Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
MARIA CARMEN LOPES DA SILVA
A PRESENÇA DA MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DO
PROFESSOR DO ENSINO PRIMÁRIO NO ESTADO DE
SÃO PAULO, NO PERÍODO DE 1890 A 1930.
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
SÃO PAULO
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
MARIA CARMEN LOPES DA SILVA
A PRESENÇA DA MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DO
PROFESSOR DO ENSINO PRIMÁRIO NO ESTADO DE
SÃO PAULO, NO PERÍODO DE 1890 A 1930.
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de DOUTOR EM EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA, sob a orientação da Professora Doutora
Sandra Maria Pinto Magina.
SÃO PAULO
2008
ads:
Banca Examinadora
__________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial
desta Tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura: ___________________________________ Local e data:____________________
Para meu pai,
um exemplo de dignidade a ser seguido e,
ao meu filho David,
razão de minha existência.
Agradecimentos
Primeiramente, a DEUS.
Ao Professor Doutor Wagner Valente, que plantou a
semente para a elaboração deste trabalho, e à
Professora Doutora Sandra Maria Pinto Magina,
que acompanhou a execução do mesmo.
Aos componentes da banca examinadora, em
especial, à Professora Doutora Aparecida Duarte,
pela sua incomensurável colaboração, sem a qual eu
não poderia ter concluído o presente estudo.
À Professora Doutora Maria Helena Bittencourt
Granjo, pelo apoio concedido durante toda a
trajetória deste segmento de minha vida profissional.
Ao amigo, Professor Doutor Vincenzo Bongiovanni,
o orientador de todas as horas.
Ao Francisco Olímpio da Silva, que tornou visível
todo o meu empenho para finalizar esta pesquisa.
Enfim, a todos que, direta ou indiretamente,
contribuíram para que eu chegasse ao fim desta
empreitada.
A Autora
Resumo
O presente trabalho teve por finalidade analisar como a matemática se fez presente na
formação do professor do ensino primário do Estado de São Paulo, entre 1890 e 1930.
Trata-se de um recorte geográfico-temporal marcado por importantes reformas
educacionais que repercutiram e transformaram a cultura escolar da época. É no cerne
dessas transformações que se percebe a presença da Matemática, num primeiro
momento, associada às matérias pertinentes à formação do trabalhador e, num segundo,
caminhando em direção ao respeito à fase intelectual da criança. Para denotar como
essas transformações se processaram, fez-se necessário regredir na linha do tempo,
procurando, assim, compreender por meio da Legislação como foi concebida a educação
elementar no Brasil Império. A seguir, houve a precisão de reconhecer o contexto cultural
de onde partiram as novas diretrizes para a educação brasileira, para então responder
como a matemática se fez presente na formação do educador da instrução pública
paulista no período da República. Como fontes de pesquisa foram utilizadas a
Legislação Oficial do Ensino do Estado de São Paulo e a Revista do Ensino, periódico
lançado em 1902 destinado ao professorado paulista. Nessa trajetória de reapropriação
dos textos constantes nos dispositivos legais e os divulgados pela imprensa periódica
surge o nome de Mr. Parker, autor de cartas que levam o seu nome. Estas foram
apropriadas pelos gestores da educação, sendo recomendadas e, posteriormente,
distribuídas em todos os Grupos Escolares do Estado de São Paulo, instituição que deu
forma e consolidou o ideário republicano na trajetória da educação paulista.
Palavras-chave: cultura escolar, aritmética, ensino primário, século XIX e início do XX.
