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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
HAIKE ROSELANE KLEBER DA SILVA
A TRAJETÓRIA DE UMA LIDERANÇA ÉTNICA
J.ALOYS FRIEDERICHS (1868-1950)
Porto Alegre
2005
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1
HAIKE ROSELANE KLEBER DA SILVA
A TRAJETÓRIA DE UMA LIDERANÇA ÉTNICA
J. ALOYS FRIEDERICHS (1868-1950)
Tese de Doutorado em História para a obtenção do
título de Doutora em História
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação em História
Orientadora: Profa. Dra. Regina Weber
Porto Alegre
2005
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AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, a minha orientadora, Regina Weber, por seu equilíbrio entre
presença e autonomia. Cedo encontramos nossa maneira de trabalhar juntas, compreendendo o
que cada uma poderia dar por este trabalho. Sei que “o filho saiu mais a minha cara”, e lhe
agradeço, também, por permitir isso. Aos demais, peço que não se sintam depreciados pela ordem
em que forem mencionados. Ela não revela meu apreço, mas apenas as restrições que a
formatação do texto me colocam. Portanto, agradeço
ao velho e sempre amigo Benito Schmidt, pelo estímulo, incentivo, pelas lições,
pelas críticas e por estar sempre aí;
ao Prof. René Gertz, pela idéia do trabalho, por me facilitar o acesso às fontes e
pelos eventuais diálogos sobre o tema da pesquisa;
ao professor e amigo Walter Volkmann, pelo acompanhamento nos meus altos e
baixos no aprendizado da “língua de Goethe”. Sem seu apoio, eu certamente não
teria me aventurado numa viagem à Alemanha (mas como ele me fez falta lá!!).
Agradeço, também, pelas correções das traduções e pela revisão final do trabalho;
à Alexandra Ekamp e Uwe Knepper, amigos que fiz durante minha estada na
Alemanha. Quebrando um dos grandes estereótipos que temos em relação ao
“povo alemão”, me receberam calorosamente em sua casa (e de graça!!!) como se
fosse a um amigo; ensinaram-me a andar por Colônia; deram-me um lar;
à Débora Bendocchi Alves, meu único referencial nacional em Colônia, por
possibilitar-me algumas poucas horas de verdadeiro entendimento do que eu
ouvia;
ao Gerson e à Karin, por me receberem em Berlim e me apresentarem a cidade;
à professora Bárbara Potthast, por aceitar-me como hóspede na Universidade de
Colônia;
ao Cnpq, que me concedeu bolsa nos 3 últimos anos do doutorado e ao DAAD,
que me forneceu auxílio para viagem de estudos na Alemanha;
aos representantes das instituições listadas entre os acervos consultados, por me
permitirem acesso, às vezes até privilegiado, e por manterem estes arquivos, às
vezes a duras penas;
À minha filha Marília, por exigir-me presença e não me deixar pensar só na tese;
por compreender, nos últimos tempos, que tudo só poderá ser feito “depois da
minha tese!!”, e, principalmente, por dar sabor à minha vida;
Ao meu marido Adilson, por acompanhar-me nas minhas escolhas, nem sempre
fáceis. Temos incentivado mutuamente nosso crescimento profissional, às vezes a
3
custos meio elevados; mas isso é um dos motivos porque nossa vida tem dado
certo;
Aos amigos — velhos e/ou que conheci nestes últimos 4 anos —, pela ajuda,
atenção, amizade, força, disponibilidade, incentivo; por uma fonte, bibliografia,
um e-mail, um telefonema, um almoço, uma carona, uma convocação para
reunião, enfim... (por ordem alfabética e totalmente impessoal): Arthur Blásio
Rambo, Carla Rodeghero, Claudira Cardoso, Eduardo Kersting, Flávio Heinz,
Hernán Ramirez, Isabel Arendt, Isabel Bilhão, Janice Zarpellon Mazzo, Leila
Günter Sfoggia e Marluza Marques Harres.
4
RESUMO
A tese apresenta a biografia de Jacob Aloys Friederichs (1868-1950), uma liderança
étnica entre os teuto-brasileiros do sul do Brasil que atuou com maior ênfase no associativismo
recreativo. Através do trabalho junto às sociedades de ginástica (Turnvereine), o personagem
construiu uma posição de liderança intelectual, veiculou e difundiu suas idéias. Parte-se do
princípio de que uma série de condições encontradas no contexto social influenciou em sua
trajetória, mas que também foram de extrema importância as escolhas feitas por Friederichs para
que alcançasse a posição de líder. Como liderança étnica, elaborou proposições a respeito da
identidade dos imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil, da sua integração à sociedade
brasileira e da preservação do vínculo com a cultura ancestral. Utilizou-se de sua posição para
propagar seu pensamento, assim como, em sentido contrário, dos seus posicionamentos
ideológicos para capitalizar liderança. A tese aborda as prováveis influências de infância de
Friederichs, sua experiência migratória, o envolvimento na sociedade porto-alegrense como
empresário e membro da comunidade de alemães católicos. O foco principal recai sobre a
trajetória de Friederichs como liderança associativa e étnica, partindo das condições existentes
para a emergência dessa sua posição, passando pelos instrumentos e recursos utilizados para a
construção de sua imagem, os problemas enfrentados e a contestação de sua liderança. Busca
também situar o pensamento de Friederichs no germanismo, mostrar onde se afasta e onde se
aproxima dos germanistas, quais as especificidades de sua proposta identitária para o grupo
étnico, a dinamicidade de seu discurso, de um lado, e o apego arraigado a algumas posições, de
outro. O trabalho tem como objetivo de fundo buscar compreender a dinâmica da comunidade
étnica dos alemães no Rio Grande do Sul em uma de suas facetas, que é a da produção de idéias e
de lideranças, entendendo que o estudo de um indivíduo nesta posição permite uma porta de
acesso privilegiada ao grupo.
Palavras-chave:
liderança étnica – associativismo recreativo – identidade teuto-brasileira
5
ABSTRACT
The paper presents the biography of Jacob Aloys Friederichs (1868-1950), a leading
figure among German descendants in Southern Brazil, whose main field of activity centered
around ethnic recreational societies. His work within these sports societies (Turnvereine), enabled
him to build up a solid position of intelectual leadership, and provided him with a channel to
disseminate his ideas. It is argued that a series of conditions that were found in the social context
influenced his trajectory, but that the choices made by Friederichs were likewise extremely
important along his path to leadership. As an ethnic leader, he offered insights about the identity
of German immigrants and their descendants in Brazil, their integration with Brazilian society
and the preservation of a bond with the culture of their ancestors. Friederichs made use of his
position to spread his thoughts and, conversely, used his ideological stance to strengthen his
leadership. The paper deals with likely childhood influences on the young Friederichs, his
migration experience, his involvement in the society of Porto Alegre as an entrepreneur and as a
member of the German Catholic community. The main focus is on Friederichs’s journey as an
ethnic and sports association leader, starting from the pre-existing conditions for the emergence
of his position and moving on to the instruments and resources used in building his image, the
problems he faced and the challenges to his leadership. The paper also seeks to situate
Friederichs’s thought within Germandom, indicating where it departs from and where it parallels
that of other Germanists, pointing out specificities of his proposals on the issue of ethnic identity,
as well as presenting the contrast between, on the one hand, the dynamic nature of his views, and
on the other, his deeply-rooted attachment to some positions. The objective of this paper is to
shed light on the dynamics of the German ethnic community in the state of Rio Grande do Sul, in
particular on one of its facets, namely the production of ideas and leaders, as we understand that
the study of an individual in this position allows us a privileged glimpse into the group as a
whole.
Key words:
ethnic leadership - recreational societies – German-Brazilian identity
6
SUMÁRIO
LISTAS DE ABREVIATURAS DOS ACERVOS CONSULTADOS .......................................... 7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................... 8
1 FORMANDO UM EMIGRANTE ............................................................................................. 36
1.1 Uma criança alemã .............................................................................................................. 36
1.2 A partida para o novo .......................................................................................................... 49
2 ALÉM DA IMIGRAÇÃO: A INTEGRAÇÃO À SOCIEDADE PORTO-ALEGRENSE........ 62
2.1 Ora et Labora : a “dedicação ao trabalho” e seus rendimentos ........................................... 68
2.2 Bete und arbeite: a participação na comunidade religiosa .................................................. 97
3 UMA LIDERANÇA TEUTO-BRASILEIRA.......................................................................... 109
3.1 Lideranças teuto-brasileiras............................................................................................... 109
3. 2 O associativismo teuto-brasileiro .................................................................................... 120
3.3 As primeiras Turnverein e os primórdios do associativismo desportivo teuto ................. 138
3.4. Friederichs: administrador e líder..................................................................................... 159
3.5 Momentos de crise............................................................................................................ 182
3.6 A contestação da liderança ................................................................................................ 195
3.7 Quem um dia foi rei, nunca perde a majestade.................................................................. 213
4 FRIEDERICHS: ENTRE O GERMANISMO E A ASSIMILAÇÃO ..................................... 228
4.1 Os escritos de Friederichs.................................................................................................. 229
4.2 Conexões com o Deutschtum ...................................................................................... 239
4.3 No contexto da brasilidade ............................................................................................... 260
4.4 Reverenciando Bismarck.................................................................................................. 274
CONCLUSÃO............................................................................................................................. 293
REFERÊNCIAS: FONTES E BIBLIOGRAFIA ........................................................................ 299
APÊNDICES ............................................................................................................................... 319
ANEXOS..................................................................................................................................... 326
7
LISTAS DE ABREVIATURAS DOS ACERVOS CONSULTADOS
ABM – Acervo Benno Mentz (ILEA/UFRGS)
AHRS – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
APERS – Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul
APFF – Arquivo Privado da Família Friederichs (Zell/Alemanha)
APSJ – Arquivo da Paróquia São José (Porto Alegre)
CÚRIA – Cúria Metropolitana de Porto Alegre
IAI – Ibero-Amerikanische Institut (Berlim)
IAP – Instituto Anchietano de Pesquisas (UNISINOS)
IHGRS – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul
JAF – Fundo J. Aloys Friederichs (ABM/ILEA/UFRGS)
JCRS – Junta Comercial do Rio Grande do Sul
MCSHJC – Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa
MS – Memorial Sogipa
NETB – Núcleo de Estudos Teuto-Brasileiros (UNISINOS)
NPH – Núcleo de Pesquisa Histórica (UFRGS)
8
INTRODUÇÃO
A sociedade multi-étnica rio-grandense viu surgir, entre os diversos grupos étnicos que a
compunham, uma série de lideranças que atuaram em diversos campos, circunscritos, em boa
parte, ao próprio grupo étnico. Assim também ocorreu com os alemães que para cá vieram, que
— como as outras etnias — criaram suas instituições, elaboraram uma cultura original,
construíram interpretações sobre ela e sobre sua integração à sociedade brasileira. Estas
preocupações não ocuparam a população imigrante como um todo, deixando a certos indivíduos
notáveis a função de olharem para a comunidade étnica e pensarem a seu respeito. Estas
lideranças intelectuais atuavam, em geral, em espaços específicos — alguns na política partidária,
outros na vida religiosa das comunidades imigrantes — a partir dos quais sua liderança emergia e
se consolidava. Este trabalho estuda um dos notáveis que surgiu como liderança intelectual étnica
no meio associativo, através do qual construiu a posição de líder, veiculou e difundiu suas idéias.
Jacob Aloys Friederichs (1868-1950) foi um imigrante alemão que trabalhou
intensamente pelo associativismo teuto no Rio Grande do Sul, liderando por longo período um
dos mais importantes clubes da comunidade alemã de Porto Alegre — o Turnerbund. Foi também
grande incentivador da prática da ginástica alemã (Turnen), fundando a Federação Alemã de
Ginastas do Rio Grande do Sul (Deutscher Turnerschaft von Rio Grande do Sul). Aproveitando-
se destes espaços e de sua posição de liderança, empenhou-se na luta pela existência de uma
9
identidade teuto-brasileira, o que caracteriza o debate que travava com seus adversários e os
discursos que pronunciava a platéias da região colonial do estado.
1
Buscou adaptar à realidade
imigrante a filosofia de Friederich Ludwig Jahn (1778-1853), um dos ideólogos do nacionalismo
alemão, criador do Turnen. Por todos estes motivos — e por alusão ao Turnvater Jahn (“pai da
ginástica alemã”), foi cognominado “pai da ginástica do Rio Grande do Sul”.
2
Além disso, pelo
seu dinamismo, sobretudo no campo econômico, pode ser encontrado entre as celebridades
eleitas por Spalding (1969, p.273-277) na obra “Construtores do Rio Grande”.
Apesar de sua significativa notoriedade entre a população de origem alemã, especialmente
nas primeiras décadas do século XX, Friederichs hoje integra o rol dos “ilustres desconhecidos”.
3
A problemática que o evidenciou foi varrida das instituições pelo processo de nacionalização do
Estado brasileiro na Era Vargas (e pelos efeitos da Segunda Guerra Mundial). Para as gerações
que o sucederam, seu nome e sua imagem permaneceram associados quase que exclusivamente à
história de um dos maiores clubes sociais e esportivos de Porto Alegre — a SOGIPA (Sociedade
de Ginástica Porto Alegre – 1867), denominação que recebeu o Turnerbund a partir de 1942 —,
onde ele está presente em telas, bustos ou nomes de departamentos. A imagem em perfil, gravada
em um monumento em granito a poucos metros da entrada principal, permite que os que por ela
passem saibam que Friederichs foi o “propulsor do engrandecimento” do clube. O busto erigido à
frente do edifício da sede social informa que ele foi o “responsável pela localização atual da
SOGIPA”, além de ter sido eleito, em 1987, o patrono desta sociedade. Friederichs empresta o
1
Por “colonial” entendo a região ocupada por imigrantes no século XIX, predominantemente em forma de pequena
propriedade agrícola.
2
Em artigo a respeito da condecoração recebida por J. Aloys Friederichs da Deutscher Turnerschaft (Federação
Alemã de Ginastas), o jornal refere-se ao homenageado como Riograndenser Turnvater. NEUE DEUTSCHE
ZEITUNG, Porto Alegre, 26 set. 1928. ABM.
3
A expressão “ilustres desconhecidos” faz alusão ao Seminário de Outono, promovido pelo Arquivo Municipal de
Porto Alegre Moysés Vellinho, em maio de 2003, sob o título de “Ontem ilustres, hoje desconhecidos: homens e
mulheres que fizeram a História de Porto Alegre”, do qual participei com a comunicação intitulada “J. Aloys
Friederichs; a trajetória de um ‘mestre’ e o confronto com o operariado”.
10
nome à biblioteca do clube, pois foi o “grande incentivador e 1º bibliotecário”. Seu retrato
pintado a óleo repousa sobre a parede como um convite à leitura — ele traz em mãos o livro
Hans Hansen, do poeta teuto-brasileiro Otto Meyer (Anexo A).
Entre os associados do clube hoje, pouco se sabe sobre o que ele representava nos seus
primeiros 70 anos de existência, nem tampouco o que era o Turnen, o porquê do uso exclusivo da
língua alemã em suas dependências e menos ainda o porquê de se debater excessivamente sobre o
ser alemão ou ser brasileiro. Há, isso sim, uma vaga idéia de que o clube é “de origem alemã” (o
que quer dizer, fundado por imigrantes alemães), e, portanto, lhes parece legítimo que ali se
realizem festas como a Oktoberfest.
4
A propósito, parece ser essa a tendência entre instituições,
municipalidades e por vezes famílias que, hoje em dia, se auto-intitulam como “de origem
alemã”: a identidade a ser “preservada”, que caracterizaria a cultura ancestral, é sintetizada no
mito do imigrante pioneiro, nas festas e no que as acompanham: Volksfest, Volkstanz, Volksmusik
— respectivamente, festa, dança e música folclóricas.
5
Os vínculos que procuram unir, portanto,
a atual SOGIPA ao antigo Turnerbund e que constroem a memória da instituição, desconsideram
importantes aspectos de sua história, o que leva também ao esquecimento de suas lideranças e do
que as motivava. J. Aloys Friederichs
6
é, neste contexto, apenas um nome, um retrato, um busto.
7
Mudando de tipo de registro — dos lugares de memória à análise acadêmica —, pode-se
notar que, na historiografia, Friederichs vem recebendo algum destaque nas últimas décadas,
4
Em relação à Oktoberfest, a legitimidade de sua realização poderia melhor estar assentada não numa genérica
origem alemã, mas no fato de imigrantes provenientes da região da Baviera, que habitavam Porto Alegre, terem
iniciado esta festa no Brasil, em 1911, no Turnerbund. Sobre o assunto, ver Silva (2001).
5
Lembro da crítica de Hobsbawm (1998, p.281-292) à história da identidade nas formas como tem sido produzida,
comparando-a, mesmo que em menor grau, às narrativas nacionalistas da história: ambas tendem ao “anacronismo,
omissão, descontextualização e, em casos extremos, mentiras”. O mito do imigrante pioneiro foi analisado por
Seyferth (1989; 2000a).
6
Ressalto aqui a menção constante, na documentação, do primeiro nome do personagem de forma abreviada.
7
As afirmações contidas neste parágrafo são impressões e conclusões resultantes da experiência concreta no trabalho
diário na instituição, especialmente como pesquisadora e organizadora da memória institucional durante mais de 4
anos.
11
principalmente no que se refere a sua atuação no setor econômico. Pesavento (1988, p.66-67), por
exemplo, menciona seu desempenho como empresário representativo entre os sócios e ex-alunos
da Gewerbe Schulverein (Escola de Ofícios) de Porto Alegre em 1923; ou ainda como
industrialista destacado da sociedade local em meio àqueles que fizeram parte das diretorias do
Centro Econômico do Rio Grande do Sul — entidade que visava fomentar o desenvolvimento
industrial e que espelhava as relações entre empresariado, governo gaúcho e governo alemão
(p.120). A mesma autora, em artigo de 1994 (p.199-207), registra sua presença em meio à
burguesia industrial de Porto Alegre, citando-o como representante do ramo da “estatuária e
mosaico”. Ainda no âmbito da importância econômica do personagem, Doberstein (2002) insere-
o em sua análise sobre os estatuários gaúchos e sua vinculação com referenciais teórico-artísticos
do catolicismo e com o que denomina de “gauchismo”. Friederichs aparece então como um dos
imigrantes enriquecidos que pregavam o dúplice patriotismo — brasileiro e alemão — e que o
representava na própria arte (p.114). Além disso, o autor cita a Casa Aloys, de propriedade de
Friederichs, como um dos mais significativos ateliers de escultura da cidade de Porto Alegre,
destacando uma série de obras produzidas por importantes artesãos daquele estabelecimento.
Entre as pesquisas que se voltaram à temática do movimento operário em Porto Alegre,
principalmente aquelas que trataram da greve geral de 1906 — a primeira do Rio Grande do Sul
—, podemos encontrar referências à pessoa de Friederichs como o proprietário do
estabelecimento no qual se deu o estopim da paralização. A análise dos acontecimentos referentes
à greve dos marmoristas de J. Aloys Friederichs pode ser encontrada em Petersen (1979),
Petersen e Lucas (1992), Bilhão (1999), Bak (1999) e Schmidt (2004).
Há também alguns trabalhos que atentam para sua atividade de liderança associativa e seu
pensamento germanista. Ao estudar a prática do Turnen entre imigrantes alemães, Tesche (1996,
p.64) associa J. Aloys Friederichs à história da SOGIPA e, conseqüentemente, do Turnen no Rio
12
Grande do Sul, como o maior responsável pela construção desta sociedade, no sentido de
incentivar a prática da ginástica e de difundi-la na comunidade imigrante alemã. Wieser (1990),
ao analisar a constituição de sociedades de ginástica no Brasil, é enfático ao considerar
Friederichs a personalidade que mais forte influência ideológica exerceu sobre o Turnwesen
(sistema ginástico alemão) no meio rio-grandense (Wieser, 1990, p.260). Foi através da ginástica
que este personagem iniciou seu trabalho em favor da germanidade. Mais recentemente,
Grützmann (1999, 2003a e 2003b) analisou a produção discursiva de J. Aloys Friederichs como
parte do conjunto de ideólogos do germanismo no Rio Grande do Sul.
As referências a J. Aloys Friederichs na historiografia citadas acima tratam de sua atuação
no campo econômico, associativo e ideológico, mas não como foco central dos trabalhos, nem
como ponto de partida de análise de uma problemática, nem ainda como fio condutor de um
problema de pesquisa. Este é o procedimento metodológico do presente trabalho: partir do
particular ao geral, do individual ao grupo. Isso não implica, necessariamente, uma leitura do
indivíduo como um exemplo do conjunto, como um “caso”. A contribuição daquele tipo de
recurso me parece outra: ela permite conectar os fios que ligam o indivíduo ao grupo, ao
contexto, às realidades mais amplas; fios estes que, para cada indivíduo diferente, possuem
conexões outras, formando uma ampla rede. Através, então, da biografia de J. Aloys Friederichs
— da sua atuação e da discussão capitaneada por ele em cartas, jornais ou palanques —, busco
alcançar um universo mais amplo e perceber a estruturação de práticas, a geração de lideranças,
as convergências e as divergências, os afetos e os desafetos, enfim, a diversidade que compunha a
comunidade étnica alemã no Rio Grande do Sul, sobretudo da capital do Estado.
Sendo assim, tenho por objetivo, a partir da história de J. Aloys Friederichs, compreender
a dinâmica da comunidade étnica dos alemães no Rio Grande do Sul em uma de suas facetas, que
é a da produção de idéias e de lideranças — pessoas que, por alguma razão, mereceram bustos,
13
títulos e honrarias. Para isso, busco analisar a formação da liderança de Friederichs entre os teuto-
brasileiros, verificando as condições de possibilidade da emergência de sua posição e os recursos
empreendidos pelo personagem para alcançá-la. Na perspectiva de que um indivíduo, com
atuação pública como Friederichs, interage intensamente com outros atores sociais, busco
também apreender a rede de relações nas quais ele estava inserido, principalmente no que se
refere à malha associativa e à discussão intelectual, ambas ancoradas no germanismo. Dessa
forma, concordo com Da Orden (1995) quando afirma que “el surgimiento de ciertos imigrantes
notables generalmente por su posición econômica que buscan constituirse a la vez em líderes,
supone uma via privilegiada de acceso al grupo étnico”. Pretendo também encontrar, na discussão
intelectual, diferentes apropriações do germanismo, nuances e aproximações entre as lideranças,
para com isso chegar a uma compreensão mais heterogênea e diversificada da discussão a
respeito da identidade dos alemães e descendentes no Brasil na primeira metade do século XX.
Para alcançar os objetivos propostos, busco responder aos seguintes problemas de
pesquisa:
Considerando Jacob Aloys Friederichs como um líder entre os teuto-brasileiros,
pergunto: que condições foram abertas pelo contexto social vivido pelo personagem
para a obtenção de uma posição de liderança? quais foram as ações empreendidas, os
instrumentos empregados e os lugares ocupados por Friederichs que possibilitaram a
construção de sua posição e a manutenção de uma imagem pessoal de líder —
durante sua vida e na memória construída a seu respeito?
Levando em conta a produção e veiculação das idéias do personagem, indago: em que
contexto Friederichs apropriou-se do pensamento germanista e começou a lutar pela
germanidade dos imigrados? qual era a matriz de seu pensamento? que idéias
14
transplantou, quais adaptou, quais foram fruto de um estilo próprio de pensar? quais
foram fruto das discussões já em curso no Rio Grande do Sul? que recursos utilizou
para propagar seus posicionamentos? onde conseguiu manter coerência e onde foi
contraditório com seu próprio discurso?
Para responder aos problemas acima expostos, me apoio numa rica e diversificada
documentação e em reflexões teóricas e procedimentos metodológicos reconhecidos no meio
historiográfico e relativamente difundidos nos trabalhos acadêmicos nas últimas décadas. A
partir daqui, passo a tratar destes suportes da pesquisa de forma mais detalhada, visando expor as
balizas que direcionaram este estudo.
* * *
No que se refere às fontes documentais, considerei de grande importância a pesquisa nos
periódicos da imprensa alemã de Porto Alegre, sobretudo nos jornais de maior circulação entre a
população teuta, como o Deutsche Zeitung e o Koseritz Deutsche Zeitung (a partir de 1906,
denominado Neue Deutsche Zeitung).
8
Neles pude visualizar a evolução da liderança de
Friederichs e do clube que dirigiu, como também pude encontrar discussões calorosas a respeito
da relação dos imigrantes com a pátria de origem. A presença deste personagem e do Turnerbund
é rica também na documentação existente no Memorial Sogipa; deste acervo foram extraídas as
primeiras evidências da atuação de Friederichs
9
e, destas evidências, nasceu a idéia de produzir
um texto. O contato com o arquivo da família na Alemanha foi também frutífero, principalmente
8
Ambos sob custódia do Acervo Benno Mentz. Foi também realizado um rastreamento do nome de J. Aloys
Friederichs em jornais publicados em português na cidade de Porto Alegre, sem, contudo, obter grande sucesso na
empreitada.
9
Estas primeiras evidências foram encontradas na minha experiência cotidiana de trabalho neste acervo durante
mais de 4 anos, já anteriormente mencionada.
15
no que tange aos elos que o personagem manteve com a mesma e à troca de impressões a respeito
da realidade daquele país.
Devo ressaltar ainda a guarda e conservação do arquivo pessoal de J. Aloys Friederichs
junto ao Acervo Benno Mentz.
10
A existência desta coleção, até aqui não pesquisada, serviu de
inspiração para a realização deste trabalho. Ela é composta por 3.217 documentos — cartas,
impressos, recortes de jornal, entre outros — com predomínio das correspondências recebidas
pelo titular da coleção (1.749 cartas), seguidas das expedidas (791 cópias de cartas enviadas por
Friederichs).
11
Este rico acervo de origem privada sugeriu o estudo não apenas da vida do
personagem em foco, mas da constituição de uma rede de sociabilidade específica. Como afirma
Gomes (2004, p.21), a carta pessoal “é um espaço preferencial para a construção de redes e
vínculos que possibilitam a conquista e a manutenção de posições sociais, profissionais e
afetivas”. Entre os correspondentes de Friederichs encontram-se pessoas de influência na
comunidade alemã, não apenas na cidade de Porto Alegre (lideranças de clubes e federações
teutas, representações diplomáticas alemãs sediadas na cidade entre outros), mas também
indivíduos de projeção em outras cidades de imigração alemã, como Santa Cruz e Panambi,
Joinville/Santa Catarina, ou até representantes das comunidades alemãs em São Paulo e no Rio de
10
Este acervo encontra-se atualmente sob responsabilidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em
regime de comodato, estando instalado nas dependências do Instituto Latino Americano de Estudos Avançados. Sua
referência se fará apenas pelas iniciais do acervo: ABM. Ver também lista de abreviaturas.
11
O levantamento por tipo documental registra a existência de 18 balanços, 7 bilhetes, 1 boletim escolar, 2 cadernos,
5 cartões de visita, 3 circulares, 2 contratos, 5 convites, 791 correspondências expedidas, 1.749 correspondências
recebidas, 2 currículos, 7 declarações, 1 diploma, 4 discursos, 2 duplicatas, 1 esboço, 2 estatutos, 2 formulários, 5
fotos, 73 impressos, 1 ingresso, 66 letras de música, 96 listas, 67 notas, 1 ordem de pagamento, 1 panfleto, 4
partituras musicais, 31 poesias, 1 processo, 36 programas, 3 projetos/propostas, 2 questionários, 8 recibos, 94
recortes de jornal, 3 relatos, 4 relatórios, 2 relieses, 9 reproduções de diplomas, 1 súmula de pontos, 1 título/ação, 87
documentos não identificados pelo tipo. Quanto à periodização, existem 10 documentos datados do final do século
XIX (de 1895 a 1899), 83 da primeira década do século XX, 232 da década de 10, 953 da década de 20, 1.019 da
década de 30, 284 da década de 40, 14 da década de 50, 91 documentos com alguma incerteza de data e 939 sem
data. Ressalta-se aqui a predominância de documentos escritos em alemão (95%, parte deste percentual manuscrito).
16
Janeiro. Alguns correspondentes foram importantes ideólogos do Deutschtum, com publicações a
respeito da colonização alemã no sul do Brasil. Enfim, a existência deste arquivo e a
anteriormente conhecida liderança de Friederichs no Turnerbund apontaram para a realização de
uma biografia.
É importante também informar a suspeita de existência de duas fontes de grande valor,
que, infelizmente, não foram encontradas. A primeira é o diário do personagem em questão, ao
qual Friederichs faz alusão em algumas de suas cartas. A segunda é sua autobiografia,
supostamente escrita nos últimos anos de vida, sobre a qual os documentos encontrados referem
apenas o desejo de produzi-la. Diários e autobiografias são fontes privilegiadas para se analisar
a “escrita de si” produzida por um personagem. Através deles, mas também da correspondência
pessoal, o autor elabora sistematicamente, programada ou de forma inconsciente, uma auto-
imagem: “o autor se constrói para o leitor” (Venâncio, 2004, p.125). Considero ainda, no rol de
fontes que produzem uma “escrita de si”, a publicação dos discursos proferidos por Friederichs
nas festividades da Federação de Ginastas (Turnerschaft) e da Liga das Sociedades Germânicas
(Verband Deutscher Vereine ), brochura editada em 1928, e o Almanaque da Casa Aloys,
publicado em 1949.
12
Esta pesquisa constitui-se, portanto, de uma biografia, gênero historiográfico que retorna
ao cenário de diversas formas e pela mão de diferentes profissionais.
13
A perspectiva que inspirou
este trabalho foi a dos estudos promovidos nos últimos anos pela micro-história italiana, com a
12
As fontes citadas são, respectivamente, Reden bei Feiern der Turnerschaft und des Verbandes Deutscher Vereine.
São Leopoldo: Rotermund & Co., 1928 (referenciado como Friederichs, 1928) e Noticiário Semanal. Histórico da
Casa Aloys Ltda. Indústria do mármore, granito e bronze. Oferecido aos seus amigos e fornecedores em
comemoração aos 65 anos de sua fundação e atividade: 1884-1949. Para o ano de 1950. Porto Alegre, Sul
Impressora, 1950, s.p (referenciado como Friederichs, 1950).
13
Ressalto que a biografia é um gênero que ressurge, nas últimas décadas, com uma problemática renovada e que
possui adeptos de diferentes correntes teóricas — entre outras, a nova história francesa, a historiografia britânica de
inspiração marxista, a micro-história italiana e a psico-história. Sobre a produção deste gênero na historiografia
recente, ver Schmidt (1996, 165-192).
17
utilização de algumas noções por ela discutidas e desenvolvidas. As influências desta corrente
podem ser encontradas, sobretudo, nos capítulos 1 a 3 da tese, nos quais a vida do personagem
direciona a narrativa. Algumas reflexões e posicionamentos da micro-história contribuíram como
referencial teórico para este estudo, sobretudo a questão da redução de escala de análise, a
problemática da tensão entre os condicionamentos sociais e a liberdade do indivíduo e a noção de
contexto.
14
Tomar o particular como ponto de partida, contar uma história seguindo o fio de um
destino pessoal é um procedimento já largamente explicado e justificado pelos expoentes da
micro-história italiana
15
— como Carlo Ginzburg, Sabina Loriga, Giovani Levi —, com o que
não discordam também alguns historiadores da nova história francesa.
16
Trata-se, sobretudo, de
um exercício de redução da escala de análise, no qual a observação microscópica possibilita a
revelação de aspectos de outra forma não perceptíveis (Levi, 1992, p.139). A variação de foco do
geral — a grande escala — para o individual permite que se enxergue diversidades na trama do
tecido social que nem sempre são observadas numa análise do ponto de vista macro. Não é
apenas a troca de lente que importa, mas também o movimento de troca — implicando em ora
focar o micro, ora o macro — que produz o efeito, que produz a “revelação”. O foco do estudo
passa a ser então as trajetórias de grupos, famílias, conjuntos de pequena dimensão ou até
indivíduos como instrumentos de leitura de fenômenos maiores. Não se trata de uma análise do
14
Para um maior aprofundamento da questão, ver Levi (1992, 1996, 2000), Revel (1998, 2000), Ginzburg (1989),
Schmidt (1996, 2000a e 200b), Vainfas (2002), Lima Filho (1999) e Pesavento (2000), além de outros textos, cuja
referência pode ser encontrada junto à bibliografia deste trabalho.
15
Ressalto que a micro-história não assume status de disciplina autônoma ou escola, ou possui um corpo de
proposições unificadas. Constitui-se como uma experiência de pesquisa
, de uma “reformulação de procedimentos”,
um “sintoma”, uma “reação a um momento específico da história social” (Revel, Prefácio, p.8, in Levi, 2000);
também em 1998, p.16.
16
Por exemplo: George Duby, na obra “Guilherme Marechal ou o melhor cavaleiro do mundo”, procurou responder
a problemas gerais sobre a história da cavalaria e do mundo feudal, seguindo o fio condutor de uma vida (Duby,
1987).
18
particular em oposição ao social. Não é este o objetivo dos micro-historiadores, nem assim os
compreendem seus críticos. Ao problematizar a questão, Revel (1998, p.21) afirma que “a
escolha do individual não é vista aqui como contraditória à do social: ela deve tornar possível
uma abordagem diferente deste, ao acompanhar o fio de um destino particular – de um homem,
de um grupo de homens – e, com ele, a multiplicidade dos espaços e dos tempos, a meada das
relações nas quais ele se inscreve”. Os estudos biográficos empreendidos por historiadores pelo
viés da micro-história partem também dessa premissa, tomando um personagem como fio
condutor de uma trama, possibilitando assim a visão de aspectos que, em uma análise sob outro
enfoque, poderiam ficar encobertos.
17
Desta forma, busquei examinar o grupo étnico teuto-
brasileiro em Porto Alegre, tendo como fio condutor as experiências de Jacob Aloys Friederichs,
com o intuito de entender processos, a montagem de estruturas, apropriações de idéias e relações
em rede. O estudo biográfico aqui apresentado, partindo desta ótica, se propõe, por um lado,
analisar a trajetória de Jacob Aloys Friederichs, no que ela tem de particular e de comum com os
demais indivíduos do seu grupo étnico; de outro, transcender a análise da vida do personagem,
tratando de questões mais gerais que o envolveram. Pretende ampliar, assim, a compreensão de
sua época através da exploração dos fios e conexões que um estudo em menor escala, com uso
intensivo das fontes, tende a revelar.
Partir do particular ao geral, da experiência de um indivíduo às redes mais amplas, deve
levar em consideração a tensão existente entre os sistemas que governam o social de forma
aparentemente homogênea e a liberdade individual para fugir destes ou manipulá-los. A biografia
é, pois, um terreno onde a tensão e a negociação entre o indivíduo e a sociedade se revelam,
17
Segundo Ginzburg (1989, p.175) “as linhas que convergem para o nome e que dele partem, compondo uma
espécie de teia de malha fina, dão ao observador a imagem gráfica do tecido social em que o indivíduo está
inserido”.
19
onde as escolhas pessoais e as regras sociais se defrontam.
18
Levi (1996, p.179) relativisa a
amplitude da liberdade de escolha: ela é “culturalmente e socialmente determinada, limitada,
pacientemente conquistada, ela continua sendo no entanto uma liberdade consciente, que os
interstícios inerentes aos sistemas gerais de normas deixam aos atores”. Também é neste sentido
que se coloca sua ponderação a respeito da busca pelos “desvios”, pela originalidade, pelas
singularidades do indivíduo em oposição à regularidade do social: “uma vida não pode ser
compreendida unicamente através de seus desvios ou singularidades, mas, ao contrário,
mostrando-se que cada desvio aparente em relação às normas ocorre num contexto histórico que
o justifica” (Levi, 1996, p.176). A biografia tende a enfatizar a vontade individual, mas não deve
desconsiderar a força das normas sociais e as amarras que ligam o indivíduo ao conjunto da
sociedade.
Chamo atenção, neste ponto, para a importância da noção de contexto nos estudos
biográficos. Ele é o espaço onde se formam os sistemas normativos e, ao mesmo tempo, onde se
manifesta a liberdade individual que os confronta. O contexto, então, é entendido como um
“campo de possibilidades historicamente determinadas” (Ginzburg, 1989), na medida em que se
constitui como território de ação dos indivíduos “historicamente determinado”, o que quer dizer,
com certos constrangimentos, restrições, limites à liberdade individual. Ao mesmo tempo,
respeitando os limites ou digladiando com eles, ele é o espaço de formulação e implementação de
projetos (Velho, 1994, p. 23-34), ou seja, ele permite que o indivíduo encontre brechas em meio
às determinações históricas para conduzir sua trajetória.
18
Para Levi (1992, p.135), “toda a ação social é vista como resultado de uma constante negociação, manipulação,
escolhas e decisões do indivíduo, diante de uma realidade normativa que, embora difusa, não obstante oferece muitas
possibilidades de interpretações e liberdades pessoais. A questão é, portanto, como definir as margens — por mais
estreitas que possam ser — da liberdade garantida a um indivíduo pelas brechas e contradições dos sistemas
normativos que o governam”.
20
Ao desferir duras críticas ao gênero biográfico, Bourdieu (1996, p.190) adverte que não
se deve perder a conexão com a “superfície social” em que age o indivíduo. Segundo o sociólogo,
... não podemos compreender uma trajetória (isto é, o envelhecimento social que,
embora o acompanhe de forma inevitável, é independente do envelhecimento
biológico) sem que tenhamos previamente construído os estados sucessivos do
campo no qual ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que
uniram o agente considerado — pelo menos em certo número de estados
pertinentes — ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e
confrontados com o mesmo espaço dos possíveis (Bourdieu, 1996, p.190).
De modo semelhante, é possível associar a noção de contexto à metáfora utilizada por
Ginzburg (1987, p.27) para explicar a cultura: ele é “um horizonte de possibilidades latentes —
uma jaula flexível e invisível dentro da qual se exercita a liberdade condicionada de cada um”.
Neste trabalho, porém, recorri ao contexto também como fonte de informações, visando
preencher lacunas da narrativa, para as quais não encontrei documentação diretamente ligada ao
personagem, com informações sobre outros atores contemporâneos, sobre a época em que viveu o
personagem, sobre situações equivalentes às vividas por ele. Esta é a estratégia empregada por
Natalie Davis (1987), onde a construção da narrativa historiográfica se faz com base não apenas
em fatos comprováveis ou em “provas, mas [também em] possibilidades históricas” (Davis,
1987, p.10).
Quando não consegui encontrar meu homem (ou minha mulher) em
Hendaye, Sajas, Artigat ou Burgos, fiz o máximo para descobrir, através de outras
fontes da época e do local, o mundo que devem ter visto, as reações que podem ter
tido. O que aqui ofereço ao leitor é, em parte, uma invenção minha, mas uma
invenção construída pela atenta escuta das vozes do passado (Davis, 1987, p.21).
Davis assume claramente a postura de que seu relato, a narrativa historiográfica que
produz, não pode ser lido como “a” verdade a respeito dos camponeses do século XVI, nem
tampouco a respeito do caso “Martin Guerre”. Mas o leitor está ciente das limitações. O uso de
expressões como “talvez”, “certamente” ou “muito provavelmente” permite que se compreenda
onde se trata de uma suposição e onde há provas para corroborar a afirmação. Segundo a
21
avaliação de Ginzburg (1989, p.183), trata-se da aproximação entre “verdadeiro” e “verossímil”,
de uma investigação profunda, que, na falta de provas, utiliza-se de situações equivalentes às
vividas pelo personagem estudado para preencher as lacunas da documentação, sem jamais deixar
de assumir-se como possibilidades.
19
Em outras palavras, busca-se no contexto uma explicação
plausível. Ele é, muitas vezes, a chave para o desenrolar da narrativa. Da mesma forma,
procurarei responder, com situações análogas e com o que a historiografia já produziu, as
questões que a documentação consultada não contemplou — como uma “possibilidade”, até que
“provem o contrário”. Esta estratégia foi utilizada durante todo o trabalho, sobretudo no primeiro
capítulo, para o qual não foram encontradas fontes documentais significativas.
20
Há outras duas questões relacionadas ao gênero biográfico que me parecem importantes
de serem referidas: a representatividade do personagem e as idéias de unidade e fragmentação do
indivíduo na narrativa biográfica. Ao concentrar o foco num indivíduo e produzir uma biografia,
a pergunta a respeito da representatividade do personagem em relação à comunidade, à classe, ao
grupo ou ao acontecimento vem logo à tona; para quem pergunta, ela justifica o esforço sobre o
biografado. Esta questão é discutida em muitos dos textos produzidos sobre a micro-história e a
biografia, e, ao que me parece, pode ser analisada em dois sentidos quase que opostos: um
primeiro, que pergunta pelo seu destaque em relação aos demais atores sociais, como
representante, líder, mandatário, aquele que fala pelos outros; um segundo, que indaga pela
concentração no personagem das características gerais do grupo, o que permitiria uma leitura
deste último através do indivíduo, sendo este apenas um exemplo, um caso ilustrativo. Em
19
Ginzburg (1989, p. 183) compara a ótica do juiz à do historiador no que se refere à realidade ou à verdade dos
fatos. Para o juiz, “a margem de incerteza tem um significado puramente negativo” e conduz a uma absolvição por
falta de provas. Para o historiador, a incerteza “obriga a um aprofundamento da investigação, ligando o caso
específico ao contexto”.
20
Neste caso, procurei manter a atenção para que meu personagem não fosse “engolido” por sua época, perigo
eminente no qual parece ter incorrido Eduardo Silva na sua obra sobre Dom Oba II (ver crítica a este respeito em
Schmidt, 2000b, p.127).
22
síntese, pode-se indagar sobre a singularidade do personagem, que por isso se destaca no seu
meio, ou pela concentração das características do seu grupo, transformando-o num “espécime
típico”, o que justificaria tomá-lo como exemplo para explicar uma realidade. A questão tem sido
respondida pela historiografia de duas maneiras: a de que, por mais comum que possa parecer um
indivíduo, é possível encontrar nele especificidades que o destacam do conjunto; por outro lado,
por mais singular que possa parecer, compartilha códigos culturais que o integram a um universo
maior, seja a classe, o grupo étnico, a geração. Desta forma, J. Aloys Friederichs é
justificadamente um indivíduo representativo — uma entre outras lideranças teutas, um entre
outros pensadores do germanismo —, mas também um indivíduo que se destacou de forma
particular no meio das lideranças, que formulou proposições singulares a respeito da identidade e
da cultura do seu grupo e que conquistou visibilidade.
O gênero biográfico não deve desconhecer, no entanto, uma de suas principais críticas: a
de que estaria se voltando à noção de ser humano unitário, que se mantém íntegro, uniforme,
durante toda sua trajetória de vida, perspectiva que é bastante comum nas biografias tradicionais,
nas quais é fácil perceber, como bem ressalta Bourdieu (1996, p.184), "um conjunto coerente e
orientado [...] implícito nos ‘já’, ‘desde então’, ‘desde pequeno’ etc. das biografias comuns ou
nos ‘sempre’ (‘sempre gostei de música’) das ‘histórias de vida’.” Os "sempre" e os "desde
pequeno" imprimem ao personagem uma identidade homogênea, perene, difícil de ser
desmembrada ou colocada em dúvida. Revel (1998, p.25), ao contrário, reafirma a idéia de uma
constante elaboração e redefinição das identidades, visíveis principalmente ao centrar-se a análise
do social no indivíduo. A crítica de Bourdieu, ao que me parece, pode ser avaliada sob duas
ordens. Em primeiro lugar, concentra-se no elemento tempo, ou seja, considera inadmissível
pensar na predestinação identitária de um indivíduo, que já de um passado remoto demonstrava
as características que seriam, porventura, ressaltadas anos mais tarde. Esta apreciação faz
23
referência não apenas a uma tradição biográfica muito presente na historiografia dos séculos XIX
e XX, mas também à leitura do indivíduo que em geral é feita pelo senso comum. Em segundo
lugar, a análise refere-se a uma questão de forma, ou seja, refuta a idéia da unidade do indivíduo,
uma vez que o entende como multi-facetado, composto de identidades múltiplas. A partir da
micro-análise, no entanto, espera-se chegar ao rompimento deste paradigma unitário, da aparente
coerência e homogeneidade do real e da "unidade de sentido fictícia" (Loriga, 1998, p.246)
presente nos diferentes discursos sobre o indivíduo.
21
Quanto a esta questão, é possível adiantar que, na análise do personagem principal deste
trabalho, parto de uma aparente unidade própria aos discursos identitários, que se revela na
expressão da etnicidade, mais propriamente do Deutschtum (germanidade). Esta identidade
aparentemente dá um sentido global à vida de J. Aloys Friederichs — o que é revelado por seus
escritos, seus pronunciamentos e algumas de suas atitudes públicas — e pré-determina um
primeiro ângulo de observação de sua trajetória. Partindo da idéia de que todo o ser social é
composto por múltiplas facetas, considero esta unidade aparente não apenas como uma falha do
olhar do pesquisador, mas como resultado de um esforço do próprio indivíduo estudado em
construir um sentido para sua vida. Ou seja, mesmo partilhando da noção de indivíduo
multifacetado, o caso de Friederichs parece insistir na conservação da unidade, uma vez que
assume para si a tarefa de construção de um modelo de identidade. A meu ver, isto é parte de seu
21
Interpretei as críticas de Bourdieu à biografia (questão da linearidade da trajetória e da unidade de sentido fictícia
do indivíduo), sobretudo os posicionamentos expressos em seu texto publicado no Brasil na obra coletiva organizada
por Ferreira e Amado (1996), como crítica ao método biográfico utilizado pela sociologia, que se baseia nos relatos
de vida e na autobiografia (Silva, 2002, p.32). Loriga (2003, p.18-19) confirma, de certa forma, minhas suspeitas,
quando aceita as intervenções de Bourdieu como um alerta, sem, no entanto, entendê-las como riscos inevitáveis:
“Graças a essa intervenção e à de Jean-Claude Passeron, a aposta biográfica tornou-se mais interessante, começamos
a empregar a documentação individual de uma maneira mais cuidadosa”.
24
projeto de vida.
22
Como explica Gomes (2004, p.13) “a ilusão da linearidade e coerência do
indivíduo, expressa por uma lógica retrospectiva de fabricação de sua vida, confrontando-se e
convivendo com a fragmentação e a incompletude de suas experiências, pode ser entendida como
uma operação intrínseca à tensão do individualismo moderno”. Assim sendo, procurei identificar
na pessoa de J. Aloys Friederichs aspectos que confirmem este sentido integrador e regular de sua
experiência e de sua auto-imagem. Por outro lado, a pesquisa de uma gama variada de fontes e
um estudo intensivo das mesmas permite que se compreenda este sentido como um projeto,
23
que, para realizar-se, busca omitir contradições, desvios de rota, as outras faces do indivíduo.
Examinada a inserção do objeto de estudo na discussão contemporânea a respeito do
gênero biográfico e da micro-história, é importante esclarecer as diversas formas como este
trabalho introduz, em sua análise, as noções de “rede”, “sociabilidade” e “intelectual”. Como já
explicitado anteriormente, a biografia, como gênero historiográfico ressurgido nas últimas
décadas, principalmente aquela de tendência micro-histórica, não se limita, em seus objetivos, à
análise da vida de um indivíduo, mas se propõe partir deste para as redes de relações que o
envolvem e das quais faz parte. Revel (1998, p. 21) imprime o mesmo sentido quando utiliza a
22
A “produção do eu”, através da escrita de cartas, diários e autobiografias e a conservação de um arquivo pessoal,
são atitudes típicas do fragmentado indivíduo moderno. Visa-se, com isso, “construir para si mesmo uma identidade
dotada de continuidade e estabilidade através do tempo” (Gomes, 2004, p.17).
23
A idéia de projeto se encontra alicerçada em Gilberto Velho (1994), como uma alternativa à disposição do
indivíduo no sentido de desenhar sua própria trajetória, sem, no entanto, se desligar por completo dos
condicionamentos sociais. Na verdade, ele é também “uma dimensão da cultura, na medida em que [os projetos]
sempre são expressão simbólica. Sendo conscientes e potencialmente públicos, estão diretamente ligados à
organização social e aos processos de mudança social. Assim, implicando relações de poder, são sempre políticos.
Sua eficácia dependerá do instrumental simbólico que puderem manipular, dos paradigmas a que estiverem
associados, da capacidade de contaminação e difusão da linguagem que for utilizada, mais ou menos restrita, mais ou
menos universalizante. Nem tudo nos projetos é político, mas, quando são capazes de aglutinar grupos de interesses,
há que procurar entender sua riqueza simbólica e seu potencial de transformação. Em toda sociedade complexa
podem ser identificados grupos que, através de suas trajetórias e posição em relação ao resto da sociedade, têm mais
possibilidades de divulgar seus projetos. Sem dúvida há todo um conjunto de variáveis — como poder econômico,
militar etc. — que afetam o espaço cultural possível, mas é importante verificar o potencial intrínseco de cada
projeto social que só pode ser compreendido através do conjunto de símbolos a que está associado e que veicula”
(Velho, 1994, p.34).
25
expressão “meada”, ou seja, um conjunto de relações que se ligam através de fios entrelaçados,
muitas vezes vindos de diferentes sentidos, que se conectam a outros fios, tecendo uma teia,
formando um tecido, “um ‘pequeno mundo estreito’, onde os laços se atam” (Sirinelli, 1996, p.
248). Para os micro-historiadores, uma forma de se chegar ao conhecimento destes fios, ou do
desenho da teia, é partir de histórias individuais, uma vez que deste indivíduo saem e a ele
chegam outros fios.
Da biografia de Friederichs é possível vislumbrar a existência de redes sob diversos
pontos de vista. O fato de ter sido um imigrante, de ter vindo para o Brasil após outros membros
da família o fazerem; de vir de uma cidade de onde outros imigrantes com o mesmo objetivo já
haviam partido, insere-o numa rede de relações. Jean-Pierre Raison (1986) caracteriza como um
dos fenômenos típicos de movimentos migratórios, principalmente daqueles de longa distância e
duração, a formação de redes que buscam facilitar a inserção de cada imigrante na nova
sociedade. Compreende também que é em função de “redes de relações familiares e locais” que
os próprios movimentos ocorrem. Raison (1986, p.495) explica: “por vezes, êxitos individuais
desencadeiam rapidamente efeitos de bola de neve, e a migração de um pioneiro pode atrair
grupos de conhecidos que depois levam à formação e à manutenção de uma comunidade de
atividades profissionais”. Nesta perspectiva, o personagem em estudo participa tanto de uma rede
que o encoraja a emigrar, como de outra que propicia sua inserção na sociedade imigrante.
É possível entrever também a constituição de redes que se formam no convívio em várias
associações de caráter étnico. As sociedades ou Vereine foram locais de abrigo e
desenvolvimento dessas redes de solidariedade, de sociabilidade.
24
Já dizia Agulhon (1977) que o
24
Peter Burke (2002) atenta para algumas definições a respeito do clube ou associação, principalmente no seu caráter
dúbio — “têm ao mesmo tempo um aspecto democrático e um aristocrático” — , ou no intermediário — “a meio
caminho entre o mundo privado da família e o mundo público do Estado” —, dando
ênfase à sua feição de
26
clube é um lugar de sociabilidade, pois se constitui em espaço de aprendizado, de trocas
intelectuais, de circulação de idéias; pois ali se desenvolvem processos de comunicação e
socialização dos indivíduos de forma estruturada e concreta. A biografia de Friederichs permite a
visualização dessas redes de sociabilidade formadas ao redor dos clubes de origem alemã, das
federações esportivas, das confrarias de vinho.
Além destes, também as cartas trocadas por uma intelectualidade teuta, mais
especificamente entre Friederichs e esta intelectualidade, podem ser considerados espaços ou
“lugares de sociabilidade”. Pesquisas nesta perspectiva — tomando a correspondência privada
como objeto de investigação, compreendendo-a como “lugar de sociabilidade” — vêm sendo
realizadas por historiadores voltados à história dos intelectuais. No Brasil, podem ser citados
como exemplos trabalhos como os de Ângela de Castro Gomes sobre Gustavo Capanema (2000)
ou sobre a intelectualidade carioca na década de 20 (1999) e de Luciana Heymann sobre Felinto
Müller (1997). Nestes casos, a correspondência privada de intelectuais “é apontada como um
lugar de sociabilidade fundamental e revelador da dinâmica do campo cultural de um dado
período” (Gomes, 2004, p.52). Como afirma Gontijo (2004, p.165), “a correspondência de
intelectuais tem permitido explorar diálogos desenvolvidos a partir da experiência de
compartilhar idéias, projetos, expectativas das mais diversas”.
Se, por um lado, a idéia de “rede” permite visualizar a estrutura da sociabilidade existente,
a noção de “micro-clima” (Sirinelli, 1996) busca captar a ambiência das relações entre os
indivíduos que compõem as redes — “não só vínculos de amizade/cumplicidade e de
competição/hostilidade, como igualmente a marca de uma certa sensibilidade produzida e
cimentada por eventos, personalidades ou grupos especiais. Trata-se de pensar uma espécie de
fraternidade entre sócios, para a qual beber junto teve, desde a origem deste tipo de instituição, importância e
significação.
27
‘ecossistema’, onde amores, ódios, projetos, ideais e ilusões se chocam, fazendo parte da
organização da vida relacional” (Gomes, 1999, p.20).
Considerando o clube — no caso, os clubes e federações esportivas alemãs — e a
correspondência privada de Friederichs como lugares de sociabilidade, de desenvolvimento de
redes de sociabilidade intelectual, é preciso explicar as razões da apropriação que faço do
conceito de intelectual.
25
Em primeiro lugar, o desenvolvimento de uma historiografia voltada à
história dos intelectuais, com estudos de casos específicos, propiciou o debate em torno da
abrangência do termo. Certas situações exigiram uma definição mais restrita do campo
intelectual, na qual este se caracteriza pela “sua notoriedade eventual ou especialização,
reconhecida pela sociedade em que vive” e pelo “engajamento na vida da cidade como ator,
testemunha ou consciência” (Sirinelli, 1996, p.243). Outros se valeram de uma abordagem mais
extensiva, a qual engloba “os criadores e os ‘mediadores’ culturais”, “tanto o jornalista como o
escritor, o professor secundário como o erudito”. Esta classificação mais abrangente é operativa
para o caso de Friederichs. Além deste, indivíduos que ocupavam cargos políticos, mas também
lideranças operárias, religiosas e associativas constituíram a intelectualidade porto-alegrense no
período citado, debatendo questões que preocupavam a sociedade de então e propondo soluções.
Outra razão é a especificidade das discussões que estavam em pauta desde o final do
século XIX — em Porto Alegre e no Brasil. As teses sobre a nação e o estabelecimento dos
marcos culturais da identidade nacional eram preocupações dos intelectuais brasileiros, inclusive
de indivíduos que compunham grupos etnicamente minoritários e divergentes do ideal proposto
pelos primeiros. Neste sentido e levando-se em conta a temática específica da presente tese ,
25
Ressalto a importância de se pensar conjuntamente a respeito das associações e dos intelectuais. Ambos estão
imbricados: “intelectuais são, portanto, homens cuja produção é sempre influenciada pela participação em
associações, mais ou menos formais, e em uma série de outros grupos, que se salientam por práticas culturais de
oralidade e/ou escrita” (Gomes, 2004, p.51).
28
concordo com Gans (2004, p.112) quando define como intelectuais, entre a população teuta de
Porto Alegre na segunda metade do século XIX, “aqueles indivíduos que elaboravam ou
reproduziam proposições claras a respeito da comunidade imigrante e de sua inserção na
sociedade local, e que se encontravam em posição de divulgá-las: jornalistas, escritores, clérigos,
políticos, professores, lideranças comunitárias”. Friederichs era um destes indivíduos que
fomentava o debate intelectual com seus posicionamentos a respeito da integração dos imigrantes
alemães à sociedade brasileira e a manutenção de sua identidade cultural de origem, o que pode
ser analisado através de seus pronunciamentos em discursos, mas também de sua correspondência
privada, trocada com lideranças religiosas — de ambos os credos (católico e luterano) —, com
autoridades consulares, poetas, jornalistas e historiadores teuto-brasileiros. Enfim, tento
demonstrar a falta de unidade nos posicionamentos, no seio da intelectualidade teuta, a respeito
da questão nacional no Brasil.
Na medida em que afirmo que Friederichs foi uma liderança teuto-brasileira, devo explicar
o que entendo por este adjetivo. Há pelo menos duas formas básicas de compreensão desta
identidade: aquela acadêmica ou analítica posterior à emergência desta identidade, que a percebe
como resultado de um processo de assimilação (Willems, 1980), sincretismo cultural (Meyer,
2000) ou como produto de uma ideologia étnica (Seyferth, 1981); e aquela produzida pelo
próprio grupo étnico, mais propriamente por seus intelectuais — que em geral, ocupavam
posições de liderança —, para os quais o teuto-brasileiro era um indivíduo com uma identidade
dual, cujo elemento étnico alemão era imutável, herdado, permanente e de valor positivo, e a
condição de brasileiro uma contingência reservada para o âmbito dos direitos e deveres de
cidadão.
29
Compreendo este adjetivo composto como um referencial de identidade étnica, tomando
como parâmetro de análise as perspectivas de Fredrik Barth e Max Weber a respeito dos grupos
étnicos, principalmente ao peso que é dado à subjetividade (no sentido de crença subjetiva) nos
processos de demarcação da etnicidade. Barth propõe uma definição de que os grupos étnicos
surgem da interação social, a qual resulta em processos de inclusão e exclusão e,
conseqüentemente, no estabelecimento de fronteiras. Para a delimitação das fronteiras, entram em
questão traços escolhidos pelo próprio grupo que serão operativos para estabelecer o contraste
(Poutignat e Streiff-Fenart, 1998). Na esteira das idéias de Barth, Poutignat e Streiff-Fenart
(1998, p.12) acrescentaram à teoria das fronteiras demarcatórias a questão específica da
etnicidade, ou seja, “a fixação de símbolos identitários que fundam a crença em uma origem
comum”. Tais símbolos são buscados na memória coletiva, no passado, numa história mítica,
criando um sentido comum de identidade grupal.
A crença na origem comum, no entanto, já aparece nas reflexões de Weber (1994) sobre o
tema. Alguns fatores ou traços culturais comuns à comunidade podem atuar como elementos de
distinção entre os grupos, mas estes só alimentam as fronteiras que a crença na origem demarcou.
Se esta é o elemento inicial de demarcação do grupo étnico, sua sobrevivência ou manutenção
depende do estabelecimento de traços que o distinguirão mais objetivamente dos outros. Estes
traços podem mudar no decorrer da existência ou ser diferentes de acordo com outras categorias
classificatórias dentro do mesmo grupo étnico.
26
As características comuns, os fatores de
diferenciação, ou hábitos e costumes dão suporte ao que, na visão de Weber, realmente sustenta a
26
Odaci Coradini, por exemplo, ao analisar a identidade italiana entre os imigrantes e seus descendentes no Rio
Grande do Sul, busca mostrar que, além de terem sido eleitos diferentes traços identificadores desde a imigração até
hoje, existem variações entre as concepções do que caracteriza um italiano de acordo também com a classe social
(Coradini, 1996, p.33-39).
30
identidade do grupo: a “honra étnica”, ou seja, a percepção da superioridade das características de
cada grupo étnico.
Neste sentido, a identidade teuto-brasileira, como uma identidade étnica, caracteriza-se
pela seleção, por parte do grupo, de uma série de traços culturais que buscam identificar as
pessoas que o integram, como a língua, hábitos, instituições típicas, além do ethos do
trabalho
27
, traços estes que materializam a crença numa origem e num passado comum. Estes
traços são ressaltados em diferentes momentos, ora um ora outro, de acordo com a
dinamicidade histórica e com a intensidade do contato com outros grupos que compõem a
diversidade étnica do sul do Brasil, e cumprem a função de símbolos identitários. Na busca da
identificação, são desconsideradas diferenças pré-existentes, características de processos
anteriores de delimitação grupal.
Assim, a população imigrante de origem alemã desenvolveu-se, desde os primeiros
anos da colonização, como grupo étnico. Compunham um grupo heterogêneo, provindo de
regiões diferentes de um país que, nos primórdios da imigração, não havia se constituído como
Estado-Nação unificado. Woortmann (2000, p.206) analisa esta heterogeneidade nos seguintes
termos:
O contingente de emigrantes para o Brasil era heterogêneo em vários
sentidos. Foi composto por famílias e pessoas que não faziam parte do concerto
social que passou a ser regido por Metternich, que não estavam com ele afinados
ou que foram dele expulsos. Entre eles havia também os inconformados com as
recorrentes crises decorrentes de problemas ecológicos, como a grande fome de
1817, e os vitimados pela desorganização social e econômica resultante de
constantes guerras e conflitos regionais, assim como pelos escorchantes impostos.
Incorporou tanto os que se rebelaram contra a destruição do modelo implantado
durante o domínio francês quanto aqueles que lutaram em Waterloo contra as
tropas do ‘Corso”, assim como os inconformados com imposições religiosas.
Foram, por assim dizer, emigrantes expulsos pela História do século XIX. Se
vieram luteranos e católicos, vieram também maçons, anabatistas, judeus, etc., e
27
Segundo Seyferth (1989), a concepção da superioridade do trabalho dos de origem alemã é um meio de
identificação e distinção étnica.
31
ao lado dos hamburgueses, encontravam-se prussianos, renanos, saxões, e também
austríacos e dinamarqueses.
Essa heterogeneidade se amplia no caso de regiões de colonização mista, onde grupos não
alemães (poloneses e russos, por exemplo) eram identificados pelos brasileiros como se fossem
alemães e passaram, com o decorrer do tempo, a se auto-identificarem como tal. Mesmo que se
encontrassem, nos anos iniciais, em relativo isolamento, o fator isolamento/enquistamento não foi
tão decisivo para a formação de uma identidade grupal; mas sim, pelo contrário, foi no contraste
entre as culturas européia e brasileira que se constituiu a etnicidade. Se a heterogeneidade da
origem era uma realidade para os imigrantes, para os que os recebiam havia uma homogeneidade
identificada na linguagem: “os imigrantes só eram alemães para as autoridades brasileiras”
(Woortmann, 2000, 218). Esta identificação externa, no entanto, passou rapidamente a
apresentar-se como auto-identificação, na medida em que o “outro” brasileiro era muito mais
diferente do que os “outros” originários dos diversos principados alemães.
A identidade teuto-brasileira pode ser vista, então, como uma identidade étnica porque é
contrastiva — “o que significa a classificação e separação de um grupo de pessoas num conjunto
de categorias definidas em termos de oposição” (Seyferth, 1986, p.531) —, formada na interação
entre os grupos sociais, demarcada por diferenças (de hábitos, costumes, moral, cor, genética)
que o próprio grupo busca para delimitar suas fronteiras, tendo como base a idéia de uma origem
comum. O processo é circular, na medida em que os traços, hábitos, costumes diferenciadores
são reforçados, ou por vezes modificados, para que a crença na origem se mantenha. Também é
de extrema importância a valoração positiva da identidade do grupo, e conseqüentemente
negativa do “outro”, para sua sobrevivência, o que Weber denominou de “honra étnica”.
32
Este entendimento do que seja e de como tenha se formado a identidade teuto-brasileira
foi construído a posteriore sobre bases do pensamento antropológico e diferencia-se daquele
elaborado e difundido pelos intelectuais do grupo étnico. J. Aloys Friederichs foi um destes e, por
isso, é importante caracterizar, em linhas gerais, o que significava esta identidade para os que a
forjaram entre os anos de 1880 e 1940 com base, de um lado, na realidade da imigração, de outro,
nos pressupostos do germanismo.
Para o germanismo, a identidade teuto-brasileira é composta de dois elementos: um
relativo à fidelidade étnica e cultural e outro à fidelidade política. A etnicidade, na compreensão
dos germanistas, é primordialista e está embutida na noção de Volkstum, que é a essência da qual
é formado o povo que, por seu lado, constitui uma nação. Esta essência é compreendida como
caráter nacional e, às vezes, como etnicidade, dentro de uma perspectiva difundida no século XIX
e reapropriada pelos ideólogos do germanismo. Por isso, a identidade teuto-brasileira, na análise
de seu primeiro elemento (a identidade teuta), caracteriza-se como étnico-nacional: “no
nacionalismo étnico alemão a identidade étnica e a nacional estão imbricadas, sendo a primeira o
suporte e a constituição da segunda. Nesse nacionalismo, o conceito de povo e nação repousa
sobre a idéia de uma comunidade de descendência” (Grützmann, 2003b, p.117).
Apesar dos diferentes matizes que compreendem o germanismo, este se baseia em noções
como as destacadas por Grützmann (2003b): povo como unidade primordial, homogênea,
orgânica, “unida por laços culturais e biológicos, na qual predomina o princípio da
descendência”, vínculos de afeto, sangue, língua, além de um passado comum — nem todos
acionados ao mesmo tempo ou por todos os germanistas com a mesma ênfase. Neste ideário, são
apropriadas do nacionalismo alemão duas expressões básicas: Volkstum, entendido como a
essência do povo, o caráter, “tudo o que concerne à filiação de um determinado povo”, também
33
etnicidade (tomada como identidade primordial de um grupo), e Deutschtum (germanidade) como
a essência do povo alemão. Estas duas palavras servem de matriz para uma série de outras,
produzidas e reproduzidas pelo discurso germanista, algumas delas específicas à situação vivida
no Brasil — como, por exemplo, Deutschbrasilianertum, ou identidade teuto-brasileira. Para o
germanismo, a língua é “um fator determinante da germanidade” e “seu guardião”, e, por esta
premissa além dos vínculos de descendência, “todos os imigrantes e seus descendentes residentes
fora das fronteiras da Alemanha integram o povo alemão”. O discurso germanista prega a
identificação com o Brasil apenas no plano político e econômico Em conseqüência, não aceita
qualquer proposta assimilacionista, “desconsidera a integração à cultura brasileira e a adoção de
traços culturais que pudessem transformar essa matriz original por eles idealizada”.
Os ideais de cultivo do Deutschtum e, ao mesmo tempo, de amor à pátria brasileira —
uma variação, a meu ver, da identificação apenas política e econômica — estiveram presentes no
discurso de parte da intelectualidade teuta, especificamente em Friederichs. Apesar da maciça
produção cultural voltada à preservação da germanidade, não se deve, no entanto, tomar o
discurso das lideranças teuto-brasileiras como exemplo para avaliar a população em geral, mas
como iniciativas de uma intelectualidade (Gertz, 1994). Gertz é ainda mais enfático ao afirmar a
existência de "abismos" entre os discursos dos ideólogos do germanismo e as concepções
encarnadas pela população teuta (1998).
28
Quer dizer com isso que o germanismo não
influenciou a comunidade alemã em bloco, e que considera um erro tomar o discurso dos agentes
— ou dos intelectuais — como a realidade de posicionamento de todo o grupo. É preciso,
portanto, fazer diferença entre o teuto-brasileiro idealizado pelo germanismo e aquele fruto do
28
Magalhães (1998, p.25) lembra, “ao contrário da literatura que se dedica ao imigrante pioneiro, que o amor à pátria
de origem e a consciência de sua tarefa de dar continuidade à raça germânica não estavam presentes entre aqueles
grupos sociais [camponeses], o que não impediu que fossem chamados do passado para prestarem uma homenagem
ao nacionalismo de seus herdeiros”.
34
processo migratório, marcado pela colonização e pela “negociação” (Lesser, 2001) na construção
de uma identidade hifenizada.
Em síntese, neste trabalho, a categoria “teuto-brasileiro” é utilizada como uma
generalização instrumental que compreende todo imigrante alemão ou brasileiro de origem
alemã, pertencente ao grupo étnico, que se encontra na posição de alvo do discurso germanista ou
da atuação das lideranças da germanidade, mesmo sem contabilizar o alcance de sua consciência
em relação ao significado atribuído a essa identidade. Quanto ao termo “germanidade”, é
utilizada como sinônimo de identidade étnico-nacional alemã propagada pelos intelectuais
germanistas e também o conjunto da comunidade étnica dentro desta mesma perspectiva.
* * *
Até aqui, situei os conceitos e noções-chave para se compreender o trabalho. A discussão
a seu respeito é retomada, na medida das necessidades, ao longo dos capítulos. Outros conceitos
aparecem no corpo da tese, e seu esclarecimento dentro da produção historiográfica está
localizado, em geral, nas notas de rodapé.
O trabalho está dividido em quatro capítulos: os três primeiros acompanham a trajetória
de vida de J.Aloys Friederichs; o último desvia-se da cronologia e abarca as temáticas e
problemáticas do pensamento do personagem. No primeiro, busco construir uma história possível
para os momentos iniciais da vida de Friederichs a partir das poucas referências encontradas a
respeito e das vivências correlatas de outros atores sociais. Nele tento mostrar quais foram suas
35
prováveis influências de infância e os caminhos que tinha para seguir, além da experiência
migratória que marcou sua trajetória e seu discurso.
No segundo capítulo, o foco recai sobre o envolvimento de Friederichs na sociedade
porto-alegrense como empresário e membro da comunidade de alemães católicos. O terceiro é o
capítulo chave para a compreensão do título do trabalho. É onde me atenho à trajetória de
Friederichs como liderança associativa e étnica, partindo das condições existentes para a
emergência dessa sua posição, passando pelos instrumentos e recursos utilizados para a
construção de sua imagem, os problemas enfrentados e a contestação de sua liderança.
O quarto capítulo busca situar o pensamento de Friederichs no germanismo, mostrar onde
se afasta e onde se aproxima dos germanistas, o mesmo ocorrendo em relação aos intelectuais
brasileiros. Através do estudo de sua veneração a Bismarck, procuro destacar o que considerei
um dos desvios do projeto de identidade proposto por Friederichs para si e para a população de
origem alemã no Brasil.
As fontes em língua alemã são citadas de forma traduzida, sendo reproduzidas na forma
original em nota de rodapé. As traduções, em sua grande maioria, foram feitas por mim com
auxílio e revisão de Walter Volkmann. Quanto à transcrição de fontes em português, sua
ortografia foi atualizada. As cópias impressas da tese apresentam as ilustrações e anexos em
tamanho maior, sendo necessário diminuir suas dimensões para a versão digital.
36
1 FORMANDO UM EMIGRANTE
1.1 Uma criança alemã
Caminho do Mosela
Oh terra do Mosela, oh saudosa terra
Seus verdes montes, oh rio e vale,
Eu saúdo vocês do coração
Muitas mil vezes.
29
Em uma das tantas curvas do Mosela, numa faixa de terra entre o rio e a montanha,
situava-se a pequena Merl: “idílica” aldeia de produtores de uvas e vinhos (Friederichs, 1950). A
região do Mosela, no sudoeste da Alemanha, é característica por este tipo de geografia
30
. O vale
estreito e sinuoso distingue-se de suas cercanias, no mínimo, pela limitação espacial. As regiões
do Hunsrück (à direita) e do Eifel (à esquerda) eram também montanhosas, porém mais amplas.
No Moselland (terra/região do Mosela), diversos povoados surgiram nas encostas dos morros,
distantes apenas alguns poucos quilômetros um do outro, voltados, em grande parte, para o
plantio da uva e a produção do vinho branco. Merl — hoje um distrito do município de Zell —
fazia vizinhança com outras aldeias muito próximas, acessíveis a menos de meia hora a pé.
31
29
Moselfahrt. O Moselland, o selig Land, Ihr grünen Berge, o Fluss und Tal, Ich grüss euch von Herzen Viel
tausendmal”. Poema creditado a um poeta romano chamado Ausonius, publicado em NEUE DEUTSCHE
ZEITUNG, 5 ago. 1925. ABM.
30
O rio Mosela nasce em Luxemburgo e desemboca no Reno, na cidade de Koblenz. O ponto de encontro entre os
dois rios é conhecido como Deutsche Ecke (Esquina Alemã), onde foi construído um monumento a Guilherme I,
“dirigido contra as reivindicações francesas à margem esquerda do Reno” (Hobsbawm, 2002, p.283). Quanto ao uso
do termo “Alemanha”, refiro-me à idéia de territórios de fala alemã, mas também ao conjunto de Estados que
fizeram parte da Confederação Alemã entre os anos de 1815 e 1866 e ao Estado Nacional unificado a partir de 1871.
31
O termo “aldeia”, como bem lembra Weimer (1983, p.25), apresenta duas significações: é “o pequeno
conglomerado urbano onde moravam os agricultores”, mas também pode ser entendido como “o conjunto de terras
agrícolas, pastagens e florestas sob jurisdição do conglomerado urbano”. Segundo o autor (1983, p.22), a maioria
absoluta da população alemã no século XIX vivia em pequenas aldeias rurais, “que tinham entre si vias de
comunicação muito precárias”. Beuys (1980, p.407) estima a situação para as últimas décadas do século: em 1871,
64% dos alemães viviam nas planícies, em aldeias ou cidades com, no máximo, 2000 habitantes; em 1882, 42%
ocupavam-se da agricultura. Quanto à distância em horas entre uma e outra aldeia, a informação é resultado de
observação in loco, durante viagem de estudos à Alemanha (com bolsa oferecida pelo DAAD) em 2003.
37
Viver numa aldeia na Alemanha do século XIX não significava, portanto, isolamento, mas
sociabilidade. Diferentemente da experiência dos imigrantes no Brasil — que viviam em suas
propriedades rurais de, no mínimo, 25 hectares —, os camponeses alemães habitavam casas no
núcleo da aldeia.
32
Descrevendo a forma de organização aldeã da região do Hunsrück, Weimer
(1983, p.28) explica que, em geral, as casas ficavam muito próximas umas das outras, mas não
eram necessariamente agrupadas, mantendo a individualidade em cada terreno; era comum, neste
caso, o crescimento irregular dos aldeamentos, muito influenciado pela geografia do lugar. A
situação de Merl assemelha-se mais ao que Collomp (1991, p.515) encontra na região da Lorena,
com “casas contíguas umas às outras, em ambos os lados da rua do aglomerado urbano”. Trata-se
do modelo do Strassendorf, também encontrado na região da Westafália (Weimer, 1983, p.29). A
própria geografia da região restringia a expansão, o que permitiu a criação de povoados formados
por duas ou três ruas maiores — sendo uma delas às margens do rio —, cortadas por algumas
poucas ruelas (Gassen).
33
Em Merl, a formação da aldeia respeita, portanto, os limites oferecidos
pelo rio e pela montanha e as habitações são construídas uma encostada à outra.
As casas de Merl, com seus porões e adegas, deveriam dar à rua um característico cheiro
de vinho branco, resultado da produção artesanal de cada família, da uva cultivada morro acima,
distante menos de 100 metros. É característica deste tipo de aldeamento a utilização das casas
32
Segundo Weimer (1983, p.234) , os primeiros imigrantes alemães que chegaram às colônias do Rio Grande do Sul
receberam lotes de 100 por 1.600 braças, o que corresponde a 77,44ha.. Nos anos subseqüentes houve redução de
tamanho — para 48 hectares, de acordo com a lei provincial de 4/12/1851; para 25 hectares anos mais tarde, quando
se iniciam as colônias particulares. Ver também Roche (1969, p.95-102).
33
Em relação às origens deste tipo de aldeamento, Weimer (1983, p.236) afirma que estas “remontam aos começos
da civilização germânica, onde eram constantes as guerras internas, entre povoações próximas. A proximidade das
casas favorecia a defesa mútua”. Por outro lado, observa-se que a ocupação do solo pelos imigrantes alemães no Rio
Grande do Sul e a organização das propriedades é bastante diversa da realidade aldeã centro-européia: “aqui cada
‘sítio’ é isolado e completamente desvinculado, em termos espaciais, dos ‘sítios’ vizinhos. Cada ‘sítio é uma unidade
em si. Em conseqüência, há uma menor concentração em núcleos urbanos, chamados de vilas, que adquiriram uma
função nova. Nelas há poucos ‘sítios’ e a maior parte de sua população se dedica ao artesanato e ao comércio. Nelas
estão a escola, o salão de baile, o clube e a igreja. Formalmente, a vila é menos compacta que a aldeia alemã”.
38
como residência, mas também como “unidade econômica de produção”: “a casa rural não é
apenas uma construção onde reside um grupo familiar. O mais das vezes abriga também os
animais que lhe pertencem, as reservas alimentares e as colheitas armazenadas, os instrumentos
de trabalho” (Collomp, 1991, p.507). Assim, cada propriedade tinha uma pequena horta e um
pomar onde eram cultivados legumes e frutas, mesmo que em solo diminuto. Em Merl, cada casa
tinha também sua adega (Keller) onde se produzia vinhos para o consumo doméstico e para a
comercialização.
34
Na Zandstrasse, a meio caminho entre o mosteiro franciscano (numa ponta da rua) e o
cemitério (na outra ponta), situava-se a casa da família Friederich. Ali viviam Vinzens e
Katharina (nascida Griebeler) com seus cinco filhos, todos nascidos em Merl. O elo da família
com este lugar iniciou-se com a chegada de Mathias Friederich — “o honroso e respeitável, por
seu pronunciado sentido de justiça, quase legendário avô” —, vindo da localidade de Dörrbach,
na região do Eifel, em 1810. Mathias era “mestre-curtidor” (Gerbermeister) e casou-se com
Elisabeth Scheid, nativa de Merl, com a qual teve seis filhos. Desde cedo, a família Friederich
também se dedicou “naturalmente” à viticultura, atividade que Vinzens mantinha até 1867.
35
34
A caracterização das ruas de Merl, das parreiras nas encostas e o cheiro de vinho nas vielas também resulta de
observação in loco. Merl, como foi dito, hoje faz parte do município de Zell, que unificou outros três povoados numa
só administração, resultando a seguinte composição: Zell-Mosel, Zell-Kaimt, Zell-Barl e Zell-Merl. No Anexo B
encontram-se imagens da região, de sua geografia e localização dentro do território alemão.
35
A localização da casa pôde ser verificada quando estive na cidade. Quanto à referência ao nome de família sem a
inclusão do “s” final, não se trata de erro, mas de grafia original. Outras formas de grafia podem ser encontradas em
ramos diferentes da família, como Friederichs e Friderichs. Ver em FRIEDERICHS. Dr. Heinz, Familienzeitschrift
der Geschlechter Friederichs. Frankfurt, Band 7, Heft 62, Mai 1975. APFF. Ao referir-me à pessoa de Jacob
Aloys, usarei o “s” final do sobrenome que o mesmo carregou pela maior parte de sua vida. A genealogia da família
Friederich pode ser conferida em Stammbaum der Familie Friederich, APFF. A citação referente ao avô é de
Friederichs (1950). Quanto à produção viti-vinícula de Mathias Friederich, assim como sua atividade como curtidor,
consultar Friederichs (1950) e Merler in Rio Grande do Sul in Brasilien, recorte de jornal sem identificação, APFF.
A expressão “naturalmente” também é de Friederichs (1950), e demonstra a vocação econômica do lugar. Segundo
Gilles (1997, p.43-48), já existe menção à produção de uvas na região, pelo menos, desde o século X, fato constatado
em uma canção latina datada deste período.
39
Ilustração 1 : Zandstrasse, uma das poucas ruas de Merl. Foto produzida em fevereiro de 2003 pela autora.
Ilustração 2: Antiga adega de vinhos da família Friederichs. Foto produzida em fevereiro de 2003 pela autora.
O inverno daquele ano de 1868 deve ter sido vivido com dor por parte da família
Friederich, apesar do nascimento de mais um componente. No dia 3 de fevereiro, Jacob Aloys —
então o caçula de seis irmãos — já nascia órfão. Seu pai morreu em 13 de dezembro do ano
anterior, aos 49 anos.
36
Vinzens deixa Katharina com seus filhos Miguel (18 anos), Josef (15),
Jacob (13), Mathias (9), Margarethe (5) e o bebê no ventre, que veio a nascer naquele mês de
fevereiro de 1868, sendo chamado Jacob Aloys. Katharina não se casou novamente, e é provável
que a atividade econômica empreendida pela família tenha sido mantida, naqueles primeiros
anos, pelos filhos mais velhos.
36
FRIEDERICH, E. Vortrag (discurso) von Ewald Friederich über die Auswanderung der Gebrüder Friederich von
Zell-Merl nach Brasilien. Familientag der “Friederich’s” in Ediger-Eller vom 7.-9. Juni 1985. APFF.
40
Mas a família Friederich não demorou muito para se desmembrar. Miguel logo ingressa
como aprendiz na oficina de cantaria (trabalhos em pedra grés) de Peter Grethen, onde aprende
um ofício. Em função deste, acaba saindo da pequena Merl, possivelmente aos 23 anos,
dirigindo-se à cidade de Colônia para então trabalhar nas oficinas da catedral. De lá parte rumo
ao Brasil como emigrante, em 1875, aos 26 anos. O irmão Josef já havia escolhido a alternativa
migratória em 1872, destinando-se ao Rio de Janeiro, onde permaneceu até morrer de febre
amarela em 1883. Jacob toma a mesma direção em 1882, aportando então em Porto Alegre.
Chega a vez de Jacob Aloys, que emigra também para o Brasil em 1884. Restam Mathias — que
se casa em 1885, aos 27 anos, e responsabiliza-se pelo cuidado da mãe e da propriedade — e
Margarete — que se casa em 1889, aos 28 anos, e vai morar em Saarburg, alguns quilômetros rio
abaixo.
37
A partida parecia, então, ser uma ação bastante conhecida ao jovem Friederichs, e o
Brasil, um destino nada estranho.
* * *
Pouco se sabe ou se escreveu sobre a infância de Jacob Aloys. Maria Rohde, por exemplo,
em breve artigo publicado em 1955, relata apenas que a aldeia de Merl fora o “berço” de
Friederichs e que ali ele vivera sua “primeira juventude”.
38
No âmbito da educação formal,
encontra-se referência à formação de Aloys Friederichs na obra de Wieser (1990, p.60 dos
anexos), que afirma ter ele freqüentado a Elementarschule, o que significa, dentro do sistema
educacional alemão da época, ter ingressado na escola aos 7 ou 8 anos de idade, permanecendo
37
Os dados acima foram retirados de Stammbaum der Familie Friederich... e Friederichs (1950).
38
ROHDE, Maria. J. Aloys Friederichs. Dem Vater des Turnerbundes von Porto Alegre und der Turnerschat von Rio
Grande do Sul; ein treues Gedanken – folheto. MS. Também publicado em “A Nação”, 25 mai. 1955.
41
nela até os 15 ou 16 anos
39
. A Elementarschule do século XIX já era uma instituição educacional
pública e obrigatória, pois os estados alemães haviam instituído, ainda no século XVIII, as
Volksschulen (literalmente, escolas do povo, conseqüentemente públicas) e votado leis que
fizeram com que a maioria das crianças tivesse que freqüentar a escola, obrigação esta que era
seguida pelos soberanos dos diversos principados (Craig, 1997, p.188). Nipperdey (1983, p.451)
afirma que, no século XIX, a Alemanha foi o “país da escola”, pois a freqüência escolar era — ao
lado do serviço militar e dos impostos — uma das obrigações fundamentais da moderna
burguesia. As mudanças demográficas, sociais e econômicas da época em torno de 1800, a
expansão e racionalização do poder estatal e o desejo de emancipação da burguesia, entre outros,
foram fatores determinantes para a posição destacada da escola na sociedade alemã. A educação
das massas passa a ser vista como a chave para o renascimento moral e físico do país (Craig,
1997, p.192). Na Prússia, a reforma educacional ocorreu em 1815, sendo esta o modelo aos
demais estados, que a praticaram duas ou três décadas depois. A idéia de um sistema unificado de
educação nacional demorou ainda alguns anos a ser implantada (Nipperdey, 1983, p.452).
40
O Estado é o promotor da modernização pela via da educação. A escola —
especificamente a Volksschule — devia assegurar e solidificar tanto a disciplina social e a
lealdade política das massas, quanto as modernas capacidades profissionais e de trabalho, os
conhecimentos e habilidades fundamentais (Nipperdey, 1990, p.531). A Volksschule, portanto,
39
Segundo Craig (1997, p.188), as crianças freqüentavam a Elementarschule até os 13 ou 14 anos. Já Paulsen (1997
(1909), p.195) toma a idade de 15 anos para as meninas e 16 para os meninos como o momento de deixarem a
escola, coincidindo então com a idade em que eram confirmados (no caso dos protestantes). A pequena diferença
entre os dois autores não é significativa. É importante, no entanto, frisar que, ao longo de todo o século XIX, a
grande maioria das crianças alemãs freqüentava a escola (precisamente a Volksschule) por apenas 8 anos (Craig,
1997, p.192).
40
Em 1816, na Prússia, 60% das crianças freqüentavam regularmente a escola, o que passou para 82% em 1846 e
93% em 1864. Mesmo assim, a Prússia contava, em 1850, com algo em torno de 20% da população analfabeta acima
dos 10 anos de idade; em 1871, entre 12% e 13%, na maioria idosos, mais mulheres do que homens, mais pessoas do
interior e do leste do país e menos das cidades e do oeste (Nipperdey, 1983, p.463).
42
era uma escola normatizada e controlada pelo Estado — primeiro os reinos e principados, depois
o Estado-Nação. Ao mesmo tempo, era também uma escola comunitária e confessional — o
prédio escolar e os professores sofriam influência da comunidade e as aulas de religião ainda
ocupavam lugar central entre as disciplinas escolares (Nipperdey, 1983, p. 464). Por isso tudo, ela
está no centro dos interesses partidários.
41
No período em que Friederichs freqüentou a escola —
que foi o “tempo de Bismarck” (Der Bismarckzeit) — buscou-se reduzir a influência da
comunidade, especialmente da Igreja (católica), sobre a escola pública (Nipperdey, 1990, p.534).
O movimento de reforma educacional ia no sentido de formar a massa da população como
reichs-treu” (fiéis ao império). Para isso, a escola pública resultante do Kulturkampf
42
devia
garantir a todos a disciplina social de cunho conservador-monárquico; devia também propagar e
consolidar as noções de dever e obediência, a atitude política “correta” e a lealdade; devia ainda
imunizar os educandos contra a crítica ao sistema e legitimar a diferenciação social (Nipperdey,
1990, p.537 e p.542).
Por viver numa aldeia (Dorf), é possível que Jacob Aloys tenha estudado numa escola “de
uma só classe” (einklassig).
43
Este modelo estava disseminado principalmente entre as
comunidades camponesas. Em 1871, 74,7% das escolas no país seguiam este sistema; em 1892,
64,7%; em 1911, 52,2%. Nas cidades, em 1881, apenas 15% eram einklassig; mas no interior, no
mesmo ano, 57% mantinham-se ainda nesta conformação (Nipperdey, 1990, p.538). Na região
em torno de Trier, da qual fazia parte também a aldeia de Merl, foram computadas, em 1846,
41
Kreutz (1991, p.40) afirma, neste sentido, que “a história da educação elementar na Alemanha foi, até 1872, um
movimento de tensão, de idas e vindas, concessões e recusas de poder e autonomia entre Estado e Igreja Católica”.
42
O Kulturkampf constituiu-se de uma luta política empreendida pelo governo de Bismarck no sentido de diminuir a
influência da Igreja, principalmente da católica, sobre a sociedade. Estavam em jogo os direitos desta de dispor de
seus próprios assuntos, a supervisão eclesiástica das escolas, entre outras preocupações. Das medidas que foram
levadas a termo, destaca-se a expulsão dos jesuítas, em 1872, e a conseqüente dissolução da Companhia de Jesus na
Alemanha (Kent, 1982, p.91).
43
Escolas em que um (a) professor (a) reunia alunos de diversos níveis escolares numa mesma sala.
43
escolas elementares em 949 distritos ou comarcas, com 997 professores; a maioria delas era
einklassig e de influência confessional católica — 824 católicas, 156 evangélicas e 9 judaicas
(Wacker, 1991, p.207). Uma modernização profunda da educação escolar previa a modificação
desta realidade e a conseqüente divisão entre turmas maiores e menores. Devia também respeitar
o seguinte programa: celebração de festas nacionais em vez de locais; disseminação de canções
de âmbito nacional, que glorificassem o Reich, e uso e ensino da Hochsprache (o “alto-alemão”,
tido como língua nacional) em vez do dialeto local, seguindo a máxima de Herder, para o qual a
língua é o “espelho da nação” (Nipperdey, 1990, p.539). Neste sentido, é recorrente, em toda a
região banhada pelos rios Reno e Mosela, durante os anos de 1813 e 1871 — respectivamente,
datas da libertação do domínio napoleônico e da unificação alemã — a temática da oposição aos
franceses (Nipperdey, 1990, p. 539-540), construindo-se assim o sentimento nacional numa
região de fronteira.
44
Mesmo tendo freqüentado a escola depois do período citado, Friederichs
deve ter sentido ainda — na educação então promovida pelo Estado Nacional alemão — o peso
da rivalidade entre franceses e alemães na sua região. Embora se tratassem dos primeiros anos do
Estado unificado, ou até por essa razão, ampliava-se o trabalho pedagógico de elaboração de
44
A região do Reno era disputada por franceses e alemães (prussianos) e, por isso também, de identidade
intermediária entre a francesa ocidental e a alemã. Segundo Febvre (2000, p.26), “na lógica bipolar das ideologias,
essa terceira posição ‘renana’ [meio francesa, meio alemã], ardentemente desejada do lado francês, era dificilmente
justificável. Depois do século XIX, impôs-se, de um lado e do outro do Reno, a idéia de que, desde a Antigüidade e
do estabelecimento da fronteira romana, o ‘inimigo hereditário’ era, para o francês, o alemão, e, para o alemão, o
francês. Segundo a definição que se fizesse do Reno como ‘fronteira natural’ da França (contra a ‘barbárie’
germânica) ou como ‘rio alemão’, tomava-se partido por um ou por outro lado”. A hostilidade alemã em relação à
França era entoada na canção “Wacht am Rhein”, que não era o hino nacional nem alemão, nem prussiano, mas
entoado como se fosse (Hobsbawm, 2002, p.285). Quanto à questão da educação nacional, cabe lembrar que o
movimento em seu favor vinha se desenvolvendo desde 1806, tendo como expoentes Herder e Jahn. Este foi um
movimento da burguesia contra o domínio estrangeiro — da França de Napoleão — e contra o poder feudal — para
destruir, portanto, as estruturas políticas feudais. Humboldt (1769-1859) foi o primeiro a realizar a reforma dentro de
princípios humanísticos (neu-humanistisch) e nacionais, a partir dos quais introduziu nas escolas primárias as idéias
de Pestalozzi, além de direcionar forte interesse ao ensino secundário. De início, as reformas educacionais na
Alemanha tinham um sentido progressista, o que foi sendo modificado no decorrer da segunda metade do século em
reação à Revolução de 1848 (Luzuriaga, 1990, p.184). A diferença da educação nacional estabelecida no Kaiserreich
(Estado Nacional unificado) está em que as estruturas não foram destruídas, mas sim estabilizadas (Ernst, 1977,
p.39).
