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MARIA TERESA GARRITANO DOURADO
MULHERES COMUNS, SENHORAS RESPEITÁVEIS:
A presença feminina na Guerra do Paraguai
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A meu pai, Capitão Aviador Caetano Garritano (In memoriam), que me ensinou,
enquanto voávamos, que o saber, como o horizonte, é infinito.
A minha mãe, Lindóia de Matos Garritano, força motriz de um sonho, que me
ensinou a nunca aceitar um não como resposta.
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SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS................................................................................4
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS.......Erro! Indicador não definido.
RESUMO ........................................................Erro! Indicador não definido.
ABSTRACT......................................................Erro! Indicador não definido.
INTRODUÇÃO.........................................................................................5
CAPÍTULO 1 RETRATOS INACABADOS.............................................9
1.1 Os silêncios historiográficos............................................................10
1.2 As muitas faces de Elisa Lynch.......................................................30
CAPÍTULO 2 PERFIS ESBOÇADOS....................................................43
2.1 Matriarcas ......................................................................................44
2.2 Patriotas .........................................................................................72
CAPÍTULO 3 HEROÍNAS NA GUERRA E NA VIDA COTIDIANA...91
3.1 Fugitivas .........................................................................................92
3.2 Viúvas e descendentes dos combatentes..........................................98
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................112
FONTES................................................................................................114
BIBLIOGRAFIA...................................................................................120
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Batalha do Avaí .......................................................................25
Figura 2: Batalha do Avaí (detalhe). .......................................................18
Figura 3: Mulher com Fuzil, retratada por Diógenes Hequet.. ...............27
Figura 4: Batalha do Avaí (detalhe: auto-retrato)...................................28
Figura 5: Pancha Garmendia..................................................................32
Figura 6: La Paraguaya...........................................................................37
Figura 7: Elisa Alicia Lynch quando jovem............................................40
Figura 8: Elisa Alicia Lynch....................................................................50
Figura 9: Relação das Familias da Provincia de Mato Grosso que se
achavão prizioneiras dos inimigos, e que sendo resgatadas receberão pelo
Consulado Brazileiro desta Republica os generos para seo vestuario, que
vão abaixo declaradas...............................................................................61
Figura 10: D. Rosa da Fonseca e seus filhos...........................................83
Figura 11: “Hospital de Sangue” em Tuyuty..........................................86
Figura 12: A presença da mulher no acampamento do 7º Batalhão de
Voluntários..............................................................................................88
Figura 13: Jovita Alves Feitosa ...............................................................94
INTRODUÇÃO
A história escrita do mundo é, em
larga medida, uma história de
guerras, porque o Estado em que
vivemos nasceu de conquistas,
guerras civis ou lutas pela
independência.
John Keegan, 1996.
As guerras, de um modo geral, sempre despertaram a minha atenção. Meu
interesse sobre esse assunto iniciou-se na infância, quando, junto com meu pai, capitão
aviador da Aeronáutica, lia livros e mais livros sobre a II Guerra Mundial, assistia a todos
os filmes sobre batalhas famosas e, algumas vezes voava, com ele nos velhos aviões da
Força Aérea Brasileira. O contexto familiar influenciou, sem dúvida, o surgimento de meu
interesse pela Guerra do Paraguai, pois a vida de um historiador não pode ser separada da
história que escreve. Na escola, essa tendência foi crescendo quando, fascinada, escutava
os professores contando as mais incríveis histórias dos povos do passado, e as aulas eram
como viagens por outros mundos e épocas: e eu viajava... e viajava...; na imaginação
infantil, tentava, de alguma forma, incluir-me no contexto histórico, mas não conseguia,
por não saber onde, já que as mulheres, com raras exceções, não apareciam na história
tradicional. Aquilo sempre me incomodou bastante e, ao tentar desnudar o passado,
imaginava o que teria acontecido com as mulheres que nunca apareciam. Este estudo
resultou de uma paixão, e de um desejo de contar uma história, mas não uma história
qualquer, e sim uma história de uma guerra em que fosse registrada a presença das
mulheres, em que fizesse sentido a importância de sua participação e presença. Mas, além
da paixão, o historiador, preocupado com o saber científico, precisa das fontes, dos
documentos necessários para elaborar uma dissertação, e nessa constatação reside um dos
múltiplos desafios que enfrentei ao longo da elaboração deste trabalho. Afinal, ele resulta
da insistência no propósito em desvendar uma época em que a história somente valorizava
os personagens masculinos, ofuscando a figura feminina, a qual desaparecia no cenário da
6
guerra. No entanto, apesar de tênues, os vestígios foram crescendo e se avolumando, a
partir dos relatos de Taunay, Palleja, Cerqueira, Pedro Américo, e Alcala, entre muitos
outros, que as viram e as anotaram.
De fato, não restam dúvidas de que, da Guerra do Paraguai, se conhece
razoavelmente a história militar, política e diplomática, mas se sabe muito pouco sobre a
história social e suas conseqüências. Desde Pero Vaz de Caminha, escrivão que redigiu a
famosa carta ao rei de Portugal comunicando-lhe o achamento da Nova Terra, no dia 26 de
abril de 1500, e que mencionava “...quatro ou cinco mulheres moças que não pareciam
mal”, já era possível constatar a forma como eram vistas as nossas mulheres. Esse fato, que
percorre um longo e árduo caminho, permite endossar a seguinte afirmativa: “...a história
das mulheres é uma história recente e que se ressente de um passado mal contado e que
cultivar a memória das mulheres é, sobretudo fazer justiça”.
1
A história da guerra
acompanha a história dos homens e eles sempre preencheram os espaços oficia is da
historiografia, nas caravelas, na Europa ou nas novas terras recém descobertas. Mas a
historiografia das últimas décadas favorece a história das mulheres, pois vem-se voltando
para os grupos excluídos da memória histórica, marginalizados do poder, sobre os quais
paira um sistemático esquecimento quanto à vida e o cotidiano ao longo da história. Em
busca do universo das mulheres durante os séculos que marcaram a exploração portuguesa
e européia, defrontamo-nos com essa face escondida ao tempo dos descobrimentos e nos
séculos seguintes. Quase nada se conhece sobre a presença feminina durante a guerra e,
principalmente, no período imediatamente pós-guerra. A situação da mulher era de quase
total invisibilidade, sendo ofuscada pelos homens que retinham o papel de personagens
principais e eram considerados dignos de interesse para a história. Mas ela vem ganhando
espaço significativo na historiografia brasileira; entretanto, as pesquisas ainda não
avançam em direção ao interior, no caso específico, a história da mulher em Mato Grosso,
no século XIX.
A proposta de estudo desta dissertação de mestrado, a situação da mulher na
Guerra do Paraguai, nas suas mais variadas possibilidades ou vertentes, ganha novos
contornos e desdobramentos, a partir do momento em que procuro fazer uma nova
abordagem e uma análise criteriosa dos acervos documentais, em migalhas e dispersos,
encontrados no Arquivo Histórico do Exército, no Arquivo Histórico do Itamaraty, na
1
SCHUMAHER, S.; BRAZIL, E. (Orgs.). Dicionário Mulheres do Brasil : de 1500 até a atualidade,
biográfico e ilustrado, p.9.
7
Biblioteca Nacional, na cidade do Rio de Janeiro, e no Arquivo do Tribunal de Justiça de
Mato Grosso do Sul, em Campo Grande, nos quais, basicamente, desenvolvi a minha
pesquisa. O objetivo principal do presente trabalho é, pois, penetrar no universo feminino,
tentando tornar visíveis as mulheres que estiveram envolvidas na Guerra do Paraguai e que
ficaram escondidas pelo tempo, pelo descaso e pelo preconceito. É também, questionar a
dimensão de exclusão a que estavam submetidas por um discurso masculino e tentar abrir
possibilidades na recuperação do segmento feminino para, com isso visualizar e discutir
outras temáticas, também relegadas ao esquecimento. As raras mulheres que foram vistas e
mencionadas pelos memorialistas, que tiveram direito a nomes e sobrenomes, destacavam-
se individualmente por serem casadas com homens que pertenciam à elite imperial, como,
por exemplo, Ana Néri, casada com um oficial da marinha; como Ludovina Portocarrero,
casada com o comandante do Forte de Coimbra e Dona Senhorinha, casada com o Guia
Lopes, imortalizado por Taunay em A Retirada da Laguna. Apresento, pois, questões que
merecem ser investigadas e analisadas com rigor científico. Efetuo uma leitura das fontes
historiografias repudiando o historicismo, tão presente na historiografia brasileira e mato-
grossense, enfatizando as contradições. Corro o risco dessas mulheres, acima citadas,
tornarem-se mais inacessíveis, mas ficarei satisfeita ao vê-las no mesmo espaço ocupados
pelas “Marias”, que aparecem sempre no coletivo, sem nome, sem rosto, enfim, sem lugar
na Memória e na História.
A dissertação está dividida em três capítulos, sendo o primeiro deles “Retratos
Inacabados”, dedicado aos silêncios historiográficos e às muitas faces de Elisa Alicia
Lynch. “Perfis Esboçados” é o título do segundo capítulo, onde analiso as matriarcas,
patriotas, andarilhas e vivandeiras. No terceiro capítulo, “Heroínas na Guerra e na Vida
Cotidiana”, enfoco as fugitivas e descendentes dos combatentes.
É preocupante que, a despeito da farta documentação existente sobre Mato
Grosso, parte dela inédita, ainda existam graves problemas na realização da investigação
histórica, sobretudo na área da História Social, sendo que os mais graves são: a
descontinuidade de informações e a falta de disposição para a pesquisa em arquivos que,
para muitos, são entediantes, empoeirados, vazios, alguns escuros e distantes de casa.
Contudo, a história precisa, muitas vezes, penetrar nesse mundo e dar vozes ao passado.
Eu, ao contrário da maioria dos historiadores atuais, assim como Leopold van Ranke, tenho
requintado prazer em mergulhar nas coleções de fontes primárias e nas pastas de arquivos
empoeiradas, as quais exercem sobre mim uma atração, assim como uma folha de alface
8
sobre um coelho
2
. O gosto pelos papéis velhos e amarelados, a sensação de aventura ao
descobrir documentos desconhecidos, de imaginar os cenários do passado, enfim, o fazer
história, tornou-se uma paixão, em que os arquivos são locais onde aprendi a procurar
respostas para minhas perguntas, e eles têm- se mostrados generosos, fazendo parte, hoje,
do meu universo de historiadora. Paixão e incentivo aprofundado através da leitura de
Philippe Ariès, que me guiou:
Costuma-se dizer que a árvore impede a visão da floresta, mas o tempo
maravilhoso da pesquisa é sempre aquele em que o historiador mal começa a
imaginar a visão de conjunto, enquanto a bruma que encobre os horizontes
longuínquos ainda não se dissipou totalmente, enquanto ele ainda não tomou
muita distância do detalhe dos documentos brutos, e estes ainda conservam todo
o seu frescor.
Aqui, compartilho com vocês, que têm o mesmo “paladar” pelo tema feminino,
algumas de minhas descobertas, esperando conseguir transmitir e, principalmente,
incentivar, o amor pela pesquisa. Minha investigação é, sem dúvida, pioneira, porque
privilegia silêncios historiográficos, representações e mitos. Exponho, portanto, os
resultados de abordagens iniciais, sustentando a hipótese de que, numa sociedade
dominada pelo poder masculino, os vestígios femininos desaparecem intencionalmente e
com grande facilidade.
Por último, mantive a ortografia de época na transcrição de trechos de
documentos, bem como o idioma espanhol.
2
GRAFTON, A., As origens trágicas da erudição, p.42.
CAPÍTULO 1
RETRATOS INACABADOS
10
1.1 OS SILÊNCIOS HISTORIOGRÁFICOS
As temáticas consideradas irrelevantes até há pouco tempo, como o amor, a paixão, o
corpo, o desejo, a loucura, a doença, entre outros, vêm despertando, principalmente nas duas
últimas décadas, um interesse cada vez maior por parte dos historiadores. Sob essa
perspectiva, a pesquisa sobre as mulheres tem-se firmado, cada vez mais, como um objeto
fundamental, na busca da compreensão do gênero humano.
De fato, a partir da década de 70, com a “Nova História” favorecendo a expansão da
história das mentalidades e da história cultural, voltada, por exemplo, para a abordagem de
“outras histórias”, inaugurou-se uma conjuntura mais aberta sobre temáticas e grupos sociais
até então excluídos: prostitutas, operários, velhos, pobres. Os objetos da investigação histórica
multiplicaram-se, e, nesse contexto os historiadores passam a buscar, com maior intensidade,
testemunhos sobre as mulheres, enfrentando o desafio da invisibilidade e colocando-as na
condição de objeto e sujeito da história.
Mas é preciso um amplo percurso para encontrá-las e escrever sobre elas. Numa
sociedade como a nossa, em que as desigualdades permanecem perenes, a mulher, a criança, o
velho, entre outros, diluem-se nas classes detentoras de poder. As dificuldades de penetrar no
passado feminino têm levado os historiadores a lançar mão da criatividade, em buscas de
pistas que lhes permitam transpor o silêncio e a invisibilidade que perdurou por tão longo
tempo nesse terreno. Minha investigação é, sem dúvida, pioneira, porque privilegia silêncios
historiográficos, representações e mitos. Exponho, portanto, os resultados de abordagens
iniciais, sustentando a hipótese de que, numa sociedade dominada pelo poder masculino, os
vestígios femininos desaparecem intencionalmente e com grande facilidade.
A guerra é a opção de um grupo contra o outro porque ela é tão antiga quanto a
história e tão universal quanto a humanidade, mas é uma atividade da qual as mulheres, com
exceções insignificantes, sempre e em todos os lugares, ficaram excluídas, nunca figurando
como atores principais. José Murilo de Carvalho, em recente e interessante artigo, comentou o
lançamento do Diário da Campanha do Paraguai, de Francisco Pereira da Silva Barbosa,
colocado na Internet por seus descendentes:
Da Guerra do Paraguai (1864 - 1870) conhecemos razoavelmente a história militar,
política e diplomática. A escola encarrega-se de informar sobre batalhas, exaltar
generais e almirantes. Estátuas, quadros e nomes de ruas reforçam a versão patriótica
11
dos livros escolares. Mas sabemos muito pouco sobre a história social da guerra e
suas conseqüências. Quem eram os combatentes, como foram recrutados, como era a
vida nas trincheiras, como era o tratamento dos soldados, sua alimentação, suas
doenças, o serviço de saúde, a relação entre eles e os oficiais, a disciplina...etc.
3
O famoso historiador, apesar de ressaltar os silêncios historiográficos, tão comuns em
diários, cartas, reminiscências, memórias e recordações, entre outros, não foge à regra da
maioria dos escritores, os quais não mencionam a participação feminina brasileira. Ele faz
apenas uma referência às mulheres paraguaias. Incluo, aqui, também, o autor do diário.
Absorvo, com bastante curiosidade e desafio, a frase final do artigo: “Silêncio proposital do
autor ou problema que se coloca apenas para o leitor de hoje ?.” As lacunas existentes,
detectadas, hoje, por muitos historiadores preocupados com o rigor científico, parecem
constituir um paradigma na historiografia tradicional:
Mas o silêncio das fontes não pode ser o único culpado pelo descaso voluntário de
nossos intelectuais e, particularmente, daqueles que se dedicaram ao estudo de nossa
história militar. Mesmo quando há evidências, as mulheres foram e ainda são
comumente esquecidas.
4
Quando se fala em guerras dos séculos passados, imaginamos sempre homens
marchando a pé ou a cavalo, em situação de combate. Esquecemos que as mulheres, muitas
vezes com filhos, acompanhavam seus maridos soldados e, como não havia abastecimento
regular das tropas, muitas trabalhavam, alimentando, socorrendo, plantando, lutando, ou
mesmo comercializando gêneros de primeira necessidade. Viviam ocupadas demais em
manter todo aquele aparato de guerra . De fato, a atuação feminina, sempre na retaguarda, não
aparece como elemento que teve sua importância nas batalhas. Mas as mulheres lá estiveram,
e pouco sabemos sobre elas. Presença extra-oficial, testemunhas silenciadas no tempo,
exército sem nome, todos esses termos despertam a minha curiosidade. Afinal, se a Guerra do
Paraguai contra a Tríplice Aliança ainda é pouco conhecida, a presença feminina o é muito
mais. Incluída entre índios, velhos e crianças, formava um exército “invisível”, que se tornou
imprescindível por ocasião do desenrolar da guerra. Essa presença, sempre constante, permitiu
que alguns estudiosos as registrassem. Taunay, Palleja, Cerqueira, McMahon, Baptista Pereira,
3
CARVALHO, J., Um voluntário na Guerra do Paraguai, p.11.
4
LEONZO, N., Nossas Marias Quitérias, p.50.
12
Encarnación Bedoya, Roberto Romero, Dorotea de Lassere, Guido Alcala, Rodrigues da Silva,
Olinda Kostianovsky, entre muitos outros e com olhares diferentes, referem-se às mulheres na
Guerra do Paraguai.
Escrever sobre esse tema é um verdadeiro trabalho de rastreamento, porque a
escassez de vestígios acerca do passado das mulheres, produzidos por elas próprias, constitui-
se num dos grandes problemas enfrentados pelos historiadores. Ao contrário, encontram-se
mais facilmente representações sobre as mulheres, que tenham por base discursos masculinos
determinando quem são elas, o que fizeram e o que devem fazer. Vale a pena reproduzir o que
escreveu, a propósito, Michelle Perrot :
O ofício do historiador é um ofício de homens que escrevem a história no masculino.
Os campos que abordam são os da ação e do poder masculinos, mesmo quando
anexam novos territórios. Econômica, a história ignora a mulher improdutiva. Social,
ela privilegia as classes e negligencia os sexos. Cultural ou ‘mental’, ela fala do
Homem em geral, tão assexuado quanto a Humanidade.
5
Na historiografia brasileira e, principalmente, na mato-grossense, prevalecem as
pertinentes observações acima descritas. São homens escrevendo sobre homens, sendo as
mulheres, quando mencionadas, meros detalhes, que nada contribuem para a compreensão do
episódio ou, mesmo, do processo histórico. Na história da Guerra do Paraguai, muitas vezes, a
mulher foi omitida, discriminada e ironizada. De fato, na maioria das obras analisadas,
observo que, quando as mulheres saíram do anonimato, foi porque demonstraram algum ato de
heroísmo, como o da preta Ana, que, mesmo assim, só teve direito ao primeiro nome, sendo a
etnia lembrada com preconceito, o que a remetia a grupos sociais de origem humilde,
conforme registrou Taunay:
A preta Ana, mulher de um soldado, prevenira os cuidados da administração militar
nesta obra caridosa. Colocada durante o combate no meio do quadrado do 17
o
, ela se
desvelara com todos os feridos, tirando ou rasgando das próprias roupas o que faltava
para os curativos e ligaduras: proceder tanto mais digno de nota e de admiração,
quanto mais miserável o da mor parte das suas companheiras, que quase todas se
tinham escondido debaixo das carretas, onde disputavam lugar com tumulto
medonho.
6
5
PERROT, M., Os excluídos da História: operários, mulheres, prisioneiros, p.185.
6
TAUNAY, A., A Retirada da Laguna: Episodio da Guerra do Paraguay, p.85.
13
Sobre o mesmo episódio e com o mesmo olhar de discriminação, Ana surgiu em
outras obras:
Foi uma autêntica heroína essa mulher de um soldado que se chamava Ana e
cognominada Ana Mamuda, cujo gesto digno e humano, se fixou na admiração e na
gratidão de todos. Era uma humilde negra de coração branco, mas, antes de tudo,
mulher. Sublime mulher, cuja glória a história tem o dever de registrar e consagrar.
7
Anna Mamuda, a vivandeira e transviada, que no quadrado de 17 ‘se diviniza e surge
aureolada de uma gloria immortal como a mais humana das mulheres’. É que ella
fôra o Anjo de Caridade, adejando dentro daquelle quadrado, com a pureza então de
heroína, que na pratica do bem, ligando membros dilacerados com os farrapos que
lhe cobriam o próprio corpo, confortando o agonizante com as palavras que a Fé lhe
inspira!
8
A discriminação racial antecedendo ao nome, os apelidos e as ironias são uma
constante nas obras analisadas. Com a invasão do Forte de Coimbra, por exemplo, em
dezembro de 1864, algumas mulheres tornaram-se visíveis, devido aos seus feitos heróicos. As
setenta mulheres presentes no Forte, nesta data, eram, em sua maioria, esposas dos militares.
Elas fabricaram 3.500 balas de fuzil, adaptando, com pedaços de suas roupas, os projéteis de
maior calibre. Duas delas, mulheres simples do povo, Aninha Gangalha e Maria Fuzil, tiveram
seus nomes registrados, quando, se aproveitando da escuridão da noite, desceram até o rio, em
busca de água para os defensores do Forte. Uma terceira, a esposa do ten. cel. Hermenegildo
de A. Portocarrero, ganhou o direito ao nome, sobrenome e título. D. Ludovina,
9
nascida em
Montevidéu, celebrizou-se ao lado de seu marido, quando da resistência da guarnição desse
Forte à invasão paraguaia: “hoje uma das grandes heroínas brasileiras, além do símbolo de
valor, patriotismo, abnegação e espírito de sacrifício da esposa militar brasileira”.
10
Isto,
porque seu marido era um oficial graduado e exercia um posto de comando.
Fonte preciosa de informação sobre o cotidiano de qualquer guerra são os diários,
memórias, entre outros, escritos pelos combatentes, praças ou oficiais. Dentre eles, cito o do
Capitão Pedro Werlang, em seu Diário de Campanha, que relata um fato curioso, dificilmente
7
SOUZA, C., A Medicina na Guerra do Paraguai, p.84.
8
AZEVEDO, P., A epopéia de Mato Grosso no Bronze da História, p.37.
9
SCHUMAHER, S., BRAZIL, É. (Orgs.). Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade, biográfico e
ilustrado, p.343.
10
BENTO, C., Bicentenário do Forte de Coimbra, p.11.
14
encontrado em outras obras analisadas sobre a Guerra do Paraguai. Era muito comum o uso de
guias em tropas que se deslocavam constantemente, geralmente homens da própria região e
requisitados pelo exército. O mais famoso deles, o Guia Lopes, deu nome a uma cidade de
Mato Grosso do Sul e ficou conhecido devido ao relato de Taunay, em A Retirada da Laguna.
São raros, porém, o registro de mulheres, com esta mesma função:
Mas o inimigo pressentiu o plano e bateu em retirada. O Coronel Câmara perseguiu-
o dia e noite através de banhadais e caminhos os mais pavorosos que se possa
imaginar. Como vaqueanas ou guias serviam-lhe mulheres que tinham remanescido
naquela zona.
11
A historiografia brasileira sobre a Guerra do Paraguai é ampla e bastante
diversificada; tanto nos estudos dados como “clássicos”, como naqueles de pouca projeção, as
mulheres são negligenciadas. Ao longo do século XX, a Guerra do Paraguai foi abordada
pelos memorialistas e historiadores mato-grossenses sob premissas específicas, sendo que o
discurso histórico, com fortes conotações memorialistas, construído pelos intelectuais mato-
grossenses, esteve, sempre, atrelado aos grupos que disputavam e partilhavam o poder, dando-
lhes, principalmente, legitimidade.
12
Homens no poder escreviam sobre homens transformados em “heróis”. Vez por outra
surgia alguma respeitável senhora, como é o caso de Dona Ludovina, e Dona Senhorinha.
Prova-se, mais uma vez, a condição subalterna da mulher. É possível pensar que, se não
tivessem esposos vistos como heróis, jamais seriam conhecidas. Portanto, a mulher que,
esporadicamente, é lembrada nos relatos na Guerra do Paraguai é a esposa corajosa, fiel e
abnegada. Ana Néri, precursora da enfermagem no Brasil, casada com o oficial de marinha
capitão-de-fragata Isidoro Antônio Néri, só foi lembrada em razão de seus vínculos com a elite
monárquica e por ser casada com um oficial graduado.
No caso específico de Dona Senhorinha, é interessante ressaltar os atributos que lhe
foram concedidos pelos memorialistas.
13
Para alguns, provavelmente inspirados em Taunay,
11
BECKER, K., Alemães e Descendentes- do Rio Grande do Sul- na Guerra do Paraguai, p.146.
12
ZORZATO, O., Conciliação e Identidade: Considerações sobre a historiografia de Mato Grosso, p.89.
13
RODRIGUES, J., Histórias da Terra Matogrossense, p.111.
15
tratava-se de uma mulher de “alma forte”, uma “verdadeira matrona”, em cujas veias corria o
sangue de pioneira, de bandeirante.
Até que ponto Taunay é uma fonte fidedigna? Assim, escrever sobre “silêncios”
significa, também, desmistificar as lembranças colhidas e reelaboradas de acordo com os
interesses do momento. Como simplesmente aceitar o seguinte juízo ?:
Hoje, em Mato Grosso do Sul, quando se pronunciam os nomes de Campos de Erê,
Monjolinho, Retiro e Jardim, o nome de D. Senhorinha Rafaela Senhorinha Maria
da Conceição Barbosa se alteia sobre as campinas verdejantes do rincão
matogrossês, que foram banhadas com o suor e as lágrimas dessa mulher que se
tornou heroína ao procurar construir, por mais de uma vez, o seu lar em terras que
sempre conheceu e amou como de sua grande Pátria o Brasil.
14
A busca de fontes sobre a Guerra exige do pesquisador lançar mão de outros recursos,
como, por exemplo, os registros iconográficos, que serão abordados nessa parte da dissertação.
Devo, porém, adiantar que não terei como objetivo estabelecer uma relação entre as séries de
representações tal como prevê Chartier, até porque minhas fontes são esparsas e relativamente
escassas. Percorri um longo caminho, cheio de meandros e armadilhas, para encontrar algum
olhar masculino que houvesse notado as mulheres, alguma sombra de saia ou algum cabelo
esvoaçante, no meio da iconografia das batalhas. Candido Lopes, fotógrafo e pintor argentino,
presente na Guerra como voluntário, apesar de ter produzido 56 quadros referentes à Guerra
do Paraguai, não registrou em nenhum deles a presença feminina, que um Pedro Américo
estilizou em A Batalha do Avaí, tela de 11 por 6 m, citada como sua principal obra, iniciada e
concluída em Florença, no ano de 1877. Nesta pintura a óleo, que hoje pertence ao acervo do
Museu Nacional de Belas-Artes, no Rio de Janeiro, a qual, muitas vezes, é citada como de
autoria de Vitor Meirelles, referente à batalha do dia 11 de dezembro de 1868, o autor
reproduz, em cores vivas, toda a violência da luta, destacando, entre outros, cenas de cavalaria,
tiros de pistola, em meio a lanças e facões. Mesmo envolvido pelo turbilhão da batalha, o
artista parece demonstrar um sentimento de família, quando representa as idades da vida, a
presença de uma mulher enrolada em mantos que tenta proteger um bebê, enquanto está sendo
segura, pelo outro lado, por uma criança maior. Ela surgiu em meio à batalha em postura
materna de defesa da prole apenas com seu corpo e, ao seu lado, em sintonia com a idéia de
14
RODRIGUES, J., Histórias da Terra Matogrossense, p.113.
16
família, está um homem armado, um velho com os braços estendidos, um adolescente que
demonstra atitude belicosa, uma vaca e um cesto com alimentos.
A imagem histórica representada reflete a cultura, o espírito de uma sociedade na
época em que foi produzida. No quadro, elaborado segundo o gosto europeu, aparecem outras
etnias além da branca em seus diferentes matizes. Enquanto o homem se destaca, tomando
quase toda a tela, numa busca de glorificação da imagem masculina, a mulher aparece somente
num canto do lado direito, mas a sua presença é, constantemente, retirada em obras que tratam
desse tema. Confirma-se, também, no quadro, a imagem da mulher em postura de debilidade,
muito comum no final do século XVIII e através de todo o século XIX.
As representações da mulher na arte serviram para reproduzir as suposições mantidas
pela sociedade em geral, e por artistas em particular, acerca da superioridade e do poder
masculino. A ênfase atribuída à fraqueza e à passividade femininas, sua viabilidade sexual
para as necessidades masculinas, sua definição doméstica e sua função materna como o
domínio natural mostra a função ideológica que encobre as relações de poder explícitas na
sociedade, tornando-as parte da ordem natural das coisas. Essa visão conservadora dava à
mulher o papel apenas de dona de casa e mãe, não lhe sendo permitido ultrapassar essas
fronteiras. Contrariando essa premissa, ainda no que refere à chamada “Dezembrada”, uma
pintura de Diógenes Hequet traz estampado um flagrante colhido em Lomas Valentinas. Na
imagem, em meio aos soldados entrincheirados, o artista destacou a curiosa figura de uma
mulher empunhando um fuzil
15
.
Outro detalhe bastante interessante no quadro de Pedro Américo é a presença de um
soldado localizado bem no meio da tela, que está usando um quepe com o número 33, que,
segundo informações do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, é um auto-retrato
do pintor.
15
CUNHA, M., A Chama da Nacionalidade: Ecos da Guerra do Paraguai, p.131.
17
Figura 1: Batalha do Avaí.
Fonte : CAMPOFIORITO, 1983.
18
Figura 2: Batalha do Avaí (detalhe).
Fonte: CAMPOFIORITO, 1983.
19
Figura 3. Mulher com Fuzil, retratada por Diógenes Hequet
Fonte: CUNHA, 2000.
20
Figura 4: Batalha do Avaí (detalhe: auto-retrato).
Fonte: CAMPOFIORITO, 1983.
