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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Flávia Tebaldi Henriques de Queiroz
A POESIA DE EXÍLIO DE JORGE DE SENA
Rio de Janeiro
2006
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Flávia Tebaldi Henriques de Queiroz
A POESIA DE EXÍLIO DE JORGE DE SENA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da
Faculdade de Letras da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Professora Doutora Gilda da
Conceição Santos.
Rio de Janeiro
2006
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DEFESA DE MESTRADO
QUEIROZ, Flavia Tebaldi Henriques. A poesia de exílio de Jorge de Sena.
Rio de Janeiro, 2006. Dissertação (Mestrado em Literatura Portuguesa)
Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2006.
BANCA EXAMINADORA
Orientadora: Professora Doutora Gilda da Conceição Santos - UFRJ
Professor Doutor Luís Edmundo Bouças Coutinho - UFRJ
Professora Doutora Ida Maria Santos Ferreira Alves - UFF
Defendida a tese:
Em: / / 2006.
7
SINOPSE
Estudo da poesia de exílio de Jorge de Sena: objeto de
documentação histórica e de registro do percurso
individual do poeta. Inserção deste corpus na literatura de
exílio. O testemunho e a memória na formação de
um particular ideário poético. Fatos determinantes na
origem e constituição da poesia seniana.
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 5
2 DA DIÁSPORA 11
2.1 As sociedades e a diáspora 12
2.1.1 Sociedade: identidade e unidade 13
2.1.2 O indivíduo e a diáspora 16
2.2 Falar da diáspora: literatura de exílio 19
2.2.1 História: testemunho e memória 20
2.2.2 Literatura de exílio 23
2.2.3 O caso português 26
3 DA POESIA DE EXÍLIO DE JORGE DE SENA 30
3.1 Tempo de Portugal 33
3.2 Tempo de Brasil 49
3.3 Tempo de Estados Unidos da América 61
4 CONCLUSÃO 74
5 BIBLIOGRAFIA 79
5.1 De Jorge de Sena 79
5.2 Outra 79
9
1 INTRODUÇÃO
História: testemunho e memória na poesia de exílio de Jorge de Sena.
Quando nos propusemos a analisar a produção poética deste escritor
português em seu exílio ou melhor, em seus exílios –, diversas foram as
questões que nos motivaram a fazê-lo e tantas outras as indagações que
surgiram ao longo da pesquisa. Desta forma, usamos como fios condutores da
mesma três palavras-chave que nos foram guiando pelo terreno movediço da
poesia: história, exílio e Jorge de Sena.
A princípio, pensemos sobre a figura do poeta. Seguindo as palavras de
Marina Tsietaieva,
todo o poeta é por essência um emigrante [...]. Um emigrante do reino
dos Céus e do paraíso terrestre da natureza. O poeta (todos os
artistas, mas sobretudo o poeta) leva sempre a marca especial do
descontentamento, graças à qual mesmo na sua própria casa é
possível reconhecê-lo. É um emigrante da Intemporalidade no tempo,
um exilado do seu céu.
1
À parte a retórica poética da autora, o artista carrega consigo, como
marca indelével, o descontentamento. Primeiro por ser condição primária para
o seu trabalho, do qual o questionamento é baliza. Indagar o que todos calam,
voltar-se para aquilo a que se costuma fechar os olhos: esse é o seu papel. E
todo questionamento busca transgredir valores por culos cultivados e
incutidos na sociedade como modelares. Recordando que “todos os modelos
de dominação, de submissão, se reduzem finalmente, ao conceito de
obediência”
2
, eis a semente para produzir um emigrante: ao entrar em
1
TSIETAIEVA, M. Lisboa: 1993. p.p. 63-64.
2
FOUCAULT, M. Rio de Janeiro: Graal, 1977; p. 83.
10
confronto direto com a comunidade da qual faz parte, potencializa-se o
transgressor.
Além de emigrante porque poeta, as palavras de Tsietaieva cabem a
Jorge de Sena por outros motivos, sobejamente conhecidos. Nascido no ano
de 1919, o escritor passa praticamente toda sua vida desconhecendo a
democracia em seu país. Subseqüente a um breve período presidencialista,
após a revolta que destituíra a Monarquia de Portugal, um golpe militar viria a
instaurar a Ditadura, abrindo caminho para o Estado Novo lusitano, o qual
perduraria por quase cinco décadas, tendo fim somente com a Revolução dos
Cravos.
E são as circunstâncias históricas a mola propulsora desse escritor, que
emerge nos anos 40, fruto do choque cultural-literário entre a Geração de
Presença e os Neo-Realistas e que, mesmo negando filiações a qualquer dos
grupos, traz em sua literatura a preocupação estética de trabalho com a
linguagem deixada pelos primeiros e, ao mesmo tempo, uma forte marca de
engajamento absorvida dos segundos.
Sabemos hoje que “tudo é história”, tanto na nossa maneira
despretensiosa de narrar fatos cotidianos, quanto na grande e solene História,
como historia rerum gestarum. Para Greimas, que desenvolveu sua teoria
semiótica baseando-se no princípio de que existe um esqueleto narrativo que
estrutura todo processo mais complexo de formulação semiológica, a
narratividade é [...] o princípio organizador de todo discurso”.
3
Assim, seria
também ela a base fundacional do discurso poético.
Além disso, reportando-nos ao sentido de narrativa dado por Benjamin,
para quem
3
GREIMAS & COURTÉS. Bloomington, 1979.
11
ela sempre tem em si, às vezes de forma latente, uma dimensão
utilitária. Essa utilidade pode consistir seja num ensinamento moral,
seja numa sugestão prática, seja num provérbio ou numa norma de
vida... [seu] narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria
experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas
narradas à experiência dos seus ouvintes.
4
vislumbramos na poesia seniana todas as características descritas pelo
estudioso, de onde se conclui que ambos os gêneros se entrelaçam de forma
harmônica na obra do escritor português.
E até que ponto este discurso é real? Esta é outra história. Sabemos
que toda obra literária tem um suporte no real. São as mundividências pessoais
do autor que formarão o repertório necessário para sua produção. Cabe a nós,
leitores, decifrar os seus sinais. Mas é a nossa enciclopédia interior que
determinará quais sinais enxergar e como fazê-lo. Assim, uma obra literária
nunca se encerra em determinado nível interpretativo. Ela aceita sempre novos
olhares, novas associações, à medida que novas vivências se vão a ela
amalgamando. Tratando particularmente do nosso poeta, estas experiências
pessoais transcritas pelo artista são bem mais do que ponto de partida.
Constituem sua própria obra. Em Jorge de Sena, em vez de uma confusão
entre o real e o imaginário, observa-se uma fusão, na linguagem, entre ambos
os planos.
E se não são poucos os estudiosos a considerar redutora a análise de
uma obra literária sob o viés histórico-social, subtrair de uma obra de arte toda
sua contextualização é, de igual maneira, esvaziá-la de significados. Por este
motivo, deixamos que o escritor nos guie em nossa visita à sua poesia.
Seguimos seus passos, ou melhor, suas palavras. Prefácios, notas, entrevistas,
artigos de jornais. Sinais de uma mente complexa para compreender uma obra
4
BENJAMIN, W. São Paulo: 1986; p.p. 200, 201.
12
complexa, quer pelo seu trabalho de linguagem, ora refinado, ora simples e
direto, quer pela constante e sempre apaixonada representação do seu maior
drama: o exílio.
Então retornamos ao nosso ponto de partida: Tsietaieva e seu poeta
emigrante, ou melhor, errante. Porque o poeta segue sempre numa
perseguição implacável, cujo objetivo maior é o regresso ao seu lugar de
origem, a qual Eduardo Lourenço assim assinala:
Errância: deriva sem fim, cotejando em permanência não a
possibilidade, mas até a necessidade de erro, condição indispensável
do regresso a Ítaca, a terra natal da liberdade e da verdade, liberdade
para buscar a verdade e verdade para preservar a liberdade.
5
Liberdade e verdade que, na vida de Sena, foram encontradas nos
seus exílios. Múltiplos e eternos. Como homem, em desalinho com seu tempo;
como português, em desacordo com o salazarismo. Em Portugal, no Brasil ou
nos Estados Unidos, foi sempre escritor português, ainda que cidadão
brasileiro e professor norte-americano. Era de Portugal e a Portugal escrevia;
e, sobretudo, era Portugal o que perseguia.
Falemos um pouco mais do exílio. Desde os tempos primordiais o exílio
está presente na vida do homem. O termo estrangeiro simboliza a própria
condição humana, uma vez que o Adão expulso do Paraíso viu-se eternamente
condenado ao exílio. Assim, todo filho de Adão é como um spede de
passagem, um estrangeiro onde quer que se encontre, inclusive em seu próprio
país.
Etimologicamente, a palavra exílio tem origem em exsilium, de exsul,
vocábulo que se ligaria, por sua vez, a solum. Em contrapartida, correntes
etimológicas atuais dão conta de que mais aceitável é a palavra provir do
5
LOURENÇO, Eduardo. Lisboa: 1988; p. 77.
13
radical el (ir). Comum a praticamente todas as acepções está o núcleo
semântico de “ausência de solo pátrio”.
Historicamente, o sentido de exílio tem se modificado ao longo dos
séculos. Entre os romanos, era um direito, uma atitude voluntária do cidadão a
fim de evitar incorrer em pena mais grave. Somente a partir de 63 a.C. o exílio
passa a ser incluído no direito penal, sendo considerado uma punição, a qual
adquire com o tempo contornos mais precisos, segundo a sua gravidade.
Grosso modo, pode ser caracterizado sob duas formas: a relegatio e a
deportatio. A primeira forma, mais branda, mantinha a cidadania e a posse dos
bens do exilado, enquanto a segunda implicava na perda de ambas.
Os séculos subseqüentes não apresentam significativas alterações no
quadro da classificação legal do termo. atualmente o exilado e o refugiado
têm sido objeto de normas precisas no âmbito jurídico internacional. Mas, o que
nos chama a atenção em nossos dias é a proximidade semântica com que são
tratados termos diversos, como exílio, expatriação e emigração. Por motivos
políticos ou econômicos, o peregrino de hoje carrega, em qualquer situação, o
valor semântico do “mal de ausência” que o fundamenta.
Eis, pois, o que se busca neste estudo: analisar a poesia do escritor
Jorge de Sena produzida no exílio e de temática de exílio. O que, dadas suas
características, a insere tanto num plano historiográfico quanto no rol da
canônica literatura de exílio, cuja tradição temática e estilística foi construída ao
longo dos séculos por Ovídio, Dante, de Miranda, Camões, entre tantos
outros que nosso mundo produziu e continua a produzir.
Mas não é fácil apreender a genialidade desse escritor. Usando as
palavras de Margarida Braga Neves,
14
sobre Jorge de Sena [...] ainda está quase tudo por dizer. A grandeza,
a complexidade e vastidão da sua obra ímpar na literatura
portuguesa não deixam de atemorizar, tornando-a de difícil
abordagem, que todas as aproximações pecarão necessariamente
pelo reducionismo, inevitável quando se tenta a aproximação a uma
personalidade enorme, e cuja incansável actividade se estendeu por
domínios tão variados e heterogêneos, sem com isso perder aquela
coesão e permanente recorrência interna que o distintamente a
caracterizam e tornam inconfundível.
6
Conscientes de tamanha complexidade, nossa proposta é a de dar uma
particular contribuição à leitura de um grupo de poemas senianos, procurando
articular a todo o momento o vigor criativo do artista com a circunstancialidade
presente na obra, tendo em mente que a literatura resulta também de um
processo social, de uma inter-relação homem-meio. Desta forma, não
buscamos somente avaliar a função do exílio no processo de criação literária
do autor, isto é, indagar se e em que termos ele foi frutífero ao longo desse
processo, mas também considerar a função da literatura na assimilação do
exílio como forma de vida.
Este trabalho apresenta dois momentos distintos: primeiramente,
comentaremos a diáspora e sua relação com o sistema social; depois, uma
leitura dos mais emblemáticos poemas de exílio de Jorge de Sena.
Assim, no capítulo intitulado Da diáspora, procura-se mostrar a literatura
de exílio como resultado final do processo social de exclusão e de que modo a
poesia portuguesa se insere nessa tradição. Correlacionando-se ao capítulo
anterior, Da poesia de exílio de Jorge de Sena apresenta um corpus num
contexto histórico-social, visto que de um diário poético se trata, diretamente
vinculável ao momento em que se configura também como obra de arte.
6
NEVES, M. B. Lisboa: 1990; p. 313.
15
Em relação ao recorte feito, destacamos os textos que nos parecem
mais significativos, quer no que respeita à importância dos mesmos no
conjunto da obra de Sena, quer no tocante aos conteúdos, por vezes
virulentos, capazes de apontar a real gravidade deste drama humano que é a
diáspora.
O resultado está. Certamente aquém do que seria desejável. E mais
ainda quando se tem em conta o poeta Jorge de Sena. Mas, é nosso desejo,
que fique como contributo para a formulação de novos olhares sobre a obra
deste escritor e sobre a arte produzida num mundo de segregação e de
segregados, que é o nosso.
16
2 DA DIÁSPORA
Desde o início dos tempos o exílio faz parte da História e, por
conseguinte, da literatura. Sem falar dos tempos genesíacos – onde a expulsão
do Paraíso emblematiza a separação ontológica primordial, o exílio mítico
arquetípico –, o Antigo Testamento relembra a luta do povo hebreu, desde
2000 a.C., pela posse de um território próprio, vendo-se obrigado, algumas
vezes, a abandoná-lo. É bem conhecida a Diáspora, quando, por volta do ano
70 d.C., durante o governo do Imperador Tito, a cidade de Jerusalém foi
destruída e os judeus partiram em fuga para outras regiões.
Da Idade Media à Contemporânea, o fenômeno repete-se ao longo dos
séculos, permeado pela violência com que guerras políticas ou religiosas
afastam o homem de sua região. Também sempre se falou e se escreveu
sobre a diáspora: Ovídio, Dante Alighieri, Tolstoi deixaram impressas suas
experiências de exílio.
No entanto, o Século XX foi, particularmente, o culo dos desterrados.
Marcado por guerras, revoluções, totalitarismos e fundamentalismos, o último
século, mais do que qualquer outra época, produziu uma legião de exilados,
pessoas que constituíram sociedades à parte, com características sociais e
psicológicas bem delineadas. Da Primeira Guerra Mundial à Segunda; da
Revolução Russa à Guerra Civil Espanhola. Nazismo, fascismo, salazarismo,
franquismo, nutriram regimes de exceção que dominaram a Europa ocidental
durante a maior parte do século. Das guerrilhas que assinalaram o processo de
independência dos países africanos e asiáticos aos conflitos no Oriente Médio,
o mundo esteve em constante e abrupta mudança.
17
Neste capítulo, buscaremos analisar dois fatores fundamentais para o
estudo da poesia escrita durante o exílio de Jorge de Sena. São eles: a
sociedade e suas identidades culturais; e a diáspora como fenômeno sócio-
cultural.
Se a cultura nacional constitui uma das principais fontes de identidade
cultural, como se posiciona, diante da ruptura, o sujeito expatriado? E, na
relação da diáspora com a história, como ela é vista e contada pelo exilado? O
desterrado, ao assumir características sócio-culturais peculiares, produz
também uma literatura própria?
2.1As sociedades e a diáspora
muitos anos a questão da identidade vem sendo discutida pelas
Ciências Humanas. Devido ao seu brusco desenvolvimento científico e
tecnológico, o século XX tornou-se a era do esfacelamento das identidades
nacionais, da transformação da individualidade em individualismo, do
hibridismo cultural provocado pelas constantes ondas migratórias.
Fruto de um mundo cada vez mais globalizado, mas com toda a sorte de
guerras e práticas fundamentalistas como as que caracterizaram o século
passado, esse hibridismo cultural tem forjado um novo tipo de arte: uma arte
feita por exilados, expatriados, foragidos de guerras... Gente que, distante de
sua cultura natal, tenta, pela arte, ao mesmo tempo manter vivos os laços
culturais que a caracterizam, e rechaçar os fatos que a levaram ao abandono
de sua terra originária.
Contudo, somente podemos afirmar tal atitude como característica de
um artista exilado se consideramos que o mesmo ainda se sente parte
18
integrante daquela comunidade geográfica a que chamamos
convencionalmente pátria.
Mas, que elementos promovem essa ligação tão profunda entre
indivíduo e lugar de origem? E como se processa internamente a ruptura entre
país e homem provocada pela diáspora?
2.1.1 Sociedade: identidade e unidade
O homem é um ser comunitário. Em parte porque, em sua evolução, a
partir do momento em que desenvolve o raciocínio, distanciando-se dos demais
primatas, apura suas emoções, criando uma complexa teia de relações sociais.
Por outro lado, o mesmo desenvolvimento o leva progressivamente ao
sedentarismo, fazendo com que tenha necessidade de viver em comunidade
para que possa alimentar-se e defender-se de predadores com mais facilidade,
assegurando a manutenção de sua espécie.
Assim, milênios transcorreram até que as primeiras comunidades
primitivas evoluíssem até aquilo que corresponde ao atual conceito de
sociedade complexa que conhecemos e da qual fazemos parte. Contudo, para
Emilio Willems, a sociedade como Conjunto de indivíduos de ambos os sexos
e de todas as idades, permanentemente associados e equipados de padrões
culturais comuns, próprios para garantir a continuidade de todos e a realização
de seus ideais
7
apresenta traços definidores que podemos encontrar mesmo
nas tribos mais primitivas, tais como a língua materna, as características
similares das moradias, as peças dos artesãos, o comportamento diante dos
altares religiosos etc. Devemos ainda relacionar tal conceito ao de comunidade,
este último ligado a determinada área geográfica.
7
WILLEMS, Emilio. Paris: M. Rivière, 1961.
