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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
Tese de Doutorado
A PESQUISA EMPÍRICA SOBRE O PLANEJAMENTO DA
EXECUÇÃO INSTRUMENTAL: UMA REFLEXÃO CRÍTICA
DO SUJEITO DE UM ESTUDO DE CASO
Por
Luís Cláudio Barros
Tese submetida como requisito parcial
para obtenção do grau de Doutor em
Música. Área de concentração: Práticas
Interpretativas
Orientadora: Profª. Drª. Any Raquel Carvalho
Porto Alegre - 2008
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A PESQUISA EMPÍRICA SOBRE O
PLANEJAMENTO DA EXECUÇÃO INSTRUMENTAL:
UMA REFLEXÃO CRÍTICA DO SUJEITO DE UM ESTUDO DE CASO
por
LUÍS CLÁUDIO BARROS
Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação
em Música da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, como requisito parcial para
obtenção do grau de Doutor em Música, área de
concentração: Práticas Interpretativas, sob a
orientação da Profa. Dra. Any Raquel Carvalho
Porto Alegre - 2008
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ii
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora acadêmica, Dra. Any Raquel Carvalho, por orientar com tanta
dedicação e profissionalismo e pela amizade conquistada durante minha trajetória como
doutorando.
Aos meus orientadores artísticos, Dra. Catarina Domenici e Dr. Ney Fialkow, pelas
brilhantes aulas.
Ao meu co-orientador durante o Estágio de Doutorado no Exterior, Dr. Roger Chaffin,
por ter-me aceitado como orientando e por sua inestimável contribuição ao desenvolvimento
da minha pesquisa. À Dra. Mary Crawford, por suas dicas em relação ao meu trabalho.
À Dra. Maria Elisabeth Lucas, por seu valioso conselho em mudar o projeto de tese de
doutorado, fornecendo-me possibilidades temáticas.
À Dra. Cristina Gerling, por suas sugestões sempre pontuais e relevantes.
À Dra. Luciana Del Ben e à Dra. Regina Teixeira dos Santos, pelos estimulantes
questionamentos.
Ao Dr. Fredi Gerling, por suas discussões sobre tópicos pertinentes.
Aos demais professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Música,
pelo convívio enriquecedor.
Aos amigos sempre presentes durante minha estada em Porto Alegre: Edno e Clarissa,
Elias e Raquel, Marizete e Felipe.
Às amizades conquistadas em Storrs (Connecticut) e aos que me acolheram com tanta
dedicação: David e Joan, Danelle e Eric, Anders e aos queridos do International Christian
Fellowship da UCONN.
Aos colegas professores do Departamento de Música da UDESC pelo incentivo e
apoio durante minha capacitação.
À CAPES, pela bolsa concedida.
À minha professora de piano e brilhante pianista Célia Ottoni, por sua dedicação e
doação durante todos esses anos, sendo minha maior referência musical.
Aos meus pais, Waltir e Lecy, pelo amor incondicional, por acreditarem em mim e
estarem sempre presentes.
iii
Aos meus amados irmãos, seus respectivos cônjuges, meus queridos sobrinhos e
Joaquim, meu lindo sobrinho-neto.
Aos meus sogros, pelo apoio.
Aos meus amigos de Florianópolis e aos distantes.
À minha amada esposa, por abrir mão de tantas coisas e me acompanhar nessa
jornada, estando sempre ao meu lado nos momentos em que mais precisava.
A Jesus, pela paz que me deu.
iv
RESUMO
Este trabalho propõe discutir o planejamento da execução instrumental (piano) na área de Práticas
Interpretativas. Foram examinadas as diferentes abordagens e os posicionamentos de especialistas
na área proposta através da reflexão crítica do conhecimento produzido pelas pesquisas
empíricas. O objetivo foi examinar as temáticas, as estratégias de estudo, o campo teórico, os
procedimentos metodológicos, a sistematização do processo de aprendizagem do repertório
pianístico e as relações interatuantes ocorrentes nas pesquisas descritivas de delineamento
experimental, nos estudos de caso, estudos com entrevista e levantamentos selecionados. Foi
realizada uma análise crítica sobre as investigações que abordaram o comportamento da prática e
as estratégias de estudo, além de uma reflexão sobre a construção dos referenciais dos trabalhos
empíricos e os elementos envolvidos no processo de pesquisa. O presente trabalho estabeleceu
seus pilares centrais no estudo crítico sobre as pesquisas empíricas na área do planejamento da
execução instrumental (o pilar teórico) e a sua conexão com a experiência pessoal deste autor
como sujeito de um estudo de caso durante seu Estágio de Doutorado no Exterior (o pilar prático,
vivenciado). No estudo de caso, duas estratégias de estudo para resgatar as informações musicais
da memória de longa duração foram elaboradas pelo sujeito para melhorar seu desempenho no
Teste Experimental II. A partir da inter-relação entre os pilares e de seus reflexos na construção
crítica sobre a estruturação dos processos investigativos, buscou-se discutir diversos pontos
nevrálgicos nas pesquisas empíricas, como as relações hierárquicas entre pesquisador e sujeito e
as possíveis lacunas investigativas. Foi sugerida uma proposta de modelo para maior interação
entre as áreas da Psicologia da Música e da área de Práticas Interpretativas. Desse modo, buscou-
se examinar as implicações pedagógicas provenientes do profundo conhecimento das etapas do
planejamento e do entendimento de como se constrói uma execução instrumental em nível de
excelência.
Palavras-chave: pesquisa empírica planejamento da execução instrumental piano estudo de
caso.
v
ABSTRACT
The present thesis discusses the research line in piano performance planning. It examined
different research approaches and points of view of specialists in the music field through a critical
reflection about the knowledge produced by empirical research. The goal was to investigate the
subjects, especially the strategies, the theoretical framework, methodological procedures, learning
process and the relationship between experimental research, case studies, survey and studies with
interview. A critical analysis of the research studies considering the behavior of the musicians
during practice, their strategies, the construction of the theoretical references and the elements
involved was undertaken. The present work established two pillars: (1) theoretical, focused on the
empirical research, and (2) practical, related to the personal experience of the author as the
subject in a case study during his doctoral internship. During that time, the present author
elaborated two practice strategies to reinforce memory retrieval and to aid him in succeeding in
the Experimental Test II. As a result of relationship between these two pillars of construction in
the investigative processes, the present work discusses basic points relating to empirical research,
such as the investigative problems and the hierarchy between the experimenter and the subject.
The author proposed a model of interaction between the Psychology and Music areas. It is aimed
at examining the pedagogical implications based on the profound understanding of performance
planning, as well as how to construct an instrumental performance at a level of excellence.
Keywords: Empirical research – performance planning – piano – case study.
vi
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................................01
CAPÍTULO 1 – UM ESTUDO CRÍTICO DAS PESQUISAS EMPÍRICAS SOBRE O
PLANEJAMENTODAEXECUÇÃOINSTRUMENTAL
1.1APROXIMAÇÃOAOPROBLEMAECONCEITUAÇÕES..........................................13
1.1.1DefiniçãodosconceitosdePlanejamentodaExecuçãoInstrumental
edelimitaçãodoproblemaaserinvestigado.....................................................................14
1.1.2RetrospectivahistóricadaspesquisasempíricassobreoPlanejamento
daExecuçãoInstrumental..................................................................................................18
1.1.3 TemáticasabordadaspelalinhadepesquisadoPlanejamento
daExecuçãoInstrumental..................................................................................................20
1.2UMAREFLEXÃOCRÍTICASOBREPESQUISASEXPERIMENTAISEPESQUISAS
DESCRITIVASCOMDELINEAMENTOEXPERIMENTAL.......................................29
1.2.1Quantoaométodoeprocedimentosmetodológicos.................................................31
1.2.1.1Delineamentoexperimental:aquestãodogrupodecontrole
edogrupoexperimental........................................................................................32
1.2.1.2Outrastécnicasdepesquisaempregadas...................................................35
1.2.1.3.Avaliaçãodosresultados..........................................................................37
1.2.2Oproblemadoreferencialteóricodaspesquisasempíricas.....................................39
 1.2.2.1Aproximaçãoaoproblema.........................................................................39
 1.2.2.2Oreferencialteóricoemrelaçãoàstemáticasinvestigadas.......................41
1.2.2.3Propostademodelodeconstruçãodafundamentaçãoteórica
daspesquisassobreoplanejamentodaexecuçãoinstrumental.............................45
1.2.3Quantoàstemáticas..................................................................................................48
1.2.3.1TrabalhosqueabordaramaPráticaDeliberada,aorganização
eestruturadapráticaeocomportamentodeestudo..............................................49
1.2.3.2Trabalhosqueinvestigaramasestratégiasdeestudo................................52
1.2.3.3Trabalhosempíricosqueinvestigaramosprocessos
dememorizaçãoearepresentaçãomentaldamúsica...........................................55
1.2.4Quantoàslacunasequestionamentos......................................................................58
1.2.5Quantoaorepertórioutilizadonaspesquisasempíricas...........................................63
vii
1.3UMAREFLEXÃOCRÍTICASOBREOSESTUDOSDECASO..................................68
1.3.1Contextualização......................................................................................................68
1.3.2Osestudosdecaso...................................................................................................73
1.3.2.1Ométodoeseusprocedimentos...............................................................73
1.3.2.2Arelaçãoentrepesquisadoresujeito.......................................................77
1.3.2.3Seusreferenciaisteóricos.........................................................................78
1.3.3Possibilidadestemáticasdeinvestigaçõesapartirdosestudosdecaso...................81
1.3.4Quantoaosresultadoseconclusões..........................................................................84
1.3.5Quantoàslacunas,questionamentoseanálisecríticadosresultados.......................86
1.3.5.1Sobreahierarquiadasetapasdoprocessodeaprendizagem....................86
1.3.5.2Sobrealgumasestratégiasdeestudo.........................................................89
1.3.5.2(a)Quantoàsestratégiasparaoestudododedilhado
edasdificuldadestécnicas.........................................................................89
1.3.5.2(b)Quantoàsestratégiasutilizadasnaabordagem
Interpretativaedeandamento....................................................................91
1.3.5.2(c)Quantoàausênciadecomentáriossobrealguns
parâmetrosestilísticosnaobramusicalinvestigada..................................93
1.4 UMA REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE OS ESTUDOS COM ENTREVISTA E/OU
QUESTIONÁRIOELEVANTAMENTOS/SURVEY......................................................95
1.4.1Estudoscomentrevistase/ouquestionário...............................................................96
1.4.2Levantamento/Survey...............................................................................................99
CAPÍTULO 2 - UMA REFLEXAO SOBRE AS ESTRATÉGIAS DE ESTUDO
UTILIZADAS NA PRÁTICA PIANÍSTICA: SUA CONSTRUÇÃO, APLICAÇÃO E
EFEITOS, A PARTIR DE EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS OU TEORIZADAS POR
ESPECIALISTASNAÁREA
2. AS ESTRATÉGIAS DE ESTUDO: SUA CONTEXTUALIZAÇÃO E RELAÇÕES
INTERATUANTES.........................................................................................................105
2.1ESTRATÉGIASPARAMEMORIZAÇÃO.............................................................111
2.1.1Suaabordagemempesquisasempíricasevivenciadasnaprática.............111
2.1.2Tiposdememória:conceituaçãoeestratégiasutilizadas
porpianistasrenomados......................................................................................114
2.1.3Tiposdememória:evidênciasempíricasediscussões...............................118
2.1.3.1Memóriaconceitual.....................................................................118
2.1.3.2Memóriaatravésdarepetição(automática/motora)....................121
2.1.3.3Memóriaatravésdainformaçãovisual........................................124
2.1.3.4Memóriaauditiva.........................................................................124
2.1.4Estratégiasparaotimizaçãodasmemórias.................................................125

2.2ESTUDOMENTAL.................................................................................................129
2.2.1Contextualização........................................................................................129
2.2.2Enfoquedoestudomentalporpianistasrenomados..................................131
viii
2.2.3Estudomental:abordagemeperspectivadaspesquisasempíricas...........132
2.3ESTRATÉGIASPARACONCENTRAÇÃO..........................................................136
2.4ANÁLISEDAESTRUTURADAOBRAMUSICAL............................................138
2.4.1Importânciadoentendimentodaobranaexecuçãomusical:
evidênciasempíricas............................................................................................138
2.4.2Análisedaobramusicaleexecução:aplicaçãoprática..............................139
2.5ESTRATÉGIASPARAOESTÁGIOINICIALDEAPRENDIZAGEM
DEUMAOBRA.......................................................................................................140
2.6 OS FATORES “MUSICALIDADE” E INTERPRETAÇÃO NO PROCESSO DE
ESCOLHAEAPLICAÇÃODASESTRATÉGIAS................................................142
2.6.1Sobreexpressividade/interpretaçãoeexecuçãomusical:aplicação
eperspectivasdostrabalhosempíricosepuramenteteóricos.............................143
2.7AEXTENSÃOEOPERÍODODOESTUDO........................................................147
2.8ESTUDOATRAVÉSDEREPETIÇÕES................................................................149
2.8.1Estudoatravésderepetições:perspectivadaspesquisasempíricas...........149
2.8.2Aplicaçãodasestratégiasqueenvolvemrepetição.....................................151
2.9ESTUDOATRAVÉSDESEÇÕESMUSICAIS.....................................................152
2.9.1Estudoatravésdeseçõesmusicais:comprovaçõesempíricas....................152
2.9.2Aplicaçãopráticadasestratégias:sugestãodepianistaseteóricos............155
2.10ESTUDOINVERTIDODESEÇÕES...................................................................157
2.11ESTUDODESEÇÕESDIFÍCEIS.........................................................................158
2.12ESTUDODEMÃOSSEPARADASEMÃOSJUNTAS.....................................160
2.13ESTUDOEMANDAMENTOSDIFERENTES...................................................161
2.13.1Estudoemandamentolento......................................................................165
2.14ESTUDOCOMMETRÔNOMO...........................................................................166
2.15ESTUDOCOMVARIANTESRÍTMICAS..........................................................168
2.16ESTUDODODEDILHADO.................................................................................169
2.17 EXERCÍCIOSPARAAQUECIMENTOEEXERCÍCIOSTÉCNICO-
MECÂNICOS........................................................................................................170
ix
2.18EXERCÍCIOSDEALONGAMENTO,RELAXAMENTOEDE
FINALIZAÇÃODOESTUDO..............................................................................173
2.18.1Quantoaosexercíciosderelaxamento......................................................174
2.19ESTUDOATRAVÉSDEGRAVAÇÕESDEOUTROSPIANISTAS................175
2.20 ESTUDOATRAVÉSDOREGISTROEMVÍDEO/ÁUDIODAPRÓPRIA
PRÁTICAINSTRUMENTALEDAEXECUÇÃO..............................................177
2.21ESTRATÉGIAPARAMATURAÇÃODAOBRAMUSICAL...........................179
2.22 ESTRATÉGIASDEPREPARAÇÃOESIMULAÇÃODEUMA
APRESENTAÇÃOFORMAL...............................................................................180
2.23POSSIBILIDADESINVESTIGATIVASAPARTIRDEESTRATÉGIAS
DIVERSIFICADAS...............................................................................................186
CAPÍTULO3-AVISÃODOINTÉRPRETECOMOSUJEITODEUMESTUDODE
CASO: RELATO CRÍTICO DO ESTUDO DE CASO DURANTE O ESTÁGIO DE
DOUTORADONOEXTERIOR
3.1ESTÁGIONOEXTERIOR:FONTESELOCAISDEDESENVOLVIMENTO
DAPESQUISA;CO-ORIENTADOR;MÉTODOSDETRABALHOE
ATIVIDADESREALIZADAS.................................................................................191
3.1.1ParticipaçãonadisciplinaMusicPsychology(PSYC301)...........................192
3.1.2Coletadematerialbibliográfico....................................................................193
3.1.3Acompanhamentodoprocessoedasetapasdostrabalhosemandamento
realizadosnoNúcleodePesquisaemPsicologiadaMúsicaePerformance,
coordenadopeloDr.Chaffin..................................................................................194
3.2ESTUDODECASO.................................................................................................196
3.2.1Contexto........................................................................................................196
3.2.2Técnicasdepesquisaecoletadedados.........................................................198
3.2.2.1Seleçãodaobramusical.....................................................................198
3.2.2.2Indicaçãodosguiasdeexecuçãoutilizadosna
performancedasonatadeBrahms................................................................199
3.2.2.3Registroemvídeodapráticadeestudoedaperformance
padrãodapeçaselecionada...........................................................................201
3.2.2.4TesteExperimentaldeExecuçãoI....................................................202
3.2.2.5TesteExperimentaldeExecuçãoII..................................................204
3.2.3Análisededados............................................................................................207
3.2.4Resultados.....................................................................................................209
3.3REFLEXÃOCRÍTICADOESTUDODECASOSOBAPERSPECTIVA
DOSUJEITO............................................................................................................212
3.3.1Discussãodosresultadossobaperspectivadosujeito.................................212
x
3.3.2Interferênciadapráticainstrumentalnodesempenhodostestes..................217
3.3.2.1Estratégiaparamaximizaroresgatedeinformaçõesdamemóriade
longaduração,afimdecontinuaraexecuçãoapósumafalhadememória..219
3.3.2.2Estratégiaparafortaleceramemóriavisual......................................222
3.3.3Críticas,sugestõeseimplicaçõesparapesquisasempíricas
naáreadePráticasInterpretativas..........................................................................226
3.3.3.1Utilizaçãodoaparatolaboratorial.......................................................226
3.3.3.2Relaçãoentrepesquisadoresujeito....................................................230
CONCLUSÃO............................................................................................................................236
REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS....................................................................................248
xi
LISTADEILUSTRAÇÕES
Diagrama1.Inter-relaçõesentreospilares,TeóricoePrático,eseusreflexos
naconstruçãodareflexãocrítica...................................................................................................03
Diagrama2.Propostademodeloparaaconstruçãodofundamentoteóricodas
pesquisassobreoPlanejamentodaExecuçãoInstrumental..........................................................47
Diagrama3.Diagramadahipótesesobreaformulaçãodenovasteoriasapartir
dainteraçãoentreoempíricoeoteóriconaspesquisassobreoPlanejamentoda
ExecuçãoInstrumental..................................................................................................................48
ExemploMusical1.Primeiroscompassosdastrêspeçasmusicaisutilizadasnoexperimento
deDrakeePalmer(2000)(RetiradodeDRAKEePALMER,2000,p.7)....................................66
Diagrama4.Modelohipotéticodorelacionamentoentrevariáveisqueinfluenciamotempo
despendidonapráticainstrumentaldoaluno(traduzidoereproduzidodeJORGENSEN,
1997,p.137).................................................................................................................................100
ExemploMusical2.Indicaçãonapartituradosguiasinterpretativoseexpressivos
deexecuçãoutilizadospelosujeito.............................................................................................201
Gráfico1.Gráficodacorrelaçãoentreostiposdeguiasdeexecuçãoeotempodespendido,
emsegundos,parareiniciaraexecuçãoapósotérminodoestímulosonoro..............................208
Gráfico2.
Gráficodacorrelaçãoentreosefeitosdapráticasobreacapacidadede
reiniciaraexecuçãoeotempodespendidoparareiniciaraexecuçãoapósotérmino
doestímulosonoro......................................................................................................................209
ExemploMusical3a.Compassos131-132indicaçãodosguiasbásicosdeexecução.............214
ExemploMusical3b.Compassos133-136comindicaçãodosguiasbásicosdeexecução......214
Gráfico3.Gráficoindicativodaoscilaçãotemporalduranteaexecução..................................227
INTRODUÇÃO
O processo de preparação de um repertório pianístico que culmina com a sua execução é
um campo de pesquisa relevante para a área de Práticas Interpretativas, pois o resultado final
dessa execução depende, incondicionalmente, do trabalho precedente. Essa fase de aprendizagem
inclui a análise e a verificação dos processos de preparação, a utilização de diversas estratégias
para a prática instrumental, avaliação qualitativa dos resultados e das inter-relações ocorrentes,
além da manipulação cuidadosa de inúmeras variáveis operantes e interferentes. Esse processo de
planejamento do estudo e aprendizagem de um repertório musical é chamado por Gabrielsson
(2003, p.223) de Performance Planning
1
e está inserido em uma das subdivisões de pesquisa em
Práticas Interpretativas. Essa linha de investigação é das que mais se vinculam ao campo da
didática do instrumento com amplas possibilidades de experimentação prática dos conceitos e
teorias formuladas por especialistas na área.
O pensamento crítico sobre o planejamento da execução instrumental foi construído a
partir dos trabalhos empíricos realizados por essa linha investigativa, os quais foram coletados
das fontes bibliográficas publicadas entre 1980 e 2007, por ser o período em que se delimitam e
se concentram, em número crescente de publicações, as pesquisas sobre a temática. Esses
trabalhos abarcam um amplo espectro investigativo em sua estrutura organizacional, tais como:
A diversidade do método empregado (pesquisas experimentais, pesquisas
descritivas com delineamento experimental, estudos de caso, estudos com
entrevista e/ou questionário, levantamentos/survey e pesquisa participante);
As inúmeras técnicas de pesquisa utilizadas (questionários, entrevistas, diários de
acompanhamento da prática, gravação em áudio e vídeo, procedimentos e aparato
para coleta de dados, recursos tecnológicos, análise estatística de dados, etc.);
1
O termo performance planning será traduzido como planejamento da execução instrumental.
2
A variedade quanto à amostragem (indo desde estudos de caso com um único
sujeito até levantamentos de grande proporção, considerando diferenças quanto ao
nível de habilidade instrumental e características individuais).
Em relação ao objeto observado, qual seja, o músico e sua prática instrumental, as
pesquisas empíricas estão centradas em dois eixos sobre o desempenho instrumental: (1) o
músico profissional com nível de expertise, o qual atua como modelo da ação músico-
instrumental, servindo de parâmetro para o ensino do instrumento (CHAFFIN et al. 2002, 2005;
MIKLASZEWSKI, 1989; KRAMPE e ERICSSON, 1996) e (2) os estudantes de música e
músicos amadores, em seus variados estágios de aprendizagem e níveis de habilidade musical, os
quais são objetos de estudo para exame dos aspectos específicos da execução musical, como o
tipo de prática empregada, as diferenças individuais durante o estudo, a estrutura da prática, o
efeito das estratégias de estudo, os aspectos motores ou expressivos da execução e a
memorização (BARRY, 1992; BURNSED e HUMPHRIES, 1998; COFFMAN, 1990; COSTA,
1999; DAVIDSON e MCPHERSON, 2000; ERICSSON et al. 1993; GRUSON, 1988;
HALLAM, 2001; HALSBAND et al. 1994; MISHRA 2002; ROSENTHAL et al. 1988;
ROSTRON e BOTTRILL, 2000; THOMPSON e WILLIAMON, 2003; WILLIAMON e
VALENTINE, 2000, 2002; WOODY, 2003; dentre outros).
Segundo Borém (2005, p.14), a área de Práticas Interpretativas é, dentre as subáreas da
música, uma das que mais carece de parâmetros teóricos específicos e de procedimentos
metodológicos consolidados. Verifica-se esse indício até mesmo no embasamento de atividades
específicas da ação músico-instrumental, como, por exemplo, as estratégias de estudo do piano.
Para Nielsen, as variações no modo em que as estratégias de estudo são definidas e aprendidas
durante a prática podem ser conseqüência da ausência de um arcabouço teórico que possa
sustentar a pesquisa nessa temática (1999, p.276). A partir dessa realidade, o presente trabalho
estabeleceu seus pilares
2
centrais no estudo crítico sobre as pesquisas empíricas na linha do
planejamento da execução instrumental (o pilar teórico) e a sua conexão com a minha experiência
pessoal, como sujeito de um estudo de caso, durante o Estágio de Doutorado no Exterior (o pilar
prático, vivenciado). O Diagrama 1 é uma proposição das relações interatuantes entre os dois
pilares e de seus reflexos na construção crítica do pensamento sobre a estruturação dos processos
2
Entende-se por pilares uma representação dos alicerces da construção do pensamento epistemológico que me
permitiu realizar uma reflexão crítica sobre a temática da tese, sem, contudo, manifestar um caráter dogmático e
normativo.
3
envolvidos na pesquisa empírica, tendo como resultante um pensamento multidimensional e suas
implicações para pesquisas futuras na área de Práticas Interpretativas:
Implicações para futuras
pesquisas sobre o
Planejamento da Execução
Instrumental
Diagrama 1. Inter-relações entre os pilares, Teórico e Prático, e seus reflexos
na construção da reflexão crítica.
Dessa interação, obtêm-se os subsídios para a contextualização das pesquisas na linha do
planejamento da execução instrumental, verificando como se processam suas interconexões e
discutindo algumas questões norteadoras como:
A formação do referencial teórico: como está sendo construído o referencial
teórico na área e se o resultado das pesquisas está ou não embasando a experiência
e o posicionamento de especialistas na área;
A estruturação metodológica;
As temáticas mais abordadas;
As lacunas e limitações investigativas;
A relação entre sujeito e pesquisador;
O problema de pesquisa e as possíveis soluções para melhor sistematizá-lo;
Pilar Teórico
Pesquisas empíricas na linha
do Planejamento da
Execução Instrumental
Pilar Prático/Vivenciado
Participação, como sujeito,
em estudo de caso durante o
Estágio de Doutorado
Reflexão Crítica
Sobre a interação entre os
pilares
4
A compreensão das relações circundantes e,
A estrutura orgânica da pesquisa empírica.
É a partir dessas premissas que o presente trabalho tece seu percurso no sentido de refletir
sobre essas questões, através do estudo crítico sobre as tendências investigativas de abordagem e
pesquisa sobre o planejamento da execução instrumental. Esse trabalho não objetiva discutir a
maneira como se processam as influências dessas pesquisas na produção do conhecimento da
área da música no Brasil, mas, sim, apresentar conclusões que possam contribuir para delinear,
fortalecer e solidificar essa linha de pesquisa nas Práticas Interpretativas.
O que torna esta temática tão instigante é a oportunidade de encontrar soluções embasadas
em pesquisas empírico-científicas para validar, ou não, os aspectos subjetivos e de cunho
interdisciplinar (a exemplo da interpretação musical e de sua vinculação com fatores
psicológicos, cognitivos e fisiológicos). Saliento a necessidade de se verificar as estratégias e as
técnicas de estudo do instrumento (baseadas na experiência profissional de pianistas e professores
de piano e nos posicionamentos de especialistas na área instrumental), examinando-as sob uma
perspectiva teórica e empírica.
A linha de pesquisa sobre o planejamento da execução tem estreita correlação com a
minha atuação profissional e com a linha de trabalho dos grupos de pesquisa da universidade
onde realizei o doutorado (UFRGS) e daquela da qual faço parte (UDESC). Uma das maiores
motivações para a escolha dessa temática é a possibilidade da aplicação prática do conhecimento
teórico e da experiência artística e interpessoal. Acrescento, ainda, poder examinar seus reflexos
no ensino do instrumento, partindo do pressuposto de que saber como estudar, ou seja, uma
prática que preza a qualidade é mais importante do que um estudo quantitativo, focado apenas no
número de horas da prática instrumental (WILLIAMON e VALENTINE, 2000).
Como músico e professor de piano no ensino superior, reputo que alguns fatores são
determinantes para o aprimoramento musical, como, por exemplo, a organização da prática de
estudo, o estabelecimento de objetivos claros e específicos, feedback e auto-monitoramento, a
utilização de estratégias e técnicas de estudo apropriadas e, sobretudo, a prática focada nos
resultados qualitativos desse estudo. Desta maneira, as implicações pedagógicas, provenientes do
profundo conhecimento das etapas do planejamento e das estratégias e técnicas de estudo do
piano fornecerão subsídios para que essa linha de pesquisa seja ainda mais desenvolvida no país.
5
A pesquisa empírica justifica-se pela necessidade de se examinar minuciosamente as
diferentes perspectivas e posicionamentos dos especialistas na área de Práticas Interpretativas
sobre o planejamento da execução instrumental, a fim de que haja embasamento empírico para
legitimar determinada cnica ou estratégia de estudo. Uma fonte potencial de problemas de
pesquisa são os trabalhos escritos por pianistas e professores de piano, como, por exemplo, Cortot
(1928), Rubinstein (1980), Leimer e Gieseking (1950), Ortmann (1929), Schnabel (1961), Sandor
(1981), Matthay (1926), dentre outros. Esses trabalhos oferecem um farto material temático, a
partir das sugestões para a prática do piano baseadas em um conhecimento obtido pela sólida
vivência artística e pelos princípios da pedagogia do instrumento. Hallam menciona que as idéias
desses músicos são raramente testadas empiricamente e que foram muitas vezes caracterizadas
como “não-científicas” pelos psicólogos. Todavia, esse pensamento tem mudado, a partir da
evidência de que a pesquisa está adquirindo um caráter mais geral, em que a aplicação dos
resultados é mais valorizada do que simplesmente a pesquisa “pura” (1997c, p.180). Assim, a
linha de pesquisa do planejamento da execução apresenta inúmeras possibilidades investigativas
para a verificação de uma teoria formulada e transforma-se, em si mesma, numa justificativa para
incentivar os estudos empíricos. O presente estudo não aborda os trabalhos puramente teóricos,
escritos pelos especialistas na área do instrumento, mas alguns aspectos da execução,
provenientes da longa tradição do ensino do piano, são mencionados como fontes temáticas para
pesquisas empíricas sobre o planejamento da execução.
Apesar do planejamento da prática instrumental ser uma necessidade em todos os níveis
da aprendizagem pianística, a presente tese não abrange os anos e etapas iniciais do estudo do
instrumento. Somente são analisadas as pesquisas e publicações que abordaram as execuções de
nível técnico-musical avançado. A opção por perscrutar o planejamento da execução a partir de
um padrão de excelência está no fato de que a constituição da prática de especialistas serve como
modelo para o ensino do instrumento.
Fundamentação teórica
A idéia-gênese de investigar a pesquisa empírica sobre o planejamento da execução
instrumental emergiu a partir da leitura do artigo de Gabrielsson (2003)
3
“Music performance
research at the milennium”. Nesse trabalho, chamou-me a atenção uma das linhas de
3
Esse trabalho é uma continuação de outro publicado em 1999.
6
investigação da área de Práticas Interpretativas, denominada “Planejamento da Execução
Instrumental”, cuja pesquisa intensificou-se a partir da segunda metade da década de 1980.
Gabrielsson fez um mapeamento sucinto, revisão e análise da estrutura organizacional de
dez linhas de pesquisa em Práticas Interpretativas, a partir de mais de quinhentos artigos
compilados em revistas e periódicos entre 1995 e 2002. A opção por esse referencial fundamenta-
se na evidência de que Gabrielsson foi o primeiro pesquisador a indicar esse foco investigativo,
além de descrever, de forma concisa e conceitual, o panorama das linhas de pesquisa em Práticas
Interpretativas, indicando as principais fontes e o resultado de algumas dessas investigações.