21
Ainda que se observe, no quadro mencionado, a presença de uma mulher no cenário
da batalha, sua representação obedece à demonstração da diferença de gênero no contraste
entre força e fraqueza. Neste sentido, o quadro reproduz velhos papéis mantidos pela
iconografia da época. Em inúmeras guerras, a mulher, tradicionalmente, é representada apenas
como mãe exemplar que, na paz, cuida do lar, educa os filhos e colabora com o homem em
seus mais variados trabalhos e, na guerra, consola, permanecendo serena e firme nas horas de
provação e de luta, sendo sempre a companheira leal e a mãe dedicada. Cabe ao historiador
resgatar, além dessas ações, outros papéis desempenhados pela mulher, sobretudo na guerra.
É interessante recordar que o retrato “oficial” de Jovita Alves Feitosa é a única
imagem de uma mulher com uniforme da Guerra do Paraguai que se conhece e a mostra com o
uniforme de um dos batalhões, não parecendo ser uma personagem masculinizada que se
apropria de qualidades usualmente atribuídas aos homens como, por exemplo, ser fotografada
com armas nas mãos. Muito pelo contrário, mesmo vestida de homem, fazia questão de dar um
toque feminino ao usar saia e brincos, com postura correta, evidentemente feminina, os braços
entrecruzados e o olhar seguro, penetrante e bonito, que transmite firmeza e determinação.
Em outra figura analisada, a de D. Rosa Maria Paulina da Fonseca, a mãe patriota
mostra o semblante forte e sério, a fisionomia austera, de comando, sem nenhum sorriso ou
alegria nos lábios e rosto, cabelos presos, vestido de mangas compridas, a postura estudada,
em pé e rodeada pelos sete filhos que ela incentivara a ir para a guerra.
Percebe-se, também, que, em outras figuras iconográficas analisadas, produzidas
pelos artistas da época, a mulher aparece, timidamente, em determinados espaços. A imagem
iconográfica, confrontada com outros documentos, permite concluir que a mulher não teve
uma participação tão tímida como a iconografia sugere, apesar de rara.
Mas, do outro lado da fronteira, no Paraguai, observo uma outra realidade, diferente
da brasileira. De fato, a participação da mulher na guerra foi intensa e longamente registrada
pela historiografia paraguaia. A guerra não traz apenas uma história de fixação de barreiras
físicas e mentais, mas condensa uma história de diferenças externas e internas. Dentro da
percepção de alteridade, analiso as representações femininas paraguaias no período
compreendido, principalmente, entre 1864 a 1870. De acordo com Roger Chartier:
...qualquer discurso histórico deve ser analisado através de uma dupla operação, qual
seja: a) a que leva em conta as representações vistas como vestígios, sejam elas:
discursivos, iconográficos, estatísticos, etc. b) a que permite estabelecer a relação,
22
ainda que hipotética, entre as séries de representações construídas e trabalhadas
enquanto tais, e as práticas que constituem o seu referente externo.
16
No que diz respeito ao primeiro tópico, esclareço que estou entendendo, como
representação, os vestígios, ou simplesmente as pistas, muitas delas historiográficas, que
auxiliam na tentativa de compreensão do papel desempenhado pela mulher simples, em muitos
casos marginalizadas socialmente. Um exemplo claro é o que ocorre com as mulheres
paraguaias denominadas as destinadas e as residentas.
O capitão Domingo A. Ortíz, combatente da Guerra do Paraguai, que, como membro
da comissão de limites paraguaio-brasileira, voltou a visitar o acampamento de Espadín, em
1873, relatou:
El 1º de octubre (1873) nos hallamos en la cabecera del arroyo Espadín, célebre por
la desgraciada suerte que sufrieron en sus solitarias costas, centenares de las
principales familias del Paraguay, durante la cruel y desastrosa guerra del año 1865.
El 9 del mismo mes, recogimos datos sobre el curso del arroyo Espadín, estuvimos
hasta la isla que sirvió de recostadero al campamento de las destinadas, de cuya
proximidad, eran indicios vehementes, los numerosos cráneos y huesos humanos que
veíamos a los lados del camino.
17
Em fevereiro de 1868, Solano López promulgou um decreto presidencial para que
Assunção fosse evacuada, sob pena de morte
18
, e isso era extensivo a todos os seus habitantes.
Observo duas categorias distintas entre as mulheres paraguaias condenadas ao êxodo: refiro-
me, em primeiro lugar, às destinadas, parentes de réus políticos, desertores e traidores da
pátria, que, por isso, eram castigadas e obrigadas a marchar pelo interior do país por
pertencerem a famílias de conspiradores, inclusive pelas faltas de amigos e conhecidos, tendo
que seguir uma escolta que sempre as levava para regiões mais difíceis de serem alcançadas
16
CHARTIER, R., A História Cultural: Entre Práticas e representações, p.87.
17
ALCALA, G., Residentas, Destinadas y Traidoras, p.5.
18
“La orden de evacuación del 22.2.1868 rezaba: ‘Artículo 1.º La Ciudad de la Asunción queda desde esta fecha
declarada punto militar. Artículo 2.º Dentro de cuarenta y ocho horas de la publicación del presente Decreto, se
evacuará totalmente la Ciudad, retirándose la población á los puntos que señalará el Departamento de Policía.
Artículo 3.º Toda persona que se encontrare robando en las casas desocupadas ó en las calles, será
inmediatamente fusilada. Artigo 4.º Cualquiera persona que se encontrare en comunicación con el enemigo
sufrirà [!] la pena capital. Artículo 5.º Incurrirà [!] en la misma pena todo individuo que, teniendo conocimiento
del hecho, no denunciare inmediatamente, ante la Comandancia general de armas, al traidor ó espia.’ ”. Apud
POTTHAST-JUTKEI, Bárbara, “Paraíso de Mahoma” o “País de las mujeres” ?, p.270.
23
pelos aliados e obrigadas a cultivar os campos. Centenas de inocentes, principalmente
mulheres, foram perseguidas e pagaram pelas faltas e erros de seus filhos, maridos e irmãos.
Cito duas mulheres da elite, Carmelita Gill de Cordal, e Olívia Corbalan, como exemplos de
destinadas:
Al investir-se su suerte en la guerra y volver-se en su contra a más tardar desde la
caída de Humaitá López se volvió cada vez más desconfiado y sufocó toda sobre
las mujeres de la clase alta, cuyos maridos pertenecían al círculo de los potenciales
‘traidores’. Ya Carmelita Gill de Cordal, cuyo esposo, gravemente herido, había
caído prisionero de los argentinos en 1866 y por ello fue tildado de desertor en el
Paraguai, se había visto obligada a renegar públicamente de su esposo.
19
Nem todas as destinadas provinham dessa elite; mas posso afirmar, com base na
leitura dos documentos analisados, que a maioria das mulheres da classe alta viveu a Guerra
como uma desterrada. No quartel geral provisório, em São Fernando, em que qualquer
manifestação suspeita de prejudicar a ordem vigente era denunciada imediatamente, eram
feitos julgamentos sumários contra os suspeitos e suas famílias, inclusive as mulheres, que
eram interrogadas e torturadas até confessarem a existência de uma conspiração. Elas eram
vigiadas com rigor, separadas de pessoas conhecidas e amigas e, com freqüência, de suas
famílias.
A destinada mais famosa que a historiografia paraguaia registrou foi Pancha
Garmendia, conhecida, também, como “heroína del honor”, “doncella del Paraguay”,
“doncella de Orleans” e “doncella do martyrio”:
Era o carinho, a jóia, o orgulho de Assumpção, que nella via o esplendor da sua raça
e talvez a imagem da sua belleza moral. Appareceram-lhe pretendentes á mão de
esposa como era natural. Não contavam, porém com o Generalito, que a destinava
para si, como tinha feito com tantas outras. O primeiro dos seus admiradores, D.
Pedro Egusquiza, foi recrutado para o exercito e mandado para o deserto. Os outros
retrahiram-se. O bravo Generalito, que, para o Sr. O Leary, é o typo das perfeições,
redobrou de insistência. Panchita nunca lhe de:u uma esperança. Não era da massa de
que se fazem as barregãs, mesmo de déspotas. A sua resistência cresceu á proporção
da audácia do monstro, que só recuou ao vê-la prestes a despenhar-se no tumulo para
fugir-lhe.
20
19
POTTHAST-JUTKEIT, B., “Paraíso de Mahoma” o “País de las mujeres” ?, p.279.
20
PEREIRA, B., Civilização contra Barbárie, p.162.
24
Figura 5: Pancha Garmendia
Fonte: CHAVES, 1960.
25
Em torno de sua figura, paira um misto de lenda e realidade, mas a maioria dos
historiadores paraguaios tem opiniões semelhantes e a registra como uma vítima de Solano
Lopes, que a julgou como conspiradora e decretou sua morte por lanceamento:
No obstante, Pancha Garmendia fue ajusticiada com lanza en Arroyo Guazú el 11
de diciembre de 1869. Con 40 años de edad. Es difícil creer que López, hombre de
mucha voluntad, haya ordenado esta ejecución en represalia contra una pobre mujer
que ya no era más que una sombra de si misma vencida por el infortunio.
21
A historiografia paraguaia registra que a morte de Pancha Garmendia é um dos mais
tristes e obscuros capítulos da história paraguaia. Mulher de rara beleza, foi musa inspiradora
de poetas, como pode ser visto num poema, escrito, possivelmente, em 1850, atribuído ao
Marechal Francisco Solano López:
22
A Pancha Garmendia
Tu eres de mi amor asiento,
bella gloria, dulce encanto,
a quien mi amoroso llanto
rendidamente presento.
Tan solo decirte intento,
quien sin ser tuyo, concibo,
seré dichoso por cierto, y,
aunque amor me tiene muerto,
tu, eres gloria por quien vivo.
En contínua adoración,
fija se halla el alma mía,
pues, hoy es idolatría,
lo que ayer era pasión.
Angustiado el corazón,
sufro, pero con decoro,
y, aunque el porvenir ignoro,
siendo verdadero amante:
tú eres por quien gimo y lloro.
Si alguna vez alcanzara
a coronarme de rey,
mandaría que, por ley,
por reina te proclamaran.
Diamantes, perlas y oro,
tú eres mi único tesoro,
en quien mi esperanza fundo,
pues, en lo que encierra al mundo,
tú eres el ángel que adoro.
21
ALCALA, G., Residentas, Destinadas y Traidoras, p.15.
22
ROMERO, R. A., Pancha Garmendia y Francisco Solano Lopez: Leyenda y realidad, p.12.
26
De tu singular belleza,
del imán de tu hermosura,
pende mi suerte futura,
si le das giro a mi empresa.
Pues, siendo tu gentileza,
el móvil por quien yo vivo,
me otorgarás un recibo
que acredite mi lealtad,
ya que tú eres la deidad
por quien me encuentro cautivo.
Outra destinada, a francesa Dorotea Duprat de Lasserre, 25 anos, foi enviada à
localidade de Yhú, e depois a Espadín, uma espécie de campo para trabalhos forçados que se
encontra, atualmente, em território brasileiro, perto do encontro das cordilheiras de Amambay
e Mbaracayú, porque seu pai, irmão e esposo haviam sido executados como réus políticos no
processo de São Fernando. Ela escreveu um impressionante relato de seus dias de cativeiro e
demonstrou sua imensa indignação:
El 25 de diciembre de 1868 las señoras desterradas á morir de hambre por órden de
López, han sidos salvadas por el ejército brasilero. Yo soy una de ellas; vivo, escribo,
pero aun non cabe en mi mente como es que puedo hablar de las crueldades y
sufrimientos de que hemos sido víctimas.
Cayó una lluvia espantosa: estaba con un dolor terrible de muelas, nos mojamos en
grande, amanecimos sin un mate de yerba que tomar, ni un bocado de algo que
comer; eran ya las doce, llovía siempre, ya teníamos verdadera hambre, la sirvienta
de la señora da Leite estaba en un estado deplorable de languidez, cuando de repente
abortó una burra de la señora; yo les dije que en Francia se comía burro, y que
comiesen el aborto al momento. Se animaron y bajo una continua lluvia cocinaron
esa carne ...yo cerré los ojos, pues había jurado vivir y comí ese alimento.
23
O segundo lugar pertence às residentas, heróicas mulheres cujos parentes estavam
em bons termos com Lopes e que seguiam o exército pela convicção de que nele se
corporificava a “nação”, tal como um rei que arrastava seus súditos fiéis em seu êxodo.
Acompanhavam, sobretudo, seus filhos adolescentes, seus maridos, pais e irmãos, servindo
como mão de obra para os mais diversos serviços. Esses dois grupos, responsáveis por toda a
atividade agrícola, passaram todos os tipos de privações e quase foram exterminados, mas
deixaram, para a posteridade, muitos relatos, que hoje pesquisados servem para elucidar um
período histórico extremamente doloroso para os dois países.
23
ALCALA, G., Residentas, Destinadas y Traidoras, p.5.
27
Vale, ainda, ressaltar que a historiografia paraguaia deu tratamento totalmente
diferente a suas mulheres. A participação feminina na “Grande Guerra” foi intensa, dramática
e bastante registrada. Embora fossem divididas em duas categorias distintas: as residentas, e
as destinadas, em muitos momentos as trajetórias desses dois grupos se tocam,
compartilhando sofrimentos e propiciando relações de compaixão mútua e de solidariedade,
sendo que a diferença entre elas era mais aparente do que real, pois as unia um destino
comum: a responsabilidade por todo o trabalho de retaguarda e a morte pela fome:
Esa mujer estuvo al lado del hombre en los combates; alentó al guerrero; asistió a los
heridos en los hospitales, curándoles sus heridas; tomó al arado y labró la tierra; tejió
y fabricó el uniforme de nuestros ejércitos; organozó comisiones encargadas de
recaudar fondos para la guerra; se convirtió en obrera de todos los talleres, y en gesto
heroico se despojó de sus joyas y alharas para ofrecerlas en aras de la patria.
Esa mujer es digna del bronce que perpetúe su memoria. A los cien años del
sacrificio de todo su pueblo, creemos justo reconocimiento que la patria agradecida
erija un monumento que inmortalice su nombre, simbolice la imagem de la mujer en
la Historia del Paraguay.
24
Apesar disso, a historiografia paraguaia registra, com grande freqüência, o nome e o
papel desempenhado por essas mulheres. Entre os inúmeros exemplos, posso citar as reuniões
realizadas pelas mulheres de Assunção, com o objetivo de angariar fundos para a guerra.
Nessas reuniões, eram registradas nominalmente todas as participantes:
Por iniciativa de doña Escolástica Barrios de Gill, viuda del pro-hombre don Juan
Andrés Gill, se reunieron unas treinta distinguidas damas con el fin de lograr tales
objetivos.
Se realizó una asamblea ‘a la cual concurrieron todas las clases de la sociedad,
porque la causa es de todas y todas sin excepción deben defenderla’.
[...] Luego hablaron las ‘Kyguá verá, las famosas mujeres del pueblo de las peinetas
doradas’.
Con lo cual se dio por terminado este acto, y se procedió a la firma de la manera
siguiente: Josefa Antonia Carrilo de Escalada, Escolástica Barrios de Gil, Ana Josefa
Mora de Haedo...
25
24
ANUARIO DEL INSTITUTO FEMININO DE INVESTIGACIONES HISTORICAS, p.10.
25
KOSTIANOVSKY, O., La mujer paraguaya: su participación en la Guerra Grande, p.16.
28
Também é bastante evidenciada a participação das mulheres em combate, que traçam
um perfil de coragem e bravura, no qual são equiparadas aos homens e tornadas tão perigosas
como eles:
Una heroína apareció en esta ocasión: una mujer llamada Francisca Cabrera, al ver al
enemigo avanzando tomó un cuchillo y seguida de sus hijos corrió a ocultarse en el
monte. Rodeada de éstos, les dijo que todos morirían si eran cargados por el
enemigo, pero ella les defendería con su cuchillo hasta morir y que después de
muerta ella, el mayor de sus hijos tomaría el cuchillo y pelearia hasta el fin. Dijo a
todos que el enemigo les querría llevar pero que prefiriesen morir.
26
Terminada a guerra contra a Tríplice Aliança, o Paraguai estava arrasado e reduzido a
escombros, com imensa parte da população masculina morta ou desaparecida. Era chegada a
hora da reconstrução nacional, e coube às residentas esse papel. Substituindo o homem,
atuaram nas mais diversas atividades e, até hoje, são homenageadas como heroínas,
fundamentais para o ressurgimento da nação paraguaia.
De fato, eram numerosas no Paraguai, mas raras no sul de Mato Grosso, por isso
muitas imigraram, passando a constituir a grande maioria dos estrangeiros residentes em
Corumbá.
27
26
ALCALA, G., Residentas, Destinadas y Traidoras, p.66.
27
MARIN, J., O Acontecer e o “Desacontecer” da Romanização na Fronteira do Brasil com o Paraguai e
Bolívia, vol. 1, p.71.
29
Figura 6: La paraguaya
Fonte: CUARTEROLO, 2000.
30
1.2 AS MUITAS FACES DE ELISA LYNCH
Ao longo dos séculos XIX e XX, biógrafos, memorialistas e historiadores traçaram,
com propósitos diferentes, perfis de Elisa Lynch, dando a ela um lugar de destaque no
confronto conhecido como Guerra do Paraguai. O que me interessa, quando escrevo sobre a
história de Madame Lynch, é, sobretudo, a tarefa de fazer mediações entre duas culturas, entre
o passado e o presente, e de resgatar a trajetória de sua vida. Tentarei levantar esses perfis,
efetuando uma leitura criteriosa nas diferentes obras, ainda que de cunho novelesco e pouco
científico, o que não permite uma conclusão segura. Uma conclusão hipotética, que reúna os
fragmentos numa explicação coerente, poderia ser a de que Elisa Lynch tornou-se mais bela e
perfeita do que realmente teria sido. Esta é mais uma das funções do mito, quando ele se torna
história, tal como demonstra Girardet:
É erradamente que se crê que o mito é sempre mentiroso. O mito torna-se história.
Ele é o impulso psicológico, a inspiração ideal, que pode conduzir os homens para o
bem ou para o mal, mas que lhes é de qualquer modo indispensável.
28
Portanto, discuto a construção e a consolidação do mito Elisa Lynch, tentando
combinar uma abordagem cronológica com uma abordagem analítica. Ele foi construído num
determinado contexto histórico, quando o Estado necessitou de autoafirmação política, numa
tentativa de moldar ou manipular a opinião pública, revelando facetas desconhecidas desse
imaginário. Mostro como o corpo de retaguarda feminino apareceu em imaginários da época
da guerra por meio de romances, cartas, livros oficiais, diários e narrativas, entre outros, e no
período pós-guerra, quando começou a aparecer o mito Elisa Lynch.
A vida da irlandesa é analisada por nove testemunhas, isto é, quatro paraguaios, dois
brasileiros, dois argentinos e a própria Elisa. Dentre os autores selecionados, estão os
seguintes: Hector Florencio Varela (1870), Encarnación Bedoya (1865), Elisa Lynch (1875),
Viriato Corrêa (1930), Hector Blomberg (1942), Arturo Bray (1957), Maria Concepcion Leyes
de Chaves (1960), Luisa Ríos de Caldí (1977) e Fernando Baptista (1986).
Elisa Alicia Lynch, chamada simplesmente La Madama, pelos paraguaios da época,
ao contrário de La Señora, a esposa do presidente Carlos Antonio López e mãe de Solano
28
GIRARDET, Raoul, Mitos e mitologías políticas. p.13.
31
Lopes, foi a mulher mais famosa da história paraguaia eaté hoje, historiadores e novelistas do
mundo inteiro procuram avaliá-la, escrevendo sobre ela, constantemente, em todo tipo de
literatura. Sem dúvida, qualquer que seja o julgamento dos estudiosos interessados em sua
vida, seu caráter e sua atuação, não se pode negar sua influência na história tanto social como
política do Paraguai. Nasceu, segundo declarações próprias
29
, em 1835, na ilha irlandesa de
Corck, de uma família de classe média:
... de padres honorables y pudientes, pertenccientes á uma família irlandesa, que
contaba por parte de padre dos obispos y mas de setenta magistrados, y por parte de
madre un Vice-Almirante de marina inglesa y que tuvo la honra de combatir con
quatro de sus hermanos bajo las órdenes de Nelson en las batallas del Nilo y
Trafalgar. Todos mis tios fueron oficiales en la marina ó ejército inglés. Mis primos
lo son hoy, y varios otros de mis parientes ocupan altas posiciones en Irlanda.
30
Ela registrou sua família como respeitável e importante, enfatizando a presença dos
militares ingleses e o local de seu nascimento. Com 15 anos, casou-se com um médico militar
francês, Xavier de Quatrefages, e mudou-se para a Argélia. Voltou a Paris em 1853, onde
conheceu Francisco Solano López. Já havia, então, se separado do marido. Os primeiros
quinze anos de Elisa Lynch são bastante polêmicos e controversos; os autores que escreveram
sobre ela não se apóiam em documentos científicos, preferindo biografias romanceadas e de
difícil comprovação. Em Esposicion y Protesta, de 1875, demonstrou uma aguçada capacidade
de defesa, provavelmente tentando construir uma imagem que a beneficiasse diante de um
mundo hostil que procurava dar nomes aos causadores da destruição do país, usando a obra
como estratégia de resistência e recurso de sobrevivência. A maioria das biografias, a despeito
da sincera boa vontade do autor, sejam meticulosamente exatas ou não, sempre escondem
alguns assuntos, enquanto revelam outros.
Em 1855, Elisa Lynch chegou a Buenos Aires, onde nasceu seu primeiro filho com
Solano López e, no mesmo ano, mudou-se para Assunção. Depois, teve mais cinco filhos com
o Marechal, mas este e Elisa mantinham casas separadas, devido ao clima moral da época e
porque ela não podia se casar. Permaneceu no Paraguai por 15 anos, até o final da guerra, em
1870, quando caiu prisioneira das tropas brasileiras em Cerro Corá.
29
LYNCH, E., Esposicion y Protesta, p.291.
30
LYNCH, E., Esposicion y Protesta, p.7.
32
Figura 7: Elisa Alicia Lynch quando jovem
Fonte: CHAVES, 1960.
33
Faço um exercício de análise documental, utilizando, na medida do possível, as
concepções de Girardet e uma metodologia de trabalho vinculada a um corpo teórico, no caso,
o que diz respeito à construção do mito político. Para o citado autor, o mito político inscreve-
se na história do nosso tempo, podendo ser visto como fabulação, deformação ou
interpretação objetivamente recusável do real
31
. No que diz respeito a Elisa Lynch, trata-se,
sem dúvida, de uma fabulação, provocando, por vezes, ao que tudo indica, a deformação do
real.
A chegada de uma elegante européia, trazida de um continente distante pelo filho do
presidente, conhecido por todos pelas várias amantes e filhos ilegítimos, provocou um
escândalo e despertou a curiosidade de todos os paraguaios, durante toda a sua permanência
no Paraguai. A preocupação com “os outros”, “os de fora”, não é um fenômeno dos tempos
modernos, mas, comum nas sociedades, sejam elas antigas ou modernas, despertando
manifestações de intolerância diante do “outro”, do “diferente”. Em torno de Elisa Alicia
Lynch, girou por muitos anos “...a politica do Paraguay. Intelligente, relativamente culta,
ambiciosa, astuta, a sua vontade habilmente dissimulada conseguira impor-se sem violências
ao homem que não admittia que ninguem o contrariasse.”
32
A maioria das biografias que se publicou sobre essa controvertida mulher tem um
caráter novelesco, inclusive aquelas que alegam basear-se em intensivas pesquisas. A primeira
dessas fictícias memórias que se conhece até o momento, escrita em 1870, no final da guerra,
pelo jornalista argentino, Hector Florencio Varela, que escreveu sob o pseudônimo “Orion”,
relata um episódio de difícil comprovação, mas é provável que a atmosfera hostil e de tensão
constante que descreve tenha sido autêntica. Com um grupo de mais ou menos vinte pessoas,
Varela empreendeu uma excursão de barco a uma das primeiras colônias estrangeiras no
Paraguai, Nueva Burdeos. Assim descreveu a jornada:
Haría una hora que estábamos en camino, cuando, sin que nadie sospechase en
sorpresa semejante, se vió salir de la cámara del vapor, a madama Lynch.
El capitán Mesa y demás oficiales, al verla presentarse en la cubierta [...] saludándola
cual se fuera una soberana.
Si no lo era en el sentido que la palabra tiene [...] era, sin disputa, la soberana de la
hermosura
Elisa estaba realmente tentadora.
Su traje era de la más esmerada elegancia.[...]
31
GIRARDET, R., Mitos e mitologias políticas, p.13.
32
COLLOR, L., No Centenario de Solano Lopes, p.85.
34
Al subir, Elisa paseó una mirada tierna y expresiva por todas las personas que
componían la comitiva: saludó con cierta coquetería, y fué a sentarse a un sillón aque
se le tenía reservado, sin duda[...].
La porteña que con nosotros iba, se puso fuera de sí.
En estos casos, nuestras damas no transigen: son implacáveis.
-Si hubiera sabido que esta malvada venía, yo me habría guardado bien de venir
dijo con enfado. Es una insolencia que la inglesa venga haciendo alarde de ser una
prostituída. Yo ni la he de mirar durante todo el camino.
En vano algunos de mis compañeros y yo tratamos de disuadirla en cuanto a la
exageración de su dureza, haciéndole comprender que estábamos todavía en
Inútil tarea !
La argentina como la señora de Bermejo era intransigente, considerando como una
traición a sus principios.[...]
Esta, por el contrario, viva, perspicaz, intencionada, y sobre todo, apercibida
inmediatamente de la situación, no tardó en ponerse en campaña con el conocido
intento de acercarse a nuestra compañera, y entablar conversación con ella.
33
O escritor, também argentino, Hector Pedro Blomberg, cuja mãe era sobrinha de
Solano López, um dos poucos que comentou a versão autobiográfica de Lynch, escreveu, em
1942, La Dama del Paraguay, tentando lançar luzes sobre a irlandesa, setenta e dois anos
depois. Como Varela, Blomberg lançou o mito da mulher fatal transplatina, mas, apesar disso,
começou sua obra criticando o outro autor, descrevendo-o como um “fogoso y romántico
escritor de 23 años” :
Se há fantaseado mucho sobre los amores de Elisa Lynch. Hector F. Varela, que
visitó a la bella irlandesa en Asunción al año de haber llegado ella al Paraguay,
publicó años después en Buenos Aires su obra célebre, un intento de biografía
novelada en la que traza un retrato físico tan exacto como es falso el retrato moral de
la misma, a quien atribuye confesiones tan peregrinas como inesperadas.
34
Porém, não eram somente as estrangeiras que se mantinham muito reservadas diante
da companheira de Lopéz. Isto ocorria, também, com a maioria das paraguaias dos grupos
privilegiados. Tanto em Varela como nas Memórias de Encarnación Bedoya
35
, entre outros,
percebi, claramente, que a rejeição dessas mulheres à “la Lynch” não se devia ao fato dela ser
estrangeira, como muitos apologistas queriam fazer crer, nem a inveja que algumas poucas
distintas e elegantes senhoras tinham, como outros biógrafos (masculinos) pensavam. Tudo
leva a crer que o repúdio e indignação moral dessas mulheres, muitas vezes dissimulados,
33
VARELA, E., Elisa Lynch, p.291.
34
BLOMBERG, P., La Dama del Paraguay, p.17.
35
POTTHAST-JUTKEIT, B., “Paraíso de Mahoma” o “País de las mujeres”?, p.225.
35
tinham íntima relação com a instituição do matrimônio, considerado indissolúvel no Paraguai
da segunda metade do século XIX.
As Memórias da senhora Bedoya, consideradas uma fonte extraordinária, é um dos
poucos relatos paraguaios autênticos e, sobretudo, absolutamente o único conhecido até agora,
dessa época, escrito por uma mulher. Ela deixou um relato sobre o desejo de Elisa Lynch
pertencer à sociedade local:
El año siguiente en julio le dijo la Lynch a una señora de la amistad de ella que
proponga que las familias de la Capital hagan una visita al presidente Lopez de casa
de este a casa de su madre, y de allí a casa del hno del tirano Venancio Lopez y por
último a casa de esa muger inicua la Lynchi, que para esto no mas fué que la Sra.[...]
propuso la visita, un pavo Sr. dijo que era el primer pensamiento de Doña Fulana y
mi tio Saturnino que andaba queriendo casarse com la hna de Lopez dijo a Dolores
Jovellanos y a mi padre que tomemos un coche (que muchos habían en alquiler) y
Dolores y yo fuimos en uno que alquilamos, las dos eramos sobrinas de ese
Saturnino Bedoya, fuimos esa noche primero a casa de Lopez, despues a casa de la
madre y de allí a casa de la Linchi y antes de ir a casa de la madre del tirano subió en
nuestro coche Manuel Gondra [...] que me dijo: Conque fin será este paseo, yo lo
dije: va ver Ud el fin que tiene esto. Llegamos pues a casa de esa desgraciada muger
que abandonó al marido que era un militar de alto grado que era de apellido
Quatrefage, que mientras este fué en comición el año 1855, que Lopez estuvo en
Paris, y asistió a un baile en el que ella estuvo también, allí se conocieron y se
arreglaron y ya vino con él. Aquí Don Carlos [=C.A.Lopez, B.P.] les dijo a su esposa
y sus hijas: ahí viene Pancho com su Hembra, espero pues que esa mala muger no
pisará los humbrales de esta casa. Estuvimos como digo, en la noche del 24 de julio
[el cumpleaños de F.S.Lopez, B.P.] en casa de ella que vivia donde es el Colegio
Nacional, nos esperaba ella con un ambigú esplendido pero un momento no mas
estuvimos, y cuando nos levantamos todas las familias que fuimos que eramos
muchas, cuantos eran los coches que había en alquiler, nos dijo ella: que pronto se
retiran, se puso en la puerta por la que teniamos que salir y ofreció su casa y su
amistad a todas las de la visita: todas les dimos no más las gracias, no les dijimos que
la visitariamos que habiamos de visitar a semejante muger bien, cuando subimos en
el coche subió tambien Gondra y le dije: ya ve Ud. para que fué esta visita, es
buscando tener relaciónes com las principales familias, y como no consiguió lo que
quisieron ella y el tirano se vengaron bien de ellas que las mandó desterradas al
Pueblo de Yhû despues que mató a sus esposos.