44
referências nacionais para a identidade da população. A “lista identitária” que vinha sendo
“constituída, essencialmente, ao longo do século XIX, elemento por elemento” (Thiessen, 2002),
tende a ser reforçada como tarefa do Estado alemão. Era necessário formar cidadãos cientes de
sua nacionalidade — desde a infância.
O cotidiano de um jovem habitante de uma aldeia do sudoeste da
Alemanha deveria, então, ser composto pelas atividades escolares, além das
rotinas da vida familiar, religiosa e comunitária. Durante a semana, o dia era
ocupado, sobretudo, pela escola. As aulas começavam pela manhã e
terminavam à tarde, seguindo, em geral, o seguinte programa: logo cedo, os
alunos entoavam cânticos e proferiam orações; então vinha a aula de religião,
seguida das lições de leitura — para os pequenos, o alfabeto, para os maiores, a
leitura da Bíblia; depois da pausa — primeiramente das meninas e depois dos
meninos — vinham os cálculos; as aulas eram interrompidas às 11 horas para as
crianças irem para casa, pois refeição não era dada na escola; depois do retorno,
iniciava-se a aula da tarde, com lições de escrita (Paulsen, 1997 [1909], p.195 e
p.197).
Em relação à disciplina, a descrição fornecida por Mehlis (1967, p.194-196) ilustra o
modelo buscado, mesmo que tenha que ser relativizado como realidade cotidiana:
Numa bem disciplinada classe, o regulamento escolar seria e ver-se-ia
algo da seguinte maneira: um quarto ou no máximo uma meia-hora antes do
início das aulas — não mais cedo — as crianças começam, pouco a pouco, a se
reunir na sala de aula. Elas se apresentam todas com os livros e instrumentos
necessários para o desempenho; é importante que o professor de maneira
alguma auxilie ou ignore a falta de memória das crianças. Assim, todas vêm
convenientemente limpas. O professor não teria escrúpulos com aquele que não
se apresentasse asseado e decente, em especial aqueles que viessem desleixados
de casa. O professor precisa, em seguida, observar a esponja sobre a lousa, que
não haja nada esparramado sobre esta e que não haja a mínima ponta do
vestuário que não esteja limpa. Ele observa também que a esponja sobre o
grande quadro escolar esteja lavada, que o ambiente da sala esteja
convenientemente arejado e limpo, que haja luz suficiente, que as crianças não
entrem na sala com os pés sujos, e que se sentem direito e em ordem. A sala de
aula deve estar em condições de professor e alunos poderem sentir-se bem.
As crianças sentam-se em seus lugares. Todo o barulho é proibido. Para
falarem juntos, só se for em murmurinho que não se ouça do lado de fora da
porta. No caso de haver barulho, sabe-se que a disciplina da classe em questão
não foi bem cultivada. Um dos alunos mais velhos faz a inspeção. Revezam-se
a cada semana, e ele aparece na escola um quarto ou meia hora antes do
começo da aula. Ele auxilia o professor também nas instruções às classes
maiores. A escolha do ajudante marca-se pela aplicação, imparcialidade, zelo e
energia, em especial também pela integridade. Quando da ausência do
45
professor, o ajudante preocupa-se com o silêncio e as boas maneiras, mas
também com a limpeza e ordem, além das lições. Auxiliava na leitura e no
restante do trabalho, como a limpeza das carteiras e do quadro e a abertura das
janelas. O melhor ajudante tem ainda a inspeção sobre o armário da classe.
Assim que começa a aula, estão todas as crianças reunidas. Numa escola
em que o professor chega pontualmente em ordem, há poucos atrasos; quem
porventura chegar atrasado, deve ficar do lado de fora da porta até que tenha
terminado o período. A aula começa com uma música e uma oração. Depois,
segue a aula de religião; reina atenção e tranqüilidade. Todas as crianças
sentam-se encostadas no braço do banco, com cuidado das costas, com as mãos
juntas sobre o peito e miram com atenção o seguro professor. Quem achar que
pode responder à pergunta do professor, levanta a mão ao alto.
45
Não só na sala de aula, mas também no pátio escolar, a disciplina deveria ser fomentada.
As aulas de ginástica — ou Turnen, a ginástica desenvolvida por pedagogos alemães — serviam
como um auxiliar neste processo. Adolf Spiess (1810-1858), aquele que reestruturou o método
ginástico alemão, afirmava que
na escola, na qual recebi minha primeira educação por fervorosos professores, a
ginástica era exercitada diariamente segundo o método desenvolvido por Guts
Muths (1759-1839). Nossos exercícios eram trepar, caminhar suspenso, pular,
correr, pendurar, exercícios com cordas, marchar, nadar, arrastar, patinar,
arremessar e jogos dos mais diversos tipos (Röthing apud Tesche, 2001, p.70).
Segundo Nipperdey (1990, p.172), este tipo de esporte teve modesto espaço nas escolas
até a década de 90 — quando então, por pressão dos médicos e militares, passa a ter maior
significação —, mas pode também ter feito parte, nas décadas de 70 e 80, das atividades escolares
de Aloys Friederichs. A introdução oficial da prática do Turnen nas escolas, como atividade
facultativa, é de 1841, seguindo a influência de Adolf Spiess. Nas escolas elementares da Prússia,
mais precisamente nas Volksschule, ele é introduzido apenas em 1862. Nas áreas rurais, a
carência de lugares para a prática do Turnen e de professores especializados (Turnlehrer), além
45
Tradução e versão feitos pela autora.
46
de uma certa oposição de parte da população camponesa, retardou a introdução generalizada da
ginástica escolar (Denk, 1980, p.331; Grupe, 1993, p.73).
É importante frisar, no entanto, que o método ginástico desenvolvido por Spiess e adotado
nas escolas assemelhava-se pouco, do ponto de vista doutrinário, ao método original de Friedrich
Ludwig Jahn (1778-1853). Segundo Pfister (2000a), as origens do Turnen estão
irremediavelmente ligadas ao nacionalismo alemão, pois esta atividade física foi gestada, no
início do século XIX, a partir de uma idéia de educação nacional, libertação do domínio francês e
da ordem feudal e fim da fragmentação da Alemanha.. Elias (1997, p.90) aponta para esta
origem, sugerindo diferenças entre o Turnen do início de 1800 e o que veio a vingar a partir de
meados do século. Segundo o autor, Jahn propunha exercícios ao ar-livre, porque livre também
deveria ser o desejo de quem os praticasse. Não havia em sua proposta nenhuma espécie de
obrigação, treinamento ou disciplina, conseqüentemente, nenhum estímulo a uma “conduta
submissa”. Havia, sim, um efervescente nacionalismo em suas idéias. A expressão Volkstum,
como caráter nacional, foi cunhada por ele, constituindo-se o Deutsches Volkstum, ou então, o tão
propagado Deutschtum. O movimento ginástico protagonizado por Jahn tinha, portanto,
tendências nacional-democráticas, o que foi sendo alterado no decorrer do século, sobretudo pela
influência da unificação sob a égide prussiana. Troca-se a lealdade à bandeira Preta-Vermelha-
Dourada pela lealdade à Preta-Branca-Vermelha; não se festeja mais a batalha de Leipzig de
1813, mas a de Sedan (Nipperdey, 1990, p.172).
46
46
A bandeira preta-vermelha-dourada representava o movimento nacionalista de cunho liberal e “parece ter tido
origem no movimento estudantil do período pós-napoleônico, mas só foi claramente instituída como do movimento
nacional em 1848” (Hobsbawm, 2002, p.281). Já as cores preta-branca-vermelha representam o império
bismarckiano. A batalha de Sedan, de 1871, na qual os alemães vencem a França, rouba a cena como momento de
fundação da nação alemã à Batalha de Leipzig. Esta última, ocorrida em 1813, representa a vitória sobre Napoleão I
e a libertação da Alemanha. Porém, nas últimas décadas do século, a Batalha de Sedan, assim como a unificação
promovida por Bismarck, era “a única experiência nacional histórica que os cidadãos do novo Império tinham em
comum” (Hobsbawm, 2002, p.284).
47
É possível, portanto, e bastante provável, que Jacob Aloys Friederichs tenha tido, já na
juventude, contato com o Turnen como atividade escolar. O espaço privilegiado desta atividade,
no entanto, não era a escola, mas a associação ou sociedade de ginástica. As associações em
geral, como união livre de pessoas para diferentes fins específicos, exerciam papel central no dia-
a-dia, na ocupação do tempo livre, na organização da vida comunitária além da família e da
profissão, da vizinhança e da Igreja. Esta análise é feita tanto para o mundo burguês como o não-
burguês, o camponês e o proletário. Elas foram lugar de sociabilidade, assim como de inúmeras
atividades. Divertimento, ocupação do tempo livre, esporte, cultura, beneficência, mobilização
para fins materiais, discussões a respeito de questões públicas, religiosas e profissionais, tudo isso
tinha lugar nas associações. De acordo com Nipperdey (1990, p.168), o sistema de sociedades
refletia a especialização, complexificação e diferenciação do mundo moderno.
Disseminadas por toda a sociedade alemã, as associações de ginástica locais ligavam-se a
uma federação, a qual pertenciam, em 1869, 1.546 associações com 128.000 sócios; em 1904,
7.500 com mais de meio milhão; em 1914, estima-se mais de um milhão e meio de sócios
(Nipperdey, 1990, p.172). As primeiras sociedades de ginástica da região que compreende hoje a
Renânia-Palatinado datam da década de 40: Hachenburg-1846, Montabaur-1846 e Diez-1847
(Die Turnbewegung..., 1984, p.15). Zell — então aldeia vizinha a Merl — teve sua Turnverein
fundada apenas em 1882 (Idem, p.31). Segundo Wieser (1990, p.A61), não há indício da
participação de Friederichs em nenhuma sociedade de ginástica durante sua juventude. Não havia
este tipo de associação em sua aldeia, e a da vizinha Zell havia sido fundada pouco tempo antes
de sua emigração. Sugere, com isso, que seu envolvimento com o Deutschtum e, principalmente
com o Turnen, nasceu da experiência da imigração. Desconsidera, portanto, a possibilidade de
que a ginástica estivesse presente em sua formação escolar básica — o que posso apenas supor.
Concordo, porém, que, mesmo que Friederichs tenha entrado em contato com o Turnen na
48
infância como parte da educação formal, esta experiência não deve ter sido significativa a ponto
de acompanhar sua bagagem como imigrante e determinar sua trajetória posterior como “pai da
ginástica no Rio Grande do Sul”. Acredito, sim, que esta inserção na sociedade rio-grandense
deva-se mais às condições apresentadas pela mesma e às escolhas empreendidas pelo indivíduo,
além de uma base de formação geral como alemão.
Enfim, ao deixar sua terra natal, em 1884, é bem provável que o jovem Aloys já se
sentisse integrado à sociedade alemã como fiel súdito do Reich; que visualizasse como seus os
heróis nacionais; que tivesse adicionado ao sentimento de vínculo à aldeia e à região a
consciência de pertencer a um Estado-Nação; que carregasse consigo o sentimento de rivalidade
franco-alemã típico de sua região; que possuísse, entre seus valores, o orgulho de ser alemão.
Tudo isso a escola do Bismarckzeit (período ou tempo de Bismarck) deveria assegurar. Apesar
disso, deixar a Alemanha ainda era uma alternativa que poderia trazer maior sucesso material,
quando não a própria sobrevivência. Mesmo formando cidadãos alemães fiéis e honrosos de sua
nacionalidade, o Estado alemão não garantia aos mesmos as condições materiais necessárias,
sendo a emigração uma opção ainda muito recorrente. Dela também se valeu o jovem Jacob
Aloys.
49
1.2 A partida para o novo
À esquerda, um enredado e resistente centenário carvalho: a Alemanha. Abaixo, uma videira tipo
riesling, fileira por fileira: minha região do Mosela.
Acima, revestido de ramos de carvalho, o brasão de minha terra-natal, Merl junto ao Mosela: São Miguel,
patrono merlense. Nesta cara localidade do Mosela eu nasci em 1868 e ali fiquei até minha emigração em
1884. Nos anos de 1903, 1913, 1926 e 1928 pude visitar meu querido vilarejo, minha região do Mosela e
do Reno, minha pátria Alemanha.
[...] À direita, uma majestosa e nobre palmeira que ambiciona o céu: o Brasil.
Abaixo desta palmeira igualmente a amada cultura da videira, cachos pendurados revestindo
um poste de granito, com boas e doces uvas de mesa e, abençoado e em exuberante abundância,
também para o vinho: o Rio Grande do Sul.
47
A descrição anterior é parte de uma explicação do sentido da alegoria reproduzida por
Jacob Aloys Friederichs em um folheto editado em fins da década de 40. A imagem simbólica
das duas pátrias — a de origem e a de adoção — se faz através de figuras que se tornaram
emblemas da nacionalidade tanto alemã — o carvalho e o Deutsche Michel — quanto brasileira
— a palmeira
48
. Entre os elementos referidos na mesma alegoria — como as datas de retorno à
47
Links, eine knorrige, wetterfeste, sturmerprobte Jahrhundert-Eiche: Deutschland. Darunter Riesling-weinstöcke,
Zeile um Zeile: mein Moselland! Oben, von einem Eichenast getragen, das Wappen meines Heimat-Dorfes, Merl a/d.
Mosel: Sanct Michael, Patronus Merlensis. In diesem trauten Moseldorfe wurde ich 1868 geboren und blieb dort bis
zum Jahre meiner Auswanderung, 1884. In den Jahren 1903, 1913, 1926, 1928 habe ich mein liebes Dörfchen, mein
Mosel- und Rheinland, mein Vaterland Deutschland, besuchen können. (…) Rechts, eine majestätische,
himmelanstrebende Edel-Palme: Brasilien. Unter dieser Palme gleichfalls die geliebte Rebenkultur,
Traubengehänge von Granitpfosten getragen, mit guten, süssen Tafeltrauben und, in gesegneter, üppiger Fülle, auch
für Wein: Rio Grande do Sul.” FRIEDERICHS, J. A. Ex-Libris: Erlfried — Jacob Aloys Friederich, narração
datada de 2 de fevereiro de 1947. ABM.
48
Grützmann (1999, p.98) explica o significado conferido ao carvalho na cultura germânica: ele “é apontado como
uma árvore de grande vigor e firmeza, fortemente enraizada, que não se verga às intempéries, mantendo-se altaneira
e rígida. Em virtude do seu conjunto de atributos, entre eles a constância, o carvalho torna-se para o pensamento
étnico um símbolo de identificação da Alemanha e metáfora para uma das mais celebradas virtudes alemãs: a
fidelidade. Permanecer carvalho significa ligação e continuidade com a essência que alimenta as raízes — a herança
dos antepassados — e alude à imutabilidade das especificidades originais e à ausência de qualquer desvio do modelo
proposto — a fidelidade”. Também aqui a palmeira “é símbolo da constância, da fidelidade”. A árvore citada é
aquela entoada pela Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, amplamente divulgada: as palmeiras de “minha terra” . A
Canção do Exílio expressa nacionalidade através, não só das palmeiras, mas também do sabiá, dois elementos da
paisagem tropical “que não encontro cá”. Ao lado do carvalho, que busca a preservação da germanidade, é colocada
a palmeira no sentido de fomentar o amor ao Brasil. Isso tudo na mais sonora língua de Goethe; ou seja, a Canção do
Exílio também recebeu suas versões em alemão, e isso desde a segunda metade do século XIX (Grützmann, 1999,
p.330-337). Quanto a São Miguel, popularmente chamado de Deutsche Michel, este é um dos símbolos não-oficiais
da nação alemã recém unificada (Hobsbawm, 2002, p.15) e o santo-protetor da aldeia de Merl (Friederichs, 1950).
50
pátria de origem, ou da fundação da Casa Aloys — um em especial é representado ao centro: uma
placa de bronze, concedida a Friederichs em 1930 pela Verein für das Deutschtum im Auslande-
VDA (Associação para a Germanidade no Exterior), em homenagem à sua atuação como alemão
no Brasil e “pelo trabalho pela germanidade”.
49
É possível ler essa representação alegórica, assim
como sua explicação textual, como uma avaliação feita por Aloys Friederichs de sua experiência
pessoal de imigração. Por ter vindo ao Brasil ainda jovem, a maior parte de sua existência
concentra-se na fase pós-migratória. A “saga” da vida de Friederichs parece então começar em
1884, ano em que embarcou rumo ao Brasil.
50
Ilustração 3: Alegoria impressa no folheto “Ex-Libris: Erlfried — Jacob Aloys Friederich”.
Esta representação ajusta-se em parte àquela que, em geral, dissemina-se na memória dos
colonos, imigrantes ou descendentes de imigrantes alemães. Como analisa Woortmann (1995,
49
Für Arbeit am Deutschtum”. FRIEDERICHS, J. A. Ex-Libris: Erlfried — Jacob Aloys Friederich, s.d (1949?).
ABM
50
Outros elementos ainda podem ser destacados na alegoria apresentada, como o símbolo da ginástica alemã — os 4
“efes” — colocado junto ao tronco do carvalho, lembrando a relação dos fundamentos desta atividade com a base da
nação alemã. Ou então o “Título Declaratório” de Friederichs, bem à direita, ao lado da palmeira, que representa a
confirmação de sua cidadania brasileira.
51
p.131), “a memória dos colonos elimina a Alemanha de sua temporalidade: o mundo começa com
o desbravamento da floresta ameaçadora. (...). Foi pois sim com a chegada dos colonos — heróis
civilizadores — que se instaurou a cultura sobre a natureza”. Entretanto, a Alemanha não foi
eliminada por completo das lembranças de Friederichs, e tudo o que representa o retorno à pátria
de origem, a cultura ancestral, a preservação dos símbolos identitários da nacionalidade alemã, é
também expresso na composição alegórica. Sendo assim, a memória da imigração construída por
Friederichs é também típica do que Woortmann chama de “construções ideológicas dos membros
da elite”, que, diferentemente das memórias dos colonos, “retêm, ou redescobrem a Alemanha, e
daí extraem um herói particularizado, o herói de uma família específica, ou o herói maior dos
instauradores da cultura como grupo de ancestrais” (Woortmann, 1995, p.131).
Se os símbolos centrais da vida de Friederichs são dispostos “acima,... abaixo, ..., à
esquerda..., à direita”, pode se notar a hierarquização dos elementos: à esquerda e acima, a
Alemanha, terra-natal, das relações familiares, dos laços afetivos, da cultura; à direita e acima, o
Brasil, terra do progresso econômico, da produção, do crescimento enquanto cidadão. Apesar de
cada um ter seu espaço específico na memória, é fácil perceber a representação do “estar entre
dois mundos”: um à esquerda, outro à direita. Segundo Raison (1986, p.488), “a migração
implica, completa ou miticamente, a vida entre dois universos, aquele no qual se está inserido,
mas também aquele que se deixou, definitivamente ou por um lapso de tempo calculado grosso
modo; implica sofrimento e divisão”. Pensar a experiência da imigração numa visão
retrospectiva, na qual mais de sessenta anos separam o fato da reflexão sobre ele, representa, no
mínimo, dar um sentido ao acontecimento acrescido da vivência posterior. Será que a percepção
do imigrante, durante o processo de imigração, se revela tão “sofrida”, “dividida”? Será que “os
dois mundos” tem o mesmo peso? As razões que levam o imigrante a sair de seu lugar de origem
não influenciariam a visão que este viria a ter de seu passado, do lugar que estava deixando?
52
Raison (1986, p. 490) refere-se a uma dialética entre “fatores repulsivos no local de partida” e
“fatores atrativos nas zonas de chegada”, ou seja, algo expulsa o emigrante na terra de origem e
algo o chama para um novo destino. Klein (1999, p.13) também associa a resposta à pergunta do
porquê das pessoas migrarem ao “peso dos fatores de expulsão ou de atração e na maneira como
se equilibram”. Não terá o futuro prioridade, no momento em que o processo migratório ocorre?
Será que Friederichs viveu tal sofrimento ao abandonar sua terra-natal ainda jovem? Teria ele
representado sua experiência, em 1884, da mesma forma — dividido entre dois mundos — como
a alegoria, quase no final de sua vida, o faz?
Houve quem dissesse que a um jovem o futuro não interessava e que seu olhar
despreocupado só miraria o presente. Esta era a convicção, por exemplo, de Karl von Koseritz,
importante liderança teuto-brasileira do século XIX, que, em viagem ao Rio de Janeiro em 1883,
relembrava sua chegada a Porto Alegre, 32 anos antes, e analisava sua atitude frente ao novo que
lhe aparecia: “como era o moço despreocupado, como observava desinteressadamente o seu novo
país! Que lhe importava fosse belo ou feio, rico ou pobre? O sangue ligeiro da juventude corria
nas suas veias; ele vivia para o momento e não pensava no futuro” (Koseritz, 1980, p.17). O fato
de que este personagem tenha vindo como aprendiz de marinheiro, sem pretensão inicial de
permanecer no país, talvez tornasse seu olhar mais desinteressado. Mas a indiferença não era a
regra. As cartas de parentes e amigos que haviam emigrado primeiro enchiam a mente dos que
ficavam de esperanças e expectativas, inclusive (ou mais) para um jovem.
Regra também não era a vinda de imigrantes solitários. A grande maioria viajava em
família, quando não em um conjunto de famílias aparentadas entre si. A política de imigração
dirigia-se preferencialmente a conjuntos familiares que permitiriam mais facilmente a adaptação
ao trabalho na terra com a produção de alimentos. Woortmann (1995, p.105) refere-se a um
número de 5.122 imigrantes vindos em família entre os anos de 1844 e 1874, em comparação a
53
274 solteiros no mesmo período.
51
Ao analisar a saída, Mönckmeier (1912, p.147) afirma que o
percentual de emigrantes em família no ano de 1884 é de 59,8 e sozinhos é de 40,2. O caso de
Jacob Aloys Friederichs pode ser incluído, pois, neste grande percentual de solteiros que saíram
da Alemanha; mas, ao mesmo tempo, insere-se no pequeno número de indivíduos que entraram
sozinhos no Brasil.
Mesmo os solteiros — os que vinham “por sua conta e risco” — integram-se numa
migração que é feita em rede. Famílias de imigrantes chamavam outras; indivíduos das mesmas
localidades na Alemanha acabavam sendo novamente vizinhos; da mesma forma agiam os
indivíduos que tivessem imigrado sozinhos. Aloys Friederichs viajou sozinho, mas o fez na
esteira de outros exemplos, os três irmãos que haviam partido anteriormente, em especial aquele
que lhe legou um ofício: o canteiro Miguel Friederichs.
Não eram estes, no entanto, os únicos casos conhecidos por Friederichs que podem ter
estimulado sua imigração. Do mesmo lugarejo onde vivia, outras famílias se deslocaram para
o sul do Brasil. Erich Fausel (s.d.), na biografia de Alberto Bins, afirma que em Merl “cada
um sabe do Rio Grande”, pois para esta terra se dirigiram diversas famílias desta localidade,
como os Kroeff, Sehl, Treis, Kallfellz, Griebeler, Schmitt, Scheid, Thiesen, Hendges, Zensen e
Schmengler, além dos Bins e Friederichs. Parte deles se encaminhou para o Vale do Rio dos
Sinos, como a maioria dos que vieram do Hunsrück e das regiões do Reno e do Mosela.
Talvez tenha sido em função desta rede que ligava Merl a São Leopoldo que Miguel
Friederichs tivesse, inicialmente, escolhido Lomba Grande, então 6º distrito daquele
município, como ponto para se fixar. A saída de um aldeão merlense em busca da vida além-
51
Para toda a década de 80, de cada 100 emigrantes que viajavam em família, 47,2 eram homens; de cada 100
emigrantes que viajavam sozinhos, 68,5 eram homens; o que quer dizer que: quando em família, as mulheres
representavam uma pequena maioria; quando sozinhos, os homens representavam uma grande maioria (mas é
interessante ver que, para cada 100 emigrantes sozinhos, mais de 30 eram mulheres) (Marschalck, 1973, p.76).
54
mar não era, portanto, uma novidade aos habitantes do lugar. Muitos o haviam feito desde, no
mínimo, os anos 20 do século XIX. O Brasil era um velho conhecido, de tantos os que se
entregaram à aventura emigratória. Como lembra o próprio Friederichs,
o Brasil, principalmente o Rio Grande do Sul, é para os Merlenses uma terra
muito conhecida, em virtude de tantas famílias Merlenses terem emigrado para cá.
Os nomes de Rio Grande, Porto Alegre, São Leopoldo, Lomba Grande, Hamburgo
Velho e Novo Hamburgo, também Dois Irmãos, Montenegro, Caí (São Sebastião
do Caí) e Feliz, são muito familiares em Merl. Visitas de brasileiros em anos
passados eram habituais anualmente; todos os moradores da aldeia tomaram parte
com alegria e satisfação nestas visitas (Friederichs, 1950).
Deste modo, a imigração de Jacob Aloys Friederichs pode ser comparada a tantas outras
que se aproveitaram das redes de relações familiares, as quais não apenas constituíam canais de
convergência de pessoas dos mesmos locais para os mesmos locais, mas também possibilitavam
uma mais fácil integração dos que chegavam à terra de destino.
52
Se Jacob Aloys Friederichs veio para o Brasil em busca de um sucesso que seu irmão já
alcançara, isso não explica totalmente as razões de sua saída. Em primeiro lugar, a própria vinda
do irmão deve ser investigada. Nascido em 1849, Miguel era o primogênito da família Friederich
e — depois da morte do pai — o homem da família. Mesmo assim, Miguel decidiu emigrar em
1875. Além dos fatores já mencionados das redes de relações, que se formavam entre os já
imigrados e os que permaneciam na pátria de origem — o irmão José, por exemplo, havia se
dirigido ao Rio de Janeiro em 1872 —, pode ser incluído como elemento impulsionador da
emigração de Miguel a conjuntura de falta de trabalho. Sua especialidade de ofício permitiu que
52
A historiografia a respeito da imigração é extensa no que se refere às causas da emigração, tanto no que concerne
aos fatores de expulsão, quanto aos fatores de atração. Tentando explicar as razões para tão grande movimento
migratório no século XIX, ela acabou, por vezes, reforçando representações apologéticas construídas na relação
étnica entre teutos e lusos ou ainda no próprio germanismo (Woortmann, 1995, p.117). Para uma visão panorâmica
da bibliografia a respeito da imigração e colonização, principalmente aquela desenvolvida entre fins do século XIX e
metade do XX, consultar Seyferth (1988, p.3-55).
55
trabalhasse por três anos na catedral de Colônia como canteiro. É possível que, depois disso, a
oferta de emprego estivesse escassa. A industrialização crescente vinha ameaçando o status social
dos artífices, que tendiam à proletarização (Willems, 1980, p.33). A carência de emprego foi
também um dos diversos fatores que estimularam a onda de emigração. Willems (1980, p.37)
explica que
indivíduos de todas as classes sociais, principalmente da burguesia arruinada e
proletarizada, vinham fixar-se no Brasil. [...] A falta de trabalho, cada vez mais
acentuada, contribuía, consideravelmente, para estimular a emigração. [...]
Vinham então oficiais do exército imperial, funcionários aposentados, artífices e
operários qualificados, médicos, engenheiros, advogados, comerciantes,
professores e agricultores.
As perspectivas do caçula Jacob Aloys em Merl poderiam, portanto, parecer também
pequenas em comparação ao que o Brasil tinha a lhe oferecer. Aliados a isso podem estar os
mais diversos fatores enumerados e analisados pela historiografia como propulsores da emigração
dos alemães.
O sudoeste alemão era uma das regiões que, em 1884, já estavam marcadas por uma
arraigada tradição emigratória. Processos vividos desde o final do século XVIII, como pressão
demográfica, guerras e doenças, fizeram com que a emigração se transformasse, nesta região,
numa das primeiras soluções aos problemas que as diferentes conjunturas foram revelando no
decorrer dos anos. Considerada a “zona clássica” de emigração de alemães (Scheben, 1932,
p.259: Mönckmeier, 1912, p.71-77), foi responsável por 98,8% dos emigrantes entre os anos de
1830 e 1834 (Marschalck, 1973, p.38).
53
Nas décadas seguintes, o movimento de saída propagou-
se por todo o território alemão até o nordeste, e o percentual de emigrantes do sudoeste baixou
consideravelmente, permanecendo, no entanto, até 1871, o maior (entre 14% e 36%) de todas as
53
Os anos entre 1817 e 1857 foram os de mais forte emigração do sudoeste (Scherer, 1976, p.13).
56
regiões. Nos anos de 1871 a 1910, nota-se um percentual mais elevado de emigrantes vindos do
nordeste alemão (entre 27,5% e 39,3%), quando então o sudoeste representa em média 25% dos
emigrantes (Marschalck, 1973, p.45). Pessoas do campo, produtores de vinho e pequenos artesãos
representavam os maiores contingentes desde os primórdios da emigração, principalmente ao se
tratar das regiões oeste e sudoeste da Alemanha (Mönckmeier, 1912, p.153).
O Brasil foi o destino de grande parte dos que saíram das terras ao longo do Mosela e do
Hunsrück (Scheben, 1932, p.261; Willems, 1980, p.32). Neste último, o movimento de emigração
para aquele país de destino foi estimulado, na metade dos anos 20, com a vinda do agente
colonizador Major Schäffer,
54
propagando-se da comarca de Simmern (a poucos quilômetros de
Merl, nas terras do Hunsrück) a de Zell (aldeia vizinha a Merl), alcançando assim os lugarejos do
Mosela. No inverno de 1827/28, a “mania de emigrar” (Auswanderungssucht — que também
pode ser entendido como “doença”) já havia “contagiado” a comarca de Adenau (Scheben, 1932,
p.260). As terras à esquerda da região do Mosela também foram “contaminadas” pela mesma
“enfermidade”; no entanto, a solução emigratória na zona do Eifel preferiu os Estados Unidos
como destino.
55
54
Schäffer é “o mais famoso e, também, o mais controvertido” dos agentes de colonização, citado entre os que
“faziam promessas que não eram aprovadas pelo governo brasileiro e que, em parte, contrastavam com a constituição
brasileira” (Dreher, 1984, p.31). Em Schröder (2003, p.47-52), há uma descrição de suas atividades no recrutamento
de emigrantes e soldados para o Brasil.
55
Os primeiros a emigrar para o Brasil saídos de Simmern o fizeram em 1825; a segunda grande leva saiu em 1845
(Diener, 1938, p.107 e114). Em números totais, foram computadas
2.392 saídas de emigrantes de Simmern entre os
anos 1816 e 1900. Do total, 1.342 pessoas se dirigiram para os Estados Unidos, enquanto 879 para o Brasil. Estes
foram os destinos preferidos da população da região (mais de 90% dos emigrados). O Brasil foi o primeiro destino,
diferentemente do restante do território alemão. Os Estados Unidos entram como solução apenas no final da década
de 30. Nos anos 40, os emigrantes ainda preferem o Brasil. Nos 50, há uma emigração muito mais significativa para
os Estados Unidos. A partir de então, este é o destino preferencial (Diener, 1938, p. 123). Fatores religiosos e
políticos podem ser eliminados da análise dos motivos da emigração da região do Hunsrück, mais propriamente de
Simmern. Quanto à emigração para o Brasil, na primeira terça parte do século, fatores econômicos tiveram papel
decisivo (Diener, 1938, p.92). É notável a “febre de emigrar” existente no Eifel nos anos 1841/42 (Scheben, 1932,
p.263-264). O caso desta região molda-se à regra da maioria da população emigrante alemã. Os Estados Unidos da
América foram o primeiro e, no início do movimento de emigração, o único país do outro lado do oceano de
interesse dos emigrantes alemães. A América do Norte era vista como o eldorado, pois era o país da liberdade de
consciência e de religião, de constituição liberal, clima semelhante ao do norte da Europa e população de cultura
57
Entre 1881 e 1885, dos 857.300 emigrantes, 797.000 (93% do total do período) dirigiram-
se aos Estados Unidos, enquanto apenas 7.900 (0,9%) rumaram ao Brasil. (Marschalck, 1973,
p.49). Em 1884, emigraram, em números absolutos, 149.065 pessoas (3,23% da população do
Reich). Entre 1871 e 1910, foram 2.775.857 (Mönckmeier, 1912, p.18). Ao partir em 1884,
portanto, Aloys Friederichs valeu-se de um canal que já estava aberto e constituía-se numa
alternativa comprovadamente viável para encaminhar a vida.
Outro fator de expulsão que poderia ser levado em conta é a obrigatoriedade do serviço
militar. Talvez esta carreira não atraísse o jovem Jacob, e a única maneira de escapar dela fosse a
emigração
56
. Possivelmente também já houvesse desenvolvido na família o que Woortmann
(1995, p.118) denomina de “espírito empreendedor”, associado à emigração de outros familiares,
próximos ou distantes, o que, na visão da antropóloga, “pode ocultar, assim como resolver,
conflitos intra ou intergeracionais, decorrentes de um imobilismo estrutural”.
Também o padrão de herança poderia empurrar a população para fora de seu país. E,
aparentemente, não havia solução jurídica satisfatória à questão da transmissão do patrimônio.
Nas regiões onde predominava o direito de unigenitura (fosse do primeiro ou último filho), as
alternativas que restavam aos irmãos nem sempre iam ao encontro de suas expectativas de vida: a
carreira militar, a entrada no clero, a proletarização ou a vida sob as graças e ordens do irmão
herdeiro. Já onde a partilha igualitária imperava, o problema também não encontrava resposta
dentro do próprio sistema camponês. Segundo Willems (1980, p.33), “os sítios eram de tal
maneira retalhados que mesmo em épocas boas não comportavam mais o número de pessoas que
norte-européia. (Mönckmeier, 1912, p.194). Depois dos Estados Unidos, o país de imigração mais importante para os
emigrantes alemães era o Brasil (Mönckmeier, 1912, p.208).
56
Segundo Woortmann (1995, p.110), o Estado não via com muitos bons olhos a saída de jovens solteiros: “as
Forças Armadas procuravam reter os homens solteiros, e realmente não são poucos os que seguem a carreira militar,
como garantia para um futuro pouco promissor”.
58
neles procuravam manter-se”. O problema da sucessão da herança, seja por um sistema ou outro,
tendia a gerar a expulsão do excedente.
57
Se, nessas regiões [sul e sudeste da Alemanha] o direito de sucessão
obrigava os pais a repartirem os seus haveres entre os filhos a ponto de os
entregar, freqüentemente, à miséria, princípios diversos do mesmo direito que
dava ao filho mais velho (ou ao mais novo, segundo a região e a religião) a
propriedade inteira, produziam efeitos semelhantes em outras regiões germânicas
(Willems, 1980, p.33).
Como salienta Woortmann (1995, p.121), “aos não-herdeiros, cabe o mundo”, ou “os que
não herdam, migram”. A mesma autora conclui:
A emigração, portanto, não se explica apenas por fatores que são externos
ao campesinato — guerras, imposições governamentais, dissensões religiosas,
pressão da grande propriedade etc. —, mas também a partir do próprio sistema
camponês. Ela é, ao mesmo tempo, desencadeada por e organizada pelo sistema
de parentesco: uma dimensão desse sistema, como o padrão de herança, expulsa
pessoas; outra dimensão, o “espírito de parentesco”, faz com que a migração se
faça através de grupos de parentes (irmãos, primos etc., assim como afins) que
irão replicar o modelo em outro lugar — para, em seguida, recomeçar tudo de
novo (Woortmann, 1995, p.116).
No caso de Jacob Aloys Friederichs, o “espírito de parentesco” parece ter incitado sua
saída da Alemanha. E qual seria a importância do padrão de transmissão do patrimônio de sua
região para o processo migratório ocorrido com os membros da família Friederichs? Vinzens e
Catharina tiveram dez filhos. Miguel, o mais velho, emigrou para o Brasil em 1875, quando então
o mais jovem, Jacob Aloys, tinha 7 anos de idade. José e Jacob (outro irmão com o mesmo
prenome) também emigraram, um em 1872 e o outro em 1881. Dos dez filhos, quatro morreram
57
Na região do Hunsrück, no segundo quartel do século XIX, “24% das propriedades rurais tinham menos de 0,5 a
2ha; 65%, de 2 a 5ha e 11% mais de 5ha”. No Palatinado (Pfalz) a situação era semelhante: “16,3% das propriedades
tinham menos de 0,5ha; 35,9% até 2ha; 31,2%, até 5ha; 12,3% até 10ha e 4,3%, mais de 10ha” (Weimer, 1983,
p.26). No ano de 1880, quando a emigração da comarca de Simmern já tinha há muito alcançado seu pico, ainda
40% de todas as propriedades agrícolas tinham apenas 2 hectares (Diener, 1938, p.93).
59
quando ainda eram crianças, restando dois: Mathias — o quarto filho e herdeiro do patrimônio
familiar — e Margarete — a quinta na ordem de nascimento e única filha, que sai da região em
razão do casamento. O exemplo demonstra o uso de um padrão de partilha igualitária da herança,
pois nem o primeiro nem o último filho herdou o patrimônio. Em uma família de seis filhos
vivos, quatro buscaram a solução emigratória. Miguel tinha então 26 anos, com formação
profissional, mas era solteiro. José, que nasceu depois de Miguel e emigrou três anos antes,
partira com 20 anos; Jacob, não tão jovem, emigrou com 27; e Jacob Aloys saiu de sua terra-natal
aos 16 anos de idade. A possibilidade de “fazer a América” era, segundo Dreher (1995, p.6), o
que mais atraía a juventude alemã. Não apenas o sabor de aventura, a “caminhada em direção ao
desconhecido”, levava os jovens rumo à emigração, mas também as perspectivas de uma mais
rápida ascensão social numa estrutura menos rígida do que a das sociedades européias.
Diferentemente das levas migratórias iniciais de alemães para o Brasil, os que vinham no
último quartel do século o faziam em melhor situação do que os primeiros no que se refere ao
nível de informação a respeito do país de destino. O contato entre os países da América e a
Europa, neste período, era mais freqüente; as viagens marítimas mais rápidas; conseqüentemente,
os conhecimentos sobre os países que recebiam imigrantes eram maiores, tanto em relação às
condições de emprego, às possibilidades de crescimento econômico-social, quanto aos perigos e
adversidades que poderiam sofrer. Os relatos de parentes emigrados e bem-sucedidos
influenciavam os que não conseguiam ajustar-se, por uma ou outra razão, à pátria de origem.
Este efeito era percebido pelos agentes e agências de emigração, e muitas foram as cartas
publicadas nos jornais especializados (Alves, 2003, p.162). Exemplo disso são os jornais
Deutsche Auswanderung-Zeitung (Jornal Alemão de Emigração) — publicado na cidade de
Bremen entre 1852 e 1875 — e Allgemeine Auswanderung-Zeitung (Jornal Geral de Emigração)
60
— publicado em Rudolfstadt, na Turíngia, entre 1846 e 1871 (Alves, 2003, p.156). Estes e
outros jornais do gênero publicavam, além de algumas cartas de emigrantes já instalados no seu
destino, “artigos mais profundos sobre o tema da emigração, sobre conseqüências econômicas e
sociais da mesma para os Estados alemães, sobre os diversos países de destino e,
importantíssimo, sobre as novas leis para migrantes promulgadas tanto na Alemanha quanto nos
países receptores” (Alves, 2003, p.159). Pequenos livros ou guias de viagem eram produzidos
com vistas a instruírem os que desejassem partir, inteirando-os dos passos que deveriam tomar
para a emigração, os países que poderiam acolhê-los, as vantagens e desvantagens de cada um
deles. É possível que alguma dessas publicações tenha passado pelas mãos do jovem Jacob
Aloys, como o Katechismus der Auswanderung (catecismo da emigração) (Pelz, 1881), um guia
publicado em 1881, em Leipzig, com objetivo de servir de “bússula” (Kompass) aos emigrantes.
Aos que vinham no final do século, já havia leituras diversas, como Das heutige Brasilien: Land,
Leute und wirtschaftliche Verhältnisse (O Brasil de hoje: terra, gente e condições econômicas)
(Schanz, 1893). Assim, os emigrantes tinham à sua disposição uma ampla organização
(Auswanderungorganisation) de agentes, agências e propaganda, a qual impulsionava, de uma ou
outra maneira, a população para fora da Alemanha (Alves, 2000, p.88). As publicações e jornais
serviam de estímulo à saída do país ou de alerta sobre os perigos aos que buscavam esta solução.
Isso é o que mostra, por exemplo, o jornal Der Reichsfreund, publicado em Zell, ao criticar a
onda emigratória como uma “febre” que leva, muitas vezes, os emigrantes a precipitarem-se,
colocando-se nas mãos de maus agentes:
Advertência. A febre de emigração reina forte neste ano, e muitos se
perdem nisso. Mas existem “maus” agentes conhecidos. Entre os muitos
exemplos, cito um. [...] Quem for atingido pela febre de emigração, não deve agir
no primeiro sintoma, mas pensar com calma e atenção, pois, pelo que sei, em
61
nenhum lugar existe uma agência que ofereça a viagem gratuitamente para um
país de além-mar.
58
Segundo Alves (2000, p.247), apesar da intensa produção, é difícil dimensionar com
precisão o quanto a propaganda influenciou na decisão dos emigrantes: ela “não foi o fundamento
decisivo, mas adquire importância principalmente para os que já demonstravam interesse pela
emigração”.
Emigrar, para Friederichs, não deveria representar, pois, uma experiência de “sofrimento”
e “divisão”. O futuro parecia prometer-lhe bastante, seguindo o sucesso dos irmãos ou os
inúmeros outros exemplos de conterrâneos com “espírito empreendedor” (Woortmann, 1995,
p.118). É construído, isso sim, um sentimento a posteriori de apego à antiga pátria — para este
emigrante específico ou ao seu grupo em geral —, influenciado parte pelo contato com diferentes
etnias, parte pelo apelo ideológico do germanismo. Tanto na relação inter-étnica como para o
germanismo, toma-se a vivência de Friederichs enquanto alemão nato, transformando a
experiência da imigração em um mito. Aí a aldeia de Merl fica na lembrança como a “idílica
Heimatdorf” (aldeia pátria), à qual Friederichs e outros merlenses “prestam honras”.
59
58
Warnung. Das Auswanderungfieber grassirt in diesem Jahre sehr stark, und viele gehen daran zu Grunde. Es
gibt aber gewisse lose Agenten. Unter zahlreichen Beispielen dafür nur ein kleiner. [segue contando um caso]. Wer
von Auswanderungfieber ergriffen wird, soll doch nicht gleich im ersten Anfall handeln, sondern erst ruhig
überlegen und wohl beachten, dass meines Wissens nirgendwo eine Agentur besteht, welche freie Überfahrt in ein
überseeisches Land vermittelt.(...).J.W.Würden, Avenue Charlotte 49, Antwerpen. DER REICHSFREUND –
Volksblatt für die Mosel und Umgebung Zell, 25 mai. 1881. APFF.
59
Merler in Rio Grande do Sul in Brasilien; JORNAL SEM IDENTIFICAÇÃO, (recorte), APFF.
62
2 ALÉM DA IMIGRAÇÃO: A INTEGRAÇÃO À SOCIEDADE PORTO-
ALEGRENSE
Conforme visto anteriormente, aportar no Brasil, no final do século XIX, não era mais tão
difícil, nem tão demorado, nem tampouco estranho, tanto para os que chegavam quanto para os
que recebiam os estrangeiros. Alemães já desembarcavam nos portos brasileiros há mais de
cinqüenta anos; italianos a não mais de dez; portugueses e espanhóis constantemente ingressavam
como imigrantes, e agora também iniciava a vinda de orientais, estes sim a novidade étnica. A
vinda de imigrantes do Oriente foi bastante problemática, como analisa Lesser (2001), na medida
em que eles não se adequavam devidamente no discurso da nação branca da elite. Para os
alemães, no entanto, mesmo que a língua ainda fosse um dos maiores entraves à integração mais
imediata do imigrante, havia já facilitadores que buscavam dar ao que chegava as mínimas
condições de comunicação. No Rio de Janeiro, por exemplo, o professor Carl Jansen, que
lecionava no Colégio D. Pedro II, produziu um pequeno livro de bolso, que poderia servir de
primeiras lições da língua portuguesa aos imigrantes alemães lá desembarcados (Jansen, 1884).
Quando chegavam a Porto Alegre, no entanto, as dificuldades se dissipavam ainda mais.
A cidade não era mais tão estranha ao imigrante. O biólogo teuto-norte-americano Herbert
Smith (1851-1919), que relatou sua chegada a Porto Alegre em 1881, impressionou-se com uma
certa “mistura entre Alemanha e Brasil”. Em sua avaliação, “em toda parte se vislumbram sinais
da presença de comerciantes alemães: na esquina se ouve a língua da pátria de origem. Moços-
de-frete alemães carregam as malas dos que chegam até uma hospedaria alemã, onde um
proprietário alemão, com sua bela senhora, igualmente uma alemã, recebe os hóspedes como
63
velhos amigos”.
60
É possível que esta leitura tenha um sentido um tanto etnocêntrico,
exagerando a importância ou força do elemento teuto na paisagem porto-alegrense, mas não pode
ser de todo descartada.
Não eram poucas, neste último quartel de século, as casas comerciais de imigrantes
alemães em funcionamento na Rua da Praia, a principal via da capital gaúcha. A presença desses
estabelecimentos no local era significativa desde a década de 60, principalmente aqueles do ramo
do vestuário (Gans, 2004, p.42). Ao passar pela Rua da Praia, o imigrante não poderia deixar de
ver as lojas de Mathias Bins, Carl Bohrer, Luise Christoffel, Peter Jung, Johann Adam Klein,
Johann Engel, as grandes casas de moda que pertenciam a famílias alemãs. Havia ainda as de
médio porte e os mestres de ofício como Wilhelm Döpfner, Wilhelm Eggers, Emilio Hanssen,
Heinrich Kühlcke, Valentin Mensch, todos chapeleiros; ou Jacob Reichel e August Müller,
sapateiros. Na década de 80, a diversificação já se fazia sentir com estabelecimentos de ramos
diversos, como a metalurgia, produtos alimentícios, ourivesaria, relojoaria, tipografia e ofícios de
transformação de madeira, pintura, além de profissionais da educação e do direito. Gundlach,
Dreher, Freitag, Masson e um grande número de comerciantes e profissionais podiam dar à rua
um ar de “mundo conhecido”.
61
A influência alemã na cidade podia ser sentida também fora do meio econômico, como
no associativismo — com um grande número de sociedades culturais e esportivas de caráter
étnico, com a prática de esportes como o ciclismo, a ginástica e o remo — ou na arquitetura,
60
Sie erscheinen wie eine Vermischung von Deutschland und Brasilien, (...). In jedem Winkel stiessen wir auf
Zeichen von deutschen Händlern: an den Ecken unterhielten sie sich in den Lauten ihres Vaterlandes (deutsch
Original). Deutsche Lastträger brachten unser Gepäck nach einem deutschen Gasthause, dessen deutscher Besitzer
mit seiner hübschen Frau, ebenfalls eine Deutsche, uns wie alte Freunde empfing und —: er setzte diesen Empfang
nicht in die Rechnung”. ALLGEMEINDE LEHRERZEITUNG, Organ des Deutschen Evangelischen Lehrer-
Vereins. Porto Alegre, v. 28, n. 5, maio 1931. p. 7. NETB.
61
O texto de Magda Gans, já citado anteriormente, traz um riquíssimo levantamento das casas comercias teutas,
listadas em tabelas, com diferenciação por ramo de atividade, porte e localização.
64
tanto em relação à presença de arquitetos e artífices quanto em relação ao estilo arquitetônico.
O atendimento religioso, para católicos e protestantes, também era feito na língua pátria,
permitindo assim que os recém chegados pudessem manter sua religiosidade nos moldes
tradicionais. Os católicos eram atendidos, desde 1861, de forma incipiente, na Igreja do
Rosário; mas em 1884 a comunidade São José dos Alemães (Skt. Josefgemeinde), que recebeu
ereção canônica em 1871, já possuía capela própria (I Centenário, 1971). Os protestantes de
confissão luterana, ao menos desde 1866, tinham o acompanhamento religioso de um pastor
com formação teológica (e alemão nato) (Gans, 2004, p.122). Também no âmbito da cultura
letrada e informação, o novo imigrante tinha um bom número de opções, com três jornais
semanais publicados em língua alemã na cidade
62
ou com o almanaque Koseritz Deutscher
Volskalender (Almanaque Popular Alemão de Koseritz). No decorrer dos anos, com a
manutenção do uso do idioma alemão na cidade e no interior e com a chegada de novos
contingentes de imigrantes, criava-se uma estrutura cada vez maior de recepção aos
estrangeiros, como indica a produção de guias publicados com o intuito de informar o que
havia na cidade, do setor público ao privado, do trabalho ao lazer, dos produtos aos serviços. É
o que mostra o Deutscher Führer von Porto Alegre (Guia Alemão para Porto Alegre) (Tussig,
1929). Guias similares podiam ser encontrados em São Paulo e no Rio de Janeiro. Mesmo que,
na década de 80 do século XIX, este material ainda não fosse acessível, os jornais e
almanaques existentes permitiriam a Jacob Aloys Friederichs um conhecimento geral da
cidade na qual ia viver. Além do visível interesse comercial e propagandístico, pode-se
compreender tais publicações no âmbito de uma certa “solidaderiedade de origem”, na qual os
já estabelecidos tentam integrar os que chegam. A cidade de Porto Alegre possuía então, neste
62
Os três jornais em língua alemã disponíveis na cidade eram o Deutsche Zeitung (desde 1861), o Deutsches
Volksblatt (desde 1871) e o Koseritz Deutsche Zeitung (desde 1881) (Becker, 1956, p. 272, 277 e 278).
65
período, um “quê” de alemão. Assim, o jovem Friederichs tinha à sua frente boas condições
para iniciar a vida.
63
* * *
Quando imigrou para o Brasil, Jacob Aloys ainda não era Friederichs. Seu nome de
família, de vital importância para a construção de sua identidade
64
, ainda não havia sido alterado,
fato que ocorreu logo nos primeiros dias após sua chegada. Era comum que os imigrantes
tivessem seus prenomes abrasileirados, modificados, às vezes, por simples ato de escrivães que
os registravam de forma simplificada quando aqueles procuravam alguma repartição pública.
Mas, em geral, os sobrenomes permaneciam como na origem. No caso dos Friederich, a adição
do “s” ao nome pode ser explicada pela dificuldade dos brasileiros em pronunciar o “ch” final;
colocando-se um “s”, portanto, o nome teria melhor sonoridade.
65
Mas Aloys dá outra explicação
ao fato. Vindo ainda moço, com apenas 16 anos, Jacob Aloys, filho de Vinzent Friederich, teve
que ficar aos cuidados do irmão mais velho. Isso significava também reconhecer a autoridade de
Miguel, que não apenas tinha mais idade do que ele, mas também era o primogênito da família,
além de referência masculina da infância. Segundo Aloys, o fato de ter sido acrescido um “s”
final a seu sobrenome deveu-se a um “capricho” da cunhada Katchen Sehl, casada com Miguel.
A professora pública de Lomba Grande não havia se agradado do nome de família sem o “s”
63
Na análise de Singer (1977, p.154-167), Porto Alegre é, na segunda metade do século XIX, “a cidade dos
alemães”. Ela cresce na medida em que serve de escoamento da produção agrícola das colônias alemãs, e
incrementa-se o comércio e a indústria com capital gerado por elas. Considera então que Porto Alegre “pode ser
denominada com justiça (neste período) de cidade dos alemães” (p.167). Siriani (2003) utiliza-se de expressão
semelhante para caracterizar São Paulo entre os anos de 1827 e 1889: “uma São Paulo alemã”.
64
O sobrenome representa o “tronco” familiar, onde apenas as referências aos membros masculinos da família têm
significação (Woortmann, 1995).
65
FRIEDERICH, E. Vortrag (discurso) von Ewald Friederich über
66
final, convencendo o marido da necessidade da alteração. Isso ocorrera logo após o casamento.
Quando o irmão Jacob (não Jacob Aloys) desembarcou em 1882, o mesmo submeteu-se ao fato já
consumado. Então chegou, em novembro de 1884, Jacob Aloys, o caçula; foi recebido por dois
irmãos e a eles confiado. Em visita a Lomba Grande, a fim de conhecer a “espirituosa” cunhada,
o jovem imigrante ficou sabendo da alteração de seu nome de família, fato ao qual se submeteu,
porém “não sem luta”. Tentou contestar a decisão, argumentando com um livro de Schiller que
Miguel havia trazido de Colônia, no qual estava escrito que o mesmo pertencia ao oficial canteiro
Michael Friederich. Mesmo assim, não obteve sucesso em sua investida, persistindo a vontade do
irmão Miguel (e da cunhada), a qual teve de submeter-se
66
.
Supondo que tais fatos realmente tenham ocorrido desta forma, podemos entender a
valorização dada ao sobrenome por Jacob Aloys como algo comum entre os homens (em especial
entre os colonos alemães) na medida em que o “tronco” familiar era formado pelo sobrenome,
herdado pela veia paterna, portanto, masculina. Woortmann (1995, p. 205) ressalta que,
comparativamente às mulheres, os homens davam muito mais importância ao sobrenome, fato
que poderia explicar o “capricho” da cunhada Katchen, alterando o nome por questões estéticas, e
a resistência de Jacob Aloys, apelando à tradição. Além do mais, como lembra Bourdieu (1996,
p.186), “por essa forma inteiramente singular de nominação que é o nome próprio, institui-se uma
identidade social constante e durável, que garante a identidade do indivíduo biológico em todos
os campos possíveis onde ele intervém como agente”. A preocupação de Aloys — na juventude
ou quando narra esta história — parece estar no rompimento que a alteração do nome poderia
provocar na identidade construída pelos ancestrais.
66
Jacob Aloys volta a assinar como Friederich nos últimos anos de sua vida. FRIEDERICHS, J. A. Ex-Libris:
Erlfried — Jacob Aloys Friederich”, s.d (1949?). ABM.
67
No caso em questão, é difícil construir-se uma identidade singular e unitária com ênfase
no prenome, já que este era tradicionalmente reutilizado por novos membros da família. O
prenome Jacob, por exemplo, era compartilhado pelo personagem e um de seus irmãos. Este
irmão, posteriormente, teve um filho, o qual recebeu o nome completo do tio, que também era
seu padrinho: Jacob Aloys Friederichs Sobrinho (Famílias Brasileiras, 1965).
67
O irmão José, que
morreu em território brasileiro no ano de 1883, tem seu nome reeditado no de outro parente, um
produtor de vinho da aldeia de Merl (Friederichs, 1950).
Relatado o fato anos depois do acontecido, novamente é de se perguntar pelo significado
que o mesmo teve no momento em que ocorreu. Afirmava Friederichs: “Isso vinha contra meu
sentimento e minha tradição nela já impressa fazia 17 anos”. Para um jovem de 16 anos, que
emigrou a fim de construir a vida em outro país, justificar-se-ia tal enfurecimento causado pela
alteração no nome? É possível que sim, mas provável que não. O acontecimento acima descrito
encontra-se registrado em um documento do período final da vida de Friederichs, juntamente
com a alegoria analisada no capítulo anterior; portanto, uma auto-análise da trajetória do
personagem. Como relato autobiográfico, ele se soma às outras idéias contidas no mesmo folheto,
permitindo assim a construção de uma identidade unitária, para a qual esses elementos se
revestem de especial importância. Registro de memória, o fato vem adicionar força à identidade
— como imagem de si — que o personagem buscou construir.
68
67
Também referido em Arquivo Genealógico Benno Mentz, ABM. Woortmann (1995, p. 204 e 208) explica que era
comum, entre os imigrantes alemães, que dois irmãos tivessem o mesmo prenome, sendo acrescido ao segundo um
outro nome que os diferenciasse. Seguia-se também a tradição de herdar o nome do tio, que ao mesmo tempo deveria
ser padrinho. Desta forma, cada família ou “tronco” familiar tinha seu próprio repertório de nomes. No caso da
família Friederichs (originalmente Friederich), se repetem com freqüência os nomes José, Jacob, Vicente (ou
Vinzent) e Aloys, compondo combinações diferentes com os mesmos prenomes.
68
Pollak (1992, p.204) afirma ser esta “a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a
imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua própria representação, mas
também para ser percebida da maneira como quer ser percebida pelos outros”.
68
Sendo assim, nos seus últimos anos, Friederichs retomou as experiências passadas para
pintar o quadro de sua vida com as cores que melhor davam conta da imagem que tentou
construir de si. Relembrar sua chegada (e assim reconstruí-la com os restos que a memória
evoca), pode ter sido, para ele, uma confirmação da unidade de sua vida, da integridade de sua
identidade, justificando com isso as idéias que defendeu. Considero, no entanto, que esta unidade
de sentido foi construída ao longo da vida do personagem, mais fortemente após sua integração
ao mundo imigrante, influenciada dialeticamente pelas experiências vivenciadas e pelos projetos
que construiu para conduzir sua trajetória. O direcionamento dessa trajetória — a partir de um
“projeto” — teve como orientação simbólica duas máximas latinas: ora et labora, também em
sua versão germânica (bete und arbeite), e esto fidelis et eris liber (seja fiel e será livre).
69
A
primeira norteou sua vida religiosa e econômica; a segunda, sua relação com a identidade étnica e
a pátria brasileira.
2.1 Ora et Labora : a “dedicação ao trabalho”
70
e seus rendimentos
Os nomes Aloys e Friederichs estiveram fortemente ligados ao desenvolvimento
econômico buscado e alcançado pelo personagem central desta história. As empresas, em geral,
eram conhecidas pelos sobrenomes de seus proprietários e poucas vezes popularizadas com
“nomes fantasia”.
71
Assim também foi conhecida a oficina de Miguel Friederichs, o responsável,
69
ARGENTINISCHES WOCHENBLATT, Buenos Aires, 31 jan. 1948, (recorte), JAF 0017, ABM.
70
Essa noção carrega não apenas a idéia de uma relação do indivíduo com a produção de sua vida material, mas
também e principalmente no caso em questão, a valorização moral contida na ética do trabalho, disseminada como
característica etnicamente intrínseca ao imigrante alemão.
71
É representativa a quantidade de empresas que, no álbum publicado em 1916 por Monte Domecq & Cia, intitulado
O Estado do Rio Grande do Sul, estampam o nome de seus proprietários em suas fachadas, como F. C. Kesseler &
69
o executor das obras, o mestre dos projetos do empreendimento manufatureiro que tornava
conhecida a família Friederichs.
Miguel tinha uma oficina de cantaria, que iniciara em Lomba Grande, mudando-se para a
capital do estado no início de 1884. Karl von Koseritz — jornalista e importante liderança entre
os teutos — colaborou no bom começo do estabelecimento em Porto Alegre, anunciando, mas
também recomendando em seu jornal, os trabalhos do “primoroso canteiro conhecido de toda a
colônia, a quem se devem os melhores ornamentos nas construções das igrejas; um verdadeiro
artista na sua especialidade de produção de túmulos e trabalhos em construção”; “difícil de
encontrar um melhor”
72
. Parecia mesmo difícil, naquela época, encontrar-se um canteiro melhor,
já que estes profissionais do ramo da escultura eram numericamente inexpressivos no Rio Grande
do Sul até o início do século XX. Para ornamentar as igrejas, prédios e cemitérios, costumava-se
importar da Europa a grande maioria das peças (Doberstein, 2002, p.59).
Esta situação começa a se modificar no final do século XIX por basicamente dois
movimentos — um de demanda e outro de oferta — que se completavam mutuamente. O
surgimento de uma burguesia enriquecida em razão, em grande parte, do comércio “colonial”,
trazia consigo novas necessidades, novos gostos, novas formas de distinção. Os ventos da
modernidade que invadiam os grandes centros europeus e também os brasileiros já se faziam
Cia – Fábrica de Chapéus, ou F. Dexheimer & Kessler – Grande Engenho de Arroz (p.175). Das casas comerciais
que portavam “nomes fantasia” — poucas, segundo a mesma fonte —, destaca-se a “Ao preço fixo”, de João C.
Porto (p.179).
72
Miguel Friederichs, der auf der ganzen Colonie bekannte vortreffliche Steinmetz, dem Kirchenbauten und Kirköse
ihren besten Schmuck danken, hat sich auf Verlangen verschiedener Bau-Unternehmer hier niedergelassen und seine
Werkstätte im Caminho Novo nr. 62 eröffnet. Herr Friederichs ist ein wahrer Künstler in seinem Fach und für die
Anfertigung von Grab-Monumenten und Bau-Arbeiten wird es schwer sein, einen besseren zu finden. Da die
Verwendung von Sandsteinornaten bei Bauten täglich mehr in Schwung kommt da ja in der Provinz wirklicher
Ueberfluss von vorzüglichstem Sandstein ist, sind wir sicher, dass es dem ebenso bescheidenen wie begabten und
fleissigen Künstler nicht an Kundschaft fehlen wird. KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 30
jan.1884, ABM.
70
sentir em Porto Alegre. Novos prédios públicos, logradouros, praças e jardins eram projetados
com elementos ornamentais que justificavam a necessidade da vinda de mais profissionais da
construção, escultores e também arquitetos. As famílias procuravam marcar a distinção não
apenas nos ornamentos das fachadas das casas, nas soleiras e mobiliário com materiais nobres,
mas também nos “mausoléus magnificentes e profusamente decorados com um vasto repertório
de imagens e símbolos” (Doberstein, 2002, p.175). A diferenciação se fazia necessária para
distinguir a burguesia nascente daquela elite tradicional que, de outra forma, externava gostos
mais simples no que concerne à arte cemiterial (Bellomo, 1994). Por outro lado, os profissionais
escultores, canteiros e arquitetos europeus obedeciam ao fluxo da demanda e “iam atrás de
trabalho onde existissem crescimento econômico e uma burguesia disposta a investir seus lucros
em prédios suntuosos” (Doberstein, 2002, p.16).
Uma rede parecia aqui se formar, na medida em que, segundo Koseritz, Miguel abriu sua
oficina no Caminho Novo, número 62, por exigência ou desejo de empresários do ramo da
construção estabelecidos na capital.
73
A ampliação dos negócios muito provavelmente levou-o a
acionar outra rede, a que ligava Porto Alegre a Merl, na região do Mosela, chamando assim mão-
de-obra de sua terra-natal. Tal iniciativa era bastante comum por duas razões: de um lado, a
pouca especialização do trabalhador nacional; de outro, as representações que já se faziam
disseminar, junto à população, da maior operosidade e capacidade de trabalho do imigrante
alemão e, em contrapartida, da pouca especialização do trabalhador nacional
74
. Jacob Aloys ainda
73
(...) hat sich auf Verlangen verschiedener Bau-Unternehmer hier niedergelassen und seine Werkstätte im Caminho
Novo nr. 62 eröffnet. KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 30 jan. 1884. ABM.
74
No jornal A Federação, anos mais tarde, ler-se-á a respeito das oficinas do filho de Miguel, João Vicente
Friederichs, o seguinte: “O pessoal desta casa é na maioria estrangeiro, porque dentro do elemento nacional, apesar
da certeza de uma boa recompensa pecuniária, parece existir uma tendência contrária à vida da oficina”. Tal
afirmação é repetida alguns parágrafos mais adiante: “O pessoal do estabelecimento atinge atualmente a setenta
operários. É em sua maioria estrangeiro, pois, já o fizemos notar, parece existir no elemento regional uma tendência
contrária ao trabalho ou operariado industrial”. Crônica de J. Berro Las Cazes, A Federação, 29 de janeiro de 1913.
Transcrita em Fagundes (1987, p.100 e 102). Esse tipo de atitude, no entanto, não era privilégio ou exclusividade dos
71
não possuía a especialização almejada: “ao contrário do irmão, que aqui chegara já credenciado
no ramo da cantaria, Aloys desembarca na cidade sem a menor experiência do métier”
(Damasceno, 1971, p.184). Talvez tenha vindo preencher a vaga anunciada em fevereiro pelo
irmão, onde procurava “um jovem aprendiz robusto”. Talvez, quando de sua chegada em
novembro, existissem mais vagas para aprendizes na empresa que crescia
75
. Segundo relata um
de seus descendentes, Miguel estava “desde o princípio tão entusiasmado que deixou que os dois
irmãos Jacob e Aloys viessem alguns anos mais tarde”.
76
Parece, portanto, que condições
concretas de ascensão social impulsionaram os Friederich para o Brasil.
Jacob Aloys foi iniciado como aprendiz de canteiro aos 16 anos. Recebeu os
ensinamentos teóricos, especificamente em “desenhos geométricos e práticos, cálculos e outras
instruções”, na Escola Profissional do engenheiro João Pünder. Enquanto aprendiz, foi
introduzido no ofício por seu irmão Miguel e acompanhado pelo mestre Franz Schubert, o
primeiro oficial marmorista da oficina.
77
Segundo Doberstein (2002, p.62), os aprendizes
exercitavam-se através do “método de transcrição”, ou seja, de cópia, de modo que se
empresários da família Friederichs. Pesavento (1988) e Petersen e Lucas (1992) apontam para a tendência, entre os
empresários industriais e comerciais da cidade de Porto Alegre, de importar mão-de-obra qualificada da Europa,
restando aos nacionais os postos de trabalho não-especializados (e de menor remuneração).
75
Friederichs confirma, na publicação referente aos 65 anos da Casa Aloys (Friederichs, 1950), já citada
anteriormente, que ele era “casualmente o ‘aprendiz robusto’ procurado pelo anúncio na folha anterior”, o que quer
dizer, na reprodução do Deutsche Zeitung. É provável que não haja relação entre este anúncio e sua chegada a Porto
Alegre, uma vez que o mesmo é de janeiro e Jacob Aloys chegou apenas em novembro. Possivelmente, Friederichs
tivesse a intenção, ao fazer a associação entre um e outro — o anúncio e sua imigração —, de marcar mais
fortemente sua presença junto à fundação da oficina que originalmente foi do irmão Miguel. Ao festejar os 25 anos
da oficina, em 1909, quando então a mesma passou a ser denominada de Casa Aloys, Friederichs transferiu os
festejos para o dia 13 de novembro, data de sua chegada a Porto Alegre, o que pode reforçar a idéia a respeito das
intenções do personagem. Nas duas situações, nota-se que ocorre um trabalho de “organização da memória”: “o que
a memória individual grava, recalca, exclui, relembra, é evidentemente o resultado de um verdadeiro trabalho de
organização” (Pollak, 1992, p.204).
76
“... von Anfang an von Brasilien so begeistert, dass er seine beiden Brüder Jacob und Aloys wenige Jahre später
nach Porto Alegre nachkommen liess”. FRIEDERICH, E. Vortrag (discurso) von Ewald Friederich über.
77
A especialidade de Miguel Friederichs era o trabalho em pedra grés. Depois que Jacob Aloys assumiu a oficina, o
mármore passou a ser a matéria-prima por excelência dos serviços oferecidos por seu estabelecimento. O primeiro
monumento em mármore que o oficial Aloys executou foi o túmulo de Heinrich Ritter, no cemitério de São
Sebastião do Caí (município da zona colonial alemã) (Friederich, 1950).
72
familiarizassem com o ofício. Friederichs comenta a execução de seu primeiro trabalho em
mármore — uma lápide que fizera “apenas para habilitar-se e mesmo sem qualquer remuneração”
(Friederichs, 1950).
Com 19 anos, o jovem Aloys já era oficial e aos 22 tornava-se mestre. Em fevereiro de
1891, foi encorajado a assumir, como proprietário, o empreendimento, às custas de R$ 3:732§000
(3 contos, 732 mil réis).
78
A oficina, a partir daí, funcionava “por sua conta e risco” (Friederichs,
1950). E o fato não tinha apenas significado para a construção de sua imagem como empresário
— jovem e “auspicioso” —, mas também para a constituição de laços familiares e afetivos, já que
pretendia casar-se. Segundo conta Friederichs, o futuro sogro, João Grünewald, temia que a
oficina não pudesse sustentar-se sozinha e ainda manter a família que adviria do casamento de
Jacob Aloys e Maria Guilhermina.
79
O primeiro trabalho realizado pelo “jovem mestre”, como
proprietário da oficina, já pôde assegurar sua capacidade de gerir os próprios negócios.
80
E para que a clientela se mantivesse segura da confiabilidade dos trabalhos executados,
foi anunciada, no jornal Deutsche Zeitung de Porto Alegre, nos primeiros dias de fevereiro, a
transferência de propriedade da oficina para as mãos de Jacob Aloys, garantindo-se a “seriedade”,
“honestidade” e “esmero” dos serviços.
81
78
Mesmo comprovando a compra da oficina com a reprodução da fatura de venda (publicada em Friederichs, 1950),
Jacob Aloys deixa em aberto a informação a respeito de onde ou como obteve a quantia necessária para fazer o
negócio.
79
Segundo certidão de casamento, a nubente denominava-se Maria Guilhermina (CARTÓRIO DE REGISTRO
CIVIL. Certidão de casamento, 1891, Porto Alegre, 1ª Zona. CRC). Em sua sepultura encontra-se o nome no original
alemão “Wilhemina”. Este é um exemplo do que mencionei anteriormente em relação à alteração dos nomes por
registro cartorial.
80
Pelos cálculos de João Grünewald, Friederichs teria que ganhar 22 mil réis por dia, “para manter a oficina e a
futura família”. No primeiro dia como proprietário, o jovem Aloys conseguira dobrar a expectativa do sogro,
recebendo 44 mil e quinhentos réis por um trabalho realizado em Linha Brochier (distrito de Montenegro, município
da zona colonial alemã) (Friederichs, 1950).
81
DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 10 fev. 1891. ABM.
73
Jacob Aloys assumia a oficina e Miguel Friederichs tomava outros rumos na área da
construção. Assim que Jacob desembarcou em Porto Alegre, Miguel fundou, junto com Gustav
Koch, a firma construtora Friederichs & Koch, da qual fazia parte a oficina de cantaria. Em 1888,
dissolveu-se a firma construtora e Miguel associou-se a Alberto Bins no negócio de fornecimento
de ferro bruto e materiais de construção. A firma Bins & Friederichs conservou ainda por algum
tempo a oficina, agora de cantaria e mármore, até fins de 1890, quando então resolveu liquidar
este pequeno anexo. Foi então que Jacob Aloys Friederichs começou a fazer nome sozinho.
82
Nesta época, já havia nascido o filho de Miguel que viria a sucedê-lo nos negócios. João
Vicente Friederichs construiu seu nome comercial na mesma área profissional que o pai e o tio,
tornando-se, de certa forma, um concorrente da Aloys.
83
O filho de Miguel especializou-se em
escultura com materiais menos nobres e de maior consumo. Doberstein (1994, p.44) refere-se a
um surto de construção e ornamentação ocorrido no início do século, o que justificava e até
exigia a adoção de materiais alternativos, “menos aristocráticos”, de modelagem mais rápida,
como “a louça, gesso, mistura de cimento, areia e cal”. A oficina da Rua Conceição fornecia, em
1913, “ornamentos de cimento e gesso para interior e exterior de casas, estátuas e imagens,
mosaicos, soleiras e pias — imitação granito para lousas e pedras de túmulos”, além de adubos
82
O processo nº 1441 da Junta Comercial do Rio Grande do Sul (JCRS) apresenta um contrato de sociedade,
assinado entre Alberto Bins e Miguel Friederichs, de um estabelecimento de “comércio de importação de ferro e
máquinas, materiais de construção e qualquer outro ramo de negócio que possa convir”. “O capital social é de
274:367$240, pertencendo ao sócio Alberto Bins 137:767$080 e ao sócio Miguel Friederichs 136:600$160. Fazem
também parte dos bens sociais os terrenos e prédios nº 54, 56 e 58 sitos à rua dos Voluntários da Pátria nesta capital”.
É curioso, entretanto, que o documento seja de 10 de agosto de 1895. Não se trata de alteração de contrato, mas do
contrato em si. Talvez a sociedade tenha se formado já em 1888, como informa o almanaque da Casa Aloys, e a
inscrição na Junta tenha sido feita apenas em 1895. A nota da venda da oficina de mármores para Jacob Aloys,
datada de 1º de fevereiro de 1891 e publicada no almanaque “Noticiário Semanal...”, já apresenta a razão social Bins
& Friederichs como a vendedora do patrimônio.
83
João Vicente Friederichs estudou na Europa, onde pôde desenvolver-se e aperfeiçoar-se artisticamente. Ele é um
exemplo do que trata Willems (1980, p.251) quando afirma que “não poucas famílias de industriais” enviavam seus
filhos à Europa, mais propriamente à Alemanha, para “que ali fossem buscar os elementos técnicos e os padrões de
administração indispensáveis à renovação do aparelhamento industrial”. Outro exemplo deste processo é Alberto
Bins (Fausel, s.d., p.2-3).
74
químicos
84
. Nesse mesmo ano, João Vicente incrementava seus negócios com a instalação de
máquinas de galvanoplastia — “método que permite fabricar estátuas de bronze com grande
facilidade e maior perfeição” (Bellomo, 1994, p.69). A empresa de João Vicente Friederichs é
descrita na obra publicada em 1916 por Monte Domecq & Cia — O Estado do Rio Grande do Sul
— como “uma importante firma, a primeira da capital rio-grandense para esta classe de
trabalhos” (p.178).
85
Enquanto isso, Jacob Aloys, com um nome já há muito conhecido na cidade, oferecia
a preços módicos, pedras de mármore e espelhos para mobília, mesas de mármore
para curtumes, figuras de mármore e de massa de mármore. Executa e coloca
monumentos, mausoléus e capelas para cemitérios em qualquer parte do Estado.
Pias santas, altares de mármore. Fotografias de monumentos já executados, como
desenhos originais e próprios envia-se livre de despesas a quem pedir.
86
* * *
A virada do século trouxe ventos favoráveis ao “mestre Aloys”. Desde que assumira a
oficina, Friedrichs conseguiu fazer dela uma referência no ramo, recebendo prêmios em
exposições ou trabalhando para as famílias mais abastadas da capital. Em 1901, na Exposição
Estadual do Rio Grande do Sul, Friederichs conquistou a medalha de ouro pela Seção de Belas
Artes. Na ocasião, havia exposto quatro trabalhos — “uma cruz com Corpus Christi e outra de
ramagens e flores, ambas de mármore; dois monumentos, um com figura gótica, em mármore
branco de Carrara, outro em pedra natural de cantaria”
87
— com os quais concorria na categoria
“arte profissional”. Tendo sido avaliado pelo juiz Joaquim da Silva Ribeiro com “medalha de
ouro com distinção”, Friederichs esperava o veredito que deveria ser dado pelo presidente da
84
Unitas - Revista Ecclesiastica da Archidiocese de Porto Alegre, n.1, set e out 1913, a.1, s.p. NETB. A fábrica de
Adubos Porto Alegrenses data de 1911 (Revista do Mez, n.7, janeiro de 1923. Porto Alegre, p.73. ABM).
85
Bellomo (1994, p.69) lista os escultores que estiveram a serviço de João Vicente Friederichs até a venda de seu
estabelecimento, em 1934: : Alfred Adloff, Franz Rademacher, Luís Sanguin, Frederico Pellarin, Jesus Maria
Corona, Roberto Strunz e Weuzel Forberger. Entre os que trabalharam com Jacob Aloys Friederichs encontram-se
André Arjonas, Mário Arjonas, Leone Leonardi, Jesus Corona e Alfred Adloff (Bellomo, 1994, p.72).
86
Unitas - Revista Ecclesiastica da Archidiocese de Porto Alegre, n.2 e 3, nov. a fev. 1914, a.1, s.p. NETB.
87
A FEDERAÇÃO, Porto Alegre,1 abr. 1902. MCSHJC.
75
exposição, o intendente municipal José Montauri de Aguiar Leitão. Este último discordou dos
juízes, transferindo os trabalhos de Jacob Aloys para a categoria “belas artes”, onde então lhe
seria concedida medalha de prata. Friederichs não concordou com a decisão, indo pessoalmente
cobrar do intendente o que achava justo: a medalha de ouro pela seção de “artes profissionais”
88
.
O personagem buscou convencer José Montauri do engano e, depois de acalorado debate, seguido
de um toque de “humor renano”, Friederichs recebeu a almejada medalha de ouro, não pela seção
de “artes profissionais”, como solicitara, mas pela de “belas artes” (Friederichs, 1950).
89
Esta
conquista foi capitalizada como propaganda para a oficina durante muitos anos, sendo referida,
por exemplo, ainda em 1912, no almanaque Familienfreund (produzido em Porto Alegre e
vendido por toda a região colonial alemã, inclusive em Santa Catarina), junto aos anunciantes
comerciais.
90
Foi também no primeiro ano do novo século que Friederichs construiu o “templozinho
grego” — uma capela encomendada por Edmundo Dreher, a fim de ali sepultar os restos mortais
de seu pai. Dreher era então um importante representante da elite econômica alemã porto-
alegrense, possuía uma das “mais importantes casas importadoras da capital do estado. [...] Dos
importantes negócios que trata essa conhecida e conceituada casa, a importação de gêneros de
estiva formam o principal elemento. É um dos principais exportadores de banha refinada deste
88
O que Friederichs chama de seção “artes profissionais” é definido na publicação oficial da Exposição como
“trabalhos de ornamentação, cerâmica, cimento, gesso, mármores e outros”. Além dos trabalhos de Aloys, estavam
também expostos vários bustos confeccionados por João Vicente Friederichs. ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL. Catálogo da Exposição Estadual de 1901. Porto Alegre. p. 151. IHGRS.
89
No catálogo da exposição encontra-se indicação de sua premiação junto à lista dos que receberam medalha de ouro
— “João (sic) Aloys Friederichs, pelas esculturas em mármore” —, não havendo referência à categoria (p.431). Se a
conquistou pela seção de Belas Artes, a questão é relevante na medida em que, em geral, os trabalhos destes
escultores — que Doberstein (2002, p.15) denomina de “pequenos mestres”, pois estavam inseridos “mais no
trabalho artesanal do que na arte propriamente dita” (Claudon apud Doberstein, 2002, p.15) — não entravam no
mercado de arte, nem tampouco os profissionais da escultura eram reconhecidos como artistas (Doberstein, 2002,
p.16). A mudança de categoria e posterior concessão do prêmio máximo podem ter sido uma estratégia política, uma
vez que, neste período, Friederichs já vinha se destacando como liderança entre os teuto-brasileiros, em especial no
meio associativo.
90
Familienfreund, 1912 (para o ano de 1913), s.p. NETB/UNISINOS.
76
estado” (Monte Domecq, 1916, p.135). A obra erigida por sua encomenda servia então de cartão
postal à “valiosa clientela” que viria em seguida
91
. A firma de Friederichs, que a partir de 1909
denominar-se-ia Casa Aloys (ver Anexo E), construiu diversos túmulos, mausoléus e capelas, não
só para a comunidade alemã porto-alegrense, mas também aos representantes da zona colonial,
assim como para a elite luso-brasileira da capital. A capela da Família Torelly, construída em
1904, é um exemplo da ampliação e bom andamento dos negócios. Esta construção também
marcou a conquista do cemitério da Santa Casa de Misericórida, então o principal de Porto
Alegre, abrindo as portas a outras encomendas de membros da elite local. Comendador Ventura
Pinto de Oliveira, Coelho de Souza, Thimóteo Pereira da Rosa, Chaves Barcellos, Comendador
Eduardo Secco foram alguns dos nomes para os quais a Casa Aloys executou trabalhos de arte
cemiterial. Nos cemitérios teutos — católico e evangélico — a presença da Casa Aloys é também
destacada, sendo um dos principais monumentos o túmulo de Karl von Koseritz, inaugurado em
1926, vários anos após sua morte
92
.
Ilustração 4: Capela Dreher,
no Cemitério Evangélico de Porto Alegre.
Fonte: Friederichs (1950).
Ilustração 5: Capela Família Torelly,
no Cemitério da Santa Casa.
Fonte: Friederichs (1950).
91
É significativo o destaque que a referida capela tem até hoje no conjunto de túmulos e capelas do Cemitério
Evangélico de Porto Alegre. O cemitério é circundado por um muro de aproximadamente 2 metros, permitindo a
visibilidade, a partir da rua, de apenas algumas construções, entre as quais a capela Dreher (ver imagem no Anexo
C).
92
Na obra de Athos Damasceno (1971, p.186) se encontram listadas todas as obras às quais Friederichs faz
referência em Friederichs (1950).
77
O aumento da clientela foi possível também a partir da ampliação da própria oficina, o
que significou mais espaço e mais trabalhadores. Em Monte Docmecq (1916, p.175), encontra-se
a referência a um pequeno número de trabalhadores — “quatro ou cinco” — que se
empregavam, nos primeiros anos, na oficina de Jacob Aloys Friederichs. Uma foto publicada no
Almanaque comemorativo aos 65 anos da Casa Aloys (já anteriormente citado) mostra um grupo
de 21 “escultores, marmoristas, canteiros e polidores” que trabalhavam no estabelecimento entre
os anos de 1897 e 1901. Outra fotografia, referente às comemorações dos 25 anos da casa em
1909, é publicada no mesmo almanaque e traz ummero de 33 trabalhadores (neles incluso o
proprietário). Já o censo de 1907 registrou, para o mesmo estabelecimento, um número de 50
empregados.
93
No decorrer dos primeiros 20 anos, observa-se um progressivo crescimento da oficina,
que originalmente se encontrava junto aos armazéns da firma Bins & Friederichs, à rua
Voluntários da Pátria, mudando-se no início de 1894 para o antigo prédio da Cervejaria Campani,
na mesma rua, depois de um incêndio que atingiu os armazéns aos quais a oficina estava
fisicamente ligada. Após algumas adaptações nas instalações, Aloys “iniciou a sua ascensão,
coroado de êxito”.
94
No início do século XX, então, os negócios do “mestre Aloys” pareciam desenvolver-se
bem. Em 1903, realizara a primeira viagem à Europa, visitando sua terra-natal e a cidade de
Carrara, na Itália, onde negociou importação de mármore para suas obras. Este retorno, depois de
quase 20 anos de sua saída, era feito em condições bastante favoráveis, quando então já havia
capitalizado status econômico e social de elite imigrante. É provável que tenha, também nesta
ocasião, estabelecido contatos com instituições fomentadoras do Deutschtum no exterior —
93
CENSO DE 1907, p.87. Censos e Estatísticas, Acervo Pesavento, NPH/UFRGS.
94
Os dados referentes às localizações da oficina, assim como a citação acima referida, são de Friederichs (1950).
78
responsáveis pelo “resgate” da germanidade das populações emigradas —, fortalecendo assim
seu sentimento de pertença à nação alemã.
Em 1905, conforme foi dito, ampliou as instalações da oficina com a compra do terreno e
do edifício da antiga Cervejaria Campani, local onde ela já estava instalada há 10 anos. Ali
ficavam os galpões nos quais trabalhavam os canteiros, marmoristas e polidores, além do
“depósito de mármore bruto”; na construção junto à rua, o depósito de “obras prontas” e o
escritório. A grande casa, mais ao fundo, fora adaptada para ser o depósito de vinhos e a moradia.
Quatro janelas frontais no segundo piso exibiam finas cortinas.95 Embaixo do carramanchão, à
frente da casa, uma rede e uma cadeira de preguiça enfeitavam o ambiente. Aloys justifica nunca
tê-las usado, já que representam o oposto da imagem de trabalhador incansável que tentou sempre
construir (Friederichs, 1950). Morar junto à oficina não era algo estranho para os padrões do final
do século XIX. Era, isso sim, bastante usual em se tratando de relações paternalistas. nas quais a
presença física e constante do patrão era necessária nos locais de trabalho — o que significa
controle ostensivo —, mesclando vida familiar com vida econômica: “o patrão é visto como o pai
que proporciona trabalho aos seus filhos, protege-os, associa-os à história de sua família” (Perrot,
1992, p.83).
.96
95
Foto publicada em Friederichs (1950). Em depoimento dado à autora em 20 de dezembro de 2000, Augusta
Dischinger, sobrinha da segunda esposa de Friederichs, relembra a existência das “finas cortinas”, que aparecem
também numa foto, cedida pela depoente.
96
Na avaliação de Fortes (2002, p.165), esse pode ser considerado um “paternalismo embrionário”. Sua fase
“madura” viria com as políticas sociais da empresa Renner na década de 30: “Para além do atendimento a
necessidades materiais e simbólicas dos trabalhadores, essas políticas alimentavam a imagem do ‘capitão de
indústria’ como pai da ‘família’ que se pretendia constituir no âmbito da empresa”.
79
Ilustração 6: Oficina de Mármores na antiga Cervejaria Campani. Fonte: Friederichs, 1950.
Em 1903, Friederichs resolveu entrar também no mercado de importação de vinhos —
produto típico de sua região natal — abrindo a Adega Aloys (Aloys Keller) ao público para
comercialização. Através dela, eram importados vinhos das regiões do Reno e do Mosela.
97
Torna-se freqüente a propaganda de sua adega e de suas seções de prova de vinhos
(Weinprobe).
98
A função deste empreendimento parece não ter sido apenas comercial; ele era
parte importante de sua experiência de vida, já que nascera e crescera rodeado por uvas e vinhos;
era um lugar de nostalgia; era ainda um espaço de constituição de redes de sociabilidade, onde
freqüentemente ocorriam encontros e festejos da elite teuta porto-alegrense. Exemplo disso está
na festa em homenagem a Robert Jannasch, professor berlinense, que veio ao sul do Brasil
realizar contatos e fomentar a formação da Zentralverein zur Förderung der Wirtschaftlichen
Interessen von Rio Grande do Sul. Segundo Wieser (1990, p.264), através deste indivíduo, foram
estabelecidas as primeiras relações com as “grandes federações nacionais do Reino alemão”. A
presença de autoridades como o presidente do Estado e o intendente de Porto Alegre dão a noção
97
Friederichs não era o único a se ocupar da importação e comercialização de vinhos alemães. Segundo Spalding
(1969, p.274 e 275), a “paixão” pelos vinhos da terra natal era culitvada pelos imigrantes, sobretudo pelos da região
do Mosela. Além do irmão Miguel, eram grande apreciadores e distribuidores Mathias Bins, Jacob Kroeff Sênior,
Sehl, Kallfelz, Griebler, Schmitt e Thiesen.
98
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 30 mai. 1904; NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre,
29 dez. 1911. ABM.
80
da relevância do evento.99 O deputado Arno Philipp fez o discurso inicial, em português, em
respeito aos convidados “luso-brasileiros” que estavam presentes naquela “atmosfera alemã”.
Depois foi a vez do anfitrião da casa que, em língua alemã, discursou sobre o Turnen e seu
significado.
Ilustração 7: Casa de moradia, onde ficava também a adega. Em frente da casa, J. Aloys Friederichs. Fonte:
FRIEDERICHS (1950).
No Aloys Keller eram recebidas autoridades nacionais ou estrangeiras, bebidos vinhos da
terra natal, lidas poesias na língua materna e entoadas canções. Uma vez por ano, a partir de
1909, nela encontravam-se amigos que tinham em comum a veneração à figura de Bismarck e
que por isso também formaram a Bismarckrunde (Círculo de Bismarck) — assunto que será
retomado no capítulo 4. As reuniões ocorriam sempre no dia 1º de abril; e, para este dia, o poeta
teuto-brasileiro Otto Meyer criava, a cada ano, um novo poema em homenagem ao
aniversariante.
Em 1940, todas as atividades da adega foram suspensas: não há mais reuniões, nem
comércio de vinhos. A importação dos vinhos alemães fica impedida pela conjuntura de guerra e
o estoque restante é reservado ao uso doméstico. Aquela é retomada apenas no início de 1947,
99
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 28 ago. 1905. ABM.
81
como atesta Friederichs no ano anterior, ao escrever que “nos próximos anos deverá ser
importado novamente vinhos da Alemanha”.
100
É bastante significativo também encontrar, ainda em 1904, a participação de Friederichs
na primeira diretoria do Centro Econômico do Rio Grande do Sul — uma associação que
representava a articulação da elite comercial e industrial gaúcha no sentido de conformação de
uma burguesia local. Segundo Pesavento (1988, p.119), ele “agregava na sua diretoria os mais
expressivos nomes da sociedade local”, entre eles J. Aloys Friederichs.
101
Fundado naquele ano,
em Porto Alegre, o Centro congregava esta elite sem necessário vínculo étnico, visando
“promover os interesses econômicos do Estado, independentemente de espírito de nacionalidade
e idioma”.
102
Contudo, a associação apresentava diversas conexões com a elite teuta: 1) possuía
seu nome alemão (apesar de ter em suas fileiras associados de outras origens étnicas) —
Zentralverein zur Förderung der Wirtschaftlichen Interessen von Rio Grande do Sul; 2) foi
fundada “sob os auspícios de Robert Jannasch”, professor da Universidade de Berlim, intelectual
pangermanista; 3) previa, em seus objetivos, “fomentar-se convenientemente a corrente
imigratória, até estabelecer-se o justo equilíbrio entre a população do Estado e a sua
produtividade",
103
o que, em outras palavras, denota a preferência pela mão-de-obra imigrante em
vista da suposta superioridade do trabalhador estrangeiro. Pesavento (1988, p.120) afirma que a
formação do Centro permite entrever “ligações íntimas existentes entre os interesses do
100
“...im nächsten Jahre schon Weine aus Deutschland ausgeführt werden dürften”. J. ALOYS FRIEDERICHS.
Carta para Josef Friederich. 11 nov. 1946. APFF. Na primeira encomenda após a reabertura das importações de
produtos alemães, Friederichs solicitava a seu sobrinho, Josef, a remessa de 230 garrafas de vinho, especificados os
tipos e procedência de vinícola. Em Anexo D, cópia de folder bilíngüe da empresa vinícola de José Friederich.
101
Entre os “nomes expressivos” estão Alberto Bins, Johann Gerdau, Adolpho Voigt e Vicente Monteggia
(industrialistas); Arthur Bromberg, Horácio Carvalho, Frederico Dexheimer, Cunha Guimarães, Fritz Harbst, H.
Lüderitz, João Paetzel, Ernesto Preiss, F. do Amaral Ribeiro (comerciantes), e os gerentes do London & Brazilian
Bank e do Brasilianische Bank für Deutschland (Pesavento, 1988, p.120).
102
CENTRO ECONÔMICO DO RIO GRANDE DO SUL. Programa e Estatutos do Centro Econômico do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: Gundlach, 1905. p.1. NPH.
103
Idem, p.1.
82
empresariado e do governo gaúcho, por um lado, e do governo alemão, por outro, evidenciando a
importância das relações comerciais existentes entre tais partes”.
Portanto, a elite teuta parecia ser representativa no concerto da burguesia regional, uma
vez que foi também a partir dessa liderança, de base imigrante, que se articularam as entidades de
classe que haveriam de definir as formas de viabilização dos interesses do empresariado
(Pesavento, 1988, p.20). A mesma autora analisa a gestação da organização classista empresarial
dentro de outras associações, principalmente de cunho étnico alemão, que não possuíam
necessariamente conotação classista. Foi o caso da Deutscher Hilfsverein (Associação
Beneficente), da Verband Deutscher Vereine (Liga das Sociedades Germânicas) e da
Gemeinnütziger Verein (Sociedade de Amparo Mútuo) (Pesavento, 1988, p.61). Ou seja, as
associações que não objetivavam, em suas bases estatutárias, ser fóruns de organização do
empresariado acabaram por sê-lo devido às ligações étnicas entre estes empresários. Neste
sentido, pode-se compreender a composição de “grupos de interesse” (Cohen, 1974) — uma
forma de organização informal que acompanha a identificação étnica presente na formação destas
entidades teutas.
