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LUCILENA VAGOSTELLO
O EMPREGO DA TÉCNICA DO DESENHO DA PESSOA NA CHUVA:
UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO PSICOLÓGICO DE CRIANÇAS
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo, como parte dos
requisitos para a obtenção do título de Doutor
em Psicologia
São Paulo
2007
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LUCILENA VAGOSTELLO
O EMPREGO DA TÉCNICA DO DESENHO DA PESSOA NA CHUVA:
UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO PSICOLÓGICO DE CRIANÇAS
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo, como parte dos
requisitos para a obtenção do título de Doutor em
Psicologia
Área de Concentração: Psicologia Clínica
Orientadora:
Profª Drª Leila Salomão de la Plata Cury Tardivo
São Paulo
2007
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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação na publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Vagostello, Lucilena.
O emprego da técnica do desenho da pessoa na chuva: uma
contribuição ao estudo psicológico de crianças vítimas de violência
doméstica / Lucilena Vagostello; orientadora Leila Salomão de La
Plata Cury Tardivo. -- São Paulo, 2007.
185 p.
Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Área de Concentração: Psicologia Clínica) – Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo.
1. Teste da pessoa na chuva 2. Técnicas projetivas 3. Desenho de
figura humana 4. Psicodiagnóstico 5. Violência na família 6. Abuso
da criança I. Título.
BF698.7
O EMPREGO DA TÉCNICA DO DESENHO DA PESSOA NA CHUVA:
UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO PSICOLÓGICO DE CRIANÇAS
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
LUCILENA VAGOSTELLO
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr.
Instituição Assinatura
Prof. Dr.
Instituição Assinatura
Prof. Dr.
Instituição Assinatura
Prof. Dr.
Instituição Assinatura
Prof. Dr.
Instituição Assinatura
Tese defendida e aprovada em: _____/_____/_____
AGRADECIMENTOS
À Profª. Drª. Leila Salomão de la Plata Cury Tardivo, pelo conhecimento proporcionado nesse
longo trajeto, pela disponibilidade, atenção, paciência e sensibilidade na orientação do
trabalho, sobretudo nos momentos finais, tão extenuantes. Manifesto minha mais sincera
gratidão pelo incansável incentivo à pesquisa e pela imensa generosidade que me abriu tantas
portas.
Ao Prof. Dr. Antonio Augusto Pinto Junior pelas relevantes sugestões e contribuições por
ocasião do exame de qualificação e pelo material bibliográfico gentilmente cedido.
À Profª Drª. Eda Marconi Custodio pelas contribuições no exame de qualificação.
À Profª. Drª. Regina Sonia Gattás do Nascimento pelo conhecimento proporcionado e
incentivo para a realização do doutorado.
À banca examinadora pela aceitação do convite e, pela leitura, avaliação e discussão do
trabalho.
Ao Cristiano, pela atenção e dedicação na realização do tratamento estatístico.
Às amigas Lílian e Ana Lucia, pelo profissionalismo e pela inestimável (e impagável!)
contribuição nas avaliações.
Às psicólogas do Tribunal de Justiça, Ana Claudia, Cristina, Enny, Lucimar, Márcia, Marília,
Marisa, Patrícia, Regina, Silvia, Yeda, pelas contribuições na seleção das crianças. Obrigada
pelo apoio, compreensão e respeito ao meu cansaço nos últimos meses de trabalho.
À Andréia, pelo auxílio no contato com as escolas e na coleta de dados.
Ao Glauco Bardela, pelo apoio disponibilizado para a realização da pesquisa.
À minha família, principalmente minha mãe e irmã, pelo cuidado e preocupação.
A todas as crianças que colaboraram com a pesquisa.
Aos diretores das escolas e pais ou responsáveis, que permitiram a realização da pesquisa.
Ao Dr. Euclides, pela autorização para a realização do trabalho.
Aos companheiros do Apoiar, pelo carinho, apoio e incentivo recebido.
Ao Christian, pelo acolhimento e pelo “tumulto” que provoca.
À Solange pela revisão.
A todos os amigos que me incentivam e torcem por mim.
i
Ou Isto Ou Aquilo
Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
E vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
(Cecília Meireles)
ii
RESUMO
VAGOSTELLO, L.V. O emprego da Técnica do Desenho da Pessoa na Chuva: uma
contribuição ao estudo psicológico de crianças vítimas de violência doméstica. 2007. 185 f.
Tese (Doutorado) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
Este trabalho tem como objetivo apresentar uma técnica projetiva praticamente desconhecida
no Brasil, o teste da Pessoa na Chuva. Por meio de um estudo exploratório, busca-se verificar
suas contribuições para a avaliação psicológica de crianças vítimas de violência doméstica. A
técnica consiste em solicitar o desenho de uma pessoa na chuva e foi elaborada para verificar
como o indivíduo reage a situações de tensão ambiental. No presente trabalho, tal
procedimento foi aplicado em 82 participantes de ambos os sexos, com idades entre 6 e 10
anos e residentes em regiões de baixo índice de desenvolvimento humano da periferia da
cidade de São Paulo. Dos participantes, 40 são crianças comprovadamente vítimas de
violência doméstica (grupo experimental), segundo avaliação na Seção de Psicologia de uma
Vara de Infância e Juventude de São Paulo. Os outros 42 sujeitos (grupo de controle) são
crianças sem queixa de vitimização. Cada desenho foi classificado de acordo com a presença
ou ausência de seis características gráficas gerais: dimensão pequena da figura humana,
ausência de pés, ausência de mãos, ausência de detalhes, chuva (chuva como lágrimas, chuva
setorizada e raios) e guarda-chuva. As freqüências de cada característica foram calculadas e
comparadas nos dois grupos através do teste de Qui-quadrado. Além da pesquisadora, foi
realizada análise às cegas por outros dois juízes, por meio do teste de correlação de Pearson.
Com isso, verificou-se concordância entre as avaliações, dando confiabilidade à análise
realizada. A análise dos dados indicou que três características foram capazes de discriminar o
grupo de crianças vitimizadas do grupo de controle: ausência de detalhes, ausência de guarda-
chuva e chuva setorizada, todas elas mais presentes nas crianças com a condição de
vitimização. O Desenho da Pessoa na Chuva pode auxiliar o psicólogo em sua investigação, a
qual, contudo, deve contemplar outras técnicas de avaliação e várias fontes de informação.
Como um instrumento projetivo, a Pessoa na Chuva pode ajudar a promover o
estabelecimento de vínculos de confiança e favorecer a comunicação entre criança e
profissional, permitindo, com isso, melhor compreensão do sofrimento inerente à experiência
abusiva. Espera-se, com esse trabalho, incentivar a realização de outros estudos, quantitativos
e qualitativos, com vistas à validação da técnica na população brasileira.
Palavras-chave: Teste da Pessoa na Chuva, Técnicas projetivas, Desenho de figura humana,
Psicodiagnóstico, Violência na família, Abuso da criança.
iii
ABSTRACT
VAGOSTELLO, L.V. The use of the ‘Draw a Person in the Rain’ technique: a contribution to
the psychological study of child victims of domestic violence. 2007. 185 f. Thesis (Doctoral) –
Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
The purpose of this study is to present the ‘Draw a Person in the Rain’ test, a projective
technique practically unknown in Brazil. By means of a preliminary and investigative study,
its contributions to the psychological evaluation of child victims of domestic violence are
sought. This technique consists in asking the subject to draw a person in the rain and has been
designed to check how sole individuals react to situations of environmental stress. The test
was performed in 82 participants, male and female, from 6 to 10 years of age and living in
areas of low human development from the suburbs in the city of São Paulo. Among all the
participants, 40 were child victims of domestic violence (experimental group), according to
evaluations at the department of Psychology of a Childhood and Adolescence Court of Law in
São Paulo. The remaining 42 (control group) are children with no claims of victimization.
Each drawing was classified according to the presence or absence of six general graphic
characteristics: small dimension of the human figure, absence of feet, absence of hands,
absence of details, rain (rain as tears, rain in sectors and thunderbolts) and umbrellas. The
frequencies of each characteristic were estimated and compared in both groups, using the chi-
square significance test. Besides the researcher, two other judges performed blind testing,
using the Pearson’s correlation coefficient, which conferred reliability to the present analysis.
Data analysis indicated that three characteristics made it possible to discriminate the child
victims from the control group: absence of details, absence of umbrella and rain in sectors, all
of which were more present in children suffering from victimization. Although the ‘Draw a
person in the rain’ test may help the psychologist, his or her investigation must include other
evaluation techniques and various sources of information. As a projective tool, this test can
help establishing trust relationships and fostering child-psychologist communication, thus
making it possible to better understand the suffering connected to the experience of being
abused. This work also aims at encouraging the conduction of other studies, both quantitative
and qualitative, in order to validate the technique for the brazilian population.
Keywords: Draw a Person in the Rain technique, Projective Techniques, Human Figure
drawing, Psychodiagnostics, Violence in the Family, Child abuse
iv
RESUMÉ
VAGOSTELLO, L.V. L’emploi de la technique du dessin de la personne sous la pluie: une
contribution à l’étude psychologique d’enfants victimes de violences domestiques.2007. 185 f.
Thèse (Doctoral) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
Ce travail a pour but de présenter une technique projective méconnue au Brésil, le test de la
personne sous la pluie, et de vérifier, par le biais d’une étude d’exploration, ses contributions
dans l’évaluation psychologique d’enfants victimes de violences domestiques. Cette technique
projective, fondée sur la sollicitation de dessiner une personne sous la pluie, a été élaborée
pour vérifier comment l’individu réagit à des situations de tension environnementale. Dans ce
travail, la technique de la personne sous la pluie a été appliquée sur 82 participants, dont 40,
connus pour avoir subis des violences domestiques (groupe expérimental) ont été évalués par
la Section de Psychologie d’une Chambre de l’Enfance et de la Jeunesse de São Paulo les 42
restant n’ayant aucune réclamation de persécution (groupe de contrôle) ; les deux sexes étaient
représentés à proportion égale, les enfants, âgés de 6 à 10 ans, résidant dans des régions au
taux de développement humain bas dans les banlieux de la ville de São Paulo. Chaque dessin
a été classé selon la présence ou l’absence de six caractéristiques graphiques générales : petite
taille de la figure humaine, absence de pieds, absence de mains, absence de détails, pluie (pluie
en forme de larmes, pluie sectorisée et éclairs) et parapluie. La fréquence de chacune des
caractéristiques a été calculée et comparée dans les deux groupes par le test khi carré. Une
analyse en aveugle a ensuite été effectuée par deux autres juges, outre le chercheur, au moyen
du test de corrélation linéaire de Pearson, lequel a avéré la concordance entre les évaluations,
rendant ainsi l’analyse confiable. L’analyse des données a indiqué que trois caractéristiques
ont permis de distinguer le groupe d’enfants persécutés du groupe de contrôle : absence de
détails, absence de parapluie et de pluie sectorisée, des caractéristiques davantage présentes
chez les enfants en état de persécution. Le dessin de la personne sous la pluie peut aider le
psychologue dans son investigation, celle-ci devant obligatoirement inclure d’autres
techniques d’évaluation et diverses sources d’information. La personne sous la pluie peut
jouer le rôle d’outil de projection pour aider à promouvoir l’établissement de liens de
confiance et favoriser la communication entre l’enfant et le professionnel, permettant, ainsi,
une meilleure compréhension de la souffrance inhérente à l’expérience abusive. Nous
espérons que ce travail encouragera la réalisation d’autres études, quantitatives et qualitatives,
en vue de valider cette technique dans la population brésilienne.
Mots-clés: Test de la personne sous la pluie, techniques projectives, dessin de figure humaine,
psychodiagnostic, violence dans la famille, abus de l’enfant.
v
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1 - Distribuição do grupo de crianças vitimizadas em função do tipo de
violência ...........................................................................................................................
109
Ilustração 1 - Desenho da Pessoa na Chuva (participante nº 17) ...................................... 133
Ilustração 2 - Desenho da Pessoa na Chuva (participante nº 21) ...................................... 137
vi
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Notificações de violência doméstica em cidades brasileiras ............................ 24
Tabela 2 – Notificações de abuso sexual em cidades brasileiras ....................................... 32
Tabela 3 – Efeitos do abuso sexual, em crianças e adolescentes, na literatura
especializada .......................................................................................................................
41
Tabela 4 - Indicadores gráficos da Figura Humana de Koppitz ........................................ 73
Tabela 5 – Escala de avaliação do teste da Pessoa na Chuva para adultos ........................ 92
Tabela 6 - Publicações encontradas na base de dados Psycinfo com a técnica da Pessoa
na Chuva ............................................................................................................................
93
Tabela 7 - Distribuição do grupo experimental em função do sexo e da idade ................. 106
Tabela 8 - Caracterização do grupo experimental em função do sexo, idade, tipo de
violência, agressor e situação familiar .............................................................................. 107
Tabela 9 - Distribuição de escolares em função do sexo e da idade (N=371) ................... 110
Tabela 10 - Distribuição do grupo de controle em função do sexo e da idade ................. 111
Tabela 11 - Qui-quadrado e freqüências para o item dimensão da figura humana para o
grupo de vítimas de violência e o grupo de controle .........................................................
120
Tabela 12 - Qui-quadrado e freqüências para os itens mãos e pés para o grupo de
vítimas de violência e o grupo de controle ........................................................................ 122
Tabela 13 - Qui-quadrado e freqüências para o item detalhes (complementos) para o
grupo de vítimas de violência e o grupo de controle .........................................................
123
Tabela 14 - Qui-quadrado e freqüências para o item chuva para o grupo de vítimas de
violência e o grupo de controle .........................................................................................
124
Tabela 15 - Qui-quadrado e freqüências para o item guarda-chuva para o grupo de
controle e o grupo de vítimas de violência ........................................................................
127
vii
SUMÁRIO
Agradecimentos ........................................................................................................................ i
Epígrafe .................................................................................................................................... ii
Resumo ..................................................................................................................................... iii
Abstract .................................................................................................................................... iv
Resume ..................................................................................................................................... v
Lista de figuras ......................................................................................................................... vi
Lista de tabelas ......................................................................................................................... vii
Apresentação ........................................................................................................................... 1
Capítulo I - Infância e violência doméstica: a investigação psicológica da vitimização
infantil ......................................................................................................................................
4
1.1. História da infância ou história da violência? ................................................................... 4
O conceito histórico de infância ......................................................................................... 4
1.2. A vitimização infantil dentro da família ........................................................................... 17
A Violência Intrafamiliar contra Crianças e Adolescentes ................................................ 17
Violência Física ou Abuso Físico ....................................................................................... 28
Violência ou Abuso Sexual ................................................................................................ 31
Negligência ......................................................................................................................... 41
Violência Psicológica ou Abuso Psicológico ..................................................................... 43
1.3. O psicólogo judiciário e a infância: entre a proteção e o controle .................................... 48
O Psicólogo no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ............................................ 48
A atuação do Psicólogo em Varas de Infância e Juventude .............................................. 50
A atuação do Psicólogo em Varas de Família e Sucessões ............................................... 52
A Intervenção do Psicólogo Jurídico em Situações de Risco contra Crianças e
Adolescentes .....................................................................................................................
53
O Psicólogo no Poder Judiciário: intervenção ou controle? .............................................. 58
1.4. O desenho da figura humana e a expressão da violência doméstica ................................. 68
Os instrumentos de avaliação psicológica: diagnóstico e intervenção ............................... 68
O Desenho da Figura Humana com crianças vítimas de violência doméstica ................... 78
O Teste da Pessoa na Chuva .............................................................................................. 87
O Teste da Pessoa na Chuva com crianças vítimas de violência doméstica ...................... 96
Capítulo II – Justificativa e objetivo ....................................................................................... 100
Capítulo III – Método ............................................................................................................. 103
viii
A. Participantes .................................................................................................................. 104
B. Instrumentos .................................................................................................................. 111
C. Procedimentos ............................................................................................................... 113
Capítulo IV – Apresentação e discussão dos resultados ......................................................... 120
Capítulo V – A Pessoa na Chuva: Ilustração de casos ............................................................ 130
Criança 1 – Violência Física .............................................................................................. 131
Criança 2 – Abuso sexual ................................................................................................... 135
Capítulo IV – Reflexões .......................................................................................................... 140
Referências .............................................................................................................................. 144
Anexo A - Desenhos dos participantes do grupo experimental ............................................... 159
Anexo B – Termos de consentimento ...................................................................................... 180
Anexo C - Correlação entre os juízes ...................................................................................... 184
ix
1
APRESENTAÇÃO
Minha trajetória e meus interesses em pesquisa na Graduação (iniciação científica),
Pós-Graduação (aperfeiçoamento) e Mestrado sempre foram voltados para temas da
Psicologia Social, mais especificamente, preconceito e violência. Em 1998, iniciei minha
experiência profissional com crianças vítimas de violência doméstica, como psicóloga de uma
Vara de Infância e Juventude localizada na periferia da cidade de São Paulo.
O trabalho cotidiano nessa região e o contato diário com impensáveis formas de
violência proporcionaram-me crescentes questionamentos sobre as vivências emocionais
dessas crianças, assim como as de seus pais, que também foram vitimizados dentro de suas
famílias na juventude e, atualmente, estão submetidos a uma forma de violência mais ampla, a
exclusão social, que os priva do direito de tornarem-se cidadãos.
A idéia de realizar esse trabalho surgiu em 2003, no Congresso Latinoamericano de
Rorschach e outros Métodos Projetivos, realizado no Uruguai, onde compartilhei a mesma
sessão de comunicação de pesquisa com Barilari, Agosta e Colombo, psicólogas argentinas,
que realizam pesquisas com crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica por meio
de uma técnica projetiva, até então desconhecida por mim, denominada a Pessoa na Chuva
(Querol & Paz, 1997).
O teste da Pessoa na Chuva é um instrumento difundido em países sul-americanos
como Argentina, Uruaguai, Chile e Peru, que associa o desenho da figura humana (de Karen
Machover, 1949) a uma situação de tensão ambiental, representada pela chuva (Querol & Paz,
1997; Hammer, 1991).
As psicólogas argentinas Barilari, Agosta e Colombo (2000, p.8), são pioneiras no
estudo desse instrumento com crianças e adolescentes vitimizados e fundamentam-se na
hipótese de que “em todo menor submetido a maltrato crônico intrafamiliar se produz um
2
dano psíquico que se expressa através de suas representações gráficas e de seu
comportamento”.
Nosso trabalho se propõe a apresentar à comunidade a técnica expressiva gráfica a
Pessoa na Chuva, e verificar as suas contribuições para o estudo de uma população específica,
a de crianças vítimas de violência doméstica. Com isso, pretendemos difundir as
contribuições do instrumento para o estudo da personalidade, visando estimular a produção
científica, uma vez que não existem, no Brasil, estudos estatísticos normativos, de validade e
de fidedignidade que permitam sua utilização pelo Conselho Federal de Psicologia.
O trabalho divide-se em seis capítulos; o primeiro dedica-se à fundamentação teórica
do estudo e é composto por quatro partes. A primeira delas apresenta as diferentes concepções
históricas da infância, mostrando que o conceito moderno de criança, como um sujeito de
direito e portador de necessidades específicas, é uma construção relativamente recente em
nossa sociedade. A segunda parte apresenta as diferentes facetas da violência doméstica
contra crianças, um fenômeno de pouca visibilidade social, caracterizado por relações
abusivas e assimétricas de poder. Apontamos as diferentes modalidades de violência
intrafamiliar (física, sexual, psicológica e negligência), suas peculiaridades e conseqüências
para o desenvolvimento infantil.
A terceira parte do primeiro capítulo apresenta a trajetória do psicólogo no Tribunal de
Justiça de São Paulo e sua atuação na proteção de crianças vulneráveis e/ou submetidas à
situação de violência doméstica, visando realizar uma reflexão sobre as contradições e as
possíveis intervenções do psicólogo judiciário, cuja atuação se inscreve no limite da
promoção de saúde e do controle sociojurídico. Na última parte, discutiremos a importância
das técnicas gráficas de avaliação da personalidade, em especial, as que utilizam o desenho da
figura humana, e apresentaremos o Teste da Pessoa na Chuva.
3
No segundo capítulo estão explicitados a justificativa os objetivos do presente
trabalho, que, pretende apresentar um instrumento de expressão gráfica em nosso meio, A
Pessoa na Chuva, como recurso auxiliar para a compreensão do fenômeno da violência
doméstica contra crianças. Esse trabalho se justifica pela originalidade do tema, na medida em
que é uma técnica projetiva desconhecida no Brasil, e porque pode oferecer contribuições
relevantes para o conhecimento da criança vítima de violência.
O terceiro é dedicado aos aspectos metodológicos do trabalho, que é um estudo
quantitativo, fundamentado nos métodos experimental e estatístico, que comparou
características gráficas da técnica da Pessoa na Chuva em 82 crianças, de 6 a 10 anos de
idade, 40 com histórico de violência doméstica (grupo experimental) e 42 sem queixas de
vitimização (grupo de controle).
No quarto capítulo os resultados dos dois grupos, experimental e de controle, são
apresentados, discutidos e comparados com o estudo argentino (Barilari et al., 2000) e com
outros da literatura especializada.
Incluímos um capítulo quinto para apresentarmos duas ilustrações de casos que,
embora não seja o objetivo do trabalho, é uma tentativa de integrar as duas facetas da
experiência profissional (pesquisadora e psicóloga) e as contribuições dos métodos
quantitativo e qualitativo.
O último capítulo é dedicado às reflexões derivadas do presente estudo e da
experiência profissional da autora com crianças vítimas de violência doméstica.
Esperamos que esse trabalho desperte o interesse de outros profissionais para o
conhecimento da técnica da Pessoa na Chuva e que sirva de ponto de partida para a realização
de estudos quantitativos e clínicos em diferentes segmentos da nossa população.
4
CAPÍTULO I
INFÂNCIA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA:
A INVESTIGAÇÃO PSICOLÓGICA DA VITIMIZAÇÃO INFANTIL
1.1. HISTÓRIA DA INFÂNCIA OU HISTÓRIA DA VIOLÊNCIA?
O Conceito Histórico de Infância
Quando pensamos na infância como uma fase peculiar do desenvolvimento humano,
como uma etapa necessária para a aquisição de recursos biológicos, psicológicos e sociais
fundamentais para a constituição do indivíduo, estamos diante de uma compreensão moderna
de infância. Isso significa que, em diferentes períodos históricos, as sociedades lançaram
diferentes olhares sobre a criança e constituíram diversas concepções de infância.
Os estudos sobre a infância e o papel da criança nos diferentes períodos da história são
relativamente recentes e foram pouco explorados até a década de cinqüenta. Um dos trabalhos
mais conhecidos sobre o tema é a “Hstória Social da Criança e da Família” de Phillipe Áries
(1973/1981), que utilizou a pesquisa iconográfica de diferentes épocas – representações
artísticas como gravuras e pinturas – para conhecer hábitos e costumes familiares em
diferentes momentos históricos, bem como o lugar e a função social da criança na família até
o surgimento da sociedade moderna.
Nesse trabalho Ariès (1973/1981) revelou que todas as questões e indagações
relacionadas à infância são preocupações específicas da modernidade, pois até o século XVII
a criança ocupou um papel praticamente insignificante na vida pública e privada.
Ariès (1973/1981, p.50) apontou que, com exceção da arte grega, que retratou suas
crianças com características infantis, até o final do século XI, somente os adultos foram
5
representados nas artes, como se a figura da criança inexistisse no mundo social e como se
“não houvesse lugar para a infância nesse mundo”.
Ariès (1973/1981) observou que algumas representações de crianças nas artes
apareceram no final do referido século, porém não passavam da reprodução de adultos com
tamanho reduzido, de “adultos em miniatura”. As primeiras manifestações artísticas que
retrataram crianças com características infantis apareceram somente no século XIII, porém,
eram representações fortemente marcadas pela influência religiosa cristã (imagens de anjos e
santos), que perdurou até o final do século XVI.
A falta de uma clara distinção e separação entre o mundo adulto e o infantil evidencia,
para Ariès (1973/1981), a ausência da noção de infância na sociedade medieval, na qual
adultos e crianças trajavam-se da mesma maneira, compartilhavam indiscriminadamente as
mesmas atividades sociais (jogos de azar, eventos sociais, danças) e mantinham entre si pouco
distanciamento corporal, permitindo o contato com partes íntimas do corpo.
No final do século XVII, período de transição para o capitalismo, a nascente classe
social burguesa passou a almejar uma educação diferenciada para os filhos, o que culminou na
retirada da criança da família e na sua inserção no regime disciplinar escolar. A retirada da
criança da família moderna representa a separação entre mundo adulto e mundo infantil e
marca o que Ariès (1973/1981) chamou de “o surgimento do sentimento de infância”, ou seja,
o momento a partir do qual a criança passou a ser vista como um ser diferente do adulto.
O final do século XVII representou, para Ariès (1973/1981), a tomada de consciência
das especificidades da criança por uma sociedade que, até então, as ignorava. Por outro lado,
esse autor destaca que o surgimento da infância promoveu a imposição de limites e de regras
educacionais mais rígidos para a criança e incentivou a adoção de castigos corporais para
domar os instintos infantis.
6
O trabalho de Ariès (1973/1981) é muito conhecido e citado nas áreas de Psicologia e
de Ciências Sociais, mas suas teses encontraram oposicionismo por parte de outros
historiadores como DeMause (1975), Postman (1999) e Heywood (2004) por diferentes
razões que serão apresentadas a seguir.
DeMause (1975) realizou uma investigação histórica, da Antigüidade ao século XX,
sobre as atitudes e as práticas educativas de pais em relação aos filhos e constatou que os
cuidados infantis melhoraram ao longo do tempo, uma vez que, em séculos remotos, o
número de crianças mortas, abandonadas, espancadas, aterrorizadas e sexualmente abusadas
era muito maior.
DeMause (1975) opõe-se à tese de Ariès (1973/1981) de que a família moderna
intensificou os castigos corporais da criança, uma vez que este último baseou-se,
predominantemente, em registros do século XVII, enquanto que documentos mais antigos
revelam que o espancamento de crianças, com os mais diversos tipos de objetos, era uma
prática socialmente tolerada antes do século XIII.
Além disso, DeMause (1995) também observa, criticamente, que muitos historiadores
encaram com naturalidade a prática social do infanticídio em períodos remotos e que até
mesmo Ariès (1973/1981), que pontuou a perda da liberdade da criança e a imposição de
castigos mais rigorosos na família burguesa, tratou as brincadeiras sexuais entre adultos e
crianças como uma “tradição da época” e não como abuso sexual.
Portanto, enquanto Ariès (1973/1981) sinaliza que os maus-tratos infantis iniciaram-se
a partir do surgimento da infância, DeMause (1975) localiza o período mais sombrio da
vitimização infantil em séculos cada vez mais distantes, onde o infantício era socialmente
aceito. Para este último, ao longo da história, a relação entre pais e filhos modificou-se e
evoluiu para formas mais socializadas de educar os filhos.
7
Ariès (1973/1981) também recebeu críticas de historiadores que questionaram sua
metodologia e suas fontes de pesquisa. Entre eles encontramos Heywood (2004), que contesta
a ausência de um sentimento ou consciência de infância no período medieval e defende a
existência de alguma forma de reconhecimento das especificidades da infância no período que
precedeu o século XVII. Para Heywood (2004, p.29), a infância, na Idade Média, “não passou
tão ignorada, mas foi antes definida de forma imprecisa, e por vezes, desdenhada”.
Heywood (2004) entende que nas diversas sociedades – inclusive na medieval –
sempre existiu alguma consciência de que crianças e adultos não são pessoas propriamente
iguais e, reportando-se a David Archard, fala na existência de diferentes “concepções de
infância” que sofreram transformações nos diversos momentos históricos
David Archard sugere que todas as sociedades, em todas as épocas, tiveram o ‘conceito’
de infância, ou seja, a noção de que as crianças podem ser diferenciadas dos adultos de
várias formas. O ponto em que elas diferem é em suas ‘concepções’ de infância... elas
terão idéias contrastantes sobre questões fundamentais relacionadas à duração da infância,
às qualidades que diferenciam os adultos das crianças e à importância vinculada às suas
diferenças (Heywood, 2004, p. 22).
Postman (1999) considera que as primeiras preocupações com a criança originaram-se
na Grécia antiga e que, embora o infanticídio tenha sido uma prática socialmente tolerada
naquela sociedade, os gregos foram os primeiros a criar escolas para educar crianças, ensinar-
lhes os ofícios da guerra e transformá-las em cidadãos. A criança era encarada como um
cidadão em potencial pela sociedade grega e, por isso, essa concepção pode ser considerada
como o “prenúncio da idéia de infância”. Segundo Postman (1999, p.22), os gregos
“certamente não inventaram a infância, mas chegaram suficientemente perto para que dois mil
anos depois, quando ela foi inventada, pudéssemos reconhecer-lhes as raízes.”
Sabe-se que a sociedade romana foi profundamente influenciada pelos ideais de
educação e de escolarização gregos, mas, Postman (1999) acredita que os romanos superaram
a concepção grega de infância, porque foram os pioneiros a inserir a noção de vergonha. A
idéia de vergonha é importante para a concepção de infância, pois representa a adoção de uma
8
atitude moral do adulto em relação à criança e porque insere o segredo como um limite
necessário para impedir o acesso da criança ao universo adulto
Aqui nos defrontamos com uma visão inteiramente moderna, que define a infância, em
parte, reclamando para ela a necessidade de ser protegida dos segredos adultos,
especialmente os segredos sexuais (Postman, 1999, p.23).
No que se refere ao período da Antigüidade, especificamente, não verificamos
divergências significativas entre idéias de Ariès (1973/1981) e de seus críticos, na medida em
que todos convergem para a existência de uma distinção entre os mundos infantil e adulto na
Grécia e em Roma, apesar de as crianças serem consideradas propriedades dos pais e
vulneráveis ao (abuso de) poder do adulto.
Postman (1999) recorda que no ano de 374 dC, o infanticídio foi proibido por lei em
Roma, fato que poderia ser considerado o prenúncio histórico de uma preocupação com a
proteção da infância, porém, destaca que eventos como a queda do império romano (476 dC),
o fim da cultura clássica e a entrada na Idade Média impossibilitaram o desenvolvimento do
interesse pela criança. Observamos e lembramos que muitos séculos se passaram até a criação
de dispositivos legais de proteção à criança na sociedade, conforme veremos mais adiante.
Postman (1999) introduziu uma análise interessante sobre a situação da criança na
sociedade medieval e, ao contrário de Ariès (1973/1981), não considera a Idade Média como
um período caracterizado pela ausência ou inexistência da noção de infância, mas como um
momento histórico marcado pelo desaparecimento dessa idéia. Para Postman (1999, p.66), a
infância representou “coisas diferentes para pessoas diferentes em épocas diferentes”.
Em sua análise, Postman (1999) associa o desaparecimento da infância ao
desaparecimento da capacidade da leitura e da escrita nas relações sociais mais amplas, que,
na Idade Média, restringiu-se somente aos representantes da Igreja Católica. O autor lembra
que a escrita é uma produção cultural de uma sociedade e que o acesso ao mundo letrado
ocorre somente após o desenvolvimento e o amadurecimento de certas habilidades do
9
indivíduo. A leitura e a escrita restringem a informação a um grupo específico de indivíduos
(adultos letrados), o que confere a este saber um caráter de segredo.
A sociedade medieval promoveu, aos poucos, o desaparecimento da capacidade de ler
e escrever e, com isto, os segredos do mundo adulto tornaram-se mais acessíveis ao mundo
infantil, diluindo as fronteiras entre ambos. Assim, a Idade Média representa o período do
desaparecimento da educação, da vergonha, do segredo e, conseqüentemente, do
desaparecimento da infância (Postman, 1999).
Apesar de contemplarem diferentes visões, Postman (1999) considera a contribuição
de Ariès (1973/1981) importante, pois foi o primeiro autor a chamar a atenção para a pequena
distância que separava a infância da vida adulta na Idade Média; contudo, para o primeiro, a
infância desapareceu nesse período e, para o último, ela simplesmente não existiu.
A despeito das divergências sobre a infância, observamos que os autores parecem
concordar que, na sociedade medieval, a infância foi, no mínimo, pouco valorizada. Elizabeth
Badinter (1985), por exemplo, mostra que a entrega dos filhos de famílias abastadas para as
amas-de-leite foi uma prática comum desde o século XIII na França, uma vez que as
atividades domésticas e o cuidado dos filhos eram atribuições desvalorizadas pelas mulheres
das camadas sociais mais elevadas. Gradativamente, essa prática foi incorporada por mulheres
de outras classes sociais, cujos filhos eram entregues para amas cada vez menos qualificadas.
A entrega de filhos às amas-de-leite perdurou até o século XVIII e a taxa de
mortalidade infantil na França chegou a atingir 25% das crianças no primeiro ano de vida, o
que é considerado por Badinter (1985) um “infanticídio disfarçado”. Além disso, o período
compreendido entre o final do século XVIII e início do século XIX caracterizou-se por
imenso índice de abandono infantil e de institucionalização de crianças.
Volnovich (1993) e Heywood (2004) destacam que até o século XVIII o conceito de
infância predominante baseou-se nas idéias de Santo Agostinho, que concebia a criança como
10
um ser naturalmente impuro, fruto e herdeiro do pecado original, dotado de atributos
negativos como a imoralidade e a impulsividade. Para esta concepção, a educação da criança
deve ser orientada para a sua contenção e para a sua transformação em adulto.
Os autores apontam que nos séculos XVII e XVIII, o pensamento de Locke, herdeiro
do racionalismo cartesiano, defendeu a submissão da criança a um processo educacional que
impusesse primazia da razão sobre seus instintos. Diferente de Santo Agostinho, Locke não
concebeu a criança como um ser impuro e pecador, mas como um representante do erro e do
engano, ou seja, a antítese da razão. Com sua idéia de tábula rasa, Locke delegou a
responsabilidade sobre o futuro da criança ao adulto, sendo a função deste conduzi-la para a
racionalidade (Volnovich, 1993; Postman,1999; Heywood, 2004).
Heywood (2004) mostra que a concepção moderna de infância sofreu, no século
XVIII, grande influência do pensamento de Rousseau, que, em oposição às concepções de
Santo Agostinho e Locke, valorizou as virtudes naturais da criança, considerada o “bom
selvagem”. A perspectiva rousseauniana defende uma “educação natural” que preserve a
expressão de virtudes infantis como pureza, inocência e espontaneidade até a imposição da
razão, que deve ocorrer somente quando o jovem estiver preparado, ou seja, a partir dos 12
anos, aproximadamente. Rousseau recomendava (1999, p.92-3, apud Heywood, 2004, p.38):
Respeitai a infância... deixai a natureza agir bastante tempo antes de resolver agir em seu
lugar”.
Norteada por Rousseau, na transição dos séculos XVIII e XIX, a concepção romântica
de infância predominou, sobretudo, nas famílias da classe média, valorizando e enaltecendo a
criança e sua inocência infantil. Neste mesmo período, o amor materno apareceu como um
novo valor social, despertando o interesse de moralistas e médicos para estimulação e
valorização dos cuidados maternos (Heywood, 2004, Badinter, 1985).
11
Destacamos que a valorização da maternidade e do amor materno não encontraram
receptividade entre as mulheres até que circunstâncias históricas, econômicas e sociais
facilitaram o aparecimento de condições favoráveis para um convívio mais estreito entre mãe
e filho. No século XVIII, um vasto número de publicações médicas, preocupadas com a
preservação da criança, introduziu novos usos e costumes na vida da mulher e da família
como, por exemplo, o fim da entrega dos filhos aos cuidados das amas-de-leite e aos criados
(Donzelot, 1980; Badinter, 1985).
