Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude.
Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; o braço direito era a força; e concluía: Muitos
homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que todos fossem canhotos; não era
exclusivista. Que uns fossem canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que não
fossem nada. A demonstração, porém, mais rigorosa e profunda, foi a da venalidade. Um
casuísta do tempo chegou a confessar que era um monumento de lógica. A venalidade,
disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender
a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e
legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o
teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria
consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no absurdo e no contraditório. Pois não há
mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte do seu sangue
para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um
privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem? Demonstrado assim o
princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou
pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconceito social, conviria dissimular o
exercício de um direito tão legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a
hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente.
E descia, e subia, examinava tudo, retificava tudo. Está claro que combateu o
perdão das injúrias e outras máximas de brandura e cordialidade. Não proibiu formalmente
a calúnia gratuita, mas induziu a exercê-la mediante retribuição, ou pecuniária, ou de outra
espécie; nos casos, porém, em que ela fosse uma expansão imperiosa da força imaginativa,
e nada mais, proibia receber nenhum salário, pois equivalia a fazer pagar a transpiração.
Todas as formas de respeito foram condenadas por ele, como elementos possíveis de um
certo decoro social e pessoal; salva, todavia, a única exceção do interesse. Mas essa mesma
exceção foi logo eliminada, pela consideração de que o interesse, convertendo o respeito
em simples adulação, era este o sentimento aplicado e não aquele.
Para rematar a obra, entendeu o Diabo que lhe cumpria cortar por toda a
solidariedade humana. Com efeito, o amor do próximo era um obstáculo grave à nova
instituição. Ele mostrou que essa regra era uma simples invenção de parasitas e negociantes
insolváveis; não se devia dar ao próximo senão indiferença; em alguns casos, ódio ou
desprezo. Chegou mesmo à demonstração de que a noção de próximo era errada, e citava
esta frase de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado Galiani, que escrevia a uma das
marquesas do antigo regime: "Leve a breca o próximo! Não há próximo!" A única hipótese
em que ele permitia amar ao próximo era quando se tratasse de amar as damas alheias,
porque essa espécie de amor tinha a particularidade de não ser outra coisa mais do que o
amor do indivíduo a si mesmo. E como alguns discípulos achassem que uma tal explicação,
por metafísica, escapava à compreensão das turbas, o Diabo recorreu a um apólogo: —
Cem pessoas tomam ações de um banco, para as operações comuns; mas cada acionista não
cuida realmente senão nos seus dividendos: é o que acontece aos adúlteros. Este apólogo
foi incluído no livro da sabedoria.