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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA
INSTITUTO ECUMÊNICO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA
JORGE ÁLVARO KNAPP
O MÉTODO PSICO-HISTÓRICO-ESPIRITUAL: UMA PROPOSTA DE
ACOMPANHAMENTO ESPIRITUAL A PARTIR DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS DE
INÁCIO DE LOYOLA
São Leopoldo
2007
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1
JORGE ÁLVARO KNAPP
O MÉTODO PSICO-HISTÓRICO-ESPIRITUAL: UMA PROPOSTA DE
ACOMPANHAMENTO ESPIRITUAL A PARTIR DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS DE
INÁCIO DE LOYOLA
Dissertação de Mestrado
Para obtenção de grau de Mestre em Teologia
Escola Superior de Teologia
Instituto Ecumênico de Pós-Graduação
Teologia Prática
Orientador: Sidnei Vilmar Noé
São Leopoldo
2007
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2
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha elaborada pela Biblioteca da Escola Superior de Teologia
K67m Knapp, Jorge Álvaro
O método psico-histórico-espiritual : uma proposta de
acompanhamento espiritual a partir dos exercícios espirituais
de Inácio de Loyola / Jorge Álvaro Knapp ; orientador Sidnei
Vilmar Noé. – São Leopoldo : EST/IEPG, 2007.
122 f.
Dissertação (mestrado) – Escola Superior de Teologia.
Instituto Ecumênico de Pós-Graduação. Mestrado em
Teologia. São Leopoldo, 2007.
1. Inácio, de Loyola, Santo (1491-1556). 2. Cabarrús,
Carlos Rafael. 3. Exercícios espirituais. I. Noé, Sidnei Vilmar.
II. Título.
3
JORGE ÁLVARO KNAPP
O MÉTODO PSICO-HISTÓRICO-ESPIRITUAL: UMA PROPOSTA DE
ACOMPANHAMENTO ESPIRITUAL A PARTIR DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS DE
INÁCIO DE LOYOLA
Dissertação de mestrado
Para obtenção do grau de Mestre em Teologia
Escola Superior de Teologia
Instituto Ecumênico de Pós-Graduação
Teologia Prática
Data: 31 de agosto de 2007
Sidnei Vilmar Noé – Doutor em Teologia – PRESIDENTE
Lothar Carlos Hoch – Doutor em Teologia – EST/IEPG
Érico João Hammes – Doutor em Teologia – PUC - RS
4
RESUMO
O método psico-histórico-espiritual é uma proposta de acompanhamento espiritual a
partir da prática dos Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola. Por isso, a primeira parte do
trabalho faz um resgate histórico da experiência de Inácio de Loyola. Expõe sua biografia, seu
perfil religioso, o surgimento dos Exercícios Espirituais, a sistematização e dinâmica desse
método. Por fim, ressalta alguns traços da Espiritualidade Inaciana, fruto do método dos
Exercícios Espirituais. A segunda parte apresenta o relato de pessoas que fizeram a descoberta
dos Exercícios Espirituais e foram acompanhadas nessa experiência prática nas diferentes
modalidades, destacando os pontos altos, bem como as dificuldades e frutos no trajeto dessa
prática. A terceira e última parte apresenta o método psico-histórico-espiritual de Carlos
Rafael Cabarrús, como uma proposta atualizada de acompanhamento na prática dos
Exercícios Espirituais para o contexto atual levando em consideração a totalidade da pessoa,
ou seja, as dimensões espiritual, psíquica e histórica favorecendo um acompanhamento
integral e qualificado ao processo vivido pelo exercitante nos dias de hoje.
5
ABSTRACT
The Psycho-historical-Spiritual method is a proposal of spiritual direction from the
perspective Ignatius of Loyola’s Spiritual Exercises. Therefore, the first part of this thesis
takes on the history of Ignatius of Loyola's experience. It explains his biography, his religious
profile, the genesis of the Spiritual Exercises, its systematization and the dynamics of its
method. Then, it presents some elements of the Ignatian spirituality, fruits of the Spiritual
Exercises method. The Thesis second part presents the report of some people who discovered
the Spiritual Exercises and they were directed through this experience in different forms,
underlining the high points, their difficulties, and the fruits of this journey. In the third and
last part I present Carlos Rafael Cabarrús psycho-historical-spiritual method as an
actualization of the spiritual direction during the Spiritual Exercises in current context taking
into consideration the whole person, i.e., the spiritual, psychological, historical dimensions
fostering an integral and qualified guidance within the complexity of the current historical
reality.
6
SUMÁRIO
RESUMO ...................................................................................................................................4
ABSTRACT ...............................................................................................................................5
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..................................................................................................8
1 INÁCIO DE LOYOLA E OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS ........................................12
1.1 INÁCIO DE LOYOLA: BIOGRAFIA E PERFIL RELIGIOSO.................................13
1.1.1 Traços biográficos ...............................................................................................13
1.1.2 Traços de um perfil humano e de discernimento.................................................20
1.2. OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS: ORIGEM, SISTEMATIZAÇÃO E DINÂMICAS
............................................................................................................................................27
1.2.1 Os Exercícios Espirituais: origem .......................................................................28
1.2.2 Sistematização: dinâmica externa e interna dos Exercícios Espirituais ..............30
1.2.2.1 Dinâmica externa dos Exercícios Espirituais ..........................................30
1.2.2.1.1 Dinâmica diária dos Exercícios Espirituais..............................31
1.2.2.1.2 Dinâmica de cada exercício de oração .....................................31
1.2.2.2 Dinâmica interna dos Exercícios Espirituais ...........................................32
1.2.2.2.1 A experiência do Princípio e Fundamento ...............................32
1.2.2.2.2 A Experiência da Primeira Semana..........................................33
1.2.2.2.3 A Experiência da Segunda Semana..........................................34
1.2.2.2.4 A experiência da Terceira Semana...........................................35
1.2.2.2.5 A experiência da Quarta Semana .............................................35
1.2.2.2.6 A experiência da contemplação para alcançar amor ................36
1.3 AS VÁRIAS MODALIDADES DE FAZER OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS .......36
1.4 A ESPIRITUALIDADE INACIANA ..........................................................................39
2 A PRÁTICA DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS...........................................................44
2.1 O MÉTODO DE PESQUISA.......................................................................................45
2.2 A DESCOBERTA DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS NA VIDA CORRENTE......46
2.2.1 O método de oração.............................................................................................47
2.2.2 O apoio familiar...................................................................................................48
2.2.3 Experiência a partir dos Exercícios Espirituais...................................................49
2.2.3.1 Experienciar o Deus de amor e misericórdia...........................................49
7
2.2.3.2 O crescimento a partir da prática dos Exercícios Espirituais .................50
2.2.3.3 O compromisso cristão ...........................................................................53
2.3 A PRÁTICA DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS INTENSIVOS ..............................54
2.4 DIFICULDADES DA PRÁTICA DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS......................57
2.5 CONSIDERAÇÕES A PARTIR DAS ENTREVISTAS .............................................59
2.5.1 Os frutos da experiência ......................................................................................59
2.5.2 As dificuldades enfrentadas.................................................................................62
2.5.3 A pessoa do acompanhante..................................................................................62
3 ACOMPANHAMENTO PSICO-HISTÓRICO-ESPIRITUAL......................................64
3.1 DO ACOMPANHAMENTO ESPIRITUAL AO MÉTODO PSICO-HISTÓRICO-
ESPIRITUAL .....................................................................................................................66
3.2 O ACOMPANHAMENTO DESDE A HARMONIA PESSOAL ...............................71
3.2.1 Atitudes, características e requisitos do acompanhamento psico-histórico-
espiritual .............................................................................................................................72
3.2.1.1 Atitudes do acompanhante.......................................................................72
3.2.1.2 Características e requisitos do acompanhante .........................................73
3.3 ACOMPANHAMENTO DESDE A HARMONIA ESPIRITUAL .............................75
3.3.1 A experiência de oração ......................................................................................79
3.3.2 Formação teológica..............................................................................................83
3.3.3 O hábito do discernimento...................................................................................86
3.3.3.1 Critérios de discernimento.......................................................................87
3.3.3.2 Elementos constitutivos do discernimento ..............................................89
3.4 ACOMPANHAR DESDE O COMPROMISSO HISTÓRICO HARMÔNICO..........90
3.5 A CONTRIBUIÇÃO DO MÉTODO PSICO-HISTÓRICO-ESPIRITUAL NO
ACOMPANHAMENTO DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS..........................................93
3.5.1 O código psicológico...........................................................................................94
3.5.2 O código espiritual ..............................................................................................96
3.5.3 O código de compromisso ...................................................................................96
3.6 A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS........97
3.7 O ESTADO ATUAL DA PESQUISA DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS ............100
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................102
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................107
ANEXOS................................................................................................................................111
8
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Celebramos os 450 anos da morte de Inácio de Loyola (1491-1556). Inácio, em seu
contexto, soube deixar-se tocar pela mão de Deus. Dessa experiência, surgem os Exercícios
Espirituais. Muitos, ao longo da história, a exemplo de Inácio, fizeram e continuam fazendo a
experiência dos Exercícios. O seu método fez surgir uma imensa biblioteca sobre o tema dos
Exercícios Espirituais, como também, inspirou o aparecimento de várias obras na área da
educação, da assistência social e de ajuda aos menos favorecidos, entre outras.
Passados esses quatro séculos e meio, muitas coisas mudaram. Os meios de
comunicação, cada vez mais sofisticados, encurtam as distâncias e possibilitam estarmos
unidos em tempo real. Nunca o ser humano teve tantas oportunidades para se comunicar e
encontrar-se. Nunca teve tanta informação à sua disposição sobre a realidade, sobre o mundo.
Houve grandes avanços eclesiais nas áreas teológica, bíblica e pastoral. Na América Latina,
principalmente com a Teologia da Libertação, houve avanços no resgate da dimensão
profética e da presença no meio dos empobrecidos. Entretanto, nem sempre se soube
responder à altura aos desafios que foram surgindo na vivência da fé, num contexto de
mudanças tão rápidas. As pesquisas nas ciências evoluíram em todos os sentidos,
possibilitando ao ser humano uma melhor qualidade de vida e compreensão de si.
Esses avanços, mesmo positivos, deixaram também conseqüências negativas para vida
do homem. Ele nunca viveu tão e cercado por tão grandes desafios, frutos do
desenvolvimento e progresso que colocaram em jogo sua própria sobrevivência. Problemas
como o efeito estufa, desequilíbrios ecológicos de toda ordem, os armamentos químicos, as
9
guerras, como também, a grande concentração de renda, a fome e as injustiças sociais,
ameaçam a vida, em todos os sentidos. Tudo isso põe o ser humano num grande dilema e, ao
mesmo tempo, numa crise profunda em relação ao seu futuro e ao sentido de sua vida.
Um dos grandes traços dessa sociedade de hoje é o individualismo. Segundo Cláudio
de Lima Vaz, a satisfação das necessidades individuais se tornou meta e o motor da sociedade
atual. As crenças e os costumes das comunidades tradicionais desmoronaram, rompendo a
cadeia de transmissão de valores e princípios éticos. O paradigma da razão científica se impôs
sobre a sabedoria tradicional. Como conseqüência, constata-se um flagrante vazio, uma
profunda perda de referências para o agir, uma enorme crise existencial, uma vez que a razão
instrumental, operacional (técnica cada vez mais sofisticada, com a qual se fabricam
instrumentos e meios para a satisfação das necessidades), não é capaz de gerar sentidos, muito
menos Sentido.
1
Diante deste marco situacional, não pára de crescer o número de publicações e de
procura de bibliografias que vão à linha da auto-ajuda. Ofertas que, em muitos casos, como
em contos de fada, prometem fórmulas para transformar a vida num simples toque de mágica.
Paralelamente, cresce o interesse pela busca do transcendente, do religioso e também da
espiritualidade. Pessoas e grupos, em seus afazeres, dedicam algum tempo para algum
trabalho de voluntariado e/ou o cultivo de uma espiritualidade. Para isso, surgiram espaços,
entidades e ambientes dedicados especialmente para acolher pessoas que queiram fazer essa
experiência.
No entanto, segundo Lima Vaz, esse sagrado que retorna em nossa sociedade
contemporânea é marcado muitas vezes por um caráter meramente compensador do desgaste
produzido por esse vazio existencial. É, pois, um sagrado ao gosto e sabor das necessidades e
dos desejos dos indivíduos, bem como um sagrado em estreita associação com os ditames do
mercado.
2
Bem outro é o sagrado cristão, cuja tradição permanece como uma alternativa de
sentido, em sua significação profunda. Trata-se aqui de um sagrado ético, que abre o ser
humano ao encontro com o outro, a partir do encontro com a alteridade divina, e que leva
obrigatoriamente a um compromisso interpessoal, comunitário e social.
1
Henrique C. L. VAZ, Religião e sociedade nos últimos vinte anos, p.27-47.
2
Idem, Ibidem, p. 27-47.
10
Nesse contexto, a Espiritualidade Inaciana apresenta-se como uma proposta/resposta e
uma ajuda para o ser humano fazer sua experiência de Deus, saciar sua sede de sentido, sede
de Deus. Trata-se de uma espiritualidade que, nesse encontro com Deus, leva em conta a
totalidade da pessoa, ou seja, sua interioridade, suas experiências e vivências, seus sonhos e
angústias, como também o contexto em que se encontra inserida. Não se trata de uma
espiritualidade de massa, nem uma espiritualidade subjetivista, pois exige o acompanhamento
personalizado e o confronto com alguém que tenha passado pela “escola” dos Exercícios
Espirituais, pois eles sempre são dados ou recebidos de alguém.
Vendo que os Exercícios Espirituais como uma proposta/resposta aos muitos apelos e
desafios da atualidade iremos, nesse trabalho, num primeiro momento, fazer um resgate
histórico da experiência da Inácio de Loyola. Falaremos sobre sua biografia, seu perfil
religioso, o surgimento dos Exercícios Espirituais, bem como as origens, a sistematização e a
dinâmica desse método. Por fim, traremos presente alguns traços da Espiritualidade Inaciana,
frutos do método dos Exercícios Espirituais.
Inácio não guardou essa experiência para si, mas ofereceu-a à Igreja. Muitos cristãos e
cristãs fizeram e continuam fazendo a prática dos Exercícios Espirituais. É uma experiência
atual. Por isso, no segundo capítulo, transcrevemos o relato de algumas pessoas que fizeram a
descoberta dos Exercícios Espirituais e foram acompanhados nas diferentes modalidades,
ressaltando os pontos altos, com seus frutos e dificuldades no trajeto dessa experiência
prática.
Os Exercícios Espirituais são sempre recebidos e dados por alguém, ou seja, o método
exige o acompanhamento e o confronto com alguém experimentado na “escola” dos
Exercícios. O papel do acompanhante é fundamental no método concebido por Inácio. No
entanto, não pode ser feito de maneira ingênua, uma vez que o contexto e a realidade
mudaram e continuam mudando rapidamente. Carlos Rafael Cabarrús, jesuíta e acompanhante
da prática dos Exercícios Espirituais, sabendo da importância e da necessidade desse
acompanhamento, percebeu que, para alguém acompanhar outra pessoa nessa prática, não
basta apenas ter feito os Exercícios, como sugeria Inácio. Sentiu a falta de material adequado
para acompanhar os exercitantes no contexto atual em que estavam inseridos. Percebeu que o
acompanhamento não pode limitar-se apenas à dimensão espiritual, mas deve levar em conta
o ser humano todo, também a dimensão psíquica e histórica, ou seja, as vivências pessoais, o
contexto no qual está inserido.
11
A partir dessas três dimensões Cabarrús, elabora o método de acompanhamento Psico-
Histórico-Espiritual que iremos expor no terceiro capítulo de nosso trabalho. Esse método
pressupõe que o acompanhante, além de ter feito os Exercícios Espirituais, tenha presente em
sua vida, harmonicamente, essas três dimensões. Seja alguém integrado, tenha uma harmonia
pessoal, espiritual e um compromisso histórico harmonioso, para que possa levar o exercitante
a uma integração nessas três dimensões e poder, assim, ajudá-lo a assumir plenamente sua
missão como cristão no mundo atual a partir da prática dos Exercícios Espirituais.
12
1 INÁCIO DE LOYOLA E OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS
Na passagem da assim chamada Idade Média para a Idade Moderna, um novo
horizonte de mundo se abre. Cristóvão Colombo, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral
ampliam as suas fronteiras com a navegação, descobrindo novas terras. Surge a moderna
ciência com Copérnico. Na área política, desponta o pensamento de Maquiavel. Lutero
publica as suas teses.
3
Nesse contexto em ebulição, de romper e de ampliar fronteiras, surge a
figura de Iñigo López de Loyola. Inácio, nome que Iñigo usa mais tarde na universidade, de
origem Basca, muda radicalmente sua vida após a conversão. De sua experiência profunda de
Deus, surgem os Exercícios Espirituais. Esse método de oração não marcou apenas a vida de
Inácio, mas influenciou e continua deixando marcas na vida de muitas pessoas. Também
levou ao surgimento de grandes empreendimentos e obras na área da educação, de assistência
social e de missões além-fronteiras. Essa experiência continua viva no contexto de hoje.
Poder-se-ia perguntar: o que há de extraordinário nos Exercícios Espirituais?
Respondendo a essa pergunta, neste capítulo abordamos a biografia, o perfil intelectual
de Inácio de Loyola e o contexto histórico que originou a elaboração e sistematização dos
Exercícios Espirituais, vendo os caminhos que Deus o conduziu, bem como a articulação
desse método e sua dinâmica externa e interna. Por fim, falamos sobre a Espiritualidade
Inaciana, decorrência da prática e assimilação dos Exercícios Espirituais, com suas principais
características.
3
Jean-Claude DHOTEL, Quem és Inácio de Loyola, p. 12.
13
1.1 INÁCIO DE LOYOLA: BIOGRAFIA E PERFIL RELIGIOSO
1.1.1 Traços biográficos
Inácio de Loyola, após muita insistência de seus companheiros, pois pensava ser um
prestígio pessoal, aceitou narrar sua biografia ao Padre Câmara, em quem depositava muita
confiança. Foi contada em três períodos: de agosto a setembro de 1553, em março de 1555 e
de setembro a outubro de 1555. Portanto, menos de um ano antes de sua morte. Mas os fatos e
vivências narrados na autobiografia se referem apenas até o ano de 1538 de sua vida. Ao
referir-se à sua infância e juventude, apenas diz que “Até os vinte e seis anos de idade, foi
homem entregue às vaidades”.
4
Reconhece que viveu centrado em si mesmo, buscando
prestígio e honra. O que se sabe de sua vida até a conversão são fatos pesquisados
posteriormente, após sua morte. Inácio relatou uma autobiografia ao P. Luis Gonçalves da
Câmara
5
, que somente foi publicada 1904. A infância e juventude estão pouco retratadas,
talvez porque Inácio não julgasse importantes essas etapas de sua vida para o fim almejado
com a Autobiografia.
Inácio nasceu, provavelmente, no ano de 1491, pois no momento da narrativa não
possuía uma boa memória histórica, na província basca de Guibuzcoa, na Espanha, no castelo
dos Loyola. Caçula dos treze filhos do casal D. Beltrán Yáñez de Loyola e Marina enz de
Licona, recebeu, ao ser batizado, o nome de Iñigo López de Loyola.
6
Foi criado por uma “ama
de leite”. Nesse ambiente campesino, viveu os primeiros anos, o herdeiro de uma intensa
católica.
7
“Iñigo nasceu em uma família basca nobre, com uma história de intensa lealdade
aos reis de Castela. Era uma família conhecida pela bravura em batalhas e pela propensão à
violência”.
8
4
Inácio de LOYOLA, Autobiografia, p.19.
5
P. Luis Gonçalves da Câmara nasceu em Portugal, em 1519 e morreu em 1575. Entrou na Companhia de Jesus,
em Lisboa, no dia 27 de abril de 1545. Esteve em Roma de 23 de maio de 1553 a 23 de outubro de 1555, quando
volta a Portugal. Assistiu à primeira Congregação Geral e depois trabalhou a cargo da educação em Portugal,
encarregado pelo rei Dom Sebastião.
6
Ao longo do trabalho, usarei o nome de Inácio de Loyola ou apenas Inácio. Iñigo usou pela primeira vez o
nome de Inácio numa carta escrita em 1537, talvez por devoção a Santo Inácio de Antioquia, homem de
profunda devoção ao nome de Jesus.
7
William V. BANGERT, História da Companhia de Jesus, p. 11.
8
William BARRY; Robert DOHERTY, Contemplativos em ação, p. 16.
14
Ficou órfão de mãe aos oito anos de idade e, de pai, aos 14
.
Foi encaminhado, ao que
parece, à carreira eclesiástica, pois possuía um irmão sacerdote, onde aprendeu a ler e a
escrever. Como não mostrava inclinação aos estudos eclesiásticos, seu pai o encaminhou,
ainda antes de morrer, para a carreira militar em Arévalo, com Don Juan Velásquez, contador-
mor da corte do reino de Castela, o que lhe permitiu estar em contato contínuo com a corte.
No palácio dos Velásquez, veio a conhecer os reis e a corte, desfrutando de todos os
privilégios da alta aristocracia da época. Durante esse tempo, teve a formação básica de um
cortesão, aprendendo os hábitos da fidalguia e a delicadeza no tratamento com as pessoas.
9
Com a morte do rei D. Fernando, o Católico, mudaram todos os planos de Inácio, pois
D. Juan perdeu todos os seus bens, caindo na miséria. Dirigiu-se então a Navarra, em 1517, e
alistou-se sob o comandante do Duque Nájera, a serviço do qual lutou contra os seus
inimigos. Na defesa de Pamplona, em 1521, ao resistir bravamente contra os franceses, foi
ferido por uma bala de canhão que lhe estraçalhou a perna direita e machucou a esquerda. Os
inimigos, ao verem sua valentia e resistência, pouparam-lhe a vida e, eles próprios, o
transportaram, numa liteira, de volta para sua casa em Loyola.
10
Na casa de seus familiares, os cirurgiões notaram que os ossos foram mal colocados e
se haviam desconjuntado pelo caminho. Resolveram, então, colocá-los no devido lugar, pois
caso contrário, ele não iria sarar. Inácio sofreu dores terríveis. Após passar pelo perigo da
morte, pois os médicos não lhe haviam dado muitas esperanças, se sentindo melhor e com
os ossos quase soldados, viu que um dos ossos ficara saliente, deformando, assim, a perna.
Além da saliência, que não lhe permitiria calçar as botas, a perna ficaria mais curta. Vaidoso,
pediu aos médicos que quebrassem novamente os ossos, para cortar a saliência do osso e,
assim, corrigissem a perna, para que ficasse como a outra. Sofreu novamente dores
insuportáveis, mas agüentou firme, demonstrando toda a sua fibra de Basco.
11
“Resolveu
martirizar-se por sua própria vontade, ainda que seu irmão mais velho se espantasse e
afirmasse que tal dor ele não se atreveria a sofrer. O ferido a sofreu com a costumada
paciência”.
12
Passados esses sofrimentos, iniciou um largo tempo de convalescença, durante o qual
pôde fazer uma avaliação de sua vida e dar-lhe outro sentido. Como era dado a leituras, pediu
que lhe dessem alguns livros de romance sobre cavalaria, uma espécie de novela da época,
9
Ricardo Garcia VILLOSLADA, Santo Inácio de Loyola, p. 111.
10
, William V. BANGERT, História da Companhia de Jesus, p. 14.
11
Inácio de LOYOLA, Autobiografia, n. 1, 2, 3.
12
Idem, Ibidem, n. 4.
15
para se entreter. Não os havendo, sua cunhada entregou-lhe um livro sobre as vidas dos santos
e outro sobre a vida de Cristo.
13
No início, não sentia nenhuma vontade de lê-los. Ficava
vagando nos sonhos e ideais que iria realizar após se restabelecer. Aos poucos, porém, como
não havia outra coisa a fazer, e estando cansado de ficar sem o que fazer, começou a folhar
esses livros e a lê-los. No início, com certa resistência, mas aos poucos com mais ânimo.
14
Num dado momento, enquanto lia esses livros, começou a perceber alguma diferença
nos sentimentos. Quando pensava no futuro e divagava sobre as aventuras e conquistas que
iria realizar, ao parar por um instante, ficava interiormente seco e sem muito ânimo.
Entretanto, quando lia a vida de Cristo e dos santos, pensando em imitá-los em seus exemplos
de abnegação e de pobreza, sentia-se mais alegre e mais animado interiormente. A leitura
desses livros o fez abrir os olhos” para a diversidade de sentimentos. A partir dessa
constatação, começou a prestar atenção a esses movimentos interiores dos ânimos, aos quais
chamou de “Moções”.
15
Da observação desses movimentos, da diferença dos estados de
espírito, sua distinção no modo de senti-los, surgiram, mais tarde, as “Regras de
Discernimento dos espíritos”.
16
Inácio é marcado de tal maneira por esse “abrir os olhos”, que
sua vida, a partir desse fato, pautou-se por uma atitude de constante discernimento. “Essa
pausa providencial ajudou Inácio a discernir o que Deus queria dele, e, a partir desse
momento, vai “se deixando conduzir”, mesmo sem saber exatamente para onde. Decidiu, pois,
mudar de vida e se colocar a caminho”.
17
Ao ler a vida de São Francisco (1181-1226) e de São Domingos (1170-1221), sentiu-
se impelido a imitá-los. Pensava consigo, “se esses homens foram capazes, eu também o
serei”. Ainda nem bem restabelecido, tomou o firme propósito de se tornar um peregrino, de
ir a Jerusalém, para permanecer pelo resto de sua vida.
18
As leituras foram, portanto, um
marco fundamental para a mudança de sua vida.
13
Foram lhe entregues a Vida de Cristo, do Cartuxo Ludolfo de Saxônia e uma edição popular, medieval de
vida de santos, conhecida como Lenda Áurea, obra muito popular na Idade Média, do dominicano Jacopo da
Varazze.
14
Inácio de LOYOLA, Autobiografia, n. 6 e 7.
15
Moções: são dinamismos interiores que atraem a pessoa para algo. São propostas interiores (sugestões)
vindas de fora do querer de quem experimenta. Aparecem como pensamentos (“frases interiores” ou “vozes
interiores”) e produzem reações emocionais (alegria ou angústia). Podem ser descritas também com movimentos
“dentro da pessoaque “puxam” para algo, sendo sentidas como apelos, chamamentos ou atrações”. (Inácio de
LOYOLA, 2000, n. 313).
16
São catorze regras para a Primeira Semana e oito para a Segunda Semana. A finalidade das regras, segundo
Inácio, são “para de algum modo sentir e perceber as várias moções que são causadas na pessoa: as boas para
receber e as más para rejeitar. Idem, Ibidem, n. 313
17
Manuel E. IGLESIAS, Um retiro com o peregrino, p.25.
18
Inácio de LOYOLA, Autobiografia, n. 6, 7 e 8.
16
Inácio nasceu em Loyola e mesmo, pela conversão, renasceu novamente para uma
vida diferente, porque Inácio chegou, não só ferido fisicamente a Loyola, mas também
“ferido” em seus projetos. Esse tempo de Loyola foi a ruptura de um modo de viver para
outro modo de encarar a vida. Agora, o centro de suas atenções não é a busca da glória
própria, do prestígio pessoal, mas do seguimento de Jesus. O centro não são mais seus
projetos, mas o projeto de Jesus. Esse recentrar-se foi fundamental para sua vida.
Por isso, restabelecido, Inácio começou a pôr em prática o que havia descoberto em
suas leituras. Deixou seus familiares, suas posses, tomou uma mula e pôs-se a caminho.
Chegando a Monserrat, decidiu passar a noite em vigília, diante do altar de Nossa Senhora.
Como sinal de oferecimento de sua vida, decidiu deixar sua arma e suas vestes para revestir-
se das armas de Cristo. Fez, também, uma confissão geral das faltas passadas a um confessor
num mosteiro próximo. Depois disso, despojou-se de seu traje tradicional, entregando-o a um
mendigo, vestindo-se com uma espécie de túnica, tornando-se, assim, um peregrino.
19
A partir
de então, a pobreza e a humildade foram sua companhia em todas as etapas de sua vida.
No caminho a Jerusalém, proibida a entrada em Barcelona por motivo de uma peste,
Inácio parou em Manresa. Naquela cidade permaneceu durante quase doze meses, de março
de 1522 a fevereiro de 1523. Inácio narra que ali viveu momentos de muita abnegação de si,
experimentando profunda presença de Deus. Vivia de esmolas. Entregava-se à prática da
oração e procurava ajuda espiritual. As penitências, o frio e o total descuido de si lhe
trouxeram uma série de doenças. Paralelamente, esse período proporcionou os primeiros
apontamentos do que futuramente serão os Exercícios Espirituais. As experiências que fazia
durante a estadia em Manresa e que poderiam ajudar a outros, anotava-as em um caderno que
trazia consigo. Essas anotações serão o esboço dos Exercícios Espirituais. Após Manresa
começa a ajudar outras pessoas na vida espiritual.
20
Durante sua experiência de peregrino, foi crescendo nessa intimidade com Deus. Sua
meta era ir a Jerusalém, para permanecer lá, servir aos peregrinos durante toda a vida, pois
pensava ser esse o melhor lugar para estar com Jesus, seguindo os seus passos nos lugares por
onde Ele andou. Por isso, foi pedir a autorização em Roma para prosseguir nesse intento.
Conseguindo a autorização, iniciou a viagem, enfrentando vários percalços, como a fome, o
frio, o naufrágio. Chegando a Jerusalém, após visitar os lugares santos, não pôde permanecer,
19
Inácio de LOYOLA, Autobiografia, n. 18.
20
Idem, Ibidem, n. 19-21.
17
devido à situação política dos venezianos com os turcos.
21
Os franciscanos, responsáveis pela
guarda dos lugares santos, temendo que a situação fosse piorar e prevendo o perigo que os
peregrinos pudessem correr, não permitiram a Inácio a permanência.
O provincial, com boas palavras, lhe disse como soubera de sua boa intenção de
permanecer nos Lugares Santos, que tinha refletido bastante sobre o assunto e que,
devido à experiência com outros peregrinos, julgava que não convinha. Com efeito,
muitos tinham o mesmo desejo, e, dentre eles, um havia sido preso, outro morto. E a
Ordem era forçada de resgatar os prisioneiros. Então, que ele se preparasse para
partir no dia seguinte com os outros peregrinos.
22
Ele alegou várias razões para permanecer, todas sem êxito. Após receber uma ameaça
de excomunhão, caso não obedecesse à ordem do provincial, cedeu, e foi embora com os
outros peregrinos.
23
Inácio, até esse momento, era um homem solitário, não queria saber de dinheiro, de
companheiros, de alimento e provisões. Somente Deus lhe bastava. Para Inácio seria, uma
falta grave de confiança, buscar algo fora Dele. Até esse momento, a idéia fixa de Inácio era
imitar Jesus, permanecendo em Jerusalém. Essa negação, porém, provocou uma reviravolta
em sua vida. Agora, o que fazer? Essa pergunta o acompanhou para o resto da vida. Inácio, a
partir dessa experiência, deu-se conta de que o importante é o serviço a Deus. Os meios
podem mudar. Percebeu, aos poucos, que Jesus poderia ser encontrado em todo o lugar, não
apenas em Jerusalém. Jerusalém poderia ser qualquer lugar.
24
Sobre isso, os estudiosos da
biografia de Inácio comentam:
Uma lição que Inácio aprende é que os projetos humanos, mesmo santos, nem
sempre coincidem com os de Deus. Assim, a terra santa vai ser, para o peregrino, os
caminhos da Europa e, nos seus últimos anos de vida, a casa de Roma, de onde
21
“Os Turcos, Império Otomano, detinham a supremacia naval no Mediterrâneo. Veneza entra em conflito com
o Império Otomano. Esse ar bélico fez com que não houvesse embarcação à Terra Santa”. (William V.
BANGERT, 1985, p. 30).
22
Inácio de LOYOLA, Autobiografia, n. 46.
23
Idem, Ibidem, n. 47.
24
Idem, Ibidem, n. 50.
18
acompanhará todos os caminhos do mundo e onde os seus companheiros servem a
Deus.
25
Querendo ajudar às pessoas na vida espiritual, considerou que seria necessário estudar.
com seus quase trinta anos de idade, iniciou seus estudos de Gramática Latina, em
Barcelona, não se envergonhando de compartilhar as lições na mesma sala de aula com
crianças. Paralelamente, deu os Exercícios Espirituais a algumas pessoas e formou o primeiro
grupo de companheiros. Esse grupo não vivia junto, vestia-se de maneira diferente, vivendo
de esmolas, caminhava descalço e partilhava o que recebia com os pobres. Não cobravam
pelo que faziam. Por causa dos Exercícios e de suas conversas espirituais com outras pessoas,
Inácio sofreu perseguições e foi preso. Solto, aconselharam-no a estudar Teologia, para ter
autorização de falar sobre assuntos espirituais.
26
Não se sentindo bem acolhido nesse ambiente, em 1528, resolveu ir a Paris. Foi só,
levando apenas alguns livros e um jumentinho. Em Paris, terminou a peregrinação mais ativa,
pois permaneceu seis anos, sendo o estudo sua principal ocupação. Estudou Artes, Filosofia e
Teologia, obtendo o título de Mestre em Artes pela Universidade de Sorbonne. Durante o
tempo de estudos, continuou orientando pessoas com os Exercícios Espirituais. Por isso, foi
preso novamente e interrogado pela Inquisição, que não encontrando nada que pudesse
incriminá-lo, soltou-o. Com alguns colegas dos aposentos da universidade, formou o primeiro
grupo dos futuros jesuítas que começaram a partilhar os mesmos ideais de Inácio, com a
prática dos Exercícios Espirituais.
27
A princípio, esse grupo de companheiros, apenas estava disposto a ir à Terra Santa
para permanecer e ajudar as pessoas. Após terminarem os estudos de Teologia, foram à
Itália pedir autorização e esperar um tempo favorável para se dirigirem a Jerusalém. Durante
esse tempo de espera, foram aprovados para receberem o sacramento da ordem e todos se
ordenaram. No entanto, devido à situação desfavorável das guerras entre Venezianos e
Turcos, não conseguem realizar o intento de irem a Jerusalém. Inácio e seus companheiros
perceberam não ser a vontade de Deus sua viagem à Terra Santa e resolveram dirigir-se a
25
William BARRY; Robert DOHERTY, Contemplativos em ação, p. 31.
26
Inácio de LOYOLA, Autobiografia, n. 64-70.
27
Idem, Ibidem, n. 73-86.
19
Roma, colocando-se à disposição do Papa, para que ele os enviasse onde houvesse maior
necessidade.