Entretanto, o autor não realizou uma análise crítica do conhecimento produzido na área, visto que
apenas forneceu as fontes bibliográficas a serem investigadas e a discriminação das linhas
investigativas.
Os artigos selecionados por Gabrielsson (2003) foram organizados em ordem cronológica
e classificados de acordo com as temáticas das Práticas Interpretativas, englobando vários
aspectos da ação músico-instrumental, como, por exemplo, o planejamento da execução, as
etapas de aprendizagem da obra musical, os elementos envolvidos na prática e os processos de
avaliação da execução. A partir das temáticas investigadas pela área de Práticas Interpretativas, o
autor identificou dez subdivisões e linhas de pesquisas, a saber, por ordem decrescente em
número de trabalhos:
1. Medição da Execução Instrumental (Measurements of performance
4
);
2. Fatores Psicológicos e Sociais da Execução Instrumental (Psychological and social
factors);
3. Fatores Físicos na Execução Instrumental (Physical factors in performance);
4. Processos Motores na Execução Instrumental (Motor processes in performance);
5. Planejamento da Execução Instrumental (Performance planning);
6. Modelos da Execução Instrumental (Models of music performance);
7. Leitura à Primeira Vista (Sight reading);
8. Avaliação da Execução Instrumental (Performance evaluation);
9. Improvisação (Improvisation);
10. Feedback na Execução Instrumental (Feedback in performance).
4
O termo performance será traduzido como execução instrumental.
7
O presente trabalho restringe-se à linha de pesquisa n
o
5 (Planejamento da Execução
Instrumental). No mapeamento de Gabrielsson, essa é representada por trabalhos escritos entre
1995 e 2002, destacando os seguintes autores: Chaffin et al. (2001, 2002), Clarke (1988), Drake
et al. (2000), Ericsson et al. (1993, 1997, 1998), Ginsborg (2002), Gruson (1988), Hallam (1995,
1997), Krampe (1997), Lehmann (1997, 1996, 1998), Miklaszewski (1989, 1995), MaCpherson e
Mccormick (1999), Nielsen (1997, 1999, 2001), O´Neill (1997, 1999, 2002), Sloboda (1996);
Sullivan e Cantwell (1999), Palmer e Meyer (2000), Palmer e Van de Sande (1995), Williamon e
Valentine (2000, 2002). Contudo, Gabrielsson não mencionou publicações, além das enumeradas
no período acima delimitado, que trouxeram contribuição para essa linha de pesquisa. Assim,
essas foram acrescidas e examinadas no corpo do presente estudo.
Os trabalhos realizados nesta linha de pesquisa apresentam muitas ramificações temáticas
e diversas abordagens metodológicas, estando estruturados sob tendências da psicologia
cognitiva. Dentre os métodos de pesquisa mais utilizados estão pesquisas descritivas com
delineamento experimental (geralmente para verificar a análise do comportamento da prática
instrumental, os diferentes níveis de execução e aspectos particulares da execução), os estudos de
caso, os estudos com entrevistas e levantamentos/Survey. A maior parte dessas pesquisas
menciona a utilização de registro em áudio e/ou vídeo do comportamento do indivíduo na prática
de estudo do instrumento em combinação com algum tipo de entrevista. Em seus resultados, é
possível evidenciar marcantes diferenças entre indivíduos em relação à utilização de estratégias
de estudo e ao comportamento da prática instrumental (devido ao nível de habilidade e às
maneiras diversificadas de abordar o planejamento do estudo).
Como referencial teórico, escolhi duas obras que servem de parâmetro para discutir as
tendências da pesquisa na área do planejamento da execução instrumental: Williamon (2004) e
Chaffin et al. (2002). A primeira denomina-se Musical Excellence: Strategies and Techniques to
Enhance Performance”, de Aaron Williamon. Este trabalho relata o resultado de pesquisas que
utilizaram colaboração interdisciplinar e métodos inovadores para investigar como é produzida
uma execução musical de excelência (2004, p.3). O autor aborda essa temática sob três
parâmetros: (a) detalha as perspectivas e os limites da pesquisa sobre o aprimoramento da
execução, enquanto evidencia os princípios para alcançar estes objetivos; (b) lista as estratégias
para aumentar a eficiência e os resultados durante a prática do instrumento; (c) introduz as
técnicas e intervenções interdisciplinares utilizadas nas pesquisas em música, tais como
8
psicologia, ciência cognitiva, medicina, psicofisiologia, dentre outras (2004, p.3-4). O autor
salienta que o livro não objetiva mostrar uma série de estratégias rápidas para solucionar
problemas musicais, mas, antes, fornecer uma abrangente revisão de técnicas existentes que
proporcionam uma maximização da execução musical, através de um treinamento deliberado e
cuidadoso (2004, p.14). Esse trabalho fornece uma retrospectiva panorâmica dos estudos
realizados com maior detalhamento que o artigo de Gabrielsson (2003), através de um enfoque
teórico e de análise das pesquisas produzidas sobre o planejamento da execução musical.
A segunda obra referencial, produzida por Chaffin, Crawford e Imreh (2002), denomina-
se Practicing Perfection: Memory and Piano Performance. Segundo Williamon (2002a, p.11), a
pesquisa de Chaffin et al., sobre o comportamento de estudo da pianista Gabriela Imreh, é o
primeiro trabalho que demonstrou como os princípios da memória de excelência foram aplicados
por um pianista. De todas as pesquisas sobre o processo de aprendizagem verificadas até o
presente momento, esse trabalho foi o único a mostrar uma descrição completa de todas as etapas
do aprendizado e a análise minuciosa dos resultados encontrados na prática de uma pianista
profissional. De certa forma, isso ajudou-me a elucidar muitas questões quanto ao
comportamento de estudo de um pianista de vel internacional. Entretanto, em virtude desse
detalhamento, também foi possível abrir espaço para indagações sobre a construção do
delineamento das pesquisas empíricas. Esses foram os principais critérios para que essa obra
fosse selecionada como um dos referenciais para o presente trabalho. Outro motivo foi o fato de
Dr. Chaffin ter aceitado ser meu co-orientador durante o Estágio de Doutorado no Exterior, no
qual tive a oportunidade e o privilégio de ser sujeito e co-autor de um estudo de caso. Desse
modo, os pilares centrais desta tese, o pilar teórico e o pilar prático/vivencial, se interconectaram
através de uma reflexão consubstanciada nesse estudo de caso e nas pesquisas empíricas sobre o
planejamento da execução instrumental.
Um dos assuntos recorrentes nesse trabalho é a reflexão sobre o referencial teórico na área
de Práticas Interpretativas, examinado a partir do material bibliográfico. Através da análise sobre
os trabalhos e tendências de pesquisa, objetiva-se mostrar sob qual perspectiva teórica a linha de
pesquisa do planejamento da execução vem sendo estudada. Assim, esse estudo crítico tem o
intuito de refletir sobre a construção de um referencial sólido, a partir dos seguintes
questionamentos: como é delineado o referencial teórico das pesquisas? Existe cruzamento entre
9
estas linhas de pensamento? Qual é o referencial mais citado e qual sua relação com a área do
planejamento da execução instrumental?
Metodologia
A organização metodológica contemplou diversas etapas para permitir uma reflexão sobre
as pesquisas empíricas na área do planejamento da execução instrumental e sobre as minhas
considerações como co-autor e sujeito de um estudo de caso. Nesse contexto, a construção
metodológica compreendeu várias atividades, tais como a realização de uma análise crítica e a
reflexão sobre o material bibliográfico mais relevante, publicado em língua inglesa
5
, durante o
período entre a década de 1980 e 2007. São várias as temáticas de pesquisa relacionadas ao
planejamento da execução instrumental. No presente trabalho, essas foram divididas em dois
grupos principais de investigação: o primeiro, compreendendo as pesquisas de cunho científico,
vinculadas à área da psicologia da música e publicadas em periódicos de referência e; o segundo
grupo, destinado às obras escritas por especialistas na área, geralmente pianistas e professores de
piano, as quais não possuem um respaldo através de evidências empíricas ou por comprovações
científicas.
Ao ler os artigos selecionados, nem sempre ficaram explícitos os procedimentos
metodológicos. Observei, em alguns estudos com delineamento experimental, a incursão de
variáveis que não foram analisadas e a supressão de alguns critérios analíticos ou de informações
relevantes nas questões investigadas, tais como: a ausência da análise formal da música e de uma
abordagem voltada aos aspectos interpretativo-musicais, tanto pelo sujeito, quanto pelo
pesquisador; a falta de clareza nos critérios de avaliação e maior abrangência nas questões
formuladas para as entrevistas. Notei, por exemplo, alguns desses aspectos nos trabalhos de
Gruson (1998), Nielsen (1999), Drake e Palmer (2000) e Magrath (2004), dentre outros. Sabe-se
que esta linha de pesquisa apresenta inúmeras variáveis interferentes, suscetíveis de observação e
de frágil manipulação, podendo, assim, ficar vulnerável a problemas metodológicos surgidos
durante o percurso da pesquisa. Nesse sentido, formulei alguns questionamentos sobre o processo
de investigação que serviram para auxiliar a análise e discussão das fontes bibliográficas e a
perspectiva crítica sobre o estudo de caso no qual participei, como, por exemplo:
5
A maior parte dos estudos foi publicada nessa língua.
10
De que maneira se deve delinear um experimento em uma temática em que
inúmeras variáveis envolvidas no processo?
Como ocorre a escolha e a operacionalização das variáveis a serem investigadas?
Como delimitar as variáveis sem que haja supressão de outras igualmente
relevantes?
Como legitimar um resultado sabendo que ao focalizar e direcionar uma questão
para ser investigada, com determinados critérios, pode haver mudanças no
resultado caso as mesmas questões sejam analisadas sob outros parâmetros e
critérios investigativos?
Como conseguir resultados significativos sem que haja lacunas metodológicas?
Foram realizados um levantamento e a classificação dos trabalhos na linha de pesquisa do
planejamento da execução, definindo as categorias de análise com o intuito de verificar:
tendências temáticas, objetivos, problemas, hipóteses, métodos e técnicas de pesquisa,
referenciais teóricos, características interdisciplinares, amostragem, possíveis lacunas e resultados
encontrados. Objetivei, nessa etapa, organizar e tabular esses dados para esclarecer, discutir e
contextualizar o que tem sido realizado nessa linha de pesquisa e suas implicações para a área de
Práticas Interpretativas.
A listagem de um abrangente número de estratégias de estudo foi elaborada, retiradas de
entrevistas com pianistas, de obras de especialistas e de artigos de periódicos, com a proposta de
discutir sua estrutura e aplicabilidade. Desse modo, é possível avaliar como os conceitos teóricos,
decorrentes da experiência pessoal e da prática vivenciada, poderão ser confrontados, de forma
crítica e analítica, com os resultados de pesquisas com bases científicas. Esse estudo reflexivo
contemplou algumas temáticas inseridas no planejamento da execução instrumental, a exemplo
das estratégias de aprendizado utilizadas pela prática deliberada de estudo. Muitos autores
investigaram a prática deliberada através de estudos experimentais. Entretanto, as estratégias da
prática do instrumento não foram descritas claramente nos trabalhos, suscitando assim, algumas
perguntas, tais como:
Quais seriam as formas de estudo da prática deliberada e como ocorreria a sua
efetiva aplicação?
11
Como aspectos individuais do músico e qualidades inerentes interagem com o tipo
de prática adotada?
Quais as estratégias mais eficientes e como colocá-las em prática?
Quais aspectos poderiam definir se uma determinada estratégia pode ser
considerada eficaz?
Por que muitas estratégias ainda não foram investigadas através de uma pesquisa
sistemática?
Estas e outras questões abriram espaço para que fossem identificadas, sistematizadas e
criticamente analisadas algumas das estratégias de estudo verificadas nas pesquisas empíricas ou
citadas em livros escritos por profissionais da área da sica. As estratégias tiveram função
preponderante no presente trabalho, em razão de que elaborei e apliquei duas estratégias inéditas
para a retenção do conteúdo musical na memória, utilizando-as no estudo de caso em que
participei.
As etapas acima citadas fomentaram o pilar teórico deste trabalho. A partir dessa base,
estabeleci parâmetros teóricos para refletir criticamente sobre o pilar prático/vivenciado - a minha
experiência e perspectiva como sujeito de um estudo de caso. Desse modo, interconectei os
pilares, os quais forneceram subsídios para a elaboração da síntese e da visão crítica do intérprete
sobre as pesquisas empíricas na área do planejamento da execução instrumental.
Estrutura da tese
O presente trabalho está estruturado em três capítulos: o primeiro capítulo discute
criticamente as pesquisas empíricas na linha de pesquisa do Planejamento da Execução
Instrumental, traçando um panorama global, definindo os conceitos do planejamento da execução
e refletindo sobre os três métodos investigativos mais empregados: (1) as pesquisas
experimentais e as pesquisas descritivas com delineamento experimental; (2) os estudos de caso;
(3) os estudos com entrevistas e/ou questionário e os levantamentos/survey. O foco de reflexão
abrange as temáticas e problemas de pesquisa, as abordagens metodológicas e seus
procedimentos, a relação entre grupo de controle e grupo experimental, a construção do
referencial teórico, as lacunas investigativas, bem como os resultados e as implicações para
futuras pesquisas na área.
12
O segundo capítulo discorre sobre as estratégias de estudo utilizadas na prática do piano,
considerando sua construção, aplicação e efeitos sobre a execução e tendo como parâmetro
investigativo as evidências de sua validação comprovadas por pesquisas empíricas ou pela
experiência de especialistas na área. Embora esteja listado um número significativo de
estratégias, esse capítulo aprofunda-se naquelas relacionadas à memorização, visto que o meu
estudo de caso baseou-se no processo músico-cognitivo envolvido na execução de memória.
Segundo Williamon (2004, p. 15), a pesquisa científica é um excelente veículo para validar e
mostrar a eficácia das estratégias de estudo para o aprimoramento musical, as quais foram
desenvolvidas por sicos e professores. Para esse autor, o futuro da pesquisa aplicada em
música, com o intuito de aperfeiçoar a execução musical, está vinculado diretamente à
colaboração entre intérprete, professores e pesquisadores, em busca de uma integração entre o
objeto de estudo e os métodos científicos.
O terceiro capítulo baseia-se justamente nas interações entre os capítulos 1 e 2, para
refletir criticamente sobre o estudo de caso no qual participei como sujeito. Através da
contextualização do ambiente de pesquisa e da descrição dos procedimentos envolvidos, o
capítulo discute: os procedimentos e técnicas de pesquisa; as relações de hierarquia entre
pesquisador e sujeito; as interferências (tanto do pesquisador como do sujeito) ao elaborar
estratégias para melhorar o desempenho nos testes experimentais; os processos operantes que
circundaram a investigação; a análise de dados; os resultados e suas implicações e as sugestões
para a solução de possíveis lacunas investigativas em pesquisas futuras.
CAPÍTULO 1
UM ESTUDO CRÍTICO DAS PESQUISAS EMPÍRICAS SOBRE O PLANEJAMENTO
DA EXECUÇÃO INSTRUMENTAL
1.1 APROXIMAÇÃO AO PROBLEMA E CONCEITUAÇÕES
A construção deste capítulo foi realizada através da análise e da discussão crítica das
pesquisas empíricas realizadas entre 1980 e 2007 com as temáticas sobre o planejamento da
execução instrumental. Foi elaborado um plano organizacional que pudesse englobar os inúmeros
artigos coletados, estabelecendo-se critérios de seleção e de ordenamento dos trabalhos de acordo
com o método de pesquisa empregado. Assim, a reflexão sobre as pesquisas empíricas iniciou-se
a partir da inserção desses trabalhos em três categorias relativas ao método de investigação:
a) Pesquisas experimentais e pesquisas descritivas com delineamento experimental;
b) Estudos de caso;
c) Estudos com entrevistas e/ou questionário e levantamentos/survey.
Muitas das pesquisas selecionadas empregaram mais de uma das abordagens
metodológicas acima descritas. Entretanto, esses trabalhos foram dispostos na categoria em que
um determinado método teve maior influência no delineamento da pesquisa. A partir dessa
categorização, cada trabalho foi analisado detalhadamente e inserido nas discussões das
tendências investigativas sobre o planejamento da execução. Esse capítulo examina os elementos
constitutivos das pesquisas empíricas: a organização metodológica e seus procedimentos, os
processos circundantes envolvidos na pesquisa, assim como os objetivos, as temáticas/problemas,
as hipóteses e variáveis, a construção do referencial teórico, as técnicas de pesquisa, a
amostragem, a coleta de dados, as lacunas, os resultados e as implicações.
Muitas questões foram levantadas e discutidas ao serem analisados os trabalhos empíricos
e as reflexões sobre o estudo de caso do qual participei para, dessa forma, fundamentar as
14
considerações sobre as relações epistemológicas existentes nas etapas de delineamento, aplicação
e de conclusão das pesquisas, tais como:
Que tipos de trabalhos estão sendo realizados e quais as temáticas e problemas mais
examinados?
Quais os objetivos das pesquisas? Esses são diferenciados ou apenas réplicas de estudos
realizados?
Quais as hipóteses levantadas nos trabalhos quanto ao planejamento da execução?
Existe avanço na área através dessas pesquisas, ou apenas se trata de uma reiteração de
um modelo investigativo já consolidado?
Como é enfocada a questão da interdisciplinaridade e da inserção de outras áreas
(psicologia da sica, neurociência, fisiologia, dentre outras) no delineamento dessas
pesquisas?
Quais os métodos de investigação?
Quais os procedimentos metodológicos mais utilizados?
Quais as lacunas investigativas? Qual seria a solução para evitá-las?
Existe alguma inovação na área? Qual seria esse progresso?
Para que direção a área do planejamento caminha e quais as suas perspectivas? Tendo em
vista que este tipo de pesquisa se tornou consistente a partir da década de 1980, será
possível enunciar qual o seu nível de andamento e o mérito alcançado?
Todos estes questionamentos foram relevantes para situar, dimensionar e ordenar, de
maneira explícita, essa linha de pesquisa dentro das Práticas Interpretativas.
1.1.1 Definição dos conceitos de Planejamento da Execução Instrumental e delimitação do
problema a ser investigado
A conceituação do que seja planejamento da execução no contexto deste trabalho é
indispensável para a análise precisa e imparcial do processo de pesquisa, a fim de focalizar o
problema e prevenir eventuais desvios do cerne investigativo. As definições foram retiradas dos
referenciais teóricos do presente trabalho e de autores relevantes, servindo para delimitar as
pesquisas e as fontes bibliográficas a serem percorridas e os limites temáticos pertencentes a essa
linha de pesquisa. Assim, entende-se por planejamento da execução instrumental:
15
A sistematização e organização consciente e refletida da prática diária do instrumento
através de um conjunto de estratégias e técnicas de estudo (utilizadas com um objetivo
específico a ser alcançado) as quais irão, indubitavelmente, otimizar os resultados da ação
músico-instrumental. Essas características estão relacionadas ao que Hallam denomina de
metacognição. Para essa autora, as estratégias metacognitivas estão centradas no
planejamento, monitoramento e avaliação do aprendizado (1997c, p.209). Segundo
Chaffin, (WILLIAMON, 2004, p.28), o músico deve ter uma grande variedade de
estratégias para serem usadas flexivelmente, de acordo com a finalidade do estudo e as
dificuldades a serem solucionadas. Hallam ressalta que músicos profissionais detêm o
controle sobre a prática instrumental, pois esses têm a “necessidade de ajustar
continuamente os processos de planejamento, coletando informações, formulando
hipóteses, fazendo escolhas e reconsiderando decisões”, ou seja, “alcançando o produto-
alvo no menor tempo possível” (1997c, p.181). Essas características são atributos do que
considera como uma prática efetiva, tendo como modelo o exame sobre a prática de
estudo do músico profissional. Sua pesquisa descritiva de 2001b sugere que o aumento no
nível de planejamento da prática instrumental pode ser uma característica necessária para
se tornar um músico de excelência (p.13).
O estudo do instrumento baseado em resultados qualitativos acima dos quantitativos,
partindo-se do pressuposto de que o conteúdo e a qualidade da prática são mais
importantes do que a quantidade de horas despendidas na prática (WILLIAMON e
VALENTINE, 2000). A qualidade subentende um constante auto-monitoramento do
desempenho técnico-motor em relação à produção sonora. Nesse sentido, Reid (2002,
p.110) postula que a prática deve ser vista como uma atividade que busca solucionar
problemas (problem-solving activity), em que o músico identifica a dificuldade para
encontrar meios de eliminá-la. Ressalto que essas soluções devem ser estabelecidas a
partir da resultante sonora, estabelecendo uma conexão onde a qualidade do estudo e da
execução relaciona-se à qualidade da sonoridade produzida.
A maneira como a representação mental e a estrutura da música influencia a execução e a
organização da prática instrumental (CHAFFIN et al. 2002). Para Williamon (2004, p.28),
as decisões iniciais sobre a técnica devem ser embasadas sobre a idéia musical e os
objetivos expressivos finais da execução. Sem isso em mente, muitas dessas decisões
16
poderão ser mudadas futuramente, ocasionando um prolongamento do período de
aprendizagem. A representação mental é fundamentada nas experiências musicais prévias,
ou seja, na familiaridade que temos com a obra em questão, estabelecidas pela apreensão,
entendimento e concepção imaginária da peça musical;
As etapas e o conteúdo do processo de aprendizagem que levam a uma execução em nível
de expertise. De acordo com Williamon (2004, p.8), o refinamento da habilidade musical
é proveniente de uma prática de estudo altamente eficiente após anos de experiência.
Outros autores também destacam que “o nível de proficiência em um determinado
domínio de conhecimento é uma função direta da quantidade e qualidade de esforço na
prática estruturada das habilidades específicas que o compõem” (ERICSSON et al.;
SLOBODA apud BORÉM, 2002, p.18). De acordo com Ericsson et al (1993, p.14), o
padrão de um desempenho superior vai além do domínio do conhecimento e da habilidade
com o instrumento, visto requerer contribuições inovadoras e relevantes para a área.
Assim, um músico eminente deverá fornecer novas idéias, teorias, métodos, técnicas e
interpretações distintas da música que executa.
A partir das conceituações acima, delimitou-se o espectro investigativo das pesquisas
empíricas sobre as estratégias, as técnicas e métodos empregados na prática do instrumento, a
organização do estudo e as etapas do processo de aprendizagem. Ficaram excluídos do foco desse
trabalho os princípios e os fatores circundantes que influenciam, de uma forma ou de outra, no
aprimoramento da aprendizagem musical, dentre os quais:
As várias formas de motivação e de concentração (GOODELL, 2004; HALLAN,
1995; MAEHR et al. 2002; O´NEILL e MCPHERSON, 2002; SMITH, 2005;
WILLIAMON, 2004);
A importância de uma orientação adequada e de supervisão por parte do professor
(SLOBODA, 1996; DAVIDSON et al. 1998; DUKE, FLOWERS e WOLFE,
1997; JORGENSEN, 2000; REDMOND e TIERMOND, 2001);
A infra-estrutura para a prática: ambiente de estudo, tipo de instrumento, suporte
financeiro, horário de estudo e apoio familiar (DUKE, FLOWERS e WOLFE,
1997; MACMILLAN, 2004; DAVIDSON e SCUTT, 1999; COPE e SMITH,
1997);
17
As atividades físicas e sua influência na otimização da execução instrumental
(WILLIAMON, 2004);
Os fatores externos como, sono, lazer e convívio social e sua relação com a prática
de estudo (ERICSSON, KRAMPE e TESCH-ROMER, 1993);
O aparato físico e a sua relação com a execução musical: postura correta, tensão,
técnicas de relaxamento, prevenção de lesões e condicionamento físico (BROWN,
2000; BEAUCHAMP, 1996; DENISON, 2000; SAKAI, 1992; WILLIAMON,
2004);
A relação entre aptidão natural, “talento” e habilidades adquiridas (HOWE,
DAVIDSON e SLOBODA, 1998);
A influência da ansiedade, estresse, distúrbios e medo de palco sobre execução
musical (STEPTOE, 1987, 1989; STANTON, 1994);
A leitura à primeira vista (LEHMANN e MCARTHUR, 2002; ERICSSON e
KINTSCH, 1995; LEHMANN et al. 1996, 2002; SLOBODA et al. 1998).
Os fatores acima citados, embora vinculados à prática pianística, não serão considerados
no âmbito desta investigação por apresentarem, em si mesmos, um forte potencial para desvirtuar
o foco do trabalho face a sua amplitude. Contudo, poderão ser citados caso seja pertinente dentro
da análise situacional da pesquisa sobre a prática de estudo.
1.1.2 Retrospectiva histórica das pesquisas empíricas sobre o Planejamento da Execução
Instrumental
Harald Jorgensen (WILLIAMON, 2004, p.87) apresenta uma retrospectiva histórica das
pesquisas empíricas sobre o planejamento da execução instrumental. Segundo fontes
bibliográficas, a data de 1916 marca a publicação do primeiro trabalho sobre os aspectos da
preparação de um repertório, a partir de um procedimento prático realizado pelo pianista húngaro
Sandor Kovacs. Esta pesquisa investigou meios de aprimorar a memorização e, em especial, a
importância do estudo mental da obra no início do processo de aprendizado de um novo
repertório. Os resultados mostraram que a retenção dos fragmentos musicais foi superior quando
aprendidas longe do instrumento (HALLAM, 1997c, p.207). Nas duas décadas subseqüentes a
18
esse estudo, apenas três trabalhos foram publicados: Brown (1928, 1933) examinando a relação
entre segmentação e não-segmentação da obra musical durante a prática e Eberly (1921)
investigando a coordenação entre as mãos durante a execução. O trabalho de Brown (1928) é
considerado um dos primeiros estudos experimentais sobre estratégias de estudo. Alguns anos
depois, entre 1937 a 1947, a psicóloga e educadora americana Grace Rubin-Rabson publicou uma
série de dez estudos sobre o comportamento durante a prática do instrumento. Williamon e
Valentine (2000, p.356), criticam muitos dos trabalhos de Brown e Rubin-Rabson, por terem
investigado a prática do instrumento e a memorização apenas requerendo que os sujeitos
aprendessem pequenas seções musicais. Assim, muitas das conclusões extraídas desses estudos
tendem a ser limitadas, visto que esses trechos musicais curtos não representam a complexidade e
o total esforço requerido no aprendizado de um determinado repertório. Conseqüentemente, não
proporcionaram uma situação de aprendizagem “real e familiar” ao músico para que o fenômeno
fosse examinado em contexto. Apesar dessas críticas, os trabalhos sobre memorização do
repertório pianístico de Rubin-Rabson (1937, 1939, 1940a, 1940b, 1941) são sempre citados por
pesquisadores que investigam os aspectos relativos à memorização, por terem sido estudos
pioneiros sobre as estratégias utilizadas na prática instrumental envolvidas no processo cognitivo
de assimilação mental do repertório. Conforme Coffman (1990, p.189), Rubin-Rabson foi a
primeira pesquisadora a investigar a prática mental e a mostrar que o estudo mental é superior à
prática física (de execução) para reter o conteúdo musical na memória.
O´Brien (1943), outro autor da área da psicologia, estudou algumas estratégias específicas
do planejamento da execução instrumental como a organização da prática a partir de seções
curtas e longas e sua influência na memorização. Outro autor pioneiro na área da psicologia da
música é C. E. Seashore (1937, 1938/1967, 1939), o qual é amplamente citado pelos autores dos
trabalhos da prática deliberada, principalmente o trabalho de 1939 abordando a extensão do
tempo gasto na prática. Seashore relata em seu livro (1938) alguns experimentos sobre aspectos
interpretativos da execução musical, como altura, timbre, tempo e intensidade
(MIKLASZEWSKI, 1989, p.95).
Outros autores que também realizaram trabalhos pioneiros foram Wicinski (1950) e
Manturzewska (1969). Wicinski realizou um estudo de entrevistas com eminentes pianistas
russos, dentre os quais, Richter, Gilels e Neuhaus. Foi averiguado como esses músicos estudavam
uma nova peça musical. A partir da prática de estudo, esses instrumentistas foram categorizados
19
em dois grupos: O primeiro formado pelos pianistas que dividiam o aprendizado em três etapas
(conhecimento da música e formação das idéias preliminares sobre como a peça deveria ser
executada; trabalho intensivo nos problemas técnicos; fusão das duas primeiras etapas com o
objetivo de formar a versão interpretativa final). O segundo grupo, constituído por pianistas que
tinham uma visão global e orgânica do processo de aprendizagem, os quais não dividiam o estudo
em etapas, mas o organizavam de acordo com a situação. Manturzewska (1969) efetuou um
estudo através de entrevistas com participantes do Concurso Internacional de Piano Frederich
Chopin para verificar como esses estruturavam sua prática instrumental. A autora relatou que
houve significativas diferenças entre os músicos. Todos os pianistas estudavam muitas horas e
com estratégias de estudo semelhantes. Os premiados, porém, tinham uma prática muito mais
sistemática, regular e disciplinada, preferindo estudar a realizar outras atividades (WICINSKI,
1950; MANTURZEWSKA, 1969 apud MIKLASZEWSKI, 1989, p. 96).
A partir de 1980 houve uma intensificação nas pesquisas sobre planejamento da execução,
sendo que, somente a partir de 1990 o número de trabalhos publicados na área aumentou
consideravelmente. Segundo Gabrielsson (2003, p.236), o estudo do planejamento da execução
instrumental iniciou-se tardiamente dentro do campo de pesquisa em Práticas Interpretativas, isto
é, somente a partir da segunda metade do século passado com a emergência da psicologia
cognitiva através do entendimento de como se formam as representações mentais da música e as
estratégias para uma prática eficiente. As razões para a intensificação dos trabalhos a partir do
final da década de 1980 foi devido aos novos recursos oferecidos pelo registro em vídeo e áudio
e, posteriormente, a utilização de programas de computador para a análise dos dados coletados,
além do crescente interesse dos pesquisadores na temática. Harald Jorgensen (WILLIAMON,
2004, p.87) relata que alguns resultados conflitantes têm aparecido no corpo de trabalhos
empíricos desde 1916. Todavia, não evidencia quais seriam esses e nem as inconsistências
encontradas nessas pesquisas. Uma das razões para a falta de legitimação ou abertura para
questionamentos em algumas dessas investigações talvez esteja centrada na fragilidade do
referencial teórico utilizado.
Um fator que vincula essas pesquisas sobre o planejamento da execução à área da
psicologia da música é o fato de que um maior desenvolvimento dessas pesquisas coincidiu,
também, com o período em que houve um incremento dos trabalhos em psicologia da música.
Segundo Williamon e Thompson (2004), foi somente a partir dos últimos trinta anos que a
20
psicologia da música emergiu como um campo unificado de pesquisa, com o surgimento das
Sociedades Internacionais (como, por exemplo, o European Society for the Cognitive Sciences of
Music e International Society for Music Perception and Cognition) e o lançamento de
importantes periódicos da área de psicologia da música: Psychology of Music, em 1973;
Psychomusicology, em 1982; Music Perception, em 1983; Musicae Scientiae, em 1997.
