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como a política, a gastronomia, a atualidade, a história da filosofia, a pedagogia
libertária e a estética, além de editar um jornal hedonista. A julgar pelas declarações de
Onfray, a sua proposta filosófica se quer inserida no cotidiano, articulada a
experimentacão com o real.
Seu materialismo hedonista está inspirado como vimos em filósofos
desde Aristipo de Cirene até o Marquês de Sade, entre outros. Situando-se no campo da
moral
27
, sua teoria hedonista também nos vela a pensar numa estética generalizada,
inspirada em Marcel Duchamp, que permita incluir a ética na estética. Os seus debates
buscam incluir questões: como se fabricar uma subjetividade pós-moderna? Que ética é
possível para pensar o tempo presente? Como superar o cristianismo e voltar a situar o
corpo no centro da intersubjetividade?
Ao definir-se como um “nietzschiano de esquerda”, Michel Onfray
inspira-se em Georges Palante
28
, um dos primeiros leitores de Nietzsche na França que
assumiu uma posição de esquerda. Palante demonstrou como se pode ser nietzschiano e
ser de esquerda, assumindo e difundindo esta postura. Ele é um dos primeiros a fazer
qualitativo que retira do prazer da droga todo do positivo de satisfação para gerar a completude pelo
avesso: droga-se para evitar a evidencia do vazio. Sobre esta questão, Onfray parece defender o
hedonismo não como algo banalizado ou mesmo aderido a uma idéia totalizante de prazer. Mas à uma
aritmética pessoal e à uma complexidade de arranjos de interesses possíveis diante da realidade,
valorizando inclusive o acordo com o outro.
27
Segundo Monique Canto-Sperber, no livro “A inquietude Moral e a Vida Humana” (2005), alguns
filósofos da atual cena contemporânea francesa, inclusive Michel Onfray, quando defendem uma “ética
válida” em seus estudos, não conseguem estabelecer uma conexão profunda com o que a autora define
como uma filosofia moral. Para Monique Canto, a filosofia moral, neste caso, não tem sido
suficientemente valorizada como disciplina filosófica. Para ela: “Por que não se considera, como se faria
em qualquer outra disciplina, que a ética representa um corpo de saber, uma rede de conceitos, uma
atitude constituída que persiste no que ela é, apesar dos desvios de sentido e dos absurdos de que é vítima,
e sobre a qual não se pode declarar arbitrariamente que é esta ou aquela?” (p. 25).
28
George Palante foi um individualista do início do séc. XX, que desenvolveu uma das filosofias mais
anti-conformistas que se conhece. A sua obra não admite compromisso algum; constitui de fato um
verdadeiro guia prático para o uso de seres livres que não queiram nunca deixar de o ser. Para ele, o
confronto entre o singular e o rebanho, entre o indivíduo e a sociedade é inevitável, mesmo quando o
resultado se mostra fatal para a originalidade sob qualquer forma que ela se possa apresentar. O indivíduo
livre não tem outra escolha senão a revolta, desesperada se necessário for. Este incorrigível pessimista faz
a apologia do libertário integral, uma espécie de super-homem nietzschiano esfolado vivo e sedento de
relações afinitárias. Foi professor do Lycée de Saint-Brieuc, tendo encarnado o ideal do aristocrata
libertário. Palante, George “L’individualisme aristocratique”, éditions des Belles Lettres. Palante,
George “Combat pour l’individu”, éditions Folle Avoine, 1989 - Rémy de Gourmont, “Epilogues II”.