28
Compreendendo que não deviam dar fim aos laços de grupo que haviam criado,
decidiram permanecer juntos, fundando uma ordem religiosa. No dia 27 de setembro de 1540,
o Papa Paulo III aprovou a nova ordem, que se chamou Companhia de Jesus, e seus membros,
ficaram conhecidos como jesuítas. Colocaram-se à disposição do Papa para a missão na
Igreja, pois pensavam que ele, por estar à frente da Igreja, possuía uma visão mais ampla
sobre ela e conhecia melhor suas necessidades e carências.
29
Inácio, embora oferecesse resistência, foi escolhido o primeiro superior geral, o
responsável pela nova ordem religiosa.
30
Residindo em Roma, enviou seus companheiros
como missionários, acompanhando-os com suas numerosas epístolas de incentivo e
orientação. Continuou colaborando com outras pessoas, com a prática dos Exercícios
Espirituais, fundando instituições para órfãos, casas para acolher as prostitutas, auxiliando,
assim, os desamparados da época. “Realizaram-se em Roma, com ajuda do peregrino e dos
companheiros, algumas obras pias, como são os Catecúmenos, Santa Marta, os Órfãos, etc.”.
31
Quando Inácio morreu, em 31 de julho de 1556, a nova família religiosa contava com
cerca de mil membros, várias obras missionárias, já estando presente, inclusive, aqui no
Brasil.
Olhando para trás, neste ponto de vista (1556), o exausto geral da Companhia podia
contemplar uma lúcida realidade, filha de apenas quinze anos de existência: os nove
companheiros parisienses da sua aventura inicial eram cerca de mil, dos quais uns
trezentos eram sacerdotes, quinhentos, escolásticos e uns cento e cinqüenta,
coadjutores ou irmãos leigos. Estavam distribuídos em 80 casas espalhadas pelo
mundo.
32
28
Inácio de LOYOLA, Autobiografia, n. 93.
29
Jean-Claude DHOTEL, Quem és Inácio de Loyola, p. 80.
30
Idem, Ibidem, p.80.
31
Inácio de LOYOLA, Autobiografia, n. 98.
32
Ignácio Tellechea IDIGORAS, Inácio de Loyola sozinho e a pé, p. 369.
20
1.1.2 Traços de um perfil humano e de discernimento
Após ler a Vida de Cristo e as biografias de vidas dos santos, Inácio de Loyola mudou
radicalmente sua vida. Foi num abrir os olhos.
33
Ao se defrontar com as vidas de São
Francisco e São Domingos, que foram capazes de deixar tudo para seguir Jesus, ele também
se sentiu impelido a fazer o mesmo. A partir desse momento, tomou a firme resolução de
colocar-se no caminho de Jesus, abandonando família e comodidades para chegar ao seu
intento.
No tópico anterior, vimos seu despojamento, sua firme idéia de colocar-se a serviço de
Cristo na Terra Santa, a necessidade de estudos para falar de “assuntos espirituais”, os estudos
e a formação do primeiro grupo de jesuítas. Em tudo, vimos um Inácio que não se deixou
abater e desanimar. Ao mesmo tempo em que enveredava por esses caminhos rumo a
Jerusalém, acontecia um peregrinar para as profundezas da vida, para a vivência interior. São
duas peregrinações. Uma leva à outra. Na primeira, como vimos acima, foi Inácio que tomou
a iniciativa. É como uma espécie de aventura, de querer imitar a vida dos santos. Depois, na
segunda peregrinação, foi Deus que tomou a iniciativa, e Inácio se deixou conduzir. Essa
experiência deixou profundas marcas que o acompanharam para toda a vida.
É na peregrinação interior que Deus transformava lentamente sua vida, gestando nele
um homem novo. Inácio deixava-se levar pelo Espírito de Jesus, deixando a graça de Deus
agir nele. Entendeu que Deus lhe pedia para continuar nessa peregrinação. Essa descoberta se
tornou possível, à medida que foi aprofundando-se na experiência de encontro com Deus, por
isso, entregava-se a longas horas de oração. Empreendendo esse caminho diferente, percebeu
que não estava mais sozinho, que Jesus fazia o caminho com ele.
Nesse encontro de intimidade com Deus, Inácio percebeu, aos poucos, qual a Sua
vontade, pois, nessa busca e experiência de discernimento foi um autodidata. Não encontrou
nenhum mestre experimentado nessa escola. Acudiu ao Mestre dos mestres, deixando-se
conduzir por Ele.
34
A partir desse encontro profundo, notou que podia ajudar outras pessoas a
também fazerem uma experiência de Deus. Por isso, auxiliou outras pessoas, e as pessoas
também iam ao seu encontro. “As pessoas haviam começado a procurá-lo, em busca de
aconselhamento espiritual. [...] As autoridades da igreja começaram a questionar suas
33
Inácio de LOYOLA, Autobiografia, n. 8.
34
Darío Restrepo LONDOÑO, De Iñigo López a San Ignácio de Loyola, p. 90.
21
credenciais para falar a respeito de tais questões, sem nenhuma instrução formal em
teologia”.
35
A partir dessa experiência, sentiu a necessidade de estudar para poder
fundamentar e difundir sua experiência de Deus.
36
Aqui cabem duas observações. Primeira: Inácio compôs os Exercícios Espirituais, sem
pertencer ou estar ligado a uma organização, grupo ou Congregação. Portanto, como foi dito
acima, empreendeu esse caminho sozinho. No final da sua autobiografia, o próprio Inácio
afirma: “Sempre crescia em devoção, isto é, em facilidade de encontrar a Deus e agora, mais
do que em toda a sua vida. Sempre, a qualquer hora que queria encontrar a Deus, o
encontrava”.
37
Segunda: O peregrinar para o interior não fechou Inácio em si mesmo. Deu-se
conta de que “antes de pertencer à Companhia de Jesus, Jesus mesmo havia sido sua
companhia”.
38
À medida que Inácio se transformava interiormente, sentia necessidade de
transformar a realidade e as pessoas que o cercavam. A partir disso se compreende que a
Espiritualidade Inaciana não é uma espiritualidade de mosteiro, que se limita a quatro paredes,
mas, ela é missionária. Leva ao que faz à experiência de seguir as pegadas de Jesus.
Ao fundarem a nova congregação, Companhia de Jesus, Inácio e seus companheiros
recusaram três elementos que caracterizavam a vida religiosa até aquele momento: a vida
conventual, a recitação da Liturgia das Horas em comunidade e o hábito. Fizeram-no porque
se sentiam chamados e enviados, como comunidade, à missão. Viviam numa comunidade em
dispersão, pois viam que a missão exigia estar em liberdade e disponibilidade para poderem ir
e atuar onde houvesse maior necessidade e onde os desafios fossem maiores. “O objetivo
desse grupo era a renovação da vida espiritual dos leigos, o apostolado de ensinar a doutrina
cristã, assistir aos pobres mendigos e acompanhar os injustiçados na hora da morte”.
39
Por isso, Inácio não prescreveu aos jesuítas já formados nenhum tempo fixo de oração.
Insistia que usassem a liberdade responsável, ou seja, que cada um soubesse discernir o “tanto
quanto” necessitava de oração para dedicar-se plenamente à missão. Para Inácio, os jesuítas
deveriam ser contemplativos na ação, encontrando a presença de Deus em todas as coisas e
todas as coisas em Deus, pois já estavam experimentados na escola dos Exercícios Espirituais,
na busca da vontade de Deus.
35
William BARRY; Robert DOHERTY, Contemplativos em ação, p. 22.
36
Carlos Rafael CABARRÚS, A Espiritualidade Inaciana é leiga, p. 7.
37
Inácio de LOYOLA, Autobiografia, n. 99.
38
Darío Restrepo LONDOÑO, De Iñigo López a San Ignacio de Loyola, p 92.
39
Carlos Rafael CABARRÚS, A Espiritualidade Inaciana é leiga, p. 7.
22
Ao deliberarem qual nome deveriam dar à nova ordem religiosa, caso alguém lhes
perguntasse, Inácio solicitou para dizerem que eram da Companhia de Jesus.
40
O próprio
nome surgiu dessa busca constante do peregrinar de Inácio em companhia de Jesus, e da
experiência mística que teve num momento de oração, de ser posto ao lado de Jesus por Deus
Pai como companheiro de Jesus.
Estando um dia, algumas milhas antes de chegar a Roma, numa igreja, fazendo
oração, sentiu tal mudança em sua alma e viu tão claramente que Deus Pai o punha
com Cristo seu Filho, que não teria ânimo para duvidar disto, de que o Pai o punha
com seu Filho.
41
Para a época, a Companhia de Jesus representou uma revolução na vida religiosa.
Inseridos no mundo, dispersos, os companheiros de Inácio iam ao encontro do mundo e da
realidade. Logo que a Companhia de Jesus foi fundada, quase todos os companheiros de
Inácio se dispersaram em missão para diversas partes do mundo, continuando a peregrinação
iniciada por ele e ajudando a outros a enveredarem por esse caminho. “Nas cidades onde
fundavam casas estáveis, tinham de viver como mendigos, pois não tinham nenhuma renda
estável. Haviam decidido não aceitar remuneração por nenhum ministério. [...] sua casa teria
que ser a estrada”.
42
A característica mais marcante do perfil de Inácio foi o de ser um homem de
discernimento. Sempre buscou pautar sua vida na busca da vontade de Deus. Por isso,
sistematizou as regras de discernimento dos espíritos para ajudar aos que fazem os Exercícios
deixarem-se guiar, unicamente, pelo Espírito de Jesus. Segundo Inácio, são “regras para de
algum modo sentir e conhecer as várias moções que são causadas na pessoa: as boas para
receber e as más para rejeitar”.
43
Inácio aprendeu, ao longo de seu caminhar, a estar atento aos movimentos, que se
passavam em seu interior, as moções, que estão presentes em cada ser humano. Entretanto,
para percebê-los, é preciso conhecer-se e saber observar os diversos movimentos para
conhecê-los e discerni-los. Inácio entendia, baseado em sua vida de oração, que nem todas as
moções que sentia eram boas e levavam a uma vida de amadurecimento e de contato com
40
Inácio de LOYOLA, Autobiografia, n. 95.
41
Idem, Ibidem, n. 96.
42
William BARRY; Robert DOHERTY, Contemplativos em ação, p. 24.
43
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 313.
23
Deus, pois poderiam vir, segundo a linguagem de Inácio, tanto do bom como do mau espírito.
Entendia que as moções são do bom espírito, quando levam para Deus, para o crescimento, à
felicidade, à realização, à construção do Reino de Deus. São do mau espírito, quando levam a
um distanciamento de Deus, a um fechamento sobre si. Inácio nos mostra, com sua vida, que
podemos conhecer tanto o bom como o mau espírito por seus frutos, estando atentos aos
sentimentos causados por esses movimentos. Os frutos do bom espírito trazem sentimentos de
paz, tranqüilidade, alegria, ânimo, o querer o bem aos outros. Levam a estar mais perto de
Deus. Os frutos do mau espírito agem de forma contrária, suscitando dúvidas, confusão,
desânimo, levando ao afastamento de Deus e de seus projetos.
44
Surge o binômio: consolação
e desolação, feita nos Exercícios Espirituais:
Chamo de consolação, quando se produz uma moção interior, pela qual a pessoa se
inflama no amor ao Reino de seu criador e Senhor e, portanto, quando não pode
amar em si mesma nenhuma coisa da face da terra, exceto no criador de todas as
coisas [...]. Enfim, chamo consolação todo aumento de fé, esperança e caridade
45
.
[...] Chamo desolação tudo o que é contrário à consolação, causando escuridão
interna, perturbação, moção para as coisas baixas e terrenas, inquietude, com
diversas agitações e tentações, movendo à desconfiança, sem esperança, sem amor,
achando-se a pessoa tida preguiçosa e tíbia, triste e como separada de seu criador e
Senhor.
46
Tendo consciência desses movimentos e contando com a ajuda das Regras de
discernimento, o exercitante ou pessoa familiarizada com a espiritualidade inaciana tem um
instrumental para a tomada de decisões na vida pessoal ou comunitária. Mas é preciso
recordar que Inácio propõe, primeiramente, essas regras para ajudar ao que faz os Exercícios
Espirituais.
Já no início das regras, Inácio chama a atenção, a quem se encontra desolado, que deve
prosseguir no caminho que seguia antes de cair em desolação. Pede para não tomar decisões,
por mais simples que sejam, em momentos de desolação, pois se é o bom espírito que guia
nos momentos de consolação, na desolação é o mau espírito que conduz.
47
Muitas pessoas
44
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 315.
45
Idem, Ibidem, n. 316.
46
Idem, Ibidem, n. 317.
47
Idem, Ibidem, n. 318.
24
tomam decisões erradas, por fazê-las no tempo impróprio, ou seja, no tempo da desolação,
justamente quando não é o momento. Por isso, quando voltam a ter plena consciência de seus
atos vêem que não tomaram a decisão correta, provindo o arrependimento, pois não houve
lucidez suficiente na decisão.
A pessoa que está desolada deve lutar para superar a desolação. Descobrir o que o
levou a chegar a tal estado de ânimo. Icio sugere nesses casos, para superar tal estado,
mudar-se interiormente, intensificando gestos de caridade, cultivando mais a espiritualidade, a
oração, não se deixando abater pelos obstáculos, mas enfrentando-os com coragem e decisão.
Ter paciência, não fugir da desolação, mas “curti-la”, aproveitando esse momento para tirar o
máximo de proveito para o crescimento. A desolação é prenhe de vida, de crescimento, por
isso, manter a constância, consciente de que Deus jamais abandona ninguém. Sem Ele nada
somos e nada podemos. Manter a firmeza, pois a desolação, assim como veio, também de
ir embora. Não podemos viver sempre desolados.
48
Inácio chama a atenção sobre três causas que podem nos levar à desolação durante os
Exercícios Espirituais:
Por sermos tíbios, preguiçosos ou negligentes em nossos Exercícios Espirituais, e
assim a consolação espiritual se afasta de nós por nossas faltas. Para nos mostrar o
quanto valemos e progredimos no seu divino serviço e louvor, sem tanta recompensa
de consolações maiores graças; para dar-nos verdadeira noção e conhecimento e a
fim de que sintamos internamente não estar em nós termos grande devoção, intenso
amor, lágrimas ou qualquer outra consolação espiritual, mas que tudo é dom e graça
de Deus nosso Senhor.
49
Em caso de consolação, Inácio aconselha que se tire proveito dela, precavendo-se
contra a desolação, que logo poderá sobrevir. Pede para a pessoa agir com humildade,
percebendo suas qualidades, suas fraquezas e seus limites, reconhecendo que a consolação é
dom de Deus e que ela nada pode sem Ele. No estado de ânimo, sempre manter o equilíbrio.
50
Nos momentos de desolação, o mau espírito costuma agir de forma disfarçada, não
querendo ser desmascarado. Por isso, Inácio recomenda como ajuda, conversar sobre esses
48
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 319-320.
49
Idem, Ibidem, n. 322.
50
Idem, Ibidem, n. 323-324.
25
assuntos com uma pessoa de confiança, mais experiente e mais familiarizada nessas situações,
confrontando a experiência. O “segredo” isola, aprisiona, impedindo a libertação interior.
Quem está em desolação não tem plena lucidez do que está ocorrendo em sua vida. Nesse
caso, a ajuda de outro, alguém que olha de fora da experiência, é de fundamental importância
para abrir novos horizontes e impulsionar novos rumos para a mudança.
51
Inácio pede para quem faz os Exercícios Espirituais, tomar consciência das sutilezas
da ação tanto do bom quanto do mau espírito. Segundo Inácio, quando a pessoa trilha pelo
caminho de Deus, é próprio do mau espírito colocar impedimentos, provocar dificuldades e
desânimos para que não adiante, enquanto o bom espírito incentiva, força e ânimo.
Entretanto, se a pessoa está sendo guiada pelo mau espírito, as coisas se invertem. É próprio,
então, do bom espírito causar inquietação, remordimento e o mau espírito animar para que se
continue nesse caminho. Por isso, ele pede que se olhe o percurso dos pensamentos para ver
se o princípio, o meio e o fim são bons e levam para o projeto de Deus ou se afastam de Deus.
É preciso olhar para os frutos.
52
Um elemento a que Inácio suma importância e que é fundamental para fazer um
bom discernimento é ter um bom conhecimento de si mesmo, das fortalezas e dos pontos
fracos. Geralmente, o mau espírito age sobre os pontos onde estamos mais vulneráveis, pois
representam uma ameaça e necessitam ser trabalhados. Faz a comparação com um general de
exército, que sempre costuma atacar o inimigo pelo ponto mais fraco, no lugar mais
desprevenido da fortaleza, com a intenção de derrotá-lo.
53
O melhor espaço para poder perceber e discernir as moções do espírito e fazer um bom
discernimento é a vida de oração, pois é o momento em que estamos a sós com Deus e
podemos ver nossa vida em todas as suas dimensões. Assim, Inácio recomenda que, após a
oração, a avaliemos em todos os seus aspectos, para percebermos o que se passou em nosso
interior, compreender nossos sentimentos e as moções do espírito para ver aonde nos levam,
se estão nos aproximando de Deus e dos irmãos, ou afastando-nos deles. Conhecer bem as
moções para acolher as boas e purificar ou repelir as más.
O confronto com a Palavra de Deus, na oração, ajuda nessa tarefa do discernimento. É
como espelho que traz presente a vida em todas as suas dimensões.
51
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 325-326.
52
Idem, Ibidem, n. 332-337.
53
Idem, Ibidem, n. 327.
26
A Palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do que espada de dois gumes;
penetra até dividir a alma e o espírito, junturas e medulas. Ela julga as disposições e
as intenções do coração, e não criatura oculta à sua presença. Tudo está nu e
descoberto aos olhos daquele a quem devemos prestar contas. (Hb 4,12-13).
As consolações, quando são constantes, ao longo da caminhada, e concordam com as
experiências que realizamos, são indicação e importante confirmação da vontade de Deus. Do
mesmo modo, quando certas desolações são constantes, devemos ver nelas, um convite para a
mudança. Significa que algo não está bem na caminhada e a necessidade de examinar-se
para perceber o que deve ser mudado.
A pessoa que entra em atitude de discernimento deve ter a consciência de que nem
todas as coisas boas, que Deus criou, foram feitas para ela. Por isso, justamente, precisa
discernir para ver o que mais a ajudará na vida. Não se pode querer tudo para si. É importante
lembrar que o discernimento, primeiramente, consiste em identificar qual o espírito que move
a pessoa a agir. Identificado o espírito, examinar a proposta que se apresenta para distinguir o
que vem do mau espírito, para repeli-lo e o que vem do bom espírito, para acolhê-lo. O
discernimento sempre se diante de coisas boas, em que, entre várias alternativas boas, a
pessoa é convidada a optar pela que mais ajuda na realização da vida em plenitude. Diante de
uma coisa boa e outra ruim, o ser humano não precisa fazer discernimento. Basta usar o bom
senso.
Para que o discernimento aconteça plenamente, devemos colocar-nos em atitude de
indiferença diante das coisas que são objeto de discernimento. Não consegue fazer
discernimento quem está apegado a uma opção em detrimento da outra.
54
Por isso, um bom
discernimento sempre se num clima de oração e de serenidade. A pessoa não pode se
colocar em atitude de discernimento quando está perturbada e não em paz consigo mesma. O
discernimento sempre visa a buscar o que é melhor para a realização da pessoa e o que mais a
ajuda a relacionar-se com os outros. Nunca é busca de si mesmo, de forma egoísta, mas é a
busca do que melhor se relaciona com os outros e com Deus.
Quando se faz discernimento, em vista de algo importante, na escolha de estado de
vida ou de algo fundamental para a vida, Inácio pede sempre o “aconselhamento”. Esse
confronto com alguém, uma pessoa preparada ou, dependendo do caso, de mais experiência
54
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 23.
27
de vida e bom senso, é fundamental para a tomada de decisão. O fruto do discernimento
sempre deve trazer paz e serenidade, quando se opta pelo que é melhor, quando se encontra a
vontade de Deus. Se não houver esses frutos, mas perturbação, angústia e medo, é um sinal de
alerta, necessitando a revisão do processo de discernimento, para ver se houve de fato
discernimento.
55
Podemos ver que os Exercícios Espirituais são, antes de tudo, uma escola de
discernimento. Durante os Exercícios ou vida de oração, a pessoa confronta sua vida, seus
anseios, seus sonhos com os “desejos de Deus”. É convidada a buscar e encontrar a vontade
de Deus. Encontrada e confirmada essa vontade de Deus, é chamada a pô-la em prática.
Portanto, após os Exercícios, o exercitante é chamado a continuar o discernimento, sendo
sensível a essa presença de Deus, procurando em tudo sua vontade. É impelido a permanecer
e a confrontar sua vida com a vida e o projeto de Jesus.
1.2. OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS: ORIGEM, SISTEMATIZAÇÃO E DINÂMICAS
No primeiro ponto deste capítulo, vimos que a vida de Inácio de Loyola pode ser
dividida em duas fases: o leigo peregrino, imitador dos santos e de Jesus, e o seguidor de
Cristo, fundador da Companhia de Jesus. Como leigo, fez a experiência do processo de
conversão e encontro com Deus. Ainda como leigo, reuniu os primeiros companheiros, aos
quais acompanhou na prática dos Exercícios Espirituais, e com quem, mais tarde, decidiu
fundar e constituir a Companhia de Jesus. Na segunda fase, como religioso, fundador de uma
ordem religiosa, procurou pôr em prática sua experiência de Deus, os Exercícios Espirituais, e
institucionalizou o seu carisma, as suas primeiras intuições.
A seguir, aprofundamos a temática dos Exercícios Espirituais. Num primeiro
momento, fazemos uma introdução. Em seguida, estudamos sua dinâmica interna e externa.
Por fim, uma explanação sobre a Espiritualidade Inaciana.
55
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 315.
28
1.2.1 Os Exercícios Espirituais: origem
Segundo o próprio Inácio, “os Exercícios são todo o melhor que eu posso pensar nessa
vida, sentir e entender, assim para o homem poder-se aproveitar a si mesmo como para poder
frutificar, ajudar e aproveitar a muitos”.
56
Porém, para quem olha o livro dos Exercícios
Espirituais, fica a decepção, pois não é uma obra literária, nem um tratado ou livro de
consulta. Lê-lo se torna uma atividade tediosa. Já praticá-lo, pode significar uma mudança
radical de vida.
Desde que foi publicado oficialmente, em 1548, o livro dos Exercícios Espirituais
recebeu mais de 4.600 edições. Foi traduzido para mais de 20 idiomas. Concomitantemente,
surgiu uma imensa biblioteca especializada de comentários e experiências feitas. No plano
existencial, inspirou o surgimento de muitas outras congregações, obras de educação, de
assistência e de caridade. Ajudou muitas pessoas a encontrar e dar um sentido para suas vidas,
a encontrar ou reencontrar o caminho de Deus.
57
Qual o conteúdo dos Exercícios Espirituais? O que de tão extraordinário em fazer
essa experiência? Podemos notar que, antes de se constituírem em livro, um método de
oração, é uma experiência de Deus traduzida em vida. O próprio Inácio, em sua vida, sentia
que “Deus o tratava como um mestre-escola trata um menino que ele ensina”.
58
Por isso, os
Exercícios são fruto das anotações da experiência de Deus que Inácio viveu. “Os Exercícios
não os tinha escrito todos de uma vez, mas que algumas coisas que observava em sua alma e
as achava úteis a si e lhe parecia poderem ser úteis a outros, as punha por escrito”.
59
Além da sua experiência de Deus, chama a atenção em Inácio o fato de ter observado e
refletido sobre essa experiência e, baseado nessa observação, ter oferecido um método para
ajudar aos demais a fazerem seu caminho. O que recebe atenção não são os estudos, pois não
se trata de um estudo sistemático sobre um tema, mas balizas, exercícios, como de ginástica, e
por isso o nome “Exercícios Espirituais”.
60
O próprio Inácio o indica:
56
Inácio de LOYOLA, Carta de 16 de Novembro de 1536 al P. Manuel Miona, Disponível em Disponível em:
<http://www.jesuitalumni.org/est/do> Acesso em: 8 ago. 2005.
57
Darío Restrepo LONDOÑO, De Iñigo López a San Ignacio de Loyola, p. 92.
58
Inácio de LOYOLA, Autobiografia, n. 27.
59
Idem, Ibidem, n. 99
60
Ulpiano VÁZQUEZ, A orientação espiritual: mistagogia e teografia, p. 73.
29
Entende-se por Exercícios Espirituais qualquer modo de examinar a consciência, de
meditar, de contemplar, de orar vocal e mentalmente, e outras operações espirituais
[...] Assim como passear, caminhar e correr são exercícios corporais, chamam-se
exercícios espirituais diversos modos de a pessoa se dispor para tirar de si todas as
afeições desordenadas. E, depois de tirar estas, buscar e encontrar a vontade divina
na disposição de sua vida para a sua salvação.
61
França Miranda entende que os Exercícios Espirituais são um método de oração que
levam a uma experiência de Deus. Dessa experiência surge uma espiritualidade, que tem
Cristo como seu núcleo, por isso cristocêntrica, ou seja, tem em seu centro Cristo, que é servo
e Senhor, pobre e humilde. É uma espiritualidade humanista, buscando a realização do projeto
de Deus para cada ser humano. Trata-se de uma espiritualidade enraizada na experiência
interior, de deixar-se guiar pelo Espírito de Deus, buscando sua vontade.
62
Portanto, trata-se de uma experiência de Deus, em que Deus tem a iniciativa. A tarefa
dos Exercícios Espirituais é pautada pela oração pessoal, em que a pessoa se coloca numa
atitude de escuta, de confiança diante de Deus, exigindo, de quem faz a experiência,
humildade, para deixar Deus agir. Inácio de Loyola indica:
A quem recebe os Exercícios, muito aproveita entrar neles com grande ânimo e
generosidade para com seu Criador e Senhor. Ofereça-lhe todo seu querer e
liberdade, para que sua divina Majestade se sirva, conforme Sua santíssima vontade,
tanto de sua pessoa, como de tudo que tem.
63
Fazer os Exercícios não é uma busca intelectual, mas aproximação de familiaridade
com Deus. Inácio propõe um caminho, um método em que a pessoa participa inteiramente:
corpo, mente e afeto. Os Exercícios Espirituais propõem uma purificação dos afetos, seja das
pessoas, seja das coisas, ordenando tudo a Deus como Criador e Senhor das coisas. Visa à
61
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 1.
62
França MIRANDA, A espiritualidade de Santo Inácio de Loyola, Disponível em:
<http://amaivos.uol.com.br/templates/amaivos/amaivos07/noticia/noticia.asp?cod_Canal=41&cod_Noticia=460>
Acesso em: 25 ago. de 2005.
63
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 5.
30
indiferença, de tal modo que nada possa interferir para poder acolher unicamente a vontade de
Deus. É ordenar a vida para Deus realizando sua vontade.
64
O que não é possível, viajar no tempo para presenciar a Jesus atuando nesse mundo,
se faz possível na imaginação inaciana. Usando da imaginação, nós representamos a
história que contemplamos, e não só a representamos, senão que entramos nela de tal
maneira que não nos comportamos como meros espectadores, mas como atores.
Interatuamos com os personagens a ponto de nos fazermos presente a ela.
65
Em suma, fazer os Exercícios significa “mergulhar” a vida na vida de Jesus, por meio
da experiência de oração. É tornar-se contemporâneo ao próprio Jesus pelo realismo da em
confronto com o seu projeto de vida, não apenas num aspecto de sua vida, mas de sua
totalidade, vida, morte e ressurreição, por meio da Palavra que contemplamos.
66
Esse
processo, num conjunto, tem dinâmicas próprias. A seguir procuramos expor duas dinâmicas:
a externa e a interna.
1.2.2 Sistematização: dinâmica externa e interna dos Exercícios Espirituais
67
Inácio pensou os Exercícios Espirituais dentro de uma dinâmica. A duração do
percurso da experiência completa dos Exercícios Espirituais é de aproximadamente um mês.
Vejamos, sucintamente, a sua dinâmica externa e interna.
1.2.2.1 Dinâmica externa dos Exercícios Espirituais
A dinâmica global externa dos Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola se divide
nas seguintes etapas: Princípio e Fundamento; Primeira Semana; Segunda Semana; Terceira
Semana; Quarta Semana e Contemplação para alcançar Amor.
64
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 21.
65
Eduardo Najarro REYES, Vivir los ejercicios espirituales de San Ignacio de Loyola. (Artigo não publicado -
Tradução própria).
66
Carlos PALÁCIO, Os “mistérios” da vida de Cristo nos Exercícios Espirituais, p. 36.
67
Algumas das considerações abaixo se baseiam em anotações feitas das aulas proferidas pelo Pe. Quirino
Weber, SJ e também da prática pessoal da experiência dos Exercícios Espirituais.
31
1.2.2.1.1 Dinâmica diária dos Exercícios Espirituais
Na dinâmica diária são propostos quatro ou cinco momentos de oração (meditações
e/ou contemplações). A meditação
68
usando as três “potências”: memória, inteligência e
vontade. A contemplação,
69
utilizando mais os sentidos: ver, ouvir e fazer-se presente. Para
cada meditação ou contemplação pedem-se quinze minutos de preparação, uma hora de
oração e mais quinze minutos de revisão e avaliação para recolher os frutos.
1.2.2.1.2 Dinâmica de cada exercício de oração
Antes de entrar em oração, é necessário prepará-la, escolhendo o texto bíblico ou, no
caso de retiro, a proposta de oração. Depois de escolhido o texto ou tema da oração, faz se a
oração preparatória, ou seja, por alguns minutos, tomando consciência de si, acalmar-se,
colocando-se na presença de Deus, entrando, assim, no clima de oração. No segundo
momento, toma-se o texto bíblico escolhido ou o que se pretende meditar/contemplar. Faz-se
a composição de lugar, ou seja, apela-se para a imaginação, que ajuda a entrar no clima da
oração e pede-se a graça. Após esse momento inicial, entra-se propriamente no corpo da
meditação/contemplação, em que se faz a experiência.
70
Por fim, faz-se o colóquio final e
termina-se com uma oração vocal.
68
“A meditação faz o exercitante considerar racionalmente determinado assunto e as implicações dele em sua
vida. Baseia-se primordialmente em habilidades de raciocínio para levá-lo a discernimentos mais profundos
sobre si mesmo e seu relacionamento com Deus. Uma vez que tenha feito considerações sobre o assunto de
maneira racional, é convidado a se mover para o nível mais afetivo de relacionar essas considerações com a
forma como leva a vida no relacionamento com Deus”. (Ralph E. METTS, 1997, p. 194).
69
“Na contemplação, o exercitante usa principalmente a imaginação, entrando em determinada cena e
vivenciando o que vê, ouve e sente enquanto está ligado a cena. O propósito da contemplação é ajudá-lo a se
mover com mais facilidade dos eventos experimentados para as respostas afetivas a esses eventos, sem
necessariamente muito raciocínio”. Idem, Ibidem, p. 195.
70
“A palavra “experiência” tem sentido genérico quando é considerada como “a vida humana com os
ensinamentos que seu exercício supõe”. Mas concretamente, ela pode ser definida como um conhecimento por
dentro, partindo da própria relação com as coisas. [...] Se a experiência consiste em conhecer por dentro, a
experiencia cristã é conhecer o interior de Cristo, embora se entenda por essa expressão o conhecer interior com
toda sua bagagem consciencial, relativo a Deus”. Dicionário de espiritualidade, p. 389. - “Experiência: sob esse
termo entendemos a percepção da realidade de Deus vindo até nós, ativo em nós e por nós, atraindo-nos a si
numa comunhão, numa amizade, isto é, num ser um para o outro. Tudo isso, é claro, aquém da visão, sem abolir
a distância na ordem do conhecimento do próprio Deus, mas superando-a no plano de uma presença de Deus em
nós como fim amado de nossa vida: presença que se torna sensível através dos sinais e nos efeitos da paz,
alegria, certeza, consolação, iluminação e tudo aquilo que acompanha o amor.” (Yves CONGAR, 2005, p. 13).
32
1.2.2.2 Dinâmica interna dos Exercícios Espirituais
A dinâmica interna segue a dinâmica global explicitada no item 1.2.2.1. Vejamos a
seguir cada um dos passos da experiência.
1.2.2.2.1 A experiência do Princípio e Fundamento
O primeiro passo, a porta de entrada dos Exercícios Espirituais é a experiência do
Princípio e Fundamento. Tem o objetivo de abranger a globalidade da realidade, isto é, o
plano de Deus. E desdobra-se em alguns passos. “O ser humano é criado para louvar,
reverenciar e servir a Deus, nosso Senhor e, assim, salvar-se. As outras coisas sobre a face da
terra são criadas para o ser humano e para o ajudarem a atingir esse fim para o qual é criado
[...]”.
71
O fim do ser humano é louvar e reverenciar a Deus. É a experiência criatural. O
exercitante se percebe vindo de Deus criador, Pai, Bom Pastor, Deus conosco, absoluto,
onipotente, amigo, amor, justiça, como necessário. A pessoa sente-se como criatura
dependente de Deus, como filho amado. Essa experiência leva o exercitante a fazer atos de fé,
esperança e caridade. Em síntese, é fazer a experiência de um Deus amor e de sentir-se amado
por Ele.
O exercitante dá-se conta de que as coisas foram criadas para o ser humano. Devem
ser usadas ou deixadas “tanto quanto” ajudarem ou impedirem o fim, iniciando, assim, o
processo de discernimento. É estabelecer a reta ordem, o situar as coisas. O ser humano é
criatura entre as criaturas. Torna-se necessário fazer-se indiferente ou ter a liberdade interior
diante delas. É um apelo à generosidade, dispor-se para acolher o plano de Deus para com ele.
É um ponto crucial para o resto dos Exercícios Espirituais.
72
O exercitante é convidado a perceber, crer e aceitar o amor maior de Deus e assim
viver, segundo as expressões de Inácio, “a maior glória de Deus”, utilizando os melhores
meios, os que mais conduzem para esse fim, o magis. O tanto quanto”, a indiferença e o
71
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 23.
33
magis” são modos constantes e progressivos desse novo modo de proceder e do novo
relacionamento com Deus.
Trata-se, pois, de ver Deus e seu projeto de amor na história, de sentir-se filho e
perceber o profundo amor que Ele possui por cada criatura. Essa experiência do Princípio e
Fundamento provoca em quem faz os Exercícios Espirituais, uma crise ou um
questionamento: quem vive o amor como fundamento? E assim desperta o sentido do pecado.
Essa crise surge no final dessa experiência e é ponto culminante da transição para a etapa
seguinte, que é a Primeira Semana.
1.2.2.2.2 A Experiência da Primeira Semana
Na transição, mantém-se a experiência do Princípio e Fundamento, ao se entrar na
Primeira Semana, uma experiência complementar do Princípio e Fundamento sob a ótica do
pecado e da misericórdia de Deus. Deus ama o pecador. É a experiência de sentir-se pecador.
