Download PDF
ads:
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
DOUTORADO
A TEORIA DA CONOTAÇÃO DE OCKHAM:
UMA INTERPRETAÇÃO PROPOSITIVA
PEDRO GILBERTO DA SILVA LEITE JUNIOR
PORTO ALEGRE
2005
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
DOUTORADO
A TEORIA DA CONOTAÇÃO DE OCKHAM:
UMA INTERPRETAÇÃO PROPOSITIVA
Tese apresentada como requisito
parcial e último para a obtenção
do grau de Doutor em Filosofia.
PEDRO GILBERTO DA SILVA LEITE JUNIOR
PROF. DR. LUIS ALBERTO DE BONI
ORIENTADOR
PORTO ALEGRE
2005
ads:
3
Em memória do amigo Zeferino.
4
AGRADECIMENTOS
Ao orientador Prof. Dr. Luis Alberto De Boni pela confiança, apoio e
generosidade.
Aos professores, Prof. Dr. Luciano Marques de Jesus coordenador do Curso
de Filosofia e Prof. Dr. Draiton Gonzaga de Souza Diretor da Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas.
Aos colegas e amigos Prof. Dr. Roberto Hofmeister Pich, Prof. Dr. Marco
Antônio Oliveira de Azevedo e Prof. Dr. Felipe de Matos Muller pelos incentivos e
sugestões.
A todos aqueles que de algum modo contribuíram com seu apoio para a
realização deste trabalho.
Minha gratidão profunda aos meus filhos, Bruna, Frederico e Camila pela
compreensão e paciência.
E, finalmente, agradeço a minha esposa Loiva Leite, companheira incansável
que novamente compartilhou comigo os bons e maus momentos que marcaram
mais esta caminhada.
5
‘Não agüento ficar conversando
contigo deste modo’, disse Humpty
Dumpty, ao vê-la pela primeira vez, ‘mas
me diga seu nome e sua área de negócio’.
‘Meu nome é Alice, mas ...’
‘É um nome bem idiota!’ interrompeu
Humpty Dumpty impaciente. ‘Qual o seu
significado?’
‘Precisa um nome significar algo?
perguntou Alice com ar duvidoso.
‘Claro que precisa’, disse Humpty Dumpty
com uma risada; ‘Meu nome significa a
forma que sou e é uma bela forma,
também. Com um nome como o seu você
deve ter alguma forma.
(Lewis Carroll, ‘Through the Looking – Glass’)
6
ABSTRACT
Taking as starting point the contemporary discussion concerning Ockham’s
theory of connotation, the present work offers a qualified interpretation of it, which
is going to be named “propositive interpretation” of connotation theory. The
following two questions give the structure of its development: [1] How can
Ockham’s theory of connotation be defined? [2] What is the function of this theory
in Ockham’s semantics? The work is divided in three parts. In Part I, I present
Ockham’s theory of connotation. In Part II, I will approach the contemporary
interpretative discussion concerning that theory. In Part III, I present my own
“propositive interpretation”, that should be understood as an alternative view to the
other interpretations.
Key words: Ockham, connotation, semantics, ontology.
7
RESUMO
Tomando como ponto de partida o debate contemporâneo acerca da teoria
da conotação de Ockham, o presente trabalho propõe uma interpretação
qualificada como propositiva’ da teoria. Duas questões pautam seu
desenvolvimento, saber: [1] O que é, ou seja, em que consiste a teoria da
conotação de Ockham? [2] Qual o papel que ela desempenha na semântica de
Ockham? O trabalho está divido em três partes. Na Parte I, apresento a teoria da
conotação de Ockham. Na Parte II abordo o debate interpretativo contemporâneo
acerca da teoria. Na Parte III, apresento minha ‘Interpretação Propositiva’, que
pretende ser uma proposta alternativa às interpretações precedentes.
Palavras-chave: Ockham, conotação, semântica, ontologia.
8
ABREVIATURAS
Scriptum in Librum Sententiarum (Ordinatio II-III): citada como L. Sent.,
distinção, questão, página.
Summa Logicae: citada como Sum. Log., parte, capítulo, página e linha.
Expositio in Librum Porphyrii de Praedicabilibus: citada como Exp. in Porph.,
capítulo e página.
Expositio in Librum Praedicamentorum Aristotelis: citada como Exp. in
Praed., capítulo, página e linha.
Expositio Super Libros Elenchorum: citada como Exp. Elenc., livro, capítulo.
Quodlibeta septem: citada como Quodl., livro, questão, página.
Summula Philosophiae Naturalis: citada como Sum. Phil. Natur., parte,
capítulo, página.
Quaestiones variae: citada como Quaest. Var., questão, artigo, página.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO _________________________________________________10
I. A TEORIA DA CONOTAÇÃO DE OCKHAM _________________________14
1. Nominalismo em Ockham_______________________________________ 14
2. Noções Preliminares ___________________________________________19
2.1. Termos, Signos e Significação __________________________________20
2.2. Termos Categoremáticos e Termos Sincategoremáticos _____________ 27
2.3. Termos Concretos e Termos abstratos ___________________________29
3. A Teoria da Conotação _________________________________________42
3.1. Termos Absolutos ___________________________________________ 42
3.2. Termos Conotativos __________________________________________48
3.3. Dificuldades ________________________________________________ 56
II. O DEBATE INTERPRETATIVO CONTEMPORÂNEO ________________ 59
1. Interpretação ‘A’ _____________________________________________59
1.1 Domínio Interno _____________________________________________61
A. Nível da definição ____________________________________________62
B. Nível da significação _________________________________________ 88
1.2 Domínio Externo ____________________________________________ 97
2. Interpretação ‘B’ _____________________________________________ 115
2.1. Claude Panaccio ___________________________________________ 116
2.2. Martin Tweedale ___________________________________________ 151
3. Uma Réplica da Interpretação ‘A’ _______________________________177
10
3.1. Contra Panaccio ___________________________________________ 177
3.2. Contra Tweedale ___________________________________________184
4. Resumo do debate ___________________________________________188
III. UMA PROPOSTA INTERPRETATIVA __________________________ 191
1. A Teoria da conotação: análise interna __________________________ 192
1.1 A tentativa conciliatória ______________________________________192
1.2 A Interpretação Propositiva ___________________________________195
2. O Programa de Redução Ontológica: Reducionismo Mínimo _________211
CONCLUSÃO ________________________________________________215
BIBLIOGRAFIA _______________________________________________219
11
INTRODUÇÃO
Na história da filosofia determinados temas cuja importância e relevância
filosófica é manifesta e, nesse sentido, eles tornam-se recorrentes. Um exemplo
típico de uma questão filosoficamente relevante diz respeito à relação entre
pensamento, linguagem e realidade. Sem dúvida, um tema desse gênero o
passou desapercebido pelos pensadores da Idade Média.
Num primeiro momento temos o desenvolvimento da chamada logica antiqua
(composta pela logica vetus e pela logica nova), que tinham como base os escritos
de Porfírio e Boécio. Sem desqualificar as investigações anteriores, pode-se dizer
que os estudos acerca da relação pensamento, semântica e ontologia tiveram um
imenso aporte, por volta do século XII, com o surgimento da lógica terminista
conhecida, também, como logica modernorum. O mérito e originalidade desta, se
podemos assim o dizer, foi ter desenvolvido a noção de ‘propriedades dos termos’
(proprietates terminorum). As investigações nesta área tiveram como base à idéia
de que os termos possuem ou adquirem certas propriedades, e assim,
desempenham determinados papeis no seu uso lingüístico, seja no interior de uma
proposição seja fora dela. São propriedades dos termos: significação (significatio),
suposição (suppositio), denominação (apellatio), copulação (copulatio).
12
A partir do século XII o debate em torno das propriedades dos termos tomou
corpo, pois que, não envolvia somente questões de cunho lógico-semântico, mas,
principalmente, tinha implicações ontológicas importantes. O tema intensificou-se
e levou à polarização entre duas correntes teóricas: de um lado, a corrente
parisiense ligada à universidade de Paris; de outro, a corrente oxoniana, ligada à
universidade de Oxford. Por meio de suas Summulae Logicales muitos autores,
como, por exemplo, Guilherme de Sherwood, Pedro Hispano, Jean Buridano,
Alberto de Saxe e outros se manifestaram sobre o tema. O franciscano Guilherme
de Ockham não passou ileso e indiferente a questão. Ele dedicou, por exemplo,
15 capítulos de sua obra magna de lógica, Summa Logicae, ao estudo da
‘suposição’. Entretanto, Ockham mostra uma preocupação fundamental com a
noção de ‘significação’. Sua teoria da conotação, que é o objeto primário deste
trabalho, é desenvolvida no âmbito de seu tratamento da noção de ‘significação’.
Considero que há, pelo menos, dois modos de aproximação da teoria. Por
um lado, sua abordagem pode ser realizada de maneira estritamente contextual,
isto é, trata-se de cotejá-la diretamente com as opiniões dos predecessores e
contemporâneos de Ockham. Por outro lado, e essa é minha opção, pode-se
focaliza-la a partir das discussões atuais a seu respeito, isto é, discuti-la em si
mesma, examinando seus elementos constituintes, sua coerência interna,
expondo suas dificuldades e comparando-a com outras teses ockhamianas. Com
isso não estou sugerindo uma precedência hierárquica ou mesmo uma exclusão
de uma em relação à outra. Trata-se, de fato, de uma posição pessoal de base.
13
Acredito que um dos elementos que compõem o exercício da reflexão filosófica
consiste na atividade de re-atualizar e/ou re-interpretar o pensamento de um autor
acerca de um determinado tema. É nesse sentido que priorizo o debate
contemporâneo acerca da teoria da conotação de Ockham.
É preciso dizer, de imediato, que duas questões que fundamentalmente
balizam o horizonte desse trabalho, a saber:
[1] O que é, ou seja, em que consiste a teoria da conotação de Ockham?
[2] Qual o papel que ela desempenha na semântica de Ockham?
Tendo como tarefa dar conta das questões acima, o presente trabalho está
divido em três grandes partes.
Na Parte I, indico alguns traços relevantes do nominalismo de Ockham, para
o propósito deste trabalho. A seguir, aponto algumas noções importantes de sua
teoria semântica. Por fim, apresento o cerne da sua teoria da conotação e
proponho algumas dificuldades.
Na Parte II, abordo o debate interpretativo contemporâneo. No primeiro
momento desenvolvo de forma detalhada a posição do que denomino
‘Interpretação A’, representada, em última instância, por Paul Vincent Spade. No
segundo momento, exponho em detalhes a posição adversária que denomino
‘Interpretação B’, sustenta por Claude Panaccio e Martin Tweedale. , ainda,
uma réplica de Paul V. Spade a seus adversários. Encerro essa parte com um
14
resumo didaticamente esquematizado do debate. É importante observar com
ênfase que deixo a discussão entre ambas as interpretações fluir livre e
minuciosamente, pois considero que elas constituem os pilares interpretativos
acerca do tema.
Na Parte III, apresento minha ‘Interpretação Propositiva’. De modo geral, uma
‘interpretação’ consiste em uma explicação pessoal (que pode ser compartilhada)
acerca de algo. Nesse sentido, trata-se de uma explicação da maneira como
entendo a teoria da conotação de Ockham. Na medida em que pretende ser uma
proposta alternativa às interpretações precedentes é ‘propositiva’. Duas teses
estão subjacentes no meu processo expositivo, a saber: A tese 1 afirma que a
teoria da conotação constitui-se como um instrumento semântico válido que
desempenha um papel fundamental para o descomprometimento ontológico no
interior do sistema nominalista de Ockham. Ainda que seus elementos internos
apresentem certas dificuldades a teoria é válida e, portanto, sustentável. A tese 2
assevera que o ‘Programa de Redução Ontológica’ de Ockham é defensável se
interpretado como um reducionismo mínimo. Dito de outra forma, o ‘Programa’ não
é tão extenso e ambicioso quanto possa parecer.
Por fim, a título de conclusão, realizo um balanço crítico do debate acerca da
teoria da conotação de Ockham.
I. A TEORIA DA CONOTAÇÃO DE OCKHAM
15
1. NOMINALISMO EM OCKHAM
Freqüentemente as abordagens acerca do pensamento de Guilherme de
Ockham destacam dois aspectos como centrais de sua filosofia. O primeiro
concerne ao Princípio de Parcimônia, também conhecido como ‘Navalha de
Ockham’. De acordo com Brampton, embora tal princípio seja habitualmente
associado ao nome de Ockham, ele não é uma inovação ockhamista, pois sua
utilização foi recorrente no período medieval.
1
Além disso, conforme o mesmo
autor, uma formulação prévia pode ser retraçada a partir de Aristóteles. Por outro
lado, é reconhecido o uso constante que Ockham fez desse princípio na análise
de alguns temas. Spade observa que a ‘Navalha de Ockham’ constitui-se como
um princípio metodológico de economia, isto é, uma regra de diligência teórica
para evitar a postulação desnecessária de certas entidades.
2
Entre outras, uma
das suas fórmulas é “A pluralidade [de entidades] não deve ser postulada sem
necessidade”.
3
Um outro aspecto amplamente referido quando se trata do
pensamento de Ockham, diz respeito ao seu ‘nominalismo’.
4
Entretanto, muitas
1
BRAMPTON, C. Kenneth. “Nominalism and the Law of Parsimony”. IN: The Modern Schoolman,
41, 1964, p. 273-281.
2
SPADE, Paul V.. “Ockham’s Nominalist metaphysics: Some Main Themes.” IN:The Cambridge
Companion to Ockham. Ed. Paul Vincent Spade. New York:Cambridge University Press, 1999, p.
100- 117. Citado como SPADE, 1999.
3
A respeito da ‘Navalha de Ockham’, ver, por exemplo, ADAMS, Marilyn McCord. “Ockham’s
Razor”. IN: The Cambridge Dictionary of Philosophy. Ed. Robert Audi. New York: Cambridge
University Press, 1995, p.183. Ou ainda, MAURER, Armand. “Ockham’s Razor and Chatton’s Anti-
Razor.” IN: Mediaeval Studies, 46, 1984, p. 463-475.
4
Considero que Ockham seja um legítimo representante de um certo tipo de nominalismo. No
entanto, observo que Boehner (BOEHNER, Philotheus. “The Realistic Conceptualism of William
Ockham”. IN: Collected Articles on Ockam. New York: The Franciscan Institute St. Bonaventure,
16
vezes não fica claro qual o tipo de nominalismo foi o de Ockham, pois tal como
seu homônimo contemporâneo, o nominalismo medieval tomou freqüentemente
formas surpreendentes.
5
Considero que uma boa maneira de bem caracterizar o nominalismo de
Ockham, no âmbito da ontologia (entendendo por ‘ontologia’ a melhor descrição,
em termos gerais, daquilo que existe), é representada pela idéia de que no mundo
somente coisas individuais, particularmente substâncias individuais e
qualidades individuais. É preciso dizer que o inventário de coisas no mundo, para
o Venerabilis Inceptor
6
, é escasso e pouco povoado. Trata-se aqui, do que Michon
chamou de particularismo e minimalismo ontológicos.
7
Em pelo menos dois temas
independentes, esse caráter de uma ontologia mínima aparece no pensamento de
Ockham.
O primeiro tema remete à sua discussão e rejeição do estatuto ontológico de
entidades universais
8
, ou seja, trata-se aqui do clássico Problema dos Universais
9
.
1958, p. 156-174), sustenta que Ockham pode ser considerado um conceptualista realista. Não
pretendo discutir esse ponto.
5
A respeito de nominalismo medieval, ver NORMORE, Calvin. “The Tradition of Mediaeval
Nominalism”. IN: Studies in Medieval Philosophy. Ed. John F. Wippel. Washington, DC: The
Catholic University of America Press, 1987, p. 201-217. Acerca do nominalismo contemporâneo,
ver ARMSTRONG, D. M.. Nominalism and Realism. London-New York-Melbourne: Cambridge
University Press. 2 vols, 1978.
6
Alcunha pelo qual Ockham é freqüentemente referido. Literalmente significa ‘Venerável Iniciador’.
7
MICHON, Cyrille. Nominalisme: La théorie de la signification d’Occam. Paris: Vrin, 1994, p. 299 e
333. Citado como MICHON, 1994.
8
Ockham abordou o Problema dos Universais em, pelo menos, dois escritos: L. Sent., d. 2, q. 4
8, p. 99 – 292; Sum. Log., I, 15 – 17, p. 50 – 62.
9
Sobre o problema dos universais em Ockham, ver ADAMS, Marilyn McCord. William Ockham.
Notre Dame, Indiana : University of Notre Dame Press, 1987, 2 vols. Citado como, ADAMS, 1987.
Ou ainda LEITE JUNIOR, Pedro. O Problema dos Universais: A perspectiva de Boécio, Abelardo e
Ockham. Porto Alegre: EDUPUCRS, 2001.
17
Rejeitando a idéia de que entidades universais possam existir fora da mente,
Ockham restringe os universais primariamente a conceitos que significam
naturalmente e, secundariamente, à significação convencional das palavras.
Nesse sentido, os universais são vazios de qualquer estatuto ontológico, ou, como
diz Ockham, que algo somente é universal por sua significação, “(...) porque é
signo de muitas [coisas]”.
10
Ockham não admite que certas entidades (tais como
naturezas ou essências comuns) tenham existência real fora da mente, isto é, não
qualquer correspondência entre nominalizações abstratas e entidades
extramentais. Segundo Panaccio
11
, essa opção de Ockham pelo singular o
aproxima (sob certo aspecto) de nominalistas contemporâneos como Nelson
Goodman e Willard V. O. Quine.
12
Assim, Ockham, como alguns nominalistas
contemporâneos, recusa-se a postular certos tipos de entidades como realmente
existentes no mundo.
O segundo tema diz respeito à interpretação de Ockham das dez categorias
[predicamentos] de Aristóteles
13
. Conforme ilustra Loux
14
, tradicionalmente as
categorias de Aristóteles foram interpretadas como uma lista dos tipos mais gerais
10
(...) quia est signum plurium. Sum. Log., I, 14, 48, 31 – 32.
11
PANACCIO, Claude. Les mots, les concepts et les choses: La sémantique de Guillaume
d’Occam et le nominalisme d’aujourd’hui. Montreal-Paris: Bellarmin-Vrin, 1991. Citado como
PANACCIO, 1991.
12
Tendo-se em vista, em especial, a afirmação feita conjuntamente por Goodman e Quine
(GOODMAN, N. and QUINE, W.”Steps toward a construtive nominalism”. IN: Journal of Symbolic
Logic, 12, 1947, p. 105), de que Nós o acreditamos em entidades abstratas”. Veja-se também:
GOODMAN, N. “A world of individuals”. IN: The Problem of Universals. Ed. I. Bochenski et A.
Church. Indiana: Notre Dame, 1956, p. 13, onde afirma: “Para mim, como nominalista, o mundo é
um mundo de indivíduos”.
13
Em pelo menos dois escritos, Ockham tratou desse tema: Sum. Log., I, 40 62 p. 111 193;
Exp. in Praed., 7 – 16, p.157 – 303.
14
LOUX, Michael J.. William of Ockham. Ockham’s Theory of Terms: Part I of the Summa Logicae.
Trad. and Introd. by Michael J. Loux. Indiana: St. Augustine’s Press, 1998, p. 8. Citado como,
LOUX, 1998.
18
nos quais os objetos poderiam ser classificados. Nessa perspectiva, as categorias
representariam uma lista de todos os objetos com os quais estamos
comprometidos ontologicamente. Ockham recusa esse tipo de interpretação.
De acordo com o Ockham
15
, as categorias não classificam uma série de
objetos extramentais, mas antes se trata de uma divisão de palavras incomplexas
que correspondem a conceitos mentais. Não se deve pensar que às categorias
correspondam objetos fora da mente e realmente distintos uns dos outros, mas
que elas são palavras e conceitos distintos que significam certos tipos de objetos
extramentais. Assim, não se deve imaginar que correspondendo à distinção entre
as palavras haja sempre uma distinção entre as coisas significadas. Ockham
insiste que as categorias envolvem um mínimo de pressuposições ontológicas.
Combinando esse modo de entender as categorias de Aristóteles com a
afirmação de que somente substâncias e qualidades individuais existem no
mundo, parece plausível sustentar que unicamente termos das categorias da
substância e da qualidade estão comprometidos com entidades reais. Portanto, a
ontologia mínima de Ockham admite somente entidades que podem ser
significadas pelos termos das categorias da substância e da qualidade. De fato,
Ockham pretende mostrar que não precisamos nos comprometer ontologicamente
com determinados tipos de entidades, particularmente com as nominalizações das
outras oito categorias. Podemos, portanto, falar de relações, quantidades, etc,
sem precisar assumir que existam entidades desse tipo. Spade denomina esse
15
Exp. in Praed., 7, 157,11 – 158, 43.
19
tipo de estratégia de ‘programa de redução ontológica’.
16
Assim, falar de certos
tipos de entidades fica ‘reduzido’ a falar de outros tipos de entidades equivalentes
e, as entidades anteriormente postuladas (especificamente as entidades
supostamente referidas pelas outras oito categorias) podem ser eliminadas de
nossa ontologia.
Num primeiro nível, ontológico, o nominalismo de Ockham pode ser
caracterizado pela rejeição completa de certas entidades que não as coisas
individuais (substâncias e qualidades). Em outras palavras, a marca da ontologia
de Ockham é a de que o que existe é radicalmente singular em si mesmo e na sua
essência.
17
Parece sugestivo que, num segundo nível, uma ontologia desse matiz requeira
uma estrutura semântica
18
compatível. É preciso adotar uma adequada
estrutura semântica de significação que evite, por exemplo, que certas formas
lingüísticas estejam comprometidas ontologicamente com certas entidades
supostamente correspondentes, além das substâncias e das qualidades. Em
outros termos, trata-se de desenvolver uma estrutura lingüística que permita
falar acerca do mundo sem que para isso seja preciso postular novos tipos de
entidades na ontologia.
16
SPADE, Paul V.. “Three Versions of Ockham’s Reductinist Program”. IN: Franciscan Studies, 56,
1998, p. 347-358. Citado como SPADE, 1998. Ou conforme, SPADE, 1999, p. 104.
17
Essa é a perspectiva que, por exemplo, Alféri considerou o pensamento de Ockham. ALFÉRI,
Pierre. Guillaume d’Ockham: Le Singulier. Paris: De Minutt, 1989.
18
Entendo aqui pela expressão ‘estrutura semântica uma certa estrutura lingüística ordenada,
composta de expressões significativas.
20
Da perspectiva semântica, de acordo com Spade
19
, o principal instrumento
utilizado por Ockham para mostrar que não necessitamos postular entidades
distintas para todas as nominalizações abstratas é sua teoria semântica da
conotação conjuntamente com sua relacionada teoria da ‘exposição’.
20
Segundo
Panaccio, a teoria da conotação assume um papel fundamental para o
nominalismo de Ockham e, alem disso, seu nominalismo repousa, em grande
parte, sobre a teoria da conotação.
21
Por fim, considero que é possível caracterizar o nominalismo de Ockham, do
ponto de vista ontológico, pela admissão, unicamente, de entidades individuais
(notadamente substâncias e qualidades). Supostas entidades universais são
peremptoriamente rejeitadas (universais reduzem-se a palavras e conceitos).
Sob a perspectiva semântica, a teoria da conotação apresenta-se como
candidata a representar seu nominalismo no âmbito da significação lingüística,
de modo a compatibilizar o domínio da realidade com o da linguagem.
19
SPADE, 1999, p. 104.
20
A ‘teoria da exposição’ é abordada por Ockham na Parte II da Summa Logicae. De modo geral,
ela trata de questões relativas as proposições nas quais ocorrem os termos conotativos. Não
tratarei diretamente desse ponto neste trabalho, a não ser eventualmente quando necessário. A
respeito da teoria, ver, SPADE, Paul Vincent. “Ockham, Adams and Connotation: A Critical Notice
of Marilyn Adams, William Ockham”. IN: The Philosophical Review, Vol. XCIX, Nº 4 (October 1990),
p. 593 – 612. Citado como, SPADE, 1990.
21
PANACCIO, Claude. “Guillaume d’Ockham, les connotatifs et le language mental”. IN: Documenti
e Studi sulla tradizione Filosofica Medievale (S.I.S.M.E.L.), XI, 2000, p. 297 316. Citado como
PANACCIO, 2000.(Este texto é uma adaptação em língua francesa, ligeiramente revisada pelo
autor, de um outro artigo previamente publicado em língua inglesa, sob o título: “Connotative
Terms Ockham’s Mental Language”. IN: Cahiers d’Épistémologie, 9016. Université du Québec à
Montréal, 1990).
21
2. NOÇÕES PRELIMINARES
Antes de examinar a teoria da conotação de Ockham propriamente dita, parece-
me importante analisar em algumas breves notas alguns dos conceitos
fundamentais do pensamento de Ockham. Não pretendo, porém, realizar um
exame exaustivo de todos os elementos previamente envolvidos, mas somente
dos que contribuam para a exposição subseqüente.
2.1 TERMOS, SIGNOS E SIGNIFICAÇÃO
A importância que Ockham atribui à noção de termo é relevante. No início da
Summa Logicae
22
, Ockham afirma que a lógica trata de argumentos; estes são
compostos de proposições e as proposições compõem-se de termos. Essas idéias
transparecem na própria estrutura da obra que é divida em três partes: a Parte I
trata dos termos; a Parte II examina as proposições e, a Parte III aborda os tipos
de silogismos.
A primeira definição básica de termo remete-nos a Aristóteles: “Designo por
termo aquilo em que uma premissa [proposição] se resolve, isto é, o predicado e o
22
Sum. Log., I, 1, Proêmio, 7, 3 – 5.
22
sujeito acerca do qual dele se afirma, quer o verbo ser lhe esteja junto, quer o não-
ser esteja separado”.
23
Tomando como base à autoridade de Boécio, Ockham afirma que os termos
são de três tipos, a saber: falados, escritos e mentais. Correspondendo a eles
três tipos de proposições: faladas escritas e pensadas. De acordo com Ockham
24
,
os termos mentais (conceitos, intenções ou paixões da alma) que compõem as
proposições mentais, significam ou co-significam naturalmente algo e podem
supor por isso.
Recorrendo à autoridade de Agostinho, Ockham sustenta que os termos
mentais e as proposições compostas por eles constituem expressões mentais que
não pertencem a nenhuma língua ou não são de nenhuma língua nullius linguae
–, isto é, tais expressões existem e permanecem apenas na mente e não podem
ser proferidas ao exterior, embora as palavras faladas, como signos subordinados
a elas, sejam pronunciadas exteriormente. Estamos aqui diante da idéia de que
duas ordens diversas do discurso.
Primeiro o discurso exterior, ou uma linguagem convencional (LC), ou
seja, uma linguagem composta de signos lingüísticos (falados e escritos)
convencionalmente instituídos pelos homens para significar coisas. Essa
linguagem convencional é variável de uma comunidade lingüística para outra. Por
23
ARISTÓTELES. Analíticos primeiros”. IN: Tratados de gica II (Organon). Introd., trad. y notas
de Miguel C. Sanmartin. Madri: Gredos, 1995. I, 24b,16.
24
Sum. Log., I, 1, 7, 19 – 25.
23
exemplo: na língua portuguesa o signo lingüístico ‘cão’ foi instituído
convencionalmente para designar um determinado animal. Na língua francesa,
esse mesmo animal é designado pelo signo lingüístico convencional ‘chien’ e, na
língua inglesa pelo signo lingüístico convencional ‘dog’. Trata-se, portanto, de
signos lingüísticos convencionais diferentes, mas que significam a mesma coisa
no caso o animal cão.
Segundo há, porém, um discurso interior ou linguagem mental (LM),
constituída de signos lingüísticos mentais (os conceitos) que são comuns a todos
os homens de diferentes comunidades e cuja significação é natural (a questão da
origem da naturalidade dos conceitos pertence ao âmbito da teoria do
conhecimento de Ockham
25
). De um modo geral, a naturalidade dos conceitos se
expressa quando, por ocasião do contato direto do sujeito cognoscente com um
objeto particular, este forma (por um processo causal natural), certos conceitos
singulares que significam ipso facto o objeto em questão e certos outros conceitos
com os quais o sujeito pode não ter tido contato, notadamente aqueles que são da
mesma espécie do objeto original.
Para Ockham, a relação que se estabelece entre essas duas ordens do
discurso LM e LC – é de subordinação. O discurso exterior (LC) é o meio
convencional de comunicar ao outro aquilo que se passa no espírito do locutor.
25
A questão da significação natural é tratada, particularmente em: L. Sent., Prólogo e Distinção
Primeira. A esse respeito, ver, por exemplo: ADAMS, Marilyn M.. “Ockham’s Theory of Natural
Signification”. IN: Monist, 61, 1978, p. 444 – 459.
24
Panaccio
26
lembra que, as propriedades semânticas (como, por exemplo, a
significação e a suposição) dos signos lingüísticos convencionais estão
subordinadas, direta ou indiretamente, àquelas partes correspondentes da
proposição mental que eles tem por função traduzir. Um traço da semântica
nominalista de Ockham é o de que a LM comporta estruturas e elementos
sintáticos e semânticos, como ocorre nas linguagens convencionais (como o
português, o francês, o latim, etc).
No capítulo 3
27
, Ockham afirma:
E que seja preciso admitir tais nomes mentais, verbos,
advérbios, conjunções e preposições se é convencido pelo
fato de que a toda oração falada corresponde outra mental
na mente, e, por isso, assim como aquelas partes da
proposição falada foram impostas em razão de necessidade
de significação são distintas, assim correspondentemente as
partes da proposição mental são distintas.
28
Entretanto, a marca da LM é sua economia. Nesse mesmo capítulo,
localizamos seu aspecto econômico no momento em que Ockham apresenta os
26
PANACCIO, 2000, p. 297.
27
Sum. Log., I, 3, 11 – 14.
28
Sed quod oporteat ponere tali nomina mentalia et verba et adverbia et coniunctiones et
praepositiones ex hoc convincitur quod omni orationi vocali correspondet alia mentalis in mente, et
ideo sicut illae partes propositionis vocalis quae sunt propter necessitatem significationis impositae
sunt distinctae, sic partes propositionis mentalis correspondenter sunt distinctae. Sum. Log., I, 3,
14, 84 – 89.
25
traços gramaticais comuns e distintos entre esses dois níveis da linguagem. Ali é
dito que: “(...) porque não parece haver grande necessidade de pôr tal pluralidade
nos termos mentais”.
29
E, mais adiante, confirma:
Por isso, assim como entre os nomes sinônimos a
multiplicação não foi inventada pela necessidade da
significação, mas pelo ornato do discurso ou por outra causa
acidental similar, porque o que quer que possa ser
significado por todos os sinônimos pode ser expresso
suficientemente por um deles, e, por isso, a multiplicidade
dos conceitos não corresponde a tal pluralidade de
sinônimos [na LC].
30
Ao fim do capítulo 1 da Parte I, Ockham apresenta os dois sentidos que a
noção de ‘signo’ deve ser tomada. A característica principal de um signo é ‘ter
significação’ ou ‘significar’. Aqui é preciso observar que Ockham, em nenhuma
parte, define a noção de ‘significação’ (mas antes se interessa em apresentar
31
quatro modos nos quais os lógicos tomam o verbo ‘significar’). Mas, isso não
constitui um problema, pois, conforme sustentam Spade
32
e Freddoso
33
,
originariamente a noção de ‘significação’ foi admitida como uma relação
psicológica-causal, isto é, a de trazer algo à mente (constituere intellectum). No
29
(...) eo quod non videtur magna necessitas talem pluritatem ponere in mentalibus terminis. Sum.
Log., I, 3, 11, 14 – 16.
30
Propter quod sicut nominum synonymorum multiplicatio non est propter necessitatem
significationis inventa, sed propter ornatum sermonis vel aliam causam consimilem accidentalem,
quia quidquid per omnia synonyma significatur posset per unum illorum exprimi sufficienter, et ideo
multitudo conceptuum tali pluralitati synonymorum non correspondet. Sum. Log., I, 3, 11, 17 – 22.
31
Sum. Log., I, 33.
32
SPADE, Paul Vincent. “The semantic of terms”. IN: The Cambridge History of Later Medieval
Philosophy. Ed. N. Kretzmann, A. kenny e J. Pinborg. New York: Cambridge University Press,
1982, p.188 – 196.
33
FREDDOSO, Alfred J.. William of Ockham. Ockham’s Theory of Propositions: Parte II of the
Summa Logicae. Trad. Alfred J. Freddoso and Henry Schuuman. Introd. Alfred J. Freddoso.
Indiana: St. Augustine’s Press, 1998, p. 3.
26
âmbito semântico, para Panaccio
34
, ‘significação’ é uma relação que associa a
cada signo, considerado fora do contexto proposicional, um ou vários indivíduos.
Um ‘signo’, então, é, em princípio, algo que remete a uma realidade diferente de si
mesmo, gerando na mente uma intelecção dessa segunda realidade.
A função significativa de um signo é realizada de dois modos: via uma
significação representativa e via uma significação lingüística. Esses dois modos
correspondem aos dois sentidos de ‘signo’ estabelecidos por Ockham. Ambos
compartilham o caráter geral de serem geradores de intelecção, isto é, têm a
capacidade de conduzir ao conhecimento de outra realidade distinta de si mesmo.
35
No primeiro sentido
36
, da significação representativa, ‘signo’ significa tudo
aquilo que apreendido torna conhecida outra coisa. Nessa perspectiva, muitas
coisas podem ser signos e fazer conhecer algo diverso delas mesmas. Por
exemplo: na arena romana, o gesto ou sinal do grande César, determinava sobre
a vida ou a morte do combatente. Assim, a mão fechada com o dedo polegar
apontando para cima, significava vida; mas a mão fechada e o dedo polegar
apontando para baixo, significavam o triste fim do corajoso combatente. Para
utilizar um exemplo fornecido por Ockham, podemos dizer que a fumaça é signo
de que há fogo. Todavia, esse tipo de significação exige um conhecimento anterior
34
PANACCIO, 1991, p. 26.
35
A respeito, veja-se DE ANDRÉS, Teodoro. El nominalismo de Guillermo de Ockham como
Filosofia del Lenguage. Madrid: Gredos, 1969, p. 80 – 99.
36
Sum. Log., I, 1, 8, 53 – 59.
27
da coisa significada. Apreendemos um signo, mas este somente faz conhecer algo
diverso de si, se previamente tivermos um conhecimento daquilo que este signo
significa. Trata-se aqui de um modo de significação essencialmente rememorativo,
cuja natureza é a de re-apresentar a coisa significada. Bottin
37
considera que esse
é um conhecimento recordativo, que não conduz a um conhecimento novo da
característica própria do objeto. Assim, se não tivermos anteriormente o
conhecimento do fogo e o soubermos que a ele se segue a fumaça, a fumaça
por si não atua como signo do fogo. Isso significa que, se não conhecemos a
relação fogo-fumaça, a mera apreensão da fumaça não nos leva a um
conhecimento diverso de si mesma (ao fogo), ou seja, não cumpre sua função
significativa de signo. Neste modo de entender ‘signo’, qualquer coisa pode ser
signo.
No segundo sentido, da significação lingüística, Ockham apresenta uma
noção de ‘signo’ mais restrita: “Aqui, porém, não falo de signo de um modo tão
geral. Diferentemente, toma-se signo como aquilo que traz algo à cognição e é
capaz de supor por isso (...).”
38
Nesse segundo sentido de ‘signo’, juntamente com
a função significativa (como geradora de intelecção), é adicionada uma
característica essencial, que consiste na capacidade suposicional do signo. Se
nos signos representativos a função geradora de intelecção se limitava à de um
conhecimento rememorativo, neste novo tipo de signo tal limitação está suprimida.
37
BOTTIN, Francesco. “Linguaggio mentale e atti de pensiero in Guglielmo de Ockham”. IN:
Veritas, v. 45, n.179. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000, p. 349 – 360.
38
Sed tam generaliter non loquor hic de signo. Aliter accipitur signum pro illo quod aliquid facit in
cognitionem venire et natum est pro illo supponere (...). Sum. Log., I, 1, 9, 56 – 61.
28
O signo é agora caracterizado pela possibilidade de produzir uma intelecção
primária (não meramente recordativa) e, principalmente, por ter uma função
suposicional, isto é, por estar orientado a ocupar o lugar da coisa significada em
uma proposição. É por meio da noção de suposição que um signo se torna um
signo lingüístico e, desse modo, se caracteriza como um termo. interessante
salientar que Ockham vai tratar da noção de ‘suposição’ suppositio somente
nos capítulos finais da Summa Logicae [63 77], quando diz: “Tendo tratado da
significação dos termos, resta tratar da suposição, que é uma propriedade que
convém ao termo, mas nunca senão na proposição”
39
. Mas já no primeiro capítulo
é feita referência a ela).
Em suma, de uma parte ‘signo’ tem um sentido amplo, na medida em que
qualquer coisa pode ser um signo (um sinal de trânsito, por exemplo), desde que
traga, isto é, re-apresente à mente algo diverso de si mesmo. De outra parte, em
um sentido mais restrito, ‘signo’ limita-se ao signo lingüístico e, assim coincide
com a noção de termo, pois somente um termo é capaz de estar na proposição e
ter capacidade suposicional. Um termo (signo lingüístico) tem significado (traz algo
à mente) e pode supor, em um contexto proposicional, por aquilo que significa.
Tendo estabelecido o vínculo entre signo e termo, Ockham determina um
sentido preciso para a noção de ‘termo’
40
.
39
Dicto de significatione terminorum restat dicere de suppositione, quae est proprietas conveniens
termino sed numquam nisi in propositione. Sum. Log., I, 63, 193, 2 3. A especificação dos tipos
de suposição é tratada Sum. Log., I, 64 – 77.
40
Sum. Log., I, 1, 9, 3-15 – 10, 16-42.
29
Amplamente, termo é aquele elemento que compõe uma proposição (simples
ou complexa), ocupando a posição de sujeito, predicado ou cópula (este sentido
de termo é aquele apresentado no início que remonta a Aristóteles). De acordo
com essa acepção, não somente uma expressão simples (um incomplexo) é
termo, mas mesmo uma proposição inteira (um complexo) pode ser termo. É o
caso, por exemplo, de uma proposição complexa da forma: “’O homem é um
animal’ é uma proposição verdadeira”. Aqui a proposição simples “O homem é um
animal” é o termo sujeito.
De um modo mais estrito, termos são os elementos de uma proposição que,
por sua vez, não o uma proposição. Nessa perspectiva, termo restringe-se às
expressões simples (sujeito, predicado, verbo, preposições, advérbios, etc) que
constituem uma proposição.
Por fim, numa acepção mais rigorosa (que serve como referencial para
Ockham), termo é aquilo que pode ocupar a posição de sujeito ou predicado numa
proposição, somente quando é tomado significativamente. Para Ockham, ‘ser
tomado significativamente’ é estar em ‘suposição pessoal’ (novamente aqui,
encontramos uma remissão a algo que será examinado posteriormente, no final da
Parte I da Summa Logicae). Conforme indica Ghisalberti
41
, essa limitação da
noção de ‘signo’ a termo é importante na medida em que, expressa a função
41
GHISALBERTI, Alessandro. Guilherme de Ockham. Trad. Luís A. De Boni. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1997, p. 39
30
essencial própria do termo. Um termo tem como função: (a) ser um signo que
torna presente ou chama à mente os objetos que significa e, (b) ocorrer no
discurso como substituto das próprias coisas (supor por elas).
2.2 TERMOS CATEGOREMÁTICOS E TERMOS SINCATEGOREMÁTICOS
Embora Ockham admita que há três tipos de termos, falados, escritos e
mentais, ele reconhece que nem todos são da mesma natureza. Isso quer dizer
que os termos desempenham funções gramaticais e lógicas diferentes.
Seguindo uma prática usual
42
, que segundo Kretzmann
43
é remissível a
Prisciano, Ockham divide os termos em dois grandes grupos, a saber: termos
categoremáticos e termos sincategoremáticos. Essa distinção diz respeito tanto a
termos da LC quanto a termos da LM.
De acordo com Ockham: “Os termos categoremáticos têm significação
determinada e certa, assim como o nome ‘homem’ significa todos os homens, e o
nome ‘animal’ todos os animais e o nome ‘brancura’ todas as brancuras”.
44
Os
termos categoremáticos são unidades lingüísticas que, quando tomados
isoladamente, têm uma significação determinada. Por outro lado, os termos
sincategoremáticos: “(...) não têm uma significação definida e certa, nem
42
MAURER, Armand. The Philosophy of William of Ockham: In the light of it’s principles. Toronoto:
Pontifical Institute of Mediaeval Studies (PIMS), 1999, p. 17.
43
KRETZMANN, Norman. “Syncategoremata, exponibilia, sophismata”. IN: The Cambridge History
of Later Medieval Philosophy. Ed. N. Kretzmann, A. kenny e J. Pinborg. New York: Cambridge
University Press, 1982, p.211 – 245.
44
Termini categorematici finitam et certam habent significationem, sicut hoc nomen ‘homo’
significat omnes homines et hoc nomen ‘animal’ omnia animalia, et hoc nomen ‘albedo’ omnes
albedines. Sum. Log., I, 4, 15, 6 – 8.
31
significam coisas distintas das coisas significadas pelos categoremáticos”.
45
São
exemplos de termos sincategoremáticos, ‘todo’, ‘nenhum’, ‘e’, ‘ou’, ‘enquanto’,
somente’, etc. Estritamente falando, termos sincategoremáticos tomados em si
mesmos não têm significação, isto é, não são unidades significativas, mas
unidades funcionais. Eles adquirem significação (co-significam) quando estão
juntos aos termos categoremáticos, e assim, modificam ou afetam (negando,
unindo, quantificando, etc) a significação destes. Ockham os compara com a
função do zero na aritmética, que tomado isoladamente não significa nada, mas
que dá significado ao número ao qual é adicionado.
De acordo com Adams
46
, os sincategoremáticos têm uma função semântica
diferente dos categoremáticos, isto é, eles funcionam como as constantes lógicas
(quantificadores e conetivos) da lógica contemporânea. Nesse sentido, eles
quantificam um categoremático, como, por exemplo, quando é dito ‘todo o
homem’, ou ‘algum homem’. Além disso, eles são utilizados para formar
proposições (conjuntivas, disjuntivas, etc) e influenciam no valor-de-verdade da
proposição resultante.
2.3 TERMOS CONCRETOS E TERMOS ABSTRATOS
45
(...) non habent finitam significationem et certam, nec significant aliquas res distinctas a rebus
significatis per categoremata. Sum. Log., I, 4, 15, 11 – 12.
46
ADAMS, 1987, p.318.
32
A distinção entre termos concretos e termos abstratos (que recobre termos
da LM e da LC) não pode passar desapercebida, pois ela desempenha um papel
relevante na estrutura semântica de Ockham
47
. Por um lado, ela tem implicações
de natureza ontológica, isto é, coloca a questão da referência abstrata. Por outro
lado, ela apresenta elementos (como, por exemplo, a noção de ‘sinonímia’) que
compõem a discussão subsequente acerca da teoria da conotação.
É um fato lingüístico que em nosso discurso ordinário utilizamos, de modo
significativo termos abstratos, como, por exemplo, ‘humanidade’, ‘animalidade’,
‘brancura’, ‘coragem’, ‘triangularidade’, ‘paternidade’ e outros. A questão que se
coloca é a seguinte: ao que correspondem em significação esses termos? Em
outras palavras, para aceitá-los como significativos é preciso postular certos tipos
de entidades abstratas que lhes correspondam? Ou ainda, se recorrentemente,
utilizamos termos abstratos em nossa linguagem, não seria porque eles significam
certas coisas que os termos que nomeiam indivíduos não poderiam significar?
Uma alternativa recorrente na história da filosofia (denominada ‘realismo’,
que se apresenta em vários matizes), seria dizer que termos abstratos
correspondem a certas naturezas comuns que os indivíduos compartilham ou
exemplificam. De fato, a ontologia do realista é povoada por dois tipos de
entidades, a saber: entidades concretas (os indivíduos) e entidades abstratas (os
universais). Assim, o termo abstrato ‘humanidade’ significaria um tipo de entidade
abstrata, a humanidade, comum a todos aqueles que são homens e distinta,
47
Essa distinção ocupa cinco capítulos (5 – 9) da Parte I da Summa Logicae.
33
formal ou realmente, deles. Mas, visto que Ockham opta por uma ontológica do
individual, alternativas desse tipo são rejeitadas.