Assim, o despertar do interesse pela infância no final do século XVIII não foi
decorrente da reprovação moral do abandono materno, mas da crescente assimilação da
maternidade pelas próprias mulheres. Tal assimilação não ocorreu espontaneamente, mas às
custas de interesses econômicos (a criança como força potencialmente produtiva) e da
intervenção direta do Estado nas condições de vida da população (saúde, alimentação,
moradia, hábitos de higiene), por meio da introdução de práticas médico-sociais na vida
privada da família (Donzelot, 1980; Badinter, 1985).
Donzelot (1980) ressalta que a intervenção do Estado na vida privada, através dos
médicos de família, introduziu o saber médico na esfera doméstica no século XVIII e
promoveu transformações viscerais na vida familiar. A aliança entre médico e família
inaugurou as bases da família moderna, que, regida por princípios educacionais, colocou as
crianças sob a supervisão direta da família e, ao retirar este poder das amas, concedeu à
mulher uma autoridade sem precedentes na vida doméstica.
Ao fechar-se em si mesma, a família moderna também se organizou em torno da
criança e transformou-se em reduto de privacidade. Donzelot (1980) destaca que esta aliança
entre o médico e a família, ao mesmo tempo em que favoreceu o fechamento desta última,
permitiu a sua invasão pelo poder público, que, por meio de “pedagogias médico-sociais”
12
relativas à higiene, saúde e sexualidade, transformou a família em um dispositivo de controle
da criança, responsável por sua “criação e vigilância”.
A ampliação das responsabilidades da figura materna, na transição entre os séculos
XIX e XX, colocou a mulher no centro da família, tornando-a responsável pelo êxito ou
fracasso de seus filhos. Em oposição à concepção romântica de infância vigente, surgiu, nesse
momento, a concepção freudiana de infância, que rompeu com a idéia de ingenuidade e
inocência infantis, uma vez que de acordo com o pensamento psicanalítico, a criança é
precocemente dotada de desejo e de sexualidade.
Para Postman (1999, p.77), a concepção de infância de Freud confirma e, ao mesmo
tempo, refuta as idéias de Locke e Rousseau
Freud refuta Locke e confirma Rousseau: a mente da criança não é uma tábula rasa;... se
aproxima de um ‘estado de natureza’... Mas ao mesmo tempo Freud refuta Rousseau e
confirma Locke: as primeiras relações entre criança e os pais são decisivas para
determinar o tipo de adulto que a criança será.
Volnovich (1993, p.25) destaca que a psicanálise introduziu uma nova concepção de
criança, como um ser ativo em seu desenvolvimento, dotada de desejo, dotada de um “saber”,
um saber inconsciente: “A Psicanálise deste século terá a indigna missão de subverter o mito
da infância ingênua e bondosa, retornando à imagem da criança perversa, embora em outro
contexto, não do erro, mas o do saber.”
Postman (1999) e Heywood (2004) lembram que se, por um lado, a criança passou a
assumir uma importância social dentro da família e da sociedade em meados do século XVII,
o processo de industrialização do século XIX representou um retrocesso para a infância. O
trabalho infantil das famílias pobres foi absorvido como mão-de-obra pela indústria e pela
mineração de carvão, sobretudo na Inglaterra. Nessa época muitas crianças ingressaram
precocemente no mercado de trabalho, para auxiliar no sustento de suas famílias e esta
situação perdurou até o início do século XX, quando surgiram as primeiras legislações para
proibir o trabalho infantil.
13
O registro sobre a infância no Brasil iniciou-se no período de colonização, embora já
existissem crianças indígenas em terras brasileiras antes do descobrimento. Em virtude da
necessidade de povoar a Colônia e, diante da escassez de mão-de-obra adulta, os navios que
transportaram os colonizadores para o Brasil utilizaram o trabalho de crianças portuguesas
recrutadas voluntariamente de famílias pobres e de crianças judias raptadas de suas famílias
em Portugal (Ramos, 2004).
Segundo Ramos (2004), havia quatro categorias distintas de crianças e adolescentes
nas embarcações portuguesas: os passageiros (acompanhadas por pais ou parentes), os
grumetes
1
, os pajens da nobreza e as “órfãs do Rei”. Os grumetes eram os que viviam em
piores condições, pois executavam os trabalhos físicos mais árduos, tinham alimentação
escassa e, com freqüência, eram violentados sexualmente por marinheiros. Os pajens,
geralmente protegidos pela nobreza, executavam atividades mais amenas, como servir as
refeições, arrumar os camarotes, entre outras. As órfãs eram jovens pobres, muitas vezes
órfãs somente de pai, brancas, praticamente raptadas de suas famílias e enviadas às colônias
(sobretudo para a Índia) para constituir família com colonizadores portugueses.
A colonização portuguesa empreendeu grande investimento na formação das crianças
locais, oferecendo educação e doutrinação cristã às crianças indígenas, mestiças e
portuguesas, através da Companhia de Jesus no Brasil. O batismo tornou-se um grande
acontecimento, que abarcou crianças de todas as famílias, desde as portuguesas, até as
indígenas e as escravas.
Mais do que um ritual, Góes & Florentino (2004, p.182) lembram que o batismo
representava uma ampliação dos laços familiares e sociais, na medida em que a figura dos
padrinhos incorporava-se à família, visando fornecer apoio à criança, sobretudo na falta dos
1
Marinheiros iniciantes, escalão mais baixo da Marinha.
14
pais, o que era comum entre escravos: “Os laços de compadrio uniam, sobretudo, escravos e
este era o costume entre os cativos do Rio de Janeiro, em áreas rurais e urbanas.”
As crianças escravas, quando pequenas, compartilhavam alguns espaços com as
crianças brancas, mas aos poucos, iniciam o trabalho em atividades domésticas ou de
pastoreio. Quanto melhor o seu desempenho, maior o seu valor no mercado da escravidão;
por volta dos 14 anos de idade, os jovens negros já realizavam as mesmas atividades de
escravos adultos (Góes & Florentino, 2004).
No Brasil do século XIX, a pobreza e as dificuldades de sobrevivência da população
no período do Império e da República já levavam muitas famílias pobres a abandonar seus
filhos em instituições como as rodas, os orfanatos e internatos, mesmo após o fim da
escravidão
Uma história de internações para crianças e jovens provenientes das classes sociais mais
baixas, caracterizados como abandonados e delinqüentes pelo saber filantrópico privado
e governamental... deve ser anotada como parte da história da caridade com os pobres e a
intenção de integrá-los à vida normalizada. Mas também deve ser registrada como
componente da história contemporânea da crueldade (Passetti, 2004, p. 350).
No início do século XX, a mão-de-obra de crianças também foi explorada pelo
crescente processo de industrialização da sociedade brasileira, aumentando cada vez mais a
institucionalização de crianças, seja por abandono, seja pela exposição à criminalidade dos
grandes centros urbanos. Nesse século, a exploração do trabalho infantil e a exposição da
criança à violência privada e social alertaram a sociedade para a necessidade de iniciativas de
proteção à infância e juventude
No início do século XX, as políticas públicas passaram a ser vistas como um veículo de
bem-estar. Mais recentemente difundiu-se a idéia de que também as crianças deveriam
ser alvos dessas políticas com a concepção de que a criança é um ‘sujeito a ser protegido’
(Passeti, 2004, p.366).
De acordo com Passeti (2004), no Brasil, um decreto (nº 16.272) foi criado, em 1923,
para regulamentar a proteção de menores abandonados e delinqüentes. O primeiro Código de
Menores (decreto 17343/A de 10/10/1927) foi publicado em 1927 e, através dele, o Estado
15
responsabilizou-se por esses jovens e instaurou a internação para órfãos e infratores,
atividades até então realizadas por instituições filantrópicas.
Em 1924, pela primeira vez, foram declarados, mundialmente, os direitos da criança,
que se tornaram conhecidos como Declaração de Genebra e, em 1948, a Organização das
Nações Unidas (ONU) publicou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em 1959, a
Organização das Nações Unidas criou a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e a
Declaração dos Direitos da Criança, que priorizou a família e a comunidade para a proteção
da criança contra “quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração”, o que resultou
na eclosão de programas de apoio à família, para assegurar a permanência dos filhos no seio
familiar e evitar o seu abandono ou a sua institucionalização (Passeti, 2004).
No Brasil, em 1979, foi publicado o Código de Menores, Lei Federal nº 6697, com o
objetivo de tutelar os então chamados “menores em situação irregular”, ou seja, jovens em
condições de privação material, submetidos a condições de perigo ou abandono, infratores ou
deficientes. O termo “menor” tornou-se pejorativo, associado à pobreza e delinqüência
infantil e foi abolido, após aproximadamente uma década, com a substituição do Código de
Menores pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990
O Código de Menores de 1979 atualizou a Política Nacional do Bem-Estar do Menor... e
explicitou a estigmatização das crianças pobres como “menores” e delinqüentes em
potencial através da noção de situação irregular (Passeti, 2004, p. 364).
A Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança de 1989
2
enfocou a proteção da
criança contra abuso e exploração, o que levou vários países, inclusive o Brasil, a tornar
obrigatória a notificação de ocorrências ou de suspeitas de abuso contra crianças por órgão
de saúde e de educação. A partir dessa convenção, os programas sociais de intervenção à
família passaram a focalizar também a identificação de situações de violência contra crianças
e adolescentes dentro do lar.
2
- Nações Unidas no Brasil - Convenção sobre os Direitos da Criança, recuperado em 12 dez. 2006:
http://www.onu-brasil.org.br/doc_crianca.php.
16
Ratificando os princípios da Convenção de 1989, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, publicado em 1990, representou um grande avanço legal e social para a proteção
da infância e da adolescência contra “qualquer forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.” (Del Campo & Oliveira, 2006).
O Estatuto da Criança e do Adolescente introduziu uma nova concepção de proteção à
infância e juventude, concedendo voz aos seus sujeitos, que passaram a ser concebidos como
pessoas em condições peculiares de desenvolvimento e sujeitos de direitos fundamentais -
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte e lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária - que
devem ser protegidos pelo Estado, pela família e pela sociedade.
A partir dessa perspectiva, todas as intervenções de natureza protetora (quando os
direitos de crianças e adolescentes são violados) ou de natureza socioeducativa (quando o
adolescente viola o direito alheio por meio de um ato infracional) privilegiam a manutenção
dos vínculos da criança e do adolescente com o seu grupo familiar e com a comunidade na
qual estão inseridos, buscando realizar uma intervenção que integre o indivíduo e seu grupo
social.
Apesar dos recentes esforços empenhados pela sociedade para a proteção da infância
e, das mudanças ocorridas na família nuclear moderna, que se organizou em torno das
necessidades da criança, a história de violência infantil continua, inclusive no local onde ela
mais deveria estar protegida: a família.
17
1.2. A VITIMIZAÇÃO INFANTIL DENTRO DA FAMÍLIA
A Violência Intrafamiliar contra Crianças e Adolescentes
O capítulo anterior mostrou que a concepção de infância é uma produção histórica que
depende dos diferentes olhares sobre a criança em diferentes períodos. Do incômodo, a
criança tornou-se uma força potencialmente produtiva para a sociedade e, ao mesmo tempo,
um meio de apropriação de poder para o adulto no universo familiar patriarcal (Ariès,
1973/1981; Badinter, 1985; Volnovich, 1993; Postman, 1999; Heywood, 2004).
Observamos, portanto, que a organização da família moderna em torno da criança, se,
por um lado, a protegeu, por outro, permitiu que a privacidade familiar se tornasse um lugar
privilegiado para exercer e ocultar as mais diversas possibilidades de violência contra crianças
e adolescentes.
Os estudos sobre violência intrafamiliar contra crianças originaram-se na medicina.
Azevedo e Guerra (1995) encontraram os primeiros registros sobre esse assunto em 1860,
quando o médico legista francês Ambrosie Tardieu verificou um número significativo de
óbitos de crianças em decorrência de lesões físicas. Contudo, a literatura especializada
considera o século XX e, mais especificamente, a década de 60, como o marco da
investigação da violência doméstica infantil (Azevedo & Guerra, 1995; Gonçalves, 2003).
De acordo com Gonçalves (2003), o primeiro estudo brasileiro sobre violência foi
publicado em 1973 por Coates, Ribeiro, Hercowitz e Keiserman e relata o caso de uma
criança de um ano e três meses de idade espancada e abandonada pela mãe na Santa Casa de
São Paulo.
No Brasil, o volume de pesquisas na área de violência doméstica ainda é considerado
tímido, quando comparado à relevância e à gravidade do problema. Grande parte da produção
18
científica nacional sobre esta temática menciona os estudos de Maria Amélia Azevedo e
Viviane Nogueira Guerra, pesquisadoras e fundadoras do Laboratório da Criança (LACRI) na
USP, que, além de produzir e agregar estudos científicos, capacita profissionais de todas as
partes do Brasil para atuar na identificação, acompanhamento e prevenção de violência
doméstica contra crianças e adolescentes.
Azevedo e Guerra (1989, 1995, 1998, 2001a, 2001b) abordam o fenômeno da
violência doméstica a partir de um referencial teórico “interativo, multicausal e histórico-
crítico”, determinado pela interação de fatores sociais, econômicos, históricos, culturais e
psicológicos. Este modelo supõe que as relações sociais se constituem a partir de um
movimento de determinações recíprocas entre indivíduo e sociedade, no qual o indivíduo
determina a sociedade e também é determinado por ela. Assim, as relações de poder que se
estabelecem dentro das instituições sociais e, mais especificamente, dentro da família, são
reproduções das relações sociais de poder.
As autoras destacam a existência de dois processos de violência intimamente
relacionados à estrutura de poder: a vitimação e a vitimização. A vitimação é o processo de
violência inerente à desigualdade social da sociedade capitalista, resultante da exclusão social,
e suas vítimas são todos aqueles que não conseguem ter acesso aos bens e recursos
socialmente produzidos. Já a vitimização é um fenômeno que incide nas relações
interpessoais, independentemente de classe social, e que se apresenta sob diferentes formas de
maus-tratos (físico, sexual e psicológico).
Muitas vezes, os indivíduos vitimados tendem a reproduzir o mesmo padrão de
relacionamento abusivo de poder em suas relações interpessoais da esfera familiar ou
profissional, como uma forma compensatória de exercer nestes espaços o poder social que
lhes falta. Saffiotti (1989) denomina este mecanismo “Síndrome do Pequeno Poder”, que
19
geralmente é exercido, sob alguma forma de violência (não necessariamente física), contra
mulheres, crianças e pessoas que ocupam cargos profissionais considerados subalternos.
Azevedo e Guerra (1989, 1995, 1998) consideram os termos “abuso” e “vitimização”
os mais adequados para se referir ao fenômeno da violência doméstica, pois, como vimos,
partem do princípio da existência de um “padrão abusivo” no relacionamento entre adultos e
crianças ou adolescentes, no qual estão em jogo condições históricas objetivas e subjetivas de
todos os envolvidos
...as características psicológicas dos pais, bem como sua posição de classe e sua visão de
mundo (ideário). Por outro lado esse padrão abusivo entra, por vezes, em interação com
‘condições concretas de vida familiar’ e com ‘características particulares da criança e do
adolescente. (Azevedo & Guerra, 1998, p.90)
Uma das definições utilizadas na literatura especializada sobre a violência doméstica
no Brasil é a de Azevedo e Guerra (1995, p.36), que a concebem como uma manifestação
interpessoal de violência, pautada na desigualdade e no abuso de poder dos pais e/ou
responsáveis e que reduz a vítima (criança ou adolescente) à condição de objeto de satisfação
do adulto
Todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou
adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima –
implica de um lado, numa transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro,
numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que crianças e
adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de
desenvolvimento
.
Na literatura especializada sobre violência doméstica, encontramos outras abordagens
teóricas que se ocupam deste tema, como a chamada perspectiva ecológica-
desenvolvimentista (Developmental-Ecological), que se destaca, principalmente, nas
publicações internacionais. A perspectiva ecológica propõe um modelo multicausal a partir do
qual a violência é compreendida como um produto de múltiplos fatores (econômicos, sociais,
emocionais) que, isoladamente, não são determinantes, mas, quando associados em condições
desfavoráveis, podem predispor muitas famílias à violência.
20
Belsky (1993), um importante expoente desse modelo teórico, considera que a
incidência de maus-tratos domésticos associa-se a uma série de fenômenos contemporâneos,
como características de personalidade dos pais (dificuldade de controle dos impulsos, auto-
estima rebaixada, escassa capacidade de empatia, depressão, ansiedade), características
psicológicas dos pais (maior irritabilidade frente a estímulos aversivos), padrões de
comportamento agressivos incorporados no processo de aprendizagem, pobreza e falta de
planejamento familiar.
A perspectiva ecológica destaca que as famílias predispostas à violência apresentam
duas características básicas. A primeira delas é o isolamento social, geralmente provocado
pela ausência de redes sociais de apoio (instituições de saúde, educacionais e sociais,
programas sociofamiliares) ou ainda pelo limitado relacionamento social com familiares e/ou
vizinhos. A outra característica é o ambiente sociocultural em que essas famílias estão
inseridas, geralmente receptivo e tolerante à violência, e que utiliza a punição física como
principal modelo de controle do comportamento dos filhos (Belsky, 1993).
A abordagem sistêmica considera a violência doméstica como uma manifestação de
disfunção familiar que incide diretamente sobre as relações de parentalidade e/ou
conjugalidade. Assim, na incidência de abuso intrafamiliar, todos os membros da família
estão implicados psicologicamente na dinâmica relacional, seja quem pratica a agressão, seja
quem sofre a agressão, seja quem se omite, seja quem se rebela frente à violência (Furniss,
1993; Linares, 2002).
Nessa perspectiva, todos, inclusive a vítima, têm participação no processo de
vitimização, do ponto de vista interacional, o que não significa atribuir a ela a
responsabilidade pelo abuso (Furniss, 1993; Linares, 2002). A seguinte definição, empregada
por Linares (2002,
p.58), parece traduzir a concepção de violência intrafamiliar da abordagem
sistêmica:
21
a violência é a manifestação de um fenômeno interacional em que todos os que
participam são psicologicamente responsáveis. Sob este critério, qualquer um pode vir a
ser violento, sendo a violência uma resposta a uma ordem em que os atores podem
especializar-se como emissores, receptores ou participantes.
Os autores que se apoiam nessa abordagem defendem a realização de intervenções que
incidam sobre as esferas familiar, individual e social da violência e não apenas uma atuação
profissional que privilegie o indivíduo e seu ambiente doméstico (Furniss, 1993; Linares,
2002).
Quando pensamos no enfoque psicanalítico para a compreensão da violência
doméstica, costumamos nos remeter às falhas no desempenho das funções parentais,
imprescindíveis para o desenvolvimento da criança e para o de seus relacionamentos
interpessoais ulteriores.
A criança, ao nascer, experiencia a vida instintiva em completa dependência do
ambiente. De acordo com Winnicott (1983), uma mãe suficientemente boa funciona como um
ego auxiliar da criança, apresenta-se como objeto de satisfação de seus impulsos e de suas
necessidades, o que permite o estabelecimento de uma confiança que leva o bebê a sentir-se
capaz de criar os objetos e a realidade. A segurança no ambiente é fundamental para a
integração do bebê como unidade somática e psíquica, pois essa experiência de “eu”, capaz de
criar objetos, possibilita o desenvolvimento de uma relação que não seja insuportavelmente
ameaçadora com o “não eu”.
Para Winnicott (1983), a mãe (ou substituta), quando se identifica com as
necessidades de seu filho, é capaz de proporcionar a ele a segurança necessária para lidar com
as suas demandas instintivas e com ameaças do mundo interno e externo. A presença de uma
mãe suficientemente boa, portanto, protege a criança dos ataques da realidade externa e da
crueldade dos seus próprios impulsos destrutivos, possibilitando integrar impulsos eróticos e
agressivos (conservação do objeto bom juntamente com a fantasia de sua destruição)
22
O indivíduo só pode atingir o estado do “eu sou” porque existe um meio que é protetor; o
meio protetor é a mãe preocupada com sua criança e orientada para as necessidades do
ego infantil através da sua identificação com a própria criança. (Winnicott, 1983, p.35)
A presença de uma mãe confiável e disponível permite que, após as vivências de
ataque e de destruição, a ansiedade decorrente da ambivalência (culpa) seja experimentada e
tolerada, permitindo que esta ansiedade não seja experimentada como culpa, mas retida para
uma posterior reparação, que é a base da capacidade de se preocupar com o outro
A esta culpa que é retida, mas não sentida como tal, denominamos ‘preocupação’. Nos
estágios iniciais do desenvolvimento, se não há uma figura materna de confiança para
receber o gesto de reparação, a culpa se torna intolerável e a preocupação não pode ser
sentida. (Winnicott, 1983, p. 78)
A partir dessa perspectiva, podemos considerar que a presença de qualquer tipo de
experiência de violência de pais contra filhos - física, psicológica, sexual ou de negligência -
representa um obstáculo à capacidade de identificação com necessidades da criança e,
conseqüentemente, de proporcionar um ambiente positivo, seguro e confiável, que possa ser
internalizado pela criança.
Se para Winnicott (1983) a capacidade de estabelecer vínculos afetivos é uma
característica de personalidade intimamente relacionada à capacidade de buscar e de receber
cuidados, podemos pensar que crianças expostas à situação de violência doméstica estariam
muito mais vulneráveis a desajustes de natureza relacional do que outras pessoas. Conforme
veremos mais adiante, a violência doméstica, de fato, tende a produzir efeitos prejudiciais
nessa área, pois, com muita freqüência, observamos que pessoas submetidas à violência
apresentam mais dificuldade para se identificar e se preocupar com as necessidades dos
próprios filhos ou, ainda, tendem a reproduzir nos relacionamentos sociais e/ou familiares o
padrão abusivo do qual foram vítimas.
Os diferentes enfoques teóricos apresentados oferecem contribuições muito
importantes para o estudo da violência doméstica, porém, não podemos deixar de demarcar
23
que são maneiras completamente diferentes de abordar o fenômeno da violência doméstica,
uma vez que partem de premissas e de determinações distintas para explicar a ocorrência do
fenômeno. Não podemos deixar de apontar que o enfoque histórico-crítico é o mais completo,
porque abarca uma dimensão sociocrítica da produção da violência doméstica que não está
presente nos demais, que privilegiam intervenções focadas no grupo familiar, ainda que
reconheçam a multiplicidade de fatores socioculturais envolvidos na questão da violência
doméstica.
Os números da violência contra crianças e adolescentes no mundo são assustadores.
Em 2002, segundo a Organização Mundial da Saúde (apud Gonçalves, 2003), foram
notificados 57 mil homicídios de jovens menores de 15 anos, com maior incidência entre
crianças de zero a quatro anos de idade.
Pesquisas realizadas a partir de diversas fontes oficiais (Boletins de Ocorrência,
Laudos do IML, Varas de Infância e Juventude, FEBEM) revelam que as vítimas de violência
doméstica de São Paulo são predominantemente do sexo feminino e que os agressores são, na
maioria das vezes, pais e mães biológicos (Azevedo e Guerra, 1995).
Segundo publicação do Centro de Referência às Vítimas de Violência do Instituto
Sedes Sapientiae, “três entre dez crianças de zero a doze anos sofrem algum tipo de maus-
tratos dentro da própria casa, perpetrados por pais, padrastos ou parentes”. (Sousa & Vecina,
2002, p.73)
Dados internacionais recentes (Sanmartín, 2002; Linares, 2002) e levantamentos
realizados pelo LACRI em todo o Brasil, entre 1996 e 2004, apontam que a negligência e a
violência física são as modalidades de violência doméstica mais notificadas e que o abuso
24
sexual encontra-se entre os menos registrados, conforme a tabela a seguir (Azevedo & Guerra,
2006)
3
:
Tabela 1 – Notificações de violência doméstica em cidades brasileiras (LACRI, 2006)
Ano
Violência
Física
Violência
Sexual
Violência
Psicológica
Negligência
Violência
Fatal
Total de
Notificações
1.996
525 95 0 572 0 1.192
1.997
1.240 315 53 456 0 2.064
1.998
2.804 578 2.105 7.148 0 12.635
1.999
2.620 649 893 2.512 0 6.674
2.000
4.330 978 1.493 4.205 135 11.141
2.001
6.675 1.723 3.893 7.713 257 20.261
2.002
5.721 1.728 2.685 5.798 42 15.974
2.003
6.497 2.599 2.952 8.687 22 20.757
2.004
6.066 2.573 3.097 7.799 17 19.552
2.005
5.109 2.731 3.633 7.740 32 19.245
2.006
4.954 2.456 3.501 7.617 17 18.545
46.541 16.425 24.305 60.247 522 148.040
Estatísticas do Centro de Referência de Infância e Adolescência (CRIA) do município
de Guatinguetá, no estado de São Paulo, apontam que as crianças que recebem atendimento
especializado em decorrência de maus-tratos domésticos são, predominantemente, do sexo
feminino (61%). As meninas são as maiores vítimas de violência física (27 - 45%) e sexual
(26 - 43%), enquanto que os meninos são alvos mais freqüentes de violência física (61%).
(Pinto Junior et al., 2003a).
A despeito do crescimento do número de notificações no decorrer dos anos, conforme
mostram os dados do LACRI (2006), a violência doméstica é sempre considerada, no Brasil e
3
- Fonte: Laboratório de Estudos da Criança (LACRI) da USP,
http://www.ip.usp.br/laboratorios/lacri/iceberg.htm#2, recuperado em 14 de dezembro de 2006.
25
em outros países, um fenômeno subnotificado, porque se manifesta em um ambiente fechado,
que favorece sua ocultação e dificulta o registro fidedigno de sua ocorrência.
No Brasil e em vários países, a violência doméstica é aceita com certa complacência
social, porque encontra apoio em nossa cultura, que valoriza e banaliza práticas violentas,
irrefletidamente assimiladas e incorporadas aos costumes quotidianos como “práticas
naturais”. O emprego de castigos físicos, como surras ou “palmadas”, é aceito por muitas
famílias, porque ainda é considerada uma prática educativa, assim como outras punições
físicas como torturas e pena de morte também são meios defendidos para a solução de
problemas sociojurídicos pela sociedade (Azevedo & Guerra, 1995, 2001a).
É consenso na literatura nacional e internacional que os maus-tratos domésticos
ocorrem, invariavelmente, em todas as classes sociais, porém, a maioria dos casos notificados
concentra-se na população de baixa renda. Apesar do caráter sigiloso e privado da violência
doméstica, a própria configuração do ambiente físico nesses segmentos sociais facilita a
exposição e a denúncia das ocorrências, uma vez que a sociografia da pobreza apresenta
fronteiras muito diluídas entre público e privado.
Nos estratos sociais mais elevados, as fronteiras da intimidade conseguem ser muito
mais preservadas e o acesso às mazelas domésticas por terceiros, muito mais limitado e
controlado. Deslandes (1994) lembra que a vida privada da população de baixa renda acaba
sendo exposta também pela intervenção de poderes de diversas naturezas, – públicos, locais
e paralelos” -, enquanto que os serviços privados desfrutados pelas classes média e alta
supõem discrição e silêncio em relação à privacidade familiar.
Além disso, os autores também reconhecem que os sentimentos de medo, vergonha e
culpa inerentes às conseqüências de uma possível revelação sobre a violência sofrida
fortalecem o silêncio das vítimas e favorecem movimentos de resistência entre os outros
26
membros da família (Azevedo & Guerra, 1989, 1995; Sanmartín, 2002; Linares, 2002;
Gonçalves, 2003).
Outro aspecto característico da violência doméstica encontrado por autores nacionais e
internacionais é o de que, ao contrário do que se imagina, são poucos os casos nos quais os
agressores apresentam algum distúrbio psiquiátrico. Dados recentes apresentados por
Sanmartín (2002) indicam que isso ocorre em apenas 10 % dos casos.
Observamos que os efeitos da violência doméstica sobre crianças e adolescentes
dependem do interjogo de variáveis de diferentes naturezas como a idade da vítima,
freqüência, tempo de duração e severidade da violência, além das características pessoais da
vítima (Gonçalves, 2003; Sanmartín, 2002; Linares, 2002; Azevedo & Guerra, 1989 e 1995).
Verificamos que, em todas as modalidades de violência doméstica, a capacidade de
concentração e, conseqüentemente, de aprendizagem de crianças e adolescentes torna-se
prejudicada. É muito comum a presença de manifestações comportamentais agressivas,
incluindo condutas anti-sociais em adolescentes (furtos, agressividade gratuita contra
terceiros, entre outros), associadas a correlatos emocionais como ansiedade, baixa auto-
estima, insegurança, medo e desamparo (Azevedo & Guerra, 1989 e 1995; Sanmartín, 2002;
Linares, 2002;).
Pesquisas internacionais e brasileiras também apontam que cerca de 50% das famílias
com histórico de violência contra crianças e adolescentes contam apenas com a mãe como
chefe de família. Parece haver consenso entre os pesquisadores da área: estressores sociais
como desemprego, baixa-renda e má qualidade de vida, freqüentemente, aparecem associados
à violência doméstica (Gonçalves, 2003, Deslandes, 1994; Azevedo & Guerra, 1989).
Autores nacionais e internacionais concordam que a violência doméstica tende a se
perpetuar por várias gerações dentro de uma família, estabelecendo-se um ciclo de
transmissão de padrões de relacionamento violentos que pode atravessar várias gerações de
27
pais e filhos. Na história de vida do adulto que pratica violência existe, quase que
invariavelmente, algum tipo de vivência de maus-tratos, porém, jamais se pode afirmar que
uma vítima será um futuro agressor, embora possa vir a sê-lo (Gonçalves, 2003, Sanmartín,
2002; Linares, 2002; Azevedo & Guerra, 1989, 1995).
Se o primeiro grande paradoxo que envolve a violência intrafamiliar é o fato de a
criança ser vitimizada na instituição social incumbida de educá-la e protegê-la, o segundo
paradoxo é a constatação de que a violência doméstica contra crianças e adolescentes é ainda
menos notificada pelos profissionais que, por força da lei (ECA, 1990) e da ética profissional,
estariam obrigados a registrá-la. Azevedo e Guerra (1995) constataram, em pesquisas
realizadas em São Paulo e Campinas, no início da década de 90, que as maiores fontes de
denúncias são predominantemente vizinhos e/ou telefonemas anônimos e que os profissionais
das instituições de saúde e de educação são as fontes menos freqüentes de notificação.
Em duas pesquisas de nossa autoria (Vagostello, Oliveira, Silva, Moreno & Donofrio,
2003, 2006), com a participação de 159 professores e diretores de escolas públicas e privadas,
observamos um despreparo generalizado de profissionais da educação para lidar com
suspeitas de maus-tratos domésticos. Nesses estudos constatamos que a denúncia aos órgãos
competentes, como Conselhos Tutelares ou Varas de Infância e Juventude, é uma prática
pouco comum entre esses profissionais, que tendem a abordar a violência intrafamiliar da
mesma maneira pela qual resolvem os problemas pedagógicos, ou seja, por meio da
convocação dos pais ou responsáveis para comparecimento na escola.
Gonçalves e Ferreira (2002) também observaram dificuldades entre alguns
profissionais da saúde para notificar suspeitas de violência doméstica contra crianças e
adolescentes. As autoras destacam fatores profissionais (despreparo para identificação de
casos, temor da quebra de sigilo e ameaças recebidas pelo agressor), dificuldades estruturais
(falta de estrutura para atuação dos Conselhos Tutelares) e barreiras familiares (manipulação
28
de informações para impedir a identificação de abusos) como obstáculos que interferem
substancialmente na realização de denúncias por profissionais da área de saúde.
As autoras destacam, com pertinência, que a própria legislação prejudica e dificulta o
seu cumprimento, pois, ao mesmo tempo em o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990)
obriga a denúncia por parte dos profissionais, ele não define objetivamente o que são maus-
tratos ou suspeita de maus-tratos. A imprecisão e falta de clareza desses conceitos deixam os
profissionais à mercê de uma compreensão subjetiva (e muitas vezes equivocada) da violência
doméstica. Gonçalves e Ferreira (2002) ressaltam, ainda, que a lei também não prevê a
capacitação profissional dos membros dos Conselhos Tutelares, o que prejudica a realização
de um trabalho integrado com as diferentes instituições de atendimento à criança e ao
adolescente.
A Violência Física ou Abuso Físico
Conforme vimos anteriormente, a década de 60 representa o período de florescimento
dos estudos sobre violência doméstica, embora existissem alguns estudos precedentes. Em
1962, nos Estados Unidos, foi publicado um trabalho denominado “A Síndrome da Criança
Espancada” (The Battered Child Syndrome), de Kempe, Silverman e Steele, que se tornou um
estudo clássico sobre violência física contra crianças, citado por diferentes autores da área
como Azevedo e Guerra (1995, 2001a) e Gonçalves (2003).
Esse trabalho teve reconhecimento internacional e tornou-se referência para a
definição de abuso físico, porque despertou a atenção dos profissionais da saúde para a
presença de indicadores clínicos (fraturas, lesões, hematomas, entre outros) incompatíveis
com as causas supostamente acidentais relatadas pela família
29
Azevedo e Guerra (1995) esclarecem que somente no final da década de 60 a violência
física saiu do domínio médico e se tornou objeto de investigação das ciências humanas, o que
permitiu a introdução de outros aspectos, como a intencionalidade do ato e a intensidade dos
danos físicos, nas definições de violência física doméstica. A definição de Monteiro Filho e
Phebo (1977, p.10 apud Gonçalves, 2003, p.146) ilustra essa tendência
é o uso da força física de forma intencional, não acidental, ou atos de omissão
intencionais, não acidentais, praticados por parte de pais ou responsáveis pela criança ou
adolescente, com o objetivo de ferir, danificar ou destruir esta criança ou adolescente,
deixando ou não marcas evidentes.
A partir da década de 80, autores como Nowell (1989 apud Azevedo & Guerra, 2001a)
ampliaram o conceito de violência física, redefinindo-o não mais em função da lesão, mas da
dor. Desde então, considera-se agressão e violência qualquer punição física que provoque dor
à criança, independentemente de produzir algum ferimento visível.
Apoiadas em Nowell, Azevedo e Guerra (2001a, p.26) adotam a conceitualização de
violência física a partir da dimensão da dor, considerando-a como
toda ação que causa dor física numa criança, desde um simples tapa até o espancamento
fatal, representam um só continuum de violência’ (Nowell, 1989). Portanto, a punição
corporal de crianças e adolescentes seria considerada uma violência, mesmo a chamada
punição leve, na medida em que toda punição corporal para ter este caráter deve implicar
no conceito de dor física.
A vitimização física é a modalidade de violência doméstica mais fácil de ser
identificada, porque permite o seu reconhecimento imediato, assim como a gravidade do dano
causado à vítima. Por ser mais evidente, o abuso físico é a forma de violência mais
denunciada nos serviços especializados de proteção e de atendimento a crianças e
adolescentes (Deslandes, 1994; Azevedo & Guerra, 1995, 1998; 2001a; Silva & Vecina,
2002; Gonçalves, 2003).
