINO SECUNDÁRIO.
4.5. — Se um formulário de recibo
não comportar a relação de todos os
bolsistas de determinado esta-
belecimento, o Inspetor Secional deverá
elaborar tantos formulários (PCBE-1)
quantos necessários, totalizando cada um
deles, evitando assim o transporte de
somas, e emitindo um único cheque em
favor do colégio ou ginásio favorecido.
4.6. — Os formulários de recibos
(Modelo PCBE-1, deverão ser
preenchidos à máquina e sem qualquer
rasura, emenda ou borrão. As primeiras
vias não poderão ser preenchidas a
carbono.
4.7. — O Inspetor Secional deverá
insistir para que todos os claros do
formulário PCBE-1 sejam devidamente
preenchidos. Assim deverão constar
OBRIGATORIAMENTE: — o nome da
Comissão de Assistência Educacional, o
ano, parcela e semestre a que se refere o
pagamento das bôlsas-de-estudo, o nome
do estabelecimento, a cidade e o Estado,
a importância em algarismos, e, por
extenso, o número de ordem dos
bolsistas, o nome, a série, o curso, o
regime (externato, semi-in-ternato ou
internato) e a importância referente a
cada bolsista, o total do recibo, o local e a
data do pagamento, a assinatura do
diretor ou responsável pelo
estabelecimento, a declaração de
frequência regular, passada pelo Inspetor
Federal junto ao estabelecimento e a
autorização de pagamento do Presidente
da Comissão de Assistência Educacional.
4.8. — No preenchimento dos
formulários para recibos (Modelo
PCBE-1) deverá o Inspetor Secio-
nal relacionar separadamente, no mesmo
recibo, os bolsistas novos e os que
tiverem renovadas as bolsas concedidas
em anos anteriores, conforme modelo
anexo — (Modelo PCBE-1) —
(preenchido para exemplificação).
4.9. — Quando ocorrerem casos
de desistência, determinando o paga
mento parcial de uma das parcelas,
o Inspetor Secional deverá relacio
nar no formulário de recibo (Mode
lo PCBE-1), a importância realmente
paga e não a importância que deve
ria pagar, acrescida de observações
no corpo do recibo.
4.10. •— No caso de não ser o
Inspetor Secional o Presidente da
Comissão de Assistência Educacional,
deverá colocar ao lado da AU-
TORIZAÇÃO DE PAGAMENTO deste
último o "PAGUE-SE".
4.11. — A declaração de frequência
deverá ser feita mediante o exame da
pasta do aluno e dos diários de classe,
sendo passível de penalidade o Inspetor
que atestar frequência de alunos cujas
bolsas não devam ser pagas em virtude
de desistência, ausência ou qualquer
outro motivo que determine o
cancelamento do pagamento.
4.12. — No caso de não haver
Inspetor no estabelecimento em que se
encontra matriculado o bolsista, deverá a
declaração de frequência ser passada pela
autoridade que fiscaliza os atos escolares
do estabelecimento.
4.13. — O Inspetor Secional deverá
fazer o possível para efetuar os
pagamentos na própria sede da Ins-
petoria para o que convidará, por
telegrama, o Diretor, ou seu repre-
sentante devidamente credenciado, que
se identificará mediante a apresentação
de documento de identida-
de, cujo número e repartição expedidora
serão anotados nas quatro vias dos
recibos.
4.14. — Com relação aos estabe-
cimentos situados em localidades di
ferentes da sede da Inspetoria Se-
cional, esta, antes de efetivar o pa
gamento de cada parcela, remeterá,
ao respectivo Diretor, o modelo
CPBE-5, que deverá ser pelo mesmo
preenchido e devolvido à Inspetoria
Secional. Neste modelo constarão:
número de ordem, nome, série, cur
so, regime e importância de cada
parcela e será assinado pelo diretor
do estabelecimento e pelo Inspetor
Federal, que atestará a frequência
regular dos bolsistas. Recebido o mo
delo CPBE-5, devidamente preenchi
do, a Inspetoria Secional confrontá-
lo-á com o relatório, verificando se
os dados ali consignados conferem
com os constantes destes último.
Feita a conferência, a Inspetoria
Secional providenciará o preenchimento
do modelo PCBE-1 e, ao mesmo tempo,
a ordem de pagamento, através do Banco
do Brasil S.A.. Emitida a ordem de
pagamento, a Inspetoria Secional anotará,
no espaço do modelo destinado à assina-
tura do Diretor (nas 4 vias) o seguinte: "
Pagamento efetuado por Ordem de
Pagamento através do Banco do Brasil S.
A., conforme comprovante no verso da 1º
via". Em seguida, colará o comprovante
da remessa no verso da 1º via, que,
assim, estará completa para efeito da
prestação de contas. A declaração de
frequência, nesse caso, será feita por um
dos membros da CAE, em face da
declaração prestada pelo Inspetor do
Estabelecimento no modelo CPBE-5.
4.15. — Para as despesas, decor
rentes da remessa de ordem de pa-
gamento para estabelecimentos situados
no interior, será elaborado, para efeito de
sua comprovação, uma relação da qual
constarão todas as características das
ordens emitidas (Modelo PCBE-5). Tal
relação poderá ser feita para cada ordem
ou para um grupo de ordens, conforme a
conveniência e a organização dos
serviços de controle de prestação de
contas da Inspetoria Secional.
4.16. — As ordens de pagamento
referidas no item anterior, deverão ser
passadas com as despesas pagas
antecipadamente (comissão, porte, selos,
etc), de tal maneira que o
estabelecimento de ensino favorecido
receba exatamente o valor que consta do
recibo.
4.17. — As despesas decorrentes de
tais remessas deverão correr por conta da
quota reservada pela Inspetoria Secional
para as despesas com a assistência
educacional.
4.18. — Se houver conveniência, os
pagamentos dos estabelecimentos
localizados no interior dos Estados
poderão ser feitos pelo Inspetor Itinerante
que se incumbirá de todas as
providências recomendadas nestas
instruções.
4.19. — Logo após o pagamento de
cada parcela, o Inspetor Secional deverá
comunicar ao responsável pelo bolsista,
que o Ministério já efe-tuou o pagamento
correspondente e que no caso de haver o
mesmo pago qualquer quantia por conta
da referida bolsa, a restituição lhe será
feita, pelo estabelecimento, dentro do
prazo de 30 dias (Modelo CPBE-1 ou
CPBE-2, quando fôr o caso).
4.20. — Da comunicação referida
no item anterior, será dada ciência, por
escrito, ao Diretor do estabelecimento
(Modelo CPBE-4 ou CPBE-3, quando
fôr o caso).
4.21. — As comunicações de que
tratam os itens 4.19 e 4.20, deverão
ser assinadas pelo Inspetor Secional,
devidamente numeradas, conservan
do uma cópia na pasta geral dos
ofícios expedidos pela Inspetoria Se
cional e outra na pasta do bolsista.
4.22. — Quando no valor da
bôlsa-de-estudo estiverem incluídas
importâncias destinadas ao atendi
mento de despesas, tais como aqui
sição de material didático, transpor
te, vestuário, assistência médica ou
dentária, o pagamento deverá ser
efetuado ao estabelecimento que des
contará da importância recebida, o
valor da primeira parcela da anui
dade escolar e pensão de internato,
quando fôr o caso, e pagará o restan
te ao responsável pelo bolsista, contra
recibo.
4.23. — No caso do item ante
rior, o Inspetor Secional deverá en
viar comunicação ao responsável pe
lo bolsista e ao estabelecimento bene
ficiado (Modelos: CPBE-2 e CPBE-
3).
4.24. — Se a bôlsa-de-estudo fôr
concedida a aluno de estabelecimen
to oficial (estadual ou municipal) ou
gratuito, isento de qualquer paga
mento de anuidade e destinada a
atender somente a despesas de ma
terial escolar, vestuário, transporte,
assistência médica, dentária ou pen
são e, caso não possa o estabeleci
mento receber o valor da bolsa, o
pagamento deverá ser feito ao bol
sista ou responsável pelo mesmo.
(Modelo PCBE-4).
4.25. — Os numerários corres
pondentes a cada parcela destinada
ao pagamento das bôlsas-de-estudo,
serão remetidos pela DIRETORIA
DO ENSINO SECUNDÁRIO, por
intermédio da Agência do BANCO
DO BRASIL, S. A., da cidade em que
a Inspetoria Secional tenha sede, em
conta especial — (FUNDO NACIO
NAL DO ENSINO MÉDIO — DI
RETORIA DO ENSINO SECUNDA-
RO — Bôlsas-de-Estudo — Inspetoria
Secional de........... )
5. PRESTAÇÃO DE CONTAS
5.1. — A prestação de contas das
bôlsas-de-estudo de cada ano, será
processada tão logo seja efetuado o
pagamento da 2º parcela das bolsas
daquele ano, não podendo ser ul
trapassado o prazo de 120 dias con
tados a partir da remessa dessa mes
ma parcela.
5.2. — A prestação de contas
abrangerá os pagamentos da 1º e 2º
parcelas (anuidade e auxílio material).
5.3. — A nenhuma Inspetoria
Secional, que esteja na dependência de
prestação de contas de bôlsas-de-estudo
de exercícios anteriores, será remetido
numerário.
5.4 — A prestação de contas de
bôlsas-de-estudo compõe-se das se
guinte peças (cada via):
a) Ofício de encaminhamento;
b) Balancete;
c) Relação dos pagamentos;
d) Relação das compensações;
e) Extratos de conta corrente do
Banco do Brasil (só na 1º via) e
f) Recibos.
5.5 — BALANCETE: — O ba
lancete deve ser organizado em qua
tro vias, destinando-se as três pri
meiras à DIRETORIA DO ENSINO
SECUNDÁRIO e a quarta ficará no
arquivo da Inspetoria Secional, obe
decido o modelo PCBE-3, no qual
se discriminarão as importâncias
creditadas, os pagamentos efetuados
e, se fôr o caso, o saldo que ficou em
depósito na Agência do Banco do Brasil
S. A.
5.6. — RELAÇÃO DE PAGA
MENTOS: — Quanto à "RELAÇÃO
DE PAGAMENTOS" — (Modelo
PCBE-2) a Inspetoria deverá provi
denciar, no que se refere ao paga
mento das anuidades, tanto para a
1
a
como para a 2º parcelas:
a) uma relação relativa às
anuidades;
b) uma relação relativa aos au-
xílios materiais.
Todos os documentos, depois de
colecionados na ordem acima, deverão
ser numerados, constituindo uma só pasta
de 1º via. Os documentos nas demais vias
(2°, 3º e 4
a
) deverão obedecer à mesma
ordem da 1º via.
5.7. — RELAÇÃO DAS COM-
PENSAÇÕES: — À prestação de contas,
o Inspetor Secional deverá juntar uma
relação das compensações feitas
(Modelo PCBE-6).
5.8. — EXTRATOS DE CONTA
CORRENTE DO BANCO DO BRASIL
S. A.: — À prestação de contas deverá o
Inspetor Secional juntar um extrato da
Conta Corrente fornecido pela Agência
do Banco do Brasil S. A.
5.9. — No caso de haver saldo
deverá o mesmo permanecer na conta
aberta em nome da Inspetoria Secional no
Banco do Brasil S. A.
5.10. — O saldo acusado no ex
trato, anexado à prestação de con
tas, deverá ser idêntico ao acusado
pelo balancete. No caso de ser di
ferente, deverá o Inspetor Secional
fazer a conciliação, isto é, relacionar
os cheques emitidos e não desconta
dos pelos estabelecimentos favoreci
dos, até a data em que encerrou a
prestação de contas. Desta manei
ra, o saldo acusado pelo balancete
mais o total dos cheques emitidos e nao
descontados até a época da prestação de
contas, deverá ser idêntico ao saldo
acusado pelo Banco do Brasil S. A., no
extrato que acompanha a documentação.
5.11. — RECIBOS: — Os recibos
devem ser elaborados segundo os mo
delos PCBE-1 — ou PCBE-4, con
forme se tratar de despesa com bôl-
sas-de-estudo ou relativas a auxílio
material:
a) Os documentos que constituírem
as primeiras vias da prestação de contas
não poderão ser passados em carbono.
b) Nenhum documento ou selo
poderá conter borrão, rasuras ou
emendas.
c) As somas devem ser rigorosa-
mente conferidas.
cl) Deverá ser evitada a inclu
são de parcela com frações de...............
Cr$ 0,10 (dez centavos).
5.12. — O relacionamento dos
recibos deve ser feito com o maior
cuidado, devendo o Inspetor Secional
evitar a inclusão de importâncias que não
confiram com o documento relacionado.
5.13. — A numeração dos do-
cumentos deverá ser seguida e não
poderá ser rasurada ou emendada.
5.14. — Os únicos documentos que
estão isentos de selos são os referentes
aos pagamentos efetuados aos
estabelecimentos. Os comprovantes de
pagamento de auxílio material —
(material escolar, vestuário, transporte,
assistência médica, dentária ou pensão),
devem ser selados. Os selos não poderão
conter qualquer rasura ou borrão, nem os
dizeres (localidade, assinaturas etc),
poderão ser abreviados.
5.15. — O Inspetor Secional de
verá conferir rigorosamente as prés-
tacões de contas encaminhadas à Diretoria. A
prestação de contas encaminhada em
desacordo com estas instruções ou
recomendações, de-determinará o atraso dos
créditos para o processamento de outros pa-
gamentos.
5.16. — Não constituirá justificativa
para a não remessa da prestação de contas, no
prazo fixado no item 5.1., a circunstância de
não ter determinado estabelecimento
providenciado o recebimento da quota que lhe
competia.
5.17. — Se o pagamento das bôl-sas-de-
estudo não estiver concluído porque algum
estabelecimento não providenciou o
recebimento de sua quota, o Inspetor Secional,
por telegrama, dará, ao estabelecimento, um
prazo para que êle receba a importância que
lhe é devida.
5.18. — Se, apesar dessa comuni
cação, o estabelecimento não procu
rar receber a quantia que lhe com
pete, a Inspetoria Secional processa
rá o encerramento da prestação de
contas, considerando a importância
devida ao estabelecimento como sal
do disponível na Agência do Banco
do Brasil S. A.
5.19. — Tratando-se de estabe
lecimento situado em localidade fora
da sede da Inspetoria Secional, a
providência a ser tomada é a que
está consignada no item 4.14.
6. CONTROLE DAS
BÔLSAS-DE-ESTUDO:
6.1. — Competirá à Comissão Assessora
do P.N.E.M., junto à Diretoria do Ensino
Secundário a supervisão geral e controle da
distribuição das bôlsas-de-cstudo.
6.2. — Ã Seção de Orientação e
Assistência da Diretoria do Ensino
Secundário, competirá:
a) estudar os relatórios e submetê-los à
consideração da Presidente da Comissão
Assessora;
b) resolver os casos particulares que
surgirem;
c) estudar o critério de distribuição das
quotas entre as Inspeto-rias Secionais e
apresentá-lo à Comissão Assessora durante a
primeira quinzena do mês de janeiro de cada
ano.
6.3. — O controle das compensa
ções dos auxílios recebidos por esta
belecimentos será feito pela Comis
são Assessora que, para esse fim. or
ganizará junto à Seção do Orienta
ção e Assistência (SOA) um setor
especializado, ao qual competirá:
a) remeter, logo após o pagamento de
cada auxílio, às Inspetorias Secionais, a
comunicação sobre o pagamento (Modelos
CBE-1 e CBE-2);
b) remeter, logo após o pagamento de
cada auxílio, ao estabelecimento beneficiado a
comunicação respectiva, solicitando a
apresentação à Inspetoria Secional, em duas
vias, do plano de compensação referido no
item 2.3 destas instruções;
c) encaminhar ã CONTABILIDADE,
para efeito de registro, uma comunicação do
pagamento do auxílio;
d) receber, das Inspetorias Secionais,
as comunicações sobre a compensação
(Modelo CBE-6), proceder às baixas
respectivas nas fichas de controle e remeter,
em seguida, para o mesmo fim, à Con-
tabilidade;
e) anexar, ao processo de auxílio, todas
as comunicações de compensação feitas pelas
Inspetorias Secionais; e
f) arquivar o respectivo processo,
logo que o estabelecimento resgate todo
o auxílio recebido.
7. ASSISTÊNCIA EDUCACIONAL
AOS BOLSISTAS:
7.1. — A assistência educacio
nal aos bolsistas será feita de acor
do com as instruções contidas na
Portaria Ministerial n' 1, de 14 de
janeiro de 1959 e Circulares nos. 1/59
e 1/60, desta Diretoria, anexa às
presentes instruções.
7.2. — A Inspetoria Secional não
deverá, na assistência educacional aos
bolsistas, criar um sistema perma
nente de encargos, de vez que os ser
viços, à mesma relativos, são de na
tureza transitória.
7.8. — A prestação dos serviços
acima aludidos ficam condicionados à
eventualidade e urgência de cada caso.
7.4. — A Inspetoria Secional or-
ganizará, anualmente, um plano de
assistência educacional aos bolsistas, o
qual só poderá ser executado depois de
devidamente aprovado pela Diretoria do
Ensino Secundário, mediante parecer
favorável da Seção de Orientação c
Assistência.
7.5. — O relatório sobre o Plano de
Assistência Educacional, não deverá ser
anexado ao relatório das Bôlsas-de-
Estudo. Deverá ser remetido na mesma
ocasião, mas em pasta separada, e em
duas vias.
7.6. — Será constituído das se-
guintes peças:
a) ofício de encaminhamento;
b) plano discriminativo contendo
todos os elementos recomendados na
Portaria e Circulares citadas no item 7.1
destas instruções, inclusive
a previsão das despesas com os serviços
técnicos e administrativos programados
pela Inspetoria Secional.
7.7. — A execução do plano acima
só poderá ser iniciada após a sua
aprovação pela Diretoria do Ensino
Secundário.
7.8. — A remessa do numerário
não será feita conjuntamente com o
relativo às bôlsas-de-estudo.
7.9 — A prestação de contas, embora
obedecendo, no que couber, às normas
gerais sobre os pagamentos das bôlsas-
de-estudo, será feita separadamente e
dentro de 60 dias após o término do ano
para o qual foi elaborado o plano.
7.10. — Os recibos serão organi
zados de acordo com o modelo
PCAE-1.
7.11. — Os recibos relativos à
aquisição do material serão emitidos em
nome de: FUNDO NACIONAL DO
ENSINO MÉDIO — Diretoria do Ensino
Secundário — Inspetoria Secional de ,
e conterão a declaração de recebimento
passada por um dos membros da C.A.I. e
o PAGUE-SE do Inspetor Secional e
serão selados de acordo com a Lei do
Selo.
7.12. — A prestação de contas será
organizada em 4 vias, destinan-do-se as 3
primeiras à DIRETORIA DO ENSINO
SECUNDÁRIO e a 4º permanecerá no
arquivo da Inspetoria Secional,
obedecendo cada via à seguinte ordem:
a) ofício de encaminhamento;
b) balancete (Modelo PCAE-3);
c) relação dos documentos (Mo-
delo PCAE-2);
d) recibos (Modelo PCAE-1).
8. DESPESAS COM SELEÇÃO DE
BOLSISTAS:
8.1. — A Diretoria do Ensino
Secundário, no mês de setembro de cada
ano, remeterá às Inspetorias Secionais,
numerário destinado a atender aos
encargos dos exames de selação dos
bolsistas para o ano seguinte.
8.2. — A prestação de contas das
despesas referidas no item anterior não
será incorporada às prestações de contas
dos pagamentos das bôlsas-de-estudo ou
à relativa às despesas com a assistência
educacional. Constituirá comprovação
distinta e deverá ser remetida à Diretoria
do Ensino Secundário até o dia 30 de
abril de cada ano.
8.3. — A comprovação dos gastos
obedecerá, no que couber, às normas
gerais sobre os pagamentos das Bôlsas-
de-estudo.
8.4. — Os suprimentos referidos no
item 8.1 destinam-se a atender a todas as
despesas relativas aos exames de seleção,
excluídos quaisquer pagamentos de
professores (elaboração, fiscalização ou
correção de provas); assim sendo,
poderão ser atendidas por conta de tais
suprimentos, as despesas de: compra de
papel para provas, serviços de
datilografia, mimeógrafo, impressão de
provas, formulários, cartões de inscrição,
editais e avisos em jornais da localidade
das provas, indenização de despesas de
condução, viagens e hospedagem de
servidores encarregados da aplicação das
provas nas cidades do interior, etc.
8.5. — O Conselho de Adminis
tração do F.N.E.M. não permite
que corram, por conta dos suprimen-
tos remetidos para as despesas com
seleção de bolsistas, os gastos relativos à
organização, fiscalização ou correção de
provas. Tratando-se, no entanto, de um
serviço de alta relevância visto
proporcionar, aos nossos adolescentes,
necessitados economicamente mas
intelectualmente capazes, os recursos
para custearem a sua educação. O
Inspetor Secio-nal encarecerá a valiosa
colaboração dos professores.
Compreendendo o alcance elevado e a
grande finalidade da concessão de bôlsas-
de-estudo, a Diretoria do Ensino
Secundário espera que nenhum professor
recusará a sua cooperação no processo
seleti-vo do aluno bolsista, contribuindo,
assim, com uma parcela de seu esforço
para proporcionar, ao estudante pobre, os
meios de financiarem a sua educação
secundária.
8.6. — Os recibos serão organi
zados de acordo com o Modelo
PCSB-1.
8.7. — Os recibos relativos à
aquisição de material serão emitidos
em nome de: Fundo Nacional do
Ensino Médio — Diretoria do Ensi
no Secundário — Inspetoria Secional
de ........... conterão a declaração de
recebimento passada por um dos
membros da C.A.E. e o PAGUE-SE do
Inspetor Secional e selados do acordo
com a Lei do Selo.
8.8. — A prestação de contas
será organizada em 4 vias, destinan-
do-se as 3 primeiras à D. E. Secun
dário e a 4º permanecerá no arquivo
da Inspetoria Secional, obedecendo
cada via à seguinte ordem:
a) Ofício de encaminhamento;
b) Balancete (Modelo PCSB-3);
c) Relação dos documentos (Mo-
delo PCSB-2);
d) Recibos (Modelo PCSB-1).
9. DISPOSIÇÕES GERAIS
9.1. — Transferências de Bolsistas:
— Deverão ser observadas as normas
baixadas pela Portaria n
9
117 (Dir. do
Ens. Secundário), de 23-2-60 (D. O. de
27-2-60).
9.2. — Ao ter conhecimento de que
foi posto à sua disposição, na Agência do
Banco do Brasil S. A., o numerário
destinado ao pagamento das bôlsas-de-
estudo, o Inspetor Se-cional
providenciará, na hipótese de não o ter
feito ainda, o registro de sua assinatura,
bem como solicitará os talões necessários
ao respectivos pagamento.
9.3. — Os créditos somente po-
derão ser utilizados para o pagamento de
bôlsas-de-estudo (ANUIDADES OU
AUXILIO MATERIAL) e para as
despesas decorrentes do Plano de
Assistência Educacional; nenhum outro
pagamento poderá correr por conta dos
mesmos.
9.4. — A prestação de contas
deverá se referir somente aos créditos
feitos para os pagamentos referidos no
item anterior. Os créditos que forem
autorizados para outras despesas das
comissões de Assistência Educacional
terão as suas prestações de contas
separadas.
9.5. — Todas as observações e
instruções contidas no presente devem
ser rigorosamente observadas, tendo em
vista que todas as prestações de contas
são examinadas pela Divisão do
Orçamento do M. E. C. com todo o rigor.
(Publ. no D. O. de 7-4-1960)
PORTARIA Nº 294 — DE 15 DE
JUNHO DE 1960
Dispõe sobre a prestação de provas
finais no ensino secundário
O Ministro de Educação e Cultura,
usando das atribuições que lhe confere o
art. 94 do Decreto-lei n' 4.244, de 4 de
abril de 1942 (Lei Orgânica do Ensino
Secundário), e,
Considerando que a expansão do
ensino secundário está a exigir a revisão
de alguns dispositivos de sua
regulamentação;
Considerando que, na forma por que
vêm sendo executadas, as provas finais
(orais) são inexpressivas como medida
do rendimento escolar, além de
prejudiciais sob vários aspectos à
formação dos alunos;
Considerando a manifestação geral
dos educadores favorável à modificação
do atual sistema de provas finais, quando
não à sua completa supressão;
Considerando que a dispensa da
prestação de provas orais, nas disciplinas
em que os alunos já estariam aprovados,
mesmo com o grau zero atribuído àquelas
provas, em nada modifica o espírito da
Lei Orgânica do Ensino Secundário;
Considerando os pronunciamentos
favoráveis do Conselho Nacional de
Educação e da Consultoria Jurídica da
Educação e Cultura, resolve:
Art. 1º Poderão ser dispensados da
prestação de provas finais (orais ou
prático-orais) os alunos dos cursos
ginasial, clássico e científico, nas
disciplinas em que, apenas, com os graus
obtidos na nota anual de exercícios, na 1º
e na 2º provas parciais, já tenham
alcançado a média de aprovação
estabelecida na Lei
Orgânica do Ensino Secundário (De-
creto-lei n° 4.244, de 4 de abril de 1942).
§ 1º Para fins da dispensa citada
neste artigo serão observados os pesos
dois, dois e três e o divisor dez constantes
do art. 50, § 4º, da mencionada Lei
Orgânica.
§ 2° Os alunos que não tenham
atingido o mínimo de frequência es-
tebelecido no art. 50, § 1º, da Lei
Orgânica do Ensino Secundário, con-
tinuam sujeitos à regulamentação vigente
relativa ao assunto, não lhes sendo
facultada a dispensa de que trata esta
portaria.
Art. 2º Verificada a aprovação, na
forma do artigo anterior, a nota final da
disciplina passará a ser a média
ponderada de três elementos: a nota anual
de exercício e as notas da primeira e da
segunda provas parciais, atribuindo-se-
lhes os pesos dois, dois e três,
respectivamente.
Art. 3º A dispensa prevista no artigo
1º dependerá, preliminarmente, de sua
adoção pelo estabelecimento, mediante
inclusão no respectivo regimento interno,
o qual determinará sua extensão a todas
ou algumas
disciplinas, a todas ou a algumas séries
do curso secundário, bem como fixará a
média estabelecida naquele artigo ou
outra mais elevada.
Parágrafo único. A dispensa de
provas orais será solicitada de modo
expresso pelo aluno ou seu responsável,
no forma prevista no regimento interno
do estabelecimento.
Art. 4º Para atribuição de notas
mensais, os alunos serão submetidos
durante o ano não só a exercícios
escritos, como a frequentes arguições
orais.
Art. 5º A nota final dos alunos que
não satisfizerem as condições
estabelecidas no art. 1º, ou que não
desejam ser dispensados da prestação de
provas finais, será a média ponderada de
quatro elementos: a nota anual de
exercícios, as notas da primeira e da
segunda provas parciais e a nota da prova
final, elementos esses aos quais se
atribuirão os pesos dois, dois, três, e três
respectivamente.
Art. 6º A Diretoria do Ensino Se-
cundário expedirá as instruções ne-
cessárias à execução da presente portaria.
Clóvis Salgado.
(Publ. no D. O. de 23-6-1960)
REVISTA BRASILEIRA
DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS
PUBLICADA PELO INSTITUTO NACIONAL DE
ESTUDOS PEDAGÓGICOS
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA
VOL. XXXIV OUTUBRO-DEZEMBRO 1960 N.° 80
REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS,
órgão dos estudos e pesquisas do Ministério da Educação e Cul-
tura, publica-se sob a responsabilidade do Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos, e tem por fim expor e discutir questões
gerais da pedagogia e, de modo especial, os problemas da vida
educacional brasileira. Para isso aspira congregar os estudiosos
dos fatos educacionais do país, e refletir o pensamento de seu
magistério. REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓ-
GICOS publica artigos de colaboração, sempre solicitada; regis-
tra resultados de trabalhos realizados pelos diferentes órgãos do
Ministério e pelas Secretarias Estaduais de Educação. Tanto
quanto possa, REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDA-
GÓGICOS deseja contribuir para a renovação científica do tra-
balho educativo e para a formação de uma esclarecida menta-
lidade pública em matéria de educação.
A Revista não endossa os conceitos emitidos em artigos
nados s matéria transcrita.
REVISTA
BRASILEIRA DE
ESTUDOS PEDAGÓGICOS
PUBLICADA PELO INSTITUTO NACIONAL DE
ESTUDOS PEDAGÓGICOS
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA
VOL. XXXIV OUTUBRO-DEZEMBRO 1960 N.° 80
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS
CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISAS EDUCACIONAIS
Rua Voluntários da Pátria, 107 Botafogo
Rio de Janeiro Brasil
DIRETOR ANÍSIO SPÍNOLA
TEIXEIRA
Documentação e Informação Pedagógica PÉRICLES
MADUREIRA DE PINHO
Documentação e Intercâmbio ELZA
RODRIGUES MARTINS
Inquéritos e Pesquisas
JOAQUIM MOREIRA DE SOUZA
Organização Escolar
ELZA NASCIMENTO ALVES
Orientação Educacional e Profissional
ZENAIDE CARDOSO SCHULTZ
Coordenação dos Cursos LÚCIA
MARQUES PINHEIRO
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos PAULO ALBERTO
MONTEIRO DE BARROS
Secretaria
ANTÓNIO LUÍS BARONTO
Toda correspondência relativa à REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS
deverá ser endereçada ao Diretor do Instituto Nacional do Estudos Pedagógicos, Caixa Postal
nº 1669, Rio de Janeiro, Brasil.
REVISTA BRASILEIRA
DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS
Vol. XXXIV Outubro-Dezembro, 1960 N" 80
ABREU, Jayme -- Atualidade de John Dewey ................................................................. 8
AZEVEDO, Fernando de — Um problema e duas épocas .......................................... 17
FERNANDES, Florestan — O cientista brasileiro e o desenvolvimento
da ciência ............................................................................................................... 31
MASCARO, Carlos Corrêa — Custeio da educação e as reformas pro
gramadas .............................................................................................................. 60
SUCUPIRA, Newton — John Dewey: uma filosofia da experiência .... 78
Documentação:
A ciência e o desenvolvimento — Declaração de Rehovot .............................................. 96
Organização do Ministério da Educação e Cultura ................................................. 100
Reforma da Secretaria de Educação do Estado de S. Paulo .... 119
NOTAS PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Liberdade de ensino, laicidade e obrigatoriedade na Reforma Rui
Barbosa .....................................................................................,.......................... 130
INFORMAÇÃO DO PAÍS ....................................................................................................... 135
INFORMAÇÃO DO ESTRANGEIRO ........................................................................................ 174
LIVROS: DIÉGES JÚNIOR, Manuel — Regiões culturais do Brasi'.; DEWEY, John — Reconstrução
em filosofia; MACIEL, Carlos Fic-derico — Um estudo-pesquisa sobre o ensino secundário
da filosofia 178
REVISTAS: FREITAS, Oswaldo Domiense de — A reforma do ensino
secundário na França; FREYRE, Gilberto — Uma conferência
sobre John Dewey; LIMA, Lauro de Oliveira — A reforma do
ensino e a dúvida metódica; SCHNEIDER, A educação e o pro
blema psicológico do medo e da angústia; TEIXEIRA, Anísio —
Educação e nacionalismo........................................................................................... 187
JORNAIS: BREJON, Moysés — O ensino técnico e o projeto; CARDON-NEL, Tomás — Condições
prévias para um diálogo; COUTINHO, Afrãnio — Escola pública e escola particular;
MOREIRA, Renato Jardim — O ensino primário paulista; PINHEIRO, Lúcia Marques —
Educação para a cidadania no regime democrático; SILVA, Agostinho da — Escolas
religiosas; Educação e desenvolvimento. 209
Editorial ............................................
Estudos e debates:
ATOS OFICIAIS: Decreto nº 48.902, de 27 de agosto de 1960 — Institui a Campanha Nacional do
Livro; Decreto nº 48.938, de 14 de setembro de 1960 — Dispõe sobre a execução da Lei nº
1.295, de 27 de dezembro de 1950, na parte relativa a registro de diplomas de cursos
superiores; Decreto nº 48.961, de 22 de setembro de 1960 — Institui a Campanha Nacional
de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais; Portaria nº 420, de 10 de junho de 1960
(Diretoria do Ensino Secundário) — Dispõe sobre a seleção de documentos escolares
relativos ao 2° ciclo do ensino secundário; Portaria nº 10, de 16 de setembro de 1960
(Diretoria do Ensino Industrial) — Expede instruções sobre os currículos do ensino
industrial; Circular n' 2, de 29 de junho de 1960 (Diretoria do Ensino Secundário) — Expede
instruções para aplicação da Portaria n" 294, de 15-6-60, sobre dispensa de exames finais
no ensino secundário; Resolução nº 17, de 13 de agosto de 1959 (Cons. Univ. da
Universidade do Brasil) — Aprova o Regimento do Instituto de Ciências Sociais.
244
A EDUCAÇÃO COMUM DO HOMEM MODERNO
Desde que a humanidade iniciou sua luta de ajustamento às
condições do mundo foram sempre raros os períodos criadores e
merece ser observado que tais períodos não coincidiram com os
períodos de "civilização". Tanto quanto sabemos, quando nos
deparamos com a humanidade chamada "civilizada", encontramos o
homem como criatura extremamente conservadora, mais ciosa de
guardar os conhecimentos do que de desenvolvê-los.
Entretanto, antes dessa fase, fora a humanidade altamente
criadora, havendo conseguido a domesticação dos animais e todas as
invenções fundamentais de ajustamento à vida, sem falar na
linguagem, cuja descoberta gradual se perdia no tempo.
É com a "civilização" que se mergulha na grande estagnação. A
grande criação que tornou possível a "civilização" mesmo ela, de
certo modo, anterior à "civilização" foi a da escrita. Mas é curioso
que mesmo essa descoberta não tenha aumentado a capacidade de
descobrimento da humanidade. Pelo contrário, assim que foi
descoberta a escrita, o trabalho dos escribas, com a utilização do novo
instrumento revolucionário, fêz-se um trabalho ultra-especial, é certo,
mas de conservação e não de renovação. O escriba fêz-se não um dos
elementos de criação da civilização, mas o do registro do que existia na
civilização, constituindo-se o trabalhador especialíssimo de sua con-
servação. O período entre 400 ou 300 antes de Cristo e o século XVI,
de nossa era, não registra nenhuma invenção, nenhuma revolucionária
invenção. A civilização faz-se suntuária, espeta-cular mesmo,
desenvolve grandes confortos materiais, certas atividades artesanais se
expandem e se aperfeiçoam, certo número de pessoas chega à riqueza,
mas nenhuma grande descoberta revolucionária ocorreu durante este
longo período de civilização, que, entretanto, se inicia com a maior de
todas as descobertas, a descoberta propriamente do pensamento
humano, da arte de pensar racionalmente, que nos trouxeram os
gregos. Mas a arte de pensar não nos deslumbrou com a invenção,
senão com a revelação, a contemplação e quiçá a compreensão do que
já o senso comum nos trouxera. A arte de pensar, a princípio, foi mais
apologia do que descoberta, buscando, como já disse, antes a
compreensão do mundo e o prazer de sua contemplação do que
descobrir-lhe as molas de sua transformação. Desta sorte, as escolas
nunca foram feitas para ensinar sequer a descobrir o conhecimento,
mas para conservá-lo, pelo ensino fiel e exato.
É preciso ter isto sempre presente para compreendermos quanto,
desde o início, a escola se fêz uma instituição particular e
especializada, destinada a formar um grupo particular e especializado,
a quem se confiasse a guarda e conservação da cultura humana.
Somente no século XVI, quando se renova o método e a arte de pensar,
é que passamos desse estrito conservar e guardar da cultura para a
descoberta, primeiro do que outros tinham pensado e acabara por se
perder e, finalmente, para a descoberta do conhecimento novo
propriamente dito.
O método experimental de pensar abria, com efeito, uma era nova
no pensamento humano. A escola, já agora, quando perfeita, não
ensinaria apenas o sabido, mas ensinaria a pesquisar e, pela pesquisa,
a descoberta do novo. Se o progresso humano fosse algo de fácil e
sincrônico, todas as escolas se teriam, desde então, de se transformar.
Mas assim não aconteceu. Tomadas do deslumbramento da
redescoberta do saber clássico, as escolas se fizeram, a despeito da
nova atitude científica, zelosas transmissoras daquele saber. Até o
século XIX, e neste, ainda em sua segunda metade, mal podemos falar
da ciência experimental nas universidades e nas escolas. Até então a
Universidade guarda o saber, mas não o renova nem o descobre.
Nenhuma grande descoberta científica se registra, entre as atividades
da escola ou da universidade até o nosso século. A escola é por
excelência a guardiã, a conservadora, a estabilizadora, a conso-
lidadora da cultura.
O método experimental, entretanto, criado no século XVI, fêz-se
um transformador da cultura. Esta se fêz mutável e dinâmica. E dentro
de algum tempo alterou as próprias formas do trabalho humano.
Introduziu a máquina e com a máquina- a divisão do trabalho. Com a
divisão do trabalho, sua organização em forma cada vez mais
complexa e mais impessoal, daí sobrevindo duas mudanças
fundamentais: a primeira, a necessidade de inteligência altamente
treinada para organizar o trabalho; e a segunda, a relativa
simplicidade do treino para o operário.
A civilização anterior operava na base de um artesão altamente
qualificado. Nos seus primórdios, a nova civilização industrial operava
na base de alta organização e operário reduzido a "mão-de-obra". É
evidente que tal processo produziu mecanização excessiva do esforço
humano, não faltando mesmo alguns aspectos desagregadores no hoje
fracionadíssimo trabalho humano.
A solução estaria em fazê-lo passar do )'racionamento para a
orquestração. Tudo, com efeito, estaria em que o "trabalho em série"
pudesse realmente corresponder ao trabalho de uma orquestra.
Também na orquestra a divisão do trabalho é extrema e a ordem, desse
trabalho uma imposição suprema. Mas como são todos felizes! Feliz é o
maestro, o responsável maior. Felizes todos os músicos, do mais ao
menos importante... E por quê? Porque a ordem é compreendida e,
mais do que isto, sentida. Todos, integrados, realizam o milagre do
trabalho extremamente parcelado, fracionado, dividido e, ainda assim,
inteiriço, harmonioso, perfeito. No dia em que percebermos todas as
virtualidades da divisão do trabalho, faremos da indústria algo que
lembrará o trabalho musical. Para isto é que será necessário treino
maior. Para isto é que teremos de dar a cada um educação tão longa
quanto a que sempre reservamos para aqueles a quem caberia não
somente fazer, como compreender.
Nos dias de hoje, há, pela primeira vez, possibilidade para isto. A
automação virá acabar com o operário antigo, com a chamada "mão-
de-obra". Com as máquinas inteligentes e complexas de hoje, o
operário não é "mão-de-obra", mas "cabeça", "mente" de obra. Serão
em menor número, mas muito mais educados. Trabalharão sozinhos
como o antigo artesão no seu atelier. Mas não terão, como este, o
prazer de fazer e pegar em seu trabalho e, por isto mesmo, precisarão
de ser muito mais educados, mais educados do que o artesão da Idade
Média. Precisam ter aquela rara educação que fazia com que alguns
raros pedreiros, na Idade Média, ao britarem a pedra, sentissem que
não estavam apenas britando pedras, mas construindo a igreja. Nesse
dia é que o sentido e o espírito de orquestra se poderá firmar no
trabalho dividido, complexo e organizado do mundo de hoje.
Até que ponto a escola acompanhou todos esses fatos? Até que
ponto atende a escola a essas novas condições de trabalho humano?
Recordemos que a escola, originariamente, sempre visou preparar ou o
trabalhador intelectual, ou o homem de lazer. No princípio, era só o
profissional da inteligência, ainda que o chamássemos de sacerdote.
Sua missão era a de aprender e conservar a cultura. O trabalho
produtivo humano, este era aprendido diretamente pela vida ou pelo
tirocínio, nos casos de ofício que exigisse aprendizagem individual.
Surge, depois, a escola primária, como escola comum destinada a
ensinar as artes de ler, escrever e contar para uma sociedade, em que
tais artes se fizeram imprescindíveis para o próprio trabalho. Neste
sentido, a escola primária constituiu-se a maior escola profissional do
mundo moderno. Este compreendia, então, escolas de cultura geral
para formar as elites de lazer ou de governo, escolas espe-
ciais superiores para os profissionais liberais, e escolas primárias
para o preparo inicial do operário e daqueles que iriam continuar,
prosseguir com a sua educação escolar. As escolas médias, chamadas
profissionais ou técnicas, constituíram sempre um hibridismo. Eram
escolas que pretendiam formar o artífice, no que falhavam, pois este
somente se forma pelo aprendizado pessoal, seguido de tirocínio, ou
formar o técnico de nível médio, o que conseguiam, por vezes, em
virtude dos fundamentos teóricos da formação desse verdadeiro
tecnologista.
A situação presente se me afigura como exigindo uma revisão
geral. Cada vez mais precisa o homem, para viver na sociedade
artificial e complexa, em que se acha inserido, de uma boa educação
intelectual, que, à falta de outro nome, chamaríamos de geral, seguida
ou complementada de aprendizagens de natureza ocupacional,
destinadas a lhe dar emprego ou trabalho. Graças àquela educação
geral, a sua posição em relação ao trabalho ou emprego se fará muito
flexível, hábilitando-o a melhorar, aperfeiçoar-se e mudar mesmo de
setor profissional. Isto, quanto à educação comum. Quanto à especial,
precisamos de preparar, como nunca, a equipe dos que irão não tanto
guardar mas aumentar o conhecimento humano, os pesquisadores;
depois os organizadores, administradores e diretores os verdadeiros
maestros, mestres das grandes orquestrações do trabalho moderno;
finalmente, em substituição da antiga classe de lazer, preparar os
poetas e os artistas, isto é, os profissionais destinados a interpretar, a
dar significação, a nos dizer do sentido e do valor da vida e do esforço
humano... Como a sociedade será extremamente organizada, o
trabalho tremendamente fracionado, e o conhecimento que a explica
muitíssimo elaborado e espantosamente remoto, a função dos poetas e
dos artistas entre os quais porei os grandes mestres que se
chama tão inadequadamente de vulgarização da cultura e que chamo,
num esforço de valorização, de popularização, será da mais extrema
importância. São eles que darão o toque humano ao imenso formi-
gueiro humano.
Assim seria o sistema escolar moderno: uma escola comum,
prolongando-se até o chamado nível médio, destinada a oferecer à
criança e ao adolescente o preparo técnico nas artes de uma sociedade
fundada no conhecimento intelectual, por meio do qual poderia ir de
logo trabalhar, ou prosseguir nos estudos, para níveis mais altos desse
mesmo trabalho, no ensino superior e na Universidade. Aquela escola
comum teria, apesar de diversificada, grande unidade. Todas as
antigas discriminações desapareceriam. A educação seria um grande
esforço de toda a vida, com um período de escola mais curto ou mais
longo, conforme o indivíduo, pela sua vontade ou pela sua capacidade,
se dispusesse a um patamar ou outro do grande esforço coletivo, todo
ele técnico
e exigente de preparo especial e escolar. Nesse grande sistema
contínuo e gradual de educação, o que seja educação geral e o que
seja educação profissional ou especial de certo modo se confundem, a
educação geral sendo sempre necessária e a especial correspondendo
a um esgalhar-se dessa educação geral, conforme o nível e o ramo de
ocupação a que se desejasse o homem devotar. Verifica-se assim que
os objetivos da educação em nosso tempo, seja ela geral e comum ou
especial e profissional, se reencontram em um objetivo maior, que é o
do preparo do homem novo para a sociedade nova em que vivemos...
Estudos e debates
ATUALIDADE DE JOHN DEWEY
JAYME ABREU
Do C.B.P.E.
Esteve longe o Brasil educacional de celebrar adequadamente a
passagem, em 1959, do centenário de nascimento de John Dewey, na
medida ao menos da importância de sua obra no campo da filosofia e,
particularmente, no da filosofia da educação
Se desejássemos, aliás, um índice positivo da letargia dos nossos
setores educacionais mais altamente profissionalizados, em face a
temas ou fatos de que, legitimamente, não se poderiam omitir, este, do
quase anonimato com que passou, no Brasil, o centenário de Dewey,
seria, realmente, dos mais expressivos.
É certo que se deve reconhecer, no caso particular dessa alienação,
encontrar ela poderoso estimulante em certa tendência neoconservadora
do nosso tempo, no clima defensivo, inibido, sem imaginação nem
vigor criador da guerra fria, para o qual urge sepultar o
experimentalismo de Dewey, na medida em que o seu intrínseco
revisionismo é "ameaça" aos beneficiários do status quo, a ser
conjurada por anátemas emocionais ou abafada pela conjura de espesso
silêncio.
Salvo este ou aquele trabalho de curso, interno, realizado, quem
sabe, nessa ou naquela Faculdade de Filosofia, ou, quiçá, se é o caso,
em Institutos de Educação, os quais não teriam chegado à publicidade,
contam-se pelos dedos da mão os trabalhos a esse ensejo aparecidos no
Brasil, em que a obra do grande
Prefácio às conferências do Prof. John S. Brubacher, proferidas no Centro
Brasileiro de Pesquisas Educacionais, em agosto de 1960, sob o titulo geral: "A
importância da teoria em educação".
0 Prof. John S. Brubacher é professor de Filosofia da Educação na Yale
University.
1 Iniciativa louvável, a. esse respeito, foi a reedição, promovida por Anísio
Teixeira, das seguintes obras de Dewey, traduzidas para o português: Como pensamos,
Vida e Educação, Reconstrução em Filosofia, Educação e Democracia, A Criança e o
Curriculo e Interesse e Esforço.
filósofo americano, com seu inegável significado, fosse comentada e
analisada, ainda que para dela discordar. ..
Anísio Teixeira, um dos raros no Brasil que, muito mais do que
citar, consegue pensar "deweyanamente", publicou vigoroso ensaio sob
o título "Filosofia e Educação";
2
Harold Benjamin proferiu, por
iniciativa do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, conferências
em sua sede, em dezembro de 1959, que estão sendo editadas, nas quais
a filosofia de Dewey foi o tema central; o autor destas linhas publicou
ensaio
3
no qual, em relação ao tema "A Escola como Agente de
Mudança Cultural", procurou expor a posição da filosofia de Dewey; foi
publicado comentário da Prof.
a
Beatriz Osório sobre o livro Democracia
e Educação de Dewey;
4
por promoção do Centro Regional de Pesquisas
Educacionais do Recife foi a!i proferida e publicada substanciosa
conferência do Prof. Newton Sucupira, prefaciada por Gilberto Freyre,
sob o título "John Dewey: uma filosofia de experiência"; por último, o
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, com a cooperação de
Fulbright Com-mission do Brasil, trouxe ao Brasil, em agosto de 1960,
para realizar Curso de Conferências sobre Filosofia da Educação no
CENTRO REGIONAL DE PESQUISAS EDUCACIONAIS de SÃO PAULO e no
CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISAS EDUCACIONAIS DO ESTADO DA
GUANABARA, o Prof. John S. Brubacher, da Yale University, que tomou,
como seu tema, a filosofia educacional de John Dewey.
Ante essa cortina de silêncio, essa álgida apatia quanto à obra do
grande filósofo norte-americano, impõe-se a pergunta: justifica-se
ressaltar o seu legado ou se trata de simples culto de uns poucos, puro
caso de fixação emocional em torno à memória de Dewey? Estará
Dewey superado? Terá sua filosofia correspondido apenas a um curto e
ultrapassado período do pensamento educacional norte-americano?
Terá o conhecimento de sua obra, hoje em dia, se tanto, mero valor
histórico?
John L. Childs,
5
um dos mais autorizados discípulos de Dewey,
certa vez proclamou, com perfeita propriedade, "que o grande
infortúnio de Dewey era que ninguém fora mais louvado e contestado e
também menos lido do que êle".
Cremos que esse fato explicará a razão de ser de muitas das
perguntas acima formuladas.
2 Educação e Ciências Sociais, 12, C.B.P.E., Rio, 1959.
3 Op. cit.
4 Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, n" 78 — C.B.P.E., Rio, 1960.
5 Professor do Teacher's College — Columbia University.
Esclarecerá, seguramente, a afirmativa de Anísio Teixeira, no
artigo acima mencionado, que a muitos pode parecer surpreendente:
"não se revelando sua influência (de Dewey) no sistema educacional
dos Estados Unidos, onde nasceu e viveu, nem muito menos em outros
países, senão em aspectos superficiais e secundários."
Explicará, claramente, a advertência exata de John S. Bru-bacher
ao dizer ("Dez equívocos a respeito da filosofia educacional de
Dewey") : "Por conseguinte, compete aos partidários de Dewey, assim
como aos seus antagonistas, lê-lo cuidadosamente. Se pretendem
expulsar os demônios educacionais em nome de Dewey, que se
certifiquem primeiro de não estar usando o seu nome em vão."
É interessante assinalar que nos meios educacionais brasileiros,
mesmo naqueles que a rigor não podem ser definidos como opostos a
Dewey, são frequentes as reservas restritivas ao mesmo, mais
sublinhadas mesmo do que os seus extraordinários aspectos positivos.
Nos raros que o tiveram como professor é comum ouvir-se aquele
julgamento, a que alude Gilberto Freyre, do Prof. Harold A. Larrabee:
"by all the ordinary criteria... a poor teacher."
É também comum a fixação apenas no aspecto negativo, tão
somenos em relação ao positivo, da famosa sentença de Oliver Wendell
Holmes, sobre "Experience and Nature": "Ainda que o livro de Dewey
esteja inacreditavelmente mal escrito, depois de relê-lo várias vezes
pareceu-me experimentar uma sensação de familiaridade com o interior
do cosmos, que jamais sentira. Assim — pensei — haveria falado Deus
se não houvera podido articular as palavras, porém houvesse tido
grande afã de explicar o que se passava."
Não faltam entre nós os que o identificam como mera expressão
do "individualismo caótico de uma cultura desintegrada, protestante,
capitalista",
6
ou os que o definem como quase o oposto, isto é, perigoso
corifeu de um socialismo irreligioso; é frequente apresentá-lo como
defensor de uma educação sem objetivos, concentrada no método, ou,
"ambiguamente", situá-los no crescimento; não são raros os que o
definirão, com o seu
6 Alexander Meiklejohn — Education between two worlds (Harper & Brothers,
1942). Essa obra demonstra, por parte do autor, uma oposição radical a Dewey,
essencialmente na concepção de um estado como poder político "orgânico", contra a
conceçao de estado defendida por Dewey em The public and its problems, que
Meiklejohn considera "inorgânica", em seu pluralismo culturalista. Alexander
Meiklejohn foi professor da Universidade de Wisconsin.
pragmatismo, do modo- por que o fazem exegetas do materialismo
ortodoxo, como Roger Garaudy, como expoente de uma "cultura
decadente", pregoeiro de "uma nova forma da sofística e da
escolástica."
A despeito de tudo isso, o aspecto até hoje prevalecente em
relação ao instrumentalismo deweyano será, realmente, o da sua
posição precursora, como afirma Anísio Teixeira.
O seu exato entendimento e a sua congruente aplicação têm sido,
em verdade, até hoje vítimas de incompreensões e deturpações as mais
lamentáveis, seja de opositores como de partidários.
Na América do Norte é sabida a extensão das distorções que,
envolvendo a filosofia educacional desenvolvida por John Dewey,
praticou o movimento denominado de "educação progressiva", o que
levou o mesmo Dewey, em Experience and Education a submetê-lo a
sérias retificações, sobretudo no exato entendimento do papel dos
impulsos espontâneos na educação.
Em corrente de filosofia educacional mais recente, que não se
intitula inconciliável com o experimentalismo, antes, pelo contrário, tal
como ocorre com o "reconstrucionismo"
7
de Theodore Brameld,
parece-nos que, outra vez, o ingrediente da composição buscada é, em
essência, incomportável senão antitético com o experimentalismo, na
medida em que busca uma revisão do "relativismo experimentalista", o
qual constitui, precisamente, sua característica definidora, fundamental.
Na raiz dessas distorções, está a tenaz fixação humana na ânsia por
definições, certezas e seguranças por atacado; essa rejeição da cultura
em permanente fluxo e em intérmino processo de aperfeiçoamento,
como no naturalismo cultural de Dewey, onde não cabe a homologação
de arquétipos imutáveis de perfeição; essa tendência a uma "planned
society" ao invés daquela "planning society" conforme a justificaram
Dewey e J. L. Childs; essa inaceitação do universo em aberto, em
perpétua evolução, recriação e reconstrução, que é o laivo darwiniano
indisfarçável da filosofia deweyana.
Veja-se o que escreveu o mesmo T. Brameld
8
em Toward a
Reconstructed Philosophy of Education:
"É do progressivismo, contudo, que a emergente filosofia do
reconstrucionismo muito aprendeu".
7 Note-se que a mesma expressão "reconstrucionismo" tem um indisfarçável
odor deweyano.
8 Professor de Filosofia da Educação: New-York University.
"Em certos aspectos as duas teorias são tão similares que uma
pode propriamente inquirir da outra se são, de fato, separadas".
Mas é, reconheça-se, o mesmo Brameld que, ao alinhar uma série
de "pontos fortes e fracos do pragmatismo", inclui tópicos onde se
pressentem suas contradições fundamentais, como, entre outros, nos
seguintes:
"Forte na tolerância a várias crenças; fraco na convicção ou
compromisso com necessárias crenças positivas.
"Forte em nos ensinar como pensar, fraco em nos ensinar os
objetivos — para que pensaríamos."
9
Com I. B. Berkson
10
(The ideal and the community) as mesmas
contradições essenciais com o experimentalismo, quiçá em maior
escala, podem ser registradas, malgrado proclamar a sua
conciliabilidade.
Depois de definir o seu propósito, não de rejeição, mas de revisão
da filosofia experimentalista, assesta as baterias de sua crítica na
ausência de "firmes convicções", de "positivos programas de ação",
caracterizando o pragmatismo basicamente como uma filosofia "bem
ajustada à crítica de situações existentes, incapaz porém de conduzir à
capacidade decisória exigível em períodos de crise", ou de aceitar
"compromissos para com absolutos."
Por menos que talvez o reconheçam os seus autores é indis-
farçável a presença aí das posições das filosofias perenialista e
essencialista, estruturalmente inconciliáveis com o experimentalismo,
no que tange à adesão delas aos princípios da educação fundamentada
no apriorismo de fins últimos, de absolutos sobrenaturais perenes, de
eternas verdades universais, de valores intrínsecos e não experimentais,
ou de outros absolutos seculares.
William James definiu, certa feita, a essência do pragmatismo,
como sendo "mais um método do que uma doutrina."
11
E esse método outro não é senão o método empírico e cooperativo
da investigação experimental, o "método da inteligência*', como o
chamaria Dewey, que "instalaria na filosofia algo da mesma tendência
ao consenso que já se havia instalado na ciência", como acentua J. L.
Childs em Pragmatismo e Educação.
Daí a implicação de que o propósito básico da escola teria de ser o
de proporcionar condições que permitam à juventude
9 A propósito, lembre-se a advertência de Dewey: "Teach how to
think, but not what to think."
10 Professor de Educação: The City College of New-York.
11 Recorde-se que o subtítulo do livro Pragmatismo de William James. é: "Um
nome novo para algumas velhas maneiras de pensar".
tratar experimentalmente as situações problemáticas da vida,. sempre
cambiante e vária.
Assinale-se que isto nada mais seria, segundo observa Charles S.
Peirce, do que a aplicação peculiar de uma antiga regra. de lógica:
conhecer a árvore pelos frutos, princípio evangélico,, aliás.
Ressalte-se que o mesmo Dewey sempre teve perfeita noção das
dificuldades de empregar atitudes e procedimentos experimentais em
todos os aspectos da experiência humana, opostas pelos que sustentam
que o método científico cabe apenas no mundo dos fatos e não no dos
valores, sem que por isso jamais deixasse éle de admitir a necessidade
dessa atitude científica, experimental, seja para um como para o outro
reino: "a common, logical pattern in scientific and moral knowing."
Esta atitude experimental tem o seu campo de ação necessário no
modo de vida democrático, como a tarefa de desenvolver
indefinidamente uma sociedade, na medida em que variem as
condições de vida e se adquiram novos conhecimentos, modi-ficando-
se, consequentemente, os direitos e responsabilidades dos povos e os
propósitos e funções de seu sistema de governo, relações e modos de
vida.
Esta é uma concepção dinâmica, evolutiva, de democracia, nada
estática, implicando um modelo de comunidade e de vida política que
há de seguir, incessantemente, desenvolvendo-se experimentalmente.
Situações estas que levaram G. H. Mead a definir a democracia
como um sistema político e social que "institucionalizou a revolução",
no sentido da adoção pacífica de mudanças as mais drásticas nas
relações de propriedade, de raça, sexo, Igreja e Estado.
Pode-se assim admitir seja "antiintelectualista", como o afirma
Hutchins, uma filosofia educacional balizada pela utilização de
métodos científicos e processos democráticos à ação escolar que são,
segundo destaca Sidney Hook, as coordenadas básicas e
interdependentes do pragmatismo?
Será procedente afirmar ter correspondido apenas a um "pretérito
período histórico" uma filosofia como a do experimentalismo que
"sustenta que os valores da democracia e os métodos de investigação
experimental se acham fundamentalmente relacionados entre si e que
cada um necessita do outro para seu mais frutífero desenvolvimento",
conforme demonstra J. L. Childs?
É caso de atribuir-se hoje puro "valor documental", como
afirmam, emocionalmente, alguns, a uma filosofia que é uma teoria
instrumental do conhecimento, a conceptualização daquela
transição de ciência, conhecimento, à ciência, costume prático. como o
reconhece Bertrand Russell?
Céptica, como o quer Maritain, será uma filosofia que redundou
numa vigorosa afirmação crítica ao legado aristocrático inerente à
tradição cultural e educacional do Ocidente, que formulou uma nova
concepção de cultura e educação, que superou os tradicionais
dualismos históricos entre mente e corpo, trabalho e lazer, acadêmico e
profissional, teórico e prático, ideal e utilitário?
"Falhada" em relação às tarefas básicas da escola, como assevera
Albert Lynd,
12
uma filosofia educacional que demonstra, numa
revolução verdadeiramente coperniciana na praxis escolar, "que os
interesses intelectuais não são suficientemente alimentados numa
escola em que o mundo dos símbolos se considera autónomo?"
13
"Irracional", como o pretende Robert Hutchins,
14
uma filosofia
pela qual é a educação um processo de transmissão e permanente
revisão dos significados e as ideias prescrições para executar atos,
confirmadas ou não pelo teste pragmático da experiência?
"Perempta", como o quer Bestor
15
antes de se começar a prová-la
autenticamente, ou tentar aboli-la, antes de a haver, congruentemente,
posto à prova da experiência?
Sem dúvida é legítima a confiança de J. L. Childs ao afirmar que,
"se os pragmatistas apreenderam corretamente as significações próprias
ao pensamento científico e ao estilo de vida democrático", sua filosofia
perdurará.
Mais do que perdurará, cremos mesmo serem o científico e o
pragmático o caminho efetivo único para o universo comum do
entendimento, como o sustenta Brubacher.
Não cremos seja mais a apocalítica corrida do nosso tempo
exatamente aquela de H. G. Wells, entre a educação e a catástrofe.
Cremos que essa corrida a educação já venceu.
Mas será uma vitória de Pirro, se devoções metafísicas e
teológicas, lealdades a absolutos continuarem prevalecendo, dentro
dela, sobre o teste pragmático da experiência.
Então teremos o prevalecimento das tendências esquizóides de
nossa cultura, com seus aspectos de tensão, crise, desintegra-
12 Albert Lynd — Quackery in the public schools Litlle, Brown e-Co.,
Boston, 1953.
13 John L. Childs — Pragmatismo e educação.
14 Robert Hutchins — Conflicts in Education (1946).
15 Bestor Educational Wastelands (1953).
ção, como expressão do conflito entre crenças e hábitos que dependem
basicamente de dogmáticas autoridades finais e inape-láveis, religiosas
ou políticas, e o que decorre da capacidade de inteligente autodireção
dos homens no sentido da modificação experimental de sua cultura.
E Dewey nos diz, justificando a filosofia como método de
contínua investigação que "se já estivéramos de posse de um
completamente harmonizado esquema de valores, a empresa total da
filosofia seria supérflua".
Oportunamente vale, outrossim, não esquecer a advertência que
nos faz Boyd H. Bode
16
sobre a inconciliabilidade entre a atitude
inerente ao pensamento democrático e o critério de "normas
transcendentes no campo moral", obstáculo ao processo democrático
como os daquela série de "pequenos absolutos que o travam", como
sejam os "direitos inalienáveis", a "santidade da livre empresa" e tudo
mais que é expressão do esquema do platonismo, entre o reino do
"empírico" e o do "transcendental", cujos limites, questiona Bode, seria
o caso não de traçá-los mas de não fazê-los, em absoluto.
A democracia é assim definível, como o faz J. L. Childs, como
um esquema de vida incompatível com qualquer tipo de absolutismo:
teológico, metafísico, político ou racial. Cada vez e onde aparece um
absoluto, a função da inteligência na integração de interesses fica
subordinada a forças externas.
É ainda o mesmo B. H. Bode quem nos adverte de que "uma
sociedade democrática não pode gozar de segurança, se alguns de seus
modos de vida e pensamento operam sobre uma base empírica,
enquanto outros, representados pelas closed áreas da cultura a que se
referem os cientistas sociais, continuam este-ando-se e agindo à base do
"absolutismo tradicional".
Segundo o entendimento experimentalista o fenômeno religioso
haverá de ser considerado como uma das formas de experiência
humana-social, tecnológica, científica, política, estética, mística, sem
nada de especial e hierarquicamente privilegiado, não como uma fonte
de verdade no sentido científico, mas no da expressão de Santayana
sobre religiões teológicas: "melhores ou piores, nunca verdadeiras ou
falsas".
Kilpatrick
17
igualmente insiste em que "nosso dever consiste em
preparar a geração que surge, a pensar por si mesma, inclusive até, se
assim o decide, para rever e rechaçar tudo que pensamos até agora".
16 Professor da Universidade de Ohio. Autor de obras clássicas, como How we
learn, Fundamentals of Education, etc.
17 William Heard Kilpatrik — Professor Emérito de Filosofia da Educação no
Teacher's College, da Columbia University.
2
A antropocêntrica confiança na capacidade humana para
desenvolver suas próprias bases morais e definir e redefinir os fins e
meios da existência humana choca-se assim, inevitavelmente, com os
fixistas que se consideram depositários e imposi-tores irrecorríveis de
crenças, essências, valores e práticas imutáveis, criando uma profunda,
insanável esquizoidia social.
Na medida em que formas de totalitarismo político, sobrenatural,
eclesiástico, continuarem encarando a realidade e pretendendo decidir
sobre ela como se fora um sistema imutável, terminado e estático,
aferrados a valores intrínsecos, não instrumentais, apegados à
racionalização dos meios de vida e pensamento herdados, adstritos a um
acrítico sentido reverenciai à ordem social existente, sufocados ao peso
de eruditas tradições medievais, não será legítimo esperar-se o
prevalecimento do universo comum do entendimento que só o científico
e o pragmático podem fornecer, e que dão, justa, a medida da atualidade
instrumental do pensamento de Dewey.
UM PROBLEMA E DUAS ÉPOCAS
FERNANDO DE AZEVEDO
Da Universidade de S. Paulo
Quando apareceu este livro, em 1920, era ainda muito jovem e já
contava com cinco anos de estudos sobre educação física e de lutas pela
sua organização e difusão no país. Essa companha eu a iniciara com
todo o calor dos meus vinte e um anos, em 1915, propondo e obtendo a
criação de uma cadeira de edu-cação física no Ginásio do Estado da
capital de Minas e dispu-tando-a em concurso como prova pública da
importância que atribuía a esta parte, tão menosprezada da educação
geral. Re-ferindo-se a esse ruidoso concurso, escreveu Lindolfo
Azevedo em O País, do Rio de Janeiro, um belo artigo que, depois de
haver apreciado a tese que eu defendera, terminava com estas palavras:
"A cadeira não lhe foi dada, mas o livro ficou". A presente obra, —
uma reedição, refundida e ampliada, desse trabalho, mas já sob título
mais amplo e mais adequado ao próprio conteúdo, fora precedida de
entrevistas e conferências com que inaugurara movimento de larga
repercussão, e uma das quais "O segredo de Maratona" (Estudo de
atlética e eugenia) pronunciei em 1919, a convite da Associação Cristã
de Moços, de S. Paulo. Nessa época já distante, — e tão afastada de nós
que a mim mesmo me parece, ao evocá-la, transportar-me a um mundo
diferente, — a situação relativa à educação física e aos esportes
assemelhava-se, sob vários aspectos, à da França na segunda metade do
século passado. Pois, como lembra Marcel Boulenger, "em suas
famosas notas sobre a boa sociedade, "Vie et opinions de Frédéric
Thomas Graindorge", publicadas pela Vie Parisienne, por volta de
1864, Taine não diz palavra sobre qualquer esporte: êle nos mostra seus
jovens elegantes a fazer as unhas e a inventar castões de bengala, o que
lhes bastava para ter algum apetite. Em 1867, o Conde de Gobineau
descreve com espanto o trajo adotado pelos ingleses para jogar cricket:
"sen-te-se que êle os julga um pouco doidos".
Prefácio da 3º edição do livro DA EDUCAÇÃO FÍSICA O que ela é, o que tem sido e o
que deveria ser. Edições Melhoramentos, S. Paulo, 1960.
Compreende-se que, sendo essa uma época em que a mocidade,
mais ou menos boémia, ainda se apresentava muito apurada em roupas
e, pelo geral, tão desinteressada de atividades esportivas (os esportes
anglo-saxônios tomavam então o seu primeiro impulso), podia parecer
estranha a atitude de um jovem intelectual que saía a campo para
destacar o papel da educação física no plano geral de educação. Como
admitir-se que um escritor, de formação humanística, se deixasse
empolgar pela educação física a ponto de se esforçar pela criação de
uma cadeira dessa matéria, pleiteá-la como candidato e desencadear
campanha em favor da ginástica, dos jogos e dos esportes? Diante
dessa atitude singular naqueles dias, inesperada e, por assim dizer,
exótica, quase todos sorriam com ironia, como se se tratasse de
devaneios ou expansões românticas de rapaz. É por isso que, ao tratar
"Do Esporte", em seis artigos, reproduzidos no livro Daqui e de longe...
(1920), iniciava Artur Neiva o quarto deles com estas palavras:
"Fernando de Azevedo realiza atualmente no Brasil quase um
paradoxo. Latinista de verdade, bate-se pelo atletismo com denodo de
apóstolo. Entre nós, os denominados estudos clássicos envelhecem a
alma dos que deles se alimentam. Somente se olha o passado: o
saudosismo empolga o homem. O ilustre autor de Antinous e de A
educação física debruça-se sobre o futuro como as grandes árvores
seculares cujas raízes mergulham no passado, enquanto a ramada sonha
com a primavera que lhe trará uma folhagem mais virente e, com ela, a
canção perdida, gorjeada nos ninhos e estalando no riso das crianças
que se acolhem à sua sombra. Querer ligar o passado e o presente ao
futuro, sonhando viver na alma de uma descendência cada dia melhor,
é apanágio de raros brasileiros. E malgrado tudo, os moços de agora
são, a todos os respeitos, melhores que os de minha geração".
Se se descontar a parte de generosidade para comigo, é certo que
na lúcida apreciação do grande Artur Neiva, há observações que seria
preciso reter. O que êle então notava no autor deste e de outros livros e
se lhe afigurava "paradoxal" na época em que ambos lutávamos por um
mesmo ideal, é a reação contra o dualismo artificial entre o pensamento
e a ação, dominante nas elites intelectuais daquele tempo (1920). Era
vez de deixar adormecidas, nas gerações novas, as atividades físicas, a
consciência do valor da vida ao ar livre e em contato com a natureza,
lutava por despertar-lhes a prática da ação, a vontade de se vencerem a
si mesmos e essa capacidade de reação, sempre necessária para que a
energia orgânica e mental reconquistasse, ela própria, tudo o que uma
facilidade excessiva acabaria por destruir. Os estudos clássicos que, nas
palavras de Artur Neiva, "envelhecem a alma dos que deles se
alimentam", e costumam fazer-nos olhar para o passado, foram, para
mim, exatamente,
como o fiz sentir, em minha conferência "A lição da Grécia", o ponto
de partida e a fonte de inspiração para o movimento que então se
empreendeu, em favor da educação física no Brasil. Os tempos
certamente são outros e não saberíamos nem nos interessaria fabricar-
nos uma alma antiga. Temos de ser modernos, criadores de uma nova
civilização, com outros estilos de vida e de pensamento. Mas foi dos
gregos, em contato com a cultura helénica, que se despertou em mim o
sentido da beleza e da eficácia dos exercícios naturais, dos jogos
gímnicos ou praticados em estado de nudez, em pleno ar, e dessa
maravilhosa associação da poesia, da música e plástica, que fazia apelo
a todo ser pensante e sensível, e podia exprimir "o homem todo inteiro,
corpo e alma, na jovial plenitude de uma existência bem equilibrada, e
segundo as regras, válidas a um tempo para a arte e para a vida, da
ordem, da medida e da harmonia". Sabe-se (para dar apenas um
exemplo) que se dançava por toda parte na Grécia. Danças armadas,
religiosas ou guerreiras; danças evocativas como a dança vermelha, côr
de fogo e de sangue; danças rituais; danças apolíneas e dionisíacas.
Mas, se já não podemos tomar aos gregos, com toda a riqueza de seu
conteúdo simbólico, a dança antiga que marcava com seu ritmo as
grandes etapas da vida, — havia os coros de himeneu e as danças de
natividade, como o treno grave dos cortejos fúnebres, — é deles,
sobretudo, que aprendemos a significação profunda da dança,
compreendida como um "dom expressivo de todo o ser, traduzindo,
pelo movimento livre no espaço, um sentimento que é uma inspiração
melódica ou rítmica", ou ainda como consagração ao movimento total.
Na cadeia das tradições idealistas que fizeram da atlética o rito
nacional dos gregos, inscreve-se o extraordinário movimento, inspirado
em Pierre de Coubertin, em favor da restauração dos Jogos Olímpicos,
e que, iniciado na França nos fins do século XIX, tomou vigoroso
impulso no século atual. Pois, não foi somente no domínio das danças
leves ou sagradas, guerreiras ou de teatro, que os gregos nos
transmitiram uma herança preciosa que, entre outras bailarinas, Isadora
Duncan procurou recolher, inspirando-se, em suas danças expressivas,
nas atitudes e nos movimentos reproduzidos nas métopas dos templos
gregos. "Sob a inspiração dos deuses, em homenagem prestada ao seu
todo-poder (escreve Robert Demancel), os gregos, como os outros
povos, mais que a maior parte deles, amaram e praticaram essa
admirável "oração do corpo". Eles nos ofereceram por toda parte e
sempre, nas palestras, nos ginásios e nas competições atléticas, o
espetáculo simultâneo de uma arte e de uma ciência notáveis, tendo a
educação do corpo por objeto. É deles que nos vieram, para se
incorporarem à atlética moderna, esse conjunto harmonioso de cinco
exercícios, — o arremesso do dardo, a corri-
da, o arremesso do disco, o salto e a luta, que conhecemos pelo nome
grego, pentatlo; a famosa corrida dos archotes e a de Maratona,
comemorativa da façanha do soldado que, no dia da vitória de
Melcíades sobre os persas, venceu, ferido, a distância de quarenta
quilómetros entre o burgo de Maratona e Atenas, para cair moribundo
ao pé dos arcontes, depois de lhes dar a boa nova, agitando a palma da
vitória. É deles ainda que nos veio essa ideia, eminentemente grega,
traduzida na estatuária, de que o corpo humano, independentemente do
rosto, tem uma beleza própria, e retomada, em nossos dias, pelo
romancista D. H. Law-rence, quando escreveu: "O corpo tem talvez
uma vida autónoma, mais autêntica mesmo do que a personalidade. Por
que razão, na escultura, um corpo sem cabeça é tão belo? Porque tem
uma vida própria". Nessa atmosfera de calorosa simpatia com que então
se evocavam as tradições dos jogos gregos, deixam-se empolgar de
entusiasmo escritores, como, entre outros, Peladan, que, analisando em
A atlética e a estatuária antigas as relações entre a escultura e os
exercícios em estado de nudez, mostra que, entre as honras atléticas, se
contava a icônica: as estátuas olímpicas representam vencedores
apanhados ao natural, retratos de corpos".
Já se vê, por tudo isso, que não foi a despeito de minha formação
inicial, impregnada de humanismo clássico, mas talvez por força e sob a
inspiração desse humanismo mais grego do que latino que meu
pensamento e minha ação se voltaram na mocidade para a cultura física
e as atividades atléticas. Em 1920, quando começou a intensificar-se em
prol da educação física e dos esportes esse movimento que teve em S.
Paulo o seu principal foco de irradiação, vários fatores se conjugaram
para favorecê-lo e abrir-Ihe o caminho à expansão por outros pontos do
país. O primeiro importante surto industrial que se verificou, em virtude
da guerra mundial de 1914-1918, e da consequente redução de im-
portação de mercadorias estrangeiras; o sentimento que se difundia, da
necessidade de mudança, criando um estado de inquietação e de
efervescência intelectual, com suas repercussões nas artes, nas letras e
na educação; e a invasão do país pelos esportes anglo-saxônios ou por
turmas que começavam a conquistar o interesse e as simpatias
populares, foram alguns dos fatores favoráveis ao movimento que então
se inaugurou, e era também de renovação educacional. O pequeno
grupo que dele teve a iniciativa e do qual participava com entusiasmo
Américo Neto, infatigável batalhador da mesma causa, enriqueceu-se de
novos e valorosos elementos. A imprensa de S. Paulo e do Rio de
Janeiro, de modo geral, e, particularmente O Estado de S. Paião, que
tomou posição de vanguarda, estimulando a campanha e franqueando
suas colunas aos que nela se empenhavam, tiveram papel saliente na
difusão desse movimento de ideias. Todo o seu grande prés-
tígio de escritor, poeta e romancista, Coelho Neto, no Rio, o pôs a
serviço da atlética 'e dos esportes que, em S. Paulo, encontraram, para
apoiá-lo sem reservas, outro nome ilustre, esse, da ciência no Brasil,
Artur Neiva, discípulo de Osvaldo Cruz e fundador do Instituto
Biológico. Em poucos anos o desenvolvimento que então adquiriram os
esportes foi tal que educadores e escritores entraram a preocupar-se
com as suas possíveis consequências e seus aspectos negativos. No seu
livro, de caráter polémico, O esporte está deseducando a mocidade
brasileira, Carlos Sussekind de Mendonça discute, em páginas
vibrantes, a questão que levantou, atribuindo à expansão dos esportes o
abandono dos estudos pelas novas gerações.
Nada mais interessante agora do que reexaminar, a quarenta anos
de distância, a situação relativa à educação física, por volta de 1920, e
confrontá-la com o estado atual, e retomar o mesmo problema, para ver
em que termos o coloquei naquela época e gostaria de colocá-lo neste
momento, decorrido tão largo período. As semelhanças e diferenças, em
um e outro caso, são igualmente instrutivas. Comecemos pela análise e
confrontação das duas situações, — a de 1920 e a de 1960, — que se
contrapõem e entre as quais se observa um processo de evolução
assinalado por conquistas e progressos na matéria. Naqueles tempos, já
distantes, de minha mocidade, quase tudo estava por fazer sobre
educação física e nem sequer se havia tomado consciência do que
representa essa esfera particular, para a cultura integral da
personalidade, no plano nacional da educação. Tudo eram indiferença e
hesitações, descaso e confusão. Do valor higiénico dos exercícios e da
necessidade de lhes estender a prática habitual por todas as escolas; da
importância do esforço muscular, indispensável à saúde e à formação da
personalidade, pelos seus efeitos biológicos, psicológicos e morais,
como por seus efeitos sociais; da apreciação estética do corpo, tal qual é
no estado de natureza, como o de um belo animal, forte e ágil, quase
não se cuidava, e, quando se animava alguém a enveredar por esses
assuntos, era sempre a um pequeno público que se dirigia, mais para
despertar a consciência do alcance desses problemas do que para
analisá-los com rigor e apontar-lhes soluções. Nenhuma realização
importante a não ser no campo da iniciativa particular. Nenhuma escola
de educação física. Nenhum esforço para a formação cultural e
profissional de técnicos e "instrutores", conforme então chamavam aos
professores desse ramo da educação, como para significar, pelas
diferenças de nomes (lente, professor, instrutor, mestre) uma gradação
na hierarquia funcional, em cujo ápice se mantinham os que se
dedicavam a ati-vidades puramente intelectuais, ficando as de base
manual e mecânica degradadas a plano secundário. E se, nessa época,
se excetuarem os esportes anglo-saxônios que irromperam no país,
conquistando as preferências dos rapazes e do povo, em geral, e a cuja
expansão, mais do que à ação dos indivíduos, se deve, entre nós, o
interesse crescente pela educação física, bem pouco mais ou quase mais
nada se poderia apontar de praticamente significativo, na fase inicial de
nossas lutas nesse setor da educação.
O quadro que hoje se desenrola, nesse domínio de estudos e
atividades, é, sob muitos aspectos, diferente, senão oposto, e, a despeito
de erros graves e lamentáveis lacunas, realmente animador.
Registraram-se, de fato, nesse período de quarenta anos, progressos
notáveis não só do ponto-de-vista quantitativo como também no tocante
ao nível e à qualidade. Os esportes, os mais variados, — tomada essa
palavra para significar toda espécie de exercícios ao ar livre, segundo
modelos fixados de antemão, — difundiram-se por toda parte e
tomaram, nos grandes centros urbanos, um desenvolvimento acima de
qualquer expectativa. E, como o esporte não é somente um exercício e
uma atividade recreativa, mas "uma luta seja contra o homem, —
indivíduo ou grupos, seja contra o espaço e o tempo, mas uma luta
segundo convenções aceitas e perfeitamente reguladas" (sem regras não
há esporte), com a difusão dos esportes se desenvolveram e se
aperfeiçoaram as técnicas na prática desses exercícios ou dessas
competições a céu aberto. Multiplicaram-se os clubes e as associações
esportivas, algumas das quais atingiram alto grau de prosperidade,
pondo-se em condições de construir, ampliar, renovar suas sedes e
dotá-las das mais modernas instalações. Edi-ficaram-se magníficos
estádios, como, para citar apenas dois, o do Pacaembu, em S. Paulo, e o
de Maracanã, no Rio de Janeiro, abertos a competições locais, nacionais
e internacionais. Alar-gou-se em páginas e suplementos, nos diários e
nas revistas, a parte reservada aos esportes que passaram ao primeiro
plano nos noticiários da imprensa, como nos programas de rádio e de
televisão. Os músculos, como o culto das formas, da beleza e da graça
feminina, realçadas em concursos e exibições espeta-culares, tomaram
um lugar cada vez mais importante nas preocupações públicas. Os
próprios governos que trocaram, nesse campo, a indiferença pelo
interesse, não deixam de espalhar sobre os esportes os recursos de que
dispõem, e participam, eles mesmos, em graus variáveis, da emoção
geral. Sobretudo nas grandes partidas de futebol, — o esporte soberano,
conquistador de multidões, importado da Inglaterra, e cujas origens
parece remontarem a Roma, aos jogos, no Campo de Marte, com bola
de bexiga de boi, e ao antigo jogo bretão de la soule, seu mais recente
antepassado que tinha a forma de um combate ritual entre aldeias.
Mas não se limitaram à difusão dos esportes e das atividades
atléticas os progressos da educação física no país. Criaram-
se Escolas de Educação Física, em S. Paulo e no Rio, — esta última, a
mais bem instalada e aparelhada de todas; uma Divisão de Educação
Física no Ministério da Educação e Cultura; Departamentos de
Educação Física e Esportes, em Estados como o de S. Paulo; campos de
jogos para crianças (playgrounds), esses, aliás, por sugestão minha e
iniciativa da Prefeitura de S. Paulo, que me encarregou, no governo
Firmiano Pinto, de lhes elaborar o projeto, somente posto em execução
na administração Fábio Prado. A Escola de Educação Física do
Exército, em que se transformou a antiga Escola anexa à de Sargentos,
na Vila Militar, instala-se, restaurada em suas bases, na Praia
Vermelha, junto à Fortaleza de S. João, "no belíssimo tabuleiro, uma
arena encravada no fundo de um anfiteatro de montanhas e debruada
por praias de areias côr de pérolas". É, no governo, uma das maiores
instituições que se organizaram no país. Foi à antiga Escola de que esta
se originou, que enviei, quando Diretor Geral de Instrução Pública, em
1928, no Rio, e, em 1933, em S. Paulo, algumas dezenas de professores
primários para aí fazerem cursos de aperfeiçoamento e especialização
profissional. Foram eles os primeiros que, entre nós, se habilitaram
para o exercício desse magistério. Para atenderem às necessidades
criadas pelo interesse crescente pela natação, abriram-se, nas
associações esportivas e fora delas, numerosas piscinas, várias das
quais são tidas por modelares. Fundaram-se revistas especializadas, —
e excelentes, — como Esportes e Atlética, — a primeira por iniciativa
de Américo Neto, e que tiveram curta duração; a bibliografia quase
inexistente em 1920 (são de minha mão as primeiras obras que, sobre a
matéria, se editaram no país), enriqueceu-se de livros, folhetos e
comunicações que acompanharam de perto os progressos realizados
nesse domínio de atividades. Mas, com serem tão evidentes esses
progressos em vários setores, tudo ou quase tudo está por fazer, quanto
à organização e à prática sistemática da educação física nas escolas de
todos os graus a que faltam, em geral, professores especializados,
pátios para ginástica e jogos, e instalações necessárias ao controle
biotipológico dos alunos, das atividades físicas e de seus resultados.
É certo que para tal desenvolvimento, notável a certos respeitos,
da cultura física e dos esportes, contribuíram as novas condições
sociais, econômicas e culturais. À base das transformações de estrutura
e de mentalidade, como de mudanças de hábitos de vida, tão
fortemente acusadas nesse como nos demais setores da vida social, está
o processo de industrialização e urbanização do país. Os progressos da
técnica, conforme _ tantas vezes já se assinalou, "tendem a deixar para
trás as instituições que o mundo ocidental herdou, e a tornar obsoletas
as estruturas dentro das quais fomos acostumados a agir, pensar e
viver". Mas não é somente nas modificações de concepção e estilos de
vida, determinadas pelos progressos técnicos, que se pode buscar a
explicação da evolução rápida dos esportes, que constituem
insubstituível compensação à vida sedentária e à inatividade física,
favorecidas pelo veículo mecânico e, de modo geral, pela máquina, e à
própria atividade cerebral, poderosamente estimulada numa civilização
que se apoia no desenvolvimento das ciências e da técnica, e requer,
para progredir, legiões de cientistas, engenheiros, técnicos de toda
ordem e operários qualificados. A corrente esportiva que arrasta os
povos (e o Brasil não faz ex-ceção), "explica-se e justifica-se ainda,
como observa André Latarjet, da Faculdade de Medicina de Lyon,
pelas formas atuais de trabalho. O desenvolvimento da indústria, a
exploração maciça das matérias-primas revolucionaram as condições da
vida operária: má higiene do habitat, atmosfera das usinas, das minas,
carregadas de poeiras malsãs, às vezes tóxicas". Tudo isso, somado à
intensidade da vida e atividade urbanas, nas sociedades industriais, à
necessidade crescente de desafogo e de quebra do ritmo normal do
trabalho, tende não só a despertar e desenvolver o gosto dos exercícios
e das competições ao ar livre, a que emprestam relevo especial as
técnicas modernas de comunicação, como também estimular, por uma
espécie de nostalgia da natureza, a evasão em massa, as fugas
periódicas para o campo, as praias e montanhas.
Se à ação múltipla dos progressos técnicos e industriais se
acrescentarem a volta à ideia do indivíduo como um todo, a crença na
unidade do ser humano e na possibilidade de formação do homem
completo e a exaltação dos valores biológicos e vitais, provenientes do
naturalismo e ligados à nova forma de civilização, — industrial, de
base científica e técnica, ter-se-á talvez o complexo das influências que
mais concorreram para a expansão dos esportes e das atividades físicas.
Escreveu Franz Werfel, a esse respeito, em A alma humana e o
realismo, uma página severa, digna de meditação. "O realismo radical
destes últimos anos (observa Franz Werfel) parece ter alcançado seu
objeto em um só ponto: aproximou, — de um modo que parecia antes
irrealizável, — o homem de seu próprio corpo. Não seria exagerado,
em face desse estado de coisas, falar de uma descoberta do corpo
humano e de sua conquista pelo homem. Não me refiro somente à
higiene, aos esportes, ao naturismo, à vida ao ar livre, mas também a
uma espécie de aproximação amistosa entre o homem e o seu ser
corporal, tal como nunca o conheceu a história. Essa aproximação que é
certamente o maior êxito do realismo moderno, tem, sem embargo, uma
significação eminentemente simbólica: só se explica pelo horror vacui,
o horror ao vazio. A alma faminta e debilitada do homem agarra-se ao
objeto menos distante, o corpo. Uma espécie de auto-excitação
psicológica impele o homem a abandonar o mundo exterior, flutuante
no sucessivo da realidade, para dobrar-se sobre si mesmo. Procura
assim o alimento substancial que lhe falta... Transformado em
verdadeiro ídolo pela cultura física moderna, o corpo é como que a
última camisa que o realismo radical deixou à alma humana". É
evidente o pesssimismo de Franz Werfel na maneira de colocar o
problema; mas, embora parcial ou fragmentária, parece-me exata essa
interpretação, quando considera o esporte, a vida ao ar livre, os
cuidados com o ser corporal, a expressão mais completa do realismo,
entendido como "a atitude que põe o homem em face da vida e que,
deixando de lado todo preconceito, une o homem à natureza."
Confrontando agora, não as situações, em 1920 e em 1960, mas as
ideias sobre educação física que naquela época defendia, e a minha
posição atual em face desses problemas, estou inclinado a pensar que, a
esse respeito, há mais semelhanças do que diferenças. Remontei, para
analisá-los, ao primeiro trabalho que escrevi, em 1916, e de que
resultou, em edição refundida, esta obra, lançada em 1920, e
acrescentada, nesta 3.
a
edição, de outros estudos escolhidos entre os
mais significativos do meu pensamento. Compulsei as conferências que
por essa ocasião proferi, e outros trabalhos que se anexaram, neste
volume, ao texto fundamental do meu pequeno tratado. Do título que
traz e do subtítulo que se lhe ajuntou, desde a edição anterior: Da
Educação Física — O; que ela é, o que tem sido e o que deveria ser,
se vê que nela foram examinados os fundamentos biopsicológicos e os
aspectos históricos, se procedeu a uma análise de fatos relativos ao
estudo desse setor da educação, e se traçou, certamente em linhas
gerais, um plano ou programa de educação física, baseado nessas ideias
e observações. Não deixei de recorrer às páginas, cheias de calor e
vibração da mocidade, da conferência pronunciada, em 1923, em
Ribeirão Preto, na inauguração das competições atléticas promovidas
naquela cidade por sua Escola de Cultura Física, pioneira das
instituições que se organizaram em apoio e para estímulo do
movimento pela educação física no país. A essa conferência que figura
no 2.° Tomo da 4.
a
edição de outra obra A educação e seus problemas,
seguiram-se artigos e entrevistas em que voltava à questão, para lhe
abordar novos aspectos ou reexaminá-la a uma luz diferente. Em todas
essas ocasiões em que rompia o recolhimento de meus estudos literários
para levantar a voz, às vezes quase solitária, em defesa da cultura física,
da atlética e dos esportes, tinha de investir contra erros, abusões e
preconceitos que ainda imperavam nesse como nos demais domínios da
educação.
Ao proceder a uma revisão crítica, retrospectiva, de meus pontos-
de-vista sobre esses problemas, creio poder afirmar que minhas ideias
de hoje ou coincidem com as que, nesses trabalhos,
vêm expressamente formuladas ou neles se encontram em gérmen,
apenas esboçadas. Era então, como sou hoje, inteiramente a favor dos
esportes e das atividades atléticas, em cujo desenvolvimento lamentava
não tivessem as escolas de todos os níveis (e pode-se dizer que tenham
tido depois?) a participação ativa que lhes competia e delas se podia
esperar. Que esse extraordinário movimento em defesa e pela difusão
dos esportes se processou, no país, fora da escola e sem a participação
dela, mas por iniciativa e impulso dos clubes e associações esportivas,
não há sombra de dúvida. Mas o que importa agora, diante desse fato, é
que se incentive o movimento de fora para dentro das escolas, segundo
já então propugnava, estimulando a capacidade competitiva entre
estudantes e de unidades escolares entre si, em torneios locais,
regionais e nacionais. Essa eusência das escolas na expansão dos
esportes e, em geral, dos exercícios naturais, provém não somente do
fato de que, nos sistemas de educação publica, as outras esferas da
educação se apresentavam, como ainda se apresentam, mais adiantadas
do que a educação física, senão também do vigoroso impulso que,
exatamente por essa deficiência das instituições educacionais, tomaram
as associações esportivas e atléticas, que se transformaram, por isso
mesmo, nos maiores centros de convergência e irradiação das
atividades físicas e recreativas. Se ginástica, jogos e esportes se pratica-
vam, e ainda se praticam, em mais larga escala, em clubes e
associações, quase todos de iniciativa privada, e em franco de-
senvolvimento, e para os quais afluem correntes de estudantes, de
moças e rapazes, as escolas se dispunham facilmente a demi-tir-se de
seu papel nesse domínio da maior importância no plano geral da
educação. Ora, essa demissão do papel que cabe às escolas e elas são
chamadas a exercer, é tanto mais condenável quanto é certo que da
população escolar somente a uma fração mínima servem as entidades
privadas (clubes e associações), ficando a quase totalidade ao
abandono, entregue à sua própria sorte, sem os benefícios de uma
educação, de que faça parte integrante a educação física, obrigatória
para todos.