19
Inserido nesse macroconceito de sociedade, devemos ainda analisar a
definição de nação. Esta se afigura como uma comunidade simbólica, cujas
fronteiras ultrapassam os limites geográficos. Compõe-se de um conjunto de
histórias, mitos, símbolos, crenças, entre outros valores, compartilhado por um
determinado grupo de indivíduos e no qual este crê, reconhecendo-o como
parte integrante de sua personalidade nacional. Para Stuart Hall, no mundo
moderno, as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das
principais pontes de identidade cultural”.
8
Construída ao longo de gerações, essa identidade é um amálgama
formado pela história do surgimento de tal gente, pelos povos primitivos, pelos
invasores, pelas glórias e pelo enaltecimento e adoção de determinadas
características como bravura e coragem, tomadas como atributos próprios
desse conjunto que, como a história do nascimento e vida de cada familiar,
confere ao grupo identidade, sendo transmitido voluntariamente pelas várias
gerações.
A esse respeito, Roger Scruton acrescenta que:
A condição de homem exige que o indivíduo, embora exista e aja
como um ser autônomo, [se insira em uma comunidade] somente
porque ele pode primeiramente identificar a si mesmo como algo mais
amplo como um membro de uma sociedade, grupo, classe, estado
ou nação, de algum arranjo ao qual ele pode até não dar um nome,
mas que ele reconhece instintivamente como seu lar.
9
Parece-nos óbvio que, uma vez que a identidade cultural é transmitida e
assimilada pelos elementos do grupo num movimento quase “automático”, a
idéia de que um elemento possa ser banido do seu meio deveria ser
completamente rechaçada. No entanto, essas identidades nacionais não estão
8
HALL, Stuart. Rio de Janeiro, DP&A, 2003, p.47.
9
SCRUTON, Roger. apud HALL, S. Rio de Janeiro, DP&A, 2003, p. 48.
20
livres do jogo do poder. Pelo contrário, a manipulação da identidade nacional é
o que vemos como principal estratégia política dos regimes nazi-fascistas, da
intransigência fundamentalista presente em praticamente todas as nações do
Oriente Médio, e, bem mais próximo da nossa realidade, do marketing eleitoral
dos candidatos a cargos públicos nas eleições de países democráticos. Assim,
sempre possibilidade de que possam ocorrer embates ideológicos entre
grupos de indivíduos de uma mesma comunidade.
A esse respeito, surge a questão da diversidade econômica, religiosa,
étnica e de origem dentro de uma dada nação. E a tendência, pelo acesso
cada vez maior ao conhecimento, pelo intercâmbio cultural promovido pelos
meios de comunicação e pela facilidade de locomoção por todos os
continentes, é que essa pluralidade ideológica seja cada vez maior e mais
flagrante. Se Adolf Hitler pregava a expulsão de seu território de todos os não-
arianos, bem antes, a mistura de povos já se havia dado em terras germânicas.
Não nação que não tenha passado, durante seu processo de formação, por
invasões e possessões, gerando, dessa forma, um grupo miscigenado em suas
características atuais. Assim, é papel da cultura nacional unificar aqueles
diferentes grupos numa identidade comum que os represente como
pertencentes a uma mesma “família nacional”.
10
Para Renan, três elementos constituem o “princípio espiritual” da
unidade nacional: a posse em comum de um rico legado de memórias, o
desejo de viver em conjunto e a vontade de perpetuar a herança que se
recebeu.”
11
Depreendemos, a partir daí, que, apesar de eventuais
dissonâncias, não importando quão diversos seus membros possam ser, a
10
op.cit. p.58
11
RENAN, Ernest. Apud, HALL, S. op.cit, p. 58.
21
convivência entre os grupos pode ser viável uma vez que seus elementos
compartilhem das mesmas idiossincrasias culturais. Assim, cada comunidade
é classificada como tal uma vez que uma identidade cultural que a
produziu e que a mantém viva e unida através da idéia de que também as
diferenças são parte formadora daquela cultura nacional.
Resumidamente, dessa forma se tecem as relações sociais de
indivíduos de uma mesma comunidade e aquelas nas quais se constroem os
laços que ligam o homem ao seu território.
2.1.2 O indivíduo e a diáspora
Após a apresentação dos conceitos de comunidade, sociedade e
identidade cultural, abordaremos uma outra face da formação social da nação:
a da relação do homem com sua comunidade e com o sistema social que a
representa politicamente.
Se o homem somente é parte de uma sociedade uma vez que
compartilha de uma mesma identidade cultural, que será transmitida de forma
“automática” pelos seus demais membros, o que nos leva a acreditar que tais
informações são absorvidas passivamente, sem contestação? Na verdade, o
homem está em constante debate entre o mito e a realidade, entre a História e
o fato real, entre a crença forjada no mais remoto passado e o seu presente. E
é inerente ao ser humano a necessidade de agregação a uma comunidade. É
necessário que se sinta aceito pelos demais membros do grupo e, isso
somente se torna possível aproximando-se dos demais. Assim, o sentimento
de compartilhar de um sagrado nacional”, conforme definiu Émile Durkheim
12
,
nasce daqueles mesmos fatos cuja veracidade é questionada.
12
apud RODRIGUES, José Albertino.São Paulo: Ática, 2000.
22
Além da identidade cultural comum a uma mesma sociedade, o grupo
não poderia se manter coeso ao longo de culos e séculos sem que
existissem outros elementos selantes, um sistema social que o regulasse.
Assim, este caracteriza-se por um conjunto de indivíduos que interagem, por
meio de normas e significados culturais compartilhados. Poderíamos, a partir
daí, subdividi-lo em três componentes: o território geográfico em que a
comunidade está fixada, os sistemas político-administrativo-judiciários que a
regulam e a sua identidade cultural. Desta forma, o homem, para participar
integralmente de sua nação, deve estar em harmonia com todos os
componentes do sistema social do qual faz parte.
A subdivisão do sistema social delineada acima aproxima-se da
estrutura social concebida por Marx na sua teoria do Materialismo Histórico
13
.
Para o filósofo, o esqueleto de toda sociedade é constituído por instâncias
articuladas entre si. Seriam elas a infra-estrutura, ou base econômica, e a
superestrutura, que compreende a instância jurídico-político-ideológica. Ao
mesmo tempo que possuem autonomia, interagem, influenciando-se
mutuamente.
O nível jurídico-administrativo, representado pelo Estado, segundo
Althusser, compreende [...] o aparelho especializado cuja existência e
necessidade reconhecemos pelas exigências da prática jurídica, a saber, a
política e as prisões, mas também o exército, que intervém diretamente como
força repressiva de apoio em última instância [...] e, acima deste conjunto, o
Chefe de Estado, o Governo e a Administração.
14
13
MARX, Karl. São Paulo: Centauro, 2000.
14
ALTHUSSER, Louis. São Paulo: Graal, s/d; pp. 62, 63.
23
Numa sociedade caracterizada por grupos heterogêneos, para a
manutenção do poder do Estado faz-se necessário que este mantenha sob
controle as suas diferentes classes. A manipulação ideológica é, então, a forma
mais eficaz de se alcançar tais objetivos.
Ocorre que, sendo a sociedade formada por grupos distintos, estes
tendem a entrar em conflito, quer pela posse do poder do Estado, quer por
estarem em desacordo com as regras vigentes na esfera político-administrativa
do sistema social. Este embate é visto cotidianamente, na formação dos
sindicatos, nas lutas de classes, nas diversas filosofias político-partidárias, e,
em última instância, na escolha do Chefe de Estado. Uma vez que, no entanto,
a mudança do controle do poder político é obstruída, não ideologicamente, mas
por meio de repressão, tende a haver uma radicalização desse conflito, que
passa a ser observado, não mais entre classes, mas entre o grupo social e o
aparelho de Estado. Este, como poder constituído, passa a conter o confronto,
não através da imposição ideológica, mas usando de poder coibitivo,
apresentado sob a forma legal ou através das Forças Armadas.
É exatamente nesse ponto crítico da relação entre o homem e o sistema
social do qual compartilha que pode surgir a ruptura que causará a diáspora. O
individuo não se desvincula de seu grupo e tampouco este deixa de reconhecê-
lo como membro constituinte. Ocorre que, na sociedade moderna, atrelada ao
conceito de comunidade simbólica, formada por uma identidade nacional, tão
necessária como um solo à nação haja vista o caso do povo judeu –, faz-se
mister a determinação de leis sociais e regras políticas que rejam o coletivo.
Dessa forma, ao se sentir em desarmonia com ao menos uma parte do tripé
que sustenta a nação, o indivíduo sente-se deliberadamente excluído. Ao
24
desafiar o Estado, visando a reorganizar o sistema ao qual pertence, de modo
a voltar a participar do mesmo, o Estado o exclui juridicamente. A isto
chamamos exílio.
Assim, para Said,O exílio é uma fratura incurável entre o ser humano e
um lugar natal, entre o eu e seu verdadeiro lar: sua tristeza essencial jamais
poderá ser superada [...] As realizações do exílio são permanentemente
minadas pela perda de algo deixado para trás para sempre”.
15
O exílio está diretamente atrelado ao nacionalismo, pois que este
ocorre quando o indivíduo se sente culturalmente pertencente a um povo, a
uma nação que não seja a que o abriga. Dessa forma, o nacionalismo, uma vez
que permanece como parte integrante do exilado, rechaça sua condição,
interagindo como opostos que dependem um do outro. Essa dicotomia
caracterizará o homem em desterro: um exacerbado sentimento de
nacionalidade, necessário para a manutenção interior dos vínculos com a terra
natal e, contraditoriamente, a tentativa de negação dos mesmos pela
impossibilidade de vivê-los integralmente.
Essa oposição será também a mais forte característica da literatura
produzida por uma legião de errantes através dos séculos. Uma literatura
marcada pelo saudosismo e pela denúncia, pelo sentimento e pela
historicidade.
2.2 Falar da diáspora: literatura e exílio
Jorge de Sena, poeta que terá parte de sua obra comentada adiante,
definia sua poesia como um processo testemunhal”.
16
Testemunhar seria
15
SAID, Edward. São Paulo: Companhia das Letras, 2003; p.46.
16
SENA, Jorge de.Lisboa: Edições 70, 1961, pp. 11, 12.
25
observar o mundo ao seu redor, para, a partir daí, remodelá-lo e reconstruí-lo
no discurso poético.
Partindo da estreita relação entre História, testemunho e memória,
propomo-nos a analisar a literatura de exílio, e, especificamente, a poesia, sob
o ponto de vista histórico. Então, nos questionamos a que ponto a poesia de
exílio pode ser considerada um texto histórico, ou, pelo menos, em que sentido
ela oferece subsídios sólidos de pesquisa histórica.
Mas os fios que tecem a poesia são muitos. Se os poetas inserem em
suas obras elementos de evidência histórica, nelas imprimem também
sentimentos que reconhecemos comuns à poesia lírica, particularmente à
chamada “poesia de exílio”.
Especialmente em Portugal, a poesia de exílio faz-se presente ao longo
de toda a sua existência, desde a lírica medieval galego-portuguesa até o
século XX. E, se na remota Idade Média a saudade era representada pelas
cantigas de amigo, como que antecipando românticas e heróicas histórias de
bravura rumo a novas e desconhecidas terras, a poesia produzida na errância
dos poetas de nosso tempo consiste numa forma de resistência política à
ditadura que dominou o país por quase meio século.
Se o “mal de ausência” continua sendo um tema e condição quase
determinante do processo de criação literária portuguesa, é preciso averiguar.
De nossa parte, optamos pela tentativa de aqui manter vivo, pela História e
pela poesia, um dos períodos mais sombrios de Portugal.
2.2.1 História: testemunho e memória
26
Uma obra literária traz sempre em seu bojo, ainda que não seja esse
seu principal objetivo, uma gama de elementos históricos, os quais vão desde o
vernáculo, passando por descrições de indumentária, mobiliário, costumes, até
notas sobre arquitetura e urbanismo, economia etc, que são sempre
importantes fontes documentais.
a literatura de exílio tem como uma de suas mais fortes
características a historicidade, uma vez que tem como “objetivo” exprimir
sentimentos e fatos ocorridos durante um processo de expatriação, em geral
decorrentes de repressão política. E é na poesia, gênero literário onde, ao
menos teoricamente, se condensa uma maior carga emotiva, que essa
representação de uma realidade específica indissociável de tremenda
afetividade se dá com mais força.
Grosso modo, podemos definir História como uma série de fatos
enumerados cronologicamente, gerando uns aos outros. Contudo, uma
pesquisa etimológica nos leva a paragens muito mais remotas. Segundo Le
Goff ,
A palavra ‘história’ (em todas as línguas românicas e em inglês) vem
do grego antigo historie, em dialeto jônico. Esta forma deriva da raiz
indo-européia wid-, weid-, ‘ver’ daí o sânscrito vettas ‘testemunha’
e o grego histor ‘testemunha’ no sentido de ‘aquele que tudo vê’.
Essa visão como fonte essencial do conhecimento leva-nos à idéia
que histor ‘aquele que vê’ é também aquele que sabe: historein em
grego antigo é ‘procurar saber’, ‘informar-se’.
17
Esta associação de idéias entre história e testemunho reporta-nos a uma
reflexão acerca do sentido amplo que a História pode alcançar e dos
“elementos” formadores do fazer histórico. Se o testemunho está tão
intimamente ligado à historia, também sua prática vai além da documentação
17
LE GOFF, Jacques. Campinas: Editora da Unicamp, 1990, p. 17.
27
de fatos ocorridos. Assim, baseado no que diz Paul Veyne: a história é quer
uma série de acontecimentos, quer a narração desta série de acontecimentos
[...] Um conto, uma narração, mas um conto de acontecimentos verdadeiros”,
18
narrar o que se testemunha, o que se vê, o que se sabe, é também, produzir
história.
Com base neste pensamento, interrogamo-nos até que ponto podemos
considerar um texto literário, ou uma narrativa histórica, ou uma poesia de
exílio, como fonte histórica. Quais são as diferenças fundamentais entre um
texto histórico-científico e um texto literário capazes de demarcar os limites
entre um gênero e outro?
De início, pensaremos no primeiro como apresentando a objetividade e
a, tanto quanto possível, imparcialidade como condições sine qua non para sua
existência como tal. Deve deter-se à sua base de documentação e procurar
isentar-se por completo de quaisquer manipulações, quer conscientes, quer
inconscientes, tendo como norma, a verdade.
Todavia, não devemos nos esquecer que durante o processo de
produção, o historiador recebe interferências externas, como testemunhos
individuais, fontes coletivas, indicadores diretos e correlatos. Assim, a
imparcialidade do escritor esbarra na vulnerabilidade dos documentos que
toma como base. Além disso, o fazer histórico é também capacidade
imaginativa, uma vez que o historiador tem como oficio dar vida a fatos
deixados no passado. Faz-se necessário, num primeiro momento, sua
interpretação dos documentos para reproduzi-los em sua narração, conferindo–
lhes a credibilidade necessária.
18
VEYNE, Paul. Apud: Ibidem, pp. 18, 39.
28
Eis porque a linguagem assume particular papel no texto histórico-
científico. Roland Barthes desenvolveu com maestria a questão:
A narração dos acontecimentos passados, submetida vulgarmente,
na nossa cultura, desde os Gregos, à sanção da ciência’ histórica,
justificada por princípios de exposição ‘racional’, diferirá esta narração
realmente, por algum traço específico, por uma indubitável
pertinência, da narração imaginária, tal como a podemos encontrar na
epopéia, o romance ou drama?
19
E conclui que, aquilo que diferencia a história objetiva da literária é, na
verdade, a linguagem, que cada uma desenvolve. Ou seja, em termos
lingüísticos, na primeira, o real não passa de um significado não-formulado. É o
que chamou o lingüista de efeito do real
20
. Assim, o discurso histórico não
segue, necessariamente, o real, apenas o representa.
Dessa forma, não se pode contestar que uma obra literária possa
funcionar também como um documento histórico.
Se a história tem como ponto de partida o testemunho, que é o
conhecimento dos fatos, o caminho que a leva até as bibliotecas passa antes
pela memória. Se a pesquisa e a produção textual garantem coerência ao
ocorrido e impedem que caia no esquecimento, a ação mnemônica
fundamental é caracterizada pela função narrativa. Com isso, a memória
assume junto à sociedade, papel de interlocutora. É através dela que os
episódios são transmitidos aos demais membros da comunidade ao longo dos
tempos, mantendo-se vivos e, assim, produzindo a História.
Sendo assim, podemos chamar de memória à ação intelectual sobre o
que foi vivido, numa relação constante entre o presente e o passado. Por esse
motivo, aceita interpretações particulares, formando não “o que se vê”, mas o
19
BARTHES, Roland. São Paulo, Cultrix, 1978.
20
Idem. Lisboa: Edições 70, 1988.
29
“como se vê” dos fatos. Uma vez que autoriza manipulações ideológicas, ainda
que inconscientes, pode tornar-se arma na disputa pelo poder, cabendo à
História e, por conseguinte, à Literatura não somente interpretar a opinião
coletiva, mas saber separar realidade e mitologia, verdade e ficção.
2.2.2 Literatura de exílio
Se História e Literatura estão tão intimamente relacionadas, o que dizer
de um gênero marcado pelo testemunho e pela memória: a literatura de exílio?
Contraditoriamente o exílio tem propiciado à literatura um elenco extremamente
rico de escritores e obras dedicadas a retratar a ruptura forçada das raízes, o
sentimento de não-pertencer, a busca incessante e urgente da reconstituição
de vidas rompidas. Sentimentos, enfim, do desterrado.
Em todos os tempos, desde Adão e Eva expulsos do Édem por
desobediência, passando por Noé, e ainda Abraão, Moisés e seu povo, e
Jesus, o tema do exílio mostra-se sempre presente na história e no imaginário
humano. Todavia, se em todas as narrativas o exílio carrega o sentido de
ruptura, rejeição e renúncia, este o pode ser considerado uma via de mão
única. É, sobretudo, alternativa, reconstrução, recomeço.
