
quinhentista deveria obedecer algumas regras de conduta como o decoro, a espontaneidade
estudada, a urbanidade, a disciplina, a tranqüilidade de ânimo e o controle de si mesmo. A
fala de Gabriel Soares exprime além dos atributos enumerados, o conceito do discreto que
agrega, entre outras qualidades, a inteligência e a astúcia e a capacidade de dissimular
honestamente, o que lhe permite introduzir o texto com a humildade necessária ao discurso de
um cortesão correto e prudente. O estilo empregado enfatiza, pois, a compostura frente ao rei
e imbui o escrito de naturalidade e simplicidade.
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Gabriel Soares dirigiu-se à corte espanhola, como sabemos, com o intuito de requerer
proventos e títulos necessários a uma expedição que pretendia devassar o sertão e localizar as
jazidas ocultas nas matas setentrionais. Empreendimento extremamente arriscado, em vista do
conhecido insucesso de tantos outros exploradores. Apesar de passados oitenta anos do
descobrimento, permanecia escasso o conhecimento da terra. E, em se tratando da
administração filipina, havia maior carência ainda de informações sobre os territórios situados
a leste do meridiano de Tordesilhas recentemente incorporados aos seus domínios. O êxito de
Soares significaria prestígio social, enriquecimento, significativo reforço ao Tesouro real,
além da devida propagação da fé católica em terras de idólatras.
A sociedade colonial, alicerçada nos moldes do Antigo Regime, possui uma lógica
constitutiva bem diversa da lógica moderna. A questão do prestígio nem sempre se associaria
um homem cortês morto vale mais do que um vilão vivo”. Chrétien de Troyes, Romances da Távola Redonda –
2ª edição, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 204.
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Vários tratados foram publicados sobre as formas de conduta a serem observadas como O Cortesão, de
Baldassare Castiglione, publicado na Itália em 1528 e O Galateo Espanhol, de Lucas Gracián Dantisco,
publicado na Espanha, em 1585. O Discreto, de 1646, e o Oráculo manual e a arte da Prudência, do jesuíta
espanhol Baltazar Gracián y Morales, de 1647, também compunham a biblioteca do comportamento ideal do
homem renascentista. A dissimulação honesta, conforme exposto no tratado do mesmo nome do napolitano
Torquato Accetto, é um recurso que pode ser utilizado para a auto-proteção do indivíduo, evitando que o mesmo
se exponha a ponto de tornar sua imagem pública vulnerável. A dissimulação honesta pode resultar na omissão
de algumas características ou circunstâncias, mas de nenhuma maneira pode implicar na criação de uma mentira,
o que poderia ser conceituado como uma simulação em vez de dissimulação. João Adolfo Hansen aborda o
comportamento cortesão em “O discreto” in: Libertinos e Libertário, Adauto Novaes (org.). São Paulo:
Companhia das Letras, 1996. Edmir Míssio desenvolveu uma tese “Acerca do conceito de Dissimulação Honesta
de Torquato Accetto”, onde identifica as linhas retóricas presentes na concepção da obra. Disponível em
http:///libdigi.unicamp.br/document/?code=vtts000341618
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