E aqui tocamos num ponto essencial, que é o de maior integração
da educação física no plano geral de educação. Quero dizer com isso
que educação física é, antes de tudo e essencialmente, educação, e,
como parte desta, se liga a uma teoria geral da educação; que qualquer
programa "pedagogicamente aceitável", pelos seus fundamentos
psicológicos e sociais, tem de desen-volver-se "em relação orgânica
com a educação como um todo e, portanto, com as outras matérias e
seções nele representadas". Certamente, a educação física que é
educação pela atividade neuromuscular, estimulada e disciplinada
segundo planos racionais de movimentos e exercícios, tem seus
objetivos específicos como sejam a saúde, o desenvolvimento físico, a
robustez, a agi-
lidade, a graça e a beleza das formas como dos movimentos (euritmia).
Mas, em primeiro lugar, além desses fins que lhes são próprios, ela visa
fins gerais, — mentais, morais e sociais, como sejam a formação da
personalidade e do caráter, disciplina, sentido de cooperação, o fair-
play, o "belo jogo", o espírito esportivo, isto é, lealdade, elegância de
atitudes e de ação, saber ganhar como saber perder, modéstia na vitória
e aceitação, com bom humor, da derrota nas competições. Em segundo
lugar, tanto os fins específicos ou imediatos e primários, quanto os fins
gerais, ou mediatos e secundários, inspiram-se de uma determinada
concepção de vida e de educação, variável conforme os tipos de
civilização e as sociedades que neles se desenvolveram. É por isso que
(para darmos apenas um exemplo) as preferências dos gregos, na
democracia ateniense, se voltavam para a dança e os exercícios naturais
(salto, corrida, arremessos, luta), livres ou diversamente combinados
(pentatlo, decatlo), enquanto em Esparta, — sociedade aristocrática e
guerreira — o sistema ginástico preponderava sobre o sistema natural.
Parece haver relações estreitas entre os tipos de atividades físicas, de
um lado, e a vida econômica, social e política, de outro; entre a
ginástica ou sua predominância, de um lado, e a disciplina e vida
militar, de outro. Conforme os sistemas de organização social e de cul-
tura, prevalecem ou tendem a prevalecer, na hierarquia de valores, ora
os valores biológicos e vitais, ora os higiénicos e plásticos, associados
com esses ou aqueles valores, morais e sociais, que se podem
desenvolver pela prática dos exercícios e dos esportes.
Todos, porém, sabemos que, entre nós, se se tem procurado
desenvolver o corpo pelo próprio corpo, não se tem dado a devida
atenção "às aptidões mentais e aos efeitos indiretos que o exercício
pode produzir sobre o caráter e a personalidade". É que nos têm faltado
não só uma filosofia e uma política de educação em que se traduzam os
ideais de vida e se estabeleçam os princípios e as bases para a
reconstrução educacional, como também a consciência dessa íntima
correlação entre as atividades físicas e as atividades morais e mentais.
De um lado, a educação física se tem desenvolvido à margem tanto de
uma teoria geral de educação, como algo de separado e estanque,
quanto de uma política que inspirasse, de alto a baixo, a educação
nacional em todos os seus setores. Para onde vamos; quais as necessi-
dades e tendências reais da sociedade atual, e o que é preciso fazer a
fim de que a educação, em suas várias esferas, se organize para atingir
fins claramente definidos, são perguntas a que não dão respostas, ou
questões de que não cuidam os responsáveis pela educação no país. De
outro lado, continuamos esquecidos de que a psicologia e a fisiologia
modernas já têm demons-
trado, por pesquisas e experiências de toda ordem, a interdependência
vital da natureza física, intelectual e moral. Se se dá algum crédito à
teoria de William James, segundo a qual os. gestos e as atitudes criam
os sentimentos que lhes correspondem, muitos e excelentes hábitos de
vida, morais e sociais, se poderão inculcar e desenvolver, nas gerações
novas, através dos jogos, da ginástica e dos esportes. É preciso, pois,
insistir sobre a amplitude da ação da educação física que não se limita à
que exerce sobre o corpo humano, pelo seu adestramento sistemático,
mas se estende, quando bem orientada segundo planos racionais, à
inteligência, à formação da personalidade, à criação de hábitos morais e
sociais, indispensáveis à vida em comum, numa sociedade organizada
conforme estes ou aqueles modelos.
O problema da formação de professores de educação física e de
técnicos, nas várias especialidades desse campo, é outro que abordei,
sob seus aspectos principais, neste livro e nos demais trabalhos sobre o
assunto, e ainda está longe de haver encontrado soluções adequadas.
Não se distanciam minhas ideias, a respeito dessa questão fundamental,
das que propugnava na época em que me batia por um amplo programa
de educação física. O que então reclamava, eram professores, —
especializados, certamente, senhores dos fundamentos, dos métodos e
das técnicas modernas de educação física, mas que conhecessem por
igual os princípios e as tendências gerais de educação. Nesse domínio,
como em qualquer outro, sempre me pareceu indispensável ao
professor, seja qual fôr o campo especial de suas atividades, uma "visão
de conjunto" da obra educacional de que participa. A consciência de
quanto importa essa visão panorâmica, essa largueza de perspectiva, à
preparação de um professor de educação física, ainda não se difundiu
bastante entre nós, como ainda não penetrou também, nessa esfera da
educação, a da necessidade, por um lado, de um controle biotipológico
e técnico da educação física, e, por outro, da pesquisa científica para o
conhecimento objetívo de nossos problemas e de suas soluções. Não me
consta tenham entrado na rotina da vida escolar as provas técnicas de
controle e os testes do valor físico dos estudantes, as técnicas de medida
do valor do treinamento esportivo e as fichas de saúde que permitam
aos professores acompanhar com segurança, em cada indivíduo, os
resultados de seu trabalho. Se um dia se cuidar seriamente de
reestruturar a educação física em bases novas, científicas e racionais,
dentro de um plano orgânico de educação, a primeira dificuldade que se
há de enfrentar e a cujo desafio não podemos responder, é o
desconhecimento do próprio estado atual da educação física no país.
Onde e quando se procedeu ao levantamento da situação real, como
base e ponto de partida para um largo plano de ação? Que temos feito,
por exemplo, para o estudo comparativo do desenvolvimento
físico e do desenvolvimento intelectual; para estabelecer, por meio da
investigação científica, as atividades físicas mais adequadas às
diferentes idades; para a verificação da eficácia de métodos e técnicas
ou, ainda, para se saber em que medida se têm associado, na prática, os
três elementos principais, — a ginástica de mãos nuas, os jogos e a
aprendizagem esportiva nos estabelecimentos escolares ?
Já me preocupava, quando iniciei minhas lutas nesse campo, com a
tendência à profissionalização dos esportes e, em consequência, à
transformação das competições em meros espetáculos, a que se vai para
ver, "torcer", aplaudir, sem qualquer outra participação nos jogos, além
da emocional. Para prazer, quase sempre delirante, da multidão e glória
de uma pequena minoria, — a dos jogadores e campeões. Não há quem
não tenha sonhado por vezes no que é a glória, "não a de que se fala nos
poemas bíblicos e que se entrevê vagamente, ideal, póstuma, bela
demais, um pouco triste (como escreve Mareei Boulenger) ; mas, ao
contrário, a glória tangível, elementar e saborosa, essa que se promete
aos meninos, se bem comportados, tal como a exibem no cinema e
apresentam ao público inocente dos grandes espectáculos ou dos
bailados. Ora, na semana em que acaba de ser vitorioso, um "ás" do
esporte, um campeão ou campeã, conhece essa apoteose embrigadora e
sem armadilhas, essa realeza fresca e jovial". Mas também, tanto quanto
inebriante, efémera. Os campeões cobrem-se de glória, e, entre
entusiasmos e decepções, dis-persa-se a multidão que acudiu ao esporte-
espectáculo. Esse, o perigo que já previa e resultou da crescente
profissionalização dos esportes, do progresso extraordinário das
técnicas modernas de comunicação (cinema, rádio, televisão), da falta
de uma política educacional que se esforçasse por conseguir uma
"expansão e aperfeiçoamento das facilidades educacionais", e por
ensinar ao povo, estudantes, empregados, operários, "a fazer um uso
civilizado de suas horas de lazer". Se se tivesse procurado multiplicar
por toda a parte praças de jogos para crianças e de esportes para jovens
e adultos, o povo, em vez de se tornar, como se tornou, "vítima de
divertimentos comercializados e das vulgaridades de uma imprensa e
televisão sensacionalistas", se disseminaria, ao menos em grande parte
pelas praças e por locais adequados em que pudesse empregar com
proveito suas horas de lazer, distribuídas entre concertos, teatro,
bailados ao ar livre e a prática habitual de atividades esportivas e
atléticas. Em artigo especial para O Estado de S. Paulo, Isaac
Deutscher, re-ferindo-se à Rússia sobre a qual presta depoimento
significativo, mostra quanto naquele país importou estarem intimamente
ligadas a política social e a política educacional, determinando aquela
uma redução progressiva das horas de trabalho e providen-
ciando esta sobre as facilidades educacionais, para o aproveitamento,
saudável e útil, das horas livres deixadas aos operários.
E, para terminar esta introdução que já vai longa, creio que
nenhum escritor brasileiro de minha geração se tenha impregnado tanto
da antiguidade quanto eu o fui; e, todavia, não lamento esse tempo que
já passou. Eu tive nela uma fonte maravilhosa de inspiração. E isto me
basta. Vale a pena amar a antiguidade clássica, extremamente rica de
ensinamentos de toda ordem. Ela é indispensável mesmo ao
conhecimento da história universal, sobre muitos de cujos aspectos
projeta uma luz viva. Mas devemos tomá-la tal como se apresenta a nós
e não tal como muitos a imaginaram, na contemplação da Grécia
antiga, "o tempo em que, nas palavras do poeta, o céu passeava sobre a
terra e respirava em um povo de deuses". .. É essa uma visão romântica
em que se compraziam os amorosos do falso antigo. Não há menos
exagero e deturpação no quadro traçado por Henry de Montherlant,
quando, referindo-se às Olimpíadas, as aponta como sendo antes de
tudo um centro de comércio, e afirma que nelas "o calor era tal que o
filósofo Tales aí morreu sufocado e que um antigo assegurava preferir
ser condenado a trabalhar nos fornos dos padeiros a ter de assistir aos
Jogos Olímpicos; que havia nessas ocasiões tantos conflitos,
arbitragens contestadas e parcialidades gritantes quantos hoje; que, no
que concerne ao "povo de deuses", Aristófanes apresenta uma bela
coleção de desajeitados e portadores de bócio, e um correspondente de
Cícero (quatro séculos depois da grande época, é verdade) lhe manda
dizer que em Atenas não encontrou nenhum jovem verdadeiramente
belo." Que concluir daí? Que tiravam à beleza austera dos jogos o calor
da estação e a existência, na multidão, de tipos de fealdade que
observou o comediógrafo, inclinado a ver antes o aspecto ridículo ou
menos amável das coisas? Onde aliás, em que país, dos antigos aos
modernos, multidão que não seja constituída dos mais diversos tipos
humanos? Ademais a beleza não é de modo nenhum necessária ao
esporte que não a atinge senão por acidente e dentro das condições
particulares a cada indivíduo. Seja, pois, qual fôr a maneira pela qual a
encaramos, a antiguidade, pesquisada no seu espírito e na sua forma, na
riqueza de sua experiência humana, não será para nós senão uma fonte
de ensinamentos e de inspiração. Dos gregos devemos aprender
sobretudo a ser "contemporâneos da nossa civilização como eles o
foram da sua", na busca ansiosa de novas formas de vida e de
organização.
O CIENTISTA BRASILEIRO E O
DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA
FLORESTAN FERNANDES
Da Universidade de S. Paulo
A produção e a utilização dosi conhecimentos científicos exigem
condições especiais. Em sua maioria, essas condições são impostas
pelos próprios modelos científicos de indagação e verificação da
verdade. Algumas delas, não obstante, nascem de exigências culturais
do ambiente: a sociedade estimula, assim, o desenvolvimento da
ciência, compelindo os cientistas, de várias maneiras, a conceber e a
realizar projetos de investigação ou de aplicação que levem em conta
necessidades práticas de alcance social. Em virtude do caráter
instrumental que elas possuem, os cientistas só se têm preocupado
regularmente com as primeiras condições do labor científico,
negligenciando as demais. É certo que, nos últimos anos,
principalmente, foram forçados a dar alguma amplitude aos fatôres
sociais, que ficam atrás dessas condições, e a pensar, ainda que de
forma assiste-mática, na importância da segunda espécie de condições,
pelo menos no que concerne ao financiamento das instituições cientí-
ficas e na valorização das descobertas científicas para leigo. Parece
evidente que semelhante tipo de reflexão merece particular incentivo
nos chamados "países subdesenvolvidos". Tanto a escassez de recursos
financeiros, quanto as limitações da tradição cultural, criam barreiras
especiais à expansão da ciência, fazendo com que os cientistas tenham
de assumir encargos intelectuais na esfera das decisões práticas, numa
escala que não encontra precedentes nas experiências europeias ou
norte-ameri-canas.
É natural que nos interessemos vivamente por tais questões,
relegadas a segundo plano no passado. Em nossa época, o cientista
precisa tomar consciência da utilidade social e do destino prático
reservado às suas descobertas. O "bom" ou o "mau" uso dos
conhecimentos científicos depende, em grande parte, das atitudes que
os cientistas tomarem diante da utilização dos dados da ciência. Torna-
se cada vez mais patente a inocuidade de certas prevenções, que
justificaram o alheamento do cientista de fases cruciais do pensamento
científico, reputadas por precon-
Transcrito de Revista Brasiliense, nº 31, set.-out., 1960, S. Paulo.
ceito como "extracientíficas" e "tecnológicas". Doutro lado, precisamos
impedir que certas condições desfavoráveis concorram para diminuir
nossa capacidade de promover e incentivar a expansão da ciência no
Brasil. Bem sabemos que são muitos e fortes os "obstáculos culturais",
que restringem nossas possibilidades de trabalho produtivo no campo
da ciência. Contudo, o mesmo também é verdadeiro em sentido inverso.
Há motivos que nos impelem a depender mais e a precisar como poucos
países contemporâneos da contribuição da ciência e da tecnologia
científica, o que mostra que existem "incentivos culturais" igualmente
variados e fortes, que favorecem as tentativas de implantação da
civilização científica no Brasil. Na verdade, como nação
subdesenvolvida, a sociedade brasileira acha na ciência e na tecnologia
científica os meios indicados para realizar avanços culturais que a
coloquem no limiar dos tempos modernos. O cientista tem aí todo um
campo de atividades criadoras. De sua integridade intelectual, de sua
objetividade e do seu patriotismo poderão depender, largamente, os
acertos das decisões que irão regular a qualidade de nossa participação
do movimento científico internacional ou da civilização baseada na
ciência e na tecnologia científica.
Daí termos focalizado, num balanço talvez demasiado apertado e
superficial, alguns dos temas que desafiam a argúcia e a coragem do
cientista brasileiro. Segundo pensamos, na cena brasileira o cientista
deve representar suas obrigações e papéis intelectuais de modo amplo,
atentando, simultaneamente, para os alvos do conhecimento científico e
para os resultados presumíveis dele na evolução social do Brasil. Por
isso, o cientista deve estar em condições intelectuais e morais que lhe
facultem dar idêntico relevo aos diversos motivos do saber científico,
sejam eles de ordem empírica e teórica ou de ordem prática. É essencial
que saiba avaliar com realismo e precisão a natureza, os objetivos, o
valor e as consequências do conhecimento científico; e que possa
apreciar com segurança as contribuições que a ciência pode dar à
reconstrução do mundo em que vivemos.
O ponto-de-vista adotado põe ênfase nos alvos diretamente
relevantes para o cientista e para o desenvolvimento da ciência. Mas,
também permite assinalar os efeitos criadores da expansão da ciência,
seja para o crescimento econômico, seja para o progresso sócio-cultural
do Brasil. Para ser útil ao seu país e elevar o teor prático de sua
contribuição, os cientistas não precisam converter-se em políticos.
Basta que definam com clareza e
1 A respeito, vejanuse as explanações do autor em Ensaios de Sociologia Geral e
Aplicada (S. Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1960), especialmente capítulos 3 e 4, em
particular o apêndice inserido nas págs. 151-59.
convicção as bases de uma política nacional de incentivo à pesquisa
científica e tenham ânimo de lutar por ela, em todos os terrenos em que
isso se impuser, da educação das novas gerações à renovação das
nossas instituições científicas e à utilização eficiente das descobertas da
ciência.
A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA NO BRASIL
A produção intelectual do cientista constiuti uma das formas mais
complexas de exploração sistemática da imaginação criadora e do
pensamento inventivo. Para que ela se desenrole de maneira produtiva,
é mister contar com certas condições internas e externas de labor
intelectual, que assegurem normalmente: 1.°) a observância estrita dos
caracteres formais do conhecimento científico; 2.°) bases adequadas de
organização institucional do trabalho científico, quer na esfera da
pesquisa e da elaboração teórica, quer na da aplicação; 3.°) motivação
consistente e contínua do comportamento dos diferentes tipos de
trabalhadores intelectuais, engajados em tarefas relacionadas com a
obtenção, a propagação ou a utilização prática dos dados ou descobertas
da ciência; 4.°) entrosamento plástico e eficiente do sistema de
instituições científicas com a sociedade inclusiva, de modo a
promoverem-se rendimentos máximos na satisfação de necessidades
materiais ou morais, preenchidas pelo saber científico, pela tecnologia
científica e pela educação baseada na ciência, na moderna civilização
"mecânica" e "industrial".
Todos esses pontos são igualmente importantes. O primeiro, não
obstante, cai na categoria dos requisitos de ordem sine qua non... O que
se chama de mentalidade científica repousa em certo número de
princípios elementares fundamentais, que separam e distinguem o
"saber científico" de outras modalidades de saber (do "conhecimento
de senso comum" ao "saber filosófico"). No Vocabulário de Lalande,
por exemplo, o termo ciência é definido, no sentido corrente entre os
cientistas, da seguinte maneira: "Conjunto de conhecimentos e de
pesquisas possuindo um grau suficiente de unidade, de generalidade e
sus— cetíveis de conduzir os homens que se lhes consagram a conclu-
sões concordantes, que não resultam nem de convenções arbitrárias,
nem de gostos ou interesses individuais que lhes sejam comuns, mas de
relações objetivas, que são descobertas gradualmente e confirmadas
por métodos de verificação definidos". São vários os critérios que
permitem descobrir, verificar e descrever abstratamente os
conhecimmentos referentes a "relações objetivas". Pode-se enumerar
pelo menos quatro sistemas dís-
tintos de formação e de elaboração interpretativas das inferências,
mediante a combinação de procedimentos indutivos e dedutivos no
campo das ciências. No entanto, em qualquer um deles o teste final da
verdade é fornecido pelos próprios fatos ou pelas relações deles que
forem consideradas.
Nesse primeiro ponto, é preciso ter-se em mente três coisas
claramente diversas. A preparação e a educação do cientista é uma
delas. Apesar da especialização, a formação do cientista constitui um
processo custoso, demorado e altamente complexo. Não é fácil ajustar a
mente humana ao horizonte cultural correlacionado com a ciência.
se trata de adquirir toda uma visão do mundo e das coisas que colide
com hábitos arraigados e modos consagrados de ser, de pensar e de agir
medularmente anticien-tíficos. Doutro lado, de desenvolver critérios de
percepção, de pensamento e de julgamento que adequem as atitudes e
os comportamentos do cientista às normas e aos valores ideais da ciên-
cia. Por seu próprio caráter, a ciência é transcultural, no sentido de ser
um sistema de símbolos assimilável por qualquer civilização na qual os
critérios e os procedimentos do pensamento científico possam ser
postos em prática. Mas, ela só pode expandir-se com regularidade e
autonomia nas sociedades humanas que conseguem oferecer à
preparação do cientista meios educacionais apropriados. Além disso, o
cientista deve possuir habilidade para aplicar de modo rigoroso e
correto os critérios e os procedimentos científicos de observação,
interpretação e descrição da realidade, bem como capacidade para
promover o constante aperfeiçoamento desses critérios e procedimentos
ou a sua substituição por outros mais eficientes. Estas duas coisas
também são um produto da educação por êle recebida, porém
aprimoradas e enriquecidas pelas perspectivas de trabalho científico
original, encontradas no meio social ambiente.
Em consequência, o segundo e o terceiro pontos também adquirem
uma significação substancial. Não basta que certo indivíduo e, mesmo,
que certo número extenso de indivíduos tenham preparo p,ara produzir
conhecimentos científicos. Para que eles se tornem verdadeiros agentes
do saber científico, é indispensável que contem com condições de
trabalho que assegurem: 1.°) aproveitamento construtivo normal de
suas habilidades e aptidões em determinadas áreas da ciência; 2.°) estí-
mulos e incentivos que os levem a explorar produtivamente suas
energias intelectuais criadoras, nas especialidades científicas a que se
dediquem. Basta ler um livro como As Funções Sociais da Ciência, de
Bernal, para verificar-se que a nossa civilização está longe de ter
oferecido à ciência a base institucional requerida quer pela
diferenciação e importância primordial da "pesquisa pura", quer pela
expansão das diferentes modalidades de aproveitamento ulterior das
descobertas científicas, em fins
teóricos ou práticos. Como seu livro se baseia em dados relativos a
"povos ricos e adiantados" da moderna civilização mecânica e
industrial, é evidente que o progresso da ciência ainda esbarra com
múltiplos obstáculos institucionais e que a motivação dominante do
trabalho científico precisa ser amplamente corrigida, para ajustar-se aos
requisitos ideais de produção do saber científico.
O quarto ponto, por fim, tem sido negligenciado demais pelos
cientistas. O deslumbramento causado pela imensa revolução cultural
provocada peia ciência fêz com que muitos cientistas ignorassem as
desvantagens inerentes ao modelo imperante de aproveitamento
ocasional e assistemático das descobertas científicas. Doutro lado,
poucos cientistas acompanharam, com a devida atenção, os progressos
conquistados pelas ciências sociais e, particularmente, as alterações que
se produziram no mundo em que vivemos e seus reflexos na
organização do tra-balho científico. O avanço da técnica,
principalmente na área da planificação, criou novas exigências a serem
atendidas pelos cientistas, tanto na esfera da pesquisa, quanto na da
teoria ou na da aplicação. Em função dessas transformações, que expri-
mem de fato a marcha para diante da civilização baseada na ciência e na
tecnologia científica, definem-se com maior precisão a natureza e o
significado das obrigações extracientíficas do cientista na sociedade
contemporânea. Aqui, impõem-se raciocínios novos, que compelem os
cientistas a refletirem, especificamente, sobre a dualidade de suas
obrigações intelectuais: a) cabe-lhes contribuir de modo positivo para o
progresso do saber científico; b) cabe-lhes, também, contribuir para o
progresso das comunidades às quais pertençam, em termos dos ideais
associados à propagação e à democratização da concepção científica do
mundo, com suas garantias materiais, sociais e morais. Por isso, cada
vez se torna mais difícil apreciar a validade de um simples projeto de
pesquisa científica mediante suas consequências previsíveis para o
enriquecimento da ciência. Cumpre ava-liar-se, igualmente, outras
espécies de conseouências, ligadas aos efeitos diretos ou indiretos das
descobertas científicas na reconstrução das bases da vida social
organizada, da natureza humana e do destino do homem.
Quem leia os estudos contidos em As Ciências do Brasil — livro
organizado por Fernando de Azevedo e que conta com a colaboração
de cientistas de grande valor, como F. M. de Oliveira Castro, Abraão
de Morais, J. Costa Ribeiro, J. de Sampaio Ferraz, Viktor Leinz, O.
Henry Leonardos, J. Veríssimo da Costa Pereira, Heinrich Rheinboldt,
O. M. de Oliveira Pinto, Mário Guimarães Ferri, Thales Martins, M. B.
Lourenço Filho, Paul Hugon e o próprio Fernando de Azevedo — e
vários depoimentos de nossos cientistas, fatalmente chegará a
ccnclusões contra-
ditórias. Parece patente que a vontade esclarecida dos nossos cientistas
não se ergueu como uma barreira contra as deficiências do meio para a
implantação do trabalho científico no Brasil. Muitos deles atentaram
para o primeiro ponto e lutaram, coerentemente, pela instituição de
condições adequadas de ensino da ciência e de preparação do
trabalhador científico. Outros, em menor número — quase sempre
cientistas de laboratório — foram um pouco além, defendendo com
tenacidade condições de trabalho para a verdadeira expansão da
pesquisa científica. Em síntese devemos-lhes muito pelo que fizeram,
em particular na introdução de critérios íntegros de produção científica
em nosso País. Mas, faltaram à grande maioria: ânimo para romper com
uma concepção antiquada e intelectualista de ciência e, em certo
sentido, visão de conjunto. Na época em que vivemos e tratando-se do
Brasil, um país que depende profundamente da ciência para emancipar-
se, seria essencial que todos propugnassem por uma concepção de
ciência capaz de integrar, homogeneamente, os alvos empíricos,
teóricos e práticos do saber científico. Por outro lado, impunha-se ver a
situação da ciência no Brasil em toda a sua complexidade. Seja para se
tomar consciência objetiva das diferentes ordens de exigências
relacionadas com o ensino, com a pesquisa ou com a aplicação; seja
para estimular o desenvolvimento simultâneo dos vários campos de
trabalho científico exploráveis promissoramente em nossas condições
histórico-culturais; seja, enfim, para colocar o conhecimento científico
a serviço do crescimento econômico ou do progresso tecnológico da
sociedade brasileira. Portanto, após longos anos de tateios,
compensados por inegáveis e expressivos avanços, os cientistas
brasileiros precisam tomar a si a tarefa de repensar o caminho
percorrido, com o fito de descobrir soluções inovadoras, que permitam
pôr em prática medidas que nos ajudem a superar o subaproveitamento
de energias humanas, de vocações intelectuais e de recursos materiais,
invertidos na investigação científica pelo Brasil.
A MOTIVAÇÃO INTELECTUAL DO CIENTISTA
Ninguém ignora a importância da ciência no mundo em que
vivemos. O conforto, a segurança e o grau de desenvolvimento das
nações dependem, diretamente, da qualidade e da variedade dos
conhecimentos que seus trabalhadores intelectuais são capazes de
produzir, de modo organizado e contínuo, nos diversos campos da
ciência. Isso contribuiu, naturalmente, para provocar uma valorização
instrumental da pesquisa científica e do
saber científico. ,Tanto nos "países adiantados", quanto nos "países
subdesenvolvidos", surgem condições crescentemente favoráveis à
maior inversão de recursos financeiros na criação ou no fomento das
instituições científicas. Tendo-se em vista os benefícios que se podem
tirar dessas tendências, é claro que elas devem ser aplaudidas e
estimuladas com entusiasmo. Mesmo onde a expansão da ciência
encontrou as condições mais propícias, os cientistas sempre lutaram
com limitações financeiras e com certa incompreensão pelos círculos
leigos. Especialmente quando as consequências práticas eventuais das
descobertas científicas não parecem patentes, tornava-se difícil atrair
fundos para importantes projetos de investigação ou impraticável man-
ter o funcionamento normal de instituições de ciência pura.
O Brasil está compartilhando dessa tendência universal, favorável
ao incremento da pesquisa científica, embora certamente em escala
muito modesta. A compreensão cada vez mais completa de que a
ciência e a tecnologia baseada na ciência poderão servir como
instrumentos de aceleração do "desenvolvimento nacional" auxiliou (e
parece que auxiliará ainda mais, no futuro) a introdução e o
aperfeiçoamento de instituições científicas em nosso meio. Ainda que a
situação atual seja, a esse respeito, irretorquivelmente precária, já
existem recursos suficientes para a realização de muitos projetos sérios
de investigação, que não seriam concebíveis há duas ou três décadas.
Esse aumento de recursos, postos à disposição da pesquisa
científica, foi conquistado em parte pelo élan de fomentar o progresso
no País, em parte pela tenacidade dos cientistas, em luta pela renovação
do nosso sistema de instituições científicas. Os depoimentos desses
cientistas demonstram que as dotações continuam a ser irrisórias, não
permitindo enfrentar sequer muitas exigências rudimentares. Atendo-
nos ao que parece ser comum em suas dificudades, as instituições
científicas brasileiras estariam sofrendo uma espécie de crise de
crescimento, resultante da insuficiência dos recursos para manter a
continuidade de seu ritmo de expansão. Daí decorreriam a perda parcial
do terreno já conquistado e prejuízos ainda mais graves, relacionados
com a impossibilidade de alargar os alvos teóricos das investigações,
de elevar satisfatoriamente o número de especialistas em cada setor da
ciência e de produzir pessoal qualificado excedente para tarefas
auxiliares ou de caráter tecnológico.
A situação brasileira coloca-nos, portanto, diante de extremos. O
presente traduz inegáveis vantagens em confronto com o passado
recente. A ciência constitui uma realidade em nosso panorama
intelectual — não uma simples aspiração ou um saber compendiado
por importação. De outro lado, porém, vários obstáculos impedem ou
restringem a diferenciação progressiva e a renovação do sistema
brasileiro de instituições científicas.
Há oscilações que se explicam por falta de recursos financeiros; mas,
há outras que advêm da escassez de pessoal, do mau uso dos recursos e
da inexistência de concepções apropriadas de organização das
instituições científicas.
É aqui que se faz sentir uma anomalia, que nos vem preocupando,
e que se tem agravado ultimamente. Em termos corriqueiros, ela
poderia ser designada como ausência de realismo científico. Onde o
espírito científico prevaleceu, de fato, sobre a rotina e a produção
intelectual é regulada por padrões de trabalho autenticamente
científicos, com frequência anormal prevalece a preocupação de
converter o Brasil em centro de produção original de não importa que
espécie de conhecimentos científicos. Semelhante atitude encontra peno
fundamento nas ambições intelectuais puramente científicas. Nenhum
sistema de instituições científicas pode alcançar uma posição de equilí-
brio altamente favorável à expansão contínua se não fôr internamente
diferenciado. Contudo, a situação brasileira não comporta a observância
intransigente dessas ambições tão legítimas. O certo é que o Brasil
ainda não pode subvencionar o funcionamento regular de um sistema
científico precariamente diferenciado e que sua economia interna coíbe-
lhe, de maneira total, o papel de mecenas da ciência. Impõe-se que os
cientistas escolham, deliberada e cuidadosamente, as áreas mais viáveis
de expansão da ciência em nosso País e explorem com pertinácia,
humildade e ânimo construtivo as perspectivas que elas nos oferecem.
Os que pensam que tal procedimento é perigoso e limitativo
laboram em erro. O importante não é ampliar, imoderadamente, o
campo de trabalho dos investigadores. Isso conduz, frequentemente, a
resultados negativos ou improdutivos para a expansão do sistema
científico. O trabalhador científico, preparado para tarefas que não pode
realizar em nosso meio, procura colocação em outros centros de
investigação, fora do País. Resta-nos o orgulho de possuirmos um teor
de trabalho de "nível internacional", mas sem nenhuma consequência
prática em face de nossas necessidades internas de fomento da ciência e
da tecnologia científica. O que parece essencial, no caso, é adquirir
consciência de que certas tendências aparentemente exageradas à
especialização representam uma etapa provisória no desenvolvimento
da pesquisa científica. Havendo esta consciência, a especialização
nunca se converte em risco. Ela opera, ao contrário, como uma
condição positiva de desenvolvimento progressivo da ciência e pode ser
até rapidamente compensada, mediante escola judiciosa de áreas
simultâneas de concentração do labor científico.
Todavia, não é fácil escolher setores de investigação compatíveis
com a atual situação da ciência no Brasil. Dada a na-
tureza internacional da cooperação e da competição intelectuais entre
os cientistas, os campos mais fascinantes são aqueles que recebem
maior valorização nos grandes centros de produção do saber científico.
Consciente ou inconscientemente, os cientistas preferem os alvos de
trabalho que concorrem nesses campos, em detrimento quer das
possibilidades do meio científico, quer dos interesses práticos da
coletividade por conhecimentos suscetí-veis de utilização imediata.
Esta breve digressão mostra que estamos diante de um impasse.
Precisamos da ciência para promover o desenvolvimento da tecnologia
e para acelerar o crescimento econômico em determinadas direções. No
entanto, não temos recursos para enfrentar essa necessidade de forma
satisfatória. Essa equação cria responsabilidades especiais, que não
podem ser ignoradas pelos cientistas brasileiros. A é es compete não só
promover uma utilização judiciosa dos recursos disponíveis, como
evitar o mau uso desses recursos, seja em projetos de investigação por-
ventura improfícuos, seja em campos de trabalho incompatíveis com o
grau de amadurecimento de nossa capacidade de produção científica
organizada. Sabemos que nosso meio não possui formas indiretas de
controle eficiente das atividades dos cientistas. Estes se tornam os
árbitros da "política" a ser seguida na utilização dos recursos
disponíveis: ficam livres para agir com maior ou menor acerto, embora
os ónus das decisões negativas recaiam sobre uma coletividade pobre e
desamparada.
Infelizmente, pondo-se de lado exceções que não podem ser
mencionadas no momento, poucos cientistas brasileiros têm atentado
para semelhante acréscimo de suas responsabilidades. Movidos por
ambições intelectuais consistentes com o estado da ciência nos países
"adiantados" e "ricos", ignoram muitas vezes a estratégia a ser seguida
enquanto não dispusermos de maiores recursos materiais e humanos
para o trabalho científico. Quando as coisas não feitas de modo íntegro,
o esforço despendido ainda é proveitoso, pois o especialista brasileiro
pode ser aproveitado em outros centros de investigação, o mesmo
acontecendo com os produtos de seu trabalho. A regra, porém, não é
essa. Falando com franqueza, a regra consiste na devastação impro-
dutiva dos recursos materiais e humanos. A "ciência", a "pesquisa
científica" e a "produção original" de níveis internacionais (sic) são
meros expedientes, para justificar posições _ de prestígio, notoriedade e
cargos bem pagos, cheios de privilégios. Uma rede visível de
pseudociência embaraça, assim, o progresso da verdadeira ciência.
Primeiro, pela absorção e destruição improdutiva de recursos
sumamente escassos. Segundo, pela formação de uma teia invisível de
interesses extracientíficos, empenhados em combater ou em deter as
tendências mais frutíferas de expansão da ciência no Brasil.
Em suma, nos limites de sua responsabilidade, o cientista
brasileiro precisa estar atento para duas ordens de fatores. Éle precisa
cogitar sobre a viabilidade de certos projetos de investigação nas
condições de pesquisa com que contamos, a importância relativa que
eles possam ter para o desenvolvimento de determinada disciplina
científica em nosso meio e a significação ulterior de seus resultados,
seja para a teoria científica, seja para os propósitos mais limitados, mais
essenciais de expansão da tecnologia baseada na ciência, na sociedade
brasileira. De outro lado, éle precisa impedir o florescimento de algo
tão arraigado quanto o "fingir de fazer ciência", sorvedouro de recursos
financeiros e de energias humanas, em muitas de nossas instituições
científicas. O mau uso e a devastação de recursos materiais e humanos,
na esfera da ciência, só podem ser reconhecidos pelos especialistas. Por
conseguinte, eles não se podem eximir à obrigação de combatê-los com
tenacidade, com vistas ao aperfeiçoamento dos padrões de trabalho e de
produção propriamente científicos. Como também não podem nem
devem escapar à obrigação correlata, de propugnar pela exploração
construtiva dos dados e conhecimentos da ciência, suscetíveis de ser
postos a serviço da coletividade. Bem ponderadas as coisas, a sua
contribuição nesta esfera é fundamental ao próprio progresso do
sistema científico brasileiro, pois do crescimento econômico e do
progresso social de nosso País dependem, em última instância, o
florescimento da ciência no Brasil.
A NEGLIGÊNCIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
As ciências sociais se acham em posição paradoxal nos países
latino-americanos. De um lado, elas são extremamente "valorizadas",
como fonte de conhecimentos sobre o ambiente social do homem e das
tendências histórico-sociais de sua transformação. De outro, elas se
defrontam com o maior desamparo e incompreensão possíveis: pensa-
se que elas prescindem de recursos materiais e humanos especiais para
a organização de equipes de investigadores. Semelhante convicção
lança raízes ºm duas condições concorrentes. A mais óbvia parece ser a
inexistência de uma estrutura material dos serviços de pesquisa, tão
visível e perceptível quanto a dos laboratórios. Mas, também entra em
linha de conta a falta de pessoal numeroso, com treino e mentalidade
genuinamente científicos. Os poucos especialistas existentes ainda
demonstram, em regra, atitudes relutantes diante da pesquisa empírica
sistemática. Fascinados por ambições "teóricas" formadas sob influxo
de uma herança inte-
lectual pré-científicá, temem o crescimento da base empírica da ciência
ou não sabem como aproveitá-lo, construtivamente, em elaborações
teóricas com fundamento na indução.
Algo paralelo acontece no Brasil. Ao lado da tendência a
supervalorizar, de modo excessivo e mesmo impróprio, disciplinas
como a economia ou a sociologia, abriga-se o maior descaso
imaginável pelas necessidades das ciências sociais no terreno da
pesquisa empírica sistemática. No fundo, prevalece o antigo conceito
de que as ocorrências humanas prescindem de investigação positiva. A
simples experiência subjetiva, o bom senso e a argúcia seriam
suficientes para equipar o economista ou o sociólogo para suas tarefas
de observação e de interpretação da realidade.
Essa afirmação nada tem de irónica. Ela se funda em evidências
concretas e repetidas... Há alguns anos, em conversa com eminente
professor de química da Universidade de São Paulo, ouvi dele a opinião
de que os cientistas sociais são mais felizes que os cientistas de
laboratório. "Vocês dependem apenas do lápis e do papel". Em outras
palavras, precisamos ter bom estilo e fértil imaginação, tal e qual o
vulgo pensa do contista, do romancista ou do poeta. O quanto essa
convicção é generalizada se verifica pela política estreita de órgãos
oficiais, como o Conselho Nacional de Pesquisas, por exemplo,
totalmente desfavoráveis às mais humildes pretensões dos cientistas
sociais. No entanto, é provável que o lápis e o papel prestem aos
cientistas do laboratório os mesmos serviços que aos "felizes" cientistas
sociais. Nunca fiz pesquisas sobre esse assunto, mas alimento sérias
dúvidas de que pudesse haver progresso na ciência se o inverso fosse
verdadeiro...
A medula da questão está, portanto, na natureza das incom-
preensões que cercam o trabalho intelectual dos cientistas sociais. Êle é
valorizado, social e culturalmente, na medida em que pode ser
entendido como uma fonte de conhecimentos úteis ao alargamento do
grau de consciência alcançado pelo homem sobre as condições e as
forças do meio social. Contudo, fora do estreito círculo dos
especialistas, não é valorizado cie forma científica, de acordo com os
critérios de avaliação do saber científico. Por isso, as melhores
intenções acabam produzindo os piores resultados. O admirador mais
ardente de um grande psicólogo ou antropólogo ficaria "chocado"
diante de um orçamento de pesquisa, que aquele lhe submetesse.
Ignora-se, ainda, que o conhecimento científico apresenta exigências
similares em todos os ramos da ciência. Em consequência, o que se dá a
mais, numa área secundária, para o desenvolvimento das ciências so-
ciais, tira-se naquilo que seria vital para a criação, o aperfeiçoamento e
a produtividade das instituições oue se encarregam do ensino ou da
pesquisa no campo dessas ciências.
Várias razões aconselham uma alteração radical na estratégia até
agora seguida, deliberada e inconscientemente, em relação às ciências
sociais. Há uma razão de ordem estritamente científica. A ciência
precisa crescer de forma harmônica e equilibrada, para que o saber
científico possa abranger, uniformemente, todas as condições ou
aspectos da vida. Todos nós sabemos que os nossos conhecimentos
científicos sobre os mundos inorgânico e orgânico são
desmesuradamente mais extensos, profundos e sólidos que os nossos
conhecimentos sobre o supra-orgânico. Isso torna a explicação
cietnííica deficiente, em face de assuntos essenciais para a inteligência
humana e a integração do sistema científico. Há uma segunda razão, de
ordem moral. A ciência revolucionou o cosmo intelectual do homem,
transformando tanto as bases materiais de sua existência, quanto os
fundamentos morais de suas identificações, de suas convicções e de
suas opções. Já se salientou demais, entretanto, que o progresso
material daí resultante é desproporcional ao progresso moral do
homem. Em outras palavras, a civilização industrial enfrenta a
alternativa que se oferece entre uma utilização mais judiciosa das
descobertas científicas ou um terrível colapso. Esse dilema implica a
necessidade inelutável de aumentarmos os nossos conhecimentos sobre
os elementos dinâmicos da vida social e as funções da ciência na
organização das sociedades humanas. Por fim, há uma terceira razão, de
ordem prática. O interesse pela ciência, em nossa civilização, advém da
contribuição que ela oferece ao homem para a domesticação e a
exploração ordenada das forças que operam nos diferentes sistemas da
natureza, da personalidade, da cultura e da sociedade. As forças que se
manifestam nos três últimos sistemas só recentemente começaram a cair
no âmbito do domínio ativo do homem, tor-nando-se patente que as
nossas limitações neste setor se prendem, largamente, à falta de
conhecimentos positivos sobre os processos psico-sociais ou sócio-
culturais.
A terceira razão merece atenção especial em nossa discussão. Nos
fins do século passado ou nos começos do século XX, os
conhecimentos fornecidos pelas ciências sociais eram quase irre-
levantes, do ponto-de-vista prático. O mesmo não acontece em nossos
dias. A segunda revolução industrial provocou necessidades específicas
de planejamento e de controle da produção, que requerem nova
mentalidade no modo de lidar com as condições e os fatores humanos
da economia. Doutro lado, o grau de desenvolvimento atingido pela
democracia incrementou (e tende a incrementar ainda mais) o recurso a
técnicas racionais de tratamento dos assuntos humanos, segundo
requisitos que valorizam o respeito à pessoa e aos interesses sociais das
coletividades humanas consideradas como um todo. O planejamento
em escala sócia! exemplifica bem esta tendência, tanto nas chamadas
"na-
ções capitalistas", quanto nas "nações socialistas". Êle ainda não
promoveu, como acreditam certos especialistas (entre os quais se
salienta Mannheim), um alargamento apreciável das áreas nas quais o
conflito pôde ser definitivamente substituído pela cooperação. Mas, em
todas as nações em que vem sendo explorado com sucesso, êle se
tornou um fator social básico do aumento da riqueza, do conforto, da
segurança e da democratização da cultura ou do poder.
À luz de semelhantes argumentos é que se deveria tentar
compreender a importância prática das ciências sociais para o
desenvolvimento econômico, social e político de um país como o
Brasil. A nossa carência de conhecimentos científicos e tec-nologicos
possui caráter universal: ela não é localizada, mas ampla e irrestrita.
Todos percebem que a aceleração do desenvolvimento da sociedade
brasileira, nos níveis mencionados, depende da nossa capacidade em
importar e de utilizar eficazmente conhecimentos e técnicas
relacionados com a matemática, a física, a química, a geologia, a
biologia, etc.. . Entretanto, ignoram, mais do que seria razoável, que
processos dessa natureza são processos histórico-sociais. Em
consequência, deixam de levar em consideração a reação societária a
inovações em questão; um ponto desses apresenta enorme significação
em uma sociedade subdesenvolvida como a nossa; é que as resistências
opostas por diferentes motivos, às inovações, redundam em declínio e
mesmo em neutralização da capacidade de utilização construtiva das
técnicas e conhecimentos aparentemente explorados com eficácia na
cena histórico-social. Em outras palavras, para tirarmos proveito de tais
conhecimentos e das técnicas correspondentes, precisamos maneiá-los
em conexão com outras técnicas e conhecimentos, que permitam
regular e incentivar o aproveitamento efetivo de recursos culturais
novos, em nossas condições de existência social. Ocorre que estas
técnicas e estes conhecimentos só podem ser obtidos mediante a
investigação sistemática da maneira pela qual a sociedade brasileira
tende a reagir, em suas várias regiões, a processos de mudança ligados
à aceleração do crescimento econômico ou do progresso social. Além
disso, omitimos algo que parece ser reconhecido abertamente. A
passagem do estado atual, de expansão desordenada, para uma
verdadeira política de desenvolvimento econômico,
cultural e social acarretará, previsivelmente, a necessidade de
aumentar e de aprofundar as áreas de utilização inevitável da
colaboração dos cientistas sociais.
Por aí se vê que corremos o risco de pagar elevado preço pelas
atitudes negativas diante das ciências sociais. Não só é desejável mas
necessário conceder aos cientistas sociais recursos que lhes assegurem
um mínimo de condições decididamente favoráveis ao incremento e à
melhoria de suas oportunidades de
ensino ou de pesquisa. Em face da importância que as ciências sociais
estão assumindo na reconstrução do mundo moderno, não seria
prudente relegar os cientistas sociais ao abandono. Acresce que os
"países subdesenvolvidos" têm motivos especiais para incentivarem a
expansão interna dessas disciplinas, pois de suas descobertas poderão
depender, direta ou indiretamente, suas possibilidades de modificar os
padrões existentes de desenvolvimento econômico, político e social.
A nossa discussão fica, naturalmente, sujeita a uma crítica
fundamental. No exame de argumentos que poderiam justificar o
fomento das ciências sociais, os motivos propriamente científicos,.
relativos às duas primeiras razões, acabaram sendo negligenciados.
Aqueles motivos são imediatamente inteligíveis pelos homens de
ciência, enquanto possuem escassa significação para os leigos. Por isso,
convinha realçar os argumentos que estão exigindo maior reflexão por
parte de ambos — leigos e cientistas — cujas atitudes públicas ficam,
constantemente, aquém da responsabilidade com que deveriam proceder
ao tomarem decisões de longo alcance para a evolução da ciência no
Brasil.
CIÊNCIA E TECNOLOGIA
As manifestações dos intelectuais brasileiros mais responsáveis
pela orientação das instituições devotadas à ciência ou à tecnologia
põem-nos diante de uma opção que nos parece descabida e perigosa ao
desenvolvimento do saber científico no Brasil. Numa era em que a
antiga oposição entre a ciência e a tecnologia tende a desaparecer,
mesmo dentro dos principais laboratórios de pesquisa científica — pois
cientistas da maior proje-ção se vêem forçados a aceitar tarefas de
técnicos, em virtude da complexidade de certos papéis que estes
precisariam desempenhar em diversas fases do trabalho científico, e,
inversamente,. técnicos de grande renome têm dado contribuições de
valor reconhecido à matemática, à ciência pura e até à filosofia — man-
têm-se, entre nós, ideias favoráveis ao isolamento e ao incentivo
unilateral desses dois ramos do saber científico.
De um lado, os cientistas brasileiros ainda não revelaram uma
verdadeira compreensão de suas responsabilidades, em face dos
problemas de desenvolvimento da sociedade brasileira. Eles estão
certos num ponto básico. O essencial, no momento, consiste em criar
condições para a formação e a expansão da pesquisa fundamental no
Brasil. A primeira coisa a fazer-se é criar meios regulares de
adestramento do trabalhador intelectual no campo da ciência e de
aproveitamento paulatino daqueles que
demonstrarem aptidões ou vocação para a carreira científica. Por isso, é
correta e frutífera a batalha que estão travando pela melhoria do nosso
ensino universitário e pela instalação de institutos de pesquisa científica
realmente qualificados para a investigação experimental ou para a
elaboração teórica. Nesse terreno, lutam de fato pela implantação da
ciência no Brasil.
Mas, infelizmente, suas preocupações não vão além. Negligenciam
demais questões deveras importantes, inclusive a seleção de alvos de
pesquisas realizáveis produtivamente nas condições brasileiras e a
manutenção dos especialistas em projetos que possam apresentar
apreciável continuidade, mesmo sob a pressão de fatores adversos ao
financiamento adequado do trabalho científico. As duas consequências
mais lamentáveis, porém, dizem respeito à filosofia competitiva ou de
concorrência,. que converte cada líder intelectual no campo da ciência
em um agente individualista predatório, e à indiferença predominante
em relação às implicações práticas das pesquisas em realização ou em
projeto. Cada cientista de influência julga que todos os recursos ou, na
pior das hipóteses, o maior quinhão possível dos recursos existentes só
podem ter uma aplicação digna: na esfera em que estiver trabalhando,
que seria a "verdadeiramente científica", e nos projetos de "sua" equipe.
Daí nasce uma concepção negativa do trabalho científico, pois a
agressividade, a lealdade ou a inteligência de um homem (ou de um
número reduzido de homens) é que decidem, em última instância, o
grau de possibilidades de uma disciplina científica. Os próprios cien-
tistas criam, assim, um clima de competição e de antagonismo surdo,
totalmente prejudicial ao desenvolvimento do sistema científico como
um todo. Embora saibam que a ciência exige progressos concomitantes
nos diversos ramos de investigação, que ela é um edifício construído na
base da cooperação inteligente e da capacidade de especialização
interdependente, na prática dão de ombros a esses valores e atuam da
forma oportunística de ave de rapina. Além disso, menosprezam mais
do que seria razoável, no presente, as tarefas da ciência aplicada e da
tecno-nogia. Com isso, introduzem em nosso meio o clima moral do
cientista da era liberal, que se isolava absorventemente nas fases
experimentais e teóricas do trabalho científico, ignorando o destino
dado pela sociedade às suas descobertas. Daí decorre um mal grave,
devido ao fato de a tecnologia moderna exigir a participação direta dos
cientistas mais qualificados em várias fases do processo de utilização
prática dos conhecimentos científicos; e em virtude da própria ciência
necessitar maior fiscalização do uso extracientífico de suas descobertas,
para coibir, desmascarar ou impedir a exploração imprópria ou negativa
dos conhecimentos fornecidos pelos cientistas. Acresce que, no Brasil,
só o cientista seria capaz de estimular, compreensiva e construti-
vãmente, a diferenciação do nosso sistema tecnológico, a qual poderia
ser, sob vários aspectos, uma condição positiva para a ulterior
expansão de muitas áreas da própria pesquisa científica.
De outro lado, parte considerável de nossos técnicos não possui
formação universitária adequada. O padrão brasileiro de ensino
superior contribuiu para dar aos nossos técnicos uma instrução obsoleta
e precária, em particular no que diz respeito ao adestramento básico no
campo da ciência. Salvo exceções, o técnico brasileiro revela um grau
de improvisação que é incompatível com a eficiência e o uso
construtivo do pensamento inventivo. Suas condições de trabalho
respondem por várias formas de insucesso com que se defrontam, mas
não se pode nem se deve ignorar a importância de uma preparação
insuficiente em seus desacertos crónicos. O pior efeito da falta de uma
visão intelectual adequada está na maneira em que tendem a focalizar
as relações da técnica com a ciência. Em virtude do fato de ignorarem,
em sua substância, a natureza do processo de investigação científica,
valorizam uma orientação terrivelmente ruinosa para o País: o da
prioridade da técnica em si mesma. Pa-rece-lhes que o problema
número um do Brasil consiste em importar conhecimentos técnicos, já
descobertos e explorados nos países estrangeiros. Aí. se deveriam
concentrar os nossos esforços e uma política deliberada de uso de
recursos para incentivar o desenvolvimento econômico e tecnológico.
Isso patenteia uma concepção simplista dos processos culturais e
sociais. O progresso tecnológico de outros países não se alicerça,
apenas, no saber tecnológico. Êle lança suas raízes nos progressos da
investigação científica e, principalmente, no grau de diferenciação e de
continuidade de desenvolvimento do sistema de instituições científicas.
Além disso, são suas condições invisíveis um padrão de ensino
universitário que concede à ciência posições fundamentais na formação
do homem — pelo menos do homem que pretende fazer carreira
intelectual nas esferas da tecnologia — e toda uma rede de instituições
de ciência pura e aplicada, mais ou menos independente da vasta
ramificação de usos tecnológicos do saber científico. Vendo-se a
questão desse ângulo, evidencia-se a inconsistência da prioridade da
tecnologia. Na verdade, a prioridade aqui só pode ser do saber
científico como um todo — que quer dizer: de um padrão de educação
fundado na ciência, da pesquisa científica empírica, pura e aplicada, da
tecnologia baseada na ciência e da complexa teia de instituições, de
valores e de técnicas sociais que transformaram a ciência em forca
cultural número um da civilização moderna. Ao isolar a tecnologia
desse contexto, os técnicos brasileiros lançaram, inadvertidamente, as
premissas de uma filosofia de trabalho que poderá manter, de modo
indefinido, a incapacidade de desenvolvimento autónomo da sociedade
brasileira. Sem conju-
gar ciência e tecnologia de forma verdadeiramente ampla, estaremos
sempre na condição de país importador de técnicas inventadas alhures,
sem iniciativas próprias e, o que é pior, aproveitando tais técnicas com
margens enormes de atraso temporal e cultural.
No conjunto, portanto, vemos que cientistas e técnicos defendem
diretrizes que são negativas, quer para a expansão de seus respectivos
campos de trabalho, quer para a integração das descobertas da ciência
com as possibilidades da tecnologia. Ex-plica-se que se apeguem a
procedimentos egoísticos e particula-ristas: os recursos para a
implantação da ciência e da tecnologia no Brasil são escassos, o que faz
do cientista ou do técnico um arauto de "prioridades" em si mesmas
justificáveis e defensáveis. Todavia, depois de um quarto de século de
disputas e de dispersão de esforços, parece que se impõe uma estratégia
inovadora e integrativa. Pelo fato de os recursos serem escassos, é
inevitável subordinar a utilização deles a móveis coletivos. No caso, há
interesses maiores na cena histórica, que não podem ser ignorados por
cientistas e técnicos. Esses interesses são os da sociedade brasileira
como um todo, que não se pode tornar uma vítima impassível da
devastação de recursos por parte de pessoas que contam no que ela tem
de melhor em suas elites intelectuais.
À luz de semelhantes argumentos, conclui-se que deveria haver
uma coordenação efetiva dos diferentes projetos de pesquisa ou de
trabalho que são úteis à implantação e à expansão da ciência e da
tecnologia no Brasil. Alguns órgãos foram criados com esse objetivo,
mas eles aumentaram o fosso existente entre cientistas e técnicos,
podendo ainda levar-nos a uma situação de conflito aberto, se não
forem tomadas medidas especiais de conciliação e de harmonização de
alvos ou de interesses particulares. Torna-se verdadeiramente urgente
substituir a política de "prioridades" unilaterais por algo mais
produtivo, que redunde em proveitos patentes para as instituições
empenhadas na pesquisa científica ou na revolução tecnológica. O
certo, porém, é que os "conselhos" de que dispomos não são capazes de
uma atuação mais eficiente daquela que demonstraram. Se surgirem
novos órgãos oficiais, eles se acomodarão, previsivelmente, à situação
existente. Para ocorrer o contrário, seria preciso que o governo federal
dispusesse de uma política de desenvolvimento e de suficiente
autoridade para pô-la em prática, acima de conveniências de grupos ou
de interesses ilegítimos. Ponderando-se bem as coisas, o melhor
caminho para sair-se do presente impasse seria o de uma intervenção
mais corajosa e decidida dos poderes públicos. Ainda que o processo
tivesse sérios inconvenientes para os cientistas e para os técnicos, êle
apresentaria vantagens inegáveis para a coordenação de esforços, para
a utilização ra-
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cional dos recursos e para um desenvolvimento ulterior mais amplo dos
diferentes caminhos, que se abrem diante de nós tanto na área da
pesquisa científica, quanto na área da produção tec-lonógica. Como
essa intervenção não se dá ou se revela de forma negativa, os cientistas
e os técnicos deveriam tomar a iniciativa de promover um
entendimento comum e estabelecer entre si convenções que produzam
resultados análogos. É possível que, através de associações como a
SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA, se possam
lançar as bases de semelhante entendimento, escolhendo-se, pela
cooperação espontânea, medidas que congreguem cientistas e técnicos
na defesa de alvos solidários (como a melhoria do ensino universitário;
a criação de instituições de ciência pura, de ciência aplicada ou
especificamente técnicas; a elevação dos padrões de carreira intelectual
em todos esses campos; a produção do saber científico original; e o
progresso social do Brasil). Em suma, ciência e tecnologia são ramos e
frutos da mesma espécie de saber. Para que este saber preencha suas
funções mais altas e complexas na sociedade brasileira, é preciso que
seus agentes intelectuais se respeitem mutuamente, sejam capazes de
colaboração harmónica consciente e tenham em mira que os valores
fundamentais da ciência não os mesmos para todos aqueles que se
empenhem, de uma forma ou de outra, na produção ou na difusão do
pensamento científico.
A CIÊNCIA E O DESENVOLVIMENTO NACIONAL
A ciência estabelece, em qualquer que seja o país que se
considere, as mesmas exigências intelectuais a seus cultores. O
conhecimento científico só pode ser obtido e verificado mediante
critérios científicos. Isso quer dizer que o fomento da ciência, nos
chamados países subdesenvolvidos, apresenta-se como uma empresa
muito difícil, tanto no terreno financeiro e instrumental, quanto no de
seleção, treinamento e preservação do "elemento humano". A ideia de
que se possa fazer ciência de acordo com o alcance da bolsa é
fantasiosa e aberrante. Ou se produz um saber antênticamente
científico; ou se cuida de pseudociência.
Essa é a resposta que se precisa e se deve dar aos arautos da
ciência-que-podemos-fazer, que alguns chamam de "ciência modesta" e
um psicólogo da nova geração qualificou, pitorescamente, de "ciência
marreta". A investigação científica constitui um empreendimento caro.
As nações mais poderosas arcam com êle, porque a ciência, no mundo
em que vivemos, não é mero "luxo do espírito". Trata-se de algo
inelutável na civilização mecânica e industrial, da base oculta do poder
e do sucesso das
grandes potências, e do alvo mais alto dos países subdesenvol-vidos
que nela vêem a fonte de superação de seu estado de hete-ronomia
demogratica, econômica, pontifica, social e cultural. con-tudo, nao se
pode paratear, alem de certos limites, o custo da ciência. O que se pode
lazer, no máximo, é racionalizar o uso aos recursos nela invertidos.
AI esta o da questão. Todos os que salientam ser
essencial para o Brasil o progresso da ciência têm razão. O Brasil
jamais saíra da atual condição de pais subdesenvolvido sem promover
rápida expansão organizada de seu sistema cien-tifico e,
simultaneamente, da tecnologia baseada na ciência. Entretanto, so se
vem reconhecendo a parte óbvia da verdade; voltamos as costas para a
sua lace crucial: a escassez de recursos impõe uma estratégia peculiar
ao fomento do ensino científico, da pesquisa cientiíica e da tecnologia
fundada na ciência. Nesse setor, a orientação predominante consagra a
mais incrível e desordenada devastaçao predatoria aos recursos
disponíveis. Cientistas isolados ou grupos de cientistas atentam, em
regra, apenas para as suas preferências intelectuais, dando pequena ou
nenhuma importância ao significado de suas realizações para o
desenvolvimento ulterior da ciência no País. Os homens públicos, que
poderiam estimular ou mesmo impor diretrizes diversas, encantam-se
com as realizações em si mesmas, quaisquer que elas sejam. Enxergam
nelas, com ingenuidade pasmosa, o "salto" do .Brasil para a era da
ciência! Escolhem, acertadamente, os campos preferenciais de estímulo
ao progresso da ciência, como sejam os da física, da química, da
geologia, da matemática, da biologia, etc; mas se ufanam, muitas vezes,
de coisas de que não nos devíamos orgulhar. A respeito, lembro apenas
um tópico curioso. Um dos representantes mais notáveis e em-
preendedores desses homens públicos elogiou, recentemente, a política
seguida por certa instituição brasileira, a qual consiste em manter, às
expensas dos cofres do Governo, cientistas brasileiros em centros de
pesquisa estrangeiros. Esses cientistas, formados em nossas
universidades, escolheram voluntariamente especialidades que só
podem ser praticadas fora do Brasil e que apenas um futuro muito
remoto encontrarão condições propícias entre nós. Após o período de
alta especialização, feita no estrangeiro com bolsas nacionais,
continuam a prestar serviços a instituições estrangeiras com fundos
nacionais — restando-nos o consolo de nos satisfazermos com o "nível
internacional" dos nossos cientistas...
Neste capítulo, conviria estabelecer certas perguntas simples. A
primeira delas consiste em indagar quais são as verdadeiras
"prioridades" em jogo. A esse respeito, parece que o bom-senso
aconselha apenas uma resposta: na situação atual, o que é premente,
essencial e condição número um de qualquer
coisa é a implantação da ciência no Brasil. Em vez de consumir e
devastar os magros recursos existentes em variedade incontável de
faculdades e de instituições científicas ou técnicas, conviria concentrar
a maior soma possível de dinheiro na formação de cientistas e de
técnicos. O ponto inicial do desenvolvimento da ciência em qualquer
país está no elemento humano. Por isso, torna-se imperioso estudar as
condições que permitam acelerar a preparação dos quadros humanos,
de qualidade compatível com a natureza do saber científico, ou seja,
com conhecimentos apropriados à implantação da ciência e da
tecnologia científica na sociedade brasileira.
A segunda pergunta também cai no terreno do óbvio, embora ela
tenha sido negligenciada pela maioria dos cientistas brasileiros. Trata-se
de indagar quais são os campos do trabalho científico mais produtivos
para a formação intelectual do cientista ou do técnico em especialidades
científicas e quais são as suas perspectivas de expansão regular no
Brasil. É certo que não podemos ignorar um fato básico: para
constituirmos um sistema científico autónomo, devemos contar com
condições de preparação completa do cientista em nosso meio. Associar
o ensino à pesquisa quer dizer, no caso, abrir canais à prática
organizada do labor científico em suas esferas fundamentais. Também
não se pode esquecer que os contatos, no plano internacional, bem
como a colaboração com os grandes centros científicos do mundo são
indispensáveis. Mas, precisamos cogitar de todas essas coisas nas
proporções em que elas sejam úteis ao crescimento de nossas
instituições científicas. De outro modo, não conseguiremos evitar a
asfixia resultante de uma visão demasiado ambiciosa e de uma
competição arduamente prematura. Para tudo dizer com poucas
palavras: os alvos dos nossos cientistas deveriam ser postos no
progresso da ciência através das condições de trabalho com que podem
contar em nossas instituições científicas. O cientista não poderia furtar-
se a esse fim, que é elementar, sem divorciar-se da própria condição de
cientista. Precisa procurar atinei-lo, porém, através das possibilidades e
das perspectivas de melhoria dessas possibilidades asseguradas
continuamente pelo ambiente. Essa convicção deveria ser ensinada a
todos os candidatos à carreira científica no Brasil, a partir dos estágios
iniciais de sua especialização. Na situação atual. ela não só deixa de ser
aprendida: os jovens de vocação científica autêntica são estimulados a
colocar suas ambições longe e alto demais.
Por fim. há uma terceira pergunta, muito embaraçosa e delicada.
Nem por isso devemos ignora-la. Caberia indagar se a expansão da
ciência deve ou não subordinar-se a um conjunto de diretrizes.
diretamente relacionadas com os interesses nacionais. A centralização
e a arregimentação na esfera das ativi-
dades científicas produzem consequências negativas — como se
poderia exemplificar com o que aconteceu na Itália ou na Alemanha,
sob regimes totalitários. Entretanto, existem exemplos que demonstram
a conveniência de adotar certa política de fomento da ciência e da
tecnologia cientifica. A essa necessidade não escapram países como a
França, a Inglaterra, os Estados Unidos e mesmo onde os regimes
dominantes restringiram. a área de decisão pessoal do cientista, como
acontece na U.R.S.S. ou em Israel, isso não foi improdutivo para o pro-
gresso dos sistemas científico e tecnológico. Doutro lado, nenhum país
subdesenvolvido pode acelerar esse progresso, sem tomar medidas
tendentes a consagrar um mínimo de diretrizes, que consubstanciem
uma política de desenvolvimento da ciência e da tecnologia científica.
Na situação brasileira, seria ideal que os cientistas abandonassem
certos valores e concepções individualistas, da era liberal, que nada têm
a ver com a natureza do ponto-de-vista científico, e se dispusessem a
valorizar mais o destino social que possa ser dado às descobertas e aos
conhecimentos científicos em geral. Há medidas urgentes, que não são
tomadas, em detrimento da expansão da ciência e da tecnologia
científica, porque os cientistas não se dispõem, livremente, a fazer
sugestões sobre as normas a seguir em nossas tentativas de fomento das
instituições científicas e tecnológicas. Nessa base, as imposições
limitativas nasceriam do consenso livremente aceito, com grande
vantagem na orientação das iniciativas dos homens públicos, que
deixariam de ser "desfrutados" e "pressionados" por cientistas mais
prestigiosos ou por círculos de cientistas mais audaciosos.
Em resumo, conjugar "ciência" e "desenvolvimento nacional" é
algo que exige medidas que ainda não foram executadas ou que estão
sendo postas em prática de modo limitado e imperfeito. Precisamos dar
impulso amplitude e profundidade às tarefas de formação de pessoal
científico especializado. Precisamos expandir a pesquisa científica útil
primeiramente à preparação do cientista brasileiro. Ao mesmo tempo,
temos de incentivar as pesquisas que, contribuindo para o progresso da
ciência, possuam significação positiva para a melhoria do nosso
sistema científico e de nossa tecnologia científica. Precisamos criar
uma verdadeira política de fomento do ensino da ciência, de amparo à
pesquisa científica e de estímulo ao crescimento das instituições de
ciência pura ou aplicada. Semelhantes objetivos indicam que não
podemos escapar a um mínimo de centralização na coordenação dos
esforços empreendidos. Desinteressando-se dessas questões, o cientista
favorece o mau emprego dos recursos financeiros, o desbaratamento
dos fatores humanos e, o que é pior e mais grave, a constituição de um
estado de espírito que condu-
zirá, com o tempo, a programações feitas por leigos, com todos os
inconvenientes que daí possam resultar.
Programações desta ordem são camplicadas e difíceis, mesmo
para os cientistas. Há perspectivas à expansão da ciência que variam
regionalmente no País. Além disso, o próprio alcance das escolhas
consagradas precisa ser visto, simultaneamente, de dois prismas
distintos: 1.°) o da significação dos resultados para o progresso da
ciência; 2.°) o de significação dos resultados para o progresso da
tecnologia científica e para o desenvolvimento econômico, político e
social do Brasil. Portanto, várias questões essenciais só poderiam ser
bem compreendidas e resolvidas pelos cientistas. Donde se conclui que
estes deveriam preocupar-se com elas, atacá-las de frente, com
coragem cívica e ânimo construtivo. Assim, estariam em condições de
levar aos homens públicos uma contribuição de teor positivo, à altura
das necessidades do País ou de suas responsabilidades, e suscetíveis de
criar domínio racional em nossas tentativas de colocar a ciência a
serviço do desenvolvimento nacional. Não seria demais que instituições
como a SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA se
ocupassem com o assunto, dando os primeiros passos na direção
apontada.
O CIENTISTA E O CRESCIMENTO DA CIVILIZAÇÃO
CIENTÍFICO-TECNOLÓGICA
Nas páginas precedentes tentamos ventilar alguns dos temas mais
graves, que o desenvolvimento da ciência no Brasil coloca aos
intelectuais brasileiros na atualidade. Nos limites de nossas forças,
procuramos servir, de modo estrito, àquilo que se poderia chamar,
pomposa e rebarbativamente, como "a causa da ciência". É possível
que as ideias expostas não logrem reconhecimento tão elevado; as
intenções, porém, eram animadas por esse propósito consciente.
Gostaríamos de retomar algumas daquelas ideias e situá-las em plano
mais geral, em que se evidenciassem melhor a sua significação e
importância.
Em país novo, no qual a investigação científica e o pensamento
científico aparecem como inovações "importadas", torna-se fatal certa
instabilidade: os cultores da ciência tanto podem revelar um fervor
extremo, quanto um oportunismo maleável. A ambas as atitudes tentei
combater aberta e declaradamente, por supô-las incompatíveis com a
mentalidade científica. Esta requer um mínimo de objetividade, de
integridade intelectual e de pensamento produtivo que repelem por
igual o dogmatismo e o comodismo. De fato, o fervor extremo conduz
a uma espécie
de "puritanismo científico", deveras exigente e impróprio, por natureza
anacrónico: os que o encarnam, lembram-nos os antigos paladinos da
ciência, os homens cuja têmpera férrea e vigor de convicções
possibilitaram a criação e a propagação inicial do saber científico. O
oportunismo maleável é o avesso da responsabilidade inerente aos
papéis intelectuais do cientista: os que o defendem não se ligam ao
fluxo do pensamento científico nem às tarefas intelectuais, impostas
pela expansão da civilização baseada na ciência ou na tecnologia
científica; antes, especulam com consequências conhecidas das
descobertas científicas e tecnológicas. Como fenômenos intelectuais, as
duas atitudes representam pólos opostos no processo incipiente de
disseminação da ciência e da tecnologia produzida pela ciência nos
países localizados na periferia da civilização ocidental. Põem-nos,
literalmente, diante de algo superado e superável ou de algo moderno
mas indesejável. O intelectual preocupado com o processo de produção
do saber científico precisa estar em condições de resguardar-se da
influência dominante e prolongada das duas atitudes.
Para se atingir esse fim, é indispensável separar, com nitidez e
propriedade, dois processos distintos mas interferentes: o processo
intelectual de crescimento da ciência, e o processo cultural de expansão
da civilização baseada na ciência e na tecnologia científica. Na
concepção clássica de ciência, só é focalizado o primeiro processo,
sendo o segundo suposto como consequência dos influxos inovadores
da ciência no mundo moderno. A correção pragmatista dessa concepção
deu margem a que se pusesse ênfase no fato de que os dois processos se
interinfluen-ciam, existindo várias evidências demonstrativas de que o
ritmo de crescimento do saber científico é condicionado e regulado pela
situação histórico-cultural. Essa correção é deveras importante para os
cientistas que trabalham nos países localizados na periferia da
civilização ocidental. Nesses países ocorre singular paradoxo: os
cientistas apegam-se, com grande tenacidade, em sua maioria, à
concepção clássica de ciência, enquanto os círculos influentes da
coletividade se aferram, de maneira estreita, aos possíveis benefícios
que a ciência e a tecnologia científica poderiam levar à expansão do
moderno sistema civilizatório. Em outras palavras, os primeiros
ignoram a existência de uma concepção mais integrativa de ciência; e
os segundos advogam uma linha de desenvolvimento na qual as
verdadeiras necessidades de crescimento do saber científico são
subestimadas ou negligenciadas. Se os cientistas forem capazes de
superar suas posições intelectuais, passando a compreender a ciência e
o trabalho científico como parte da situação histórico-cultural, eles
também se tornam capazes de liderar os movimentos de opinião que
determinam as avaliações da produção científica pelo ambiente.
O nosso principal objetivo se concentrou nessa direção. Os
cultores da ciência que nos interessam estão em duas categorias: 1.°)
entre os cientistas; 2.°) entre os técnicos e os homens de ação de tentam
estimular o aproveitamento prático do saber científico no Brasil. Os
primeiros são vitimas frequentes, em nosso País, do puritanismo
científico. Não só querem "fazer verdadeira ciência", no que estão
certos, mas querem também competir, indiscriminadamente, com os
grandes centros inter-nacionais de produção científica original, o que
nem sempre está ao nosso alcance. Acabam, portanto, pondo os fins
acima dos meios, no processo do crescimento da ciência, e ignorando
por completo que é tão importante criar um padrão autêntico de tra-
balho intelectual cientifico, quanto conseguir explorá-lo de maneira
ordenada e contínua. Os segundos, por sua vez, exercem influência em
regra nefasta para o processo de crescimento da ciência. Uma
inteligência superficial dos meios leva-os a um comodismo limitado,
cujo preço é a estagnação cultural em um nível dependente de
desenvolvimento. É nisso que dá a valorização unilateral dos
conhecimentos científicos ou tecnológicos importáveis prontos e
acabados em certo momento — ela fomenta soluções nas quais ficam
ausentes as possibilidades de instaurar um processo interno e autónomo
de produção científica original na sociedade brasileira.
Seria desejável que a atitude do técnico (para não falar no
tecnocrata) e do homem de ação se alterassem. Contudo, como obter tal
resultado sem modificar, previamente, a própria compreensão e
colocação do problema pelo cientista brasileiro? Este precisa reeducar-
se para reeducar os representantes da mentalidade especificamente
tecnológica ou da mentalidade propriamente utilitária dos industriais,
banqueiros, comerciantes políticos, administradores de empresas,
jornalistas, etc... Aí está o elemento central da discussão e o grande
obstáculo psicossocial que tende a restringir o progresso atual da
ciência e da tecnologia científica no Brasil. A norma geral que
recomendamos, a ser aproveitada com prudência e espírito crítico,
consiste em atender integralmente aos requisitos do conhecimento
científico. Mas sob a condição de escolha de alvos realizáveis da
pesquisa científica em nossa situação histórico-cultural e com
prioridade para os desenvolvimentos da ciência aparentemente mais
úteis à ulterior diferenciação do sistema de produção científica e ao
progresso do sistema tecnológico, bases para uma expansão autónoma
da civilização mecânica e industrial nos países subdesenvolvidos.
Desse ângulo, pensamos que o cientista deve defender com zelo
sua concepção do mundo, seus métodos de investigação e seus ideais
de trabalho; porém, como membro de uma coletivi-dade, como homem
de sua época e como paladino de valores hu-
manitários do saber científico. A incapacidade do cientista de encarar-
se como parte de uma situação mais ampla e de definir com precisão os
influxos das circunstâncias histórico-sociais no processo de
crescimento da ciência tem sido prejudicial tanto à pesquisa científica,
quanto ao aproveitamento cientifico ou ex-tracientífico de suas
descobertas. Seria inútil repisar um tema tão conhecido. Todavia, não o
é insistir na ilação complementar, de que a expansão da ciência e da
tecnologia científica enfrenta dificuldades especiais enormes nos países
localizados na periferia da civilização ocidental. Nê.es, a primeira
condição para o fomento da pesquisa científica e da ciência aplicada
cifra-se no uso racional dos recursos financeiros, materiais e humanos
disponíveis. Isso requer que se pense nos dois processos interferentes:
no crescimento da ciência e na aceleração que poderia resultar das
modificações provocadas no meio, direta ou indiretamente, em virtude
desse mesmo crescimento. Em seus planos de trabalho, portanto, os
cientistas precisam levar em conta todos os dados da situação e as
relações positivas reversíveis da ciência com a tecnologia científica e
com o progresso econômico, social ou cultural.
CONCLUSÕES
O balanço anterior exclui qualquer procedimento sistemático.
Exploramos, pura e simplesmente, algumas perspectivas elementares,
que nos levam antes a posições que a explicações de caráter universal.
Contudo, por amor à clareza, julgamos conveniente retomar certos
argumentos centrais, que dão sentido às posições defendidas
pessoalmente pelo autor e recomendadas com insistência desusada,
para os que ainda pensam ser ideal a neutralidade do cientista diante
das questões práticas, mesmo as suscitadas pelo desenvolvimento da
ciência do mundo moderno.
Acima de tudo, procuramos ressaltar que o conhecimento
científico precisa e deve ser obtido de acordo com cânones que não
podem ser "omitidos" ou "simplificados". Há vários modelos de
explicação científica da realidade. Nenhum, porém, comporta reduções
ilimitadas. Além de dado limite, deixa-se de proceder cientificamente,
se persistir a intenção de simplificar. Portanto, todo país
subdesenvolvido, que quiser sair dessa condição sob o impulso da
ciência, só pode aptar por um caminho — o da verdadeira produção do
saber científico. Existe alguma liberdade na escolha das unidades de
investigação e na construção da estratégia de trabalho que melhor
convenha, em determinadas situações em que recursos escassos para a
pesquisa científica se combinam a uma tradição cultural pouco
construtiva e
estimulante. É preciso assinalar, que, além do respeito à natureza do
próprio ponto-de-vista científico, conta como essencial o processo de
crescimento das instituições científicas, com seus requisitos e efeitos
encadeados (como a formação e enriquecimento da mentalidade
científica, a implantação de padrões de aferição do trabalho científico, a
constituição de formas organizadas de cooperação e competição
intelectuais de moldes científicos, a diferenciação e a reintegração
contínuas do sistema de instituições científicas, etc). Desse ângulo, três
coisas parecem primordiais. Primeiro, o ponto zero e a condição final
de equilíbrio de todo processo é a seleção e o adestramento dos
candidatos à carreira científica: precisam aprender a dar a sua
contribuição à ciência pela escolha judiciosa das possibilidades
asseguradas por nossa situação cultural, sem sacrificar naturalmente os
alvos mais ambiciosos, a serem atingidos gradualmente, pela coopera-
ção de gerações sucessivas, se fôr necessário. Segundo, na escolha dos
diferentes projetos possíveis de investigação, devem receber preferência
aqueles que contribuam, definidamente, para dar continuidade e
acelerar a diferenciação do campo de trabalho científico: o máximo de
estímulo a cada setor isolado de investigação deve sempre ser
combinado às perspectivas de expansão de cada ciência e de todo o
edifício do saber científico. Terceiro, devemos aceitar e fortalecer a
compreensão moderna (integrativa e pragmatista) do labor intelectual
do cientista, atribuindo um valor equitativo aos diferentes móveis
(empíricos, teóricos e práticos) de cada projeto de trabalho: na
civilização produzida pela ciência, o saber tecnológico assimilou os
modelos do pensamento científico e o progresso da ciência é
condicionado pelo progresso da tecnologia; nenhum cientista de nossos
dias pode, portanto, negligenciar as fases de trabalho intelectual que
associam a ciência e a tecnologia, seja em fins cognitivos, seja em fins
práticos, sem prejudicar o próprio crescimento do saber científico e da
civilização que nêle deita as suas raízes. Precisamos conjugar essas três
tendências em nossas reflexões, quer para favorecer o desenvolvimento
da ciência no Brasil, quer para termos uma ideia nítida de nossa
responsabilidade intelectual. O cientista do passado viu-se, quase
sempre, como produtor ou criador de uma espécie de saber. Mas, o
cientista não é só isso. Êle também é o agente humano de uma nova
concepção do mundo, que pretende fazer da ciência um novo padrão de
medida das coisas, do homem e do futuro da humanidade. Cabe ao
cientista o dever de propagar, defender e expandir essa concepção do
mundo, isto é, de aceitar e atribuir-se papéis intelectuais relacionados
com sua condição de agente humano de um modo de ser, de pensar e de
agir.
Nesses termos, achamos que o cientista brasileiro precisa alargar o
mais possível o seu horizonte intelectual e correspon-
der, dentro de limites extremos, aos deveres morais do homem de
ciência na civilização moderna. Não basta fazer pesquisas rigorosas e
contribuir, através delas, para o alargamento do campo empírico ou
teórico da ciência, para ser cientista. A '"pesquisa" não é um fim nem
um valor em si mesma. Afirmação análoga podemos lazer a respeito
dos seus resultados positivos, expressos em termos de conhecimentos
empíricos ou teóricos. Pesquisa e teoria são marcos e objetivações
intelectuais do labor produtivo do cientista. A concepção científica do
mundo exige que se pense cientificamente em outras coisas, como a
educação do homem numa sociedade cuja civilização se funda na
ciência e o uso que nela. se "deve" fazer do próprio saber científico. O
mínimo que se pode dizer do protótipo do "homem de laboratório"
isolado é que êle foi superado pelas novas condições de vida, criadas
pela ciência e peia tecnologia científica. A "sua" contribuição à ciência
perde de vista o que se está tronando essencial: a responsabilidade
inevitável do cientista na reconstrução das bases materiais e morais da
vida humana.
Tem sido propalado que essas questões fogem ao âmbito da
ciência. O cientista deveria encarar seus papéis intelectuais mais ou
menos como um "artífice" ou um "técnico" — estritamente como
produtor de uma espécie determinada de saber, deixando a outros (na
melhor das hipóteses, leigos neutros; com frequência, militantes de
concepções do mundo mais ou menos adversas à ciência, à tecnologia
científica e à ética social racional), as decisões últimas a respeito da
utilização de tal saber. É verdade, no entanto, que o cientista está
confinado aos papéis intelectuais restritos, que êle se impôs nos
primórdios do desenvolvimento da ciência? Vendo-se as coisas de uma
perspectiva histórica, é inegável que isso pelo menos "aconteceu" —
ainda hoje o cientista tende a definir suas obrigações intelectuais em
termos de um saber positivo sobre dado objeto. Nas condições de
formação do pensamento científico no mundo moderno era, de fato,
difícil estender, universalmente, os critérios da ciência da produção à
utilização do saber. As revoluções por que passaram a tecnologia, o
estilo de vida e a mentalidade média indicam que vários progressos já
foram realizados e que a nossa era se caracteriza pela necessidade
inadiável de aplicar os critérios da ciência nas diversas esferas do
comportamento do homem, que ficaram em "atraso" em relação às
exigências do pensamento científico. Em outras palavras, surgiram ou
estão surgindo condições favoráveis à progressiva eliminação dos
critérios extra-científicos de pensamento e de ação, nos diferentes
níveis da vida humana. Do ponto-de-vista lógico, que nos interessa
muito mais, não existe por sua vez nenhuma sorte de "contradição in-
terna" entre o pensamento científico e a cogitação ou a atuação práticas.
Ao contrário, o equilíbrio do pensamento científico
requer que os critérios empregados no conhecimento da realidade sejam
também explorados na alteração da realidade. O pensamento científico
permite estabelecer normas, padrões e valores de utilização do saber
congruentes com os procedimentos seguidos na produção do saber, o
que parece ser válido tanto com referência à educação do homem,
quanto no que respeita à organização de sua vida em sociedade. As
incongruências e as inconsistências das sociedades industriais modernas
não foram produzidas pelo pensamento científico. Mas, isto sim, pela
aplicação defeituosa dos critérios do pensamento científico: as decisões
práticas, mesmo no que afetam o destino das descobertas da ciência,
são feitas segundo técnicas sociais obsoletas, com frequência em
conflito com a própria mentalidade científica! As tendências evolutivas
da civilização baseada na ciência e na tecnologia científica visam à
correção de incongruências e inconsistências dessa magnitude; é
patente que se procura ajustar os diferentes níveis do horizonte cultural
e do comportamento do homem à concepção científica do mundo. O
cientista que esteja cônscio do valor social da ciência — e não só do seu
valor "intelectual" e "lógico" — deve participar ativamente desse
processo, procurando contribuir pessoalmente para que o progresso
material e o progresso moral, realizados no marco dessa civilização,
apresentem a mesma intensidade e tenham o mesmo destino de
aumentar a grandeza da condição humana.
O que propusemos, portanto, vem a ser um apelo. O cientista
brasileiro não deve divorciar sua contribuição ao enriquecimento da
ciência de sua responsabilidade perante a civilização que ela engendrou
e está reconstruindo. O seu primeiro dever, sem dúvida, consiste em
trabalhar pelo avanço da "pesquisa" e da "teoria". Esse dever primordial
não o exime de trabalhar por outros fins, como o progresso da educação
de base científica, da tecnologia científica e do estilo de vida que
ofereça autênticas garantias sociais ao homem de mentalidade
científica. O desenvolvimento da ciência e o crescimento econômico,
social e cultural do Brasil se confundem de tal maneira, que seria difícil
optar por outras soluções, mais ou menos compatíveis com a visão
académica clássica. Sempre que pretender melhores condições para o
exercício de seus papéis intelectuais restritos e para o desenvolvimento
de dada especialidade, o cientista terá de defender, na situação
histórico-social brasileira, melhores perspectivas para o
desenvolvimento da ciência e para a expansão da civilização fundada
na ciência e na tecnologia científica. Êle não poderá faltar às obrigações
intelectuais mais amplas sem riscos para o alvo visado de modo direto.
Em consequência, a própria disciplina intelectual a que está submetido
torna recomendável que tenha consciência clara da situação total, dos
fatôres que nela operam e dos efeitos que podem decorrer de sua
atuação
pessoal. Êle não só é um agente humano de uma civilização nova;
muitas vezes, somente êle tem motivos de empenhar-se por ela, porque
o seu trabalho depende de condições que somente essa civilização
conseguirá engendrar e robustecer em nosso País. Vendo-se as coisas
desse ângulo, parece que a escolha dos caminhos a seguir, na
elaboração dos planos de desenvolvimento da ciência no Brasil, devem
levar em conta o que as soluções representam, ao mesmo tempo, para a
expansão: 1.°) de determinadas especialidades; 2.°) do sistema de
instituições científicas como um todo; 3.°) da civilização baseada na
ciência e na tecnologia científica.
CUSTEIO DA EDUCAÇÃO E AS REFORMAS
PROGRAMADAS
CARLOS CORREA MASCARO
Pa Universidade de S. Paulo
São surpreendentes as transformações que se estão operando, nos
últimos anos, nos estudos relativos à educação, a escolas ou a sistemas
de ensino. Diferentes, especialmente quanto ao conteúdo e aos métodos
de abordagem dos problemas, os modernos trabalhos e as obras mais
recentes, da cada dia mais rica, extensa e volumosa bibliografia
pedagógica estão revelando que se ampliam, de modo gradual e seguro,
os antigamente estreitos limites dos estudos considerados do domínio
da Pedagogia e da alçada dos "pedagogos". E, por paradoxal que
pareça, tais estudos, e as investigações pertinentes à organização e ao
funcionamento de instituições escolares, isoladas ou agrupadas em
sistemas coerentes e orgânicos, vão perdendo, cada vez mais, as suas
tradicionais características de trabalhos de natureza estritamente
pedagógica, para se apresentarem como fruto de elucubrações e
tentativas de interpretação de índole diversa, interessando a
especialistas de outros campos do conhecimento humano, no setor das
ciências sociais, nos domínios reconhecidos como da Sociologia Geral
e Educacional, da Economia e da Administração.
O fenômeno contemporâneo da crescente secularização dos
serviços públicos, atingindo de modo especial o ensino, cuja
transformação em serviço público é tendência combatida em certos
círculos, mas inevitável e imperiosa como expressão e exigência
indiscutível das modernas necessidades sociais, a amplia-ção
progressiva dos sistemas escolares, concebidos, planejados e
organizados para atender à demanda impositiva de grandes massas
marginais à vida nacional, porque mantidas afastadas dos bens comuns
pelos sistemas seletivos tradicionais de ensino, o desenvolvimento dos
conhecimentos científicos e técnicos e o alcance dos estudos mais
recentes das ciências sociais, provo-
Contribuição para o simpósio sobre problemas educacionais brasileiros realizado
no Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo, de 1º a 3 de setembro de
1959.
cando alterações no próprio conceito de educação e na forma de
aceitação de seus resultados, todas essas transformações, que são o selo
da época em que vivemos, afetando profundamente o pequeno mundo
da escola, estão impondo novos caminhos à ação das autoridades
públicas e vêm criando mais árduos encargos para os educadores e
especialistas em educação, e, de modo especial, para os
administradores escolares.
Tiveram origem no bojo mesmo dessas transformações, os estudos
que, segundo novas linhas, alteram as tradicionais interpretações e
marcam novo rumo às investigações e pesquisas sobre problemas
pedagógicos e em torno de suas implicações, colocando as
investigações e pesquisas em novos termos e revelando aspectos
técnicos até então desconhecidos, estranhos ao campo restrito da
Didática, alheios também aos limites menos estreitos, mas ainda
acanhados da Pedagogia, e diferentes dos primeiros esforços de
quantificação dos problemas escolares através das proje-ções e análises
estatísticas.
Empreendimento da maior importância no mundo contemporâneo,
a escola, pública ou particular, tornou-se a instituição básica da
educação, a um tempo, instrumento a ser utilizado tendo em vista
objetivos paradoxalmente contraditórios: a adaptação do indivíduo à
sociedade e a provocação ou aceleração de mudanças na própria
sociedade, como veremos mais adiante.
Por outro lado, se as condições de vida, no mundo moderno, vêm
revelando que nenhuma obra de educação pode ser realizada sem os
recursos suficientes ao financiamento do sistema de instituições criado
tendo em vista promover a transformação dos povos em nações, pela
integração de grandes massas de populações em grupos cívica e
economicamente estáveis, já hoje ninguém mais discute a rentabilidade
amamente compensadora do investimento de capital público,
racionalmente aplicado, na manutenção de tais sistemas, especialmente
quando, equilibrados e eficientes, são implantados segundo a
localização da população a ser atingida e em benefício de quem devem
ser estabelecidos.
No que toca ao Brasil, estamos chegando tardiamente ao re-
conhecimento dessa verdade, mas podemos dizer que não tiveram
outra inspiração as reiteradas conclusões e recomendações de
conclaves internacionais, como os mais recentes, promovidos pela
UNESCO e pela OEA, no sentido de que suas nações filiadas se
empenhem no pôr em prática planos estáveis e contínuos de
aperfeiçoamento de seus sistemas escolares, e reservem, para isso,
recursos financeiros sempre mais vultosos nos respectivos orçamentos.