36
Do mesmo modo que este relato mostra a rejeição e arrogância moral das famílias
mais privilegiadas, em Varela observo a atração que Elisa Lynch apesar de algumas reservas
exercia sobre os homens. Mesmo seus maiores críticos reconheciam sua beleza
extraordinária, formação e inteligência, que não somente aumentava sua influência sobre
Solano Lopez, como também a transformava numa anfitriã de todos os estrangeiros residentes
em Assunção. O fausto e o poder que a cercavam eram uma parte de seu poder. Os diplomatas,
36
POTTHAST-JUTKEIT, B.,“Paraíso de Mahoma” o ”País de las mujeres”? , p.226.
36
homens de negócios, entre outros, encontravam nela algo de sua antiga pátria. Esta
circunstância tinha uma importância política, especialmente depois que Francisco Solano
Lopez sucedeu a seu pai. Solano não se opunha à inclinação de sua companheira pela vida
luxuosa; muito pelo contrário, transmitia seus pedidos a exportadores londrinos e parisienses e
a ajudava a adquirir bens imóveis de propriedade do Estado em condições francamente
vantajosas. Na casa de Madame Lynch, em Assunção, de acordo com a maior parte de seus
biógrafos, podia-se admirar telas caras, o melhor champanhe, as últimas revistas da moda, os
tecidos importados, que impunham uma nova moda às mulheres da elite. Os relatos dos
viajantes estrangeiros, que por várias razões percorriam o mundo, são valiosos para se
visualizar uma época, permitindo se conhecer uma parte da vida íntima de Elisa Lynch e do
país. Assim é que o comerciante Van-Halle deixou registradas algumas impressões bastante
interessantes:
Ao meio dia passava revista as tropas, em frente ao velho palácio de seo pae. Depois
da revista S. Ex. concedia audiencia aos seus numerosos solicitadores. S. Ex. tratava
de tudo: política, commercio, clero, tudo lhe passava pelas mãos. O commercio era
quasi todo delle, a Sra. Lynch também tinha interesse no pequeno commercio,
emprestando dinheiro a 12%. Entre os dous estava todo o monopolio do commercio
no paiz.
A Sra. Lynch a tudo admirava: as ricas fazendas de seda e setim, vestidos de
tartalana com fio de ouro, chales da China e de cachemira, rendas e bordado.
37
Do mesmo modo, esse relato, outorgando a Elysa Lynch o papel de inovadora de
costumes, pode ter sido outra razão importante para a antipatia contra a irlandesa, que sempre
foi vista com suspeita durante todo o tempo de sua permanência no Paraguai. Cinco anos após
a biografia de Héctor Varela, ela procurou refutar, em sua obra, algumas observações de seus
pretensos biógrafos:
Largo tiempo he guardado un silencio profundo, á pesar de haber sido mi nombre
esplotado durante seis años por enemigos de causa, por personas que buscaban un
lucro escribiendo folletos y libros que revestian de escenas espantosas,
presentandome como el tipo de la prostitucion y del escándalo, y como á una de esas
fieras humanas que se complacen y deleitan en el esterminio de la sociedad.
38
37
VAN HALLE, J., Lopez: viagem ao Paraguay; episódios da vida intima do exditador e de sua favorita Elisa
Lynch, p.14.
38
LYNCH, E., Esposicion y Protesta, p.3.
37
Trata-se de um texto importante, porque é a maneira pela qual Elisa Lynch gostaria
de ser lembrada. Em um texto prévio, no entanto, o tom que prevalece é o de auto defesa,
diante do que ela via como injúria: “necesito anticiparme en algunos hechos, tomados del libro
que publicaré mas tarde sobre mi vida y los acontecimientos á que sido ligada”.
39
Ao que tudo
indica, ela jamais publicou um livro, ficando, portanto, sua defesa restrita a este texto prévio.
Durante muitas décadas depois da guerra, somente sua própria voz elevou-se em sua defesa,
talvez pelo fato das inúmeras acusações que recebeu sobre a posse ilegal de bens particulares e
do Estado:
Nada tengo ni poseo ajeno, y solo mi posición de extranjera, de prisionera y de
desamparada, basta para que muchos quieran aprovecharse de la ocasión procurando
prejudicarme en cuanto esté a su alcance
40
.
De fato, Elisa Lynch teve que enfrentar, sozinha, uma acusação criminal, ordenada
pelo governo provisório, em 23 de fevereiro de 1870, e publicada no El Pueblo, um diário
político, comercial e literário em Assunção:
Acusacion Criminal de Elisa Alicia Linch
Edicto
Por disposicion del Sr. Juiz de primera Instancia en lo criminal y encargado
interinamente del de lo Civil y Comercial D. Bernardino B. Wamossy, se cita, llama
y emplaza á Elisa Alicia Lynch, de nacion inglesa, ausente, para que en el termino de
cuatro meses a contar de la fecha compareza ante el juzgado de S.S. y escribanía a mi
cargo, à contestar a la acusación criminal, que en cumplimento de sancionado por el
Congreso Nacional, promueve D. Jose Garcia Picos nombrado Abogado ad hoc, por
haber robado dineros del Tesoro Nacional, felonia despojada y estorguida la fortuna,
dinero y alharas de los hijos de la Nación y estrangeros y como cumplice adulteria en
los asesinato y torturas, praticados por el finado Ex Presidente Francisco Solano
Lopez; bajo apercibimiento de no comparecer en el termino designado, se procederá
en su rebeldía, y se pasará los perjuicios à que hubiere lugar por derecho.
Asuncion, Noviembre 24 de 1871
Hilario Amarilla
Escribano de lo Criminal
41
Na Guerra do Paraguai, os personagens mais significativos não têm merecido estudos
recentes; mesmo assim, ganham referências de acordo com a época e a postura ideológica dos
39
LYNCH, E., Esposicion y Protesta, p.6.
40
LYNCH, E., Es posicion y Protesta, p.12.
41
ARQUIVO HISTÓRICO DO ITAMARATI. Ofícios Recebidos. Assunção. 1855-1881.
38
autores. É o caso de Solano Lopes e, em menor grau, o de Elisa Lynch, porque, na verdade, há
um silêncio em torno de ambos, na medida em que os historiadores contemporâneos não se
têm ocupado dessas personagens.
Em 1957, Arturo Bray dedicou a Lynch um capítulo de seu livro “Hombres y épocas
del Paraguay”, nitidamente masculino, no qual citou importantes personalidades do século
XVI até o século XX. Fundamenta a inclusão de Elisa Lynch do seguinte modo:
Elisa Alicia non fue un hombre ni encarnó por sus propios fueros una época del
Paraguay, pero su recia estampa de mujer se halla íntima e irremisiblemente
vinculada a la memoria del más señero y discutido protagonista de aquél drama de
América, al parecer irreparable, que se conoce, con el nombre de Guerra de la Tríple
Alianza. Biografias noveladas, semblanzas más o menos ajustadas a la verdad y aun
piezas de teatro sin contar libelos emponzoñados como mordeduras de alacrán
han pretendido cincelar el carácter y personalidad de la irlandesa, mas quasi siempre
con brochazos de prejuicios atávicos y torbellino de leyendas, cuando no haciéndola
instigadora y cómplice de los errores y horrores, reales o imaginarios, que enmarcan
con tonalidades sombrías la figura de Francisco Solano Lopez.
42
A posterior revisão da vida de Elisa Lynch, no processo de reabilitação e heroicidade
de seu companheiro, converteu-se em ideologia oficial, na ditadura de Alfredo Stroessner,
quando o mito foi resgatado, chegando até à apoteose. A interpretação ainda hoje oficial de
seu papel, influída por aquela revisão, reflete-se, entre outras, no Diccionario de la Mujer
Guaraní de Luisa Ríos de Caldí, do ano de 1977, que anotou:
Nació en Cork ( Irlanda ) en 1835. Su nombre está íntimamente ligado a nuesta
historia por cuanto fue la compañera amorosa, fiel y abnegada de nuestro Heroe
Epónimo, a quien acompañó siempre hasta llegar al Gólgota de nuestro martirologio.
Mujer de alma con temple de acero: venciendo penurias, fatigas y los prejuicios
propios de su época, al lado del gran amor de su vida, hizo la Vía-Crucis al igual que
otras tantas heroínas del glorioso cuadro de la Residenta. Cuando el 5 de marzo de
1865 el Congreso Nacional declaró la guerra al Brasil, el mismo día ella donó al
gobierno la décima parte de sus joyas. Además, se declaró ciudadana paraguaya, y
durante aquellos cinco años de terrible guerra asistió a los heridos y enfermos con
ternura maternal.
En Cerro Corá recibió en sus brazos el cadáver de su hijo, el Coronel Panchito López
quien al ser intimado a rendirse respondió: ‘Un Coronel paraguayo muere pero non
se rinde’. Después que fue masacrado el último resto de nuestro ejército, en
compañia del Mariscal y todo su Estado Mayor, Elisa Lynch se abocó a la triste tarea
de dar piadosa sepultura, tanto a su amado como al fruto de sus amores. Esta mujer,
que amó a su patria de adopción como a la suya propia, falleció en Paris (Francia) el
25 de julio de 1886, a las 16 horas.
Sus restos fueron repatriados durante el gobierno del General de Ejército don Alfredo
Stroessner, siendo depositada la urna que guarda sus cenizas en un lugar de
42
BRAY, A., Hombres y épocas del Paraguay, p.101.
39
privilegio del Ministerio de Defensa Nacional bajo la custodia del glorioso ejército
paraguayo mientras se prepara un mausoleo digno de ella. Hoy, con todos los
honores correspondientes a tan ilustre dama, el Superior Gobierno depositó la misma
urna en la Recoleta en un mausoleo costeado por el gobierno paraguayo.
43
Alfredo Stroessner Matiauda
44
, no poder no Paraguai, de 1954 a 1989, durante o
processo interno de consolidação da ditadura faz uso do discurso para convencer o povo
paraguaio de que viera para salvar o país de suas constantes lutas internas. Como todo discurso
revela a existência de graus de persuasão, alguns mais ou menos visíveis, outros mais ou
menos mascarados, Stroessner vale-se dos dois; num país cuja principal característica era a
instabilidade política e o atraso econômico, a promessa de paz e progresso tinha, sem dúvida,
um efeito avassalador, especialmente entre as camadas mais humildes da população. Seus
discursos despertavam, no povo paraguaio, o velho sonho de construir a “grandeza da Pátria”
e, para isso, resgatou a memória dos grandes heróis nacionais, principalmente a de Solano
López, transformando-os em mitos. Ao mesmo tempo, procurava comparar-se a eles,
buscando associar seu próprio nome e imagem àqueles que eram venerados. Nessa parte,
Roland Barthes foi um guia seguro, pois ensinou-me que “os homens não mantêm com o mito
relações de verdade, mas sim de utilização: despolitizam segundo as suas necessidades”.
45
Os autores brasileiros que fizeram menção a Elisa Lynch oscilam entre o amor e o
ódio, levando-se em conta, é claro, o momento em que suas obras foram escritas e divulgadas.
Exemplifico esta problemática com o texto do brasileiro Viriato Corrêa, que, em 1930, a
descreveu nos seguintes termos:
Nela tudo esplende e fascina. O cabelo, de um ruivo acastanhado, fulge em
tonalidades tão cálidas, que só ela o deve ter tão belo. É alta, esbelta, olímpica, com
os olhos de um azul insondável. O colo magnífico, a voz puríssima, e é, além disso,
culta, inteligente, espiritual. Conhece tudo que é belo e grande no mundo, com um
sentido admirável de elegância, conforto e bom gosto, que lhe dão um realce
surpreendente. Lynch encarna o contraste racial [...] mas, entre os dois, os contrastes
eram violentos demais. Havia as incompatibilidades de raça. Para Elisa, Solano
43
RIOS, C., Diccionario de la Mujer Guarani.
44
Nos países de língua hispânica, o nome paterno precede o nome materno.
45
BARTHES, R., Mitologias, p.164.
40
López nunca podia ter passado de um bárbaro que ela explorava porque tinha que
explorar.
46
O economista e jornalista gaúcho Fernando Batista, em 1986, pretendeu ultrapassar
os limites de uma biografia e, apesar de afirmar que seus relatos se apoiavam em minuciosas
pesquisas, seu livro parece mais um roteiro cinematográfico, cheio de lances melodramáticos.
Exemplifico:
Elisa assistia impaciente aos lances sensacionais da grandiosa investida, por meio de
telescópios assestados no alto dum mangrulho mascarado com ramagens, sob a
turbulência do bombardeio incessante. Não podendo resistir à atração que sobre ela
exercia o formidável espetáculo, de repente desceu a escada, montou o alazão,
passou a jugular do boné por baixo do queixo, e toca-se a toda brida para Curupaity,
sem nada transmitir ao amante, que despacha ordens telegráficas e recebe
comunicados da frente, em guarani, para não serem decifrados pelos aliados. À
medida que se aproxima do valão transfundido numa imensa cratera, granadas
explodiam ao seu redor assustando-lhe o cavalo, que negaceava mastigando o freio,
relinchando e tentando empinar-se. Boa cavaleira que era, domina o corcel a
chicotaços e segue em frente, arriscando-se a morrer ou cair prisioneira da
soldadesca aliada prestes a tomar a trincheira, e que a considerava principal
causadora dessa campanha cheia de sacrifícios, que nunca terminava.
47
Enfatizei alguns relatos sobre Elisa Lynch, o que já me permitiu vê-la como uma
mulher de muitas faces. Será difícil saber como foi, realmente, a verdadeira Elisa Lynch, mas
esse exercício historiográfico torna-se imprescindível. Sua história sempre fascinou várias
gerações e se mantém atravessando os séculos; sua imagem de mulher fatal e contestadora de
convenções, que atravessou o mundo para acompanhar um amor, é usada pela literatura
poética como fonte inspiradora até de poetas contemporâneos, como observei no poema:
MADAME LYNCH
Por que me condenam?
Porque fui adúltera?
Segui um homem,
Uma aventura,
Para um continente morno e desconhecido?
Por que me condenam?
Pela minha beleza,
Meus olhos azuis,
46
CORRÊA. V., O Brasil dos meus avós, p.167.
47
BAPTISTA, F., Elisa Lynch: Mulher do mundo e da guerra, p.310.
41
Meus cabelos de fogo
Onde refulgem tiaras de princesa?
Por que me condenam?
Porque entregam meus lamentos ao piano,
Meu riso rola as escadarias
E meus punhos frágeis cintilam de pedrarias?
Por que me condenam?
Porque amo o patético Paraguai,
As águas do lago Ipacaraí,
As estâncias forradas de nardos e jasmins-do-cabo?
Poe que me condenam?
Porque não tenho paixões difusas,
Sou fiel a um companheiro
E aos frutos gerados entre fogos e liquens?
Por que me condenam?
Porque tenho gosto ao luxo,
Enfeito este pesadelo
Com lanternas mágicas,
Caixas de músicas
E licores de cereja?
Por que me condenam?
Como se eu fosse Maria Antonieta?
Ouço o rumor de metais,
O fragor de botas,
O marulhar do abismo.
Ó fidalgas agressivas,
Damas aristocráticas,
Cheias de orgulho e charutos,
Atirem suas pedras,
Já estou condenada!
48
Sem dúvida, Elisa Lynch jamais se viu dessa maneira, o que foi demonstrado através
de Exposicion e Protesta. No Brasil, ela despertou o interesse da elite intelectual, como por
exemplo, Baptista Pereira, que a definiu, em 1928, como “A Imperatriz Elisa: era a senhora
de um povo sobre o qual tinha direito de vida e de morte”.
49
48
NAVEIRA, R., Guerra entre irmãos: Poemas inspirados na Guerra do Paraguai, p.31.
49
PEREIRA, B., Civilização contra Barbárie, p.70.
42
Figura 8: Elisa Alicia Lynch
Fonte: CHAVES, 1960.
CAPÍTULO 2
PERFIS ESBOÇADOS
44
2.1 MATRIARCAS
A historiografia tradicional e alguns autores memorialistas como Taunay e Joaquim
Francisco Lopes
50
, o Sertanejo, entre outros, permitem constatar que o povoamento do sul de
Mato Grosso se fez a partir da primeira metade do século XIX, quando essa região foi palco de
um processo de expansão interna, com expropriação de terras indígenas e disputa de pioneiros
por glebas imensas sem limites definidos. De fato, tocando rebanhos, trazendo famílias,
escravos, instrumentos de trabalhos e objetos que possuíam em sua região de origem e que
lhes poderiam ser úteis, caravanas de pioneiros de origem luso-brasileira atravessaram o rio
Paranaíba, penetrando no sertão desconhecido e enfrentando os contingentes nativos, fizeram
a guerra e se apropriaram de suas terras. Embora o desbravamento tenha sido obra de muitos,
grande parte da historiografia corrente que trata do tema tem reservado a uns poucos a
realização do gigantesco projeto, talvez por escassez de fontes ou por opção do próprio
pesquisador. Poucos deixaram registros de suas passagens nessa região; os que o fizeram
eram, geralmente, pessoas que ocupavam cargos públicos, chefes de famílias numerosas e
politicamente influentes.
O processo migratório, nos trinta anos anteriores à Guerra do Paraguai, em território
mato-grossense, deu-se através de duas correntes. Uma delas foi procedente do norte de Mato
Grosso, de Cuiabá, decorrendo da crise política de 1834, que resultou num movimento armado
conhecido como Rusga ou Revolução Cuiabana.Terminou com a morte ou fuga de dezenas de
pessoas, que se deslocavam no sentido Norte-Sul, à procura de campos para a criação nos
Pantanais, nos vales dos rios tributários do Baixo-Paraguai e, em parte, nos campos da
Vacaria:
Documentadamente comprovado, um dos pioneiros do desbravamento das terras
sulinas do baixo-Paraguai foi Brás Pereira Mendes, que se fixou, em 1834, nas
cabeceiras do Rio Negro. Malquistara-se em Cuiabá a propósito da desordem da
rusga, desinteligência sangrenta entre lusos e brasileiros. E descera para as terras do
sul.
51
.
50
Sobre a ocupação sul-matogrossense e o papel dos Lopes, um grande clã que migrara de Minas Gerais para
Mato Grosso nos anos de 1830, ver João Lucidio, Nos Confins do Império: um deserto de homens povoado por
bois. (A ocupação do planalto sul Mato Grosso 1830 1870), p.77.
51
ALMEIDA, M., Episódios Históricos da Formação Geográfica do Brasil, p.228.
45
A outra onda de migrantes pioneiros procedeu, em grande parte, de Minas Gerais e de
algumas regiões de São Paulo, como Franca, por exemplo, em direção Leste-Oeste até
encontrar-se com os cuiabanos no vale do rio Miranda. A partir daí, espalhou-se até as
margens dos rios Ivinhema, Iguatemi e Apa, atingindo o extremo sul de Mato Grosso e a
fronteira com o Paraguai, motivada pelo entusiasmo com os extensos campos de criar:
Na região da Vacaria, os formosos campos de forragem nativa se alongaram a perder
de vista, como um oceano verde de suaves ondulações, com pequenas manchas de
capões de tonalidade mais acentuada, compondo uma paisagem de empolgante e
serena beleza. No decurso de muitos anos êsses campos ficaram isolados do contato
do civilizado.
52
No século seguinte ao descobrimento, os portugueses chamavam de sertão toda a
terra que se estendia, desconhecida, diante do litoral, todo o território que se abria para além
da costa onde aportavam com seus navios. Nos séculos XIX e parte do XX, o termo sertão
continuou a designar grandes áreas do interior do território brasileiro, tanto aquelas áreas
desconhecidas, como as pouco povoadas. Era a fronteira entre civilização e barbárie, dentro do
próprio território nacional. Misterioso, mítico, inculto, deserto, longínquo, vazio Ao longo do
tempo, incontáveis colonizadores, aventureiros, senhores, mercadores, religiosos e criminosos,
viveram da implantação de núcleos de povoamento, de coleta e extração de recursos naturais
ou, mesmo, da instalação de núcleos de exploração econômica efetiva em terras do sul de
Mato Grosso, o que significou confronto e, em muitos casos, extermínio total ou parcial de
vários povos nativos. Devo acrescentar que, além do gentio bravio, a natureza, como matéria
bruta a ser transformada, representava mais uma variante da violência cotidiana para esses
pioneiros.
No século XIX, são numerosas e diversificadas as “visões do sertão”
53
. Mas elas
apresentam alguns pontos em comum, que são as referências das imagens do verde eterno das
matas, da solidão e da grandiosidade apresentada por aquela região. Baixíssima densidade
populacional e dimensão territorial excessiva. Solidão pelo afastamento da civilização e
grandiosidade diante da natureza. A narrativa do Visconde de Taunay, cujos escritos sobre o
52
ALMEIDA, M., Episódios Históricos da Formação Geográfica do Brasil, p.227.
53
O sertão, nas suas mais variadas interpretações, tanto para escritores nacionais como para viajantes
estrangeiros, é analisado com maior profundidade em Lylia Galleti, Nos confins da civilização: sertão, fronteira e
identidade nas representações sobre Mato Grosso.
46
sul da província de Mato Grosso foram quase todos de memória, relatou com emoção a
paisagem, o tipo triste das pessoas, a música, as doenças, os contratos de casamentos, a morte,
a grandiosidade da natureza diante do sertanejo melancólico que tentava dominá-la. Em Visões
do Sertão, com riqueza de detalhes e de forma poética, o escritor narrou aspectos importantes
das condições de vida do sertanejo e da sua luta diante do deserto desconhecido.
Em Derrotas pelos Sertões das Províncias de São Paulo, Minas e Mato Grosso, de
Joaquim Francisco Lopes, uma espécie de diário de viagem, datado de 1829 a 1841, o
sertanista relatou suas incursões e penetrações pelas províncias, com riqueza de detalhes, e,
também, as condições de vida no sertão, o que, para ele, significava uma busca de terras para
se estabelecer e se fixar
54
.
Preferencialmente enfocadas pela historiografia, e que deixaram registros ao se
fixarem, dando origem a futuros povoados e, mais tarde, a sedes municipais, estão alguns
grupos familiares que formaram os primeiros grandes clãs, como, entre outros, os Souza,
Garcia Leal, Lopes, Barbosa e Pereira. Para o desenvolvimento deste trabalho, dois grupos
serão melhores analisados: o primeiro deles, o dos Gonçalves Barbosa, representados por
Antônio e Ignácio, procedentes de Franca, estado de São Paulo. Antônio, junto com toda a
família, escravos, criações e bens móveis, chegou à região do rio Pardo em 1835, dando o
nome de Sucuriú a sua posse. Dali seguiu, a convite do genro Gabriel Francisco Lopes, e se
estabeleceu nos campos da Vacaria, onde fundou, a partir de 1836, as posses Boa Vista e
Caçada Grande
55
. Com a chegada dos outros irmãos e suas famílias, em 1842, inicia-se o
processo de desbravamento da zona da Vacaria e de vários pontos da serra de Maracajú e
planalto de Amambaí. Com prole numerosa, os Barbosa povoaram o sul de toda a Província,
unindo-se com outros pioneiros, como os Lopes, através do casamento de Gabriel Francisco
Lopes e Senhorinha Maria da Conceição Barbosa.
O segundo grupo analisado, necessário para a compreensão deste trabalho, os Lopes,
procedia, segundo Mario Monteiro de Almeida, de Piunhi, em Minas Gerais. Por volta de
1820, o chefe do clã, Antonio Francisco Lopes, transferiu-se para a vila paulista de Franca,
onde alguns de seus filhos constituíram suas próprias famílias. As informações sobre os Lopes
54
ALMEIDA, M., Episódios Históricos da Formação do Brasil, p.234.
55
BARBOSA, E., Os Barbosa em Mato Grosso, p.14.
47
são escassas, sendo registrados pela historiografia apenas Joaquim Francisco Lopes, o
Sertanejo, Gabriel Francisco Lopes, desbravador dos sertões, que constituía posses para
negócios e José Francisco Lopes, o Guia Lopes, vaqueano das tropas brasileiras na Retirada
da Laguna, episódio da Guerra do Paraguai, imortalizado por Taunay.
Em 1846, Gabriel F. Lopes fundou, nas cabeceiras do Apa, hoje município de Bela
Vista, uma posse de terras, onde se instalou com a esposa, três filhos e quatro escravos.
Construiu duas casas, distantes uma da outra oito quilômetros, a que chamou Monjolinho e
Retiro. Em 1849, foi assassinado por dois escravos.
Inserida nesse contexto, de sertão-barbárie, natureza primitiva, luta pela terra,
fronteira internacional em litígio, com limites ainda móveis e enfrentando todos os tipos de
adversidades impostas por uma situação pioneira, está uma daquelas raras mato-grossenses
que povoaram essas terras e de quem ouvimos falar quando é relembrado o episódio Guerra do
Paraguai, na medida em que há um completo silêncio das fontes em relação à presença
feminina. Mais conhecida como D. Senhorinha Rafaela Senhorinha Maria da Conceição
Barbosa, filha de Antônio Gonçalves Barbosa, que era oriundo de Sabará, Minas Gerais, onde
fora furriel
56
, guarda do ouro da Coroa. Casada em primeiras núpcias com Gabriel Francisco
Lopes, teve que enfrentar sozinha, logo após a morte do marido, a captura e prisão por uma
patrulha militar paraguaia, em 18 de outubro de 1849, sob o comando do Capitão Ramos, que
a levou, juntamente com seus três filhos menores, dois escravos e mais um grupo de pessoas,
para o interior da República, e que tinha ordens de aprisionar todos os brasileiros que se
estabelecessem em propriedades agrícolas nas zonas que o Paraguai pretendia incorporar a seu
domínio.
57
O caso mais conhecido e registrado de brasileiros levados como prisioneiros é
verificado através do documento enviado por Antônio Gonçalves Barbosa, pai de D.
Senhorinha e Inspetor do Distrito da Vacaria (espécie de delegado), ao sub-delegado de
Miranda, Joaquim P. da Veiga, exigindo providências para o caso do seqüestro, pelos
paraguaios, de sua filha e família e outros brasileiros, perfazendo um total de vinte e duas
pessoas:
56
Patente das Forças Armadas no período monárquico, entre o cabo da esquadra e o segundo sargento.
Corresponde, hoje, ao terceiro sargento.
57
MENDONÇA, E., Datas Mato-grossenses, p.70.
48
Recebi o ofício que V. S. dirigiu-me e estou presente. A minha filha há mais de vinte
dias que foi roubada com tôda a sua família e criação, só o carro conduzirão. Entendo
também fora o meu genro, o filho do Exmo. Sr. Barão e seus camaradas. Creio que
foram 22 pessoas que roubaram dos nossos.
Esbarrancado, 12 de novembro de 1850
Ilmo. Subbdelegado Joaquim Paes da Veiga
Antônio G. Barbosa, Inspetor de Vacaria.
58
Por exigência do representante diplomático do Império em Assunção, Conselheiro
Silva Paranhos, conhecido como Visconde do Rio Branco, foram libertados mais tarde,
retornando ao Brasil, quando D. Senhorinha se casou, segundo o costume generalizado
naquela época, com seu cunhado, José Francisco Lopes, que também tinha enviuvado, de
Maria Pereira, deixando três filhos: José Francisco Lopes Junior, Teothonia e Ritta. Passou a
residir na Fazenda Jardim, à margem do Rio Miranda.
A eclosão do confronto bélico com o Paraguai representou, para D. Senhorinha, uma
nova prisão, no mês de agosto de 1864, juntamente com seus filhos, quando, ao lado de
centenas de outros moradores da fronteira e, por isso mesmo, muito mais expostos às agruras
de uma guerra, são internados como prisioneiros, como Frei Mariano, no interior da
República, agora por um tempo e sofrimento muito maior.
59
O marido, José Francisco, ausente
em Miranda, escapa de ser aprisionado, situação semelhante a sua primeira prisão, quando
também se encontrava sozinha, sem a proteção do chefe da família. A incrível mobilidade
masculina era, provavelmente, resultado da busca incessante por novas terras, deixando as
mulheres, periodicamente, em estado de abandono. Essa segunda prisão é registrada por
Taunay:
Quando, em 1865, irromperam os paraguaios em território brasileiro, conseguira
escapar-lhes, mas único da família, que caíra toda em poder do inimigo e fora
58
SOUZA, J., Evolução Histórica do Sul Mato Grosso, p.105.
59
Fray Mariano de Bagnaia, vice prefecto de las misiones apostólicas en Mato Grosso, del 30.8.1869, quien junto
con otros dos hermanos había sido llevado a Paraguay. Mientras que los otros dos monges habían sido
asesinados, Fray Mariano sobrevivió la guerra en cautiverio paraguayo bajo condiciones indignas. POTTHAST-
JUTKEIT, B., “Paraíso de Mahoma” o “País de las mujeres”?, p. 246; SPANZERLA, A., A História de Frei
Mariano de Bagnaia, p.110.