A dificuldade que o Venerabilis Inceptor precisa enfrentar é a seguinte: a
partir de uma ontologia minimalista (que admite somente coisas individuais,
notadamente substâncias e qualidades individuais), como explicar a significação
dos termos abstratos sem comprometer-se ontologicamente com entidades
abstratas correspondentes.
Antes disso, vejamos o seguinte. De início, podemos dizer que há dois níveis
de distinção entre termos concretos e termos abstratos:
[1] o nível morfológico-gramatical;
[2] o nível lógico-semântico de predicação.
Do ponto de vista morfológico-gramatical, concretos e abstratos distinguem-
se por quatro aspectos, a saber:
[a] ambos têm a mesma raiz, mas terminações diferentes;
[b] freqüentemente o abstrato tem mais silabas do que o concreto;
[c] freqüentemente o concreto é um adjetivo e o abstrato um substantivo;
[d] os abstratos são termos derivados dos concretos.
Esse último aspecto, da derivação, é relevante, na medida em que nos
permite formar os seguintes pares de concretos – abstratos:
34
De termos concretos de qualidade derivam os termos abstratos de
qualidade correspondentes: ‘branco’ ‘brancura’, ‘hábil’ ‘habilidade’;
‘corajoso –‘coragem’, etc.
De termos concretos de substância derivam os termos abstratos de
substância correspondentes: ‘homem’ ‘humanidade’; ‘animal’
‘animalidade’; ‘cavalo’ – cavalidade’; etc.
De termos concretos de quantidade derivam os termos abstratos de
quantidade correspondentes: ‘quanto’ – ‘quantidade’; etc.
• De termos concretos relacionais derivam os termos abstratos de relação
correspondentes: ‘pai’ – ‘paternidade’; ‘similar’ – ‘similaridade’; etc.
E, desse modo, segue-se para outros pares de concretos e abstratos.
A perspectiva relevante para Ockham, da distinção concreto – abstrato,
ocorre no nível lógico-semântico de predicação, isto é, quanto aos diferentes
modos de significação que há entre eles. Isso significa que, nem sempre a simples
derivação de um termo abstrato de um concreto determina sua significação
semântica.
O Venerabilis Inceptor afirma que, são muitos os tipos [modi] de significação
de concretos e abstratos.
48
Nesse domínio, a noção de ‘sinonímia’ tem um papel
48
Sum. Log., I, 5, 16, 13.
35
de destaque, pois ela determina, entre os pares concreto abstrato, quais são
sinônimos entre si e quais não são.
Para Ockham há duas maneiras de entender a noção de ‘sinônimo’.
“Estritamente chamam-se sinônimos àqueles [nomes] que todos os usuários
pretendem usar simplesmente pelo mesmo, e aqui não falo de sinônimos assim”.
49
Podemos dizer que a mera coextensividade (significar o mesmo) comanda a
determinação de sinonímia. Um exemplo disso são as expressões ‘espada’ e
‘gládio’ que os utentes usam para significar o mesmo. Mas, Ockham afirma que,
não é esse o sentido que ele quer tomar como referencial de sinônimo, e assim
diz:
Amplamente chamam-se sinônimos àqueles [nomes] que
simplesmente significam o mesmo em todos os modos, de tal
maneira que nada em algum modo é significado por um que
não seja no mesmo modo significado pelos demais, embora
nem todos os usuários creiam que significam o mesmo, mas
enganados, julgam que algo é significado por um que não
seja significado pelos demais, assim como se alguns
julgassem que o nome ‘Deus’ importasse um todo e ‘deidade’
uma parte sua. Pretendo usar o nome ‘sinônimo’ neste
capítulo, e em muitos outros, deste segundo modo.
50
Nesse segundo sentido, há uma ampliação da noção de ‘sinônimo’, pois para
duas expressões serem sinônimas é preciso:
[a] que signifiquem o mesmo;
49
Stricte diuntur illa synonyma quibus omnes utentes intendunt simpliciter uti pro eodem, et sic non
loquor hic de synonymis. Sum. Log., I, 6, 19, 7 – 8.
50
Large dicuntur illa synonyma quae simpliciter idem significant omnibus modis, ita quod nihil
aliquo modo significatur per unum quin eodem modo significetur per reliquum, quamvis non omnes
utentes credant ipsa idem significare, sed decepti aestiment aliquid significari per unum quod non
significatur per reliquum, sicut si aestimarent quod hoc nomen ‘Deus’ importaret unum totum et
‘deitas’ partem eius. Isto secundo modo intendo uti in isto capitulo, et in multis aliis, hoc nomine
‘synonyma’. Sum. Log., I, 6, 19, 8 – 16.
36
[b] que signifiquem ‘no mesmo modo’.
Com efeito, trata-se de romper com as distinções conceituais sugeridas pelo
uso da linguagem ordinária, ou seja, romper com o paralelismo linguagem
realidade, mostrando que, embora os usuários não saibam, à diversidade dos
casos da linguagem não corresponde tal diversidade no mundo. É o caso, por
exemplo, do termo ‘Deus’ e seu correspondente ‘deidade’, que muitas vezes os
usuários tomam o primeiro como significando um todo e o segundo uma parte sua.
Mas, efetivamente, isso não é assim, pois eles não significam coisas diferentes.
Dois aspectos reforçam essa idéia. Às vezes, utilizamos, na linguagem ordinária,
certos termos concretos que não encontram, em seu uso ordinário, abstratos
correspondentes, como é o caso de ‘boi’ e bovinidade’, ou ‘asno’ e ‘asinidade’.
Além disso, sendo certos concretos e abstratos sinônimos não é preciso distinguí-
los quanto ao modo de significação e sua utilização serve mais para ornar o
discurso.
Para Ockham, há muitos modos, no nível lógico-semântico de predicação, de
distinguir termos concretos e abstratos.
No primeiro modo, o termo concreto e seu abstrato correspondente não são
sinônimos, pois significam e supõem por coisas totalmente diferentes. Isso é
válido, por exemplo, para o termo concreto de qualidade ‘branco’ que significa
primariamente as coisas brancas, enquanto o termo abstrato de qualidade
correspondente, ‘brancura’, significa primariamente as brancuras. Nesses casos,
37
nunca o concreto pode ser predicado do abstrato, pois é falsa a proposição “A
brancura é branca”. É importante indicar, porém, que ambos significam coisas
singulares: coisas brancas são substâncias singulares e brancuras são qualidades
singulares. Aqui é possível vislumbrar um vinculo que será estabelecido
posteriormente, quando Ockham distingue termos absolutos de termos
conotativos. Por um lado, o termo abstrato ‘brancura’ será absoluto; por outro lado,
o termo concreto ‘branco’ será conotativo. Tal nculo é válido somente para os
pares concreto – abstrato de qualidade.
O segundo modo ocorre quando o termo concreto e seu abstrato
correspondente são completamente sinônimos, isto é, nada é significado por um
que não seja no mesmo modo significado pelo outro. Baseado na autoridade de
Aristóteles (o Filósofo) e de Averróis (o Comentador), Ockham apresenta os casos
nos quais concretos e abstratos são considerados sinônimos.
[1] Termos concretos de substância e termos abstratos formados a partir
deles, que não significam nem parte nem o todo, nem acidente nem alguma coisa
distinta da significada pelo concreto
51
. Esse é o caso de: ‘animal’ ‘animalidade’;
‘homem’ – ‘’humanidade’; ‘cavalo’ – ‘cavalidade’, e outros.
[2] Termos concretos e abstratos de quantidade e de acidentes relacionados
à quantidade
52
. Esse é o caso de: ‘longo’ ‘longura’; ‘múltiplo’ ‘multiplicidade’, e
outros.
51
Sum. Log., I, 6, 20, 37 – 45.
52
Sum. Log., I, 6, 20, 46 – 55.
38
[3] Termos concretos e abstratos de figura
53
. Esse é caso de: ‘curvo’ –
‘curvatura’; ‘reto’ – ‘retidão’, e outros.
[4] Termos concretos e abstratos de relação e termos relativos
54
. Esse é o
caso de: ‘pai’ – ‘paternidade’; ‘similar’ – ‘similaridade’, e outros.
Entretanto, concede Ockham, manter que termos concretos e termos
abstratos são sinônimos, nesses casos, poderia conduzir a sérias dificuldades. Por
exemplo, alguém contrário a essa idéia poderia argüir da seguinte maneira: Se
você considera que concretos e abstratos são sinônimos desse modo (isto é, são
predicáveis do mesmo no mesmo modo), você deve admitir que eles são
legitimamente predicáveis um do outro e substituíveis um pelo outro em todos os
contextos extensionais. Se esse é o caso, então, você teria que admitir que é
sempre é verdadeiro predicar o concreto do abstrato e inversamente, pois
proposições da forma: “O homem é humanidade”; ou “O animal é animalidade”; ou
ainda “A humanidade corre” são falsas. Ora, visto que você sustenta a sinonímia
entre esses termos, você teria de aceitar como verdadeiras aquelas proposições,
o que é absurdo. Entretanto, insiste Ockham, é possível manter essa sinonímia e
negar tais proposições
55
.
Na Parte I do Capítulo 8, Ockham se dedica a resolução dessa dificuldade.
Para conciliar a sinonímia e a não predicabilidade mútua entre concretos e
abstratos, é preciso recorrer à noção de LM. Se abstratos o sinônimos dos
53
Sum. Log., I, 6, 21, 56 – 64.
54
Sum. Log., I, 6, 21, 65 – 72.
55
Sum. Log., I, 6, 22, 98 – 99.
39
concretos e, se, contudo, a predicação reciproca não é aceitável, é porque a LC
não mostra várias características da LM.
Inicialmente diz Ockham:
Com efeito, há, ou pode haver, certos termos abstratos
instituídos convencionalmente que incluem implicitamente
sincategoremáticos, ou determinações adverbiais, ou outras,
de tal maneira que o abstrato no significar equivale ao
concreto, ou a outro termo tomado com um
sincategoremático, ou outra expressão simples, ou com
outras expressões simples
56
.
A partir disso, podemos dizer que, do ponto de vista de sua imposição na LC,
concretos e abstratos são intersubstituíveis, isto é, são impostos às mesmas
coisas. Entretanto, os abstratos incluem uma determinação que modifica sua
predicabilidade, quer dizer, os abstratos na LC incluem implicitamente
sincategoremáticos ou determinações adverbiais, que na LM estão explicitamente
ligados. Na LM os termos abstratos são compreendidos como um termo concreto
mais essa determinação, de tal modo que têm a forma que corresponde à sua
significação efetiva.
A esse respeito escreve Ockham:
Com efeito, os que usam [a linguagem convencional],
podem, se quiserem, usar uma expressão simples em lugar
de mais de uma, assim como, em lugar do todo ‘todos os
homens’, posso usar a expressão simples ‘a’, e, em lugar do
todo ‘somente o homem’, posso usar o vocábulo ‘b’, etc. E se
56
Sunt enim quaedam nimina abstracta, vel esse possunt, ad placitum instituentium, quae
aequivalenter aliqua syncategoremata vel aliquas determinationes adverbiales, vel alias, includant,
ita quod abstractum in significando aequivaleat concreto vel alteri termino sumpto cum aliqio
syncategoremate vel aliqua dictione vel dictionibus. Sum. Log., I, 8, 29, 8 – 12.( O grifo é nosso).
40
fosse assim, seria possível que o concreto e o abstrato não
supusessem por coisas distintas, nem significassem coisas
distintas, e, todavia, que a predicação de um do outro fosse
falsa, e que algo se predicasse de um e não do outro
57
.
O termo abstrato é uma abreviação na LC de uma expressão que na LM é
manifesta. Como a LC é arbitrária, é escolha dos locutores utilizarem ou não um
termo simples no lugar de uma expressão complexa. E, não constitui um problema
que a LC use um termo quando sua significação corresponde a muitos termos,
pois ela é convencional exatamente porque depende da vontade daqueles que a
utilizam. A diferença superficial (morfológica-gramatical) na LC explica a
possibilidade de que certos termos abstratos e concretos, embora não signifiquem
ou suponham por coisas distintas, não sejam predicados um do outro e que algo
possa ser predicado de um sem ser predicado do outro. Isso significa dizer que,
um termo abstrato não significa nada de diferente do que é significado pelo termo
concreto, mas não se trata aqui da sinonímia estrita (como no caso de ‘espada’ e
‘gládio’), pois o abstrato inclui implicitamente certas determinações que podem
tornar falso a predicação recíproca.
Com efeito, se o termo abstrato ‘humanidade’ na LC fosse equivalente à
expressão mental ‘todo homem enquanto homem’, não significaria nada de
diferente do que significa o termo concreto ‘homem’. Todavia, a proposição “O
homem corre seria verdadeira, mas a proposição “O homem enquanto homem
57
Possunt enim utentes, si viluerint, uti una dictione loco plurium, sicut loco istus totius ‘omnis
homo’ possuem uti hac dictione ‘a’ et loco istius totius ‘tantem homo’ possem uti hoc vocabulo ‘b’,
et sic de aliis. Et si ita esset, possibile esset quod concretum et abstractum non supponerent pro
distinctis rebus nec significarent distinctas res, et tamen quod praedicatio unius de altero esset
falsa et quod aliquid praedicaretur de uno et non de alio. Sum. Log., I, 8, 30, 13 – 19.
41
corre” seria falsa, pois a proposição “A humanidade corre” é falsa. Do mesmo
modo, se ‘humanidade’ fosse equivalente a ‘homem necessariamente’, a
proposição “A humanidade é homem” seria falsa, pois nenhum homem existe
necessariamente, mas apenas de maneira contingente. Para Ockham
58
, se trata
em tais casos, mais de uma dificuldade verbal, que depende do entendimento do
funcionamento lógico-semântico dos termos, do que uma dificuldade real.
Ockham assinala ainda que os termos abstratos são mais utilizados na
linguagem dos filósofos e dos santos do que na linguagem ordinária. Esse é o
caso da conhecida afirmação de Avicena: “A cavalidade não é senão somente a
cavalidade (equinitas non est aliud nisi equinitas tantum); por si, não é nem uma
nem múltipla, não existe nem nos seres sensíveis nem na alma”. Para Ockham,
essa frase diz somente que nenhuma dessas determinações está contida na
definição de ‘cavalidade’, pois em tais expressões, o termo ‘cavalidade’
corresponde a mais de um termo.
A esse respeito escreve Ockham:
Avicena, no Livro V da Metafísica, toma-o assim, ao dizer “A
eqüinidade não é senão somente a eqüinidade; pois, por si,
não é nem uma, nem muitas, nem existente nas coisas
sensíveis, nem na alma”. Com efeito, nada mais entendia
senão que cavalo não é definido nem por um, nem por
muitos, nem por ser na alma, nem por ser na coisa exterior,
de tal maneira que nada disso é posto em sua definição. E
assim pretendia que o termo ‘cavalidade’, segundo o usava
então, eqüivalesse no significar a muitas expressões, querem
juntamente proferidas, quer mediante verbo e cópula. Dessa
maneira, não pretendia que a cavalidade fosse alguma coisa
58
Sum. Log., I, 8, 31, 47 – 50.
42
e, todavia, que tal coisa realmente não fosse uma, nem mais
de uma, nem em efeito fora da alma, nem na alma pois
isso é impossível e absurdo –, mas pretendia que nada disso
é posto na sua definição. (...) A partir dessas e de outras
palavras suas, que omito em razão da brevidade, é
suficientemente claro que [Avicena] não pretendia mais
senão que nada disso seja posto na definição de cavalo ou
de cavalidade. E, assim, quer que naquelas palavras o termo
‘cavalidade’ eqüivalha no significar a mais de uma
expressão
59
.
Essa perspectiva permite a Ockham justificar várias afirmações das autoridades
que pareceriam falsas no sentido literal das palavras (de virtute sermonis), mas
que são verdadeiras se compreendidas desse ponto de vista.
Em suma, nesse segundo modo, termos concretos e abstratos são
sinônimos, embora não possam ser predicados um do outro, pois na LC o termo
abstrato inclui implicitamente determinações que, na LM ocorrem explicitamente.
Em vista disso, podemos sustentar a sinonímia e negar a verdade de proposições
do tipo: “O homem é humanidade”; ou “O animal é animalidade”; ou ainda “A
humanidade corre” e muitas outras.
59
Unde sic accipit Avicenna, V Metaphysicae, dicens: “Equinitas non est aliud nisi equinitas tantum;
ipsa enim ex se nec est unum nec multa, nec exsistens in his sensibilibus nec in anima”. Nihil enim
aliud intelligebat nisi quod equus non definitur nec per unum nec per multa, nec per esse in anima
nec per esse in re extra, ita quod nullum istorum ponitur in definitio eius. Et ita volebat quod hoc
nomen ‘equinitas’, secundum quod tunc utebatur eo, aequivaleret in significando multis dictionibus,
sive simul proferantur sive mediante verbo et copula. Unde non intendebat quod equinitas esset
aliqua res et tamen quod illa res realiter non esset una nec plures, nec in effectu extra animan nec
in anima,–- hoc enim impossibile et absurdum –, sed intendebat quod nihil tale ponitur in definitione
eius. (...) Ex istis et aliis verbis suis, quae propter brevitatem omitto, satis patet quod non plus
intendit nisi quod nihil tale ponitur in definitione equi vel equinitatis. Et ita vult quod in illis verbis hoc
nomen ‘equinitas’ aequivaleat in significando pluribus dictionibus. Sum. Log., I, 8, 31, 57 – 32, 78.
43
Por fim, um terceiro modo de distinguir concretos e abstratos
60
(no âmbito
lógico-semântico de predicação), ocorre quando um termo abstrato é um termo
coletivo, capaz de significar várias coisas tomadas conjuntamente e o concreto
significa uma coisa. Esse é o caso dos concretos ‘popular’ e ‘plebeu’ e dos
abstratos ‘povo’ e ‘plebe’. Assim, ‘popular’ e ‘povo’ significam os homens, mas
enquanto um homem singular possa ser dito popular, nenhum homem, por si
mesmo, pode ser dito povo. Nesse sentido, a distinção verbal entre concretos e
abstratos é dada pela interpretação semântica que não requer referentes abstratos
distintos das substâncias e qualidades individuais.
Depois de tudo, podemos retomar a questão inicial: como Ockham explica a
significação dos termos abstratos sem comprometer-se ontologicamente com
entidades abstratas correspondentes. Negando a posição realista, segundo a qual
termos abstratos significam entidades abstratas, duas vias se apresentam para
Ockham: (a) ou termos abstratos não significam nada; (b) ou termos abstratos
significam apenas entidades individuais. Ockham escolhe a segunda via, mas
distingue os tipos de termos abstratos. abstratos de qualidade como ‘brancura’
que significam qualidades individuais, isto é, a brancura desta mesa, a brancura
daquela parede, e assim por diante. outros termos abstratos, como os de
substância que significam exatamente o mesmo que seu concreto correspondente.
Esse é o caso de ‘humanidade’, ‘animalidade’ que não significam nada de
diferente do que seus concretos correspondentes, respectivamente ‘homem’ e
‘animal’. Em todos os casos os termos abstratos significam somente coisas
60
Sum. Log., I, 9, 34, 4 – 35, 22.
44
individuais, não requerendo qualquer postulação de entidades abstratas
correspondentes.
Procuramos, até o momento, indicar algumas noções importantes que
constituem a estrutura semântica de Ockham e que contribuem para a discussão
da teoria da conotação.De modo geral, a noção de ‘significação’ é entendida por
Ockham como uma relação psicológico-causal de trazer algo à mente (constituere
intellectum). No domínio semântico é uma relação que associa um signo a um ou
vários indivíduos. Essa associação pode ser realizada via convencional (signos
convencionais) ou via natural (signos naturais). Os signos convencionais são as
palavras faladas e escritas, e, os signos naturais são os conceitos.
Assim, resumindo, podemos dizer que, para Ockham dois níveis de
discurso. O primeiro concerne a uma linguagem convencional (LC) instituída pela
vontade dos homens, composta por termos e proposições faladas e escritas, e
que varia de uma comunidade para outra. O segundo diz respeito a uma
linguagem mental (LM) composta de termos e proposições mentais que é comum
a todos os homens. A relação entre esses dois níveis é de subordinação do
primeiro (LC) ao segundo (LM). O traço característica dessa última, no âmbito da
significação, é seu caráter econômico.
Dos dois sentidos que ‘signo’ pode ser entendido, o que interessa a Ockham
é o segundo, isto é, enquanto signo lingüístico. Ele se carateriza por sua
capacidade significativa (trazer algo à mente) e suposicional (estar por aquilo que
45
significa) e, desse modo, é entendido como termo. Como os termos não são da
mesma natureza, pois desempenham funções lógicas e gramaticais diferentes,
Ockham os divide inicialmente em dois grandes grupos: termos categoremáticos e
termos sincategoremáticos.
Entre os termos categoremáticos certas subdivisões. Uma primeira
subdivisão diz respeito a distinção entre termos concretos e termos abstratos.
muitos modos de distingui-los quanto a significação. Um critério para a distinção é
a noção de ‘sinonímia’. Ockham apresenta dois sentidos de ‘sinônimos’. O
primeiro é quando duas expressões significam o mesmo. O segundo, requer o
cumprimento de duas cláusulas, isto é, duas expressões o sinônimas quando:
(a) significam o mesmo e, (b) significam ‘no mesmo modo’ (essa noção ‘no mesmo
modo’ ganha importância na discussão da conotação). Assim, de uma parte,
pares de concretos e abstratos que não são sinônimos, como é o caso dos termos
concretos de qualidade e termos abstratos de qualidades correspondentes. De
outra parte, concretos e abstratos que são sinônimos, como é o caso, por
exemplo, dos termos concretos de substância e termos abstratos de substância
correspondentes.
3. A TEORIA DA CONOTAÇÃO
46
Subsidiados de algumas noções prévias, estamos agora em condições de
examinar o núcleo da teoria da conotação que se encontra na Summa Logicae, I,
10, com respeito à distinção entre termos absolutos e termos conotativos. De
acordo com Boler
61
, a julgar pela aparência, essa distinção parece ser
suficientemente clara, mas ele acredita que as questões semânticas envolvidas
estão longe de ser simples e, ao contrário, são ainda mais complexas. De início,
quero apresentar as características especificas dos termos absolutos e
conotativos, para a seguir considerar somente algumas dificuldades que a teoria
envolve.
3.1. TERMOS ABSOLUTOS
Há duas características que marcam os termos categoremáticos absolutos:
[1] eles têm uma significação primária, e
[2] não têm uma definição nominal.
Com respeito à primeira, diz Ockham:
Os nomes puramente absolutos são aqueles que não
significam algo de maneira principal e algo distinto, ou o
mesmo, de maneira secundária, mas o que quer que seja
significado por esse nome é significado de maneira
61
BOLER, John. “Connotative Terms in Ockham”. IN:History of Philosophy Quarterly, v. 2,Nº
1,1985, p. 21 – 37. Citado como BOLER, 1985.
47
igualmente primeira, assim como é evidente quanto ao nome
‘animal’, que não significa senão os bois, os asnos e os
homens, e assim quanto aos outros animais, e não significa
um primariamente e outro secundariamente, de sorte que
seria preciso significar algo no caso reto e algo distinto no
oblíquo (...). Tais nomes são, por exemplo, ‘homem’, ‘animal’,
‘cabra’, pedra’, ‘árvore’, ‘fogo’, ‘terra’, ‘água’, ‘céu’,
‘brancura’, ‘negrura’, ‘calor’, ‘doçura’, ‘odor’, ‘sabor’, etc. (...)
62
Mas, o que quer dizer que um termo absoluto tem ‘significação primária’?
Quer dizer que esse termo, tomado significativamente, remete de modo direto
àquilo que significa e pode supor por isso numa proposição. A ‘significação
primária’ é a relação que associa um termo categoremático (nesse caso, absoluto)
a todos os objetos aos quais ele é aplicado. Sabemos que ‘ser tomado
significativamente’ é estar em suposição pessoal numa proposição, isto é, poder
ser verdadeiramente predicado daquilo que significa. Em outras palavras, termos
absolutos significam unicamente os indivíduos aos quais eles são ou podem ser
predicados, ou seja, aqueles indivíduos pelos quais eles podem supor. Ockham
atribui essa forma de significação a nomes próprios (‘Pedro’) e a nomes comuns
(‘homem’). O que efetivamente caracteriza a significação primária de um termo
absoluto é sua predicabilidade, isto é, ele significa, somente, aquilo pelo qual pode
supor numa proposição. Conforme observa Panaccio
63
, os termos absolutos
62
Nomina mere absoluta sunt illa quae non significant aliquid principaliter et aliud vel idem
secundario, sed quidquid significatur per illud nomem, aeque primo significatur, sicut patet de hoc
nomine ‘animal’ quod non significat nisi boves, asinos et homines, et sic de aliis animalibus, et non
significat unum primo et aliud secundario, ita quod oporteat aliquid significari in recto et aliud in
obliquo (...). Talia autem nomina sunt huiusmodi ‘homo’, ‘animal’, ‘capra’, lapis’, ‘arbor’, ‘ignis’,
‘terra’, ‘aqua’, ‘caelum’, ‘albredo’, ‘nigredo’, ‘calor’,’dulcedo’, ‘odor’, ‘saporet huiusmodi. Sum. Log.,
I,10, 35, 6-12 – 36, 34-36.
63
PANACCIO, Claude. “Semantics and Mental Linguage”. IN: The Cambridge Companion to
Ockham. Ed. P. V. Spade. Cambridge: Cambridge University, 1999, p. 56. Citado como
PANACCIO, 1999.
48
correspondem, na terminologia da filosofia contemporânea
64
, aos termos de tipos
naturais.
Consideremos, por exemplo, o termo ‘cavalo’. De acordo com Ockham esse
termo significa primária e igualmente todos os cavalos particulares e nada mais,
além disso. Tal termo pode ainda, estar por (supor) seus significados em
proposições do tipo: “Todo cavalo é um animal”, “Alguns cavalos são brancos” ou
“Arizona é um cavalo”. Em suma, em todas as proposições o termo ‘cavalo’ supõe
e pode ser predicado daquilo que ele significa, ou seja, os cavalos individuais.
Podemos esclarecer esse ponto, tomando de empréstimo as seguintes
fórmulas descritas por Michon
65
:
[1] Um termo T é absoluto se todos os elementos de seu domínio são
igualmente significados por T, isto é, se T é igualmente predicável de cada um
deles.
[2] Um termo T significa primariamente uma coisa x, se T supõe por x.
No que diz respeito à segunda característica, diz Ockham:
Antes, propriamente falando, tais nomes [absolutos] não têm
uma definição que expressa o quid do nome, porque,
propriamente falando de um nome que tem uma definição
que expressa o quid do nome, uma definição que explica
o quid do nome, a saber, de tal modo que, de tal nome não
64
Para uma aproximação entre termos absolutos em Ockham e uma perspectiva contemporânea
sugiro: SANTOS, Ernesto Perini F. da Mota. “Os termos absolutos em Ockham e designadores
rígidos em Kripke e Putnam”. In: Cadernos de História e Filosofia da Ciência.Campinas: Unicamp,
série 3,n. 2, p. 121-148, jul-dez,1997.
65
MICHON, 1994, p. 338.
49
diversas orações que expressam o quid do nome,
possuidoras de partes distintas, das quais uma significa algo
que não é importado do mesmo modo por outra parte de
outra oração. Tais [isto é, os nomes puramente absolutos],
quanto ao quid do nome, podem, por algum modo ser
explicados por mais de uma oração significando não as
mesmas coisas, segundo as suas partes, e, por isso,
nenhuma delas é propriamente uma definição expressando o
quid do nome.
66
No Capítulo 26 da Parte I, da Summa Logicae, Ockham distingue:
[1] definição real (exprime o quid da coisa); e
[2] definição nominal (exprime o quid do nome).
Como observa Baudry
67
, a definição real e a definição nominal são realmente
distintas, pois elas não têm o mesmo objeto, isto é, as definições reais m por
objeto os termos absolutos e as definições nominais, os termos conotativos. Deixo
para mais adiante a explicitação da noção de ‘definição nominal’.
No momento aceitemos a afirmação de que os termos absolutos não têm
definição nominal, mas unicamente uma definição real (quid rei), isto é, uma
definição que expressa e faz conhecer toda a natureza da coisa definida sem
significar nada que lhe seja extrínseco. De acordo com Ockham, uma definição
real, no sentido estrito é “(...) uma expressão complexa sumária que exprime toda
66
Immo, proprie loquendo talia nomina non habent definitionem exprimentem quid nominis, quia
proprie loquendo unius nominis habentis definitionem exprimentem quid nominis est uma definitio
explicans quid nominis, sic scilicet quod talis nominis non sunt diversae orationes esprimentes quid
nominis habentes partes distinctas, quarum aliqua significat aliquid quod non eodem modo
importatur per aliquam partem alterius orationes. Sed talia quantum ad quid nominis possunt
aliquo modo pluribus orationibus non easdem res secundum suas partes significantibus explicari, et
ideo nulla earum est proprie definitio exprimens quid nominis. Sum.Log.,I,10,35,13 – 36,23
67
BAUDRY, Leon. Lexique Philosophique de Guillaume d’Ockham. Paris: Publications de la
Recherche Scientifique, 1958, p. 72.
50
a natureza da coisa e que não declara algo extrínseco à coisa definida” .
68
Trata-
se de uma oração composta que expressa o gênero próprio e as diferenças
essenciais, significando as partes essenciais da coisa definida.
Uma definição real, no sentido estrito, pode ser de dois tipos:
[a] DEFINIÇÃO NATURAL: Exprime as partes essenciais do que é definido.
Por exemplo, definimos homem como: “substância composta de um corpo e de
uma alma”. Nesta definição os termos que exprimem as partes essenciais, estão
em casos gramaticais oblíquos, como as expressões ‘de um corpo’ e ‘de uma
alma’. Na definição real natural os termos que exprimem as partes essenciais
supõem por essas partes.
[b] DEFINIÇÃO METAFÍSICA: Exprime o gênero e as diferenças essenciais
do que é definido. Por exemplo, homem é definido como: “animal racional ou
“substância animada, sensível e racional”. Nesta definição, as expressões que
exprimem o gênero (‘substância’) e as diferenças (‘animada’, ‘sensível’ e ‘racional’)
são todas colocadas no caso gramatical reto. Na definição real metafísica os
termos que exprimem as diferenças, exprimem também as partes essenciais da
coisa definida, mas supõem pelo todo e não pelas partes. Por exemplo, na
definição “animal racional”, a palavra ‘racional’ significa a alma racional, mas ela
supõe pelo todo, isto é, o homem.
68
(...) et sic est sermo compendoisus, expremens totam naturam rei, nec aliquid extrinsecum rei
definitiae declarans. Sum. Log., I.26, 85, 18 – 20.
51
Para serem de fato completos esses dois tipos de definições reais [natural e
metafísica], devem ser compostas do gênero e da diferença que constituem as
partes essenciais da coisa definida. Assim, se no homem várias formas
substanciais, a seguinte definição “animal racional” é incompleta, pois ela não
exprime distinta e explicitamente toda a essência do homem. Ao contrário, se
dissermos: “homem é uma substância material, sensível, racional”, nossa
definição é completa, visto que o termo ‘substância’ indica o gênero e os termos
‘material’, ‘sensível’ e ‘racional’ indicam, respectivamente, a matéria, a alma
sensível e a alma intelectiva. Por fim, a respeito da definição real, que expressa o
quid da coisa, conclui Ockham:
A partir de tudo isso, torna-se claro que as definições [natural
e metafísica] podem ser distintas, embora o definido seja o
mesmo. Ainda que, as definições sejam distintas, todavia tais
definições significam o mesmo, e o que quer que seja
significado por uma ou por parte de uma é significado pela
outra ou por uma parte da outra, embora as partes difiram no
modo de significar, porque alguma parte de uma está em
outro caso que alguma parte da outra [isto é, na definição
natural os termos estão no caso oblíquo, enquanto na
definição metafísica estão no caso reto].
69
É importante observar que um termo absoluto possui muitas expressões que
revelam seu significado. Em outras palavras, um termo absoluto possui
expressões que revelam seu quid nominis, isto é, expressões que servem para
responder a pergunta “o que significa tal termo?”. Entretanto, nenhuma dessas
expressões constitui uma definição nominal de um termo absoluto. Utilizando o
69
Ex quibus omnibus constat quod definitiones possunt esse distinctae, quamvis definitum sit idem.
Verumtamen licet definitiones sint distinctae, tamen illae definitiones idem significant, et quidquid
significatur per unam vel per partem unius significatur per aliam vel per partem alterius, quamvis
partes differunt in modo significandi, quia aliqua pars unius est alterius casus a parte alterius. Sum.
Log., I, 26, 87, 83 – 88.
52
próprio exemplo fornecido por Ockham, podemos explicar o significado do termo
absoluto ‘anjo’ (seu quid nominis) de três maneiras:
[1] ‘anjo é uma substância separada da matéria’;
[2] ‘anjo é uma substância intelectual e incorruptível’;
[3] ‘anjo é uma substância simples, que não entra em composição com outro’.
Ao seu modo, cada uma dessas expressões revela o quid nominis do termo
‘anjo’, isto é, cada uma exprime (tão bem quanto a outra) o que o termo ‘anjo’
significa. Todas são coextensivas com ele (isto é, aplicam-se à mesma coisa).
Entretanto, cada uma delas comporta partes distintas (‘separada da matéria’,
‘intelectual’, ‘incorruptível’, ‘simples’), que significam algo que não é significado do
mesmo modo pela parte da outra. Portanto, não identidade ou sinonímia entre
elas. Desse modo, nenhuma delas é propriamente uma definição que revela o
quid nominis do termo ‘anjo’, pois como diz Ockham:
E, todavia, um termo posto em uma expressão significa algo
que o é significado do mesmo modo por um [outro] termo
de uma outra expressão, e, por isso, nenhuma delas é
propriamente uma definição [nominal] que expressa o quid
do nome. E assim se dá quanto aos nomes puramente
absolutos: estritamente falando, nenhum deles tem uma
definição [nominal] que expressa o quid do nome.
70
Em suma, embora tais expressões revelem o quid nominis de um termo
absoluto, elas não formulam sua definição nominal. Elas são coextensivas
(significam o mesmo) com o termo definido, mas não são sinônimas entre si, ou
70
Et tamen aliquis terminus positus in uma oratione significat aliquid quod non significatur eodem
modo per terminum alterius orationis, et ideo nulla earum est proprie definitio exprimens quid
nominis. Et ita est de nominibus mere absolutis quod stricte loquendo nullum eorum habet
definitionem exprimentem quid nominis. Sum. Log.,I,10, 36, 29 – 34.
53
seja, não significam o mesmo do mesmo modo. Com efeito, cada uma dessas
expressões são distintas entre si e, portanto, não são sinônimas entre si (se as
expressões que revelam o quid nominiso são sinônimas entre si, então não são
substituíveis uma pela outra).
3.2. TERMOS CONOTATIVOS
Os termos categoremáticos conotativos apresentam duas características que
marcam, fundamentalmente, sua diferença em relação aos termos absolutos:
[1] eles têm uma definição nominal; e
[2] além de uma significação primária, têm uma significação secundária ou
conotação.
Escreve Ockham a esse respeito:
Nome conotativo, por outro lado, é aquele que significa algo
primariamente e algo secundariamente. E tal nome tem
propriamente definição que expressa o quid do nome, e,
freqüentemente, é preciso pôr um [termo] dessa definição no
caso reto e outro no oblíquo. Assim é quanto ao nome
‘branco’, pois ‘branco’ tem uma definição que expressa o
quid do nome em que uma expressão é posta no caso reto e
outra no oblíquo. Assim, se perguntas o que significa o nome
‘branco’, dizes que significa o mesmo que toda a oração
“algo informado pela brancura” ou “algo que tem brancura”. E
é evidente que uma parte dessa oração é posta no caso reto
e outra no oblíquo.
71
71
Nomen autem connotativum est illud quod significat aliquid primario et secundario. Et tale nomen
proprie habet definitionem exprimentem quid nominis, et frequenter oportet ponere unum illius
54
Os termos conotativos apresentam uma estrutura semântica hierarquizada,
isto é, são portadores daquilo que Panaccio denomina de ‘dualidade semântica’
72
:
eles não significam de modo igual tudo aquilo que significam; além de uma
significação primária eles possuem uma outra propriedade semântica, a saber,
significação secundária (isto é, uma conotação).
Termos conotativos compartilham com os termos absolutos a característica
de poderem supor e serem verdadeiramente predicados daquilo que significam
primariamente. Assim, quando um termo conotativo é verdadeiramente predicado
e supõe por aquilo que significa, aquilo que é significado por ele constituí sua
significação primária.
Todavia, os termos conotativos significam outras coisas (das quais não são
verdadeiramente predicados), isto é, eles conotam algo mais: significam
secundariamente aquilo pelo qual não podem supor nem são verdadeiramente
predicados. Assim, o que caracteriza um termo conotativo é um tipo de
significação não predicativa, isto é, ele significa algo do qual não é predicado nem
supõe.
Recorrendo novamente às fórmulas de Michon
73
, podemos dizer que:
definitionis in recto et aliud in obliquo. Sicut est de hoc nomine ‘album’, nam ‘album’ habet
definitionem exprimentem quid nominis, in qua uma dictio ponitur in recto et alia in obliquo. Unde si
quaeras, quid significat hoc nomen ‘album’, dices quod illud idem quod ista oratio tota ‘aliquid
informatum albedine’ vel ‘aliquid habens albedinem’. Et patet quod uma pasr orationis istius ponitur
in recto et alia in obliquo. Sum. Log., I, 10, 36, 38 – 46.
72
PANACCIO, 2000, p. 298.
73
MICHON, 1994, p. 338.
55
[1] Um termo T é conotativo se significa uma coisa x pela qual supõe e uma
outra coisa y pela qual não supõe.
[2] Um termo T significa secundariamente uma coisa y, se T significa y e T
não supõe por y.
Vejamos, por exemplo, o caso do termo ‘branco’. Ele significa primariamente
todas as coisas que são brancas, das quais é verdadeiramente predicado e supõe
por elas numa proposição do tipo “Isto é branco. Mas o termo ‘branco’ significa
algo mais, isto é, as qualidades individuais inerentes àquelas coisas brancas a
qualidade brancura, pela qual não supõe nem é verdadeiramente predicado, pois
é falsa a proposição “A brancura é branca”. Assim, a qualidade da brancura
inerente na coisa branca constitui-se na sua significação secundária. O termo
‘branco’ então, significa primariamente as coisas brancas e significa
secundariamente a brancura inerente nelas.
O mesmo é válido para o termo ‘pai’ que significa primariamente todos os
indivíduos dos quais é verdadeiro dizer “Este é um pai”. Em outras palavras, ele
pode ser aplicado e supor por todos os indivíduos singulares que são pais. Mas,
em virtude desse termo trazer à mente também, de um modo diferente, todos os
indivíduos que têm um pai os filhos dizemos que ele possui uma significação
secundária.
56
Desde então, as brancuras e os filhos são os conotatum da significação
secundária, respectivamente, do termo ‘branco’ e do termo ‘pai’. Em suma, os
termos conotativos possuem uma dualidade semântica:
[1] via uma significação primária que se converte com a predicabilidade; e
[2] via uma significação secundária conotação, que não se converte com a
predicabilidade.
Os termos conotativos são passíveis de ter definição que exprime o quid
nominis (isto é, uma definição nominal). Primeiramente, deve ser dito que,
segundo Ockham, um termo conotativo pode receber uma definição nominal na
qual, freqüentemente, figuram termos (absolutos ou conotativos) em diferentes
casos gramaticais: um no reto (nominativo) e outro no oblíquo (genitivo, acusativo,
etc). Esse é o caso, por exemplo, do termo ‘branco’ cuja definição nominal pode
ser formulada como segue:
[a] “algo que tem brancura” (‘aliquid habens albedinem’), ou
[b] “algo informado pela brancura” (‘aliquid informatum albedine’).
Nas duas formulações encontramos um termo (‘algo’) no caso reto
(nominativo) e outro (‘brancura’) no caso oblíquo (que na primeira está no
acusativo e, na segunda no ablativo). É importante atentar, para o fato de que, na
definição nominal estão expressos o significado primário (alguma coisa branca) e
o significado secundário (brancura) do termo ‘branco’.
57
Para Ockham, uma definição nominal é uma expressão complexa que
exprime e faz conhecer o sentido de um termo, isto é, enuncia de modo explícito
tudo aquilo que esse termo significa implicitamente. Acerca disso, escreve:
A definição que exprime o que é o nome é uma oração que
declara explicitamente o que é importado [implicitamente] por
uma expressão simples, assim como alguém que quer
ensinar a outro o que significa o nome ‘branco’, diz que
significa o mesmo que a oração ‘algo que tem brancura’.
74
Da passagem acima, podemos apontar três aspectos relevantes:
[a] uma definição deve significar a mesma coisa que é significada pelo termo
que ela define;
[b] a definição deve ser explícita, isto é, deve recorrer a significações
conhecidas, de modo que sirva para informar o interlocutor daquilo que o
termo definido significa.
[c] uma definição deve ser uma expressão complexa – oratio – (não um outro
termo simples) tendo a mesma extensão que o termo definido.
Entretanto, essas características também se aplicam às expressões que
revelam o quid nominis de um termo absoluto como ‘anjo’. É preciso então,
diferenciar entre:
74
Definitio autem exprimens quid nominis est oratio explicite declarans quid per unam dictionem
importatur, sicut aliquis volens docere alium quid significat hoc nomen ‘album’ dicit quod significat
idem quod haec oratio ‘aliquid habens albedinem’. Sum. Log., I, 26, 88, 113 – 116.
58
[1] as expressões que revelam o quid nominis – que são definições nominais,
[2] das expressões que revelam o quid nominis que não são definições
nominais.
Um modo de determinar quando expressões que revelam o quid nominis
constituem uma definição nominal do termo conotativo é afirmar que: quando
essas expressões são sinônimas entre si, constituem a definição nominal do termo
definido.
De acordo com Michon
75
, para Ockham, a maior parte dos termos comuns da
linguagem ordinária, são conotativos. Nesse sentido, não causa surpresa que a
lista apresentada por Ockham
76
de termos incluídos entre os conotativos seja
relativamente extensa. São termos conotativos:
[1] Termos concretos de qualidade, cuja definição que revela o quid nominis
comporta um termo no caso reto (significando uma coisa) e outro no caso oblíquo
(significando outra coisa). São exemplos destes: ’branco’, ‘justo’, etc.
[2] Termos relativos, como, ‘pai’, ‘proprietário’, etc.
[3] Todos os termos pertencentes as oitos categorias aristotélica que não a
substância e a qualidade, embora alguns do gênero da qualidade sejam
conotativos.
[4] Termos negativos, privativos e ficcioniais, como, ‘cego’, ‘imaterial’,
‘quimera’, etc. A propósito diz Ockham:
75
MICHON, 1994, p. 335.
76
Sum. Log., I, 10, 37, 52 – 38, 94.
59
E essa definição [nominal] pode ser de nomes, não somente
daquilo de que se pode com verdade afirmar existir na
natureza das coisas, mas também daquilo de que tal
predicação é impossível. E, assim, ‘vácuo’, ‘não ente’,
‘impossível’, ‘infinito’, ‘hircocervo’ têm definições [nominais],
isto é, a esses nomes correspondem expressões [complexas]
que significam o mesmo que essas expressões simples.
77
[5] Termos transcendentais, como, ‘bom’, ‘uno’, etc.
Por fim, quanto a definição nominal, Ockham afirma
78
que não somente os
termos conotativos podem ter definição nominal, mas também outras partes da
oração, como, por exemplo, os verbos, os advérbios, as conjunções, etc.
Em suma, verificamos que na Summa Logicae, I, 10, Ockham apresenta dois
critérios para distinguir termos categoremáticos absolutos e termos
categoremáticos conotativos: [1] ter significação secundária e [2] ter definição
nominal.
Há duas formas fundamentais de significação:
[a] aquela que se converte com a suposição (predicabilidade), denominada
significação primária do termo, e
77
Et ista definitio potest esse nominum, non solum illorum de quibus vere affirmari esse in rerum
natura sed etiam illorum de quibus talis praedicatio est impossibilis. Et sic ‘vacuum’, ‘non ens’,
‘impossibile’, ‘infinitum’, ‘hircocervus’ habent definitiones, hoc est istis nominibus correspondent
aliquae orationes significantes idem quod istae dictiones. Sum. Log. I, 26, 88, 116 – 121.
78
Sum. Log., I, 26, 89, 137 – 145.