Pelo menos é o que se depreende dos relatórios concernentes aos
resultados de certames como a XVIII Conferência Internacional de
Instrução Pública, realizada em Gene-
bra, no ano de 1955
1
; a Conferência Interamericana de Lima, em abril-
maio de 1956
2
; o Seminário de Planejamento Integral da Educação,
realizado em Washington de 16 a 28 de junho de 1958
3
(do qual
tivemos a honra de participar pessoalmente como membro da delegação
brasileira); e a 10.
a
sessão da Conferência Geral da UNESCO,
recentemente encerrada em Paris
4
.
No Brasil, parece-nos justo assinalar claros indícios de re-
conhecimento tácito e explícito dessas transformações. Já são
encontrados com frequência razoável entre nós, em revistas es-
pecializadas de educação, ciências sociais em geral, economia e
finanças, trabalhos que abordam, de vários ângulos, as relações entre as
estruturas econômicas e as estruturas pedagógicas ou entre problemas
de um e outro campo. Já há quem se preocupe com o cálculo do que
estamos despendendo e das despesas que o país deve realizar para que
o povo receba a educação a que tem direito.
Em artigo sob o título de "Educação e Economia"
5
, o Prof. Dr. J.
Querino Ribeiro tece comentários acerca do que êle denomina "duplo
movimento" que a seu ver tende a intensificar e efetivar auspicioso
overlapping entre os estudos de economia e os de educação, chamando
a atenção para alguns exemplos dessa superposição e do seu
consequente entrosamento de estudos. Assim, lembra que, numa
reunião de educadores promovida pela A.B.E. — a 10.
a
Conferência
Nacional de Educação — reunida no Rio de Janeiro, em 1951, um
economista — o Dr. Rómulo de Almeida — convidado pela entidade
promotora do conclave, prestou valiosa contribuição para o
esclarecimento dos assuntos em
1 Recomendação n' 40 da XVIII Conferência Internacional de Instrução Pública
sobre o Financiamento da Educação — in Noticias de Educación Iberoamericana,
43 — Jan.-Març.. 1956 — Madrid — pág. 40.
2 Recomendação III da Segunda Reunião Interamericana de Ministros de
Educação como parte da Conferência sobre Educação primária gratuita e obrigatória
realizada em Lima sob os auspícios da UNESCO cm colaboração com a OEA e o
Governo do Peru — in Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, nº 63 — Vol.
XXVI, Jul.-Set., 1956 — Rio de Janeiro, pág. 181.
3 Recomendações do Seminário Interamericano de Educação Integral — in La
Educación nº 11 — Jul-Set., 1958 — União Panamericana — Washington, pág. 39.
4 Dos Jornais.
5 Revista Educação da Associação Brasileira de Educação, nos. 57, 58, 69 —
1957-1958 — Rio de Janeiro — Reproduzido na Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos ~ nº 71 — Vol. XXX — Jul.-Set., 1958 — Rio de Janeiro — pág. 142.
pauta, por sinal que sobre o custo do ensino; menciona o relatório da
Comissão Belga, entregue ao X Congresso Internacional de
Organização Científica, patrocinado pelo IDORT, nesta Capital, em
1954, documento em que o estudo sobre relações públicas e relações
humanas no trabalho se apresenta "entrosado" com problemas de
educação em geral e escolarização em particular, demonstrando
invulgar atenção para as conexões econômicas e pedagógicas; e cita
conferências dos Professores Eugênio Gudin, Roberto de Oliveira
Campos e Alexandre Kafka, respectivamente, sob os títulos de
"Orientação e programação de desenvolvimento econômico", "Cultura
e Desenvolvimento" e "Estrutura da Economia Brasileira", publicados
no Digesto Económico,
6
trabalhos cujas "linhas e conceitos" reputa "de
muito interesse para a consideração de professores". Alude, ainda, o
autor de Ensaio de uma teoria de administração escolar, às
contribuições do Professor Lourenço Filho, em sua Tendências da
Escola Brasileira, e às do Professor Anísio Teixeira, com o estudo
"Sobre o problema de como financiar a educação do povo brasileiro",
bem como fazendo publicar, pela CAPES, em 1953, o trabalho pioneiro
do Professor Américo Barbosa de Oliveira intitulado O trabalho, o
ensino, a população e a renda.
Seja-nos permitido lembrar, ainda, de autoria do diretor do INEP,
além de vários estudos e conferências, a sua contribuição pessoal nos
debates havidos em reuniões promovidas, nesta Capital, em 1957, pelo
Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo, na
preparação do Simpósio que ora se realiza e a aula dada no curso de
programação do desenvolvimento econômico brasileiro,
dado pela CEPAL, no Rio de Janeiro, sobre "Bases
para uma programação da educação primária no Brasil". Nesta, o
Professor Anísio Teixeira, reportando-se ao curso de que participara,
na Universidade de Colúmbia, sobre "education economics", no qual o
Professor Clark definira a "educação escolar como o processo pelo qual
se distribuem adequadamente os homens pelos diferentes níveis e
ramos de trabalho diversificado da sociedade moderna", chama a
atenção para as consequências sociais e econômicas das revoluções que
alteraram a vida do mundo civilizado a partir do Renascimento, e
procura avaliar, em seguida, a "quantidade" de educação de que o
Brasil precisaria, nas condições atuais, para atender às exigências de
seu presente surto de desenvolvimento, tentando calcular, por fim, "o
custo de tal educação". Assinala, porém, o conferencista, não sem mal
disfarçado desencanto, que "não há no Brasil o sentimento de que a
educação tenha prioridade suficiente para determinar a despesa
necessária". "E o sentimento não existe",
6 Digesto Económico — nº 134 — Mar.-Abr., 1957, ano XIII. 5
sentencia, "porque o Brasil alimenta um conceito místico e não
racional a respeito da educação".
7
Ao lado dos motivos apontados pelos diversos autores nos
trabalhos que acabamos de citar — e por si sós suficientes para mostrar
a linha de uma nova posição em face do levantamento e suprimento das
necessidades nacionais e mundiais prementes de educação, surgiram, ao
mesmo tempo, os argumentos de natureza política, a colocar, na raiz do
conflito entre dois mundos ideológicos duas concepções de vida e duas
formas de interpretar o destino do homem, os resultados de dois
sistemas educacionais, ou melhor, de dois sistemas de escolarização.
O lançamento dos sputniks provocou, com o nervosismo de-
corrente da tomada de consciência do significado do avanço
surpreendente dos cientistas soviéticos na conquista do espaço sideral, a
reação inédita de creditar à educação escolar a maior parcela de
responsabilidade na grande conquista do Ano Geofísico, determinando
o aparecimento, nos Estados Unidos, do Relatório Rockefeller sobre
problemas educacionais, documento em que a comissão redatora
pretende demonstrar os esforços despendidos e os necessários para a
identificação das falhas do sistema escolar ianque e as correções mais
indicadas. A partir desses fatos no plano das relações internacionais e
da busca da mais precisa delimitação dos campos de influência das
ideologias em conflito, a interpretação das virtudes e defeitos dos
regimes passam a gerar ataques recíprocos: os inimigos do Capitalismo
apontam-no como responsável pelo pauperismo e a ignorância nas
áreas em que domina, bem como o afirmam incapaz de oferecer o bem-
estar que o Comunismo assegura; os adversários do Comunismo
replicam que na U.R.S.S., o padrão de vida das classes operárias não
chega a alcançar o nível já atingido por inúmeros países de economia
capitalista e que as suas "conquistas" se fazem ao preço de
incontestáveis agravos à personalidade e às liberdades humanas, pelo
menos nas formas em que elas são compreendidas no Ocidente.
O fato incontestável é que vivemos, no momento presente, o
período de maior inquietação que a humanidade já conheceu,
preocupada com os seus problemas de educação. Esse estado de
inquietude e insatisfação é perfeitamente explicável pelas trans-
formações profundas que as sociedades globais vêm sofrendo nas suas
estruturas e processos de funcionamento. As causas principais dos
abalos nas estruturas e processos de funcionamento das sociedades
tradicionais são especialmente de ordem econômica e assim
afetam, no seu desenvolvimento, as bases dos sistemas
sociais parciais entre os quais se encontram os sistemas
7 Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, nº 65 — Vo], XXVII — Jan.-Mar.,
1957 — Rio de Janeiro, pág. 28.
educacionais ou, mais restrita e exatamente, os sistemas escolares.
* * *
No caso do Brasil, estamos, na verdade, sofrendo, agora mais que
nunca, o impacto da revolução que na vida nacional se opera com a
substituição de uma velha economia agropastoril por outra moderna, de
base industrial com todo o cortejo de suas consequências. Se, por um
lado, essa substituição se apresenta como o caminho através do qual a
nação poderá vir a alcançar o seu enriquecimento, independência e sua
efetiva configuração democrática, por outro lado, corremos o risco de
completo malogro do movimento se não nos encontrarmos
espiritualmente preparados para levar a cabo a obra que não se
concretiza sem sacrifícios, nem sem a clara consciência de seu real
significado.
A revolução industrial trouxe consigo o melhor aproveitamento do
progresso científico e técnico, e o progresso técnico-cien-tífico impõe
alterações tais na vida das sociedades e dos indivíduos, que nem
sempre são aceitas sem encontrar fortes resistências. Velhos hábitos,
antigos costumes e concepções tradicionais acham-se firmemente
arraigados na mentalidade popular com força suficiente para impedir
mudanças necessárias e salutares. Na parte introdutória do artigo que
publicou, há um ano, na Revista Brasiliense, sobre a educação
profissional no Brasil, o Professor Fernando Henrique Cardoso traça
um objetivo retrato da situação brasileira no tocante aos descompassos
que já se verificam e estão se agravando entre a nova estrutura social e
econômica da nação e a estrutura pedagógica, e expõe os dramáticos
perigos a que estaremos sujeitos se não soubermos promover o ajuste
indispensável entre uma e outra para que se vença o atraso com que
vamos entrar a participar da história econômica moderna. Junte-se, à
persistente resistência natural dos indivíduos, a que decorre, também,
naturalmente, dos grupos dominantes que, instalados nas posições
conquistadas no velho regime patrimonialista dele gozam vantagens de
que não lhes convém nem desejam abrir mão.
Este é o quadro que se coloca diante dos educadores brasileiros:
enquanto se desenham mudanças de profundidade na economia do país,
nenhuma promoção das modificações necessárias no sistema de ensino
se verifica para garantir o êxito da industrialização em marcha e a sua
completa consolidação. De-senvolvem-se, paralelamente, sem o
indispensável entrosamento, as duas estruturas — a sócio-econômica e
a pedagógica — tendendo à criação de uma irremediável ruptura entre
os dois segmentos da mesma sociedade. Será difícil, se não impossível,
manter-se, por mais tempo, o sistema de ensino que aí está com todas
as conhecidas e reconhecidas deficiências qualitativas e
quantitativas, entre as quais cumpre destacar sumária e incom-
pletamente: 1) rede escolar primária cujas malhas só são capazes de
reter, em espaço de tempo incompleto, 50% da população infantil; 2)
ensino primário seletivo; 3) ensino médio de preponderante formação
académica; 4) escolas sem recursos materiais indispensáveis para o
ensino, segundo os métodos científicos modernos; 5) escolas de
múltiplos períodos diários de funcionamento; 6) professorado militante
sem a formação e o treino profissionais adequados, capaz, em grande
número, inclusive, de opor-se a reformas necessárias e inadiáveis.
Para superar as resistências decorrentes do status quo, im-põe-se
que os elementos que reconhecem a necessidade de uma clara tomada
de posição imprimam dinamismo e vigor às suas manifestações e
atitudes, porque é preciso vencer a inércia do sistema de ensino tal
como se encontra organizado, com as raízes de instituição
tradicionalmente aceita, a apatia das autoridades (para as quais o
sistema só existe enquanto grande quadro de cargos a serviço de uma
sempre prestigiosa política de clientela), o desinteresse e o comodismo
da maior parte do professorado e a insensibilidade da grande maioria da
população para a efetiva compreensão dos diversos aspectos do
problema, sua complexidade e importância.
O quadro não é novo nem a situação desconhecida. Sem recuar até
à histórica experiência do Brasil-Colônia com o "subsídio literário", a
respeito de cujos fundamentos, objetivos e resultados encontramos
magnífica contribuição esclarecedora, fruto de acuradas pesquisas, na
tese da cátedra do Professor Laerte Ramos de Carvalho,
8
alguns
movimentos de renovação pedagógica tentados em nosso Estado, após
a proclamação da República, quebraram-se ante situações semelhantes,
embora por motivos diversos. Foi assim com Caetano de Campos em
1892, com Sampaio Dória em 1920, com Lourenço Filho em 1930 e
com Fernando de Azevedo em 1933. Propostas alterações de monta e
da maior importância no sistema de ensino vigente, elas não
conseguiram vingar, relegando, o Estado, a educação escolar a um
incompleto e ineficiente processo democratizador do regime, em
consequência do quadro dos contraditórios interesses a que nos
referimos. Daí estar o sistema existente atendendo a crianças cujas
famílias não se sentem motivadas para reclamar a sua substituição por
outro que se ajuste às necessidades modernas e aos imperativos do
grave momento que vive a nação. Não tem explicação diferente o
movimento contra o Professor Anísio
8 Laerte Ramos de Carvalho — As Reformas Pombalinas da Instrução Pública —
Tese apresentada ao concurso para provimento da Cadeira de História e Filosofia da
Educação, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, S.
Paulo — 1952.
Teixeira na sua luta em defesa da escola primária gratuita e obrigatória
e da revolução, nos métodos de ensino orientados, sobretudo, no
sentido da educação para o trabalho.
Diz com muito acerto o Professor Florestan Fernandes, em um dos
seus incisivos trabalhos,
9
que "já passou a era da irresponsabilidade do
cientista diante das consequências do seu trabalho" e que "o
planejamento tornou-se o símbolo organizatório da civilização
produtiva pela ciência". Impõe-se que os educadores, no caso os
cientistas nacionais da educação, se disponham a desempenhar o papel
que lhes cabe na atual conjuntura, propondo pelos canais próprios e
adequados planos e projetos e conquistando, em favor deles, o apoio da
opinião pública que precisa ser urgente e cabalmente esclarecida.
Vencida essa etapa de indiscutível importância, é preciso que os
educadores também obtenham uma definida tomada de posição por
parte das autoridades responsáveis, no sentido de que ajam com a
mesma decisão, ousadia e agressividade, em matéria de educação, com
que já agiram ou vem agindo para a solução de outros grandes e
urgentes problemas nacionais, retirando a escola da condição de
subalternidade em que tem sido mantida no quadro geral dos serviços
governamentais intimamente relacionados com o presente e o futuro do
país em seu atual surto de desenvolvimento. É mister que se desfaçam
ainda algumas dúvidas e confusões. Se o governo, como expressão da
vontade dos grupos dominantes, se empenha em que a nação se arrole
entre as de economia complexa, como se explica a não existência do
mesmo interesse no aceleramento de preparação e formação do homem
para a vida na era industrial e tecnológica? A industrialização exige
mão-de-obra especializada; a mão-de-obra especializada não se
improvisa. A industrialização exige, nas empresas, administração de
alto nível que não se faz sem elemento humano para isso preparado. A
industrialização afeta toda a vida da sociedade a partir das relações
entre os indivíduos pertencentes aos diferentes grupos em que se divide
a sociedade, e as novas e complexas tramas dessas relações não serão
compreendidas e pacificamente aceitas se a população não fôr para isso
encaminhada e esclarecida. E uma e outra coisa dependem do sistema
de instituições básicas da educação popular. Se os fatos se passam
como estamos descrevendo, então como explicar que se aceite
pacificamente que a nação faça imenso sacrifício para que a indústria se
implante em cada vez mais extensas áreas do território pátrio e se
conserve o sistema escolar fora da efetiva e direta participação no
processo total de industrialização?
Parece-nos evidente que com o aceleramento do processo de
diferenciação de nossa economia e da diversificação de nossa
9 Revista Brasiliense — n° 17 — Mai.-Jun., 1958 — São Paulo, pág. 10.
produção, um lugar de capital importância cabe às exigências reais que
a nova situação vai impor quanto à preparação do homem nos diversos
níveis e setores de atividades da nova ordem a que a industrialização
dá nascimento.
Para a preparação do homem o sistema de ensino precisa ser
reajustado por uma reforma de base, para concretização da qual todos
os meios e recursos devem ser mobilizados. No nosso caso, temos de
partir dos já razoavelmente vultosos mas inadequadamente explorados
recursos financeiros federais, estaduais e municipais. De acordo com a
Constituição vigente, os recursos essenciais para o custeio da educação
nacional estão previstas nas seguintes bases:
1. A União deverá despender pelo menos 10% e os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios pelo menos 20% das respectivas
rendas de impostos em manutenção e desenvolvimento do ensino;
2. A União cooperará com auxílio pecuniário para que os
Estados e o Distrito Federal organizem os seus sistemas de ensino,
devendo provir tal auxílio, em relação ao ensino primário, do
respectivo Fundo Nacional;
3. Para a organização dos sistemas de ensino, os Estados
deverão contar, além da natural cooperação dos municípios, com a
colaboração da iniciativa privada, definida em termos de participação
das empresas industriais, comerciais e agrícolas, que são obrigadas,
quando poussuírem mais de cem servidores, a manter ensino primário
gratuito para eles e seus filhos. As empresas industriais e comerciais
têm ainda a obrigação de ministrar, em cooperação, aprendizagem aos
trabalhadores menores.
Nenhum desses dispositivos constitucionais chegou a ser até hoje
fielmente cumprido de forma racional e em consonância com as
necessidades nacionais. A União, até 1957, não aplicava integralmente
a quota mínima de arrecadação de impostos para o fim determinado na
Constituição. De lá para cá, tendo elevado a percentagem de seus
gastos, vem destinando parte substancial das dotações com a execução
de vários planos de auxílio aos Estados, Municípios e entidades
privadas, visando à extensão da escolaridade primária, ao
aperfeiçoamento do pessoal em serviço nos sistemas estaduais, às
pesquisas sociais e educacionais, à construção de novos edifícios
escolares, à concessão de bôlsas-de-estudo, à suplementação de salários
de professores, à renovação da literatura pedagógica e à instituição de
escolas-pilôto para demonstração e experimentação de métodos e
processos de ensino, sem prejuízo da manutenção e desenvolvimento
do sistema federa], constituído quase que exclusivamente de
estabelecimentos de ensino superior. A execução prática desses planos,
porém, esbarra nas tremendas desigualdades culturais que marcam
REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS 69
a fisionomia da nação e no consequente falho entrosamento entre o
poder federal e os poderes estaduais e municipais. Sem contar,
acrescente-se, por amor à verdade, a incompreensível apatia da
iniciativa privada, presente sob múltiplos e disfarçados aspectos de
ação construtiva.
Os Estados estão aplicando, em média, pouco mais que o quinto
mínimo de suas respectivas rendas de impostos, na manutenção e
desenvolvimento do ensino que se acha sob sua responsabilidade. Mas
desconhecem-se os planos ou os critérios de rateio desses recursos com
os diferentes graus do sistema escolar organizado. Sabe-se, por óbvias
razões, que os sistemas existentes não são suficientes nem mesmo do
ponto-de-vista quantitativo, pois que não estão em condições de
oferecer ao menos igualdade de oportunidades à população do grupo
etário que deve receber a educação primária básica.
Os municípios, na verdade os mais desorientados em matéria de
ensino, não vêm cumprindo a obrigação de empregar, para o fim em
vista, os 20% dos impostos de sua arrecadação. Além de não dar
cumprimento ao dispositivo constitucional, os recursos aplicados estão
longe de sê-lo segundo o critério racional das necessidades locais ou de
obedecer a qualquer planejamento estabelecido pela administração
municipal, isoladamente ou em entendimento com as autoridades
estaduais.
No que toca também às obrigações relativas à manutenção do
ensino primário gratuito para servidores e seus filhos, nas empresas
industriais, agrícolas e comerciais e a ministração de cursos de
aprendizagem a trabalhadores menores em empresas industriais e
comerciais, nada se fêz até o momento, nem mesmo a devida
regulamentação dos dispositivos constitucionais, não obstante a
tentativa empreendida em 1955, resultante de estudos em cooperação
feitos por órgãos do Ministério da Educação e Cultura e do Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio.
10
Nada justifica que as coisas continuem como estão, máxime
considerando o ritmo de crescimento da renda de impostos arrecadados
pelas três órbitas do poder público, o aumento do número de médias e
grandes empresas industriais, agrícolas e comerciais em virtude do
desenvolvimento do país, e o vulto dos lucros que todas vêm auferindo
com a incentivação dos negócios, especialmente decorrentes da
expansão do mercado interno.
De acordo com as estatísticas que obtivemos na Federação das
Indústrias do Estado, só em São Paulo,
n
cujo parque indus-
10 Florestan Fernandes — A Ciência Aplicada e a Educação como fa-tôres de mudança
cultural provocada — Boletim do Serviço de Medidas e Pesquisas Educacionais do Departamento
de Educação — São Paulo — 1959.
11 Relatório do Departamento Nacional de Educação (Referente ao ano de 1955) —
Ministério da Educação e Cultura — Rio de Janeiro, 1956.
trial se compõe de 53.143 fábricas (25.408 na Capital), ocupando quase
um milhão de operários (mais de quinhentos mil na Capital), 259
empresas possuem mais de 300 operários. Não sendo conhecido o
número exato de fábricas ou empresas com, pelo menos, 100 operários,
estima-se que êle quase atinja a casa do milhar. Do ponto-de-vista da
cooperação que essas empresas poderiam prestar à educação escolar
primária, parece-nos que a contribuição não seria de se desprezar, não
esquecido neste passo o lucro por elas retirado do contínuo exercício de
suas atividades.
Os resultados de uma análise de balanços publicados no Diário
Oficial do Estado pelas diretorias de 328 empresas industriais em São
Paulo
12
revelam o seguinte resultado de negócios quanto a lucros
brutos e lucros líquidos, nos vários ramos em que se dividiu o grupo:
% Lucro % Lucro
Ramos de Indústria bruto líquido
Mecânica ...................................................................... 100,1 ...................... 21,0
Fiação e tecelagem ..................................................... 44,2 ...................... 12,8
Química e farmacêutica ............................................... 59,7 ...................... 13,0
Metalúrgica ................................................................. 50,6 ...................... 11,6
Produtos alimentícios ................................................... 127,5 ...................... 28,1
Calçados ..................................................................... 43,2 ...................... 11,2
Cerâmica .................................................................... 69,4 ...................... 14,5
Papel, papelão e celulose ............................................ 37,4º ....................... 12,8
Bebidas ........................................................................ 46,5 ....................... 5,5
Material elétrico ......................................................... 63,7 ...................... 11,8
Usinas de Açúcar, Milho e Álcool .............................. 142,6 ....................... 24,1
Vestuário ..................................................................... 98,0 ....................... 18,7
Gráficas ..................................................................... 91,3 ....................... 17,7
Louças, cristais e vidros .............................................. 58,2 ....................... 23,8
Material plástico e artefatos .......................................... 57,3 ....................... 11,8
Pneumáticos e artefatos de borracha ............................ 157,5 ....................... 29,0
Cortumes e couros ....................................................... 63,1 ....................... 12,5
Cimento ...................................................................... 44,8 ....................... 14,0
Cigarros ...................................................................... 156,4 ....................... 20,0
Construções e reparações de vagões de es
trada de ferro ........................................................ 51,7 ....................... 25,7
Média ponderada do grupo .......................... 82.0 ....................... 16,3
12 Dados obtidos na Seção de Documentação da Federação das Indústrias,
Segundo dados constantes do Anuário Estatístico de 1958 e da
Revista de Finanças Públicas,
13
a receita prevista de impostos no
exercício financeiro é a seguinte, em números redondos:
União ..................... Cr$ 110.366.000.000,00
Estados .................... 73.288.942.000,00 (com imperfeições)
Municípios .............. 11.933.859.000,00 (dados parciais)
TOTAL .......... 159.588.801.000,00
As despesas realizadas sob o título de Educação Pública no
mesmo exercício ascendem, segundo o orçamento federal, a pouco mais
de Cr$ 9.420.155.000,00 com o Ministério da Educação e Cultura, e, de
acordo com os orçamentos reunidos dos Estados, as despesas fixadas
montavam a cerca de Cr$ 14.600.000.000,00 com os respectivos
sistemas escolares, subindo, no caso dos municípios também reunidos,
a Cr$ 2.800.802.000,00. Ao todo, Cr$ 26.877.686.000,00.
Do ponto-de-vista do mínimo prescrito, de nada valeria discutir o
assunto antes que pudéssemos conhecer, em toda a sua extensão, os
resultados dos critérios de financiamento escolar adotados pela União,
os Estados e os Municípios na realização da Política de Educação que
cada um de per si vem seguindo, na ausência de uma Política Nacional
de Educação formulada e aceita de comum acordo pelas três esferas
constitucionais do Poder Público.
Um valioso estudo levado a cabo por uma equipe do Conselho
Nacional de Desenvolvimento, sob o título de Análise do Esforço
Financeiro do Poder Público com a Educação 1948-1956,
u
patenteia, com documentação abundante, que ainda estamos longe da
obediência às normas racionais na realização de despesas de custeio
(salários e gastos gerais) e de investimento (construções e outras de
património) com ensino. Há despesas de custeio com evidente caráter
de dissipação e inversões inoperantes.
Assinala o documento que "apesar do substancial aumento dos
gastos públicos, a parcela desses gastos destinados ao ensino decaiu
não menos sensivelmente".
Em trabalho que recentemente concluímos sobre despesas do
Estado de São Paulo com a Secretaria de Educação e o Ensi-
13 Revista de Finanças Públicas — Órgão do Conselho Técnico de Eco
nomia e Finanças do Ministério da Fazenda — nº 206 — Mar.-Abr., 1959.
14 Desenvolvimento e Conjuntura — Õrgão da Conferência Nacional da
Indústria — nos. 3 e 6 — Set. e Dez., 1957 — Rio de Janeiro.
no Primário, de 1948 a 1959,
15
chegamos a conclusão idêntica. E
verificamos mais que o crescimento das despesas apuradas da Pasta
não acompanhou proporcionalmente o crescimento da arrecadação de
impostos no período.
Segundo os dados que levantamos ao longo de doze anos, a partir
de 1948, enquanto a receita de impostos cresceu mais de treze vezes, as
despesas com a Secretaria de Educação e com o ensino primário só
cresceram pouco mais de nove vezes; enquanto nos quadriénios 1948-
1951 e 1952-1955 as despesas previstas no orçamento com a Secretaria
de Educação, corresponderam a, respectivamente, 21,64% e 22,65% da
estimativa da receita de impostos a arrecadar, no quadriénio 1956-1959
a percentagem caiu a 17,77 "%. Anote-se que não cessaram de crescer
as criações de estabelecimentos de ensino subordinados à Secretaria de
Educação e as admissões de professores e de pessoal administrativo e
auxiliar. Considere-se, ainda, que, apesar desse crescimento
quantitativo do sistema, para manutenção do qual menor
disponibilidade de recursos estava reservada, permanecia quase
inalterado o deficit de escolas primárias e médias para a população em
idade de frequentá-las, enquanto a taxa de aumento anual da população
do Estado tem sido de molde a exigir, do governo, prontas e enérgicas
providências para a colocação do sistema oficial do ensino à altura das
exigências presentes.
Mas, o documento do Conselho Nacional do Desenvolvimento
apresenta muitas outras conclusões da maior importância para o futuro
da educação popular no país. Ei-las, na redação em que aparecem,
completas ou em forma sumária, no número de dezembro de 1957, da
Revista Desenvolvimento e Conjuntura:
1 — Os gastos públicos com ensino, já em declínio relativamente
ao crescimento da renda nacional, também não vem acompanhando o
aumento substancial das despesas públicas globais ;
2 — Nota-se substancial decréscimo, nos últimos anos, da
participação do ensino elementar no rateio das despesas públicas com
o ensino;
3 — Os Estados e o Distrito Federal, em conjunto, obedecem ao
preceito constitucional que fixa o mínimo dos gastos públicos com o
ensino; não o fazem a União e os Municípios, sendo maior a
negligência do poder central;
15 Carlos Corrêa Mascaro — Município e Ensino no Estado de São Paulo,
Boletim nº 4 da Cadeira de Administração Escolar e Educação Comparada da
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da U.S.P. (nº 242 da Faculdade) e volume X
da Série VI — Inquéritos e Levantamentos — do Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais. — 1958.
4 — As despesas com o ensino superior vêm absorvendo em
escala crescente os recursos da União, em contraste com o flagrante
desamparo a que esse poder relega o ensino elementar, que, por sinal,
dele recebeu, em 1956, praticamente a mesma quota financeira de
1948, a preços constantes;
5 — Ainda a preços constantes, os Estados e o Distrito Federal,
em 1956, despenderam menos com o ensino do que vinham fazendo
desde 1951; essa descensão repercutiu contundentemente nas verbas
destinadas ao ensino elementar, com algum prejuízo para o ensino
superior, deixando apenas de reduzir o esforço financeiro real dirigido
ao grau médio;
6 — O grau elementar é aquele que, em termos absolutos, maior
parcela absorve dos gastos municipais com ensino, notan-do-se, porém,
tendência a fortalecer-se o grau médio na distribuição proporcional das
despesas. Esse fenômeno, aliás, é comum aos Estados e ao Distrito
Federal em conjunto;
7 — De modo geral, o esforço financeiro do poder público se
concentra preponderantemente na simples manutenção do ensino
(salários e despesas correntes), enquanto as verbas de investimentos,
vale dizer, de melhoramento e expansão do sistema escolar, nunca
chegam a atingir 20% das despesas.
O estudo de que nos estamos utilizando foi realizado à base de
dados retirados dos orçamentos e balanços da União, dos Estados e dos
Municípios, documentos que, especialmente no caso dos Municípios,
por muitos motivos, nem sempre refletem com integral exatidão, o
montante real dos gastos com o ensino, seja em virtude das fórmulas
adotadas para calcular as percentuali-dades das despesas sobre a receita
de impostos efetivamente arrecadada, seja pela imprecisão e viciosa
classificação dos gastos que, escriturados sob a rubrica de educação ou
ensino, não correspondem exatamente à aplicação em favor dos
sistemas escolares que deveria, beneficiar, conforme já tivemos ocasião
de demonstrar
16
.
* * *
O Anuário Internacional de Educação, volume XIX, de 1957,
publica a estatística das despesas públicas, per capita, por habitante,
realizadas a título de educação em 86 países, com dados da Divisão
Estatística da UNESCO. Abstraídas as reservas com que devemos
receber todas as estatísticas oficiais, não deixam de
16 Carlos Corrêa Mascaro — Governo Estadual, Orçamento e Ensino — Coleção
Cadernos da Faculdade — nº 14 — Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da U.S.P.
— 1958.
ser interessantes os dados que vamos citar para conhecimento da
posição ocupada pelo nosso país. Na relação das despesas calculadas
em moeda americana, a U.R.S.S. aparece em primeiro lugar com
US§ 201,7, seguindo-se-lhe em segundo, terceiro e quarto lugares
respectivamente, a Polónia com US$ 90,0, a Alemanha (Oriental) 81,0
e os Estados Unidos com 56,4. O Brasil está classificado em 60.° lugar,
com US$ 4,2, abaixo, para só citar nações latino-americanas, da
Argentina, em 8.° lugar, com US$ 35,7; do Uruguai, com 15,5 (24.°) ;
de Cuba, com 13,0; do Chile com 11,9 (34.°) ; do Panamá, com 10,5
(36.°) ; da Venezuela, com 8,4 (40.°) ; Costa Rica, com 8,2 (41.°) e
Salvador, com 6,0 (49.° lugar).
A prevalecer a desordenada aplicação de recursos financeiros de
que nos dão conta os orçamentos da União, dos Estados e dos
Municípios, se continuarmos a reservar para o ensino tão minguadas
parcelas de recursos do erário e a demonstrar tão evidente desinteresse
pela sua urgente reestruturação, menos probabilidade teremos de
colocar o sistema escolar ao nível das exigências da presente fase de
profundas mudanças que vive o país e dos reclamos futuros, tanto em
virtude dos esforços que se estão empreendendo no rumo da
industrialização como por motivo do ritmo de ascensão demográfica do
grupo nacional, num dos maiores índices de crescimento do mundo.
Na plano federal, por paradoxal que o fato possa parecer, os
esforços governamentais na execução da política econômica, que se diz
inspirada por uma filosofia chamada desenvolvimentista, estão
ameaçados de ser comprometidos pela ação deliberada de grupos junto
ao Congresso Nacional no sentido de que se aprove para o país um
projeto de lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em nítida
oposição à política geral do governo, de luta para a superação do
subdesenvolvimento nacional. Pelo projeto, a pretexto de combater o
"monopólio estatal da educação" ou de lutar pela "liberdade de ensino",
duas expressões usadas com muita abundância, mas também sem muita
precisão e propriedade por quantos defendem um esquema mundial-
mente superado e contrário aos interesses nacionais, o que se pretende
é que os recursos orçamentários passem a subsidiar empresas privadas
mantenedoras de estabelecimentos de ensino, em detrimento da
urgentemente reclamada, natural e necessária expansão racional do
sistema de ensino para o povo.
Não será agora com o financiamento do ensino privado, depois de
tantas falhas no financiamento do ensino público que nos colocaremos
em dia com as necessidades nacionais na marcha para a conquista da
posição a que aspiramos e a que temos di-
reito no concerto dos estados modernos política e economicamente
emancipados.
No domínio Estadual, quando o governo de São Paulo adota o
louvável propósito de disciplinar, dentro de sua competência
constitucional, através de um Plano de Ação, as suas atividades de
promoção do desenvolvimento econômico e social, para dar-lhes o
cunho consentâneo com as exigências da atual conjuntura paulista,
mediante a ativação e execução de obras a serem levadas a efeito com
os meios existentes, não devemos permitir passe sem reparo o fato de
ter sido reservada, para o financiamento das despesas com educação,
cultura e pesquisa, a dotação quadrienal de apenas Cr$
14.681.000.000,00, correspondente à taxa de 14,7% do total das
despesas previstas. Dadas as proclamadas e nunca assaz
suficientemente conhecidas deficiências do sistema escolar paulista,
mormente do primário, tudo nos induzia a crer e a esperar que essa área
de carência viria a ser suprida na repartição da soma de recursos
disponíveis, com uma quota de maior vulto, nunca inferior ao quinto da
importância total das despesas previstas, isto é, dos Cr$
100.000.000.000,00, máxime porque na opinião expressa do Grupo de
Planejamento, "o ensino primário constitui, cada vez mais, uma
exigência impostergável da vida cultural e política dos povos
civilizados. Primeiro, porque valoriza o Homem; segundo, porque
condiciona o desenvolvimento econômico e social das Nações". Aquela
expectativa era, portanto, mais que explicável, porque, conforme se
depreende da exposição geral justificativa do Plano, como dos próprios
dispositivos do Projeto de Lei com que o importante documento foi
enviado à Assembleia Legislativa (o Plano se caracteriza como
previsão de investimentos) ; para executar as obras programadas, os
recursos financeiros são de origem tributária, correspondendo, como
correspondem, na verdade, a excesso de arrecadação, excesso previsto
com base na execução orçamentária do exercício em curso, portanto,
em sua quase totalidade, excesso de arrecadação de impostos. Ora, se o
Plano de Ação vai ser executado com emprego de excesso de
arrecadação de impostos, 20%, pelo menos, dessas sobras, de acordo
com o artigo 168 da Constituição Federal, deveriam ser aplicados obri-
gatoriamente em "manutenção e desenvolvimento do ensino". Nessas
condições a quota destinada ao setor — Melhoria das condições do
Homem — no tocante ao título Educação e Cultura e Pesquisa, está a
reclamar a sua revisão, pelo menos para colocar-se em concordância,
quanto ao seu montante mínimo, com o preceito constitucional.
No concernente à ação municipal, quase tudo está por se fazer no
sentido de se imprimirem novos rumos à ação das autoridades locais
relativamente ao ensino. O mal do emprego ina-
dequado e insuficiente dos recursos financeiros se estende, e de modo
especial, à área da ação municipal e só não assume mais significativa
importância sob esse aspecto em virtude de não disporem as
municipalidades de renda de maior vulto. O levantamento a que
procedemos para o estudo "Município e Ensino no Estado de São
Paulo" demonstrou que, não só os municípios deixam de cumprir a
obrigação de gastar o quinto legal mínimo de sua renda de impostos
com o ensino, como costumam especificar, com muitas falhas, as
despesas que se dizem feitas com educação, ensino e cultura, dando ao
campo de aplicação dos recursos da quota constitucional uma
amplitude que êle não tem, nos claros e estritos termos da Carta Magna
de 1946.
A recente tentativa de municipalização do ensino primário na
Capital, que é uma experiência em desenvolvimento, deve ser tomada
como uma fonte de lições da maior valia para que se previnam
impropriedades e desacertos no financiamento municipal do sistema
escolar público, que, se pode ser mantido concomitante e
concorrentemente pelos três poderes — o federal, o municipal e o
estadual, deve ser uno em seu espírito e em seus propósitos, uma vez
que, como instrumento de integração das sociedades modernas, a escola
serve menos a conveniências locais ou regionais que a interesses
preponderantemente nacionais. No desempenho de sua função
integrativa e como promotora de mudanças, a escola tem sido
considerada agência altamente eficiente e tem um papel de marcado
relevo a desempenhar no presente estágio da vida nacional. Assim, e
por isso, é preciso que se aliem a União, os Estados e os Municípios em
amplos e firmes acordos que abram novas perspectivas para a
renovação integral do obsoleto sistema escolar existente no país,
inaugu-rando-se, a partir de claros entendimentos em torno das respec-
tivas competências e capacidade financeira, uma nova Política Nacional
de Educação ajustada à linha geral de ação do governo da República, às
necessidades mais urgentes do conturbado período de mudanças que
sofre o país e à diversidade de suas áreas culturais. Para que se efetive,
em bases sólidas e duradouras, a renovação do sistema escolar
existente, é mister que as autoridades competentes das três órbitas
constitucionais de poder comecem por se entender acerca da
conveniência e oportunidade da imediata fusão dos recursos
financeiros, oriundos das quotas mínimas de impostos para ensino, em
fundos comuns que se ampliarão mediante uma legislação apropriada
que nos permita sair da fase do conhecimento do "quanto temos para
gastar" para a do "quanto precisamos para gastar com o ensino".
Assentadas as bases da fusão dos recursos dos cofres federais, estaduais
e municipais e admitida a premissa de que o custeio da educação
escolar não se pode circunscrever aos limi-
tes das disponibilidades existentes, mas se deve basear no cálculo das
necessidades básicas, então estaria aberto o caminho para o
planejamento e execução das reformas necessárias nos sistemas
estaduais em funcionamento de modo a entrosá-los num todo coerente
o orgânico, capaz de integrar-se na maquinaria da sociedade nacional
global como componente funcional necessário à sua continuidade, ao
seu aperfeiçoamento e à sua renovação.
JOHN DEWEY: UMA FILOSOFIA DA
EXPERIÊNCIA
NEWTON SUCUPIRA
Da Universidade do Recife
É um expressivo testemunho da vitalidade e importância do
pensamento de John Dewey que, ao comemorarmos o centenário de seu
nascimento, o grande filósofo americano se imponha diante de nós, não
apenas como uma figura consagrada na história do pensamento
humano, mas como um pensador atual e atuante de nosso tempo, signo
de contradição entre os espíritos e sua doutrina, ponto crucial de
apaixonadas controvérsias. E porque o impacto revolucionário de suas
ideias filosóficas, pedagógicas e sociais sobre sua época não amorteceu
ainda, falta-nos precisamente esta distância no tempo, que é a condição
necessária para emitirmos um julgamento sereno e equilibrado sobre a
significação e alcance de uma obra verdadeiramente excepcional como
a sua. Por isso mesmo, Dewey continua a ser ainda uma grande figura
controvertida de nossos dias, suscitando os juízos mais contraditórios.
Assim, enquanto discípulos e admiradores entusiastas o elevam ao
mesmo nível de Platão e Aristóteles, um filósofo da responsabilidade
intelectual de Bertrand Russell caracterizava sombriamente seu
pensamento como uma filosofia do poder, um exemplo a mais daquela
embriaguez destrutiva que invadiu a filosofia com Fichte e constitui o
grande perigo de nosso tempo. Se de uma parte seguidores incondicio-
nais vêem na sua obra os princípios para uma solução adequada dos
conflitos e desajustamentos que dilaceram o homem moderno, doutro
lado muitos de seus críticos acusam-no de se achar ainda vinculado ao
individualismo caótico de uma cultura desintegrada Protestante-
Capitalista. Isto sem falarmos dos adversários tendenciosos e simplistas
que pretendem responsabilizar Dewey por todos os desacertos e
deficiências da educação americana atual. Semelhante conflito violento
de opiniões sobre sua obra torna deste modo extremamente difícil e
delicada a tarefa de uma conferência comemorativa, a qual não
desejaríamos que
Conferência proferida no Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Recife,
em reunião comemorativa do 1º centenário de John Dewey.
REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS 79
fosse nem um discurso "laudatório nem um ensaio de crítica. Mas,
como acercar-nos de Dewey assumindo o ponto-de-vista neutro do
historiador da filosofia? Trata-se na verdade de um pensador
demasiadamente contemporâneo para ser encarado na perspectiva do
passado, de modo que assim pudéssemos colocar-nos acima ou à
margem do embate apaixonado de opiniões que sua obra suscitou e
continua a suscitar. Sua filosofia, toda ela nascida dos problemas
concretos que angustiam nosso século, filosofia eminentemente
engagée, que quis sempre ser participante, e não apenas especulativa,
toca-nos muito ao vivo para ser objeto de uma valoração rigorosamente
imparcial. Sua obra pedagógica continua a provocar as reações mais
violentas. Mas, qualquer que seja o julgamento que se forme sobre a
significação da obra de Dewey, cremos que todos se encontrarão de
acordo em reconhecer que êle é incontestavelmente a maior expressão
do pensamento filosófico americano e que imensa foi a influência de
sua filosofia educacional em seu país e no estrangeiro. Por outro lado,
não se poderá duvidar dos nobres propósitos de um filosofar todo êle
voltado para os problemas humanos e animado da mais profunda fé no
valor do homem e na sua capacidade de realização, mesmo que se
rejeitem os princípios que informam toda sua concepção filosófica.
Diante de uma tal filosofia, importa-nos antes de tudo um esforço de
compreensão crítica que nos permita apreender o verdadeiro sentido de
sua mensagem e a fecundidade de sua contribuição para a solução dos
problemas concretos da existência humana. É, pois, animado desta
intenção que nos propomos a abordar sua filosofia nesta homenagem
comemorativa de seu centenário.
Mas a obra de Dewey se apresenta tão vasta e multiforme, se
alonga e ramifica numa tal quantidade de escritos, e constitui um
marco tão importante na história do pensamento moderno que não nos
é possível, nos limites de uma conferência, avaliar devidamente todo
seu alcance e significação e nem mesmo traçar uma síntese de seu
pensamento que o abrangesse em toda a sua complexidade. Contentar-
nos-emos em desembaraçar certas de suas ideias centrais e a orientação
geral de seu filosofar. Toda filosofia verdadeiramente original e
criadora, como bem viu Bergson num texto famoso, nasce de uma
intuição fundamental, alguma coisa de simples que é a fonte geradora
de toda doutrina e que representa o que há de absolutamente original
em todo grande filósofo. É esta intuição que dá unidade orgânica à
doutrina, de tal modo que "as diversas partes do sistema se
interpenetram como um ser vivo". A filosofia de Dewey, apesar da
multiplicidade de seus aspectos e de suas possíveis inconsistências,
manifesta uma profunda unidade que provém, não de uma articulação
dialética ou formal, mas que
brota de uma mesma intuição originária e uma intensa convicção
espiritual que fazem com que todos os seus desenvolvimentos não
sejam mais do que a expressão dessa intuição diante de cada problema
particular. Em vista desta íntima articulação vital nenhum de seus
temas especializados ou de suas soluções particulares pode ser plena e
integramente compreendidos sem referência ao ponto-de-vista unitário
e pessoal que os funde todos numa unidade organicamente sistemática.
É neste sentido que podemos falar de um sistema filosófico de Dewey.
E êle próprio, em escrito dos últimos tempos, admitindo a necessidade
de articular os diversos problemas e hipóteses numa perspectiva
determinada, confessa expressamente que possui um sistema,
admitindo, aliás, a necessidade do sistema em filosofia. A nossa tarefa,
portanto, será a de traduzir o sentido essencial de sua posição,
procurando apreender essa perspectiva básica que confere unidade a
seu pensamento e lhe dá o cunho de originalidade. Isto quer dizer que
nos limitaremos ao aspecto especificamente filosófico de sua obra.
Mas, ao me restringir ao estudo de sua filosofia pura, afastando assim
sua problemática especializadamente pedagógica, antevejo desde já as
possíveis objeções provenientes de filósofos educacionais contra esta
limitação intencional que para muitos poderia parecer arbitrária. Não é
verdade que em Dewey a teoria educacional não é simplesmente
fundada em sua filosofia geral, mas as duas são fundamentalmente
idênticas? Não afirmou êle próprio em seu clássico Democracy and
education que a filosofia pode mesmo ser definida como a teoria geral
da educação? Como, pois, referir-se à obra de Dewey, encarando-a em
seu aspecto estritamente filosófico? Não seria este ponto-de-vista
frontalmente contrário à intenção fundamental de seu pensamento?
Para justificarmos nossa posição, torna-se necessário um exame do
sentido de sua definição acima citada, para evitar os equívocos que ela
pode acarretar da parte de educadores muito apressados em passar à
prática. Como acentuava recentemente Martin Dworkin, com certa
ironia, a definição de Dewey apelava diretamente para a consagrada
relutância americana em teorizar. Era como se fosse um modo de
filosofar by doing, do que mesmo pelo pensamento. Ora, quando se
considera que Dewey conceituava a educação como o processo da
formação humana da maneira mais total e compreensiva, vê-se que a
sua fórmula não se afasta tanto assim de certa orientação tradicional de
se conceberem os objetivos do filosofar. Kant, por exemplo, depois de
reduzir os problemas filosóficos às quatro questões fundamentais: Que
posso conhecer? Que devo fazer? A que posso aspirar? Que é o
homem? notava que a quarta questão englobava as três outras. Isto quer
dizer que o homem é o problema central da filosofia e que, por-
tanto, a antropologia se torna o núcleo de todo o filosofar. E na verdade
a preocupação constante e única do filosofar de Dewey é o problema
antropológico. Mas como para êle a filosofia era na realidade uma quest
for wisdom, um instrumento de crítica e um método de vida, e não um
saber puramente especulativo, uma filosofia do homem não poderia
deixar de ser ao mesmo tempo uma teoria da formação humana, ou seja
uma filosofia da educação. Se o pensamento é um instrumento de ação,
e a filosofia a forma por excelência do pensamento crítico, pensar o
homem implica ao mesmo tempo pensar a sua formação, desde que o
homem é um ser que se autoconstitui. Daí por que a filosofia, enquanto
pensa o homem, e seu processo de formação é ao mesmo tempo uma
teoria geral da educação. Mas como elaborar uma teoria da formação
humana sem uma filosofia do homem e como este pode ser pensado
sem ao mesmo tempo pensar-se sua inserção no universo? Uma teoria
da formação humana está assim a exigir necessariamente uma meta-
física implícita ou explícita. Dewey, que foi antes de tudo um filósofo
consumado, não poderia fugir à regra e por isso mesmo nos deixou uma
metafísica na qual se insere sua teoria pedagógica. Não importa que na
gênese de sua obra a doutrina educacional tenha sido totalmente
formulada antes que se completassem as grandes obras que
compendiam o essencial de sua metafísica, Experience and Nature,
Quest for Certainty, Art as experience, e Logic: the theory of Inquiry. O
fato é que Dewey parte da filosofia pura para chegar à educação. Antes
de Chicago, Dewey desenvolve uma atividade puramente filosófica,
seja como professor ou como ensaísta. A sua grande experiência
pedagógica, consubstanciada na Escola Experimental da Universidade
de Chicago, no período que vai de 1896 a 1904, é conduzida não por
um puro educador, mas por um filósofo profundamente preocupado
pela sorte do homem. É da fase de Chicago, que deu School and Society
e My pedagogical Creed, que provêm igualmente os Studies in Logical
Theory, depois reproduzidos no livro Essays in experimental logic em
1916, e que já nos apresentam os lineamentos básicos de sua metafísica
da experiência e de seu método empírico de filosofar. É bem verdade
que, em Dewey, experiência pedagógica e filosofia se alimentam
reciprocamente. Mas, se na génese concreta do pensamento deweyano a
sua experiência educacional representa um papel da maior importância
na elaboração de sua filosofia, isto não quer dizer absolutamente que
esta não possua autonomia dentro da obra de Dewey e, portanto, não
possa ou não deva ser estudada independentemente de sua doutrina
pedagógica. Pelo contrário, esta é que não se torna inteligível, a não ser
inserida nos quadros de sua filosofia geral, porque é a noção filosófica
de experiência que lhe dá sentido. Se fôssemos acompanhar a
formação e de-
senvolvimento de sua obra, seguir o itinerário e as demarches de seu
pensamento, veríamos que, em nenhum momento, a elaboração de sua
teoria pedagógica se fêz à margem de sua reflexão filosófica, sendo que
em sua última fase é a filosofia pura que constitui o centro de suas
preocupações. No entanto, foi o educador que se tornou mais conhecido
e mais divulgado do que o puro filósofo. E, como salienta Dworkin,
muita coisa do último pensamento de Dewey em filosofia foi ignorado
por muitos de seus mais ardentes seguidores em educação, enquanto
tem atraído estudos aprofundados da parte de filósofos que não o
tinham tomado seriamente antes, precisamente por causa de seu inte-
resse em educação. Mas não poderá compreender a doutrina
educacional de Dewey em toda a sua significação quem não tiver
apreendido os princípios básicos de sua filosofia. Porque, como o
próprio Dewey afirma, qualquer teoria em matéria social ou moral que
não se encontre fundamentada numa filosofia compreensiva será tão-
sòmente projeção de arbitrária preferência pessoal. Daí justificar-se
perfeitamente que nos limitemos à parte essencialmente filosófica de
sua obra, não somente pela importância que Dewey assume como puro
filósofo na história do pensamento moderno, mas também porque o
estudo de sua filosofia é uma condição necessária para uma plena
compreensão de suas doutrinas educacionais.
Costuma-se geralmente caracterizar a filosofia de Dewey como
sendo um naturalismo, um pragmatismo, um instrumentalismo, um
experimentalismo, segundo o nome um tanto ambíguo que lhe deu um
de seus discípulos, John Childs. Não resta dúvida que o sistema de
Dewey é tudo isso, mas não é menos certo que tais etiquetas caberiam
também a outras filosofias. Tais categorias são muito gerais para
definir toda a originalidade de um pensamento. Porque se sua filosofia
é realmente um naturalismo este termo por si só é demasiado vago para
destacar o essencial e peculiar de sua posição. Mesmo que
restringíssemos o conceito de naturalismo, definindo-o à maneira de
um seu discípulo, Sidney Hook, como a atitude filosófica que consiste
na aceitação incondicional do método científico como o único meio
válido de alcançar verdades sobre o mundo, a sociedade e o homem,
ainda assim esta definição valeria não apenas para o sistema deweyano,
como para muitos outros do tipo positivista clássico e moderno.
Pragmatistas o foram também Peirce e James, enquanto o mesmo
Dewey procurou sempre precisar em que seu pragmatismo diferia
desses dois pensadores americanos. Além disso, Dewey, num de seus
últimos grandes ensaios, a Logic, se mostra pouco satisfeito com o uso
desse nome. Instrumentalismo de fato traduz um aspecto bem
característico de seu pensamento, porém induz a conotações que podem
levar a falsas
interpretações, tais como pensar que a lógica instrumental de Dewey
levaria a considerar o pensamento como um simples meio para atingir
fins utilitários e materialistas. Experimentalismo na medida em que
significa uma filosofia da experiência, um uso sistemático do método
empírico e científico em filosofia, não bastaria somente para definir em
sua peculiaridade a filosofia de Dewey. Não resta dúvida que o
deweyanismo é primeiro que tudo uma metafísica da experiência. Mas
muitas outras doutrinas modernas pretendem ser também uma
metafísica da experiência integral. Esta análise terminológica serve
mais uma vez para mostrar-nos que a única etiqueta em ismo que se
pode aplicar com toda a propriedade aos grandes filósofos é aquela
forjada de seu próprio nome. O que importa, pois, é determinar aquela
ideia fundamental que constitui o pivô de toda a sua filosofia, o fato
primitivo que serve de ponto originário, central e envolvente, e que dá
sentido e inteligibilidade a todos os seus desenvolvimentos e
aplicações. Esta ideia central, como vemos expressamente afirmada em
Dewey, é a noção de experiência pensada em sua relação com a
natureza. É, portanto, a análise da ideia de experiência que nos
proporcionará a chave para a compreensão da essência de sua doutrina.
Mas, se a noção de experiência parece ser, à primeira vista, uma das
mais claras, pois que em geral as doutrinas filosóficas se elaboram em
nome da experiência, é fácil de ver o quanto ela encerra de equívoco,
porquanto é também em nome da experiência que elas se combatem
umas às outras. Donde se pode afirmar que a experiência não tem o
caráter imediato e irrecusável que certas doutrinas pretendem atribuir-
lhe. A experiência pura, longe de ser um dado imediato, esse fundo
comum a partir do qual se construiriam as teorias, vem a ser, não raro,
uma construção teórica que se projeta sobre o dado. Ela é muitas vezes
um produto do subjetivismo inconsciente pelo qual cada um identifica
sua própria experiência com a experiência, seu pensamento com o pen-
samento. E, apesar de, na filosofia moderna, este conceito haver
assumido uma posição central, o papel de categoria referencial de todo
filosofar, permanece todavia um conceito ambíguo, ciando lugar a
interpretações diversas, exigindo assim uma clarificação prévia em face
de seus múltiplos sentidos em contextos filosóficos diferentes. Dewey
chamou certa vez o termo experiência de iveasel word, querendo
significar com esta expressão uma palavra que destrói ou alui o
conteúdo de um conceito, pela variedade de suas qualificações
equívocas. Daí. a necessidade de se precisarem alguns dos sentidos que
ela tem assumido na tradição filosófica.
Uma primeira e mais comum significação de experiência designaria
todo saber que adquirimos no contato com as coisas
e que se constitui princípio de nossa atividade prática. Assim, por
exemplo, quando falamos de homem experimentado ou quando o poeta
se refere ao "saber de experiência feito". A experiência neste primeiro
sentido se distingue da ciência enquanto esta é um saber metódico,
sistemático e universal das causas. Mas não se opõe à ciência porque
esta, como é do consenso geral, deve apoiar-se sobre a experiência.
Assim entendida a experiência apresenta uma extrema riqueza de
formas. Desse modo, a noção de experiência é vasta como a própria
atividade do espírito e, neste caso, como Brunschwicg já observara, não
há ideia contrária a uma noção tão vasta; não pode haver contrário se-
não a certas determinações da experiência. Mas existe um sentido mais
restrito e mais técnico que a ideia de experiência recebe no domínio
filosófico. É quando se pretende designar por experiência o reino do
imediatamente dado por oposição ao objeto que só podemos atingir por
meio do pensamento puro. A experiência passa a significar um estádio
do conhecimento, inferior ao conhecimento intelectual. Nesta
conceituação, dominada pelos dualismos, seja do sensível e do supra-
sensível ou do racional e do empírico, experiência se refere à forma do
conhecimento sensível que deve ser ultrapassada pelo conhecimento
racional das essências. Platão, em passagem famosa do Fédon, lançava
as bases deste dualismo que haveria de persistir em toda metafísica
ocidental, quando afirmava a existência de dois modos de ser, um o
visível, ou seja, o sensível, o outro o invisível, ou seja, o meta-empírico,
isto é, o reino das essências puras que não se encontram afetadas de um
relativo não-ser, próprio da transitoriedade fugaz da realidade empírica.
E se Aristóteles reabilitava de certo modo o experiência, quando
afirmava que ela era a fonte dos princípios, considerava no entanto o
objeto do conhecimento intelectual como sendo a realidade inteligível,
a essência, que em si mesma não poderia ser apreendida pelos sentidos.
Estabelecia-se assim uma relação de hierarquia entre conhecimento
racional e experiência sensível, que se vai tornar uma das teses básicas
de toda uma tradição racionalista ou simplesmente intelectualista. O
problema do conhecimento filosófico consiste sempre em partir da
empiria contingente para chegar ao meta-empírico necessário. Se no
idealismo crítico de Kant fala-se de um "frutífero bathos da
experiência", dado primitivo e origem de todo conhecimento, põe-se
um princípio de síntese transcendental que é a condição a priori de
possibilidade de toda experiência. É verdade que, com o empirismo
clássico, a experiência sensível se torna o tipo de conhecimento por
excelência ao qual em última análise se reduzem todos os produtos do
conhecimento intelectual. Mas, reduzido à experiência sensível, o
espírito en-caminha-se aí para um subjetivismo cujas consequências são
um
fenomenalismo do qual o exemplo clássico é o cepticismo de Hume,
ponto terminal de um empirismo coerente que aceita todas as suas
consequências.
Na filosofia moderna encontramos uma nova posição do problema
da qual resulta uma revalorização da experiência com pretendida
superação do empirismo tradicional e de seu oposto, a atitude
racionalista. Assim teríamos, por exemplo, a ampliação do conceito de
experiência, como no caso do neokantismo de Rickert, que se recusa a
identificá-la com o mundo do simplesmente sensível, reconhecendo
nela a existência de componentes não-sensoriais. Para êle, um
empirismo autêntico não conduz necessariamente a consequências
sensualísticas, e uma filosofia que busca sua base no "terreno frutífero
da experiência" não precisa para isso restringir-se ao mundo das coisas
concretas, espácio-temporalmente dadas. Existem objetos que nos são
imediatamente dados na experiência vivida, portanto, experimentados e
que todavia não são sensoriais, como, por exemplo, ocorre na vivência
dos valores. A experiência humana é assim o lugar de refração concreta
de objetos não-sensoriaifc, como sejam, por exemplo, os objetos
valiosos. Mais radical ainda é a conhecida posição de Bergson que,
longe de opor experiência e metafísica, pretende justamente que a
verdadeira metafísica se dfine como a experiência integral. Mas em
Bergson se dá uma inversão dos termos do dualismo clássico, sem
contudo aboli-lo. Segundo o filósofo da duração pura, como é sabido,
os objetos imutáveis da metafísica racionalista são uma construção de
nossos conceitos e não a essência mesma do real. Este há que ser
apreendido numa experiência pura, numa intuição onde a intimidade
essencial dos seres nos é dada em sua pureza originária, sem o
intermédio esquematizante e deformante dos conceitos. Esta
experiência ultrapassa o domínio da realidade sensorial afirmada pelo
empirismo, porque ela significa a realidade enquanto dada em si
mesma, sem o anteparo do instrumental conceituai de que nossa
inteligência se serve para manipular o real segundo as exigências de
nossa ação prática. A experiência pura passa a ter um valor único
porque nela se revelam as coisas em seu ser mesmo. Existe, portanto,
uma experiência metafísica do real que não se confunde com a
experiência sensível de que falam os empiristas e positivistas, para opô-
la ao metafísico e supra-sensível, e assim a experiência adquire a
dignidade de um modo superior de apreensão metafísica do real,
ignorada do filosofar racionalista.
Essa breve análise parece suficiente para se fazer uma ideia das
diversas maneiras em que a experiência pode ser tratada enquanto
conceito filosófico fundamental. Um traço comum a todas estas
concepções é a separação, o dualismo que se estabelece entre o mundo
da experiência, considerada como o domínio
do conhecimento sensível e o mundo do conhecimento racional, que
atinge essências puras e imutáveis. É de outra parte a descontinuidade
que se introduz entre a experiência e a natureza, entre a experiência
como realidade subjetiva e o mundo das coisas extramentais; é a
disjunção entre uma experiência que é visão essencial e a experiência
de nossa atividade prática; entre a experiência pura, meio de acesso
imediato ao ser das coisas e a experiência científico-positiva destinada,
segundo Bergson, à manipulação utilitária da realidade; é, enfim, a dis-
sociação entre a ordem teórica, atribuindo-se, por vezes, um valor
máximo à contemplação em detrimento da atividade prática. Ora, o que
se torna característico da filosofia de Dewey é que, segundo êle, a
noção de experiência, que é ao mesmo tempo ponto de partida e ponto
de chegada de seu filosofar, permitiria transcender todos os dualismos
que dividem a filosofia ocidental e que se devem ao fato de que elas se
afastam de uma maneira ou de outra do terreno da experiência. Daí
estas oposições clássicas que têm caracterizado tradicionalmente a filo-
sofia: o fenômeno e a coisa em si, o eterno e o temporal, o ser e o
devenir, o inerte e a duração, o racional e o sensível, a teoria visão
imóvel das essências e a prática, atividade inferior que hesita e tateia, a
necessidade e a contingência e tantos outros pares de opostos. O
próprio empirismo que pretendeu tudo reduzir à experiência sensível
não escapou ao dualismo do teórico e do prático, acentuando sobretudo
o caráter cognitivo da experiência como visão das coisas e
permanecendo ainda dominado pela oposição do objetivo-subjetivo.
A ideia de experiência em Dewey tira sua originalidade da
maneira ampla e compreensiva com que é concebida, o que possi-
bilitaria, segundo sua maneira de ver, superar todos estes dualismos. O
contínuo experiencial abrange todos os fatos que ocorrem em nosso
viver, tudo o que nos afeta, todas as intera-ções, todas as nossas
vivências, o conhecimento sendo apenas uma das componentes de
nossa experiência total. Noutra linguagem que não é exatamente a de
Dewey, diríamos que a experiência é o ponto de encontro do homem
com o ser, em seu viver, pensar e agir. Primeiro que tudo, Dewey
distingue um encontro imediato com as coisas que consiste em "ter"
uma experiência e um encontro cognitivo mesmo incoativamente
reflexivo, que é a experiência em seu caráter propriamente noético, e
que faz dela um saber consciente das coisas. Existe assim um caráter
primário da experiência e neste sentido ela pode ser definida como a
série dos acontecimentos, tudo o que é suscetível de ser denotado,
assinalado, constatado, quaisquer que sejam a forma e o modo da
constatação. Em seu modo mais genérico, poderá di-
zer-se também que a experiência significa toda a série complexa de
transações que ocorrem entre o homem e seu ambiente. Assim como
nos esclarece Dewey, no livro que nos dá a essência de sua metafísica,
Experience and Nature, a experiência deve ser tomada com toda a
simplicidade e universalidade, como a compreende o Vulgar, quando
êle tem a experiência da doença e da prosperidade, do amor, do
casamento e da morte. Experiência designa assim toda a tessitura de
nossa existência, tudo o que é vivido, sofrido ou agido, feito ou
contemplado, é ação e paixão. Ela se confunde com a própria vida
humana na riqueza e complexidade cie formas em que ela se apresenta.
Experiência indica ainda o que é experienciado, o mundo dos
acontecimentos, das coisas e das pessoas e o ato mesmo de experienciar
(experien-cing). Em seu aspecto secundário, a experiência denota prin-
cipalmente o processo cognoscitivo e reflexivo. Não existe para Dewey
a experiência como um conhecimento imediato e privilegiado que
levaria o espírito a coincidir com a essência das coisas. Mesmo porque,
para êle, não tem sentido o dualismo metafísico de aparência e
realidade, de fenômeno e coisa em si, nem outro tipo de conhecimento
válido além do conhecimento científico. Em sua concepção
instrumentalista, Dewey vê, ao contrário, no conhecimento uma forma
distinta da experiência imediata, que surge quando esta se torna
problemática e conduz a sua solução. O imediato seria anoético, não
cognitivo ou pelo menos não reflexivo. O conhecimento é
essencialmente ligação, discriminação, relação. O conhecimento se
apoia sobre o imediato, mas não o penetra. O caráter primário da expe-
riência é de ser não-reflexiva; o lógico é apenas um dos ingredientes
possíveis da experiência, a qual, como situação empírica, deve sua
própria organização a um caráter direto, não lógico. Assim tomada em
toda sua extensão, a experiência para Dewey transcende a mera
apreensão cognoscitiva de uma situação. Experimentar uma situação
implica um modo de participar dela ou ser afetado por ela onde o
apreender cognitivo é apenas um de seus ingredientes. Mas o
imediatamente dado não goza de um status cognoscitivo privilegiado.
O imediato, isto é, essas experiências qualitativas primárias, é apenas o
ponto de partida indispensável do conhecimento. Segundo êle afirma
em sua Lógica, a investigação sempre depende da presença imediata
dos conteúdos existenciais, direta mas não cognitivamente ex-
perienciados. A experiência poderia ser assim demarcada em suas fases
perceptuais e conceptuais. Na fase perceptual e imediata, aquilo que é
dado é considerado enquanto emergindo da interação das coisas e
organismos. E na conceptual ou mediata estes dados caracteres são
ulteriormente vistos como material a ser utilizado pelo homem no
prosseguimento da investi-
gação; eles são selecionados no sentido de pertinência e relevância,
como elementos na solução de situações problemáticas. Ainda em sua
Lógica, Dewey escreve: o que é dado, no sentido estrito da palavra
dado, é o campo total ou situação. O dado, no sentido singular, se
objeto ou qualidade, é o aspecto especial, fase ou constituinte da
situação existencialmente presente, que é selecionado para indicar e
identificar seus traços problemáticos com referência à investigação a
ser executada. Distinguindo esses dois aspectos, vê-se que para Dewey
a experiência não se restringe ao puro conhecimento nem se reduz ao
subjetivo, ela inclui a situação total com todos os seus ingredientes
motivacio-nais, emocionais e cognitivos. Ela é essencialmente
dinâmica, porque é antes de tudo um processus. Sendo assim, ela
envolve situações de equilíbrio e desajustamento; donde a necessidade
permanente para o homem de uma reorganização contínua da
experiência, na qual o pensamento funciona antes de tudo enquanto
método de investigação e ação. Desde que no curso de seu processo a
experiência se apresenta estável ou precária, determinada ou
problemática, isto implica uma atividade contínua do homem no
sentido de um ajustar-se que não cessa nunca. Toda ruptura de
equilíbrio acarreta uma indeterminação da situação, a qual uma vez
reconhecida se torna problemática. O problema se apresenta como uma
dificuldade existencialmente experimentada que deve ser superada. É a
problematicidade da situação, quando o sistema de hábitos não basta
para resolvê-la, que suscita o aparecimento da ação inteligente, do
pensamento reflexivo que transforma a situação problemática numa
situação determinada, isto é, promovendo uma reorganização da expe-
riência de que resulta uma situação de equilíbrio e ajustamento. Isso é o
que significa a asserção de Dewey segundo a qual todo pensamento é
inerentemente prático em seu caráter e que envolve uma transformação
existencial da situação original. Esta maneira de conceber
primariamente a experiência humana em termos de uma relação entre
ser vivo e ambiente em seu esforço incessante de adaptação procede da
influência decisiva que Darwin exerceu na formação de sua doutrina
filosófica. Daí por que a concepção deweyana da experiência se
ressente de certo biologismo que tem suscitado as mais fortes críticas.
Mas seria erróneo supor que em Dewey todos os tipos de experiência se
reduziriam pura e simplesmente ao processo biológico de adaptação.
Êle reconhece perfeitamente eme o ajustamento se processa em
diferentes níveis e que o cultural constitui a emergência de um novo
plano dentro da natureza, comportando formas de experiência novas e
qualitativamente irredutíveis, tais como a experiência estética,
concebida como uma expressão intensificada da experiência e
implicando algo de absolutamente genuíno.
Já nos seus Essays in experimental logic encontramos este texto que
afasta qualquer interpretação grosseiramente utilitária de seu
pragmatismo. Falando da experiência reflexiva êle nos diz: enquanto o
conhecimento reflexivo é instrumental para obter controle numa
situação perturbada (e desse modo tem uma força prática e utilitária), é
também instrumental para o enriquecimento da significação imediata
de experiências subsequentes. E pode bem ser que este produto
secundário, este dom dos deuses, seja incomparavelmente mais valioso
para viver uma vida do que o resultado do controle primário e visado,
essencial que seja esse controle para se viver uma vida. Por onde se vê
que o caráter instrumental da experiência tem um sentido muito mais
amplo e profundo que o meramente biológico. O que Dewey não
reconhece, em virtude de seu postulado naturalista, é a diferença
ontológica de natureza entre os diversos planos da experiência humana.
A experiência é assim o fato primitivo da filosofia de Dewey, o
ponto de encontro do homem com o ser em todas as suas formas. Ela se
apresenta como uma totalidade existencial unificada e vivida que é o
ponto de partida de toda atividade e de toda investigação, seja lógica,
prática, metafísica, estética ou ética. O que Dewey repele é tanto a
concepção subjetivista da experiência, porque privilegia indevidamente
o ato da experiência em detrimento do experienciado, como a
concepção puramente cognoscitiva que estabelece uma disjunção entre
pensamento teórico e atividade prática. Por outro lado a experiência
não constitui um género de atividade que pela subjetividade se opusesse
à natureza. Para êle, o ato pelo qual tenho a experiência das coisas, da
natureza, enfim, é também um processo da natureza. Longe de se opor,
a experiência se integra no mundo da natureza. Não existe, portanto,
para a filosofia de-weyana o espírito como categoria distinta que fosse
o sujeito da experiência. Para Dewey, a mente constitui uma entidade
ou coisa, seja cérebro ou substância espiritual; é apenas um conjunto de
funções. A mente é, por isso, um aspecto do comportamento. Com isto
Dewey pretende escapar à alternativa espiritualismo ou materialismo,
porque ambos, em sua opinião, vêm a ser substancialistas. Mas, dessa
forma, Dewey parece esvaziar a mente humana de sua autêntica
subjetividade, ao reduzir a experiência a um simples processo natural,
pois que para êle tudo o que é dado na experiência é, por isso mesmo,
um traço da natureza. Afirmar com ênfase a continuidade essencial da
experiência e da natureza torna-se uma das teses da filosofia de Dewey
e define o aspecto radicalmente naturalista de sua metafísica da
experiência. Assim, êle não hesita em afirmar em Experience and
Nature: ver o organismo na natureza,
o sistema nervoso no organismo, o cérebro no sistema nervoso, o córtex
no cérebro é a resposta aos problemas que obsedam a filosofia. E
quando assim considerados, é preciso vê-los não como coisas numa
caixa, mas como acontecimentos de uma história dentro de um
processo crescente e jamais acabado. Ainda assim êle se defende de ser
puro materialista, porque pretende reconhecer a especificidade dos
diversos tipos de experiência. O universo deweyano se apresentaria
como um universo ricamente diferenciado e qualificado que, através do
conceito de natureza, pretende reunir em si dialèticamente todos os
contrários, todas as oposições e dualismos da tradição filosófica.
Natureza é para êle a interseção da espontaneidade e necessidade, o
regular e o novo, o acabado e o emergente. É um mundo de
emergências novas e irredutíveis, embora saindo misteriosamente dos
níveis inferiores, ou melhor, não há níveis inferiores mas apenas qua-
litativamente diferenciados. Quase diríamos um universo spi-noziano,
dinamizado onde não há lugar para se distinguir uma natura naturans e
uma natura naturata porque a natureza de-weyana em todas as suas
manifestações é sempre naturante. É um mundo de criatividade que se
opõe à visão estática de um mecanismo reducionista, onde o futuro já
se encontraria previamente dado no presente. À diferença do
materialismo clássico, Dewey se recusa a ver na matéria a substância
última a que se reduziriam todas as outras formas de ser e atividade.
Arte, religião, moral, os valores espirituais, enfim, têm direito de ci-
dadania neste naturalismo, somente que eles não constituem um reino à
parte ou transcendente à natureza. Estas experiências são valiosas na
medida em que promovem o maior enriquecimento da experiência
humana, mas somente o saber científico é que constitui o método
unicamente válido de exploração cognoscitiva da realidade e o
instrumento capaz de orientar o homem em sua ação. O homem,
portanto, com todas as suas criações e valores pertence ao domínio dos
processos puramente naturais. A natureza é assim a categoria suprema
da metafísica de Dewey e que engloba todas as formas da experiência
humana. É através da experiência que a natureza adquire consciência
em si mesma e o processo natural se torna inteligentemente orientado.
Segundo Dewey esclarece em Quest for Certainty, a atividade
inteligente do homem não é alguma coisa que se introduz de fora da
natureza, é a mesma natureza realizando suas próprias potencialidades,
em vista de uma produção mais plena e mais rica de acontecimentos.
No processo evolutivo, a experiência que para emergir requer
condições especiais, exprime a atuali-zação máxima da natureza. Nesta
ideia de uma natureza que atinge a autoconsciência na experiência
humana teríamos a marca da origem hegeliana de Dewey, a qual,
segundo a sua
confissão, teria deixado um depósito permanente em seu pensamento.
Tais são em síntese os princípios desta metafísica naturalista, que se
apresenta como um tipo de empirismo muito peculiar, porquanto
pretendendo limitar-se ao método das ciências positivas, chega a uma
visão total do universo que ultrapassa o que o método estritamente
positivo permitiria afirmar.
Mas o que é talvez mais característico da orientação geral do
filosofar de Dewey é que êle não pretende de modo algum apresentar
uma visão puramente especulativa do universo. A filosofia em sua
concepção se afasta inteiramente do ideal helénico da contemplação
pura. Se Plotino dizia: "A ação é um enfraquecimento da
contemplação", Dewey retruca que todo conhecimento envolve ação.
Para usarmos de seus próprios termos, a filosofia deve negar e rejeitar
aquela inteligência que é nada mais do que um olho distante, registando
num meio remoto e alheio o espetáculo da natureza e da vida. Donde o
caráter instrumentalista de seu filosofar. Mas seria falsear o genuíno
pensamento de Dewey quem pretendesse ver no seu pragmatismo uma
forma de puro e grosseiro utilitarismo. O que é próprio da concepção de
Dewey é ver na filosofia, considerada como expressão máxima do
pensamento crítico, um método ou guia da ação humana. Como observa
Sidney Hook, se algumas teorias de Dewey são revolucionárias, a sua
concepção da filosofia é tão velha como a de Sócrates, na medida em
que a filosofia para êle é essencialmente uma pesquisa da sabedoria,
uma análise da existência do ponto-de-vista do valor, uma crítica dos
métodos pelos quais julgamos os modos e valores da experiência. É
bem verdade que em sua busca pela sabedoria, Dewey jamais soube ou
quis reconhecer o valor autónomo da contemplação não se libertando
de um ativismo, de um praticalismo que se devem à tradição americana
em geral e sua origem calvinista para a qual a contemplação pura é um
ócio, um luxo pecaminoso do espírito. Na visão que Dewey se faz do
homem, este se encontra engajado num processo sem fim de adaptação
e readaptação porque a vida exige continuamente uma rearganização
das experiências e não existem valores ou verdades situadas num
mundo transcendente e eterna que se constituíssem objeto de
contemplação. Desde que não existe um reino de essências imutáveis,
mas a natureza é um vir-a-ser indefinido e o próprio da experiência é a
transformação incessante das situações, as ideias deixam de ser a mera
expressão do que é, definindo-se pela sua relação de adequação ao ser
para se definirem, em sua validade e significação com relação ao que
vai ser. Daí o significado de seu pragmatismo que se caracteriza por sua
referência ao futuro, ou seja, o conhecimento vale pelas suas
consequências no curso da experiência. As ideias se tornam assim
instrumento de reorganização
da experiência, pela qual seu caráter de indeterminação e pro-
blematicidade se transforma em algo de determinado e garantido, Por
sua vez os valores e ideais se definem em função da situação concreta e
vêm a ser os elementos de que o homem dispõe a fim de projetar
inteligentemente sua existência e sua ação. Não reconhecendo o valor
de uma ação imanente, mas limitando-se ao plano da ação transitiva,
êle repele toda contemplação pura, como sendo uma espécie de fuga
diante dos problemas da vida. Por isso, não hesita em dizer que é
melhor para a filosofia errar na participação ativa nas lutas e debates da
vida de seu tempo, do que manter uma imune e monástica impe-
cabilidade. A filosofia deve, portanto, atirar-se à arena onde se
desenrola a luta quotidiana da existência humana e ajudar o homem a
encontrar a solução de seus problemas. Daí por que o problema central
de seu filosofar, tal como êle escreve em Quest for Certainty, é o
problema de restaurar a integração e cooperação entre as crenças do
homem nas quais êle vive e suas crenças sobre os valores e objetivos
que deveriam dirigir sua conduta. O objeto da filosofia não deve. ser
um conhecimento especulativo da realidade que viesse sobrepor-se ao
das ciências como um saber de tipo superior que nos revelasse os
últimos fundamentos do ser. Tudo o que podemos conhecer sobre a rea-
lidade é a ciência que nos pode proporcionar. A filosofia se ocupa da
sabedoria e esta, segundo Dewey, é aplicação do que é conhecido à
conduta inteligente da vida humana. Cabe a ela empreender a
elaboração do sistema de valores que deve orientar o homem em sua
existência, utilizando-se para isso dos resultados da ciência positiva. E
todo esforço do filosofar de Dewey consiste em procurar ajustar a
reflexão filosófica ao nível dos progressos da ciência moderna. Dewey
admite que as condições e forças que dominam de fato o mundo
moderno não atingiram ainda qualquer expressão intelectual coerente,
existindo assim um décalage entre os fatos e problemas do mundo atual
e a filosofia tradicional que ainda mantemos. É preciso, portanto, elimi-
nar esse hiato e promover uma fundamentação puramente naturalista, e
à base do método científico, dos mesmos valores espirituais
fundamentais de nossa civilização, e lutar por um mundo melhor onde o
homem possa realizar-se em sua plenitude. Dewey nesse particular é
animado do mais profundo otimismo no que diz respeito à capacidade
humana de aperfeiçoamento. Como afirma êle em Reconstruction in
Philosophy, o homem é capaz, se êle quer exercer a coragem,
inteligência e esforço exigidos de modelar seu próprio destino. Mas,
para Dewey, o objetivo do homem não é um limite ou um termo que é
preciso atingir; é o processo ativo pelo qual se transforma a situação
presente. O fim da vida não é a perfeição, mas o processíis incessante
de
aperfeiçoamento. A tarefa da filosofia do futuro seria de explicar ao
mundo moral e social estas ideias de desenvolvimento e crescimento
indefinido, de possibilidades sem limites, de liberação individual e
coletiva. A ciência nos permitiu agir sobre a natureza e transformá-la;
que ela faça a educação do homem e prepare a democracia. Não basta
desenvolver a ciência da natureza e a indústria que dela resulta; é
preciso também transportar os novos métodos ao domínio social. Então
"o ciclo do desenvolvimento científico será terminado, a reconstrução
filosófica será um fato consumado." O divórcio dos valores e dos fatos,
do ideal e do real, será eliminado. Tal é o filosofar de Dewey,
inspirado num pragmatismo científico, animado de um otimismo ativo,
motivado pelo culto da liberdade e por um desejo ardente de promover
uma ogranização social bastante flexível para permitir o
desenvolvimento do indivíduo, bastante forte para enquadrá-lo no
grupo e fazê-lo participar da cooperação criadora. A filosofia ao
serviço dos mais nobres ideais humanos de liberdade e cooperação, tal
seria o sentido desse pragmatismo idealista que crê religiosamente no
poder de auto-aperfei-çoamento do homem.
Não é aqui certamente o lugar indicado para se intentar uma
crítica da filosofia de Dewey, quando justamente prestamos uma
homenagem a sua memória. Mas se, como dizia Lache-lier, a primeira
condição para se compreender um sistema é instalar-se nele, e a
segunda é sair dele, não nos é possível deixar de propor algumas
observações críticas a título de aporias. Um estudo da filosofia de
Dewey nos revela desde logo certo conflito latente entre sua
epistemologia empirista e sua metafísica, entre seu idealismo prático
dos valores e seu método estritamente naturalista. Com efeito, se o
único método válido, capaz de fornecer "certezas garantidas", é o
método científico e se esse método se define pelo critério da
verificação experimental, como é possível fazerem-se afirmações
metafísicas sobre a natureza como totalidade, uma vez que tais
afirmações, pelo seu caráter metafísico, escapam a todo e qualquer
controle pela verificação empírica? Neste caso, todas as asserções
fundamentais da metafísica naturalista de Dewey teriam um mero
caráter de hipótese à espera de um dia serem verificadas pelo método
científico. Mas uma teoria metafísica da realidade total não poderia ser,
por definição, verificada pelo método científico positivo. Além disso,
como seria possível fundamentar-se todo um sistema de valores que
devem orientar a existência humana à base somente de hipóteses? Isto
equivaleria a resvalar para um ais ob cuja aceitação implicaria uma
pura decisão arbitrária ou pelo menos aventurosa e que não justificaria
racionalmente
nenhum otimismo sobre os destinos do homem. Dewey pretende haver
superado o dualismo kantiano da natureza e da liberdade, integrando-os
em sua noção de experiência. Mas é justamente essa pretensão que
suscita as maiores dificuldades. Para isso teria sido preciso demonstrar
que os juízos de valor são empíricos na mesma forma que são os juízos
científicos; mostrar como imperativos éticos podem ser derivados de
contestações científico-positivas. E nisto reside precisamente a
dificuldade central de todo naturalismo ético, empirista como o de
Dewey. Porque enquanto penso o universo em função das categorias do
entendimento puro não posso deixar de concebê-lo como um conjunto
de processos submetidos a uma legalidade universal. Esta é com efeito
a visão inerente ao pensamento científico positivo. Neste caso, meu ser
como realidade empírica está sujeito às mesmas leis que o resto dos
processos naturais. Mas, por outro lado, na ação moral eu me apreendo
como sujeito que se propõe fins e ideais e, portanto, dotado de
autodeterminação, de liberdade. Assim sendo, transcendo o mundo da
natureza, porque não teria sentido falar-se de ideais e valores para um
ser que nada mais é que um processo natural, submetido às mesmas leis
da natureza. Dewey começa por conceber a vida humana segundo o
modelo biológico da adaptação natural e em seguida com o auxílio do
método científico pretende justificar os valores que dão sentido e
conteúdo realmente humano à existência do homem. Pelo que se torna
patente o paradoxo de sua doutrina já destacado por Gotschalk. De um
lado, ao esforçar-se por libertar o homem de toda referência ao supra-
sensível ou ao sobrenatural e concentrar-se no propósito de promover a
exaltação e progresso do homem, o naturalismo é uma doutrina
essencialmente antropocêntrica e humanista. Todavia, na medida em
que o homem para o naturalismo não passa de um mero processo
dentro da natureza, êle se torna francamente anti-humanista quanto ao
posto do homem do cosmo. Porque, como é possível à base do método
científico que encara apenas relações funcionais de causa e efeito
descobrir-se um valor especial e único à existência humana dentro do
universo que justificasse esse ato de fé na condição humana e sua
dignidade que é a filosofia de Dewey? É que o valor da vida humana é
uma tese da metafísica de Dewey ou uma crença profundamente arrai-
gada em seu espírito, mas não um resultado que se impusesse pela
análise científica.
Mas certamente que esses conflitos, que aliás se notam em todas
as grandes filosofias, em nada desmerecem o valor e importância da
obra de Dewey. O grande esforço que representa sua filosofia para a
solução dos problemas humanos não pode deixar-nos indiferentes
numa época em que tantos perigos amea-
çam dramaticamente os valores mais caros da tradição ocidental. Sem
dúvida que para muitos esta filosofia da experiência se ressente de certa
densidade ontológica, carecendo sua concepção do homem do sentido
das dimensões trágicas da vida. Por outro lado acreditamos que sua
posição rigorosamente naturalista se afigura de todo insuficiente para
uma fundamentação dos valores supremos que orientam o espírito
humano em seu peregrinar histórico e parece incapaz de satisfazer às
exigências de absoluto próprias deste mesmo espírito. Mas as
refutações que se fizerem de Dewey (Hegel costumava dizer que
nenhum sistema jamais foi inteiramente refutado) não atingirão o valor
e fecundidade de suas contribiuções tanto para a filosofia pura como
para a ação e pensamento pedagógicos. E se, como dizia Péguy, uma
grande filosofia não é uma filosofia que não é contestada, mas uma
filosofia que vence de alguma maneira; não é uma filosofia sem
mácula, mas uma filosofia sem medo; o é aquela contra a qual nada
se tem a dizer, mas aquela que disse alguma coisa, então, poderemos
afirmar que Dewey nos legou uma grande filosofia.
7
Documentação
A CIÊNCIA E O DESENVOLVIMENTO
Em reunião promovida, no mês de agosto, pelo
Instituto Weiszmann de Rehovot (Israel) e destinada
ao exame do tema "A Ciência e o Progresso dos
Novos Estados", à qual compareceram 127 cientistas
e pensadores de 39 países, entre os quais, do Brasil, o
Prof. Anísio Teixeira e o economista Celso Furtado,
foi adotada a seguinte Declaração :
A Conferência Internacional sobre "A Ciência e o Progresso dos
Novos Estados" foi promovida pelo Instituto Weiszmann de Rehovot
(Israel) entre 15 e 30 de agosto de 1960, por iniciativa do Presidente do
referido Instituto.
Compareceram à Conferência ministros, altas autoridades
governamentais, líderes de instituições educacionais e de desen-
volvimento de vários países, muitos dos quais se constituíram
recentemente como estados soberanos, assim como eminentes
cientistas, homens de pensamento e economistas de várias partes do
mundo. Também se fizeram representar organizações internacionais
especializadas.
A Conferência dirigiu sua atenção para dois processos que
afetaram profundamente a vida desta geração — o rápido progresso da
ciência e da tecnologia e a mudança na estrutura da comunidade
internacional, através da criação de novos estados, sobretudo na Ásia e
na África. Os participantes à Conferência expressaram geral
concordância nos seguintes pontos:
1. Os novos estados alcançaram igualdade política com os estados
mais antigos. Mas não existe ainda igualdade no progresso econômico,
social e cultural. A maioria dos novos estados sofre de níveis de vida
deprimente; lento desenvolvimento na agricultura e na indústria e uso
inadequado dos recursos naturais. O pensamento científico e as
técnicas que poderiam corrigir esta situação não estão sendo ainda
aplicados nos Novos Estados. Assim, o moderno movimento científico
está continuamente aumentando a força e a riqueza dos países
avançados,
enquanto produzem efeito reduzido nos territórios menos desen-
volvidos.
2. É necessário com urgência reduzir esta disparidade por
motivos humanos e de modo a aumentar o bem-estar dos estados e criar
uma atmosfera mais harmoniosa nas relações internacionais.
3. Os cientistas naturais e sociais participantes da Conferência
acordaram que a ciência e a tecnologia são capazes de promover
mudanças rápidas na condição dos novos estados através de métodos
agrícolas avançados; irrigação; prevenção da doença e promoção da
saúde, técnicas nutricionistas aperfeiçoadas; descoberta e avaliação de
recursos; ajustamento mútuo dos recursos e da população; e estímulo à
industrialização. Deu-se grande ênfase à necessidade de fortalecer a
educação científica nos estados em processo de desenvolvimento.
4. Concordou-se também que em muitas áreas de pesquisa e de
aplicação, como a de utilização de energia nuclear e solar, e a de
disponibilidade crescente de água potável por processos artificiais, os
respectivos progressos, na próxima década, poderão ter efeito positivo
nas condições econômicas dos estados em processo de
desenvolvimento.
5. Os representantes dos novos Estados revelaram forte desejo
pela expansão da educação científica em seus países, pela utilização
dos melhores métodos científicos adequados aos seus problemas de
desenvolvimento, e pela manutenção de íntimo con-tato com o
pensamento e a ação científicos dos países cientificamente avançados.
6. As seguintes linhas de pensamento e ação foram reco-
mendadas na Conferência, com o objetivo de levar a ciência e a
tecnologia a participar mais ativamente nos problemas dos países em
processo de desenvolvimento:
a) Os governos dos Estados em processo de desenvolvimento
deverão considerar o progresso da ciência e da tecnologia
como um objetivo principal de suas políticas nacionais e
destinar recursos e oportunidades para alcançar este fim;
b) Nos sistemas de ensino secundário e superior dos países
novos e em processo de desenvolvimento, deverão ser
executados programas acelerados com o objetivo de formar
um corpo de cientistas e peritos técnicos;
c) Um primeiro passo nas atividades dos novos estados deve ser
a realização de um completo levantamento dos recursos
naturais e humanos, como base para um pro-
grama de desenvolvimento, em que se estabeleçam lúcidas
indicações de prioridades;
d) Enquanto seu próprio potencial humano, no campo da
ciência, não seja adequado nem suficiente, os Estados Novos
em processo de desenvolvimento deverão procurar a ajuda de
assessores e peritos científicos de países amigos e
organizações internacionais, para auxiliá-los a desenvolver
uma tradição e uma prática científicas ;
e) Os representantes dos Estados Africanos à Conferência
apontaram as vantagens de uma abordagem regional aos seus
respectivos problemas. Haverá casos em que projetos de
assistência técnica e educação técnica poderão ser aplicadas
vantajosamente por mais de um Estado;
f) Os Estados que realizaram progressos científicos avançados
deveriam adotar a política de estender a ajuda científica aos
países cientificamente menos avançados;
g) As instituições e pesquisadores científicos dos países
cientificamente mais avançados deveriam aumentar seu
interesse por aqueles campos de pesquisa e de aplicação que
são relevantes para os países novos e em processo de
desenvolvimento;
h) As organizações internacionais, os governos e as fundações
deveriam executar programas crescentes de auxílio
financeiro aos países em processo de desenvolvimento, com
a devida ênfase na transmissão e difusão do conhecimento
técnico, na formação de técnicos, e no aumento do
equipamento técnico e científico;
i) Foi também acordado, de modo geral, que os contratos
realizados na Conferência, entre os governos dos países em
processo de desenvolvimento e os líderes nas várias
disciplinas científicas e tecnológicas, deveriam ser in-
tensificados e ampliados para abranger a elaboração mútua
de planos específicos na execução dos objetivos aqui
estabelecidos.