* * *
No ano de 1906, tudo parecia correr bem para Jacob Aloys Friederichs: a oficina tinha sua
sede própria, as encomendas cresciam, o capital também; os trabalhadores conviviam em
harmonia com seu mestre, “todos estavam satisfeitos, como me era dado observar, pois
diariamente trabalhava ativamente junto com eles na oficina” (Friederichs, 1950).
104
Da mesma
forma, parecia ser tranqüila a situação geral da classe operária de Porto Alegre, na forma como
104
Nota-se, nesta citação, o que já foi anteriormente referido a respeito das relações paternalistas vigentes na oficina,
nas quais é primordial “a presença física do patrão nos locais de produção” (Perrot, 1992, p.83).
83
essa é descrita pelos jornais de grande circulação da cidade durante as comemorações do 1º de
maio. Segundo Bilhão (1999, p.36-37),
quem lê os discursos comemorativos ao Dia do Trabalho [...] é levado a pensar
que neste período a cidade vive no mais cândido e harmonioso espírito de paz e
prosperidade, capaz de causar inveja aos centros industriais mais desenvolvidos da
Europa. Contraditoriamente, a cidade está há poucos meses de viver uma inédita
greve geral que, se não a paralisa por completo, faz com que grande parte do
comércio, obras e indústrias tenham de fechar suas portas.
Entre a leitura então feita por Aloys Friederichs da situação de sua oficina e os
acontecimentos ocorridos na mesma, em setembro de 1906, também se denota uma contradição.
Foi ali que teve início o movimento grevista que assolou boa parte da elite comercial e industrial
da cidade. A reivindicação da jornada de 8 horas de trabalho, bandeira da “greve dos 21 dias”,
foi desfraldada pelos marmoristas da Oficina de Mármores de J. Aloys Friederichs, alguns deles
ligados à Escola Eliseu Reclus, influenciados por idéias anarquistas.
105
No dia 26 de agosto, domingo, três marmoristas dirigiram-se à casa de Friederichs com
uma carta na qual reivindicavam “um melhoramento fundamental na oficina”. Henrique Faccini,
Carlos Jansson e Arthur do Vale Quaresma representavam os operários que se manifestavam em
favor da redução da jornada de trabalho, que era de 11 horas, no caso dos marmoristas (Marçal,
1985, p.79; Bak, 1999, p.90). O teor da carta pareceu uma afronta ao mestre Aloys,
principalmente vindo de seus leais empregados. Dizia a mesma:
Tendo reconhecido nestes últimos tempos que em quase todas as partes do
mundo civilizado os operários tem alcançado a vantagem de trabalhar menos
d’antes (oito horas por dia), podendo assim dispor algum tempo para o
desenvolvimento moral e intelectual da classe trabalhadora, resolvemos em pleno
acordo, nós abaixo assinados, manifestar-vos a resolução de trabalhar somente
OITO HORAS por dia, a estabilidade do ordenado (SALÁRIO) sendo para mais e
não para menos.
105
Sobre a greve geral de 1906 em Porto Alegre, as melhores referências estão em Petersen (1979), Marçal (1985),
Petersen e Lucas (1992), Bilhão (1999) e Schmidt (2004) .
84
Sabendo que sois um homem honesto, laborioso e condescendente com
tudo quanto é justo, vos pedimos concordar com o nosso desejo, esperamos que de
um homem como vós, que sempre nos tendes tratado bem, tenhamos uma resposta
favorável a fim de não termos necessidade de tomar resolução diferente.
106
Mesmo entendendo o tom de intimidação revelado, principalmente, no primeiro parágrafo
da correspondência, Friederichs esperava que, no dia seguinte, tudo se esclarecesse, e nenhuma
“resolução diferente”, por parte dos operários, seria tomada — até porque “a greve, por definição
[é] impensável num contexto paternalista” (Perrot, 1992, p.62). Enganou-se ele ao ver, na
segunda-feira, que a oficina estava vazia, com exceção da presença do “fiel Polidor Pedro
Caetano”. Os trabalhadores estavam decididos a não voltar ao trabalho, enquanto não recebessem
resposta favorável à sua demanda, o que o mestre Aloys entendeu como uma ameaça
inadmissível nas relações hierarquizadas existentes na oficina.
107
Na marmoraria de Friederichs,
vigorava a organização típica das oficinas manufatureiras, onde uma rígida hierarquia comandava
as relações de trabalho, ancorada no talento e tempo de aprendizagem. Friederichs sentia-se então
desrespeitado como mestre e buscou não ceder às pressões por encará-las como quebra de
hierarquia. Na compreensão de Schmidt (2004, p.167) “neste contexto de transição ao
capitalismo industrial, a reivindicação dos grevistas soava como uma dupla afronta: uma de
caráter ‘moderno’, ao seu papel de empregador capitalista; outra, de conteúdo ‘tradicional’, e
mais grave segundo ele, à sua autoridade de mestre”.
108
Friederichs assumiu — anos mais tarde,
106
Carta reproduzida em Friederichs (1950).
107
Como salienta Chalhoub (1986, p.45), “a autoridade do patrão é enfatizada e considerada essencial para que o
trabalhador se veja obrigado a desempenhar suas tarefas com a eficiência exigida, mas os possíveis excessos na
autoridade patronal são dissimulados sob a forma de proteção, da orientação que o bom patrão devia a seus
trabalhadores passivos e abnegados”.
108
Como destaca Perrot (1992, p.55), “nunca uma evolução se faz em linha reta. Os sistemas se sobrepõem e
coexistem. A grande fábrica está ao lado da pequena oficina, ou abriga em si mesma formas variadas de organização
do trabalho”. É representativo desta sobreposição de sistemas o próprio empreendimento econômico de Friederichs,
que é denominado hora de oficina (designação mais próxima ao trabalho artesanal), ora de atelier (sugerindo a
produção artística), ora de indústria.
85
ao narrar estes acontecimentos — que já havia se “conformado intimamente” com a questão das 8
horas diárias de trabalho. O que mais lhe encomodava, e quanto a isso não pretendia ceder, era o
desrespeito à sua autoridade de “mestre e empregador”. A seu lado, o mestre marmorista tinha a
imprensa teuta da capital, que não entendia a razão de tal afronta, pois, afinal, Friedrichs “nunca
havia tido nenhuma desavença com seus empregados”.
109
Os marmoristas não se renderam. Segundo Friederichs, depois de três semanas, a querela
estava resolvida: os funcionários voltaram ao trabalho e foi estabelecida, de forma pioneira, a
jornada de oito horas na sua oficina.
110
No entanto, outras fontes indicam um processo mais
demorado e conflituoso.
Em primeiro lugar, a declaração de greve dos marmoristas surtiu alguns efeitos imediatos,
como a formação do Sindicato dos Marmoristas e Anexos, no dia 4 de setembro, que logo se
responsabilizou por lançar um manifesto em favor da mobilização do operariado da cidade na
luta pelas 8 horas diárias de trabalho (Schmidt, 2004, p.168).
111
O documento, assinado pelos
“paredistas da oficina de mármores de J. Aloys Friederiches (sic)”, denunciava a longa jornada à
109
Die Arbeiter, die nie irgendwelche Differenzen mit ihrem Arbeitgeber gehabt haben, sondern....” NEUE
DEUTSCHE ZEITUNG , Porto Alegre, 3 set. 1906. O modelo paternalista de gerir as relações de trabalho
característico da empresa de Friederichs será, mais tarde, utilizado e aperfeiçoado pelos proprietários das indústrias
Renner (década de 30) e da Varig (década de 50), como se pode atestar em Fortes (2004).
110
Narração baseada em relato publicado em Friederichs (1950), intitulado “A jornada de oito horas de trabalho em
Porto Alegre foi iniciada pela Casa Aloys”.
111
É possível que o dito manifesto não tenha sido de responsabilidade do Sindicato, mas sim publicado antes da
formação da entidade. Esta suposição é feita com base no jornal Neue Deutsche Zeitung, de Porto Alegre, que no dia
31 de agosto comentava a greve dos marmoristas, os quais haviam publicado um manifesto conclamando todos os
companheiros de profissão a unirem-se à causa das 8 horas: “In einem Manifeste, das die streikenden Arbeiter
veröffentlicht haben, scheinen sie behufs (sic) allgemeiner Einführung des 8-stündigen Arbeitstages den Anschluss
seitens aller Berufsgenossen zu wünschen”. NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 31 ago. 1906. ABM. O
jornal Deutsches Volksblatt também comenta o manifesto — que chama os demais trabalhadores das fábricas a
aderirem à greve — com um documento redigido pelos trabalhadores de Friederichs, mas não opina a respeito: “Die
anständigen Arbeiter der Marmorwekstätte von J. A. Friederichs haben ein Manifest an sämtliche Arbeiter der Stadt
gerichtet. Die Streiker, (...) hoffen, dass das Personal verschiedener hiesiger Fabriken sich dem Streik anschliessen
werde”. DEUTSCHE VOLKSBLATT, Porto Alegre, 31 ago. 1906. IAP.
86
qual estavam submetidas inclusive mulheres e crianças, em que “mal lhes dá tempo para ingerir o
alimento”.
112
Outros dois episódios indicam a determinação dos marmoristas em relação à questão.
Após uma semana de greve, como indica o jornal anarquista A Luta, Friederichs propôs reduzir a
jornada para 9 horas e, “caso não fosse aceita a sua proposta, deveriam os operários retirar os
seus instrumentos de trabalho até às 5 horas da tarde do dia seguinte, com a condição, porém, de
não se apresentar mais que um de cada vez”, sem cogitar a possibilidade de negociação
diferente.
113
Os grevistas apareceram, no dia seguinte, em conjunto; foram barrados pelo
proprietário, que em seguida chamou força policial. Eles temiam ser maltratados por “capangas
que lá estavam trabalhando”, e por isso vieram em bloco remover suas ferramentas. Assim que
foi negociada a retirada da força policial, os grevistas apanharam seus pertences “calmamente” e
permaneceram mobilizados.
114
O prolongamento da greve resultou na busca, fora de Porto Alegre, de novos postos de
trabalho, por parte dos marmoristas, e de novos empregados, por parte do patrão. Alguns deles —
“dois terços”, segundo Friederichs (1950) — rumaram ao Rio de Janeiro, “onde já têm ocupação
remunerada e durante oito horas por dia, nos trabalhos das avenidas”.
115
O mestre Aloys
112
PAREDISTAS DA CASA ALOYS. Panfleto, 1906, JAF0001. ABM.
113
A LUTA, Porto Alegre, 13 set. 1906. Transcrito por Petersen e Lucas (1992, p.147-148). É de se ressaltar aí a
questão da propriedade dos meios de produção que, em parte, se encontrava com o proprietário da oficina, em
parte, mantinha-se nas mãos dos trabalhadores. Esta situação é característica da indústria manufatureira,
predominantemente artesanal, na qual o operário não só possuía habilidade, não só controlava o manejo das
ferramentas, mas também, em grande parte, tinha a propriedade delas (Petersen, 1979, p.282). Sobre este aspecto,
ver também Bak (1999, p.90). Entretanto, pouco a pouco, também os profissionais escultores, marmoristas e
canteiros foram sendo inseridos no “trabalho alienado” (Marx apud Doberstein, 2002, p.22). Como assalariados,
se submetiam a contratos de baixa remuneração, a exemplo do de Franz Rademacher, empregado por João Vicente
Friederichs em 1913. Nele o escultor era obrigado a deixar 20% de seu salário semanal no Caixa da empresa, como
um pecúlio que receberia apenas no final do contrato; e ainda era proibido de realizar “quaisquer trabalhos de
escultura para firmas concorrentes” (Doberstein, 2002, nota 9 da p.59).
114
A LUTA, Porto Alegre, 13 set. 1906. Transcrito em Petersen e Lucas (1992, p.147-148).
115
Quem informa é um líder socialista de Porto Alegre. FRANCISCO XAVIER DA COSTA. Carta para J. Aloys
Friederichs. 10 set. 1906. JAF 0211. ABM.
87
informou que, no final da contenda, “voltaram quase todos”. Mesmo assim, ele precisou tentar
completar o quadro de empregados indo à Argentina. Este tipo de atitude era bastante comum,
como atesta Doberstein (1994), pois muitos dos escultores eram estrangeiros e chegavam para
trabalhar no Brasil vindos da região platina.
116
De acordo com narração do jornal anarquista, no
entanto, a tentativa de Aloys Friederichs foi frustrada:
os operários com quem tratava, porém, ao se inteirarem dos motivos por que eram
procurados, recusaram-se terminantemente a aceitar o convite vantajoso que lhes
era feito, manifestando-se solidários com as reivindicações dos seus colegas de
Porto Alegre. E voltou tristemente o sr. Friederichs sem os operários que pensava
facilmente recrutar para a oficina.
117
A historiografia que analisa a greve geral comenta que, a partir da paralisação encetada
pelos marmoristas de J. Aloys Friederichs, “o movimento passou a contar com o apoio de outras
categorias, tomando uma dimensão inovadora” (Schmidt, 2004, p.171).
118
É de se atentar, no
entanto, para o fato de que o movimento dos marmoristas iniciou-se ainda em agosto, no dia 27,
prolongando-se, segundo Friederichs, por apenas três semanas. Se assim tivesse ocorrido, os
operários da marmoraria teriam voltado ao trabalho ainda antes de começar a paralisação geral,
que agitou a cidade entre os dias 3 e 21 de outubro.
119
Esta possibilidade teria sentido caso, em
primeiro lugar, Friederichs tivesse cedido às pressões dos trabalhadores antes que os demais
empresários se organizassem em oposição ao movimento. É sabido que, sob a liderança de
Alberto Bins, industriais e comerciantes atingidos pela greve (de outubro) fizeram um convênio,
116
O caso do italiano Luis Sanguin, chegado em 1906, para as oficinas de João Vicente Friederichs é um deles
(Doberstein, 1994, p.52).
117
A LUTA, Porto Alegre, 15/12/1906, p.2. Transcrito em Schmidt (2004, p.200).
118
Também em Petersen (1979), Marçal (1985), Petersen e Lucas (1992) e Petersen (2001) pode se confirmar que a
“greve dos 21 dias” foi iniciada pelos marmoristas de Friederichs. Em Schmidt (2004), encontra-se uma detalhada
narrativa da contenda havida entre Friederichs e seus empregados, que foram representados e tiveram suas demandas
defendidas pelo líder socialista Francisco Xavier da Costa.
119
Este movimento mobilizou trabalhadores dos seguintes ramos: fundições, pedreiras, fábricas de doces, curtume,
funilaria, fábrica de vidros, fábrica de chapéus, fábrica de sabão, fábricas de móveis, fábricas de gravatas, fábricas de
meias, Cia. Força e Luz, fiação e tecelagem, estaleiros, estiva (Petersen, 1979, p.291).
88
do qual saiu a proposta da jornada de 9 horas. Tem sentido também em vista de que — apesar da
iniciativa de Alberto Bins de encontrar, para a classe empresarial, uma solução conjunta —
alguns industrialistas, construtores e comerciantes acabaram cedendo às reclamações dos
trabalhadores (Bilhão, 1999, p.54), o que é bastante compreensível num contexto no qual as
identidades de classe ainda estão sendo gestadas.
120
No jornal Neue Deutsche Zeitung, encontra-
se a referência ao fim da greve na oficina no dia 1° de outubro. Isso mostra que os operários da
marmoraria voltaram ao trabalho ainda antes de começar a greve geral. Friederichs cedeu às
pressões dos trabalhadores, após pouco mais de um mês de paralisação, tornando-se assim o
pioneiro a implantar a jornada de 8 horas em Porto Alegre, como anuncia nas memórias de sua
empresa. Os marmoristas, por sua vez, foram considerados pela historiografia do movimento “um
exemplo marcante de resistência grevista” (Schmidt, 2004, p.171), pois teriam impulsionado,
com sua conquista, a greve geral.
A greve de 1906 teve grande importância como momento chave de constituição de
identidades de classe, tanto operária quanto burguesa. Ela produziu algumas “conseqüências
duradouras”, como a fundação da Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS), de
diversos sindicatos e “a articulação do primeiro embrião do que viria, quase 25 anos depois, a se
constituir numa associação estadual de industriais” (Fortes, 2004, p.270). Para Friederichs, o
movimento grevista em sua oficina permitiu a introdução de mais um acontecimento marcante no
seu currículo de obras pioneiras. Através da narrativa publicada em 1949, ele busca demonstrar
que também nas relações entre patrão e empregados suas atitudes de benevolência e retidão
120
A organização dos empresários sob a liderança de Alberto Bins e as negociações deste com os líderes operários é
analisada em Bilhão (1999), Petersen (2001) e Schmidt (2004). É interessante observar que não há referências a
qualquer ingerência do Centro Econômico do Rio Grande do Sul nas negociações da greve. Esta entidade, apesar de
congregar comerciantes e industriais, entre eles o próprio Alberto Bins, não serviu de representação classista durante
o movimento grevista. Para tanto, foram dados alguns primeiros passos no sentido da constituição de uma Sociedade
de Industrialistas que não chegou, naquele momento, a se efetivar legalmente.
89
imperavam acima dos interesses materiais. Ou seja, que mesmo em situação de desrespeitosa
quebra de autoridade, seu senso de justiça se sobressaía.
121
A oficina de mármores — mais próxima ao trabalho artesanal do que industrial —
continuou mantendo seu crescimento, e Friederichs, as relações paternalistas para com seus
empregados que vinham marcando sua atuação no campo da produção econômica. O incidente de
1906 deve ter garantido destaque a sua figura como um indivíduo que não foge aos embates que a
vida coloca para ele, enfrentando, neste caso, uma crise sem precedente no panorama industrial
do Rio Grande do Sul.
* * *
Segundo censo de 1907
122
, a marmoraria de Aloys Friederichs era, neste ano, a maior
dentre as três existentes no Rio Grande do Sul.
123
Com capital de 100:000$ (100 contos de réis),
representava 44% do total empregado no setor. Era gerida por força manual, assim como as
outras empresas do ramo no Estado; quadro que se alterou em 1912 com a compra de maquinário
instalado, em 1914, no prédio vizinho à oficina — mais uma aquisição.
124
Frente a outros
121
Leitura semelhante da valorização destas qualidades morais pode ser feita no texto em que Friederichs trata dos
“pormenores sobre a encomenda e execução da capela Dreher”. Ali, o personagem narra as negociações entre ele e
Edmund Dreher, que, ao receber os orçamentos da construção da capela mortuária de seu pai, espanta-se com as
cifras e tenta regatear. Friederichs não cede às pressões do cliente, afirmando: “meus cálculos e preços são feitos
com sinceridade e exatidão; a minha regra de negócio é ‘confiança contra confiança’” (Friederichs, 1950).
122
CENSO DE 1907, p.87.
123
Entre as três empresas do setor de mármore citadas pelo censo, uma é de João Vicente Friederichs. Neste sentido,
o sobrinho estava realmente fazendo concorrência ao tio, apesar de ter menor capital (50 contos de réis). Mas as
demais fontes pesquisadas (Unitas, almanaques em língua alemã, Monte Domecq (1916) indicam a especialização de
João Vicente em outros materiais que não o mármore. Outras informações relevantes que o censo apresenta: número
de trabalhadores empregados nas marmorarias do Rio Grande do Sul: 77; número geral de trabalhadores em
mármore no país: 439; número geral de estabelecimentos deste ramo no país: 23.
124
Em 1954, quando Aloys já havia morrido, a empresa contava com o seguinte maquinário: 3 polideiras, 1
betoneira, 1 compressor, 2 motores elétricos, 1 furadeira, 1 torno e 1 caminhão Ford 1934. Processo n.80422, JCRS.
90
representantes da elite teuta, Friederichs não pode ser considerado como dos mais afortunados,
como mostra o caso de Alberto Bins, no mesmo período, com capital que atinge os 350:000$
(350 contos de réis). Mesmo assim, Aloys orgulhava-se de seu empreendimento econômico,
considerando-o, em 1916, “a maior” oficina de mármores no Brasil, levando em conta a
qualidade “artística” e a “organização técnica”.
125
Em 1920, dividia o mercado, na cidade de
Porto Alegre, com outros empresários teutos. No setor de escultura e decoração de fachadas, além
da Casa Aloys, concorriam pelos trabalhos João Vicente Friederichs, Fernando Gerber, Anton
Pfeiffer e Oscar Roehe. Os mesmos, excetuando Oscar Roehe, executavam também monumentos
em sepulturas. Fernando Gerber e Anton Pfeiffer ainda competiam com Aloys Friederichs pelo
mercado especifico do mármore.
126
Além da “maior” oficina de mármore do sul do Brasil,
Friederichs valia-se da tradição como propaganda para a “mais antiga” casa produtora de
monumentos artísticos.
127
As causas do crescimento econômico da empresa podem ser buscadas na qualidade
técnica e artística das obras da oficina, na proclamada honestidade do proprietário, além do surto
urbanizador da capital do estado e das modas arquitetônicas da primeira metade do século XX.
Jacob Aloys era muito conhecido na comunidade étnica alemã porto-alegrense, como também no
interior do Estado, atuando como liderança em associações esportivas e culturais, o que deveria
facilitar a opção pelas encomendas em seu estabelecimento. Novamente aqui pode se inferir que
o grupo étnico atuava, em diversos momentos, como grupo de interesse. Seu nome era divulgado
por toda a zona colonial através dos jornais e almanaques em língua alemã, que traziam
125
Die grösste künstlerisch wie technisch bestorganisierte Marmorwerkstätte in Brasilien. Propaganda da Casa
Aloys, FAMILIENFREUND, 1916 (para 1917), s.p. NETB.
126
Lista de estabelecimentos comerciais, industriais e serviços existentes na cidade de Porto Alegre,
FAMILIENFREUND, 1920 (para 1921), s.p. NETB.
127
Älteste und grösste Werstätte für Denkmalskunst in den Südstaaten. Propaganda, FAMILIENFREUND, 1929
(para 1930), s.p. NETB.
91
estampada junto às páginas de propagandas comerciais a referência à Oficina de Mármores de J.
Aloys Friederichs ou, a partir de 1909, à Casa Aloys.
128
Sendo seu nome conhecido e de
relevância em outros meios do mundo colonial alemão, a identificação entre a liderança
associativa étnica e a competência profissional poderia mais facilmente ser estabelecida.
Esta relação é plausível, por exemplo, no caso das encomendas de duas obras erigidas
respectivamente no cemitério de São Leopoldo e no cemitério evangélico de Porto Alegre em
homenagem a “ilustres” representantes da comunidade alemã: Dr. João Hillebrand e Karl von
Koseritz.
129
A primeira foi executada por André Arjonas — diretor artístico da Casa Aloys — e
inaugurada em 1924, por ocasião dos festejos do centenário da imigração alemã. O monumento a
Koseritz, executado pelo mesmo artista, teve sua inauguração apenas em 1926. Analisando os
elementos presentes num e noutro, Doberstein (2002, p.126) encontra, em especial na lápide de
Koseritz, a representação do “dúplice patriotismo” esculpidos na pedra:
Ao centro, num bloco de calcário vermelho, foi lavrada a efígie do
homenageado, tendo na parte inferior um rolo de papel, uma pena de escrever e
um ramo de louros, indicativos de sua profissão de jornalista predestinado ao
sucesso. No capitel, por fim, foram talhados uma guirlanda de carvalhos e dois
ramos de palmeiras, a primeira simbolizando a pátria alemã, e os últimos
simbolizando a pátria brasileira adotiva.
128
Dos jornais em língua alemã produzidos em Porto Alegre, são encontradas propagandas de Friederichs em
Deutsche Zeitung, Neue Deutsche Zeitung, Kosertiz Deutsche Zeitung e Deutsches Volksblatt. Entre os almanaques,
destaca-se a constante referência no Familienfreund.
129
Dr.Hillebrand foi diretor da Colônia de São Leopoldo, logo depois da Revolução Farroupilha. Koseritz, por sua
vez, foi uma grande liderança política do período imperial, sobretudo em meio aos imigrantes alemães e seus
descendentes: ocupou cadeira na Assembléia Legislativa da Província, defendeu a agricultura colonial e elaborou
proposições a respeito da identidade teuto-brasileira.
92
Ilustração 8: Inauguração do monumento junto ao jazigo de Karl von Koseritz, no Cemitério Evangélico de Porto
Alegre. À frente, Friederichs, o responsável pela obra. Fonte: ERINNERUNGS (1924). ABM.
Por ter sido um impetuoso defensor da germanidade — o que será analisado
detalhadamente nos capítulos seguintes — possivelmente Aloys tenha sido escolhido como
mestre executor dos projetos, podendo dar às obras uma leitura mais apropriada da importância
dos homenageados para a constituição da identidade da população imigrante alemã.
A relação entre as duas identidades — brasileira e alemã — pode ser vislumbrada também
em outros trabalhos de escultura, como nos dois relevos localizados na entrada da igreja São José,
em Porto Alegre, executados por Alfred Adloff nas oficinas de João Vicente Friederichs. Um
deles retrata “O Grito do Ipiranga”, tradicional cena compreendida como ato de fundação da
nação brasileira. O outro simboliza a saga dos imigrantes alemães na conquista do seu espaço em
terras gaúchas. Na composição deste relevo, colocam-se, à esquerda, as tradicionais palmeiras
representando o Brasil, lugar para onde chega um grupo caracterizado como imigrantes. Estas
pessoas sobem uma colina, na qual se encontram sete homens, também imigrantes, mas que já
conquistaram posição mais elevada no centro do quadro (o que pode ser lido como no seio da
sociedade). Do outro lado da colina, um gaúcho, com seu cavalo, assiste à chegada daqueles
imigrantes, lhes dá “boas vindas”, ou observa atônito a ocupação do espaço por essa gente.
Doberstein (2002, p.236) salienta a leitura proposta pelo relevo da “relação de preponderância de
um grupo de descendentes de imigrantes sobre os gaúchos”.
93
Ilustração 9: Relevo esculpido por Alfred Adloff, igreja São José. Fonte: foto produzida pela autora deste trabalho.
É importante observar que os sete imigrantes ou descendentes que se encontram num
plano mais elevado do relevo trazem as faces de teutos conhecidos e atuantes na sociedade porto-
alegrense, neste caso em especial, junto à Comissão de Construção da nova capela São José: da
esquerda para a direita, Alberto Bins, João Alfredo Mayer, Hugo Metzler, Jacob Aloys
Friederichs, Mathias Flach, Antônio Bard e o padre Leonardo Müller (capelão da comunidade
São José dos Alemães). Desta vez, a atuação de Jacob Aloys não está na fabricação da obra, mas
no produto final: representado em um artigo típico de sua atividade econômica (mesmo que não
executado em sua oficina) por sua inserção na comunidade religiosa e posição de destaque na
construção do mito da sociedade imigrante.
* * *
Aloys Friederichs trabalhou até sua morte — quando já não mais era Friederichs, mas
sim, novamente, Friederich. Pouco tempo antes, havia transformado sua empresa individual em
uma sociedade limitada, incluindo quatro sócios que já trabalhavam com ele como empregados:
Cândido Gutierrez, “o bem conhecido, dinâmico gerente geral e intermediário entre a casa e a
nobre corporação dos construtores”; o “escultor-chefe” André Arjonas; Hans Pfeiffer, “gerente-
94
caixa”, e Vicente Volpe, o “representante geral, intermediário da nobre clientela do interior do
Estado” (Friederichs, 1950). Ao contratar a sociedade, em outubro de 1947, o capital social da
empresa era de CR$ 700.000,00. Jacob Aloys Friederichs ficou com aproximadamente 30%,
distribuindo o restante entre os demais sócios. No contrato, consta a condição dos sócios, sendo
que apenas Friederichs aparece como “industrial” e os demais “industriários”, portanto,
empregados do estabelecimento
130
. De avançada idade, teve um “gesto louvável”, que foi
reconhecido pela imprensa da capital
131
.
A sociedade, que deveria ter a duração de, pelo menos, 25 anos
132
, não resistiu aos
percalços que se seguiram a partir de 1950. Irma Schnapp Friedrich, esposa de Aloys, desde 14
de julho “viúva e herdeira universal do sócio titular Jacob Aloys Friederich”, assume sua
participação por algum tempo, deixando claro o “desejo de seu falecido esposo, várias vezes
manifestado, que a sociedade fosse assistida comercial e juridicamente pelos senhores Gastão
Englert e Dr. Walter C. E. Becker, durante a fase de transição que se iniciara logo após seu
falecimento”.
133
Em 1954, Irma fez a doação de sua quota de capital, ficando a Casa Aloys inteiramente
por conta dos demais sócios.
134
A empresa não se manteve por muito tempo, decretando falência
130
JUNTA COMERCIAL DO RIO GRANDE DO SUL. Processo n.48848, Contrato Casa Aloys, Porto Alegre, 6.
out. 1947. JCRS.
131
CORREIO DO POVO, 15 jul. 1950. NETB.
132
JUNTA COMERCIAL DO RIO GRANDE DO SUL. Processo n.48848, Contrato Casa Aloys, Porto Alegre, 6.
out. 1947. JCRS.
133
A participação de Irma na empresa, como herdeira do patrimônio de Friederichs, é citada em ata de 31 jul. 1950.
JUNTA COMERCIAL DO RIO GRANDE DO SUL. Processo n.59558, Porto Alegre. JCRS. A transição é tratada
em ata de 25 jul.1950. JUNTA COMERCIAL DO RIO GRANDE DO SUL. Processo n.59559, Porto Alegre. JCRS.
134
JUNTA COMERCIAL DO RIO GRANDE DO SUL. Processo n.80422, Alteração de contrato, Porto Alegre, 29
set. 1954. JCRS.
95
em 22 de agosto de 1961.
135
É possível que as tendências da arquitetura da década de 50 tenha
influenciado neste destino da Casa Aloys e de seus artífices.
Caso Irma tivesse morrido antes ou junto com o marido, os bens de Friederichs, após a
morte deste, seriam divididos em frações de capital (cada fração equivalendo a 5 mil cruzeiros)
entre diversas instituições e familiares, em geral sobrinhos e afiliados. Das instituições que se
beneficiariam com o espólio do finado estão a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, o
Asilo Sagrada Família (em São Sebastião do Caí) e o Asilo de órfãos “Pela” e Valetudinário
“Betania” (em Taquari), que ficariam com 40% das frações de capital. Os demais herdeiros
dividiriam os 60% restantes. Pelo número de herdeiros, é possível inferir a rede de relações
pessoais de compadrio na qual Friederichs também estava inserido.
136
Mesmo no âmbito do trabalho, da produção de bens materiais, Friederichs buscou
demonstrar seu apego à pátria brasileira. É assim que se expressa ao afirmar que “com a idade
de 16 anos, eu pisava o solo do Brasil, o qual no decorrer dos decênios ficou sendo minha
Pátria adotiva, meu lar escolhido e grangeado pelo trabalho”.
137
O discurso de construção da
fidelidade ao Brasil a partir do trabalho acompanhou boa parte da trajetória de Friederichs, o
que vai ao encontro das concepções difundidas desde o final do século XIX por intelectuais
135
JUNTA COMERCIAL DO RIO GRANDE DO SUL. Processo de Falência, deferido em 29 ago. 1961. JCRS.
Nesta época a Casa Aloys estava estabelecida à rua Oscar Pereira, 220, fato que demonstra a direção dos negócios
especificamente para o segmento da arte cemiterial, uma vez ser esta rua a que reúne os mais importantes cemitérios
da cidade: da Santa Casa, São Miguel e Almas, São José e Evangélico.
136
Pelo testamento, seriam herdeiros de Friederichs o afilhado Jacob Aloys Carrion Friederichs (10% das frações de
capital), o afilhado Hans Anton Aloys Pfeiffer (8%), a afilhada e sobrinha Philomena (Friederichs) Schall (8%), a
sobrinha-neta e afilhada Irene Eichler Pabst (8%), a sobrinha e afilhada da esposa Ruth Ely Alencastro Guimarães
(8%), a sobrinha e afilhada da esposa Gerda Schnapp Feyh (8%), a sobrinha da esposa Maria Luiza Ely (8%), a
sobrinha da esposa Ilca Ely Atti (2,5%), o filho de Ilca – Luiz Carlos Atti (2,5%), a sobrinha da esposa Edith Ely
Schmitt (3%), o sobrinho da esposa Enio Gastão Ely (3%), o sobrinho da esposa Carlos Alberto Ely (3%), as
sobrinhas da esposa Gisela Schnapp Bunse (3%) e Liselotte Schnapp Richter (3%), a sobrinha da esposa Lu Schnapp
(3%) o sobrinho da esposa João Antônio Nicolau Tolentino Becker (6%), a senhorita Helga Mohrstedt (5%), a
afilhada Martha Englert (3%), o afilhado Arno Dischinger (3%) e Marga Düster (2%). J. ALOYS FRIEDERICHS.
Testamento, n.1376, assinado e aprovado em 15 out. 1948, aberto em 20 jul. 1950, maço 15, estante 21, Cartório da
Provedoria. APERS.
137
FRIEDERICHS, J. A. Título declaratório, 1942. MS.
96
teuto-brasileiros.
138
Em seus discursos, afirmava repetidas vezes a necessidade de se dedicar
ao engrandecimento do Brasil, mantendo as características da nacionalidade alemã — no caso,
vista como sinônimo de etnia. Este era o parâmetro de integração previsto pelos germanistas
aos imigrantes alemães no Brasil, e Friederichs buscou seguí-lo, como descreve Maria Rohde
alguns anos após sua morte:
Ali trabalhou o mestre Aloys no meio da campainha do martelo e do
zunido das máquinas incansavelmente sobre sua mesa até os últimos dias de sua
velhice. Ele permaneceu sempre fiel a si mesmo e a seu lema — “reza e trabalha”
— e foi em todas, as vicissitudes dos tempos, sinceramente alemão para a sua
pátria adotiva.
139
Nota-se que, a partir de uma concepção de valorização do trabalho, calcada na doutrina
social da Igreja Católica, justificava-se também seu apego às características étnicas como
elemento-chave para o desenvolvimento da nova pátria. Além disso, através de seu
empreendimento econômico, Friederichs conquistou prestígio e sucesso na sociedade
portoalegrense. O ritmo de seu trabalho, os contatos que lhe proporcionou foram de grande
importância para a atuação nos demais âmbitos da vida social. Contribuíram, portanto, para a
concretização de seu projeto, influenciando dialeticamente a construção de sua identidade – de
teuto-brasileiro e de liderança.
138
A categoria teuto-brasilidade ou Deutschbrasilianertum, desmembrada nas duas partes que a compõe, traz em
primeiro plano o elemento identificador étnico ou nacional (de acordo com a concepção romântica alemã), e em
segundo, a afirmação da cidadania brasileira. Neste sentido, afirma Seyferth (1989, p.104), que “a concepção de
cidadania aparece claramente associada à esfera político-econômica e, mais explicitamente, ao ethos do trabalho.
Trabalhar para o engrandecimento do país seria, nesse caso, a expressão máxima do dever do cidadão”. A idéia é a
de que a capacidade de trabalho, assim como a nacionalidade, “é herdada e inerente ao indivíduo de origem alemã”
(Seyferth, 1994, p.18-19). Mas para que esta capacidade se mantenha, é necessário que o indivíduo permaneça
alemão, “seu comportamento na sociedade brasileira deve ser norteado pela ‘germanidade’.” Ver também Weber
(2002).
139
Dort arbeitete Meister Aloys inmitten des Klingens der Hämmer und des Brausens der Maschinen unermündlich
an seinem Schreibtisch, bis in die letzten Tageseines hohen Alters. Er ist sich selber und seinem Wahlspruch — Bete
und arbeite — immer treu geblieben und war in allen Wechselfällen der Zeit, als aufrechter Deutscher seiner
Wahlheimat herzlich zugetan”. ROHDE, M. J. Aloys Friederichs. Dem Vater des Turnerbundes von Porto Alegre
und der Turnerschat von Rio Grande do Sul...
97
2.2 Bete und arbeite: a participação na comunidade religiosa
O inverno daquele ano de 1950 parecia mais frio e nebuloso do que os anteriores. A
presença do Dr. José Urbano Feyh na casa de Aloys Friederichs deveria ser mais constante do
que antes, na medida em que o proprietário, que se encontrava com 82 anos de idade, já
demonstrava sinais de fraqueza que o levaram à morte no dia 14 de julho. Há pelo menos dez
dias, encontrava-se acamado, sempre cansado e sonolento, mas sem sinais de dor. Sintomas de
bronquite e muita tosse faziam-no entregar-se aos remédios e ao repouso, além da dieta
recomendada pelo médico da família. Depois de uma visita a um especialista, Irma teve a certeza
do avanço da doença do marido e que o fim estava próximo. A insuficiência cardíaca e uma
arterioesclerose disseminada fizeram Jacob Aloys Friederichs falecer quando findava aquela
manhã de sexta-feira do inverno de 1950.
140
E assim, “os meios industriais, sociais e desportistas
da cidade receberam (...), com grande mágua, a notícia do falecimento do sr. J. Aloys
Friederichs”.
141
O sepultamento ocorreu no dia 15, no cemitério da comunidade católica de S.José,
acompanhado por um cortejo, que saiu da sede da Sociedade de Ginástica Porto Alegre
(SOGIPA) — onde o corpo foi velado — até o túmulo onde já se encontrava a primeira esposa,
Maria Guilhermina, desde 1924.
142
Inúmeras pessoas compareceram à cerimônia, na qual não só
o vigário pronunciou as palavras de encomendação do corpo, mas também o presidente da
SOGIPA, o deputado Albano Volkmer e um dos empregados da Casa Aloys proferiram elogios,
140
DR. JOSÉ URBANO FEYH, Atestado de Óbito de J. Aloys Friederichs, n.58983, Porto Alegre. APSJ. IRMA
FRIEDERICHS. IRMA FRIEDERICHS. Carta para sobrinhos na Alemanha. 14 ago. 1950. APFF.
141
CORREIO DO POVO, Porto Alegre 15 jul. 1950. NETB.
142
O destino de Aloys encontrava novamente o de Gulhermina, ela, que mereceu de Friederichs as gratas palavras
junto ao jazigo: Ihr Leben war Liebe und Güte, ihre Liebe und Güte mein Glück! (Sua vida foi amor e bondade, seu
amor e bondade minha sorte!). Inscrição na sepultura de Maria Guilermina (ou Wilhermine) Grünewald Friederichs,
Cemitério São José, Porto Alegre. Foto em Anexo G. Mausoléu da família Friederich também está em Anexo F.
98
lembrando aos presentes “os eminentes serviços que este nosso cidadão prestou a nossa cara
Pátria, antes e depois de tornar-se brasileiro por naturalização”. Foi então um dia de luto para “a
chamada colônia alemã em nosso Estado”.
143
Antes de Aloys falecer, o capelão da Igreja São José, como é de praxe nos ritos católicos,
foi à casa de Friederichs para que este fizesse sua confissão de pecados, quando então receberia a
última bênção em vida, que deveria aliviar sua passagem do mundo dos vivos ao mundo dos
mortos. Depois de receber a comunhão, Aloys preferiu orar sozinho. Suas últimas palavras,
ouvidas pela enfermeira que o cuidava, foram “Jesu, Jesu!”.
144
No entanto, a forma como seu
último gesto foi preservada na memória revela menos subserviência à autoridade eclesiástica e ao
rito religioso. Numa versão difundida na memória oral de alguns de seus contemporâneos, ficou
gravado que, quando o padre proferiu, em alemão, as palavras “não sou digno de ser chamado seu
filho...”, Aloys tivesse protestado dizendo: “eu sou digno de ser chamado filho de Deus!”.
145
Esta atitude, que pode até não corresponder ao que realmente ocorreu, é representativa da
relação que Friederichs parece ter mantido com a religião e a Igreja católica. Ao que posso
constatar, Friederichs não se destacava por seu fervor religioso,
146
não participou de nenhuma das
congregações que atuavam na comunidade de São José, envolvendo-se, com mais afinco, em suas
atividades administrativas. Teve atuação na diretoria da comunidade, na comissão de construção
da nova capela e nas importantes discussões ocorridas em 1917 entre a comunidade e a Cúria
Metropolitana. Cumpria as exigências destinadas a cada católico — como a freqüência às missas
143
Narração fundamentada em texto SEM INDICAÇÃO DE AUTORIA, Reliese para jornais porto-alegrenses a
respeito da morte e cerimômia fúnebre, s.d., JAF 3211. ABM. O mesmo texto se encontra em DIÁRIO DE
NOTÍCIAS, Porto Alegre, 19 jul. 1950. MCSHJC.
144
IRMA FRIEDERICHS. Carta para sobrinhos na Alemanha. 14 ago. 1950, APFF. Idem, 27 ago. 1950.
145
Entrevista com Augusta Becker Dischinger, sobrinha da segunda esposa de Friederichs, em 20 dez. 2000. Esta
história também é perpetuada por outros contemporâneos de Friederichs, como Arlindo João Dreher, amigo dos
tempos do Turnerbund.
146
Fato também ressaltado na mesma entrevista.
99
e a confissão de pecados —, mas parecia ter uma maior identificação de cunho associativo e
étnico do que propriamente religioso.
147
* * *
No dia 4 de junho de 1891, Aloys Friederichs entrou na capela da St. Josefsgemeinde, na
Rua da Bragança (posteriormente Marechal Floriano), para dali sair casado com sua noiva Maria
Guilhermina Grünewald.
148
Também dali — ou melhor, da nova capela na Av. Alberto Bins —
deve ter saído este personagem quando de seu segundo casamento, com Irma Schnapp (Anexo
H), em 17 de outubro de 1925.
149
A Comunidade São José dos Alemães, como o próprio nome já
o dizia (Deutsche St.Josefsgemeinde), era o lugar de culto e de formação religiosa dos imigrantes
e seus descendentes católicos de Porto Alegre. Surgiu, como primeira experiência, em outubro de
1861, com a constituição de uma associação que, “sem foro jurídico-canônico”, começou a se
preocupar com o atendimento espiritual das famílias teuto-católicas da cidade. Rabuske justifica a
iniciativa como uma necessidade premente, já que o comportamento dos imigrantes católicos que
haviam se estabelecido na capital não condizia com o que se esperava deles, por vezes
integrando-se ao culto de tradição brasileira, ou freqüentando o culto protestante (I Centenário,
147
É possível até se pensar que seria um paradoxo um catolicismo fervoroso por parte de Friederichs e sua veneração
por Bismarck (o que será abordado no último capítulo). Bismarck foi aquele que expulsou os jesuítas da Alemanha.
Os jesuítas, por sua vez, ficaram responsáveis pela organização das comunidades teuto-católicas no Rio Grande do
Sul, inclusive pela comunidade São José de Porto Alegre.
148
CAPELLA S. JOSÉ. Registro de casamento, Índice Geral de casamentos da Capella S. José, n.2, 1891-1942. p.1.
CÚRIA.
149
A data do segundo casamento foi colhida de J. ALOYS FRIEDERICHS. Testamento, n.1379, autuação em 20
jul. 1950, maço 15, estante 21, Provedoria. APERS.
100
1971, p.12).
150
Em vista disso, qualquer iniciativa no sentido de recolocar os fiéis no caminho
certo — ou seja, no Projeto de Restauração Católica
151
— seria bem visto.
O primeiro a dedicar-se integralmente aos teutos de Porto Alegre foi o Pe.Gassner S.J.,
sacerdote jesuíta, como jesuítas foram todos os demais.
152
Em 1868, este fundou a Associação de
São José, à revelia da diretoria da comunidade, com a intenção de construir uma capela
153
. Isso
gerou um conflito entre a diretoria e o sacerdote, que foi resolvido com a dispensa do padre pela
primeira e, posteriormente, a dissolução desta e da Associação criada por Gassner. Assim, para
que a Comunidade continuasse a existir, teve que ser fundada novamente pelo bispo D. Sebastião
Dias Laranjeira em janeiro de 1871 (I Centenário, 1971, p. 14, 17 e 18). O pedido de ereção
canônica da capela — que foi adquirida em seguida — em 8 de dezembro, trazia em seus termos
algumas condições, que foram aceitas pelo bispo de então:
aceitação do prédio para que sirva como templo de Deus; garantia legal de que
(pressupondo as qualidades sacerdotais exigidas) seu cura de almas sempre seja
um sacerdote de sua nacionalidade [alemã]; garantia de que, durante o culto, se
possam observar os costumes aprovados pela Igreja na pátria [Alemanha],
sobretudo as pregações na língua paterna alemã; ordem de que o presidente só
possa ser de etnia alemã e que esteja de posse do idioma alemão.
154
150
Riolando Azzi comenta uma das características do catolicismo imigrante, qual seja a da idéia da superioridade
cultural e religiosa, “típico do projeto de expansão colonialista europeu”. Esta idéia era introjetada no imaginário dos
imigrantes e reforçada pelos sacerdotes —
também imigrantes — que se envolveram com a assistência religiosa
daqueles. Os brasileiros eram considerados, então, como “praticantes de uma fé pouco ortodoxa” (Azzi, 1993, p.70,
75). Segundo Rambo (1998
a, p. 150), “o atendimento pastoral dos fiéis estava a cargo de um tipo de clero
impregnado de um espírito laico incompatível com a proposta ultramontana da Restauração Católica”. Por outro
lado, havia o perigo da influência das comunidades alemãs que professavam o luteranismo, caso os teutos católicos
continuassem sem a dita assistência ou com um atendimento precário (Azzi, 1993, p.70, 75).
151
Trata-se de um novo direcionamento da Igreja Católica no sentido de redefinir seus trabalhos de missão fazendo
frente, por um lado, à expansão do liberalismo, por outro, ao crescimento das igrejas protestantes. As áreas de
imigração européia no Rio Grande do Sul receberam, como curas de almas, padres que estavam afinados com este
projeto (Silva, N., 2003).
152
É importante lembrar que foi a ordem jesuítica que se preocupou com o atendimento religioso dos imigrantes
alemães católicos no Rio Grande do Sul. Os primeiros jesuítas alemães chegaram em 1849. A partir de 1872, com a
expulsão destes sacerdotes da Alemanha em conseqüência do Kulturkampf promovido por Bismarck, foram
chegando mais e mais padres até o início do século XX.
153
Até 1871, a comunidade São José não tinha capela própria, estando ligada à Igreja do Rosário, onde realizava seus
cultos.
154
Idem, p.20. A primeira capela da St.Josefsgemeinde foi adaptada a um prédio, na Rua da Bragança, que havia sido
teatro, sociedade musical, loja maçônica, salão de bailes e casa de leilões. A partir do projeto de reforma realizado
101
A capela possuía, portanto, foro especial, subordinada diretamente à Cúria romana; o que
significa, que não devia explicações ao arcebispado, fato que causou alguns problemas
posteriores com a Cúria Metropolitana de Porto Alegre.
É importante ressaltar aqui a forma típica das comunidades teuto-católicas do Rio Grande
do Sul, com formação orientada ao catolicismo romanizado, as quais constituíam associações
com diretorias que administravam a comunidade e também cuidavam da igreja. Segundo Rambo
(1998 a, p. 152),
cabia-lhe a construção e a manutenção do templo, além da casa paroquial, o
sustento do pároco e de seus auxiliares, o bom andamento das missas e demais
atos litúrgicos, a organização das festas, a administração dos cemitérios[...].
Embora o pároco não integrasse a diretoria, sua autoridade sobre ela era evidente
pela posição que ocupava como representante da autoridade eclesiástica.
Apesar do reconhecimento da autoridade do sacerdote, a delegação de tantas e tão vitais
funções à diretoria das comunidades podia, por vezes, resultar em atritos com o padre, como o
ocorrido na comunidade São José. A diretoria da comunidade constituía-se, portanto, de um
poder dentro da estrutura eclesiástica — poder-se-ia dizer, um poder pára-eclesiástico —, e
quem participava dela tornava-se um representante desse poder. Considero que a participação de
Friederichs na diretoria da comunidade tem este sentido, o de permitir as condições de influir nos
destinos do grupo teuto-católico.
Friederichs aparece como integrante da diretoria de 1904 e na comissão responsável pela
construção da nova capela erigida entre 1922 e 1924.
155
Sua participação nesta comissão parece
por João Grünewald (mestre em construção de catedral – Dombaumeister), o prédio passou a ser uma capela (1º
Centenário, 1971, p.20) .
155
Participaram desta diretoria Mathias Flach F°, João Mayer Jr., João Papst, Hugo Metzler; Antônio Bard, Frederico
Link, Dr. Luiz Englert, J. Aloys Friederichs, Frederico Christoffel, Nicolau Birnfeld, João Grünewald, Adão
Hoffmann. SANKT JOSEFSGLOCKEN - Monatsblatt der Sankt Josefsgemeinde, Porto Alegre, n.16, ago. 1957.
102
remeter ao surgimento da mesma em 1901, quando o número de famílias filiadas à Comunidade
São José havia crescido bastante.
156
Não só uma nova capela deveria, então, ser erigida, mas
também, e em primeiro lugar, uma casa paroquial e os prédios para a escola de meninos
(Josefsschule) e meninas (Marienschule). Depois de alguns anos recolhendo fundos, a
Comunidade pôde adquirir um terreno junto à Av. São Raphael (atualmente Alberto Bins), onde
construiu as escolas e a casa paroquial.
157
O prédio da antiga capela foi vendido em 1915 para
que os fundos da nova pudessem ser levantados.
158
Era chegado o dia “31 de dezembro do ano de 1922 do nascimento do Nosso Senhor Jesus
Cristo”, quando então a comunidade São José promoveu o lançamento da pedra fundamental da
nova igreja. O arcebispo metropolitano, D. João Becker, colocou a pedra na fenda aberta no solo
juntamente com os jornais do dia e moedas do país de diferentes valores, tudo em uma caixa
fechada. A solenidade dava o início oficial aos trabalhos de construção da igreja São José,
“destinada ao culto dos alemães que aqui residem ou passam algum tempo”.
159
Havia quem
omitisse o caráter étnico da comunidade, como revela a notícia do jornal Estrella do Sul, de
orientação católica: “Este, porém, não há de ser só da colônia, mas de todos os patriotas,
porquanto o novo elemento étnico, introduzido no país há um século, já está incorporado na
nação com todas as suas admiráveis qualidades”.
160
NETB. Grande parte dos livros de registro da Comunidade de São José foram perdidos, não havendo como confirmar
a presença de Aloys Friederichs nas nominatas de diretoria em outros anos.
156
Segundo Rabuske (1994, p.163), de 70 para 400 famílias.
157
SANKT JOSEFSGLOCKEN - Monatsblatt der Sankt Josefsgemeinde, Porto Alegre, n.16, ago. 1957. NETB.
158
SANKT JOSEFSGLOCKEN - Monatsblatt der Sankt Josefsgemeinde, Porto Alegre, n.17, set. 1957. NETB.
159
SANKT JOSEFSGLOCKEN - Monatsblatt der Sankt Josefsgemeinde, Porto Alegre, n.18, out. 1957. NETB. O
jornal NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, 3 jan. 1923, registra a ocorrência da solenidade de lançamento da pedra
fundamental da igreja, sem, no entanto, comentar sobre os presentes.
160
ESTRELLA DO SUL, 12 out. 1924, IAP.
103
No altar da nova igreja encontram-se obras do mestre Aloys
161
sendo o mesmo retratado
na entrada, nos relevos relativos à Independência e à imigração alemã (comentados nas páginas
93 e 94). Neste último, não só sua condição de artesão (e de proprietário de oficina artesanal) é
destacada, mas também a sua participação como agente na construção da Igreja. A inauguração
ocorreu em outubro de 1924, junto aos festejos do Centenário da Imigração Alemã
162
.
Ilustração 10: Lançamento da pedra fundamental da igreja São José. Na 1ª fila: Josef Koenig, Antonio Bard, Pe.
Leonardo Muller S.J., o cônsul alemão daquele ano, Major Alberto Bins, Ulbrich, Wolfram Metzler, Mathias Flach
F. (presidente da comunidade), Josef Otten, Irma de la Rue Mayer, Rodolfo Metzler; 2ª fila: Estanislau Allgayer,
Oscar Bins, Jacob Aloys Friederichs, Eng. José Lutzenberger (construtor), Victor Englert, José Steidle, Hugo
Metzler; 3ª fila: Frederico Bins. Fonte: 1º Centenário, 1971, p.22.
* * *
Como já comentado anteriormente, Friederichs não foi um católico militante — termo
utilizado por Rambo (1998a) —, colaborando para esta avaliação sua não participação na
Congregação Mariana sediada junto à comunidade São José.
163
Este grupo — composto só de
161
SANKT JOSEFSGLOCKEN - Monatsblatt der Sankt Josefsgemeinde, Porto Alegre, n.19, nov. 1957. NETB.
162
DEUTSCHE VOLKSBLATT, Porto Alegre, 1 out. 1924 e ESTRELLA DO SUL, 12 out. 1924, ambos em IAP.
163
Não foi encontrada nenhuma referência à presença de J. Aloys Friederichs junto a esta congregação. A
documentação da Congregação Mariana da Paróquia São José é bastante rica, com listas de participantes, álbuns de
fotografias etc. (APSJ). Em Rabuske (1994, p.163), são referidas ainda, para a comunidade São José, as associações
religiosas da Conferência de São Vicente, o Apostolado da Oração e Terceira Ordem de São Francisco, dos quais
também Aloys não participou.
104
homens — e o das Filhas de Maria — só de mulheres — eram os movimentos militantes
católicos preferidos dos padres jesuítas. As Congregações Marianas
fomentaram a vida religiosa e sacramental dos jovens e dos homens de todas as
classes sociais e de todos os níveis de formação. Também essas organizações
exibiam uma evidente preocupação pela formação, pelo cultivo da vida cristã
através da vida sacramental de seus associados, além de um marcante espírito
apologético e missionário. As Congregações Marianas caracterizavam em
primeiro lugar as paróquias e os colégios dos jesuítas. Nas ocasiões de
manifestações públicas de fé, como nas procissões de Corpus Christi, congressos
eucarísticos e outros, os congregados marianos davam bem a idéia de um
catolicismo militante, símbolo da igreja militante e tão ao gosto dos jesuítas
(Rambo, 1998a, p.153).
Entre os parentes mais jovens de Friederichs, se pode encontrar uma participação mais
ativa nestes movimentos religiosos. A Deutscher Katholischer Jugendverein, fundada em 1911,
teve em seus quadros dois sobrinhos de Jacob Aloys, a saber, Aloys N. Friederichs e Roberto
Friederichs.
164
Esta entidade integrou-se, mais tarde, à União de Moços Católicos, movimento
católico militante, mas “destoava” de suas entidades congêneres pelo caráter etnicamente teuto
(Gertz, 2002, p.103).
Por outro lado, além da participação ativa na administração da paróquia e do fundo de
construção, Friederichs teve, também junto à Igreja, uma postura étnico-nacional militante. Neste
sentido, parece ter se envolvido com a questão da nacionalização da comunidade, tentada já em
1917 pelo arcebispo metropolitano, fato que gerou complicações a ponto de a comunidade perder
seus direitos paroquiais, ficando temporariamente subordinada à Cúria Metropolitana.
D. João Becker era um sacerdote de origem imigrante, que buscou, desde muito cedo,
assumir uma postura nacionalista frente à integração dos teutos à sociedade brasileira. Isaía
(1998) caracterizou sua ação política autoritária no meio eclesiástico e suas posições afinadas
164
DEUTSCHER KATHOLISCHER JUGENDVEREIN. Livro de Registro de Pagamentos de Mensalidades. APSJ.
105
com o projeto castilhista
165
e, em seqüência, com o varguismo, sendo um dos importantes
propagandistas do nacionalismo brasileiro no Rio Grande do Sul. Seu posicionamento nativista
pode ser encontrado antes ainda da nacionalização empreendida por Vargas.
166
Já na conjuntura
da Primeira Guerra Mundial, D.João Becker alinhou-se à posição brasileira no conflito,
provocando revoltas entre os católicos de origem alemã na medida em que baixou uma série de
medidas nacionalizadoras de sua estrutura associativo-religiosa. Ordenou, entre outras coisas, “a
mais completa adesão dos párocos à política externa brasileira, bem como o seu proselitismo
junto aos fiéis nesse sentido” (Isaía, 1998, p.53). Em carta circular aos "reverendíssimos vigários
das zonas rurais da arquidiocese", defendeu a necessidade do ensino do português nas escolas
particulares:
O católico que não conhece a língua nacional é inibido, muitas vezes, de
patrocinar e defender interesses próprios, do país e da Igreja. Como poderá
devidamente gerir seus negócios econômicos e comerciais? Como poderá ocupar
posição a que a lei lhe confere direito nos diferentes ramos de administração civil?
Como poderá prestar, convenientemente, auxílio à sua religião em certas
emergências difíceis?
167
No bloco de medidas nacionalizadoras, encontrava-se também a proibição do uso da
língua alemã nos serviços religiosos (cantos, orações e pregação):
não se poderá pregar nessa língua à estação das missas, casamentos,
encomendações e outros serviços religiosos públicos, quer nas igrejas matrizes,
quer nas capelas. [...]. Em outras ocasiões e particularmente, porém, é permitido
falar aquele idioma, principalmente para aconselhar ao povo o cumprimento exato
165
Isaía (1998, p.70) explica que, “antes de mais nada, precisa ficar claro que o castilhismo riograndense
desenvolveu um padrão de relacionamento com o catolicismo baseado em um modus vivendi harmônico. O
catolicismo era aceito como força legitimadora e capaz de colaborar com o acatamento social requerido para a
vigência da ordem. Por outro lado, o catolicismo rio-grandense via com simpatias uma experiência governamental
fundamentada em princípios como a moralidade como norma administrativa, o apelo à ordem, o desdém à consulta
popular como princípio legitimante e realizador do bem comum, o antiliberalismo e, principalmente, o prestígio e a
liberdade desfrutadas pela religião no castilhismo”. Segundo o autor, este padrão perpetua-se na política dos
seguidores de Castilhos: Borges de Medeiros e Getúlio Vargas. A respeito do projeto conservador-autoritário
inaugurado no Rio Grande do Sul por Júlio de Castilhos, ver Félix (1987).
166
Sobre o nacionalismo de D. João Becker, pode-se ver também Gertz (2002, p.89-123).
167
Unitas - Revista Ecclesiastica da Archidiocese de Porto Alegre, n.7-8, 1917, p.108. NETB.
106
dos deveres e a confiança no benemérito Governo do Estado, para suavizar assim
a situação apremiante que a Nação atravessa.
168
Com esta atitude, muitos católicos, tanto leigos quanto padres, sentiram-se atingidos e se
colocaram em oposição ao arcebispo.
A medida tornou-se o estopim de uma questão envolvendo D. João Becker e a
Comunidade São José. A diretoria — da qual J. Aloys Friederichs parecia fazer parte
169
—, em
consonância com o capelão Pe. Aloys Kades, manifestou-se contra o posicionamento e a decisão
da Cúria, buscando reverter a situação e manter seus diretos anteriormente adquiridos em relação
aos ofícios em língua alemã com os seguintes argumentos:
A disposição do Governo Federal, em virtude da qual vedou Vossa Excia.
a prática, as orações e a entoação de cânticos em idioma alemão e o uso em geral
desta língua em todas as igrejas e capelas, desfere um golpe fatal, para não dizer
letal, contra a vida religiosa e eclesiástica na nossa Comunidade de São José e lhe
subtrai o fundamento duma existência proveitosa e frutífera.
170
O longo documento tenta assegurar também que “não poderá haver nenhuma suspeita de
que o clero, a quem se acha confiada a direção das comunidades de língua alemã, abusaria da
prática para insinuações que, nem de leve, possam lesar os interesses pátrios brasileiros”.
171
A primeira tentativa, de 29 de novembro, não surtiu efeito algum. Ao contrário, a
comunidade ficou à mercê dos ataques aos quais todos os de sobrenome alemão estavam sujeitos
168
CÚRIA METROPOLITANA. Carta-circular. 14 nov. 1917. Transcrita em Rabuske (1994, p.164).
169
Não há como certificar se J. Aloys Friederichs é realmente um dos assinantes das cartas destinadas ao arcebispo.
Na transcrição feita por Rabuske (1994), encontram-se listados os nomes dos componentes daquela diretoria, entre os
quais um “Jacó Friederichs”. Este poderia ser o irmão de Aloys, mesmo porque o caçula não costumava assinar o
primeiro nome, abreviando com a letra J seguida do nome Aloys. No entanto, pela profunda relação de J. Aloys
Friederichs com a questão da defesa da germanidade, é muito provável que o signatário seja realmente o personagem
aqui em questão. Apóio-me aqui novamente em Davis (1987, p.X) e em “todos aqueles ‘talvez’ e aqueles ‘pode ser’
a que recorre o historiador quando a documentação é insuficiente ou ambígua”.
170
Memorial da Comunidade São José ao Arcebispo de 29 de novembro de 1917. Transcrito em Rabuske (1994,
p.170-175).
171
Idem.
107
naquele momento. Uma nova carta foi redigida em 6 de dezembro, mais incisiva e direta, pela
qual os signatários mostravam ao arcebispo as conseqüências que adviriam deste seu ato. Neste
instante, a Cúria já havia decidido pela retirada dos direitos paroquiais da comunidade:
[...] o Sr. Arcebispo Metropolitano houve por bem retirar todas as faculdades de
que costumavam ser investidos os capelães de São José, ficando, pois, todos os
membros da comunidade sujeitos aos respectivos párocos e à capela redigida pelas
Constituições Comuns a todos os oratórios públicos da Arquidiocese. Por
conseguinte, qualquer ato paroquial que possa ser celebrado na referida capela
deverá respeitar os direitos dos párocos respectivos e observar os usos, costumes e
as disposições estabelecidas na Arquidiocese.
172
A partir disso, a diretoria da comunidade procedeu a abertura de um processo junto à
Santa Sé para retomar sua autonomia frente à arquediocese. A questão foi arrastada até 1926,
quando então D. João Becker devolveu os direitos à comunidade São José, por ordem do Papa, de
18 de junho de 1925.
173
A polêmica ocorrida entre o arcebispo e a comunidade São José dos Alemães de Porto
Alegre é conseqüência não apenas de uma crise conjuntural, ligada a uma fase de intolerância
nacionalista. Ela remonta à situação especial daquela capelania, subordinada diretamente a Roma.
O momento parecia então propício para que D. João Becker a submetesse à Arquidiocese de
Porto Alegre. Esta seria também uma vitória frente aos jesuítas, que defendiam e prestavam
atendimento religioso na “língua pátria” — no caso, alemã —, inclusive junto aos teuto-católicos
da capital. Aqui também o problema referia-se à subordinação, pois “os jesuítas pertencem a uma
ordem isenta, o que no jargão canônico significa que devem obediência diretamente ao Papa e à
Cúria romana” (Rambo, 1998b, p.230). Ao lado disso, estava a questão do ataque à germanidade.
172
Portaria assinada pelo Monsenhor Dr. Luís Mariano da Rocha, de 6 de dezembro de 1917. Transcrita em Rabuske
(1994, p.182-183).
173
SECRETÁRIO GERAL DO ARCEBISPADO - cônego João Emílio Bervanger. Portaria, 15 jul. 1926. Índice
Geral – lançamento de casamentos da Capella S.José, n.2, 1891-1942, p.79. CÚRIA.
108
Neste ponto é que se justifica a participação de Friederichs na discussão, pois a esse respeito ele
tinha mais argumentos de defesa.
Enfim, Friederichs pôde, através da atuação no meio econômico e também no religioso,
construir redes de relações, solidariedades e influência, mantendo-se no meio das questões que
envolveram a população teuta de Porto Alegre. Em certas situações, sobretudo na participação na
vida religiosa da cidade, é nítida a utilização de suas convicções e seu prestígio como liderança
étnica. Noutras, como no campo econômico, parece ter maior independência em relação a seu
projeto e proposições para o grupo étnico. Nos dois casos, no entanto, procurou construir e
manter-se na vitrine dos acontecimentos.
O desempenho de Friederichs nos campos econômico e religioso não é comparável, no
entanto, à sua atuação no associativismo recreativo teuto. Neste demonstrou comprometimento
ainda maior e buscou muitas das idéias que defendeu. O seu envolvimento com as sociedades
recreativas e com a ginástica em especial teve, assim, maior peso na construção da imagem, do
prestígio e da liderança que o caracterizaram junto à população teuta da capital.
109
3 UMA LIDERANÇA TEUTO-BRASILEIRA
3.1 Lideranças teuto-brasileiras
A população imigrante alemã, desde sua chegada no Brasil, mas, principalmente a partir
de meados do século XIX, constituiu-se como grupo distinto, ressaltando por vezes as diferenças
lingüísticas, em outras o fenótipo em comparação com os nativos do Brasil, ou as diferenças
religiosas, as relações familiares e de trabalho. Muitas das características de distinção foram
sendo substituídas com o passar do tempo, outras sendo agregadas, algumas mais fortemente
ressaltadas na medida em que o grupo demarcava seus limites à integração. Como grupo distinto,
ele também produziu suas lideranças, que atuaram em diferentes campos — religioso, político,
social —, concomitantemente ou em diferentes épocas, com preocupações que ora se
encontravam e ora divergiam. Em comum, no entanto, todos tiveram o foco de atenção sobre a
situação da população de origem imigrante alemã.
Entre as diferenças, Dreher (2001, p.8) aponta três delas que se referem à filiação
filosófico-religiosa da população. Assim, entre os liberais, surge a liderança de Karl von
Koseritz; entre os luteranos evidenciam-se, sobretudo, os pastores Wilhelm Rotermund e
Hermann Dohms, e entre os católicos são sacerdotes jesuítas que assumem o papel de mentores
do grupo teuto, com maior destaque para figuras de Theodor Amstad e Max von Lassberg. Outros
critérios ainda podem ser utilizados para verificar o surgimento de lideranças no seio deste grupo.
Interessado pela integração política dos teutos, Gertz (1987, p.34) atribui à “geração de 48”
importante papel de liderança. Estes teriam saído da Alemanha com maior nível social e cultural
que os primeiros emigrantes ou com experiência no âmbito da política e da guerra. Atuaram
como porta-vozes da população teuta no Rio Grande do Sul na luta pela participação política.
110
Entre estas lideranças, o mais conhecido é Karl von Koseritz, “figura-símbolo deste grupo”.
Como redator de jornal, buscou dar voz à necessidade de integração política dos teutos, sobretudo
da população rural, trabalhando por modificações na legislação brasileira que lhes permitisse
participarem do processo político. Neste sentido, Koseritz constitui-se como liderança no campo
da política — a principal no século XIX — ocupando, além disso, um espaço de representação
dos interesses do grupo étnico na Assembléia Provincial. Na tribuna, pleiteava melhores
condições para o desenvolvimento econômico deste grupo e a garantia de seus direitos civis e
políticos (Gans, 2004, p.137).
174
Sua liderança foi ainda mais além. Como intelectual e jornalista,
propunha a formação de uma nova identidade para os alemães imigrantes, uma identidade
“genuinamente teuto-brasileira”, insistindo na dualidade cidadania brasileira e nacionalidade
alemã (Gans, 2004, p.137). Por isso foi denominado o pai do teuto-brasileirismo. Para Gans, sua
maior importância está aí:
Talvez justamente por ele ter proposto uma postura de maior adaptação
pragmática ao contexto em que estavam inseridos os teutos no Brasil, de modo a
estes obterem os benefícios da cidadania, tenha contribuído efetivamente para a
constituição de uma identidade teuto-brasileira na qual a porção teuta, mesmo que
metamorfoseada, persistisse por tanto tempo.
A diferença entre Koseritz e outros ideólogos do germanismo, principalmente daquele que
viria a predominar no século XX, estaria na ênfase dada à integração cívica e política, o que lhe
rendeu severas críticas, anos mais tarde, por parte dos germanistas da década de 30. Segundo
Oberacker, por exemplo,
a fraqueza do liberalismo de Koseritz se fundamenta na sua incapacidade de
reconhecer a importância do sangue e da raça. Por isso ele também foi incapaz de
proclamar com convicção a imprescindível autopreservação étnica. Enquanto
avançava na ocupação do espaço na política do país, afrouxavam-se
simultaneamente e em proporções correspondentes seus fundamentos étnicos
(Oberacker apud Gertz, 1999, p.8).
174
Sobre este assunto, ver também Motter (1999).
111
Mas havia muitos que ainda o admiravam. Dr. Breitenbach, um amigo de Friederichs
residente em Bielefeld/Alemanha, escreveu em 1925 que Koseritz “não foi somente um líder
político, mas também intelectual”.
175
Não foi apenas de seus sucessores, porém, que Koseritz recebeu críticas. Seus
posicionamentos também importunaram lideranças religiosas de dentro do próprio grupo étnico.
Isso fica evidente nas afirmações do Deutsche Post, jornal de tendência luterana dirigido por
Wilhelm Rotermund, quando, em 1882, confirma: “é preciso admitir que Koseritz é o líder. Isto
pode ser agradável ou pode ser lamentável. Podemos felicitar a coletividade por esse líder ou
podemos cordialmente deplorar esta situação. O fato é que o senhor Koseritz, entre todos, é o que
goza de maior confiança dos teutos na Província” (Deutsche Post apud Gans, 2004, p.147). Por
seu lado, Koseritz também desferia críticas ao pastor luterano, como mostra o comentário feito
pelo primeiro à decisão de Rotermund de naturalizar-se: “O Sr. Rotermund, cujo jornal, a
Deutsche Post, prestou tão estimados serviços à causa da germanidade, quer parar de fazer
política platônica e deixou naturalizar-se. Ao amigo um afetuoso aperto de mão por essa decisão”
(Gertz, 2002, p.37).
As discussões travadas por Koseritz e Rotermund, em geral nos veículos de imprensa que
coordenavam, se constituíam em disputas pela maior influência sobre o elemento germânico.
Wilhelm Rotermund construíra sua liderança junto aos imigrantes luteranos na medida em que
trabalhou pela organização da Igreja. Liderou a fundação, em 1886, do Sínodo Riograndense
176
,
sendo presidente da instituição nesta fase até 1893 e mais tarde, de 1909 a 1919. Era reconhecido
como representante daquele grupo, como os acontecimentos de 1918 o demonstram. Em janeiro
deste ano, “foram proibidos todos os ofícios religiosos em língua alemã, mas já em abril do
175
DR.BREITENBACH. Carta para J.Aloys Friederichs. 2 fev. 1927. JAF 1307. ABM.
176
Instituição central da administração da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil no estado.
112
mesmo ano o chefe de polícia do Rio Grande do Sul recuou um pouco nessa determinação, graças
à intervenção pessoal de Rotermund junto a Borges de Medeiros” (Gertz, 2002, p.32). Como líder
eclesiástico, deixou o trabalho em 1919.
Rotermund propunha o atrelamento entre igreja e germanidade como algo intrínseco aos
dois elementos. Para ele, se os membros da comunidade religiosa luterana abdicassem da sua
germanidade, estariam perdidos para a Igreja. De modo inverso, caso deixassem de ser luteranos,
estariam também abandonando sua germanidade (Gertz, 2002, p.30). Esta crítica estendia-se, a
meu ver, aos casamentos mistos — entre luteranos e católicos — dentro do grupo étnico.
Além de pastor e liderança eclesiástica, Rotermund destacou-se como editor. Nesta
posição, exerceu influência intelectual e política através dos impressos que produzia, sobretudo
do almanaque Kalender für die Deutschen in Brasilien (com distribuição de 30.000 exemplares
em 1923) e do jornal Deutsche Post. Segundo Gertz (2002, p.36) “o jornal refletia muito bem a
posição e a atuação políticas do velho Rotermund. A amalgamação entre germanidade,
luteranismo e política, certamente, teve na Deutsche Post seu mais típico representante”. Há
ainda a indicação de sua participação no Partido Colonial
177
como “mentor intelectual” (Gertz,
2002, p.38).
Na esteira da obra de Rotermund, surge outra liderança eclesiástica luterana que começa a
se destacar assim que este deixa a presidência do Sínodo. Hermann Dohms, nascido brasileiro,
mas de formação alemã, inicia seu trabalho como pastor em Cachoeira do Sul, de onde começa
também a influenciar no Sínodo Riograndense. Quando decide pelo pastorado no Brasil, já tem
em mente um trabalho mais amplo, como indica a carta que escreveu a sua noiva: “Meu trabalho
177
O Partido Colonial foi uma agremiação criada em 1890, que visava fazer frente às demais facções políticas do Rio
Grande do Sul na defesa dos interesses da região de colonização alemã. Teve fraca atuação até por não conseguir
afirmar-se como representante dos “alemães”, nem tampouco dos “colonos”, uma vez que não levou em conta a
heterogeneidade do grupo (diferenças sociais, religiosas e regionais). A partir de 1893, não se faz mais menção a tal
organização partidária nos jornais alemães de Porto Alegre (Gertz, 1993, p.61-74).
113
lá [no Brasil] será belo, porque será maior [do que na Alemanha], não me prenderá aos limites
estreitos de minha comunidade, mas me provocará para fazer algo por toda a germanidade no Rio
Grande do Sul” (Dohms apud Dreher, 2001, p.16).
A produção intelectual de Dohms era veiculada através da Deutsche Evangelische Blätter
für Brasilien (Folhas alemãs evangélicas para o Brasil), que começou a ser editada em 1919 com
a intenção de fomentar o debate de idéias (Dreher, 2001, p.16). Sua preocupação também se
voltava à inserção dos teutos na sociedade brasileira sem “abandonar o legado cultural de seus
antepassados” (Dreher, 2001, p.18). Dohms envolveu-se diretamente com o trabalho
administrativo da Igreja, tornando-se presidente do Sínodo em 1935. Segundo Dreher (2001,
p.28), “sua habilidade de negociador, mas também sua firmeza evitou a cisão do Sínodo e, além
disso, levaram à dissolução do Pastorado Nacional-Socialista e do Movimento dos Teuto-Cristãos
do Brasil”.
178
Na liderança dos teutos católicos, consagraram-se nomes como os dos sacerdotes jesuítas
Gasper, Amstad, Rick e Lassberg, entre outros. Com a montagem de um sistema associativo, a
Igreja Católica mobilizou os colonos a desenvolverem-se economicamente e a permanecerem no
campo. Os padres que mais tiveram influência sobre a população teuta foram aqueles que
assumiram posições de comando nestas associações, em geral como Reisesekretär (secretário de
viagem), que percorriam o interior com suas idéias em lombo de mula, expandindo a influência
do catolicismo jesuítico. Como atesta Félix (1994, p.83-84), “alguns tinham acesso ao
governador do Estado, como, por exemplo, o padre Rick, que visitava constantemente Borges de
Medeiros e detinha poder de barganha”.
178
Sobre a questão do pastorado nacional-socialista, ver Dreher (1984).
114
Para além dos grupos definidos por Dreher, de identificação filosófico-religiosa, o grupo
étnico teuto desenvolveu lideranças em diferentes classes sociais. Entre os operários, por
exemplo, ressalta-se a atuação de Friedrich Kniestedt nas décadas de 1920 e 1930. Kniestedt
dirige a Sozialistischer deutscher Arbeitverein, uma associação de cunho anarquista reconhecida
como a principal representante dos operários teutos (Gertz, 1986, p.77), redige o jornal Der freie
Arbeiter (na década de 20) e Aktion (na década de 30). Sua militância operária tinha também um
cunho étnico e procurava atrair a população da região de colonização alemã para sua causa
sempre que por lá passava. Por outro lado, sofria forte oposição no círculo étnico, como
demonstra Gertz (1986, p.80):
Em todos os lugares por que passava [São Leopoldo, Montenegro, Neu-
Württemberg], criava grupos de “freie Arbeiter” (trabalhadores livres). Este tipo
de ação resultava em oposição férrea por parte dos representantes tradicionais da
“colônia alemã”. A Neue Deutsche Zeitung, de Porto Alegre, não perdia
oportunidade para acusar Kniestedt de bolchevista e judeu — ele fazia questão de
dizer que não era um nem outro —, de terrorista etc. Pastores luteranos
manifestavam-se freqüentemente contra a sua atividade
.
É de se destacar também a liderança de Arno Philipp, político teuto que assumiu posição
no parlamento rio-grandense entre os anos de 1905 e 1928. Como político e redator do Deutsche
Zeitung, defendeu a necessidade da aproximação entre “germanidade” e “brasilidade”.
179
Outra
liderança que, assim como Arno Philipp, se destacou como um “político profissional” (Gertz,
1998, p.27) foi Alberto Bins. Este ocupou o posto de intendente municipal de Porto Alegre entre
os anos de 1928
180
e 1937. Enquanto industrial, constituiu-se também de uma liderança
empresarial bastante atuante no sentido da mobilização de sua classe.
179
BREPOHL, Wilhelm. Arno Philipp: ein deutschbrasilianischer Politiker und Pfleger des Volkstums, DER
AUSLANDDEUTSCHE – Halbmonatsschrift für Auslanddeutschtum und Auslandkunde. Mitteilung des Deutschen
Ausland-Instituts. Jahrg. XIII, Nr. 5, Stuttgart, März, 1930, p.149-150. IAI.
180
Alberto Bins foi eleito vice-indentente em 1928; com a morte do intendente Otávio Rocha, assume o cargo que
mantém até 1937.
115
Outros nomes podem ainda ser lembrados, com atuação em diferentes campos, na cidade
e na zona rural, o que não cabe, no entanto, aos objetivos deste trabalho. É possível verificar
alguns pontos de convergência entre as diferentes lideranças citadas. Um deles é a atividade
intelectual através da redação ou edição de jornais voltados ao público de língua alemã. A partir
deles, aqueles conseguiam divulgar suas idéias, fazer ouvir seus discursos, influenciar leitores,
angariar aliados e opositores.
Com exceção de Kniested — que parece preocupar-se mais com a conversão da
população teuta ao anarquismo, sendo a identificação étnica apenas um modo de aproximação —,
todos os demais demonstram um intenso empenho pela demarcação dos limites do grupo teuto ou
teuto-brasileiro, pela caracterização desta identidade, pela definição dos aspectos a serem
preservados e dos aspectos a serem assimilados. No entanto, a atuação como lideranças em
campos distintos — político, religioso, social —, em épocas diferentes, sob influências externas
também diferentes, produziram percepções de nuances diversos sobre este tema. Estes matizes
impedem a compreensão da identidade teuto-brasileira como uma proposição uniforme para todo
o grupo étnico.
Outra questão importante é o alcance destas proposições formuladas pelas lideranças, das
idéias veiculadas por eles, da recepção do discurso, enfim, do controle exercido sobre o
“rebanho”. Neste sentido, Gertz (1994, p.31) posiciona-se com o seguinte:
Mas mesmo que alguns intelectuais de origem alemã não estivessem tão
distanciados do conjunto da população quanto Oberacker, tem-se superestimado o
controle das lideranças. Mesmo padres e pastores estavam muito longe de exercer
um controle total, como muitas vezes se pensa. As dificuldades que enfrentavam
eram muito grandes. Desta forma, deve ser muito relativizado o conteúdo do
discurso desses agentes.
Concordo no aspecto relativo do controle das lideranças sobre seus círculos de influência
— levando em conta a liberdade dos indivíduos de conduzirem suas próprias trajetórias. A
116
emergência de diferentes lideranças também remete a isso. Por outro lado, estes indivíduos foram
construindo a confiança, a credibilidade, a fidelidade de seus liderados, o que permite entender
que havia quem os ouvisse e, inclusive, obedecesse. Deve-se ainda ter em mente que a massa
documental é produzida pelas lideranças, o que conduz à leitura da realidade na sua perspectiva.
É importante, no entanto, estar ciente de que é uma perspectiva e que buscou ser aceita na época.
Entre os diferentes campos nos quais surgiram lideranças dentro do grupo teuto-brasileiro,
é de se destacar as sociedades recreativas. Espaço de preservação de identidades, de constituição
de lealdades, de representação de grupos sociais, os clubes em geral e as sociedades recreativas
teutas em particular eram também espaços de construção de lideranças. Já afirmava Félix (1994,
p.79) que, na região colonial, “os focos formais de poder na Primeira República (intendência,
conselho municipal, comissões executivas diretoras municipais) não são o locus privilegiado do
poder”, uma vez que este se encontrava pulverizado junto a algumas instituições, muito
especialmente nas organizações eclesiásticas católicas e luteranas. Onde a Igreja não
monopolizava atenção, a ocupação do tempo e a formação das consciências, aí também atuavam
as sociedades recreativas.
Entre estas, o Turnerbund teve relativo destaque, não apenas por ser a mais antiga
sociedade de ginástica do Estado, mas também por seu expressivo trabalho em prol da
germanidade. Em contrapartida, a população de origem germânica da capital tinha no
Turnerbund uma referência, apoiando suas ações, participando ativamente das aulas de ginástica,
enchendo o seu parque aos domingos ou o salão nas peças teatrais. Esta instituição era
considerada pelo Koseritz Deutsche Zeitung, já em 1895, a sociedade de maior florescimento de
todas as sociedades teuto-brasileiras.
181
Nela realizavam-se as festas em homenagem ao
181
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 18 jun. 1895. ABM.
117
aniversário do Imperador alemão, ao Deutscher Tag, ao Centenário da Independência do Brasil,
ao Centenário da Imigração Alemã e outras mais que reuniam grande parte da população teuta da
capital e também do interior. Dividia às vezes as atenções dos teutos de Porto Alegre e as
atrações dedicadas a estes com outras duas sociedades: a Germânia e a Gemeinnützigerverein.
Assim ocorria, por exemplo, quando vinha de fora do Estado uma peça teatral ou um palestrante.
Grande parte dos espetáculos ocorria no Turnerbund, mas por vezes também nas outras duas
sociedades, principalmente quando o evento era promovido pela Liga das Sociedades Germânicas
(Verband Deutscher Vereine). Também a ira contra a comunidade teuta, durante a primeira
guerra mundial, pôde ser expressa usando estas sociedades como referência. Silva Jr. (1994),
quando analisa os “quebra-quebras” de 1917, em Porto Alegre, relata a movimentação da
população rebelde da cidade com destino à sede do Turnerbund no arrabalde de São João. A
polícia conseguiu conter a primeira manifestação, não obtendo o mesmo resultado, no dia
seguinte, na sede do clube junto à rua São Raphael, que foi invadida, assim como o foi também a
sede da Sociedade Germânia. Para Silva Jr. (1994, p.96), tanto a Germânia como o Turnerbund
eram “duas grandes expressões da cultura teuta em Porto Alegre”. A invasão das duas
sociedades mostra sua representatividade simbólica em relação à comunidade alemã de Porto
Alegre e, como conseqüência, em relação ao mito do “perigo alemão”. Além disso, o Turnerbund
era a principal associação esportiva e social da elite teuto-brasileira de Porto Alegre, onde, como
afirma Fortes (2004, p.183), “se reuniam os jovens para a prática da ginástica, mas também
discursavam políticos e articulistas”. Nota-se aí a conjunção de interesses que envolviam a
formação de espaços de sociabilidade como os clubes recreativos do grupo étnico alemão.
Se o Turnerbund era referência para o associativismo teuto, de igual importância se
revestiam os dirigentes desta instituição. Dos primeiros 50 anos de existência do Turnerbund,
mais de 30 deles tiveram Aloys Friederichs como a figura central. Na verdade, pode-se dizer que
118
estes dois nomes sempre estiveram muito ligados. A Friederichs se confere a responsabilidade
pela fundação do Turnerbund, resultado da unificação das duas sociedades de ginástica existentes
em Porto Alegre antes de 1892. A ele também se atribui o crescimento da sociedade nos
primeiros 30 anos. Sua saída da presidência, em 1929, foi interpretada como “um acontecimento
na história da sociedade”, pois iria ser eleito, então “um presidente que não se chama Aloys
Friederichs”.
182
Mesmo depois de seu afastamento, era consultado e chamado a opinar nos
momentos importantes. Já na sua velhice, vê o nome Turnerbund ser também aposentado pela
história.
O nome de Aloys Friederichs não esteve, no entanto, ligado apenas ao Turnerbund, mas
pode ser encontrado nas nominatas de diretoria de outras tantas sociedades, como a Hilfsverein, a
Gemeinnützigerverein e a Verband Deutscher Vereine. Ou pode também constar da lista de
homenageados ou sócios honorários da Turnerschaft, das Turnverein de São Sebastião do Caí,
Montenegro, Hamburgo Velho, do Club de Regatas Guahyba, da Schützen-Verein “Eintracht” de
Cachoeira e da Sociedade Leopoldina de Porto Alegre, por exemplo.
183
Dando atenção especial à prática do Turnen — que será analisado mais adiante —,
Friederichs foi associado à figura de Friedrich Ludwig Jahn, ideólogo do nacionalismo alemão, o
“pai da ginástica”. Aloys é então considerado o Riograndenser Turnvater ou “pai da ginástica no
Rio Grande do Sul”. Em 1901, é possível encontrar a primeira referência na imprensa ao
reconhecimento de seu papel como sucessor de Jahn no além-mar. Ele é considerado então o
“Jahn da nova Pátria”.
184
Já nesta época, era visto como “o homem com o autêntico coração
182
“... es sei ein Ereignis in der Geschichte des Turnerbundes, dass ein Vorsitzender gewählt wurde, der nicht Aloys
Friederichs heisse.” TURNERBUND, Porto Alegre, Assembléia Geral , 16 dez. 1929, Livro de Protocolo de Atas.
MS.
183
FRIEDERICHS, J. A. Álbum Ehren-Urkunde, MS.
184
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 20 nov. 1901. ABM.
119
alemão”,
185
o que mostra também a identificação direta de sua pessoa com o cultivo da
germanidade. A partir de suas posturas pessoais e sua atuação pública, Friederichs era
representado, no auge de sua liderança na década de 20, como “o homem mais influente e ativo”
no que se refere ao trabalho pelo bom relacionamento entre lusos e teutos, pela preservação da
língua alemã e pela germanidade.
186
No Deutsche Post, jornal publicado em São Leopoldo,
Friederichs aparece como “a personificação do pensamento alemão”, o que foi “sempre” e
permanece sendo então, no ano de 1928.
187
Aos olhos da imprensa em língua portuguesa, na
mesma época, destacava-se sua atuação como fomentador do esporte, como “um dos desportistas
que mais tem feito pela ginástica entre nós”;
188
mas também é denominado “paredro da colônia
alemã”.
189
Olhos externos também evidenciavam a liderança e influência de Friederichs, como
expresso num jornal argentino em língua alemã que o considerava “o homem mais alemão do Rio
Grande do Sul”.
190
Também da antiga Pátria vinha o reconhecimento pelos serviços prestados ao
Turnen, ao exercício físico em geral e à germanidade no exterior. Por essa razão, Friederichs
ganha da Federação Alemã de Ginastas (Deutsche Turnerschaft), em 1928, o título de sócio
honorário, então primeiro alemão no estrangeiro que recebera tal honraria; nem tampouco é
desprezível o fato de ter também sido presenteado, em 1930, pela Verein für das Deutschtum im
Ausland (Sociedade para a Germanidade no Exterior) com a medalha de honra “pelo trabalho em
favor da germanidade”; ou em 1935, com um diploma concedido pela Bund der
185
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 21 abr. 1902. ABM.
186
WOLFGANG AMMON. Carta para J. Aloys Friederichs. 7 dez. 1922. JAF 0189. ABM.
187
DEUTSCHE POST, São Leopoldo, 3 fev. 1928, (recorte), JAF 0014. ABM.
188
CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 3 fev. 1928, (recorte), JAF 0009. ABM.
189
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Porto Alegre, 3 fev. 1928, (recorte), JAF 0010, ABM. Essa designação lhe servia em
todos os seus significados: segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, “paredro” quer dizer “mentor, conselheiro,
guia”; ao mesmo tempo, “dirigente de clube desportivo e mandachuva”.
190
DEUTSCHE WACHT - NATIONAL-DEUTSCHE ZEITUNG, Buenos Aires, 13 fev. 1923, (recorte), JAF 0614.
ABM,
120
Auslandsdeutschen (Liga dos Alemães no Exterior). Essas e outras evidências, confirmam a
atuação de Jacob Aloys Friederichs como uma liderança entre os teutos.
Enfim, se o associativismo tinha destacada importância para os teutos e o Turnerbund a
mesma posição entre as sociedades recreativas, liderar esta sociedade por mais de 3 décadas
também parece ter muita significação. Se o Turnerbund teve expressivo papel em prol da
germanidade — até por ser a ginástica uma atividade nascida de dentro do nacionalismo alemão
— e as sociedades recreativas em geral servirem de pilares da preservação identitária na ótica
germanista, ao lado da escola comunitária teuta e do catolicismo e luteranismo de imigração, é
compreensível e bastante provável que uma liderança associativa também acabaria por ser uma
liderança étnica. Nas páginas seguintes, analiso mais detidamente a importância do
associativismo como instrumento de preservação étnica, a ginástica alemã no contexto da
formação da identidade étnico-nacional e, principalmente, a trajetória de Friederichs. Pretendo
demonstrar como este construiu sua liderança, que condições lhe foram oferecidas e que escolhas
o levaram a assumir tal posição.
3. 2 O associativismo teuto-brasileiro
Quem passasse, naquele domingo, por volta das 10 horas da manhã, pelo Caminho Novo,
certamente se admiraria com uma imagem há muito não mais vista. Ao som de uma orquestra
alemã, marchava, em passos cadenciados, no sentido da estação, um considerável número de
ginastas em seus trajes esportivos. Estavam empolgados por embarcar rumo a Canoas, onde
ocorreria então a esperada festa de ginástica. O convite aos porto-alegrenses veio de São
Leopoldo, e, vindos de norte e sul, o grupo deveria se encontrar no “matinho” de Canoas para o
festejo. O tempo estava magnífico, é claro, pois a semelhantes rostos, sorridentes e felizes como
121
os daqueles ginastas, nem a chuva poderia resistir. Aquele jovem povo parecia um enxame de
abelhas saindo do ninho, com rostos brilhando e caretas satisfeitas de alegria. Então irrompeu o
sol, prometendo um belo dia de ginástica.
Depois da cordial recepção no campo em Canoas e da marcha de apresentação de cada
sociedade, vieram os discursos. O presidente Weinmann saudou os presentes, finalizando com
um forte e generalizado Gut Heil.
191
Então falou o vice-presidente do Turn-Club de Porto
Alegre, salientando a satisfação pelo recebimento do convite, mesmo em se tratando de uma
sociedade bastante nova, tão nova que os calçados dos ginastas ainda nem estavam gastos. Mais
alguns discursos e iniciaram-se as apresentações e competições.
O ponto-alto da festa foi a apresentação do Turn-Club de Porto Alegre. Era de
impressionar que uma sociedade tão jovem, de menos de três meses de existência, demonstrasse
tanta categoria, tanta disposição e força. Impetuosos foram os ginastas na pirâmide, que foi
executada com elegância, graça e agilidade corporal. Foi lamentável que algumas outras
sociedades não tenham participado. Se tivessem tomado parte, poderiam também apreciar a
destreza dos ginastas da mais nova agremiação alemã de ginástica do estado.