49
transportada para a aldeia paraguaia de Horcheta, a sete léguas da cidade de
Concepcion. Com ela ali vivia o coração do velho guia.
60
Taunay alega que foi por esse motivo que José Francisco decidiu servir de guia ao
exército brasileiro, sempre na esperança de poder resgatar sua mulher, em meio a charcos e
pântanos, na invasão malograda pelo norte:
... Por tôdas estas razões, nêle encontrou o Coronel Camisão apaixonado adepto.
Desde que, dando-lhe a conhecer os seus projetos, acenou a José Francisco Lopes
com o ensejo de, como guia da expedição, ir ter com a família e vingar-lhe os
agravos, empolgou o espírito do sertanista brasileiro, que, apesar de todo o ardor,
jamais perdeu, contudo, a perfeita intuição das conveniências.
61
D. Senhorinha, seus filhos e escravos foram enviados, juntamente com outros
prisioneiros brasileiros e estrangeiros (da região de Corumbá), para o interior do Paraguai,
onde permaneceram por cinco anos. É possível que tenham conseguido sobreviver graças ao
cultivo da agricultura de subsistência. Estes prisioneiros foram resgatados pelas tropas
brasileiras em 1869, sem comida, roupas e sapatos. Outro prisioneiro que a historiografia
memorialista registrou também foi resgatado, no dia 15 de agosto, em Caacupê:
Achámos muitos prisioneiros, nossos compatriotas. Entre elles, estava um frade
capuchinho, Frei Mariano, que cahira nas mãos das forças de Barrios, na invasão de
Matto-Grosso. Que differença entre o sacerdote e os soldados! Àquelle, com o habito
de burel muito gasto, mas com o corpo, bem fornido de suas carnes, alegre e risonho;
os outros esqueleticos, macilentos e edemaciados parecendo terem perdido a
lembrança do sorriso e com o corpo retalhado de cicatrises dos tagantes do fero
Dictador.
62
Apesar do quadro de tensão na região do Prata e dos constantes alertas enviados pela
correspondência diplomática em Assunção
63
, e pelo Palácio do Governo da Província de Mato
Grosso
64
ao governo imperial, na década de 60, de que existia, por parte do governo
60
TAUNAY, A., A Retirada da Laguna, p.39.
61
TAUNAY, A., A Retirada da Laguna, p.40.
62
CERQUEIRA, D., Reminiscencias da Campanha do Paraguay, p.332.
63
DORATIOTO, F., Maldita Guerra, p.98.
64
RELATÓRIO do Presidente da Província de Mato Grosso Brigadeiro Alexandre Manoel Albino de Carvalho,
de 10 de outubro de 1864, p.6.
50
paraguaio, indícios evidentes de preparo para uma guerra, o Brasil achava-se totalmente
indefeso e despreparado, a ponto de, seis meses depois de iniciada a luta, não ter conseguido
tomar a ofensiva. A ocupação do Forte de Coimbra, em dezembro de 1864, e, no ano seguinte,
das vilas de Corumbá, Dourados e Miranda, demonstrou, tanto para o Império como para a
província, a fragilidade militar da fronteira meridional mato-grossense, o que foi constatado
pelo abandono dessas pequenas vilas, as quais, com execeção de Dourados e, por pouco
tempo, Coimbra, esboçaram uma pequena reação. Oficialmente, a guerra começou com a
captura, pelos paraguaios, do navio Marquês de Olinda, a 11 de novembro de 1864, que levava
a bordo o novo presidente da província de Mato Grosso, Coronel Frederico Carneiro de
Campos. Entre desentendimentos e desencontros do governo local e a Corte, devidos, em
parte, pela escassez de informações, e pela falta de verbas provenientes do centro para a
província, a população civil mato-grossense encontrava-se totalmente indefesa, recaindo sobre
ela todos os horrores que uma guerra acarretava.
De fato, quando se fala em guerra, tradicional esfera de poder exclusivamente
masculino, nunca se pensa em mulheres e crianças, mas elas penetraram e atuaram num
universo que não lhes pertencia. Na teoria, a guerra era um universo de homens, armas,
cavalos, fome, doenças, mortes, etc. mas, na prática, as mulheres tiveram um papel na Grande
Guerra, tanto as brasileiras como as paraguaias, formando um segmento significativo, na
retaguarda e nunca passivo, como mães, esposas legítimas ou não, enfermeiras, prisioneiras
escravas, fugitivas, etc., atuando nas mais diversas frentes de trabalho e enfrentando, junto
com os homens, tudo o que uma guerra proporcionava. Mesmo que a escassez das fontes e o
número pouco significativo de estudos que tratam da história social mato-grossense como um
todo dificultem os trabalhos sobre o tema, cotejando-se os memorialistas com as pesquisas
mais recentes, é possível avançar na história das mulheres que estiveram na Guerra do
Paraguai.
No Arquivo Histórico do Itamarati, por meio da análise da documentação
diplomática, emitida pelo Consulado Geral do Brasil, em Assunção, no dia 10 de dezembro de
1869, que relatava as despesas efetuadas com socorros prestados às famílias resgatadas pelo
Exército Brasileiro, sob o comando do Brigadeiro Câmara, e que se encontravam prisioneiras
dos paraguaios, no Distrito de Conceição, é possível conhecer diversas situações e momentos
por que passaram mulheres e crianças, durante a guerra. As despesas, num total de 96 libras
51
esterlinas e quinze shillings, “foram sacadas contra o Tesouro Público Nacional e a favor de
Pedro Pinheiro Guimarães”:
Consulado Geral do Brasil
Assumpção, 10 de Dezembro de 1869
Illmo. Exmo. Snr.
Levo ao conhecimento de V. Excia. que nesta data saco contra o Thesouro Publico
Nacional e a favor de Pedro Pinheiro Guimarães a quantia noventa e seis libras
esterlinas e quinze shillings, importância nesta data despendida por este Consulado
com socorros prestados às famílias brasileiras, resgatadas no Districto de Conceição
pelas forças sob o Commando do Brigadeiro Câmara, e rogo à V. Excia que se digne
mandar honrar este saque
Ao S. Excia. O Snr. Conselheiro Barão de Cotegipe, Ministro e Secretario de Estudo
dos Negócios da Marinha e interinamente dos Negócios Estrangeiros.
Tenho a honra de reiterar à V. Excia. As seguranças de meo respeito e distincta
consideração.
Miguel Joaquim de Souza Machado.
65
Outro processo, bastante curioso, em que se pede indenização ao governo brasileiro,
foi o de João José Monteiro, que relatou, com dramaticidade, os pormenores de seus
padecimentos e perdas com a ocupação paraguaia, o aprisionamento de sua família e prisão no
Paraguai, com informações detalhadas :
Illmo. Sr. Cônsul
Dis João José Monteiro, natural de Cuiabá, commerciante e proprietaário em
Corumbá, que tendo a desgraça de cahir prisioneiro em poder do inimigo que invadio
sua Província, bem como, sua mulher, dous filhos e duas escravas, foram todas
conduzidas com o supllicante para esta Cidade. Aqui lhe forão tomadas as escravas
para darem as famílias dos invasores (em cujo poder ellas ainda se achão) e sendo o
supllicante enviado com sua família para diversos pontos do interior, foi depois
mandado para Peribebuy, onde foi resgatado depois do combate do dia 12, cheio de
miséria e gravemente enfermo, como V. Il. Não ignora, nem o Exmo. Sr. Conselheiro
Paranhos, pois que ambos, por effeito de bondade, já tem honrado o supllicante com
suas [ilegível] no leito da dor em que se acha com sua família.
Em tal estado, recorre o Supllicante a V. Sª para pedir-lhe o abono de trinta libras
esterlinas por conta do Estado.
Assumpção, 4 de outubro de 1869.
66
65
AHI. Consulado Brasileiro. Ofícios Recebidos. Assunção. 1855-1881.
66
AHI. Consulado Brasileiro. Ofícios Recebidos. Assunção. 1855-1881.
52
Esses documentos, encontrados no Arquivo Histórico do Itamarati, num total de seis,
elaborados pelo Quartel do Comando do Depósito de Recruta em Assunção, e datados dos dias
5 de novembro e 13 de dezembro de 1869,
67
permitem esclarecer muitas dúvidas a respeito
dos moradores da fronteira mato-grossense. São relações que mencionam os primeiros
socorros prestados às 146 pessoas resgatadas; dentre elas, encontramos D. Senhorinha e oito
de seus familiares. Segundo o relatório do Major João Batista Barreto Leite, foi distribuído,
além de peças para vestuário, como tecidos, chapéus, bonés de pressão e sapatos, todo o
material necessário para a confecção de roupas, como agulhas, linhas, botões de madrepérola,
colchetes e dedais, revelando que as próprias famílias confeccionavam suas vestimentas.
Esses documentos são profundamente enriquecedores para o estudo de um tema
que, até hoje, somente alguns memorialistas relatavam, mas sem a comprovação necessária
para um trabalho científico.
Não busco, ali, uma nova interpretação para um grande acontecimento. Minha
preocupação é mostrar o duro cotidiano das pessoas comuns, em sua totalidade, mulheres e
crianças, diante do inimigo e em um país estranho; como conseguiram sobreviver aos horrores
da guerra, em que estado estavam quando foram encontradas e quais suas necessidades mais
imediatas. Através de uma análise criteriosa, posso inferir que as pessoas, após cinco anos de
guerra e prisioneiras, encontravam-se doentes, desnudas e descalças, o que justificava a
distribuição de tecidos e material para a confecção de roupas, sapatos e bonés, conforme
consta da relação nº2
68
. Para atender os resgatados, doentes e desnutridos, das famílias
brasileiras e seus escravos, foi criada uma enfermaria provisória, no edifício Quartel de São
Francisco, localizado no Depósito de Recruta. A relação nº 5
69
traz os nomes e as idades dos
internos dessa enfermaria, uma observação com relação aos escravos (ilegível) e seus donos.
No dia 13 de dezembro de 1869, encontravam-se internas 45 pessoas; entre elas, cinco
parentes de D. Senhorinha: Maria do Carmo Lopes (30 anos), Rita Ramona Lopes (17 anos),
Isabel Simão Lopes (16 anos), Fausta Felicíssima Lopes (13 anos) e Pedro José Lopes (12
anos).
67
AHI. Consulado Brasileiro. Ofícios Recebidos. Assunção. 1855-1881.
68
AHI. Consulado Brasileiro. Ofícios Recebidos. Assunção. 1855-1881.
69
AHI. Consulado Brasileiro. Ofícios Recebidos. Assunção. 1855-1881.
Figura 9: Relação das Familias da Provincia de Mato Grosso que se achavão prizioneiras dos inimigos, e que sendo
resgatadas receberão pelo Consulado Brazileiro desta Republica os generos para seo vestuario, que vão abaixo
declaradas.
N.º Nomes Annos de
Idade
Chita Murim Algodão
trançado
e riscado
Baeta Chapeos Bonnes Sapatos
1 Maria das Dores Ferreira 38 8 ½ 4 2 ¼ /
2 Emerenciana Theresa do Espirito Santo 20 8 ½ 4 2 ¼ /
3 Bernardina de Senna Pereira 19 8 ½ 4 2 ¼ /
4 Maria Ritta da Conceição 17 8 ½ 4 2 ¼ /
5 Maria Francisca 12 8 4 2 /
6 Maria Ritta 12 7 4 2 /
7 Belarmina das Dores 4 2 2 2
8 Salviana Pereira da Roza 7 3 2 2 /
9 Rupiana Candida do Espirito Santo 26 8 ½ 4 2 ¼ /
10 Dario Ladario Mariano 6 2 2 2
11 Antonio Ferreira 11 2 2 ¼ 2 / /
12 Maria Ignacia Zeferina 28 8 ½ 4 2 ¼ /
13 Margarida Francisca Zeferina 28 8 ½ 4 2 ¼ /
14 Maria Joana Zeferina 18 8 ½ 4 2 ¼ /
15 Camilla Maria Zeferina 10 7 4 1 ²/
4
/
16 Justianno José de Souza 7 2 2 1 ½ / /
17 Julio Jose de Souza 9 2 2 ¼ 1 ½ /
18 Maria Ignacia Ferreira 40 8 ½ 4 2 ¼ /
19 Maria das Dores Ferreira 23 8 ½ 4 2 ¼ /
20 Maria do Carmo Ferreira 18 8 ½ 4 2 ¼ /
21 Mariana Ferreira 18 8 ½ 4 2 ¼ /
22 Demenciana Ferreira 8 7 ½ 4 2 ¼
Somma 75 ½ 77 7 14
61
61
N.º Nomes Annos de
Idade
Chita Murim Algodão Baeta Chapeos Bonnes Sapatos
Transporte 75 ½ 77 7 14
23 Viriato Ferrreira 7 2 ½ 2 2 /
24 Pedro Gonçalves Ferreira 3 2 2
25 Anna Silveria Zeferina 48 8 ½ 4 2 ½ /
26 Perceliana Maria da Trindade 22 8 ½ 4 2 ½ /
27 Mequelina Zeferina 20 8 ½ 4 2 ½ /
28 Maria da Gloria 9 7 ½ 3 2 /
29 Felicissima Zeferina 10 7 ½ 3 2 ½ /
30 Polidonia Maria d’Arruda 28 8 ½ 4 2 ¼ /
31 Francisco Ferreira 11 2 2 ¼ / /
32 Joaquim Marcondes 7 3 2 2 /
33 Floriana Maria 22 8 ½ 4 ²/
4
/
34 Antonia Bernardino 20 8 ½ 4 2 ¼ /
35 Maria Rita 7 5 2 2 ¼
36 Maria Antonia Barbosa de Jesus 40 8 ½ 4 2 ¼ /
37 Senhorinha Maria da Conceição 47 8 ½ 4 2 ¼ /
38 Maria do Carmo Lopes 30 8 ½ 4 2 ¼ /
39 Rita Romana Lopes 17 8 ½ 4 ²/
4
/
40 Izabel Simão Lopes 16 8 ½ 4 2 ¼ /
41 Fausta Felicissima Lopes 13 7 2 ½ 2 /
42 João José Lopes 11 2 ²/
2
2 / /
43 Pedro José Lopes 12 2 2 ½ 1 ¼ / /
44 José Francisco Lopes 7 2 2 1 ½ /
45 Bernardo Francisco Lopes 5 2 2 1 ½
46 Rita Tomasia Ferreira 17 8 ½ 4 2 ½ /
47 Maria Ferreira 13 7 3 2 /
48 José Ferreira 8 2 2 1 ¾ /
Somma 74 76 14 28 ½
62
N.º Nomes Annos de
Idade
Chita Murim Algodão Baeta Chapeos Bonnes Sapatos
Transporte 74 76 14 28 ½
49 Maria de Jesus Ferreira 3 2 2 1 ¼
50 Francisco Xavier de Souza 12 2 ½ 2 ½ 2 / /
51 Maria Martins de Souza 10 6 2 ½ 2 /
52 Margarida do Carmo Souza 8 5 2 ½ 1 ¼ /
53 Etelvina do Carmo Souza 7 5 2 ½ 1 ½
54 Honorato Pedro de Souza 5 2 2 1 ½
55 José Epiphanio de Souza 3 2 2 1 ½
56 Rufina Maria do Espirito Santo 70 8 ½ 4 2 ²/
4
/
57 Antonia da Costa Conceição 40 8 ½ 4 2 ¼ /
58 Maria Rita de Jesus 19 9 4 2 ¼ /
59 Antonia Maria 12 8 ½ 3 1 ¼ /
60 Maria do Carmo 10 8 ½ 3 1 ¼ /
61 Maria Luisa 50 8 ½ 4 2 ¼ /
62 Maria Angelica 23 8 ½ 4 ²/
4
/
63 Joaquim Rodrigues 3 2 2 1 ½
64 Joaquina Luisa 3 3 2 1 ¼
65 Theotonia Joaquina 30 8 ½ 4 2 ¼ /
66 Maria Joaquina 14 8 ½ 4 2 ¼ /
67 Antonia Barboza 12 7 3 2 ¼ /
68 Zacarias Barboza 6 2 2 1 ¼
69 Cesario Barboza 7 2 2 1 ¾ /
70 Josepha Maria 40 8 ½ 4 ²/
4
/
71 Maria Terencia 30 8 ½ 4 2 ¼ /
72 Rita Bueno da Silva 20 8 ½ 4 2 ¼ /
73 Victalina Bueno da Silva 30 8 ½ 4 2 ¼ /
74 Anna Luisa 30 8 ½ 4 2 ¼ /
Somma 89 75 11 10
63
N.º Nomes Annos de
Idade
Chita Murim Algodão Baeta Chapeos Bonnes Sapatos
Transporte 89 75 11 10
75 Francisca Maria Luisa 20 8 ½ 4 2 ½ /
76 Maria José 12 8 3 1 ¾ /
77 Romana Motta 10 7 3 1 ½ /
78 Lucina Maria dos Santos 7 6 2 1 ¼
79 Maria Martinha 7 6 2 1 ¼
80 Ventura Henrique dos Santos 5 2 2 1 ¼ /
81 Vicente Antonio 2 2 2
82 Caetano de Pinho Vasconcellos 5 2 2 1 ¼
83 Maria Elena 6 6 2 1 ¼
84 Euzebio Campos da Silva 5 2 2 1 ¼
85 Maximiana Maria do Espirito Santo 50 8 ½ 4 2 ½ /
86 Mequelina de Souza 14 8 ½ 4 2 ½ /
87 Candida Rodrigues 30 8 ½ 4 2 ½ /
88 Victoria Tiburcio 20 8 ½ 4 2 ½ /
89 Anna Maria 30 8 ½ 4 2 ½ /
90 Manoel Germano do Espirito Santo 12 3 2 2 ½ / /
91 Francisca Maria 40 8 ½ 4 2 ¼ /
92 Maria Pinto 20 8 ½ 4 2 ¼ /
93 Esmeria Maria 40 8 ½ 4 2 ¼ /
94 Anna Maria 6 6 4 1 ¾
95 Maria Margarida 3 4 2
96 Aguida Maria 30 8 ½ 4 2 ¼ /
97 Francisca Antonia 12 8 ½ 4 2 ¼ /
98 Maria Custodia 30 8 ½ 4 2 ½ /
99 Maria Juliana 25 8 ½ 4 2 ¼ /
100 Maria da Crus 5 4 ½ 2 ½ 1 ¾
Somma 97 82 10 ¾ 11 ½
64
N.º Nomes Annos de
Idade
Chita Murim Algodão Baeta Chapeos Bonnes Sapatos
Transporte 97 82 10¾ 11 ½
101 Florencia Martinha 6 5 2 ½ 1 ¾
102 Anna Maria 20 8 ½ 4 2 ¼ /
103 Rita dos Passos de Jesus 20 8 ½ 4 2 ¼ /
104 Joanna Maria de Jesus 25 8 ½ 4 2 ¼ /
105 Joaquim Calisto 7 2 2 1 ¼
106 Anna Joaquina 13 8 4 2 /
107 Anna Vicencia 7 5 3 1 ¾
108 Percelina dos Santos 8 6 3 1 ¾
109 Sebastiana Maria do Espirito Santo 16 8 ½ 4 2 ¼ /
110 Barbara Maria Francisca 40 8 ½ 4 2 ¼ /
111 Domingas Mendes 40 8 ½ 4 2 ¼ /
112 Luisa Ribeiro 40 8 ½ 4 2 ¼ /
113 Joaquina Maria 22 8 ½ 4 2 ¼ /
114 Maria Rosa Barboza de Jesus 23 8 ½ 4 2 ¼ /
115 Maria Victoria Barboza 26 8 ½ 4 2 ¼ /
116 Francisca Barboza 20 8 ½ 4 2 ¼ /
117 Joana Barboza 27 8 ½ 4 2 ¼ /
118 Claudina Barboza 16 8 ½ 4 2 ¼ /
119 Torquato Barboza 13 8 ½ 4 2 ¼ /
120 Maria Geralda Barboza 6 5 2 ½ 1 ¼
121 Anna Joaquina Barboza 20 8 ½ 4 2 ¼ /
122 Maria Lucinda Barboza 12 8 ½ 4 2 ¼ /
123 Miguel Francisco Barboza 6 2 2 1 ¼
124 Urbano Barboza 6 2 2 1 ¼
125 Theodosia Maria de Arruda 25 8 ½ 4 2 ¼ /
126 Carolina Maria da Crus 10 6 3 2
Somma 103 89 6 63 ¾
65
N.º Nomes Annos de
Idade
Chita Murim Algodão Baeta Chapeos Bonnes Sapatos
Transporte 103 89 6 63 ¾
127 Anna Gertrudes da Silva 30 8 ½ 4 2 ¼ /
128 Antonio Patrício 8 2 2 1 ²/
4
/
129 Margarida Ferreira da Silva 9 6 3 2
130 Maria Roza de Jesus 46 8 ½ 4 2 ¼ /
131 Candida d’Oliveira 26 8 ½ 4 2 ¼ /
132 Ludovina d’Oliveira 23 8 ½ 4 2 ¼ /
133 Feliciana d’Oliveira 18 8 ½ 4 2 ¼ /
134 Silveria d’Oliveira 16 8 ½ 4 2 ¼ /
135 Magdalena d’Oliveira 13 8 3 2 ¼ /
136 Anna d’Oliveira 6 4 2 1 ¾
137 Ignocencia d’Oliveira 14 8 ½ 3 2 ¼ /
138 José d’Oliveira 9 2 2 1 ¾ /
139 João d’Oliveira 5 2 2 1 ¼
140 Emerenciana d’Oliveira 5 4 2 1 ¼
141 Antonio de Oliveira 5 4 2 1 ½
142 Camilla de Oliveira 3 2 2 1 ½
143 Vicente de Oliveira 3 2 2 1 ½
144 João Chissostomo de Oliveira 5 2 2 1 ½ /
145 Baldoina Gonsalves Barboza 29 8 ½ 4 2 ¼ /
146 Maria Jacintha de Oliveira 20 8 ½ 4 2 ½ /
Somma 858 473¹/
3
71¹/
4
287¾ 11 10 98
66
Alem dos artigos acima mencionados, isto é, oitocentas e cinqüenta e oito jardas de chita, quatrocentas e setenta e tres e meia jardas de murim,
setenta e uma e uma quarta jarda de algodão trançado riscado, dusentas e oitenta e sete e tres jardas de baeta vermelha superior, onze chapeos
de velludo preto, dez bonnes de pressão forrados de seda e noventa e oito pares de sapatos de lona, receberão mais as ditas familias o seguinte:
mil agulhas, duas libras de linhas em novellos, seis dusias de botões de madropello, seis ditas de dedais, seiscentas e quarenta pares de colxetes.
Quartel do Commando do Deposito de Recruta em Assumpção, 5 de Novembro de 1869.
João Batista Barreto Leite
Commandante do Deposito de Recrutas
Certifico que os generos especificados na relação supra asignalada pelo Major João Baptista Barreto Leite, commandante do Deposito
de Recruta, foram distribuídos pelos individuos mencionados na dita relação.
Assumpção, 10 de dezembro de 1869
Miguel Joaquim de Souza Machado
Fonte: Arquivo Histórico do Itamaraty.
67
60
No sistema cruel da escravidão, os escravos acompanhavam seus senhores e
enfrentavam juntos os horrores da guerra e da prisão, sendo registrada a internação, na
enfermaria, de um deles, pertencente à família Lopes.
Os maus tratos que estas pessoas sofreram, durante o tempo em que estiveram
prisioneiras, debilitaram de tal modo a sua saúde que, nos poucos dias que permaneceram em
Assunção e apesar do cuidado que receberam para minorar seus sofrimentos, foi muito grande
a mortalidade na enfermaria criada para atendê-las. Na relação nº 4
70
, com a mesma data de 13
de dezembro, constam os nomes das famílias brasileiras e seus escravos, que não tinham
nomes e nem sobrenomes, e que faleceram na enfermaria provisória, num total de 25 pessoas,
no Quartel de São Francisco. Além dos nomes e das idades, também se faz referência às datas
de falecimentos, como dia, mês e ano. Consta na observação que, da família Lopes, faleceu
um escravo, no dia 7 de novembro de 1869.
Além do socorro prestado pelo Consulado Geral do Brasil, as famílias receberam,
também, ajuda de outros brasileiros moradores da capital paraguaia, como relata o documento
abaixo transcrito, emitido por um funcionário do Consulado Brasileiro:
Para attender as diversas necessidades dessa pobre gente, alem dos socorros
prestados por este Consulado, eu, o Srn. General Polydoro, Brigadeiro Salustiano e
Dr. Pitahy, promovemos uma subscrição, entre alguns brasileiros, em favor destas
infelizes familias, e o producto desta subscripção, um conto tresentos e noventa e um
mil e setecentos réis, foi entregue a uma comissão, de que faço parte, para distribui-
lo entre as referidas famílias pelo modo que mais conveniente fosse.
Opportunamente remeterei a V. Ex.a relação das pessoas que subscreverão-se para
tão caridoso fim.
Miguel Joaquim Souza Machado
71
.
A última relação, a de n.º6
72
, refere-se às famílias brasileiras que se achavam prontas,
no Quartel de S. Francisco, à espera de transporte para a província de Mato Grosso. É
interessante observar que, nessa relação, D. Senhorinha aparecia acompanhada somente de
seus 3 filhos homens e menores de idade: João (11), José (7) e Bernardo (5). As filhas
mulheres e um dos filhos, que apareciam em outras relações, nesta, de nº 6, não se encontram,
70
AHI. Consulado Brasileiro. Ofícios Recebidos. Assunção. 1855-1881.
71
AHI. Consulado Brasileiro. Ofícios Recebidos. Assunção. 1855-1881.
72
AHI. Consulado Brasileiro. Ofícios Recebidos. Assunção. 1855-1881.
61
provavelmente por ainda se encontrarem doentes e internados na enfermaria criada para
atendê-los.
Outro caso de prisioneira de guerra, encontrada e resgatada por tropas brasileiras
comandadas pelo major Antonio José de Moura, em Tibicuari, em dezembro de 1869, foi o de
D. Ignez Augusta Corrêa de Almeida, esposa do negociante Ricardo da Costa Leite, que foi
presa em Corumbá, em 1865, e levada para Assunção, com seu marido e dois filhos. Quando
foi encontrada, já havia perdido toda a sua família. Recebeu do Exército Brasileiro um auxílio
de vinte libras esterlinas e roupas, seguindo para Rosário e dali para Mato Grosso, chegando
em Cuiabá em fevereiro de 1870. Faleceu em 1887, reclusa e sem conseguir se recuperar dos
horrores e sofrimentos da guerra.
73
Pela análise do documento, observo a não existência de homens adultos, sob a ótica
atual, pois os mais velhos, Pedro José Lopes, Francisco de Souza e Manoel Germano do
Espírito Santo, tinham, nessa época, apenas 12 anos. No entanto, para a época, eles já eram
considerados homens feitos, como menciona Gilberto Freyre:
Meninos-diabos eles só eram até os dez anos. Daí em diante tornavam-se rapazes.
Seu trajo, o de homens feitos. Seus vicios, os de homens. Sua preocupação,
sifilizarem-se o mais breve possível, adquirindo as cicatrizes gloriosas dos combates
com Vênus que Spix e Martius viram com espanto ostentadas pelos brasileiros.
74
Apesar disso, o número de mulheres era muito maior que o dos homens: 116 eram
mulheres e 30 eram homens, o que se justifica pelo estado de guerra em que se encontravam.
A maioria não trazia sobrenomes, mas alguns eram de famílias bastante significativas, como
os Barbosa, os Lopes, os Oliveira, os Souza, entre outros. Alguns substituíam o sobrenome da
família por nomes evocativos de santos, possivelmente por sugestão dos próprios párocos,
para demonstrarem alguma religiosidade ou, talvez, um costume de época, com destaque para
os que seguem:
‘do Espirito Santo’, ‘ das Dores’, ‘ de Jesus’, ‘da Crus’, ‘dos Santos’, ‘da Trindade’,
‘da Conceição’.
73
MENDONÇA, E., Datas Mato-grossenses, p.285.
74
FREYRE, Gilberto., Casa-Grande & Senzala, p.671.
62
Os nomes mais comuns encontrados foram Marias (59) e Annas (10), não sendo
possível identificar, pelo documento, quem era o chefe da família, já que não existia nenhum
homem adulto e as mulheres foram relacionadas sem nenhum critério familiar. Tudo indica
que pessoas com o mesmo sobrenome formariam um grupo familiar e a mulher mais velha
seria a sua representante. Diante desses resultados, a população infantil era de 57 crianças,
num universo de 146 pessoas, sendo que 30 eram meninas e 27 eram meninos, predominando
a faixa etária de 2 a 11 anos.
Até o século XIX, não havia, propriamente, distinção entre os tecidos usados pelos
homens e os usados pelas mulheres. A diferença das fazendas relacionava-se, antes, com a
condição social e com o tipo de traje que com o sexo, as mais grosseiras sendo utilizadas tanto
para o grupo feminino como para o masculino
75
. No Brasil dos séculos XVI, XVII e XVIII, os
colonos usavam roupas impróprias para o clima. A falta de adaptação do traje brasileiro ao
clima tropical chegou até o século XIX, acentuando-se, mesmo.
