O CAMPEONATO DO DIABO
O diabo reuniu as suas hostes e falou:
- Senhores e senhoras. Eu convoquei esta reunião porque estou muito preocupado com a
situação da humanidade. Como todos sabem, nossa missão é atormentar os humanos o mais
possível, até a vitória do MAL sobre o BEM. Nossa luta tem sido árdua. Na Idade Média,
especialmente com a Inquisição, quase vencemos. Mas veio o Renascimento e tivemos que recuar.
A civilização aprimorou-se e quase perdemos a luta. Voltaram a ser respeitados, nos principais
países do planeta, os valores éticos e morais, que são as maiores forças de nossos adversários. Não
desanimamos , porém, e no século XX faltou muito pouco para atingirmos nosso intento. O
momento culminante foi a aliança de nossos grandes agentes: Hitler e Stalin. Houve momentos de
quase desespero na comunidade do BEM. Aquela dupla parecia imbatível. Infelizmente fomos
traídos. O canalha mor, Stalin, que já havia demonstrado qualidades aparentemente insuperáveis,
exterminando milhões de seus próprios conterrâneos, abandonou a aliança. Soube-se que a razão
da atitude do Stalin foi um desprezo incoercível que ele sentia pelo Hitler. O desprezo decorria do
fato de o Hitler estar lhe parecendo um poltrão, assassinando apenas judeus, povos dominados,
mulheres, crianças, etc... Tudo pessoas indefesas, consideradas inimigos, sub-raças. O sagrado
povo germânico não era atingido. Foi preciso que tentassem matá-lo para que ele se virasse
também contra sua própria gente. Um fraco! Indigno, segundo Stalin, do título de paladino do
MAL que muitos lhe atribuíam. O destino entretanto nos foi adverso. Hitler foi derrotado e voltou
a esta casa por suas próprias mãos. Além disso, apesar de todos os nossos esforços em contrário, a
bomba atômica acabou ficando, primeiro, nas mãos de nossos inimigos. Foi uma decepção, mas
perseveramos e conseguimos afinal que agentes nossos vendessem o segredo aos russos. Com isso
o jogo ficou empatado durante muitos anos. Até a guerra, nosso clima preferido, passou a ser fria,
sem as deliciosas carnificinas que tanto apreciamos. Foram anos e anos de tédio, tão grande que
nossos irmãos soviéticos começaram a brigar entre si. O império que havíamos construído com
tanto carinho ruiu de repente. Foi difícil suportar o mau cheiro que exalava de toda aquela
podridão que ficou à mostra. Foi a vez de nossa comunidade ficar à beira do desespero. Eu mesmo
quase desanimei. Cheguei a chorar (lágrimas de fogo, naturalmente) quando testemunhei a alegria
de tantos humanos com a queda do muro de Berlim. Tivemos que reformular todo nosso
planejamento. Nada mais de lances espetaculares. Nossa estratégia passou a ser outra, inteiramente
diferente. A palavra de ordem passou a ser: Finjam-se de bons! Trabalhem em surdina, nunca
revelando seus verdadeiros intentos. O objetivo é destruir as próprias bases do BEM, ou seja, os
valores éticos e morais. E posso dizer, com incontrolável orgulho, que essa fórmula foi (modéstia à
parte) um toque de gênio. Estamos hoje muito próximos da vitória final. Parcelas imensas da
humanidade já estão corrompidas. O egoísmo impera. A violência, irmã dileta dele, está atingindo
níveis que pareciam antes inalcançáveis. O BEM, entretanto, insiste em sobreviver. São muitos os
seus partidários que, apesar de toda essa realidade, continuam lutando, impedindo nosso triunfo
total. A finalidade desta reunião é tentarmos identificar o melhor de nossos agentes para nele
concentrarmos o apoio de todos, até a vitória final. É uma espécie de campeonato. Examinaremos
as qualidades de todos e o que for considerado o mais eficiente será declarado CAMPEÃO. Para
conseguirmos chegar ao âmago de cada comportamento, teremos um "advogado do diabo" que
contestará os argumentos dos candidatos. Reconheço que essa expressão, "advogado do diabo",
não é muito adequada ao nosso caso. Mas vamos usá-la, à falta de outra melhor e por não
podermos, obviamente, pronunciar aqui o nome oposto ao meu. Que se apresente o primeiro
candidato.
- Eu represento os pivetes. Sou o mais jovem de seus agentes. Roubo bolsas, bicicletas,
jóias, tudo o que aparecer. Eventualmente até mato um velhinho aqui, uma velhinha ali, mas só
quando estou "doidão", por ter cheirado cola. Geralmente sou discreto, escolhendo minhas vítimas
com muito cuidado. Dou preferência a mulheres franzinas, crianças e velhinhos ou velhinhas.
Estes, quanto mais caquéticos melhor, estrebucham menos quando preciso sangrá-los. Seguindo