192
Tanta empolgação e louvor à jovem organização alemã para a prática da ginástica podem
ter incitado também o jovem Aloys a associar-se ao Turn-Club naquele ano de 1888. Este
chegara a Porto Alegre quatro anos antes e, até então, não havia ainda se envolvido no
associativismo teuto, há muito estruturado na cidade. Agora, aos vinte anos de idade, decidira
191
Saudação típica do movimento ginástico alemão, que significa “ileso, alvo e, no contexto das provas, representam
‘um desejo de que tudo decorra bem... que todos tenham bom proveito dos exercícios” (Müller apud Seyferth, 1999,
p.27). Seyferth lembra ainda que a saudação dos ginastas, no contexto da primeira metade do século XX, “deve ter
chamado a atenção dos nacionalizadores brasileiros porque podia, facilmente, ser confundida com a saudação
nazista”.
192
Relato baseado no artigo “Turnfest in Canoas”. DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 9 mar. 1888. ABM.
Trata-se de um campeonato ou festival das sociedades de ginástica. A referida “festa” ocorreu em um município que
faz fronteira no sentido norte com Porto Alegre, a meio caminho entre esta cidade e São Leopoldo.
122
entrar para o Turn-Club por razões que os documentos não revelam. Poderia ele ter sido
influenciado pelo quadro formado naquele domingo de março, junto à estação de trens, ou pelo
movimento dos ginastas que passavam pela rua onde morava — o Caminho Novo, hoje rua
Voluntários da Pátria —: uma visão empolgante de como aproveitar a juventude. O sucesso do
Turn-Club no evento esportivo de Canoas viria a se tornar público nos jornais da semana,
aumentando ainda mais o interesse pelo novo clube. Se Aloys foi influenciado por este evento, no
entanto, não foi logo em seguida que decidiu associar-se àquela sociedade. O registro de sua
entrada como sócio data de 17 de agosto de 1888,
193
o que talvez tenha ocorrido em razão de
outro evento ter chamado sua atenção. Em agosto, as sociedades de ginástica comemoravam o
aniversário de Jahn, o “pai da ginástica alemã”, e a nova agremiação também se ocupou de
organizar uma festa. Marcado para o dia 11 de agosto, este era o primeiro evento desta
associação voltado ao público externo, sendo estendidos os convites para famílias que não faziam
parte do quadro social da instituição. Chegada a esperada noite, o presidente Carl Dugge proferiu
um discurso, no qual salientava a importância da obra de Jahn, os benefícios dos exercícios
físicos e desafiava os jovens para o cultivo zeloso e aplicado do Turnen. Seguiu uma encenação
cômica com três atores. Então veio a vez dos próprios ginastas assumirem seu lugar no palco,
com exercícios livres e a “pirâmide”. Depois da força, o Turn-Club comprovou seu vigor e
alegria num baile com danças ligeiras.
194
Se Aloys efetivamente estava na festa, não há como
saber. No entanto, não demorou muitos dias para que se candidatasse para a Ballotage — seleção
de novos sócios —, sendo admitido na reunião de diretoria do dia 17 de agosto.
195
A partir de
193
TURN-CLUB, Porto Alegre, Reunião de Diretoria , 17 ago. 1888, Livro de Protocolo de Atas. MS.
194
Relato baseado em notícia do DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 14 ago. 1888. ABM.
195
Ballotage era uma forma de ingresso que exigia proposta e oferta de garantia do candidato à sócio, bem como
cartaz público (Wieser, 1995, p.19). Juntamente com Aloys foram admitidos G.Gieseler, F.Brenner, J.Brodt, R.
Weber e J. Braescher. Foi recusada a entrada de Dario Dias que, coincidentemente ou não, não tinha sobrenome
alemão. TURN-CLUB, Porto Alegre, Reunião de Diretoria , 17 ago. 1888, Livro de Protocolo de Atas. MS.
123
então, poderia participar das “noites de ginástica” (Turnabende) que ocorreriam, daquela semana
em diante, nas terças e quintas-feiras.
196
Além destes atrativos acontecimentos, o exemplo do irmão talvez possa ter influenciado o
jovem Aloys a associar-se ao Turn-Club. Chegando a Porto Alegre no início de 1884, Miguel não
demorou a compreender que a rede associativa existente na cidade era uma forma privilegiada de
se integrar à sociedade, notadamente à comunidade étnica alemã. Era também um caminho para o
estabelecimento de contatos comerciais, o que muito vinha a beneficiar o novo empreendimento
artesanal da família Friederichs. Não há como saber se Miguel já participava anteriormente de
associações culturais, esportivas ou profissionais durante seus primeiros anos como imigrante em
Lomba Grande. Sua integração na malha associativa teuta porto-alegrense, no entanto, se deu
logo que se estabeleceu na cidade. É significativa para isso a menção de seu nome na nominata
da diretoria da associação Deutscher Verein (Associação Alemã) já em março de 1885 como
“representante” ou “suplente” do presidente H. Gerlach.
197
De uma sociedade de aparente pouca importância, Miguel passa a representar, com o
passar do tempo, os interesses de grupos um pouco mais significativos quando aparece como
presidente do Partido Colonial em 1892 ou como vice-presidente da Verband Deutscher Vereine
196
DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 21 ago. 1888. ABM.
197
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 7 mar. 1885. ABM. A referida associação, nomeada
simplesmente como Deutscher Verein, não recebeu menção dos pesquisadores que se debruçaram sobre o
associativismo teuto. Pude encontrar referência a ela em edição do ano seguinte do mesmo jornal, anunciando nova
eleição. Também é uma das sociedades que fundou, em 1886, a Verband Deutscher Verein (Liga das Sociedades
Germânicas) em Porto Alegre (Chronick, 1936, p.26). Gans (2004, p.150-151) refere-se à mesma em uma citação de
um trecho do jornal Deutsche Zeitung em que esta sociedade é criticada, conjuntamente com o Turnverein
(Sociedade de Ginástica) e a Sociedade Orpheu, pelo apoio a Karl von Koseritz como porta-voz das associações
teutas na recepção ao casal de príncipes (Conde D’eu e Princesa Isabel) em visita a Porto Alegre. A autora reproduz
ainda outro comentário daquele veículo da imprensa que diz: “no que diz respeito ao Deutscher Verein, seus
membros nos são totalmente desconhecidos e também sua importância é muito pequena”. Miguel só se associou a
uma sociedade de ginástica em 3 de agosto de 1894, no então Turnerbund (fonte: TURNERBUND, Porto Alegre,
Mitglider-Register. MS).
124
(Liga das Sociedades Germânicas) em 1903.
198
A participação de Miguel, desde cedo, em
associações do grupo étnico alemão em Porto Alegre pode indicar que, na família Friederichs, o
engajamento neste tipo de rede de sociabilidade não era nada estranho, influenciando também o
irmão mais novo. Em fins da década de 80, Aloys podia encontrar uma série de associações de
caráter étnico alemão na qual se integrar, fosse para a prática de esportes ou do teatro, para o
cultivo da canção alemã ou para o auxílio a novos imigrantes e à educação dos conterrâneos. A
esta gama de sociedades, clubes ou associações, a historiografia tem chamado de associativismo
teuto-brasileiro.
.199
* * *
É bastante recorrente, na historiografia voltada ao estudo da colonização alemã no Brasil,
a referência à organização social do grupo étnico alemão em associações recreativas, culturais,
profissionais e assistencialistas. No Rio Grande do Sul, apesar da colonização ter iniciado em
1824, apenas na segunda metade do século começam a ser estruturadas sociedades ou clubes
entre os teutos. A razão para este atraso em relação ao estabelecimento da população imigrante
no país é explicada por Rambo (1988, p.36 e 37) pela pobreza dos camponeses que aqui
aportaram, exigindo o máximo esforço no sentido de conquistar a plena subsistência: “Consumia-
198
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 6 abr. 1892 e 21 jan. 1903, respectivamente. ABM. Quanto à
vice-presidência na Verband Deutscher Vereine há divergência de informações. Segundo a publicação comemorativa
dos 50 anos da Federação, o vice-presidente deste período é J.Aloys e não Miguel (Chronick, 1936, p.26). É possível
que o jornal tenha se equivocado ao referir-se à pessoa de Miguel como ocupante do cargo. É possível também que
este tenha assumido esta posição no início do ano e que, posteriormente tenha sido substituído pelo irmão. Miguel
morreu no final deste mesmo ano (1903). KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 23 dez. 1903. ABM.
199
O termo atualmente em voga para o estudo das associações é “associacionismo”, fenômeno social formado por
“grupos formais livremente constituídos”, “entidades organizadas de indivíduos coligados entre si por um conjunto
de regras reconhecidas e repartidas” (Bobbio, 1994, p.64). Mantenho, no entanto, o uso do termo “associativismo”
por se encontrar bastante difundido no campo da História, principalmente entre os estudos sobre a imigração e
colonização.
125
se o tempo todo na garantia do mais essencial: comida para a mesa, roupa para o corpo, casa para
morar e ferramentas para o trabalho. As outras ocupações não passavam muito do sonho e se
localizavam no mundo do quase impossível”. Tal avaliação já era feita por Roche (1969, p.643-
644), com base nas observações de viajantes que visitaram o Rio Grande do Sul por volta de
1850. Este autor reproduz a impressão de Hörmeyer (que esteve no estado no anos 50), afirmando
que, nas primeiras décadas da colonização alemã, os imigrantes haveriam apenas se voltado a
preocupações materiais; que “teriam lutado só para assegurar sua sobrevivência biológica”; que
“se teriam reunido mais ou menos regularmente, num café ou numa loja de um deles, senão para
se ocuparem dos negócios”.
Os alemães dançavam às vezes, mas, em meados do século XIX, ainda
não conheciam, mesmo em Porto Alegre, ‘nem baile organizado, nem teatro, nem
sociedades corais’ [Hörmeyer]. As sociedades somente apareceram quando os
comerciantes adquiriram certa prosperidade e os Brummers despertaram o
Deutschtum, o germanismo (Roche, 1969, p.644).
Também é Roche que indica a localização das primeiras sociedades a surgirem no Rio
Grande do Sul, não em São Leopoldo — “berço da colonização alemã” —, mas em Porto Alegre;
não na zona rural, mas na urbana. De tais contribuições historiográficas, é possível deduzir-se
que, em primeiro lugar, a estruturação de sociedades culturais e recreativas em meio aos alemães
no Rio Grande do Sul foi possível a partir da conquista de condições econômicas favoráveis à
administração do tempo livre;
200
em segundo, recebeu influência das idéias étnico-nacionalistas
que aportavam com novos contingentes imigrantes a partir da segunda metade do século XIX,
momento em que também se acentuam os contatos entre os alemães em ascensão econômica e
grupos nativos locais (luso-brasileiros); em terceiro e não menos importante lugar, as primeiras
200
Ramos (2000, p.8) afirma que “a melhoria das condições de vida de alemães e teuto-brasileiros de São Leopoldo,
geralmente comerciantes, permitiu-lhes um tempo de ócio, de não-trabalho, que, junto com outros motivos, levou-os
a construir no final dos anos 50 do século XIX um espaço onde pudessem se reunir para cantar”.
126
associações teutas são fundadas no meio urbano, a saber, na capital, onde o contato inter-étnico
era mais acentuado em relação às áreas rurais. Em síntese, o associativismo teuto constituiu-se
como forma de bem ocupar o tempo livre e de demarcar fronteiras entre o “nós” e os “outros”.
Neste sentido, é bastante compreensível que, ao contrário da colonização do sul, já na
década de 20, no Rio de Janeiro, pudesse ser encontrada uma sociedade recreativa alemã. Ali
aportaram os primeiros imigrantes alemães ainda antes da proclamação da independência, dentre
os quais poucos se destinaram para o trabalho agrícola, sendo, em sua maioria, comerciantes e
artífices (Seyferth, 2000b, p.11). Eram numericamente pouco expressivos — 200, segundo o
Registro de Estrangeiros em 1822 —, mas visivelmente estranhos no conjunto de forasteiros da
cidade. Este contraste era visto e sentido de forma a construir uma solidariedade étnica que
resultou, já em 1821, na fundação da “primeira associação demarcadora de pertencimento étnico
germânico surgida no país”: a Gesellschaft Germânia (Seyferth, 2000b, p.12).
A Germânia era composta basicamente por comerciantes e industriais alemães radicados
no Brasil, eventualmente algum cientista, artista ou militar de residência temporária no país. Para
além de suas funções primordiais de sociabilidade étnica através do teatro, da literatura e da
música do país de origem, esta associação constituía-se também em espaço para contatos
comerciais de uma pequena burguesia alemã, atraindo negociantes de importação e exportação,
diplomatas, médicos, engenheiros e, em menor número artífices, operários e colonos (Seyferth,
2000b, p.15).
De identidade básica alemã, a Germânia tinha também em seus quadros outros europeus
que compartilhavam língua e cultura — “os dois elementos primordialistas acionados pelo
nacionalismo romântico alemão como fundamentos da idéia de nação”. Entre os fundadores, por
exemplo, encontram-se dois holandeses, dois belgas, dois suíços, um dinamarquês e um escocês.
127
Nos seus primórdios, a sociedade não estava articulada a ideais
germanistas. Afinal, a ideologia nacionalista alemã e a própria noção de
Deutschtum (e seus apensos) ainda estava em gestação na Alemanha quando a
Germânia foi fundada em 1821. Mesmo assim, possuía uma identidade alemã
unívoca (isto é, situada acima das identidades regionais), reafirmada de modo
mais categórico depois de 1850, com a consolidação de um pequeno, mas
constante, fluxo migratório (Seyferth, 2000b, p.27).
Com o passar do tempo, a Germânia foi assumindo um perfil mais ao gosto do
germanismo, com exigências estatutárias de identificação lingüística, tornando-se a “espinha
dorsal” da colônia alemã no Rio de Janeiro, “o ponto de partida e a instituição em torno da qual
se articulou a solidariedade étnica” (Seyferth, 1999, p.25 e 2000b, p.13 e 18).201
Ainda no Rio de Janeiro, num período anterior à estruturação do associativismo teuto no
sul do Brasil, surge, em 1844 um outro tipo de sociedade de solidariedade étnica — a Deutscher
Hilfsverein (Associação Beneficente Alemã) —, com fins eminentemente assistencialistas,
através da qual promovia-se a educação dos imigrados na escola alemã, o auxílio monetário a
imigrantes necessitados e a volta à pátria de origem (Seyferth, 2000, p.16).
O exemplo das duas sociedades alemãs pioneiras fundadas no Rio de Janeiro vem reforçar
a idéia de que este tipo de organização social teve na cidade o espaço privilegiado de constituição
em função não apenas dos interesses que envolviam os associados, mas também por estes
encontrarem-se em situação de maior contato inter-étnico, definindo assim suas fronteiras e
identidades.
* * *
201
Outros clubes Germania: Porto Alegre (1855), Santos (1865), São Paulo (1868), Curitiba (1869), Bahia (1873).
Também nestas cidades os quadros das sociedades Germânia eram compostos por imigrantes dedicados ao comércio
e/ou indústria. Segundo Seyferth (1999, p.25), “estas associações celebravam datas históricas alemãs, possuíam
bibliotecas com predominância de textos em língua alemã, organizavam apresentações teatrais em língua alemã e de
música instrumental e coral privilegiando a tradição alemã”. Germânia eram “mais do que simples espaços de
recreação, sendo consideradas por Fouquet precursoras das câmaras de comércio teuto-brasileiras”.
128
A segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do XX são marcadas,
principalmente no sul do Brasil, por uma proliferação de sociedades culturais, recreativas,
profissionais e de ajuda mútua entre os teutos espalhados pela zona colonial alemã, de maneira
especial junto à comunidade teuta de Porto Alegre. Esta intensa vida associativa é “assumida
como característica própria da etnia pelos descendentes: de ajuda mútua, beneficientes, culturais,
esportivas, musicais, etc., as associações foram definidas como ‘germânicas’, portanto,
demarcadoras, em algum grau, da etnicidade” (Seyferth, 1999, p.24). O discurso dos
descendentes, de que haveria uma pré-disposição entre os indivíduos do grupo étnico alemão à
constituição de sociedades, reproduz-se de forma incansável, sendo incorporado inclusive pela
historiografia que se debruçou sobre o tema, fato já detectado por Seyferth (1999, p.25). Fala-se
então no conhecido “espírito associativo” dos alemães, força motora da criação da sociabilidade
étnica dos teutos. Rambo (1988, p.10), por exemplo, refere-se a um “proverbial instinto dos
alemães e seus descendentes de se associarem para as finalidades mais diversas”, querendo dizer
com isso – ao que a expressão “proverbial” indica – que esta avaliação já se tornou um ditado
popular, ou um dito repetido pela tradição. Mas o autor, segundo sugere outra passagem,
incorpora o provérbio a sua análise, quando afirma que os imigrantes alemães
carregavam em sua bagagem um tal ou qual instinto de se associarem a
fim de enfrentar os mais diversos desafios. A imagem bíblica da vara isolada que
se parte sem dificuldades e do feixe que resiste a tudo serviu-lhes de paradigma
para resistirem, para sobreviverem, para medrarem em meio à nova e
desconhecida situação (Rambo, 1988, p.36).
Mas Rambo não é o único a atribuir a criação de clubes e sociedades com fins diversos ao
“espírito associativo” alemão. Roche (1969, p.643) furta-se em assumir para si este princípio
quando afirma que “acredita-se, geralmente, que os alemães sentem prazer em agrupar-se”. No
129
entanto, concorda com a “crença” na medida em que vê no “número de sociedades fundadas ou
constituídas no Rio Grande do Sul” a comprovação de tal afirmação.
A análise reproduzida por trabalhos acadêmicos tem sua origem, entre outros, numa
literatura produzida por historiadores diletantes ligados ao grupo étnico ou por impressões de
viajantes do período em que o associativismo teuto estava em construção. Apóia-se com
freqüência na “enciclopédica” obra de Amstad – Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do
Sul – leitura obrigatória para o estudo da imigração alemã, desde que colocada no contexto de sua
produção.
202
O livro, produzido num momento de grande florescimento da identidade étnica
alemã (anos 20), é rico em descrever o associativismo: seus fins gerais, a proliferação na capital e
no interior. Considera também como característica própria do grupo a criação de clubes e
associações, quando disserta sobre uma diversidade de sociedades teutas existentes no Rio
Grande do Sul até aquele período (1924) como resultado de “uma lendária inclinação ao
associativismo” ou de uma “mania associativa”, da qual “não poucos falam” (Cem anos de...,
1999, p.301). Nota-se também aí que, apesar da comprovação numérica da existência de
sociedades e clubes em diversos cantos do estado, a “inclinação”, “predileção” ou “mania” de
associar-se se encontra no campo da “lenda” ou da reprodução popular da cultura. Telles (1974),
ao trabalhar a memória do Deutscher Hilfsverein (Associação Beneficente Alemã), disserta
largamente sobre o “gregarismo alemão”, fruto do “temperamento alemão”, explicado mais por
razões climáticas do que históricas. As observações do viajante francês Tonnelat (citado em
Willems, 1980, p.403) devem também ser lidas com reserva ou atenção. Nelas, salientou “a
202
Apesar de Amstad não aparecer como autor, a obra é apresentada como “fruto do [seu] esforço”, contando ainda
com “inúmeros colaboradores” (Cem anos de germanidade, 1999, p.7). Outra fonte diz que “a maior parte da
publicação comemorativa provém da hábil pena do santo padre Theodor Amstad S.J., que é incontestavelmente o
melhor perito da colônia alemã do nosso estado”. “Der grösste Teil der Festschrift stammt aus der gewandten Feder
des H.P. Theodor Amstad S. J., der unbestritten der beste Kenner der deutschen Kolonien unseres Staates ist.”
(Chronik, 1936, p.26).
130
‘feição germânica’ das atividades recreativas desenvolvidas no âmbito das associações”, diga-se,
nas associações teutas (constituídas pelo grupo étnico), o que não quer dizer que o fato de
constituí-las seja próprio à ”natureza” deste grupo, próprio ao caráter germânico – expressões
que, a propósito, alinham-se ao discurso étnico-nacionalista alemão. A propósito, nação, etnia e
associação foram elementos de um mesmo processo de florescimento da idéia de um Estado
Nacional alemão. Como a Alemanha vivia ainda num sistema feudal em pleno século XVIII,
algumas instituições foram surgindo como forma de oposição a esta sociedade: a livre reunião,
sem constrangimento nem obrigação, era um fenômeno que se dirigia contra a sociedade do
Antigo Regime, contra a sociedade estamental. As associações foram veículos privilegiados para
a difusão da idéia de nação, principalmente aquelas que, como as de canto, difundiam uma língua
mais ou menos homogênea, os conceitos do nacionalismo e o sentimento de pertencimento a um
povo (Schulze, 1997, p.189).
Enfim: embora reconheça a profusão numérica das associações teutas e sua importância
no conjunto de instituições que compuseram a organização social dos imigrantes alemães e seus
descendentes, tendo a concordar com Seyferth quando critica o natural “espírito associativo”
alemão como uma “inflexão laudatória da fraseologia”. O tom implícito neste princípio busca não
apenas justificar a existência deste tipo de rede de sociabilidade, mas também reforçar a
especificidade do grupo, marcando os limites de sua identidade. A justificativa é ainda mais
utilizada quando se tratam de sociedades de tiro, de ginástica ou canto. Estas instituições, mais do
que as sociedades de ajuda mútua ou voltadas a outro tipo de atividade recreativa, tomam para si
a função de propagadoras e conservadoras da cultura germânica (Seyferth, 1999, p.26), que, por
sua vez, reproduz a idéia da inevitável tendência associativa dos alemães. Não considero,
portanto, que o associativismo teuto seja fruto do espírito gregário inerente aos imigrantes
alemães, como um traço cultural herdado e trazido tal e qual na bagagem do imigrante.
131
Considero-o resultado da necessidade própria a diferentes grupos étnicos e sociais de se
agregarem para fins diversos — e assim definirem fronteiras e limites
203
— como pode ser
encontrado também entre os italianos no Rio Grande do Sul (Weber, 2004); além disso, vejo-o
como efeito da reprodução e atualização de representações a respeito do que faz e o que não faz
parte da cultura ancestral na construção da identidade original teuto-brasileira.
Na organização social resultante da imigração alemã no sul do Brasil, portanto, são
estruturadas diversas instituições que assumem o papel de difusoras do sentimento de identidade
ligado à etnicidade — percebida como crença numa origem comum — e ao orgulho nacional em
relação à pátria de origem: talvez a mais característica desta função seja a Verein (traduzido por
sociedade). Estas associações foram definidas como de importante papel na difusão da
germanidade, segundo o nacionalismo romântico. Ao produzirem cultura, produziam distinção e
identidade nacional. No Brasil, serviram de “símbolos da etnicidade teuto-brasileira” (Seyferth,
1999, p.27).
* * *
O período áureo do associativismo teuto concentra-se entre os anos de 1850 e 1942. As
razões para tal demarcação já foram parcialmente levantadas, mostrando que, antes de 1850, as
preocupações dos imigrantes estavam voltadas apenas à produção da vida material e que, após
esta data, verifica-se uma significativa ascensão econômica que permitiu que se preocupassem
com o lazer e com a afirmação do grupo perante a sociedade rio-grandense. Além disso, os novos
contingentes de imigrantes influenciados pelo ideário nacionalista foram importantes para a
203
Seyferth (2000a, p.295) afirma que “o uso cotidiano da língua alemã, a intensidade da vida associativa, a rede
escolar particular, a imprensa e outras publicações periódicas, inclusive a produção literária, pelas apregoadas
vinculações com ideais de germanidade, ajudaram a construir uma etnicidade teuto-brasileira e serviram como
limites inclusivos do grupo étnico”.
132
criação de instituições voltadas ao grupo étnico específico. A delimitação final do período
encontra justificativa na entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, que levou ao
recrudescimento do sentimento nacional brasileiro e, conseqüentemente, da oposição a toda e
qualquer manifestação identitária “inimiga”. A vida associativa teuta, guardiã do “espírito”
alemão (Volksgeist) e da cultura ancestral, sofreu, desde as primeiras manifestações do
nacionalismo brasileiro, desde as primeiras medidas da Campanha de Nacionalização, revezes
que transformaram definitivamente seu sentido. Por isso a demarcação deste período como fim
do associativismo teuto.
A primeira associação cultural-recreativa teuta a ser criada no Rio Grande do Sul foi a
Gesellschaft Germânia, constituída em 1855 por 28 sócios em Porto Alegre. Como as outras
sociedades com este mesmo nome, congregava elementos de uma elite alemã voltada
essencialmente ao comércio; promovia festividades (bailes de carnaval, inclusive), concertos,
apresentações teatrais, palestras; celebrava datas históricas alemãs, como os aniversários da
Batalha de Leipzig (libertação do domínio napoleônico), do Imperador alemão e de Bismarck;
tinha como finalidade a conservação da língua, da arte e dos costumes alemães (Roche, 1969,
p.644). Em seus estatutos constava a necessidade do domínio da língua alemã — não faz
referência a nascimento ou origem imigrante.
204
Logo a seguir, outra sociedade de mesma
origem é criada na capital, desta vez destinada à assistência dos conterrâneos. Trata-se da
Deutscher Hilfsverein (Associação Beneficente Alemã), fundada em 1858 para “socorrer os
alemães indigentes e pagar seus gastos com hospitalização e enterro; concedeu também auxílios
aos colegiais pobres” (Roche, 1969, p.644)
205
. No mesmo ano, nasce a Sociedade Orpheu, o
primeiro clube recreativo de São Leopoldo — “berço da colonização” —, voltado à difusão
204
GESELLSCHAFT GERMANIA ZU PORTO ALEGRE. Statuten (estatutos), Porto Alegre, s.d. MS.
205
Em Telles (1974) encontra-se detalhadamente a trajetória desta instituição.
133
teatral e do canto, que reunia a elite local da vila (Ramos, 2000, p.8) . De volta a Porto Alegre,
pode ser encontrada, em 1863, mais uma nova associação recreativa teuta: a Gesellschaft
Leopoldina (Sociedade Leopoldina). Sua finalidade era “oferecer a seus sócios passatempos
agradáveis, como bailes, jogos permitidos e outros divertimentos”.
206
Segundo Roche (1969, p.
645), esta era uma sociedade “decididamente teuto-brasileira, bilíngüe, patriótica: celebrava com
regularidade as festas nacionais brasileiras, da tomada de Montevidéu, em 1865, à Revolução de
1930, passando pela abolição da escravatura, em 1888”. Os estatutos desta sociedade confirmam
o “bilingüismo” da Leopoldina: não faz referência ao domínio da língua alemã; define que
“qualquer pessoa poderá ser sócio (seja qual for sua nacionalidade) logo que tenha a idade de 21
anos completos e cuja reputação tenha sido irrepreensível”; apresenta aos associados o
documento base da organização do clube — os estatutos —, já em 1886, em português. Em
relação à Leopoldina, destaca-se ainda a impressão de Roche (1969, p. 645), relativa aos anos em
que produz a pesquisa (década de 60 do século XX), ao ver o luxo da sede e dos bailes
proporcionados por ela, com a “piscina freqüentada por moças da aristocracia”, sugerindo que
este é o clube que, “depois do Clube do Comércio, tem mais prestígio social na cidade”.
Pelo levantamento realizado e publicado em 1924 por Amstad, havia, neste ano, um total
de 327 sociedades, clubes ou associações teutas no Rio Grande do Sul. Roche (1969, p.648)
refere-se a mais de 350 nas vésperas da Segunda Guerra Mundial. Levando em conta que, nesta
época, já era discutida largamente a assimilação dos imigrantes, que já se exigia “o
abrasileiramento dos alienígenas” (Seyferth, 1999, p.26), o número de associações toma maior
sentido na medida em que representavam resistência à integração à sociedade brasileira nos
moldes entendidos pelos intelectuais nacionais, mesmo que estas associações, por vezes,
206
SOCIEDADE LEOPOLDINA. Estatutos, Porto Alegre, 1886. MS.
134
buscassem manifestar gratidão e fidelidade ao Brasil.
207
As associações teutas não apenas eram
espaços de solidariedade e demarcação de limites étnicos, mas também “de atualização da
etnicidade” (Seyferth, 1999, p.28), o que, aos olhos nacionalizadores, desde os primórdios do
século XX, constituía-se mais uma evidência do “perigo alemão”, um elemento desagregador
tendo em vista um projeto de construção da identidade nacional brasileira – relação que será
analisada no último capítulo.
O primeiro que parece ter se preocupado em fazer um inventário do associativismo teuto
no Rio Grande do Sul foi o Pe. Amstad S.J., que dirigiu uma pesquisa feita aos diferentes
municípios que receberam colonização alemã. Os resultados desta pesquisa foram incluídos no
livro Hundert Jahre Deutschtum in Rio Grande do Sul, editado pela Liga das Sociedades
Germânicas (Verband Deutscher Vereine) em 1924, por ocasião do centenário daquela imigração
para o estado.
208
Os números aos quais chega o autor são os seguintes: Cruz Alta (11
associações); Ijuí (3); Lajeado (7); Montenegro (8); Porto Alegre (41); Rio Pardo (22); Santa
Cruz (97); Santa Maria (11); Santo Ângelo (7); São Leopoldo (15); São Lourenço (19);
Sobradinho (4), Taquara (24); Venâncio Aires (48).
Roche (1969, p.646-647) também indica numericamente a importância das sociedades
teutas, encontrando, para São Leopoldo, 66 associações no ano de 1924, assim distribuídas: 8 na
cidade, 11 em Novo Hamburgo e 47 nos distritos mais ao interior. A discrepância numérica em
207
O Centenário da Independência do Brasil, por exemplo, foi um momento em que a comunidade étnica teuta
buscou marcar sua consideração à pátria que a acolheu. Dentre as homenagens, encontra-se um campeonato de tiro
realizado pela Schützenverein (Sociedade de Tiro) e uma grande festa, ocorrida no campo do Turnerbund, promovida
pela Verband Deutscher Vereine (Liga das Sociedades Germânicas). Fontes:
SCHÜTZENVEREIN. Programa de
tiro do campeonato por ocasião do Centenário da Independência do Brasil (bilíngüe), 1922. MS. Também em
Chronick (1936, p.23).
208
Esta obra foi traduzida por Arthur Blásio Rambo e editada em 1999 pela Editora Unisinos com o nome “Cem
Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul”. Anteriormente, já havia servido de suporte para o estudo da
organização dos alemães em associações na obra “O associativismo teuto-brasileiro e os primórdios do
cooperativismo no Brasil”, também de Rambo, publicada em 1988.
135
relação à obra de Amstad pode ser explicada, talvez, pela abrangência que cada autor quis dar ao
município, apesar da mesma referência cronológica. Mais divergente ainda parecem ser os
números trazidos por Amstad para o município de Ijuí comparados aos dados de Roche: 3
sociedades em 1924, segundo Amstad; 130 em 1931, segundo Roche (1969, p,647). Mesmo com
a diferença cronológica — 6 ou 7 anos — é difícil explicar uma defasagem tão grande.
Novamente aí o critério de abrangência espacial do município deve ter sido usado de forma
distinta por cada autor. No entanto, a fonte de pesquisa de cada parte comparada talvez traga uma
resposta: em Hundert Jahre ... a fonte indicada é uma “lista” resultante de uma pesquisa “cheia
de lacunas, devido à lamentável falta de interesse em questões estatísticas” (Cem anos de
germanidade, 1999, p.347-348), onde “inúmeras informações pedidas deixaram de ser
fornecidas” (Rambo, 1988, p.71); já Roche utilizou-se, para o caso em questão, do almanaque
Kalender der Serra Post, de 1931, que relatava sobre o associativismo teuto na região serrana
(Deutsches Vereinwesen auf der Serra). Tratando-se de uma fonte regional (produzida em Ijuí),
com maiores possibilidades de confirmação dos dados relativos aos municípios a sua volta,
parece ser também mais confiável.
Em relação à especialidade de cada associação — se recreativa (de canto, teatro, leitura),
esportiva, assistencial ou outra — a tabela que consta no Apêndice 1 pode dar uma idéia da
profusão de cada tipo de associação. No levantamento de Amstad, notei a preeminência das
sociedades musicais e esportivas, dentre elas com maioria as de canto e de tiro ou atiradores.
209
Estas eram as modalidades recreativas institucionais mais difundidas nos municípios de grande
área rural. A diversificação esportiva, por exemplo, pode ser encontrada, com maior freqüência,
209
Das 67 sociedades voltadas ao esporte em Santa Cruz, 27 são de atiradores, levando em conta que fazem parte do
município a cidade e os então distritos de Vila Theresa, Dona Josefa, Sítio, Ferraz, Trombudo, Santo André, Picada
Velha, Paredão-Boa Vista, Rio Pardinho, Ponte Rio Pardinho, Fingerhut, Linha Rio Grande, Sinimbu, Linha
Sinimbu, São João, Kleiner Rio, Boa Vista e Monte Alverne.
136
nas sedes dos municípios — com clubes de futebol e bolão — ou mais propriamente na capital,
onde o remo e o ciclismo também encontraram adeptos. Isso não quer dizer que as sociedades
não diversificassem suas atividades. A identificação de cada especialidade levou em conta apenas
a auto-representação de cada associação através do nome.
É, portanto, em Porto Alegre que se encontra o maior número de sociedades teutas do
ponto de vista da diversificação (ver Apêndice 2). Das 48 associações encontradas na obra de
Amstad, podemos verificar que parte delas constituíam-se de clubes recreativos, voltados para o
lazer, seja através da prática desportiva ou do cultivo da música; outra parte é formada por
sociedades que tem por finalidade o auxílio mútuo, através de pecúlios que visam a satisfação de
necessidades monetárias em caso de doença ou morte; também pode-se perceber organizações
voltadas à formação dos jovens teutos (moral, educacional e profissional). É de se observar
ainda a presença, na listagem, de uma sociedade austríaca, o que denota o uso do critério de
definição étnica da identidade estabelecido a partir da língua.
A listagem de Amstad traz inclusive, para o caso de Porto Alegre, o endereço das
associações. Esta informação, aparentemente irrelevante, permite mais algumas inferências. Em
primeiro lugar, notei que as sociedades teutas localizavam-se basicamente em três pontos: o
centro da cidade, a zona pertencente aos bairros Floresta e Moinhos de Vento e o bairro
Navegantes. Desde a segunda metade do século XIX, estas regiões possuíam uma considerável
população imigrante: o centro, que tinha nas ruas ao norte do Mercado um grande número de
casas comerciais de médio porte; o bairro Floresta, onde trabalhadores e cervejarias teutas
dividiam espaço (Gans, 2004, p.36 e 44); o Navegantes, arrabalde industrial no início do século
XX, onde convivem grandes empresários e operários teutos. Em segundo lugar, 11 das 48
associações situavam-se na rua São Raphael (atual Alberto Bins), sendo que 7 delas no número
152. A relevância deste detalhe está na percepção de que as sociedades teutas de finalidades
137
diversas compartilhavam espaços, ampliando assim a rede de relações, ligando uma sociedade à
outra. É significativo também o fato de ser aí o endereço da propriedade do Turnerbund,
sociedade que, no período ao qual se refere Amstad, exerce liderança no mundo associativo teuto
porto-alegrense: “apoiado pela simpatia e pela sustentação de praticamente toda a germanidade
da capital, a federação [leia-se Turnerbund] pode ser considerada a associação profana mais
popular e profundamente ancorada em extensas camadas, comprovado pelo elevado número de
associados” (Cem anos de..., 1999, p.321). A percepção do papel desempenhado por este clube
no conjunto do associativismo teuto, reforçada pela avaliação de Amstad publicada em 1924,
voltará a ser analisada com maior intensidade nas páginas que se seguem.
Devo frisar ainda que os dados fornecidos por Amstad (e Rambo) são bastante parciais,
não apenas pela falta de informações obtidas na coleta realizada por ele em 1924, onde nem todas
as sociedades existentes no período se manifestaram. Também deve ser levado em conta que, na
lista de Amstad, são encontradas apenas sociedades que estavam em funcionamento naquela
época, desconsiderando aquelas que, por uma ou outra razão, tiveram vida mais efêmera ou
aquelas que ainda viriam a ser criadas no decorrer das décadas de 20 e 30. No final do século
XIX, a grande proliferação de associações teutas já era analisada ironicamente, como demonstra
o Koseritz Deutsche Zeitung em 1889, ao anunciar o surgimento de mais um novo clube entre os
alemães — o Club der Amphybien.
Porto Alegre é tão pouco abençoada com clubes e reuniões particulares,
que para cada 10 pessoas no máximo há um clube, o que representa muito pouco.
Para remediar esta carência, são fundadas quase que diariamente novas
sociedades, cuja fundação a maioria de nós nem menciona, tanto mais o elemento
alemão não participativo.
210
210
Porto Alegre ist so wenig mit Clubs und geschlossenen Gesellschaften gesegnet, dass im ganzen allerhöchstens 1
Club auf je 10 Personen kommt, was entschieden viel zu wenig ist. Um diesen Mangel abzuhelfen, werden fast
täglich neue Gesellschaften gegründet, deren Grúndung wir meistens gar nicht erwähnen, sobald das deutsche
Element unbetheiligt ist.(...)”. KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 16 jan. 1889. ABM. A noticia não
138
Estas são evidências de que o associativismo teuto deve ter sido ainda mais rico e
diversificado do que a historiografia até agora pôde demonstrar.
3.3 As primeiras Turnverein e os primórdios do associativismo desportivo teuto
Friederichs entra na rede associativa teuta pela porta de uma sociedade desportiva. O
clube que viria, mais tarde, a dar origem ao Turnerbund foi o ponto de partida de sua trajetória
como liderança étnica. Quando Aloys volta-se ao Turnen, esta prática já era conhecida há 20 anos
na cidade. No período em que inicia sua caminhada pelo associativismo, no entanto, além dos
clubes de equitação, não havia ainda uma tradição esportiva organizada em Porto Alegre, com
exceção da ginástica e do tiro ao alvo.
211
Em se tratando de associações desportivas, constata-se que as primeiras sociedades
voltadas ao esporte como atividade principal foram fundadas, na capital, por imigrantes alemães
ou descendentes. Mazo (2004, p.64) atribui este fato à “rápida ascensão econômica desta
comunidade e à comunicação constante com a Alemanha”, incluindo ainda o critério do “forte
caráter associativo dos imigrantes alemães”. Isso não quer dizer que não houvesse atividade
desportiva na cidade antes das iniciativas de grupos teutos. A tradição das corridas de cancha
reta, precursoras do turfe, é mencionada por Macedo (1973), Franco (1998), Carneiro (1992),
esclarece qual seja a especialidade desta associação; apenas explica que o nome se deve ao fato da sociedade passar
sua “existência na água e na terra”. “Er nennt sich ‘Club der Amphybien’, weil er seine gesellschftliche Existenz zu
Wasser und zu Lande verbringen will”. É possível que, em razão desta caracterização, este seja um clube de
remadores.
211
Das entidades listadas por Mazo (2004, p.322-366), apenas alguns poucos hipódromos ou clubes de equitação
foram fundados antes da década de 80. A autora desconsidera, para fins de cômputo de dados, a fundação do
Deutscher Turnverein (Sociedade Alemã de Ginástica) e Turn-Club (Clube de Ginástica), ambas anteriores ao
ingresso de Friederichs no associativismo, e integra-as nas observações dos antecedentes do Turnerbund (este
fundado só em 1892). Por outro lado, considera como dado independente alguns departamentos internos aos clubes,
como os grupos de bolão da Leopoldina e do Turnerbund, por exemplo.
139
além de trabalhos mais recentes específicos à história do esporte em Porto Alegre.212 Essas
corridas eram manifestações típicas ao gaúcho campeiro e consideradas uma tradição popular.
Eram realizadas esporadicamente como um momento de reunião social, sendo acompanhadas por
piqueniques em lugares como o Morro de Teresópolis. Segundo Mazo (2004, 64), as corridas de
carreiras ou cancha reta eram uma espécie de lazer que visava, entre outras coisas, “melhorar a
raça dos animais”. Com este mesmo objetivo, uma elite criadora de cavalos constrói, em 1872, o
primeiro hipódromo de Porto Alegre, nos Campos da Várzea, atual Parque Farroupilha. Mazo
(2004, p. 65) considera que, na medida em que vão sendo criados hipódromos e o turfe se
populariza, as corridas de carreiras perdem seu espaço.
213
Na pesquisa realizada por Mazo (2004), foram encontradas um total de 265 associações
ou sociedades desportivas na cidade de Porto Alegre entre os anos de 1867 e 1945 (delimitação
temporal da pesquisa). Destas, 25 foram fundadas ainda no século XIX, 16 na primeira década do
século XX, 18 na década de 10, 25 na década de 20, 90 na de 30 e 28 na de 40; não foi localizada
a data de criação de 63 sociedades. De acordo com o levantamento, 19 associações desportivas
foram identificadas com o grupo étnico alemão, 3 com o italiano, uma com o português e uma
com o norte-americano (de 241, não foi encontrada a identificação étnica) (Mazo, 2004, p.321).
Considero importante o levantamento feito por Mazo para pensar a diversidade de práticas
desportivas que foram se desenvolvendo institucionalmente em Porto Alegre no período. Uma
análise da documentação utilizada para sua pesquisa, no entanto, indica que a história do
associativismo desportivo, em especial o teuto, ainda pode ser enriquecida ocupando-se de outras
212
Entre estes, destaco Damo (2002), estudo antropológico que trata da rivalidade entre torcidas e clubes de futebol.
213
Em 1872 é criado o Derby Club, entidade de identificação cultural portuguesa voltada à prática do turfe (Mazo,
2004, p.328).
140
fontes, principalmente aquelas em língua alemã contemporâneas à existência das sociedades.214
Mesmo assim, o resultado encontrado pela autora permite algumas inferências: em primeiro
lugar, que a criação de associações ou clubes esportivos não foi exclusividade nem tampouco
privilégio do grupo étnico alemão na cidade de Porto Alegre, mesmo que tenha sido este o
precursor na formação deste tipo de agremiação; em segundo, que, mesmo não sendo privilégio
dos teutos, estes marcaram com mais freqüência o pertencimento étnico da sociedade, clube ou
federação do que outras etnias; em terceiro, que a profusão associativa da década de 30 no que
tange ao esporte pode ter sido uma resposta do projeto nacional de construção de uma identidade
brasileira em contra-ponto à realidade existente nas regiões do país que receberam imigrantes. Ou
seja, o esporte foi, de um lado e de outro, elemento marcador de limites identitários.
* * *
A primeira sociedade desportiva criada na cidade de Porto Alegre foi a Deutscher
Turnverein (Sociedade Alemã de Ginástica), em fins de 1866. Esta inaugura o desporto
organizado em Porto Alegre e o associativismo esportivo teuto no Rio Grande do Sul. Também aí
se sobressai o caráter urbano da atividade: enquanto no interior, nos anos subseqüentes,
pululavam as sociedades de tiro em vários distritos de um mesmo município, as de ginástica que
foram eventualmente criadas localizavam-se, em geral, nas sedes ou vilas — são os casos de
Santa Maria, Lajeado, São Leopoldo, Ijuí e Santa Cruz (Cem anos de..., 1999, p.348-360). Isso
reflete
o pouco conhecimento que a população de origem rural e camponesa tinha desta
forma de comportamento social. A prática da ginástica no Rio Grande do Sul
214
São usados como fonte trabalhos acadêmicos e comemorativos, almanaques esportivos, a Revista do Globo,
cadastros de alvarás e registros de funcionamento do Conselho Regional de Desportos e jornais recentes.
141
partia da iniciativa das camadas urbanas. Além dos antigos legionários, eram
principalmente os artesãos, comerciantes e empregados de casas comerciais
alemãs que se entusiasmavam pela ginástica (Wieser , 1995, p.11).
Esta não foi, no entanto, a primeira sociedade do gênero a ser fundada no Brasil. A
pioneira surgiu em 1858 em Joinville, município catarinense em que a colonização alemã se deu
por iniciativa de uma companhia colonizadora particular. Provavelmente, as dificuldades de
comunicação na época fizeram com que esta informação chegasse à Alemanha apenas 7 anos
depois, quando então o jornal Deutsche Turnzeitung divulgou a existência da sociedade:
“Também em Joinville, Colônia Dona Francisca e Blumenau, no Brasil, existem sociedades de
ginástica”.
215
Talvez pelo mesmo motivo, a Deutsche Turnverein zu Joinville tenha sido
considerada a pioneira na América do Sul. Só em 1886 é divulgada a existência, desde 1846, de
uma sociedade de ginástica em Buenos Aires (Wieser, 1990, p.125).
A primeira notícia publicada na Alemanha sobre uma sociedade de ginástica no Brasil
saiu em dezembro de 1862 no jornal Deutsche Turn-Zeitung.
216
Trata-se de um relato escrito em
nome da Sociedade Alemã de Ginástica no Rio de Janeiro (Deutscher Turnverein in Rio de
Janeiro) para que os ginastas alemães ficassem cientes do desenvolvimento desta modalidade
esportiva também no Brasil. O relato informava que “desde 1859 existe aqui uma Sociedade
Alemã de Ginástica; conta atualmente com cerca de 108 sócios que contribuem anualmente com
215
“Auch in Joinville, Colonie Dona Francisca und Blumenau in Brasilien, besteht ein deutscher Turnverein”.
DEUTSCHE TURNZEITUNG, Alemanha, out. 1865, p.311. Citado em Wieser (1990, p.125).
216
É de se observar o atraso das informações nos casos relatados, mas não de se estranhar. As informações, neste
período, levavam um relativo tempo para serem recebidas e divulgadas. Numa situação de migração, considero
maior o interesse de atualização dos imigrantes em relação a sua terra de origem e não o inverso. Neste sentido, o
que ocorria na Alemanha era mais interessante para os imigrantes no Brasil, enquanto que o que ocorria aos
imigrantes pouca repercussão tinha na Alemanha, exceto quando se tratava de fenômenos que desqualificassem o
país como destino para a emigração.
142
1500 taleres [vinténs]. Saudamos todos os ginastas alemães com um caloroso ‘Salve”.
217
Segundo
Wieser (1995, p.7-8), os ginastas do Rio de Janeiro não tinham ginásio próprio até 1867 e,
freqüentemente, realizavam excursões pelas redondezas. Uma das maiores façanhas registradas
por esta sociedade foi a escalada do Pão de Açúcar, já concretizada por outros grupos
estrangeiros, o que comprovavam as bandeiras francesa e americana ali fincadas: “não era, pois,
sem tempo que fosse colocado ali também o símbolo alemão”. Em 17 de novembro de 1862, sete
ginastas alemães alcançaram seu objetivo e ali “fincaram, diante dos olhos de muitos curiosos, a
bandeira preta-vermelha-dourada”. A sociedade de ginástica do Rio de Janeiro, no entanto, como
associação teuta, teve vida efêmera, fechando suas portas ainda na década de 60. Em seu lugar,
foi fundado o Clube de Gymnastica Portugueza. Uma nova agremiação emerge novamente em
1909: a Turnverein Rio de Janeiro (Cinqüentenário, 1959).
Problemas de divulgação a parte, é certo que, antes de surgir no Rio Grande do Sul, o
Turnen (ginástica alemã) foi praticado organizadamente em clubes ou sociedades por alemães de
Santa Catarina e Rio de Janeiro. O boom deste tipo de associação se deu entre as décadas de 80
do século XIX e 20 do novo século, surgindo diversos clubes para esta prática. Ali onde se
instalaram alemães, notadamente de condição social mais elevada, foram fundadas sociedades de
ginástica.218 Wieser (1990, p.171-194) encontra-as em cidades do Paraná, São Paulo, Rio de
Janeiro e Minas Gerais, além dos estados mais ao sul do país. Em Santa Catarina, além das
217
“Seit 1859 existirt hier ein deutscher Turnverein, der gegenwärtig ca. 108 Mitglieder mit einem järhlichen
Beitrage von 1500 Thlr. Pr. Ctr. zählt. Wir rufen allen deutschen Turnern ein herzliches ‘Gut Heil zu.”. DEUTSCHE
TURNZEITUNG, 26 dez. 1862. Citado em Wieser (1990, p.123).
218
Isso já havia sido notado, como mostra a seguinte citação: “Por toda a parte do mundo onde vivem alemães, há
também um sistema ginástico alemão”. “Überall in der Welt, wo Deutsche leben, gibt es auch ein deustches
Turnwesen”. BLÄNKNER, H. “Vom deutschen Turnwesen in Übersee”. DER AUSLANDDEUTSCHE
Halbmonatschrift für Auslanddeutschtum und Auslandkunde Mitteilungen des Deutschen Auslands-Instituts.
Jahrg.XVI, Nr. 14/15, St. Jul/Aug. Stuttgart 1933, s.362. IAI. O artigo trata do desenvolvimento do sistema ginástico
alemão (Turnwesen) no Brasil, na América do Sul (Argentina e Chile), nos Estados Unidos, no México e na África
do Sul.
143
cidades já mencionadas, destacam-se Brusque e São Bento do Sul; no Paraná, havia sociedades
de ginástica em Rio Negro, Curitiba e Castro; em São Paulo, na capital, Rio Claro e em
Campinas; no Rio de Janeiro, na capital e em Petrópolis; em Minas, em Juiz de Fora.
Dentre todas as regiões que receberam imigrantes, o Rio Grande do Sul foi a que teve
maior desenvolvimento do Turnwesen (sistema ginástico). Neste estado, Wieser (1990; 1995)
encontrou 27 associações com este fim entre os anos de 1885 e 1917. Não se trata de uma
listagem com pretensões de estar completa, mas já dá uma dimensão da organização associativa
centralizada na ginástica (ver Apêndice 3).
219
Nesta lista, não aparece claramente a primeira
sociedade de ginástica criada em Porto Alegre, apenas faz-se breve referência a ela como uma
das antecessoras do Turnerbund. O fato de ter sido desconsiderada pode ser resultado de uma
escolha do pesquisador que buscou compilar as sociedades mais significativas — a partir de um
critério que desconheço —, pela representatividade regional de cada uma das associações citadas,
ou pela continuidade, uma vez que os dois primeiros clubes de ginástica de Porto Alegre não
tiveram vida longa independente. Coincidentemente, na história do Turnerbund, as duas
sociedades anteriores a 1892 também não são contempladas como parte da sua própria trajetória.
Até 1942, ano em que ocorre a nacionalização do Turnerbund, o clube contava seus anos de vida
a partir de 1892 — ano da fusão das duas primeiras sociedades de ginástica de Porto Alegre. A
partir da resolução nacionalizadora, que transformou o clube em “Sociedade de Ginástica Porto
219
Algumas Turnevereine (TV) não constam da listagem de Wieser, talvez por estarem fora da periodização
estabelecida por ele. São elas as TV Maratá, TV Canella, TV Santa Cruz, TV Agudo, TV Cadeado, TV Navegantes
São João (em Porto Alegre), TV Santa Clara, TV Cruz Alta e TV General Osório. Para complementar a lista de
Wieser, foram utilizadas as seguintes fontes: DEUTSCHER TURNERSCHAFT VON RIO GRANDE DO SUL.
Fest-Folge für das 11. Gauturnfest in Porto Alegre am 6. und 7. November 1926. MS;DEUTSCHER
TURNERSCHAFT VON RIO GRANDE DO SUL. Fest-Folge für das 1. Gauturnfest in Estrella am 22. und 23.
Oktober 1927. MS; DEUTSCHER TURNERSCHAFT VON RIO GRANDE DO SUL. Festbuch - 17. Gauturnfest
in São Leopoldo am 28. und 29. Oktober 1933. MS; DEUTSCHER TURNERSCHAFT VON RIO GRANDE DO
SUL. Fest-Folge für das 20. Gauturnfest in Novo Hamburgo am 23. und 24. Oktober 1937. MS.
144
Alegre – 1867”, integra-se à instituição o passado vivido pelas duas sociedades antecessoras,
ganhando assim mais 25 anos de história.
Com a nova denominação, cria-se um pequeno impasse relativo ao ano de fundação. A
partir de 1942, a então SOGIPA começa a comemorar seus aniversários em 10 de agosto,
contanto que tivesse sido fundada neste dia no ano de 1867. Não encontrei nenhum documento
que comprove tal fato, nem entre as fontes do próprio clube, nem entre os jornais da cidade. A
única referência a uma organização formal de uma sociedade denominada Deutscher Turnverein
(Sociedade de Ginástica Alemã) em Porto Alegre nesta época é a notícia publicada no Deutsche
Zeitung de Porto Alegre, número 1, de 2 de janeiro de 1867, que diz o seguinte:
Salve! A Sociedade de Ginástica de Porto Alegre foi finalmente fundada.
Graças aos incansáveis esforços de alguns ginastas apaixonados, foi possível
enriquecer nossa cidade com esta sociedade, certamente a mais útil daquelas aqui
existentes. [...] Porto Alegre foi o início, e sua Sociedade Ginástica haverá de
crescer com brio, alegria, devoção e espontaneidade
para o bem e felicidade de
todos, incentivando os alemães de outras localidades a seguirem seu exemplo.
220
Wieser (1990, p.127) — amparado em escritos de um viajante alemão que visitou o Brasil
em 1861 — afirma que, no começo da década de 60, alguns artesãos e comerciantes locais já se
reuniam informalmente para a prática do Turnen. Mas foi apenas na virada de 1866 para 1867
que um grupo de 25 homens tomou a iniciativa de oficializar uma instituição para aquele fim. Os
primeiros sócios da nova agremiação eram artesãos, comerciantes e funcionários de casas de
comércio. As informações sobre os 25 associados que fundaram o clube, encontradas em Wieser
(1990, p. A3 e A4), acrescidos dos dados fornecidos por Gans (2004, p.52-72) sobre as
220
Gut Heil! Der Porto Alegrenser Turnverein ist endlich gegründet worden. Den unermündlich Anstrengungen
einiger passionierter Turner ist es gelungen, unsere Stadt mit diesem Verein zu bereichern, der jedenfalls die
nützlichste von den hier bestehende Gesellschaften ist. (...) Porto Alegre hat jetzt den Anfang gemacht und sein
Turnverein wird sich hoffentlich zur Lust und zum Heile Alter ‘frisch, fröhlich, fromm und frei’ entwickeln, und die
Deutschen anderer Lokalitäten zur Nachahmung anfeuern”. DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 2 jan. 1867.
ABM. Nota-se que a sociedade, em sua primeira manifestação pública, se chama Porto Alegrenser Turnverein. Nas
referências posteriores, o nome utilizado é Deutscher Turnverein.
145
ocupações de alemães residentes em Porto Alegre (ver Apêndice 4) permitem algumas
conclusões e reflexões. Dos 25 sócios-fundadores, 11 faziam parte da Associação Beneficente
(Deutscher Hilfsverein), a maioria deles também sócios-fundadores desta sociedade. É possível
que a idéia de constituírem um grupo para a prática do Turnen tenha advindo do convívio anterior
nesta outra instituição. Também é observável que 5 integrantes desta listagem eram Brummers,
ou seja, indivíduos que imigraram como mercenários contratados pelo governo brasileiro para a
guerra contra Rosas e que, ao permanecerem no Brasil, exerceram forte influência intelectual
sobre a população imigrante. De todos os quais pude encontrar referência, ressalta sua
procedência estrangeira, de diferentes regiões da Alemanha. A origem social do grupo é de certa
forma homogênea, sendo a maioria do setor do comércio, alguns do varejo, outros da exportação-
importação; alguns proprietários e, portanto, comerciantes, outros comerciários ou funcionários
de estabelecimentos deste ramo. Alguns aparecem como assistentes ou instrutores de ginástica;
mas não considero como ocupação profissional.
221
A faixa etária do grupo também pode ser
destacada: entre os que apresentam dados relativos ao ano de nascimento, nota-se que, no
momento da fundação da sociedade de ginástica encontravam-se na faixa entre os 25 e os 35
anos, alguns mais jovens outros mais velhos. Interessante é observar a idade que tinha Alfred
Schütt no momento da fundação do clube. Apesar dos seus 22 anos, é considerado o incentivador
maior do Turnen neste período e o responsável pela fundação da Deutscher Turnverein.
222
Foi
221
Gans (2004, p.52-72), ao listar as profissões ou ocupações dos alemães em Porto Alegre, inclui entre elas a de
“instrutor de ginástica”. Wieser (1995, p.18), no entanto, explica que “... o professor de ginástica (respectivamente
diretor das aulas de ginástica) era escolhido, de tempos em tempos, dentre os próprios demonstradores de ginástica”;
ou seja, era escolhido entre os sócios. Em 1903, é contratado o recém-imigrado professor Georg Black, este sim com
formação superior adequada do Bayrischen Turnlehrerbildungsanstalt de Munique (Wieser, 1990, p.242).
222
As publicações comemorativas produzidas pela SOGIPA desde 1942 – SOGIPA: Álbum (1942), SOGIPA: 1°
Centenário (1967) e Hofmeister F
o
(1987) – têm representado Schütt com um retrato de um homem maduro, de
cabelo grisalho, que muito bem casam com a imagem do grande empresário e pessoa pública que foi. Não lembram,
no entanto, que a atuação de Schütt como comerciante e como cônsul chileno foi posterior. Acabam por criar a falsa
impressão de que foi este homem maduro e bem sucedido que tomou a iniciativa de criar a associação. Não só a
análise da data de nascimento, mas também outras fontes permitem encontrar o equívoco. Na publicação
146
considerado “a alma da sociedade e seu incansável benfeitor [...] o fundador Alfred Schütt,
embora a representação para fora como presidente tenha sido confiada, em sábia avaliação, ao
então cônsul da Liga Norte-Alemã, W. Ter Brüggen”.
223
Mesmo com repetidas referências à
liderança de Schütt neste processo inicial, há quem tivesse contestado o fato de ter sido ele “a
alma da sociedade”. Wieser (1990, p A66) indica um manuscrito de Leandro Telles, no qual este
se opõe à idéia, argumentando que Schütt não foi nem instrutor de ginástica, nem presidente na
primeira gestão; que ele havia recém chegado ao Brasil no ano anterior, duvidando da intenção
mobilizadora deste imigrante; que, nos anos subseqüentes, este haveria se dedicado ao comércio e
viajado diversas vezes à Alemanha, e, por fim, que poderia ter havido um erro de registro do
nome de um dos participantes da fundação da Turnverein – ao invés de Schütt, deveria ser
Schiött.
224
Não considero nenhuma destas ponderações suficientemente convincentes para
descartar o que as outras fontes defendem. Talvez até por causa da pouca idade Schütt não tenha
sido escolhido como representante maior da instituição naquele momento: o presidente era
Wilhelm Ter Brüggen e Schütt era o tesoureiro.
225
comemorativa aos 25 anos do Turnerbund, por exemplo, são usados os termos “spätere Grosskaufmann und
chilenische Konsul”, o que quer indicar que Schütt veio a ter posição social mais destacada “depois” ou “mais tarde”
(Turner-Bund, 1917). A mesma impressão se pode ter na leitura de um periódico alemão, publicado pelo
Deutschland Auslands-Institut: “Naquela época, o mais tarde grande comerciante e cônsul chileno Alfred Schütt,
nascido hamburguense, fundou a primeira sociedade de ginástica”. “Damals gründete der spätere Grosskaufmann
und chilenische Konsul Alfred Schütt, ein geborener Hamburger, den ersten Turnverein”. DER
AUSLANDDEUTSCHE – Halbmonatschrift für Auslanddeutschtum und Auslandkunde Mitteilungen des Deutschen
Auslands-Instituts. Jahrg.VII, Nr.18, Stuttgart, 1924 (sept.). IAI. A fundação da primeira sociedade de ginástica do
Rio Grande do Sul teve, portanto, um jovem rapaz como o maior incentivador.
223
Die Seele des Vereins und sein unermüdlicher Förderer war und blieb sein Gründer Alfred Schütt, obwohl die
Vertretung nach aussen in weiser Berechnung dem damaligen Konsul des Noddeutschen Bundes, W. Ter Brüggen,
als Vorsitzenden, übertragen worden war” (Turner-Bund, 1917, p.5).
224
Trata-se aqui de um equívoco que Ferdinand Schröder, o autor de “A imigração alemã para o sul do Brasil até
1859” ([1931] 2003), teria cometido ao referir-se a um tenente da Legião Alemã com o nome de Schütt. Telles
defende que o nome certo do citado tenente seria Schiött. Por fazer parte da dita Legião ao lado de Ter Brüggen,
Telles supõe que Schiött estivesse na listagem dos fundadores do Turneverein, e não Schütt.
225
DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 2 jan. 1867. ABM.
147
Aquela primeira sociedade de ginástica, composta por alguns jovens, outros nem tanto,
teve seu primeiro local para exercícios (Turnplatz) na propriedade do senhor Rosenheim, na Rua
do Rosário (atual Vigário José Inácio), onde praticavam exercícios ao ar livre. No ano seguinte,
mudaram-se para o Becco do Rosário (ou Rua 24 de Maio, hoje Avenida Otávio Rocha) e,
posteriormente, para a Rua Santa Catarina (hoje Rua Dr.Flores), todas muito próximas, no centro
de Porto Alegre.
226
Esta sociedade, porém, não foi, segundo avaliação de Fischer, “a raiz do forte
carvalho que veio a ser o Turnerbund”.
227
Não demorou muito para a sociedade tomar um rumo
diferente da proposta inicial. A falta de jovens no quadro de associados fez o clube pender para a
prática do tiro ao alvo, atividade que agradava aos sócios mais velhos (Turner-Bund, 1917, p.5).
No início de 1869, é incluído, portanto, o treinamento de tiro, e o clube passou a denominar-se
Deutscher Turn- und Schützenverein (Sociedade Alemã de Ginástica e Tiro (ou Atiradores)).
Lembrando que, entre os sócios, havia alguns ex-legionários, é compreensível que estes
quisessem encontrar um espaço, em Porto Alegre, para exercitar-se em armas. Ocorreu, assim,
uma mudança de caráter das atividades da instituição, com ênfase nos exercícios de tiro ao invés
da ginástica. Isso teve seus efeitos sobre o destino da Turnverein. Segundo Wieser (1995, p.13), a
ginástica então ficou relegada a um pequeno grupo.
A Turnverein já contava, em 1871, com 120 sócios, poucos deles, no entanto, interessados
na ginástica. A sociedade caminhava no sentido da especialização no tiro, e foi este seu destino
em 1876. Os mais jovens decidiram não deixar morrer a idéia de uma sociedade de ginástica e
226
As razões para tal mobilidade não são conhecidas. Wieser (1995, p.12) explica a mudança do primeiro para o
segundo endereço por causa de trabalhos de reformas. As demais fontes nem referem motivos.
227
Martin Fischer é o redator de Festschrift zum VII. Turnfest der Turnerschaft von Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: Typographia do Centro, 1929. Nota-se o uso da imagem do carvalho para representar o Turnerbund,
entendendo esta representação nos sentidos já apontados no capítulo 1, nota 20: como instituição firme, fortemente
enraizada, rígida e vigorosa; ao mesmo tempo, fiel à identidade alemã.
148
acabaram separando-se dos atiradores. Surgiram assim, em 18 de novembro de 1876, duas
sociedades independentes: uma nova Deutscher Turneverein e a Schützenverein.
Os primeiros anos desta nova agremiação foram de algum progresso no sentido de
consolidar a instituição como um clube alemão voltado ao Turnen. Foram adquiridos aparelhos,
cintos (para uniformização) e foi realizada, a cada ano, a festa comemorativa à data de fundação.
Não conseguiram, no entanto, concretizar sua maior necessidade: a construção de um ginásio
(Wieser, 1995, p.15). Talvez tenha sido este um dos motivos para a diminuição do número de
sócios – 48 apenas no ano de 1878 (Wieser, 1990, p.135). Com poucas condições de construir um
ginásio, os aparelhos e o andaime de ginástica ficavam guardados num velho galpão de madeira,
que nem sempre os protegia das intempéries. Por causa das chuvas e do frio nos meses de
inverno, as atividades ficavam também prejudicadas, o que provavelmente desanimava a muitos
dos associados (Wieser, 1995, p.16).
Na década de 80, há indícios de melhora na situação do clube. Um deles é a entrada de
sócios com melhor poder aquisitivo e status na sociedade. Um trecho de um artigo do Deutsche
Turnzeitung (da Alemanha) de 1881, reproduzido em Wieser (1990, p. 140; 1995, p.19-20)
mostra isso, o que resultou também em alguns conflitos:
Enquanto os ginastas na Alemanha se estimam como irmãos, sem
diferenças sociais, nós aqui nos tratamos como estranhos, tanto na Sociedade
como durante os exercícios, etc.; o comerciante faz questão de manter bem alto
seu espírito de classe. — É essa a herança de Jahn e a sua vontade? Jamais! Nada
é mais contrário à essência da ginástica do que justamente as diferenças sociais, o
coleguismo é muito mais adequado ao seu meio. O verdadeiro ginasta deve
destacar-se unicamente por seus feitos, não por um justo espírito de castas, que
tanto não encontra espaço uma vez que o alemão aqui deve ser democrata.
Esperemos que os ginastas, em breve, dêem-se as mãos, também aqui, como
verdadeiros irmãos na ginástica. Além disso, é de se censurar que a Sociedade
local não ministre aulas de ginástica. Livros de aula nem existem, e tampouco se
conhece a existência de um “Jornal de Ginástica”. Faz-se sentir a falta de um
ginásio, já que é impossível fazer ginástica durante o período das chuvas.
Esperamos que seja possível, em breve, encontrar um lar; é de se esperar que a
Sociedade de Atiradores local, que anda de mãos dadas com a Sociedade
Ginástica e pretende construir uma sede, ofereça um lugarzinho ao irmão
149
desabrigado. Quando todas estas questões estiverem solucionadas, pode-se prever,
de boa fé, um futuro promissor à Sociedade Ginástica local. Mas é preciso que se
cultive mais o espírito comunitário, de modo que se possa sentir gente e não ser
vistos como senhores e criados.
228
Ainda em 1881, conseguiu-se construir um ginásio de madeira e, daí em diante, obter
melhores resultados no que tange à ginástica. A situação financeira realmente parecia ter
melhorado, pois, em 1885, a sociedade construiu um balneário à beira do Guaíba. Os fundos para
a realização do que foi considerado “a primeira piscina do Rio Grande do Sul” vieram do
empréstimo de alguns associados.
229
A década de 80 viu aumentar o efetivo de sócios de 50 para
250 (Wieser, 1995, p.20). O clube começava a ter, assim, maior representatividade entre os teutos
de Porto Alegre.
No ano de 1887, alguns atritos fizeram com que houvesse uma significativa retirada de
sócios do quadro social. As fontes são evasivas em dar as razões, mas indicam ter havido
desavenças com relação à organização do baile de comemoração do aniversário de Jahn.
230
Posteriormente, insinuara-se a culpa do setor jovem da sociedade.
Enquanto a direção se esforçava para imprimir à sociedade maior eficiência
técnica e mais destacada posição social, surgiram entre os ginastas certas
desinteligências, lá pelo ano de 1887, absolutamente alheias às finalidades da
sociedade e que culminaram na defecção em massa dos elementos jovens
(SOGIPA: Álbum, 1942, p.7 e 9).
231
228
Nota-se neste artigo a cobrança do espírito de camaradagem , um dos princípios do Turnen dos primeiros anos do
século XIX. Neste período, procurava-se alcançar a participação de todas as camadas sociais e diferentes grupos
etários nos exercícios corporais (Tesche, 2002, p.66). Outro indicativo deste espírito de camaradagem nas origens do
Turnen é o uso do pronome pessoal “Du” entre os participantes, usado em geral apenas para relações de maior
amizade ou intimidade, ao invés do formal “Sie” (Grupe, 1993, p.48).
229
BADEANSTALT, Porto Alegre, Livro Caixa (1885-1917). MS.
230
DEUTSCHER TURNVEREIN, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 28 jul. 1887 e 5. out. 1887, Livro de
Protocolo de Atas. MS.
231
Esta avaliação é encontrada também em publicações anteriores com o mesmo teor, como em Fischer (1929) e
Turner-Bund (1917).
150
Wieser contabiliza mais de 50, na maioria associados jovens, os que deixaram a
Turnverein para fundar uma nova sociedade de ginástica. A assembléia do dia 5 de outubro
contou com 8 demissões de sócios sem motivo explicitado; a do dia 18 do mesmo mês, com 26,
estes porque “trabalham contra a sociedade”.232 Encontramos os demitidos na lista dos 58 sócios
fundadores do Turn-Club que se reuniram em assembléia do dia 2 de outubro.233 Esta atitude
deve ter levado a diretoria da Turnverein a decidir pela demissão e a considerar que estes
indivíduos trabalhavam “contra a sociedade”. Fundava-se, portanto, uma nova agremiação — o
Turn-Club — que, a partir daí, começa a receber espaço nos jornais da cidade, superando em
divulgação o seu concorrente.
Porto Alegre agora tinha duas sociedades de ginástica, situação esta que “não era de modo
algum satisfatória” (Fischer, 1929, p.52), pois a concorrência e a tensão nas relações estava
instalada. Com o tempo, buscou-se a aproximação: de um lado, convidando a sociedade pioneira
para ser madrinha do Turn-Club na consagração de sua bandeira; de outro lado, sugerindo a fusão
das duas — o que a Turnverein já vinha propondo desde, no mínimo, 1889 (Wieser, 1995, p.21).
O declínio da Turnverein era visível, não só no número de sócios, mas nas manifestações de suas
atividades nos jornais da cidade. Desde que o Turn-Club fora fundado, a existência da sociedade
concorrente praticamente não era mais mencionada. Aquele sim recebia atenção: seus ginastas
eram vistos em cortejo na rua, seu desempenho em campeonatos era admirado, suas festas
comentadas e apreciadas.
234
Quando o Turn-Club completava um ano de existência e preparava
uma festividade de ginástica — da qual participaria também a Turnverein, além de outras duas
232
“... und gegen den Verein arbeiten”. DEUTSCHER TURNVEREIN, Porto Alegre, Reunião de Diretoria , 18 out.
1887, Livro de Protocolo de Atas. MS.
233
TURN-CLUB, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 2 out. 1887, Livro de Protocolo de Atas. MS.
234
Em alusão à “Turnfest in Canoas” e à festa de Jahn, ambas comentadas no DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre,
de 9 mar. 1888 e 14 ago. 1888, respectivamente. ABM.
151
sociedades — o redator do Deutsche Zeitung não poupou elogios ao afirmar que “tanto temos
esperado uma verdadeira imponente festa de ginástica”.235 Havia um inegável crescimento deste
clube em relação ao concorrente.
* * *
Algumas evidências até agora apontadas indicam a predileção dos jovens pelo Turnen:
eram jovens os que iniciaram a atividade em 1866, assim como o personagem “alma da
sociedade” de ginástica; ao agregar a prática do tiro, a ginástica ficara relegada aos jovens; foram
eles ainda que decidiram reanimar uma Turnverein; eram jovens os que fundaram o Turn-Club e
aqueles que desfilaram pelas ruas da cidade a caminho da estação de trens para participar do
festival em Canoas. Era jovem também J. Aloys Friederichs ao se integrar nesta atividade em
1888. Parece então que o Turnen era feito para a juventude ou, ao menos, que atraía aos homens
de pouca idade.
Na sua origem, o Turnen havia sido criado realmente para a juventude masculina alemã.
Ele se baseava em movimentos, atividades e jogos presentes no modo de ser de meninos e
rapazes e, ao institucionalizar-se, caracterizou-se como confraria masculina (Pfister, 2000b, p.65
e 67; Langwiese, 2000, p.119). Influenciados pela pedagogia de Pestalozzi e pelo movimento
romântico do século XVIII,
236
diferentes educadores alemães, no decorrer do século XIX,
formularam conceitos e teorias a respeito da importância dos exercícios físicos para a educação
235
“…so haben wir ein recht stattliches Turnfest zu erwarten.” DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 30 nov.
1888. ABM.
236
Um movimento literário, intelectual e folclórico criou os fundamentos para a identificação nacional em artefatos
culturais como a língua e a etnia. Colocando a língua como “alma do povo”, como elemento primordial da nação,
intelectuais e literatos como Herder, Fichte e Arndt foram os principais ideólogos do nacionalismo em sua vertente
étno-lingüística, de onde, posteriormente, nasceu a idéia de um Estado Nacional alemão.
152
dos indivíduos e para a formação dos cidadãos. Guts Muths (1759-1839) desenvolveu um
programa de exercícios para ser integrado no currículo escolar baseado na idéia da interação entre
corpo e espírito (Tesche, 2002, p.61). Na esteira de Guts Muths, e mais preocupado com o
espírito do que com o corpo, surge o Turnen de Friedrich Ludwig Jahn (1778-1853). Os
exercícios não diferiam muito do programa do antecessor; mas é Jahn que introduz a ginástica em
barras paralelas e barra fixa (Grupe, 1993, p.48). Outra de suas especificidades é que este leva a
ginástica para fora dos muros escolares. Segundo Tesche (1996, p.38),
anteriormente a Jahn, a ginástica era praticada em um pequeno círculo de
estabelecimentos de ensino e era apenas um enfeite das escolas particulares, uma
presença desconhecida da grande massa. Jahn, por sua vez, retirou essa idéia e
implantou-a em público, fazendo da ginástica um objeto público.
Para este educador, a ginástica deveria produzir algo mais profundo do que movimentos
tecnicamente bem feitos e fortalecimento físico. Ela deveria ter o poder de fazer brotar o espírito
patriótico, a consciência nacional. Sua proposta é profundamente marcada pelo momento político
vivido, interagindo com ele e influenciando-o fortemente. Jahn incita não apenas uma renovação
pedagógica, mas um movimento social (Turnbewegung). Três metas o inspiravam: a libertação
do domínio francês sobre os estados alemães, o fim da ordem feudal remanescente nesta região e
a unidade nacional (Pfister, 2000b, p.64).
237
O Turnbewegung é, portanto, parte integrante e
237
Grupe (1993, p.47) refere-se aos “inimigos” do povo alemão, que seriam naquele momento os franceses, mas
também “os grandes e pequenos príncipes e tiranos que sempre impediram a liberdade e a unidade nacional”.
Também na idéia de um inimigo histórico, que é diferente, pois tem outra língua, outra cultura, porque é dominado
por outro tipo de governo, ou ainda porque tem pretensões imperialistas, podem ser encontradas bases para a
constituição da nação. No caso alemão, a posição intermediária entre povos eslavos e latinos e a constante alteração
de fronteiras com sucessivas perdas permitiu a constituição de uma identificação entre os alemães contra os inimigos
fronteiriços. Especial efeito teve o domínio napoleônico para uma relação conflituosa entre alemães e franceses e
para a fomentação de uma consciência nacional. A dominação francesa trouxe à tona o caráter político da idéia de
coesão nacional.
153
central do nacionalismo alemão do início do século XIX, e influenciou sobremaneira o
movimento estudantil (Langwiese, 2000, p.103-104; Ueberhorst, 1978, p.41).
238
Para compor seu projeto pedagógico, Jahn busca vocábulos antigos da língua alemã, entre
eles o próprio Turnen e Volkstum (que pode ser compreendido como “caráter nacional”).
239
Transforma a ginástica de Guts Muths numa ginástica nacional, com vocabulário próprio e para
finalidades patrióticas. Elias (1997, p.90) admite que seja possível, a partir dos escritos de Jahn,
visualizar seu sentimento etnocêntrico em relação ao alemão, pois via neste uma superioridade
física e moral em relação aos demais povos. No entanto, o movimento incitado por Jahn tem
origens liberais e democráticas, na medida em que buscava a libertação do domínio dos senhores
de terra. O fundamento de sua visão de Estado Nacional era o Volk (povo) e, mesmo que não
quisesse, se opunha frontalmente à estrutura social vigente, minando a legitimidade das casas
dinásticas (Langwiese, 2000, p.112).
Esta concepção se transferia para a prática de exercícios proposta por Jahn. Era
característico desta o alto grau de criatividade, espontaneidade e autodeterminação dos
participantes (Pfister, 2000b, p.67; Grupe, 1993, p.41). Os ginastas deveriam organizar suas
atividades no campo de ginástica (Turnplatz) de maneira que todos pudessem escolher uma
atividade e se exercitar no que mais lhes agradava. Os momentos de prática do Turnen eram
vividos de forma lúdica (Tesche, 2002, p.98). Neste sentido, o objetivo pedagógico era o
desenvolvimento da auto-iniciativa e da auto-disciplina. Segundo Elias (1997, p.90), Jahn
propunha exercícios ao ar-livre, porque livre também deveria ser o desejo de quem os praticasse.
238
Tesche (1996, p.29) informa que “no período de 1806 a 1813, as universidades foram locais de um ardente
patriotismo. Maciçamente os estudantes e os professores se alistavam para lutar contra o inimigo; foram valentes na
guerra de libertação da sua pátria. Voltaram da guerra com grandes esperanças, persuadidos de que após a vitória
tudo se acharia renovado, penetrados de espírito cristão e alemão. A decepção foi grande quando perceberam que a
Alemanha continuava dividida e que nem sequer o Reno se tinha tornado alemão nas duas margens”.
239
Jahn publica, em 1810, a obra “Deutsches Volkstum” e, em 1816, “Die Deutsche Turnkunst”(A Arte Alemã da
Ginástica).
154
Não havia em sua proposta nenhuma espécie de obrigação, treinamento ou disciplina,
conseqüentemente, nenhum estímulo a uma “conduta submissa”. Grupe (1993, p.49) também se
refere à pedagogia de Jahn como avessa à submissão. No entanto, o programa de exercícios
montado por Guts Muths e adaptado por Jahn podia ser utilizado como preparação militar. Ele
incluía jogos de luta, longas caminhadas, atividades como correr, marchar, saltar, escalar, nadar,
todas elas presentes também na preparação de qualquer soldado (Grupe, 1993, p.36-37). Incitados
pelo pensamento nacionalista e estimulados fisicamente pelos exercícios, muitos estudantes
realmente pegaram em armas para defender o país e expulsar o inimigo estrangeiro. Todavia, não
pode ser feita ligação direta entre a pedagogia do Turnen de Jahn e a preparação militar:
a utilidade militar direta dos exercícios do Turnen não era a intenção de Jahn e
nunca foi o desejo do Ministério da Guerra no período da Restauração. Por
considerações políticas, rejeitava-se essa pretensa ligação entre campo de
manobras e praça de Turnen. O que Jahn queria conseguir era a visada capacidade
para o exército por meio de uma educação física geral, com fim de desenvolver
“força e vigor, [...] resistência e persistência, [...] agilidade e prestabilidade”
(Tesche, 2002, p.83).
A principal contribuição de Jahn, segundo Neumann (1968, p.7) não foi a criação do
método ginástico, mas a difusão da consciência nacional através dele. Segundo Langwiese (2000,
p.111), o Volkstum (caráter nacional) pensado por Jahn se fundamenta na língua e nos costumes.
O alemão deveria ser reconhecido pela sua língua, sua vestimenta, suas festas e seus costumes, e
dessas coisas em comum deveria reconstruir continuamente seu caráter nacional (Deutsches
Volkstum).
A prática e os escritos de Jahn resultam, nos primeiros anos do século XIX, na
institucionalização de sociedades de ginástica (Turnvereine) como espaços de sociabilidade
masculina nacionalista e liberal. Contingências políticas levam à proibição do Turnen de Jahn e
155
das atividades das Turnvereine ainda antes da década de 20.
240
Anos depois, quando o Turnen é
novamente permitido, surge o método de Adolf Spiess, que, adequado às pretensões imperialistas
da Prússia, é adotado no ensino público. Apesar de manter o nome, no Turnen de Spiess “do ideal
de Jahn pouco restava” (Neumann, 1968, p.10).
Para Spiess, cada aula de Turnen deve ser uma aula de ordem e disciplina.
A obediência aliada ao conceito de ordem tem para ele um significado central,
especialmente considerando a educação como um todo. O sujeito deve ser
educado, acostumado à obediência e à ordem através do ensino do Turnen, visto
que essas qualidades lhe serão exigidas principalmente no contexto do serviço
militar. O Turnen deve ser simultaneamente uma preparação para a guerra
(Tesche, 2002, p.112).
Nota-se aí que as idéias originais foram adaptadas às necessidades dos novos tempos, às
novas exigências de um Estado Nacional em formação. A concepção de Turnen como ginástica
patriótica alemã, nascida no bojo do movimento das nacionalidades, se transforma na mesma
medida da dinamicidade do próprio nacionalismo alemão, que, apenas no decorrer de um século,
sofreu transformações severas, como da “esquerda” para a “direita”. Se, em fins do século XVIII,
implicava apenas num movimento cultural, folclórico, intelectual e literário, a partir do início do
XIX, vai tomando um caráter de reivindicação política, até desembocar, na virada para o século
XX, em um programa político de sustentação de massas (Hobsbawn, 1990). Se, nos primórdios, o
nacionalismo tinha uma maior identificação com o liberalismo e movimentos radicais de
240
Tesche (1996, p.51) explica que “enquanto o movimento dos ginastas estava sendo útil no levante, recebera
várias vezes a visita do príncipe regente em Hasenheide [campo de ginástica em Berlim]. Mas, após a guerra de
libertação aconteceram alterações significativas: questionava-se por que a juventude necessitava ser educada para a
resistência. (...) o inimigo já não estava mais na Alemanha e a pátria estava novamente livre. As atitudes de Jahn só
poderiam ser interpretadas como atitudes de más intenções. O pensamento era de que a traição era o motivo e
pretendia incutir na juventude força e habilidade para usá-la num golpe de Estado”. Isso é compreensível levando em
conta que o nacionalismo nasce como bandeira das classes médias urbanas e de pequenos proprietários, ambos
alheios ao poder, os quais se valem de intelectuais profissionais como seus porta-vozes (Hobsbawm, 1977., p.152). É
a intelligentsia, da qual trata Elias (1994, 1997). Das primeiras reflexões a respeito da velha estrutura de poder —
somadas a um nacionalismo cultural ascendente — até as revoluções liberais de 1848, alguns anos se passaram. O
domínio napoleônico e a libertação deste encorajaram a burguesia a rebelar-se contra a política arcaica da
aristocracia. Uma vez derrotada, a bandeira da democracia política teve, todavia, de ser enrolada; pois, com a
constituição de 1850, é restabelecido o poder político dos proprietários de terras (Seyferth, 1981, p.28).
156
libertação muito próximos à Revolução Francesa, no decorrer dos anos seu conteúdo vai tomando
outras formas, vai se deslocando para a direita política — especialmente entre os anos de 1880 a
1914, quando a política imperialista dos Estados atingiu seu auge — a ponto de, no século XX,
nacionalismo ser identificado com extrema direita.
241
Para o Turnen praticado nas escolas e as
associações de ginástica surgidas pós-1848, pode ser feita a mesma avaliação. De ideais
democráticos e liberais presentes na origem do movimento estudantil do Turnen
(Turnbewegung), as instituições passam a representar o nacionalismo imperialista. Segundo
Hobsbawm (1988, p.225), as Turnvereine “desviaram-se do liberalismo herdado da revolução de
1848, para uma postura militarista, agressiva e anti-semita”. Ao analisar a “invenção de
tradições” (2002, p.311), mostra como este desvio pode ser observado simbolicamente no
alinhamento destas instituições à idéia de nação alemã que foi vitoriosa: a partir de 1890, das
6.501 associações de ginástica existentes no território alemão, apenas 100 não substituíram a
antiga “bandeira” do liberalismo, representada pelas cores preta, vermelha e dourada
242
; todas as
demais assumiram as novas cores da nação alemã — o preto, o vermelho e o branco. Portanto, a
ginástica introduzida por Jahn, no início do século, diferenciava-se da que veio a vingar a partir
de meados deste.
Quando o Turnen chega ao Brasil, o processo de mudanças já se encontra em andamento.
Os primeiros clubes para esta prática procuram seguir os ideais de Jahn, influenciados por seus
escritos e por publicações periódicas atualizadas da Federação Alemã de Ginastas (Deutsche
Turnerschaft). Não apenas a estrutura organizacional do Turnen, mas também a prática dos
241
Lenharo (1986, p.81) lembra que, na época de Hitler, foi implanta uma “política de massificação do esporte” —
modelo que se tentou reproduzir no Brasil —, através da qual era vendida a idéia de melhoria da saúde do povo, mas
era obtida melhora na preparação física e disciplinar dos futuros soldados. Apropria-se aqui da idéia de
“militarização do corpo” como “instrumento de transformação do corpo social”.
242
Estas cores compuseram a bandeira da Liga Alemã dos Estudantes (Deutsche Burschenschaft) nos primórdios do
século XIX e, como afirma Ueberhorst (1978, p.43), foram utilizadas aí pela primeira vez.
157
exercícios seguia orientação da Alemanha. De lá provinham materiais impressos — como o
Deutscher Turnzeitung ou livros para instrutores e professores — e os próprios aparelhos. A
especificidade destas sociedades surgidas aqui, no entanto, se encontra no fato de serem
associações alemãs no exterior, criadas a partir da necessidade surgida entre os imigrantes ou
alemães que vivem no Brasil. O sentido atribuído por Jahn à ginástica — um meio de educação
do povo — é ressignificado e ampliado na acepção teuto-brasileira. De um lado, ela abarcava
uma educação física generalizada, através de práticas em aparelhos, exercícios ao ar livre,
esgrima, natação, caminhadas e jogos (Wieser, 1990, p.279). De outro, o patriotismo de Jahn é
convertido aqui em sentimento de etnicidade: “o objetivo primeiro era o lazer, mas um lazer de
contornos étnicos, com afirmação de uma identidade coletiva definida pela Kultur” (Seyferth,
1999, p.25). O ideal do Turnen não se acentava em fundamentos de ordem política. As
sociedades de ginástica teuto-brasileiras viam-se como cultivadoras ou preservadoras da cultura e
tradições alemãs. Com a organização de bibliotecas e a constituição de grupos de teatro e canto,
acreditavam estar mantendo e valorizando o “patrimônio espiritual” alemão (Geistschatz). Com o
mesmo objetivo, festejavam uma diversidade de datas orientadas ao fortalecimento do orgulho
nacional — algumas delas nem tão alemãs, como o Natal, Páscoa e carnaval (mas ao estilo
alemão!!) — e, através dela, manifestavam a glorificação ao Kaiser, o culto a Bismarck e o poder
e grandeza do Império alemão (Wieser, 1990, p.282). Aí a fidelidade apenas cultural pretendida
pelas associações acabava por vezes sendo interpretada como fidelidade política ou efetivamente
tomava estes rumos.
A cada ano, no mês de agosto, o “pai da ginástica’ (Turnvater) era lembrado com festejos,
bailes, demonstrações de ginástica e discursos inflamados sobre sua obra. Assim foi em 1885,
quando o presidente do Deuscher Turnverein, Johann Poisl, dava início a mais uma festa de Jahn
158
(Jahnfeier), falando sobre a extensão da influência daquele educador, não só na Alemanha, mas
em diversos outros países onde se encontram alemães; das vantagens do Turnen para homens,
mulheres, meninos e meninas, tanto no fortalecimento do corpo como da alma.
243
Assim também
foi em 1888, quando o Turn-Club festejava pela primeira vez o aniversário do Turnvater. O
discurso do presidente, Carl Dugge, lembrava a importância daquele para o desenvolvimento
sadio da juventude alemã e para o fortalecimento do “espírito nacional” e instigava aos presentes
que influenciassem seus familiares para que conservassem vivos os ensinamentos de Jahn.
244
Tal
discurso pode ter motivado novos jovens a se associarem ao Turn-Club, estando estes presentes
na festa ou lendo sua reprodução no jornal. Este pode ter sido o caso de Aloys Friederichs. Além
disso, o rápido crescimento da nova agremiação, sua participação nos festivais de ginástica
organizados fora da cidade, o reconhecimento público de suas qualidades, enfim, o aparente
dinamismo do Turn-Club pode ter atraído o jovem Aloys para unir-se ao quadro de associados
em agosto de 1888. Um ano depois, o mesmo já se encontrava bastante integrado. O jornal
Koseritz Deutsche Zeitung, de 18 de dezembro de 1889, trazia seu nome como um dos
componentes da nova diretoria eleita para o ano de 1890. A partir de então iniciou seu trabalho
em favor do Turnen e da germanidade.
243
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 26 ago. 1885. ABM.
244
GERMANIA – Organ für die deutschen Vereine Südbrasiliens, Porto Alegre, 15 ago. 1888. MS.
159
3.4. Friederichs: administrador e líder
Ich bitt das liebe Publikum
um einen Moment Silencium!
Durch mich soll Jedem werden kund,
was heut’ bewegt den Turnerbund;
es ist ein Werk das Ungeheuer,
es ist schon mehr ein Abenteuer,
denn 30 Jahr den Vorsitz führen
das kann wer will! einmal probieren;
vom Aloys war es keine Mache,
es war die Freud’ zur Turnersache,
ein höh’rer Geist hat ihn geführt,
zu diesem Stand, der ihm gebührt/
Manch Schweres gab’s zu überwinden
und oft das richtige Wort zu finden,
und Vieles hat er nun erfahren
in diesen langen 30 Jahren,
manch’ schwere und manch’ frohe Stund,
hat er erlebt in Turnerbund,
und weil verflossen 30 Jahr,
man gratulier dem Jubilar,
Aloys Friederichs heisst der brave Mann,
vor dem den Hut man ziehen kann.
Er, der den Turnerbund erhalten,
nie soll die Liebe ihm erkalten.
Wir wollen mit ihm weiter geh’n
und keener bleibe seitwärts steh’n,
für sein mühevolles Walten,
soll heut er unsern Dank erhalten.
Nicht Silber- oder Goldglanz,
nur einen schlichten Eichenkranz,
so wie es bei den Turnern Brauch,
so halten wir die Sitte auch.
Sieh auf die Bühne, Turner-Sohn,
empfange hier den schlichten Lohn
und schau sie dir jetzt näher an,
die vor dir stehen Mann für Mann
Es ist die frohe Turnerschar
wie sie zu Zeiten Jahn gebar.
Frisch, Fromm, Froh, Frei ziehn vorüber
und singen ihre Turnerlieder
Eu peço ao caro público
um momento de silêncio!
Através de mim, cada um deverá saber
o que hoje comove o Turnerbund
é uma obra monstruosa,
já é mais do que uma aventura,
pois dirigir a presidência por 30 anos
isso quem quer tentar;
para Aloys não foi nenhum “sacrifício”,
foi sim prazer pela causa da ginástica,
um mais alto espírito o guiou,
a este posto, que a ele foi devido.
Havia diversas dificuldades a serem superadas
e freqüentemente a palavra certa encontrada,
e passou por muitas experiências
nestes longos 30 anos,
horas difíceis e felizes,
ele viveu no Turnerbund,
e por terem passado 30 anos,
seja felicitado o homenageado,
Aloys Friederichs chama-se o bravo homem
para quem podemos tirar o chapéu.
A ele, que manteve o Turnerbund,
nunca lhe faltará amor.