1.1.3 Temáticas abordadas pela linha de pesquisa do Planejamento da Execução
Instrumental
As temáticas investigadas podem ter muitas ramificações, abordagens e especificidades,
sendo que grande parte dos temas de pesquisa pode ser enquadrada dentro de algumas categorias
temáticas de maior abrangência, como:
a) Temáticas relativas à análise do comportamento durante o estudo; organização,
características e tipos de prática;
b) Temáticas que abordam as estratégias de estudo;
c) Temáticas que abordam a representação mental da música e processos cognitivos
envolvidos na memorização.
21
Tabela 1. Temáticas relativas à análise do comportamento durante o estudo;
organização, características e tipos de prática.
TIPO DE
PESQUISA
AUTOR (ES) ANO TEMÁTICA
BARRY 1992 Comportamento no estudo; efeitos da prática
estruturada/formal e da prática livre/informal
COFFMAN 1990
Tipos de prática X influência na otimização do aprendizado
DRAKE e PALMER 2000
Análise da prática, planejamento
ERICSSON et al 1993
Prática deliberada
ERICSSON e KRAMPE 1996
Prática deliberada
GRUSON 1988
Análise da prática x estratégias de estudo
ROSTRON e BOTTRILL 2000
Estrutura da prática X efeitos no rendimento da execução
WILLIAMON e
VALENTINE
2000 Relação quantidade x qualidade da prática
Pesquisas
experimentais e
pesquisas
descritivas com
delineamento
experimental
WILLIAMON e
VALENTINE
2002b A organização da prática a partir da estrutura formal da
peça
CHAFFIN; IMREH e
CRAWFORD
1
2002 Acompanhamento do processo de aprendizagem de uma
obra de J.S.Bach por uma pianista-concertista
CHAFFIN e IMREH 1997
2001
2002
Análise da prática de uma pianista-concertista;
memorização.
CHAFFIN e LOGAN 2006
A preparação de uma concertista para uma performance;
CHAFFIN; LISBOA e
LOGAN
2005 Acompanhamento do processo de aprendizagem até a
performance
CHAFFIN; LEMIEUX e
CHEN
2004 Diferenças interpretativas em execuções de uma mesma
peça
CHAFFIN; IMREH;
LEMIEUX e CHEN
2003 O papel da prática na solução de dificuldades técnico-
musicais em músicos proficientes
MIKLASZEWSKI 1989
Análise da preparação de um repertório
Estudos de caso
RENWICK e
MCPHERSON
2002 Relação entre repertório e motivação para a prática (análise
do comportamento de estudo) de uma clarinetista
BURLAND e
DAVIDSON
2002 Estudo de entrevistas com 18 músicos de nível de
excelência fatores atuantes na formação profissional
DANIEL 2001 Estudo com questionário para 35 instrumentistas sobre a
auto-avaliação da prática e da performance
HALLAM 1995a Estudo de entrevistas com 22 músicos sobre a prática de
estudo
HALLAM 1995b Estudo de entrevistas com 22 músicos sobre a relação entre
aprendizagem e interpretação
Estudos com
entrevista
e/ou questionário
HALLAM
1997b Estudo de entrevistas com 22 músicos profissionais e 55
iniciantes: análise da prática
1
Os estudos de caso de Chaffin et al., devido a sua abrangência e detalhamento, também, se inserem nas outras
tabelas temáticas.
22
AUTOR (ES) ANO TEMÁTICA
2
SLOBODA e HOWE 1991a
Estudo de entrevistas com 42 jovens alunos sobre
influências na formação instrumental
SOSNIAK 1985 Estudo de entrevistas com 21 pianistas concertistas sobre
seu desenvolvimento profissional
HARNISCHMACHER 1997 Levantamento com 151 instrumentistas sobre o efeito das
diferenças individuais na estruturação da prática
KOTSKA 2002 Levantamento com 261 alunos e professores sobre atitudes
e expectativas em relação à prática
JORGENSEN 1997 Levantamento com 182 alunos para verificar o tempo
despendido na prática
JORGENSEN 2002 Levantamento com bacharelandos sobre a relação entre
nível de habilidade e quantidade de estudo
MCPHERSON e
MCCORMICK
2003 Levantamento com 332 instrumentistas sobre o papel da
auto-eficiência na preparação da performance musical e nos
provas de execução
SLOBODA; DAVIDSON 1996 Levantamento com 257 crianças e jovens sobre seu
desenvolvimento musical
SLOBODA; MOORE;
DAVIDSON; HOWE
1996 Levantamento 257 crianças e jovens sobre a relação prática
e desenvolvimento da execução
Levantamento /
Survey
SMITH 2005 Levantamento com 344 instrumentistas sobre o
comportamento de estudo e análise de estratégias
TIPO DE PESQUISA
QUANTIDADE DE PUBLICAÇÕES
Pesquisas experimentais e pesquisas descritivas com
delineamento experimental
9
Estudos de caso 10
Estudos com entrevista e/ou questionário 7
Levantamentos / Survey 8
TOTAL DE PESQUISAS EMPÍRICAS
NA TEMÁTICA 1
34
2
Continuação da Tabela 1.
23
Tabela 2. Temáticas que abordam as estratégias de estudo.
TIPO DE
PESQUISA
AUTOR (ES) ANO TEMÁTICA
BURNSED e
HUMPHRIES
1998 Pesquisa experimental com 24 sujeitos, examinando o
efeito da reverter a importância das mãos, ênfase na mão
esquerda, no desenvolvimento da habilidade pianística,
CAMP BINKOFSKI,
HALSBAND
1994 O papel da percepção do agrupamento rítmico (estratégia
de agrupar notas para memorizar) na prática como
evidência para o desenvolvimento motor
COSTA 1999 Aplicação de diferentes tipos de estratégias de estudo
HALLAM 2001b
3
O desenvolvimento musical; estratégias de estudo
HENLEY 2001
Estratégias sobre tempo/andamento
LIM e LIPPMAN 1990
Tipos de estudo mental no processo de memorização
PARNCUTT et al. 1997 Estudo do dedilhado utilizado por 28 pianistas durante a
leitura de uma nova peça
Pesquisas
experimentais e
pesquisas
descritivas com
delineamento
experimental
ROSENTHAL et al. 1988 Efeitos de cinco estratégias de estudo sobre a execução
ao aprender uma nova peça musical
NIELSEN 1997
1999a
1999b
2001
Auto monitoramento no aprendizado de estratégias
durante a prática
Estudos de caso
4
PITTS; DAVIDSON;
MCPHERSON
2000 Tipos de estratégias cognitivas utilizadas por três
instrumentistas durante a prática
Estudos com
entrevista
e/ou questionário
HALLAM 1997a
2001a
Estudo com entrevista com 22 músicos profissionais e 55
alunos iniciantes sobre o desenvolvimento de estratégias
metacognitivas
Levantamento
Survey
BARRY e MCARTHUR 1994 Levantamento com 94 professores sobre o ensino de
estratégias de estudo
NIELSEN 2004 Levantamento 130 músicos avançados sobre utilização de
estratégias de estudo e o papel da auto-eficiência
TIPO DE PESQUISA QUANTIDADE DE PUBLICAÇÕES
Pesquisas experimentais e pesquisas descritivas com
delineamento experimental
8
Estudos de caso 5
Estudos com entrevista e/ou questionário 1
Levantamentos / Survey 2
TOTAL DE PESQUISAS EMPÍRICAS
NA TEMÁTICA 2
16
3
Embora essa pesquisa faça parte do mesmo estudo com entrevista, relatado nos demais artigos de Hallam, eu o
considerei como uma pesquisa descritiva com delineamento experimental, visto que esse artigo abordou,
principalmente, o resultado das gravações da prática de uma nova peça musical realizadas por 55 instrumentistas.
4
Alguns autores como Bogdan e Biklen (1994) adotam o termo estudo multicasos ou estudos de casos múltiplos para
designar estudos de caso que lidam dois ou mais sujeitos. O termo em inglês é multiple case studies. Selecionei
alguns estudos de caso que tiveram mais de dois participantes, como os de Nielsen (1999, 2001) com dois organistas;
e Pitts el al. (2000) com três instrumentistas. Para o presente trabalho decidi manter a mesma terminologia que esses
autores empregaram em suas pesquisas: estudos de caso.
24
Tabela 3. Temáticas que abordam a representação mental da música e os processos cognitivos
envolvidos na memorização.
TIPO DE
PESQUISA
AUTOR (ES) ANO TEMÁTICA
LEHMANN 1997
Representação mental da música
MISHRA 2002 Análise de estratégias eficiente e ineficientes na
memorização
WILLIAMON 1999
Os efeitos da performance memorizada sobre o ouvinte
Pesquisas
experimentais e
pesquisas
descritivas com
delineamento
experimental
WILLIAMON;
VALENTINE
2002a O papel da estrutura formal da peça na memorização
HALLAN 1997a Entrevista com 22 músicos profissionais e 55 iniciantes
sobre o desenvolvimento de estratégias de memorização
Estudos com
entrevista
e/ou questionário;
levantamento
HOLMES 2005 Estudo de entrevista com dois músicos profissionais sobre
os aspectos cognitivos, representação mental e
memorização.
TIPO DE PESQUISA
QUANTIDADE DE PUBLICAÇÕES
Pesquisas experimentais e pesquisas descritivas com
delineamento experimental
4
Estudos com entrevista e/ou questionário
2
TOTAL DE PESQUISAS EMPÍRICAS
NA TEMÁTICA 3
6
As fontes bibliográficas sobre o planejamento da execução mostram que os trabalhos
sobre a análise do comportamento durante o estudo - sua organização, características e tipos de
prática - constituem o foco temático principal dessa linha de pesquisa em Práticas Interpretativas.
Alguns assuntos, inseridos nas categorias acima citadas, são apoiados em pesquisas
desenvolvidas principalmente nos campos da psicologia da música (sob tendências da psicologia
cognitiva) e das neurociências. Assim, alguns termos e teorias de outras áreas do conhecimento
puderam ser aplicados e transformados de acordo com as características e objetivos da área da
música. O termo Prática Deliberada de Estudo foi criado justamente para ilustrar essa
interferência interdisciplinar na linha de pesquisa do planejamento da execução para designar as
estratégias de estudo que levam o pianista a alcançar um alto nível na execução instrumental.
Segundo Gabrielsson, significa uma “série de atividades cuidadosamente estruturadas
objetivando a otimização da execução e que pressupõe um elevado nível de motivação e de
esforço estendido” (2003, p.241). Desse modo, o resultado final da execução depende do trabalho
25
precedente e inclui a análise e a verificação dos processos e estratégias de sua preparação. Esta
denominação é empregada em trabalhos de Ericsson, Krampe e Tesch-Romer (1993), Ericsson e
Charness (1994), Ericsson e Krampe (1996), Ericsson e Neil (1994), Lehmann et al. (1996, 1997,
1998) e Sloboda et al. (1996), os quais postulam que o principal fator para o desempenho
instrumental de excelência é dado pela quantidade acumulada de horas de estudo - um mínimo de
dez anos na prática deliberada, eficazmente distribuída (GABRIELSSON, 2003, p.241).
Grande parte dos estudos sobre a temática “prática deliberada” em música foi realizada
através de pesquisas descritivas com delineamento experimental. O trabalho pioneiro sobre esse
tema é a pesquisa experimental de Ericsson et al. (1993). Esse estudo resultou em um dos
referenciais mais relevantes em relação à prática deliberada de estudo, sendo citado em muitos
artigos sobre o planejamento da execução instrumental. Com isso, através de entrevistas, uso de
diários de acompanhamento da prática, testes experimentais, observações e acompanhamento em
dois estudos descritivos, um com violinistas e outro com pianistas, chegou-se à conclusão de que
muitas características atribuídas ao talento inato provêm, na realidade, de uma extensa e
planejada prática de estudo ocorridas em um período mínimo de dez anos. A prática deliberada
também assegura que o estudo diário do instrumento engloba, além de suas etapas e atividades
estruturadas, outros aspectos subjacentes como fatores psicológicos, cognitivos, físicos,
emocionais, dentre outros. As pesquisas sobre a prática deliberada são influenciadas pelos
procedimentos metodológicos utilizados pela área da psicologia, tendendo a realizar estudos de
caráter prático e empírico.
Certas correntes de estudos dentro do planejamento da execução contrariam alguns
resultados apregoados pelos estudiosos da prática deliberada, a exemplo de Williamon e
Valentine (2000, 2002). Esses pesquisadores acompanharam o aprendizado e memorização de
obras de J. S. Bach com vinte e dois pianistas, divididos em quatro níveis de habilidade. O
trabalho opõe-se ao argumento de que a quantidade de horas de estudo é fator determinante para
a qualidade da execução. Ao contrário, notou-se que o conteúdo e a qualidade individual da
prática de estudo precisam ser investigados como fatores determinantes da habilidade musical,
sugerindo que não se considere somente o enfoque quantitativo ao examinar a constituição da
habilidade musical, mas, sobretudo, os aspectos qualitativos e de conteúdo dessa prática. Desse
modo, não é somente a quantidade de horas de estudo que determina o resultado, mas
principalmente como o tempo consumido nessa prática é distribuído e organizado, e se é capaz de
26
produzir resultados eficazes. Considerando as implicações da relação entre quantidade e
qualidade da prática como potencial temático para pesquisas, Williamon ressalta que, ainda, não
foi claramente determinado até que ponto a extensão e quantidade da prática resultam em
qualidade (2000, p.3). Hallam aponta que nem todas as evidências corroboram o argumento sobre
o número de horas como fator determinante para o nível de habilidade, visto que outros aspectos
como o conhecimento musical prévio e a qualidade da prática podem atuar como fatores
interferentes no desempenho musical (2001b, p.7).
As pesquisas sobre o comportamento de estudo podem elucidar muitas indagações
referentes à aquisição do conteúdo musical. Dentre os resultados encontrados, a partir da
observação de músicos com diferentes níveis de desempenho, notou-se que a condução da prática
depende do grau de habilidade do sico. Verificou-se que instrumentistas profissionais
demonstram extensivas habilidades metacognitivas e conseguem avaliar seus pontos fracos e
fortes, ou seja, aprendem como estudar e desenvolvem apropriadas estratégias para a prática
(CHAFFIN et al. 2002; HALLAM, 2001; WILLIAMON, 2004; dentre outros). McPherson e
McCormick (2003) registraram que os alunos que obtiveram melhores resultados de execução
exibiram maiores níveis de estratégias cognitivas, tais como estudar a música mentalmente,
avaliar criticamente seus esforços e organizar sua prática de estudo para alcançar resultados
produtivos. Isto mostra que a utilização de aspectos cognitivos durante o estudo é uma estratégia
importante para refinar o trabalho musical.
Outro foco temático dessas investigações são os trabalhos relacionados às estratégias de
estudo. Essas são, devido a sua especificidade e aplicação prática, as que apresentam o maior
potencial investigativo para serem examinadas através de pesquisas empíricas, visto que muitas
nunca foram testadas cientificamente (mesmo sendo embasadas em um contexto teórico e/ou
dentro da experiência do ensino do instrumento). Em relação ao número de pesquisas empíricas
sobre o planejamento, existem poucos trabalhos com delineamento experimental sobre as
estratégias de estudo empregadas na prática instrumental. Por outro lado, existem inúmeros
trabalhos puramente teóricos que abordam e sugerem cnicas e estratégias para serem utilizadas
no aprendizado do repertório. Esse conhecimento pode ser fonte para procedimentos que possam
testar as teorias formuladas.
Diversos trabalhos (HALLAM, 1995, 2001; BARRY, 1992; COSTA, 1999;
WILLIAMON, 2004; ERICSSON et al. 1993, dentre outros) mostraram que o uso flexível de
27
estratégias de estudo é uma das características da prática de músicos com nível de expertise. Isto
foi verificado na pesquisa participante de Chaffin et al. (2002), em que a pianista valeu-se de um
grande número de estratégias e utilizava-as de acordo com cada situação encontrada durante a
prática. Existem, assim, inúmeras possibilidades de estudos a serem realizados dentro dessa
temática e que poderiam revelar maneiras de aperfeiçoar a prática pianística através da validação
dessas estratégias, mostrando quais e como são utilizadas por músicos profissionais.
Embora em menor número, provavelmente as temáticas envolvendo os processos de
memorização e de representação mental da música
5
são, dentro do planejamento da execução
instrumental, as que apresentam o vel de maior desenvolvimento investigativo, englobando
trabalhos de resultados substanciais e de reconhecido mérito. Incluo também dentro dessa
temática, os estudos de caso de Chaffin et al. (1997, 2002, 2006), visto examinar a memória
proficiente em musicistas. A consistência científica deve-se à influência do embasamento teórico
das pesquisas realizadas no campo da psicologia e da neurociência e de pesquisadores dessas
áreas, os quais atuam em investigações na área da música, como Chaffin (2002), Davidson
(2004), Ericsson et al. (1993), Ginsborg (CHAFFIN et al. 2006b), Jorgensen (2000), Juslin
(2002), Lehmann (1997), Palmer (1997), Williamon e Valentine (2000), dentre outros. Segundo
Higuchi:
As pesquisas neurocientíficas proporcionaram informações a respeito do processo de
memorização que permitiram elaborar procedimentos eficientes para se desenvolver
uma memorização mais adequada para um aprendizado pianístico elaborado
(HIGUCHI, 2005, p.222).
Os estudos envolvendo a temática da memorização variam quanto ao método de pesquisa.
Um dos trabalhos de maior relevância e citação em artigos sobre a temática da memorização é o
estudo de caso realizado por Chaffin et al. (2002). Esse estudo apresentou um sistemático
processo de observação de uma concertista preparando o 3
o
Movimento do Concerto Italiano de
J. S. Bach (desde a leitura à gravação de um CD dessa obra), apresentando uma rigorosa análise
5
Termo utilizado pelos pesquisadores da psicologia da música para designar a apreensão, compreensão e concepção
imaginária de uma peça musical, a qual é fundamentada nas experiências musicais prévias do músico. Entre os
trabalhos mais relevantes sobre a representação mental estão: Lehmann (1997), Ericsson (1997), Lehmann et al.
(2007); Lehmann e Davidson (2002). Segundo Lehmann, o conceito de representação mental é ambíguo na
psicologia, referindo-se à reconstrução interna de um mundo exterior. Nas palavras de um renomado pianista e
professor, como Neuhaus (1967), esse conceito poderia significar “a imagem artística” da obra musical (LEHMANN
et al. 2007, p.19).
28
de sua prática. Outros trabalhos examinaram a temática a partir de um foco menos abrangente,
como o de Mishra (2002), utilizando apenas um pequeno trecho de uma peça musical para
verificar o tipo de estratégia de memorização empregada pelo músico e seguindo modelos
investigativos semelhantes aos estudos pioneiros realizados por Rubin-Rabson. Embora haja
avanço nas temáticas sobre a memorização, ainda há muito o que se investigar, principalmente se,
além de descrever as estratégias de memorização que os músicos utilizam, essas forem
selecionadas pelo pesquisador e aplicadas com sujeitos, a fim de comparar quais as estratégias
que melhor otimizam a retenção do conteúdo musical.
1.2 UMA REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE PESQUISAS EXPERIMENTAIS E PESQUISAS
DESCRITIVAS COM DELINEAMENTO EXPERIMENTAL
No material bibliográfico verificado, são poucas as pesquisa empíricas
1
delineadas por um
método experimental no sentido exato do termo, ou seja, com os rigores de um grupo de controle.
Por essa razão, no presente trabalho as pesquisas descritivas são referidas como estudos com
delineamento experimental. Uma parte significativa dos artigos publicados em periódicos da área
relata algum tipo de procedimento empírico para examinar determinado aspecto da organização
do estudo, das diferenças entre as práticas instrumentais e de comportamento do músico durante o
aprendizado. Todavia, as pesquisas descritivas com delineamento experimental são pouco
numerosas em proporção às investigações sobre a assimilação e o nível de desempenho realizado
em outras áreas do conhecimento. Todos esses trabalhos têm objetivos semelhantes, visto que
examinaram os processos envolvidos na aquisição de uma habilidade de excelência, seja essa
física e/ou mental. Ericsson e Charness (1994, p.725) afirmam que o estudo científico sobre um
desempenho proficiente começou a ser extensivamente investigado a partir de 1990. Muitos
desses trabalhos sobre o desempenho são oriundos de áreas como a psicologia cognitiva, a
neurociência e a medicina esportiva e analisam o fenômeno calcando suas bases em
procedimentos metodológicos específicos e com recursos de programas de computador para a
análise dos dados coletados.
Os trabalhos empíricos sobre o planejamento da execução instrumental têm se amparado
principalmente nas pesquisas que investigam o processo de assimilação de um determinado
conhecimento ou habilidade com ênfase nas relações entre a capacidade inata (mito do talento)
versus desempenho adquirido. Ericsson et al. (1993, p.6) enfatiza que a importância do mito do
talento e da genialidade, no decorrer da história, parece derivar-se da insuficiente quantidade de
hipóteses alternativas para explicar a natureza da execução em nível de expertise. Acrescenta,
ainda, que a visão amplamente divulgada de que os músicos “geniais” precisam de menos prática,
1
Barry (1992); Burnsed e Humphries (1998); Coffman (1990); Ericsson et al. (1993); Ericsson e Krampe (1996);
Rostron e Bottrill (2000).
30
é uma idéia que aponta justamente em direção oposta, ao considerar o histórico da prática desses
instrumentistas (p. 31). Felizmente, esses paradigmas arraigados têm sido paulatinamente
contestados com o aumento significativo de pesquisas na área da execução musical.
Nesse contexto, as pesquisas empíricas oriundas de outras áreas do conhecimento
serviram como referencial para trabalhos sobre o planejamento da execução a partir do fim da
década de 1980. O trabalho de Chase e Simon (1973) sobre enxadristas é um exemplo de uma
formulação teórica
2
que pôde ser aplicada e investigada posteriormente em pesquisas sobre o
planejamento da execução, principalmente nos estudos que abordaram a temática da prática
deliberada (ERICSSON, 1994; ERICSSON et al. 1993, 1994; KRAMPE e ERICSSON, 1996;
LEHMANN e ERICSSON, 1996). Assim, as pesquisas descritivas com delineamento
experimental têm-se mostrado propensas à interdisciplinaridade, a exemplo dos trabalhos na
temática da prática deliberada, os quais apresentaram elaboradas técnicas de pesquisa, sendo um
modelo que requer a participação de um pesquisador com formação multidisciplinar ou de
equipes interdisciplinares de pesquisa. Essa característica reflete-se no exíguo número de
pesquisas empíricas em música feitas sem a participação ou influência de um pesquisador de
outra área. O caminho a percorrer na linha do planejamento da execução aponta para uma
influência cada vez maior das relações interdisciplinares, na medida em que as pesquisas se
tornam estudos paralelos aos trabalhos realizados em outras áreas.
O material bibliográfico coletado apontou vinte e cinco pesquisas experimentais e
pesquisas descritivas com delineamento experimental sobre temáticas exclusivas do planejamento
da execução instrumental. Dessas, selecionei vinte trabalhos, baseado em sua contribuição para a
linha de pesquisa e relevância para a discussão da temática da tese: Barry (1992), Burnsed e
Humphries (1998), Coofman (1990), Costa (1999), Drake e Palmer (2000), Ericsson et al. (1993);
Ericsson e Krampe (1996), Gruson (1988), Hallam (2001b), Henley (2001), Lehmann (1997),
Lim e Lippman (1990), Mishra (2002), Parncutt et al. (1997), Rosenthal et al. (1988), Rostron e
Bottrill (2000), Williamon e Valentine (1999, 2000, 2002a, 2002b). Verifiquei, ao analisar e
confrontar esse material, inúmeros aspectos relevantes quanto aos processos investigativos
2
Os autores formularam a “regra dos dez anos”, na qual o nível de expertise de uma habilidade é, com raras
exceções, alcançado com o mínimo de dez anos de uma prática sistemática, estruturada e continuada. Ericsson e
Charness (1994, p.725) consideram essa pesquisa como um trabalho pioneiro. Nota-se que a conceituação da prática
deliberada foi baseada nessa teoria.
31
envolvidos e às relações epistemológicas circundantes, fornecendo subsídios para uma reflexão
crítica sobre os tópicos a seguir.
1.2.1 Quanto ao método e procedimentos metodológicos
Todas as pesquisas descritivas citadas utilizaram grupos de sujeitos para analisar o
comportamento de estudo, com o intuito de verificar o tipo de prática adotada pelos participantes
(BURNSED e HUMPHRIES, 1998; GRUSON, 1988; HALLAM, 2001b; ROSTRON e
BOTTRILL, 2000; WILLIAMON e VALENTINE, 2000), para verificar o tipo de estratégia que
o pesquisador quer colocar a prova
3
ou para comparar a influência de alguns fatores presentes na
prática de estudo
4
. Constatei que, em relação aos grupos de sujeitos, a maioria das pesquisas
apresentou coerência no gerenciamento desses grupos, havendo nivelamento de acordo com
vários critérios como idade, nível de habilidade e tempo de estudo.
Outros trabalhos, como os de
Ericsson et al. (1993), Ericsson e Krampe (1996) e Drake e Palmer (2000) apresentam técnicas de
pesquisa elaboradas e uma extensa análise dos resultados. Isto é peculiar às pesquisas realizadas
pelas áreas da psicologia cognitiva e das neurociências, das quais muitas são referenciais para
esses trabalhos. A opção por uma metodologia que emprega técnicas de pesquisa elaboradas
reflete-se no rigor acadêmico, na preocupação com a comprovação empírica dos resultados, na
abordagem laboratorial dos problemas de pesquisa e no caráter interdisciplinar desses trabalhos,
indicando também a formação em psicologia desses pesquisadores.
Ericsson et al. focam a temática da prática deliberada a partir das pesquisas experimentais
de 1993 e 1996. Segundo Ericsson e Charness (1994, p.726), seu método de pesquisa é baseado
no princípio de reproduzir, como em um laboratório, as condições necessárias para capturar a
rotina de prática de indivíduos de desempenho superior da maneira mais análoga possível.
Embora nesses trabalhos os conceitos sejam explicitados (como os da prática deliberada e a
análise do comportamento de estudo dos músicos investigados), os aspectos constitutivos da
prática deliberada e suas estratégias de estudo o foram detalhados. Esses autores (1996, p. 34)
salientam que alguns resultados de seu trabalho somente podem ser respondidos através de
3
Como a pesquisa de Coffman (1990) sobre os efeitos de quatro tipos específicos de prática no aprimoramento da
execução e o trabalho de Costa (1999), fornecendo estratégias de estudo para que os sujeitos optassem durante o
experimento.
4
Como a pesquisa empírica de Barry (1992) sobre as diferenças individuais e de gênero e o efeito das estratégias de
estudo na acuidade técnico-musical com instrumentistas submetidos a dois tipos de prática: uma estruturada/formal e
outra livre/informal.
32
estudos longitudinais, como, por exemplo, a relação entre a estrutura da execução de excelência e
os níveis atuais de prática deliberada de um instrumentista. Apesar dos autores apontarem a
importância dessas atividades para alcançar resultados qualitativos, em nenhum momento há uma
especificação de quais seriam ou como se aplicariam as estratégias utilizadas por experts.
Acredito que essa questão possa ser melhor respondida através dos estudos de caso, a exemplo da
pesquisa participante de Chaffin et al. (2002), que mostrou minuciosamente o processo de
aprendizagem. Independentemente do método escolhido, as pesquisas empíricas devem ser
criteriosas na estruturação de seus procedimentos metodológicos, seguindo um rigoroso processo
organizacional. A reflexão crítica sobre as pesquisas com delineamento experimental será
realizada a partir dos seguintes itens:
1.2.1.1 Delineamento experimental: a questão do grupo de controle e do grupo
experimental;
1.2.1.2 Outras técnicas de pesquisa empregadas;
1.2.1.3 Avaliação dos resultados.
1.2.1.1 Delineamento experimental: a questão do grupo de controle e do grupo experimental
A relação entre grupo experimental e grupo de controle é uma discussão que deve ser
empreendida considerando-se inúmeros fatores que constituem a investigação de um determinado
fenômeno. Como a área da música trabalha com um objeto passível de subjetividade e focado nas
características individuais do sujeito, torna-se necessário que os métodos tenham que se adequar
às características dos pesquisadores, dos sujeitos e do problema a ser investigado. Chaffin et al.
(2002) argumentam que muitas das pesquisas sobre a prática instrumental são realizadas por
profissionais de diferentes especialidades. Por isso o método deve ser adaptado, tanto por
necessidade dos pesquisadores quanto por escolha da temática, pois as bases epistemológicas são
relativamente fluidas (p.13). Acredito que a questão da adaptabilidade não deve ser vinculada à
imposição de que o músico/pesquisador necessite ter formação multidisciplinar. Existem
trabalhos empíricos realizados por músicos sem titulação em outras áreas que, nem por isso são
menos relevantes. Dentre as seis pesquisas experimentais (no sentido exato do termo, ou seja,
com um grupo de controle) examinadas no presente trabalho, duas foram realizadas por
pesquisadores com titulação na área da música: Nancy Barry (1992) e Don Coffman (1990).
33
O fato de existir ou não um grupo de controle na pesquisa não determina a sua
credibilidade ou restringe seus resultados. Sua contribuição à área do conhecimento depende mais
de como essa pesquisa foi estruturada, da relevância de seus resultados e de como o método
escolhido foi inserido no delineamento da investigação. Percebi que em torno de 75% das
pesquisas empíricas analisadas não utilizaram um grupo de controle, a exemplo da pesquisa de
Doris da Costa (1999), investigando como os sujeitos respondem a uma prática estruturada e
variada, a partir da utilização de estratégias de estudo selecionadas. De acordo com a autora
(p.67,76), não foi possível quantificar o progresso da aprendizagem musical dos sujeitos, nem
meios de verificá-lo devido à ausência formal do grupo de controle. Isso limitou algumas
avaliações dos resultados sobre o aprimoramento técnico, a fluência musical, a memorização e o
aprendizado mais rápido. Esses ítens não puderam ser avaliados devido à falta do registro da
prática de estudo em vídeo. Entretanto, a mesma salientou que com a aplicação de questionários e
de entrevistas semi-estruturadas foi possível verificar como os indivíduos perceberam seu
processo de aprendizagem. Embora as entrevistas realizadas após o término do período de cinco
semanas indicassem que houve um aumento considerável da aprendizagem musical, esses
resultados teriam maior validade se houvesse como compará-los com um grupo de controle. Seria
meritório para a área do planejamento da execução que as pesquisas que objetivam a aplicação de
estratégias de estudo incluíssem um grupo de controle para melhor legitimar os resultados.
