- No Mosteiro da Cartuxa, no Bussaco, em Portugal, vivia, em séculos que já se foram, um
piedoso e santo monge, cuja vida se consumia, inteira, entre a oração e as rosas. Jardineiro
da alma e das flores, passava ele as manhãs de joelhos, no silencio da nave, aos pés de um
Cristo crucificado, e as tardes, no pequeno jardim da ordem, curvado diante das roseiras, que
ele próprio plantava e regava.
O comendador interrompeu um momento a narrativa, recostou-se na almofada, e continuou:
A sua paciência de jardineiro era absorvida, entretanto, por uma idéia, que era um sonho:
encontrar a rosa azul das legendas do Oriente, de que tivera noticia, uma noite, ao ler os
poemas latinos dos velhos monges medievais. Para isso, casava ele as sementes, os brotos,
fundia os enxertos, combinando as terras, com que as cobria, e as águas, com que as regava,
esperando, ansioso, o aparecimento, no topo da haste, do sonhado botão azul! Ao fim de
setenta anos de experiências e sonhos, em que se lhe misturavam na imaginação as chagas
vermelhas de Cristo e as manchas celestes da sua rosa encantada, surgiu, afinal, no
coroamento de um galho de roseira, um botão azul, como o céu. Centenário e curvado, o
velhinho não resistiu à emoção; adoeceu, e, conduzido à cela, ajoelhou-se diante do
Crucificado, pedindo-lhe, entre soluços pungentes, que, como prêmio à santidade da sua
vida, não lhe cerrasse os olhos sem que eles vissem, contentes, o desabrochar da sua rosa
azul.
Uma nova pausa, e o meu companheiro tornou:
- Em volta do santo velhinho, no catre do mosteiro, todos choravam, compungidos. E foi,
então, que, divulgada de boca em boca, foi a noticia ter a um convento das proximidades,
onde jazia, orando e sonhando, uma linda infanta de Portugal. Moça e formosa, e, além de
formosa e moça, - fidalga e portuguesa, compreendeu a pequenina freira, no jardim do seu
sonho, o valor daquela ilusão, e correu à sua cela, consumindo toda uma noite a fazer, com
os seus dedos de neve, uma viçosa flor de seda azul, que perfumou, ela própria, com
essência de gerânio. E no dia seguinte, pela manhã, morria no seu catre, sorrindo entre
lágrimas de alegria, por ter nas mãos tremulas, por um milagre do céu, a sua rosa azul!
O "taxi" parava no meio-fio da calçada, o comendador acrescentou, estendendo-me a mão
agradecida:
- Feliz, meu amigo, aquele que morre, como esse monge e a marquesa, apertando nas mãos
a rosa, mesmo mentirosa, de uma roseira de que cuidou toda a vida.
III
A BILHA