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Mallarmé
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e Paul Valéry
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, bem como a poesia dadaísta e concretista, tenham explorado ou
abordado as possibilidades estéticas presentes no corpo gráfico poético e mesmo teóricos
como Yuri Lotman
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tenham se ocupado desses aspectos, a verdade é que, pelo menos no
âmbito dos estudos das letras e só nas últimas décadas, o livro como suporte gráfico tem
chamado a atenção como interferente na recepção do texto literário, talvez em razão do
aparecimento de outras mídias de acesso e de publicação do texto verbal, como a internet, o e-
book — o livro eletrônico — e suas variantes, com as quais o suporte tradicional em papel,
antes exclusivo, se contrasta.
No Brasil, o interesse pelo assunto, no que concerne aos estudos acadêmicos, parece
ser majoritariamente estimulado pelo desenvolvimento acelerado, quantitativo e
qualitativamente marcante da produção literária destinada ao público infanto-juvenil
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. Ao
investigar o estado das pesquisas, críticas e ensaios publicados dentro da área da Literatura,
admirei-me da notável hegemonia do gênero presente nos corpora e exemplificações. Não
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“O livro, expansão total da letra, dela deve tirar, diretamente, uma mobilidade e, espaçoso, por
correspondências, instituir um jogo, não se sabe, que confirme a ficção.” (MALLARMÉ. 1991: 125-128.)
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Mais à cotê et à part de la lecture même, existe et subsiste l’aspect d’ensemble de toute chose écrite. Une page
est une image. Elle done une impression totale, présente un bloc ou un systéme de blocs et de strattes, de noirs et
de blancs, une tâche de figure et d’intensité plus ou moins heureses. Cette deuxiéme manière de voir, non plus
successive et linéaire et progressive comme la lecture, mais immédiate et simultanée, permet de raprocher la
typographie de l’arquitecture, comme la lecture aurait pu tout à l’heure faire songer à la musique mélodique et
à tous les arts qui épousent le temps. [Mas, à parte da leitura ela mesma, existe e subsiste o aspecto conjunto de
toda coisa escrita. Uma página é uma imagem. Ela dá uma impressão total, apresenta-se como um bloco ou
sistema de blocos e estratos, de pretos e brancos, uma mancha de figura e intensidade mais ou menos bem
sucedidas. Esta segunda maneira de ver, não mais sucessiva e linear e progressiva como a leitura, mas imediata e
simultânea, permite aproximar a tipografia da arquitetura, como a leitura que remete a todo momento à música
melódica e a todas as artes que esposam o tempo. ] (VALÉRY, Paul. 1970: 1246-1252. Tradução minha.)
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[…] where the graphic system coincides with the phonological system and they are both present in the mind of
the native speaker as a single system, graphics more rarely become a bearer of poetic meaning. But in cases
where the automatic character of their association is disrupted and a conflict is felt between these systems, the
possibility of imbuing the graphics with poetic meaning arises. [Onde o aspecto gráfico coincide com o sistema
fonológico e estão ambos presentes na mente do falante da língua natural como um sistema único, o aspecto
gráfico mais raramente se torna um suporte poético-significativo. Mas nos casos onde o caráter automático desta
associação sofre uma ruptura e sente-se um conflito entre os sistemas, aumenta a possibilidade de o aspecto
gráfico imbuir-se de um significado poético.] (LOTMAN. 1976: 71. Tradução minha.)
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Segundo Graça Lima, o setor livreiro foi beneficiado pela votação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, que colocou a literatura e a formação do leitor como prioridade no processo de aprendizagem,
configurando, “uma produção, acima de tudo, voltada para a caça ao leitor [...]; quer-se agradá-lo e capturá-lo
pelos meios que o momento indica serem os mais eficazes. Não se trata da preocupação do escritor para crianças
em buscar leitores, porém entre a busca e a caça há uma sutileza que demonstra uma mudança de pólo
catalisador dessa literatura que de motivadora passaria a motivada precisando encontrar novos meios para manter
e estabelecer seu vínculo com o leitor”. (LIMA. 1999: 2 e 3.) Também Vera Teixeira de Aguiar, em seu artigo A
literatura infantil no compasso da sociedade brasileira, irá traçar o percurso e a evolução qualitativa e
quantitativa da produção literária destinada ao público infantil e juvenil no Brasil como atrelada à formação de
identidade nacional desde a infância, ao consumo estimulado pela escola, à divulgação dos bens culturais via
veículos de comunicação e ao apoio do Estado: “A edição do livro infantil passa a merecer extremo cuidado no
que concerne o papel, diagramação e, sobretudo, ilustração. Muitas vezes, vale mais a linguagem visual do que o
texto escrito, o que, no mínimo, deve levar a questionar o conceito de literatura infantil. Como mercadoria, o
livro torna-se cada vez mais agradável e chamativo na busca de seus leitores.” (AGUIAR. 1994: 83.)