109
Nordeste e compositor de canções com os ritmos típicos de
sua região de origem;o elenco era completado por uma can-
tora branca, Nara Leão, nascida na alta classe média, com
educação, gostos e informação sofisticados.
A importância de Nara na vertente participante da nova
música popular brasileira,nos anos 60,não deve ser subestima-
da. Dona de um fio de voz, em contraste com a voz poderosa
das cantoras tradicionais,ele aprendera a cantar com os primei-
ros bossanovistas, em especial o mestre de todos eles, João
Gilberto. Tornou-se muito popular e o show Opinião foi, sem
dúvida, um marco na história da música popular brasileira.
Com o início da ditadura militar, em 1964,os teatros das
principais cidades brasileiras foram transformados em trin-
cheiras da resistência democrática – e os shows musicais
eram a sua vanguarda. Liberdade, Liberdade, montado no
Rio de Janeiro, no teatro que acabou batizado com o mesmo
nome de seu show de lançamento, Opinião, e Arena conta
Zumbi, em São Paulo, pelo Teatro de Arena, foram dois
eventos igualmente importantes. O compositor Geraldo
Va n d r é , q u e t i v e r a uma de suas canções,Caminhando, censu-
rada pelo governo militar, apresentava no seu show ao vivo
uma nova composição feita sobre os mesmos acordes da can-
ção proibida; o artista tocava seu violão mas calava, baixando
a cabeça, deixando que a própria platéia cantasse em coro, a
plenos pulmões, a letra de Caminhando.
A supressão das liberdades democráticas, pelo regime
autoritário, manifesta abertamente na atividade da censura a
todas as formas de expressão, criava um clima de asfixia que
tornava vitalmente necessária a invenção de alguma maneira
de respirar. A música popular forneceu esse respiradouro.
Chico Buarque, em particular,sustentou um confronto
com a censura ditatorial durante praticamente toda sua car-
reira, do início até o momento da redemocratização do país,
já nos anos 90. Ele foi, sem dúvida, um dos mais censurados
artistas brasileiros, tanto como compositor quanto como
escritor e dramaturgo. Suas canções foram proibidas, suas
peças teatrais mutiladas. Para driblar a censura, foi inclusive
obrigado a criar um compositor popular chamado Julinho da
Adelaide, a quem atribuía seus sambas mais populares. Mas
deu ao poder ditatorial uma resposta incisiva em Apesar de
você, música que foi cantada por milhões de brasileiros em
todos os recantos do país, unidos pela esperança enunciada
na letra da canção de que “amanhã há de ser outro dia”...
Como o resto de sua geração de brilhantes compositores
(Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Edu
Lobo etc), Chico ficou nacionalmente conhecido através dos
festivais de música realizados no final da década dos 60.Com
A Banda, cantada por Nara Leão, ele ganhou o Festival da
Record, em São Paulo, e uma grande popularidade em todo
Brasil. É uma marchinha simples, delicada e poética,cuja pos-
sível referência ao protesto social é sutil demais. ... a minha
gente sofrida/ despediu-se da dor/ pra ver a banda passar/ cantando
coisas de amor... – dizia a letra.
Chico ganhou também o Festival Internacional da
Canção, no Rio de Janeiro, com Sabiá, uma belíssima canção,
feita em parceria com Antonio Carlos Jobim,que contudo foi
vaiada por razões políticas! A favorita do público era a
Caminhando, de Geraldo Vandré, considerada um protesto
mais frontal contra o poder militar. A torcida pelas canções
era apaixonada, ardente, insensata, como a do futebol.
A música popular sempre teve,através da História, uma
importância muito grande na vida brasileira. Cada uma de
suas diferentes manifestações capta, não só algum aspecto
essencial da própria alma do país,como também o espírito do
tempo em que foi criada. O momento de passagem e, em
seguida, o de convivência, da poética original da bossa nova e
do advento do compromisso político marcaram fortemente a
experiência da geração. Mas, com o passar dos anos, as dife-
renças se atenuaram, a oposição pareceu mais superficial do
que significativa, e os artistas das duas tendências se reencon-
traram em terreno comum – o rico e múltiplo universo da
música popular brasileira.
Luiz Carlos Maciel é do signo de Peixes com ascendente Gêmeos.
Sua natureza por assim dizer quádrupla, o leva a muitas atividades difer-
entes. É roteirista, jornalista, escritor, professor, diretor, ator e sabe-se lá
mais o quê. Já trabalhou em jornal, em teatro, em cinema, em televisão,
etc. Publicou vários livros, sendo os dois últimos Geração em Transe, em
que trata do Tropicalismo no cinema,no teatro e na música popular e As
Quatro Estações, em que traça sua trajetória intelectual nas últimas qua-
tro décadas.No momento,tem no prelo, pela editora Record,O Poder do
Clímax - Fundamentos do Roteiro para Cinema e TV, no qual tenta reg-
istrar no papel a metodologia dos cursos de roteiro que vem dando há
muitos anos.