Nós queremos com ele continuar
e ninguém fique de lado,
pela sua dedicada atuação
deve receber hoje nosso agradecimento.
Nem prata nem ouro,
apenas uma simples coroa de carvalho,
assim como é costume entre os ginastas,
assim nós também mantemos o costume.
Olha para o palco, filho da ginástica,
recebe aqui a simples recompensa
e contempla-os agora de perto,
que na tua frente estão todos sem exceção.
Aí está a alegre multidão de ginastas,
Assim como Jahn a criou.
Vivos, devotos, alegres e livres desfilam
e cantam suas canções de ginastas...
245
245
TURNERBUND. Prolog zur Ehrung des Herrn J. Aloys Friederichs aus Anlass seines 30. jährigen
Jubiläums als Vorsitzender des Turnerbundes. JAF 3196. ABM. Trecho de um poema de 266 versos produzido
por Ferdinand Schlatter para a festa do jubileu de 30 anos de Friederichs na direção do Turnerbund. O poema é
composto por estrofes que apresentam o agradecimento de cada um dos grupos existentes naquele momento no clube
ao jubilado presidente.
160
Estas palavras integraram as homenagens oferecidas a Aloys Friederichs em 1° de
dezembro de 1923. Para aquela noite, o Turnerbund havia organizado uma festa de saudação ao
retorno da comitiva que havia estado no Festival de Ginástica de Munique, entre eles Aloys
Friederichs. Mais destaque ainda era dado à comemoração dos seus 30 anos como presidente do
Turnerbund. Uma longa programação foi preparada para este evento, com apresentações de
diversos grupos da sociedade, como os escoteiros, a ginástica feminina em exercícios com
bastões, a ginástica masculina nas barras e o grupo de canto dirigido por Max Brückner. Uma
projeção audiovisual ofertada pelo Photoclub-Helios também pôde ser apreciada. As
apresentações eram entremeadas por canções alemãs que cada participante podia acompanhar
seguindo os versos impressos no programa. Eram esperados dois discursos: o de saudação, feito
pelo presidente Jacob Aloys Friederichs, e um de homenagem, dirigido por Richard Weinheber,
um dos membros da comissão organizadora dos festejos. A declamação do extenso poema, de
mais de 200 versos, produzido pelo amigo Schlatter, fez parte da programação, glorificando o
trabalho de Friederichs no Turnerbund na condução da presidência, sua iniciativa empreendedora,
o apoio aos diferentes departamentos que surgiram durante este período no clube — “sua obra
monstruosa” —, o exemplo de fidelidade aos ideais de Jahn, motivos pelos quais uma simples,
mas significativa, “coroa de carvalho” lhe era ofertada.
246
Havia espaço para outros discursos e homenagens, desde que fosse contatada a comissão
organizadora. Esta brecha foi ocupada pelo Dr.Steidl, presidente da Verband Deutscher Vereine
(Liga das Sociedades Germânicas) e também conselheiro do Turnerbund, que agradeceu em
246
Relato baseado em programa da Begrüssungs-Feier (festa para receber Georg Black e Aloys Friederichs que
retornam da 13. Deutsche Turnfest (Munique) e para saudar o jubileu de 30 anos de Friederichs como presidente).
TURNERBUND. Programa da Begrüssungs-Feier, 1.dez 1923, JAF 1225. ABM. A simbologia presente na coroa
de carvalho ancora-se no germanismo, que utiliza a imagem desta árvore para representar o enraizamento do povo
alemão e da nação alemã, tornando-se símbolo da conservação da identidade étnico-nacional alemã em terras
brasileiras (Grützmann, p.152-153, 2003b).
161
nome da instituição que representava pela obra de Friederichs em prol da germanidade.
247
Outras
associações devem ter usado da palavra, o que se infere pela entrega de diplomas ao
homenageado. Além do próprio Turnerbund, que lhe concedeu o título de presidente de honra
(Ehrenvorsitzender), outras sociedades demonstraram seu reconhecimento e gratidão ao trabalho
desenvolvido por ele, não somente no clube, como também no amparo ao crescimento e
progresso das associações e da germanidade no estado de forma mais ampla.
248
Assim o fizeram
a Verband Deutscher Vereine, a Naturheilverein (Sociedade de Homeopatia) e a Vereinigung
ehemaliger Schüler und Schülerinnen der deutschen Hilfsvereinschulen (Associação dos antigos
alunos e alunas da escola da Associação Beneficente Alemã).
249
Em longo discurso, Aloys agradeceu as homenagens prestadas, admitindo ter se
comportado algumas vezes, durante estes 30 anos, de forma um pouco ditatorial. No entanto,
confessou também que lhe parecia mais simpático um ditador do que um “fracote”.
250
Estas manifestações indicam o reconhecimento da liderança de Friederichs por parte de
uma ampla comunidade na qual se integram teuto-portoalegrenses e indivíduos do interior do
estado.251 Não apenas o Turnerbund — com seus 1.241 associados no ano de 1923
252
demonstrava o prestígio alcançado por Aloys no decorrer de sua atuação como presidente do
clube, mas também a comunidade teuta mais ampla, representada por outras associações
247
NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 3 mar. 1923. ABM.
248
VEREINIGUNG EHEMALIGER SCHÜLER UND SCHÜLERINNEN DER DEUTSCHEN
HILFSVEREINSCHULEN. Diploma oferecido a J. Aloys Friederichs, integrante do Álbum Ehren-Urkunde. MS.
249
VERBAND DEUTSCHER VEREIN. Diploma oferecido a J. Aloys Friederichs, 1923, integrante do Álbum
Ehren-Urkunde. MS. NATURHEILVEREIN Diploma oferecido a J. Aloys Friederichs, 1923, integrante do Álbum
Ehren-Urkunde. MS.
250
“…aber er habe es stets gut gemeint und ein Diktator sei ihm immer noch sympathischer als ein Schwächling,…”
. NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 3 mar. 1923. ABM.
251
Friederichs também recebeu homenagem da Turnverein Cahy. TURNERBUND. Programa da Begrüssungs-
Feier, 1.dez 1923, JAF 1225. ABM.
252
DEUTSCHER TURNBLÄTTER, abr. 1932. MS.
162
presentes à festividade, tinha em Friederichs uma referência de trabalho e zelo pela germanidade.
Por outro lado, estas mesmas manifestações revelam seu estilo de conduzir os negócios
associativos: concentrador, entusiasmado, quase vitalício, às vezes até ditatorial.
Ilustração 11: Diploma do Naturhelverein
Fonte: Álbum Ehren-Urkunde, MS
Ilustração 12: Diploma de Presidente de
Honra do Turnerbund.
Fonte: Álbum Ehren-Urkunde, MS
Ao comemorar os 30 anos como presidente do Turnerbund, são contabilizados no
conjunto os anos em que não ocupou este cargo — 1898, 1899 e 1900 e os críticos anos de 1915
e 1916. Este fato, mais do que um equívoco de cálculo, demonstra sua relevância e autoridade
como dirigente, mesmo sem ocupar efetivamente o cargo mais elevado da diretoria.
Em 1° de dezembro de 1923, Friederichs era homenageado e reconhecido pelo seu
trabalho na direção do Turnerbund, da Federação Riograndense de Ginastas (Riograndenser
Turnerschaft), da Liga das Sociedades Germânicas (Verband Deutscher Vereine) e pela
promoção da germanidade no Rio Grande do Sul através destas instituições. Uma trajetória
163
específica de liderança, determinada, por um lado, pelas condições existentes na sociedade, e, de
outro, por uma vontade pessoal de verem realizados seus projetos, atinge neste momento o seu
auge, o que ainda se prolongará por alguns anos antes da queda. Esta trajetória se inicia pouco
tempo depois de Friederichs ingressar no antigo Turn-Club e foi construída com base em
iniciativas empreendedoras; participação e controle direto, e posicionamentos ideológicos que o
caracterizaram.
* * *
Entre as duas sociedades de ginástica então existentes em Porto Alegre na década de
1880, havia uma discrepante desigualdade. A um vertiginoso crescimento do Turn-Club, no
decorrer dos anos 1889, 1890, contrapõe-se uma significativa queda da Deutscher Turnverein.
Mesmo que fontes indiquem que “a euforia dos primeiros meses não durou muito na nova
sociedade” e que “o verdadeiro objetivo, o cultivo da ginástica, teve que ceder excessivo espaço à
mania de diversão” (Wieser, 1995, p.21), é expressivo seu número de associados — interessados
pelo Turnen ou por diversão. Em abril de 1892, quando é decidida a fusão, o Turn-Club apresenta
240 sócios, enquanto a Turnverein apenas 28. Esta não foi a primeira tentativa de composição
entre as duas sociedades, partindo todas anteriores de proposta da Turnverein. Inclusive numa
delas, propunha a simples incorporação desta à primeira, o que mesmo assim foi recusado.
É de consenso, nas fontes produzidas posteriormente, que a iniciativa para a fusão de
1892 tenha vindo do tesoureiro do Turn-Club, J. Aloys Friederichs.
253
Aos 24 anos de idade,
Friederichs já havia participado da diretoria desta associação por 2 mandatos, tendo sido eleito
253
Esta é a versão oficial, encontrada nas publicações comemorativas desde, no mínimo, 1907. A historiografia tem
repetido este dado (Wieser, 1990; Tesche, 1996) utilizando-se destas fontes. Os livros de protocolo de atas da
diretoria ou de assembléias referente a este período não puderam ser encontrados.
164
em 1889 para a gestão do ano seguinte como “Fahnenwart” (guarda-bandeira) e como II.
“Zeugwart” (responsável pelo almoxarifado/ arsenal); em 1890 para primeiro secretário, e em
1892, quando propôs a fusão, ocupava o cargo de tesoureiro.
254
Friederichs descreve o processo
de unificação, anos mais tarde, como uma solução para a situação que vivia o próprio Turn-Club
— apesar de aparentemente ser melhor do que a da Turnverein:
Eu havia caracterizado a já longamente percebida estagnação do interesse,
do amor à causa da ginástica em nosso Turn-Club. Nós não devíamos padecer de
arrogância. Assim como na ginástica, no número de sócios, bem como
economicamente, andávamos para trás [como um caranguejo]. O que nós
recusamos por dois anos, era então para nós uma necessidade: a união com a
Deutscher Turnverein! E — porque nós recusamos em 1889 a proposta da
Turnverein — deveríamos consumar a união sobre bases fraternas e iguais aos
dois lados: ambas sociedades deveriam abandonar seus nomes e ambas — unidas
— adotar o nome Turnerbund.
255
A consumação da união, através da primeira assembléia geral, ocorreu apenas em 11 de
abril. Mas os jornais já anunciavam, no dia 6 do mesmo mês, a decisão das duas sociedades. Sem
detalhes sobre as razões, o Koseritz Deutsche Zeitung comenta apenas as vantagens da fusão para
o desenvolvimento da ginástica na cidade.
256
A nova diretoria — que se compunha de uma
maioria de ex-integrantes da direção do Turn-Club — foi eleita ainda no mês de abril, contando
com a presença de Aloys Friederichs na tesouraria.
257
Tratava-se agora de “arrumar a casa”,
254
As informações relativas às eleições de 1889, 1890 e 1891 encontram-se no jornal KOSERITZ DEUTSCHE
ZEITUNG, Porto Alegre, 18 dez. 1889, 17 dez. 1890 e 30 dez. 1891. ABM.
255
Ich schilderte das schon lange wahrzunehmende Stagnieren jden Interesses, jeder Liebe zur Turnsache in
unserm Turn-Club. Wir sollten nur nicht an Überhebung leiden. Mit dem Turnen sowohl, wie mit der Mitgliederzahl,
also auch wirtschaftlich, gingen wir langsam aber sicher den Krebsgang. Was wir vor zwei Jahren zurückgewiesen,
sei heute auch für uns eine Notwendigkeit geworden: Die Vereinigung mit dem Deutschen Turnverein! Und – weil
wir 1889 die Anträge des Turnvereins zurückgewiesen, müssten wir heute die Vereinigung auf beiderseitig gleicher
turnbrüderlicher Basis vollziehen: beide Vereine müssten ihren Namen aufgeben und beide – vereinigt – den Namen
Turnerbund annehmen.” DEUTSCHE TURNBLÄTTER, abr. 1932. MS.
256
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 6 abr. 1892. ABM.
257
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 20 abr. 1892. ABM.
165
angariar novos sócios e, para isso, uma festa poderia ser bastante útil. No dia 30, ocorreu então a
primeira “Stiftungsfest” (festa da fundação), chamando a atenção de mais 38 novos associados.
258
A partir de então, evidencia-se o crescimento de um dos mais importantes espaços de
promoção de germanidade de Porto Alegre
259
e “a líder de toda a ginástica no Rio Grande do Sul”
(Wieser, 1995, p.22). Aqui se aliam dois elementos de sustentação da germanidade: por um lado,
a associação ou Verein, vista, no âmbito ideológico, como instituição de cultivo da identidade
alemã e como própria ao caráter gregário alemão; por outra o Turnen, mais do que uma
modalidade esportiva originária da Alemanha, uma filosofia de formação de consciência
nacional.
Como sociedade voltada ao grupo étnico alemão, o clube estabelecia a obrigatoriedade do
uso da língua alemã. Diziam os estatutos publicados em 1924 que “a língua da sociedade, dos
negócios e do comando do Turnerbund é somente a língua alemã”.
260
Se na década de 20 era essa
a diretiva, pressupõe-se que já vinha sendo aceita desde os primórdios do clube. Algumas outras
fontes nos dão semelhante indicação. Em correspondência enviada a Júlio Centena, o secretário
do Turnerbund recusa sua inclusão no conjunto de sócios pelos motivos que seguem:
Por ordem do Sr. Presidente desta sociedade, tenho de comunicar-vos que
não foi aceito como sócio na última assembléia ordinária da diretoria devido a um
parágrafo dos nossos estatutos que diz: “Todo o homem que não fala alemão não
pode ser sócio da mesma, excetuando-se apenas os que estão casados com alemãs
ou de origem alemã”.
261
258
DEUTSCHE TURNBLÄTTER, abr. 1932. MS.
259
Saindo do âmbito institucional, a imprensa teuta foi o mais importante espaço de promoção da germanidade, “o
lugar privilegiado para a discussão e difusão dos pressupostos e das imagens do germanismo, sendo considerado
pelos germanistas um dos instrumentos mais poderosos de fomento e formação” (Grützmann, 2003b, p.120).
260
“... die Vereins-, Geschäfts- und Kommando-Sprache des Turnerbundes nur die deutsche Sprache ist ...”.
TURNERBUND. Satzungen (estatutos), Porto Alegre, 1924. MS.
261
H. WAGNER. Carta para Júlio Centena. 23 fev. 1899. MS.
166
Durante os primeiros 40 anos do clube, a reafirmação do uso da língua alemã na
sociedade esteve por diversas vezes presente na medida em que indivíduos de outras etnias
candidatavam-se para o círculo de sócios. A posição de Friederichs a respeito, ao menos
enquanto este tipo de manifestação da etnicidade não se tornava um problema, era de que os
sócios deveriam saber muito bem o alemão.
262
Seu posicionamento alinha-se com os ideais
germanistas de que “a língua constitui elemento formador e identificador do povo” (Grützmann,
2003b, p.122). Na medida em que a idéia de povo se assenta no princípio da descendência, nos
laços familiares e de sangue, transcendendo as fronteiras geográficas, os alemães no Brasil
continuam sendo parte do povo alemão e, por isso, suas instituições mantêm o que homogeneíza
e identifica o povo — o idioma.
Com a fundação do Turnerbund, não só a ginástica teve um grande impulso e a instituição
um amadurecimento, mas também o cultivo do Deutschtum foi beneficiado. Rapidamente o
quadro de associados aumentou, promoções bem sucedidas foram realizadas e Friederichs
conquistou mais destaque. No final do ano de 1892, devido a uma viagem do presidente da
sociedade à Europa e da renúncia do vice que fora eleito para o primeiro posto, Friederichs aceita
a proposta de assumir a presidência.
263
Em pouco tempo — apenas quatro anos de envolvimento
com o Turnen — Aloys torna-se o “homem certo na hora certa”.
264
Parecia ter todas as
qualidades necessárias para ocupar o posto de presidente: “um bom conhecedor, tão jovem
262
TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 17 out. 1900, Livro de Protocolo de Atas. MS.
263
Na nominata da diretoria eleita, o nome de Aloys não aparece (KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto
Alegre, 20 dez. 1892. ABM). Sua indicação para o cargo foi posterior à eleição.
264
Der rechte Mann zur rechten Zeit” (Turner-Bund, 1917, p.8); também em DEUTSCHE TURNBLÄTTER, abr.
1932.
167
quanto entusiástico discípulo de Jahn, um acalorado defensor de nosso bom sistema alemão de
ginástica”.
265
Friederichs permaneceu na presidência do clube de 1893 a 1897, 1901 a 1914 e 1917 a
1929.
266
A eleição era realizada anualmente, em geral no mês de dezembro, sendo então Aloys
repetidamente conduzido ao cargo mais elevado da direção. Sua recondução à presidência, tantas
vezes ocorrida, por processo eletivo, é um demonstrativo do reconhecimento de sua liderança no
comando dos destinos do Turnerbund e de seu sucesso como administrador. Concomitantemente,
Friederichs participou de diretorias de outras associações do grupo étnico, como a Hilfsverein
(Associação Beneficente), a Gemeinnützigerverein (Sociedade de Amparo Mútuo) e a Verband
Deutscher Vereine (Liga das Sociedades Germânicas). Disso se denota o extenso envolvimento
deste indivíduo com o associativismo teuto.
* * *
Bastante cedo Friederichs iniciou seu modelo de administração: centralizador, enérgico,
arrojado. No início de 1893, encontrou um terreno junto à rua São Raphael (atual Alberto Bins),
ao lado da escola da Hilfsverein, que poderia ser satisfatório para a construção da sede própria do
Turnerbund.
267
A iniciativa da compra tem sido atribuída, na memória institucional, a Aloys
Friederichs, o que contribuiu para a construção de sua imagem de empreendedor. Ainda no
mesmo ano, foi adquirido mais um terreno, de forma que pudessem então construir a sede social,
265
“... guter Kenner, ein jüngerer aber desto begeisterter Anhänger des Turnvaters Jahn, ein warmer Vorkämpfer für
unser gutes deutsches Turnwesen …” (Turner-Bund, 1917, p.8).
266
Não houve eleição em 1917 uma vez que foram suspensas as atividades do clube até 1920. Sendo assim, o
mandado eleito para o ano de 1917 foi prorrogado até 1920 (SOGIPA: Álbum, 1942).
267
A fonte indica que foi Aloys Friederichs quem “chamou a atenção ao terreno”, e que este foi comprado dois dias
depois com um empréstimo da Hilfsverein.
168
com salão de bailes e de ginástica (Turnhalle). Os planos da obra chegaram aos ouvidos da
redação do Koseritz Deutsche Zeitung, que avaliou positivamente o empreendimento, concluindo:
“a sociedade de ginástica daqui, da qual é o senhor Aloys Friederichs presidente e conta com 350
sócios, é talvez a mais florescente de todas as sociedades teuto-brasileiras de nosso estado”.
268
Este “talvez” foi sendo substituído, no decorrer do tempo, por um “certamente”.
Para marcar o passo que dariam então, foram organizados grandes festejos para o
lançamento da “pedra fundamental”, com solenidades e pompa, jantares, demonstrações de
ginástica e campeonatos de tiro; com a presença de convidados ilustres dos altos escalões do
Estado, de representantes de sociedades locais e do interior (Fischer, 1929, p.20). A
representação de cinco sociedades de ginástica — de São Leopoldo, Novo Hamburgo, Lomba
Grande, Campo Bom e Santa Cruz — suscitou a formação de uma federação de ginastas, a
exemplo da que tinham os atiradores. Novamente é atribuída a Friederichs a iniciativa da
constituição desta entidade: “a fundação da Federação de Ginastas é o incontestável mérito de J.
Aloys Friederichs. Ele foi o tambor, que em 1895 guiou a união das forças ‘para poder realizar
algo realmente grande’”.
269
Denominada inicialmente de Deutsche Turnerschaft von Rio Grande do Sul, a federação
seria, então, mais uma instituição fomentadora da germanidade. Em seus estatutos, por exemplo,
exigia-se que as sociedades de ginástica participantes usassem, como língua oficial, o alemão.
270
268
Der hiesige Turnverein, dessen Vorsitzender Herr Aloys Friederichs ist und der an 350 zahlende Mitglieder
zählt, ist vielleicht der blühendste aller deutsch brasilianischen Vereine unseres Staates”. KOSERITZ DEUTSCHE
ZEITUNG, Porto Alegre, 18 jun. 1895. ABM.
269
Die Gründung der Turnerschaft ist das unbestrittene Verdienst von J. Aloys Friederichs. Er war der Trommler,
der 1895 die Vereinigung der Kräfte herbeiführte,“um in einem Ganzen Grösseres vollbringen zu können”. (Fischer.
1929, p.20).
270
DEUTSCHER TURNERSCHAFT VON RIO GRANDE DO SUL. Satzungen (estatutos), Porto Alegre, 1898.
MS. Em 1921, em decorrência da Primeira Guerra Mundial, os estatutos foram revistos, sendo decidido que
sociedades que não tivessem o alemão como língua oficial seriam consideradas sócias extraordinárias, sem direito a
voto. TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 7 nov. 1921, Livro de Protocolo de Atas. MS.
169
Mais tarde, esta exigência lhe traria problemas e, como resultado dos conflitos oriundos da
entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial, o próprio nome da entidade sofreu alteração,
sendo suprimida a palavra Deutsche (Fischer, 1929, p.21).
A federação de ginastas estava organizada, até 1915, em seis distritos ou regiões (Gauen),
as quais promoviam regularmente eventos esportivos entre suas associadas. Compunham as
regiões as sociedades das seguintes localidades:
Gau I: Porto Alegre, São Leopoldo, Novo Hamburgo e Hamburgo Velho.
Gau II: São Sebastião do Caí e São João do Montenegro.
Gau III: Estrela, Lageado e Teutônia.
Gau IV: Santa Cruz do Sul, Cachoeira e Santa Maria da Boca do Monte.
Em 1915 foram fundidas as regionais I e II, assim como as regionais III e IV (Wieser,
1990, p.196-197). O maior evento desta entidade era a Allgemeine Turnfest — festival de
ginástica do qual participavam todas as sociedades filiadas à federação. A primeira vez em que
foi realizado — de 18 a 20 de abril em Porto Alegre — coincidiu com a inauguração da sede
própria do Turnerbund — esta no dia 21.
Foi uma experiência completa/retumbante para a jovem Federação de Ginastas. A
participação de fora foi extraordinariamente forte, sobretudo durante as
competições que foram acompanhadas por um belo tempo. “Porto Alegre teve
uma verdadeira festa alemã e, como esta, o resto da germanidade riograndense há
muito não havia visto”, dizia um cronista.
271
Tiveram destaque no campeonato ginastas de Porto Alegre, Santa Cruz, Novo Hamburgo
e São Leopoldo. No dia 21, a atenção da festa estava sobre o Turnerbund, com a inauguração de
sua nova sede. A solenidade contou com o discurso do cônsul alemão Koser, com as
apresentações musicais do Deutsche Männerquartett von 1887 e do grupo de canto Eintracht, e
271
Es war für die junge Turnerschaft ein durchschlagender Erfolg. Die Beteilung von auswärts war
aussenordentlich stark, zumal die ganze Veranstaltung vom schönsten Wetter begleitet war. “Solch ein wirklich
deutsches Fest hatte Porto Alegre und mit ihm das übrige riograndenser Deutschtum lange nicht gesehen”, schreibt
ein Chronist” (Fischer, 1929, p.22).
170
também com a representação teatral do novo e “florescente” Klub Lustiger Bruder (Turner-Bund,
1917, p.8). A participação de um expressivo número de pessoas representantes de diferentes
grupos da comunidade étnica — autoridades, artistas, esportistas — concedia reconhecimento de
destaque ao evento e à instituição.
A construção de uma sede própria dava então novo status ao Turnerbund. A partir de
então concentravam-se ali as grandes festas da população teuto-brasileira de Porto Alegre, as
apresentações teatrais e musicais. Erguia-se um espaço de sociabilidade étnica alemã em que
várias das suas formas de representação estavam presentes: a língua alemã — falada, cantada e
recitada —, a ginástica, as festas, o culto aos heróis alemães, a reprodução da identidade de grupo
étnico. O realce alcançado pelo Turnerbund estendia-se a seus dirigentes, em especial ao
presidente. Assim, Aloys continuou, por algum tempo, sendo reeleito para o cargo e obteve, em
1898, o reconhecimento de seus serviços em prol daquela sociedade, sendo nomeado sócio-
honorário.
272
As iniciativas de aquisição do terreno, a construção da sede e a constituição da federação
de ginastas marcavam seu jeito ousado de administrar. Outras evidências ressaltam sua forma
centralizadora de dirigir os negócios do clube. Tudo passava por Friederichs — inclusive
utilizando seu endereço residencial como ponto de referência — desde a escolha de um novo
ecônomo para a sociedade, a inscrição das Turnvereine para o festival de ginástica, até a retirada
de convites para apresentações teatrais, concertos e bailes.
273
Também aqui o modo paternalista
de conduzir os negócios é revelado, na medida em que sua casa transformava-se em extensão do
clube.
272
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 18 mar. 1898. ABM.
273
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 7 jul. 1896; 18 mar. 1898; 13 fev. 1901; 10 mai. 1901. ABM.
171
No ano de 1898, Friederichs decide não concorrer à presidência, da qual ficou afastado
por três anos como forma de dar maior atenção à biblioteca que o clube criara — por iniciativa
sua — já em 1892.
274
Como “bibliotecário”, realizou promoções teatrais e bailes com o fim de
angariar fundos para a aquisição de obras literárias.
275
Em 1899, somavam-se 802 títulos, entre
literatura especializada de ginástica (Turnliteratur), clássicos, romances, novelas, contos, história,
viagens, ciências naturais e revistas.
276
Friederichs pensava que:
uma sólida biblioteca é um precioso tesouro, muito especialmente para uma
sociedade como a nossa, pois as obras de nossos melhores escritores alemães nos
oferecem um meio de influir na maneira de pensar de nossa juventude daqui, da
qual é composta grande parte de nossos associados. Assim, a diretoria e os
associados devem manifestar sempre interesse pela biblioteca, um dos mais
importantes elementos da sociedade [associação].
277
O acervo existente na biblioteca demonstra o desejo de atualização da germanidade, pois
nela predominavam autores alemães.
278
Ler livros, jornais e revistas em língua alemã era, entre
outras coisas, uma forma de conservar o idioma num contexto de relações inter-culturais; era uma
maneira de formar as consciências, lendo, em especial, os grandes pensadores do povo alemão.
Sobre isso Friederichs afirmava: “também para nós as palavras de nossos Grandes não são
leituras de ocasião ou de entretenimento ou citações que soam bem, ainda mais quando rimam
274
DEUTSCHE TURNBLÄTTER, Porto Alegre, abr. 1932, MS.
275
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 1 jun. 1900 ABM.
276
TURNERBUND. Jahresbericht (relatório anual), Porto Alegre, 1899. MS.
277
Eine gediegene Bücherei ist ein wertvoller Schatz, ganz besonders aber für einen Verein wie der unsrige, denn
die Werke unserer besten deutschen Schriftsteller bieten uns ein Mittel auf die Denkungsart unserer hiesigen Jugend,
aus der sich ein grosser Teil unserer Mitglieder zusammensetzt, einzuwirken. Der Bibliothek soll daher, als einem
wichtigsten Bestandteil des Vereins, seitens des Vorstandes und der Mitglieder ein stetig steigerndes Interesse
entgegengebracht werden”. TURNERBUND. Jahresbericht (relatório anual), Porto Alegre, 1900. p.10-11. MS.
278
Em 1921, dos 3.135 títulos listados, a maioria absoluta é de autores alemães. TURNERBUND.
Bücherverzeichnis der Bibliothek des Turner-Bundes zu Porto Alegre, 1921. MS.
172
bem, mas verdades que nos tornam sábios na vida e nos indicam a verdadeira direção
(Friederichs apud Grützmann, 2003b, p.145).
Mesmo sem estar num cargo de destaque na diretoria do clube, Aloys conseguiu chamar a
atenção para suas atitudes, o que lhe rendeu uma nova indicação para a presidência de 1901. É
quando sua liderança parece se consolidar. Neste momento, começa a ser mais freqüente a
vinculação de sua pessoa com a figura de Jahn — o “pai da ginástica”. Homenagens lhe são
rendidas, seu trabalho é recitado em versos, os versos publicados em veículo da grande imprensa
teuta:
Heil Dir, Du Mann der eignen Kraft,
Der machtvoll sich emporgeschafft
Begeisterung in freier Brust
Auch andre rief zur Schaffenslust!
Was gut und gross, das ist dein Feld
Du ringst dafür gleichwie ein Held;
Dein Mühen hat Erfolg gekrönt,
Ein Werk, das unsre Stadt verschönt.
Was dankt dir nicht die Turnerei!
Ihr Wahlspruch: frisch, fromm,frölich, frei
Gibt ganz uns Deine Wesenheit;
D’rum lebst Du ihrem Dienst geweiht.
Und fromm und frei und frisch und froh
Du wünschtest alle Menschen so:
Drum hob sich bald zum Himmelsblau
Des Turnerbundes stolzer Bau.
Mit treuer Männer Hilf und Macht
Hast Du dies Werk zustand gebracht.
Nun füllt den Bau ein reges Leben,
Ein ernstes, zähes Vorwärtsstreben;
Die Halle dröhnt von Turners Schritt,
Es ächzt das Reck, der Barren mit
In Höh’ und Weite mancher springt,
Des Fechters Klinge scharf erklingt,
Ein andrer mit gwaltgem Schwung
Den Wurfstein schleudert weit genung
.
Da straffen sich die Sehnen, Muskeln;
Da ist kein Platz mehr für Molluskeln,
Nein stahlhart wird ein solch Geschlecht
Und auch in Wort und Wesen ächt.
Salve, tu, homem de força singular
Que progrediu cheio de autoridade
Entusiasmo em peito aberto
Também aos outros entusiasma para trabalhar!
O que há de bom e grande é teu domínio,
Tu lutas por isso assim como um herói;
Teu trabalho tem sido coroado de êxito,
Uma obra que embeleza nossa cidade.
[Veja] o que te deve a ginástica!
Seu lema: vivo, devoto, alegre, livre
Nos mostra totalmente teu caráter
para isso vives dedicado a ela [ginástica]
E devoto e livre e vivo e alegre
Tu desejas que todos sejam assim
Por isso cresceu logo em direção ao céu azul
A orgulhosa construção do Turnerbund.
Com a ajuda e força de fiéis homens
Realizaste esta obra.
Agora a construção está cheia de uma animada vida,
Uma séria, resistente tendência de ir adiante,
O ginásio retumba passos dos ginastas,
Rangem as barras fixas e as barras paralelas
No alto e longe alguém salta,
As espadas dos esgrimistas soam agudas,
Um outro com poderoso impulso
Arremessa o “peso’ longe o suficiente.
Estendem os tendões, os músculos;
Não há lugar para os molúsculos,
Esta geração não será dura como aço
E também autêntico em palavra e caráter .
173
Nicht Heuchler, sondern stolze Männer,
Nich Meuchler, sondern Fabbekenner,
Mit freiem Mut und offner Stirn,
Mit starker Hand und starken Hirn..
Drum Heil Dir Mann der regen Kraft,
Dess Mühen solch ein Volk uns schafft!
Heil Deines Herzens edlem Schwung
Voll flammender Begeisterung!
Heil Deinen klaren Zukunftsblick,
Der unsrer Jugend ward zum Glück!
Dir danket einst die spätre Zeit
Die Stunden, die Du ihr geweiht;
Und wer erkennt’s nicht gerne an,
Du bist der neuen Heimat Jahn! N.
Não hipócritas, mas homens orgulhosos,
Não traiçoeiros, mas servidores.
Com franca coragem e descaradamente,
Com mão forte e cérebro forte.
Por isso salve tu homem de força ativa,
Cujos trabalhos nos torna um povo!
Salve teu coração de nobre ímpeto
Cheio de entusiasmo ardente!
Salve tua clara visão de futuro,
Que nossa juventude teve a sorte de tê-lo!
A ti agradecerá um dia mais tarde
As horas, que tu dedicaste a eles;
E quem não reconhece isso [?]
Tu és o Jahn da nova pátria!
279
N.
Friederichs é representado então como “cheio de autoridade”, “de força singular”, um
“herói”, impetuoso, de coração nobre, entusiasmado, dedicado à juventude — tal qual a imagem
de Jahn. Mais uma vez é acionada a estratégia literária da poesia como forma de exaltação das
qualidades do indivíduo em foco.
280
A representação construída ultrapassava os muros do
associativismo, uma vez que nele era reconhecido o “autêntico e leal coração alemão, aquele que
palpita calorosamente pela sua segunda, nós gostaríamos de dizer, verdadeira pátria”.
281
Nesta
sentença, é possível verificar algumas máximas do germanismo: as características de um
“autêntico coração alemão” — “honrado, verdadeiro, prudente, valente, fiel e reto” (Grützmann,
2003b, p.139) — e a condição de permanecer alemão para poder amar o Brasil.
279
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 20 nov. 1901. ABM.
280
Segundo Grützmann (2003b, p.138), “a divulgação de poemas, notadamente em almanaques, livros didáticos e de
leitura, cancioneiros e brochuras comemorativas, constitui um recurso editorial largamente empregado para a
apresentação e difusão de um paradigma de identificação do e para o ser humano alemão, centralizado na exaltação
das qualidades morais que identificariam os alemães, modelo esse embasado na estratégia persuasiva da afirmação
categórica de apenas um aspecto da conduta que não deixa margem para a contestação”. Além disso, ao lado da
canção, a poesia foi a principal produção literária de veiculação do germanismo (Grützmann, 2003b, p.138).
281
“... der unermüdlich Präsident des Turnerbundes, der Mann mit dem echten deutschen treuen Herzen, welches so
warm für seine zweite, wir möchten sagen wahren Heimat schlägt, …” KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto
Alegre, 21 abr. 1902. ABM.
174
Ilustração 13: Aloys Friederichs em 1901.
Fonte: FRIEDERICHS, J. A. Álbum Ehren-Urkunde, MS.
Diversas demonstrações de apego e admiração à pessoa de Friederichs e a seu trabalho
foram reforçando, durante o processo de construção da sua liderança, sua imagem e sua posição.
Cada uma das viagens que fizera para a Alemanha foi momento utilizado para tais
demonstrações. Em 1903, uma delegação da federação de ginastas, entre eles Aloys Friederichs,
dirigiu-se à antiga pátria para participar do Festival de Ginástica de Nürnberg. Na ocasião, Aloys
pôde entrar em contato direto com o presidente da Deutsche Turnerschaft da Alemanha –
Ferdinad Goetz —, sintonizando o Turnerbund à linha ideológica desta entidade (Wieser, 1990,
p.267). Este foi o momento também da consagração da bandeira do clube, o que ocorreu num
festivo ato solene no estádio de Nürnberg. Seu retorno era anunciado pela imprensa teuta de
Porto Alegre
282
e aguardado por parte da germanidade da cidade que preparava uma recepção
festiva no clube. Ali foram ressaltadas suas qualidades como “o homem certo” para representar
todos os envolvidos com o Turnen, por ser seu maior entusiasta, sobretudo no sul do Brasil.
283
Em 1913 foi a vez de visitar Leipzig; e, ao retornar, foi organizada, em homenagem a
Friederichs, uma corrida de estafetas (troca de bastões) que percorreu alguns municípios da zona
colonial alemã até Porto Alegre, chegando ao campo de jogos do Turnerbund. A corrida em
282
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 28 set. 1903. ABM.
283
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 30 set. 1903. ABM.
175
honra ao presidente da Federação de Ginastas teve a participação de 170 ginastas e percorreu 116
km.
284
Aloys Friederichs é novamente esperado na volta da Festa de Ginástica de Munique, em
1923, agora também recebendo honras por seus 30 anos de trabalho pelo Turnerbund (como
relatado nas páginas 158 a 160). Além do prestígio na comunidade teuto-brasileira que estas
viagens lhe rendiam, é de se supor que, de forma inversa, Friederichs obtivesse reconhecimento
das instituições alemãs votadas ao fomento da ginástica e da germanidade no exterior. Friederichs
salientava-se como figura mediadora entre as instituições da Alemanha fomentadoras da
germanidade e os teuto-brasileiros.
Ilustração 14: DEUTSCHER
TURNERSCHAFT VON
RIO GRANDE DO SUL.
Diploma oferecido a J. Aloys Friederichs,
1913, integrante do Álbum
Ehren-Urkunde, MS.
284
Fischer (1929, p.37) e Diploma de Honra concedido pela Deutsche Turnerschaft von Rio Grande do Sul em 1913.
Álbum Ehren-Urkunde. M DEUTSCHER TURNERSCHAFT VON RIO GRANDE DO SUL. Diploma oferecido a
J. Aloys Friederichs, 1913, integrante do Álbum Ehren-Urkunde. MS.
176
A liderança de Friederichs se confirmava em conjunto com a do próprio Turnerbund em
meio à germanidade da capital. O clube era visto então como “um representante da Federação
Alemã de Ginastas no exterior, mas também um marco e pedra angular da germanidade no
Brasil”.
285
Contribuiu ainda para a consolidação desta imagem a aquisição, em 1910, de um vasto
terreno junto ao arrabalde de São João, lugar destinado às atividades ao ar livre, às grandes festas
da germanidade, aos passeios aos domingos.
286
Mais uma vez é atribuída a Friederichs a
iniciativa da compra destas terras e de outros negócios imobiliários realizados no mesmo ano.
287
No relatório anual referente ao ano de 1910, encontra-se a seguinte avaliação a respeito da
aquisição:
Em 7 de janeiro foi concluída a compra desse campo e, depois de apenas um ano de
posse, ficou evidente para aqueles que não concordaram de todo o coração com a aquisição, que
o Turnerbund fez uma compra extremamente oportuna. Cada visitante de nosso campo de jogos
alegra-se com a bela localização e com um amplo panorama; alegra-se também com a vida
espontânea e animada que reina ali, como jovens e velhos que encontram nos exercícios
ginásticos e nos jogos de bola diversão e restabelecimento. O objetivo que nos impulsionou a esta
aquisição não foi somente o de proporcionar um campo de jogos para jovens, senão também um
ponto de encontro daquela parte de nossa germanidade que ainda tem sentido e entendimento do
valor do exercício físico ao ar livre. Este objetivo foi alcançado no prazo de um ano, mais rápido
do que esperávamos. Nós estimamos já mais de 200 pessoas, crianças e adultos, que se
285
“... als ein Vertreter deutscher Turnerschaft in fremdem Lande, aber auch als ein Mark- und Eckstein des
Deutschtums in Brasilien”. KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 22 dez. 1905. ABM.
286
O referido arrabalde fazia parte, na época, da zona rural da cidade, compreendendo propriedades de produção
leiteira. Para o acesso, já era possível utilizar-se da linha de bondes, sendo que o terreno do Turnerbund se
encontrava no ponto limite desta linha (Silva, 1997, p.26).
287
DEUTSCHE TURNBLÄTTER, Porto Alegre, abr. 1932. MS.
177
encontram nos domingos com tempo favorável em nosso campo de jogos e em diferentes grupos
se deleitam com frescas bebidas.
288
O trecho reproduzido anteriormente, além de demonstrar a afluência de pessoas ao parque
— onde estes usufruiam da natureza, do ar puro, do espaço livre para exercícios —, evidencia o
rápido sucesso do empreendimento; revela também que o passo dado da aquisição deste terreno
foi motivo de discussão, oposição, disputa em que saiu vencedor Aloys Friederichs e seus
apoiadores.
Em seu discurso na festa de inauguração ocorrida em 21 de maio de 1911, Aloys diz o
seguinte:
[...)]com respeito à ginástica, ao esporte e ao ideal alemão o campo de jogos do
Turnerbund foi um ponto de apoio tão forte quanto a própria Turnhalle [prédio-
sede] e a propriedade na cidade [no centro]. E para a germanidade porto-alegrense
o campo de jogos foi igualmente um progresso e uma obra notável.
289
288
Am 7. Januar 1910 wurde der Kauf dieses Platzes notariell abgeschlossen, und nach kaum einjährigem Besitze,
wurde es auch denen klar, die nicht aus vollem Herzen diesem Erwerb zugestimmt hatten, dass der Turnerbund einen
äusserst günstigen Kauf gemacht habe. Jeder Besucher unseres Spielplatzes freut sich über die schöne Lage, die
einen weiten Ausblick gestattet; es freut sich aber auch jeder über das ungezwungene, rege Leben, welches dort
herrscht, wie Jung und Alt in turnerischen Bewegungs- und Ballspielen Zerstreuung und Erholung finden, Das Ziel,
welches uns bei dem Erwerb vor Augen schwebte, nicht allein einen Tummelplatz für die Jugend, sondern auch einen
Sammelpunkt für denjenigen Teil unseres Deutschtumes zu schaffen, der noch Sinn und Verständnisfür den Wert der
Leibesübungen im Freien hat, war in Jahresfrist, schneller als wir gehofft, erreicht. Wir schätzten schon über 200
Personen, Kinder und Erwachsene, die sich sonntags bei günstigem Wetter auf unserem Spielplatze trafen und in
verschiedenen Gruppen ihren Spielen oblagen oder bei kühlem Trunke sich an dem Leben und Treiben ringsum
ergötzten. TURNERBUND. Jahresbericht, (relatório anual), Porto Alegre, 1910. MS.
289
“... der Spielplatz dem Turnerbunde ein ebenso starker Stützpunkt geworden wie die Turnhalle und der
Grundbesitz in der Stadt selbst. Und für das Porto Alegrenser Deutschtum ist der Spielplatz gleichfalls eine
Errungschaft auch eine Sehenswürdigkeit geworden.” Reden bei Feiern der Turnerschaft und des Verbandes
Deutscher Vereine, São Leopoldo: Rotermund, 1928, p.3. Observa-se aqui o uso da expressão Deutschtum
(germanidade) no sentido de comunidade ou população de origem alemã. Esse uso repete-se com freqüência nas
fontes. Segundo Magalhães (1998, p.109), “este termo, utilizado até então [Segunda Guerra Mundial] para designar o
conjunto de cidadãos dessa origem [germânica], passa gradativamente a simbolizar a ideologia étnica,
transformando-se, praticamente, num sinônimo de Volkstum (comunidade étnica)”.
178
A presença de mais de 2 mil pessoas à inauguração do campo de jogos,290 em um
momento em que o clube contava apenas com 657 sócios,
291
é significativa do interesse da
população teuta da capital pelo novo espaço de sociabilidade que o Turnerbund lhes
proporcionava. Com promoções de jogos entre diferentes sociedades ou simplesmente o
oferecimento do parque para o repouso e lazer de domingo, o Turnerbund ia conquistando seu
espaço como centro da sociabilidade teuta da capital. Em 1915, o campo de jogos do bairro de
São João já era bastante freqüentado, como indica o Deutsche Zeitung:
Quando se trabalhou arduamente nos dias de semana, assim serve o
domingo ao repouso interior e exterior, para ganhar novas forças para novo
trabalho. Muitos usam a manhã para ir à igreja, outros ocupam-na com afazeres ou
o descanso em casa. Mas o domingo à tarde, especialmente em dia de primavera,
como foi o último, atrai todos para fora de casa. O Turnerbund possui em seu
campo de jogos um grande jardim alemão para a família. Constante e seguro
amadurece este investimento ao encontro de seus fins. Para o domingo foram
anunciados torneios de punhobol entre a Sociedade de São Sebastião do CaÍ e o
Turnerbund. Isto e mais ainda um maravilhoso tempo motivou centenas de
pessoas a deslocarem-se para o campo de jogos. […] Também os escoteiros
realizaram um torneio de bola. Também aqui lutou-se pelos louros da vitória,
sendo que o time branco, treinado por Reimer, venceu. Outros praticaram, de
maneira unida, as diversas atividades de escotistas, entre as quais a construção de
trincheiras despertou maior interesse entre o público. Tamborim do grupo de
damas, tênis do Clube Germânia e jogos comuns entre homens e mulheres
formavam uma animada imagem. Os jogadores de futebol foram a São Leopoldo
para decidir vitorioso torneio. Entre os Haberer, soavam, entre um tiro e outro,
algumas canções alemãs. Se o visitante do campo de jogos quiser ver toda a
movimentação, então ficará cansado [de tanta atividade]. Em pouco tempo ficará
pronto o parque para as crianças; que agradável é então, quando pai e mãe, filho e
todos os seus puderem passear e ocupar-se de acordo com o prazer e a
necessidade. O campo é um verdadeiro ponto de encontro da germanidade, um
jardim alemão para a família, cuja visita se recomenda a todos nossos
compatriotas alemães.
292
290
J.ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Jacob Adler, 27. jun. 1911, JAF 1798, ABM.
291
DEUTSCHE TURNBLÄTTER, Porto Alegre, abr. 1932. MS.
292
Wenn man sich wochentags müde gearbeitet hat, so dient der Sonntag der Erholung des inneren und äusseren
Menschen, um neue Kräfte zu neuer Arbeit zu gewinnen. Den Vormittag benützen wohl viele zum Kirchgang, andere
wieder zur Beschäftigung oder zur Ruhe in den heimischen vier Pfählen. Der Sonntag-Nachmittag aber, besonders
ein solcher Frühlingstag, wie es der vergangene war, lockt alles hinaus ins Freie. Der ‘Turnerbund’ besitzt in
seinem Spielplatze einen grossen deutschen Familiengarten. Stetig und sicher reift diese Anlage ihrem Zwecke
entegegen. Für Sonntag waren Faustballwettspiele zwischen den Vereinen São Sebastião do Cahy und
‘Turnerbund’angekündigt. Dies und wohl noch mehr das schöne Wetter veranlassten Hunderte von Personen, auf
den Spielplatz zu wandern. (…) Aber auch die ‘Pfadfinder’ trugen ein Wettspiel im Schlagball aus. Auch hier wurde
179
O destaque de Aloys crescia com o destaque do Turnerbund; a imagem de Aloys
associava-se à imagem do Turnerbund; os projetos de Aloys e os projetos do Turnerbund
também estavam alinhados. Algumas fontes revelam que, no momento em que a sociedade se
expande para o arrabalde, nasce também aí a idéia da “Deutsches Haus” (Casa Alemã)
293
— um
dos projetos de Friederichs para o desenvolvimento da germanidade na capital que não conseguiu
ser plenamente realizado. Outras indicam ser a idéia ainda anterior, remetendo-a à Festa de
Ginástica de 1907.
294
O relatório anual do clube referente a este ano, por exemplo, anuncia a
sugestão e a formação de uma comissão para estudar o caso. Confirma também a posição do
Turnerbund frente aos demais teutos da capital — que “goza de absoluta confiança da
germanidade daqui” — o que justificaria a iniciativa dele.
295
Estudos foram feitos e apenas em 1912, no entanto, é que tal casa foi colocada no papel e
apresentada a toda a comunidade étnica. Há tempos, como visto anteriormente, a sede do
Turnerbund vinha sendo utilizada para atividades de outros grupos, associações, banquetes,
solenidades, apresentações teatrais dos teutos de Porto Alegre. Com isso, surgiu mais uma vez a
heiss um die Palme des Sieges gestritten, die schliesslich der weissen Mannschaft unter Hilfskornett Reimer zufiel.
Andere übten fähnleinweise die verschiedenen Pfadfinderkünste, unter denen sich die Arbeiten beim Schützengraben
grösseren Interesses beim Publikum erfreuten. Tamburinball der Damenriege, Tennis des ‘Clubs Germania’ und
allgemeine Spielen von Herren und Damen boten ein lebhaftes Bild. Die ‘Fussballer’ waren nach S. Leopoldo
gefahren, um dort ein siegreiches Wettspiel auszutragen. Bei den ‘Haberern’ klang Schuss um Schuss, auch manches
deutsche Lied. Wenn der Spielplatzbesucher sich den ganzen Betrieb ansehen will, so kann er sich auf dem Platze
selbst müde gehen. In kurzem wird der Spielplatz für Kinder fertig sein; wie angenehm ist es dann, wenn Vater und
Mutter, Kind und Kegel sich ergehen und beschäftigen können nach Gefallen und Bedürfnis. Der Platz ist wirklich
ein Sammelpunkt des Deutschtums, ein deutscher Familiengarten, dessen Besuch allen unseren deutschen
Mitbürgern sehr zu empfehlen ist”. DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre
, 17 ago. 1915. ABM.
293
DEUTSCHE TURNBLÄTTER, abr. 1932. MS. É importante ressaltar que a “casa alemã” pensada por
Friederichs nos anos 10 não tem relação com a “Deutsches Haus” construída pelo núcleo do NSDAP nos anos 30. A
“célula” do partido, como informa Py (1942), deveria ter sido edificada nos terrenos da Sociedade de Atiradores
(p.58), mas foi instalada junto à rua Voluntários da Pátria (p.235).
294
TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 15 out. 1917, Livro de Protocolo de Atas. MS;
DEUTSCHE TURNBLÄTTER, Porto Alegre, jun. 1915 e nov. 1932. MS.
295
“... geniesst das uneingeschränkte Vertrauen des hiesigen Deutschtums...”. TURNERBUND. Jahresbericht
(relatório anual), Porto Alegre, 1907. p.11. MS.
180
necessidade de crescer espacialmente. A solução não vinha com a aquisição do campo em São
João, pois este ficava muito distante do centro urbano, além de não ter sido adquirido com este
objetivo. Foi então que se pensou em ampliar a sede social do Turnerbund, não apenas no
tamanho e no número de dependências, mas nos objetivos de sua existência. Pretendia-se um
local que pudesse satisfazer as necessidades da ginástica e também abrigar as grandes festas
alemãs, como as da Federação de Atiradores e da Federação de Ginastas. Era planejado um novo
edifício que acolheria as atividades da comunidade étnica mais ampla, contentando às demais
sociedades alemãs com a oferta permanente de um espaço comum a todos. A casa deveria ter
uma grande sala de ginástica, igualmente um salão de festas, salas para as diferentes sociedades
de canto e esportivas. Bandeira hasteada pelo Turnerbund, a construção da Deutsches Haus foi
planejada como espaço de todo o grupo teuto e, por isso, deveria ser também erguida por esforço
de toda a comunidade étnica.
296
A redação do Neue Deutsche Zeitung avalia positivamente a
necessidade e a propriedade da idéia de Friederichs da construção da Deutsches Haus, quando
informa que a Verband Deutscher Vereine não poderá realizar a festa que havia planejado por
falta de espaço, uma vez que os teatros S.Pedro e Coliseu já estavam ocupados.
297
Novamente aí
Aloys aparece como iniciador, incentivador de um projeto para o desenvolvimento da
germanidade em Porto Alegre.
Os recursos necessários para levar avante o empreendimento eram muitos, e Friederichs
buscou a colaboração de instituições da Alemanha. Assim, no início de 1914, Aloys discursou em
Berlim, junto ao Deutsch Südamerikanische Gesellschaft (Sociedade Teuto-Sul-Americana)
sobre o florescimento das sociedades teutas no Brasil, o desenvolvimento da germanidade nos
estados do sul e sobre o importante papel da ginástica neste processo, visando a sensibilização
296
NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 22 abr. 1912. ABM.
297
NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 15 out. 1913. ABM.
181
desta instituição para o projeto.
298
Novamente aqui Friederichs retorna à Alemanha com status
elevado. Embora objetivasse a arrecadação de recursos para seu projeto, o que poderia supor uma
condição economicamente subordinada à vontade dos investidores, Friederichs coloca-se como o
imigrante que venceu e que possui posição privilegiada e útil na mediação entre a política de
germanidade e a população teuto-brasileira. Neste sentido, sua visibilidade frente às instituições
de cultivo do Deutschtum no além-mar aumenta a cada passo.
O tempo e esforço dedicados por Friederichs à realização da Deutsches Haus demonstram
que este era um dos pontos principais de seu “projeto” — no sentido de Velho (1994): construir e
dirigir a “Casa Alemã”, que congregaria as manifestações étnicas da comunidade teuta de Porto
Alegre, extensiva aos demais locais de colonização alemã do estado. Demonstra também que um
“projeto” é elaborado no decorrer da trajetória de um indivíduo, incluindo e excluindo ações e
objetivos de acordo com os recursos colocados à disposição pelo contexto social e de acordo com
o desejo de alcançá-lo.
O que deveria ser uma casa para uso da sociedade teuta organizada em geral —
sociedades de canto, ginástica, tiro e outras mais — acabou sendo reduzido a um projeto único do
Turnerbund. Se as negociações com entidades do exterior para o financiamento da obra
começaram em 1914, neste momento também foram enterradas as esperanças de auxílio
financeiro externo, na medida em que a Alemanha entra em guerra. Mesmo assim encontramos
Friederichs ainda em 1916 manifestando a intenção de construir a “Casa Alemã”.
299
Em 1921, a
reforma e ampliação da sede do Turnerbund passam a ser condição para que Aloys aceite ser
298
NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 23 fev. 1914. ABM.
299
TURNERBUND, Porto Alegre, Assembléia Geral, 17 jan. 1916, Livro de Protocolo de Atas. MS.
182
candidato à presidência.
300
O Turnerbund era então considerado a “mais forte associação da
germanidade daqui”;
301
a sede desta sociedade, “um tesouro/refúgio da ginástica alemã, um
tesouro/refúgio do caráter/etnicidade alemão”.
302
3.5 Momentos de crise
A liderança de J. Aloys Friederichs foi construída com base em ações empreendedoras,
dedicação pela causa, controle direto das ações e defesa de seus posicionamentos. Algumas
situações críticas também o favoreceram no sentido de dar-lhe visibilidade e aumentar seu
prestígio. Uma extensa disputa política entre duas instituições — a Verband Deutscher Vereine,
dirigida na época por Friederichs, e o Germanischer Bund (Liga Germânica) —, largamente
coberta pela imprensa teuta da capital, possibilitou a confirmação, manutenção e fortalecimento
deste indivíduo como liderança étnica.
Desde o final do século XIX, os alemães do sul do Brasil vinham sendo alvo de intensiva
propaganda provinda da antiga pátria. Com a queda de Bismarck, a política externa alemã
assume um caráter imperialista, surgindo diversas instituições voltadas aos alemães no exterior
ou à emigração.
303
Segundo Magalhães (1998, p.41), estas entidades são “as principais
300
TURNERBUND, Porto Alegre, Assembléia Geral, 10 jan. 1921, Livro de Protocolo de Atas. MS.
301
NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 9 abr. 1921. ABM.
302
“Festred gehalten beim Bühnen-Weihefest am 17. Dezember 1921” (Friederichs, 1928, p.11).
303
Sobre a era Bismarck (1862-1890): “a estratégia da conquista territorial não estava contemplada nos planos
oficiais, nem tampouco a emigração dirigida pelo Estado. [...]. Bismarck considerava dispendioso o investimento
bélico necessário à conquista territorial de ultramar e à montagem de uma burocracia que lhe garantisse a dominação
na região conquistada” (Magalhães, 1998, p.102). Dreher (1984, p.43) lembra o conhecido desinteresse do chanceler
alemão pelos filhos da pátria que haviam emigrado, assumido como oposição através da seguinte sentença: “um
alemão que despe sua pátria como um velho casaco não é mais um alemão para mim, não tenho mais interesses de
compatriota em relação a ele”.
183
propulsoras do movimento colonialista alemão, fruto do desenvolvimento de seu imperialismo
tardio, cuja concepção sobre a preservação da identidade é vista como uma importante estratégia
de expansão de seu domínio econômico”. Entre elas encontram-se a Alldeutscher Verband (Liga
Pangermânica), a Deutsche Kolonial Gesellschaft (Sociedade Colonial Alemã), a Evangelischer
Hauptverein für Ansiedler und Auswanderer (Sociedade Evangélica Central para Residentes no
Exterior e Emigrantes) e Verband für das Deutschtum im Ausland (Liga para a Germanidade no
Exterior), cada qual com sua função específica, mantendo um ideário comum, capturando as
idéias do pensamento nacionalista do início do século XIX, reorientando-as para as necessidades
imperialistas do período. Entre elas, as que mais se empenharam no sentido de influenciar os
teutos do sul do Brasil foram a Liga para a Germanidade no Exterior e a Liga Pangermânica.
A primeira, constituída em 1881 como Allgemeiner Deutscher Schulverein (Associação
Escolar Comunitária Alemã), tinha como funções o auxílio às escolas privadas que ensinavam no
idioma alemão no exterior, o cultivo da língua e da cultura alemãs. Preocupada inicialmente mais
com a difusão da germanidade, com a preservação das características culturais e étnicas da
população imigrante no além-mar, a Verband Deutscher Vereine im Ausland volta-se, mais para a
virada do século, a um nacionalismo mais agressivo, colonialista, cujo objetivo último era o
fortalecimento do Estado alemão através das colônias e das regiões de influência (Weindenfeller,
1976, p.272). Estes propósitos guiaram também outra sociedade alemã voltada à propaganda no
exterior: a Liga Pangermânica.
Criada em 1891, a Liga constituía-se de uma entidade política nacionalista radical, racista
e expansionista, que buscou criar grupos locais (Ortsgruppe) responsáveis por mobilizar a
população teuto-brasileira a favor do Deutschtum. Na Alemanha, atraiu representantes da
184
burguesia, intelectuais, professores universitários, entre outros. No Brasil, não conquistou um
número muito grande de adeptos por acentuar o conteúdo racial e, na sua oposição à assimilação
dos imigrantes, desconsiderar a ligação entre os teuto-brasileiros e o Brasil. Aos ideólogos
germanistas que construíram a categoria “Deutschbrasilianer” — integrando o pertencimento
étnico alemão à cidadania brasileira —, a fidelidade exigida pela Liga ai muito além do que
propunham — uma vinculação cultural, racial, étnica ou afetiva. Por isso também não houve
muita aceitação da expressão Auslanddeutsche (alemão no exterior) entre os que defendiam a
cidadania brasileira. Mesmo havendo oposições aos pangermanistas, estas não foram
suficientemente fortes para afastar a idéia de um “perigo alemão”, o fantasma de uma
conspiração que pretendia anexar o sul do Brasil ao Império Alemão com a anuência dos
imigrantes (Seyferth, 1984; 1989) como será visto mais adiante.
Entre as estratégias dos pangermanistas estava a promoção de palestras nos países nos
quais havia imigrantes ou descendentes de alemães, visando, com isso, divulgar o ideário da
superioridade racial ariana, conquistar a adesão de todos os de ascendência germânica para
fortalecer o Estado alemão, enfim, proteger os interesses nacionais. Enviava também
representantes que tinham como missão buscar ampliar laços comerciais com o Brasil,
principalmente com as regiões de imigrantes germânicos. Entre estes pode ser destacada a figura
de Robert Jannasch, fundador da Zentralverein zur Förderung der Wirtschaftlichen Interessen
von Rio Grande do Sul (Centro Econômico do Rio Grande do Sul) — já citado no capítulo 2 —,
presidente por muitos anos da Zentralverein für Handelsgeographie und deutsche Interesse im
Ausland (Centro de Geografia Comercial e Interesses alemães no Exterior) na Alemanha
(Weidenfeller, 1976, 144). Jannasch fora recebido em outro contexto, no ano de 1905, com
185
grande interesse pelo empresariado teuto e também pelo governo gaúcho.
304
Outro representante
dos interesses colonialistas alemães é Zimmerli, enviado ao Brasil em 1916 como representante
da Cruz Vermelha alemã (das Rote Kreuz) para palestrar sobre a situação da Alemanha e os
donativos de guerra (Kriegsspende).
Em 25 de novembro de 1915, Friederichs, como presidente da Verband Deutscher
Vereine,
305
recomendava às comunidades da zona colonial a recepção do sr. Zimmerli, que
chegaria ao Brasil no início do ano seguinte. Aloys não o conhecia pessoalmente, mas
provavelmente tenha recebido boas referências do palestrante teuto-suíço, de forma que o
apresentava na imprensa como
não apenas um hábil orador, cujo tema expõe de forma empolgante, mas como
verdadeiro e convicto amigo da Alemanha ele fala com tal entusiasmo e
admiração de nossa antiga pátria nestes grandes dias, que sua palestra em alto
volume contribuirá para o fortalecimento de nossa germanidade e nossa
consciência racial.
306
Os acontecimentos seguintes fizeram Friederichs mudar sua avaliação em relação ao
visitante alemão. Zimmerli — o “pretenso” representante da Cruz Vermelha alemã, como é
caracterizado anos mais tarde na publicação comemorativa da Verband Deutscher Vereine
vinha agradecer os donativos aos necessitados de guerra enviados pela população teuta do Brasil.
Além disso, proferia palestras a respeito de suas impressões obtidas em viagens pela Alemanha e
304
Seyferth (2000a, p.304) refere-se a Jannasch como “um incentivador da imigração alemã para o Brasil, criticado
em publicações antigermânicas como divulgador do pangermanismo”.
305
J. Aloys Friederichs foi eleito vice-presidente da federação em 1914 — para uma gestão de dois anos —; o
presidente era Josef Steidl; em março de 1915, substituiu Steidl e passou a ser presidente da entidade. NEUE
DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 13 mar. 1915.
306
ist nicht nur ein gewandet Redner, der sein Thema packend vorträgt, sondern als wahrer und überzeugter
Freund Deutschlands spricht er in solcher Begeisterung und Bewunderung von unserem lieben alten Vaterlande in
der heutigen grossen Zeit, dass seine Vorträge in hohem Masse zur Stärkung unseres Deutschtums und unseres
Stammesbewusstseins beitragen werden.” NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 25 nov. 1915. ABM.
186
França. Chegando em Porto Alegre no início de janeiro, Zimmerli demorou apenas algumas
semanas para colocar em prática seu “plano de organização da germanidade no Rio Grande do
Sul” e apresentou à Verband Deutscher Vereine o projeto de fundação da “Germanischer Bund
von Südamerika” — “entidade que congregou seis mil membros e que se apresentava como
vinculada à Cruz Vermelha alemã, mas que na verdade se destinava a dar proteção aos negócios
de seus associados, ajudar escolas em língua alemã e veicular propagandas a favor da guerra”
(Magalhães, 1998, p.113).
307
A Verband, dirigida por Friederichs foi contrária ao projeto; mas,
apesar disso, o Germanischer Bund foi fundado ainda em janeiro de 1916. A nova liga — que,
segundo Gertz (1998, p.17) reuniu algo em torno de cem associados
308
— e seu dirigente
colocaram-se em forte oposição à Verband, o que resultou em ataques e agressões especialmente
a seu presidente: Friederichs. A unidade da germanidade local foi rachada em duas posições
inimigas e criou um ambiente de discórdia que provocou a demissão da diretoria da Verband.
Emil Ullmann assumiu a direção da instituição e tentou um acordo com o Germanischer Bund,
que resultou em fracasso (Chronick, 1936, p.17).
As bases de tal contenda parecem estar situadas na questão da direção ideológica do
grupo étnico alemão no estado. Friederichs, a tantos anos na linha de frente do associativismo,
como representante maior da Liga das Sociedades Germânicas naquele momento, não admitia a
interferência de outro que não estivesse afinado a seus pressupostos, calcados na idéia do teuto-
307
Magalhães (1998, p.113) considera a fundação do Germanischer Bund como uma contrapartida ao
posicionamento brasileiro em favor dos aliados, expresso claramente pela Liga dos Aliados ou, mais tarde, Liga de
Defesa Nacional, entidade criada em 1915. Roche (1969, p.755), no entanto, refere-se à fundação da Liga de Defesa
Nacional em 7 de setembro de 1916, dando à relação entre as duas entidades um caráter inverso. É possível ainda
que não haja ligação direta entre a fundação de uma como contrapartida à fundação de outra.
308
Gertz (1998, p.17) lembra que “só em Porto Alegre viviam algumas dezenas de milhares de alemães e
descendentes”, considerando com isso que o Germanischer Bund não obteve sucesso na adesão de associados.
187
brasileirismo. Era, portanto, uma disputa pela representavidade mais geral da germanidade do Rio
Grande do Sul.
Por se tratar de uma pendenga pública, que utilizou a imprensa teuta como veículo de
debate, resultou na divulgação das idéias e do nome dos envolvidos. Resultou também no
posicionamento de algumas instituições de um lado e de outro. Foi pela imprensa também que o
apoio a Friederichs foi abertamente divulgado. Esse foi o caso das sociedades de ginástica de
Novo Hamburgo, São Sebastião do Caí e de Montenegro, na zona colonial, que intercederam pelo
retorno do dirigente da Verband.
309
O mesmo ocorreu com as associações alemãs da cidade de
Cachoeira [do Sul]:
Sem que nos misturemos na polêmica da imprensa, mas só quanto à idéia
da promoção da germanidade em si, manifestamos nosso profundo pesar em
relação ao fato de que esta tenha provocado a demissão do senhor J. Aloys
Friederichs de seus honrados serviços, nos quais ele foi ativo com grande sucesso
para nosso Volkstum. Nós apoiaríamos essa pouco agradável contenda caso o
senhor J. Aloys Friederichs decidisse anular sua decisão, para que com sua rica
experiência e sabedoria comprovadas na coordenação anterior atuasse com
destacado cargo na coordenação de uma germanidade resoluta e de espírito de
sacrifício.
310
A edição seguinte do mesmo jornal trazia o anúncio de uma assembléia geral
extraordinária convocando os sócios do Turnerbund para unirem-se em apoio à Friederichs.
311
309
NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 20 mar. 1916. ABM/ILA/UFRGS.
310
Ohne uns im Übringen in Zeitungspolemiken einzumischen, allein in Gedanken an die Förderung des
Deutschtums in unserem Staate, sprechen wir unseres tiefes Bedauern darüber aus, dass Herr J. Aloys Friederichs,
Porto Alegre, sich veranlasst gesehen hat, seine sämtlichen Ehrenämter, in denen er mit grossen Erfolge für unser
Volkstum tätig war, niederzulegen. Wir würden es nach soviel unerquicklichem Streit mit Freuden begrüssen, wenn
Herr J. Aloys Friederichs sich bewegen lassen würde, seinen Entschluss rückgängig zu machen, um nun erst recht
mit seiner reichen Erfahrung und erprobten Weisheit an der weiteren Zusammenfassung eines opferbereiten und
zielbewussten Deutschtums an führender Stelle mitzuarbeiten. Cachoeira, den 26. März 1916. Acompanham 48
assinaturas. NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, 29 mar. 1916. ABM.
311
NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 30 mar. 1916. ABM.
188
No início de junho acontece na sociedade Germânia a “festa da vitória” em razão da
grande “batalha”. Dias depois, foi realizada a eleição na Verband, sendo eleito o Dr.
Rahnenführer (Chronick, 1936, p.17).
* * *
Outro marco importante para a atuação de Friederichs e também para a população teuta
em geral foi a eclosão da Primeira Guerra Mundial, principalmente por causa dos efeitos da
participação do Brasil no conflito sobre as populações imigrantes. O período que a antecedeu foi
rico para o cultivo da germanidade, com uma farta difusão de manifestações e propaganda
germanista, mas também de uma intensa produção intelectual antigermânica. A difusão da idéia
do “perigo alemão” de anexação do sul do Brasil ao II Reich se avolumava e tomava dimensões
de violência simbólica contra os alemães e descendentes nos estados do Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e Paraná. A propaganda pangermanista reforçava as desconfianças brasileiras, e o
posicionamento dos teutos ao lado da Alemanha no conflito — aderindo ou não ao ideário
pangermanista — acelerou e agravou as ofensivas.
Nos primeiros anos da guerra, era evidente o posicionamento dos teutos em favor da
antiga pátria, o que se manifestava através da imprensa,
312
dos discursos dos pastores e das
contribuições enviadas para a Rotes Kreuz. Magalhães (1998, p. 112) afirma:
Quando a I Guerra foi declarada na Europa, um anúncio no jornal Deutsche
Zeitung, em 1914, convocou os reservistas residentes no Brasil a retornarem
imediatamente a seu país e apresentarem-se em seu distrito militar; aos que não
312
Grützmann (1999, p.142 e 147) comenta a preocupação dos anuários, mais especificamente o Koseritz deutscher
Volkskalender für Brasilien, em “demonstrar a lealdade à Alemanha e o orgulho de ser descendente de alemães”.
Ressalta que “o sentimento nacional e os valores teutos encontram no anuário um defensor ferrenho. Nos anos do
conflito bélico, os editores procuram despertar nos leitores a consciência de pertencerem a um só povo, a um povo
superior, que, apesar de ser injustiçado e hostilizado, mantém-se povo”.
189
pertenciam a esta categoria, era solicitado contribuir com seus bens para a Cruz
Vermelha ou por meio da compra de bônus de guerra. Nos cultos protestantes,
eram feitas orações em favor do imperador e pela vitória da Alemanha,
intercedendo-se ainda pelos soldados, parentes e amigos da terra natal.
Como integrante da direção da Verband Deutscher Vereine, Friederichs também foi um
dos incentivadores da campanha relativa aos “donativos para necessidades de guerra”
(Kriegsnotspende). Chamava então a atenção:
Gritos de socorro de nossos infelizes prisioneiros de guerra (tanto
soldados quanto civis) resultam em mais donativos. A situação é triste para
nossos irmãos de raça, mulheres e crianças que foram levados embora. Frio, fome,
sede e outros incômodos aos quais são expostos! Mas o socorro é possível, os
“donativos de necessidade de guerra” podem ajudar a amenizar a miséria com
dinheiro vivo!
313
Nota-se a preocupação em frisar a ligação de sangue entre os alemães do Brasil —
imigrantes ou descendentes — e os “nossos” soldados alemães do Kaiser, “nossos” prisioneiros
de guerra, “nossos” irmãos de raça. Esta ligação fraternal, familiar, consangüínea presente no
ideário germanista vem à tona mesmo num momento em que o que está em jogo é a política, o
domínio sobre territórios, são as relações entre Estados. Vai de encontro, no entanto, à posição do
Estado ao qual estes alemães do Brasil, estes teuto-brasileiros deviam fidelidade política: o
Brasil.
De um lado estavam os teutos, apegados a seus laços afetivos, à belicosa pátria de origem.
Do lado oposto estavam a imprensa, os intelectuais e o governo brasileiro, que, além de temer a
lealdade dos teutos à nação alemã, expressavam simpatia pelos aliados. Como é sabido, o Brasil
313
Notrufe unserer unglücklichen Kriegsgefangenen (sowohl Soldaten wie mehr noch der Zivilen) veranlassen ganz
besonders zu weiteren Spenden, traurig sieht es aus um unsere verschleppten Stammesbrüder, Frauen und Kinder. –
Kälte, Hunger, Durst und anderen Anfechtungen sind sie ausgesetzt! Aber, es ist Hilfe möglich, die Kriegsnotspende
kann auch dieses Elend mildern helfen mit Bargeld!”. NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 8 fev. 1916.
ABM.
190
foi forçado pelos Estados Unidos a assumir definitivamente a posição a partir de abril de 1917,
rompendo as relações diplomáticas com a Alemanha. O estopim para o rompimento ocorreu com
o bombardeamento pelos alemães de um navio mercante brasileiro na costa francesa, o que serviu
de pretexto para o governo radicalizar sua posição e para que as massas se levantassem contra
tudo o que lembrasse a nação inimiga. Segundo Roche (1969, p.715), o torpedeamento do navio
“Paraná” provocou uma série de protestos e incidentes violentos, como saques e incêndios de
sociedades recreativas e lojas de alemães. De forma bem mais detalhada, Silva Jr. (1994) relata o
desenvolvimento dos protestos, iniciando-se por comícios e passeatas devidamente controlados e
“acalmados” pelas autoridades. Esta foi a tônica entre os dias 11 e 14 de abril, respectivamente
quarta-feira e sábado, em Porto Alegre. Como relata Silva Jr. (1994, p.93), “os pedidos de calma
tiveram algum êxito, pois ainda no domingo os ‘brasileiros’ confiaram que as autoridades
tomariam providências em caso de ataque dos ‘alemães’”. No entanto, uma série de boatos se
espalharam pela cidade e acabaram aquecendo os ânimos dos que protestavam. Um destes boatos
— do qual havia três diferentes versões — referia-se diretamente ao Turnerbund: de que “(a)
‘diversos alemães haviam rasgado a bandeira brasileira, na sede da Sociedade Turnerbund, no
arrabalde São João’; (b) dois alemães foram mortos por brasileiros no arrabalde São João, por
terem desrespeitado a bandeira do Brasil; (c) os alemães mataram um brasileiro no arrabalde São
João” (Silva Jr., 1994, p.93). Não foi possível precisar qual das versões seria a mais correta,
apenas que, segundo fontes internas ao clube, um atentado ocorreu no Turnerbund, que havia um
plano para outro atentado no campo de jogos, que a Guarda Alemã de Pelotas havia alertado
sobre este plano e que o presidente solicitava sigilo quanto a isso.
314
Tentando compreender a
relação entre os boatos e o registro em ata, parece que o atentado que ocorreu no clube foi aquele
314
TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 6 mai. 1917, Livro de Protocolo de Atas. MS.
191
cujas versões se espalharam pela cidade. Já o segundo, que ficou apenas no plano, pode ter sido a
manifestação que Silva Jr. (1994, p.93) relata:
Havia, portanto, dois grandes contingentes circulando na zona norte da
capital. O primeiro, que quisera fazer um comício provocativo em Navegantes,
passou a circular pelas ruas dos 3° e 4° Distritos, chegando, por fim , à frente do
Turnerbund, na rua Benjamin Constant. O segundo contingente, proveniente do
Centro da cidade devido aos boatos deslocava-se para lá a pé, em automóveis ou
bondes, pois o final da linha São João ficava junto da sociedade. Não limitados a
vivar o Brasil, proferiam agora morras à Alemanha. Os boatos chegaram aos
ouvidos de Borges de Medeiros [presidente do Estado] quando estava no Teatro
São Pedro. Recolheu-se ao palácio, de onde ordenou que uma força de 20 homens
da Escolta Presidencial fosse ao Turnerbund convencer a multidão, estimada em
5.000 pessoas, a deixar o caso com as autoridades. A polícia chegou a tempo de
evitar algo mais do que as vaias dirigidas ao Turnerbund e uma que outra pedrada.
Segundo o mesmo autor, o clube foi poupado, no domingo, da irrupção da massa no
campo de jogos, mas teve a sede do centro invadida na segunda-feira. Pior sorte teve a Sociedade
Germânia, cujo prédio foi totalmente destruído (Silva Jr., 1994, p.96-97). Mas os tumultos
envolvendo o Turnerbund parecem ter sido ainda maiores. Hofmeister F. (1987, p.105) indica ter
havido um conflito entre torcidas durante um jogo de futebol realizado em 1917 entre o time do
Turnerbund — denominado Frisch-Auf — e “popular clube porto-alegrense”. Sem indicar a fonte
para tal relato, Hofmeister F. afirma que:
Provocações e agressões começaram a surgir contra o Frisch-Auf, cuja
única finalidade era praticar e cultivar os desportos pelos desportos. Na partida
contra popular clube porto-alegrense, no campo de São João, a torcida adversária,
armada de paus e garrafas vazias, invadiu o campo quando o Frisch-Auf abriu a
contagem. Grande conflito aconteceu envolvendo árbitro, jogadores e torcida
(Hofmeister F., 1987, p.105).
Um episódio curioso foi o ocorrido com a casa de banhos (Badeanstalt) que o Turnerbund
mantinha na beira do rio Guaíba. Na memória construída através das publicações comemorativas,
192
esta casa de banhos foi destruída por um incêndio em 1917.
315
Na busca por informações mais
precisas, encontram-se as últimas referências ao Badeanstalt em livro-caixa no mês de outubro
daquele ano.
316
Na imprensa, nada foi comentado. É de se desconfiar do fato, sugerindo que este
tenha sido mais um dos atentados sofridos pelo clube, então no mês de outubro.
Alguns membros da diretoria do Turnerbund chegaram a discutir a possibilidade de
pedido de indenização pelos prejuízos causados pelos atentados, proposta que foi recusada a fim
de não chamar a atenção para a sociedade. Usando de sua influência, Friederichs foi até Borges
de Medeiros para saber se o Turnerbund estava ameaçado de nacionalização, para o que parece
ter sido assegurado que não.
317
Roche (1969, p.715) contabilizou 170 ataques a casas. Silva Jr. (1994, p.94) refere-se a
“mais de 200 pequenas e grandes fábricas e casas comerciais dos mais diversos ramos”. Os
números se aproximam e, mesmo sem ser exatos, permitem a avaliação de tão grande tumulto
como uma exacerbação do mito do “perigo alemão”, uma radicalização da violência — antes
simbólica, agora material.
Em outubro, quando se dá a declaração de guerra, já vigorava a proibição de
“ajuntamentos”, e a polícia estava a postos para impedir as depredações. Mesmo assim, ocorreu
novo “quebra-quebra”, mas este foi logo reprimido. Outras capitais eram tomadas pela multidão
(Silva Jr., 1994, p.97). A atuação do governo brasileiro atingia agora diretamente os pilares
identitários do grupo étnico, nos moldes do germanismo em voga, na medida em que os decretos
315
Cito para este caso as obras de Hofmeister F. (1987) e Silva (1997).
316
BADEANSTALT, Porto Alegre, Livro Caixa (1885-1917), outubro de 1917. MS.
317
BADEANSTALT, Porto Alegre, Livro Caixa (1885-1917). MS.
193
“proibiam a circulação de jornais em língua alemã e ordenavam o fechamento das escolas nas
quais não era ministrado o ensino em língua portuguesa” (Dreher, 1984, p.47).
318
Assim, em outubro de 1917, apagam-se, temporariamente, as manifestações da identidade
étnico-nacional alemã. Várias sociedades recreativas nacionalizaram-se como forma de
sobrevivência.
319
O Turnerbund fechou suas portas nesta data para reabri-las apenas em abril de
1920, quando da revogação da proibição do uso da língua alemã. Por um lado, havia a ameaça
hipotética e real de destruição do patrimônio; por outro, a proibição de manifestar, em toda a sua
plenitude, o apego ao ideário germanista. Não tinha ainda chegado a hora de o “esteio da força
moral e da germanidade local”
320
— que era o Turnerbund — se nacionalizar. Em 1921, era
novamente a “sociedade mais forte da germanidade daqui”.
321
A Primeira Guerra Mundial foi uma experiência traumática para os teutos no Brasil. A
velha pátria — para os que mantinham o apego a ela — estava derrotada e humilhada pelo
Tratado de Versalhes. Para os que veneravam a imagem do Imperador e o II Reich, a experiência
democrática da República de Weimar não lhes parecia legítima (Gertz, 1987, p.74 e p.95). Ao
sentimento de derrota somava-se a lembrança da violência, dos “quebra-quebras”, das
318
Sobre o assunto, ver também Magalhães (1998) e Gertz, (2002).
319
Uma delas foi a Sociedade Orpheu, de São Leopoldo, que optou — em 1917 ou ainda antes —-, por nacionalizar
o clube, traduzindo seus livros de registros e adotando a língua nacional daí em diante nos documentos oficiais
(Ramos, 2000, p.172). Já a Sociedade Ginástica de São Leopoldo tomou medidas mais brandas. Primeiro,
permaneceu fechada entre os meses de abril e julho de 1917. Então resolveu retomar as atividades, alterando alguns
parágrafos de seus estatutos. Segundo fontes produzidas pelo clube, citadas em Ramos (2000, p.173), o clube
permaneceu fechado entre outubro de 1917 e agosto de 1919. Esta atitude é, muito provavelmente, uma resposta às
deliberações do governo contra as manifestações identitárias alemãs, ou seja, uma resposta à proibição do uso da
língua alemã. Por outro lado, demonstra “o alto grau de resistência dos associados ao abrasileiramento forçado
pretendido pelo governo” (Ramos, 2000, p.174). Outras sociedades de ginástica seguiram o exemplo do Orpheu. Foi
o que ocorreu com as Vereine de Santa Cruz do Sul, Estrela e Lageado. E possível que a decisão pela nacionalização
tenha sido provocada pelo incêndio ocorrido na sociedade de ginástica de São Sebastião do Caí. Esta ultima não
havia aceitado a nacionalização e — como é de se supor pelas manifestações ocorridas em Porto Alegre — deve ter
sido castigada por isso. Passado o conflito bélico e, anos mais tarde, a proibição governamental, as sociedades
recreativas alemãs, escolas e imprensa retomaram seus trabalhos e o cultivo da germanidade.
320
NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 4 abr. 1911. ABM.
321
NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 9 abr. 1921. ABM.
194
perseguições, das proibições estabelecidas por lei. Também para Friederichs a experiência dos
anos de guerra deixou suas marcas. Numa visão retrospectiva, alguns anos mais tarde, Aloys
comenta com o amigo Wolfang Ammon o seguinte:
Quando veio, em novembro de 1918, a derrota alemã, então foi a minha
vez de ficar melancólico. O trabalho não me trazia mais prazer e tudo me impelia
a me afastar dos negócios; por isso também fiz uma experiência na qual admiti um
cunhado como participante dos negócios, mas não nos entendemos. Assim que só
cumprimos 3 anos de contrato e nos separamos novamente em 1. de julho deste
ano. Aí voltei à “ativa” novamente da velha maneira, voltei ao meu velho posto, e
a alegria no trabalho também voltou em parte, pois isto aprendi nos últimos anos:
eu preciso trabalhar arduamente para me conformar, senão eu não supero a vida
de hoje, com a miséria alemã, com o horror da ocupação da minha pátria do lado
esquerdo do Reno, com a negra vergonha, com a “negra Wacht am Rhein”.
322
Em outra carta ao amigo, posteriormente redigida, Aloys compara a dor da derrota alemã
ao profundo pesar sentido por causa da morte da esposa em março de 1924. Tanto uma quanto
outra levaram o personagem a um relativo silêncio naquele início da década de 20.
323
* * *
O envolvimento de Friederichs nos dois “momentos de crise” analisados,
cronologicamente próximos, pode ser interpretado da seguinte forma: quando o Germanischer
322
Und als dann im November 1918 der deutsche Zusammenbruch kam – dieser Zusammenbruch – da war ich auf
und dran gemütskrank zu werden. Die Arbeit machte mir keine Freude mehr und so drängte alles in mir zu der
Lösung hin, mich vom Geschäfte zurück zu ziehen; ich machte auch einen Versuch dazu, indem ich einen Schwager
als Geschäftsteilnehmer aufnahm, doch stimmten wir nicht zusammen, so dass wir nur die drei Contrakt jahre
aushielten und uns am 1.Juli d.Jhrs wieder trennten. Nun bin ich seitdem wieder in alter Weise, auf meinem alten
Posten tätig, die Freude an der Arbeit ist auch teilweise wieder gekommen, denn das habe ich auch erfahren in den
letzten Jahren: ich muss
angestrengt arbeiten sonst komme ich über das heutige Leben, über den deutschen Jammer,
über das Furchtbare der Besetzung meiner linksrheinischen Heimat, über die schwarze Schmach, über die ‘schwarze
Wacht am Rhein’ nicht hinweg.” J.ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Wolfgang Ammon. 17 dez. 1922, JAF 0188.
ABM.
323
J.ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Wolfgang Ammon. 16 fev. 1925, JAF 0178. ABM.
195
Bund lhe afronta propondo uma alternativa diferente para a direção da comunidade étnica alemã,
Friederichs ressalta o vínculo dos imigrantes com seu novo país, não aceitando a ingerência de
uma entidade com ligações pangermanistas sobre a população teuto-brasileira. Ao decidir em
conjunto com os demais membros da diretoria do Turnerbund pelo fechamento do clube durante
o período de proibição — 1917 a 1921 —, evitando assim a nacionalização, ressalta o vínculo
com a identidade étnica alemã. Em ambos os casos, foram atitudes de oposição: à ingerência
externa na condução do Deutschtum no Brasil e à nacionalização pretendida pelo Estado
brasileiro. Verifica-se, nestes casos, uma coerência para com a proposta de identidade hifenizada
teuto-brasileira, da qual Friederichs era um dos propagadores: o vínculo de fidelidade política ao
Brasil estaria expresso na oposição ao Germanischer Bund, enquanto a preservação da etnicidade
alemã se manifestaria na recusa à nacionalização do Turnerbund. Neste momento, parecia ser
possível fazer estas escolhas, situação que se alterará nos anos 30. As opções feitas permitiram a
Friederichs capitalizar reconhecimento que foi aproveitado nos anos que se seguiram.
3.6 A contestação da liderança
Agora o ano de 1929 está no seio da eternidade;
espero que 1930 não nos traga tantas surpresas!
324
Durante 40 anos, Friederichs envolveu-se de forma direta e bastante ativa no
associativismo teuto-brasileiro e na propaganda pela defesa da germanidade. Neste período,
conquistou autoridade, prestígio, lealdades e amizades, que o mantiveram por tanto tempo no
centro das questões que envolveram o grupo étnico. Várias são as evidências do reconhecimento
324
Nun ist das Jahr 1929 im Schosse der Ewigkeit; hoffentlich bringt uns 1930 nicht gar zu viele Überraschungen”.
J.ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto Meyer, 31 dez. 1929, JAF 1058. ABM.
196
de sua liderança junto à comunidade teuta de Porto Alegre e arredores, manifestações estas que
partiam não só de seus fiéis amigos e liderados, mas também de instituições da Alemanha que
observavam as comunidades de “alemães no exterior” (Auslanddeutsche). Cartas pessoais,
declarações na imprensa local e estrangeira, condecorações e recepções festivas expressavam o
conceito alcançado no decorrer do tempo. Neste sentido, o ano de 1928 é bastante significativo,
pois várias foram as mostras de reconhecimento da liderança de Friederichs.
Em 2 de fevereiro, Aloys fazia 60 anos de idade. Como era verão, costumava passar
alguns dias descansando em Barra do Ribeiro (praia lacustre não muito distante de Porto Alegre).
Foi surpreendido pela visita de uma delegação de “ilustres” da comunidade alemã de Porto
Alegre, entre eles o cônsul da Alemanha e representantes das associações recreativas, que vieram
cumprimentá-lo. Esta homenagem foi financiada pelo governo do Estado, que cedeu transporte
gratuito para a delegação, o que denota o reconhecimento da importância do aniversariante por
parte do poder constituído.
325
O acontecimento foi relatado pelos principais jornais da capital,
como Correio do Povo, Diário de Notícias e Neue Deutsche Zeitung, além do Deutsche Post de
São Leopoldo.
326
Nesta ocasião, foi considerado nestes jornais “um dos desportistas que mais tem
feito pela ginástica entre nós”, “paredro da colônia alemã” e “personificação do pensamento
alemão”. Na mesma época, publicações periódicas da Alemanha manifestaram-se homenageando
e enaltecendo o trabalho de Friederichs. Para o Hamburger Nachrichten am Mittag, ele era o
“conhecido líder dos ginastas do Brasil”, com “imorredouros serviços prestados à germanidade”:
Sua obra é, antes de mais nada, a concentração da vida ginástica local dos
colonos alemães do Rio Grande do Sul num objetivo e trabalho comum. É por isso
compreensível que a larga publicidade da germanidade de além-mar, na frente da
delegação brasileira, pretende fazer nesta oportunidade uma honra especial.
Também a Federação Alemã de Ginastas [da Alemanha], cuja carta de honra
325
TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião da Diretoria, 13 fev. 1928, Livro de Protocolo de Atas. MS.
326
JAF 009 a JAF 013, ABM.
197
Aloys Friederichs já tem há alguns anos, considera seu indiscutível dever tomar
parte desta homenagem, e contribuiu para a efetivação da homenagem.
327
Para o Deutsche Turn-Zeitung (publicação estrangeira), era “um ginasta alemão pioneiro
da germanidade na América do Sul”:
A germanidade na América do Sul produziu grandes lideranças em sua
causa comum e suas conquistas sempre foram dependentes da existência delas. A
germanidade de além-mar sempre se manteve fiel na sua concentração uniforme,
o único fundamento para a manutenção da velha índole e cultura, ao mesmo
tempo com o vigor e a atuação de grandes homens. Um desses Grandes é Aloys
Friederichs, o líder dos ginastas do Brasil, sobretudo da colônia alemã no Rio
Grande do Sul. Sua esfera de atuação ultrapassou o meio ginástico, ele recebeu
eternos méritos pelo empenho pela germanidade em geral. Seus esforços na
conservação da língua alemã não poderão ser suficientemente valorizados. Mas
sua obra principal permanece sendo a unidade da coordenação de todo sistema
ginástico do Rio Grande do Sul pela Federação Alemã de Ginastas neste estado.
[...]. O estreito campo de sua atividade é Porto Alegre, um ponto alto da
germanidade no Brasil. A sociedade de ginástica local, o Turnerbund alemão de
Porto Alegre, com sua posição de mais de mil sócios, é em sua atividade não
apenas a primeira sociedade esportiva, mas também líder na grande região.
328
É importante destacar a avaliação feita por entidades alemãs do alcance da liderança de
Friederichs: não só local, mas regional e nacional, na esfera da população teuta. Também é de se
observar a posição de Porto Alegre em meio ao trabalho pela conservação da germanidade e do
327
Sein Werk ist vor allem die Zusammenfassung des gesamten turnerischen Lebens der deutschen Siedlungen Rio
Grande do Suls zu gemeinsamen Ziel und Arbeit. Es ist daher wohl zu vertehen, dass die breite deutsche
Öffentlichkeit des Überseedeutschtums, an der Spitze die deutsche Gesandschaft Brasiliens, zu diesem Anlass eine
besondere Ehrung plant. Auch die Deutsche Turnerschaft, deren Ehrenbrief Aloys Friederichs seit einigen Jahren
hat, betrachtet es als ihre selbsvertändliche Pflicht, an dieser Würdigung teilzunehmen, und hat das Ihrige dazu
beigetragen”. HAMBURGER NACHRICHTEN AM MITTAG, Hamburg/Alemanha (recorte), 5 fev. 1928. JAF
0057. ABM.
328
Ein deuscher Turner-Pioner des Deutschtums in Südamerika. Das Deutschtum in Südamerika ist in seinem
Zusammenstehen und seiner Erhaltung immer von grossen Führern getragen und abhängig gewesen. Immer stand
und fiel das Überseedeutschtum in seiner einheitlichen Zusammenfassung, die einzige Grundlage zur Bewahrung der
alten Art und Kultur, zugleich mit der Kraft und dem Wirken grosser Männer. Einer dieser Grossen ist Aloys
Friederichs, der Turnführer von Brasilien, in Sonderheit der deutschen Siedlungen in Rio Grande do Sul. Über den
Kreis der turnerischen Wirkung hinaus hat er sich unvergängliche Verdienste um das Deutschtum im allgemeinen
erworben. Seine Bemühungen zur Erhaltung der deutschen Sprache können nicht hoch genug eingeschätzt werden.