Costa (1999) acrescenta outros fatores limitantes, como a amostragem relativamente
pequena (vinte e oito participantes) e a necessidade de que os sujeitos fossem estritamente
monitorados durante a prática individual de estudo. Quanto à amostragem em questão, creio que
seja um número razoável de participantes, até mesmo para incluir um grupo de controle. O
problema não aparenta estar na quantidade de participantes, mas na falta de homogeneidade do
grupo selecionado, ao saber que dos vinte e oito sujeitos, dezoito tocavam instrumentos de sopro,
oito tocavam instrumentos de corda, um estudava contrabaixo e apenas um era pianista. Desse
modo, a heterogeneidade dos sujeitos parece indicar que não houve intenção da autora em
direcionar as estratégias para um instrumento específico. Costa aplicou vinte e seis estratégias em
sua pesquisa, sendo que, embora pudessem ser generalizadas a quase todos os instrumentos,
muitas delas eram específicas aos de sopro. No caso do piano, não havia menção sobre o estudo
de mãos separadas, um recurso amplamente utilizado e que considero imprescindível para a
34
eficiência da aprendizagem pianística
5
. Conseqüentemente, essa pesquisa apresentou um
resultado que, embora significativo, ainda assim não poderia ser validado cientificamente como
parâmetro para o ensino do piano, visto que não se direcionou para a especificidade desse
instrumento. Nesse contexto, a amostragem realmente foi insuficiente ao ter apenas um pianista,
sendo aconselhável incluir um grupo de controle para respaldar os resultados. Desse modo, abre-
se a possibilidade de uma continuidade desse trabalho sob uma perspectiva investigativa voltada
ao piano.
Ericsson e Krampe (1996, p.18) ressaltam que um problema comum aos estudos sobre a
execução em nível de expertise está em, justamente, conseguir uma amostra que exiba esse
padrão e que esteja disponível para participar da pesquisa. Conseqüentemente, a comparação
estatística entre esses grupos ficaria limitada a um reduzido número de participantes
6
. Nota-se
que, além da dificuldade de encontrar um grande número de sujeitos com essa qualificação,
pianistas com tal competência dificilmente dispõem do tempo necessário para participar de uma
pesquisa desta natureza. Convencê-los a testar de maneira explícita suas habilidades como
músico também pode ser um empecilho. Nesse sentido, um estudo de caso poderia ter maior
apelo a esse profissional, pois tal procedimento talvez não lhe pareça um teste comparativo para
provar seu desempenho, mas, tratar-se-ia apenas da observação do seu comportamento de estudo.
Independentemente do método utilizado, tanto uma pesquisa experimental quanto um estudo de
caso expõem seu processo de preparação do repertório, revelando um aspecto íntimo e frágil da
prática instrumental, a qual o pesquisador precisa ater-se ao interagir com o sujeito.
Algumas pesquisas utilizaram vários grupos de controle, tornando ainda mais complexa a
análise comparativa dos dados caso o pesquisador não tenha domínio sobre a manipulação de
dados estatísticos e dos procedimentos interdisciplinares envolvidos. Ericsson et al. realizaram
dois estudos experimentais no trabalho de 1996. No Estudo I, os autores utilizaram dois grupos
de controle para mostrar que a prática deliberada e continuada na fase jovem/adulta e idosa atua
como fator de manutenção do nível de expertise em pianistas profissionais, especialmente a
5
Segundo Gruson (1988, p.106), um dos resultados de sua pesquisa empírica com 43 pianistas em diferentes estágios
da formação profissional, foi uma maior utilização do estudo com mãos separadas, na proporção em que se
aumentava o nível de desempenho técnico-musical. Além de evidências empíricas, renomados pianistas também
utilizam o estudo de mãos separadas: o pianista Jorge Bolet costumava estudar as mãos separadas e com andamento
lento (NOYLE apud CHAFFIN et al. 2002, p.44) e o pianista Ernest Hutcheson sempre memorizava as mãos
separadamente (COOKE apud CHAFFIN et al. 2002, p.55).
6
Em sua pesquisa de 1996, Ericsson utilizou quatro grupos (dois de controle e dois experimentais) compostos por 48
pianistas clássicos. Desses, metade era formada por profissionais. Embora seja um mero significativo, Ericsson o
considera reduzido.
35
prática durante os últimos dez anos. Para Ericsson (p.19), um dos objetivos foi demonstrar que a
quantidade de prática deliberada é responsável não somente pelas diferenças entre os grupos,
como também pelas diferenças individuais dentro dos grupos de sujeitos. O grupo de controle
mostrou sinais padrões de deterioração de algumas funções ligadas à velocidade decorrentes da
idade, fato também mostrado em muitas pesquisas de outras áreas. Assim, para esses autores, isso
validou a escolha do grupo de controle, formado por pianistas amadores da mesma idade do
grupo experimental, servindo como parâmetro de comparação. Nota-se que, os autores estavam
conscientes dos critérios a serem adotados para selecionar o grupo de controle e, de certa
maneira, ao estabelecê-los, anteviram que a hipótese levantada (a influência da prática deliberada
sobre a manutenção da habilidade) seria validada através do grupo de controle.
1.2.1.2 Outras técnicas de pesquisa empregadas
A entrevista foi um dos procedimentos metodológicos utilizada em quase todas essas
pesquisas, geralmente para saber o histórico da prática de estudo, a descrição da prática e as
impressões do sujeito no pré-teste e no pós-teste. Williamon e Thompson (2004, p.19-20)
afirmam que a entrevista semi-estruturada
7
é um tipo de técnica qualitativa empregada
extensivamente nas pesquisas em música. Ericsson et al. (1993 e 1996) utilizaram entrevistas
semi-estruturadas no pré-teste para saber, em detalhes, a biografia e a formação musical dos
sujeitos desde o início da aprendizagem instrumental, incluindo a quantidade de horas no estudo
de piano. Esses dados foram essenciais para seu problema de pesquisa, tendo em vista que a
relação quantidade e nível de desempenho é um dos cernes da prática deliberada. A inclusão da
entrevista em praticamente todas as pesquisas descritivas evidencia a importância desse
procedimento para complementar as informações e os dados necessários, que poderiam ficar
exclusos caso o fenômeno fosse analisado somente com a observação do comportamento de
estudo.
Hallam utilizou entrevistas em muitos dos seus trabalhos. Nota-se que em sua pesquisa
empírica de 2001b houve grandes discrepâncias quando os dados da entrevista foram comparados
com os da observação da prática do instrumento. Alguns alunos relataram utilizar estratégias de
estudo durante a entrevista, mas não as utilizavam quando estudavam o instrumento. Nesse caso,
7
Baseada em perguntas previamente preparadas, servindo de eixo orientador ao desenvolvimento da entrevista. Cada
pergunta será seguida por um número de questões pré-determinadas ou formuladas diretamente das respostas de
questões anteriores (WILLIAMON e THOMPSON, 2004, p.20).
36
a observação exterior realizada pelo pesquisador e/ou por um avaliador externo pode prover
análises relevantes para confrontar o relato do sujeito com o real resultado de sua prática. É
justamente nesse tipo de observação que os pesquisadores da área da psicologia da música
fundamentam suas pesquisas. Por outro ângulo, o fato da maioria das pesquisas utilizarem apenas
a observação do pesquisador da área da psicologia da música faz com que, muitas vezes, somente
o produto final seja avaliado (geralmente alguns aspectos cognitivos relacionados à psicologia),
sem que haja uma observação detalhada do período de aquisição da habilidade. Este dado talvez
tivesse outro tipo de resultado caso fosse analisado por um especialista da área instrumental.
Em alguns trabalhos, além das entrevistas, foi aplicada a utilização de diários de
acompanhamento dos estudos, para que o sujeito anotasse desde a duração e o estilo de
aprendizagem durante a prática (ROSTRON e BOTTRILL, 2000; VAUGHAN, 2002), até
relatórios completos de todas as atividades realizadas durante 24 horas. Ericsson et al. (1993 e
1996) utilizaram o diário para saber a rotina exata dos sujeitos, sendo coletada durante uma
semana de acompanhamento. Os participantes escreviam suas atividades dividindo-as em
períodos de 15 minutos durante as 24 horas. Após descrever o que foi realizado durante uma
semana, os sujeitos codificaram cada ocupação de acordo com as categorias de atividades listadas
pelos pesquisadores. O diário serviu para quantificar e relacionar, com outras tarefas, as horas
despendidas no estudo do instrumento, as quais, para os pesquisadores, referiam-se à prática
deliberada. Verificou-se que, independentemente da idade, os profissionais que realizaram uma
prática deliberada foram capazes de manter o aparato motor à medida que envelheciam, tendo
uma execução melhor do que pianistas amadores (1996, p.348). Nesse caso, os autores
compararam o fator prática deliberada versus experiência acumulada. O diário mostrou-se eficaz
ao apontar alguns detalhes da rotina dos participantes, principalmente no concernente à extensão
do estudo. Nesse sentido, a utilização dos diários, além de descrever as atividades realizadas
durante a prática instrumental, pode registrar acontecimentos quando não for possível a gravação
em vídeo.
A utilização do registro da prática e da execução em vídeo é uma das técnicas de pesquisa
mais úteis, sendo amplamente utilizado para coletar dados sem que haja uma maior
“interferência” do pesquisador no ambiente de estudo
8
. Segundo Williamon e Thompson (2004),
8
Todos os estudos de caso de Chaffin utilizaram o registro em vídeo, incluindo àquele no qual fui sujeito (aspecto a
ser detalhado no capítulo 3).
37
o registro em deo é menos intrusivo do que ter a presença do pesquisador durante a coleta dos
dados. Eles salientam ainda que, com a utilização prolongada desse recurso, o sujeito poderá
acostumar-se com a gravação, diminuindo seu nível de ansiedade e tornando a coleta “quase-
realista” (2004, p.16). Williamon e Thompson justificam a utilização do vídeo com o argumento
de que o principal obstáculo da pesquisa sobre a execução musical está no método de observação:
necessidade de que a performance seja observada, mas sem o prejuizo da interferência, como
costuma acontecer no processo de coleta dos dados (p.17). Entretanto, nota-se que toda a
pesquisa envolvendo observação da execução instrumental é interferente.
Verifiquei que a presença do pesquisador, nas fases de coleta da pesquisa experimental de
Rostron e Bottrill (2000), pode ter atuado como uma variável o-prevista. Durante a
aprendizagem, os pesquisadores deixavam os sujeitos estudarem a peça sem a sua presença para
proporcionar um ambiente mais “natural”, havendo apenas a gravação em áudio. Porém, no final
do processo de aprendizagem (cinco dias para ler, estudar e executar a Novelette em Dó Maior de
Poulenc) os pesquisadores solicitaram que os pianistas executassem a peça em sua presença,
“como se estivessem tocando para um público real, com o melhor de sua habilidade” (2000,
p.47). Nesse contexto, levanto uma questão: será que os resultados poderiam ser alterados por
haver a incursão de variáveis não-programadas, como a ansiedade provocada pela presença dos
pesquisadores e por ter que apresentar um bom desempenho mesmo sabendo que a peça não
estava suficientemente madura para ser executada? Nesse caso, seria pertinente que o pesquisador
tivesse utilizado o registro em vídeo para colher dados da execução, antes de pedir que os sujeitos
executassem a peça para ele, podendo, assim, comparar os resultados com e sem a sua presença.
1.2.1.3. Avaliação dos resultados
Em várias pesquisas, a avaliação dos resultados deu-se através de programas de
computador, sendo que os dados da execução foram coletados por intermédio de pianos
computadorizados. Quanto aos recursos empregados, muitas pesquisas registraram, em áudio
e/ou vídeo, a prática e/ou execução instrumental em um piano acústico, digital ou sintetizador,
para posterior observação. Estes aparatos trazem precisão estatística aos dados analisados, sendo
obrigatórios em trabalhos que avaliaram a execução através de erros de notas e de desvios
rítmicos e de tempo, como os de Palmer e Van de Sande (1995), Ericsson et al. (1993), Ericsson e
Krampe (1996), Drake e Palmer (2000) e Henley (2001). A pesquisa de Drake e Palmer (2000)
38
avaliou a aprendizagem de uma peça musical com sessenta pianistas iniciantes e experientes,
divididos em cinco grupos. Os dados obtidos foram analisados por computador e indicaram que
um gradual aprimoramento do tempo da execução, da precisão dos resultados técnico-
musicais, do planejamento de estudo e da antecipação de problemas a serem solucionados à
medida que aumenta o nível de habilidade e a prática de estudo do pianista.
Algumas pesquisas empíricas utilizaram uma banca externa ao experimento para julgar a
execução musical, como, Hallam (2001b), Lim e Lippman (1990), Rostron e Bottrill (2000) e
Williamon e Valentine (2002a). Esses últimos convidaram três pianistas experientes para avaliar
a gravação em vídeo de vinte e dois pianistas, executando obras de J. S. Bach. A pesquisa
experimental de Barry (1992) empregou três jurados independentes para julgar gravações das
execuções do pré-teste e do pós-teste. Os critérios de avaliação foram: acuidade rítmica, melódica
e musicalidade. No entanto, não foi mencionado, por exemplo, destreza cnica ou interpretação.
Estariam esses últimos implícitos nos três critérios de avaliação? A análise das gravações do pós-
teste pelos examinadores indicou que o grupo experimental, o qual vivenciou uma prática
estruturada, foi o que apresentou melhor desempenho no pós-teste das categorias de avaliação
analisadas. No grupo de controle essa variação foi pequena ou insignificante comparada ao grupo
experimental. Assim, o resultado mais evidente dessa pesquisa foi quanto às diferenças
significativas observadas entre os dois grupos de prática examinados: a comparação entre o pré-
teste e o pós-teste revelou a superioridade de todas as variáveis mensuradas no grupo que
vivenciou uma prática estruturada, através da utilização de estratégias de estudo apropriadas.
A pesquisa experimental de Ericsson e Krampe (1996) recorreu a três jurados para avaliar
as gravações da execução do Prelúdio I do Cravo Bem Temperado, Vol. I, de J. S. Bach, a fim de
ordenar as melhores interpretações, mas sem que o júri tomasse conhecimento dos participantes.
Os sujeitos fizeram três gravações consecutivas da obra e os jurados julgaram apenas a segunda
gravação. A avaliação dos resultados confirmou a hipótese de que existe grande diferença
qualitativa na execução pianística entre amadores e profissionais. Os profissionais cometeram
menos erros e aplicaram maior força no toque, além de ter maior variação de dinâmica. A
participação de um júri externo e independente nesses tipos de pesquisa assegura o caráter de
neutralidade que deve ser imposto em uma área passível de análises subjetivas e divergentes
sobre a execução instrumental. Os resultados poderão ter maior imparcialidade caso o
pesquisador, ainda que esse seja músico profissional, se exima de avaliar a execução dos sujeitos,
39
deixando essa tarefa para o júri independente ou que utilize essa banca para avaliação paralela à
sua, comparando os resultados com o seu parecer. Todavia, o referido júri torna-se indispensável
quando a investigação sobre o planejamento da execução é realizada por um pesquisador sem
qualquer formação musical.
Muitas pesquisas descritivas utilizam elaborados modelos estatísticos para comparar os
dados coletados, como as pesquisas de Ericsson et al. (1993, 1996). Esses trabalhos utilizaram
complexas técnicas de pesquisa nos testes experimentais e um aparato da área da psicologia e da
fisiologia, sendo que os resultados dos testes foram avaliados a partir de teste e análises
estatísticas de variância (ANOVA) e de covariância (ANCOVA)
9
. A utilização desses elaborados
modelos estatísticos nas pesquisas na área da música requer um conhecimento específico que
dificilmente um músico sem experiência em estatística teria como empregar. Talvez esse
contexto explique a escassez de trabalhos empíricos nessa linha temática realizados
exclusivamente por músicos, além de justificar a necessidade de que os centros de pesquisa em
música repensem a interdisciplinaridade, a fim de trabalhar conjuntamente com pesquisadores
que colaborem na estruturação e participação das pesquisas. Acredito que a área do planejamento
da execução alcançou um nível investigativo em que há necessidade que esses centros de
pesquisa em música incluam, no seu corpo docente, um profissional formado em psicologia da
música.
1.2.2 O problema do referencial teórico das pesquisas empíricas
1.2.2.1 Aproximação ao problema
Um dos maiores entraves e motivos de crítica nas Práticas Interpretativas referem-se à
inconsistência ou falta de um arcabouço teórico capaz de sustentar as pesquisas na área. Em
muitos trabalhos, os autores queixam-se de que “a própria teoria da performance musical carece
de um corpo teórico sólido” (DUNSBY apud SANTIAGO e BRITO, 2005, p.166). No estudo de
caso sobre o aprendizado de estratégias de estudo realizado por Nielsen (1999, p.276), foi
mencionada a questão da fragilidade ou ausência de um referencial teórico que possa sustentar o
exercício prático, tão característico da área. Borém (2002, p.15) declara que, no Brasil, são
9
Em estatística, a análise de variação (ANOVA) é uma coleção de modelos estatísticos. As técnicas de análise das
variações foram desenvolvidas pelo geneticista e estatístico R.A. Fisher nas décadas de 1920 e 1930. A ANCOVA é
a fusão da ANOVA e a regressão para variáveis contínuas.
40
poucos os trabalhos na área de Práticas Interpretativas que têm sido bem fundamentados
teoricamente.
Muitos autores, a exemplo de Chaffin (2002) e Williamon (2004), defendem as pesquisas
empíricas como forma de mostrar a eficácia de determinadas estratégias de estudo. Nesse sentido,
percebe-se a existência de inúmeras possibilidades temáticas sobre o planejamento da execução a
serem examinadas através de um procedimento científico. Entretanto, existe uma dificuldade de
se encontrar um sustentáculo que possa fundamentar essas pesquisas. Williamon (2004, p.15)
salienta que existem muitas estratégias e métodos de estudo capazes de aprimorar as habilidades
física e mental exigidas na execução do instrumento, embora muitas destas não tenham sido
validadas através de uma pesquisa sistemática ou estejam embasadas por um referencial teórico
adequado.
O fato das pesquisas descritivas com delineamento experimental sobre o planejamento da
execução terem caráter interdisciplinar e serem realizadas, em grande parte dos trabalhos, por
pesquisadores com formação em outras áreas do conhecimento, faz com que o referencial
utilizado tenda a ser extraído dessas áreas. Outro fator envolvido na escolha desse referencial é
que a execução musical, que possui atributos de uma atividade performática de elevada
complexidade e de exigência física, é passível de ser analisada com os parâmetros metodológicos
e analíticos de outros estudos que envolvem a habilidade física e mental. Desse modo, muitas
pesquisas que investigaram a prática instrumental foram realizadas nos departamentos de
psicologia, sendo analisadas sob os parâmetros metodológicos dessa área.
A maioria dos estudos empíricos sobre planejamento da execução tem como referência ou
foram baseados em outras pesquisas das áreas da psicologia e da neurociência. Alguns têm maior
impacto, sendo freqüentemente citados nos trabalhos com delineamento experimental como, por
exemplo, a investigação de Chase e Simon
10
(1973) sobre os processos que mediam os altos
níveis de desempenho dos enxadristas de nível internacional. Essa pesquisa é citada,
principalmente, nos artigos que investigaram a prática deliberada, visto que os autores
propuseram a “regra dos dez anos”
11
, sendo, posteriormente, assimilada como de caráter
normativo da prática deliberada. Esses autores também formularam a Teoria do Agrupamento
10
CHASE e SIMON. The mind´s eye in chess. In: CHASE. Visual information processing. San Diego, CA:
Academic Press, 1973, p.215-281.
11
Reitero a conceituação da “regra dos dez anos”: o nível de expertise em um determinado domínio não é alcançado,
com raras exceções, com menos de dez anos de experiência em uma prática efetiva (CHASE; SIMON apud BORÉM,
2002, p.17).
41
(Chunking
12
Theory) que tornou-se referencial para diversos trabalhos realizados por
pesquisadores da área da psicologia da música. Segundo Williamon, essa teoria propõe que a
proficiência em uma determinada habilidade é adquirida pelo aprendizado e a utilização de um
grande banco de informações provenientes do agrupamento (WILLIAMON, 2002, p.2). Chase e
Ericsson (1982) elaboraram outra teoria para resolver certas limitações da Teoria do
Agrupamento. Eles a denominaram de Teoria da Memória de Excelência (Skilled Memory
Theory
13
), postulando que a memória proficiente é resultante da criação e do uso eficiente das
estruturas que retiram as informações da memória de longa duração (WILLIAMON, 2002, p.2).
Conforme esses e outros referenciais, verifiquei que as pesquisas descritivas com delineamento
experimental, sobre o planejamento da execução, têm uma significativa parte da sua
fundamentação teórica calcada em trabalhos não específicos da área de Práticas Interpretativas,
utilizando outras pesquisas empíricas como moldes.
1.2.2.2 O referencial teórico em relação às temáticas investigadas
Os pesquisadores da prática deliberada são regularmente mencionados nas publicações
sobre o planejamento da execução, principalmente Ericsson et al. com o trabalho de 1993.
Embora essa pesquisa seja referência, sendo citada na maioria dos artigos que aborda a prática do
instrumento, alguns pesquisadores questionam certas conclusões, a exemplo do estudo com
entrevista realizado por Sloboda (1996). Os resultados de Sloboda apontaram que músicos de
nível de expertise não estudavam com a mesma disciplina averiguada no trabalho de Ericsson.
Sloboda (p.184) aponta que a divergência entre os resultados pode estar na cultura onde as
pesquisas foram realizadas (Ericsson, na Alemanha e Sloboda, na Inglaterra) e na amostra de
sujeitos, pois os pesquisados por Sloboda eram mais jovens e com menos experiência no
instrumento. Além disso, Ericsson coletou o material em apenas uma semana de observação.
Assim, Sloboda (1996, p. 184) aponta que os dados coletados podem ter sido insuficientes para
uma avaliação precisa sobre as estratégias de estudo utilizadas.
12
Chunking, ou agrupamento é uma coleção de informações que formam uma unidade significativa (WILLIAMON,
2002, p.2). Esse termo é utilizado por Chaffin para explicar os processos cognitivos envolvidos nos guias de
execução. O detalhamento sobre esses guias será realizado no capítulo 3. Segundo Reid (2002, p.110), Uma das
melhores estratégias de estudo é dividir o material musical em unidades pequenas (“into chunks of small size”) para
garantir o progresso da aprendizagem.
13
Essa teoria tem sido comumente aceita para explicar a formação da memória expert (WILLIAMON, 2002, p.3).
42
Certamente, muitas variáveis podem influenciar os resultados encontrados. Considero que
uma teoria formulada a partir de um único ou poucos experimentos poderá ser limitada, visto que
abrange somente uma determinada amostra, dentro de uma demarcação de tempo e espaço. Desse
modo, a teoria restringe-se à situação e ao ambiente em que foi inserida. Por esta razão, se as
pesquisas descritivas optam somente por critérios empírico-científicos para a escolha do
referencial teórico, deve-se, igualmente, aceitar que uma teoria terá mérito somente após ter sido
testada e comprovada através de inúmeras pesquisas e com uma amostra de grande proporção.
Espera-se que uma teoria seja um sistema de proposições em que não se encontram asserções
contraditórias. Sendo assim, os atributos assegurados à prática deliberada, por exemplo, devem
ser igualmente colocados à prova, por intermédio de inúmeras pesquisas envolvendo outras
variáveis e situações investigativas para que se possa chegar a uma conceituação unânime entre
os teóricos e pesquisadores da área.
A construção do referencial teórico da prática deliberada tem fundamentos em trabalhos
empíricos realizados em diversas áreas, como pesquisas que analisaram as habilidades física e
intelectual nos esportes, na matemática, na digitação, nos testes de Q.I., além de escritores,
atletas, cientistas, jogadores de baseball, dentre outros. As pesquisas de Ericsson et al. (1993 e
1996) listam um abrangente referencial de outras áreas do conhecimento, mas poucas são
relativas à área da música: Hayes (1981), por exemplo, confirmou que no campo da composição
o músico necessita de, no mínimo, dez anos de experiência para compor uma obra prima. Ainda
são mencionados os estudos com entrevistas de Sosniak (1985), com pianistas-concertistas, e de
Sloboda (1991), com músicos profissionais. Mesmo assim, esses trabalhos são vagamente
relatados por Ericsson, principalmente o de Sosniak
14
. Talvez, a exígua menção de pesquisas na
área da música pode ser justificada pela pouca produção empírica no início do desenvolvimento
da linha de pesquisa sobre o planejamento da execução.
O fato mais contundente nas pesquisas de Ericsson et al. (1993, 1996) é a falta de
referência aos trabalhos puramente teóricos sobre os quais os especialistas na área da música
entendem como sendo uma prática deliberada. Esses trabalhos puramente teóricos existem há
bastante tempo, apoiados sobre as tradicionais escolas que formam instrumentistas virtuosos
14
O estudo com entrevistas de Sosniak (1985) é tido como referência sobre a formação profissional de pianistas
concertistas, sendo mencionado em publicações sobre o planejamento da execução.
43
desde o século XIX
15
. Nota-se que Ericsson et al. (1993, 1996), a partir dos seus referenciais,
formularam a teoria da prática deliberada aplicada à música, mas essa foi baseada, quase em sua
totalidade, em experimentos e em trabalhos não pertencentes à área musical. Conseqüentemente,
a ausência dos trabalhos puramente teóricos dos especialistas na área da execução instrumental
pode ter sido um dos motivos que Ericsson et al. não conseguiram responder, através dos grupos
de sujeitos de desempenho superior, aos seguintes questionamentos: quais são as estratégias de
estudo utilizadas pela prática deliberada? Qual a sua constituição? Como elas são aplicadas
durante o processo de aprendizagem e qual a sua relação com o produto-alvo?
A escolha por um referencial teórico fora da área de Práticas Interpretativas, além de
indicar a formação profissional dos pesquisadores em outras áreas do conhecimento, aponta para
uma abordagem em que a música é vista apenas como um objeto de estudo, sem que haja maior
interlocução entre os referenciais das áreas envolvidas nas pesquisas interdisciplinares. Nesse
sentido, faz-se necessário que o referencial teórico das pesquisas empíricas leve em consideração
o que os especialistas na área instrumental escreveram, até mesmo para que os resultados possam
ter maior legitimação para a área de interesse. Assim, ao selecionar seu referencial teórico, o
pesquisador deve evitar colocar em segundo plano o conhecimento de especialistas da área
instrumental (vivenciado ao longo de sua história), além de evitar priorizar somente os vieses
sobre os quais o pesquisador tem pleno domínio. A dificuldade reside justamente em encontrar
um ponto de convergência no qual a cientificidade e os aspectos práticos e subjetivos relativos à
execução possam se amalgamar. Nesse sentido, Persson e Robson (1995, p.41) ressalvam que,
quando um pesquisador postula que determinada maneira de se resolver um problema de pesquisa
é mais científica do que outra, esse argumento pode estar assentado na auto preservação, ao invés
do real interesse em gerar um conhecimento científico verdadeiro.
Existem referenciais que são constantemente citados em vários trabalhos. Por outro lado,
outros igualmente relevantes não tiveram grande impacto como referencial, a exemplo da
pesquisa com delineamento experimental de Costa (1999). A autora realizou um estudo para
verificar como os sujeitos respondem a uma prática estruturada e variada, a partir da utilização de
15
Dentre a abrangente lista de trabalhos puramente teóricos feitos no fim do século XIX e no XX, pode-se citar:
Bonpensiere (1953), Brée (1902), Breithaupt (1921), Cortot (1928), Ehrenfechter (1891), Gat (1954), Gieseking e
Leimer (1932/1938), Hummel (1928), Jaëll (1897), Kochevitsky (1967), Leschetizky (1915), Long (1959), Matthay
(1903, 1911, 1932), Neuhaus (1971), Newman (1950), Ortmann (1929), Philipp (1928), Rasch (1961), Riemann
(1928), Schultz (1936), Selva (1922), Tetzel (1927). Esses autores são alguns dos referenciais teóricos das Práticas
Interpretativas.
44
várias estratégias de estudo pré-determinadas. Costa tece seu referencial a partir do estudo de
Rubin-Rabson (1937) e baseia-se em alguns autores que abordaram as estratégias de estudo, a
prática estruturada e os fatores externos de maximização da aprendizagem, a exemplo da
motivação. Embora sua pesquisa tenha sido realizada em 1999, a maioria dos seus referenciais foi
das décadas de 1970 ao início de 1990. Apesar de não existirem muitos estudos empíricos sobre a
aplicação de estratégias para a prática instrumental, Costa não mencionou trabalhos que
trouxeram grande contribuição por investigarem exclusivamente essa temática. Por exemplo,
ficaram exclusos os estudos de caso de Nielsen (1997), a pesquisa com delineamento
experimental de Gruson (1988) e o levantamento de Barry e Mcarthur (1994). A necessidade de
um embasamento teórico mais substancial, em termos de citações de trabalhos empíricos e
teóricos sobre a temática, não prejudicou a estruturação de seu trabalho nem desmereceu a
validação da hipótese
16
inicial. Entretanto, assim como não citação abrangente de trabalhos
realizados sobre as estratégias de estudo na pesquisa de Costa (1999), seu nome igualmente não
aparece com freqüência nas obras de autores que contribuíram para a investigação da temática.
Infelizmente, não há registro de outros trabalhos por essa autora após essa pesquisa.
Alguns referenciais são utilizados nas pesquisas empíricas para embasar as técnicas e
estratégias de estudo empregadas na prática instrumental. Todavia, a complexidade em investigar
o processo de aprendizagem e os poucos trabalhos específicos sobre as estratégias de estudo
fazem com que essa temática seja uma das que apresenta maior dificuldade de encontrar um
referencial teórico próprio, que sustente sua concepção. Até mesmo porque, para examinar o
resultado das estratégias, é necessário verificar a construção, aplicação e os seus efeitos durante o
período de estudo. Nesse sentido, os livros puramente teóricos escritos por especilialistas no
instrumento podem servir de referencial para pesquisas que irão examinar esse assunto. Os
aspectos peculiares dessa atividade, tão característica da prática instrumental, são melhor
examinados por um músico/pesquisador, para uma avaliação mais precisa dos aspectos
circundantes da utilização das estratégias. Independentemente dessas questões cruciais, parece-
me que essa temática seria melhor examinada através dos estudos de caso, considerando-se os
aspectos idiossincrásicos envolvidos na prática do instrumento e pela possibilidade de maior
detalhamento investigativo ao analisar o problema de pesquisa.
16
Assim como Costa (1999, p.65), tomo como pressuposto o argumento de que o músico poderá alcançar um maior
nível de proficiência técnico-musical se o mesmo realizar uma prática instrumental estruturada, variada e
seqüenciada, com a utilização de estratégias de estudo apropriadas.