76
Os tecidos que as famílias
receberam do Consulado Brasileiro, como chita, morim, algodão trançado e riscado, o veludo
dos bonés, e a baeta, não fugiam à regra geral. Esses tipos de tecidos, também usados pelos
escravos, no século XIX, são observados por meio dos anúncios do Jornal do Comércio, do
Rio, e do Diário de Pernambuco, que esclarece sobre a indumentária dos escravos domésticos:
...a maioria , de camisa de baeta encarnada e ceroula de algodão; ou de calça e
camisa de estopa; ou de camisa de algodão grosso e calça de ganga. Mulecas de
vestido de panno da Costa com listas vermelhas; pretas velhas de vestidos de chita
roxa, saia lila, preta por cima, panno da Costa azul com matames brancos, e lenço
azul amarrado na cabeça.
77
O modo de vestir da maioria da população, tão comum e de cores vivas, pode ser
vislumbrado a partir do relato de uma viajante inglesa que, no século XIX, esteve no Brasil e
achou horrorosa a situação das mulheres, “ignorantes, beatas, nem ao menos sabiam vestir-
se. Anotou Mrs. Kindersley que as mulheres envelheciam depressa, apresentando uma
aparência de um amarelo doentio. Relatou também que:
75
MELO E SOUZA, G., O Espírito das Roupas, p.69.
76
FREYRE, G., Casa-Grande & Senzala, p.678.
77
FREYRE, G., Casa-Grande & Senzala, p.717.
63
...as mulheres do século XVIII trajavam-se que nem macacas: saia de chita, camisas
de flores bordadas, corpete de veludo, faixa. Por cima desse horror de indumentária,
muito ouro, muitos colares, braceletes e pentes.
78
É preciso considerar que os viajantes, de um modo geral, adotavam uma perspectiva
típica da tradição européia; suas narrativas transparecem a arrogância de um estrangeiro diante
de um nativo, não se preocupando, ao relatar suas impressões, com particularidades de uma
região tão diferente das deles, como clima, população, costumes etc. Era o olhar do europeu se
espantando com a formação social preconceituosa, a qual proporcionava um modo de vida que
desconsiderava as contradições da vida das diferentes camadas sociais.
O tecido que predominava era a chita, um tecido ordinário de algodão, estampado e
colorido, sendo entregue a todas as mulheres, perfazendo um total de 858 jardas,
79
ou seja, 784
metros. O segundo tecido mais usado, tanto por homens, como por mulheres, foi o morim,
totalizando 473 ½ jardas ou 432 metros.
Com a eclosão da Guerra do Paraguai, a vida dos habitantes da província de Mato
Grosso tornou-se mais difícil. O bloqueio à navegação do rio Paraguai, imposto por Francisco
Solano Lopes, interrompeu o fluxo comercial fluvial que permitia o abastecimento com certa
regularidade. Como alternativa de vida no período da guerra, a população livre e pobre, com
alguma qualificação, encontrou novas possibilidades de trabalho, tais como a produção de
armamentos, embarcações, a carpintaria, marcenaria e costura, entre outros. De fato, o Arsenal
de Guerra, em Cuiabá, foi transformado numa grande oficina e em mercado de trabalho para
os livres pobres, tanto para os homens, como carpinteiros, marceneiros, etc. como para as
mulheres, como costureiras, lavadeiras, já que o estado de guerra ampliava o contingente
militar:
80
O Arsenal de Guerra, necessitando contratar o feitio de mil bonés para os diferentes
corpos estacionados nesta Província, convida as pessoas que dele de queiram
encarregar, a apresentarem suas propostas em carta fechada, com declaração do
78
FREYRE, G., Casa-Grande & Senzala, p.581.
79
Unidade fundamental de comprimento do sistema inglês, equivalente a 3 pés ou 914 mm.
80
VOLPATO, L., Cativos do Sertão: Vida cotidiana e escravidão em Cuiabá em 1850-1888, p.70.
64
menor preço até ao dia 14 do mês de maio. Cuiabá, 29 de abril de 1865. Manoel F.
de Moraes Escriturário interino.
81
A dificuldade em obter fontes para buscar reconstruir a presença das mulheres foi,
por vezes, desanimadora, devido à parca produção de caráter historiográfico que trata do tema.
Quando existem registros, são pouco organizados; como penetrar no passado, quando,
praticamente, não se deixaram vestígios de seu cotidiano? Uma das possibilidades é tentar
cruzar os dados disponíveis. Entretanto, apesar da exigüidade das fontes e no meio de muitas
dificuldades, um processo encontrado no Arquivo do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do
Sul, em Campo Grande
82
, revelou material privilegiado na tarefa de fazer vir à tona uma parte
da vida de D. Senhorinha, seus familiares e todo o contexto de uma época difícil do pós-
guerra. Trata-se do inventário de José Francisco Lopes
83
, o famoso Guia Lopes, da Retirada
da Laguna, de Taunay. A sua leitura permitiu-me recolher algumas informações pertinentes a
essa pesquisa, não tendo eu, porém, a perspectiva de esgotar o estudo a respeito da História
Social em Mato Grosso. É um material denso, que requer uma leitura paciente e uma análise
criteriosa que envolveria um espaço de tempo maior, e o considero, junto com outros
inventários, um fascinante convite à pesquisa histórica. Composto de 102 páginas, esse
processo, aberto na Comarca de Santa Cruz de Corumbá, pelo Juizo Municipal e Órfãos, em
1872, traz, inicialmente, a relação de herdeiros, que era preciso determinar muito claramente
ao se proceder a divisão da herança, já que D. Senhorinha tinha outros filhos com o primeiro
marido:
1872
JuizoMunicipal e Orphãos de Corumba
Inventario
Inventariado: José Francisco Lopes
Inventariante: A Viuva D. Senhorinha Maria da Conceição
Herdeiros das primeiras nupcias com D. Maria Pereira
1º Jose Francisco Lopes Junior, fallecido, e foi casado com D. Maria Victoria
Barbosa (existe)
81
O BOLETIM DE NOTÍCIAS., Cuiabá, 9 de maio de 1865, p.2.
82
Documento encontrado graças a informação da Profª. Drª. Nanci Leonzo.
83
INVENTÁRIO de José Francisco Lopes.
65
2º D. Teothonia Maria Lopes, fallecida e foi casada Ignacio Gonsalves Barbosa,
deixando no seculo um filho de nome Zacarias de 12 annos e outro de nome Antonio
de 15 annos
D. Ritta Lopes, casada com Verissimo Antonio Cardoso, ambos falecidos
deixando no seculo um filho de nome Manoel Verissimo Cardoso de 15 annos
Herdeiros das segundas nupcias
1º D. Isabel de idade de 19 annos
2º D. Fausta de idade de 17 annos
3º João de idade de 16 annos
4º Pedro de idade de 14 annos
5º Jose de idade de 11 annos
6º Bernardino de idade de 10 annos
O Escrivão [ilegível]
Anno do nascimento de nosso senhor Jesus Christo de mil oito centos setenta e tres,
aos trinta dias do mês de outubro do dito anno, nesta Vila de Corumba, e no meu
Cartorio, por parte de Dona Senhorinha Maria da Conceicão, viuva de Jose Francisco
Lopes, foi-me entregue o requerimento que adiante se ve despachado pelo
meretissimo juiz municipal e de Orphãos o alferes Jose Joaquim de Sousa França do
que para constar, faço esta autoação em que me assigno. Eu Pacifico Lastenio,
Escrivão de Orphão que escrevi.
84
Ao cotejar esse primeiro documento, que traz a relação de filhos do segundo
casamento de D. Senhorinha, com a relação das famílias encontradas e resgatadas pelo
exército brasileiro no Paraguai, em 1869, não encontrei o nome de Maria do Carmo e Rita
Ramona, provavelmente porque eram filhas do primeiro casamento, com Gabriel Francisco
Lopes, e sem direito à herança dos meio-irmãos.
Em 31 de outubro de 1873, em Santa Cruz de Corumbá, comarca onde foi iniciado o
processo, na casa de morada e residência do Juiz Municipal e Orfãos, o alferes Jose Joaquim
de Sousa França, D. Senhorinha prestou declaração e juramento, “que seu marido, Jose
Francisco Lopes, morreu de Cholera morbus, na ocasião que servia de guia das forças
brasileiras contra o Paraguai, na vila de Miranda ao chegar na sua fazenda do nome Jardim,
sem testamento e deixando herdeiros”.
85
Ela fez a declaração de herdeiros, em 14 de março de
1874, dos dois casamentos de Jose Francisco Lopes, na qual constam nomes, sobrenomes,
idades, se eram casados e com quem, se eram falecidos, e se deixaram filhos. Na seqüência do
84
INVENTÁRIO de Jose Francisco Lopes.
85
INVENTÁRIO de Jose Francisco Lopes.
66
processo, também foram citados e tiveram que prestar juramento do espólio, em audiência,
todos os que estivessem envolvidos, direta ou indiretamente, assim é que foram designados:
Avaliadores dos bens de raiz:
João Faustino do Prado
Joaquim de Souza Moreira
Avaliadores dos bens semoventes:
Evaristo José Gomes da Silva
Joaquim Antonio dos Reis
Partidores:
Manoel Leite de Barros
Francisco da Costa Leite de Almeida
86
Bastante interessante, o documento, datado de 11 de abril de 1874, mostra como tudo
era extremamente difícil para uma mulher sozinha, no áspero mundo dos homens, mas
dependendo deles para tudo, inclusive para se locomover, já que morava “num lugar
denominado Jardim, que dista desta Villa para mais de trinta e cinco legoas”.
87
D. Senhorinha
não pode exprimir-se por escrito, era analfabeta, e os escriturários assinavam por ela a seu
rogo, “por não saber ler nem escrever”. Teve que depender e confiar, portanto, em outras
pessoas para fazer solicitações, declarações e procurações, lutando pelos seus bens e de seus
filhos por ocasião do processo de inventário. É preciso ressaltar que não há como ignorar o
fato de que todo o aparato judicial, em 1870, era cem por cento masculino. De fato, por
determinação da lei, ela teve que entregar uma parte do dinheiro da herança a um curador
nomeado pelo Juiz de Órfãos e Ausentes. Diz o documento:
Dis D. Senhorinha Maria da Conceição, viuva e inventariante dos bens deixado pelo
seu finado marido Jose Francisco Lopes, que não podendo ultimar de prompto o
inventario a que se esta procedendo por este juiso, por depender de citação da maior
parte dos herdeiros, os quaes se achão ausentes, e não podendo a supplicante deter-se
por mais tempo, em consequência da longa ausencia que tem tido essa sua familia,
sob pena de soffrer maior prejuiso e mesmo incomôda [ilegível] vem por isso
impetrar a V.S. a graça de mandar que a supplicante faça entregar a quantia de
6:612196 ao curador nomeado aos orphãos, visto ser esta a importancia que tem ser
partilhada entre os mesmos orphãos e mais herdeiros já que faz parte dos bens do
inventario a quantia de trese conttos dusentos e vinte e cinco mil novecentos e
86
INVENTÁRIO de Jose Francisco Lopes.
87
INVENTÁRIO de Jose Francisco Lopes.
67
cincoenta seis; ficando a supplicante de posse de igual importancia da que fica em
deposito, em conta da sua meia ação.
88
A “meia ação” a que se refere o documento aponta para o regime de partilha segundo
as leis do Império, que rezavam a comunhão de bens. Vale lembrar que os maridos,
considerados como “cabeça do casal”, tinham “poder marital” sobre tais heranças, cabendo a
eles, portanto, herdar e administrar os bens da esposa, conforme seu único arbítrio, como foi o
caso de Clemente Gonsalves Barbosa, casado com Isabel Porcina Lopes e de Manoel Silvestre
Loureiro, casado com Fausta Felisbina Lopes, sendo as duas filhas de D. Senhorinha.
A interpretação desses documentos pode ser facilitada pela comparação com outros
inventários, como, por exemplo, de mulheres de elite do sertão nordestino e do pai de D.
Senhorinha, Antonio Gonsalves Barbosa, numa mesma época, os quais apresentam profundas
diferenças, tanto no conteúdo como no montante do total avaliado. Eram documentos escritos
e, portanto, comprometidos com outros valores, de dominação e poder, e dependiam da
alfabetização e discernimento de quem os produzia. O primeiro se refere a inventários de
mulheres do Nordeste, que raramente ultrapassavam um montante de 10 contos de réis, apesar
de, em seus arrolamentos, constarem moradas de casas em cidades, peças de ouro, escravos,
casas de fazendas e terras:
Não se costumava avaliar uma fazenda de porteiras fechadas. Fazenda era uma
unidade produtiva, que valia pelas terras que possuía, pelas reses, pelos apetrechos,
pelas roças, pelos currais, pelos cercados, era o conjunto de benfeitorias em uma
fazenda que a valorizava ou a distinguia.
E mais:
A riqueza se manifestava em escravos, posses de terras, canaviais, plantações de
algodão, fardos de algodão em rama e em caroço, roças de mandioca, engenho de
farinha, rolos de couro de veado, couro de gado, solas, enxadas, e outros apetrechos
de agricultura, e, alguns baús de madeira, alguns santos de madeira, mas,
relativamente, pouca louça, poucas jóias, poucos adereços de casa.
89
88
ATJ de MS. Secção do Memorial. Inventário de Jose Francisco Lopes.
89
PRIORE, M., História das Mulheres no Brasil, p.270.
68
No inventário de Jose Francisco Lopes, só em dinheiro, foi constatada a quantia de
13 contos de réis, uma diferença razoável, considerando-se o estado de pós-guerra e o fato de
que o patrimônio do casal foi dividido e as partes correspondentes dadas aos herdeiros. Ao
contrário dos inventários das mulheres nordestinas, neste inventário não observo a presença de
escravos, peças de ouro, prata, platina, cobre, louças e móveis, e nada que uma fazenda
daquela época era obrigada a ter para sua subsistência, como, por exemplo, um engenho de
madeira para a fabricação do açúcar mascavo e rapadura, ou um alambique de cobre para a
produção de cachaça, comuns nesta época, provavelmente devido à destruição pelo fogo e ao
saque das tropas paraguaias por ocasião da invasão, como foi registrado por Taunay numa
carta ao seu pai, no dia 20 de dezembro de 1865:
Fui em companhia de Juvêncio e mais alguns outros companheiros reconhecer a
margem esquerda dêsse rio e voltamos pelo caminho de Coxim que corta a fazenda
de Luiz Teodoro. Foi ela completamente destruida e do modo mais bárbaro. Nem as
árvores escaparam! Faz-nos pena ver magníficas laranjeiras ainda derribadas. Cento
e cinco alqueires de arroz foram queimados e tudo num só dia virado de pernas para
o ar!
90
Veja a relação de bens de Jose Francisco Lopes:
Arrolamento dos bens do casal a inventariar por falecimento de José Francisco
Lopes, como inventariante D. Senhorinha Maria da Conceição, asaber:
Bens de Rais
Tres partes de terras na fasenda denominado Jardim.
Uma parte de terra na fasenda denominado Miranda
A metade das terras da fasenda denominado Apa, confinando ao Norte com a posse
de Ignacio Candido, sendo limite o ponto da Serra Maracajú: ao Sul pelo rio Apa, ao
Poente com a posse de Jose Carlos, sendo limite pelo espigão mestre: pelo Nascente
com a Serra de Maracajú, cujo terreno terá tres legoas em quadras.
Um Carro Velho
Seis bois de Carro
Bens Semoventes
Trinta e Cinco rezes de Criar de toda a classe
Um Cavallo pintado lazão-velho
Vinte rezes bravas.
Treze contos duzentos e vinte e cinco mil, e novecentos réis cuja quantia a
inventariante já recebeo a sua parte
90
TAUNAY, V., Cartas da Campanha de Mato Grosso:1865-1866., p.139.
69
Dividas passivas
A João de Moraes Ribeiro, da quantia de trezentos e dez mil reis
Ao Major Jose Caetano Metello, da quantia de cincoenta mil reis.
Villa de Miranda 10 de março de 1882
O Procurador
Luis Jose de Castro Arruda
91
Na descrição dos “bens de rais” do segundo inventário analisado, que serviu para
comparação, o de Antonio Gonsalves Barbosa
92
, de 1854, que deixou, por ocasião de sua
morte, quatro sítios bem arrolados, o qual relaciona as casas de morada, as árvores frutíferas e
currais, indicando quais os tipos de produtos que eram plantados na segunda metade do século
XIX, no sul de Mato Grosso e mostrando que naquela época, eram bastante valorizadas as
benfeitorias:
Um sitio no logar denominado Fazenda Boa Vista com casa de morada coberta de
capim, curral, engenho em bom estado, casa de alambique, monjolo com rego d agua
quintal grande com plantações, setenta e seis pés de larangeiras, vinte de limeiras,
oitenta de café, cincoenta de jabuticaba e um canavial de meia quarta de planta.
Um sitio no logar denominado Fazenda de Santa Rita com casas de morada, paiol
de mantimentos, moinho com todos os seus pertences, quintal grande com cerca de
arroeira com plantações Redo de agua com distancia de meia legoa e outros
beneficios.
93
Outro aspecto que ressalto nos inventários é o que diz respeito aos instrumentos de
trabalho mais utilizados (foice, machado, enxada e cavadeira), não arrolados no inventário de
Jose Francisco Lopes, mas que aparecem nos outros dois, o que permite uma visão do sistema
agrário, do uso do solo, das técnicas de cultivo e dos produtos cultivados. Também nos
inventários de Antônio G. Barbosa e das mulheres nordestinas não vem explicitada a
localização geográfica das sedes das fazendas, o que ocorre na de seu genro, Jose F. Lopes.
91
INVENTÁRIO de Jose Francisco Lopes.
92
APEMAT.,Termo de Descrição e Avaliação dos Bens que ficaram por falecimento de Antonio Gonçalves
Barbosa em Miranda (1854) , apud LUCIDIO, João, Nos Confins de Império Um Deserto de Homens Povoado
por Bois, p.188.
93
APEMAT, Termo de Descrição e Avaliação dos Bens que ficaram por falecimento de Antonio Gonçalves
Barbosa em Miranda (1854), apud LUCIDIO, João, Nos Confins de Império Um Deserto de Homens Povoado
por Bois, p.188.
70
Durante dez anos, o longo tempo que durou a realização do inventário, encerrado em
1882, a família Lopes teve que elaborar uma nova relação de herdeiros, já que alguns filhos
haviam morrido, mas tinham deixado descendentes, e seus membros passaram por diversos
procuradores, juízes, promotores públicos, avaliadores, escriturários, depositários. Tiveram
que efetuar despesas com emolumentos à Coletoria Provincial, à Alfândega de Albuquerque,
transferência da comarca de Corumbá para a comarca de Miranda, provavelmente por ser mais
perto do local de residência. Muito interessante foi observar a participação, nesse inventário,
de um personagem bastante conhecido na Guerra do Paraguai, no episódio da retirada de
Corumbá, que foi o Barão de Vila Maria, o qual, em 28 de outubro de 1875, era Juiz de Órfãos
e Ausentes, e foi a única autoridade de quem não constava o nome e sobrenome, como se o
título nobre de barão fosse superior a qualquer outro. Durante todo o processo analisado, o juiz
apareceu somente como barão; era a hierarquia sobrepujando a pessoa. Inclusive, na própria
assinatura constava somente Barão de Villa Maria.
94
De qualquer modo, o que importa destacar aqui é a riqueza de detalhes que esses
documentos têm proporcionado para desvendar o passado, lançando luz e permitindo perceber
uma história dos indivíduos, estudar o seu cotidiano, a história das famílias, os mais diferentes
espaços do privado: a casa, a cozinha, o campo, os múltiplos estratos sociais: escravos, nobres,
burocráticos, mulheres sós e como elas se relacionavam com o grupo, e como eram inseridas
na sociedade. Por meio deles, são reveladas facetas essenciais para tirar do esquecimento a
vida e o cotidiano de algumas mulheres, principalmente uma mato-grossense, D. Senhorinha,
que viveu no século XIX e, agora, começa a tomar vulto, formas e sair da nebulosa em que,
por mais de 150 anos, foi relegada ao esquecimento. Apesar de ter vivido sempre em um
contexto de opressão pela guerra, e em eterna luta pela sobrevivência, ela chegou a um novo
século. Em 1912, foi homenageada pelo Exército, quando o Regimento, formado, recebeu o
seu estandarte das mãos da esposa do lendário Guia Lopes:
Boletim Regimental n. 324 de 15 de Novembro de 1912. Para conhecimento do
Regimento e devida execução publico o seguinte: ‘15 de Novembro’. É hoje um dia
de duplo jubilo, para a Patria, por ser commemorada a data da Proclamação da
Replubica no Brasil, e par nós em particular, porque vamos receber um novo
estandarte, vindo das mãos da d.. Senhorinha Maria da Conceição Lopes, que ora o
está empunhando. A razão de ser esta senhora eleita para tão nobre incumbencia,
provém de um facto de nossa história militar.
94
INVENTÁRIO de Jose Francisco Lopes.
71
Há 47 annos brasileiros e paraguaios luctaram nesta zona. De Laguna, ao alarma da
fome com seu cortejo de horrores, retrocedeu a columna brasileira que invadira o
Paraguay; então, guiada e protegida de ardis e surprezas do inimigo, pelo sublime
João Francisco Lopes, esposo desta senhora (indicando-a) se salvou o pavilhão patrio
á guarda do nosso regimento, parte dessa columna. Após essa titanica façanha, com o
coração ferido pela saudade de sua familia aprisionada, succumbiu o heroico João
Francisco Lopes; assim pois, das mãos de sua virtuosa consorte, digna de seus mais
acendrados affectos, vem o nosso estandarte trazendo-nos as benções do passado,
aureolado das lagrimas patrioticas de sua portadora, que nesse momento bem
symbolisa a imagem de nossa mãe Pátria.
95
Por duas vezes, o nome João é confundido por José. Pouco tempo depois, em 1913,
D. Senhorinha faleceu em Bela Vista, MS, sendo acompanhada até ao túmulo pelo regimento
das forças federais, que prestaram sua homenagem em honra da madrinha de batismo da
bandeira nacional pertencente ao regimento da fronteira. No final da vida, D. Senhorinha
relatou :
...os seus sacrifícios passados, consistentes na sua prisão de 18 de Outubro de 1849 e
na perda de seus haveres naquella época; na sua segunda captura, como prisioneira
de guerra, de 1864 a 1870; na perda do marido e tres filhos voluntarios da patria, nas
façanhas e crueldades praticadas contra os brasileiros prisioneiros de guerra pelo
padre Romão; na sua magua contra os que lhe queriam usurpar, sem razão, as terras
da margem direita do Apa.
96
95
PEREIRA, A., Heróes abandonados, p.51.
96
MENDONÇA, E., Datas Mato-grossenses, p.71.
72
2.2 PATRIOTAS
A indignação com a invasão paraguaia em Mato Grosso e o aprisionamento do navio
Marquês de Olinda, visto como um ato traiçoeiro e injustificável, pois não havia declaração de
guerra, fez com que. no início de 1865, houvesse um grande número de voluntários dispostos a
ir para a guerra. Entretanto, a longa duração do conflito e o grande número de mortos fizeram
rarear esses voluntários, que esperavam uma guerra curta e rápida. O serviço militar era
considerado um castigo, uma degradação, e a convocação dos chamados “voluntários”, na
realidade homens aprisionados e enviados à força para o campo de batalha, era vista como
uma situação perigosa para a manutenção do conflito e para os interesses do Império.
A Guerra foi um evento importante para a trajetória e formação do escritor Machado
de Assis, que, com suas influentes crônicas e com muita habilidade, soube manipular os temas
da civilização contra a barbárie e pretendeu empolgar o patriotismo das mulheres e,
principalmente, a dos futuros soldados. O termo civilização, forjado na época da guerra, era
interpretado como sinônimo de modernidade e se contrapunha aos bárbaros chefiados por
Solano Lopes.
O crítico Raimundo de Magalhães Júnior, analisando os princípios da obra
machadiana, escreveu:
É bem verdade que ele não foi um combatente. Mas, como poeta, como jornalista,
como escritor, ajudou a criar o ambiente de vibração patriótica, o clima de confiança,
a atmosfera moral necessária à continuação da guerra
97
Nesse contexto, Machado de Assis era de fundamental “importância para o espírito
de guerra, e literalmente formou opiniões, agindo como legitimador do espírito bélico. Esse é
um dos raros momentos em que a ‘função social’ do escritor é claríssima, quando manipula
habilmente os temas da civilização contra a barbárie”.
98
97
MAGALHÃES, R., apud ALAMBERT, Francisco, Civilização e Barbárie, História e Cultura :
Representações Culturais e Projeções da “Guerra do Paraguai” nas crises do Segundo Reinado e da Primeira
República, p.16.
98
MAGALHÃES, R., apud ALAMBERT, Francisco, Civilização e Barbárie, História e Cultura: Representações
Culturais e Projeções da “Guerra do Paraguai” nas crises do Segundo Reinado e da Primeira República, p.15.
73
Machado de Assis dá a impressão de escrever essas crônicas sob “reações
emocionais” causadas pelo grande impacto que sobre ele teriam exercido os acontecimentos
que levaram à guerra. Essas reações seriam a causa, não raramente “patética”, de algumas
dessas crônicas, como posso observar, quando trata do papel da mulher na guerra:
Não nascestes para a guerra da pólvora e da espingarda. Nascestes para outra guerra,
em que a mais inábil e menos valente, vale por dois Aquiles. Mas, nos momentos
supremos da pátria, não sois das últimas. De qualquer modo ajudais os homens. Uma
como, mãe espartana, arma o filho e o manda para a batalha; outras bordam uma
bandeira e a entregam aos soldados, outras costuram as fardas dos valentes; outras
dilaceram as próprias saias para encher cartuchos; outras preparam os fios para os
hospitais; outras juncam de flores os caminhos dos bravos. Voltará aquele filho antes
da desafronta da pátria? Deixarão os soldados que lhe arranquem aquela bandeira?
Entregarão as fardas que os vestem? Sentirão os ferimentos quando aqueles fios os
hão de curar? A par da santa idéia da pátria agravada, vai na imaginação dos heróis a
idéia da dedicação feminina, das flores que os aguardam, das orações que os
recomendam de longe.
99
E mais:
Não tendes uma espada, tendes uma agulha, não comandais um regimento, formais
coragens, não fazeis um assalto, fazeis uma oração, não distribuis medalhas,
espalhais flores, e estas, podeis estar certas, hão de lembrar, mesmo quando o forem
secas, os feitos do passado e as vitórias do País.
100
Dionísio Cerqueira também acompanhou a lógica patriótica disseminada, de forma
magistral, por Machado de Assis, e registrou, em suas reminiscências, de modo bastante claro,
aquela época de empolgação pela pátria, que foi absorvida por algumas mulheres, como D.
Rosa Maria Paulina da Fonseca, senhora alagoana que ofertava seus sete filhos à causa
brasileira:
Havia um official do regimento, que então nos fazia inveja o Severiano da Fonseca,
que foi depois marechal e barão de Alagôas, um dos sete illustres filhos da veneranda
D. Rosa, cuja casa modesta e placida era um quartel general e lar amigo a todos os
99
PEREGRINO, H., apud ALAMBERT, Francisco, Civilização e Barbárie, História e Cultura: Representações
Culturais e Projeções na “Guerra do Paraguai” nas crises do Segundo Reinado e da Primeira República, p.21.
100
PEREGRINO, H., apud ALAMBERT, Francisco, Civilização e Barbárie, História e Cultura: Representações
Culturais e Projeções na “Guerra do Paraguai” nas crises do Segundo Reinado e da Primeira República, p.21.
74
militares;- da grande velhinha, que soube inflammar a alma dos seus filhos com a
chamma de amor á patria, que lhe abrazava o coração de brazileira.
101
Um outro filho, Manuel Deodoro, futuramente seria aquele Marechal Deodoro da
Fonseca, o proclamador da República. A Semana Ilustrada publicou um soneto de D. Rosa em
homenagem aos futuros heróis da guerra, que vinha acompanhado de uma ilustração dela com
os sete filhos, também publicado em Cerqueira:
Cala-te amor de mãe! quando o inimigo
Pisa da nossa terra o chão sagrado
Amor de pátria, vívido, elevado,
Só tu na solidão serás comigo!
O dever é maior que o perigo:
Pede-te a pátria, cidadão honrado,
Vai, meu filho, e nas lides do soldado
Minha lembrança viverá contigo!
És o sétimo, o último. Minh alma
Vai toda aí, convosco repartida
E eu dou-a de olhos secos, fria e calma
Oh! Não te assuste o horror da márcia lida;
Colhe no vasto campo a melhor palma;
Ou morte honrada ou gloriosa vida.
102
Com o tempo, descobriu-se que a autoria dos versos era do próprio Machado de
Assis e que a mãe alagoana havia-lhe inspirado numa nova tentativa de envolver as mulheres
na guerra.
103
Também com referência a esta patriota, que era mãe de vários militares que atuaram
na guerra, e que poderia ter direito a uma pensão, ao pesquisar, no Arquivo Histórico do
101
CERQUEIRA, D., Reminiscências da Campanha do Paraguai: 1865-1870, p.74.
102
CERQUEIRA, D., Reminiscências da Campanha do Paraguai: 1865-1870, p.75.
103
MAGALHÃES, J. R., Ao redor de Machado de Assis, p.87.
75
Exército, descobri que seu requerimento, maço 8, pasta 175, foi expurgado, conforme
publicação em Boletim Interno nº2, de 23 de Maio 75, sendo, portanto, impossível saber o
final desse processo.
Figura 10: D. Rosa da Fonseca e seus filhos
Fonte: CERQUEIRA, 1929.