7. Para executar os propósitos e planos recomendados no
parágrafo precedente, a Conferência decide criar um Comité
Permanente que manterá contato com os participantes da Conferência
de Rehovot e com outros governos e instituições que apoiam seus
objetivos gerais. O Comité Permanente servirá como uma organização
central para receber e encaminhar pedi-
dos e sugestões de países em processo de desenvolvimento e de
cientistas e tentará promover contatos proveitosos.
O Comité Permanente examinará a convocação de uma Segunda
Conferência na época oportuna, após consulta aos Governos, cientistas
e organizações internacionais, de modo a apreciar os progressos
realizados nas questões propostas do item 6 desta Declaração.
O Comité Permanente apresentará um relatório à 2.
a
Conferência
a respeito da supervisão dos progressos nas atividades e programas
individuais ou coletivos.
8. A Conferência decide publicar os trabalhos a ela apresentados
para distribuição aos governos, instituições científicas e ogranizações
internacionais.
9. A Conferência decide enviar esta declaração ao Secretário
Geral das Nações Unidas e às organizações especializadas, governos,
instituições e fundações interessadas na pesquisa científica e no
progresso dos estados em processo de desenvolvimento.
Rehovot, 25 de agosto de 1960.
ORGANIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E
CULTURA DO BRASIL *
(em 1958)
0 Ministério da Educação e Cultura constitui-se de órgãos de
direção, de execução e de cooperação.
ÓRGÃOS DE DIREÇÃO
Os órgãos de direção formam a Secretaria de Estado. Com-
preendem :
I — Gabinete do Ministro II — órgãos de
Administração Geral
III — Órgãos de Administração Especial
IV — órgãos Complementares
I — Gabinete do Ministro, regulamentado pelo Decreto número
38.609, de 19/1/56, com a seguinte organização: Setor de
Programação e Controle Setor de Estudos e Administração Setor
de Recepção Setor de Divulgação Portaria
II — Os órgãos de Administração Geral formam o DEPARTAMENTO
DE ADMINISTRAÇÃO, criado pelo Decreto-lei n.° 357, de
28/3/1938. Pelo Decreto-lei" n.° 1.018, de 31/12/1938, o órgão
passou a denominar-se Departamento de Administração.
Continuou a sofrer modificações e novos setores foram-lhe
incorporados. Finalmente, pelo Decreto-lei n.° 3.112, de
12/3/1941, foi definitivamente organizado e pelo Decreto n.°
42.472, de 15/10/1957, suas Divisões e Serviços foram
regulamentados. O Departamento de Administração compreende
os seguintes órgãos:
* Trabalho elaborado pela Técnica de Educação Norma Carneiro Monteiro e pelo
Prof. Ulisses Bastos Freitas, da Divisão de Documentação e Informação Pedagógica do
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais.
O R G A N O G R A M A DO M I N I S T É R I O DE E D U C A Ç Ã O E C U L T U R A
1. Divisão de Pessoal, antiga Diretoria de Pessoal a que
se refere o art. 7.° da Lei n.° 378, de 13/1/37, proveniente da
antiga Diretoria Geral de Expediente. Pelo Decreto-lei n.° 204,
de 25/1/1938, a Diretoria de Pessoal tomou a denominação de
Serviço do Pessoal. Pelo Decreto-lei n.° 1.018, de 31/12/1938, o
Serviço do Pessoal passou a denominar-se Divisão de Pessoal e
foi regulamentado pelo Decreto n.° 42.472, de 15/10/57, tendo a
seguinte organização:
Seção de Direitos e Deveres
Seção de Movimentação Seção
de Cadastro e Acesso Seção
Financeira Seção de
Mecanização Seção de
Assistência Social:
Setor de Perícias Médicas
Setor de Assistência Médico-Hospitalar
Postos Ambulatórios
Posto Hospitalar
Setor de Medicina Social Seção de
Apuração de Tempo de Serviço Turma de
Administração
2. Divisão de Material, antigo Serviço de Material, criado
pelo Decreto-lei n.° 357, de 28 de março de 1938. Passou a Divi
são de Material pelo Decreto-lei n.° 1.018, de 31 de dezembro de
1938. Foi regulamentada pelo Decreto n.° 42.472, de 15 de outu
bro de 1957, compondo-se de:
Seção Administrativa
Seção de Requisição e Controle
Seção de Fiscalização e Tombamento
3. Divisão de Orçamento, antiga Diretoria Geral de Conta
bilidade pertencente à Secretaria de Estado da Educação e Saú
de Pública, conforme Decreto n.° 19.560, de 5/1/1931, foi incor
porada aos órgãos de administração geral pelo art. 7.° da Lei
n.° 378, de 13 de janeiro de 1937. Ao ser criado o Departamento
de Administração pelo Decreto-lei n.° 357, de 28 de março de
1938, passou a pertencer a este sob a denominação de Serviço
de Contabilidade. Finalmente foi transformado em Divisão de
Orçamento pelo Decreto-lei n.° 3.112, de 12 de março de 1941.
Pelo Decreto n.° 42.472, de 15 de outubro de 1957, foi a Divisão
de Orçamento regulamentada, passando a constituir-se de:
Seção de Estudos e Previsão
Seção de Execução Seção de
Controle Turma de
Administração
4. Divisão de Obras, antiga Superintendência de Obras e
Transportes, subordinada à Secretaria de Estado da Educação
e Saúde Pública, conforme o art. 6.° do Decreto n.° 24.438, de
21/6/1934, transformou-se em órgão auxiliar de execução pelo
art. n.° 66, da Lei n.° 378, de 13/1/37, sob a denominação de
Serviço de Obras. Pelo Decreto-lei n.° 3.112, de 12/3/41, passou
a denominar-se Divisão de Obras. Pelo Decreto n.° 42.472, de
15/10/57, foi regulamentada, constituindo-se de:
Seção de Estudos e Projetos Seção de Execução e
Fiscalização de Obras Seção de Manutenção e
Reparos de Edifícios Seção de Recuperação e
Depósito de Material Turma de Administração
5. Seção de Organização — Conforme o Decreto n.° 42.472,
de 15/10/1957, subordinada administrativamente ao Departa
mento de Administração e tecnicamente ao Departamento Ad
ministrativo do Serviço Público, tem por finalidade proceder ao
estudo da organização, condições, normas e métodos cie trabalho
das unidades administrativas do Ministério.
6. Serviço de Administração da Sede, criado pelo Decreto-
lei n.° 3.112, de 12/3/41, ao qual fora incorporada a Portaria,
órgão complementar a que se refere o art. 20 da Lei n.° 378,
de 13/1/37. Pelo Decreto n.° 42.472, de 15/10 57, recebeu a
seguinte organização:
Turma de Conservação
Portaria
Turma de Administração
7. Serviço de Comunicações, que se achava entre os órgãos
complementares de direção (letra e, art. 20 da Lei n.° 378, de
13/1/37), foi incorporado ao Departamento de Administração
pelo Decreto-lei n.° 3.112, de 12/3/41. Foi regulamentado pelo
Decreto n.° 42.472, de 15/10/57, compreendendo:
Turma de Registro Turma
de Mecanização Turma de
Administração Arquivo
Geral
8. Serviço de Transportes, antiga Superintendência de
Obras e Transportes da Secretaria de Estado da Educação e
Saúde Pública, pela Lei n.° 378, de 13/1/37, passou a fazer parte
dos serviços auxiliares pertencentes aos órgãos de Execução.
Com o Decreto-lei n.° 3.112, de 12/3/41, ficou subordinado ao
Departamento de Administração. Pelo Decreto n.° 42.472, de
15/10/57, recebeu a seguinte organização:
Turma de Administração
Garagem
Oficina
9. Contadoria Secional, criada pelo Decreto n.° 5.226, de
31/1/1940, e incorporada ao Departamento de Administração
pelo Decreto-lei n.° 3.112, de 12/3/1941.
10. Tesouraria, antiga Tesouraria Geral criada pelo De
creto n.° 24.560, de 3/7/1934, pertencente ao Ministério da Edu
cação e Saúde Pública e subordinada à Diretoria Geral de Conta
bilidade, passou a fazer parte do Departamento de Administra
ção pelo Decreto-lei n.° 3.112, de 12/3/41.
III — Os Órgãos de Administração Especial compreendem:
A) Serviço de Estatística de Educação e Cultura
Antiga Diretoria de Estatística, a que alude o artigo 8.°, parágrafo
único da Lei n.° 378, de 13/1/37, proveniente da Diretoria Geral de
Informações, Estatística e Divulgação da Secretaria de Estado da
Educação e Saúde Pública, conforme o Decreto número 19.560, de
5/1/1931. Foi regulamentado pelo Decreto n.° 38.661, de 21/1/56.
Compreende os seguintes órgãos:
Seção de Ensino Primário Seção de
Ensino Extra-Primário Seção de
Estatísticas Culturais Seção de
Despesas com a Cultura Seção de
Apuração Mecânica Seção de Estudos
e Análises Seção de Administração
Portaria
B) Departamento Nacional de Educação
Antiga Diretoria Geral de Educação de que trata o art. l.° do
Decreto n.° 22.084, de 14/11/1932, e que tivera efémera duração, pois
fora extinta pelo Decreto n.° 24.439, de 21/6/1934, orga-nizando-se
então a Diretoria Nacional de Educação. Pela Lei
8
n.° 378, de 13/1/37, passou a ser o Departamento Nacional de
Educação, composto do Gabinete do Diretor Gera , de um Serviço de
Expediente e de 8 Divisões de Ensino. Pelo Decreto-lei número 8.535,
de 2/1/46, as Divisões de Ensino Superior, Ensino Secundário, Ensino
Comercial e Ensino Industrial passaram a constituir Diretorias
subordinadas diretamente ao Ministro, com exceção das seguintes
divisões, que permaneceram subordinadas ao Departamento de
Educação:
1) Divisão de Ensino Primário, prevista no art. 10, letra a da
Lei n.° 378, de 13/1/37, foi extinta pelo Decreto-lei n.° 9.018,
de 25/2/46, e suas atribuições ficaram incorporadas ao
Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP).
2) Divisão de Ensino Doméstico (ainda não instalada).
3) Divisão de Educação Física, regulamentada pelo Decreto n.°
40.296, de 6/11/56. Compreende:
Seção de Estudos e Aperfeiçoamento
Seção de Educação Física de Grau Médio
Seção de Educação Física de Grau Superior
Seção de Desportos e Recreação
Seção Administrativa
Pelo Decreto n.° 43.177, de 5/2/58, foi instituída a CAMPANHA
NACIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA, a cargo desta Divisão.
4) Divisão de Educação Extm-Escolar, regulamentada pelo
Decreto n.° 34.078, de 6/10/53, compreende:
Gabinete do Diretor
Seção de Estudante
Seção de Assistência
Seção de Cultura
Junto a esta Divisão foram instituídas duas campanhas:
CAMPANHA DE ASSISTÊNCIA AO ESTUDANTE (Decreto n.°
43.031, de 13/1/58) e CAMPANHA NACIONAL DE MERENDA
ESCOLAR (Decreto n.° 37.106, de 31/3/55, modificado pelo Decreto
n.° 40.052, de 1/10/56).
5) Serviço de Educação de Adultos, previsto pelo Decreto-
lei n.° 4.958, de 14/11/1942, art. 5.°, e pelo Decreto nú
mero 19.513, de 25/8/1945, art. 4.°, n.° 2, e art. 5.°. Fi
cou o Departamento Nacional de Educação autorizado
a organizá-lo para o período de 1.° de fevereiro a 31 de
dezembro de 1947, pela Portaria Ministerial n.° 57, de
30/1/47. Compreende os seguintes setores:
Setor das Relações Públicas (Portaria Ministerial n.° 61 A,
de 30/1/47). Setor de Orientação Pedagógica (Portaria
n.° 251, de
25/7/1957). Setor de
Planejamento e Controle Setor
Administrativo
6) Campanha Nacional de Material de Ensino, instituída pelo
Decreto n.° 38.556, de 12/1/1956, para estudar e promover
medidas relerentes à produção e à distribuição de material
didático, com a finalidade de contribuir para a melhoria de
sua qualidade e difusão do seu emprego, bem como para a
sua progressiva padronização.
7) Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, instituído pelo
Decreto-lei n.° 4.993, de 26/11/42, e alterado pelo Decreto-lei
n.° 5.642, de 2/7/43. Foi regulamentado pelo Decreto n.°
41.926, de 30/7/57, compreendendo:
Seção de Documentação:
Biblioteca-Discoteca
Laboratório de Voz
Secretaria:
Portaria
Comissões Técnicas
Didática do Canto Orfeônico
Prática do Canto Orfeônico
Formação Musical Estética
Musical Cultura Pedagógica
Artesanato Musical
Seção de Orientação e Informação
C) Diretorias de Ensino
As Divisões de Ensino previstas no art. 10 da Lei n.° 378, de
13/1/37, estiveram subordinadas ao Departamento Nacional de
Educação. Pelo Decreto-lei n.° 8.535, de 2/1/46, as Divisões de Ensino
Superior, Industrial, Secundário e Comercial passaram a ser
denominadas Diretorias de Ensino diretamente subordinadas ao
Ministro, ficando as restantes subordinadas ao Departamento Nacional
de Educação.
1) Diretoria do Ensino Superior, regulamentada pelo Decreto n.°
20.302, de 2/1/1946, compreende:
Seção de Estudos e Organização
Seção de Fiscalização da Vida Escolar
Seção de Inspeção
Seção de Registro
Serviço Auxiliar
Universidades Equiparadas
Escolas Federais Isoladas
Escolas Autorizadas e Reconhecidas
Junto a essa Diretoria foi instituída a CAMPANHA DE
FORMAÇÃO DE GEÓLOGOS (CAGE) pelo Decreto n.° 40.783, de
18/1/57, compreendendo uma Comissão Orientadora.
2) Diretoria do Ensino Secundário, regulamentada pelo
Decreto n.° 20.302, de 2/1/46, alterado pelo Decreto
n.° 20.760, de 18/3/1946, compreende os seguintes se-
tores:
Seção de Prédios e Aparelhamento Escolar Seção
de Pessoal Docente e Administrativo Seção de
Fiscalização da Vida Escolar Seção de Orientação e
Assistência Seção de Inspeção Serviço Auxiliar
Inspetorias Secionais do Ensino Secundário (Portaria Ministerial
n.° 134, de 25/2/1954, e Portaria do Diretor do Ensino
Secundário, n.° 318, de 5/4/1954).
Pelo Decreto n.° 34.638, de 17/11/53, foi instituída a CAM-
PANHA DE APERFEIÇOAMENTO E DIFUSÃO DO ENSINO
SECUNDÁRIO (CADES), cujo Regimento foi aprovado pela Portaria
Ministerial n.° 170, de 26/3/1954. Compreende:
Conselho Consultivo
Secretaria
Contabilidade Setor de
Projetos
3) Diretoria do Ensino Comercial, regulamentada pelo De
creto n.° 20.302, de 2/1/46, alterado em alguns de seus
artigos pelo Decreto n.° 20.760, de 18/3/46, compreende:
Seção de Prédios e Aparelhamento Escolar Seção
de Pessoal Docente e Administrativo Seção de
Fiscalização da Vida Escolar Seção de Orientação e
Assistência Seção de Inspeção Serviço Auxiliar
Pelo Decreto n.° 35.247, de 24/3/54, foi instituída a CAMPANHA
DE APERFEIÇOAMENTO E EXPANSÃO DO ENSINO
COMERCIAL (CAEC), cujo Regimento foi aprovado pela Portaria
Ministerial n.° 398, de 11/6/1954. Compreende:
Conselho Consultivo
Secretaria
Contabilidade Setor de
Projetos
4) Diretoria do Ensino Industrial, regulamentada pelo Decreto n.°
20.302, de 2/1/46, alterado em alguns artigos pelo Decreto
n.° 20.760, de 18/3/46, e pelo Decreto número 35.171, de
8/3/54, compreende:
Seção de Prédios, Instalações e Estudos
Seção de Pessoal Docente, Discente e Administrativo
Seção de Aprendizagem Industrial
Serviço Auxiliar
Curso Técnico de Química Industrial
Curso Técnico de Mineração e Metalurgia
Estão subordinadas a esta Diretoria as Escolas Técnicas e
Industriais do País.
IV — Órgãos Complementares
Atualmente há três órgãos complementares no Ministério da
Educação e Cultura: Biblioteca da Secretaria de Estado, Seção de
Segurança Nacional e o Serviço de Documentação, todos subordinados
diretamente ao Ministro.
1. Biblioteca da Secretaria de Estado. Pelo regulamento a que se
refere o Decreto n.° 19.560, de 5/1/31, competia à 2.
a
Seção da
Diretoria Geral de Informações, Estatística e Divulgação a
"organização e conservação de uma biblioteca especializada à
disposição do Ministro e dos funcionários técnicos do Ministério, e
também para uso dos seus próprios serviços". No entanto, a Biblioteca
só foi criada em 13 de janeiro de 1937 pela Lei n.° 378. Passou a
integrar o Departamento de Administração pelo Decreto-lei n.° 3.112,
de 12/3/41. Em 2 de janeiro de 1946, pelo Decreto n.° 20.305, foi
aprovado o seu regimento, passando a ficar subordinada diretamente ao
Ministro de Estado. Compreende:
Seção de Classificação e Catalogação
Seção de Referência
2. Seção de Segurança Nacional, instituída pelo Decreto n.°
23.873,'de 15/2/34, organizada pelo Decreto n.° 2.036, de 11/10/37,
passou a pertencer aos órgãos complementares do Ministério,
diretamente subordinada ao Ministro de Estado. Seu regimento interno
foi aprovado pelo Decreto n.° 23.438, de 29/7/47. Compreende:
Diretoria, Secretaria e Seção Técnica. A Seção de Segurança Nacional
deve ser considerada Órgão de Cooperação do Ministério, dada a
natureza de seus trabalhos e objetivos, embora conste por lei como
Órgão Complementar.
3. Serviço de Documentação, antigo Serviço de Publicidade a
que alude o art. 20 da Lei n'° 378, de 13/1/37. Está subordinado
diretamente ao Ministro de Estado da Educação e Cultura. Passou a ter
a denominação atual pelo Decreto-lei n.° 2.045, de 29/2/40. Seu
regimento foi aprovado pelo Decreto n.° 20.304, de 2/1/46,
posteriormente, pelo Decreto n.° 38.725, de 30/1/56, compreendendo:
Seção de Administração Seção
de Divulgação Seção de Foto-
Documentação Seção de
Pesquisa Biblioteca
4. Comissão de Eficiência, instituída pela Lei n.° 378, de
13/1/37, e reorganizada pelo Decreto-lei n.° 579, de 30/7/38, e,
posteriormente, pelo Decreto-lei n.° 3.569, de 29/8/41; foi extinta pelo
Decreto-lei n.° 9.503, de 23/7/46.
5. Serviço Jurídico, previsto no art. 20 da Lei n.° 378, de
13/1/37, não foi instalado até a presente data. Existe apenas o cargo de
Consultor Jurídico do Quadro Permanente do Ministério.
ÓRGÃOS DE EXECUÇÃO
Todos os órgãos de execução acham-se subordinados diretamente
ao Ministro de Estado. Compreendem os serviços relativos à educação,
executados por:
A) Instituições de Educação Escolar
B) Instituições de Educação Extra-Escolar
A) Instituições de Educação Escolar
COLÉGIO PEDRO II (internato e externato). Destina-se a
administrar o ensino secundário completo (1.° e 2.° ciclos), quer no
regime de externato, quer no de internato.
ESCOLA TÉCNICA NACIONAL, antiga Escola Normal de Artes e
Ofícios Wenceslau Braz. Destina-se ao ensino profissional de todos os
ramos e graus. Anteriormente à Lei n.° 378, de 13/1/37, estivera
subordinada à Inspetoria de Ensino Profissional Técnico. A referida Lei
pretendia trãnsformá-la em Liceu juntamente com as escolas de
aprendizes de artífices. Pelo Decreto-lei n.° 4.127, de 25/2/42, criou-se
a Escola Técnica Nacional.
INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE SURDOS,
regulamentado pelo Decreto n.° 26.974, de 28/7/49, teve seu regimento
modificado pelo Decreto n.° 38.738, de 30/1/56, pelo qual foram
criados novos setores e aperfeiçoados outros. A Lei número 3.198, de
6/7/57, alterou a denominação do Instituto Nacional de Surdos-Mudos
para a atual. O Instituto compõe-se dos seguintes setores:
Seção de Preparação e Aperfeiçoamento de Pessoal
Seção Escolar (cursos primário, pré-primário, profissional,
Artes Plásticas) Seção Clínica e de Pesquisas
Médico-Pedagógicas Setor de Defesa Civil Centro de
Logopedia Seção de Administração (Zeladoria e
Portaria)
Pelo Decreto n.° 42.728, de 3/12/57, instituiu-se a CAMPANHA
PARA A EDUCAÇÃO DO SURDO BRASILEIRO.
INSTITUTO BENJAMIM CONSTANT, destinado à educação dos
cegos e amblíopes, foi regulamentado pelo Decreto número 34.700, de
25/11/53. Compreende:
Seção de Educação e Ensino (primário, ginasial, profissional e
musical) Seção de Medicina e Pesquisas sobre a Cegueira Seção
de Cursos
Seção de Publicações para Cegos Imprensa Brai'le
Seção de Radiodifusão Educativa Seção de
Disciplina e Assistência ao Aluno Seção de Serviço
Social Seção de Administração Zeladoria
INSTITUTO NACIONAL DE CINEMA EDUCATIVO. Foi criado
pela Lei n.° 378, de 13/1/37, e regulamentado pelo Decreto n.° 20.301,
de 2/1/46, com a finalidade de promover e
orientar a utilização da cinematografia especialmente como processo
auxiliar de ensino e como meio de educação em geral. Compreende:
Serviço de Orientação Educacional:
Seção de Estudos e Pesquisas
Seção de Publicidade Serviço de
Técnica Cinematográfica:
Seção de Adaptação
Seção de Tratamento
Seção de Filmagem
Laboratório
Oficina Serviço
Auxiliar:
Filmoteca e Distribuição
Biblioteca
Almoxarifado
Portaria
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS (INEP).
Criado pela Lei n.° 378, de 13/1/37, sob a denominação de Instituto
Nacional de Pedagogia, destinado a realizar pesquisas sobre os
problemas do ensino nos seus diferentes aspectos, foi organizado pelo
Decreto-lei n.° 580, de 30/7/38, passando a denominar-se Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos. Pelo Decreto-lei n.° 9.018, de
25/2/46, passou a encarregar-se das atribuições da Divisão de Ensino
Primário, que foi extinta.
Pela Portaria Ministerial n.° 160, de 26/3/53, e Portaria número 3,
de 1/4/53, do Diretor do INEP, foi instituída e organizada a
CAMPANHA DE INQUÉRITOS E LEVANTAMENTOS DO
ENSINO MÉDIO E ELEMENTAR (CILEME), visando-se à tomada
de contato com a situação educacional em todo o país.
Concomitantemente surgiu em 1952 a CAMPANHA DO LIVRO
DIDÁTICO E MANUAIS DE ENSINO (CALDEME), que tinha por
fim dar assistência técnica ao professorado.
O CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISAS EDUCACIONAIS
(CBPE), órgão do INEP, criado pelo Decreto n.° 38.460, de 28/12/55,
absorveu os trabalhos desenvolvidos pelas duas Campanhas (CILEME
E CALDEME) e sistematizou-as. Por esse decreto foram também
criados os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais, sediados nas
capitais dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e
Rio Grande do Sul.
O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais compreende:
Comissão Consultiva
Diretoria Executiva:
Secretaria
Contabilidade
Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais
Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais
Divisão de Documentação e Informação Pedagógica:
Seção de Documentação e Intercâmbio
Biblioteca Murilo Braga
Serviço de Bibliografia
Seção de Audio-Visuais
Publicações
Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério:
Coordenação dos Cursos
B) Instituições de Educação Extra-Escolar (diretamente
subordinadas ao Ministro da Educação e Cultura)
INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO, criado pela Lei número 378,
de 13/1/37, denominava-se Instituto Cairu, com a finalidade de
organizar e publicar a Enciclopédia Brasileira. Pelo Decreto-lei n.° 93,
de 21/12/37, recebeu a denominação que até hoje conserva e a seguinte
organização:
Serviços Gerais de Administração Seção de
Enciclopédia e do Dicionário Seção das
Publicações Seção das Bibliotecas
Conselho de Orientação (organização da Enciclopédia Brasileira) .
Pela Portaria Ministerial n.° 810, de 13/11/53, institui-se a
COMISSÃO PERMANENTE DE INCENTIVO E ASSISTÊNCIA À
BIBLIOTECA.
INSTITUTO JOAQUIM NABUCO (sede em Recife, Pernambuco),
criado por ocasião do Centenário de Joaquim Nabuco (Lei n.° 770, de
27/7/49). Dedica-se ao estudo de problemas sociais relacionados com
as condições de vida do trabalhador brasileiro da região agrária do
norte e do pequeno lavrador dessa região que vise ao melhoramento
dessas condições. Tem por fim, ainda, promover o ensino das ciências
sociais e das técnicas de pesquisas sociais; publicar obras, monografias,
ensaios e estudos de especialistas nacionais ou estrangeiros. Seu
regimento foi aprovado pelo Decreto n.° 37.334, de 12 de maio de
1955, com a seguinte organização:
Seção de História Social
Seção de Sociologia
Seção de Antropologia
Seção de Economia
Seção de Geografia Humana
Seção de Estatística e Cartografia
Seção de Administração
INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROS (ISEB),
instituído pelo Decreto n.° 37.608, de 14/7/55, tem por fim o estudo, o
ensino e a divulgação das ciências sociais, notadamente da sociologia,
da história, da economia e da política, para aplicar os dados dessas
ciências à análise e à compreensão crítica da realidade brasileira.
Compreende:
Departamento de Filosofia
Departamento de História
Departamento de Sociologia
Departamento de Ciência Política e Económica
Conselho Consultivo
Conselho Curador
Diretoria Executiva
MUSEU IMPERIAL, criado pelo Decreto-lei n.° 2.096, de
29/3/1940, na cidade de Petrópolis, foi reorganizado pelo Decreto-lei
n.° 9.190, de 22/4/46. Seu regimento foi aprovado pelo Decreto-lei n.°
21.008, de 22/4/46, e alterado pelo Decreto número 25.797, de
10/11/48. Tem a finalidade de recolher, classificar e expor objetos de
valor histórico ou artístico referentes a fatos e vultos da Monarquia
Brasileira, notadamente do período de D. Pedro II; colecionar,
classificar e expor objetos que constituam documentos expressivos da
formação histórica da cidade de Petrópolis; recolher e classificar
documentos manuscritos relativos à Monarquia Brasileira, sob a forma
de arquivo. O Museu Imperial compõe-se de:
Divisão da Monarquia Brasileira:
Seção Brasil-Reino e Brasil-Império Seção de Porcelanas,
Cristais, Cidade de Petrópolis e Viaturas
Divisão de Ourivesaria:
Seção de Jóias, Miniaturas e Pratarias Seção de
Condecorações, Medalhística e Numismática Imperial
Divisão de Documentação Histórica:
Seção de biblioteca, Filatelia, Mapoteca e Estampas Seção de
Arquivo, Documentação Fotográfica, Publicações e
Intercâmbio Cultural Serviço Auxiliar
MUSEU HISTÓRICO NACIONAL, criado pelo Decreto número
15.596, de 2/8/22. Era dependente do então Ministério da Justiça e
Negócios Interiores. Pelo Decreto n.° 24.735, de 14/7/34, foi
novamente regulamentado e passou a ficar subordinado ao Ministério
da Educação e Saúde Pública. Pela Lei n.° 378, de 13 de janeiro de
1937, art. 47, foi considerado instituição de educação extra-escolar
"destinado à guarda, conservação e exposição de relíquias referentes ao
passado do País e pertencentes ao património federal".
Seu regulamento saiu pelo Decreto n.° 36.518, de 1/12/54,
constituindo-se dos seguintes órgãos:
Divisão de História e Arte Retrospectiva: Seção
de História Seção de Arte
Divisão de Numismática, Sigilografia, Condecoração e
Filatelia
Seção Numismática Seção de Sigilografia,
Condecorações e Filatelia
Divisão de Documentação: Seção de
Arquivo Seção de Biblioteca e
Mapoteca Gabinete de Fotografia
Divisão de Cursos de Museus
Gabinete de Restauração Serviço
de Administração
MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES, criado pela Lei n.° 378,
de 13/1/37, e regulamentado pelo Decreto n.° 36.778, de 14 de janeiro
de 1955, com o fim de "recolher, conservar e expor as obras de arte
pertencentes ao património federal, difundir e estimular o
conhecimento das Belas Artes por intermédio de exposições,
conferências, publicações, etc. e manter relações de intercâmbio
artístico, no país e no exterior." Compreende os seguintes órgãos:
Conselho Técnico
Seção Técnica:
Biblioteca
Gabinete de Pesquisas
Turma de Administração
Serviço de Restauração e Conservação
Cursos
Portaria
CASA DE RUI BARBOSA, criada pelo Decreto n.° 5.429, de
9/1/1928. Pela Lei n.° 378, de 13/1/37, integrou-se ao Ministério da
Educação e Saúde Pública. Tem por finalidade "cultuar a memória de
Rui Barbosa; velar pela biblioteca, arquivo, documentos e objetos que
lhe pertenceram; promover a publicação do seu arquivo e de suas
obras; realizar conferências e publicar trabalhos sobre sua vida, suas
atividades, seu tempo".
O Centro de Pesquisas foi instituído pelo Decreto n.° 30.643, de
20/3/52, compreendendo: Seção de Direito e Seção de Filologia, que se
acha encarregada da elaboração do Atlas Linguístico do Brasil.
A Casa de Rui Barbosa foi regulamentada pelo Decreto número
38.544, de 12 de janeiro de 1956, ficando constituída de:
Seção Técnica: Museu
Biblioteca Arquivo
Histórico
Centro de Pesquisas Seção
de Administração Zeladoria
DIRETORIA DO PATRIMÓNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO
NACIONAL, criada como Serviço do Património Histórico e Artístico
Nacional pela Lei n.° 378, de 13/1/37, com a finalidade de promover,
em todo o país e de modo permanente, o tombamento, a conservação, o
enriquecimento e o conhecimento do património histórico e artístico
nacional. Foi regulamen-tado pelo Decreto n.° 20.303, de 2/1/46.
Compreende os seguintes órgãos:
Divisão de Estudos e Tombamento: Seção
de Arte Seção de História
Divisão de Conservação e Restauração:
Seção de Projetos
Seção de Obras
Serviço Auxiliar
4 Distritos
Museu da Inconfidência
Museu das Missões
Museu do Ouro
Museu do Diamante (criado pela Lei n.° 2.200, de 12/4/54).
BIBLIOTECA NACIONAL. Datam de 1821 os Estatutos da Real
Biblioteca e de 1824 os Artigos Regulamentares para Regimento da
Biblioteca Imperial e Pública do Rio de Janeiro. Desde então
efetuaram-se alterações constantes em seu regimento. Pelo Decreto n.°
8.835, de 11/7/1911, recebeu outro regulamento, que foi modificado
pelo Decreto n.° 15.670, de 6 de setembro de 1922. Um novo
regimento da Biblioteca Nacional é aprovado pelo Decreto n.° 16.167,
de 24 de julho de 1944. Em 1946 a Biblioteca foi reorganizada pelo
Decreto-lei n.° 8.679, de 18/1/46, modificado pelo Decreto-lei n.°
8.825, de 24/1/46, e pelo Decreto n.° 20.478, de 24/1/46, foi aprovado
seu regimento, passando a ter a seguinte organização:
Divisão de Aquisição: Seção de Compras
Seção de Contribuição Legal Seção de
Permuta Internacional Seção de
Encadernação
Divisão de Catalogação: Seção de
Classificação Seção de Catalogação Seção
de Manutenção dos Catálogos
Divisão de Circulação: Seção de Leitura Seção
de Publicações Periódicas Seção de
Publicações Oficiais Seção de Referência
Geral Seção de Conservação
Divisão de Obras Raras e Publicações: Seção
de Livros Raros Seção de Iconografia
Seção de Manuscritos Seção de
Publicações Seção de Microfilmes
Curso de Biblioteconomia
Serviço Auxiliar:
Seção de Administração
Portaria
Ze.adoria
Em 1954, pela Lei n.° 2.200, de 12/4/54, foi criada a Biblioteca
António Torres, em Diamantina, diretamente subordinada à Biblioteca
Nacional.
OBSERVATÓRIO NACIONAL, reorganizado pelo Decreto-lei n.°
2.649, de 1/10/40, teve seu regimento aprovado pelo Decreto n.° 6. 362,
de 1/10/40. Tem por fim realizar pesquisas em astronomia, geodésia,
geofísica e astrofísica. Publica regularmente o Anuário do Observatório
Nacional e o Boletim Magnético. Promove a publicação de
monografias e trabalhos científicos ligados à sua atividade e colabora
com quaisquer outros órgãos que necessitem de sua assistência técnica.
O Observatório do Rio de Janeiro, sede do Observatório Nacional, tem
a seguinte constituição:
Divisão de Serviços Meridianos e Anexos com a Estação
Magnética de Vassouras e duas estações: ao norte e ao sul
Divisão de Serviços Equatoriais e Correlatos à qual se
subordinam:
Observatório de Montanha
Laboratório Astro-Fotográfico
Seção de Administração
Biblioteca
Oficina
SERVIÇO NACIONAL DE TEATRO, antiga Comissão de Teatro
Nacional, criada pela Lei n.° 378, de 13/1/37, recebeu a atual
denominação pelo Decreto-lei n.° 92, de 21/12/37. Aos poucos foram
sendo criados e anexados ao Serviço Nacional de Teatro novos órgãos
e comissões. O Serviço Nacional de Teatro compreende:
1) Comissão Técnica Consultiva, instituída pela Portaria n.°
405, de 6/7/43.
2) Conselho Consultivo de Teatro, instituído pela Portaria n.°
538, de 9/4/51.
3) Comissão de Teatro Infantil, instituída pela Portaria n.° 19,
de 18/9/52.
4) Conservatório Nacional de Teatro, antigo Curso Prático de
Teatro criado pela Portaria n.° 47, de 28/1/52. Pela Portaria
n.° 54, de 3/2/53, transformou-se em Conservatório Nacional
de Teatro, possuindo um Conselho Técnico instituído pela
Portaria n.° 6, de 4/2/53.
5) Teatro Nacional de Comédia, criado pelo Decreto número
38.912, de 21/3/56.
6) Companhia Dramática Nacional, instituída pela Portaria n.°
20, de 13/3/53, passou a ser subordinada ao Teatro Nacional
de Comédia pela Portaria n.° 420, de 12/11/56.
7) Comissão de Teatro Social, foi instituída pela Portaria n.° 4,
de 12/2/57.
SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO EDUCATIVA, criado an-
teriormente à Lei n.° 378, de 13/1/37, pelo Decreto n.° 24.655, de
11/7/34. Seu regulamento foi aprovado pelo Decreto número 11.491,
de 4/2/43. Tem por finalidade "orientar a radiodifusão como meio
auxiliar de educação e ensino". Compreende:
1) Seção de Preparo da Irradiação
2) Seção de Transmissão
3) Seção de Administração
Nota: A Lei n.° 378, de 13/1/37, compreendia como órgãos de
execução os seguintes Serviços: Serviços relativos à educação
(instituições de educação escolar e instituições de educação extra-
escolar) ; Serviços Intermediários, que eram exercidos por Delegacias
Federais de Educação; Serviços Auxiliares, que compreendiam o
Serviço de Obras e Transporte, incorporado ao Departamento
Administrativo pelo Decreto n.° 3.112, de 12/3/41, e o Serviço Gráfico
incorporado à Imprensa Nacional após a Lei n.° 378, de 13/1/37.
ÓRGÃOS DE COOPERAÇÃO
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, criado pelo Decreto
n.° 19.850, de 11/4/31, é órgão consultivo. Cabendo-lhe orientar o
Ministro nos assuntos relativos à educação e cultura. É de sua alçada
colaborar com o Poder Executivo no preparo de anteprojetos de leis e
na aplicação de leis referentes ao ensino.
COMISSÃO NACIONAL DO LIVRO DIDATICO, instituída pelo
Decreto-lei n.° 1.006, de 30/12/38, tem por fim examinar e julgar os
livros didáticos apresentados, a fim de poderem ser
adotados ou não pelos colégios. Compete à Comissão promover
exposições nacionais de livros didáticos autorizadas na forma da lei.
COMISSÃO NACIONAL DE BELAS-ARTES, criada pela Lei n.°
1.512, de 19/12/51, juntamente com o Salão Nacional de Belas-Artes e
o Salão Nacional de Arte Moderna, que lhe são subordinados, tem por
fim estudar, planejar, resolver e aplicar diretrizes atinentes ao campo
das artes plásticas.
Nota: Não confundir a Comissão Nacional de Belas-Artes com o
Conselho Nacional de Belas-Artes, que foi extinto pela Lei n.° 378, de
13/1/37, e cujas funções passaram a ser exercidas pelo Serviço do
Património Histórico e Artístico Nacional e pelo Museu Nacional de
Belas-Artes.
CONSELHO NACIONAL DE SERVIÇO SOCIAL, instituído pelo
Decreto-lei n.° 525, de 1/7/1938, tem por fim estudar o problema do
serviço social. É órgão consultivo dos poderes públicos e instituições
particulares, no que se refere à administração do serviço social.
CONSELHO NACIONAL DE CULTURA, criado pelo Decreto-lei
n.° 526, de 1/7/38, tem por fim coordenar todas as atividades
concernentes ao desenvolvimento cultural, realizado pelo Ministério ou
sob o seu controle.
Embora não tenha sido extinto por lei, o Conselho Nacional de
Cultura reuniu-se algumas vezes e nunca chegou a ser instalado.
COMISSÃO NACIONAL DE ENSINO PRIMÁRIO, criada pelo
Decreto-lei n.° 868, de 18/11/38. Pelo Decreto-lei n.° 1.043, de
11/1/39, foi integrada no INEP.
CONSELHO NACIONAL DE DESPORTOS. Antiga Comissão
Nacional de Desportos, teve seu regimento aprovado pelo Decreto n.°
19.425, de 14/8/45, modificado pelo Decreto número 32.416, de
11/3/53. Tem por finalidade orientar, fiscalizar e incentivar a prática
dos desportos em todo o país.
REFORMA DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO
ESTADO DE S. PAULO
Incumbido pelo Secretário de Educação, Dr. Luciano Carvalho,
de estudar e propor medidas relativas à reestruturação da Pasta, o
grupo técnico designado apresentou Anteprojeto de Lei a ser
encaminhado à Assembleia Legislativa, que divulgamos juntamente
com a análise que lhe dedicou o Prof. Jayme Abreu:
I — DA FINALIDADE
Art. l.° A Secretaria de Estado e Negócios da Educação, dirigida
por um Secretário de Estado, tem por finalidade o estudo, a orientação
e a solução dos assuntos atinentes à educação e ao ensino, no âmbito da
competência estadual.
II — DA ESTRUTURA DE ÓRGÃOS
Art. 2.° Para o cumprimento de sua finalidade a Secretaria passa a
ser constituída de órgãos que, funcionando em sistema, são distribuídos
pelos níveis seguintes: a) Órgãos da Sede; b) Órgãos Regionais e c)
órgãos Locais.
Art. 3.° Os Órgãos da Sede, responsáveis pelo planejamento,
orientação, coordenação e controle das atividades da Secretaria,
exercem ação, por meio dos órgãos regionais, sobre todas as unidades
da Secretaria, distribuídas pelo território do Estado.
Art. 4.° Os Órgãos Regionais, responsáveis pela orientação,
coordenação e controle das unidades locais, de acordo com os planos e
programas aprovados pelos Órgãos da Sede, exercem ação nas regiões
que lhes forem demarcadas.
Art. 5.° Os Órgãos Locais, responsáveis, segundo sua fi-nalidade,
pela execução das atividades da Secretaria, exercem ação nas áreas que
lhes forem determinadas.
Art. 6.° São Órgãos da Sede:
I — no nível de orientação política geral da Secretaria:
A) Conselho Estadual de Educação; B) Conselho Estadual do
Ensino Superior; C) Conselho de Coordenação; D) Gabinete
Técnico de Planejamento; E) Gabinete de Relações Públicas e
F) Consultoria Jurídica.
II — no nível das funções de administração específica:
A) Departamento do Ensino Elementar; B) Departamento do
Ensino Médio; C) Departamento do Ensino Industrial; D) De
partamento do Ensino Normal, Seleção e Aperfeiçoamento; E)
Departamento do Ensino Superior e F) Departamento de Edu
cação Física.
III — no nível das funções auxiliares de administração específica:
A) Diretoria de Prédios e equipamentos; B) Direto-ria de Pesquisas e
Estudos Educacionais; C) Diretoria de Ati-vidades Extracurriculares e
D) Diretoria de Assistência Médica e Dentária.
IV — no nível das funções de administração geral, o De-
partamento de Administração.
Parágrafo único. Haverá um Superintendente de Coordenação
Executiva, a quem será atribuída a supervisão dos Órgãos da Secretaria,
que forem designados pelo Secretário, de maneira a facilitar a sua
tarefa de coordenação geral das atividades.
Art. 7.° São órgãos Regionais:
I — as Diretorias Regionais, em número de 9 (nove),
correspondendo às regiões em que fôr dividido o Estado.
II — os Conselhos Regionais de Educação, igualmente em
número de 9 (nove), funcionando junto às Diretorias Regionais.
Art. 8.° São Órgãos Locais, as unidades estaduais de ensino, dos
diversos níveis.
III — DA COMPETÊNCIA DOS ÓRGÃOS
Art. 9.° Ao Conselho Estadual de Educação incumbirá opinar,
sugerir e aconselhar sobre planos e programas de atividades da
Secretaria, exceto os assuntos referentes ao Ensino Superior,
apreciando ainda questões de interesse geral que lhe forem submetidas
pelo Secretário.
§ 1.° O Conselho Estadual de Educação será constituído do
secretário e de 9 (nove) membros por êle designados dentre pessoas de
notável experiência em educação e ensino, representando
preferentemente os cinco setores básicos de atuação da Secretaria:
ensino elementar, médio, normal, profissional e educação física.
§ 2.° A presidência do Conselho caberá ao Secretário, que, em
suas ausências, e impedimentos, será substituído por um vice-
presidente, eleito pelo Conselho dentre os seus membros.
Art. 10. Ao Conselho Estadual de Ensino Superior incumbirá
opinar, sugerir e aconselhar sobre planos e programas de atividades do
ensino superior, afeto à Secretaria, apreciando ainda questões que lhe
forem submetidas pelo Secretário.
Parágrafo único. O Conselho Estadual do Ensino Superior será
constituído do Secretário, do Diretor do Departamento de Ensino
Superior, respectivamente presidente e vice-presidente, de 8 (oito)
membros designados pelo titular da Pasta, escolhidos na forma que fôr
determinada por decreto.
Art. 11. Ao Conselho de Coordenação, competirá discutir e
apreciar planos, programas e medidas de ordem geral, que interessam à
execução das finalidades da Secretaria, tendo em vista imprimir maior
coordenação e eficiência às atividades da Pasta.
§ 1.° O Conselho será constituído do Secretário, do Supe-
rintendente de Coordenação Executiva, dos seis Diretores dos
Departamentos Específicos, do Diretor do Departamento da
Administração e do Chefe do Gabinete Técnico de Planejamento.
§ 2.° O Conselho será presidido pelo Secretário e, nas suas
ausências e impedimentos, pelo superintendente de Coordenação
Executiva.
§ 3.° Os dirigentes dos demais setores do trabalho da Secretaria
poderão ser convocados pelo Conselho, quando necessário, para o
esclarecimento de assuntos ligados aos respectivos setores.
Art. 12. Ao Gabinete Técnico de Planejamento competirá, com
base na análise das propostas parciais dos diversos setores, realizar
estudos e pesquisas, para a elaboração do plano e programas gerais de
atividades da Secretaria, cabendo-lhe propor ao Secretário o critério de
distribuição geral dos recursos disponíveis, humanos e materiais.
Parágrafo único. Competirá, ainda, ao Gabinete o acom-
panhamento de execução dos planos e programas, mantendo o
Secretário a par dos resultados, propondo as providências que
aumentem o rendimento do trabalho e responsabilizando-se pela
elaboração de relatórios parciais e anuais, com base nos elementos
informativos obtidos dos Departamentos e Diretorias.
Art. 13. Ao Gabinete de Relações Públicas competirá divulgar
planos, programas e realizações da Secretaria; fomentar a colaboração
do público em benefício das atividades de educação e ensino; atender
aos interessados que procuram o Secre-
tário; organizar cerimónias oficiais; encarregar-se das ativida-des
protocolares da Pasta e incumbir-se da correspondência pessoal do
Secretário.
Art. 14. À Consultoria Jurídica incumbirá dar assistência ao
Secretário, mediante a elaboração de projetos de lei, decreto e outros
atos, o exame e a apreciação de casos que envolvam questões jurídicas.
Parágrafo único. A Consultoria dará assistência, ainda, ao
superintendente da Coordenação Executiva e aos Departamentos e
Diretorias, quando solicitada, cabendo designar advogados, para servir
sob sua coordenação, junto a esses setores, quando o volume de
trabalho o justificar.
Art. 15. Ao Departamento de Ensino Elementar incumbirá a
orientação, coordenação e controle das atividades do ensino primário,
nas zonas urbana e rural, compreendendo também, a educação pré-
primária e o ensino especializado a adultos e a crianças excepcionais.
Parágrafo único. O ensino a crianças excepcionais obedecerá às
normas estabelecidas pelo Departamento o qual funcionará em estreita
colaboração com a Diretoria de Assistência Médica e Dentária, para a
devida orientação médica do problema.
Art. 16. Ao Departamento de Ensino Médio incumbirá a
orientação, coordenação e controle das atividades do ensino de grau
médio que, em prosseguimento ao de nível primário, se destinem à
preparação para cursos de formação específica, além de proporcionar
fundamentos de cultura geral.
Art. 17. Ao Departamento de Ensino Normal, Seleção e
Aperfeiçoamento competirá a orientação coordenação e controle de
formação do pessoal de magistério, especialmente os de nível primário;
a orientação, execução e controle das provas e concursos para a seleção
do magistério, bem assim a orientação, execução e controle dos
programas de aperfeiçoamento do magistério, inclusive cursos, estágios
e bôlsas-de-estudo.
Art. 18. Ao Departamento do Ensino Superior incumbirá a
orientação, coordenação e controle das atividades do ensino de nível
superior, na parte que se refere aos instintos isolados estaduais ou
particulares subvencionados.
Art. 19. Ao Departamento do Ensino Industrial, incumbirá a
orientação necessária à indústria.
Art. 20. Ao Departamento de Educação Física incumbirá a
orientação, coordenação e controle das atividades de educação física,
nos diversos níveis do ensino.
Art. 21. À Diretoria de Prédios e Equipamentos incumbirá, em
estreita colaboração com os Departamentos específicos, responsáveis
pela manutenção e ampliação da rede do ensino, a orientação,
coordenação e contrô!e da construção e reforma de prédios escolares,
inclusive os necessários à administração do ensino, seleção e
normalização do equipamento escolar, respeitadas as exigências
pedagógicas e aplicação mais econômica de recursos.
Art. 22. À Diretoria de Pesquisas e Estudos Educacionais
incumbirá a orientação, execução e controle de estudos e pesquisas, de
interesse fundamental para a solução dos problemas de educação e
ensino, de conformidade com os planos e programas de trabalho da
Secretaria.
Parágrafo único. Caberá à Diretoria articular-se, quando
necessário, com órgãos congéneres oficiais ou particulares e, ainda,
realizar o intercâmbio e divulgação especializados, inclusive a
publicação da Revista de Educação e outras obras técnicas.
Art. 23. À Diretoria de atividades Extracurriculares incumbirá a
orientação, coordenação e controle das atividades auxiliares realizadas
dentro ou fora da escola, que visem proporcionar aos alunos
oportunidades culturais e recreativas, educação social e cívica e
assistência social, completando a finalidade educacional da Secretaria.
Parágrafo único. Compreendem-se nesta Diretoria as atividades de
Música e Canto Coral.
Art. 24. À Diretoria de Assistência Médica e Dentária incumbirá a
orientação, coordenação e controle das atividades de assistência médica
e dentária, bem assim as de educação sanitária, tendo em vista um
maior rendimento do ensino.
Parágrafo único. Caberá à Diretoria orientar, ainda, do ponto-de-
vista médico, o ensino a crianças excepcionais, funcionando em estreita
colaboração com o Departamento de Ensino Elementar.
Art. 25. Ao Departamento de Administração incumbirá a
orientação, coordenação e controle das atividades de administração
geral, necessárias ao funcionamento da Secretaria, incluindo pessoal,
material, orçamento, expediente, protocolo e arquivo, estatística,
documentação e biblioteca e serviços auxiliares ex-cetuadas as funções
de formação, seleção e aperfeiçoamento do pessoal do magistério.
Parágrafo único. Incumbirá, ainda, ao Departamento de
Administração executar, dentro de um campo próprio de funções, as
atividades que não possam ser descentralizadas e as necessárias ao bom
funcionamento dos órgãos da sede.
Art. 26. Às Diretorias Regionais incumbirá, de acordo com os
planos e programas aprovados pela Secretaria, orientar, coordenar e
controlar as atividades das unidades escolares, sediadas nas áreas que
lhes forem atribuídas.
§ 1.° As Diretorias Regionais serão, ainda, responsáveis pela
execução de atividades de administração geral, de assistência médica e
dentária ou outras, que lhes forem atribuídas em regulamento.
§ 2.° Para o exercício de suas atribuições, as Diretorias Regionais
manterão estreito contato com os órgãos da sede, conforme a natureza
dos assuntos especializados em que fôr necessária essa orientação.
Art. 27. Aos Conselhos Regionais de Educação incumbirá opinar,
sugerir e aconselhar sobre os programas regionais de atividades da
Secretaria, funcionando como órgão assessor, junto às Diretorias
Regionais.
§ 1.° Cada Conselho Regional de Educação será constituído do
Diretor Regional e de 5 (cinco) membros designados pelo Secretário
dentre pessoas radicadas na área de jurisdição da respectiva Diretoria
Regional, que possuam experiência em matéria de educação e ensino,
sendo pelo menos um representante de entidades interessadas nas
atividades da Secretaria.
§ 2.° A presidência de cada Conselho caberá ao Diretor Regional
que, em suas ausências e impedimentos, será substituído por um vice-
presidente eleito pelo Conselho dentre seus membros.
Art. 28. Aos Órgãos Locais, compreendendo os estabelecimentos
escolares, incumbirá, de acordo com sua finalidade, ministrar o ensino
e executar as demais atividades complementares, que lhes forem
atribuídas.
Art. 29. Os cargos de Superintendente da Coordenação Executiva,
de Diretores de Departamentos, de Diretores de Órgãos da Sede e de
Diretores Regionais serão providos, em Comissão, por livre escolha do
Secretário, dentre pessoas de reconhecida experiência e capacidade
profissionais.
Art. 30. As Delegacias de Ensino ficam subordinadas à Diretoria
Regional que superintender à respectiva área e terão as funções que
forem determinadas no regulamento desta lei.
§ 1.° Fica fixado em 47 (quarenta e sete) o número de Delegacias
de Ensino.
§ 2.° A sede e área de jurisdição das Delegacias de Ensino, bem
como alterações da situação existente, serão determinadas por decreto.
Art. 31. Ficam criados os seguintes cargos:
1) No S.E.PR-I, para preenchimento em comissão: 1 (um)
Adjunto de Coordenação Executiva, referência 84; 2 (dois) Chefes de
Gabinete, referência 82; 7 (sete) Diretores de Departamento, referência
79; 9 (nove) Diretores Regionais, referência 79; 4 (quatro) Diretores de
Diretoria, referência 75.
2) No QE-PR-II, para preenchimento nos termos da legislação
em vigor: 2 (dois) Delegados de Ensino, referência 63.
Art. 32. Passam para o QAE — PSI e QSE — PS — I,
respectivamente, ficando extintos, quando se vagarem, os seguintes
cargos: 1 (um) Diretor Geral da Secretaria da Educação. QAE — PP —
Referência 82; 1 (um) Diretor-Geral do Departamento de Educação —
QSE — PP — I, referência 79; 1 (um) Diretor-Geral do Departamento
de Ensino Profissional — QSE — PP — I, referência 79.
Art. 33. Ficam transferidos para a Secretaria de Estado dos
Negócios do Governo o Departamento de Arquivo do Estado e o
Museu Paulista.
Parágrafo único. Ficam transferidos para o Quadro da Secretaria
do Governo, na mesma Tabela e Parte, os cargos do Quadro da
Secretaria da Educação, atualmente lotados no Departamento de
Arquivo do Estado e no Museu Paulista.
Art. 34. Ficam transferidas para o Departamento de Educação
Física da Secretaria de Educação, criado por esta lei, as funções de
educação física ora cometidas ao Departamento de Educação Física e
Esportes da Secretaria do Governo que passa' a denominar-se
Departamento de Esportes.
Art. 35. Dentro de 90 (noventa) dias, a contar da publicação desta
lei, o Poder Executivo expedirá Decreto, aprovando o regramento da
Secretaria, o qual definirá a estrutura interna e atribuições dos Órgãos
da sede e dos órgãos regionais, tendo em vista a maior descentralização
das atividades da Secretaria.
§ 1.° Regulamentada a estrutura dos órgãos da Secretaria, nos
termos deste artigo, ficarão extintos os seguintes setores: Diretoria
Geral da Secretaria da Educação, Departamento de Educação,
Departamento de Ensino Profissional, Divisão Administrativa do Grau
Médio, Divisão Administrativa do Ensino Elementar, Divisão de
Relações Públicas, Divisão de Transportes, Assistência Técnica do
Ensino Rural, Serviço de Expansão Cultural, Intercâmbio e
Divulgação.
§ 2.° Os cargos de diretores de Divisão das Divisões Extintas, de
Assistência Técnica do Ensino Rural e de Chefe de Serviço de
Expansão Cultural serão relotados de acordo com a nova organização
da Secretaria, respeitada a sua situação funcional.
Art. 36. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 37. Revogam-se as disposições em contrário.
* * *
A quem quer que tenha notícia da densidade e diversidade dos
serviços afetos a essa Secretaria, em São Paulo, não pode passar
despercebida a necessidade premente dessa reestruturação, tais os
defeitos existentes na organização atual, que longe está de
corresponder, em seus emperramentos de macroestru-tura, a um
funcionamento flexível, racional e eficaz.
Os comentários feitos a seguir não pretendem esgotar os aspectos
que o assunto envolve, mas apenas debater alguns daqueles mais
relevantes como definidores das tendências básicas que o documento
revela.
A linha definidora do trabalho é a de fixar puramente no âmbito
técnico-profissional centralizado as responsabilidades de orientação do
ensino público.
Todos os Conselhos previstos têm o cunho de Conselhos
Técnicos, de especialistas ou de pessoas experimentadas em educação.
Este é um ponto-de-vista algumas vezes seguido, mas nem sempre
julgado o mais indicado e o mais eficaz para um empreendimento que,
tendo embora relevante dimensão técnica, não deixa de ser todavia
eminentemente social, como é o caso da educação institucionalizada,
um inescapably value-centered activity, como a define Frederick C.
Neff.
Conselhos de representatividade social são muitas vezes melhor
indicados para a gerência dos negócios da educação e aí está, por
exemplo, o caso norte-americano para prová-lo, não havendo dúvida,
principalmente nos casos em que os conselheiros são eleitos, de que o
seu mandato tem uma autenticidade social muito representativa e de
que assim se evita o domínio exclusivo e absoluto de uma tecnocracia
fechada, pouco conciliável com a latitude social do empreendimento
educacional.
Do ponto-de-vista da descentralização educacional, o documento
se nos afigura, data vénia, excessivamente tímido e quiçá de eficiência
discutível.
A descentralização que se pode prever em limites que ainda não se
pode antever, objeto que será de regulamentação posterior, será interna
e apenas no plano executivo-administra-tivo, exercida por intermédio
de "Órgãos Regionais" controladores da execução, pelos Órgãos
Locais, dos planos e programas feitos pelos Órgãos de Sede.
Ora, será defensável esta expressa dissociação entre os cérebros
centrais dos Órgãos de Sede que planejam e programam
e os braços dos Órgãos Regionais que apenas controlam a execução ?
Não conduzirá ela a uma passividade rotineira no ato educacional,
a uma demissão de responsabilidade de quem apenas executa ordens
centrais de serviço, por conta de terceiros, situação antagónica à
essência mesma do processo educativo?
Será democrático esse critério? Será êle transplantável da órbita
de uma estrutura organizatória rígida, como a da hierarquia
confessional ou militar, para o campo da administração educacional,
onde a dicotomia entre cérebros que comandam e braços que executam
é quase uma contradição em termos?
Seria o caso de se propor esse tipo de limitada descentralização
administrativa interna ou o de conceder-se aos Órgãos Regionais uma
área maior de poder e de responsabilidade, con-tendo-se os órgãos de
Sede nas áreas normativas básicas gerais e nas tarefas de coordenação e
supervisão dessas normas e da ação dos Órgãos Regionais?
A Secretaria de Estado é definida como sendo dos Negócios da
Educação.
Por que a exclusão da "Cultura"? A menos que os negócios da
Cultura ganhassem densidade a ponto de justificarem, quiçá, a criação
de uma Secretaria própria, parece-nos feliz e racional esse casamento
da educação e cultura numa mesma Secretaria, tal a interdependência
de ambas.
Entre os órgãos cuja supressão se propõe, figura o Departamento
de Educação.
A muitos parecerá defensável, com a criação das Secretarias de
Educação e Cultura, a supressão dos Departamentos de Educação, que
não passariam de uma redundância sem objeto, uma superfluidade, já
que integram Secretarias de Educação e não Secretarias de Interior e
Justiça, como outrora.
Este não é, todavia, o nosso ponto-de-vista a respeito pelas razões
a seguir enumeradas.
Ocorre, hoje, de regra, que os Secretários de Educação são
políticos e não técnicos.
A nosso ver, é bem que assim seja, para que este Secretário
(político) represente o elo que dá congruência entre a política geral do
governo e a política dos negócios da educação.
Desde que não seja um político que faça da Secretaria um puro
instrumento de clientelismo eleitoral, é preferível mesmo o cunho de
representatividade política para o desempenho da função do que o
caráter, algo fechado, de pura representatividade técnico-profissional,
como qualificação para seu titular.
Assim pensando, isto impõe, todavia, como corolário lógico, a
existência de um Departamento de Educação, chefiado por
um líder educacional autêntico que seria, a bem dizer, o Secretário
(técnico) da educação, o regente da orquestra educacional da
Secretaria.
Esse Departamento daria unidade e coordenação à ação dos vários
setores da administração educacional e lideraria o programa
educacional total, evitando um parcelamento fragmentário e estanque
da ação dos vários departamentos, ligados à chefia suprema de um
político e não à de um técnico.
Cremos haver exemplo brasileiro, probante da ineficácia desse
tipo de organização, qual seja o caso atual do Ministério de Educação e
Cultura.
Se aí não se extinguiu formalmente o Departamento Nacional de
Educação, praticamente a isto correspondeu o esvaziar do seu conteúdo
e a perda de hierarquia em relação às outras Diretorias do Ministério.
Como vem tendo natural cunho político a escolha do Ministro da
Educação, o que acontece é o desirmanar, o desarticular estanque das
várias Diretorias entre si, que só por acaso ou por mera coincidência
estão inteiradas das tarefas realizadas por cada uma delas, sem poderem
ter a sinergia e coordenação articulada de propósitos que seria
indispensável tivessem.
Não vemos como possa ocorrer diferente na densa realidade
educacional desse estado-nação que é São Paulo, à base da
reestruturação proposta para sua Secretaria de Educação.
Poder-se-á argumentar que o "Conselho de Coordenação" ou o
Gabinete Técnico de Planejamento previstos no anteprojeto obviarão
exatamente os inconvenientes de uma ação descoordenada e
desarticulada da Secretaria.
A nós, todavia, se nos afigura difícil, senão inexequível, que esse
corpo colegiado técnico, em sua existência dupla e com-posião
múltipla, possa suprir as funções de coordenação executiva e de
liderança da política educacional exercidas pela chefia de um
Departamento de Educação, com a unidade de diretrizes necessária, tão
rara de obter em organismos técnicos duplicados e numerosos.
Além desses aspectos, de ordem mais geral, há outros mais
particulares, sobre os quais caberiam algumas indagações e es-
clarecimentos.
Por que um Conselho Estadual de Educação e mais um Conselho
Estadual de Ensino Superior, que, em tese, caberia dentro do primeiro?
Não trará essa divisão a nota de um isolacionismo contrário à
tendência democrática prevalecente em nosso tempo, pela qual se busca
tornar menos rígida a linha divisória entre a escola elementar, a escola
média e a Universidade?
Será justificável a existência, no plano de Departamentos. de um
do Ensino Elementar e outro do Ensino Normal, Seleção e
Aperfeiçoamento (não seria o caso de acrescentar: do pessoal docente e
técnico?) ou a indissociabilidade das duas tarefas estaria a aconselhar
um comando único, em um só Departamento?
É pertinente a existência de um Departamento do Ensino
Industrial ou este deveria ser uma Diretoria integrando o Departamento
do nível de ensino correspondente?
A mesma pergunta e a mesma hipótese caberiam em relação ao
Departamento de Educação Física, no que tange às ati-vidades
escolares.
Não seria outrossim mais adequado pertencer à Secretaria de
Educação o órgão a que ficassem afetaº as atividades de educação física
e esportes não escolares, em vez de se ter um Departamento de
Esportes integrando a Secretaria de Estado dos Negócios do Governo?
A mesma pergunta não é pertinente em relação ao Museu Paulista
e ao Arquivo do Estado?
Será correta e própria a redação do artigo 19, como lemos no
Diário de São Paulo, "Ao Departamento do Ensino Industrial incumbirá
a orientação necessária à indústria"?
No que diz respeito à "Diretoria de Atividades Extracurriculares",
sem entrar no mérito da pertinência de sua criação, há, data vénia, uma
impropriedade de terminologia, na medida em que se consideram fora
do currículo atividades extraclasses. Atividades extraclasses seria o
nome certo e atualizado e não atividades extracurriculares.
Poder-se-ia, outrossim, discutir se atividades, que envolvem
tecnicalidades específicas, como as de Estatística, Documentação,
Biblioteca, estariam bem localizadas num Departamento de
Administração.
Evidentemente, tema de tal monta, exige análise em minúcia que
aqui apenas pretendemos suscitar, nessa sumária abordagem dos
aspectos mais macroscópicos do anteprojeto.
Salvo demonstração em contrário, não sentimos todavia nesse
anteprojeto a perspectiva de mais ampla e democrática divisão de
responsabilidades deliberativas, nem a porta aberta a uma participação
e responsabilidade locais mais atuantes no aparelho escolar,
conjugadoras de responsabilidades e esforços públicos na manutenção e
funcionamento desse aparelho.
Temos a impressão, quiçá suscetível de reexame mais acurado, de
se tratar da implantação de um vasto e complexo aparelho tecnocrático
fechado, centralizado na órbita do Estado, de lento e difícil manejo,
com agências proconsulares de responsabilidade delimitada ao campo
administrativo, cumprindo planos e programas traçados pelos órgãos
centrais da sede.
NOTAS PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Do parecer apresentado pelo Dep. Rui Barbosa, em setembro
de 1888, a propósito da reforma do ensino de Leôncio de
Carvalho, transcrevemos os seguintes tópicos representativos de
seu pensamento educacional:
LIBERDADE DE ENSINO
"É completamente livre aos particulares, no município da Corte, o ensino primário,
sob condição de moralidade, higiene e estatística. Para o exercício regular da inspeçâo
concernente a estas três cláusulas, incumbe aos professores que mantiverem aulas ou
cursos, bem como aos diretores de todos e quaisquer estabelecimentos de instrução
primária: a) comunicarem, antes de inaugurado o ensino, indicações precisas da situação
do prédio, onde tem de funcionar, ao médico inspetor do respectivo distrito escolar que,
mediante exame ocular do sítio e das condições higiénicas da casa, decidirá, por
despacho motivado, se o local reúne os requisitos impreteríveis de salubridade, nos
termos desta lei e seus regulamentos, salvo aos prejudicados, recurso para o inspetor
geral da higiene escolar, e deste para o governo; b) participarem à inspetoria geral de
instrução primária a iniciação efetiva dos trabalhos do ensino, dentro em ums do seu
começo, expondo as dimensões das salas escolares, suas condições de arejamento e luz, o
número máximo de alunos que se destinam a receber, se admitem discípulos internos,
semi-internos ou somente externos, as condições de admissão ou matrícula, o programa de
ensino e os nomes dos professores; c) franquearem os seus estabelecimentos à visita das
autoridades da inspeçâo geral e local, bem como dos médicos inspetores, toda a vez que
se apresentarem com o fim de examiná-los, ou assistir às lições e exercícios. Multas e
interdição do estabelecimento em caso de infração.
LAICIDADE
As escolas primárias do Estado, bem como em todas as que forem sustentadas ou
subvencionadas à custa do orçamento do Império ou de quaisquer propriedades, impostos
ou recursos, seja de que ordem forem, consignadas nesta ou noutra qualquer lei geral,
ao serviço da instrução pública, é absolutamente defeso ensinar, praticar, autorizar ou
consentir o que quer que seja, que importe profissão de uma crença religiosa ou ofenda
a outras. O ensino religioso será dado pelos ministros de cada culto, no
edifício, se assim o requerem, aos alunos cujos pais o desejem, declarando-o ao professor, em horas
que regularmente se determinarão, sempre posteriores às da aula, mas nunca durante mais de 45
minutos cada dia, nem mais de três vezes por semana. A qualidade de funcionário na administração,
direção ou inspeção do ensino público, primário, secundário ou superior, é incompatível com o
caráter eclesiástico, no clero secular ou regular, de qualquer culto, igreja ou seita religiosa.
OBRIGATORIEDADE
E obrigatória a frequência das escolas do ensino primário, no Município neutro, para as
crianças de ambos os sexos, dos 7 aos 13 anos de idade. Esta obrigação estender-se-á até aos 15
anos, em relação aos indivíduos que aos 13 não estiverem habilitados nas matérias da instrução
escolar correspondente a essa idade. Eximem desta obrigação: a) a falta da escola pública num
círculo determinado pelo raio de dois quilómetros em relação às meninas, e um e meio em relação
aos meninos; b) incapacidade física ou mental, certificada por médico inspetor; compreendidas
nestas incapacidades as moléstias contagiosas, transmissíveis e repulsivas; c) indigência, enquanto
se não fornecer oficialmente o vestuário indispensável à decência e higiene; para este fim o governo
organizará um serviço regular, computando as verbas necessárias para as respectivas despesas; d)
a instrução recebida em casa ou em estabelecimentos de educação particulares.
A responsabilidade pela inscrição e frequência dos indivíduos de idade escolar nas escolas
públicas, ou pela instrução particular deles, incumbe aos pais, tutores, protetores, em relação às
crianças que tiverem sob a sua autoridade ou guarda, bem como aos proprietários, administradores
ou gerentes de estabelecimentos mercantis, industriais ou agrícolas, a respeito dos seus
operários ou empregados menores.
Os alunos que receberem o ensino de primeiras letras em casa ou estabelecimento particular
serão, desde os dez anos, submetidos a exame das disciplinas correspondentes à sua idade no
programa oficial. Procederá a estes exames em época fixa, durante as grandes férias anuais, um
júri, em cada distrito, composto de um professor público, um indivíduo com as habilitações precisas,
professor ou não, e o respectivo inspetor escolar, que presidirá. Se a instrução revelada pelo
examinado não fôr satisfatória, e a justificação que se alegar não fôr admitida pelo júri, o inspetor
escolar intimará imediatamente o responsável pela educação da criança a inscrevê-la dentro de 8
dias, numa escola pública, ou numa das escolas particulares equiparadas às pública?. Em falta
desta comunicação no prazo de dez dias, o inspetor escolar fará ex officio a inscrição do aluno.
As escolas e os estabelecimentos de instrução primária, que adotarem pelo menos o programa
professado nas escolas do Estado, e se submeterem, no tocante à execução dele, a todas as
condições da inspeção oficial, serão equiparados às escolas públicas; enquanto aos certificados de
instrução que distribuírem, isentos os que obtiverem esse título de habilitação livres do exame
acima referido.
Todos os anos, nos primeiros dias de dezembro, os juízes de paz, auxiliados pelos inspetores
de quarteirão, procederão, nas respectivas paróquias, ao recenseamento completo de toda
população maior de 6 e menor de 13 anos, designando, a respeito de
cada indivíduo dessa idade, o número de anos feitos, a data do aniversário, a residência e o nome
dos pais responsáveis, segundo esta lei, pela sua educação. Concluindo o alistamento será entregue,
nos dias imediatos, à Inspetoria geral de ensino primário, que notificará individualmente pelo correio a
todos os pais, e, de 11 a 20 de dezembro, fará publicar, por paróquias durante três dias, na folha
oficial, a lista das crianças obrigadas à escola, com os nomes e domicílio dos responsáveis. Dentro
dos 10 dias seguintes, os responsáveis por cada uma das crianças alistadas são obrigados a comu-
nicar ao inspetor escolar do distrito se lhes tencionam dar instrução em casa, num estabelecimento
particular, e qual este seja, ou numa escola pública, e qual a que preferirem. Aos responsáveis é lícito
escolher qualquer escola pública, ainda que não se ache no território do distrito escolar onde forem
domiciliados; neste caso, porém, o comunicarão ao inspetor do distrito, de sua residência, ao qual
incumbe levá-lo, nos três primeiros dias de janeiro, ao conhecimento do inspetor do distrito onde
estiver a escola preferida. Se a escola indicada pelos responsáveis tiver preenchido o número
máximo de alunos autorizados pelo regulamento, o inspetor escolar do distrito, nos três primeiros dias
de janeiro, notificará ao indivíduo responsável aquele onde se deve efetuar a inscrição da criança.
Em presença do alistamento publicado pelo Inspetor geral do ensino primário na folha oficial, das
declarações, apresentadas pelos responsáveis e das designações que fizer nos termos acima
referidos, o inspetor do distrito, nos cinco primeiros dias de janeiro, expedirá a cada professor
incumbido da direção de uma escola a lista dos alunos que ela deve receber; desta lista, dentro nos
dias imediatos, o professor enviará um translado à Inspetoria "geral de instrução primária (listas da
obrigação escolar). Se, dentro no prazo acima dito, não se fizer a declaração que ali se estatui, o
inspetor escolar do distrito inscreverá ex officio a criança na escola pública onde convier; tudo nos
primeiros três dias do ano, notificando ao responsável (inscrição ex officio). O projeto de reforma
pune os funcionários delinquentes, por ação ou omissão, com severas multas, de 150 a 2.000
réis.
Cria-o, em seguida, o registro de frequência escolar; pela lista de inscrição que lhe fôr expedida,
o professor a cujo cargo estiver a direção da escola, escriturará, com a mais severa regularidade, o
registro, impresso ad hoc de presença dos alunos, procedendo à chamada uma vez por dia, e
remetendo semanalmente ao inspetor escolar do distrito a lista dos ausentes, com as justificações
por escrito dos responsáveis, ou, se estes não souberem escrever as notas que tomará, da
declaração deles. Por qualquer infração dos deveres que lhe impõe esta lei, no que diz respeito à
frequência escolar, incorre o professor em dois meses de suspensão do cargo, três na primeira e
quatro na segunda reincidência, contadas no mesmo ano. Se reincidir no ano seguinte, a pena será
de suspensão por seis meses, e de perda do emprego, se ainda recair em falta semelhante, nesse
ou nos dois anos subsequentes.
Os diretores de escolas ou estabelecimentos particulares de ensino primário são obrigados a ter
um livro de inscrição de alunos com a designação dos nomes dos pais ou indivíduos que os
matricularem, sua residência e data da matrícula, e bem assim manter registro de presença, como
nas escolas públicas, nos primeiros três dias de cada mês enviarão ao inspetor escolar um
mapa das presenças e ausências.
Por omissão ou infidelidade que cometer na escrituração do registro ou na remessa da lista
mensal, incorrerá o professor ou diretor na multa de 100$000 dobrada em reincidência. Pena de
suspensão, se o delito se repetir sucessivamente durante três
meses do curso anual, por um ano do direito de ensinar ou ter escola. O inspetor escolar verificará a
exatidão dos mapas de presença, mediante visita às escolas e estabelecimentos públicos e
particulares (fidelidade dos mapas de presença). Incumbe aos responsáveis pela frequência escolar
comunicar aos diretores da escola, quando os alunos a seu cargo faltarem mais de uma vez por mês,
os motivos da falta. Constituem razões justificativas de ausência: a) doença do aluno certificada por
facultativo, e se a ausência exceder de 15 dias, por declaração do médico inspetor; b) nojo por
falecimento em membros da família; c) moléstia contagiosa em pessoa da casa onde residir ou risco
de morte em pessoa da família; d) embaraço proveniente de dificuldade acidental de comunicação; e)
quaisquer obstáculos graves de ordem excepcional, que às autoridades encarregadas da aplicação
das penas por quebra do dever escolar incumbe apreciar (infreqúência nas escolas públicas).
O professor encarregado da direção da escola pode dispensar o comparecimento do discípulo
até dois dias no mês; o inspetor escolar até quatro, sempre mediante solicitação escrita e justificada
dos responsáveis pela instrução dos alunos. Os alunos do sexo feminino, maiores de 12 anos, têm
direito a três dias de ausência em cada mês, independentemente de qualquer declaração (dispensa
de aluno). No fim de cada mês, o inspetor escolar examinará os mapas semanais de presença,
extraindo a lista dos responsáveis pela assiduidade dos alunos que tiverem faltado, sem causa
justificada, no decurso do mês. Esta lista será publicada por três dias na folha oficial, com desig-
nação do artigo de lei infringido e das penas que incorrerão os reincidentes.
Nos cinco dias imediatos ao termo de cada trimestre, examinará o inspetor escolar quais os
responsáveis que, pela segunda vez, no mesmo ano, incorreram na mesma falta. Destes lavrará uma
lista distinta que publicará na folha oficial, durante os três dias subsequentes. Os responsáveis que,
nos dois dias imediatos, não comparecerem apresentando 001º escrito, escusa cabal nos termos
desta lei, incorrerão na pena de 201000, imposta pelo inspetor escolar. Em caso de segunda
reincidência, a pena será de trinta a quarenta mil réis. Reincidência, considera-se a reiteração em
outro mês, do delito punido no mesmo ano, ou no antecedente. Da multa quando exceder a 50$000
haverá recurso para o Inspetor geral da instrução primária. Quando o infrator alegar falta de recursos,
por ato do inspetor escolar, com recursos para o Inspetor geral, resolver-se-á em prisão de 24 a 48
horas. Esta será executada imediatamente pela polícia, mediante comunicação da autoridade
escolar. Os recursos acima aludidos serão decididos de plano, mediante simples audiência do
interessado, se comparecer na repartição, no prazo de 48 horas, a contar da entrega dos papéis na
Inspetoria geral, a que o inspetor escolar os transmitirá nas 24 horas subsequentes à manifestação
escrita, pela parte, do ânimo de recorrer. Para manifestação deste ânimo, assiste à parte condenada
o prazo de 48 horas, a contar do dia em que se fizer pública, pela segunda vez, a condenação. A
quinta reincidência sujeita o infrator às penas do art. 128, do Código Criminal.
O processo, que será o mesmo estabelecido para os transgressores dessa disposição penal
instaurar-se-á ex officio, mediante simples comunicação da autoridade escolar, instruída com os
documentos respectivos. No caso de nova reincidência, o Inspetor geral representará contra o
delinquente ao juízo de órfãos, ao qual, ouvindo-o, caberá ordenar que o menino, num prazo nunca
maior de 30 dias, seja recolhido a um estabelecimento de educação, pública ou particular, onde
receba a expensas da família, a cujos recursos se atenderá. Se no prazo fixado não fôr feita
intimação, o juiz a fará cumprir pelos meios legais de sua competência, impondo ao
transgressor as penas de desobediência
e, se convier, a privação do usufruto dos bens dos filhos, cuja instrução houverem descurado. Das
decisões do juiz de órfãos, no caso da privação de usufruto dos bens dos filhos, haverá recurso para
a Relação do distrito. As despesas da educação, nesta hipótese, serão cobradas executivamente. Se
o indivíduo acima referido não fôr pai nem mãe, mas simplesmente tutor do menor, a pena imediata
será de desobediência. Se o menor é empregado em estabelecimento mercantil, industrial ou
agrícola, a pena recairá sobre o proprietário, consistindo a pena na privação do direito de empregar
nos seus estabelecimentos menores submetidos por esta lei à obrigação escolar. Salvo nas
hipóteses de prisão ou privação do usufruto dos bens dos filhos, os recursos autorizados por esta lei
não têm efeito suspensivo.
Mediante o mapa mensal de presença, enviado pelos professores e diretores de escolas
particulares, em conformidade com o disposto para as escolas públicas, ao inspetor escolar, esta
autoridade verificará quais os alunos que tiverem faltado sem justificação ao terço das lições durante
o mês findo e advertirá os responsáveis pelo mesmo estabelecido acima para escolas públicas. Se,
nos dois meses imediatos, o mesmo fato se reproduzir, sem justificação, o inspetor escolar, ouvindo
o responsável, poderá ordenar a inscrição do aluno em uma escola pública.
Os menores, sujeitos à obrigação escolar, eximir-se-ão antes do tempo ordinário, quando o júri,
acima aludido, certificar haverem chegado ao grau de instrução obrigatória por esta lei. Havendo
urgência, apreciada pelo Inspetor geral e não sendo época de funcionar o júri, bastará, para autorizar
a isenção, que será determinada por ato da Inspetoria geral, e comunicada imediatamente por esta à
inspeção local, um certificado de aptidão nos mesmos limites, passado por um diretor de escola, que
não aquela, onde tiver estudado o candidato, e pelo inspetor escolar do distrito.
Os responsáveis por crianças, obrigadas a escola, em mudando a sua residência para lugar tal
que os obrigue a deixar a escola onde tinham o filho, tutelado ou protegido, ou empregado, levarão o
fato, até cinco dias depois da mudança, ao conhecimento do inspetor do distrito de onde saíram e
daquele para onde transferirem o seu domicílio. Pena de vinte e cinco a cinquenta mil réis, imposta,
sem recurso, por cada um dos inspetores em relação a quem se der omissão. Com a pessoa que
tiver em sua companhia ou a seu serviço, menino desvalido, e não curar de sua instrução, nos
termos desta lei, se proceda como aos pais, tutores e protetores. Se, ainda assim, de novo, reincidir,
por ato do inspetor escolar, comunicado ao juiz de órfãos, sem recurso, se retirará o menor, para ser
entregue a pessoa de confiança, que se subordine às disposições desta lei, ou recolhida em
estabelecimento adequado, público ou particular.
Às penas instituídas nesta lei acrescerão, em cada processo, contra o indivíduo condenado, mil
réis de custas para o inspetor escolar do distrito, que se cobrarão do mesmo modo estabelecido para
as multas, e englobadamente com estas, quando as houver, embolsando o Tesouro, de três em três
meses, a cada inspetor, respectivamente, das quantias, arrecadadas em virtude desta disposição,
que lhe tocarem.
INFORMAÇÃO DO PAÍS
REFORMA DO ENSINO
NORMAL DO CEARA
A convite da Associação Brasileira de
Educação, o Prof. Lauro de Oliveira
Lima analisou amplamente a Reforma
do Ensino Normal no Estado do
Ceará. Como subsídio para a história
da educação cearense, apresentamos o
texto da Lei Orgânica do Ensino
Normal, acompanhado da exposição
referida:
LEI ORGÂNICA DO ENSINO
NORMAL DO ESTADO DO
CEARA
(Lei n' 4.410, de 26/12/58)
TÍTULO I
BASE DA ORGANIZAÇÃO DO
ENSINO NORMAL
CAPÍTULO I Finalidades
do Ensino Normal
Art. 1º O Ensino Normal do Estado
do Ceará, ramo de ensino do 2º grau,
tem como finalidade:
I — promover a formação do
pessoal docente necessário às esco
las primárias;
II — promover o aperfeiçoa
mento progressivo do magistério
primário em exercício;
III — promover, em grau de
especialização, a formação de:
1 — Administradores escolares;
2 — Inspetores escolares;
3 — Professores primários espe-
cializados;
4 — Técnicos de Educação;
5 — Servir de campo de expe-
rimentação para novos métodos pe-
dagógicos aplicáveis às escolas pri-
márias;
6 — Promover o contínuo aper-
feiçoamento das escolas primárias do
Estado pela permanente conexão que
deverá existir entre as ativida-des dos
cursos normais e as das escolas
elementares.
CAPÍTULO II Da
Natureza do Curso
Art. 2º O Ensino Normal terá caráter
essencialmente técnico.
Art. 3º A estrutura dos cursos e seu
funcionamento terão como base as
finalidades definidas nesta lei. visando
sempre aos interesses das escolas
primárias do Estado.
Art. 4º Todos os cursos organizados
desenvolver-se-ão tendo em vista um
justo equilíbrio entre a cultura e a
técnica, no pressuposto da formação
profissional.
CAPÍTULO III Dos
Ciclos e Cursos
Art. 5º O Ensino Normal será
ministrado num curso de três anos de
duração, articulados com os diversos
cursos médios do 1º ciclo.
Parágrafo único. Em caso de
necessidade, poderá o Estado organizar
cursos normais do 1º ciclo, de caráter
regional, que se articularão com o curso
previsto nesta lei.
Art. 6º Articulados com o ciclo
normal, haverá, em grau de espe-
cialização e com duração de um ou dois
anos, os cursos de administradores
escolares, de inspetores escolares, de
técnicos de educação e de professores de:
I Escola Maternal; II
Jardim de Infância;
III Classe de Iniciação à Leitura;
IV Classes especiais.
CAPÍTULO IV Dos Tipos
de Estabelecimentos
Art. 7º O regulamento estabelecerá
os tipos de estabelecimentos,
atendendo à complexidade de seus
cursos e aos níveis de aperfeiçoa
mento que deles se exigirem.
Parágrafo único. Será vedado a
estabelecimento de outra natureza o uso
das denominações que se estabelecerem
para os de natureza pedagógica.
TÍTULO II
DA ESTRUTURA DO ENSINO
NORMAL
CAPÍTULO I Dos
Departamentos
Art. 8' Nos estabelecimentos de
Ensino Normal, as matérias afins se
agruparão em departamentos cuja
estrutura e cujo funcionamento serão
competência das respectivas
congregações.
Art. 9º Cada departamento or-
ganizará o plano de atividades inerentes
à sua natureza, compreendendo :
I
— Programa de Leituras;
II
— Debates;
III
— Seminários;
IV
— Pesquisas;
V
— Estágios.
Art. 10. As atividades referidas
figurarão obrigatoriamente em todas as
séries e cursos constituindo, também,
condição de promoção e obtenção de
certificado ou diploma.
Art. 11. O último ano do curso
normal compreenderá estágios a serem
feitos em situação real e supervisionados
pelo departamento em que figurarem
Metodologia e Prática do Ensino.
Parágrafo único. As aulas teóricas
ou práticas do curso se articularão
diretamente com as atividades dos
estágios, visando a uma integração das
experiências colhidas pelos alunos, e, por
este meio, a realizar uma completa
formação profissional.
Art. 12. O "curriculum" será
organizado em forma de unidade de
trabalho para cada semestre, conforme
determinar o regulamento.
TÍTULO III DA VIDA
ESCOLAR
CAPÍTULO I
Do ingresso
Art. 13. A vida escolar dos alunos
iniciar-se-á pela matrícula, em que se
verificarão a capacidade cultural dos
candidatos para acompanhar os cursos e
sua aptidão para o exercício do
magistério primário.
Art. 14. O regulamento determinará
as condições mínimas e as condições de
matrícula.
CAPÍTULO II Do
ano letivo
Art. 15. O ano letivo será de 200 dias
divididos em dois períodos de atividades,
independentes entre si, separados por
períodos de férias escolares.
Art. 16. Nos períodos de férias
escolares serão ministrados cursos de
aperfeiçoamento para os professores
primários com mais de 3 anos de
exercício.
Parágrafo único. Os trabalhos
escolares terão a duração mínima de 25
horas semanais, distribuídas entre aulas
teóricas, atividades práticas e estágios.
CAPÍTULO III Da matricula
e da transferência
Art. 17. Anualmente, os alunos
inscrever-se-ão nos cursos de caráter
obrigatório, e, mediante consulta ao
Orientador Educacional, escolherão, no
correr do ano letivo, os outros cursos de
que desejam participar.
Art. 18. E permitida a transferência
de um para outro estabelecimento
mediante o preenchimento das condições
que o regulamento determinar.
CAPÍTULO IV Da
habilitação dos alunos
Art. 19. Para efeito de promoção,
em cada período letivo, íar-se-á a
verificação de aproveitamento mediante
provas, e exames, emissão de conceitos
pelos professores e análise dos resultados
das pesquisas, seminários e estágios.
Art. 20. VETADO.
Art. 21. O regulamento determinará
as condições de expedição e validade dos
certificados e diplomas expedidos.
TITULO IV
DA ADMINISTRAÇÃO E ORGANI-
ZAÇÃO DO ENSINO NORMAL,
CAPÍTULO I Da
administração
Art. 22. O Ensino Normal será
mantido pelo Estado e livre è ini-
ciativa particular, mediante o pre-
enchimento das condições estabelecidas
pela legislação do ensino.
Art. 23. Os Diretores dos esta-
belecimentos de ensino normal serão
diretamente responsáveis perante o
Estado, pela boa ordem dos trabalhos e
pelo fiel cumprimento das disposições
legais que lhes digam respeito.
Art. 24. O Estado atuará junto aos
estabelecimentos de ensino normal por
meio de pessoal especializado, visando a
contribuir para contínuo aperfeiçoamento
de suas condições pedagógicas.
Art. 25. Os Diretores de Escola
promoverão reuniões, tão frequentes
quanto possível, dos chefes de
departamentos visando por este meio
atingir um crescente grau de unidade nos
vários trabalhos escolares.
Parágrafo único. O que se discutir e
decidir em tais reuniões poderá, quando
necessário, ser levado ao conhecimento
da Congregação que é o órgão máximo
deliberativo de cada estabelecimento em
assuntos de natureza didática.
CAPÍTULO II Do
corpo docente
Art. 26. O regulamento, baixado por
decreto executivo, determinará as
condições de admissão ao magistério
público nas escolas normais e de registro
na Secretária de Educação e Saúde para o
magistério particular, de modo que o
exercício do cargo seja precedido por
estágio em funções magistériais que
comprovem a competência e idoneidade
dos candidatos.
Art. 27. Dentre o professorado
primário público, a congregação es-
colherá o corpo docente das escolas
anexas às escolas normais mantidas pelo
Estado.
Art. 28. A Secretaria de Educação e
Saúde porá à disposição das Escolas
Normais mantidas pelo Estado, técnicas
de educação que colaborem com os
vários Departamen-mentos na realização
de suas ati-vidades.
CAPÍTULO III Medidas
auxiliares
Art. 29. O Estado incentivará a
difusão do Ensino Normal mediante a
suplementação dos professores, auxílio
direto ao estabelecimento para a sua
manutenção e equipamento e a
distribuição de bolsas de estudo aos
alunos.
Art. 30. Ao concluir o curso normal
a normalista se obriga a um estágio
nunca inferior a 6 'seis) meses em escola
pública mediante a percepção de um
"pré-salário" (EXPRESSÃO VETADA).
TITULO V
DISPOSIÇÕES FINAIS E
TRANSITÓRIAS
Art. 31. O Estado baixará decreto
executivo adaptando o atual Instituto de
Educação as exigências desta lei.
Art. 32. As atuais escolas normais
particulares adaptar-se-ão pro-
gressivamente às determinações desta
lei, conforme plano elaborado
pela Secretaria de Educação e Saúde.
Art, 33. As funções de Professor
Auxiliar ocupadas por normalistas
diplomadas (EXPRESSÃO VETADA)
são transformadas em cargos de
Professor Primário, padrão C-17-A —
Grupo Ocupacional Magistério Tabela do
Serviço de Educação e Cultura — Parte
Permanente do Quadro I — Poder
Executivo.
§ 1º As funções de professor auxiliar
R-2, R-5 e R-6 da Secretaria de Educação
e Saúde, cujos ocupantes não possuam
diploma de professor, são igualmente
transformadas em cargos de Professor
Primário Padrão C-15, Grupo
Ocupacional — Parte Permanente —
Quadro I — Poder Executivo.
§ 2º O Departamento do Serviço do
Pessoal apostilará as portarias e títulos de
nomeação dos servidores mencionados
neste artigo e no parágrafo anterior,
enquadran-do-os nas disposições desta
lei.