45
O estudo experimental Nancy Barry (1992) também mencionou poucos trabalhos
empíricos
17
sobre a prática de instrumento, incluindo as obras pioneiras de Brown (1928) e de
Rubin-Rabson
18
, nas décadas de 1930 e 1940, além de alguns autores da década de 1980 e teses
de doutorado que abordaram estratégias utilizadas na prática do instrumento. Até a data de sua
pesquisa, 1992, a mais abrangente quantidade de trabalhos sobre a execução, ou a formação de
uma habilidade em nível de expertise, foi verificada em pesquisas na área da educação física.
Ainda que Barry não tenha detalhado as estratégias aplicadas em seu grupo experimental,
verifiquei que a sua construção teórica e seus princípios para uma prática eficaz foram
influenciados por pesquisas mencionadas na sua revisão de literatura, a saber:
A prática é mais efetiva quando é direcionada (WOLFE, 1984) ou supervisionada
(BROKAW, 1983);
Períodos curtos de estudo são mais eficazes do que sessões longas (OXENDINE,
1968); assim como a prática distribuída ao longo do dia é superior ao estudo sem
intervalo (RUBIN-RABSON, 1940a);
A prática estruturada e organizada parece levar a um aprimoramento do aprendizado
(SANTANA, 1978);
O estudo mental em conjunção com o estudo físico pode ser mais efetivo do que
somente o estudo físico (ROSS, 1985).
Todos esses princípios indicam que Barry baseou seu trabalho em pesquisas que
pudessem validar empiricamente as estratégias que os músicos correntemente empregam mesmo
sem terem conhecimento da existência de trabalhos científicos que as descrevam.
1.2.2.3 Proposta de modelo de construção da fundamentação teórica das pesquisas sobre o
planejamento da execução instrumental
A partir da problemática acima mencionada, levantei algumas questões quanto ao
referencial teórico utilizado nas pesquisas descritivas:
17
Esse comentário era pertinente em 1992, época da pesquisa de Barry, justamente na fase inicial de intensificação
dos trabalhos na linha de pesquisa do planejamento da execução instrumental.
18
Esses autores continuam sendo referências em muitos estudos na linha do planejamento da execução.
46
A falta de um referencial próprio na linha do planejamento da execução em Práticas
Interpretativas estaria relacionada ao fato das pesquisas específicas na área de sica
(verificando-se a prática e o processo de estudo também sob a análise e participação do
músico-pesquisador) serem pouco numerosas em relação aos trabalhos desenvolvidos em
outras áreas?; e
É devido ao seu início investigativo tardio que essas pesquisas tiveram de extrair seu
referencial de outras áreas de conhecimento, as quais se encontram em um estágio de
maior desenvolvimento?
O exame crítico sobre as fontes bibliográficas apontou que algumas temáticas da prática
instrumental foram apoderadas pelos pesquisadores da área da psicologia da música, visto
estarem em um estágio avançado de desenvolvimento investigativo. Entre eles, cito os trabalhos
que examinaram os processos cognitivos envolvidos na memorização e na representação mental
da música (CHAFFIN et al. 2002; WILLIAMON e VALENTINE, 2002a, 2002b; LEHMANN,
1997, dentre outros); os da prática deliberada (ERICSSON et al. 1993, 1994, 1995, 1996) e do
comportamento de estudo e aprendizagem (SLOBODA, 1996; JORGENSEN, 1997, 2000;
DRAKE e PALMER, 2000; MIKLASZEWSKI, 1989, dentre outros). Todas essas obras, que são
referenciais para a linha do planejamento, construíram suas bases epistemológico-teóricas a partir
de trabalhos de áreas científicas diversas, destacando-se a área da Psicologia (sob as tendências
da psicologia cognitiva).
Consciente desse panorama, sugiro a inclusão de um outro eixo teórico, formado pelos
especialistas da área da música (músico/pesquisador e especialistas
19
na área instrumental), o qual
possibilitaria completar um ciclo teórico-investigativo de maior impacto para as pesquisas
empíricas na área do planejamento da execução instrumental. Minha proposta para um modelo de
construção do fundamento teórico das pesquisas sobre o planejamento encontra-se representada
pelo seguinte diagrama:
19
Refiro-me ao legado escrito pelos renomados pianistas e professores de instrumento como Breithaupt (1921),
Cortot (1928), Gieseking e Leimer (1932/1938), Hummel (1928), Kochevitszky (1967), Leschetizky (1915), Long
(1959), Matthay (1903, 1911, 1932), Neuhaus (1971), Newman (1950), Ortmann (1929), Riemann (1928), Schultz
(1936), Tetzel (1927), dentre outros.
47
Referencial da área
da Música
Referencial teórico de
outras áreas do
conhecimento
Referencial da
Psicologia da Música
Diagrama 2. Proposta de modelo para a construção do fundamento teórico das pesquisas sobre o
Planejamento da Execução Instrumental
Essa proposta foi gerada a partir do seguinte questionamento: por que as pesquisas
empíricas realizadas por psicólogos apontam poucos trabalhos puramente teóricos na área da
música? Os pesquisadores na área da psicologia da música não estariam pondo à parte esses
teóricos/especialistas somente porque não utilizaram parâmetros e procedimentos científicos nas
teorias formuladas sobre as estratégias de aprendizado do instrumento? A partir dessa evidência e
da minha experiência como sujeito de um estudo de caso, considero a necessidade de haver uma
interação entre os referenciais teóricos da área da psicologia da música com os da área da música,
para que os resultados das pesquisas possam ser significativos para ambas áreas do
conhecimento. Conforme o modelo proposto, a área da psicologia da música pode intermediar a
aproximação científica entre a música e o referencial teórico de outras áreas do conhecimento,
visto que essa pode permear entre essas áreas divergentes. Existem outras áreas como, por
exemplo, a história, a antropologia e a sociologia, que também podem permear entre e música e
outras áreas do conhecimento. Entretanto, os trabalhos sobre o planejamento da execução
instrumental apontam que a psicologia da música (sob tendências da psicologia cognitiva)
destaca-se nessa intermediação.
A partir dessa constatação, nota-se que se a psicologia da música
não considerar o referencial da área de música (músicos, teóricos e pedagogos do instrumento),
com poder ativo de atuação sobre a construção teórica em uma relação interatuante, correrá o
risco de apenas mostrar um produto-alvo sem expor o processo de aprendizagem realizado pelo
instrumentista. Esse, sim, é o objetivo que interessa ao músico: saber os mecanismos que
desencadeiam uma execução de nível artístico e não somente compreender aspectos
fragmentários da ação músico-instrumental.
Referencial teórico para
pesquisas sobre o
Planejamento da
Execução Instrumental
48
Como resultante da implementação do modelo proposto, formulo a hipótese de que a
relação entre o empírico e o teórico poderá resultar na construção de novas teorias e não apenas a
reiteração das existentes. Isso ocorre devido ao fato de que a relação de interdependência
produz um conhecimento verdadeiramente interdisciplinar, onde a resultante poderá satisfazer as
necessidades intrínsecas das áreas envolvidas. Essas novas teorias são geradas a partir de
problemas de pesquisa analisados sob os parâmetros investigativos e de observação de cada área,
sem preterir referenciais teóricos ou direcionar a pesquisa conforme os objetivos centrais de cada
área. O esquema abaixo representa a integração entre o modelo de construção do referencial
teórico da linha de pesquisa sobre o Planejamento da Execução Instrumental e a sua influência na
construção da hipótese sobre como novas teorias podem ser formuladas a partir da interação entre
o empírico e o teórico:
Referencial da
área da Música
Relações
Teóricas
Formulação
de novas
Teorias
Referencial teórico
de outras áreas do
conhecimento
Referencial da
Psicologia da
Música
Relações
Empíricas
Diagrama 3. Diagrama da hipótese sobre a formulação de novas teorias a partir
da interação entre o empírico e o teórico nas pesquisas sobre
o Planejamento da Execução Instrumental
A partir dos modelos propostos, presumo que o direcionamento e as perspectivas das
pesquisas sobre o planejamento da execução poderão fornecer novas possibilidades investigativas
abrindo, assim, campo para exame das temáticas e dos problemas com maior amplidão. Podem,
principalmente, construir um referencial teórico sólido, resultante de uma ação-reflexão mútua
entre pesquisadores da área da música e da psicologia da música.
1.2.3 Quanto às temáticas
O levantamento bibliográfico revelou que o maior número de temáticas investigadas pelas
pesquisas empíricas com delineamento experimental são as relativas à análise do comportamento
49
de estudo dos sujeitos, ao planejamento, tipos e características da prática, principalmente em
relação à prática deliberada. O segundo percentual temático mais investigado pelas pesquisas
práticas foram os trabalhos que abordaram as estratégias de estudo utilizadas pelos grupos de
sujeitos analisados. A última categoria temática é relacionada aos trabalhos que examinaram os
processos de memorização e a representação mental da música. Em relação aos assuntos, grande
parte das pésquisas descreve o comportamento de estudo de um grupo de sujeitos para identificar
e analisar as características que podem determinar o êxito do seu desempenho. A temática é
abordada de forma descritiva, comparativa e sob a perspectiva da observação do comportamento
dos sujeitos. Nos parágrafos subseqüentes, alguns resultados e questionamentos investigativos
nas pesquisas empíricas serão discutidos, a partir das seguintes temáticas:
Trabalhos que abordaram a Prática Deliberada, a organização e estrutura da prática e o
comportamento de estudo;
Trabalhos que investigaram as estratégias de estudo;
Trabalhos empíricos que investigaram os processos de memorização e a representação
mental da música.
1.2.3.1 Trabalhos que abordaram a Prática Deliberada, a organização e estrutura da
prática e o comportamento de estudo
Em relação às duas pesquisas experimentais sobre a prática deliberada (ERICSSON et al.
1993; ERICSSON e KRAMPE, 1996), os autores a definem e a descrevem sem explicitar seus
elementos constitutivos, reiterando o fato de que a pesquisa partiu de conceituações sobre a
prática deliberada em outras áreas do conhecimento, como aquelas feitas com atletas, enxadristas
e datilógrafos, dentre outros. Nesse sentido, o trabalho de Ericsson et al. torna-se fundamental
para novas pesquisas que possam decifrar, minuciosamente, como a prática deliberada é
constituída e aplicada durante o estudo do instrumento, uma vez que não se objetivou averiguar
essas questões através da experimentação. Ericsson et al. (1993) teceram teorias sobre a prática
deliberada na música que devem ser examinadas através de novas pesquisas com delineamento
experimental. Infelizmente, esse campo temático ainda se encontra pouco explorado,
principalmente, quanto às estratégias de estudo utilizadas pelos instrumentistas que se valem da
prática deliberada.
50
As pesquisas sobre a prática deliberada seguem uma linha de continuidade a partir de seus
resultados anteriores. Por exemplo, o trabalho de Ericsson et al., em 1996, interage com o de
1993, no modo em que os dados do grupo formado por pianistas jovens da pesquisa de 1993
serviram para comparação com o grupo de profissionais em idade avançada, feito posteriormente.
Por sua vez, esses trabalhos refletem o resultado das pesquisas de Ericsson et al. nas décadas de
1980 e 1990 em outras áreas do conhecimento. Segundo os autores (1996, p.8), a pesquisa de
1993 desenvolveu o modelo de aquisição da habilidade através da prática deliberada,
comprovando a asserção de que a quantidade acumulada de estudo na infância e na juventude irá
refletir no nível de desempenho. Em 1996, o foco temático direciona-se para a manutenção das
habilidades na terceira idade em relação ao envelhecimento normal e à preservação da execução
proficiente. A pesquisa fundamenta-se em numerosos estudos empíricos com adultos e idosos
realizados em diversas áreas do conhecimento nas décadas de 1980-90
20
, tendo indicado o
declínio, a partir da idade adulta, de algumas funções biológicas em relação a algum tipo de
desempenho. Assim, a continuidade da linha de pesquisa, como a que se vê na temática da prática
deliberada, é fundamental para que haja maior validação e ampliação dos resultados, podendo
auferir segurança ao utilizar esses trabalhos como referencial.
Para dar suporte à teoria da prática deliberada, Ericsson et al. (1993) fizeram dois estudos.
No Estudo I, entrevistaram e aplicaram um diário de acompanhamento da prática para três grupos
de violinistas com dez participantes cada, pareando idade e sexo: o grupo I, dos “melhores”
violinistas, formado por músicos com chances de fazer carreira internacional como solistas; o
grupo II, formado pelos “bons” violinistas, com um nível de habilidade um pouco menor; e o
grupo III, dos “professores de música”, composto por violinistas que cursam Educação Musical.
Um dos resultados sugere que os grupos I e II gastam mais tempo no estudo do instrumento e
precisam de descanso para se recuperar dessa atividade, exibindo, assim, uma prática deliberada
de estudo. A disciplina e o acúmulo de horas a mais, nesses grupos, indicaram que houve
otimização do desempenho comparada ao grupo III, o qual não estudou com tanto afinco.
O Estudo II foi realizado com dois grupos de doze pianistas cada: o grupo I, formado por
pianistas profissionais, estudantes da classe de solistas da Academia de Música de Berlim, e o
grupo II, composto por pianistas amadores. Os resultados demonstraram que o grupo I estudava
20
As pesquisas citadas estudaram profissionais das mais diferentes áreas performáticas, a exemplo de enxadristas,
datilógrafos, tenistas, nadadores, corredores, atletas, dentre outros (KRAMPE e ERICSSON, 1996, p.3-6).
51
dez vezes mais do que o grupo formado por amadores, fato que resultava em um desempenho
superior em todos os testes aplicados.
Williamon e Valentine (2000, p.3) apontam alguns questionamentos evidenciados no
Estudo I da pesquisa de Ericsson et al. (1993): (a) embora os três grupos sejam especializados no
mesmo instrumento, existe grande diferença entre os objetivos e motivações para desenvolver a
prática, visto que o foco de estudo e da formação profissional dos participantes aponta para áreas
distintas de atuação; (b) mesmo que houvesse uma quantidade semelhante de horas em todos os
grupos, os resultados poderiam permanecer iguais, pois o conteúdo da prática pode diferir entre
os solistas e os “professores”. Embora Ericsson et al. (1993, p.7) considerem o papel da prática
como fator determinante para a aquisição de um desempenho superior, eles também acreditam
que é incorreto achar que somente a experiência ou uma determinada quantidade de estudo irá
produzir um desempenho elevado. Ericsson acrescenta que para alcançar um resultado eminente,
o indivíduo deverá, primeiramente, alcançar um nível de expertise para então sobrepujar os
resultados de especialistas renomados, trazendo contribuições e inovações em sua habilidade.
Verifiquei que o cerne das questões levantadas está no fato de que a pesquisa de Ericsson
foi estruturada a partir de uma teoria pré-estabelecida, partindo do geral e abordando aspectos da
prática que podem ser detalhados e compreendidos a partir de um olhar sobre o indivíduo.
Desse modo, Ericsson estabeleceu uma teoria que valida a influência da quantidade de estudo
sobre a aquisição de uma determinada habilidade. Entretanto, essa deve ser analisada sob uma
série de variáveis que dificilmente podem ser verificadas somente por estudos experimentais. A
partir desses fatores limitantes, a prática deliberada, já conceituada através desses estudos, deverá
ser investigada sob o foco direcional dos estudos longitudinais. Quem sabe, assim, os
questionamentos apontados poderão ser respondidos na abrangência e detalhamento que se
espera.
A pesquisa empírica de Drake e Palmer (2000) examinou a aquisição da habilidade
pianística durante a prática do instrumento, confluindo duas temáticas distintas (realizadas por
pesquisadores da linha do planejamento da execução) para elaborar seu problema de pesquisa:
Gruson (1988, examinando a aquisição progressiva da habilidade durante a aprendizagem de
uma nova peça) e Ericsson et al. (1993, comparando a execução de músicos com vários níveis de
desempenho). Assim, Drake e Palmer combinaram esses dois tipos de abordagem temática para
examinar como pianistas iniciantes e avançados aprendem uma peça não-familiar (2000, p.2). A
52
abrangência com que se pode examinar a prática de estudo faz com que muitas abordagens
temáticas sejam construídas a partir da aglutinação de problemas de pesquisa de autores que
trouxeram contribuições para a área do planejamento da execução.
1.2.3.2 Trabalhos que investigaram as estratégias de estudo
Como dito anteriormente, os elementos constitutivos da prática deliberada em
específico, as estratégias de estudo por ela utilizadas – não foram identificadas e investigadas por
Ericsson et al. (1993). Essa abordagem deve ser examinada por pesquisas empíricas que
enfoquem especificamente as estratégias de estudo, em razão de que são poucos os trabalhos
empíricos que tenham explorado a eficácia de determinadas estratégias.
Das pesquisas empíricas, poucas analisaram diretamente as estratégias de estudo
utilizadas no processo de aprendizagem, dentre as quais encontram-se os trabalhos de Burnsed e
Humphries (1998), Costa (1999), Gruson (1988), Hallam (2001b), Lim e Lippman (1990),
Parncutt et al. (1997), Rosenthal et al. (1988), Rostron e Bottrill (2000).
De todas as temáticas sobre o planejamento da execução instrumental, as que versam
sobre as estratégias de estudo contem o maior potencial a ser testado por pesquisas descritivas
com delineamento experimental, visto que muitas não foram examinadas por estudos empíricos.
Abre-se, então, um profícuo campo investigativo para futuros trabalhos na área. Segundo Hallam
(1997c, p.208), uma parte significativa das pesquisas sobre as estratégias de estudo baseou-se no
paradigma que rege as condições para uma prática eficiente, mas dando pouca ênfase
investigativa ao aprendiz como um ativo participante, responsável pelo seu próprio aprendizado.
Assim, a autora afirma que algumas manipulações realizadas são relativamente artificiais,
ocasionando limitações em sua validade. Como sugestão para solucionar essas questões, Hallam
propõe que essas pesquisas considerem o ambiente natural de aprendizagem ao examinar como o
músico adquire internamente as representações musicais, como essas são utilizadas para
monitorar o processo de assimilação e como esse processo pode ser assistido.
Embora as estratégias de estudo não sejam o foco do estudo experimental de Nancy Barry
(1992), ela sugeriu a continuidade da investigação sobre os aspectos constitutivos de uma prática
estruturada, a fim de determinar quais componentes da prática estruturada são os mais propensos
ao desenvolvimento técnico e musical. Os resultados de sua pesquisa depreenderam maior
eficiência de algumas estratégias, como a exigência de se executar o trecho de memória, variar a
53
articulação das frases, a modificação rítmica da frase e o estudo em andamento lento, dentre
outras. Nesse contexto, a idéia temática para uma pesquisa poderá surgir de uma hipótese, de
resultados ou de questionamentos levantados em outros trabalhos que nos levam a refletir sobre
os caminhos a percorrer na linha de pesquisa que investiga as estratégias de estudo. Barry (1992,
p.121) alerta para a necessidade de se identificar o nível de excelência para o estudo do
instrumento, levando-se em consideração a individualidade de cada aluno. Acrescenta que essa
linha de pesquisa tem potencial para definir as atividades que levam à maximização da prática,
baseando-se no nível de habilidade, na concentração e nas necessidades cognitivas do indivíduo,
para servir como normatização do estudo eficiente (practice prescription). Nota-se que, desde
1992, Barry conclama a uma intensificação nessa temática. Até o presente momento, pouco foi
alcançado em número de pesquisas com delineamento experimental, para que esse nível de
prescrição fosse atingido.
Em sua pesquisa experimental, Rostron e Bottrill (2000) examinaram como oito pianistas,
divididos em grupo de controle e experimental, aprendiam uma peça de Poulenc
21
durante um
período de cinco dias. A coleta compreendeu as três etapas previstas: leitura à primeira vista,
período de aprendizagem e a execução final. Um dos resultados pertinentes foi quanto à
utilização da estratégia chamada de TOTE
22
(Teste–operação–teste–saída), utilizada pelo grupo
de pianistas que possuía um maior nível de habilidade. A aplicação da estratégia TOTE consistia
em: (T) testar/executar para identificar os lugares que precisam ser trabalhados; (O)
operar/praticar estudar os erros até serem erradicados; (T) testar/executar tocar toda a seção
em contexto para ver se o estudo obteve resultado; (E) execute/sair análise final da execução e
saída, tanto para repetir o trecho estudado, em caso de não ter alcançado o objetivo, quanto para
ir para outro trecho, caso tenha obtido êxito no estudo. Essa estratégia possui variações que se
assemelham com alguns resultados de outras pesquisas, como do trabalho de Costa (1999), em
que os sujeitos tocavam a música para, através da observação e organização, isolar os trechos
musicais que deveriam ser estudados. Por fim, o trecho era executado novamente para
averiguação de sua eficácia. No estudo de caso de Chaffin et al. (2002) vemos uma referência
implícita ao TOTE no comportamento da prática da pianista, a qual organizava o estudo a partir
da identificação e eliminação dos problemas, através de uma relação entre a avaliação da
21
Novelette em Dó Maior.
22
Segundo Rostron e Bottrill (2000, p.52), esse sistema elaborado por Miller (1960), e encontra-se na referência:
MILLER et al. Plans and the structure of behaviour. NY: Holt, Rinehart, Winston, 1960.
54
execução dos trechos musicais e do trabalho individual nesses locais. Chaffin denomina esse
processo de ciclos de trabalho (work) e execução (runs)
23
(CHAFFIN et al. 2002, p.88).
Miklaszewski também encontrou esse tipo de prática em seu estudo de caso, sendo uma
característica de uma atividade planejada e deliberada: “o qual pode ser inserido no conceito de
TOTE proposto por Miller et al. (1960)” (MIKLASZEWSKI, 1989, p.107).
Outros paralelos também podem ser constatados na influência de um autor sobre o
direcionamento investigativo de outro pesquisador. Gruson (1988) e Rostron e Bottrill (2000)
pesquisaram a prática instrumental de pianistas a partir do uso de estratégias de estudo. Ambos
utilizaram uma abordagem investigativa e critérios de avaliação semelhantes. Constatou-se que
alguns dos resultados também foram reiterados, tais como, os pianistas mais experientes
mostraram uma maior atenção dada às unidades estruturais da música para direcionar o estudo
dos trechos, além de empregar estratégias mais complexas. Verificou-se também que esses
pianistas salientaram a importância de corrigir os erros no contexto da frase, e não apenas a nota
isoladamente.
Duas pesquisas abordaram a aplicação uni-direcionada de uma estratégia em particular:
Burnsed e Humphries (1998) - sobre o estudo de mãos separadas, dando ênfase à mão esquerda, e
Parncutt et al. (1997) sobre como pianistas constroem um dedilhado ao escreverem em uma
partitura os dedilhados que usariam para diversos fragmentos de trechos musicais (escolhidos
pelos pesquisadores). A temática de Parncutt et al. tem estreita relação com as estratégias que o
pianista deve recorrer no início do processo de aprendizagem de uma obra musical. Os autores
propuseram um modelo ergonômico de dedilhado para os fragmentos melódicos. Nota-se que
somente essa pesquisa empírica investigou a estratégia do dedilhado, mesmo sabendo que esse
assunto é importantíssimo para a prática pianística e que existem inúmeras regras sobre como
aplicar um determinado dedilhado (de acordo com os “desenhos musicais” ou com a anatomia da
mão).
O caráter aplicativo e prático dessa temática possibilita um campo investigativo de maior
observação e detalhamento, de forma a validar teorias provenientes da longa tradição dessa
prática. Presumo que estudos com entrevistas de algumas temáticas referentes às estratégias de
23
No work (trabalho específico e detalhado de um trecho musical) o pianista executa apenas uma pequena seção
musical para trabalhar as questões técnico-musicais. Nos runs (execução do trecho musical, da seção ou da peça
inteira) o músico testa o que foi trabalhado durante o work. As execuções longas dos trechos (runs) servem para
avaliar o trabalho recente sobre as seções estudadas individualmente e para identificar os problemas a serem
estudados posteriormente (CHAFFIN et al. 2002, p.135).
55
estudo possam contribuir para dimensionar e contextualizar o assunto. Contudo, essa contribuição
dá-se apenas em uma primeira instância investigativa, visto que a execução instrumental é uma
atividade prática que contém aspectos intrínsecos (especialmente os que lidam com as estratégias
de estudo) que podem ser melhor examinados ao se aplicar e comparar os resultados em uma
pesquisa descritiva com delineamento experimental. Foi exatamente isso que Parncutt et al.
(1997) realizaram.
Esse é um tipo de trabalho relevante sobre uma única estratégia, posto que trouxe
evidências científicas sobre como empregar certos dedilhados, os quais foram relatados
previamente em um estudo com entrevista realizado por Clarke et al.
24
(1997). Tais evidências
seriam: (1) o pianista aplica os mesmos dedilhados de escalas e arpeggios nos trechos musicais
que contém padrões semelhantes; (2) pianistas empregam dedilhados familiares encontrados em
outras peças de seu repertório; (3) o mesmo dedilhado pode ser utilizado quando passagens
similares aparecem em uma mesma peça (PARNCUTT et al. 1997, p.374-375).
1.2.3.3 Trabalhos empíricos que investigaram os processos de memorização e a
representação mental da música
A temática que parece ter alcançado maior avanço investigativo entre as pesquisas
empíricas é a que abordou os processos de memorização e a representação mental na música.
Esses trabalhos, com a ajuda das pesquisas no campo da psicologia e da neurociência, têm
contribuído para o entendimento dos processos cognitivos envolvidos na memorização e na
execução musical. Muitas pesquisas com delineamento experimental (WILLIAMON e
VALENTINE, 2000, 2002a, 2002b) e estudos de caso (como CHAFFIN et al. 1997, 2002)
basearam-se em trabalhos puramente teóricos de pesquisadores da área da psicologia da música,
como, por exemplo, Clarke (1988), para legitimar teorias sobre os aspectos cognitivos envolvidos
no processo de memorização. Clarke (1988) e muitos outros autores partem da premissa que
músicos profissionais assimilam mentalmente uma obra musical utilizando um conhecimento de
estruturas hierarquicamente organizadas, derivadas de informações provenientes da estrutura
formal da peça e de sua representação mental, ou seja, o intérprete assimila e executa
24
CLARKE; PARNCUTT; RAEKALLIO, SLOBODA. Talking fingerings: an interview study of pianists’ views on
fingering. Musicae Scientiae, vol. 1, p.87-107, 1997.
56
composições utilizando as suas representações internas. Segundo Williamon e Valentine (2002a,
p.9), o estudo de caso de Chaffin (1997) confirma essa proposição de Clarke (1988).
O fato de haver interação entre o referencial teórico da psicologia da música e o interesse
de aprofundar a investigação das teorias formuladas pelos trabalhos antecedentes, faz com que
algumas pesquisas sobre as temáticas que envolvem os processos de memorização tenham a
tendência de seguir um mesmo direcionamento investigativo. Aliás, isso é uma característica da
pesquisa científica. Williamon e Valentine ressaltam que o resultado de sua pesquisa foi além do
estudo de caso de Chaffin e Imreh (1994, 1997), visto que eles investigaram a aquisição de uma
habilidade com um grupo maior de sujeitos (vinte e dois pianistas), com diferentes níveis de
habilidade musical (2002a, p.23). Desse modo, nota-se que existe reiteração e aprofundamento
das teorias sobre os aspectos cognitivos envolvidos na memorização, baseadas em estudos
detalhados, desenvolvidos em um longo período de observação do fenômeno. Essas evidências
apontam a temática como sendo uma das que apresenta maior desenvolvimento científico, visto
serem pesquisadas, em significativa parte dos trabalhos, por psicólogos. Todavia, reafirmo que
ainda faltam respostas para muitas questões relacionadas à assimilação e memorização do
repertório pianístico, corroborado pelo argumento de Williamon e Valentine (2002a, p.11), os
quais afirmam a necessidade de maiores evidências empíricas para revelar como ocorre o
processo cognitivo de retenção do conteúdo musical.
As pesquisas empíricas de Lehmann (1997, 1998) sobre a representação mental são
referências para o entendimento dos mecanismos mentais e dos tipos de representação envolvidos
na preparação e execução de um repertório. Esse autor baseou-se em diversos trabalhos de
pesquisadores da área da Psicologia da Música, em especial, Ericsson, além de referenciais sobre
o desempenho em outras áreas do conhecimento. Dessa interação, Lehmann estrutura sua
pesquisa a partir de uma abordagem interdisciplinar para afirmar que os resultados e teorias
provenientes de seu experimento são consistentes com o pensamento das pesquisas em outras
áreas científicas, valendo-se de que “os elevados níveis da execução instrumental são adquiridos
e mediados pelos processos cognitivos, podendo ser investigados com o arsenal metodológico das
pesquisas sobre o desempenho em nível de expertise” (1997, p.159). Assim, os complexos
procedimentos metodológicos utilizados evidenciam o elevado grau de cientificidade envolvido
nos trabalhos realizados por pesquisadores da área da psicologia da música com essa temática.
57
Lehmann (1997) realizou um teste experimental com dezesseis pianistas de nível
avançado para examinar o emprego da representação mental da música quando se memoriza uma
peça. Ao aplicar os testes e realizar as manipulações experimentais
25
durante o aprendizado da
peça, o autor verificou que houve grandes diferenças individuais em relação à memorização:
memorizavam mais rapidamente os que, geralmente, indicavam as conexões musicais (como a
progressão harmônica, os relacionamentos intervalares e a posição da o); os que demoravam
mais para memorizar tendiam a focalizar-se em notas individuais ou, apenas utilizavam a
repetição para assimilar o trecho musical (p.152). Assim, o resultado mostrou que a habilidade de
representar mentalmente a música manifesta-se durante o processo de memorização. Para
Lehmann, a meta principal do intérprete é aproximar uma vida representação da performance
desejada com a execução atual, real (p.143).
O estudo de Jennifer Mishra (2002) examinou as diferenças nas estratégias de
memorização entre músicos que memorizavam rapidamente e os que precisavam de um tempo
maior para reter o conteúdo musical. Após memorizar 36 compassos, os oito sujeitos
(instrumentistas de nível universitário, escolhidos de acordo com a habilidade máxima e mínima
com que memorizavam uma peça musical) foram analisados conforme a observação realizada
durante o processo de estudo do trecho musical selecionado. Quatro tipos de estratégias de
memorização foram depreendidas: segmentada, holística, aditiva e serial. Os resultados indicaram
que os músicos que memorizavam mais rapidamente eram inclinados a utilizar as estratégias
holísticas
26
e aditivas, enquanto os mais vagarosos costumavam usar as segmentadas e seriais.
Esse é um tipo de pesquisa que promete resultados significativos para a área do planejamento da
execução, mas seus resultados não se aplicam totalmente aos pianistas, por ter sido realizado com
instrumentistas de sopro e cordas. Assim, seria pertinente a realização de uma replicação dessa
pesquisa, tendo pianistas como sujeitos.