Assim, a fuga de Adão e Eva daria início à raça humana, bem como o
êxodo de Moisés teria fim na sua Terra Prometida e Maomé, ao abandonar
Meca e seguir até Medina, fundaria o Estado Islâmico.
Na mitologia grega, o exílio toma a forma da vida de Io, bela filha do rio
Inacho, que se torna alvo da cupidez de Júpiter, o qual, de tão apaixonado,
esconde-a em uma nuvem transformando-a ainda em uma vaca, a fim de que
sua mulher, Juno, não a descobrisse. Contudo, a astuta Juno não se deixa
30
enganar. Incitada pela afronta sofrida, exige de Júpiter o animal como presente.
Ele então cede aos apelos da mulher, perdendo a amante, que se torna
prisioneira da deusa até ser libertada por Mercúrio. livre, Io torna-se
novamente vítima da fúria de Juno, que a persegue. Atordoada, foge,
perambulando incessantemente por diversas paragens, até fixar-se às margens
do Nilo, onde morre.
Apesar da condição de perda terminal que é o exílio, a cultura e o
conhecimento humano têm-se enriquecido imensuralvelmente às custas desse
grupo de homens. Se Dante Alighieri, exilado de Florença, não tivesse ousado
escrever a Divina Comédia em dialeto próprio e não em Latim, o Fiorentino
certamente não se teria popularizado a ponto de se tornar, muitos séculos mais
tarde, o italiano, idioma unificador de territórios culturalmente tão diversos.
Que esta jamais foi a intenção de Dante, todos sabemos, mas foi o exílio
a força motriz para uma tão ousada quebra de protocolo. Como todo exilado, o
poeta foi decididamente e propositadamente desagradável, escolhendo a
língua mãe, elo derradeiro com a terra natal, para escrever sua peregrinação
aos lugares infectos ou perfeitos da alma humana Inferno, Purgatório e
Paraíso – e também pra eleger quem encontraria em cada um deles.
Da mesma forma, sem o seu banimento de Roma, Ovídio não nos teria
deixado seus poemas de exílio, elegias que se tornaram modelo de canto da
diáspora. E assim, tantas outras obras. Ulisses, o de Homero e o de Joyce.
Luis de Camões, o poeta do mundo em desconcerto. Eis alguns dos muitos
exemplos possíveis.
No entanto, não devemos minimizar a importância ou brutalidade do
exílio. Para Said,
31
A literatura sobre o exílio objetiva uma angústia e uma condição que a
maioria das pessoas raramente experimenta, em primeira mão; mas
pensar que o exílio é benéfico para essa literatura é banalizar suas
mutilações as perdas que inflinge aos que sofrem, a mudez com que
responde a qualquer tentativa de compreendê-lo como “bom para
nós”.
21
E é talvez por não o vivenciarmos “em primeira mão” que o tema nos
atraia tanto. Porque nós, leitores, vemos o exílio como uma dor de outrem, que
nos faz repensar a sociedade e a história.
Pois numa literatura produzida sobre tais condições, as matérias-primas
primordiais não são outras que o testemunho e a memória dos acontecimentos
experimentados. Dessa forma, produzem uma história, ao mesmo tempo
particular e coletiva. Mas o que faz do exílio uma condição tão propensa à
produção literária e, particularmente, à poesia?
A princípio, a sua própria condição faz do exilado um ser divido entre
dois tempos, dois lugares, duas realidades. Banido de seu locus amoenus, e,
muitas vezes, em um país estranho, o exilado encontra verdadeiro refúgio
somente na sua língua. Simultaneamente vítima e testemunha, o escritor em
desterro tem na poesia terreno fértil para a sua produção poética, que é
também forma de exorcismo. Neste processo, o exílio não é tema
fundamental, mas motivação, e, ao mesmo tempo, resultado da escrita. Assim,
a poesia de exílio liga duas realidades: surge e vive entre o aqui e o ali, o
passado e o presente, a nostalgia e a esperança.
Nesse contexto, entremeados pelo real vivido e pelo sentimento
experimentado, testemunho e memória confundem-se e se fundem num todo
21
SAID, Edward. São Paulo: Companhia das Letras, 50.
32
que podemos compreender como a história contada em primeira pessoa, pelo
narrador-personagem, que, em momento algum, se isenta diante dos fatos.
Assim, como o escritor exilado é um ser de fronteira, a sua poesia traz
em sua constituição a dualidade, produzida pela função referencial expressa
nos fatos reais que apresenta, e, por outro lado, a poética, expressa pelos
sentimentos de quem a produz.
2.2.3 O caso português
Falar da Literatura Portuguesa de exílio é, ao mesmo tempo, falar do
surgimento e da formação do Estado e do povo português. Porque essa
história ao mesmo tempo brilhante e insólita de uma pequena faixa de terra
comprimida entre o oceano e todo o resto da Península Ibérica se
condicionante para o surgimento de um povo em eterno estado de exílio.
Não obstante suas algo “desfavoráveis” condições geográficas, Portugal
foi a primeira nação politicamente independente da Europa, e foram
exatamente essas mesmas condições adversas que fizeram dela um território à
parte. Desde muito cedo unificado, o povo português sempre se percebeu
muito mais como individualidade do que como parte de um continente, não
tendo, assim, compartilhado das transformações políticas e sociais pelas quais
o resto da Europa passou. Primeiro envolvido com a Reconquista e mais tarde
com a Expansão Marítima, Portugal desde seu nascimento foi um exilado em si
mesmo.
22
Mas foi, decididamente, a era dos Descobrimentos que inaugurou junto
ao povo português o estatuto mitológico de povo exilado. Em degredo ou em
22
LOURENÇO, Eduardo. Lisboa: Gradiva, 1999.
33
busca de riquezas nas novas terras conquistadas além-mar, a partir dessa
época a nação lusitana formou uma imensa massa errante por Ásia, África e
América. Esta singularidade histórica fez com que a diáspora se tornasse
tema, mais do que recorrente, fundamental, no inventário da tradição literária
portuguesa.
na lírica medieval galego-portuguesa a coita de amor tinha como
origem o mal de ausência. Assim, como bem observa Carlos A. André, A
mulher, sujeito lírico das cantigas de amigo, evocava com dor e saudade o seu
amado, que dela se apartava em serviço do rei e da honra”.
23
Mas foi particularmente nos séculos XV e XVI, ápice da era da expansão
marítimo-territorial portuguesa, e, por conseguinte, da colonização dos sítios
sob seu domínio, que o país viu dispersar-se uma multidão errante. No seu
lastro, a poesia quinhentista, principalmente finissecular, sob a forma do
Maneirismo, soube bem exprimir a angústia do abandono da casa portuguesa.
Desse período, para não citar outros nomes, fiquemos com o maior: Luís de
Camões.
Nos séculos XVII e XVIII, continua sendo um tema vigoroso entre os
escritores lusitanos. E, mais tarde, é marca indelével de tal “preferência” a
abordagem da questão pelos dois maiores nomes do Romantismo português.
Assim, são motivadas pela ausência as lágrimas de Joaninha em Viagens na
minha terra,
24
de Almeida Garrett. Também em Alexandre Herculano, a
diáspora marca as vidas das personagens Eurico e Pelágio.
25
23
ANDRÉ, C. A. Coimbra: Minerva, 1992, p. 439.
24
GARRETT, Almeida. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.
25
HERCULANO, Alexandre. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.
34
no Portugal Realista do século XIX, Cesário Verde,
26
ao buscar na
cidade um inexistente bucolismo idílico, não é também um homem em
desconcerto com seu meio, um “exilado interior”? E Eça de Queirós, ao retratar
a vida de Gonçalo Mendes Ramires
27
, metáfora do povo português, preso a
um passado glorioso, e que busca em África a retomada do prestígio de
outrora, não retrata também um pouco da história da diáspora lusitana?
Da mesma forma, é como um desterro que Camilo Pessanha traduz a
existência, o que se lê, por exemplo, em “Roteiro de vida”: longe das pedras
más do meu desterro/ [...]/que eu, desde a partida, não sei onde vou.
28
E
Fernando Pessoa, pela voz de Álvaro de Campos, dirá que a minha pátria é
onde não estou.
29
Também Miguel Torga assumiu em poesia seu destino errante: e vou
como um peregrino. E assim como ele, Eugénio Andrade, que entrevia “sobre
a luz do Tejo as últimas barcas/ sobre as barcas uma luz de desterro”; Adolfo
Casais Monteiro, um “exilado definitivo”
30
e Sophia de Mello Breyner Andresen:
Quando a pátria que temos o a temos/ Perdida por silêncio e por renúncia/
Até a voz do mar se torna exílio/ E a luz que nos rodeia é como grades.
31
Num rápido sobrevôo pela ficção portuguesa contemporânea
encontramos novos olhares sobre um antigo tema. Destacamos primeiramente
Lídia Jorge, que, ao dar voz à personagem Evita, de A costa dos murmúrios
32
,
exilada na Moçambique em guerra colonial, refaz o percurso do degredo de
séculos anteriores. Se em Jangada de Pedra,
33
José Saramago nos faz
26
VERDE, Cesário. Porto Alegre: L&PM, 2003.
27
QUEIRÓS, Eça. São Paulo: Click Editora, s/d.
28
PESSANHA, Camilo. São Paulo: Princípio, 1989.
29
PESSOA, Fernando. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
30
LEONE, Carlos. Lisboa: IN/CM, 2004.
31
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Lisboa: Moraes, 1975.
32
JORGE, Lídia. Lisboa: Dom Quixote, 2000.
33
SARAMAGO, José. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
35
deparar metaforicamente com um exílio sócio-econômico, em O ano da morte
de Ricardo Reis,
34
aborda a outra face da expatriação: o retorno à terra natal, a
não-adequação ao novo espaço físico, o sentimento de não-pertencer. O
mesmo faz Lobo Antunes em As Naus,
35
.
Buscar em toda a Literatura Portuguesa poetas que cantaram, de
alguma forma, o “mal de ausência”, é, de certo, enveredar-se por um caminho
árduo, longo e denso, uma vez que o exílio toma formas diversas, aceita
diferentes acepções. Procuramos aqui demonstrar, através de alguns dos
principais nomes dessa literatura, quão rica é tal matéria, recebendo
abordagens tão diversificadas pelos séculos que se seguiram. Se a história de
Portugal influiu decisivamente para a instituição da saudade
36
como elemento
quase mitológico, formador da personalidade de um povo, ligando-se, desta
forma, ao canto de exílio, a mesma saudade, marca indelével do lirismo
português, estará sempre na sua poesia, a cada dia reinventada pelo engenho
e arte dos seus escritores.
34
Idem. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
35
ANTUNES, António Lobo. Lisboa: Dom Quixote, 2000.
36
Op.cit, 93.
36
3 A POESIA DE EXÍLIO DE JORGE DE SENA
Nascido em 1919, Jorge de Sena faz seus primeiros poemas ainda na
adolescência, quando o nome de maior destaque na literatura portuguesa
começa a ser o de Fernando Pessoa. O cenário literário português vivido por
Sena no início de sua carreira poética é marcado pela disputa da hegemonia
cultural entre a geração de Presença , com a qual ainda dialogara o próprio
Pessoa, e o Neo-realismo, cuja plataforma, grosso modo, pregava uma
literatura a serviço de ideologia político-social que, seguindo correntes
européias, se opunha àquela preconizada por Salazar. Tal disputa levou ao
surgimento, em 1940, dos Cadernos de Poesia que, com o lema “A poesia é só
uma”, visava a suplantar a divisão assim instaurada no campo estético.
Nesse contexto, Sena, que virá a dirigir os mesmos Cadernos de Poesia,
tenta promover em sua obra a união de propostas poéticas: reagindo contra o
esteticismo dominante na Presença, aceita uma poesia comprometida histórica
e socialmente, mas sem aceitar a filiação partidário-ideológica do Neo-
realismo.
Assim, a formulação da poética seniana deve ser compreendida a partir
deste contexto literário, no momento histórico português dos anos 30-40, época
em que o autor publica suas primeiras obras em verso.
Este momento, na seqüência do golpe militar de 1926, é marcado pela
instauração do Estado Novo em Portugal, em 1933, com o sucessivo
agravamento da situação política pela Guerra Civil Espanhola e pela Segunda
Guerra Mundial. Face ao enrijecimento do controle do Estado Novo, que se
dava através de forte censura, o exercício de uma literatura engajada, mas à
37
sorrelfa, emergiu como uma atividade de substituição à atividade política
declarada.
Dessa forma, toda a poesia de Jorge de Sena é norteada por pontos
cruciais que encontram referentes na sua própria vida: dos questionamentos do
jovem poeta Jorge (vide Sinais de Fogo) ao seu forte posicionamento político
anti-salazarista, com a conseqüente privação dos seus direitos civis na sua
fase madura o que talvez encontre paralelo numa crítica literária que não o
reconhecia conforme seu desejo.
Todos esses fatores fizeram de Jorge de Sena um homem de múltiplos
exílios: isolado intelectual e politicamente, uma peregrinatio ad loca infecta foi
toda a sua vida. Contudo, se já se sabia um deslocado mesmo em seu país, foi
com sua partida para o Brasil, em 1959, após participação em um fracassado
golpe anti-salazarista, que se confirmaria de fato a sua diáspora. Em 1965, no
entanto, o poeta vê-se obrigado a partir para os Estados Unidos, onde viveria o
mais longo e derradeiro exílio.
Nesse contexto, o testemunho poético torna-se uma espécie de
transcrição recriada acerca de suas impressões sobre o mundo, assumindo-a,
segundo o prefácio de "Poesia I", como "forma de comunicação".
A respeito do testemunho poético, é quase impossível não citar o autor
nesse conhecido paratexto:
O testemunho é, na sua expectação, na sua discrição, na sua
vigilância, a mais alta forma de transformação do mundo, porque
nele, com ele, e através dele, que é antes de mais linguagem, se
processa a remodelação dos esquemas feitos, das idéias aceites, dos
hábitos sociais convencionalmente aferidos.
37
37
SENA, J. Lisboa: Ed 70, 1961, p. 1.
38
Ou seja, o testemunho, a partir do momento em que promove a
conscientização do homem, torna-o capaz de modificar a sociedade e os seus
princípios. Dessa maneira, a poesia torna-se o fio condutor do processo de
transformação.
O ensaísta Jorge Fazenda Lourenço, especialista na obra de Sena,
ressalta: "a questão da apreensão da realidade afigura-se, pois, nuclear para o
entendimento da poética [seniana]".Daí que a sua poesia tenha uma forte
carga autobiográfica e temporal.
38
Nesse contexto, o tempo assume papel
importante, pois será a garantia de uma autenticidade na poesia [...],
imprescindível à busca de uma verdade
39
.
Passaremos então a examinar como a questão do exílio, através da
poesia, se afigura na obra seniana, procurando nela identificar questões
nucleares encontradas na literatura de exílio, dentre as quais destaca-se a
temporalidade, a oscilação entre a afirmação e a negação da pátria madrasta,
o sentimento de morte espiritual. Além disso, veremos que essa colidente
relação entre Sena e Portugal se intensifica ao longo dos anos de exílio.
Como foi dito anteriormente, as obras de Jorge de Sena são
marcadas pelas circunstâncias. De todas, a que melhor expressa o exílio ou
melhor, exílios do escritor é Peregrinatio ao loca infecta, publicada em 1969.
A obra divide-se em quatro grupos de poemas, relacionados às fases de sua
peregrinação: Portugal (1950-59); Brasil (1959-65); Estados Unidos da América
(1965-69) e Notas de um Regresso à Europa (1968-1969); estas duas últimas
da fase de “exílio americano” do poeta.
38
LOURENÇO, J.F. Paris: Centre Culturel Caloustre Gulbenkian, 1998, p. 31.
39
LOURENÇO, J.F. Paris: Centre Culturel Caloustre Gulbenkian, 1998, p. 36.
39
Nesse contexto, a obra, referida pelo poeta como “esparso diário de
uma ‘peregrinatio’”
40
torna-se capital à compreensão da estruturação poética
seniana através da sobreposição da vivência poética e da biográfica,
testemunhal. A respeito da mesma, diz o autor:
[...] esse período de 1959-69 foi e tem sido, principalmente e
sobretudo, o dos meus “exílios” americanos (do Sul e do Norte), com
tudo o que de difícil e de complexo uma tal situação implica, pela
confrontação com diversas culturas (ainda que, ironicamente, elas
nos sejam familiares) que, para quem não vive nelas em caráter
evidentemente provisório, colocam agudamente dolorosos problemas
de identidade, e nos levam a meditar diversamente sobre quem
somos.
Por tudo isto foi que dei a esta colectânea o nome de
Peregrinatio ad loca infecta, que os poemas representam
momentâneas descidas críticas do poeta ao seio da sua visão de
mundo. Tendo eu partido de Portugal para o Brasil, onde fiquei, em
Agosto de 1959, e do Brasil para os Estados Unidos da América do
Norte, em Outubro de 1965, para só regressar à Europa em Setembro
de 1968, e a Portugal por escassos dois meses, desde as speras
do Natal a meados de Fevereiro de 1969, a coincidência dos
presentes poemas com aquele período de “peregrinações”, é
praticamente total. [...] Mas, por certo, nestes dez anos, eu não visitei
apenas como sempre fiz “loca infecta” da alma; vivi, fosse onde
fosse, no lugar infecto que é o nosso mundo de hoje.
41
Por esse motivo, elegemos Peregrinatio ad loca infecta como coluna
vertebral de nosso estudo, permeando os três tempos de exílio do escritor. Ao
seu redor, circulam poemas de praticamente todas as demais obras do poeta,
seguindo, prioritariamente, o critério cronológico.
40
SENA, J.Lisboa: Ed. 70, 1978, p 19.