§ 3º O Poder Executivo, dentro de
trinta (30) dias, a contar da publicação
desta lei, promoverá o necessário
concurso para o provimento, em caráter
efetivo, dos cargos ora transformados, na
conformidade do que dispõe o artigo 153
da Constituição do Estado.
Art. 34. VETADO. Parágrafo único —
VETADO. Art. 35. Um cargo de Profes-
sor Primário, Padrão C-17-A é trans-
formado no de Inspetor do Ensino
Normal, Padrão C-32, isolado e de
provimento efetivo independente de
concurso, e incluído na Parte Suple-
mentar, Tabela dos Cargos e Carreiras
Extintos Quando Vagarem, do Qudaro I
— Poder Executivo.
Art. 36. VETADO.
Parágrafo único. VETADO.
Art. 37. A regulamentação da
presente lei será feita dentro de 120 dias
após a sua publicação, mediante projeto
elaborado pelos órgãos técnicos da
Secretária de Educação e Saúde com
audiência do Conselho Estadual de
Educação.
Art. 38. Esta lei entrará em vigor na
data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Palácio do Governo do Estado do
Ceará, em Fortaleza, aos 26 de
Dezembro de 1958.
FLÁVIO MARCILIO
Cláudio Martins
* * •
Os cursos de preparação do pro-
fessorado primário em nosso país mesmo
os que enveredam por novos caminhos,
ressentem-se ainda do academicismo-
verbalista que domina o sistema escolar,
influenciado na estrutura das próprias
escolas profissionais. Se nos cursos
chamados de "cultura geral", como o
secundário, é possível ainda discutir-se a
propriedade de sua falta de objetivos
precisos, nas escolas profissionais os
tristes resultados obtidos deveriam já ter
convencido de que não é aceitável —
numa época de objetividade, eficiência e
rapidez — a frouxidão dispersiva dos
currículos que pretendem "formar" um
técnico. Examinando-se os currículos
adotados em quase todas as escolas
normais brasileiras, percebe-se, à
primeira vista, a dominância do pre-
conceito do que se chama CULTURAL
em detrimento das disciplinas
de cunho estritamente técnico. As
próprias disciplinas TÉCNICAS ado-tam
programas repletos de "generalidades",
com longas introduções "históricas", sem
o caráter direto e prático de um
TREINAMENTO. Há nítida distinção
(puramente formal) entre o que se
convencionou chamar "cultura" e o que
se chama "especialidade", embora, de
fato, em última análise, todas as
disciplinas sejam dadas como meras
"informações", quase sempre sem
nenhuma referência autêntica às
dificuldades funcionais que serão
encontradas pela futura professora no
trabalho escolar. A sociologia, psicologia,
biologia e antropogeografia, que são mi-
nistradas nos cursos normais, têm
programas e forma de realização que
poderiam ser adotados nos mais diversos
cursos, principalmente nestes cursos que
visam à "ilustração" do espírito. Percebe-
se que, consciente ou inconscientemente,
ensina-se não para que a professora aja
diferentemente dentro da escola, mas
para que seja capaz de "dissertar" sobre
os problemas que são tratados nos cursos
de formação profissional. Quase sempre,
os professores do curso normal não só
não possuem qualquer vivência profis-
sional na escola primária, como ignoram
completamente toda a realidade
profissional, apesar de pretenderem
formar uma professora. Por aí se vê como
vamos já distantes da forma clássica de
aprendizagem profissional, caracterizada,
historicamente, pelo APRENDIZ
medieval que junto ao MESTRE
aprendia, lenta e progressivamente, a
nova profissão... Não é possível que,
diante das técnicas de TREINA-
MENTO, da objetividade dos modernos
processos de formação profissional,
continuem acreditando que um currículo
repleto de sociologia, psicologia,
biologia, pedagogia, filosofia da
educação, etc. forme, por si mesmo, um
professor primário sem que a própria
escola transforme as noções em
atividades profissionais.
Foram considerações desse tipo, foi
a falta de correspondência entre o que se
ensina nas escolas normais e a vida
profissional, que levaram um grupo de
educadores cearenses a tentar uma
solução nova para o problema de
formação do professorado primário.
Pode-se acoimar o plano-diretor da
reforma de ousado, de vez que foram
acatadas teses ainda não comprovadas na
prática. Mas não se temeu a comissão
dessa crítica provável. O que se tem,
atualmente, como "curso de formação de
professores primários" é tão ineficiente e
distante da realidade profissional, que se
supôs não ser possível, humanamente,
piorar a situação. É a coragem do
desespero. As "técnicas" (?) didáticas
atualmente em uso nas escolas primárias
têm duas características salientes: a) ou
são obsoletas, embora guardando certo
cunho de autenticidade das coisas que se
fazem baseadas no "senso-comum" (!),
característica que desaparece
progressivamente em nome de "novas
técnicas" (!); b) ou são uma mixórdia
incongruente de "técnicas" pretensamente
científicas, verdadeira "colcha de
retalhos", cujo significado real e cuja
continuidade são, inteiramente,
desconhecidos do professorado. Haja
vista a incapacidade nacional do
magistério de alfabetizar as crianças.
Quase meta-
de da matrícula do curso primário está
concentrada no primeiro ano, prova
evidente de que o professorado não
consegue fazer as crianças transpor este
"paralelo" fundamental que vai do não-
ler ao ler... Ora, como qualquer pessoa
que tenha rudimentos de leitura pode
ensiná-los a outro indivíduo, tem-se a
falsa impressão, apesar de tudo, de que
nossas escolas normais estão, bem ou
mal, "formando" professores. 33 um ledo
engano... Fossem supressas todas as
escolas normais, e leigos nomeados
para o exercício do magistério (prática
comum em muitos estados brasileiros,
principalmente no Ceará...), nenhuma
modificação se perceberia no estado
de coisas reinante nas escolas primárias
brasileiras. O "pedagogicismo" falante
da maioria das professorinhas diplomadas
nas escolas normais é puro psitacismo
de "pontinhos" decorados desta
subliteratura didática em circulação
abundante nas montras das livrarias.
Os próprios métodos "avançados"
são realizados, mecanicamente, sem a
compreensão do fenômeno
psicológico interno em que
pretende apoiar-se a técnica empregada.
O perigoso uso dos recursos
audiovisuais, sem participação re-
flexiva do aluno, é exemplo da
"exterioridade" das técnicas que são
ensinadas nas escolas normais e
propagadas nas escolas primárias
como dernier cri. Uma jovem nor-
malista toma conhecimento nos
cursos pedagógicos de que é um
crime ensinar a ler pelo tradicional
método do ABC e que castigos e coações
são antipedagógicos... Que faz a
professorinha? Sabe o que é proibido,
mas não domina as técnicas novas em
sua essencialidade de mo-
do a conseguir resultados por meios
científicos. O resultado é este impasse:
ninguém aprende nada em nossa escola
primária. Quando a professorinha tem
bom-senso, joga às favas a pedagogia e
empenha-se em sua tarefa com todos os
recursos que seu "instinto" profissional
aconselha para obter resultados. Há
poucos meses, visitando uma família
paulista, em Campinas, examinando os
cadernos das crianças, encontrei o
seguinte "castigo": COPIAR MIL.
VEZES "UM MENINO EDUCADO
NÃO DESOBEDECE À
PROFESSORA"... Ora, São Paulo tem
sido nosso guia pedagógico, e Campinas é
um dos núcleos educacionais de maior
vitalidade do país... Que dizer, depois
disso, da "formação" recebida pelas
professorinhas nas escolas normais?
TOMADA DE POSIÇÃO
Para a tomada de posição inicial,
foram estabelecidos alguns rumos que
orientaram a tentativa:
1º) — Não haveria ideologia, fi-
losofia de educação, "corrente" pe-
dagógica limitando a liberdade de
planejamento. Só serão aceitos como
limitadores e orientadores princípios
científicos. A "filosofia" será da alçada
dos professores que realizarem a escola
planejada. Assim, a estrutura será
bastante flexível para permitir que os
mais variados métodos e as mais diversas
concepções não encontrem obstáculos.
Será, portanto, uma reforma de cunho
técnico e não filosófico. Para isto, o
próprio currículo será puramente
exemplificativo ou no máximo
enumerativo. devendo so-
frer as mais variadas combinações na
ocasião da execução, conforme as
pessoas que o forem utilizar.
2º) — Não se aceitará — para as
propostas "não experimentadas" —
subordinação a quaisquer "autoridades"
pedagógicas. Todas as sugestões serão
objeto de experimentação. O
planejamento permitirá ampla
flexibilidade experimental. Isso porque
se verifica que mesmo os núcleos mais
avançados tendem, com o tempo, a fixar-
se em seus próprios "avanços", tornando-
se esotéricos, reacionários e antimudan-
cistas. O critério de validade será
apurado somente depois da execução.
3º) — O cunho altamente expe-
rimental do projeto terá como jus-
tificação: a) que os meios mais
adiantados, pedagogicamente, não
entraram ainda em acordo quanto à
forma que deverá ter um curso de
formação de professores, vendo-se no
próprio país as mais diversas formas de
encarar o problema; b) que o estado de
coisas atual é tão precário que qualquer
experiência não poderá produzir
resultados piores que os que são
atualmente obtidos. Daí não haver no
grupo nenhum temor de errar, na
convicção de que os próprios erros serão
benéficos como experiência negativa.
4º) — Serão postas de lado no
currículo as veleidades de alta formação
técnica, de alta fundamentação científica,
de alta cultura. Ter-se-á em vista que os
cursos normais recebem jovens de 14-15-
16 anos, mal saídas da adolescência,
provindas de um ginásio elementar,
imaturas fisiológica, psicológica e
culturalmente para altos estudos de
psicologia, de sociologia ou de filosofia
de educação, mas capazes de ser
"treinadas", objetivamente, para o
exercício eficiente do magistério nos
cursos elementares de uma região
subdesenvolvida.
5º) — O curso será, fundamen-
talmente, TÉCNICO, por mais absurdo
que isto parecesse aos "especialistas" em
CULTURA GERAL. Técnico, no sentido
de não deixar um aspecto da vida
profissional sem treinamento. A jovem
terá oportunidade de, no curso normal,
Tiver todas as situações profissionais. O
que se chama de "cultura geral" será
transformado em instrumento de
profissionalização, não se dando entrada
no currículo a nada que não tenha
funcionalidade profissional. Espera-se,
contudo, que o co&tato com as técnicas,
o estudo dos programas, os programas de
leitura dirigida suscitem, pelo menos, o
desejo e a oportunidade de auto-exten-são
cultural, assim deixada por conta da
automotivação e da própria estrutura
aberta do currículo.
6º) — O curso será um "treina-
mento-dentro-do-trabalho" e a verificação
da aprendizagem será feita através da
observação dos resultados profissionais.
O diploma será dado em função dos
resultados obtidos na profissão, e só o
será depois de estágios de comprovação.
Espera-se que o contato direto e
permanente com o trabalho escolar
produza, pelo menos, dois resultados: a)
provoque o interesse pelo trabalho
escolar em vista das situações de fato em
que se colocará o candidato, suscitando
problemas a serem resolvidos em classe;
b) sir-
va de contínua estimulação e atua-lização
do professorado já em exercício.
Procura-se, com isso, provocar
permanente circulação entre a escola
profissional e o trabalho realizado nas
escolas primárias, trazendo destas os
problemas para as escolas normais e
levando para lá as soluções que novas
interpretações aconselham
7º) — O planejamento não apre-
sentará formas preestabelecidas de
estruturação, ficando esta dependente de
contínuos reajustamentos provindos dos
"grupos" em que fica distribuído o
pessoal docente e administrativo. Assim,
a qualquer momento, toda estrutura
poderá tomar nova forma, já para atender
a uma contingência da expurimentação,
já para atender a nova política educa-
cional. Será uma escola regida por
conselhos, departamentos e grupos de
professores, com ampla liberdade de
organização e de experimentação.
8°) — O magistério primário em
exercício ficará, permanentemente,
vinculado à escola normal, já pelos
cursos que serão dados como atualização,
aperfeiçoamento e especialização, já pela
colaboração que se lhe pedirá na
formação de novos profissionais. O
professorado primário participará, assim,
da formação dos novos professores, quer
ser-vindo-lhe de "modelo" ou de objeto
de crítica, quer supervisionando os
estágios de verificação e treinamento
real.
Tomada esta posição, propôs uma lei
que permitia ao professorado do curso
normal tentar uma regulamentação
experimental, sempre passível de
modificação, após
análise procedida depois de cada etapa da
execução. A lei não será, pois, a reforma
em si, mas uma espécie de "libertação"
de restrições até então existentes. Assim
deve ela ser lida e entendida.
CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS
CURSOS DE FORMAÇÃO DE
PROFESSORES
Para orientar a experimentação,
tentou-se estabelecer as características
que se supunha devessem ter um curso
normal nas bases propostas,
características tão gerais que não fosse
senão uma "hipótese de trabalho", isto é,
que determinassem apenas os "controles"
da experiência.
1º) — As escolas que se propuserem
"formar professores", poderão levar esta
formação a todos os possíveis graus
especializados da atividade pedagógica
nas escolas: a) cursos gerais de formação;
b) cursos de atualização; c) cursos de
revisão; d) cursos de especialização, tudo
em estreita ligação com as necessidades
do sistema escolar primário, em função
do qual existirão as escolas de formação
de professores.
2º) — Basicamente, o curso de
formação de: professores será de nível
médio, correspondente ao segundo ciclo,
continuação de qualquer curso de
primeiro ciclo. Aliás, será estimulada a
entrada, nos cursos de formação de
professores, de elementos provindos das
mais variadas procedências (comercial,
industrial, agrícola, etc).
3º) — O curso primário será di-
vidido, para efeito de estudo e for-
mação de magistério, no maior número de
setores, dada a possibilidade de se vir a
determinar para cada idade escolar problemas
didáti-cos específicos: a) escola maternal; b)
vários graus de jardim da infância; c) classe de
iniciação de leitura (alfabetização); d) outras
classes especiais que se viessem a constituir;
e) vários anos escolares da escola elementar,
etc.
4º) — Os estabelecimentos de ensino
escolherão as experiências que se proponham
realizar, limitando ou ampliando seu campo de
atuação na formação do professorado
primário, ficando a denominação que lhes vier
caber dependente da regulamentação que se
fizer depois de consolidadas as experiências
realizadas.
5º) —' Cada escola normal terá uma
equipe básica de professores especialistas em
disciplinas de caráter pedagógico, distribuídos
em departamentos conforme a afinidade das
disciplinas, podendo-se, conforme o
planejamento anual, contratar outros
especialistas para atenderem a partes deste
planejamento para o qual não houvesse
professor habilitado.
6º) — Essa equipe de professores não
representará propriamente o currículo escolar,
mas "as possibilidades de combinação"
possível que o planejamento viesse a estabe-
lecer, podendo o departamento designar, para
cada um de seus membros, atividade que não
fosse estritamente docente, mas ligada a
problema geral de treinamento.
7º) — Aceitando-se que o aper-
feiçoamento pedagógico deve ser contínuo e
que a literatura especializada fornece a todo
momento no-
vas contribuições, os programas sofrerão
contínuos reexames nos departamentos e
perante o próprio pessoal em treinamento,
dando-se-lhe oportunidade de participar do
planejamento, uma vez que o contato direto e
permanente com as escolas do sistema escolar
primário lhes haverá de sugerir modificações
que escapam aos professores ligados apenas
aos cursos de formação.
8º) — Para permitir e obrigar essa
permanente revisão, o horário escolar incluirá,
taxativamente, além das atividades didáticas
comuns, as seguintes: a) programa de leitura
(atualização e extensão cultural);
b) debates sobre problemas carreados das
escolas primárias e sugeridos pelos
professores em exercício;
c) seminários sobre os resultados das
observações feitas nas escolas do sistema
escolar, a fim de captar e divulgar a
experiência do pessoal em exercício; d)
pesquisas dentro do sistema escolar, de
maneira que o professorado encarregado da
formação disponha de material estatístico
atualizado e possa tentar investigar setores
não estudados ainda; e) estágios em
instituições que possam transmitir experiência
nos mais variados setores das atividades
econômicas e
sociais do meio, etc.
9º) — Os problemas de natureza teórica
serão estudados em vista de resultados
colhidos nos estágios, dei-xando-se a
sistematização das disciplinas científicas para
uma fase final. O estudo, pois, das disciplinas
não será feito senão em função de exigências
apresentadas pela interpretação dos dados
colhidos e das observações feitas ou dos
problemas suscitados no próprio treinamento.
10º) — O corpo docente contará
com a colaboração de técnicos de
educação que possibilitem transformar a
escola normal num núcleo de pesquisa e
de experimentação pedagógica.
A escola normal, assim, não é
simplesmente um núcleo estático de
formação de professores, desligado da
realidade do sistema escolar a que
pretende servir, mas um núcleo de
pesquisa e estudo da realidade edu-
cacional. Os problemas tratados em
classe não o serão porque "CONSTAM
DO PROGRAMA", mas porque foram
colhidos, vivos, durante o treinamento
em situação real. Os programas, pois, não
são peças de museu, extraídas de
"tratados" científicos, mas a própria
realidade carreada do sistema escolar
pelo pessoal em treinamento.
Por outro lado, a organização
curricular não se apoiará em sibi-linas
considerações lógicas da sistemática
científica, com a hierarquização das
disciplinas em PROPEDÊUTICAS,
CULTURAIS OU TÉCNICAS, mas terá
a SEQUENCIA NATURAL DO
TREINAMENTO, na mesma ordem em
que os problemas forem ocorrendo ao fu-
turo profissional, como um APRENDIZ
faria junto ao mestre. Não se fará
abstração da realidade profissional, senão
na forma de CORTES DIDÁTICOS. Em
todo momento, o candidato, em
treinamento, terá TODA A REALIDADE
ESCOLAR PRESENTE, mesmo porque
todos os problemas têm implicações com
a totalidade da realidade escolar, não
podendo ser estudados como SITUA-
ÇÕES ISOLADAS.
TIPOS DE ATIVIDADE DE
TREINAMENTO
O treinamento, feito diretamente em
contato com o sistema escolar primário
da região, terá como núcleo as atividades
didáticas propriamente ditas, mas visará
dar à futura professora ampla visão das
situações que tenha de enfrentar. O
treinamento deverá incluir situações que
permitam estudo real.
a) do meio físico e b) do meio social
em que atuará futuramente a professora,
de modo que os programas serão
calcados nos problemas do meio-
próximo. O próprio grupo em
treinamento colherá o "material"
necessário para a interpretação e estudo;
c) estudo da criança do ponto-de-
vista biofísico e d) do ponto-de-vista
psicológico (isolada e em grupo), de
modo que a futura professora aprenda a
encarar sua função com amplitude muito
maior que a de simples ministradora de
"conhecimentos". As situações extraclas-
ses, que não envolvem problemas di-
dáticos propriamente ditos, constituirão
esta espécie de treinamento. Enquanto as
situações a) e b) fornecerão o CAMPO
EXPERIEN-CIAL que a futura
professora reproduzirá na escola para
conseguir integração e maturação, as
situações c) e d) lhe darão experiência em
DIAGNOSTICAR AS RELAÇÕES
HUMANAS suscitadas no trato com as
crianças, isoladamente ou nos grupos.
O treinamento, pois, não visará
formar, simplesmente, um especialista
em ENSINAR AS MATÉRIAS
ESCOLARES. A PRÁTICA DE EN-
SINO, propriamente dita, será apenas um
aspecto do treinamento. Embora todo
esforço formador vise à ESCOLA, esta
será considerada como uma vivência
muito maior que a de mero local onde se
ensina história, geografia, matemática,
etc. A futura professora será treinada em
participar, amplamente, da comunidade, a
sentir e usar o meio físico e social
circunstante, até perceber que a escola
não se limita pelos muros que a cercam,
mas é uma entidade profundamente
mergulhada no meio em que se situa. Por
outro lado, o treinamento levará a futura
professora a compreender que o
ENSINO, como tradicionalmente é
encarado, é apenas um aspecto (e muito
limitado) de sua ação educativa. Assim,
sempre que se falar em TREINAMENTO
não se deve entender mera prática escolar,
como planos de cursos, planos de aula,
recursos audiovisuais, material escolar,
etc, mas todas as vivências que se deseja
criar na futura professora, quer como
pessoa que viveu Intensamente a vida
social do meio, quer como educadora
capaz de sentir a criança com toda a sua
variada e imprevisível forma de vida. Sua
presença nos hospitais e enfermarias, nos
escritórios e fábricas, em creches e
parques infantis, no recreio e no gabinete
médico, nos campos e nas praças
públicas, fará parte, intrínseca, do
treinamento, com a mesma validade
didática da PRATICA DE ENSINO
propriamente dita. Será também
treinamento as pesquisas da campo, os
planejamentos de atividades, os
seminários de estudo, os programas de
leituras, os debates sobre problemas
educacio-
nais, a fim de que se habitue a assim
proceder na vida profissional, não
estacionando, jamais, sua formação
profissional. Assim, teremos:
1. Um NÚCLEO fundamental de
atividades de treinamento
constituídas de UNIDADES DE
TRABALHO: estas visarão, em
primeiro lugar, ao treinamento
específico. Para isso será
analisada a vida profissional de
uma professora (assim como se
analisam as operações e fases de
uma atividade profissional para
efeito de racionalização de
trabalho). Cada fase ou
"operação" característica, su-
ficiente ampla para determinar
uma vivência escolar ou de
treinamento, constituirá uma
UNIDADE:
a) a formação da professora
b) a seleção e especialização das
funções
c) a construção da escola
d) a utilização do prédio escolar
e) a administração escolar local
f) o contato com a família dos
alunos
g) a matrícula
h) a organização da classe i)
o horário escolar j) a
recreação 1) o programa da...
etc. etc. etc.
Todos os professores — quanto
possível — participarão de CADA
UNIDADE na orientação do treina-
mento, dando a contribuição de sua
especialidade. Ora, é tradicional que a
normalista estude uma série de
disciplinas ISOLADAS, supondo-se que,
ao enfrentar um "momento profissional",
todas essas disciplinas aprendidas
isoladamente "compareçam" numa
UNIDADE de comportamento
profissional. A experiência tem
demonstrado que não há, praticamente,
essa "transferência"... Por que, então, não
estudar todas estas disciplinas
(psicologia, biologia, sociologia, etc.) em
função de futuras ocorrências
profissionais, como, por exemplo,
MATRICULA? Visto por esse ângulo, o
horário escolar não conterá "disciplinas",
mas "situações profissionais". O profes-
sor de psicologia não ensinará, nesta fase,
uma psicologia "qualquer", mas a
"psicologia" que a futura professora
provavelmente necessitará utilizar para
enfrentar, por exemplo, a MATRICULA.
Naturalmente, haverá UNIDADES
OPTATIVAS E FACULTATIVAS, para
permitir certa diversificação profissional
e atender às tendências que se
manifestarem entre jovens quase
adolescentes.
Esse núc!eo fundamental do currículo
exigirá perfeita entrosagem do CORPO
DOCENTE, funcionando em
departamentos, em conselhos e em
grupos de treinamento É mesmo
provável que requeira a participação
conjunta de vários professores em
determinados momentos de análise dos
resultados obtidos no treinamento.
Professores que jamais se preocuparam
em suas disciplinas com os objetivos
diretos do curso normal (formação
profissional) terão, assim, que rever toda
a
sua programação para servir, em cada
momento, ao objetivo CENTRADO no
treinamento, o que. por si só, justificaria
a sistemática ado-tada. O exame dos
programas de sociologia, de biologia e
mesmo de psicologia não revela qualquer
intuito profissionalizante. Por outro lado,
o trabalho conjunto de especialistas de
ramos diferentes em torno de um
objetivo único será extremamente
benéfico para cada um deles, dando,
assim, unidade ao currículo, que visa a
um resultado comum. Terminada cada
unidade, por hipótese, o candidato
dominará uma fase de sua futura vida
profissional, atitude muito mais objetiva
que a suposição, atualmente existente, de
que o recebimento do diploma significa
que o professor está habilitado para
enfrentar todas as situações profissionais.
2. Ao lado deste núcleo objeti-
vamente profissionalizante e de ca-ráter
estritamente escolar, haverá junto a cada
disciplina fundamental (psicologia,
sociologia, estudo do meio físico, etc.)
atividades específicas não globalizantes,
mas que não terão também o caráter de
"aulas teóricas". Cada disciplina
planejará uma pesquisa, uma monografia,
como, por exemplo:
a) PSICOLOGIA — monografia sobre
uma criança em idade escolar, sobre
um grupo, sobre as reações da
criança diante da aprendizagem etc,
conforme observação direta
procedida pelos candidatos em
treinamento;
b) SOCIOLOGIA — pesquisa sobre os
instrumentos sociais de edu-
cação no meio, sobre instituições
extra-escolares, etc.
E assim por diante.
O professor limitará o fornecimento
de dados teóricos ao mínimo necessário
para orientar a pesquisa ou monografia e
reservar-se-á para a crítica final e a
sistematização, em seu término.
Como o treinamento por UNI-
DADES DE TRABALHO (melhor se
diria, por UNIDADES PROFISSIONAIS,
para não confundir com as unidades
de trabalho tão em uso nas escolas
primárias...) tende a dar aspecto
meramente ESCOLAR ao treinamento,
esta segunda forma curricular abrirá o
campo de treinamento para as vivências
que se deseja sejam introduzidas na
escola, quer trazendo a vida para
dentro dela, quer levando a escola ao con-
tato direto com a vida. Cada disciplina
curricular procurará atingir uma área
através de treinamento específico. Não
seriam simples "informações" sobre
sociologia, biologia, higiene ou
psicologia. Seria treinamento real nestes
campos, embora referidos sempre à
educação da criança. Neste sentido,
a escolha das disciplinas curriculares
deveria visar a uma cobertura completa do
meio físico e social, não a título de "cultura
geral", mas como instrumento de
familiarização do futuro professor com os
problemas da comunidade. O futuro
professor não só aprenderia a conhecer
as instituições atuantes no meio, como
seria treinado para utilizá-las em benefício
da educação, não só das. crianças, mas dos
próprios pais. A escola será, assim, um
centro irradiador onde
a comunidade poderá obter informações
e para onde convergirão os esforços das
instituições que desejem atingir a
comunidade.
3. Estágios e plantões serão rea-
lizados em função das unidades de
trabalho, figurando como condição de
obtenção de certificado em cada unidade.
O conceito da escola normal seria
assim ampliado. A comunidade toda, o
meio circunjacente todo será o campo real
de estágio. A escola não ficará
limitada pelos muros. Será antes uma
BASE DE OPERAÇÕES donde partirão
os candidatos num contínuo trabalho de
reconhecimento e de utilização das
forças sociais atuantes no meio. Cada
disciplina isolada planejará seu pró-
prio estágio no campo específico de seu
interesse. A atividade diária (tempo
integral) ficará dividida em duas fases:
a) uma escolar, onde serão
examinados, criticados os resultados e
orientados os candidatos; b) outra de
campo, em que os candidatos estarão
em contato real com as escolas, as
instituições, as fábricas, os hospitais, as
creches, as empresas, as repartições
públicas, os parques, bibliotecas públicas,
centros de recreação e de recuperação, etc.
etc.
4. Leituras, debates e seminários
serão atividades gerais, ora orientadas
pelos professores de cada especialidade,
ora atividade promovida pela
coordenação geral.
A biblioteca da escola, assim, terá
dupla finalidade: a) atender à pesquisa
motivada pelas atividades curriculares,
de vez que a simples pesquisa de campo
não satisfaz na
confecção do trabalhos de interpretação;
b) promover a extensão cultural de
maneira informal e criar hábitos
permanentes de leitura. A primeira parte
será estreitamente correlacionada com os
trabalhos de campo e de classe, os
próprios professores indicando a
bibliografia necessária para a confecção
de monografias ou para a interpretação de
dados. A segunda constituirá promoção
da própria biblioteca que, de passiva,
passará a ter atuação positiva, criando
programas de leitura e debates,
promovendo campanhas de leitura,
apresentando novidades literárias,
promovendo conferências, projeção de
filmes, audição de discos, promovendo
exposições de arte etc.
5. Atividades de grupo (clubes).
Uma série de instituições escolares fará
parte do treinamento obrigatório, ao
mesmo tempo que permitirá o
desenvolvimento de aptidões. Grande
parte dessas instituições deverá ter a
mesma natureza das que devem estar
presentes nas escolas primárias, outras
de natureza cultural (como os clubes de
línguas) que visarão a dar às normalistas
oportunidades de extensão cultural.
Os clubes, assim, valerão como
duplo treinamento: a) um de cará-ter
especifico, escolar, com a finalidade de
preparar a professora para reproduzi-los,
mais tarde, como vivências em suas
escolas; b) outro de finalidade geral,
visando criar oportunidades de auto-
realização e ato-afirmação nas jovens
candidatas ao magistério, promovendo a
ATI-VIDADE DE GRUPO, em que con-
cluirão sua própria maturação emocional
e intelectual. Os clubes, pois,
serão: a) obrigatórios, quando visarem à
primeira finalidade, e optativos, quando
se destinarem ao segundo objetivo.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL POR
IMPREGNAÇÃO
O aprendiz, na Idade Média, tor-
nava-se "mestre" por simples contágio,
acompanhando o instrutor no próprio
trabalho, auxiliando-o nas tarefas,
subindo, gradualmente, das operações
mais simples até à perfeição do artífice
acabado. O aparecimento das escolas
profissionais pretendeu ampliar os
quadros de formação técnica, tornando-a
mais científica e mais ampla, mas perdeu
em precisão e "acabamento". Pelo menos
no Brasil, a maioria das escolas
profissionais não dá oportunidade de
verdadeiro treinamento, ficando mais
numa fase de pura "informação
profissional", devendo o candidato
aprender, realmente, quando lançado na
profissão. Tem-se, vagamente, a
impressão de que meras informações
sejam suficientes para trans-formar-se, ao
contato com a realidade, em atitudes
profissionais. A experiência já
demonstrou, suficientemente, que só o
treinamento di-reto profissionaliza, e que
a maioria dos jovens não são capazes de
transferir as informações em condutas
profissionais. Aliás, é simplesmente
absurdo que se "fale" aos alunos de
vivências que não tiveram, de
ocorrências que observaram, para delas
tirar uma teorização. Só a vivência real
dentro do trabalho poderá motivar os
alunos para um exame reflexivo do fato e
uma raciona-
lização provocada pelas dificuldades
encontradas na realização empírica.
Fretende-se, portanto, na reforma do
ensino normal do Ceará INVERTER a
ordem didática atual-mente adotada: em
vez de preparar teoricamente as
normalistas para depois submetê-las a
treinamento di-reto, onde aplicassem os
conhecimentos adquiridos, procura-se
que, desde o primeiro momento, o aluno
seja lançado na problemática
profissional, vivendo os problemas reais,
tentando interpretação e solução em-
pírica, para depois, em classe, junto ao
professor, reelaborar a experiência à luz
dos princípios científicos. O estágio final
mostrará a diferença entre o primeiro
con-tato com a realidade escolar e a
reelaboração feita pela crítica cor-retiva
de classe. Aliás, esta parece ser a marcha
natural do espírito humano. São as
dificuldades da execução e a insatisfação
diante dos métodos empíricos que levam
o homem à REFLEXÃO (teorização) e ã
RACIONALIZAÇÃO (formulação
técnica da conduta). Não haverá, pois, no
curso normal as chamadas aulas
"teóricas", que de fato são simples "aulas
de informação" sem objetivos vitais para
os ouvintes. Cada aula será o "co-
mentário", a crítica, a interpretação, de
alguma vivência apresentada pelas alunas
e colhida na própria realidade escolar ou
social.
Assim, abandonou-se qualquer
veleidade de FUNDAMENTAÇÃO, de
períodos propedêuticos, de disciplinas
preparatórias, etc. tudo isto que o
logicismo do adulto julga indispensável
para a "entrada" em determinada área
cultural ou profis-
sional. O aluno será lançado dentro das
escolas junto ao professorado em
exercício, e de lá trará, diariamente, os
problemas para discutir, resolver,
sistematizar, interpretar e reelaborar nas
classes de formação profissional. Com
isto, pretende-se reaver os benefícios do
sistema de "aprendizes" da Idade Média,
agora iluminado com o exame reflexivo
próprio do atual sistema de formação
teórica. A ideia surgiu da generalização
de um princípio que foi universalmente
aceito para alfabetização: o sincrético an-
tecede o analítico e a síntese não pode
vir, geneticamente, antes da análise. Esta
lei, que se afigura boa para as crianças, é
também aplicável a qualquer situação
inicial de aprendizagem de uma
experiência inteiramente nova. Nela
apóia-se teoricamente, pois, o
treinamento.
Supõe-se que duas vantagens, pelo
menos, advirão dessa ordem didática: a)
as aulas serão altamente motivadas, de
vez que os problemas serão trazidos à
classe pelos próprios alunos em
dificuldade (e é a dificuldade que
estimula o pensamento...). O próprio
contato com o magistério em ação dará,
provavelmente, um resultado formativo
equivalente a 50% do treinamento de-
sejável, pois muitas atividades, ape-pesar
de existirem escolas profissionais, são
aprendidas, posteriormente, por
impregnação junto aos profissionais
(veja-se o caso dos bacharéis em direito
que só aprendem a advogar,
posteriormente, junto a profissional mais
experiente...); assim, a escola normal
contará com o professorado primário em
exercício como um elemento auxiliar de
alta eficiência; b) por outro lado,
o contato das normalistas, perma-
nentemente, em todos os momentos da
vida escolar, com o professorado do
sistema escolar primário, servirá como
um estimulante de permanente
renovação, uma vez que a discussão em
classe (na escola normal) fronecerá às
normalistas material para propor ao
magistério modificação de atitudes. No
mínimo, estabelecer-se-á um permanente
diálogo em torno dos problemas
pedagógicos entre as normalistas e os
professores primários. Cada ano, nova
leva de normalistas chegará as escolas
primárias, indagando, observando,
discutindo, solici-tanto orientação, o que,
por si só, será um estimulante psicológico
para que os professores se mantenham
atualizados e sintam-se orgulhosos de
servir de modelos e de conselheiros. Não
se precisa salientar que centenas de
normalistas enviadas às escolas
primárias, anualmente, para treinamento,
representarão poderoso auxilio ao pro-
fessorado em exercício, que, assim,
contará com a colaboração de jovens
maleáveis e entusiásticas, em vista da
própria natureza deste período de
"descoberta" profissional. As escolas
estabelecerão uma ordem de utilização
dos "aprendizes", iniciando seu contato
profissional com as tarefas mais fáceis até
alcançar a plenitude profissional com a
regência autónoma das classes.
AS UNIDADES DE TRABALHO
O que pareceu, desde o início, mais
difícil de realizar foi a transformação
das disciplinas tradicio-
nais em UNIDADES DE TRABALHO.
Aliás, a própria expressão "unidade de
trabalho" já vem impregnada de um
conteúdo típico que dificulta uma
reformulação. O que se quis da expressão
foi, simplesmente, o "modo" didática, a
maneira de proceder. Como até agora as
unidades de trabalho têm sido planejadas
com relação ao curso primário e, assim,
restritas a situações de vida comum,
pareceu difícil encontrar unidades de
trabalho com referência a uma profissão.
A primeira atitude dos professores foi a
de procurar em sua própria disciplina
estas unidades, o que redundaria em
simples modificações programáticas, o
que não era a intenção. A concepção de
UNIDADE DE TRABALHO exige, in
limine, atitude nova, desconhecida no
professorado: colaboração e trabalho em
equipe... As disciplinas em si perdem a
autonomia para servir aos objetivos
profissionais em estreita correlação umas
com as outras Este é o primeiro impacto
emocional que atinge o "catedrático" em
sua falsa dignidade... Até então,
concebia-se que o currículo com tais e
quais disciplinas autónomas daria, no fi-
nal, a formação profissional, embora cada
catedrático tivesse liberdade
programática. O trabalho de UNI-
FICAÇÃO seria feito, interiormente, por
cada aluno! Supunha-se, na concepção
tradicional, que o aluno ouvindo aulas de
psicologia, de sociologia, de biologia, de
didática, etc. ao agir (ao proceder a
matrícula dos alunos, por exemplo) teria
presentes, em sua conduta, unificada-
mente, todas as aprendizagens feitas
nestas várias disciplinas. Ora, nada
assegura que isto aconteça. É
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mesmo provável que as áreas de
treinamento sejam estanques e que a
"transferência" seja mínima. Daí a ideia
de transformar o currículo em
UNIDADES DE TRABALHO. Aliás,
melhor se diria UNIDADES
PROFISSIONAIS.
Para encontrar estas possíveis
unidades (a princípio tudo será feito
experimentalmente), proceder-se-á à
ANALISE PROFISSIONAL. As
próprias normalistas farão esta pesquisa.
Vasto inquérito entre os professores
primários em exercício dará a primeira
contribuição. Um dia escolar, um
período escolar, um ano letivo será
dividido analiticamente, em
OPERAÇÕES e em FASES, servindo
essa análise de elemento construtor do
currículo em forma de unidades.
Tomemos, como exemplo, a
MATRICULA. E um fato saliente da
vida escolar que a professora terá que
enfrentar fatalmente, servindo aqui,
portanto, como elemento para esclarecer
o que se procurou chamar de UNIDADE
DE TRABALHO. No horário do curso
normal, portanto, durante determinada
fase, em vez de figurarem as disciplinas
tradicionais, figurará, em lugar de cada
uma delas, simplesmente, a expressão
"MATRICULA", servindo este tema
como elemento de trabalho de todas as
cadeiras e como campo de estágio e
pesquisa nas escolas primárias. É lógico
que uma só unidade não encheria todo o
tempo escolar, sendo provável que várias
unidades fossem trabalhadas
concomitantemente ao lado das ati-
vidades das disciplinas isoladas.
Que professores seriam convocados
pelo coordenador para realizar a
unidade de trabalho "MATRICULA"? E
lógico que só a reunião de toda a equipe
responderia a esta indagação. Mas,
imaginemos o que poderá acontecer.
Reunidos os professores para examinar
esta UNIDADE, é possível que o
professor
a) de biologia educacional
pretendesse ensinar a suas alunas
como observar e diagnosticar sin
tomas de crescimento, de saúde, de
feitos de sentidos, etc, elementos
que pudessem guiar o professor em
suas futuras relações com a criança,
etc. etc;
b) o de sociologia educacional
é provável que tivesse muito a dizer
e a mandar pesquisar sobre a "pro
cedência social", nível de adaptação
antecedentes familiares, etc. etc;
c) o de psicologia educacional
forneceria aos alunos oportunidade
de adotar determinados procedi
mentos nos primeiros contatos com
a família da criança e procederia
às primeiras sondagens diagnostiea-
doras da tipologia, etc. etc;
d) o de administração escolar
(que poderia coordenar a unidade,
uma vez que o procedimento é sobretudo
"administrativo") teria ocasião de
esclarecer as normalistas sobre os
assentamentos escolares e treiná-las no
uso de fichas de matrícula e de modelos
oficiais, etc. etc;
e) o de estatística educacional
procederia às primeiras análises dos
dados colhidos para efeito de inter
pretação dos fenômenos, inclusive
dando oportunidade de pesquisa da
influência da escola no meio social em
que estivesse localizada, etc. etc;
f) o de filosofia da educação
provavelmente treinaria as norma-
listas na maneira de dialogar com as
mães quanto aos objetivos de cada fase
escolar e sobre a natureza de cada
disciplina, de modo a fazer delas
colaboradores, etc. etc;
g) o de recreação e jogos prepararia
com as alunas a festa de abertura do ano
letivo e mostraria como valorizar a escola
perante a comunidade através desse tipo
de influenciação, etc. etc, pedindo a co-
laboração dos professores de artes
aplicadas e de canto orfeônico;
h) o de prática de ensino promoveria
com as normalistas um levantamento da
população escolar da zona e um trabalho
de "convencimento" sobre a necessidade
e obrigatoriedade da matrícula, podendo
realizar inclusive uma campanha de
cunho popular em torno das deter-
minações constitucionais relativas à
questão;
i) o de didática poderia iniciar a
análise dos livros didáticos a serem
indicados.
E assim por diante.
Dois aspectos saltam logo à vista
num plano de trabalho assim por
UNIDADES: a) a necessidade de perfeito
entrosamento entre os professores e a
presença firme da coordenação, já dentro
dos departamentos, já na sistemática
geral da escola e a alta competência
técnica da direção, uma vez que a esta
caberá afiançar a validade geral do pro-
r.esso; b) uma objetivação rigorosa rios
programas, que deixarão de ser ingénuas
e inexpressivas 'generalidades" para
tomar cunho rigorosamente realista.
Esses dois aspectos — que são a virtude
principal do sis-
tema proposto — são também seu
maior obstáculo de realização.
REGIONALISMO PEDAGÓGICO
Embora do ponto-de-vista técnico,
propriamente dito, não se possa falar de
"regionalismo pedagógico", uma vez que
a técnica não tem fronteiras regionais,
podendo variar apenas de intensidade
(duração e grau de treinamento), 09
conteúdos e as vivências estão
estreitamente li-gados ao plano regional.
Tentara-se até agora regionalizar a prepa-
raçáo técnica do professorado, ln-
troduzindo-se disciplinas "típicas" no
currículo. Dentro da concepção de
disciplinas estanques, parece boa a
solução. O sistema proposto, contudo,
partindo da pesquisa de campo, da
impregnação, do prévio con-tato com a
realidade ambiental, dá, por si, o mais
forte cunho regionalista que se possa
desejar na formação do professor. Em vez
de uma única cadeira de "Antropologia
do Nordeste", dissociada das vivências
profissionais que se deseja, teremos todo
o professorado, dentro do âmbito da
UNIDADE DE TRABALHO, refletindo
sobre problemas locais carreados pelas
normalistas, do ambiente circunstante
para dentro das escolas normais. Não será
um ou outro aspecto (físico ou social,
psicológico ou didáti-co), mas a própria
realidade em sua totalidade que servirá de
"conteúdo" para estudo, pesquisa e
treinamento. A reforma, pois, não é uma
formulação ideológica, mas uma sistemá-
tica cujo conteúdo ficará (como não
pode deixar de ser) na dependência dos
recursos culturais e técnicos de seus
realizadores. Representa o "esqueleto"
que só de longe predetermina a forma que
terá o curso. Pode-se dizer que é uma
dinâmica que representará um contínuo
esforço de aperfeiçoamento e de ajusta-
mento às realidades, uma vez que não
propõe um quadro estático tido como
ideal a alcançar, como tem acontecido em
todas as reformas. Quem poderá imaginar
as UNIDADES DE TRABALHO que o
professorado virá a propor como cur-
rículo daqui a cinco ou dez anos? Qual
será o conteúdo programático de cada
unidade se estas têm de se estruturar
como resultado de uma "coordenação"
entre as mais diversas especialidades?
UM SISTEMA DE AUTO-
APERFEIÇOAMENTO
Percebe-se logo que as escolas
normais estão planejadas na reforma para
viver em íntima relação com o sistema
escolar primário, que, por sua vez, terá
de sofrer drásticas modificações. Até
aqui, as escolas normais são entidades
autónomas que têm um "modelo" a
construir, predeterminado pela lei
estruturadora, como se a rápida evolução
dos processos didáticos autorizasse um
"corte" que servisse de padrão na
formação do professorado. Há nítida
distinção entre o trabalho das escolas
normais e a administração. A reforma
tenta saltar este muro que só prejuízos
traz ao contínuo aperfeiçoamento do
professorado. Os órgãos de análise
e de pesquisas, as instituições de
aperfeiçoamento vivem, a vida intei-
ramente separada das escolas normais, ali
aparecendo como "visitas". O sistema
escolar tem de esperar a chegada de cada
nova geração para sofrer imperceptíveis
modificações. Fazendo-se, como se
pretende, as escolas normais núcleos de
pesquisas e de influenciação com relação
ao sistema escolar, contínuo diálogo
estabelecer-se-á entre os professores das
escolas normais e o professorado
primário em exercício, dispensando o
sistema de inspeção caríssimo e
ineficiente. Tem sido verdadeiro fracasso,
simples burocratização a assistência
técnica que os órgãos especializados
pretendem prestar ao sistema escolar
através dos "técnicos". Os "técnicos" logo
se rotinizam e se desatualizam, sendo
repelidos, psicologicamente, pelo
professorado como interferência Indébita,
no que tem toda razão, uma vez que,
raramente, têm as vivências escolares que
tornariam objetiva sua orientação. Por
outro lado, nos dados da pesquisa só
remotamente chegam às escolas, com
atraso imperdoável, quando não são
dirigidos para setores que não têm
validade imediata no trabalho escolar.
Partindo da própria escola (por isto a
reforma propõe uma equipe de técnicos
assessorando os professores), a pesquisa
ganharia sentido de realidade e
objetividade, não se desperdiçando tempo
e dinheiro precioso, como acontece
atualmente. Isso não anularia nem
diminuiria a importância da pesquisa pura
com obje-tivos muito mais gerais. Pelo
contrário, os órgãos de cúpula contariam
com massa enorme de pesquisadores e
com dados preciosos for-
necidos por todas as escolas em fun-
cionamento.
O CONTATO PERMANENTE
COM A REALIDADE
À cadeira de prática do ensino tem
ficado o encargo de profissionalizar a
normalista, figurando as demais
disciplinas como meras ilustrações
circunstanciais. Dai o caráter
puramente didático da formação que
se obtém (quando se consegue alguma
coisa). Como resultado, as escolas
primárias cingem-se, teimosamente, a
simplesmente "ENSINAR o programa".
Toda riqueza experiencial que deveria,
envolver esta primeira etapa da esco-
laridade fica reduzida a um 'esco-
lasticismo" de pobreza franciscana. Tudo
que não é "aula" propriamente dita,
afigura-se como simples concessão
feita, como recreação, como
atividades EXTRACURRICULARES. .
. A reforma propõe que o
treinamento das normalistas não seja
feito somente nas escolas, mas em
toda a comunidade, através de estágios
em instituições típicaº, nos serviços de
comunidade, a fim de que a futura
professora, ela mesma, tenha
consciência d
a
. sua Integração social e
possa levar seus alunos a usufruírem os
benefícios de uma perfeita participação
na vida social. A maioria das
professoras desconhece a natureza de
quase todos os serviços públicos,
estando assim sem habilitação para
colocar estas instituições a serviço da
comunidade. Vizinho à escola está o
posto de saúde ou de fomento agrícola,
mas a professorinha nada en-
tende do que ali se passa... É uma
tremenda perda de esforço assistencial do
poder público. Pretende a reforma, com
isto, fazer da escola um núcleo de
articulação, divulgação e dinamização
dos serviços da comunidade. Para isso,
estão previstos os estágios e a
obrigatoriedade das instituições escolares
que reproduzam na escola a estrutura da
sociedade, cabendo a cada uma delas
estabelecer relações com os serviços
afins existentes na comunidade.
SISTEMA DE VERIFICAÇÃO DO
RENDIMENTO
Dada a natureza das atividades
propostas, é claro que o velho, e obsoleto
sistema de verificação através de provas
escritas e orais ó inteiramente
insuficiente. A reforma propõe critérios
novos e flexíveis, dando ao professorado
maior responsabilidade pessoal no julga-
mento. Extingue-se, assim, o chamado
sistema "cartarial", uma vez que o
julgamento sendo pessoal e opinativo não
cabe recurso jurídico. A frequência é
valorizada como um dos elementos
fundamentais de formação. Só uma
concepção intelec-tualista da formação
profissional permitiria admitir que fosse
possível a diplomação sem frequência,
dependente somente de dados colhidos
em provas... Os estágios, as pesquisas, a
observação da conduta profissional serão,
pela reforma, os elementos que,
acumulados e analisados, darão ao
professorado os meios de julgamento
dos candidatos.
CONCLUSÃO
A reforma do ensino normal do
Ceará, como foi proposta por seus
idealizadores, é. portanto, uma HI-
PÓTESE DE TRABALHO E DE
EXPERIMENTAÇÃO. Não julgam eles
que fizeram um trabalho definitivo ou
isento de erros. Mas, sua própria
estrutura é autocorretora e dá margem às
mais variadas combinações, avanços ou
recuos, pois que ficou na dependência da
congregação, do conselho técnico, dos
departamentos e das coordenações a for-
ma que vá assumindo em cada etapa de
seu desenvolvimento.
Neste período de conscientização da
grave situação econômica e cultural do
Nordeste, os idealizadores da reforma
apelam para o professorado cearense,
para os administradores, para as
autoridades federais do ensino no sentido
de um esforço comum de recuperação, a
fim de integrar nossa terra na unidade
nacional, superando o subdesenvolvi-
mento também na área cultural.
CONCLUSÕES DO I SEMINÁRIO
DO ENSINO NORMAL
Realizado no Rio de Janeiro, de 85 a 30
de julho último, e promovido pelo
Centro de Estudos do Ensino Normal,
com a participação de 70
representantes dos Estados, o Se-
minário aprovou estas conclusões:
PARTE I FILOSOFIA E
POLITICA EDUCACIONAL
1. A Escola Primária não pode
continuar a ser, como ainda acontece em
tantos lugares, uma simples agência
de alfabetização. O
desenvolvimento nacional, ao lado de
numerosos fatôres técnicos, econômicos
e financeiros, exige também
homens devidamente preparados para as
ciclópicas tarefas a realizar. Acima das
metas do transporte, do petróleo, do
ferro, da indústria automobilística, etc,
precisamos colocar a meta HOMEM,
que irá condicionar todas as demais. Para
que o Brasil possua homens preparados,
é indispensável EDUCAR O POVO, e
não apenas alfabetizá-lo. Isso significa,
que necessitamos não somente de mais
escolas, mas sobretudo de melhores
escolas.
2. Para que existam melhores
Escolas Primárias, é indispensável que
haja melhores Escolas Normais. Estas
últimas precisam estar preparadas para
levantar o nível cultural e técnico dos
futuros professores, que se irão incumbir
da grave tarefa de aumentar a cultura do
povo brasileiro.
3. No entanto, força é reconhecer
que, paradoxalmente, o Ensino Normal
tem ficado quase abandonado à própria
sorte. Reduzida é a assistência que
recebe dos poderes públicos, quando
recebe. Na maioria das vezes as Escolas
Normais são simples apêndices de es-
tabelecimentos que lhe são inferiores (os
ginásios). Pelo país inteiro vemos
Escolas Normais "anexas" ao Ginásio,
não possuindo sequer denominação
própria, daí resultando que o Ginásio
recebe muito mais atenção que aquele
pobre "anexo".
4. Problema da maior gravidade é o
do corpo docente das Escolas Normais.
Exige-se um diploma para quem vai
lecionar as primeiras letras, um diploma
ou certificado para quem vai lecionar
nos gi-
násios, e legalmente rada se exige daqueles
que vão ser professores dos futuros
professores! Bem sabemos quantas vezes
professores de Escolas Normais nada
conhecem de Pedagogia e de Didática.
Impõe-se um dispositivo legal estabelecendo
a obrigação de formação especial para o
professor de Escola Normal.
5. Essa formação poderia ser: a) Nos
cursos de Pedagogia das Faculdades de
Filosofia, com uma ou duas cadeiras
específicas para tal fim; b) Em curso a ser
criado naquelas Faculdades, especialmente
destinados a formar professores para as
Escolas Normais; c) Em cursos especiais
anexos aos Institutos de Educação; d) Numa
Escola especial — a "Escola Normal
Superior". Em qualquer hipótese é
imprescindível que a formação do mestre para
o Ensino Normal se faça em nível superior
universitário, e com estágios práticos.
6. As Escolas Normais precisam visar a
tríplice finalidade: a) Especialmente no
interior, servirem como centros de cultura para
as moças, que desejem ou não ser professoras,
pois se não frequentarem tais escolas,
permanecerão incultas, por falta de outros
centros culturais na comunidade, b) Formarem
professores, como até agora vem acontecendo.
c) Formarem educadores, isto é, professores
com maior capacidade cultural e técnica,
capazes de desencadearem nas Escolas Primá-
rias aquela revolução a que se alude no item 1.
Isso não significa que sejam necessários novos
cursos, nem sequer novas cadeiras no
currículo, mas sim mentalidade nova dos
diretores e professores de Esco-
las Normais, tendo como preocupação
constante a Educação Integral das
normalistas.
PARTE II —i ORGANIZAÇÃO E
FUNCIONAMENTO DAS ESCOLAS
NORMAIS
7. Para a obtenção desse ideal
(educação integral) deve a Escola Normal
fornecer educação intelectual, moral, social,
física, artística, econômica, cívica e religiosa a
seus alunos, esta última nos termos da
Constituição.
8. É imprescindível transformar a
Escola Normal numa comunidade de vida e de
trabalho, como meio de criar entre as futuras
mestras a consciência da sua missão apostolar
e da importância do magistério primário na
tarefa do desenvolvimento nacional. Somente
a vida e o trabalho em comunidade permitem
a criação dessa mística.
9. Para que se estabeleça a Educação
Integral e a escola se transforme nessa
comunidade de trabalho, é necessário adotar o
regime de tempo também integral,
permanecendo a aluna o maior tempo possível
na Escola. Não é possível ministrar Educação
Integral a jovens que apenas permanecem na
escola o tempo exato da duração das aulas de
Português, Matemática e Geografia...
10. A formação de novas pro
fessoras, ou melhor, de educadoras,
não pode prescindir do trabalho de
Orientação Educacional. Esta deve
merecer a máxima atenção dos di
rigentes das Escolas Normais e das
autoridades administrativas da edu-
cação. Claro é que a Orientação
Educacional só poderá ser levada a
efeito dentro dos princípios e normas
técnicas que regem a matéria, e por
pessoal devidamente habilitado.
11. O problema da aptidão para o
magistério precisa ser devidamente
encarado, sendo contraproducente formar
novas professoras que se mostrem, pelo
seu tempe-mento e inclinação, incapazes
de possuir aquelas qualidades exigidas de
um bom professor, a começar pelo amor
à criança, compreensão, paciência e
equilíbrio.
12. Recomenda-se que o trabalho
escolar individual seja em grande parte
substituído pelo trabalho
em equipe, como meio de se fortalecer
o espírito de comunidade.
13. É imprescindível que as Escolas
Normais possuam diversas Instituições
Sociais ou Instituições Escolares,
organizadas e dirigidas pelos próprios
alunos, tais como Clube de Leitura,
Clube de Saúde, Clube Cívico, Clube
Agrícola, Clube Psico-Pedagógico, etc.
14. Na medida do possível, a
direção da Escola Normal deverá ir
entregando às alunas parcelas cada vez
maiores de responsabilidade na vida
interna da escola, de forma a torná-las
colaboradoras eficientes da
administração, e prepará-las pela ex-
periência própria a assumirem amanhã a
direção de suas escolas primárias.
15. Para transformar a Escola
Normal nessa comunidade de vida e de
trabalho é necessária a participação dos
professores, que devem, eles também,
estar imbuídos
do espirito da comunidade. Não se
atingirá esse objetivo se cada professor
permanecer na Escola Normal apenas o
tempo restrito da sua aula.
16. A Escola Normal deve viver
profundamente articulada com a vida da
comunidade, participando de seus
problemas e procurando colaborar para a
sua solução.
17. É indispensável profunda e
constante colaboração entre a escola e a
família, no sentido de colocar a escola
mais em contato com os problemas
sociais e de levar aos la-rea maior
soma de cultura.
PARTE III DIDATICA DO
ENSINO NORMAL
18. Ê imprescindível que haja
profunda articulação entre todas as
cadeiras do currículo da Escola Normal,
não devendo nenhuma delas existir
separada das outras. Nenhuma cadeira
pode constituir um compartimento
estanque.
19. Nesse sentido os professores
devem agir em equipe, trabalhando
juntos em planos ou pro-jetos.
20. Mais do que "matérias a
ensinar" devem os mestres ter em vista a
formação da personalidade do futuro
professor e sua capacitação para a
delicada missão que irá exercer.
21. Nesse campo de ideias o "I
Seminário de Ensino Normal" não pode
deixar de trazer seu caloroso apoio à
Reforma do Ensino Normal, iniciada no
Estado do Rio Grande do Sul, e que já
prescreve
a articulação das cadeiras em De-
partamentos e Divisões afins.
22. E preciso que haja melhor
aproveitamento das Artes Aplicadas,
Desenhos, Trabalhos Manuais, Música, etc.
que devem colaborar intensivamente no
ensino de Português, Matemática e Ciências,
bem como na formação educativa geral do
aluno.
23. E necessária a redução da parte
teórica dos programas, para que se dê maior
ênfase à parte prática, em todas as cadeiras,
especialmente na de Matemática, tendo sem-
pre em vista o fim a que se destina a Escola
Normal.
24. Que seja ponto fundamental da
renovação do ensino normal brasileiro a
participação ativa e constante dos alunos nas
aulas, pela organização de grupos de trabalho e
pesquisa, elaboração de fichas e relatórios,
confecção de material didático pelos próprios
alunos, organização e funcionamento das
instituições sociais da escola o participação nas
atividades da Caixa Escolar.
25. E necessária a diminuição do
efetivo de alunos por turma, que, em hipótese
alguma, deve exceder de 30.
26. Recomenda-se que sejam adotados
no Ensino Normal os métodos globalizados e
as atividades sócio-educativas.
27. E aconselhável a adoção da técnica
do estudo dirigido, sobretudo nas classes de
mais fraco rendimento.
28. Necessidade da inclusão de um
estudo especializado, no currículo das Escolas
Normais, sobre fundamentos e problemas da
educação especial, isto é, para crianças
que não acompanham o ritmo da turma,
embora não possam ser considerados
excepcionais.
29. O ensino de Linguagem deve
estender-se pelas três séries do Curso
Normal.
30. DIDATICA E PRATICA DE
ENSINO — São várias as conclusões nesse
terreno, a saber:
30.1. Julga o Seminário aconselhável a
criação de uma cadeira de DIDATICA
GERAL, na 2º série do Curso Normal,
incluindo a parte geral da atual cadeira de
Metodologia, além de outros problemas não
estudados nesta última.
30.2. Em alguns Estados, a cadeira de
Metodologia desaparece, pois, tendo cedido a
parte geral à cadeira de Didática Geral, como
acima se disse, a parte especial passa a
constituir a cadeira ou as cadeiras de Didática
da Linguagem, Didática da Matemática,
Didática das Ciências Naturais e Didática das
Ciências Sociais. Recomenda-se que os
educadores interessados no assunto
acompanhem com atenção e desvelo essa
modificação, para julgar de seus frutos.
30.3. Da mesma forma certas unidades
da Federação estão experimentando suprimir a
cadeira de Prática de Ensino, ficando a prática
de ensino a cargo dos professores das cadeiras
de Didática Especial acima referidas. Caberá
ao professor dessa cadeira assistir às aulas das
alunas-mestras, em função do conteúdo das
aulas de Didática por êle ministradas. Devem
os educadores também acompanhar
atentamente essa inovação, que, no caso de
aprovar, poderá ser esten-tendida a todo o país.
30.4. É imprescindível que o ensino das
Metodologias esteja indissoluvelmente ligado
ao ensino primário, de tal forma que na 2º
série normal se faça a revisão dos programas
do curso primário referentes às 1º, 2º e 3º
séries primárias, e na 3º série do Curso
Normal se leve a efeito a revisão dos progra-
mas da 4º e 5º série primárias, evi-tando-se
assim que a nova professora, ao iniciar seu
magistério não se lembre mais dos assuntos
do curso primário, fato que muito na-
turalmente ocorre agora.
30.5. A prática de ensino, existindo ou
não uma cadeira com esse nome, deve
obrigatoriamente iniciar-se na 1º série do
Curso Normal, com a observação dirigida. Na
2ª série, o estágio de prática de ensino deve
ser a participação ativa da aluna-mestra em
todas as atividades da escola primária.
'Finalmente na 3º série, durante o maior tempo
possível, a aluna-mestra fará o estágio de
direção, dando aulas em todas as séries da
escola primária, sendo aconselhável que cada
professoran-da permaneça à frente de uma
classe durante uma semana.
30.6. Para a boa execução dos estágios
de prática de ensino é indispensável que cada
Escola Normal do país possua sua escola
primária anexa, às vezes denominada "escola
de aplicação". Essa condição deveria ser
fundamental para o reconhecimento de
qualquer Curso Normal. No entanto, além da
imprescindível existência dessa Escola de
aplicação, o estágio das alunas-mestras deverá
ser feito também em outros estabelecimentos
primários, dos vários bairros da cidade, a fim
de que elas se familiarizem com diferentes
grupos sociais existentes.
31. Finalmente, embora seja de
sejável que, de futuro, não exis
tam mais provas e exames, pelas
razões que os pedagogos apresen
tam, reconhece o 1º Seminário" que
no atual estágio do ensino brasilei
ro as provas são indispensáveis, e,
mais que isso, devem ser dadas mais
a miúde. Sugere, assim, o Semi
rio que nas Escolas Normais a apu
ração da aprendizagem se faça atra
vés de notas mensais, atribuídas
quer a provas, quer a trabalhos
práticos, pesquisas, estágios, relató
rios, etc.
CRIAÇÃO DO CENTRO
BRASILEIRO
32. Foi votada por unanimidade a
criação do "CENTRO BRASILEIRO DE
ESTUDOS DO ENSINO NORMAL",
entidade de âmbito nacional, destinada a
fomentar em todo o país os estudos e pesquisas
em torno do Ensino Normal, bem como a
colaborar em prol da melhoria do ensino nas
Escolas Normais, quer indiretamente, através
de cursos e seminários, quer direta-mente em
cada escola que o deseje, apresentando planos
e sugestões de trabalho.
33. Foi aclamada a seguinte Diretoria
para o Centro Brasileiro: Presidente —
Professor AMARAL FONTOURA; 1º vice-
presidente — Prof. FIGUEIRAS LIMA,
representante do Ceará; 2º vice-presidente —
Prof. RAIMUNDO NONATO DA SILVA,
representante do Rio Gran-
de do Norte; 1º Secretário — Profº NILZA
DUARTE ROCHA, representante do Estado
da Guanabara; 2º Secretário — Prof. JOSÉ
CÂNDIDO DA SILVA, representante de
Goiás; 1º Tesoureiro — Revm.º Madre
MARIA LETÍCIA, da Ordem das
Dominicanas, representando as Escolas
Nomais religiosas, e 2º tesoureiro — Profº
IONE SCARPEL-LI, representante de
Minas Gerais.
34. CONSELHO DIRETOR — Foram
aclamados para o Conselho Diretor
(provisório) todos os representantes e
professores dos Estados, com o compromisso
de trabalharem pela imediata instalação da
seção do Centro Brasileiro em seus res-
pectivos Estados.
35. SÓCIOS FUNDADORES —
Foram considerados sócios fundadores do
Centro Brasileiro todos os membros do "I
Seminário do Ensino Normal".
/ CONGRESSO BRASILEIRO DE ENSINO
NORMAL
36. Uma das mais importantes
resoluções do "Seminário" foi a convocação
do I CONGRESSO BRASILEIRO DE
ENSINO NORMAL, conclave há muitos anos
reclamado pelos professores de Ensino
Normal e jamais transformado em realidade.
37. Como homenagem especial ao
Estado do Rio Grande do Sul, por ter sido o
primeiro a iniciar a reforma do Ensino
Normal, no sentido de torná-lo mais eficiente
e de acordo com as necessidades do meio,
resolveu o Seminário que o "I Congresso
Brasileiro de Ensino Normal"
se realize no Estado sulino, e na primeira
quinzena de julho, a fim de que os
congressistas possam ter oportunidade de
verificar a reforma do ensino em pleno
funcionamento.
EDUCADORES EVANGÉLICOS
RECONHECEM PRIORIDADE
A ESCOLA PUBLICA
Reunidos em Congresso, efetuado no Colégio
Bennett do Rio de Janeiro, de 21 a 24 de
julho, educadores evangélicos estudaram o
Pro-jeto de Diretrizes e Bases, aprovando
estas conclusões:
a) Sentindo sua responsabilidade perante
os imperativos da sua própria consciência de
educadores cristãos sobre quem pesa o sagrado
dever de velar pelos altos interesses da
educação em todos os seus graus; b)
convencidos de que a preservação da liberdade
e dos direitos fundamentais do homem, que,
segundo o testemunho da História, foram
alcançados à custa de tantos sacrifícios,
conduzirá ao exercício consciente dos direitos
e deveres de uma verdadeira cidadania; c)
confiantes no valor da obra dos verdadeiros
educadores que, pela cultura, pela
competência e pelo exemplo, podem inculcar
no espírito da criança e do jovem as mais le-
gítimas e nobres aspirações visando à
grandeza da Pátria, sobretudo no sentido
intelectual e moral; d) afirmando sua alta
apreciação e reconhecimento pelo esforço
dedicado e sincero e pela contribuição valiosa
de inúmeros educadores de todos os credos e
filiações filosóficas que
têm opinado sobre o problema de bases e
diretrizes da educação nacional; e)
manifestando o seu apreço pelo trabalho
da Comissão de Educação e Cultura da
Câmara de Deputados Federais de que
resultou o Projeto de Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional ora em
tramitação no Senado Federal, o qual
contém, sem dúvida nenhuma,
dispositivos de inegável valor,
merecedores de todo aplauso, prin-
cipalmente aqueles que exaltam os
direitos do indivíduo e da família; f)
encontrando, todavia, no Projeto alguns
pontos que são contraditórios com
aqueles dispositivos sadios e que
ameaçam a própria salvaguarda dos
mesmos princípios que se propõe
defender, mas convencidos de que os
nobres e esclarecidos Senhores Senadores
da República certamente se dedicarão a
escoimar o Projeto de suas falhas e a
aperfeiçoá-lo de maneira que sirva me-
lhor aos altos e justos fins a que se
destina; g) e, ao mesmo tempo, firmados
no fato de que a contribuição das escolas
e dos educadores evangélicos ao combate
sem tréguas levado a efeito contra o
analfabetismo e a favor da educação da
juventude lhes confere não só o direito,
mas até mesmo o dever de oferecer a este
assunto a cont~ibui-ção do seu
pensamento, fazem sentir, mui
respeitosamente e dentro do mais elevado
espirito cívico e patriótico, ao povo
brasileiro e aos poderes constituídos, a
necessidade imperiosa de algumas
emendas que, sem dúvida, hão de dar ao
Projeto contextura mais perfeita e mais
consequente com seus altos objeti-vos.
1. Seria aconselhável que a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional
não descesse a pormenores, que lhe dão
caráter de regulamento, mas se limitasse
a estabelecer linhas mestras de direção e
disciplina dos sistemas de ensino.
2. Para coibir abusos, o Projeto
deve incluir, no artigo 1º, o seguinte
parágrafo único que figurou em projetos
anteriores: Não se permitirá tratamento
desigual por motivo de convicção
religiosa, filosófica ou política, bem
como por preconceitos de classe e de
raça.
3. Como representantes de Escolas
Particulares, entendemos que a
subvenção referida na letra a do artigo 95
deverá cair, permanecendo, como forma
de auxílio dos poderes públicos a alunos,
as modalidades de bolsas e
financiamento referidas, respectivamente,
nas letras o e 6 do artigo 94, e, para as
Escolas Particulares, deverá permanecer
a forma de auxílio, como estatuída na
letra c do artigo 95.
4. A excessiva autonomia do
Conselho Federal de Educação que, na
maneira de ser constituído, pode sofrer a
interferência de influências
político-partidárias nocivas aos vitais
interesses da educação democrática da
nossa juventude, deverá ser muito
ponderada pelos ilustres Senadores da
República.
5. Propomos a mudança do no
me do Conselho Federal de Edu
cação para Conselho Nacional de
Educação que, ao invés de ser ór
gão deliberativo, deve ser órgão
técnico-consultivo, constituído de es
pecialistas em educação, nomeados
pelo presidente da República.
6. Para que não se dê ensejo a
desvios dos recursos financeiros que a
Constituição determina sejam aplicados
na manutenção e expansão da Escola
Pública, reivindicamos a modificação
substancial do inciso segundo do artigo
que. tratando do direito à educação,
diz: "pela obrigação do Estado de for-
necer recursos indispensáveis para que a
família e, na falta desta, os demais
membros da sociedade se desobriguem
dos encargos da educação, quando
provada a insuficiência de meios, de
modo que sejam asseguradas Iguais
oportunidades a todos".
Os educadores evangélicos do Brasil,
muitos deles diretores e professores de
Escolas Particulares confessionais, são
pela prioridade explícita da Escola
Pública democrática, porque reconhecem
nela um dos princípios básicos e
alicerçais da democracia.
São, também, pela Escola Particular,
confessional ou não, quando esta, como
a Escola Pública, esteja imbuída do
verdadeiro espírito democrático que
anima as nossas mais puras e pujantes
tradições republicanas.
Defendem a prioridade específica da
Escola Pública democrática, por
princípios e aspirações respeitáveis, e
não por serem con-tários aos legítimos
direitos e às legítimas aspirações da
Escola Particular.
São, às vezes, contrários a certas
pretensões de determinadas Escolas
Particulares pelos mesmos motivos e
razões por que às vezes são contrários,
também, à própria Escola Pública, isto é,
quando a Escola
Pública, deixando de ser democrática,
não ministra ensino idôneo e austero,
permitindo, também odiosa
discriminação racial religiosa e
ideológica entre alunos e professores.
A Escola Pública, autenticamente
democrática, é aquela que de-senpenha a
nobre função de plasmar personalidades
austeras, livres da ignorância e do
fanatismo, entusiastas pela Liberdade e
pelo Direito, integrando, assim, e
tornando possível, a comunidade nacional
realmente democrática e soberana. O
Evangelho de Cristo proclama princípios
que inspiram, definitivamente, as bases e
as diretrizes de uma educação realmente
democrática e cristã: a) o ensino
obrigatório, público, universal e gratuito;
b) a afirmação intransigente da
fraternidade e da solidariedade humanas;
c) a liberdade de consciência individual;
d) a igualdade de todos os cidadãos
diante da lei e dos credos confessionais
perante o Estado; e) a formação moral o
espiritual da personalidade humana de
acordo com os supremos padrões do
Evangelho de Cristo; f) a afirmação,
enfim, da mentalidade democrática nos
indivíduos, nas leis, nos costumes e nas
instituições.
As Escolas Particulares que pro-
fessam os mesmos princípios da Escola
Pública autenticamente cristã e
democrática, merecem todo apoio e
ajuda não só do Estado Democrático
como também das consciências livres e
esclarecidas.
Diante da realidade social da
civilização ocidental contemporânea, é a
Escola Pública o instituto que melhor
representa o esteio e os fun-
damentos das nobres aspirações de-
mocráticas do espírito humano. Cabe-lhe,
portanto, a prioridade manifesta e o
comando explícito nas árduas e elevadas
atividades educacionais dos povos
democráticos. A realização efetiva da
verdadeira democracia é, sempre,
privilégio e dever dos povos generosos e
das nações cultas. E este é, ao ver dos
educadores evangélicos, o glorioso
destino do Brasil. E tudo de acordo com
os princípios de liberdade e dos altos
ideais de solidariedade humana,
proclamados na luminosa apresentação
vestibular do próprio Projeto que fixa as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
ora em apreço.
PROFESSORES PAULISTAS ANA-
LISAM O PROJETO APROVADO
A direção e corpo docente do "Inst. de
Educação Alberto Comte", so-
lidarizando-se com, a Campanha em
Defesa da Escola Pública, en-
caminharam ao Senado este do-
cumento que propugna nova for-
mulação da Lei de Diretrizes e Bases:
O ESTUDO
É do seguinte teor o estudo do Projeto
nº 2.222-C de 1957, elaborado pelos
professores do Instituto "Prof. Alberto
Comte".
TITULO I — Dos fins da Educação
Nada a opor. Fins democráticos.
TITULO II Do direito à Educação
Art. 3º — Causa espécie; como
poderá a liberdade de iniciativa par-
ticular assegurar um direito? — Poderá
oferecer meios para tornar-se efetivo,
entretanto, jamais o garantirá.
TITULO III Da Liberdade do
Art. 4º — Preocupa-se a lei com a
possibilidade de o Estado monopolizar o
ensino. Um ligeiro estudo da realidade
brasileira jamais permitiria tal
preocupação. Nunca o Estado Brasileiro
monopolizou o ensino, quer no âmbito
federal, estadual ou municipal; ao
contrário, sempre permitiu, amparou e
incentivou tal iniciativa. O Estado tem
monopolizado apenas as verbas públicas
— que têm sido aplicadas no sistema pú-
blico de ensino.
Art. 5º — A lei passa a garantir,
explicitamente, nos estabelecimentos
particulares, ao lado dos públicos —
"representação adequada nos Conselhos
Estaduais" e mais, validade para todos os
fins aos estudos realizados em quaisquer
Colégios. Continua a preocupação dos
legisladores de amparar a escola
particular, mesmo ingenuamente, pois,
sempre foram reconhecidos válidos
legalmente os cursos cumpridos em
escolas particulares oficializadas.
TITULO IV — Da Administração
do Ensino
Neste capitulo, o projeto altera
profundamente a organização admi-
nistrativa do sistema educacional, ao
indicar as atribuições do Conselho
Federal de Educação que, de
órgão cooperador do Ministério da
Educação e consultivo, passa a ser
deliberativo, cabendo por sua vez ao
Ministério da Educação dar cum-
primento às decisões do conselho.
Temos, assim, constituído um
"superministério" ou uma espécie de
inteligência do Ministério da Educação,
que passará a ser a suprema autoridade
administrativa, no campo educacional.
O Conselho Federal de Educação
será composto de 30 membros.
Cada unidade da federação indicará
através do Conselho Estadual de
Educação um membro, sendo os demais
de livre nomeação do Presidente da
República. Ora, se nos Conselhos
Estaduais está garantida a representação
adequada das escolas públicas e
particulares, teremos a possibilidade de a
maioria dos membros do Conselho Fe-
deral ser formada da mentalidade da
administração particular.
Entre as atribuições desse "su-per-
Ministério" está a aplicação dos recursos
federais destinados ao financiamento da
educação através do sistema de ensino
público e particular.
TITULO V Dos Sistemas do
Ensino
Art. 18 — Será recusada matrícula
gratuita ao aluno reprovado mais de uma
vez. Hoje temos recusado simplesmente
a matrícula, porque na escola pública o
ensino é para todos gratuito.
Pretenderá a lei, mediante o pa-
gamento de anuidades, que se matricule
um aluno que irá pela sua in-
capacidade não só comprometer todo o
trabalho educacional, mas também
ocupar o lugar que poderá ser atribuído a
um educando mais capaz?
Art. 19 — Repete-se a preocupação
de garantir direitos já consagrados por
leis, regulamentos e tradição.
Art. 21 — Admite a possibilidade da
criação de escolas "públicas autónomas",
financiadas inclusive pelo Estado e
que cobrem anuidades.
Este artigo contraria frontalmente um
dos traços mais característicos e
tradicionais do nosso sistema de ensino,
pois altera o conceito de escola pública
que até agora significou principalmente
gratuidade. O sentido de escola pública
foi aqui limitado.
Do Ensino Primário
Art. 30 — Ê incoerente; pois a
escola primária é obrigatória, como
poderá existir o item b?
De inicio, os legisladores admitem a
possibilidade de não haver escolas? Para
haver obrigatoriedade é necessário
existirem meios de torná-la efetiva.
Incoerente também é o item a, se
acreditarmos na subdivisão — II do art.
3º, Do Direito à Educação. Parece que
nem mesmo os srs. legisladores vêem a
possibilidade do Estado fornecer recursos
às famílias necessitadas e, portanto, a
viabilidade de uma educação destinada a
atingir a massa, fora do sistema público e
gratuito como temos hoje.
Art. 31 — Se as empresas parti-
culares são obrigadas a manter ensino
gratuito para servidores c seus
filhos, por que isentar o Estado
dessa responsabilidade?
Art. 26 — Estipula o ensino primário
de 4 séries podendo esten-der-se até 6
séries. Procura garantir mais dois anos
de escolaridade para os que cursarem só
a escola primária.
Os artigos 30 e 31 garantem sub-
terfúgios que permitem ao Estado isentar-
se da responsabilidade de Educação. Fato
este absolutamente novo na História da
Educação moderna. Quando cada vez
mais chamam os Estados a si o dever de
educar, o nosso, através do pensamento
dos srs. deputados, abre mão desse dever,
peca pela ausência.
Deixar de prover escolas para todos
é faltar ao cumprimento da mais
elementar das obrigações do Estado
moderno e é, principalmente, ferir um
dos mais legítimos direitos do homem
que é o Direito à Educação.
TITULO VII Do Ensino de
Grau Médio
O projeto mantém a subdivisão dos
ciclos: 1º e 2º, estendendo os nomes
ginásio e colégio às demais escolas de
grau médio que não as de formação geral.
Assim, em vez de escola técnica de
comércio, teremos colégio comercial, em
lugar de escola agrícola, teremos ginásio
agricola etc
O projeto altera os currículos que
passarão a ser constituídos de
"disciplinas e práticas optativas", sendo 5
obrigatórias indicadas pelo Conselho
Federal de Educação, e cabendo ao
Conselho Estadual in-
dicar até 9 as obrigatórias e optativas.
Do Ensino Secundário
Obedecendo às determinações gerais
para o grau médio, o ensino secundário
terá matérias optativas que, segundo a
escolha dos estabelecimentos de ensino,
conduzirá o ensino a diferentes
currículos.
Principal alteração de ordem técnica
é a redução das disciplinas no curso
ginasial: 9. Assim sendo: não poderão
ser ministradas menos de 7 nem mais de
9 disciplinas em cada série, das quais
uma ou duas optativas e de livre escolha
do estabelecimento de ensino.
Resumo: 9 disciplinas, 5 — Cons.
Federal; 2 — Cons. Estadual; 2 —
Estabelecimento de Ensino.
No curso colegial o número de
disciplinas será 8, além das práticas
educativas, sendo 5 no mínimo e 7 no
máximo em cada série, das quais uma
ou 2 optativas.
A 3º série do curso colegial, de
currículo diversificado visando cursos
superiores, poderá ser ministrada em
colégios universitários, junto às
escolas superiores.
A articulação do curso primário com o
ginásio se fará como tem sido até hoje,
do 4º ano para a 1º série através do
exame de admissão e de 6º ano à 2º série
mediante exames das disciplinas
obrigatórias da 1º série.
CAPITULO III Do Ensino
Técnico
Mantêm a mesma organização
atualmente existente, apenas altera
o nome das escolas que passarão a
chamar ginásio comercial, industrial,
colégio, agrícola etc.
Os cursos de enfermagem e serviço
social, educação física, música não são
objetos de estudo dos legisladores que
declaram no parágrafo único do art. 47:
"Os cursos técnicos de nível médio não
especificados nesta lei, serão
regulamentados nos diferentes sistemas
de en-sino".
Art. 50 — Cria cursos de mestria
que já existem.
Art. 51 — Refere-se ao SENAI, que
funciona sob o regime de autarquia
federal.
Art. 49 — Já existem matérias
comuns às do ginásio, no ensino técnico
de 1º ciclo.
A novidade aparece no parágrafo 4º
com a criação de curso de 1 ano entre o
1º e 2º ciclos do ensino médio
denominado pré-técnico que ministrará
as 5 disciplinas do curso colegial
secundário. Pode-se discutir o nome,
pois é um curso de formação geral.
CAPITULO IV Da formação do
Magistério para o Curso Primário
e Médio
Em linhas gerais, também consagra
a estrutura prevista pela Lei Orgânica do
Ensino Normal de 1946, alterando
nomes como fèz com os demais cursos
técnicos: a escola normal passará a ser o
colégio normal e o curso de regentes
passará a ser o ginásio normal.
Art. 59 — Permite aos Institutos de
Educação formar professores para escola
normal, o que é passível de
crítica, pois tenderia a baixar o nível de
ensino.
Para tanto já existe uma escola
especializada que tem correspondido às
expectativas: a Faculdade de Filosofia.
Art. 58 — Altera o sistema do ex-
Distrito Federal, hoje Estado da
Guanabara, que recruta professores para
o magistério oficial só dentre os
formados pelas escolas oficiais: o
Instituto de Educação e a Car-mela
Dutra.
TITULO VIII
Arts. 62, 63 e 64 — Considera bem
o problema da formação de orientadores.
Pois deverá cumprir cursos na Faculdade
de Filosofia para o secundário e nos
Institutos de Educação para o
primário.
Art. 65 — Quanto aos inspetores é
mantido o sistema atual: concurso e
carreira.
TITULO IX Do Ensino de Grau
Superior
As finalidades e a estrutura dos
cursos superiores também são mantidas.
Art. 70 — Atribui ao Conselho
Federal a autoridade para fixar currículos
e duração dos cursos superiores que já
têm extensão consagrada pela tradição e
resultados obtidos.
A autoridade administrativa suprema
para o ensino superior será o Conselho
Federal e em certos casos os Estaduais
(VI do art. 75, § 3º do art. 74, § 4º, VII,
do art. 75).
12
CAPITULO II Das Universidades
Art. 79 — A lei deveria prever pelo
menos 2 ou 3 dos estabelecimentos que
integrariam com a Faculdade de
Filosofia ama Universidade.
§ 1º — Crítica: Se são escolas ou
faculdades especializadas, não precisam
constituir uma Universidade. A
orientação de estudos numa só direção
constitui Universidade?
Art. 79, § 3º - Cria o Colégio
Universitário que corresponde ao 3º ano
colegial.
Funcionará junto às Universidades.
Possuirão as Faculdades de Filosofia
particulares todas as condições técnicas
pedagógicas e de formação moral idónea
para fazerem exames objetivos?
CRITICAS
Do ponto-de-vista da administração do
ensino
A grande novidade do projeto 2.222-
C é a mudança das atribuições do
Conselho Federal de Educação e a
criação dos Conselhos Estaduais, que
serão, respectivamente, na Federação e
nos Estados, os órgãos de autoridade
suprema, nos assuntos educacionais. Ora,
dada a constituição desses Conselhos,
"garantida" a adequada representação de
estabelecimentos oficiais e particulares",
haverá a possibilidade de termos
dirigindo os negócios da educação
nacional técnicos formados na
mentalidade da administração
particular, cujos objetivos são outros e
não os da empresa pública.
Os estabelecimentos particulares
podem ser classificados em laicos e
confessionais e seus objetivos são
respectivamente a obtenção de lucros ou
adeptos para determinada crença: a
educação a que é um meio.
Técnicas administrativas, que visam
fins fora do processo educativo, não
serão as mesmas da escola pública, onde
educar é a própria finalidade do ensino,
independente das preocupações de lucro
ou do número dos adeptos.
A escola pública procura dar
formação geral ou preparo técnico
especializado através de processos
técnicos e administrativos, que procuram
estender a todos o direito à educação.
Perguntamos: Terão os adminis-
tradores formados na mentalidade de
uma empresa que se dirige para uma
clientela selecionada competência para
gerir os negócios da educação nacional,
que se deve preocupar com todos?
QUANTO AO FINANCIAMENTO
DA EDUCAÇÃO
Mais perigoso ainda que o com-
prometimento das técnicas admi-
nistrativas, será a possibilidade de
permitir que a aplicação dos recursos
públicos seja feita por pessoas que
integram o sistema particular de
ensino.
Se o Conselho Federal decide a
dotação global das verbas públicas dada
a sua constituição, é claro que elas serão
canalizadas inclusive ou
talvez, principalmente, para os es-
tabelecimentos particulares.
Ainda, o projeto prevê mesmo
diretamente o financiamento de tais
estabelecimentos e a concessão de bolsas
para estudantes de qualquer escola.
Teríamos então um duplo custeio do
ensino — via financiamento di-reto —
ao colégio e via anuidades pagas pelo
estudante. Ora, a oportunidade desse
duplo finaciamento é altamente
discutível.
Se as escolas públicas, oficiais,
gratuitas têm-se revelado melhores que
as particulares, por que não aplicar todos
os recursos econômicos na ampliação de
sua rede, permitindo assim atender a
todos os educandos, em idade escolar?
Se constatamos, facilmente, em nosso
regime político a existência de resíduos e
mesmo de acentuados traços de
patrimonialismo, indagamos: não será
perigoso tentar financiar a educação
através da concessão de bolsas pelos
Conselhos Federal e Estaduais, que
provavelmente serão integrados por
políticos ou pessoas politicamente
manejáveis? Processos, inquéritos e
mesmo escândalos divulgados pela
Imprensa e verificados, quando da distri-
buição de bolsas, no regime atual, têm
constatado a precariedade desse meio.
Tentando prever as consequências
da aprovação desse projeto pelo Senado,
tomando um prazo mais longo, teríamos
o declínio do sistema público de ensino,
pois ficaria em desigualdade de
condições para competir com o particular
duplamente financiado.
Tal tendência contraria a dire-ção do
desenvolvimento histórico do
sistema de ensino, na República, que tem
sido sempre no sentido de estender a um
maior número os privilégios da
educação.
Do ponto-de-vista da escola par-
ticular, a renovação também não nos
parece de todo interessante, para o
financiamento a lei exigirá qu3 não
restrinja a clientela; perguntamos: não
será esta exigência uma real agressão à
liberdade de ensino preconizada pela
Constituição?
QUANTO AO PONTO-DE-VISTA DAS
CONSEQUENCIAS SOCIAIS
É fácil constatar que a escola
particular dada a sua natureza não se
destina a um público grande, ao
contrário, ela existe para uma clientela
selecionada quer por determinado credo,
quer por determinados recursos
econômicos e privilégios sociais; isto é,
ela existe para certas classes.
Cursos particulares primários são
raros. Na Capital do Estado cerca de
80% são públicos, no Interior raramente
existe uma escola de primeiras letras
particular, e na zona rural está
completamente ausente.
Os cursos de grau médio, prin-
cipalmente o colegial, só existem para
classe média e burguesia e os de nível
superior limitam sua clientela pelo custo
de suas anuidades.
Aprovada a Lei de Diretrizes e
Bases, perguntamos: que escolas
providas a educação do proletariado e
mesmo de grande parte da classe média
que estuda graças aos colégios
públicos?
Ainda que o Estado conceda bôlsas-
de-estudo, não serão as con-
dições sociais limites mais intrans-
poníveis que o pagamento das anui-
dades?
Note-se a situação humilhante dos
alunos que estudam por caridade nos
colégios particulares e teremos muito das
diferenças que se estabelecerão entre os
que pagam dos cofres próprios e os que
são financiados pelo Estado. Há deter-
minados colégios tão aristocráticos que
só determinadas elites econômicas
e sociais podem frequentá-los.
Enfim, um estudo mais penetrante
da realidade social brasileira das
consequências da aplicação do projeto
nos permitiria afirmar que o mesmo
tende a cristalizar uma ordem existente e
delimitar ainda mais as barreiras entre as
camadas sociais.
DO PONTO-DE-VISTA
POLITICO-FIL0SOFICO
A definição de fins é altamente
democrática, mas os meios, pelos quais o
projeto pretende alcançá-los, não o são.
Basearam-se os legisladores num
ingénuo liberalismo ultrapassado, que
pretendia abstive-se o Estado, de manter
um sistema oficial de ensino.
Entretanto, o liberalismo dos nossos
legisladores é ainda mais ingénuo, pois
ao adotar medidas que previnem o
monopólio do ensino pelo Estado, ainda
preconizam outras, mediante as quais, o
Estado passa a financiar outros sistemas
de ensino, que não o seu.
Afinal, para estes liberais o que o
Estado não pode é dispor das
verbas públicas para educar aqueles
que têm obrigação de educar.
Revelam também os srs. legisladores
ignorância da nossa história da educação,
pois nunca a República monopolizou o
ensino, nunca cerceou a iniciativa
particular, ao contrário. sempre
amparou-a, chegando a permitir a
existência deste projeto, que tem a
pretensão de destruir para a comunidade
brasileira uma das características
essenciais do Estado moderno, que é a
função educacional.
A própria história da educação está a
indicar nos países ocidentais e mesmo
orientais do Velho Mundo o
desenvolvimento nesse sentido: o Estado
cada vez mais chama a si a
responsabilidade de educar, mas nossos
legisladores pretendem contrariar essa
tendência.
Tornadas efetivas as disposições do
projeto 2.222-C, o Estado Brasileiro
pecará por eximir-se da responsabilidade
de educar, confundindo direito à
liberdade de ensino com obrigatoriedade
de prover educação para todos.
O Estado que se ausentar é um
Estado criminoso, que em nome de uma
falsa concepção liberalista deixa de
atender a um dos principias mais
fundamentais para a garantia da
dignidade humana, que é o direito à
educação.
Ainda, tornadas efetivas as dis-
posições do projeto 2.222-C não será
atingida a máxima democrática de
igualdade de oportunidade para todos,
pois só a escola pública gratuita e laica
está em condições de poder educar a
todos igualmente.
Nunca se indagou de um candidato a
uma escola oficial seu credo,
a côr de sua pele, sua origem étnica, suas
posses ou classe, apenas se verificou a sua
capacidade para fazer o curso.
Somente a escola pública tem podido
desenvolver o ideal de liberdade de ensino,
permitindo o cotejo das teorias diversas no
exame de todas as posigões, mas principal-
mente a escola oficial, com uma frequência
realmente pública por ser gratuita, permite a
mais completa experiência que se pode
oferecer ao educando.
O convívio de pessoas provenientes de
grupos étnicos, confissões religiosas, classes
diferentes, fornece ao aluno a prática mais
próxima da vida democrática, que pretendemos
que eles vivam. Só ela permite exercitar o
respeito às crenças e opiniões alheias e a
dignidade do homem, qualquer que seja a sua
formação. Só ela permite a convivência de
ricos e pobres, brancos e negros, católicos e
protestantes num clima de mútuo respeito pela
pessoa e dignidade humana como quer o ver-
dadeiro conceito de liberdade e democracia.