60
[b] aquela que não se reduz à suposição (não predicabilidade), denominada
significação secundária do termo. A significação secundária (ou conotação) é uma
propriedade semântica que identifica, exclusivamente, os termos conotativos.
Um termo conotativo é aquele que tem definição nominal. A propósito dessa
afirmação, Spade
79
observa que podemos extrair três informações importantes:
[1] Em geral, um termo (absoluto ou conotativo) pode ter muitas expressões
que revelam seu quid nominis.
[2] Um termo tem uma definição que revela o quid nominis (denominada sua
definição nominal) se todas as expressões revelam seu quid nominis significam a
mesma coisa no mesmo modo (e, nesse caso, presumivelmente, qualquer uma
dessas expressões serve igualmente para defini-lo).
[3] Um termo é conotativo se tem uma definição nominal; caso contrário, é
absoluto.
Podemos desdobrar essas afirmações de Spade, do seguinte modo:
[i] Qualquer termo (absoluto ou conotativo) possui várias expressões que
revelam seu quid nominis.
79
SPADE, P. V. . Ockham’s Distinctions between Absolute and Connotative Terms. IN: Vivarium,
XIII, I, 1975, p. 55 – 76. Citado como SPADE, 1975. SPADE, 1975, p. 64 – 65.
61
[ii] Quando essas expressões que revelam o quid nominis significam a
mesma coisa no mesmo modo, elas constituem a definição nominal do termo
definido.
[iii] Um termo é conotativo quando tem uma definição nominal, o que quer
dizer que as expressões que revelam seu quid nominis significam a mesma
coisa no mesmo modo. Além disso, qualquer uma dessas expressões serve
para defini-lo.
[iv] Um termo é absoluto quando não possui definição nominal, pois as
expressões que revelam seu quid nominis não significam a mesma coisa no
mesmo modo.
[v] Um critério para distinguir um termo absoluto de um termo conotativo é a
de possuir ou não uma definição nominal.
3.3. DIFICULDADES
Como foi mencionado mais acima, ainda que pareça clara, a distinção entre
termos absolutos e conotativos envolve questões semânticas muito complexas. A
seguir passo a indicar somente alguns problemas que envolvem a teoria da
conotação, a partir de duas perspectivas, que chamarei [1] ‘microdificuldades’ e [2]
‘macrodificuldades’. Por ‘microdificuldade’ entendo as questões internas que
62
dizem respeito aos elementos da teoria, especificamente a noção de ‘significação
secundária’ e a noção de ‘definição nominal’. Por ‘macrodificuldade’ entendo o
impacto da teoria para o sistema nominalista de Ockham.
[1] MICRODIFICULDADES
No que concerne a noção de ‘significação secundária’, algumas questões
importantes a serem resolvidas. Sabemos que um termo conotativo tem uma
significação primária e, principalmente, uma significação secundária (que é aquela
que o caracteriza como conotativo). Entretanto, entre os termos listados como
conotativos encontramos, por exemplo, os termos transcendentais. Ora, um termo
transcendental como ’uno’ é verdadeiramente predicado absolutamente de tudo,
isto é, tudo aquilo que é, é uno. Como afirma Spade
80
, se aceitarmos que um
termo transcendental, como ‘uno’, significa tudo aquilo que significa, de maneira
primária, então ele não teria significação secundária. Assim, o termo
transcendental ‘uno’ seria absoluto e não conotativo. Em outras palavras, o termo
‘uno’ não satisfaria a exigência básica que caracteriza qualquer termo conotativo,
isto é, ter significação secundária. Mas isso viola a afirmação de Ockham.
Examinemos, ainda, o caso dos termos ficcionais. Tais expressões parecem
não ter uma significação primária, isto é, alguma coisa da qual sejam
verdadeiramente predicadas, pois se esse fosse o caso, teríamos que admitir que
80
SPADE, P. V. . Thoughts, Words and Things: An Introduction Late Mediaeval Logic and
Semantic Theory. Versão 1.0, disponível in Adobe PDF em http://pvspade.com/Logic, 1996,
capítulo 7, p. 187 – 239. Citado como SPADE, 1996. SPADE, 1996, p. 215.
63
existem certas entidades como quimeras ou hircocervos. Mas isso, viola a
ontologia minimalista de Ockham. O problema, como observa Loux
81
, é que
Ockham em nenhuma parte definiu as noções de ‘significação primária’ e
‘secundária’. Nesse sentido, é preciso apresentar um critério definidor de
‘significação secundária’, para acomodar os casos mencionados.
No que diz respeito à noção de ‘definição nominal’, a situação é ainda menos
confortável. Vimos que uma definição nominal é o que caracteriza e diferencia um
termo conotativo de um termo absoluto. Um termo conotativo tanto quanto um
absoluto possuem expressões que revelam o quid do nome. Essas expressões
que revelam o quid nominis formulam uma definição nominal (caracterizando
assim o termo como conotativo), quando são sinônimas entre si. Como veremos
mais adiante, um dos pontos de conflito no debate interpretativo incide sobre a
questão de saber se há ou não sinonímia entre o termo conotativo e sua definição.
O critério referencial de sinonímia proposto por Ockham
82
, exige que duas
expressões sejam sinônimas quando, [a] significam o mesmo (coextensividade), e
[b] significam ‘no mesmo modo’. Entre outras coisas, é preciso esclarecer o que
Ockham compreende pela expressão ‘no mesmo modo’, isto é, trata-se de
estabelecer o que são os ‘modos de significação’.
[2] MACRODIFICULDADE
81
LOUX, 1998, p. 6.
82
Sum. Log., I, 6.
64
De acordo com Michon
83
, a teoria da conotação serve para Ockham recusar
um comprometimento ontológico dos predicamentos [categorias]. A principal
questão aqui está relacionada com o ‘programa de redução ontológica’ de
Ockham. Como diz Spade
84
, em geral os comentadores contemporâneos
concordam que Ockham, de fato, tem um tal programa, mas discordam sobre qual
foi seu êxito. Nesse sentido, o fracasso ou êxito de tal programa depende não
somente do que Ockham realmente disse, mas do que ele pretendeu dizer. Em
outras palavras, é preciso determinar qual a extensão e a realização dessa
‘redução’. Efetivamente, trata-se de avaliar o modo como se interpreta a teoria da
conotação, o que será feito a seguir.
83
MICHON, 1994, p. 336.
84
SPADE, 1998, p. 348.
65
II. O DEBATE INTERPRETATIVO CONTEMPORÂNEO
Considero que há, pelo menos, duas perspectivas para abordar a teoria da
conotação de Ockham. A primeira, que denomino ‘âmbito da aplicabilidade’,
destaca a importância da teoria no exame que Ockham realiza das categorias de
Aristóteles. Esse procedimento é efetuado, por exemplo, por Ernest Moody
85
. A
segunda, que denomino ‘âmbito interpretativo’, consiste em discutir a teoria em si
mesma, isto é, examinar seus elementos constituintes, sua coerência interna,
expor suas dificuldades e compará-la com outras teses ockhamistas. É a partir do
horizonte dessa segunda perspectiva que focalizaremos o debate que tem sido
desenvolvido nos últimos decênios acerca da teoria. Fundamentalmente, a
discussão gira em torno de duas fortes interpretações que denomino
‘Interpretação A’ e ‘Interpretação B’. Meu objetivo nesta Parte II é caracterizá-las
apresentando suas respectivas estratégias argumentativas.
1. INTERPRETAÇÃO ‘A’
85
MOODY, Ernest A. . The Logic of William of Ockham. New York: Russell & Russell, 1965. (Em
especial capítulo IV).
66
Paul V. Spade
86
considera que tem grande responsabilidade na construção
da interpretação predominante da teoria da conotação de Ockham. Isso de fato é
verdadeiro, na medida em que seu modo de ver as coisas influenciou inúmeros
autores
87
. Nesse sentido, vou considerá-lo como interlocutor privilegiado, ou seja,
o legítimo representante da Interpretação ‘A’. Deixando de lado os matizes
interpretativos individuais, os defensores da Interpretação ‘A’ compartilham da
idéia de que o ‘Programa de Redução Ontológica’ de Ockham deve ser
interpretado de modo radicalmente reducionista. A questão importante que se
coloca é a seguinte: interpretado desse modo, o ‘Programa’ é ou não realizável?
concordância de que o instrumento utilizado por Ockham para realizar
seu ‘Programa de Redução Ontológica’ foi sua teoria da conotação. Portanto, é
imprescindível examiná-la em seus detalhes de modo a verificar o êxito ou
fracasso do ‘Programa’. Em outras palavras, segundo a Interpretação ‘A’, o
sucesso ou fracasso da teoria da conotação determina o alcance do ‘Programa’.
Em pelo menos três textos, a saber, Ockham’s Distinctions between
Absolute and Connotative Terms”
88
; “Ockham, Adams and Connotation: A Critical
Notice of Marilyn Adams, William Ockham”
89
e “Thoughts, Words and Things: An
Introduction to Late Mediaeval Logic and Semantic Theory”
90
, Paul Spade trata de
modo detalhado a teoria da conotação e suas implicações para o ‘Programa de
Redução Ontológica’. Passo a apresentar tal Interpretação tendo como
referenciais tais escritos.
A Interpretação ‘A’ estende-se a dois domínios:
[1] domínio interno, que ao examinar a teoria da conotação em si mesma,
sustenta que ela “(...) não se constitui em uma noção primitiva nova para análise
dos termos, além da requerida para a teoria dos termos absolutos”;
91
86
SPADE, 1996, p. 231.
87
Por exemplo, ADAMS, 1987 e BOLER, 1985.
88
SPADE, 1975, p. 55 – 76.
89
SPADE, 1990, p. 593 – 612.
90
SPADE, 1996, p. 187 – 239.
91
SPADE, 1975, p. 55.
67
[2] domínio externo, que, a partir da análise da teoria da conotação,
interpreta o ‘Programa de Redução Ontológica’ de modo reducionista e assevera
que ele fracassa em seus propósitos.
De início, examino o primeiro para a seguir tratar do segundo.
1.1. DOMÍNIO INTERNO
O ponto central neste domínio é o de que a noção de ‘conotação’ é redutível
à análise dos termos absolutos. Duas teses sustentam essa idéia:
[T1] Tese da redução: na Linguagem Mental (LM) os termos conotativos são
redutíveis a termos absolutos simples e a termos sincategoremáticos, e
[T2] Tese da eliminação: não há termos conotativos simples na LM.
Mas isso deve ser demonstrado. Nesse sentido, é preciso esclarecer
algumas noções contidas na teoria da conotação que são cruciais e envolvem a
própria distinção entre termos absolutos e termos conotativos.
Sabemos que Ockham
92
estabeleceu dois critérios, ou dois níveis, por meio
dos quais é possível distinguir termos absolutos de termos conotativos. O primeiro,
concerne à definição, isto é, um termo conotativo tem uma definição nominal
definição que expressa o quid nominis. O segundo é o de que um termo
conotativo, diferentemente de um termo absoluto, tem uma significação
secundária. Tratemos, então, de examinar cada um desses níveis.
[A] NÍVEL DA DEFINIÇÃO
92
Sum. Log., I,10.
68
Segundo Spade
93
, neste nível é preciso esclarecer algumas noções
fundamentais que se encontram no núcleo da própria distinção absoluto-
conotativo. São elas:
[i] ‘definição que revela o quid nominis’;
[ii] ‘expressões que revelam o quid nominis’;
[iii] ‘significar o mesmo no mesmo modo’;
[iv] ‘definição nominal completamente expandida’.
O argumento geral da Interpretação ‘A’, representada por Spade, e que se
examinado, pode ser expresso da seguinte maneira:
[P1] Todo termo conotativo tem uma definição nominal.
[P2] Todo termo conotativo é sinônimo de sua definição nominal.
[P3] Não há sinonímia na LM.
[C] Não há termos conotativos simples na LM.
Previamente, é preciso indicar que Paul Spade estabelece dois princípios
que são fundamentais no interior de sua argumentação.
[1] Princípio Aditivo [PA]
Ele cita a seguinte passagem Summa Logicae como sugestiva:
(...) do mesmo modo para tais termos forjados pelo espírito,
como ‘quimera’, ‘hircocervo’, ‘vazio’, ‘infinito’, etc., nada é
significado por eles que não seja significado por outros
termos, tal como é expresso pela definição que expressa o
que é este nome [isto é, sua definição nominal].
94
Tal passagem prossegue o autor, parece sugerir:
93
SPADE, 1975, p. 55.
94
(...) ita per tales terminos fictos, cuiusmodi sunt ‘chimera’, ‘tragelaphus’, ‘vacuum’, ‘infinitum’ et
huiusmodi, nihil significatur nisi quod significatur per terminos alios, sicut patet ex definitionibus
exprimentibus quid nominis eorum. Sum. Log., II, 14, 14 –17..
69
[a] que alguns termos, como, por exemplo, termos ficcionais, significam
apenas o que é significado por suas definições nominais;
[b] que essas definições nominais (que são expressões complexas),
significam exatamente a soma total do que é significado por seus termos
categoremáticos não-complexos constituintes.
Tomando como base essas sugestões, o autor considera plausível a
possibilidade de generalizar essa idéia, isto é, afirmar que termos que
significam o que é significado por sua definição nominal e essa definição nominal
significa o que é significado por seus termos constituintes. Conseqüentemente,
temos a seguinte afirmação: todas as expressões complexas significam
exatamente a soma total do que é significado por seus termos categoremáticos
não-complexos componentes. Paul Spade reconhece que Ockham não realiza
esta generalização, mas insiste nessa possibilidade e, a partir disso, formula o que
denomina Princípio Aditivo [PA], a saber:
Uma expressão complexa significa a soma total daquilo que
é significado pelos termos categoremáticos não-complexos
que a compõem
95
.
De modo a reforçar PA, ele escreve:
(...) quando um alguém ouve a sentença “O gato está sobre o
tapete”, o primeiro termo categoremático não-complexo
constituinte gato’, o faz pensar em todos os gatos, e, o
segundo termo categoremático não-complexo, tapete’, o faz
pensar em todos os tapetes. Assim, a sentença como um
todo traz à mente ou significa todos os gatos e todos os
tapetes (sem especificar um determinado gato ou tapete).
96
Em outras palavras, PA representa o significado composicional de uma
definição nominal, ou seja, o significado de uma expressão complexa é dado pelo
significado de suas partes constituintes.
[2] PRINCÍPIO DE CORRELAÇÃO [PC]
95
SPADE, 1975, p. 58.
96
SPADE, 1975, p. 59.
70
Consiste em afirmar que a Linguagem Convencional (LC) está
correlativamente subordinada a Linguagem Mental (LM). Sua formulação é a
seguinte:
A sinonímia de dois termos da linguagem convencional é
explicada devido ao fato de que esses termos estão
correlacionados ao mesmo conceito na linguagem mental.
97
De fato, Spade visa aqui garantir [P3] do argumento geral – não há sinonímia
na LM. Ele remete à própria afirmação de Ockham segundo a qual:
(...) porque o parece haver grande necessidade de pôr tal
pluralidade nos termos mentais. (...). Por isso, assim como
entre os nomes sinônimos a multiplicação não foi inventada
pela necessidade de significação, mas pelo ornato do
discurso ou por outra causa acidental similar, porque o que
quer que possa ser significado por todos os sinônimos pode
ser expresso suficientemente por um deles, e, por isso, a
multiplicidade dos conceitos não corresponde tal pluralidade
de sinônimos.
98
Spade considera que há boas razões para não admitir a sinonímia na LM.
Primeiramente, a sinonímia mental não poderia ser explicada por analogia com a
sinonímia da LC visto que está correlativamente subordinada a LM. Segundo
porque, dado que não uma LM superior (uma metalinguagem mental), também
não seria possível explicar a sinonímia mental apelando para termos de uma
metalinguagem mental superior com a qual os conceitos mentais sinônimos
pudessem estar correlacionados.
99
Além disso, conforme Spade, um forte
argumento proposto por John Trentman
100
segundo o qual a LM é pensada como
uma linguagem ideal, que dispensa todos os traços da LC que não afetem a
verdade ou falsidade das sentenças. A sinonímia, por exemplo, estaria entre
esses traços. Portanto, não há sinonímia na LM.
97
SPADE, 1975, p. 63.
98
(...) eo quod non videtur magna necessitas talem pluritatem ponere in mentalibus terminis. (...)
Propter quod sicut nominum synonymorum multiplicatio non est propter necessitatem significationis
inventa, sed propter ornatum sermonis vel aliam causam consimilem accidentalem, quia quidquid
per omnia synonyma significatur posset per unum illorum exprimi sufficienter, et ideo multitudo
conceptuum tali pluralitati synonymorum non correspondet. Sum. Log. I, 3, 11, 17 – 22.
99
A respeito ver SPADE, Paul V.. “Synonymy and Equivocation in Ockham’s Mental Language”. IN:
Journal of the History Philosophy. 1980, 18, p. 9 – 22.
100
TRENTMAN, John. “Ockham on Mental”. IN: Mind, 79,1970, p. 586 – 590.
71
Realizadas as prévias observações, algumas questões relevantes podem ser
colocadas:
[1] Sabemos que uma característica definidora de um termo conotativo é a
de que ele possui uma definição nominal. Pergunta-se: o que constitui, de fato,
uma definição nominal?
[2] Sabemos ainda, que qualquer termo, absoluto ou conotativo, possui
expressões que revelam seu quid nominis, isto é, expressões que indicam sob que
condições um termo é aplicado a uma determinada coisa. Questiona-se: como
determinar quando uma dada expressão revela o quid nominis de um termo?
[3] Qual é o critério identificador para determinar entre as expressões que
revelam o quid nominis de um termo, quais são definições nominais e quais não
são?
A primeira estratégia argumentativa consiste em mostrar de que modo as
expressões que revelam o quid nominis de um termo constituem sua definição
nominal, caracterizando-o como conotativo.
Recorrendo a um exemplo textual
101
, Spade afirma que um termo como ‘anjo’
possui várias expressões que revelam seu quid nominis. Podemos explicar seu
significado (seu quid nominis) de três maneiras:
[1] ‘anjo é uma substância separada da matéria’;
[2] ‘anjo é uma substância intelectual e incorruptível’;
[3] ‘anjo é uma substância simples, que não entra em composição com
outro’.
Cada uma dessas expressões revela o quid nominis do termo ‘anjo’, isto é,
cada uma explica (tão bem quanto a outra) o que o termo ‘anjo’ significa. Am
disso, são todas coextensivas com ele, quer dizer, indicam sob que condições
podem ser aplicadas a algo. Entretanto, observa nosso autor, “(...) cada uma
101
Sum. Log., I, 10.
72
dessas expressões significa muito mais do que o termo ‘anjo significa”.
102
Conforme o que foi estabelecido por PA, essas expressões deveriam significar
todas as coisas significadas por seus termos constituintes. Se esse é o caso, na
medida em que cada uma comporta partes distintas (‘separabilidade da matéria’,
‘intelectualidade’, ‘incorruptibilidade’, ‘simplicidade’), elas significam algo que não é
significado pela outra e significam muito mais coisas do que é significado pelo
termo ‘anjo’. Em outras palavras, o termo ‘anjo’ possui diversas expressões que
revelam seu quid nominis, possuidoras de partes distintas das quais uma significa
algo que não é importado do mesmo modo pela parte da outra. Por exemplo, em
virtude de PA a expressão [1] significa a ‘separabilidade da matéria’, enquanto a
expressão [3] significa ‘simplicidade”. A conclusão de Spade é a de que tais
expressões não são ‘equivalentes’ entre si e, portanto, não formulam a definição
nominal do termo ‘anjo’. Desse modo, quando todas as expressões que revelam o
quid nominis de um termo não são ‘equivalentes’ entre si, esse termo é absoluto e
não tem uma definição que revela seu quid nominis.
Por outro lado, podemos explicar o significado do termo ‘branco’ (seu quid
nominis) por meio das seguintes expressões:
[1] “Algo que tem brancura”;
[2] “Algo informado pela brancura”.
Tais expressões revelam o quid nominis do termo ‘branco’. Mas, neste caso,
de acordo como nosso autor
103
elas o ‘equivalentes’ entre si e, portanto,
constituem a definição nominal do termo definido. Em outros termos, ‘branco’
possui diversas expressões possuidoras de partes distintas das quais uma
significa algo que é importado do mesmo modo pela parte da outra. Portanto, o
termo é conotativo e tem uma definição que revela seu quid nominis.
Temos, então, o seguinte CRITÉRIO DE EQÜIVALÊNCIA:
Para que um termo tenha definição nominal e, portanto, seja
conotativo, é condição necessária e suficiente que haja
102
SPADE, 1996, p. 208.
103
SPADE, 1996, p. 209.
73
‘eqüivalência’ entre si das expressões que revelam seu quid
nominis.
Sinteticamente, podemos dizer que um critério de eqüivalência que
determina quando um termo tem uma definição nominal e, portanto, é conotativo.
Este critério opera sobre duas noções: a noção ampla expressão que revela o
quid nominise a noção restrita de definição que revela o quid nominis’. Quando
todas as expressões que revelam o quid nominis de um termo não são
equivalentes entre si, o termo é absoluto e não tem definição nominal. Ao
contrário, se todas as expressões que revelam o quid nominis de um termo são
equivalentes entre si, o termo é conotativo e tem uma definição nominal isto é,
definição que revela o quid nominis’.
Mas, em consiste essa ‘eqüivalência’? Quando tais expressões são
‘equivalentes’? Conforme Spade
104
, dizer que duas expressões são ‘equivalentes’
é o mesmo que dizer que elas são ‘sinônimas’. Portanto, as expressões que
revelam o quid nominis são equivalentes quando são sinônimas entre si.
Lembremos que o critério de ‘sinonímia’ utilizado por Ockham (Sum. Log., I, 6),
requer que duas expressões sejam sinônimas quando:
[a] significam ‘o mesmo’ (coextensividade); e
[b] significam ‘no mesmo modo’.
Para Spade o ponto importante a ser esclarecido aqui é determinar o que
significa a expressão ‘no mesmo modo’, que é o traço distintivo da noção de
‘sinonímia’.
Nosso interlocutor considera que a expressão ‘no mesmo modo’ a partir dos
‘modos de significação’ expressos no capítulo 33 da Sum. Log., I. Neste capítulo
Ockham distingue quatro ‘modos de significação’, isto é, os modos pelos quais o
verbo ‘significar’ é tomado pelos lógicos.
104
Id., ibid.
74
Primeiramente, um signo significa algo, quando supõe ou é destinado a
supor por esse algo, em uma proposição. Por exemplo, o termo ‘racional’ significa
homem se a sentença “Isto é racional” é verdadeira, apontando um homem. Um
segundo modo, é quando um signo pode supor por aquilo que significa, em uma
proposição sobre o passado, o futuro, o presente, ou mesmo em uma proposição
modal verdadeira. Por exemplo, o termo ‘racional’ significa um homem se a
sentença “Isto é racional” é verdadeira no que diz respeito aos homens passados,
presentes, futuros ou possíveis. Para Panaccio
105
, o primeiro modo diz respeito a
uma significação direta e estrita, pois requer a existência atual do objeto
significado no momento do proferimento da proposição, enquanto o segundo
concerne a uma significação ampla que não exige a presença atual do objeto
significado.
O primeiro e o segundo ‘modo de significação’ compartilham a característica
da predicabilidade, isto é, a capacidade do termo poder ser predicado de, ou supor
por aquilo que significa. Em outras palavras, um termo significa (traz à mente) as
coisas das quais ele é verdadeiramente predicado.
O terceiro e o quarto ‘modo de significação’, por sua vez, são caracterizados
pela não-predicabilidade. Nesse caso, um termo significa (ou conota) as coisas
das quais ele não é verdadeiramente predicado. Por exemplo, a respeito do quarto
modo, diz Ockham:
Diferentemente, toma-se ‘significar’ de maneira mais ampla,
quando um signo destinado a ser parte de uma proposição,
ou destinado a ser uma proposição, ou uma oração, importa
algo, quer principalmente, quer secundariamente, quer [no
caso] reto, quer no oblíquo, quer a entender, quer conote
105
PANACCIO, 1991, p. 27.
75
aquilo, quer signifique por outro modo qualquer, quer
signifique aquilo afirmativamente, quer negativamente (...).
106
No que segue, Spade, efetua três importantes ligações.
Ligação 1
107
, para ele há uma conexão entre:
[1] o domínio semântico de significação (distinção entre termos absolutos e
conotativos, Sum. Log., I, 10), e
[2] o domínio epistemológico de significação (distinção dos ‘modos de
significação’, Sum. Log., I, 33).
Assim, o primeiro e o segundo ‘modo de significação’ (marcados pela
predicabilidade) dizem respeito aos modos de significação dos termos absolutos,
isto é, eles significam tudo aquilo que significam de maneira primária e podem
supor por isso. O terceiro e o quarto (marcados pela não-predicabilidade)
concernem aos modos de significação dos termos conotativos, ou seja, eles
significam algo primariamente e podem supor por isso, mas também significam
secundariamente (ou conotam) outras coisas pelas quais não supõem.
Ligação 2 conecta:
[1] os ‘modos de significação’ (Sum. Log., I, 33), com
[2] a noção de ‘sinonímia’ (Sum. Log., I, 6).
Como resultado é proposto o seguinte CRITÉRIO DE SINONÍMIA
Duas expressões significam a mesma coisa ‘no mesmo
modo’ se aquilo que é significado por uma num dos quatro
106
Aliter accipitur ‘significare’ communissime quando aliquod signum quod est natum esse pars
propositionis vel natum est esse propositio vel oratio aliquid importat, sive principaliter sive
secundario, sive in recto sive in obliquo, sive det intelligere sive connotet illud, vel quocumque alio
modo significet, sive significet illud affirmative sive (...). Sum. Log., I, 33, 96, 27 –31.
107
SPADE, 1975, 59 – 61.
76
‘modos de significação’ – é ‘no mesmo modo’ significado
também pela outra.
108
Ligação 3
109
conecta:
[1] a definição de ‘sinonímia’ (Sum. Log., I,6), e
[2] a noção de ‘expressões que revelam o quid nominis de um termo’ (Sum.
Log., I,10).
Essa última aproximação lhe permite afirmar que duas expressões são
sinônimas se elas significam a mesma coisa no mesmo modo’. Recorrendo a PC
ele assevera que a sinonímia ocorre somente se as expressões estão
correlacionadas ao mesmo conceito na LM. Em outras palavras, duas expressões
que revelam o quid nominis de um termo são sinônimas porque significam a
mesma coisa ‘no mesmo modo’ e estão correlacionadas ao mesmo conceito
mental. Nesse sentido, escreve o autor:
Quando todas as expressões que revelam o quid nominis de
um termo T são sinônimas isto é, subordinadas a mesma
expressão mental então T tem uma definição nominal
(sendo que qualquer uma dessas expressões serve
108
SPADE, 1975, 65. Spade reconhece que esse critério pode ou não funcionar, tanto que propõe
um outro critério mais adiante.
109
SPADE, 1975, p. 66.
77
igualmente para defini-lo, visto que elas são sinônimas entre
si) e, assim, T é um termo conotativo. Porém, quando as
expressões que revelam o quid nominis de um termo T não
são sinônimas, T não tem definição nominal e, assim, T é um
termo absoluto.
110
Em síntese, podemos dizer que tanto absolutos quanto conotativos possuem
expressões que revelam seu quid nominis, isto, expressões que indicam sob que
condições um termo é aplicado a algo. Um termo é conotativo quando tem uma
definição nominal – definição que revela o quid nominis. Tem uma definição
nominal quando as expressões que revelam seu quid nominis são equivalentes
entre si, isto é, são sinônimas. São sinônimas na medida em que significam o
mesmo no mesmo modo, ou seja, via PC, estão subordinadas ao mesmo conceito
mental.
Estabelecidas às condições de como as expressões que revelam o quid
nominis formulam a definição nominal de um termo conotativo, Paul Spade
propõe:
TESE DA SINONÍMIA
110
Id., ibid.
78
Um termo conotativo é sinônimo com cada uma das expressões que
revelam seu quid nominis.
111
Basicamente, essa tese visa sustentar [P2] do argumento geral
sinonímia entre um termo conotativo e sua definição nominal. Paul Spade admite
que em nenhuma parte Ockham explicitamente afirma tal tese. Entretanto, insiste
que ela é plausível e fortemente sugerida a partir dos próprios textos de Ockham.
A próxima estratégia argumentativa consiste em justificar essa tese. Para isso, é
preciso mostrar que o termo definido e a expressão que revela seu quid nominis
(sua definição nominal) satisfazem os dois requerimentos para serem
considerados sinônimos, a saber:
[1] devem significar ‘o mesmo’ (coextensividade);
[2] devem significar ‘no mesmo modo’.
A exigência da coextensividade é justificada pela afirmação de Ockham,
segundo a qual a definição nominal significa ‘o mesmo’ que o termo que ela
define:
E, assim, ‘vácuo’, ‘não-ente’, ‘impossível’, infinito’,
‘hircocervo’ têm definições, isto é, a esses nomes
111
SPADE, 1975, p. 66.
79
correspondem orações que significam o mesmo que essas
expressões simples.
112
Entretanto, para Spade, a mera coextensividade (‘significar o mesmo’) entre o
termo e sua definição é uma condição frágil e insuficiente para garantir a
sinonímia. Por exemplo, a expressão o número de apóstolos e a expressão a
‘raiz quadrada de 144o coextensivas denotam o número 12, mas não são
sinônimas. Além disso, a mera coextensividade também se aplica no caso termo
absoluto ‘anjo’ e da expressão que revela seu quid nominis (‘substância separada
da matéria’), que não são sinônimas.
A noção de ‘sinonímia’ exige, ainda, que as expressões devem significar ‘o
mesmo em todos os modos’. Isso significa que, tudo aquilo que é significado por
uma é ‘no mesmo modo significado pela outra. De acordo com nosso autor,
(quando aborda os quatro ‘modos de significação’, na Sum. Log., I, 33), Ockham
sugere que os termos não somente significam ‘o mesmo’ que sua definição
nominal, mas, também, que significam ‘o mesmo em todos os modos’. Se esse é o
caso, então, parecem estarem satisfeitas as exigências de sinonímia.
112
Et sic ‘vacuum’, ‘non ens’, ‘impossibile’, ‘infinitum’, ‘hircocervus’ habent definitiones, hoc est istis
nominibus correspondent aliquae orationes significantes idem quod istae dictiones. Sum. Log., I,
26, 88, 119 – 121.
80
O exemplo que justifica essa idéia é identificado a partir do quarto modo de
‘significar’. O termo conotativo ‘cego’ e sua definição nominal animal que não
possui visão significam ‘o mesmo no mesmo modo’, a saber, a visão
negativamente. Em outras palavras, significam o mesmo de modo negativo. Para
Spade essa idéia funciona bem quando diz respeito a expressões complexas,
como é o caso de uma definição nominal. Uma definição nominal do tipo animal
que não possuí visão”, em virtude de PA, pode significar a visão negativamente.
Trata-se aqui, sustenta o autor, de um critério sintático, pois um dos termos
componentes dessa definição (o termo ’visão’) significa a visão e é acompanhado
de um complemento de negação, fazendo com que a expressão signifique a visão
negativamente.
No entanto, Spade considera que um sério problema quando lidamos com
expressões simples como o termo ‘cego’. Trata-se de uma expressão que não
possui constituintes e não contém um complemento de negação para significar a
visão negativamente, como ocorre com sua definição nominal.
De modo a resolver essa dificuldade, nosso autor apela para PC e afirma que
o termo e sua definição nominal estão subordinados ao mesmo conceito mental
complexo, que significa negativamente a visão no sentido sintático descrito acima.
Com efeito, é preciso recorrer ao Princípio de Correlação para manter que o termo
‘cego’ e sua definição nominal signifiquem ‘o mesmo no mesmo modo’, isto é, são
sinônimos na LC porque estão subordinados ao mesmo conceito complexo na LM.
81
Paul Spade considera legítimo
113
realizar uma generalização dessa idéia
para todos os termos conotativos. Isso significa dizer que todos os termos
conotativos estão correlacionados a uma expressão mental complexa (mais
abaixo voltarei a esse ponto). Além disso, ele acredita que parece razoável atribuir
à Ockham o seguinte princípio:
Todas as expressões que revelam o quid nominis de um termo T são
sinônimas entre si, se T é ele mesmo sinônimo com cada uma dessas
expressões.
Temos até aqui, duas informações importantes:
[1] um termo é conotativo quando tem definição nominal, isto é, quando as
expressões que revelam seu quid nominis o sinônimas entre si e qualquer
uma delas serve para defini-lo.
[2] as expressões que revelam o quid nominis de um termo conotativo (que
constituem sua definição nominal) são sinônimas entre si, por que são
sinônimas com o próprio termo conotativo.
Podemos, então, concluir que há sinonímia:
[a] das expressões que revelam o quid nominis entre si; e
[b] do termo conotativo com essas expressões.
No seu percurso argumentativo, Paul Spade coloca uma dúvida que,
vinculada com o exposto acima, precisa ser resolvida. Para ele, não é claro se
113
SPADE, 1975, p. 67.
82
Ockham pretendeu que a distinção entre termos absolutos e conotativos valeria
somente para expressões simples, ou também para expressões complexas? Em
outras palavras, a distinção absoluto-conotativo é aplicada:
[a] somente entre termos absolutos simples e termos conotativos simples; ou
[b] também entre termos absolutos complexos e termos conotativos
complexos.
Para Spade há duas possibilidades.
1. Se a distinção é aplicada somente entre termos simples, então não
termos conotativos simples na LM, confirmando a conclusão do argumento geral.
Se existissem termos conotativos simples na LM, eles seriam distintos e
sinônimos de sua definição nominal (expressões mentais complexas). Mas, como
por [P3] não há sinonímia na LM, Spade conclui, não há termos conotativos
simples na LM, pois todos os conceitos simples na linguagem mental são
absolutos (essa última afirmação será abordada mais adiante). Em outras
palavras, se existissem termos conotativos simples na LM, eles seriam distintos de
sua definição nominal, embora fossem sinônimos com ela. Teríamos então, na
LM, duas expressões distintas e sinônimas (o termo conotativo simples e sua
definição nominal), violando desse modo a própria afirmação de Ockham de que
não há sinonímia na LM.
Em uma extensa nota
114
, Spade declara que a interpretação da melhor
doutrina de Ockham seria relacionar um termo conotativo simples da linguagem
114
SPADE, 1975, p. 67 – 68, nota 40.
83
convencional com a expressão mental complexa que constituí sua definição
nominal. Para ele, um termo conotativo da LC (falado ou escrito) não tem como
correlato na LM um conceito mental simples. O autor assevera que um termo
conotativo e sua definição nominal, na LC, estão correlativamente subordinados a
uma expressão mental complexa, e, essa expressão mental complexa constitui
sua definição nominal mental. Desse modo, o termo conotativo falado ‘branco’
estaria correlacionado a sua definição nominal mental algo que tem brancura
(composta de termos absolutos) e não ao conceito mental simples ‘branco’.
Efetivamente, se trata de manter que a LM não comporta termos conotativos
mentais simples, mas apenas definições nominais mentais. O caso valeria, como
foi indicado anteriormente, para todos os termos conotativos e, assim, um termo
conotativo simples e sua definição nominal seriam sinônimos na LC e estariam, via
PC, correlacionados ao mesmo conceito complexo mental.
2. Se, por outro lado, Ockham pretendeu que a distinção fosse aplicada,
também, a termos complexos, então, conclui Spade: todos os termos conotativos
mentais, se houver algum, são complexos e constituiriam sua própria definição
nominal.
115
Essa alternativa parece corroborar com o raciocínio acima, pois se o
termo definido e sua definição nominal são sinônimos na LC é porque estão
correlacionados com uma expressão complexa mental, quer essa expressão seja
conotativa ou absoluta. A esse respeito, nosso interlocutor indica
116
que se houver
uma expressão complexa conotativa mental ela se constitui num caso
degenerado de termo conotativo. Por exemplo, o termo ‘branco’ é conotativo e
115
SPADE, 1975, p. 68.
116
SPADE, 1996, p. 221.
84
tem uma definição nominal algo que tem brancura”. Seria possível afirmar que
essa expressão complexa é uma caso degenerado de termo conotativo, da
mesma maneira que um círculo é uma caso degeneradode uma elipse ou que
um quadrado é um caso degeneradode um retângulo. Em síntese, as definições
nominais dos termos conotativos seriam elas mesmas termos conotativos
degenerados e seriam suas próprias definições nominais.
De qualquer modo, tanto na primeira quanto na segunda alternativa, é
mantida a idéia de que na LM o termos conotativos simples. Um termo
conotativo e sua definição nominal são sinônimos na LC enquanto estão
correlacionados com uma expressão complexa mental, que, por sua vez, constituí
a definição nominal do termo conotativo.
Vimos acima, que Spade propôs um critério de sinonímia baseado nos quatro
‘modos de significação’. Entretanto, ele mesmo teve dúvida a respeito do êxito
desse critério
117
. Agora ele apresenta outro critério de sinoníma que descarta a
noção dos ‘modos de significação’. Conforme o autor, quando declaramos que
dois termos significam a mesma coisa ‘no mesmo modo’, os ‘modos’ aos quais
estamos nos referindo dizem respeito aos ‘modos sintáticos de significação’
118
. Ele
identifica-os no
Capítulo 26 da Summa Logicae, I:
117
Ver n. 106.
118
SPADE, 1975, p. 68.
85
Mesmo que, as definições sejam distintas, essas definições
significam o mesmo, e o que quer que seja significado por
uma ou pela parte de uma, é significado pela outra ou pela
parte da outra, embora as partes difiram no modo de
significar, porque alguma parte de uma está em outro caso
que alguma parte da outra não está.
119
De maneira a reforçar a idéia de que Ockham tinha em mente os ‘modos
sintáticos de significação’ quando disse que todas as ‘expressões que revelam o
quid nominis’ de um termo conotativo significam o mesmo ‘no mesmo modo’,
Spade acrescenta a seguinte evidência textual:
Porém, os outros [termos] conotativos, isto é, aqueles que
significam coisas diversas ou o mesmo de diversas
maneiras, isto é, afirmativa ou negativamente, em reto ou em
oblíquo, ou de algumas tais maneiras diversas (...).
120
Nosso autor afirma que, esses ‘modos sintáticos de significação’ estão mais
de acordo com a definição de sinonímia expressa no capítulo 6. Assim, temos:
119
Verumtamen licet definitiones sint distinctae, tamen illae definitiones idem signifcant, et quidquid
significatur per unam vel per partem unius significatur per aliam vel per partem alterius, quamvis
partes differunt in modo significandi, quia aliqua pars unius est alterius casus a parte alterius. Sum.
Log., I, 26, 87, 84 – 88.
120
Alia autem connotativa, hoc est illa quae significant diversa vel idem diversimode, hoc est
affirmative vel negative vel in recto vel in obliquo vel aliquibus talibus modis diversis (...). Sum. Log.,
III-2,33, 568, 12 – 14.
86
NOVO CRITÉRIO DE SINONÍMIA:
[a] Uma expressão mental (EM) significa (x) em um modo sintático (MS) se
(x) é significado por um termo categoremático simples componente de (EM) e
ocorre no modo sintático (MS) – seja ele reto ou oblíquo, afirmativo ou
negativo...
[b] Um termo falado (TF) significa (x) em um modo sintático (MS) se (TF) está
convencionalmente correlacionado com (EM) que significa (x) no modo
sintático (MS).
121
Segundo esse novo critério, dizer que duas expressões significam a mesma
coisa no mesmo modo’, é dizer que elas estão subordinadas a expressões
mentais que possuem exatamente o mesmo termo categoremático, exatamente no
mesmo caso gramatical. Assim, visto que identidade entre as expressões que
possuem o mesmo termo categoremático exatamente no mesmo caso sintático,
segue-se que os termos que significam a mesma coisa no mesmo modoestão
subordinados identicamente com a mesma expressão mental e, assim, são
sinônimos. Infelizmente nosso interlocutor não apresenta qualquer exemplo
específico de como esse novo critério poderia ser aplicado.
121
SPADE, 1975, p. 68 – 69.
87
Spade mantém que nesse novo critério, a expressão ‘significar a mesma
coisa no mesmo modo’ não se refere aos quatro ‘modos de significação’ (Sum.
Log., I, 33), mas antes aos ‘modos sintáticos de significação(Sum. Log., I, 26).
Ele destaca que essa reformulação tem vantagem sobre o critério anterior, pois
garante, de fato, que as expressões que ‘significam a mesma coisa no mesmo
modo’ sejam sinônimas como é requerido pela cláusula ‘no mesmo modo’ da Sum.
Log., I, 6.
De acordo com nosso autor, ao estabelecer que um termo conotativo é
sinônimo com cada uma das expressões que revelam seu quid nominis, [P2] (que
afirma que sinonímia entre um termo conotativo e sua definição nominal) está
justificada.
O próximo movimento argumentativo consiste em sustentar que os termos
conotativos são redutíveis aos termos absolutos e, assim, elimináveis da LM
122
.
Isso é realizado por meio da reformulação da noção de ‘definição nominal’, isto é,
ela é ampliada e compreendida como uma ‘definição nominal completamente
expandida’, É isso que passo a examinar.
Conforme Paul Spade, temos o termo conotativo Ty. Sendo conotativo é
passível de ter uma definição nominal. Se na definição nominal de Ty, ocorrer um
outro termo conotativo, por exemplo, Tx, então é possível substituir o termo Tx por
sua própria definição nominal (isso é permito porque Tx e sua definição nominal
122
SPADE, 1975, p. 69.
88
são sinônimas). É plausível, para ele, admitir que se uma expressão revela o quid
nominis de um termo, então qualquer outra expressão sinônima dela, também
pode revelar o quid nominis daquele mesmo termo. Segue-se daí, que a
expressão resultante da substituição acima é uma definição nominal mais
expandida do termo original Ty. Ora, se algum outro termo conotativo restar nessa
nova expressão, o processo de substituição deve ser repetido, resultando sempre
em uma nova definição nominal mais expandida do termo original Ty.
Esse processo de regressão termina quando se chega a uma definição
nominal completamente expandida que contenha entre seus elementos
constituintes, unicamente, termos absolutos e sincategoremáticos. Para Spade por
meio desse processo de substituição regressiva é possível fornecer uma definição
nominal completamente expandida dos termos conotativos. Essa idéia é expressa
através da seguinte afirmação:
Todo termo conotativo é sinônimo com uma definição
nominal completamente expandida, composta de termos
categoremáticos absolutos simples e sincategoremáticos.
123
Spade considera esta afirmação importante, na medida em que conduz à
seguinte sugestão: um paralelo entre a definição nominal completamente
expandida de um termo conotativo falado T e a expressão mental com a qual T
está correlacionado. Tomando como base essa sugestão, nosso autor diz que:
123
SPADE, 1975, p. 70.
89
A definição nominal completamente expandida de um termo
conotativo falado T contém um termo categoremático T1
como elemento constituinte, no caso sintático M, se a
expressão mental com a qual T está correlacionado, contém
um conceito categoremático absoluto, com o qual T1 está
correlacionado, no mesmo caso sintático M.
124
Para Spade, isso indica que a definição nominal completamente expandida
de um termo conotativo falado T revela inteiramente a estrutura da expressão
mental com a qual ele está correlacionado. Mantém, ainda, que tal afirmação deve
ser adotada para compreendermos a seguinte passagem de Ockham:
(...) [um nome absoluto] não significa uma coisa
primariamente e uma outra secundariamente, de modo que
seria preciso significar algo no caso reto e algo distinto no
oblíquo; tampouco na definição que expressa o quid do nome
é preciso admitir nomes distintos em casos diversos ou
algum verbo adjetivo. (...) Um nome conotativo, por outro
lado, é aquele que significa algo primariamente e algo
secundariamente. E tal nome tem propriamente uma
definição que expressa o quid do nome, e, freqüentemente, é
124
Id., ibid.
90
preciso colocar um termo dessa definição no caso reto e
outro no oblíquo.
125
Nosso autor identifica nessa passagem a claramente distinção entre termos
absolutos e termos conotativos, a saber:
Termo absoluto:
1. Não significa uma coisa primariamente e outra secundariamente;
2. Possui expressões que revelam seu quid nominis;
3. Entretanto, não possui uma definição que revele seu quid nominis;
4. Em suma, não tem uma definição nominal, pois as expressões que revelam
seu quid nominis não são sinônimas entre si.
Termo conotativo:
1. Significa uma coisa primariamente;
2. Significa uma outra coisa secundariamente;
3. Possui uma definição que revela seu quid nominis tem uma definição
nominal;
4. Às vezes (ou freqüentemente), um termo dessa definição nominal está no caso
reto e outro no caso oblíquo.