41
SENA, J. Lisboa: Edições 70, 1978, pp. 20, 21.
40
3.1 Tempo de Portugal
Que fatos, que datas, que sentimentos nos dariam condições de
determinar um poema como marco inicial de uma vivência de exílio? Para
Jorge de Sena, toda a poesia é circunstancial; e a específica
circunstancialidade dela será [...] de certo modo, um diário poético...”
42
. Assim,
são as circunstâncias, os acontecimentos, que nos guiarão neste estudo da
poesia de Jorge de Sena.
Como disse José-Augusto França, em uma recensão dos três primeiros
livros de poesia de Jorge de Sena, trata-se de Uma obra que me surge sem
evolução, porque o autor não teve nunca adolescência para abandonar, e um
estado adulto parece ter sido sempre, e tristemente, o seu
43
. E com razão. A
maturidade literária chegou cedo para Jorge de Sena. E com ela, a descoberta
da “visão profunda” do mundo. Contudo, o que procuramos sugerir é
exatamente essa tomada de consciência como o ponto matricial do que
viremos a chamar aqui exílio. Para tanto, partimos do romance “Sinais de fogo”,
em cuja narrativa o jovem protagonista Jorge (com fortes marcas
autobiográficas) recorda as experiências de um jovem Jorge de Sena que se
defronta com o surgimento da poesia.
Se nem todos escrevem, porque escrevia eu? [...]comecei a sentir-me
ridículo, um pouco infantil, idiota, que eu nunca pensara em mim
como poeta. [...] Poeta, pra mim, como para minha família, e para
meus amigos, era uma pessoa algo caricata, segregada da
normalidade da vida.
44
(SENA, 1988,)
A partir deste trecho, torna-se claro que a proscrição do poeta do que
considera a “normalidade da vida”, a princípio, não advém de motivos políticos,
42
Ibidem, p. 20.
43
Idem apud FRANÇA, José-Augusto. Tetracórnio ,fev. 1955.
44
Idem. Lisboa: Edições 70, 1979; p. 484. Grifos nossos.
41
e sim, do seu desajuste diante dos valores sociais tidos como referência à
época, os quais tenta, com algum sucesso seguir: serve à Marinha de Guerra
por dois anos, como cadete, e depois laureia-se Engenheiro, profissão que
exerce até sua partida para o Brasil, em 1959. Nesse tempo, cultivava em
paralelo a atividade intelectual.
La Cathédrale Engloutie, de Debussy, publicado em Arte de Música, de
1968, poema narrativo e autobiográfico, mostra os efeitos da audição-revelação
deste prelúdio na vida do menino que, de um simples homem parvo, sofre uma
profunda metamorfose, cedendo lugar ao poeta inquieto.
Creio que nunca perdoarei o que me fez esta música.
Eu nada sabia de poesia, de literatura e o piano
era, para mim, sem distinção entre a Viúva Alegre e Mozart,
o grande futuro paralelo a tudo o que eu seria
para satisfação de meus parentes todos . Mesmo a Música,
eles achavam-na demais, imprópria de um rapaz
que era pretendido igual a todos eles: alto ou baixo funcionário
[público,
civil ou militar. Eu lia muito, é certo. Lera
o Ponson du Terrail, o campos Júnior, o Verne e Salgari,
e o Eça e o Pascoaes. E lera também
nuns caderninhos que me eram permitidos porque aperfeiçoavam o
[francês
e a Livraria Larousse editava para crianças mais novas do que eu era,
a história da catedral de Ys submersa nas águas.
Um dia, no rádio Pilot da minha Avó, ouvi
uma série de acordes aquáticos, que os pedais faziam pensativos,
mas cujas dissonâncias eram a imagem tremulante
daquelas fendas tênues que na vida,
na minha e na dos outros, ou havia ou faltavam.
Foi como se as águas se me abrissem para ouvir os sinos,
os cânticos, e o eco das abóbodas, e ver as altas torres
sobre que as ondas glaucas se espumavam tranqüilas.
Nas naves povoadas de limos e de anêmonas, vi que perpassavam
almas penadas como as do Marão e que eu temia
em todos os estalidos e cantos escuros da casa.
O início do poema vem ao encontro do trecho extraído do romance,
apresentando o dilema vivido pelo escritor entre a arte, considerada “o grande
futuro paralelo” e a carreira pretendida pela família. Embora escrito em 1964,
durante o exílio do intelectual no Brasil, interessa-nos demonstrar o processo
de transformação pelo qual passou o poeta em seu amadurecimento. No
42
poema, os acordes de Debussy levam o jovem à lenda da cidade de Ys, que,
tomada pela força das águas, é completamente submersa, mantendo, contudo,
audível o som dos sinos da catedral. Da mesma forma, mas em sentido
inverso, a música “aquática”, reveladora do oculto, agora vinda do rádio, faz
desse momento o marco zero na vida do poeta Jorge de Sena, decretando o
fim, da inocência e da ignorância, que faz emergir o novo mundo nada
límpido, turvo – que revelará, em sua escrita.
Ante um caderno, tentei dizer tudo isso. Mas
só a música que comprei e estudei ao piano mo ensinou
mas sem palavras. Escrevi. Como o vaso da China,
pomposo e com dragões em relevo, que havia na sala,
e que uma criada ao espanejar partiu,
e dele saíram lixo e papéis velhos lá caídos,
as fissuras da vida abriram-se-me para sempre,
ainda que o sentido de muitas eu só entendesse mais tarde.
[...]
Forte simbolismo é o do vaso que se quebra, deixando cair tudo o que,
de sujo e desconhecido, armazenara dentro dele. Este objeto, que em diversas
culturas representa um tesouro, como o Graal, nas novelas medievais, ao ser
quebrado tem também aniquilado pelo desprezo o tesouro que ele representa.
Contudo, por encerrar dentro de si o elixir da vida, ao deixá-lo escapar, revela-o
ao mundo. E, no poema, o elixir da vida é a verdade, desvendada no momento
da audição.
É desta imprecisão que eu tenho ódio:
nunca mais pude ser eu mesmo – esse homem parvo
que, nascido do jovem tiranizado e triste,
viveria tranqüilamente arreliado até a morte.
Passei a ser esta soma teimosa do que não existe:
exigência, anseio, dúvida e gosto
de impor aos outros a visão profunda,
não a visão que eles fingem,
mas a visão que recusam:
[...]
Os acordes perpassam cristalinos sob um fundo surdo
que docemente ecoa. Música literata e fascinante,
nojenta do que por ela em mim se fez poesia,
esta desgraça impotente de actuar no mundo
43
e que só sabe negar-se e constranger-me a ser
o que luta no vácuo de si mesmo e dos outros.
Ó catedral de sons e água! Ó música
sombria e luminosa! Ó vácua solidão
tranquila! Ó agonia doce e calculada!
Ah como havia em ti, tão só prelúdio,
tamanho alvorecer, por sob ou sobre as águas,
de negros sóis e brancos céus noturnos?
Eu hei-de perdoar-te? Eu hei-de ouvir-te ainda?
Mais uma vez te ouço, ou tu, perdão, me escutas?
O mergulho deste poeta rumo ao conhecimento é comparável ao vôo de
Ícaro em direção à liberdade. Dédalo, seu pai, preso no labirinto que ele próprio
construíra para o rei Minos, de Creta, ao olhar para o céu, espaço da liberdade
possível, teve a inspiração de confeccionar dois pares de asas de cera. Com o
engenho, ele e seu filho alçaram vôo e logo se afastaram da armadilha que ele
mesmo criara, podendo, com isso, observá-la do alto. Antes da partida, Dédalo
aconselhou Ícaro a voar sem se aproximar demais da morada dos deuses,
tampouco sem tocar nas águas, reino de Netuno. Porém, desobediente e
deslumbrado com o vôo, ele avizinha-se do sol, derretendo, assim, suas asas,
e morrendo, ao se chocar com o oceano. Cada uma das asas formou uma ilha,
dando origem ao arquipélago das Icáricas. Assim como sucedeu à personagem
mitológica, a busca da liberdade suprema o conhecimento –, o mergulho nas
profundezas do interior humano, a ultrapassagem dos limites médios do saber,
fizeram do poeta uma ilha em pessoa.
A vontade “de impor aos outros a visão profunda” do mundo levou Sena
a todos os exílios que o homem pode percorrer. O interior sempre esteve muito
além do geográfico. Poeta alheio a convenções e imposições, tanto políticas
quanto literárias, o escritor logo se torna um excluído em sua própria pátria.
Mais do que os países por onde passaria, o primeiro e eterno porto seguro
será, então, a escrita, conforme já acenava nos versos finais de “Os trabalhos e
44
os dias”, do ano de 1942: e falo da verdade, essa iguaria rara: / este papel,
esta mesa, eu apreendendo o que escrevo”.
Após a Segunda Guerra Mundial, quando os principais líderes
totalitaristas europeus se vêem derrotados, a relação entre os intelectuais
portugueses e seu governo rígido, emblematizado na figura de Oliveira Salazar,
torna-se paulatinamente mais conflituosa. Nessas circunstâncias, a poesia
passa a ter papel relevante na luta política pela restituição da democracia. De
1947, é o poema “Os paraísos Artificiais”, no qual o escritor desconstrói a
imagem de seu país, contrariando as descrições nacionais-edênicas como a
“Canção do exílio”, de Gonçalves Dias:
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossas flores têm mais vida,
Nossas vidas mais amores.
Tomando como parâmetro o poema que o brasileiro escrevera em 1843,
no seu “exílio” em Portugal, o de Sena apresenta um contraponto à paisagem
evocada acima. Se o desejo de retorno à terra-mãe e o sentimento de não-
pertencer fazem com que o escritor exilado veja sua pátria como paraíso, Sena
faz a mesma associação, mas usa da ironia, claramente demonstrada através
do adjetivo “artificial”. Assim, todos os elementos naturais presentes no poema
de Gonçalves Dias são substituídos, na obra de Sena, por correlatos de
invenção humana. Além destas, outras marcas “subversivas” evidentes no
texto são a omissão do topônimo, Portugal, e as seguidas negações meio
45
encontrado pelo poeta para denunciar a forte censura que o impedia de
assumir uma posição política declarada.
Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.
Na minha terra, não há árvores nem flores.
As flores , tão escassas, dos jardins mudam ao mês,
e a Câmara tem máquinas especialíssimas para desenraizar as
[árvores.
O cântico das aves - não há cânticos,
Mas só canários de 3
o
andar e papagaios de 5
o
.
E a música do vento é frio nos pardieiros.
Na minha terra, porém, não há pardieiros,
que são todos na Pérsia ou na China,
ou em países inefáveis.
A minha terra não é inefável.
A vida na minha terra é que é inefável.
Inefável é o que não pode ser dito.
Se, a partir do tulo do poema, fica clara a associação à obra
baudelairiana, a caracterização de um Portugal doente tem, como parâmetro, o
próprio olhar do escritor francês sobre o país:
Cette vie est um hôpital chaque malade est possédé du desire de
changer de lit. Celui-ci voudrait soufrir en face du poêle, et celui-ci
qu’il guérirait à côté de la fenêtre.[...]
Dis-moi, mon âme, pauvre âme refroidie, que penserais-tu d’habiter
Lisbonne? Il doit y faire chaud, et tu t’y ragaillardirais comme un
lézard. Cette ville est au bord de l’eau; on dit que’elle est bâtie en
marbre, et que le peuple y a une telle haine du végétal, qu’il arranche
tous les arbres. Voilà un paysage selon ton goût; un paysage fait avec
la lumière et le minéral, et le liquide pour les réfléchir!
45
No entanto, deve-se salientar que, no outro lado do diálogo está toda
uma literatura ultra-romântica lusitana, de cunho nacionalista, posta em
45
BAUDELAIRE, Charles. Paris: Cluny, s/d; p. 94.Esta vida é um hospital, e cada doente é possuído
pelo desejo de mudar de cama. Aquele ali gostaria de sofrer encarando um fogão, e aquele crê que
guerreia ao lado da janela.[...]
Diga, minha alma, pobre alma resfriada, o que você acha de morar em Lisboa? Lá deve ser quente, e você
se esparramaria como um lagarto. Essa cidade fica perto da água, dizem que foi construída em mármore,
e que as pessoas de odeiam tanto o vegetal que arrancam todas as árvores. Eis uma paisagem a teu
gosto; uma paisagem feita de luz e mineral e líquido para refleti-los!”
46
circulação como artimanha salazarista, exaltando valores clicherizados de
Portugal, como “A Portugal”, de Tomás Ribeiro:
Jardim da Europa à beira-mar plantado
De loiros e de acácias olorosas;
De fontes e de arroios serpeado,
Rasgado por torrentes alterosas;
Onde num cerro erguido e requeimado
Se casam em festões, jasmins e rosas;
Balsa virente de eternal magia,
Onde as aves gorgeiam noite e dia.
Dessa forma, torna-se muito mais nítida a leitura anti-fascista contida no
poema, não somente no que respeita à denúncia da situação político-social de
seu país, mas também na ironia com que trata a propaganda oficial deste
regime.
46
Se, no poema anterior, as acusações são feitas de forma velada, por
meio de associações, dois anos mais tarde, em 1949, “Ode à mentira”
apresenta ao leitor sem meias-palavras toda a sorte de desmandos cometidos
pelo governo salazarista para se manter no poder, deixando bem claro a quem
se dirige. E vai além, enumerando as atrocidades feitas em nome de Portugal.
Crueldades, prisões, perseguições, injustiças,
como sereis cruéis, como sereis injustas?
Quem torturais, quem perseguis,
quem esmagais vilmente em ferros que inventais,
apenas sendo vosso gemeria as dores
que ansiosamente ao vosso medo lembram
e ao vosso coração cardíaco constrangem.
Muitas vezes alvo da crítica literária portuguesa, quer pela sua
independência a nomenclaturas estético-literárias, quer pela sua assumida
posição política anti-salazarista, Sena oscilou entre o uso de uma linguagem
literária mais rebuscada, e, em outro pólo, a clareza, a rispidez, a virulência
com que abordava determinados temas, como no poema acima. A respeito do
uso de uma linguagem mais direta o intelectual disse:
46
ver SANTOS, G. Lisboa: 1997; p.p. 49 a 51.
47
Quase toda a gente, mesmo dos melhores, vive na aflição e na
inibição de não dizer nada claramente, de não mencionar nada
concretamente, de não estabelecer conexões racionais e lógicas com
experiência alguma o que nada tem a ver com a liberdade de
imaginação ou com a experimentação lingüística, e é apenas
resultado de décadas de meias palavras cifradas. Também por isso
foi que se criou a ideia de que a poesia é coisa delicada e para
delicados, em que parece mal e é mau escrever duramente e
directamente...”
47
Ainda do mesmo ano, “Ode à incompreensão” apresenta pela primeira
vez a profunda tristeza de um Jorge de Sena humanista que não consegue ver
concretizado o objetivo maior de seu trabalho poético a transformação social.
Assim, dividido entre a consciência “da (sua) visão tão lúcida” e a
incompreensão da sociedade, o exílio interior – parece-lhe destino
irrevogável.
De todas estas palavras não ficará, bem sei,
um eco para depois da morte
que as disse vagarosamente pela minha boca.
Tudo quanto sonhei,quanto pensei, sofri,
ou nem sonhei, ou nem pensei
ou apenas sofri de não ter sofrido tanto
como aterradamente esperara –
nenhum eco haverá de outras canções
não ditas, guardadas nos corações
alheios, ecoando abscônditas ao sopro do poeta.
Não por mim. Por tudo que, para ecoar-se,
não encontrou eco. Por tudo o que,
para ecoar, ficou silencioso, imóvel –
– isso me dói como de ausência à música
não tocada, não ouvida, o ritmo suspenso,
eminente, destinado, isso me dói
dolorosamente, amargamente, na distância
do saber tão claro, da visão tão lúcida,
que para longe afasta o compassado ardor
das vibrações do sangue pelos corpos próximos.
[...]
Tão longe, meu amor, tão longe,
quem de tão longe alguma vez regressa?!
E quem, ó minha imagem, foi contigo?
47
SENA, Jorge de. Lisboa: Edições 70, 1978, p.p. 113. 114.
48
(De mim a ti, de ti a mim,
quem de tão longe alguma vez regressa?)
Incompreendido, o poeta sempre se sentiu. Muito mais, segundo alguns,
do que realmente foi. Num país em que se publicavam os “diletantes”, os
passivos, os que, para se fazerem publicar, calavam ou repudiavam a aviltante
situação política portuguesa, Sena, com suas palavras ásperas e sempre
francas, não teria outro destino, por tudo o que de transgressor representava,
senão a indiferença. Mesmo repudiado, manteve-se fiel aos ideais de
transformação profunda do mundo, através da poesia que buscava no grupo
literário a que aderiu, os Cadernos de Poesia:
Se a expressão poética é (ou resulta de) um compromisso e
sublinhe-se de uma vez para sempre que esse compromisso se o
destina a captar o “inexprimível”... –, evidente se torna que a poesia
só existe como relação: a relação que relata e a relação que relaciona
entre si duas entidades. Portanto, quem se subordina à Poesia (com
maiúscula) na intenção de esquivar-se a outras subordinações (a
Deus, ao Mundo, ao próprio Homem), trai-se a si próprio, à
consciência sensível que do mundo poderia ter, e à Poesia a
relação – que mais do que tudo julga ambicionar. E igualmente se trai
a si próprio, à sua consciência sensível do mundo, e à relação que
pretende criar, quem subordine esta última não àquilo que pensa e
sente, mas ao que entende dever ser tal relação, tal expressão
poética, tal poesia. [...] é preciso deixar que as mãos do homem e o
olhar do poeta transformem o mundo à sua imagem e semelhança. O
poeta não contempla o poeta cria. Defende o que é atacado, e
ataca o que é defendido. Não age como ser especial, diferente dos
outros homens, que os não esses outros seres; mas como um
homem destinado a nele se definir a humanidade: um ser capaz de
ter todo o passado íntegro no presente e capaz de transformar o
presente integralmente em futuro.