Abstract
The goal of this work is analyzing how Mathematics was taken into account in the
elementary school teacher’s background in the State of São Paulo, during the period
comprised between the years 1890 and 1930. A geographic-temporal space characterized
by significant educational changes in the scholar culture will be presented. In the core of
such changes, it is possible to realize the role that Mathematics has played, initially
fulfilling the worker’s background needs and then providing knowledge to the children’s
intellectual phase. Such changes are brought into light by studying: (a) how Legislation
has impacted the Elementary Education during the Brazil Empire period and (b) how the
republican cultural context has drawn new guidelines to Brazilian Education, particularly in
the mathematical background of the so-called Public Instructional Educator in the State of
São Paulo, during the First Republic. Research sources are based on the Official
Education Legislation of the State of São Paulo and the Education Magazine that appears
in 1902. These sources reveal the name of Mr. Parker whose letters have been
recommended to educational purposes by the educational managers and distributed to all
public elementary schools of the state of São Paulo which were in charge to adequate the
republican idealism to the Education.
Keywords: school culture, arithmetic, elementary education, 19th century and 20th
century beginning.
Sumário
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 13
CAPÍTULO 1 ............................................................................................................... 23
POR UMA ESCRITA DA HISTÓRIA DA INSTRUÇÃO PRIMÁRIA
BRASILEIRA, NO QUE DIZ RESPEITO À DISCIPLINA MATEMÁTICA ............ 23
CAPÍTULO 2 ............................................................................................................... 41
DA GRATUIDADE DA INSTRUÇÃO PRIMÁRIA NO BRASIL IMPÉRIO À
LIBERDADE DO ENSINO PRIMÁRIO NO GOVERNO PROVISÓRIO ................ 41
Introdução ............................................................................................................. 41
2.1 Instrução primária e gratuita a todos os cidadãos no Império ........................ 42
2.1.1 A responsabilidade pela instrução pública entregue às Províncias: o
Ato Adicional de 5 de agosto de 1834 .................................................... 45
2.1.2 O Decreto 1.331, de 18 de fevereiro de 1854 ........................................ 46
2.1.3 Instruções para a verificação da capacidade do magistério e
provimento das cadeiras públicas de instrução primária e secundária .. 48
2.1.4 A criação de duas escolas normais primárias para o ensino da corte ... 48
2.1.5 O Decreto 6.479 de 1877: a divisão nas escolas de instrução primária 51
2.1.6 O Decreto 7.247 de 1879: mudanças significativas no ensino primário 52
2.1.7 O Decreto 7.684 de 1880: regulamentando a Escola Normal para o
Município da Corte ................................................................................. 53
2.1.8 O Decreto 8.025, de 1881: das finalidades da Escola Normal ............... 54
2.1.9 Aditamento 04, de 1882: sobre o programa de ensino a ser observado
nas escolas públicas do 1.º grau do município da Corte ........................ 55
2.1.10 O Decreto 8.985, de 11 de agosto de 1883 ......................................... 56
2.2 O ensino primário e secundário durante o Governo Provisório ...................... 57
2.2.1 O Decreto 407 de 1890: o novo regulamento da Escola Normal da
Capital Federal ....................................................................................... 58
2.2.2 Decreto 981, de 1890: Aprova o Regulamento da instrução primária e
secundária no Distrito Federal ................................................................ 60
2.3 Diálogo entre a legislação e os documentos manuscritos da Escola Normal . 62
CAPÍTULO 3 ............................................................................................................... 67
PANORAMA DA INSTRUÇÃO PRIMÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
COM A CHEGADA DO REGIME REPUBLICANO .............................................. 67
CAPÍTULO 4 ............................................................................................................... 77
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE INSTRUÇÃO PRIMÁRIA PAULISTA:
EXIGÊNCIAS LEGAIS E RECOMENDAÇÕES PEDAGÓGICAS ........................ 77
4.1 Reformas educacionais paulistas ................................................................... 77
4.2 As palestras de Parker .................................................................................... 94
4.2.1 Palestra XV: o conceito de número ........................................................ 95
4.2.2 Palestra XVI: números (continuação) ..................................................... 98
4.2.3 Palestras XVII: aritmética ....................................................................... 100
4.3. Questões gerais acerca do ensino ................................................................. 102