UNIVERSIDADES CATÓLICAS
DEFINEM RUMOS
O V Congresso das Universidades Católicas,
realizado no Rio de Janeiro na segunda
quinzena de agosto, aprovou as seguintes
conclusões:
a) Necessidade de formação de
professores que sejam verdadeiros
especialistas em ciências sociais e
administrativas, para que a vida
pública, em todos os seus quadros possa
contar com a colaboração de católicos
competentes. E de grande importância a
presença de especialistas católicos nos
organismos científicos internacionais, a fim
de fazer sentir o aspecto humano das apli-
cações científicas.
Assim sendo, há conveniência de
encontros do representantes de Universidades
Católicas da América Latina, para o
estabelecimento e organização de cursos
destinados a prover a estas necessidades.
b) Acentuar o aspecto humano
das ciências e o espírito científico
no estudo das humanidades para
que se evite a unilateralidade, em
ambos os campos.
Formar professores de Filosofia das
Ciências, capazes de falar tanto a linguagem
da Filosofia quanto a das Ciências.
c) Não é aceitável uma plani
ficação total do ensino, de modo a
tolher a iniciativa das Universida
des. Todas elas têm o direito e
o dever de julgar e escolher os
meios necessários para a execução
de suas tarefas.
No provimento e ampliação das
Universidades Católicas, convém respeitar o
estabelecimento das seguintes normas: 1)
Procurar que a seleção se faça pela exigência
de preparo suficiente, evitando a seleção
baseada em níveis econômicos. 2) Só fundar
Faculdade, quando se dispuser de corpo
suficiente de professores competentes.
d) A Universidade Católica de
ve ser, essencialmente, uma Univer
sidade e jamais um simples meio de
ação confessional, na linha da defi-
nição do Cardeal Newman, quando dizia
que a Universidade Católica não visa a
promoção da piedade mas o
desenvolvimento da inteligência, à luz da
fé cristã.
A Faculdade de Teologia, aberta a
todos, não deve visar apenas ministrar
cursos de formação teológica, mas
promover pesquisas sobre problemas
religiosos. Onde não houver essa
Faculdade deve existir, pelo menos, um
Instituto de Cultura Religiosa.
e) São necessários o intercâmbio e a
colaboração de professores de
Universidades neutras e católicas e, com
esta finalidade, o se-cretário-geral da
Federação fica encarregado do
levantamento de um fichário destes
especialistas pertencentes não somente às
Universidades mas às instituições
cientificas, em geral.
O ENSINO MÉDIO NO BRASIL
Consoante dados recentemente
divulgados pelo Serviço de Estatís-ca do
Ministério da Educação e Cultura, a
matrícula do ensino médio elevou-se, em
1959, a 1.076.201 alunos, o que
representa o dobro do total alcançado
há dez anos,
No que se refere à distribuição pelos
cursos, o maior índice coube ao
secundário (73,8%), dada a afluência ao
primeiro ciclo (ginasial) que permite
acesso aos demais cursos médios; segue-
se o comercial com 16%, o normal com
7,6%, o industrial com 2,1% e o agrícola
com 0,5%. Tomando o ano de 1950 para
termo de comparação, coube ao en-
sino normal o aumento mais significativo
(144%), seguindo-se o comercial
(125%), o secundário (95%), o agrícola
(27%) e o industrial (15%).
Quanto à localização, os quatro
Estados — Guanabara, Minas Gerais,
Rio G. do Sul e São Paulo —
concentravam mais de metade dos
alunos, isto é, 681.500, representando
63,3% do total, distribuídos os restantes
500.942 pelos demais Estados e
Territórios.
Para atender a esses índices, havia
cerca de 6.348 unidades escolares, em
que lecionavam 67.214 professores,
sendo 42.300 particulares, 18.751
estaduais, 3.167 municipais e 2.996
federais.
A REALIDADE EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Promovido pelo Centro Universi-
tário de Estudos Pedagógicos "Roldão
Lopes de Barros", realizou-se na
Biblioteca Municipal de S. Paulo, entre
27 de agosto e 15 de outubro, curso de
extensão universitária destinado a
professores e diretores de
estabelecimentos de ensino, estudantes
de escolas superiores sobre o tema
"Introdução à realidade pedagógica
nacional".
O ciclo de conferência teve início
com a palestra do Prof. Laerte Ramos de
Carvalho — "Visão histórica da
educação no Brasil". Se-guiram-se as dos
professores Lou-rival Gomes Machado
— "A política educacional brasileira",
Roque Spencer Maciel de Barros — "
educação e a liberdade num pais de-
mocrático", Florestan Fernandes — "A
escola e seu papel na comunidade
brasileira", Maria José Garcia Werebe —
"A escola primária e sua função no
desenvolvimento nacional", Carlos
Corrêa Mascaro —
"Financiamento escolar no Brasil", José
Querino Ribeiro — "O sistema
educacional brasileiro" e por último o
Prof. Almeida Júnior, comentando "A
atualidade educacional do Brasil".
INFORMAÇÃO DO ESTRANGEIRO
ASSISTÊNCIA A PESQUISA NOS PAÍSES
SUBDESENVOLVIDOS
Reconheceu a UNESCO, desde sua
fundação, que uma de suas tarefas primordiais
era contribuir para a formação de professores,
pesquisadores e técnicos nas regiões afastadas
dos centros científicos tradicionais. Assim,
foram criados quatro centros de cooperação
cientifica: o da América (em Montevideu), o
do Oriente-Médio (no Cairo), o do Sul da Ásia
(em Nova Delhi) e o do Sudeste Asiático (em
Djakarta). Na época de sua criação, estes
centros foram encarregados de preencher
lacunas de informação científica, decorrentes
de vários anos de guerra.
Desde então, têm sido organizados cursos
de aperfeiçoamento e treinamento, seminários
para elevar o nível científico dos países sob
sua influência. Assim é que cerca de quarenta
cursos e sessenta estágios foram promovidos
no decorrer dos últimos anos, deles
participando mais de 3.000 bolsistas de
sessenta países.
No programa geral de assistência técnica,
a UNESCO auxiliou os Estados-membros a
desenvolver seus planos de pesquisa. Durante
as visitas realizadas por seus representantes
foram ministradas instruções de ordem geral
sobre a criação de centros nacionais de
pesquisa científica e relativas à prioridade que
se
deveria atribuir a certas especializações,
capazes de estimular em breve período de
tempo o interesse da população pelo
desenvolvimento econômico
do país.
Além disso, foram enviados especialistas
para estágios mais prolongados (de dois o três
anos), com o objetivo de colaborar na criação
de novos departamentos em instituições já
existentes. Desse modo, em numerosos países,
os especialistas contribuíram para o
desenvolvimento da física nuclear, criaram es-
colas para estudos dos raios cósmicos, da
física de atmosfera cu da física de baixas
temperaturas. Foram empreendidas pesquisas
de química industrial, como as relativas à
micranálise, às variações de calor ou à
celulose. Muitas universidades têm solicitado
a participação desses especialistas no estudo
de deriva-doi-ativos de plantas medicinais en-
contradas na região.
No entanto, o trabalho de maior alcance
consistiu na criação, em todos os ramos da
ciência, de instituições ou serviços que ainda
não existiam na prática. Estão nesse caso os
centros de documentação científica e técnica,
que visam oferecer aos cientistas
documentação atualizada sobre as últimas
realizações da pesquisa. Esses centros, que
recebem os mais importantes periódicos,
publicam boletins mensais, preparam
bibliografias e traduções,
fornecem sob encomenda reprodução
fotográfica de artigos. A UNESCO colaborou
na instalação de órgãos semelhantes no
México, Índia, Iugos-lávia, República Árabe
Unida e Paquistão. Serviços análogos,
embora menos completos, funcionam com sua
assistência no Uruguai, Birmânia e Filipinas.
Encarregou-se a Unesco igualmente de
ajudar os Estados membros a uma melhor
utilização do equipamento cientifico
importado, sendo organizados, com essa
finalidade, centros em que funcinam se-ções
de óptica, mecânica de precisão e eletrônica.
Grupos de especialistas conseguiram
promover centros de pesquisa pura e aplicada,
ou dar um novo ritmo a centros até então
estacionários. Desse modo, conse-guiu-se
ampliar observatórios de geofísica, de
sismologia ou serviços geológicos e
hidrogeológicos. Ao fim de quatro ou cinco
anos de cooperação, o funcionamento desses
centros estará a cargo de cientistas de cada
país.
Sempre que possível, foram concedidas
bolsas destinadas â formação de especialistas
em setores diversos da atividade cientifica. De
julho de 1950 a dezembro de 1959, a
UNESCO havia formado 120 especialistas e
fornecido equipamento no valor de 6S0.000
dólares.
CONFERÊNCIA MUNDIAL DE
EDUCAÇÃO DE ADULTOS
Promovida pela UNESCO de 22 a 31 de
agosto último, com sede em Montreal, a
Conferência aprovou o seguinte projeto de
declaração:
Com a geração atual, a destruição da
humanidade e a conquista do
espaço sideral tornaram-se tecnicamente
possíveis. Tomamos conhecimento de
admiráveis realizações do progresso técnico.
Novos métodos industriais, novos meios de
comunicação se difundem pelo mundo inteiro;
a industrialização e a urbanização alcançam
regiões até ha pouco ainda rurais e agrícolas.
As transformações que se vão refletir em
nosso modo de vida na última fase do século
atual não serão apenas de ordem técnica. Em
grande parte do mundo, a população cresce
em ritmo acelerado. Formam-se novos
Estados, e nximerosos são os países que
mantêm boas relações, depois de estarem
alguns anos em campos rivais. Cada geração
tem seu problema particular, mas não seria
exagero dizer que nenhuma das gerações
passadas conheceu transformação
comparável, em rapidez e profundidade, à que
assistimos, constituindo para nós um desafio.
Nosso primeiro problema é o de sobieviver.
Não se trata aqui da sobrevivência dos mais
fortes (aptos); se não sobrevivermos juntos,
juntos pereceremos. Ora, para sobreviver é
preciso que os países aprendam a coexistir na
paz. "Aprender" é aqui a palavra chave; o
respeito mútuo, a compreensão e a simpatia
são qualidades que a ignorância destrói e que
o saber desenvolve. Em se tratando de com-
preensão internacional, a educação de adultos
adquire, em nosso mundo dividido, sentido
novo. Se o homem aprende a sobreviver, verá
surgirem diante de si possibilidades
imprevisíveis de progresso social e bem-estar
pessoal.
Os países da Ásia, Africa e América
Latina, em luta pelo desenvolvimento. têm
seus problemas
específicos; neles a educação de adultos,
juntamente com a alfebeti-zação, constitui uma
necessidade urgente e tão decisiva que é
preciso desde logo ajudar homens e mulheres
desses países a adquirir conhecimentos
teóricos e práticos, graças aos quais hão de
adaptar-se amanhã ás novas formas de vida
social. Dispõem eles de poucos recursos
imediatamente mobilizáveis e suas
necessidades são imensas. Aos países
economicamente favorecidos caberia oferecer
ajuda aos menos dotados, realizando desse
modo um ato de sabedoria política. Com sua
ajuda, o analfabetismo poderia desaparecer
em alguns anos, se uma dessas campanhas,
preparada com, cuidado, fosse lançada de
preferência pela Organização das Nações
Unidas e suas instituições especializadas. Es-
tamos convencidos de que esta é uma ocasião
que não se pode deixar escapar.
A educação de adultos não se impõe
somente aos países em via de desenvolvimento.
Nos países desenvolvidos, torna-se cada vez
mais necessária a formação técnica e pro-
fissional, embora ela apenas não seja
suficiente. Nos países adiantados, a educação
de adultos colo-ca-se entre as mais
importantes necessidades profissionais, ao
lado de conhecimentos técnicos, para que não
se altere o equilíbrio. As múltiplas
necessidades do homem requerem mais que
simples soluções fragmentárias. Constitui um
objetivo dos programas de educação de
adultos dar-lhes unidade. Acreditamos que seu
papel é de tal importância para a
sobrevivência e bem-estar de homem, que se
impõe uma atitude nova diante dela. É preciso
então que a educação de adultos se torne re-
conhecida por todos os povos como fator
normal, e por todos os governos como um
elemento necessário no sistema educacional
de qualquer pais.
SINDICALISTAS VAO A ESCOLA
Os sindicatos da Alemanha Ocidental,
além de organizações de assalariados,
destinadas a defender os interesses de classe,
são também entidades que ministram ensino e
aperfeiçoamento técnico a seus filiados.
Isso é decorrente do estágio atual da
evolução trabalhista na Alemanha, onde os
sindicatos formam um bloco único, compacto,
ao contrário do que ocorria durante o
nazismo. A confederação sindical, como,
isoladamente, os sindicatos, dispõe de escolas
próprias com funcionamento permanente.
Dessas, 27 proporcionam educação política,
transmitindo conhecimentos sobre questões
econômicas, legislação trabalhista e política
social. O programa do maior sindicato da Ale-
manha Ocidental, o "Sindicato de Serviços
Públicos e Transportes", inclui elementos de
direito trabalhista, serviços burocráticos,
operação de gasômetras, centrais terme-
létricas e hidrelétricas, enfermagem,
automobilismo etc.
Tem aumentado consideravelmente a
frequência de operários as escolas dos
sindicatos. Para isso, foram-lhes concedidas
diversas vantagens: alojamento gratuito,
reembolso de salários no período de duração
dos cursos e transporte. Aos que não podem
frequentá-los, foram organizados cursos
por correspon-
dência, sendo muitos deles destinados às
domésticas, fornecendo ensinamentos sobre
higiene do lar, economia doméstica, corte e
costura, modas etc.
Governo, parlamento e instituições
particulares têm prestado todo apoio aos
sindicatos nesse propósito de elevar o nível
cultural da classe operária.
PROGRESSO DA CULTURA NA
RAU
A República Árabe Unida vem
alcançando resultados significativos no setor
educacional, a partir de 1953. O governo da
RAU pôs em prática uma lei que garantiu a li-
berdade e a obrigatoriedade do ensino,
reorganizou o sistema educa-
o primário e permitiu que as crianças
tivessem o mesmo nivel de aprendizado.
Após o período da revolução (1953 a
1951), foram construídas 1.230 escolas, em
media de 21,6 por ano. Estatísticas recentes
demonstram que existem na RAU, atualmente,
13.231 escolas de nivel primário e secundário,
assim distribuídas: Província do Egito
9.934; Província da Síria — 3.297. Eleva-se a
3.21,9.013 o número de estudantes que
frequentam as escola3 primárias e
secundárias. Com relação ao ensino superior,
a República Árabe Unida conta com as
seguintes universidades: Cairo, Alexandria,
He-liópolis, Americana e a islâmica de Al-
Azhar. Foram criados numerosos centros de
cultura popular, bem como instituições
destinadas a combater o analfabetismo.
LIVROS
DIÉGUES JÚNIOR, Manuel — Regiões
Culturais do Brasil, INEP, 1960, Rio,
535 págs.
Editado pelo Centro Brasileiro de
Pesquisas Educacionais, do Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos, do
Ministério da Educação e Cultura,
publicou Manuel Diégues Júnior valioso
estudo sobre as Regiões Culturais do
Brasil, aliás a primeira tentativa
sistematizada que entre nós se faz, para a
respectiva definição e caracterização.
Seu autor estava credenciado para
fazê-la: diretor de Programas do Instituto
de Ciências Sociais da Universidade do
Brasil, professor de Antropologia
Cultural da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, há vários
anos tem-se dedica-cado a estudos
sociais relativos no nosso pais, todos se
distinguindo pela seriedade e acuidade
das pesquisas e conclusões.
Este de que nos ocupamos, re-veste-
se de especial significação: tra-ta-se de
obra indispensável ao melhor
conhecimento de todo o Brasil, através
do exame das características de cada uma
de suas regiões culturais.
A fixação de quais sejam estas,
constituiu, naturalmente, seu primeiro
cuidado. Pesando devidamente todas as
suas considerações, submetendo-as a
uma sempre vigilante autocrítica, doze
regiões culturais brasileiras apresentou
o Sr.
Diégues Júnior em seu minucioso e
sempre claro trabalho. São as seguintes,
na ordem em que foram sucessivamente
expostas no livro: 1
O Nordeste Agrário do Litoral. 2 —
O Mediterrâneo Pastoril. 3 — A
Amazónia, de atividade extrativa. 4 — A
zona de Mineração no Planalto. 5 — O
Centro-Oeste extrati-vista e pastoril. 6 —
O Extremo-Sul pastoril. 7 — As zonas de
Colonização Estrangeira. 8 — As do
Café. 9 — A Faixa Industrial. 10 — A
Zona do Cacau. 11 — As do Sal.
12
As da Pesca.
Basta essa enumeração para que
surjam logo as dúvidas e objeções do
leitor desprevenido, naturalmente levado
a apreciar o assunto mais do ponto-de-
vista puramente geográfico ou do
histórico, que do social. Para esclarecê-
lo, nada será melhor que a afirmação do
autor, segundo a qual cada região cultural
do Brasil se formou como decorrência do
processo de ocupação humana; é um
resultado das relações entre o homem e o
meio — de natureza geográfica —
criando um comportamento próprio, um
modo de vida peculiar, originado da
atividade econômica aí implantada
portanto também de natureza histórica.
Aceita essa preliminar, outra
também merece consideração, a relativa
à diferença, que logo se fêz sentir no
processo da elaboração brasileira, entre o
mºio rural — dos
engenhos e fazendas, e o urbano — das
vilas e cidades. É nesse terreno que o
autor estabelece preferência pela
denominação de sociedade agrária, que
principalmente foi a do Brasil até fins do
século XIX, e "não apenas patriarcal e
escravocrata, que são as outras duas ca-
racterísticas que Gilberto Freyre vê nessa
sociedade em formação" (pág. 86). Isto,
sem prejuízo da justa e confessada
influência do sociólogo de Pernambuco,
cuja obra permitiu o aparecimento, no
país, de seguidores da importância e do
mérito de Diégues Júnior. E também com
a observação de já se encontrar superado,
no presente século, o referido agrarismo
brasileiro, antes predominante, quando se
verificava "o domínio do rural sobre o
urbano, a predominância da vida agrária
sobre a da cidade, a importância do se-
nhor da terra sobre o comerciante" (pág.
77).
Se merece inteira aceitação a fixação
de uma região dedicada ao "Nordeste
Agrário do Litoral", alguma dúvida já
ocorrerá quanto ao chamado
"Mediterrâneo Pastoril". Trata-se da
imensa região que, grosso modo,
diríamos apenas sertaneja, caracterizada
pela criação de gado. Acreditamos que o
próprio autor não tenha julgado
definitiva aquela designação, pois
quando enumerou as doze regiões
culturais, na Introdução do volume, ao
chegar a este ponto mencionou um
"Nordeste Mediterrâneo", que decerto
abandonou por saber que não só o
Nordeste está aí compreendido.
Gostaríamos, porém, de outra palavra
que substituísse o dúbio "Mediterrâneo",
mas não chega a ser isso uma
divergência.
E exatamente a respeito desse imenso
sertão que não é apenas nordestino que o
autor muito bem fixou a criação de gado
como principal motivo do povoamento
regional: "Das águas do São Francisco, as
levas povoadoras dispersam-se como que
em forma de leque: seguem umas para o
sul, encontran-do-se no Alto São
Francisco com as que venham de São
Paulo, outras dirigem-se para o norte,
incli-nando-se depois de certo ponto em
sentido este, enquanto, ainda na direção
norte, outras se encaminham para o
interior maranhense; mais uma leva toma
o caminho do oeste, indo penetrar nas
terras hoje goianas. Caminhos numerosos
vão-se abrindo nessas direções, e, por
eles, as boiadas se espalham no me-
diterrâneo nordestino" (pág. 41). Ê
também com inteira razão que &
propósito assinalou Diégues Júnior que
"quando a penetração paulista atingiu o
Vale do São Francisco, em pleno sertão,
já o encontrou ocupado pelas fazendas de
criadores pernambucanos e baianos" (pág.
144). E a seguir registrou algumas das
passagens de gado do São Francisco, que
existiram entre a foz do Carinhanha e
Penedo (págs. 145/146). Nem deixou de
assinalar a diferença que se verifica entre
o atual Sertão mineiro (o do escritor
Guimarães Rosa) e os outros Sertões das
zonas Leste e Nordeste do Brasil, embora
também aquele seja atingido pelo cha-
mado "polígono das secas" (págs.
161/163).
Quanto às regiões minerais
brasileiras, dividiu-as em duas Diégues
Júnior: a das Minas Gerais
("A Mineração no Planalto") e as de
Mato Grosso e Goiás ("O Cen-tro-Oeste
extrativista e pastoril"). Também aí
poder-se-á discutir a separação feita,
embora existam razões que a
justifiquem.
Geograficamente, as maiores minas
de ouro e diamantes do Brasil situaram-
se numa linha de divisores de águas e
cursos superiores de rios que vem do
Extremo-Oeste mato-grossense, da bacia
do Guaporé, passa às do Cuiabá, Garças e
Araguaia, faz a curva das cabeceiras
deste e do Tocantins, em direção ao
Paracatu mineiro, com novo volteio em
torno do Alto São Francisco,
prosseguindo pelas serras que separam
águas de seus afluentes, agora da margem
direita, das que correm para os rios Doce,
Jequitinhonha, das Contas e outros, até a
Chapada Diamantina, já no interior
baiano — omitido nas referidas regiões
minerais. Neste percurso de alguns
milhares de quilómetros pelo mais
central do Planalto brasileiro, em tão
extensa linha quebrada de vertentes e se-
guindo por muitos de seus vales em
distâncias relativamente curtas —
localizaram-se e ainda se localizam
nossas principais jazidas auríferas e
diamantíferas.
Daí se conclui a necessidade do
acréscimo da região mineral baiana (aliás
devidamente lembrada à pág. 240), às
citadas do Centro-Oeste e das Minas
Gerais.
E, como outro ponto de aproximação
entre estas, há o fato de que, tanto a
economia mineral das Gerais, como as de
Goiás e Mato Grosso, tiveram como
sucessoras, depois da decadência das
minas, as ativida-
des pastoris, descidos, naturalmente, os
alcantis de suas catas a grupia-ras, Dir-
se-á, porém, e com acerto, que diferiram
as sociedades que em cada uma se
formaram, mais rica de elementos
diplomados na Europa, a das Gerais,
mais fechadas em suas relações sociais a
goiana e a mato-grossense.
Também não escapou ao autor,
baseado em sólidas observações de João
Camilo de Oliveira Torres, a verificação
de terem sido em grande parte
substituídos os devassado-res vicentinos
do território hoje mineiro, como
povoadores, pelos em-boabas lusitanos e
emboabas brasileiros do Rio de Janeiro,
Bahia e Pernambuco (pág. 239).
O "Extremo-Sul pastoril", a seguir
examinado nas Regiões Culturais do
Brasil, não pode prescindir, para o seu
estudo, da consideração de sua histórica
função de fronteira, tão marcante do
século XVII ao XIX.
Outra difícil delimitação é a relativa
à região de influência da colonização
estrangeira, no mapa que acompanha o
livro, abrangendo zonas do Rio Grande
do Sul, Santa Catarina e Paraná, não as
de São Paulo. Explica, porém, essa exclu-
são Diégues Júnior, ao salientar que neste
último Estado o imigrante estrangeiro
logo entrou em contato com o trabalhador
nacional, não agiu pioneiramente isolado,
como naqueles. E quando diz que no Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná,
"o isolamento a que foram relegados os
grupos estrangeiros fêz com que ainda na
terceira geração e seguintes, já
inteiramente brasileiras, se conserve a
língua ma-
terna; ao contrário, em São Paulo, onde os
imigrantes entraram logo em contato com os
nacionais, dispersos na capital ou em fazendas
de café, a assimilação fêz-se na primeira
geração. De modo que, no Rio Grande do Sul,
Santa Catarina e Paraná, pelas condições de
localização dos imigrantes, tornou-se fácil a
estes a conservação dos traços culturais de
origem" (pág. 357).
Depois do capítulo naturalmente
dedicado ao "café, sua irradiação e influência
social", outros constam de Regiões Culturais
do Brasil, dedicados ao "cacau, sal e pesca e
populações respectivas", às "indústrias, as
cidades e as metrópoles". Notamos, no
primeiro, a falta de uma referência à passagem
de sua zona, dos afluentes mineiros do Paraíba
a alguns do rio Doce, na Mata mineira. No
segundo, registramos a omissão da zona
cacaueira paraense. Nele com justiça vimos
assinalada a influência portuguesa na ati-
vidade extrativa do sal e em nossas pescarias
litorâneas. Quanto às indústrias, assunto èm
que o autor se utilizou de estatísticas, embora
devidamente mencionada a siderúrgica do vale
do rio Doce, não foi localizada nas
vizinhanças de Belo Horizonte a metalúrgica,
já de tanta significação (págs. 454 e 474).
Em obra da extensão desta de Diégues
Júnior, naturais são as pequenas divergências
do leitor, sobretudo quanto a questões históri-
cas. Assim, por exemplo, não nos
conformamos que êle ainda insista em
mencionar "feudalismo" e "feudos", tanto para
as capitanias hereditárias como para
posteriores esta belecimentos agrícolas
brasileiros.
Desde 1930 cabalmente contestou o Professor
Queiroz Lima a todos os historiadores que até
então tinham "procurado ver no sistema de
capitanias hereditárias a ressurreição do
regime feudal da Idade Média". Com sólidos
argumentos, tanto históricos como jurídicos,
sustentou o saudoso mestre que "o feudalismo
é uma instituição impossível de conceber-se
fora do tempo e do meio social em que se
elaborou" (in "Capitanias Hereditárias", na
Revista de Estudos Jurídicos e Sociais, do Rio
de Janeiro, n' 2, agosto de 1930, págs.
115/117).
Também não concordamos em ver na
chamada "conspiração dos Suassunas", de
1801, em Pernambuco, uma página ainda não
de todo esclarecida na história nordestina"
(pág. 122). Desde a publicação de O Livro, O
Jornal e a Tipografia no Brasil, de Carlos
Rizzini, em 1946, está provada a sua
inanidade (op. cit., págs. 286/288).
Omissõesº, que em futura edição o autor
certamente corrigirá, serão, por exemplo, as
relativas à mandioca e ao pinhão na
alimentação do bandeirante (pág. 238).
Estas e outras diminutas observações
completamente desaparecem à vista das
excelentes conclusões de Regiões Culturais
do Brasil: "Todo este ensaio repousa
justamente em mostrar isso: a formação da
unidade brasileira, ou a formação mesma do
Brasil, através da diversidade das condições
de ocupação humana com a qual se criaram,
pelas relações entre a terra e o homem,
regiões culturais, tipos de cultura específicos,
caracterizando as várias maneiras de sentir
ou de
agir, a conduta do homem em face do
ambiente, de cada espaço territorial que
lhe foi dado ocupar. — Esta diversidade
de tipos de cultura, que formam regiões
culturais, danos o panorama atual da
cultura brasileira, em sua unidade
contemporânea, onde as dicotomias
continuam a existir, procuradas sobre-
tudo para assinalar a vida brasileira.
Dicotomias de natureza geográfica —
Norte e Sul — como de condições de
desenvolvimento — Litoral e Sertão —
como de maneiras de viver — Cidade e
Campo — ou de atividades econômicas
— Agricultura e Indústria. São tais
dicotomias que dão à paisagem cultural
brasileira, em conjunto, os contrastes que
a sua unidade apresenta. A unidade
dentro da diversidade de cultura regional
— pois" (págs. 504/505).
"A unidade pela diversidade" é,
portanto, a principal conclusão de
Manuel Diégues Júnior no grande e fiel
retrato do Brasil que do-cumentadamente
escreveu, apoiado tanto em excelente
bibliografia como em pesquisas pessoais
e concatena-ção de alheias, sem enfeites
literários e sem deturpação de tendências.
Sem medo de errar, podemos afirmar que
seu livro, obra de completa maturidade
científica, increve-se entre os mais
notáveis nos últimos tempos publicados
em nosso país.
Hélio Viana
DEWEY, John — Reconstrução em
Filosofia (trad. bras. de António Pinto
de Carvalho, revista por Anísio
Teixeira), 2º edição, Com-
panhia Editora Nacional, 1959,
São Paulo, 224 págs.
Retorna às livrarias o livro em
epígrafe, desta vez em nova tradução,
feita por um ilustre especialista, que
também contribuiu para valorizar ainda
mais sua versão, redigindo, em apêndice,
um ensaio crítico sobre a filosofia de
Dewey, bastante pertinente não obstante
sua brevidade.
Dizer da oportunidade deste livro é
dizer pouco, pois o pensamento
deweyano penetrou profundamente em
nossos hábitos mentais, de modo especial
no campo da pedagogia e da psicologia
aplicada à educação. Em verdade, o
discipu-lado de Anísio Teixeira espraiou-
se por este país todo, sendo hoje quase
impossível compreender a história
recente da educação no Brasil sem as
categorias mentais do instrumentalismo
de Dewey. E bem verdade que outros
pontos-de-vista pedagógicos também
gozam de prestígio entre nós,
notadamente os originais de matrizes
confessionais (a celeuma levantada pelo
projeto sobre as bases e diretrizes do
ensino, no fundo, é fruto do conflito
entre duas posições inconciliáveis: os
adeptos do ensino particular, de
inspiração aristocratizante, contra os
adeptos do ensino público, informados
nos princípios democratizantes), mas
certamente nenhum se compara com os
afirmados por Dewey, surgidos de uma
realidade histórico-social análoga à
brasileira. Daí a importância desta
Reconstrução em. filosofia, que, de fato,
revela — no conteúdo, no estilo e no
método — a chave central para a
compreensão
do polimorfo pensamento dewya-no e,
indiretamente, de boa parte do
pensamento pedagógico brasileiro e do
próprio sentido da educação nacional.
Assim sendo, no que consistiria o
núcleo da filosofia de John Dewey? No
instrumentalismo, evidentemente, mas na
medida que renuncia a todo absoluto, que
procura averiguar em cada processo a
múltipla trama de relações entre os meios
e os fins de que está composto, e que não
se limita a considerar o instrumentalismo
como simples método, como ocorria com
o pragmatismo de William James. Daí a
afirmativa de Dewey de que o
pensamento funciona entre dificuldades
que afligem o homem, mas, antes de
relativizar o pensar, é êle justificado de
um modo concreto e não por qualquer
absoluto trans-mundando. Isto é, o
pensamento e a teoria são elementos
imanentes à vida humana, "programas"
que o homem forja para responder a si-
tuações futuras.
Com efeito, para Dewey a filosofia
originou-se "não de elementos
intelectuais, mas sim de elementos
sociais e emotivos". Assim sendo, "se
alguém se decidir a iniciar, sem reservas
mentais, o estudo da história da filosofia,
não como coisa isolada, senão como
capítulo no desenvolvimento da
civilização e da cultura; se alguém ligar a
história da filosofia com o estudo da
antropologia, da vida primitiva, da his-
tória das religiões, da literatura e das
instituições sociais, ousamos asseverar
que esse alguém estará em condições de
formular um juízo próprio independente,
com referência ao valor da explicação
hoje em
dia apresentada. A história da filosofia,
assim considerada, reveste-se de novo
significado. O que se perdeu, do ponto-
de-vista de pretensa ciência, é recuperado
do ponto-de-vista humano. Ao invés de
disputas sobre a natureza da realidade,
depara-se-nos a cena do conflito humano,
entre fins e aspirações sociais. Ao invés
de tentativas para transcender a
experiência, temos a significativa
recordação dos esforços dos homens para
reduzir a fórmulas as coisas da
experiência, a que tão profunda e
apaixonadamente estão apegados. Ao
invés de diligências impessoais e
meramente especulativas para
contemplarem, como espectadores
distantes, a natureza de coisas-em-si
absolutas, presenciamos o quadro vivo da
fina flor de homens solícitos e atentos
àquilo que eles desejariam que a vida
fosse, e aos fins a que desejariam que os
homens conformassem suas ativida-des
inteligentes". E ainda: "Quando se
admitir que, sob pretexto de tratar da
realidade útima, a filosofia se tem
ocupado com os preciosos valores
incrustados nas tradições sociais, que ela
emergiu de um choque de objetivos
sociais e de um conflito entre instituições
herdadas e tendências contemporâneas
incompatíveis com elas, então se
compreenderá como a tarefa da filosofia
futura é a de clarificar as ideias dos
homens quanto aos embates de ordem
social e moral da época em que viverem.
Seu objetivo é o de se tornar, na medida
do possível, órgão regulador desses
conflitos".
Portanto, as divergências entre
filosofias são meios de resolução dos
conflitos: não em termos de distinções
metafísicas, mas em relação
13
com o drama da luta entre as crenças e os
ideais sociais; não disputas sobre a
natureza da realidade, mas representação
dos conflitos entre os objetivos e as
aspirações sociais; não todavia esforços
pessoais e teoréticos de contemplação,
mas quadro vivo da vida e de seus fins,
segundo os quais venha a moldar-se a
humana ativi-dade. É a busca do concreto
que inspira o pensamento de Dewey,
fundindo teoria e prática com vistas a
uma vida harmónica, que é para êle o
ideal último da educação. Precisamente
os fundamentos desse ideal nos são
fornecidos nesta Reconstrução em
filosofia.
Luís Washington Vita
MACIEL, Carlos Frederico — Um es-
tudo-pesquisa sobre o Ensino Se-
cundário da Filosofia, INEP — Centro
Regional de Pesquisas Educacionais
do Recife, 1959, Recife, 188 págs.
Destaca-se o sr. Carlos Frederico
Maciel, dentre os novos ensaístas
pernambucanos, pelo interesse com que
vem estudando, há anos, o problema do
ensino em nosso País. Sobre o assunto,
publicou, em 1957, com a
responsabilidade do Centro de Cultura e
Ação Política e Instituto Pernambucano
de Estudos Pedagógicos, Problemas do
Ensino Secundário, livro sob vários
aspectos notável e cujas inteligentes
observações tivemos oportunidade do co-
mentar neste mesmo Suplemento. Agora,
edita o Centro Regional de Pesquisas
Educacionais do Recife, de que o sr.
Carlos Frederico Ma-
ciel é coordenador de publicações, um
Estiido-Pesquisa sobre o Ensino
Secundário da Filosofia. E embora não
tenha, este segundo trabalho, o mesmo
tom polémico do anterior, guardando,
tanto quanto possível, um tom de
naturalidade, nele vamos encontrar as
constantes intelectuais e morais que
fazem do autor uma exceção, em meio ao
indeciso, amorfo e melancólico mundo
constituído pelo magistério de Pernam-
buco e talvez do Brasil.
E não vai nisto, creio, nenhuma
afirmação gratuita. Nem estamos
negando, o que seria absurdo, aos corpos
docentes de nossos colégios e escolas
superiores, a existência de homens
inteligentes e cultos, em dia com as
cadeiras que regem, senhores de ampla
cultura, de muitos títulos etc. O difícil é
encontrarmos quem, possuindo todas
essas qualidades, e ainda outras,
acrescente-lhes um interesse vital e
incansável pela tarefa de ensinar e
consiga manter, dentro da desordem na
qual obrigatoriamente se move (que esta
é a atmosfera geral do ensino no Brasil),
a fé no trabalho que executa, a força de
não ceder ao desânimo, a esperança de
contribuir, com o seu árduo e obstinado
esforço, para uma solução — certamente
não imediata — dos problemas que
circundam e tolhem o seu trabalho. E isto
é que distingue da grande maioria de seus
colegas, o Prof. Carlos Frederico Maciel.
Tal oposição verifica-se nas próprias
dificuldades que enfrentou para levar a
termo o seu estudo. Havendo entregue
aos participantes do I Encontro Nacional
de Professores Secundários de
Filosofia, do
qual fora éle mesmo o coordenador e que
se realizou no Recife, em 1958,
questionários relativos à pesquisa em tela
— aliás exposta, em parte, durante o
mesmo conclave — não recebeu uma
única resposta, apesar do entusiasmo dos
participantes, que a consideraram "ex-
celente contribuição", salientando ainda
seu "caráter pioneiro"... (O fato, por sinal,
é bem típico da mentalidade que rege
esses encontros e congressos, aos quais
se comparece, em regra, com um tipo es-
pecial de memória, destinada a esquecer
as coisas sérias e a guardar lembrança,
exclusivamente, dos passeios e
banqueteios). Dos 18 professores locais
de Filosofia (16, se descontarmos o
pesquisador e um seu auxiliar), recebeu o
sr. Carlos Frederico Maciel 2
depoimentos apenas, omissos sobre
certos pontos que lhe interessavam e sem
uma exposição devidamente ordenada.
Conseguiu também realizar, e imagino às
custas de quanta persistência, duas
entrevistas, sendo que "dois outros
professores foram insistentemente
procurados", mas faltavam sempre aos
encontros. Com os professores de outras
disciplinas, não foi mais afortunado o
ensaísta. Inicialmente, havendo projetado
inquirir 10% do professorado recifense,
não conseguiu dados sobre o número
total deste, nem na Inspetoria Se-cional
do Ensino Secundário, nem no Sindicato
dos Professores. Tomando então por base
a estimativa comum, que os avalia em
mais de 450, distribuiu 60 questionários,
sendo que 31 foram entregues pessoal-
mente. Desses 60, o sr. Carlos Frederico
Maciel apenas recebeu 14 respostas,
"algumas delas arranca-
das, por assim dizer, após 3 ou 4
solicitações, e de ter que entregar outra
via do questionário etc".
Ao narrar estas dificuldades, com as
quais justifica certa deficiência que
reconhece na sua pesquisa, que se apoia,
por força das mencionadas
circunstâncias, em documentação pouco
numerosa, busca o autor adotar uma
atitude de compreensão, atribuindo a
esquivança de seus colegas, a parca
cooperação dos mesmos, à existência
atarefada que levam. Mas é êle próprio
quem escreve, distraidamente, à pag. 81
do ensaio, ser "uma coisa sediça que só
os ocupados sabem encontrar mais
tempo".. .
Se, entre os mestres, não foi muito
estimulante a acolhida encontrada pelo
sr. Carlos Frederico Maciel, imagine-se o
que foi o seu trabalho entre os alunos.
Numa classe, ao ser anunciado pelo
diretor do colégio, foi recebido com
manifestações de desagrado. Em outras,
foi recebido amavelmente, mas algumas
respostas desses alunos de Filosofia a
perguntas dos seus questionários,
oferecem aspectos capazes de abater o
otimismo de Mr. Pick-wick. Entre as
leituras, houve quem citasse "A mulher, o
amor e a morte" (que livro será este?) e
pontos de aula. E um aluno, dizendo o
que achava da Filosofia, assim se
exprime: "Quem (sic) era uma matéria
apenas para enrolar, sem nenhum valor
prático". Isto, se ficarmos nos
questionários. Pois o sr. Carlos Frederico
Maciel, para mostrar com que quadro se
depara o professor ao entrar em contato
com uma classe de Filosofia, utiliza
observações feitas em 169 provas
mensais, entre as quais vamos en-
contrar um aluno do 3º ano clássico
afirmando que "a democracia é o ideal
do totalitarismo", e outro do 3º científico
descobrindo que "Kant foi o fundador
do cristianismo".
Nada disto tem suficiente poder para
desagregar as energias do nosso herói —
pois é um herói — e lançá-lo no cinzento
e imóvel desespero em que geralmente
mergulham, para sempre, os homens
de boa-fé.
Um histórico do ensino da Filosofia
no Brasil, iniciado em 1553, com o
Colégio de Jesus, em Salvador, serve de
introdução ao ensaio, seguindo-se
algumas observações sobre o mesmo
ensino em outros países. Cercado assim o
assunto, expõe o Prof. Carlos Maciel a
situação, no Brasil, dos professores de
Filosofia, situação por sinal das mais
desamparadas: ausência de bibliotecas
especializadas, inexistência quase total de
concursos para trabalhos filosóficos etc.
Além disto, o reduzido prestígio que
parece ter a cadeira, como salienta
C.F.M., oferece poucas oportunidades ao
professor, principalmente no magistério
oficial. Em Pernambuco, no Colégio
Estadual, há apenas uma cátedra de
Filosofia, única existente no Estado. Por
sinal, o concurso para docência, aberto
pela primeira vez em 1957, ainda não se
realizou. Quanto ao Instituto de
Educação, após 16 anos de vigência da
última reforma e apesar de manter cursos
científico e clássico, não tem cátedra de
Filosofia. Mesmo em S. Paulo, Estado
que, segundo o
autor, "oferece melhores possibilidades, e
onde anualmente se realizam diversos
concursos para uma relativamente vasta
rede de estabelecimentos secundários
oficiais, houve (o trabalho foi
encaminhado à composição tipográfica
em outubro de 59) um único concurso,
também em 1957º (pág. 35).
Traz ainda o livro, além das
sondagens a que já fizemos referência,
um levantamento do que se escreveu no
País sobre o assunto e uma série de
anexos, incluindo modelos dos
questionários utilizados, programas de
cursos de Didática Especial etc.
Não obstante o fato histórico de que
o estudo da Filosofia, no Brasil, tem uma
continuidade que remonta às nossas
origens, reconhece Carlos Frederico
Maciel, em suas Conclusões e Sugestões
Finais, que o mesmo ainda não está
assimilado e integrado no sistema
cultural brasileiro, isto em virtude de
causas as mais diversas, entre elas a crise
geral do ensino, má remuneração do
docente, ausência de maior con-tato entre
este e os alunos, falta de preparo didático
de alguns professores, ausência de
mestres estrangeiros. E este ensaio, digno
da atenção e do respeito de todos os que
se interessam pelo problema do ensino no
Brasil — principalmente pelo ensino da
Filosofia — é um esforço no sentido
daquela integração e assimilação que
tanta falta nos faz. E cuja ausência é
sempre prejudicial a um povo.
Osman Lins
REVISTAS
A REFORMA DO ENSINO SECUNDÁRIO NA FRANÇA
OSWALDO DOMIENSE DE FREITAS
O sistema de ensino francês está em fase de transformação, ou melhor, de evolução,
procurando os educadores franceses equacionar e resolver os sérios problemas sociopedagógicos
surgidos após as duas guerras mundiais. Esses problemas, que, aliás, são, na sua maioria, de
âmbito mundial, pois gerados por causas sociais que interferem na vida de todos os povos
civilizados, afetam especialmente o ensino médio e sobretudo o curso secundário, porque na
adolescência — idade própria dos alunos daquele curso — as crises sociais repercutem
intensamente e as influências intelectuais e morais se fazem sentir de modo forte e decisivo.
As alterações na ciência e na técnica, bem como as modificações das condições econômicas,
sociais, políticas e culturais da vida, em seu conjunto, exigem uma revisão mais ou menos
profunda dos fins, da organização e da administração da educação secundária.
Na França, como em todos os países civilizados, observa-se um crescimento da martícula
escolar, especialmente no ensino secundário. No ano letivo de 1936-1937, o ensino secundário
público (França Metropolitana) tinha 161.437 alunos. Em 1946-1947, a matrícula no ensino
secundário chegou a 301.872 alunos, o que representou um aumento de 87% em relação ao ano de
1936-1937. Dez anos depois, em 1956-1957, o número de alunos se elevava a 504.914, ou seja o
triplo em relação a 1936-1937 e um aumento de 67.25% em relação ao ano de 1946-1947. Em
1957-1958, a matrícula foi de 569.659 alunos e as estatísticas prevêem que em 1962 o número de
alunos do curso secundário público alcançará e provavelmente excederá 900.000. No ensino
secundário particular a matrícula cresce, embora menos rapidamente que no ensino público, como
se verifica pelos números seguintes, também relativos à França Metropolitana:
1950-1951 ....................................................... 189.330 alunos
1951-1952 ....................................................... 186.660 "
1952-1953 ....................................................... 190.796 "
1953-1954 ....................................................... 196.639 "
1954-1955 ....................................................... 206.885 "
1955-1956 ....................................................... 217.118 "
1956-1957 ....................................................... 225.928 "
A democratização do ensino é a principal causa desse crescimento. Como
consequência das alterações sociais sobrevindas após as duas guerras mundiais,
verificou-se a ascensão social das massas e o desenvolvimento na consciência popular
da noção da importância e necessidade da educação na vida moderna; esta exige, cada
vez mais, melhores conhecimentos tanto gerais como especializados. Daí resultou a
gradual elevação do coeficiente ou taxa de escolarização (relação entre o número de
alunos que ingressam no curso secundário e o número de crianças com 11 anos) e o
prolongamento da escolaridade além da duração legal obrigatória,
Ê a democratização do ensino secundário, isto é, a sua procura por número
crescente de alunos provenientes de todas as camadas sociais, a origem de todos os
problemas que preocupam aquele tipo de ensino. O aumento das verbas orçamentárias
destinadas à educação, o estabelecimento de um amplo programa de construções
escolares, a ampliação dos quadros do pessoal docente e administrativo, foram
consequências inevitáveis do crescimento da população escolar. Mas outras questões
mais delicadas surgiram, como a revisão dos fins da educação secundária, doa métodos
pedagógicos, da organização e administração escolar e, sobretudo, a orientação da
enorme massa de alunos dos quais um número considerável não pode terminar os
estudos secundários, tais como são organizados atual-mente. Essas questões vêm sendo
consideradas pelos movimentos de reforma do ensino que se vêm repetindo na França
desde 1918, quando, logo após a primeira guerra mundial, um grupo de jovens
professores, que se intitulavam
-
'Les Compagnons de 1ºUniversité Nouvelle", se lançou
numa campanha em prol da escola única.
Na luta pela implantação dos novos ideais pedagógicos, o principal inimigo a
vencer tem sido a tradição. O sistema pedagógico francês tem suas raízes na reforma
napoleônica e, mesmo, num passado mais remoto nas instituições educacionais
fundadas na Idade Média pela Igreja. As diversas ordens de ensino — ensino primário,
secundário, técnico (industrial e comercial), superior, artístico — em que se divide o
sistema pedagógico francês — se desenvolveram em sistemas fechados, independentes
uns dos outros. Em vez de se coordenarem e superporem segundo um plano racional,
eles se justapuseram e se situaram segundo planos verticais paralelos.
Divergências doutrinárias e repercussões financeiras que a aplicação das medidas
sugeridas provocariam, explicam por que tem sido retardada a solução do problema
educacional e, possivelmente, por que o Parlamento francês não se pronunciou de
modo definitivo sôbre os diversos projetos de reforma que lhe foram encaminhados.
Aproveitando-se dos poderes discricionários de que se achava investido o
governo, no começo do atual regímen político, o Ministro Berthoin conseguiu que
fosse decretada, em janeiro do corrente ano, uma reforma geral do ensino, cujos
pontos fundamentais são os seguintes:
1 — Obrigação escolar: estender-se-á dos 6 aos 16 anos, em vez de
terminar aos 14 anos como atualmente. Na opinião do Ministro, a reforma
não fêz mais do que ir ao encontro da opinião pública e da vontade dos
pais que, espontaneamente, prolongam a escolaridade para melhor for
mação educacional dos filhos. Com efeito, em 1914, menos de 5% das
crianças prosseguiam seus estudos além da escolaridade obrigatória, que,
então, ia até aos 13 anos. Atualmente, quando a escolaridade obrigatória ter
mina aos 14 anos, a percentagem de crianças que permanecem na escola
além do período legal de escolaridade é de 55% para o conjunto do País,
aproxima-se de 80% nos grandes centros urbanos e atinge 80% em Paris. No
ano de 1967, quando terão 16 anos as crianças que ingressarem no curso se
cundário em outubro próximo, e, portanto, quando será aplicado pela pri
meira vez o dispositivo da reforma sobre o tempo da escolaridade obriga
tória, avalia-se que a pressão da lei só se fará sentir sobre cerca de 15%
de crianças, porquanto, no ritmo atual de progresso, calcula-se que mais
de 80% das crianças estarão ultrapassando, espontaneamente, naquele ano,
o tempo legal de escolaridade.
O ensino obrigatório comporta, segundo a reforma, três fases:
a) Um ciclo elementar, de 5 anos (6-11 anos);
b) Um ciclo de observação, de 2 anos (11-12) anos);
c) Um ciclo terminal ou de formação, de 3 anos pelo menos.
2 — Ciclo de observação — Apesar da importância que dão à reestru
turação do sistema pedagógico e ao reagrupamento racional dos estabele
cimentos, de modo que se consiga uma íntima articulação das diversas
ordens de ensino, os educadores franceses consideram que o problema es
colar não pode ser resolvido sem um sistema racional de orientação, fun
damentado em bases psicológicas e sociais.
O problema essencial do ensino é, na opinião do Ministro Berthoin, o de
distribuição equilibrada e racional dos alunos, segundo critérios socio-pedagógicos.
Por preconceito social ou por falta de orientação, permanecem no curso secundário
alunos que teriam mais aptidões para os cursos técnicos e vice-versa. Gera-se, assim,
um desequilíbrio do ensino, com perda de energias e aptidões, que tanto é prejudicial à
juventude, como à nação francesa. Esta precisa, para o seu programa de recuperação
econômica, de técnicos engenheiros, pesquisadores, professores, etc, e, não obstante
numerosos indivíduos bem dotados se limitam a fazer o curso elementar, deixando de
se beneficiar das inúmeras possibilidades de elevação pessoal que a sociedade
contemporânea lhes oferece.
A reforma Berthoin aponta como os maiores defeitos do ensino francês o
isolamento das diversas ordens de ensino e a fragmentária e imperfeita observação dos
alunos. Propõe, como remédio simples e eficaz, a pesquisa das aptidões e da
inteligência dos alunos por meio de uma prospecção psicológica tão completa
quanto possível, permitindo orientação e
reorientações dos alunos. Institui, para isso, um ensino de base (ciclo de observação),
tão uniforme quanto possível, e, no fim do mesmo, ensinos tão numerosos quanto
possível, para as formações definitivas (ciclo terminal).
O ciclo de observação destina-se:
a) assegurar uma prospecção tão completa quanto possível da juventude
francesa;
b) deixar os alunos, cujas aptidões se revelarem rapidamente, enca-minhar-se,
sem perda de tempo, para o curso de sua preferência;
c) dar assistência aos demais alunos, cujas aptidões não se manifestaram
claramente (que são a maioria), e submetê-los a uma observação tão prolongada quanto
possível, que permita a orientação e reorientações necessárias;
d) dar, enfim, aos alunos e às suas famílias, no fim do ciclo, um
conselho devidamente fundamentado sobre a forma de ensino (geral ou técnico,
longo ou curto) mais adequado e com mais possibilidade de ser
seguido com proveito.
O ciclo de observação receberá todas as crianças de 10-11 anos com suficiente
instrução elementar para prosseguirem nos seus estudos. Suas classes (6ème., e 5ème.,
correspondentes ao 1º e 2º anos do nosso curso ginasial) instalar-se-ão e funcionarão
nos liceus, colégios, cursos complementares, escolas primárias.
O ciclo de observação se divide em três fases:
a) Primeiro trimestre do primeiro ano: revisão geral dos conhecimentos
elementares e uma primeira pesquisa das prováveis aptidões, se-guindo-se um aviso às
famílias, dado pelo "Conselho de Orientação" (formado pelos professores do
estabelecimento), sobre o tipo de estudos, clássico ou moderno, mais conveniente
às aptidões de cada aluno.
b) Segundo trimestre: subdivisão do ciclo de observação em duas se-çoes —
clássica e moderna, nas quais, no dia lº de janeiro, todos os alunos se acharão
distribuídos. Continuação da observação metódica das tendências e das aptidões dos
alunos. Novo aviso às famílias. Possibilidade de reorientação.
c) Terceiro trimestre do primeiro ano e segundo ano completo: continuação da
observação. No fim deste ciclo, o "Conselho de Orientação" informará aos alunos e às
suas famílias sobre a escolha mais conveniente entre os diferentes tipos de ensino do
ciclo de formação.
3 — Ciclo terminal ou de formação — Enquanto o ciclo de observação deve
ministrar ensinos tão pouco diferentes quanto possível, o ciclo de formação, que se
estende até o fim, ou além da escolaridade obrigatória, deve preocupar-se em oferecer
aos adolescentes cursos os mais variados para a sua formação definitiva.
Mas, a defecção observada nas diversas séries do curso secundário, e que aumenta
com o crescimento da matrícula, é índice de que grande número de alunos não tem
aptidão para seguir um curso de longa duração. Daí a necessidade de se manter, ao lado
do ensino longo que leva aos cursos superiores, um ensino curto destinado a assegurar
os conhecimentos e a sólida formação intelectual necessária ao exercício das carreiras
dos quadros médios da sociedade, não técnicos ou pouco técnicos, isto é, o setor
"terciário". Esta orientação é adotada pela reforma na organização do ciclo terminal.
O ciclo terminal compõe-se de 5 tipos de ensino de formação:
a) Ciclo terminal dos estudos obrigatórios: Destina-se aos alunos que
não querem ou não têm capacidade para seguir os ensinos geral ou técnico.
Ele visa à iniciação profissional, sem desprezar, porém, a formação geral,
que procura completar e ampliar. Pela combinação da formação geral e
da iniciação profissional, consegue-se a elevação pessoal e técnica dos tra
balhadores de base.
Este ensino reveste três aspectos, conforme o meio em que êle se implanta:
I) Formação agrícola (para rapazes) e agrícola-doméstica (para mo
ças);
II) Formação artesenal rural;
III) Formação artesenal urbana, com a colaboração do ensino técnica
e de empresas idóneas onde estagiarão os alunos. Destina-se à formação
de artesãos ou trabalhadores especializados, formação que deve ser tão
polivalente quanto possível, de modo a oferecer meios de fácil readaptação.
O ensino terminal completa o tempo da escolaridade obrigatória e, ao-seu termo,
será dado um diploma de conclusão de estudos obrigatórios, com menção do tipo de
preparação profissional escolhido.
b) Ensino técnico curto: Continuará a ser ministrado nos atuais "centros de
aprendizagem" que passarão a ser chamados "colégios de ensino técnico". Findos os
três anos deste ensino, os alunos receberão um certificado de aptidão profissional e, se
forem capazes, poderão continuar os estudos no ensino técnico longo.
c) Ensino técnico longo: Será ministrado nos "liceus técnicos", nome que
tomarão, de agora por diante, as escolas nacionais profissionais e os colégios técnicos.
Este ensino forma:
I) Agentes técnicos brevetados, após quatro anos de estudos, mais
estágio;
II) Técnicos brevetados: cinco anos de estudos, mais estágio. O di
ploma equivale à 1º parte do "Baccalaureat";
III) Técnicos superiores brevetados, com menção da especialidade (tí
tulo equivalente ao "Baccalaureat"). Duração dos estudos variável con
forme a especialização.
Os diversos tipos de ensino técnico longo não são mais do que etapas de
preparação profissional, que os adolescentes capazes poderão vencer uma a uma, numa
progressão contínua, indo da simples qualificação profissional à alta formação técnica,
formação que terminará por estágio obrigatório numa empresa.
d) Ensino geral curto: Ministrado nos atuais cursos complementares (que
passarão a ser chamados "colégios de ensino geral"), dura três anos, sendo sancionado
pelo brevet de ensino geral.
e) Ensino geral longo: Após os dois anos consagrados à pesquisa das aptidões e
à escolha de uma orientação, segue-se o ensino geral longo, ministrado nos liceus
clássicos e modernos, orientando-se os alunos, segundo sua escolha, para uma das
seções em que se divide este tipo de ensino.
4 — Articulação dos cursos: É pensamento dominante na reforma lufar contra o
isolamento das diversas ordens de ensino e permtir uma fácil circulação dos alunos
sem a qual não poderá haver uma verdadeira e racional orientação. Classes de
adaptação e "classes-passerelles" contribuirão para facilitar a transferência dos alunos
de um para outro curso. Mas a chave — mais simples e melhor — para alcançar esse
objetivo, é a analogia dos programas — e dos métodos — das disciplinas fundamentais
e comuns, sobretudo no ciclo de observação.
A reforma representa, inegavelmente, um esforço para adaptar a estrutura
tradicional do ensino francês à evolução demográfica e social do País. Entrosando de
maneira racional, o ensino secundário e o ensino técnico, deu ao primeiro novos
fundamentos, em harmonia com a realidade do mundo contemporâneo e ao segundo
sua "carta de nobreza", considerando-o no mesmo pé de igualdade que os outros tipos
de ensino. Partindo de um ensino de base, pouco diferenciado, os alunos serão
encaminhados, não por preconceito social ou por acaso, mas de acordo com o nível e a
forma de sua inteligência, para uma dentre as múltiplas opções que, oferece o ensino de
formação. E, também, evidente que a reforma, preconizando medidas avançadas, terá
de enfrentar a rotina — forma social da inércia, que oferece obstáculos à implantação
de novas ideias, mesmo quando justas e necessárias. A vitória dos ideais que
presidiram à elaboração da nova reforma do ensino e à execução das medidas por ela
preconizadas, dependerá do idealismo e devotamento de todos os que têm qualquer
parcela de responsabilidade no setor do ensino. Os mestres deverão receber uma for-
mação adaptada aos fins e ao espírito da reforma. Mas o Ministro Ber-thoin confia
sobremodo na autoridade e no devotamento do corpo de ins-petores: a eles caberá, diz
o Ministro, vigiar, dia a dia, a mobilização de todos os meios no sentido da prospecção,
da observação e da revelação das aptidões dos alunos.
UMA CONFERÊNCIA SOBRE JOHN DEWEY
GILBERTO FREYRE
A convite do Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Recife, o Professor
Newton Sucupira, da Faculdade de Filosofia da Universidade do Recife, proferiu nesse
centro de estudos não só educacionais como sociais, notável conferência, em reunião
comemorativa do 1º centenário do nascimento de John Dewey.
Talvez esse trabalho do Professor Sucupira e essa reunião comemorativa,
promovida pelo Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Recife, devam ser
considerados a principal participação brasileira nas homenagens à memória do insigne
pensador, por ocasião do lº centenário do seu nascimento.
Foi o fato — o nascimento, há um século, de Dewey — recordado principalmente
pela Universidade de Colúmbia. Mas sem que na Europa e no próprio Oriente deixasse
de haver quem o celebrasse digna e até comovidamente.
Não é de espantar, porém, a indiferença do Brasil intelectual pelas recentes
homenagens à memória de um Dewey que quase viveu o bastante para éle próprio
assistir às comemorações, quase todas pouco entusiásticas, do seu século de vida.
Porque fora da Universidade de Colúmbia essa indiferença foi quase universal em
contraste com o também quase universal esplendor atingido pela influência de filósofo,
sob vários aspectos revolucionário, que foi o autor de The School and Society, quando
homem de cinquenta ou sessenta anos.
A verdade é que, é precisamente, ao caráter revolucionário da obra de Dewey que
se deve atribuir em grande parte a ausência de entusiasmo que, de modo geral,
caracterizou as comemorações do primeiro centenário do seu nascimento. Vivemos
uma época contraditória. E uma das suas contradições está no desenvolvimento, nos
últimos anos, de tendências por vezes inteligentemente neoconservadoras,
neotradicionalistas e até simplesmente convencionais, nuns países — na Rússia
Soviética, por exemplo, principalmente em assuntos de forma artística, mas também
em assuntos de moralidade sexual — noutros, em atitudes políticas, ainda noutros, em
posições filosóficas e até — o exemplo da própria Suíça atual — pedagógicas. Reação,
decerto, ao que alguns homens de hoje, entre os mais decisivos em suas ideias e,
sobretudo, em suas atitudes, estão considerando excessos de experimentalismo da parte
de inovadores ou renovadores do fim do século passado e do começo do atual. Foram
eles, inovadores, indivíduos que tiveram a coragem de inovações na verdade atrevidas,
com relação às mais diversas manifestações de cultura ocidental, então seguida por
numerosos orientais. Dewey, tendo sido um desses inovadores mais arrojados, com
relação principalmente à educação — ao chamado progressivismo na educação que
atingiu, aliás, a própria China — vem sofrendo, há anos
toda uma série de restrições profundas, quase todas de sentido neoconser-vador, aos
métodos pedagógicos de que foi campeão e à filosofia social de que foi pioneiro.
"Interest in the master educator appears to be in the wane", destacou recentemente
o Professor William W. Brickman, a quem se deve — a êle e ao Professor Stanley
Leherer — o principal livro comemorativo do centenário do nascimento de Dewey,
aparecido até agora em língua insrlêsa: John Dewey: Master Educator- Entretanto,
como filósofo social — e não apenas da educação — John Dewey chegou a ser
colocado por críticos idóneos da época do seu esplendor como criador do
"instrumentalismo", quase na altura de Platão e de Aristóteles. Situação em que é
possível que seja reintegrado por uma crítica mais ampla em seus processos de
avaliação e em suas normas de julgamento do que a atualmente empenha em reduzir-
lhe a importância ou o valor. Estão muitos dos atuais críticos de Dewey de tal modo
animados do propósito menos de retificar que de anular a influência do
"experimentalismo" do autor de The School and Society sobre os métodos de educação
que, em seu afã de anular essa influência, vão ao extremo de ignorar ou negar o
filósofo. A verdade, porém, é que como filósofo, Dewey é autor de uma obra muito
mais complexa que a simplificada por alguns dos seus discípulos, para efeitos apenas
— e imediatamente — pedagógicos.
O Professor Newton Sucupira, na sua conferência comemorativa, porém não
apologética — ao contrário: lucidamente crítica — sobre Dewey, pôs em relevo o fato
de ter havido não por muito tempo mestre de mestres da Universidade de Colômbia um
filósofo complexo. Tão complexo que o renovador de métodos de educação foi, nesse
amplo filósofo, apenas um aspecto do seu pensamento renovador. — (O Cruzeiro,
Rio)
A REFORMA DO ENSINO E A DÚVIDA METÓDICA
LAURO DE OLIVEIRA LIMA
A característica dominante da criança é o sentimento de Insegurança. Sua
necessidade de afetividade provém, sobretudo, da fome de segurança, do desejo de
firmeza no pequeno mundo que a cerca. Uma discussãozinha entre o pai e a mãe, para
ela é um terremoto: todo aquele mundo de proteção que lhe parece tão sólido, de
repente, ameaça vir a baixo, em sua compreensão limitada dos jogos emocionais e das
forças de coesão que mantêm unido o grupo, apesar das tempestades que, de vez em
quando, dominam o mundo familiar.
A maioria dos adultos imaturos, sofrem da mesma ansiedade. Pode-se até medir o
grau de maturidade, pode-se verificar se alguém "já é adulto" pela aceitação da
dinâmica social, pela compreensão adaptativa a um mundo em eterna mudança. O
mundo moderno é também um mundo de ansiedades,
em cuja base esteja talvez, preponderantemente, a angústia provocada pela contínua e
rápida mudança das formas sociais. Enquanto um homem não compreende que o
equilíbrio social é dinâmico, que a inércia não é vida, mas morte, que o ajustamento
contínuo é uma condição da vida, sofrerá da angústia do "vir-a-ser", demonstrando,
assim, falta de maturidade, estado psicológico embrionário, característico da criança.
Quando um jovem adolescente deseja mostrar segurança e robustez psicológicas, a
primeira coisa de que cuida é de combater as formas estáticas, os tabus, a autoridade
(garantia do status quo), provocando "revoluções" em torno de si, até adquirir
equilíbrio entre o que é definitivo na marcha evolutiva da humanidade e o que é
simples preconceito de adultos inseguros agarrados a formas conquistadas, mas
superadas pela marcha da civilização. O adolescente que não passa por essa fase
"revolucionária" perdeu fator básico de maturação, aceitando, de plano, sem auto-
experiência, a herança social que lhe é transmitida como estática, pelos mestres que são
outros "sumos pontífices" da tradição, guardas na porta do inferno, como cérberos, de
cabeças múltiplas, vigilantes indormidos das formas sociais estabelecidas. Os velhos,
geralmente, tendo perdido o sentido dinâmico da existência, tendo adquirido um status,
são os mais ferrenhos adversários das mudanças, por princípio, irracionalmente, sem se
dignar, sequer, examinar o fenômeno que se lhe apresenta. Mudar, para eles, é destruir
sua "segurança" tão penosamente conquistada...
Ora, assim como na queda de um corpo o movimento se acelera unifor-mente para
cada unidade de tempo, assim, na marcha da civilização, a mudança é tanto mais
rápida, para cada período histórico, quanto mais nos distanciamos da pré-história e nos
aproximamos de uma meta ainda envolta na bruma do futuro. Cem anos atrás, podia-se
prever, com probabilidade, o destino de uma criança. A dinâmica das transformações
sociais era quase imperceptível num século. Com o advento da tecnologia, o
movimento ace-lerou-se progressivamente, a ponto de não sabermos se no próximo ano
nossa maneira de ver as coisas não estará completamente mudada ou se nossa vida
doméstica não terá sofrido inteira transformação. A compra de um aparelho de
televisão, por exemplo, pode modificar completamente os hábitos da família, assim
como um automóvel amplia, grandemente, o campo de atuação social de seu possuidor.
Num mundo assim em mudança, a angústia é um fenômeno normal e revela, a todo
momento, a insegurança e a imaturidade dos indivíduos, horrorizados com as
mudanças, as reformas as novas maneiras de fazer e pensar as coisas da vida diária.
Quando virmos os adultos acusarem os reformadores de imprudência, de pressa,
poderemos procurar, por trás dessa atitude, não a ponderação do pesquisador que
analisa os problemas com acuidade e espírito científico, mas a angústia, a insegurança
diante do "vir-a-ser". É a defesa irracional de um mundo conquistado em perigo que os
angustia, que os torna reacio-nários, que os faz apelar para as tradições, para "nossos
avós", para "nossa civilização" e outros slogans que são usados como cortina e escoras
para um status que vem abaixo. Não se nega a tradição, o "espírito" da civili-
zação, o sentido de continuidade. A experiência humana não pode ser posta de lado,
em nome da mudança, pelo simples prazer de mudar. O que se pede é uma atitude,
dinamicamente experimental, uma atitude de busca de soluções, em oposição â certeza
estática das conquistas feitas. A ciência é um contínuo "vir-a-ser"; traz dentro de seu
próprio método o reexame da questão, numa eterna insatisfação com os resultados. Um
homem culto, do ponto-de-vista moderno, não é o que acumulou toda a sabedoria do
passado, mas o que sofre a insatisfação das formas estáticas, que já conquistou. Essa a
diferença fundamental do novo "humanismo" que não pode deixar de lado a ciência
como uma área "acultural", ou mesmo "anticultural".
Todos os recursos, principalmente os emocionais, são usados pelos que tentam
salvar, não o património da comunidade, mas seu próprio mundo. A barragem
psicológica que cria para os reformadores, digamos mesmo para os cientistas, é
poderosíssima, sendo necessária uma comoção social para arrombar este paredão de
resistência, como aconteceu agora nos E.U.A., quando subiram ao céu os Luniks
soviéticos, produzindo uma revolução total nos métodos e no currículo das escolas
americanas. De repente, o próprio sentimento de segurança, que resistia à reforma
social, é agora o fator que acelera a aceitação das novas formas que se apresentam
como protetoras contra um mal maior que não tinha sido percebido, apesar das
profecias dos "visionários".
Qual, pois, a atitude correta do homem moderno? — A dúvida metódica. O
aparecimento desta teoria assinala, aliás, historicamente, o início da idade moderna.
Foi o mundo moderno que produziu esta teoria ou foi esta teoria que produziu o mundo
moderno? Mais um problema para o método da dúvida metódica.. .
Em educação, o medo da mudança é quase irracional. O professor vive do prestígio
que adquiriu entre seus alunos. Se há uma profissão cuja caracterização é a "reputação"
é o magistério. Nossa produção é "fungível". Terminada cada aula, fica apenas a
"opinião" dos alunos... Dos artistas fica a partitura, a estátua, o quadro a fotografia, o
filme... Do professor fica a reputação! Por que, então, pensa êle lá em seu inconsciente,
arriscar tudo o que obteve em troca de uma mudança? "Na nova técnica, no novo
processo, na reforma, serei ainda o professor reno-mado que venho sendo? Se adquiri
reputação fazendo discursos para meus alunos, por que me arriscar a adotar técnicas de
"participação", se não posso garantir-me, de antemão, dos resultados? Por que refazer
um método que se tornou minha segunda natureza? Por que duvidar de meu próprio
trabalho que sempre produziu resultados? Se antes foi bom, por que não continuará a
ser?"
E que, enquanto, psicologicamente, nós caminhamos para a inércia, para a rotina,
para a estruturação definitiva, o mundo, fora de nós, caminha para a mudança para a
modificação, para o vir-a-ser... Se o mundo fosse estático, nós estaríamos certos.
Quanto mais tempo de magistério, quanto mais rotinizado nosso trabalho, que se foi
estruturando, progressi-
vãmente, mais perfeito se iria tornando e mais adequado à obtenção de bons resultados.
Mas, para a desgraça nossa, o movimento de transformação social é inverso, de modo
que é provável que quanto mais tirocínio tivermos (sem uma atitude crítica, sem uma
dúvida metódica), mais probabilidade tem o professor em ir-se, dia a dia,
desatualizando. . .
Por que não adotar em educação uma atitude científica, o que vale dizer,
experimental. Por que não termos como provisórios os resultados de nossa experiência
e tentarmos novas formas? Por que quando compro um automóvel, um rádio, uma casa,
tenho a vaga insatisfação do que poderia tê-los melhores? Em educação adotamos uma
anticientífica atitude de satisfação, de refestelamento, como se nos apoiássemos na
mais sólida base, justamente em educação, por trás da qual o mundo maravilhoso e
imprevisível do psiquismo humano nos surpreende diariamente.
Quando se tenta qualquer reforma educacional, qualquer mudança de processo, o
mundo parece vir abaixo... Os guardas da tradição levantam-se de seus leitos: não
perturbem a paz dos mortos'. Não é preciso atingir o sistema. Basta tocar nos adereços,
nestes crustáceos parasitários que se fixam na rotina escolar, como as ostras nos cascos
dos navios. Ê una Deus nos acuda! Desencavam-se dos tratados de filosofia todos os
apodos que serviram de labéu aos reformadores através do tempo e despejamo-los, em
catadupa, sobre a ousadia dos novos reformadores. Contudo, a vida continua, dinâmica,
diferenciada, em sínteses sempre novas, e o homem eleva-se da terra para buscar o
infinito.
Tomemos qualquer tópico de discussão da reforma, por exemplo, das "Diretrizes e
Bases da Educação Nacional": o currículo. O currículo é um tabu. Sempre foi assim,
assim há de ser. Para cada matéria supressa ou acrescentada, una mundo de desgraças
nacionais se anunciam. Por que não começar duvidando da validade do currículo para
podermos analisá-lo com espírito científico? Sempre foi assim?
As ciências nem sempre existiram. As línguas modernas nem sempre existiram. As
artes nem sempre existiram. Logo, o currículo nem sempre foi assim. Pode-se, então,
contar a história do currículo. Antes de existirem as ciências e o homem ainda
trabalhava com as mãos, o currículo eram os grandes livros da humanidade: literatura,
portanto. Retórica, Dialética, Gramática, Matemática (também uma linguagem, embora
diferente). Apareceram 03 transportes, as navegações, os contatos dos povos. Nasceram
as línguas estrangeiras no currículo. As ciências progrediram: Física, Química, História
Natural. Lá foram todas para o currículo, por simples e irracional processo de
adicionamento. O homem afastou-se da natureza pelo artificialismo das cidades: foram
para o currículo os Trabalhos Manuais, a Economia Doméstica, o Canto, que eram
habilidades naturais aprendidas no próprio lar. As profissões se diferenciaram com a
divisão do trabalho: criaram-se as escolas técnicas e a imensidade de disciplinas
diferenciadas, ao lado da escola tradicional, que vem dos tempos imemoriais, com toda
a sua bagagem literária. A ciência foi, a princípio, um tanto "literária", discursiva.
Assim, apareceu nos currículos. Veio a era tecnológica:
•o currículo exigiu laboratórios, prática, pesquisa. Mas, se continuarmos, simplesmente,
a adicionar, teremos logo mais: Austronáutica, Física Nuclear, Cibernética, e todos os
ramos novos do conhecimento moderno- É simplesmente absurda a hipótese. Temos,
pois, de parar e fazer nova síntese humanamente plausível. Quais são, realmente, as
disciplinas que devem aparecer no currículo? Pode-se pretender ensinar tudo aos
jovens? Que ensinar, então? Um milhão de brasileiros estudam no curso secundário:
todos devem aprender Francês, Latim, Inglês, Grego? O que é que todos devem
aprender, imprescindivelmente? Todos devem aprender Física. Química, História
Natural? Quais das ciências modernas devem ser património comum da comunidade?
Ensinar a pensar c mais importante que ensinar coisas? Que fatos históricos devem ser
selecionados como imprescindíveis à cultura geral? Os rios da China devem ser
aprendidos ou somente os do Ceará? Devemos conhecer melhor a Serra de
Guaramiranga ou o Tibet?
Dizia um escritor francês que a escola secundária precisa ser repensada. Temos,
simplesmente, deixado o processo histórico derramar seus detritos dentro do currículo,
asfixiando a atividade criadora do aluno e a serena tranquilidade em que se forma o
pensamento. A metodologia ganhou muito mais importância que o conteúdo: não posso
pretender ensinar "toda a história" ao aluno, mas posso ensiná-lo a aprender qualquer
história, se o desejar fazer. Nas ciências, deve-se ensinar o "método experimental" e
não a massa infinita de fatos científicos, históricos ou atuais. Esta a nova síntese que
deveria nortear a reforma do currículo, partindo de uma dúvida completa sobre sua
atual validade.
Por que não reduzir a escola secundária a uma aprendizagem de metodologias? Por
que não alijarmos dela tudo que fôr quantitativo pelo qualitativo, pelo formativo? O
que queremos é uma enciclopédia ambulante ou um homem humano e seguro de si
mesmo nos labirintos do mundo moderno, capaz de se autodeterminar, de escolher sua
própria vida? Por que não pensamos num ginásio onde se aprende a aprender,
deixando os conteúdos com instituições especializadas?
Por exemplo: não se aprende uma língua estrangeira com duas aulas por semana,
durante 28 semanas anuais, como é a realidade brasileira. Por que, então, a hipocrisia
de que o estudante secundário brasileiro estuda duas línguas estrangeiras? Por que não
remeter o aluno a institutos especializados na aprendizagem das línguas, onde pode
aprender em alguns meses de trabalho intensivo o que não aprendo em sete anos de
intermitências escolares? Por que não equipar cada grande cidade com alguns
laboratórios científicos orientados por grandes mestres e para lá remeter os alunos que
demonstraram aptidão para a pesquisa, ficando o ginásio como núcleo de orientação,
de estudo dirigido, de controle da aprendizagem de vivências reais, remanso de
meditação e formação da personalidade? O ginásio seria a biblioteca, o campo de
esporte, o orientador educacional, a capela, a oficina de trabalhos manuais, a Arena de
debates, de pesquisas, de estudo dirigido, o local em que as equipes, os clubes
funcionariam sob a orientação de
verdadeiros educadores? Por que empanturrar o ginásio com um horário que
graficamente parece mais uma teia de aranha, onde o aluno se enreda como a mosca
colhida pelas terríveis caçadoras?
Tudo isto é absurdo diante do tradicional, mas não diante de um selenita, como
breve teremos em nosso mundo. A dúvida metódica, não um cepticismo irracional, é
uma atitude saudável do homem diante de um novo mundo que se nos abre para olhos
espantados de crianças grandes. Alguém tem de procurar ver na frente. Ai de quem
tentar... Mas, este alguém deve existir. — (Escola Secundária, Rio.)
A EDUCAÇÃO E O PROBLEMA PSICOLÓGICO DO MEDO
E DA ANGÚSTIA
ELIBZER SCHNEIDER
O medo e a angústia têm servido ao ensino e à disciplinação de crianças, mas,
obviamente, desservido muito mais ao ajustamento no estudo e na vida escolar.
Mac Dougall, grande precursor dos estudos psicológicos sobre a motivação e as
relações entre emoções e motivos, ao elaborar sua lista de instintos e emoções
correlatas, inclui o "instinto" de fuga como o correspondente à emoção inata do medo
(e, consequentemente, o medo do fracasso e da frustração no estudo explicaria a fuga de
estudantes). A classificação de Mac Dougall, contudo, apesar de seu brilho e notável
amplitude, teve por fundamento tão-sòmente observações empíricas esporádicas. Por
sua vez Watson, em seu agressivo combate ao conceito de "instinto" e demais noções
"mentalistas" e "subjetivistas", que queria eliminar da psicologia "objetiva" do
comportamento, tentou o estudo experimental e sistemático dos supostos "instintos" e
das emoções. Armado com as técnicas do método de condicionamento de Pavlov e
Bechterev, pôde Watson desenvolver diversas pesquisas multiplicadas e aperfeiçoadas
posteriormente por seguidores e opositores. Talvez futuramente se venha a considerar
sua tentativa de tratamento experimental do problema como de maior relevância do que
as verificações a que chegou, pelo menos do ponto-de-vista históvico no que se refere à
evolução da psicologia experimental. Não obstante, Watson fêz descobertas
significativas e valiosas e em relação ao medo observou que em crianças muito
pequenas, os estímulos que provocavam as respostas inatas de medo eram os ruídos
fortes, os dolorosos e os de queda (súbita falta de apoio e consequentes quedas de
alguns centímetros). As diversas reações, apresentadas pelas crianças-paciente a tais
estímulos, formavam o quadro do que se considera comumente como reações de medo.
Watson não encontrou tais reações inatas de medo ao escuro, a animais a pessoas etc,
certeza esta sustentada no perfeito conhecimento que tinha dessas crianças quanto às
suas experiências prévias.
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No entanto, outros pesquisadores averiguaram a falta de regulai idade e persistência
das reações de medo, raiva e amor às situações-estímulo que Watson julgara descobrir.
Outras pesquisas foram verificar que não só tais reações nem sempre ocorriam, como
também que não havia formas nitidamente distintas de reações de raiva, medo e amor.
Além disso, a psicologia tem sido levada a admitir que tais emoções-motivação não
seriam as únicas primárias, isto é, inatas, como pretendia Watson. Watson todavia
estendeu sua pesquisa, sem dúvida pioneira, ao problema das aquisições de medo, raiva
e afeto a estímulos anteriormente neutros, inefetivos, partindo dos estímulos
determinantes que conseguira isolar. É neste plano de sua pesquisa que empregou
sistematicamente o método do condicionamento, concentrando seu trabalho em torno
do medo e da "aprendizagem" de medoº e estímulos anteriormente indiferentes. Quanto
a esta parte, a contribuição revolucionária de Watson foi muito mais consequente e
sofreu muito menos reparos e restrições com as pesquisas posteriores. Certamente, não
apenas o condicionamento puro e simples, mas também a imitação, a sugestão e a
persuasão, levam a criança a adquirir mêdos e tanto mais intensos e mais frequentes
quanto mais sensibilizada, traumatizada, emotiva, frágil e conflitiva fôr a criança.
O problema do medo assume extraordinária e crescente importância na vida
moderna porque dele procede o fenômeno mais extenso, mais profundo e de mais
difícil controle que é o do medo ao medo e do medo vago, difuso fisicamente aflitivo,
perturbador, conhecido como "angústia" ou ansiedade. Já de longa data e
principalmente após os estudos de Freud, é a angústia considerada como básica e
nuclear nas neuroses e nos desajustamentos em geral. O assunto tem interessado
largamente não apenas aos psiquiatras e psicólogos, mas igualmente a filósofos,
educadores, sociólogos, políticos, militares e aos clínicos em geral, aos juízes,
promotores, policiais, advogados, desportistas, sacerdotes, cirurgiões, administradores,
financistas etc. Rollo May observa que da "época da angústia encoberta" passamos nos
tempos de hoje à "angústia descoberta", da implicita à explicita (1950). Estudando de
modo sistemático o assunto, assinala como sua importância e extensão são
reconhecidas e advertidas na filosofia e na literatura modernas desde Spinoza ei Pascal,
culminando com Kierkegaard. Cabe ressaltar porém que o problema se apresenta de
modo totalmente diverso a este grupo de profissionais e especialistas que assistem,
ajudam, amparam, servem, orientam e informam aos indivíduos como os médicos em
geral, os psiquiatras em particular, os dentistas, os psicólogos, os educadores, os advo-
gados, os enfermeiros e os assistentes sociais. Para esses porfissionais não se trata
apenas de estudar o probl;- ia da angústia e do medo, mas principalmente resolvê-lo, ou
reduzi-los. Este é o aspecto prático que avulta em complexidade, relevância e urgência
especificamente no campo da assistência psiquiátrica e psicológica, mas às vezes com
maior premência e intensidade no campo da assistência médica e odonto-cirúrgica. É
problema prático primordial e essencial frequentemente nas competições desportivas e
também nas provas escolares e nos concursos às vagas dos estabeleci-
mentos de ensino e de empregos públicos e particulares. Enfim, é problema normal,
embora eventual, isto é, manifestação desprovida de caráter mórbido, presente na vida
de todos, problemas sem morbidez mas anormal e frequente na vida do neurótico e
psicopata, sendo caracteristicamente mórbido e agudo no psicótico. A natureza e
intensidade das reações de medo e ansiedade tornam obrigatório o estudo e tratamento
prático independentemente das etapas porventura já alcançadas no campo teórico-
experimental. Em outras palavras, os casos têm de ser enfrentados e resolvidos de uma
ou de outra maneira com a experiência empírica, a capacidade de observação, o tato e o
engenho dos profissionais e responsáveis que se deparem com problemas de medo e
angústia em seu caminho, não obstante a inexistência de princípios explanatórios
suficientemente adequados e gerais.
O genial Freud, fundamentado nos ensinamentos de sua casuística excep-
cionalmente rica graças ao método psicanalítico, foi categórico ao realçar que a
angústia constituía o problema básico nas neuroses e a maior dificuldade para a ação
psicoterápica do psicanalista. Foi este fato, percebido inicialmente por Freud, uma das
razões principais que levaram Rogers e os demais psicólogos expoentes da
"psicoterapia não dirigida", ou, como a preferem, a psicoterapia centralizada no cliente
(client-centered therapy), a eliminar as interpretações e os critérios e esquemas para
interpretação no contato que travavam com seus examinados. Ao invés de procurarem
compreender e enquadrar as associações livres dos pacientes de acordo com
determinados princípios, adotaram a atitude de atenção comunicativa (sem o divã,
prefe-rindo-se geralmente o vis-a-vis em torno duma mesa), com intervenções que
apenas sublinhavam, repetiam e distinguiam as associações positivas e indicativas do
assistido e que se destinavam a esclarecimentos, apoios etc, de modo a favorecer o
crescimento, a maturação e a aceitação de responsabilidades da parte dele. Nesta
atmosfera mais "permissiva", mais "aceitável", mais flexível e sem liderança ostensiva,
conseguia-se vencer melhor as resistências originadas pelos medos e ansiedades. É
claro que para o psicanalista, este seria o preço da menor profundidade e da suposta
superficialidade do método introduzido por Rogers e amplamente desenvolvido e utili-
zado hoje principalmente nos Estados Unidos. O fato inconteste porém é que reduz
marcadamente a angústia dos clientes durante as sessões e subsequentemente também
em suas relações sociais, em menos tempo do que a metodologia diríamos
interpretativo-profunda da psicanálise. E, no que se refere ao aspecto prático do
problema, esta rapidez é preferível mesmo por que os fundamentos doutrinários da
longa duração nos quais se pretende apoiar a psicoterapia chamada profunda, são assaz
controvertidos do ponto-de-vista científico. Ademais, a experiência das escolas
maternais e de 'jardins de infância", das escolinhas de arte, des métodos livres da
"escola nova" e principalmente dos contatos bem sucedidos obtidos por psicote-
rapeutas infantis, por pediatras e por odontopediatras, graças ao ambiente de interesse,
liberdade, tolerância e não-interferência ostensiva que proporcionam em seus
gabinetes aos pequenos clientes, tem comprovado que a
redução mais rápida da angústia e do medo é altamente benéfica e útil em numerosos
casos. A imaginação, a empatia, a arte e a inteligência desses psicoterapeutas, pediatras
e odontopediatras, suprem e substituem satisfatoriamente a falta de conhecimentos
teóricos e precisos sobre os fenômenos do medo e da angústia e, além disso, resolvem,
pelo menos para seus fins imediatos e de emergência, os problemas e óbices
decorrentes dessas perturbações emocionais.
A angústia (ou ansiedade) é geralmente admitida como uma apreensão difusa e sua
principal diferença do medo, é que este constitui uma reação à um perigo específico
enquanto a primeira é inespecifica, vaga e sem objeto. Ambas as reações se alteram
porém na criança que é examinada pela primeira vez por dentistas ou médicos porque
sentirá estranheza, insegurança e pequenos desconfortos e dores com o instrumental e
as técnicas de exames. Fatores culturais se acrescentam através da sugestão, queixas e
intimidações referentes a dores durante os exames etc. Surgem portanto problemas que
têm de ser resolvidos de modo prático e rápido e, sempre que possível e em geral
preferível, de modo não-traumatizante e não agravante do medo. Ninguém ignora que o
"senso-comum" é a conduta pre cursora da atitude científica. Mas, agem com muito
mais correção, sabedoria e ética, os psicoterapeutas, pediatras, educadores e
odontopediatras que procuram apurar seu sadio "senso-comum" com os ensinamentos
das pesquisas experimentais e clínicas.
Butler e os demais "psicoterapeutas" que adotam a client centered the-rapy, não
recusam méritos à chamada "psicoterapia" profunda e de longa duração. Mas,
propondo-se à obtenção de resultados favoráveis em tempo menos demorado,
verificaram que reduziam a angústia e a resistência do sujeito pela centralização do
contato em torno de suas associações mai3 significativas e de seus próprios insights
(discernimentos, intuições e esclarecimentos espontâneos), desenvolvendo mais
rapidamente, por este meio, seu ajustamento e segurança (1953).
Exigências prementes, individuais e sociais, condicionam frequentemente o apelo à
"psicoterapia" no caso de oferecer possibilidades de breve duração. Por esta ou aquela
razão e atingindo ou não a uma suposta e hipotética "profundidade" ideal, o fato é que a
corrente de "psicoterapia" centralizada no cliente tem conseguido certos resultados
sensíveis e práticos em curto prazo. Mesmo que tais resultados nada mais sejam do que
a redução da ansiedade, a desinibição mais ampla, a maior espontaneidade e o
progressivo aumento da autocompreensão, do autocontrole e da autoconfiança, a ver-
dade incontestável é que se torna útil do ponto-de-vista prático ao indivíduo e a seu
meio. As doutrinas, que apenas admitem a "psicoterapia" de longa duração e análise
profundas, fundamentam-se em hipótese e conjeturas muitas vezes afoitas em demasia.
E os fatos comprovantes que alegam não passam frequentemente de interpretações
discutíveis.
Já Eysenck (1952) encara o problema da "psicoterapia" psicanalítica e qualquer
outra sob prisma totalmente diverso. Baseado nos estudos estatísticos que vem
realçando e em suas próprias observações, afirma
peremptoriamente não haver a menor evidência de que os dois casos de sucesso em
cada grupo de três, possam ser atribuídos à ação do suposto "psicoterapeuta" como
fator decisivo. Insiste nesta conclusão armado com o fato de que dois em três se
recuperam também sem qualquer assistência psicoterápica. Mas, acrescentaríamos nós,
nada implica dizer que não seja benéfica a ação de cada dois "psicoterapeutas" em três.
Eysenck e outros críticos dos altos vôos e das ainda mais altas pretensões dos "psico-
terapeutas" em geral, não podem em princípio repudiar a explicação moti-vacional do
fenômeno em causa. Com efeito, os indivíduos mais motivados e instigados ao seu
esclarecimento e melhor autogoverno e ajustamento social e emocional, acabarão se
beneficiando graças à persistência e intensidade de tal motivação que forçosamente
proporciona oportunidades, con-tatos, experiências, interesses, leituras e iniciativas
favoráveis com ou sem a assistência da "psicoterapia". Nada disto implica a rejeição do
"psicoterapeuta" como agente benéfico, como também nada justifica a tese de que são
as "interpretações" dos psicanalistas ou as repartições esclarecedoras do
"psicoterapeuta" centralizado no cliente que constituem os determinantes decisivos das
modificações felizes e adaptativas da conduta dos sujeitos assistidos. Tais
"interpretações" e "esclarecimentos" podem aumentar a motivação do sujeito e reforçar
seu interesse e obstinação no sentido do bom resultado final, como também podem
contribuir eventualmente para sua autocompreensão e consequente melhoria de seu
autocontrole e autoconfiança. Algumas vezes, por outro lado, "interpretações" dog-
máticas, esquemáticas, supersimplificadoras e supergeneralizadoras resultantes do
rígido apego a certos princípios doutrinários, podem agravar os conflitos, sofrimentos e
confusões do sujeito, o que não sucede com a técnica centralizada no cliente. Assim,
além de reduzir a angústia pela aceitação 6 relevo sistemáticos que dá as associações e
personalidade do sujeito, tal técnica evita a grande margem de erros, projeções,
precipitações e preconceitos inevitáveis com as interpretações fundamentais em
princípios meramente hipotéticos e nunca submetidos à experimentação científica e ao
controle estatístico. Por sua vez, o psicanalista com personalidade mais flexível, mais
tolerante, mais criteriosa, mais ponderada, mais afetiva e mais empática, e, além disso,
com mais cultura geral e especial e maior inteligência e perspicácia, poderá, através do
contato mais duradouro preconizado por sua metodologia, alcançar resultados mais
eficientes e mais amplos. Acresce a estas vantagens ainda que o psicanalista nas
condições acima descritas, tenderá a reduzir também rapidamente as ansiedades e
resistências do sujeito a despeito das "interpretações" que via de regra aumentam as
reações de angústia. Neste caso porém há que se considerar uma personalidade culta,
inteligente, criteriosa, empática etc, que evita a rigidez e a extrapolação mesmo na
aplicação de seus conceitos doutrinários.