A respeito da citação acima, Spade faz duas observações pertinentes.
125
(...) et non significat unum primo et aliud secundario, ita quod oporteat aliquid significari in recto
et aliud in obliquo, nec in definitione exprimente quid nominis oportet ponere talia distincta in
diversis casibus vel aliquod verbum adiectivum. (...) Nomen autem connotativum est illud quod
significat aliquid primario et aliquid secundario. Et tale nomen proprie habet definitionem
exprimentem quid nominis, et frequenter oportet ponere unum illius definitionis in recto et aliud in
obliquo. Sum. Log., I, 10 35, 10-13 – 36, 38-41. . (O gripo é nosso).
91
A primeira concerne aos modos sintáticos [reto e oblíquo] de significação. O
modo oblíquo não se apresenta para os termos absolutos (de modo que seria
preciso significar algo no caso reto e algo distinto no oblíquo). Entretanto,
presumivelmente está presente (ao menos às vezes’) para os termos conotativos,
pois freqüentemente, é preciso colocar um termo dessa definição no caso reto e
outro no oblíquo. Conforme Spade observou anteriormente, os ‘modos sintáticos
de significação’ dos termos falados o determinados por meio da estrutura
sintática da expressão mental com a qual eles estão correlacionados.
A segunda se refere ao fato de que na passagem citada, é feita referência a
uma expressão que revela o quid nominis do termo, no entanto, nada é dito para
indicar se é uma expressão mental está envolvida. Diante disso, Spade levanta a
seguinte questão: se o que está envolvido aqui é uma definição nominal falada,
então como podemos estar seguros de que os ‘modos sintáticos’ referidos
anteriormente e, determinados pela expressão mental, estão de algum modo
refletidos na estrutura sintática da definição nominal falada? Em outras palavras,
como saber se a definição nominal falada, de fato, reflete a estrutura sintática
mental a qual está subordinada?
Para nosso interlocutor, esta dúvida pode ser resolvida se adotarmos sua
proposta, isto é, explicarmos a expressão ‘definição que revela o quid nominis
como se referindo a definição nominal completamente expandida. Assim, a
‘definição que revela o quid nominis deve ser entendida como ‘uma definição
nominal completamente expandida’. Isso prossegue o autor, garantiria que a
92
estrutura sintática da expressão mental é exatamente paralela com a estrutura
sintática da definição nominal completamente expandida do termo falado. Em
síntese, é preciso considerar a definição nominal como uma definição nominal
completamente expandida, sendo que esta última é composta somente de termos
absolutos simples e de sincategoremáticos. Na medida em que não termos
conotativos simples na LM, confirma-se, então, a idéia de que os termos
conotativos são redutíveis a termos absolutos e, portanto, são elimináveis da LM.
A Interpretação ‘A’, representada aqui por Paul Spade, apresenta três
estruturas argumentativas para a analisar o nível da definição. De início, propõe
dois princípios que servem de base para a argumentação. Por PC a sinonímia
de dois termos da linguagem convencional é explicada devido ao fato de que
esses termos estão correlacionados ao mesmo conceito na linguagem mental
visa garantir a eliminação da sinonímia da LM, isto é, justificar [P3] não
sinonímia na LM. Por PA – uma expressão complexa significa a soma total daquilo
que é significado pelos termos categoremáticos não-complexos que a compõem
pretende fornecer o significado composicional de uma definição nominal, ou seja,
o significado de uma expressão complexa é dado pelo significado de suas partes
constituintes. Em outras palavras, o Princípio Aditivo tem como função sustentar a
idéia de que um termo conotativo é sinônimo de sua definição nominal tomada
globalmente. Entretanto, tal princípio é problemático, pois não encontramos em
Ockham qualquer indício a respeito do modo como a significação global de uma
expressão complexa (como é o caso de uma definição) possa ser construída a
partir dos significados de suas partes constitutivas.
A primeira estratégia consiste em mostrar quando expressões que revelam o
quid nominis de um termo formulam sua definição nominal e, portanto, este termo
é conotativo. Grosso modo, podemos dizer que as expressões que revelam o quid
nominis formulam a definição nominal de um termo conotativo quando são
93
sinônimas entre si, isto é, significam o mesmo do mesmo modo. São sinônimas
porque estão correlacionadas, via PC, a mesma expressão complexa mental ao
mesmo conceito.
A segunda estratégia busca justificar a tese de sinonímia um termo
conotativo é sinônimo com cada uma das expressões que revelam seu quid
nominis. Em outros termos, mostrar que um termo conotativo é sinônimo com
cada uma das expressões que revelam seu quid nominis é mostrar que este termo
é sinônimo com sua definição nominal e, portanto, provar [P2] – todo termo
conotativo é sinônimo de sua definição nominal. O traço distintivo da noção de
‘sinonímia’ é a cláusula ‘no mesmo modo’. Com o recurso de PC é afirmado que
um termo conotativo e sua definição nominal estão correlacionados do mesmo
modo a mesma expressão complexa mental. Um parêntese argumentativo é
efetuado para mostrar que na LM não há termos conotativos simples. Duas
alternativas são propostas e, tanto na primeira quanto na segunda, é mantida a
idéia de que na LM não há termos conotativos simples. Um termo conotativo e sua
definição nominal o sinônimos na LC enquanto estão correlacionados com uma
expressão complexa mental, que, por sua vez, constituí a própria definição
nominal do termo conotativo. É proposto um critério de ‘sinonímia’ que interpreta a
expressão ‘no mesmo modo’ como os ‘modos sintáticos se significação’. Isso
garantia a sinonímia entre um termo conotativo e definição nominal.
Subjacente a terceira estratégia estão duas teses, a saber: [1] da
redutibilidade dos conotativos aos absolutos e, [2] eliminabilidade dos conotativos
da LM. O instrumento utilizado para sustentá-las é a noção de definição nominal
completamente expandida. A idéia mestra é reformular a noção de ‘definição
nominal’, isto é, uma definição que revela o quid nominis deve ser entendida como
uma definição nominal completamente expandida, esta última composta somente
de termos absolutos simples e termos sincategoremáticos. Desse modo, fica
garantido que a estrutura da LC, de fato, reflete a estrutura da LM.
94
Retomo o argumento geral para realizar algumas observações superficiais
126
.
[P1] sustenta que todo termo conotativo tem uma definição nominal. Por si
só, isso o gera qualquer dificuldade, pois é um traço próprio de um termo
conotativo ter uma definição nominal. Entretanto, penso que as coisas se
complicam quando Spade reformula a noção de ‘definição nominal’ considerando-
a como uma definição nominal completamente expandida. Se esse é o caso, é
preciso reconstruir [P1] e dizer que todo o termo conotativo tem definição nominal
completamente expandida. Mas em nenhum momento Ockham faz tal
reivindicação. Além disso, nosso interlocutor se vale da noção de definição
nominal completamente expandida, que segundo ele, é composta unicamente de
termos absolutos e sincategoremáticos para sustentar sua interpretação de
Ockham, de que termos conotativos são redutíveis aos termos absolutos. Porém,
ele não apresenta, ao menos, um exemplo concreto do processo de substituição
regressiva até uma definição nominal completamente expandida.
No que diz respeito a [P2] (todo termo conotativo é sinônimo de sua definição
nominal) e a [C] (não há termos conotativos simples na LM), acredito que a
situação é bastante delicada, pois este é um dos pontos de conflito do debate
interpretativo. No momento indico unicamente que, se admitimos [P1], temos que
reformular [P2] – todo termo conotativo é sinônimo de sua definição nominal
completamente expandida, composta unicamente de termos absolutos e
sincategoremáticos. Mas aqui, novamente esbarramos na controversa
126
Trata-se, de fato, de observações superficiais, pois alguns dos aspectos que aponto aqui (e
outros), serão abordados mais adiante por meio das criticas da Interpretação ‘B’.
95
interpretação de Spade segundo a qual os termos conotativos são elimináveis da
LM.
No que concerne a [P3] (não sinonímia na LM), parece haver um acordo
entre os debatedores que ela se sustenta a partir das próprias palavras de
Ockham.
Considero que o argumento em sua totalidade é problemático. A conclusão é
uma conseqüência direta da interpretação reducionista de Spade, que é a questão
que está em jogo. Mas, como veremos mais adiante, o ponto conflituoso pesa
sobre [P2].
[B] NÍVEL DA SIGNIFICAÇÃO
Vimos anteriormente
127
, que a noção de ‘significação’ comporta duas
perspectivas. Primeiro como uma relação psicológica-causal, isto é, a de trazer
algo à mente (constituere intellectum). Segundo, no âmbito semântico, é uma
relação que associa a cada signo, considerado fora do contexto proposicional, um
ou vários indivíduos. Assim, dizer que um termo ‘x’ significa um objeto ‘a’, nos
proporciona uma informação geral sobre a relação semântica entre ‘x’ e ‘a’.
Sabemos que, para Ockham, a noção de ‘significação’ se ramifica em dois tipos:
significação primária (S1) e significação secundária (S2). Sabemos, ainda, que os
termos absolutos têm S1 e que os termos conotativos têm S1 e S2. Como observa
127
Parte I, p. 24.
96
Loux
128
, Ockham nunca definiu tais noções. Trata-se, então, de buscar uma
caracterização de ambas, particularmente de S2 dada sua importância.
No que diz respeito a S1, Spade questiona: o que um termo significa
primariamente? Sob que condições um termo tem S1? Para nosso interlocutor,
três condições que satisfazem a significação primária de um termo
129
:
Condição 1: um termo tem S1 quando significa as coisas das quais é
verdadeiramente predicado.
Condição 2: um termo tem S1 quando é tomado em um dos dois primeiros
modos de significação do capítulo 33 da Summa Logicae.
Condição 3: um termo tem S1 quando supõe por aquilo que significa, isto é,
quando está em suposição pessoal.
Estabelecidas as condições sob as quais um temo tem S1, pergunta Spade:
[1] Como identificar S2?
[2] O que um termo significa secundariamente?
Nosso autor coloca um problema prático, isto é, Ockham
130
apresenta a lista
de termos conotativos e afirma que eles têm um outro tipo de significação além de
128
LOUX, 1998, p.6.
129
SPADE, 1996, p. 203 – 204.
97
S1. Através das condições acima, podemos identificar S1, mas não temos
nenhuma informação a respeito de S2, pois a mera lista dos termos não fornece
qualquer pista. Spade considera que é preciso estabelecer um critério para definir
S2.
O primeiro critério proposto por Spade vincula S2 com os ‘modos sintáticos
de significação’, isto é, os casos gramaticais, particularmente o oblíquo. Assim,
dizer que um termo conotativo tem S2 é dizer que ele significa algo no modo
sintático oblíquo. Vejamos como isso funciona. A base dessa proposta pode ser
localizada em duas passagens da Summa Logicae.
A primeira
131
é quando Ockham diz que os termos absolutos não significam
algo primariamente e outra coisa secundariamente, de maneira que seria preciso
significar algo no caso reto e algo distinto no caso oblíquo. Em outras palavras,
isso deve valer para os conotativos.
A segunda
132
concerne a afirmação de que um termo conotativo tem,
propriamente falando, uma definição que revela o quid nominis e, freqüentemente,
é preciso colocar um termo dessa definição no caso reto e outro no caso oblíquo.
Temos, então: CRITÉRIO DE SIGNIFICAÇÃO SECUNDÁRIA (C1):
Um termo T significa secundariamente X se
T significa no caso oblíquo X.
133
130
Sum. Log., I, 10.
131
Sum. Log., I, 10, 35, 10 – 12.
132
Sum. Log., I, 10, 36, 39 – 41.
98
Portanto, para um termo conotativo ter S2 é preciso que ele signifique algo
no modo sintático oblíquo. Entretanto, vimos que Spade assevera que um termo
conotativo tem uma definição nominal completamente expandida que não contém
termos conotativos simples. De acordo como isso, nosso interlocutor sugere que
C1 deve ser interpretado do seguinte modo:
Um termo T significa secundariamente ‘x’, se ‘x’ é significado
primariamente por um termo absoluto componente da
definição nominal completamente expandida de T, no caso
oblíquo.
134
Mas, como um caso oblíquo pode ocorrer em uma definição nominal
completamente expandida? Vejamos um exemplo. O termo conotativo ‘branco’
tem como S1 os objeto branco, e, S2 a brancura possuída por esse objeto. Sua
definição nominal pode ser expressa como:
[a] “Algo que tem brancura” (‘aliquid habens albedinem’), ou
[b] “Algo informado pela brancura” (‘aliquid informatum albedine’).
Nas duas formulações encontramos um termo (‘algo’) no caso reto
[nominativo] e outro (‘brancura’) no caso oblíquo [que na primeira está no
acusativo e, na segunda no ablativo]. É importante atentar, para o fato de que, na
133
SPADE, 1975, p. 72.
134
SPADE, 1996, p. 218.
99
definição nominal estão expressos o significado primário (alguma coisa branca) e
o significado secundário (brancura) do termo ‘branco’.
Entretanto, Spade admite que C1 apresenta dificuldades
135
, pois não abrange
todos os tipos de termos conotativos. Primeiramente, às vezes a definição nominal
de um termo conotativo T não contém caso oblíquo. Portanto, se aceitarmos C1,
um termo T não significaria nada secundariamente, violando a exigência segundo
a qual os termos conotativos têm S2. Nosso autor sustenta que é correto manter
que nem todas as definições nominais contêm casos oblíquos.
Isso seria válido, por exemplo, para termos ficcionais. Tomemos a expressão
‘lugar vazio’ (presumivelmente sinônima da expressão ‘lugar não ocupado por um
corpo’) que revela o quid nominis do termo conotativo ficcional ‘vácuo’ e, desse
modo, formula sua definição nominal. Mas, ‘lugar vazio’ possui somente termos no
caso reto [nominativo].
Segundo Spade, talvez isso explique porque Ockham tenha utilizado a
expressão freqüentemente (ou ‘às vezes’), dando-nos, ao menos, uma forte
razão para acreditar que ele tinha em mente a noção de definição nominal
completamente expandida. Por isso, o termo ‘vazio’ na expressão ‘lugar vazio’,
embora esteja no caso reto [nominativo] é um termo conotativo e desaparece na
135
SPADE, 1975, p. 72.
100
definição nominal completamente expandida (‘lugar não ocupado por um corpo’)
num caso oblíquo.
um outro problema com o critério acima. Por exemplo, o termo conotativo
ficcional ‘quimera’ não tem significação primária (não é verdadeiramente predicado
de alguma coisa). Tudo aquilo que ele significa, significa secundariamente. Se
admitirmos C1, precisamos aceitar que todo termo categoremático que ocorra na
definição nominal completamente expandida de ‘quimera’ deve ocorrer, ao menos
uma vez, no caso oblíquo. O mesmo deveria ser válido para todos os outros
termos ficcionais. Entretanto, Spade acredita que isso é falso, pois na definição
nominal de ‘quimera’ (‘animal composto de um bode e de um boi’) o termo ‘animal’
ocorre no caso reto, mas não em um caso oblíquo. Portanto, C1 deve ser rejeitado
pois não dá conta de todos os tipos de termos conotativos, particularmente os
ficcionais.
De modo a resolver as dificuldades acima, nosso autor propõe um outro
critério para S2, que segundo ele, é inspirado em Buridano
136
, a saber:
CRITÉRIO DE SIGNIFICAÇÃO SECUNDÁRIA (C2):
Um termo T significa secundariamente X se
T não significa primariamente, isto é, não supõe
pessoalmente por X .
137
136
BIARD, Joël. Jean Buridan: Sophismes. Tradução, introdução e notas de Joël Biard. Paris:Vrin,
1993, Ca. 4.
101
Sem discutir C2, Spade o reformula e o amplia. Reunindo muitas das noções
expostas até o momento, ele propõe mais um critério para S2:
CRITÉRIO DE SIGNIFICAÇÃO SECUNDÁRIA (C3):
Um termo conotativo T significa secundariamente X se:
X é significado por um termo T1 da definição nominal de T,
mas T não significa primariamente X .
138
Mas, mesmo C3 apresenta problema, pois ele não contempla certos tipos de
termos conotativos, especificamente, os termos transcendentais. De acordo com
Spade
139
, o termo transcendental ‘uno’ não tem S2, pois tudo o que ele significa,
significa primariamente. Se esse é o caso, o termo ‘uno’ deve ser considerado
como absoluto, na medida em que ele é verdadeiramente predicado de tudo que
há. Assim, se aceitarmos C3 é violada a exigência segundo a qual os termos
conotativos devem ter S1 e principalmente S2.
O ponto central é estabelecer um critério para S2 que evite as dificuldades
mencionadas. C1 o funciona com termos conotativos ficcionais, pois é possível
que sua definição nominal completamente expandida não contenha caso oblíquo
e, além disso, eles não têm significação primária. C2 e seu complemento C3 não
137
SPADE, 1975, p. 73.
138
Id., ibid.
139
SPADE, 1975, p. 73, ou ainda, SPADE, 1996, p.215.
102
funcionam quando se trata de termos conotativos transcendentais, que possuem
somente significação primária.
Diante desse impasse Spade apresenta um critério ad hoc
140
, que é o
seguinte:
CRITÉRIO AD HOC:
Um termo T tem significação secundária se:
[a] ou significa no caso oblíquo x;
[b] ou significa x, não primariamente.
Trata-se de uma fórmula disjuntiva que combina os critérios anteriores. Para
nosso interlocutor ela resolve as dificuldades enfrentadas. Vejamos o que o
próprio Spade escreve:
Pode ser facilmente verificado que este critério evita os
problemas anteriores. Portanto, sugiro que ele está mais em
conformidade com a ‘melhor doutrina’ de Ockham.
141
E ainda:
A cláusula [a] acomoda os termos transcendentais, que
constituíam o problema para C3. A cláusula [b] acomoda os
termos ficcionais, que constituíam o problema para C1.
142
140
SPADE, 1975, p. 73 e SPADE, 1996, p. 220.
141
SPADE, 1975, p. 73.
142
SPADE, 1996, p. 220.
103
Spade admite que este critério é confuso e obviamente ad hoc, mas insiste
que não nada a fazer sobre isso e diz que essa fórmula parece funcionar bem.
Nesse sentido, prossegue o autor, a não ser que alguém possa mostrar um caso
no qual ela resulte equivocada, devemos adotá-la.
Considero que o esforço de Spade é válido, mas penso que ele mesmo foi
extremamente lacônico nas conclusões acima. Infelizmente ele não nos
proporciona um exemplo concreto de como esse critério possa funcionar em
ambos os casos. Simplesmente ele diz que pela cláusula [a] um termo tem S2
quando significa algo no caso sintático oblíquo e, assim acomoda os termos
transcendentais, e, pela cláusula [b] um termo tem S2 quando significa algo no
caso reto, mas não primariamente, o que acomoda os termos ficcionais. Penso
que isso é muito pouco.
Tomando as próprias palavras de Spade
143
, sintetizo o exame desse domínio
interno. De tudo isso, observa o autor, é possível destacar duas importantes
noções, a de ‘ser verdadeiramente predicado de’ (que nos fornece o critério
distintivo de S1) e a de sinonímia (subordinação ao mesmo conceito). Tomando
essas duas noções e uma pequena gramática, podemos definir a noção de S2. A
partir daí, podemos definir a noção de ‘expressão que revela o quid nominis’ de
um termo. Uma vez tendo isso, podemos determinar que expressões são
definições nominais e quais não são (visto que uma expressão que revela o quid
nominis de um certo termo é sua definição nominal, se todas as expressões que
143
SPADE, 1996, p. 220.
104
revelam seu quid nominis são sinônimas entre si e com o próprio termo). E, a
partir dessa base, podemos decidir quais termos são conotativos que quais são
absolutos.
Por fim, Paul Spade afirma que, se a noção de S2 é definida pela fórmula:
“Um termo T significa secundariamente x se, ou significa no caso oblíquo x, ou
significa x, mas não primariamente”, então ela pode, em última instância, ser
explicada por meio de S1 e de algumas noções sintáticas
144
.
Via PC um termo da LC significa exatamente a mesma coisa que o termo
mental ao qual está correlacionado. Via PA uma expressão mental significa a
soma total daquilo que é significado por seus constituintes categoremáticos
simples. Tais constituintes são todos absolutos e, desse modo, significam somente
primariamente. Conforme Spade, essa redução resulta em uma considerável
economia teórica. Nosso autor conclui, que S2 não é uma nova noção primitiva
introduzida pela teoria da conotação. Portanto, a teoria da conotação não
acrescenta nenhuma nova noção primitiva além daquela requerida pela teoria dos
termos absolutos.
144
SPADE, 1975, p. 76.
105
1.2. DOMÍNIO EXTERNO
De acordo com Marilyn Adams
145
, a ontologia de Ockham é o resultado de
sua crítica ao equivoco cometido por seus predecessores e contemporâneos. Uma
característica dessa ontologia é seu minimalismo. Dois traços importantes refletem
essa ontologia mínima. De uma parte, a afirmação de que nada além de
particulares existem na realidade. Trata-se aqui, de sua crítica e rejeição das
supostas entidades universais, isto é, seu ataque às teorias realistas que, segundo
ele, postulam entidades desnecessárias e povoam a ontologia. De outra parte,
temos sua recusa em comprometer-se ontologicamente com supostas entidades
reais provindas de muitas das dez categorias de Aristóteles.
Com efeito, a ontologia de Ockham admite somente substâncias e
qualidades particulares. Esse último traço, propriamente falando, é o que constitui
seu ‘Programa de Redução Ontológica’ (PRO). Em outras palavras, o PRO
consiste em uma redução as categorias da substância e da qualidade como as
únicas que têm um comprometimento ontológico. Em geral, os comentadores
contemporâneos concordam que Ockham, de fato, tem um tal programa, porém
discordam quando ao seu êxito. Paul Spade observa
146
, que o sucesso ou
fracasso do PRO depende não somente do que Ockham disse, mas,
principalmente, do que ele pretendeu realizar ao dizer o que disse.
Cyrille Michon
147
lembra que a teoria da conotação serve para Ockham
recusar certos comprometimentos ontológicos, ou, em outras palavras, ela é a
ferramenta utilizada para promover o PRO. Vimos acima, que a Interpretação ‘A’
tem sérias restrições quanto ao êxito da teoria em sua totalidade. Isso sugere que,
se o instrumento é falho, é possível que ele comprometa seu propósito. Considero
145
ADAMS, 1987, p. 143.
146
SPADE, 1998, p. 348.
147
MICHON, 1994, p. 336.
106
que dois pontos são relevantes neste domínio externo. O primeiro diz respeito as
conseqüências que a teoria tem para o PRO. O segundo concerne ao exame de
qual a extensão e a viabilidade da realização do próprio programa.
A tese forte mantida pela Interpretação ‘A’ é expressa por Spade da
seguinte maneira:
Ockham não reduziu sua ontologia somente a substâncias e
qualidades e, isso, torna seu programa de redução
ontológica falho: ele não cumpre o que promete (..) ele [o
programa] deve ser considerado como uma promessa que
não pode ser realizada.
148
Essa tese forteé, de certo modo, atenuada por Marilyn Adams. Embora ela
afirme que o PRO permanece essencialmente programático
149
, insiste que ele é,
ao menos, defensável. Adams
150
examina duas objeções gerais ao PRO de
Ockham e seus resultados para a ontologia. A primeira objeção é a de que ele
coloca dificuldades insuperáveis. A segunda é a de que ele não traz qualquer
benefício compensatório. Adams desenvolve sua argumentação visando
responder essas objeções, para no fim concluir que Ockham não precisa aceitar
nenhum desses ônus.
O quadro que temos é o seguinte: Spade e Adams concordam em interpretar
o PRO de modo reducionista, o que os torna adeptos da Interpretação ‘A’.
Entretanto, discordam quanto ao seu alcance. Para Spade o PRO não pode ser
realizado e, portanto, fracassa. Para Adams, o programa não foi realizado, mas é
possível defendê-lo.
Tenho referido que a Interpretação ‘A’, no seu escopo geral, interpreta o
PRO de Ockham de maneira reducionista. É o momento de questionar: em que
148
SPADE, 1990, p. 608 (o grifo é nosso).
149
ADAMS, 1987, p. 313.
150
ADAMS, 1987, especificamente o capítulo 9, p. 287 – 313.
107
consiste esse reducionismo? Quais são as razões para manter essa
interpretação? Se interpretado desse modo, de que maneira ele não pode ser
realizável?
De início, é possível afirmar que a Interpretação ‘A’ pode ser caracterizada a
partir de quatro afirmações básicas, que a sustentam e que passo a examinar.
AFIRMAÇÃO 1 (A1): As categorias de Aristóteles classificam termos.
Essa afirmação não parece problemática, pois encontra apoio nos próprios
textos de Ockham. Em várias passagens (entre os capítulos 40 44 da Summa
Logicae, I) ele expressa essa idéia. Por exemplo, quando diz: “(...) mas é, antes,
uma divisão da palavra em significados (...)”
151
, ou ainda : “Cumpre, portanto,
dizer, brevemente, que tal divisão é uma divisão em nomes, dos quais uns são
próprios, outros comuns”.
152
Segundo Adams
153
, é uma tese de Ockham de que as
dez categorias de Aristóteles não classificam coisas, mas termos. Além disso,
estes termos representam os dez modos distintos e fundamentais de significar
substâncias e qualidades particulares. Como indica Loux
154
, tradicionalmente as
categorias foram interpretadas como uma lista dos tipos mais gerais aos quais os
objetos pertencem, isto é, elas classificam objetos. Para Ockham, diferentemente,
as categorias não são uma classificação de objetos não-lingüísticos, isto é, não
são classes de coisas radicalmente diferentes, mas, antes, são classes de termos
não-complexos ordenados de modo a responder certos tipos de questões. Isso
quer dizer que elas devem envolver o mínimo de comprometimento ontológico
possível, visto que a ontologia minimalista de Ockham admite unicamente
substâncias particulares e algumas qualidades particulares.
151
(...) sed magis est divisio vocis in significationes (...). Sum. Log., I, 40, 113, 71 – 72.
152
Breviter igitur dicendum est quod talis divisio est divisio in nomina, quorum aliqua sunt própria,
aliqua communia. Sum. Log., I, 42, 121, 99 – 100.
153
ADAMS, 1987, p. 287.
154
LOUX, 1998, p. 8.
108
Conforme Spade
155
, Ockham fica satisfeito em afirmar que algumas coisas
são grandes ou pequenas; claras ou escuras; redondas ou quadradas; longas ou
curtas; quentes ou frias; que algumas estão relacionadas a outras; que algumas
agem ou sofrem a ação de outras; que algumas estão aqui ou ali; agora ou depois;
que algumas estão em movimento; que algumas são infinitamente divisíveis
(corpos contínuos, por exemplo), e assim por diante. Todos esses modos de falar
são legítimos e, em certo sentido, refletem os modos como as coisas são.
Mas Ockham não fica satisfeito com a prática de alguns (notadamente os
realistas) que livremente formam nominalizações abstratas desses e de outros
modos de falar, e assim, assumem tais nominalizações como se fossem novos
tipos de entidades na ontologia. Suas ontologias terminam sendo povoadas não
somente por substâncias e qualidades, mas também por quantidades, relações,
ações, paixões, lugares, tempos, movimentos, pontos, instantes e assim por
diante. Para Ockham, a linguagem não é um guia totalmente confiável para a
ontologia – particularmente uma linguagem cuja nominalizações abstratas são
concebidas em abundância.
Todavia, Ockham não rejeita todas as nominalizações abstratas. Por
exemplo, ele admite que o termo abstrato ‘brancura’ significa uma qualidade real
que é realmente distinta da coisa branca na qual inere. Do mesmo modo, o termo
‘humanidade’ significa as humanidades reais, embora aqui o termo concreto
‘humano’ e o termo abstrato ‘humanidade’ não signifiquem coisas distintas; as
humanidades são unicamente os próprios humanos. Nesse sentido, as questões
ontológicas devem ser tratadas caso a caso. Em suma, admitindo A1 – as
categorias classificam termos – e negando certas nominalizações abstratas, que
155
SPADE, 1999, 103 – 104.
109
postulariam entidades desnecessárias, Ockham mantém que todas as coisas que
existem na realidade pertencem:
[1] ou a categoria da substância,
[2] ou a categoria da qualidade.
Essa afirmação é o núcleo do que Adams denomina de ‘Programa de
Redução Ontológico’ de Ockham (e é discutida nos capítulos 5 – 9). Ela indica
corretamente que esse tipo de parcimônia ontológica é totalmente independente
de qualquer posição acerca do problema dos universais.
AFIRMAÇÃO 2 (A2): Os termos absolutos estão confinados às categorias da
substância e da qualidade.
Combinando, [a] A1, [b] tudo o que existe na realidade pertence ou a
categoria da substância ou a categoria da qualidade e, [c] a distinção entre termos
absolutos e conotativos, a Interpretação ‘A’ constrói o seguinte cenário.
Termos absolutos têm ‘definições reais’, isto é, definições que revelam a
estrutura metafísica interna do objeto definido. Por exemplo, o termo ‘homemé
um termo categoremático absoluto com a definição real ‘animal racional’. Em
contraste, os termos conotativos não têm definições reais, mas ‘definições
nominais’. Definições nominais, diferentemente das definições reais, não revelam
nada de particular acerca da estrutura metafísica interna daquilo que é definido.
110
Para Spade
156
, um termo conotativo pode ser entendido como um tipo de
abreviatura da sua definição nominal.
Todo o termo categoremático absoluto ‘significa primariamente’, e somente
desse modo, tudo aquilo do qual é verdadeiramente predicado. Por outro lado, os
termos conotativos, mas não os absolutos, têm uma ‘significam secundariamente’
ou ‘conotação’ (que é sua marca distintiva). A exata especificação das noções de
S1 e S2 foram abordadas anteriormente.
Conforme Spade
157
, dado que por A1 todas as coisas que existem
pertencem ou a categoria da substância e ou da qualidade, estamos autorizados a
dizer que os termos absolutos estão confinados, somente, a essas duas
categorias. E, complementa Adams, (...) “todos os termos das outras oito
categorias, bem como alguns termos na categoria da qualidade, são termos
conotativos”.
158
Spade pontua, que A2 não assevera que todos os termos dessas duas
categorias são absolutos, mas, antes, ao contrário, ela meramente afirma que
todos os termos absolutos estão restritos a essas duas categorias. De fato,
Ockham afirma que nem todos os termos de suas categorias ‘favoritas’ são
absolutos. Talvez a mais notável exceção seja encontrada em sua discussão dos
termos ficcionais
159
, quando fornece vários exemplos destes na categoria da
substância e, explicitamente diz que eles são conotativos. A idéia de confinar os
termos absolutos as categorias da substância e da qualidade carrega consigo um
aspecto ontológico que conduz a terceira afirmação.
AFIRMAÇÃO 3 (A3): Os termos absolutos são os únicos que garantem a
existência daquilo que significam.
156
SPADE, 1990, p. 600.
157
SPADE, 1998, p. 349.
158
ADAMS, 1987, p. 1164; p. 313 e p. 424.
159
Sum. Log., II,14.
111
O argumento aqui parece simples: Se o que existe pertence somente as
categorias da substância e da qualidade; se os termos absolutos estão confinados
somente as categorias da substância e da qualidade; Então os termos absolutos
significam somente o que existe. Entretanto, ele traz em si importantes
implicações ontológicas. De acordo com Spade, a distinção entre termos
absolutos e conotativos corresponde, grosseiramente, a distinção epistemológica
entre conhecimento por contato e conhecimento por descrição
160
. Assim, para
qualquer usuário de uma dada linguagem, um termo categoremático é absoluto se
esse usuário tem conhecimento direto pela experiência (o que Ockham chama de
notitia intuitiva) daquilo que o termo significa primariamente. Todos os outros
termos serão conotativos para o usuário dessa linguagem, pois desses termos ele
tem somente um conhecimento descritivo daquilo que o termo significa.
Esse rápido esquema indica que a distinção entre termos absolutos e
conotativos envolve importantes aspectos ontológicos. Na medida em que, um
termo absoluto somente pode ser adquirido a partir de coisas que existem na
realidade, a teoria de Ockham indica que podem haver termos categoremáticos
absolutos (e assim, conceitos simples) somente de coisas que existam realmente
em sua ontologia, isto é, substâncias e qualidades. Segue-se que todos os outros
termos categoremáticos em qualquer uma das outras oito categorias aristotélicas
devem ser conotativos.
Spade observa
161
que, embora Adams basicamente concorde com esse
quadro, ela algumas vezes parece exagerar no alcance que a distinção entre
termos absolutos e conotativos pode ter para servir de guia para a ontologia. Isso
ocorre, por exemplo, quando ela sustenta que todos os termos das outras oito
categorias, exceto os da substância e da qualidade, são conotativos. Embora ela
não diga, isso sugere que todos os outros termos categoremáticos são absolutos.
160
Embora Spade não diga essa distinção remete a RUSSELL, Bertrand. Os Problemas da
Filosofia. São Paulo: Saraiva, 1939, p. 59 – 77.
161
SPADE, 1990, p. 602, nota 18.
112
Mas, de fato, pondera Spade, virtualmente qualquer termo em qualquer categoria
pode ser conotativo. Todos os termos de uma dada linguagem dependem, para
seu uso, das experiências pessoais dos usuários da linguagem. Como Adams
reconhece, alguém que tenha visto um leão, terá um conceito simples de leão e, o
termo ‘leão’ será absoluto para essa pessoa. Mas alguém que não tenha visto um
leão, poderia unicamente ter um conceito complexo descritivo de leão e, para ela,
o termo ‘leão’ seria conotativo.
Em fim, para Spade, A3 nos assegura, unicamente, que a presença de um
termo absoluto garante a existência de seu correspondente na realidade. Mas, o
reverso não é verdadeiro. Segundo ele, nem tudo o que existe é nomeado por um
termo absoluto, pois, em geral, não temos uma experiência direta de tudo o que
existe. Mesmo que admitíssemos uma experiência de onisciência, disso não se
seguiria que os termos conotativos seriam confinados as outras oito categorias
além da substância e da qualidade, juntamente com certos termos na categoria da
qualidade. Pois, termos como ‘quimera’ e ‘hircocervo’ (os exemplos favoritos de
Ockham para termos ficcionais) são termos de substâncias e conotativos. E eles
podem continuar a ser conotativos mesmo que tenhamos uma notitia intuitiva
direta de tudo na ontologia.
Até o momento, possuímos três afirmações importantes, a saber:
A1: as categorias de Aristóteles classificam termos, não coisas. Ela visa
evitar comprometimentos ontológicos desnecessários, garantindo que todas as
coisas que existem pertencem, somente, ou a categoria da substância ou a
categoria da qualidade.
A2: todos os termos absolutos estão confinados as categorias da substância
e da qualidade. Essa afirmação vincula-se a anterior, na medida em que conecta
os termos absolutos com as duas categorias de tudo o que existe, ou seja, todos
os termos absolutos estão nessas duas categorias.
113
A3: os termos absolutos são os únicos que garantem a existência daquilo
que significam. Ela complementa as anteriores, pois assegura um
comprometimento ontológico aos termos absolutos, isto é, não termos
absolutos que não sejam verdadeiramente predicados de uma ou mais entidades
reais.
Penso que se a Interpretação ‘A’ parasse neste momento, ela poderia ser
uma posição atraente e menos problemática. Mas, infelizmente ela vai além e
efetua uma quarta afirmação.
AFIRMAÇÃO 4 (A4): Os termos conotativos o redutíveis a termos
absolutos por meio de uma definição nominal completamente expandida e, desse
modo, são elimináveis da LM. Portanto, não há termos conotativos simples na LM.
É sobre A4 que recai peso da Interpretação ‘A’, pois ela é a característica
definidora da interpretação reducionista. Além do mais, está diretamente ligada a
interpretação anterior da teoria da conotação.
De início, podemos identificar as duas teses apresentadas anteriormente:
[1] tese da redutibilidade;
[2] tese da eliminabilidade.
Pela primeira é mantido que os termos conotativos são passíveis de ter uma
definição nominal completamente expandida. Esta, por sua vez, é composta de
termos sincategoremáticos e termos absolutos. Os últimos pertencem ou a
categoria da substância ou da qualidade. Portanto, a redução dos conotativos aos
absolutos remete à redução ontológica às categorias da substância e qualidade. A
segunda sustenta que, visto que não sinonímia mental e, na mente
unicamente a definição nominal completamente expandida, então os termos
conotativos são eliminados da LM. Vejamos mais de perto como isso funciona.
114
Segundo Spade
162
, para Ockham, os termos da linguagem convencional
(falados e escritos) estão correlacionados a conceitos, que constituem uma
linguagem mental do pensamento puro. Um termo absoluto da LC expressa ou
corresponde a um conceito simples da LM. Este conceito é adquirido por contato
direto (notitia intuitiva), a partir de coisas que existem na realidade. Por outro lado,
um termo conotativo da LC corresponde a um complexo mental, isto é, um
conceito composto na LM. Um conceito complexo formado na LM é equivalente a
uma definição nominal completamente expandida da linguagem falada ou escrita.
Desde então, por meio de PC, um termo conotativo simples da LC e uma definição
nominal completamente expandida da LC estão correlacionados a mesma
expressão mental complexa, a saber, sua definição nominal completamente
expandida mental (composta unicamente de termos sincategoremáticos e termos
absolutos mentais). Este, por exemplo, é o caso do termo conotativo falado ou
escrito ‘branco’. Ele corresponde ao conceito mental compostoalgo que tem
brancura’, que é sua definição nominal mental.
Nos discursos que utilizamos termos conotativos, podemos, em princípio,
substituí-los por sua definição nominal completamente expandida. Como resultado
temos uma expressão estritamente sinônima com o termo definido, que contém
somente:
(a) termos sincategoremáticos; e,
(b) termos categoremáticos absolutos nas categorias da substância e da
qualidade.
Paul Spade declara
163
, que Ockham certamente disse que todo o termo
conotativo tem ‘expressões que revelam seu quid nominis e que elas são
realmente sinônimas entre si, formulando assim sua definição nominal. Mas, ele
reconhece, que Ockham não disse explicitamente que um termo conotativo é
162
SPADE, 1990, p.601.
163
SPADE, 1998, p. 352.
115
sinônimo com sua definição nominal e, nem mesmo fez qualquer referência a uma
definição nominal completamente expandida. Entretanto, insiste nosso interlocutor,
embora Ockham realmente não tenha dito tais coisas, esse parece ser o modo
mais plausível de interpretá-lo. Para Spade, ainda que lhe falte uma clara
declaração teórica desse ponto, dada pelo próprio Ockham, sua prática tende a
confirmar esse modo de interpretar sua teoria.
Spade admite
164
que as afirmações precedentes, principalmente A4, colocam
dificuldades e conseqüências teóricas pesadas para o ‘Programa de Redução
Ontológica’ de Ockham. De acordo com ele, em nenhum momento Ockham
realmente forneceu um exemplo concreto de uma definição nominal
completamente expandida de um termo de uma das categorias que quer eliminar.
Do mesmo modo, em nenhuma parte ele realmente mostra a redução de um
termo conotativo em uma expressão contendo unicamente termos absolutos e
sincategoremáticos. Para Spade, Ockham o fez isso porque tanto a redução
quanto a eliminação dos termos conotativos não podem ser realizadas, isto é, elas
são impossíveis.
Mas, pergunto: Paul Spade tem boas razões para fazer tal afirmação? Ele
apresenta um caso particular
165
para mostrar essa impossibilidade. A idéia geral é
a seguinte: tomar uma proposição que tenha um termo numa das outras oito
categorias; depois mostrar como ela pode (na verdade, como não pode) ser
164
SPADE, 1990, p. 602, e, SPADE, 1998, p. 352.
165
SPADE, 1990, p. 603 – 604, ou em SPADE, 1998, p. 353 – 354.
116
convertida em uma proposição equivalente, substituindo o termo conotativo por
sua definição nominal completamente expandida que contenha unicamente termos
categoremáticos na categoria da substância e da qualidade. Em outras palavras,
tomando um verbo da categoria da ação, o exemplo visa indicar que a prometida
redução conduz à um regresso ao infinito.
Tomemos a seguinte proposição:
[1] “Cléber chuta Manoel”.
166
Para a finalidade do exemplo, vamos supor que as expressões ‘Cléber’ e
‘Manoel’ sejam aqui termos absolutos. A expressão ‘chuta’ é um termo da
categoria da ação e, portanto, conotativo (como todos os termos das outras oito
categorias exceto da substância e da qualidade). Como podemos eliminar esse
termo?
Primeiramente, vamos colocar a proposição [1] em uma forma categorial
explícita, substituindo o verbo por uma cópula mais o particípio correspondente,
pois de acordo com Ockham isso é sempre permitido. Temos então:
[2] “Cléber está chutando Manoel”.
A expressão ‘chutando’ é aqui um predicado de dois-lugares e é conotativa.
(______) está chutando (______)
A expressão ‘chutando’:
(a) significa primariamente o chutador (a substância aquele que chuta),
visto que é verdadeiramente predicado dele.
(b) secundariamente significa ou conota o chute dado por ele (a qualidade).
166
Estou parafraseando Spade, utilizando expressões cujo apreço é pessoal.
117
A definição nominal de ‘chutando’ é alguma coisa como: algo está dando um
chute”. Assim, se substituímos ‘chutando’ na proposição [2] por sua definição
nominal teremos algo como:
[3] “Cléber está dando um chute em Manoel
O chute conotado pelo termo conotativo ‘chutando’ na proposição [2] é agora
significado primariamente pelo termo ‘chute’ na proposição [3], como parte da
definição nominal do termo ‘chutando’
167
.
Segundo Spade, substituímos o particípio ‘chutando’ de dois-lugares na
proposição [2], que liga Cléber e Manoel, por um particípio de três-lugares, ‘dando’
na proposição [3], que liga Cléber, chute e Manoel.
Mas, podemos ir mais longe. ‘Dando’ na proposição [3] é também um termo
na categoria da ação e, assim, é também conotativo e deve ser eliminado.
Falando de modo geral, ‘dando’:
(a) significa primariamente os dadores (aqueles que dão o chute); e
(b) conota o ato de dar o chute.
Expandindo nossa proposição original mais além, teremos que substituir
‘dando’ por outro termo e assim vamos a um processo que vai de um particípio de
três-lugares para um particípio de quatro-lugares e, assim, sucessivamente.
Portanto, vamos a um regresso ao infinito.
Da perspectiva de nosso autor não fim nisso. Podemos tomar a
proposição [2] (que contém um termo na categoria da ação) e, a partir daí, ir
substituindo os particípios conotativos por suas definições nominais. Realizando
isso vamos gerar cada vez mais proposições, mas cada uma delas ainda conterá
167
Conforme Spade, verdadeiramente, isso não é correto. O termo ‘chute’ na proposição [3] é
provavelmente por si mesmo um termo conotativo, visto que ele poderia mais plausivelmente
aparecer como pertencente a categoria da ação, para que outra expansão pudesse ser dada aqui.
Mas, o autor sugere ignorar as complicações e concentrar-nos sobre o desembrulhar do particípio.
Isso seria suficiente para os propósitos dele. SPADE, 1990, p. 604.
118
um termo no qual estará pressuposto uma categoria eliminável (isto é, a categoria
da ação) o que significa, uma outra categoria além daquela da substância e da
qualidade. De acordo com Spade
168
, não parece haver um modo de ‘reduzir’ o
particípio conotativo ‘chutando’ completamente, ou seja, a tentativa completa de
eliminação dos termos conotativos, a partir da proposição [2], nos conduz à um
regresso ao infinito. Exemplos similares também podem ser construídos para
outras categorias supostamente elimináveis.
A dificuldade que se apresenta é a seguinte: ou temos a capacidade de
eliminar completamente o termo conotativo ou o Programa de Redução do número
de categorias aristotélicas de Ockham fracassa.
A questão colocada é esta: é possível evitar esse regresso ao infinito?
Spade responde que sim, embora ele acrescente que isso seja altamente
especulativo e que não há evidência de que Ockham tenha adotado tal posição.
A solução proposta por Spade é afirmar que, apesar das aparências, os
termos da categoria da ação não são termos conotativos, porque não são termos
categoremáticos
169
. Isso significa que, apesar da aparência sintática da linguagem
falada e escrita, o particípio da categoria da ação corresponde a um termo
sincategoremático na LM. O processo de redução é desenvolvido do seguinte
modo:
[1] “Cléber chuta Manoel”.