48
[grifos nossos]
48
“A poesia é só uma”: 1940-1951. Cadernos de Poesia 6, 2ª série (1951): 5-8.
49
De acordo com Gilda Santos, na obra seniana o tempo, quer na sua
dimensão pessoal/biográfica, que na sua dimensão cultural/histórica
desempenha função nuclear”.
49
E, se pensarmos no que disse o escritor: Não
creio que, nos tempo de hoje, se possa honestamente fazer ficção e outra
coisa [senão autobiografia] se se quer falar do mundo em que vivemos...
50
,
suas obras são a todo momento evidências dessa autobiografia
metamorfoseada em literatura.
Nesse ponto, “As evidências”,
51
é uma obra particular dentre a produção
do escritor. Primeiro pela sua forma: um poema com 21 sonetos, os quais, à
primeira vista, não apresentam entre si uma “unidade” temática. Segundo, pelo
próprio processo de criação: JS estava quase um ano sem escrever poesia,
quando, como num processo catártico, foram-lhe surgindo, no período de dez
semanas, os sonetos que compõem o livro. Ao se imaginar tal processo de
criação, é como o Camões seniano de “Super Flumina Babylonis” que o vemos:
tremendo todo, mas com a mão muito firme, começou a escrever [...] E ficou
escrevendo pela noite adiante
52
.
E catártica é também a própria obra. Sob o tulo inicial de “Novo
Gênesis”, visível nos manuscritos, o poema é dividido em duas “fases”. Na
primeira, que vai dos sonetos I ao VII, lemos, de imediato, ao desconcerto
humanamente aberto/ entendo e sinto...”(v. 1-2), e, ao fim desse primeiro
soneto “meu desconcerto é o desconcerto fora” (v. 13). No segundo soneto:
Desta vergonha de existir ouvindo
amordaçado as vãs palavras belas,
por repetidas quanto mais traindo
tornadas vácuas da beleza delas;
[...]
49
SANTOS, Gilda. Rio de Janeiro:1996, p. 160.
50
SENA, J. Lisboa: Ed. 70, 1982, p. 70.
51
Idem. Lisboa: Ed 70, 1961.
52
Idem. Lisboa: Ed. 70, 1989, p. 166.
50
Calai-vos, ímpios, que jurais por mim!
Eis o processo de denúncia que leva a cabo: evocando o camoniano
desconcerto do mundo, o poeta vê-se também em desconcerto, por se sentir
forçado a assistir e a ouvir “amordaçado” pela censura os desmandos do poder
de seu país.
No último verso do timo soneto, está a senha para a mudança, com a
qual encerra não somente o soneto, mas a fase de obscurantismo, que é
delineada neste primeiro grupo de sonetos.
Ímpio de ti, se juras e não ousas
que teus vivos desejos se ergam tais
como em ti próprio aguarda uma outra vida.
Refletindo sobre a relação entre o título inicial da obra e a totalidade do
poema, associando-a ao episódio bíblico da criação do mundo, uma das
possíveis interpretações é a de renascimento, recriação do mundo, tanto do
mundo particular do poeta, quanto uma subversiva sugestão de reorganização
social portuguesa, iniciada, como na criação divina, pelo verbo. E o ponto de
fusão entre o caos inicial e a transcendência é o soneto seguinte:
Amo-te muito, meu amor, e tanto
que, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda
depois de ter-te, meu amor. Não finda
com o próprio amor o amor do teu encanto.
Que encanto é o teu? Se continua enquanto
sofro a traição dos que, viscosos, prendem,
por uma paz da guerra a que se vendem,
a pura liberdade do meu canto
[...]
Que encanto é o teu? Deitado a tua beira,
Sei que se rasga, eterno, o véu da graça.
Erotizada, a terra assume instância feminina. Assim, a terra-mulher
portuguesa, cabeça da Europa, como a descreveu Fernando Pessoa, fertilizada
pelo amor do homem, renova-se, transformando-se na terra desejada, imagem
51
intensamente presente no imaginário popular e recorrente na história da
formação dos povos e na literatura: a Terra Prometida, que, para Dante, é um
dos pólos do espírito, assim como a Canaã para os hebreus, Ítaca para Ulisses
e a Jerusalém celeste para os cristãos.
As evidências expostas por essa nova gênese logo deram motivo para a
apreensão da obra pela PIDE, sob acusação de subversiva e pornográfica,
conforme declaração do autor:
O livrinho ficou impresso nos primeiros dias de janeiro de
1955, foi logo apreendido pela PIDE (...) e pôde ser distribuído um
mês depois após repetidas visitas à Censura (...) O livro era, além de
subversivo, pornográfico, segundo me repetia sistematicamente, com
um sorriso ameno e algum sarcasmo nos olhos (...) suponho que o
subdiretor que era um major ou tenente-coronel. Eu contestava que o
livro, ora essa, não era nem uma coisa nem outra, e ele, dando-me
palminhas no joelho mais próximo, dizia: Ora, ora... nós sabemos.
Ao fim de um mês destas periódicas sessões, o livro foi libertado, e,
para dizer a pura verdade evidente, era realmente subversivo e, se
não propriamente pornográfico, sem dúvida que respeitavelmente
obsceno.
53
De 1952, “Epígrafe para a arte de furtar”, é o primeiro poema do livro
Fidelidade, do ano de 1958, último publicado antes da partida de JS para o
Brasil. Como o nome sugere, tem como matriz a obra do barroco lusitano Arte
de Furtar, ou Arte de furtar, Espelho de enganos, Theatro de verdades,
Mostrador de horas minguadas, Gazua geral dos reynos de Portugal,
54
publicada em “Amsterdam, na officina Elvizeriana, 1652”, dedicada a D. João
IV “para que a emende” e “composta pelo Padre Antonio Vieyra Zelozo da
Pátria”
55
. O livro, um depoimento literário de cunho panfletário, editado com
intuito de denunciar práticas sociais do tempo de D. João IV, propõe-se a
53
SENA, J. Lisboa: Edições 70, 1988, p. 19.
54
Arte de furtar. Lisboa: Estampa, 1978.
55
Ver SANTOS, G. Rio de Janeiro:FL, 1993.
52
desmascarar os vários tipos de “furtos” então em uso. Assim, o poema auto-
intitulado epígrafe da obra supracitada não teria outro mote senão a denúncia.
Epígrafe e não posfácio, quer pelo seu caráter conciso, resumido, quer pelo
caráter de precedência essencial sobre aquilo de que trata a obra seiscentista:
Roubam-me Deus,
outros o Diabo
– quem cantarei?
roubam-me a Pátria;
e a Humanidade
outros me roubam
– quem cantarei?
sempre há quem me roube
quem eu deseje;
e de mim mesmo
todos me roubam
– quem cantarei?
roubam-me a voz
quando me calo,
ou o silêncio
mesmo se falo
– aqui del-rei!
No plano formal, observa-se o uso de recursos estéticos próprios da
literatura barroca atualizados pelo autor. Estão entre eles a angústia humana,
decorrente da enumeração dos objetos de furto e o paulatino prolongamento
das estrofes, como que aumentando, assim, a agonia do narrador.
Discursivamente, o conflito entre o eu, indicado pelos pronomes me e mim, e
os outros, alargados pelos verbos na pessoa do plural que criam sujeitos
indeterminados, aponta para a posição passiva do eu-lírico ante os fatos.
Também o refrão, “quem cantarei?”, repetido no fim das três primeiras estrofes,
enfatiza a problemática nuclear do poema e prepara o desesperado pedido de
socorro final.
A máquina política passou a gerar, ao longo dos anos, um ambiente
cada vez mais opressor, de maneira que foi se tornando insustentável a vida
53
naquele espaço. O poema “Quem a tem” é, nesse momento, mensageiro do
desejo de liberdade política de todo um país.
Não hei de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
Eu não posso senão ser
desta terra em que nasci.
Embora ao mundo pertença
e sempre a verdade vença,
qual será ser livre aqui,
não hei-de morrer sem saber.
Trocaram tudo em maldade,
é quase um crime viver.
Mas, embora escondam tudo
e me queiram cego e mudo,
não hei-de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
Na segunda estrofe, o poeta depara-se em conflito entre a entrega
incondicional à pátria e a sua negação, sentimento próprio do exilado,
deslocado da sociedade de que faz parte. Dessa forma, o sintomático verso
“embora ao mundo pertença”, indicia não somente uma alusão à sua condição
de escritor, tal como a entende, mas, principalmente, a previsão de um exílio
quase inevitável. De fato, apenas três anos após haver escrito esse poema,
parte para o Brasil.
No trecho seguinte, o escritor explicita a sua posição política face à
opressão do regime fascista português. Novamente o tema ‘censura’ vem à
tona nos versos embora me escondam tudo/ e me queiram cego e mudo”.
Todavia, o autor encerra o poema mesclando o terror da ditadura à esperança
de não morrer sem saber / qual a cor da liberdade”. A quase-utopia de ver a
bandeira portuguesa novamente representando um país democrático leva-nos
à idéia desenvolvida por Ernest Bloch
56
: o “princípio esperança”, que existe não
56
BLOCH. Paris: Galimard, 1976, 1982, 1989. 3 volumes.
54
em uma dimensão onírica, mas como energia potencializadora da
transformação social, tão presente na poesia seniana.
Jorge de Sena manteve-se conflituosamente entre dois pólos: a
clarividência e a quase-utopia. Buscava incansavelmente impor aos outros a
visão profunda através de uma extremada consciência de mundo e de ética
em tudo que escreveu. Apesar de nessa missão nem sempre encontrar eco,
persistiu fiel aos valores que defendia. O embate entre a pouca humanidade
neste mundo/ quando o acredito em outro, e outro queria que/ este
mesmo fosse.”
57
gerou uma poesia na qual, o angustiado olhar do presente
transforma-se em expectativa do tempo vindouro.
“Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya” é exemplo de
poema em que transitam juntos o desencanto com o mundo e a esperança na
transformação profunda de seu formato social. De julho de 1959, último poema
escrito antes da partida para o Brasil, pode ser visto como uma análise final no
encerramento de um ciclo, na qual o poeta aponta o mundo desejado através
do contraponto com aquele conhecido. Partindo da tela “Três de Maio”, do
pintor espanhol Goya, a qual apresenta uma brutal cena de fuzilamento
ocorrida durante a invasão napoleônica em Espanha, o poema procura
transpor para a linguagem literária, a reflexão indignada provocada pelo
pictórico.
Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
Aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
Onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
De nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
57
SENA, Jorge. Lisboa: Edições 70, 1978.
55
Conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
O vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
O que vos interesse para viver. Tudo é possível,
Ainda quando lutemos, como devemos lutar,
Por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
Ou mais que qualquer delas uma fiel
Dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
Não tem conta o número dos que pensaram assim,
Amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
De insólito, de livre, de diferente,
E foram sacrificados, torturados, espancados
E entregues hipocritamente à secular justiça,
Para que os liquidasse com suma piedade e sem efusão de sangue.
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
A uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
À fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
Foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
E os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam
vivido,
Ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
Por serem de uma classe, expiaram todos
Os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
De haver cometido. Mas também aconteceu
E acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
Aniquilando mansamente, delicadamente,
Por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
Foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
Há mais de um século e por violenta e injusta
Ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
Que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
E de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
Nesta cadeia de que sois um elo ( ou não sereis )
De ferro e de suor e sangue e algum sémen
A caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
Vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
É isto o que mais importa – essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
Não é senão essa alegria que vem
De estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez
Alguém está menos vivo ou sofre ou morre
Para que um só de vós resista um pouco mais
À morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
Sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
E sobretudo sem desapego ou indiferença,
Ardentemente espero. Tanto sangue,
Tanta dor, tanta angústia, um dia
– mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga –
não hão-de ser em vão. Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
56
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
Quem ressuscita esses milhões, quem restitui
Não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
Aquele instante que não viveram, aquele objecto
Que não fruíram, aquele gesto
De amor, que fariam « amanhã».
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
Nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
Que não é só nossa, que nos é cedida
Para a guardarmos respeitosamente
Em memória do sangue que nos corre nas veias,
Da nossa carne que foi outra, do amor que
Outros não amaram porque lho roubaram.
Atente-se para o fato de que a imagem historicamente localizável,
tomada como primeiro referente para esta criação poética, torna-se atemporal,
uma vez que serve de argumento para discutir as crueldades cometidas pelo
homem ao longo dos séculos e que permanecem vivas no imaginário do leitor,
como episódios da Inquisição (“Para que os liquidasse com suma piedade e
sem efusão de sangue”), da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais (“Foram
estripados, esfolados, queimados, gaseados, /E os seus corpos amontoados
tão anonimamente quanto haviam vivido,/ Ou suas cinzas dispersas para que
delas não restasse memória”), ou ainda da Guerra Civil Espanhola, entre
outros tantos. Por outro lado, as mesmas cenas remetem mais uma vez à
situação política portuguesa do tempo salazarista. Através do seu próprio olhar,
conduz o leitor a uma profunda análise do mundo em que vive, primeiro passo
para a sua remodelação, objetivo final do testemunho poético.
Vale recordar que as asas que levaram Ícaro ao vôo mais alto, e, por
conseqüência, à sua morte, ao se chocarem com as águas são transformadas
em ilhas, espaço de isolamento, mas também de conhecimento e sabedoria.
Do mesmo modo, as experiências de Jorge de Sena fizeram-no homem-ilha,
57
desterrado em si mesmo, porém apto, com seu testemunho, a abrir novos
mundos de consciência, e de esperança, a quem o lê.
3.2 Tempo de Brasil
Os últimos anos da década de 50 são marcados pelo agravamento da
crise política portuguesa. De um lado, a insatisfação com o Governo crescia
proporcionalmente à sua incapacidade de promover efetivas mudanças nos
setores econômico e social do país e, de outro, o cenário político mundial,
marcado pelo processo de independência das últimas colônias inglesas e
francesas em África, fazia com que oenfraquecido Salazar ficasse cada vez
mais acuado. Nesse mesmo momento, tem início, tanto na Metrópole quanto
nas colônias, incentivada pelos processos de descolonização dos países
vizinhos, uma forte mobilização de um grupo de estudantes, em sua maioria,
moçambicanos, cabo-verdeanos e angolanos, que, constituiriam em seus
países, as primeiras frentes pela independência da dominação portuguesa.
Começava a se apressar o lento fim do sistema há muito vigente.
Nessa onda pró-democratização, um grupo constituído em sua maioria
por intelectuais ligados à esquerda portuguesa, toma a frente em um
desafortunado golpe, a Conspiração da Sé, previsto para eclodir em 12 de
março de 1959, que visava à tomada do poder no país. Descoberto o plano,
seus responsáveis passam a ser caçados e punidos modelarmente pela PIDE,
a polícia política portuguesa. Dentre os nomes envolvidos, estava o de Jorge
de Sena.
Entretanto, estava para acontecer na Universidade Federal da Bahia,
na cidade de Salvador, o IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-
58
Brasileiros. Alguns organizadores do evento, conhecedores da delicada
situação na qual se encontrava o poeta, convidaram-no a proferir uma
palestra. O escritor parte, então, com visto temporário, para o Brasil, mas logo
viria reger a cadeira de Literatura Portuguesa na recém-formada Faculdade de
Filosofia de Assis. Sena nunca mais regressaria definitivamente a Portugal. O
escritor reside no Brasil por apenas cinco anos. No entanto, diversos fatores
convergiram para que esse fosse o período mais frutífero da sua carreira.
Vejamos, pois, pormenorizadamente os fatos marcantes dos anos que
vão de 1959 a 1965, os poemas mais emblemáticos deste momento e a visão
do escritor sobre seu país e sobre sua condição de exilado.
A Cátedra em Assis, por representar a concretização de um desejo até
então impossível, seria uma oportunidade única, da qual não poderia abrir mão:
era a possibilidade de exercer a carreira para a qual sentia-se talhado, e que
lhe fora negada em seu país.
O Brasil era realmente solo fértil para Sena. Os últimos anos da era JK
eram de grande efervescência artístico-cultural e o escritor teria por aqui como
contemporâneos na literatura, entre outros, Manoel Bandeira, Carlos
Drummond de Andrade e Cecília Meireles. A esse ambiente propício a altos
vôos junta-se a franca difusão dos ideais comunistas e socialistas, além de
uma liberdade de expressão muitoo vista em Portugal, o que fazia deste
país refúgio de tantos outros intelectuais portugueses. Como aqueles que, em
São Paulo, editavam o Portugal Democrático, periódico de cunho político ao
qual logo Sena aderiu que visava a divulgar não as notícias proibidas,
quer da Metrópole, quer das colônias em África, como também manifestar o
repúdio ao governo salazarista em artigos engajados que pregavam a
59
redemocratização urgente da nação. Dessa forma, Jorge de Sena nutre pelo
país que primeiro o acolheu, um forte sentimento de gratidão e carinho, como
se pode observar nestas declarações:O Brasil continua a ser um país mítico
em Portugal. Foi o mito da fortuna em pouco tempo, hoje é o mito de uma
liberdade que fala português e Conhecê-lo, compreendê-lo e amá-lo é outra
coisa, e mais difícil. Eu, que sempre procurei conhecê-lo e compreendê-lo,
inicio agora a minha aprendizagem de amá-lo”.
58
Na entrevista concedida ao jornalista Paulo Carvalho, do jornal
Tribuna da Imprensa no ano de 1959, o escritor refere-se ao grande número de
intelectuais exilados no país. Outro fato pontuado é a tentativa de amar o
Brasil como pátria de eleição, o que, mais tarde, o levou a requerer e a obter a
cidadania brasileira.
Dentre os cincos anos em que residiu no Brasil, quer pela quantidade
significativa de obras produzidas, quer pela variedade de gêneros, 1961 é, sem
dúvida, um ano singular na carreira do escritor português.