Sein Hauptwerk bleibt aber die einheitliche Zusamenfassung des gesamten Turnwesens von Rio
Grande do Sul zur
D.T. in diesem Staate. (…). Das engere Feld seiner Tätigkeit ist Porto Alegre, ein Hauptpunkt des Deutschtums in
Brasilien. Der dortige Turnverein, der Deutsche Turnerbund von Porto Alegre, mit einem Stand von über 1000
Mitgliedern, ist in seiner Aktivität nicht nur in der Leistung der erste Verein, sondern führend im ganzen Gau.”
DEUTSCHE TURN-ZEITUNG, Alemanha, (recorte), n.4, p.51, 1928. JAF 0059. ABM.
198
Turnerbund na coordenação de sua região. Portanto, o trabalho no âmbito do Turnerbund e
também fora dele tinha reconhecimento externo e podia, com isso, aumentar seu prestígio
internamente.
A condecoração recebida da Federação Alemã de Ginastas (da Alemanha) marcou o auge
da liderança de Friederichs. A convite desta instituição, Aloys viajou à Alemanha para participar
da Turnfest — atividade em âmbito nacional — na cidade de Colônia. Saiu do Brasil como “um
dos mais zelosos benfeitores e um dos mais fortes esteios da germanidade”.
329
Mais de 200.000
pessoas, entre atletas e público assistente, se fizeram presente aos jogos, apresentações e outras
atividades. Friederichs foi homegeado com o título de sócio honorário da Deutsche Turnerschaft
(diploma em Anexo I), o que, para a posição que ocupava no Brasil, tinha grande importância.
Aloys retorna ao país como o primeiro alemão no exterior (Auslanddeutsche) a receber tal
tributo. A imprensa porto-alegrense não deixou de noticiar o fato. O próprio Friederichs fazia
questão de torná-lo público nas cartas que mandava para amigos e parentes.
Se em torno deste fato encontra-se a culminância de sua liderança associativa, é também
aí que se inicia a queda. A evidência conquistada por Friederichs neste momento podia resultar
em maior prestígio e reconhecimento social, mas também provocar ódios, ressentimentos e
manifestações de oposição. Em sua avaliação, pouco tempo depois, explica que “indignas
intrigas” (hässliche Machenschaften) espalhadas no Turnerbund após seu retorno da Festa de
Ginástica de Colônia foram o começo de sua derrocada.
330
Ele ainda viria a ser condecorado e
homenageado nos anos que se seguiram: em 1929, pelo Bund der Auslanddeutschen (Liga dos
alemães no exterior) e pela Deutscher Volksbund für Argentinien (Liga popular alemã para a
329
“...einer der eifrigsten Förderer und eine der stärksten Stützen des Deutschtums”. DEUTSCHES KONSULAT.
Declaração para viagem, Porto Alegre, 9 mai. 1928. JAF 1624. ABM.
330
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para o pastor-mor Braunschweig, 19 set. 1930, JAF 1155. ABM.
199
Argentina); em 1930, pela Verein für das Deutschtum im Ausland (Liga para a germanidade no
exterior). Estas chegaram, no entanto, num momento em que Friederichs não atuava mais na
linha de frente. É, portanto, em 1928 que se inicia a contestação de sua liderança.
* * *
Ao retornarem da Alemanha, em fins de setembro, Friederichs e sua esposa Irma foram
recebidos por uma comitiva do Turnerbund no cais do porto. Estar de volta com a honraria
recebida poderia significar a retomada dos trabalhos, na oficina e no associativismo, com novo
ímpeto. Os tempos que se seguiram foram, no entanto, repletos de desagradáveis surpresas para
Aloys. Tudo começou com a chegada de uma carta anônima, em tom de ultraje, na mesma noite
em que desembarcou em Porto Alegre. Sem dar muita atenção aos insultos, deixou-a de lado.
Recebeu, posteriormente, outra que ofendia sua honra e de outras pessoas. A carta acusava
Friederichs de não estar em Porto Alegre nos dias 16 e 17 de abril de 1917 — período de
“quebra-quebras” —; de usar dinheiro da sociedade para fins particulares, incluindo aí sua
viagem à Colônia. O acusado só trouxe as referidas cartas anônimas a público dois meses depois,
em reunião no Turnerbund, quando foi assinada demissão coletiva da diretoria, e posteriormente
em assembléia geral, na presença de 200 associados. Nesta última, defendeu-se com os relatórios
anuais — para a questão das contas — e, para sua ausência no período de crise, com o fato de
estar em Santa Cruz do Sul com Borges de Medeiros e o chefe de polícia cuidando de interesses
da germanidade na colônia alemã. As explicações foram convincentes, mostrando a busca pela
lisura no uso do dinheiro da sociedade e a preocupação com a comunidade teuta no Estado —
além do prestígio e poder de barganha que conquistara com os poderes constituídos. A situação
das cartas anônimas não abalou de imediato sua condição de liderança, o que é confirmado na
200
eleição que se seguiu. No entanto, significou o início de uma série de abalos e decepções que
provocaram a saída de Friederichs da cena associativa.
331
Mesmo esquivando-se de nova eleição, Friederichs é confirmado no posto de presidente
da sociedade para o ano de 1929 por unanimidade.
332
A assembléia parecia ser bastante esperada,
o que confirma a grande quantidade de participantes, mas também a imediata divulgação na
imprensa do resultado. O jornal Neue Deutsche Zeitung de 22 de dezembro anunciava:
A extremamente bem visitada assembléia geral dos sócios do Turnerbund
de ontem (21) à noite provou o quanto os sócios, apesar de algumas intrigas,
julgam digno o mérito da continuidade na diretoria para o desenvolvimento da
sociedade. A unânime re-eleição do primeiro presidente, senhor J. Aloys
Friederichs para o ano vindouro significa uma admirável demonstração de
confiança por parte da sociedade para com seu comprovado líder. [...]. É de se
esperar — e muito bem visto pela diretoria — que as assembléias gerais de sócios
que estão por vir provoquem um vivo interesse e gozem de tão grande
participação como esta assembléia, na qual se admitiu que foi importante
demonstrar a solidariedade de toda a sociedade para com seu primeiro presidente.
Queira também que o ano vindouro traga contínuo progresso para o
desenvolvimento do Turnerbund sob comprovada liderança.
333
A liderança de Friederichs parecia permanecer incontestável. A imagem que construíra no
decorrer dos anos se reproduzia sobre os destroços das crises. Seu projeto, de dirigir a
germanidade gaúcha, parecia não ter fim. Não demorou, porém, para que lhe chegassem novas
manifestações de oposição. Um dia antes da nova assembléia, marcada então para 31 de janeiro
331
Relato baseado nos seguintes documentos: TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião da Diretoria, 10 set. 1928;
Reunião da Diretoria, 8 out. 1928; Reunião da Diretoria, 12 nov. 1928; Assembléia Geral, 21 dez. 1928, Livro de
Protocolo de Atas. MS. As cartas anônimas às quais o relato se refere não foram encontradas.
332
HENRIQUE BECK FILHO. Carta para J. Aloys Friederichs. 11 fev. 1929, JAF 0032. ABM.
333
“Die so überaus stark besuchte Mitgleiderversammlung des Turnerbundes von gestern (21.) abend
erbrachte den Beweis, wie sehr die Mitglieder, trotz mancher Machenschaften, dem Wert der Stetigkeit in
der Vorstandschaft für die Entfaltung des Vereins zu würdigen wissen. Die einstimmige Wiederwahl des 1.
Vorsitzenden, Herr J. Aloys Friederichs für das kommendeVereinsjahr bedeutet eine glänzende
Vertrauenskundgebung seitens des Vereins für seinen bewährten Führer. […]. Es ist zu hoffen - und
würde vom Vorstand wohl sehr begrüsst werden, - wenn künstige Mitgleiderversammlungen ein ebenso
reges Interesse auslösen und einer ebensolchen Beteiligung sich erfreuen würden wie diese
Versammlung, in der es galt, die Solidarität des ganzen Vereins mit seinem erprobten ersten Vorsitzenden
zu zeigen. Möge auch das kommende Vereinsjahr für die Entwicklung des Turnebundes unter der alten
bewährten Führung einen weiteren Anstieg bringen.” NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre
, 22 dez.
1928. ABM.
201
de 1929, Friederichs recebe uma carta do associado Henrique Beck Filho,
334
na qual este informa
a intenção de não ir à dita assembléia — por razões não explicadas. Solicita, no entanto, um
encontro para tratarem de “importantes questões” que afetam “o prestígio do Turnerbund” e seu
administrador.
335
A carta-resposta dá a entender que Friederichs sabia do que se tratava, e, por
isso o remetente desta pede explicações a Henrique Beck Filho, referindo-se diretamente à
questão:
O senhor deve ter se manifestado repetidas vezes, que nem todos os documentos
de saída de caixa do nosso caixa principal foram encontrados em ordem quando o
senhor foi revisor de caixa do Turnerbund, em 1924, junto com o senhor
Gönnemann. O senhor queira me comunicar do que se trata, que documentos
faltam, qual era o valor aproximado do qual se trata e por que o senhor – que diz a
cada um o que quer escutar – nega a assinatura como revisor de caixa avalisando o
resultado?
336
Friederichs esperava que Beck se manifestasse novamente antes da assembléia, o que não
aconteceu. O assunto entrou na pauta, até por se tratar de acusações do mesmo teor das que
haviam sido feitas nas cartas anônimas: desfalque de caixa. As primeiras acusações mal haviam
sido contraditas — e a confiança na pessoa de Friederichs confirmada — quando novas
denúncias foram levantadas. Na qualidade de acusado, Aloys apresentou todas as provas que
possuía e propôs que uma comissão fizesse a revisão das contas nas quais o associado havia
localizado problemas. A comissão terminou sua tarefa ainda em fevereiro, encontrando tudo em
334
Segundo auto-representação de Henrique, este era um sócio participativo, com “mais de 20 anos de atividade pelo
melhor do Turnerbund” – “mehr als zwanzigjährigen Tätigkeit zum Besten des Turnerbundes”. HENRIQUE BECK
FILHO, Carta para J.Aloys Friederichs. 11 fev. 1929, JAF 0032. ABM. Se realmente foi um sócio ativo, não o foi na
diretoria, pois não consta em nenhuma nominata.
335
HENRIQUE BECK FILHO. Carta para J. Aloys Friederichs, 30 jan. 1929, JAF 0035. ABM.
336
Sie sollen sich wiederholt geäussert haben, dass Sie 1924, als Sie mir Herrn Gönnemann Kassenrevisor des
Turnerbundes gewesen sind, in Bezug auf Belege für Kassenausgange in unserer Hauptkasse nicht alles in Ordnung
fanden. Wollen Sie mir bitte mitteilen um was es sich handelt, welche Belege fehlten und wie hoch die Summe
annähernd war, um die es sich handelte und weswegen Sie, wie Sie Jedem, der es hören will sagen, Ihre Unterschrift
als Kassenrevisor für den Richtigbefund versagten?” J.ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Henrique Beck Filho, 30
jan. 1929, JAF 0034. ABM.
202
ordem.
337
As explicações a respeito dos tais recibos que faltavam, assim como o resultado da
revisão de caixa, foram publicadas no folheto da sociedade — Deutsche Turnblätter —, em julho
de 1929, encerrando assim a questão.
338
Nota-se, pelas acusações das cartas anônimas, somadas à
de Henrique Beck Filho, que o estilo de governo assumido por Friederichs — personalista,
concentrador e controlador — acabou lhe criando problemas, na medida em que o limite entre o
pessoal e o institucional se confundiam em relação aos custos devidos e aos benefícios
alcançados.
339
Além disso, o indivíduo estava projetando-se muito acima do grupo e havia
apropriação simbólica do patrimônio cultural.
O incômodo que as cartas anônimas causaram ao então presidente do Turnerbund se
alongou, no mínimo, até abril, quando ainda aparecem referências a esta questão.
340
Já as
acusações de Henrique Beck Filho não parecem ter ido tão longe no tempo — o que se infere
pelas datas das correspondências trocadas entre os dois missivistas. O teor das críticas, no
entanto, ultrapassava a simples desconfiança de má administração financeira, referindo-se ao
modo de governar de Friederichs de forma mais geral. As cartas trocadas entre um e outro são
páginas repletas de julgamentos e ofensas. Em primeiro lugar, Aloys encontrou relação direta
entre a denúncia de Henrique e as cartas anônimas — inclusive apontando-o como o verdadeiro
autor das mesmas —, responsabilizando-o assim pela difamação de seu nome. Por isso, o acusou
de “mexeriqueiro” e “propagandista inescrupuloso”, “sem coragem de expor suas insinuações
337
TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 18 fev. 1929, Livro de Protocolo de Atas. MS.
338
DEUTSCHE TURNBLÄTTER, Porto Alegre, jul. 1929. MS.
339
Pelas justificativas de Friederichs, vê-se que este havia criado uma conta em seu nome para administrar as
dívidas das reformas realizadas em 1923 e 1924 na sede social do Turnerbund. Embora estivesse tudo em plena
ordem no que se refere a esta conta — como afirmado em ata da assembléia de 31 de janeiro de 1929 —, a situação
serviu de pretexto para a contestação de sua forma de agir.
340
TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 15 abr. 1929, Livro de Protocolo de Atas. MS.
203
em assembléia. Friederichs entendeu as críticas como uma tentativa de afastá-lo da presidência,
de difamar sua pessoa, de atacar sua honra.
341
Em resposta, Henrique reinicia a querela dizendo que a carta que recebera teve um
“obscuro fim no cesto de lixo”, demonstrando assim a disposição de levar adiante a polêmica.
Defendeu-se por não ter se apresentado publicamente em assembléia, pois estaria “arrastando-me
a um tribunal para provocar suspeitas com um bem preparado e eloqüente talento de sua [de
Friederichs] injusta questão para mais uma vez proporcionar-lhe a vitória.”
342
Acusou
Friederichs de agir “sob a injustiça da vaidade pessoal sem limites”; de que a comissão que
deveria julgar a questão contentou-se muito rapidamente com as respostas do acusado, sugerindo
assim que seu juízo não fosse totalmente imparcial. Outra insinuação é a de usar de seu “poder
ilimitado” para influenciar os associados na votação de seu nome; de utilizar “punhos de ferro”
para “oprimir seus opositores”; de agir, na direção da sociedade, como um ditador; de fazer do
Turnerbund sua propriedade e, de sua posição, seu “trono”.
343
Friederichs não demorou a responder novamente ao seu adversário. Para cada acusação,
redigiu uma defesa. Confirmou, com seus feitos passados, o direito de referir-se ao “seu
Turnerbund”; com as homenagens recém recebidas, a razão de sua vaidade; com a revisão de
caixa feita por Henrique Beck em 1924 — a qual havia aprovado — e a conferência das contas
pela comissão nomeada, a fragilidade da denúncia; com a insistência de Beck na questão da falta
de documentos de caixa, o intuito difamatório.
344
341
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Henrique Beck Filho, 4 fev. 1929. JAF 0033, ABM.
342
“... mich vor ein Tribunal zu schleppen, um mit wohlvorbereiteten und rednerischen Talente Ihrer ungerechten
Sache wieder einmal zum Siege zu verhelfen, meine Misstrauen erwecken”. HENRIQUE BECK FILHO. Carta para
J. Aloys Friederichs, 11 fev. 1929, JAF 0032. ABM.
343
HENRIQUE BECK FILHO. Carta para J. Aloys Friederichs, 11 fev. 1929, JAF 0032. ABM.
344
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Henrique Beck Filho, 19/02/1929. JAF 0031. ABM.
204
Se a discussão entre Friederichs e Henrique Beck Filho foi mais adiante, não deixou, no
entanto, vestígios neste sentido. A questão das revisões de caixa foi esclarecida, e Beck não tinha
mais razões objetivas para contestar a autoridade de Friederichs. Mas o desgaste da figura do
presidente foi inevitável. Aloys não conseguiu sair fortalecido desta crise, embora tivesse
atingido grande votação na eleição. Não levou muito tempo, sentiu a necessidade de renunciar ao
cargo de presidente da sociedade. “Pessoalmente, estou desde 30 de junho do ano passado
afastado de nosso trabalho pela germanidade; eu renunciei a todos os cargos de liderança”,
escreveu Friederichs ao pastor Braunschweig em 1930.
345
Na reunião de diretoria de 8 de julho, Friederichs comunica a renúncia. Esta já era
esperada por alguns de seus companheiros, por isso, não foi tentada nenhuma estratégia para
convencê-lo a voltar atrás na decisão.
346
A demissão foi anunciada publicamente aos associados
no Turnblätter de julho — o mesmo em que foram impressos as justificativas de Aloys para a
questão dos “recibos faltantes” e o resultado das revisões da comissão. No epílogo de sua atuação
como liderança, Friederichs despede-se dizendo que “é chegado o momento de abdicar” do
trabalho pela germanidade, trabalho que realizou no Turnerbund, na Turnerschaft e também na
Verband Deutscher Vereine: “o trabalho de sua vida”. Pela carta remetida a Franz Metzler, em 30
de junho, e depois publicada no folheto de julho, Friederichs abdica de todos os cargos
administrativos que tinha nestas instituições — como presidente do Turnerbund e da Turnerschaft
e como vice-presidente da Verband Deutscher Vereine.
As referências a respeito de Friederichs publicadas na seqüência demonstram um
sentimento de gratidão por parte da diretoria pelo trabalho realizado, o reconhecimento pela
345
Persönlich bin ich seit dem 30. Juni vorg. Jhrs. in unserer Deutschtumsarbeit a.D.; ich habe sämtliche
Führerämter niedergelegt”. J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para o pastor-mor Braunschweig (em Danzig), 19 set.
1930, JAF 1155. ABM.
346
TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 8 jun. 1929, Livro de Protocolo de Atas. MS.
205
prosperidade alcançada no clube e um desejo de manter a tradição, seguindo os passos de seu
presidente de honra. A ele é devida a posição do Turnerbund de “líder da germanidade” (Führer
des Deutschtums), de “maior sociedade alemã de nosso estado” (grössten deutschen Verein
unseres Staates).
347
Aparentemente, a crise passara, e Friederichs, apesar de estar fora de suas
funções anteriores, não havia ficado muito abalado. As linhas escritas a punho a amigos e
correligionários demonstram, no entanto, mágoa, rancor e certa dose de solidão. Para Ulrich
Kuhlmann — companheiro de Ijuí, presidente da regional Serra da Federação de Ginastas — o
clima que levou ao afastamento de Friederichs foi causado por “escândalos repugnantes, fofocas
e outros disparates”, além de “ódio sujo”. Ulrich Kuhlmann avaliou a questão como uma “eterna
vergonha para a germanidade de Porto Alegre” e assegurou fidelidade a seu velho líder, dizendo
que todos na região compartilham da mesma avaliação a este respeito.
348
Em resposta, este revela
que sua saída da liderança associativa teuta foi causada por “verdadeiros opositores”, que
“deixaram crescer a inveja e a malícia” no seio do Turnerbund.
Ao amigo Otto Meyer,
349
Aloys explicou que não podia levar adiante a situação; que
apenas aceitara permanecer no cargo na última eleição por causa da coordenação da 7ª Turnfest
que deveria se realizar em maio de 1929. Tendo passado a referida festa, apresentara sua
demissão. Lamentava que, mesmo depois de 40 anos de trabalho em prol da ginástica, não tivesse
recebido nenhuma manifestação de solidariedade. Por isso afirmou: “nun muss ich Schluss
machen” (então tive que dar um fim).
350
347
DEUTSCHE TURNBLÄTTER, Porto Alegre, jan. 1930 e fev. 1930. MS.
348
“... widerlichen Affären, Klatschgeschichten und sonstigem Mist(…) dass Sie wegen schmutziger Anfeidung Ihren
Vorsitz hatten niedergelegem wollen. (…). Ich kann Ihnen versichern, dass wir alle hier mit mit einer Meinung über
diese Angelegenheit sind.(…) Dieser Abschluss Ihrer jahrzehntelangen aufreibenden Arbeit fürs Deutschtum ist eine
ewige Schande für das Deutschtum Porto Alegres”. ULRICH KUHLMANN. Carta para J. Aloys Friederichs, 21 jul.
1929, JAF 0127. ABM.
349
Faço a ressalva de que este não é Otto Ernest Meyer, presidente da empresa VARIG.
350
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto Meyer, 25 jul. 1929, JAF 1075. ABM.
206
A direção da sociedade ficou, temporariamente, nas mãos de Franz Metzler, que era o
imediato de Aloys. Nova eleição só ocorreu em dezembro, quando então foi eleito Jorge Thofern.
Metzler observa: “é um acontecimento na história da sociedade que será eleito um presidente que
não se chama Aloys Friederichs”.
351
Em 40 anos de atuante trabalho associativo, este ocupara o
comando do Turnerbund por 32 anos (36 de atividade); fundara e dirigira a Turnerschaft por 34
anos; fora vice-presidente da Verband Deutscher Vereine por 25 anos. Sua evidência era notória,
uma vez que as instituições que liderara eram das mais representativas do grupo étnico. Seu
afastamento, da mesma forma, quebrava um continuísmo de poder tão bem conhecido nas
instituições do estado do Rio Grande do Sul.
* * *
Friederichs manteve-se participativo ainda por alguns anos — por direito e por desejo, já
que era presidente de honra —, mas sem o envolvimento anterior. Nos dois ou três anos que se
seguiram, recebeu algumas manifestações de solidariedade às suas questões, de fidelidade ao seu
pensamento e de reconhecimento de sua importância. É neste período que a Verein für das
Deutschtum im Ausland lhe concede a placa de honra “pelo trabalho em favor da germanidade”;
por ter feito da ginástica o “esteio da germanidade no Rio Grande do Sul”.
352
Como “pioneiro”
desta ou como “corporificação do pensamento alemão”, Friederichs mantinha a imagem que
buscou construir durante sua trajetória no trabalho pelo Deutschtum. Em maio de 1930, recebeu
do diretor do Rheinisches National Museum, localizado em Bonn/Alemanha, um convite para
351
Es ein Ereignis in der Geschichte de Turnerbundes bedeute, wenn ein Vorsitzender gewählt wurde, der nicht
Aloys Friederichs heisse”. TURNERBUND, Porto Alegre, Assembléia Geral , 16 dez. 1929, Livro de Protocolo de
Atas. MS.
352
VERBAND DEUTSCHER VEREIN IM AUSLAND. Reliese para jornais alemães a respeito do Turnen e
esportes na germanidade de fronteira e do exterior, incluindo nota sobre Friederichs, abril de 1930, JAF 0058. ABM.
207
fazer parte da galeria dos “Grandes de nossa nação”.
353
Nesta seção, Josef Loevenich pretendia
apresentar teuto-brasileiros que tiveram importante atuação na comunidade étnica. Aloys recusou
honra de tal escala — por modéstia ou ressentimento — afirmando que: “se o senhor quisesse
honrar a todos os merecedores líderes de sociedades e promotores [da germanidade] no além-
mar, então sua sala de museu se encheria de tal maneira que para as verdadeiras celebridades não
restaria mais lugar”.
354
Do Turnerbund, além das freqüentes menções honrosas a sua pessoa em eventos e
publicações, recebeu, em 1932, um pedido oficial de desculpas, no qual a diretoria buscava
esclarecer os conflitos ocorridos entre ela e Friederichs em 1929 e que o haviam levado ao
afastamento da direção.
355
A carta tinha o intento de convencer o presidente de honra a reavaliar
sua decisão de não participar das comemorações dos 40 anos do Turnerbund. Isso mostra que a
saída de Friederichs do comando foi, para ele, mais sofrida do que as fontes oficiais buscam
mostrar; que seu recolhimento foi maior do que se imaginou ou que havia desacordo entre o
trabalho desenvolvido anteriormente e a nova direção.
Em 1933, Friederichs afasta-se totalmente da vida associativa. Continuou, até esta data, a
receber honrarias e reconhecimento de instituições teuto-brasileiras e alemãs pelo que havia
desenvolvido até ali em prol da germanidade, o que parecia surpreender-lhe: “naquele tempo, em
maio de 1933, eu me admirei muito que o velho trabalho pela germanidade ainda recebesse
honrosa atenção, hoje, na nova Alemanha”.
356
Seguiu participando de reuniões e decisões, agora
353
JOSEF LOEVENICH. Carta para J. Aloys Friederichs. 27 mai. 1930, JAF 0086. ABM.
354
Wenn Sie alle verdienten Vereinsführer und Förderer in Übersee in gleicher Weise ehren wollten, dann würden
sich ihre Musemszimmer und Säle bald derart füllen, dass für wirkliche Grösse kein Platz mehr übrig bliebe”. J.
ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Josef Loevenich, 18 jun. 1930, JAF 0085. ABM.
355
DIRETORIA DO TURNERBUND. Carta para J. Aloys Friederichs. 02 abr. 1932, MS.
356
Ja, damals im Mai 1933 wurderte ich mich sehr, dass alte Deutschtumsarbeiter noch ehrende Beachtung finden,
heute, im neuen Deutschland.” J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto Meyer. 20 abr. 1935, JAF 0948. ABM.
208
então como presidente de honra. Mas em 1933 resolve calar-se. Pelas suas interversões
anteriores, é bem provável que a razão para tal afastamento estivesse nos rumos que o
Deutschtum estava tomando na década de 30 — “que não se pode entender, ou não se quer
entender”
357
—, ou seja, na influência nazista nos círculos teutos. Friederichs posicionou-se desde
o início como contrário ao nacional-socialismo, o que caracterizou suas ações no período.
A reação da população teuta à ascensão nazista na Alemanha, como também a aceitação
ou oposição à atividade do Partido Nazista (NSDAP) no Brasil, foi foco de alguns estudos já
bastante conhecidos. Entre os que se voltaram à temática mais abrangente no sul do Brasil, o
mais relevante ainda é o de Gertz (1987), no qual analisa o desenvolvimento do germanismo, do
nazismo e do integralismo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
358
Neste estudo, o autor
busca fazer a distinção, em primeiro lugar, entre a aprovação entre os teuto-brasileiros à
dominação nazista na Alemanha e à atividade partidária de mesma linha política no Brasil. Por
ter promovido crescimento e desenvolvimento ao país, queda da inflação e aumento da oferta de
emprego, a ascensão de Hitler e dos nazistas ao poder era bem recebida por grande parte da
população de origem alemã que vivia no Brasil. Poucos foram os que se opuseram à ideologia e à
política nacional-socialista da Alemanha, sendo que os únicos a se manifestarem
sistematicamente neste sentido foram grupos operários de tendêndia social-democrata e
anarquista de Porto Alegre (Gertz, 1998, p.50) e lideranças ligadas à Igreja Católica, como Franz
Metzler e Pe.Amstad.
359
Dos demais, havia os que se demonstraram partidários à questão e uma
357
“... um dort einem Deutschtum von heute, das einen entweder nicht mehr verstehen kann, oder nicht verstehen
will, ...”. J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto Meyer. 12 ago. 1935, JAF 0943. ABM.
358
A mesma temática também pode ser encontrada, de forma mais sintética, na obra “O perigo alemão”, de 1991 (1
a
ed) e 1998 (2
a
ed).
359
Gertz (1987, p.91) explica as oposições de personalidades do círculo católico, dizendo que: “não que os católicos
se opusessem ao nacional-socialismo por motivos políticos; eles estavam apenas influenciados pelas notícias vindas
da Alemanha relativas ao problema que a igreja católica tinha com o regime nazista. [...]. Em Porto Alegre, o editor
do Deutsches Volksblatt originalmente combateu apenas os ‘partidários’ locais e o a ideologia nazista; com o
209
“maioria silenciosa” da qual pouco se sabe. Do lado dos que aprovavam a ascensão nazista na
Alemanha, encontramos lideranças teuto-brasileiras que viam com simpatia o regime instituído
pelo Führer. É significativa neste sentido a posição de Alberto Bins, quando prefeito de Porto
Alegre, que dizia à imprensa:
Devo começar dizendo que, antes de tudo, somos brasileiros, motivo
porque nada temos a ver com o movimento em favor da divulgação das idéias
pregadas pelos partidários do Sr. Adolf Hitler. É verdade que, desde o início, não
deixei de externar a minha simpatia pelo hitlerismo, pelos seus conhecidos fins. E,
disso, não faço segredo, porque minhas declarações mais de uma vez foram
conhecidas em público como há poucas semanas ainda o fiz, numa comemoração
realizada no Turnerbund. Mas isso de ter simpatia ao de ser partidário do
hitlerismo há uma grande diferença, mormente tendo também dado a conhecer
inconvenientes em se trazer para o estrangeiro a opinião de determinado credo
político. Por isso repito: sempre achei que a propaganda hitlerista ficava bem na
Alemanha, mas nunca no Brasil (Bins apud Gertz, 1987, p.83).
A manifestação acima citada caracteriza o tipo de reação bastante difundido entre os
teutos da aceitação do regime na Alemanha e desaprovação da atividade partidária nazista no
Brasil. A razão de tal desaprovação estava na percepção de que o NSDAP acirraria as pressões
em relação ao que era considerado “perigo alemão”, aos “enquistamentos étnicos” ou
simplesmente poderia causar restrições às manifestações identitárias do grupo teuto-brasileiro.
Pesava também a postura agressiva assumida pelos nazistas frente a seus “irmãos de origem”,
julgando-se “autênticos portadores do ‘novo espírito alemão” e, portanto, lideranças legítimas
para as instituições teuto-brasileiras a muito estabelecidas no país (Gertz, 1998, p.51). Como
conseqüência disso, pequena é a adesão formal ao NSDAP: para todo Brasil, estima-se entre
2.903 e 4.487 filiados; em Porto Alegre, 120 membros no ano de 1933 (Gertz, 1987, p. 83 e
86).
360
tempo, porém, passou a uma crítica genérica contra o nacional-socialismo, o que levou à proibição do jornal na
Alemanha (fato que, ademais, não aconteceu com outros jornais mesmo que combatessem os ‘partidários’ daqui)”.
360
Em outra obra, Gertz (1987, p.86) indica um número de 400 a 500 partidários no Rio Grande do Sul e quantia
semelhante em Santa Catarina (sem especificar período), em uma população que ultrapassava os 25.000 alemães.
210
Em 1933, a atividade de propaganda e persuasão do grupo local nazista de Porto Alegre é
bastante intensa e agressiva — talvez até pelo pequeno número de partidários —, buscando
espaço nas instituições do grupo étnico, forçando mudanças a seu favor; vasculhando a vida dos
que se opunham de uma forma ou de outra, denunciando-os aos superiores do partido na
Alemanha.
Consta em ata de diretoria do Turnerbund que o grupo local do NSDAP havia solicitado a
sede deste representativo clube alemão para uma reunião partidária, e que tal pedido havia sido
negado.361 Alguns meses depois, nova solicitação é feita, desta vez de forma mais ousada: os
nazistas querem se reunir semanalmente nas dependências e, sabendo que isto iria contra os
estatutos da sociedade, pedem a alteração dos mesmos. Nesta ocasião, Friederichs — como
presidente de honra — toma a iniciativa de propor a desaprovação completa da demanda e, na
votação entre os seus pares, conquista a maioria.
362
Ele faz questão de tomar a si a
responsabilidade pela resposta negativa dada ao NSDAP, mas a assembléia assume como decisão
coletiva.
363
Pela atitude abertamente contrária ao partido, era de se esperar que Friederichs estivesse
na lista das personas non gratas aos nazistas. Telles (1974, p.201) utiliza-se desta expressão para
caracterizar o envolvimento deste com o NSDAP.
364
O próprio Friederichs avalia, anos mais
Perazzo (1999, p.60) concluiu, através das informações de Gertz, que “o número de filiados ao Partido era bastante
inferior ao número de colonos que endossava a ideologia nazista”. Pelo que compreendo dos números levantados por
Gertz, havia um número bastante inferior de partidários em relação ao mero de pessoas de origem alemã (nascidos
na Alemanha), fossem colonos ou não. Entendo que a população pode ser ainda mais subdividida: a grande
população de origem alemã, dos quais uma parte “endossava a ideologia nazista”; deste subgrupo, alguns poucos
eram partidários. Gertz não se refere ao montante dos que “endossavam a ideologia nazista”, mas que não eram
partidários. Acredito que a existência deste grupo seja inegável, mas de difícil mensuração.
361
TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 3 mar. 1932, Livro de Protocolo de Atas. MS.
362
TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 25 jul. 1932, Livro de Protocolo de Atas. MS.
363
TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 7 nov. 1932, Livro de Protocolo de Atas. MS.
364
Os posicionamentos de Friederichs frente ao nazismo serão tratados mais detidamente no capítulo 4.
211
tarde, sua relação com os nazistas desta forma: assim como Franz Metzler, redator do Deutsches
Volksblatt, Aloys é “o mais odiado opositor ao nazismo”.
365
Pelas suas manifestações, esta leitura
parece bastante provável. Seu nome não consta, no entanto, da tal “lista” — a qual se refere Gertz
(1987, p.83) — também encontrada junto aos documentos pessoais de Aloys. Nela são
comentados os nomes do pastor K. E. Gottschald, cônsul Dr. Gottfried Walbeck, cônsul Dr.
Mulert, Dr. Josef Steidle, Dr. Franz Metzler, Albano Volkmer, Max Ertel, Frederico Mentz,
A.J.Renner, Alberto Bins, Wallig e a empresa Bromberg & Cia — com exceção de Mulert, todos
os demais caracterizados como contrários ao partido.
366
Não é feita referência ao nome de
Friederichs no documento. É possível que ele fosse considerado, neste momento, um indivíduo
de pouco influência, inofensivo ao projeto de condução da germanidade no exterior.
É preciso fazer a ressalva de que a oposição ao nazismo no início da década de 30 não era
uma atitude de conveniência. A perseguição aos alemães pelo Estado brasileiro ainda estava
longe de ser implementada. Pelo contrário, a relação entre Brasil e Alemanha era das mais
fecundas. De parte do governo brasileiro, havia uma crescente simpatia ao regime nacional-
socialista, inspirando-se nele, em vários aspectos, o projeto autoritário que veio a ser instituído no
Estado Novo.
367
Entre os anos de 1930 e 1938, houve um significativo desenvolvimento das
relações comerciais entre as duas nações a ponto de, em 1936, a Alemanha ser o segundo país em
importância no comércio internacional brasileiro (René, 1987, p.62-63; Perazzo, 1999, p.34-36).
Por parte da elite intelectual, configurava-se um misto de medo e admiração em relação aos
365
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Dona Paula, 14 set. 1948, JAF 3050. ABM.
366
EHRICH. Relatório do chefe do NSDAP de Porto Alegre para Hans Nielau, em Hamburgo, 12 out. 1932, JAF
1660. ABM.
367
Perazzo (1999, p.36) mostra que, “no período que antecedeu a implantação do Estado Novo, o governo Vargas já
manifestava tendências autoritárias e racistas, não ocultando sua simpatia por certos elementos do sistema totalitário
alemão, como, por exemplo, a constituição de uma raça homogênea como característica básica da nação; um projeto
educacional de valorização do trabalho, da pátria e da família; um órgão de propaganda – o DIP, no caso brasileiro –
responsável pela institucionalização de um universo simbólico que, edificado através de imagens manipuladas e
impostas, garantia a continuidade do regime”.
212
alemães: temiam, já desde o início do século, as pretensões imperialistas da Alemanha, mas
elogiavam sua cultura, educação, eficiência e qualidade racial.
368
Em 1933, o NSDAP parece ter conquistado alguma brecha no Turnerbund. Não estava ali
oficialmente representado, mas coligava-se com outras instituições do grupo étnico para
festividades que aconteciam na sede do centro ou no parque no arrabalde de São João e acabava,
com isso, encontrando espaço para sua bandeira.
369
Este espaço foi mantido até fins de 1936 e era
aproveitado sempre que possível, dando destaque às autoridades das instituições nacional-
socialistas e à expressão de suas idéias. Na sede do Turnerbund, o NSDAP realizava freqüentes
palestras, como a ocorrida ainda em 1936 sobre “a questão da raça e a supremacia do ser humano
nórdico”.
370
Friederichs comenta uma das festividades em que o partido nazista estava
representado e destacado:
E então veio a Festa de Jahn: o orador da festa, sr. Iken Jr., saudou como
de costume o sr. cônsul Ried e igualmente em apoio também o sr. Hornig e o sr.
Dorsch do NSDAP. Naturalmente, estas instâncias estavam coesas, para muitos,
para quase todos; apenas esporádicas exceções, que então ainda são tolas, se
aborrecem com isso.
371
A partir daí, Friederichs recolhe-se radicalmente da liderança associativa. Nota-se a
ingerência do contexto na trajetória do indivíduo, que nem sempre consegue driblar as amarras
368
De Luca (1999, p.118) exemplifica a admiração dos intelectuais brasileiros pelos alemães quando cita um artigo
que louva os atributos da “instrução científica” na Alemanha e o quanto esta contribui para a prosperidade nacional.
369
Em março de 1933, é autorizada a realização de uma Festa à Bandeira organizada pela Kriegerverein, Federação
de Oficiais Alemães e Partido Nazista. Em dezembro de 1934, o Partido Nazista e a Liga das Sociedades Germânicas
realizaram uma recepção para um enviado do partido no Turnerbund. Em maio de 1935, a festa do Dia do Trabalho
realizou-se, no Turnerbund, com a participação do NSDAP. TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião de Diretoria,
27 mar. 1933; 3 dez. 1934; 6 mai. 1935. Livro de Protocolo de Atas. MS.
370
“… die Rassenfrage und die Überlegenheit des nordischen Menschen”. DEUTSCHE TURNBLÄTTER, mai.
1937. MS.
371
Und dann kam die Jahnfeier: - der Herr Festredner, Iken Jr., begrüsste wie üblich Herrn Konsul Ried und
gleich im Anschluss auch Herrn Hornig und Herrn Dorsch von der N.S.D.A.P. – Natürlich doch, diese Instanzen
sind ja eine Einheit geworden, für Viele, für fast alle, mit nur vereinzelten Ausnahmen, die dann noch so dumm sind,
sich darüber zu ärgern”. J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto Meyer, 7 set. 1936. JAF 0926, ABM.
213
que lhe são impostas. Neste momento, Friederichs não conseguiu conter o avanço do nacional-
socialismo sobre a população germânica do estado do Rio Grande do Sul, mesmo dentro de seu
círculo de influência, provocando assim sua retirada efetiva de cena. Escreve ao cônsul
Daehnhardt, na Suécia, em 1935, que já havia deixado o trabalho pela germanidade desde a
“triste despedida” que ocorreu em 1929. Agora vivia apenas para seu lar e seu trabalho.
372
E agora, hoje! Hoje não participo das festas da comunidade alemã, assim
como ontem à noite novamente, na “Patenschiffe – Festabend”, convocados:
consulado alemão – NSDAP – Liga das Sociedades Germânicas. Com isso, sua
esperança silenciosa, “de que meus pensamentos ainda são os mesmos”, está
respondida com um sim e retificada.
373
3.7 Quem um dia foi rei, nunca perde a majestade
A influência nazista nas instituições teuto-brasileiras desenvolvia-se crescentemente, ou
através de promoções conjuntas entre estas e o NSDAP, como visto anteriormente, ou com a
infiltração de membros do partido nas entidades e em suas assembléias. Em Gertz (1998, p.51),
encontra-se a referência às “técnicas” utilizadas de
comparecerem em número compacto às assembléias de associações desportivas,
culturais e educacionais – em geral mal freqüentadas – e aprovarem resoluções
sobre a filiação a centrais localizadas na Alemanha, com o que estas instituições
se submeteriam ao controle de fora e perderiam sua independência.
Esta estratégia, provavelmente, foi utilizada em várias instituições teuto-brasileiras. No
Turnerbund, no entanto, não surtiu o resultado esperado e as decisões que envolveram este
372
Von der Gesellschaft haben wir uns ganz zurückgezogen, seit dem unschönen Abschied, denn ich 1928 und 1929
als Abschluss meiner 40 jährig. Arbeit am Deutschtum erhielt. Wir leben nur uns, unserm Heim, meiner Arbeit!” J.
ALOYS FRIEDERICHS. Carta para o cônsul Daehnhardt, 7 ago. 1935, JAF 1475. ABM.
373
Und jetzt, heute! Heute bin ich bei Feiern der deutschen Allgemeinheit nicht mehr dabei, so, wie, auch gestern
Abend wieder, beim Patenschiff – Festabend, Einberufer: Deutsches Konsulat – N.S.D.A.P – Verband Deutscher
Verein. Damit ist Ihre stille Hoffnung, ‘dass meine Meinungen noch die alten sind’, doch wohl mit Ja beantwortet
und bestätigt.” J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto Meyer, 17 dez. 1936, JAF 0923. ABM.
214
processo foram compreendidas, na época, como resistência à dominação nazista nas entidades
teuto-brasileiras e também como voto de lealdade ao Brasil. Neste momento crítico, foi
necessário buscar o apoio de uma velha liderança, que já nem mais comparecia ao clube, nem
mesmo para a festa de aniversário de Jahn.
374
Friederichs é chamado para respaldar as posições
do grupo que não queria ser subjugado por organizações estrangeiras. Nesta ocasião, se pode
detectar a continuidade da imagem de líder concentrada na pessoa de Friederichs, mesmo depois
de passados alguns anos. Pode-se inferir também que uma nova conjuntura de radicalização
política, na qual seus posicionamentos poderiam abrandar o destino da germanidade, vinha
novamente dar destaque à sua figura.
* * *
Alinhadas às pretensões do III Reich, as entidades que se voltavam aos alemães no
exterior buscaram, durante a década de 30, anexar as sociedades e demais instituições teuto-
brasileiras de modo que estas se tornassem filiais das congêneres alemãs. Este processo, que
ficou conhecido como Anschluss (adesão, anexação, filiação), se intensificou nos anos 1935 e
1936, e atingiu também as instituições que Friederichs havia liderado até o final dos anos 20.
Em meados de 1936, a questão entra na pauta de discussões do Turnerbund e, por ser este
filiado à Riograndenser Turnerschaft (Federação Riograndense de Ginastas), ficaria vinculada às
decisões desta federação. Mas alguns acontecimentos parecem apressar as discussões. Havia,
entre os departamentos do clube, um voltado especialmente à música coral, denominado de
374
Em carta ao amigo Otto Meyer, Friederichs dizia não mais participar das festas do Turnerbund: “No sábado 10,
foi a Festa de Jahn, nós ficamos em casa, apesar de ontem e ante-ontem ter feito 40 anos da minha primeira
participação.” (“Am Sonnabend, den 10. war Jahnfeier, wir blieben zu Hause, trotzdem Gestern und Vorgestern ganz
grosse 40 Jahres-Erinnerungstage in meinem Leben gewesen ist”). J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto
Meyer, 12 ago. 1935, JAF 0943. ABM.
215
Sängerriege (Grupo de Canto). Este era filiado à Federação Brasileira de Canto até que decidiu
desligar-se desta entidade para filiar-se à Federação de Canto Alemã. Aí se tem um exemplo de
submissão de uma entidade teuto-brasileira (no caso, um segmento de uma entidade) à sua
congênere no exterior. Com a decisão tomada, os representantes do Sängerriege vão à diretoria
para obter sua autorização. A questão, no entanto, não é unânime para os dirigentes do
Turnerbund e não se define nesta instância. Em seguida, o Grupo de Canto toma uma atitude
independente na reunião da Federação de Canto do Rio Grande do Sul em Novo Hamburgo, na
qual estavam representadas 11 das 27 sociedades pertencentes à entidade. Destas, 6 eram a favor
da adesão e 4 contra. Segundo relatado à diretoria do Turnerbund em setembro, seu representante
não votou na ocasião, pois precisava consultar as lideranças do clube que analisavam a moção do
Sängerriege. Mesmo assim, seu voto foi contado junto com os favoráveis à filiação sem que o
mesmo protestasse, e a adesão estava aprovada com 7 votos contra 4.
375
Frente às condições
fixadas pela Federação Alemã e a quebra de hierarquia na condução das decisões, a diretoria do
Turnerbund se coloca contra a disposição acertada pelo Grupo de Canto. Sem aguardar uma
decisão definitiva da presidência e considerando a adesão como um fato consumado, o Grupo de
Canto decide encaminhar a questão à Assembléia Geral. Com sua concordância, a aprovação da
diretoria era desnecessária. Foi aí que, para amparar uma demanda deste segmento do clube —
que era composto por 30 integrantes, todos “alemães do reino” —, membros da seção local do
NSDAP se apresentam à assembléia e conseguem assim obter a maioria de votos favoráveis à
filiação do Sängerriege à Federação Alemã.
376
375
TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 14 set. 1936, Livro de Protocolo de Atas. MS.
376
Estavam presentes 118 sócios com direito de voto, dos quais 62 votaram a favor do Anschluss, 53 contra e 3
abstiveram-se. Ata de reunião de diretoria de 28/12/1936, DEUTSCHE TURNBLÄTTER, Porto Alegre, mai. 1937.
MS.
216
A forma como ocorreu o processo de adesão ou filiação deste departamento da sociedade
à entidade estrangeira perturbava a direção do Turnerbund por vários aspectos: a adesão
contrariava os estatutos; a atitude dos protagonistas da questão figurava como golpe; a
conjuntura política não aconselhava tal procedimento; era notória a influência do partido nazista
como motivador da filiação. Conscientes destas razões, os membros da diretoria organizaram
uma reação contrária, encaminhando um requerimento de assembléia geral extraordinária
assinado por 300 sócios (lista no Anexo M), no qual solicitavam alterações nos estatutos que
inviabilizariam qualquer adesão à entidade estrangeira. Tal requerimento foi impresso em 500
cópias e distribuído posteriormente aos presentes na assembléia, dele constando as versões antiga
(expressa no documento como “atual”) e proposta (“nova versão” e “adendo”).
Para não ameaçar a unidade da sociedade, para manter unificado,
em todos os departamentos, o trabalho da sociedade, inalterado em sua
concepção fundamental, objetivos e alvo, requeremos, simultaneamente, os
seguintes adendos aos nossos estatutos e pedimos que o nosso
requerimento seja apresentado para discussão e votação secreta na
Assembléia Geral Extraordinária do dia 27 deste mês.
Artigo 1 – Finalidade e objetivos da sociedade
Versão atual
Parágrafo 1 – A finalidade do Turnerbund é a formação de homens e
mulheres espiritual e fisicamente capazes e o cultivo da cultura alemã; ele busca
alcançar estes objetivos através de exercícios de ginástica diversificados —
orientados no sentido e espírito de Jahn — atletismo, escotismo, competições de
ginástica, excursões de ginastas, de canto e sociais, e através das ligações com
outras sociedades e federações de cultura alemã.
O constante trabalho conjunto na missão herdada da comunidade cultural
alemã aqui fixada, excluído o caráter político, — a ampliação e a conservação de
uma casa, que não apenas é um lar para sociedades alemãs menores, mas também,
juntamente com o campo esportivo no arrabaldade de São João, um local de
encontro da comunidade alemã local para festas em geral, — o ensino de ginástica
para os alunos e alunas das escolas locais, ministrado pelos professores da
sociedade, como complementação da educação da juventude – e a tenaz
determinação de colocar o nosso trabalho alemão a serviço de nossa pátria rio-
grandense e da grande pátria brasileira são os objetivos do Turnerbund.
Adendo ao Artigo 1, parágrafo 1:
Para que a tenaz determinação não possa ser colocada, de modo algum,
em dúvida, a ligação do Turnerbund a uma corporação esportiva nacional ou
nacional-política fora do Brasil — direta ou indiretamente — fica excluída, com
apenas uma exceção permitida; ela também não poderá ser futuramente
requisitada nem debatida. Isto vale também como orientação para os nossos
217
associados na Federação de Ginastas do Rio Grande do Sul e na Liga das
Sociedades Germânicas.
A acima destacada “exceção permitida” é a ligação do Turnerbund a
alguma sociedade esportiva brasileira como elo para as olimpíadas internacionais.
Artigo 11, parágrafo 71 – Departamentos da sociedade
Versão atual:
São atualmente reconhecidos, em fins de 1924, como departamentos
autônomos:
a) o Grupo de Canto, fundado em 1912.
b) a seção de escotismo, fundada em 1913.
c) O Clube de Tênis Germânia, fundado em 1914.
Artigo 11, parágrafo 71
Nova versão:
Aos nossos subdepartamentos é concedida total autonomia para o trabalho
interno. Este trabalho, entretanto, deve estar sempre conforme o espírito de nossos
estatutos e os objetivos maiores do trabalho do Turnerbund. Como tais
departamentos autônomos são reconhecidos: [...]
377
Estava em jogo aí, de um lado, a postura frente à política que seria assumida pelo
Turnerbund, permitindo ou não a ingerência oficial de entidades ligadas ao regime nazista na
condução da vida associativa; de outro, a afirmação identitária da instituição como sociedade
teuto-brasileira. Este segundo aspecto poderia parecer tranqüilo, já que a maioria dos 1400 sócios
do clube era compreendida por imigrantes naturalizados ou brasileiros de etnia alemã. No
entanto, a imigração recente somada à presença de “alemães do reino” temporariamente no Brasil
formava um contingente que, mesmo minoritário no conjunto de sócios, ganhava força a partir
das estratégias e da influência política do partido nazista. Os dois aspectos acabam imbricados:
dizer não ao nazismo significava posicionar-se como instituição brasileira. Assim justificavam os
teuto-brasileiros o “Por que não queremos nenhuma adesão”:
Não [!], os esforços de organizações de alemães do reino (Federação
Alemã de Canto de Berlim, Associação de Sociedades Alemãs no Exterior de
Berlim, etc.) trabalham hoje clara e conscientemente para a criação de uma
sociedade popular nacional-socialista e, com estas tentativas, grandes
organizações como o Turnerbund, que não são do reino, não podem, por causa de
suas exigências políticas e ideológicas, estar de acordo.
378
377
TURNERBUND. Antrag zur Änderung der Satzungen des Turnerbundes, 27/01/1937, MS. No Anexo N,
reprodução do documento original.
378
Nein, die Bestrebungen der grossen reichsdeutschen Dachorganisationen (Deutscher Sängerbund Berlin,
Verband Deutscher Vereine im Ausland Berlin usw.) arbeiten heute eindeutig und zielbewusst auf die ‘Schaffung der
218
A questão de fundo era a identidade institucional e, para isso, nada melhor do que se
amparar em quem a havia fundamentado por décadas: J. Aloys Friederichs. Afastado a mais de
três anos da vida associativa, Friederichs é chamado a compor a oposição, que propunha a
alteração estatutária e a reafirmação da identidade teuto-brasileira do clube. Para isso, foram
realizadas reuniões prévias à assembléia marcada para o dia 27 de janeiro. O clima era de tensão,
pois se delineava claramente uma cisão na germanidade da capital entre “alemães do reino” e
teuto-brasileiros. Previa-se o isolamento do Turnerbund, mas isso não desencorajava Friederichs:
Se nós, os teuto-brasileiros vencermos, como eu certamente espero, então
será imposto ao Turnerbund o boicote alemão-cultural: os cantores retiram-se, os
esgrimistas retiram-se, os “alemães do reino” retiram-se e nenhum novo imigrante
“alemão do reino” poderá ser sócio no Turnerbund. O Turnerbund será tratado
assim como o Deutsches Volksblatt. Ora, não estamos desarmados contra este
boicote, então o lema deverá ser: “Olho por olho”, “medida por medida”. Vamos
comunicar tudo à Federação 25 de Julho, do Rio (não de São Leopoldo!) – e com
um relatório dos fatos, dirigir-nos à imprensa brasileira nos lugares certos – “Olho
por olho”, - “Turnerbund um braunes Haus, um die Zelle, um den Stützpunkt”. A
que ponto chegamos. Isso pode se tornar interessante!
379
nationalsozialistischen Volksgemeinschaft’ im Ausland hin, und mit diesem Bestrebungen können grosse
Organisationen, wie der Turnerbund, die nicht reichdeutsch sind, wegen ihrer politischen und weltanschaulichen
Forderungen nicht einverstanden sein”. “Warum wollen wir keinen Anschluss?”. DEUTSCHE TURNBLÄTTER,
Porto Alegre, mai. 1937. MS.
379
Ob aber mit der heutigen Schlacht auch die Entscheidung fällt, das bezweifle ich sehr, denn – wenn wir, die
Deutschbrasilianer, wie ich es bestimmt hoffe, siegen, dann – wird über den Turnerbund der deutschkulturelle
Boykot verhängt: die Sänger treten aus, die Fechter treten aus, die Reichsdeutscher treten aus und kein
neueingewanderter Reichsdeutscher darf Mitglied im Turnerbunde werden. Der Turnerbund wird also genau so
behandelt wie das Deutsche Volksblatt. Nun stehen wir ja nicht waffenlos diesem Boykot gegenüber, dann muss es
eben heissen: ‘Auge um Auge’, ‘Massregel gegen Massregel’. Wir werden alles der Federação 25 de Julho, Rio
(nicht São Leopoldo!) melden und, - uns mit einem Tatsachenbericht an die breite, brasilianische Öffentlichkeit
wenden, an ganz dafür geeigneten Stellen: - ‘Auge um Auge’, - ‘Turnerbund um braunes Haus, um die Zelle, um den
Stützpunkt’. – So weit sind wir also. Es kann erquicklich werden!”. J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto
Meyer, 27 jan. 1937, JAF 0920. ABM. A frase entre aspas da citação é de difícil tradução. É preciso desmembrar
todos os seus elementos, além de manter a idéia do contexto. Ao referir-se à “braunes Haus”, muito provavelmente
deve estar indicando a “casa” do partido nazista, conhecido por suas camisas marrons. “Zelle” seria a célula e
Stützpunkto ponto de apoio. O problema maior está na interpretação da preposição “um”. Esta pode significar “ao
redor, em redor, em torno, para a, com, por, ou então “por causa de, por motivo de”, ou ainda “relativamente,
concernente a” e “por” na idéia de für, como um Geld arbeiten (trabalhar por dinheiro) (NOVO DICCIONÁRIO,
1902). Entendendo que Friederichs se opõe, no trecho da carta acima, à interferência da política alemã nacional-
socialista no clube, poderia se traduzir a frase como “Turnerbund em torno [da questão] da casa marron [sede do
partido], em torno da célula, em torno do ponto de apoio”. A frase também pode ser compreendida como uma
provocação irônica, que seria publicada na imprensa de forma a chamar a atenção. Assim, sua tradução poderia ser
“Turnerbund pela casa marrom, pela célula, [como] ponto de apoio”.
219
Quando Aloys volta à cena, o faz na liderança do processo; não foi chamado apenas para
opinar, mas atuou como “mentor intelectual” das mudanças propostas nos estatutos: posicionava-
se assim firmemente contra o Anschluss. Por isso, participou de diversas discussões, negociações
e conchavos entre as lideranças de um e outro lado em conflito.
Na segunda-feira tive 3 (praticamente 4) reuniões. Depois que em mim
descobriram o criminoso, o mentor intelectual dos adendos aos estatutos, logo me
procuraram. Assim, reuni-me das 8 às 9 horas com o senhor cônsul Ried, das 9 às
12 horas com os senhores cônsul Ried, Hornig e Machemer. Das 6 e meia às 8
com os senhores Arnaldo Bercht, Willy Klohs, Gastão Englert, Arlindo Dreher e
José Carlos Englert. Das 9 às 11 horas da noite na Germânia com os senhores
cônsul Ried, Hornig, Dorsch, Machemer, Dr. Steidle, Arnaldo Bercht, Willy
Klohs, Nührig, Gastão Englert. Nestas reuniões pudemos ouvir o que está para
suceder no Turnerbund se os adendos aos estatutos forem aprovados: como já
participei. Essa foi a primeira vez que estive junto nestas discussões, eu tive a
impressão de que não querem entender a nós, teuto-brasileiros: [acham que] nós
somos simplesmente a “linha de frente” dos “negros” [jesuítas]; a respeito do Dr.
Franz Metzler, que os teuto-brasileiros estão deslumbrados com e
desencaminhados por este senhor. Deixamos, pois, a pedra rolar; a quem ela vai
arrastar, isso nós vamos ver.
380
Quando o dia da assembléia chegou, buscou-se ainda uma alternativa conciliatória que
pudesse evitar a cisão dentro do Turnerbund. Sugeriu-se que o Grupo de Canto se retirasse da
Federação de Canto do Rio Grande do Sul — que havia votado pela adesão. De parte dos
cantores veio a contra-proposta de dissolução do Grupo, contanto que fosse retirada a proposta de
alteração dos estatutos. Por esta, previa-se recriar um Grupo de Canto independente que buscaria
380
Am Montag hatte ich 3 (eigentlich 4) Sitzungen. Nachdem man nämlich den Übeltäter, den geistigen Vater der
Satzungszusätzen, in mir entdeckt hatte, suchte man mich sofort auf. Also von 8-9 Uhr mit Herrn Konsul Ried, von 9-
12 Uhr mit den Herren Konsul Ried, Hornig und Machemer. Von 6- halb 8 mit den Herren Arnaldo Bercht, Willy
Klohs, Gastão Englert, Arlindo Dreher und José Carlos Englert. Von 9-11 Uhr Abends in der Germania mit den
Herren Konsul Ried, Hornig, Dorsch, Machemer, Dr. Steidle, Arnaldo Bercht, Willy Klohs, Nührig, Gastão Englert.
In diesen Sitzungen durften wir hören, was dem Turnerbund bevorsteht, wenn die Satzungszusätze angenommen
werden: wie bereits mitgeteilte. Es war das erste
mal, dass ich bei solchen Aussprachen dabei war, ich habe den
Eindruck gewonnen, das man uns, die Deutschbrasilianer nicht verstehen will, wir sind einfach Vorspann der
“Schwarzen”; des Dr. Franz Metzler, die Deutschbrasilianer sind verblendet und irregeführt von diesem Dr. Franz
Metzler. So, und nun lassen wir den Stein rollen, wen er mitreist, das wird sich wohl bald zeigen.” J. ALOYS
FRIEDERICHS. Carta para Otto Meyer, 27 jan. 1937, JAF 0920. ABM.
220
“fomentar relações amigáveis com o Turnerbund”.
381
A questão central estava, portanto, na
aceitação ou não dos suplementos nos estatutos e, a partir disso, estaria também resolvido o
destino do Grupo de Canto e a possibilidade de adesão à entidade estrangeira.
Estavam presentes à reunião 623 sócios votantes. Além de Heinrich Moritz, que falou em
nome do Grupo de Canto, tomaram a palavra os senhores Gastão Englert, Arnaldo Bercht e Aloys
Friederichs — os três favoráveis às alterações estatutárias. Arnaldo Bercht leu uma carta enviada
por Alberto Bins, prefeito de Porto Alegre, onde buscava fundamentar o requerimento em
votação:
O Turnerbund é uma sociedade teuto-brasileira, isto é, uma sociedade
autenticamente brasileira, porque a grande maioria de seus associados é de
cidadãos brasileiros, que colocaram como meta a conservação e o cultivo do
Volkstum alemão. Neste sentido não pode se ligar ou associar a nenhuma
organização alemã do reino, mas apenas cultivar relações de tipo cultural com
elas. Todas as outras orientações dos teuto-brasileiros e suas sociedades
dificultariam o cumprimento das atividades étnicas com nossos concidadãos luso-
brasileiros. Eu lamentaria intensamente se este ponto de vista, correto para uma
associação teuto-brasileira, fosse mal entendido pelos sócios “alemães do reino” e,
como conseqüência, ocasionasse uma cisão entre “alemães do reino” e teuto-
brasileiros.
382
Friederichs protestou contra a estagnação do trabalho étnico — o qual realizara por 40
anos —, acusando os alemães do reino de incompreensão do ponto de vista teuto-brasileiro — em
outras palavras, da germanidade cultivada aqui. Foi determinado em recusar a adesão do Grupo
de Canto ou de qualquer outra instituição teuto-brasileira à entidade estrangeira. Visto que há
381
die freundschaftliche n Beziehungen zum Turnerbund zu pflegen”. “Warum wollen wir keinen Anschluss?”.
DEUTSCHE TURNBLÄTTER, Porto Alegre, mai. 1937. MS.
382
Der Turnerbund ist ein deutschbrasilianischer, d. h. ein richtiger brasilianischer Verein, weil die weitaus
grösste Mehrzahl seiner Mitglieder brasilianische Staatsbürger sind, die sich die Erhaltung und Pflege des
deutschen Volkstums zur Aufgabe gestellt haben. Als solcher soll er sich nicht reichsdeutschen Organisationen
anschliessen oder angliedern, sondern nur Verbindungen kultureller Art mit ihnen pflegen. Jede andere Einstellung
der Deutschbrasilianer und ihrer Vereine würde die Erfüllung der volkstümlichen Aufgaben gegenüber unseren luso-
brasilianischen Mitbürgern erschweren. Ich würde es lebhaft bedauern, wenn dieser für einen
deutschbrasilianischen Verein richtige Standpunkt von seinen reichsdeutschen Mitgliedern missverstanden würde
und sich daraus eine Spaltung zwischen Reichsdeutschen und Deutschbrasilianern ergeben sollte”. DEUTSCHE
TURNBLÄTTER, Porto Alegre, jan. 1937. MS.
221
muito Aloys não participava ou tomava a palavra em assembléias, o presidente Willy Klohs
encerrou a discussão após a exposição daquele — ou seja, deixou que Friederichs desse “a última
palavra” sobre o assunto. Procedeu-se a votação do requerimento de alteração dos estatutos, na
qual foram contabilizados 363 votos favoráveis ao dito requerimento, 253 desfavoráveis e 7
abstenções.
383
Contando que o Turnerbund era composto por uma maioria de sócios teuto-brasileiros e
estava em jogo o que era considerado posicionamento de teuto-brasileiros em oposição aos
“alemães do reino”, o primeiro grupo, apesar de vitorioso, não estava tão representado assim.
Disso é possível se deduzir que alguns teuto-brasileiros fossem seduzidos pela proposta da
adesão. Da mesma forma, pode ser pensado que nem todos os “alemães do reino” fossem
favoráveis a ela. A explicação para uma votação tão parelha — considero 110 votos de vantagem
pouca diferença em vista da situação e da questão — pode estar também na estratégia já
conhecida dos partidários do NSDAP — muitos deles também sócios do Turnerbund — de
comparecerem maciçamente às assembléias das instituições teuto-brasileiras a fim de fazerem
pressão ou de fazerem valer sua vontade. Algum tempo mais tarde, ao publicarem as razões do
“Por que não queremos nenhuma adesão” e relatarem o processo, os editores do jornal do
Turnerbund refletem sobre o ocorrido e concluem que “o desenrolar da questão da adesão
descobriu os verdadeiros e ocultos motivos para toda a ação e, por isso, preferimos não tocar nos
demais cernes da questão”.
384
Por isso, este processo ficou conhecido na memória institucional
como a resistência do Turnerbund ao nazismo (Hofmeister F
o
, 1987, p.24-25) — uma atitude
383
Ata da assembléia geral extraordinário de 27/01/1937, publicada em DEUTSCHE TURNBLÄTTER, Porto
Alegre, mai. 1937. MS.
384
Wir vermuten, dass die restlose Aufrollung der Anschlussfrage die eigentlichen und verborgenen Gründe für die
ganze Aktion zu offen blossgelegt hätte, und man es deshalb vorzog, den mehren Kern nicht zu berühren.” Warum
wollen wir keinen Anschluss?. DEUTSCHE TURNBLÄTTER, Porto Alegre, mai. 1937. MS.
222
baseada em princípios, mas também numa consciência conjuntural, num certo instinto de
sobrevivência.
385
Segundo Py (1942, p.58), “todas as sociedades constituídas por elementos alemães ou de
descendência alemã [em Porto Alegre] foram anexadas pelo Partido, exceção feita da Turner-
Bund, Caixas Beneficentes dos Navegantes e mais dez sociedades”. O que se pode depreender
dessa fonte — uma publicação de época produzida pelo Chefe de Polícia do Rio Grande do Sul
— é que a adesão a organizações estrangeiras alemãs — como a Verband Deutscher Vereine im
Ausland — foi expressiva na capital, o que não significa necessariamente aceitação ou aprovação
do nazismo ou filiação partidária. Mostra, contudo, que a leitura imediata feita pelas autoridades
brasileiras ao fato era de vinculação com o nazismo. Neste sentido, é importante a referência feita
por Py à atitude do Turnerbund frente à questão.
A questão do Anschluss serviu também para mostrar que, apesar de alheio às questões
associativas, nos anos que precederam o caso, Friederichs mantinha sua aura de líder, seus
posicionamentos determinados e sua influência na comunidade teuta.
Friederichs voltava à cena e o fazia num momento de extrema crise. As tensões pelas
quais passou durante seu “reinado” não se comparavam à que agora vinha contornar. Quando a
questão era com o Germanischer Bund, o que estava em jogo era a disputa pela liderança da
comunidade teuta. Com a Primeira Guerra Mundial, tratava-se da identidade institucional — tão
385
Como resultado imediato, o Turnerbund teve, em um mês, a baixa de 40 e a entrada de 30 novos sócios. J.
AFLOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto Meyer, 2 mar. 1937, JAF 918. ABM. Py (1942, p.235) menciona a saída
de 120 associados, mas não especifica em quanto tempo. A médio prazo, a tomada de posição do Turnerbund em
1937 favoreceu a sobrevivência institucional. No regime do Estado Novo, o governo brasileiro passa a reprimir as
manifestações da etnia alemã como extensão da repressão ao nazismo e investe contra os clubes e demais entidades
do grupo étnico. Perazzo (1999, p.83-85) analisa o que ocorreu no caso dos clubes de São Paulo e Rio de Janeiro.
Suspeitos de manterem “caráter partidário” ou de participarem de manifestações pró-nazistas, os clubes Germânia
(nas duas cidades), Clube Ginástico e Desportivo Alemão (Rio de Janeiro) e Associação Alemã de Esportes (São
Paulo) sofrem a investida policial no início dos anos 40. É alegada a falta de brasileiros natos na diretoria destas
associações, a presença de partidários do nazismo em suas listas de sócios ou manifestações de aprovação a Hitler. O
Turnerbund também não foi totalmente poupado, tendo que nacionalizar seu nome em 11 de abril de 1942 (ver Silva,
1997, p.58-61)
223
mais alemã que em 1937, mas mesmo assim teuto-brasileira. Agora, a batalha era pela liderança
da comunidade étnica, pela sua unidade e também pela identidade da instituição — teuto-
brasileira, mas “autenticamente brasileira”.
A vitória no Turnerbund representou apenas o início da luta que envolveu Aloys
Friederichs durante todo o ano de 1937. Outras instituições nas quais havia atuado ou as quais
havia influenciado acabaram atraídas pelo Anschluss. As sociedades de ginástica filiadas à
Federação de Ginastas começavam a se manifestar favoráveis à adesão ao Reichsbund für
Leibesübungen (Liga do reino para o exercício físico). O perigo de isolamento do Turnerbund era
eminente. Em relação a isso, Friederichs protesta ao escrever a Guilherme Lamberts, da
Leopoldenser Turnverein: “isso jamais pode acontecer, pois a Turnerschaft partiu do Turnerbund
em 1895 e ele foi sempre, no sentido do fortalecimento da germanidade e financeiramente, por 42
anos, a espinha dorsal da Turnerschaft. Sem o Turnerbund, a Turnerschaft não teria podido
manter-se firme”.
386
Por isso Aloys Friederichs usa de todas as estratégias possíveis para
conseguir que o seu clube não fique isolado em suas escolhas e que as outras sociedades de
ginástica do estado do Rio Grande do Sul não optem pela adesão às entidades alemãs “do reino”.
É verdade que Friederichs havia rompido com a Federação de Ginastas já em 1935,
387
pelos
mesmos motivos que o distanciaram do Turnerbund. Mas como conseguira a vitória neste,
acreditava que seria possível o mesmo na Federação.
Uma das tentativas, por parte de algumas lideranças, de prosseguir com a anexação da
Turnerschaft à entidade alemã ocorreu em uma reunião em São Leopoldo, em 16 de maio, onde
as sociedades de ginástica foram representadas por seus delegados. Friederichs representava
386
Das darf doch niemals geschehen, denn vom Turnerbunde ging 1895 die Gründung der Turnerschaft aus und er
ist 42 Jahre das deutschtumstärkende und finanzielle Rückgrat der Turnerschaft immer gewesen. Ohne Turnerbund
hätte die Turnerschaft nicht durchhalten können”. J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Guilherme Lamberts. 17
mai. 1937, JAF 0134. ABM.
387
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto Meyer, 12 nov. 1935. JAF 0937. ABM.
224
agora o Turnerbund e a oposição ao Anschluss. Do outro lado, estava Paul Ehrhardt — presidente
da Turnverein Santa Cruz —, assim caracterizado por seu opositor: “parece ser um grande sabido
alemão nazista, se talvez não seja registrado como Parteigenossen, então é ainda mais perigoso,
como um que se declara aberto e livre como Parteigenossen”.
388
A decisão tomada naquela
ocasião favoreceu a ala de Friederichs, e a Turnerschaft não foi anexada ao Reichsbund für
Leibesübungen.
Após a reunião, inicia-se a doutrinação “homem a homem”. Do trabalho de
convencimento, em que Aloys buscou refratar a influência dos “senhores Parteigenossen e
coordenadores das células nazistas”, restam algumas referências. Neste sentido, escreve a
Guilherme Lamberts, de São Leopoldo; Eduardo Kusminsky, Frederico Müller e Egydio
Michaelsen, de São Sebastião do Caí; José Franz, de Ijuí, além de lideranças associativas de
Estrela e Cachoeira do Sul. Procurava mostrar a eles os interesses aos quais estariam servindo
caso aceitassem o Anschluss — do partido nazista — e o que resultaria disso:
Numa longa carta de esclarecimento que o “Reichsbund für
Leibesübungen” escreveu à diretoria da Sociedade de Ginástica Navegantes-São
João e que veio para ser lida no Dia de Ginástica [para as demais sociedades],
encontra-se trechos que diz que se deseja o contato com a célula local do
N.S.D.A.P para oportunizar futuros trabalhos conjuntos.
389
Procurava demonstrar que a decisão contra a adesão era uma garantia de autonomia das
sociedades; de que a neutralidade era uma atitude de fraqueza; de que a clareza de intenções era
absolutamente necessária para que pudessem manter o cultivo de sua cultura alemã como
388
“... scheint ein ganz gerissener Nazideutscher zu sein, wenn vielleicht auch kein eingeschriebener Pg., dann aber
noch gefährlicher, wie einer der sich offen und frei als Pg. bekennt”. J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para
Guilherme Lamberts. 17 mai. 1937. JAF 0134. ABM.
389
In einem längeren Briefe den der “Reichsbund für Leibesübungen”an den Vorstand des Turnvereins
Navegantes-São João erklärend und erlaeuternsd geschrieben hat und der auf dem Turntage zur Verlesung kam,
fand sich der Passus dass eine Fühlungnahme mit der N.S.D.A.P.-Zelle am Orte für künftige Zusammenarbeit
erwünscht sei”. J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Eduard Kusminsky, 19 mai. 1937, JAF 2337. ABM.
225
cidadãos brasileiros. A Frederico Müller, de Caí, lembrava das experiências deste clube durante a
Primeira Guerra Mundial, e de que a tomada de posição favorável ao Anschluss poderia causar
novos ataques.
390
Pedia, portanto, aos destinatários das cartas, que influenciassem no processo,
evitando a adesão das sociedades de ginástica ao Reichsbund für Leibesübungen ou a qualquer
outra entidade estrangeira. Por sua parte, Michaelsen, Franz e Kusminsky asseguraram a intenção
de permanecerem como sociedades teuto-brasileiras; de evitarem as “querelas partidárias”
(Parteihader) entre os associados; de servirem de apoio à direção de seus clubes contra a
adesão.
391
A carta recebida de José Franz, em final de dezembro, mostra que a questão se
mantinha, que o perigo de mais sociedades serem atraídas pelas propostas das organizações
alemãs “do reino” permanecia mesmo com as tentativas de convencimento, dos esclarecimentos e
dos apoios de antigas lideranças.
Outra estratégia eleita por Friederichs e seus partidários para combaterem o assédio das
instituições alemãs foi a publicação de uma pequena brochura sob o título “Grundsätzliche
Betrachtungen zur Anschlussfrage” (Considerações Fundamentais a respeito da Questão da
Anexação). Nela são explicados os interesses do partido nazista na adesão das sociedades teuto-
brasileiras às entidades alemãs; a diferença entre sociedades teuto-brasileiras
(Deutschbrasilianische Vereine) e sociedades alemãs (Reichsdeutsche Vereine), e é avaliado
como “um grande erro” (ein grosser Irrtum) a decisão pelo Anschluss no caso das primeiras.
Segundo a brochura, 42 sociedades no Rio Grande do Sul já haviam incorrerido neste “erro”, a
metade delas de Santa Cruz do Sul — o que leva a entender que, neste município da “zona
390
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Frederico Müller. 1 jun. 1937. JAF 2334; para Egydio Michaelsen. 1 jun.
1937. JAF 2333. ABM.
391
EDUARD KUSMINSKY. Carta para J. Aloys Friederichs. 1 jun. 1937, JAF 2336; EGYDIO MICHAELSEN.
Carta para J. Aloys Friederichs, 3 jun. 1937, JAF 2332; JOSÉ FRANZ. Carta para J. Aloys Friederichs. 28 dez. 1937,
JAF 2265. ABM.
226
colonial” a influência do nazismo tenha sido bastante forte.
392
Esta publicação era mais um apelo
para que as instituições que sustentavam a identidade dos imigrantes alemães e descendentes
permanecessem como teuto-brasileiras.
Friederichs retoma seu velho discurso de manutenção do “caráter” e da cultura alemã sem
prejuízo ao cumprimento dos deveres para com a nação brasileira. Apesar de não ter conseguido
influenciar todas as sociedades de ginástica na questão da anexação, pôde ainda fazer valer sua
vontade e suas idéias no Turnerbund. Com essa segurança e a confiança nas novas gerações de
líderes que o Turnerbund vinha formando, pôde sair de cena pela segunda vez — agora não mais
uma triste despedida (unschöner Abschied). Foi convidado a pronunciar-se na Festa de Jahn em
1938, o que demonstra o reconhecimento renovado com a crise de 1937. Seu discurso é
autobiográfico, pois retoma sua trajetória na instituição e as idéias que defendeu. Mas
compreende que “entretanto uma nova geração brotou, a velha precisa conformar-se, muitas
vezes até resignar-se, os jovens ascendem a seus postos. Assim sempre foi e será sempre”.
393
* * *
392
Pela propaganda feita pela Verband deutscher Vereine de Berlim, as seguintes associações filiaram-se ainda em
1936: a Verband Deutscher Verein Santa Cruz, da qual faziam parte Turnverein Santa Cruz, Deutscher
Schützenverein Santa Cruz (atiradores), Ortsschulverein Santa Cruz (sociedade escolar local), Estudantina Santa
Cruz, Alliança Cathólica Santa Cruz, Männergesangverein “Liedertafel” (côro masculino), Caecilienverein Santa
Cruz, Ulanenclub (ulanos), Handwerkerverband (de ofício), Krankenunterstützungsverein (auxílio doença),
Deutschbrasilianischer Schützenverein, Frauenhilfe (ordem auxilidora de senhoras), Gemischter Chor (coro misto),
Riograndenser Damenverein (sociedade de damas), Germania, Damenverein ‘Tell’, Theaterverein, ‘Thegesa’, todas
em Santa Cruz do Sul; a Deutsch-Evangeslicher Lehrerverein von Rio Grande do Sul (associação de professores),
Gesangverein Tannenwald ‘Eintracht’ (canto) e Leopoldenser Turnverein, em São Leopoldo; a Turnverein
Navegantes-São João e o Fechtclub ‘Hermania’ (esgrima), de Porto Alegre; Turnverein Hamburgo Velho;
Turnverein Novo Hamburgo; Turnverein Sapiranga; Turnabteilung des Gesangvereins ‘Concórdia’, de Campo
Bom; Turnverein Canela; Turnverein Cahy; Turnverein Montenegro; Turnverein Maratá; Kegel- und Sängerbund
Bello Centro (bolão e canto); Colégio Teuto-Brasileiro, Centro Linha; Colégio Teuto-Brasileiro ‘Grüner Jäger’,
Correio Venancio Aires; Deutscher Schulverein Inhame (sociedade escolar); Deutscher Schulverein Ipiranga;
Deutsch-Evangelische Kirchen- und Schulgemeinde Marcelino Ramos; Colégio Teuto-Brasileiro Rincão dos Mellos;
Lese- und Gesangverein ‘Frohsinn’ (leitura e canto), Sampaio; Gesangverein ‘5 de Maio’, Taquara (Bercht, Englert
e Friederichs, 1937, p.6-7).
393
Discurso festivo, DEUTSCHE TURNBLÄTTER, Porto Alegre, set. 1938. MS.
227
Nos últimos anos de sua vida, Friederichs recolheu-se definitivamente à vida privada, que
dividia entre o trabalho na oficina e as cartas aos amigos e parentes, alguns deles da Alemanha,
com os quais só pode voltar a comunicar-se após a guerra. Sua presença em público já era rara,
como anunciara a um amigo alemão em 1947: “eu não estive mais no salão de ginástica
(Turnhalle) desde 1942”.
394
Impressionou-se ao receber ainda reconhecimento pelo seu trabalho
— apesar de um pouco tarde — vindo das novas lideranças que o Turnerbund — agora SOGIPA
— vinha construindo: a rua principal do grande parque em São João, que desde 1944 acolhia um
“majestoso” estádio atlético, fora batizada com o nome de J.Aloys Friederich e um monumento
em granito com o relevo de seu perfil em bronze havia sido instalado em frente ao restaurante do
clube (Anexo J). Estas foram suas últimas homenagens ainda em vida.
Desde 1974, Friederichs é homenageado também na biblioteca do clube, dando a ela o
nome e sua imagem a óleo, como um guardião (Anexo A). Desde 1987, é o patrono da Sociedade
de Ginástica Porto Alegre, cujo busto em bronze (Anexo L), localizado em frente à sede social,
pouco diz além da longevidade de sua atuação no clube. Assim como o significado do clube, que
já representou mais do que a reunião para o lazer, o de Friederichs vai sendo reduzido pela
memória, e passa a compor apenas um símbolo, um retrato, um busto.
394
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Ludwig von Loessl, 29 out. 1947. JAF 3020. ABM.
228
4 FRIEDERICHS: ENTRE O GERMANISMO E A ASSIMILAÇÃO
Como liderança étnica, Friederichs pode ser considerado um intelectual teuto-brasileiro.
Sua trajetória ficou marcada pela preocupação com a inserção da população imigrante alemã e de
seus descendentes na sociedade brasileira — ou seja, no que permanecer alemão e no que assumir
uma identidade brasileira — a partir de uma concepção de etnicidade, de herança cultural, de
nação, de deveres e obrigações, de lealdades e fidelidades com profundas raízes fincadas no
nacionalismo alemão. Como germanista, formulou proposições para a construção de uma relação
dos “de origem” alemã com sua cultura ancestral e com sua nova pátria. Tais proposições podem
ser encontradas nas publicações que lançou, assim como nas cartas que escreveu a amigos,
parentes, correligionários e opositores. Mais formais — como as publicações impressas —, ou
menos formais — como as cartas pessoais —, os escritos de Friederichs expunham seu ponto de
vista, às vezes com apelos inflamados, estabeleciam debates com outras lideranças, provocavam
alianças, adesões e contestações. A palavra escrita — pública ou particular — foi um veículo
especialmente utilizado para reforçar seu ideal de identidade para os teutos no Brasil, em certos
aspectos tão marcadamente alemão, em outros beirando a assimilação.
Neste capítulo, busco compreender o que em Friederichs o caracterizava e a sua proposta
como de cunho germanista, qual a peculiaridade de seu discurso e o que lhe permitia ser
compreendido como “um exemplo de amor ao Brasil” (Blancato, 1922). Para isso, busco em suas
manifestações, o que o aproxima da ideologia nacionalista, a caracterização da identidade que
propõe e sua fidelidade quase que visceral à Alemanha do Kaiser. Antes disso, no entanto, me
ocupo em analisar brevemente suas principais publicações como fontes das quais Friederichs se
valeu para o debate e a divulgação de suas idéias.
229
4.1 Os escritos de Friederichs
J. Aloys Friederichs, como liderança associativa e étnica, foi um dos ideólogos do
germanismo no sul do Brasil. Grützmann (1999) chegou a esta conclusão ao estudar as
publicações periódicas e literárias em língua alemã no Rio Grande do Sul no período de 1880 a
1940. Estas publicações estavam repletas de apelos próprios ao nacionalismo alemão que se
faziam em textos poéticos, canções e aforismos. Friederichs não era poeta, nem compositor; mas
teve também na palavra impressa um espaço de influência e divulgação de suas idéias. Além das
publicações que produziu, destacou-se como orador em festas e reuniões da comunidade teuta
local ou da germanidade do Rio Grande do Sul. Foi responsável pela organização de,
basicamente, cinco publicações:
Liederbuch (Cancioneiro), em 1922 e 1927;
Reden bei Feiern der Turnerschaft und des Verbandes Deutscher Vereine
(Discursos [proferidos] nas festas da Federação de Ginastas e da Liga de
Sociedades Germânicas), em 1928;
Die Bismarckrunde in Porto Alegre: ihre Entstehung und Entwicklung (O Círculo
de Bismarck em Porto Alegre: sua gênese e desenvolvimento), em 1929;
Grundsätzliche Betrachtungen zur Anschlußfrage (Considerações fundamentais a
respeito da questão da anexação), elaborado em conjunto com Arnold Bercht e
Gaston Englert em 1937;
Noticiário Semanal – Histórico da Casa Aloys Ltda. Indústria de Mármore e
Granito, por ocasião do cinqüentenário de empresa de Friederichs em 1949/50.
Das cinco publicações produzidas, apenas uma não se relaciona ao envolvimento de
Friederichs com o associativismo étnico. Em “Noticiário Semanal ...” — anuário comemorativo
constantemente citado no capítulo 2 desta tese —, Friederichs reconstrói discursivamente sua
trajetória como empresário, sua participação no desenvolvimento da arte funerária gaúcha e das
relações de trabalho. Esta pode ser analisada como uma autobiografia cujo foco recai sobre uma
das áreas de atuação do personagem em questão. É a única obra em língua portuguesa a qual
assina como produtor (editor, organizador ou autor); mas também recebeu uma versão tipo
230
brochura, sem imagens, no idioma alemão. As quatro seguintes consistem, cada qual, em textos
de formatos e fins bastante diferentes. O Liederbuch compõe-se de um livro de cantos ou
cancioneiro, que traz um conjunto de canções em alemão — algumas da tradição da antiga pátria,
outras compostas por teuto-brasileiros — que se destina a “todos aqueles que, no Brasil,
pretendem cultivar e preservar a canção alemã na família e em associações e em peregrinações”
(Grützmann, 2003a, p.2). Em “Rede bei Feiern ...”, encontramos uma primeira tentativa —
através da publicação conjunta de uma série de discursos proferidos em diferentes festas da
germanidade e em diferentes épocas — de produção de uma “escrita de si” (Gomes, 2004),
próxima à autobiografia, de solidificação de uma memória pessoal como liderança, como orador
e como promotor da identidade alemã. A obra “Die Bismarckrunde ...” registra a trajetória da
confraria da qual Friederichs participou — fundada também por ele — que se reunia uma vez
por ano, na data do aniversário de Bismarck, para lembrar e honrar a figura do chanceler
responsável pela unificação da Alemanha. E finalmente “Grundsätzliche Betrachtung ...” — já
citada no capítulo anterior — constitui-se de um manifesto político, elaborado com vistas a
influenciar as associações teutas no sentido de não se filiarem às congêneres na Alemanha e
firmarem-se como sociedades teuto-brasileiras num contexto de fortalecimento do nacional-
socialismo naquele país. A seguir, comento as obras Liederbuch,Reden bei Feiern...” e
Grundsätzliche Betrachtung...”, sem, no entanto, aprofundar as idéias nelas contidas. Estas
idéias estarão mais detalhadamente contempladas nos sub-capítulos seguintes.
Entre as publicações citadas, apenas uma recebeu a atenção dos pesquisadores
acadêmicos. Grützmann (1999, 2003a e 2003b) analisou o Liederbuch como um dos textos que
buscam propagar o ideário germanista. Friederichs envolveu-se com a canção alemã desde, pelo
menos, 1906, quando organizou um concurso para a escolha de uma canção que celebrasse o
231
amor à pátria brasileira. A vencedora foi a “Lied der Deutschbrasilianer” (Canção dos Teuto-
Brasileiros), composta pelo poeta Otto Meyer. Segundo Grützmann (1999, p.234), esta “torna-se
a produção poética mais difundida durante o período de 1907 a 1940” no grupo étnico teuto. Só
em 1922, no entanto, Aloys efetivou a publicação do cancioneiro de bolso denominado
Liederbuch. Compreendia uma coleção de 219 canções, todas em idioma alemão; algumas
originárias da tradição alemã, outras compostas por teuto-brasileiros. A obra é dividida por temas
que indicam a ocasião para o uso de cada canção: Turner-, Pfadfinder- und Wanderlieder
(canções de ginastas, escoteiros e caminhantes), Fest- und Weihelieder (canções para festas e
solenidades), Vaterlands und Heimatlieder (canções patrióticas), Volks- und Gesellschaftslieder
(canções populares e da comunidade), Weihnachtslieder (canções natalinas), Trink und
Scherzlieder (canções de beber e brincadeiras); Riograndenser Musterreiterlieder (canções dos
caixeiros-viajantes riograndenses)
Publicado no segundo semestre de 1922, o Liederbuch teve rápida divulgação, trabalho
que Friederichs realizou pessoalmente, em geral, enviando um exemplar a alguma instituição.
Para a distribuição, utilizou-se de contatos que tinha em outras cidades do estado e também fora
dele, além do prestígio que já havia conquistado. Em setembro daquele ano, iniciava o envio para
pessoas e entidades de seu círculo de influência no país e no exterior.
395
395
Em Porto Alegre, estão entre os que recebem ou encomendam exemplares figuras como Franz Metzler, Feodor
Jacobi, Otto Fenselau, além de outros 123 listados entre os “amigos”. Entre as instituições, a Sociedade Germânia , o
Deutsches Männerquartett, a redação do Deutsches Volksblatt, a Verein für Naturgemässe Lebens- und Heilweise
(Sociedade de Physicultura), a Gewerbeschulverein (Sociedade escolar profissional) e a Deutschen Hilfsverein-
Schulen (Escola da Associação Beneficente) são algumas das quais se pode conferir o recebimento ou encomenda.
Friederichs também envia a obra para o interior e outros estados onde existisse alguma concentração étnica alemã.
Recebem o cancioneiro amigos, sociedades de ginástica e redações de jornais em língua alemã de municípios como
São Leopoldo, Cachoeira, Montenegro, Santa Cruz, Santa Maria, Ijuí, Panambi e São Sebastião do Caí. Fora do Rio
Grande do Sul, o Liederbuch atinge instituições de Blumenau, Brusque, Joinville, em Santa Catarina; Curitiba, no
Paraná; Juiz de Fora, em Minas Gerais; Rio de Janeiro, e São Paulo. Instituições na Alemanha, como a redação do
Rheinischer Beobachter de Berlim também estão entre os que recebem a pequena publicação. Estes dados foram
encontrados em diversas cartas do fundo JAF, ABM.O sentido de tal levantamento, mesmo que impreciso, é poder
dimensionar a extensão da mensagem propagada pelo Liederbuch e, evidentemente, pelo seu editor.
232
A obra teve boa receptividade nos círculos para os quais foi enviada. Notas na imprensa
elogiavam a iniciativa, a propriedade dos fins e a postura de Aloys frente à questão da identidade
teuto-brasileira. O jornal Rio Zeitung (uma publicação carioca) apresentava um resumo do
cancioneiro, reproduzia trechos do prefácio e concordava com a linha ideológica de Friederichs:
O sr. Friederichs tem toda razão: em respeito a isso não há muita clareza e
é preciso sempre de novo salientar que o teuto-brasileiro deve reunir ambos: o
amor pelo Volkstum e a fidelidade à pátria. Não aquele que apenas faz justiça às
suas obrigações como teuto-brasileiro, ele apenas encontra-se com seu corpo no
país, mas vive com o espírito na Alemanha; tampouco aquele que crê que deveria
cumprir suas obrigações como cidadão brasileiro e abandonar o seu Volkstum
alemão. Mas sim ser fiel à língua e fiel ao país, este deve ser o lema. Neste sentido
deve ser coordenada toda a atividade das sociedades entre os teuto-brasileiros.
396
Outros órgãos da imprensa teuta divulgaram e comentaram a publicação, alguns mais
outros menos detalhadamente: Kolonie Zeitung (Santa Cruz), Serra-Post (Ijuí), Deutsche Post
(São Leopoldo), Der Kompass (Curitiba), Vaterland (Porto Alegre) e Deutsches Volksblatt (Porto
Alegre).
397
Amigos e demais contatos pessoais de Friederichs também elogiaram o trabalho
realizado. Hugo Metzler, diretor do Deutsches Volksblatt, felicita pela iniciativa, considerando-a
um importante serviço ao Deutschbrasilianertum (teuto-brasilidade);
398
sugere a publicação,
numa próxima edição, da Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, numa tradução livre de
Pe.Ambrósio Schupp — o que foi aceito e realizado na edição de 1927. Otto Bromberg, grande
396
Herr Friederichs hat ganz recht: in dieser Beziehung herrscht noch viele Unklarheit, und es muss immer wieder
hervorgehoben werden, dass der Deutsch-brasilianer beides zu vereinigen hat: Liebe zu seinem Volkstume und
Treue zu seinem Vaterlande. Nicht derjenige wird seine Pflicht als Deutschbrasilianer gerecht,der immer nur mit
seinem Leibe im Lande weilt, geistig jedoch in Deutschland lebt,; ebensowenig aber derjenige, der glaubt, er müsse,
um seiner Pflicht als Bürger Brasiliens nachzukommen, sein deutsches Volkstum aufgeben. Sondern treu der Zunge
und treu dem Lande, das muss seine Losung sein. In diesem Sinne muss alle Vereinstätigkeit unter den
Deutschbrasilianern geleitet werden”. RIO ZEITUNG, Rio de Janeiro, 17 nov. 1922, (recorte), JAF 0545. ABM.
397
Recortes, JAF 0541, 0542, 0546, 0548, 0549 e 0550. ABM.
398
HUGO METZLER. Carta para J. Aloys Friederichs, s.d., JAF 0381. ABM.
233
empresário alemão do Rio de Janeiro, reconhece a importância do Liederbuch e de Friederichs
“para a conservação da genuína germanidade”.