Essa experiência não visa um simples exame de consciência. Não quer perturbar nem
deprimir o exercitante, mas fazê-lo tomar consciência do seu ser pecador. Ver as
conseqüências do pecado na vida, na sociedade e, diante desse sentir-se pecador, fazer uma
profunda experiência da misericórdia de Deus, ou seja, sentir-se um pecador perdoado.
73
O ser humano, pelo pecado, põe-se contra o projeto que Deus realizou e realiza na
história. Mesmo agindo dessa maneira, Deus não o abandona, mas perdoa-lhe e recria-o,
possibilitando lhe uma vida nova. Dessa consciência de sentir-se pecador, de pecador
perdoado, brota a necessidade de adesão ao projeto de salvação dado em Jesus Cristo.
A experiência da Primeira Semana provoca os questionamentos: Fui liberto,
perdoado? O que faço agora? O que Deus quer de mim? Desperta o sentido da
disponibilidade. É o momento de transição para a Segunda Semana.
74
73
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 24-90
74
Idem, ibidem, n. 53.
34
1.2.2.2.3 A Experiência da Segunda Semana
A Segunda Semana é a parte central dos Exercícios Espirituais. O objetivo dessa
semana é a eleição, ou seja, encontrar a vontade de Deus e acolher com liberdade o que Deus
escolheu para a pessoa que faz os Exercícios Espirituais.
A experiência da Segunda Semana inicia com o Exercício do Reino, que tem por
objetivo fazer uma experiência global de comunhão com Cristo e da participação no Reino. É
perceber o chamado pessoal de Cristo a serviço do Reino, identificando-se com sua pessoa. É
seguir Jesus Cristo, pobre e humilde, optando por ele. Imaginar, diante de mim, um rei
humano, escolhido pela mão de Deus nosso Senhor, a quem reverenciam e obedecem todos os
príncipes e homens cristãos”.
75
Nessa semana, contempla-se a encarnação, a infância e a vida oculta de Jesus, com o
sentido de fazer a experiência da gratuidade e da “inutilidade”. Seguem-se as contemplações
de sua vida pública, que são conteúdo por excelência para a eleição. Mais adiante, as
meditações das Duas Bandeiras, iluminando a inteligência para o conhecimento do bem e do
mal; a meditação das Três Classes de Homens, para escolher melhor e testar a sinceridade da
vontade, o magis e a generosidade, e a meditação dos Três Modos de Humildade, para criar
intimidade e identificação com Jesus, afeiçoando-se à Sua pessoa e preferindo o Seu modo de
ser e agir.
76
A graça que se pede nesse tempo é “o conhecimento interno do Senhor que por
mim se fez homem, para que mais o ame e o siga”.
77
Ao contemplar os mistérios da vida de Jesus, o exercitante entra em diálogo com a
própria humanidade de Jesus, vivenciando-a e deixando-se contagiar e configurar
internamente por ela, mudando sua maneira de ser e agir. A contemplação é gratuidade. É
deixar-se conduzir. É escuta. É silêncio. É tornar-se íntimo amigo de Jesus. A amizade de
Jesus é a porta de entrada para conhecer o Deus de Jesus. “A contemplação põe junto o
homem e o mistério para que haja interação e assimilação de uma por outra”.
78
Todas as contemplações da Segunda Semana têm em vista a eleição, que se dá em três
níveis: opção por Jesus Cristo, pelo estado de vida e pelos modos concretos e pessoais de
segui-lo. Essa eleição também se em três tempos: pela evidência, pelas consolações e
75
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 92.
76
Idem, Ibidem, n. 135-168.
77
Idem, Ibidem, n. 104.
78
Santiago ARZUBIALDE, Ejercicios Espirituales de San Ignacio, p. 276.
35
desolações e pelo modo tranqüilo, pesando prós e contras. Portanto, é o tempo da “reforma”
ou da opção do estado de vida, ou seja, como, na prática, vou seguir Jesus Cristo? Trata-se,
logo, de configurar-se com Cristo, a serviço do Reino. Na história pessoal, tomar consciência
do que se deve assumir concretamente para viver com Jesus, no seu seguimento, buscando o
conhecimento interno de Cristo para mais amá-lo e segui-lo.
79
A última meditação dessa Semana é o dia de Ramos, ou seja, a entrada de Jesus em
Jerusalém. A Instituição da eucaristia é a transição para a próxima Semana, pois introduz o
exercitante no mistério pascal, nos momentos culminantes do amor de Cristo pobre e humilde.
Leva o exercitante a identificar-se com Jesus que entrega sua vida gratuitamente.
80
1.2.2.2.4 A experiência da Terceira Semana
A Terceira Semana é a experiência da contemplação da paixão e morte de Jesus, que
tem por objetivo confirmar a opção (eleição) feita, ou seja, deixar-se identificar com Cristo
sofredor. É solidarizar-se com Jesus que assume até as últimas conseqüências o amor pelos
homens. É o momento de solidarizar-se com Ele que sofre por nós. É experimentar a dor e o
sofrimento no seguimento do Mestre Jesus. É buscar realizar não a própria vontade, mas
buscar realizar o projeto de Deus na própria vida.
81
1.2.2.2.5 A experiência da Quarta Semana
Na experiência da Quarta Semana, contempla-se a ressurreição. O objetivo é continuar
confirmando a opção feita, identificando-se agora com Cristo ressuscitado. Essa experiência
deve trazer profunda paz e alegria, percebendo a vida plena presente em Cristo ressuscitado.
Nesse momento, o exercitante é chamado a vivenciar a alegria, a paz com sentido de vida
plena no Cristo ressuscitado. É perceber que a morte não teve a última palavra, mas a vida.
Surge, assim, o apelo de engajar-se, buscando e realizando a vida plena em Cristo Jesus.
82
79
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 104.
80
Idem, Ibidem, n. 161.
81
Idem, Ibidem, n. 190-217.
82
Idem, ibidem, n. 218-229.
36
1.2.2.2.6 A experiência da Contemplação para alcançar Amor
É a síntese dos Exercícios Espirituais. É a experiência do afeto. O objetivo é
experienciar a gratidão de Deus por tudo que tem feito, realizado, e quer continuar a realizar
em e por meio de quem fez a experiência dos Exercícios Espirituais. É fazer a experiência de
encontrar Deus em todas as coisas, colocando-se numa atitude de gratidão e disponibilidade
para “em tudo amar e servir” como Deus o fez em Jesus Cristo. Termina-se essa experiência
com a oração de Inácio, da entrega sem reservas, da entrega total a Deus e Senhor Nosso.
83
Tomai, Senhor, e recebei toda a minha liberdade, minha memória e entendimento e
toda minha vontade. Tudo o que tenho ou possuo, vós me destes. A vós, Senhor,
restituo. Tudo é vosso. Disponde segundo a vossa vontade. Dai-me o vosso amor e a
vossa graça, pois esta me basta.
84
1.3 AS VÁRIAS MODALIDADES DE FAZER OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS
No início da segunda parte deste capítulo, introduzimos o tema das modalidades de se
fazer os Exercícios Espirituais. Rapidamente, vamos explanar esse ponto. Atualmente,
existem três modalidades (principais) de fazer a experiência dos Exercícios: trinta dias, oito
dias e na vida corrente. Inácio, como experiência completa, previu-os para 30 dias
ininterruptos. Com o passar dos anos, foi se configurando a necessidade de adaptação daquela
primeira forma de dar os Exercícios para atender às condições de vida daqueles que
almejavam fazê-los. Surgiram, assim, novas modalidades. Essa adaptabilidade, prevista por
Santo Inácio na introdução aos Exercícios Espirituais,
85
não significa alteração de sua
essência. Atualmente, uma pessoa que se propõe fazer a experiência completa passa por: um
dia de oração, um final de semana de retiro de iniciação, o retiro de oito dias e a experiência
83
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 230-237.
84
Idem, Ibidem, n. 234.
85
Idem, ibidem, n.19.
37
completa de Inácio ou o retiro de 30 dias. Dentro dessas experiências, um grande leque de
criatividade em que os Exercícios Espirituais podem ser adaptados.
86
Muitas pessoas e comunidades são introduzidas ao método inaciano, participando, a
princípio, em dias de oração nos finais de semana ou a um retiro de iniciação, em que
aprendem o básico da oração que é silenciar interiormente, criando um ambiente, um clima de
oração. Aprendem a meditar e a contemplar a Palavra de Deus. Enfim, a familiarizar-se com o
método de discernimento e a linguagem da espiritualidade inaciana. Os Exercícios Espirituais
de oito dias, a experiência de Inácio sintetizada, supõe a experiência anterior. Muitas pessoas
retiram-se do espaço e do ambiente em que vivem, buscando um ambiente de silêncio, uma
casa de retiros, para aproveitá-los melhor. Essa experiência pode ser realizada em etapas, por
finais de semana, facilitando a participação, principalmente aos que não podem afastar-se de
seus afazeres por mais dias.
87
Os Exercícios Espirituais completos, a experiência de Inácio ou o chamado retiro de
30 dias fechado, continua sendo ainda, infelizmente, privilégio de poucos, principalmente
religiosos(as) e clero, pois além do tempo previsto, a necessidade de se retirar dos afazeres
do dia-a-dia por um tempo mais prolongado. Mas há, atualmente, outras pessoas também
fazendo essa experiência. Para favorecer um ambiente e clima mais propício, costuma ser
realizado num ambiente e numa casa preparada para essa modalidade de retiro, num espaço
fechado e de silêncio, possibilitando que, durante esse tempo, a pessoa apenas se ocupe em
fazer a experiência, sendo acompanhada por alguém experimentado nos Exercícios
Espirituais. Essa mesma experiência pode ser feita em três etapas de dez dias ou em quatro
semanas distribuídas, principalmente, nas épocas de recesso ou férias. Mas o ideal é a
experiência ininterrupta.
88
Além disso, Inácio, na anotação 19 do livro, prevê uma adaptação dos Exercícios
Espirituais para pessoas muito ocupadas e que não poderiam afastar-se de seus afazeres do
dia-a-dia. Essa modalidade é chamada de Exercícios Espirituais na vida corrente ou exercícios
abertos. Nessa metodologia, a pessoa se compromete, durante o tempo em que ocorre a
experiência, geralmente de sete a oito meses, a fazer um momento de oração diariamente, sem
se afastar dos afazeres, seguindo as orientações dadas, segundo a metodologia dos Exercícios
Espirituais: preparar o momento de oração, procurar um lugar adequado e uma posição
86
Os Exercícios Espirituais de Santo Inácio, Disponível em: <www.pucrio.br/cloyola/exercicios.html> Acesso
em: 20 nov. 2006.
87
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 18.
88
Idem, ibidem, n. 20.
38
corporal confortável, fazer a meditação/contemplação e registrar os seus frutos para o
confronto com alguém. Essa modalidade é feita individualmente ou em grupo, que
semanalmente ou quinzenalmente, se reúne com seu orientador para receber as orientações,
como também para ter um espaço de partilha da oração e das dificuldades que vão
encontrando durante a realização desses Exercícios com quem orienta os Exercícios
Espirituais e o grupo. Portanto, sempre com a presença de alguém que oriente e acompanhe os
exercitantes em sua experiência.
89
Poder-se-ia perguntar se todas as pessoas têm condições de fazer os Exercícios
Espirituais. Para alguém fazer os Exercícios, necessita preencher alguns critérios ou
qualidades:
A liberdade ou indiferença do Princípio e Fundamento; que tenha generosidade (o
“impulso do magis”), para responder ao chamamento [...]; que esteja disposto a atuar
com docilidade a ação do Espírito, para o seguimento radical de Jesus [...]; que
esteja disposto a dar continuidade à experiência depois dos Exercícios, para buscar e
encontrar a Deus em todas as coisas e procurar permanecer unido com Cristo na vida
e no compromisso apostólico.
90
Os Exercícios Espirituais pedem, sobretudo, que a pessoa que deseja fazê-los, seja
madura. Deve saber, de antemão, o que são os Exercícios, que tenha feito uma introdução ao
método de oração, meditação e contemplação, e uma experiência de discernimento. Por isso,
não pode ser uma criança, mas alguém com maturidade suficiente e que saiba o que está
buscando; que tenha vontade de realizar a experiência para entrar nela “com grande ânimo e
generosidade”
91
; que tenha também valentia e coragem, ao se defrontar com os “desejos de
Deus”, de querer mudar o que for preciso em sua vida; saiba buscar em tudo Sua vontade,
sendo consciente de que muitos trilharam pelo caminho dos Exercícios e que eles
continuam fazendo um grande bem a quem os faz com seriedade; que tenha a docilidade de
não querer fazer o caminho próprio e a ousadia de deixar-se guiar pelo Espírito de Jesus, “pois
não é o muito saber que sacia e satisfaz a pessoa, mas o sentir e saborear as coisas
89
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 5.
90
Los Ejercicios: Redescubrir su dinamismo en función de nuestro tiempo, Disponível em:
<http://eduignaciana.tripod.com/do-cum/eedinam.pdf> Acessado em: 18 maio 2005. (Tradução própria).
91
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 19.
39
internamente”.
92
Seguir o mesmo caminho d’Ele, querendo os “desejos” de Deus para própria
vida. Inácio queria que a experiência dos Exercícios Espirituais levasse todos a serem
companheiros de Jesus e que, a qualquer momento, O pudessem encontrar e entrar em sua
sintonia, sendo contemplativos na ação, vendo-O agir e agindo com Ele. Sempre crescia em
devoção, isto é, em facilidade de encontrar a Deus e agora mais do que em toda a sua vida.
Sempre, a qualquer hora que queria encontrar a Deus, O encontrava”.
93
1. 4 A ESPIRITUALIDADE INACIANA
Hoje se fala muito sobre a Espiritualidade Inaciana. Precisamos dar-nos conta de que
uma coisa é o carisma da Companhia de Jesus, a maneira de viver a espiritualidade, suas
constituições e regras de vida, próprios dos jesuítas membros da Companhia de Jesus e outra é
a espiritualidade deixada por Inácio. A Espiritualidade Inaciana, fruto dos Exercícios
Espirituais, é patrimônio de toda a Igreja e é oferecida a todos os cristãos. Portanto, qualquer
cristão que queira pode adotar, para sua vida, as linhas fundamentais da Espiritualidade
Inaciana como uma maneira de viver sua fé, de viver o seguimento de Jesus.
94
Para quem decide fazer a experiência dos Exercícios Espirituais, logo no início,
defronta-se com a seguinte proposição de Inácio: “Exercícios Espirituais para vencer a si
mesmo e ordenar a própria vida, sem se determinar por nenhuma afeição desordenada”.
95
Percebe-se, assim, que os Exercícios Espirituais não são um conjunto de meditações piedosas,
uma catequese ou teologia, mas um método de ordenar a vida, de encontrar a vontade divina
e, a partir dessa vontade de Deus, pautar a própria vida. Essa busca não é a de um monge, mas
de um peregrino, como foi Inácio, para quem a vida é um caminho aberto, no qual se busca
vivenciar essa vontade de Deus encontrada nos Exercícios.
96
Trata-se, portanto, de um abrir-se à experiência de Deus. Isso exige coragem e
ousadia. Para encontrar a vontade de Deus, necessita-se abandonar, antes de tudo, as próprias
92
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 2.
93
Idem, Ibidem, n. 99.
94
Carlos Rafael CABARRÚS, A espiritualidade é leiga, p. 8.
95
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 1.
96
Vitor CODINA, Claves para una hermenéutica de los Ejercicios, Disponível em:
<http://www.fespinal.com/espinal/castellano/eides/eies12.htm> Acesso em: 30 ago. 2005. (Tradução própria).
40
vontades. Para muitos, fazer uma experiência de oração para encontrar a vontade de Deus
pode significar uma ameaça, um risco, pois poderia Deus querer algo diferente do que se está
buscando.
97
Entretanto, Deus nunca abandona seus filhos, mas quer sempre o melhor para
cada ser humano. Não há necessidade de temer os “desejos” de Deus.
Segundo Ulpiano, os Exercícios Espirituais são, antes de tudo, uma mistagogia, ou
seja, uma iniciação à experiência espiritual.
Mistagogia é a maneira como sou conduzido, através das marcas de Deus em minha
vida, é o sentido dessas marcas. Relendo nossa vida, vamos ver que as marcas que
se encontram são sinais indicadores do caminho que Deus me fez e faz andar.
Através delas, vamos fazendo uma teografia e uma mistagogia da nossa vida (cf.
2Cor 3, 1-3).
98
Inácio, a princípio, era um ignorante das coisas espirituais, porém foi paciente e, aos
poucos, começou a decifrar as marcas de Deus deixadas em sua vida.
99
Sentia-se uma criança
diante do Mestre que lhe vai repassando a lição. Inácio aprendeu a lição, mas não a guardou
para si, deixando-a aos que quisessem também se “aventurar” nessa busca, seguindo seu
exemplo.
100
Como foi dito acima, a Espiritualidade Inaciana é fruto da experiência dos Exercícios
Espirituais. Os Exercícios deixam marcas, que levam a quem faz a experiência, a vivenciá-los
e a pô-los em prática no dia-a-dia. “Ao dar os Exercícios, Inácio quer levar as pessoas a
fazerem também elas a experiência da entrega de suas vidas a esse ‘Deus sempre maior’ que
nos foi revelado na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo”.
101
Na Espiritualidade Inaciana, observamos e encontramos várias características, frutos
da vivência dos Exercícios. Uma das principais características da Espiritualidade Inaciana é o
próprio método. Antes de ter composto o livro dos Exercícios Espirituais, Inácio o viveu.
Após ter feito a experiência, achou que poderia ser útil para as demais pessoas. Quem quiser
97
Anselm GRÜN, Se quiser experimentar Deus, p. 223.
98
Ulpiano VÁZQUEZ, A orientação espiritual: mistagogia e teografia, p. 11.
99
Idem, Ibidem, p.11.
100
Inácio de LOYOLA, Autobiografia, n. 27.
101
Álvaro BARREIRO, Espiritualidade Inaciana: características e atualidade, p. 16.
41
fazer os Exercícios Espirituais é convidado a percorrer os caminhos da experiência de Inácio.
Porém, só consegue percorrer o caminho quem se deixar conduzir pelo Espírito de Jesus.
102
Quem faz uma experiência de Deus sente-se impelido a transmiti-la aos demais, como
o próprio Inácio o fez. Portanto, não é uma espiritualidade monástica, que se vive
individualmente, mas apostólica. A experiência de encontro com Jesus Cristo leva o
exercitante a deixar-se guiar pelo mesmo Espírito que guiou Jesus, a assumir a missão da
construção do Reino, a engajar-se no trabalho pelo Reino, um Reino de justiça e de amor (Lc
4, 16-21).
103
Inácio dizia que “o amor consiste mais em obras que em palavras”.
104
Essa
experiência conduz ao seguimento de Jesus pobre e humilde.
[...] a função dos mistérios da vida de Cristo, ao longo dos Exercícios Espirituais,
tem não para conhecer a vida de Cristo, mas para ver como a vida de Cristo nos
ensina a ver a própria vida. Conhecendo à luz de Cristo a nossa vida, poderemos
decidir ou optar por aquilo que a vida de Cristo nos mostra como caminho para
nossa vida.
105
A Espiritualidade Inaciana é marcada e impulsionada pelo “mais”. É uma
espiritualidade que não se contenta com “meias medidas”. Quem fez os Exercícios sempre se
sentirá inquieto, buscando realizar sempre o maior serviço e o bem mais universal. Nunca se
sentirá formado nessa dimensão. Quanto mais se empenha, aprofunda e doa, tanto mais sente
necessidade de doar-se e aprofundar-se.
106
Um conhecimento cada vez mais profundo e mais íntimo de Jesus Cristo, para mais
amá-lo e segui-lo mais de perto. Quem for agraciado com essa graça, trabalhará sem
descanso no serviço de Deus e dos irmãos; nunca se resignará, nem se instalará, nem
se aburguesará; nunca envelhecerá porque nunca pensará que amou bastante ou que
serviu bastante.
107
102
Álvaro BARREIRO, Espiritualidade Inaciana: características e atualidade, p. 9.
103
Idem, Ibidem, p. 12.
104
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 230.
105
Ulpiano VÁZQUEZ, A contemplação para alcançar amor, p. 27.
106
Álvaro BARREIRO, Espiritualidade Inaciana: características e atualidade, p. 13.
107
Idem, ibidem, p. 16.
42
É uma espiritualidade do discernimento que busca, no meio da realidade, a vontade de
Deus, não de modo voluntarista, mas atento à procura da realização dessa vontade no contexto
em que vive e atua. Não está em busca de privilégios, de honras, mas quer contribuir para a
construção do Reino de Deus, atualizando e concretizando o seguimento de Jesus, fazendo o
Reino acontecer. Nos próprios Exercícios Espirituais, Inácio de Loyola diz: “Exercícios
Espirituais para vencer a si mesmo e ordenar a vida, sem determinar-se por afeição alguma
desordenada”.
108
Os Exercícios Espirituais privilegiam a interioridade, os sentimentos e os afetos. A
experiência de Deus deve atingir os afetos, núcleo mais profundo do ser humano, caso
contrário, não haverá uma mudança verdadeira. Essa experiência leva a configurar-se com
Jesus, sendo Ele o sentido da vida, da existência, como diz Paulo: “Não sou eu que vivo é
Cristo que vive em mim (Gl 2, 20)”; e em outro trecho: “Tudo eu considero como perda, pela
excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por ele eu perdi tudo e tudo tenho
por esterco para ganhar a Cristo e ser achado por ele (Fl 3, 8-9)”.
Os Exercícios Espirituais são um “manual de ginástica interior”. É um texto
multiplicador de atitudes. Neles o ser humano se dispõe a observar e acolher a ão
irrepetível, sempre criadora, do Espírito, nele e na história humana.
109
A Espiritualidade Inaciana é eclesial. Inácio era homem de Igreja. Mesmo sendo
perseguido por ela, sabia que era nela que deveria realizar seu serviço, sua missão. Via-a
como santa, mas, ao mesmo tempo, como pecadora.
110
Escreveu as “regras para sentir com a
Igreja”.
111
Mas não quis que nenhum membro da ordem almejasse ou aceitasse algum cargo
ou título eclesial como bispo ou cardeal, em caso de obediência, pois além de querer o
jesuíta livre para a missão, não via com bons olhos o poder devido aos abusos que aconteciam
no interior da Igreja na época da fundação da Companhia de Jesus. O jesuíta devia estar livre
para ir à missão onde houvesse maior necessidade, pois é próprio dos Exercícios Espirituais
levarem a um engajamento e compromisso onde os clamores são maiores.
A Espiritualidade Inaciana se caracteriza por levar a uma inserção no mundo. Uma
espiritualidade que se vive no meio da realidade e no mundo para transformá-lo. “Da
experiência do amor de Deus, nosso criador e nosso Pai, nasce uma espiritualidade mundana,
108
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 21.
109
Ignácio IGLESIAS, Actualidad de Ignacio de Loyola. Actualidad de su experiencia, Disponível em:
<http://www.fespinal.com/ espinal/castellano/eides/eies6.htm> Acesso em: 28 de agosto de 2005.
110
Álvaro BARREIRO, Espiritualidade Inaciana: características e atualidade, p. 21.
111
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 352.
43
uma espiritualidade da ação, da transformação e transfiguração das realidades mundanas para
que a criação e a história correspondam ao desígnio salvífico de Deus”.
112
Deve-se ressaltar, ainda, sua dimensão ecumênica. O método dos Exercícios
Espirituais não é propriedade da Companhia de Jesus. Eles são patrimônio da Igreja. Igreja
entendida como Corpo de Cristo, portanto de todos os cristãos. Além de outras congregações
religiosas, clero, leigos e leigas, pessoas de outras confissões, pastores e pastoras, leigos e
leigas estão fazendo e acompanhando outros na experiência dos Exercícios Espirituais. Todos
são chamados a confrontar a própria vida com a vida do Deus revelado em Jesus Cristo.
Buscar e realizar Sua vontade no seguimento.
A Espiritualidade Inaciana torna a quem faz a experiência dos Exercícios em
contemplativo na ão. Em outras palavras, o exercitante encontra Deus em todas as coisas e
todas as coisas em Deus, trazendo presente os principais desafios do mundo de hoje. É uma
espiritualidade de encorajamento para seguir Jesus no contexto de hoje, com seus desafios e
suas lutas, e não de fuga do mundo.
Pudemos acompanhar, ao longo do primeiro capítulo, a exposição da experiência de
Inácio de Loyola, sua conversão, o surgimento dos Exercícios Espirituais, seu método, sua
sistematização e sua dinâmica, bem como a Espiritualidade Inaciana. No século XX,
aumentou o número de pessoas que fazem os Exercícios Espirituais em suas diversas
modalidades, sejam leigos e leigas, clero, religiosos e religiosas.
No capítulo que segue, acompanhamos o relato de algumas pessoas que fizeram os
Exercícios Espirituais, nas suas diversas modalidades. Nossa intenção é observar a prática dos
Exercícios, a assimilação dessa prática e seus frutos na vivência. Acreditamos que este
capítulo justifica a necessidade de se repensar a proposta, o método do acompanhamento na
prática dos Exercícios Espirituais. Esse é o tema trabalhado no terceiro capítulo.
112
Álvaro BARREIRO, Espiritualidade Inaciana: características e atualidade, p. 21.
44
2 A PRÁTICA DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS
Jean-François Lyotard
113
, em 1979, classificou nossa época como Pós-moderna, um
tempo e uma cultura marcada pela razão, pela tecnologia e pela cientificidade, convivendo
com uma forte crítica a eles. Uma sociedade onde se valoriza a subjetividade, a identidade e
as escolhas individuais. Porém, apesar das conquistas no âmbito da técnica e da ciência, nos
ganhos em individualidade e de conquista dos direitos individuais, as pessoas ressentem-se
dos excessos dos mesmos. Nesse contexto, muitas vezes de vazio, solidão e de busca do
imediato, o ser humano tomou consciência da necessidade de buscar sentido para sua vida, de
cultivar valores perenes que muito tinham sido esquecidos, como é o caso da
espiritualidade, que até então deixara de fazer parte de suas preocupações.
Muitas pessoas, cansadas pelo ritmo frenético da sociedade, voltaram a cultivar mais a
espiritualidade,
114
buscando fazer uma experiência de Deus. A Espiritualidade Inaciana,
sistematizada no que se convencionou chamar de Exercícios Espirituais, aparece como uma
opção de experiência do sagrado. Inácio organizou-a no livro dos Exercícios Espirituais,
segundo a sua própria prática de vida e itinerário espiritual, com o intuito de ajudar outras
pessoas a fazer cada qual a sua própria experiência, à luz da experiência fundante de Inácio.
113
Jean-François LYOTARD, O Pós-moderno, p. 20-32.
114
Entendemos por “Espiritualidade: conjunto de princípios e práticas que caracterizam a vida de um grupo de
pessoas referido ao divino, ao transcendente; à vida no Espírito - o que se faz com aquilo em que se acredita; as
diferentes maneiras pelas quais se experimenta a transcendência - o modo segundo o qual a vida é concebida e
vivida. Espiritualidade cristã: vida no Espírito Santo, ou a própria vida cristã (orientar-se para Deus, através de
Cristo, no Espírito Santo); as diferentes maneiras de experimentar e fomentar a vida em Cristo; realidade vital
que se edifica sobre o dom da graça; uma crescente comunhão com Deus, na qual a força do Espírito Santo
conduz a uma progressiva espiritualização (compenetração do espírito de Cristo), tomando o cristão capaz de
acolher e conhecer os segredos de Deus (1Cor 2,9-14; 6,17: o Espírito que sonda as profundidades do mistério de
Deus; Rm 8,14-16; GI4,6: espírito de filiação); é uma realidade teologal”. (Danilo MONDONI, 2000, p.18).
45
Mais de quatro séculos e meio nos separam da “invenção”, sistematização e redação
do método de espiritualidade de Inácio de Loyola. De para cá, muitos(as) cristãos e cristãs
fizeram/fazem os Exercícios Espirituais, rezaram/rezam segundo o método inaciano, e raras
vezes se averiguou como descobriram essa forma de oração, os impactos ao experimentá-la,
suas conseqüências e implicações na prática da vida cotidiana. Teóricos da Teologia da
Espiritualidade, exercitantes e tantos outros se perguntam se, de fato, esse modo de oração
ainda produz os frutos desejados por Inácio.
Neste capítulo, com base em de entrevistas dirigidas e na experiência pessoal,
abordaremos a prática dos Exercícios Espirituais. Nossos entrevistados são pessoas que
fizeram os Exercícios Espirituais, segundo alguma das modalidades em que são apresentados:
Exercícios na Vida Corrente,
115
retiro de oito dias e de 30 dias. Inicialmente, apresentamos
uma pequena sistematização dos relatos de pessoas que fizeram os Exercícios Espirituais na
Vida Corrente, buscando identificar suas descobertas quanto ao método de oração e os pontos
altos da experiência. Em seguida, vem o relato de pessoas em situação de inserções concretas,
ou seja, religiosos. Por fim, inclui-se uma reflexão sobre as dificuldades no trajeto da prática
dos Exercícios Espirituais, bem como algumas considerações finais a partir dos relatos.
2.1 O MÉTODO DE PESQUISA
O método de pesquisa é de caráter qualitativo, com questões semi-estruturadas
116
, com
entrevistas semi-abertas, apoiadas no referencial de Pedro Demo e Jorge Duarte.
117
O
questionário previamente elaborado servia como guia de orientação para o diálogo.
Entrevistamos ao todo 14 pessoas, e acrescentamos o relato da experiência da prática e da
orientação de Exercícios Espirituais do próprio autor desta dissertação.
115
No capítulo anterior fizemos uma distinção das modalidades em que os Exercícios Espirituais são oferecidos.
A modalidade dos Exercícios na Vida Corrente foi sugerida pelo próprio autor dos Exercícios Espirituais, na
conhecida Anotação 19. Lê-se: “Quem estiver ocupado em cargos públicos ou negócios importantes, sendo
pessoa culta ou capaz, reserve hora e meia cada dia para se exercitar.” (Inácio de LOYOLA, Exercícios
Espirituais, n. 19).
116
Anexo 1, p. 111.
117
Pedro DEMO, Pesquisa e informação qualitativa: aportes metodológicos, 2001; Jorge DUARTE, Entrevista
qualitativa, In. Jorge Duarte e Antonio Barros (org.), Métodos e técnicas de Pesquisa, 2006.
46
Os entrevistados, na sua maioria, são leigos e leigas que exercem diferentes profissões
e pertencem a diversos níveis culturais e sociais. Todos são cristãos católicos, mas nem todos
praticantes assíduos. Fizeram os Exercícios Espirituais na modalidade dos Exercícios na Vida
Corrente. Salvo alguns casos, os depoimentos
118
foram feitos nas residências, para que o
clima fosse mais familiar. Esses depoimentos aconteceram de maneira informal, sem estipular
horário fixo. Enquanto os entrevistados relatavam suas experiências, íamos fazendo algumas
anotações que depois foram transcritas em forma de texto, como uma narrativa, para o uso no
trabalho.
O outro grupo de entrevistados, sendo alguns estrangeiros, foram religiosos que
fizeram os Exercícios na modalidade do retiro de oito dias ou 30 dias na forma intensiva.
Foram entrevistados por ocasião de seu retiro anual ou de algum curso promovido no Centro
de Espiritualidade Cristo Rei (CECREI), em São Leopoldo. Esse grupo possui maior vivência
e conhecimento da prática dos Exercícios Espirituais. Por fazerem mais vezes as experiências
dos Exercícios Espirituais nas diversas modalidades, internalizaram a dinâmica dos Exercícios
e conseguem viver no dia-a-dia o discernimento proposto pelo método procurando encontrar e
pôr em prática a vontade de Deus no espaço em que são chamados a realizar sua missão.
Por esse motivo apontado logo acima e por se tratar de modalidades diferentes dos
Exercícios Espirituais, mantivemos a classificação dos dois grupos, religiosos e leigos. A
escolha dos entrevistados foi aleatória, e o contato com eles se deu entre os meses de março e
maio de 2006. A escolha da cidade de São Leopoldo deve-se ao fato de ali haver um Centro
de Espiritualidade que oferece os Exercícios Espirituais.
2.2 A DESCOBERTA DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS NA VIDA CORRENTE
A princípio, a motivação para fazer os Exercícios é o espírito de companheirismo ou a
curiosidade. Por exemplo, o convite de um jesuíta conhecido, e não a dinâmica dos Exercícios
Espirituais em si, é que muitas vezes leva a que se queira fazer a experiência. E o desejo
genérico de fazer uma experiência de oração costuma preceder o conhecimento da identidade
específica dos Exercícios inacianos. Só posteriormente, ao longo de sua trajetória de oração, o
118
Anexo 2, p. 112.
47
exercitante vai descobrindo, através de sua própria experiência, o valor e o sentido da
proposta contida nos Exercícios.
Segundo os entrevistados, muitos dos candidatos a realizar essa experiência foram aos
poucos desistindo, pois perceberam dificuldades em conciliar as exigências da prática da
oração diária com o trabalho, a família e a vida pessoal. Os que aceitaram o desafio e
mergulharam na experiência não se arrependeram de tê-la feito, descobrindo, assim, seu valor
e sentido para suas vidas. A experiência dos Exercícios deixou marcas nas pessoas, que
assumiram atitudes novas.
O fruto, maior ou menor, dos Exercícios Espirituais depende de vários fatores, estando
condicionado ao grau de empenho do exercitante, ao nível de seu engajamento eclesial, à vida
profissional exercida, à experiência de vida em geral até o momento dos Exercícios
Espirituais, etc.
Os entrevistados foram, no entanto, unânimes em destacar a gratidão por terem tido a
oportunidade de fazer tal experiência. De fato, a leitura dos relatos permite perceber o quanto
a experiência foi sentida por essas pessoas como algo extremamente gratificante.
Reorganizar a própria existência para assumir e vivenciar esse espaço de oração
causou uma transformação mais ampla, englobando o ritmo e o estilo de vida em seu todo.
Isso foi percebido como uma grande mudança. Isso fez diferença para todos. Para se
dedicar à oração, uns começaram a levantar mais cedo, outros procuraram reservar um
momento à noite, quando os filhos, esposo ou esposa se haviam recolhido. Cada um à sua
maneira procurou fazer um momento diário de oração pessoal, de encontro com Deus.
2.2.1 O método de oração
A experiência dos Exercícios Espirituais ajudou na aprendizagem de uma maneira de
rezar e de entrar em sintonia com Deus indo além das orações vocais e devoções particulares.
Não se trata mais de repetir fórmulas, mesmo essas tendo seu valor, mas agora o momento de
oração se tornou um encontro com Alguém, um diálogo pessoal. A oração tornou-se algo
mais cheio de vida, um estar frente a frente com Deus. Em Suas mãos pode-se colocar toda a
vida sem medo, sabendo que Ele escuta cada pessoa e está atento às suas necessidades e
buscas. Tal atitude reflete uma experiência do próprio Inácio de Loyola, que se referia à
48
oração justamente como um diálogo “como um amigo fala a seu amigo”
119
e que insistia que
a oração deve nos levar à familiaridade com Deus.