76
O Brasil todo foi percorrido por um clima de indignação contra a opressão paraguaia.
Também no Rio Grande do Sul, surgiram mulheres patriotas que procuravam incentivar os
soldados a lutar pela pátria invadida, o que é sintetizado no poema:
Exulta, oh minha lyra, um canto entôa!
Não temas applaudir de perto a gloria;
Que é merito maior a voz humilde
Unir-se aos grandes hymnos da victoria.
Um canto, pois, aos bravos que vencêrão,
Aos valentes do sul honra e luzeiro,
Que prostrão qual leões na lucta o forte,
Amparando no triumpho o prisioneiro!
A elles, sim! um brado augusto e santo!
A elles, glória d esta livre terra,
Que adormecem sorrindo ao som do hymnos,
E despertão cantando á voz da guerra!
O troar dos canhões que lhes importa?!
Que lhes importa o ruído da metralha?!
Si morrerem, mausoléus dá-lhes a história,
E a saudade da patria os amortalha!
A vós todos, soldados que vencestes,
Que o Brasil com seus feitos apregôa;
A vós todos, que bravos pelejastes,
Esta humilde, patriótica corôa!
Honra e glória á patria que desperta,
Tão nobre emulação de seus guerreiros!
Honra e gloria aos filhos desta terra!
Honra a gloria aos soldados brasileiros!
Exulta, oh minha lyra, um canto entôa!
Não temas aplaudir de perto a gloria,
Que é merito maior a voz humilde
Unir-se aos grandes hymnos da victoria!
77
Porto Alegre, Março de 1865.
104
Outro exemplo de patriotismo que posso citar foi o de Ana Justina Ferreira Néri, uma
das únicas mulheres que estiveram na Guerra do Paraguai e ficaram conhecidas
nacionalmente. Enfermeira e senhora de elite, que teve direito a nomes e sobrenomes, por ser
viúva de um homem de projeção na época, o oficial de marinha capitão-de-fragata Isidoro
Antonio Néri, e que faleceu em 1844, a bordo do brigue Três de Maio, no Maranhão. Ela
acompanhou e cuidou dos três filhos combatentes até o Paraguai, seguindo com o 40º Batalhão
de Voluntários da Pátria, comandado por seu irmão, Joaquim Maurício Ferreira. Durante a
guerra, Ana Néri residiu em Corrientes, Humaitá e Assunção, tratou de doentes em hospitais,
perdendo um filho e um sobrinho nesse período. Embora não apresente, especificamente, a
figura de Ana Néri, o quadro dá idéia da improvisação de uma enfermaria ). Ela foi lembrada,
entre outros, nas cartas de Benjamin Constant à sua mulher:
Com Tibúrcio, comemorou o aniversário de Maria Joaquina, na casa de Ana Néri,
mãe de três oficiais brasileiros e uma das pioneiras da enfermagem no Brasil, que
fixou residência perto do campo de operações para atender aos feridos, o que lhe
valeu o apelido de ‘mãe dos brasileiros’. Muitos anos após sua morte, teria seu nome
dado à escola de enfermagem instalada no Brasil. Benjamin Constant referiu-se a ela
como ‘uma respeitável senhora brasileira’ e ‘muito minha amiga’.
105
104
POR UMA SENHORA RIO GRANDENSE. Uma coroa aos soldados brasileiros.
105
LEMOS, R., Benjamin Constant: Vida e História, p.121.
78
Figura 11. “Hospital de Sangue” em Tuyuty.
Fonte: BIBLIOTECA NACIONAL. Obras Raras.
79
2.3 ANDARILHAS E VIVANDEIRAS
Outra categoria de mulheres, as seguidoras do exército, andarilhas e vivandeiras,
movidas pelos mais diversos motivos: econômicos, afetivos, comerciais, entre outros,
acompanhava os homens, criando modos de vida e sobrevivência na retaguarda das tropas. As
vivandeiras eram mulheres que acompanhavam o exército para vender víveres, bebidas e
objetos de necessidade; muitas delas, eram também prostitutas. Com todo o preconceito
existente, foram poucas vezes notadas. Amantes ou legítimas esposas de soldados, elas
cuidavam dos filhos, da comida, das roupas e, por vezes, enfrentavam os campos de batalha,
pegando em armas e socorrendo os feridos, fazendo curativos e os conduzindo até os hospitais
de sangue. Sofriam como os homens a marcha extenuante, o sol, o frio, a fome, as chuvas que
alagavam os campos, as doenças, os acampamentos sem as mínimas condições de higiene e as
mortes. Assim escreveu o General de Brigada José Luiz Rodrigues da Silva sobre o comércio
das vivandeiras:
O acampamento do commercio era o ‘boulevard’, o nosso famoso club.
Concorríamos a elle nos interregnos dos malvados exercícios. Ahi se palestrava com
amigos em viagens continuas da pátria, portadores de noticias frescas dos parentes e
pessoas caras; saboreava-se o bom café, os doces finos, os melhores vinhos e
cervejas, intercaladas das chistosas pilherias e anecdotas ao gosto brejeiro e
suggestivo de Zola e Paulo de Montegazza; cavaqueava-se, fugitivamente embora,
com as hetairas de alto cothurno, de origem platina ou européia, accesiveis apenas
aos argentarios, aos elevados chefes de gola bordada, calça de galão e chapéu de
penacho...
Esse povo infeliz deu provas repetidas de caridade e altruísmo, em meio das agruras
do seu infortúnio.
Uma houve que se salientou. Amasia inseparável de distincto general, acompanhava-
o nas excursões difficeis até, e, aos primeiros tiros de qualquer peleja, ahi se achava
ella em seu cavallo garboso, bem apeirado, pondo em pratica os bellos sentimentos,
que tão bem se aninhavam no coração maculado, mas ainda com laivos de virtude
106
Um relato muito interessante e raro, redigido em 1869, é o do Capitão Pedro
Werlang, no qual se lê que algumas mulheres eram utilizadas para carregar material de
artilharia:
106
SILVA, J., Recordações da Campanha do Paraguay, p.43.
80
Figura 12: A presença da mulher no acampamento do 7º Batalhão de Voluntários
Fonte: BIBLIOTECA NACIONAL. Obras Raras.
81
Tôdas as mulheres que acompanhavam nosso exército tinham que carregar munição
de artilharia; nossa cavalaria ia a pé, pois havíamos nos livrados dos cavalos.
107
Outro exemplo significativo pode ser colhido na Retirada da Laguna, narrativa
romanceada elaborada em forma de relatório militar, na qual prevaleceram atos de bravura e
heroísmo, onde são descritas as agruras de uma expedição brasileira e sua luta contra o
inimigo guarani, na região fronteiriça entre o Mato Grosso e o Paraguai. A expedição não
suportou nem dois meses de luta contra os inimigos paraguaios, a falta de abastecimento e o
ataque de um inimigo muito mais cruel: a cólera. O historiador militar general Tasso Fragoso,
diferentemente da maioria dos que escreveram sobre essa expedição, preocupados em
construir heróis, narrou uma “operação militar desvaliosa, célebre apenas por ter se
caracterizado pela falta de comida...”.
108
Escrito por Alfredo d’Escragnolle Taunay, uma de
suas obras mestras, a Retirada da Laguna tem cunho memorialista e um rigor geográfico
obsessivo, sendo, hoje, considerada leitura obrigatória para os pesquisadores da Guerra do
Paraguai. Observador sagaz, Taunay demonstrou, também, ter um olhar peculiar, quando
descreveu a posição ordenada para a marcha em direção ao inimigo:
No dia seguinte desfilou o corpo diante do comandante. Já a vanguarda, composta
como era de homens de nossa cavalaria desmontada, devia dar-lhe motivos de
reflexão... Após eles marchava o vigésimo primeiro batalhão de infantaria de linha,
precedendo uma bateria de duas peças raiadas, depois o vigésimo batalhão, outra
ateria igual à primeira... e afinal as bagagens, o comércio com a sua gente e material,
e as mulheres dos soldados bastante numerosas.
109
Em outro olhar de Taunay, sobre as mulheres que seguiam a expedição, observo, em
certa medida, um tom mais humano:
...as mulheres que nos acompanhavam setenta e uma, contadas à entrada da ponte.
Iam tôdas a pé, exceto duas, montadas em bêstas; carregavam quase todas crianças
de peito ou pouco mais velhas. Por heroína passava uma e todas a apontavam.
Havendo-se encarniçado um paraguaio em lhe arrancar o filho, tomara ela de um
107
BECKER, K., Alemães e Descendentes do Rio Grande do Sul na Guerra do Paraguai, p.148.
108
A afirmação parece ter sido feita pelo General Tasso Fragoso e encontra-se citada no livro de Luís de Castro
Souza, a Medicina na Guerra do Paraguai, o qual, por sua vez, retirou-a da obra do Gen. F. de Paula Cidade,
Síntese de três séculos de Literatura Militar Brasileira, p.496.
109
TAUNAY, A., A Retirada da Laguna, p.50.
82
salto uma espada largada no chão, e num ápice matara o assaltante. Mais infeliz vira
o filhinho recém-nascido espostejado por um inimigo, que pelas pernas lho arrancara
do colo. Traziam todas no rosto, aliás, os estigmas do sofrimento e da extrema
miséria.
110
Apesar de ser diferenciada das outras setenta, passando de anônima a heroína, quando
atacou para defender o filho, a sua condição de subalterna permaneceu, pois ela não tinha um
nome e fazia todo o percurso a pé. Taunay registrou, também, que as mulheres, mesmo diante
das doenças, não tinham quaisquer direitos, nem a cuidados, remédios e, muito menos, abrigo.
Nesse mesmo dia 28 morreram algumas mulheres, mais desamparadas ainda do que
os outros doentes, mais despidas de qualquer socorro e, por causa de sua natural
fraqueza ,mais assignaladas com o estigma da última miséria.
111
O autor desse relatório militar, Visconde de Taunay, pesquisador naturalista, com
olhar de viajante ilustrado do interior, pretendeu caracterizar a fauna, a flora e o tipo humano
exótico do interior. Se José de Alencar criou, no imaginário nacional, a “harmonia racial”,
Taunay vivenciou a ilusão dessa possibilidade na relação que manteve com Antônia, índia
chané que comprou do pai em troca de um “saco de feijão, outro de milho, dois alqueires de
arroz, uma vaca para corte e um boi montaria”. O jovem escritor viveu, então, uma relação
apaixonada e intensa:
A bela Antônia apegou-se logo a mim e ainda mais eu a ela me apeguei. Em tudo lhe
achava graça, especialmente no modo ingênuo de dizer as coisas e na elegância inata
dos gestos e movimentos. Embelezei-me de todo por essa amável rapariga e sem
resistência me entreguei exclusivamente ao sentimento forte, demasiado forte, que
em mim nasceu. Passei, pois, ao seu lado dias descuidosos e bem felizes, desejando
de coração que muito tempo decorresse antes que me visse constrangido a voltar às
agitações do mundo, de que me achava tão separado e alheio. Pensando por vêzes e
sempre com sinceras saudades daquela época, quer parecer-me que essa ingênua
índia foi das mulheres a quem mais amei.
112
O tom apaixonado e humano de Taunay foi substituído, ao referir-se a Antônia em
outra obra, por um tom preconceituoso:
110
TAUNAY, A., A Retirada da Laguna, p.103.
111
TAUNAY, A., A Retirada da Laguna, p.119.
112
TAUNAY, A., A Retirada da Laguna, p.207.
83
... vive hoje em Corumbá ou Cuiabá e deve ter quarenta e dois anos, o que significa
que deve estar velha e feia mêmê, pois as índias cedo, muito cedo, perdem todos os
encantos e regalias da mocidade.
113
Esse amor da juventude talvez possa explicar o fato de sua resolução quanto à
publicação tardia de Memórias, manuscrito que confiou à Arca do Sigilo do Instituto Histórico
Brasileiro, o que foi feito por seus herdeiros:
Estas Memórias só podem, só devem ser entregues à publicidade depois de 22 de
fevereiro de 1943, isto é completos cem anos da época do meu nascimento, ou
cinqüenta anos de 1893, data em que as hei de depor em lugar seguro.
114
Para assimilar essa resolução de Taunay, procurei entender o contexto histórico no
qual a obra foi escrita, pois, como ensinou Certeau, é importante identificar o “lugar social” no
qual o historiador elaborou sua obra.
115
A participação da mulher na Guerra do Paraguai também foi notada por Dionísio
Cerqueira, que partiu como soldado aos 17 anos de idade, em 1865, participando da maior
parte dos conflitos bélicos no Paraguai e na Argentina. Voltou ao Brasil em 1870, como
tenente de infantaria. Escreveu suas reminiscências já na maturidade e confessou “É difficil
guardar nitidas na memoria, por mais intensas que hajam sido, as impressões de um passado
de quarenta annos”. Desejou prestar uma homenagem aos companheiros “que derramaram o
sangue pela patria sem preoccupações de gloria, só por amor á bandeira.” Em 1864, Cerqueira
cursava o 2º ano da Escola Militar e não tinha obrigação de partir, mas, ao ver alguns
companheiros em ordem de marcha com marmitas, cantis, baionetas, carabinas, não pode
conter-se, na firme convicção de cumprir o dever patriótico:
...achei-os admiraveis e, confesso meu pecado, tive tanta inveja, que não pude mais
abrir um livro. Não podia ficar no Rio de Janeiro estudando, quando a pátria
reclamava o sangue dos filhos para a sua desaffronta
116
113
TAUNAY, A., Memórias, p.222.
114
TAUNAY, A., Memórias, p.222.
115
CERTEAU, M., A Escrita da História, p.66.
116
CERQUEIRA, D., Reminiscências da Campanha do Paraguai: 1865- 1870, p.3.
84
Cerqueira registrou a presença feminina, com louvor e bravura:
Essas mulheres que seguiam o exército não tinham medo de coisa alguma. Iam ás
avançadas mais perigosas levar a boia dos maridos. Nas linhas de atiradores que
combatinham encarniçadas, vi-as mais de uma vez achegarem- se dos feridos,
rasgarem as saias em ataduras para lhes estancarem o sangue, montal-os na garupa
dos seus cavallos e conduzil-os no meio das balas para os hospitaes. Algumas
trocavam as amazonas por bombachas nos dias de combates e, as pontas de suas
lanças formavam os salientes nas cargas dos seus regimentos.
117
Explicou, também, o aumento populacional, que ocorria nos acampamentos:
Não era muito raro ouvir á noite depois do toque de silencio um vagido de creança,
que nascia. Na manhã, seguinte, fazia a sua primeira marcha amarrada ás costas de
alguma china caridosa ou da propria mãe, que, com a cabeça envolvida num lenço
vermelho, cavalgava magro matungo, cuja sella era uma barraca dobrada, presa ao
lombo de uma guasca. Esses filhos do regimento creavam-se fortes e, livremente,
cresciam nos acampamentos, espertinhos e vestidos de soldadinhos, com um gorro
velho na cabeça e comendo a magra boia que com elles e as mães, repartiam os paes,
brutaes ás vezes, mas quasi sempre amorosos e bons.
118
Ao contrário de Cerqueira, outro memorialista, André Rebouças, que redigiu um
minucioso diário, abordou a presença feminina com ironia:
Nada de mais comico do que o embarque d essa pobre Bohemia feminina, que a 6
dias não abandona as trez Pontes nem mesmo á noite, anhelando e precipitando o
momento de embarcar e de se ir reunir ao Exército!
As mulheres levão quasi sempre ao hombro 2 ou 3 caturritas (perequitos) e a cabeças
barracas, utensis de cosinha, etc., seus maridos ou protetores as seguem, levando, de
envolta com o armamento e equipamentos, objectos que com elles formão os mais
ridiculos contrastes!.
119
José Luiz Rodrigues, em suas Recordações da Campanha do Paraguai, traz
informações sobre os distúrbios causados pela presença de mulheres no acampamento, a
existência de uma prostituição de luxo, bem como os motivos que levaram o General Osório a
decidir seu regresso:
117
CERQUEIRA, D., Reminiscências da Campanha do Paraguai: 1865-1870, p.307.
118
CERQUEIRA, D., Reminiscências da Campanha do Paraguai: 1865-1870, p.68.
119
REBOUÇAS, A., Diário: A Guerra do Paraguai, p.125.
85
Osorio determinou o regresso das mulheres de vida alegre, inclusive viuvas, que a
sorrelfa saltaram no Passo da Patria. Tal celeuma e charivari levantaram, que elle
mandou revogar a ordem, deixando o ‘pessoal’ em liberdade ampla de acção...
120
Continua, porém, comentando o heroísmo de sua conduta:
Ao ribombar do canhão, nos pontos mais perigosos da linha de combate, ellas
surgiam a galope, quaes amazonas, acudindo a feridos e correndo aos hospitaes de
sangue. Dilaceravam as roupas em ataduras e lá permaneciam até o fim da refrega,
attendendo a todos com solicitude carinhosa. Retribuiam com generosidade
espontanea o favor da meia ração que recebiam.
121
No início da guerra com o Paraguai, os jornais, que funcionaram como instrumento
para incentivar o sentimento de nacionalidade e entusiasmo patriótico da população,
transmitiam a muitos jovens brasileiros o amor pela pátria e a vontade de “servir ao Brasil”. O
caso mais conhecido de alistamento de Voluntários da Pátria foi bastante registrado pela
imprensa da época e por Taunay, que atribuiu a uma mulher um papel significativo na guerra.
Apesar de irônico e preconceituoso, constatou que houve até mulheres soldadas como a
Sargenta Jovita,:
Chegaram os retratos do Viegas, o meu antigo inspetor, e da interessante Jovita que
me pareceu muito engraçada nos seus trajes de primeira Sargenta.
Entretanto Polidoro, como homem de muito juízo e bom censo, fez muito bem não
consentindo na partida daquela patriota como soldado. O papel de enfermeira para a
mulher que queira dedicar-se é o mais elevado e nobre possível; concilia a dedicação
e a conveniência, a abnegação e a dignidade. A piauense devia considerar tudo isso e
em lugar de seus instintos belicosos, lembrar-se de que para uma mulher é mais
nobre sanar feridas do que as abrir.
122
Jovita Alves Feitosa, de dezessete anos, uma jovem piauense de família simples,
vestida orgulhosamente de homem, cortou os cabelos e apresentou-se, incógnita, ao Exército.
Mas foi logo descoberta, virou notícia, e a sua história chegou aos jornais, sendo retratada pelo
Diário Liga e Progresso, em 1865.
123
120
SILVA, R., Recordações da Campanha do Paraguai, p.44.
121
SILVA, R., Recordações da Campanha do Paraguai, p.44.
122
TAUNAY, A., Cartas da Campanha de Matto Grosso, p.119.
123
CUARTEROLO, M., Soldados de la Memoria, p.147.
86
Figura 13: Jovita Alves Feitosa
Fonte: CUARTEROLO, 2000.
87
Na época, começaram a surgir, com freqüência, reportagens sobre a jovem voluntária,
que rompeu com os padrões estabelecidos para uma época em que a mulher desempenhava
apenas funções domésticas e permanecia à margem das regras impostas pela sociedade
patriarcal. Sua figura despertou polêmicas, nas quais uns defendiam a imagem da mulher
soldado e outros a criticavam. No dia 27 de agosto de 1865, o Jornal do Comércio
publicou o comentário de um autor que usava o pseudônimo de “O Admirado”, que se referia
ao fato de uma mulher estar dando o exemplo ao se alistar para os serviços de guerra:
Será possível que o belo sexo de algumas províncias esteja dando o exemplo,
oferecendo-se para o serviço de guerra e alguns Srs. Oficiais do efectivo serviço
ainda empregados nas fortalezas e comissões outra, que podem ser substituídos pelos
reformados!!!.
124
Um outro anônimo, J.M.C., em 14 de setembro do mesmo ano, criticou o presidente
do Piauí, Franklin Dória, por aceitar o pedido de alistamento de Jovita. Segundo o autor do
artigo, as mulheres deveriam acompanhar os homens, exercendo as mesmas funções que
praticavam em casa:
A ofensa mais grave à dignidade dos homens que se prezam e à daqueles que
militarão é sem dúvida a presença da jovem Jovita Alves Feitosa nas fileiras do
segundo batalhão de voluntários do Piauhy.... a mulher poderá servir quando muito
para fornecer um ou outro cartucho um ou outro cantil d água... mas não poderá
jamais lançar mão de um sabre e bater-se quando se apresentam as ocasiões.
125
No dia seguinte, outro artigo no mesmo jornal, também escrito por um anônimo, que
se nomeava “O Justo”, criticou o artigo anterior, rebatendo a crítica e o preconceito
demonstrado e elogiando o presidente da Província do Piauí e a iniciativa da jovem Jovita:
....que mal vem à terra em que se aceite para a guerra a uma casta e interessante
jovem que outro impulso não teve em seu coração senão o do amor pátrio?
126
É interessante observar que essa discussão foi feita somente através de anônimos, o
que leva a duas interpretações diferentes: a primeira, que os autores dos artigos eram pessoas
124
MATOS, K., Jovita Feitosa, p.20.
125
MATOS, K., Jovita Feitosa, p.22.
126
MATOS, K., Jovita Feitosa, p.22.
88
do próprio jornal, que tinham o propósito de acirrar opiniões para vender mais jornais; e a
segunda, que os autores eram, realmente, eleitores, mas tinham receio de expressar opiniões
em assuntos tão polêmicos. É preciso considerar, também, que a imagem de Jovita foi
utilizada pelos jornais como um trunfo, vendida como a imagem de coragem, quando muitos
homens fugiam, para não participar da guerra. Foi aceita devido à necessidade de mulheres na
frente de combate para o serviço de enfermagem, passou a usar farda com saiote, sendo
destinada a um hospital militar.
127
Sua popularidade cresceu de tal maneira, que um cronista
do diário Liga e Progresso escreveu:
Todos corríam para verla. Las fotografías se reproducen todos los dias y era
raro quien no tuviera un retrato de la voluntaria do Piauí.
128
De fato, o Jornal do Comércio, além de utilizar a imagem de Jovita como elemento
de propaganda para a guerra, também comercializava os seus retratos, como pude observar:
Annuncios.
Retrato da Voluntária da Pátria Jovita
Vende-se hoje e também se distribue grátis aos assignantes da Revista Fluminense e
a quem assignar desde o 1º número deste periódico; na Rua de Santo Antonio nº26
A, typographia dos Srs.Brito & Irmão.
129
Famosa por pouco tempo, teve sua história envolta em mistérios, assim como sua
morte, em 1867. Uma versão conta que se suicidou em 9 de outubro daquele ano, ao ver-se
esquecida, depois de ter recebido presentes e homenagens de presidentes de províncias e de
populares, ao regressar dos combates. Outra versão afirma que ela embarcou para o Paraguai,
no vapor Jaguaribe e acabou morrendo na batalha de Acusta Ñu. Não sei se se ela realmente
combateu na guerra ou se foi somente uma das ajudantes da Ana Néri, pois não encontrei
nenhum trabalho científico sobre ela. Hoje é nome de rua, no Recife (PE), e em Fortaleza
(CE).
127
DORATIOTO, F., Maldita Guerra: Traços biográphicos da heroína Jovita Alves Feitosa, ex-sargento do 2º
Corpo de Voluntários do Piauhy, p.116.
128
CUAETEROLO, M., Soldados de la Memória, p.147.
129
MATOS, K., Jovita Feitosa, p.40.
89
Outro grupo de mulheres analisadas neste trabalho, sem nome e registradas como as
aggregadas, foi o das companheiras dos soldados, esposas ou amantes que os seguiam pelos
fortes da fronteira. Assim é que, na Colônia Militar dos Dourados, por meio do Mapa
Estatístico da População, de dezembro de 1862, assinado pelo Tenente Comandante Interino
José Maurício de Velasco Molin, constatei a presença de mulheres:
Advertencia
Existem como aggregadas nesta Colonia seis mulheres, deste numero vierão para
esta no corrente mês duas, uma voluntariamente para aqui residir, e outra enviada
pelo Sr. Tenente Coronel Comandante deste Distrito ‘por ser de ma conducta’.
130
O envio de uma mulher que tivesse um comportamento transgressor e, portanto,
diferente das demais, para regiões mais remotas seria, provavelmente, uma forma de penalizá-
la com a prestação de serviços. A análise dos mapas estatísticos da população, nas colônias de
Dourados e Miranda, nos anos de 1861 e 1862, em número de cinco
131
, permitiu-me traçar um
perfil dos militares e civis moradores da região fronteiriça. Na parte formal, constava a relação
nominal dos soldados colonos, sua graduação e estado civil, número de pessoas da família,
número de escravos ou criados, total de pessoas e uma observação sobre a origem de cada um
dos militares residentes. Em alguns mapas, a redação é perfeita e clara, com assinaturas
legíveis, demonstrando algum grau de escolaridade dos comandantes, como o caso do Tenente
Antonio João Ribeiro, da colônia de Dourados, que assinou o mapa de julho de 1862. No final
da página, com o nome de advertência, eram registrados todos os agregados, ou seja, pessoas
que não faziam parte do quadro permanente da colônia, como mulheres, crianças, índios
camaradas e paisanos. É importante ressaltar que, em nenhum dos mapas analisados, constava
o nome desses agregados; que a maioria dos soldados era constituída de solteiros e, portanto,
as famílias eram raras, sendo as poucas encontradas pertencentes aos comandantes oficiais;
que o maior número de pessoas encontrado foi de 32, em dezembro de 1862, na Colônia de
Dourados; e que também foi registrada a presença de paisanos contratados, talvez operários de
construção ou agricultores responsáveis pelas lavouras de subsistência.
130
AHI. Série Correspondência. Governo de Matto Grosso. Offícios. Tomo 4. 1862-1877.
131
AHI.Série Correspondência. Governo de Matto Grosso. Offícios. Tomo 4. 1862-1877.
90
A presença feminina na guerra também foi mencionada por um viajante inglês,
Richard Burton (1821-1890), que esteve por duas vezes em campos de batalha brasileiros, e
escreveu em forma de cartas as suas impressões sobre a Guerra do Paraguai. São 27 delas, que
dirigiu a um desconhecido, iniciando-as sempre com “Meu caro Z”. Foi um observador atento,
minucioso e dotado de grande sensibilidade. Ele relatou a presença de mulheres e assim
registrou suas impressões:
Mulheres mulatas brasileiras e ‘chinas’ argentinas pareciam fervilhar. Quase
todas estavam montadas en amazone e se faziam notar pelos chapéus de palha com a
costumeira profusão de contas e flores. Destacam-se como cavalgadoras
ousadíssimas, sendo difícil mantê-las fora do fogo. Calcula-se de outiva que sejam
em número de 4.000, mas não há dúvida de que isso é um exagero. Já seria ruim
demais ter apenas uma delas. Algumas fizeram toda a campanha e, como ‘capitães
honorárias’, devem abarrotar os hospitais. Meus amigos brasileiros as consideram
um mal necessário. O mal eu posso ver, mas não a necessidade. É difícil imaginar
algo mais horrendo e revoltante do que essa espécie de feminidade.
82
Entretanto, era um homem do século XIX, portanto, avaliou a presença feminina com
olhar de puritano estrangeiro e analisou-a, comparando-a com valores próprios da sociedade
européia ocidental.
Geralmente, os historiadores que ignoram ou tratam com desdém a presença das
mulheres, em sua maioria fazendo menções rápidas a elas quando estão tratando de outro
assunto, acabam deixando pistas e não conseguem sepultar as imagens femininas visualizadas.
Ao não lhes dar importância, legaram-nos a necessidade de resgatá-las e colocá-las em
primeiro plano.
82
BURTON, R., Cartas dos Campos de Batalha do Paraguai, p.329.
CAPÍTULO 3
HEROÍNAS NA GUERRA E NA VIDA COTIDIANA
92
3.1 FUGITIVAS
Entre dezembro de 1864 e meados de setembro de 1865, o Paraguai invadiu o
território brasileiro e argentino. As áreas brasileiras conquistadas, o antigo Mato Gros so e
o Rio Grande do Sul, encontravam-se despreparadas, desprotegidas e esboçaram pouca
reação. A população viu-se sozinha, diante de um inimigo que planejou uma guerra
relâmpago, e tornou-se um alvo fácil para a invasão paraguaia. Em Corumbá, os
habitantes, civis e militares, diante da impossibilidade de resistência, fugiram de modo
desesperado, desordenado e precipitado, tentando alcançar Cuiabá e regiões distantes em
que não houvesse soldados paraguaios. A violência perpetrada a partir da invasão
raramente é registrada pela historiografia tradicional e, mesmo recentemente, os autores
que tratam desse tema não se preocupam em registrar, de forma sistemática, a agonia e o
pânico que as famílias brasileiras foram obrigadas a enfrentar, diante de um inimigo que
acreditava que essa região lhe pertencia, e por isso invadia e ocupava o território litigioso
com o Brasil. O medo e a insegurança faziam parte de uma situação trágica, porém eram
acompanhadas pela esperança de embarcar de qualquer forma, subindo o rio até Cuiabá.
Contando com poucos recursos, fugindo a pé por trilhas ou embarcando em canoas, a
população foi capturada e aprisionada pelo grosso da tropa paraguaia, que percorria as
fazendas, saqueando e levando o gado que encontrava e tudo que tivesse algum valor. As
famílias, acompanhadas de velhos e crianças e, por isso, mais lentas, tornaram-se presas
fáceis. Alguns que não puderam embarcar e se esconderam nas matas, não conseguindo
resistir à fome, voltaram à vila e foram presos.