Se, por um lado, a violência física é a mais exposta ao conhecimento público, sua
subnotificação também decorre da tolerância à punição corporal, que transforma o abuso de
poder em modelo educacional. O emprego de palmadas precocemente em crianças é uma
30
prática amplamente aceita na sociedade por pais e educadores, constituindo o que Azevedo e
Guerra (1995, 2001a) chamam de uma “cultura oculta da violência”, que banaliza e legitima
o uso da coerção física dentro da família, a despeito da desigualdade de forças entre o adulto
e a criança.
A esse respeito Linares (2002) acrescenta que a violência física contra crianças e
adolescentes é mais tolerada socialmente do que a violência contra a mulher, apesar de esta
última ter mais condições de defender-se do que uma criança.
Azevedo e Guerra (2001a) alertam que a prática de bater nos filhos é uma violência
disfarçada que deve ser repudiada e combatida, pois a palmada, supostamente educativa, é,
na verdade, motivada e alimentada pela raiva, que pode disparar atos de violência sem
limites contra os filhos. Para essas autoras a violência é um comportamento aprendido e,
portanto, a palmada não educa, ou melhor, “deseduca”.
Pesquisas brasileiras apontam que os pais biológicos, sobretudo as mães, são as
pessoas que mais vitimizam fisicamente crianças e adolescentes dentro do lar. Os próprios
pesquisadores não se surpreendem com essa informação, na medida em que as mães ainda são
as principais responsáveis pela educação dos filhos e também são as que permanecem por
maior período de tempo com os mesmos (Azevedo & Guerra, 2001a, 1995; Pinto Junior et al.,
2003b; Gonçalves, 2003).
No Centro de Referência às Vítimas da Violência do Instituto Sedes Sapientiae, em
São Paulo (Silva & Vecina, 2002), foram encontradas, todavia, estatísticas nas quais o abuso
físico aparece praticado predominantemente por homens (66,96%) em relação às mulheres
(32,15%).
Um estudo de Azevedo e Guerra (2001a) com 894 crianças e adolescentes, de ambos
os sexos, de diferentes classes sociais (IDH alto e IDH baixo), revela que 50% desse total
apanham dos pais em suas casas, que os meninos apanham mais do que as meninas, que as
31
crianças de IDH baixo apanham mais e com mais severidade do que as de IDH alto, sendo as
palmadas e chinelas os meios de punição mais empregados em ambas as classes.
Azevedo e Guerra (2001a) verificaram também que as práticas punitivas físicas geram
nos filhos sentimentos destrutivos de raiva, tristeza, medo, nojo e vergonha.
Além das marcas físicas produzidas (cicatrizes decorrentes de ferimentos e
queimaduras), a literatura aponta que crianças e adolescentes vítimas de violência física
tendem a ser mais passivos, a apresentar representações muito negativas de si mesmos e das
figuras de apego (Linares, 2002).
Características como retraimento, depressão e passividade também são efeitos
associados ao abuso físico (Finkelhor, 2002; Wench & Rait, 2003).
A Violência ou Abuso Sexual
O abuso sexual, ao contrário da violência física, pode ocorrer na ausência de qualquer
contato corporal entre um adulto e um menor de 18 anos, como, por exemplo, em situações de
voyeurismo, exibicionismo ou uso de imagens de crianças ou adolescentes para fins
pornográficos (Gonçalves, 2003; Azevedo & Guerra, 1989 e 1995; Gabel, 1997; Furniss,
1993).
O conceito de abuso sexual não supõe a presença de relações sexuais propriamente
ditas (oral, anal ou genital), mesmo nos casos em que ocorre alguma forma de contato físico,
pois, na maioria das vezes, este não deixa sinais corporais detectáveis em exames ou perícias
médicas, como nas ocorrências de carícias corporais e genitais, atos masturbatórios; e essa
ausência de “provas materiais” costuma ser amplamente utilizada na defesa dos adultos que
praticaram violência sexual doméstica.
32
A operacionalização do abuso sexual doméstico é muito distinta das situações de
estupro, na medida em que, habitualmente, não é acompanhado de violência física, mas de
coerção psicológica expressa sob a forma de ameaça à vítima ou a figuras de grande valor
emocional como mãe e irmãos (Azevedo & Guerra, 1989, 1995; Rouyer, 1997; Furniss,
1993).
Azevedo e Guerra (1995, p.53) empregam uma definição completa, clara e precisa
para a violência sexual doméstica:
todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual entre um ou mais adultos
e uma criança menor de 18 anos, tendo por finalidade estimular sexualmente a criança ou
utilizá-la para uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa.
Estatísticas brasileiras sobre a violência sexual intrafamiliar apontam que as vítimas
são predominantemente meninas e que os pais biológicos, seguidos pelos padrastos, são os
que respondem pela maior parte das agressões (Azevedo & Guerra, 1995; Sousa e Silva,
2002; Gonçalves, 2003; Nogueira & Sá, 2004).
Os números nacionais mostram que a incidência e o registro de abuso sexual em
crianças e adolescentes do sexo feminino são muito superiores do que em jovens do sexo
masculino, conforme demonstram os estudos do LACRI coordenados por Azevedo e Guerra
(2006)
4
:
Tabela 2 – Notificações de abuso sexual em cidades brasileiras (LACRI, 2006)
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Total
Masculino
8 7 18 113 192 350 326 522 589 602 677
3.404
Feminino 68 80 174 536 786 1.373 1.402 2.077 1.984 2.129 1.779
12.388
Sem
informação
19 228 386 0 0 0 0 0 0 0 0
633
Total
95 315 578 649 978 1.723 1.728 2.599 2.573 2.731 2.456 16.425
4
- Fonte: Laboratório de Estudos da Criança (LACRI) da USP,
http://www.ip.usp.br/laboratorios/lacri/iceberg.htm#2, recuperado em 14 de dezembro de 2006.
33
Pinto Junior, et al. (2003b) também encontraram essa tendência no serviço de
atendimento de crianças vitimizadas do CRIA, em Guaratinguetá (SP), onde o predomínio de
casos notificados de violência sexual concentra-se entre as meninas (47%). O registro de
abuso sexual em crianças do sexo masculino nesse serviço é de apenas 16%.
Pinto Junior (2003a) estudou especificamente o abuso sexual de meninos e destaca
que, do ponto de vista social, esse fenômeno é ainda mais impregnado de preconceitos e
estigmas machistas, pois é freqüentemente associado à suposta homossexualidade da vítima e
isto se torna outro obstáculo adicional à revelação e à denúncia.
As estatísticas apontam que a incidência de abuso sexual de meninos é menor e os
números oficiais se tornam ainda mais reduzidos, por ser a sua notificação menos freqüente
(apenas 18,6% do total dos casos registrados de violência sexual). Os agressores sexuais de
crianças do sexo masculino são predominantemente homens, geralmente pais, padrastos e
irmãos mais velhos (Pinto Junior, 2003a).
As pesquisas sobre o abuso sexual de meninos também são menos comuns e, em
alguns casos, apresentam problemas metodológicos que comprometem seus resultados, tais
como o tamanho da amostra e o despreparo do pesquisador para manejar a abordagem do
abuso com os sujeitos. Esses inconvenientes acabam por promover a difusão de idéias
enviesadas, equivocadas e até mesmo preconceituosas sobre o tema, conforme destaca Pinto
Junior (2003a).
O silêncio e o segredo compartilhados entre vítima e agressor são as principais
características do abuso sexual dentro da família e, conseqüentemente, são os maiores
obstáculos para o rompimento desse tipo de violência. A pessoa que pratica abuso sexual –
pai/mãe, padrasto/madrasta, padrinho/madrinha ou parente – geralmente é uma pessoa de
considerável valor afetivo para a criança, o que mobiliza intensa ambivalência emocional
(amor e ódio, vergonha e culpa) e reforça o segredo sobre a situação abusiva, que pode
34
perdurar por tempo indeterminado (Azevedo & Guerra, 1989, 1995; Furniss, 1993; Gabel,
1997; Linares, 2002; Silva, 2002; Sanmartín, 2002).
A adaptação ao abuso é uma das estratégias psicológicas adotadas por muitas crianças
que enfrentam abusos sexuais prolongados em segredo e que passam a encarar essa situação
como um evento “natural” em sua vida. Esse mecanismo de sobrevivência psíquica foi
denominado “Síndrome de Acomodação”, por Summit (1983, apud Azevedo & Guerra, 1995)
em um trabalho publicado em 1983, que se tornou muito famoso e citado até hoje na literatura
sobre abuso sexual de crianças e adolescentes.
Quando o adulto desconsidera, ou não acredita, na palavra da criança que revela uma
situação de abuso sexual, ela perde a esperança de contar com a proteção do ambiente e não
lhe restam muitas saídas senão aceitar a situação abusiva. Summit (1983 apud Azevedo &
Guerra, 1995) descreveu cinco categorias de reações que constituem a “Síndrome de
Acomodação” – segredo, desesperança, acomodação, revelação tardia e hesitante, retratação.
As duas primeiras caracterizam a vulnerabilidade da criança que, impotente, mantém o
segredo; as três últimas são contingências da própria abordagem sexual: a criança adapta-se à
situação de abuso sexual; depois revela, tardiamente, mas sua palavra não encontra
credibilidade; finalmente, ela se retrata.
A ambivalência emocional e o sentimento de culpa decorrentes da revelação inicial
(desintegração familiar, prisão do agressor, pressões familiares, entre outros) levam a criança
a desmentir o abuso, o que se torna um conveniente e poderoso aliado para a pessoa que
abusa. Esse movimento de retratação é tão comum entre as crianças vítimas de abuso sexual
que a sua presença em crianças muitas vezes é um indicador da ocorrência de abuso sexual
para os profissionais da área (Azevedo & Guerra, 1989; Furniss, 1993; Lamour, 1997; Ferrari
& Vecina, 2002).
35
A literatura especializada também destaca que a cumplicidade entre os cônjuges é
outro poderoso fator que sustenta o silêncio e reforça a violência sexual dentro de lar. Nos
casos de abuso sexual que se prolongam durante anos, a pessoa que pratica o abuso conta com
a omissão do parceiro, que não percebe, não enxerga ou não acredita, a despeito das tentativas
de revelação, diretas ou indiretas, da criança (Furniss, 1993; Azevedo & Guerra, 1995; Gabel,
1997; Linares, 2002).
Alguns autores consideram que o abuso sexual ocorre em famílias que apresentam
características e padrões de funcionamento peculiares que favorecem o seu aparecimento.
Azevedo e Guerra (1989, 1998) denominam essas famílias “incestogênicas”, pois se
caracterizam por serem fechadas, por manterem relações erotizadas, pela falta de limites inter
e intrageracionais, pela submissão à autoridade paterna e pela ausência de comunicação aberta
entre seus membros.
O abuso sexual para a abordagem sistêmica é considerado um sintoma mantido pela
disfunção familiar. Isso significa que as famílias incestuosas geralmente apresentam intensas
tensões conjugais de onde o abuso sexual emerge como um regulador de conflitos (para evitar
o conflito e a ruptura familiar) ou como negação de tais conflitos (Furniss, 1993).
Nessas famílias as relações de parentalidade e conjugalidade confundem-se, os papéis
e as funções familiares modificam-se de tal modo que a função parental de proteção aos filhos
é subvertida pela ação abusiva do pai e pela omissão da mãe, que acabam por transformar a
filha na parceira sexual do pai (Furniss, 1993).
Para os autores que trabalham com a abordagem sistêmica, o que favorece a
continuidade de um funcionamento familiar incestuoso são as triangulações estabelecidas
dentro da família, de modo que um dos cônjuges estabelece uma com o filho(a) de exploração
e favoritismo. Isso significa que a situação de abuso sexual leva a vítima a acreditar que
36
mantém um relacionamento especial com seu pai e que, portanto, ocupa um lugar privilegiado
na família, em relação à mãe e aos outros irmãos (Furniss, 1993; Linares, 2002).
Furniss (1993) destaca que a manutenção do segredo no abuso sexual só é possível por
meio da atuação de poderosos mecanismos de dissociação da realidade que fazem com que a
criança negue e anule a experiência do abuso. Isso significa que a criança é capaz de passar
pela situação de abuso sem experienciá-la, sem conseguir nomeá-la e até mesmo sem
conseguir reconhecer-se na situação.
A psicanálise também se ocupou das relações incestuosas estabelecidas entre pais e
filhos e o assunto foi abordado por Freud (1905/1981) nos “Três ensaios sobre a sexualidade”.
Para Freud a sexualidade infantil encontra-se sob o domínio de instintos sexuais parciais
apoiados em necessidades fisiológicas cuja satisfação é auto-erótica, ou seja, sem um objeto
sexual. Na fase de latência, os instintos sexuais são desviados de sua finalidade original pela
atividade sublimatória e, a partir da adolescência, a sexualidade retoma seu desenvolvimento
até atingi-lo plenamente na vida adulta, período em que o instinto sexual encontra o seu
objeto no outro e encontra o seu fim nas atividades sexuais (coito e reprodução).
A estimulação sexual precoce da criança pode trazer muitas repercussões para o
posterior desenvolvimento de sua sexualidade. Diante de uma excitação sexual intensa, a
criança ainda não possui resistências instituídas, como o “pudor, a repugnância e a moral”,
para evitar essa estimulação e, tampouco, recursos psicológicos ou físicos para efetuar a
descarga da tensão sexual. Esse prazer preliminar intenso pode substituir o fim sexual e
produzir fixações que constituem a base das perversões sexuais (Freud, 1905/1981).
Ferenczi (1933/1992) identificou nas experiências de abuso sexual infantil o fenômeno
de “identificação com o agressor”, a partir do qual a vítima introjeta o agressor, que
desaparece enquanto realidade externa e se torna um objeto internalizado positiva ou
negativamente investido. Para Ferenczi (1933/1992, p.103) a criança, cuja personalidade
37
ainda se encontra em vias de desenvolvimento, paralisa-se diante do agressor e “reage ao
brusco desprazer não pela defesa, mas pela identificação ansiosa e a introjeção daquele que a
ameaça e a agride”.
A introjeção do sentimento de culpa do adulto se manifesta sob a forma de uma grande
confusão para a criança: o jogo sexual, inicialmente inócuo e vivido de forma lúdica, torna-se
vergonhoso e digno de castigo. A criança procura, na relação com a pessoa que pratica o
abuso, uma experiência emocional calorosa - “linguagem da ternura” - e recebe em troca a
estimulação sexual, - “linguagem da paixão” - produzindo o que o autor denomina “confusão
de linguagem” (Ferenczi, 1933/1992).
A vergonha, o medo e a culpa são sentimentos muito freqüentes entre crianças e
adolescentes que sofreram abuso sexual, seja porque eventualmente experimentaram alguma
forma de prazer durante a estimulação sexual, seja porque acreditam que se permitiram ser
abusadas durante muito tempo em silêncio (Azevedo & Guerra, 1989).
A literatura especializada também constata com muita freqüência a presença de
comportamentos sexualizados (masturbação compulsiva, busca de contatos físicos erotizados
com crianças e adultos) e de conhecimentos sexuais incompatíveis com a idade entre crianças
vítimas de abuso sexual. A reprodução da violência sexual com outras crianças ou
adolescentes também é um comportamento encontrado em crianças e adolescentes vítimas de
abuso sexual (Azevedo & Guerra, 1989; Furniss, 1993; Rouyer, 1997).
Os efeitos do abuso sexual também podem incidir sobre a sexualidade das vítimas,
quando se tornam adolescentes ou ingressam na vida adulta. Muitas delas, ainda quando
jovens, apresentam disfunções sexuais como frigidez ou, ao contrário, desenvolvem um
comportamento sexual aditivo (promiscuidade) e/ou ingressam na prostituição, mantendo
relacionamentos com vários parceiros, sem estabelecer com eles vínculos emocionais
(Azevedo & Guerra, 1989, 1995; Furniss, 1993; Rouyer, 1997). Para Furniss (1993) a
38
prostituição e a promiscuidade representam a repetição da confusão entre a busca de afeto e o
ato sexual.
O desenvolvimento de uma orientação homossexual é um dos efeitos possíveis da
vitimização sexual, tanto para meninas quanto para meninos (Rouyer, 1997; Pinto Junior,
2003a). Além disso, Pinto Junior (2003a) destaca que o medo de ser considerado
homossexual é outro efeito que aparece com freqüência em vítimas do sexo masculino, o que
colabora ainda mais para a subnotificação desses casos.
Comportamentos agressivos ou anti-sociais como meio de reafirmação da
masculinidade, quadros psiquiátricos (depressão, ansiedade e comportamento suicida), abuso
de substâncias químicas, disfunções sexuais, dificuldades nos relacionamentos interpessoais e
baixa auto-estima também são efeitos que aparecem na literatura sobre abuso sexual de
meninos citada por Pinto Junior (2003a).
Verificamos, também, tanto na literatura (Azevedo & Guerra, 1989, 1995; Furniss,
1993; Alvin, 1997) quanto em nossa experiência profissional em Vara de Infância e
Juventude, que grande parte das mulheres que foram sexualmente vitimizadas na infância ou
juventude não conseguem proteger seus filhos e filhas da violência sexual perpetrada por seus
companheiros. Assim como não foram ouvidas, protegidas e cuidadas por suas próprias mães,
tendem a reproduzir o mesmo comportamento negligente com seus filhos.
As conseqüências psicológicas do abuso sexual são diversas e dependem de variáveis
como a idade da criança, duração do abuso e proximidade emocional do agressor. Quanto
menor a criança, maior tempo de exposição ao abuso e maior vínculo afetivo com o agressor,
maior a probabilidade de produzir seqüelas mais graves e duradouras.
Rouyer (1997) destaca que os efeitos emocionais mais comuns, a curto e médio prazo,
são doenças psicossomáticas, quadros psicóticos, enurese, encoprese, distúrbios alimentares,
distúrbios do sono, rituais de higiene. Entre adolescentes é comum a presença de quadros
39
depressivos, tentativas de suicídio, isolamento, comportamentos de fuga do lar, condutas
agressivas contra terceiros e contra si mesmos, condutas anti-sociais e abuso de substâncias
químicas (Furniss, 1993; Rouyer, 1997; Alvin, 1997).
Furniss (1993) destaca que as situações de abusos sexuais prolongados levam a formas
extremas de dissociação como as personalidades múltiplas. A ambivalência afetiva em relação
ao agressor, a confusão de papéis e de lugares dentro da família são claramente expressas no
atendimento dessas crianças (Furniss, 1993; Rouyer, 1997; Lamour, 1997; Nogueira & Sá,
2004).
No estudo dos efeitos do abuso sexual, Finkelhor e Browne (1985) consideram que a
vitimização sexual caracteriza-se por uma “dinâmica traumatogênica” específica, composta
por quatro fatores – sexualização traumática, sentimento de traição, estigmatização e
impotência – que atuam como causas do trauma e comprometem o desenvolvimento da
criança em relação ao seu “auto-conceito”, à sua “visão de mundo” e às suas “capacidades
afetivas”.
A sexualização traumática é o processo pelo qual a sexualidade da criança, em função
da estimulação sexual, torna-se inadequada para o seu nível de desenvolvimento. Os seus
efeitos podem se manifestar de diferentes maneiras como condutas sexualizadas,
promiscuidade, masturbação compulsiva, disfunções sexuais na vida adulta, agressão sexual
dirigida para outras crianças e confusão em relação à própria identidade sexual.
A traição é a dinâmica que advém da descoberta da criança de que aquele que lhe
causa mal (agressor) é uma pessoa em quem confia e que as demais pessoas da sua confiança
(membros da família, professores, entre outros) não são suficientemente protetoras em relação
ao agressor ou ainda não acreditam em sua palavra. Os efeitos da traição geralmente se
manifestam sob a forma de tristeza, depressão, desilusão, raiva e falta de confiança nos
relacionamentos interpessoais.
40
A impotência refere-se ao processo pelo qual o desejo, o espaço e o corpo da criança
são constantemente violados pelo agressor, a quem a criança se sente incapaz de enfrentar. A
impotência geralmente mobiliza medo e ansiedade, que podem suscitar o aparecimento de
sintomas como pesadelos, fobias, hipervigilência e doenças psicossomáticas. O sentimento de
impotência pode associar-se à depressão e às tentativas de suicídio freqüentemente
encontradas em mulheres e adolescentes sexualmente violentadas. Outro efeito possível é a
manifestação de uma necessidade compensatória de controle e de poder, que expressa nas
relações interpessoais sob a forma de violência, como reprodução da violência sofrida.
O processo de estigmatização refere-se à comunicação de aspectos negativos
relacionados ao abuso sexual – maldade, vergonha e culpa – que acabam sendo incorporados
pela criança. A responsabilização da vítima pelo abuso e a manutenção do segredo podem
intensificar a vergonha e culpa, pois a criança se sente socialmente estigmatizada. Isolamento
social, baixa auto-estima, abuso de álcool ou drogas, envolvimento com atividades ilícitas,
prostituição, comportamentos autodestrutivos, tentativas de suicídio são efeitos relacionados à
estigmatização das vítimas.
De acordo com Finkelhor e Browne (1985), algumas dessas dinâmicas também podem
estar presentes em outras situações traumáticas da vida da criança, como a violência física ou
ainda a separação dos pais, porém, o que torna o trauma do abuso sexual peculiar é a
coexistência das quatro dinâmicas traumáticas. Este modelo traumatogênico não se preocupa
com os efeitos (ou sintomas), mas com os processos dinâmicos traumáticos relacionados a
eles, o que pode facilitar o planejamento de intervenções terapêuticas.
Echeburúa & Guerricaechevarría (1998 apud Echeburúa & Guerricaechevarría, 2002,
p. 94) sistematizaram os principais efeitos, em curto prazo, da violência sexual contra crianças
e adolescentes na literatura especializada internacional, conforme mostra o quadro a seguir.
Quando comparamos este quadro aos autores já mencionados, verificamos que parece haver
41
um panorama de convergência entre os pesquisadores com relação aos sintomas associados à
vitimização sexual:
Tabela 3 – Efeitos do abuso sexual, em crianças e adolescentes, na literatura especializada
Tipos de Efeitos Sintomas Período evolutivo
Físicos
Problemas de sono (pesadelos)
Mudança de hábitos alimentares
Perda de controle dos esfincteres
Infância e Adolescência
Infância e Adolescência
Infância
Comportamentais Consumo de drogas ou álcool
Fugas do lar
Condutas autodestrutivas ou suicidas
Hiperatividade
Baixo rendimento escolar
Adolescência
Adolescência
Adolescência
Infância
Infância e Adolescência
Emocionais Medo generalizado
Hostilidade e agressividade
Culpa e vergonha
Depressão
Ansiedade
Baixa auto-estima e sentimentos de estigmatização
Rejeição ao próprio corpo
Desconfiança e rancor de adultos
Transtorno de estresse pós-traumático
Infância
Infância e Adolescência
Infância e Adolescência
Infância e Adolescência
Infância e Adolescência
Infância e Adolescência
Infância e Adolescência
Infância e Adolescência
Infância e Adolescência
Sexuais Conhecimento sexual precoce e inadequado para a
idade
Masturbação compulsiva
Excessiva curiosidade sexual
Condutas exibicionistas
Problemas de identidade sexual
Infância e Adolescência
Infância e Adolescência
Infância e Adolescência
Infância e Adolescência
Adolescência
Sociais Déficit de habilidades sociais
Retraimento social
Condutas anti-sociais
Infância
Infância e Adolescência
Adolescência
Negligência
Embora seja a modalidade de violência doméstica mais notificada (LACRI, 2006), a
negligência é um fenômeno pouco evidente, porque é uma violência passiva, caracterizada
pela omissão e não pela ação. Azevedo e Guerra (2000c, p.19) incorporam a dimensão social
na definição desse fenômeno de manifestação individual, ao defini-lo como
42
uma omissão em termos de prover as necessidades físicas e emocionais de uma criança
ou adolescente. Configura-se quando os pais (ou responsáveis) falham em termos de
alimentar, de vestir adequadamente seus filhos, etc, e quando tal falha não é resultado das
condições de vida além do seu controle.
De acordo com Lippi (1985), pais negligentes nem sempre atacam diretamente seus
filhos, não realizam ações diretas que possam comprometer sua integridade, mas possibilitam
que outrem o faça, expondo a criança ou adolescente à ação de terceiros.
Harrington, Black, Starr e Dubowitz (1998, p.108) ressaltam que a negligência
emocional compromete a adaptação e a crítica da criança em relação aos limites. Ela é
definida como “... uma ausência de zelo e sensibilidade materna em relação à criança ou uma
ausência de consistência e previsibilidade no ambiente da criança, mais especificamente no
contexto de questões disciplinares”.
Nas classes mais baixas, a negligência é facilmente confundida com carência de
recursos materiais, mas, em todas as classes sociais, podemos verificar que a manifestação da
negligência é disfarçada por uma postura excessivamente permissiva dos pais, a qual encobre
o desinteresse destes pela assistência e educação dos filhos.
A fronteira entre os acidentes domésticos e a negligência muitas vezes é pouco clara
até mesmo para experientes profissionais. Casos de afogamento de crianças pequenas abrem
espaço para a discussão desses frágeis limites, na medida em que a criança ainda não possui
discernimento para discriminar uma situação de perigo e que pode ter havido falha dos pais na
supervisão da criança (Feldman, Monastersky & Feldman, 1993).
A negligência é um ato violento de grande potencial letal, pois raramente consegue ser
identificada e chamada pelo próprio nome, e predispõe crianças e adolescentes a riscos
maiores do que uma agressão ativa que, por ser explícita, poderia receber maior vigilância
social. Ela é a porta de entrada para a ocorrência de outras formas de violência como a sexual
e a física.
43
As variáveis mais associadas à negligência são a pobreza, isolamento social da
família, falta de rede social de apoio, presença de doenças como alcoolismo, drogadição,
distúrbios neurológicos ou psiquiátricos nos pais, apatia e desinformação dos pais sobre
necessidades infantis (Bowlby, 1981; Azevedo & Guerra, 1989; Belsky, 1993).
Linares (2002) observa, entre as vítimas de negligência, acentuada passividade,
empobrecimento emocional e representação negativa de si mesmo.
Violência Psicológica ou Abuso Psicológico
Considera-se violência psicológica qualquer ação, promovida pelo adulto, que
promova sofrimento psicológico ou emocional à criança. Autores como Azevedo e Guerra
(1989 e 1995), Linares (2002), Sanmartín (2002) destacam que a violência psicológica pode
se manifestar de diferentes formas, seja como rejeição (hostilidade), seja como abandono
emocional em relação ao filho.
Gabarino, Guttmann e Seeley (1986, apud Azevedo & Guerra, 2001b, p.35)
consideram como maus-tratos psicológicos domésticos, essencialmente, cinco categorias de
condutas parentais em relação aos filhos: “rejeitar, isolar, aterrorizar, ignorar, corromper”.
Baseadas nessas cinco categorias, Azevedo e Guerra (2001b) definem a violência
psicológica como atos caracterizados basicamente por rejeição (ignorar ou desvalorizar a
vítima), humilhação (insultar, ridicularizar a vítima), isolamento (impedir a vítima de ter
contatos com outras pessoas), indiferença (falta de atenção, falta de amor, abandono), terror
(chantagens emocionais, ameaças que aterrorizam a vítima como ameaças de abandono,
punições severas ou de morte).
Gil (1984, apud Azevedo & Guerra, 1989, p.41) define o abuso psicológico como um
fenômeno que se expressa em circunstâncias específicas nas quais o adulto
44
deprecia a criança, bloqueia seus esforços de auto-aceitação, causando-lhe grande
sofrimento mental. Ameaças de abandono também podem tornar uma criança medrosa e
ansiosa, podendo representar formas de sofrimento psicológico.
Alguns autores consideram o abuso emocional e o abuso psicológico como parte de
uma mesma categoria de violência doméstica, ou seja, como maus-tratos psicológicos,
enquanto que outros autores os tratam como fenômenos distintos como, por exemplo,
O´Hogan, que entende o abuso psicológico como uma violência que envolve atitudes menos
hostis e mais sutis do que o abuso emocional (Azevedo & Guerra, 2001b).
A violência psicológica pode surgir isoladamente, mas, assim como a negligência, na
maior parte das vezes, aparece como coadjuvante em outras situações de violência, como a
física e a sexual.
Trata-se de um fenômeno “indizível”, conforme definem Azevedo e Guerra (2001b),
pois é pouco perceptível para terceiros, seja porque a vítima é muitas vezes responsabilizada
por provocar o ato violento, seja porque nem mesmo a própria vítima, apesar do sofrimento,
consegue percebê-lo ou identificá-lo como violência. Essa peculiaridade foi constatada pelas
autoras em uma pesquisa com universitários, na qual os atos de violência psicológica
apontados pelos participantes foram considerados “não comprometedores da qualidade da
vida familiar” em 65% dos casos (Azevedo & Guerra, 2001b).
O reconhecimento da violência psicológica dentro do espectro do abuso doméstico é
mais recente e, por isso, a realização de pesquisas sobre o tema torna-se mais difícil e rara do
que nas demais formas de violência. A ausência de uma definição clara e unânime do
fenômeno, bem como as dificuldades para identificá-lo e avaliá-lo, também contribuem para a
escassez de produções científicas nessa área (Azevedo & Guerra, 2001b).
Comportamentos destrutivos e tendências anti-sociais são freqüentemente encontrados
entre crianças e adolescentes com histórico de violência intrafamiliar, sobretudo psicológica.
Para Winnicott (2002) as tendências anti-sociais têm por base a (de)privação emocional, ou
45
seja, perda de algo importante que não foi capaz de se manter na experiência emocional
precoce do indivíduo. O autor considera que condutas anti-sociais como roubos representam
uma busca do adolescente pela figuras materna (objeto perdido) e paterna (autoridade) que
freiem sua impulsividade e protejam o objeto de amor dos seus ataques. Trata-se, portanto, de
uma busca desesperada pelo que foi perdido, por figuras “fortes, carinhosas e seguras”.
O abandono dos filhos é uma das formas mais freqüentes e cruéis de violência
psicológica. Bowlby (1981) estudou profundamente os efeitos da privação em crianças e
constatou que, quanto mais longa a separação da criança de seu lar, maior o prejuízo para o
seu desenvolvimento. Quando a separação não é muito longa, as falhas de desenvolvimento
decorrentes da privação podem ser revertidas e compensadas pelo reaparecimento da mãe ou
pela sua substituição por outro cuidador.
De acordo com Bowlby (1981), as separações mais prejudiciais são as que ocorrem no
segundo semestre de vida da criança, seguidas por aquelas ocorridas após os doze meses, dois
e três anos de idade. Entre três e cinco anos de idade os riscos ainda são sérios, mas menores
do que no período anterior. Até os seis primeiros meses de vida, as separações produzem
“perturbações menos trágicas e, após os cinco anos de idade, os riscos diminuem.
O apego se estabelece no primeiro ano de vida, especialmente no segundo semestre da
vida do bebê, quando este já possui capacidade cognitiva de manter a imagem mental da
figura materna na ausência dela, a fim de discriminá-la entre os demais e de rejeitar pessoas
desconhecidas. Separações súbitas, ocorridas entre seis e nove meses de vida, podem produzir
estados depressivos em bebês, manifestos sob a forma de apatia, tristeza, perda de apetite,
perda de sono e suscetibilidade a infecções. Para Bowlby (1981 e 1988) a criança que foi
capaz de desfrutar de uma base segura de apego reage com menos angústia e maior tolerância
à separação, recuperando-se mais rápido após o reaparecimento da figura materna.
46
De acordo com Bowlby (1981), a privação parcial pode produzir angústia, intensa
necessidade de amor, sentimento de vingança, culpa e depressão e a privação total pode
comprometer completamente a capacidade do indivíduo de estabelecer vínculos afetivos.
Linares (2002) fala no desenvolvimento de “jogos maltratantes” na dinâmica
relacional familiar, pois considera que a violência psicológica aparece, na maior parte dos
casos, associada a conflitos conjugais e à ameaça de dissolução do casamento. Assim, a
incapacidade do casal para administrar os próprios problemas conjugais repercute de maneira
direta e negativa sobre o exercício das funções parentais.
Nessa perspectiva, o abuso psicológico se instala na família quando as relações de
conjugalidade afetam a parentalidade, o que pode ocorrer com ou sem o estabelecimento de
“alianças” entre pais e filhos. No primeiro caso, os pais saem de seus papéis de protetores e
“convidam” os filhos a entrar no conflito do casal, como aliados e como opositores,
favorecendo o estabelecimento de um padrão relacional de natureza neurótica e até mesmo
psicótica nos filhos. No segundo caso, não ocorre a formação de alianças entre pais e filhos,
mas a falta de harmonia conjugal coincide com o fracasso das funções parentais, que pode se
manifestar sob a forma de privação e negligência dos filhos (Linares, 2002).
Nas situações de violência psicológica intrafamiliar, Linares (2002) destaca a presença
de efeitos como tentativas de suicídio (por não corresponder às elevadas expectativas sociais),
confusão relacional, transtornos alimentares entre crianças e adolescentes.
Diante das diversas formas de violência apresentadas neste capítulo, verificamos que,
de maneira geral, a violência doméstica é um fenômeno ainda pouco explícito socialmente, o
que dificulta a sua identificação e, conseqüentemente, a sua notificação. Assim, a capacitação
dos profissionais que trabalham com a população infantil e adolescente nas áreas da educação
(professores, diretores e demais funcionários de estabelecimentos escolares) e da saúde
(médicos, enfermeiros, auxiliares de saúde, assistentes sociais, psicólogos, fonoaudiólogos,
47
entre outros) para identificar e denunciar eventuais suspeitas de violência é fundamental para
o rompimento do silêncio do abuso de poder familiar e, conseqüentemente, para a proteção
física, psicológica e judicial das vítimas.
48
1.3. O PSICÓLOGO JUDICIÁRIO E A INFÂNCIA:
ENTRE A PROTEÇÃO E O CONTROLE
O Psicólogo no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
A presença do psicólogo nos serviços de atendimento a crianças e adolescentes
vítimas de violência doméstica é fundamental, seja nas instituições de saúde, seja na esfera
judicial. A prática do psicólogo que trabalha com a violência doméstica no Poder Judiciário
ainda é pouco conhecida até mesmo pelos profissionais da área de Psicologia e este capítulo
pretende mostrar como se realiza este trabalho no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
A Psicologia Jurídica refere-se à área de atuação profissional do psicólogo no sistema
legal de maneira mais ampla e inclui suas atividades tanto no poder executivo (penitenciárias,
delegacias, FEBEM, por exemplo), quanto no poder judiciário (Castro, 2003). A psicologia
forense relaciona-se a uma esfera de atuação mais restrita e específica, que é “a psicologia
aplicada à prática judicial” (Rovinski, 2000, p.183).
A Psicologia forense ou judicial sofreu grande influência da psiquiatria forense na área
criminal. No Brasil, a psiquiatria forense originou-se no final do século XIX e parece ter se
estabelecido definitivamente na década de 20 do século XX, com a inauguração de
manicômios judiciários em vários Estados brasileiros (Rigonatti & Barros, 2003).
Os primeiros psicólogos que ingressaram no Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo em 1979, mesmo ano da publicação do Código de Menores, realizaram um trabalho
inicialmente voluntário junto ao Serviço de Colocação Familiar (Lei Estadual 560 de 1949),
visando fornecer suporte a famílias e, com isso, evitar a institucionalização de crianças e de
adolescentes (Bernardi, 2000; Cerqueira & Ferreira, 1992).
