Resumo
Esta pesquisa pretende analisar a linguagem utilizada para construir a aparência de atores
e personagens no âmbito de espetáculos, a qual denominamos caracterização visual de atores,
bem como dimensionar sua importância na edificação dos significados de uma dada obra artística.
A expressão caracterização visual refere-se, mais especificamente, aos relacionamentos
expressivos entre cores, formas, volumes e linhas que, de diferentes maneiras, materializam os
figurinos, as maquiagens, os penteados e os adereços, visando traduzir, em matéria plástica
sensível, a aparência geral, ou seja, a caracterização de um ator, numa cena espetacular.
Atualmente, nota-se, em espetáculos veiculados por diferentes meios, uma forma peculiar
de conceber a construção da aparência de atores, que difere da mera função de referência
usualmente apresentada pela concepção do figurino de uma obra, que, em geral, é tomado como
parte acessória da representação. O trabalho de realização de um figurino é decorrente de um
desenho mimético e referencial, que antecede o espetáculo em que se insere o ator, como é o
caso dos figurinos que retratam determinada época, por exemplo.
Neste trabalho, pretendemos refletir sobre o processo de complexidade pelo qual tem
passado a linguagem que denominamos caracterização visual de atores para, enfim, entender seu
campo conceitual e propor a existência de um outro modo de constituir essa linguagem,
conceituado como design de aparência de atores, em que o figurino é, apenas, um elemento
parcial.
A caracterização visual, como uma linguagem, pode ser organizada segundo os modos
figurino ou design de aparência. As concepções de Giulio Carlo Argan sobre as diferenças
existentes entre as noções de projeto e programa, bem como as proposições de Régis Debray a
respeito dos distintos modos de se organizar uma informação foram decisivas para que
pudéssemos formular a conceituação de design de aparência e assinalar as divergências entre
esse modo de caracterizar atores e um trabalho de figurino.
Por um mecanismo metonímico do pensamento, o senso comum costuma usar o termo
figurino apenas para se referir à aparência geral de um ator, ignorando a importância dos demais
componentes para a construção da imagem cênica. Os conceitos elaborados pelos semioticistas
da Escola de Tártu-Moscou apresentam as perspectivas teóricas necessárias para podermos
compreender a aparência de atores em espetáculos como um sistema aberto, constituído por
diálogos entre inúmeros sistemas modelizantes.
Assim, podemos dizer que a aparência de um ator é um texto cultural, resultante de um
complexo imbricamento de linguagens e que somente em meio a essa complexidade pode ser
entendido. Um espetáculo artístico é uma obra sistêmica, um feixe de relações, no qual inúmeras
linguagens atuam para a construção de um produto final. Não é possível isolar apenas uma das
linguagens constitutivas de uma obra para compreendê-la, pois é necessário fazer, sempre, uma
leitura relacional e, sobretudo, comunicante ou mediativa com o repertório de inferências que
poderá ser construído pelo receptor.
As análises realizadas buscam compreender como as imagens criadas pelo design de
aparência de atores constroem as espacialidades de uma cena artística. Para tanto, trabalhamos
com o seguinte corpus analítico: a peça Os sete gatinhos de Nelson Rodrigues, dirigida por
Antunes Filho, em 1989; a microssérie Hoje é dia de Maria, dirigida por Luiz Fernando Carvalho,
produzida pela Rede Globo de televisão, em 2005; três imagens criadas pela fotógrafa norte
americana Cindy Sherman.
Palavras-chave: design de aparência; figurino; caracterização; espacialidade.