[2] “Cléber está chutando Manoel”.
[3] “Cléber está dando um chute em Manoel” (e paramos por aqui).
Pois, o termo ‘dando’ não seria um termo categoremático. Apesar da
aparência sintática do latim e do português, ‘dando’ é um termo
168
Id., ibid.
169
SPADE, 1990, p. 605.
119
sincategoremático. De fato, ele expressa ou corresponde a uma operação mental
sincategoremática primitiva associada com a categoria aristotélica da ação.
170
Mas aqui, vejo uma séria dificuldade. Spade diz que exemplos similares
também poderiam ser dados para outras categorias supostamente elimináveis.
Poderíamos supor que isso vale para todas as outras categorias? Se esse é o
caso, os termos das outras oito categorias e alguns da categoria da qualidade
seriam todos sincategoremáticos. Mas isso ultrapassa e viola frontalmente os
próprios textos de Ockham e, talvez seja uma regra sensata evitar certos
excessos.
Talvez por isso, o próprio Spade
171
afirme que não acredita que esse tipo de
artifício era o que Ockham tinha em mente, ou mesmo que ele aceitaria o
desenvolvimento de sua teoria tal como propõe nosso interlocutor.
De qualquer maneira, Spade mantém que não parece haver outro modo de
evitar a discussão do regresso ao infinito e interpretar o ‘Programa de Redução
Ontológica’ de Ockham. Sua conclusão é dura: Ockham não reduziu sua ontologia
somente a substâncias e qualidades e, isso torna seu programa ontológico falho,
isto é, ele não cumpre o que promete.
172
Para Spade, a única maneira de evitar
essa conclusão é encontrar um modo de barrar o regresso ao infinito, descrito por
ele, sem recorrer aos sincategoremáticos mentais primitivos sugeridos, que
barram o regresso, mas não tem sucesso na eliminação da categoria. Nesse
sentido, ou Ockham e seus defensores mostram como se faz isso, ou seu PRO
deve ser considerado como uma bela promessa que não pode ser realizada.
173
.
É indiscutível a importância da interpretação de Paul Spade da teoria da
conotação de Ockham. Ela serve de referencial para o debate, seja para
170
Id., ibid.
171
SPADE, 1998, p. 355.
172
SPADE, 1990, p. 606.
173
SPADE, 1990, p. 608.
120
concordar seja para discordar dela. Além disso, ele é o representante e
responsável direto pelo o que estou denominando Interpretação ‘A’. De maneira
geral, ela interpreta o ‘Programa de Redução Ontológica’ de Ockham como
reducionista e, interpretado desse modo, ela sustenta que ele fracassa. Mas,
pergunto: esse fracasso é, de fato, de Ockham ou é do modo de interpretar sua
teoria? Ockham, verdadeiramente, pretendeu que seu programa fosse
reducionista, da maneira proposta pela Interpretação ‘A’? Se esse é o caso, isto é,
se Ockham realmente acreditou que seu programa poderia ser reducionista desse
modo, parece que ele estava equivocado e, portanto, ele fracassou. Entretanto, se
Ockham não pretendeu que seu programa fosse tão ambicioso e tivesse uma tal
extensão, ou seja, se ele não acreditou que ele fosse tão reducionista, então, o
fracasso é da Interpretação ‘A’. É para isso que aponta a Interpretação ‘B’.
2. INTERPRETAÇÃO ‘B’
Em linhas gerais, denomino de ‘Interpretação B’ o tipo de interpretação da
teoria da conotação de Ockham e de seu ‘Programa de Redução Ontológica’ que
se contrapõe a Interpretação ‘A’. Precisamente, se trata da forte crítica colocada
contra a interpretação ‘A’, no que diz respeito tanto aos seus aspectos específicos
(domínio interno) quanto a sua conclusão geral (domínio externo). Nesse sentido,
a Interpretação ‘B’ abre dois frontes de combate. Por um lado, argumenta contra a
análise interna da teoria da conotação, sendo que o ponto de conflito incide sobre
a afirmação da Interpretação ‘A’ de que, um termo conotativo e sua definição
nominal são sinônimos. Por outro lado, rechaça a interpretação do PRO de
121
Ockham como reducionista. É preciso indicar que tomo como interlocutores
privilegiados, isto é, representantes da Interpretação ‘B’ Claude Panaccio
174
e
Martin Tweedale
175
. Lembro, ainda, que David Chalmers
176
em linhas gerais
(exceto em alguns pontos específicos) compartilha da Interpretação ‘B’. No que
segue, apresento o posicionamento crítico de Panaccio e após a posição de
Tweedale.
2.1 CLAUDE PANACCIO
Em 1990 Claude Panaccio publica um artigo intitulado: Connotative Terms
Ockham’s Mental Language
177
, no qual faz uma severa crítica a interpretação de
Paul Spade da teoria da conotação de Ockham. Dez anos mais tarde, em 2000, é
publicado o texto “Guillaume dOckham, les connotatifs et le language mental”, que
conforme o próprio autor, se trata de uma versão revisada, em língua francesa, do
174
PANACCIO, 2000.
175
TWEEDALE, Martin. Ockham’s Supposed Elimination of Connotative Terms and His
Ontological Parsimony”. In: Dialogue, XXXI, 1992, p. 431 – 444. Citado como TWEEDALE, 1992.
176
CHALMERS, David, “Is There Synonymy in Ockham’s Mental Language“. IN:The Cambridge
Companion to Ockham. Ed. Paul Vincent Spade. New York:Cambridge University Press, 1999, p.
76 – 99. Citado como CHALMERS, 1999.
177
Ver nota 21.
122
artigo anterior. Exatamente por estar revisado é que ele tem minha preferência
como texto base para a posição do autor.
Claude Panaccio desenvolve uma crítica cuidadosa acerca da posição
mantida por Paul Spade, segundo a qual na LM de Ockham não encontramos,
juntos, um termo conotativo e sua definição nominal, mas unicamente a sua
definição. Contra esse posicionamento, nosso interlocutor argumenta que a LM
contém ambos. Além disso, ele afirma que nunca foi à intenção de Ockham
sustentar que termos conotativos são totalmente elimináveis e redutíveis em favor
dos termos absolutos e termos sincategoremáticos. Particularmente, Panaccio
assevera que para Ockham era totalmente impossível eliminar do discurso termos
conotativos da categoria da relação. Apesar de Panaccio não tirar explicitamente
qualquer conseqüência para todo o PRO de Ockham, a partir de sua análise da
teoria da conotação, fica claro que ele não admite como legítima a redução
proposta pela Interpretação ‘A’.
De início
178
, Panaccio declara que uma das teses centrais de Ockham é a de
que o pensamento é um tipo de discurso interior (oratio mentalis) dotado de uma
sintaxe e de uma semântica muito semelhante a das linguagens convencionais de
comunicação. Podemos dizer que há duas ordens do discurso:
• um discurso interior (LM) e,
• um discurso exterior (LC).
178
PANACCIO, 2000, p. 297.
123
diferença entre essas duas ordens. A LC é composta de signos
lingüísticos (falados e escritos) que são convencionalmente instituídos pelos
homens para significar coisas e variam de uma comunidade para outra. A LM é
constituída de signos lingüísticos mentais (conceitos) cuja significação é natural e
permanece a mesma para todos os homens de diferentes comunidades.
Segundo Panaccio, a relação que se estabelece entre essas duas ordens do
discurso é de derivação. (Lembremos que Spade, por meio de PC, entende essa
relação como correlação subordinada’. Mas, de qualquer modo, ambos
concordam em dar precedência à LM). O discurso exterior (LC) é o meio
convencional de se comunicar ao outro aquilo que se passa no espírito do locutor.
Além do mais, as propriedades semânticas dos signos lingüísticos convencionais
são derivadas, direta ou indiretamente, daquelas partes correspondentes da oratio
mentalis que eles tem por função traduzir. Para Panaccio, a LM comporta
estruturas e elementos sintáticos e semânticos, como ocorre nas linguagens
convencionais, como o português, o francês, o latim, etc. Nesse sentido, o
discurso mental é possuidor de nomes, verbos e outras partes do discurso; de
frases que têm uma estrutura sintática, e, tais frases são compostas de termos
categoremáticos mentais simples, que têm uma significação e podem assumir,
nessas frases, funções referenciais como sua contraparte convencional.
124
Realizadas estas observações, nosso interlocutor formula sua questão
fundamental, a saber: segundo Ockham termos categoremáticos conotativos
simples na LM?
179
.
Panaccio considera que a distinção entre termos absolutos e termos
conotativos, apresentada na Summa Logicae, I, 10, tem um papel fundamental no
nominalismo de Ockham. Mas, qual é esse papel?
Termos categoremáticos conotativos são signos lingüísticos que apresentam
uma estrutura semântica hierarquizada, isto é, são portadores de uma dualidade
semântica: além de uma significação primária eles possuem uma significação
secundária (isto é, uma conotação). Termos categoremáticos não conotativos são
chamados absolutos e se caracterizam por possuírem, unicamente, uma
significação primária. Para Panaccio, a importância dos termos conotativos reside
exatamente nessa dualidade semântica, pois ela permite, em casos cruciais,
radicais simplificações ontológicas.
Nosso autor observa que Paul Spade (intérprete da Interpretação ‘A’),
sustenta que para que a teoria de Ockham tenha coerência é preciso manter as
seguintes teses:
[1] tese da redutibilidade: conceitos simples da LM são todos absolutos;
[2] tese da eliminabilidade: não há termos conotativos simples na LM.
179
PANACCIO, 2000, p. 298.
125
Admitir a reivindicação de Spade, para Panaccio
180
é implodir o nominalismo
de Ockham. Isso pode ser observado a partir do seguinte caso. Ockham coloca os
termos relacionais entre os termos conotativos de modo a evitar o estatuto
ontológico das relações. Se, como propõe Spade, não há termos conotativos
simples na LM, segue-se que não conceitos relacionais simples na LM.
Entretanto, de acordo com nosso interlocutor, é logicamente impossível dispor de
conceitos relacionais, somente, a partir de conceitos simples não relacionais.
Desse modo, segundo Panaccio, se a reivindicação de Spade fosse correta o
nominalismo de Ockham estaria comprometido e seria colocado em xeque.
Motivado pela inquietação segundo a qual uma interpretação equivocada da teoria
da conotação de Ockham conduziria seu nominalismo a um colapso, ele toma
como tarefas:
[a] examinar atentamente, nos próprios textos de Ockham, inúmeras
passagens pertinentes ao tema; e,
[b] a partir desse exame, concluir que Spade e todos aqueles que concordam
com sua interpretação estão completamente errados.
Podemos dizer que ele desenvolve duas estratégias para efetuar essas
tarefas. A primeira consiste em mostrar que a afirmação da Interpretação ‘A’ de
que “não há termos conotativos simples na LM” não pode ser sustentada.
Panaccio apresenta uma série de evidências textuais por meio das quais acredita
ser possível afirmar que termos conotativos na LM. A segunda, recorrendo
novamente aos textos, visa rejeitar a sinonímia entre um termo conotativo e sua
180
PANACCIO, 2000, p. 298 – 299.
126
definição nominal. Como resultado do processo argumentativo ele conclui que,
conscientemente Ockham acreditava que termos conotativos simples na LM e
nada daquilo que ele diz implica o contrário.
A. PRIMEIRA ESTRATÉGIA
Iniciando sua primeira estratégia argumentativa
181
, Panaccio resgata certas
noções importantes a respeito da distinção entre termos absolutos e conotativos.
Tal distinção é apresentada como uma subdivisão que ocorre entre os termos
categoremáticos. De acordo com Ockham, tanto os termos da LC quanto da LM
estão divididos em categoremáticos e sincategoremáticos
182
.
Para nosso interlocutor, a partir de uma perspectiva nominalista, um termo
categoremático significa primariamente cada um dos objetos dos quais ele é
verdadeiramente predicado. Por exemplo, o termo ‘gato’ significa todos os gatos
singulares, isto é, significa todos os objetos dos quais é verdadeiro dizer: “Isto é
um gato. Estamos aqui diante da noção de predicabilidade (isto é, ser
verdadeiramente predicado de’) que caracteriza a significação primária de um
termo. Assim, quando um termo é verdadeiramente predicado daquilo que ele
significa, o que é significado constitui sua significação primária.
181
PANACCIO, 2000, p. 299.
182
Sum. Log., I, 4. Não retomo essa distinção, pois ela já foi exposta na Parte I.
127
Alguns termos, entre os categoremáticos, além dessa significação primária,
possuem uma significação secundária conotação. Nesse sentido, há termos
categoremáticos que não apenas significam (trazem à mente) as coisas das quais
são verdadeiramente predicados, mas, também, significam outras coisas das
quais não são verdadeiramente predicados. Esse é o caso, por exemplo, do termo
categoremático relacional ‘pai’. Ele significa primariamente todos os indivíduos dos
quais é verdadeiramente dizer “Este é um pai”. Em outras palavras, ele pode ser
aplicado a todos os indivíduos singulares que são pais. Mas, em virtude desse
termo trazer à mente também, de um modo diferente, todos os indivíduos que têm
um pai os filhos dizemos que ele possui uma significação secundária. Desde
então, os filhos são sua significação secundária. Em suma, alguns termos
categoremáticos, como o termo relacional ‘pai’, que possuem uma dualidade
semântica:
(a) ‘pai’ significa primariamente todos os indivíduos que são pais;
(b) ‘pai’ conota todos os indivíduos que são filhos.
Na Summa Logicae, I, 10, Ockham afirma que quando um signo lingüístico
categoremático possui uma significação secundária ele é um termo conotativo,
caso contrário, é um termo absoluto.
Panaccio
183
recorda que a ontologia de Ockham admite, unicamente,
substâncias e qualidades singulares. Termos absolutos (contemporaneamente
183
PANACCIO, 2000, p. 300.
128
denominados de termos de espécie natural) são aqueles que pertencem, somente,
a duas das dez categorias aristotélicas, a saber:
(a) categoria da substância ( cavalo, animal, árvore, etc);
(b) categoria da qualidade (brancura, cor, etc).
Todos os outros termos pertencentes às outras oito categorias são
considerados como termos categoremáticos conotativos. Não está sendo dito
aqui, que todos os termos das categorias da substância e da qualidade, e somente
eles, são os absolutos. Lembremos a importante observação de Spade a respeito
da notável exceção dos termos ficcionais, isto é, quando os aborda
184
Ockham
fornece vários exemplos destes na categoria da substância e, explicitamente, diz
que eles são conotativos.
Para nosso autor, a teoria da conotação de Ockham se reveste de
importância na medida em que conduz a uma ontologia mínima. Segundo ele, a
exigência fundamental do nominalismo de Ockham é a de que cada signo (escrito,
falado ou mental), para ser verdadeiramente significativo, deve remeter’ de algum
modo a substâncias ou a qualidades singulares e a nada mais, visto que nada
mais existe no mundo. Esse remeter’ pode ser realizado tanto pela via da
significação primária quanto pela conotação. Assim, a dualidade semântica dos
modos de significação dos termos conotativos conta da riqueza da linguagem
sem para tanto comprometer a economia ontológica. Dessa perspectiva,
prossegue ele, Ockham evita, por exemplo, a ontologia das relações, pois analisa
184
Sum. Log., II,14.
129
os termos relacionais como designando, apenas, objetos que são seus
significados:
(a) uns a título de significação primária;
(b) outros a título de significação secundária – conotação.
Conforme Panaccio
185
(e o mesmo é referido por Michon
186
), a teoria da
conotação de Ockham mostra sua importância quando é utilizada, por exemplo,
para responder ao enigma de Frege acerca da identidade
187
. A questão proposta é
a seguinte: Como explicar que expressões do tipo ‘estrela da manhã’ e ‘estrela da
tarde’ tenham o mesmo referente, mas não sejam sinônimas?
A resposta, da perspectiva de Ockham, é afirmar que se trata de duas
expressões conotativas, o que significa dizer que ambas possuem a mesma
significação primária, mas não os mesmos conotata. Em outras palavras, tais
expressões significam primariamente o mesmo, isto é, o planeta Vênus e,
portanto, são coextensivas. No entanto, ambas conotam (significam
secundariamente) diferentemente, ou seja:
[a] ‘estrela da manhã’ conota a manhã;
[b] ‘estrela da tarde’ conota a tarde.
185
PANACCIO, 2000, p. 301.
186
MICHON, 1994, 337.
187
A questão diz respeito a distinção proposta por Frege entre Sinn (sentido) e Bedeutung
(referência). Para maiores esclarecimentos ver FREGE, Gottlob. “Sobre o sentido e a referência”.
In: Lógica e Filosofia da Linguagem. Seleção, introd., trad. e notas de Paulo Alcoforado. São Paulo:
Cultrix, 1978, p. 59 – 86.
130
Nosso interlocutor declara ainda, que essa mesma resposta pode ser
aplicada ao problema de Quine
188
quando este afirma “Os termos gerais ‘criaturas
com coração [cardiado] e ‘criaturas com rins [renado], por exemplo, são talvez
iguais em extensão, mas diferentes em significado”. Em outras palavras, são
expressões que supõe-se sejam coextensivas sem ser sinônimas. Do ponto de
vista nominalista da teoria da conotação, não há necessidade de recorrer ou
postular extravagâncias ontológicas para sustentar uma semântica extensional da
significação. De acordo com nosso autor, não é de surpreender a utilização
regular que Ockham faz da noção de ‘conotação’, por exemplo, no âmbito da
lógica, da teologia e da filosofia natural.
Nosso autor considera que, em grande parte, a base sobre a qual repousa o
nominalismo de Ockham é sua teoria da conotação. Então, ele coloca a seguinte
questão: por que deveríamos limitar o mecanismo da conotação, tão útil e crucial,
somente ao nível da linguagem superficial (LC), excluindo-o das estruturas
profundas da linguagem (LM)? Em outros termos: por que admitir termos
conotativos falados e escritos e eliminá-los da mente?
Os argumentos de Paul Spade, que propõem essa exclusão, serão
examinados mais adiante. No momento, observa Panaccio, é preciso dizer que a
interpretação de Spade (que excluí a conotação da LM) tem como base o fato de
188
QUINE, Willard V. O. et alli. “Dois dogmas do empirismo”. In: Coleção ‘Os Pensadores’. São Paulo:
Abril Cultural, 1975, p. 231 – 248, particularmente p. 32.
131
Ockham declarar
189
que um termo conotativo sempre tem uma definição nominal
(uma definição que revela o quid nominis), enquanto que esse jamais é o caso dos
termos absolutos.
Um termo absoluto indica, de modo uniforme, todos os seus significados. A
única forma de definição que ele comporta é a definição real (quid rei). Ela é uma
descrição dos traços essenciais daquilo que o termo significa; não se trata de uma
explicitação ou decomposição do conteúdo do termo definido. Os termos
absolutos possuem, unicamente, uma significação primária.
Um termo conotativo, ao contrário, é possuidor de uma significação primária
e de uma significação secundária. Essa dualidade semântica pode sempre ser
tornada explicita por meio de uma expressão complexa que constituirá a definição
nominal (isto é, uma definição que revela o quid nominis) do termo conotativo
definido. Em síntese, um termo absoluto não possui definição nominal, enquanto
este é sempre o caso de um termo conotativo.
Segundo Panaccio, o raciocínio de Paul Spade
190
que visa eliminar os termos
conotativos da LM, pode ser expresso do seguinte modo:
[a] Se um termo conotativo possui definição nominal, então deve haver para
cada termo conotativo uma definição nominal completamente expandida que seja
estritamente equivalente [sinônima] a esse termo.
189
Sum. Log., I, 10.
190
SPADE, 1975, p. 66 – 77.
132
[b] Além disso, essa definição nominal completamente expandida deve
conter, entre seus elementos componentes, apenas termos categoremáticos
absolutos simples e sincategoremáticos.
[c] Se, por acaso, algum termo conotativo figurar na definição nominal de um
outro termo conotativo, é preciso substituí-lo por sua definição nominal. Esse
procedimento de substituição deve ser repetido até que não reste, além dos
sincategoremáticos, somente termos categoremáticos absolutos.
[d] Teremos então, a definição nominal completamente expandida de um
termo conotativo composta unicamente de termos sincategoremáticos e termos
categoremáticos absolutos.
[e] Juntamente com a idéia de que Ockham o admite sinonímia na LM,
Spade conclui que: todos os termos conotativos devem ser representados na LM
por suas definições nominais mentais completamente expandidas.
Para Panaccio uma dificuldade com essa conclusão: aceitá-la é chocar-se
de frente com as convicções de Ockham acerca dos termos conotativos. Mas, ele
precisa mostrar de que modo o raciocínio acima pode ser derrubado. Para isso é
elencada uma série de evidências textuais que visam mostrar que para Ockham
termos conotativos na LM, particularmente os termos conotativos relacionais.
Esse é, efetivamente, o núcleo da primeira estratégia.
133
O primeiro movimento é estabelecer o vinculo entre o termo conotativo e a
LM. Em vista disso, Claude Panaccio
191
faz referência a uma passagem da obra
Quodlibeta Septem de Ockham, na qual o franciscano formula a seguinte
Quaestio: “Se conceitos absolutos, conotativos e relacionais são realmente
distintos”.
192
Eis a própria resposta de Ockham:
Respondo: a conclusão é afirmativa segundo os filósofos [há
distinção], pois o conceito homem é absoluto, o conceito
branco é conotativo e o conceito pai é relativo. E, eles não
coincidem uns com os outros, assim como o superior e o
inferior, pois todo o conceito relativo é conotativo, mas não o
inverso.
193
A partir dessa passagem, Panaccio considera que é possível manter que
termos conotativos na mente. Por um lado, ele reconhece que a tese de Spade
não o contradiz de maneira direta, visto que em sua formulação mais precisa ela
indica, unicamente, que não termos conotativos simples na LM. Por outro lado,
nosso autor insiste que, se fosse este o pensamento de Ockham, o mínimo que se
poderia dizer é que o Venerabilis Inceptor deixou escapar, nas linhas acima, uma
boa ocasião de se explicar. Dois dos exemplos fornecidos (‘branco’ e ‘pai’) são de
expressões simples e conotativas. Para Panaccio, se Ockham, de fato, acreditou
que aos termos da LC corresponderiam complexos mentais (compostos somente
de sincategoremáticos e categoremáticos absolutos), seu modo de falar deve ser
191
PANACCIO, 2000, p. 302 – 303.
192
Utrum conceptus absolutos, connotativus et relativus distinguantur realiter. Quodl., V, q. 25, p.
582.
193
Respondeo: conclusio est certa secundum philosophos, nam conceptus hominis est absolutus,
conceptus albi est connotativus, et conceptus patris est relativus. Et non coincidunt nisi sicut
superius et inferius, quia omnis conceptus relativus est connotativus, et non e converso. Quodl., V,
q. 25, p. 583. (O grifo é nosso).
134
considerado como extremamente enganoso.
194
É preciso acrescentar ainda, que
se admitíssemos, ao mesmo tempo:
(a) a afirmação de Ockham – há termos conotativos na LM – explicita acima,
(b) e, a afirmação de Spade – nenhum conceito mental conotativo é simples;
(c) seguir-se-ia, como muito bem notou o próprio Spade, que os termos
conotativos mentais seriam idênticos a sua definição nominal mental.
195
Mas, assevera Panaccio, admitir tal raciocínio é contradizer diretamente
aquilo que Ockham freqüentemente repete uma definição não é idêntica com
aquilo que é definido”.
196
A explicação de Ockham a respeito desse ponto é a de
que uma definição é sempre uma expressão mais longa do que o definiendum
“(...) a definição explicita mais coisas que o definido”.
197
Ou, ainda “(...) em geral, é
dito que uma definição significa explicitamente a mesma coisa que o definido
significa implicitamente”.
198
Panaccio observa que em outros textos a idéia de que para Ockham
termos conotativos na LM é ainda mais clara. Por exemplo, no Comentário às
Sentenças, ao tratar da possibilidade de conhecer Deus, Ockham escreve:
Terceiro, digo que Deus pode ser conhecido simplesmente
por meio de um conceito conotativo e negativo que lhe é
194
Panaccio, 2000, p. 303.
195
Diz Spade, 1975, na nota 41 da página 68: Assim, todos os termos conotativos mentais, se
algum, são termos complexos e constituem sua própria definição nominal”. Em suma, se há termos
conotativos na LM, eles são complexos e não simples.
196
Pelo menos, em três ocasiões Ockham faz esse tipo de afirmação: Quodl., V, q. 15, p. 541;
Sum. Log., I, 26, p. 88 e Sum. Log., III-3, 22, p. 680.
197
(...) definitio explicat plures res quam definitum. Sum. Log., III-2, 14, 530, 29 – 30.
198
(...) communiter dicitur quod definitio significat illud idem explicite quod definitum significat
implicite. Sum. Phil. Natur., I, 3, p. 162.
135
próprio. (...) e este conceito é simples, mesmo que signifique
coisas distintas, quer primária quer secundariamente, isto é,
em reto ou oblíquo.
199
Conforme indica Panaccio, conceitos são os termos do discurso mental. A
partir da passagem acima, fica claro que Ockham admite que termos
conotativos mentais simples e que sua estrutura hierarquizada não os impede de
serem simples.
Seguindo o trajeto de mostrar textualmente que há termos conotativos na LM,
nosso autor, comenta que na Parte I da Summa Logicae essa evidência é mais
indireta, mas não menos decisiva. No capítulo 3
200
, por exemplo, Ockham introduz
uma série de distinções entre os termos incomplexos e, dentre elas, está incluída
a distinção entre termos absolutos e termos conotativos (tratada posteriormente no
capítulo 10).
Além disso, no capítulo 11, escreve Ockham:
Uma vez estabelecida as divisões que podem convir tanto
aos termos que significam por natureza [conceitos] quanto
àqueles que são instituídos arbitrariamente, é preciso falar de
certas divisões que convêm aos termos instituídos
arbitrariamente.
201
199
Tertio, dico quod Deus potest cognosci a nobis in conceptu simplici connotativo et negativo sibi
próprio (...) et isti conceptus est simplex, quamvis distincta significet, sive principaliter sive
secundario, hoc est, vel in recto vel in obliquo. L. Sent., d. 3, q. 2, p. 405.
200
Sum. Log., I,3, 11, 2 – 12.
201
Positis dividionibus quae possunt competere tam terminis naturaliter significantibus quam etiam
terminis ad placitum institutis, dicendum est de quibusdam divisonibus competentibus terminis ad
placitum institutis. Sum. Log., I, 11, 38, 4 – 6. (O grifo é nosso).
136
Decorre dessa passagem que a distinção exposta no capítulo 10 diz respeito
tanto a LC (termos escritos e falados) quanto a LM (termos mentais). Portanto,
certos termos mentais são, ao mesmo tempo, simples e conotativos.
Panaccio lembra que, um outro argumento da mesma ordem advém do modo
como Ockham interpreta a divisão aristotélica das dez categorias. Para o
franciscano os termos das categorias, exceto da substância e da qualidade, são
todos conotativos. Escreve Ockham:
Além disso, aqueles que admitem que qualquer coisa é
substância ou qualidade devem admitir que tudo o que está
contido nos outros predicamentos [categorias] que não a
substância e a qualidade são nomes conotativos; e que,
também, alguns [nomes] do gênero da qualidade são
conotativos (...).
202
De acordo com Ockham, a classificação das dez categorias aristotélicas
refere-se à termos incomplexos – mentais e convencionais:
(...) o que está nos predicamentos são incomplexos, a partir
dos quais as proposições podem ser compostas. E isso é
verdadeiro, tanto de incomplexos mentais, quanto de vocais;
os mentais são, todavia, os principais (...).
203
Para Panaccio, nesse contexto, tudo indica que a expressão ‘termo
incomplexo’ é entendida como termo simples. Ele conclui que fica textualmente
evidenciado que para Ockham há termos conotativos simples na LM.
204
202
Immo, quia ponunt quod quaelibet res est substantia vel qualitas, habent ponere quod omnia
contenta in aliis praedicamentis a substantia et sunt nomina connotativa; et etiam quaedam de
genere qualitatis sunt connotativa (...). Sum. Log., I, 10, 37, 77 – 38, 80.
203
(...) illa quae sunt in praedicamentis sunt incomplexa ex quibus sunt propositiones natae
componi. Et hoc est verum tam de incomplexis mentalibus quam vocalibus; mentalia tamen
principaliora sunt (...). Sum. Log., I, 41, 116, 60 – 63.
204
PANACCIO, 2000, p. 306.
137
Nosso interlocutor afirma que essa conclusão está diretamente ligada com
uma outra doutrina filosófica importante e explicitamente defendida por Ockham, a
saber, as definições nominais dos termos correlativos. Panaccio apresenta três
passagens que visam mostrar que, segundo Ockham, um termo conotativo relativo
não pode ser completamente definido sem o auxílio de seu correlato. A primeira
diz o seguinte:
(...) o relativo pode ser definido ou completa ou
incompletamente. Incompletamente podemos definir sem o
seu correlativo (...). Mas completamente não podemos defini-
lo sem seu correlativo; assim definimos pai, ‘pai é uma
substância sensível que tem filho’ ou ‘animal que tem
filho’.
205
A segunda expressa a mesma idéia:
Deve ser notado que quando alguns [termos] são
correlativos, eles expressam somente o que é o nome, não o
que é a coisa e, consequentemente, não é um problema que
cada um dos pares seja definido pelo outro em uma definição
que expresse o que é o nome. De fato, isso é necessário,
visto que os correlativos estão ao mesmo tempo no intelecto
(...).
206
Por fim, na terceira, diz Ockham: “Portanto, quer o Filósofo conforme este
escrito que tenha sempre um correlativo que é parte da definição nominal de outro
correlativo”.
207
Para nosso interlocutor não importa saber se os exemplos
205
(...) relativum potest definiri vel complete vel incomplete. Incomplete potest definiri sine suo
correlativo (...) Sed complete non potest definiri sine suo correlativo; ut definiatur sic ‘pater est
substantia sensibilis habens filium’ vel ‘est animal habens filium’. Sum. Log., I, III-3, 26, 690, 18
23.
206
Est autem notando quod quando aliqua sunt correlativa, illa tantum habent quid nominis et non
quid rei, et ideo non est inconveniens quod utrumque per alterum definiatur exprimente quid
nominis; immo hoc est necessarium, cum correlativa sint simul intellecto (...). Exp. in Porph., 20, p.
31-32.
207
Vult igitur Philosophus ex ista littera habere quod semper unum correlativum est pars definitionis
exprimentis quid nominis alterius. Exp. Elenc., II, 16.
138
fornecidos por Ockham são ou não bem escolhidos, o que interessa é que certos
termos relacionais (senão todos) não podem ser completamente definidos sem o
recurso à outros termos relacionais. Essa última afirmação, como veremos mais
adiante, é um ponto polêmico entre Panaccio e Tweedale.
Visto que, prossegue Panaccio, todos os termos relacionais são conotativos,
Ockham se encontra em posição de negar a tese que Spade lhe atribuí, isto é,
rejeitar que os termos conotativos são todos suscetíveis de uma definição nominal
completamente expandida, na qual todo o constituinte categoremático incomplexo
seja um termo absoluto.
Poderia ser objetado que Ockham comete a seguinte circularidade: o termo
‘filho’ deve figurar na definição completa de ‘pai’, e o termo ‘pai’ deve figurar na
definição completa de ‘filho’. Entretanto, para Panaccio, a circularidade que resulta
das definições nominais não constitui uma dificuldade. Se dois termos conceituais
são realmente correlativos um com o outro, então eles devem ser adquiridos
simultaneamente e não há dificuldade em admitir que sejam interdefiníveis.
A propósito diz Ockham:
Em uma tal definição os relativos definem um ao outro. E isto
não é um problema, porque os relativos estão ao mesmo
tempo no intelecto, e assim ao mesmo tempo são adquiridos,
e consequentemente não é um problema que se definam
mutuamente. A partir disso deve-se saber que essa definição
não ocorre do que é mais conhecido; mas é suficiente que
ela ocorra a partir do que é igualmente conhecido.
208
.
208
Et tali definitione relativa mutuo se definiunt. Nec est hoc inconveniens, quia sicut relativa sunt
simul in intellectus, ita simul imponuntur, et propter hoc non est inconveniens si mutuo definiant se.
139
Panaccio sustenta que Ockham nega explicitamente que os termos
relacionais sejam todos logicamente construídos a partir de termos não
relacionais. Portanto, as relações não são elimináveis da LM.
Finalizando esta primeira estratégia argumentativa, nosso autor declara que
a interpretação proposta por Spade contradiz, ao menos, três afirmações explicitas
de Ockham.
Ockham:
[1] as definições são sempre distintas dos termos definidos;
[2] certos conceitos conotativos são simples;
[3] conceitos conotativos relacionais não podem ser completamente
definidos, unicamente, por meio de termos absolutos e sincategoremáticos.
Spade:
[4] as definições são sinônimas dos termos definidos;
[5] não há conceitos conotativos simples;
[6] conceitos conotativos podem ser completamente definidos por meio de
termos absolutos e sincategoremáticos.
Unde sciendum est quod ista definitio non est per notiora, sed sufficit quod sic per aeque nota.
Sum. Log., III-3, 26, 690, 23 – 28.
140
Entretanto, Claude Panaccio reconhece que tudo isso ainda é insuficiente
para resolver a questão de base. Foi mostrado via textual, somente, que há
termos conotativos simples na LM. Mas, a afirmação de Spade é de que a doutrina
de Ockham implica logicamente a negação das três primeiras afirmações acima.
Se esse é o caso, mesmo que Ockham não tenha percebido, sua teoria da
conotação se revela incoerente e, nesse sentido Spade triunfa. Nosso interlocutor
considera que é preciso examinar em detalhe o argumento de Spade, o que nos
remete para a segunda estratégia.
B. SEGUNDA ESTRATÉGIA
O objetivo agora é mostrar que não há sinonímia entre um termo conotativo e
sua definição nominal. Como bem indica Tweedale
209
, a preocupação de Panaccio
em recusar a sinonímia é a de que, aceitá-la conduz a seguinte contradição:
[i] se a LM não contém sinônimos;
[ii] se o termo conotativo e sua definição nominal ocorrem na LM;
[iii] se um termo conotativo e sua definição nominal são sinônimos;
[iv] a contradição é manifesta, portanto, a sinonímia deve ser rejeitada.
Duas noções ganham um papel de destaque, a saber:
209
TWEEDALE, 1992, p. 436.
141
[a] a noção de sinonímia e,
[b] a noção de definição nominal.
Claude Panaccio coloca em jogo, neste momento, a tese de Paul Spade,
segundo a qual um termo conotativo e sua definição nominal são completamente
sinônimos. O esforço dele concentra-se em mostrar que admitir essa idéia é
conduzir a teoria da conotação de Ockham à uma incoerência. O ponto de partida
da discussão é o argumento geral de Spade
210
, expresso da seguinte maneira por
Panaccio:
[P1] todo termo conotativo tem uma definição nominal;
[P2] um termo conotativo é sinônimo de sua definição nominal;
[P3] não há sinonímia na LM;
[C] Portanto, um termo conotativo e sua definição nominal não podem ter
existência distinta na LM.
210
Exposto acima, p. 63.
142
De acordo com Panaccio, [P1] não gera qualquer dificuldade, pois é aceita e
afirmada por Ockham
211
. Em outras palavras, ter uma definição nominal é
propriamente uma das notas definidoras de um termo conotativo.
[P3], também não parece ser problemática, visto que a LM é semanticamente
econômica. (Entretanto, esse ponto não é tão tranqüilo quanto parece. É digno de
indicar que David Chalmers
212
, por exemplo, contrapondo-se a Panaccio e a
Spade, argumenta que a possibilidade da sinonímia mental não é tão implausível
como alguma vezes tem sido sustentada).
Para Panaccio, o problema do argumento encontra-se em [P2]. Nosso autor
declara que, para Ockham, de modo algum é verdadeiro que um termo conotativo
seja sempre exatamente sinônimo com sua definição nominal, mesmo quando se
trata de uma definição completa.
Certamente que em diferentes passagens
213
Ockham assevera que um termo
conotativo e sua definição nominal significam a mesma coisa (são coextensivos).
Mas, por outro lado, no vocabulário de Ockham (e isso é reconhecido por Spade),
não é suficiente para que dois termos sejam considerados sinônimos que eles,
apenas, signifiquem os mesmos indivíduos. A coextensividade, por si só, não
garante a sinonímia. Por exemplo, os termos correlativos ‘pai’ e ‘filho’ significam
exatamente os mesmos indivíduos:
211
Sum. Log., I, 10.
212
CHALMERS, 1999, p. 76 – 99.
213
Por exemplo, Sum. Log., III-3, 22.
143
• ‘pai’ significa primariamente os pais (x), e, secundariamente os filhos (y);
• ‘filho’ significa primariamente os filhos (y), e, secundariamente os pais (x).
Entretanto, eles não são sinônimos, pois embora signifiquem os mesmos
indivíduos não significam sob os mesmos modos. Lembremos que, de acordo com
Ockham
214
, para que dois termos sejam considerados sinônimos é requerido que:
[a] signifiquem o mesmo;
[b] signifiquem o mesmo no mesmo modo.
Paul Spade está ciente dessas exigências, mas acredita que aos olhos de
Ockham, um termo conotativo e sua definição nominal significam sempre
exatamente as mesmas coisas sob os mesmos modos.
215
Baseando seu raciocínio na Summa Logicae, I, 33, Spade declara que o
termo conotativo ‘cego’ significa a visão de forma negativa. Acrescenta, além
disso, que a significação do termo ‘cego’ corresponde à significação de sua
definição nominal. Assim, tanto o termo (‘cego’) quanto sua definição nominal
(‘animal que não possui visão’) significam o mesmo no mesmo modo, isto é, a
214
Sum. Log., I, 6.
215
Recordemos que Spade (1975, p. 66), reconhece que Ockham explicitamente não afirmou essa
idéia.
144
visão negativamente. A conclusão de Spade
216
é manifesta: se esse é o caso,
então parece razoável generalizar essa idéia à todos os termos conotativos.
Na perspectiva de Panaccio
217
, essa generalização é problemática, pois que
uma boa razão para evitar essa generalização aceitá-la significa tornar a
teoria da conotação de Ockham completamente incoerente. Ele observa que
numerosas passagens que sugerem, com vigor, que Ockham rejeitaria a idéia de
uma sinonímia total entre a definição e o definiendum. Por exemplo, quando
Ockham escreve: “(...) a definição explica mais coisas do que o definido”.
218
Em outra passagem, quando aborda a distinção entre definição quid rei e
definição quid nominis, Ockham afirma que os verbos, os advérbios e as
conjunções são suscetíveis de definições nominais. Escreve ele:
(...) mas a definição que expressa o que é o nome [nominal]
é de verbos, advérbios e conjunções, por que aquele que
quer definir ‘onde’ dirá que é um advérbio interrogativo de
lugar; similarmente dirá que ‘quando’ é um advérbio
interrogativo de tempo e, assim de outros, onde a definição é
predicada do definido supõe materialmente.
219
A partir das linhas acima, Panaccio considera que nesses casos, as
definições nominais são metalingüísticas, enquanto que os termos definidos não e,
216
SPADE, 1975, p. 67.
217
PANACCIO, 2000, p. 309.
218
(...) sicut definitio explicat plures res quam definitum.Sum. Log., III-2, 14, 530, 29 – 30.
219
(...) sed definitio exprimens quid nominis est verborum, adverbiorum, coniunctionum, quia qui
vult definire ‘ubi dicet quod est adverbium interrogativum loci; similiter dicet quod ‘quando’ est
adverbium interrogativum temporis, et sic de aliis, ubi praedicatur definitio de definito supponere
materialiter. Quodl., V, q. 19, p. 556.
145
consequentemente, o termo definido e sua definição nominal não podem ser
sinônimos.
Panaccio
220
indica que há uma passagem mais explicita da recusa de que
possa haver sinonímia completa entre o termo conotativo e sua definição nominal.
Ela pode ser localizada no Livro l, capítulo 20 do comentário de Ockham sobre as
Refutações Sofísticas de Aristóteles, quando ele diz: “(...) uma definição nominal
não é sempre substituída por seu definiendum sem inconveniência”.
221
De
maneira mais ampla, Ockham previne o leitor contra o uso não critico dessa idéia:
(...) que um nome e sua definição signifiquem exatamente a
mesma coisa e que uma possa ser substituída pela outra, e,
que tudo o que pode ser corretamente ligado a uma possa
ser corretamente ligado a outra (...) como se fosse certo de
fato que o princípio em questão fosse verdadeiro, enquanto
que, porém, não é verdadeiro, ainda que possa parecer.
222
Parece, portanto, que um termo conotativo e sua definição nominal não são
sinônimos. Mas se não são sinônimos, exatamente aonde residem as diferenças
semânticas entre definiendum e sua definição? Panaccio observa que Ockham
não explica muita coisa a esse respeito, mas acredita que é possível responder a
questão. O núcleo da resposta consiste, basicamente, em esclarecer a noção de
220
PANACCIO, 2000, p. 310.
221
Exp. Elenc., I,20, especificamente § 4. O exemplo apresentado por Ockham nessa passagem é
clássico, isto é, remete à Aristóteles Elencos Sofísticos, 173b9-10. Trata-se aqui da nugatio
(gagueira gramatical). Assim, a definição quid nominis de ‘achatado’ [simo] é ‘nariz côncavo’ [naris
cava]. Conforme Ockham, tudo aquilo que pode ser adicionado ao nome, pode ser adicionado à
definição. Ora, na expressão naris simase substituímos o termo simopor sua definição quid
nominis, obteremos uma inconveniente redundância com a expressão ‘naris naris cava’.
222
(...) quod nomen et sua definitio idem omnino significent et quod loco unius possit alterum poni
et quod quidquid convenienter additur uni potest convenienter addi alteri ... quase omnino sit
certum quod praedicta propositio sit vera, cum tamen non sit vera quamvis videatur esse vera. Exp.
Elenc., I,20.
146
modo de significação em Ockham. Nesse sentido, é preciso estabelecer a
distinção entre: [1] modos gramaticais de significação e [2] modos lógicos de
significação.
Os modos gramaticais de significação de um termo correspondem às suas
propriedades gramaticais (número, caso, gênero, etc...). Nesse sentido, ao termo
homo’ (‘homem’) compete os seguintes modos gramaticais:
• numericamente é singular,
• o caso é nominativo,
• o gênero é masculino e assim por diante.
223
Os modos lógicos de significação são de extrema importância para a noção
de sinonímiae são enumerados por Ockham
224
. Assim, um termo pode significar
de modo lógico:
(1) in recto (significação primária) ou in obliquo (significação secundária);
(2) afirmativa ou negativamente;
(3) a maneira de um categorema ou de um sincategorema, e
(4) a maneira de um nome próprio ou de um nome comum.
223
Verbi gratia, isti voci ‘homo’ competit talis modus grammaticalis quod est singularis numeri,
nominativi casus, masculini generis, et sic de aliis. L. Sent., I, d. 2, q. 8. 285 – 286.
224
(...) necesse est cognoscere quas res termini significant et qualiter significant eas, scilicet an in
recto vel in obliquo, et an affirmative vel negative, et an tamquam termini categorematici vel
syncategorematici, et an tamquam nomina própria vel communia (...). Sum. Log., III-4, 10, 817, 774
– 778.
147
É importante indicar que as expressões in recto e in obliquo devem ser
compreendidas em dois âmbitos:
[1] In recto e in obliquo, no âmbito dos modos gramaticais de significação
correspondem, respectivamente, aos casos retos (nominativo e vocativo) e aos
casos oblíquos (genitivo, acusativo, dativo e ablativo).
[2] In recto e in obliquo, no âmbito dos modos gicos de significação
correspondem, respectivamente, a significação primária e a significação
secundária (conotação).
Assim: in recto e in obliquo
[a] modo gramatical: caso reto (nominativo) ou caso oblíquo (genitivo, etc),
[b] modo lógico: reto (significação primária) ou oblíquo (significação
secundária)
Para Panaccio os modos lógicos reto-oblíquo são independentes dos traços
gramaticais reto-oblíquo das expressões sob consideração. Assim, por exemplo:
[1] o termo ‘pai’:
[a] significa secundariamente, no modo lógico in obliquo os filhos;
[b] mesmo quando não está colocado no modo gramatical oblíquo (isto é, no
genitivo, acusativo, dativo ou ablativo).
Em outras palavras, ‘pai’ significa secundariamente (in obliquo) os filhos,
ainda que na frase ele ocorra gramaticalmente em um caso reto (in recto).