A oração a partir dos Exercícios tornou-se para os exercitantes algo único e vital, que
proporciona a experiência de um Deus próximo, em Quem se deposita toda a confiança e com
Quem a criatura humana se sente à vontade para abrir toda a sua vida. Perceberam que nessa
nova maneira de rezar e de dirigir-se a Deus não diplomas, pois quanto mais a pessoa se
aprofunda nessa oração mais sente necessidade de se lançar.
Os Exercícios foram um momento muito rico para crescer, para aprofundar-se na
espiritualidade. Esse método de oração foi sendo vivenciado como um incentivo à vida
espiritual, uma ajuda na própria caminhada como cristãos. Através desse método, passou-se a
valorizar mais a dimensão espiritual. Além disso, foi uma ocasião de sair do marasmo em que
viviam no dia-a-dia. Os Exercícios Espirituais contribuíram para que se criasse um clima de
sintonia com Deus, não somente em casa, mas nos demais ambientes como, por exemplo, no
trabalho. Além desse clima, os Exercícios propiciaram criar um espaço de silêncio e a
valorizá-lo na vida do exercitante, possibilitando um maior aprofundamento na oração.
Aprender a meditar/contemplar a partir da Palavra de Deus foi uma grande descoberta.
O ato de rezar a partir de um texto bíblico, além de propiciar uma nova maneira de entrar em
sintonia com Deus, propiciou uma maior intimidade com essa Palavra surgindo assim a
necessidade de uma maior aprofundamento nela.
2.2.2 O apoio familiar
Um dos elementos que apareceu ao longo dos relatos foi o apoio da família na prática
dos Exercícios Espirituais: respeito e zelo pela experiência que o exercitante buscava realizar,
compreensão para que pudesse fazer bem os Exercícios Espirituais. Mesmo que os familiares
não participassem diretamente, percebeu-se a importância de seu apoio para o bom êxito da
experiência.
Os casais sentiram que foi positivo os dois fazerem a experiência, pois ajudou-os a
crescerem no respeito, na compreensão um do outro e, ao mesmo tempo, a pedirem ajuda e
apoio nos momentos mais difíceis, animando-se mutuamente na fidelidade à oração.
119
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 54.
49
2.2.3 A experiência a partir dos Exercícios Espirituais
A partir da experiência dos Exercícios Espirituais os exercitantes experimentaram
mudanças profundas em suas vidas. Essas mudanças se concentram em três dimensões, a
saber: uma nova imagem de Deus, um crescimento humano-espiritual e um maior
engajamento social e eclesial.
2.2.3.1 Experienciar o Deus de amor e de misericórdia
O contato com o método de oração proposto pelos Exercícios Espirituais mudou a
imagem de Deus que os exercitantes possuíam anteriormente. Não se trata mais de um Deus
distante, mas próximo. A experiência da contemplação/meditação dos mistérios da vida de
Jesus revelou a presença de um Deus de amor e, ao mesmo tempo, levou à experiência de se
sentir amado por Ele, percebendo-se filho de Deus, que é puro amor e misericórdia. Deus vai
sendo percebido, então, como o Absoluto que se inclina sobre a fragilidade humana e faz ver
a vida, as pessoas, o mundo, toda a realidade, com olhos novos, com os olhos de Jesus, olhos
de amor e misericórdia.
A contemplação dos mistérios da vida de Jesus fez os exercitantes experienciar e
conhecer um Deus que ama incondicionalmente e não um Deus que impõe condições à
criatura humana e que estaria pronto para julgá-la ou puni-la. Trata-se de um Deus que ama e
acolhe o ser humano na sua limitação. Essa experiência de sentir-se amado(a) e acolhido(a)
por Deus ajudou a assumir a vida cristã com mais alegria, buscando vivenciar a proximidade
Dele, de um Deus que é amigo, de um Deus com quem se pode entrar em sintonia e que se
deixa experienciar.
A partir da grande descoberta da experiência do amor e da misericórdia, o exercitante
compreendeu mais o significado do pecado em sua vida e tomou uma maior consciência desse
pecado.
50
2.2.3.2 O crescimento a partir da prática dos Exercícios Espirituais
Os exercitantes, a partir dos Exercícios Espirituais, perceberam que suas vidas
tomaram outro rumo em suas atividades no dia-a-dia, pois possibilitaram um momento único
de amadurecimento, o qual se deu em vários níveis. Isso se verificou, por exemplo, na relação
com os outros, havendo uma maior compreensão tanto nas limitações e debilidades como na
valorização de suas qualidades, possibilitando um maior respeito pela pessoa. Houve também
uma maior flexibilidade e sensibilidade, estabelecendo relações de proximidade dos
exercitantes com as pessoas a nível familiar, profissional e eclesial.
Os Exercícios Espirituais permitiram um crescimento na dimensão especificamente
espiritual. Tomou-se maior consciência da necessidade de fazer certas paradas, para
realimentar a vida cristã bebendo na Fonte. Essa atitude foi de suma importância para prevenir
situações de sobrecarga emocional, pelo excesso de atividades, o qual provoca esgotamento, e
deste decorre a diminuição da qualidade dos relacionamentos (com Deus, consigo mesmo,
com as outras pessoas). Tal postura evitou também que se caísse, em seus trabalhos pastorais,
na repetição mecânica de gestos e palavras vazios (porque não provindos da interioridade do
coração). Ao constatar o quanto essa atitude lhes devolveu o ânimo, os exercitantes sentiram-
se motivados a cultivar uma vida de oração regular, procurando também com maior
freqüência o auxílio espiritual de pessoas mais experimentadas.
Os exercitantes sentiram que, a partir dos Exercícios, aumentou o desejo de buscar
mais a espiritualidade. Isso aconteceu através de uma maior participação em encontros de
formação da comunidade. Chegam inclusive a mudar a sua programação para poder participar
desses encontros, pois sentem que eles são de grande ajuda para o crescimento e
aprofundamento na fé e no seguimento de Cristo. Em alguns momentos retomam as anotações
que fizeram durante os Exercícios Espirituais para se aprofundar mais nessa experiência.
Alguns continuam cultivando diariamente um espaço para a oração, no início da manhã,
levantando-se mais cedo para estar um momento a sós com Deus, rezando a partir da leitura
da Palavra de Deus. De modo geral, todos afirmam continuar a experiência dos Exercícios
retomando as anotações da oração pessoal. Um costume adotado por um exercitante é chegar
antes nas celebrações, para poder cultivar um clima de oração, dispondo-se melhor para esse
momento litúrgico. Esse tempo de recolhimento tornou-se um momento muito rico de oração
e de sintonia com Deus, que propicia uma maior tomada de consciência de que não está
51
sozinho. Em verdade, os Exercícios Espirituais não são um refúgio intimista, mas reavivam a
consciência do exercitante de que ele faz parte do Povo de Deus, de que é membro do corpo
eclesial.
Os Exercícios ajudaram a esclarecer dúvidas a respeito da fé, motivando para o
engajamento pastoral e assumindo-o com maior maturidade e coragem. Eles abriram os olhos
da fé, como se fosse um novo Batismo. Foram um enriquecimento para dar continuidade no
engajamento e na vivência de uma mais consciente valorizando e redescobrindo o valor do
ser cristão.
A partir da experiência dos Exercícios na Vida Corrente surgiu a necessidade e o
desejo de fazer o retiro de oito dias anualmente numa casa de Exercícios, e, ao não fazê-los,
sente-se falta durante o ano. Também nos momentos de estar sozinho em casa, dedicando-se
aos afazeres da casa, preparando as tarefas acadêmicas, aquele que fez os Exercícios, vive em
sintonia e na presença de Deus. Consegue criar um clima de silêncio e de conexão consigo,
com Deus, sem se distrair da tarefa que está realizando, buscando encontrar Deus presente em
todas as coisas.
120
Após os Exercícios a vida se tornou mais tranqüila e mais bonita. O exercitante alegra-
se ao perceber que amadureceu nas atitudes, no modo de ser e encarar a vida e as pessoas.
Agora reserva um tempo para si, não mais se entregando a uma desenfreada correria. A
oração desempenha também um papel de relax, embora evidentemente não se reduza a isso. A
experiência dos Exercícios repercute em todos os âmbitos e dimensões da existência.
Os Exercícios favoreceram a aquisição de uma maior sensibilidade, um certo
refinamento na leitura dos acontecimentos ao seu redor, despertando o exercitante
principalmente para perceber em que e como poderia cooperar com as pessoas. Ajudaram na
reflexão e na escuta dos outros, a serem mais críticos e a ter maior criatividade e a assumir a
sua vocação cristã com maior responsabilidade.
Os Exercícios possibilitaram um crescimento no modo de tratar as outras pessoas,
principalmente na família. Ajudaram a ter mais paciência e calma na escuta e
aconselhamento, maior serenidade nas dificuldades, despertando assim uma abertura e
confiança nos demais, de modo a favorecer a partilha das experiências de vida. Isso gerou
uma percepção e sensibilidade novas na acolhida e compreensão das dificuldades e
problemas.
120
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 236.
52
Os Exercícios Espirituais trouxeram igualmente um amadurecimento na maneira de
conduzir as dificuldades que, de maneira inesperada, foram surgindo. Nessas ocasiões, os
exercitantes se sentiram com maior fortaleza interior. As turbulências enfrentadas não lhes
tiraram a Paz e nem provocaram a perda da direção da vida. Ao contrário, souberam manter a
serenidade e a lucidez suficientes para não desesperar ou entrar em colapso nesses momentos
difíceis de doença, de violência ou de solidão padecidos por eles próprios ou por algum
membro de suas famílias. Ao mesmo tempo causou admiração neles próprios o fato de
estarem conseguindo superar tais situações. Situações às vezes extremas de sofrimento se
constituíram, pois, em ocasião de reconhecer e comprovar a realidade da transformação
interior e do amadurecimento humano-espiritual. A capacidade de atravessar essas
dificuldades levando adiante a vida sem traumas, comportando-se de um novo modo, é algo
atribuído ao processo vivenciado nos Exercícios. Saber-se por a experiência nas mãos de
Deus, durante esses momentos, significou grande consolação.
A prática do discernimento espiritual, aprendida ao longo dos Exercícios, possibilitou
tomar decisões vitais complexas e exigentes. Ao mesmo tempo a oração e reflexão sobre essas
decisões tomadas, incluindo a anotação por escrito dos passos dados no processo de
discernimento, foram vividas como um momento de reconciliação consigo, com os outros e
com a realidade em geral.
Os Exercícios Espirituais foram importantes para ajudar a trabalhar os afetos,
possibilitando uma maior integração consigo mesmo, imprimindo um ritmo diferente na vida,
no trabalho e nas relações, pois levaram a superar a correria do dia-a-dia vivendo uma maior
sintonia com Deus. Levaram a uma mudança interior e à busca de uma melhor convivência
com o diferente, aprendendo a respeitar a diversidade de idéias e opções. Essa maior
integração afetiva está diretamente relacionada com a finalidade para a qual Inácio de Loyola
concebeu os Exercícios Espirituais, a saber: buscar e achar a vontade de Deus, “ordenar a
própria vida, sem se determinar por nenhuma afeição desordenada.”
121
Cresceu a atitude do perdão, superando atritos e dificuldades na vivência cotidiana.
Ajudaram também a relativizar as coisas, as preocupações, as buscas, e a alegrar-se mais com
a vida e com as conquistas. Ou seja, ajudou a desviar o foco do ter, dos bens materiais, das
realidades passageiras, voltando mais o olhar para o valor da vida.
121
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 21.
53
Os Exercícios Espirituais levaram a compreender e respeitar os colegas de profissão.
Na realidade competitiva do mundo do trabalho, ajudou a manter os pés no chão, sem se
deixar absorver apenas pela razão, pelo academicismo, pela busca puramente do saber. Ao
invés disso, passou-se a assumir um clima mais sadio consigo e com os demais, qualificando a
convivência interpessoal, o estar em companhia dos outros.
Os Exercícios Espirituais ajudaram a organizar melhor a vida, pois o fato de “exigir” a
oração diária fez melhorar a organização não interior como também exterior. O fato de
dedicar um momento diário para a oração exigiu ritmar melhor a vida, organizando os
horários e as tarefas, o que contribuiu para o aproveitamento também na área acadêmica. Essa
organização pessoal permitiu uma dedicação maior à família, bem como um melhor
aproveitamento do tempo, por exemplo, no âmbito profissional ou dos estudos. A vida a partir
dos Exercícios se tornou mais dinâmica e mais organizada. Possibilitou dividir melhor as
tarefas e a viver de maneira mais tranqüila, sem atropelos nem afobações.
2.2.3.3 O compromisso cristão
Os Exercícios Espirituais ampliaram o horizonte da vivência cristã. Alguns
exercitantes ainda não estão diretamente engajados em algum serviço na Igreja ou na
sociedade. Têm consciência, no entanto, de que estão em busca, e percebem em si o
movimento de se pôr a caminho, indo ao encontro de tudo o que vislumbram como algo que
lhes possa ajudar a encontrar o que procuram. Desejam ser membros ativos do corpo eclesial,
embora ainda não saibam concretamente em que espaço irão atuar. Após os Exercícios,
continuam buscando, através da oração, ouvir a voz do Senhor, que continua a lhes dirigir a
sua palavra, os seus apelos.
Os Exercícios permitiram aos exercitantes uma saída de si em direção ao outro, ao
grupo, à comunidade, possibilitando um compromisso maior na vida da Igreja e na sociedade.
Ajudaram a descobrir o seu papel e a sua responsabilidade nos desafios da Igreja, comunidade
de fé, e sua vivência na inserção da sociedade.
Os Exercícios Espirituais levaram a um maior compromisso cristão aos que já estavam
colaborando ou engajados na vida eclesial exercendo algum papel de liderança. Permitiu
assumir maiores desafios. Ajudaram optar por trabalhos que exigiam maiores
54
responsabilidades e a se desapegar de outros que exigiam menos comprometimento aos que
estavam iniciando seu engajamento na vida eclesial.
Os Exercícios Espirituais deixaram os exercitantes desinstalados, ou seja, abriram
outros horizontes de busca e de vivência da cristã. Alguns redescobriam a vida eclesial e se
engajaram mais, outros deram novo sentido à vida profissional e ainda outros assumiram
compromissos sociais com os mais pobres. Alguns estão em busca de seu espaço.
Os Exercícios Espirituais potencializaram a dimensão evangelizadora dos exercitantes
no campo profissional. Nesse contexto percebem que têm muito a contribuir, principalmente
por meio de uma reflexão ética e do testemunho de uma vida pautada nos valores do
Evangelho.
Uma exercitante resolveu redigir algo sobre a sua experiência pessoal de oração
silenciosa e interiorizada, com a intenção publicar e ajudar outras pessoas nessa busca de
silêncio e de interiorização, o que Inácio chamava de “ajudar as almas”.
122
A partir da experiência dos Exercícios a participação na vida eclesial e o compromisso
social ganharam outro sentido. um maior envolvimento na comunidade. As celebrações
tornaram-se um momento muito rico de encontro com Deus. Além disso, possibilitaram
encontrar, dentro dos afazeres do dia-a-dia, tempo e disposição para fazer-se presente e
trabalhar com os mais necessitados, principalmente os enfermos, idosos e pobres.
Despertaram o desejo de
contribuir mais na construção de uma sociedade diferente e
melhor. Aos que não possuíam uma vivência eclesial assídua os Exercícios lhes fez tomar
consciência e descobrir o valor do ser cristão, desejando e buscando aos poucos acercar-se e
aprofundar-se nessa vivência.
2.3 A PRÁTICA DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS INTESIVOS
Outra modalidade dos Exercícios Espirituais é o retiro de oito ou trinta dias feito em
casas apropriadas para esse tipo de experiência (ambiente reservado e silencioso, etc.). Por
diversas circunstâncias essa modalidade é mais procurada por membros de institutos de vida
122
Inácio de LOYOLA, Autobiografia, n. 11, 26, 29.
55
consagrada, embora esse fato não seja decorrência da dinâmica interna dos Exercícios. Apesar
disso, no caso dessa dissertação, coincide que todas as pessoas pertencem a uma congregação
religiosa.
Nos Exercícios Espirituais de trinta dias um dos exercitantes entrevistados descobriu o
propósito de sua vida e da consagração. Após ter convivido na missão indígena e se
defrontado com vários questionamentos, viu, no discernimento, a clareza da vocação, seu
estado de vida e carisma específico, trazendo-lhe isso um ânimo muito grande e coragem para
conhecer os meios necessários para bem desempenhar a sua missão e para neles se
aprofundar.
Soube ver no modo de viver dos indígenas os passos dos Exercícios Espirituais. No
“Princípio e Fundamento” dos Exercícios Espirituais experienciou viver na indiferença e não
apegado às coisas. Na “Contemplação para alcançar Amor” percebeu a ação de Deus em tudo.
Viu como Deus ama a todos independente da raça, da cor e do sexo e atua nas criaturas,
fazendo-se presente na natureza. Constatou como os povos indígenas sintonizam, em sua
atitude cotidiana, com o Deus Criador, respeitando a natureza e convivendo harmonicamente
com ela, extraindo dela tão somente o necessário. Compreendeu, então, o sentido do não
acumular, e isso significou um forte apelo de aprender com esses povos a respeitar os dons da
Criação. Foi um momento único de sentir e ver as coisas com o olhar do outro, e de
compreender toda a realidade desde o horizonte do outro. Foi, portanto, durante o retiro que
exercitou o seu olhar para ver a tudo como Deus vê, superando um olhar demasiadamente
restrito e preso a sua experiência individual. Essa experiência lhe foi e continua sendo muito
consoladora e gratificante.
Foi-lhe muito marcante essa sua experiência de perceber que os Exercícios Espirituais
estavam sendo vividos por pessoas que jamais fizeram a experiência do retiro enquanto tal.
Povos indígenas, de uma cultura muito diferente da vigente na chamada civilização ocidental,
estavam vivendo o que Santo Inácio pede nos Exercícios Espirituais: as atitudes de utilizar-se
das coisas “tanto quanto”, de ser contemplativo na ação, de ver Deus atuando e assim poder
agir com Ele nessa missão. Como missionário, tomou então a firme resolução de colocar-se
ao lado dos indígenas, lutando com e por eles, por sua vida e sua dignidade. Mesmo sendo
preso, por mediar conflitos, sendo considerado traidor pela sua postura em defesa da vida,
percebeu que estava ajudando-os a não se deixar manipular pelo interesse dos estrangeiros, ao
lutar pelos direitos desses povos, por sua autonomia, por sua cultura. Está convencido que
56
esse seu compromisso, clareado e confirmado durante a experiência dos Exercícios, é o modo
concreto de viver o seguimento a Jesus Cristo.
Os Exercícios Espirituais foram para a religiosa uma forte experiência de Deus. Toda a
sua vida passou a ser olhada, como em um filme, sob a perspectiva de alguém que sente
necessidade de renovar sua caminhada, seu sentido e seu amor pela missão e pelo trabalho
com os mais empobrecidos no Reino de Deus. Foi um momento importante para avaliar e
retomar a vida, revendo os lugares por onde passou, de reconciliar-se consigo, com a sua
própria história, superando mágoas e amarguras, e de tentar trazer presente todas as pessoas
que deixaram marcas na vida, fossem positivas ou negativas.
Foi uma oportunidade de perceber que, muitas vezes, o trabalho missionário havia se
tornado apenas um cumprimento de tarefas e não um sentir-se como alguém enviado em
missão, a serviço dos demais. Verificou que era isso que Deus pedia para aquele momento da
vida e queria fazê-lo da melhor forma possível.
Em sua experiência, outro exercitante, através da prática do discernimento, viu
claramente a necessidade de encarnar-se e inculturar-se no mundo dos trabalhadores. Sentiu e
percebeu que sua opção de vida, numa resposta de amor, foi sempre o Deus de Jesus e sua
causa, os pobres. E isso o orientou, durante os 47 anos de vida como jesuíta e no seu
ministério sacerdotal. Por isso, como Jesus, e com ele no coração, tentou compartilhar sua
vida com a gente humilde dos bairros obreros”. Reconhecia que, ao escolher
deliberadamente trabalhar como operário, ele realizava sua vocação de testemunha da
proximidade amorosa de Deus com os seus irmãos operários. Desejava que sua vida, seguindo
o estilo de tantos curas-obreros(isto é, padres-operários), ao menos tenha ajudado a tornar
familiar algo da música ou do odor da Boa Notícia de Jesus.
O seguimento de Jesus e a opção realizada faziam-no sentir, ao se dirigir diariamente à
fábrica, como se fosse ao Reino para pregar com a vida, assim como tantos o fazem na
celebração. Muitos companheiros de profissão descobriram sua identidade religiosa após
trabalharem juntos por um bom tempo. Isso os fazia sentirem-se próximos e valorizados em
seus trabalhos. Atualmente, aposentado, sente-se realizado pelo bem que pôde fazer, pelo
companheirismo que criou, pelas ajudas que pôde dar a muitos de seus companheiros, pois os
Exercícios Espirituais possibilitaram encontrar Jesus neles e, assim, poder servi-Lo na
simplicidade de um trabalhador. Ajudaram a sentir que, na vida, não se deve valorizar tanto o
que se faz, mas o que se é, o ser com os outros. Ao tomar consciência de que o Evangelho não
57
se entende da mesma maneira quando é anunciado em uma choça ou em um palácio, decidiu
conscientemente anunciar esse anúncio a partir dos pobres casebres.
Os Exercícios Espirituais levaram a mergulhar profundamente na vida dos operários e,
com isso, sentir-se mais próximo das pessoas e impelido a trabalhar na paróquia à noite,
mesmo cansado, após o dia todo de trabalho e nos finais de semana. Muitos vinham à procura,
pois se sentiam acolhidos. Reconheceu-se assim no mesmo patamar que eles. Era procurado
pela sua proximidade como os operários na paróquia onde auxiliava. Isso trazia uma profunda
consolação, por perceber que era aceito como operário, como alguém igual a eles.
2.4 DIFICULDADES DA PRÁTICA DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS
Uma das dificuldades sentidas foi de unir a dimensão espiritual com a dimensão
profissional no dia-a-dia, onde a concorrência se torna um elemento difícil e forte. Por causa
da correria a dimensão espiritual é a primeira que se pensa em deixar de lado, por ser mais
frágil e necessitar de um cuidado especial.
Alguém comentou que quando iniciou sua experiência dos Exercícios Espirituais a
maior dificuldade foi a de não compreender bem a linguagem quando o orientador se referia à
experiência de Deus, pois nunca havia feito tal experiência. Depois da experiência criou gosto
pelos Exercícios sentindo dificuldades de sair desse ambiente de recolhimento para assumir e
viver a experiência no dia-a-dia.
Outra dificuldade foi a de saber lidar com a Palavra de Deus, ou seja, com a Bíblia.
Sentiram que tinham pouca formação na área bíblica. Por não estarem acostumados a
manuseá-la, alguns trechos se tornavam difíceis de compreender. Além de não
compreenderem o texto tinham vergonha de pedir explicações. A partir disso sentiram
também o apelo de um maior aprofundamento nessa área.
Alguns sentiram a dificuldade de reservar diariamente um espaço dentro da rotina da
vida, onde pudessem fazer a oração diária, pois isso exige certa disciplina e organização na
vida.
58
Outra dificuldade é conseguir colocar em prática no dia-a-dia aquilo que foi
vivenciado durante o período da experiência dos Exercícios Espirituais. Exemplo disso é o
esforço de inculturação nos costumes dos povos indígenas em defesa da vida, procurando
ajudar a construir um ambiente livre de conflitos, e ainda por cima ser considerado traidor,
perdendo a confiança dos próprios índios, dificultando seu trabalho e sua missão. Aqui se
evidencia a existência de dois momentos distintos: o tempo dos Exercícios, dos apelos
brotados; outro, o tempo de colocar em prática o que se percebeu como vontade de Deus para
a sua vida.
Os casais perceberam que a experiência dos Exercícios Espirituais foi muito
importante em suas vidas, mas sentiram a dificuldade de fazer com que os filhos participem
mais e que também eles se engajem na dimensão espiritual. Isso reflete outra problemática de
fundo, qual seja o desafio de educar os filhos, no contexto de hoje, ajudando-os a valorizar a
dimensão espiritual. Os filhos respeitam as buscas dos pais e contam com eles para algum
problema, desabafo, orientação, mas não valorizam essa dimensão para suas vidas. Preferem
sua rotina a dedicar algum espaço maior para Deus. Esses casais também perceberam que
ainda se conhecem pouco mutuamente e que necessitam conhecer-se mais. Isso lhes ajudaria a
realizar melhor a experiência.
Para quem, a partir da experiência dos Exercícios, assumiu o trabalho de operário por
opção a dificuldade surgiu no próprio ambiente de trabalho, quando o patrão descobriu a
identidade religiosa e ameaçou expulsá-lo do emprego, considerando sua presença perigosa
para a empresa. Sua motivação poderia ser política, poderia ser um líder comunista infiltrado,
com o intuito de organizar greves, etc. Foi uma prova de fogo continuar a assumir a
proximidade aos operários, apelo brotado na oração durante os Exercícios, tendo que, ao
mesmo tempo, conviver permanentemente com riscos muito concretos.
Uma grande dificuldade apontada é a de deixar-me conduzir por Deus sem impor
resistências. No contexto de hoje, perceber e discernir a presença de Deus e viver uma vida
segundo o Espírito de Jesus, ser testemunha dessa experiência, fazendo as opções que Ele fez,
torna-se um desafio permanente. É preciso colocar-se no caminho da busca constante de
atualizar a vivência e o seguimento de Jesus. Nessa estrada do seguimento ninguém pode se
julgar formado.
Outro aspecto é a necessidade de nunca se acomodar, mas se engajar na construção de
uma sociedade cada vez mais humana, pautada nos valores evangélicos.
59
2.5 CONSIDERAÇÕES A PARTIR DAS ENTREVISTAS
2.5.1 Os frutos da experiência
A primeira das constatações que vale ressaltar é que as pessoas, ao percorrerem a
dinâmica da prática dos Exercícios fora do contexto da vida religiosa (feminina e masculina),
pouco conheciam a respeito dos Exercícios Espirituais e da Espiritualidade Inaciana. Alguns
já haviam ouvido falar dos Exercícios Espirituais ou sobre Santo Inácio, porém não sabiam do
que se tratava. O resultado das entrevistas mostra que os exercitantes foram convidados e
motivados por algum jesuíta, por colegas de profissão ou por pessoas que haviam passado
pela experiência dos Exercícios. Mas não por uma busca ou descoberta pessoal, por uma
motivação interna ou pela identidade específica dessa corrente espiritual cristã.
O objetivo primeiro dos Exercícios Espirituais é levar o exercitante a fazer uma
experiência de Deus. Trata-se de um encontro face a face com o Deus de Jesus por meio da
meditação/contemplação das buscas e opções do próprio Cristo. A partir desse encontro
pessoal com Jesus, o exercitante sente-se impelido a conformar sua vida com a de Cristo. Os
relatos confirmam essa experiência e os exercitantes mostram isso na maneira como
vivenciaram essa experiência em suas vidas.
As imagens e as experiências de Deus, transmitidas ao longo da caminhada dos
cristãos, nem sempre foram positivas. Por isso, foi muito significativo aos exercitantes
fazerem uma experiência do amor e da misericórdia de Deus. Foi uma das grandes
descobertas e uma das experiências que marcou a prática dos Exercícios Espirituais, uma vez
que a vida dos exercitantes estava muitas vezes associada a uma falsa concepção e imagem de
Deus. Predominava a figura de um Deus severo demais, que castiga e pune, um Deus distante,
que se segue mais por temor do que por amor. Muitos dos exercitantes vinham dessa
experiência de um Deus com quem não se podia ter uma intimidade, pois inspirava medo.
Justamente por isso foi extremamente libertador para o exercitante descobrir, sentir e
experienciar outra imagem de Deus, purificar a Sua imagem. Com efeito, a partir dessa
purificação das falsas imagens de Deus é que se torna possível realizar um verdadeiro
encontro com o Deus de Jesus Cristo. Essa experiência, para quem olha de fora, pode até
parecer algo simples, mas é muito profundo e libertador. Uma vez feita a experiência do amor
60
gratuito de Deus, de sentir-se amado(a), abrem-se muitas portas para a existência de uma
pessoa, para a sua vivência de fé e dos valores cristãos. O amor tira o medo, encurta
distâncias, proporciona novas relações, pois não se age mais por receio. Isso faz surgir
novos laços e permite encarar a vida com maior naturalidade, maior liberdade e criar novas
convicções.
Fazer a experiência de saber-se amado(a) por Deus leva a recobrar a autoconfiança e o
ânimo pela vida. Não se trata mais de um Deus distante, que dita normas, mas de um Deus
próximo, amigo, que compreende, acolhe as pessoas e conhece a fragilidade humana. Essa
experiência faz a pessoa viver sob outra perspectiva, pois entende que Deus não impõe
condições para amar o ser humano. Portanto, o fato de considerar-se amado(a) e acolhido(a)
por Deus permite um relacionamento diferente com os outros. Reconhecendo-se limitado(a) e,
ao mesmo tempo, amado(a), leva a reconhecer e acolher o outro na sua limitação. Se Deus me
aceita e me ama na minha fragilidade, nas minhas limitações, quem sou eu para recusar a
acolher o outro?
Porque “Deus nos amou primeiro” (1 Jo 4,19) porque “Deus é amor” (1 Jo 4,8), então
a existência não mais aparece como um túnel fechado ou como um paredão intransponível,
mas como uma possibilidade sempre aberta de saída de si mesmo em direção ao outro, de
crescimento, acolhida e ajuda.
Vê-se, assim, a importância que foi recuperar essa nova maneira de se relacionar com
Deus e, conseqüentemente, com os outros. Os Exercícios Espirituais possibilitam essa nova
postura diante da vida. Não mais julgar-se obrigado(a) a agir dessa ou daquela maneira,
marcada por uma falsa concepção de Deus, mas viver a existência na liberdade de quem se
acredita amado(a) e querido(a) por Deus. Por isso, também se sente impelido(a) a amar aos
outros que compartem o espaço da vida a seu redor, superando limites e dificuldades.
Pudemos averiguar também que a experiência do método dos Exercícios foi um
aprendizado para a vida, como um amadurecimento na experiência de fé. A prática dos
Exercícios Espirituais apontou não para outra concepção de Deus, mas também para outros
métodos de orar e se relacionar com Deus, que envolvem a pessoa inteiramente (corpo, mente
e afetos). Trata-se de uma sintonia com o todo da pessoa, não somente a dimensão espiritual,
mas também a realidade (relações interpessoais e sociais) em que o exercitante está inserido.
O que chama a atenção é que a prática dos Exercícios Espirituais deixou os
exercitantes inquietos, desinstalados, ou seja, em busca, querendo encontrar seu espaço. Tanto
61
os de uma vivência eclesial assídua como os que não possuíam essa vivência, ambos os
grupos de pessoas passam a adotar ou aprofundar ações que contribuem para a construção do
Reino. Estão em peregrinação, pois a experiência os fez tomar consciência da realidade da
vida e do contexto em que vivem. Sentem-se impelidos a servir aos outros, como resposta de
gratidão ao Deus que lhes deu tudo gratuitamente.
Alguns dos entrevistados ressaltaram que a oração diária lhes deu um espaço único de
estarem consigo mesmos, sem se afogarem nas preocupações com o trabalho, nem ficarem
sucessivamente presos ao seu circulo familiar, mas unicamente em poder estar a sós com
Deus e, Nele, reencontrar a tudo e todos. Essa atitude, portanto, nada tem de intimismo,
isolamento ou fuga do mundo, mas reflete um novo modo de se relacionar com toda a
realidade, a partir do Absoluto, assumindo com novo ânimo a própria existência, o seu
trabalho profissional, a sua missão. Essa experiência proporcionou aos exercitantes a
percepção de que são enviados(as) a contribuir na construção do Reino de Deus.
A contemplação das atitudes e gestos de Jesus diante das pessoas leva, agora, a uma
atualização, no Espírito, do que Jesus viveu em sua época: as atitudes e gestos em relação à
sua vida e à dos outros torna presente o que o próprio Cristo viveu. É vivência do seguimento.
Onde antes se enxergava apenas limitação e vergonha ante Deus pelo sentimento de
pequenez, agora se percebe que as limitações são um condição de possibilidade para o
crescimento, para gerar vida nova, pois se olha para as próprias vivências com os olhos de
Jesus. Assim, a vida se cobre de um novo ânimo para crescer, caminhar e viver plenamente e
com sentido.
Notou-se um crescimento e um amadurecimento na vida das pessoas, na vida familiar,
na vida profissional e no compromisso cristão. O método dos Exercícios Espirituais leva a um
confronto através da meditação/contemplação dos mistérios da vida de Cristo com a própria
vida e o contexto em que se vive. Esse confronto ilumina a vida e leva a uma configuração,
uma tomada de posição frente ao que a pessoa está vivendo no momento em que faz os
Exercícios Espirituais e também em relação ao conjunto de uma existência (passado-presente-
futuro).
Os Exercícios levam a um compromisso cristão. Eles ajudam a inserir-se no mundo de
um modo evangélico. O exercitante, a partir dos Exercícios Espirituais, sente-se útil dentro do
contexto em que está vivendo, pois começa a ver a realidade e o contexto em que se encontra
inserido a partir das práticas e opções de Jesus Cristo. Essa inserção, como vimos, não se
62
restringe à comunidade cristã, mas abrange um contexto mais amplo, pois o exercitante se
sente enviado ao mundo, à realidade concreta em que vive.
2.5.2 Dificuldades enfrentadas
O método dos Exercícios Espirituais tem suas exigências e suas dificuldades. Elas se
fizeram presentes na prática do método. Ele exige uma dedicação e um espaço na vida para
produzir seus frutos. Muitos desistem dessa experiência por não conseguirem conciliar a vida,
a profissão e o método, pois esse processo exige uma disciplina pessoal. No início sempre
gera dificuldades maiores, mas praticando o método com o acompanhante e refletindo sobre o
mesmo, torna-se mais fácil segui-lo.
A experiência dos Exercícios Espirituais não termina com o fim da prática do método.
O método leva a uma continuidade, a pôr em prática as descobertas feitas ao longo da
experiência dos Exercícios. Após a prática dos Exercícios Espirituais, o exercitante é
chamado a ser, nas palavras de Inácio, “contemplativo na ação”, ou seja, ver Deus atuando em
todas as coisas e atuar com Ele na realidade em que vive. Por isso, depois da experiência,
muitos assumem a sua missão, engajando-se mais nos ministérios da comunidade eclesial,
assumindo seu compromisso cristão no ambiente familiar, profissional e em outros espaços da
sociedade.