Um ponto questionável da pesquisa de Mishra (2002) foi a maneira com que a
memorização foi avaliada. A autora depreendeu o resultado final somente a partir da capacidade
dos sujeitos em tocar a peça memorizada, considerando o critério número de horas gastas na
tarefa, ou seja, quem memorizava mais rapidamente teve melhor avaliação. No caso da execução
25
Como, por exemplo, solicitar que o trecho memorizado fosse executado com as mãos separadas ou transportá-lo
para outra tonalidade, além de tocá-lo com maior ou menor velocidade (p.151).
26
Estratégias em que a memorização é baseada em longas sessões musicais, na visão geral da obra e na repetição do
trecho do início ao fim. Essas são opostas às estratégias segmentadas, onde o músico memoriza pequenas sessões
antes de inseri-las no contexto (MISHRA, 2002, p.75).
58
musical, a relação entre memorização e qualidade da execução são fatores independentes, visto
que um músico pode memorizar rapidamente tendo um resultado sonoro-interpretativo ordinário.
Por essa razão, as pesquisas empíricas devem prever procedimentos de avaliação que
contemplem aspectos inerentes à execução em vel de expertise. Mishra poderia ter solicitado
uma banca examinadora externa à pesquisa para avaliar se o tipo de memorização utilizada pelos
sujeitos também produziu melhores resultados em suas apresentações. Hallam (2001b) fez um
estudo semelhante ao de Mishra (2002) com instrumentistas de cordas para verificar o efeito das
estratégias de estudo sobre o desenvolvimento musical. Hallam registrou, em áudio, dez minutos
da prática, isto é, um pequeno trecho musical de uma peça selecionada, de acordo com o nível do
aluno. Ao final do período de estudo, esse trecho era tocado do início ao fim. Essa gravação foi
avaliada por uma banca independente, a qual julgou os critérios cognitivos e musicais envolvidos
na atividade. Todo esse cuidado metodológico na avaliação final dos dados coletados fez com
que o trabalho de Hallam obtivesse maior controle em seus resultados, pois não abre espaço para
questionamentos quanto aos procedimentos de pesquisa adotados.
1.2.4 Quanto às lacunas e questionamentos
Os trabalhos sobre o planejamento da execução instrumental podem ter inúmeras
possibilidades de enfoques analíticos e abordagens metodológicas diferenciadas, além da inclusão
de múltiplas variáveis explícitas e implícitas que podem influenciar os resultados. Devido a essa
complexidade, as pesquisas experimentais na linha do planejamento precisam ser criteriosas,
estabelecendo metas claramente definidas e medidas cautelosas para cercar possíveis fragilidades
e inconsistências teóricas, prevenindo, assim, problemas metodológicos subseqüentes.
Ao ler os artigos, verifiquei que, embora relevantes para a área da música, alguns
trabalhos demonstram incoerências nas questões postuladas e em alguns critérios investigativos,
oportunizando indagações. Tem-se, como exemplo, a pesquisa descritiva de Linda Gruson:
Rehearsal skill and musical competence: does practice make perfect? (1988). Pelo delineamento
experimental, a autora investigou o processo de aquisição musical através da observação do
comportamento de estudo do piano em músicos de diversos níveis de habilidade para verificar
suas estratégias de estudo e como estas se modificavam com o aumento do conhecimento musical
(1988, p.93). Notei que o componente comportamental referente ao trabalho de interpretação
(como o delineamento dos “desenhos e terminações musicais, a atenção à sonoridade e
59
dinâmica) não foi inserido na tabela de critérios para a avaliação da prática
27
. Assim, por
exemplo, o “erro” cometido pelo aluno foi avaliado fora do contexto musical-fraseológico em
que o fenômeno investigado ocorreu, visto que a autora analisou essa falha apenas no contexto da
repetição do compasso, da seção e da peça inteira. A desconsideração desse quesito foi
igualmente encontrada em outras pesquisas empíricas, como as de Nielsen (1999) e Drake e
Palmer (2000).
Outro aspecto não contemplado em Gruson (1988) refere-se à análise musical da obra e
sua relação com a escolha das estratégias de estudo por parte do aluno. Sabe-se que o uso formal
da estrutura da sica para dividir a peça em segmentos de estudo é uma das características de
músicos experts (MIKLASZEWSKI, 1989; CHAFFIN e IMREH, 1997; WILLIAMON, 2004).
Por outro lado, de se considerar que o trabalho de Gruson, de 1988, foi uma pesquisa pioneira
sobre o comportamento de estudo e que, naquele momento, não havia muitos trabalhos científicos
que tivessem examinado o comportamento de músicos profissionais. Além dessas lacunas, notei
que algumas perguntas poderiam ter sido inclusas no processo de entrevista, como o histórico da
prática instrumental do aluno e as estratégias individuais de estudo que estes utilizariam no
repertório. Todavia, sabe-se que a pesquisa experimental sobre a prática do instrumento pode
conter inúmeras variáveis passíveis de serem analisadas. Assim, dependendo do objetivo do
pesquisador, poderá haver necessidade de se trabalhar apenas com as variáveis que ele considera
relevante e, desse modo, focalizar as metas e os resultados.
Para Sloboda (1996) o estudo de Gruson (1988) não respondeu a seguinte pergunta: se as
estratégias dos sujeitos mais experientes foram mais eficientes, por que não houve maior
aprimoramento entre a primeira e última sessão de prática, se comparada aos alunos iniciantes? O
autor ainda salienta que a idade foi confundida com a experiência, pois que os iniciantes, em
média, tinham menos que onze anos de idade e os profissionais acima de vinte e cinco. Assim,
algumas diferenças observadas no comportamento de estudo podem ser devido às mudanças
cognitivas provocadas pela maturidade (ou fator idade cronlógica) do indivíduo, do que
propriamente à experiência musical. Assim, Sloboda sugere que esse relevante estudo seja
replicado, mas considerando o fator idade para dividir os diferentes níveis (p.93).
27
Gruson (1988, p.96) estipulou vinte critérios avaliativos em uma tabela denominada Escala de Observação da
Prática Pianística (Observational Scale for Piano Practising). Entre os quesitos a serem avaliados, estão: erros,
repetições, tempo, estratégias utilizadas, etc. Essa mesma tabela foi adaptada e utilizada por Rostron e Bottrill (2000)
em um estudo experimental baseado na pesquisa descritiva com delineamento experimental de Gruson (1988).
60
As pesquisas empíricas feitas com a temática da prática deliberada, delineadas por
psicólogos, estão sujeitas a um problema clássico da pesquisa experimental: o ambiente de
laboratório e fora do contexto natural em que o músico pratica o instrumento. Os testes
experimentais feitos por Ericsson e Krampe (1996) foram realizados nesse contexto, no qual
buscou-se verificar a rapidez com que os pianistas executam trechos musicais, utilizando
exercícios e tarefas motoras que podem medir a velocidade da execução. Williamon e Thompson
(2004, p.14) ressaltam que as atividades ou testes musicais equivalentes que o músico realiza em
laboratório raramente podem ser qualificadas como uma performance musical. Pela minha
própria experiência, tanto como pianista quanto como professor, percebi que uma escala musical
executada fora do contexto da execução, como mero exercício cnico-motor
28
, pode ser
exeqüível sem que haja transmissão da mensagem musical, ao contrário de quando a mesma
aparece em uma peça musical como, por exemplo, na coda da Balada n.1 de Chopin. Nesse caso,
as pesquisas empíricas deveriam considerar que a medição da velocidade, por ela mesma, deve
ser associada às questões de interpretação, visto que um nível de proficiência não está vinculado
somente à destreza técnico-motora, mas sobretudo a um elevado nível sonoro-interpretativo.
Segundo Ericsson (1996, p.22), os últimos dez anos contínuos de prática deliberada o
determinantes para indicar o nível de habilidade dos sujeitos. Os pianistas que mais estudaram
durante esse período foram os que obtiveram melhor desempenho. Isso mostrou-se em ambos os
estudos experimentais, mas foi mais nítido no grupo formado por profissionais,
independentemente da idade. Esse resultado se deu a partir de vários testes experimentais para
medição da velocidade e do único teste de interpretação do Prelúdio I, vol. I do Cravo Bem
Temperado de J. S. Bach. A análise dos dados interpretativos considerou somente os primeiros 32
compassos (a peça inteira possui 35 compassos), visto que os autores priorizaram as seqüências
musicais idênticas (p.11).
Sem discordar de que a quantidade de horas é um dos fatores essenciais para alcançar um
nível de expertise, algumas ponderações podem ser levantadas a partir dos resultados e do tipo de
experimento realizado por Ericsson: (a) Para enunciar que uma habilidade de excelência vincula-
se ao acúmulo de horas de prática, o pesquisador poderia ter aplicado variações do teste sobre a
execução musical, acrescentando outros critérios avaliativos, como os aspectos da produção
28
Isso não significa que seja contra exercícios técnicos como escalas e arpejos, pelo contrário, acho-os úteis, desde
que sejam realizados com intenções musicais, utilizando dinâmica e toques diferentes.
61
sonora e a qualidade da interpretação. Desse modo, a quantidade de horas seria também
verificada por esse ângulo, a fim de examinar se os sujeitos que tiveram uma mesma quantidade
de horas acumuladas foram capazes de produzir resultados semelhantes quanto à significância
artística; (b) os testes para medir a velocidade na execução instrumental não implicam
necessariamente que o sujeito tenha um desempenho musical elevado, mas, sim, indica que esse
possui somente uma técnica motora mais responsiva. Por outro lado, os testes interpretativos, os
quais poderiam ser os elementos decisivos no resultado, foram de certo modo negligenciados
pelos pesquisadores por não serem utilizados extensivamente e com uma maior abrangência.
Ericsson et al. (1996, p. 33) parecem justificar a exígua ênfase nos testes interpretativos
ao dizerem que a pesquisa foi capaz de mostrar a diferença da execução entre amadores e
profissionais, mesmo com uma peça tecnicamente simples e familiar para os participantes.
Salientaram ainda que seria impossível selecionar uma peça de difícil execução na qual todos os
participantes de nível profissional tivessem estudado anteriormente. Assim, muitas características
da prática deliberada foram calcadas em parâmetros que não incluiram totalmente a ênfase no
resultado sonoro-interpretativo, tão intrínsecas do fazer musical. Nesse contexto, indago se as
pesquisas experimentais realizadas com a música, valendo-se das comprovações empírico-
científicas, estariam inclinadas a generalizações a partir de seus procedimentos, mas
desconsiderando a essência do fenômeno pesquisado. Ressalto o argumento de Persson e Robson
(1995, p.40), os quais alegam que a psicologia da música chegou a um ponto de desenvolvimento
em que o objetivo da pesquisa não deve ser apenas a busca por generalizações, mas também
incluir a pesquisa pelo individual.
Segundo Williamon e Valentine (2000, p.10), a pesquisa experimental de Ericsson et al.
(1993) não conseguiu explicar como os níveis de execução são alcançados, mesmo que os dados
indicassem que a quantidade de horas é fator determinante para diferenciar o grupo dos
“melhores violinistas” dos “bons”. Compartilho dessa visão crítica, não somente sobre as
pesquisas que investigaram a prática deliberada, mas também em relação a determinados
trabalhos (DRAKE e PALMER, 2000; LIM e LIPPMAN, 1990; HENLEY, 2001; dentre outros),
os quais evidenciaram os resultados finais sem detalhar como foi constituída a prática
instrumental. Parece-me que o fato dessas pesquisas enfocarem mais o resultado final da
performance (distinguindo as melhores execuções ou o melhor desempenho em determinados
testes) ao invés de descreverem o processo de aprendizagem, faz com que esses trabalhos
62
estejam, de certa maneira, mais vinculados às linhas de pesquisa nº. 1 (Medição da Execução
Instrumental Measurements of performance”) ou nº.8 (Avaliação da Execução Instrumental
“Performance evaluation”) definidas por Gabrielsson (2003) do que propriamente à linha de
pesquisa nº.5 - Planejamento da Execução Instrumental. Se o próprio nome da linha de pesquisa
embute o processo de estudo em sua denominação, então provavelmente alguns desses trabalhos
não se enquadrariam no objetivo principal da linha de pesquisa nº.5 de Gabrielsson.
A pesquisa com delineamento experimental de Resenthal et al. (1988), apresentou
conclusões que não se aplicam diretamente aos pianistas porque foi realizada somente com
instrumentistas de sopro. Esse trabalho investigou a diferença entre cinco
29
tipos de estratégias de
estudo na preparação de um trecho musical. Embora essa pesquisa apresente algumas lacunas
quanto aos procedimentos de coleta de dados, ela poderá servir como fonte para uma investigação
direcionada ao piano, se forem corrigidas essas falhas e a metodologia adaptada à nova situação
de pesquisa. O problema desse trabalho foi quanto à coleta de dados, pois os sujeitos tiveram
somente três minutos para aplicar as estratégias formuladas pelos pesquisadores. Após esse
período, o pesquisador entrava no local de estudo para que o músico executasse a peça. A
verificação da eficácia de estratégias não é um processo que se colhe em curto prazo, muito
menos estando sob pressão para realizar determinada atividade em tempo cronometrado. Assim,
esse teste, por ter características laboratoriais, sem reproduzir o ambiente natural de aprendizado,
faz com que os resultados sejam limitados àquela situação de pesquisa em particular.
Consequentemente, as conclusões não podem ter cunho de generalização. Entretanto, as idéias
desse trabalho podem ser reproduzidas em outra pesquisa utilizando uma estruturação
metodológica mais condizente com a situação real em que ocorre o aprendizado.
A pesquisa experimental de Coffman (1990) é citada em alguns artigos como referência
dos efeitos de quatro tipos de prática (estudo mental; estudo físico/execução; estudo, alternando
mental e físico; controle motivacional) na otimização da execução. O trabalho foi complexo e
utilizou muitos procedimentos de coleta e análise estatística utilizados por outras áreas do
conhecimento. As conclusões apontaram que o estudo físico obteve o melhor resultado na prática.
29
Sessenta instrumentistas de sopro foram divididos em cinco grupos, cada um desses grupos iria aplicar
determinada estratégia: a primeira estratégia era ouvir uma gravação olhando a partitura; a segunda, cantar as notas;
a terceira, estudar silenciosamente a partitura; a quarta, apenas tocando o trecho; a quinta, tocavam uma outra peça
antes de executar a peça do experimento, assim poder comparar o efeito das estratégias com o efeito da leitura à
primeira vista. Após aplicar essas estratégias os sujeitos teriam que executar a peça diante do pesquisador
(ROSENTHAL et al. 1988, p.251).
63
Em segundo lugar ficou o grupo que alternava o estudo mental e físico. Por último, verificou-se
que o estudo mental não é melhor do que não estudar (p.195). Constatei alguns problemas em
relação à conceituação do que seja um estudo mental: o grupo experimental, que utilizou essa
estratégia, realizou um protocolo que seria mais conveniente em uma pesquisa sobre a influência
da percepção auditiva na execução do que propriamente no processo cognitivo envolvido no
estudo mental. Nesse grupo, os sujeitos apenas imaginavam-se tocando a composição, ouvindo
uma gravação da obra que era repetida seis vezes. Eles foram instruídos a “se verem e sentirem”
mentalmente as respostas físicas da execução, mas mantendo as mãos fixas e sem realizar
movimentos do corpo. Esse aparenta ser um conceito equivocado de estudo mental, pois não
houve contato com a partitura. Segundo Gieseking e Leimer (1932)
30
, a visualização, ou estudo
mental, é uma das estratégias mais relevantes para assimilar uma obra, na qual o músico
memoriza o texto musical antes de iniciar o estudo do repertório, utilizando apenas o ouvido
interno, sem interferência do som, mas olhando e analisando atentamente a partitura
(GIESEKING e LEIMER, 1932 apud WILLIAMON, 2004, p.131). Apesar de Coffman empregar
uma elaborada metodologia, a maneira como o autor conceituou e empregou os tipos de prática
instrumental ocasionou os questionamentos quanto aos resultados. Indago se o pesquisador
desconsiderou o referencial teórico próprio da área de Práticas Interpretativas ao protocolar quais
atividades se constituem um estudo mental. Essa conjectura ressalta que a pesquisa empírica
interdisciplinar necessita atentar para uma definição precisa dos termos e aspectos particulares da
área em que o problema de pesquisa está inserido, ou seja, consultando também o que os
especialistas da área instrumental dizem a seu respeito.
1.2.5 Quanto ao repertório pianístico utilizado nas pesquisas empíricas
Os critérios para a seleção do repertório a ser utilizado nas pesquisas empíricas devem
estar claramente definidos, em conformação com o fenômeno a ser investigado e de acordo com
as características da amostragem. Barry (1992) fez um estudo experimental com um grupo de
cinqüenta e cinco instrumentistas de sopro para avaliar a influência da prática estruturada e da
prática livre/informal sobre alguns fatores selecionados pela pesquisadora. Para tanto, Barry
30
GIESEKING; LEIMER. Piano technique. New York: Dover, 1932.
64
utilizou uma obra para piano de Haydn
31
transcrita para instrumentos de sopro e estabeleceu que
o repertório selecionado obedecesse aos seguintes critérios (p.114):
1. Ser apropriado ao nível de dificuldade do sujeito;
2. Ter extensão moderada;
3. Conter variedade rítmica;
4. Ser relativamente curto;
5. Não fazer parte do repertório padrão.
Com exceção do primeiro critério, todos os demais foram estabelecidos em conformidade
com os parâmetros escolhidos para serem analisados especificamente naquela pesquisa, não
sendo, portanto, propensos à generalização para a escolha do repertório das pesquisas empíricas.
Desse modo, ao selecionar o repertório a ser adotado, o pesquisador deve atentar-se para quesitos
que precisam estar presentes, como o critério 1, além de considerar o objetivo de sua pesquisa
para estabelecer os demais.
Ao relacionar as obras utilizadas pelos sujeitos nas pesquisas empíricas, um compositor se
distinguiu, o que levanta as seguintes questões: por que a maioria do repertório utilizado nas
pesquisas descritivas é de J. S. Bach, como nos trabalhos de Williamon et al. (1999, 2000, 2002a,
2002b), Chaffin et al. (1997, 2001, 2002a, 2002b, 2003, 2004, 2005, 2006a), Ericsson et al.
(1993), Ericsson e Krampe (1996) e Camp et al. (1994)? Qual os critérios para a escolha das
obras desse compositor? Seriam esses baseados no caráter atemporal e de universalidade
inerentes a esse compositor? Chaffin et al. (2002, p.94) salientam que a escolha do último
movimento do Concerto Italiano em seu estudo de caso deveu-se à dificuldade em memorizá-la,
pois as várias repetições temáticas e o andamento moto perpetuo deixaram poucas oportunidades
para que a pianista resgatasse, com tempo para refletir e antecipar, cada passagem proveniente da
memória de longa duração. Chaffin et al. (2002, p.95) mencionam algumas características das
composições de Bach que fizeram com que o Concerto Italiano fosse utilizado como modelo em
seu estudo de caso: (a) a escrita polifônica intrincada, que se desloca por entre as vozes e por
ambas as mãos do pianista; (b) sua música não segue os padrões conceituais e motores, ou seja,
desafia as expectativas de continuidade das normas de execução esperadas, aumentando, assim, a
sua dificuldade; (c) o andamento rápido não ao pianista tempo para pensar sobre o que vià
frente; (d) a complexidade da estrutura formal da obra.
31
Pequena Dança em Fá Maior (Little Dance in F).
65
Outros autores selecionaram a obra de Bach de acordo com os objetivos do teste
experimental, a exemplo do estudo empírico de Ericsson e Krampe (1996), o qual utilizou um
teste de interpretação musical para examinar o controle expressivo das frases musicais, a partir da
execução do Prelúdio n. I do Cravo Bem-Temperado de J. S. Bach. Segundo os autores (p.7), a
escolha dessa peça explica-se pela ausência de dificuldade técnica para a execução, por outro
lado, ela proporciona uma grande abertura interpretativa. Nesse caso, a obra foi selecionada a
partir de um dos objetivos do teste, qual era verificar como o acúmulo da experiência musical
atua na interpretação (a partir da ausência da velocidade) para relacionar os fatores biológicos
(idade) na deterioração da capacidade de se executar trechos musicais difíceis. Um dos critérios
para a escolha desse prelúdio foi que, dos 35 compassos, 32 possuem estruturas rítmicas e
melódicas idênticas e com vastas possibilidades interpretativas.
Algumas pesquisas experimentais utilizaram obras pouco conhecidas, como Rostron e
Bottrill (2000), os quais selecionaram a Novelette em Maior de Francis Poulenc. Os autores a
escolheram por conter elementos comparativos que serviriam para os dois grupos de sujeitos,
tendo como critérios: (a) que apresentasse dificuldades técnico-motoras para o grupo
experimental, mas que não fosse árdua para o grupo de controle; (b) que não fosse nem curta,
nem longa demais. Acredito também que os autores procuraram uma peça que fosse
desconhecida, assim, a variável familiaridade com a obra teria menos interferência.
Em certos trabalhos, o repertório foi composto exclusivamente para a pesquisa, a exemplo
de Drake e Palmer (2000). O Exemplo Musical 1 mostra as três peças utilizadas pelos cinco
grupos de sujeitos, totalizando sessenta pianistas. Elas foram compostas por ordem de dificuldade
para serem lidas à primeira vista (para identificar o nível de habilidade). A partir da obra
apropriada ao nível do sujeito, eles a repetiam onze vezes durante todo o experimento, a fim de
verificar como foi o seu processo de assimilação e aprendizagem. Ao analisar essa pesquisa,
percebi que a partitura não tem nenhuma indicação de dinâmica ou fraseado. Assim, indago se
isso foi proposital ou porque os pesquisadores não se atentaram aos aspectos interpretativos. Os
autores salientaram que eles desistiram de abordar aspectos relacionados às nuances expressivas,
porque essas são altamente variáveis (em relação ao tempo/timing) ao serem analisadas
juntamente com os erros de execução dos sujeitos (p.24).
66
Exemplo Musical 1. Primeiros compassos das três peças musicais
utilizadas no experimento de Drake e Palmer (2000)
(Retirado de DRAKE e PALMER, 2000, p.7).
O fato da partitura o expor qualquer sinal que indicasse fraseado, dinâmica ou
articulação faria com que um músico de nível mais adiantado (executando a peça n.3) tocasse
tudo non legato, visto ser isso que o texto musical indica. Como a partitura não tinha indicações
expressivas, teria sido apropriado observar como foi construida a interpretação dos sujeitos,
partindo do pressuposto que havia liberdade para criar em cima do texto musical. Contudo, isso
não foi evidenciado no artigo, perdendo-se a oportunidade de examinar um viés que interessaria
aos músicos.
Aponto ainda outra ressalva quanto à relação entre o repertório e aos resultados
encontrados na pesquisa de Drake e Palmer (2000): os autores tiraram suas conclusões sobre o
processo de estudo somente examinando onze repetições dessas peças, coletadas em um curto
período
32
. Assim, o fato de que muitos sujeitos conseguiram tocar fluentemente mostra que a
peça era fácil, abaixo do seu nível de dificuldade, pois raramente se consegue executar uma obra
de nível apropriado em pouco tempo e com apenas onze repetições. Desse modo, essa pesquisa
aparenta ter verificado o efeito das repetições na prática e não o processo “real” de assimilação de
um repertório, visto que isso não ocorre na rotina de estudo, a menos que o pianista esteja
treinando leitura à primeira vista ou tomando conhecimento das composições para piano.
32
Calculei que a duração seria de, no máximo, uma hora.
67
Geralmente, as peças estudadas pelo sico requerem um longo processo de aprendizagem que
envolve muitas atividades durante o estudo, até que essa possa ser executada fluentemente.
A partir das ponderações anteriores, depreendo que esses autores utilizaram
procedimentos que o estão ligados diretamente à contextualização do aprendizado
instrumental. Apesar de ser uma pesquisa metodologicamente complexa e com muitos dados
estatísticos, característicos da psicologia cognitiva, seria pertinente considerar aspectos
particulares das Práticas Interpretativas ao estruturar o trabalho investigativo.
1.3 UMA REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE OS ESTUDOS DE CASO
1.3.1 Contextualização
Este método de pesquisa é um dos que mais poderá contribuir para o desenvolvimento do
planejamento da execução instrumental, a partir da análise aprofundada da prática de estudo e do
processo de aprendizado de sicos em nível de expertise. Intenta-se, através da observação
empírica, gerar uma sistematização da rotina de estudo para formular princípios e teorias que
podem ser aplicadas no ensino do piano. Trabalhos como os de Chaffin et al. (1997, 2001, 2002)
mostram que as observações do comportamento da prática podem prover informações que não
aparecem no registro verbal (entrevista) do sujeito
1
. Obviamente, a análise através da observação
pode ser inserida em vários métodos de pesquisa pela área da música. Todavia, muito que se
investigar através dos estudos de caso, por serem poucos os trabalhos que se utilizaram desse
método para examinar o planejamento da execução. Para a presente tese foram selecionados
quinze artigos a partir dos estudos de caso, sendo que, desses, oito foram publicados por Chaffin
et al. (1997, 2001, 2002a, 2002b, 2003, 2004, 2005, 2006a), quatro por Nielsen (1997, 1999a,
1999b, 2001) e um artigo dos demais pesquisadores: Miklaszewski (1989), Renwick e
Mcpherson (2002), Pitts, Davidson e McPherson (2000). A importância dos estudos de caso, para
o aprofundamento dos questionamentos da área da música, é comentada até mesmo por
pesquisadores que utilizam outros métodos de pesquisa, a exemplo de Doris da Costa (1999,
p.77), a qual relata que muitas questões presentes no resultado de sua pesquisa com delineamento
experimental poderiam ser melhor examinadas caso houvesse um estudo longitudinal do
problema.
Os artigos coletados inserem-se dentro de duas categorias temáticas investigadas através
dos estudos de caso: a análise do planejamento e do comportamento durante a prática (tipos e
1
Chaffin aproveitou-se dos comentários da pianista Gabriela Imreh (enquanto estudava uma nova peça ao piano,
informando quais as suas intenções durante a prática) para confrontar com a sua observação da prática. Segundo
Chaffin, a descrição do
processo de aprendizagem dependeu grandemente dessa metodologia. Acrescenta, ainda, que
a observação do
pesquisador não revela completamente o que o sujeito observado estava tentando fazer em
determinada situação (CHAFFIN et al. 2002, p.139).
69
características da prática) e a utilização de estratégias de estudo, sendo que a primeira categoria
constitui a parte mais significativa em número de publicações. Quanto à aplicação dos seus
resultados, esses trabalhos denotam a ênfase nos aspectos práticos, com implicações para a
didática do instrumento. O fato dos estudos de caso ter uma característica investigativa que
permite um acompanhamento muito próximo possibilita que uma temática de aplicação
específica, como as estratégias de estudo, seja melhor observada por meio desse método de
pesquisa. Segundo Davidson et al. (1998a), seria aconselhável que pesquisas futuras sobre a
prática do instrumento fossem mais direcionadas à análise das diferenças individuais, posto que
as comparações entre grupos de sujeitos não poderão revelar as diferenças na quantidade de
prática necessária para alcançar um determinado progresso (p.406). Nesse sentido, o estudo de
caso poderá proporcionar um acompanhamento intensivo sobre o comportamento de estudo
realizado por pianistas profissionais, mensurando os caminhos percorridos durante sua formação
musical.
Dentre os estudos de caso selecionados, os de Chaffin et al. mostraram-se os mais
relevantes por serem os que trouxeram maior detalhamento, esclarecimentos e respostas
científicas sobre alguns aspectos relacionados à prática instrumental em nível de expertise. Eles
foram realizados com sujeitos distintos: uma pianista-concertista (1997, 2001, 2002, 2003, 2004,
2006); uma violoncelista (2005) e uma cantora (2006). Desse modo, a presente discussão sobre
os estudos de caso serão focados nesses autores, principalmente, no livro publicado em 2002, o
qual descreve minuciosamente a prática de estudo da pianista-concertista Gabriela Imreh. Outro
trabalho igualmente relevante é o de Miklaszewski (1989), por ser o primeiro estudo de caso
envolvendo um pianista expert. Inclusive, alguns dos resultados de Miklaszewski assemelham-se
aos encontrados por Chaffin et al. (2002), provavelmente, porque essas pesquisas utilizaram
sujeitos com proficiência ao piano. A importância dessas pesquisas evidencia-se nas numerosas
citações, aparecendo em uma parte significativa dos trabalhos empíricos ou puramente teóricos
que abordam o planejamento da execução instrumental.
Além de Chaffin et al., a pesquisadora com o maior número de artigos publicados é
Nielsen (1997, 1999a, 1999b, 2001), abordando estudo de caso com dois organistas de nível
avançado. Esses trabalhos examinam os aspectos comportamentais ocorrentes no período de
aprendizagem de um repertório, focando como esses instrumentistas auto-regulam o uso das
estratégias de estudo empregadas durante a prática. Alguns dos resultados desse estudo de caso
70
também corroboram com os de Chaffin e Imreh (1997) e Miklaszewski (1989) ao verificar que as
dificuldades técnico-motoras a serem resolvidas são influenciadas pela estrutura formal da peça e
pela auto-avaliação dessa prática, a partir da utilização de estratégias metacognitivas (NIELSEN,
2001, p.164).
O estudo de caso de maior duração foi o de Renwick e McPherson
2
(2002),
acompanhando os três primeiros anos da prática de estudo de uma clarinetista iniciante.
Objetivou-se averiguar como o intrínseco interesse do sujeito em um determinado repertório
influencia seu comportamento na prática instrumental. A coleta deu-se através de entrevistas e do
registro em vídeo de algumas sessões de prática. Apesar de ser um trabalho com resultados
significativos, ele não se aplica totalmente aos objetivos dessa tese, pois não examinou a prática
de nível de expertise. O mesmo acontece com o estudo de caso de Pitts et al. (2000), ao investigar
a aprendizagem de três crianças estudando instrumentos de sopro. Essas pesquisas examinaram as
diferenças no comportamento de aprendizagem e as atividades e estratégias que constituem uma
prática eficiente, mas não no contexto de excelência.
Segundo Crawford (CHAFFIN et al. 2002, p.18), praticamente não existe nenhum estudo
sistemático de observação de concertistas e, nas entrevistas com os mesmos, geralmente não é
esclarecida a maneira como eles utilizam as estratégias durante a prática. A autora afirma que na
comunidade artística existe o pensamento de que a arte demanda certa mística, a qual sustenta o
“mito do artista” como se este detivesse um dom divino que o poupasse do trabalho necessário
para a realização musical. Conseqüentemente, a dificuldade em realizar um estudo de caso com
pianistas de nível internacional (utilizando principalmente o registro em vídeo da preparação de
um determinado repertório) está centrada na desmistificação desse mito. Isso implica em expor o
momento mais “íntimo” do pianista em contato com o instrumento, dentre os quais: o elevado
número de horas de estudo necessário para preparar uma peça musical; as exaustivas repetições; a
incansável busca por soluções e estratégias para resolver problemas técnico-musicais; suas
limitações técnico-motoras; os diversos erros de execução que se cometem no processo de
aprendizagem de um repertório; o estafante período de memorização (com os inúmeros lapsos de
2
Entretanto, o estudo de caso de Chaffin et al. (1997) foi o que mais tempo gastou na análise dos dados, apesar de
sua coleta durar dez meses. Os primeiros resultados foram apresentados oficialmente em 1994, na 3rd Practical
Aspects of Memory Conference na Universidade de Maryland (EUA). As publicações decorrentes desse estudo
transcorreram por quase dez anos (1997 até 2006). O estudo de caso mais longo de Chaffin et al. foi realizado com a
violoncelista brasileira Tânia Lisboa, a qual teve sua prática e performances observadas por um período de dois anos
(ver CHAFFIN et al. 2005).
