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A audição de que tratamos aqui neste trabalho, isto é, a audição interna,
não significa desconsideração pelo sensível, uma vez que julgamos ser sensível
apenas aquela fina camada que nos recobre e traça as fronteiras com o mundo
exterior. Pelo contrário, em nossa compreensão de sensível, sentimos tanto as
coisas que nos chegam de fora, do mundo exterior, quanto as que nos vêm de
dentro, desse mundo interior. Para nós, esse mundo interior não é o mundo
espiritual, no sentido das coisas não materiais. Nosso mundo interior, a exemplo da
audição interna de que tratamos aqui, é o mesmo mundo corporal, é o mesmo corpo
que somos nós.
Quando os alunos responderam, de pronto, que ouviram a música com os ouvidos, para
eles, algo era óbvio; tratava-se de uma resposta fruto das primeiras reflexões, bastante
superficiais. Essa resposta nos deu a oportunidade de levá-los à biblioteca da escola e
mostrar-lhes ilustrações de livros a respeito do aparelho auditivo humano. Para as crianças,
ouve-se uma música com os ouvidos, e isso é um fato, uma verdade, tanto para elas, quanto
para nós. Nosso objetivo tratando-se de uma educação dos sentidos é conseguir, sobre o ato
de ouvir, uma tal atenção que produza neles um certo grau de consciência sobre o que
ouviram e sobre o ato de ouvir. Levar as crianças para a biblioteca e mostrar-lhes
ilustrações sobre o aparelho auditivo, significa criar mais um momento de redobrada
atenção sobre os elementos ouvidos. Lembramos, no entanto, que a música que haviam
ouvido já não estava acontecendo mais; situava-se apenas na lembrança das crianças.
Portanto, ao prestarem atenção nas ilustrações, a idéia é de que as crianças estabeleçam
relações entre o ato de ouvir com os ouvidos, como elas mesmas disseram, e o ouvido
desenhado nos livros. Ora, como dissemos no capítulo anterior, não basta a audição
biológica, pois todos nós nascemos com esse dom, uma vez que a audição biológica do ser
humano é limitada e poderá ser melhor trabalhada ou não, dependendo dos recursos
culturais para desenvolver uma audição mais apurada, ou seja, uma audição interna.
Voltemos à resposta tão direta das crianças, quando disseram que ouviram com os ouvidos.
Em seguida, quando olharam as ilustrações do aparelho auditivo nos livros, participaram
de um momento em que as coisas ouvidas foram refletidas, isto é, novamente ouvidas,
porém, dentro delas, e não mais no mundo exterior. Com as ilustrações puderam
estabelecer comparações entre o ouvido biológico e seu próprio ouvido, assim como com
as coisas ouvidas. Queremos dizer, neste ponto, que essa audição interna, não é menos
verdadeira que a audição externa. Se uma criança dissesse nesse momento (e para ela seria
difícil), que estava ouvindo dentro dela, isso não seria menos verdade que sua afirmação
anterior de que ouviu com os ouvidos. E isso é verdade porque, nos dois momentos, trata-
se de afirmar nosso ser sensível: no primeiro momento, o som chegou ao ouvido biológico,
vindo do mundo exterior, e a criança o sentiu; no segundo momento o som chegou ao ser
sensível, vindo do mundo interior, e a criança o sentiu também.
Continuando, saímos da biblioteca e, no caminho para a escola,
chamamos a atenção das crianças para os sons em torno delas, solicitando que
prestassem muita atenção àqueles sons. Para isso, procuramos despertar o
interesse do grupo, pois observa-se que as pessoas de um modo geral somente