49
Bernardi (2000, p.105) pontua que o Código de Menores de 1979, abriu os caminhos
para o desenvolvimento de atividades de assessoramento psicossocial nas decisões judiciais,
na medida em que “previa em seu art. 4º, III, ‘que o estudo de cada caso fosse realizado por
equipe técnica, sempre que possível’”. Com base nesse artigo foram criadas, em 1980, as
chamadas “Audiências Interprofissionais”, nas quais psicólogos voluntários, juntamente com
assistentes sociais judiciários, iniciaram as intervenções de assessoramento judicial, conforme
mostram os registros da época
Foi instituída em São Paulo, capital, uma forma de atendimento dos casos em Juízo,
através de prévia apuração por equipe técnica, composta por Assistente Social e
Psicólogo, que participam ativamente das Audiências Interprofissionais e não só orientam
as medidas dentro de suas respectivas áreas, como, também, apresentam o relatório para a
pronta decisão do processo (Camargo, 1982, p. 22 apud Bernardi, 2000, p. 106).
Vale destacar que os psicólogos voluntários ingressaram com trinta anos de atraso em
relação aos Assistentes Sociais, que já estavam inseridos no Tribunal de Justiça desde 1950.
Em 1981, a atividade dos psicólogos no Tribunal tornou-se remunerada, o que permitiu a
contratação de profissionais para avaliação psicológica e acompanhamento das famílias
atendidas pelas Varas de Menores (Cerqueira & Ferreira, 1992; Bernardi, 2000).
O ano de 1985 marcou a oficialização da psicologia forense como atividade
reconhecida pelo Tribunal de Justiça paulista, pois foi o ano em que se realizou o primeiro
concurso público para o cargo de psicólogo judiciário, com atribuição de funções cumulativas
nas Varas de Menores e nas Varas de Famílias e Sucessões (Bernardi, 2000; Cerqueira &
Ferreira, 1992).
Com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, introduziu-se
um novo olhar para as questões da infância e juventude – a criança e o adolescente como
pessoas em condições especiais de desenvolvimento –, a partir do qual a presença de
profissionais das áreas de Psicologia e Serviço Social nas Varas de Infância e Juventude
tornou-se obrigatória, com atribuições previamente definidas
50
Art. 151. Compete à equipe interprofissional dentre outras atribuições que lhe forem
reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou
verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento,
orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à
autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico (Del
Campo & Oliveira, 2006, p.202).
A atuação do Psicólogo em Varas de Infância e Juventude
Para compreender as atribuições do psicólogo parece importante esclarecer, em
primeiro lugar, a natureza dos processos atendidos nas Varas de Infância e Juventude. O
psicólogo atua, resumidamente, nas seguintes situações (Cerqueira & Ferreira, 1992 Bernardi,
2000):
- colocação de crianças/adolescentes em famílias substitutas (mediante medidas
judiciais de Guarda, Tutela ou Adoção);
- ações de destituição do Poder Familiar;
- avaliação psicológica de pessoas que solicitam a adoção de crianças e organização do
cadastro de interessados;
- avaliação de denúncias de situações de risco (violência física, sexual, psicológica,
negligência) intra e extra familiar para crianças e adolescentes;
- avaliação de situações em que comportamento da criança ou do adolescente resulta em
risco à sua própria integridade (fugas do lar, uso de drogas, entre outras);
- adolescentes com práticas de atos infracionais (delitos)
5
;
- encaminhamento de crianças para abrigos;
- fiscalização de instituições de atendimento a crianças.
A atuação do psicólogo deve pautar-se nos princípios fundamentais do Estatuto da
Criança e do Adolescente, que, na medida do possível, tenta privilegiar o convívio da criança
5
Na Capital do Estado de São Paulo existem as chamadas Varas Especiais de Infância e Juventude, destinadas
exclusivamente para o atendimento de adolescentes com práticas de atos infracionais. No interior, estes casos são
atendidos nas Varas de Infância e Juventude.
51
e do adolescente com o grupo familiar. O trabalho do psicólogo judiciário no contexto da
Infância e Juventude, embora requeira atuação avaliativa (estudo psicológico individual e/ou
do grupo familiar), caracteriza-se essencialmente por ações interventivas de orientação e
acompanhamento de todos os envolvidos no processo, com exceção das ações de Destituição
de Poder Familiar, nas quais o psicólogo atua exclusivamente como perito.
O perito é um auxiliar da Justiça, um profissional de confiança do juiz, que pode ser
particular ou pertencente ao quadro de técnicos do tribunal, e sua função é realizar um estudo
técnico que servirá de subsídio para uma decisão judicial. A perícia exige conhecimento
especializado do profissional e seu resultado deve ser apresentado sob a forma de um laudo
psicológico (Rovinski, 2004).
O termo perícia deriva do latim peritia e significa habilidade, destreza. A perícia
judicial atende à função de responder a uma questão específica da esfera legal, que exige
conhecimento especializado de um assunto sobre o qual o juiz não possui domínio.
De acordo com Castro (2003, p.32), o estudo psicológico realizado no procedimento
pericial é bastante específico e a função do perito deve limitar-se a responder a uma pergunta
específica formulada pela autoridade judicial:
O estudo psicológico tem por objetivo, então, responder a uma questão que lhe é dirigida
nos autos. O perito deverá reportar-se a esta questão, quer para respondê-la, quer para
justificar o porquê de não conseguir elucidá-la o suficiente durante o estudo de caso.
Nas Varas de Infância e Juventude, o psicólogo realiza avaliação psicológica dos
envolvidos, sejam eles crianças ou adultos, discute medidas de proteção mais adequadas para
cada caso, realiza intervenções por meio de orientações diretivas, realiza acompanhamentos
(encontros sistemáticos e temporários) e encaminhamentos de crianças, adolescentes e seus
familiares aos recursos da comunidade (atendimentos médico/psiquiátrico/psicológico,
programas de auxílio social, grupos de apoio, entre outros), mediante parceria com outras
instituições.
52
Todas as intervenções do psicólogo devem ser registradas em relatórios e, em muitos
casos, devem conter pareceres, que são apresentados por escrito (ou oralmente, em
audiências), para auxiliar a decisão judicial. Cabe destacar que a decisão judicial pode ou não
estar em concordância com o parecer técnico.
A atuação do Psicólogo em Varas de Família e Sucessões
O psicólogo judiciário do Tribunal de Justiça paulista, conforme mencionado
anteriormente, também assessora decisões judiciais em processos de Varas de Família e
Sucessões, porém, nestas últimas, a sua atuação é essencialmente pericial. O mesmo ocorre
em situações eventuais nas quais o psicólogo pode ser designado para atuar como perito em
ações cíveis, em processos de danos psicológicos, por exemplo, ou em processos criminais,
em crimes cujas vítimas são crianças e adolescentes.
As maiores demandas de perícia em Varas de Família e Sucessões referem-se às
separações conjugais conflitivas que culminam em disputas de guarda e regulamentação de
visitas dos filhos. Nestas situações, o juiz solicita a perícia psicológica para avaliar qual dos
pais apresenta condições mais adequadas para permanecer com a guarda dos filhos e a
pertinência da visita do genitor que não detém a guarda dos filhos (Castro, 2003).
De acordo com Castro (2003), também são realizadas, em menor proporção, perícias
em procedimentos de Interdição, Anulação de Casamento e Destituição do Poder Familiar.
Trata-se de uma demanda muito distinta das Varas de Infância e Juventude, embora seja
possível encontrar situações de risco e/ou maus-tratos dos filhos, além da violência
psicológica inerente à situação de disputa judicial.
O estudo psicológico nas Vara de Família e Sucessões também conta, muitas vezes,
com a presença de outro especialista além do perito, um psicólogo extrajudicial, contratado
53
pelas partes. Este profissional é chamado de assistente técnico e, segundo Rovinski (2004), as
diferenças entre os dois profissionais são bastante claras e objetivas: o perito é um técnico da
confiança do juiz, enquanto que o assistente técnico é um profissional de confiança dos
contratantes. Sua função é realizar um parecer crítico sobre o trabalho técnico do perito em
relação aos procedimentos empregados para a realização do estudo, aos resultados obtidos e
às suas conclusões:
...cabe ao assistente técnico a atividade posterior de crítica ao laudo... devendo este último
evitar que seu trabalho se constitua em um novo laudo, perdendo a função de crítica ao
trabalho do perito (Rovinski, 2004, p. 31).
A Intervenção do Psicólogo Jurídico em Situações de Risco contra Crianças e
Adolescentes
As diferentes atuações do psicólogo nas Varas de Infância e Juventude e nas Varas de
Família e Sucessões, aparentemente, são claras, mas não existe um consenso entre os
profissionais sobre o seu papel e o seu lugar dentro da instituição judicial. Contudo, a maioria
parece concordar sobre um aspecto específico: a necessidade de que a atuação do psicólogo,
seja ela de natureza pericial ou não, privilegie os interesses e o bem-estar da criança e do
adolescente, independentemente da competência judicial, ou seja, Juízo da Família e
Sucessões ou da Infância e Juventude (Brito, 2000).
Os maiores conflitos encontrados na literatura de psicologia jurídica referem-se ao
papel e ao lugar ocupado pelo perito judicial. Uma vertente histórico-crítica, inspirada em
autores como Foucault (2004), Castel (1991) e Donzelot (1980), aborda essas questões a partir
da análise da função social da perícia psicológica forense, cujos princípios remontam-se à
origem da loucura e do saber psiquiátrico do século XIX, que separou criminosos e loucos em
54
instituições distintas, tais como prisões e instituições psiquiátricas (hospícios e manicômios
judiciários).
Nessa perspectiva crítica, o surgimento da loucura como objeto do saber da medicina
(doença) e do médico psiquiatra atendeu à necessidade emergente de uma ordem que, até
então, o poder público - Estado e Poder Judiciário - não teve capacidade de estabelecer:
separar e classificar em categorias distintas todos os representantes da desordem social, ou
seja, os loucos, os marginais, os delinqüentes, os vagabundos, entre outros.
A perícia psiquiátrica surgiu, então, como um dispositivo de controle (ordem), capaz
de diferenciar o criminoso doente mental e o criminoso não doente, o louco e o não louco, o
que concedeu ao médico uma parcela de poder sem precedentes, até então exercida
exclusivamente pelo juiz: o poder de determinar a reclusão e a interdição.
De fato, a incipiente Psicologia Jurídica nasceu da psiquiatria forense e do modelo de
perícia psiquiátrica, que procurou fundamentar-se em princípios positivistas, norteados pela
objetividade, neutralidade científica, separação entre sujeito e objeto e quantificação de
fenômenos (Brito, 1993).
Um trabalho realizado por Castro e Passareli (1992 apud Castro, 2003), publicado na
década de 90, revelou que a idéia de perícia psicológica predominante naquela época ainda
estava profundamente influenciada pelos conceitos da perícia psiquiátrica penal, baseada em
noções de “culpados” e “inocentes”.
As críticas de alguns autores da área de Psicologia Jurídica em relação à atuação
pericial do psicólogo judiciário incidem sobre o seu papel e a sua identidade profissional, que,
em vez de estarem assentados sobre os princípios da promoção de saúde, acabam se tornando,
muitas vezes, práticas desumanizadas e classificatórias, a exemplo do modelo médico (Brito,
1993, 2000; Bernardi, 2000; Gonçalves, 2003).
55
Essa vertente também se mostra crítica às técnicas e procedimentos utilizados pela
perícia, baseados na avaliação psicodiagnóstica, com uso de instrumentos de avaliação
psicológica (testes psicológicos), que podem rotular e estigmatizar os indivíduos, em vez de
ajudá-los
uma atuação onde, na verdade, a contribuição é fornecida primordialmente ao sistema
jurídico e muito pouco ao sujeito que busca na Justiça a solução para as suas dificuldades
(Brito, 1993, p. 113).
Brito (2000) aponta que os profissionais das Varas de Família, nas disputas de guarda,
tendem a privilegiar o que chamam de “interesse da criança” e, com isso, dirigem sua
avaliação para verificar com qual dos pais a criança possui vínculos afetivos mais intensos ou
com quem deseja permanecer. Tendo em vista que os filhos tendem a fazer alianças com um
dos seus genitores após a separação, Brito (2000) questiona se o que os psicólogos judiciários
verificam é genuinamente um vínculo emocional ou se, na verdade, não passa de uma
preferência da criança pelo genitor com quem se aliou.
Brito (2000) também critica a recorrência de profissionais e de autores como Grisso, a
instrumentos de avaliação para investigar as habilidades parentais de pais separados, como o
Single Parenting Questionnare, de Stolberg e Ullmann, ou o comportamento dos pais pela
ótica da criança (Children’s Reports of Parental Behavior). A autora considera questionável a
adequação de se colocar uma criança na condição de avaliador do comportamento de seus
próprios pais.
Essa vertente crítica, além de se opor à atuação exclusivamente pericial e ao lugar de
poder ocupado pelo perito, defende a realização de intervenções alternativas pelo psicólogo
forense, orientadas para uma relação de ajuda, por meio de recursos e procedimentos que
possibilitem aos envolvidos reassumir o controle de suas vidas e chegar ao acordo.
Para tal, sugere-se a utilização mais ampla de mediação familiar nas disputas que
envolvam conflitos familiares, que consiste na busca de solução de conflitos por meio de um
56
terceiro neutro, cuja função é realizar a escuta, esclarecer as pretensões e auxiliar as partes
envolvidas a chegar a um acordo que satisfaça a todos.
Sabe-se, porém, que não existe um procedimento universalmente eficiente. Santos e
Fonseca (2003) observam que, em muitos casos de divórcio, a tentativa de mediação fracassa,
porque a dificuldade de separação dos papéis conjugais e parentais é muito intensa e nem
sempre é possível chegar a um acordo. Castro (2003, p.29) também constata, em sua
experiência profissional, as limitações da mediação em casos de separação ou divórcio, uma
vez que “não serve para todos os casos periciados nas Varas de Família”.
Santos e Fonseca (2003), psicólogas forenses, defendem estratégias de atuação
diferenciadas nos tribunais, que possibilitem a implicação pessoal dos envolvidos na
separação conjugal, sem a recorrência a figuras de poder e de autoridade para definir o futuro
de suas vidas. As autoras destacam, porém, que não existem programas de atendimento
familiar e/ou conjugal especializados e acessíveis à população nos momentos de crise ou para
dar apoio à reorganização familiar pós-separação
...percebe-se que o Estado não garante ao núcleo familiar o acesso ao atendimento
profissional que possa propiciar mudanças de padrões relacionais tanto durante as crises
familiares como após a separação. Na verdade, o Estado só intervém quando a família
aciona a Justiça, que representa para ela um pedido de ajuda. A Justiça, por sua vez, age
coercitivamente, definindo, através da autoridade do juiz, sua reorganização (Santos &
Fonseca, 2003, p.72).
Entre alguns autores que defendem a necessidade da atuação do psicólogo forense
como perito, estão os profissionais da Justiça, que enfrentam diariamente as demandas
daquela instituição, como Castro (2003) e Rovinski (2000, 2004).
As autoras sustentam que a perícia é uma intervenção necessária, na medida em que é
a única possível em situações de conflito (Castro, 2003; Rovinski, 2000, 2004). Ambas
referem que, em geral, os psicólogos têm muita dificuldade para realizar esse trabalho sem
cair em práticas tradicionalmente clínicas, uma vez que se utilizam de técnicas e de
referenciais da Psicologia Clínica. Rovinski (2004, p.183) afirma que, em suas supervisões de
57
perícia para psicólogos, o desafio para os profissionais é conseguir realizar uma avaliação
psicológica sem recorrer a intervenções terapêuticas, que visem promover mudanças nos
indivíduos avaliados:
A realização de uma avaliação psicológica para fins de perícia junto à área jurídica parte
de conhecimentos básicos da psicologia, mas necessita que se faça uma adaptação desses
conhecimentos junto a normas legais.
Ambas também ressaltam diferenças entre o estudo psicológico pericial e o
diagnóstico psicológico tradicional, que são procedimentos distintos. Castro (2003) destaca
que o processo psicodiagnóstico clínico e a perícia psicológica diferem em relação à
demanda, na medida em que, no primeiro, existe uma busca espontânea dos pais e não uma
determinação externa (judicial), ou seja, na perícia, o envolvimento e colaboração perdem a
espontaneidade e levam a pessoa avaliada a omitir informações ou até mesmo a mentir.
Outro ponto ressaltado relaciona-se ao peso da realidade externa na avaliação, pois, no
psicodiagnóstico clínico, a realidade interna é mais importante para o profissional, mas, na
perícia, a realidade externa tem um grande peso, porque é necessário conhecer como são, de
fato, os pais da criança. Por último a autora destaca o alcance social da perícia, uma vez que a
utilização de laudos em sentenças judiciais pode criar novas jurisprudências e modificar a
legislação (Castro, 2003).
Castro (2003, p. 32) destaca que, quando se realiza psicodiagnóstico em vez de uma
perícia, a avaliação psicológica pode tornar-se inócua, pois “corre-se o risco de realizar um
bom trabalho psicodiagnóstico, mas que será inútil para o magistrado poder fundamentar sua
sentença”.
O emprego de testes psicológicos como instrumentos auxiliares do estudo psicológico
pericial parece significativo em alguns tribunais de Justiça. De acordo com uma pesquisa
realizada por Rovinski e Elgues (1999 apud Rovinski, 2000), 87% dos psicólogos forenses do
Estado do Rio Grande do Sul utilizavam técnicas projetivas, sobretudo o HTP (House, Tree,
Person), Desenho da Família, Desenho da Figura Humana de Machover e Teste de
58
Apercepção Temática (TAT) de Murray. Infelizmente, não existem fontes oficiais sobre o uso
destes instrumentos entre os profissionais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mas
temos indicadores de que são utilizados com freqüência por alguns peritos de Varas de
Família (Castro, 2003).
Rovinski (2000) refere a existência, desde a década de 70, de Instrumentos Específicos
de Avaliação Forense, as chamadas FAIs (Forensic Assessment Instruments), desenvolvidos
em países anglo-saxões e pouco conhecidos no Brasil, cuja utilização é amplamente defendida
por autores estrangeiros como Grisso. Rovinski (2000) defende a adaptação e validação
desses instrumentos para uso no Brasil.
O Psicólogo no Poder Judiciário: intervenção ou controle?
Parece haver certo consenso entre os profissionais que trabalham com crianças e
adolescentes vítimas de violência sobre a necessidade de uma ação multiprofissional integrada
(Furniss, 1993; Azevedo & Guerra, 1995; Gabel, 1997; Ferrari & Vecina, 2002), contudo, as
estratégias de intervenção de proteção apresentam vertentes teóricas divergentes.
Esses autores, como estratégias de intervenção, a notificação aos órgãos de proteção à
criança, defendem a responsabilização do agressor e tratamento da família, incluindo o
agressor. Furniss (1993) compartilha esta idéia, mas defende, reiteradamente, que tais
medidas jamais podem ocorrer isoladamente, uma vez que o tratamento psicológico sem
intervenção de órgãos de proteção pode recolocar a criança em situação de risco.
Por outro lado, esses autores também entendem que punição sem tratamento, além de
ineficaz para quem praticou o abuso, torna-se prejudicial à vítima, pois tende a intensificar
sentimentos de culpa pelos danos causados (prisão, desintegração familiar, entre outros).
59
Deslandes (1994) defende uma intervenção que inclua todos os membros da família, o
atendimento familiar em rede, integrado com diferentes instituições, a visita domiciliar como
estratégia de atuação, a parceria com a vizinhança como aliada dos serviços de proteção, de
modo a concentrar as intervenções no ambiente familiar em vez de “criminalizar” a família.
Deslandes (1994, p.185) pondera que “a criminalização da família ou do agente agressor
como princípio para a atuação constitui-se apenas em um paliativo para o problema e pode,
em contrapartida, ser um fator de desagregação familiar”.
Azevedo e Guerra (1995) propõem estratégias de intervenção e de prevenção
semelhantes, mas entendem a punição como uma conseqüência necessária para os agressores.
Furniss (1993) também condena a mera punição do agressor, mas defende que a assunção da
responsabilidade (pessoal e legal) do adulto que pratica abuso sexual pode tornar-se um aliado
altamente terapêutico na medida em que é o primeiro passo para o reconhecimento da
disfunção familiar e para a redefinição dos papéis familiares.
Assim, parece unânime o entendimento de que os profissionais da área necessitam
realizar um trabalho integrado entre o Judiciário e os serviços de atendimento. O Estatuto da
Criança e do Adolescente (Del Campo & Oliveira, 2006) prevê que o trabalho nas Varas de
Infância e Juventude deve ocorrer em rede, ou seja, de maneira integrada e complementar aos
demais recursos da comunidade (conselhos tutelares, abrigos, serviços de atendimento,
organizações de proteção à criança, delegacias), uma vez que os problemas da população
atendida não são apenas de natureza judicial.
A realização de encaminhamentos para os serviços de atendimento pressupõe um
intercâmbio de informações entre os profissionais (conhecimento dos tipos de serviços
prestados e o seu funcionamento), o que nem sempre ocorre na realidade, por uma série de
dificuldades, conforme aponta Corrêa (2003, p.103) com muita clareza
Essa proposta de trabalho em rede pressupõe maior envolvimento dos profissionais, uma
vez que exige maior flexibilidade e abertura, haja vista a diversidade de formações
60
profissionais e de exigências das instituições. Exige ainda maior disponibilidade de tempo,
para discussões em equipes, tendo em vista que, ao se ampliar a visão sobre o objeto de
estudo, ampliam-se também as possibilidades de intervenção. Ademais, o trabalho em
rede pressupõe interação entre as instituições e os profissionais, o que demanda uma
construção, conjunta, ativa e sólida
.
Portanto, a realização de um trabalho em rede exige compromisso dos profissionais
envolvidos, capacitação profissional, afinidade com as questões de Infância e Juventude e a
dedicação de uma parcela de tempo de trabalho para discussões com profissionais de outros
serviços. Além disso, vale lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente é considerado
uma legislação avançada, porém necessita da implantação de políticas sociais (prestação de
serviços de atendimento em geral) para garantir sua efetivação. O exemplo abaixo ilustra o
que queremos apontar.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao ter como princípio assegurar o direito
da criança e do adolescente à convivência familiar, prevê que, quando detectadas situações de
risco (alcoolismo ou drogadição dos pais, violência doméstica, crianças ou adolescentes que
não recebem atendimento médico ou que não freqüentam escola), deve-se procurar
encaminhar a família para os serviços de atendimento necessários, antes de aplicar-lhe
sanções, dando aos pais ou responsáveis a possibilidade de efetivar o cuidado dos filhos.
Abaixo seguem as medidas, do artigo 129 do ECA, que devem ser aplicadas aos pais ou
responsáveis (Del Campo & Oliveira, 2006, p.175), das quais apenas as quatro últimas são
penalidades
I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a
alcoólatras e toxicômanos;
III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e
aproveitamento escolar;
61
VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;
VII - advertência;
VIII - perda da guarda;
IX - destituição da tutela;
X - suspensão ou destituição do Pátrio Poder
6
.
Os profissionais do judiciário que trabalham em municípios economicamente
desfavorecidos ou em regiões de maior exclusão social de metrópoles como São Paulo não
conseguem encaminhar as famílias para serviços de saúde especializados (psicológico,
psiquiátrico, fonoaudiológico, fisioterapêutico) ou até mesmo obter vagas em instituições
como creches, por exemplo. Então, como cumprir o que está estabelecido na lei?
Gonçalves e Ferreira (2002) e Gonçalves (2003) trazem um importante
questionamento sobre as intervenções de profissionais da área de violência doméstica
(psicólogos, médicos, assistentes sociais, advogados, juizes) que incidem diretamente sobre a
família. A autora considera que essas práticas são, na verdade, formas de controle social da
população, por meio da intromissão do poder público na vida privada, ou seja, são reedições
modernas dos dispositivos de vigilância empregados pelos higienistas na família nos séculos
XVIII e XIX e pelo sistema prisional, explicitado por Donzelot (1980) em “A Polícia das
Famílias”.
Nossa experiência como psicóloga de Vara de Infância e Juventude leva a crer que a
prática dos profissionais que trabalham com crianças e adolescentes vítimas de violência deve
estar sempre acompanhada por incertezas, ambigüidade e reflexão. Parece que não é possível
deixar de intervir na família, quando se depara com uma criança em sofrimento psicológico e
físico, exposta a uma situação de risco dentro da própria casa. Em contrapartida, não se pode
esquecer que a interferência do psicólogo judiciário na vida da família, ainda que para
proteger a criança, não deixa de ser uma forma de patrulhamento e de interferência do Estado
6
- Poder Familiar.
62
na intimidade dos indivíduos. Mas será que é realmente possível proteger sem vigiar e,
conseqüentemente, controlar?
Vale lembrar que o trabalho quotidiano dentro de uma estrutura de poder como a
do sistema judiciário merece constante autocrítica por parte dos profissionais, na medida em
que a identificação com essa instituição é uma armadilha tentadora e constante. O profissional
que representa a Justiça na Vara de Infância e Juventude estabelece, a priori, com os pais uma
relação desigual de poder e o seu conhecimento se converte em discurso de verdade que
encerra o que Foucault (2004) denomina “efeitos de poder. A identificação com essa
estrutura pode levar facilmente o psicólogo a realizar intervenções doutrinárias, punitivas e
normativas, contaminadas por crenças ideológicas, julgamentos moralistas ou, ainda, por
elementos contra-transferenciais em relação ao perpetrador de violência, ao cônjuge não
protetor ou ainda à criança ou adolescente que apresenta comportamentos anti-sociais.
Por isso consideramos necessária uma reflexão crítica e contínua por parte dos
psicólogos do Poder Judiciário em relação à sua prática, a fim de que não introduzam,
involuntariamente, mais um tipo de maltrato na vida das famílias, o “maltrato
institucional”,que é a terminologia empregada por Linares (2002, p.81) para designar aquelas
práticas adotadas por profissionais de proteção à criança que, impregnadas de distorções
ideológicas, desvirtuam a natureza da intervenção: “...quando as funções controladoras
dominam sobre as terapêuticas impedindo que estas se exerçam com fluidez e eficácia”
Pesquisas realizadas no Rio de Janeiro (Gonçalves, Ferreira & Marques, 1999)
revelam que um número significativo de denúncias de maus-tratos realizadas através do SOS
Criança não se confirma. Os resultados dessas pesquisas sugerem que as pessoas estão
dispostas a denunciar, porém, são levadas ao erro por falta de esclarecimento sobre o que é
realmente violência doméstica.
63
As autoras acreditam que a população não está consciente do que é, de fato, violência
doméstica, sobretudo as menos visíveis como negligência e violência psicológica. Gonçalves
et al. (1999) ressaltam que estratégias e programas educativos de longo alcance social ainda
precisam ser desenvolvidos.
Uma intervenção judicial realizada desnecessariamente – como nos casos de falsas
denúncias – pode introduzir uma violência secundária nas famílias, sob a forma de um
profundo constrangimento. Não se pode negar que denúncia é uma prática de controle social
legitimada, mas, por outro lado, ela ainda é a principal via de acesso para uma intervenção de
proteção à criança e ao adolescente, a despeito dos riscos de se infligir um abuso familiar
secundário.
Em nossa experiência profissional em Vara de Infância e Juventude, observamos
pouca incidência de falsas denúncias. Elas são exceções, mas, quando ocorrem, geralmente
associam-se a conflitos interpessoais (vizinhos ou familiares) ou a disputas judiciais de guarda
nas Varas de Família e Sucessões, o que também se confirma na experiência profissional de
autores como Furniss (1993) em relação às denúncias de abuso sexual.
Outra medida judicial que acarreta danos secundários à criança e que muitas vezes se
torna um dilema para os psicológos judiciários é a institucionalização de crianças e
adolescentes em abrigos, como medida de proteção em situações de violência, morte dos
responsáveis, abandono, negligência ou até mesmo de miséria familiar (situação de pobreza
aliada à ausência de redes sociais de apoio à família). Esgotados todos os recursos de
intervenção para a permanência na própria família, e na impossibilidade de parentes ou
terceiros assumirem os cuidados da criança ou adolescente, o abrigamento torna-se a única
alternativa possível.
A legislação estabelece que os abrigos devem manter a maior similaridade possível
com um lar, de modo a romper com o modelo das antigas instituições denominadas pelo
64
Código de Menores internatos, orfanatos ou obras sociais, que comportavam grande número
de crianças e propiciavam poucas oportunidades de contato com a comunidade local. De
acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Del Campo & Oliveira, 2006), as
instituições de abrigo devem atender pequenos grupos, organizados por faixa etária, preservar
a manutenção dos vínculos familiares, assegurar o não-desmembramento de grupos de irmãos
e estimular a participação na vida da comunidade local.
Não há dúvidas de que a permanência de crianças em ambientes familiares violentos
ou desprovidos de cuidados de qualquer natureza é altamente prejudicial ao desenvolvimento.
Por outro lado, não se pode negar que o afastamento da criança de pessoas que representam as
suas únicas referências familiares – ainda que ruins do ponto de vista material e afetivo –
introduz outras fontes de sofrimento adicionais, sejam elas decorrentes da angústia de
separação, sejam elas mobilizadas por sentimentos de culpa pela ruptura familiar.
Nesse último caso, a situação de abrigamento muitas vezes é sentida pela criança
como uma punição que recai sobre si mesma (sob a forma de perdas), como conseqüência de
sua delação. Afinal, se a criança é a vítima da violência, por que deve ser ela a pessoa retirada
do lar e não o agressor? A retirada da criança seria, portanto, uma punição à vítima e não ao
agressor. A esse respeito, o ECA prevê a retirada do agressor do lar
7
, porém, na prática, tal
procedimento é muito menos freqüente do que o afastamento da criança, sobretudo, quando
existe forte dependência e cumplicidade entre os cônjuges.
Não é por acaso que, diante da iminência do abrigamento, grande parte das vítimas
recorra à retratação (negação da violência denunciada) junto aos profissionais – psicólogos e
assistentes sociais judiciários – na tentativa desesperada de evitar sua separação daqueles que
são seus únicos referenciais de família (Azevedo & Guerra, 1989; Furniss, 1993; Leoncio,
2002; Leoncio & Tardivo, 2003).
7
Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a
autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum
(Del Campo & Oliveira, 2006, p.177)
65
Pesquisas com crianças institucionalizadas em abrigos no Brasil ainda são escassas,
mas estudos realizados por Leoncio e Tardivo (2003), por meio do Procedimento de
Desenhos-Estórias (Trinca, 1997), revelam que as crianças abrigadas vivenciam intensa
angústia de separação – sentimentos de tristeza, medo, insegurança e desamparo – logo que
são desligadas de sua família. Porém, esses sentimentos tendem a ser atenuados, quando a
instituição fornece um ambiente acolhedor para as suas angústias e necessidades físicas
(alimentação, saúde, sono).
Segundo Leoncio e Tardivo (2003), as crianças que vivem em abrigos apresentam
diferentes representações e experiências emocionais em relação à situação de
institucionalização. Algumas delas são capazes de vivenciar positivamente a nova situação;
outras permanecem com sentimentos depressivos diante da separação familiar, enquanto que
outras experimentam intensa ambivalência emocional diante da coexistência dos desejos de
retorno ao convívio familiar e de permanência no ambiente seguro e protetor da instituição.
Uma das alternativas possíveis ao abrigamento é a efetivação de programas de
proteção alternativos como o “Projeto Família Guardiã”
8
(Projeto de Lei 2680 de 2003), que
consiste numa parceria entre Poder Judiciário e Secretaria de Assistência Social e prevê a
seleção, preparação, acompanhamento de famílias voluntárias para crianças e adolescentes
abrigados ou com guarda sub judice em Varas da Infância e Juventude.
O programa prevê, em caráter de incentivo, a ajuda de custo de um salário mínimo por
criança e de até três salários mínimos em casos de crianças ou adolescentes portadores de
necessidades especiais. O programa encontra-se em fase de implantação de um estudo-piloto
com crianças e adolescentes abrigados sob jurisdição das Varas de Infância e de Juventude de
Pinheiros e Santo Amaro.
8
O projeto Família Guardiã é de autoria do Deputado Paulo Gouvêa (2003).
66
De modo geral, parece não haver muitas famílias receptivas à aceitação de uma
criança mediante guarda, em decorrência de uma série de fatores. Nos casos em que uma
família dispõe de condições socioeconômicas, em geral, o desejo predominante é o de receber
um filho em adoção, sem vínculos com a família de origem e sem possibilidade de retorno à
mesma. Um outro aspecto muito importante e que merece ser discutido é a motivação dessas
famílias, uma vez que a concessão de um incentivo financeiro é uma medida justa, porém,
pode despertar o interesse de famílias motivadas exclusivamente pelo benefício financeiro.
No Poder Judiciário, lugar onde as relações humanas se convertem em relações
processuais e cujo contato com sofrimento humano se dá exclusivamente por meio de papéis,
o Psicólogo torna-se uma rara - senão a única - possibilidade de contato efetivamente humano.
Em alguns casos, o acompanhamento de mães pouco capazes de prover física e
emocionalmente seus filhos pode transformar-se em um momento acolhedor e (por que não?)
prazeroso, quando estas conseguem estabelecer com o psicólogo vínculos de confiança e
segurança que não desfrutaram com as próprias mães. No contato diário com pais negligentes,
ao contrário do que se pensa, não é a agressividade que se destaca, mas uma profunda
passividade e ausência de vitalidade interior.
Experiências como essas nos levam a pensar que, apesar do ambiente
institucionalmente desfavorável, o trabalho do psicólogo nas Varas de Infância e Juventude
pode ser redimensionado para uma intervenção clínico-social, capaz de trabalhar a favor da
saúde e da cidadania, com respeito e permissão para a expressão de singularidades e de
configurações familiares distintas dos padrões e valores conhecidos pela classe média.
As técnicas projetivas podem ser recursos úteis nas avaliações forenses quando nos
ajudam a conhecer o outro, porém quando não conseguem informar mais do que o desejado
pelo profissional, este é um limite que precisa ser aceito, caso contrário, tornam-se perigosos.
Nas mãos do psicólogo judiciário, os testes psicológicos, se utilizados com o objetivo de
67
predizer comportamentos específicos ou de atender a uma expectativa desesperada de
encontrar respostas que, muitas vezes, não se tem, tornam-se práticas arbitrárias e podem se
transformar em mais um instrumento de violência institucional.
Entendemos que, a despeito das demandas institucionais, a prática psicológica no
âmbito da Justiça deve ser incansavelmente questionada e repensada e que, talvez, o seu
maior desafio seja transformar o encontro obrigatório, que se estabelece, inicialmente, à
revelia dos indivíduos por força judicial, em encontros (quase) voluntários, em razão do
estabelecimento de vínculos positivos e de uma relação de confiança com o profissional.
Para tal, acreditamos que o uso clínico das técnicas projetivas com a população das
Varas de Infância e Juventude, como recurso auxiliar para o estabelecimento de vínculos
menos persecutórios com o grupo familiar e para a compreensão do impacto da violência na
vida emocional das crianças, pode facilitar o desenvolvimento de intervenções mais
humanizadas e menos “policialescas” no contexto do poder judiciário.
68
1.4. O DESENHO DA FIGURA HUMANA E A EXPRESSÃO DA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Os instrumentos de avaliação psicológica: diagnóstico e intervenção
A reflexão sobre a prática profissional do psicólogo forense e o uso criterioso dos
instrumentos de avaliação psicológica pode trazer importantes contribuições para os
profissionais de Psicologia da área jurídica e da saúde que assistem crianças vitimizadas no
seio da família. Neste capítulo procuramos refletir sobre as limitações e os possíveis alcances
das técnicas projetivas, em especial das técnicas gráficas com figuras humanas, nos processos
de avaliação e de intervenção junto a essas crianças, que tendem a ocultar a violência e
sufocar a expressão direta de sua dor.