Desse tempo é “Quem muito viu...”, publicado em Peregrinatio ad loca
infecta. Nele, que em termos semânticos é um poema completamente aliado à
noção de exílio, o poeta acentua a idéia de peregrinação. Eis aí duas
mundividências interdependentes, que dialogam formando a complexa errância
seniana.
Quem muito viu, sofreu, passou trabalhos,
mágoas, humilhações, tristes surpresas;
e foi traído, e foi roubado, e foi
privado em extremo da justiça justa;
e andou terras e gentes, conheceu
os mundos e submundos; e viveu
dentro de si o amor de ter criado;
quem tudo leu e amou, quem tudo foi –
58
“Jorge de Sena não crê em poesia concreta, nos concretistas”. Entrevista a Paulo Carvalho. Tribuna
da Imprensa 26 Set. 1959.
60
não sabe nada, nem triunfar lhe cabe
em sorte como a todos os que vivem.
Apenas não viver lhe dava tudo.
Inquieto e franco, altivo e carinhoso,
será sempre sem pátria. E a própria morte,
quando o buscar, há-de encontrá-lo morto.
Tema assíduo na tradição literária de exílio, o da morte espiritual do
homem a partir do abandono da pátria, está presente na última estrofe do
soneto. E, sob uma carga não apenas referencial, mas assaz emotiva, na qual
o poeta como que expõe sua vida, é desfiada sua peregrinação ao longo de
décadas de trabalho poético.
Com timbre camoniano, o poema acima denuncia, como tantos outros, o
desconcerto do mundo, numa semântica de amargura próxima do bem
conhecido soneto maneirista:
Erros meus, má fortuna, amor ardente
em minha perdição se conjuram;
os erros e a fortuna sobejaram,
que para mim bastava o amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
a grande dor das cousas que passaram,
que as magoadas iras me ensinaram
a não querer já nunca ser contente.
Errei todo o discurso dos meus anos;
dei causa [a] que a fortuna castigasse
as minhas mal fundadas esperanças.
De amor não vi senão breves enganos.
Oh! Quem tanto pudesse que fartasse
Este meu duro génio de vinganças.
E “O Poeta” foi sempre fonte de inspiração para Jorge de Sena. Nos
versos de “Quem muito viu...” e em inúmeros mais. A imagem do escritor à
frente de seu tempo, espoliado, incompreendido, e sem ter recebido em vida o
reconhecimento devido, casa-se perfeitamente quer com a idéia do português
expatriado, lançado no século XX mundo afora, quer, diretamente, com a
61
própria biografia de Sena. Podemos observar esta idéia nos fragmentos
extraídos do “Discurso da Guarda”, proferido em 10 de junho de 1977:
...este poeta herói-épico é o poeta-homem, exemplo de ser-se
português, em exílios e trabalhos, em sofrer incompreensões e
injustiças, e ao contrário do que sucede ou sucedeu a alguns
regressar com as mãos vazias, apenas rico de desilusões de
amarguras e do gênio que havia posto numa das mais prodigiosas
construções jamais criadas, desde que o mundo é mundo.[...]
...ele é, como ninguém, o homem que viajou, viu e aprendeu. O
homem que se sente moralmente no direito de misturar, com
tremenda intimidade, erros dos vícios da sociedade portuguesa. É o
exilado físico de muitos anos, mas é, como todos nós[...], o exilado
moral, clamando por justiça, por tolerância, por dedicação à pátria
[...], onde via que o homem é, como ele disse mais que uma vez,
“bicho da terra tão pequeno” contra o qual se encarniçam os poderes
do mal. Ninguém como Camões nos representa a todos, repito, e em
particular os emigrantes, um dos quais ele foi por muitos anos, e os
exilados, outro dos quais ele foi a vida inteira, mesmo na própria
Pátria, sonhando sempre com um mundo melhor, para si mesmo que
para todos os outros. [...]
...e lendo-o e amando-o (poucos homens neste mundo tanto
reclamaram amor em todos os níveis, e compreensão em todas as
profundidades) todos vós aprendereis a conhecer melhor quem sois
aqui e no largo mundo agora e sempre, e com os olhos postos na
claridade deslumbrante da liberdade e da justiça. Ignorar ou renegar
Camões não é só renegar o Portugal a que pertencemos, tal como ele
foi gostemos ou não da história dele, é renegarmos a nossa mesma
humanidade na mais alta e pura expressão que ela alguma vez
assumiu. É esquecer-nos que Portugal, como Camões, é a vida pelo
mundo aos pedaços repartida.
59
Sob o olhar metamorfoseado da escultura do artista plástico brasileiro
Bruno Giorgi, é criado “Camões dirige-se aos seus contemporâneos”, poema
onde o autor de Os Lusíadas surge como indubitável alter-ego seniano, que, de
59
SENA, J. apud SANTOS, G. Inédito.
62
escritor aviltado, emerge prevendo para si o futuro de glória que lhe furtam no
presente e os castigos aos seus algozes:
Podereis roubar-me tudo:
as idéias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas os motivos,
os símbolos e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar...
[...]
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
Que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.
Coberto pela tensão dialética instaurada pelo oxímoro tudo-nada,
designa o pronome tudo aquilo que ao inventor é extraído, enquanto o advérbio
nada, enfatizado em “não importa nada”, “nada tereis, mas nada”, aponta o
resultado final da expropriação indevida. Dessa maneira, todo o poema gira em
torno da temática da posse e, mais especificamente, da propriedade intelectual,
que traz consigo não a possibilidade do roubo, mas, o que é ainda mais
grave, a possibilidade do roubo da glória.
Do mesmo ano e obra (datado de 11/06/1961), “Glosa a Guido
Cavalcanti” retoma um verso emblemático do poeta italiano que, nascido na
Florença de 1259, dirigiu um grupo de partidários do imperador alemão à
época, os Gibelinos, que travavam combate com os Guelfos, fiéis ao Papa,
durante guerra civil naquela cidade. Em 1266, por motivos políticos, os
Gibelinos foram obrigados a se exilarem em Sarzana, e junto com eles o poeta.
Deste italiano que foi um dos maiores escritores de seu tempo, junto com
Dante Alighieri, Sena extrai a epígrafe Perchi’ I’ no spero di tornar giammai que
guiará sua glosa.
Porque não espero de jamais voltar
63
à terra em que nasci; porque não espero,
ainda que volte, de encontrá-la pronta
a conhecer-me como agora sei
que a conheço; porque não espero
sofrer saudades, ou perder a conta
dos dias que vivi sem a lembrar;
porque não espero nada, e morrerei
por exílio sempre, mas fiel ao mundo,
já que de outro nenhum morro exilado;
porque não espero, do meu poço fundo,
olhar o céu e ver mais que azulado
esse ar que ainda respiro, esse ar imundo
por quantos me ignoram respirando;
porque não espero, espero contentado.
No poema, o tema central é o do exílio, dado como definitivo pelo
poeta (o que pode ser observado no verso de abertura), justificando a alusão à
morte que depois surgirá. Exílio e morte formam, pois, um binômio freqüente no
que se poderia chamar de um cânone desta literatura do “mal de ausência”.
A conjunção explicativa com que tem início o poema, e que se repete
ao longo das estrofes subseqüentes, como uma série de orações subordinadas
à oração principal contida no último verso “espero contentado”, indicia uma
tentativa de auto-elucidação, auto-convencimento e auto-justificativa quanto à
descrença num regresso à pátria.
E, por fim, tracemos um paralelo temático entre o poema-mote e o
poema-glosa. Se no do italiano, o motivo principal não é a questão da
expatriação, mas a impossibilidade de reencontrar a mulher amada, deparamo-
nos nesta “Glosa...” com um modelo de amor cortês transposto para o campo
político, uma vez que, agora, a experiência amorosa não-realizável ocorre em
relação a Portugal.
Porque não espero mais voltar um dia
eu à minha Toscana,
64
vai tu, Balada minha,
direito àquela dama
cujo deleite eu tinha
e cuja cortesia
te há de cobrir de afeto e honraria
Confiado, ó balada, na amizade
que me tens, a alma toda recomendo
que àquela dama a leves, por piedade
do amoroso do amor, que está morrendo;
E contes tudo, tudo a essa donzela
que foi o meu amor,
ou que lhe digas simplesmente assim:
"para servir agora um servidor
do amor, Senhora, é que servir-vos vim.
60
Publicado na coletânea póstuma 40 Anos de Servidão, “A Portugal”,
ainda desse ano, retoma a desconstrução da imagem idealizada da pátria,
vista em outros poemas. Estruturado a partir de sucessivos advérbios de
negação, talvez seja este o poema de Sena onde mais claramente se expõe a
concomitância de amor e ódio, atração e repulsa, pela pátria perdida. Uma
pátria-mulher que se mostra madrasta, adúltera, prostituta, vil, mas, que,
apesar de todas as negativas com que tenta dela se libertar, domina
avassaladoramente, irremediavelmente, o seu filho-amante. O retrato de
Portugal aqui pintado é, sem dúvida, um dos mais negativos de toda a poesia
portuguesa, e o tom duro, exacerbado, violento, conta do desespero, da
extrema dor, da consciência do sem-saída, que este exilado experimenta ao
reconhecer seu vínculo umbilical, indelével, com quem moralmente despreza,
mas a quem visceralmente ama. O poema é, pois, um grande exorcismo, uma
tremenda catarse feita linguagem: os versos gritam a impossibilidade de
solucionar paixão tão definitiva, tão arraigada neste assumido exilado.
Esta é a ditosa pátria minha. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
60
TOLENTINO, Bruno. Rio de Janeiro: Top Books, 1988, p.69.
65
Nem pátria minha, porque eu não mereço
a pouca sorte de ter nascido nela.
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.
Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça e de vileza,
de mesquinhez, de fátua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol caiada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
com esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões e condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas ser’s minha, não.
Da mesma obra é o poema “Nel mezzo del camin...”, de 1962, cujo
título evoca o verso da Divina Comédia no início do Canto I do Inferno. Se na
epopéia de Dante Alighieri, a peregrinação da personagem é calculada
espacialmente, pelos diversos círculos existentes entre o inferno, o purgatório e
o paraíso, a do eu-lírico português, descrita no poema, é calculada
cronologicamente, o que põe em relevo mais uma vez a forte marca temporal
presente na poesia seniana. A morte, como irremediável e aguardado fim para
66
o qual vivemos, é, no momento, mais um meio de lhe usurparem o que lhe
resta da vida.
Além da ligação temática e da referência explícita à Divina Comédia,
“Nel mezzo del camin...” retoma, em seus dois “cantos” (as duas partes em que
se divide), a errância dantesca a fim de apresentar a epopéia particular de
Jorge de Sena.
I
Quarenta e dois...Provavelmente já
vivi mais de metade a minha vida.
Provavelmente até, em mim escondida,
não como inevitável, mas guarda –
do fim com que termina tudo, está
a morte a me roubar da consentida
afirmação de que se finge a vida.
Provavelmente não verei o que há
Além do tempo que me é dado. Não
assistirei às pompas da vitória.
Mas, se eu morrer de raiva, como cão
a que é negada a própria liberdade,
provavelmente não terei memória
de quanto a vida só me foi saudade.
II
...de tudo, sim. Não me contento nunca.
Não me contentarei. Mesmo que eu visse
moredendo a lama a secular canalha,
[...]
E nem morte nem vida podem mais
do que apagarem sem deixar sinais.
Em várias correntes filosóficas, o meio do caminho representa o ponto
de crise do ser humano, a partir do qual, o mesmo pode tomar tanto o caminho
da superação quanto o da finitude. Hegel lembra em suas Lições sobre a
história da filosofia que, segundo algumas versões, Zenón de Citio passou a se
dedicar à Filosofia após perder seus bens em um naufrágio. A reflexão à qual o
conduziu tal desgraça foi a de que, não obstante haver perdido seus bens
materiais, teve preservados sua nobreza de espírito e seu gosto pelo
67
discernimento racional.
61
No poema visto, no entanto, o que se observa não é o
alcance do conhecimento superior advindo de uma adversidade, e sim o saber
de que, provavelmente, até mesmo a própria vida que lhe fora permitido viver,
lhe está sendo furtada pela morte.
E esta vida de privações, assim explicitada, sofreria outro revés:
devido à ditadura militar que se instalara no Brasil em abril de 1964, Sena deixa
o país no ano seguinte. Escrito pouco antes de sua partida, em 05 de julho de
1965, “Em Creta, com o Minotauro” inaugura a fase mais sombria de sua obra.
A partir deste poema, poder-se-á apreender a exacerbação do sentimento de
deslocado, que, se o acometia, será na necessidade do abandono de sua
pátria de eleição e partida para a América que se torna ainda mais agudo.
No poema “Em Creta, com o Minotauro”, o eu-lírico que se assume
como duplo do escritor põe-se ao lado do monstro da mitologia grega. Segundo
a fábula, Minos, rei de Creta, solicita a Poseidon que lhe envie um sinal que
confirme a aceitação dos sacrifícios aos deuses. Este consente, sob a condição
de que o touro que fará surgir das ondas como prova seja sacrificado em
seguida. Mas o animal era tão esplêndido que o rei decide poupá-lo. Como
castigo pela sua desobediência, o deus inspira à rainha Pasifaë um desejo
incontrolável pelo touro. Com a ajuda de Dédalo, que lhe fabrica uma vaca em
madeira e couro, a mulher consegue saciar-se e, desta investida, nasce um
animal com a cabeça de touro e corpo de homem, o Minotauro. Envergonhado
pela traição sofrida, o rei o aprisiona, condenando-o a viver em um labirinto
construído por Dédalo, até que é morto por Teseu.
Traçando paralelos, o seria descabido dizer que este sujeito
acreditava-se tão diferente, tão desambientado, tão inadaptado, quanto um
61
HEGEL, apud FÉRNANDEZ, J. E. Revista Critério, março, 2006.
68
minotauro, e por esse motivo, um estorvo. Fruto, por um lado, da
desobediência a uma ordem superior e, por outro, de uma infidelidade, o
Minotauro, é alvo de rejeição. É a denúncia viva dos erros cometidos, e por
isso deve ser encerrado num labirinto. Por outro lado, a execração ao labirinto
que é a própria diáspora, como aprisionamento, como busca incessante das
portas que levem ao espaço da liberdade e à peregrinação por caminhos que,
sabidamente, não reportarão ao ponto inicial –, pressupõe a errância que
conduz à autognose, o que permite descobrir que o único espaço possível de
liberdade é a língua:“Eu sou eu mesmo a minha pátria.”
I
Nascido em Portugal, de pais portugueses,
e pai de brasileiros no Brasil,
serei talvez norte-americano quando lá estiver.
Coleccionarei nacionalidades como camisas se despem,
se usam e se deitam fora, com todo respeito
necessário à roupa que se veste e que se prestou serviço.
Eu sou eu mesmo a minha pátria. A pátria
de que escrevo é a língua em que por acaso de gerações
nasci. E a do que faço e de que vivo é esta
raiva que tenho de pouca humanidade deste mundo
quando não acredito em outro, e só outro queria que
este mesmo fosse. Mas, se um dia me esquecer de tudo,
espero envelhecer
tomando um café em Creta
com o Minotauro,
sob o olhar de deuses sem vergonha.
Constante na poética seniana, a dialética da negação ressurge nestas
estrofes. De modo indireto na primeira, pela recusa da pátria, e clara mais
adiante, como na estrofe IV:
IV
Com pátrias nos compram e nos vendem, à falta
de pátrias que se vendam suficientemente caras para haver vergonha
de não pertencer a elas. Nem eu, nem o Minotauro,
teremos nenhuma pátria...
Toda construída de negativas é última estrofe, ponto culminante de
uma recusa que parece refletir a amargura de alguém não se sentir perfilhado
69
nem por Portugal, nem pelo Brasil, nem por pátria alguma. Ser apátrida é, pois,
a única alternativa.
V
Em Creta, com o Minotauro,
Sem versos e sem vida,
Sem pátrias e sem espírito,
sem nada nem ninguém,
que não o dedo sujo,
hei-de tomar em paz o meu café.
A voz lírica encerra o poema em aparente paz, graças ao café tomado
com o monstro renegado. Dois excluídos que se identificam, prisioneiros de
seus exílios. O espaço insular que Creta representa na poesia de Jorge de
Sena, projetando o isolamento advindo da diáspora, contrapõe-se àquele
presente em Sophia de Mello Breyner Andresen
62
:
Em Creta onde o Minotauro reina atravessei a vaga
De olhos abertos inteiramente acordada
Sem drogas e sem filtro
Só vinho bebido em frente da solenidade das coisas –
Porque pertenço à raça daqueles que percorrem o labirinto
Sem jamais perder o fio de linha da palavra
No poema, o espaço insular habitado por um Minotauro livre, simboliza
o mundo em redução, o espaço sagrado do conhecimento e da paz, o espaço
literário, o espaço das palavras, único sítio onde todas as possibilidades
existem.
Com sua partida para os Estados Unidos, Sena encerra aquele
período de maior produtividade em sua carreira. No Brasil, entre muito mais,
tornou-se professor universitário, desenvolveu seus estudos camonianos,
organizou obras de teoria e crítica literária. Fique, pois, o registro de que sua
62
ANDRESEN, S. M. B. Lisboa: Salamandra, 1989.
70
presença por terras brasileiras, embora fisicamente breve, perdura através do
seu trabalho.
3.3. Tempo de Estados Unidos da América
O último período do exílio de Jorge de Sena estende-se de sua
chegada aos Estados Unidos, em 1965, até seu falecimento no ano de 1978 e,
poeticamente, põe à mostra o esfacelamento da relação do escritor com a sua
pátria, a descrença nos seus conterrâneos e no processo de redemocratização
de Portugal. É também um período de profundas transformações no cenário
político de seu país. Salazar retira-se definitivamente do controle português em
1968, deixando para Marcelo Caetano a difícil missão de comandar uma nação
à beira do colapso social e propondo uma certa “abertura” política, como última
tentativa de manutenção do sistema de governo.
