
O Momento Monarquiano
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Severiano Maciel da Costa, Manuel Jacinto Nogueira da Gama, Luís José Carvalho e Melo
(1764-1826) e Antônio Luís Pereira da Cunha. Pelas páginas do jornal O Tamoio, os
Andradas acusavam o governo de ter tendências pró-lusitanas ou, pelo menos, de
indesculpável neutralidade em matéria de nacionalismo, conveniente para continuarem a fruir
das benesses do Estado. No fundo, porém, tratava-se de uma briga de família – tanto que, se O
Tamoio apostava no discurso xenófobo das folhas do vintismo radical urbano, dirigidas por
Cipriano Barata e João Soares Lisboa, estava longe, porém, de partilhar de seu projeto
político, que era o mesmo de Caravelas. Ou seja, era um monarquianismo nacionalista
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.
Fracionada a frente governista, o gabinete Carneiro de Campos experimentou
sucessivas derrotas na tentativa de limitar os poderes da Constituinte e de garantir ao
Imperador o direito de veto da legislação ordinária. Por sua vez, o anteprojeto constitucional
apresentado em setembro por Antônio Carlos excluía das atribuições imperiais o direito de
dissolução da câmara - ainda que mantivessem outras características monarquianas, como o
bicameralismo, o veto quase absoluto do Imperador e uma rigorosa centralização político-
administrativa. Os Andradas reforçavam assim a pressão sobre a Coroa. Por fim, o episódio
do “brasileiro resoluto” reproduziu cenas que, aos olhos de muitos, evocavam as cenas da
Revolução Francesa, com populares armados no meio do plenário, enquanto os Andradas
discursavam contra os inimigos da Pátria
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. Vendo os episódios de 1789 na iminência de se
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Por um lado, os Andradas criticavam o gabinete Caravelas como integrante de um “partido neutro ou do
ventre”, “absolutamente indiferente ao futuro político do Brasil”; que só tinha em mira “a conservação de suas
fortunas, ordenados, pensões, ou o acréscimo de novas”. Por outro, criticavam Cipriano Barata, para quem a
deputação constituinte se achava coarctada: “Toda a gente desta capital sabe a excelente harmonia em que
marcham os supremos poderes da Nação, o Imperador e a Assembléia, toda ela conhece os sentimentos de um e
a liberdade com que a outra discorre e delibera (...). Não nos admira o desaforado descaramento com que o
Barata mente e anarquiza os povos”. O jornal de Barata, o Sentinela de Pernambuco, só cuidaria de “comunicar
aos povos incautos a sua labareda revolucionária” (In: LIMA SOBRINHO, 1973:58/59).
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Na ocasião, Antônio Carlos convidou o povo para descer das galerias e ocupar o plenário da assembléia a fim
de, lado a lado com os demais deputados, ouvissem seu discurso jacobino contra os inimigos do Brasil: “Não
somos nada, se estúpidos vemos, sem os remediar, os ultrajes que se fazem, ao nobre povo do Brasil,
estrangeiros que adotamos nacionais e que assalariamos para nos cobrirem de baldões (...). Os cabelos se me
eriçam, o sangue ferve-me em borbotões à vista do infando atentado; e quase maquinalmente grito: vingança!
(...) Poderei ser assassinado: não é novo que os defensores do povo sejam vítimas do seu patriotismo; mas meu
sangue gritará vingança, e eu passarei à posteridade como o vingador da dignidade do Brasil”. Para seu irmão
Martim Francisco, ex-ministro da Fazenda, havia se tornado crime “amar o Brasil, ser nele nascido e pugnar pela
sua independência e pelas suas leis”. O orador foi interrompido por deputados e populares que, do plenário e das
galerias, aplaudiram o discurso com entusiasmo. O pedido do Presidente da Assembléia para que se fizesse o
silêncio exigido pelo regimento interno caiu no vazio. Nesse meio tempo, foi informado por vários deputados de
que receavam por suas vidas, pois havia populares armados de pistolas e punhais entre os populares do plenário.
“Crescendo o sussurro e ajuntando-se às vozes do povo as dos senhores deputados, que chamavam à ordem”, o
presidente decidiu encerrar antecipadamente a sessão (AACB, 10/11/1823). Indagando sobre a sessão da
Constituinte naquele dia a constituintes sobreviventes, como Lourenço Viana e o Visconde de Maranguape, José
de Alencar receberia do primeiro o testemunho de que o discurso dos Andradas se dirigia efetivamente contra
Carneiro de Campos, que estava presente: “A sessão se tornou sobremaneira tempestuosa e revolucionária a
ponto de muitos deputados tremerem da sua existência, por se dizer que muita gente do povo, que invadiu o