No capítulo anterior verificamos que, diante de uma denúncia de violência doméstica
contra crianças e adolescentes, cabe ao psicólogo judiciário conhecer, da maneira mais
completa possível, cada membro da família e como estão configuradas as relações entre os
membros na dinâmica familiar. Trata-se, portanto, de um trabalho de investigação psicológica
– e não judicial – cujo objetivo inicial é conhecer todos os envolvidos.
As entrevistas, assim como a observação, são os recursos mais imediatos e diretos
para a realização da avaliação psicológica, porém, a comunicação da história de vida, da
intimidade, de emoções e experiências traumáticas torna-se uma tarefa penosa para as vítimas,
por uma série de fatores associados à natureza da violência doméstica, como a dificuldade de
rompimento do segredo, o sofrimento emocional (medo, vergonha, culpa) que acompanha a
vítima, a intervenção de defesas inconscientes e, ainda, a falta de confiança no profissional
que representa o Poder Judiciário.
Diante desses obstáculos, entendemos que as técnicas projetivas podem ser
importantes recursos auxiliares para o conhecimento de características latentes e não
69
observáveis, uma vez que facilitam o acesso aos aspectos mais profundos da personalidade,
sobre os quais o indivíduo possui menos controle consciente
...as técnicas projetivas enquanto instrumento diagnóstico podem contribuir para que o
indivíduo expresse o vivido e o pensado, da mesma forma que o intuído e o impensado na
relação com o outro. O indivíduo na situação projetiva pode informar verbal ou
graficamente suas defesas, ansiedades e fantasias (Pinto Junior & Koehler, 2000, p. 24).
As técnicas projetivas são instrumentos de avaliação psicológica caracterizados por
apresentar instruções de aplicação mais amplas e estímulos menos estruturados, que oferecem
ao examinando maior liberdade de associação, infinitas possibilidades de respostas, através
das quais o indivíduo manifesta sua subjetividade e as características não observáveis da sua
personalidade (Sendín, 2000).
Quando uma técnica projetiva é apresentada, o indivíduo se vê diante de um campo de
estímulos pouco estruturados, que tendem a organizar-se a partir da sua própria percepção de
mundo externo e interno
As pranchas ou instruções atuam, dentro da situação projetiva, como objetos mediadores
das relações vinculares das pessoas, que mobilizam e reeditam variados aspectos da vida
emocional. Neste sentido toda produção projetiva é produto de uma síntese pessoal
(Grassano, 1996, p. 28).
A interpretação das técnicas projetivas fundamenta-se na psicanálise freudiana e nas
obras derivadas desta, como a teoria das relações objetais, no princípio da interpretação dos
sonhos, no qual o material projetivo é considerado uma produção inconsciente, com um
significado latente (desejos, conflitos, defesas) encobertos por representações manifestas
(respostas, desenhos), que devem ser decodificados e compreendidos na totalidade da história
de vida de cada pessoa. (Hammer, 1991; Arzeno, 1995).
Para Hammer (1991) os desenhos projetivos expressam necessidades pessoais, na
medida em que, o homem tende ver o mundo segundo a própria imagem. Essa “visão
antropomórfica” de mundo tem como “núcleo” a projeção do conteúdo inconsciente,
recalcado, não reconhecido pelo sujeito, que é atribuído à realidade externa.
70
As técnicas projetivas gráficas e gestuais (jogos de dramatização, mímicas), também
são denominadas técnicas expressivas, pois prescindem de estímulos materiais (pranchas,
objetos, entre outros) e empregam apenas instruções verbais para estimular a expressão
gestual ou escrita (Sendín, 2000).
Na perspectiva psicodinâmica, a investigação psicológica com técnicas projetivas não
é um processo meramente avaliativo, mas “compreensivo”, conforme denominou Walter
Trinca (1984), pois visa essencialmente à compreensão do outro e à busca do sentido para o
que se manifesta nesta relação de conhecimento
encontrar um sentido para o conjunto das informações disponíveis, tomar aquilo que é
relevante e significativo na personalidade, entrar empaticamente em contato emocional
com alguém, e conhecer os motivos profundos da vida emocional de alguém (Tardivo,
2000a, p.29).
As técnicas projetivas também podem assumir uma função interventiva no trabalho
com crianças e adolescentes vitimizados, quando o material projetivo é utilizado para
resignificar as próprias vivências de violência, a exemplo da experiência de Tardivo (2004)
com o Procedimento de Desenhos-Estórias com Temas
9
(Aiello-Vaisberg, 1997) em consultas
terapêuticas (Winnicott, 1984) com adolescentes indígenas aculturados de uma comunidade
do Amazonas com elevada incidência de suicídio. Neste caso o instrumento projetivo foi
usado como “facilitador no contato” com o grupo e, ao mesmo tempo, converteu-se em um
pedido de socorro por parte dos jovens que ainda buscavam algum sentido para o vazio
existencial de não serem nem índios, nem brancos
A finalidade principal do Procedimento de Desenhos Temáticos não é o de se realizar
Psicodiagnóstico, mais amplo e abrangente, como o Desenho-Estória permite. Porém
vale a pena pensar que o instrumento favorece a compreensão de como aquela pessoa em
seu grupo significa determinada conduta ou situação que pode, sim, ser fonte ou
9
- O Procedimento de Desenhos-Estórias (D-E) foi desenvolvido, no início da década de 70, por Walter Trinca
(1997) e sua aplicação visa obter uma série de cinco desenhos livres associados às suas respectivas estórias
criadas pelos sujeitos. Este procedimento foi ampliado por Aiello-Vaisberg (1997), que desenvolveu o
Procedimento de Desenhos-Estórias com Temas, através do qual se solicita um desenho sobre uma temática
específica e, posteriormente, o desenho é usado como estímulo para a produção de uma estória.
71
contribuir muito para o sofrimento. Dessa maneira, pode embasar uma prática clínica
(Tardivo, 2004, p. 48).
O Desenho da Figura Humana como expressão do desenvolvimento infantil e da
personalidade
As figuras humanas são os desenhos espontâneos realizados com maior freqüência por
crianças, antes mesmo da sua alfabetização e, por isso, as técnicas com figuras humanas são
muito utilizadas com a população infantil (Koppitz, 1973; Tardivo, 1985).
Florence Goodenough, em 1926, foi a pioneira na utilização do Desenho da Figura
Humana (DFH) como instrumento de avaliação de maturidade intelectual de crianças e de
características de personalidade (Alves, 1981; Weschler, 2003). A Escala Goodenough foi
ampliada por Harris (Escala Goodenough-Harris, 1963), que a redefiniu não mais como
instrumento de avaliação cognitiva, mas de maturidade conceitual, o que significa que o
conceito de ser humano foi colocado como referência para a análise da formação dos demais
conceitos da criança:
o desenho de um objeto feito pela criança é um índice de seu conceito do objeto, isto é, da sua
compreensão das características essenciais que lhe permitem formar um conceito de classe
incluindo aquele objeto como um membro (Harris, 1963, p.6).
A Escala Goodenough também inspirou Koppitz (1973) a desenvolver uma escala de
avaliação com Desenho da Figura Humana constituída por trinta itens evolutivos
10
, que
aparecem em menor freqüência em crianças pequenas e em maior freqüência em crianças
maiores, ou seja, são destinados ao estudo do desenvolvimento infantil. Os estudos
10
1. cabeça 9. orelha 17. cotovelos 25. pés bidimensionais
2. olhos 10. cabelo ou cabeça c/ chapéu 18. mãos 26. perfil
3. pupilas 11. pescoço 19. dedos 27. boa proporção
4. sobrancelhas 12. corpo 20. número correto de dedos 28. roupa: nenhuma ou 01 peça
5. nariz 13. braços 21. pernas 29. roupa: 02 ou 03 peças
6. cavidade nasal 14.braços dimensionais 22. pernas bidimensionais 30. roupa: 04 ou mais peças
7. boca 15. braços unidos aos ombros 23. joelhos
8. dois lábios 16. braços para baixo 24. pés
72
normativos de Koppitz (1973) indicaram que a presença desses itens varia de acordo com o
sexo e com a idade (dos 5 aos 12 anos) da criança. A freqüência que esses itens apareceram
nos desenhos de meninos e meninas, permitiu sua classificação em quatro grupos: itens
esperados (85 a 100% em cada faixa etária), itens comuns (51 a 84% em cada faixa etária),
itens incomuns (16 a 50% em cada faixa etária) e itens excepcionais (menor ou igual a 15%
em cada faixa etária). (Wechsler, 2003).
De acordo com Koppitz (1973), quando a representação da figura humana está
empobrecida pela ausência de elementos esperados para a faixa etária da criança, isso pode
indicar três hipóteses diagnósticas: imaturidade cognitiva, problemas neurológicos ou
conflitos emocionais. Para discriminar se o empobrecimento da figura humana, no desenho de
uma criança, resulta de uma dificuldade de natureza intelectual ou afetiva, a autora identificou
trinta e oito sinais (ou indicadores emocionais), cuja presença poderia indicar a existência de
conflitos emocionais.
Baseada em um estudo com dois grupos de estudantes, 76 com boa adaptação escolar,
social ou emocional e 76 pacientes de uma clínica infantil (com queixas psicossomáticas,
timidez, agressão, condutas anti-sociais, baixo rendimento escolar), de ambos os sexos, de 5 a
12 anos, com desenvolvimento cognitivo médio ou superior, Koppitz (1973) selecionou trinta
itens que apareceram com freqüência significante no grupo de pacientes como indicadores de
perturbações emocionais. Segundo a autora, os indicadores emocionais estão presentes em
menos de 16% das crianças normais e não apresentam relação com o desenvolvimento da
criança.
Para Koppitz (1973, p.62), a presença de apenas um item emocional não é
problemática, porém dois ou mais indicadores são altamente sugestivos de problemas
emocionais e relações intepessoais insatisfatórias”. Esses indicadores são apresentados, a
seguir:
73
Tabela 4 - Indicadores emocionais da Figura Humana de Koppitz (1973)
Indicadores gráficos da Figura Humana
Aspectos emocionais
Pobre integração das partes
Assimetria acentuada dos membros (extremidades)
Figura grande; transparências
Omissão do pescoço
Genitais
Impulsividade/ Coordenação pobre
Impulsividade/ Coordenação pobre
Impulsividade/Imaturidade
Impulsividade
Impulsividade/Angústia
Figura inclinada (15º ou mais)
Cabeça muito pequena
Ausência de mãos
Figura grotesca ou monstruosa
Omissão de pés
Instabilidade
Inadequação intelectual
Inadequação/culpa
Inadequação/auto-conceito pobre
Insegurança/Desvalia
Dentes; braços longos; mãos grandes
Estrabismo
Agressividade
Agressividade/inadequação
Sombreamentos: rosto; corpo e/ou membros, mãos
e/ou pescoço
Omissão do corpo ou tronco
Nuvens (chuva ou neve)
Omissão de pernas
Omissão de braço
Ansiedade/Angústia
Ansiedade/Angústia de castração
Ansiedade
Angústia/ Insegurança
Ansiedade/Culpa
Figura pequena
Braços curtos
Omissão do nariz
Omissão da boca
Braços unidos ao corpo
Pernas unidas
Três ou mais figuras humanas
Omissão dos olhos
Retraimento/ Timidez/Depressão
Retraimento/Inibição
Retraimento/ Timidez
Retraimento/Insegurança
Retraimento/ Rigidez
Rigidez/tensão
Imaturidade/Identidade comprometida
Negação dos problemas
Além da escala de Koppitz (1973), a técnica de Goodenough também inspirou o
desenvolvimento de importantes instrumentos de avaliação da personalidade, como o
Desenho da Figura Humana de Karen Machover (1949) e o HTP (Casa-Árvore-Pessoa) de
John Buck (1948/2003). De acordo com Hammer (1991,
p.14), estes últimos são os maiores
expoentes da história das técnicas projetivas, pois foram “os principais arquitetos e os
expositores mais eloqüentes no campo dos desenhos projetivos”.
A técnica do HTP (House-Tree-Person) de John Buck (1948/2003) parte do princípio
de que cada desenho solicitado (Casa-Árvore-Pessoa) representa o auto-retrato do indivíduo,
que aparece simbolizado de maneira mais consciente (na representação da pessoa) ou menos
consciente (na representação da árvore). O Desenho da Figura Humana de Karen Machover
74
(1949) permite conhecer a representação que o indivíduo é capaz de fazer de si mesmo e do
sexo oposto.
Machover (1949, p.4) considera que o desenho da figura humana (Draw-a-Person test)
representa a projeção da imagem corporal do indivíduo e das “necessidades e conflitos do
corpo”. Segundo esta autora, no desenho da pessoa, o corpo se torna “um veículo para a
própria expressão”.
A figura humana, nas técnicas projetivas, é considerada uma expressão da
autopercepção, a representação direta e imediata do examinando e dos aspectos mais
conscientes da sua personalidade, reconhecidos a partir da própria imagem corporal. Não é
por acaso que, entre os três desenhos solicitados no HTP, o desenho da pessoa é o que oferece
maior dificuldade e pode mobilizar sentimento de fracasso durante a execução da tarefa
(Buck, 1948/2003; Hammer, 1991).
De acordo com Hammer (1991), a figura humana, no teste HTP, pode representar a
projeção de um “auto-retrato” do indivíduo, do seu ideal de ego ou ainda de uma outra pessoa
significativa, positiva ou negativamente, para ele.
O desenho da pessoa também possibilita o conhecimento de habilidades sociais gerais
e específicas do indivíduo, ou seja, as tendências e características predominantes em sua
personalidade que podem facilitar ou dificultar a interação social e o estabelecimento de
relacionamento com o outro. De acordo com Buck (1948/2003, p.57)
A qualidade do desenho reflete a capacidade do indivíduo para atuar em relacionamentos
e para submeter o ‘self’ e as relações interpessoais à avaliação crítica objetiva... seu papel
e atitude sexuais em relação a um relacionamento interpessoal específico ou a
relacionamentos interpessoais em geral.
O Desenho da Figura Humana para investigação da personalidade, de Karen
Machover (1949), foi difundido no Brasil em meados da década de 60, graças ao trabalho
pioneiro de Lourenção Van Kolck (1963), que introduziu este instrumento no Brasil em um
estudo com adolescentes.
75
O desenho da figura humana, tanto como instrumento de avaliação de aspectos
desenvolvimentais quanto de características da personalidade, tem-se mostrado sensível a
variáveis educacionais, socioeconômicas, culturais e de gênero, o que torna imprescindível a
realização de estudos normativos em diferentes países e em diferentes segmentos sociais,
regionais e educacionais dentro de um mesmo país (Alves, 1981; Wechsler, 2003).
Na literatura científica nacional encontramos relevantes estudos, realizados em
diferentes cidades brasileiras, que revelam fortes evidências de validade e de precisão do
Desenho da Figura Humana para avaliação de desenvolvimento maturacional, de acordo com
as normas de Koppitz, Harris e Goodenough (Alves, 1981; Wechsler, 2003).
Contudo, o panorama altera-se, quando o Desenho da Figura Humana é usado como
instrumento de avaliação de características de personalidade. Até o presente momento, a
única técnica projetiva de desenho da figura humana válida e autorizada para uso profissional
no Brasil é o HTP (House-Tree-Person) de Buck (1948/2003), de acordo com a Resolução
002/2003 do Conselho Federal de Psicologia
11
, que regulamenta e autoriza o uso de testes
psicológicos, mediante estudos atualizados de parâmetros psicométricos de validade,
fidedignidade e estudos normativos com a população brasileira.
Essa exigência do Conselho Federal de Psicologia introduziu maior rigor no uso dos
testes psicológicos por psicólogos e afetou particularmente as técnicas projetivas, cuja
interpretação dos resultados, até então, baseava-se em grande medida na experiência clínica
dos profissionais. Vale destacar que, no caso específico das técnicas projetivas gráficas com
figuras humanas, os psicólogos tinham à sua disposição diversificados manuais de aplicação,
muitos deles sem fundamentação teórica e/ou empírica, com critérios imprecisos de
interpretação de categorias gráficas, o que comprometia sua validade e capacidade de precisão
(Hutz & Bandeira, 2000; Alves, 2006).
11
- Desde o ano de 2003, somente os instrumentos psicológicos padronizados e submetidos a estudos de
parâmetros psicométricos (validade, precisão e estudos normativos) são autorizados para uso profissional no
Brasil, mediante prévia aprovação de uma comissão especializada do Conselho Federal de Psicologia.
76
Três anos antes de entrar em vigor a Resolução do Conselho Federal de Psicologia,
Gottsfritz (2000) realizou um estudo de precisão dos desenhos de figuras humanas, por meio
de avaliação cega realizada por psicólogos clínicos experientes. Do ponto de vista clínico,
esse estudo encontrou coerência nas conclusões gerais dos diferentes profissionais, porém,
não houve concordância na interpretação de traços específicos, que foram interpretados de
formas diferentes pelos diferentes profissionais.
As divergências encontradas no trabalho de Gottsfritz (2000) revelam a dificuldade
dos profissionais para interpretar esse tipo de instrumento de avaliação, seja porque, na época,
havia diferentes manuais oferecendo diferentes possibilidades de interpretação para a mesma
característica gráfica, seja porque um mesmo elemento gráfico pode possuir, de fato,
diferentes significados.
O Desenho da Figura Humana de Machover e o HTP (House – Tree - Person) como
instrumentos projetivos de avaliação da personalidade influenciaram o desenvolvimento de
diferentes versões de técnicas gráficas com figuras humanas, como o “Desenho da Família”, o
“Desenho Cinético da Família” (Kinetic Family Drawing de Burns e Kaufman), o
“DAP:SPED” (Draw-a-Person e Screening procedure for Emotional Disturbance de Naglieri,
McNeish e Bardos)
12
, e outras praticamente desconhecidas no Brasil, como o “HTP cinético”
(KHTP) e diferentes variações de testes com a figura humana na chuva – “Pessoa na Chuva”,
“Pessoa na Tempestade” e a “Mulher que passeia na chuva” (Alves, 2006).
Encontramos também outra variação do desenho da Figura Humana de Machover
(1949), praticamente desconhecida no Brasil, denominada “Teste da Pessoa com Arma”, de
Luis Morocho (2003), utilizada especialmente para seleção de pessoal e concessão de porte de
arma. Esta técnica, que consiste em solicitar o desenho de uma pessoa com uma arma,
12
- O DAP:SPED associa o desenho da figura humana de Machover (DAP) e um levantamento de transtornos
comportamentais e emocionais (SPED). Esta técnica solicita três desenhos de figuras humanas (homem, mulher
e si mesmo), realizados em três folhas de avaliação padronizadas. A avaliação baseia-se na combinação de
pontos para os três desenhos, na qual a pontuação mais elevada indica maior grau de distúrbio emocional.
77
pretende conhecer o valor “simbólico (fálico, punitivo)” da arma para o indivíduo e sua
“autopercepção em relação à posse de uma arma” (Morocho, 2003, p.665).
Alves (2006)
13
revela que as três técnicas projetivas gráficas mais utilizadas na
produção científica nacional e internacional (teses, artigos e livros) entre 2000 e 2005 foram,
respectivamente, o Desenho da Figura Humana de Machover, o Desenho da Família e o HTP
(Casa-Árvore-Pessoa) de Buck. No Brasil, o Procedimento de Desenhos-Estórias,
desenvolvido em 1974 por Walter Trinca (1997), ocupa a quarta colocação de publicações
entre as fontes consultadas. Este último, embora seja uma associação de procedimentos
gráficos e temáticos, também oferece a possibilidade de representação de figuras humanas,
que são as preferidas e as mais realizadas por crianças (Tardivo, 1985).
Os indicadores emocionais de Koppitz (1973) influenciam pesquisas até hoje, mas
ainda não existem no Brasil evidências de validade desses indicadores, pois, além de haver
poucos estudos disponíveis sobre o tema, os mesmos apresentam resultados conflitantes.
Duarte (1986) investigou relações entre rendimento escolar e os indicadores
emocionais de Koppitz em 77 crianças com diferentes desempenhos (bom, médio e ruim), de
10 a 11 anos de idade, de nível socioeconômico alto e não repetentes. Esse estudo não
encontrou diferenças significantes entre os indicadores emocionais do grupo que apresenta
pior desempenho e os outros dois e concluiu que os itens de Koppitz não são recomendáveis
para o prognóstico do desempenho escolar.
Um estudo recente de Bartholomeu (2005) comparou os indicadores emocionais do
Desenho da Figura Humana de Koppitz aos resultados da Escala de Traços de Personalidade
em Crianças - ETPC
14
, instrumento que possui evidências de validade, em 314 crianças (7 a
13
- Alves (2006) utilizou como fonte bibliográfica o Banco de dados DEDALUS da USP, a base de dados
PsycInfo e outras fontes.
14
- A ETPC é um instrumento aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia, composto por 30 itens que
caracterizam traços de extroversão (tendência à espontaneidade, impulsividade, agressividade, abertura nos
relacionamentos interpessoais), neuroticismo (tendência à preocupação e instabilidade emocional), psicoticismo
(dimensão da personalidade normal que, quando acentuada, indica falta de preocupação com o outro, tendência à
78
10 anos), mas encontrou poucos indicadores correlacionados aos traços de personalidade da
Escala, o que deixa dúvidas sobre a validade dos indicadores emocionais.
O Desenho da Figura Humana com Crianças Vítimas de Violência Doméstica
As experiências de violência doméstica, mantidas em segredo pelas vítimas, podem
encontrar nas técnicas projetivas uma importante via de expressão, uma vez que favorecem a
comunicação de conteúdos sobre os quais a própria criança não tem controle consciente.
Muitos profissionais que trabalham nessa área, como Pinto Junior (2006, p.738), reconhecem
a importância do instrumento projetivo para o conhecimento da dinâmica psicológica da
criança vitimizada, uma vez que “...possibilita, devido ao seu conteúdo simbólico menos
reconhecido, uma manifestação mais direta de aspectos que a criança não tem conhecimento,
não quer ou não pode revelar...”
Entre as diversas técnicas projetivas, as técnicas gráficas com figuras humanas, em
especial, podem ser utilizadas como importantes veículos de comunicação dessas vivências, já
que a vitimização incide diretamente sobre o corpo da criança nos casos das violências física e
sexual e, indiretamente, nos casos de negligência (falta de cuidados) e de violência
psicológica (ausência de contatos corporais que representam a falta de expressão de afeto em
relação à criança).
Na literatura internacional, encontramos maior número de trabalhos sobre vitimização
doméstica com técnicas projetivas, principalmente sobre abuso sexual, com resultados
divergentes e geradores de polêmicas entre os pesquisadores. Verificamos que o uso de
técnicas projetivas com figuras humanas é especialmente criticado porque os pesquisadores
tentam encontrar características gráficas associadas diretamente à situação de violência
crueldade e hostilidade) e sociabilidade (tendência a comportamentos socialmente esperados) (Bartholomeu,
2005).
79
doméstica, porém, esses mesmos indicadores também podem estar presentes em distúrbios
emocionais ou outros eventos traumáticos não relacionados à vitimização intrafamiliar.
O uso de desenhos de figuras humanas (Desenho da Figura Humana, HTP, Desenho
da Família e Desenho da Família Cinética) e das técnicas projetivas nos tribunais é muito
criticado por alguns pesquisadores internacionais. Lally (2001), Garb, Wood e Nezworski
(2000a, 2000b) denunciam falhas metodológicas nos estudos que procuram encontrar
correlações entre resultados específicos de técnicas projetivas e violência doméstica,
destacando que esses instrumentos não foram construídos para diagnosticar abuso sexual e
que não existem evidências de validade para esta finalidade.
Por outro lado, encontramos trabalhos de autores como Miller, Veltkamp e Janson
(1987) que defendem o uso das técnicas projetivas no tratamento e na avaliação judicial de
crianças sexualmente abusadas, pois acreditam que são capazes de fornecer informações cujo
acesso não seria possível por meio de entrevistas.
Na defesa das técnicas projetivas, West (1998) foi além das premissas defendidas por
Miller et al. (1987), quando realizou a meta-análise
15
de doze estudos publicados com uso de
técnicas projetivas (gráficas, TAT e Rorschach) para avaliação de abuso sexual e concluiu que
as técnicas projetivas são capazes de discriminar crianças abusadas sexualmente e não
abusadas.
O antagonismo de posições sobre o assunto ganhou projeção internacional, quando
Garb et al. (2000a, 2000b) publicaram, em duas renomadas revistas científicas
16
, o que
denominaram a “grande falha” do trabalho de West (1998). Garb et al. (2000a, 2000b)
consultaram os doze trabalhos originais e denunciaram que a meta-análise de West (1998)
incluiu somente os resultados estatisticamente significativos e excluiu os resultados sem
15
- Meta-análise consiste na análise estatística de resultados de estudos realizados separadamente e da
integração dos resultados de vários estudos (West, 1998).
16
- Em 2000 os autores publicaram uma carta ao editor da revista Child Abuse and Neglect, na qual o artigo de
West foi publicado (1998), e outro artigo detalhado sobre o assunto na revista Child Maltreatment.
80
significância estatística dos estudos analisados, o que em muitos casos representava mais da
metade dos dados desses estudos.
No estudo de Chantler, Pelco e Mertin (1993), os indicadores emocionais de Koppitz
também não foram capazes de discriminar crianças abusadas e não abusadas. O trabalho
comparou três grupos de crianças – vítimas de abuso sexual (N=27), não vítimas de abuso
sexual com queixas comportamentais e/ou escolares (N=37) e não vítimas de abuso sexual e
sem queixas clínicas (N=39) –, por meio do Desenho da Figura Humana e do Louisville
Behavior Checklist de Miler, um questionário sobre comportamentos indicativos de
psicopatologia infantil (respondido pelos pais). Os autores verificaram que os indicadores
emocionais classificaram equivocadamente grande proporção de crianças abusadas como não
abusadas (69,3%) e de não abusadas como abusadas (16,2% do grupo clínico e 5,1% do grupo
não clínico), concluindo que o uso desses indicadores isoladamente impossibilita o
diagnóstico de abuso sexual.
O estudo de Bruening, Wagner e Johnson (1997), que utilizou desenhos de figuras
humanas (DAP:SPED de Naglieri, McNeish & Bardos, 1991) de meninas (N=40) com e sem
histórico de abuso sexual, também não encontrou diferenças significativas entre os grupos. Os
pesquisadores destacam que as participantes de ambos os grupos apresentavam sintomas
clínicos como dificuldades escolares, problemas de comportamento, baixa auto-estima,
ansiedade, entre outros, e que tais sintomas, presentes tanto em meninas abusadas quanto não
abusadas, podem ser expressos graficamente pelos mesmos indicadores emocionais.
Em publicação mais recente, Willians, Wiener e MacMilan (2005) apresentam os
resultados de um estudo exploratório com uma técnica que solicita a construção de uma
pessoa (Bild-a-Person), com várias opções de cabeças, cabelos, troncos e membros e roupas
masculinas e femininas. Participaram do estudo crianças de ambos os sexos, vítimas de abuso
sexual (N=19), sem histórico de abuso sexual, mas com queixas de problemas emocionais ou
81
de comportamento (N=26) e sem histórico de abuso (físico ou sexual) e sem queixas
emocionais (N=19). As figuras humanas construídas pelas crianças dos três grupos não
apresentaram diferenças significativas e metade dos meninos vítimas de abuso sexual
construíram primeiro a figura do sexo oposto.
Já o trabalho de Hjorth e Harway (1981) encontrou diferença estatisticamente
significativa na auto-imagem corporal de adolescentes vítimas de violência física (N=30), por
meio do Desenho da Figura Humana de Machover. Os desenhos dos adolescentes fisicamente
abusados apresentaram maior freqüência de ausência de roupas, braços na posição horizontal,
pobreza de detalhes, problemas de simetria e ausência de dedos e menos uso da borracha do
que o grupo de controle (N=30). O estudo não apresentou diferenças significativas quanto à
dimensão da figura humana, conforme a hipótese dos pesquisadores.
Blain, Bergner, Lewis e Goldstein (1981), que também estudaram indicadores gráficos
associados à violência física, compararam os resultados no HTP (Buck) de três grupos
distintos de crianças – grupo clínico
17
de crianças fisicamente abusadas (N=32), grupo clínico
de crianças não abusadas (N=32) e grupo de crianças da população (N=45). Esse estudo
encontrou seis itens significativamente freqüentes nos desenhos das crianças com histórico de
abuso físico, entre os quais quatro se referem ao desenho da pessoa: acentuada diferença entre
tamanho das pernas e braços, ausência de pé, desproporção no tamanho da cabeça (mais de
25% do tamanho do corpo) e corpo em formato geométrico. Contudo, os autores alertam que
o HTP não é capaz de discriminar crianças abusadas e crianças não abusadas com distúrbios
emocionais, uma vez que algumas características gráficas apareceram com freqüência em
ambos os grupos. Os pesquisadores também sugerem que somente a presença dos seis itens
gráficos encontrados no trabalho poderia ter algum valor consideravelmente preditivo na
avaliação de violência física.
17
- O autor chama de grupo clínico o grupo de crianças que se encontram em processo psicoterápico.
82
O estudo de Hibbard e Hartman (1990), frequentemente citado nos trabalhos sobre o
tema, comparou a freqüência dos indicadores emocionais de Koppitz nos desenhos de 65
crianças vítimas de abuso sexual e 64 crianças sem queixa de abuso. Os resultados revelaram
diferenças significativas somente nas características gráficas associadas à ansiedade
(sombreado, omissão dos olhos, pernas unidas e nuvens). As características gráficas
relacionadas às outras quatro categorias emocionais de Koppitz (impulsividade,
raiva/agressividade, retraimento/timidez e insegurança/inadequação) não apresentaram
diferenças significativas entre os grupos de controle e de crianças abusadas.
Wench e Rait (2003) verificaram, em pesquisa bibliográfica, que as características
gráficas encontradas com maior freqüência no desenho da pessoa do teste HTP de crianças
vítimas de violência física são omissão dos pés, cabeça grande, assimetria acentuada dos
membros e pessoa desenhada apenas com formas geométricas. Nos desenhos das crianças
vítimas de abuso sexual, as características mais encontradas são: presença de nuvens,
representação das genitálias, mãos grandes, pernas juntas e pressionadas, formas triangulares
enfatizadas no desenho da pessoa, olhos muito grandes ou enfatizados ou, ainda, pequenos e
omitidos e sombreamento de diversas partes da figura humana como face, corpo, membros,
mãos ou pescoço.
No levantamento bibliográfico sobre o uso de técnicas projetivas com desenho de
figuras humanas
18
em crianças e adolescentes vítimas de violência, constatamos que esse tipo
de pesquisa não é muito freqüente, sobretudo no Brasil. Esse dado já havia sido explicitado
por Tardivo, Pinto Junior e Koehler (2000b) num estudo de produção bibliográfica
(periódicos, livros, dissertações e teses) sobre técnicas projetivas, no período de 1995 e 2000,
onde foram encontradas 88 publicações, das quais somente uma é nacional e com vítimas de
18
- Foram excluídas pesquisas com técnicas projetivas gráficas que não incluam desenho da figura humana
(Desenho da Árvore), com técnicas projetivas temáticas (CAT, Teste das Fábulas) e com o Método de
Rorschach.
83
violência doméstica. Vale destacar que o abuso sexual é a modalidade de violência mais
estudada, conforme veremos mais adiante.
Azevedo e Guerra (2001a, 2001b), com sua inestimável contribuição para o estudo da
violência doméstica, reconhecem o uso projetivo de desenhos de figuras humanas como meio
de expressão de vítimas de violência.
Em estudo sobre punição disciplinar doméstica e os sentimentos dos filhos diante da
mesma, as autoras obtiveram 774 desenhos de figuras humanas de crianças, entre 7 e 12 anos.
Os resultados desse trabalho revelaram que as representações gráficas de crianças que
apanham expressam sentimentos relacionados a atitudes favoráveis em relação aos seus pais
(tristeza, dor, raiva e revolta), enquanto as crianças que não apanham expressaram
sentimentos de prazer e amor, característicos de atitudes favoráveis em seus desenhos
(Azevedo & Guerra, 2001a).
Em relação aos trabalhos acadêmicos, encontramos somente quatro com uso de
técnicas projetivas gráficas em crianças vítimas de violência doméstica, sendo duas teses de
doutorado do Instituto de Psicologia da USP, ambas com crianças vítimas de abuso sexual
(Scherb, 2004), e uma especificamente com meninos (Pinto Junior, 2003a). Quanto às
dissertações de mestrado, uma é do IPUSP com crianças abrigadas (Leoncio, 2002) e outra da
Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara - UNESP (Vollet, 2003) com crianças vítimas
de abuso sexual.
O trabalho de Pinto Junior (2003a) sobre violência sexual contra meninos apresentou
três estudos de caso por meio de entrevistas clínicas e do Procedimento de Desenhos-Estórias
numa perspectiva fenomenológica. Este estudo encontrou sinais de estresse pós-traumático
como ansiedade, sintomas psicossomáticos, preocupação com a identidade sexual e temor de
ser considerado homossexual por terceiros. Apesar das dificuldades relacionais, os meninos
mostraram recursos internos para enfrentar e superar a experiência traumática.
84
Vollet (2003) também estudou um grupo de seis crianças vítimas de abuso sexual,
com os testes da Casa-Árvore-Pessoa (H-T-P) e de Apercepção Infantil (CAT). Foram
identificadas algumas defesas usadas com maior freqüência pelas crianças como fuga ou
negação do estímulo, dissociação e formação reativa. Algumas características gerais,
presentes na maioria dos desenhos, foram localização no lado esquerdo da página, ausência ou
distância da linha de solo, dimensão muito pequena dos desenhos, traços trêmulos e nuvens.
No desenho da figura humana, a presença de pernas díspares foi uma característica comum
entre as crianças do grupo estudado.
Leoncio (2002) utilizou com crianças abrigadas o Procedimento de Desenhos-Estórias
(Trinca, 1997), que se mostrou um importante recurso de comunicação para expressar suas
vivências de institucionalização. Sentimentos de abandono e desproteção familiar foram
expressos com freqüência nas produções das crianças que participaram do estudo.
O trabalho de Scherb (2004, p.107) realizou estudos de caso em seis crianças vítimas
de abuso sexual, com técnicas projetivas gráficas e temáticas (desenho livre, Método de
Rorschach e Teste das Fábulas) e encontrou também características associadas aos quadros de
estresse pós-traumático como “nível de ansiedade elevada, retração emocional, sensação de
distanciamento ou anestesia emocional”.
Dos trabalhos publicados em anais e periódicos científicos, encontramos o de
Hernandez et al. (2000), inspirado no conhecido estudo de Hibbard e Hartman (1990)
19
, que
pesquisou a presença dos indicadores emocionais de Koppitz em dois grupos de crianças e
adolescentes (controle e vítimas de abuso sexual), com 18 participantes em cada grupo, e
encontrou apenas um indicador emocional com freqüência estatisticamente significativa:
omissão de mãos, relacionado aos sentimentos de insegurança e inadequação, segundo
Koppitz.
19
- O trabalho de Hibbard e Hartman (1990) é citado com freqüência entre os autores que estudam este tema.