Acompanhamos o relato da prática dos Exercícios Espirituais. Inácio de Loyola, além
de ter feito a experiência, ajudou muitas pessoas nos Exercícios Espirituais. Propunha os
Exercícios de maneira personalizada, adaptando-os de acordo com o ritmo de cada exercitante
sem tirá-lo de seu contexto de vida. Nesse sentido, não se preocupou em deixar algo mais
sistematizado para quem quisesse orientar outros nessa experiência. Bastava alguém ter feito a
experiência dos Exercícios Espirituais para se tornar apto a ajudar a guiar outros.
2.5.3 A pessoa do acompanhante
Inácio, com sua profunda experiência de Deus e com as intuições que possuía,
conseguia acompanhar o exercitante ajudando-o a fazer uma experiência de Deus. O caminho
63
e o método lhe eram familiares. Hoje as ciências evoluíram, o leque de conhecimentos se
ampliou, e as situações das pessoas também mudaram. As ciências humanas vêm ao encontro
do humano de hoje, contribuindo no acompanhamento da prática dos Exercícios, pois ajudam
a abrir os olhos para a realidade humana e para uma sociedade contemporânea, ajudando a
atualizar os Exercícios Espirituais de Inácio e sua experiência de Deus.
Pudemos acompanhar, ao longo desse segundo capítulo, uma breve sistematização dos
relatos da experiência prática dos Exercícios Espirituais nas diversas modalidades, com seus
frutos e suas dificuldades. Atualmente, muitas pessoas, além de fazerem os Exercícios,
adotam a Espiritualidade Inaciana como sua espiritualidade cristã. Para acompanhar alguém
na prática dos Exercícios Espirituais, no contexto atual, exige-se uma formação e
conhecimento qualificado em diversas áreas das ciências humanas como psicologia,
sociologia, etc., para compreender a vida do exercitante e o contexto em que se encontra
inserido, pois a experiência dos Exercícios, como pudemos ver, relaciona-se tanto com toda a
interioridade da pessoa (seus sentimentos, desejos, sonhos, lutas, etc.) quanto com a realidade
externa na qual o exercitante se insere. Esse fato, levando em conta a complexidade de nossa
sociedade atual, torna o acompanhamento um desafio, e traz novas questões para a vivência
dos Exercícios nos dias de hoje.
O acompanhamento da prática dos Exercícios Espirituais não pode ser feito de
maneira ingênua ou nos moldes de antigamente, sem levar em consideração as ciências
surgidas depois de Inácio de Loyola. Por isso, no capítulo que segue propomos o método
psico-histórico-espiritual de Carlos Rafael Cabarrús como uma forma atualizada de
acompanhar a prática dos Exercícios Espirituais no contexto atual, levando em consideração a
totalidade da pessoa, ou seja, a dimensão espiritual, psíquica e histórica. Não se trata,
portanto, de um método diferente ao de Inácio, mas uma maneira atualizada de acompanhar
os exercitantes na prática dos Exercícios Espirituais na realidade de hoje.
64
3 ACOMPANHAMENTO PSICO-HISTÓRICO-ESPIRITUAL
Nos capítulos anteriores, falamos sobre o perfil biográfico e intelectual de Inácio de
Loyola e os Exercícios Espirituais, bem como reproduzimos relatos de pessoas que fizeram a
prática dos Exercícios Espirituais. Nesses relatos aparecem diversos elementos que permitem
entrever alguns dos principais desafios para a prática dos Exercícios hoje. É de fundamental
importância que aqueles que acompanham o processo dos exercitantes levem em conta esses
desafios atuais. Por outro lado, o papel do acompanhante é uma faceta pouco explicitada por
Inácio, ao escrever e estruturar os Exercícios. Inácio, mesmo tendo grandes intuições, que
permanecem ainda atuais, reflete seu próprio contexto de vivência de fé, não deixando
grandes pistas e indicações nesse acompanhamento. Assim, quando alguém se engaja no
processo de acompanhar pessoas na prática dos Exercícios Espirituais se ressente da falta de
material de apoio. Inácio, sendo autor e ao mesmo tempo guia, não teve grande preocupação
de explicitar mais sua experiência de acompanhamento. Faz referências mais gerais tanto
sobre o acompanhante como sobre quem faz a experiência dos Exercícios, que, para a sua
época, possuíam maior valor. Por isso torna-se hoje sobremaneira necessário aprofundar o
papel do acompanhante dos Exercícios Espirituais.
Carlos Rafael Cabarrús,
123
jesuíta, tendo feito a experiência dos Exercícios Espirituais
e acompanhado muitos na prática dos mesmos, sentiu essas dificuldades. Querendo ajudar no
123
Carlos Rafael Cabarrús, nascido em 1946, na Guatemala, é sacerdote jesuíta, licenciado em Filosofia e
Teologia, doutor em Antropologia Cultural com a tese: Génesis de una revolución: El Salvador. Recebeu sólida
formação tanto no campo da Espiritualidade como na orientação psicoterapêutica. Foi mestre dos noviços
jesuítas centro-americanos durante dez anos. É o fundador do Instituto Centro-americano de Espiritualidade
(ICE) na Guatemala, no qual trabalhou por longos anos como diretor. Atualmente, além de colaborador do ICE,
atua na Universidade Rafael Landivar, da Guatemala, como diretor do Centro Integração Universitária. Publicou
várias obras na área da Antropologia Cultural e, principalmente, na da Espiritualidade. Entre elas, podemos
destacar: Ser Pessoa em Plenitude: A Formação Humana na Perspectiva Inaciana; Rezar o Próprio Sonho; Sob
a Bandeira do Filho; Crescer Bebendo do Próprio Poço; Pedagogia do Discernimento: a “ousadia” de deixar-
65
processo de acompanhamento, desenvolveu alguns aspectos fundamentais para a prática do
acompanhamento. Além disso, Cabarrús pensa esse processo de acompanhamento no
contexto da América Latina. O teólogo, depois de leituras e de sistematizar diferentes
materiais, propõe um método de acompanhamento, reunido no Cuaderno de Bitácora.
124
Cabarrús toma por base a experiência de Inácio de Loyola, os Exercícios Espirituais,
ressaltando a importância do acompanhamento. Insiste na necessidade de uma formação séria
e de critérios para que esse acompanhamento se dê de maneira equilibrada, levando em conta
todas as dimensões do ser humano, não somente a dimensão espiritual, mas também a
psíquica e a histórica. Com base nesse tríptico, elabora o método de acompanhamento
denominado psico-histórico-espiritual.
Para Cabarrús, o acompanhante na prática dos Exercícios Espirituais deve, antes de
tudo, ser uma pessoa integrada. Deve ser alguém que fez uma profunda experiência de oração,
de encontro com Deus, estar engajada e ter algum compromisso com a transformação da
realidade. Além disso, sentir-se impelida, chamada, como vocação, a ajudar outras pessoas no
processo de acompanhamento.
Tendo presentes essas premissas, nesse capítulo expomos o método psico-histórico-
espiritual, desenvolvendo cada um desses termos, a harmonia pessoal, a harmonia espiritual e
o compromisso histórico harmônico. Por fim, a contribuição dos Exercícios Espirituais no
método psico-histórico-espiritual e as considerações para um acompanhamento nos tempos
atuais. O autor desenvolve a dimensão histórica por último, por achá-la o “eixo e o ponto final
do acompanhamento psico-histórico-espiritual”.
125
se levar; Discernir na Igreja Hoje: obras traduzidas e publicadas pelas Edições Loyola de São Paulo. Cuadernos
de Bitácora, para acompañar caminantes. Guía psico-histórico-espiritual; La mesa del banquete del Reino:
criterio fundamental del discernimento: publicados pela editora Desclée de Brouwer. Lo Maya: ¿una identidad
con futuro? En la conquista del ser: Guatemala: Cedim; La cosmovisión k'ekchí en proceso de cambio: San
Salvador: UCA; Seducidos por El Dios de los Pobres: los Votos Religiosos desde la Justicia que Brota de la Fe:
Espanha: Narcea.
124
“O Caderno de Bitácora era o livro no qual se anotavam, detalhadamente, os elementos da rota de um barco:
dados metereológicos, dados relativos à propulsão e às vicissitudes ocorridas nas viagens. Ali se apontava o
rumo, a velocidade, as manobras e demais incidências da navegação. Seu nome vem de uma derivação da
palavra habitare e quer dizer algo que está aí, o centro de operações da embarcação. Era tão importante para
seguir a rota do mar, que nos séculos XVI e XVII, quando o Oceano Pacífico era explorado por espanhóis e
portugueses, os ingleses, ao capturar um barco, buscavam fundamentalmente roubar o Caderno de Bitácora, pois
com ele, podiam regressar à Índia e ao Japão. Com o Caderno de Bitácora tornava-se possível recorrer
novamente uma rota, ir a um lugar conhecido, orientar-se em meio ao oceano, desfazer mares navegados,
regressar por uma rota navegada, reencontrar o rumo. Era o grande tesouro de um capitão de barco: sem ele, não
era possível deslocar-se no meio do mar”. (Carlos Rafael CABARRÚS, 2000, p. 8). (Tradução própria: Assim
como essa, as demais citações diretas, que aparecem ao longo deste terceiro capítulo da obra de Carlos Rafael
CABARRÚS, Cuaderno de Bitácora, foram tradução própria).
125
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 99.
66
3.1 DO ACOMPANHAMENTO ESPIRITUAL AO MÉTODO PSICO-HISTÓRICO-
ESPIRITUAL
Inácio percebeu que, para alguém fazer a experiência de Deus proposta nos Exercícios
Espirituais, necessitava da ajuda e do confronto com alguém. O orientador, que tem a missão
de acompanhar, deve ser alguém de confiança, com quem o exercitante possa partilhar a
experiência vivida, e que o ajude a apontar novos horizontes, evitando o perigo de ser apenas
uma busca de si. Ao longo da história, sempre houve pessoas que exerceram esse papel de
referência, que auxiliavam a apontar novos caminhos: pessoas de confiança, que, nas horas de
dificuldades e de preocupação eram procuradas para um aconselhamento, uma orientação ou,
simplesmente, para um desabafo.
126
O próprio termo orientação significa uma “ação”, pois a pessoa se posiciona em um
espaço, diante de um ponto de referência. O termo “orientar” vem do termo Oriente, lugar do
nascer do sol. Graças ao sol, sabemos localizar-nos no tempo e no espaço. Orientar-se, situar-
se, sempre se faz em direção ao sol, ao Oriente.
127
Fala-se muito, hoje, de pessoas desorientadas, desnorteadas e sem rumo. Quando se
fala de orientação espiritual, o que se busca, na verdade, é o situar-se diante da vida. Quem
está em crise, não sabe, muitas vezes, para onde ir, pois perdeu o rumo, necessitando de ajuda
e orientação, para situar-se na vida. Essa tarefa se torna mais difícil quando a pessoa está
sozinha. Ela precisa de alguém que a auxilie a rever e avaliar sua maneira de viver e assumir a
vida, sua espiritualidade, sua missão na construção do Reino de Deus.
128
Ao longo da história, na dimensão espiritual, houve várias maneiras de realizar o
acompanhamento e que, com o passar do tempo, foram mudando. A princípio, a concepção do
acompanhamento espiritual estava muito marcada pelo cunho patriarcal, pelos monges, pelo
clero. No contexto atual, houve uma grande reviravolta. Muitos leigos e leigas,
principalmente mulheres, o fazem, com muita propriedade e competência.
129
A fundamentação teológica do acompanhamento reside no fato de que a implica,
ao mesmo tempo, uma pedagogia para vivê-la e poder expressá-la na história.
126
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 38.
127
Ulpiano Vázquez MORO, A orientação espiritual: mistagogia e teografia, p. 8.
128
Idem, ibidem, p. 9.
129
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 36.
67
Portanto, necessita de pessoas que ajudem a realizar esse caminho, que o
acompanhem. Isso pode ser verificado na história da salvação.
130
Na Bíblia, temos o exemplo de Samuel (1Sm 3), que necessitou de alguém mais
experiente para ajudá-lo a esclarecer o chamado de Deus. Assim, ao longo da história da
salvação, Deus sempre foi suscitando profetas que acompanhassem seu povo na caminhada.
131
Um modelo de acompanhamento vemos no próprio Jesus. Ele soube apropriar as imagens do
Antigo Testamento. “Ele é a luz do mundo (Jo 8,12) que substitui a coluna de fogo e a nuvem
que guiava o povo pelo deserto [...], o novo Moisés (Jo 1,21), que guia e acompanha [...]. É o
pastor que vai à frente de suas ovelhas (Jo 10,4)”.
132
Ele acompanha e instrui os discípulos e
torna-se “orientador espiritual” deles.
De acordo com Cabarrús, a importância do acompanhamento espiritual reside no fato
de que
É necessário destacar que o acompanhamento espiritual evita dois perigos: por um
lado, dando ênfase [...] em que a personalidade de cada um é insubstituível, e assim
destrói todo coletivismo espiritual, com as graves implicações que isso pode trazer,
e, por outro, afasta o individualismo religioso, de gerar caminhos demasiado
centrados em si mesmos(as), sem nenhuma confrontação. O acompanhamento, em si
mesmo, convoca a graça sobre o esforço humano, mas o faz no seio de uma Igreja.
O acompanhamento espiritual, nas palavras de W. Barry, é o cuidado pastoral que
pretende ajudar a outra pessoa para que esteja mais atenta às comunicações que
Deus estabelece com ela; para responder pessoalmente a esse Deus e para viver em
consonância com essa relação.
133
No século XVI, houve grande mudança no rumo do acompanhamento espiritual,
principalmente com Inácio de Loyola, que, em seus Exercícios Espirituais, levou em conta as
implicações psíquicas, baseando-se no acompanhamento pessoal, na conversação, no diálogo.
Os Exercícios Espirituais valorizam os sentimentos, ou seja, a “linguagem interior”. Para
melhor conhecer as profundezas de cada um, o método inaciano ênfase à sensibilidade.
134
130
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 37.
131
Idem, ibidem, p. 37.
132
Idem, ibidem, p. 38.
133
Idem, ibidem, p. 39.
134
Idem, ibidem, p. 41.
68
Trata-se de partilhar a experiência feita, o caminho percorrido com alguém que seja mais
experienciado nessa dimensão: “É função do orientador dos Exercícios acompanhar
discretamente a experiência, ajudando o exercitante a deixar-se guiar por Deus, ensinando-o a
discernir as inspirações do Espírito de Deus dos pensamentos humanos’ ou ‘mundanos’ (Mc
8,33)”.
135
O acompanhante é apenas testemunha do que acontece na pessoa por ele
acompanhada, pois quem guia é o Espírito de Deus. Cabe a ele respeitar a ação divina,
ajudando para que a experiência aconteça. “À medida de sua docilidade ao Espírito, o
acompanhante convida as pessoas a se deixarem levar por Deus até os mananciais onde nasce
seu Reino”.
136
No acompanhamento espiritual, a psicologia muito tem contribuído no conhecimento
do ser humano e de suas aspirações mais profundas, especialmente sua identidade e
realização, no exercício da liberdade, na tomada de decisões, na integração pessoal e social,
na compreensão dos condicionamentos humanos, no relacionamento da psique com o corpo,
etc.
137
A psicologia torna-se importante para quem acompanha pessoas na dimensão
espiritual, pois permite conhecer com mais profundidade a pessoa acompanhada em suas
qualidades e condicionamentos. Porém, é preciso ter consciência de que o acompanhamento
espiritual não é terapia. Caso alguém necessite de alguma terapia psicológica, deve procurar
um entendido nessa área. Se o acompanhante estiver habilitado e formado nessa dimensão,
poderá fazê-lo, mas não no momento da orientação espiritual, para evitar confusões. Por isso,
Cabarrús faz uma distinção entre terapia e acompanhamento espiritual.
O que diferencia o acompanhamento espiritual da terapia[...] reside em que o
acompanhamento espiritual está explicitamente referido à mutualidade, à graça, ao
culto; e a pessoa, para ele, deve estar suficientemente sã. O acompanhamento
espiritual trata da ordem da graça enquanto a terapia, como tal, não o faz. No
acompanhamento espiritual está presente a busca do sentido da vida, coisa de que
todas as pessoas sentem falta, enquanto, na terapia, isso não se faz necessário. No
acompanhamento espiritual são três os agentes: quem acompanha, quem é
acompanhado(a) e o Espírito de Deus. No acompanhamento espiritual, o
fundamental é que a pessoa se disponha a que Deus nela aconteça; na terapia, o
135
Juan Ruiz de GOPEGUI, Procurar e encontra Deus no dia-a-dia, p. 31.
136
Carlos Rafael CABARRÚS, A pedagogia do discernimento: a ousadia de “deixar-se levar”, p. 134.
137
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 43.
69
primordial é que a pessoa se cure. O acompanhamento espiritual busca que se
descubra o ser eu para as outras pessoas”, ser pessoa para os demais, enquanto a
terapia, pretende desenvolver o “eu estou bem”.
138
Diante dessa constatação, poder-se-ia perguntar: Por que acompanhar no método
psico-histórico-espiritual? O que esse método traz de novidade para o acompanhamento
espiritual? “O acompanhamento psico-histórico-espiritual é um método de fazer a pessoa
levantar-se, para que se disponha a acolher Deus, saiba discernir e comprometa-se com o
trabalho da justiça que brota da fé”.
139
É um método que leva a superar o mero crescimento das virtudes individuais, pela
abertura à dimensão do outro, na realidade de sua história. Trata-se de um acompanhamento
encarnado na história, em que o foco da atenção é a experiência de Deus. Esse é o fator
integrador que unifica toda pessoa, sua história pessoal, sua experiência de vida e o contexto
da sociedade em que vive.
140
Com base neste método, Cabarrús insiste em que a arte de acompanhar alguém, na
dimensão espiritual, não pode ser algo improvisado, nem ser um simples voluntarismo, pois
requer que o acompanhante preencha certos requisitos que são fundamentais no
acompanhamento: que viva em harmonia espiritual e pessoal, esteja comprometido com a
história e com a construção do Reino de Deus e tenha formação na área do acompanhamento.
O acompanhamento espiritual não é algo simples, pois exige de quem acompanha um
leque amplo de experiências e conhecimentos que permitam realizar essa tarefa com
propriedade, que tenha conhecimento nas dimensões psicológica, espiritual e histórica. No
acompanhamento espiritual, essas três dimensões se inter-relacionam, interpenetrando uma na
outra. A essa maneira de acompanhar, Cabarrús chamou de acompanhamento psico-histórico-
espiritual, visando a um acompanhamento que valoriza todas as dimensões da pessoa
humana.
141
Para Cabarrús, quando não se leva em conta as três dimensões no acompanhamento,
pode-se prejudicar o processo de crescimento. Ao invés de ajudar a pessoa a progredir em seu
processo espiritual, pode provocar-se um retrocesso. Tal acompanhamento tridimensional não
138
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 47.
139
Idem, ibidem, p. 48.
140
Idem, ibidem, p. 49.
141
Idem, ibidem, p. 16.
70
se torna tão simples, pois supõe certas destrezas em áreas em que, talvez, haja falta ou pouca
especialização, como, por exemplo, no manuseio de ferramentas psicológicas e espirituais, ou
no compromisso com a realidade do mundo em que se vive. E aí acontecem as dificuldades.
142
Apoiar-se somente no espiritual sem alusão ao psicológico, implica, por princípio,
uma ingenuidade que esquece o papel do inconsciente. Ficar no binário
psicologia e espiritualidade, [...] pode fechar as pessoas em uma cápsula de “auto-
realização” e religião que desistoriza. Pelo contrário, a espiritualidade que se apóia
nesse esquema é a que nos revela a experiência de Jesus, que cura, levanta, perdoa e
convida ao seu seguimento, compromete e lança ao serviço do Reino.
143
No final do século XX, houve grande florescimento de espiritualidades. Em muitos
casos, nada mais foram do que um simples individualismo religioso, autoconsolo e bem-estar
espiritual. O espiritual, muitas vezes, nada tinha a ver com o histórico, o político e o social,
muito menos com as exigências do Evangelho. Praticamente se considerava espiritual tudo o
que não era esforço muscular. Para tais tipos de espiritualidade, o importante era a salvação
pessoal, as devoções particulares, não valorizando a dimensão do Reino de Deus. Essa
concepção de espiritualidade foi, por vezes, incentivada e reforçada pela própria Igreja.
144
Não havia a consciência de que “a em Jesus Cristo é um desafio que implica compromisso
de trabalhar pelo Reino de Deus e mudar a história”.
145
O desafio atual é “verificar” se as espiritualidades ajudam na formação, realização e
integração das pessoas. Necessitamos ter critérios para avaliar essas espiritualidades, pois
existem várias concepções e visões. Por exemplo, para os cristãos comprometidos, o critério
fundamental é o seguimento de Jesus, na construção do Reino, em solidariedade com os mais
pobres. A espiritualidade que se afasta dessa perspectiva precisa ser revista e repensada.
146
Tendo presente essa preocupação, Cabarrús desenvolve o método de acompanhamento psico-
histórico-espiritual. Com esse método quer contribuir e auxiliar para que o acompanhamento
se realize de maneira equilibrada, evitando superficialidades e exageros, tendo por horizonte a
construção do Reino de Deus revelado por Jesus. A seguir, explicamos como ele desenvolve
142
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 31.
143
Idem, ibidem, p. 31.
144
Idem, ibidem, p. 33.
145
Idem, ibidem, p. 34.
146
Idem, ibidem, p. 34.
71
cada uma das três dimensões: a harmonia pessoal, a harmonia espiritual e compromisso
histórico harmonioso.
3.2 O ACOMPANHAMENTO DESDE A HARMONIA PESSOAL
O acompanhamento com base no método psico-histórico-espiritual deve levar a pessoa
a fazer uma profunda experiência do Deus de Jesus sob a perspectiva da justiça e da
realização histórica. Com isso, Cabarrús quer enfatizar que não se trata de um
acompanhamento meramente psico-espiritual, mas psico-histórico-espiritual.
147
É um acompanhamento no compromisso e para o compromisso, ou seja, a promoção
da justiça é ponto de partida e de chegada. Um acompanhamento em que tanto quem
acompanha como quem é acompanhado(a) trabalha pela construção do Reino, em
que as pessoas pobres e pecadoras são as destinatárias por excelência.
148
Cabarrús ressalta que quem acompanha outros na experiência de Deus deve ser uma
pessoa de profunda experiência de oração, de encontro com Deus, e, além disso, ter um
compromisso com a transformação da realidade. A experiência de encontro com Deus faz do
acompanhamento não uma simples tarefa, mas uma atitude de vida, que permeia toda a
existência, modo de agir e de viver. Com essa experiência a pessoa se sente impelida a
aprofundar-se, porque ela nãodá sentido à vida, mas leva a um compromisso com o Reino,
com a responsabilidade de buscar uma humanização da realidade. Por isso, quem fez uma
experiência profunda de Deus tem condições de guiar outros nessa experiência, pois aprendeu
a perceber e a sentir o modo como Deus age.
149
As três dimensões, o psicológico, o espiritual e o compromisso histórico devem estar
harmonicamente presentes na vida do acompanhante. Trata-se, portanto, de uma postura, uma
atitude de vida. Quem acompanha, precisa ter adquirido uma harmoniosa integração, que
possibilite ao acompanhado chegar a uma integração e harmonia de vida nessas três
147
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 51.
148
Idem, ibidem, p. 51.
149
Idem, ibidem, p. 52.
72
dimensões. Entretanto, harmonia não quer dizer ausência de conflitos, de problemas, e sim,
capacidade de lidar com o conflito e com o sofrimento. Portanto, para alguém acompanhar
outros na experiência espiritual, deve, primeiramente, fazer a experiência de também ser
acompanhado, para evitar que ocorram erros no processo de acompanhamento, tendo assim a
oportunidade de refletir e confrontar com outra pessoa sua própria experiência de
acompanhante.
150
3.2.1 Atitudes, características e requisitos do acompanhamento psico-histórico-espiritual
Cabarrús expõe algumas atitudes, características e requisitos que devem estar
presentes em quem acompanha outras pessoas pelo método psico-histórico-espiritual.
151
Na
seqüência, falamos sobre elas.
3.2.1.1 Atitudes do acompanhante
O ser companheiro, no acompanhamento psico-histórico-espiritual, não deve ser
esporádico. Trata-se de uma atitude, como foi ressaltado acima, uma maneira de viver e
partilhar a vida. Trata-se de saber partir e compartilhar o mesmo pão, a exemplo das primeiras
comunidades cristãs (At 2,44). Esse modo de ser e agir não é apenas uma idéia piedosa, mas
fruto de uma opção de vida, de busca e discernimento. Implica assumir uma atitude de
igualdade e não de superioridade diante do acompanhado. Essa atitude não requer um
envolvimento afetivo, mas uma postura de objetividade, possibilitando condições de ajuda.
No acompanhamento não se uma relação de amizade, mas de afeto, pois não se trata de
reciprocidade, de partilha de vida. Por isso, nesse processo de acompanhamento, o
acompanhante sempre terá outro companheiro para poder avaliar-se possibilitando
crescimento e aprendizado na arte de acompanhar.
152
“Companheiro(a) é quem não te deixa
morrer, te faz viver. Não deixa morrer o corpo, as ilusões, a dignidade. É quem não deve
permitir que se mate a pessoa, onde está presente Jesus”.
153
150
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 54.
151
Idem, ibidem, p. 61.
152
Idem, ibidem, p. 61.
153
Idem, ibidem, p. 61.
73
3.2.1.2 Características e requisitos do acompanhante
O companheiro espiritual, que utiliza o método de acompanhamento psico-histórico-
espiritual, deve possuir, antes de tudo, certas características, certo perfil, ou seja, dotes
naturais, força que brota do interior que dispõe à escuta, em quem as pessoas confiam sua
intimidade; ser procurado naturalmente para o acompanhamento; sentir-se convidado por
Deus para exercer esse carisma e, ao mesmo tempo, confirmado e apoiado pela Igreja; ter
consciência do que implica ser um acompanhante psico-histórico-espiritual, como um serviço
eclesial, um ministério; identificar-se com o que realiza, não como cumprimento de uma
tarefa, mas como uma missão, um compromisso, um chamado na construção do Reino de
Deus. Ainda características imprescindíveis: ter uma grande humanidade, inspirando
confiança e empatia nas pessoas; ter humor e saber rir-se de si; ser alguém que reze, que deixe
transluzir o rosto de Deus, e que esteja próximo d’Ele; ser portador das características do
Deus de Jesus, que são a misericórdia e a solidariedade; saber descobrir o rosto de Jesus na
pessoa do acompanhado, tendo o discernimento como uma atitude vital; ter também coerência
de vida, ser uma pessoa integrada, otimista, mas não-ingênua, encarando a vida de maneira
positiva, sabendo comprometer-se com a vida dos que a sociedade rejeita, valorizando e
apostando neles, empenhado em criar uma nova humanidade.
154
O companheiro deve sentir-se um pecador perdoado, que percebe seus limites, mas, ao
mesmo tempo, tenha experimentado a proximidade e a misericórdia de Deus e ser
contemplativo na ação, vendo e sentindo a gratuidade de Deus, que tudo realiza e que atua nas
pessoas, respeitando o processo de cada um. É importante que saiba amar e se deixe amar,
capaz de relacionamentos afetivos profundos, respeitosos, tendo consciência de seus limites e
fronteiras. Experienciar a solidão, que é diferente de isolamento, possibilitando e criando um
ambiente favorável de encontro consigo e com Deus. Enfim, se torne próximo da pessoa que
acompanha.
155
O companheiro espiritual é alguém que está sempre em processo de formação, dando-
se conta da necessidade da formação permanente, jamais se sentindo formado, tendo
consciência de que é apenas testemunha do que acontece na pessoa acompanhada, do sonho
de Deus para com ela. Assim, auxilia a integrar o sonho de Deus com o acontecimento
154
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 63.
155
Idem, ibidem, p. 72.
74
histórico. Por isso, acompanhar também significa levar as pessoas a despertar, a descobrir
seus dons, seus talentos e suas capacidades adormecidas.
156
Também é necessário ainda que o companheiro tenha habilidade para lidar com as
transferências
157
e contratransferências
158
que surgem ao longo do processo do
acompanhamento. Isso exige maturidade e um bom conhecimento de si e da pessoa
acompanhada e atenção ao surgimento desses processos, ajudando o acompanhado a tomar
consciência deles, para que possa trabalhá-los. Para isso, algumas noções básicas de
psicologia serão muito úteis.
159
Dar-se conta do papel da sincronização, reconhecendo que
ambos crescem, acompanhado e acompanhante, na integração pessoal, no encontro com Deus
e no compromisso com a história. Como humano, limitado e carente, admitir os próprios
limites e fronteiras, ou seja, até onde se pode chegar, com pleno domínio sobre o que está
acontecendo no processo de acompanhamento de outras pessoas. O companheiro deve ter
consciência e lucidez no processo de busca e de crescimento do acompanhado, sem nele
interferir, apenas ajudando para que ele aconteça.
160
Cabarrús observa que o companheiro, no processo psico-histórico-espiritual, deve ser
alguém acessível, neutro e imparcial, acolher as pessoas de modo que se sintam bem, num
clima de liberdade, sem temer preconceitos na sua maneira de ser, na sua história e na
experiência de vida.
161
É alguém que olha as pessoas com o olhar do Deus de Jesus, que fez
opção pelos pobres, fracos e necessitados.
162
Possui empatia para captar a realidade do outro,
colocando-se no seu lugar, em atitude de diálogo. “Ver o outro desde o desejo de Deus sobre
ele”.
163
É relevante que o acompanhante tenha também algumas noções básicas de como
manusear as “ferramentas” terapêuticas para ajudar a desbloquear e integrar processos
psicológicos ou tenha, pelo menos, suficiente sensibilidade para perceber e encaminhar,
quando alguém necessitar, a um acompanhamento específico na área psicológica ou
terapêutica, não esquecendo que o seu acompanhamento não é terapêutico, e sim psico-
156
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 78.
157
Transferências: repetir no presente com uma pessoa com a qual se tem uma relação assimétrica, o modo de
relacionar-se na infância com os pais, irmãos e pessoas significativas”. Idem, ibidem, p. 366.
158
Contratransferência: sentimentos, desejos, impulsos que se geram em quem acompanha com respeito ao
acompanhado”. Idem, ibidem, p. 360.
159
Idem, ibidem, p. 81.
160
Idem, ibidem, p. 107.
161
Idem, ibidem, p. 116.
162
Idem, ibidem, p. 118.
163
Idem, ibidem, p. 120.
75
histórico-espiritual. Ele ajuda o acompanhado a descobrir suas potencialidades, seu poço
interior, a presença de Deus, fazendo crescer esse manancial interior, sua auto-estima, seu
valor como pessoa amada e querida por Deus.
164
Pode-se comparar a atitude do companheiro espiritual a do agricultor ao enterrar a
semente. Ele não tem poder algum sobre a genética da semente, mas aguarda confiante seu
abundante fruto. Cabe-lhe oferecer condições propícias para que ela se desenvolva nas suas
potencialidades, germinar, crescer e multiplicar-se, tendo a certeza de que Deus trabalha
nela.
165
3.3 ACOMPANHAMENTO DESDE A HARMONIA ESPIRITUAL
Para o companheiro que acompanha desde o método psico-histórico-espiritual,
Cabarrús ressalta que uma das características importantes é a harmonia espiritual.
“Chamamos harmonia espiritual a experiência pessoal de reconhecer o modo como Deus nos
leva e deixar-nos conduzir por Ele [...]. É entender a vida espiritual como fidelidade a esse
modo de levar de Deus e, portanto, dispor-se a si mesmo(a) na forma como Ele quer levar”.
166
No acompanhamento psico-histórico-espiritual, é fundamental deixar-se conduzir pelo
Espírito de Jesus. Mas, para deixar-se conduzir é essencial, que o acompanhante tenha
passado pelo processo de purificação das falsas imagens de Deus com uma experiência
pessoal com o Deus de Jesus. Por isso, Cabarrús insiste que, para alguém ser companheiro, é
fundamental que tenha tido uma experiência de encontro pessoal com Deus.
167
Argumenta:
Quem acompanha com o método psico-histórico-espiritual tem harmonia espiritual
quando sabe reconhecer em si mesmo(a) o modo como Deus conduz, depurou as
falsas imagens Dele, relacionando-se pessoalmente com o Deus de Jesus, livrou-se
164
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 128.
165
Hermann Rodríguez OSÓRIO, Claves del acompañamiento espiritual, 2005. (Artigo não publicado -
Tradução própria).
166
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p.161.
167
Idem, ibidem, p. 161.
76
da culpa, recebeu a graça de ser um pecador(a) perdoado(a), sente-se seduzido
pela missão do Reino, e tem o discernimento como uma atitude vital.
168
Para acompanhar com o método psico-histórico-espiritual, torna-se necessário fugir de
esquemas e racionalizações pré-estabelecidas, para se deixar conduzir pelo Espírito que guiou
Jesus, tendo presente as mesmas preocupações com o mundo, com a justiça e com os
empobrecidos. Fazer as opções que Jesus fez, vivendo em contínua atitude de discernimento,
pois a experiência de Deus passa pela experiência dos empobrecidos, no compromisso com a
justiça solidária. São eles que dão concretude à espiritualidade e nos colocam no caminho do
Reino anunciado por Jesus. “Esforçando-se, como se tudo dependesse de si, sabendo que
tudo, em definitivo, depende de Deus”.
169
Essa harmonia espiritual se manifesta em certas
características a serem cultivadas por quem acompanha com o método psico-histórico-
espiritual: possuir a sensibilidade e a habilidade para resgatar a imagem do Deus revelado em
Jesus Cristo, fazer uma experiência pessoal de encontro com Deus, ter formação teológica e
saber usar o discernimento como ferramenta básica para o crescimento espiritual.
170
Quanto às imagens de Deus, uma primeira atitude a ser verificada em alguém que está
fazendo uma experiência espiritual, é ver se essa experiência reflete a imagem do Deus
revelado em Jesus Cristo ou se é, simplesmente, um produto de sua imaginação e fantasia.
Uma experiência espiritual deve levar a encontrar o verdadeiro rosto de Deus. Por isso, o
cristão precisa se perguntar continuamente: Como é o Deus com quem me relaciono? Que
imagem e experiência de Deus eu possuo?
Para ajudar a esclarecer as imagens e concepções de Deus que comumente se
manifestam na experiência humana, Cabarrús apresenta dois quadros: um para facilitar a
percepção das imagens distorcidas de Deus e, outro, para identificar o verdadeiro rosto do
Deus de Jesus Cristo. Assim, o perigo das falsas imagens de Deus está em que alguém, ao
longo da sua formação religiosa, pela educação, pela catequese, pode ter introjetado imagens
de Deus que não correspondem ao Deus revelado em Jesus. Ao apresentar essas falsas
imagens de Deus, Cabarrús as escreve em letra minúscula, pois não permitem uma verdadeira
experiência.
168
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 161.
169
Idem, ibidem, p. 163.
170
Idem, ibidem, p. 161.
77
Segundo Cabarrús, muitas vezes, temos a imagem de um deus perfeccionista, que
provoca e exige o perfeccionismo e é implacável para quem não atinge tal estado.