Todavia, para o escritor, o que chamava sua atenção naquele
momento era a onda de exilados políticos que se dispersava mundo afora,
devido, entre outros motivos, às ditaduras impostas nas América Central e do
Sul, sendo ele próprio uma vítima. “Noutros lugares”, escrito em Madison, e
datado de 21de janeiro de 1967 traz-nos a reflexão sobre o próprio sentimento
de não-pertencer do exilado, a necessidade premente de mudança, a ruptura
das relações sociais, e, ao mesmo tempo, o apego às pessoas ou coisas.
Importante atentar ao fato de que, novamente, neste poema, apresenta-se
alguém a quem é negado qualquer sopro de felicidade.
Não é que ser possível ser feliz acabe,
quando se aprende a sê-lo com bem pouco.
Ou que não mais saibamos repetir o gesto
que mais prazer nos dá, ou que daria
71
a outrem um prazer irresistível. Não:
o tempo nos afina e nos apura:
faríamos o gesto com infinda ciência.
Não é que passem as pessoas, quando
o nosso pouco é feito da passagem delas.
Nem é também que ao jovem seja dado
o que a mais velhos se recusa. Não.
É que os lugares acabam ou inda antes
de serem destruídos, as pessoas somem
e não mais voltam onde parecia
que elas ou outras voltariam sempre
por toda a eternidade. Mas não voltam,
desviadas por razões ou por razão nenhuma.
[...]
Apenas sei que as circunstâncias mudam
e que os lugares acabam. E que a gente
não volta ou não repete, e sem razão, o que
só por acaso era a razão dos outros.
Se do que vi ou tive uma saudade sinto,
feita de raiva e do vazio gélido,
não é saudade, não. Mas muito apenas
o horror de não saber como se sabe agora
o mesmo que aprendi. E a solidão
de tudo ser igual doutra maneira.
E o medo de que a vida seja isto:
um hábito quebrado que não reata,
senão noutros lugares que não conheço.
Durante o período em que esteve no exílio americano, Sena retornou
algumas vezes, por pouco tempo, a sua terra. De uma destas viagens trata
parte de Peregrinatio ad loca infecta, nomeada “Notas de um regresso à
Europa”, que tem como uma das epígrafes os versos de Safo que nos soam
nostálgicos:
Ao lar, Vésper, tu fazes que regressem todos
Que a radiante Aurora aos longes conduziu:
Ovelhas ao redil, as cabras aos apriscos
E os filhos para ao pé de sua mãe.
Composto de poemas como “Relatório”, escrito em 7 de maio de 1969,
o diário de viagem seniano confirma o quanto o poeta não teme o
circunstancial em sua poesia e o quanto pode valer-se dele para atingir
patamares mais altos:
Sessenta cidades (com os museus, as ruas, castelos, catedrais, etc)
em doze países, em quatro meses (very american)
72
além de manuscritos em várias bibliotecas, conferências
em Londres, Paris, Bruxelas, Nimega, Utrecht,
e os príncipes de Portugal (medievais e Renascença) pela Europa
[adiante,
e alguns cinemas, exposições, teatros, muita vadiagem
altamente imoral (mais os desejos que as ocasiões),
e honestos encontros com amigos velhos e com amigos novos,
um incidente de fronteira, muitas entrevistas,
leituras públicas de poemas, um calor de glória
(oh efêmera, já Salomão sabia), uma
operação à vesícula. E numa tarde chuvosa
o navio largando. Os amigos sob os guarda-chuvas.
E a falta de palavras com os que estavam a bordo
A despedir-se. E na bruma tempestuosa
subitamente
nada.
Observemos a passagem da mera descrição física dos lugares
visitados e de ações realizadas para o tom grave e melancólico dos três últimos
versos, quando o “tudo”, o excesso vivido, dissipa-se rapidamente no momento
da partida. Desta forma, percebe-se que, assim como nos demais poemas do
mesmo grupo, a motivação do escritor não é a do retorno à pátria amada, mas
a de uma efêmera e breve passagem, a qual, no fim, acentua sua diáspora.
Publicado em 1972, a última obra inédita que Jorge de Sena edita em
vida, Exorcismos traz cerca de 60 poemas, que seguem a linha de valorização
do circunstancial que o poeta traçara ainda no início de sua carreira. A respeito
da temática anunciada pelo seu título, o autor diz que “[o público] melhor
entenderá quanto necessita de exorcismos, sem dúvida uma das mais antigas
funções da poesia, desde os tempos vetustos das idades primitivas e áureas,
anteriormente à existência histórica de Portugal e outras nações igualmente
arcaicas.”
63
Se a poesia tem como um de seus atributos o de exorcizar, nítidos
estão quais demônios precisam ser expurgados. Vejamos como as epígrafes
indiciam a matéria do livro.
A primeira trata da maneira como o homem foi criado:
63
SENA, J. Lisboa: Ed 70, 1978; p. 114.
73
...solo resta che sia alla terra un animal, che non sia a voi soggetto, e
non operi, come gli altri, per necessità di natura; ma che abbia la
volontà libera (...) formò l’uomo di nobilissima, e temperatissima pasta
elementare (...) e tutti gli Dei, quasi spettatori, rivolsero gli occhi
all’uomo, che nel teatro del Mondo cominciava l’azione del suo quasi
poema.
64
Segundo o trecho, extraído de Il Messagero, de Torquatto Tasso, o
homem foi criado, diferenciando-se dos demais animais, “para que tivesse a
vontade livre”. No entanto, o mal, fruto desta mesma vontade humana, parece
dominar, conforme se na epígrafe seguinte, retirada de uma História do
Anticristo, que, “traduzida em português por um Pároco do Patriarcado,
Lisboa”, permite suspeitar de uma forte alusão ao Salazarismo e todo o mal
que representava:
Presentemente o poder dos demónios e do mal é limitado. Não
podem fazer todo o mal que desejariam. Está escrito que, “os maus
giram em círculo”. Depois de terem feito algumas evoluções, voltam
sempre para o ponto de onde partiram.
Na terceira, Sena relembra com Camões, o poeta maior do exílio
português, a história recente de seu país, que, assim como o mal, parece andar
em círculos:
Vai o bem fugindo,
cresce o mal com os anos
vão-se descobrindo
com o tempo os enganos.
E, por fim, com um trecho de Garcia Lorca, o tão desejado triunfo da
liberdade, para a qual o homem fora criado, a partir de tão particular massa
elementar, parece protelado, visto que a liberdade se diz “herida”:
Yo soy la libertad, porque el amor lo quiso!
......................................................................
64
“...só falta que haja na Terra um animal, que não seja a vós sujeito, e não trabalhe, como os outros, por
necessidade de natureza; mas que tenha a vontade livre (...) formou o homem de nobilíssima e
temperadíssima massa elementar (...) e todos os Deuses, quase expectadores, voltaram os olhos ao
homem, que no teatro do Mundo começava a ação de seu quase poema.
74
Yo soy la libertad, herida por los hombres!
Amor, amor, amor, y eternas soledades.
65
Se a temática do exílio é desenvolvida, ao longo da poesia seniana,
num crescendo fato comprovável através do gradual aumento do mero de
poemas que abordam o tema em cada um de seus livros, é a partir de
Exorcismos que se observa uma rispidez maior, fruto da descrença na
dignidade humana na qual sempre procurou acreditar.
A abertura se por “Aviso de porta de livraria”, que, destacado dos
demais, assume papel prefacial da obra, apresentando ao leitor não só o cerne
do livro, mas, com segurança, o de toda a sua poesia: De amor e de poesia e
de ter pátria/ aqui se trata” (v. 12, 13).
Não leiam delicados este livro,
sobretudo os heróis do palavrão doméstico,
as ninfas machas, as vestais do puro,
os que andam aos pulinhos num pé só,
com as duas castas mãos uma atrás e outra adiante,
enquanto com a terceira vão tapando a boca
dos que andam com dois pés sem medo de palavras.
E quem de amor não sabe fuja dele:
qualquer amor desde o da carne àquele
que só de si se move, não movido
de prémio vil, mas alto e quase eterno.
De amor e de poesia e de ter pátria
aqui se trata: que a ralé não passe
este limiar sagrado e não se atreva
a encher de ratos este espaço livre
onde se morre em dignidade humana
a dor de haver nascido em Portugal
sem mais remédio que trazê-lo n’alma.
Em “Epigramas” (1961, revistos em 1971), reencontramos as
dicotomias-pilares desta poesia de exílio: liberdade/pátria versus prisão/exílio,
expostas claramente no epigrama I: De que tristeza me farei liberto/ se a
liberdade me atraiçoa em tudo? no segundo, o mote é o drama do não-
retorno à pátria, visto pelas lentes do expatriado, o qual não consegue
65
Eu sou a liberdade porque o amor o quis!/ [...]/ Eu sou a liberdade querida pelos homens!/ Amor, amor,
amor, e eternas saudades.
75
“encontrar” o caminho de volta para casa, dado o desencontro interior e a
inadaptação ao seu local de origem.
II
Viandante, é teu caminho
esse da pátria? Tu
sabê-lo-ás sozinho?
Se o não souber, não é
da pátria o meu caminho.
Outro eixo de reflexão no livro, correlato aos temas que vimos
enunciando, gira acerca do paradigma vida/morte, a finalidade e o valor das
mesmas. Veja-se o poema “Passando onde haja túmulos”, escrito em 27 de
maio de 71:
Passando onde haja túmulos
– e há pó de humanos sempre onde se passe –
quanta maldade dispersa
pronta a ser respirada por outros homens
[...]
Passando entre o pó de assassinados
e o de assassinos. E seremos pó
como eles são. Impunes estes sempre,
inconsolados ainda e sempre aqueles.
Nenhuma paz nos paga de maldade.
Do de humanos a que todos nos destinamos, indistintamente, qual
a diferença entre assassinados e assassinos? O espírito que animara o corpo
em vida ou a herança genética, histórica, ética ou pecuniária deixada?
Na mesma linha de questionamento, “Restos mortais”:
O que de nós mais dura: só o esqueleto
que nos fez ósseos mais do que moluscos.
O resto acaba tudo:quanto foi sentidos,
vontade, amor, inteligência, carne...
A visão niilista do poeta manifesta-se no poema “Em des-louvor da
velhice”, de 1971, como contundente esvaziamento da figura do velho bom e
sábio, difundida e enaltecida pela nossa tradição cultural. Ao contrário, o
segredo da longevidade pode estar na prática constante e multifacetada do
mal. Salazar, nascido em 1889, falecera em 1970, com 79 anos...
76
Para viver-se longamente ou se é de ferro,
ou vendo um velho penso: quanta gente
assassinou, envenenou, pisou ou destruiu?
Quantas vidas desfeitas há nessa memória
que já se esquece calma pela paz da morte?
Escrito no mesmo dia do poema anterior, “Os últimos revolucionários”,
parece-nos concluir esse ciclo de poemas tanáticos. Muito longe da avançada
idade em que morreu o ditador português, aos 39 anos, fora executado o líder
guerrilheiro Ernesto Che Guevara no ano de 1967. Em 1971, Sena recebeu a
encomenda de um poema para uma publicação em homenagem ao herói
comunista, a qual foi impedida pela censura de ser veiculada.
Neste vil mundo que nos coube em sorte
por culpa dos avós e de nós mesmos
tão ocupados em desculpas de salvá-lo,
há uma diferença de revoluções.
[...]
...Mas são raros
os que não morrem de úlcera ou de pancada a mais,
e contra quem agências e computadores
se mobilizam de sabê-los numa selva
tentando que os campônios se revoltem.
[...] ... E eles
são caçados, fuzilados, retratados
em forma de cadáver semi-nu,
a quem cortam depois a cabeça, mãos,
ou dedos só (numa ânsia de castrá-los
mesmo depois de mortos), e o comércio
transforma-os logo num cartaz romântico
para o quarto de jovens que ainda sonhem
com rebeldias antes de empregarem-se
no assassinar pontual da sua humanidade
e da dos outros, dia a dia, ao mês,
com seguro social e descontando
para a reforma na velhice idiota.
Ó mundo pulha e pilha que de mortos vive!
Nesses anos 70, Jorge de Sena não almeja mais o retorno em
definitivo a Portugal e encara o exílio como a única forma digna de vida. Em
“Borras do império”, de 8 de junho de 1971, por trás da irônica avaliação
daqueles que, ao contrário de si, optaram por não deixar o país, lê-se grave
tom de desabafo, externando a consciência de queEstava velho/ e não havia/
77
em Portugal espaço para morrer-se (como dirá depois em “Os ossos do
imperador e outros mais”).
IV
Portugal é feito dos que partem
e dos que ficam. Mas estes
numa inveja danada por aqueles terem
sido capazes de partir, imaginam-lhes a vida
a série de triunfos sonhados por eles mesmos
nas horas de descrerem da mesquinhez em que triunfam
todos os dias. E raivosamente
escondem a frustração nos clamores
da injustiça por os outros lá não estarem
(como eles estão), do mesmo passo
que se ocupam afanosamente em suprimi-los
(não vão eles ser tão tolos –
– a ponto de voltarem).
Da mesma época, mas do livro Conheço o Sal, no poema “Raízes”,
de 25/08/72, deparamo-nos com uma série de interrogações que irmanam este
eu-lírico-escritor a outros escritores, de vários tempos, que seguiram como ele
mundo afora, fertilizando espaços. A nota explicativa ao poema aponta forte
ironia:“...este inédito reflectiu a espontânea irritação do autor à pergunta sobre
as suas raízes, vivendo no “estrangeiro”, quando é ‘lá’ que vivem mentalmente
tantos que nunca saíram de Alguidares de Baixo.
66
Raízes? Nem mesmo todas as plantas as têm,
[...]
Raízes? Como – por metáfora – se ganham
ou se perdem? Sendo filho? Sendo pai? As duas coisas?
Vivendo aqui na pátria ou mais ou menos do que quantos anos?
Perderam-nas Camões e Mendes Pinto no Oriente?
Ganhou-as Eça nos seus exílios de consul?
Manteve-as fumo de ópio aquele Camilo
apenas Pessanha por Macau? Ganhou-as
Pessoa tão inglês de sul das Áfricas?
no seu tão esperto exílio de Lisboa?
[...]
E isto é velho como o mundo: ao grego Heródoto
Uns gregos que ele achou pelos Egitos,
Aos quais – tu quoque... – perguntou pelas raízes,
Apontaram-lhe num gesto (lusitano)
Qual a raiz que tinham radicada neles.
Raízes outras há: os mortos que nos dormem
na terra em que nascemos, na terra onde morreram,
e nos vivem na vida que não tendes nesta Europa finis –
pilritos fêmeas de outros mundos machos.
66
SENA, J. Lisboa: Ed. 70, 1978, p. 259.
78
Nas muitas peregrinações durante seus exílios, Sena conhece, em sua
viagem à África portuguesa, os lugares por onde o também exilado Luís de
Camões passara. Usando do mesmo recurso empregado no conto Super
Flumina Babylonis
67
, “Camões na ilha de Moçambique”o somente reconstrói
a realidade ficcionalmente, de modo a preencher lacunas históricas, como
desconstrói a imagem romantizada do poeta a passar as tardes fitando o mar e
escrevendo sua epopéia. Neste poema, temos um Camões miserável, a pensar
em versos quando lançava ao mar o quanto a fome e a glória em ti se
digeriam”. Projetando-se na figura do poeta maior do exílio português, Sena
não deixa de fazer alusão ao sentimento de injustiça que rodeia o imaginário do
despatriado. No fim do poema, associando o ato de defecar com o alívio de
livrar-se de toda a injustiça e dor sofridas, os versos chocam sensibilidades
afeitas à iconografia camoniana mais divulgada:
Não é de bronze, louros na cabeça,
nem no escrever parnasos, que te vejo aqui.
Mas num recanto em cócoras marinhas,
soltando às ninfas que lambiam rochas
o quanto a fome e a glória da epopéia
em ti se digeriam. Pendendo para as pedras
teu membro se lembrava e estremecia
de recordar na brisa as croias mais as damas,
e versos de soneto perpassavam
junto de um cheiro a merda lá na sombra,
de onde n’alma fervia quanto nem pensavas.
Depois, aliviado, tu subias
aos baluartes e fitando as águas
sonhavas de outra Ilha, a Ilha única,
enquanto a mão se te pousava lusa,
em franca distração, no que te era a pátria
por ser a ponta da semente dela.
E de zarolho não podias ver
distâncias separadas: tudo te era uma
e nada mais: o Paraíso e as Ilhas,
heróis, mulheres, o amor que mais se inventa,
e uma grandeza que não há em nada.
Pousavas n’água o olhar e te sorrias
– mas não amargamente, só de alívio,
como se te limparas de miséria,
e de desgraça, e de injustiça e dor
67
Idem. Lisboa: Ed. 70, 1982.
79
de ver que eram tão poucos os melhores,
enquanto a caca ia-se na brisa esbelta,
igual ao que se esquece e se lançou de nós.
A intencional hiper-humanização camoniana desmonta o caráter
brônzeo, monumental, de proporções guerreiras
68
construído ao longo de
séculos para encobrir, compensadoramente, quão aviltada fora a figura do
poeta. E se toda a Literatura Portuguesa passa por Camões, é com Sena
quer pelos estudos que lhe dedicou, quer pelos originais diálogos literários que
com ele concebeu que novos caminhos a caminho da compreensão
camoniana foram desbravados.