85
Em um estudo de caso de uma menina proveniente de família incestogênica,
negligente e violenta, Pinto Junior e Koehler (2000) encontraram indicadores de ansiedade e
sinais depressivos nas representações de figuras humanas. Apesar da severa vitimização, a
criança também demonstrou contar com recursos egóicos para o estabelecimento de vínculos
parentais, o que é um bom prognóstico para sua colocação em família substituta.
Em outro estudo de caso, de nossa autoria (Vagostello, 2002), com um menino de 8
anos vítima de múltiplas e severas vitimizações (negligência, violência sexual e física), o
Procedimento de Desenhos-Estórias revelou produções predominantemente realistas, com
pouca recorrência à fantasia, marcadas por acentuada rigidez e defesas obsessivo-compulsivas
contra a agressividade. Essa criança, a despeito de ter sido vitimizada com extrema crueldade,
revelou-se bem organizada e com recursos para elaborar a situação traumática.
Foi encontrado apenas um trabalho sobre violência psicológica com desenhos de
figuras humanas (Koehler, 2003). O estudo, realizado com 516 adolescentes, solicitou o
desenho do pior professor, desde que o aluno começou a freqüentar a escola, além de um
questionário com 31 questões sobre o aluno, o pior professor e a vida do aluno com o pior
professor. Os desenhos apresentaram predominantemente representações de figuras humanas
com atitudes desfavoráveis (36,2%), figuras mitológicas que causam medo como bruxas,
demônios (23,8%) e figuras humanas ridicularizadas (14,7%). Os atos de violência
psicológica mais freqüentemente relatados pelos aos alunos foram gritos, humilhações e
comparações depreciativas.
Entre as publicações mais recentes, encontramos dois estudos com desenho de figuras
humanas publicados em 2006. Um deles (Fonseca & Capitão, 2006) comparou desenhos de
15 crianças vítimas de abuso sexual com um grupo controle (N=15) e verificou maiores
freqüências de características como dimensão pequena, integração pobre, figura inclinada e
86
presença de nuvens entre as crianças vitimizadas. Contudo, o número reduzido da amostra não
permite fazer afirmações sobre a significância estatística das freqüências encontradas.
O outro estudo (Beraldo, Capitão & Oliveira, 2006), realizado por meio do desenho da
pessoa do HTP e questionários de auto-relato sobre ocorrência de abuso sexual em
universitários, também não encontrou diferenças entre os dois grupos, em relação às
características gráficas que representam traços de sexualidade nos desenhos de figuras
humanas. Além do reduzido número de participantes (dez universitários com relatos de abuso
sexual), este estudo utilizou características gráficas de um manual de HTP criticado por
profissionais da área por apresentar interpretações sem fundamentação teórica ou em pesquisa
e por mostrar as características gráficas sem mencionar suas respectivas autorias (Alves,
2006).
Observamos na literatura internacional que, embora o número de pesquisas com
técnicas gráficas de figuras humanas em vítimas de violência doméstica não seja volumoso, já
foi instaurada ampla discussão sobre o assunto, que divide a opinião de pesquisadores. No
Brasil, a discussão sequer foi iniciada, uma vez que o número de trabalhos ainda é escasso e
os existentes não apresentam número representativo de participantes para a verificação de
significância estatística.
A contribuição das técnicas projetivas para o trabalho com crianças e adolescentes
vitimizados não pode ser negada. Contudo, o seu emprego deve ser realizado com bom senso
e prudência, pois algumas pesquisas internacionais alertam que as diferenças encontradas nas
técnicas projetivas e atribuídas como indicadores de abuso sexual podem refletir, na verdade,
a manifestação psicológica de fenômenos clínicos como transtornos de ansiedade, enurese,
agressividade, fobias, dificuldades de aprendizagem, que podem ou não estar associados à
violência doméstica.
87
O Teste da Pessoa na Chuva
A origem do teste da Pessoa na Chuva é incerta e a sua autoria imprecisa. De acordo
com Querol e Paz (1997, p.15), ele teria sido inspirado pela técnica gráfica elaborada e
utilizada em 1924 por M. Fay, na qual solicitava a representação de uma mulher que passeia
na chuva, mediante a seguinte instrução: “Desenhe uma mulher que passeia pela rua,
chove”
20
.
A interpretação do instrumento de Fay, que não é técnica projetiva, mas de avaliação
de desenvolvimento infantil, baseia-se na riqueza de detalhes utilizados para a representação
da cena solicitada, a qual deve conter pelo menos cinco elementos: uma pessoa
reconhecidamente do sexo feminino, alguma sugestão de cinestesia corporal, o local do
passeio (rua, árvores, casas), a chuva e a idéia de proteger-se da chuva (guarda-chuva, capa de
chuva). A representação de cada um destes elementos é pontuada a partir da definição de
critérios objetivos (presença ou ausência de características específicas) e a pontuação total
esperada varia de acordo com a idade e o sexo da criança (Costa, 1957; Querol & Paz, 1997).
De acordo com Hammer (1991), não existem registros sobre a origem do teste da
Pessoa na Chuva, pois a sua divulgação entre os profissionais de psicologia e de educação
ocorreu de forma predominantemente oral e sua autoria costuma ser atribuída a diferentes
nomes como Arnold Abrams, Abraham Amchin ou ainda a um grupo de pessoas.
O teste da Pessoa na Chuva (Querol & Paz, 1997) é uma técnica simples, que pode ser
administrada individual ou coletivamente em crianças, adolescentes e adultos de ambos os
sexos. O material necessário para aplicação é lápis grafite, borracha e folha de papel sem
20
- No artigo de Costa (1957, p. 42) a instrução apresentada para o teste da mulher que passeia na chuva não
inclui o local (rua), mas somenteUma mulher passeia e chove.
88
pauta que deve ser entregue ao sujeito na posição vertical com a seguinte instrução: “Desenhe
uma Pessoa na Chuva.”
21
De acordo com Querol e Paz (1997), a interpretação do Teste da Pessoa na Chuva
baseia-se nos mesmos princípios de interpretação da Figura Humana de Machover em relação
aos elementos expressivos (dimensão, localização, traços, pressão, tempo e seqüência de
execução, movimento, sombreado) e ao conteúdo (posição da figura humana, postura,
borraduras, linhas, detalhes acessórios e sua localização, vestimenta, guarda-chuva ou
substitutos, partes do corpo humano e identidade sexual).
Chuva e guarda-chuva são, portanto, os elementos adicionais no desenho da figura
humana: a chuva simboliza uma situação de tensão ou de hostilidade do meio, contra a qual o
indivíduo precisa se proteger, e o guarda-chuva os recursos defensivos do indivíduo. De
acordo com Querol e Paz (1997, p.19) a Pessoa na Chuva “agrega uma situação de estresse na
qual o indivíduo não consegue manter sua fachada habitual, sentindo-se forçado a recorrer a
defesas antes latentes”.
Hammer (1991) considera o teste da Pessoa na Chuva uma variação do Desenho da
Figura Humana. Para ele o primeiro é um instrumento capaz de expressar as “tendências
reativas” do indivíduo em situações de tensão ambiental, enquanto que o último representa o
indivíduo em situações livres de tensão. Nesse sentido, o teste da Pessoa na Chuva seria um
retrato do indivíduo sob condições desfavoráveis, um instrumento capaz de “conseguir uma
visão de imagem corporal em condições de tensão ambiental desagradável, representadas, no
caso, pela chuva” (Hammer, 1991, p.299).
Na interpretação do teste, quanto mais abundante a chuva, maior a intensidade da
pressão sentida pelo indivíduo; já a ausência de chuva pode indicar oposicionismo ou ainda a
21
- Em espanhol esse instrumento é denominadoPersona bajo la Lluvia”, cuja tradução literal seria Pessoa
debaixo da Chuva. Optamos por adotar a terminologia Pessoa na Chuva por tratar-se de uma expressão de uso
mais freqüente no Brasil e por ter recebido esta tradução no livro de Hammer (1991). Cunha e Vasconcelos
(1987) também se referiram ao instrumento como Pessoa na Chuva.
89
tendência à negação de conflitos. As principais categorias de representação de chuva e suas
respectivas interpretações são apresentadas a seguir, de acordo com o manual do teste (Querol
& Paz, 1997)
22
:
Nuvens: pressão, ameaça... Podem representar tendências auto-agressivas ou doenças
psicossomáticas (nuvens espessas)”. (p.75)
Chuva: representa a hostilidade do meio a qual o sujeito deve enfrentar”. (p.75)
Chuva torrencial: “muita pressão, situação muito estressante”. (p.75)
Chuva escassa: “pessoa que se sente com possibilidades de defender-se frente às
pressões ambientais”. (p.75)
Gotas como lágrimas: “angústia”. (p.75)
Ausência de chuva: “oposicionismo, pessoa manipuladora. Tendência a negar as
pressões – e conflitos – do meio”. (p.76)
Raios: “pressão que abala o sujeito”. (p.76)
O guarda-chuva é um elemento esperado no teste, porque representa a capacidade do
uso de defesas para o enfrentamento de situações estressantes. As interpretações das
principais características relacionadas ao guarda-chuva apresentadas no manual de Querol e
Paz (1997) são as seguintes:
Guarda-chuva cobrindo adequadamente a pessoa: “... sentimento de adequação,
confiança em si mesmo, segurança. Saber afrontar problemas sem expor-se a riscos
desnecessários, capacidade de prever”. (p.83)
Guarda-chuva muito grande em relação ao tamanho da pessoa: “excessiva proteção e
defesa”. (p.83)
Guarda-chuva muito pequeno em relação ao tamanho da pessoa: “defesas instáveis.
Deixa a pessoa quase exposta às pressões do meio”. (p.84)
22
- Tradução nossa.
90
Guarda-chuva fechado: “resignação. Baixar a guarda, deixar que o outro o defenda,
que tome o seu lugar na defesa. Sem forças para lutar”. (p.84)
Guarda-chuva fechado e no chão: “... sente que conta com pouca energia para se
defender... que segurar o guarda-chuva é esforço excessivo”. (p.86)
Guarda-chuva voando: “defesa instável. Ego muito frágil. Preocupações”. (p.87)
A ausência de guarda-chuva no Teste da Pessoa na Chuva é interpretada como “falta
de defesas” (Querol & Paz, 1977, p.83), ou seja, aponta para uma fragilidade ou
impossibilidade do indivíduo para empregar recursos defensivos que possam protegê-lo das
tensões ambientais.
No último Congresso Latinoamericano de Rorschach e Métodos Projetivos, realizado
em agosto de 2006 em Lima (Peru), foi possível verificar que em países sul-americanos como
Uruguai, Argentina e Peru, nos quais o Teste da Pessoa na Chuva é mais difundido, a
interpretação da ausência de guarda-chuva como falta de recursos defensivos vem sendo
crescentemente questionada e discutida. Os profissionais desses países recomendam que a
interpretação da ausência de guarda-chuva seja realizada com cautela, pois esta tem se
revelado uma característica relativamente comum em testes de adolescentes, o que pode ter
uma determinação essencialmente cultural, uma vez que os jovens habitualmente não usam e
não gostam de usar guarda-chuva.
Após a realização do referido evento científico, efetuamos algumas correspondências
eletrônicas com dois pesquisadores sul-americanos, Luis Morocho (Peru) e Gisella Moro
(Uruguai), que confirmaram a preocupação dos profissionais dos seus países na interpretação
da ausência de guarda-chuva, porém, desconhecem qualquer publicação científica sobre o
assunto.
91
Moro
23
considera que a ausência da representação do guarda-chuva pode sofrer
influência de fatores culturais em, basicamente, duas situações: quando o teste da Pessoa na
Chuva é aplicado na população jovem do sexo masculino, para quem o guarda-chuva é um
objeto desvalorizado ou, ainda, quando o teste é aplicado em períodos de estiagem no interior
de seu país, ocasião em que o banho de chuva pode representar uma situação prazerosa para o
examinando. A falta de necessidade também costuma ser uma justificativa usada para explicar
a ausência do guarda-chuva (porque chove pouco, por exemplo)
24
.
O teste da Pessoa na Chuva é uma técnica projetiva gráfica pouco difundida no Brasil,
desconhecida por grande parte dos psicólogos brasileiros, mas é utilizada na Argentina desde
1980 por educadores, psicólogos clínicos e até mesmo por profissionais de recursos humanos
como recurso complementar (Querol & Paz, 1997; Moro, Lema & Longo, 2003).
Em países como o Uruguai, onde o instrumento é utilizado com alguma freqüência em
seleção de pessoal, já foi desenvolvida uma escala de pontuação para facilitar sua
interpretação em aplicações coletivas (Moro et al., 2003).
Trata-se de uma escala de dez pontos
25
, que norteia a avaliação de três categorias
gráficas essenciais (impressão geral do desenho, detalhes essenciais da figura humana e
chuva/guarda-chuva), conforme mostra o quadro a seguir (Moro et al., 2003, p.197):
23
- Essas informações foram obtidas por meio de correspondências eletrônicas (e-mail) com Gisella Moro em
13/10/2006. Na data de 21/11/2006, a autora da pesquisa solicitou autorização de Moro para publicar, neste
trabalho, o teor de nossa correspondência, o que foi pronta e gentilmente autorizado em 23/11/2006.
24
- A experiência profissional de Moro é com população adolescente e adulta. Na ausência da representação do
guarda-chuva, Moro costuma fazer o seguinte inquérito ao examinando:não se protege?”.
25
- A escala foi elaborada a partir de uma pesquisa com 113 adultos e, para esta população, são consideradas
boas produções aquelas que atingem valores entre 8 e 10 pontos.
92
Tabela 5 – Escala de avaliação do teste da Pessoa na Chuva para adultos (Moro et al., 2003)
Impressão Geral
2 pontos
1 ponto
0 ponto
Desenho completo. Pode apresentar alguma distorção pequena na forma, localização e/ou
tamanho.
Desenho incompleto ou com alguma distorção significativa da forma, localização e/ou
tamanho (ex. ausência de pés ou de mãos, de costas).
Desenho muito distorcido na forma, localização e/ou tamanho.
Detalhes essenciais da pessoa
4 pontos
3 pontos
2 pontos
1 ponto
0 ponto
Detalhes essenciais (traços faciais, mãos, pés ou roupas) estão presentes nos lugares e nas
proporções adequadas.
Detalhes essenciais estão presentes, mas podem apresentar pequenas distorções na forma,
localização ou tamanho. Estão incluídas as simplificações (ex. olhos substituídos por
pontos).
Importantes distorções na forma, localização e tamanho (ex. transparências).
Detalhes essenciais presentes, mas incompletos (ex. olhos sem pupilas ou fechados).
Ausência de detalhes essenciais.
Guarda-chuva e Chuva
4 pontos
3 pontos
2 pontos
1 ponto
0 ponto
Guarda-chuva e chuva em posição e proporção esperadas (cumprindo sua função).
Guarda-chuva e chuva presentes, mas podem apresentar pequenas distorções em sua
forma, localização ou tamanho.
Ausência ou escassa representação do guarda-chuva ou da chuva. O resto da produção
sem grandes distorções de forma, localização ou tamanho (estão incluídos guarda-chuva
fechado, capa, etc).
Ausência ou escassa representação do guarda-chuva ou da chuva, com distorção
significativa no resto da produção.
Ausência ou escassa representação da chuva e do guarda-chuva.
Além dos trabalhos com teste da Pessoa na Chuva já citados neste estudo,
encontramos na base de dados PsycInfo um total de seis publicações, não disponíveis em
bibliotecas de universidades brasileiras. Dessas, uma em espanhol (Perez-Lagunas & Lucio-
Gomes, 1987) e cinco em inglês (Shilling, 2005; Lack, 1997; Carney, 1993; Taylor, 1977;
Verinis,
Lichtenberg & Henrich, 1974). A mais recente (Shilling, 2005), refere-se ao
“Desenho da Pessoa na Tempestade” (Draw a Person in a Storm), que parece ser um derivado
da Pessoa na Chuva. Em três desses trabalhos não constam resumos.
A tabela 6, a seguir, mostra um quadro resumido das publicações encontradas:
Tabela 6 - Publicações encontradas na base de dados Psycinfo com a técnica da Pessoa na Chuva
Autor(es) Publicação/
Ano
Trabalho Objetivo e Método Resultados / Conclusões
1. Shilling, E.
Dissertation
Abstract
(2005)
Draw a Person in a Storm
(DAPS): A content analysis of
emerging concepts, themes,
and patters in adolescent
drawings
- Objetiva explorar esta nova técnica projetiva;
- 90 adolescentes (12 a 16 anos);
- Teste da Pessoa na Chuva, questionários de depressão
e de capacidade de coping.
-Foram encontradas correlações
significativas entre a Pessoa na Chuva
e os itens da escala de depressão;
- Sugere que a Pessoa na Chuva pode
ser um indicador geral de dificuldades
emocionais e comportamentais.
2. Lack, H.S.
Dissertation
Abstract
(1997)
The person-in-the-rain
projective drawing as a
measure of children’s coping
capacity: a concurrent validity
study using Rorschach,
psychiatric and life history
variables.
- Verifica a validade concorrente da Pessoa na Chuva;
- Protocolos de arquivo de 60 ex-pacientes (6 a 17
anos) de uma clínica psicológica;
- Comparou: três traços da Pessoa na Chuva; 9
variáveis do Rorschach; de três sintomas psiquiátricos,
escores do WISC-R e variáveis demográficas; eventos
estressores clinicamente relevantes.
- Sintomas psiquiátricos e variáveis do
Rorschach apresentaram maiores
evidências de validade concorrente
com a Pessoa na Chuva;
- evidências clínicas de validade da
Pessoa na Chuva em crianças sob
estresse.
3. Carney, S.M.
Dissertation
Abstract
(1993)
Draw a person in the rain: a
comparison of levels of stress
and depression among
adolescents
Não consta resumo.
Não consta resumo.
6. Perez-Lagunas, E.R.
Lucio-Gomes,E.
Salud
mental
(1987)
La prueba grafica “persona
bajo la lluvia” como indicador
de psicopatologia
- Verifica se a Pessoa na Chuva pode auxiliar no
diagnóstico de psicopatologias;
- 30 universitários pacientes e 30 não pacientes.
- Comparou graus de psicopatologia (MMPI) com
traços que indicam bom funcionamento e integração no
DFH e mecanismos de defesa na Pessoa na Chuva;
- Não houve correlação significativa
entre graus de psicopatologia (MMPI)
e índices de patologia da Pessoa na
Chuva;
- Houve correlação entre os traços do
DFH (Machover) e MMPI.
5. Taylor, P.
Dissertation
Abstract
(1977)
An investigation of the utility
of the Draw-a-Person-in-The-
Rain projective drawing for
assessment of stress and the
prediction of achievement in
college studentes.
Não consta resumo.
Não consta resumo.
6. Verinis, J.S.
Lichtenberg, E.F.
Henrich, L.
Journal of
Clinical
Psychology
(1974)
The Draw-a-Person-in-the-
Rain technique: its relationship
to diagnostic cathegory and
other personality indicators
Não consta resumo.
Não consta resumo.
94
No levantamento bibliográfico realizado nas bases de dados DEDALUS e PsycInfo,
encontramos somente uma pesquisa nacional publicada com o teste da Pessoa na Chuva, de
autoria de Jurema Alcides Cunha e Zandre Barbosa de Vasconcelos (1987). Encontramos
também uma publicação de Maria Irene Leite da Costa (1957), psicóloga portuguesa com o
teste, de Fay, da “Mulher que Passeia na Chuva”.
O trabalho de Costa (1957) apresenta uma pesquisa realizada com 1450 crianças
portuguesas entre 7 e 14 anos com o instrumento de avaliação de desenvolvimento cognitivo
de Fay, a “Mulher que Passeia na Chuva”. Essa pesquisa constatou que a chuva é a
representação mais freqüente depois da figura humana, que a idéia de se proteger da chuva é
freqüente somente após 8 anos de idade e que a representação do movimento aparece somente
a partir dos 9 anos. Segundo Costa (1957), esses resultados são compatíveis com os
encontrados por Fay em crianças suíças.
O estudo de Cunha e Vasconcelos (1987), inspirado nas considerações de Hammer
(1991) sobre o Desenho da Figura Humana e o teste da Pessoa na Chuva, comparou os
resultados de ambos os instrumentos em três grupos de adolescentes com semelhantes idades,
escolaridades e condições socioeconômicas: infratores internados (N=20) por delitos contra a
pessoa (homicídio, tentativa de homicídio, assalto a mão armada e latrocínio), infratores
internados (N=10) por delito contra o patrimônio (furtos) e não infratores (N=17). Os
resultados revelaram maior incidência de indicadores de ansiedade nos desenhos da Pessoa na
Chuva nos três grupos e ausência de guarda-chuva, estatisticamente significativa, nos dois
grupos de adolescentes infratores.
Cunha e Vasconcelos (1987, p.41) concluíram que a presença do guarda-chuva no
teste da Pessoa na Chuva parece, de fato, representar a proteção contra situações estressantes,
contudo, a sua ausência pode representar dois tipos distintos de funcionamento da
personalidade: um funcionamento neurótico, incapaz de manejar adequadamente as próprias
95
defesas diante de situações estressantes ou um funcionamento psicopático, que “não aceita ou
despreza os meios socialmente aprovados de se defender contra condições desfavoráveis”.
Portanto, a ausência da representação do guarda-chuva entre os jovens em conflito com lei foi
considerada uma reação socialmente não adaptada, diante de situações adversas
Tal desvio pode representar a sua impotência em lidar com a ansiedade ou sua
desconsideração pelo que é convencional, habitual e lógico. De qualquer maneira, a
ausência de proteção, numa situação simbolicamente estressante, parece, realmente,
revelar a inadaptação subjacente, possivelmente não tão evidente em suas respostas às
situações de rotina (Cunha & Vasconcelos, 1987, p.41).
Esse estudo, após 20 anos de publicação, é um importante referencial pelo seu caráter
inédito e por ser, até o momento, o único publicado com a técnica da Pessoa na Chuva no
Brasil, merecendo ser retomado como ponto de partida para novas investigações acerca das
possíveis alterações na interpretação da ausência do guarda-chuva.
Diante do panorama apresentado, verificamos que o teste da Pessoa na Chuva ainda é
um instrumento muito pouco estudado, mesmo nos países sul-americanos que possuem
tradição no seu uso. A discussão sobre as variáveis socioculturais que intervêm na ausência da
representação do guarda-chuva demonstra pertinência e relevância, contudo, nem mesmo
nesses países foram encontrados estudos sistematizados, teóricos ou empíricos, sobre a
questão.
Vale destacar que a Figura Humana de Machover (1949), embora seja uma técnica
clássica, muito difundida e utilizada mundialmente, ainda carece de estudos atuais de validade
e de precisão. Conforme salientamos anteriormente, a única técnica projetiva com figura
humana autorizada para uso no Brasil é o HTP (Casa-Árvore-Pessoa) de John Buck
(1948/2003), que deverá ser o instrumento empregado para os estudos de validade e
fidedignidade do teste da Pessoa na Chuva em nosso meio. Por este motivo sugerimos que a
interpretação do teste da Pessoa na Chuva no Brasil utilize os critérios de avaliação do
desenho da pessoa do teste de Buck (1948/2003).
96
O Teste da Pessoa na Chuva com crianças vítimas de violência doméstica
Considerando que o teste da Pessoa na Chuva é um instrumento que se propõe a
compreender a maneira pela qual o indivíduo enfrenta situações de tensão, nos colocamos
diante da seguinte questão: como as crianças que vivem sob o impacto de uma tensão
constante como a violência doméstica se expressariam por meio desse instrumento?
A partir desse questionamento, três psicólogas argentinas (Barilari, Agosta &
Colombo, 2000), iniciaram um estudo pioneiro para investigar as características gráficas mais
comuns do teste da Pessoa na Chuva em crianças vitimizadas. Barilari et al. (2000, p.8),
partiram da hipótese que “em todo menor submetido a maltrato crônico intrafamiliar se
produz um dano psíquico que se expressa através de suas representações gráficas e de seu
comportamento.”
O estudo supracitado comparou 81 crianças com histórico comprovado de violência
intrafamiliar e 71 crianças da população e encontrou freqüências estatisticamente
significativas de algumas características gráficas do grupo de crianças vitimizadas. Para as
autoras, essas características podem ser consideradas possíveis indicadores de situação de
violência doméstica, pois estão associadas a manifestações clínicas presentes na literatura
especializada como queixas somáticas, retraimento, sentimentos de inadequação, isolamento e
dificuldade de expressar afeto (Barilari et al., 2000).
Os indicadores encontrados por Barilari et al. (2000), com suas respectivas
interpretações, são os seguintes:
Uso do duplo: “dissociação.” (p. 30)
Ausência de mãos: “Timidez, inadequação e culpa. Falta de recursos para agir na
realidade. Dificuldades na comunicação.” (p.19)
Ausência de pés: “desalento, abatimento, falta de ilusão. ‘É o que não chega nunca’”.
(p. 19)
97
Ausência de guarda-chuva: “Falta de defesa.” (p. 20)
Chuva Setorizada: “Situação de pressão”. (2004, p.24 apud Pool, 2006)
Nuvens espessas e raios sobre a cabeça: “tendências auto-agressivas e doenças
psicossomáticas.” (p. 20)
Cabeça deteriorada: “Preocupação excessiva com a atividade mental e rendimento
intelectual. Idéias obsessivas.” (p.20)
Rigidez corporal: “Sensação de estar preso, isola-se para proteger-se do mundo.
Despersonalização. Desadaptação. Falta de liberdade.” (p.20)
Rigidez no traço: “incapacidade de usar defesas adequadas e eficazes”. (p.20)
Pobreza de detalhes: “pobreza de recursos internos, falta de estimulação do meio.”
(p.20)
Dimensão pequena: “Desvalorização, sentimentos de inadequação, retraimento,
sensação de clausura, percepção inadequada de si mesmo. Preocupação com as
relações com o ambiente.” (p.20)
As características cabeça deteriorada, nuvens espessas e raios sobre a cabeça não
foram indicadores estatisticamente significativos, mas as autoras observaram sua presença
com considerável freqüência nos desenhos de crianças vitimizadas (Barilari et al., 2000).
Além do estudo das pesquisadoras argentinas, foram encontrados somente dois
trabalhos no Chile (Giradi & Pool, 2005
26
; Pool, 2006) com o teste da Pessoa na Chuva em
crianças vítimas de abuso sexual. O primeiro (Girardi & Pool, 2005 apud Pool, 2006)
comparou 45 indicadores gráficos de desenhos da Figura Humana e da Pessoa na Chuva
(Barilari et al., 2000) de vítimas de abuso sexual (N=39) e do grupo de controle (N=39). Os
resultados indicam que o poder de discriminação da Pessoa na Chuva para vítimas de abuso
sexual é limitado, pois foram encontrados somente 07 (sete) indicadores significativamente
26
- Não conseguimos ter acesso ao estudo original de Girardi, K. & Pool, A. (2005) Evaluación de indicadores
gráficos asociados a agresiones sexuales en la prueba persona bajo la lluvia en niños victimizados
sexualamente de 9 a 11 anõs de edad.Um estúdio descriptivo-comparativo. Memoria para optar al título de
Psicólogo, Escuela de Psicologia, Universidad de Chile, Santiago, Chile.
98
associados ao grupo de crianças sexualmente abusadas: ausência de solo
27
, cabeça grande,
chuva setorizada, ausência de guarda-chuva, ausência de detalhes, braços curtos
28
e sorriso
maníaco
29
.
Em outro estudo, de natureza teórica, Pool (2006) relacionou os mesmos sete
indicadores gráficos associados a abuso sexual (Girardi & Pool, 2005) às dinâmicas
traumatogênicas de Finkelhor e Browne (1985)
30
. O autor verificou que as vivências de
impotência são representadas pelos indicadores ausência de solo, chuva setorizada, ausência
de guarda-chuva e cabeça grande; as vivências de traição e de estigmatização aparecem
representadas, respectivamente, pela ausência de detalhes e braços curtos Já as vivências
relacionadas à dinâmica da sexualização traumática não apareceram representadas por
nenhum indicador gráfico.
A partir de sua análise, Pool (2006) apresenta duas explicações possíveis para esses
resultados. A primeira delas seria a limitação do teste da Pessoa na Chuva para discriminar
situações de abuso sexual, uma vez que os indicadores encontrados correspondem às
dinâmicas não específicas de abuso sexual (impotência, traição e estigmatização), que podem
estar presentes em outros episódios traumáticos, conforme prevê a teoria traumatogência de
Finkelor e Browne (1985). A segunda seria que as crianças abusadas sexualmente
apresentariam preocupações predominantemente relacionadas às vivências de impotência,
traição e estigmatização (abandono, impotência, sentimentos de maldade, vergonha e culpa) e
menos ao trauma sexual em si, o que explicaria a ausência de indicadores que representam a
sexualização traumática.
Ressaltamos que o uso de técnicas projetivas no estudo de crianças vítimas de
violência doméstica deve ser realizado com muita responsabilidade e cautela.
27
- Ausência de solo: Falta de sustentação” (Barilari et al., 2004, p.24 apud Pool, 2006)
28
- Braços curtos: “inadequação” (Buck, 1995, apud Pool, 2006)
29
- Sorriso Maníaco: “negação” (Barilari et al., 2004, p.24 apud Pool, 2006).
30
- As dinâmicas traumatogênicas de Finkelhor e Browne (1985) foram apresentadas no capítulo 2 deste
trabalho.
99
Compartilhamos com a posição de pesquisadores como Vollet (2003), Pinto Junior (2003a e
2006), Pinto Junior, Azevedo e Guerra (2003c), que consideram esses instrumentos
importantes meios de acesso ao segredo familiar, mas, ao mesmo tempo, alertam que o seu
papel na avaliação de abuso doméstico deve ser encarado como mais um recurso auxiliar
dentro de um conjunto de outros indicadores
As técnicas podem contribuir no processo de averiguação da violência sexual doméstica
como elementos coadjuvantes aliados às entrevistas, anamneses e horas lúdicas, porém
jamais como únicas estratégias de investigação (Vollet, 2003, p.257).
O levantamento bibliográfico nacional e internacional realizado para este trabalho
revela que Barilari et al., (2000) são pioneiras no estudo de crianças vítimas de violência
doméstica com o teste da Pessoa na Chuva e que a realização de pesquisas sobre o tema ainda
é incipiente em países como Argentina, Uruguai, Chile e Peru, onde esse instrumento é mais
conhecido e possui mais tradição de uso profissional. Além do estudo das pesquisadoras
argentinas, foi encontrado apenas um trabalho publicado no Chile (Pool, 2006) sobre o
assunto.
Nas pesquisas sobre violência doméstica, sobretudo na literatura internacional,
encontramos uma incessante busca de indicadores de violência doméstica por meio de
técnicas projetivas, sobretudo nos desenhos de figuras humanas. Consideramos que os
instrumentos projetivos são, de fato, muito importantes para o psicólogo, porque possuem um
valor comunicativo que pode trazer à tona elementos peculiares que, integrados ao
funcionamento psicológico da criança, levam o profissional mais atento a investigar, entre
outras hipóteses, a de vitimização. Entendemos que a busca por indicadores diagnósticos
específicos de violência doméstica nas técnicas projetivas é um equívoco, um desvio na
natureza desses instrumentos.
100
CAPÍTULO II
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS
O uso do desenho de figuras humanas como instrumento projetivo é um recurso
interessante para profissionais que trabalham com crianças, pois é a temática mais encontrada
nos desenhos livres infantis, o que torna essa atividade prazerosa e bem aceita pela criança no
processo de avaliação diagnóstica (Tardivo, 1985; Koppitz, 1973). Desde a resolução
002/2003 do CFP, o desenho da Pessoa do HTP (Buck, 2003) é o único instrumento projetivo
com figura humana autorizado no Brasil, até o momento
31
.
A violência doméstica contra crianças ganhou maior visibilidade nas últimas décadas,
mas ainda é um fenômeno crescente, pouco reconhecido e notificado em nossa sociedade,
porque se resguarda, como segredo, no universo privativo da família. Os psicólogos que
trabalham com vítimas de violência sabem o quanto é doloroso falar sobre a experiência
abusiva e, nesses momentos difíceis, o uso projetivo do desenho de figuras humanas pode
favorecer a comunicação das experiências incomunicáveis de vitimização que atingem o
corpo e o psiquismo infantil.
O teste da Pessoa na Chuva (Hammer, 1991; Querol & Paz, 1997), instrumento
expressivo desconhecido no Brasil, mas difundido em países sul-americanos, associa o
desenho da figura humana a uma situação de tensão ambiental representada pela chuva.
Como a maioria das técnicas projetivas gráficas, a Pessoa na Chuva apresenta vantagens
como baixo custo, aplicação simples, amplo alcance na população (adultos e crianças), além
de ser uma atividade motivadora e prazerosa para a criança. Há alguns anos esse instrumento
31
- O uso de outras técnicas é estimulado pelo Conselho Federal de Psicologia (Resolução 002/2003) para fins
de pesquisa.
101
é pesquisado, na Argentina (Barilari, Agosta & Colombo, 2000), com crianças vítimas de
violência doméstica, a fim de verificar sua eficácia para sinalizar experiências de vitimização.
Considerando o trabalho pioneiro das pesquisadoras argentinas Barilari, Agosta e
Colombo (2000) com esse instrumento e a reduzida oferta de técnica projetiva com figura
humana em nosso meio, a realização de estudos com a técnica da Pessoa na Chuva pode
oferecer contribuições relevantes e originais no contexto da psicologia clínica no Brasil.
Primeiramente, porque introduz um instrumento projetivo pouco conhecido por psicólogos
brasileiros e, também, porque esse instrumento pode auxiliar na compreensão de experiências
de vitimização infantil.
Além disso, a presença dessa nova técnica projetiva em nosso meio pode despertar e
estimular o interesse de psicólogos para a realização de estudos que permitam a
regulamentação do teste da Pessoa na Chuva no Brasil. Dessa forma, o presente trabalho se
justifica, pois traz essa contribuição.
A partir do acima exposto, este trabalho pretende apresentar em nosso meio uma
técnica expressiva gráfica pouco conhecida no Brasil, o teste da Pessoa na Chuva, a partir de
um estudo exploratório do uso do referido instrumento em crianças vítimas de violência
doméstica.
Seus objetivos específicos são:
Identificar a existência ou não de elementos gráficos que discriminem crianças
vitimizadas na técnica em estudo;
comparar os resultados obtidos com o estudo de Barilari, Agosta e Colombo
(2000) com os obtidos em nossa amostra;
comparar os resultados encontrados, nessa amostra, com um estudo preliminar
de normatização do teste da Pessoa na Chuva (Vagostello, Esteves, Pinto Junior
& Tardivo, 2006);
102
apresentar dados preliminares de validação da técnica, comparando os resultados
obtidos em crianças com e sem experiência de vitimização;
discutir as contribuições da técnica da Pessoa na Chuva no contexto específico
da avaliação de crianças vítimas de violência doméstica;
apresentar, em caráter ilustrativo, a expressão do sofrimento infantil, manifestada
por meio do teste da Pessoa na Chuva, de duas crianças vitimizadas da amostra.
103
CAPÍTULO III
MÉTODO
A validade clínica das técnicas projetivas, como auxiliares para a compreensão de
fenômenos psicológicos, manifestos em diferentes singularidades históricas, é reconhecida
por psicólogos clínicos e institucionais, porém, é muito importante que a experiência clínica
com esses instrumentos fundamente-se em pesquisas quantitativas que contribuam para torná-
los mais seguros e confiáveis, evitando o uso equivocado e, até mesmo, antiético dos mesmos.