15 de se admitir pois que nas relações humanas em geral, certas personalidades
tendem mais do que outras a reduzir a angústia e a inibição das pessoas com que
entram em contato. Isto explicaria em grande parte o maior êxito de certos
dentistas, pediatras e professores no contato com
crianças sob suas atenções profissionais. O problema assume relevância maior e talvez
ainda não devidamente considerada, no vastíssimo campo da educação. As dificuldades
encontradas para a compreensão das aulas e das leituras de lições para estudo
individual, o temor às provas e notas, o receio da reprovação; a atitude de diversos
professores por vezes distante e outras vezes fria, às vezes hostil e outras indiferentes,
às vezes exigente e outras vezes impiedosa; a competição dos colegas que
frequentemente intimidam ao invés de emularem; os mal-entendidos e pré-julgamentos
de alunos para comentários, conselhos, censuras e advertências de professores e
inspetores recebendo-os e interpretando-os como prevenção, perseguição, "marcação"
ou ameaça, etc, etc, interferem amiúde no ajustamento do aluno e aumentam os óbices
para o bom contato e a comunicação eficaz entre mestres e discípulos. É um verdadeiro
herói o professor que consegue ao mesmo tempo respeito, amizade, admiração,
interesse e atenção dos alunos. O mestre que consegue estabelecer relações de tão
elevado e positivo estilo, deve-o não apenas ao seu talento na arte de ensinar e de
liderar, nem tampouco apenas à sua cultura e capacidade de transmitir conhecimentos e
de motivar o estudante, mas também, e principalmente, porque pôde superar as
resistências, angústias e prevenções dos alunos, levando-os progressivamente a se
convencerem de que é bem intencionado, justo. íntegro, bom, preparado, amigo,
esforçado, tolerante, compreensivo, exigente e honesto. Naturalmente, a convergência
em grau ótimo de todas essas qualidades na mesma pessoa, deve ser ocorrência rara e
excepcional, mas, em grau satisfatório, é frequente. Admitiríamos, pois, que, além do
interesse vocacional, da capacidade de expressão, do conhecimento da matéria, da
paciência, do uso de recursos didáticos e da autoridade disciplinadora, o êxito na
técnica de ensinar deve muito ao contato humano que reduz as ansiedades e os medos
dos alunos, tanto em relação ao professor (como a autoridade que pode punir e
reprovar), como à sua cadeira. O professor "humano", que além da autoridade, preparo
e senso de justiça demonstra interesse, consideração e estima pelo aluno, é geralmente
o professor de sucesso, sempre elogiado e apontado inclusive como capaz de transmitir
conhecimentos áridos até às pedras. Já o mestre talentoso e culto mas supercrítico, ou
supernarcísico, ou simplesmente distante e orientado principalmente para a matéria e
seu programa e não para o aluno, poderá ter seus fãs-clubes, mas ensinará de fato à
minoria insignificante de seus discípulos.
Além desta analogia com a "psicoterapia" centralizada no cliente, a função de
ensinar apresenta outra. Não se concebe qualquer êxito em sua ativi-dade profissional,
do psicoterapeuta incomodado por problemas e dificuldades de ordem financeira e
afetiva. Também o professor afetado por tais transtornos fracassará em seu contato e
interesse humanos e didáticos com os alunos. Os psicanalistas conseguem resolver a
questão por exercerem profissão liberal que lhes permite arbitrar o preço de seus
serviços. Já o professor depende da conjuntura econômico-financeira da sociedade em
geral e de seu educandário em particular. Fazemos, esta ressalva por-
que neste setor qualquer sugestão psicológica referente à arte de ensinar encontra
limitações sócio-econômicas além do âmbito técnico de ensino do professor. Nem por
isto se justifica o desprezo, a indiferença ou a subestimação dos requisitos
comprovadamente ótimos para o êxito do ensino.
A medida que mais se liga à vida individual e social das pessoas e os fatos
quotidianos, corriqueiros ou não, a psicologia supera tanto ;i "torre de marfim" inicial
do estudo desinteressado da "mente em geral", quanto o tecnicismo estreito e crédulo
que via de regra subestimava ou esquecia o indivíduo para girar em torno dos tabus de
números, gráficos e aparelhos geralmente de fundamentação precária. Em
consequência, presenciamos hoje verdadeira reviravolta que leva a psicologia a
caminhar no sentido da fundamentação teórica, experimental ou estatística, de seus
dados quantitativos e processos técnicos e não na desordenada acumulação de fatos e
sua simples tradução numérica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUTLER, JOHN M. — Prospects and Perspectives in Psychotherapeutic Theory and
Research, In "Learning Theory, Personality Theory and Clinicai Research", Wiley,
New York, 1953.
EYSENCK, H. J. — The Scientific Study of Personality, London, Routledge, 1952.
Boletim do Instituto de Psicologia, Rio.
EDUCAÇÃO E NACIONALISMO
ANISIO TEIXEIRA
Impossível negar que estamos vivendo uma hora de vigor da consciência brasileira
em relação a certos aspectos econômicos do nacionalismo. O monopólio estatal do
petróleo, por exemplo, acabou por se fazer o símbolo do sentimento nacionalista. Mas
o nacionalismo brasileiro não pode ser reduzido a símbolo nem ter apenas vida
simbólica.
Nacionalismo é, fundamentalmente, a tomada de consciência pela nação de sua
existência, de sua personalidade e dos interesses dos seus filhos. Pelo nacionalismo, os
indivíduos da nação se fazem verdadeiramente irmãos e tudo que atinja a cada um
passa a atingir a todos. Por isto mesmo, a.ntes de mais nada, o nacionalismo aguça em
cada um o sentimento de justiça para com os demais habitantes do país, impondo a
participação de todos na vida nacional e fazendo crescer a coesão o a consciência de
igualdade entre êles. Passam todos, efetivamente, a se sentirem cidadãos da mesma
pátria, com direito à mútua solidariedade e a certa igualdade fundamental.
Não é, assim, o nacionalismo senão e apenas indiretamente um movimento de
defesa do país contra inimigos externos. Muito mais do que isto, é um movimento da
consciência da nação contra a divisão, o parcelamento dos seus filhos entre
"favorecidos" e "desfavorecidos" e contra a alienação de sua cultura e de seus gostos,
voltados antes para a imitação e a admiração do estrangeiro do que para o amor
esclarecido de suas próprias coisas; e a favor da integração de todos na pátria comum,
com um mínimo de justiça social, a favor do desenvolvimento de sua cultura como
cultura própria e autónoma e a favor da solução de suas contradições econômicas e
sociais e da correção gradual de seus defeitos maiores, que passam a ser reconhecidos
sem desprezo, analisado? com denodo e vigorosamente combatidos.
Esse movimento é, pois, acima de tudo uma mudança de mentalidade, um novo
estado de espírito, uma emancipação, uma chegada à maioridade, uma afirmação de
vontade afinal madura e superior: a plena consciência de um desígnio coletivo, capaz
de dar à nação coerência e de lhe dirigir a vida.
Por que meios — mais do que quaisquer outros — se há de tornar realidade esse
estado de espírito e essa afirmação de vontade?
Por certo que pelo novo comportamento dos indivíduos em face dos problemas
nacionais, afinal sentidos, analisados e esclarecidos, e por cujas soluções radicais ou
graduais passarão a lutar com disciplina, esforço e coerência. E isto é o que vimos
tentando no campo do desenvolvimento econômico.
Mas, bastará isto? Tão importante, senão mais importante, terá de ser a
transformação da escola brasileira, do nível primário ao superior, para fazê-la volver ao
próprio país, ao estudo do Brasil, de sua língua, de sua história, de sua cultura e de seus
problemas e das soluções que lhes estamos dando ou não lhes estamos dando. E isto é o
que não vimos fazendo.
Com efeito. Da escola primária nem se pode falar, pois, reduzida a quatro anos de
curso, ministrado em turnos de meio e um terço de dia, mal chega a ensinar as técnicas
fundamentais da cultura escrita. Na escola secundária, entretanto, já se afirmam
gritantes os aspectos desna-cionalizantes. A língua portuguesa é ensinada no mesmo pé
de igualdade de várias línguas estrangeiras e de uma língua morta. A importância da
história do passado e do estrangeiro é infinitamente maior que a da história nacional.
Na geografia, o mesmo. A cultura nacional, o desenvolvimento nacional, a história
contemporânea do Brasil, ninguém poderá dizer que sejam estudadas na escola
secundária brasileira. E não o são também na Universidade. Na Faculdade de Filosofia,
a língua portuguesa e a literatura brasileira são uma fração do departamento de línguas
neo-latinas. Um jovem pode formar-se sem tomar contato com nenhum dos livros da
imensa brasiliana, que já possui o país. Sem conhecer um só dos seus autores, pois não
se pode considerar conhecê-lo saber-lhes os nomes e um ou outro excerto
antológico.
Com uma escola assim desnacionalizada e desnacionalizante, como esperar que a
juventude se sinta esclarecida para conduzir, como vanguarda que é, o movimento
nacionalista? Que admirar limite ela seu nacionalismo ao petróleo, que por mais
importante que seja, não constitui senão simbolicamente a emancipação nacional?
Esta emancipação não nos virá pelo petróleo, mas pelo homem brasileiro,
infinitamente mais importante que o petróleo. Este homem brasileiro é que será o
construtor do Brasil. E quem o tem de formar será a escola brasileira.
A escola brasileira é que lhe irá ensinar a compreender o Brasil, mos-trar-lhe a sua
evolução, apresentar-lhe a sua estrutura social em transformação, indicando-lhe os
defeitos arcaicos e as qualidades novas em surgimento, dar-lhe consciência dos seus
triunfos e dos seus característicos, com exaltação dos aspectos originais — a sua
democracia racial, por exemplo — e crítica aos defeitos maiores: a insensibilidade, por
exemplo, para com a imensa parcela ainda não integrada da nação — os analfabetos, os
miseráveis, a população rural que vegeta por esse imenso país a fora; o espírito-de
aproveitamento, que o estado de pobreza gera em todos os que sobem ã tona e escapam
ò. desgraça de ser no país apenas povo, a corrupção generalizada que é, mais do que
tudo, manifestação de alienação, que o Brasil não é um bem comum, mas algo antes
apropriado por privilegiados e hoje assaltado pelos que conseguem tomar um pouco das
mãos de tais privilegiados e ganhar, deste modo, o direito de também explorá-lo em seu
próprio benefício.
Se o nacionalismo, concebido em seus aspectos negativos, fôr a tomada de
consciência dos que prejudicam o crescimento da nação, dos inimigos desse
desenvolvimento, não há como não descobri-los tanto no interior quanto no exterior. E
os inimigos do interior serão todos os que explorem e roubem o Brasil, seja pelo ato
francamente espoliativo, seja por dificultarem que os seus recursos públicos se
apliquem com as prioridades, a eficiência e a justiça indispensáveis, a fim de que se
integrem na pátria todos os seus filhos, dentro de um mínimo de igualdade e decência.
A primeira tomada de consciência, pois, será a tomada de consciência de nossa
atual pobreza e a austeridade com que nos teremos de conduzir, para apressar essa
integração.
Nacionalismo será assim antes de tudo uma aguda consciência de toda e qualquer
situação de privilégio, acompanhada do desejo real e profundo de reparar essa situação
de privilégio com os sacrifícios necessários para a correção da injustiça.
Como o entendo, o nacionalismo não corresponderá a nenhuma obsessão
petrolífera, a nenhuma busca de bodes expiatórios no estrangeiro, mas a uma tomada
de consciência do nosso atraso, à lúcida percepção de suas causas e à corajosa
correção de todas as nossas atitudes, de todos os
nossos comportamentos, que, de um ou outro modo, constituem as raízes desse
subdesenvolvimento econômico, político, social e cultural.
Só a escola, e uma escola verdadeiramente de estudos e de conhecimento do Brasil, poderá
mostrar-nos o caminho para esse imenso esforço de emancipação nacional. Tal escola não poderá
ser a escola privada, mas a escola pública, pois só esta poderá vir a inspirar-se nessa suprema
missão pública, a de nacionalizar o Brasil. — (.Senhor, Rio)
JORNAIS
O ENSINO TÉCNICO E O PROJETO
MOYSÉS BREJON
A análise do projeto de Lei n. 2.222-C, que fixa as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, mostra-nos os graves riscos em que incorrerá o sistema nacional de
educação, caso seja êle aprovado. Como tem sido repetidamente demonstrado, além de
conter dispositivos inconstitucionais e antiliberais, alguns de seus tópicos contrariam
princípios pedagógicos, enquanto outros, por serem excessivamente regulamentadores
e inconvenientemente dispostos, ferem a boa técnica legislativa. Sua redação
insatisfatória, por vezes pouco clara e imprecisa, permitirá interpretações duvidosas.
Ainda mais, sobretudo no que tange a assuntos de financiamento, aspira a introduzir
diretrizes que certamente constituirão sério obstáculo à democratização de nosso
sistema educacional.
No presente trabalho, pretendemos realizar uma análise sumária do que se contém
no Capítulo III, referente ao ensino técnico de grau médio. Mas fora deste capítulo,
encontramos um importante tópico, o parágrafo 3º do artigo 35, onde se lê que "o
currículo das duas primeirasries do primeiro ciclo será comum a todos os cursos de
ensino "médio, no que se refere às matérias obrigatórias". Agiram bem os responsáveis
pelo projeto, conservando a redação com que já havia sido enunciado este dispositivo
em substitutivos anteriores. Na verdade, não pode mais ser negada a importância
educacional e social da inclusão de disciplinas comuns principalmente nos anos iniciais
dos vários ramos de ensino médio. Tal medida, cuja importância é ressaltada por
numerosos educadores, também tem sido tomada pelos reformadores do ensino em
muitos países, apesar de dificuldades apresentadas à sua concretização em virtude,
principalmente, da extensão do ensino médio e das tendências conservadoras
predominantes nos seu? sistemas. Também no caso do ensino técnico, aquela medida
assume uma importância inegável, quer se considere a necessidade de formação geral
dos educandos, quer a feição utilitária destes cursos. De fato, as disciplinas de
formação geral também respondem às necessidades de produção, uma vez que se
admite a existência de um "paradoxo relacionado com a instrução vocacional. Quanto
mais vocacional, mais estreita, quanto mais estreita, menos provavelmente servirá para
a vida".
Mas aquilo que pode parecer uma conquista do projeto, não o é, realmente. Assim,
êle prevê a inclusão de quatro disciplinai do curso "ginasial secundário" nas duas
últimas séries do curso industrial, sendo uma delas
optativa. Ora, atualmente já integram o currículo dessas séries quatro disciplinas do
curso ginasial. Fato semelhante ocorre com o segundo ciclo, isto é, o chamado curso
técnico, no qual o projeto prevê a inclusão de cinco disciplinas comuns ao curso
colegial, sendo uma optativa. E contudo, no atual currículo do curso técnico já existem
oito disciplinas comuns ao curso colegial. Não pretendemos, contudo, concordar com a
nossa legislação que supõe a igualdade dos currículos como condição para a
equivalência. Esta pode ser aceita em função da maturidade do educando e dos
conhecimentos, não necessariamente iguais, que êle possui. Mas, qualquer redução das
denominadas disciplinas de cultura geral dos nossos cursos industriais praticamente
impossibilitará a articulação, que é considerada uma das condições dos sistemas
democráticos de educação. Entre nós, a articulação, já dificultada por imposições de
ordem legal, tornar-se-ia muito mais difícil com a aprovação do projeto.
O artigo 49 apresenta uma "contribuição": a adoção de nova nomenclatura para
ambos os ciclos do curso secundário, do curso agrícola e do comercial, sendo que, para
o curso normal, semelhante providência é tomada em outro dispositivo. No artigo
citado, lê-se que "os cursos industrial, agrícola e comercial serão ministrados em dois
ciclos: o ginasial, com a duração de quatro anos, e o colegial, no mínimo de três anos".
Esta alteração de nomenclatura, que já havia aparecido no substitutivo de 29-9-59,
mereceu então o seguinte comentário do Prof. Abgar Renault: "a adoção de novas
denominações para os cursos básicos e para os seus segundos ciclos afigura-se
defeituosa, isto é, pleonástica porque curso ginasial e curso colegial são sempre
secundários, pelo menos em nosso País. Além disso, as novas denominações criarão
confusão desnecessária c não darão o resultado desejado, porque não é por meio de
palavras que se prestigiam cursos de qualquer natureza. (Tudo indica que se procura
denominar secundário os cursos técnicos de grau médio para o efeito de atrair para eles
maior número de candidatos)".
Na verdade, insistimos nós, a simples alteração da nomenclatura dos cursos
médios não modifica a situação em que estes se encontram. A reduzida procura dos
cursos industriais não resulta, certamente, da sua denoninação atual. Outras causas,
algumas bem conhecidas, estão a indicar que o desinteresse pelo ensino técnico, da
parte da população em geral (e também do governo), não é motivado pela sua
denominação, cuja mudança, portanto, não garantirá que êle seja procurado por um
maior número de interessados. Conforme a nomenclatura preconizada no projeto, os
cursos de ensino médio passariam a denominar-se: ginasial secundário, ginasial
industrial, ginasial comercial, ginasial agrícola, ginasial normal, colegial secundário,
colegial industrial etc. E é nisto que consiste a inovação proposta!
O parágrafo 4º
º
do artigo 49 declara que, "nas escolas técnicas e industriais, poderá
haver entre o primeiro e o segundo ciclo um curso pré-técnico de um ano, onde
serão ministradas as cinco disciplinas do curso
colegial secundário" e o parágrafo 5º especifica que, "no caso de instituição do curso
pré-técnico, previsto no parágrafo anterior, no segundo ciclo Industrial poderão ser
ministradas apenas as disciplinas específicas do ensino técnico". Aqui não podemos
concordar com a concessão do legislador. Tal medida, certamente, não traria qualquer
vantagem para a formação do aluno ou para a simplificação das atividades.
Gostaríamos de saber de que maneira passaria a ser ministrado, em apenas um ano, um
ensino cujo currículo atual, conforme a Lei Orgânica, é de três anos, e que deverá
passar a quatro ou mais anos de acordo com dispositivo da Lei Federal nº 3.552, de 16
de fevereiro de 1959, que dispõe sobre a nova organização dos estabelecimentos de
ensino industrial do Ministério da Educação e Cultura.
Ademais, no currículo atual dos cursos industriais de segundo ciclo, isto é, nos
cursos técnicos propriamente ditos, as disciplinas de cultura geral são oito c não cinco.
Reduzi-las, como quer o projeto, seria inconveniente, pois esta medida prejudicaria a
formação do técnico e dificul-ria a articulação dos cursos respectivos com os cursos
superiores. Os conhecimentos do técnico de grau médio também repousam sobre uma
base teórica, cujo ensino não pode ser reduzido em extensão ou em profundidade.
Observe-se que, no atual currículo dos cursos técnicos, as disciplinas de cultura
geral, distribuídas em três séries, são ministradas, assim consideradas globalmente,
num total de trinta e quatro aulas semanais, enquanto, em conformidade com o projeto
em apreço, tudo isto se acumularia em apenas um ano. Ora, somando-lhes mais quatro
aulas, as denominadas práticas educativas, teríamos um total de trinta e oito aulas
semanais que se acumulariam assim em uma única série. Neste caso, portanto,
disciplinas que são atualmente ensinadas durante os três anos do curso técnico
passariam a ser lecionadas em um único ano, caso se instituam os cursos pré-técnicos.
E se fôr necessário, por exemplo, que se acumulem em um ano nove aulas semanais da
uma mesma disciplina que, presentemente, dada a importância e extensão do seu
programa, é distribuída em três séries, cada uma com três aulas semanais? Reduzir o
número de horas de estudo seria desvirtuar as finalidades do curso. Por outro lado, os
alunos, sobrecarregados com tão grande número de aulas de cultura geral, ficariam
praticamente impossibilitados de cursar as disciplinas de cultura técnica no mesmo ano.
Estas, de acordo com a Lei Orgânica do Ensino Industrial, devem durar vinte e uma,
vinte e cinco e vinte e seis horas semanais, respectivamente, no primeiro, no secundo e
no terceiro ano do curso técnico. Assim, no curso pré-técnico, teríamos trinta e quatro
aulas de cultura geral, às quais se somariam, no mínimo, mais vinte e uma horas de
oficinas e mais quatro de práticas educativas. Seriam necessárias cinquenta e nove
horas semanais de atividades escolares. Mas, se fossem eliminadas as atividades de
oficina no curso pré-técnico, como parece sugerir o projeto, muitos alunos, já subme-
tidos a quatro anos de treinamento em tais atividades, seriam levados a interrompê-las
durante todo um ano, medida que também é condenável, por
motivos óbvios. Os cursos técnicos exigem uma formação teórica e prática paralela,
exigem a conjugação dos esforços do pensamento e da ação, sem o que se prejudicaria
a sua organicidade.
O artigo 50 enuncia que os estabelecimentos de ensino industrial poderão manter,
além de outros, "cursos de aprendizagem, básicos ou técnicos, bem como cursos de
artesanato e de mestria, estes últimos com a duração de quatro anos, divididos em dois
períodos iguais, o primeiro denominado de "artesanato", e o segundo, de "mestria".
Assim, os cursos de mestria serão divididos em dois períodos iguais: o de mestria
(mestria simplesmente ou, então, mestria de mestria) e o de artesanato de mestria.
Confuso, portanto, o artigo 50.
O mais importante, porém, é que o projeto pretende restabelecer cursos de mestria,
já condenados, há vários anos, pelo próprio Ministério da Educação, pelo II Congresso
Brasileiro de Organização Científica e por alguns educadores. Sua existência, garantida
pela Lei Orgânica do Ensino Industrial, ainda de 1942, não é mais prevista na nova
legislação federal. A lei nº 3.552, de 16 de fevereiro de 1959, que dispõe sobre a nova
organização dos estabelecimentos de ensino industrial do Ministério da Educação e
Cultura, nem sequer a menciona. Note-se que as escolas técnicas federais, embora em
número reduzido, estão disseminadas por todo o País e nelas não se prevê a criação de
tais cursos. Algumas escolas que chegaram a mantê-los, suprimiram-nos por
insatisfatórios. Também no Estado de São Paulo, pretende-se extingui-los. O projeto de
lei n' 118, de 1960, ora em tramitação na Assembleia Legislativa Estadual, não lhes faz
referência. Este projeto prevê a criação de cursos de iniciação industrial, de cursos
básicos industriais, técnicos industriais, de aprendizagem industrial, além de outros.
Não prevê, porém, a criação de cursos de mestria, devendo ser extintos os que existem,
por serem considerados obsoletos.
Não pretendemos negar a grande importância que desempenham na indústria os
denominados mestres, ou condutores de trabalho, ou capatazes, su-perviosres, feitores
ou quaisquer outros elementos dos quadros médios que recebem denominações
variadas, mas que exercem, sobretudo, funções de liderança. O que não podemos é
concordar com a maneira pela qual se pretende formá-los, uma vez que o projeto não
considera, adequadamente, a função do mestre na indústria, principalmente ao
preconizar a divisão do curso de mestria em dois períodos iguais, a saber, o de
artesanato e o de mestria. Cursos de mestria com características artesanais não têm
mais sentido. O mestre, como deve ser considerado hoje, pode ser recrutado nas
próprias atividades industriais, entre os elementos mais capazes, possuidores de
adequada formação de base, com qualidades de liderança e requisitos para bem
conduzir as relações humanas. Não se prepara um mestre em um curso de natureza
artesanal de quatro anos. Mesmo que o curso de mestria fosse estruturado
especificamente para atender às necessidades da indústria atual (necessidades que não
são artesanais relativamente aos mestres), excepcionalmente estaria o seu concluinte
em condições de exercer a função de mes-
tria, para a qual são exigidas qualidades especiais que a escola não pode desenvolver
satisfatoriamente. A formação do mestre pode ser feita em tempo reduzido,
especialmente com o emprego de métodos adequados, por exemplo, com a aplicação do
Método de Supervisão TWI, de preferência se aproveitados aqueles elementos que,
possuidores de uma formação geral e técnica conveniente, tenham revelado especial
aptidão para a liderança.
A propósito do assunto, afirmou o Prof. Flávio Penteado Sampaio: "Compreende-
se facilmente que o bom desempenho das funções de mestria exige dois cuidados
indispensáveis: I — a seleção das pessoas que vão exercer as funções. II — A sua
preparação suplementar em técnicas da liderança e de treinamento de pessoal e de
aperfeiçoamento". Não será, portanto, em cursos com características artesanais que se
preparará agentes de mestria. O esforço educacional, a formação de nível médio de
quatro anos deve ser destinada à formação de verdadeiros técnicos que, com base
numa formação geral e técnica, tenham capacidade para o "desempenho de funções de
imediata assistência a engenheiros ou a administradores ou para o exercício de
atividade em que as aplicações tecnológicas exigem profissional dessa graduação".
Estes, os verdadeiros técnicos, não podem ser formados em cursos de emergência ou
no próprio trabalho.
É visando à formação do técnico industrial e não do "mestre de ofício", que os
esforços devem ser concentrados, de tal forma que sejam despendidos a favor dos
indispensáveis contingentes de trabalhadores de nível médio, os quais, então, com
adequada formação técnica e suficiente base de cultura geral, poderão integrar-se na
comunidade e travar a luta pela produtividade e contra o subdesenvolvimento.
Como vimos, também na parte referente ao ensino industrial, as deficiências,
lacunas e impropriedades do projeto são de molde a nos pôr de sobreaviso quanto aos
nefastos resultados que poderemos esperar se êle se transº formar na lei básica da
educação no País. — (O Estado de São Paulo, São Paulo).
CONDIÇÕES PRÉVIAS PARA UM DIÁLOGO
TOMAs CARDONNEL
Um de meus principais motivos de inquietude é o número ínfimo de homens que,
hoje em dia, sabem de fato ler e principalmente ouvir. Não me estou referindo apenas
ao escândalo de uma parte das massas brasileiras ainda frustrada e carente de uma
forma eminente da cultura; mesmo entre aqueles materialmente capazes de ler um
texto, poucos são os que demonstram a coragem necessária para penetrar na
inteligência viva do livro, do artigo ou simplesmente de uma carta. Conheço homens
qualificados, cultos, que percorrem com os olhos um texto e ficam pensando que
conhecem a página vista, quando nem a leram realmente. O mal não seria de grandes
proporções se permanecessem calados acerca de suas supostas leituras, no
entanto falam, dissertam, escrevem sobre elas sem se preocuparem com a exigência
fundamental de honestidade que consiste em pronunciar-se apenas acerca dos pontos a
respeito dos quais se está absolutamente certo. Antes de acusar um dominicano de
infidelidade à tradição intelectual de sua Ordem seria necessário não reduzir
arbitrariamente Sto. Tomás a uma interpretação aparentemente sensata e condizente
mas pouco aberta às formas sempre renovadas deste pensamento fundamentalmente
acolhedor.
Se a verdade não se acha obrigatoriamente na espontaneidade juvenil, ela pode
também estar ausente de uma atitude de encampação doutoral.
Nunca se deveria denominar "berros juvenis" o que na realidade constitui o apelo
de angústia de uma juventude que busca sinceramente a verdade para vivê-la com
plenitude.
A maioria dos homens é vítima do ritmo da vida moderna, que obriga a existir dia
a dia, conforme a cadência da hora ou simplesmente do minuto, º impede o
pensamento, a ação a longo prazo. Por sermos obrigados a viver uma vida, a "ganhar a
vida", segundo a hedionda ética de nosso mundo, dito do espírito e da liberdade,
quando na verdade não passa de um universo do dinheiro, a vida aparece ao jornalista
como a matéria do artigo hebdomadário ou cotidiano que êle tem de escrever. Quanto
ao literato, ao homem de letras, converte tudo em literatura. O sofrimento humano só
lhe interessa na medida em que se torna instrumento privilegiado de sua inspiração.
Compreendemos, então, porque o verdadeiro grito que eleva seu autor bem acima da
literatura e o torna próximo de todos os homens, é tão excepcional no campo
literário.
E necessário então reaprender a ler, o que significa algo mais do que deixar os
olhos errarem ou deslizarem sobre uma página absorvendo apressadamente,
vorazmente sem a menor assimilação pessoal, certa quantidade de frases. Ler significa
ouvir uma voz, estar atento a um pensamento, a um coração em relação com todos os
outros pensamentos e todos os outros corações. Porém, mais grave ainda do que a
ignorância de uma arte humana de leituras, quero mencionar a incapacidade de ouvir.
No sentido mais admirável do termo, os homens não sabem escutar-se uns aos outros.
Refiro-me à mentira de nosso mundo "livre". Suas estruturas econômicas, políticas,
juntamente com suas categorias mentais, que delas são ao mesmo tempo as causas e os
resultados, geram massas de homens cuja atenção é cuidadosamente, metodicamente
dispersa.
Nunca me cansarei de repetir que um mundo baseado na concorrência, no apetite
feroz de viver cada um por si, individualmente ou em grupos, conduz, no termo de sua
dialética, à solidariedade pela abdicação da liberdade.
É preciso sair desta dialética, e não escolher entre uma etapa intermediária e o
termo de uma evolução abominável. Quase todos nós estamos atentos ao que é fútil,
factício, ao detalhe, ao insignificante, e desatentos em relação ao essencial. Por
exemplo, toda a ornamentação que certa sociedade julga indispensável às cerimónias
do casamento, relega ao segundo plano a única realidade que importa: a acolhida
mútua de um homem e de uma
mulher cujo amor, desabrochado em amizade, deve deixar pressentir a possibilidade de
uma delicadeza maior no mundo. Nossa sociedade, que reivindica o título de campeã
do espiritual, não permite aos homens serem atentos uns aos outros.
Desejaria apenas sugerir as condições de um entendimento, de um diálogo.
São raros os homens que podem abordar alguém sem a menor opinião pré-
formada, pré-fabricada sobre êle. No plano do jornalismo, o outro se apresenta
habitualmente como o símbolo de uma tendência, de uma opinião de um mundo que é
necessário abater, desconsiderar, ridicularizar. Ê fácil reduzir o homem diferente de
nós mesmos a um esquema, a uma abstraçao sumária, para melhor pulverizá-lo.
Assim, atacar alguém, a propósito de um texto mal lido e mal compreendido,
explorar sua qualidade de estrangeiro ou outras considerações acessórias, equivale a
substituir o argumento de razão por uma eliminação demasiado fácil do outro.
Colocar-se em estado de diálogo significa, antes de tudo, nunca confundir um homem
com a ideia que se faz êle. A atitude humana, anterior ao mais insignificante encontro,
é a da espera lúcida e confiante.
O defeito muito comum da era moderna parece-me ser a identificação imediata
dos homens às ideologias que professam quando, pelo menos, nós os ouvimos
proclamar alguma.
A massa dos católicos inscritos nos registros do batismo e que assistem mais ou
menos regularmente à missa semanal forma, perante a opinião pública a fisionomia da
Igreja Católica. Quanto aos comunistas, estes são quase sempre identificados
absolutamente com a doutrina do materialismo ateu, que não raro ignoram e da qual
até se dessolidarizariam se a conhecessem.
Mas quando se compreenderá claramente que a qualificação de "intrinsecamente
perversos" usada pelos Papas para qualificar uma forma de pensamento, uma visão do
mundo, nada tem a ver com os indivíduos que a adotam? Nada do que existe, do que
possui vida, e, com maior razão, feição humana, é intrinsecamente perverso. Ê preciso
compreender afinal até que ponto estamos sendo absurdos quando recusamos encontrar
os homens que não compartilham de nosso pensamento.
A vontade de dialogar exige a eliminação dos fanatismos, dos sectarismos em face
dos quais o outro, sobre o qual, de antemão, se formou um juízo (conforme as vozes
conjugadas da imprensa, do rádio, do cinema, da televisão) que não pensa como nós,
tem simplesmente a culpa de existir.
Um homem é sempre diferente da ideia que fazemos dele, porque nossa ideia — o
universal — baseada sobre a realidade, nunca se encontra tal qual na existência.
Devemos eliminar em nós mesmos todos os preconceitos no sentido preciso de
ideias previamente estabelecidas, para que possamos descobrir juntos o autêntico
pensamento de cada um. É também necessário não
15
se apoiar jamais sobre o prestígio, sobre a reputação, ou sobre a autoridade que
possamos ter. Assim é que, prevalecer-me de meu sacerdócio como de um meio de
força para ter razão, quando êle é essencialmente um serviço radical para todos, seria a
pior das imposturas. O chefe que quer impor sua opinião porque é êle quem manda; o
grande escritor capaz de lançar numa disputa o peso todo de seu nome; o industrial, o
financista, o político cuja cumplicidade no poder com todas as formas de vileza humana
coloca-nos ao abrigo dos ataques eficazes, representam as forças de inércia surdas aos
apelos de um diálogo verdadeiro. Aqui reside mesmo a falta capital, a mais frequente
em nossa sociedade, a falta contra a justiça que os teólogos chamam: acepção de
pessoas. Só seria possível falar, dialogar com os homens se não se amassassem, se não
se ferissem, se não se melindrassem os interesses das personagens que têm situação
poderosa. Antes de chegar aos outros requisitos do diálogo, quero assinalar que não
devemos transigir a respeito desta condição prévia, sem a qual tudo seria vão. O
diálogo supõe e exige trocas generosas, relações amigáveis, reciprocidade, acolhida
mútua. Trata-se de uma troca de laços humanos que exige a destruição das atitudes de
poder, pois não há nada como a prepotência para obstar o desenvolvimento de um
diálogo de homens livres. Para que nós nos descubramos mutuamente, é necessário que
não aceitemos nenhuma de nossas caricaturas. Só podemos encontrar a verdade daquilo
que somos, à custa de um trabalho rigoroso, difícil, realizado em conjunto, para destruir
o lado mundano, superficial de nós mesmos e discernir o fundo de nossos corações.
O mundo está repleto de fantoches, de títeres que não podem saber o que são
porque não param de representar. Esta é a lei fundamental de uma verdadeira luta para
aqueles que querem ser humanos e procuram falar e encontrar-se, de acordo com o que
eles são fundamentalmente, isto é: homens. A partir da vivência deste princípio, a
atenção para as pessoas — para o próximo — exige de nós o ódio às personagens. —
(Diário de Notícias, Rio.)
ESCOLA PÚBLICA E ESCOLA PARTICULAR
AFRÂNIO COUTINHO
A declaração do senador Kennedy, candidato democrata do governo dos Estados
Unidos, a favor da escola pública, sendo êle um católico, tem uma importância grande
neste momento em que no Brasil vivemos presos num debate muito extremado entre
partidários da educação pública e da educação particular. Tem o mérito de pôr à mostra
a má colocação do problema por parte de certo grupo de católicos brasileiros, para os
quais são comunistas os que se declaram a favor da escola pública, e de que a escola
particular ê a única a representar os interesses e pontos-de-vista da família brasileira.
• * *
Em primeiro lugar, nenhum dos defensores da escola pública jamais se declarou
contra a escola privada. E que ela exerce e sempre exerceu um papel de relevo na
educação brasileira, que muito lhe deveu no passado e continuará a dever. O que se
quer é que os recursos públicos sejam aplicados na escola pública, procurando através
dela o governo resolver o problema educacional. Parece-nos, aos que assim pensamos,
um desvio de recursos, que já não são grandes, a atomização dos fundos públicos pelas
escolas particulares, não lhes trazendo qualquer vantagem, posto que em doses
mínimas. Ao governo caberia antes concentrar todos os seus elementos em desenvolver
a sua rede de ensino, deixando à iniciativa privada campo livre para exercer a sua
atividade com os seus próprios recursos. O mal é o intervencionismo do Estado no
domínio privado. A escola particular deveria ter a liberdade de cobrar o que lhe fosse
necessário para a manutenção, e, em toda parte, ela é cara. Vai para ela o aluno que
pode arcar com as suas despesas. Para os outros, os de poucos recursos, é que o
governo se obriga a oferecer escolas gratuitas — e isso é um dever imposto pela
Constituição. Esmigalhar os recursos públicos em dotações e subvenções minguadas às
escolas particulares, é impedir o Estado de exercer o seu mister constitucional. Não
defendemos o monopólio estatal em educação, mas apenas o direito de o Estado
exercer a sua função utilizando-se dos próprios recursos financeiros, que lhe são dados
pelo povo para receber em troca os benefícios que só o Estado lhe pode fornecer. Que
viva a escola particular em seu lugar, ã sua própria custa, como qualquer outra casa de
comércio, como as editoras e livrarias, que, a vingar o argumento, poderão também
reivindicar o auxílio do Estado, elas que são outros órgãos importantes de distribuição
da cultura.
• * *
Em verdade, esse movimento de privatismo educacional no sentido de passar ao
controle das verbas públicas vem de longe, e o primeiro passo foi a conquista do
famigerado Fundo de Ensino Médio. Não contente com êle, o primeiro erro no
particular, caminhou decidido para o domínio total, e é de ver a pertinácia dos mesmos
elementos, que há muito vêm trabalhando na socapa, numa eficiência que seria mais
proveitosa se colocada no exercício das próprias tarefas educacionais. Sente-se a falta
de pureza da luta, em favor da qual conseguiram envolver os colégios confessionais, e
assim dando inclusive uma falsa amplitude doutrinária ao problema e conquistando a
seu favor o poder e o prestígio do pensamento religioso, destarte arrastado para uma
posição arriscada e atentatória da paz que deve reinar entre os que exercem a
educação.
Um dos falsos argumentos usados na campanha pelos adeptos da escola Particular
é o de que esta representa mais os legítimos interesses e
aspirações da família brasileira. Seria oportuno e pertinente perguntar em que o
Colégio Pedro II representa menos a família brasileira do que as inúmeras quitandas
montadas em tantas esquinas do nosso país por inescrupulosos e suspeitos
comerciantes da educação, enriquecidos no negócio de vender exames e diplomas,
verdadeiros facilitários a prostituir a alma dos jovens que lhe são inadvertidamente
confiados.
O outro argumento é o de que, sendo católica a maioria dos brasileiros, a educação
deve ser feita pelas forças católicas, É claro que o catolicismo tem que exercer um
papel predominante na educação brasileira. Mas livremente, não unido ao Estado, nem
no controle dos órgãos estatais da educação. Deve exercer o seu papel como poder
privado, que é, legítimo, para poder fazê-lo com autoridade e respeitado pelos outros
grupas confessionais que compõem a realidade democrática pluralista moderna. Se o
Estado passasse ao domínio do catolicismo, como seria feita a educação dos demais
grupos confessionais — os judeus, os batistas? Não seria de esperar uma reação por
parte desses e outros, que talvez se unissem, para arrebatar ao catolicismo o poder
educacional?
Não, a escola pública não pode pertencer a esta ou àquela confissão ou grupo
religioso, pois a ela compete a educação de "todos" os cidadãos, sem distinção de
raças, classe ou religião. Um colégio católico não aceita, em regra, adeptos de outras
religiões, filhos de desquitados, e, alguns, alunos de côr. Onde iriam eles obter
educação, acaso fosse a educação pública exclusivamente dirigida pelos católicos?
Seria uma situação altamente perigosa para a paz, a justiça e a caridade sociais.
Isso de dizer-se que nos colégios religiosos é que se adquire formação religiosa
não convence e a realidade social não exemplifica o fato satisfatoriamente. Nada mais
misterioso do que o processo educacional, e há tempos lembrava Daniel-Rops — um
católico — que foi dos colégios religiosos que saíram, no século XIX, os maiores
anarquistas e carbonários italianos, ateus e anticlericais. Observação idêntica pode
fazer cada um de nós, neste momento, no Brasil, quanto a outras variedades de defor-
mação moral e social. Ateísmo e rebeldia é o resultado da educação religiosa imposta,
mal feita, de muitos colégios religiosos.
Demais disso, na escola pública é permitida por lei a assistência re-liosa e cabe às
autoridades religiosas providenciar junto às direções o serviço de capelania que pode
ser altamente eficiente e de influência mais duradoura se fôr inteligente e hábil.
* * *
Não há, portanto, por que pretender confundir educação pública e privada. São
duas faces do mesmo esforço em prol da formação juvenil.
Ao Estado compete a educação pública, mercê dos recursos que lhe facultam as leis
para esse objetivo específico. Ao poder privado, a educação particular, como um
direito também legal, mas com os recursos próprios retirados da contribuição privada.
Pretender o poder privado retirar do Estado os recursos para manter-se é uma
contratação, senão uma negociata, e cumpre ao Estado defender-se para manter a sua
independência, que reside na equidistância dos grupos religiosos, raciais ou
econômicos. E defender o Estado nesse desiderato não é ser comunista. Afirmar o
contrário é má-fé. — (Diário de Noticias, Rio).
0 ENSINO PRIMÁRIO PAULISTA
RENATO JARDIM MOREIRA
As mudanças econômicas e sociais ocorridas a partir da I Guerra Mundial no
Estado de São Paulo trouxeram o aparecimento do estilo de vida urbano e industrial
que, progressivamente, vem substituindo as formas de convivência da antiga sociedade
agrária e escravocrata. A escola primária, estreitamente ligada ao novo tipo de
sociedade, ganhou novas funções e, para cumpri-las, além de ter revistos seus objetivos
e sua organização, abriu-se a toda a população, deixando de ser privilégio das suas
camadas mais favorecidas.
O conhecimento da situação atual e das tendências de desenvolvimento do ensino
paulista deve, portanto, ser procurado a partir do momento em que os processos de
urbanização e industrialização passaram a se fazer sentir na esfera educacional. Esse
momento pode ser fixado em 1920, ano em que se intenta a primeira reforma no ensino
com o propósito principal de oferecer escola a toda a população em idade de frequentá-
la. Embora esse objetivo não tenha sido alcançado, a data marca o início da expansão
da matrícula na escola elementar.
Antes de analisar a expansão da matrícula, próximo tópico dêste trabalho, é
necessário indicar algumas dificuldades enfrentadas em estudos sobre o
desenvolvimento do ensino primário em São Paulo. São dificuldades que vão desde a
falta total de informações até a incongruência das que existem, ficando entre esses
extremos a heterogeneidade das formas de coleta de dados, que impede comparações
segurais. Por isso, não poucas vezes, o especialista é obrigado a adotar soluções não
ortodoxas na seleção e no tratamento dos dados, as quais, apesar dos pesares, são ainda
a forma de introduzir maior objetividade em estudos do tipo deste. Para dar alguns
exemplos: em 1930 faltam dados tanto sobre a população em idade escolar, como
sobre vários aspectos da matrícula; em 1920, não se conhece a matrícula efetiva nas
escolas municipais, particulares e isoladas estailuais; depois de 1956 só foi divulgada a
matrícula inicial; a população em idade escolar é considerada, pelo Código de
Educação, como sendo constituída pelas crianças de 8 a 14 anos; no Recenseamento
Escolar de 1934, de 7 a 13 anos; nos recenseamentos de 1940 e 1950, de 7 a 14 anos.
1. Expansão da matrícula
A expansão da matricula iniciada na década de 20 intensificou-se a partir de 1930, como se
verifica no quadro abaixo onde são apresentados, para vários anos, os dados referentes à
população em idade escolar, à matrícula efetiva e à percentagem da matrícula sobre a população.
MATRICULA E POPULAÇÃO EM IDADE ESCOLAR
FONTE: DEESP
' Matrícula
População Matrícula
População
1920
............
961.616 248.630º 26
1930
............
1.200.000º** 339.766
28
1940
............
1.455.860 554.332
38
1950
..........
.. 1.664.418 800.687
48
1958**
...........
1.869.613 1.254.624
67
Com relação a esses dados é necessário indicar que oito grupos de idade (7 a 15 anos) foram
computados para determinar a população em idade escolar. Sendo de 4 anos a duração normal do
curso primário, as cifras acima apresentadas, referentes a essa população, abrangem crianças que
já concluíram o curso. E preciso considerar também que as informações estatísticas existentes não
permitem conhecer o número dos que abandonaram o curso e seu respectivo grau de escolaridade
e, mais grave ainda, não permitem saber o número de crianças que deixaram de receber qualquer
ensino. Apesar dessas restrições, pode-se dizer que, no momento, a maioria da população em
idade escolar do Estado de São Paulo frequenta, ou já frequentou, a escola primária.
Quando se analisa o mesmo tipo de informação, comparando a situação no Interior e na
Capital, observa-se que a situação do Município de São Paulo parece melhor que a do resto do
Estado, tomado em conjunto.
PERCENTAGEM DE MATRICULA SOBRE A POPULAÇÃO EM IDADE ESCOLAR
NA CAPITAL E NO INTERIOR — FONTE: DEESP
Capital Interior
1920 .................................. 66 21
1930 .................................. 63 22
1940 .................................. 64 34
1950 .................................. 58 46
1958 .................................. 85 62
* Nas escolas particulares e municipais a matrícula efetiva foi calculada a partir
da matrícula geral.
** Estimativas de população do DEESP e matrícula inicial. ***
Dado obtido por extrapolação grâtica.
Outro traço da expansão da matrícula, importante para esta análise, são as proporções que
ela assume no sistema público de ensino e no particular.
MATRICULA NAS ESCOLAS PUBLICAS E PARTICULARES FONTE:
DEESP
PUBLICO PARTICULAR
N° absoluto índice N° absoluto Índice
1920 ................................. 203.763 100 44.867 100
1930 ................................. 278.621 137 71.293 159
1940 ................................ 491.530 241 62.802 140
1950 ................................. 730.565 359 70.122 156
1959 ................................. 1.255.689 616 73.390 164
Estes dados mostram que, de 1920 até o presente, as escolas públicas passaram a atender 6
vezes mais crianças, enquanto as particulares nem sequer chegaram a dobrar o número de seus
alunos.
Um último aspecto da expansão da matrícula, quando se distingue o sistema público do
privado, ainda precisa ser considerado. É a forma como se comportam um e outro sistema nas
zonas urbana e rural.
MATRICULA NAS ESCOLAS PUBLICAS E PARTICULARES SEGUNDO AS ZONAS
URBANA E RURAL. — FONTE: DEESP
1934 .............
1940 .............
1950 .............
1957 .............
ZONA URBANA ZONA RURAL
Pública Particular Pública Particular
211.707 49.494 134.605 7.051
283.222 60.461 209.308 2.341
449.989 68.107 280.576 2.015
750.608 65.124 370.504 1.127
Como se nota, enquanto a escola pública expande sua capacidade nas zonas
urbanas e rurais, a escola particular quase desaparece na zona rural. Acrescente-se que
o crescimento da escola particular nas zonas urbanas, indicado pela tabela, ocorreu na
Capital onde a sua matrícula passou de 29.947 em 1920 para 42.482 em 1957.
Em que pesem as condições precárias em que se deu a expansão (apresentadas a
seguir) não resta dúvida que ela representa um grande caminho percorrido na direção
da democratização do ensino e que ela foi possível graças à iniciativa do Estado no
campo da educação. Por isto, é pertinente que na análise do processo de expansão de
matrícula se imprima ênfase especial ao sistema público de ensino e em particular ao
estadual. Será feita referência aos sistemas municipal e particular apenas quando apre-
sentarem as mesmas características que, no sistema estadual, estão ligadas a sua
expansão.
222 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS
2. O processo de expansão
O primeiro fato que chama a atenção, quando se estuda as condições em que ocorreu a
expansão da matrícula, é que ela não se fêz acompanhar por um programa de construções
escolares. Não há informações para todo o Estado, mas na Capital sabe-se que, em 1920, 16 dos
23 grupos escolares existentes estavam instalados em prédios especialmente construídos para
escola. Havia, somente para os grupos escolares, um deficit de 7 prédios. Esse deficit vem
aumentando assustadoramente desde então, como se pode verificar na tabela abaixo, onde é
considerada apenas a situação dos grupos escolares.
1920 ............
1930 ............
1940 ............
1950 ............
1958 * ..........
23 16 7
43 18 25
90 27 63
118 3? 86
2
73
1
00
1
73
A expansão da matrícula na Capital, em confronto com o pequeno aumento do número de
edificações especialmente construídas para escolas, só se compreende quando se consideram as
improvisões e expedientes, a que se recorreu, para aumentar a capacidade de rede escolar. As
improvisações atingem principalmente o setor das instalações materiais; os expedientes aparecem
na esfera propriamente do ensino.
A principal improvisação no campo das instalações escolares foi o recurso, como solução de
emergência, à construção de galpões de madeira. Adotado em 1948, para atender à crescente
procura de escolas, acabou por constituir, a partir de 1954, praticamente, o único tipo de
edificação escolar que se acrescentou à rede existente. Realmente, de 1954 a 1958, embora o
número de grupos escolares se elevasse de 169 a 273, nenhum prédio de alvenaria foi incorporado
à rede estadual.
O expediente de maior rendimento para aumentar a capacidade das escolas, e que afeta
diretamente o ensino, foi o que consiste no uso de um mesmo edifício escolar para atender a
turmas diferentes de alunos — é como se fossem duas, três, em alguns casos, quatro escolas
funcionando no mesmo prédio, uma depois da outra. O desdobramento foi introduzido em 1928
em um grupo escolar da Capital e rapidamente se estendeu aos demais, como se pode verificar no
quadro que segue.
* O aumento das construções escolares depois de 1947 exige uma atenção especial. O seu
motivo está no estabelecimento dos convênios escolares entre o Estado e os municípios. O papel
desses convênios fica patente pelos 68 edifícios que foram construídos na Capital entre 1948,
quando foi criada a Comissão Executiva do Convénio Escolar, e 1953, data em que foi
denunciado o Convénio.
DEFICIT DE PRÉDIOS ESCOLARES. — FONTE: CRPE
NÚMERO DE PERÍODOS EM GRUPOS ESCOLARES FONTE:
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO
1 e 2 Períodos 3 Períodos 4 Períodos
1936 ...................... 525 102 1
1957 ...................... 1.007 472 30
A metade dos grupos escolares estaduais dá a seus alunos três horas diárias e menos de aula.
Embora não tenha sido norma, sabe-se de grupos escolares que funcionaram durante algum
tempo com 6 períodos diários ou com seus alunos frequentando aula dia sim, dia não.
Encontrado o expediente para aumentar a capacidade das escolas estaduais, é necessário
dizer também que tanto as escolas municipais como as particulares o adotaram. Na Capital,
segundo o Centro Regional de Pesquisas Educacionais, em 1958, 21% dos alunos do ensino
particular e 23% do municipal frequentavam escolas que davam três horas letivas e menos.
Ainda no que se refere aos meios que permitiram a expansão da matrícula, sem um
crescimento correspondente no número de edifícios escolares, convém acrescentar o aumento da
média de alunos por classe e a elevação desmesurada da população da escola, que serão
evidenciados através de dados do DEESP.
A média de alunos por classe nas escolas estaduais passou de 25,5 alunos em 1935 para 38,1
em 1959. Estas médias, calculadas através da matrícula efetiva, indicam que a maioria das classes
do ensino primário estadual tem mais de 35 alunos, número que já é bem distante dos 25 que a
conveniência pedagógica admite. O aumento da média de alunos por classe não ocorreu apenas no
sistema público, pois no particular a média passou de 18,6 em 1935 para 29,6 em 1959.
O elevado grau de concentração de alunos em uma escola já aparece quando se compara a
média de 11 classes por grupo escolar estadual em 1935 com as 14 classes que existiam em 1957
nesses estabelecimentos. Embora não se disponha de dados para o Estado, as proporções dessa
concentração aparecem melhor quando se indica que em 1957, na Capital, 38,7% dos grupos
escolares, segundo o Centro Regional de Pesquisas Educacionais, tinham matrícula superior a
1.000 alunos, o que vale dizer, mais de 25 classes.
Chama a atenção, nesta análise do processo de expansão da matrícula, o fato de que, tendo o
sistema estadual arcado com o seu crescimento, os outros sistemas, municipal e particular,
adotaram também os expedientes e improvisações daquele. A conclusão é que a expansão da
matrícula trouxe uma degradação em todos os tipos do ensino, quer por imperativo constitucional
de atender à procura nas escolas públicas, quer porque as soluções adotadas representavam
uma possibilidade de aumentar os lucros
dos empreendimentos particulares sem um correspondente aumento de in-
vestimento.
3. A situação atual
O processo pelo qual se deu a expansão do ensino primário repercutiu diretamente
na sua qualidade. A redução do período letivo diário e a falta de instalações adequadas
— prédios com dependências, além das salas de aula para o funcionamento de
instituições extraclasse — reduziram a escola à sala de aula e a educação ao ensino de
classe.
Como existe apenas o ensino de classe, resta verificar a sua qualidade. Afinal, os
recursos didaticos modernos são de tal eficiência que se poderia imaginar que o
trabalho de classe bastasse para que a escola cumprisse o seu papel. Infelizmente isso
não se dá. Praticamente não são usados nos grupos escolares e escolas particulares da
Capital recursos audiovisuais. Existem apenas os tradicionais mapas e cartazes.
Vitrolas e projetores são raros.
Deixando de lado a falta dos chamados recursos audiovisuais e analisando os
próprios livros usados em nossas escolas, verifica-se que eles são deficientes. Livros de
leitura apresentam textos sem maior interesse para a criança. Livros de matemática, os
conhecidos "cadernos de problemas", usam na formulação das questões, matéria com a
qual a criança nunca se defrontará. Isso para não apontar outros defeitos que vão
geralmente desde a apresentação gráfica até a existência de afirmações erróneas como
se pode verificar em cadernos e compêndios de Geografia, História e Ciências.
Mas ainda é possível pensar que o professor possa superar todas essas vicissitudes.
No que se refere à sua formação, sabe-se que ela é precária. Pode-se, no entanto,
imaginar que uma assistência eficiente ao trabalho escolar resolveria a falta de preparo
do professor para o ensino de classe. A organização da administração escolar e as
condições em que funciona a maioria das escolas não permitem que isso aconteça.
O responsável imediato pela atividade do professor, o diretor da escola, não pode
orientar o trabalho de um grande número de professores, como existe em vários grupos
escolares — é impossível a êle dar uma orientação eficiente a 20, 30 e até mais de 50
professores e ainda cumprir todas as obrigações burocráticas. Por outro lado, decidiu o
Governo, há três anos, suprimir o cargo de diretor nas escolas de menos de 7 classes,
justamente aquelas onde a atuação do diretor poderia apresentar melhores resultados.
Se passarmos aos responsáveis pela supervisão da obrigação pedagógica — o
inspetor escolar — a situação ainda fica mais caótica. A maior parte dos inspetores, ao
lado de um sem-número de atividades burocráticas, deve superintender a orientação,
segundo o centro Regional de Pesquisas Educacionais, de "cerca de 200 professores,
concentrados em mais de 100 escolas diferentes, que se localizam, pelo menos, na área
compreendida por
três municípios". Só pode ser uma ficção a orientação pedagógica que deve ser
dada pelos inspetores escolares.
A falta de orientação pedagógica, que vem, principalmente, das condições em que trabalham
os responsáveis por ela, poderia ser minorada se existissem publicações técnicas dirigidas ao
professor, como há, para não recorrer a exemplos do estrangeiro, no Rio Grande do Sul. A falta de
assistência à execução do trabalho escolar reduz o professor a um profissional entregue, quase
sempre, à rotina, justamente numa atividade que, por sua natureza, exige uma renovação
contínua.
As condições apresentadas explicam, parcialmente, porque a expansão da matrícula,
tendência democratizadora do ensino, não foi acompanhada pela eliminação do caráter seletivo da
nossa escola. De fato, se, de um lado, a escola passou a ser procurada por quase todos, de outro,
como se pode verificar na tabela abaixo, ela continuou a ser concluída por poucos.
DISTRIBUIÇÃO DA MATR1ULA, SEGUNDO AS SÉRIES FONTE:
DEESP
19 3 4
19 5 9
Série * Matrícula efetiva
Índice
Matrícula inicial
Índice
1º ............. ........... 208.105 100 480.748 100
2> ............ ........... 102.567 49 374.715 78
3
º
.............
...........
56.939
27
272.373
57
........... ............ 33.737 16 180.586 38
Embora não seja o momento para analisar esse fenômeno complexo que é a evasão escolar,
não se pode deixar de apontar como uma de suas causas a situação precária em que se encontra o
ensino. Com isto, queremos indicar às autoridades escolares a contribuição que poderiam dar para
atenuar as proporções desse grave problema, dentro dos limites estritos de suas atribuições.
Este balanço das transformações e persistências observadas no ensino primário paulista
mostra que a mudança nas práticas educacionais, que vinha sendo pregada desde a década de 20
pelo movimento renovador de nossa educação, não chegou a se concretizar. A falta de edifícios
escolares e as soluções adotadas para supri-la — redução do período letivo diário e superlotação
das classes — antes mesmo do que a inexistência de recursos didáticos, não permitiram sequer a
introdução de técnicas educativas modernas, que exigem escola de tempo integral. Nessas
condições, a escola primária continuou a ensinar, apenas, a escrever, ler e contar, papel que lhe
cabia numa sociedade em que a família e a religião completavam a educação. Ê uma escola que
não corresponde às exigências da sociedade
* Não está incluída a matrícula na 5.º série porque essa série não existe em
todas as escolas.
de base urbana e industrial, onde a cultura se seculariza e a família não consegue mais
exercer o papel complementar. Acrescente-se ainda que a escola se manteve seletiva
quando o Estado democrático moderno exige de todos os cidadãos o domínio de um
conjunto de conhecimentos básicos.
Como os dados apresentados mostram, houve um progressivo aumento da
percentagem da população em idade escolar frequentando escola, tendência
essencialmente democrática do ensino paulista, que se está concretizando através de
expedientes e improvisações que atingem todas as esferas do ensino e decorrem,
principalmente, da falta de um crescimento correspondente das construções escolares.
E bem verdade que a realização do plano de obras do atual governo pretende atenuar o
deficit de edifícios escolares, justamente o setor que exige investimento mais vultoso
para corrigir suas falhas.
Não há dúvida, o Plano de Ação do Governo do Estado de São Paulo representa
um grande passo, pelo menos o mais caro, para resolver os nossos problemas do ensino
primário, mas certamente produzirá resultados pouco satisfatórios porque procura
corrigir apenas as deficiências materiais do ensino, sem se preocupar com as didáticas,
pedagógicas e educacionais. É necessário que o Governo se proponha também um
programa para sanar as falhas de um ensino que se ajustou a condições precárias — o
ensino que pode ser ministrado em escolas de três horas diárias e menos não pode ser o
mesmo de uma escola de quatro horas. É preciso pensar em formar o professor,
orientar o trabalho escolar, reformular programas e currículos e preparar material
didático de acordo com as novas conquistas da pedagogia e para atender às
necessidades de uma sociedade cujo desenvolvimento se acelera cada vez mais. Isto
para que o esforço da administração estadual corresponda às expectativas da população
sobre o ensino, que, por ora, 6e polarizam na reivindicação de maior número de
escolas.
A construção do número suficiente de edifícios escolares para atender à população
em condições bem melhores que as atuais exige um conjunto de medidas
complementares para evitar que a opinião pública, desconhecendo a complexidade dos
problemas educacionais, alimente a esperança de que a simples melhoria das
instalações escolares resolva todos os problemas do ensino. Executar um plano de
edificações escolares que não esteja articulado num planejamento integral da educação
apresenta o perigo, diante da previsível falta de resultados de uma medida isolada, de
que a atual insatisfação com o ensino, manifesta na reivindicação de mais escolas,
resulte numa atitude de descrédito em relação ao ensino. Ê preciso apontar esse perigo
e tomar medidas a fim de evitá-lo para que a admins-tração escolar estadual não
promova a aceitação, pela opinião pública, de soluções falaciosas para os problemas
educacionais e assim facilite a adoção de medidas inadequadas, como muitas das
propostas no atual Pro-jeto de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em discussão
no Senado Federal.
4. Caminhos para a reconstrução
Não resta dúvida que a execução desse plano de edificações escolares removerá
uma das principais barreiras à reconstrução educacional, pois criará as condições
materiais mínimas que faltavam para o funcionamento da escola. Isso no entanto não é
suficiente para que uma escola, que se reduziu a ensinar as técnicas de escrever, ler e
contar, passe de uma hora para outra a dar o que tem sido chamado educação integral.
Para que esse programa venha representar o passo inicial de uma efetiva renovação de
nossas escolas, é necessário que êle esteja ligado a uma série de outras medidas que
poderiam ser estabelecidas a partir de experiências pedagógicas.
Essas experiências poderiam assumir duas formas que até certo ponto se entrosam
e se complementam. Uma consiste em renovar de um modo total as práticas educativas
de algumas escolas que funcionariam como centros de difusão das conquistas mais
recentes da pedagogia. A experiência de tipo global mais completa que conhecemos em
nosso meio são as classes mantidas pelo Centro Regional de Pesquisas Educacionais;
mas não chega a ser completa porque segue os programas de ensino em vigor, a fim de
não prejudicar alunos que porventura precisem se transferir para outras escolas.
A outra forma de experimentação é introduzir, em escolas comuns, inovações que
tivessem provado bem, quer nas escolas do tipo anterior, quer em outros sistemas
escolares. As novas práticas que dessem bons resultados poderiam, então, ser
estendidas, com garantia de sucesso, às demais unidades de ensino. A necessidade
dessa aplicação experimental fica patente quando se considera que algumas de nossas
autoridades escolares pretendem adotar o regime de promoção automática, vendo nele
um meio da atual rede de prédios atender em melhores condições toda a população em
idade escolar e, também, uma via para eliminar a sobrecarga financeira que os alunos
reprovados representam para o poder público. No entanto não se indaga dos defeitos
que pode ter, no funcionamento do sistema educacional, suprimir um dos seus
sustentáculos: a reprovação. Não se pergunta, para citar apenas um exemplo, como se
conduzirá nesse regime o professor que, nas condições atuais, leva o ano pensando em
sua promoção e tem nela o principal estímulo para a atividade docente.
As experiências que vierem a ser realizadas deverão fornecer bases para o
ajustamento dos programas e currículos tanto às exigências educacionais modernas
como às possibilidades reais de nossas escolas. Podem dar. também, elementos que
orientem a preparação de material didático.
Quando se colocar o problema de estender a todo o sistema as inovações bem
sucedidas, será necessário, além de treinar o professor na execução das tarefas em que
elas implicarem, todo um esforço no sentido de desenvolver no magistério uma atitude
receptiva às novas práticas. Pode-se prever, desde já, ao lado de cursos de autalização
e aperfeiçoamento do pessoal em serviço, a organização de um programa visando o
estabelecimento de meios
de comunicação eficientes entre os órgãos responsáveis pela orientação edu-cional e o
magistério.
Antes de propor uma forma de treinamento, é interessante lembrar o que está
sendo feito nesse campo. Os cursos de férias organizadas pela Secretaria da Educação,
por serem de curta duração e terem excessivo número de alunos, não chegam
realmente a aperfeiçoar o pessoal em serviço. Os cursos do Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos atendem a um número relativamente pequeno de professores de
São Paulo; por isso pouco podem vir a representar num programa de renovação
educacional. Estas breves indicações mostram que, no setor de cursos de atualização e
aperfeiçoamento do pessoal, é preciso rever com urgência a orientação presente.
Talvez a solução fosse tomar como modelo para a organização desses cursos as
Sessões de Estudos para Inspetores Escolares realizadas em 1956 no Centro Regional
de Pesquisas Educacionais. Esse curso teve a duração de um mês, trabalhos em regime
de tempo integral e participação de trinta e cinco inspetores; como se repetiu três
vezes, foi assistido por cento e cinco pessoas, isto é, aproximadamente a metade dos
inspetores que estavam em exercício na ocasião.
No que se refere às relações entre os responsáveis pela orientação educacional e o
magistério, deve-se notar que elas existem apenas para a solução dos problemas de
natureza burocrática. Não há qualquer co-responsabilidade do pessoal de um nível da
administração nas decisões que são tomadas no plano imediatamente superior. Os
próprios canais de comunicação entre a direção do sistema escolar e o magistério se
resumem, praticamente, ao Diário Oficial, onde são publicadas designações de pessoal
e ordens de serviço. Os agentes de uma administração desse tipo se desinteressam dos
fins de sua atividade para cuidarem apenas da forma de realizá-la. Promover reuniões
de professores, com a presença de dirigente do ensino, para o debate de questões
educacionais, criar revistas, boletins e seções de jornais desitnadas ao magistério,
enfim, é preciso desenvolver meios de comunicação que sirvam para os responsáveis
pela orientação educacional prepararem o ambiente favorável à expansão das novas
práticas de ensino a todo o sistema educacional.
Para a efetivação, que é urgente, das medidas sugeridas e de outras que venham a
ser propostas, não se pode pensar na formação e aperfeiçoamento do pessoal que irá
ser encarregado das diversas atividades que deverão ser cumpridas. Por isso propomos
o aproveitamento, ao lado dos poucos técnicos de que já dispomos, de pessoas com
formação básica nas disciplinas ligadas à educação (principalmente normalistas e
licenciados em pedagogia), que receberiam treinamento específico para a execução das
tarefas que lhes competirem, através de cursos intensivos. O Centro Regional de
Pesquisas Educacionais teve uma experiência desse tipo, altamente satisfatória, ao
preparar os inspetores que, no curso para esses administradores escolares, serviram de
monitores.
Esses possíveis meios para se chegar ã reconstrução do ensino primário paulista,
sugeridos pela experiência já acumulada no trato dos problemas educacionais, não
esgotam as possibilidades de atuação nessa realidade. Para indicar um outro campo no
qual será necessário intervir, basta lembrar que o atual curso de formação de
professores não dá a seus alunos prática de ensino. A nossa intenção ao propormos
estes caminhos é apenas apresentar o que poderia constituir os passos iniciais de uma
política que leve a renovar a escola elementar, sem apelar para mudanças nos quadros
institucionais vigentes.
õ. A reconstrução de fato: o planejamento integral da Educação
A reconstrução efetiva do sistema educacional primário paulista só se concretizará
através de um planejamento integral da educação, isto é, de um plano que se refira a
todos os níveis do ensino e às diversas esferas da educação. Mas a condição para ser
formulado esse planejamento é existir um conhecimento objetivo da realidade
educacional, mais completo e atual do que o disponível. Por essa razão, ao mesmo
tempo que se forem concretizando medidas do tipo das propostas, é mister executar um
programa que resulte na extensão e no aprofundamento, de um modo contínuo, do
conhecimento sobre a realidade. O conhecimento em extensão pode ser obtido
principalmente através de levantamentos, e o de natureza compreensiva, por pesquisas
em campos restritos.
Os levantamentos permitem conhecer o sistema educacional como um todo, ou
apenas algumas de suas áreas, e podem indicar com objetividade os seus principais
problemas. A necessidade de realizá-los é acentuada pela inexistência de um acervo
completo e fidedigno de estatísticas sobre o ensino. Essa falha sugere mesmo, como
atividade paralela à execução de levantamento, um programa de ação que leve à
melhoria da qualidade dessas informações e assim reduza o número dos dados que
devem ser coligidos através de levantamentos.
O panorama mais completo do ensino paulista é, até hoje, o apresentado nos
Anuários do Ensino, referentes a 1935 e 1936. Embora não tenha sido divulgado, sabe-
se que o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais patrocinou um trabalho de igual
amplitude, que pretende ser uma sistematização dos dados disponíveis sobre o sistema
educacional de São Paulo. Menos geral e com pretensões a maior profundidade que os
anteriores, o Centro Regional de Pesquisas Educacionais fêz um levantamento do
ensino primário do Município de São Paulo; apesar de não terem sido publicados os
resultados finais desse estudo, já são conhecidos os dados referentes a alguns aspectos
materiais das escolas paulistanas.
Ao lado de novos trabalhos desse tipo e antes de promover a realização de
pesquisas em campos restritos, coloca-se a necessidade de construir instrumentos para
se conhecer de forma objetiva, compreensiva e generalizada, diferentes variáveis que
intervêm no processo educacional.
O único instrumento desse tipo, adotado entre nós e padronizado para nossas
crianças, é o teste ABC, que indica a maturidade para a aprendizagem inicial da leitura
e da escrita. Para a organização das classes de débeis mentais usa-se o Binet-Simon
apenas traduzido. O serviço de Higiene Mental, encarregado da seleção e orientação
dessas classes, pretende padronizar um teste apropriado para essa atividade, mas tem
encontrado uma série de dificuldades para realizar esse trabalho. O Centro Regional de
Pesquisas Educacionais está concluindo a elaboração de algumas escalas de
escolaridade que, informando sobre o rendimento do aluno, poderá abrir amplas
perspectivas para a realização de pesquisas educacionais.
As pesquisas em campos restritos ou sobre problemas específicos devem ser
escolhidas a partir dos resultados de levantamentos e manipular as informações sobre
variáveis do processo educacional obtidas pelos instrumentos que forem construídos.
Os primeiros devem dar os temas de pesquisa e os segundos, a forma de apreender a
realidade. Enquanto não se dispuser destes elementos, as investigações que estamos
abordando devem ter o caráter de pesquisas-pilôto.
Essa estrutura das investigações científicas que devem informar o planejamento é
necessário para evitar que os seus resultados se apresentem apenas justapostos,
discretos, sem a possibilidade de ser integrados, a fim de se ter um conhecimento
global do sistema educacional. Este conhecimento é fundamental para se determinarem
os problemas educacionais relevantes e suas conexões com outros aspectos do sistema.
Somente assim será possível estabelecer objetivamente os setores da educação onde é
mais urgente intervir.
A realização de levantamentos e a construção de instrumentos implicam gastos
elevados e a formação de equipes numerosas. Por isso é aconselhável a centralização
dessas atividades em uma instituição como o Centro Regional de Pesquisas
Educacionais. No caso de pesquisas de âmbito mais limitado, pode-se entregá-las a
especialistas que trabalhem nos institutos universitários da Capital e do Interior.
6. Conclusões
A reconstrução do ensino primário paulista só se concretizará através de um
planejamento integral da educação, elaborado a partir de estudos e pesquisas sobre a
realidade educacional. No entanto, pode-se estabelecer a partir dos atuais
conhecimentos sobre o ensino, um conjunto de medidas como as aqui propostas, que
devem contribuir para elevar o padrão de nossas escolas. Esse conjunto de medidas irá,
a longo prazo e à medida que se fôr definindo o planejamento integral, se tornando
progressivamente dependente dele, até passar a corresponder efetivamente às suas
diferentes partes. Por assim dizer, esses planejamentos parciais fluirão no planejamento
integral.
Está implícito neste artigo um convite aos responsáveis pelo Plano de Ação do
Governo de São Paulo, para mudarem sua orientação no campo
educacional. Pretendem eles aumentar a rede escolar, setor do ensino em que as
deficiências são gritantes, sem considerar as demais esferas, nas quais as falhas são
menos flagrantes, mas nem por isso menos importantes. Planejar a melhoria de um
setor sem que o contexto mais geral da educação seja considerado, apresenta o risco de,
uma vez mantidos outros elementos do sistema educacional, também responsáveis pelo
atual padrão de ensino, levar ao malogro a inovação e ao descrédito os seus
responsáveis. É bem verdade que, a posteriori, recentemente se procurou sanar essa
falha do Plano, com a criação de dez comissões de estudo na Secretaria de Educação.
Essas comissões deveriam, no prazo de dois meses, levantar os problemas e apresentar
sugestões que, por assim dizer, irão dar conteúdo pedagógico à atuação do governo no
campo educacional. Não acreditamos que isso resolva a questão. Um planejamento
precisa propor medidas que estejam articuladas, constituindo um todo orgânico. Não
são comissões formadas aleatoriamente, em que pese ao alto nível de seus membros,
que irão realizar tarefa que é de equipes, trabalhando em comum e sob uma mesma
inspiração. — (O Estado de S. Paulo)
EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA NO REGIME
DEMOCRÁTICO *
LÚCIA MARQUES PINHEIRO
Já nos temos manifestado sobre a competição como recurso motivador e os
malefícios que pode determinar sua utilização nas escolas. As situações dos alunos das
diversas turmas e estabelecimentos de ensino serão bastante diferentes, tornando
injusta uma comparação, nem sempre dependendo do esforço feito e na qual, para um
que obtém êxito, muitos experimentam desnecessariamente um fracasso. E,
infelizmente, nem mesmo os vencedores são sempre beneficiados, mas se tornam,
muitas vezes, des-preparados até mesmo para as futuras competições, pois que julgam
falhar se não obtêm a primeira classificação. Sem dúvida, vivemos num mundo em que
a competição é frequente. Aprender a perder e a ganhar constituem, por isso, objetivos
importantes da educação, a alcançar, todavia, por meio de experiências graduais, bem
planejadas e adaptadas à idade de criança, tal como já se realiza no setor de Recreação
e Jogos.
Embora tenha havido no caso certo cuidado no sentido de realizar a competição
entre professores, será difícil evitar que ela alcance as crianças. Seria mais interessante
que a iniciativa tivesse as características de ativi-dade normal da escola, sem prémios
ou classificações. Sem que se estabelecesse isso previamente, algumas das
representações, apreciáveis por algum aspecto, poderiam compor um ou mais
programas de auditório para crianças ou poderiam grupos destas levar o seu trabalho a
outras escolas, num intercâmbio que contribuiria a desenvolver o interesse pelos
assuntos histó-
* Entrevista à imprensa em série promovida sobre a "Dramatização dos
temas cívicos nas escolas".
16
ricos e daria à criança experiências de planejamento, organização, cooperação e
responsabilidade. Parece-me também que órgãos estaduais e federais deveriam realizar
um esforço mais continuado e sistemático de preparação de material para o professor a
título de sugestão, a ser aplicado no momento próprio, em cada caso.
Educação cívica na escola e preparo do professor
O assunto vem sendo entre nós, muitas vezes, mal colocado. Verificada a
inoperância da antiga orientação dada à educação moral e cívica, que se pretendia fazer
por meio de preleções, livros de conselhos ou histórias artificiais para levar a
conclusões prefixadas ou, ainda, de textos áridos sobre as várias virtudes — sua
conceituação e as vantagens de praticá-las, passou-se ao extremo oposto de
despreocupação com a educação cívica ou sua colocação como atividade à parte,
desligada da vida das classes.
No entanto, para o regime democrático é essencial que, ao lado da preocupação
com o desenvolvimento da pessoa humana e do futuro do trabalhador, haja nas escolas
o propósito deliberado de preparação do aluno para suas futuras tarefas de cidadão.
Os objetivos em questão estão quase que inteiramente relegados numa escola
como a nossa atual em que não há as condições mínimas de tempo e espaço, e ainda
dominada por um sistema de organização e, em particular, de promoção que as nações
mais desenvolvidas não adotam desde o início do século.
Com programas excessivos para as condições em que se processa o trabalho
escolar e não adaptados às diferenças individuais, para cumprir os quais seriam
precisas no mínimo 6 horas diárias de trabalho e 6 anos de estudos e, levando em conta
o que o professor deve "dar" em 4,30 horas, ou, mesmo, em 3 ou 2,30 horas, em 4 ou 5
anos, muitas vezes sem salas espe-ciais para atividades de auditório, bibliotecas
realmente atuantes, locais próprios para atividades de trabalho e recreação, pouco se
pode fazer nas nossas escolas para desenvolver nas crianças hábitos, atitudes,
interesses, ideais.
Acresce a isso a falta de preparo específico e completo do professor para orientar o
desenvolvimento social e moral da criança. Esse desenvolvimento decorre em grande
parte da atmosfera geral da escola. Que fazer, por exemplo, num prédio que tem apenas
salas de aula, que a criança ocupa por 3 horas, cinco dias na semana, menos de 200
dias por ano e sem ter um ambiente seu, porque mais de uma centena de crianças de
diferentes
idades e adiantamento, com necessidades diferentes por ali passam diariamente (e não
raro, até adultos, à noite) ? Como realizai- integralmente atividades socializantes sem
local para reunir nem mesmo as turmas de uma série, para atividades em comum?
O que se obtém atualmente em nossas escolas, por um esforço isolado de
professores especialmente capazes e devotados, é quase um milagre. Se atentarmos
para a amplitude de materiais de instrução de que dispõe o professor, por exemplo, nos
Estados Unidos, para desenvolver as atividades curriculares — a título de sugestão e
orientação — veremos o quanto nos falta realizar com esforço sistemático para
desenvolver hábitos e atitudes morais e de civismo em nossas escolas. E não nos
esqueçamos, hábitos e atitudes se estão permanentemente desenvolvendo, mesmo
quando o professor se ocupa apenas com os aspectos intelectuais de educação. O que
ocorre é que com o uso de métodos e recursos inadequados de trabalho, que só
valorizam a aquisição de conhecimentos, com o sistema atual de promoção (que
felizmente o Instituto de Pesquisas Educacionais está trabalhando por mudar,
preparando os instrumentos para que essa mudança se possa processar com bons
resultados) se estão desenvolvendo justamente atitudes negativas — de egoísmo, falta
de colaboração e de iniciativa pelo bem comum, de apatia quando não revolta etc.
Educação para o Regime Democrático
Não podemos esquecer que, como no regime democrático o povo tom as mais altas
prerrogativas, é essencial preparar a população toda para as tarefas de produção e de
cidadania e como pessoas humanas que têm direito a uma vida digna, sob pena de que
o regime, que não é apenas político, mas deve corresponder a uma forma de vida, se
destrua a si mesmo, pela representação mal escolhida e pela descrença resultante.
Se considerarmos as principais características da democracia — liberdade de
expressão, de crença, de locomoção, livre iniciativa, direito à busca da felicidade,
participação, o mais possível ampla, em empreendimentos comuns, facilidade de
ascensão social, direito a participar na própria escolha dos dirigentes — veremos que
são todas direitos que se dão aos indivíduos e para os quais precisam estar preparados,
sob pena de se tornarem tais prerrogativas perigosas para a sociedade. O livre
empreendimento sem respeito às normas morais que estabelecem o lucro justo, a
competição leal, a responsabilidade perante a sociedade; a busca da felicidade com a
destruição da alheia; a ascensão social para uma classe cujos padrões não se possui; a
liberdade de expressão sem respeito aos limites da verdade e da apreciação objetiva; a
escolha dos dirigentes por causas desligadas da consideração das qualidades essenciais
às funções a desempenhar, todos esses males só se podem evitar pela educação.
Liberdade fundada no esclarecimento
Os regimes aristocráticos dependem muito da educação (e também de ignorância
das massas) e a utilizam. A democracia também precisa fazè-lo, mais em sentido
diferente, pois cultiva a liberdade fundada no esclarecimento. A América do Norte é
um exemplo. Oferece a todos educação primária e secundária gratuitas, em escolas de
tempo integral, e compreendendo atividades intelectuais, de trabalho, arte e recreação,
em que o cuidado com a formação para o regime democrático é observado em todos os
níveis, não só influindo nos currículos e programas, como ainda determinando a or-
ganização escolar, o regime de promoção, o desvelo pelas diferenças individuais, a
preocupação com o desenvolvimento integral do aluno. Ao visitarmos escolas
primárias, secundárias e universidades dos Estados Unidos, tivemos oportunidade de
verificar os recursos utilizados com esse intuito, bem como o interesse dos mestres
pelo assunto. Nos dois meses em que observamos escolas de preparação dos
professores primários e secundários (todas em nível superior) não assistimos a uma só
aula em que não constituísse assunto de discussão o impacto que o "sputinik" trazia à
civilização americana e as necessárias alterações no regime educacional para atender à
situação. Estava implícita em todas as discussões a fé na educação como base da
democracia.
Sugestões para a situação brasileira
O desenvolvimento, pela ação deliberada da escola, de atitudes sociais e morais
— de cooperação, solidariedade, responsabilidade, justiça, tolerância, honestidade,
iniciativa, objetividade (isto é, de considerar o ponto-de-vista alheio com isenção) e
tantas outras da maior importância — só pode resultar de uma ação constante,
intencional, de exemplo do professor e demais membros da comunidade escolar, e da
vivência de situações em que se exerçam, porque formamos hábitos e atitudes
praticando-os.
Desenvolver hábitos e atitudes desejáveis torna-se dificílimo numa escola
dominada pelas atividades intelectuais, em que se exige de todos uma dose
aprioristicamente determinada de conhecimentos, para não ter de recomeçar o trabalho
do ano, com a agravante da reprovação — frustração para pais, alunos e professares e
tendo estes a responsabilidade de um número de alunos que, muitas vezes, ultrapassa o
limite razoável (no serviço cumulativo poderá ter 80 e mais crianças a seu cargo). Isso
porque o professor é levado a ensinar por meio de palestras, a que se seguem
exercícios de treino, atividades todas altamente passivas, que não dão lugar à
cooperação, iniciativa e, em geral, ao exercício de atitudes sociais.
Repito, teríamos de mudar muito em nossa escola primária para que iniciativas
como a da CASES não sejam pequenos oásis num deserto sem remédio, mas para que
a formação de hábitos e atitudes positivas se
torne a principal preocupação do professor em todas as atividades escolares, a fim de
que se possa realmente exercer uma influência formadora.
Além da mudança dos métodos e recursos de ensino, sobre a qual não poderemos
estender-nos, cumpre pensarmos num programa de educação para a cidadania para
nossas escolas primárias e secundárias, a exigir uma preparação dos professores nas
Escolas Normais e Faculdades de Filosofia, sem necessidade de criação de novas
disciplinas.
Seria da maior importância que empreendêssemos esforços no sentido de se
estudar a bibliografia disponível e sugestões de atividades — em suma, material de
instrução para professores do nível elementar e médio.
Creio que podemos ter uma esplêndida inspiração no Project for citi-zenship
education desenvolvido pela Universidade de Colúmbia, a mais destacada dos Estados
Unidos.
Consiste esse trabalho num excelente fichário para uso de professores primários e
secundários, partindo das noções básicas e atividades fundamentais necessárias à
preparação para o regime democrático e contendo sugestões de recursos a utilizar,
atividades a desenvolver e bibliografia selecionada por assunto e com a informação do
conteúdo de cada volume.
Para dar uma ideia do material em questão, eis alguns dos tópicos que inclui:
liberdade individual (desenvolvida nas noções de que todos são importantes como
indivíduos, devem ter -o máximo de liberdade compatível com o bem comum, ter
iguais direitos e garantias e de que sua ação não pode pôr em perigo o bem-estar geral e
do país etc), as liberdades sociais básicas, o direito à educação, as crenças politicas
básicas do regime democrático, os poderes, as responsabilidades políticas, os direitos
do profissional, os privilégios da livre iniciativa, o Mundo livre.
Como recursos de trabalho aconselhados, vemos, além da busca de informações e
documentação em livros, jornais, revistas, publicações de todos os tipos, rádio,
televisão, filmes, gráficos, fotografias, entrevistas, surveys, estudos de problemas
reais, busca direta de dados, excursões etc.
À prática democrática é dada a maior ênfase. Urge pensarmos na preparação de
nossos jovens para o amor esclarecido ao Brasil — pelo aperfeiçoamento da língua
comum, pelo cultivo das tradições de valor, pelo conhecimento a respeito dos grandes
homens, pelo estudo de nossos problemas, pelo domínio de nossa história, inclusive
cultural e social, sem esquecer o papel do Brasil no concerto universal, os ideais de
harmonia e progresso, o estudo do regime democrático e seus instrumentos.
E não nos esqueçamos, isso não é tarefa fácil e todos os esforços que fizermos
serão louváveis, mas poucos, para objetivos tão amplos e importantes para a nossa
civilização cristã e democrática. — (Diário de Noticias, Rio)
ESCOLAS RELIGIOSAS
AGOSTINHO DE SILVA
Se é frequente a queixa de que o ensino laico ou oficial, porque os dois lermos são
apresentados como sinónimos, está tentando ou quase conse-
guindo expulsar de seu campo de trabalho o ensino de corporações religiosas, graças
sobretudo à multiplicação de estabelecimentos estaduais ou federais e às dificuldades
financeiras que as escolas particulares poderiam encontrar em seu caminho, certo é que
não são menos frequentes as queixas em sentido contrário, pelo menos nalguns dos
Estados. Consiste a queixa em que as congregações religiosas ou católicas, e aqui
novamente se tomam como sinónimos termos que o não são, estariam tomando conta
da educação da grande massa de alunos e realmente se apropriando de uma parte cada
vez mais importante das verbas destinadas à educação. Junta-se a essa queixa a
acusação ou, pelo menos, a insinuação de que haveria da parte das referidas
congregações muito maior interesse pela quantia a receber do que pela instrução a
ministrar. A essa acusação se contrapõe a de que a laicização do ensino traz, como
objetivo final, a descristianização do povo e a sua entrega a interesses materialistas.
Pelo que tem sido possível observar objetivamente, o que o ensino oficial tem
procurado fazer, como lhe compete, é dar escola o quanto possível barata a populações
escolares cada vez mais amplas e aqui a única censura ou reparo que se lhe poderia
dirigir é que para esse alvo se não têm canalizado tantos recursos materiais, tanta
energia de planejamento e de execução e tão grande esforço a favor de uma maior
descentralização e diversificação quanto seria para desejar; por outro lado, e devido a
circunstâncias muito mais complexas e que só uma substituição de conceitos básicos
poderia remediar, as reformas escolares ou os progressos escolares não têm sido
acompanhados daquelas possibilidades econômicas para alunos e pais de alunos que
permitiriam um real e eficiente aproveitamento da escola. Junte-se ainda que o ensino
oficial tem procurado corrigir um erro frequente no ensino de corporações religiosas: o
erro da importância primordial dada à retórica, à história puramente narrativa e à
literatura dos luga-res-comuns; e tem procurado corrigir esse erro insistindo no ensino
das ciências, embora ainda se continue na maior parte das vezes ensinando ciência
teoricamente; e retòriacamente, digamos, porque tão retórico se pode ser a respeito de
Catão como do hidrogénio.
Dizer, como se tem dito, que o ensino das ciências é de caráter materialista, é ter
apenas na cabeça as deformações americanas ou russas, todas elas dirigidas ao lucro ou
ao poder, do qual no fim de contas o lucro é uma das formas. Mas todo o mal permite
uma esperança: e aqui a esperança consiste em imaginar que será possível chegar o dia
em que se entenda que ter compreendido bem, ter compreendido por dentro, um
teorema de geometria, ou fisiologia de insetos ou valência de química é muito mais
espiritual, muito mais religioso e muito mais próximo de Deus do que rezar o Padre
Nosso sem nenhum arrependimento de suas próprias dívidas e sem tenção de perdoar
coisa alguma a seus devedores, apenas o fazendo por superstição ou para se ser visto de
quem manda. Ciência é materialista enquanto os homens a aproveitarem e a
valorizarem em plano material; mas dessa questão de aproveitamento para fins
materiais do que é de natureza espiritual não está livre, como se sabe, a própria religião.
Mas o ensino oficial se defenderá por si próprio e o defenderão sempre. enquanto
houver alguém que não seja católico ou de outra qualquer religião e que deseje
frequentar escola neutra sob o ponto-de-vista religioso, o de-federão sempre todos os
católicos para os quais o importante não é a vitória de sua crença em campo de poder,
de número ou de economia, mas a sua vitória no domínio da fraternidade, e, por aí, da
verdadeira igualdade e da verdadeira liberdade. Não há perigo algum de que o ensino
laico seja vencido no mundo. Parece-me haver perigo no contrário, o que representaria
para a humanidade, apesar de todos os progressos técnicos que se pudessem acumular,
um atraso dificilmente reparável. Se não formos religiosos, como condição primordial,
a técnica nos destruirá, se formos, porém, como devemos e acima de tudo, homens de
religião, a técnica nos servirá e por ela obteremos as condições materiais para que se
instaure no mundo uma civilização realmente cristã.
Ê bom talvez esclarecer que, quando falo de ensino religioso, não me refiro de
modo alguns ao ensino da religião; entendo-a bastante bem no caráter sacramental que
lhe é de essência para que a não queira senão nos templos: tê-la nas escolas, ensinada
como se fosse gramática, até com esquemas, chaves e regras, é na realidade um
sacrilégio; podem-se por esse meio formar temores e hábitos: jamais se formarão
devoções. Do que eu falo é de ensino, por corporações religiosas ou em escolas que se
confessam ou afirmam religiosas, das matérias comuns dos programas oficiais ou das
matérias que, com liberdade de cátedra, pode escolher o professor universitário do
acervo de conhecimentos da humanidade ou de suas próprias pesquisas.
Nesse ponto o problema toma aspectos graves. Em primeiro lugar, um programa
de ensino não é apenas um relacionamento de matérias; é igualmente um juízo sobre a
importância de ditas matérias e até, implícita ou explicitamente, uma indicação sobre a
forma por que o professor as deve ensinar. Em segundo lugar, o seguir-se um programa
oficial implica a obediência aos poderes que o instituíram e regulam. Em terceiro lugar,
porque se lhe dá um diploma oficial, se lança o aluno numa sociedade cujas relações
são estabelecidas, por uma regulamentação de caráter inteiramente laico e até, porque
baseada em direito romano, de caráter pagão e anti-cristão. Submeterem-se as escolas
chamadas religiosas a injunções desta natureza; terem, por exemplo, de observar
apenas os feriados oficiais, celebrando entre outras datas a de proclamação de uma
república essencialmente laica e até positivista; ensinarem, de Cristo, a sua natureza
humana e somente essa, calando-se oficialmente, sobre sua natureza divina; não darem
grande importância ao que é o mais importante da Idade Média, a sa-cratização da vida
comum; respeitar as observações, a fiscalização e as ordens de uma inspeção que pode
ser exercida até por um inimigo de confissão; finalmente, lançar um aluno para o
mundo, não o tendo preparado para uma vida que ainda não é cristã ou não o tendo
preparado, como seria lógico, para o martírio por sua Fé, se é que realmente a tem; —
tudo isso, repetido dia a dia, renovado de ano a ano, tudo isso mata o espírito; e, com o
espírito morto, não há corpo que viva.