Introjetamos a imagem de um deus sádico que gosta do difícil, do sofrimento humano, ou
seja, quanto mais difícil mais sente que é de deus; a imagem de um deus negociante que exige
obras, fazendo algo em troca de outra coisa; a imagem de um deus personalista intimista,
feito à nossa pobre imagem, que se deixa manusear ao nosso bel-prazer, construído “à nossa
imagem e semelhança”; a imagem de um deus manipulável, abarcável, com ritos e orações,
que conhecemos nos livros e no saber racional.
171
Além disso, podemos ter também a imagem de um deus juiz implacável que está
sempre de olho, pronto para nos julgar e castigar; a imagem de um deus hedonista, do puro
prazer, que facilita as coisas, que é glorificação, sem cruz nem sofrimento e sem
compromisso; a imagem de um deus todo-poderoso, distante e prepotente, que arma ciladas
ao ser humano; a imagem de um deus da falsa consolação e da falsa paz, pois é covarde,
infundindo paz sem justiça, sem compromisso, que acena com o “bem-estar” sem conflito.
Por fim, a imagem de um deus do ídolo obsessivo sexual que se ocupa com o
comportamento sexual, com a intenção de castigar o ser humano. Entretanto, faz-se necessário
resgatar as verdadeiras imagens de Deus, para encontrar o rosto.
172
O Deus revelado em Jesus Cristo se opõe radicalmente às falsas imagens de Deus
citadas acima, por isso, Cabarrús sempre as escreve em letra maiúscula. O próprio Jesus nos
transmite nos evangelhos o rosto do Pai. Trata-se do Deus da alegre misericórdia, do perdão
com festa, como nos retrata a parábola do Filho Pródigo (Lc 15,11-22), que se interessa pelo
coração do ser humano e não tanto pelas ações. Não pede a perfeição, mas a abertura ao
diferente. O Deus do amor incondicional, que nos aceita como somos e não pelo que fazemos.
Busca-nos, quando distantes (Mt 18,12), não quando estamos em seu caminho. Acolhe-nos
como pecadores (Rm 5,8). Um Deus da gratuidade. Nele tudo é gratuito. Não se deixa
comprar e não pode ser vendido. Ele é presente, é doação (Mc 10,45).
173
Podemos experienciar em Jesus o Deus do Reino, que tem para a humanidade um
projeto de paz, justiça, concórdia, solidariedade, respeito pelas pessoas e pelo universo.
Encarna-se em cada ser humano, permanecendo sempre o Outro (Mt 25,31-46), que se
171
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 172.
172
Idem, ibidem, p. 172.
173
Idem, ibidem, p. 173.
78
experiencia, deixando-se conhecer, no encontro com Jesus, e não pela razão (Jo 14, 8-9). Não
se deixa captar apenas pelos “entendidos”, mas pelos simples e pobres (Mt 11,25).
174
Podemos experienciar em Jesus o Deus da liberdade e da confiança, que aposta na
liberdade, querendo que sejamos realmente livres (Jo 8, 31-36; Gl 5,5), pois seu critério é o
amor. É um Deus pascal que “nos ensina algo radicalmente novo: que se o grão de trigo não
morre, não fruto (Jo, 12, 23-24). sentido ao saber entregar-se até o fundo: à morte que
gera vida (Jo 12,25-26)”.
175
É um Deus encarnado que escolhe como canal de sua revelação, o
que, aos olhos do ser humano, é débil, fraco, pobre e pequeno.
Podemos ainda experienciá-Lo como esperança que provoca no ser humano a
capacidade de crer e esperar. Esperar contra toda falta de esperança, sendo ânimo na luta em
busca de mais vida (Jo 10,10). Um Deus que é apaixonado pelos pobres e pecadores. Na sua
vida, Jesus demonstrou estar do lado dos desprezados da sociedade, dos desvalidos, dos
marginalizados, e convidava-os a fazer parte do seu Reino.
176
Vimos nos quadros acima, as falsas imagens e Deus e as imagens do Deus revelado
em Jesus. Mas, não basta apenas saber e desmascarar as falsas imagens de Deus e descobrir o
verdadeiro rosto de Deus revelado em Jesus. Precisamos, sobretudo, abrir-nos e fazer uma
verdadeira experiência de Deus. Só assim poderemos desmontar as imagens negativas e
reconstruímos uma nova imagem discernida a partir da experiência do Deus de Jesus Cristo, o
Deus da vida e do amor incondicional.
Além de levar a descobrir o verdadeiro rosto de Deus e fazer a experiência do Deus de
Jesus Cristo, Cabarrús alerta para a necessidade de trabalharmos os aspectos da culpa, as auto-
agressões e a clarear o conceito de pecado, pois as suas más compreensões levam a reforçar as
falsas imagens de Deus. Por isso, o acompanhamento com o método psico-histórico-espiritual
deve levar a pessoa a sentir-se pecadora, mas uma pecadora perdoada. Ter a consciência do
pecado, ou seja, ter clareza sobre o que é pecado, pois o pecado é obstáculo histórico e
pessoal, que freia o projeto da construção do Reino de Deus.
177
O pecado leva a trair o mais fundo de si mesmo(a): mata o próprio manancial, trunca
o poço, rompe o essencial da própria vida. Assim, mata Jesus em nossa vida e no
174
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 174.
175
Idem, ibidem, p. 174.
176
Idem, ibidem, p. 174.
177
Idem, ibidem, p. 184.
79
irmão(ã) porque não deixa que aconteça o Reino, pois todo pecado pessoal tem
conseqüências na história. É o obstáculo, histórico e pessoal, que freia a realização
do projeto de Deus Pai e Mãe para a humanidade. É um dinamismo que impede que
aconteça o Reino em nós e nos demais.
178
A consciência do pecado leva o cristão a experienciar e a vivenciar a misericórdia
divina, a abrir os olhos para a realidade do irmão(ã), muitas vezes esquecido, à margem da
sociedade devido à ganância do ser humano. Leva a posicionar-se contra o pecado estrutural,
procurando criar uma sociedade baseada na justiça que inclua todos. “A melhor compreensão
de pecado se dentro da compreensão da não-solidariedade. A partir dessa experiência, o
espiritual nos lança ao compromisso com a história”.
179
3.3.1 A experiência de oração
Cabarrús acentua que o ponto de partida no acompanhamento espiritual, na harmonia
espiritual, é oferecer ao acompanhado uma experiência de oração. O cristão que vive sua
sente a necessidade de estar em sintonia com Deus. muitas maneiras de encontrá-Lo, mas
uma das formas mais privilegiadas é a oração. A oração leva a experienciar o Deus de Jesus,
um Deus concreto que nos conhece profundamente, pois se tornou um de nós, vivendo nossa
vida. A oração humaniza, porque faz mergulhar profundamente no humano. “A oração cristã
é uma forma cristã de viver uma dimensão essencial do ser humano”.
180
A oração desperta nossa esperança. Em um mundo ameaçado pelo vazio, pelo
domínio das forças hostis ao evangelho, pela rigidez das estruturas, pela
complexidade e gravidade dos problemas, facilmente o desânimo nos torna céticos.
A oração vem acender a luz da esperança, fazendo-nos ver o que devemos
esperar.
181
178
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 185.
179
Idem, ibidem, p. 193.
180
Pedro CASALDÁLIGA; José M. VIGIL, Espiritualidade da Libertação, p. 149.
181
João Batista LIBÂNIO, Discernimiento y mediaciones sociopolíticas, Disponível em:
<http://www.fepinal.com/espinal/llib/eies24.rtf.> Acesso em: 18 ago. 2005. (Tradução própria).
80
Cabarrús ressalta que, no processo de acompanhamento psico-histórico-espiritual, o
elemento principal, o centro vital, é que a pessoa faça uma profunda experiência de oração,
“face a face” com o Deus de Jesus.
182
“O ponto de partida para o acompanhamento no âmbito
espiritual é oferecer à pessoa que se está acompanhando um processo cada vez mais claro e
nítido de uma verdadeira oração, como lugar de encontro”.
183
Desse modo, entrar em sintonia com o Deus de Jesus é viver, tendo como modelo a
vida de Jesus, na opção pelos pobres e injustiçados, tendo presente a solidariedade com a dor
e o sofrimento humano. Nela, somos chamados a experienciar a gratuidade de Deus, que se
revela ao ser humano e nos eventos.
184
Essa experiência espiritual, segundo Galiléia, se
caracteriza por dois encontros:
O primeiro encontro se dá com a própria pessoa de Jesus. Sem essa forma de
encontro, não existe vida espiritual. O segundo encontro é com Jesus
misteriosamente presente no próximo. Sem esse encontro, não haverá verdadeira
espiritualidade cristã. É desse tipo de encontro com Cristo que brotam os aspectos
ativos da vida espiritual.
185
A oração é uma linguagem, que pode ser comparada a uma língua nova que se
aprende, necessitando o esforço de quem quer comunicar-se nela. Ela possui uma gramática,
um vocabulário próprio, que precisamos dominar para nela nos expressarmos, articulando
suas palavras, com seu singular modo de expressão e comunicação.
186
Mesmo tendo uma
linguagem e um vocabulário próprios, não existe uma maneira única de se comunicar com
Deus. Todos são convidados a fazer a sua experiência, descobrir o seu modo de rezar, de
experienciar e de comunicar-se com Deus, pois Ele revela-se e torna-se presente de maneira
original e única nos acontecimentos e, especialmente, em cada pessoa. Ninguém pode fazer
para outrem a experiência de oração, porque é uma experiência pessoal. “A oração se
caracteriza por uma postura de vida, um modo de encarar as pessoas e os acontecimentos.
182
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 195.
183
Idem, ibidem, p. 195.
184
Idem, ibidem, p. 198.
185
GALILÉIA, Segundo. Discípulos de Cristo. São Paulo: Paulus, 1996, p. 121.
186
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 198.
81
Cada pessoa tem seu jeito de rezar, e Deus revela-se a cada qual conforme sua capacidade e
seu esforço”.
187
Na experiência de oração, podemos aprender de Jesus sua maneira de comunicar-se e
dirigir-se ao Pai. Jesus, como homem orante, costumava retirar-se para ambientes onde podia
ficar a sós com o Pai. Os discípulos, ao verem Jesus orar, sentiam também a necessidade de
rezar, e Jesus, a seu pedido, ensinou-lhes o Pai-Nosso, uma oração de petição, voltada à
construção do Reino.
188
O modo de Jesus orar, de dirigir-se ao Pai, como aparece nos evangelhos, é de ficar
sozinho, em silenciosa intimidade com o Pai. O ambiente de solidão, de deserto, é
fundamental para quem quer fazer uma experiência de oração mais profunda e prolongada.
Entretanto, vemos Jesus rezando também na companhia dos discípulos e, em momentos
litúrgicos, na sinagoga, na refeição, partindo o pão, nos momentos em que realizava sinais,
etc. A oração fazia parte da sua missão. Por isso, rezava especialmente nos momentos mais
fortes e significativos da sua missão. “Para Jesus a oração era uma necessidade. Sua natureza
humana exigia oração, [...] precisava constantemente atualizar sua absoluta intimidade com o
Pai, demorando-se nesta intimidade de amor e entrega total e alimentando-se dela”.
189
É preciso ressaltar que esse Jesus, com quem entramos em sintonia na oração,
encontra-se presente, principalmente, nos pequenos e necessitados, não possuindo rosto
próprio, pois assume o rosto dos demais (Mt 25, 31ss). Para reconhecê-lo, é necessário ter
uma profunda relação com Ele, com sua maneira de ser e agir, sendo a oração o espaço
privilegiado para alcançar tal intimidade e conhecimento. Assim, pela experiência, Ele foi
reconhecido pelos discípulos ao repartir o pão, em Emaús (Lc 24,30-31), foi reconhecido por
João, em seu caminhar pela praia (Jo 21,7) e por Maria Madalena, pelo timbre de sua voz (Jo
20,16).
190
É fácil servir diretamente a Deus - essa oração não compromete ninguém. Servir o
próximo em quem Deus está nos compromete porque o próximo não é uma
abstração, mas é alguém situado no mundo, onde pode haver miséria, injustiça
gritante e egoísmo deslavado. Amar o próximo pobre e doente, humilhado e
explorado nos compromete e nos obriga a tomar posição. quem ama o outro ama
187
Seguir Jesus nos Evangelhos, p. 203.
188
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 201.
189
Segundo GALILÉIA, Discípulos de Cristo, p 128.
190
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 202.
82
a Deus; quem se engaja em sua libertação é que serve o Senhor da história;
“quem não ama seu irmão(ã) a quem vê, não é possível que ame a Deus a quem não
vê (1Jo 4,20)”?
191
Para entrar em sintonia com Deus, Inácio de Loyola, ao longo dos Exercícios
Espirituais, privilegia dois modos de rezar: a meditação e a contemplação. Qualquer uma
delas requer o total envolvimento da pessoa, com seus pensamentos, sua imaginação, seus
sentimentos e desejos, as experiências passadas, etc. Não é atividade meramente intelectual. A
meditação está mais relacionada com a reflexão e a intelecção, enquanto a contemplação toca
mais o afeto. No entanto, mesmo havendo esses modos de rezar, não existe receita pronta para
ensinar a alguém a entrar em sintonia com Deus. Algumas metodologias podem ajudar a dar
um impulso inicial, mas para cada pessoa essa experiência será única. Necessita-se dar tempo,
para que ela aconteça. Após certo tempo de prática, a oração se torna algo familiar e quase
que natural, não precisando mais de esquemas e metodologias. Mesmo o tempo se torna algo
secundário. “Quando duas pessoas crescem em conhecimento e relacionamento mútuos, o
se tornando menos necessárias as palavras. Mais importante do que falar é estar juntos,
contemplar, sentir-se em comunhão”.
192
A contemplação torna presente a passagem do evangelho. Nessa experiência,
adentramo-nos e visualizamos a margem do lago, o interior da sinagoga. Observamos as
personagens, deixando Cristo ser o centro de nossa atenção. Escutamos suas palavras,
observamos seus gestos e utilizamos os sentidos para “ver” Cristo presente. A finalidade da
contemplação não é encontrar grande clareza quanto à mensagem, mas sim, prová-la e
saboreá-la. Em outras palavras, que a mensagem desça da razão e chegue ao coração, à
vida.
193
Rezar significa entrar em sintonia com Deus inteiramente, de modo pleno, também
com o corpo. Ao longo da história, tentou-se, muitas vezes, ignorar o corpo, negando-lhe
participação na experiência cristã. Entretanto, entramos em sintonia com Jesus também com o
corpo. O contato com o povo por Jesus se fisicamente. Jesus toca as pessoas e é por elas
tocado. Inácio de Loyola, nos Exercícios, se conta disso, dizendo que ajuda a entrar em
191
Leonardo BOFF, Experimentar a Deus: A transparência de todas as coisas, p. 84.
192
Juan Ruiz de GOPEGUI, Procurar e encontrar Deus no dia-a-dia, p. 25.
193
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 26.
83
sintonia com Deus e experienciar sua presença, tomando certas posturas corporais,
privilegiando assim a sensibilidade e a corporalidade.
194
A oração que os Exercícios propõem, capta a totalidade humana, sem esquecer o
corpo. A pessoa adapta o corpo à maneira de obter a graça: move-se, põe-se de pé,
de joelhos, atira-se ao solo (EE 76), mas não com posturas estáticas, senão
escutando o corpo, movendo até que se encontre o que se busca.
195
É sentir e deixar-se tocar pela sensibilidade, pois a oração afeta o ser humano todo,
espírito e coração. Tendo isso presente, Inácio pede que, durante a oração, se tome a postura
corporal que mais ajude a entrar em sintonia com Deus.
Não basta, porém, rezar. Para que uma oração realmente “produza efeitos” na vida da
pessoa, é preciso, após algum tempo de oração, revisá-la para recolher os frutos. “É um modo
de reconhecer e acolher o desejo de Deus em nossa própria vida”.
196
É confrontar-nos com o
que vivenciamos; é ver por aonde o Espírito nos conduziu e por onde pede que sigamos
caminhando para crescer, captando toda a força transformadora. Essa avaliação produz
melhores frutos quando registramos a experiência. O registro da experiência permite que
vejamos o roteiro, “o mapa” por aonde Deus nos conduziu para que voltemos, de tempos em
tempos, para um confronto e avaliação do processo de seguimento de Jesus, possibilitando
fazer as necessárias mudanças para um maior crescimento.
197
3.3.2 Formação teológica
O acompanhamento na experiência espiritual desde a harmonia espiritual exige uma
boa formação e o uso de critérios para poder acompanhar. Cabarrús ressalta que, para um
apropriado acompanhamento de outros na experiência de oração, em harmonia espiritual, com
o método psico-histórico-espiritual, faz-se necessária uma formação básica em teologia,
principalmente em três áreas fundamentais: na cristologia, na eclesiologia e na moral. Isso
194
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 215.
195
Idem, ibidem, p. 216.
196
Idem, ibidem, p. 220.
197
Idem, ibidem, p. 220.
84
para ajudar a melhor compreender a formulação teológica que está subjacente no modelo de
acompanhamento espiritual.
198
A cristologia é uma confissão de em Jesus ressuscitado e por sua vez crucificado na
história. “O ponto de partida é a convicção de que Jesus de Nazaré é a humanidade de Deus
(do Verbo de Deus): tão humano como Jesus, Deus pode sê-lo”.
199
Jesus, que vive na
proximidade de Deus Pai e se sente seu Filho, fazendo opção pelos mais pobres e fracos,
assume a esperança do povo, e, com sua misericórdia e liberdade, defende os pobres,
acolhendo os pecadores e marginalizados, revelando um Deus próximo e bom, que a ninguém
exclui.
200
Jesus tem consciência da situação do povo que sofre e assume sua causa. Age com
liberdade, diante da lei, não medindo esforços para superar os obstáculos na realização do
bem. É fiel a o fim, mesmo diante das injustiças e perseguições. Acolhe os pecadores e
marginalizados. Senta e celebra com eles. Seus sinais e horizontes abarcam todos. Mostra e
traz presente o rosto de um Deus próximo. Jesus, vivendo na confiança e proximidade do Pai,
conclama ao seguimento. Os primeiros discípulos assumiram a missão e confessam a Nele,
dando a vida pela causa do Reino.
201
Na mesma pessoa, aparecem unidos aspectos dificilmente unificáveis. Jesus é
homem de misericórdia e de denúncia profética (Ai de vocês, ricos!), homem de
fortaleza (quem quiser vir após mim, tome a sua cruz e siga-me) e de delicadeza
(Tua fé te salvou), homem de confiança em Deus (Abba, Pai) e de solidão e
escândalo ante o silêncio de Deus (Meu Deus, por que me abandonaste?).
202
Além da cristologia, quem acompanha com o método psico-histórico-espiritual deve,
também, ter noções claras na área da eclesiologia. O cristão é chamado a viver sua e o
seguimento de Jesus dentro de uma comunidade concreta, que é a Igreja.
Igreja é o Povo de Deus, o Corpo de Jesus Cristo na História. Uma Igreja encarnada
na história, com base na qual se deve analisar sua missão; uma história na qual ela
198
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 223.
199
Idem, ibidem, p. 226.
200
Idem, ibidem, p. 228.
201
Idem, ibidem, p. 227.
202
Idem, ibidem, p. 228.
85
vislumbra que os gozos e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de
nosso tempo, sobretudo dos pobres e dos que sofrem, são, por sua vez, os gozos e as
esperanças, tristezas e angústias dos discípulos de Jesus Cristo.
203
Uma Igreja que busca o diálogo ecumênico e inter-religioso aprofunda a comunhão.
Uma Igreja ministerial, libertadora, profética, apostólica e que reconhece seus limites (santa e
pecadora). Uma Igreja de todos, guiada pelo sopro do Espírito, com a missão de construir o
Reino de Deus.
204
Essa modalidade de acompanhamento exige também formação na dimensão moral.
Diante das imensas dificuldades da vida, surge, muitas vezes, o questionamento sobre o que
deve ser mudado na história da humanidade para que o Reino de Deus aconteça. Dentro do
acompanhamento psico-histórico-espiritual, evidencia-se a necessidade de um comportamento
ético para a humanidade. Numa realidade em que mudam os paradigmas, o acompanhante
deverá ter uma consciência muito viva para poder captar as mudanças na realidade em que se
vive, principalmente nas dimensões econômica, política e sexual.
205
“O econômico, o político
e o sexual são três âmbitos especialmente sensíveis, em que alterações nos paradigmas
vigentes exercem grande influência”.
206
A moral econômica deve levar em conta certos princípios e critérios aplicáveis e que
podem configurar a atividade econômica. Esses critérios devem estar no horizonte de quem
acompanha outra pessoa na sua experiência de Deus: o princípio da solidariedade, mostrando
a co-responsabilidade pelos outros; o princípio do destino dos bens econômicos, criados por
Deus para o ser humano viver plenamente; a aquisição de hábitos confiáveis, produção de
riqueza de maneira justa, com preço justo e salário justo.
207
Muito se fala, ultimamente, de ética na política. Os partidos e as instituições públicas
perderam, em nossa sociedade, sua credibilidade, devendo a dimensão política recobrar seu
valor. A dimensão integradora psico-histórico-espiritual deve valorizar e recuperar o valor da
democracia, incentivando, nos cidadãos, o desejo da informação e o gosto pela política, em
203
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 229.
204
Idem, ibidem, p. 232.
205
Idem, ibidem, p. 319.
206
Idem, ibidem, p. 320.
207
Idem, ibidem, p. 322.
86
manifestações pelo bem comum, pelo direito ao voto, na defesa da justiça e da democracia
participativa.
208
Por fim, é preciso haver uma moral sexual, ou seja, formação na área da sexualidade,
tendo, antes de tudo, clareza sobre a dimensão da sexualidade humana. Para um apropriado
acompanhamento, na integração psico-histórico-espiritual, é necessário uma formação
adequada na vivência do amor e da sexualidade sadia e integradora.
209
3.3.3 O hábito do discernimento
No acompanhamento desde a harmonia espiritual, o discernimento se torna
indispensável. Todos os lugares e ações podem oportunizar um encontro com o Deus de
Jesus. O discernimento torna-se ferramenta indispensável para distinguir a presença do Deus
de Jesus em nossas vidas e nos acontecimentos da sociedade. Discernir é perceber o caminho
de Deus, por onde Ele nos quer conduzir. O discernimento não é algo simples. Segundo
Cabarrús, pode fazer verdadeiro discernimento quem já possui o hábito de optar pela vida.
O discernimento inicia, quando se busca e se cultiva uma vida sadia e equilibrada. O saber
trabalhar, descansar, ter algum lazer para recuperar as forças físicas, psíquicas e espirituais já
é saber optar pela vida, dada por Deus.
210
“Deixar-se levar, dizíamos, é uma ousadia. Para se
deixar levar é preciso reconhecer o Espírito. Deixar-se levar não ocorre numa atmosfera de
tranqüilidade e de quietude. Ocorre antes, num clima de conflito e de movimentos
contraditórios e na intimidade pessoal”.
211
Discernir supõe que a pessoa seja capaz de procurar uma nova postura de vida,
possível, quando brota de uma atitude interior, no momento em que um encontro com o
próprio Deus, na busca da sua vontade. A fonte de “água viva” brota do coração de Deus, que
para todos quer vida em abundância.
212
O discernimento nos prepara para uma resposta, pessoal e inédita, aos chamamentos
do evangelho, do Reino de Deus, tendo em conta o que somos, o que vivemos, o que
208
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 326.
209
Idem, ibidem, p. 332.
210
Idem, ibidem, p. 237.
211
Carlos Rafael CABARRÚS, A pedagogia do discernimento. A ousadia de “deixar-se levar”, p. 18.
212
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 238.
87
queremos ser e fazer, o que reconhecemos como urgente, no mundo. Portanto,
discernir é inventar “nossa” resposta: a nossa e a de Deus. É uma criação comum. O
discernimento é o reconhecimento dos desejos de Deus.
213
Surge sempre o questionamento de quem busca a vontade de Deus. Como descobrir a
vontade divina para nossa vida? Como saber que não houve confusão, ilusão por um sonho,
mas que realmente encontramos a resposta de Deus que estávamos procurando? Que critérios
nos levam a ver se algo é de Deus? Para chegarmos a uma resposta, torna-se essencial uma
experiência de Deus, para captarmos os Seus “gostos e desejos”. Para isso, é fundamental
conhecermos critérios e elementos constitutivos do discernimento.
3.3.3.1 Critérios de discernimento
Para clarear melhor o tema do discernimento, Cabarrús propõe alguns critérios, tirados
da imagem da parábola do banquete de casamento (Mt 22,1ss), que ele chama “Mesa do
Banquete do Reino”. É a imagem da festa, da alegria e da partilha, da construção do Reino de
Deus. O discernimento deve levar ao encontro do Deus da vida, do sonho da “nova terra e do
novo céu”, do reinado da justiça e da irmandade, do verdadeiro rosto do Deus de Jesus Cristo.
Essa imagem aponta para a vivência da alegria e da paz necessárias para o banquete. Os
critérios têm o objetivo de “visualizar” se essa experiência leva à “Mesa do Banquete” ou se
afasta dela.
214
Na parábola do banquete nupcial, os primeiros convidados alegaram várias razões para
não participar da festa. Porque eles não quiseram participar, foram convidados os pobres.
Os pobres e excluídos, são quase que introduzidos à força. Isso bem mostra que é
dos marginalizados da história o Reino de Deus. Esse Reino não se encontra numa
grande cena para poderosos e famosos, senão na comunhão de mesa com os pobres,
com gente que não conta e com os que vivem nas esquinas das ruas.
215
213
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 238.
214
Carlos Rafael CABARRÚS, La mesa del banquete del Reino: Criterio fundamental del discernimiento, p.
166. (Tradução própria).
215
Carlos Rafael CABARRÚS, A pedagogia do discernimento, p. 167.
88
Observando-se uma mesa, vemos que ela se apóia sobre quatro pés ou pedestais. Na
falta de um deles, ela não se sustenta. Baseado nessa imagem, Cabarrús também propõe
quatro critérios, fazendo analogia à Mesa do Banquete, para ajudar a verificar e confrontar a
veracidade da nossa experiência de Deus.
O primeiro critério, que Cabarrús propõe, são as obras da justiça solidária (Mt
25,31ss). “As obras de justiça são critério para conhecimento de Javé”.
216
Este critério nos
ajuda a ver se a moção que estamos sentindo, os sonhos, as idéias e os ideais, levam à
solidariedade com o mísero, o excluído da sociedade, o marginalizado que clama por justiça.
A justiça solidária sempre questiona, nas estruturas da sociedade, as bases excludentes e para
todos reclama iguais oportunidades.
217
O segundo critério é a alegre misericórdia (Lc 6,36). O que vem de Deus sempre traz
um toque de sua misericórdia. Trata-se “da confiança, do abandono em Deus, do perdão
encontrado em Deus, da aposta infinita de Deus com a humanidade”.
218
Podemos ver o
exemplo do Pai misericordioso (Lc 15,11-32), que mostra as características e o significado do
ser misericordioso, de estar aberto a acolher e festejar a volta de alguém que se havia perdido.
Significa apostar nas pessoas, independentemente de sua aceitação na sociedade. Entrar na
dinâmica do perdão, assumindo a atitude do Bom Samaritano, que se faz próximo (Lc 10,30-
35).
219
O terceiro critério é a incompreensão e a perseguição (Mc 8, 34). Assumir o modo de
viver e agir de Jesus sempre traz incompreensões e perseguições, como aconteceu com Jesus
em seu povoado, na sinagoga de Nazaré (Lc 4,14ss). Jesus levanta-se contra os poderes de
morte e de injustiça, que ameaçam o ser humano, principalmente os mais pobres. Por isso
sofre violência, é perseguido e morto. Assumir a causa do Reino, ser solidário e
misericordioso gera riscos. As opções feitas na construção do Reino passam pelo caminho de
Jesus, sendo a perseguição critério de verificação de que estamos no caminho certo.
220
O quarto critério é o amor a si mesmo (Mt 19, 19). Estamos, talvez, marcados pela
falsa ascética do “odiar-se a si mesmo”. Mas o Espírito de Deus, que está presente em nós,
faz-se solidário com nossas fraquezas e limitações. Ele é misericordioso também conosco. O
amor, a misericórdia pelos(as) irmãos(ãs) passa pelo amor a nós mesmos. Não pode amar o
216
Carlos Rafael CABARRÚS, A pedagogia do discernimento, p. 170.
217
Idem, ibidem, p. 170.
218
Idem, ibidem, p. 171.
219
Idem, ibidem, p. 173.
220
Idem, ibidem, p. 174.
89
próximo quem a si mesmo não ama. A escolha em favor da vida começa com cada um,
optando, em primeiro lugar, em viver de forma sadia e em conformidade com a vontade de
Deus.
221
Ao olharmos, porém, os critérios da Mesa do Banquete, segundo Cabarrús, e tomá-los
isoladamente, observamos que não nos asseguram a vontade de Deus, pois podemos fazer
algo, buscando apenas afagar o ego. Por isso os quatro critérios acima necessitam sempre ser
considerados em seu conjunto. “O que assegura que algo é de Deus é que se em
harmonicamente o conjunto dos pedestais da mesa do banquete ou pelo menos não se exclua a
possibilidade dos restantes”.
222
Desse modo, no discernimento, sempre entram em jogo três personagens: a pessoa que
faz o discernimento, o Espírito de Deus e o espírito do mundo. Quem faz discernimento
precisa ter consciência da atuação de outras forças sobre o ser humano e sobre os eventos, que
podem afastá-lo do caminho de Deus.
223
3.3.3.2 Elementos constitutivos do discernimento
O discernimento sempre parte da realidade e do contexto em que a pessoa vive.
Cabarrús apresenta alguns elementos que devem ser considerados por quem entra na dinâmica
do discernimento.
Quem faz discernimento, deve ter clara a realidade a ser discernida, o objeto do
discernimento. Olhar para onde conduz essa experiência. Ver se leva para a “Mesa do
Banquete”, para mais perto de Deus ou afasta das coisas de Deus. Por sua vez, o
discernimento pede uma resposta: acolher o que vem de Deus e repelir o que é contrário à Sua
vontade. Por fim, o discernimento exige o confronto com alguém mais experimentado nas
coisas de Deus, para verificar se houve crescimento na própria vida cristã e na vida com os
demais.
224
Notamos que discernir é uma arte que implica uma metodologia. Aprender a
reconhecer Deus, seus gostos e seus desejos, tornando-os nossos e integrando-os em nossa
221
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 176.
222
Idem, ibidem, p. 171.
223
Idem, ibidem, p. 240.
224
Idem, ibidem, p. 242.
90
vida, ao nosso ser e agir. É uma busca que nunca termina. Porém, se vivermos nessa atitude
de procura, necessitamos rever constantemente a experiência de vida feita, examinando-a,
para perceber a presença desses sinais de Deus. Isso implica atualizar o seguimento de Deus,
que se revelou em Jesus Cristo, no contexto da nossa vida de cada dia.
225
3.4 ACOMPANHAR DESDE O COMPROMISSO HISTÓRICO HARMÔNICO
O acompanhamento psico-histórico-espiritual, segundo Cabarrús, tem seu ponto de
partida no compromisso da construção do Reino de Deus, buscando criar, com base na própria
experiência do Deus de Jesus Cristo, novas estruturas, que permitam a realização de uma
sociedade justa e solidária. Comprometer-se com a história é fazer acontecer o sonho de Deus
para a humanidade; é introduzir todo o ser humano a realizar-se e viver dignamente, em
constante processo de crescimento; é estar aberto ao outro, ao diferente, com o olhar voltado
para os débeis, os que não têm vez na sociedade.
226
Por isso, Cabarrús afirma:
O compromisso histórico é o eixo e o ponto final de todo acompanhamento psico-
histórico-espiritual, isto é, quem acompanha deve estar comprometido
harmonicamente com a história e deve acompanhar as pessoas a encontrarem o
caminho do compromisso harmônico. [...] Na terminologia cristã, compromisso
significa a atitude eficaz para buscar e fazer possível o Reino de Deus: o projeto de
Deus Pai-Mãe para a humanidade, um projeto de justiça, de igualdade, de
irmandade, de eqüidade de gênero, de respeito, de defesa da ecologia. Começa aqui
em nossa história e culmina no seio de Deus.
227
O acompanhamento psico-histórico-espiritual deve estar atento à consciência,
228
a essa
voz que brota do interior, das profundezas da vida. Ela leva a pessoa a buscar sempre um
maior aperfeiçoamento, mais dignidade, melhor cuidado consigo e com os outros.
229
Essa
225
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 243.
226
Idem, ibidem, p. 271.
227
Idem, ibidem, p. 271.
228
“A consciência está a serviço da busca da pessoa de ser mais e de assumir-se como um projeto a realizar”.
(Roque JUNGES, 2001, p. 156).
229
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p 173.
91
consciência, formada pela vontade de pautar a vida em coerência com os valores humanos,
lança o ser humano a fazer sua opção fundamental,
230
procurando a própria realização, o
querer-se, o acolher-se com o querer de Deus: viver, crescer e integrar-se, orientando-se para
a humanização. “Uma postura clara com respeito ao que se é, tanto nas limitações como na
potencialidade, de tal densidade que abarque a totalidade da pessoa e dê orientação e sentido à
sua vida”.
231
Uma das grandes tarefas de quem utiliza o método psico-histórico-espiritual, no
acompanhamento, é fazer brotar a dimensão da consciência e da opção fundamental. Mas isso
ainda não é tudo. Uma vez surgidas, necessitam de formação. A consciência se forma com
valores. Por isso, é tão importante o discernimento, para que, numa sociedade que oferece
tantas possibilidades, se tenha clareza na escolha do que mais ajuda, na busca da
humanização, e que realize e concretize os direitos humanos, principalmente dos excluídos.
232
“A Humanização, fruto da consciência e da opção fundamental, realiza a pessoa, construindo
a história humana de acordo com a dignidade de todo ser humano, imagem de Deus e recriado
em Cristo pela força do Espírito”.
233
empobrecidos, porque alguém que se enriqueceu às suas custas. Ser cristão é
assumir o caminho de Jesus, suas opções a favor da vida, principalmente dos que estão à
margem da sociedade, ajudando a criar e construir estruturas sociais mais justas, movimentos
sociais que possibilitem vida digna e acesso aos bens. Essas mudanças implicam uma revisão
no estilo de vida da sociedade, criando alternativas que permitam a dignidade a todos. “Criar
uma série de mínimos para todos [...] não é pretender que todos tenham o máximo, senão, que
tenham o básico: alimentação, saúde, educação, segurança, etc.”
234
Por isso, o
acompanhamento psico-histórico-espiritual faz clara e explícita referência ao compromisso
com a história, para que a construção do Reino de Deus aconteça, num mundo mais justo e
mais humano.