O teste da Pessoa na Chuva é uma técnica que associa o desenho da figura humana ao
elemento chuva, que representa tensões ambientais. Esse instrumento propõe a verificação da
reação do indivíduo em situações de estresse (Querol & Paz, 1997; Hammer, 1991).
Inspirado na pesquisa de Barilari, Agosta & Colombo (2000), na Argentina, o nosso
trabalho partiu do pressuposto de que o teste da Pessoa na Chuva pode ser um instrumento
sensível a manifestações emocionais relacionadas à ocorrência de violência doméstica em
crianças. Para verificar essa hipótese, o presente estudo realizou uma pesquisa quantitativa,
fundamentada nos métodos experimental e estatístico, para testar se semelhantes resultados
são encontrados em crianças do nosso país.
Como sugere Campos (2004, p.55), a pesquisa quantitativa “se utiliza da análise da
freqüência de ocorrência para medir a veracidade ou não daquilo que está sendo investigado”.
Assim, o uso desse método deve-se à necessidade de mensuração das características gráficas
do instrumento da Pessoa na Chuva, buscando, com isso, verificar a sua relação com o
fenômeno da vitimização infantil.
O método experimental, no presente estudo, justifica-se por permitir o controle das
variáveis na coleta de dados para a verificação da nossa hipótese, comparando um grupo
104
experimental (crianças com histórico de violência doméstica) e um grupo de controle
(crianças sem queixas de vitimização). Como observam Michaliszyn e Tomasini (2005,
p.32), o controle “serve para indicar os esforços feitos para se eliminar ou, pelo menos,
reduzir ao mínimo possível os erros que possam surgir numa observação”.
Os dados obtidos foram quantificados e comparados estatisticamente para verificar a
existência de relações significativas entre as características gráficas encontradas nos
protocolos do teste da Pessoa na Chuva de cada grupo estudado.
Para o enriquecimento deste trabalho, apresentamos o material projetivo de duas
crianças, em caráter somente ilustrativo, a fim de exemplificar a manifestação individual do
sofrimento de crianças submetidas à violência doméstica na técnica da Pessoa na Chuva. Com
isso, pretendemos tangenciar a complementariedade dos métodos quantitativo e qualitativo
para o estudo das técnicas projetivas, uma vez que este último permite compreender as
representações e o sentido da experiência de vitimização, na singularidade de cada criança
(Turato, 2003).
A. Participantes
1. Grupo de crianças vítimas de violência doméstica ou Grupo Experimental
A composição do grupo experimental obedeceu a dois critérios: ocorrência
comprovada de violência doméstica entre os períodos de 2003 e 2004 e faixa etária da
criança, limitada de seis a dez anos de idade. A comprovação de violência ocorreu por meio
de avaliações psicológicas e de acompanhamentos familiares, realizados pela pesquisadora e
por outros psicólogos judiciários de uma Vara de Infância e Juventude, localizada em um
fórum da periferia do município de São Paulo.
105
A escolha desse limite etário justifica-se exclusivamente pelo critério de
desenvolvimento infantil, pois a capacidade de representação da figura humana antes dos 6
anos de idade ainda é limitada e, após os 10 anos, apresenta características mais próximas da
pré-adolescência do que da infância. A faixa etária compreendida entre 6 e 10 anos de idade é,
portanto, o período de desenvolvimento que encerra as transformações gráficas mais
significativas na evolução da representação de figuras humanas (Koppitz, 1973; Weschsler,
2003).
Um estudo realizado por Pedroso (2003) sobre o Índice de Desenvolvimento Humano
do Município de São Paulo
32
(IDH-M) revela que 79% dos habitantes da cidade de São Paulo
concentram-se em regiões caracterizadas por índices médio e baixo e que apenas 17,4% e
2,5% habitam regiões de IDH-M alto e muito alto
33
, respectivamente.
A população atendida pelo fórum onde a pesquisa foi realizada concentra-se em
regiões de índice de desenvolvimento humano predominantemente baixo (entre 0,67 e 0,68).
São famílias de baixa renda e, em grande parte, a mulher é a única responsável pela
subsistência do grupo familiar, seja pela ausência da figura masculina, seja pela falta de
contribuição nas despesas do lar, em decorrência de fatores como desemprego, alcoolismo ou
outras doenças. A composição familiar, em geral, também se caracteriza pelo elevado número
de filhos, na maioria das vezes provenientes de diferentes genitores, de quem não recebem
qualquer auxílio de natureza educacional, material ou financeira.
A escolaridade dos pais ou responsáveis concentra-se no ensino fundamental
incompleto - geralmente entre 1ª e 4ª série - e as atividades profissionais mais comuns são as
32
- O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um paradigma usado para medir indicadores de
desenvolvimento de uma unidade geográfica, que integra índices de longevidade, educação e renda per capita,
os quais se relacionam diretamente ao acesso (quantidade e qualidade) da população aos recursos sociais
disponíveis na região (saúde, educação, transporte, emprego, etc). O IDH-M é uma mensuração derivada do IDH
(Pedroso, 2003) e Quanto mais próximo do valor 1 (um), melhores as condições de desenvolvimento humano.
33
- Muito baixo:< 0,5; baixo: 0,5 e < 0,7; médio: 0,7 e < 0,8; alto: 0,8 e < 0,9; muito alto: 0,9 e 1.
106
de empregadas domésticas ou diaristas, coletores de materiais recicláveis, vendedores
ambulantes, ajudantes gerais, entre outras. Essas atividades são exercidas predominantemente
fora do mercado formal de trabalho, ou seja, sem registro em carteira profissional.
Cabe informar que as características das famílias atendidas em uma Vara de Infância e
Juventude variam de acordo com as diferentes demandas. As famílias que procuram,
espontaneamente, a Vara de Infância para solicitar a adoção de uma criança apresentam
características socioeconômicas (maior estabilidade profissional e financeira) e funcionais
(presença da figura paterna e de planejamento familiar) distintas das famílias atendidas em
decorrência de denúncias de situações de risco envolvendo crianças ou adolescentes. É
importante marcar essa distinção, pois são deste último segmento que procedem as crianças
deste grupo.
O grupo experimental é constituído de 40 (quarenta) crianças, 16 (dezesseis) do sexo
feminino e 24 (vinte e quatro) do sexo masculino, entre 6 e 10 anos de idade, distribuído, em
função do sexo e da idade, da seguinte maneira:
Tabela 7 - Distribuição do grupo experimental em função do sexo e da idade
Idade Masculino Feminino Total
N % N % Total %
6 5 20,8 4 25,0 9 22,5
7 6 25,0 1 6,2 7 17,5
8 4 16,7 4 25,0 8 20,0
9 5 20,8 3 18,8 8 20,0
10 4 16,7 4 25,0 8 20,0
Total 24 60,0 16 40,0 40 100,0
Quanto ao sexo, idade , natureza da violência, grau de parentesco do agressor e
situação de convivência familiar da criança, o grupo caracteriza-se da seguinte maneira:
107
Tabela 8 - Caracterização do grupo experimental em função do sexo, idade, tipo de violência,
agressor e situação familiar
Idade Sexo Tipo de Violência Agressor Convivência familiar
1
6 F Negligência Pai criança abrigada
2
6 F Psicológica Pai e mãe reside com pais
3
6 F Sexual Pai reside com mãe
4
6 F Negligência Mãe reside com mãe
5
6 M Psicológica Mãe reside com pais
6
6 M Física Mãe reside com pais
7
6 M Negligência Mãe reside com mãe
8
6 M Negligência Mãe criança abrigada
9
6 M Sexual e Física Pai reside com mãe
10
7 F Física Pai reside com pais
11
7 M Negligência Pai criança abrigada
12
7 M Negligência Mãe criança abrigada
13
7 M Física Pai reside com avó
14
7 M Negligência Mãe reside com mãe
15
7 M Negligência Mãe criança abrigada
16
7 M
Negligência
Violência Psicológica
Mãe
Pai
criança abrigada
17
8 F Física Mãe reside com pais
18
8 F Sexual Irmão reside com tia
19
8 F Negligência Mãe criança abrigada
20
8 F Negligência Mãe reside com mãe
21
8 M Sexual Desconhecido* reside com tia
22
8 M Sexual Padrasto reside com mãe
23
8 M Negligência Mãe reside com mãe
24
8 M Sexual e Física Pai reside com mãe
25
9 F Física Mãe reside com tios
26
9 F Negligência Mãe reside com mãe
27
9 F
Negligência
Violência Psicológica
Mãe
Pai
criança abrigada
28
9 M Física Pai reside com tia
29
9 M Psicológica Mãe criança abrigada
30
9 M Negligência Pai criança abrigada
31
9 M
Negligência
Violência Psicológica
Mãe
Pai
criança abrigada
32
9 M Sexual e Física Pai reside com mãe
33
10 F Negligência Pai e mãe criança abrigada
34
10 F Física Pai reside com avó
35
10 F Sexual Pai reside com mãe
36
10 F Negligência Mãe reside com mãe
37
10 M
Negligência
Violência Psicológica
Mãe criança abrigada
38
10 M Negligência Mãe reside com mãe
39
10 M Física Pai reside com pais
40
10 M
Negligência
Violência Psicológica
Mãe
Padrasto
criança abrigada
108
A peculiaridade desse grupo é o fato de apresentar maior proporção de abuso sexual
entre meninos (05) do total de casos de violência sexual (08), o que é incomum nas
estatísticas de violência intrafamiliar (Azevedo & Guerra, 2006; Pinto Junior, 2003; Pinto
Junior et al., 2003b; Azevedo & Guerra, 1995).
Essa distribuição atípica, com predominância de abuso sexual de meninos, pode ser
compreendida como uma irregularidade temporária no fluxo habitual da Vara de Infância e
Juventude, cuja ocorrência só foi percebida, porque coincidiu com o período de coleta de
dados. Por outro lado, pode-se pensar que a configuração do grupo não ocorreu pela
intervenção do acaso, mas por uma incipiente tendência social na notificação de casos de
meninos entre de 6 e 10 anos de idade.
O nível de escolaridade das crianças varia da pré-escola à 4ª série do ensino
fundamental, porém, muitas foram inseridas tardiamente na rede de ensino ou apresentam
elevado número de faltas escolares,em decorrência da própria condição de negligência à qual
estão submetidas. A criança 14 (7 anos), por exemplo, nunca freqüentou pré-escola ou escola
e as crianças 20 e 36 (8 e 10 anos, respectivamente) ingressaram na escola após recente
intervenção da Vara de Infância e Juventude.
As mães, que, muitas vezes, são as únicas responsáveis pelos filhos e geralmente as
que permanecem maior parte do tempo com eles, são responsáveis pela maioria das agressões
(18) deste grupo, sobretudo negligência e violência psicológica. Em seguida aparecem os pais
(13), autores de violências predominantemente físicas e sexuais. Houve também seis
ocorrências de negligência e/ou violência psicológica praticada por ambos os cônjuges (cinco
109
por genitores e uma por mãe e padrasto) e três ocorrências de abuso sexual promovido por um
padrasto, um irmão e um “desconhecido”
34
.
Neste grupo há quatorze crianças (35%) institucionalizadas em abrigos, sob a tutela do
Estado, todas elas vítimas de negligência e/ou violência psicológica. Nesses casos a
institucionalização ocorreu porque todas as tentativas para a permanência da criança no grupo
familiar fracassaram (negligência) ou porque a criança foi rejeitada e/ou abandonada pelos
pais (violência psicológica).
A distribuição das diversas formas de violência sofridas pelas crianças desta amostra é
compatível com as estatísticas de notificações brasileiras apresentadas pelo LACRI (2006),
nas quais a negligência é a modalidade de violência mais freqüente, seguida pela violência
física:
Gráfico 1. - Distribuição do grupo de crianças vitimizadas em função do tipo de violência
16
8
5
44
3
Negligência Física Sexual Psicológica Negligência
e
Psicológica
Física e
sexual
Vale destacar que todas as ocorrências de violência física e sexual deste grupo foram
acompanhadas por negligência como violência secundária (ausência de proteção por parte do
cônjuge ou de outros membros da família), o que facilitou a ação do agressor. As quatro
34
- Neste caso, a criança viveu em quatro famílias e foi abusada precocemente dentro de uma delas. A criança
não se recorda quem era o agressor, lembra-se apenas de que era um homem, um membro de uma dessas
famílias.
110
ocorrências de negligência associada à violência psicológica deste grupo (16, 27, 31 e 40)
referem-se a situações em que a criança encontrava-se submetida à negligência e inserida em
ambiente emocionalmente violento, no qual presenciava agressões físicas do pai (ou padrasto)
contra a mãe. Já as ocorrências de violência psicológica referem-se a situações de rejeição
emocional e de abandono.
2. Grupo de Controle ou Grupo de escolares
Um estudo preliminar de padronização da técnica da Pessoa na Chuva, com vistas à
futura validação da técnica em nosso meio, foi realizado na população de escolares da
periferia de São Paulo, com a participação de 371 crianças, 185 do sexo feminino e 186 do
masculino, de 6 a 10 anos de idade, com semelhantes características desenvolvimentais,
educacionais, sociais, geográficas e culturais das crianças vítimas de violência. A coleta de
dados foi realizada em seis escolas públicas: quatro estaduais (1ª a 4ª série do ensino
fundamental) e duas municipais (pré-escola), da mesma região de residência das crianças
vitimizadas (Vagostello, Esteves, Pinto Junior & Tardivo, 2006)
35
.
Questionamos os professores dos participantes sobre suspeitas ou conhecimento de
ocorrências de violência doméstica entre essas crianças e nenhum fato foi relatado. A
distribuição dos participantes em função do sexo e da idade pode ser observada na Tabela 3:
Tabela 9 - Distribuição de escolares em função do sexo e da idade (N=371)
Idade Masculino Feminino Total
N % N % Total %
6 33 17,8 35 18,9 68 18,3
7 30 16,1 35 18,9 65 17,5
8 36 19,4 32 17,3 68 18,3
9 41 22,0 41 22,2 82 22,1
10 46 24,7 42 22,7 88 23,8
Total 186 100,0 185 100,0 371 100,0
35
- Trabalho publicado nos Anais do VI Congresso Nacional da Associação Brasileira de Rorschach e Métodos
Projetivos (ASBRo), 2006, Brasília (DF).
111
A técnica da Pessoa na Chuva foi aplicada em 371 participantes. Destes, foram
sorteados, aleatoriamente
36
, 42 protocolos, sendo 22 do sexo masculino e 20 do sexo
feminino, entre 6 e 10 anos de idade. As características da amostra em função de sexo e idade
seguem na tabela abaixo:
Tabela 10 - Distribuição do grupo de controle em função do sexo e da idade
Idade Masculino Feminino Total
N % N % Total %
6 4 18,2 3 15,0 7 16,7
7 3 13,6 4 20,0 7 16,7
8 4 18,2 4 20,0 8 19,0
9 5 22,7 4 20,0 9 21,4
10 6 27,3 5 25,0 11 26,2
Total 22 52,4 20 47,6 42 100,0
B. Instrumentos
Os instrumentos utilizados para a constituição da amostra de crianças vitimizadas
foram os processos judiciais, entrevistas com as crianças e, em alguns casos, entrevistas com
os pais e/ou familiares.
Para a realização da pesquisa foi aplicada a técnica da Pessoa na Chuva (Querol &
Paz, 1997) nos grupos experimental e de controle.
1. Processos Judiciais
Toda criança atendida em uma Vara de Infância e Juventude possui um processo
judicial em que constam informações de natureza social, psicológica e jurídica.
36
- Do número total (N=371), um, em cada nove protocolos, foi sorteado, totalizando 42 protocolos.
112
O processo é um conjunto de informações composto por documentação pessoal
(criança, pais ou responsáveis), representação inicial (denúncia de suspeita de maus-tratos ou
pedidos formulados por interessados em obter guarda ou adoção de menor), relatórios e
laudos de diversos profissionais (psicólogos e assistentes sociais do Tribunal de Justiça,
profissionais de abrigos, diretores de escolas, médicos, etc) e decisões judiciais.
Foi realizada uma pesquisa documental
37
, nos processos judiciais, com o objetivo de
obter informações acerca da idade, do tipo de violência sofrida, do grau de parentesco do
agressor e da constituição familiar, ou seja, por quem a criança é assistida (familiares ou
instituição de abrigo).
2. O teste da Pessoa na Chuva
Para a coleta de dados foi utilizado o teste da Pessoa na Chuva, cuja descrição e
fundamentação teórica foram apresentadas no capítulo 1 deste trabalho.
Vale destacar que, para esta pesquisa, em especial, foi realizada uma entrevista
preliminar para o estabelecimento do rapport, a fim de constituir um vínculo de confiança
com a criança, antes da aplicação do teste da Pessoa na Chuva
38
.
37
- É importante pontuar que, na atuação profissional do psicólogo judiciário, são utilizadas outras técnicas de
avaliação psicológica (projetivas, horas de jogo, entrevistas com familiares, entre outras indicadas para cada
caso), para fundamentar o seu encaminhamento. Contudo, para o contexto deste trabalho, nos deteremos,
especificamente, no instrumento da Pessoa na Chuva.
38
- A maior parte das crianças com histórico de vitimização foi avaliada e acompanhada pela pesquisadora,
como parte da rotina de trabalho da Vara de Infância e Juventude, conforme referido no capítulo 1. No caso de
crianças avaliadas por outros profissionais (psicólogos) da mesma Vara, procurou-se garantir o estabelecimento
de um bom vínculo entre a pesquisadora e a criança, antes da aplicação da Pessoa na Chuva
.
113
C. Procedimentos
1. Aplicação do teste da Pessoa na Chuva no grupo de crianças vitimizadas
A aplicação do Desenho da Pessoa na Chuva nas crianças foi realizada pela própria
pesquisadora, no período de 2003 e 2004, nos dias de acompanhamento familiar na Seção de
Psicologia da Vara de Infância e Juventude (Anexo A).
Inicialmente foi solicitado ao juiz titular da Vara, autorização para a realização da
pesquisa e, após sua anuência, os pais ou responsáveis foram consultados sobre a participação
dos filhos. Os responsáveis foram verbalmente informados sobre o objetivo da pesquisa e a
metodologia empregada (desenhos) e consultados sobre o consentimento para a participação
das crianças. Mediante resposta afirmativa, procedeu-se à leitura explicativa do termo de
consentimento e à solicitação da assinatura como forma de anuência (Anexo B).
Na sessão de aplicação da técnica da Pessoa na Chuva com as crianças, foram
seguidas todas as recomendações propostas por Querol e Paz (1997). A aplicação foi realizada
individualmente, após o estabelecimento de algum vínculo de confiança entre a criança e a
psicóloga. Por zelo e respeito às crianças, que muitas vezes chegam angustiadas para os
atendimentos forenses, optou-se pela aplicação individual, visando inserir esta atividade
dentro da proposta de trabalho habitual de acompanhamento.
Cada criança foi convidada a realizar uma atividade de desenho e, após sua
concordância, o material foi apresentado à sua frente, sobre a mesa. Optou-se pelo uso de
folhas de papel de tamanho A4, por ser o mais utilizado por crianças brasileiras nas
atividades escolares. Em seguida, o desenho foi solicitado à criança, por meio da instrução
desenhe uma Pessoa na Chuva”, conforme as normas de aplicação apresentadas no manual
(Querol & Paz, 1997, p. 18). Ao final da atividade, as eventuais dúvidas sobre representações
gráficas foram esclarecidas, por meio do seguinte questionamento: “o que é isto?”.
114
Todas as crianças participaram ativamente e nenhuma delas resistiu ou se recusou a
realizar a atividade solicitada. Encerrada a aplicação do instrumento, a criança ficava livre
para realizar as atividades que desejasse (jogar, desenhar ou brincar), a fim de garantir a
manutenção do vínculo e da comunicação lúdica com o profissional. O material proveniente
da atividade livre foi útil, inclusive, para o processo de avaliação psicológica da criança, mas
não será apresentado, por fugir aos objetivos do presente trabalho e por merecer, por si
mesmo, um estudo à parte
39
.
2. Aplicação do teste da Pessoa na Chuva no grupo de controle
Esta etapa do trabalho contou com a colaboração de uma psicóloga que intermediou o
contato da pesquisadora com os responsáveis pelas escolas, auxiliou na coleta de dados e no
recolhimento do termo de consentimento dos responsáveis por cada criança. O primeiro
contato foi estabelecido pessoalmente com os diretores das escolas, para apresentar o objetivo
do trabalho e solicitar autorização para a realização da pesquisa.
O contato com os pais foi realizado em dias de reunião de pais. Nas reuniões foram
apresentados os objetivos e a metodologia do trabalho e foram recolhidas as assinaturas dos
termos de consentimento (Anexo B) dos pais que concordaram com a participação do(s)
filho(s).
A aplicação da técnica da Pessoa na Chuva foi realizada coletivamente, em grupos
pequenos de quinze crianças, durante o período de aula, deixando-as livres para se manifestar.
O material padronizado (lápis grafite nº2, papel tamanho A4 e borracha) foi fornecido pela
pesquisadora. As folhas de papel foram colocadas sobre a carteira de cada criança, na posição
vertical, sob a orientação de que não fossem manuseadas até o final das instruções (Querol &
Paz, 1997).
39
- Esse material, possivelmente, dará origem a outros estudos e publicações.
115
Terminada a atividade, as crianças foram orientadas a escrever o nome e a idade no
verso da folha, dados que, posteriormente, foram conferidos com a lista fornecida pela escola
(nome e data de nascimento dos alunos). Neste momento também foram esclarecidas
eventuais dúvidas sobre as representações gráficas das crianças.
3. Análise dos resultados
3.1. As seis categorias gráficas analisadas
Para este estudo selecionamos seis características gráficas gerais que discriminaram as
crianças vitimizadas no estudo argentino (Barilari et al., 2000): dimensão pequena, ausência
de mãos, ausência de pés, pobreza de detalhes, ausência de guarda-chuva, chuva setorizada.
Dada a natureza quantitativa do nosso estudo, escolhemos essas categorias, porque são
claramente definíveis e, também, porque estão presentes na avaliação da figura humana do
HTP (Buck, 1948/2003), válida em nosso meio.
Incluímos outras duas subcategorias: presença de raios, por ter sido freqüente no
estudo argentino, e chuva como lágrimas, pelo significado emocional atribuído à mesma,
conforme a interpretação do manual do teste (Querol & Paz, 1997).
O desenho de cada criança foi classificado pela pesquisadora, de acordo com
presença ou ausência das características gráficas, atribuindo valor 1 (um) para a presença e 0
(zero) para sua ausência.
Para garantir uma classificação uniforme nas diferentes categorias e subcategorias de
características, foi necessário estabelecer a definição de critérios para cada uma delas,
segundo parâmetros claros e objetivos. Os critérios utilizados para a classificação das
características dos desenhos foram os seguintes:
1. Dimensão do Desenho
1.1. Grande: 2/3 e 1/2 da folha
116
1.2. Mediano: 1/3, 1/4, 1/6, 1/8 da folha
1.3. Pequeno: 1/16, 1/32 da folha
2. Mãos
Presença: alargamento na extremidade final do braço ou um espaço demarcado entre o braço e
os dedos.
3. Pés
Presença: qualquer representação de pés que seja diferenciada das pernas.
4. Chuva
Presença de chuva: representação de chuva por traços (linhas retas, curvas) ou gotas.
4.1. Chuva setorizada: chuva localizada apenas sobre a pessoa
4.2. Como lágrimas: desenho do formato das gotas de chuva como se fossem lágrimas
4.3. Raios: representação de raios
5. Guarda-Chuva
Presença: representação de um guarda-chuva aberto (cabo e parte superior perpendicular ao
cabo)
6. Detalhes
Presença: representações de outros elementos além da pessoa, chuva e guarda-chuva, como
nuvens, bueiro, casa, flor, árvore, carro, casa, animais, paisagem (céu, sol, lua, estrela, arco-
íris e montanha).
Para a avaliação das características supracitadas, a pesquisadora misturou
aleatoriamente os protocolos do total de participantes (N=82), tentando, com isso, evitar que o
conhecimento prévio do histórico de violência de algumas crianças interferisse na avaliação
dos resultados.
117
3.2. Correlação entre juízes
Para verificarmos a precisão da classificação realizada pela pesquisadora, optamos por
submeter todos os protocolos à avaliação de dois juízes experientes. Os juízes não
participaram das aplicações e receberam os protocolos, aleatoriamente mesclados,
identificados somente pelo sexo e idade de cada criança.
A avaliação dos juízes foi realizada às cegas, pois, apesar de terem conhecimento da
existência de participantes vitimizados e não vitimizados, a nenhum deles foi informado a
qual grupo de crianças pertencia cada protocolo.
Os critérios de classificação das categorias foram previamente discutidos com a autora
da pesquisa, e fornecidos, por escrito, aos juízes. As características gráficas foram
classificadas em função da sua presença ou ausência em cada protocolo.
A pesquisadora também foi considerada terceira juíza, para efeito da investigação da
precisão entre avaliadores e utilizou os mesmos critérios de classificação fornecidos aos
juízes.
3.3. Tratamento estatístico dos resultados
Para o estudo da precisão das avaliações entre os juízes, foram calculadas as
correlações para cada grupo de dois juízes (juízes 1 e 2, juízes 2 e 3, juízes 1 e 3). Os
resultados foram submetidos à correlação linear de Pearson, para verificar o grau de
concordância entre as avaliações. Os critérios adotados para a análise dos resultados foram os
de Guilford (1950), que considera aceitáveis coeficientes de precisão entre 0,70 e 0,98.
A partir do estudo de concordância entre os juízes, as freqüências das características
gráficas, avaliadas pela pesquisadora, dos grupos experimental e de controle foram calculadas
e comparadas através do teste de análise do Qui-quadrado, para verificar a capacidade de
discriminação dessas características entre ambos os grupos. Foram consideradas diferenças
118
estatisticamente significativas as diferenças com nível de significância (α) igual ou inferior a
0,05.
Os critérios de concordância entre juízes adotados para cada categoria foram o de
concordância absoluta ou de desempate, ou seja, somente foram consideradas válidas as
categorias cujos resultados foram coincidentes entre os três juízes ou, pelo menos, entre dois
deles, dentro do intervalo de 070-0,98 (Tardivo, 1985; Tardivo, 1992).
3.4. – Análise e discussão dos resultados
Os resultados do grupo experimental e do grupo de controle foram comparados, a fim
de identificar diferenças significantes entre as freqüências das características gráficas de um e
de outro grupo. Foram consideradas significantes as diferenças menores ou iguais a 0,05.
Além disso, buscou-se comparar os resultados com os do estudo argentino (Barilari et al.,
2000) e com outros da literatura especializada.
Os resultados encontrados nos grupos de controle e experimental também foram
comparados com os do estudo normativo preliminar com a técnica da Pessoa na Chuva
(N=371) em crianças sem queixas de vitimização (Vagostello et al., 2006).
Os resultados foram discutidos com vistas a contemplar as possíveis contribuições
diagnósticas do Teste da Pessoa na Chuva no atendimento de crianças vitimizadas.
3.5. Ilustração de casos
Após a realização do estudo quantitativo com o desenho da Pessoa na Chuva, foram
selecionados dois desenhos de crianças vitimizadas, uma menina vítima de violência física, e
um menino vítima de abuso sexual, com ênfase na exploração qualitativa do instrumento.
119
A partir das histórias das duas crianças, realizamos uma breve leitura do material
projetivo, em caráter ilustrativo, como contribuição preliminar para a exploração clínica da
técnica com crianças vítimas de violência.
120
CAPÍTULO IV
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Este capítulo apresenta os resultados encontrados nas seis categorias gráficas, segundo
a análise da autora da pesquisa, de acordo com os critérios já apresentados. Todas as
categorias selecionadas pela pesquisadora foram incluídas na análise, pois apresentaram
correlação dentro do intervalo esperado por três juízes ou, pelo menos, por dois deles. As
correlações foram significantes (α) ao nível de 0,01 e, na grande maioria, houve concordância
entre os três juízes; apenas em uma delas (mãos) houve concordância entre dois (Anexo C).
Os resultados são apresentados e discutidos, separadamente, de acordo com as seis
categorias gerais analisadas: dimensão da figura humana, mãos, pés, detalhes ou
complementos, chuva e guarda-chuva.
Dimensão da figura humana
No grupo de crianças vitimizadas, verificamos que 33 (trinta e três) apresentam figuras
humanas com dimensão pequena e muito pequena, o que representa 82,5% do total. Apesar da
elevada porcentagem, essa característica também é predominante no grupo de controle, que
apresenta 29 desenhos (69,1%) com dimensões pequenas e muito pequenas, conforme mostra
a tabela a seguir:
Tabela 11 - Qui-quadrado e freqüências para o item dimensão da figura humana para o
grupo de vítimas de violência e o grupo de controle
N=82 Vitimizadas Controle Total Grupo
Dimensão da Figura Humana N % N % N % χ2 Sig.
Grande 0 0,0 0 0,0 0 0,0 - -
Mediano 7 17,5 13 31,0 20 24,4 2,010 0,156
Pequeno 33 82,5 29 69,0 62 75,6 2,010 0,156
121
Os resultados revelam que a dimensão pequena (α= 0,187) ou muito pequena
(α=0,965) não discriminou os dois grupos. Do mesmo modo, nosso estudo preliminar de
padronização, realizado com a participação de 371 escolares com semelhantes características
da amostra, indicou que 76,8 % das crianças também apresentam essas mesmas características
(Vagostello, Esteves, Pinto Junior & Tardivo, 2006).
Nosso estudo, portanto, não confirma os resultados do estudo de Barilari, Agosta e
Colombo (2000) para esta característica gráfica, pois não encontrou diferenças significantes
entre os grupos, para o tamanho da figura humana.
Essa característica também foi encontrada com maior freqüência em crianças vítimas
de abuso sexual em dois trabalhos nacionais (Fonseca & Capitão, 2006; Vollet, 2003), porém,
o número reduzido da amostra desses estudos não permite a verificação da significância
estatística.
Vale lembrar que a dimensão pequena da figura humana é um indicador emocional de
Koppitz (1976) relacionado à timidez, retraimento e depressão, manifestações clínicas
encontradas com freqüência nas vítimas de violência física (Wenck & Rait, 2003; Finkelhor,
2002; Green, 1978), abuso sexual (Finkelhor & Browne, 1985; Furniss, 1993; Rouyer, 1997;
Alvin, 1997; Echeburúa & Guerricaechevarría, 1998), violência psicológica e negligência
(Linares, 2001). Contudo, esses traços não são exclusivos de crianças vítimas de violência
doméstica.
Mãos e pés
A presença de mãos ocorreu em 62,5% dos desenhos de crianças vitimizadas e em
66,7 % de crianças do grupo de controle, não havendo diferenças estatisticamente
significantes entre as freqüências de ambos os grupos (α=0,693).
122
Do mesmo modo, a presença de pés é freqüente em 67,5% do grupo de crianças com
histórico de violência e em 78,6% do grupo de controle. A presença/ausência de pés, portanto,
também não foi capaz de discriminar os dois grupos (α=0,258), conforme apontam os
resultados abaixo:
Tabela 12 - Qui-quadrado e freqüências para os itens mãos e pés para o grupo de vítimas de
violência e o grupo de controle
N=82 Vitimizadas Controle Total Grupo
N % N % N % χ2 Sig.
Presença de Mãos 25 62,5 28 66,7 53 64,6 0,156 0,693
Presença de Pés 27 67,5 33 78,6 60 73,2 1,279 0,258
No estudo de Barilari et al. (2000), a ausência de mãos e de pés discriminou o grupo
de crianças vitimizadas. No estudo de Blain, Bergner, Lewis & Goldstein (1981), a ausência
de pés apareceu associada à violência física e, no de Hernandez et al. (2000), a omissão de
mãos discriminou o grupo de crianças vítimas de abuso sexual. Nenhum desses resultados,
contudo, foi confirmado pelo presente estudo.
A ausência de mãos e omissão de pés também são indicadores emocionais de Koppitz
(1976): o primeiro representa sentimentos de inadequação e de culpa e o último, de
insegurança. A literatura especializada aponta que tais sentimentos são freqüentes em vítimas
de violência doméstica (Finkelhor & Browne, 1985; Furniss, 1993; Gabel, 1997; Azevedo &
Guerra, 1989, 1995, 2001; Linares, 2002), mas também podem estar associados a outras
experiências que promovam sofrimento ou prejuízo emocional à criança, como perdas,
doenças, separação dos pais, entre outras.
Detalhes ou complementos
A presença de detalhes ocorreu com menor freqüência nos desenhos do grupo de
crianças vitimizadas (27; 67,5%), quando comparado ao grupo de controle (40; 95,2%). A
123
análise estatística revela que esta característica gráfica foi capaz de discriminar os grupos de
crianças com histórico de violência e sem queixa de violência (α=0,001), conforme indicam
os resultados a seguir:
Tabela 13 - Qui-quadrado e freqüências para o item detalhes (complementos) para o
grupo de vítimas de violência e o grupo de controle
N=82 Vitimizadas Controle
Total
Grupo
Detalhes N % N % N % χ2 Sig.
Presença 27 67,5 40 95,2 67 81,7
10,547 0,001
Destacamos que a presença de detalhes (ou complementos) foi uma característica
gráfica encontrada com muita freqüência em nosso estudo preliminar de padronização
(N=371), especificamente, em 354 protocolos, o que representa 95,4% do total (Vagostello et
al., 2006). Isso indica que a ausência de complementos é uma característica gráfica pouco
freqüente em outras crianças, mas comum nos desenhos das crianças vitimizadas da amostra.
Esse resultado converge com o estudo de Barilari et al. (2000), que também observou,
com freqüência significante, a ausência de detalhes no teste da Pessoa na Chuva entre crianças
vítimas de violência doméstica, embora esse critério não esteja claramente definido pelas
autoras, conforme já discutimos anteriormente.
A maioria dos estudos com figuras humanas em crianças vitimizadas utiliza os
indicadores emocionais de Koppitz (1973), mas, como a ausência de detalhes não figura entre
esses indicadores, não foram encontrados estudos que incluíssem essa categoria gráfica como
hipótese para análise.
Aqui, a ausência de detalhes revelou-se uma característica muito específica do grupo
de crianças vítimas de violência, o que nos leva a pensar nos prejuízos da vitimização para o
desenvolvimento infantil, pois sabemos que o contato emocional estabelecido entre pais
negligentes, ou violentos, e seus filhos é, de fato, muito pouco enriquecedor para a criança.
124
A realidade social de todas as crianças que participaram deste estudo
40
é semelhante,
na medida em que pertencem a famílias que sobrevivem com limitados recursos
socioeconômicos e, possivelmente, vivem em ambientes física e culturalmente pouco
estimuladores. Contudo, foi somente o grupo de vítimas de violência doméstica que,
predominantemente, manifestou essa característica gráfica, o que nos leva a crer que a
ausência de detalhes representa o empobrecimento emocional dessas crianças, a expressão de
um mundo interno emocionalmente empobrecido.
Chuva
A chuva é uma característica gráfica presente em 95% dos desenhos das crianças
vitimizadas e em 100% do grupo de controle e a chuva como lágrimas ocorreu em 22,5% do
grupo de crianças vítimas de violência e em 31% do grupo de controle. Em ambos os casos,
não houve diferenças estatisticamente significantes entre os grupos.