399
Em razão da “grande ressonância”
400
encontrada pela edição de 1922, chegando a ficar
“rapidamente esgotada”
401
, é lançada uma nova em 1927 com conteúdo parcialmente modificado
e tiragem de 3000 exemplares (Friederichs, 1927, p.4). Novas músicas foram integradas,
totalizando 286 canções, inclusive duas em língua portuguesa: a Canção do Exílio, de Gonçalves
Dias, acompanhada de uma versão em alemão produzida pelo Pe. Ambrósio Schupp – aquela
sugerida em 1922 por Hugo Metzler — e o hino nacional brasileiro. A introdução destas duas
tornava mais efetiva uma das intenções da obra — que era objetivo do concurso de 1906: “a
criação de um repertório de canções que celebrassem ‘a glória do Brasil em língua alemã’”
(Grützmann, 1999, p. 185). Cantar as glórias da pátria brasileira com os instrumentos que a
identidade étnica alemã lhe proporcionavam era, então, um dos deveres de todo o teuto-brasileiro
na perspectiva dos intelectuais do grupo, especialmente de Friederichs.
O jornal Neue Deutsche Zeitung comenta que a edição anterior conquistou grande
popularidade “em todos os círculos teuto-brasileiros”. Prova disso é o re-lançamento da obra
poucos anos mais tarde.
402
Novamente o pequeno cancioneiro de bolso é recebido como “um
importante assistente do cultivo das tradições alemãs em nosso país”;
403
como “um amável
399
OTTO BROMBERG. Carta para J. Aloys Friederichs. 10 out. 1922. JAF 0483. ABM.
400
“...grosse Anklang...” DER KOMPASS, Curitiba, 25 jan. 1928, (recorte), JAF 0516. ABM.
401
“... war schnell vergriffen...”, VATERLAND, Porto Alegre, 31 dez. 1927, (recorte), JAF 0518; também em
KOLONIE ZEITUNG, Santa Cruz, 12 mar. 1928, (recorte), JAF 0525. ABM.
402
Dass diese prächtige Liedersammlung nach verhältnismässig kurzer Zeit in einer zweiten Auflage erscheinen
musste, erweist ihre Beliebtheit, deren sie sich in allen deutsch-brasilianischen Kreisen erfreut”. NEUE
DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 05 jan. 1928, (recorte), JAF 0519. ABM.
403
“...als wichtigen Helfer zur Pflege deutscher Überlieferungen in unserem Lande ...”. SERRA POST, Ijui, 10 jan.
1928, (recorte), JAF 0515. ABM.
234
presente de Natal para a germanidade brasileira”;
404
como um “despertador”, “admoestador” e
“conservador”.
405
Sua importância até é comparada à Bíblia: ambos fazem parte “de toda a casa
alemã na cidade ou no campo”.
406
Através do Liederbuch, Friederichs promovia a germanidade,
reforçando um de seus pilares (eleitos pelos germanistas): a canção alemã.
Em 1928, Aloys Friederichs decide publicar seus discursos proferidos nas festas da
Federação de Ginastas e da Liga das Sociedades Germânicas. Em “Reden bei Feiern ...”, é
encontrado, de forma compacta, o seu posicionamento concernente à relação dos teuto-
brasileiros com suas tradições, a cultura ancestral e sua integração à nova pátria. Nesta
concentram-se reflexões a respeito do significado e importância do Volkstum para a população
imigrante, da fidelidade devida à pátria que os acolheu, dos meios que podem garantir a
manutenção e o fortalecimento da identidade étnica e também da posição assumida pelo
Turnerbund em meio a estas questões.
Friederichs justifica que havia tido a idéia da publicação por volta de 1926 como forma
de não condenar os discursos ao esquecimento; mas resolveu deixar, naquele momento, o projeto
de lado. Reanimado, em 1928, diz que:
Também não quero ocultar, que para mim era importante o trabalho
alemão realizado, o trabalho de muitas horas, dias e semanas, que eu fazia além do
cumprimento de minhas obrigações profissionais. Este trabalho alemão foi para
mim muito caro para [deixar] apenas para as respectivas horas de nossas festas. O
receio — talvez por parte de meus próprios amigos
de não ser corretamente
entendido, me fez mudar de idéia.
407
404
Ein liebes Weihnachtsgeschenk hat ‘Turnvater’ J. Aloys Friederichs dem brasilianischen Deutschtum auf den
Gabentisch gelegt:...”. DEUTSCHE POST, São Leopoldo, 25 dez. 1927, (recorte), JAF 0517. ABM.
405
Das Liederbuch will einem patriotischen Zwecke dienen und “Wecker”, “Mahner” und “Erhalter” sein.”
RIOGRANDENSER SONNTAGSBLATT, Porto Alegre, 15 jan. 1928, (recorte), JAF 0520; também em KOLONIE-
ZEITUNG, Joinville, 24 jan. 1928, (recorte), JAF 0521. ABM.
406
“.. . das Liederbuch gehört wie die Bibel in jedes deutsches Haus in Stadt und Land. KOLONIE ZEITUNG,
Santa Cruz, 12 mar. 1928, (recorte), JAF 0525. ABM
407
Auch will ich nicht verhehlen,dass es mir um die geleistete deutsche Arbeit, die Arbeit vieler Stunden, Tage und
Wochen, zwischen der Erfüllung meiner Berufspflichten, ging. Diese deutsche Arbeit war mir zu teuer für nur die
235
Nota-se aqui uma certa dose de vaidade pessoal
408
aliada a um auto-reconhecimento da
figura de Friederichs como uma liderança com importante contribuição para a germanidade dos
teutos no Rio Grande do Sul. O desejo de perpetuar seu pensamento através da palavra escrita,
impressa e difundida assume aí uma dimensão autobiográfica. A coletânea de discursos em forma
de livro pode ser analisada como uma espécie de “escrita de si”, a partir da qual o personagem
constitui uma imagem de orador, líder, defensor da germanidade. Mas esta publicação também
tem o objetivo de reforçar as idéias propagadas pela fala.
A obra Reden bei Feiern der Turnerschaft und des Verbandes Deutscher Vereine,
publicada pela editora Rotermund, de São Leopoldo, foi lançada em maio de 1928. Compreende
um conjunto de 11 discursos proferidos por Friederichs desde 1911 até a data da publicação:
Festrede bei Einweihung unseres Spielplatzes am 21. Mai 1911 (Discurso festivo
da inauguração de nosso campo de jogos em 21 de maio de 1911);
Weihe-Rede gehalten bei der Götzfeier am 2. April 1916 (Discurso solene
proferido na festa de Götz em 2 de abril de 1916);
Festrede gehalten beim Bühnen-Weihefest am 17. Dezember 1921 (Discurso
festivo proferido na festa de inauguração do palco em 17 de dezembro de 1921);
Festrede bei der vom Verbande Deutscher Vereine in Porto Alegre veranstalteten
Jahrhundertfeier der Unabhängigkeit Brasiliens (Discurso festivo da Festa de
Cem anos de Independência do Brasil organizada pela Liga das Sociedades
Germânicas);
Festrede gehalten am Festabend des 14. Juli 1923, anlässlich des 13. Deutschen
Turnfestes in München (Discurso festivo proferido na noite de festa de 14 de julho
de 1923, por ocasião da 13
o
Festa Alemã de Ginástica em Munique);
25 Jahre Turnverein Cahy – 25. August 1923 (25 anos da Sociedade de Ginástica
Caí – 25 de agosto de 1923);
Festrede gehalten auf dem Deutschen Tag in Porto Alegre (Discurso festivo
proferido no “Dia alemão” em Porto Alegre) [1924];
jeweiligen Stunden unserer Feste. Die Befürchtung aber – vielleicht selbst von meinen Freunden – nicht richtig
verstanden zu werden, liess mich den Gedanken wieder fallen lassen”. “Erklärung” (Friederichs, 1928, p. 2).
408
Na documentação privada de Friederichs, é bastante recorrente a menção ao envio a amigos e parentes, no Brasil
e no exterior, de textos que produzia, fotos que realizava, notícias sobre as honras que recebia.
236
Festrede auf dem Jahrhundertfestkommers in Porto Alegre am 4. Oktober 1924
(Discurso festivo da festa dos Cem Anos em Porto Alegre em 4 de outubro de
1924)
Jahnfeier im Turnerbund Porto Alegre, am 13. August 1927 (Festa de Jahn no
Turnerbund Porto Alegre, em 13 de agosto de 1927)
Gauturnfest in Estrella am 22. Oktober 1927 (Festa regional de Ginástica em
Estrela em 22 de outubro de 1927);
30 Jahre Turnverein Cahy, 19. Mai 1928 (30 anos da Sociedade de Ginástica Caí,
19 de maio de 1928).
Uma rápida análise dos títulos pode indicar que, como presidente do Turnerbund e da
Turnerschaft, Friederichs tinha o privilégio da palavra nas comemorações destas entidades,
encontrando aí um veículo para a exposição de suas idéias para uma coletividade; que era
reconhecido como representante da comunidade teuta, sendo chamado a falar em seu nome; que,
sendo constantemente convidado a falar, fosse um bom orador. Também é o que se conclui da
avaliação feita pela redação do Neue Deutsche Zeitung, em 19 de janeiro de 1924, ao comentar
sobre a comemoração do Deutscher Tag: “E então o discurso festivo. Também este ficou nas
mãos do senhor Aloys Friederichs, que encarregou-se desta função com grande habilidade e
delicadeza e desencadeou uma magnífica imagem aos ouvintes sem fôlego...”.
409
A
correspondência trocada entre Friederichs e o intendente de Taquari (município da “zona
colonial”), Antônio Porfírio de Menezes Costa, em 1924, sinalisa para as qualidades de orador,
assim como para o prestígio de Aloys na comunidade teuta do estado — reconhecido pela
autoridade política. A carta remetida pelo então intendente e representante do Partido
Republicano de Taquari convida o “prezado correligionário e respeitável amigo” Friederichs para
participar da campanha para o pleito eleitoral, fazendo parte de
suntuosa festa política no povoado Bom Retiro — sede do 2º distrito municipal —
de propaganda partidária, em que colocará bem alto o incontestável prestígio do
409
Und nun die Festrede. Auch diese lag in den Händen von Herrn Aloys Friederichs, der sich dieser Aufgabe mit
grossem Geschick und Takt unterzog und ein prächtiges Bild vor den atemlos lauschenden Hörern entrollte ...”.
NEUE DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 19 jan. 1924. ABM.
237
nosso Benemérito Chefe — o Exmo. Sr. Dr. A. A. Borges de Medeiros.
Incumbido pelo nosso glorioso Partido, faço chegar até vós o convite que ele me
incumbe de vos transmitir para que nos honreis com a vossa simpática presença e
para que, na língua de Goethe, que com maestria manejais, conciteis, com
vossa palavra fluente e convincente, o nosso eleitorado de língua germânica
[grifo meu].
410
Em resposta, Aloys Friederichs recusa e desculpa-se:
Me desvanece o conceito que V.S. tem sobre minha obscura pessoa.
Tenho, porém, de dizer à V.S. que bem a meu pesar não posso desempenhar o
papel que me foi confiado. Sempre tenho votado com o Partido Republicano e
votarei, não passando além, porém, o meu desenvolvimento político. Assim peço
a V.S. não ver em minha recusa menosprezo ou má vontade — um discurso
reunião política é coisa de que nunca tratei e não me senta”.
411
Se discursos em reuniões de fins eminentemente político-partidários não o agradavam —
ou não “sentavam-lhe” bem —, falar em alemão para os integrantes do grupo étnico era, para
Aloys, bastante familiar, ressaltando as qualidades do Deutschtum, pregando a “dobradinha”
“amor ao Brasil e fidelidade ao modo de ser alemão”. Também em 1924, Friederichs foi
convidado a discursar, em língua alemã, na festa do centenário da imigração, em São Leopoldo.
Arthur Ebling — integrante da comissão dos festejos — fazia o pedido “em nome da
germanidade do estado”.
412
Apesar da familiaridade que tinha com este tipo de manifestação,
desta vez recusou em razão do luto pela morte da esposa: “eu não estou, de modo algum, disposto
a discursar; me falta neste momento tudo, tudo o que poderia me tornar disposto ou
estusiasmado”.
413
Em 1928 — ano auge de sua atuação como liderança — Aloys Friederichs edita esses
discursos com o objetivo de reafirmar suas posições para que pudessem ter continuidade,
410
ANTÔNIO PORFÍRIO DE MENEZES COSTA. Carta para J. Aloys Friederichs. 1 mar. 1924. JAF 093 ABM.
411
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Antônio Porfírio de Menezes Costa, 6 mar. 1924, JAF 0092, ABM.
412
ARTHUR EBLING. Carta para J. Aloys Friederichs. 11 set. 1924. JAF 1961. ABM.
413
“... ich bin so ganz und gar nicht zum Reden gestimmt, mir fehlt im Augenblick alles, alles, was mich zu einer
Rede stimmen und begeistern könnte”. J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Arthur Ebling. 13 set. 1924, JAF 1290.
ABM.
238
compreensão e força. O alcance de suas idéias dificilmente poderá ser medido. Chegou aos
ouvidos dos que presenciaram seus discursos, aos olhos e mentes dos que os leram depois de
publicados, chegou também ao conhecimento de elementos externos ao grupo étnico. Através dos
discursos falados e, posteriormente, impressos, Friederichs reforça a importância do cultivo do
Deutschtum, dos instrumentos que o possibilitam, e torna inteligível seu modo de ver a integração
dos teutos à nação brasileira.
A quarta publicação mencionada, de 16 páginas, denominada Grundsätzliche
Betrachtungen zur Anschlussfrage (Considerações a respeito da questão da anexação) foi
produzida em 1937 para ser distribuída às associações teuto-brasileiras — clubes, comunidades
religiosas, escolas — com o intuito de impedir a filiação destas a entidades estrangeiras alemãs.
O texto aparece num momento em que várias sociedades já haviam aderido a esta filiação e que
os clubes de ginástica que compunham a Turnerschaft discutiam a adesão desta à Reichsbund für
Leibesübungen. O número de exemplares produzidos, quantos foram distribuídos, quantos foram
lidos e quantas instituições foram influenciadas por ele não foram encontrados. No entanto, trata-
se da recolocação do discurso de Friederichs no meio associativo num momento em que este já
havia se retirado de cena; da renovação de seus antigos ideais frente a uma conjuntura de forte
interferência das idéias nacional-socialistas nos círculos teutos no Brasil. Neste manifesto,
Friederichs reafirma seu ideal de inserção do teuto no Brasil, seu discurso germanista peculiar,
sua ligação com princípios nacionalistas talvez “fora de moda”, mas também sua percepção
conjuntural.
239
4.2 Conexões com o Deutschtum
Se Friederichs foi um dos ideólogos do germanismo no sul do Brasil — como afirmado
por Grützmann (1999, 2003a) —, é importante definir, afinal, o que isso significava
efetivamente. Considerando o germanismo um movimento intelectual, uma ideologia, uma forma
de interpretação específica, ser seu ideólogo denota uma posição de ponta na proposição de idéias
e não apenas a reprodução de um discurso formulado por outros. Mesmo como liderança de um
movimento intelectual, no entanto, Friederichs compartilhava princípios com os demais
germanistas, o que lhes permite serem vistos como um movimento, um tipo de interpretação, uma
ideologia característica. Por isso, retomo alguns dos preceitos básicos desta ideologia para colidi-
los com o germanismo manifestado nos escritos de Friederichs.
A temática aqui abordada recebeu diversas contribuições de pesquisadores da área da
História e da Antropologia Social; me atenho, porém, a algumas análises que considero mais
abrangentes e satisfatórias para o estudo do germanismo. Refiro-me, às pesquisas desenvolvidas
por Seyferth (1981 e seguintes), Gertz (1992,1998) e Grützmann (1999, 2003) que tratam do
germanismo ou de seu produto — a identidade teuto-brasileira. A partir destes autores, busco
compreender os fundamentos deste modo de pensar — e a identidade que propõem – e encontrar
no que se assemelha e no que difere o discurso de Friederichs.
O germanismo é um movimento intelectual surgido entre meados do século XIX e a
década de 1940 entre indivíduos do grupo étnico alemão no Brasil, tendo como preocupação
central a defesa da identidade étnico-nacional da população imigrante.
414
Foi encabeçado por
414
É importante lembrar, como bem o fez Grützmann (2003b, p.117), que o germanismo não é um movimento
exclusivo ao sul do Brasil, mas que também se manifestou em outros países que receberam imigração de alemães,
como a Argentina e o Chile. Caracteriza-se, portanto, por ser um movimento desenvolvido “no exterior”, junto às
populações imigrantes, voltado aos de cultura alemã fora do território alemão.
240
figuras da elite teuta
415
— jornalistas, professores, pastores, comerciantes, industriais —, que
forjaram uma identidade específica para esta população com base na distinção étnica —
propriamente etnocêntrica — em que são tomadas características culturais e biológicas como
elementos diferenciadores. Como o próprio nome revela, o germanismo não é apenas um
movimento de valorização de um caráter, identidade ou modo de ser alemão, mas também tem
suas origens numa concepção de unidade cultural germânica própria ao nacionalismo do século
XIX. Estes elementos — a identidade alemã e a sua representação ou ideologia nacionalista —
são denominados pelo mesmo termo — Deutschtum — que, para o germanismo desenvolvido no
sul do Brasil também engloba a idéia de “população de origem alemã”. Germanismo (a ideologia
étnica), germanidade (a identidade, etnicidade, caráter ou essência do povo alemão) e a
população de alemães e seus descendentes no Brasil são identificados no discurso germanista
pela mesma palavra, que fornece a raiz para a formação de uma especificidade brasileira: o
Deutschbrasilianertum (a identidade ou etnicidade teuto-brasileira).
As idéias que compõem o germanismo advêm, de um modo geral, do romantismo alemão,
que serviu de alicerce para a formação de um sentimento nacional, um desejo de unidade como
nação, a base do nacionalismo alemão do século XIX. Os românticos buscaram na língua o elo de
ligação do povo germânico, traço comum aos indivíduos da nação alemã, uma idéia de nação
cultural que não previa a unificação política. Com a dominação francesa a partir de 1806, inicia-
se um novo momento para o desenvolvimento das idéias nacionalistas, no qual a coesão nacional
de caráter político passa a ser idealizada (Seyferth, 1981, p.21). É neste momento que Friedrich
415
Aqui os autores citados parecem divergir um pouco. Seyferth (1981) trabalha com a idéia de uma auto-
representação dos imigrantes e descendentes como teuto-brasileiros baseada na ideologia étnica, embora afirme que a
ênfase na identidade teuto-brasileira fosse dada pelas “elites locais” (Seyferth, 1999. p.75). Gertz (1998, p.33-34)
critica-a por “incorrer no equívoco de pressupor que tudo o que os ideólogos do germanismo diziam era
integralmente endossado pela totalidade da população de origem alemã”. Para Gertz, o germanismo ou a ideologia
étnica teuto-brasileira teve aceitação apenas no meio urbano e entre os que ascenderam economicamente.
241
Ludwig Jahn cunha o termo Volkstum (caráter nacional, etnia) e propõe o Turnen como atividade
pedagógico-patriótica. A unificação começa a ser pensada, desejada e elaborada, sem que haja,
contudo, uma proposta de consenso para a constituição de um Estado.
416
No entanto, a idéia de
nação de nada dependia da existência ou não de um Estado alemão, na medida em que ambos
eram entidades completamente distintas nesta tradição. A nação deveria estar circunscrita a todos
os povos de língua alemã, permanecendo então um critério lingüístico como princípio da
nacionalidade. No início do século XIX, esta idéia, contudo, não ultrapassava as fronteiras sociais
de uma elite letrada, uma comunidade intelectual que buscava falar o mesmo idioma, construir
uma língua nacional (Schulze, 1997, p.159). Fica claro, então, que quem “imagina” a nação
alemã é uma intelectualidade burguesa.
Deste modo, o nacionalismo alemão foi gestado a partir de um movimento literário e
cultural, somando-se a isso uma reação ao domínio francês napoleônico. Elaborou as noções de
Volkstum (etnia, caráter nacional), Deutschtum (caráter nacional alemão) como articuladores de
uma unidade baseada na língua e tudo o mais que estava interligado a ela: literatura, música,
folclore.
417
Mais para o fim do século XIX, outros ingredientes foram adicionados ao conjunto de
idéias que formavam a ideologia nacionalista, sendo temperada por teorias evolucionistas e
raciais, ou pela noção de superioridade ariana e anti-semitismo (Grützmann, 2003b, p.118). Não
compunham, contudo, o nacionalismo dos pensadores da nação do início do século. Havia sim
um etnocentrismo, uma noção de superioridade do “povo alemão”, que não se pautava por
416
Seyferth (1981, p.25) entende este processo de construção do Estado-Nação no início do século XIX como “uma
grande confusão”, já que não havia unidade de propostas, “não havia uma identidade comum de opiniões em torno
do que deveria ser o Estado Nacional alemão”.
417
Segundo Grützmann (1999, p.79), “por Volkstum, termo cunhado por Friedrich Ludwig Jahn, os seus defensores
entendem o conjunto de características étnicas e culturais de um povo, ou seja, o Volkstum é tudo que concerne a
filiação a um determinado povo. Assim, raça, língua, costume, hábito e índole. A palavra Deutschtum, por sua vez,
engloba a especificidade germânica, a essência do povo alemão, da virtude alemã, da língua alemã.”
242
critérios raciais, porém lingüísticos e de descendência. Uma percepção culturalista, em que traços
como a língua e costumes diferenciam o grupo, é somada à percepção primordialista da
etnicidade, em que a descendência, os laços familiares, os vínculos de sangue distinguem quem
faz parte da etnia e, conseqüentemente, da nação alemã. Sendo assim, na proposta nacionalista
deste período, etnia e nacionalidade são dois termos que se fundem nas expressões Volkstum e
Deutschtum (germanidade).
A experiência de construção do Estado Nacional alemão estava calcada, inicialmente,
num nacionalismo de caráter liberal, inclusive com pretensões republicanas. A vitória da proposta
prussiana, apoiada num triunfo bélico, enterrou os anseios liberais, transformando o nacionalismo
alemão de liberal em autoritário e paternalista. Seyferth (1981, p.28) refere-se a isso como “uma
mistura do autoritarismo prussiano com as idéias de alguns intelectuais do movimento romântico
e dos que lançaram as bases teóricas de uma nação alemã em 1813. O liberalismo foi superado e
o povo conduzido pela herança de disciplina, autoridade e eficiência da Prússia”.
No período em que surge o Estado Nacional alemão, em que indivíduos de etnia e
nacionalidade alemã se tornam cidadãos alemães, inicia-se também o interesse pelos seus
emigrados — irmãos de sangue, etnia e nacionalidade. É, portanto, no fim do século XIX que,
entre os alemães de “além-mar”, um conjunto de fatores fazem brotar a “reflexão sobre a
preservação consciente da germanidade” (Gertz, 1998, p.32): a imigração de cidadãos do Reich
para o Brasil; a condução do movimento nacionalista na Alemanha numa linha unificada;
418
a
ascensão social de imigrantes, sobretudo no comércio, e o assédio de instituições alemãs voltadas
às populações emigradas no sentido de revinculá-las à Alemanha são alguns destes fatores.
418
Seyferth (1981, p.34) explica que, no período de Bismarck, “o nacionalismo alemão tomou um caráter não liberal
e paternalista, desvirtuado de algumas idéias mais importantes de 1813. Os intelectuais mais importantes dessa época
aceitaram aos poucos a sociedade autoritária, imposta pelos ideais militaristas prussianos, conservadora e
culturalmente calcada nos valores do passado”.
243
O germanismo surge, no Brasil, em meio a uma sociedade multi-étnica, na qual a
experiência da imigração e da colonização — e conseqüentemente do contato inter-étnico — foi
responsável pela constituição de uma identidade que não se igualava mais à cultura original, nem
tão pouco ao ideal nacionalista do que seria um “autêntico” ou “legítimo” alemão. Alguns
pesquisadores do tema denominaram de “assimilação” e “aculturação” o processo ocorrido nas
“colônias alemãs” do sul do Brasil (Willems, 1980); outros de “sincretismo cultural” (Meyer,
2000); ou de produção de identidade a partir de processos de contato, interação e atribuição (ou
auto-atribuição) somados a um componente ideológico que resultaria numa ideologia étnica
(Seyferth, 1981 e seguintes).
419
A decorrência deste processo, para um ou outro, é um indivíduo
com características do grupo original, reforçadas pela oposição nas relações de contato (ou pelo
isolamento, em algumas explicações mais tradicionais), e características da sociedade receptora,
assimiladas ou aculturadas na negociação da identidade. Disso originou-se o “teuto-brasileiro” ou
o “brasileiro-alemão”. Este, porém, não é o “teuto-brasileiro” dos germanistas. Para estes, o que
ocorria nas “colônias alemãs” do sul do Brasil — de forma inconsciente, desordenada e
desorientada — era a perda da matriz essencial da identidade, o abandono dos elementos
fundamentais da cultura ancestral. Segundo Grützmann (2003b, p.133), “a denominação
‘desgermanização’ e/ou ‘abrasileiramento’, privilegiada pelos germanistas, não corresponderia a
419
Por assimilação, Willems (1980, p.7) entende o processo que “consiste no aparecimento de atitudes novas
emocionalmente associadas a valores culturais novos com que o imigrante vai estabelecendo contatos”. A
aculturação “compreende os fenômenos resultantes do contato direto e contínuo entre grupos de indivíduos
representantes de culturas diversas e as subseqüentes mudanças ns configurações culturais de um ou de ambos os
grupos” (Willems, 1980. p.21). Seyferth (2004, p.150-151) analisa a perspectiva de Willems ao recorrer à noção de
“cultura híbrida” como alternativa explicativa para superar os limites da “assimilação” e da “aculturação”. Ela atenta
para o significado deste conceito na década de 40, quando Willems produziu seus estudos: “é um indicador da
‘cultura marginal’ de descendentes de imigrantes, e suas muitas variações regionais urbanas e rurais são
materializadas por padrões de integração grupal que distanciam a maior parte da população teuto-brasileira da
sociedade nacional e até mesmo dos imigrantes recém-chegados, identificados pela categoria alemão-novo”. Meyer
(2000, p.71) explica o significado da expressão “sincretismo cultural”, alicerçada em Stuart Hall e Derrida, como
“um processo de produção cultural que não implica substituir o ‘velho’ pelo ‘novo’, mas que supõe a construção de
alternativas híbridas, que representam sínteses particulares de elementos de duas ou mais culturas e estas não podem
mais ser reduzidas a nenhuma das culturas iniciais”. .
244
uma perda da identidade, mas sinalizaria a constituição de fronteiras étnicas e padrões culturais
entre os imigrantes e seus descendentes, distintos, todavia, dos modelos definidos pelo
germanismo”.
Sendo assim, o germanismo tinha por objetivo reverter esse processo, restaurar a
“autêntica” germanidade entre os imigrantes e seus descendentes, fossem eles alemães
naturalizados ou cidadãos nascidos em território brasileiro. De acordo com Grützmann (2003a,
p.1), havia por traz disso o intuito dos germanistas de assegurar “seus interesses econômicos e
seu poder de comando no campo social e cultural, bem como a hegemonia das instituições a que
estão filiados”, o que caracterizaria o grupo étnico também como “grupo de interesse” (Cohen,
1974). Isso quer dizer que havia, ao lado da busca pela preservação étnica, a necessidade de
garantir a distinção do grupo em outros níveis do viver social. Não significa, no entanto, uma
determinação do econômico sobre o cultural, ou seja, que os interesses materiais estivessem por
trás.
420
A luta pela germanidade constituía-se, isso é visível, numa resistência à assimilação,
critério básico para a integração à nação brasileira. Neste propósito, propunham a construção de
uma identidade teuto-brasileira em que os elementos de uma e de outra estariam por eles bem
definidos. Nesta identidade hifenizada, a porção “teuta” afirmaria a ascendência, a origem étnica
e nacional e a lealdade à língua, aos costumes, às instituições, enfim, ao modo de ser alemão. Por
definirem, a partir da noção alemã, a nacionalidade por critério de ascendência, consideravam
legítimo que os imigrantes assim como seus descendentes — nos quais corre sangue alemão —
partilhassem dessa mesma identidade nacional. À porção “brasileira”, por outro lado, ficariam
420
A autora interpreta que a propaganda germanista vinha a beneficiar as casas comerciais e editoras, garantindo-
lhes clientela e recursos econômicos. Inclui os empreendimentos de J. Aloys Friederichs entre estes que se valiam do
germanismo para fins materiais, dizendo que, “em função de seus interesses comerciais, mantinha fortes ligações
com a Alemanha” (Grützmann, 1999, p.386). Entendo, no entanto, que não são apenas estas motivações que movem
as ações dos indivíduos ou determinam suas crenças ou ideais, mesmo aos membros de uma elite econômica – que
também era elite intelectual. Acredito que tanto a crença numa mesma origem quanto a defesa de interesses comuns
mobilizem ao mesmo tempo a comunidade étnica.
245
garantidas a lealdade política e todas as obrigações que a ligação a um Estado comportam. Do
ponto de vista jurídico, esta equação pautava-se no “jus sangüinis”, concepção utilizada como
critério de nacionalidade até hoje na Alemanha.
421
Tal definição identitária entrava em choque
com o princípio jurídico vigente no Brasil para a aquisição da nacionalidade — o “jus solis” —
que previa nascimento no território ou naturalização.
422
Mais do que contrariar o princípio oficial,
esta formulação proposta pelos germanistas ia de encontro aos fundamentos ideológicos da
brasilidade, pautados pela assimilação e eliminação das diferenças étnicas — o que será retomado
no próximo sub-capítulo.
Não é possível afirmar que o germanismo foi vitorioso conquistando aceitação da
totalidade da população teuta no sul do Brasil. Na avaliação de Gertz (1998, p.45), tudo indica
que esta ideologia teve maior aceitação entre as elites urbanas de origem alemã. Afirma ainda que
os camponeses ficavam alheios à questão e as camadas médias das pequenas cidades do interior
preferiam aderir à língua portuguesa “e com freqüência assumem posturas de ‘renegados’”.
Mesmo que seja relativizada esta afirmação, ela expressa uma tendência de comportamento e um
alcance limitado da ideologia étnica. Além disso, deve-se levar em conta os diferentes matizes
das proposições teóricas dos germanistas, influenciados estes por princípios religiosos, políticos
ou geracionais. Alguns deles aproximavam-se mais da proposta de Koseritz, outros, como
421
A pesquisa realizada pelo antropólogo Jens Schneider (2004) a respeito da identidade nacional de alemães e
brasileiros mostra que a ascendência ainda hoje é o critério de garantia de nacionalidade e direitos como cidadão na
Alemanha, caracterizando-se assim o princípio jurídico do “jus sanguinis”. No Brasil, pelo contrário, é a partir do
nascimento em território brasileiro que se conquista tais direitos, seja de que “ventre” vier. A questão mais
interessante do trabalho de Schneider é a auto-representação da identidade nacional em cada país, que reproduz
“predominantemente um discurso coerente com os critérios oficiais de definição de nacionalidade” (p.105).
422
Schneider (2004, p.104) lembra que o estabelecimento destes princípios está em consonância com suas histórias
nacionais. Cita os Estado Unidos e a Austrália como outros exemplos de países que seguiram o modelo do “jus soli”,
países que, como o Brasil, constituíram-se como “sociedade de imigrantes”. Em relação ao Brasil, afirma que esta
“não foi somente a forma mais lógica de integração nacional em um país que vivia (e promovia) a imigração maciça,
como acabou por tornar-se parte da retórica nacionalista brasileira.” Schneider não se refere à “lógica” do
estabelecimento do critério da descendência na Alemanha, mas é de se supor, pelo que foi desenvolvido
anteriormente, que a história nacional também tenha tido aí preponderância, que o ideal de nação unificada tenha
surgido antes do desejo e da efetivação do Estado Nacional alemão e de sua delimitação territorial.
246
Oberacker, o consideravam “incapaz de proclamar com convicção a imprescindível
autopreservação étnica” (Gertz, 1999, p.8); alguns se deixaram seduzir pelo nacional-socialismo,
outros permaneceram arraigados em seus ideais construídos na tradição do II Reich alemão; uns
vieram antes, outros depois. Levando em conta a extensão cronológica do desenvolvimento desta
ideologia — praticamente 60 anos — e as influências no campo religioso e político sobre a
elaboração do pensamento germanista, já se denota que este não possuía uma unidade fechada,
que não se constituía de um corpo doutrinário compacto e coeso, o que lhe permitiu
interpretações de nuances diferenciados e acalorados debates entre a intelectualidade que pensou
a identidade dos teutos no Brasil.
Entre os germanistas iremos encontrar jornalistas como Karl von Koseritz, pastores como
Hermann Dohms, editores como Franz Metzler, poetas e professores, como Otto Meyer, além de
profissionais dos setores comercial e industrial como o próprio Friederichs. Cada qual buscou
propagar suas idéias em seu círculo de influência através dos instrumentos que lhes eram
oferecidos: a grande imprensa, publicações periódicas de menor alcance, livros, cancioneiros,
discursos festivos. Na década de 30, o tema rendeu até duas teses acadêmicas: Die
volkspolitische Lage des Deutschtums in Rio Grande do Sul (A situação étnico-política no Rio
Grande do Sul), de Carlos Henrique Oberacker e Der brasilianische Integralismus, de Carlos
Henrique Hunsche (Gertz, 1998, p.37). Friederichs se valeu dos espaços disponíveis no meio
associativo, como liderança étnica e bom orador, além da imprensa, utilizando-se também dos
meios editoriais independentes para divulgar suas idéias. Suas posturas fizeram-no mover-se com
certa facilidade entre os teutos e os brasileiros até que a radicalização das identidades nacionais
— no Brasil e na Alemanha — o fizeram calar.
247
* * *
O cerne do pensamento de Friederichs é a composição entre “amor ao Brasil” e
“fidelidade ao Volkstum alemão”, o que quer dizer cultivar um sentimento patriótico em relação
ao país que acolheu a população imigrante, sem, contudo, perder as características étnicas que
distinguem os alemães dos demais neste meio multi-étnico. Esta noção foi desenvolvida na
prática em suas atividades e na teoria em discursos festivos e publicações. A idéia-mestra do
pensamento de Friederichs pode ser encontrada, por exemplo, no cancioneiro que editou em
1922, tanto na apresentação intencionalmente redigida, como nas canções selecionadas. Em
Grützmann (2003a), encontramos uma análise pormenorizada desta obra no que concerne aos
pressupostos que a envolvem. Alinhado ao ideário germanista — para o qual há um desencontro
entre as concepções de nacionalidade e cidadania —, Aloys frisa, sempre que lhe parece
apropriado, a necessidade da fidelidade e lealdade em relação à pátria brasileira para que se possa
viver plenamente sua identidade étnica alemã. Por outro lado, a condição para que o teuto-
brasileiro tenha uma atitude exemplar de cidadão é a manutenção de suas características étnicas
— herdadas por laços familiares. Segundo Grützmann (2003a, p.3), Friederichs reproduz o
argumento fundamental do germanismo, para o qual a etnicidade — e, no caso, a germanidade —
é imutável, intrínseca ao indivíduo. Por isso, não deve transformar esta sua natureza, o que lhe
tornaria um ser humano fraco e de pouca utilidade para a pátria.
Assim, conecta as duas partes que traduzem a categoria “teuto-brasileiro” numa relação
de dependência de forma que nenhuma possa sobreviver sem a outra. Friederichs é, portanto, um
ferrenho defensor da categoria “teuto-brasileiro” — própria ao pensamento germanista — para a
248
qual o indivíduo conserva a nacionalidade alemã — que é definida por sua condição étnica,
herdada pelo sangue — e a cidadania brasileira.
423
Em seus escritos — muitos deles antes construídos para serem ouvidos — encontram-se,
nas linhas e nas entrelinhas, os ideais defendidos por Friederichs — e por outros germanistas —
de fortalecimento da identidade teuto-brasileira, herança recebida do político Koseritz. Como pai
do “teuto-brasileirismo”, Koseritz “propunha a integração política, a luta pelo reconhecimento
dos direitos de cidadania, a fidelidade à nova pátria e a contribuição do ‘trabalho alemão’ para o
desenvolvimento brasileiro e, ao mesmo tempo, defendia o direito à peculiaridade étnica, isto é,
Deutschtum” (Seyferth, 2000a, p.299). A tônica de seu discurso estava na integração política dos
imigrantes alemães, na medida em que a cidadania ainda não havia sido garantida, principalmente
aos acatólicos. Na virada para o século XX, novas condições e influências foram moldando a
categoria “teuto-brasileiro”, recebendo diferentes acentos, enfoques e nuances de interpretação.
Como propagador da idéia do teuto-brasileirismo, Friederichs considera-se e aos seus
semelhantes “cidadãos do Brasil de origem alemã, de sangue alemão”; que os mesmos têm “tão
forte participação no desenvolvimento econômico desta bela e maravilhosa terra” e “discreção na
atuação política”.
424
É seu dever, como de todos os teuto-brasileiros, fomentar em seus filhos o
423
A base deste conceito está na “separação entre nacionalidade alemã, concedida pelo nascimento e transcendente
ao território geográfico e político, e cidadania, de natureza contingente, que representa o vínculo político com o
Estado nacional brasileiro, marcado por obrigações e condutas próprias. Essa ligação defendida por Friederichs e
pelos demais articuladores do germanismo toma como modelo o patriotismo do século XVIII, na Europa,
fundamentado na ética iluminista na qual predomina o aspecto moral deste vínculo. O amor à pátria, nessa acepção,
destina-se a uma paisagem, a um Estado dinástico ou a um soberano, afeto esse que se combinava com ideais
humano-universais, não estando ligado à ascendência do indivíduo, mas decorrente de uma atitude política de
lealdade. O patriotismo, na ótica germanista, não pressupõe a integração à nação brasileira, termo ausente de suas
reflexões. A ligação à pátria também não objetiva a transformação dessa fronteira étnica idealizada, sintetizada no
termo germanidade, não visa a adoção de outros padrões culturais e nem a prática da miscigenação racial, atitudes
sancionadas negativamente” (Grützmann, 2003a, p.4).
424
Und wir Bürger Brasiliens von deutschem Stamme, von deuschem Blute, die wir so gewaltigen Anteil an der
wirtschaftlichen Entwicklung dieses schönen und fruchtbaren Landes haben, politisch aber gar Zurückhaltung üben,
...”. “Festrede bei der vom Verbande Deutscher Vereine in Porto Alegre veranstalteten Jahrhundertfeier der
Unabhängigkeit Brasiliens” (Friederichs, 1928, p.17). MS. Friederichs fala em “discrição política”. Esta “discrição”
249
amor à pátria — filhos da terra brasileira, mas de sangue alemão.
425
Por isso, é preciso também
cultivar o amor e a fidelidade ao modo de ser alemão, ao seu caráter, à sua essência, à sua raiz
cultural ancestral, o que pode ser entendido como etnia. Ambos — pátria e etnia — se equivalem
em valor à família e à religião.
Este era o seu “programa de vida” (Lebensprogramm), pelo qual batalhou na atividade
associativa, pelo qual se empenhou na atuação oratória: “o fiel cultivo de nossa germanidade tem
os mesmos direitos ao lado da fidelidade ao amor à pátria brasileira”.
426
Considerava, portanto,
totalmente natural e justificável o empenho e dedicação em favor da pátria (Vaterland), o país de
nascimento — ou de naturalização —, a terra-natal (Heimat) e o apego à essência cultural
herdada dos antepassados. Entendido como herança, o Volkstum é imutável, não importa onde se
tiver nascido, não importa qual for sua pátria (Vaterland) e a sua terra-natal (Heimat).
427
Apesar da constante referência à igual fidelidade aos dois elementos — Volkstum e
Vaterland — a ênfase do discurso de Friederichs — ao menos até 1928 — parece recair sobre a
foi interpretada tradicionalmente como apatia ou falta de integração, o que Gertz vem refutando em suas pesquisas.
Este pesquisador não vê indícios para julgar a participação política das “colônias” alemãs como “inferior às demais
regiões do Estado”; que também ali havia polarizações e, durante o período borgista, as políticas de barganha.
425
“Jahnfeier im Turnerbund Porto Alegre, am 13. August 1927” (Friederichs, 1928, p.40).
426
Die treue Pflege unseres Deutschtums ist gleichberechtigt neben der treuen Vaterlandsliebe zu Brasilien”. “25
Jahre Turnverein Cahy, 25. August 1923” (Friederichs, 1928, p.23).
427
Rambo (1994, p.46) sugere a interpretação da palavra Heimat como torrão-natal – o que dá ainda mais sentido
sentimental – e “usando um termo regional, aproxima-se do sentido de querência”. A terra-natal também não precisa
coincidir com o lugar de nascimento: “uma pessoa pode construir a sua em qualquer parte do mundo. A única
condição é que a realize preservando o Deutschtum, que continue falando alemão e cante as belezas da Heimat
através de uma Lied, a legítima canção alemã” (Rambo, 1994, p.48). Assim, compreende-se que Volkstum é como a
identidade étnica, numa perspectiva de que ela é intrínsica, imutável, herdada pelo sangue, de origem ancestral, e se
encontra materializado na língua e outros artefatos culturais importantes. Vaterland é a pátria como lugar ao qual
deve-se lealdade e amor cívico (de onde vem a condição de cidadão); é definida pelo nascimento ou naturalização,
ambos concedem ao indivíduo um conjunto de direitos e deveres para com o país. Heimat também é traduzido por
pátria, de caráter menos jurídico e mais sentimental; para os que constroem sua Heimat em novo país a partir da
imigração, a terra de origem – a aldeia, a região – são a Urheimat (antiga terra-natal). Segundo Seyferth (1994, p.19),
a nova Heimat dos imigrantes é construída com base no processo de colonização, resultando na identificação da
“colônia” como sua Heimat no Brasil. Para os que habitavam centros urbanos, esta se traduz na comunidade étnica
ali reunida – daí também se falar em “colônia alemã de Porto Alegre”. Sendo assim, o conceito de Heimat abarca
tanto a identificação étnica como a territorial.
250
preservação do apego ao primeiro. O valor concedido ao Volkstum pode ser evidenciado na
seguinte passagem: “nosso Volkstum alemão é o solo materno fornecedor de forças no qual os
nossos fios da alma e da índole constantemente precisam imergir para um novo fortalecimento,
do qual nós retiramos as melhores seivas e forças, que nós colocamos à disposição de nós
mesmos para a bênção da pátria brasileira” (Friederichs apud Grützmann, 1999, p.99). A
avaliação de Friederichs carrega, como todo o discurso do Deutschtum, uma idéia de
superioridade germânica: do trabalho alemão, da índole alemã, dos valores, do modo de ser, da
cultura. Considero que o fato de ser um alemão nato e ter emigrado no final do século XIX tenha
influenciado essa ênfase em seu discurso. Considero também importante a constante atualização
de seu sentimento de pertença que as diversas viagens que realizou propiciaram.
À preservação da germanidade, Friederichs dedica a maior parte de sua fala e de sua
atuação pública. A razão disso pode se encontrar no fato de que há, no mesmo período da atuação
de Friederichs, um movimento em sentido contrário de constituição da identidade brasileira a
partir da integração e assimilação cultural dos imigrantes à sociedade “multi-étnica” de
dominação lusa.
428
Assim, a luta dos germanistas se dá no sentido de fortalecer a identidade
“original”, valorizar as características “intrínsecas” aos “de origem” alemã, evitar que o imigrante
ou o “brasileiro de sangue alemão” abandone ou renege sua essência. Isso não deve implicar em
desobediência ao Estado ou às instituições políticas: graças às virtudes próprias à essência, ao
caráter do povo (Volkstum), ele cultiva a fidelidade à pátria. Da mesma forma, só será um bom
cidadão brasileiro de sangue alemão aquele que dá o devido valor ao seu Volkstum. Em um de
seus discursos, enfatiza o seguinte:
428
Na verdade, a expressão mais adequada ao ideal de brasilidade em difusão nas primeiras décadas do século XX
seria a de sociedade “a-étnica” ou “não-étnica”. Segundo Seyferth (2000a, p.208), o ideal assimilacionista
republicano repudiava qualquer manifestação de identidade ou pertencimento étnico.
251
Quem não ama mais sua pátria, é um pobre desorientado homem; quem
não ama mais e não cultiva mais seu Volkstum, quem não aumenta e guarda os
tesouros, que são elevados e guardados no Volkstum ancestral cotidianamente
através do uso da língua materna, através de uma canção popular, através de um
bom livro, ficará internamente pobre e sempre mais pobre. E junto a este processo
de empobrecimento interior em uma única geração a pátria Brasil também será
traída; pois nós podemos apenas trabalhar entusiasmados para o progresso da
pátria, se se deixar forte e inteiro nosso modo de ser ancestral, nossa liberdade
interior e nosso Volkstum.
429
Em certos momentos, Friederichs valeu-se de apelos ainda mais diretos para persuadir sua
comunidade de ouvintes (ou leitores). É o caso da seguinte ameaça:
A quem entre nós, de raça alemã e de sangue alemão, não repicarem os
sinos da velha pátria de origem durante as sublimes comemorações do centenário
do trabalho alemão; quem não ouve no seu íntimo a voz da venerável, tantas vezes
humilhada, mas sempre grande e orgulhosa mãe Germânia; quem não confessa
com alegria e orgulho o Volkstum alemão, esse se separe de nós, nós lhe ajudamos
a fechar a porta atrás de si, nós não derramamos uma única lágrima por ele.
430
Neste exemplo, Friederichs utiliza-se do “paradigma negativo”, emprega “antimodelos”,
estigmatiza a conduta que não deve ser seguida. Esta estratégia é também bastante utilizada por
outros germanistas em diversas publicações, especialmente em poemas (Grützmann, 2003b,
p.142-143).
O posicionamento de defesa do Volkstum é defendido claramente nos discursos, com
ênfase maior em um ou outro aspecto, dependendo também do tema-motivação do texto. Em
429
Wer sein Vaterland nicht mehr liebt, ist ein armer irregeleiteter Mensch; wer sein Volkstum nicht mehr liebt und
pflegt, wer die Schätze nicht mehr hebt und hütet, die im angestammten Volkstum täglich durch den Gebrauch der
Muttersprache, durch ein Volkslied, durch ein gutes Buch, zu heben und zu hüten sind, wird innerlich arm und
immer ärmer. Und bei diesem innerlichen Armutsprozess wird in einigen Generationen schon das Vaterland
Brasilien mit betrogen; denn wir können nur begeistert am Forschritt des Vaterlandes arbeiten, wenn man uns
unsere ansgestammte Art, wenn man uns unsere innere Freiheit, wenn man uns unser Volkstum unverkümmert und
ungeschmälert lässt”. “25 Jahre Turnverein Cahy, 25. August 1923” (Friederichs, 1928, p.24).
430
Wem daher unter uns, der deutschen Stammes und deutschen Blutes ist, in diesen erhebenden Gedenktagen
deutscher Jahrhundertarbeit nicht die Glocken der alten Stammesheimat läuten, wer nicht in sich die Stimme der
ehrwürdigen, so oft gebeugten, aber stets grossen und stolzen Mutter Germania hört, wer sich nicht mit Freude und
Stolz zum deutschen Volkstum bekennt, der möge sich scheiden von uns, wir helfen ihm die Türe hinter sich
zumachen, wir weinen ihm keine Träne nach”. “Festrede auf dem Jahrhundertfestkommers in Porto Alegre am 4.
Oktober 1924” (Friederichs, 1928, p37).
252
1911, quando ocorre a inauguração do campo de jogos do Turnerbund (Spielplatz), Friederichs
acentua o vigor (Volkskraft) como um componente étnico enraizado em todo o alemão, no país
ou no “além-mar”, imigrante ou descendente:
Com cada emigrante alemão trabalhador-feliz vai junto um pedaço do vigor
alemão para os países estrangeiros, triunfando sobre os perigos da vida, que
fomenta a cultura por todos os lugares onde coloque seus pés. [...] o original,
nunca negado vigor alemão. Sim, ele também aqui deu bom resultado até os dias
de hoje, nos descendentes desses primeiros imigrantes, naqueles que só mais tarde
vieram, também dará bons resultados nos que vierem para cá nos novos tempos.
431
Este discurso ajusta-se perfeitamente ao ideário germanista, que defende que os
imigrantes e seus descendentes possuem uma essência compartilhada como povo alemão, a
mesma identidade étnica e nacional daqueles que habitam o território da Alemanha. Embora esta
identidade seja herdada, imutável — “um dado inexorável do destino” (Grützmann, 2003b,
p.124)
432
— e mantenha-se nas gerações nascidas noutro continente — o que aparece claramente
também nos discursos de 1923 e 1927 —, necessita ser cuidadosamente preservada e
constantemente cultivada, de modo que não seja perdida:
[...] magnífica herança: se nós não a guardarmos e cultivarmos, então ela será
devagar, mas seguramente esquecida. Cada patrimônio, seja ele o mais precioso,
será desperdiçado. Nesta intuição, já nos adverte com insistência nosso maior
poeta: “O que tu herdaste de teus pais, apropria-te disso para possuí-lo”. Ainda
temos o vigor alemão, ele ainda pulsa em nossa colônia alemã, em nossas escolas,
comunidades, federações e sociedades.
433
431
Mit jedem arbeitsfreudigen deutschen Auswanderer geht ein Stück deutscher Volkskraft hinaus in fremde
Länder, durchdringend in allen Fährnissen des Lebens, kulturspendend überall, wo sie festen Fuss fassen. (...) der
urwüchsigen, nie versagenden deutschen Volkskraft. Ja, sie hat sich auch hier bewährt bis zum heutigen Tage, in den
Nachkommen dieser ersten Einwanderer, in denen, die erst später kamen, und wird sich auch in denen bewähren, die
in neuerer Zeit hierher kommen”. “Festrede bei Einweihung unseres Spielplatzes am 21. Mai 1911” (Friederichs,
1928, p.4).
432
Segundo Grützmann (2003b, p.124), “a germanidade também é caracterizada como um elemento de contornos
fixos e imutáveis ao longo do processo histórico, extensiva de igual modo a todos os imigrantes e seus descendentes,
geralmente metaforizada na imagem da herança e do legado”.
433
“(...) herrliche Erbteil; wenn wir es nicht hüten und pflegen, dann geht es uns langsam, aber sicher wieder
verloren. Jedes Erbgut, und sei es das kostbarste, ist zu vergenden. In dieser Erkenntnis ruft uns schon unser
253
A fundamentação do pensamento de Friederichs pode ser traduzida nos critérios
primordialista e culturalista da etnicidade (Poutignat e Streiff-Fernart, 1998), na medida em que a
identidade que forma o grupo étnico é considerada herdada por laços de sangue, o que não
garante, porém, o pertencimento ao grupo. Para isso, é necessária a manutenção de um conjunto
de elementos culturais que os distinguem dos demais. Entre eles está o cultivo da ginástica alemã
Turnen — e da canção alemã — Lied.
Friederichs defende que o Turnen é um meio eficaz de preservação das virtudes e de
fortalecimento da identidade, para o que vinha então contribuir o novo campo de jogos — e de
ginástica ao ar-livre — inaugurado em 1911: “para que nós conservemos e aumentemos nosso
vigor, fortaleçamos nosso sentimento alemão e permaneçamos fiéis à nossa índole ancestral”.
434
A virtude herdada, trazida na bagagem dos emigrantes e cultivada através de meios apropriados
como a ginástica, resultaria em benefício para o Brasil: “E os frutos do vigor alemão, nós
oferecemos a Ti, Tu bela terra Brasil, nós oferecemos a Ti, Tu pátria augusta Rio Grande do Sul.
Com a índole alemã, com a “garra” alemã, nós queremos contribuir para Teu progresso”.
435
Em 1922, com a publicação do cancioneiro, Friederichs encontra uma forma de fortalecer
um dos instrumentos considerados pilares de preservação do Deutschtum. Com o Liederbuch,
pretende “entregar este livro ao teuto-brasileiro e pedir-lhe que fiel e efusivamente exercite e
cante a canção alemã” (Friederichs apud Grützmann, 2003a, p.2); que ele possa assegurar a
preservação da germanidade, promovendo uma atitude de “vigor e lealdade no amor e fidelidade
grösster Dichter die eindringliche Mahnung zu: ‘Was du ererbt von deinen Vätern hast, erwirb es, um es zu
besitzen’. Noch besitzen wir sie, die deutsche Volkskraft, noch pulsiert sie in unseren deutschen Kolonien, in unseren
Schulen, Gemeinden, Verbänden und Vereinen”. “Festrede bei Einweihung unseres Spielplatzes am 21. Mai 1911”
(Friederichs, 1928, p.4).
434
“... damit wir unsere Volkskraft erhalten und mehren, unser deutsches Gefühl stärken und unserer angestammten
Art treu bleiben”. “Festrede bei Einweihung unseres Spielplatzes am 21. Mai 1911” (Friederichs, 1928, p.5).
435
“Und die Früchte deutscher Volkskraft, wir bieten sie Dir, Du schönes Land Brasilien, wir bieten sie Dir, Du
engere Heimat Rio Grande do Sul! In deutscher Art, mit deutschem Fleisse wollen wir mithelfen an Deinem
Fortschritte”. “Festrede bei Einweihung unseres Spielplatzes am 21. Mai 1911” (Friederichs, 1928, p.5).
254
no cumprimento dos seus deveres perante a sua pátria”.
436
Imbuído de uma percepção romântico-
nacionalista, Aloys vê na canção popular alemã (Lied) um instrumento adequado e privilegiado
para a sensibilização das pessoas, conscientização e incorporação dos valores a preservar.
Grützmann (2003b, p.161) explica o “efeito multiplicador” existente no ato de cantar e declamar,
e mesmo no de ouvir uma canção ou poema: ele permite “a transmissão de valores e idéias a um
grupo maior e a todos os segmentos sociais, inclusive aos menos letrados”. Se, na Alemanha, as
canções populares contribuíram para a disseminação da consciência nacional, no Brasil elas
servem ao propósito de alertar para a preservação da germanidade — quando não para a censura
e subseqüente recuperação de teutos assimilados. Aloys Friederichs também estava imbuído deste
pensamento quando justificava uma das razões de importância do novo palco construído pelo
Turnerbund, inaugurado em 1921. Com este, também o canto seria beneficiado e, por
conseqüência, a germanidade: “a canção alemã ocupa posição central na conservação de nossa
germanidade; do seu efeito e do seu encanto não se pode furtar quem possui um coração e uma
índole alemã” (Friederichs apud Grützmann, 1999, p.234).
Para isso também serviria o novo palco do Turnerbund. A canção — junto à
representação teatral em língua alemã e à música orquestral — recebia um maior e melhor espaço
para sua manifestação. Friederichs reforça a importância da canção ao lado da ginástica:
Ficou melhor do que tínhamos temido; nas escolas e comunidades, nas
sociedades e federações nós novamente podemos trabalhar em e para nossa
germanidade, depende de nós ajudar. O cultivo da canção alemã e da ginástica
alemã é a melhor ferramenta na luta contra o desmoronamento, contra a
indiferença e a fraqueza em nossa germanidade.
437
436
Stark und lauter in der Liebe und treu in der Erfüllung seiner Pflichten gegen sein Vaterland, …”. (Friederichs,
1927, p.2).
437
“Es ist besser geworden, wie wir befürchten durften; in Schulen und Gemeinden, in Vereinen und Verbänden
dürfen wier wieder in und an unserm Deutschtum weiter arbeiten, an uns liegt es also, Hand anzulegen. Die Pflege
des deutschen Gesanges, die Pflege des deutschen Turnens sind die besten Rüstzeuge im Kampfe gegen
Abbröckelung, gegen die Lau- und Flauheit in unserm Deutschtum”. “Festrede gehalten beim Bühnen-Weihefest am
17. Dezember 1921” (Friederichs, 1928, p.15).
255
Implícito a este trecho e, de forma mais clara em outros, está a idéia de recomeço do
trabalho em favor da preservação da identidade étnica, silenciado em 1917 em razão dos efeitos
do conflito mundial no Brasil, como foi visto anteriormente. Recuperados os direitos de
manifestação da cultura, da língua e dos demais elementos que sustentavam a germanidade dos
teuto-brasileiros, torna-se necessário injetar novo ânimo para a superação das dificuldades e a
sobrevivência cultural. Implícito também está o sentimento de mágoa em relação à atitude do
Estado brasileiro frente aos alemães no Brasil entre os anos de 1917 e 1921.
Em relação à Alemanha, os discursos deste período — 1921 a 1924 — carregam, de
forma subentendida ou mais explícita, o sentimento de humilhação pela derrota na guerra e pela
dominação francesa nas terras banhadas pelo Reno.
438
Isso mostra que, nem sempre a
identificação cultural e étnica com o povo alemão pretendida pelo discurso dos germanistas —
sem implicações de ordem política — mantinha-se alheia aos acontecimentos no âmbito do
Estado. Nos festejos do Centenário da Independência do Brasil, Aloys lembra o quão importante
é para um país não estar subjugado a outro e, em várias passagens refere-se à condição da antiga
pátria alemã naqueles dias em que se encontrava controlada por nações estrangeiras.
Mesmo nesta situação, Friederichs recomenda que se mantenha o orgulho de pertencer à
etnia alemã: “mesmo com o trágico destino sob o qual o povo alemão novamente geme, nada
deve nos vencer ou afetar a marca da festa dos Cem Anos de Colonização no Rio Grande do Sul:
o orgulho de nossa antiga pátria e terra dos antepassados e a alegria em nosso caráter alemão”.
439
Reforça, contudo, a necessidade de incorporação do binômio “amor ao Brasil, fidelidade ao
438
“Festrede gehalten am Festabend des 14. Juli 1923, anlässlich des 13. Deutschen Turnfestes in München”
(Friederichs, 1928, p.21).
439
Doch trotz des tragischen Schicksals, unter dem das deutsche Volk wieder seufzt und stöhnt, nichts soll uns die
Signatur der Jahrhundertfeier deutscher Kolonisation in Rio Grande do Sul nehmen oder beeinträchtigen: den Stolz
auf unser altes Vater- und Stammland und die Freude an unserm deutschen Volkstum”. “Festrede auf dem
Jahrhundertfestkommers in Porto Alegre am 4. Oktober 1924” (Friederichs, 1928, p.36).
256
Volkstum” que caracterizou sua intervenção como intelectual e liderança teuta. A ênfase no
“amor ao Brasil” parece ser um diferencial no discurso de Friederichs na medida em que, de
forma geral, o discurso germanista não incita o desenvolvimento de um sentimento subjetivo para
com a pátria brasileira. Segundo Grützmann (2003b, p.129), a categoria “teuto-brasileiro”
delimita objetivamente os critérios de identificação, conciliando “o pertencimento ao povo
alemão e a situação existencial dos imigrantes e seus descendentes no Brasil”. Para esta
caracterização, a autora utilizou-se do pensamento de Hermann Dohms, liderança religiosa e
intelectual teuta nas décadas de 20 e 30. Do mesmo período são os escritos de Hans Raunegger,
dos quais Grützmann (2003b, p.129) conclui que “a condição alemã decorre de vínculos culturais
e biológicos, sendo considerada atávica; a denominação ‘brasileiro’ restringe-se ao vínculo
político — a cidadania —, que, nesse discurso, engloba apenas os seguintes aspectos: pagamento
dos impostos, respeito às leis, cumprimento dos deveres civis e defesa da pátria”. Isso não quer
dizer que Friederichs fosse absolutamente original. Acredito que tenha sido um discípulo de Karl
von Koseritz, este sim um intelectual original. Mas Friederichs utilizou-se da visibilidade
alcançada na direção de associações do grupo étnico para ressaltar os aspectos que mais lhe
convinham no germanismo e assim produzir a identificação de sua pessoa com uma certa forma
de compreensão da identidade teuto-brasileira.
Neste sentido, quando Friederichs usa o termo “pátria adotiva” para referir-se ao Brasil,
iguala-o ao conceito de Heimat — terra-natal, lugar da intimidade, do aconchego, “querência” —
lugar que aprendeu a amar “verdadeira e sinceramente”. Diferente daqueles que vêm para passar
um período,
Ao responder uma carta, em janeiro de 1924, a um amigo na Alemanha, que sugeria a
Friederichs que voltasse a viver naquele país, Aloys confessa ter construído sua Heimat em Porto
257
Alegre — ou, como diria o redator de um jornal não identificado a respeito de Friederichs, “aqui
em Porto Alegre ele quis morrer; aqui deveriam ficar seus restos mortais no último repouso”:
440
Minha esfera de atividade comercial e na germanidade está aqui; aqui me
tornei uma força motora em meu trabalho e através dele, a qual, por que ela
produziu e ainda produz, ainda vale. E por isso Porto Alegre se tornou minha
Heimat, a qual eu também me liguei intimamente, que não apenas são
considerações por vantagens materiais. Isso já estava claro para mim antes da
guerra. E agora, tu sabes bem, que eu também não quero visitar minha terra-natal
junto ao Mosela no lado esquerdo do Reno.
441
Porto Alegre “tornou-se” a Heimat de Friederichs por escolha, por tê-la construído desta
forma; o Brasil, sua Vaterland, sua pátria, a quem devia fidelidade política, comportamento
cívico e amor. Em nenhum momento se referiu a ele como Gastland — país hospedeiro — por
assumir sua condição definitiva como cidadão brasileiro. Não admitia, porém, que tivesse que
renegar sua cultura ancestral para que pudesse ter plena cidadania. Pelo contrário, eram suas
características étnicas — consideradas intrínsecas, herdadas pelo sangue, próprias ao “espírito” e
ao “caráter” alemão — que forneceriam as virtudes necessárias — laboriosidade, fidelidade,
vigor — para a efetiva vivência da cidadania brasileira.
Na conjuntura de 1937, quando o nacional-socialismo opera de forma agressiva sobre as
populações de imigrantes alemães e descendentes, é necessário reafirmar, e talvez de forma mais
contundente do que antes, o caráter hifenizado de sua identidade, a fidelidade ao Brasil, a escolha
deste como pátria, o apego apenas cultural à Alemanha. É preciso também estabelecer claramente
as diferenças entre “nós e eles”: os teuto-brasileiros e os “alemães do reino” ou os “alemães
440
Hier in Porto Alegre wollte er sterben; hier sollte seine sterbliche Hülle zur letzten Ruhe gebettet werden”.
JORNAL SEM IDENTIFICAÇÃO, s.d., (recorte), JAF 0023. ABM.
441
Mein Wirkungskreis geschäftlich und im Deutschtum ist hier; hier bin ich in meiner Arbeit und durch meine
Arbeit ein Faktor geworden, der, weil er etwas geleistet hat und noch leistet, auch etwas gilt. Und daher ist Porto
Alegre meine Heimat geworden, an die mich auch seelische Heimatsfäden binden, die nicht durch materielle
Vorteilsrücksichten zu lösen sind. Das war aber schon vor dem Kriege in mir eine klar ausgemachte Sache. Und jetzt
– Du weisst es gut, dass ich auch besuchsweise nicht in meine linksrheinische Moselheimat reisen werde”. J.
ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Oscar, 19 jan. 1924. JAF 2079. ABM.
258
novos”. Estes últimos poderiam ser resgatados para o serviço em favor do Reich. Os teuto-
brasileiros deveriam permanecer distantes da questão. Quando a adesão das instituições teuto-
brasileiras a organizações alemãs “do reino” — de tendências nacional-socialistas — estava em
andamento, Friederichs e outros dois teuto-brasileiros — Arnaldo Bercht e Gastão Englert —
protestaram contra o processo e publicaram um manifesto que delimitava as diferenças entre as
sociedades teuto-brasileiras e as sociedades “alemãs do reino”, qual seria a pátria (Heimat) do
teuto-brasileiro e a do “alemão do reino”, as alternativas e escolhas de um e de outro.
Sociedades “alemãs do reino” são aquelas que ou constituem simples sub-
grupos de organizações localizadas na Alemanha, ou que, como autônomas, são
sociedades aqui fundadas que acolhem apenas “alemães do reino” como sócios.
De maneira diferente comportam-se nossas sociedades teuto-brasileiras, cujos
sócios são principalmente brasileiros de origem alemã, ou aqueles cuja cidadania
alemã não é condição para serem sócios, assim que ao lado dos brasileiros de
origem alemã, os quais nessas sociedades declaram-se partidários da etnicidade
alemã e nessas sociedades regularmente formam a base. Alemães do reino, suíços,
austríacos e outros membros da etnia alemã podem fazer parte. Quase todas
sociedades [alemãs] riograndenses, que nos interessam nesta eventual coesão são,
neste sentido, sociedades teuto-brasileiras. Desde sempre imprimiram em sua
bandeira o cultivo do Volkstum alemão. Desde sempre procuraram a ligação
cultural com a Alemanha, mas também com outros centros de difusão do
Volkstum alemão”.
442
O manifesto apregoa a ligação apenas cultural com sociedades estrangeiras e,
conseqüentemente, com a Alemanha; pois, do contrário, perderiam sua autonomia característica,
442
Reichsdeutsche Vereine sind solche, die entweder einfache Untergruppen von Organisationen mit Sitz in
Deutschland bilden, (zu den die Ortsgruppen der N.S.D.A.P., die Gliederungen der D. A. F. und ähnliche gehören),
oder die als selbständige, hier gegründete Vereine nur Reichsdeutsche als Mitglieder aufnehmen […]. Anders
verhält es sich mit unseren deutsch-brasilianischen Vereinen, deren Mitglieder hauptsächlich Brasilianer deutscher
Abstammung sind, oder bei denen der Erwerb der Mitgliedschaft grundsätzlich nicht an die deutsche
Staatsangehörigkeit gebunden ist, sodass neben den Brasilianern deutscher Abstammung, die in diesen Vereinen sich
zum deutschen Volkstum bekennen und in ihnen regelmässig den breiten Mitgliederstamm bilden. Reichsdeutsche,
Schweizer, Österreicher und andere Angehörige des deutschen Volkstums eintreten können. Fast alle Riograndenser
Vereine, die uns im gegebenen Zusammenhange interessieren, sind in diesem Sinne deutschbrasilianische Vereine.
Sie haben von jeher die Pflege des deutschen Volkstums auf ihre Fahne geschrieben. Sie haben von jeher die
kulturellen Verbindungen mit Deutschland, aber auch mit anderen Ausstrahlungszentren des deutschen Volkstums
gesucht,
” (Bercht, Englert e Friederichs, 1937, p.2).
259
teriam que obedecer às exigências das entidades às quais estariam ligados — e [adendo meu]
provocariam a ira dos nativistas.
Os estatutos da Verband Deutscher Vereine de Berlim — instituição que se voltava às
congêneres no “além-mar” oferecendo adesão — previam que sua função era de “manter os
alemães no exterior em estreito contato com a pátria, promover sua união e auxiliá-los com
conselho e ação”.
443
Friederichs, Englert e Bercht tentam mostrar que, para os teuto-brasileiros, a
pátria (Heimat) não é a Alemanha, mas o Brasil; que os teuto-brasileiros não são “alemães no
exterior”, mas brasileiros de sangue alemão. Têm consciência — e buscam assim convencer aos
leitores — de que qualquer ligação que não seja de ordem cultural com as instituições alemãs,
mas de ordem de filiação, redunda em alinhamento político com o nacional-socialismo. E este —
o nacional-socialismo — quer mais de seus “compatriotas” alemães que vivem fora das fronteiras
da Alemanha. O manifesto cita comentários do coordenador da Organização do NSDAP no
Exterior que dizem o seguinte: “Pois quem quer ser hoje alemão, deve ser nacional-socialista”; e
ainda que “hoje se sabe em todo o mundo, que os alemães e também os alemães no exterior são e
permanecem nacional-socialistas”.
444
Os signatários do manifesto rejeitam tais afirmações e
confirmam seu trabalho pela germanidade como um serviço em favor do Brasil. Não admitem,
portanto, que sua demonstração de fidelidade ao caráter/etnicidade alemã seja confundido com
lealdade política, principalmente lealdade ao nacional-socialismo.
No final dos anos 30, portanto, o discurso de Friederichs acaba pendendo mais para a
afirmação da cidadania brasileira do que para a preservação da germanidade. Neste período, é
443
“…die Deutschen im Ausland in enger Fühlung mit der Heimat zu halten, ihren Zusammenhalt zu fördern und
ihnen mit Rat und Tat beizustehen”. (Bercht, Englert e Friederichs, 1937, p.9).
444
Denn wer heute deutsch sein will, muss Nationalsozialist sein”. “Heute weiss es die ganze Welt, dass die
Deutschen und auch die Auslandsdeutschen Nationalsozialisten sind und bleiben”. (Bercht, Englert e Friederichs,
1937, p.14).
260
mais importante declarar-se diferente do alemão “do reino”, daquele que tem cidadania e
nacionalidade alemã (Staatsangehörigkeit). A radicalização do nacionalismo alemão, do
germanismo e do nacionalismo brasileiro induz a uma tomada de posição — que não é nem por
um nem por outro dos lados, mas uma última tentativa de reafirmar uma identidade hifenizada.
4.3 No contexto da brasilidade
A questão da integração dos imigrantes à sociedade brasileira preocupou a vários
intelectuais, fossem eles etnicamente alemães ou nacionalistas brasileiros. As proposições de uns
e de outros levavam em conta uma realidade existente — uma sociedade imigrante e de raiz
colonial escravista, conseqüentemente, multi-étnica — e um projeto de nação. Para uns, as etnias
deveriam ser reconhecidas e suas características preservadas; para outros, haveria de se abolir as
diferenças culturais em prol de uma identidade nacional unificada e promover a miscigenação e o
aperfeiçoamento de uma raça brasileira; outros ainda se moviam nessa questão de forma diversa.
Qualquer destas posições ocupou seus espaços no debate a respeito da identidade nacional — que
já vinha pelo menos desde a segunda metade do século XIX e que se dava em ciclos de
radicalização, quando então a questão saía dos textos para a ação.
Além das diferentes interpretações concomitantemente existentes, pode-se demarcar
cronologicamente as teorias mais fortes ou mais conhecidas. Neste sentido, o século XIX
produziu uma compreensão da identidade nacional brasileira que pretendia ser portuguesa e
européia, como em Varnhagen (Reis, 2002); o início do XX se viu às voltas com uma sociedade
negra e parda, recém liberta, desqualificada pelas teorias raciais, que precisava ser branqueada –
o Brasil tinha conserto através da miscigenação; entre as décadas de 20 e 30, o produto da
miscigenação ocorrida desde o passado colonial é valorizado, o que quer dizer, o mestiço é
261
apreciado tanto pelo que trazia do branco, do negro e do índio, e Gilberto Freire lança a tese da
democracia racial brasileira. Paralelamente a isso tudo, a entrada de imigrantes europeus e
asiáticos, brancos e não-brancos, interferiu nas interpretações sobre a construção da identidade
nacional tanto pelo que se esperava da população imigrante quanto pelo que ela produziu.
A imigração em grande escala de europeus foi, durante o século XIX, uma solução
encontrada pelo Estado brasileiro para uma série de problemas, entre eles a escassez de mão-de-
obra, o preenchimento de “vazios” territoriais e a cor da nação que se constituía. Da forma como
foi levada a termo, ela teve alguns efeitos inesperados e largamente criticados no século seguinte
— crítica essa que endossava a oposição dos republicanos ao passado monárquico do país.
O que a intelectualidade brasileira pensava sobre os imigrantes variava entre o ideal de
civilização e o inimigo da nação. Inconformados com o destino que a ciência previa para o Brasil
pela baixa qualidade racial de sua gente, eles idealizaram clarear o brasileiro, aumentar
continuamente o sangue branco através da entrada maciça de imigrantes europeus: “a visão de
que as raças formadoras do país e sua mistura condicionavam negativamente o nosso destino
permeia boa parte do que se escreveu na primeira metade do século” (Silva, 2000, p.21-22).
A realidade existente de um país mestiço, majoritariamente negro e pardo, era um grande
problema sob os olhos dos que se pautavam pelas teorias raciais que desqualificavam a eles como
inferiores. Aos intelectuais brasileiros — e brancos — a solução da segregação, da separação das
raças não parecia poder ser sustentável neste caso. Fundamentados na superioridade da raça
branca, eles buscavam brechas no campo científico que pudessem garantir o branqueamento e,
conseqüentemente, a salvação da nação brasileira (Fausto, 2001, p.38-39). Acreditavam, portanto,
que, através de cruzamentos inter-raciais com a adição, em cada nova geração, de uma maior
quantidade de sangue branco, este elemento suplantaria as características das raças inferiores,
garantindo assim um futuro branco para a nação: “a redenção do Brasil seria, nessa perspectiva,
262
uma questão de tempo” (De Luca, 2004, p.40). O imigrante europeu é visto, a partir desta
interpretação como um “aliado essencial para o processo de engrandecimento étnico da
população brasileira” (De Luca, 2004, p.40). Esperava-se, então, que o imigrante contribuísse
com sua raça e civilização no processo de miscigenação, mas também que incorporasse a
brasilidade — ou seja, assimilasse a cultura brasileira —, gerando descendentes brancos
culturalmente brasileiros. Nota-se aí que o princípio jurídico que regia o direito de cidadania no
Brasil, extensivo aos imigrantes naturalizados e seus descendentes aqui nascidos, não era a
questão-chave do problema da integração das populações imigrantes. Ao exigir destes a
“acomodação” na concepção assimilacionista integrante do ideal de nação, o nacionalismo
brasileiro valia-se de princípios culturais como definidores de uma identidade comum: “a
identidade nacional, embora fundamentada no jus soli, é relacionada a uma língua vernácula (o
português), a uma cultura comum (de raiz latina) e à formação histórica do povo pela
miscigenação, que privilegiou o mito das três raças que alicerçaram a nação” (Seyferth, 2000c,
p.171).
Mas é sempre maior do que se imagina a distância entre o ideal e o real. O processo
imigratório brasileiro, predominante nos estados do sul e sudeste, acabou produzindo uma
concentração étnica que resultou no inverso da miscigenação e produção de uma cultura muito
próxima à ancestral, longe, em todos os casos, do ideal nacional. Ao mesmo tempo em que a
intelectualidade brasileira se dava conta disso, uma elite teuta reafirmava a identidade cultural
alemã das populações imigrantes e suscitava manifestações de oposição — quando não de
xenofobia contra sua comunidade étnica (Seyferth, 1997, p.95-96). Preparava-se aí o terreno para
a difusão do mito do “perigo alemão”, que se disseminou no Brasil no do final do século XIX —
desde o surgimento do Império Alemão — até a Primeira Guerra Mundial.
263
* * *
Entre os anos 1913 e 1914, corria, entre a intelectualidade teuta, uma discussão a respeito
da formação de uma união, através de uma associação, entre os teutos-brasileiros em âmbito
nacional — abarcando principalmente os estados do sul e sudeste. Para Friederichs, a
concretização desse projeto viria a fortalecer os ideais do cultivo do Deutschtum, desde que não
apenas integrasse teutos e teuto-brasileiros, mas também brasileiros “de origem lusa”.
445
Uma
entidade nesse sentido parece vir de encontro ao discurso de Friederichs, que pregava apego à
germanidade — herdada pelo sangue e preservada pelo uso da língua alemã — tendo em vista
que os brasileiros “de origem lusa” não compartilhariam desta herança e idioma. Havia, no
entanto, uma aguçada compreensão conjuntural em suas proposições, pois sabia ele que o
relacionamento entre “lusos” e “teutos” não poderia ser aprimorado, caso cada qual ficasse
restrito a seu grupo étnico. Friederichs propunha a criação do Deutschbrasilianen Bund (Liga
Teuto-Brasileira) em 1914 e buscava apoios e adesões no centro do país. Este é o teor da carta
remetida a Hans Stolz, no Rio de Janeiro.
446
Nota-se, com isso, que havia uma rede de
sociabilidade que ultrapassava as fronteiras estaduais.
Friederichs entendia que os “luso-brasileiros” estavam muito influenciados pela cultura
francesa, colocando-se assim ao lado dos franceses em suas opiniões a respeito do conflito
mundial. Queria, portanto, cooptar aqueles, mas não a qualquer “luso-brasileiro”: “os jacobinos e
devoradores de alemães deveriam permanecer obviamente distantes da associação”.
447
Nota-se
que Aloys tinha plena percepção de que havia uma rivalidade muito grande entre “lusos” e
445
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Hans Stolz. 13 set. 1914. JAF 1765. ABM.
446
Idem.
447
“…die Jacobiner und Deutschenfresser würden der Gesellschaft selbstredend fern bleiben”. Idem.
264
“teutos” e que esta podia muito facilmente prejudicar aos últimos no que se referia à manutenção
do Deutschtum. Via numa pretensa, porém cuidadosa, aproximação uma forma de manterem seus
ideais e ainda não levantar suspeitas frente às autoridades brasileiras. Suas pretensões, porém,
não conseguiram ultrapassar a barreira que havia sido criada, principalmente pelo mito do
“perigo alemão”. A difusão de idéias totalmente contrárias à preservação da germanidade estava
em curso. Nestas, os imigrantes alemães e seus descendentes passam de aliados a inimigos, uma
vez que não se deixaram assimilar. Recebem, por isso, duras críticas de intelectuais brasileiros, às
vezes mais, às vezes menos ouvidos pela população.
Descendentes do imigrante que para aqui trouxe a sua atividade e a sua
energia, e que em troca conseguiu seu bem estar, e muitas vezes a ascendência, a
proeminência com que nunca sonhara, esses brasileiros hifenados, longe de
cooperarem para o advento de uma raça nova e forte, comprazem-se em criticar
asperamente as nossas coisas, repudiam os ideais nacionais, e só reclamam a sua
qualidade de cidadãos brasileiros quando surgem conveniências positivas mas
infelizmente subalternas (Schmidt apud De Luca, 2004, p.42).
Um dos intelectuais mais conhecidos entre os que se envolveram com a questão da
integração do imigrante alemão e de seus descendentes na nação brasileira foi Sílvio Romero.
Este tinha uma grande admiração pelo povo alemão e sua cultura, mas via na concentração étnica
existente um perigo para a unidade territorial e política do país. No período em que produz “O
alemanismo no sul do Brasil” (1906), acirram-se as rivalidades entre lusos e teutos, e são
propostas iniciativas para “abrasileirar” a população etnicamente alemã. Para Romero,
era necessário proibir as grandes compras de terrenos pelos sindicatos alemães,
criar obstáculos à ligação entre os núcleos de colonos, vedar o uso da língua alemã
nos atos públicos, forçar os colonos a aprender o português, estacionar navios de
guerra nacionais nos portos das colônias e fundar colônias militares nas zonas do
oeste (Mota, 2000, p.103).
Nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, o que era debatido por intelectuais
e políticos torna-se campanha. A idéia de um “perigo alemão” ganha difusão sob a alegação de
que a população de origem alemã servia aos interesses imperialistas da Alemanha (Gertz, 2002,
265
p.124). Na conjuntura da Primeira Guerra Mundial, as imagens acerca da infidelidade desta
população para com a nação brasileira ganham grandes proporções. Promoviam-se boatos a
respeito de atividades suspeitas que se difundiam com facilidade pela sociedade. Os imigrantes
eram vistos como estrangeiros,
um corpo exógeno, submetidos apenas às suas leis e interesses, dotados de um
poder amendrontador e clandestino. Atores de uma conspiração sinistra,
articuladores de táticas que iam desde a mera perturbação da ordem até o
envenenamento da população civil, falsos, comportando-se como bestas-feras,
descendentes de homens biologicamente predispostos à agressão, são designações
e imagens que desvendam um processo de demonização do adversário, cujo poder
só será destruído pela violência e pelo Bem Absoluto (Magalhães, 1998, p.116-
117).
Os passos seguintes resultaram em práticas de violências contra o patrimônio dos teutos,
proibição do uso do idioma alemão e das demais manifestações culturais. As hostilidades para
com os alemães foram crescendo de acordo com o andar do conflito bélico. Em vista do ocorrido,
em 1917, com a população teuta em diversas partes do território brasileiro, sobretudo em Porto
Alegre,
448
Friederichs desiste da proposta de fomentar o Deutschtum através de uma liga de maior
âmbito e de cooptar lusos para sua causa. As rivalidades entre lusos e teutos continuaram a se
manifestar, na medida em que ainda não se alcançara a nação desejada pela intelectualidade
brasileira. Em menor intensidade nos anos 20, a questão nacional permitiu a reafirmação da
identidade teuto-brasileira, agora sem as pressões do imperialismo internacional.
* * *
A partir de 1920, a germanidade do Brasil volta a se manifestar e, com ela, ressurgem
planos de composição, unificação ou coordenação das sociedades teuto-brasileiras sob a bandeira
448
Refiro-me aqui às manifestações de violência contra as propriedades de alemães nos famosos episódios dos
“quebra-quebras”, comentados em 3.5.
266
de um liga que representasse os interesses dos “brasileiro-alemães”. Algumas lideranças do grupo
étnico avaliavam e debatiam a questão, e Friederichs liderava a oposição. Pelo menos duas razões
podem tê-lo levado a colocar-se neste lado da questão: além da experiência vivenciada nos
tempos da guerra, quando se radicalizaram as hostilidades aos teutos e suas manifestações
culturais, havia também a proposição de fazer da Bund der Deutschbrasilianer (agora denominada
Liga dos Teuto-Brasileiros) uma entidade com interesses político-partidários.449 Ambas razões
pareciam ser indicativas para Friederichs de que já não era mais apropriado buscar a união do
Deutschtum em uma grande federação nacional. A questão levantou debates entre lideranças
intelectuais, algumas das quais se colocaram ao lado de Aloys. É o caso de Wolfgang Ammon —
amigo de Aloys, escritor e intelectual teuto de Santa Catarina.
Havia também a proposta de criação da “seção Porto Alegre” da Sociedade de Amigos da
Cultura Germânica, entidade que buscava combater a oposição anti-alemã (Ternes, 1985, p.133)
e que tinha sua matriz em Buenos Aires e representantes no Rio de Janeiro e Santa Catarina. Esta
instituição busca o apoio de Friederichs, contando para isso com o velho amigo Wolfgang
Ammon, representante desta sociedade no sul do Brasil.
450
Antes mesmo de certificar-se, com a
atenção que o caso merecia, dos estatutos e dos formulários de entrada da referida entidade — os
quais lhe foram remetidos pelo seu presidente — Aloys já tomava uma posição de retaguarda.
Em carta remetida ao amigo Wolfgang Ammon, explica que
falta precisamente o “brasileiro romano”, em todo o caso não de origem alemã,
para servir de fundador e dirigente; pois por um teuto-brasileiro “que anda na
linha”, assim como nós o queremos, e como ele deve ser, ou até por um alemão
nascido na Alemanha, como eu mesmo por exemplo, a questão não pode ser
constituída nem dirigida; ela pode apenas ser por nós apoiada e promovida.
451
449
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Wolfgang Ammon, 17 dez. 1922. JAF 0188. ABM.
450
EVERALDO BACKHEUSER. Carta para J. Aloys Friederichs, 14 dez 1922. JAF 1261. ABM.
451
“... es fehlt eben der richtige Brasilianer romanischer jedenfalls nicht deutscher Abstammung, als Gründer und
Führer, denn von einem ‘richtig gehenden’ Deutschbrasilianer, so wie wir sie uns wünschen und wie sie sein sollen,
oder gar von einem in Deutschland geborenen Deutschen, wie z.B. ich selbst, darf die Sache hier weder gegründet
267
Pelo acima exposto, parece que Friederichs não tinha intenção de aderir à proposta da
Sociedade de Amigos da Cultura Germânica; não via a possibilidade, no momento, de constituir-
se uma “seção Porto Alegre” por não visualizar a pessoa certa para assumir as responsabilidades
pela entidade. Refere-se a um “brasileiro romano [latino] certo”, com as características
necessárias ao bom relacionamento entre “lusos” e “teutos” o que lembra sua proposta de
integração na Liga Teuto-Brasileira de luso-brasileiros que não fossem nem “jacobinos”, nem
“devoradores de alemães”. Reforça a idéia de um “teuto-brasileiro”, nos moldes que há muito
defendia — “assim como nós queremos”.
Contudo, o modelo de integração proposto por Friederichs parece não se ajustar à
proposta endossada por Backheuser — presidente da Sociedade de Cultura Germânica — e sua
entidade. Este é taxativo ao afirmar que
eu acho absolutamente necessário abandonar a diferença entre “luso” e “teuto”,
pois nós devemos ser ou alemães ou brasileiros. Os alemães vivem como alemães,
nem se interessam por política nem pela vida interna do Brasil; mas os brasileiros
apenas como estes, sem ser “lusos” ou “teutos”! Eu mesmo sou brasileiro, apesar
de meu nome alemão, e me sinto absolutamente desta forma.
452
É provável que, a partir destas afirmações categóricas de como a Sociedade de Amigos da
Cultura Germânica via a identidade hifenizada, Friederichs tenha preferido manter sua disposição
de não participar da entidade ou de seus objetivos. Nas vésperas do centenário da imigração
alemã para o Brasil, Friederichs parecia ciente dos riscos que seu grupo étnico corria quando da
afirmação de sua germanidade — embora permanecesse convictamente favorável à construção de
noch geführt, sie kann nur von uns gestützt und gefördert werden”. J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Wolfgang
Ammon, 13 jan. 1923, JAF 0187. ABM.
452
“... , finde ich es absolut notwendig den Unterschied zwischen “luso” und “teuto” aufzugeben, da wir entweder
Deutsche oder Brasilianer sein sollen. Die Deutschen als Deutsche leben, sich weder um Politik noch um das innere
Leben Brasiliens kümmern, die Brasilianer aber auch nur als solche, ohne “luso” oder “teuto”zu sein! Ich selbst bin
Brasilianer, trotz meines deutschen Namens, und fühle mich absolut als solcher”. EVERALDO BACKHEUSER.
Carta para J. Aloys Friederichs. 23 fev. 1923. JAF 1258. ABM.
268
uma identidade teuto-brasileira (nos moldes antes referidos). Por isso, buscava resistir a
quaisquer propostas que representassem a união dos teutos com fins políticos, sabendo que, nesta
seara, reacenderiam a rivalidade entre “lusos” e “teutos”. De outro lado, não aceitava o abandono
da identidade étnica contida na noção de teuto-brasileiro.
Nova tentativa de união entre em pauta de discussão no início da década de 30. Desta vez
parece ser Ammon que toma a frente nas negociações e estratégias de convencimento. Propõe a
união dos teuto-brasileiros numa associação sob o nome de “Liga da Collaboração Alemã no
Brazil”, uma entidade que congregaria os diversos tipos de associação teutas, as Igrejas e escolas,
pastores, professores e imprensa alemã, além de “todos os habitantes do Brasil de origem
alemã”.
453
Uma das principais funções desta liga seria a manutenção do “Museu da Imigração
Alemã”, que seria fundado na cidade de Blumenau como ícone deste processo e da “contribuição
do trabalho alemão” ao Brasil.
A cooperação de Friederichs era muito importante, já que era considerado “um dos
grandes líderes da germanidade rio-grandense”, um nome que “jamais pode desaparecer dos anais
da História”.
454
Contudo, ele preferiu não colaborar. A proposta parece ter vindo num mau
momento da vida de Aloys. Este justifica ao amigo Ammon sua omissão em relação ao assunto
com a série de fatos ocorridos contra sua pessoa desde meados de 1928 — analisados no capítulo
3 —, que o afastaram do trabalho no Turnerbund, na Turnerschaft e na Verband Deutscher
Vereine: “declarações de solidariedade esperei em vão, por isso dei um fim”.
455
Aloys estava
453
“... alle deutschstämmigen Bewohner Brasiliens”. Esboço e Proclamação para a constituição da Liga de
Collaboração Alemã no Brazil, s.d., JAF 0171. ABM.
454
“... dass Ihr Name niemals aus den Annalen der Geschichte verschwinden kann. Als einer der grössten Führer des
Rio Grandenser Deutschtums haben Sie die geschichtliche Berufung, nun auch für die Zusammenfassung des
gesamten Deutschtums Brasiliens aufzutreten”. WOLFGANG AMMON. Carta para J. Aloys Friederichs. 07 jul.
1930. JAF 0172. ABM.
455
“... Solidaritätserklärung vergeblich wartete, deshalb habe ich Schluss gemacht”. J. ALOYS FRIEDERICHS.
Carta para Wolfgang Ammon, 23 ago. 1930. JAF 0170. ABM.
269
demasiadamente decepcionado com as instituições pelas quais trabalhou por mais de 30 anos e
sem motivação para retomar qualquer trabalho associativo. Assume, portanto, uma atitude de
afastamento em relação à questão.
Friederichs havia recolhido sua bandeira, não aparecendo como liderança da nova fase de
reavivamento do germanismo no período que se seguia. Uma conjuntura de apoio do governo do
Estado do Rio Grande do Sul às manifestações da germanidade, aliada à ascensão do nazismo na
Alemanha, propiciou o fortalecimento do germanismo, e, novamente, renasce a idéia de união das
instituições teutas. A Comissão Pró-25 de Julho foi o resultado concreto deste momento vivido
pela comunidade teuta. Esta entidade tinha por objetivo imediato “difundir e festejar o 25 de
julho, data de início da imigração” (Gertz, 1998, p.39). Foi criada em 1934 e oficialmente
institucionalizada em 1936. Diversas autoridades e lideranças teuto-brasileiras fizeram parte da
criação deste órgão; Friederichs não estava entre elas. É verdade que, neste período, este já havia
se afastado da atividade associativa. Mas, devido à importância que tivera no passado recente,
seria de se esperar que também ele estivesse entre os que visavam promover a germanidade neste
período através da comemoração do “25 de julho”. No entanto, os rumos que o germanismo
tomava pareciam não mais condizer com suas convicções.
Desde a ascensão de Hitler ao poder, ou até mesmo antes, a direção da política alemã na
Europa era debatida nos círculos teutos no Brasil. Havia os que aprovavam a orientação nacional-
socialista e os que a desacatavam; os que aceitavam as diretivas de Hitler para a Alemanha, desde
que se restringissem àquele país, e os que acreditavam na proposta nazista e a reproduziam no
além-mar através das seções locais do partido. Os que se posicionavam, procuravam aliados ou,
ao menos, buscavam saber quem eram seus oponentes. Um dos principais opositores do nazismo
no Rio Grande do Sul foi Franz Metzler, editor do jornal católico Deutsches Volksblatt. Através
da imprensa, travou intensas batalhas com partidários do nacional-socialismo, afirmando,
270
todavia, a importância de manter a etnicidade alemã (Gertz, 1994, p.23). Era um valioso
colaborador na defesa da germanidade, mas intolerante no que se referia aos caminhos os quais
ela seguia na década de 30 (Gertz, 1998, p.38). Neste sentido, parece ilustrativa desta tensão
existente dentro do grupo étnico o relato de um dos combates enfrentados por Metzler que se deu
contra Dr. Gustav Busch — representante da Federação das Sociedades Alemãs de São Paulo —,
publicado em edições do Deutsches Volksblatt de 1937.