230
Cabarrús entende por opção fundamental “a autoconstrução da pessoa a partir de uma decisão que recai sobre
si mesma [...] que lhe compromete existencialmente e lhe confere uma orientação básica de vida” Idem,
Ibidem, p. 276. Para maior esclarecimento: OPÇÃO FUNDAMENTAL é a ATITUDE HUMANA
PRIMORDIAL, na qual a pessoa assume o seu dado histórico-pessoal e se autodetermina face a um sentido que
é o bem absoluto para ela, o qual se apresenta imediatamente como respeito à dignidade de todo ser humano e se
identifica, em última análise, com Deus configurando, assim, a sua PERSONALIDADE HUMANO-MORAL,
através de atitudes morais e conferindo à sua existência e ao seu agir uma ORIENTAÇÃO BÁSICA que inspira
as decisões concretas sobre bens particulares, gestadas e vividas de modo efetivo num contexto sócio-cultural e
de acordo com a evolução histórica.” (Roque JUNGES, 2001, p. 147).
231
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p 176.
232
Idem, ibidem, p. 277.
233
Idem, ibidem, p. 279.
234
Idem, ibidem, p. 289.
92
Para que esse Reino se torne realidade, o cristão deve acreditar em si mesmo, lutar por
seus direitos e assumir seus deveres, começando pela maneira de viver o cristianismo, no
respeito ao pluralismo religioso. Muitas vezes, ao longo da história, os cristãos não deram
prova disso, sendo os mais intolerantes de todos, no que se refere à vivência do evangelho e
no respeito às diferenças e aos valores de outros credos. “A defesa dos direitos humanos é
tarefa que compete a todos os seres humanos, que, sob a perspectiva cristã, adquirem uma
força especial para fazê-lo, já que são enriquecidos pela fé, porque são os direitos de Jesus nos
pobres”.
235
Para Cabarrús, o compromisso histórico-harmonioso parte da perspectiva das vítimas,
dos deserdados da história, na luta por eles, diante de uma cultura de morte. Não se trata de
praticar ações monumentais, mas realizar cada qual o que sabe fazer e o que está ao seu
alcance (Lc 10,30-37).
236
A atitude de vida estará marcada pela consciência de ser companheiro de caminho
com os(as) outros(as); seu fazer terá a marca de quem sente a paixão de buscar o
Reino desde pontos chaves, donde possa contribuir para a geração de novas
estruturas sociais; saberá viver o paradoxo de estar imerso(a) na sociedade e ser fiel
ao evangelho; será pessoa de oração e discernimento, convencida de estar sempre
em processo e orientada pela dinâmica psico-histórico-espiritual.
237
Diante disso, o autor do método psico-histórico-espiritual enumera algumas
características que devem permear o compromisso histórico harmônico na construção de uma
nova sociedade e que devem estar presentes na vida de quem acompanha outros nessa tarefa.
O acompanhante deve ser uma pessoa de utopias, que sonha com uma nova sociedade e
aposta nela; essa nova sociedade, como um espaço para todos (Mt 22,1ss), como uma festa
de partilha. O que caracteriza tal sociedade é o sustento de todos por seu trabalho e uma
cultura de austeridade, que garanta o suficiente a todos e o acesso à partilha dos escassos bens
de consumo.
238
Nessa nova sociedade, a presença da dimensão do político deve ter seu espaço
garantido, ou seja, deve haver alguém que coordene, tendo presente que o maior não é o que
235
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 295.
236
Idem, ibidem, p. 298.
237
Idem, ibidem, p. 301.
238
Idem, ibidem, p. 311.
93
detém o poder ou a decisão, mas o que serve; ter a consciência de que o convite para
participar da festa do Reino é livre. Ninguém fica obrigado a participar dessa nova sociedade.
Para participar do banquete, exige-se uma experiência íntima com o Deus de Jesus Cristo. Só
com sua graça será possível realizar o grande banquete, a irmandade.
239
3.5 A CONTRIBUIÇÃO DO MÉTODO PSICO-HISTÓRICO-ESPIRITUAL NO
ACOMPANHAMENTO DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS
Cabarrús, homem formado na escola dos Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola,
mostra em que aspectos eles podem contribuir na perspectiva do acompanhamento psico-
histórico-espiritual. A riqueza dos Exercícios Espirituais reside no fato de levarem a fazer
uma profunda experiência de Deus, a exemplo dos discípulos de Jesus.
Os Exercícios Espirituais são uma escola de oração. Ensinam a viver de outra maneira,
com outros critérios, segundo o Espírito, não mais segundo os princípios e tendências do
mundo, que privilegia apenas a satisfação de interesses pessoais. Eles levam a perceber as
pegadas de Deus na vida, seu modo de atuar em cada pessoa. Evita-se a estéril racionalização,
privilegiando-se a sensibilidade, o coração: “Não é o muito saber que sacia e satisfaz a pessoa,
mas o sentir e saborear as coisas internamente”.
240
A espiritualidade leva a sentir e experimentar a presença e a atuação de Deus na vida.
Os Exercícios Espirituais podem parecer, à primeira vista, acentuadamente racionais, porque
propõem métodos de oração, como a meditação e a contemplação, exames sobre a maneira de
fazê-los para atingir seus frutos. No entanto, Inácio estruturou de tal modo esse método, que
envolve a pessoa por inteiro, desde a mente até o coração. Por isso, quem se dispõe a fazer os
Exercícios Espirituais não deve ter qualidades, mas, ter, sobretudo, maturidade para
realizar plenamente essa experiência.
241
“Deve ter maturidade em seus processos, ter curado
suas feridas, grande capacidade de desejos concertados e harmonizados, densidade e harmonia
pessoal e saiba aprender a ouvir desde o próprio poço”.
242
239
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 312.
240
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 2.
241
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 248.
242
Idem, ibidem, p. 250.
94
Inácio dava os Exercícios Espirituais a pessoas que tinham influência na história e
contato com a dor e o sofrimento do ser humano. Quem entra nos Exercícios Espirituais,
deveria ter feito, previamente, alguma experiência com os empobrecidos, alguma experiência
nos desafios e limites do humano e do histórico, para poder aproveitar todo o potencial
contido neles. Eles perdem sua profundidade, quando falta essa experiência de partilhar a vida
com os desafios da dor da humanidade, ante as contínuas injustiças.
243
A metodologia dos Exercícios Espirituais, proposta por Inácio, inicia com a
experiência do Princípio e Fundamento, porta de entrada, que leva o exercitante a colocar-se
numa atitude de indiferença diante das coisas, não mais importando seu próprio desejo e
querer, mas a vontade de Deus. Seguem as assim chamadas, quatro semanas
244
e, por fim, a
Contemplação para alcançar Amor. Para cada uma das quatro semanas, Inácio propõe uma
metodologia, com exercícios próprios de meditação e contemplação. Pede, para quem faz a
experiência dos Exercícios, entrar neles com grande ânimo e generosidade, aberto à ação de
Deus.
245
Com base na estrutura dos Exercícios Espirituais, apresentada no capítulo
I
, Cabarrús
faz notar certas chaves subliminares, certos aspectos presentes nos Exercícios Espirituais, a
serem observados e contemplados, sob a perspectiva do psico-histórico-espiritual, por quem
acompanha ou é acompanhado em sua experiência. São elementos que partem do psicológico,
do espiritual e do compromisso na história.
3.5.1 O código psicológico
No Princípio e Fundamento, Inácio apela ao desejo de liberdade, presente no ser
humano. “A liberdade, que se traduz em total disponibilidade, é o que Inácio chama de
indiferença”.
246
Indiferença ou liberdade diante das coisas, não mais importando o próprio
desejo, mas o desejo e querer de Deus para o ser humano.
243
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 250.
244
Inácio de Loyola divide os Exercícios Espirituais em quatro semanas, porém essas semanas não são como nós
as concebemos, de sete dias, mas se referem ao tempo de cada experiência que pode levar mais ou até menos de
uma semana.
245
Inácio de LOYOLA, Exercícios Espirituais, n. 5.
246
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 254.
95
A Primeira Semana denuncia o estado de pecador, provocando o surgimento de um
sadio sentimento de culpa, não fechado sobre si, mas aberto, na busca da conversão. A atitude
de reconhecer-se como pecador perdoado, desperta a consciência para a misericórdia de Deus,
do seu amor gratuito para com o ser humano, abrindo a perspectiva de sentir-se convocado a
colaborar na missão, na construção do Reino.
247
A Segunda Semana faz ver que o ser pecador não impede o seguimento de Jesus,
tanto assim que, ao contemplar Jesus, sua vida e sua missão, surge um enamoramento, ou
seja, o desejo de querer segui-lo, tudo fazendo com Ele e para Ele. “Na Segunda Semana,
vive-se uma revolução psicológica no amor, despertando a paixão pelo Reino, isto é, tudo é
para seguir Jesus, não só para contemplá-lo senão para segui-lo na missão”.
248
Na Terceira Semana, o exercitante experimenta toda a força do amor de Jesus pela
humanidade, levada até as últimas conseqüências, entregando a própria vida. O exercitante
acompanha e solidariza-se com Jesus que sua vida livremente na fidelidade ao projeto de
Deus. Assim sendo, os Exercícios Espirituais fazem reconhecer, no cotidiano, o sofrimento da
vida humana e ver o Cristo, que sofre em todas as pessoas. O exercitante abandona o estéril
intimismo, para abrir-se ao outro, solidarizando-se com Jesus, que continua sofrendo na
humanidade.
249
A Quarta Semana é um convite a alegrar-se e entusiasmar-se com Cristo que vence a
morte. Viver a esperança que brota da vida. “O convite dessa semana é alegrar-se com a
alegria do amigo, a quem se seguiu desde a sensibilidade na dor, seguindo-o agora no
gozo”.
250
Por fim, na Contemplação para alcançar o Amor, coroamento da experiência dos
Exercícios Espirituais, o exercitante percebe-se envolvido por Deus, nada podendo fazer sem
Ele. “A contemplação para alcançar o amor convida a viver o amor como resumo de toda a
experiência, mas com dois eixos-chave: ver o amor mais em obras do que em palavras, e ter
por modelo, na comunicação de bens, a relação de amantes, em sua mútua doação”.
251
247
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 255.
248
Idem, ibidem, p. 256.
249
Idem, ibidem, p. 256.
250
Idem, ibidem, p. 256.
251
Idem, ibidem, p. 256.
96
3.5.2 O código espiritual
Trata-se de ver como o Espírito atua no exercitante. É ele que mantém o caminhante
na sua rota e mantém a coerência do processo. “O Espírito é quem nos ensina a gostar dos
gostos de Deus, que engendra em nós Jesus, manifesta-o, defende-o [...] põe a criatura com o
seu Criador”.
252
Abre os olhos da compreensão, levando o exercitante a discernir as moções e
a confrontá-las com a “Mesa do Banquete”. Assim, faz ver os sinais da atuação de Deus e sua
maneira de conduzi-lo, no passado, no presente e no futuro.
253
3.5.3 O código de compromisso
Para Cabarrús, o compromisso já se manifesta desde o momento em que alguém se
considera capaz de fazer os Exercícios Espirituais. “Inácio postula a possibilidade de fazê-los
em sua totalidade em pessoas, não unicamente qualificadas, mas que levam a vida a sério,
comprometendo-se com ela, por uma parte, e por outra, cuja atividade tem transcendência na
história”.
254
O Princípio e Fundamento leva a descobrir a função social dos bens terrenos, torna-
nos mais livres e responsáveis diante das coisas e das riquezas. Deus criou os bens e as
riquezas para todos. Essa experiência considera a disponibilidade, voltada à solidariedade e ao
compromisso social, para o bem de todos.
255
A Primeira Semana impele a tomar consciência da responsabilidade de cada um dentro
da história, a reconhecer-se pecador, ver o que é verdadeiramente o pecado, em sua estrutura,
e o que implica ser pecador, ou seja, a falta de solidariedade com os outros e o pecado social.
Faz o exercitante dar-se conta das injustiças e da dor causados em muitos dos que são
deixados à margem da sociedade, em decorrência das opções feitas pelos homens.
256
A Segunda Semana faz notar que quem se põe no caminho de Jesus para a construção
do Reino de Deus, deve assumir o compromisso com os pobres, as conseqüências e os riscos
252
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 257.
253
Idem, ibidem, p. 257.
254
Idem, ibidem, p. 258.
255
Idem, ibidem, p. 258.
256
Idem, ibidem, p. 258.
97
do seguimento, sofrendo, a exemplo de Jesus, a incompreensão e até mesmo a perda da
própria vida. Introduz as opções feitas por Jesus, independente das conseqüências para a
própria vida.
257
A Terceira Semana faz o exercitante reconhecer que o mesmo poder que matou Jesus
continua, ainda hoje, causando morte e dor entre os homens. “A paixão de Jesus põe em
relevo a dor atual do mundo, manifesta os crucificados de hoje, que estão em conexão direta
com o nosso modo de ser e atuar; é a nossa falta de compromisso com a história que crucifica
nossos congêneres, e é compromisso que move essa experiência”.
258
A Quarta Semana leva a ver, na ressurreição, a presença da justiça. Deus não abandona
seus filhos. A dor e a morte não têm a última palavra; faz descobrir a esperança, a semente da
vida nova, escondida na morte. Deus não deixa sem respostas o clamor que sobe aos céus.
A experiência da Contemplação para alcançar o Amor mostra como deve portar-se
quem fez os Exercícios Espirituais: agir com o amor, demonstrando-o mais em obras do que
em palavras. Assim, nos Exercícios Espirituais de Inácio, o exercitante historiza tudo o que
viveu, para poder contribuir na mudança do rosto da humanidade e da realidade em que vive,
desejando o mesmo que Deus quer: vida plena para todos.
259
Para concluir, poder-se-ia dizer que quem faz os Exercícios Espirituais, assumindo a
dinâmica psico-histórico-espiritual, torna-se uma pessoa harmonizada que se deixa guiar pelo
Espírito, consciente de seus limites e valores, capaz de levar outras pessoas a buscarem sua
própria integração. Além disso, possuindo a consciência de que tudo é dom de Deus, também
leva, a quem faz a prática dos Exercícios Espirituais, a ser dom para os demais.
3.6 A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS
Nas últimas décadas, especialmente após o Concílio Vaticano II, os Exercícios
Espirituais voltaram a ter uma importância maior dentro da caminhada eclesial e
especialmente dos jesuítas. Foi um momento de voltar às fontes da experiência da
257
Carlos Rafael CABARRÚS, Cuadernos de Bitácora, p. 258.
258
Idem, ibidem, p. 259.
259
Idem, ibidem, p. 259.
98
Espiritualidade Inaciana retomando a prática de Inácio de Loyola de oferecer também aos
leigos(as) os Exercícios Espirituais.
Atualmente em todos os centros de espiritualidade dos jesuítas se oferecem cursos de
capacitação aos que desejam e tem carisma para acompanhar a prática dos Exercícios
Espirituais. Por isso, nessa seção apresentaremos um itinerário de formação dos
acompanhantes nos Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola com a finalidade de conhecer
esse processo formativo. Esses cursos, promovidos pelos centros de espiritualidade ou casas
de Exercícios Espirituais, têm por objetivo dar elementos que ajudem ao acompanhante a bem
orientar a outros nos Exercícios Espirituais, possibilitar um aprofundamento da experiência de
orientação de retiros inacianos, oportunizar a partilha da experiência de acompanhamento
espiritual durante os Exercícios Espirituais dos que desejam exercer o ministério da
orientação de retiros na linha de Santo Inácio ou que queiram aprofundar sua prática no
mesmo ministério.
Nesse sentido iremos brevemente apresentar duas propostas de formação. A primeira é
do Centro de Espiritualidade Inaciana de Itaici (CEI) em Indaiatuba, São Paulo. A segunda do
Centro de Espiritualidade Cristo Rei (CECREI) em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Ambos
oferecem anualmente cursos intensivos de capacitação para acompanhantes de Exercícios
Espirituais. A exigência para alguém iniciar um curso de capacitação de acompanhante nos
Exercícios é ter feito a experiência completa dos Exercícios Espirituais de 30 dias em alguma
das modalidades: intensivo, em etapas ou na vida corrente.
O CEI, cuja equipe é composta por jesuítas, religiosas(os) e leigos(as), oferece, em
dois módulos o Curso de Capacitação para Orientadores de Exercícios Espirituais (CAP). São
cursos intensivos, oferecidos na época do recesso escolar, ou seja, nos meses de janeiro e
julho, possibilitando uma maior participação. Há duas diferenças importantes entre o CAP I e
o CAP II, embora o conteúdo pareça ser o mesmo. No CAP I
260
é apresentado o conteúdo e os
objetivos do itinerário dos Exercícios Espirituais, com palestras e tempo de assimilação
individual e em grupo. Trata-se mais de um aprofundamento teórico dos Exercícios
Espirituais a partir de explanações e leituras de uma vasta bibliografia sobre as etapas dos
Exercícios Espirituais. No CAP II
261
tomam-se os Exercícios Espirituais na perspectiva do
exercitante, refletindo sobre as moções que costuma experimentar nas quatro Semanas dos
Exercícios Espirituais e sobre as atitudes que se esperam dele em cada etapa do itinerário.
260
Conforme Anexo nº. 3, p. 125.
261
Conforme Anexo nº. 4, p. 126.
99
um maior tempo de assimilação pessoal e grupal, dando ênfase à partilha pessoal da oração.
Faz-se um exercício prático de acompanhamento. Um membro do grupo partilha sua oração e
outro faz o papel do acompanhante. O resto do grupo observa e comenta sobre esse processo.
Chama-se essa experiência de "laboratório", pelo seu caráter prático ou método de “oficina”,
ou seja, aplicação da metodologia inaciana num acompanhamento personalizado, o qual
consiste em fazer a leitura da experiência pessoal de um exercitante. Tal acompanhamento vai
desde a forma que se acolhe o exercitante até a ajuda que convém dar durante o processo de
acompanhamento desses nos Exercícios Espirituais.
O CECREI oferece o curso de orientadores retiros
262
em vários módulos, com temas
específicos, distribuídos ao longo do ano. Esses temas têm o objetivo de ajudar na capacitação
teórica e prática dos que acompanham os Exercícios Espirituais.
Oferece elementos teóricos na área da teologia e da espiritualidade inaciana. Nessas
duas áreas oferece elementos que permitem ao acompanhante fundamentar, refletir e
interpretar a própria experiência espiritual e a do acompanhado. Por isso, oferece elementos
de reflexão na área da antropologia teológica, da ética cristã e da psicologia favorecendo um
maior conhecimento do ser humano e uma maior integração pessoal, possibilitando um
acompanhamento mais qualificado.
Nesses módulos, além de estudar teoricamente o método dos Exercícios Espirituais de
Inácio de Loyola, o discernimento, o método de oração (meditação e contemplação), é
oferecida a possibilidade do acompanhamento de um retiro personalizado, bem como a
elaboração de roteiros de retiros e a orientação de um retiro com supervisão. Nesses módulos
busca-se ressaltar a importância do papel do acompanhante dos Exercícios Espirituais como
um ministério a ser exercido dentro da Igreja a serviço dos homens e mulheres de hoje.
Ressalta-se também a necessidade da formação permanente.
Ambos, CEI e CECREI, embora com metodologias diferentes, buscam capacitar e
formar pessoas que se sintam chamadas a exercer o ministério do acompanhamento dos
Exercícios Espirituais. Nota-se que o diferenças substanciais. Assim, existem muitos
outros centros de espiritualidade espalhados em diversas regiões dos cinco continentes
buscando refletir, produzir material e atualizar a experiência de Inácio de Loyola para o
contexto de nosso tempo.
262
Conforme Anexo nº. 5, p. 127.
100
3.7 O ESTADO ATUAL DA PESQUISA DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS
Como foi falado acima, depois do Concílio Vaticano II cresceu muito o interesse pelos
Exercícios Espirituais especialmente por parte dos jesuítas. Existem inúmeros centros de
espiritualidade espalhados pelo mundo afora. O Secretariado de Espiritualidade Inaciana em
Roma incentiva esses centros a buscarem aprofundar os estudos sobre os Exercícios
Espirituais.
Atualmente mantêm-se 34 revistas de espiritualidade que tratam temas referentes
principalmente à espiritualidade inaciana. A co-edição da Mensajero e Sal Terrae da Espanha
publicou a coleção Manresa. São 32 volumes onde diversos especialistas aprofundam o tema
dos Exercícios Espirituais em seus diferentes aspectos. O primeiro volume dessa coleção, de
904 páginas, é dedicado ao texto dos Exercícios Espirituais (história e análise).
Recentemente foi publicado o Diccionario de Espiritualidad Ignaciana, que é também
uma co-edição da Mensajero e Sal Terrae. Pensado e editado por um grupo de Jesuítas da
Espanha e da Itália, esse dicionário inclui 383 verbetes redigidos por uma equipe
internacional de colaboradores. De tal publicação participaram 157 especialistas de 25 países.
Contém mais de 3.800 referências bibliográficas cuidadosamente selecionadas entre as
publicações de todo mundo.
O Centro de Espiritualidade Inaciana de Itaici (CEI) publica a coleção Leituras e
Releituras, pelas Edições Loyola de São Paulo, abordando diversos temas referentes à
espiritualidade inaciana e aos Exercícios Espirituais. Além disso, mantém a Revista Itaici, que
é um periódico de Espiritualidade Inaciana, publicação de Edições Loyola, sob a
responsabilidade do CEI. São quatro números ao ano (março, junho, setembro e dezembro). A
finalidade da revista é aprofundar e divulgar a espiritualidade inaciana.
Assim, surgiram e estão surgindo vários estudos e publicações em torno dos
Exercícios Espirituais também na América Latina. Importantes teólogos têm escrito artigos ou
livros sobre esse tema, por exemplo, Jon Sobrino, Ricardo Antoncich, Victor Codina, J.B.
Libânio, entre outros. Mas esse assunto não é do interesse dos jesuítas, mas também de
outras pessoas que adotaram a espiritualidade inaciana em suas vidas. Uma dessas pessoas,
leiga e mulher, que podemos citar é Maria Clara L. Bingemer que fez sua tese de doutorado
101
justamente sobre os Exercícios Espirituais, com o título: Em Tudo Amar e Servir. Mística
Trinitária e Práxis Cristã em Santo Inácio de Loyola (Edições Loyola, SP, 1990).
263
263
Outras referências e obras podem ser encontradas no site: http://wwwusers.rdc.puc-
rio.br/agape/vida_academica/artigos.htm
102
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, fizemos um resgate histórico da experiência espiritual da Inácio de
Loyola. Apresentamos seu perfil biográfico, a gênese e sistematização do método dos
Exercícios Espirituais, bem como algumas características da Espiritualidade Inaciana. Inácio,
como vimos, não guardou essa experiência para si, mas a ofereceu aos outros. Por isso, no
segundo momento, acompanhamos o relato de cristãos e cristãs, de diferentes classes e níveis
culturais, que fizeram a experiência da prática dos Exercícios Espirituais nas diferentes
modalidades, ressaltando os pontos altos com seus frutos como também as dificuldades no
trajeto dessa prática.
Os Exercícios Espirituais sempre são dados e recebidos. Não se trata de um simples
voluntarismo. Num contexto em que a realidade está em constante mudança, esse
acompanhamento não pode ser feito de qualquer maneira nem por qualquer pessoa. Deve
levar em conta toda a realidade em que o exercitante se encontra inserido.
Por isso, apresentamos o método desenvolvido por Carlos Rafael Cabarrús, por ele
denominado psico-histórico-espiritual. Esse método tem por objetivo levar a superar o mero
crescimento das virtudes individuais, pela abertura à dimensão do outro, na realidade de sua
História. Trata-se de um acompanhamento encarnado na história, em que o foco da atenção é
a experiência de Deus. Esse é o fator integrador que unifica toda pessoa, sua história pessoal,
sua experiência de vida e o contexto da sociedade em que vive. Cabarrús está convicto de que,
para alguém poder ser companheiro espiritual deve viver, antes de tudo, em harmonia
espiritual e pessoal, estar comprometido com a história e com a construção do Reino de Deus,
com uma formação na área do acompanhamento para conduzir o exercitante a uma integração
em sua vida e na realidade em que vive.
103
Neste trabalho, tornou-se importante ver todo o trajeto de Inácio e perceber como foi
brotando e gestando-se essa experiência de Deus em sua vida. Vimos que não se trata apenas
de uma teoria, mas de uma experiência vivida que se tornou um método, uma espiritualidade.
Portanto, Inácio nos deixa seu legado, os Exercícios Espirituais, que foram concebidos nos
labirintos de sua interioridade, de seus desejos, de suas buscas.
Vimos que os Exercícios Espirituais, por serem fruto de uma experiência, levam em
conta toda a subjetividade da pessoa, seus sonhos, alegrias, conquistas, buscas, frustrações,
etc. Nesse espaço pessoal, o exercitante é convidado a um encontro pessoal e íntimo com
Jesus. É um encontro com a pessoa de Jesus através da meditação/contemplação de seus
mistérios, sua vida, morte e ressurreição, narrados no Evangelho. Jesus, nesse encontro
íntimo, vai iluminando a vida do exercitante e o confrontando com os valores do evangelho.
Trata-se do encontro com os desejos, as buscas e opções do próprio Jesus que vão sendo
atualizados na vida do exercitante.
Os Exercícios Espirituais, assim como tocaram a vida de Inácio, continuam tocando
profundamente cada pessoa que os faz. Para que essa experiência não se torne apenas um
subjetivismo, Inácio exige que ela sempre se em confronto com alguém. Na concepção de
Inácio, não verdadeira experiência dos Exercícios Espirituais sem um confrontamento da
sua prática.
O método dos Exercícios Espirituais está pensado para ser quase inaplicável sem
acompanhante. Inácio, por sua prática, possuía essa percepção e não quis correr o risco de
estar procurando um caminho muito centralizado em si mesmo, mas queria buscar e realizar a
vontade de Deus em sua vida. Por isso, confrontava suas experiências mais profundas com
seu confessor ou pessoas entendidas em assuntos espirituais e seguia diligentemente suas
orientações. Isso explica a importância que Inácio ao confronto pessoal, com o
acompanhante, do conteúdo da oração do exercitante durante a prática dos Exercícios
Espirituais, para que esse possa ajudar a abrir horizontes, esclarecer dúvidas e animar na
predisposição do encontro com o Deus de Jesus e para acolher Sua vontade. Portanto, a
presença do acompanhante é intrínseca ao método inaciano de rezar.
Assim, os Exercícios Espirituais são um modo de “ler” a ação de Deus no ser humano.
Inácio traduziu em método sua trajetória. Compreendeu profundamente o que Deus realizou
em sua experiência espiritual. Logo, os Exercícios Espirituais são um meio apropriado para
que cada um descubra sua própria missão no serviço ao Reino de Deus. Por isso, o
104
fundamento dos Exercícios Espirituais é levar o exercitante a fazer uma autêntica experiência
de Deus.
Pudemos acompanhar, ao longo dos relatos da experiência da prática dos Exercícios
Espirituais, como esse encontro com Jesus foi transformando a vida das pessoas. Mas, para
que isso pudesse acontecer, o exercitante necessitou deixar-se conduzir pelo Espírito de Jesus.
Inácio de Loyola via na contemplação dos mistérios da vida de Jesus o lugar privilegiado para
essa identificação e para discernir a vontade de Deus para cada ser humano.
Constatamos que os Exercícios Espirituais, por levarem em conta toda a pessoa
humana, ajudam a reler a própria história de vida. E mais. Ao refazê-la sob a ótica das opções
de Jesus, torna o exercitante sujeito e portador das opções de Jesus pelos homens e pela
humanidade, comprometido com a totalidade da vida e disposto a colaborar na transformação
da realidade. Assim sendo, o acompanhamento desempenha importância capital: ajuda o
exercitante a tornar-se sujeito da própria história, sujeito de mente e coração abertos ao novo,
ao diferente, sem perder sua identidade cristã, mas sendo fermento e luz no meio da
sociedade.
Vimos também que a prática dos Exercícios Espirituais é um impulso para um novo
dinamismo na vida do exercitante e um estímulo para a busca e aprofundamento dessa
experiência. O engajamento torna-se mais lúcido e comprometido, pois não se age mais
movido por um simples voluntarismo, e sim por uma mais esclarecida, refletida e
comprometida. Uma fé que implica a participação na construção de uma sociedade diferente,
com novos valores, ampliando assim o leque da ação e da presença, não se restringindo
apenas à realidade eclesial.
Nos relatos das experiências, pudemos constatar que os exercitantes que não tinham
uma vivência eclesial mais ativa, sentem que a experiência dos exercícios espirituais os
moveu ao compromisso. Foram impelidos a buscar vivenciar e expressar mais sua fé, seus
valores, a participar e partilhar mais suas vidas. Não somente rumo a um grupo cristão, mas
fazer isso no trabalho em que se encontram, com as pessoas que estão envolvidas ou sob sua
responsabilidade, na vida profissional, na vida familiar ou na sociedade.
Notamos que os Exercícios Espirituais levam a uma maior integração nas dimensões
do ser humano, principalmente do afeto. Como se disse acima, se a experiência não chega a
tocar o cleo do ser humano, ela não gera mudanças e não passa de um simples propósito.
Trata-se, portanto, de uma experiência que envolve todo o ser humano, trazendo à tona os
105
limites, as fortalezas e as oportunidades para gerar um crescimento pleno. Os exercitantes
sentem que, diante do Deus de Jesus, suas limitações são condição de possibilidade para o
crescimento, para dar um passo qualitativo em suas vidas na busca de uma maior maturidade
humana e cristã.
Com essa constatação, pudemos observar que o acompanhante na experiência prática
dos Exercícios Espirituais, é muito importante. Mas Inácio, na sistematização do seu método,
explicita muito pouco o papel, as atribuições e a importância do acompanhante dos Exercícios
Espirituais, dificultando a tarefa de quem se propõe a realizá-la. Faz apenas, de modo sucinto,
algumas recomendações gerais. Supõe que quem os Exercícios seja alguém
suficientemente experimentado no processo, que tenha feito os Exercícios Espirituais e saiba
propô-los a outros e acompanhá-los. Para sua época, essas recomendações eram suficientes e
muito válidas.
Atualmente, a vida e o ser humano se tornaram mais complexos, desde a ótica das
ciências humanas, repercutindo no papel do acompanhante. Cabarrús, ciente dessa realidade e
da “lacuna” deixada por Inácio, formulou o método psico-histórico-espiritual. Por ver a
importância do acompanhamento na prática dos Exercícios Espirituais na vida das pessoas,
Cabarrús, com seu método, acentua que o companheiro espiritual não pode ser qualquer
pessoa, mas alguém que vive uma harmonia espiritual e pessoal, estando comprometido e
inserido na realidade histórica. Ressalta que, ao não se levar em conta essas três dimensões, o
espiritual, o psíquico e o histórico no acompanhamento, ao invés de ajudar a progredir no
crescimento espiritual, pode prejudicá-lo. Deve-se, portanto, levar em conta não somente a
dimensão espiritual, mas também o psicológico e o compromisso histórico, para evitar criar
caminhos centrados em si mesmo ou experiências “desistorizadas”.
Desse modo, Cabarrús leva em conta o conhecimento das ciências ainda não surgidas
na época de Inácio como, por exemplo, a psicologia e as ciências sociais. Percebe que elas são
de fundamental importância para compreender o exercitante, possibilitando um
acompanhamento mais qualificado. Percebe que, esse tríptico psico-histórico-espiritual, ajuda
a não focalizar apenas o crescimento espiritual do exercitante, levando em conta as outras
dimensões da vida humana, vividas num contexto histórico marcado de contrastes,
desigualdades e injustiças. E é nesse contexto que o exercitante é chamado a discernir, a
encontrar a vontade de Deus e dar a sua contribuição na construção do Reino de Deus, no
seguimento de Jesus.
106
Cabarrús percebeu que, ao longo da caminhada cristã, muitas vezes, ou se acentuou
apenas a dimensão espiritual, esquecendo-se da realidade na qual as pessoas vivem a
experiência, ou seja, o contexto social e político da sociedade, ou se acentuou apenas a
dimensão do compromisso, esquecendo-se do espiritual, a transformação do coração, a
sensibilidade, a necessidade do silêncio, da celebração, etc. Cabarrús quer justamente destacar
a necessidade de um acompanhamento integral, que contemple toda a realidade do ser
humano.
A novidade de Cabarrús se por acentuar a necessidade do companheiro espiritual
estar atento aos aspectos psicológicos e a dimensão do compromisso, presentes em cada passo
dos Exercícios Espirituais. Isso implica o confrontar a própria vida e a do exercitante com a
vida de Jesus nas suas opções, seu contato com as pessoas concretas, com suas dores,
angústias e cruzes, mas também nos sinais de alegria e ressurreição presentes na vida de cada
ser humano e na sociedade.
Cabe ao companheiro espiritual levar o exercitante a um contato com o Deus de Jesus,
a descobrir o Seu verdadeiro rosto revelado em Jesus no Evangelho. Este encontro, pelos
Exercícios, leva o exercitante a tomar uma postura ante a sua maneira de ser cristão no
contexto atual, sentindo-se impelido a engajar-se, buscando construir uma sociedade que
contemple o Seu rosto presente no rosto no povo sofrido, dos marginalizados e preferidos de
Deus.
Na complexidade atual da sociedade e da vida das pessoas que fazem a experiência
prática dos Exercícios Espirituais, não basta o companheiro espiritual ter feito os Exercícios,
antes de tudo, deve ser alguém integrado nas dimensões psicológica, espiritual e no
compromisso histórico; deve possuir suficiente formação nessas áreas para poder ajudar o
acompanhado a fazer uma experiência com o Deus de Jesus no contexto em que se encontra
inserido, ajudando-o a ter uma maior integração em sua vida. Por isso, se justifica o método
psico-histórico-espiritual de Cabarrús.
Portanto, vimos que o método dos Exercícios Espirituais continua vivo e atual. É
capaz de transformar e dar sentido à vida de quem se “aventurar” por esse caminho. Por ser
uma experiência importante à vida e realização do exercitante, exige um acompanhamento
qualificado, um companheiro espiritual, que ajude a apontar o projeto do Deus de Jesus e a
predispor para deixar-se guiar por esse mesmo Espírito que guiou Jesus para que assim
encontre e realize Sua vontade.
107
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110
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VILLOSLADA, Ricardo Garcia. Santo Inácio de Loyola. São Paulo: Loyola, 1991.
111
ANEXOS
ANEXO 1
DIÁLOGO SOBRE OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS
1) Como você chegou a conhecer os Exercícios Espirituais?
2) Você sabia da existência da Espiritualidade Inaciana e dos Exercícios Espirituais
antes de fazê-los?
3) Quem fez o convite para você fazer os Exercícios Espirituais?
4) Como era sua vida espiritual, seu engajamento eclesial e profissional antes de fazer a
experiência dos Exercícios Espirituais?
5) Como foi a experiência dos Exercícios Espirituais? Os pontos fortes? A novidade?
6) Quais foram as dificuldades encontradas durante os Exercícios Espirituais?