Ora, é inteiramente indispensável que haja ensino católico, isto é, que haja escolas
em que se dê aos alunos uma visão católica do mundo, no seu passado, no seu presente
e, sobretudo, no seu futuro; só teremos, como se deve, um universo católico governado
por um Papa, uma vida sagrada e uma esperança de Céu finalmente se abrindo sobre a
terra, quando tivermos lançado, para o martírio e para a vitória, gerações e gerações de
homens que estejam dispostos a um pensar católico e a uma ação católica. Essas
escolas, porém, deverão ter os seus programas próprios, inteiramente independentes
dos programas oficiais, e fazendo todo o possível por que esses programas oficiais
sobre eles se venham a modelar um dia; deverão sustentar-se com os recursos que lhes
fornecerem os católicos desejosos de que a obra se realize, sem procurar verbas que
vêm do Estado e que só ao Estado devem servir: ninguém que serve a Deus deve
reclamar de novo, e às vezes com juros, o dinheiro que deu a César; devem recrutar os
seus alunos o mais possível entre os pobres e não especializarem-se em ser escolas de
uma minoria que lentamente apodrece e só se mantém pelo auxílio mútuo, alicerçado
geralmente na frequência dessas escolas; devem importar-se pouco com a
magnificência dos edifícios, deixando essas vaidades para o Estado afinal pagão, e
interessar-se muito mais pelos instrumentos de trabalho e pela sorte material daqueles
que as servem; e, finalmente, com o justo gosto de ter feito a obra essencial, devem
distribuir diplomas que não tenham valor algum no mundo oficial. A verdade é que
nós, católicos, atraídos pelos vários Constantinos que se têm sucedido no mundo,
estamos interessados demais pelos pratos de lentilhas e saímos cedo demais de nossas
catacumbas, aonde, por erros, talvez tenhamos de regressar em breve; só que desta vez,
as nossas escolas nos deviam servir de catacumba: onde, como se sabe, mas se esquece,
não se recebia dinheiro do Estado; não se era considerado pelo mundo oficial; e o único
diploma que se recebia era o que habilitava à luta contra as feras do Império. — (O
Estado de S. Paulo)
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO*
Uma nação toma consciência de seus problemas fundamentais quando eles
incidem negativamente sobre o desenvolvimento de suas potencialidades: a partir deste
momento, há um desafio permanente a estimular e a exigir soluções urgentes, como
técnica de sobrevivência ou como força de melhor afirmação nacional. Esta fórmula,
de fácil verificação, tem validez irrecusável no que se refere ao problema da educação
no Brasil — em todos os seus níveis — possivelmente um dos setores de nossa
realidade global que mais se ressentem de uma ação coerente e segura, em atendimento
às evidentes necessidades de progresso do País e em respeito às exigências humanas e
culturais de seu povo. A questão apresenta matizes dramáticos, não só pela imensa
tarefa a ser enfrentada, como ainda pela dificuldade intrínseca em combinar a urgência
do processo a um roteiro que, por sua
• Editorial do Jornal do Brasil de 4, 5 e 7 de setembro de 1960, Rio.
natureza, pede reflexão e amadurecimento de análise. Mas não poderá haver dúvida de
que já não podemos, como povo e como nação politicamente organizada, tolerar um
estágio de estagnação n de hábitos educacionais peremptos e que não se coadunam
com o desejo de aperfeiçoamento que se manifesta por todo o território nacional.
Toda técnica tem uma fixação histórica, um conteúdo histórico que lhe delimita os
contornos e que, afinal, lhe assegura uma vitalidade específica: os ideais se atualizam
pelas técnicas de cada momento humano. Assim também com a educação: o Brasil,
que ora abre suas vistas para um do.-; seus maiores problemas, terá de apropriar-se dos
bens da cultura, numa época decisivamente tecnológica, através de um sistema
educacional que o torne contemporâneo do mundo moderno, que o integre na corrente
do século, que o faça condómino da riqueza cultural universal. Educação tecnológica e
educação humanística, geral — eis o binómio em que o esforço brasileiro tem de
exercitar-se numa cruzada ininterrupta.
A educação é o lugar natural do homem civilizado, do homem — na palavra de um
de nossos educadores — "que fundou e fêz a grandeza da civilização urbana".
Instrumento de renovação social, a educação reside, fundamentalmente, naquela
apropriação de bens culturais, de natureza liuma-manística ou de caráter tecnológico,
que possibilite a vinculação do trabalho e a criação intelectual integrar-se na corrente
de exigência da própria sociedade. Sua finalidade obedece, como toda reflexão de tipo
filosófico, a uma visão particular do mundo, mas as verificações concretas podem
fundir-se a uma exigência ideal e possibilitar uma realidade harmónica, funcional,
solidária e eficaz — em que se atendam tanto às imposições da técnica quanto às
necessidades do indivíduo em posição não utilitária, mas de igual paridade com as
conquistas do mundo físico, do universo científico.
Não se situa um sistema educacional fora de seu contexto histórico, de suas
coordenadas específicas: aqui, para sermos exatos, aponta mais uma questão de
método, de eleição de instrumentos para levar ao homem — isolado ou coletivamente
considerado — os bens da técnica ou da cultura humanística. E é neste sentido que se
relativizam as soluções e os caminhos a seguir — e só neste sentido.
O Brasil, por circunstâncias de natureza vária, relegou a um plano de inércia e de
inépcia a solução, ainda que em termos modestos, do problema da educação nacional: a
omissão sistemática do Poder Público a par das construções pseudoteóricas de
educadores sem vivência adequada do fenômeno, fêz com que nos desarticulássemos
de tal forma, em matéria educacional, que agora já não podemos mais ignorar as
escandalosas lacunas que vêm corroendo o nosso ímpeto de progresso e a nossa
confessada preocupação com o destino do homem brasileiro, sujeito de direitos
culturais inalienáveis: urna formação livresca, irreal, sem autenticidade, ignorante da
realidade elementar do País, força-nos nesta encruzilhada a rever todo o arcabouço
pedagógico da Nação, nos seus níveis primário, secundário, colegial e universitário.
Por outro lado, e paradoxalmente, esse atraso e esse desnível entre as necessidades
técnicas e humanísticas e o que a Nação pede para desenvolver-ae econômica e
socialmente ofereceram, a esta altura da evolução do mundo ocidental, uma
oportunidade única: o Brasil poderá, se tiver ânimo para tanto, aproveitar-se
fecundamente da experiência de outros povos, para seguir um caminho seu e universal
ao mesmo tempo, valendo-se de uma ciência que lhe coloca às portas um arsenal de
liberação de forças materiais e de um acervo cultural que se espalhará pelos canais de
um ensino saneado de tabus e de fantasias estéreis.
O JORNAL DO BRASIL, que tem no problema da educação nacional um dos
pontos de maior importância no elenco dos problemas básicos brasileiros, deseja
examinar em profundidade as implicações de toda a questão, aqui apenas esboçada.
A realidade brasileira, que pode ser interpretada a partir de vários planos de
preferência, no que se refere à educação nacional, oferece área comum de apreciação
objetiva: uma população ativa escolar desejosa de integrar-se nos bens da cultura e do
ensino, e que se espalha por todo o território pátrio, e uma configuração constitucional
definidora dos rumos básicos do processo da educação. Para não se revestir de mero
caráter especulativo e, por isto mesmo, impróprio a um tratamento jornalístico, teremos
de nos fixar dentro dos contornos dessas duas coordenadas — demográfica e
constitucional — para situarmos, com razoável precisão, os verdadeiros horizontes do
problema.
E sabido que a população ativa brasileira não pode dispor de escolas, nos seus
vários níveis, em que se ministre a educação em termos satisfatórios: a omissão do
Estado, a este respeito, assume verdadeiramente a feição de uma calamidade ou de um
crime continuado. Desde a população infantil, apta a ingressar nos cursos primários, até
a população adulta, apta a integrar-se no regime universitário — observa-se um forçado
marginalismo de talentos e de inteligência, um capital humano dos mais preciosos
atirado a uma terra de ninguém. Desde a República — apesar dos esforços consi-
deráveis que se fizeram para elevar a educação do homem brasileiro a um nível
correlato às pretensões do País como nação civilizada — não se tem cumprido,
desgraçadamente, o papel do Poder Público como responsável pela instrução pública e
pelo oferecimento irrecusável de bens culturais ao alcance, senão de todos, ao menos
de decisiva maioria de brasileiros. O índice de analfabetismo, a esta altura de nossa
vida como povo organizado, acusa este descaso impressinante: numa população total
de escolarização de 30 249 423, não sabem ler nem escrever l5 272 632 — o que
representa o alto índice de 50% de analfabetos, para pessoas de 15 anos e mais. Com o
aumento da população pressionando o acréscimo específico da idade escolar, nos
últimos dez anos, a tendência à concentração maior desse índice é evidente: o último
censo, de 1950, revela que somos um País que não soube manejar a sua capacidade e a
sua necessidade de educar o povo brasileiro.
A segunda coordenada que cimenta a realidade brasileira, sobre a qual se
assentará um enfocamento correto do problema educacional, reside na
Constituição Federal de 1946: aí se coloca, a par de ordenamento normativo misto, uma
disposição francamente de caráter patrimonial e que, encarada em termos de
planificação anual, será uma poderosa ajuda ao incentivo e disseminação da escola no
Brasil. O dilema escola pública-escola privada perderá o seu caráter agressivo e
sectário se fôr encarado como dois momentos da vontade constitucional: o ensino a ser
ministrado pelo Estado, e que se torna obrigação sua, é eminentemente público — e
tem preeminência até o limite de um quantitativo que a Constituição expressamente
prefixou: 10% da renda tributária, liquidamente apurada na execução do orçamento
público. Até esse limite, a ação do Estado é exclusiva, convergente para os problemas
suscitados pela manutenção e desenvolvimento do ensino. Acima desse quantitativo, e
obedecendo também à dualidade do tratamento educacional, é admissível à iniciativa
privada uma concorrência ou concomitância, e terá mesmo direito a ser subvencionada
ou amparada financeiramente pelo excesso da arrecadação tributária com a destinação
especial. O que não se pode conceber, em termos estritos do mandamento constitucio-
nal, é que se coloque aí um problema de natureza filosófica ou polémica — como o da
velha contenda entre escola pública e escola privada — quando, na verdade, êle não
existe em termos da nossa Lei Maior: aqui, a polêmica está dirimida por uma,
irrecusável precedência de tratamento financeiro à escola pública, garantido o direito
subjetivo à escola particular, já que o sistema constitucional brasileiro não votou a
unicidade da escola pública, mas tão-sòmente o seu tratamento orçamentário em
prioridade, vinculado a uma dotação irremovível até 10% da renda tributária. Não se
trata mais, portanto, de uma opinião constituinte, mas de lei feita e acabada: não poderá
haver democracia consequente com os seus postulados le liberdade e de igualdade se
não se der à escola pública (sem caráter polémico, mas em atendimento a conquistas
históricas perfeitamente respeitáveis) um significado de corolário à sua estrutura liberal
e de regime classicamente definido como sendo do povo, para o povo e pelo povo. O
Estado, por isto mesmo, não pode financiar a escola privada quando as suas obrigações
constitucionais não estão plenamente cumpridas — eis aí toda a realidade brasileira,
nesta disputa de equívocos.
Não pode, por outro lado, passar o povo brasileiro sem a colaboração
complementar da escola particular: esse seu direito expressa-se na vontade
constitucional, e revela que o legislador de 1946 — evitando solução drástica — quis
também reconhecer um dado realista do nosso meio, em que a escola particular
funciona em termos de complementação as obrigações primordiais do Estado. Quando
se vê e se toma consciência de que o Estado Brasileiro é de estruturação democrática,
com todas as garantias que se asseguram à legitimidade prioritária da escola pública, o
dilema dissolve-se num receio maior: o de que a escola pública não seja, realmente,
uma preocupação preferencial, em cujo mecanismo se insiram —• necessariamente —
os fatôres de solidariedade e de igualdade.
A vinculação de causalidade entre educação e desenvolvimento pode ser
compreendida claramente na apreensão do conceito e da verificação
da atual civilização tecnológica: implantada no mundo ocidental a partir,
aproximadamente, de princípios do século XIX, a civilização tecnológica tomou a
máquina e as técnicas de organização racional das atividades humanas e colocou-as a
serviço de uma comunidade que visava ao bem-estar social, à liberação da mão-de-
obra, ao aumento crescente e dinâmico dos bens de produção e de consumo. Pelo
advento desse tipo de civilização — corolário de uma vasta evolução de sentido
progressista — observam-se os dados característicos que marcaram toda a linha do
irrompimento da Revolução Industrial: o crescimento considerável da população, o
prolongamento da vida provável ao nascer, a elevação do nível médio de vida, a
transferência de parcelas enormes de mão-de-obra dos setores onde o serviço é penoso
para as atividades mais suaves com salários mais altos; redução considerável da
jornada de trabalho e, como consequência, um aumento correspondente das horas de
lazer; a entrada em serviço em idade mais adiantada e, portanto, ensejo de escolaridade
mais longa para a juventude; acesso às escolas de um número imenso de jovens cuja
origem modesta jamais lhes teria permitido tal benefício em épocas anteriores (Cf.
Doze Ensaios sobre Educação e Tecnologia, Prof. Ernesto Luís de Oliveira Júnior). Se
a tecnologia liberou as forças de expansão da sociedade contemporânea, fê-lo em
fidelidade ao seu conceito básico —-realização de finalidades práticas com emprego
racional dos meios de maior economia. E se pôde informar todo um tipo de civilização,
foi exatamente porque assimilou técnicas e meios adequados àquelas finalidades e,
assim, pôde transmiti-las a um crescente número de indivíduos de um mesmo contexto
social, para que se continuasse um avanço em que estavam empenhados valores e
tendências que interessavam o homem ocidental, fundamentalmente porque era o
caminho correto para impor-se uma predominância dos fatôres do trabalho. A
tecnologia é um fenômeno que surge numa civilização em que o trabalho é o valor de
maior coesão social: e é nesta faixa de civilização, com os seus valores a preservar e a
transformar, que nos inserimos, como País e como Nação, social, politicamente e
historicamente. Sem a educação não se transmitem as técnicas necessárias ao progresso
social nem à própria organização racional do trabalho — e sem as suas conquistas
caminhamos em lentidão que nos ameaça a própria sobrevivência nacional. Em termos
latos, poder-se-ia mesmo dizer que a civilização tecnológica do século em curso é uma
forma moderna de humanismo: é por meio dela que o homem se integra validamente
na sua área nacional, e é por seus efeitos que o mundo — conservando uma
diversificação viva para cada povo — unifica-se malgrado as diferenças, políticas,
religiosas, raciais, geográficas e históricas.
As necessidades de desenvolvimento econômico — criação de bens, de itens
alimentares e erradicação de pontos negativos de miséria e subcon-sumo — são de
natureza complexa, mas basicamente centramse no apoio tecnológico, e este,
irrecusavelmente, só pode ser dado por informação educacional especializada e
progressivamente intensificada.
As transformações por que passa o Brasil, dentro do quadro fluido de nossos dias,
não podem conduzir-se ao azar de improvisações sem um mínimo de previsibilidade:
basta registrar que a população brasileira, no intervalo de 1940-50, cresceu de 11
milhões de habitantes, aumentando a população ativa da zona rural em cerca de 400
mil indivíduos. A população do Brasil, em 1950, era de 52 645 479, e a previsão para o
corrente ano é de 63 355 000 habitantes. Em mais uma década seremos, com forte
probabilidade, 80 milhões de brasileiros.
A maior e a mais grave responsabilidade de uma comunidade democrática, com os
pés fincados nesta metade do século, é dar efetivamente educação a todos os seus
cidadãos: esta será, e em regime de urgência indisfarçável, a tarefa gigantesca que o
Brasil precisa e deve enfrentar — sem receio de iniciativas audaciosas e pertinazes,
sem as criminosas ilusões da demagogia e sem perder de vista que um povo que não
sabe utilizar-se sua força de trabalho e de suas possibilidades de inteligência vota-se,
irremediavelmente, à estagnação e à decadência em todos os planos da vida civilizada.
ATOS OFICIAIS
DECRETO N. 48.902 — DE 27
AGOSTO DE 1960
Institui a Campanha Nacional do
Livro.
O Presidente da República, usando
das atribuições que lhe confere o artigo
87, item I da Constituição, decreta:
Art. 1º Fica instituída a Campanha
Nacional do Livro (C.N.D.) a cargo do
Instituto Nacional do Livro, do
Ministério da Educação e Cultura.
Art. 2º Caberá à C.N.L. realizar,
tendo em vista a elevação do nível
cultural brasileiro, a difusão e a
divulgação do livro no país, a par do seu
aprimoramento, assim como promover,
em colaboração com a Biblioteca
Nacional, o conhecimento e a propaganda
do Livro Nacional no estrangeiro.
Art. 3º Para a consecução desses
objetivos, a C.N.L. deverá:
a) organizar e publicar a En-
ciclopédia Brasileira e o Dicionário da
Língua Nacional, revendo-lhe as
sucessivas edições;
b) organizar e publicar obras de
interesses cultural, inclusive a "Re vista
do Livro";
c) diligenciar, por todos os meios a
seu alcance, no sentido de ser aumentada,
melhorada e barateada a
edição de livros no país, e, bem assim, de
ser facilitada a importação de livros
estrangeiros;
d) incentivar a organização e
auxiliar a manutenção, em todo o
território nacional, de bibliotecas pú-
blicas, escolares e consideradas de
utilidade pública;
e) promover a realização de cursos,
destinados a formar os especialistas
necessários aos serviços que lhe
incumbem, além de outros, de extensão e
aperfeiçoamento cultural:
f) organizar congressos, festivais e
exposições de livros, no país e no
estrangeiro, em colaboração com a
Biblioteca Nacional;
g) distribuir prémios às melho
res obras publicadas no país;
h) promover a realização de filmes
documentais de divulgação do livro, de
bibliotecas e de nossa história literária;
i) financiar bôlsas-de-estudo, no pais
e no estrangeiro;
j) criar e manter bibliotecas-mo-dêlo
e bibliotecas volantes, em todo o
território nacional;
1) manter serviço de intercâmbio
com instituições nacionais e estrangeiras
ligadas ao livro;
m) cooperar com os órgãos federais,
estaduais e municipais de ca-ráter
cultural e relacionados com as suas
finalidades; e
n) realizar quaisquer outras ati-
vidades para o pleno preenchimento de
suas finalidades.
Art. 4° A C.N.L. será superintendida
pêlo Diretor do Instituto Nacional do
Livro, e suas atividades serão planejadas
por um Conselho Consultivo, presidido
pelo Diretor mencionado e integrado pelo
Diretor Geral da Biblioteca Nacional,
pelos Chefes das Seções de Publicações
do Dicionário do mesmo Instituto, e de
Bibliotecas e da Enciclopédia e por um
representante da Academia Brasileira de
Letras.
Art. 5º As atividades da Campanha
serão custeadas com os recursos que
forem destinados, provenientes das
seguintes fontes:
o) dotações que para qualquer fim
lhe forem consignadas nos orçamentos da
União, Estados. Municípios, autarquias,
entidades paraesta-tais e sociedades de
economia mista;
b) contribuições que lhe forem
destinadas por entidades públicas e
privadas;
c) contribuições provenientes de
convênios com entidades públicas,
particulares e subvencionadas;
d) donativos, contribuições e le-
gados de particulares;
e) toda e qualquer renda eventual.
Art. 6º Os recursos atribuídos à
C.N.L. serão movimentados pelo Su-
perintendente da Campanha e à mesma
creditados no Banco do Brasil S.A., em
conta de Podêre3 Públicos.
Art. 7º A movimentação dos recursos
atribuídos à C.N.L. dependerá da prévia
aprovação do respectivo plano de
aplicação a ser sub-
metido ao Presidente da República
através do Ministro da Educação e
Cultura.
Art. 8'' Da aplicação dos recursos
prestará contas o Superintendente da
C.N.L. ao Tribunal de Contas, com o
parecer da Divisão do Orçamento do
M.E.C., sessenta (60) dias após o
encerramento de cada exercício.
Art. 9º O Ministro da Educação e
cultura expedirá as instruções necessárias
à execução desse decreto estabelecendo a
organização e as normas de
funcionamento da C.N.L.
Art. 10. Este decreto entrará em
vigor na data da sua publicação, re-
vogadas as disposições em contrário.
Brasília, em 27 de agosto de 1960,
139º da Independência e 72º da Re-
pública.
JUSCELINO KUBITSCHEK
Pedro Paulo Penido (Publ.
no D. O. de 8-9-60).
DECRETO Nº 48.938 — DE 14 DE
SETEMBRO DE 1960
Dispõe sobre execução da Lei nume-ro
1.295, de 27 de dezembro de 1950, na
parte relativa a registro de diplomas
de cursos superiores.
O Presidente da República, usando
da atribuição que lhe confere o art. 87,
inciso I, da Constituição, decreta:
Art. 1º O registro dos diplomas
conferidos pelos estabelecimentos de
Ensino Superior sob a jurisdição do
Ministério da Educação e Cultura e
integrantes de Univer-
sidades Federais, passa a ser feito na
respectiva Reitoria.
Parágrafo único. Cada diploma
somente poderá ser dado a registro após
prévia verificação da regularidade dos
cursos secundários (ou equivalente) e
superior, bem como do cumprimento das
demais exigências legais.
Art. 2º As Universidades Federais
solicitarão aos órgãos do Ministério da
Educação e Cultura as informações que
julgarem necessárias para a verificação
da regularidade da vista escolar dos
diplomas e, nos casos duvidosos,
submeterão o assunto à apreciação do
Conselho Nacional de Educação, que
emitirá parecer sujeito a homologação do
Ministro de Estado da Educação e
Cultura.
Art. 3º As Reitorias das Uni-
versidades Federais remeterão, men-
salmente, à Diretoria do Ensino Superior
todos os dados por esta julgados
necessários à manutenção do cadastro
geral de diplomas registrados.
Art. 4º O Ministério da Educação e
Cultura baixará, no prazo de 30 (trinta)
dias, as instruções necessárias ao
cumprimento das presentes disposições.
Art. 5º Este decreto entrará em vigor
na data de sua publicação, ficando
revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 14 de setembro de 1960;
139º da Independência e 72º da Re-
pública.
JUSCELINO KUBITSCHEK
Pedro Paulo Penido (Publ.
no D. O. de 14-9-60).
DECRETO Nº 48.961 — DE 22 DE
SETEMBRO DE 1960º
Institui a Campanha Nacional de
Educação e Reabilitação de Defi-
cientes Mentais.
O Presidente da República, usando
da atribuição que lhe confere o artigo 87,
item I, da Constituição Federal, decreta:
Art. 1º Fica instituída no Ministério
da Educação e Cultura, dire-tamente
subordinada ao Ministro de Estado da
Educação e Cultura, a Campanha
Nacional de Educação e Reabilitação de
Deficientes Mentais (CADEME).
Art. 2º A C.A.D.E.M.E. será levada
a efeito por uma Comissão de 3
membros, constituída e designada pelo
Ministro de Estado da Educação e
Cultura e que funcionará no seu Gabinete
e sob a sua presidência.
Parágrafo único. O Presidente da
Comissão referida neste artigo designará
um de seus membros para exercer as
funções de Diretor Executivo que o
substituirá nas suas faltas e
impedimentos, podendo, ainda, delegar-
lhe também poderes para representar a
Campanha e exercer todos os atos
pertinentes à sua ad-ministrasão e
execução.
Art. 3º A C.A.D.E.M.E. tem por
finalidade, promover, em todo o território
nacional, a educação, treinamento,
reabilitação e assistência educacional das
crianças retardadas e outros deficientes
mentais de qualquer idade ou sexo, pela
seguinte forma:
I — Cooperando técnica e finan
ceiramente em todo território nacio
nal, com entidades públicas e priva
das que se ocupem das crianças re
tardadas e dos outros deficientes
mentais.
II — Incentivando, pela forma
de convênios, a formação de pro
fessores e técnicos especializados na
educação e reabilitação das crianças
retardadas e outros deficientes men
tais.
III — Incentivando, pela forma de
convênios, a instituição de consultórios
especializados, classes especiais,
assistência domiciliar, direta ou por
correspondência, centros de pesquisas e
aplicação, oficinas e granjas, internatos e
semi-internatos, destinados à educação e
reabilitação das crianças retardadas e de
outros deficientes mentais.
IV — Estimulando a constituição de
associações e sobretudo de fundações
educacionais destinadas às crianças
retardadas e a outros deficientes mentais.
V — Estimulando a organização
de cursos especiais, censos e pesqui
sas sobre as causas do mal e meios
de combate.
VI — Incentivando, promovendo
e auxiliando a publicação de estudos
técnicos e de divulgação; a organiza
ção de congressos, conferências, se
minários, exposições e reuniões des
tinadas a estudar e divulgar o as
sunto.
VII — Mantendo intercâmbio com
instituições nacionais e estrangeiras
ligadas ao problema.
VIII — Promovendo e auxiliando a
integração das crianças retar-
dadas e outros deficientes mentais nos
meios educacionais comuns e também
em atividades comerciais, industriais,
agrárias, científicas, artísticas e
educativas.
§ 1º A CA.D.E.M.E. não levará a
efeito, sob qualquer forma, atividades
puramente assistenciais, nem manterá ou
dirigirá diretamente serviços, limitando-
se apenas à cooperação técnica e
financeira.
§ 2º A CA.D.E.M.E. dará prioridade
às atividades de educação e reabilitação
de crianças e adolescentes sem prejuízo
entretanto dos outros deficientes montais.
Art. 4º Caberá à Comissão prevista
no artigo segundo:
I — Elaborar o anteprojeto de
regulamentação do presente decreto.
II — Realizar o cadastro e re
gistro de entidades dedicadas ao pro
blema.
III — Elaborar periodicamente o
plano de ação da Campanha.
IV —i Elaborar periodicamente o
plano de aplicação dos recursos à
disposição da Campanha.
Art. 5º Para o custeio das atividades
da CA.D.E.M.E. e de seus serviços
técnicos, administrativos e de expediente
haverá um Fundo Especial de natureza
bancária, depositado em conta especial,
no Banco do Brasil S.A. a ser
movimentado pelo Diretor Executivo e
constituído de:
a) Dotações e contribuições que
forem previstas nos orçamentos da
União, dos Estados, dos Municípios e de
entidades paraestatais e sociedades de
economia mista para os fins objetivados
neste decreto.
17
b) Donativos, contribuições e
legados particulares.
c) Contribuições de entidades
públicas e privadas, nacionais e es-
trangeiras.
d) Renda eventual do património
da Campanha.
e) Renda eventual de ativida-des e
serviços da Campanhia.
/) Dotações orçamentárias referentes
a serviços educativos, culturais e de
reabilitação.
Art. 6º Poderá a Campanha receber
ajuda financeira também sob a forma de
imóveis e material, dentro das normas
administrativas vigentes.
Art. 7º Na hipótese de extinção da
Campanha o seu acervo será incorporado
ao património da União e entregue ao
Ministério da Educação e Cultura para
ulterior redistribuição às entidades
públicas e privadas dedicadas à educação
e reabilitação dos deficientes mentais.
Art. 8' A Campanha poderá firmar
contrates, ajustes ou convênios com
entidades públicas e privadas para
consecução de seus objetivos.
Art. 9º Este decreto entrará em vigor
na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Brasília, em 22 de setembro de 1980;
139º da Independência e 72º da
República.
JUSCELINO KUBITSCHKK
Pedro Paulo Penido
(Publ. no D. O. de 23-9-60).
Retificaçâo
No art. 3º, item I, onde se lê: ... que se
ocupou das crianças retardadas...
Leia-se:
... que se ocupem das crianças
retardadas ...
No art. 5º, na letra e), onde se lê:
. .. serviços da Campanhia.
Leia-se:
... serviços da Campanha.
(Publ. no D. O. de 2T-9-60).
PORTARIA N° 420, DE 10 DE
JUNHO DE 1960
Dispõe sobre a seleção de documentos
escolares relativos ao 2º ciclo do
ensino secundário.
O Diretor do Ensino Secundário do
Ministério dá. Educação o Cultura,
usando das atribuições que lhe confere o
art. 14, item XIV, do Regimento
aprovado pelo Decreto número 40.050,
de 29 de setembro de 1956, e
Considerando a necessidade de se
corrigirem certas dificuldades que se têm
apresentado na Seção de Fiscalização da
Vida Escolar da Diretoria do Ensino
Secundário, quando se precisa manusear
arquivos de 2º ciclo, extinto, permane-
cendo em funcionamento o 1º ciclo;
Considerando que o recolhimento
desses arquivos à Diretoria do Ensino
Secundário tem causado transtornos tanto
aos estabelecimentos de ensino a que se
referem como às Inspetorias Secionais e
à própria Seção de Fiscalização da Vida
Escolar;
Considerando que a expedição de
documentos a ex-alunos desses esta-
belecimentos se tornará mais fácil com a
permanência local dos mesmos arquivos;
Considerando, finalmente, que a Portaria
nº 701, de 27 de junho de
1959, trou normas gerais para a
regularização do processo de reco
lhimento de arquivos de estabeleci
mentos extintos resolve;
Art. 1º No caso da extinção somente do
2° ciclo de estabelecimento de ensino
secundário, o arquivo deverá ser devidamente
trabalhado por inspetor ou comissão de
inspetores na forma da Portaria n' 701, de 27-
6-59, ficando, entretanto, depositado no
próprio estabelecimento em local seguro, sob a
responsabilidade da respectiva direção.
Art. 2º A expedição de documentos
escolares de ex-alunos de 2º ciclo, extinto,
caberá à direção do estabelecimento, pela
forma usual.
Art. 3º São baixadas as Instruções anexas,
destinadas a regular a execução, pelas
Inspetorias Secio-nais do que se contém nesta
Portaria, cabendo à Seção de Fiscalização da
Vida Escolar orientar a rotina do serviço.
Rio de Janeiro, 10 de junho de
1960. — Gildásio Amado, Diretor do
Ensino Secundário.
INSTRUÇÕES Nº 1, DE 10 DE JUNHO
DE 1960
1. A seleção e a organização dos
documentos escolares constantes de arquivos
de ciclo, extinto, de estabelecimentos de
ensino secundário é prerrogativa das ISES, no
âmbito das respectivas jurisdições.
2. Para proceder a esse trabalho de
seleção e organização, o Ins-petor Secional
designará, por ODS, um inspetor, ou comissão
de inspetores, tendo em vista: a) o
maior, ou menor, volume do arquivo a ser
trabalhado; b) o estado de conservação,
organização e regularidade da documentação a
ser trabalhada, inclusive no que se refere ao
"último ano" de funcionamento.
21. A expedição da ODS deverá ser feita
imediatamente após ser baixado o ato legal
que declare extintas as atividades do 2º ciclo,
devendo conter instruções específicas e
objetivas, para que o trabalho se conclua de
modo a preservar totalmente a
responsabilidade futura do inspetor, ou da
comissão, e da ISES.
3. O inspetor, ou a comissão de
inspetores, encarregado de proceder à seleção
e organização de arquivo de 2º ciclo, somente
dará por concluído seu trabalho após verificar:
a) a existência de toda a documentação
relativa a cada ato escolar realizado, desde as
instruções para o primeiro exame de admissão
até o que preceder imediatamente o despacho
de extinção; b) a integridade e a regularidade
de toda a documentação existente, quanto a:
assinaturas (diretor, secretário, examinadores e
inspetor), rasuras, lacunas, nomes
incompletos, etc.
31. Observada qualquer falha,
diligenciará o inspetor, ou a comissão de
inspetores, porque seja ela corrigida, mediante
a adoção de medidas adequadas, convocando-
se os responsáveis pela direção do
estabelecimento e dando-se ciência ã ISES.
32. Em caso de verificação de
irregularidade ou fraude, ocorrida em qualquer
época da existência do estabelecimento, será o
fato levado imediatamente, por escrito, ao
co-
nhecimento do Inspetor Secional,
para as providências convenientes.
4. A seleção e organização a que se
referem as Instruções consistirão em: a)
eliminação e incineração de todos os
papéis dados como inúteis, das pastas
individuais dos ex-alunos, por haverem
tido valor transitório requerimentos,
atestados, declarações e outros); b)
seleção e recuperação dos documentos
essenciais (certidões de nascimento, cer-
tificados de curso em geral, fichas dos
diversos modelos (8, 9, 18, 19, etc),
atestados e certidões de notas e outros
documentos, a critério do inspetor, ou da
comissão); c) inutilização de espaços e
linhas em branco; d) disposição desses
documentos por ordem alfabética em
pastas que deverão conter documentação
de 50 (cinquenta) alunos, mais ou menos;
e) aposição de visto a toda essa
documentação; f) aposição de visto aos
livros de matrícula, livros de atas de exames
de admissão, de resulta-dos finais, de
exames de 2º epoca, de exames especiais
(adaptação, art. 100, artigo 91 etc), de provas
parciais, de provas finais (orais), livros de
ocorrências e outros porventura existentes,
cuja conservação seja necessária, a critério
do inspetor, ou da comissão; g) seleção e
recuperação das segundas vias dos relatórios
de inspeção, os quais poderão ser es-
coimados dos papéis inúteis, que tiverem
tido valor transitório.
41. Diários de classe, provas e
demais documentos escolares julga-gados
inúteis pelo inspetor, ou pela comissão,
poderão também ser incinerados, atento
sempre seu possível valor futuro, como
elemento subsidiário para algum
esclarecimento.
5. Concluídos os trabalhos, ela
borará o inspetor, ou comissão, uma
relação em 4 (quatro) vias de toda a
documentação trabalhada, a qual será
datada e assinada pelo inspetor, ou
a comissão, e pelo diretor do esta
belecimento, ou quem suas vezes fi
zer, cabendo a este uma das vias.
51. Das 4 (quatro) vias da relação a
que se refere o item 5. uma caberá ao
diretor do estabelecimento, outra ao
inspetor, ou à comissão, que tenha
trabalhado o arquivo e as duas restantes
se destinarão à ISES e à SFVE da DESe.
6. Elaborará, também, o inspe
tor, ou a comissão, dirigido ao Ins
petor Secional, pequeno relatório
em 3 (três) vias relativo aos tra
balhos executados, do qual consta
rão: a) cópia da ODS respectiva;
b) referência às falhas verificadas e
às soluções encontradas, se fôr o
caso; c) referência a irregularida
des ou fraudes porventura surpre
endidas e às providências adotadas.
61. As 3 (três) vias do relatório a que
alude o item 6 caberão, respectivamente,
ao inspetor, ou à comissão, à ISES e à
SFVE da DESe.
7. O arquivo trabalhado será
entregue ao diretor do estabeleci
mento, mediante recibo numa das
relações a que se refere o item 5,
ficando outra em seu poder.
71. O arquivo deverá ser depositado
em local seguro, no próprio prédio do
estabelecimento, ficando sob a
responsabilidade direta da di-reção.
8. A expedição de documentos
escolares (certificados e fichas 18 e
19) de ex-alunos de 2º ciclo, extinto,
cujo arquivo esteja depositado no es-
tabelecimento, na conformidade destas
Instruções, será executada na forma
normal pela direção do estabelecimento,
como se se tratasse da documentação de
aluno de curso em funcionamento,
devendo, entretanto, constar de tais
documentos a observação de que se
referem a curso colegial extinto.
9. Cumpre à ISES recomendar
ao inspetor, ou à comissão de ins-
petores incumbida de proceder ao
trabalho previsto na Pt-420-60 e nes
tas instruções, o máximo cuidado
na execução do serviço, tendo em
vista a responsabilidade e a segu
rança futuras na expedição de do
cumentos escolares.
10. A SFVE caberá estabelecer
a rotina de serviço, na forma destas
instruções.
Rio de Janeiro, 10 de junho de 1960.
Gildásio Amado, Diretor do Ensino
Segundário.
(Publ. no D. O. de 9-9-60).
PORTARIA Nº 10, DE 16 DE
SETEMBRO DE 1960
Expede instruções sobre os currículos do
ensino industrial.
O Diretor do Esnino Industrial,
usando da atribuição que lhe conferem o
art. 21, b, da Lei nº 3.552, de 16 de
fevereiro de 1959, e os arts. 132 e 134, j,
do Regulamento baixado com o Decreto
nº 47.038, de 16 de outubro de 1959 e
alterado pelo Decreto n° 47.258, de 17 de
novembro de 1959, resolve:
Expedir as seguintes instruções
referentes às diretrizes gerais dos
currículos de ensino industrial, co-
nhecimentos gerais e específicos que
devem entrar na formação humana e
profissional, sistemas de notas e de
exames e promoções, para os alunos
sujeitos ao regime dos referidos textos
legais, a fim de serem observadas pelos
estabelecimentos cujos currículos
dependam de aprovação da mesma
Diretoria.
TITULO I Dos Cursos de
Aprendizagem
CAPITULO I
Dos Cursos de Aprendizagem
Industrial
Art. 1ºO curso de aprendizadem
industrial compreenderá, pelo menos, as
seguintes matérias e práticas:
1º série: — Linguagem, Estudos
Sociais (inclusive Geografia e História),
Matemática de Oficina, Desenho,
Ciências (gerais), além de Práticas de
Oficina e Práticas Educativas (Educação
Física, Canto Orfeônico e para estudantes
do sexo feminino, Educação
Doméstica).
2º série: — Linguagem, Estudos
Sociais (inclusive Geografia e História e
Noções de Legislação Trabalhista),
Matemática de Oficina, Ciências
(aplicadas), além de Práticas de Oficina e
Práticas Educativas (Educação Física,
Canto Orfeônico e para estudantes do
sexo feminino, Educação Doméstica).
§ 1º A educação religiosa ministrada
de acordo com a confissão
do aluno, será incluída, sem frequência
obrigatória, entre as práticas educativas.
§ 2º A frequência às sessões de
educação física será obrigatória para os
alunos dos cursos diurnos, até 18 anos de
idade.
§ 3º As práticas de oficinas, que não
poderão ser inferiores a 18 horas
semanais, obedecerão a uma série
metódica de trabalhos, formada, sempre
que possível, de peças úteis. Os
programas preverão atividades su-
plementares, para os alunos que ter-
minarem a seriação obrigatória antes de
findo o período letivo.
CAPÍTULO II Do
Curso Industrial Básico
Art. 2º O curso industrial básico, de
educação geral ou ginásio industrial,
compreenderá, pelo menos, as
seguintes matérias:
1º série: — Português, Matemática,
Ciências Físicas e Naturais e Desenho.
2º série: — Português, Matemática,
Inglês e Desenho.
3º série: — Português, Matemática,
Inglês e Geografia do Brasil.
4º série: — Português, Matemática,
Inglês e História do Brasil.
Parágrafo único. E recomendável a
inclusão nas listas de matérias optativas,
a partir da segunda série, de Ciências
Físicas e Naturais, a fim de que seu
estudo contribua para a integração do
estudante na presente era tecnológica.
Art. 3º Em todas as séries haverá
práticas de oficina, de 6 a 10
horas semanais, em coordenação com as
quais os alunos deverão ser orientados a
respeito dos princípios e métodos da
organização científica do trabalho,
aplicáveis as atividades produtivas.
Parágrafo único. A prática em
oficina, com caráter predominantemente
metódico, será orientada no sentido de
permitir a iniciação em vários grupos de
atividades industriais sem a preocupação
de formar imediatamente o artífice.
As práticas de oficina obedecerão a
uma série metódica de trabalhos formada,
sempre que possível, de peças úteis. O
respectivo programa conterá trabalhos
suplementares para os alunos que
terminarem a seriação obrigatória antes
de findo o ano letivo.
Art. 4º Em todas as séries haverá
práticas educativas, compreendendo, em
uma ou diversas séries:
a) atividades que visem à educação
artística, especialmente musical, de
frequência obrigatória em todas as
séries;
b) atividades destinadas ã educação
moral e cívica e à orientação social;
c) educação doméstica, de fre-
quência obrigatória em todas as séries,
exclusivamente para estudantes do sexo
feminino;
d) educação física, de frequência
obrigatória em todas as séries, para os
alunos dos cursos diurnos, até 18 anos de
idade.
Parágrafo único. A educação re-
ligiosa, ministrada de acordo com a
confissão do aluno, sem frequência
obrigatória, será incluída entre as práticas
educativas.
Art. 5° Caberá a órgão de dire-ção
pedagógico-didática fixar o número de horas
semanais de cada matéria e das práticas,
elaborar as listas de matérias optativas e
estabelecer as matérias convenientes ao
enriquecimento do currículo mínimo, à ob-
servância do disposto no parágrafo único do
art. 30 do Regulamento do Ensino Industrial e
ao atendimento das necessidades próprias da
comunidade a que servir a escola.
Art. 6º As opções serão feitas pelos
alunos, em listas de, pelo menos, três matérias,
sob conselho de professores ou orientadores,
no início do ano letivo, devendo os encar-
regados desse aconselhamento advertir o aluno
a respeito do que dispõem os arts. 2º e 3º do
Decreto nº 34.330, de 21 de outubro de 1953
(Regulamentação da Lei de Equivalência),
alterado pelo Decreto nº 34.907, de 8 de
janeiro de 1954, cumprindo referir de modo
expresso essa advertência, no termo de opção
ou documento correspondente.
5 1º Em casos excepcionais, verificada a
inadaptação do aluno às matérias optativas,
poderá ser feita nova escolha, dentro do
primeiro mês letivo, a juízo do Diretor, ouvido
o Serviço de Orientação.
5 2º A opção por matéria lecio-nada em
mais de uma série não poderá ser alterada nas
séries seguintes à da escolha.
CAPÍTULO III Dos Cursos
Industriais Técnicos
Art. 7º Os cursos industriais técnicos com
a finalidade de, ao mesmo tempo, preparar o
educando para
o exercício de atividade especializada de nível
médio e proporcionar-lhe base de cultura geral
para sua indispensável formação humana,
integração no ambiente social, histórico e
geográfico da comunidade a que pertence,
participação no trabalho produtivo e
prosseguimento de estudos, — compreenderão
matérias de cultura geral e matérias de cultura
técnica.
§ 1º Nos cursos técnicos, a designação
genérica Prática de Oficina, adotada na
legislação em vigor, abrange trabalhos de
oficina, obras, campo ou laboratório e as
matérias especializadas diretamente relaciona-
dasdas com a formação profissional a que se
destina cada curso, considerado em si.
§ 2º Matérias de cultura geral são as que,
sem visar específica e diretamente à formação
profissional, a que se destina cada curso,
considerado independentemente dos demais,
concorrem para a formação humana objetivada
precipuamente pelos cursos de nível médio,
integração do estudante no ambiente social,
histórico e geográfico da comunidade,
desenvolvimento de sua personalidade e
aquisição de conhecimentos básicos para
estudos ulteriores, além da aquisição de
noções úteis à melhor aprendizagem das
matérias de cultura técnica.
§ 3º As matérias de que trata o § 1º não
serão computados para efeito do
relacionamento das três matérias
compulsórias, de cultura geral, a que se refere
o art. 31 do Regulamento do Ensino Industrial
nos termos do art. 11 da Lei nº 3.552, de 16-2-
59, combinado com seu § 2º.
§ 4º Os conhecimentos de cultura técnica
teórica indispensáveis às
práticas e estudos tecnológicos especializados
de cada curso serão ministrados nas duas ou
três primeiras séries do curso.
§ 5º Nas matérias que exijam,
precipuamente, demonstrações práticas em
laboratórios, gabinetes, oficinas, obras ou
campo, as preleções teóricas não deverão
exceder 50% do tempo destinado a essas
matérias, a não ser com autorização especial
justificada de órgão de direção pedagó-gico-
didática do estabelecimento. Nesses trabalhos
práticos, a execução e solução de exercício e
tarefas, mesmo nas atividades de grupo
(trabalho de equipe), devem ser, sempre que
possível, individualizadas para estipular o
espírito de iniciativa do estudante.
§ 6º Os alunos dos cursos técnicos
deverão ser orientados a respeito dos
princípios e métodos de organização científica
do trabalho aplicáveis às atividades
produtivas, devendo tais conhecimentos fazer
parte do currículo e desenvolver-se meto-
dicamente e com aplicações práticas.
§ 7º Os trabalhos escolares com-
preenderão, complementarmente, atividades
destinadas à educação artística, moral e cívica
e à orientação social.
Art. 8' As matérias a que se referem os ||
1º e 2º do artigo anterior serão compulsórias
quando indispensáveis ao atendimento das fi-
nalidades previstas no art. 7º destas instruções,
no art. 1º da Lei n° 3.552, de 16 de fevereiro
de 1959 e no art. 1º do Regulamento baixado
com o Decreto número 47.038, de 16 de outu-
bro de 1959, deverão ser optativas nos demais
casos, embora úteis e convenientes ao
enriquecimento da aprendizagem, inclusive
como desdobra-
mento de cadeiras compulsórias, ou ao
atendimento de exigências da Lei de
Equivalência e sua regulamentação.
Parágrafo único. Proceder-se-á
analogamente nos demais cursos de Ensino
Industrial em que haja matérias obrigatórias e
optativas.
Art. 9º Caberá ao órgão de direção
pedagógico-didática fixar o número de horas
semanais de cada matéria e das práticas,
elaborar as listas de matérias optativas e
estabelecer as matérias convenientes à comple-
mentação do currículo mínimo, à observância
do disposto no art. 48 do Regulamento de
Ensino Industrial e ao atendimento das
necessidades próprias da comunidade a que
servir a escola.
Art. 10. As opções serão feitas pelos alunos,
em listas de, pelo menos, três matérias, sob
conselho de professores ou orientadores, no
início do ano letivo, devendo os encarregados
do aconselhamento informar o aluno a respeito
do que dispõem os arts. 5º e 6º do Decreto nº
34.330, de 21 de outubro de 1953
(Regulamentação da Lei de Equivalência),
alterado pelo Decreto n' 34.907, de 8 de
janeiro de 1954, cumprindo fazer expressa
referência no termo de opção ou documento
correspondente. I 1º Em casos excepcionais,
verificada a inadaptação do aluno às matérias
optativas, poderá ser feita nova escolha, dentro
do primeiro mês letivo, a juízo do Diretor,
ouvido o Serviço de Orientação.
I 2º A opção por matéria lecio-nada em
mais de uma série não poderá ser alterada nas
séries seguintes à da escolha.
Art. 11 Entre as matérias de cultura geral
figurarão, compulsoriamente :
série — Inglês, Matemática e Física.
série — Português, Matemática e
Física.
série — Português, História Geral e
Química (ou Mineralogia e Geologia no Curso
Técnico de Química Industrial).
4º série — Geografia Económica,
Organização do Trabalho e Higiene Industrial
e Segurança do Trabalho.
Parágrafo único. É recomendável, na
elaboração das listas de matérias optativas a
que se refere o art. 10 desta portaria, a
consideração das seguintes normas:
o) conveniência de estudar, em mais de
uma série, o Inglês, inclusive para
atendimento da regulamentação da lei de
equivalência;
b) conveniência de incluir História
Natural, de modo a servir de fundamento ao
estudo de Higiene Industrial.
Art. 12 Entre as matérias de cultura
técnica figurarão, compulsoriamente:
/ — Curso Industrial Técnico de
Agrimensor
1º série
1) Desenho.
2) Topografia.
3) Topografia e Noções de Geomor-fologia.
4) Prática Profissional.
2º série
1) Desenho.
2) Topografia e Locação de Vias.
3) Cartografia.
4) Prática Profissional.
3º série
1) Topografia e Noções de Geodésia.
2) Levantamentos cadastrais.
3) Hidrografia e Hidrologia.
4) Prática Profissional.
1) Astronomia de Campo.
2) Legislação e Terras.
3) Urbanismo e Saneamento.
4) Prática Profissional.
// —• Curso Industrial Técnico de Artes
Aplicadas
1º série
1) Desenho.
2) Pintura.
3) Tecnologia.
4) Prática Profissional.
2º série
1) Desenho.
2) Pintura.
3) Composição Decorativa.
4) Tecnologia.
5) Prática Profissional.
3º série
1) Desenho.
2) Pintura.
3) Composição Decorativa.
4) Prática Profissional.
4º série
1) Desenho.
2) Pintura.
3) História das Artes Decorativas.
4) Prática Profissional.
/// — Curso Industrial Técnico de
Decoração de Interiores
1º série
1) Desenho.
2) Geometria Descritiva e suas Aplicações.
3) Prática Profissional.
2º série
1) Desenho.
2) Revestimento.
3) Tecnologia.
4) Prática Profissional.
3º série
1) Projetos.
2) Tecnologia.
3) História da Arte Decorativa.
4) Prática Profissional.
4º série
1) Estudos e Projetos.
2) História da Arte Decorativa.
3) Prática Profissional.
IV Curso Industrial Técnico de
Desenho Técnico
1º Grupo — Indústria de Natureza Mecânica
1º série
1) Desenho.
2) Tecnologia dos Materiais.
3) Geometria Descritiva e suas Aplicações.
4) Prática Profissional.
2º série
1) Desenho.
2) Geometria Descritiva e suas Aplicações.
3) Mecânica Geral e Aplicada.
4) Prática Profissional.
3º série
1) Desenho
2) Elementos de Máquinas.
3) Eletrotécnica.
4) Prática Profissional.
4º série
1) Desenho.
2) Elementos de Máquinas.
3) Eletrotécnica.
4) Prática Profissional.
2º Grupo — Arquitetura e Móveis
1º série
1) Desenho.
2) Tecnologia dos Materiais.
3) Geometria Descritiva e suas aplicações.
4) Prática Profissional.
2º série
1) Desenho.
2) Tecnologia dos Materiais
3) Geometria Descritiva e suas Aplicações.
4) Composição Decorativa.
5) Prática Profissional.
3º série
1) Desenho de Arquitetura.
2) Desenho de Móveis.
3) Composição Decorativa.
4) Prática Profissional.
4º série
1) Desenho de Arquitetura.
2) Desenho de Móveis.
3) História da Arte Decorativa.
4) Prática Profissional.
V Curso Industrial Técnico
de "Edificações"
1º série
1) Desenho.
2) Topografia.
3) Tecnologia de Construção.
4) Prática Profissional.
2º série
1) Desenho de Arquitetura.
2) Tecnologia de Construção.
3) Estabilidade.
4) Instalações Domiciliares. 5)
Prática Profissional.
3º série
1) Desenho de Arquitetura.
2) Tecnologia de Construção.
3) Estabilidade.
4) Instalações Domiciliares.
5) Materiais de Construção o Ensaios
Tecnológicos.
6) Prática Profissional.
4º série
1) Instalações Domiciliares.
2) Materiais de Construção e Ensaios
Tecnológicos.
3) Prática Profissional.
VI Curso Industrial Técnico
de Eletrônica
1º série
1) Desenho.
2) Eletrotécnica.
3) Eletrônica Geral.
4) Prática Profissional.
2º série
1) Desenho.
2) Eletrotécnica.
3) Eletrônica Geral Aplicada.
4) Prática Profissional.
3º série
1) Projeto de Aparelhos e Disposi-
tivos Eletrônicos.
2) Eletrônica Especializada.
3) Prática Profissional.
4º série
1) Projetos de Aparelhos e Dispositivos
Elétricos.
2) Eletrônica Especializada.
3) Prática Profissional.
VII Curso Industrial Técnico de
Eletrotécnica
1º série
1) Desenho.
2) Tecnologia.
3) Eletrotécnica.
4) Prática Profissional.
2º série
Desenho. Eletrotécnica. Mecânica Geral
Aplicada. Resistência dos Materiais e Gra-
fostática (Ensaios de Laboratório).
Prática Profissional.
3º série
D Projetos de Maquinas e Aparelhos
Elétricos.
2) Máquinas Elétricas (Teoria de
funcionamento de ensaios).
3) Elementos de Máquinas.
4) Medidas Elétricas.
5) Prática Profissional.
1)
2)
3)
4)
5)
4º série
1) Projetos de Máquinas e Aparelhos
Elétricos.
2) Máquinas Eléctricas (Teoria de
funcionamento e ensaios).
3) Elementos de Máquinas.
4) Eletroquímica.
5) Instalações de Alta e Baixa Tensão.
6) Prática Profissional.
VIII Curso Industrial Técnico de Estradas
série
1) Desenho.
2) Topografia.
3) Geologia e Noções de Geomorfo-Iogia.
4) Materiais de Construção c En-saios
Tecnológicos.
5) Prática Profissional.
2º série
1) Desenho.
2) Topografia.
3) Estabilidade.
4) Materiais de Construção e Ensaios
Tecnológicos.
5) Prática Profissional.
3º série
1) Construção de Estradas.
2) Obras Complementares.
3) Equipamento e sua Manutenção.
4) Solos e Asfaltos.
5) Prático Profissional.
4º série
1) Construção de Estradas.
2) Equipamento e sua Manutenção
3) Solos e Asfaltos.
4) Prática Profissional.
IX Curso Industrial Técnico Têxtil
1º série
1) Desenho.
2) Fibras Têxteis.
3) Padronagem.
4) Tecnologia Têxtil.
5) Prática Profissional.
2º série
1) Desenho.
2) Tecnologia Têxtil.
3) Padronagem.
4) Prática Profissional.
3º série
1) Física Industrial.
2) Controle de Qualidade de Matérias
Têxteis.
3) Tecnologia Têxtil.
4) Padronagem.
5) Prática Profissional.
4º série
1) Tecnologia Têxtil.
2) Prática Profissional.
X —i Curso Industrial Técnico de
Máquinas e Motores
1) Desenho.
2) Tecnologia dos Materiais.
3) Prática Profissional.
2º série
1) Desenho.
2) Tecnologia das Ferramentas e
Máquinas-Ferramentas.
3) Resistência dos Materiais e Gra-fostática
(Ensaio de Laboratório).
4) Prática Profissional.
3º série
1) Projetos de Máquinas e Aparelhos
Mecânicos.
2) Elementos de Máquinas.
3) Máquinas Hidráulicas (Teoria de
funcionamento e ensaios).
4) Motores Térmicos (Teoria de fun-
cionamento e ensaios).
5) Eletrotécnica.
6) Prática Profissional.
4º série
1) Projetos de Máquinas e Aparelhos
Mecânicos.
2) Elementos de Máquinas.
3) Máquinas Hidráulicas (Teoria de
funcionamento e ensaios).
4) Motores Térmicos (Teoria de fun-
cionamento e ensaios).
5) Prática Profissional.
4º série
1) Topografia.
2) Exploração e Prospecção de Minas.
3) Resistência dos Materiais.
4) Siderurgia, Metalografia e Me-talogia
Especializada.
5) Prática Profissional.
XII Curso Industrial Técnico de
Meteorologia
1º série
1) Desenho.
2) Geografia.
3) Meteorologia Geral e Descritiva.
4) Tecnologia.
5) Prática Profissional.
XI Curso Industrial Técnico de
Metalurgia
1º série
1) Desenho.
2) Tecnologia.
3) História Natural.
4) Prática Profissional.
2º série
1) Desenho.
2) Mineralogia e Geologia.
3) Física Aplicada.
4) Química Aplicada.
5) Prática Profissional.
3º série
1) Tecnologia Metalúrgica.
2) Mineralogia e Geologia.
3) Eletrotécnica.
4) Mecânica Geral Aplicada,
5) Prática Profissional.
2ª série
1) Desenho.
2) Geografia.
3) Meteorologia Geral e Descritiva.
4) Tecnologia.
5) Prática Profissional.
3º série
1) Meteorologia Dinâmica.
2) Geofísica.
3) Estatística.
4) Tecnologia.
5) Prática Profissional.
4ª série
1) Meteorologia Dinâmica.
2) Topografia.
3) Climatologia.
4) Tecnologia.
5) Prática Profissional.
XIII Curso Industrial Técnico de
Química
1ª série
1) Desenho.
2) Química Geral.
3) Prática Profissional.
2º série
1) Química Inorgânica.
2) Química Orgânica.
3) Físico-Química.
4) Análise Mineral Qualitativa.
5) Prática Profissional.
3ª série
1) Química Orgânica.
2) Análise Mineral Quantitativa.
3) Física Industrial.
4) Operações Unitárias.
5) Eletrotéenica.
6) Prática Profissional.
4ª série
1) Tecnologia Orgânica.
2) Tecnologia Inorgânica.
3) Prática Profissional.
TITULO II
Dos sistemas de Notas e de Exames e
Promoções
CAPÍTULO I
Dos Sistemas de Notas
Art. 13. As notas serão sempre
lançadas em números inteiros, de 0 a 10 e
as médias que apresentam fração igual ou
superior a 5 décimos serão elevadas para
a unidade imediata, desprezando-se as
frações menores.
CAPÍTULO II Dos Sistemas
de Exames e Promoções
Art. 14. Para a matrícula em 1º série
ou série única observar-se-á o disposto no
Regulamento do Ensino Industrial, arts.
26 e 27 e, nos estabelecimentos da rede
federal do Ministério da Educação e
Cultura, também nos arts. 60, 61 e 62.
Art. 15. Os conhecimentos a serem
aferidos nos exames de verificação e
concursos para provimento de vagas,
quando devam realizar-se, serão
estabelecidos pela administração escolar,
depois de ouvido o respectivo órgão de
direção pedagógica.
Art. 16. A prova de conhecimentos
para alunos portadores de certificado de
conclusão de curso de aprendizagem
industrial, para ingresso em uma das
séries do curso industrial básico, será
realizada nos termos do art. 44 e
parágrafos do Regulamento do Ensino
Industrial, devendo versar, pelo menos,
sobre as seguintes matérias: Português,
Matemática e Desenho. Os alunos
considerados aptos deverão, se aº vagas
forem inferiores ao respectivo número,
obter classificação adequada, segundo os
critérios fixados pela escola.
Art. 17. Nas matérias de cultura geral
e de cultura técnica teórica, haverá, pelo
menos, seis provas anuais,
harmoniosamente distribuídas no período
letivo.
§ 1º A realização dessas provas não
obrigará a suspensão das aulas.
§ 2° A nota anual em cada uma das
matérias referidas será a média aritmética
simples das notas das provas.
§ 3º As provas, conforme a natureza
da matéria, serão escritas, gráficas ou
prático-escritas.
§ 4º Os assuntos sobre os quais
versará a prova serão os lecionados
durante o ano, até uma semana antes de
sua realização. Os exames de 1º e 2º
épocas abrangerão os assuntos
ministrados em todo o período letivo.
Art. 18. Nas matérias de cultura
técnica práticas, a nota anual será a média
aritmética simples das notas atribuídas
aos trabalhos obrigatórios, constantes do
programa.
Parágrafo único. Para apuração da
nota anual poderão ser realizadas quando
conveniente, além dos trabalhos de que
trata este artigo, provas nos termos do
artigo anterior.
Art. 19. O aluno cuja frequência seja
inferior a 50% em qualquer matéria, ou
prática educativa compulsória, não
poderá prestar exame em 1º época ou 2ª
época.
Art. 20. Poderá prestar exame de 1º
época o aluno que tenha frequência
mínima de 75% às aulas e aos exercícios
em cada uma das matérias e nas práticas
educativas cum-pulsórias.
Art. 21. Somente será considerado
aprovado em prática de oficina o aluno
que houver realizado, com
aproveitamento, todos os trabalhos
considerados obrigatórios, conslantes do
programa.
Parágrafo único. Nenhum aluno
poderá recusar-se a realizar trabalhos
suplementares, se o ano letivo o permitir,
desde que figurem no programa.
Art. 22. Média global é a média
aritmética simples das notas finais das
diversas matérias, inclusive prá-
tica de oficina, no Curso Industrial
Básico. Nos Cursos Industrial Técnico e
de Aprendizagem Industrial será
calculada separadamente para cada um
dos grupos, de cultura técnica e de
cultura geral.
Parágrafo único. Nota final é a média
aritmética simples das notas anual e do
exame, ressalvado o disposto no artigo
24.
Art. 23. Será considerado habilitado,
para efeito de proporção ou conclusão de
curso, o aluno que obtiver :
1 — Nos cursos de Aprendizagem
Industrial, média global 5, pelo menos, no
grupo das matérias de cultura geral e nos
das matérias de cultura técnica; nota final
4, pelo menos, em cada uma das matérias
da série cursada.
2 — No Curso Industrial Básico —
média global 5, pelo menos, no conjunto
das matérias da série cursada; nota final
4, pelo menos, em cada uma destas
matérias.
3 — Nos Cursos Industriais Téc-
nicos — média global 5, pelo menos, no
grupo das matérias de cultura geral e no
das matérias de cultura técnica; nota final
4, pelo menos, em cada uma das matérias
da série cursada.
Art. 24. O aluno que, tendo fre-
quência de 75%, pelo menos, haja obtido
nota anual igual ou superior a sete em
qualquer matéria será considerado
aprovado na mesma, compu-tando-se
como sua nota final, na matéria, a
respectiva nota anual.
Parágrafo único. E facultado ao
aluno requerer exame na matéria em que
sua nota anual seja igual ou superior a
sete; nesse caso, a
nota final será a semi-soma dessa média
e da nota do exame.
Art. 25. O aluno que haja obtido
nota anual inferior a sete, prestará exame,
nas matérias em que tal ocorrer. A nota
final será, em cada matéria, a semi-soma
da nota anual e da nota do exame.
Art. 26. Os exames de lº época serão
orais: quando a natureza da matéria o
exigir, poderão ser gráficos, práticos ou
prático-orais.
Art. 27. Os exames de 2? época
compreenderão provas escrita e oral,
facultada a substituição da prova oral, se
a natureza da matéria o exigir, por prova
gráfica, prática ou prático-oral.
Art. 28. Poderá prestar exame de 2º
época o aluno que houver faltado a mais
de 25%, até o máximo de 50%, das aulas
dadas e exercícios realizados, em
qualquer matéria, que não exija prática
profissional; nesse caso, prestará exame
dessa matéria.
Art. 29. Poderá prestar exame de 2º
época, respeitado o disposto nos artigos
anteriores, o aluno que:
I — Sendo do Curso Industrial
Básico:
1) Houver alcançado em primeira
época nas matérias de cultura geral e
prática -de oficina, média global inferior
a cinco e nota final, em cada uma das
matérias, inclusive prática de oficina,
igual ou superior a quatro (4); nesse caso,
prestará exame das matérias ou prática de
oficina, nas quais não tenha alcançado
nota igual ou superior a cinco (5);
2) houver alcançado, em 1ª época,
no conjunto das matérias de cultura geral
e práticas de oficina, média global
igual ou superior a
cinco (5), mas não alcance quatro
(4) em uma ou mais matérias; nesse
caso, prestará exame de 2º época
das matérias em que não houver lo
grado nota quatro (4).
H — Sendo do Curso Industrial
técnico ou do Curso de Aprendizagem
Industrial:
1) Houver alcançado em primeira
época, no grupo das matérias de cultura
geral, média global inferior a cinco (5), e
nota final, em cada uma das matérias
desse grupo, igual ou superior a quatro
(4); nesse caso, prestará exame das
matérias desse grupo nas quais não tenha
alcançado nota igual ou superior a cinco
(5);
2) houver alcançado, em primeira
época, no grupo das matérias de cultura
técnica, média global inferior a cinco (5)
e nota final, em cada uma das matérias
desse grupo igual
ou superior a quatro (4); nesse caso,
prestará exame das matérias desse grupo
nas quais não tenha alcançado nota
igual ou superior a cinco
(5) e que não exijam prática profis
sional;
3) houver obtido, em primeira
época, nota final inferior a quatro (4) em
uma ou duas matérias de qualquer d03
grupos de cultura geral ou técnica, mas
houver obtido média igual ou superior a
cinco (5) no grupo dessas matérias; nesse
caso, prestará exame das matérias nas
quais obteve nota final inferior a a quatro
(4), desde que não exijam prática
profissional;
4) tenha sido inabilitado em
época, no máximo, em 2 (duas) matérias
de cada grupo (cultura geral e cultura
técnica) e tiver obtido média global, em
cada um desses grupos igual ou
superior a cinco (5);
nesse caso, prestará exame das matérias
em que tenha sido inabilitado em 1ª
época, que não exijam prática
profissional.
Art. 30. A nota final nas matérias em
que tenha sido prestado exame de 2º
época será a semi-soma da nota anual e
da nota de 2º época.
Art. 31. Nos casos de doença, nojo,
gala, atendimento de deveres militares e
eleitorais será admitida 2º chamada nas
duas épocas.
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 32. As escolas de ensino in-
dustrial, a fim de atender ao currículo
mínimo estabelecido nestas instruções,
para a 1ª
1
série dos diversos cursos,
poderão ministrar as matérias que não
constarem do currículo pelas mesmas
elaborado, como matérias da série
seguinte, em 1961.
Parágrafo único. As matérias que, no
corrente ano letivo, foram incluídas pela
escola na 1º série e, pelas presentes
instruções, figuram cm série diversa, só
serão ministradas oportunamente, aos
alunos a que não tenham sido
lecionadas.
Art. 33. No presente ano letivo a
nota anual será a média aritmética
simples das notas das provas e trabalhos
realizados, qualquer que seja o respectivo
número. — Francisco Montojos, Díretor.
(Publ. no D. O. de 27-9-60).
CIRCULAR NP 2, DE 29 DE
JUNHO DE 1960
Expede instruções para aplicação da
Portaria n" 294, de 15-6-60 sobre
dispensa de exames finais no ensino
secundário.
Senhor Diretor:
Junto vos remeto cópia da Portaria
Ministerial n" 294, de 15 de junho
corrente, que admite a dispensa da
prestação de provas orais para os alunos
que, sem a realização daquelas provas,
tenham alcançado nota de aprovação na
disciplina.
Como se trata de forma nova para
interpretação da Lei Orgânica do Ensino
Secundário, na qual multas providências
dependem da dire-ção dos ginásios e
colégios, esta Di-retoria julgou
conveniente a expedição das instruções
que se seguem para a aplicação da
referida portaria. Alguns dos itens abaixo
são esclarecimentos de artigos da
portaria, outras contêm ainda indicações
ou sugestões quanto ao modo de proceder
e como tais devem ser entendidos; outros,
ainda mostram como podem ser atendidas
as aspirações de muitos estabelecimentos
manifestadas nas respostas à consulta que
sobre o assunto foi feita por esta
Diretoria.
/ — Da Condição Inicial para a
Dispensa de Provas Orais
1 — Para que em um ginásio ou
colégio, os alunos possam ser dispen-
sados da prestação de provas orais é
necessário que seja incluído dispositivo
referente ao assunto no Regimento
Interno da escola.
2 — A alteração do Regimento
deverá ser comunicada até o dia 30 de
setembro à Inspetoria Secional
18
que verificará sua regularidade e
promoverá sua aprovação.
3 — Para estudo das alterações
a serem introduzidas no Regimento
Interno deverão ser levadas em con
sideração as recomendações constan
tes das presentes instruções.
II Dos que podem ser dispensados das
Provas Orais
4 — Podem ser dispensados da
prestação de provas orais os alunos
que tenham satisfeitos as seguintes
condições:
a) setenta e cinco por cento de
frequência às aulas e setenta e cinco por
cento de frequência às sessões de
educação física;
b) quarenta pontos na soma
ponderada das notas da média anual de
exercícios da primeira e da segunda
provas parciais considerados os pesos
dois, dois e três respectivamente.
5 — O regimento poderá estabe
lecer exigência maior para a dispen
sa das provas orais conforme está
esclarecido adiante.
Ill Do Cálculo das Notas dos
Alunos
6 — Cada estabelecimento adota-
rá as normas que melhor convierem
a sua organização de modo a possi
bilitar o cálculo das notas dos alunos
para a dispensa das provas orais.
7 — Sendo atribuídas notas men
sais apenas até o mês de outubro, a
média anual de exercícios poderá ser
calculada na primeira quinzena de
novembro e feita a respectiva pon-
deração, o mesmo devendo ser feito com
relação à primeira prova parcial.
8 — Não há impedimento em que
haja pequeno intervalo entre as pre-
vas parciais e as orais no caso de
ser impossível o julgamento das pro
vas e a apuração das médias em
tempo hábil.
IV Do Direito do Aluno à Prestação
das Provas Orais
9 — A dispensa de provas orais
é facultativa. Nenhum aluno pode
rá ser impedido compulsoriamente de
prestá-las. Depende a dispensa de
manifestação expressa da vontade do
aluno ou de seu responsável.
V Do Regimento
10 — Sobre a dispensa de provas
orais, o regimento interno de cada
escola deverá indicar:
a) se o estabelecimento adota o
sistema;
b) qual a nota mínima para dis-
pensa;
c) quais as disciplinas em que a
dispensa é possível;
d) quando deverá o aluno requerer
a dispensa;
e) o direito de reconsideração.
11— Quanto à nota para dispensa
— a média prevista pela Portaria
corresponde a 5,7 (40 pontos divididos
por 7). Alguns estabelecimentos
consideram baixa esta média. Poderá, em
vez dela, ser adotada a média seis ou sete.
12 — Quanto às disciplinas — al-
gumas sugestões recebidas por esta
Diretoria falam da conveniência de serem
reservadas as provas orais em português
ou nas línguas vivas estrangeiras ou ainda
em outras disciplinas. O regimento
poderá dispor cm um ou outro sentido.
13 — Quanto às séries — também
houve sugestões no sentido da con-
servação das provas orais na primeira
série (para integração do aluno no curso
ginasial) ou na quarta série (para
apreciação global do curso). O assunto é
da alçada do estabelecimento, na forma
por que estabelecer no regimento interno.
14 — Quanto à época em que deve
ser requerida a dispensa — poderá ser
solicitada simultaneamente com a
matrícula, depois da divulgação dos
resultados ou em outra ocasião mais
conveniente para o estabelecimento. No
caso de ser adota-do o pedido de dispensa
simultânea com a matrícula, o regimento
deverá conter a forma transitória para o
ano corrente.
15 — De conformidade com a
Portaria n
9
501-52, qualquer alteração
introduzida no regimento só pode entrar
em vigor no ano seguinte, depois de
homologada pela Diretoria do Ensino
Secundário. Tendo em vista tratar-se de
modificação de iniciativa do próprio
Ministro, poderá ser aplicada ainda no
corrente ano. A Inspetoria Secional a que
estiver jurisdicionado o estabelecimento
promoverá a aprovação das alterações em
tempo hábil.
16 — Os estabelecimentos, se o
desejarem nesta oportunidade, po
derão atualizar os regimentos inter-
nos que, por natureza, não devem ser
estáticos, mas acompanhar a evolução da
escola e dos processos educativos. Do
ponto-de-vista legal, convêm ainda sejam
revistos os dispositivos referentes aos
seguintes assuntos que foram objeto de
regulamentação em ocasião mais ou
menos próxima:
a) exames de admissão;
b) diretor e secretário;
c) convênios com as Inspetorias
Secionais;
d) relações com o Fundo Nacional
do Ensino Médio em especial no que diz
respeito à Junta Escolar e às bôlsas-de-
estudo.
VI Da Realização das Provas O
rate
17 — Um dos principais objeti-vos
da dispensa de provas para um grupo de
alunos é assegurar que as dos demais
alunos readquiram a eficiência que
devem ter como processo de medida do
rendimento escolar e que estavam
perdendo em virtude do número vultoso
de examinador.
18 — Para que as provas tenham a
maior eficiência possível, devem ser
adotadas normas relativas à constituição
das bancas examinadoras e à organização
das listas de chamada que, de cada vez,
devem conter o menor número possível
de examinandos.
19 — Não há previsão legal de
sorteio de ponto para a prova oral, de
sorte que o aluno pode ser examinado
sobre toda a matéria ministrada durante o
ano e por todo o tempo que seja
necessário para aferir sua real
capacidade.
20 — A dispensa de provas orais
não visa à redução do ano escolar
mas ao aperfeiçoamento do processo
educativo.
VII Das Notas Mensais
21 — Importante argumento con
tra as provas orais é o de que não
estão elas cumprindo finalidade de
permitir a apuração da capacidade
de expressão oral do aluno. Opor
tunidades para a expressão oral de
vem ser promovidas durante todo o
ano letivo, neste sentido são reco
mendadas frequentes arguições orais.
22 — Exercícios de expressão
oral devem ser sistematicamente
propostos aos alunos durante o ano
letivo e pesar na média das notas
mensais juntamente com outras mo
dalidades de verificação que sejam
adotadas pelo professor, tais como
trabalhos práticos experimentais,
trabalhos de equipe, trabalhos es
critos em casa ou em classe e
outros. Nas notas de que resultará
a média poderá ser incluída a de
uma prova escrita que não é obri
gatória e não deve ser única.
VIII — • Da Aprovação do Aluno
23 — Em consequência da dis
pensa de provas orais, passa a ha
ver dois sistemas para o cálculo da
nota final do aluno, a saber:
a) do aluno que se submeter à prova oral
— média ponderada de quatro elementos: a
média anual de exercícios, as notas da primeira
e da segunda provas parciais e a nota da
prova oral, às quais se atri-
buirão os pesos dois, dois, três e três,
respectivamente.
6) do aluno dispensado da prova oral
média ponderada de três elementos: a média
anual de exercícios e as notas da primeira e da
segunda provas parciais, às quais se atribuirão
os pesos dois, dois e três, respectivamente.
24 — Conforme estabelece o item
anterior no caso de o aluno se submeter às
provas orais, — o divisor é dez, no caso de o
aluno ser delas dispensado — o divisor é
sete.
25 —-O aluno que fôr dispensado das
provas orais de algumas disciplinas e que em
consequência das provas orais de outras, não
alcançou a média global cinco do conjunto das
disciplinas, poderá candidatar-se, na mesma
época, à prestação das provas orais de que
foi dispensado.
26 — Não houve qualquer alteração com
referência à média global cinco no conjunto
das disciplinas ou quanto aos exames de
segunda época.
IX Outras Disposições
27 — As Inspetorias Secionais
farão divulgar a relação dos estabe
lecimentos de sua jurisdição que
apresentarem as alterações feitas
nos regimentos internos em tempo
hábil para conhecimento dos giná
sios e colégios nos quais os alu
nos poderão ser dispensados da
prestação de provas orais. — Gil-
dásio Amado, Diretor do Ensino
Secundário.
(Pul), no D. O. de 23-9-60).
RESOLUÇÃO Nº 17-59
Aprova o Regimento do Instituto de
Ciências Sociais
De ordem do Magnífico Reitor, torno
público que o Conselho Universitário, em
sessão de 13 de agosto de 1959, tendo em
vista o que consta do Processo nº 13.087-
59-U.B., resolveu aprovar o Regimento
Interno do Ins tituto de Ciências Sociais
da Universidade do Brasil, assim
redigido:
CAPÍTULO I
Dos Fins do I.C.S.
Art. 1º O Instituto de Ciências
Sociais da Universidade do Brasil (ICS),
com sede no Rio de Janeiro, criado pela
Resolução nº 13-58 do Conselho
Universitário, e instalado em 26 de
dezembro de 1958, tem por finalidade:
a) aprimorar o ensino básico das
disciplinas fundamentais das ciências
sociais na Faculdade Nacional de
Ciências Económicas, Faculdade
Nacional de Direito, Faculdade Nacional
de Filosofia e em outros órgãos da
Universidade do Brasil;
6) ministrar cursos de especialização
e de pos-graduação em todos os campos
das ciências sociais, tendo cm vista:
I — formar pesquisadores alta
mente qualificados;
II — aperfeiçoar a formação de
professores de ciências sociais;
III — atualizar o conhecimento
de profissionais e especialistas em
ciências sociais;
D7 — formar pessoal técnico au-
xiliar para pesquisas;
c) promover, estimular e coordenar a
realização de estudos e pesquisas sociais,
do observação direta e de natureza
bibliográfica, nos vários domínios das
ciências sociais e disciplinas afins,
especialmente estudos e pesquisas
interdisciplinares, visando, em particular,
aprofundar o conhecimento da sociedade
e da cultura brasileira;
ri) cooperar com as unidades
univeritárias interessadas, em tudo quanto
se relacionar com as ciências sociais c
disciplinas afins, procurando promover e
estreitar a colaboração reciproca em
benefício do estudo e do ensino de tais
disciplinas;
e) cooperar com entidades go-
vernamentais e com instituições con-
géneres e outras cujos estudos tenham
implicações de natureza social, com o
objetivo de desenvolver as ciências
sociais;
f) participar de instituições in-
ternacionais congéneres e cooperar nas
suas atividades;
g) coordenar ou promover a
realização de reuniões de interesse
científico, de programas de estudo e de
divulgação, bem como de cursos
interdisciplinares.
Art. 2º Para a realização de seus
objetivos, o Instituto deverá organizar e
manter serviços e atividades
permanentes especialmente:
o) corpo de professores, pesqui-
sadores e estagiários, especialmente em
regime de dedicação exclusiva às
atividades do Instituto;
b) programas específicos de for-
mação e pesquisas a cargo de cola-
boradores, inclusive mediante convênios
com as diversas unidades da
Universidade do Brasil, que parti-
cipam do seu Conselho Diretor;
c) convênios com instituições
nacionais, estrangeiras e internacionais,
para criação e manutenção de centros
especializados de estudo e pesquisas;
d) biblioteca especializada em
ciências sociais, que procurará reunir
coleções completas e atualizadas das
principais publicações periódicas
nacionais e estrangeiras, que será de-
nominada Biblioteca de Ciências Sociais
da Universidade do Brasil;
e) serviço de divulgação dos re-
sultados dos estudos e pesquisas que
promover e de publicações em geral
inclusive de traduções, quando úteis aos
objetivos do Instituto;
f) pessoal necessário ao desempenho
das tarefas fundamentais e de caráter
administrativo, o qual poderá ser
contratado diretamente ou requisitado de
outros órgãos da Universidade ou do
serviço Público.
CAPITULO II
Da Gestão Financeira
Art. 3º O Instituto será mantido por
verba global ou especifica consignada no
orçamento da Universidade do Brasil e
por contribuições outras oficiais e
particulares, aceitas pelo Conselho
Diretor ad referendum dos órgãos da
Universidade. Os recursos de natureza
não orçamentária e os saldos de cada
exercício constituirão um Fundo
Especial, nos termos do artigo do
Estatuto da Universidade do Brasil.
Art. 4º O Instituto poderá firmar
convênios com instituições na-
cionais e estrangeiras, que lhe assegurem
um certo número de bolsas de pós-
graduação para assistentes e professores
de outras universidades para estagiários,
seleccionados mediante concurso.
Art. 5º' Poderão esses convênios
incluir também outras modalidades de
colaboração que digam respeito ao bom
desempenho da atividade do Instituto,
como contratos com especialistas
estrangeiros, formação de pesquisadores,
aquisições de coleções bibliográficas,
custeio de projetos específicos e ensino
em nível de especialização e da
pesquisa.
CAPITULO III
Do Conselho Diretor
Art. 6º O Instituto é orientado e
dirigido por um Conselho diretor
constituído por dois representantes da
Faculdade Nacional de Direito, dois da
Faculdade Nacional de Ciências
Económicas, dois da Faculdade Nacional
de Filosofia e um do Museu Nacional
escolhidos pelas respectivas
congregações, permitida a reeleição.
§ 1º O mandato do representante do
Museu Nacional é de 2 (dois) anos; os
dos demais representantes serão de dois e
de quatro anos, re-novando-se
bienalmente metade de cada uma das
representações.
§ 2º Ao eleger seus representantes,
quando estiverem vagos os dois lugares,
a Faculdade interessada indicará qual
deles terá o mandato mais longo.
§ 3º Os representantes poderão ler
substitutos para os casos de ausência ou
falta superior a 30 dias, os
quais serão indicados pelos estabe-
lecimentos respectivos.
Art. 7º Ao Conselho compete:
a) eleger o seu Presidente e o
Vice-Presidente, que substituirá o
primeiro em suas faltas ou impedi-
mentos;
b) fixar a área de competência do
Instituto, determinando quais as
disciplinas abrangidas pelos seus
trabalhos;
c) indicar ao Reitor as nomeações
do Diretor de Programas, o Secretário
Executivo, o Diretor de Documentação e
Publicações e o demais pessoal
administrativo;
d) aprovar o plano de trabalhos e
pesquisas apresentado pelo Diretor de
Programas;
e) aprovar a indicação do pessoal
idóneo para executar os trabalhos
planejados;
f) aprovar os convênios de qualquer
espécie, com entidades ou pessoas para a
execução dos objetivos do Instituto e
fiscalizar a sua execução nos termos do
Estatuto da Universidade;
g) manter relações com instituições
congéneres;
h) praticar todos os atos necessários
à realização dos fins do Instituto, tendo
em vista, especialmente, o seu caráter
interescolar e interdisciplinar.
Art. 8' O Conselho determinará, em
resolução interna, a periodicidade e a
duração das sessões ordinárias, cabendo
ao Presidente convocar as
extraordinárias, obedecido quanto à
remuneração o limite fixado no art. 10,
da Resolução n" 13-58, do Conselho
Universitário.
Art. Poderão participar das
reuniões do Conselho, sem voto, os
diretores das unidades referidas no art.
6
o
, os suplentes que houverem tido
exercício em caráter interino, bem como
aqueles professores que, pelo mesmo,
tenham sido convocados para atender a
tarefas específicas.
Art. 10. O Conselho reunir-se-á com
um terço dos seus membros, mas só
poderá deliberar se estiver presente a
maioria absoluta. As deliberações são
tomadas por maioria de votos. O
Presidente tem voto.
Art. 11. A ordem dos trabalhos das
sessões compreende:
a) expediente;
6) discussão e votação;
q) comunicações.
Art. 12. Das sessões será lavrada ata,
ainda que não tenha comparecido número
suficiente para o seu prosseguimento.
Art. 13. Ao Presidente do Conselho
compete representar o Instituto, presidir
as sessões, convocar as sessões
extraordinárias, organizar as pautas,
assinar o expediente e a correspondência,
e superintender a execução dos trabalhos
do Instituto.
CAPÍTULO IV
Dos Atividades de Formação
Art. 14. O Instituto deverá assegurar,
na medida de suas disponibilidades, aos
professores das disciplinas fundamentais
das ciências sociais dos órgãos da
Universidade do Brasil, que integram o
seu Conselho, a oportunidade de
manterem um docente, que poderá ser o
próprio catedrático, em regime de
dedicação
exclusiva às atividades de ensino e de
pesquisas, obedecidas as normas
estatutárias.
Art. 15. O Diretor da Faculdade
encaminhará ao Conselho Diretor do
Instituto projeto de convênio, que será
também assinado pelos professores
interessados, no qual indicará os planos
de atividades de ensino e de treinamento,
ficando demonstrado que dispõe de
pessoal qualificado para executá-lo, com
instalações adequadas para o trabalho em
regime de tempo integral, e que os alunos
terão frequência obrigatória.
Art. 16. Celebrado o convênio, a
contribuição específica do Instituto
consistirá no pagamento de honorários
integrais do docente ou na
complementação do seu salário.
Parágrafo único. Excepcionalmente,
o Instituto poderá aceitar o encargo de
custear as despesas de pesquisas
incluídas no programa de trabalho.
Art. 17. O Conselho poderá também
solicitar as Faculdades nele representadas
que organizem planos detalhados para ali
realizar, sob o regime de tempo integral,
de professores e alunos, cursos de
formação, abrangendo os estudos de duas
ou mais disciplinas básicas.
Parágrafo único. Os aludidos planos
devem indicar também os programas, os
professores catedráticos responsáveis
pelos cursos e os contratados, bem como
os alunos bolsistas ou não.
Art. 18. Aprovado o plano pelo
Instituto, será realizado um convê
nio
entre a
unidad
e e o
Consel
ho.
CAPITULO V
Das Atividades do Nível de Especia-
lização e Pós-Graduação. Pesquisas
Art. 19. O Instituto deverá contar
com equipes próprias de professores
pesquisadores, altamente qualificados,
contratados no país ou no estrangeiro,
pelo prazo mínimo de dois anos, para
execução de programas previamente
estabelecidos de pesquisa, de
especialização de pesquisadores e de
pós-graduação.
Art. 20. Metade do pessoal destas
equipes deverá ser constituído por
especialistas em ciências econômicas
, para assegurar a procedência
desta ordem de estudos.
Art. 21. Cada um dos professores
pesquisadores deverá contar com a
colaboração de dois assistentes bra-
sileiros, também contratados em regime
de tempo integral.
Art. 22. As equipes, assim cons-
tituídas, terão os seguintes encargos:
o) realizar estudos e pesquisas
programados de modo a ensejar
oportunidades de treinamento a jovens
pesquisadores;
6) dar cursos de pós-graduação para
estagiários-bolsistas, em regime de
tempo integral;
c) ministrar cursos de especialização
e de atualização, abertos a estudantes e a
especialistas.
Art. 23. Para proporcionar opor-
tunidades de pós-graduação em todos os
ramos das ciências sociais, o Instituto
poderá contar, mediante convênio
, com a colaboração de instituições
que se devotam a certos campos
que contam com pessoal e instalações
idóneas.
Art. 24. Constarão do convênio as
condições mediante as quais será
ministrado o curso, podendo o Instituto
obrigar-se a concorrer para as despesas de
pessoal e de pesquisas; obrigando-se,
outrossim, as referidas instituições a
aceitar, mediante mandato universitário, a
incumbência de fundar e manter cursos
de pós-graduação.
CAPÍTULO VI
Dos órgãos Administrativos
Art. 25. A estrutura administrativa
do Instituto será constituída pelo
Conselho Diretor. de natureza colegiada,
com as duas funções cle-tivas de
Presidente e Vice-Presi-dente, de um
Diretor de Programas, de um Secretário
Executivo e de um Diretor de
Documentação e Publicações.
Art. 26. Cabe ao Diretor da Pro-
gramas a função de organizar as equipes,
coordená-las em suas tarefas, planejar e
propor à aprovação do Conselho Diretor
os programas de atividades de ensino e
pesquisas.
Art. 27. Em todos os projetos de
convênio com instituições nacionais e
estrangeiras, públicas e particulares, que
digam respeito a programas de pós-
graduação, de ensino e pesquisa, antes de
sua aprovação pelo Conselho Diretor,
dará o Diretor de Programas o seu
parecer.
Art. 28. Cabe, igualmente, ao Diretor
de Programas, no início de cada exercício
financeiro, submeter ao Conselho
Diretor todos os pro-
mas de suas atividades de ensino, de pós-
graduação e de pesquisa.
Art. 29. O Secretário Executivo terá
o encargo de superintender todos os
serviços de Secretaria, correspondência e
expediente, bem como providenciar a
aplicação geral dos recursos, que
permitam pôr em execução os
programas do Instituto.
Art. 30. Cabe ao Secretário Exe-
cutivo apresentar à aprovação do
Conselho Diretor a proposta orça-
mentária de cada exercício financeiro,
bem como o relatório do ano anterior.
Art. 31. Todo o expediente que diga
respeito a pessoal, material, assim como
qualquer ordem de pagamento receberá
obrigatoriamente o parecer do
Secretário Executivo.
Art. 32. A nomeação de Secretário
Executivo deverá recair em pessoa com
larga experiência em administração
pública e que tenha conhecimentos
básicos de línguas estrangeiras e de
ciências sociais. Art. 33. Cabe ao Diretor
de Documentação e Publicações dirigir e
orientar todas as atividades do Instituto
que se referem a documentação, arquivo,
biblioteca e publicações.
Art. 34. A biblioteca é órgão auxiliar
das atividades do Instituto, à qual
compete manter, devidamente
organizadas, coleções especializadas de
livros, publicações periódicas, mapas e
outras espécies bibliográficas referentes
às ciências sociais.
Art. 35 A aquisição de material
bibliográfico, por compra, far-se-á com
autorização do Conselho Diretor,
obedecendo ao moderno sistema de
organização de bibliotecas especia-
lizadas.
Art. 36. A biblioteca manterá ca-
tálogos para uso interno do pessoal do
Instituto e para uso das unidades da
Universidade do Brasil e do público em
geral.
Art. 37. Será organizado o catálogo
coletivo do acervo de ciências sociais das
bibliotecas brasileiras, com fichas
impressas para intercâmbio de
catalogação e a contribuição de outras
fontes, a fim de servir de instrumento de
informação e de pesquisa bibliográfica.
Art. 38. E da competência do Diretor
de Documentação o planejamento e a
coordenação de todas as publicações do
Instituto, devendo, para isso, apresentar à
aprovação do Conselho Diretor as
propostas respectivas.
Art. 39. Além de monografias e
separatas, providenciará o Instituto a
tradução de obras e artigos que,
a critério do Conselho Diretor, sejam
reputados úteis ao desenvolvimento o
aperfeiçoamento das ciências sociais no
país.
Art. 40. Os casos omissos nesse
Regulamento serão resolvidos pelo
Conselho Diretor do Instituto, com a
aprovação do Conselho Universitário,
que poderá elaborar e deverá aprovar o
Regimento dos serviços auxiliares e do
seu pessoal.
Art. 41. O Instituto de Ciências
Sociais ficará subordinado, nos termos do
Estatuto da Universidade do Brasil, aos
seus órgãos de direção e administração e
às normas por eles fixadas.
Em 31 de março de 1960. — Paulo
Pinheiro Alves, pelo Diretor.
(Proc. nº 13.087-59-U.B.).
(Publ. no D. O. de 28-4-60).
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