Fontes que tiveram papel relevante na construção das imagens da mulher na
Guerra do Paraguai, encontradas no Arquivo Histórico do Itamaraty, foram os Autos de
Perguntas
132
feitos pelo Chefe de Polícia, Doutor Firmo José de Mattos, na Secretaria da
Polícia, em 1865, em Cuiabá, aos foragidos de Corumbá, protagonistas e testemunhas
oculares da invasão paraguaia. Na capital mato-grossense, a população ficou alarmada com
as notícias das fáceis vitórias paraguaias e da visão de refugiados chegando do Sul em
condições deploráveis. A partir daí, Cuiabá, mesmo longe do cenário de guerra, sofreu os
reflexos de um embargo fluvial e terrestre, com constante ameaça de fome, devido à
desarticulação da produção agrícola resultante da invasão. Dessa forma, é compreensível o
132
ARQUIVO HISTÓRICO DO ITAMARATI Série Correspondência Offícios Governo de Matto
Grosso Tomo 4 Annos de 1862 a 1877.
93
clima de insegurança e, mesmo, de terror, que se instalou no cenário de guerra e que
transparece, com muita clareza, na documentação produzida pelos foragidos. São, ao todo,
14 homens, chamados de respondentes, que foram interrogados, principalmente, sobre o
que presenciaram durante a invasão e sua conseqüente fuga. Trata-se de um minucioso
interrogatório, em que se procurava descobrir tudo a respeito dos invasores e suas reais
intenções. São documentos oficiais, de valor inestimável, nos quais estão registradas
inúmeras informações e apreciações sobre diversos aspectos da invasão e da forma como
foram tratadas as pessoas presas, a maioria das quais constituída por famílias, moradoras
da região em conflito. De um modo geral, esses 14 inquéritos
133
seguem um padrão de
perguntas e respostas, tendo, como foco central, a preocupação de se esclarecer todos os
acontecimentos referentes à invasão paraguaia na região fronteiriça, chamada Baixo
Paraguai. São os respondentes:
1) João Paes da Costa Sobrinho, 32 anos de idade, casado, natural de Cuiabá,
filho de Joaquim Paes da Costa. Foi interrogado em 24 de fevereiro de 1865.
2) José Fernandes Pinto, 41 anos de idade, solteiro, natural de Cuiabá, morador
da fronteira do Baixo Paraguai, filho de Salvador José Pinto. Foi interrogado em
25 de fevereiro de 1865.
3) Marcelino Lopes de Souza, 41 anos de idade, solteiro, nauta, natural de
Cuiabá, filho de Catarina de Souza. Estava em Corumbá a negócios.
4) Ricardo da Costa Teixeira, 18 anos de idade, natural de Cuiabá, morador de
Corumbá, filho de João da Costa Teixeira. Foi interrogado em 27 de fevereiro de
1865.
5) Francisco de Mello, 25 anos de idade, mais ou menos, solteiro, vive de
vencimentos que recebe como foguista de vapores, natural da Ilha de S. Miguel,
reino de Portugal, morador da Villa de Corumbá, filho de Fernandes de Mello e
Maria Theodora. Foi interrogado em 7 de abril de 1865.
6) José Batista de Lima, 38 anos de idade, solteiro, vive de negócios, natural da
Ilha de (ilegível), Reino de Portugal, morador de Corumbá, onde tinha uma
taverna, filho de Antonio Gomes de Lima.
7) João Rodrigues de Mattos, 30 anos de idade, mais ou menos, solteiro, sem
ofício, vive de agencias, natural de Cuiabá, filho de João Rodrigues de Mattos.
8) Gregório Soares de Brito, 42 anos de idade, solteiro, vive de agencias, natural
de Cuiabá, filho de Gregório da Silva Soares. Foi interrogado em 8 de abril de
1865.
9) Goncalo Paes de Campos, acompanhou Gregório Soares de Brito e Goncalo
Leite Pereira para levar duas cartas a Corumbá a João Paes da Costa Sobrinho.
10) José Narciso Pereira, 35 anos de idade, solteiro, nauta, natural de Vila do
Conde, Portugal, filho de João José de Souza. Foi interrogado em 18 de abril de
1865.
11) Joaquim Ferreira Leite, 29 anos de idade, solteiro, ferreiro, natural de Vila
Nova do Minho, Portugal, morador de Corumbá, filho de Bernardo Ferreira
Leite. Foi interrogado em 18 de abril de 1865.
133
AHI Série Correspondência Offícios Governo de Matto Grosso Tomo 4 Annos de 1862 a 1877.
94
12) Manuel José Duarte, 35 anos de idade, solteiro, nautico, natural de Lisboa,
morador de Corumbá, filho de José Fernandes Passos. Foi interrogado em 31 de
maio de 1866.
13) Joaquim Barbosa de Alcântara, 33 anos de idade, casado, vive de agencias,
roceiro, natural de Pernambuco, morador de Corumbá, filho de Joaquim Barbosa
de Alcântara. Foi interrogado em 1 de dezembro de 1866.
14) Joaquim da Silva Leme, 25 anos de idade, solteiro, soldado do 5º Batalhão
de Artilharia a pé, natural de Cuiabá, filho de Felisberto da Silva Leme. Foi
interrogado em 23 de fevereiro de 1867.
134
Segue um dos exemplos desses inquéritos:
Auto de Perguntas feitas a José Fernandes Pinto
Aos vinte e cinco dias do mês de fevereiro de 1865, nesta cidade de Cuiabá, e na
Secretaria da Polícia, onde se achava o respectivo Chefe Doutor Firmo José de
Mattos, presente José Fernandes Pinto, natural desta Província, filho de Salvador
José Pinto, com 41 anos de idade, solteiro, morador da fronteira do Baixo
Paraguai, pelo mesmo Doutor lhe foram feitas as perguntas seguintes:
Perguntado o que sabia dos últimos acontecimentos que se deram na fronteira do
Baixo Paraguai entre a força paraguaia e as brasileiras residentes na mesma
fronteira. Respondeu que ‘morando abaixo do posto do José Dias e fronteira ao
do Mangabal, que fica na margem esquerda do Rio Paraguai, soube ali dos
acontecimentos havidos no Forte de Coimbra e Corumbá e que observou que
muitas famílias que residiam nesse último lugar tinhão se mudado para a
Fazenda referida do Mangabal em conseqüência da invasão paraguaia e que ali
existiam para mais de 40 pessoas entre homens, mulheres e crianças. No dia que
saiu de seu sítio tinhão vistos paraguaios em grande número cercado a Fazenda
do Mangabal, e feitos prisioneiros para mais de 300 pessoas que ali existiam
[ilegível] e que nessa ocasião observou muitas imoralidades praticadas pelas
forças paraguaias com as famílias brasileiras que foram prisioneiras [ilegível]
serem arrastadas as senhoras brasileiras, casadas, e donzelas para fins libidinosos
e que horrorizado com a cena que observava embarcou em uma canoa, e pelos
campos que estavão alagados, seguio para esta cidade.
135
De acordo com este testemunho, algumas brasileiras teriam sido violentadas pelo
inimigo. Não há notícias sobre as conseqüências advindas desses fatos. O que se sabe, ao
certo, é que os memorialistas, como, por exemplo, Taunay, preferiram omitir tais
acontecimentos. A maioria das perguntas seguia um mesmo padrão:
...em que dia ele respondente, sahio desta Cidade com destino a Fronteira do
Baixo Paraguai, até onde chegou, em companhia de quem e qual o motivo
porque voltou?
...quando saiu de Corumbá e qual o motivo que o levou a abandonar a sua
residencia?
...com quem havia encontrado em sua viagem?
...quais as notícias que ele respondente ouvio e de quem?
134
AHI Série Correspondência Offícios Governo de Matto Grosso Tomo 4 Annos de 1862 a 1877.
135
AHI Série Correspondência Offícios Governo de Matto Grosso Tomo 4 Annos de 1862 a 1877.
95
...o que mais sabia a respeito dos feitos das forças paraguaias na fronteira?
...que numero de forças paraguaias tem em Corumbá, nos Dourados e em
Cuiabá?
...se sabia d onde tinha obtido o estrangeiro essa notícia.
...se sabe que os paraguaios roubavao as casas dos habitantes de Corumbá.
...se sabia que havia sido assassinado algum brasileiro ou estrangeiro?
...se em Corumbá havia muitos prisioneiros e quaes elles erao?
...se sabia que os paraguaios haviam exigido dos estrangeiros residentes em
Corumba assinaturas em papel branco e com que fim?
...se consta-lhe haver apparecido em Corumbá um Semanario, em que vinhão
agradecimentos de brasileiros prisioneiros aos paraguaios pelo tratamento que
tiverão?
...se sabia qual era o tratamento que os paraguaios davão as famílias prisioneiras?
...de quem, quais eram as famílias?
...se não sabia ou não tinha ouvido diser-se que os paraguaios tinhão degolado a
alguns brasileiros prisioneiros?
...em sua viagem águas acima encontrou com algum vapor inimigo?
...quando caiu prisioneiro das forças paraguaias e como tal como esteve?
...desde quano achava-se prisioneiros das forças paraguaias e onde esteve durante
esse tempo?
...que numero de prisioneiros existião em Corumbá?
...se as mulheres são bem ou mal tratadas pelos paraguaios?
...se sabia que elles pretendião atacar esta capital?
136
A existência de perguntas feitas aos respondentes prova que havia notícias das
violências sofridas pelas mulheres, mas, provavelmente, por se tratar de um assunto
secundário ao que se concebia como assunto bélico, não mereceu novas investigações. De
fato, D. Ignez Augusta Corrêa de Almeida, presa pelos paraguaios em Corumbá e
resgatada por tropas brasileiras quando já tinha perdido toda a sua família, marido e filhos,
ao que tudo indica, não prestou depoimento, mesmo morando em Cuiabá, local onde foi
realizado o inquérito aos fugitivos de Corumbá.
Por meio da análise dos textos selecionados, procurei compreender de que modo
os habitantes de Corumbá reagiram diante de uma invasão que não esperavam, como se
organizaram, quais as formas que encontraram para fugir e, quando aprisionados, o que
fizeram para sobreviver. Historiadores brasileiros, assim como dois participantes da guerra
do lado paraguaio, Thompson e Centurion, autores de relatos equilibrados, afirmaram que
136
AHI Série Correspondência Offícios Governo de Matto Grosso Tomo 4 Annos de 1862 a 1877.
96
eram possíveis a resistência em Coimbra e a defesa de Corumbá.
137
De qualquer forma,
não faz parte desse trabalho uma análise criteriosa da situação militar; o que fiz foi tentar
descobrir quais os mecanismos de que a população dispunha para a sua defesa, enquanto
esperava, ansiosa, uma resolução das autoridades competentes. O abandono da vila de
Corumbá foi determinado a 2 de janeiro de 1865, pelo comandante das armas Coronel
Carlos Augusto de Oliveira, que seguiu com sua família, seu Estado-Maior e a guarnição
de Corumbá com destino a Cuiabá. A partir daí, toda a região ficou exposta à violência e
ao saque.
Diante dos relatos da maioria dos 14 respondentes verifico que a população, em
pânico e desesperada, não tendo, por parte das autoridades, nenhuma defesa e orientação,
procurava, de todas as formas possívei, alcançar o rio e, depois de uma tremenda jornada
através do desconhecido, enfrentando inúmeros obstáculos e perigos e o medo constante de
encontrar e cair prisioneira dos paraguaios, sem a menor possibilidade de defesa, chegar
até Cuiabá.
José Fernandes Pinto, João Paes da Costa Sobrinho, Joaquim da Silva Leme, José
Batista de Lima, Gregorio Soares de Brito, Jose Narciso Pereira, Manoel José Duarte,
deixaram testemunhos de várias formas de violências utilizadas pelas forças invasoras:
...os paraguaios em grande numero cercaram a fazenda do Mangabal, e feitos
prisioneiros mais de 300 pessoas que ali existiam estacionadas, e que nessa
ocasião observou muitas imoralidades praticadas pelas forcas paraguaias com as
familias brasileiras que foram prisioneiras, sendo arrastadas as senhoras
brasileiras, casadas, e donzelas para fins libidinosos e que horrorizado com a
cena que observava embarcou em uma canoa, e pelos campos que estavam
alagados, seguio para esta Cidade.
Os paraguaios tinhão feito algumas pessoas que ali estavam prisioneiras, e entre
elas uma mulher de nome Antonia, cujo filho menor chorando foi morto pelos
paraguaios, batendo a cabeça do mesmo na caixa da roda do vapor.
...só existiam ali prisioneiras, cerca de 300 mulheres, brasileiras, tendo seguido
para Assunção todos os homens. São maltratadas porque só lhe davão um
pequeno pedaço de carne por dia para suas subsistencias, sendo empregadas no
serviço de faxina, e castigadas com surras quando cometião qualquer falta.
...os paraguaios haviam cometido um saque geral em todas as cazas, roubando o
que encontravão de valor, porem que não lhe consta que ali desrespeitassem as
familias, mas que no Mangabal soube terem deflorado a uma moça, filha de um
tal Jose Joaquim.
Soube mais que todos os prisioneiros sofriam grande fome pela falta de recursos
que havia no lugar. Soube pelo negociante Braga, que os paraguaios não
respeitavam as familias e que tanto ali em Corumba como no Mangabal havia se
dados fatos de grande imoralidade.
...sendo elles de natureza bruta e sem a menor educação e moralidade muito
maltratavão as familias prisioneiras com suas habituaes imoralidades.
137
DORATIOTO, F., Maldita Guerra, p.101.
97
...sendo castigadas corporalmente com laços e com espadas, e mettidas em ferro,
sempre que cometião qualquer falta.
138
Pela análise das respostas, cheguei à conclusão de que, sobre a população
indefesa, recaiu toda a sorte de violências e infortúnios, principalmente sobre as mulheres,
as quais, além de sofrer violências sexuais, eram mantidas vivas, como escravas, para
servir as tropas paraguaias ali estacionadas. Aterrorizadas, diante de um inimigo que
costumava utilizar a degola para manter o terror, forma de violência freqüentemente
utilizada, sofreram fome e frio, eram castigadas constantemente, sendo mantidas a ferro, e
muitas eram mortas quando tentavam fugir. Tinham que plantar, lavar, cozinhar e
transportar mercadorias. Terminada a guerra, o sofrimento teria continuidade.
138
AHI Série Correspondência Offícios Governo de Matto Grosso Tomo 4 1862 a 1877.
98
3.2 VIÚVAS E DESCENDENTES DOS COMBATENTES
Nos requerimentos de pedido de pensão, feitos pelas viúvas, mães, filhas e irmãs
dos combatentes mortos na Guerra, encontrados no Arquivo Histórico do Exército (Divisão
de História Militar), local onde poucos têm garimpado, encontrei informações sobre
mulheres que pulsam ocultas em nossa história, mas se encontram prisioneiras submissas
de um universo masculino. Os dados disponíveis nos processos permitiram-me traçar um
perfil social dos envolvidos: nomes dos combatentes, certidões de nascimento, casamento e
batismo, dia, mês e ano de suas mortes; em alguns casos, nome da batalha e do hospital em
que morreu o combatente, a causa mortis, sua fé de ofício e folha corrida, certidão das
Secretarias de Estado dos Negócios do Império e da Guerra. Das mulheres requerentes,
denominadas de supplicantes, que pediam os benefícios, consta o seguinte: nome, idade,
local de nascimento e casamento, tipo de parentesco que tinha com o combatente (esposa,
mãe, irmã e filha), prova de que era alimentada pelo militar (no caso específico de irmãs),
nome de testemunhas, assinaturas de escreventes, assinaturas de pessoas que
representavam a rogo uma parte contratante, em razão desta não saber ler e nem escrever,
requerimentos à Majestade Imperial, ao Cônego Vigário, ao Vigário Paroquial, ao Inspetor
Provincial, à Secretaria do Tesouro e Secretaria Do Estado dos Negócios de Guerra.
Também constam, nesses documentos, os decretos da legislação militar que embasavam
todos esses pedidos.
Em número de quinze, esses requerimentos,
139
nove de esposas, quatro de filhas
e dois de irmãs, apesar de poucos, além de permitirem visualizar uma parte do universo em
estudo, também possibilitam perceber o alcance e controle do governo imperial e
provincial sobre as mais diversas regiões do país, e que, por meio desses processos,
indiretamente remetia ao controle da vida privada, que é um espaço de especificidades e de
diferenças contidas em uma dada realidade histórica, mas que precisa deixar de ser uma
zona maldita, proibida e obscura
140
.
139
O pesquisador não tem acesso ao local onde se encontra esse material. Consta que, no porão do Palácio
Duque de Caxias, estão depositadas 2.198 caixas de documentos, amontoados sem nenhuma organização.
Para se pesquisar, é preciso confiar, inteiramente, nas informações que se recebe, ficando-se, portanto,
dependente e subordinado a intermediários, nesse caso específico, os soldados que trabalham nesse arquivo,
que tem, como responsáveis, os Tenentes Historiadores Marcos Paulo Mendes Araújo e Alcemar Ferreira
Junior.
140
PERROT, M., História da Vida Privada, p.9.
99
Um significante número de mulheres que, direta ou indiretamente, foram afetadas
pelas perdas humanas causadas pela Guerra do Paraguai, passou a requerer seus direitos,
solicitando pagamento de pensão e meio soldo, para sustentarem não só a elas, como
também aos filhos, sempre numerosos e, em muitos casos, progenitores velhos e doentes.
As alegações giram em torno da pobreza a que estavam submetidas e da dependência do
homem para provimento das suas necessidades. O decreto que regulamentava a forma que
deviam ser instruídas as petições de remunerações de serviços militares, de n. º 89, de 31
de julho de 1841, observava o seguinte:
Nenhuma petição de serviços militares Me poderá ser apresentada a despacho se
não for acompanhada dos seguintes documentos originaes, competentemente
legalisados: 1º, folha corrida, com data que não exceda de seis mezes, pela qual o
pretendente se mostre livre de culpa, assim no foro criminal e civil, como no
militar: 2º, certidão das Secretarias de Estado do Negócio do Império e da
Guerra, com a referida data, declarando as mercês que o mesmo pretendente
houver tido, ou que nenhuma há recebido: 3º, fé de offício, na qual deverão
constar especificadas e circumstancialmente os serviços de que se pede
remuneração; devendo esta ser substituida, a respeito das partes que não forem
militares, pellas attestações mencionadas nas disposições 5º. 6º, Todas as
petições de remuneração de serviços militares serão dirigidas pela Secretaria de
Estado dos Negócios da Guerra; a qual, mandando ouvir o Procurador da Corôa,
Soberania e Fazenda Nacional, as transmittirá, com o parecer do Ministro da
Guerra, á Secretaria de Estado dos Negócios do Império, se as Mercês pedidas
forem da natureza daquellas que só por esta Repartição podem ser expedidas.
José Clemente Pereira, do Meu Conselho Ministro e Secretario de Estado dos
Negócios da Guerra o tenha assim entendido, e faça executar com os despachos
necessarios. Palacio do Rio de Janeiro em trinta e um de Julho de mil oitocentos
quarenta e um, vigesimo da Independencia e do Imperio.
141
Com a Rubrica de Sua Majestade o Imperador
José Clemente Pereira.
Se ao Estado cabia indenizar essas perdas, às mulheres cabia provar a sua relação
de parentesco com o combatente, para obter a indenização de meio soldo a que faziam jus.
Já no começo da Guerra, em 24 de setembro de 1865, havia uma preocupação do Exército
com o amparo das famílias dos soldados que se encontravam em combate. Procurava -se
localizá-las para que pudessem ser amparadas, como podemos observar na Ordem do Dia
n.º 99, despachada do “Quartel General do Commando em Chefe do Exercito em
operações no Mandosoby Chico”:
Sendo necessário que o Governo Imperial fique informado do pessoal e mais
circumstancias das familias dos officiaes que compõem este Exercito, a fim de
que por falta d’ este conhecimento não sejam prejudicados os seus direitos ou
retardada a satisfação d’ estes. S. Exc. O Sr. General Cammandante em Chefe
141
LEIS E DECISÕES. Coleções das Leis do Império do Brasil. 1841. Parte II, tomo IV, p. 40/41.
100
ordena que, cada um dos Sr. Officiaes do mesmo Exercito remetta directamente a
este Quartel General uma relação com declaração dos nomes de sua esposa, e
filhos, assim como do lugar em que residem: devendo os que não forem casados
ou que não tiverem filhos legitimados, fazer igual declaração a respeito de suas
mães e irmãs viuvas ou solteiras, que vivam as suas expensas.
Os Srs. Commandantes de Corpos deverão fazer o mesmo em relação as praças
de pret
142
do seu commando tanto actuaes, como as que de qualquer maneira,
venhão fazer parte de seu corpo.
143
Innocencio Velloso Pederneiras
Tenente Coronel Deputado do Ajudante General
Apesar de ordens como esta demonstrarem zelo e preocupação para com as
famílias dos oficiais combatentes, havia, ao contrário, uma outra realidade, caracterizada
pelo total descaso e preconceito para com as famílias dos não oficiais e menos graduados e
que, naquela época, representavam a quase totalidade dos efetivos do Exército, sendo que a
legislação militar vigente não os protegia. Os estudos de caso, tomados e exemplificados a
seguir, devem ser considerados como pistas possíveis para se entender o universo daquela
época, em que a mulher tentava sobreviver em um mundo de homens.
Anna Joaquina do Sacramento Jesus, esposa do “praça de pret”, Manoel
Francisco Dias, que, por seu marido não pertencer ao quadro dos oficiais, não teve direito
ao benefício militar, apesar de ter enviado requerimentos a todos os órgãos competentes
para essa questão: “1) Comando em Chefe de todas as Forças Brasileiras em Operação
contra o Governo do Paraguai Quartel General em Tyu-Cuê. 2) Secretaria d’Estado dos
Negócios da Guerra. 3 ) a Majestade Imperial. 4 ) ao Conego Vigario. 5 ) ao Vigario
Paroquial. 6 ) ao Inspector Provincial. 7 ) a Secretaria do Thesouro.”
144
Como resposta,
recebeu o seguinte aviso:
Secretaria de d’Estado dos Negócios de Guerra
Repartição do Ajudante General em 5 de fevereiro de 1868
S.EX. o Sr General Marques de Caxias, em seo incluso oficio de 26 de dez embro
do anno findo, dis que, informado como lhe fora determinado em Aviso de 3 do
dito mês, sobre apretenção de Anna Joaquina do Sacramento Jesus, que pede
uma pensão allegando Ter fallecido em combate seo marido o Voluntario da
Patria do Corpo de Policia de Sergipe, Manoel Francisco Dias, ocorre-lhe o
dever de declarar que não tem sido pratica conceder-se pensoes a viuvas de
praças de pret.
142
Pronuncia-se pré: era o soldado raso ou praça rasa.
143
GUERRA DO PARAGUAI.1865-1870.Ordens do Dia. p.52.
144
Arquivo Histórico do Exército. Divisão de História Militar. Série Requerimentos.
101
A Secção submete a V. Ex. ª o Snr. Ministro o incluso requerimento da
Suplicante acompanhado da informação desta Secção Nº 1457 de 23 novembro
ultimo, a fim de receber o necessario despacho.
Antonio Domingos Ferreira Bastos
Major Empregado da 1ª Secção.
145
Esta situação perdurou até 1893, quando o Vice Presidente da República,
Floriano Peixoto, determinou ao Ministério da Guerra, por meio da Repartição de Ajudante
General, no Rio de Janeiro, que decretasse a Ordem do Dia nº 493, em que concedia, às
famílias das “praças de pret” do exército, da armada, da guarda nacional, dos corpos de
polícia, e de outras corporações militarmente organizadas, que faleceram em combate ou
em conseqüência de ferimentos nele recebidos, a percepção do soldo correspondente ao
posto respectivo.
A expectativa do recebimento de um auxílio em forma de pensão, ou de outros
benefícios, encorajava essas mulheres a endereçarem suas reivindicações à “Secretaria
d’Estado dos Negócios da Guerra. Necessitando de amparo jurídico, quando dirigiam uma
petição às autoridades, elas geralmente recorriam à interferência de pessoas habilitadas e
conhecedoras das leis, já que a maioria era analfabeta, morava em regiões assas longiquas
e terceiros teriam que assinar por elas “a rogo”, o que justificava a semelhança dos
documentos assinados. Elas próprias raramente se manifestaram de forma direta e objetiva.
Seus depoimentos eram colhidos e, muito provavelmente, distorcidos por força dos valores
e das convenções de época. De todos os requerimentos analisados, um único caso foi
observado em que a supplicante passava uma procuração a um parente próximo, nesse caso
específico, seu filho, para que reivindicasse seus direitos, sendo que ela própria assinou a
solicitação, demonstrando sua condição de alfabetizada. Foi o caso de D. Anna Joaquina
de Leivas Barros, viúva do Tenente Coronel Cirurgião-mor de Divisão, Dr. Polycarpo
Cesario de Barros, que pediu uma pensão, “allegando os relevantes serviços de seu finado
marido, já na pas e já na guerra, por espaço de 42 annos, em cujo período de tempo esteve
sempre no effetivo serviço de sua profissão, sem jamais se negar a sacrifícios de qualquer
naturesa”.
146
Por este Particular instrumento de ‘Procuração’ constituo meu filho Marcos
Cesar de Barros, meu bastante ‘Procurador’, afim de requerer tudo que for mister
145
AHE. Divisão de História Militar. Série Requerimentos.
146
AHE. Divisão de História Militar. Série Requerimentos.
102
a bem do beneficio do melhoramento do soldo a que tenho direito, pelo meu
fallecido marido. Para clareza vai esta por meu punho firmada.
Corte 18 de maio de 1887
Anna Joaquina de Leivas Barros
147
Por meio do comunicado abaixo, encontrado em um jornal da época, pude
observar indícios da existência de bacharéis habilitados que advogavam em causa dos
militares da Guarda Nacional, dos Voluntários da Pátria e dos flagelados da guerra, como
viúvas e órfãos, que recorriam a esses profissionais para obterem o auxílio que julgavam
ser-lhes devido. Ao que tudo indica, a presença desses anú ncios demonstrava um esquema
bem montado para atender os soldados e suas famílias:
Aos Voluntários da Pátria, Guarda Nacional e todos aquelles que tem seus
direitos a reclamarem.
O abaixo assinado, advogado e morador na Côrte, requer atrasados de campanha
que cahirão em exercício findo, mandando os interessados suas baixas em
original informando quaes os batalhões e companhias que esteve e os mezes do
anno que se lhe deve.
Requer os meio-soldos, e pensão que competem as viuvas e filhas.
Requer as medalhas de campanha, e honra dos postos que alcançarão na guerra.
Requer qualquer reclamação que tenham com o Governo Imperial.
Mandarão procuração com poderes especiais.
O seu trabalho é módico e pago depois de concluído.
Rio de Janeiro, 15 de junho de 1875.
O advogado, Dr. Simeão Estellite de Paulo e Silva.
148
D. Maria Isabel Prestes Cardoso Pinto fez-se representar por um advogado que,
seguindo os meandros da lei, enviou o seguinte requerimento, endereçado à Majestade
Imperial:
Senhor
O Advogado Joaquim Antonio Faria d’Abreu e Lima, vem respeitosamente
requerer a V. Majestade para que se Digne mandar que se restitua a Supplicante
a Procuração que juntou a petição de sua constituinte D. Maria Isabel Prestes
Cardoso Pinto, residente na província do Pará, na qual pedio por certidão pela
Pagadoria das Tropas da Corte, qual a consignação que seu fallecido filho, o
Ten. Ajudante do 6º Batalhão de Voluntários da Pátria Frederico Albano
Cardoso Pinto lhe deixou de seu soldo, partindo para o theatro da guerra; visto
como sem a mesma procuração não pode a supplicante continuar a requerer a
147
AHE. Divisão de História Militar. Série Requerimentos.
148
A SITUAÇÃO., Cuiabá, 22 set. 1875.
103
bem dos direitos de sua Constituinte, e a Província do Pará é assas longiqua para
que a supplicante sem perda de tempo possa obter nova procuração.
O Advogado
Joaquim Antonio Faria d’Abreu e Lima
1 de abril 1867
149
Em todos os requerimentos analisados, observo tons de súplicas e pedidos de
clemência, bastante veementes, principalmente aos endereçados a Sua Majestade Imperial.
D. Anna Emilia da Rocha, em 17 de julho de 1869, da Cidade de S. Luiz, no Maranhão, e
irmã do Capitão do Exército Antônio Raimundo da Rocha, falecido na Campanha do
Paraguai em 12 de abril de1867, além de ter que provar que era alimentada por seu irmão,
dirigiu um requerimento a Sua Majestade Imperial: “a paupérrima irmã honesta de um
servidor do Estado, que perdeu a vida na pugna da causa da civilização contra a barbaria, e
defesa da Patria ultrajada por inimigos externos”
·
Vale a pena ressaltar que termos como
civilização contra a barbaria”, muito usados nesses documentos, nunca caíram em desuso,
sendo uma constante em toda a historiografia da época, permanecendo até nossos dias,
bastante freqüentes em textos que têm como objeto central a Guerra do Paraguai.
150
Um
universo desconhecido, de abandono, solidão e miséria, que todas essas mulheres tinham
que enfrentar para conseguir um sustento para a família, não havendo nenhum caso, entre
todos os analisados, em que o pedido de pensão fosse feito somente para a requerente.