A característica gráfica chuva setorizada foi capaz de discriminar os desenhos das
crianças vítimas de violência (27,5%) e os do grupo de controle (7,1%; α=0,014). O mesmo
ocorreu com a presença de raios, que foi mais freqüente no grupo de controle, sem queixas de
vitimização (α=0,022), conforme mostram os resultados da tabela 8:
Tabela 14 - Qui-quadrado e freqüências para o item chuva para o grupo de vítimas de
violência e o grupo de controle
N=82
Vitimizadas
Controle Total Grupo
Chuva N % N % N % χ2 Sig.
Presença 38 95,0 42 100,0 80 97,6 2,153 0,142
Chuva Setorizada 11 27,5 03 7,1 14 17,1
5,997 0,014
Como lágrimas 9 22,5 13 31,0 22 26,8 0,746 0,388
Raios 7 17,5 17 40,5 24 29,3
5,224 0,022
40
- No total são 411 crianças, 40 do grupo experimental e 371 das quais foi constituído o grupo de controle.
125
A chuva setorizada é uma maneira particularizada de representação de chuva, pois é
direcionada exclusivamente para a figura humana e parece indicar que as pressões ambientais
incidem diretamente sobre ela.
A chuva setorizada discriminou, portanto, o grupo de crianças vitimizadas em relação
ao grupo de controle e esse resultado confirma os de Barilari et al. (2000) e de Girardi e Pool
(2005, apud Pool, 2006), que também encontraram essa mesma característica associada às
crianças vítimas de violência.
Destacamos que a chuva setorizada não foi pouco freqüente somente no grupo de
controle (7,1%), mas, também, no grupo de escolares (N=371) do nosso estudo normativo
preliminar, com presença em somente 31 protocolos, o que representa 8,4%
41
do total.
Esse dado evidencia que a chuva setorizada é uma representação peculiar do grupo de
crianças vitimizadas desta amostra. Isso pode revelar que as crianças vítimas de violência
doméstica são capazes de expressar, por meio de seus desenhos da Pessoa na Chuva, que as
tensões ambientais se voltam para ela e a atingem de maneira muito particularizada.
Podemos levantar a hipótese de que a chuva setorizada seria um sinalizador de que a
criança é (ou, pelo menos, sente-se), especialmente, colocada como um alvo para aonde se
dirigem pressões ambientais, como a violência doméstica ou qualquer outra situação
estressante, perturbadora, que a afete diretamente.
Por tratar-se de uma característica cuja presença parece ser relativamente rara na
população estudada (N=371), entendemos que a sua ocorrência no processo de avaliação
psicológica com a técnica da Pessoa na Chuva, ou em atividades lúdicas com uso de desenho
livre, pode ser um sinal de alerta que merece uma investigação mais atenta do profissional.
Já a presença de raios, que é uma característica encontrada com muita freqüência
(ainda que sem significância estatística) no grupo de crianças vitimizadas do estudo argentino,
41
- Em nosso artigo (Vagostello, Esteves, Pinto Junior & Tardivo, 2006). a categoria chuva setorizada não foi
contemplada, mas este dado se encontra em poder dos autores para futura publicação.
126
em nosso estudo apareceu significantemente associada ao grupo de controle, sem queixas de
violência doméstica. Esse resultado revelou-se surpreendente, pois se trata de uma
característica gráfica esperada para o grupo de crianças vitimizadas, uma vez que os raios
representam o enfrentamento de fortíssimas tensões ambientais ou uma “pressão que sacode o
sujeito”, nas palavras de Querol e Paz (1997, p. 76).
A presença de raios ocorreu em 40,5% dos protocolos do grupo de controle, em 31,8%
dos participantes (N=371) do estudo normativo preliminar (Vagostello et al., 2006) e em
17,5% do grupo experimental.
Lembramos que as crianças do grupo de controle também vivem em regiões de
exclusão social e são vulneráveis à vitimação (Azevedo & Guerra, 1989)
42
que incide sobre
suas famílias, como desemprego, privação material, dificuldades financeiras, falta de acesso a
recursos sociais (serviços médicos especializados, creches, centros culturais e de lazer).
Levantamos a hipótese de que as crianças do grupo de controle também se encontram
sob intenso estresse ambiental, expresso pelos raios, e que, se não estão submetidas a alguma
forma de violência psicológica doméstica (brigas ou agressões entre os pais, alcoolismo, entre
outras possibilidades), estão, certamente, sob impacto da violência explícita da periferia dos
grandes centros urbanos, protagonizada pelo crime organizado e pela segurança pública.
Guarda-chuva
A presença de guarda- chuva foi significativamente mais freqüente no grupo de
controle (59,5%), quando comparado ao grupo de crianças vitimizadas (35,0%), o que indica
que esta característica foi capaz de discriminar os dois grupos (α=0,026). Os resultados
apresentam-se na tabela abaixo:
42
- Ver capítulo 1B.
127
Tabela 15 - Qui-quadrado e freqüências para o item guarda-chuva para o grupo de
controle e o grupo de vítimas de violência
N=82 Vitimizadas Controle Total Grupo
Guarda-chuva N % N % N % χ2 Sig.
Presença 14 35,0 25 59,5 39 47,6
4,940 0,026
Isso significa que 65% das crianças vítimas de violência doméstica não apresentaram
guarda-chuva em seus protocolos. Este resultado também converge com o de Barilari et al.
(2000) e o de Girardi & Pool (2005, apud Pool, 2006), onde a ausência de guarda-chuva foi
mais freqüente no grupo de crianças vitimizadas e discriminou os grupos estudados.
No grupo de escolares (N=371) do estudo preliminar de padronização (Vagostello et
al., 2006), a presença de guarda-chuva ocorreu em 52,6% dos protocolos e a ausência em
47,4%.
O guarda-chuva é uma variável sensível ao desenvolvimento, segundo o teste de
desenvolvimento de Fay (Costa, 1957). No grupo de escolares (N=371) do estudo preliminar
de padronização (Vagostello et al., 2006), a presença de guarda-chuva foi menor em crianças
de 6 anos (30,9%), aumentou aos 7 anos (58,5%) e atingiu o ápice aos 8 anos (75%). Aos 9
anos de idade, essa porcentagem decresceu (53,7%) e caiu mais ainda aos 10 anos de idade
(46,6%).
Vale lembrar que nos países com tradição no uso da técnica da Pessoa na Chuva,
Argentina, Uruguai, Peru e Chile, a ausência de guarda-chuva é observada em número
crescente em adolescentes e, essa tendência, é atribuída à intervenção de influências culturais
que modificam hábitos e comportamentos sociais. Essa hipótese deve ser investigada, pois em
nosso grupo (N=371), a queda na freqüência de guarda-chuva ocorreu a partir dos 9 anos e se
intensificou no grupo de crianças de 10 anos, idade que já pode ser considerada pré-
adolescência.
128
Essa discussão baseia-se exclusivamente na experiência dos profissionais, uma vez
que não existem publicações que a fundamente ou estudos normativos que indiquem a
distribuição da freqüência de guarda-chuva na população adolescente e adulta.
O único estudo publicado com a técnica da Pessoa na Chuva no Brasil foi o de Cunha
e Vasconcelos (1987), com adolescentes infratores, no qual a ausência de guarda-chuva foi
interpretada como uma resposta socialmente pouco adaptada diante de situações ambientais.
Não podemos esquecer que o estudo foi publicado há duas décadas e que, se a ausência de
guarda-chuva for sensível às modificações de hábitos sociais, essa interpretação deve ser
revista à luz de estudos atuais.
Os resultados do presente estudo confirmaram três características gráficas da Pessoa
na Chuva que discriminaram o grupo de crianças vítimas de violência doméstica do grupo de
controle: ausência de detalhes, chuva setorizada e ausência de guarda-chuva. No primeiro
caso (ausência de detalhes) houve convergência com o trabalho de Barilari et al. (2000) e nos
outros (chuva setorizada e ausência de guarda-chuva), com os de Barilari et al., (2000) e os de
Girardi e Pool (2005), os dois únicos encontrados na literatura, sobre esse tema.
Essas três características (ausência de detalhes, ausência de guarda-chuva e Chuva
setorizada) não são exclusivas de crianças vitmizadas, mas nosso estudo indica que elas estão
presentes, com maior freqüência, nesse tipo de grupo, nessa amostra.
A despeito das diferenças individuais, a experiência de vitimização produz efeitos
psicológicos na organização defensiva do indivíduo e, consequentemente, na sua maneira de
se relacionar com a realidade interna e externa. Oferecer para uma criança vítima de violência
um instrumento projetivo que se mostra sensível às experiências perturbadoras pode permitir
um reencontro seguro com experiência abusiva, trazendo à luz sentimentos, desejos e
fantasias latentes e facilitar um trabalho interventivo de elaboração do trauma.
129
A realização de estudos clínicos, qualitativos, com a técnica da Pessoa na Chuva, é
fundamental para explorar as potencialidades compreensivas e interventivas dessa técnica
com essas crianças.
130
CAPÍTULO V
A PESSOA NA CHUVA: ILUSTRAÇÃO DE CASOS
No presente trabalho, apresentamos um estudo quantitativo, com a técnica projetiva da
Pessoa na Chuva, em crianças vítimas de violência doméstica, trazendo para o Brasil a
contribuição de mais um instrumento para o trabalho do psicólogo clínico.
Optamos por inserir neste capítulo duas ilustrações clínicas do uso do instrumento,
para exemplificar como, por meio dele, crianças vítimas de violência doméstica podem,
individualmente, expressar suas experiências. A abordagem dos desenhos será meramente
ilustrativa, não se configurando em estudos de caso completos, uma vez que decidimos não
inserir outros procedimentos, como sessões lúdicas ou, ainda, outros materiais projetivos.
Destacamos que este trabalho privilegia o estudo do uso da técnica da Pessoa na
Chuva em dois grupos de crianças – vitimizadas e sem queixas de vitimização – de maneira
generalizada, como vimos mostrando nos capítulos anteriores. Já as ilustrações, que compõem
o presente capítulo, enfocam o caso, individualmente, procurando a compreensão do drama
que se desenrola em cada criança.
Assim, a inserção do presente capítulo foi feita de forma a mostrar a possibilidade de
integração de duas facetas da nossa identidade profissional, ou seja, a de pesquisadora que
realiza um trabalho científico, e a de clínica, na Vara de Infância e Juventude, no exercício da
profissão. Com isso, buscamos contemplar a complementariedade dos estudos quantitativos e
qualitativos, ressaltando que a pesquisa quantitativa fundamenta o trabalho clínico e traz
elementos importantes para o psicólogo em seu contato com o caso particular.
131
A seguir, mostramos um breve histórico das crianças - uma do sexo feminino e outra
do sexo masculino, vítimas de violência física e abuso sexual –, os seus respectivos desenhos
e um breve comentário sobre cada desenho. Todos os nomes usados são fictícios.
Criança 1 – Violência física
Natureza do caso
Violência física e negligência praticada pela mãe da criança, usuária de etílicos.
Negligência paterna.
Vítima
Claudia, sexo feminino, 8 anos.
Agressor
Joana (mãe)
Composição Familiar
Claudia reside com os pais, com o irmão mais novo e outros dois irmãos paternos
adolescentes (um casal). Também possui outra irmã paterna, casada, que não reside com a
família.
Histórico da violência
Joana era solteira quando conheceu o marido, viúvo, no interior de Minas Gerais.
Logo se casaram e Joana passou a conviver com os três filhos adolescentes do marido, com
quem, desde o início, manteve relacionamento conflituoso.
132
Joana foi denunciada na Vara de Infância e Juventude por alcoolismo e maus-tratos
físicos pela enteada mais velha. Joana agredia verbal e fisicamente os três filhos do marido,
que, por sua vez, nada fazia. O marido não apoiava a conduta da esposa, porém nada fazia
para proteger os filhos.
Joana e o marido tiveram um casal de filhos e, com o passar do tempo, os enteados
tornaram-se independentes. Sua dependência de álcool intensificou-se. Passou a agredir
fisicamente os próprios filhos, sobretudo Claudia, a filha mais velha.
O marido de Joana também era alvo das agressões da esposa, mas era incapaz de
proteger os filhos. Quando o marido tentava impor-lhe algum limite, Joana ameaçava deixar a
família, e o marido, passivamente, cedia aos seus apelos.
Características do agressor
Joana não conseguia mais cuidar dos filhos e das atividades domésticas, que eram
delegadas à filha Claudia. A menina e seu irmão faltavam freqüentemente às aulas, porque a
mãe não era capaz de acordar cedo para chamá-los, o que levou a menina a acordar sozinha
para ir à escola com seu irmão. No período da tarde, as crianças eram obrigadas a comprar
bebida alcoólica para a mãe, que, quando embriagada, os agredia fisicamente.
Foram realizados vários encaminhamentos para tratamento médico, psicoterapia e
grupos de apoio, mas Joana iniciou o tratamento somente quando os filhos estavam na
iminência de serem encaminhados a um abrigo. Passou por períodos de adesão ao tratamento,
alternados com recaídas, mas melhorou o comportamento em relação aos filhos, marido e
enteados.
Após alguns meses de tratamento, faleceu subitamente, em decorrência de um ataque
cardíaco.
133
A criança na época da aplicação do instrumento
A criança apresentava dificuldades de aprendizagem. Seu olhar era triste e seu
comportamento, passivo. Ao contrário dos irmãos paternos, Claudia não enfrentava a mãe e
assumia as responsabilidades domésticas.
Ilustração 1 - Desenho da Pessoa na Chuva (participante nº 17)
Descrição
Claudia desenhou uma figura humana do sexo feminino, chuva, raios, “trovões” (sic)
e, no chão, “matinho” (sic).
134
Comentários Gerais
Na inspeção global do material de Claudia, o que mais chama a atenção é a expressão
triste e infeliz da menina, que se encontra submetida a um ambiente carregado de tensão,
contra o qual parece indefesa. A expressão facial e o olhar da pessoa desenhada reproduzem
com fidelidade o tom emocional predominanante em Claudia, que demonstra tristeza até
mesmo quando sorri.
As gotas de água que escorrem pelo rosto e pelo corpo da figura humana assemelham-
se a lágrimas, como se estivesse chorando pelo rosto e pelo próprio corpo vitimizado, o que
sugere expressar um sofrimento emocional e físico. É interessante notar que o desenho
apresenta um traçado uniforme e firme em praticamente toda a figura humana (cabeça e
membros), mas se modifica no corpo (tronco), onde se torna visivelmente trêmulo,
sinalizando para alguma tensão em relação ao próprio corpo, que é alvo de ataque físico.
Dos indicadores gráficos associados à violência doméstica, verificamos a ausência de
guarda-chuva.
A chuva torrencial, com presença de grandes raios, indica um ambiente muito tenso
ou, como diz Hammer (1991, p.301), “sob as mais pesadas condições ambientais de tensão”.
A figura humana, sem nenhuma proteção, sugere desamparo da criança em um ambiente
familiar conturbado, com uma figura materna dominadora e uma figura paterna enfraquecida
e não protetora.
O desenho da figura humana apresenta-se bem organizado, integrado e evoluído, do
ponto de vista gráfico, para a sua faixa etária, o que sugere que a criança possui bons recursos
maturacionais e que sua dificuldade de aprendizagem associa-se a tensões emocionais e
preocupações originadas no ambiente familiar.
135
Criança 2 – Abuso Sexual
Natureza do caso
Violência sexual e negligência em família substituta.
Abandono materno.
Vítima
Bruno, sexo masculino, 8 anos.
Agressor
Não sabemos exatamente desde quando e por quanto tempo Bruno sofreu abuso sexual
e quem o praticou. Tudo indica que a vitimização foi precoce, praticada por homem, em sua
primeira família substituta.
Composição Familiar
Bruno reside, desde os 6 anos de idade, com um casal guardião e seus dois filhos. O
irmão mais velho de Bruno reside com essa família desde pequeno.
Histórico da violência
Sabemos que a mãe biológica de Bruno é traficante e o abandonou aos nove meses de
vida, na residência de uma colega, alegando que voltaria logo, e nunca retornou. A criança
permaneceu por cerca de três anos com essa mulher que, quando engravidou do primeiro
filho, entregou-o para outra pessoa, porque sua gravidez era de risco.
Essa pessoa, por sua vez, entregou-o, aos cinco anos de idade, a uma outra mulher,
que já cuidava do irmão mais velho de Bruno.
136
Não se sabe exatamente o que ocorreu quando Bruno conviveu com a primeira família
substituta, mas a criança lembra-se que um homem, daquela família, introduzia o pênis em
seu ânus. A criança não lembra quem era essa pessoa, apenas que era um homem.
Bruno, aos cinco anos de idade, passou a conviver com o irmão mais velho e com a
atual família substituta.
Apesar do encaminhamento da criança para um serviço especializado no atendimento
de vítimas de abuso sexual, a guardiã não conseguiu lidar com o comportamento de Bruno e
com suas demandas sexuais e solicitou a sua inserção em instituição de abrigo.
A criança na época de aplicação do instrumento
Bruno apresentava comportamento agressivo com outras crianças e tentou incendiar a
casa da guardiã. Costumava acordar durante a madrugada e ingerir tudo o que encontrava na
geladeira, o que lhe provocava reações alérgicas.
Masturbava-se compulsivamente (geralmente com o dedo no ânus), chegava em casa
com a calça manchada de sêmen, após relações anais com garotos mais velhos (o exame de
corpo de delito constatou que ele mantém atividade sexual anal, porém sem lesões que
caracterizem resistência por parte da criança). Foi flagrado em diferentes condutas sexuais
com o cachorro: carícias nos genitais, tentativa de penetração anal e tentativa de inserção de
um cabo de vassoura no ânus do animal.
Logo após a aplicação da Pessoa na Chuva, a criança foi inserida em instituição de
abrigo, onde passou a receber acompanhamento em um serviço especializado para
atendimento de vítimas de violência sexual.
137
Ilustração 2. Desenho da Pessoa na Chuva (participante nº 21)
Descrição do desenho
Desenho de uma figura humana do sexo masculino, com nuvens e chuva dirigida para
a pessoa (setorizada). Abaixo da figura humana há a representação de “grama” (sic).
Comentários gerais
De modo geral, a “gestalt” do desenho de Bruno, mostra qualidade gráfica regredida,
muito aquém do esperado para uma criança de oito anos de idade. Essas características não
138
condizem com os satisfatórios recursos cognitivos da criança, observados durante os vários
contatos estabelecidos com ela.
O desenho da figura humana é pouco integrado e incompleto, pela ausência de
detalhes essenciais (mãos e pés). O empobrecimento da representação da pessoa sugere
autodesvalorização e a escassez de recursos egóicos para lidar com demandas instintivas, o
que dificulta a capacidade de estabelecer laços afetivos. Sugere, ainda, o aviltamento do seu
corpo, que, usado precocemente como objeto de prazer do outro, hoje se oferece,
espontaneamente, como objeto a terceiros; do mesmo modo como foi manipulado, usa outro
ser “manipulável” (o cachorro) como objeto de descarga de suas demandas sexuais e
agressivas, reproduzindo com o outro a própria experiência abusiva.
O desenho não apresenta características sexuais secundárias que identifiquem com
clareza o sexo da figura humana, o que pode sugerir alguma confusão na identidade da
criança. A experiência de ter sido objeto de prazer de um homem e o desejo de buscar
satisfação em outros meninos podem intensificar essa confusão.
Com relação às características gráficas encontradas por este estudo como associadas à
violência doméstica, observamos a ausência de guarda-chuva e chuva setorizada, que insinua
a presença de uma situação desfavorável que atinge, ou pode ter atingido, diretamente a
criança.
A figura humana, lançada ao ar no meio da folha, sem guarda-chuva ou nenhuma
outra forma de proteção, sugere sentimentos de desproteção e desamparo de quem foi lançado
ao mundo, abandonado. O rosto da pessoa traz uma expressão explicitamente carregada de
tristeza, infelicidade e sofrimento.
139
Considerações
A apresentação ilustrativa de ambos os desenhos contribui para conhecermos como a
criança, em sua singularidade, pode explorar o instrumento da Pessoa na Chuva e comunicar,
de múltiplas maneiras, como vivencia a dolorosa experiência de violência.
Observamos que, nas ilustrações mostradas, o desenho da Pessoa na Chuva trouxe
elementos explícitos de sofrimento e, em ambos os casos, pelo menos uma das características
gráficas que discriminaram o grupo experimental esteve presente. Conhecendo a triste história
de vida dessas crianças, é possível observar como cada uma delas explicita as suas vivências
de vitimização.
Para uma criança que já teve seu corpo algumas vezes violado, tanto pela experiência
da vitimização, quanto pelo exame de corpo de delito, a entrevista com um psicólogo, no
contexto da Justiça, pode representar mais uma violação: a invasão da intimidade.
Considerando que a atividade do psicólogo, fundamentalmente, consiste em aproximar-se do
sofrimento humano, esse instrumento projetivo pode auxiliar no contato inicial com crianças
vitimizadas, que podem começar a falar sobre suas experiências de forma mais espontânea e
menos dolorosa.
140
CAPÍTULO VI
REFLEXÕES
O presente estudo foi realizado com o cuidado e o rigor necessários para apresentação
de uma técnica, visando trazer uma contribuição inédita, original: o desenho da Pessoa na
Chuva. Por outro lado, buscou-se fornecer subsídios científicos para a reflexão e a prática
profissional do psicólogo judiciário, em especial, aquele que se dedica ao atendimento de
crianças vitimizadas. Trata-se de uma pesquisa quantitativa, que utilizou o método estatístico-
experimental para fundamentar uma prática clínica, pois acreditamos que, para abordar o
fenômeno da violência, o psicólogo que trabalha no Judiciário precisa, em primeiro lugar,
aproximar-se da pessoa em condição de sofrimento.
O fato de o desenho da Pessoa na Chuva apresentar a figura humana como um dos
seus componentes é interessante, porque, conforme já comentamos, é o tema preferido por
crianças, em seus desenhos, e porque permite conhecer como expressam a própria imagem
corporal, como se reconhecem e como reconhecem o outro. O corpo é o principal instrumento
de relação do eu com a realidade, com o outro, é o templo da intimidade física e emocional do
indivíduo que, quando atacado, invadido, violado, produz um impacto psicológico que
modifica a maneira de perceber o mundo e de se relacionar com ele.
No trabalho cotidiano dos psicólogos em Varas de Infância e Juventude, uma das
atividades mais realizadas é a verificação de denúncias de violência contra a criança. Romper
a barreira do silêncio em relação ao abuso doméstico é uma tarefa difícil, seja porque a
criança é muito pequena, seja pela dificuldade de falar sobre experiências tão dolorosas.
Nesses momentos, o uso do desenho é um recurso muito empregado, juntamente com outros
procedimentos.
141
É para o trabalho cotidiano do psicólogo judiciário que procuramos trazer a
contribuição da técnica da Pessoa na Chuva, como instrumento auxiliar nesse processo, que,
dentro de uma relação de confiança recíproca entre criança e psicólogo, pode favorecer a
revelação explícita e direta de experiências ruins e secretas de abuso, como as relatadas no
“caso Nina” (Pinto Junior & Koehler, 2000).
Aiello-Vaisberg (1997, 2003) considera que o uso de uma técnica projetiva pode ser
vivido como um acontecimento lúdico, como uma “forma sofisticada de brincar”, tanto para o
profissional que propõe a “brincadeira”, quanto para quem a recebe e a aceita. A ludicidade
dessa interação é relaxante, ameniza a angústia e favorece a comunicação. E foi assim,
mergulhada na experiência lúdica com o psicólogo, que Nina, uma criança de oito anos de
idade, utilizou o momento de realização de técnicas projetivas para denunciar, verbalmente, o
abuso sexual cometido pelos tios paternos, além de atos de violência física, psicológica e
negligência, praticados pelos próprios pais (Pinto Junior & Koehler, 2000).
Por acreditarmos no potencial revelador das técnicas projetivas, consideramos o seu
uso promissor também na atividade de acompanhamento de crianças vítimas de violência nas
Varas de Infância e Juventude. A compreensão do significado emocional que a experiência de
vitimização assume para cada criança possibilita melhor planejamento da intervenção, na
medida em que o encaminhamento do psicólogo judiciário aos recursos da comunidade
(quando e se existirem) pode ser mais adequado a necessidades específicas.
Com alguma freqüência, ouvimos que a atividade do psicólogo judiciário não é, e nem
pode ser, clínica. Entretanto, como um psicólogo que trabalha com o sofrimento decorrente de
experiências traumáticas pode intervir sem o olhar, a escuta e o conhecimento clinicamente
orientados para a compreensão do outro? Afinal, o que seria a clínica na atividade do
psicólogo institucional?
142
A clínica pode ser definida como o ofício do encontro ou, conforme palavras de Aiello
Vaisberg, Machado e Ambrosio (2003, p.11), o “encontro inter-humano”. Uma criança
vitimizada dificilmente revela o sofrimento, mantido em segredo, quando não encontra
alguém acolhedor e merecedor da sua confiança. Nesse sentido, entendemos que toda prática
psicológica que favoreça o encontro intersubjetivo, abrindo espaço para acolhimento e
compreensão do outro, é uma prática clínica.
Consideramos que os objetivos deste trabalho foram cumpridos, na medida em que
apresentou para a comunidade um instrumento praticamente desconhecido no Brasil e
verificou como um grupo muito específico – o de crianças vitimizadas – tende a responder a
ele. Este trabalho chega, agora, ao seu termo gerando outras indagações.
Esperamos que profissionais, estudantes de Psicologia e jovens psicólogos sejam
instigados pela curiosidade de estudar o uso desse instrumento nos mais variados contextos.
Será, por exemplo, que crianças vitimizadas de outras regiões do Brasil apresentam resultados
semelhantes aos dessas crianças da periferia de São Paulo? Como seria a distribuição das
características gráficas chuva e guarda-chuva em adolescentes e adultos? Será que ausência de
guarda-chuva é uma variável sensível a mudanças de hábitos sociais dentro de uma cultura?
Será que, em regiões brasileiras mais quentes e áridas, a ausência de guarda-chuva é maior do
que nas regiões sul e sudeste?
No aspecto quantitativo, um grupo de pesquisadores, do qual fazemos parte,
empreende um projeto de estudo do desenho da Pessoa na Chuva em larga escala na cidade de
São Paulo. Pretendemos que o presente trabalho seja ampliado para colaborar com estudos de
validação da técnica.
Pretendemos também explorar suas potencialidades clínicas, utilizando-o como
estímulo aperceptivo para a produção de uma estória, após a realização da atividade gráfica. A
obtenção de um material projetivo temático adicional, a exemplo do Procedimento de
143
Desenhos-Estórias Temáticos (Trinca, 1997; Aiello-Vaisberg, 1997; Tardivo, 2004),
possivelmente enriqueceria as suas contribuições no processo psicodiagnóstico. Nas duas
ilustrações apresentadas no capítulo V, por exemplo, a produção de uma estória poderia
permitir a exploração da tristeza expressa nas figuras humanas, de maneira pouco invasiva e,
com isso, favorecer a aproximação entre profissional e criança.
Como refere Tardivo (2004), o trabalho científico cumpre os seus objetivos, quando o
seu final se torna um ponto de partida. Esperamos que o presente trabalho se ofereça como
início de pesquisas com a técnica da Pessoa na Chuva e que esse instrumento proporcione
contribuições fecundas para a atuação profissional do psicólogo clínico.
144
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159
ANEXO A
DESENHOS DOS PARTICIPANTES DO GRUPO EXPERIMENTAL
Participante 1
Participante 2
160
Participante 3
Participante 4
161
Participante 5
Participante 6
162
Participante 7
Participante 8
163
Participante 9
Participante 10
164
Participante 11
Participante 12
165
Participante 13
Participante 14
166
Participante 15
Participante 16
167
Participante 17
Participante 18
168
Participante 19
Participante 20
169
Participante 21
Participante 22
170
Participante 23
Participante 24
171
Participante 26
Participante 26
172
Participante 27
Participante 28
173
Participante 29
Participante 30
174
Participante 31
Participante 32
175
Participante 33
Participante 34
176
Participante 35
Participante 36
177
Participante 37
Participante 38
178
Participante 39
Participante 40
179
180
ANEXO B
TERMOS DE CONSENTIMENTO
181
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO *
(DIREÇÃO/ COORDENAÇÃO DE ESCOLAS)
1 - DADOS SOBRE A PESQUISA:
Essa pesquisa será desenvolvida pela psicóloga Lucilena Vagostello (CRP 06/34206-2), aluna regular
do programa de pós-graduação em Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo.
Para isso solicitamos sua colaboração e fazemos os seguintes esclarecimentos:
1 – O objetivo da pesquisa é o estudo de um teste psicológico com crianças de São Paulo, o
“Desenho da Pessoa na Chuva”.
2 – Para a realização do teste, a criança realizará o desenho de uma pessoa na chuva. O material
(papel, lápis e borracha) será fornecido pelo pesquisador.
3 – Os pais e/ou responsáveis serão informados sobre a pesquisa em reunião de pais, realizadas na
escola, e aqueles que concordarem com a participação dos filhos assinarão o termo de
consentimento.
4 - Será garantido o anonimato nessa participação (com os dados pessoais dos pais, das crianças / e
da Escola) estando ciente de que a pesquisa tem finalidades acadêmicas e científicas. Os resultados
do trabalho poderão ser apresentados em eventos e publicações científicas (artigos, livros, outros),
assegurando o anonimato dos participantes.
5 -A participação da criança não constitui risco a quem participe, sendo na verdade uma contribuição
efetiva para o estudo.
.
6 – O senhor (a) tem o direito de conhecer o estudo
7 – O senhor (a) poderá entrar em contato com o pesquisador responsável, sempre que julgar
necessário pelo telefone (11) 9630-5042.
.
2 – AUTORIZAÇÃO
Após os esclarecimentos dos objetivos e dos procedimentos da presente pesquisa, tendo
garantida a não identificação da criança e da escola manifesto meu consentimento e apoio
Nome do responsável (Diretor da Unidade).........................................................................
(R.G.) ..................................................................................................
3 - PESQUISADORA RESPONSÁVEL:
Lucilena Vagostello
R.G 14309673
CRP: 06/34206-2
182
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO *
(PAIS E/OU RESPONSÁVEIS )
1 - DADOS SOBRE A PESQUISA:
Essa pesquisa será desenvolvida pela psicóloga Lucilena Vagostello (CRP 06/34206-2), aluna regular
do programa de pós-graduação em Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo.
Para isso solicitamos sua colaboração e fazemos os seguintes esclarecimentos:
1 – O objetivo da pesquisa é o estudo de um teste psicológico com crianças de São Paulo, o
“Desenho da Pessoa na Chuva”.
2 – Para a realização do teste, a criança realizará o desenho de uma pessoa na chuva. O material
(papel, lápis e borracha) será fornecido pelo pesquisador.
3 - Será garantido o anonimato nessa participação (com os dados pessoais dos pais, das crianças,
local desta Vara de Infância) estando ciente de que a pesquisa tem finalidades acadêmicas e
científicas.
4 -A participação da criança não constitui risco a quem participe, sendo na verdade uma contribuição
efetiva para o estudo. Os resultados do trabalho poderão ser apresentados em eventos e publicações
científicas (artigos, livros, outros), assegurando o anonimato dos participantes.
.
5 – O senhor (a) tem o direito de conhecer o estudo
6 – O senhor (a) poderá entrar em contato com o pesquisador responsável, sempre que julgar
necessário pelo telefone (11) 9630-5042.
2 – AUTORIZAÇÃO
Após os esclarecimentos dos objetivos e dos procedimentos da presente pesquisa, tendo
garantida a não identificação da criança e da escola manifesto meu consentimento e apoio
Nome do responsável pela criança.........................................................................
(R.G.) ..................................................................................................
3 - PESQUISADORA RESPONSÁVEL:
Lucilena Vagostello
R.G 14309673
CRP: 06/34206-2
183
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO *
(PAIS E/OU RESPONSÁVEIS)
1 - DADOS SOBRE A PESQUISA:
Essa pesquisa será desenvolvida pela psicóloga Lucilena Vagostello (CRP 06/34206-2), aluna regular
do programa de pós-graduação em Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo.
Para isso solicitamos sua colaboração e fazemos os seguintes esclarecimentos:
1 – O objetivo da pesquisa é o estudo de um teste psicológico com crianças de São Paulo, o
“Desenho da Pessoa na Chuva”.
2 – Para a realização do teste, a criança realizará o desenho de uma pessoa na chuva. O material
(papel, lápis e borracha) será fornecido pelo pesquisador.
3 - Será garantido o anonimato nessa participação (com os dados pessoais dos pais, das crianças,
local desta Vara de Infância) estando ciente de que a pesquisa tem finalidades acadêmicas e
científicas.
4 -A participação da criança não constitui risco a quem participe, sendo na verdade uma contribuição
efetiva para o estudo. Os resultados do trabalho poderão ser apresentados em eventos e publicações
científicas (artigos, livros, outros) de caráter exclusivamente científico, assegurando o anonimato dos
participantes.
.
5 – O senhor (a) tem o direito de conhecer o estudo.
6 – O senhor (a) poderá entrar em contato com o pesquisador responsável, sempre que julgar
necessário nesta Vara de Infância e Juventude.
2 – AUTORIZAÇÃO
Após os esclarecimentos dos objetivos e dos procedimentos da presente pesquisa, tendo
garantida a não identificação da criança manifesto meu consentimento e apoio
Nome do responsável pela criança.........................................................................
(R.G.) ..................................................................................................
3 - PESQUISADORA RESPONSÁVEL:
Lucilena Vagostello
R.G 14309673
CRP: 06/34206-2
184
ANEXO C
CORRELAÇÃO ENTRE OS JUÍZES
185
CORRELAÇÕES ENTRE JUÍZES
Tabela 1. Correlações entre as avaliações dos juizes em relação a presença ou ausência de cada
uma das características dos desenhos para a amostra total (N=82)
Características
Juiz 1
Juiz 2
Juiz 1
Juiz 3
Juiz 2
Juiz 3
1. Dimensão do Desenho (Figura Humana)
Pequeno 0,907** 0,900** 0,938**
2. Mãos
Presença de Mãos 0,674** 0,820** 0,702**
3. Pés
Presença de Pés 0,968** 0,969** 0,938**
4. Chuva
Presença de Chuva 0,999** 0,703** 0,703**
Como lágrimas 0,815** 0,970** 0,843**
Raios 0,915** 0,944** 0,971**
Chuva setorizada (pessoa) 0,917** 0,875** 0,868**
5. Guarda Chuva
Presença de Guarda Chuva 0,999** 0,976** 0,976**
6. Complementos
Presença de Complementos 0,912** 0,875** 0,959**
** Significantes a 0,01
Tabela 2. Freqüência dos itens para cada juiz
Característica Juiz 1 Juiz 2 Juiz 3
N % N % N %
1. Dimensão do Desenho
Pequeno 63 76,8 60 73,2 62 75,6
2. Mãos
Presença de Mãos 50 61,0 47 57,3 53 64,6
3. Pés
Presença de Pés 61 74,4 62 75,6 60 73,2
4. Chuva
Presença de Chuva 81 98,8 81 98,8 80 97,6
Como lágrimas 23 28,0 21 25,6 22 26,8
Raios 26 31,7 25 30,5 24 29,3
Chuva setorizada (pessoa) 15 18,3 13 15,9 14 17,1
5. Guarda Chuva
Presença de Guarda Chuva 40 48,8 40 48,8 39 47,6
6. Complementos
Presença de Complementos 70 85,4 68 82,9 67 81,7
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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