4.4. As Revistas do Ensino e as controvérsias relativas aos métodos e
processos para a instrução primária .............................................................. 106
4.5. A instrução popular e o ambicioso projeto dos republicanos apulistas .......... 111
4.6. Modificações nas instituições de ensino da Instrução Pública Paulista
(1890-1930) ................................................................................................... 132
4.6.1 Escola Normal, 1890 ............................................................................. 132
4.6.2 Escola Normal, 1892 ............................................................................. 132
4.6.3 Escola Normal, 1893 ............................................................................. 133
4.6.4 Escola Normal, 1894 ............................................................................. 133
4.6.5 Escola Normal, 1895 ............................................................................. 133
4.6.6 Escola Complementar, 1985 ................................................................. 134
4.6.7 Escola Normal, 1896 ............................................................................. 134
4.6.8 Escola Complementar, 1986 ................................................................. 134
4.6.9 Escola Normal, 1902 ............................................................................. 134
4.6.10 Escola Normal, 1904 ........................................................................... 135
4.6.11 Escola Complementar, 1911 ............................................................... 135
4.6.12 Escola Normal Primária, 1912 ............................................................ 135
4.6.13 Escola normal de Curso Secundário, 1913 ......................................... 135
4.6.14 Escola Normal, 1920-1921 .................................................................. 135
4.6.15 Escola Normal, 1925 ........................................................................... 136
4.6.16 Escola Normal, 1927 ........................................................................... 136
4.6.17 Escola Normal, 1929: duas modalidades de curso ............................. 136
4.6.18 O governo provisório, 1930 ................................................................. 137
4.7. Quadro sinóptico: 1890-1930 ......................................................................... 138
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 139
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 147
ANEXOS .................................................................................................................... 157
Anexo 1. Das quatro operações e a teoria dos quebrados ao estudo de
Trigonometria ......................................................................................... 157
Anexo 2. Provas .................................................................................................... 159
Anexo 3. As Cartas de Parker. Material didático elaborado por Francis Wayland
Parker (1837, 1902) recomendado ao professorado paulista pelos
gestores da Revista do Ensino, nas edições datadas em 1902/1903 .... 193
Índice de Figuras
Fig. 01. Prova de Pedagogia – Método do Ensino Mútuo. Misto, Vantagens e
Desvantagens. Arquivo do Estado de São Paulo .......................................... 63
Fig. 02. Princípios de Pestalozzi, Revista do Ensino, 1904 ........................................ 111
Fig. 03. Relatório proferido por Dr, Mário Bulcão, 1905 .............................................. 116
Fig. 04. Programa relacionado às propostas de ensino divulgadas na Revista do
Ensino, 1913 .................................................................................................. 127
Introdução
É difícil explicar os motivos que levam à elaboração de um trabalho de
pesquisa que tenha por finalidade observar à presença da matemática na
formação dos professores do ensino primário entre 1890 e 1930, ante os desafios
educacionais a serem ainda enfrentados pelo Brasil, quase ao final da primeira
década do século XXI.
A tarefa torna-se mais árdua quando se percebe que a motivação primeira
para realizá-la tem suas raízes na infância, que se ramificou ao longo da própria
caminhada profissional.
É o caso do presente trabalho, que tem uma parte atrelada às narrativas de
minha mãe, como aluna do Grupo Escolar Olavo Bilac em Santos, e, a outra, à
minha vivência como professora de matemática por mais de trinta anos.
Ao se referir às suas professoras, minha mãe ora o fazia salientando a
competência delas, ora descrevendo atitudes pouco aceitáveis hoje em dia, no
que diz respeito ao trato com as crianças.
Entre esses relatos, no entanto, havia um, cuja tônica recaía sobre a
irritabilidade dessas professoras diante de um grupo de alunos com dificuldades
maiores na disciplina matemática.
Embora minha mãe estivesse incluída naquele rol de educandos, foi ela,
contudo, a responsável por me transmitir o processo de efetuar a divisão com dois
ou três algarismos no divisor.