71
memória que ocorrem); a pressão e a ansiedade antecedentes a um evento musical; o cansaço
físico e mental decorrentes do estudo; a falta de disciplina; as superstições, dentre outros. Com
base nessa realidade, Chaffin et al. (2002, p.82) mencionam a escassez de trabalhos sobre o
planejamento da execução musical com experts, justificando a necessidade de investigações para
identificar as características de uma prática realmente efetiva. Os autores apontam mais dois
empecilhos do instrumentista que fazem com que músicos profissionais estejam relutantes em
realizar estudos de caso: a agenda ocupada, impossibilitando a disponibilidade necessária para
uma investigação detalhada do caso e o escasso tempo livre para a prática do instrumento, sendo,
portanto, muito valioso.
O estudo de Chaffin et al. (2002) pode ser considerado como uma pesquisa participante,
visto que o sujeito investigado foi também um dos autores do livro. Esse trabalho é, até o
momento, a mais completa descrição do processo de aprendizagem de um músico profissional.
Os autores trabalharam na observação e análise de uma pianista-concertista durante a preparação
do 3
o
movimento do Concerto Italiano de J. S. Bach (BWV 971). A peça precisou de 33 horas de
estudo em 57 sessões de prática, desde o início da aprendizagem até a sua gravação em CD, em
um percurso que durou dez meses. A pesquisa concentrou-se nos processos de memorização,
utilizando o registro em vídeo (com os comentários verbais da pianista sobre sua prática) como
procedimento de coleta de dados. Embora as conclusões fossem de comum acordo entre os
autores, os objetivos do trabalho para os psicólogos e para a pianista foram diferenciados: os
primeiros buscavam saber como os princípios de memorização desenvolvidos em laboratório se
aplicam em uma área em que os profissionais trabalham realizando apresentações de memória.
Por outro lado, a musicista objetivava saber como estes princípios poderiam esclarecer o que
ocorre durante o “misterioso processo de memorização”, contribuindo, assim, para que as etapas
de estudo do repertório pudessem ser, em um todo, mais eficazes (2002, p.xii).
O principal foco temático da pesquisa de Chaffin et al. (2002) foi o processo de
memorização. Os autores seguem uma corrente de pensamento nas Práticas Interpretativas que
advoga que a memorização é um dos meios fundamentais para mensurar uma execução em nível
de expertise e a maneira pela qual o pianista consegue obter uma significativa experiência
estética, tanto para ele quanto para o ouvinte:
72
(...) o efeito da memória sobre a interpretação é notável, visto que o objetivo mais
importante de uma performance é criar um experiência estética arrebatadora tanto para o
executante quanto para o público e a memorização é quase que um meio universal para
que se chegue a este objetivo (CHAFFIN et al. 2002, p.24).
Tenho certa ressalva quanto à citação acima. Se a memorização fosse condição para a
execução de nível artístico, não existiriam pianistas extraordinários que utilizam partituras em
seus recitais, como o fazia o pianista russo Sviatoslav Richter e os que trabalham com música de
câmara. De modo diverso, se a memorização fosse um requisito para um elevado nível
interpretativo, também não existiriam execuções ordinárias. Não registro de pesquisas na área
de Práticas Interpretativas que tenham abordado pianistas que tocam utilizando-se somente da
partitura, em que os resultados da execução musical pudessem ser comparados aos dos músicos
que tocam de memória e onde fossem avaliados os dados apenas pelo resultado sonoro e não
quanto aos aspectos visuais e da percepção da performance pelo público. São imensas as
possibilidades de se averiguar o que levaria a um pianista tocar, ou não, de memória, seja através
de estudos de caso ou pesquisas com delineamento experimental. Várias questões de pesquisa
poderiam ser verificadas como, por exemplo:
Quais os motivos que o levaram a essa opção?
O pianista conhece as estratégias de estudo específicas para memorizar uma obra
musical? Ou falta-lhe interesse para aplicá-las?
Memorizar é uma prioridade ou conveniência?
O acúmulo de trabalho profissional não lhe permite muito tempo para memorizar
as obras do repertório?
Ocorreram traumas ou bloqueios durante a formação profissional que o levaram a
ter dificuldade de retenção do conteúdo ou insegurança em tocar de memória? Ou
isso é decorrente de um insuficiente conhecimento sobre análise musical e da
ausência da estrutura formal da obra como ponto de apoio para a memorização?
A memorização pode ser afetada pelas variáveis imprevistas (ruídos do público,
nível de ansiedade, não-familiaridade com o piano do auditório/teatro, etc.) em
uma apresentação pública?
O fator idade cronológica faz com que haja maior ou menor retenção do conteúdo
na memória? Como a execução de memória responde a esse problema?
73
Essas instigantes perguntas, tão peculiares à área de Práticas Interpretativas, servem como
fonte potencial de problemas de pesquisa para trabalhos empíricos, sabendo que grande parte
dessas questões ainda não foi respondida cientificamente.
Tendo como pressuposto o argumento de que a memorização é primordial no
planejamento da execução instrumental, Chaffin et al. (2002) direcionam sua pesquisa em torno
desse princípio, estudando as etapas de aprendizagem através de ferramentas utilizadas em sua
área de atuação profissional. Esses autores fizeram com que o método de pesquisa empregado
utilizasse recursos e procedimentos de cunho interdisciplinar, a fim de desenvolver um trabalho
embasado em conceitos científicos. Assim sendo, vincularam o aprendizado do repertório
pianístico de excelência ao ato de memorização (uma prática tradicional, iniciada desde as
primeiras apresentações por Clara Schumann em 1828 e subsequentemente por Liszt
3
). O
enfoque do fenômeno musical, a partir do suporte interdisciplinar e dos princípios que norteiam a
psicologia cognitiva, fornece respaldo científico e traz mérito aos seus resultados.
1.3.2 Os estudos de caso
1.3.2.1 O método e seus procedimentos
Segundo Williamon e Thompson (2004), o estudo de caso de Chaffin et al. (1997) serve
de modelo metodológico para as pesquisas empíricas em música, baseado na evidência de que,
através da utilização de métodos qualitativos com observação sistemática, esses autores
conseguiram interpretar os dados coletados de acordo com as teorias cognitivas formuladas por
especialistas em memória. Desse modo, conseguiram situar os resultados dentro de um contexto
de significância para a área instrumental. Para Williamon e Thompson, essa abordagem
metodológica oferece caminhos investigativos para futuras pesquisas na área do planejamento da
execução. Contudo, salientam que os pesquisadores precisam estar atentos aos problemas
metodológicos que acompanham o estudo da prática instrumental e da execução, precavendo-se
de fazer asserções ou previsões conclusivas baseadas nos dados de suas pesquisas (WILLIAMON
e THOMPSON, 2004, p.22-23).
Chaffin et al. (2002, p.93) teceram o estudo de observação do aprendizado de uma nova
peça a partir das seguintes questões:
3
WILLIAMON (2002, p.112).
74
Os princípios de memorização desenvolvidos para outras áreas do conhecimento
se aplicam à execução do piano?
Em que pensa o pianista enquanto executa o instrumento?
Até que nível os detalhes de uma execução podem ser conscientemente
controlados?
Como um pianista concilia as demandas técnicas e estéticas de sua execução?
Como pode um indivíduo executar, atenciosamente, uma habilidade
exaustivamente estudada?
Os autores optaram por um método não-convencional, de modo que houvesse abertura
metodológica para não rejeitar os métodos quantitativos nem os qualitativos (2002, p.16).
Segundo Crawford (CHAFFIN et al. 2002), o principal problema metodológico foi definir como
desenvolver uma pesquisa em que um empirista (Chaffin), uma psicóloga construtivista
(Crawford) e uma pianista-concertista (Imreh) trabalhassem conjuntamente, sabendo que as bases
epistemológicas eram relativamente fluidas. O objetivo era a troca de experiências entre os
pesquisadores, em que a pianista pudesse aprender tanto a análise quantitativa do material
coletado quanto testar cientificamente suas idéias sobre memorização e execução instrumental.
Nota-se que a pianista via-se como uma artista e não como uma pesquisadora e por esse motivo
não concordou em utilizar procedimentos que violassem sua concepção sobre o que seria
musicalmente apropriado. Os autores sabiam que a pesquisa precisava ter coesão e decidiram
adotar alguns posicionamentos prioritários, dentre eles, a auto-reflexão
4
e uma metodologia
baseada em técnicas quantitativas e qualitativas (p.15).
Quando a pianista iniciou o processo de aprendizagem, os autores ainda não haviam
formulado as hipóteses específicas a serem testadas. Após registrar as primeiras sessões da
prática, os pesquisadores precisaram saber onde a pianista estava em relação à estrutura formal da
peça. Para tanto, a pianista forneceu cópia da partitura com suas idéias musicais e delimitação das
seções e subseções, para que os pesquisadores identificassem esses trechos durante a análise do
vídeo (CHAFFIN et al. 2002, p.97).
O registro em vídeo de 57 sessões de estudo (CHAFFIN et al. 2002, p.98) foi a maneira
4
Refletir em todas as etapas do trabalho sobre suas próprias suposições, motivos e princípios epistemológicos
individuais e como estes afetam o processo de pesquisa em todos os estágios.
75
encontrada de observar o comportamento de estudo da pianista, mantendo o distanciamento
necessário e captando, com a maior naturalidade possível, o processo de aprendizagem. Mesmo
com esse procedimento, a pianista relatou sentir-se inibida e com uma sensação de desconforto ao
ter sua rotina diária de estudo registrada em deo: como lavar roupa suja na frente dos outros
(...), às vezes, eu gostaria, apenas, de sentar e tocar alguma coisa, mas [a necessidade de estar
gravando] me faz forçar estar muito bem-composta e vestida apropriadamente" (p.115).
Segundo Chaffin, muitos psicólogos são cépticos em relação aos comentários e descrições
do comportamento pelo próprio indivíduo, pois muitas operações mentais não estão abertas à
introspecção (NISBETT e WILSON apud CHAFFIN et al. 2002, p. 164). "Isto também se
aplicou aos processos mentais responsáveis pelas rápidas e repetidas [overlearned] ações que
envolvem a execução pianística" (2002, p. 164). Assim, o autor diz que a observação, por uma
terceira pessoa, poderá fornecer uma descrição independente e objetiva do processo de estudo do
instrumento. A observação é neutra, permitindo determinar a exatidão dos comentários e
preencher alguma lacuna das informações coletadas. Tendo como prioridade a observação,
Chaffin escolheu registrar em vídeo o comportamento de estudo da pianista, para que pudesse
complementar a visão do estudo, em primeira pessoa, do sujeito:
Nós utilizamos a gravação do estudo para verificar, elaborar, qualificar e revisar a
descrição de Gabriela sobre o que ela fez. Para isto, é necessário ligar a prática que
aconteceu em cada sessão com os objetivos estipulados pela pianista para esta seção
(CHAFFIN et al. 2002, p.164).
O registro em vídeo parece ser o aparato preferido dos pesquisadores para observar o
sujeito, pois foi utilizado em todos os estudos de caso analisados. Nielsen (1999, 2001) empregou
esse recurso porque é a técnica de pesquisa mais próxima ao ambiente de estudo do músico (a
coleta deu-se na mesma sala e com os mesmos instrumentos em que os sujeitos praticavam). A
gravação ocorreu em uma sessão de estudo para cada período da fase de preparação da peça
musical, separados por algumas semanas e, não, durante todo o processo de aprendizagem, como
em Chaffin et al. (2002). Os sujeitos também forneciam comentários verbais sobre as
dificuldades encontradas e as estratégias para solucionar as dificuldades da prática. Após a coleta
de dados, os músicos assistiram ao vídeo para fazer uma retrospectiva e comentar as atividades
realizadas (NIELSEN, 2001, p.157). A pesquisadora analisou o comportamento a partir de
76
categorias sobre o reconhecimento do problema, a avaliação da execução e a seleção de
estratégias utilizadas.
No estudo de caso de Pitts et al. (2000, p.49), os autores verificaram que a presença da
câmera durante a prática fez com que um dos sujeitos tivesse maior concentração, aumentando o
tempo gasto na prática do instrumento. Nota-se que a câmera interferiu na real condição da
prática, pois um dos sujeitos relatou (em sessões subseqüentes da prática de estudo) preferir que a
câmera não estivesse em seu ambiente de estudo. A partir dessas evidências, Pitts et al. afirmam
que existem dificuldades metodológicas em haver um observador presente, seja através de um
aparelho mecânico ou do pesquisador, visto que a prática é uma atividade privada.
Miklaszewski (1989) foi um dos primeiros pesquisadores a utilizar o vídeo para registrar a
prática de estudo, cuidando para que esses dados fossem coletados no próprio ambiente onde o
pianista estudava. Esse estudo de caso foi o que levou menos tempo (uma semana, com gravação
de quatro sessões de estudo) para coletar o registro da aprendizagem do Prelúdio Feux Artifice
de Claude Debussy. Como o pianista tinha nível de expertise, ao fim desse período a peça
estava bem preparada para mostrá-la ao seu professor
5
. A principal questão apontada por
Miklaszewski era como os conceitos teóricos, derivados de pesquisas de outros referenciais
6
,
poderiam ser identificados no registro em deo da prática, juntamente com os comentários do
sujeito sobre seu próprio comportamento de estudo (p.97-98). Nesse caso, o autor utilizou três
critérios para observar e analisar o comportamento da prática: (1) identificação do material
musical - um determinado trecho da composição estudada durante a prática, (2) a ação realizada
pelo pianista em relação ao material musical e (3) o relato do sujeito sobre as ações tomadas
durante a prática (p.98).
Ao contrário de Chaffin et al. (2002), Miklaszewski (1989) não abordou em detalhes os
aspectos de memorização, apesar de o sujeito mostrar que memorizava facilmente, pois na quarta
sessão de estudo ele executava várias páginas sem olhar a partitura. Todavia, Miklaszewski
apontou a influência de outros aspectos cognitivos: o músico construía primeiramente uma nítida
idéia da música, tentando associá-la aos movimentos motores necessários para expressá-la,
então identificava os locais onde deveria haver um trabalho específico para remediar algumas
5
Nota-se que a peça em questão é tecnicamente complexa e que, na última sessão de estudo, o pianista cometeu,
apenas, oito erros. Isso evidencia o elevado nível de proficiência, mas também pode estar implícito que o sujeito se
empenhou (de repente mais do que costuma fazer normalmente) durante a prática, tendo em vista que estava sendo
observado por uma câmera e participando de um estudo pioneiro.
6
Como Gruson (1988), Sloboda (1985), Wicinski (1950), Manturzewska (1969), dentre outros.
77
dificuldades. Segundo Miklaszewski, seu estudo de caso demonstrou que o uso do vídeo,
juntamente com os comentários do sujeito sobre seu comportamento no vídeo, proporciona um
valioso material, que, para esse autor, é relativamente fácil de classificar e descrever (1989,
p.108).
1.3.2.2 A relação entre pesquisador e sujeito
Crawford descreve os diferentes procedimentos utilizados nas pesquisas para trabalhar
com a tênue linha que separa o pesquisador do sujeito, mencionando dois tipos básicos de
abordagens feitas por pesquisadores para lidar com esse frágil relacionamento no percurso da
pesquisa (CHAFFIN et al. 2002, p.20):
1) O primeiro fundamenta-se na distância entre pesquisador e sujeito, a fim de "minimizar os
efeitos dos relacionamentos pessoais e profissionais entre ambos no processo de pesquisa"
(p.20). Esse tipo de abordagem foi utilizado por Miklaszewski (1989, 1995) ao registrar
em vídeo pianistas aprendendo novas obras musicais;
2) No segundo tipo de abordagem, o pesquisador e o sujeito mantêm um estreito
relacionamento. A pianista Imreh condicionou sua participação a esse nível, para que
Chaffin pudesse analisar seu comportamento de estudo. Assim, além de sujeito, a
concertista foi também co-autora do trabalho. Segundo Crawford, nas pesquisas feitas no
campo da memória, os pesquisadores adotam diferentes estratégias para lidar com a
"implícita hierarquia entre experimentador e sujeito, justificando suas escolhas por
diferentes caminhos". Salienta que não registro de pesquisas onde não houvesse algum
tipo de relacionamento hierárquico entre as partes envolvidas (p.22).
Outro fato que pode causar atrito entre os envolvidos na pesquisa está relacionado à
questão da análise dos dados observados. Chaffin (2002, p.22) prioriza o que ele chama de
“dados objetivos” - os registros quantitativos do comportamento da pianista, em detrimento dos
“dados subjetivos”, que são os comentários da pianista sobre as intenções e comportamento
durante o estudo. Desse modo, o autor evidencia a postura de muitos psicólogos em que a
perspectiva exterior sobre um determinado fenômeno cognitivo é a que detêm maior peso. No
estudo de caso com a pianista Imreh, existiram alguns aspectos de sua prática que seriam mais
aparentes para a análise sistemática de um observador externo do que para o sujeito. Em
contrapartida, os aspectos subjetivos seriam mais bem descritos e interpretados pelo próprio
78
sujeito. Com isso, Chaffin et al. (2002, p.23) concordaram que as habilidades motoras e a
memória poderiam ser mais bem examinadas através de uma análise exterior, enquanto os alvos
estéticos da obra musical seriam mais bem avaliados pela pianista.
1.3.2.3 Seus referenciais teóricos
Segundo Chaffin et al. (2002, p.198) sua pesquisa sobre o processo de preparação da
memória para a execução musical encaixa-se plenamente na teoria da memória experiente (expert
memory) desenvolvida por Ericsson et al. (1982, 1995, 1988, 1989). Esses, por sua vez, basearam
essa teoria no estudo de diferentes tipos de memória em outros domínios do desempenho, como a
digitação e o xadrez (CHASE e SIMON, 1973). Desse modo, evidencia-se uma rede de
referenciais a partir das teorias formuladas por pesquisas com delineamento experimental em
outras áreas do conhecimento.
A pesquisa de Chaffin et al. (2002, p.75) confirma alguns dos resultados encontrados em
outros estudos na área da música (ERICSSON, 1996; HOWE, DAVIDSON e SLOBODA, 1998),
como:
A presença de pré-requisitos necessários para alcançar um nível de expertise (além
da contribuição do meio para esse desenvolvimento): a capacidade para trabalhar
arduamente e a motivação para alcançar um determinado objetivo;
O conceito de prática deliberada é reafirmado como princípio no qual o nível de
expertise é alcançado com um mínimo de dez anos de estudo deliberado de algum
tipo de habilidade. A prática deliberada exige autocrítica em todas as etapas do
aprendizado visto que, após os problemas serem solucionados, o músico deverá
partir para uma nova etapa do processo de aprendizagem (ERICSSON apud
CHAFFIN, 2002, p.79);
A influência de fatores como a motivação e a disciplina, ou a capacidade para
trabalhar arduamente no estudo do instrumento fizeram diferença nos resultados.
Na pesquisa de Sloboda et al. (1996), o que distinguiu os alunos de "elite" dos
outros alunos de níveis inferiores foi o tempo em que os melhores alunos gastaram
com a prática deliberada de estudo. Estes não desperdiçaram seu tempo de estudo
como os alunos que obtiveram resultados menos significativos, os quais
praticavam o instrumento apenas tocando suas músicas favoritas ou improvisavam
79
melodias que não foram pedidas pelos professores, além de não utilizar nenhuma
estratégia em particular. Os alunos de "elite", que empregaram uma prática
estruturada, realizaram o estudo técnico pela manhã, como escalas e arpejos, pois
este é o estudo mais árduo e o que exige maior concentração por poder se tornar,
facilmente, enfadonho. Assim, eles iniciavam a prática com algo menos
gratificante, deixando para o resto do dia "a melhor parte" do estudo. A pesquisa
de Chaffin et al. (2002) indica que uma das recompensas da prática não reside no
presente, mas sim, no futuro, seja através do acréscimo de uma nova peça no
repertório, ou do aumento da proficiência no instrumento.
No estudo de caso de Chaffin et al. (2002), os autores mais citados por ordem decrescente
são: Ericsson, Miklaszewski, Hallam, Sloboda, Williamon, Lehmann, Simon e Sosniak. Também
lhe serviram de referência outros pesquisadores relevantes, como Gruson, Nielsen, Hallam,
Howe, Krampe, Aiello, Palmer, dentre outros. A citação confirma os trabalhos de Ericsson
(1993) e Miklaszewski (1989, 1995) como referenciais para as pesquisas sobre o planejamento da
execução, sendo o último autor mais citado em pesquisas que envolvam a execução pianística.
Chaffin ressalta o estudo com entrevista feito por Hallam (1997) e sugere que as suas conclusões
deveriam ser observadas diretamente, através de um estudo de caso com pelo menos um número
reduzido de participantes (CHAFFIN et al. 2002, p.85). Segundo Chaffin (2002, p.85), os dois
trabalhos realizados por Nielsen (1997, 2000) proveram algumas confirmações para a afirmação
de que sicos profissionais realmente utilizam estratégias flexíveis de estudo, estando
igualmente de acordo com o trabalho feito por Hallam. Contudo, para Chaffin (2002, p.90) os
dois estudos feitos por Miklaszewski (1989, 1995) são os registros mais minuciosos de como
pianistas de excelência aprendem uma nova peça.
A partir de seu estudo de caso (2002) e de outros trabalhos sobre a prática de músicos
profissionais, Chaffin et al. encontraram quatro tipos básicos de estratégias que são inerentes ao
comportamento de estudo desses músicos, evidenciando, também, os cruzamentos de
informações e de resultados entre os pesquisadores:
1. O uso formal da estrutura da música para dividir a peça em segmentos ou seções para
estudo (MIKLASZEWSKI apud CHAFFIN et al. 2002, p.87-89). Segundo Chaffin (2002,
p.87), a pesquisa de Miklaszewski poderia ter fornecido maior detalhamento sobre a
organização da prática, a partir da estrutura formal da peça. Percebe-se que essas
80
informações detalhadas foram feitas por Chaffin et al. (2002);
2. O uso flexível das estratégias de estudo. Isso foi igualmente relatado no estudo com
entrevistas de Hallam (1995a, 1995b). As estratégias eram ajustadas de acordo com a
complexidade da obra, com o nível de execução a ser obtido e o tempo despendido para
alcançar determinado objetivo técnico-musical (CHAFFIN et al. 2002, p.87);
3.
A organização do estudo a partir da identificação e eliminação dos problemas através de
uma relação entre a avaliação da execução dos trechos musicais e do trabalho específico
sobre essas passagens. Chaffin (2002, p.88) denomina esse processo de ciclos de
trabalho (work) e execução (runs)
7
”, enquanto Miklaszewski os como uma variação do
TOTE (teste-operação-teste-saída), que são seqüências características de uma atividade
planejada e deliberada. Embora os pesquisadores não tenham feito qualquer referência,
creio que esses modelos podem ser, em suas conceituações e elementos constitutivos, uma
analogia ao esquema básico do método dialético de Hegel (tese – antítese – síntese)
8
.
O pianista, primeiramente, tocará a seção no andamento, inteiramente, para identificar
qualquer problema [teste]. Então trabalhará as dificuldades, anotando na partitura suas
decisões e tocando, lentamente, para implementar o resultado [operação]. O ciclo é
concluído com outra execução integral, na qual o pianista tentará tocar a seção no
andamento por mais uma vez [teste]. Se o teste não foi satisfatório, o ciclo deverá ser
repetido até que o problema seja resolvido (MILLER et al. apud CHAFFIN et al. 2002,
p.88).
Segundo Chaffin, o TOTE também pôde ser verificado nos relatos dos pianistas quanto à
observação de sua prática em cada etapa do estudo: os comentários iniciais refletem sua
habilidade de tocar a seção (teste). Os comentários a seguir focalizam as ações necessárias para
resolver algum tipo de problema (operação) e, por fim, a avaliação final do resultado após o
estudo (teste) (CHAFFIN, 2002 et al., p.88).
7
No work (trabalho específico e detalhado de um trecho musical), o pianista executa apenas uma pequena seção
musical para trabalhar as questões técnico-musicais. Nos runs (execução do trecho musical, da seção ou da peça
inteira) o músico testa o que foi trabalhado durante o work. As execuções longas dos trechos (runs) servem para
avaliar o trabalho recente sobre as seções estudadas individualmente e para identificar os problemas a serem
estudados posteriormente (CHAFFIN et al. 2002, p.135).
8
Saliento que a referência a Hegel é apenas conceitual, considerando que o estudo do instrumento tem uma natureza
prática.
81
(...) os estudos de Miklaszewski (...) sugerem que a prática avançada de estudo é
organizada em ciclos de trabalho sobre pequenas passagens intercaladas com longas
execuções para validar a eficácia do trabalho (...) (CHAFFIN et al. 2002, p.91).
4. A quarta e última estratégia é a "preocupação explícita com os objetivos da execução da
obra em longo prazo" (CHAFFIN et al. 2002, p.88). O pianista não está apenas
desenvolvendo uma habilidade motora, mas prevendo o futuro da execução, refletindo
sobre a interpretação e desenvolvendo planos com vista a um elevado nível artístico.
Chaffin salienta que os trabalhos de Miklaszewski (1989, 1995) são, até o momento de
sua pesquisa participante, os únicos publicados que forneceram as mais detalhadas evidências
empíricas sobre como músicos experts e com diferentes experiências profissionais, aprendem
uma nova peça do repertório pianístico. Miklaszewski, por sua vez, tece seu referencial a partir
de estudos com entrevista na área da música (WICINSKI, 1950 e MANTURZEWSKA, 1969), da
pesquisa empírica de Gruson (1988) e do trabalho de Sloboda (1985). Miklaszewski (1989)
afirma que, apesar de relevantes, nenhum desses trabalhos forneceu uma proposta teórica como
modelo para examinar a ação músico-instrumental de longo prazo, nem apresentou uma descrição
detalhada do processo de aprendizagem, como poderia ter sido feito
9
. Alguns dos resultados de
Miklaszewski também se assemelham aos desses referenciais, tais como, a importância da
estrutura da música para organizar a prática e a tendência de se estudar uma peça longa,
dividindo-a em pequenas unidades (MIKLASZEWSKI, 1989, p. 106).
1.3.3 Possibilidades temáticas de investigações a partir dos estudos de caso
Para Chaffin et al. (2002), a escassez de material bibliográfico sobre a aprendizagem de
músicos experts pode ser justificada pelo "culto ao performer, o que freqüentemente permite a
estes pianistas camuflar os detalhes de como a sua mágica é produzida" (p.30). Os autores
levantaram uma hipótese central para saber como uma obra musical é preparada: "a peça tem que
ser analisada e trabalhada em vários níveis" (p.30). Assim, os autores estudaram o processo de
aprendizagem baseado em níveis ou etapas de preparação do repertório. Eles verificaram que
quando se entrevistam renomados pianistas, geralmente, apenas o último vel do processo de
9
Creio que Gruson (1988) realizou um trabalho minucioso, dentro das limitações quanto ao detalhamento que se
pode esperar de uma pesquisa com delineamento experimental envolvendo um grande mero de participantes.
Desse modo, fica inviável, metodologicamente, fornecer um aprofundamento que os estudos de caso podem
proporcionar.
82
aprendizagem é descrito, justamente para se perpetuar a "mística do artista":
No final e mais elevado nível, o artista manifesta sua própria individualidade,
musicalidade, personalidade, gosto, sensibilidade e conhecimento, os quais estão
refletidos nos detalhes que diferenciam uma execução da outra. Este é o vel mais
recompensador para o instrumentista e é o nível em que os pianistas tendem a falar
quando descrevem sua própria execução. Embora as descrições dos objetivos
expressivos sejam interessantes [e.g., Mark Zilberquit's - 1983 - um livro fascinante
sobre os pianistas russos], elas não nos dizem como essas performances foram
agrupadas. Por isto, precisamos de um diferente e mais detalhado vel de descrição
(CHAFFIN et al. 2002, p.30).
A hipótese levantada pelos autores pode ser considerada unânime, pois que o estudo de
uma nova obra musical, assim como qualquer outro domínio na área do conhecimento, passa por
vários níveis e etapas de aprendizagem. Contudo, o ponto divergente está justamente na
hierarquia em como se processam as conexões de novas informações e prioridades dentro destes
níveis. Na citação acima fica nítido que os autores reputam ao último nível a ênfase nos aspectos
interpretativos, pois é justo neste nível que os artistas costumam descrever sua execução. Os
autores consideraram essa hipótese investigando o processo de aprendizagem da pianista Gabriela
Imreh que, coincidentemente, adota esse tipo de abordagem verificado e descrito em seu estudo
do movimento do Concerto Italiano. Nele, a ênfase principal quanto aos aspectos de
interpretação e de expressão ocorre principalmente no nível final da aprendizagem. Presumo,
assim, que este foi um estudo de caso que revelou apenas um determinado olhar sobre como a
prática é constituída. Nesse caso, haveria necessidade de uma amostragem mais abrangente para
verificar como os veis são hierarquizados nas fases do aprendizado. Para dar um parecer mais
abrangente sobre como funcionam as inter-relações entre os níveis de aprendizagem, seria
conveniente haver estudos complementares que tivessem mais sujeitos com as mesmas
características profissionais da Gabriela Imreh, para verificar se diferenciação entre os
diversos níveis e a constituição da prática em cada um deles.
Chaffin menciona que as decisões sobre os objetivos expressivos foram feitas no início do
período de aprendizagem, sendo que seu efeito apareceu nas sessões de prática 7 e 8
10
, quando
a pianista “começou a tocar a peça como um todo, após aprendê-la por trechos musicais”
(CHAFFIN et al. 2002, p.189). Uma das justificativas para a realização de estudos de caso com
10
Imreh realizou ao todo 57 sessões de prática.
83
outros sujeitos é quanto à hierarquização das prioridades interpretativas dentro da prática de
estudo, encontradas na análise dos dados:
(...) as sugestões expressivas parecem ter sido identificadas e memorizadas ao mesmo
tempo em que os outros tipos de sugestões, entretanto, elas se tornaram o foco do
estudo nas etapas finais (...) As sugestões expressivas foram estabelecidas no início, mas
só tardiamente se tornaram o foco do estudo (CHAFFIN, 2002, p.191).