148
[2] da mesma maneira, o termo ‘cego’:
[a] significa secundariamente, no modo lógico in obliquo a visão
negativamente;
[b] ainda que nenhum complemento de negação figure na sua forma
gramatical externa.
Conforme Panaccio
225
, há um diferença importante entre os modos lógicos de
significação de um termo conotativo:
[a] quando tomado isoladamente, e
[b] quando figura no interior da definição nominal de outro termo conotativo
definido.
A propósito são registrados dois casos.
[1] Primeiramente, há caso no qual a definição nominal incluí um termo
conotativo. O exemplo típico é o termo conotativo ‘pai’, cuja definição nominal é
animal que tem filho’. Nessa definição ocorre um outro termo conotativo, a saber,
‘filho’. Este termo ‘filho’ significa secundariamente (conota) os pais (lembremos
que a significação primária do termo ‘filho’ é todos aqueles que são filhos, e, sua
significação secundária é todos aqueles que são pais).
Segue-se daí, diz Panaccio, na definição nominal do termo conotativo ‘pai’,
os pais são significados secundariamente, ainda que os pais não sejam conotados
225
PANACCIO, 2000, p. 311.
149
pelo termo ‘pai’ tomado isoladamente (isoladamente o termo ‘pai’ significa
primariamente os pais e secundariamente os filhos). Em outras palavras:
[a] tomado isoladamente, o termo ‘pai’ significa primariamente no modo
lógico de significação reto todos os indivíduos que são pais;
[b] sua definição nominal contém o termo conotativo ‘filho’ que significa
secundariamente no modo gico de significação oblíquo o mesmo, isto é,
todos os indivíduos que são pais;
[c] todos os indivíduos que são pais, são significados pelo termo ‘pai’ e pelo
termo ‘filho’, mas não no mesmo modo.
Portanto, um termo conotativo e sua definição nominal não são sinônimos,
pois embora signifiquem o mesmo, não significam do mesmo modo.
[2] O segundo caso remete ao artigo de John Boler
226
. Novamente,
consideremos a definição nominal do termo conotativo ‘pai’ (‘animal que tem
filho’). Essa definição incluí o termo absoluto ‘animal’ que:
[a] figura no caso gramatical nominativo (in recto)e,
[b] significa primariamente (in recto) todos os animais.
Questiona Panaccio: nessas condições, deveríamos dizer que o termo ‘pai’
significa primariamente no modo lógico de significação in recto todos os animais?
Certamente que não, pois isso conduziria a afirmar que, os animais são o
significado primário do termo ‘pai’, o que verdadeiramente não é o caso (não é
verdadeiro que todo animal seja um pai). A definição nominal significa muito mais
226
BOLER, 1985, p. 21 – 37.
150
do que o termo definido. Portanto, um termo conotativo e sua definição nominal
não são sinônimos.
A partir dos casos acima, nosso autor identifica duas grandes diferenças
entre:
[1] os modos sob os quais certas coisas são significadas pelo termo
conotativo tomado isoladamente, e
[2] os modos sob os quais certas coisas são significadas na definição nominal
de um termo conotativo.
Conseqüentemente temos:
[a] certas coisas são significadas primariamente (in recto) por um termo que
ocorre na definição nominal, que não são significadas primariamente (in recto)
pelo termo definido. O termo ‘filho’ significa primariamente (in recto) os filhos.
Todavia, os filhos não são significados primariamente (in recto) pelo termo ‘pai’,
mas são significados secundariamente (in obliquo).
[b] certas coisas são significadas secundariamente (conotadas) por um termo
conotativo que ocorre na definição nominal, que não são significadas
secundariamente pelo próprio termo conotativo definido tomado isoladamente.
Nesse caso, o termo ‘filho’ significa secundariamente (in obliquo) os pais. Mas, o
termo definido ‘pai’ não significa secundariamente (in obliquo) os pais, pois os pais
são sua significação primária (in recto).
151
Diante dessas considerações, questiona Panaccio
227
: o que deveria ser
levado em conta: (i) os modos de significação dos termos que ocorrem na
definição nominal, ou (ii) os modos de significação da definição tomada como um
todo?
Paul Spade sustenta, via o Princípio Aditivo, a tese de que: um termo
conotativo é sinônimo de sua definição nominal tomada globalmente
228
. Mas, essa
idéia parece ser problemática. Segundo nosso autor, não encontramos em
Ockham qualquer indício claro sobre o modo como a significação global de uma
expressão complexa (tal como uma definição nominal) possa ser construída a
partir dos significados de suas partes constituintes.
Para Panaccio, o Princípio Aditivo proposto por Spade não é explícito em
Ockham, que raramente fala de significação global de unidades complexas tais
como definições nominais. Ainda que admitíssemos PA como plausível, ele não
seria capaz de dar conta dos modos de significação da definição nominal tomada
como um todo. Ele fornece, somente, a lista dos significados de seus termos
constituintes e não os modos lógicos sob os quais cada um deles encontra-se
significado.
227
PANACCIO, 2000, p. 312.
228
Lembremos que Spade (1975, p. 58) propõe o Princípio Aditivo, segundo o qual uma expressão
complexa significa exatamente a soma total daquilo que é significado por seus constituintes
categoremáticos não-complexos.
152
Se Panaccio está correto ao afirmar que os modos de significação global de
uma expressão complexa diferem daqueles de seus elementos constituintes,
então, uma interessante questão pode ser colocada: quais o as regras que
possibilitam a passagem dos modos de significação das partes para os modos de
significação da definição global? De acordo com nosso autor
229
, Ockham silencia
acerca dessas questões. Nesse sentido, deveríamos evitar atribuir a ele teses que
tornariam sua teoria incoerente. Uma atitude sensata seria a de levar em conta,
somente, os modos de significação que estão em cena no interior da definição
nominal, isto é, os modos lógicos de significação de seus termos constituintes.
Panaccio declara que em vários textos de Ockham (mas, infelizmente não aponta
quais o eles), indicações claras quanto as regras que poderiam realizar a
passagem [a] daquilo que se passa no interior das definições nominais para, [b] os
modos lógicos de significação dos termos conotativos definidos. Ele apresenta
duas regras como candidatas plausíveis para realizar essa passagem:
REGRA 1 (R1)
Um termo conotativo (T) significa negativamente (x), se e somente se:
(x) é significado primariamente (in recto) por (T1), sendo que (T1) ocorre no
interior da definição nominal de (T) acompanhado de um complemento de
negação.
230
Aplicação de R1:
229
PANACCIO, 2000, p. 313.
230
Panaccio afirma que a formulação de R1 é diretamente inspirada em Spade (1975, p. 67).
Porém, da perspectiva de Spade a idéia é fixar o modo de significação da definição tomada
globalmente melhor do que a significação do termo definido. Panaccio, contudo, não nenhuma
vantagem na interpretação de Spade, pois ela pressupõe que o termo definido e sua definição
sejam completamente sinônimos.
153
O termo conotativo ‘cego’ (T) significa negativamente a visão (x), se e
somente se: a visão (x) é significada primariamente (in recto) pelo termo
‘visão’ (T1), sendo que o termo ‘visão’ (T1) ocorre no interior da definição
nominal (‘algo que não tem visão’) de ‘cego’ (T), acompanhado de uma
negação.
REGRA 2 (R2)
Um termo conotativo (T) significa secundariamente (in obliquo) (x) se:
(x) é significado primariamente por um termo (T1), sendo que (T1) figura em
um caso gramatical oblíquo (genitivo, acusativo, dativo ou ablativo) no
interior da definição nominal de (T).
231
Aplicação de R2:
O termo conotativo ‘pai’ (T) significa secundariamente (in obliquo) os filhos
(x) se: os filhos (x) são significados primariamente pelo termo ‘filho’ (T1),
sendo que o termo ‘filho’ (T1) figura em um caso gramatical oblíquo no
interior da definição nominal do termo ‘pai’ (T). (Na definição nominal de ‘pai’
– ‘animal que tem filho’ – o termo ‘filho’ está no caso gramatical acusativo).
Segundo nosso interlocutor, outras regras do mesmo tipo poderiam ser
construídas, para dar conta, particularmente, da significação primária dos termos
conotativos. Mas, mesmo que elas fossem colocadas juntas, não seriam
suficientes para estabelecer a sinonímia completa entre a definição e o definido.
Ao contrário, certos traços semânticos dos termos que ocorrem na definição não
231
Panaccio diz que, nesta R2, prefere utilizar a expressão ‘se’ ao invés do bicondicional ‘se e
somente se’, para deixar em aberto as condições necessárias da significação oblíqua.
154
eqüivalem ao termo definido. Sendo assim, é possível admitir que certas coisas
possam ser significadas por termos que ocorrem na definição, sem serem
significadas, sob qualquer modo, pelo termo definido. Por exemplo, Ockham não
afirma que o termo ‘pai’ signifique, de algum modo, todos os animais que existem,
ainda que em sua definição figure o termo ‘animal’. É verdade que, por vezes, ele
afirme que um termo e sua definição significam a mesma coisa’. Todavia, um
exame mais atento dos textos revela uma tendência a distinguir entre:
[a] ‘significar a mesma coisa’; e
[b] ‘significar exatamente a mesma coisa’.
Para Panaccio, um bom exemplo disso ocorre quando Ockham afirma que:
“(...) homem e animal significam a mesma coisa, ainda que não exatamente a
mesma coisa, pois animal significa tudo aquilo que ‘homem e mais(...)”
232
. Em
outras palavras, um termo do gênero (‘animal’) e um termo da espécie
subordinada (‘homem’) a esse gênero, significam o mesmo, mas não exatamente
o mesmo. Pois, o termo (‘animal’) significa mais indivíduos (tem uma extensão de
significação maior) do que o termo de espécie (‘homem’). Além disso, como foi
referido antes
233
, Ockham previne o leitor contra a aceitação do princípio segundo
o qual um nome e sua definição significam exatamente a mesma coisa. Para
nosso interlocutor, é bem possível que na verdade, ao afirmar que a definição e o
termo definido significam a mesma coisa (sem precisar a expressão ‘exatamente’),
Ockham somente queira dizer que tudo aquilo que é significado pelo termo
232
(...) homo et animal significent idem, quamvis non adaequate quidquid significat homo et animal
plus (...).Quaest. Var., q. 6, art. 5, 231. (O grifo é nosso).
233
Exp. Elenc., I,20.
155
definido é igualmente significado, sob algum modo, pela definição (ainda que o
inverso não seja necessariamente verdadeiro, pois a definição significa mais,
porque tem maior extensão).
Claude Panaccio encerra essa segunda estratégia convicto de que nos
escritos de Ockham nada requer a existência de uma sinonímia completa entre um
termo conotativo e sua definição nominal. Ao contrário, as várias considerações e
evidências textuais indicam uma outra direção.
Em síntese, a primeira estratégia consistiu em mostrar, por meio de
evidências textuais, que para Ockham há termos conotativos simples na LM. Logo,
a interpretação de Spade não pode ser mantida. A segunda estratégia, também,
por vias textuais consistiu em mostrar que não há sinonímia completa entre um
termo conotativo e sua definição nominal. Como resultado desse processo
argumentativo Panaccio conclui que, conscientemente Ockham acreditava que
termos conotativos simples na LM e nada daquilo que ele diz implica o contrário.
Portanto, admitir a proposta de Spade conduziria a teoria de Ockham à uma
incoerência. Fica estabelecido, então, que definitivamente a interpretação de Paul
Spade e daqueles que compartilham de sua interpretação deve ser rejeitada.
234
Subsidiado pelo que foi estabelecido a aqui e de modo a reforçar sua
posição, o autor analisa e refuta ainda, um outro argumento que poderia ser
colocado para excluir os termos conotativos da LM. Reconhece, porém, que não
encontrou um tal argumento em estudos até então publicados, mas muitas vezes
234
PANACCIO, 2000, p. 314.
156
ele é indiretamente sugerido. Sua base é uma afirmação de Ockham, segundo a
qual “toda a proposição na qual figura um termo conotativo é uma proposição
exponível”.
235
Dizer que uma proposição é exponível – ou que ela tem exponentes
significa dizer que ela eqüivale (quanto a suas condições de verdade) a uma
conjunção. Por exemplo, para que uma proposição como “alguma coisa branca
está correndo” seja verdadeira, é preciso que a seguinte conjunção seja
verdadeira:
(a) “alguma coisa branca corre”; e
(b) “na coisa branca inere uma brancura”.
As proposições [a] e [b] são uma conjunção da proposição original e são
chamadas ‘exponentes’ (exponens). Esquematicamente podemos representar
isso, do seguinte modo:
Conforme Panaccio, teríamos o seguinte argumento:
235
Huiusmodi etiam sunt omnes propositiones in quibus ponuntur termini connotativi et relative (...).
Sum. Log., II, 11, 279, 9 – 11.
PROPOSIÇÃO EXPONÍVEL:
F’
EXPONENTES
:
P /
Q
157
[P1] Toda a proposição simples na qual ocorra um termo conotativo é
exponível e tem, ao menos, dois exponentes;
[P2] Depois da análise estar completa, os exponentes não devem incluir
nenhum termo conotativo;
[P3] A conjunção dos exponentes é sinônima com a proposição exponível;
[P4] Não há sinonímia na LM;
[C] Portanto, uma proposição exponível e a conjunção de seus exponentes
não podem ser unidades distintas na LM.
A tarefa que nosso autor toma para si é refutar [P2] e [P3].
Segundo ele [P2] as proposições exponentes não devem incluir nenhum
termo conotativo é aceita por excelentes comentadores.
236
Mas, segundo
Panaccio, a partir da discussão anterior somos forçados a concluir que ela é
inaceitável. De acordo com a teoria de Ockham, ao menos, um dos exponentes
deve ser construído com a ajuda da definição nominal do termo conotativo original.
Assim, por exemplo, o termo ‘branco’ é definido como alguma coisa na qual
inere uma brancurae é por esta razão que a proposição na coisa branca inere
uma brancura’ deve ser contada entre os exponentes da proposição original
alguma coisa de branco está correndo’. Esquematicamente, isso pode ser
representado da seguinte maneira:
236
Por exemplo, PINBORG, Jan. “Some Problems of Semantic Representations in Medieval Logic”.
IN: History of Linguistic Thought and Contemporary Linguistics. Dir. H. Parrett. Berlim:De Gruyter,
1976, p 254 – 278, partucularmente p. 266.
158
Para Panaccio a EXPONENTE 2 é semanticamente eqüivalente a
DEFINIÇÃO NOMINAL. Agora sabemos que os termos conotativos não podem ser
sempre eliminados das definições nominais. E, assim, não nenhuma razão
para pensar que eles possam ser eliminados dos exponentes. Confesso que, ou
não compreendi bem, ou Panaccio foi infeliz no seu exemplo. Até aqui, ele vinha
fazendo referência aos termos conotativos relativos. Entretanto, o exemplo
utilizado é de um termo conotativo de qualidade, cuja definição nominal não
contém nenhum termo correlativo. Fico em dúvida de como isso poderia funcionar
com um relativo.
Todavia, insiste nosso interlocutor, se ele está correto, então [P3] a
conjunção dos exponentes é sinônima da proposição exponível é igualmente
falsa. Segundo ele, certas coisas são significadas por termos da definição que não
são significadas pelo termo definido. Se a definição do termo conotativo figura
como um dos exponentes, então certas coisas são significadas nos exponentes
que não são significadas sob os mesmos modos na proposição exponível,
consequentemente, a proposição exponível não sesinônima com a conjunção
de seus exponentes.
PROPOSIÇÃO EXPONÍVEL: ‘Algo branco está correndo’.
(‘F’)
EXPONENTE 1: ‘algo branco corre’. (‘P’)
EXPONENTE 2: ‘(nesse) algo inere uma brancura’. (‘Q’)
159
Panaccio observa que esse tema foi discutido explicitamente por certos
sucessores de Ockham a partir do século XIV (por exemplo, Pierre d’Ailly) até o
século XVI. A questão colocada era: na mente distinção entre a proposição
exponível e a conjunção de seus exponentes? Conforme nosso interlocutor a
resposta mais habitual, como mostra o estudo de Jenniffer Ashworth
237
, é
claramente afirmativa [há distinção]. Muitos argumentos favorecem essa resposta,
pois em certos casos, um locutor pode compreender bem uma proposição
exponível sem conhecer os exponentes.
238
Conforme Panaccio, uma distinção posterior a Ockham, mas que se
encontra implicitamente nele, é entre duas espécies de equivalência, a saber:
(a) equivalência in significando (equivalência em significado);
(b) equivalência in inferendo (equivalência em valor de verdade).
Certamente, Ockham reconhece a equivalência in significando entre a
conjunção dos exponentes e a exponível original. Mas ele não afirma uma
equivalência das condições de verdade (equivalência in inferendo). Pois, como
vimos, a sinonímia não pode sempre ser completa em casos paralelos e, assim,
uma distinção é fortemente sugerida aqui entre:
• sinonímia (ou a equivalência in significando na terminologia mais tardia), e
237
ASHWORTH, E. J.. “The Doctrine of Exponibilia in the Fifteenth and Sixteenth Centuries”. IN:
Vivarium, 11,1973, p. 137 – 167, particularmente p. 138 – 142.
238
Id., ibid., p. 141.
160
• equivalência das condições de verdade.
Em suma, o argumento para os exponíveis falha exatamente pela mesma
razão que os argumentos de Spade: os termos conotativos não podem sempre ser
estritamente sinônimos de suas definições nominais. O princípio segundo o qual
não há sinonímia na LM, ainda que seja aceito sem restrições por Ockham, não se
aplica simplesmente nesse caso.
A conclusão proposta anteriormente deve ser firmemente mantida: segundo
Ockham há termos conotativos simples na LM. Sua teoria nominalista da definição
se é importante para o conjunto de seu projeto filosófico, não requer de nenhum
modo a eliminação, impossível, dos termos conotativos relacionais. Ao contrário,
sua indispensabilidade os faz objeto de um reconhecimento.
2.2 MARTIN TWEEDALE
Contribuindo para a construção critica da Interpretação ‘B’ manifesta-se
Martin Tweedale em artigo de 1992, cujo título pode ser traduzido como: A
suposta eliminação dos termos conotativos de Ockham e sua parcimônia
ontológica”.
239
A partir do título, destaco duas expressões que a meu juízo, de
239
TWEEDALE, 1992, “Ockham’s Supposed Elimination of Connotative Terms and His Ontological
Parsimony”.
161
certo modo, indicam o domínio da discussão bem como a própria posição
sustentada pelo autor. A expressão suposta eliminação’ sugere a idéia de que os
termos conotativos não são elimináveis (e, consequentemente, redutíveis) da LM.
A segunda, parcimônia ontológica’, aponta diretamente para a questão
interpretativa do ‘Programa de Redução Ontológica’ (PRO) de Ockham.
No início do texto
240
o autor marca sua posição. Segundo ele, dois dos
melhores comentadores de Ockham, Marilyn Adams e Paul V. Spade
241
(representantes da Interpretação ‘A’), compartilham de uma interpretação do PRO
de Ockham que lhe atribui uma posição reducionista. Ele considera que essa
interpretação é muito radical para ser genuinamente de Ockham. Em outras
palavras, a tese de Tweedale é a de que, as próprias palavras de Ockham
mostram que ele não se comprometeu com um PRO radicalmente reducionista.
O texto em sua totalidade pode ser dividido em três momentos.
Primeiramente, ele apresenta, em linhas gerais, as principais teses defendidas
pela Interpretação ‘A’ (nomeadamente de Spade e Adams). A seguir, discute e
revisa certos pontos da posição de Claude Panaccio. Por fim, discute e expõe sua
posição quanto ao ‘Programa de Redução’ de Ockham. Sigo exatamente esse
roteiro.
240
TWEEDALE, 1992, p.431.
241
ADAMS 1987 e SPADE, 1990.
162
Para a Interpretação ‘A’, em princípio, é possível reformular todas as
sentenças nas quais ocorrem termos conotativos, em sentenças que contenham
somente termos categoremáticos absolutos pertencentes às categorias da
substância e da qualidade [processo reducionista].
Parece evidente que todos os fatos do tipo ‘quantitativo’, ‘relacional’,
‘acional’, ‘passional’, ‘locativo’, ‘temporal’, ‘situacional’ ou ‘habitual’ podem ser
reduzidos a tipos de fatos ‘substanciais’ ou ‘qualitativos’, visto que os termos nas
outras oito categorias, além da substância e da qualidade, são redutíveis sem que
se perca o poder descritivo. Trata-se aqui da tese da redução, isto é, termos das
outras oito categorias (conotativos) são redutíveis a termos das categorias da
substância e da qualidade (absolutos). Conforme Tweedale, Spade e Adams
associam a tese acima (redução dos conotativos a absolutos) com a tese da
eliminação dos termos conotativos da linguagem mental (LM). Podemos
esquematizar essa associação da seguinte maneira:
Segundo eles, prossegue o autor, para Ockham a LM sustenta todo o
significado do discurso público. Assim, se os termos conotativos (das oito
TESE DA REDUÇÃO
CONOTATIVOS
SÃO REDUTÍVEIS
A ABSOLUTOS
TESE DA ELIMINAÇÃO
CONOTATIVOS SÃO
ELIMINÁVEIS DA
LINGUAGEM MENTAL
163
categorias, além da substância e da qualidade) são elimináveis da LC em prol dos
termos absolutos (via uma definição nominal completamente expandida), então,
esse processo ocorre também na LM. Portanto, os termos conotativos são
elimináveis.
Adams e Spade mantêm que Ockham não admite que um termo conotativo
na LM possa ter uma definição nominal diferente dele, visto que ele não admite
que haja sinonímia na LM e, um termo conotativo é sinônimo com sua definição
nominal.
Nesse sentido, se todos os termos conotativos têm uma definição nominal e,
as definições devem estar na LM (visto que elas o construções gramaticais
mentais), então nenhum termo conotativo pode existir na LM como um conceito
distinto de sua definição nominal. O raciocínio pode ser formulado do seguinte
modo:
[1] todo termo conotativo tem uma definição nominal.
[2] o termo conotativo é sinônimo de sua definição nominal.
[3] não há sinonímia na LM.
[4] a definição nominal é uma construção gramatical e deve estar na LM.
[5] na LM não há termo conotativo distinto de sua definição nominal.
[C] Portanto, na LM há somente a definição nominal.
Em outras palavras, a possível redução precedentemente indicada, que nos
conduz a negar outros termos categoremáticos além daqueles das categorias da
164
substância e da qualidade, realiza uma eliminação que torna a linguagem pública
(falada ou escrita), subordinada a LM. A linha de raciocínio acima é, por exemplo,
admitida por Adams. Ela coloca a seguinte questão: Ockham concordaria de que
termos da quantidade, termos da relação, etc., são em princípio elimináveis?
242
Ela responde que ele concordaria. Por ‘elimináveis’, parece que Adams entende
não encontrados na LM. Portanto, termos conotativos (das oito outras categorias,
exceto a substância e qualidade) não são encontrados e, assim, eliminados da
LM. Mas, qual é o argumento de Adams para pensar que Ockham afirma essa
eliminabilidade? Ele pode ser localizado em sua obra
243
e podemos expressá-lo do
seguinte modo:
[1] todos os termos, abstratos e concretos, que não da categoria da
substância e da qualidade, são conotativos.
[2] todo o termo conotativo admite definição nominal, isto é, definição que é
sinônima do termo definido.
[3] visto que a LM não comporta expressões sinônimas, não tem qualquer
termo conotativo, mas antes somente sua definição.
[C] Portanto, na LM não encontramos qualquer termo que não seja da
categoria da substância e da qualidade.
242
ADAMS, 1987, p. 289.
243
ADAMS, 1987, p. 297 – 298.
165
Spade
244
não tem grandes divergências com Adams quanto a interpretar o
PRO de Ockham de modo radicalmente reducionista. Entretanto, como vimos
antes, há uma certa diferença entre eles e Tweedale a indica:
Adams afirma que o PRO permanece essencialmente programático”
245
,
mas insiste que ele é realizável e, ao menos, defensável.
Spade afirma que a prometida redução não pode ser realizada com
sucesso”.
246
O argumento de Spade consiste simplesmente em tomar uma sentença
como (“Cléber chuta Manoel”) com um verbo na categoria da ação (‘chutar’) e
mostrar que, não como se descartar inteiramente dessa categoria e preservar
seu significado original. Tweedale afirma que não disputa esse argumento. Além
disso, considera, no mínimo, ridículo pensar que se possa falar algo de verdadeiro
sobre o mundo limitando-se a uma linguagem que possua unicamente termos
categoremáticos incomplexos das categorias da substância e da qualidade.
Em linhas gerais, apresentada a Interpretação ‘A’, passa nosso autor
247
ao
segundo momento. Lembremos de que Panaccio argumenta que a LM contém
ambos, termo conotativo e sua definição nominal. Além disso, afirma que nunca foi
a intenção de Ockham sustentar que termos conotativos o totalmente
244
SPADE, 1990.
245
ADAMS, 1987, p. 313.
246
SPADE, 1990, p. 603.
247
TWEEDALE, 1992, p. 433.
166
elimináveis em favor dos termos absolutos e termos sincategoremáticos. Em
particular, ele diz que para Ockham era impossível eliminar totalmente do discurso
termos conotativos da categoria da relação. O cenário do debate é este:
[1] Para Spade e Adams:
a- não há termos conotativos simples na LM.
b- termos conotativos são elimináveis da LM.
[2] Para Panaccio:
a- há termos conotativos simples na LM.
b- termos conotativos não são elimináveis da LM.
Conforme Tweedale, ainda que Panaccio não forneça conseqüências
explícitas para o PRO de Ockham, parece claro que ele rejeita o tipo redução
proposto pela Interpretação ‘A’. Nosso interlocutor considera que Panaccio provou
completamente uma importante parte de sua afirmação: Ockham sempre
pretendeu que ambos, o termo conotativo e sua definição nominal possam ocorrer
na LM. Isso corrige as opiniões opostas (inclusive a do próprio Tweedale). Ele
elencou um grupo de textos que colocam sua posição acima de qualquer dúvida.
Além do mais, sua posição desafia uma importante premissa defendida por Spade
e Adams, a saber: a de que para Ockham termos conotativos e suas definições
são sinônimos. Panaccio aceita a reivindicação de que a LM não contém
sinônimos, mas insiste que o termo conotativo e sua definição não são sinônimos.
167
Tweedale concorda com Panaccio de a LM não contém sinônimos, desde
que tomemos ‘sinônimo’ do modo que Ockham o utilizou. Entretanto, reclama
nosso autor
248
, parece que Panaccio não percebeu o ‘sentido restrito’ que
‘sinonímia’ tem nos escritos de Ockham. Consequentemente, quando ele tentou
mostrar que para Ockham um termo conotativo e sua definição não são
sinônimos, ele usou uma noção de sinonímia que é familiar para nós, mas não
para Ockham. Essa sugestão de que para Ockham um termo conotativo e sua
definição nominal não são sinônimos em nosso sentido de sinonímia não é
convincentemente demonstrada por Panaccio e, nesse sentido, de fato, ele falha
no que precisa demonstrar para derrubar a premissa de Spade e Adams.
Considero que aqui, Tweedale deixou escapar a oportunidade de esclarecer
dois pontos: [a] o que ele entende pela expressão ‘noção de sinonímia que é
familiar para s, mas não para Ockham’ ; [b] o que ele compreende por ‘sentido
restrito de sinonímia nos escritos de Ockham’. Sabemos que Ockham apresenta
dois sentidos de ‘sinônimos’:
[1] um estrito, que os usuários usam simplesmente pelo mesmo (como
‘espada’ e ‘gládio’) e,
[2] um amplo, quando significam o mesmo em todos os modos (utilizado
como referencial).
Para Tweedale, qual seria o sentido que é familiar a nós? Infelizmente ele
silencia a respeito. Penso que quando ele diz que Ockham tem uma noção de
‘sinonímia’ em ‘sentido restrito’, ele está se referindo ao sentido amplo de
248
TWEEDALE, 1992, p. 434.
168
sinônimo, isto é, que Ockham teria uma noção bem particular de sinônimo. Logo, a
noção que é familiar para nós seria o sentido estrito de Ockham (como ‘espada’ e
‘gládio’). Parece, então, que Tweedale acusa Panaccio de ter levado em conta o
sentido estrito de sinônimo de Ockham (que é familiar para nós) e não o sentido
amplo (que ele chama de ‘sentido restrito’) referencial para Ockham. Mas, se esse
é o caso penso que Panaccio não errou como é afirmado. Panaccio
249
deixa bem
claro que a mera coextensividade não garante a sinonímia e que deve ser levado
em conta os modos de significação, isto é, a cláusula ‘significar no mesmo modo’
que caracteriza o sentido amplo de sinônimo. Todavia, deixemos que Tweedale
prossiga com sua análise.
Para nosso interlocutor, o raciocínio empreendido por Panaccio visa mostrar
que há diferenças semânticas entre um termo e sua definição nominal, então não
sinonímia. casos em que a definição nominal contém algum termo que
significa secundariamente (conota) alguma coisa que o termo definido não
significa secundariamente (não conota). Por exemplo, o termo conotativo relativo
‘pai’:
(a) Em sua definição nominal (como a de qualquer termo relativo) ocorre seu
correlativo, isto é, o termo ‘filho’.
(b) O termo ‘filho’, significa secundariamente os indivíduos que são pais.
(c) O termo ‘pai’, não significa secundariamente os indivíduos que são pais,
mas os significa primariamente.
249
PANACCIO, 2000, p. 309.
169
O termo ‘pai’ (tomado isoladamente) e o termo ‘filho’ (no interior da definição
nominal) significam o mesmo, a saber ‘os indivíduos que são pais’. Mas, não
significam do mesmo modo: o primeiro significa primariamente (in recto) e o
segundo significa secundariamente (in obliquo). Portanto, na definição nominal do
termo ‘pai’, há termos (como o termo “filho’) que significam secundariamente
(conotam) coisas que não são significadas secundariamente (conotadas) pelo
termo definido ‘pai’. O raciocínio de Panaccio é manifesto: se diferenças
semânticas, então, não há sinonímia.
Conforme Tweedale, trata-se de uma má interpretação de Panaccio, do que
Ockham tem a dizer sobre a definição nominal dos termos correlativos. Estamos
aqui diante de um ponto de discordância entre ambos. A polêmica incide sobre as
noções de: ‘definição completa’ e ‘definição incompleta’.
Panaccio afirma
250
que, para Ockham, nenhum termo relativo pode ser
completamente definido sem o auxílio de seu correlato. A definição completa de
‘pai’: animal que tem filhocontém ‘filho’ como correlato. A partir disso, segundo
Tweedale, Panaccio tira a alarmante conclusão de que, para Ockham, “(...) alguns
termos relativos (senão todos) não podem ser definidos sem recorrer a outros
termos relativos”.
251
250
PANACCIO, 2000, p. 306.
251
Id., ibid.
170
A contraposição de Tweedale é afirmar que o próprio Panaccio não sustenta
sua interpretação. É preciso dizer que muitas das citações de Panaccio são
incompletas (são partes fragmentadas de textos). Nesse sentido, Tweedale tem o
mérito de citar a passagem integral dentro do seu contexto. Penso que, embora
sendo extensa, é preciso citar na integra a passagem que gera o conflito entre
eles:
Deve-se saber que o relativo pode ser definido ou
completamente ou incompletamente. Incompletamente
podemos definir sem seu correlativo; assim se definimos pai
incompletamente, ele deve ser definido desse modo ‘pai é
uma substância sensível que gerou outra substância’, ou
algo assim. Mas completamente não podemos defini-lo sem
seu correlativo; assim definimos pai, ‘pai é uma substância
sensível que tem filho’ ou ‘animal que tem filho’. Em uma tal
definição os relativos definem um ao outro. E isto não é um
problema, porque os relativos estão ao mesmo tempo no
intelecto, e assim ao mesmo tempo são adquiridos e,
consequentemente, não é um problema que se definam
mutuamente. A partir disso deve-se saber que essa definição
não ocorre do que é mais conhecido; mas é suficiente que
ela ocorra a partir do que é igualmente conhecido. E falando
da definição do que é mais conhecido que é mais
propriamente uma definição, embora não seja sempre assim
tão completa –, nunca o relativo é definido por seu
correlativo, mas antes é definido por seu sujeito no caso reto
e pelo sujeito do correlativo tomado em um caso oblíquo;
assim similar deve ser assim definido ‘similar é uma
qualidade correspondendo a outra qualidade e tendo uma
qualidade da mesma espécie mais específica’ (....) E essa
definição é mais propriamente uma definição, embora não
seja tão completa quanto aquela que é dada pelo uso dos
correlativos.
252
252
Et est sciendum quod relativum potest definiri vel complete vel incomplete. Incomplete potest
definiri sine suo correlativo; sicut si definiatur pater incomplete, debet sic definiri ‘pater est
substantia sensibilis quae aliam substantia genuit’, vel aliquid huiusmodi. Sed complete non potest
definiri sine suo correlativo; ut definiatur sic ‘pater est substantia sensibilis habens filiumvel ‘est
animal habens filium’. Et tali definitione relativa mutuo se definiunt. Nec est hoc inconveniens, quia
sunt relativa sunt simul in intellectus, ita simul imponuntur, et propter hoc non est inconveniens si
mutuo definiant se. Unde sciendum est quod ista definitio non est per notiora, sed sufficit quod sit
per aeque nota. Et ideo loquendo de definitione quae est per notiora, quae est magis proprie
definitio, quamvis non sit semper ita completa , numquam relativum definitur per suum
171
Para Tweedale, a clara intenção dessa passagem é de que existem
definições dos relativos que não usam correlativos e que essas definições são
mais propriamente chamadas definições do que aquelas que usam correlativos.
Segundo ele, que a última seja mais ‘completa’ é alheio à questão. Fica aberto
para Ockham afirmar que um termo relativo significa secundariamente somente o
que é significado pelos termos em sua mais própria definição, isto é, aquela que
não contém seu correlativo. Assim, ele pode manter que pela reiteração de tal
definição, podemos facilmente eliminar todos os termos relativos da definição de
qualquer termo relativo.
De modo incompleto, Panaccio faz referência a uma outra passagem na qual
Ockham explica a capacidade mútua de definição dos correlativos:
Deve ser notado que quando alguns [termos] são
correlativos, eles expressam somente o que é o nome, não o
que é a coisa e, consequentemente, não é um problema que
cada um dos pares seja definido pelo outro em uma definição
que expresse o que é o nome. De fato, isso é necessário,
visto que os correlativos estão ao mesmo tempo no intelecto,
isto é, não podemos conhecer o que é o nome de um sem
conhecer o que é o nome do outro. (...) Assim se quero
estabelecer este nome ‘pai’ como um nome relativo, o modo
é o seguinte, é preciso dizer ou pensar: ‘Quero que este
nome ‘pai’ signifique homem que tem gerado alguém, e este
que tem sido gerado por ele realmente existe com ele’. A
partir disso, possuo homem gerado por alguém e que
coexiste com ele e, desse modo, tenho filho; e
conseqüentemente, não posso estabelecer o que este nome
‘pai’ significa agora, sem entender o que o nome ‘filho’
também significa. Por essa razão os correlativos o ditos
correlativum, sed definitur per suum subiectum in recto et per subiectum sui correlativi sumptum in
obliquo; sicut simile debet sic definiri ‘simile est quale, correspondens alteri quali, habenti
qualitatem eiusdem speciei specialissimae’. (...) Et ista definitio, est magis proprie definitio, quamvis
non sit ita completa sicut illa quae datur per sua correlativa. Sum. Log., III-3, 26, 690, 17 691, 39.
(Os grifos são nossos).
172
estar no intelecto ao mesmo tempo e se definem um ao
outro.
253
De acordo com Tweedale, essa passagem indica claramente que, para
Ockham, os pares de correlativos surgem do fato de que, uma atribuição original
de significado dada para cada um dos correlativos envolve uma definição nominal
(uma definição que expressa o quid nominis) que, embora não inclua o outro
correlativo, inclui aquilo que resulta da definição nominal do outro correlativo.
Assim, posso definir incompletamente ‘pai’ (“homem que tem gerado alguém, e
este que tem sido gerado por ele realmente existe com ele”) sem que inclua seu
correlativo. Ainda que, inclua a definição do outro correlativo (“homem gerado por
alguém e que coexiste com ele”). Para nosso autor, parece que, tanto aqui quanto
no texto da Summa Logicae, Ockham aceita completamente a possibilidade de
que as definições nominais dos termos relativos não incluam os correlativos.
Panaccio cita, ainda, uma terceira passagem: “Portanto, quer o Filósofo
conforme este escrito que tenha sempre um correlativo que é parte da definição
nominal de outro correlativo”.
254
Mas, para Tweedale, isso é simplesmente explicar
o significado literal de uma passagem de Aristóteles e, não pode ser considerada
253
Est autem notando quod quando aliqua sunt correlativa, illa tantum habent quid nominis et non
quid rei, et ideo non est inconveniens quod utrumque per alterum definiatur exprimente quid
nominis; immo hoc est necessarium, cum correlativa sint simul intellecto hoc est, non possit sciri
quid nominis unius nisi sciatur quid nominis alterius.(...) Unde si volo instituere hoc nomen ‘pater’ ut
sit nomen relativum, sicut modo est, oportet quod sic dicam vel intelligam: ‘Volo quod hoc nomen
“pater” significet hominem qui aliquem genuit, et qui genitus est ab eo actualiter existat’. Et ex hoc
ipso quod habeo hoc totum, habeo hominem genitum ab illo cum quo coexsistit, et ita habeo filium;
et per consequens non possum instituere hoc nomen ‘pater ad significandum illud quod modo
significat nisi intelligam quid nominis etiam ipsius filii. Et propter istam rationem dicuntur correlativa
esse simul intellectu et se mutuo definire. Exp. in Porph., 20, p. 31-32. (O grifo é nosso).
254
Vult igitur Philosophus ex ista littera habere quod semper unum correlativum est pars definitionis
exprimentis quid nominis alterius. Exp. Elenc., II, 16.
173
com sendo a própria posição de Ockham sobre o assunto. Fica estabelecido que,
em princípio, um termo relativo pode ser definido sem o auxílio de seu correlato.
Tweedale passa a analisar a posição de Panaccio de que o termo definido e
sua definição nominal não são sempre sinônimos. Por exemplo, o termo
conotativo relativo ’pai’ não é completamente sinônimo de sua definição nominal
animal que tem filho’. Nessa definição o termo ‘animal’ ocorre no caso gramatical
reto (nominativo), logo, o definiens deve significar primariamente todos os
animais. Mas, certamente, o termo ‘pai’ não significa primariamente todos os
animais.
255
De acordo com Tweedale, nesse caso é sempre possível responder que não
é o significado de cada termo individual que ocorre na definição que precisa ser
considerado. Mas o que precisa ser considerado é o significado de cada frase
nominal que inclua um termo mais seu modificador. Quando é modificada a classe
dos significados do termo, normalmente ela é restringida. Assim, a definição de
‘pai’ é ‘animal que tem gerado outro’. Esta definição é uma frase nominal na qual
‘animal’ é um termo central e, nesse sentido, é ele que fornece a extensão da
frase inteira que é primariamente significada pelo termo ‘pai’.
255
PANACCIO, 2000, p.312.
174
Tweedale concorda com Panaccio que não é claro como o significado global
de uma definição nominal é suposto a partir do significado de suas partes
(provavelmente Ockham não pensou nesse problema). Certamente é verdadeiro
que Ockham não teve uma teoria de como passar da significação total da
definição nominal, a partir de suas partes constituintes, que fosse suficientemente
desenvolvida para sustentar a posição de Adams e Spade, segundo a qual o
termo e sua definição nominal sejam sinônimos. Entretanto, para nosso
interlocutor, parece evidente a partir de outras passagens manter que, em nosso
sentido de ‘sinônimo’, Ockham de fato acreditou naquilo que Adams e Spade
dizem que ele fez.
Consideremos a seguinte passagem:
A definição que expressa o que é o nome é uma oração que
declara explicitamente o que é importado por um termo
simples, assim como alguém que quer ensinar a outro o que
significa o termo ‘branco’ diz que significa o mesmo que a
oração ‘algo que tem brancura’.
256
Tweedale considera que fica claro a partir dessa passagem que, se você
quer ensinar a alguém o significado de um termo simples, dê a ele a definição
nominal. Mas isso só pode fazer sentido se a definição nominal é, em nosso
sentido usual (estrito para Ockham), sinônima com aquilo que ela define. Isso
explica por que Ockham insiste que um termo não ambíguo pode ter, ao menos,
256
Definitio autem exprimens quid nominis est oratio explicite declarans quid per unam dictionem
importatur, sicut aliquis volens docere alium quid significat hoc nomen ‘album’ dicit quod significat
idem quod haec oratio ‘aliquid habens albidinem’. Sum. Log., I, 26, 88, 113 116. O mesmo é
repetido em Quodl., V, q.19, p.554.
175
uma definição nominal, ainda que de um termo absoluto possa haver várias
definições reais sem qualquer imputação de ambigüidade. Definições reais não
pretendem ser sinônimas com aquilo que elas definem e, nesse sentido, é
possível ter muitas definições reais não sinônimas do mesmo termo. Mas, visto
que uma definição nominal pretende ser sinônima com aquilo que ela define,
poderia ser equivalente a afirmar a ambigüidade para supor que há várias
definições não sinônimas de um único termo.
Para Tweedale, o que realmente motivou Panaccio a negar que as definições
nominais sejam sinônimas com aquilo que elas definem, é que essa posição
parece conduzir Ockham à seguinte contradição:
[i] se o termo conotativo e sua definição nominal ocorrem na LM;
[ii] se a LM não contém sinônimos;
[iii] se é dito que um termo conotativo e sua definição nominal são
sinônimos, então, há uma contradição.
Conforme nosso autor, esse problema é resolvido de um modo mais fácil do
que o proposto por Panaccio. Um exame dos textos nos quais Ockham fala de
sinônimos, mostra que:
[1] ele limita a sinonímia a palavras não complexas, e
[2] que tudo o que ele quer negar é que na LM haja uma multiplicidade de
palavras não complexas com o mesmo significado.
176
Uma definição nominal não é sinônima do termo não complexo que ela
define, simplesmente porque ela (a definição nominal) é uma expressão complexa
e, assim, não pode ser um sinônimo de nenhum termo no sentido restrito de
‘sinônimo’ de Ockham. Na verdade, a solução de Tweedale consiste em afirma
que, de acordo com a noção que ele chama de restrita de sinônimo (que em
Ockham é ampla):
[a] só pode haver sinonímia entre dois termos simples (‘espada’ e ‘gládio’).
[b] não pode haver sinonímia entre um termo simples e uma expressão
complexa.
Portanto:
• Na LM não há dois termos simples sinônimos;
• Na LM pode haver um termo simples e sua definição nominal.
177
Em outras palavras, a noção de sinônimo no sentido restrito, somente, é
aplicada sobre termos simples, como ‘espada’ e ‘gládio’. O termo conotativo e sua
definição nominal não são sinônimos, no sentido restrito, porque o termo é uma
expressão simples e a definição uma expressão complexa. Portanto, podem
ocorrer os dois na LM. Essa solução proposta por Tweedale, parece ter surtido
efeito em Panaccio, pois em seu artigo
257
ele diz: “O tipo de sinonímia que
Ockham procurou excluir da LM é somente a sinonímia entre termos simples; ele
não tem objeção quanto a coexistência na mente de um termo conotativo simples
e sua definição nominal complexa”.
257
PANACCIO, 1999, p. 57 – 58.
NOÇÃO RESTRITA DE SINONÍMIA
HÁ SINONÍMIA:
TERMO TERMO
CONOTATIVO CONOTATIVO
SIMPLES SIMPLES
• NÃO HÁ SINONÍMIA:
178
De modo a justificar sua posição, Tweedale apresenta uma série de
evidências textuais (na Summa Logicae, I) de quando Ockham fala de ‘sinonímia’.
[1] No Capítulo 3, p. 11, Ockham afirma que verbo e o particípio do verbo são
sinônimos do mesmo modo que o são muitos nomes. É o caso, por exemplo, de
‘corre’ e ‘está correndo’.
[2] No Capítulo 6, p. 19 –21, Ockham nos fala que ele chama ‘sinônimo
aqueles itens que significam a mesma coisa no mesmo modo, quer os usuários
saibam quer não. Infelizmente ele não nos fala a classe de itens sobre as quais a
relação de sinonímia opera. Mas todos os exemplos desse capítulo são nomes
258
(nomina), isto é, substantivos (calor, frio...) e adjetivos (calidez, frigidez...).