13
Lembro-me como ela se referia aos pontinhos imaginários, que separavam
os algarismos do dividendo e do divisor, os quais, devidamente colocados, fariam
com que se pensasse em números menores a serem divididos.
Evidentemente, não eram essas as palavras por ela utilizadas para me
auxiliar com a operação da divisão. Certamente, elas se mesclaram ao meu
próprio vocabulário, empregado por anos no exercício do magistério junto às
crianças da 5.ª série do ensino fundamental.
Identifico no algoritmo da operação de divisão o começo das queixas dos
alunos, que passam a se referir à disciplina matemática como detestável e que
nada tem a ver com a vida fora da escola.
Participei das angústias das crianças, quando lhes era solicitado direta ou
indiretamente o emprego da operação de divisão em uma determinada atividade.
Busquei outros cursos que pudessem auxiliar-me na tarefa de não criar,
como diz Wadsworth (1999), novos candidatos para odiar a matemática.
Procurei pelo curso de pedagogia na expectativa de inteirar-me de
processos que facilitassem o desenvolvimento dos conteúdos matemáticos.
Inquietava-me a sensação de impotência para lidar com essas crianças que se
ressentiam pela ausência da “tia” e deviam atender, “de uma hora para outra”, às
solicitações de vários professores de diferentes disciplinas.
Resumidamente, posso dizer que o curso de pedagogia não atendeu às
minhas expectativas. As preocupações, no que diz respeito à metodologia de
ensino, recaíam, notadamente, sobre os processos de alfabetização.
O curso em nível de pós-graduação, atualmente reconhecido como de
Especialização, embora tratasse da didática da matemática direcionada para o
nível superior, respondeu, em parte, meus questionamentos envolvendo os
processos de ensino endereçados aos alunos das séries iniciais do ensino
fundamental.
Ainda assim persistiram minhas preocupações, em especial, àquelas
relativas às crianças que têm de expor “formalmente” que se apossaram dos
14
conteúdos matemáticos. O que vale dizer a “armar as contas” para efetuar as
quatro operações fundamentais.
Buscando por soluções que pudessem aplacar minhas inquietações,
ingressei no curso de Mestrado, na área de Educação.
Minha dissertação teve por tema a análise sobre as condições oferecidas
pelos cursos de pedagogia, em relação ao desenvolvimento dos conteúdos
matemáticos. O curso de pedagogia estava também, na época, incumbido de
promover a formação dos professores das séries iniciais em nível superior,
conforme interpretação da Lei de Diretrizes e Bases 9.394, promulgada em 1996.
Vi-me na obrigação de inteirar-me do texto da Lei de Diretrizes e Bases
(LDB), para compreender os pressupostos dos dispositivos oficiais, referentes às
modificações pertinentes à formação dos professores responsáveis pelas
primeiras séries da educação básica.
Pelo depoimento de especialistas da área de matemática e das
declarações dos coordenadores do curso de pedagogia, concluí que a pretendida
formação dos professores das séries iniciais em nível superior seria uma nova
versão do antigo curso do magistério.
Em outras palavras: as dificuldades no que diz respeito ao
desenvolvimento dos conteúdos matemáticos não seriam sanadas.
Para chegar a essa conclusão, além do respaldo oferecido pelos
conhecedores das dificuldades que permeiam o ensino da matemática, dentre os
quais se destaca o nome do Prof. Dr. Vincenzo Bongiovanni, foi necessário
analisar como a formação dos professores das séries iniciais era concebida no
curso de magistério, que veio substituir legalmente o curso normal.
Para essa análise fiz uso dos textos constitucionais das Cartas Magnas de
1824, 1891, 1934 e 1937, além da Constituição de 1946, quando a referida
formação apresentou-se como curso profissionalizante.