7) Como anda a sua vida espiritual, seu engajamento após os Exercícios Espirituais? Os
Exercícios Espirituais ajudaram no seu engajamento eclesial, na sua maneira de viver
a vida cristã e no seu trabalho profissional?
8) O marido ou esposa apoiou essa experiência, conseguiu compreendê-lo (a) na sua
busca?
9) Sentiu-se preparado(a) para fazer os Exercícios Espirituais?
112
ANEXO 2
RESULTADO DIÁLOGO SOBRE OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS
1 JOSÉ E LUIZA
264
Conheceram os Exercícios Espirituais ao serem convidados a fazê-los por uma pessoa
que os havia feito. Tinham contato com a Renovação Carismática Católica (RCC). Após
terem peregrinado por uma série de experiências desde Espiritismo, Candomblé, Mantras, foi
na RCC que descobriram o caminho para o retorno à Igreja e à vida espiritual. Por terem
uma experiência de oração e participação na comunidade, ajudou-os a entrar mais facilmente
na experiência dos Exercícios Espirituais.
Gostaram muito da experiência dos Exercícios Espirituais, principalmente da oração e
o fato de poderem partilhar essa experiência com outras pessoas. Notaram que o principal, o
tesouro que descobrimos nos Exercícios Espirituais e que deixou uma marca profunda, foi o
fato de terem alcançado uma consciência maior do pecado e do amor de Deus. Isso ajudou a
compreender mais um ao outro, como casal, a reconhecer os limites, debilidades dentro da
família e também em compreender melhor os filhos. Conseguem agora perceber quando
alguém dentre eles não está bem e assim tentar ajudá-lo ou respeitar seu estado de ânimo.
O que contribuiu foi que o casal participou dessa experiência. Puderam-se ajudar e, ao
mesmo tempo, respeitar a experiência do outro deixando cada um se organizar de acordo com
seu ritmo, a sua maneira. Ajudou também a se aproximar mais dos filhos estando atentos às
suas necessidades, ajudando-os a crescer nos valores cristãos e nas responsabilidades.
Sentiram que a experiência foi importante e quiseram partilhá-la com os outros. Isso
os levou atualmente a fazerem um momento espiritual, dentro da própria empresa que
administram e que são donos, juntamente com os funcionários. Também os ajudou a o
serem tão ingênuos nos negócios, não se deixando enganar, a primar pelo ambiente de
264
Por motivos éticos foram usados pseudônimos para os entrevistados.
113
trabalho, pela seriedade e a verdade. Também na valorização do trabalho dos funcionários,
zelando pelo ambiente, cultivando os valores. Não deixam passar em branco ao verem algo
não correto na empresa, pois sentem que desse trabalho depende o pão de muitas pessoas. Por
isso primam pela boa administração.
Quanto ao engajamento, não estão diretamente engajados e dizem que estão ainda em
busca, deslocando-se quando percebem que há algo que os possa preencher. Não se engajaram
numa comunidade, mas participam de várias, nas quais colaboram. Colaboram na liturgia
numa comunidade ou onde são convidados. Também como o filho assumiram uma celebração
em outra paróquia. Já não se sentem bem em ambientes de oração onde o barulho é grande,
mas preferem momentos de interiorização, de silêncio, que os ajuda a se sentirem bem.
Estão contentes, pois conseguiram que os filhos, mesmo formando-se na universidade
e trabalhando, participam com os pais na comunidade eclesial e também assumem
compromissos.
2 MARISTELA
Não conhecia os Exercícios Espirituais nem sabia do que tratavam. Recebeu o convite
via e-mail.
É católica, mas não participa assiduamente. Os Exercícios Espirituais aconteceram de
forma concomitante com a primeira Eucaristia da filha. Isso despertou ainda maior interesse
em fazê-los, pois queria se preparar junto com a filha para esse momento. Do grupo que havia
iniciado os Exercícios, ela foi a única a concluí-los e os outros foram desistindo por o
conseguirem conciliar o momento da oração com a vida e o trabalho.
Os Exercícios Espirituais ajudaram a ter uma maior convivência com o diferente, a
respeitar a diversidade. Também a valorizar o perdão. Percebe que após a experiência cresceu
na facilidade de perdoar, a não sobrevalorizar as dificuldades na família, no trabalho. Na vida
acadêmica aprendeu a relativizar mais o racionalismo reinante (academicismo) mantendo os
pés no chão.
Após os Exercícios a vida se tornou mais tranqüila e mais bonita. Amadureceu nas
atitudes, no modo de ser e encarar a vida e as pessoas, a ter um tempo para si dentro da
correria, um momento de relax. Aprendeu a respeitar mais os colegas de profissão. Sentiu e os
114
companheiros de profissão sentiram que se tornou menos chata e gosta agora da presença dos
outros.
O marido soube respeitar e a apoiou na sua busca, uma vez que realizou a experiência
sozinha.
A dificuldade maior foi unir a dimensão espiritual com a dimensão profissional no dia-
a-dia, onde a concorrência se torna um elemento difícil e forte, pois por causa da correria a
dimensão espiritual é a primeira que se pensa em deixar de lado. Os Exercícios Espirituais
também ajudaram a cultivar mais a dimensão espiritual em relação à dimensão do ter, do
material e do imediato.
Sente necessidade de aprofundar mais a dimensão espiritual.
3 LÚCIA
Recebeu o convite dos Exercícios Espirituais por alguém da área do direito, na
universidade. A princípio nem sabia do que se tratava e o que eram os Exercícios Espirituais.
Foi participar mais pela amizade das outras pessoas. Sentiu que desde o princípio houve uma
grande simpatia entre ela e o orientador. Muitos desistiram, mas ela continuou até o fim.
No início não compreendia bem quando o orientador falava da experiência de Deus,
pois nunca a havia feito. Porém, como possuía um bom espírito de organização, fazia os
exercícios fielmente buscando fazer essa experiência de que tanto o orientador falava. Num
dado momento dos Exercícios sentiu-se invadida de tal maneira por Deus, que a marcou
profundamente. Ainda hoje retoma essa experiência e busca compreendê-la em seus
momentos de oração e retiro. a partir desse momento compreendeu o que o orientador dos
Exercícios Espirituais queria dizer quando falava de experiência de Deus.
Essa experiência de Deus a motivou a não parar de se aprofundar. A princípio, a
primeira experiência causou um impacto e um susto, mas foi positivo. Ela sentiu e percebeu
que a idade em que estava vivendo, ainda jovem, foi o momento ideal para essa experiência,
pois estava procurando respostas para sua vida e possuía bastante energia e força de vontade.
A experiência dos Exercícios Espirituais fez com que o colapso de enfrentar terra
estrangeira, outra cultura não fosse total. Teve a coragem de voltar com o filho ao Brasil
115
deixando seu marido no estrangeiro, pois esse não quis regressar. Depois escreveu sua
experiência de estrangeira para sentir-se reconciliada com a cultura desse país que a acolheu.
A experiência dos Exercícios Espirituais foi importante para trabalhar os afetos, pois
atualmente não vive como antes. Tanto na vida profissional como na matrimonial sente que
acalmou mais a correria e que esses ficaram em segundo plano frente à experiência feita.
Ao ser assaltada e violentada com risco de ser contaminada com o HIV não perdeu o
controle e o equilíbrio frente ao que isso representou para sua vida e no modo de enfrentar a
realidade. Foi encaminhada a psicólogos. Não se sentia só, mas que estava nas mãos de Deus.
Não se sente, atualmente, traumatizada e isso ela deve aos Exercícios Espirituais.
Percebe que sua experiência soa estranha a outras pessoas do ambiente profissional
com quem convive no dia-a-dia na universidade. Sente que, apesar disso, descobriu que sua
missão é ensinar aos alunos, pois sendo professora de direito, percebe que pode oferecer algo
na linha da ética, pois essa profissão não possui boa fama por muitas vezes pessoas dessa área
estar envolvidos em falcatruas e roubos.
Gosta muito do ambiente de retiro. Sente dificuldade de sair desse ambiente. Por isso,
em casa, no preparo das suas tarefas acadêmicas, consegue criar um clima de recolhimento e
ao mesmo tempo sente-se num clima de sintonia com Deus. Está escrevendo sobre sua
experiência de silêncio com a intenção de publicá-lo.
Tenta fazer anualmente a experiência dos Exercícios Espirituais. No ano que não
consegue fazê-los, sente falta.
Sendo cristã católica, não participa de uma comunidade eclesial, pois sua família
também não participava. Mas está descobrindo o valor de ser cristã. Não tem pressa. Está
começando e saboreando aos poucos esses passos que vai dando.
Os Exercícios Espirituais a ajudam a enfrentar a realidade da vida.
4 MARIA
Recebeu o convite para fazer os Exercícios Espirituais de um ministro da Eucaristia.
Antes atuava apenas na catequese e ouvia falar, com as irmãs, sobre a espiritualidade
inaciana, Santo Inácio, porém sem saber de que se tratava. Havia começado a participar da
116
comunidade e se sentia bem após os transtornos de mudança de ambiente, de um Estado
para outro, de Minas Gerais para Rio Grande do Sul.
O que foi marcante nos Exercícios Espirituais foi a experiência de sentir-se filha,
amada por Deus e querida por Deus. Um Deus que é amor e misericórdia. Sentir o absoluto
que se inclina sob a fragilidade humana. Essa experiência lhe fez ver o mundo e a realidade
com novos olhos, os olhos de Jesus.
Sentiu, a partir dos Exercícios Espirituais, uma grande mudança em sua casa e na lida
com os outros. Sente-se mais calma, com mais confiança, mais paciência para ouvir e
aconselhar os filhos. Quando se trata de problemas é com ela que conseguem abrir seu
coração, pois sente que consegue acolhê-los e escutá-los. Possui maior paciência e
sensibilidade. Nota quando algo não vai bem com os filhos e marido.
Os Exercícios Espirituais foram, para ela, um momento rico que lhe esclareceu
dúvidas a respeito da fé, motivou para o trabalho pastoral, a assumir com maior maturidade
outros trabalhos pastorais. Os Exercícios lhe abriram os olhos da fé. Para ela foi um batismo
na fé. Os Exercícios Espirituais ajudaram a mudar sua maneira de rezar. A oração se tornou
um diálogo com Deus onde pode trazer presente toda a sua vida, sua família e se tornou um
momento agradável, prazeroso e cheio de vida. A oração tornou-se um frente-a-frente com
Deus como uma conversa de amigos. Na oração sente-se a vontade para falar de sua vida, da
família e das alegrias e dificuldades. Põe sua vida nas mãos Dele, sabendo que Ele a escuta e
está atento as coisas dela. A oração se tornou um momento único e vital, um momento
prazeroso para sua vida. Os Exercícios Espirituais também lhe ajudaram a relativizar as
coisas, a se contentar com a vida, com as coisas que possui, a desviar o foco do ter, dos bens
materiais e sim olhar mais para a vida em si.
Após os Exercícios Espirituais sente-se mais forte e amadureceu para enfrentar as
situações da vida, a doença do marido, pois estava com câncer. Não se desesperou e soube dar
conta do recado. Sente que se não tivesse feito os Exercícios teria se desesperado. Admira-se,
depois que tudo passou, da maneira como soube lidar com tal situação.
Sentiu que a família, marido e filhos, compreenderam-na e a apoiaram para que
pudesse fazer bem os Exercícios Espirituais.
Os Exercícios a ajudaram a tornar-se mais disponível. Sente-se mais madura para lidar
com as pessoas que ainda não atingiram níveis melhores de compreensão. Consegue
compreender e ao mesmo tempo acolher os que participam esporadicamente da comunidade
117
sem julgá-los, mas testemunhando com alegria sua vocação de cristã. Sentiu-se motivada a
assumir maiores desafio na paróquia. Deixou alguns trabalhos e assumiu outros que exigiam
mais engajamento e responsabilidade, não se apegando a nenhum. Continua até hoje
participando dos encontros e da formação, chegando a mudar a programação para poder
participar desses encontros, pois sente que são de grande ajuda para o seu crescimento. Atua
também no prédio onde mora, e é conhecida por todos pelo seu trabalho. Sempre encontra
algum tempo durante a semana para visitar os enfermos e idosos da paróquia.
Retoma as anotações dos Exercícios Espirituais feitos para se aprofundar quando, lhe
sobra algum tempo.
5 SUSANE
Recebeu o convite do padre, pois participava da comunidade. Descobriu o que eram
os Exercícios Espirituais depois de entrar neles, pois achava que fossem apenas palestras
sobre coisas de Deus. Sentiu que foi um momento rico de partilha, de crescimento, de saber
valorizar e encontrar um tempo para oração.
Também ajudaram a dedicar-se mais à família e à profissão, que necessitavam mais de
sua atenção e empenho. Também ajudaram a dedicar-se mais à família e à profissão, que
necessitavam mais de sua atenção e empenho. O marido soube compreender sua experiência,
pois estava engajado também na comunidade e fazia questão de levá-la ou buscá-la quando
terminava o encontro e a encorajava a continuar. Achou isso fundamental para o êxito de sua
experiência. Ele também a respeitava quando fazia o seu momento de oração.
A dificuldade maior enfrentada foi a de dedicar o tempo necessário para fazer os
Exercícios Espirituais todos os dias. Atualmente ainda toma as anotações dos Exercícios
Espirituais para fazer uma retomada.
Continua participando da vida da comunidade juntamente com esposo e filho,
promovendo encontros para jovens. Ajuda também como ministra da Eucaristia.
118
6 FRANCISCO
Vem de uma família muito religiosa. Sua mãe era catequista e muito engajada na
comunidade eclesial. Isso fez com que herdasse da mãe sua religiosidade. Porém, vindo para a
cidade, depois dos 18 anos, sem muito esforço foi se afastando desse ambiente religioso.
Considera esse fato como uma espécie de apagão, um sono, em sua vida. Foi como se tivesse
lhe dado “um branco”. Não sabe explicar o porquê de ter deixado algo tão importante. Saía e
entrava semana e não sentia necessidade da vida eclesial. Num dado momento foi convidado a
fazer um encontro de casais. Foi a oportunidade em que pôde tomar consciência do
afastamento da vida religiosa, da participação da comunidade e da paróquia. A partir desse
fato consegue compreender os jovens e as pessoas que se afastam da comunidade sem razões,
pois passou pelo mesmo.
Depois do encontro com os Exercícios Espirituais, além do engajamento na paróquia,
passou a ter uma participação no Santuário, onde recebeu o convite para fazer os Exercícios
Espirituais por um casal que já os havia feito. Diz que aceitou o desafio.
O que mais chamou atenção para ele e o que mais lhe tocou foi a experiência de
aprender a rezar de outra maneira. Achava que a pessoa nascia pronta para oração e o que
havia aprendido anteriormente, como as orações vocais, na família e na catequese, era o
suficiente, que já estava formado. Aprender uma nova maneira de rezar e ao mesmo tempo ter
a consciência de que não diploma para a oração foi uma grande descoberta. Sentiu que
quanto mais experiência de oração possuía tanto mais necessidade sentia em avançar e
aprender. Sentiu que não formatura para a oração. Tocou-o o fato de aprender a dialogar
com Deus e não se basear em simples orações vocais, não as querendo menosprezar. A
experiência continua hoje no dia-a-dia de sua vida. Também foi uma novidade e uma
experiência enriquecedora aprender a rezar com um texto bíblico, ou seja, a contemplar e
meditar a partir de um texto bíblico.
As dificuldades maiores foram as de saber lidar com a Palavra de Deus, ou seja, com a
Bíblia. Além de não estar acostumado a manuseá-la, alguns trechos se tornavam difíceis de
compreender.
A experiência dos Exercícios Espirituais o ajudou na transformação pessoal, pois
percebia que era “casca dura” no trato com as pessoas e na família. Ajudou também o
relacionamento no trabalho com os outros. Criou uma maior sensibilidade com as coisas que
119
acontecem ao seu redor, desde a maneira de ajudar as pessoas. O clima familiar mudou, pois
criou mais jogo de cintura com a esposa e filhos.
A participação na comunidade deu outro sentido para ele. Participa agora na
preparação do curso de Batismo e do conselho da comunidade. No engajamento, está
ajudando a manter uma creche na periferia da cidade, preocupando-se com a coleta de
mantimentos e com a preparação da celebração da Missa uma vez ao mês. A experiência o
ajudou a criar gosto pela leitura. Agora mais, interessando-se ao que acontece ao seu redor
e na sociedade. Continua participando de encontros de formação.
Continua cultivando diariamente um espaço para a oração, no inicio da manhã,
levantando-se mais cedo para estar um momento a sós com Deus. Faz o chimarrão ou vai
mais cedo para o trabalho. Antes dos funcionários chegarem para o trabalho, faz a leitura do
trecho da palavra de Deus indicada para esse dia e escuta, no programa da rádio, a reflexão do
dia. Continua ainda anotando sua oração. Nas celebrações, costuma chegar antes para poder
cultivar um clima, preparando-se para esse momento. O simples fato de chegar mais cedo na
celebração e ver as pessoas chegarem para o momento celebrativo, sabendo que deixaram
suas moradias e seus afazeres, para estar em sintonia com Deus, tornou-se um momento
muito rico de oração. Tomou consciência de que não está sozinho, mas faz parte do Povo de
Deus.
Disse que a esposa não participou dos Exercícios Espirituais, mas o apoiou nessa
experiência.
7 PEDRO E REGIANE
A princípio nunca tinham ouvido falar dos Exercícios Espirituais e nem dos jesuítas,
apenas em livros. Eram engajados na comunidade antes de se transferirem de São Paulo para
São Leopoldo e chegando aqui se engajaram novamente. Ouviram o convite feito durante a
celebração e se animaram a fazê-los.
Os Exercícios Espirituais foram para eles um incentivo para a vida espiritual, uma
auto-ajuda. Ajudou-os criar um espaço de silêncio em suas vidas. O fato de usar a Bíblia criou
certa intimidade com a Palavra de Deus. Tocou também o fato de experienciar um Deus
diferente, cheio de amor e não um Deus que fica à espreita esperando o erro que se comete
120
para julgar. Um Deus que ama e nos acolhe como somos, nas nossas limitações. Essa
experiência deu mais alegria na vivência cristã.
Os Exercícios Espirituais ajudaram a reflexão, a escuta dos outros, a questionar as
atitudes próprias e a dos outros, principalmente no trabalho. Regiane criou coragem, mesmo
diante do patrão, de questionar as coisas quando que está certa. Os Exercícios Espirituais
ajudaram a procurar mais ajuda espiritual, a sentir um Deus mais próximo, como amigo, a ver
o próximo de outra forma. Ajudaram a sair mais do casulo, sentindo a necessidade de se abrir
ao outro, ao grupo.
A dificuldade maior encontrada foi a de viver e colocar em prática no dia-a-dia essa
vivência. Saber interpretar a Palavra de Deus. Muitas vezes não compreendiam o texto bíblico
e tinham vergonha de pedir uma explicação. Diante disso sentiram a pouca formação blica
que tiveram e a necessidade de se aprofundarem mais. O difícil também foi saber dar tempo à
oração sem que outras coisas tomassem seu lugar. É muito fácil, diante da correria, deixar de
fazer a oração. Sentem que a dimensão espiritual é frágil, por isso necessita ser cuidada.
Sentem necessidade de continuar a se aprofundar mais nos Exercícios Espirituais.
Sentem ainda que conhecem pouco a si e necessitam conhecer-se mais, o que ajudaria a
realizar melhor a experiência.
Sentem que foi positivo os dois fazerem a experiência para aprenderem a se
respeitarem e ao mesmo tempo pedir ajuda e apoio nos momento mais difíceis
Continuam atuando e participando das pastorais da comunidade. Pedro está se
aperfeiçoando em música, por isso ajuda na liturgia.
8 JOSEANE E MILTON
É um casal que participava da comunidade e do movimento de casais (Encontro de
Casais com Cristo). Dentro desse movimento recebeu o convite para fazer os Exercícios
Espirituais. Como sentiam a necessidade de mais formação, toparam o desafio de fazer a
experiência.
Para eles foi um momento muito rico de crescerem na espiritualidade e de saírem do
marasmo que vinham andando dentro da comunidade. Ajudou e os fez sentir a necessidade de
121
dar certas paradas dentro da própria vida cristã para se formarem e buscar mais formação.
Sentiam-se repetitivos e esgotados em seus trabalhos pastorais. Depois dos Exercícios
Espirituais continuam engajados dentro da comunidade ajudando na preparação do curso dos
noivos. Ajudaram também, em muitas comunidades e paróquias, a constituírem equipes para
preparar o curso de noivos.
Portanto, sentem que foi um enriquecimento para continuarem no seu engajamento e
na vivência de uma fé mais consciente. Ajudou a tomar consciência e dar-se conta da
responsabilidade dos cristãos dentro da comunidade e da sociedade. Já não participam da
mesma maneira. Não atuam como “donos” ou “salvadores da pátria” na comunidade.
Aprenderam a dividir as tarefas e as responsabilidades. Joseane, por estar trabalhando no
núcleo de educação à frente de vários municípios, criou a coragem de ir pedir ao bispo alguém
para ajudar na formação de uma equipe para trabalhar na área do ecumenismo.
A maior dificuldade foi de cultivar diariamente um espaço dentro da rotina da vida,
onde pudessem fazer a oração diária. Também de fazer com que os filhos participem mais e se
engajem mais na dimensão espiritual. Esses apóiam os pais, mas não se engajam. Preferem
suas rotinas.
Sentiram que foi positivo os dois fazerem a experiência, pois um animava o outro na
fidelidade a oração.
Atualmente continuam participando do curso de formação oferecido às pessoas que
querem continuar se aprofundando na fé e no seguimento de Cristo.
9 ALBERTO
Alberto, padre jesuíta, trabalha toda sua vida como missionário com os indígenas.
Primeiramente entre os nativos do estado de Chiapas, de origem Maia e atualmente com a
população de origem Asteca, no estado de Veracruz, no México. Retornará agora novamente
para o povo de Chiapas. Apesar de não ter dado Exercícios Espirituais aos povos indígenas,
disse que em alguns locais já se estão fazendo a experiência, adaptando-os à sua cultura.
Acentuou três elementos que os Exercícios Espirituais foram fundamentais na vida
como jesuíta. Primeiramente, ajudaram-no a descobrir, durante os Exercícios Espirituais de
trinta dias, o sentido de sua vida e da sua vocação (consagração). Após ter convivido na
122
missão indígena e se defrontado com vários questionamentos, o discernimento o ajudou a ver
que, de fato, sua vocação era essa e a missão era de trabalhar com os nativos. Isso lhe deu
ânimo e coragem para continuar nessa missão e se aprofundar e se interessar por tudo que
tivesse relação com esse trabalho, no conhecimento das línguas, costumes, etc. Outra
experiência foi o fato de colocar-se do lado dos indígenas, no estado de Chiapas, lutando por
eles, por sua vida, sua dignidade. Foi preso por mediar os conflitos para que não houvesse
guerra e mortes entre povos diferentes. Por isso, foram considerados traidores. Mesmo nessa
situação, percebia que estava ajudando-os a não se deixarem manipular pelos interesses dos
estrangeiros, lutando pela sua autonomia e cultura, a exemplo de Jesus, buscando vida digna e
respeito por seus direitos.
Os Exercícios Espirituais ajudaram-no a sentir e a ver as coisas a partir dos olhos do
próprio indígena, principalmente o princípio e fundamento e a contemplação para alcançar
amor. Ver como Deus ama e atua nas criaturas, independente de sua condição de raça, cor e
sexo, fazendo-se presente na natureza. Isso despertou o respeito pela natureza e pela vida
presente. Para o indígena tudo tem sentido, pois Deus se faz presente em todas as coisas.
Compreendeu com isso o sentido do não acumular, mas tirar da natureza apenas o necessário
para o sustento, o que Inácio justamente chama atenção, no “tanto quanto”. Fez sentir-se
contemplativo na ação: ver Deus atuando, e atuar com Ele nessa missão. Segundo Alberto, os
nativos vivem o que Santo Inácio pede nos Exercícios Espirituais: usar a coisas tanto quanto
ajudam à realização, ao sustento e sobrevivência, não pensando no acúmulo.
10 FRANCISCA
Francisca, religiosa, partilhou sua experiência dos Exercícios Espirituais logo após tê-
los feito. Segundo ela, a congregação adota a espiritualidade inaciana. Por isso, as irmãs de
sua congregação são convidadas também a anualmente fazerem os Exercícios Espirituais. Ela
conhece bem a espiritualidade Inaciana e costuma fazer, quando pode, seu retiro.
Disse que nesse ano a experiência dos Exercícios Espirituais havia sido diferente. Não
sabe se foi por causa do momento que estava vivendo ou por causa da idade, uma vez que
havia passado dos 50 anos. Não que das outras vezes não tivesse feito a experiência. Relatou
que nesse retiro fez uma experiência diferente. Pôde observar sua vida como se fosse um
filme na perspectiva de alguém que sente vontade de renovar sua vida, o sentido e o amor pela
123
missão e o trabalho com os mais empobrecidos do Reino. Foi o momento de rever os tantos
lugares por onde passou. Também trazer presente as experiências tanto positivas e
negativas. Diz que esse retiro foi um momento de reconciliação consigo, com as amarguras,
sua história pessoal, tentando trazer presente todas as pessoas que deixaram marcas em sua
vida, tanto positivas como negativas. Sentiu que seu trabalho como missionária se havia
tornado um simples cumprimento de deveres e tarefas, e não um envio de missão aos demais.
Sente que agora está voltando para sua missão com novo ânimo e liberdade, para
enfrentar os desafios da imensa região da Amazônia, onde impera a lei do mais forte e a vida
do ser humano vale pouco. Também para retornar ao lugar onde o atendimento à saúde é
muito carente, onde as cosas simples se tornam difíceis devido à situação de pobreza em que
vivem e às grandes distâncias dos centros mais desenvolvidos. Sente-se motivada e com novo
ânimo para voltar à missão, enquanto tiver condições físicas e a congregação permitir estar
nessa região carente. Sente que é isso que Deus lhe pede e por isso o quer fazer da melhor
maneira possível.
11 JUAN.
Ele completou 47 anos como religioso jesuíta e, desses, trabalhou 38 como operário
(“cura obrero”), na Espanha. De família simples e numerosa, ainda novo sentia-se mais à
vontade e a gosto fazendo coisas práticas. Com isso, sentia que não serviria como professor.
Após o curso de filosofia e magistério, pediu ao provincial para trabalhar um ano como
operário, antes de começar o curso de teologia. Percebia que isso iria ajudá-lo nos seus
estudos de teologia. Não trabalhou um ano, mas durante todo seu curso de teologia. Após
concluir a teologia, fez um curso de mecânica para que pudesse trabalhar em indústrias na
manutenção das máquinas.
Toda essa experiência de busca vem a partir do discernimento, da busca nos
Exercícios Espirituais. Percebia que deveria fazer-se presente e se encarnar no mundo dos
trabalhadores. Disse que o amor de sua vida sempre foi o Deus de Jesus e a sua causa, os
pobres. Essa motivação o orientou durante os 47 anos de jesuíta e em seu ministério
sacerdotal. Ia como Jesus e com Ele no coração tentando compartilhar sua vida com a gente
humilde nos bairros “obreros”. Sentia e reconhecia que, trabalhando conscientemente
realizava sua vocação de testemunha da proximidade amorosa de Deus com os operários. Seu
124
desejo é que sua vida, a exemplo de outros tantos “curas-obreros”, ao menos tenha ajudado a
tornar próximo e familiar algo da “música” ou do “odor” da Boa Notícia de Jesus.
Disse que uma frase que havia lido do teólogo J. M. Rovira Belloso o havia marcado e
inspirado durante sua missão. Este dizia que “também evangelizas quando os pobres te
aceitam como és, ainda que não te sigam”. Para ele o seguimento de Jesus e a própria opção
feita faziam-no sentir, ao ir ao trabalho diariamente na fábrica, como se estivesse indo ao
Reino para pregar com a própria vida, assim como tantos outros sacerdotes o fazem na
celebração. No trabalho não se identificava como jesuíta, tanto que muitos companheiros de
profissão o descobriram depois de estarem trabalhando juntos por um bom tempo.
Assim, eles, ao descobrirem quem era, se sentiam valorizados em seus trabalhos e diziam:
“esse é um dos nossos”.
com o patrão era sempre diferente, pois, ao descobrirem que era jesuíta, viam-no
como uma ameaça. O patrão pensava que ele fazia tal trabalho motivado mais por um espírito
socialista, com a intenção de organizar greves e também por fins políticos.
Atualmente aposentado, sente-se realizado pelo bem que pôde realizar, pelo
companheirismo que surgiu e pelas ajudas que pôde dar aos que trabalhavam com ele. que
os Exercícios Espirituais ajudaram-no a encontrar Jesus e a servi-lo na simplicidade de um
trabalhador. Percebe que com essa experiência aprendeu a valorizar o ser das pessoas, o
coração, e não as coisas que fazem. Sente que o Evangelho para ele, após a experiência, soa
diferente quando é anunciado a partir de um palácio ou de uma choça. Por isso sempre se
esforçou em querer anunciá-lo desde a choça.
Sente que os Exercícios Espirituais ajudaram-no a mergulhar profundamente na vida
dos trabalhadores fazendo-se sentir próximo a eles. Mesmo, cansado do trabalho, sentia-se
impelido a assumir trabalhos na paróquia, à noite e nos finais de semana. Com isso, muitos
vinham procurá-lo e se sentiam acolhidos por ele. Assim, sentia-se próximo deles, no mesmo
patamar. Procuravam-no até mais do que o sacerdote responsável pela paróquia. Isso o
consolava muito, pois se sentia aceito como operário, alguém como eles.
125
ANEXO: 3
CEI - ITAICI CAP 1 Curso Intensivo de Capacitação para Orientadores
Espirituais de Exercícios (EE)– 06/07 a 15/07/2007
07/07 - Sábado
Como nasceram os EE. Anotações
08/07 - Domingo
Princípio e fundamento Exames e Adições
09/07 - Segunda
Primeira Semana. Meditação Regras de discernimento da 1ª Semana
10/07 - Terça
Reino 1ª Parte da 2ª Semana: Contemplações
da Vida de Cristo
11/07 - Quarta
Jornada Inaciana: Duas
Bandeiras
Três tipos de pessoas e Três Modos de
Humildade
12/07 - Quinta
2ª Parte da 2ª Semana:
Contemplações da Vida de
Cristo
Regras de Discernimento 2ª Semana
13/07 - Sexta
Eleição Acompanhamento
14/07 - Sábado
3ª Semana 4ª Semana. Três modos de Orar
15/07 - Domingo
Contemplação para alcançar
Amor
HORÁRIOS:
06hs30 - Oração Pessoal
07hs30 - Revisão da oração
07hs45 - Partilha em grupo
09hs00 - Colocação
10hs45 - Colocação
12hs00 - Oração Comunitária Exame
14hs00 - Estudo/Assimilação individual
16hs00 - Partilha
17hs30 - Pontos para oração
18hs30 - Eucaristia
20hs00 - Estudo pessoal
126
ANEXO: 4
CEI - ITAICI CAP 2 – Curso Intensivo de Capacitação para Orientadores de
Exercícios Espirituais (EE) – 10/01 a 21/01/2007
DATA TEMA
10/01 – 4ª Feira Abertura / Perfil dos EE
11/01 – 5ª Feira Como introduzi-los
12/01 – 6ª Feira Princípio e Fundamento
13/01 – Sábado Primeira Semana
14/01 – Domingo Anotações
15/01 – 2ª Feira Regras de 1ª Semana
16/01 – 3ª Feira Reino e Vida Oculta
17/01 – 4ª Feira Jornada Inaciana e Vida Pública
18/01 – 5ª Feira Regras – 2ª Semana
19/01 – 6ª Feira Eleição e Reforma
20/01 – Sábado Etapas de Confirmação
21/01 – Domingo Contemplação para alcançar Amor
HORÁRIOS
06hs45 – Oração pessoal
07hs45 – Revisão da oração
08hs45 – Partilha Supervisionada
10hs45 - Colocação
11hs15 – Grupos de Partilha
14hs45 – Tempo de Leitura
16hs20 - Grupos de Partilha
17hs20 – Indicações para o dia seguinte
18hs30 – Eucaristia
20hs00 – Atividades especiais
127
ANEXO: 5
CURSO PARA ORIENTADORES DE RETIROS
Centro de Espiritualidade Cristo Rei – CECREI
Início: 30/03/2005.
Término: dezembro de 2006.
Duração: 260 horas.
1. Alguns conteúdos serão desenvolvidos em forma mais expositiva.
2. Outros, em forma de seminários com participação ativa dos cursistas antes e durante os
encontros.
3. Elaboração de roteiros para retiros.
4. Possibilidade de retiro supervisionado.
Será desenvolvido das 20h do primeiro dia até às 12h do último dia de cada módulo.
MÓDULO 01: de 30/03 a 03/04/2005 - 36h.
Tema: Teologia e Espiritualidade. Assessores: Prof. M. P. Itacir Bressani Prof. Dr. P.
J. Roque Junges, SJ; Prof. Dr. P. Ricardo Antoncich, SJ.
MÓDULO 02: de 24 a 26/06/2005 - 16h
Tema: O Ministério da orientação espiritual.
Assessor: P. Geraldo Kolling, SJ
MÓDULO 03: de 21 a 25/09/2005 - 36h
Tema: Antropologia. Assessor: Prof. Dr. P. França Miranda, SJ
MÓDULO 04: de 31/10a 04/11/2005 - 36h
Temas: 1) Elementos de Psicologia. Assessores: P. Pius Sidegum, SJ Ir. Maria L
Morschel, SND; 2) Elementos históricos. Assessores: P. Miguel Schroeder,SJ; P. J.
Quirino Weber, SJ
MÓDULO 05: de 19 a 23/04/2006 - 36h
Temas: 1) Elementos históricos. Assessores: P. Miguel Schroeder, SJ; P. J. Quirino
Weber, SJ; 2) Elementos de Psicologia. Assessores: P. Pius Sidegum, SJ; Ir. Maria
Luíza Morschel, SND
MÓDULO 06: de 20 a 28/07/2006 - 64h
Tema: Retiro Personalizado. Assessores: R Geraldo Kolling, SJ, P. Pius Sidegum SJ;
P. Miguel Schroeder, SJ; P. Quirino Weber, SJ; P. Atalíbio Schneider, SJ e Ir. Maria
Luíza Morschel, SND.
MÓDULO 07: de 27 a 29/09/2006 - 16h
Tema: Elaboração de roteiros de retiros. Assessores: P. Geraldo Kolling, SJ; P. Pius
Sidegum, SJ; P. Miguel Schroeder, SJ; P. Quirino Weber,SJ; P. Atalíbio Schneider, SJ
e Ir. Maria Luíza Morschel, SND.
MÓDULO 08: meses de outubro a dezembro de 2006 - 20h
Tema: Orientação de retiro com supervisão. Assessores: a combinar com os
mesmos dos módulos 06 e 07.
Livros Grátis
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