Ao quarto dia do mês de junho de 1978 Jorge de Sena seguiu para a
morte, o seu exílio definitivo. Não tivera tempo de ver publicada a coletânea de
poemas dispersos, de várias épocas de sua carreira literária, cuja publicação
havia acordado com a Moraes Editores. A obra seria 40 Anos de Servidão,
primeiro livro póstumo do escritor, que se encontra divido em sete tempos: os
seis relativos aos livros que constituem um “fio temático” (Perseguição, Coroa
da Terra, Pedra Filosofal, Fidelidade, Peregrinatio..., Exorcismos e Conheço o
sal...), acrescidos do grupo que intitulou “Poemas políticos e afins”, ao qual
daremos destaque a seguir.
Escritos entre os anos de 1972 e 1977, ou seja, período que abarca os
dois últimos anos da ditadura e os seguintes à Revolução dos Cravos, neles,
nesse momento de ruptura política, a idéia seniana de diário poético mais do
que nunca é observada, pois os testemunhos da tão esperada mudança
sucedem-se quase que cotidianamente.
68
ver “Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras/ Um épico d’outrora ascende, num pilar!” (v.67 e
68). VERDE, Cesário. “O sentimento dum ocidental”. In: O livro de Cesário Verde. Porto Alegre:
L&PM, 2003; p. 73.
80
Ao longo da leitura desses poemas, observam-se dois momentos
distintos: o primeiro, de grande euforia com a derrocada do regime vigente que
se arrastara por cadas; e outro, no qual o desapontamento e a desilusão
com os rumos tomados por esse restabelecimento da democracia são
evidentes.
Em êxtase provocado pela Revolução do 25 de abril de 1974, dois dias
depois, Sena escreve “Nunca pensei viver”:
Nunca pensei viver para ver isto:
a liberdade – ( e as promessas de liberdade)
restauradas. Não, na verdade, eu não pensava
– no negro desespero sem esperança viva –
que isto acontecesse realmente. Aconteceu.
E agora, meu general ?
Duas canções marcaram a data em Portugal: “E depois do Adeus”, de
Paulo de Carvalho, e, a mais emblemática, “Grândola, Vila Morena”, de José
Afonso, a qual, ao ser tocada no programa "Limite" da Rádio Renascença às
00:20h daquele dia, serviu de sinal para o arranque das tropas mais afastadas
de Lisboa e a certeza de que a revolução ganhava terreno.
Neste contexto histórico, “Cantiga de Abril”, é, ao mesmo tempo,
resposta seniana às cantigas que embalaram os novos rumos da política
portuguesa e ao poema que escrevera dezoito anos antes e que se tornou
epígrafe da cantiga: “Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
[...]
Saem os tanques para a rua,
Sai o povo logo atrás:
Estala enfim altiva e nua,
Com força que não recua,
A verdade mais veraz.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
81
Depois, o “Poema de 28 de maio ao contrário acena como divisor de
águas entre os dois momentos pós-revolução. Importante lembrar que a data a
que se refere o título remete-nos ao dia do fatídico golpe militar no ano de
1926, que destituiria a República portuguesa.
Gigante foi a luz que acesa se estendeu
por sobre as trevas de um povo prisioneiro.
...
Todos têm de aprender que a liberdade não existe
apenas porque é dada, pois pode ser tirada,
ou apenas porque é conquistada, pois pode ser
licença que não reste senão ela perder-se.
Têm de aprender que não pode ter-se num só dia
O que se perdeu em décadas...
Outra cantiga demonstra com nitidez a descrença na transformação
política portuguesa, a “Cantiga de maio” :
Da prisão negra em que estavas
a porta abriu-se pra rua.
Já sem algemas escravas,
igual à cor que sonhavas,
vais vestida de estar nua.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
[...]
Tens de saber que o inimigo
Quer matar-te à falsa-fé.
Ah tem cuidado contigo;
quem te respeita é um amigo,
quem não respeita não é.
E, por fim, o fatídico reconhecimento de frustração diante de uma
promessa de liberdade mal cumprida e que lhe apagara a última esperança de
regresso à casa portuguesa. “Não, não subscrevo...”, um longo e raivoso
poema narrativo no qual Sena comenta os últimos acontecimentos políticos
portugueses.
82
Não, não subscrevo, não assino
que a pouco e pouco tudo volte ao de antes
como se golpes, contra-golpes, intentonas
(ou inventonas – armadilhas postas
da esquerda pra direita ou desta para aquela)
não fossem mais do que preparar caminho
a parlamentos e governos que
irão secretamente pôr ramos de cravos
[...]
na tumba do profeta em Santa Comba
Jorge de Sena deixou ainda um considerável espólio de inéditos que
vêm sendo publicados desde seu falecimento. Vivendo em exílio quase vinte
anos de sua vida, e, tendo mantido com sua pátria, uma tão conflituosa
relação, é de admirar que, ao longo deste período, a quase totalidade de suas
obras tenha sido publicada por editoras portuguesas, ainda que em tempos de
dura repressão. Tal fato, vai ao encontro da desesperada necessidade de,
apesar de tudo, manter-se português, ser reconhecido como “escritor
português”, pois como escritor português, cidadão brasileiro e professor
americano” costumava apresentar-se.
Prestes a concluir, cremos ter demonstrado como o testemunho
poético de um exilado pode também ser – e é – o testemunho da história de um
povo. E o quanto, como seu agente formador, deve ser considerado, a fim de
que, com ele, e a partir dele, se construa a História das novas gerações.
4 CONCLUSÃO
Ó mar salgado, quanto de teu sal/ são lágrimas de Portugal!”. Os versos
com que Fernando Pessoa inicia Mar Português nos dão a dimensão exata do
mal de ausência na alma lusitana. Comprimido entre a Europa e o Oceano
Atlântico, desde muito cedo foi através dele que Portugal vislumbrou o futuro,
83
avistando, como num delírio, terras de além-mar. Lançando-se à aventura de o
descobrir, errou mundo afora.
O tempo passou, mas parece que a vocação para o desterro permanece
na história portuguesa. Contudo, no último século, os motivos que levaram
esse povo a partir em sucessivas ondas migratórias, foram outros. Assolado
por uma grave crise sócio-política, agravada na década de 60, o país viu
milhões de seus filhos cruzarem o mar. Entre tantos, estava Jorge de Sena.
Mas a diáspora não é (des)privilégio português. Em todos os tempos, o
desterro está presente na história humana: da expulsão de Adão e Eva do
Paraíso ao abrupto corte do cordão umbilical no nascimento; da partida do
povo judeu do Egito em busca da Terra Prometida, à sua errância pelo mundo
séculos afora... E quantos outros exemplos ratificariam nossas suspeitas de
que exceção no mundo são os que ficam, e não os que partem?
Não há como negar que, se os homens traçam seus destinos através de
suas escolhas, algumas se apresentam como única alternativa. É o caso da
diáspora. Segundo análises de, entre outros, Robert Said e Stuart Hall, dois
exilados do século XX, evidencia-se que, se o exílio está presente na
sociedade muitos séculos, foi no último que emergiu com maior
efervescência, quer pela eclosão de inúmeras guerras civis, ações de milícias e
duas Guerras Mundiais, quer pelo surgimento de incontáveis governos
marcados pela censura antagônica a uma imprensa que cresceu com o índice
de alfabetização das populações mundiais. Ou seja, embora a perseguição
política tenha sido, em todos os tempos, o maior motivo dessa forma de
ruptura, o diferencial do século XX foi, sem dúvida, provocado pela difusão dos
84
meios de comunicação de massa, que instigaram uma progressiva busca pela
liberdade de expressão.
E se “partir é morrer um pouco”, conforme diz a lebre frase, foi ao
longo de três exílios que Jorge de Sena feneceu. E falamos aqui não da
morte como destino natural do ser vivo, mas de uma morte “espiritual”, de um
desgostar da vida, própria de quem já perdeu o que lhe era mais caro: a pátria.
Mas o exílio de Jorge de Sena vai muito além dos limites da pátria.
Resulta de um descompasso, desde muito jovem, do homem em relação ao
seu meio. Dono de uma inteligência vigorosa, crítico feroz da sua sociedade, o
escritor foi muito mais do que um exilado político, foi um exilado intelectual. E
nessa peregrinação incessante, a literatura sempre se apresentou como única
real oportunidade de terra firme, onde buscava se expressar plenamente.
Se muitos são os que se vêem na eminência de abandonar a terra natal,
dentre eles que destacar os que traduzem em poesia a dor de carregar o
país na memória. Pensando numa tradição literária, compreende-se a grande
afinidade existente entre os tópoi da poesia seniana, e os que caracterizam a
poesia de exílio em geral: melancolia, concepção da vida como cárcere e
desterro, consciência amargurada da morte, angústia perante o tempo que
passa, culto da mágoa associada à memória do passado, ausência,
desespero, e tantos outros”.
69
E é nesta tradição literária que o nosso poeta busca inspiração. Em
glosas, epígrafes ou referências, Sena nos leva até Dante, Guido Cavalcanti,
Horácio, de Miranda, entre tantos outros. Mas, acima de todos está Luis de
Camões.
69
AGUIAR & SILVA apud ANDRÉ, C.A. Coimbra: Minerva, 1992; p. 439.
85
Diálogo recorrente na poesia seniana, a relação do discípulo com o
mestre muitas vezes ultrapassa o viés literário. O desconcerto do mundo, a
vida de sacrifícios e privações, o não-reconhecimento, o exílio... Jorge de Sena
no autor de Os Lusíadas sua própria imagem. E, num mal-disfarçado alter-
ego, Sena fala de Camões, ou melhor, de si.
Mas a poesia de exílio seniana não se limita a cantar a sua errância.
Inscrito numa geração que teve a árdua tarefa de produzir uma literatura de
interseção, unindo características dos Presencistas e dos Neo-Realistas,
atualizadas ao seu tempo, sua poética se reconhece como produto social e,
dessa forma, um veículo a serviço da transformação do meio. A partir daí, o
escritor tem no testemunho, olhar do homem sobre os fatos, e na memória,
maneira pessoal de interpretá-los, os dois pilares da sua poética. É através da
compreensão de sua poesia como um “diário poético” que Sena confere à
mesma um duplo caráter: historiográfico e biográfico.
Nesse sentido, aflora a circunstancialidade, tão presente em sua obra, e
várias vezes por ele demarcada, como, por exemplo, na epígrafe de Fidelidade:
O mundo é tão grande e tão rico, e a vida tão cheia de verdade, que
nunca faltarão motivações para poemas. Mas hão-de ser sempre
poemas circunstanciais, quer dizer, a realidade terá de proporcionar-
lhes o motivo e a matéria.
Goethe em “Conversações de Goethe com Eckermann” 18 de
setembro de 1823.
70
Esta mesma poesia assumida como circunstancial acompanha, atenta, a
história de Portugal e do mundo. E dentre os acontecimentos testemunhados, o
que mais alterou o rumo do seu país e de sua escrita foi, sem dúvida, o golpe
ocorrido ainda na década de 20 e que estendeu seus efeitos até meados dos
70
SENA, J. Lisboa: Ed 70, 1961.
86
anos 70, sendo também o que alterou para sempre o rumo de sua vida. Desde
então, a combatividade política declarada se um dos caminhos para a
remodelação dos esquemas aceites.”
71
Nesse contexto, permitimo-nos examinar alguns poemas como se de um
diário de testemunhos, ou de um caderno de memórias se tratasse. Como
testemunho e memória, os fatos se entrelaçam aos sentimentos. Uma vida em
poesia onde, no mundo da transfiguração poética, tudo o que não diminua a
liberdade humana, é compreensível e aceitável –, foi sempre a sua, explicada
pelo poeta a partir dos títulos de seus livros:
O homem corre em perseguição de si mesmo e do seu outro até a
coroa da terra, aonde humildemente encontrará a pedra filosofal que
lhe permite reconhecer as evidências. Ao longo disto e sempre, nada
é possível sem fidelidade a si mesmo, ao outros e ao que aprendeu/
desapareceu ou fez que assim acontecesse aos mais. Se pausa para
coligir estas experiências, haverá algum Post-Scriptum ao que disse.
Após o que a existência lhe são metamorfoses cuja estrutura íntima
uma arte de música regula. Mas, tendo atingido aquelas alturas
rarefeitas, andou sempre na verdade, e continuará a andar, os passos
sem fim (enquanto a vida é vida) de uma peregrinatio ad loca infecta,
que os “lugares santos” são poucos, raros, e ainda por cima
altamente duvidosos quanto à autenticidade. Que fazer? Exorcismos.
E depois vagar como Camões numa ilha perdida, meditar sobre esta
praia aonde a humanidade se desnude, e declarar simplesmente que
terminamos (e começamos) por ter de declarar: Conheço o sal...sim,
o sal do amor que nos salva ou nos perde, o que é o mesmo. O mais
que vier não poderá deixar de continuar esta linha de, sobretudo,
fidelidade “à honra de estar vivo”, por muito que às vezes doa.
72
Chegamos ao final do nosso trabalho, que percorreu um caminho
traçado pelo testemunho poético de Jorge de Sena durante sua vida. E, uma
vez que o progresso dos textos é epigráfico”, como bem nos ensinou Fiama
71
Ibidem, p. 11.
72
Idem. Lisboa: Ed 70, 1978; p.p.15, 16.
87
Hasse Paes Brandão, nosso epílogo provém de um poema de Rui Knopfli
73
,
moçambicano que, também exilado, imprimiu em seus versos o quanto de
admiração tributava a Jorge de Sena:
Semelhante a qualquer outro, o lugar volvia meta
e ponto de partida, conceitos quem como linha imaginária,
circunscrevem, mas de todo eludem, o essencial.
Ladeado de sombras e árvores, o caminho de areia,
que se dizia conduzir a parte alguma, abria
para o mundo. A experiência reduz, porém,
a segunda à primeira, das asserções: pelo mundo
se alcança parte nenhuma; se restringe ficção
e paisagem ao exíguo mas essencial: legado
de palavras, pátria é só a língua em que me digo.
73
KNOPFLI, Rui. Lisboa: IN-CM, 2003.
88
5 BIBLIOGRAFIA
5.1 De Jorge de Sena
1 SENA, Jorge. Poesia I. Lisboa: Ed 70, 1961.
2 _____. Poesia II. Lisboa: Ed 70, 1978.
3 _____. Poesia III. Lisboa: Ed 70, 1978.
4 _____. “Super Flumina Babylonis”. In: Antigas e Novas Andanças do
Demônio. 5ª ed. Lisboa: Ed 70, 1989.
5 _____. Sinais de Fogo. Lisboa: Ed 70, 1979.
6 _____ apud SANTOS, Gilda. Jorge de Sena e Camões: um diálogo. Inédito.
5.2 Outra
1 “A poesia é só uma: 1940-1951”. Cadernos de poesia 6, 2ª série (1951): 5-8.
2 ABDALA JUNIOR, Benjamin. De Vôos e Ilhas. Literatura e comunitarismos.
São Paulo: Ateliê Editorial, 2005.
3 ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do Estado. São Paulo: Graal, s/d.
4 ALVES, Ida Ferreira. “Trabalho sobre trabalho: dois poemas de Jorge de
Sena”. In: Metamorfoses, 5 vol . Rio de Janeiro: Cátedra Jorge de Sena;
Lisboa: Editorial Caminho, 2005.
5 ANDRÉ, C.A. Mal de ausência O canto do exílio na lírica do humanismo
português. Coimbra: Minerva, 1992.
6 ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Antologia. Lisboa: Moraes, 1975.
7 _____. Dual. Lisboa: Salamandra, 1989.
89
8 ANTUNES, António Lobo. As Naus. 4ª ed. Lisboa: Dom Quixote, 2000.
9 Arte de furtar: Lisboa: Estampa, 1978.
10 BARTHES, Roland. A câmara clara. Lisboa: Edições 70, 1988.
11 _____. Aula. São Paulo, Cultrix, 1978.
12 BAUDELAIRE, CHARLES. Le Spleen de Paris. Paris : Cluny, s/d.
13 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense,
1986.
14 BLOCH, Ernst. Le principe esperance. Paris: Galimard, 1976, 1982, 1989. 3
vol.
15 ECO, Umberto. Ensaios sobre literatura. Rio de Janeiro: Record, 2003.
16 _____. Entre a mentira e a ironia. Rio de Janeiro: Record, 2006.
17 _____. Seis passeios pelos bosques da ficção. Rio de Janeiro: Record,
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53 WILLEMS, Emilio. Diccionaire de sociologie. Paris: M. Rivière, 1961.
93
RESUMO
QUEIROZ, Flavia Tebaldi Henriques. A poesia de exílio de Jorge de Sena.
Rio de Janeiro, 2006. Dissertação (Mestrado em Literatura Portuguesa)
Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2006.
Estudo da poesia de exílio de Jorge de Sena, no seu duplo papel de
documentação histórica de uma nação e de registro do percurso individual do
poeta, tendo como fundamentos o testemunho e a memória. A partir de
diversos conceitos de exílio histórico, etimológico e sócio-cultural variáveis
de acordo com o momento e com as estruturas sociais, políticas e culturais de
cada país, é traçado um histórico da poesia de exílio do escritor português
Jorge de Sena, visando a delinear os fatos determinantes de sua origem e de
sua constituição. O exame dos referidos poemas, bem como de textos
complementares, dimensiona o duplo papel exercido por este representativo
corpus no conjunto da obra do autor.
94
ABSTRACT
QUEIROZ, Flavia Tebaldi Henriques. A poesia de exílio de Jorge de Sena.
Rio de Janeiro, 2006. Dissertação (Mestrado em Literatura Portuguesa)
Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2006.
Study of Jorge de Sena's exile poetry, in its double purpose of historical
documentation of a nation and of the record of the poet personal path, having
as foundations the testimony and the memory. From several concepts of exile -
historical, etmologycal, social and cultural - varying according to the moment
and to the social, political and cultural structures of each country, it's projected a
historic of the exile poetry of the portuguese writer Jorge de Sena, aiming to
delineate the determinant facts of its origin and of its constitution. The
examination of the mentioned poems, as well as the complementary texts,
frames the double purpose carried out by this meaningful corpus on the whole
of the author’s work.
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