[3] No Capítulo 45, p. 141, Ockham diz que uma proposição per se (por si) é
aquela na qual:
• (1) uma parte da definição é predicada do definido;
• (2) ou a definição é predicada do definido;
• (3) ou a mesma coisa é predicada de si mesmo;
• (4) ou um sinônimo é predicado de um sinônimo.
258
No latim as partes do discurso dividem-se em: nomes (substantivos, adjetivos, numerais,
pronomes), verbos e partículas (advérbios, preposições, conjunções, interjeições).
179
Se Ockham foi cuidadoso aqui, e parece que sim, a passagem implica que
uma definição não é sinônima do termo que ela define, caso contrário, sua divisão
é imprópria, pois o segundo membro deveria estar incluído no quarto.
[4] No Capítulo 72, p. 222 – 225, Ockham sustentou que, de acordo com
Aristóteles, os nomes abstratos e seus concretos correspondentes são muitas
vezes sinônimos. (Por exemplo, esse é o caso de ‘homem’ e ‘humanidade’).
Conforme Tweedale, os únicos itens que Ockham chamou de sinônimos,
nessas passagens, são nomes e verbos, isto é, palavras categoremáticas simples
gramaticalmente opostas as estruturas complexas. Nosso autor sugere que, de
fato, o que Ockham estava interessado em eliminar da LM eram palavras mentais
simples sinônimas e sua critica nunca pretendeu aplicar-se a frases ou sentenças
complexas, nem mesmo como elas devem significar a mesma coisa no mesmo
modo. Em outras palavras, Tweedale sugere que o que Ockham pretendeu excluir
da LM eram palavras mentais simples que fossem sinônimas. A negação da
sinonímia na LM não envolvia a relação entre expressão complexa (como uma
definição nominal) e um termo simples, não importando como ambos podem
significar a mesma coisa no mesmo modo.
259
259
TWEEDALE, 1992, p. 437.
180
Nosso autor observa que não quer exagerar sua diferença com Panaccio,
mesmo sobre essa questão
260
. Para ele, se a discordância permanece entre eles a
respeito desse ponto, isso é irrelevante frente a ampla concordância entre eles de
que os termos conotativos e suas definições ocorrem na LM de Ockham.
Frente ao cenário construído, isto é, a critica de Panaccio à interpretação de
Spade e Adams, Martin Tweedale faz as seguintes observações:
[1] Spade e Adams ( e muitos outros) estavam errados ao pensar que todas
as frases da LM utilizam somente termos categoremáticos absolutos simples mais
sincategoremáticos, isto é, que ele usa somente sentenças maximamente lógicas.
Em outras palavras, não é possível eliminar da LM os termos conotativos.
[2] Por outro lado, considera que não parece que Panaccio tenha mostrado
completamente que Ockham não teria admitido a idéia de que, em princípio, é
possível falar do mundo sem usar termos conotativos. Os muitos textos citados
por Panaccio, nos quais Ockham diz que sentenças que contêm termos
conotativos são ‘exponíveis’, não acomodam facilmente a idéia de que esse
processo de resolução de sentenças leva-nos a um círculo ao infinito. Em suma,
apesar de seus pontos válidos sobre quê termos estão na LM, Panaccio não teve
260
Tweedale refere que em conversa privada com Panaccio, este o assegurou que estava aberto a
discutir as interpretações dos usos de Ockham de sinonímia do modo que foi sugerido por
Tweedale, ainda que pense que há poucas passagens que coloquem problemas para isso.
181
êxito em responder a questão daqueles que vêem Ockham como um reducionista
radical.
Por fim, no terceiro momento, Tweedale explora duas questões
261
, a saber:
[1] Se as próprias palavras de Ockham mostram que ele comprometeu-se
com um ‘Programa Ontológico’ radicalmente reducionista tal como o compreende
a Interpretação ‘A’. Segundo nosso autor, esse não é o caso.
[2] Se a estrutura ontológica mínima de Ockham pode ser defendida por um
tal Programa, quer ele o tenha realizado quer não. Para Tweedale a economia
ontológica é defensável sem precisar recorrer ao reducionismo radical.
Quanto a primeira questão, ele considera que Adams e Spade erraram (e
aqui, Panaccio parece concordar com eles), quando tratam a distinção entre
absoluto-conotativo como se ela fosse uma divisão da classe de termos
categoremáticos não complexos. Na verdade, Ockham fez uma divisão que diz
respeito, somente, a nomes, isto é, substantivos e adjetivos. Assim, verbos
categoremáticos, advérbios e frases preposicionais não são afetados por essa
divisão. Entretanto, muitas categorias, notadamente a relação, ação, paixão, lugar,
tempo, situação e hábito, contêm termos além de nomes. Segue-se que nem
todos os termos das outras categorias além da substância e da qualidade são
conotativos. Consequentemente, não há comprometimento da parte de Ockham
261
TWEEDALE, 1992, p. 438.
182
com sua eliminação do discurso. Sinteticamente, é esse o argumento de
Tweedale. É preciso que ele justifique seu argumento e, é isso que faz.
Que Ockham pretendeu aplicar a distinção absoluto-conotativo somente a
classe de nomes, fica claro já no início da própria distinção, pois diz ele:
Depois da discussão sobre nomes concretos e abstratos,
deve-se falar de outra divisão dos nomes que os escolásticos
freqüentemente usam. Cumpre saber que, entre os nomes
alguns são puramente absolutos, outros são conotativos.
262
Para Tweedale, a única base que Adams tem para pensar que a divisão
absoluto-conotativo aplica-se a uma ampla classe de termos além de nomes, é a
afirmação de Ockham de que outros termos além dos nomes podem receber
definição nominal, isto é, um tipo de definição que simplesmente fornece-nos uma
longa expressão que explica o que está sendo definido. Diz Ockham:
Não somente os nomes, porém, podem ser definidos por tal
definição [isto é, a definição que expressa o quid nominis],
mas também todas as partes da oração, como verbos,
conjunções, etc, são capazes de receber tal definição. Assim
são definidos os advérbios tais como ‘onde’, ‘quando’,
‘quantos’, as conjunções, etc.
263
262
Postquam de nominubus concretis et abstractis est discussum, nunc de alia divisione nominum,
quibus scholastici frequenter utuntur, est dicendum. Unde sciendum quod nominum quaedam sunt
absoluta mere, quaedam sunt connotativa. Sum. Log., I, 10, 35, 3 – 6.
263
Non solum autem nomina possunt definiri definitio tali, sed etiam omnes partes orationis sic
possunt definiri, scilicet verba, coniunctiones, etc. Sum. Log., I, 26, 89, 137 – 140.
183
É correto que Ockham diz que todos os nomes conotativos admitem
definição nominal, mas ele não diz nada que o comprometa com o inverso, ou
seja, ele não diz que todo o termo que tenha uma definição nominal é conotativo.
Dado que somente os nomes são conotativos, o fato de que os exemplos de
outras partes da oração recebam definição nominal não deveria nos conduzir a
concluir que elas também sejam conotativas. Portanto, não encontramos em
Ockham referência a qualquer outra coisa além dos nomes como conotativos.
Nesse sentido, parece que deveríamos concluir que a classe de termos que
recebem definição nominal é mais ampla do que a classe dos conotativos, em
virtude do fato de que a primeira inclui termos como verbos e advérbios que não
são nomes.
Tweedale procura indicar, a seguir, as passagens onde não há dúvida de
que Ockham pensou que em muitas categorias encontramos termos que não são
nomes. Por exemplo, ao explicar a posição dos antiqui quanto às categorias, isto
é, a posição que ele mesmo adotou, Ockham diz:
Parece-me, porém, que os antigos não admitiam tal ordem
em qualquer predicamento (...) Assim, quando disseram que
o mais geral sempre se predica do menos geral e que
qualquer predicamento tem espécies sob ele, entendiam
‘predicar-se’ aos verbos, ao modo em dizemos que ‘caminha’
se predica de homem, ao se dizer ‘o homem caminha’, e, de
modo similar, ‘ele está calçado’, ‘ele está armado’. Estendiam
também a predicação à predicação dos advérbios e das
preposições com seus casos, como o fazemos em
proposições tais como ‘isto é hoje’, ‘isto foi ontem’, ‘ele está
184
em casa’, ‘ele está na cidade’. E, assim, em qualquer
predicamento, encontra-se alguma de tais predicações. (...)
E, como a opinião dos antigos me parece mais razoável
(...).
264
Mais adiante, no mesmo capítulo encontramos:
E baste saber que todo o incomplexo, pelo qual se pode
responder a alguma questão feita sobre a substância, está
em algum predicamento, seja advérbio, verbo, nome ou
preposição acompanhada de termo em seu devido caso.
265
Além disso, quando Ockham discute as categorias da ação, paixão, tempo,
lugar, situação e hábito (Summa Logicae, I, c.57-62), encontramos muitos
exemplos de termos nessas categorias, que não são nomes. Nosso interlocutor
propõe, então, uma interessante questão: dado que os termos não-nominais
nessas categorias não são conotativos, ainda assim, poderia ser afirmado que
todos eles admitiriam uma definição nominal na qual se substituída por sua
definição poderia resultar na eliminação de todos os termos categoremáticos não
complexos fora das categorias da substância e da qualidade?
264
Sed antiqui, ut mihi videtur, non possuerunt talem ordem in quolibet praedicamento (...) Unde
quando dixerunt semper praedicari de inferiori et quodlibet praedicamentum habere sub se species,
extendebant ‘praedicari’ ad verba, quo modo dicimus quod ‘ambulat’ praedicatur de homine, sic
dicendo ‘homo ambulat’, similiter ‘iste calceatur’, ‘iste armatur’. Extendebant etiam praedicationem
ad praedicationem adverbiorum et praepositionum cum casualibus suis, sicut exercemus in talibus
propositionibus ‘iste est hodie’, ‘iste fuit heri’, ‘iste est in domo’, ‘iste est in civitate’. Et ita in quolibet
praedicamento invenitur aliqua talium praedicationem. (...) Et quia intentio antiquorum mihi videtur
rationabilior (...). Sum. Log., I, 41, 114, 13 – 28.
265
Et sufficia scire quod omne incomplexum per quod responderi potest ad aliquam quaestionem
factam de substantia est in aliquo praedicamento, sive illud sit adverbium sive verbum sive nomen
sive praepositio cum suo casuali. Sum. Log., I, 41, 117, 107 – 110.
185
Tweedale afirma que não conhece nenhum lugar onde Ockham
explicitamente negue essa extraordinária tese, mas também não parece haver
qualquer passagem na qual pudesse ser sugerido que ele tenha mantido isso.
A última passagem citada, diz somente que a definição nominal pode ser
dada de palavras de todas as diferentes partes da oração, mesmo as conjunções.
Mas, é óbvio que Ockham não quis dizer de ‘todas as palavras’, nem que de todas
as partes da oração podem ser dadas definições nominais, visto que ele
explicitamente disse que de ao menos uma não pode ser dada, a saber, do termo
absoluto. Ockham somente afirma que as definições nominais não estão limitadas
a certas partes da oração. Consequentemente, não há razão para pensar que ele
poderia ter mantido que todo o verbo, advérbio ou frase preposicional, nas
categorias além da substância e da qualidade, admitissem uma definição nominal
e assim fossem elimináveis.
Para Tweedale, a evidência de que este seja o caso, contra a interpretação
reducionista radical, é a própria prática de Ockham.
266
Quando Ockham coloca
sua estratégia eliminativa em operação, o que ele sempre tenta eliminar são os
nomes das outras categorias além da substância e da qualidade. Freqüentemente
isso é realizado tomando a força semântica desses nomes, dividindo-os entre
266
Tweedale, 1992, p. 440.
186
expressões não-nominais, tais como, verbos, advérbios e frases preposicionais,
que ele evidentemente considera como ontologicamente inócuas.
267
De acordo com nosso autor, quando Ockham decide pela parcimônia, o que
ele nos pede para eliminar do discurso são nomes que aparentemente se referem
a entidades sujeitas a objeções, ou seja, o fato de que os verbos e outras partes
não-nominais da oração pareçam significar essas entidades não constituí um
grave problema para ele. Mas talvez possa ser dito, isso deveria ser visto como
um problema para ele. Pois, se Ockham não pôde eliminar essas expressões não-
nominais aparentemente significando relações, quantidades, entidades
sucessivas, etc, ele não produziu nenhum caso para pensarmos que possa existir
autorização para sua parcimônia das substâncias e qualidades.
Como forma de defender Ockham contra esse tipo de ataque, Tweedale
argumenta que se alguém está preparado para criticar Ockham desse modo,
então deve também ter pesados enjôos sobre o familiar programa ontológico de
Quine. O ponto não é que Quine e, portanto Ockham estejam acima de criticas,
mas a questão aqui não é decidida facilmente a partir de uma reflexão de
momento.
Conforme Tweedale, o programa de Quine
268
foi proposto para dizer que:
267
Tweedale ( p. 440 441) fornece dois exemplos (que por brevidade não vou apresentar) da
ação dessa técnica. O primeiro remete à Física e o segundo a Teologia.
187
[1] vamos supor que o mundo real seja completamente descritível em uma
linguagem, que tem uma gramática ditada por predicados lógicos de primeira-
ordem (ou monádicos
269
) e, [2] as únicas coisas que precisamos dizer que existem
nesse mundo são os valores de variáveis individuais dessa linguagem.
Os predicados simplesmente indicam os diferentes conjuntos teoricamente
construídos para o conjunto de coisas que são os valores das variáveis. O fato de
que esses predicados sejam significativos e sejam absolutamente essenciais para
dizer qualquer coisa verdadeira sobre o mundo, não acrescenta qualquer entidade
ao mundo para descrevê-lo, além daquelas que tomamos como variáveis
individuais.
Nesse sentido, prossegue Tweedale, se Quine adotasse a ontologia da
substância e da qualidade de Ockham, ele poderia dizer que somente as
substâncias e as qualidades seriam admitidas como valores para variáveis
individuais de sua linguagem canônica. Então, ele poderia usar todos os tipos de
predicados para descrever essas substâncias e qualidades – predicados
relacionais, predicados indicando quantidades, predicados indicando ações, etc –
sem pôr em perigo a restrição ontológica, contanto que esses predicados
pudessem funcionar em sentenças verdadeiras sem estenderem-se ao conjunto
de valores das variáveis alem das substâncias e das qualidades.
268
Infelizmente Tweedale não indica a fonte. Presumo que possa ser: QUINE, Willard V. O. et alli.
“Sobre o que há”. In: Coleção ‘Os Pensadores’. São Paulo: Abril Cultural, 1975, p. 217 229. Ou
ainda: QUINE, Willard V. O. et alli. “Falando de objetos”. In: Coleção ‘Os Pensadores’. o Paulo:
Abril Cultural,1975, p. 117 – 131.
269
Predicado de ‘primeira-ordem’, ou ‘monádico’, ou ‘de um lugar’, é aquele que se aplica a um
objeto.
188
Subjacente a essa aproximação de Quine da ontologia há uma afirmação
básica que pode ser colocada cruamente desse modo: daquilo que você fala é
aquilo que você tem para dizer que existe e, daquilo que você não tem como falar
você não tem como dizer que existe.
Menos cruamente, quando tentamos descrever o modo como o mundo
realmente é, vemos que ele está repleto de predicados afirmativos que usamos
para dizer que coisas estão realmente no mundo; se alguma coisa é tal que você
não tenha nenhum predicado para descrevê-la completamente no mundo, então,
ela não é algo que você precisa dizer que é uma coisa real no mundo.
Conforme Tweedale, há uma boa razão para adotar essa crítica. Se
admitirmos que há realmente coisas que não precisamos descrever em uma
completa descrição do mundo, então estamos dizendo que há no mundo coisas
que não têm uma verdadeira descrição afirmativa delas. Elas carecem de caráter
positivo. Em um importante sentido, não há nada que elas sejam. Nosso autor
considera que é razoavelmente duvidosa a coerência de uma tal noção.
Por outro lado, supomos que correspondendo a toda a afirmação predicativa
figurando em uma sentença verdadeira há realmente uma coisa distinta da coisa
do qual o predicado é dito. Por exemplo, quando digo: “O carro é azul”, parece que
189
pressuponho que há algo, o ‘azul’, distinto do carro. Para a aflição da posição
mencionada acima, temos que dizer que esse predicado (‘azul’) da coisa (o carro)
pode aparecer como sujeito em sentenças verdadeiras de outros predicados, e
assim até o infinito. Em outras palavras, haveria uma infinidade de níveis de
coisas e, essa infinidade poderia ser considerada viciosa. Uma coisa depende
para sua existência ‘ser alguma coisa’, isto é, que ela faça verdadeiras certas
sentenças predicando alguma coisa dela. Se for requerida outra coisa para torná-
la verdadeira, então aquela coisa também tem que ter alguma coisa verdadeira
dela, se ela existe. Assim, cada nível de coisas, começando com o nível de coisas
que não são ditas de alguma coisa, depende para sua existência do próximo nível
e assim esse regresso nunca pára. Embora Tweedale não o diga, parece que a
discussão subjacente aqui diz respeito à polêmica entre realistas e nominalistas
sobre fatos primitivos básicos.
Esse debate é muito bem retratado por Michael Loux.
270
Para evitar esse
vicioso regresso ao infinito, observa Tweedale, precisamos fazer um descanso e
dizer que há alguns predicados que não correspondem a coisas, além das coisas
de suas extensões. Em outras palavras, é preciso dizer que há o fato básico de
que há predicados primitivos. Mas se dissermos isso, por que não admitir desde o
começo que predicados significativos não apresentam uma longa necessidade de
coisas correspondendo a eles além das coisas das quais eles são verdadeiros.
Essa parece ser a motivação básica escondida no critério de comprometimento
ontológico de Quine e Tweedale sugere que esse é o caso de Ockham.
270
LOUX, Michael J.. Metaphysics: a contemporary introduction. Londo-New York: Routledge,
1998, particularmente capítulos 1 e 2.
190
De acordo com Tweedale
271
, adotando esse critério não nos tornamos
automaticamente um anti-realista com respeito aos universais ou a qualquer outro
tipo de entidade. As entidades requeridas são aquelas para servir como sujeitos
da predicação. Se estamos descrevendo o mundo de modo completo, temos que
fornecer uma base para nossa ciência e para outras formas de discurso descritivo.
A afirmação de Ockham é de que a ciência aristotélica somente demanda
substâncias e qualidades; nesse sentido, do modo como a ciência é concebida,
substâncias e qualidades são as únicas coisas que existem realmente no mundo.
O princípio de parcimônia, a notória ‘Navalha de Ockham’, proíbe nossa crença
em qualquer outra coisa.
271
TWEEDALE, 1992, p. 442.
191
3. UMA RÉPLICA DA INTERPRETAÇÃO ‘A’
Paul Vincent Spade
272
considera que, para melhor ou para pior, ele tem
grande responsabilidade na interpretação ‘predominante’ (que denomino de
Interpretação ‘A’) da teoria da conotação de Ockham. Reconhece, entretanto, que
essa interpretação foi desafiada por dois competentes autores: Claude
Panaccio
273
e Martin Tweedale
274
, aos quais se julga na obrigação de
responder
275
. Primeiramente, ele discute pontualmente o argumento de Panaccio
contra a possibilidade da sinonímia. A seguir examina a posição de Tweedale.
3.1. CONTRA PANACCIO
Spade reclama que o artigo de Claude Panaccio está restrito a preocupações
com os conceitos relacionais, que são, somente, um tipo de conceitos conotativos.
Mas, registra que a discussão sobre a conotação é bem mais ampla. Panaccio
tem o mérito de forçar as pesquisas nessa área e de levar finalmente a reconhecer
(incluindo o próprio Spade) que Ockham explicitamente admitiu termos conotativos
simples na LM, quer ele quisesse fazer isso ou não. Dado que Ockham teria
272
SPADE, 1996, p. 231.
273
PANACCIO, 2000 (1990).
274
TWEEDALE, 1992.
275
SPADE, 1996, capítulo 7, p. 230 – 240.
192
admitido termos conotativos simples na LM, questiona Spade: o que fazer com
sua interpretação? Bem, se trata aqui, segundo ele, de como Panaccio determina
o problema. O fato de que Ockham admite que termos conotativos simples na
LM significa que:
[a] ou sua teoria é apenas inconsistente,
[b] ou há algo errado com o argumento de Spade.
Inicialmente Paul Spade reapresenta seu argumento, identificando a
premissa que é considerada problemática. Passa, então, a analisar pontualmente
as razões de Panaccio para rejeitar a sinonímia entre um termo conotativo e sua
definição nominal.
ARGUMENTO:
[P1] Todo o termo conotativo tem uma definição nominal.
[P2] Todo o termo conotativo é sinônimo de sua definição nominal.
[P3] Não há sinonímia na LM.
[C] Portanto, não ambos (termo conotativo e sua definição nominal) na
LM, isto é, não há termos conotativos simples na LM.
Como vimos anteriormente, Panaccio não contesta nem [P1] nem [P3]. Ele
localiza o problema em [P2] e, consequentemente, na conclusão. Panaccio
fornece argumentos textuais para mostrar que [P2] não é de fato garantida e que,
para Ockham, os termos conotativos não o realmente sinônimos de suas
193
definições nominais. Entretanto, diz Spade: “Não estou plenamente convencido
desses argumentos”.
276
O primeiro argumento de Panaccio, para negar a sinonímia, tem como base o
fato de que uma definição nominal é mais explícita do que o termo que ela define.
Segundo Spade, não dúvida de que passagens nas quais Ockham diz isso.
Mas, insiste ele, certamente sinônimos devem ser semanticamente igualmente
explícitos’. Uma passagem desse tipo, que Panaccio cita parcialmente, é esta:
Igualmente [a proposição] “Toda a coisa composta de
matéria e forma é corruptível” é anterior a proposição “Todo o
corpo é corruptível”, porque a primeira explica algumas
coisas que a segunda não explica e, não inversamente,
assim como uma definição explica mais coisas do que o
definido faz.
277
Segundo Spade, a expressão ‘explicar’ aqui, é do Latim explicat’,
relacionada à expressão portuguesa explicitar’ e significa algo como ‘desenrolar’,
‘desdobrar’, ‘exibir’. Mas, qualquer que seja o sentido exato, ‘corpo’ é um termo
absoluto, não um conotativo e, a definição apelada para ele aqui (“coisa composta
de matéria e forma”) é uma definição real (quid rei), não uma definição nominal
(quid nominis). Para Spade isso está de acordo com a Interpretação ‘A’ e não
contra ela, visto que ela sustenta que termos absolutos não são sinônimos com
suas definições reais.
276
SPADE, 1996, p. 232.
277
Similiter ista ‘omnis res compositia ex materia et forma est corruptibilis est prior ista ‘omne
corpus est corruptibile’, quia prima explicat aliquas res quas secunda non explicat et non e
converso, sicut definitio explicat plures res quam definitum. Sum. Log., III-2, 14, 530,26 30. (O
grifo é nosso).
194
Panaccio também faz referência a Summula Philosophiae Naturalis
278
,
quando Ockham aborda os termos de privação. Para Spade, não é claro se, nesta
passagem, Ockham está falando sobre definição real ou definição nominal. Visto
que todo o capítulo é sobre privações e os termos privativos o conotativos, é
esperado que a definição nominal esteja em pauta. Por outro lado, nesta mesma
passagem Ockham afirma que as definições tratadas ali não são de nomes, mas
de coisas. Isso significa dizer que, embora o nome definido freqüentemente esteja
pela essência da coisa que é expressa pela definição, em muitas locuções a
definição está pelo nome. Para Spade, a frase a essência da coisa que é
expressa pela definição sugere que se trate de uma definição real, visto que é
isso o que uma definição real faz.
Mas, de qualquer forma, tais passagens não parecem ser decisivas, pois,
para Spade, por que os sinônimos deveriam ser igualmente ‘explícitos’? Se
‘explicitação’ é considerada mais como um aspecto sintático (gramatical) do que
um aspecto semântico parece não haver nenhuma razão para dizer que o termo
definido e sua definição nominal tenham de ser igualmente explícitos. Este é o
caso, por exemplo, do paradigma de sinonímia na literatura moderna. O termo
simples solteiro’ é definido como homem que não casou e é ‘gramaticalmente
mais explícito’. Portanto, o fato de que a definição seja mais explícita do que o
definido não desqualifica a idéia de que eles sejam sinônimos.
278
Sum. Phil. Natur., I, 3, 162.
195
O segundo argumento referido por Panaccio, tem como base à idéia de que
Ockham admite definições nominais, não apenas de ‘nomes’ (como, substantivos
e adjetivos), mas também de verbos, advérbios e conjunções. Nesse sentido,
Panaccio afirma que, nesses casos, as definições nominais são metalingüísticas,
enquanto que o termo definido não é e, consequentemente, o termo definido e sua
definição nominal o podem ser sinônimos. Spade solicita que vejamos o que
Ockham realmente disse (já que novamente a citação de Panaccio é incompleta):
Quarto [definições reais e definições nominais] diferem nisso
que uma definição expressando o que é a coisa [real], é
somente de nomes tomados significativamente, mas a
definição que expressa o que é o nome [nominal] é de
verbos, advérbios e conjunções, por que aquele que quer
definir ‘onde’ diz que é um advérbio interrogativo de lugar’;
igualmente, ele diz que ‘quando’ é um advérbio interrogativo
de tempo’, e assim por diante, onde a definição é predicada
do definido em suposição material.
279
De acordo com Spade, as duas últimas palavras definem o quadro, isto é,
elas referem-se à chamada ‘suposição material’. Em muitos casos, a ‘suposição
material’ das palavras funciona como as aspas usadas na filosofia moderna. E, em
geral, quando os termos estão em ‘suposição material’, estão sendo usados
metalingüísticamente. Spade acredita que o ponto de Panaccio, aqui, não é bem
considerado, pois os termos que estão sendo definidos, são tomados em
suposição material, isto é, metalingüísticamente.
279
Quarto differunt in hoc quod definitio exprimens quid rei solum est nominum significative
sumptorum, sed definitio exprimens quid nominis est verborum, adverbiorum, coniunctionum, quia
qui vult definire ‘ubi’ dicet quod est adverbium interrogativum loci; similiter dicet quod ‘quando’ est
adverbium interrogativum temporis, et sic de aliis, ubi praedicatur definitio de definito supponente
materialiter. Quodl., V, q. 19, 556 ( 66 – 73). (O grifo é nosso).
196
Por fim, para Paul Spade, a evidência mais perturbadora que Panaccio cita,
diz respeito às duas discussões que Ockham aborda no Comentário as
Refutações Sofísticas, de Aristóteles. Ockham diz que: os termos não são
livremente sempre intersubstituíveis com suas definições”.
280
Ambas dizem
respeito à falácia aristotélica conhecida como nugatio’ (isto é, gagueira sintática).
Conforme lembra Spade, esse é o tipo de coisa que Anselmo
281
esteve
interessado em evitar, quando insiste que letrado’ não pode ser definido como
homem tendo a capacidade de aprender gramática”. Caso contrário, não
podemos dizer com correção sintática que Sócrates é um homem letrado”, pois
substituindo o termo por sua definição teríamos que dizer que Sócrates é um
homem homem tendo a capacidade de aprender gramática”, que é sintaticamente
sem sentido, ou seja, teríamos uma ‘nugatio’, um tipo de gagueira sintática.
Certamente, Ockham diz nessas passagens aquilo que Panaccio afirma. Mas
Spade não está muito seguro de aceitar isso. Antes de tudo, deveria ser indicado
que Ockham diz tudo isso no contexto de um comentário. E, é usualmente
aconselhável ter cautela com aquilo que um autor diz num comentário como sua
própria opinião; em um tal contexto ele está confinado pelas visões do texto que
está comentando. Portanto, deve-se ter cuidado, pois Ockham, geralmente, faz
Aristóteles se ajustar às suas próprias opiniões e talvez não seja tão improvável
que ele tenha feito isso nestas passagens.
280
Exp. Elenc., I, 20. (Por se tratar de passagens muito extensas Spade decide por não as citá-las
e acompanho sua decisão).
281
ANSELMO, Santo. “O Gramático”. In: Coleção ‘Os Pensadores’. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
Spade (1996) aborda o tema em Anselmo no c. 7, 196 – 202.
197
Spade observa que, pela inclusão na definição nominal do termo ‘branco’ de
um nome portador de brancura (‘algo’), Ockham parece deixar aberto o problema
da nugatio ao menos se ele, como Anselmo, considera os termos conotativos
como uma abreviação de suas definições nominais e, portanto, intersubstituíveis
entre si. Assim, por exemplo: a definição nominal do termo ‘branco’ é: algo que
tem brancura”. Se substituirmos a definição nominal pelo termo definido na frase
Algo é branco”, teremos “Algo é algo que tem brancura”, caracterizando um caso
de nugatio’. Esse parece ser exatamente o problema visado por Ockham em seu
comentário.
De acordo com Spade
282
, no fim das contas, parece, então, que temos duas
alternativas:
[a] ou podemos dizer que Ockham simplesmente formulou de forma errada a
definição nominal, isto é, ele a deveria ter formulado sem fazer referência ao
portador da brancura (‘algo’), preservando desse modo à sinonímia do termo
conotativo com sua definição nominal. Teríamos, então, a seguinte definição
nominal: ‘tem brancura’.
[b] ou podemos tomar as palavras de Ockham aqui e concordar com
Panaccio dizendo que, os termos conotativos não são sinônimos com suas
definições nominais.
282
SPADE, 1996, p. 234.
198
Spade não pensa que faça muita diferença decidir quais das duas
alternativas se deve adotar. Se seguirmos a interpretação de Panaccio [b], o
problema não muda. Pois:
[1] se o que proíbe os termos conotativos (ou pelo menos alguns deles) de
serem sinônimos com suas definições nominais é a presença na definição de um
termo extra para o significado primário do termo conotativo(um termo portador da
brancura),
[2] então podemos formular uma outra definição nominal removendo o termo
extra (portador da brancura).
Assim, ao invés da expressãoalgo que tem brancura(onde o termo algo’ é
o portador da brancura), podemos formular uma expressão como tem brancura
[sem o termo portador] completamente contida na definição nominal, como se esta
última ocorre-se na LM como parte do anterior.
Além disso, a expressão resultante (‘tem brancura’) é exatamente o que a
alternativa [a] sugere que Ockham deveria ter feito, isto é, formulado uma
definição nominal sem um termo portador e que fosse sinônima com o termo
conotativo. Se não é assim, então em que sentido é a definição nominal, da qual
essa expressão foi formada, uma definição nominal correta? Em outras palavras,
para gerar o problema que agora nos interessa, não precisamos que os termos
conotativos sejam sinônimos com suas definições nominais; é suficiente que eles
sejam sinônimos com uma parte de suas definições nominais. De outra forma,
teremos sinônimos na LM.
199
3.2. CONTRA TWEEDALE
Martin Tweedale concorda com Claude Panaccio, a respeito do argumento
geral, isto é, rejeita [P2], mas por razões inteiramente diferentes.
De acordo com Tweedale, o modo como Ockham utiliza a noção de
‘sinônimo’, sugere que ela está confinada a termos simples. Nesse sentido, um
termo conotativo simples não é sinônimo de sua definição nominal, porque a
definição nominal é uma expressão complexa e, portanto, não é qualificada para
ser sinônima de qualquer coisa. Tweedale aceita [P3] (não sinonímia na LM),
apenas no sentido ‘estrito’ de sinonímia, ou seja, não sinônimos entre palavras
simples na LM. Assim, não nada que proíba que tenhamos um termo
conotativo simples junto como sua definição nominal na LM.
As objeções de Spade contra a posição de Tweedale são duas.
Primeiramente Spade considera que ela é falsa.
283
Ele afirma que uma
passagem na qual Ockham explicitamente chama uma expressão complexa (isto
é, uma combinação de uma cópula mais um particípio) de sinônima. Isso pode ser
verificado quando Ockham diz: “Pois um verbo ou o particípio do verbo tomado
283
SPADE, 1996, p. 235.
200
junto com verbo ‘é’ é sempre eqüipolente na significação e o sempre
sinônimas”.
284
Spade afirma que, tanto quanto saiba, este é o único texto que ele conhece
desse tipo. Mas seu texto, ao menos, tem a vantagem de ser completamente
explicito, enquanto Tweedale não tem um texto explícito; seu argumento é
silencioso. Além do mais, Ockham em nenhum lugar diz explicitamente que
confina a ‘sinonímia’ a termos simples. Tweedale indica, apenas, que isso é o que
parece ser feito por Ockham na prática. Mas, responde Spade: nem sempre.
Em segundo, mesmo se considerarmos essa passagem como um caso
isolado e, ao contrário, concordarmos com Tweedale sobre o uso especial que
Ockham faz de ‘sinônimo’, o problema não é resolvido.
[a] se a única razão para que uma definição nominal não seja sinônima com
o termo que ela define é porque, ela é apenas ‘maior’ e,
[b] se o termo definido e sua definição comportam-se explicitamente como
sinônimos, então não ganhamos nada com isso.
Pois, se olharmos para as passagens a partir das quais Spade conclui que
não há sinônimos na LM, veremos que Ockham mesmo não coloca a questão em
termos de sinonímia mental. Esse foi simplesmente o modo como Spade colocou
a questão.
284
Quodl., 5, q. 8.
201
O que Ockham realmente diz é que “não há uma pluralidade de conceitos
correspondendo a termos sinônimos”, ou que, “não há pluralidade na mente
correspondendo a multiplicidade de termos sinônimos falados”. Segundo Spade, a
correspondência’ da qual Ockham está falando é a correspondência por meio da
qual termos falados e escritos estão subordinados ao termo mental, que fornece a
eles sua semântica.
É essa afirmação que, em geral, não pode ser mantida se a LM contiver
ambos (o termo conotativo e sua definição nominal), quer digamos que essa
definição nominal seja sinônima com o termo que ela define, quer não. Pois:
[1] se concordamos que expressões faladas e escritas recebem seu
comportamento semântico dos conceitos aos quais estão subordinados e,
[2] se concordamos que, ao menos as expressões simples são sinônimas se
comportam-se semanticamente iguais,
[3] então: ou a definição nominal falha em ser sinônima com o termo que ela
define, porque ela não se comporta de modo semanticamente igual ao termo, e
assim falha por ser mais complexa, ou nosso problema permanece.
Por exemplo, suponha que:
C é um conceito conotativo simples;
202
DN é sua definição nominal mental.
Se dois termos simples (falado ou escrito) T1 e T2, estão subordinados a C,
todos concordam que eles são sinônimos. Do mesmo modo, se T1 e T2 estão
subordinados a DN, eles são sinônimos.
Mas:
[a] se um deles (T1) está subordinado a C e (T2) está subordinado a DN; e
[b] se a definição nominal DN comporta-se semanticamente igual ao conceito
conotativo C que ela define;
[c] então, T1 e T2 são novamente sinônimos, embora estejam subordinados
a dois conceitos mentais distintos.
Mas isso viola explicitamente a afirmação de Ockham segundo a qual “não
há pluralidade de conceitos correspondendo a termos sinônimos”.
Em suma, independente da questão se saber, se é textualmente justificado
ou não, restringir a sinonímia a expressões simples do modo como Tweedale fez,
isso por si mesmo não resolve nosso problema.
203
4. RESUMO DO DEBATE
Para onde toda a discussão anterior nos conduz? Não é fácil dizer, pois
diante de críticas e réplicas nos deparamos com uma discussão complexa. No
momento, a título de síntese, apresento os pontos que considero centrais de cada
uma das interpretações. Penso que desse modo é possível indicar os encontros
desencontros e, principalmente, visualizar com clareza o cenário do debate.
INTERPRETAÇÃO ‘A’
[1] No âmbito da análise interna da teoria da conotação os pontos principais
são os seguintes.
AFIRMAÇÃO 1: Termo conotativo e sua definição nominal são sinônimos.
AFIRMAÇÃO 2: Não há sinônimos na LM.
AFIRMAÇÃO 3: Termos conotativos são redutíveis a termos absolutos por
meio de uma definição nominal completamente expandida.
AFIRMAÇÃO 4: Termos conotativos são elimináveis da LM.
AFIRMAÇÃO 5: Não há termos conotativos simples na LM.
204
AFIRMAÇÃO 6: A significação secundária de um termo conotativo é
estabelecida por meio de um critério sintático, isto é, trata-se dos modos sintáticos
de significação.
[2] Quanto ao Programa de Redução Ontológica de Ockham, a Interpretação
‘A’ compreende-o como radicalmente reducionista. Nesse sentido, ela considera
que ele fracassa, seja porque permaneceu essencialmente programático (Adams)
seja porque não é possível realiza-lo (Spade).
INTERPRETAÇÃO ‘B’
No âmbito da análise interna, sustenta os seguintes pontos.
AFIRMAÇÃO 1: termo conotativo e sua definição nominal não são sinônimos.
AFIRMAÇÃO 2: Não há sinônimos na LM.
AFIRMAÇÃO 3: Termos conotativos não são redutíveis e elimináveis da LM.
AFIRMAÇÃO 4: Há termos conotativos na LM.
205
AFIRMAÇÃO 5: A significação secundária de um termo conotativo é
estabelecida por meio de um critério lógico-semântico, isto é, trata-se dos modos
lógicos de significação.
[2] Quanto ao Programa de Redução Ontológica de Ockham a Interpretação
‘B’ sustenta que é possível mantê-lo sem recorrer a um reducionismo, isto é, é
possível uma Parcimônia Ontológica que não seja radicalmente reducionista.
Enfim, considero que este é o status quo acerca da teoria da conotação de
Ockham.
206
III. UMA INTERPRETAÇÃO PROPOSITIVA
De início é preciso estabelecer alguns pontos. De modo geral, uma
‘interpretação’ consiste em uma explicação pessoal (que pode ser compartilhada)
acerca de algo. Nesse sentido, trata-se aqui de uma explicação da maneira como
entendo a teoria da conotação de Ockham. Na medida em que pretende ser uma
proposta alternativa às interpretações precedentes é ela ‘propositiva’.
Devo indicar que duas teses estão subjacentes no processo argumentativo:
[1] A tese 1 [T1] afirma que a teoria da conotação constitui-se como um
instrumento semântico válido que desempenha um papel fundamental para o
descomprometimento ontológico no interior do sistema nominalista de Ockham.
Ainda que a teoria apresente certas dificuldades internas, considero que ela é
válida e, portanto, sustentável.
[2] A tese 2 [T2] assevera que o ‘Programa de Redução Ontológica’ de
Ockham é defensável se interpretado como um reducionismo mínimo. Dito de
outra forma, o ‘Programa’ não é tão extenso e ambicioso quanto possa parecer.
Certamente essas duas teses devem ser justificadas ou, ao menos, é preciso
mostrar sua plausiblidade em relação às interpretações anteriores. Nesse sentido,
207
meu processo argumentativo recorre a dois expedientes, a saber: o teórico e o
textual.
Por fim, registro que minha exposição está dividida em dois momentos:
[1] Primeiramente, discuto a teoria em si mesma. Especificamente trata-se de
debater a questão sobre a possibilidade ou não da sinonímia mental.
[2] Em segundo lugar, abordo o ‘Programa de Redução Ontológica’.
1. A TEORIA DA CONOTAÇÃO: ANÁLISE INTERNA
1.1. A TENTATIVA CONCILIATÓRIA
Uma estratégia atrativa para resolver a questão interpretativa da teoria da
conotação foi proposta por Yiwei Zheng.
285
O autor se esforça para mostrar que
uma ‘boa interpretação’ da teoria deve conciliar conjuntamente elementos da
Interpretação ’A’ e da Interpretação ‘B’. Ele afirma que três requerimentos que
uma ‘boa’ interpretação deve harmonizar, quais sejam:
285
ZHENG, Yiwei. ‘Ockham on Connotative Terms’. IN:
http://www.bu.edu/wcp/Papers/Medi/MediZhen.htm, 1998.
208
R1: Todo termo conotativo tem uma definição nominal semanticamente
equivalente. Portanto, um termo conotativo e sua definição nominal são
sinônimos.
R2: Não sinônimos na LM, isto é, frases sinônimas na LC estão
subordinadas a um mesmo conceito mental.
R3: Há termos conotativos simples na LM.
A questão que se coloca é a seguinte: Uma ‘boa’ interpretação da teoria
requer, necessariamente, a concordância entre esses três requerimentos? Ou,
ainda, é possível conciliá-los e ter uma interpretação consistente? Não estou
convencido disso. Examinemos, então, qual a dificuldade dessa interpretação.
Podemos conectar R1 e R2 para obtermos:
R4: Todo termo conotativo falado está subordinado ao mesmo conceito que
sua definição nominal.
Visto que a definição nominal é uma expressão complexa, ela deve estar
subordinada a um conceito complexo. Segue disso:
R5: Toda definição nominal está subordinada a um conceito complexo.
Mas, de R4e R5 segue-se:
R6: Todo termo conotativo falado está subordinado a um conceito complexo.
Entretanto, isso é apenas outro modo de afirmar que:
R7: Todo termo conotativo falado corresponde a um conceito, isto é, todo
termo conotativo mental é complexo.
209
Não dúvida que Zheng defronta-se com uma ria dificuldade: afirmar
simultaneamente R3 (há termos conotativos simples na LM) e R7 (todo termo
conotativo falado corresponde a um conceito complexo) gera uma contradição. A
solução proposta pelo autor é eliminar o requerimento problemático, a saber, R5
(toda definição nominal está subordinada a um conceito complexo). De fato, ele
tenta mostrar que, segundo Ockham, todos os conceitos mentais o simples, ou
seja, indivisíveis qualidades da mente. Assim, todas as expressões complexas da
LC (como no caso de uma definição nominal) estariam subordinadas a conceitos
simples.
Essa última afirmação, porém, entra em conflito com a composicionalidade
de nossas expressões complexas, isto é, frases complexas são composicionais.
Ora, se uma expressão complexa falada tem um significado composicional em
virtude do significado composicional do conceito ao qual está subordinada, então,
nenhuma frase falada pode ter qualquer significado além do significado que tem
seu conceito correspondente. Mas, como pode um conceito simples ter significado
composicional se ele não é composto de partes e, desse modo, não é uma função
do significado de suas partes?
Zheng tenta mostrar que é possível fornecer uma semântica recursiva
286
sem
assumir sua complexidade sintática. Sua proposta consiste em pressupor uma LM
286
Uma linguagem tem uma semântica recursiva se um método recursivo para calcular o
significado de cada signo da linguagem e deve funcionar do seguinte modo: (a) o significado de
alguns signos (usualmente denominados ‘signos primitivos’) é assinalado individualmente; (b) o
210
imaginária, na qual conceitos complexos imaginários fazem o trabalho semântico
pelos conceitos simples reais.
Visando a harmonizar os requerimentos R1, R2 e R3, nosso autor elabora
uma distinção entre:
[a] LM real não composicional e,
[b] LM imaginária composicional.
Seu processo argumentativo é intrincado, complexo e problemático. Em
síntese, ele sugere a criação de uma metalinguagem imaginária que sirva de
referência à LM real. Considero que a proposta de Zheng é louvável pela tentativa,
mas problemática pelo resultado. Não pretendo discuti-la, na medida em que ela
foi devidamente examina e criticada por Gyula Klima.
287
Em linhas gerais, Klima
considera desnecessário postular uma LM imaginária, pois isso conduz a uma
resposta imaginária para um problema imaginário. Ele mostra que o modo como
Zheng tenta compatibilizar R1, R2 e R3 é inconsistente.
1.2. A INTERPRETAÇÃO PROPOSITIVA
significado de todos os outros signos é calculado tendo como base o significado dos ‘signos
primitivos’.
287
KLIMA, Gyula. “Semantic Complexity and Syntatic Simplicity in Ockham’s Mental Language”. IN:
http://www.fordham.edu/gsas/phil/klima/APA98.htm, 1998.
211
Deixando de lado a proposta de Zheng (devidamente criticada por Klima),
assumo àquela assinalada por David Chalmers.
288
Por uma questão de
honestidade intelectual, devo dizer que devo a Chalmers a base estrutural da
‘Interpretação Propositiva’. Nesse sentido, utilizo seu esquema argumentativo para
construir minha argumentação. Além disso, recorro em várias passagens ulteriores
a muitas das noções empregadas por ele.
Especificamente, discuto o que considero o núcleo do conflito interpretativo
acerca da teoria da conotação. A questão pode ser formulada da seguinte
maneira: De acordo com Ockham, é possível ou não a sinonímia na LM? Ou,
ainda, Ockham, de fato, está comprometido com a negação da sinonímia mental?