456
Depois de colocados os argumentos das duas partes em litígio, Metzler desconstrói o
discurso de Busch, proferido no congresso de sua entidade em junho de 1935, tentando mostrar a
impropriedade da proposta deste para o teuto-brasileiro. É importante ressaltar que o redator
denomina de “discurso paulista” a fala de Busch, querendo com isso dizer que, em São Paulo, os
alemães encontravam-se engajados a um projeto diferente daquele existente no sul do Brasil, o
que denota uma certa rivalidade regional com respeito à germanidade. Na desconstrução do texto
de Busch, Metzler aponta para o uso de expressões próprias ao nacional-socialismo, a afinidade
com lideranças partidárias e o alinhamento com o ideário propagado por elas. Ao mesmo tempo
— e com certa habilidade discursiva — Busch transfere toda esta bagagem ideológica aos teuto-
brasileiros, do que Metzler discorda veementemente. Este observa:
Afinal não se é teuto-brasileiro por se ter nascido no Brasil. Teuto-
brasileiro é algo que tem a ver com disposição, sentimento, compromisso. Desta
forma existem teuto-brasileiros que nem nasceram no Brasil, da mesma forma que
há “teuto-brasileiros de nascença”, que não são teuto-brasileiros. Com mais acerto
são denominados de “alemães no Brasil”.
457
É notória a utilização, por parte dos partidários nazistas, de elementos tradicionais e
conhecidos da população teuto-brasileira em seu discurso, além de uma certa dose de
456
DEUTSCHES VOLKSBLATT, Porto Alegre, 12, 17 e 19 jan. 1937. Cópia de Arthur Blásio Rambo, traduzida
por ele.
457
DEUTSCHES VOLKSBLATT, Porto Alegre, 12. jan. 1937. pia de Arthur Blásio Rambo, traduzida por ele.
271
ambigüidade. Metzler e seu jornal buscam alertar para isso e combater a disseminação do ideário
nacional-socialista.
A luta de Metzler harmonizava-se com a de Friederichs, como este mesmo afirma.
458
Aloys também teve sua oportunidade de interferir no processo de cooptação de algumas
sociedades teuto-brasileiras pelas entidades ligadas ao partido nazista no ano de 1937. Para isso,
foi chamado ao debate no Turnerbund e na Turnerschaft; conseguiu angariar aliados e conquistar
uma imagem para sua memória de resistência contra o nazismo. A partir deste ano, com o regime
do Estado Novo — desde novembro — e a Campanha de Nacionalização — iniciada pelo ensino
em maio de 1938, era de se esperar que indivíduos da elite teuta, mesmo que simpatizantes do
nazismo, passassem a declarar-se contrários a Hitler como forma de garantir sua sobrevivência
sócio-econômica. O caso de Friederichs parece ter sido diferente, na medida em que sua luta e de
outros que o apoiaram ocorreu desde final de 1936, quando então o governo Vargas não havia
ainda sinalizado as restrições às manifestações étnicas alemãs. Antes disso, porém, enquanto
permanecia afastado dos negócios associativos, revelava suas idéias a respeito da questão a
amigos, em geral por carta, além de redigir uma série de escritos “anti-nazi”, assinados com o
pseudônimo “Erlfried”, já em 1933.
459
No início de 1932, Friederichs manifestava satisfação ao amigo Dr.Steidl (ex-presidente
da Verband Deutscher Vereine) por encontrar neste um apoio a suas posições contra o nacional-
socialismo.
460
Mas era com Otto Meyer, o escritor e amigo de Santa Cruz, com quem mais
trocava idéias a respeito da situação vivida pela Alemanha e pela influência que o partido nazista
estava conquistando nas “colônias alemãs” do Brasil. Esse era o caso, por exemplo, da carta
458
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Martin Fischer. 15 jan. 1938. JAF 1491. ABM.
459
Não há referências à publicação destes escritos “anti-nazi, apenas a menção e citação de alguns deles em cartas
enviadas a amigos e parentes antes e depois da Segunda Guerra Mundial.
460
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Dr.Steidl, 08 jan. 1932. JAF 3144. ABM.
272
remetida a Meyer em agosto de 1933, na qual Friederichs demonstrava sua preocupação com a
força do NSDAP em Santa Cruz do Sul: “Tendo os teuto-brasileiros em Santa Cruz se decidido
pela influência do NSDAP, com seus interesses específicos, no nosso trabalho cultural teuto-
brasileiro em longas décadas confiado, bom — então devemos nós velhos, que fizemos este
trabalho, traçar as conseqüências”.
461
E foi o que fez: traçou as conseqüências do que viria a
acontecer com sua velha pátria. Nas vésperas da guerra, Friederichs previa uma situação caótica
para a Alemanha, a exaustão do povo, principalmente da juventude.
462
Não deixa, contudo, de
voltar seus olhos também para dentro do Brasil, para a situação política que vinha há tempos se
desenhando. Neste sentido, estende a crítica que faz ao totalitarismo — expressão por ele
utilizada — de Hitler ao governo Vargas. Isso se revela no escrito abaixo citado de dezembro de
1941:
Um verdadeiro e fabuloso acontecimento nazista que sucedeu no Rio
Grande do Sul, Brasil, nos anos da propaganda Nazista em 1933 a 1941.
Em seu célebre, ou melhor dito, mal-afamado discurso em Santa Cruz, por
ocasião de uma viagem de propaganda nazista em maio de 1933, o Dr. Bruno
Künne disse mais ou menos o seguinte:
“que sempre existiram tentativas no Rio Grande do Sul para por a colônia alemã
sob um chapéu, e que agora a N.S.D.A.P. também tomaria parte nestas tentativas,
e com certeza com êxito. Porém, — disse o Dr. Künne em continuação — meus
caros compatriotas alemães, o chapéu apresentamos nós, os partidários da
N.S.D.A.P.”.
À colônia alemã, porém, não agradou o feitio, marca “totalitário” do
chapéu apresentado pelos Nazistas, mesmo depois de diversas enérgicas e quase
“ameaçadoras” provas, o chapéu foi rejeitado e entregue a um gabinete de
curiosidades. Lá ele foi visto – a ironia do destino muitas vezes serve-se destes
acasos – por S.Ex. o Dr. Getúlio Vargas, D.D. Presidente da Nação Brasileira.
S.Ex. achou um vivo interesse no feitio do chapéu exposto e, com seu
característico e superior sorriso, criou a momentânea idéia: com um chapéu de tal
forma talvez seria precisamente agora possível a unidade nacional por completo.
E o plano foi bem sucedido: debaixo do chapéu, modelo “Totalitário” que os
nazistas aqui, como além-mar, exibiam aos olhos de S. Ex., o Dr. Getúlio Vargas
461
Entscheidet sich das Deutschbrasilianertum in Santa Cruz für den N.S.D.A.P.–Einfluss in ihre ureigenen
Belange, in unsere in langen Jahrzehnten erfolgreich betreute deutschbrasilianische Kulturarbeit, gut – dann müssen
wir Alten, die diese Arbeit taten, die Konsequenzen ziehen”. J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto Meyer. 16
ago. 1933. JAF 0986. ABM.
462
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto Meyer, 15 fev. 1938. JAF 0903. ABM.
273
uniu todos os brasileiros, ele levou todos, todos – totalitariamente – debaixo de
um chapéu. E na fita interna do chapéu, está bem legível o lema: “Quem nasce no
Brasil é Brasileiro ou Traidor.
Erlfried, Dezembro 1941”.
463
As críticas ao governo Vargas provavelmente não vieram a público, o que poderia ter
custado a Friederichs horas atrás das grades. No entanto, este não foi poupado de incômodos com
a polícia para comprovar sua fidelidade à nação brasileira, sua brasilidade. Aliás, este
procedimento foi exigido de todas as lideranças “da colônia” (Fortes, 2002, p.165). No título
declaratório que redigira às autoridades como forma de demonstrar que era brasileiro há muitos
anos, explicava que havia perdido a cidadania alemã, quando emigrara em 1884, e recebido a
naturalização através do decreto geral de naturalização da República em 1891; que tinha
passaporte brasileiro, com o qual viajou 4 vezes à Alemanha como cidadão brasileiro. Em 1908 e
1913, fora-lhe oferecida a reintegração como cidadão alemão, a qual recusou com a afirmação de
que
agora eu sou desde 1889 cidadão brasileiro, e neste ínterim aprendi a amar Porto
Alegre e com ela a terra brasileira, minha esposa é brasileira nata, um certo
sentimento me rondaria, como se eu praticasse alguma traição contra o Brasil,
portanto, desde 1889/91 eu sou brasileiro e ficarei brasileiro (Friederichs apud
Silva, 1997, p.56).
No intuito de reforçar suas provas de “brasilidade”, expunha, no título declaratório, as
lutas pelas quais se empenhou como cidadão brasileiro:
como presidente honorário da Sociedade Turnerbund, hoje Sociedade de Ginástica
Porto Alegre 1867, organizou (o infrascrito) com os irmãos Englert e outros
simpatizantes da mesma causa, a resistência e a luta contra as artimanhas nazistas
aqui, isto já de 1933 até a sessão da assembléia geral de repulsa ao nazismo em 27
de janeiro de 1937.
Porém, já 20 anos antes, nos anos de 1915-1916 eu lutei a mesma luta contra a
fundação da Liga Germânica para a América do Sul, a qual já naquela época
deveria estar impregnada daquele espírito, como agora em todo o mundo o são as
células nazistas.
463
ERLFRIED. Escritos anti-nazi, dez. 1941, JAF 0075. ABM.
274
Por fim, e no interesse de ter assegurado seus direitos de cidadão, relatava as últimas
investidas, em 1939, junto à repartição de estrangeiros, de dirimir quaisquer dúvidas sobre sua
condição de brasileiro. O título declaratório lhe foi cobrado mesmo assim em 1942.
Nota-se, em toda a exposição de Friederichs, que sua auto-afirmação como brasileiro se
dá no âmbito da identificação legal, do cumprimento dos deveres como cidadão e da fidelidade
política. Como era próprio a seu discurso durante os 40 anos como liderança étnica, frisava
também o apego sentimental à “pátria adotiva” ou, como pregava anteriormente, “o amor ao
Brasil”. Em todo o documento, porém, não há nenhuma referência à integração à cultura
brasileira, à assimilação de características tidas como próprias ao povo brasileiro. Por outro lado,
a parte que caberia à sua identidade étnica na “dobradinha” que o caracterizou — “amor pelo
Brasil e a fidelidade ao modo de ser alemão” — não é nem mencionada. Certamente, isso não
revela mudança de pensamento em relação aos elementos “cidadania” e “nacionalidade”, mas,
novamente, a percepção conjuntural. Afirmava que “esta cidadania brasileira não era mera
formalidade de conveniência ou de vantagens para progredir; ela demonstrou meu caráter e
coração” (Friederichs apud Silva, 1997, p.55). A conveniência agora adicionada da pressão
policial, talvez mais que em outros momentos de sua trajetória, estava em silenciar seu “modo de
ser alemão”. Friederichs percebia que a solução de uma composição identitária hifenizada, a qual
tinha apoiado durante a maior parte de sua vida, o cerne de seu projeto, não tinha mais espaço na
sociedade brasileira.
4.4 Reverenciando Bismarck
A celebração do aniversário de Bismarck não era estranha ao grupo teuto, sobretudo
aquele que habitava os centros urbanos e que participava de associações recreativas. Na capital
275
do estado, cedo pode ser encontrada tal manifestação: “como em todo o mundo a germanidade se
prepara para uma tão digna comemoração deste dia de júbilo”.
464
Em 1885, por exemplo, a
imprensa anunciava a formação de um comitê de “homens alemães” responsável pela
organização de uma “verdadeira festa nacional alemã”, em homenagem ao aniversário de
Bismarck e a seu jubileu de 50 anos de serviços prestados à nação.
465
Os resultados da formação
deste comitê não puderam ser observados. No entanto, várias sociedades celebraram a data com
eventos próprios, como o fizeram a Deutscher Verein, a Gesellschaft Germania e a
Schützenverein.
466
Em 1898, a Verband Deutscher Vereine, como associação que congregava
várias sociedades teutas, organizou um jantar comemorativo ao aniversário de Bismarck, sendo
este realizado nas dependências do Turnerbund.
467
O chanceler alemão é então representado em
monumento, construído em sua homenagem na Sociedade de Atiradores. A inauguração da
estátua teve a participação de representantes de entidades associativas, como o Turnerbund, a
Hilfsverein (Sociedade Beneficente), a Verband Deutscher Vereine e a Radverein Blitz
(Sociedade de Ciclismo).
468
Em 31 de março de 1915, às 11 horas e 30 minutos da noite, cerca de 180 pessoas
marcharam em silêncio, partindo do Turnerbund, com tochas luminosas e bandeiras esvoaçantes
pela rua Independência, em direção à Sociedade de Atiradores, onde se localizava, desde 1902,
um monumento em homenagem a Bismarck. O cônsul Freiherr abriu as homenagens com vivas
ao Kaiser e ao povo alemão, seguido de um discurso proferido por Otto Meyer, quase que uma
464
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 26 fev. 1895. ABM.
465
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 25 fev. 1885. ABM.
466
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 4 abr. 1885; 28 mar. 1885; 1 abr. 1885, respectivamente.
ABM.
467
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 1 abr. 1898. ABM.
468
KOSERITZ DEUTSCHE ZEITUNG, Porto Alegre, 2 jun. 1902. ABM.
276
oração, agradecendo a Deus por ter “nos enviado um tal homem na hora certa”.
469
Tratava-se do
centenário de nascimento do ex-chanceler alemão, que, mesmo depois de sua morte, continuava a
servir de figura símbolo para a germanidade. Segundo Telles (1974, p.196),
A maioria dos alemães e seus descendentes em solo riograndense
permanecera bismarckiana, mesmo após a morte do estadista. Era quase como
uma espécie de “sebastianismo”: se os portugueses esperavam a volta do rei
D.Sebastião, misteriosamente desaparecido em África, o “Deutschtum” no Rio
Grande alimentava uma nostalgia pelo velho chanceler e o culto à sua memória,
implicitamente, desejava manter viva a sua presença no coração e na mente dos
teuto-brasileiros.
A veneração à figura de Bismarck iniciou-se na Alemanha ainda em 1866. Desde aquela
data, várias manifestações de adoração ou louvor, em diversos formatos, foram surgindo, tanto
durante sua estada no governo, quanto após sua demissão ou morte. Nelas a imagem de
Bismarck foi construída em variações que vão do militar que propiciou a fundação do Reino
Alemão ao “melhor homem de todos os tempos”; a “encarnação da Alemanha”; “mais do que um
símbolo, mas sim a própria Alemanha” (Hedinger, 1981). As representações sobre sua pessoa
eram produzidas e reproduzidas em monumentos, torres, nomes de embarcações, cidades no
exterior, canções, associações formadas com o intuito de venerar sua imagem ou mesmo em
entidades para outros fins. Hobsbawm (2002, p.272) compara a aceitação das figuras do
Imperador Guilherme I e Bismarck como heróis nacionais: “o apoio oficial assegurou a
construção de 327 monumentos a Guilherme I até 1902, mas apenas um ano após a morte de
Bismarck, em 1898, 470 municípios haviam resolvido erigir ‘colunas a Bismarck’.”
O desenvolvimento da germanidade no exterior, no conjunto de manifestações de sua
identidade étnica, buscou os heróis e datas nacionais da antiga pátria, sobretudo quando se
469
Relato baseado em DEUTSCHE TURNBLÄTTER, Porto Alegre, mai. 1915. MS.
277
tratavam de imigrantes que haviam vivido na Alemanha já unificada.
470
Para solidificar a união
política neste país — até porque a solução encontrada não agradava a todos —, foi necessário
“inventar tradições”,
471
desenterrar mitos e símbolos do passado medieval, padronizar e controlar
o sistema educacional de modo que se garantisse a lealdade ao Estado-Nação. Muitas dessas
tradições e também representações sobre o povo alemão embarcaram na bagagem dos que para cá
vieram, ou compunham textos literários, publicações e cartas que se faziam chegar aos já
estabelecidos no Brasil. Assim, os mitos, as festas e as idéias encontravam lugar e adeptos
também aqui.
Neste contexto, é que se forma a Bismarckrunde, da qual participavam incentivadores da
germanidade no Rio Grande do Sul e autoridades alemãs convidadas. Este Círculo teve a
participação de 77 pessoas durante seus primeiros 20 anos, uma freqüência anual de um mínimo
de 3 (em 1909) e um máximo de 33 (em 1929, sempre crescente até esta data). Era uma
sociedade sem registro de pessoa jurídica (Telles, 1974, p.198), uma associação informal e
fechada, da qual participavam alguns sócios efetivos e convidados especiais.
470
Em relação à identificação pela população nacional – os brasileiros – de um herói que merecesse ser idolatrado,
Carvalho (2003, p.409-411) afirma o seguinte: “Na imaginação popular não existe nenhum fundador da nação
brasileira aceito por todos. Foram feitas tentativas de se criarem tais figuras, mas sem muito sucesso. A razão disso
pode estar na obtenção da independência por meio de um processo de negociação e não por conflito violento, como
aconteceu em todos os outros países da América Latina. Portugal aceitou a independência da antiga colônia em troca
de uma indenização de dois milhões de libras. Um príncipe português, que depois se tornou D.Pedro I do Brasil,
proclamou a independência do novo país. D.Pedro I foi um forte candidato a herói nacional, mas sua candidatura foi
sempre obstruída por seu comportamento despótico após a independência e pela oposição dos republicanos que, mais
ao final do século, tentaram derrubar a monarquia. [...]. O segundo imperador, que governou o país por meio século,
de 1840 a 1889, se tornou uma figura respeitada, mas dificilmente um herói nacional, apesar dos esforços nessa
direção. D.Pedro II não era uma figura marcial e estava mais preocupado com o funcionamento regular do sistema
político, com o cumprimento da lei e com a cultura e educação. [...]. A única figura que se aproxima do status de
herói nacional no Brasil é Tiradentes”. Pode-se cogitar que, na falta de um herói na nova pátria, impôs-se a força da
propaganda do herói alemão alcançando os imigrantes de “além-mar”.
471
A expressão é utilizada no sentido que dá Hobsbawm (2002, p.9): “um conjunto de práticas, normalmente
reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos
valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em
relação ao passado”.
278
Na sua lista de sócios figuram elementos de proa da colônia alemã,
representantes de classes abastadas, de profissões liberais, representantes
consulares, um deputado federal e ministros da Igreja Evangélica. Não era, pois,
‘democrática’a Bismarckrunde, não era um círculo aberto a todos, mas, tão
somente a um determinado número de pessoas de destaque nas classes sociais
mencionadas. (Telles, 1974, p.198).
Entre os participantes encontravam-se Otto Meyer, diretor do Hilfsvereinschule, poeta e
“a alma, o líder de nosso Círculo de Bismarck”;
472
Carlos Trein Filho, comerciante e “o
altamente meritório líder da primeira fase da germanidade em Santa Cruz”; Luiz Voelcker,
comerciante, “um dos mais meritórios lutadores” em prol do Hospital Alemão; Ernst Häussler,
comerciante, “um dos melhores conhecedores do Rio Grande do Sul e da colonização alemã”,473
entre outros. Alguns indivíduos compareciam esporadicamente como convidados: o pastor Otto
Arnold (em 1912); Dr. Otto Bromberg, representante comercial no Rio de Janeiro (em 1917); o
cônsul Dr. H. Daehnhardt (de 1922 a 1926); o professor Dr. Backheuser, também do Rio de
Janeiro (em 1923); o professor Eduard Leonhardt (palestrante estrangeiro) (em 1925); Hugo
Schmidt e Otto Hildebrandt, de Hamburgo (em 1926); Ottmar von Lössl, também de Hamburgo
(em 1927); Dr. Hans Kastner (em 1927 e 1928); Reinhold Wulle, de Berlim (em 1927); Dir. P.
Fraeger, de São Leopoldo, e Wilhem Kiel, de Santa Cruz (ambos em 1928); o cônsul geral Dr. G.
Walbeck e Heinrich Kaiser, este de Mannheim (em 1929). Constata-se a presença de duas
mulheres em 1922: Elisabeth Reimer — de Hamburgo, possivelmente ligada a Franz Reimer
(comerciante), assíduo frequentador — e Wilhelmine Friederichs — esposa de Aloys. É de se
destacar a participação de um único elemento com sobrenome não-alemão: Dr. João Simplício.
Este esteve presente nas comemorações de 1915, 1917, 1928 e 1929 (Friederichs, 1929, p.55-56).
472
“... die Seele, der Führer unserer Bismarckrunde” (Friederichs, 1929, p.47).
473
“... der hochverdiente frühere Führer des Deutschtums in Santa Cruz, (...) einer der verdientesten Vorkämpfer für
unser 1927 fertig gestelltes Deutsche Krankenhaus, (...) einer der besten Kenner Rio Grande do Sul und deutscher
Kolonisation,...” (Friederichs, 1929, p.42).
279
Gertz (2002, p.155-156) explica o fato por ser João Simplício Alves de Carvalho “um notório
germanófilo”, que, além de freqüentar a Bismarckrunde, conseguiu isenção de impostos para o
Hospital Alemão (atual Hospital Moinhos de Vento) — enquanto era deputado federal — sendo-
lhe então “tecidas loas”. Era também um representante da elite econômica e política da cidade de
Porto Alegre. Em carta dirigida a Friederichs, em 1931, João Simplício reitera sua posição em
favor dos alemães e da Bismarckrunde:
Se bem que decorrido mais de um mês, devo significar-lhe a minha inteira
solidariedade à belíssima e dignificadora reunião em 1º de abril, em homenagem à
memória do grande Bismarck. Lamento não ter telegrafado nesse dia, mas nem
por isso os meus sentimentos deixam de ser mais sinceros. A sua obra com essas
reuniões anuais, cultuando um dos maiores vultos da História e de sua potentosa
Pátria é de alto fim educativo e de exemplar ensinamento. Creia-me sempre
integrado plenamente no seu exercício e de seus nobres amigos, amigo como sou,
sem restrições, da incomparável colônia alemã e de seus beneméritos, ilustres e
dignos representantes.
474
474
JOÃO SIMPLÍCIO. Carta para J. Aloys Friederichs. 10 mai. 1931. JAF 1350. ABM. Ainda compunham o grupo
os seguintes indivíduos: Carlos Brenner (comerciante, participou de 1909 até 1924, pois morreu em 1925); Alfredo
Strunck (comerciante, presente apenas em 1909); cônsul Karl Walter (1910); Dr. Josef Steidle (médico; 1910 a 1929,
com uma pequena interrupção de 3 anos); Arno Wolff (chanceler do consulado alemão;1910 a 1912); Franz
Blanchart (1911 a 1915, retornando em 1929); J. F. Krahe (comerciante, participou de 1911 a 1929, com curtos
intervalos); Feodor Jacobi (comerciante e banqueiro, presente nas reuniões de 1912 e de 1920 a 1929); Ernst
Markmann (1912); Hermann Soyaux (explorador e, por muitos anos, presidente da Verband Deutscher Vereine; de
1913 a 1928, com intervalos); cônsul Freiher von Stein (1913 a 1917); Propst D. M. Braunschweig (pastor mor;
1913); Jorge Pfeiffer (banqueiro; 1913 a 1928, com pequenos intervalos); Jorge Bercht (comerciante; 1913 a 1915,
1924 e 1928); Gustav Livonius (diretor de companhia de seguros; 1913); Gustav Koch (construtor; 1913 e 1921);
Rudolf Deppermann (comerciante; 1914 a 1929); Dr. Rudolf Ahrons (arquiteto; 1915 e 1924); Gustav Casper (1915
a 1929); Germano Petersen (1915 e 1917); Arthur Bromberg (comerciante; 1916 a 1929); Georg Iken (comerciante;
1916 e 1917); Dr. Friederich Rahnenführer (astrônomo; 1916 e 1917); Carl Paetzel (comerciante; 1917 a 1929, com
intervalos); Hermann Mürrle (comerciante; 1917, 1925, 1928 e 1929); Waldemar Bromberg (comerciante; 1921,
1922 e 1925); Max Ertel (sócio da firma Bromberg; 1921 a 1929); H. Theo Möller (comerciante; 1922 a 1928); Otto
Ewel (comerciante; 1922 a 1925); Otto Heylmann (comerciante; 1922 a 1929); Major Karl Emrich (botânico;1923 a
1927); Dr. Friederich Muller (médico; 1923 e 1925); Alberto Bins (industrial e político; 1923 e 1924); R.
Mangelsdorf (professor; 1925 a 1928); Pf. Karl Gottschald (pastor; 1925 a 1929), Emil Ullmann (comerciante; 1925
a 1927); Hugo Brenner (comerciante; 1925 a 1929); Charles Voelcker (comerciante; 1926 e 1929); Arnaldo Bercht
(comerciante; 1926 e 1929); Adolf Dörken (representante de seguros; 1927 a 1929); Dr. Martin Bischof (1927 e
1928); Ludwig von Lössl (comerciante; 1927 a 1928); F. G. Bier (comerciante e industrial; 1928 e 1929); Erwin
Mittelstaedt (comerciante; 1928); Dir. Thomas Matthiesen (diretor de banco; 1928 e 1929); Pfr. Julius Fallenberg
(1928); Dr. H. Von Ortenberg, de Santa Cruz (médico; 1929); Wilhelm Kiel, de Santa Cruz (1929); C. Wilhelm A.
Mücke (comerciante; 1929); Dir. Hans Kramer (diretor escolar; 1929); Pfr. Friedrich August Bogards (pastor; 1929);
Dir. Paul Fraeger, de São Leopoldo (1929), e Rudolf Freundenfeld (fotógrafo; 1929). Os dados profissionais dos
participantes foram encontrados em Telles (1974; p.191-219).
280
A breve descrição abaixo resume a rotina das reuniões como também traz subsídios para a
análise da composição do grupo:
Ao redor da mesa (onde apenas legítimos vinhos do Mosela e do Reno
eram oferecidos para beber) sentavam-se uns 20 convidados, alemães puros, com
exceção de dois teuto-brasileiros, um dos quais o autor deste [artigo]. Aloys falava
pela primeira vez acerca da obrigação de todos os alemães para com a pátria e de
lembrar a gloriosa memória de seu unificador, Bismarck. A seguir, falavam
diferentes convidados, poesias eram declamadas: cada qual tinha algo para
relembrar, quando Aloys levanta-se mais uma vez para brindar Porto Alegre, que
ele um dia acolheu quando criança.
475
Como não foram encontrados identificação do jornal, data ou redator do artigo no qual se
encontra a referida citação, é difícil precisar de que reunião se tratava. É significativo, no entanto,
a menção feita ao número de convidados — em torno de 20 —, sendo que a grande maioria
destes era de alemães “puros”: alemães por origem étnica, sangue e território de nascimento. Pela
análise da listagem dos participantes, colidindo-a com outras fontes, pode-se concluir que esta era
uma associação de alemães natos, que viveram curtos períodos no Brasil, e teuto-brasileiros por
opção — ou seja, imigrantes que permaneceram no Brasil e procuraram construir aqui sua pátria.
Entre os primeiros podem ser destacadas autoridades diplomáticas — como Karl Walter, Freiherr
von Stein, G. Walbeck e H. Daehnhardt — e representantes de instituições ou empresas alemãs
— como Brauschweig (Igreja Luterana Alemã); em suma, uma elite que tinha na Alemanha não
só a pátria de origem, mas a possibilidade do retorno. Alguns dos integrantes do grupo aparecem
domiciliados, anos mais tarde, no Rio de Janeiro — como Otto Ewel (importador da Casa
475
Um den Tisch herum (wo es nur echten Mosel- und Rheinwein zu trinken gab) sassen einigen 20 Gäste, lauter
Deutsche, bis auf zwei, die Teuto-Brasilianer, von denen einer der Verfasser dieses war. Aloys sprach ein erstes Mal,
um mit Wärme der Pflicht aller Deutschen gegen das Vaterland und das ruhmreiche Gedächtnis seines Einigers,
Bismarck, zu gedenken. Darauf sprachen verschiedene der Anwesenden , Gedichte wurden verlesen: ein jeder wusste
eine Erinnerung zu erzählen, als sich auf einmal Aloys abermals erhebt, um einen Trinkspruch auf Porto Alegre
auszubringen, das ihn einst als Kind aufgenommen hat. JORNAL SEM IDENTIFICAÇÃO, s.d., (recorte), JAF
0023. ABM.
281
Hamburgo)
476
— ou na própria Alemanha — como Feodor Jacobi (em Hamburgo em 1931)
477
e
Emil Ulmann (em 1932, morando na Silésia).
478
No outro grupo estavam os indivíduos que
ocuparam posições privilegiadas na comunidade étnica por sua liderança nas associações, Igrejas
ou escolas, ou por seu sucesso econômico como comerciantes, editores, construtores — ou, como
afirma Telles (1974, p.191), as “camadas mais abastadas da sociedade porto-alegrense”. A
Bismarckrunde, portanto, foi uma confraria de elite com estreitas relações com as autoridades
políticas representantes do governo alemão no exterior.
Ilustração 15: Integrantes da Bismarckrunde, s.d. Fonte: Fundo JAF, ABM.
Apesar dos contatos com autoridades alemãs, da veneração de uma figura política e de
cunho eminentemente patriótico alemão, esta agremiação considerava-se uma entidade a-política.
Assim pensavam, ao menos, alguns de seus associados ou participantes.
479
Foram, no entanto,
questões de fidelidade política que desestabilizaram o grupo em 1929 e o dissolveram pouco
tempo depois.
A formação do Círculo de Bismarck, com vistas a reverenciar esta importante figura
política alemã em seu aniversário, indica a manutenção, século XX a dentro, de uma concepção
476
OTTO EWEL. Carta para J. Aloys Friederichs. 30 mar. 1932. JAF 2692. ABM.
477
FEODOR JACOBI. Carta para J. Aloys Friederichs. 17 jun. 1931, JAF 1485. ABM.
478
EMIL ULLMANN. Carta para J. Aloys Friederichs. 08 abr. 1932, JAF 1490. ABM.
479
H. DAENHARDT. Carta para J. Aloys Friederichs. 17 out. 1929. JAF 1481. ABM.
282
de germanismo oriunda da nação alemã no II Reich: um germanismo marcado pela experiência
da unificação, condizente com um Estado Nacional profundamente hierarquizado, um Estado
monárquico e militarista.
480
Grande parte desta elite teuta que compunha a sociedade porto-
alegrense havia imigrado neste período e sofrido, portanto, influência do Estado–Nação unificado
em sua formação moral e política. Este parece ser também o caso de Friederichs: um alemão do
Segundo Império.
O fato está longe de ser desprezível. O que os teutos pensavam sobre sua antiga pátria
tinha importância sim na constituição das redes de sociabilidade que formavam a dinâmica social
do grupo étnico. Polêmicas que mobilizaram a população na Alemanha também acabaram sendo,
de uma forma ou de outra, reproduzidas aqui. Umas dessas polêmicas influenciou na atuação de
Friederichs como liderança e nas relações tecidas por ele.
A questão das contas do caixa do Turnerbund, além de possíveis desavenças com a
diretoria do clube na preparação da 7a Festa de Ginástica, foi motivo para a desestabilização da
liderança de Friederichs e o afastou da direção desta sociedade, assim como da Federação de
Ginastas. Outra controvérsia, de cunho não tão particular, afetou sua relação com a Verband
Deutscher Vereine, da qual ainda era, em 1929, o vice-presidente: a Flaggenfrage (questão das
bandeiras). Este era um tema do debate político na Alemanha, que opunha monarquistas e
republicanos, conservadores e social-democratas e que teve seus efeitos sobre a população
480
A sociedade alemã do II Reich é, segundo Schulze (1997, p.241 e 284), uma sociedade profundamente
militarizada, representada esta tendência nos mais diversos âmbitos da vida social. Ela é resultado da dominação
prussiana no processo de unificação, pela qual é reafirmada a idéia de um Estado autoritário e anti-democrático. É
resultado também do esforço pela “fundação interna” do Estado-Nação, que buscou sobrepor-se às divisões
existentes: “as antigas divisões territoriais e confessionais eram tão difícieis de superar a breve trecho, como os
abismos sociais, criados pela era industrial, entre a indústria e a agricultura, a nobreza e a burguesia, o capital e o
trabalho”. Diz ainda: “quando a identidade de uma comunidade inteira se resume à guerra, as antigas distinções
perdem a sua importância. A sociedade alemã da época guilhermina fora uma sociedade militarista, com uma forte
tendência para transpor para a vida civil o sistema de normas e de valores do exército, transformando o tenente da
Guarda imperial num modelo social”.
283
imigrante, sobretudo aquela elite comercial que habitava as cidades. As discussões geradas sobre
esta questão demonstram que algumas disputas próprias à nação alemã se reproduziram também
no Brasil e geraram desavenças no interior das redes. Foi assim, então, que, abatidos pela derrota
na Primeira Guerra Mundial, muitos alemães — na Alemanha e no sul do Brasil; de cidadania
alemã ou brasileira — se opuseram ao rumo tomado pelo Estado naquele país. A democracia da
República de Weimar não foi bem aceita em diversos círculos teutos e provocou discussões e
contendas também aqui. Falava-se então da Flaggenfrage, ou seja, da questão das bandeiras, que,
em outras palavras, simbolizava as oposições existentes entre os que deviam fidelidade à velha
Alemanha do Kaiser — e à bandeira preta, branca e vermelha — e os republicanos que
assumiram o poder no Entre-Guerras — representados na bandeira preta, vermelha e dourada.
O tema parece pouco conhecido ou explorado pela historiografia, sobretudo por aquela à
qual se tem acesso em português. Richard (1988, p.60), por exemplo, refere-se a essa questão
como uma hesitação constitucional da República de Weimar, na qual venceu uma solução
conciliadora em que as cores nacionais oficiais seriam o preto-vermelho-dourado (dos
revolucionários de 1848) e, no comércio, permaneceriam as cores imperiais. No final de sua obra,
o autor arrola, na cronologia, o ressurgimento da questão das bandeiras em 1926, quando, por
decreto, as cores preta-branca-vermelha são adotadas também por autoridades diplomáticas e
consulares alemãs. Para os social-democratas, esta era “uma ofensa à República”. Os debates
sobre a bandeira, segundo Richard (1988, p.314), tiveram como conseqüência a demissão do
governo. Apesar da pouca referência ao assunto, este fato parece indicar que a discussão era
relevante. Hobsbawm (2002, p.281), ao analisar a “invenção de tradições” durante o Segundo
Império Alemão, cita a adoção da bandeira tricolor preta-branca-vermelha como bandeira
nacional, unindo as cores do pavilhão prussiano (branco e preto) com as do movimento
284
nacionalista liberal (preto, vermelho e dourado): uma solução original, sem “qualquer precedente
histórico”. O autor mostra como esta questão dividia as forças políticas, sobretudo durante a
República de Weimar, mas não a explora mais detidamente (nota 20, p.281). Estas pequenas
referências, no entanto, não permitem entender ainda por que esta seria uma “questão” também
para os alemães emigrados, os alemães no exterior e os teuto-brasileiros.
A Flaggenfrage ou Flaggenstreit pode ser encontrada mais detalhadamente na
historiografia alemã, que situa as origens desta questão na segunda metade do século XIX
(Seeger, 2004; Jasper, 2005). Depois do fracasso das Revoluções de 1848, as cores preta-
vermelha-dourada, que simbolizavam o movimento nacional liberal, foram reprimidas pelos
príncipes, permanecendo como marca do desejo de unidade. Em seguida, estas mesmas cores
foram recuperadas pela Áustria, que as usou na guerra contra a Prússia em 1866. Por esta razão,
os símbolos do movimento original de libertação e unificação não serviram ao império formado
em 1871 sob liderança da Prússia. Foi então adotada a bandeira preta-vermelha-branca, mas a
lembrança do pavilhão preto-vermelho-dourado não desapareceu, assim como não desapareceram
os opositores ao regime instaurado
481
.
Com a derrota na Primeira Guerra Mundial, a questão das bandeiras foi resgatada e o
povo alemão dividiu-se em duas frentes de combate. De um lado, encontravam-se os partidos
nacionalistas e populares, que pretendiam a manutenção das cores imperiais. De outro, estavam
os líderes da social-democracia, os partidos democráticos e grande parte da burguesia,
481
Durante a atuação de Bismarck como chanceler, verifica-se uma relativa estabilidade política, além de um grande
desenvolvimento econômico. Para Hobsbawm (2002, p.282) “a receita de Bismarck para a estabilidade política era
ainda mais simples: conquistar o apoio da burguesia (predominantemente liberal), cumprindo seu programa até um
ponto que não comprometesse a predominância da monarquia, exército e aristocracia prussiana, utilizar as divisões
potenciais entre os vários tipos de oposição e evitar tanto quanto possível que a democracia política influenciasse as
decisões do governo”.
285
aconselhando a substituição da bandeira do império pela preta-vermelha-dourada: a nova
simbolizava o orgulho nacional; a outra, a derrota, o Estado autoritário monárquico-militarista.
As duas partes envolvidas na contenda tinham em comum apenas a aversão à idéia de uma
República comunista na qual a bandeira vermelha fosse hasteada. Esta era a opção defendida pela
federação dos trabalhadores e pelo partido mais à esquerda do espectro político alemão da época:
o USPD (Partido Social-Democrata Independente).
A Constituição Republicana de 1919 apresenta uma solução conciliatória — à qual se
refere Richard (1988) —, que não conseguiu eliminar a rivalidade existente entre os grupos. A
batalha pelos símbolos representava o desconcerto político interno, alimentado por oposições de
classe, e tornou-se uma luta pela valorização do passado. O decreto de 1926, estendendo o uso da
bandeira preta-vermelha-branca para autoridades diplomáticas e consulares, trouxe mais uma vez
à tona a disputa pelo símbolo nacional, representando uma vitória para a direita política que se
fortalecia. Em 1929, incidentes envolvendo defensores de uma e outra posição mostravam que a
questão não estava resolvida. Ela ainda ocupava as páginas dos jornais e os debates e ataques
políticos em fins de 1932. As partes em conflito foram caladas em 1933, quando, por decreto
presidencial, a cruz suástica foi impressa na bandeira nacional.
* * *
Pela composição da Bismarckrunde — congregando alemães natos e naturalizados,
cidadãos alemães e alemães étnicos, autoridades diplomáticas alemãs e fomentadores da
germanidade no Brasil; enfim, indivíduos letrados, influentes social, política e economicamente
— é de se imaginar que as questões que abalavam a “pátria de origem” (ou Stammland) afetasse
286
a eles de uma forma ou outra, seja por conseqüências materiais que a situação na Alemanha
pudesse acarretar, seja por concordar ou discordar com os rumos político-ideológicos da nação. É
provável, portanto, que a discussão a respeito da Flaggenfrage já estivesse ocorrendo no círculo
de amigos veneradores de Bismarck — já que esta questão esteve na pauta política alemã durante
toda a República de Weimar — e que houvesse entre eles posicionamentos divergentes. Só em
1929, no entanto, é que a controvérsia desequilibrou o clima mantido por 20 anos no seio da
Bismarckrunde. Este foi o ano da publicação das memórias deste círculo.Trata-se de uma
pequena brochura, de 57 páginas, que busca contar a trajetória da confraria fundada na adega de
Friederichs. Em Die Bismarckrunde in Porto Alegre: ihre Entstehung und Entwicklung (O
Círculo de Bismarck em Porto Alegre: sua origem e desenvolvimento), Aloys reúne pequenos
relatos das reuniões do grupo ocorridas a cada ano, apenas no dia 1° de abril, e os poemas que
serviram de epígrafe para os encontros. Estes últimos eram, em sua maioria, escritos por Otto
Meyer, professor e poeta, exaltando a figura de Bismarck com não raros toques de humor.
Acompanham também o texto algumas imagens do chanceler e do grupo e a lista dos presentes
entre os anos de 1909 e 1929.
A publicação produzida por Friederichs e editada pela Typographia Mercantil teve uma
tiragem de 600 exemplares, os quais foram financiados por integrantes do grupo e distribuídos a
diversas instituições no país e no exterior.
482
Algumas delas escreveram, tecendo comentários
elogiosos à iniciativa: o editor do jornal “Das Echo”, de Berlim, afirmava ser este “um símbolo
do modo de pensar fielmente alemão dentro da colônia alemã de Porto Alegre”;
483
a editora G. A.
v. Halem, de Bremen, demonstrava profunda satisfação com a remessa da obra, afirmando que
482
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta-circular. jul. 1929. JAF 2682. ABM.
483
“... ein Zeichen treudeutscher Gesinnung innerhalb der deutschen Kolonie Porto Alegre’s ...”. MAX FELDGES.
Carta para J. Aloys Friederichs. 4 dez. 1929. JAF 2851. ABM.
287
faltam-nos palavras para expressar os sentimentos que nos comovem hoje em dia
na Alemanha, quando se recebe dos alemães no exterior tal prova de fiel
perseverança no povo e na pátria. Mas poderia também ser raro, que esta
fidelidade tivesse tão brilhantes conhecedores e com o dom da palavra como o
poeta de vosso círculo.
484
Pela Verein für das Deutschtum im Ausland (Sociedade para a germanidade no exterior),
a publicação foi considerada “como um documento do fiel caráter e consciência nacional alemã
vinda do estrangeiro especialmente de um tão valioso volume [livro]”.
485
Esta foi a repercussão
externa da obra. Internamente ao grupo, a pequena brochura, embora pretendesse celebrar os 20
anos de confraria, parece ter contribuído para sua dissolução na medida em que, de forma
categórica e impressa, Friederichs toma posição em relação à política alemã como se fosse a
visão dos demais membros, gerando oposições e uma grande cisão no grupo. A obra “Die
Bismarckrunde in Porto Alegre: ...” encerrava uma fase mais pública da existência do Círculo de
Bismarck. Após a edição das memórias do círculo, deflagrou-se um intenso debate entre os
integrantes do grupo, que não poupou ofensas e busca de apoios, e que resultou na dissolução da
rede.
O estopim da contenda parece ter sido o posicionamento aberto e impresso de Friederichs
em relação à “questão das bandeiras”. Ao publicar a história da Bismarckrunde, o redator escolhe
para palavras finais uma profissão de fé à bandeira preta-branca-vermelha: “apesar de tudo o que
ainda possa acontecer, agora e sempre: ... [Viva]! Bandeira preta-branca-vermelha”.
486
Reforça
484
Es fehlen uns die Worte, den Gefühlen Ausdruck zu geben, die uns heutzutage in Deutschland bewegen, wenn
man von den Deutschen im Auslande solche Beweise treuen Festhaltens an Volk und Heimat bekommt. Es dürfte
aber auch selten sein, dass diese Treue so gestvolle und wortgewaltige Bekenner hat, wie den Dichter Ihrer Runde”.
G. A. v. HALEM (EDITORA). Carta para J. Aloys Friederichs. 26 nov. 1929. JAF 2853. ABM.
485
“... als Dokument treuer Gesinnung und deutschen Nationalbewusstseins aus der Fremde besonders wertvollen
Bandes …”. VEREIN FÜR DAS DEUTSCHTUM IM AUSLAND. Carta para J. Aloys Friederichs. 15 abr. 1930,
JAF 2834. ABM.
486
“... trotz allem, was noch geschehen kann – jetzt und immerdar: Auf dass Ihr es nun alle wisst,/ Hoch! Flagge
schwarz-weiss-rot,/ Wenn Bismarck auch gestorben ist,/ So ist er doch nicht tot!” (Friederichs, 1929, p.53).
288
ainda a idéia com a reprodução da bandeira na página 54. Embora a obra tenha sido escrita em
estilo de relato, na primeira pessoa do singular — e, portanto, indicar a visão de Friederichs sobre
a trajetória da confraria —, a presença dos nomes dos diversos integrantes em destaque nas
últimas páginas poderia dar a entender que este era o posicionamento de todos.
A primeira contestação veio de Daehnhardt, que havia participado da Bismarckrunde
ininterruptamente entre 1922 e 1926, quando era representante diplomático alemão em Porto
Alegre. Em novo posto como cônsul na Suécia, Daehnhardt escreve a Friederichs após ter
recebido e analisado a obra “Die Bismarckrunde in Porto Alegre: ...”. Para o remetente, ficou
subentendida, na publicação, a finalidade política da associação como um clube monarquista
(“Monarchistenclub”) e como uma profissão de fé à bandeira preta-branca-vermelha (“als ein
Bekenntnis zu der Fahne schwarz-weiss-rot”). Discorda veementemente da interpretação de que o
Círculo de Bismarck fosse uma associação monarquista e que suas reuniões fossem reuniões
políticas. Considera que, com este posicionamento claro de Friederichs como sendo da
Bismarckrunde, esta deixa de ser uma entidade que tem como objetivo a veneração a Bismarck,
ao passado glorioso, ao engrandecimento da nação, assumindo assim uma função política de
manifestação contra os rumos e a situação atual na Alemanha.
487
Em resposta, Aloys defende-se, dizendo que não imaginava que as últimas palavras
impressas na publicação iriam causar tamanha rejeição e interpretação. Diz que “tampouco é a
Bismarckrunde em Porto Alegre um clube monarquista — embora a maioria de nós seja
categoricamente monarquista — quanto cai bem em nossa veneração a Bismarck outra bandeira
ou outras cores além da preta-branca-vermelha”. Lembra que estas são as cores do império e da
obra de Bismarck — a unificação e fundação — as gloriosas cores alemãs, as cores do povo
487
H. DAEHNHARDT. Carta para J. Aloys Friederichs. 17 out. 1929. JAF 1481. ABM.
289
alemão, e não dos monarquistas. Este é o ponto de vista que Friederichs defende e argumenta
poder ser observado já em 1924. Considera seu posicionamento imutável, sendo que foi um dos
motivos de sua demissão dos serviços ao Turnerbund, à Turnerschaft e à Verband Deutscher
Vereine. Além disso, a Bismarckrunde é um círculo de amizades pessoais suas e por isso também
predominam suas idéias, as cores de Bismarck, as cores alemãs preta-branca-vermelha. Aos
convidados não interessa seu ponto de vista, apenas é necessário que compartilhe a veneração ao
grande chanceler e fundador do império. As frases finais da crônica importam apenas aos
verdadeiros sócios domiciliados em Porto Alegre.
488
A discórdia estava instalada na Bismarckrunde. A partir daí, contatos foram sendo feitos e
desfeitos, oposições e ressentimentos vieram à tona, a pequena rede de sociabilidade étnica,
nacionalista e patriótica alemã começava a se romper. Depois de iniciada a contenda, o círculo
tentou ainda se reunir mais uma vez; mas não havia mais clima para isso, pois o grupo estava
dividido. O que não fica muito claro nas fontes consultadas é quais eram estas divisões. De um
lado, ficavam, com certeza, os que deviam fidelidade a Bismarck, ao II Reich, à bandeira preta-
branca-vermelha. Mas do outro, poderiam estar os representantes da Alemanha democrática, fiéis
à bandeira preta-vermelha-dourada, ou simpatizantes do nazismo que vinha tomando espaço na
política.
489
Tanto um quanto outro vinha desarmonizar a unidade de objetivos mantida na
Bismarckrunde até este momento. Em carta remetida ao amigo Otto Meyer, em 1931, Friederichs
dá a entender que sua rivalidade era para com os defensores da Alemanha republicana: “Para
mim pessoalmente, para minha casa e para o Círculo de Bismarck é válido apenas [a bandeira]
preta-branca-vermelha e cada qual que seriamente exigisse de mim que eu apenas colocasse uma
488
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para H. Daehnhart. 20 nov. 1929, JAF 2756. ABM.
489
A bandeira nacional volta às cores preta-branca-vermelha com a ascensão de Hitler ao poder, adicionada da
suástica, o símbolo nacional-socialista.
290
bandeira de mesa preta-vermelha-dourada, seria tirado da lista do Círculo de Bismarck”.490
Neste ano, alguns dos que ficaram do lado de Friederichs na questão decidiram, em conjunto com
este, que não podiam deixar de realizar a reunião anual de 1o de abril, pois “o cancelamento seria
um mal maior”.
491
Os Reichsdeutsche e os representantes diplomáticos ou ainda aqueles que tinham suas
atividades econômicas diretamente ligadas à Alemanha estavam mais suscetíveis às influências
da situação alemã do período, assim como das idéias difundidas no momento. Aqueles alemães e
teuto-brasileiros que tinham uma ligação apenas com o passado alemão — como imigrantes ou
descendentes de imigrantes do século XIX —, que mantinham algum contato através de viagens
esporádicas, notícias de imprensa ou por cartas de amigos e parentes, cultivavam uma lealdade à
Alemanha que conheceram ou que aprenderam a ser leais.
Pelas fontes que tinha acessíveis, Telles estabeleceu 1936 como o ano da última reunião,
e a Bismarckrunde “dissolveu-se naturalmente” (1974, p.218). Pelo visto acima, a dissolução foi
“de natureza” conflituosa. Em 1932, ela poderia se considerar dissolvida. Apesar disso,
Friederichs foi surpreendido pela visita dos amigos Steidle e Krahe, acompanhados de suas
esposas, no mesmo dia, local e hora em que se realizavam as reuniões, com o objetivo de
brindarem o aniversário de Bismarck. Também foram remetidas cartas, relembrando a data, pelos
companheiros Gottschald, Casper, Arnold Bercht, Völcker e ainda outros.
492
A partir daí, um
novo grupo começa a se reunir e leva avante o círculo, agora em menor número de participantes.
490
Für mich persönlich, für mein Haus und für die Bismarckrunde gilt nur Schwarz-Weiss-Rot und ich würde
Jeden, der mir im Ernsten zumuten wollte, auch nur eine schwarz-rot-goldene Tischflagge zu stellen, mit Streichung
aus der Liste der Bismarckrunde bedenken”. J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto Meyer, 13 mar. 1931. JAF
1469. ABM.
491
“... der Ausfall wäre erst das grössere Übel.” J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto Meyer, 13 mar. 1931.
JAF 1469. ABM.
492
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto Meyer. 14 abr. 1932. JAF 1161. ABM.
291
Porto Alegre continuava a ter a sua Bismarckrunde, e uma filial foi fundada, em 1933, em Santa
Cruz do Sul, organizada por Otto Meyer e Heinz von Ortenberg. Em 1939 ocorreu a última
reunião do Círculo de Bismarck. Provavelmente uma nova cisão tenha ocorrido, além de não
parecer mais apropriada uma reunião fechada cantando louvores ao unificador da Alemanha.
Aloys decidiu não realizar novamente a reunião, pois dizia que “em minha casa não deve ser
declarada nenhuma saudação a Hitler e à guerra mundial de Hitler”.
493
Nota-se aqui que o
nazismo rondava a confraria bismarquiana e pode ter causado, se não as duas dissoluções, ao
menos a última.
Da trajetória desta confraria, pode-se concluir que a germanidade proclamada por
diferentes líderes no sul do Brasil nem sempre conseguiu manter sua coerência teórica, a qual
previa fidelidade política ao Brasil e manutenção da identidade étnica alemã. Friederichs foi um
dos maiores propagadores do ideal do teuto-brasileirismo, ressaltando sempre — e ainda mais na
conjuntura de 1937 — a ligação apenas cultural com a antiga pátria. No que se refere a suas
convicções a sua prática de sociabilidade mais privada, como foi o caso da Bismarckrunde, as
contradições de seu discurso aparecem.
As manifestações públicas da comunidade teuta de Porto Alegre em homenagem a
Bismarck cessaram após a Primeira Guerra Mundial. A Bismarckrunde, entidade quase que
privada de Friederichs, permaneceu. Embora este apregoasse, durante anos a fio, uma vinculação
apenas cultural e étnica com a antiga pátria ou com a pátria dos antepassados, havia, em sua
idolatria a Bismarck — o grande estadista, fundador do Estado-Nacional alemão — uma
fidelidade política, a ponto de, por causa dela, redes serem tecidas e desfeitas. Se, no início da
trajetória de Friederichs, o culto a Bismarck parecia de acordo com as práticas da germanidade
493
“... in meinem Hause sollte kein ‘Sieg Heil’ auf Hitler und Hitler-Wetlkrieg ausgebracht werden”. J. ALOYS
FRIEDERICHS. Carta para Ludwig von Loessl, 29 out. 1947. JAF 3020. ABM.
292
mesmo no além-mar, com um apego à pátria de origem, com o congelamento de uma Alemanha
na memória de quem havia vivido o II Reich; no final de sua vida, já beirando a década de 40, tal
manifestação contrastava com sua própria alternativa identitária que propunha para os imigrantes
e seus descendentes.
293
CONCLUSÃO
Depois desta longa trajetória — da vida de Friederichs e da pesquisa realizada sobre ele
— um fechamento é mais do que necessário, mas também sempre árduo de realizar. Sintetizar
ainda mais o que já foi abreviado é tarefa nada simples e geralmente realizada às pressas, com
prazos e pressões a nos rondar. Mas é preciso refletir se, afinal, chegamos aonde propomos
chegar. Por isso, retomo as questões norteadoras do trabalho, que dividi em, basicamente, dois
blocos de perguntas.
No primeiro, perguntava sobre as condições abertas pelo contexto social vivido por Aloys
Friederichs para a obtenção da posição de liderança, contando com isso que, parte do que
conquistou se deve às oportunidades oferecidas pelo contexto enquanto um “campo de
possibilidades”, mas também de restrições. Indagava ainda a respeito das ações empreendidas
pelo personagem deste enredo, dos instrumentos empregados e dos lugares ocupados por ele que
lhe propiciaram a construção da liderança e manutenção da imagem de líder. Neste sentido,
considerei que sua liderança adveio também de esforço próprio, de opção pessoal, utilizando-me
da noção de “projeto”, como uma escolha em geral a longo prazo, movendo-se e “jogando”
dentro do “campo” que lhe foi oferecido.
294
O segundo bloco referia-se à produção e veiculação de idéias do personagem, entendido
este como um intelectual. Perguntava pelo momento em que Friederichs apropriou-se do
pensamento germanista e no qual começou a lutar pela germanidade dos imigrantes; pelas idéias
que transplantou da matriz original desta ideologia, pelas adaptações de seu germanismo à
realidade vivida, pela originalidade de seu discurso frente a outros intelectuais teutos.
Interessava-me pelos recursos e instrumentos empregados para a veiculação de seu discurso, pela
busca da coerência — como parte de seu “projeto” — e pelas suas contradições.
Estas questões estiveram presentes durante toda trajetória de produção da tese, mas só
agora posso ter noção do que foi ou não respondido nas páginas produzidas. Iniciemos pelo
contexto e suas condições. Algumas delas considero condições indiretas, mas também
importantes para a emergência de Friederichs como liderança no grupo étnico. Em primeiro
lugar, contribuiu para isso o fato de ter emigrado suportado por uma rede de relações que o
acompanhou desde a saída — a reboque de experiências anteriores de outros membros da família
— até a instalação no país; outra rede lhe proporcionou condições favoráveis para integrar-se à
sociedade imigrante no sul do Brasil (comércio dominado pelos teutos, estrutura religiosa de
cunho étnico, ampla difusão da informação em língua alemã na imprensa) e a uma estrutura
associativa étnica existente há algum tempo na cidade de Porto Alegre (com associações
culturais, recreativas, profissionais). Entre as condições que contribuíram de forma mais direta
para a atuação de Friederichs como liderança está a existência de um ramo associativo que
privilegiava a integração de jovens (as sociedades de ginástica); o surgimento de uma nova
associação (o Turn-Club) que, por ser nova, necessitava de moços empreendedores, e as
oportunidades conjunturais de aumento de demanda no seu ramo profissional, que lhe
possibilitaram crescimento econômico e, conseqüentemente, trânsito em meio a uma elite da
cidade, além de reconhecimento de seu nome.
295
Também considerei como condições de possibilidades de fortalecimento da liderança ou
da imagem de líder de Aloys Friederichs o enfrentamento de algumas tensões pelas quais passou
a população de origem alemã do estado. Na crise gerada pela Primeira Guerra Mundial,
Friederichs serviu de mediador entre a comunidade teuta e o Estado, buscando garantir a esta o
direito de manifestação da etnicidade; foi também um momento de resistência contra o
“abrasileiramento”. Quando foi afrontado pelo Germanischer Bund (em 1916) e pelos partidários
do nazismo (em 1937), liderou outra resistência, desta vez contra a perda da autonomia das
instituições teuto-brasileiras, contra a ingerência da política alemã sobre a comunidade étnica
alemã do estado. Nestes casos, uma situação crítica colocada pelo contexto abriu espaço para a
atuação — ou para a liberdade de escolha de atuar —, com o que Friederichs pôde capitalizar
aliados e opositores, ódio e admiração, visibilidade enfim.
Se estivessem em jogo apenas as condições oferecidas pelo contexto social, outro
indivíduo, que não Friederichs, poderia ter emergido em seu lugar. Por isso, foram também tão
importantes quanto aquelas as escolhas feitas por este, as ações conscientemente empreendidas e
os lugares que ocupou, de forma que conseguisse obter sucesso em seu “projeto” de liderança
étnica.
Considerei importantes os passos dados por este indivíduo desde o início de sua
integração no mundo associativo teuto. Cedo assumiu funções e posições na diretoria do
Turnerbund, ou seja, no lugar onde poderia “fazer a diferença” do ponto de vista executivo;
candidatou-se a cargos mais importantes, atuou como conciliador (caso da fusão das duas
sociedades de ginástica anteriores), ousou nas atitudes e riscos (compra de terrenos, construções,
empréstimos), individualizou ações de interesse ou alcance coletivo (fundação da Turnerschaft
— coesão da germanidade). Mais propriamente a partir da década de 1890, começa a se delinear
seu projeto — de se tornar uma liderança no Turnerbund; de fazer deste uma instituição líder na
296
comunidade teuta; de guiar a população de origem alemã pelos caminhos da manutenção da
identidade étnica; de convencê-los a tornarem-se bons cidadãos brasileiros. Utilizou-se, para
tanto, das posições que foi ocupando na rede associativa — no Turnerbund, na Turnerschaft, na
Verband Deutscher Vereine e em outras associações das quais tomou parte; das qualidades de
bom orador; dos contatos que conquistou com autoridades brasileiras e alemãs; da auto-
propaganda nas correspondências enviadas a diferentes pessoas e órgãos na Alemanha.
Como contrapartida, Friederichs recebeu apoios, reconhecimento, elogios, que vinham da
comunidade teuta da capital, do interior do estado, de amigos e conhecidos do centro do país e da
própria pátria de origem. Mas também foi contestado. Por mais que tivesse o controle sobre
recursos e instrumentos para as ações — e também por isso mesmo —, não conseguiu evitar o
aparecimento de outras idéias, de outras lideranças e de oposições.
No que diz respeito aos fundamentos teóricos da atuação de Friederichs, compreendo que
este era um alemão do II Reich que propunha uma identidade hifenizada para seus “irmãos de
origem” aqui no Brasil. Quando jovem, é provável que tenha recebido instrução e educação que o
formaram como um cidadão ciente de pertencer a um Estado-Nação (também jovem); que tenha
sido influenciado pelo nacionalismo alemão inserido na educação cívica da juventude, pelo
orgulho das vitórias militares, dos heróis da nação. Friederichs emigrou como alemão do II Reich.
O germanismo, no entanto, só lhe foi conhecido a partir da experiência associativa. Seus
primeiros contatos com o associativismo étnico parecem ter ocorrido só em 1888 — sendo que
chegou no Brasil em 1884. Através da ginástica de Jahn — um produto peculiar do nacionalismo
alemão do início do século XIX — Friederichs engajou-se na idéia de preservação do Volkstum.
As experiências pré e pós-emigração se unem para dar a base do germanismo de Friederichs: um
germanismo que se assentava no orgulho nacional alemão, fruto de uma unificação conquistada
militarmente, e nas propostas de identidade hifenizada de intelectuais teuto-brasileiros anteriores
297
a ele. Sua formação pré-emigração, na escola, família e comunidade, devem tê-lo introduzido na
idéia de orgulho nacional, de manutenção da língua e tradições, de nação como comunidade
lingüística e cultural. O contato pós-emigração com publicações alemãs diversas, mas, em
especial, com os românticos, marcou sua percepção de identidade étnica. Sua experiência de
imigração, o contato inter-étnico, o sucesso profissional conquistado em poucos anos — que
possibilitou uma inserção de ordem econômica à sociedade brasileira — e a idéia do teuto-
brasileirismo pregada por discursos germanistas pré-existentes desenharam a forma que
considerava ideal de integração à sociedade brasileira. Disso resultou a bandeira da identidade
teuto-brasileira a qual carregou até quase o fim da vida, com ênfases mais para um ou outro
elemento da categoria, dependendo da conjuntura. O “amor ao Brasil” e a “fidelidade ao modo de
ser alemão” foram dois elementos chaves do seu projeto de vida — para si e para a comunidade
teuta mais ampla — no que trabalhou intensamente. Sem tocar no que se refere à aceitação de
seu discurso, à recepção de suas idéias, é preciso, no entanto, observar que se trata de um
discurso adaptativo, destinado a imigrantes sem intenção de retorno e, nesta medida, bastante
viável de ser aceito por estes, como o foi inclusive, por um período determinado, pelas
autoridades brasileiras. É, portanto, um discurso que combina com “aqueles que deram certo”,
que obtiveram ascensão social na nova pátria, à qual devem a chance de seu sucesso.
Apesar de apregoar o equilíbrio de valor entre os dois elementos formadores da identidade
teuto-brasileira — a etnicidade alemã e a cidadania brasileira — acabou dando mais ênfase, ao
menos durante o período em que atuou na dianteira das instituições teuto-brasileiras, ao elemento
étnico. Embora pregasse a fidelidade ao modo de ser alemão e a tudo o que se referia a isso —
manutenção da língua, tradições e cultura dos ancestrais — apenas como uma ligação cultural
com a Alemanha, permitiu que questões de lealdade política para com aquele país
desestabilizassem sua liderança. Considero que a veneração de Friederichs à figura de Bismarck e
298
à Alemanha imperial demonstram a impossibilidade de manutenção de coerência em seu
discurso. Embora manifestasse seu “amor pelo Brasil” e sua “fidelidade ao modo de ser alemão”,
não conseguiu manter-se longe das discussões e desavenças políticas da antiga pátria, não
conseguiu deixar de expressar sua fidelidade política ao II Reich.
Friederichs utilizou-se da posição conquistada no grupo étnico, da visibilidade alcançada
— fruto das condições existentes, de um projeto pessoal e de uma extensa propaganda de sua
pessoa — para difundir suas idéias, no que havia de comum e de peculiar em relação a outros
intelectuais teutos. Serviu-se, por outro lado, de um discurso adaptativo — pendendo ora mais
para a preservação do caráter alemão da identidade hifenizada teuto-brasileira, ora mais para a
fidelidade à nova pátria — como forma de conquistar e manter sua posição e imagem de líder.
Conseguiu assim, construir sua trajetória e realizar seu projeto, aproveitando-se das
oportunidades dadas pelo contexto, driblando dificuldades oferecidas por ele, sendo por vezes até
surpreendido. Embora tivesse buscado a coerência em seu discurso e linearidade em seu percurso,
sua história não escapou dos desvios, das encruzilhadas, das emboscadas e das arbitrariedades da
vida.
299
REFERÊNCIAS: FONTES E BIBLIOGRAFIA
I - FONTES DE ARQUIVO
494
ATAS
DEUTSCHER TURNVEREIN, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 28 jul. 1887, Livro de Protocolo de
Atas. MS.
DEUTSCHER TURNVEREIN, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 5 out. 1887, Livro de Protocolo de
Atas. MS.
DEUTSCHER TURNVEREIN, Porto Alegre, Reunião de Diretoria , 18 out. 1887, Livro de Protocolo de
Atas. MS.
TURN-CLUB, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 2 out. 1887, Livro de Protocolo de Atas. MS.
TURN-CLUB, Porto Alegre, Reunião de Diretoria , 17 ago. 1888, Livro de Protocolo de Atas. MS.
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TURNERBUND, Porto Alegre, Assembléia Geral, 10 jan. 1921, Livro de Protocolo de Atas. MS.
TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 7 nov. 1921, Livro de Protocolo de Atas. MS.
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TURNERBUND, Porto Alegre, Assembléia Geral, 21 dez. 1928, Livro de Protocolo de Atas. MS.
TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 18 fev. 1929, Livro de Protocolo de Atas. MS.
TURNERBUND, Porto Alegre, Reunião de Diretoria, 15 abr. 1929, Livro de Protocolo de Atas. MS.
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304
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JCRS.
JUNTA COMERCIAL DO RIO GRANDE DO SUL. Processo n. 1441, Porto Alegre. JCRS.
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EGYDIO MICHAELSEN. Carta para J. Aloys Friederichs, 3 jun. 1937, JAF 2332. ABM.
EMIL ULLMANN. Carta para J. Aloys Friederichs. 08 abr. 1932, JAF 1490. ABM.
EVERALDO BACKHEUSER. Carta para J. Aloys Friederichs, 14 dez 1922. JAF 1261. ABM.
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J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para H. Daehnhart. 20 nov. 1929, JAF 2756. ABM.
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J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Josef Friederich. 11 nov. 1946. APFF.
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J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Martin Fischer. 15 jan. 1938. JAF 1491. ABM.
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J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto Meyer, 7 set. 1936, JAF 0926. ABM.
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J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Wolfgang Ammon, 17 dez. 1922. JAF 0188. ABM.
J. ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Wolfgang Ammon, 23 ago. 1930. JAF 0170. ABM.
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J.ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Henrique Beck Filho, 30 jan. 1929, JAF 0034. ABM.
J.ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Otto Meyer, 31 dez. 1929, JAF 1058. ABM.
J.ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Wolfgang Ammon. 16 fev. 1925, JAF 0178. ABM.
J.ALOYS FRIEDERICHS. Carta para Wolfgang Ammon. 17 dez. 1922, JAF 0188. ABM.
JOÃO SIMPLÍCIO. Carta para J. Aloys Friederichs. 10 mai. 1931. JAF 1350. ABM.
JOSÉ FRANZ. Carta para J. Aloys Friederichs. 28 dez. 1937, JAF 2265. ABM.
JOSEF LOEVENICH. Carta para J. Aloys Friederichs. 27 mai. 1930, JAF 0086. ABM.
MAX FELDGES. Carta para J. Aloys Friederichs. 4 dez. 1929. JAF 2851. ABM.
OTTO BROMBERG. Carta para J. Aloys Friederichs. 10 out. 1922. JAF 0483. ABM.
OTTO EWEL. Carta para J. Aloys Friederichs. 30 mar. 1932. JAF 2692. ABM.
ULRICH KUHLMANN. Carta para J. Aloys Friederichs, 21 jul. 1929, JAF 0127. ABM.
VEREIN FÜR DAS DEUTSCHTUM IM AUSLAND. Carta para J. Aloys Friederichs. 15 abr. 1930, JAF
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319
APÊNDICES
320
APÊNDICE 1 – Sociedades teuto-brasileiras por tipo de atividade
Sociedades
Município
de auxílio,
poupança
ou
cooperativa
s
musicais
496
esportivas
497
recreativas
498
profissionais
outras
499
Cerro Azul 3 4 3
Cruz Alta 5 4 1 2
Ijuí 3
Lajeado 3 2 1 1
Montenegro 2 2 3 1
Porto Alegre 11 8 8 4 2 8
Rio Pardo 4 16 1 2
Santa Cruz 10 5 67 4 10
Santa Maria 3 2 6 1
Santo Ângelo 2 5
São
Leopoldo
5 5 2 3
São
Lourenço
6 4 3 1 5
Sobradinho 3 1
Taquara 2 15 6 2
Venâncio
Aires
3 16 24 7 2
496
Entre as sociedades musicais estão as de canto e de música orquestral.
497
Entre as sociedades esportivas estão as de bolão, tiro, ginástica, futebol, lanceiros, ciclismo, remo, ou outra
modalidade.
498
Entre as sociedades recreativas estão as de teatro, fotografia, leitura, bailes, para fumantes, loto.
499
Entre as “outras” estão as sociedades religiosas, de damas ou sem referência.
321
APÊNDICE 2 – Associativismo teuto em Porto Alegre (dados referentes a 1924):
Nome da associação Fundação Fins primeiros
Allgemeiner Arbeiterverein/
Associação Geral de
Trabalhadores
profissional/ de classe
Bürgerklub/ Clube do Cidadão 1883 “prestar auxílio aos sócios doentes e às famílias dos sócios falecidos”
(Rambo, 1988, p.46)
Burschenschaf Wohlauf/ Grupo
de Jovens “Avante”
1922 caminhadas (Cem anos de ..., 1999, p.332).
Club Hayden/ Clube Hayden 1897 Música orquestral
Deutscher evangelischer
Lehrerverein/ Associação
Alemã dos Professores e
Educadores Alemães
Evangélicos
1901 “concentravam-se no fomento, no estímulo e no aperfeiçoamento do
professorado das escolas evangélicas, o incremento e o
aperfeiçoamento das escolas, a formação de fundos e de mecanismos
e meios de assistência aos professores idosos e de amparo aos
dependentes de falecidos”(Rambo, 1988, p.54).
Deutscher Hilfsverein/
Associação Beneficente Ale
ou Sociedade Alemã de Amparo
Mútuo
1858 destinava-se “a auxílios diretos: a alemães pobres, em dificuldades
sem culpa própria, eram socorridos com dinheiro; a enfermos
desamparados providenciavam-se médico e remédios e, em casos de
extrema necessidade, a sociedade cobria os custos dos funerais” (Cem
anos de ..., 1999, p.311)
Deutscher katholischer
Jugendverein/ Associação
Alemã da Juventude Católica
1911 “os jovens costumavam encontrar-se para uma partida de bilhar, para
um bom papo, para cantar as melodias sacras e profanas da tradição
de seus antepassados” (Rambo, 1988, p.53)
Deutscher katholischer
Lehrerverein/ Associação
Alemã de Professores e
Educadores Católicos
1898 “reunião dos professores alemães católicos do nosso Estado para
promover seus interesses espirituais e materiais” (Cem anos de ...,
1999, p.336).
Deutscher Krankenverein/
Sociedade Alemã para Enfermos
1868 “atendiam-se aos sócios suas necessidades de saúde” (Rambo, 1988,
p.43)
Deutscher Kriegerverein/
Sociedade Alemã dos
Combatentes
“recordar os feitos de soldados e [promover] a edificação de um
monumento aos soldados alemães mortos na [primeira] guerra”
(Rambo, 1988, p.49); cultivar datas patrióticas alemãs (Cem anos
de..., 1999, p.327).
Deutscher Schüzenverein/
Sociedade Alemã de Atiradores
1870 Além do mero lazer, permitir o conhecimento do correto uso de armas
para a defesa quando necessário (Rambo, 1988, p.45); “manejo de
armas num ambiente de alegre sociabilidade, aliada à finalidade de,
em caso de necessidade, servir para a defesa e a proteção da própria
casa e também do Brasil” (Cem anos de..., 1999, p.314).
Deutsches MännerquartetT von
1887/ Quarteto de Homens de
1887
1887 “contribuir, através do exercício do canto alemão, com a preservação
e promoção da cultura e costumes alemães no estrangeiro” (Cem anos
de ..., 1999, p.333).
Flor da Aurora
500
500
Não encontrei nenhum dado sobre sociedade com este nome, apenas a respeito de uma com nome semelhante, de
caráter étnico alemão: a Gesellschaft Florestina, fundada em 1893, em Porto Alegre. Seus fins eram os de
proporcionar a seus sócios bailes, passeios e divertimentos. O domínio da língua alemã era necessário para os sócios
que desejassem ocupar cargos de direção; aos demais não era feita tal exigência. Statuten der Gesellschaft Florestina
in Porto Alegre. Porto Alegre: Buchdruckerei von Gundlach & Schuldt, 1894. Memorial Sogipa.
322
Gemeinnützigerverein/
Sociedade para Fins Comuns
1858 fins assistenciais os mais diversos: médicos e medicamentos a quem
necessitasse; auxílio em despesas de funeral; despesas escolares a
alunos carentes (Rambo, 1988, p.41)
Gesangverein Harmonia/
Sociedade de Canto Harmonia
canto
Gesangverein Liederkranz/
Sociedade de Canto Liederkranz
canto
Gesangverein Wohlklang/
Sociedade de Canto Boa
Melodia
canto
Gesellschaft Concórdia/
Sociedade Concórdia
1874 “promover uma série de festas, de bailes e reuniões dançantes”, além
de excursões (Rambo, 1988, p.46).
Gesellschaft Germânia/
Sociedade Germânia
1856 “cultivar a sociabilidade, os costumes e a maneira de ser alemã e ao
mesmo tempo oferecer um pedaço da pátria aos recém-imigrados, de
modo especial aos jovens comerciantes (Cem anos de ..., 1999,
p.308).
Gewerbeschulverein/ Sociedade
para escolas profissionais
1914 “criar e manter uma escola profissional” (Cem anos de..., 1999,
p.330).
Graphischer Vereinigung ou
Tipographischer Vereinigung/
Associação dos Gráficos
1916 “aperfeiçoamento profissional mediante conferências, cursos,
encontros; a manutenção de uma biblioteca especializada e o cultivo
da camaradagem” (Rambo, 1988, p.51).
Haberer 1903 “cultivar os costumes bávaros” (Rambo, 1988, p.49)
Klub Edelweis/ Clube Edelweis
Krankenverein Navegantes/
Sociedade para enfermos
Navegantes
auxílio médico
Gesellschaft Leopoldina/
Sociedade Leopoldina
1863 “fomento à camaradagem” (Rambo, 1988, p.42); “cultivar a
sociabilidade nas suas diversas formas” (Cem anos de..., 1999, p.312).
Männergesangverein
Navegantes/ Sociedade de
Cantores Navegantes
canto
Musikverein Lyra/ Sociedade de
Música Lyra
canto
Musterreiterklub/ Clube do
Caixeiro Viajante
1885 Profissional – “integrado pelos viajantes comerciais que percorriam a
colônia, predominantemente residentes em Porto Alegre”; “caixa de
auxílio destinada a socorrer os sócios em caso de falecimento”
(Rambo, 1988, p.47).
Naturheilverein/ Sociedade de
Homeopatia
1894 “divulgar o tratamento de doenças utilizando métodos, meios e
recursos disponíveis na natureza (Rambo, 1988, p.48)
Österreichischerverein/
Sociedade Austríaca
Photoklub Helios/ Clube de
Fotografia Hélios
1907 “promover a arte da projeção” (Rambo, 1988, p.49)
Portoalegrenser
Unterstützungskasse/ Caixa
Portoalegrense de Pensões
pecúlio
Radfahrerverein/ Sociedade de
Ciclismo
ciclismo
Reitklub Porto Alegre/ Clube
Hípico de Porto Alegre
equitação
Ruderverein Guahyba/
Sociedade de Remo Guaíba
remo
Ruderverein Porto Alegre/
Sociedade de Remo Porto
Alegre
remo
323
Salon Schützerverein/
Sociedade de Atiradores de
Salão
tiro ao alvo
Sängerbund Eintracht/
Federação de Cantores
Concórdia
1881 Cultivar a canção alemã (Cem anos de ..., 1999, p.309).
Sportklub Eiche/ Clube
Esportivo Carvalho
Sterbekasse II Navegantes/
Caixa II de Auxílio para Casos
de Falecimentos Navegantes
Auxílio funerário
Sterbekasse und Krankenverein
I Navegantes/ Caixa I de
Auxílio em Casos de
Falecimento e Associação para
Enfermos Navegantes
Auxílio médico e funerário
Tenis Klub Walhala/ Clube de
Tênis Walhala
1898 prática do tênis
Turnerbund/ União de Ginastas 1892 prática da ginástica alemã
501
; “centro polarizador e fomentador das
mais diversas modalidades esportivas complementares de todo o sul
do país” (Rambo, 1988, p.48).
Unterstützungkasse Navegantes/
Caixa de Amparo Navegantes
Verband Deutscher Verein/
Federação das Associações
Alemãs
1886 “reunir as associações alemãs mediante a preservação dos direitos e
da índole alemã assim como a promoção da germanidade como um
todo, pela realização de festas patrióticas alemãs, pelas iniciativas
com finalidades beneficentes, pela proteção dos direitos tanto dos
indivíduos como dos grupos” (Cem anos de..., 1999, p.304).
Vereinigung ehemaliger Schüler
und Schülerinnen der deutschen
Hilfsvereinschulen/ Associação
dos antigos alunos e alunas da
escola da Sociedade Alemã de
Amparo Mútuo
1920 “cultivar a camaradagem, tendo como base a antiga convivência na
escola [do Hilfsverein]: contribuir com os interesses da escola em que
haviam estudado” (Rambo, 1988, p.51).
Volksverein Sparkasse/ Caixa
de Poupança União Popular
Volksverein/ Sociedade União
Popular
1912 “congregar todas as modalidades de associações católicas já
existentes” (Rambo, 1988, p55)
Fonte: Cem anos de germanidade no Rio Grande do Sul – 1824-1924. trad. Arthur Blásio Rambo. São Leopoldo: Ed.
Unisinos, 1999. p.348-360.
501
A ginástica alemã ou Turnen compreendia uma série de atividades que hoje são vistas como modalidades
distintas. Segundo Oliveira (1996, p.158), “estavam incluídos, além da ginástica em aparelhos (barra fixa, paralelas,
cavalo com alça, salto no cavalo, argolas), a ginástica com aparelhos (bastões, maças, aros, pequenos alteres), a
natação, os pequenos e grandes jogos, o remo, a esgrima, o atletismo, a luta e o levantamento de pesos”. Cantarino
(apud Mazo, 2004, p.29) explica que “os exercícios foram agrupados em: marchar, correr, saltar, tomar impulso no
cavalete e no cavalo, equilibrar, exercícios de barra, exercícios de paralela, trepar, arremessar, puxar, empurrar,
levantar, transportar, esticar, lutar braço a braço, saltar arco e pular corda. Havia atividades para a prática ao ar livre
como a natação, a marcha, a equitação, a esgrima, a luta e os exercícios bélicos”.
324
APÊNDICE 3 - Sociedades de Ginástica no Rio Grande do Sul:
Nome (localidade)
Fundaçã
o
Observações
Turnerbund (Porto Alegre)
1892 Fusão de duas sociedades anteriores: de
1866 e de 1887
Leopoldenser Turnverein/
Sociedade Alemã de Ginástica de São Leopoldo
1885
Deutscher Turnverein zu Lomba Grande/
Sociedade Alemã de Ginástica de Lomba Grande
1891
Deutscher Turnverein zu Campo Bom/
Sociedade Alemã de Ginástica de Campo Bom
Deutscher Turnverein zu Taquara/
Sociedade Alemã de Ginástica de Taquara
Deutscher Turnverein zu Villa Germânia/
Sociedade Alemã de Ginástica de Villa Germânia
Turnverein São João do Montenegro/
Sociedade de Ginástica São João do Montenegro
1887
Turnverein Santa Cruz/
Sociedade de Ginástica Santa Cruz
1893
Turnverein Neu-Hamburg /
Sociedade de Ginástica Novo Hamburgo
.1894
Turnverein Hamburgerberg /
Sociedade de Ginástica Hamburgo Velho
1896
Lageadenser Turnverein/
Sociedade Ginástica Lageadense
1896
Deutscher Turnverein zu São Sebastião do Cahy/
Sociedade Alemã de Ginástica de São Sebastião do
Cahy
.1898 O Deutsche Turnzeitung registra um
antecessor já em 1897
Turnverein “Jahn” Santa Maria da Bocca do Monte/
Sociedade de Ginástica “Jahn” Santa Maria da
Bocca do Monte
1903
Turnverein Estrella/
Sociedade de Ginástica Estrella
1907 Após a 1ª guerra, divisão de ginástica da
sociedade comunitária
Turnverein Cachoeira/
Sociedade de Ginástica Cachoeira (Cachoeira do
Sul)
1908 A partir de 25.01.1916, divisão de
ginástica da sociedade de Tiro
‘Concórdia’
Turnverein “Gut Heil” Neu Württemberg/
Sociedade de Ginástica “Gut Heil” (Neu
Württemberg, atual Panambi)
1913
Turnverein “Gut Heil” Ijuhy/
Sociedade de Ginástica “Gut Heil” Ijuhy
1914 A partir de 1921, divisão de ginástica
“Gut Heil” da Liga de Cantores e
Ginastas Ijuhy
Turnverein “Jahn”zu Lageado/
1915 Fusão das duas sociedades existentes em
325
Sociedade de Ginástica “Jahn” de Lageado
Lajeado, em 25.07.1921, resultando na
sociedade Ginástica Lageadense “Jahn”
Turnverein “Germânia” Sander/ Sociedade de
Ginástica “Germânia” (Estação Sander)
1915
Turnverein Villa Venancio Ayres/
Sociedade de Ginástica Villa Venâncio Ayres
? Já existia alguns anos antes de 1916
Nome (localidade)
Fundaçã
o
Observações
Turnergruppe des “Deutschen Hauses”/
Grupo de ginastas da “Casa Alemã”
(Riotal – entre Venâncio Aires e Santa Cruz do Sul)
?
Turnverein Villa Theresa/
Sociedade de Ginástica Villa Theresa (Vera Cruz)
?
Turnverein Sapyranga/
Sociedade de Ginástica Sapyranga
antes de
1920
Turneverein “Deutsche Eiche”/ Sociedade Ginástica
“Carvalho Alemão” (Arroio do Meio)
antes de
1920
Turnverein Erechim/
Sociedade de Ginástica Erechim
antes de
1920
Turnverein “Germânia”/
Sociedade de Ginástica “Germânia” (Cruz Alta)
antes de
1920
Turn- und Athletenverein Barra do Ribeiro/
Sociedade Ginástica Atletas Barra do Ribeiro
antes de
1920
Fonte: WIESER, Lothar. “Os primórdios das Sociedades Ginásticas Teuto-Brasileiras até a unificação em
associações”. Boletim do Arquivo Histórico de Joinville (Joinville). n.13, 1995, p.7-37.
WIESER, L. Deutsches Turnen in Brasilien. Göttingen: J. Kinzel, 1990.
326
ANEXOS
327
Anexo A – Retrato de J. Aloys Friederichs exposto na Biblioteca J. Aloys Friederichs, na
SOGIPA.
Fonte: Foto produzida pela autora, 2005.
Anexo B – Moselland - Região de origem de J. Aloys Friederichs
Fonte: Zeller Land an Mosel und Hunsrück – Unterkunftsverzeichnis, Tourist-Information Zeller Land, Zell.
328
Anexo C - Capela Dreher, no Cemitério Evangélico de Porto Alegre, vista do outro lado da rua.
Fonte: Foto feita pela autora, 2003.
Anexo D – Vinícola Josef Friederichs, em Zell
Fonte: Folder da vinícola
329
Anexo E – Propaganda da Casa Aloys
Fonte: TUSSIG, Adolfo. Deutsche Führer von Porto Alegre – Ausgabe 1929. Porto Alegre:
Deutsch-Brasiliernischer Verkehrdienst, 1929. ABM.
Anexo F - Mausoléu de J. Aloys Friederichs, Cemitério da Comunidade São José, Porto Alegre
Fonte: Foto tirada pela autora, 2003.
330
Anexo G – Relevo de Wilhemine Grünewald Friederichs – Cemitério da Comunidade São José,
Porto Alegre
Fonte: Foto produzida pela autora, 2003.
Anexo H – Irma Schnapp Friederichs, segunda esposa de Aloys Friederichs.
Fonte: foto cedida por Augusta Dischinger.
331
Anexo I – Diploma concedido a Friederichs pela Deutsche Turnerschaft da Alemanha, 1928.
Fonte: Álbum Ehren-Urkunde, Memorial Sogipa.
Anexo J - Placa em homenagem a Friederichs, SOGIPA.
Fonte: Foto produzida pela autora, 2004.
332
Anexo L – Busto de J. Aloys Friederichs, SOGIPA
Fonte: Foto produzida pela autora, 2004.
333
Anexo M – Lista dos sócios que assinaram o requerimento de alteração dos estatutos em janeiro
de 1937.
Arnaldo Bercht
J.Aloys Friederich
Victor Englert
Georg Bercht
Ataliba Wolf
Arthur Schiel
Guilherme Marquardt
Henrique Beck Filho
Karl Black
Rodolfo Bins
Benno Frederico Mentz
Curt Mentz
Arnaldo Schmidt
Guilherme Trein
Arnaldo Engel
Emilio Diefenthaeler
Willy Eichenberg
Augusto Broda
Paulo E. Dohms
Arlindo João Dreher
José Carlos Englert
Clemente M. Rath
Kurt Timmer
Sebaldo Max Leipelt
Pedro Weinheber
Reinaldo Leipelt
Oscar Berwanger
Albino Blauth
Alberto Raabe
F. Ivo Schuck
Osmar Barth
Armando A. Cunha
R. H. Heckmann
Carlos Martins de Lima
Otto Mecking
Ronaldo Lauffer
João Daniel Potthoff
João Daniel Potthoff F
o
Hermann Boemmler
Theo Gustav Classer
Luis Siegmann
Nelson Wolf
João Rodolfpho Purper
Rubem Fuhrmeister
Henrique Walker
Gastão Englert
João C. Wallau
Willy Oscar Dreher
Willy Uhr
Paulo F. Becker
Kurt Wetter
André Martinewski F
o
Bruno Arnt
Luis Waldemar Blanck
Alfred Rothfuchs
Otto Walter Berg
Eng. Ernesto Kurt Lux
Otto C. Dreher
Felippe Jacob Mayer
Paulo Rabel
Walter Wenclaski
Laury Flores
Arno H. Helm
Armin Gappmayer
Theophilo Wersig
Armin L. Helm
Hellmuth Linke
Oscar Kich
Roberto Marquardt
Jacob Klein
João Weber
Otto L. Haase
Rudolf E. Schilling
Erich Sommer
Ivo Seibert
Oscar A. Trein
Arthur Stahlschmidt
Hans Pfeiffer
Rudolf Deppermann
Germano Wetter
Alfred Lindemann
Albert Steyer
Victor Deppermann
Francisco José Beiler
Cesar Wendt
João Lorenz
Berhardt Schwuchow
Rubem Barth
Ernesto Otto Ritter
Waldemar Lipp
Carlos J. Soldan
Heinrich Bernhoeft
Edgar Barth
Ruy D. Araujo
Willy Matte
Paul Wohlgemuth
Luis Kasper
Willy Schwarz
Mamerio Kayser
Floriano Mentges
Rudolfo Etges
Arno Albert
Jorge Eric Carter
Pedro Luis Schmitt
Hellmuth B. Klein
Arno R. Haase
Germano M. Bonow
David Herrlein
Mario Ervino Stoll
Waldemar Schoeler
Erny Schoeler
Oswaldo Muench
Augusto Groth
Guilherme Nienaber
Guilherme Nienaber Sobr
o
Willy Fick
Pedro Strenge
Augusto Dreher
Walter Schilling
Theodoro Dienstbach
Jacob Klein Jr.
Saturnino Kruse
Affonso Causs
Oscar Werkhaueser
Rodolfo Hanke
Luis Englert
Octavio Fauth
Erwin W. Mothes
Francisco Peck
334
Norberto Flach
João C. Schmidt
Heinz Henke
Edgar Lanzer
Helio Steffens
Waldemar Gehlen
Adão Waldemar Kuver
Edgar Deppermann
Alexander Fraenkel
Reinaldo Born
Arnildo Kuver
Adão Kuver
Theodoro Sander
Victor Sperb
Lucio Sperb
Alfredo Strehlau
Delmario Fauth
Ernst Mitcherlich
José Carlos Daudt
Gustavo Kirst
Heini Klarmann
Waldemar Stadtlaender
Werner Volk
Arno Gimmler
Erwin Buehler
Werner Feiden
Hans Karwatzki
Gustavo J. Carls
Frederico Hanke
Ernesto Ludwig Sobr
o
Maximiliano C. A. Ludwig
Leandro A. Ludwig
Nelson A. Machry
Nilo Kliemann
Kurt Fabel
Franz Fabel
Roberto Sommer
Jacob Ellwanger
Oscar R. Heller
Alfred Hentschel
Walter Sohni
Ottomar Sindermann
Christiano Matte Filho
Arthur Schroeter
Theobaldo Foernges
Percy Bugs
Roberto Werner Jr.
Vicente Nedel
Oscar Otto Obst
Hugo Engel Sobr
o
Leopoldo Lau
João Timmers
Mario Klinger
Oswaldo Krepski
Eng. Arno Herrmann
Schlipmann
Guilherme Aug. Lamberts
Rolf Arno Hildebrandt
Emilio G. C. Hildebrandt
Alfonso Homrich
Walter A. Liedke
Franz Reimer
Carlos Bleil
Oscar Wagner
Leopoldo C. Helm
Otto Riedel
Frederico J. C. Hildebrandt
Walter Deppermann
Arno Friederich
Zelten Kallei
Rudi E. Boggreve
Oswaldo Michelsen
Eng. Amadeu da Rocha
Freitas
Hugo Bernardo Garber
Waldemar E. Enck
Norberto Pielen
Arnaldo Neiss
Carlos Fick
Erny H. Brietzke
Arno Deppermann
Bror G. Linde
Willy Deppermann
Helmut Strassburger
Fridolino A. Eichstaedt
Erich Meyer
H. Erich Mueller
Albert Gappmayer
Timotheo Morsch
Oswaldo Gutheil
Walter Mueller
Hans Fiala
H. Luis Kern
Luis F. Schmitt
Mensor Sassen
Arlindo Berwanger
Waldemar Kupplig
Arthur Neujahr
Fredy Hanke
Danilo Albert
Carlos Weber
Charly Kirsten
Walter Bender
João Carlos Beck
Ferndinand Schlatter
Adolfo Siegert
Walter Strassburger
Emilio Strassburger
Reynaldo Theophilo
Volkert
Henrique Mayer
Emilio Petry
Guilherme Mathias Petry
Rudolf Wiesbauer
Arno Wolf
Alberto Renck
Guilherme Luiz Fuerstenau
J. Aloysio Dillenburg
Armando A. Sperb
Oswaldo Simão
Deppermann
Carlos F. Endler
Walter J. Blauth
Otto Oswald Dreher
Arthur E. Schaefer
Oscar Poetter
Walther W. A. Schmidt
(ilegível) Nordhausen
Arthur Martau
Emilio Enck
Frederico Heller
Oswaldo Knapp
Nestor Wasem
Rodolpho Schoeler
Alfredo V. Petzhold
Rudi O. Trein
C. Rudi Hahn
Walter Kurt Hildebrandt
Erny Hammermueller
Oscar G. Mueller
Germano Kannen
335
Emilio Jung
Carl Zuckermann
Eduardo Fallgatter
Luis Nicodemus
Liborio A. Schuck
Guilherme F. Kersterke
Willy Mahr
Bruno Adam
Rodolpho Adam
Arlindo Otto Volkert
Roberto Stahlschmidt
Rudi J. Muller
Emilio Schlabitz
Rubem Kaastrupp
Arsenio Kirsten
Walter Funcke
Walter Theodoro Kionka
Otto Bercht
Walter Gerhardt
Nelson Ritzel
Emilio Michel
Carlos Suemmschen
Bruno Nedel
Oswin Helmuth Mueller
Casimiro Bruno Kurtz
Bruno Kurtz
Kurt Dohms
Guilheme Winkler
Carl Regius
Armando Martau
Rudolfo Herbst
Albano Diefenthaeler
Germano Petersen
Ramiro Bernd
Dr. Carlos Sacknies
Dr. João Arthur Sperb
August Stier
Fonte: Requerimento à diretoria
do Turnerbund, MS.
Anexo N – Requerimento de alteração de estatutos
Fonte: Memorial Sogipa
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