Interei-me das dificuldades enfrentadas por esse segmento do magistério
por meio da legislação, o que culminou na realização de uma investigação na qual
busquei obter subsídios para comparar a formação dos professores em nível
15
médio da maioria dos professores em atividade na época (2004) e a prevista pela
LDB (1996), particularmente no que diz respeito à disciplina matemática.
Assim sendo, a pesquisa não se deteve, detalhadamente, nas causas que
determinaram a trajetória de um curso de formação de professores, sobre os
quais recai a responsabilidade de inserir as crianças na vida escolar propriamente
dita.
Naquela ocasião e por recomendação de minha então orientadora, Dra.
Maria Helena Bittencourt Granjo, li a obra Uma história da matemática escolar no
Brasil (1730-1930), de autoria do Prof. Dr. Wagner Rodrigues Valente, a quem
conheci alguns meses depois, quando este pesquisador estava iniciando um
projeto intitulado A educação matemática na escola das primeiras letras, no
período de 1850-1950, ao qual me incorporei.
Como parte integrante do projeto-maior coordenado pelo Prof. Dr. Wagner
Rodrigues Valente, originou-se o presente trabalho, que tem como principal
objetivo analisar a presença da matemática na formação do professor do ensino
primário no Estado de São Paulo, no período compreendido entre 1890 e 1930.
Como fontes principais de pesquisa foram consideradas as determinações
oficiais que prescreveram o ensino após o advento da Proclamação da República.
Desse modo, o tema formação de professores, novamente, teve lugar no
universo de minhas preocupações. Entretanto, para investigar como a formação
de professores se desenvolveu ao final do século XIX e início do XX, fez-se
necessário identificá-la no contexto da legislação oficial do ensino.
Para compreender as mudanças relativas à educação que surgiram com o
advento da República, tornou-se relevante entender como esta foi concebida no
Brasil, a partir da Constituição Imperial de 1824, ocasião em que fora anunciada a
gratuidade da instrução primária a todos os cidadãos brasileiros. A partir de então,
um considerável número de leis e decretos foi promulgado com o fim de melhorar
a qualidade dessa modalidade de instrução.
Acerca da edição de dispositivos legais elaborados para organizar o
ensino, Reis Filho afirma que “novas leis, novos decretos [são promulgados] para
16
resolver velhos problemas, que outras leis e outros decretos não resolveram”
(1999, p. 14).
Em conseqüência não se pode negar que a legislação oficial revela-se
como fonte significativa para o entendimento acerca dos motivos pelo qual o
ensino ocorreu de uma determinada forma, e não de outra.
Ainda que se saiba existir
[...] uma persistência negativa [que] é o ziguezague na prática
educacional, em todos os níveis governamentais. Cada ministro, cada
secretário da Educação entende que deve imprimir seus próprios rumos
à educação pública, o que provoca a desorganização das redes oficiais
de ensino. Como, às vezes, durante o mandato de um prefeito ou de um
governador ocupam a Secretaria da Educação dois e até três pessoas o
ziguezague é extremamente danoso, pois pouco [ou nada] se aproveita
das medidas anteriores, mesmo quando ela resulta de estudos
apropriados [...]. A conseqüência mais negativa dessa oscilação é o
descrédito dos professores nas mudanças da educação pública (C
UNHA,
1943, p. 12).
Entretanto, é por meio dessas idas e vindas da lei, que ora parece
inovadora, ora retrógrada, que ela enseja a possibilidade de analisar como a
matemática se fez presente na formação dos professores do ensino primário, do
modo concebido pelos republicanos.
Assim, por meio dessa compreensão, evoco a problemática do presente
trabalho: como teria sido alterado o papel da matemática na formação do
professor do ensino primário, a partir do ano de 1890?
Pretende-se, dessa forma, dar a conhecer que tipo de formação em
matemática era exigido para os que desejavam atuar nas séries iniciais da
instrução primária paulista em 1890 e como foi sendo modificada até os anos 30
do século XX.
Antecipando ao início da investigação de forma a responder a tal
questionamento, procurou-se verificar se havia estudos concretizados que
respondiam a essa questão.