De modo a marcar com clareza minha posição, exponho sintética e
esquematicamente o estado da questão.
Para a Interpretação ‘A’:
[P1] Não há sinonímia na LM.
[P2] O termo conotativo e sua definição nominal são sinônimos.
[C] Na LM não termos conotativos simples, mas apenas sua definição
nominal.
Para a Interpretação ‘B’:
[P1] Não há sinonímia na LM.
[P2] O termo conotativo e sua definição nominal não são sinônimos.
[C] Na LM há termos conotativos simples.
288
CHALMERS, 1999.
212
Para a Interpretação de Zheng:
[P1] Não há sinonímia na LM.
[P2] O termos conotativo e sua definição nominal são sinônimos.
[C] Há termos conotativos simples na LM.
Para minha Interpretação Propositiva:
[P1] Há sinônimos na LM.
[P2] O termo conotativo e sua definição nominal são sinônimos.
[C] Termo conotativo e sua definição nominal existem na LM.
Sem dúvida, a afirmação mais desafiadora e que marca minha posição incide
sobre [P1]. Minha tarefa, então, consiste em mostrar que ela é tão plausível
quanto à posição contrária. De início, quero verificar a força do argumento do
adversário e ver se ele é, de fato, conclusivo.
Duas indicações textuais parecem favorecer a idéia de que não sinônimos
na LM. Primeiramente, escreve Ockham:
Ao argumento principal digo que tudo que é um acidente
[gramatical] do termo mental é um acidente de um termo
falado, mas não o inverso, porque algo é um acidente de um
termo falado por causa da necessidade de significação e de
expressão, e este convém ao termo mental; outros são
acidentes dos termos falados por causa do ornato do
discurso, como a sinonímia, e por causa da boa formulação,
e estes não convêm aos termos mentais.
289
289
Ad argumentum principale dico quod omne quod accidit termino mentali accidit termino vocali
sed non econverso, quia aliqua accidunt terminis vocalibus propter necessitatem significationis et
expressionis, et illa conveniunt terminis mentalibus; alia accidunt terminis vocalibus propter ornatum
sermonis, sicut synonyma, et propter congruitatem, et illa non conveniunt terminis mentalibus.
Quodl., V, 8, 513, 130 – 136.
213
Da passagem acima, dois aspectos devem ser destacados. Primeiramente, é
importante observar que, segundo Spade
290
, esta é a única ocorrência explícita
nos escritos de Ockham na qual ele faz referência direta à possível exclusão da
sinonímia mental. Em segundo lugar, parece claro que o critério de pertencimento
dos traços gramaticais que vão da LC para a LM é determinado pela ‘necessidade
de significação’. Três pontos devem ser indicados:
[1] Certos traços gramaticais que ocorrem na LM ocorrem na LC.
[2] Nem todos os traços gramaticais que ocorrem na LC ocorrem na LM.
[3] Somente os traços gramaticais que ocorrem na LC por ‘necessidade de
significação’ ocorrem também na LM.
O raciocínio torna-se manifesto. Se um traço gramatical pertence à LC por
necessidade de significação, então esse traço pertence também à LM. Se um
traço gramatical existe na LC por causa do ornato da linguagem, então esse traço
não pertence à LM.
291
Esse é o caso das expressões sinônimas da LC. Portanto,
não há sinônimos na LM (Discuto essa conclusão mais adiante).
Uma outra indicação textual (esta sim freqüentemente repetida) diz respeito à
exigência de Ockham, segundo a qual expressões da LC estão subordinadas á
LM. Em muitas ocasiões, escreve Ockham:
290
SPADE, 1980, p. 12.
291
Na Sum., Log., I, 3, Ockham apresenta os traços gramaticais que são próprios da LC e aqueles
que são comuns à ambas, LC e LM.
214
[a] “(...) não parece haver grande necessidade de pôr tal pluralidade nos
termos mentais (...) a multiplicidade dos conceitos não corresponde a tal
pluralidade de sinônimos (...)”.
292
[b] Ou, “(...) e a pluralidade de nomes sinônimos não corresponde a
pluralidade de conceitos (...)”.
293
[c] E, mais uma vez, “(...) mas a multiplicidade de nomes sinônimos falados
não corresponde a uma pluralidade na mente (...)”.
294
Conjugadas com a anterior, essas evidências textuais parecem garantir ao
adversário a negação da sinonímia mental (Mais adiante tratarei desse ponto).
No que segue, antes de levar o debater para o campo das razões textuais,
quero apresentar duas motivações teóricas para sustenta a possibilidade de
sinonímia mental. A questão que coloco, de imediato, é a seguinte: Do ponto de
vista ‘teórico’, a possibilidade de sinonímia mental é plausível?
A primeira motivação teórica a favor da sinonímia mental tem como base à
noção de ‘equivalência gica’, isto é, esse é o caso de quando duas expressões
sintaticamente distintas (sejam complexas ou simples), alcançam o mesmo
292
(...) non videtur magna necessitas talem pluritatem ponere in mentalibus terminis (...) multitudo
conceptuum tali pluritati synonymorum non correspondet. Sum., Log., I, 3, 11, 15 – 21.
293
(...) et pluribus nominibus synonymis non correspondet pluritatis conceptuum (...). Quodl.,V, 8,
513, 125 – 126.
294
(...) sed multitudini nominum synonymorum in você non correspondet pluralitas in mente (...).
Quodl., V, 9, 513, 11 – 12.
215
resultado em matéria de significação.
295
Nesse sentido, duas expressões
logicamente equivalentes serão ditas sinônimas.
Sabemos que a LC e a LM comportam termos categoremáticos simples e
termos sincategoremáticos. Nas esferas (convencional e mental) podemos
combiná-los para formar expressões complexas. A LC, por exemplo, contém
termos como ‘homem’, ‘gorro’, ‘chapéu’, ‘com’, ‘ou’, etc. É possível combiná-los
para formular expressões do tipo:
E1: “Um homem com ou um gorro ou um chapéu”.
E2: “Um homem com um gorro ou um homem com um chapéu”.
Expressões desse tipo são gramaticalmente diferentes (E1 é uma conjunção
e E2 é uma disjunção) e, mesmo assim, parecem alcançar o mesmo resultado em
termos de significação. São sintaticamente complexas e diferentes, mas
logicamente equivalentes. Logo, são sinônimas. Se esse é o caso na LC, então,
não parece haver razão para que o mesmo não ocorra na LM, pois certamente há
na mente sentenças conjuntivas e disjuntivas. Assim, se E1 e E2 são sinônimas
na LC, também são sinônimas na LM. Portanto, há sinonímia na LM.
O raciocínio acima parece ficar exposto a dois tipos de contestação, a saber:
295
CHALMERS, 1999, p. 77.
216
[a] Por um lado, pode ser dito que, de fato, E1 e E2 não são sinônimas. E, se
não são sinônimas, podem ambas ocorrer distintamente na LM. Portanto, não
sinonímia mental.
[b] Por outro lado, pode ser objetado que, na verdade, E1 e E2 são idênticas
na LM, isto é, estão subordinadas a uma única expressão mental. Dessa maneira,
não há duas expressões distintas na mente e, portanto, não há sinonímia mental.
A contestação [a] está alicerçada na cláusula ‘no mesmo modo’ da noção de
‘sinonímia’ de Ockham. O objetor explica tal cláusula de maneira puramente
sintática.
296
Assim, embora E1 e E2 contenham as mesmas expressões, têm
construções sintáticas diferentes e, desse modo, não satisfazem a cláusula
‘significar no mesmo modo’. Logo, não são sinônimas.
Penso que há, teoricamente, alguns modos de responder a essa objeção.
Em primeiro lugar, podemos dizer que a própria cláusula é vaga. De fato,
Ockham em nenhum momento explicita ou deixa claro, o que quer dizer ‘significar
no mesmo modo’. Considero tratar-se mais de uma especulação interpretativa e,
nesse sentido, compreendê-la em termos puramente sintáticos não garante seu
êxito.
296
SPADE, 1975, p. 68 – 69.
217
Em segundo, a própria noção de ‘sinonímia’ parece dizer respeito muito mais
ao âmbito semântico de significação do que ao âmbito sintático. Ora, se esse é o
caso, a cláusula ‘no mesmo modo’ pode ser interpretada a partir de uma
perspectiva lógico-semântica, como faz Panaccio.
297
Por fim, se o parâmetro para estabelecer as condições de sinonímia recorrer
meramente à situação sintática das expressões envolvidas (simples ou
complexas), corremos o risco, desnecessário, de entrar em choque com o
paradigma moderno de sinonímia. As expressões ‘solteiro’ e ‘pessoa que não
casou’ são sintaticamente diferentes e logicamente equivalentes alcançam o
mesmo resultado em matéria de significação.
A contestação [b], lastreada na relação de subordinação, está diretamente
conectada à segunda evidência textual referida anteriormente. Sendo assim,
permito-me responder a esta no momento de tratar daquela.
A segunda motivação teórica a favor da sinonímia mental tem como fonte a
seguinte afirmação de Ockham:
Amplamente chamam-se sinônimos aqueles [termos] (...)
embora nem todos os utentes creiam que significam a
mesma coisa, mas enganados julgam que algo é significado
por um que não é significado pelos demais (...).
298
297
PANACCIO, 2000.
298
Large dicuntur illa synonyma (...) quamvis non omnes utentes credant ipsa idem significare, sed
decepti aestiment aliquid significari per unum quod non significatur per reliquum. Sum., Log., I, 6,
19, 8 – 13.
218
A passagem acima sugere a possibilidade de que um indivíduo tenha na
mente duas expressões diferentes que ele não reconheça ou saiba que são
sinônimas, embora, de fato, elas o sejam. Vejamos isso mais de perto.
Considero como não polêmico o fato de que expressões lingüísticas, no
decorrer do tempo, sofram mudanças no seu significado, vindo inclusive a
tornarem-se sinônimas. Um caso desse tipo pode ocorrer no interior do próprio
indivíduo, isto é, algumas vezes acontece que duas expressões que
originariamente tinham significados diferentes, para esse indivíduo, venham
gradualmente a serem reconhecidas como sinônimas.
Por exemplo, Manoel, quando criança, tempo T1, utilizava a expressão
‘pedra’ para objetos pequenos e a expressão ‘rocha’ para objetos grandes.
299
Talvez ele registrasse reações e significações diferentes ao ouvir as seguintes
sentenças: “Pedro caiu do pontilhão” e “Pedro caiu da ponte”. Mas, passados
alguns anos, tempo T2, Manoel aprendeu a utilizar e reconhecer as expressões
‘pontilhão’ e ‘ponte’ como sinônimas. Originariamente, para ele, elas tinham
diferentes significados e estavam conectadas a conceitos diferentes. Através de
um processo gradual no tempo, essas expressões são empregadas por Manoel
para significar a mesma coisa. A citação acima parece abrir a possibilidade de
haver sinonímia mental, pois; embora Manoel não reconhecesse ‘pedra’ e ‘rocha’
(ou, ‘pontilhão’ e ‘ponte’) como sinônimas – T1 –, elas, de fato, são sinônimas.
299
Os exemplos usualmente encontrados na literatura (Spade, 1996; Chalmers, 1999) são as
expressões ‘rock’ e ‘stone’. Podemos, também, empregar as expressões ‘pontilhão’ e ‘ponte’.
219
Entretanto, poderíamos questionar: Visto que os termos ‘pedra’ e ‘rocha’ e
seus respectivos conceitos gradualmente tornam-se sinônimos para Manoel, o que
ocorreu na LM? Os distintos conceitos mentais repentinamente se tornam o
mesmo na mente? Um deles simplesmente desapareceu? Ambos foram fundidos
em um único conceito? Parece razoável pressupor que, mesmo quando Manoel
tome consciência de que os termos são sinônimos, seus respectivos conceitos
mentais distintos não desaparecem nem são definitivamente suprimidos da mente.
Logo, é possível haver sinonímia mental.
Por um lado, reconheço que, talvez, minhas motivações teóricas a favor da
sinonímia possam não ser decisivas e totalmente conclusivas. Por outro lado,
acredito que elas constituem uma proposta argumentativa tão plausível para a
possibilidade da sinonímia mental quanto sua contraparte.
A seguir, examino se as indicações textuais do adversário para negar a
sinonímia mental são, de fato, definitivas.
A primeira indicação textual
300
, aparentemente, nega a possibilidade de
sinonímia. Digo ‘aparentemente’ porque motivos para que a referida passagem
possa ser interpretada de outros modos.
300
Quodl., V, 8, 513, 130 – 136.
220
[1] É possível que o que está sendo negado é que a sinonímia na LC esteja
refletida na sinonímia mental. Abre-se, assim, a possibilidade de que a sinonímia
mental possa ocorrer por outros meios.
[2] É possível, ainda, que o que está sendo negado é que certos sinônimos
da LC (os decorativos) estejam refletidos na LM. Novamente, abre-se a
possibilidade de que sinônimos (não decorativos) da LC estejam refletidos na LM.
[3] Se aceitarmos que somente os traços gramaticais que ocorrem na LC por
‘necessidade de significação’ ocorrem também na LM, estaríamos privilegiando e
dando precedência à LC. Ora, o critério de ‘necessidade de significação’ deve
valer tanto para a LC quanto para a LM, caso contrário, estaríamos admitindo que
a LC é a que determina a LM.
[4] o aspecto de que esta é a única ocorrência textual explicita na qual
Ockham faz referência direta à impossibilidade de sinonímia mental. E o próprio
adversário
301
reconhece que esta evidência textual o é suficientemente forte
como deveria, embora ele insista que ela serve de base para a negação da
sinonímia mental.
Mas, se o vigor da negação parte do âmbito textual, podemos deixar a
situação mais eqüipolente indicando como, implicitamente, Ockham parece
comprometer-se com a possibilidade da sinonímia mental.
301
SPADE, 1980, p. 12.
221
Escreve Ockham:
Respondo: a conclusão é afirmativa segundo os filósofos [há
distinção], pois o conceito homem é absoluto, o conceito
branco é conotativo e o conceito pai é relativo. E, eles não
coincidem uns com os outros, assim como o superior e o
inferior, pois todo o conceito relativo é conotativo, mas não o
inverso.
302
Ou, ainda:
Terceiro, digo que Deus pode ser conhecido simplesmente
por meio de um conceito conotativo e negativo que lhe é
próprio. (...) e este conceito é simples, mesmo que signifique
coisas distintas (...).
303
Certamente, nessas duas passagens, Ockham não está explicitamente
comprometendo-se com a afirmação de que sinônimos mentais. Mas, sem
dúvida, afirma que há termos conotativos mentais. Junta-se a isso a discussão do
Quodlibet Septem (Quodl., V, q. 9), no qual questiona: Os termos mentais
distinguem-se, como os termos falados, em concretos e abstratos? Quero explorar
esse ponto mais de perto.
Ockham argumenta que a LM possui o termo concreto ‘branco’ e o termo
abstrato ‘brancura’. Sabemos que o termo ‘branco’ é um dos paradigmas
prediletos de Ockham para exemplificar os termos conotativos. Logo, na mente
o termo conotativo simples ‘branco’. Certamente a LM possui outros termos e tem
302
Respondeo: conclusio est certa secundum philosophos, nam conceptus hominis est absolutus,
conceptus albi est connotativus, et conceptus patris est relativus. Et non coincidunt nisi sicut
superius et inferius, quia omnis conceptus relativus est connotativus, et non e converso. Quodl., V,
q. 25, p. 583. (O grifo é nosso).
303
Tertio, dico quod Deus potest cognosci a nobis in conceptu simplici connotativo et negativo sibi
próprio (...) et isti conceptus est simplex, quamvis distincta significet (...). L. Sent., d. 3, q. 2, p. 405.
222
a capacidade de combiná-los sintaticamente para formular a definição nominal
mental do termo concreto ‘branco’: “algo que tem brancura”. Ora, o adversário
admite a sinonímia entre o termo conotativo e sua definição nominal. Assim, se os
termos ‘branco’, ‘brancura’ e outros estão incluídos no vocabulário da LM, e a
definição nominal enquanto uma construção sintática deve estar na mente, a
sinonímia parece possível.
Poderia ser objetado que, um conceito mental é um signo natural e a
definição nominal, na medida em que é uma construção gramatical, é um signo
convencional complexo. Ora, seria, então, preciso afirmar a sinonímia mental entre
um signo mental natural e um signo convencional. Podemos responder dizendo
que os termos conotativos mentais são funções que regram as combinações
naturais dos termos absolutos mentais. A definição nominal de ‘branco’ é ‘algo que
tem brancura’, composta pela combinação de termos absolutos. Isso garante que
ambos, o termo conotativo mental e sua definição nominal mental signifiquem o
mesmo, pois, caso contrário, esta última teria seu uso de forma arbitrária. Assim,
se não sinonímia mental, então não como distinguir os termos entre
concretos e abstratos como ocorre na LC, colocando em xeque o que o próprio
autor diz no texto referido. Ainda que a negação da sinonímia pareça ser legítima,
Ockham parece não ter considerado suas conseqüências. Portanto, não parece
improvável haver sinonímia na LM.
A segunda indicação textual apresentada pelo adversário a favor da não
sinonímia mental é desafiadora. Primeiro, porque, diferente da primeira, é
223
recorrente nos escritos de Ockham. Segundo, porque coloca claramente a
exigência da relação de subordinação segundo a qual, termos sinônimos na LC
estão subordinados a termos idênticos na LM.
É exatamente essa exigência que considero problemática, pois ela expõe
uma tensão interna no pensamento de Ockham e o conduz a uma inconsistência.
Nesse sentido, uma argumentação interpretativa a favor da sinonímia mental,
possivelmente, torne-se muito mais uma crítica contra a própria exigência de
Ockham.
Conforme o adversário reconhece
304
, as referências textuais apresentadas
305
não constituem uma base vigorosa para a defesa da sinonímia mental. Do que é
afirmado, não se segue, necessariamente, que sinônimos mentais não possam
existir. O que se esta afirmando é que se eles existem, então o estão
associados aos sinônimos da LC. Ora, se os sinônimos mentais têm algum termo
da LC subordinados a eles, então esses termos devem ser sinônimos, violando a
exigência de Ockham. Diante disso, parece razoável admitir que qualquer termo
mental, possivelmente, deva ter um termo associado da LC. Porém, se
mantivermos a exigência de subordinação e insistirmos na defesa da sinonímia
mental, então devemos estar comprometidos com a existência de termos mentais
que não estão associados a termos da LC. Embora isso não seja impossível,
parece ser um recurso ad hoc.
304
SPADE, 1980, p. 12.
305
Sum., Log., I, 3, 11, 15 – 21, Quodl.,V, 8, 513, 125 – 126 e Quodl., V, 9, 513, 11 – 12.
224
Parafraseando Spade
306
, talvez a ‘melhor doutrina de Ockham’ deva
considerar como critério correto a idéia, segundo a qual, os termos sinônimos da
LC estão subordinados a distintos termos mentais sinônimos.
A base para essa reivindicação encontra-se na afirmação de Ockham: “(...)
embora nem todos os utentes creiam que significam a mesma coisa, mas
enganados julgam que algo é significado por um que não é significado pelos
demais (...)”.
307
Tal passagem coloca dúvida sobre a efetiva subordinação dos termos
sinônimos da LC a termos mentais idênticos e sugere que Ockham possa estar
comprometido com a possibilidade de sinonímia mental, apesar de que sua
exigência pareça indicar o contrário. A partir da citação, podemos formular o
seguinte raciocínio:
É possível para um usuário da linguagem julgar que:
[1] A sentença “Aquele objeto é um X” é verdadeira e,
[2] A sentença “Aquele objeto é um Y” é falsa;
[3] ainda que, os termos X e Y sejam sinônimos.
306
SPADE, 1975 e 1996.
307
Sum., Log., I, 6, 19, 8 – 13.
225
Ora, isso implica que X e Y não podem estar subordinados ao mesmo
conceito mental como requer a exigência de subordinação. Se X e Y estão
subordinados ao mesmo termo mental, então todo o julgamento mental a respeito
de X e Y deve coincidir. As sentenças faladas “Aquele objeto é um X” e “Aquele
objeto é um Y” devem estar subordinadas a idênticas sentenças na LM. E não
parece ser correto que uma possa ser julgada verdadeira e a outra
simultaneamente ser julgada falsa.
Assim, a passagem referida parece contradizer a exigência de Ockham de
que os termos sinônimos estão subordinados a termos mentais idênticos. Se
aceitarmos essa passagem como válida, então fica difícil não concluir que os
termos X e Y devem estar subordinados a conceitos diferentes e sinônimos.
Portanto, parece possível afirmar que há sinonímia na LM.
Retomando nossa preocupação anterior, questiono: Ockham teria acreditado
que há sinonímia mental? É bem provavelmente que não. Em uma única ocasião
ele nega tal possibilidade. Além disso, a freqüente exigência de que termos
sinônimos na LC estão subordinados a termos mentais idênticos. Entretanto,
insisto que os argumentos contra a sinonímia mental não são decisivos e
conclusivos, pois sua aparente negação não fornece uma sólida e definitiva razão
para rejeitar a posição contrária. O processo argumentativo desenvolvido até o
momento (no âmbito teórico e textual) visou, ao menos, a colocar em dúvida a
aparente solidez posição adversária.
226
Ockham estaria comprometido com a sinonímia mental? Considero que
indícios que sim, principalmente a partir da tensão interna colocada entre a
exigência da relação de subordinação e a passagem expressa na Sum., Log., I, 6.
De qualquer modo, considero que o caso da sinonímia mental é uma questão
aberta e ‘não provada’. Se minha posição não é vigorosamente sólida, ela garante,
ao menos, a plausibilidade de [P1] possível a sinonímia na LM). Portanto, seja
qual for o veredicto, a possibilidade da sinonímia mental não é tão objetável como
tem sido comumente suposta.
No que diz respeito a [P2] (o termos conotativo e sua definição nominal são
sinônimos), pergunto: Se a definição nominal, de algum modo, não fosse sinônima
do termo definido qual seria sua função?
Consideremos a seguinte passagem:
A definição que expressa o que é o nome é uma oração que
declara explicitamente o que é importado por um termo
simples, assim como alguém que quer ensinar a outro o que
significa o termo ‘branco’ diz que significa o mesmo que a
oração ‘algo que tem brancura’.
308
A partir dessa passagem fica claro que, se você quer ensinar a alguém o
significado de um termo simples, a ele a definição nominal desse termo. Mas
isso pode fazer sentido se a definição nominal for, em algum sentido, sinônima
308
Definitio autem exprimens quid nominis est oratio explicite declarans quid per unam dictionem
importatur, sicut aliquis volens docere alium quid significat hoc nomen ‘album’ dicit quod significat
idem quod haec oratio ‘aliquid habens albidinem’. Sum. Log., I, 26, 88, 113 116. O mesmo é
repetido em Quodl., V, q.19, p.554.
227
com aquilo que ela define. A objeção de Panaccio para negar a sinonímia é a de
que aceitá-la conduziria à seguinte contradição:
[i] se é dito que um termo conotativo e sua definição nominal são sinônimos,
[ii] se a LM não contém sinônimos;
[iii] se o termo conotativo e sua definição nominal ocorrem na LM;
[iv] então, há uma contradição.
Mas a preocupação de Panaccio é resolvida se, como proponho, admitimos a
sinônima na LM. Retomando nosso argumento inicial, podemos dizer que: se a LM
contém sinônimos e se um termo conotativo e sua definição nominal são
sinônimos, então a LM comporta ambos.
Ao finalizar este primeiro momento, reafirmo a idéia de que, embora a teoria
da conotação, internamente, apresente certas dificuldades e ambigüidades, estas
não são suficientemente fortes para descaracterizá-la como instrumento válido da
semântica de Ockham.
2. O PROGRAMA DE REDUÇAÕ ONTOLÓGICA: REDUCIONISMO MÍNIMO
Neste segundo momento duas tarefas devem ser realizadas:
228
[1] Mostrar que ‘Programa Reducionista de Ockham é defensável, se
interpretado como um reducionismo mínimo, e
[2] Mostrar como a teoria da conotação contribui para isso.
O reducionismo radical, representado pela ‘Interpretação A’, sustenta que o
projeto de Ockham deve ser interpretado como uma tentativa de reduzir termos
conotativos a absolutos e eliminar os conotativos da LM. Entende que isso não
pode ser realizado e, portanto, o programa de Ockham fracassa. Concordo que
um tal projeto, nesses moldes, não é realizável, mas insisto que Ockham não
tentou nem uma eliminação nem uma redução dos termos conotativos em prol dos
absolutos.
A versão mínima do ‘Programa’ é composta de algumas afirmações.
Tratemos, então, de apresentá-las.
A primeira afirmação sustenta que a lista das dez categorias de Aristóteles
não é, em primeira instância, uma classificação de entidades. Trata-se, antes, de
uma classificação de termos categoremáticos da linguagem, principalmente
termos da LM.
309
Acrescenta-se a isso a divisão que Ockham efetua entre os
termos categoremáticos em ‘termos absolutos’ e termos conotativos’.
310
309
Ver, por exemplo, Sum. Log., I, ca 40 – 44.
310
Sum. Log., I, 10.
229
Uma leitura mínima da teoria, então, afirma que os termos absolutos estão
confinados somente as categorias da substância e a da qualidade. Observo que
todos os termos absolutos estão em uma dessas categorias, mas nem todos os
termos dessas duas categorias são absolutos. Lembremos o caso notável dos
termos ficcionais que, conforme Ockham, estão na categoria da substância.
311
Devo indicar que os aspectos semânticos do pensamento de Ockham (as
categorias classificam termos e a divisão dos termos em absolutos e conotativos),
carregam implicações ontológicas. Os termos absolutos garantem uma predicação
verdadeira de entidades reais. Dito de outra maneira, não há termos absolutos não
denotativos. Fica garantido, então, o comprometimento ontológico dos termos
absolutos. Se os termos absolutos estão restritos às duas categorias favoritas de
Ockham, o mesmo não acontece com os termos conotativos que estão
distribuídos entre as outras oito categorias. Na medida em que os termos
absolutos têm um comprometimento ontológico com entidades reais, questiona-se:
o que ocorre com os termos conotativos?
[1] Sabemos que Ockham quer evitar as nominalizações abstratas provindas
das oito categorias, exceto a substância e a qualidade.
[2] Sabemos, também, pelo relato da ‘Interpretação A’, que a eliminação e
redução dos termos conotativos aos absolutos não pode ser realizada.
311
Sum. Log., II, 14.
230
[3] Sabemos, ainda, conforme Michon
312
, que a maior parte dos termos que
compõem a linguagem ordinária são conotativos.
Assim, qual é o papel semântico que cabe aos termos conotativos? Klima
313
afirma que o tratamento por parte de Ockham das dez categorias de Aristóteles
tem um papel crucial para seu inovador programa nominalista. É aqui que a teoria
da conotação mostra sua importância: ela serve para Ockham recusar qualquer
comprometimento ontológico com possíveis entidades das oito categorias.
O termo conotativo é portador de uma propriedade semântica, a conotação,
que o diferencia do termo absoluto. Podemos dizer, então, que ele possui
duplicidade semântica e, nesse sentido, tem uma função semântica diferente do
termo absoluto. Por meio da noção de ‘conotação’, que cabe somente ao termo
conotativo, é possível dar conta da riqueza da linguagem sem para tanto estar
comprometido com entidades correspondentes a sua significação secundária.
Considero que a questão de fundo para Ockham é como compatibilizar uma
ontologia mínima com uma semântica adequada. O âmbito da linguagem é
propício para um superpovoamento de expressões. Ockham quer evitar que à
proliferação de expressões na linguagem correspondam a supostas entidades na
ontologia: a linguagem não é um bom guia para a ontologia. A teoria da conotação
312
MICHON, 1994, p. 335.
313
KLIMA, Gyula. “Ockham’s Semantic and Ontology of the Categories”. IN: The Cambridge
Companion to Ockham. Ed. Paul Vincent Spade. New York:Cambridge University Press, 1999, p.
118 – 142.
231
nos autoriza a falar sobre relações, quantidades, etc, sem que para isso tenhamos
que nos comprometer com a existência de entidades correspondentes. Ora, dizer
que os termos não têm comprometimento ontológico com as coisas que conotam
não significa reduzi-los os eliminá-los em prol dos absolutos.
A versão mínima do PRO sustenta que o compromisso ontológico da
linguagem ocorre somente no nível dos termos absolutos e paramos por aí. Nesse
sentido, o fracasso do programa não é de Ockham, mas do modo radical como ele
foi interpretado. Insisto que o PRO não é tão extenso e ambicioso como muitos
comentadores pensam que ele é.
232
CONCLUSÃO
Considero que o momento da conclusão é aquele no qual se apresenta um
balanço do estudo empreendido. Penso que este ‘balanço’ pode ser realizado em
dois níveis. Primeiro em relação ao trabalho propriamente dito; segundo, no que
diz respeito ás impressões pessoais do autor.
Em relação ao primeiro nível, duas questões motivaram sobre maneira este
trabalho, a saber:
[1] Em que consiste a teoria da conotação de Ockham?
[2] Qual o papel que ela desempenha na semântica de Ockham?
Acrescenta-se a elas certa curiosidade teórica: como Ockham relaciona
semântica e ontologia? Ou, ainda, como ele compatibiliza semântica com uma
ontologia minimalista?
Num primeiro momento, indiquei quais são traços estruturais que compõem a
semântica de Ockham. A seguir expus o núcleo de sua teoria da conotação.
233
Num segundo momento, de forma detalhada e muitas vezes minuciosa, fui
construindo os dois grandes blocos a partir dos quais se estruturam os debates
contemporâneos acerca da teoria da conotação.
De um lado, a ‘Interpretação A’ que representa a gênese das discussões
atuais. Examinei seus fortes argumentos na análise interna da teoria. Verificamos
suas teses a respeito da eliminabilidade e redução dos conotativos aos absolutos.
Vimos que, de certa maneira, ela desqualifica a noção de ‘conotação’, reduzindo-a
aos termos absolutos. Exploramos sua posição quanto ao ‘Programa de Redução
Ontológica’ de Ockham. Observamos que, do modo como ela o interpreta, o
programa não é realizável e, portanto, fracassa.
De outro lado, a ‘Interpretação B’ apresenta-se como um grande opositor.
Vimos que ela rejeita certos pressupostos da interpretação anterior. Tenazmente
ela argumenta em prol de certas teses que se chocam frontalmente com a
‘Interpretação A’. Esse é o caso, por exemplo, da afirmação de que termos
conotativos simples na LM. Ou, ainda, de que um termo conotativo e sua definição
nominal não são sinônimos. Além disso, censura à interpretação precedente pelo
modo radicalmente reducionista com que interpreta o ‘Programa de Redução
Ontológica’ de Ockham.
Neste momento do trabalho procurei deixar a discussão fluir de modo que
ficasse bem clara e consolidada cada uma das posições. Prossegui com o debate
ao expressar a réplica da ‘Interpretação A’. Sem dúvida, acredito que ambas são
234
interpretações extremamente potentes, exercendo enormes influências nos
debates atuais. Entretanto, insisto que em muitos aspectos ambas vacilam e não
são conclusivas diante de certas posições assumidas.
Num terceiro momento, apresentei minha proposta interpretativa da teoria.
Devo reconhecer que em alguns aspectos a ‘Interpretação Propositiva’ aproxima-
se das interpretações precedentes. Entretanto, em um ponto específico ela entra
em conflito diretamente com elas. Meu maior desafio, então, foi mostrar que a
existência de sinônimos na LM é uma idéia plausível. A partir das perspectivas
teórica e textual tentei desconstituir a aparente solidez da posição contrária. Seus
argumentos não se mostram tão definitivos e conclusivos quanto possam parecer.
Nesse sentido, observo que não se deve necessariamente fechar a porta para
uma interpretação que tome como plausível a possibilidade da sinonímia mental. A
meu modo de ver, trata-se de uma questão aberta e não resolvida definitivamente.
Por fim, ao abordar o ‘Programa de Redução’, propus uma interpretação mínima,
que se compromete ontologicamente apenas com entidades correspondentes aos
termos absolutos. E é nesse contexto que vejo o importante papel desempenhado
pela teoria da conotação.
No que tange ao nível das impressões pessoais, acredito que meu trabalho é
relevante sob dois aspectos.
Primeiro, considero que, de certo modo, a ‘Interpretação Propositiva’
colabora, à sua maneira, com outras tentativas de solução do problema. Talvez
235
sua contribuição não seja efetivamente ‘original’, mas creio que seu mérito está
em indicar que alguns pontos que pareciam resolvidos são dúbios e sujeitos a
uma interpretação diferente. Insisto que o fulcro de minha interpretação encontra-
se em mostrar a plausibilidade de que é possível haver sinônimos na LM.
Reconheço que é por ai que o presente trabalho pode encontrar ulteriores
desenvolvimentos.
O segundo aspecto diz respeito à escolha do tema. Ao que consta, no Brasil,
não existe nenhum trabalho específico sobre este assunto. Na literatura filosófica
brasileira, carência de estudos a respeito do pensamento de Ockham; meu
trabalho espera ajudar a suprir esta carência. Ficaria extremamente satisfeito se a
‘Interpretação Propositiva’ servisse de estímulo para futuras pesquisas sobre esse
tema, bem como aprofundar os estudos sobre as relações entre o pensamento
medieval e o contemporâneo.
236
REFERÊNCIAS DAS OBRAS DE OCKHAM
GUILHERME DE OCKHAM. Scriptum in Librum Primum Sententiarum. Ordinatio
(Distinctiones II-III). In: Opera Theologica II. Ed. S. Brown, adlaborante G. Gál.
Cura Instituti Franciscani, Universitatis S. Bonaventure, St. Bonaventure, N. Y.,
1970.
__________. Summa Logicae. In: Opera Philosophica I. Ed. Ph. Boehner, G. Gál e
S. Brown. Cura Instituti Franciscani, Universitatis S. Bonaventure, St. Bonaventure,
N. Y., 1974.
__________. Expositio in Librum Porphyrii de Praedicabilibus. In: Opera
Philosophica Il. Ed. Ernestus A. Moody. Cura Instituti Franciscani, Universitatis S.
Bonaventure, St. Bonaventure, N. Y., 1978.
__________. Expositio in Librum Praedicamentum Aristotelis. In: Opera
Philosophica Il. Ed. Gedeon Gál. Cura Instituti Franciscani, Universitatis S.
Bonaventure, St. Bonaventure, N. Y., 1978.
__________. Expositio Super Libros Elenchorum. In: Opera Philosophica III. Ed.
Franciscus Del Punta. Cura Instituti Franciscani, Universitatis S. Bonaventure, St.
Bonaventure, N. Y., 1979.
__________. Quodlibeta septem. In: Opera Theologica IX. Ed. Joseph C. Wey,
C.S.B.. Cura Instituti Franciscani, Universitatis S. Bonaventure, St. Bonaventure,
N. Y., 1980.
__________. Summula Philosophiae Naturalis. In: Opera Philosophica VI. Ed.
Franciscus Del Punta. Cura Instituti Franciscani, Universitatis S. Bonaventure, St.
Bonaventure, N. Y., 1984.
237
__________. Quaestiones variae. In: Opera Theologica VIlI. Ed. Franciscus Del
Punta. Cura Instituti Franciscani, Universitatis S. Bonaventure, St. Bonaventure, N.
Y., 1984.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
ADAMS, Marilyn McCord. “Ockham’s Theory of Natural Signification”. IN: Monist,
61, 1978, p. 4444 – 459.
________. William Ockham. Notre Dame - Indiana : University of Notre Dame
Press, 1987, 2 vols.
________. “Ockham’s Razor”. IN: The Cambridge Dictionary of Philosophy. Ed.
Robert Audi. New York: Cambridge University Press, 1995.
ALFÉRI, Pierre. Guillaume d’Ockham: Le Singulier. Paris: De Minutt, 1989.
ANSELMO DE CANTUÁRIA. “O Gramático”. In: Coleção ‘Os Pensadores’. o
Paulo: Abril Cultural,1973.
ARISTÓTELES. “Analíticos Primeiros”. IN: Tratados de lógica II (Organon). Introd.,
trad. y notas de Miguel C. Sanmartin. Madri:Gredos, 1995.
238
________. “Elencos Sofísticos”. IN: Tratados de lógica II (Organon). Introd., trad. y
notas de Miguel C. Sanmartin. Madri:Gredos, 1995.
________. “Categorias”. IN: Coleção Filosofia-Textos. Trad., introd., e coment. de
Ricardo Santos. Porto: Porto, 1995.
ARMSTRONG, D. M.. Nominalism and Realism. London - New York - Melbourne:
Cambridge University Press. 2 vols, 1978.
ASHWORTH, Jenniffer E.. “The Doctrine of Exponibilia in the Fifteenth and
Sixteenth Centuries”. IN: Vivarium, 11,1973, p. 137 – 167.
BAUDRY, Leon. Lexique Philosophique de Guillaume d’Ockham. Paris:
Publications de la Recherche Scientifique, 1958.
BIARD, Joël. Jean Buridan: Sohismes. Tradução, introdução e notas de Joël Biard.
Paris:Vrin, 1993, Ca. 4.
BOEHNER, Philotheus. “The Realistic Conceptualism of William Ockham”. IN:
Collected Articles on Ockam. New York: The Franciscan Institute St. Bonaventure,
1958, p. 156-174.
BOLER, John. “Connotative Terms in Ockham”. IN:History of Philosophy Quarterly,
v. 2, Nº 1,1985, P. 21 – 37.
239
BOTTIN, Francesco. “Linguaggio mentale e atti de pensiero in Guglielmo de
Ockham”. IN: Veritas, v. 45, n.179. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000, p. 349 – 360.
BRAMPTON, C. Kenneth. “Nominalism and the Law of Parsimony”. IN: The
Modern Schoolman, 41, 1964, p. 273 –281.
CHALMERS, David, Is There Synonymy in Ockham’s Mental Language“. IN:The
Cambridge Companion to Ockham. Ed. Paul Vincent Spade. New York:Cambridge
University Press, 1999, p. 76 – 99.
DE ANDRÉS, Teodoro. El nominalismo de Guillermo de Ockham como Filosofia
del Lenguage. Madrid: Gredos, 1969.
FREDDOSO, Alfred J.. William of Ockham. Ockham’s Theory of Propositions:
Parte II of the Summa Logicae. Trad. Alfred J. Freddoso and Henry Schuuman.
Introd. Alfred J. Freddoso. Indiana: St. Augustine’s Press, 1998.
FREGE, Gottlob. “Sobre o sentido e a referência”. In: Lógica e Filosofia da
Linguagem. Seleção, introd., trad. e notas de Paulo Alcoforado. ‘São Paulo:
Cultrix, 1978, p. 59 – 86.
GOODMAN, N. and QUINE, W.”Steps toward a construtive nominalism”. IN:
Journal of Symbolic Logic, 12, 1947, p. 105 – 122.
240
GOODMAN, N. “A world of individuals”. IN: The Problem of Universals. Ed. I.
Bochenski et A. Church. Indiana: Notre Dame, 1956.
GHISALBERTI, Alessandro. Guilherme de Ockham. Trad. Luís A. De Boni. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 1997.
KLIMA, Gyula. “Semantic Complexity and Syntatic Simplicity in Ockham’s Mental
Language”. IN: http://www.fordham.edu/gsas/phil/klima/APA98.htm, 1998.
_________. “Ockham’s Semantic and Ontology of the Categories”. IN: The
Cambridge Companion to Ockham. Ed. Paul Vincent Spade. New York:Cambridge
University Press, 1999, p. 118 – 142.
KRETZMANN, Norman. “Syncategoremata, exponibilia, sophismata”. IN: The
Cambridge History of Later Medieval Philosophy. Ed. N. Kretzmann, A. kenny e J.
Pinborg. New York: Cambridge University Press, 1982, p.211 – 245.
LEITE JUNIOR, Pedro. O Problema dos Universais: A perspectiva de Boécio,
Abelardo e Ockham. Porto Alegre: EDUPUCRS, 2001.
LOUX, Michael J.. William of Ockham. Ockham’s theory of Terms: Part I of the
Summa Logicae. Trad. and Introd. by Michael J. Loux. Indiana: St. Augustine’s
Press, 1998.
241
________. Metaphysics: a contemporary introduction. Londo-New York:
Routledge, 1998.
MAURER, Armand. “Ockham’s Razor and Chatton’s Anti-Razor.” IN: Mediaeval
Studies, 46, 1984, p. 463-475.
_________. The Philosophy of William of Ockham: In the light of it’s principles.
Toronoto: Pontifical Institute of Mediaeval Studies (PIMS), 1999.
MICHON, Cyrille. Nominalisme: La théorie de la signification d’Occam. Paris: Vrin,
1994.
MOODY, E. A. The Logic of William of Ockham. New York: Russell & Russell,
1965.
NORMORE, Calvin. “The Tradition of Mediaeval Nominalism”. IN: Studies in
Medieval Philosophy. Ed. John F. Wippel. Washington, DC: The Catholic
University of America Press, 1987, p. 201-217.
PANACCIO, Claude. “Connotative Terms Ockham’s Mental Language”. IN:
Cahiers d’Épistémologie, 9016. Université du Québec à Montréal, 1990
_________. Les mots, les concepts et les choses: La mantique de Guillaume
d’Occam et le nominalisme d’aujourd’hui. Montreal - Paris: Bellarmin - Vrin, 1991
_________. “Semantics and Mental Linguage”. IN: The Cambridge Companion to
Ockham. Ed. P. V. Spade. Cambridge: Cambridge University, 1999, p. 53 – 75.
_________. “Guillaume d’Ockham, les connotatifs et le language mental”. IN:
Documenti e Studi sulla tradizione Filosofica Medievale (S.I.S.M.E.L.), XI, 2000, p.
297 – 316.
242
PINBORG, Jan. “Some Problems of Semantic Representations in Medieval Logic”.
IN: History of Linguistic Thought and Contemporary Linguistics. Dir. H. Parrett.
Berlim:De Gruyter, 1976, p 254 – 278.
QUINE, Willard V. O. et alli. “Dois dogmas do empirismo”. In: Coleção ‘Os
Pensadores’. São Paulo: Abril Cultural,1975, p. 231 – 248.
_________. “Sobre o que há”. In: Coleção ‘Os Pensadores’. São Paulo: Abril
Cultural,1975, p. 217 – 229.
_________. “Falando de objetos”. In: Coleção ‘Os Pensadores’. o Paulo: Abril
Cultural,1975, p. 117 – 131.
RUSSELL, Bertrand. Os Problemas da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 1939, p. 59 –
77.
SANTOS, Ernesto Perini F. da Mota. “Os termos absolutos em Ockham e
designadores rígidos em Kripke e Putnam”. In: Cadernos de História e Filosofia da
Ciência.Campinas: Unicamp, série 3,n. 2,p. 121-148, jul-dez,1997.
SPADE, P. V. . Ockham’s Distinctions between Absolute and Connotative Terms.
IN: Vivarium, XIII, I, 1975, p. 55 – 76.
_______. “Synonymy and Equivocation in Ockham’s Mental Language”. IN:
Journal of the History Philosophy. 1980, 18, p. 9 – 22.
_______. “The semantic of terms”. IN: The Cambridge History of Later Medieval
Philosophy. Ed. N. Kretzmann, A. kenny e J. Pinborg. New York: Cambridge
University Press, 1982, p.188 – 196.
243
_______. “Ockham, Adams and Connotation: A Critical Notice of Marilyn Adams,
William Ockham”. IN: The Philosophical Review, Vol. XCIX, 4 (October 1990),
p. 593 – 612 .
_______. Thoughts, Words and Things: An Introduction Late Mediaeval Logic and
Semantic Theory. Versão 1.0, disponível in Adobe PDF em
http://pvspade.com/Logic, 1996, capítulo 7, p. 187 – 239.
_______. “Three Versions of Ockham’s Reductinist Program”. IN: Franciscan
Studies, 56, 1998, p. 347-358.
_______. “Ockham’s Nominalist Metaphysics: Some Main Themes.” IN:The
Cambridge Companion to Ockham. Ed. Paul Vincent Spade. New York:Cambridge
University Press, 1999, p. 100- 117.
TRENTMAN, John. “Ockham on Mental”. IN: Mind, 79,1970, p. 586 – 590.
TWEEDALE, Martin. “Ockham’s Supposed Elimination of Connotative Terms and
His Ontological Parsimony”. In: Dialogue, XXXI, 1992, p. 431 – 444.
ZHENG, Yiwei. ‘Ockham on Connotative Terms’. IN:
http://www.bu.edu/wcp/Papers/Medi/MediZhen.htm, 1998.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo