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Teria havido uma segunda, e finalmente uma terceira prisão.
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A última delas,
motivada também pela denúncia de um fazendeiro, aconteceu em 22/12/1975. Na região de
Jequitibá, a alegação foi de incômodo ante a presença dos Piriás nas terras do proprietário
rural: os dois homens, armados, estariam assustando os moradores da fazenda com suas
andanças e caçadas, além das pernoites em grutas e lapas do lugar.
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Presos, Orlando e
Sebastião foram levados para a delegacia do DOPS em Belo Horizonte, o que é atestado
pela reportagem do Estado de Minas.
“Há 5 anos foram presos pela primeira vez, denunciados pelo fazendeiro Túlio Geraldo Barbosa, de
Araçaí. A acusação: matar passarinhos e andar sempre armados. No ato da prisão, trocaram tiros com
policiais do DOPS. Terminaram mandados para Belo Horizonte, onde, segundo declararam a seu
advogado, foram torturados. As acusações eram tão sem fundamento, que logo foram libertados.
Porém começou aí uma seqüência de prisões e perseguições, sempre a partir de denúncias feitas por
fazendeiros.”
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Mas se no discurso “oficializado” insiste-se em criar a imagem de que foram
“dezenas de fazendeiros” que acusaram os Piriás de furtos, roubos e ameaças (cf. A Gazeta,
30/12/1978), no caso das lendas fala-se apenas de um único fazendeiro. Trata-se de
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A segunda prisão, por suspeita: um dos Patrício foi confundido com o famoso “criminoso do capote”, que
movimentou os ânimos da população da região, em especial Pedro Leopoldo, no ano de 1974. O outro irmão
teria sido preso como suspeito de cumplicidade. Para explicar desde quando conhecia os Piriás, o delegado
Eurico Lanna confirma: “Quando fui transferido para Pedro Leopoldo (1974), eu e o escrivão Francisco
prendemos os ‘Piriás’ como suspeitos de um crime que havia tido lá – o famoso ‘crime da japona’. E eles,
porque eram elementos já de alguma periculosidade naquela época, foram mais ou menos acusados [grifo
meu - GVM] porque os traços físicos do criminoso se pareciam com um deles – o Caolho. Depois ficou
apurado que eles não tinham nada com o caso”. A Gazeta, 09/08/1978.
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Também aqui pode-se falar numa centralidade da categoria “trabalhador”. O que justifica a não-aceitação
do fato de os irmãos Patrício viverem como andarilhos, da caça e da pesca, é o mesmo que valoriza a
condição de trabalhador; inclusive como requisito de outras virtudes consideradas derivadas, como a
honestidade e a coragem. É o que fica explícito na fala do vereador e fazendeiro de Matozinhos, Artur
Correia, que à época declarou ao Estado de Minas (24/09/1978): “Eu digo que eles são covardes, pois eu
considero que todo homem que não trabalha um covarde. Eles somente gostam de caçar passarinho e viver
no mato”.
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Os grifos são meus. Estado de Minas (01/01/1979). Antes de iniciar esta pesquisa, ouvi várias vezes, de
diversas pessoas em Sete Lagoas, menção ao fato de um dos Irmãos Piriás ter sido levado para o DOPS.
Narra-se, com detalhes, como ele teria sido torturado, em especial o fato de ter sido colocado nu em uma cela
onde só podia ficar agachado ou de pé, com água gotejando sobre a cabeça. Este Piriá, como já vimos acima,
teria sido castrado. O espanto que as pessoas fazem questão de demonstrar é com relação ao fato de o rapaz
ter “conseguido” sair vivo do DOPS, o que é considerado uma proeza sobrenatural pelos interlocutores. Quase
sempre, à narração desses “acontecimentos” segue-se a menção ao famoso caso dos Irmãos Naves.
Infelizmente, não possuo registro de nenhum momento narrativo em que a conversa chegasse a esses termos.
A sensação que tive foi a de que as pessoas evitam explicitamente falar do DOPS quando conscientes de que
sua fala pode ser citada em uma pesquisa.