Tomou-se como ponto de partida o levantamento realizado por Valente
(2005), junto ao banco de teses e dissertações do Círculo de Estudo e Memória e
17
Pesquisa em Educação Matemática (Cempem), da Unicamp, o qual mostrou a
existência de poucos assuntos disponíveis para a orientação do percurso da
história da educação da matemática elementar.
Além desse levantamento, foram consultados outros bancos de dados
junto a grupos de pesquisa como Prática Pedagógica em Matemática (PraPen); o
Núcleo de Estudo e Pesquisas em Educação Matemática (NEPEM UFF) e a
Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação (Anped GT-
19), nos quais foram localizados apenas trabalhos cuja ênfase recaiu sobre os
processos de ensino e aprendizagem de específicos conteúdos matemáticos.
Cabe ressaltar que foi no Grupo de História em Educação Matemática
(GHEMAT), coordenado por Wagner Valente, na época sediado na PUC/SP, que
se encontrou um trabalho de pesquisa, próximo do desenvolvimento do ensino da
matemática no final do século XIX e início do século XX. Trata-se da tese de
doutorado de Zuin (2007) intitulado Por uma nova arithmetica: o sistema métrico
decimal com um saber escolar em Portugal e no Brasil.
Acredita-se que por meio da elaboração do presente trabalho está-se
procurando considerar as advertências de Souza, que textualmente se pronuncia:
“carecemos de estudos aprofundados relacionados aos conteúdos específicos de
cada disciplina”, pois, como se podem notar, as pesquisas relativas à instrução
primária brasileira não apresentaram uma análise específica sobre o papel da
matemática na formação dos professores da instrução pública primária,
especialmente nos marcos temporais que delimitam o presente estudo (1998, p.
65).
Crê-se, então, certificada a relevância do problema de investigar as
principais alterações prescritas para os cursos de formação dos professores
primários paulistas no início do período republicano.
A presente pesquisa diz respeito, portanto, a uma abordagem que se
propõe a interpretar e estabelecer relações de questões concernentes à formação
de professores ainda não examinadas em profundidade.
Selecionou-se o período de 1890 a 1930 por apresentar uma fase
demarcada por expressivas alterações para a instrução primária, principiadas em
18
São Paulo e divulgadas em todo o País. Por tais motivos, necessidade de que
se ampliem as investigações acerca desse tema, delimitado pelos anos de 1890 e
de 1930.
Para a análise do papel assumido pela matemática escolar na formação de
professores que atuavam nos primeiros anos no início da República, utilizaram-se
aportes teóricos da história cultural, uma vez que a pesquisa desenvolvida
implicou a realização de um estudo que teve por finalidade verificar como a
matemática se agregou à formação dos docentes no período acima mencionado.
Desse modo, adotaram-se como fontes os dispositivos oficiais que
prescreveram como deveria ser o ensino desenvolvido a partir do advento da
República e a produção criada ao redor deles. Por meio dessa produção, tornou-
se possível verificar como os preceitos legais foram apropriados pelos gestores
do ensino e disseminados na sala de aula.
Tomando como ponto de partida os questionamentos que se iniciam
concomitantemente ao advento da República, anuncia-se a finalidade do presente
trabalho: como a matemática se fez presente na formação do professor do ensino
primário no período de 1890 a 1930?
Paralelamente, ao observar os conteúdos específicos, no caso da
disciplina matemática, serão revelados os aspectos difundidos do ato de ensinar
no final do século XIX e início do XX, quando a figura do professor procura
adequar-se ao preceito constitucional da “instrução obrigatória”.
Assim sendo, não cabe ao professor do ensino primário apenas a tarefa de
alfabetizar; acompanha-a a necessidade de “forjar uma nova consciência cívica
por meio da cultura nacional” (JULIA, 2001, p. 23).