Outro exemplo semelhante foi o de D. Angélica Theodora de Jesus, residente na cidade de
Diamantina, Minas Gerais, viúva e mãe de um combatente que morreu no Hospital Militar
de Cerrito, depois dos combates de setembro de 1866, durante a Campanha do Paraguai,
que veio submissa implorar uma pensão, devido ao ceu estado de viuvez e de mizeria”:
O Snr Ministro do Império, com Aviso de 2 do corrente remete, para ser
processado por este Ministério, o incluso requerimento documentado, em que
Angélica Theodora de Jesus, pede uma pensão, allegando que seu filho o
Voluntário da Pátria José João de Aquino falleceu na Campanha do Paraguay.
O requerimento da Supplicante não pode ter andamento sem que ela apresente
folha corrida e Certidão das Secretarias da Guerra do Império, declarando as
mercês que houver tido ou que nenhuma há recebido na forma do Decreto
número 89 de 31 de julho de 1841.
Secção de Exame em 8 de outubro de 1873.
O chefe da Secção
149
AHE. Divisão de História Militar. Série Requerimentos.
150
Ver, por exemplo, Francisco Alambert, Civilização e Barbárie, História e Cultura- Representações
Culturais e projeções da Guerra do Paraguai nas crises do Segundo Reinado e da Primeira República, p.8.
104
Carlos Antonio Brito
151
.
Em resposta a esse requerimento, o encarregado, Lopes da Costa, respondeu que
a supplicante deve juntar os documentos que faltão e são exigidos por lei”: casamento,
batismo, óbito, atestado de pobreza e honra, fornecidos pelo vigário da paróquia e pelo
inspetor de quarteirão da sua cidade de origem e todos os outros de origem militar.
No requerimento datado em 19 de novembro de 1875, enviado do Rio de Janeiro
e endereçado ao vigário e sub-delegado da Freguesia do Santo Antônio dos Pobres, D.
Maria Geronima Cardoso de Azeredo, “allegando achar-se balda de recursos, com 68
annos de idade, tendo-se conservado sempre com a maior honestidade no estado de viuvez,
e sem meios de viver hoje com tão mesquinho vencimento, hoje! que tudo está tão
caro”,
152
solicitou esses comprovantes, sem os quais ela não poderia obter o meio soldo a
que julgava ter direito, por ser viúva do Capitão Felippe Ferreira de Azeredo. Em resposta
a seu pedido, o vigário e o delegado, “ungidos de autoridade”, enviaram os seguintes
atestados:
Attesto que a Supplicante é muito pobre; sua conduta moral é digna de louvor o
que confirmo. Matriz de Santo Antonio, 19 de novembro de 1875.
Conego Vigario, Ernestiano José do Amaral.
153
E mais:
Attesto que a Supplicante é pobre e quanto ao seu comportamento nada tenho a
declarar em ceu desabono. O referido é verdade e juro sob a fé do meu cargo.
Inspetoria da Freguesia de Santo Antonio.
José Antonio de Espírito- O Inspetor
154
.
Parece ter bastante influência a questão moral, sendo constante, em todos os
requerimentos analisados, a necessidade de comprovação da honestidade, dignidade e
comportamento, de modo que o atestado de honra foi um dos documentos principais
exigidos por lei para que a requerente pudesse conseguir o benefício. De fato, a sociedade,
151
AHE. Divisão de História Militar. Série Requerimentos.
152
AHE. Divisão de História Militar. Série Requerimentos.
153
AHE. Divisão de História Militar. Série Requerimentos.
154
AHE. Divisão de História Militar. Série Requerimentos.
105
tal qual o exército, era um todo heterogêneo e, no século XIX, patriarcal; a separação entre
os sexos era evidente e regida por um duplo padrão de moralidade, sendo que o código de
honra do homem era diverso do da mulher. Os homens eram destinados à vida pública,
comercial, política, militar e as mulheres à vida privada, ao lar, aos filhos e à espera
constante do homem, de volta à família. A mulher que ousasse viver de um modo diferente
desse código de ética e que fugisse aos padrões estabelecidos, como, por exemplo,
arranjando um novo companheiro, pagava um alto preço, já que não conseguia os atestados
de honra do pároco e do inspetor de quarteirão do seu município, exigidos pelo Exército
para que pudesse conseguir o benefício.
Apesar de ser, também, por lei, um dos documentos exigidos para a obtenção de
benefícios militares, não encontrei nenhum registro de batismo no material analisado,
sendo que seus detalhes poderiam revelar elementos importantes para a compreensão do
espaço social estudado. Vários fatores podem esclarecer a situação deficitária em que se
encontravam os docume ntos paroquiais no século XIX: a imensidão do território, o
isolamento dos povoados, a vastidão das dioceses, o baixo número de párocos, entre
outros. A perda da documentação eclesiástica deve-se, também, às condições deficientes de
conservação e da negligência com que essa documentação foi tratada pelas autoridades da
Igreja. O padre Amado Decleene, procurando, em 1971, documentos solicitados pela Cúria
Metropolitana de Cuiabá, respondeu que dificilmente encontraria tais informações “porque
houve um chanceler muito devoto de limpeza, que queimou muita coisa dita velha”.
155
Muitas paróquias ficaram, durante vários anos, vacantes e apresentam lacunas nos arquivos
paroquiais conservados até o momento. Por ficar, por vários anos, desprovidas de párocos,
seus registros perderam-se ou se extraviaram e, quando havia padres, estes eram, muitas
vezes, obrigados a se deslocar por quilômetros para celebrarem casamentos, batismos,
anotando os registros em pequenos cadernos ou folhas avulsas, para depois transcrevê-los
nos livros apropriados, na sede da paróquia, o que poderia, eventualmente, levar à perda de
alguns registros ou de alguma informação.
Parece ser uma constante, no século XIX, a
desorganização da Igreja Católica, no âmbito da América portuguesa e espanhola. Também
no Paraguai, a documentação eclesiástica era uma fonte bem problemática, como
demonstra o seguinte trecho:
Muchas parroquias estaban abandonadas y eran atendidas precariamente por el
clérigo de un pueblo vecino. A causa de la mala formación y del es caso control
155
MARIN, J., O Acontecer e “Desacontecer” da Romanização na Fronteira do Brasil com o Paraguai e
Bolívia, p.26.
106
de parte del obispado, muchos sacerdotes llevaban los libros en forma muy
negligente. Por eso, los registros de matrimonios en el siglo XIX contenían
mucho menos informaciones que los europeos, lo que no significa, sin embargo,
sólo dejadez de los sacerdotes sudamericanos, sino también implica que se
atribuía menor importancia a esta institución. Los libros de bautizos en general
están mejor llevados; por cierto, la mayoría de los niños paraguayos eran
bautizados en la casa inmediatamente después del nacimiento. Unos meses
después se realizaba la administración da los santos óleos y la inscripción en los
registros. Pero si no había párroco en el pueblo, esto a veces se omitía en los
registros.
156
Considerando-se a organização da Igreja em âmbito regional, a efetivação dos
assentos do registro vital poderia variar, não apenas de diocese para diocese, como de
paróquia para paróquia. Como o ato de batizar e de lavrar os assentos era uma das funções
dos párocos, é possível inferir que a eficácia da obrigatoriedade de batizar as crianças
resultava mais do esforço deles do que dos próprios pais. Num estudo recente sobre a
ilegitimidade na Paróquia Senhor Bom Jesus de Cuiabá, na província de Mato Grosso, no
século XIX, foram observadas falhas e ausência de dados nas atas de batismos; em alguns
casos, não havia a ordem cronológica de datas de nascimentos
157
. Mas isso, ao contrário,
não acontecia no caso do parentesco espiritual, e mostra o zelo dos párocos em nunca
deixar em branco os campos que se referia ao nome, profissão, ensinamento da doutrina
cristã e os bons costumes dos padrinhos escolhidos pelos pais, evidenciando preocupação
em obedecer ao que dispunham as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia
158
. O
sacramento do batismo possibilitava a ampliação do círculo de parentesco entre pessoas
das mais variadas classes sociais, ao tempo em que reforçava os vínculos entre indivíduos
de uma mesma família. Os pais procuravam eleger para padrinhos de seus filhos homens
cuja profissão era a militar. A relação de compadrio com os militares, de certa maneira, era
selada pelas relações de caserna.
159
A Igreja fazia-se presente, também, em outros momentos da vida cotidiana, como
no caso dos funerais, sendo a certidão de óbito outro documento exigido nos processos de
156
POTTHAST-JUTKEIT, B., “Paraíso de Mahoma” o “País de las mujeres”?, p.85.
157
PERARO, M., Fardas, Saias e Batinas : a ilegitimidade na Paróquia Senhor Bom Jesus de Cuiabá, 1853-
90, p. 109.
158
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, feitas e ordenadas pelo Ilustríssimo e Reverendíssimo
Senhor Dom Sebastião Monteiro da Vide, arcebispo do dito arcebispado e do Conselho de Sua Majestade,
propostas e aceitas em o Sínodo diocesano que o dito senhor celebrou em 12 de junho do ano de 1707, título
XXII, § 979.
159
PERARO, M., Fardas, Saias e Batinas: a ilegitimidade na Paróquia Senhor Bom Jesus de Cuiabá, 1853-
90, p. 257.
107
pedido de pensão das viúvas. Mas, nesses casos específicos, não era a Igreja que os
elaborava; devido ao estado de guerra em que se encontrava o país, estes eram fornecidos,
em sua grande maioria, pelos médicos e enfermeiros que atendiam aos combatentes nas
enfermarias militares, como consta o processo movido por D. Amélia da Silva Telles, do
Rio de Janeiro, em 28 de março de 1868, em que pediu uma pensão, por ser viúva do
Capitão de Comissão Jayme da Silva Telles, falecido na enfermaria da Cidade do Rio
Grande, na Província de S.Pedro do Rio Grande do Sul:
Enfermaria Militar Permanente na Cidade do Rio Grande 24 de janeiro de1868
Tem alta d’esta Enfermaria por ter fallecido o Snr Capitão o 6 Corpo Provisorio
de Guardas Nacionaes, Jayme da Silva Telles, com 36 annos de idade, filho do
Snr Major Joaquim da Silva Telles Queiros, natural desta Provincia, socorrido
por bordo do Vapor S. Paulo, até 22 do corrente, e por esta enfermaria até
apresente data.
Molestia Entero-Colite
Dr. João Romão Pedro
José Carlos Aveiro
Enfermeiro-Mor
160
É interessante observar que, em quase 100% dos casos analisados, as mulheres
estavam envoltas em uma hierarquia que as fazia diferentes das outras mulheres, as outras
“sem eira, sem beira” e sem sobrenome. Era uma distinção social, referente à designação
de “Dona”, o que pode ser explicado em decorrência do posto ocupado por seu marido,
revelando um status social somente concedido às mulheres pertencentes à elite colonial.
De fato, mulheres cujos maridos pertenciam a carreiras políticas, administrativa e militar
eram distinguidas das outras que não tinham marido “de papel passado”, família e posses,
tendo somente o pré-nome, refletindo uma época em que a maioria das mulheres tinha total
dependência do homem. No caso específico das famílias de militares, posso citar como
exemplo:
Em 12 de outubro de 1882, o capitão Jesuíno Dioclesciano de Sousa Bruno e
Dona Joana Dolores Lara, moradores da Paróquia de São Gonçalo de Pedro
Segundo, que pretendiam unir-se pelo matrimônio, compareceram diante da
Justiça Eclesiástica. Ele, soldado do Oitavo Batalhão de Infantaria em Cuiabá,
natural da Bahia, 43 anos de idade, e ela, paraguaia, com 23 anos, encaminharam
petição ao provisor vigário geral de Gênere e Casamentos, monsenhor José
160
AHE. Divisão de História Militar. Série Requerimentos.
108
Joaquim Graciano de Pina, par que fosse admitida a eles permissão para
justificar que eram livres e desimpedidos para contrair novas núpcias.
161
Mas, e as outras, as não casadas, as que não tinham direito ao cerimonioso
“Dona”, como vislumbrá-las? Aquelas Maria Sem Nome, seguidoras dos soldados nas
batalhas, as andarilhas e vivandeiras que não tinham rosto, aquelas “transparentes”, a que a
história se nega mencionar? Sentindo, participando ou vivendo o começo e o fim de uma
guerra, ficaram excluídas de uma memória histórica. As raras personagens femininas,
lembradas através de poucos memorialistas e que, hoje, estão sendo lentamente resgatadas
pela “história das mulheres”, procuram ganhar espaço para contar, finalmente, a sua
história. Aquelas mulheres simples do povo, entre muitas outras, das quais só sobraram
alguns fragmentos, como a preta Ana, de Taunay, ou Ana Mamuda, de Luis de Castro,
como Aninha Gangalha e Maria Fusil, do Forte de Coimbra, ou como a segundo-sargento
Jovita, muito engraçada em seu uniforme”, voluntária das tropas brasileiras, que
demonstrou uma posição contestadora para os padrões da época? E as personagens de
Mato Grosso e Rio Grande do Sul, únicos estados brasileiros que tiveram seu território
invadido, onde estão? Representando uma ampla parcela da população, ficaram
desconhecidas e pobres, completamente abandonadas à falta de recursos, sem direito à
cidadania e aos benefícios concedidos por lei, quando perderam seus companheiros mortos
nas batalhas. Violentamente excluídas, devido à falta de um casamento legal, não lhes foi
permitido alcançar sua plena condição humana através da ação jurídica, que daria direito a
uma pensão. Mas, se algumas eram seguidoras e companheiras dos militares, porque não se
casavam?
Apesar de este não ser o tema central desta dissertação, devo fazer aqui algumas
considerações sobre a questão do matrimônio, já que, naquela época, existia a
preocupação, por parte de autoridades militares,com a proteção das famílias, inclusive por
meio da legislação, como o decreto nº 89, de 31 de julho de 1841. Apesar disso, tendo a
garantia do recebimento dos benefícios dados por lei, por fatores variados, os casamentos,
de um modo geral, eram pouco numerosos. Todos os documentos exigidos deviam ser
solicitados a duas esferas de poder masculino, a Igreja e o Estado, as quais justificavam a
161
Sobre a presença de mulheres emigradas para o Mato Grosso, uma das regiões que mais as absorveram
como conseqüência da guerra, ver Maria Adenir Peraro, Fardas, saias e batina: a ilegitimidade na Paróquia
Senhor Bom Jesus de Cuiabá, 1853-90, especialmente a Parte III: “A remissão do pecado, item III.2: Errantes
e Aventureiros: o sentido do matrimônio e os tratos ilícitos”, p. 195 a 232. Embora a imigração de paraguaias
para Cuiabá não seja o objeto central do trabalho, a autora analisa vários casos de mulheres paraguaias que
seguiram os soldados para o Mato Grosso em decorrência de casamento ou união consensual.
109
instalação de um aparelho burocrático que afirmava o poder da Igreja no Novo Mundo e
garantiam o povoamento, a segurança e controle social na Colônia. Mary Del Priore, ao
investigar a trajetória da mulher brasileira desde o início da colonização até o período que
precedeu a independência, faz uso, além de outros documentos, dos processos
eclesiásticos. Esse exame permitiu, à historiadora, registrar a ação da Igreja, que
considerava o casamento um mecanismo de ordenamento social, e a “família, um palco
para uma revolução silenciosa de comportamentos, que se fechavam em torno da mulher,
impondo-lhe apenas e lentamente o papel de mãe devotada e recolhida”.
O casamento foi imposto no Brasil, tanto pela Igreja como pelo Estado. A
primeira, desejosa de implantar na Colônia o projeto de difusão do catolicismo e das
normas tridentinas, por intermédio de famílias constituídas legalmente, por meio de um
discurso sobre a moral conjugal e a indissolubilidade do casamento, objetivando, assim, o
modelo católico de constituição da família, como espaço de controle da Igreja sobre a
população. Por meio do Estado, que tinha interesses no povoamento e manutenção da
segurança da Colônia, o casamento cristão impôs-se, também, como uma necessidade da
elite branca e dirigente, visando assegurar seus direitos patrimoniais. A família era o
elemento essencial da produção, assegurando o funcionamento econômico e a transmissão
dos patrimônios. A partir da segunda metade do século XIX, em nome da civilização e da
modernidade, a população passava, então, a ser alvo do Estado Imperial, que via a família
como criadora da cidadania e da civilidade, e que tinha interesse em adequá -la aos novos
padrões culturais europeus, passando, então, a ser reeducada, disciplinada. Para a mulher
da elite do século XIX, o casamento era a única alternativa para adquirir status econômico
e social e ela era pressionada por toda a sociedade, principalmente pela família e pela
Igreja.
A análise documental permitiu-me perceber as determinações da Igreja Católica
relativas à vida privada dessas mulheres, ou seja, a necessidade de comprovação do estado
de casamento, com depoimentos de testemunhas, assim como a apresentação do registro de
batismo e atestado de pobreza e honestidade emitidas pelo vigário geral da paróquia e pelo
delegado da Freguesia em que elas residiam.
Com o Concílio de Trento (1545-1563), é que se tornou realidade o
estabelecimento da exigência de se registrar, nas Igrejas, os casamentos e batismos. Mas
isto foi formalizado somente no início do século XVIII, com as Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia (1707), mecanismo legal que buscava adaptar a legislação
decorrente do concílio tridentino às peculiaridades da Colônia, e que dispunha dos
110
instrumentos de controle sobre múltiplos aspectos da vida de livres e de escravos. Eram
divididas em cinco livros, e ficaram em vigor até o século XIX. Reafirme -se, portanto, que
um dos instrumentos utilizados pela Igreja para atingir a normatização da população
constituía-se na imposição dos sacramentos casamento e batismo e, por conseguinte, na
valorização da família cristã, o que, na Colônia, era considerado como “um ideal a ser
perseguido, uma garantia de respeitabilidade, segurança e ascensão a todos os que o
atingissem”.
162
Em estudo sobre os processos matrimoniais paulistas de finais do século XVIII e
início do XIX, e outras fontes comprobatórias da maior burocratização do casamento
eclesiástico naquela época, são expostas as dificuldades financeiras e burocráticas impostas
pela Igreja ao casamento legal, sendo o processo matrimonial caro, lento e complicado,
exigindo, dos noivos, variados documentos e grandes despesas, inclusive certidões de
batismo, atestado de residência e certidões de óbito do primeiro cônjuge, no caso de
viúvos. Esses estudos demonstraram, também, a freqüência de casais que se uniam no
Brasil colonial sem passar pelo sacramento do matrimônio, em decorrência das
dificuldades burocráticas impostas pela Igreja.
163
Quando existiam impedimentos,
sobretudo de parentesco, a Igreja, tradicionalmente, cobrava pelas dispensas que julgava
cabíveis. Na falta de alguns desses papéis, os noivos poderiam recorrer a testemunhas
idôneas. Nesse caso,
...a tendência para o concubinato não pode, portanto, ser encarada apenas como
uma questão de libertinagem, mas também como a resultante de obstáculos
econômicos à celebração do casamento.
164
Muitos historiadores têm alegado variadas razões para a generalização do
concubinato entre as camadas populares, mas todos parecem vinculá -la, principalmente, ao
alto custo do sacramento e aos complicados trâmites burocráticos.
165
Mas, para outros, o
problema deve ser posto em outros termos, além do econômico. Para alguns, no Brasil, o
sentido do casamento, para o grupo social mais pobre, era diferente daquele da elite; eles
162
VAINFAS, R., Trópico dos Pecados, p.100.
163
SILVA, M., Sistema de casamento no Brasil colonial, p.47-56.
164
SILVA, M., Sistema de casamento no Brasil colonial, p.49.
165
Caio Prado Júnior afirmava que “o maior obstáculo à realização do casamento, e mais frequente, é o seu
custo; a este respeito, as queixas contemporâneas abundam, e está-se sempre às voltas com a questão” .
(Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia. p.363.)
111
não se casavam, não por terem escolhido qualquer forma de união oposta ao sacramento
católico e pelos obstáculos financeiros e, ou, burocráticos, e sim, por viverem num mundo
instável e precário, onde a itinerância fazia parte das suas vidas.
166
Gilberto Freire, em Casa Grande e Senzala, ensina que, para o conhecimento da
história social do Brasil, não há, talvez, fonte de informação mais segura, que os livros de
viagens dos estrangeiros, e dentre eles, para o caso específico de matrimônio, cita “os bons
e honestos da marca de” Richard Burton:
Em meados do século XIX, Burton encontrou em Minas Gerais uma cidade de
cinco mil habitantes com duas famílias apenas de puro sangue europeu. No
litoral observou o inglês que fora possivel aos colonos casar suas filhas com
europeus. Mas nas capitanias do interior o mulatismo tornara-se um ‘mal
necessário’ (mulatism became a necessary evil). A principio é de supor
menos por casamento do que por uniões irregulares de brancos com negras,
muitas vezes suas escravas. Daí a ‘estranha aversão ao casamento’ que Burton
ainda surpreendeu nas populações mineiras. Os homens 'não gostavam de casar
para toda a vida’, mas de unir-se ou de amasiar-se; as leis portuguesas e
brasileiras, facilitando o perfilhamento dos filhos ilegítimos, só faziam favorecer
essa tendência para o concubinato e para as ligações efêmeras.
167
O cotidiano das mulheres do séc. XIX foi marcado pela luta pela sobrevivência e
sua conduta por rígidos códigos de honra, os quais apenas uma minoria seguia. As
mulheres pobres eram as que mais se distanciavam dos padrões morais oficiais. Como
poucas se casavam, perdiam o direito à pensão de que as casadas eram merecedoras. Sendo
viúvas e sós, ficaram sujeitas a constantes vigilâncias com relação a sua conduta social e
eram obrigadas a apresentar, para receber pensão, atestado de honra e pobreza, fornecidas
pela Igreja e pelo Inspetor de Quarteirão.
166
VAINFAS, R.,Trópico dos Pecados, p.94.
167
BURTON, R., apud FREYRE, Gilberto, Casa Grande e Senzala, v. 2, p.525.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo a Guerra do Paraguai um objeto privilegiado na História do Brasil e levando
em conta a vastíssima produção acadêmica sobre o tema, posso afirmar que a preocupação
maior da historiografia tem sido com os homens envolvidos no conflito. Contada nos livros
escolares, a História do Brasil é o cenário predileto de diversos heróis viris. Essa constatação
estimulou a investigação sobre a presença das mulheres no cenário da guerra, seus papéis, as
relações estabelecidas entre si e com os soldados, bem como a forma com que foram tratadas
pelos exércitos em luta. É certo que, para uma história de homens e de uma guerra, o registro
da presença feminina e os destaques que a ela poderiam ser dados tornam-se uma raridade,
pois só aos homens cabiam os papéis principais.
Desenvolvi a pesquisa recorrendo, basicamente, a três acervos: o Arquivo Histórico
do Exército, o Arquivo Histórico do Itamaraty e o Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado
de Mato Grosso do Sul, o que me permitiu reconstruir vários aspectos do cotidiano dessas
mulheres. Analisei requerimentos, inventários, leis e ofícios, que revelaram a presença das
mulheres naquela guerra, em que situações precárias, instáveis e provisórias eram uma
constante.
A documentação que encontrei não se restringia apenas aos pedidos de pensões de
viúvas, inventários ou requerimentos da época desejada. Portanto, fazer um recorte temporal
para atingir o objetivo proposto inicialmente foi um trabalho árduo, de pura garimpagem, pois
não é possível saber o que existe dentro de cada maço de documentos analisado, o que exigiu
um processo incessante de procura. Ressalto, também, que os documentos não foram de todo
explorados em sua riqueza.
Em geral, os documentos, matéria prima do historiador, na falta de uma política de
preservação dos arquivos públicos, apresentam, com freqüência, folhas incompletas, grande
parte delas quebrando ao menor toque, ou seja, desidratadas, necessitando, com certa urgência,
de um trabalho de restauração, catalogação e microfilmagem, devido ao seu estado de
conservação.
113
A história, por mais distante que esteja, tem por objetivo provocar reflexões sobre o
mundo atual. Seria um erro pesquisar os fatos passados, dar luz a uma época, interpretar fatos
que tenham significado algo, ler nas entrelinhas, enfim, dar vozes ao passado, e isso nada
significar ou contribuir para as pessoas da época presente. Como a história é sempre contada
do ponto de vista do dominador, que era o homem branco, foram raras as mulheres que
constaram dos textos oficiais. Portanto, não foi meu objetivo, simplesmente, constatar e
criticar essa lacuna na histórica oficial mas, sim, rever o passado e trazer à tona algumas
brasileiras fantásticas que participaram da guerra e, com isso, ajudar a construir um futuro
mais igualitário, com o papel da mulher reconhecido.
De fato, este trabalho teve a pretensão de narrar, explicar e contribuir com a história
das mulheres moradoras da fronteira Brasil / Paraguai e, também, de muitas outras, que
vivenciaram o período conturbado da Guerra do Paraguai, numa tentativa de resgatar o papel
da mulher na construção do Brasil. É necessário que se conheça a história das mulheres que
viveram a guerra nos seus mais variados segmentos, que se dê vida a esse tema, que se
enfatizem a complexidade e a diversidade dessa experiência vivenciada por elas e que se criem
espaços para que elas sejam “ouvidas” com respeito e sejam inseridas no contexto histórico,
essencialmente masculino, no qual, quase sempre, foram vistas pela historiografia tradicional
como submissas e dóceis.
Silêncios, hesitações, lacunas, foram alguns dos desafios que enfrentei ao longo da
elaboração desta dissertação, que resultou da insistência de propósito em desvendar um
passado em que as mulheres pouco apareciam. Embora não tenha podido resgatar a intimidade
dessas mulheres, em seus múltiplos aspectos, posso dizer que recuperei a sua participação na
Guerra do Paraguai, negada pela maioria dos historiadores. Pergunto-me, então, para que serve
a História das Mulheres? E respondo: para fazê-las existir.
FONTES
1 Arquivística
1.1 ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO.
Divisão de História Militar. Série Requerimentos.
1.2 ARQUIVO HISTÓRICO DO ITAMARATI.
Ofícios Recebidos. Assunção. 1855-1881.
Série Correspondência Ofícios Governo de Matto Grosso Tomo 4 Annos de 1862 a
1877.
1.3 ARQUIVO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MS.
INVENTÁRIO de José Francisco Lopes. Seção do Memorial. Campo Grande.
1.4 BIBLIOTECA NACIONAL.
ACAMPAMENTO do 7.º batalhão de voluntários no sitio da Água-Branca. Obras Raras.
Seção Iconografia.
GUERRA DO PARAGUAY. Ataque de 16 de julho de 1866 em Tuyuty. Obras Raras.
Seção Iconografia.
GUERRA DO PARAGUAI.1865-1870. Ordens do Dia. Obras Raras.
POR UMA SENHORA RIOGRANDENSE. Uma coroa aos soldados brasileiros. Bazar
Volante, Rio de Janeiro, a. 2, n. 32, p.2-3. 30 abr. 1865. Obras Raras.
1.5 CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO REGIONAL. Dourados-MS.
RELATÓRIO do Presidente da Província de Mato Grosso Brigadeiro Alexandre Manoel
Albino de Carvalho, de 10 de outubro de 1864. microfilme. Acervo do Centro de
Documentação Regional. Dourados-MS.
115
2 Periódicos
BOLETIM DE NOTÍCIAS, O. Cuiabá, 9 de maio de 1865.
BAZAR VOLANTE. Rio de Janeiro, 30 abr. 1865.
SITUAÇÃO, A. Cuiabá, 22 set. 1875.
3 Legislação
LEIS E DECISÕES. Coleções das Leis do Império do Brasil. 1841. Parte II, tomo IV. (Acervo
do Arquivo Histórico do Exército)
4 Textos contemporâneos à Guerra do Paraguai
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Lívio Dantas. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Ed., 1997.
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CERQUEIRA, Evangelista de Castro Dionísio. Reminiscências da Campanha do Paraguai,
1865 – 1870. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1929.
FONSECA, João Severiano da. Viagem ao redor do Brasil: 1875 1878. Rio de Janeiro:
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LYNCH, E., Esposicion y Protesta. Buenos Aires: Imprenta RURAL, 1875.
MASTERMAN, George Frederick. Siete años de aventuras en el Paraguay. Buenos Aires,
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OURO PRETO, Visconde de. A Marinha D’outr’ora: subsidios para a História. Rio de
Janeiro: Typograhia Mont Alverne, 1894.
REGO, Maria do Carmo de Mello. Lembranças de Mato Grosso.Edição Fac-similar de 1897.
Várzea Grande-MT: Fundação Júlio Campos, 1993. (Coleção de Memórias Históricas da
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SILVA, José Luiz Rodrigues. Recordações da Campanha do Paraguay. São Paulo:
Companhia Melhoramentos de São Paulo, [s.d.].
TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. Memórias. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1946.
____________. A Retirada da Laguna. 15. ed. São Paulo: Biblioteca do Exército, 1959.
____________. Cartas da Campanha de Matto Grosso: 1865 a 1866. Rio de Janeiro: Editora
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VAN-HALLE. A. A. José. Lopez: viagem ao Paraguay; episodios da vida intima do ex-
ditador e de sua favorita Elisa Lynch. Rio de Janeiro; Typoghrafia Americana, 1870.
VARELA, Hector F. Elisa Lynch. Buenos Aires: Editorial Tor, 1870.
VASQUEZ, José Antonio, SALERNO, Osvaldo (Orgs.). El Centinela: periódicos de la guerra
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5 Textos sobre a Guerra do Paraguai publicados nos séculos XX e XXI
ALAMBERT, Francisco. Civilização e barbárie, história e cultura: representações culturais e
projeções da “Guerra do Paraguai” nas crises do 2º Reinado e da 1ª República. 1999. Tese
(Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
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ANUARIO DEL INSTITUTO FEMININO DE INVESTIGACIONES HISTÓRICAS. v. 1.
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