Neste contexto é que se deseja analisar como a matemática se fez
presente na formação do professor do ensino primário, no Estado de São Paulo,
entre 1890 e 1930.
Ao revelar o impacto das reformas educacionais propostas nesse período,
estar-se-ia, indiretamente, contribuindo para a compreensão das práticas da
19
época presente de formação dos docentes, que atualmente atuam nas séries
iniciais do ensino fundamental.
Para contemplar seus objetivos, a tese encontra-se subdividida em quatro
capítulos, a saber:
O primeiro capítulo, denominado Considerações teóricas: por uma escrita
da história da instrução primária brasileira, no que diz respeito à disciplina
matemática, justifica a elaboração do presente trabalho tendo por fio condutor os
dispositivos legais do ensino complementado pelos periódicos que foram editados
a partir do ano de 1902. Para estabelecer este “diálogo” com fontes anunciadas
no passado, houve necessidade da interlocução de autores que se inserem na
história cultural, como Michel de Certeau, Dominique Julia, Vinão Frago, Luciano
Mendes Faria Filho.
O segundo capítulo, intitulado Da gratuidade da instrução primária no Brasil
Império à liberdade do ensino primário no governo provisório foi elaborado para
que se compreendesse como foram dados os primeiros passos para oferecer a
instrução elementar, em um país cujas preocupações voltavam-se
prioritariamente para o ensino de nível superior. Dessa forma, acredita-se que o
leitor se cercará com maior rapidez das transformações que ocorreram no ensino
direcionado às crianças.
No terceiro capítulo, nomeado Panorama da instrução primária do Estado
de São Paulo com a chegada do regime republicano, teve-se por objeto
apresentar as modificações que se realizaram concretamente num território cujo
relevo e condições climáticas contradiziam as realizações que nele se
implantariam, tornando-o o Estado mais progressista entre os que compunham a
Federação.
No quarto capítulo, estabelece-se o “diálogo” entre os dispositivos oficiais e
a Revista do Ensino, periódico recomendado ao professorado público paulista.
Desse modo, enfocaram-se as exigências legislativas e como elas foram
apropriadas pelos gestores da educação, responsáveis pela formação do
professor do ensino primário. Por esta razão, seu título não poderia ser outro, ou
20
seja, A formação do professor de instrução primária paulista: exigências legais e
recomendações pedagógicas.
Na conclusão, recuperam-se os principais questionamentos que afloraram
no decorrer da pesquisa, discutem-se os resultados obtidos e apontam-se novas
possibilidades de estudo que podem ser realizadas.
21
22
Capítulo 1
CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS: POR UMA ESCRITA DA HISTÓRIA
DA INSTRUÇÃO PRIMÁRIA BRASILEIRA, NO QUE DIZ
RESPEITO À DISCIPLINA MATEMÁTICA
A disciplina matemática como saber escolar, desde sua instituição, vem
provocando discussões em torno das dificuldades que se agregam ao
desenvolvimento de seus conteúdos.
Para a maioria das pessoas, entendê-los é privilégio de alguns, uma vez
que, para elas,
a solução de um problema não faz um sentido real. São bem conhecidos
os casos de jovens que conseguem fazer cálculos complicados nos seu
trabalho diário como vendedores ou na construção civil e não
conseguem fazer cálculos muitas vezes mais simples dentro da sala de
aula (S
OARES, 2008).
Diante de concepções análogas, os gestores da educação refletem sobre o
processo de ensino desenvolvido na disciplina matemática, a fim de oferecer aos
alunos uma aprendizagem menos árdua, concedendo-lhes os benefícios oriundos
dos conhecimentos dessa ciência.
Tal fato se verifica, já, em 1902, quando Benedicto Galvão
1
ansiava por
compreender “o motivo pelo qual os moços de nossa terra têm [tinham] aversão
ao estudo da matemática” (REVISTA DO ENSINO, n. 02, 1902 p. 201).
_____________
1
Benedicto Galvão – colaborador da Revista do Ensino.
23