Seria pertinente haver continuidade dessa linha de pensamento, quanto à prioridade dos
aspectos interpretativos nas etapas de aprendizagem, mas a partir de outra abordagem da prática
de estudo: Como teriam sido os resultados se as sugestões expressivas, juntamente com as
interpretativas, fossem focalizadas desde as primeiras etapas do processo de aprendizagem? O
resultado final poderia ser otimizado caso fossem utilizadas outras estratégias de estudo? O que
aconteceria se o uso sistemático das intenções expressivas e interpretativas fosse deslocado da
fase de polimento para todas as etapas do processo? Isso evidencia a necessidade de mais estudos
de caso com pianistas de nível de expertise para que se possa ter um panorama mais completo e
diversificado sobre a construção da execução de excelência.
O estudo de caso de Miklaszewski (1989) traz algumas possibilidades de aprofundamento
investigativo para as conclusões encontradas: a velocidade com que o pianista assimilou a peça
(uma semana) evidenciou que ele sabia estudar eficientemente. Entretanto, percebi que as
estratégias utilizadas não foram pormenorizadas, mas apenas mencionadas na discussão dos
resultados. O trabalho também apontou que o sujeito adequava as estratégias à situação de
estudo. Talvez, o fato do Prelúdio Feux d´Artifice de Debussy ser uma peça que contenha saltos
rapidíssimos de grandes intervalos tenha sido o motivo pelo qual o pianista alternou o estudo em
andamento intermediário com trechos curtos em velocidade. Percebi que ele não utilizou uma das
estratégias de estudo mais empregadas por músicos, que é o estudo em andamento lento. Ao
contrário, ele adequou às estratégias que envolviam diferentes andamentos à demanda técnico-
motora do repertório. Outra característica de sua prática foi uma ênfase no estudo de mãos
separadas, dando atenção especial à mão esquerda (p.105). A eficiência dessa prática pôde ser
confirmada na primeira sessão da prática, na qual o pianista estudou os compassos 35-38 por 16
minutos (somente a mão esquerda). Nas outras três sessões, o pianista gastou nesse trecho,
respectivamente, 35 segundos, 50 segundos e 3 minutos. Isso evidenciou que a prática, na
primeira vez em que a peça foi estudada, foi realizada de maneira tão eficaz que precisou de
84
apenas segundos ou minutos nas sessões subseqüentes para manter o resultado alcançado.
Infelizmente, a pesquisa de Miklaszewski não esclareceu como essas estratégias, de resultados
tão eficazes, foram implementadas.
1.3.4 Quanto aos resultados e conclusões
As pesquisas empíricas sobre o planejamento da execução corroboram para validar teorias
formuladas por estudos teóricos da área da psicologia da música. Segundo Williamon e Valentine
(2002a), o estudo de caso de Chaffin e Imreh (1997) confirma a asserção de Clarke (1988), a qual
teoriza que o sico em vel de expertise apreende na memória e executa uma obra utilizando
representações internas, hierarquicamente organizadas. No caso, a pianista estruturava o seu
estudo e o material a ser memorizado a partir da estrutura formal da peça (2002a, p.9). Williamon
e Valentine (2002a, p.27) salientam que tanto suas pesquisas quanto as de Chaffin corroboram
argumentos formulados por pesquisadores da área da psicologia cognitiva - como os trabalhos de
Chase e Ericsson (1982) e Ericsson e Kintsch (1995), demonstrando que a performance musical
implementa estruturas hierárquicas de assimilação durante a prática do instrumento que,
conseqüentemente, serão utilizadas para resgatar as informações da memória durante a execução.
Isso evidencia que os resultados dos estudos de caso de Chaffin et al. (2002), bem como as
demais pesquisas na área da psicologia da música, são baseados em teorias previamente
formuladas, provenientes da psicologia cognitiva, para verificar o fenômeno musical a partir
desses parâmetros. A partir dessa realidade, concordo com o argumento de Williamon: “embora
Clarke (1988) postule que o músico continuamente re-acessa e modifica sua representação
mental durante a execução, maiores evidências empíricas precisam ser mostradas para revelar os
caminhos em que essas modificações ocorreram” (2002a, p.11). Nesse sentido, acredito que essas
evidências aparecerão quando houver uma maior aproximação entre as áreas da música e
psicologia da música, as quais poderiam examinar esse problema a partir de um ângulo
investigativo baseado no modelo proposto no item 1.2.2.3.
Segundo Chaffin et al. (2002, p.136), uma das conclusões mais distintas encontradas na
observação do estudo de Gabriela Imreh (e que podem caracterizar a elevada eficiência na prática
do instrumento por pianistas profissionais) está no fato de que a pianista gastou apenas 1/4 do
tempo executando a peça. Os 3/4 restantes foram gastos analisando e refletindo sobre o processo
de execução e a música em si mesma, “pensando sobre o que tinha sido tocado, o que acabou de
85
executar ou o que seria tocado” (p.133-134). Esse resultado foi mostrado através do registro de
gráficos indicativos da medição do tempo gasto no estudo. Chaffin sugere que o grande esforço
mental comprovado pelos resultados do tempo despendido na prática mostrou ser isto uma das
características do estudo eficaz, os quais procuravam encontrar baseados na natureza da prática
deliberada de estudo. Segundo o autor, não é surpresa que a prática feita por profissionais
envolva um monitoramento contínuo e o uso flexível de estratégias. Entretanto, o que não estava
previsto neste estudo apareceu nos dados registrados: a maior parte do tempo utilizado durante a
prática não foi despendida no ato da execução musical, mas no processo mental que envolvia
auto-avaliação, escolhas e decisões. Assim, mesmo sabendo que vários pianistas utilizam o
estudo mental do repertório, Chaffin não esperava encontrar que mesmo na prática do
instrumento, in loco, o estudo fosse "mais mental do que físico" (p.135).
Uma das conclusões do estudo de caso do Chaffin (2002, p.233) é que a memória
conceitual ou declarativa é crucial para pianistas concertistas (obviamente, importante para
qualquer instrumentista, independente do nível profissional), assim como é prioridade para outros
tipos de habilidades que exigem memória aguçada. Para Chaffin, a relevância da memória
conceitual vem a comprovar a ênfase com que os pedagogos do instrumento dão ao estudo formal
e analítico da obra musical a ser aprendida. Todavia, a função deste tipo de memória não tem sido
completamente compreendida por estes profissionais, visto não haver, por exemplo, uma
terminologia comum ao se falar sobre a memória conceitual. Acrescenta-se que a sua importância
na prática do instrumento é muitas vezes “obscurecida pela grande ênfase em outras formas de
memória” (p.235). Embora músicos profissionais utilizem a memória analítica, essa parece se
desenvolver tardiamente em muitos estudantes, a exemplo das entrevistas feitas com alunos na
tese de doutorado de Williamon
11
(1999), em que apenas seis dos vinte e um alunos disseram
utilizar a segmentação da música para ajudar no processo de memorização (CHAFFIN et al.
2002, p.236).
Segundo Chaffin (2002, p.250), o impacto estético de uma execução sobre o público é
resultante do que pensa o intérprete durante a performance. Quando o pensamento do pianista
está focado somente nos objetivos expressivos da peça, este terá alcançado o alvo performático
da obra musical. Entretanto, para direcionar a atenção nesses objetivos, faz-se necessário que o
11
WILLIAMON. Preparing for performance: An examination of musical practice as a function of expertise.
Londres: University of Lonfon, 1999. Tese de doutorado, Universidade de Londres, 1999.
86
músico tenha estudado a peça pensando nesses alvos para que sejam automatizados e possam
estar presentes durante a execução. Caso o pianista não estude desta forma, existe a possibilidade
de que as distrações provenientes do auditório, das diferenças do instrumento, dos problemas
técnicos e dificuldades da peça, além do alto nível de adrenalina, interfiram na apresentação.
Assim, Chaffin aconselha que até a espontaneidade seja preparada durante a prática de estudo:
Quando uma peça é memorizada pela primeira vez, esta execução é controlada,
principalmente, através de guias sicos de execução [basic performance cues]. A
medida que a execução vai se aprimorando, os guias interpretativos [interpretative
performance cues] vão tendo prioridade. Por fim, este controle é transferido para os
guias expressivos [expressive cues] (CHAFFIN et al. 2002, p.252).
1.3.5 Quanto às lacunas, questionamentos e análise crítica dos resultados
1.3.5.1. Sobre a hierarquia das etapas do processo de aprendizagem
Chaffin mencionou que o estudo com entrevistas feitas por Wicinski (1950), com dez
pianistas russos eminentes, apontou três estágios do processo de aprendizagem de uma nova
peça: idéias preliminares, trabalho dos problemas técnicos e ensaio final. No primeiro estágio o
pianista conhece a música e desenvolve as idéias musicais preliminares sobre como ela deverá ser
executada. O segundo estágio é reservado ao trabalho exaustivo sobre os problemas técnicos. O
último estágio é destinado ao ensaio do resultado final, onde as idéias desenvolvidas no primeiro
estágio são combinadas com o trabalho técnico desenvolvido no segundo estágio para produzir a
interpretação final (CHAFFIN et al. 2002, p.100). O sujeito da investigação de Chaffin et al.
(2002) descreve seu processo de aprendizagem de forma semelhante. A pianista resumiu toda
prática em cinco estágios: “exploração” das idéias musicais; “seção por seção” (trabalho dos
problemas técnicos e dedilhado); “estágio cinzento (período em que a automatização é
desenvolvida, mas não plenamente confiável); “ajuntamento” – (putting it together - para quando
as seções individuais estão fluentes) e “polimento” (estágio final de aperfeiçoamento) (p.100).
A divisão dos estágios nas pesquisas de Wicinski (1950) e Chaffin et al. (2002),
separando o trabalho técnico das idéias musicais, traz à tona a discussão sobre os objetivos
interpretativos serem desvinculados do trabalho técnico. Chaffin faz uma afirmação que aparenta
ser contrária aos objetivos de seu trabalho (que é explicitar o processo que leva a uma execução
87
de excelência):
(...) polir [fase de polimento] pode ser perfunctório no caso de peças fáceis e com uma
estrutura simples como Clair de Lune, mas foi importante para peças complexas e
exigentes como o 3o movimento do Concerto Italiano (CHAFFIN et al., 2002, p.100).
Nesse estudo de caso a pianista também aprendeu a peça de Debussy, entretanto, esta foi
descartada da investigação por "ser tão fácil que se tornou relativamente sem informação" (2002,
p.94). Ao por à parte peças que não apresentem “dificuldades técnico-mecânicas” da fase de
polimento, os pesquisadores parecem excluir a hipótese de que o trabalho sonoro e interpretativo
(em peças de andamento lento ou sem complexidade técnica) exige esforço de execução igual ou
maior por parte do pianista
12
. Se o que diferencia um artista não é somente a destreza motora,
mas principalmente como esse transmite a mensagem musical em termos de sonoridade, por que
não examinar o polimento em peças, onde somente os aspectos sonoros e de expressão se
evidenciam, como em Clair de Lune? Contudo, o “olhar” sobre o problema aparenta ser mais de
ordem de objetivos e de prioridade investigativa por parte dos pesquisadores do que,
propriamente, de desconhecimento de uma abordagem da área de interesse, visto que o autor
publicou posteriormente um artigo sobre o aprendizado dessa peça. Assim, meu questionamento
se restringe à pesquisa empírica de modo geral, no sentido de despertar uma visão investigativa
que possa contemplar aspectos essenciais da execução instrumental.
Embora o estágio que trabalha as dificuldades técnico-motoras tenha objetivo expresso,
não ficou nítido, na maioria das pesquisas empíricas, o que significa trabalhar com problemas
técnicos nem qual seria o significado da palavra técnica
13
. Durante esse estágio de aprendizado,
Gabriela Imreh faz o seguinte comentário:
Estou tentando utilizar um dedilhado que poderá não funcionar (...) toda essa dificuldade
pode ser por causa do novo dedilhado que não esfuncionando (...) mas eu sei que em
passagens como essa, o dedilhado poderá levar semanas para se estabelecer
definitivamente (CHAFFIN et al. 2O02, p.102).
12
É, justamente, o resultado sonoro que irá distinguir e personalizar sua execução.
13
Sabe-se que a palavra técnica se origina do grego tech cuja tradução é arte. Nesse caso, a interpretação e a
sonoridade são aspectos intrinsecos e indissossiáveis do trabalho mecânico e motor da ação músico-instrumental.
88
Chaffin registrou em vídeo as 57 sessões de estudo da pianista Gabriela Imreh. A pianista
relata ter sacrificado a “musicalidade” em algumas sessões iniciais para trabalhar problemas
técnico-motores, a fim de testar e desenvolver a memória. Isto ocorreu principalmente na sessão
8. Entretanto, na sessão 9, a pianista começou a prestar maior atenção na interpretação e "pareceu
ter alcançado um momento de mudança" (p.105):
Está chegando lá. É muito bom ver que finalmente alguma música está saindo disto
tudo, porque até agora somente tem sido ranger de dentes e tortura (CHAFFIN et al.
2002, p.105).
Com base nas citações acima, suscito a questão se as dificuldades técnico-motoras devem
ser trabalhadas em sua especificidade ou será que são mais bem resolvidas se estudadas
juntamente com os elementos musicais presentes na interpretação final. Essa pergunta fica em
aberto para estudos comparativos sobre as prioridades dos elementos técnicos e musicais durante
o aprendizado de uma obra musical.
A fase de “polimento” da pianista foi dividida em três partes: “polimento, re-polimento e
aumento do andamento” e foi destinada à execução e ao estudo em andamento lento, a fim de
desenvolver a memória conceitual (analítica). Ao estudar lentamente, um instrumentista diminui
a eficiência da memória motora, forçando o músico a pensar no que se está tocando. Neste caso,
Imreh estava pensando nos objetivos interpretativos e nos padrões de dedilhado (p.109-111).
Nessa fase a pianista decidiu executar o Presto em um andamento final mais rápido do que tinha
imaginado no início do processo de aprendizagem. Ela utilizou o metrônomo para aumentar o
andamento final e estudar um trecho difícil em fugato, consumindo várias sessões da prática. A
passagem musical era executada duas vezes com o metrônomo em andamento lento. Após a
repetição, a pianista aumentava um grau no aparelho para continuar progressivamente até o
andamento final (p.112). O metrônomo foi assim usado em três sessões de estudo na fase de
polimento. Na citação abaixo, a pianista relata o angustiante sentimento ao realizar este tipo de
estratégia:
(...) eu não tenho escolha, eu tenho que fazer isto [utilizar o metrônomo em andamento
lento e aumentar um grau a cada duas repetições] e isso é um trabalho infeliz (...) o
metrônomo também vai detestar fazer isso. É terrível (...) eu não gosto, é irritante,
enlouquecedor, eu odeio (CHAFFIN et al. 2002, p. 112-113).
89
Algumas suposições sobre a utilização desse tipo de estratégia nessa fase de
aprendizagem podem ser depreendidas: dificilmente uma concertista como Gabriela Imreh
necessitaria utilizar o metrônomo, principalmente em estágios avançados do processo de
aprendizagem. Imreh relatou seu elevado grau de descontentamento ao utilizar esse tipo de
estratégia. Assim, pode-se deduzir que essa prática trabalhou mais a parte mecânica da execução,
com chances significativas de excluir os objetivos principais da fase de polimento: elevar a peça a
um patamar de excelência interpretativa.
O estudo de caso de Nielsen (2001, p.163) mostrou igualmente que os sujeitos
focalizaram o trabalho sobre dificuldades técnico-motoras durante todas as fases do aprendizado
e que as preocupações com interpretação e as qualidades expressivas da música apareceram,
consistentemente, no último período de aprendizagem. A própria autora menciona que ela não
inseriu as diferenças “relacionadas aos aspectos interpretativos e expressivos da execução” nas
quatro categorias elaboradas para descrever a utilização das estratégias (1999a, p.279). A
ausência desse critério em relação ao repertório estudado (peças do período romântico francês)
suscita questionamentos sobre a falta dessa menção: se os sujeitos estudavam peças que exigem
um trabalho analítico-interpretativo constante, por que isso não foi incluído na prática em todas
as fases de aprendizagem? O pesquisador não necessita analisar a execução final para verificar se
o músico evidenciou ou não os aspectos interpretativos e expressivos, mas sim, como ele os
constrói durante sua prática. A descrição do trabalho sobre esses quesitos é o que poderia
diferenciar o que é realizado por um artista daquele feito por um instrumentista amador.
1.3.5.2 Sobre algumas estratégias de estudo
1.3.5.2(a) Quanto às estratégias para o estudo do dedilhado e das dificuldades técnicas
Segundo Chaffin, Gabriela teve de escolher o dedilhado desde as primeiras seções, onde
ainda não tocava fluentemente. A escolha foi baseada na antecipação de suas decisões
interpretativas e objetivos expressivos. Dessa forma, o dedilhado não iria "aprisioná-la" nas
próximas etapas, trazendo surpresas desagradáveis, visto tê-lo escolhido desde o início
(CHAFFIN et al. 2002, p.146). Entretanto, a própria pianista comenta sobre as constantes
mudanças de dedilhado durante o processo de aprendizagem:
90
Algumas vezes, eu mudo o dedilhado tardiamente durante o processo de aprendizagem
porque tudo parece estar acontecendo lentamente, obviamente, isto não significa que o
trabalho acontecerá numa velocidade maior. Algumas coisas parecem não funcionar
(CHAFFIN et al. 2002, p.146).
Chaffin et al. (2002, p.102) relatam que o processo de testar dedilhados continuou até que
a peça inteira pudesse ser tocada no andamento. Não estaria isto mostrando que a pianista, ao
utilizar a estratégia de estudar em andamento lento, escolheu um dedilhado que não funcionaria
no andamento presto? Talvez o processo de escolha do dedilhado fosse menos exaustivo se, ao
invés de empenhar tanto tempo com o estudo lento em determinados trechos, a pianista os tivesse
executado no andamento final, procurando um dedilhado que resolvesse as questões técnico-
musicais.
A mudança de dedilhado foi realizada até o momento em que a peça estava sendo
executada no andamento final. Este é um tipo de estratégia que deveria ser verificado através de
um estudo comparativo entre pianistas, considerando que o dedilhado deve ser testado e
escolhido, por definitivo, durante o início do aprendizado. Para tanto, deve-se testá-lo no
andamento lento e no andamento final (obviamente tocando apenas o trecho que envolve a
escolha do dedilhado). Essa prioridade fortalece a memorização, solidificando a memória
topográfica e visual e os padrões de movimento realizado com as mãos, além de ajudar no
aperfeiçoamento motor, em razão de que a escolha do dedilhado deve ser direcionada para que
proporcione conforto e a maior naturalidade possível na execução. Talvez a alteração do
dedilhado pela pianista, nas fases avançadas do processo de aprendizagem, seja uma das causas
de sua dificuldade em memorizar determinados trechos. Esta hipótese poderia ser confirmada
se tivessem sido apontados os trechos em que ocorreram as indefinições de dedilhado, para
relacioná-las com os lugares em que a pianista tinha dificuldade de memorizar.
A análise da tabulação dos dados referentes às Dimensões Básicas de Execução
14
(CHAFFIN et al. 2002, p.142) mostrou que a escolha dedilhado e o trabalho neste quesito foram
realizados nas primeiras sessões de prática com as repetições dos trechos musicais ocorrendo em
compassos contendo um dedilhado não convencional (p.181). O trabalho técnico sobre o
dedilhado ocorreu em várias sessões da prática até as fases finais de polimento”. A cada etapa
14
Tabela que mostra os quesitos básicos que foram avaliados: dedilhado, dificuldades técnicas-motoras, padrões
musicais, etc. (CHAFFIN et al. 2002, p.140-141)
91
do aprendizado, em que se incluía um novo objetivo (como, por exemplo, o estudo em
andamento lento ou com metrônomo) a pianista tinha que intensificar o estudo do dedilhado.
Chaffin sugere que o tocar lentamente reduz a habilidade de encontrar automaticamente o
dedilhado certo. Assim, o estudo lento feito por Gabriela Imreh na fase final de aprendizado
proporcionou a assimilação do dedilhado em um nível maior dentro da memória de longa duração
(p.183). O autor afirma que o aumento da velocidade final da peça, na última fase de
aprendizado, foi o motivo para que a pianista voltasse a ter novamente problemas com o
dedilhado. Desse modo, Imreh teve de redobrar a atenção e o estudo sobre o dedilhado durante o
processo de aceleração do andamento final (p.183). Verifica-se, através deste fato, a ausência de
uma relevante variável que não foi mencionada: a possibilidade da pianista não ter aplicado,
desde o início da aprendizagem, uma estratégia de estudo eficaz que tivesse solucionado os
problemas de dedilhado, os quais se perpetuaram até os estágios avançados de execução.
Nas páginas 183-184, Chaffin reitera que a execução em andamento rápido envolve
mudanças nos padrões de movimento e que os dedilhados mais complexos não estão plenamente
automatizados nesse novo contexto. Desse modo, ele aponta o estudo progressivo do andamento
com o metrônomo como solução para torná-lo automatizado. Este foi o tipo de estudo utilizado
pela pianista nesta última fase de aprendizagem. Nesse contexto, levanto os seguintes
questionamentos: se o aumento do andamento provocara uma dificuldade na assimilação do
dedilhado, este problema não poderia ser resolvido anteriormente à última fase de aprendizagem
caso a pianista estudasse pequenos trechos musicais no andamento final? Se a aplicação de
estratégias auxilia a fixação do conteúdo musical na memória, Imreh não poderia ter utilizado
várias estratégias de estudo para alcançar o andamento final, ao invés de se restringir ao estudo
lento e progressivo com o auxílio do metrônomo?
1.3.5.2(b) Quanto às estratégias utilizadas na abordagem interpretativa e de andamento
No segundo período de aprendizagem (sessão 24 da prática), Gabriela Imreh menciona
claramente o trabalho nos aspectos interpretativos: "eu estou trabalhando muito mais nos toques,
na qualidade sonora e nas diferenças de dinâmica (...)" (CHAFFIN et al. 2002, p.149). Somente
nessa etapa a pianista enfatizou, compasso por compasso, os objetivos expressivos, o fraseado e a
interpretação desejada. Chaffin salienta que como a pianista tinha em seu repertório inúmeras
obras de Bach e que talvez muitas das suas decisões interpretativas tenham sido feitas
92
automaticamente, por analogia a outras peças do seu repertório (p.149). Nas ginas 148-151, o
autor relata os comentários verbais de Imreh sobre os aspectos interpretativos durante seu
processo de aprendizagem, focalizando principalmente no fraseado e na dinâmica.
Em relação ao tempo final da peça, a pianista decidiu alterá-lo para um andamento "ainda
mais rápido" (2002, p.151). No fim do segundo período de aprendizagem e durante o terceiro, a
pianista utilizou o metrônomo para alcançar o andamento final, conseguir estabilidade de tempo e
trabalhar a mão esquerda, na qual relatou ter "sérios problemas" (p.153). O metrônomo foi usado
como "polimento" na preparação para a primeira audição privada (sessões 18-24 da prática) e
para a execução final da obra (sessões 32 - 41), "movendo ponto por ponto, muito pacientemente"
até o andamento desejado (p. 161). Segundo a pianista,
O metrônomo é necessário porque nos ajuda a alcançar a estabilidade no tempo, o qual
é vital nessa obra. Algumas vezes essa instabilidade é devida aos problemas técnicos
reais. Então, nós precisamos eliminá-los (CHAFFIN et al. 2002, p.153).
Saliento novamente que pelo seu histórico, Imreh não necessitaria utilizar o metrônomo
para trabalhar problemas técnicos. Lembro-me da professora orientadora artística do Mestrado,
Dr. Nelita True, referindo-se acerca do que difere o verdadeiro artista de um músico, que disse:
O artista é capaz de trabalhar o som e o tempo de uma forma peculiar, única (...) a
preocupação com o som é elevada e a sua qualidade impecável, por outro lado, o tempo
nunca é preciso, rígido, mesmo parecendo ser. Vo jamais vai conseguir utilizar o
metrônomo para acompanhar uma gravação de Horowitz (informação oral).
Considerando a flutuação temporal dentro de uma pulsação estável, depreendo que esse
tipo de estratégia parece não ter propósito para uma pianista com nível de expertise como
Gabriela Imreh. Esse fato me remete a Franz Liszt, o qual ensinava seus alunos a estudar do
mesmo modo em que foi ensinado: mãos imóveis, a ponto de se poder tocar com uma moeda em
cima da mão, mas os dedos tendo acentuada articulação. Entretanto, sabe-se através de relatos de
seus alunos que ele jamais tocou dessa maneira.
93
1.3.5.2(c) Quanto à ausência de comentários sobre alguns parâmetros estilísticos na obra
musical investigada
Chaffin fez uma tabulação com os comentários verbais feitos pela pianista sobre aspectos
importantes da música em questão. Esses foram enquadrados em quatro grandes grupos temáticos
(2002, p.140):
1) Comentários sobre assuntos básicos (dedilhado, dificuldades técnicas, padrões
musicais familiares – escalas, arpejos, etc.);
2) Comentários sobre interpretação (fraseado, tempo, dinâmica, etc.);
3) Comentários sobre execução (memória, estrutura musical, uso da partitura,
concentração) e aspectos envolvendo a execução de memória;
4) Comentários sobre assuntos metacognitivos (avaliação, afetos, processo de
aprendizagem); reflexões sobre o estudo de caso; utilização de estratégias
(planejamento, estudo lento, uso do metrônomo, fadiga, avaliação da edição da
partitura).
O objetivo de Chaffin foi verificar a quantidade de comentários sobre cada tópico e a sua
freqüência em cada uma das sessões de prática selecionadas. Objetivou-se examinar se os tópicos
mais comentados foram também os mais estudados, além de determinar quais aspectos e partes
da peça receberam a maioria das apreciações.
Ao olhar a tabulação dos comentários feitos pela pianista na página 141, contendo a lista
dos assuntos priorizados, chamou-me atenção a ausência de um dos elementos interpretativos e
estilísticos que considero vital para a compreensão e execução da obra musical escolhida: a
referência à articulação (toques) e aos aspectos de sonoridade. Ao se estudar uma obra de J. S.
Bach, o pianista terá que escolher, cuidadosamente, o tipo de articulação (legato, staccato, non-
legato, portato, legato de duas notas, etc.) de acordo com a escrita musical e às convenções
estilísticas de execução da obra de Bach, visto que as intenções interpretativas não foram
expressamente escritas na partitura pelo compositor. A interpretação e o trabalho de sonoridade
do músico estão, obviamente, relacionados a essa escolha. Fica o questionamento sobre a
ausência desse referencial expressivo pela pianista:
Faltou colocá-lo na tabulação dos comentários ou simplesmente porque esse critério não
estava previsto anteriormente ao início da pesquisa?
94
Foi citado, implicitamente, dentro de outros itens na tabulação, como no item fraseado ou
miscelânea?
Não seria relevante às questões da pesquisa, ficando esses dados restritos aos registros
pessoais da pesquisa?
Não foi mencionado por que a pianista não o considerava tão pertinente para menção
explícita ou por que seria óbvio em demasia citá-lo?
Outro fato intrigante encontra-se registrado no gráfico das páginas 142 e 144 (CHAFFIN
et al. 2002), comparando os comentários dos quatro grupos temáticos durante os três períodos de
aprendizagem. No início da aprendizagem Imreh teve a concepção geral da obra, “de sua
arquitetura”, realizando uma abordagem analítica (p.101). Entretanto, os gráficos sobre os
comentários durante o período inicial do estudo da obra mostraram que a menor porcentagem
(8%) foi dedicada aos comentários interpretativos. Indago se esse deveria ter, no mínimo, a
mesma proporção dos comentários básicos, pois é justamente no início do aprendizado que se
tomam as decisões interpretativas (fraseado, sonoridade, intenções expressivas, dinâmica,
articulação, etc.), mesmo que estas se modifiquem no decorrer do processo de estudo da obra.
Os resultados do estudo de caso de Chaffin et al. (2002) trouxeram imensa contribuição
para a pesquisa sobre o planejamento da execução instrumental. Todavia, devido aos
questionamentos levantados, as suas conclusões também evidenciam a necessidade da
continuidade investigativa com outros pianistas de mesmo nível de expertise. Desse modo,
haveria subsídios para comparar as diversas abordagens adotadas na prática instrumental, de
modo a aplicar aquelas que melhor se adaptam ao perfil do pianista.
1.4 UMA REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE OS ESTUDOS COM ENTREVISTA E/OU
QUESTIONÁRIO E LEVANTAMENTOS/SURVEY
O presente trabalho selecionou onze estudos com entrevista e/ou questionário e dez
levantamentos/survey. Dentre esses, Hallam (1995ª, 1995b, 1997a, 1997b, 2001a, 2001b) se
sobressai como uma das autoras mais profícuas em publicações, a partir de seu estudo com
entrevistas sobre a temática do planejamento da execução instrumental. Sloboda el al. (1991a,
1991b, 1996a, 1996b), também escreveram diversos artigos a partir de seus levantamentos e
estudos com entrevistas, incluindo outros não discutidos na presente tese.
O número de participantes varia consideravelmente entre os trabalhos. O levantamento de
Smith (2005) contempla a maior quantidade de participantes, totalizando 344 instrumentistas de
nível universitário, os quais responderam a um questionário para examinar a relação entre
motivação e prática x estratégias de estudo. O levantamento de Sloboda, Davidson, Howe e
Moore (1996) contemplou 257 jovens músicos, entrevistados sobre o histórico e conteúdo de sua
prática musical. Desses, 94 sicos foram selecionados para utilizar um diário para registro das
atividades do cotidiano e da prática do instrumento por 42 semanas. Nesse estudo foram
examinadas a relação entre a quantidade, o conteúdo e a extensão da prática instrumental e o
desempenho alcançado. Os resultados deram suporte à teoria de que o tempo gasto e o esforço de
uma prática formal
1
são os principais determinantes do nível de habilidade musical. O
levantamento realizado por McPherson e McCormick
(2003, p.48) com uma amostra elevada de
332 instrumentistas opõe-se a alguns resultados do levantamento de Sloboda et al. (1996), em
razão de que os autores concluíram que a prática (mesmo sendo vital para desenvolver a
capacidade de realizar uma boa execução) não deve ser considerada isoladamente, sem atentar
para outros aspectos envolvidos, como fatores de motivação e variáveis que possam influenciar o
estudo e a execução.
1
Entende-se por prática formal, aquela em que o músico tem um plano de estudos estruturado, com um conteúdo
pré-estabelecido e com objetivos a serem alcançados, ao contrário da prática informal, na qual o sico estuda uma
obra apenas executando e repetindo-a por inteiro, “por diversão” (ERICSSON apud SLOBODA, 1996, p.287).
96
O estudo com entrevista que apresentou a menor amostra foi o realizado por Holmes
(2005), com apenas um guitarrista e um violoncelista, ambos de elevado nível de desempenho,
para examinar a preparação para a execução. Verificou-se que eles empregaram estratégias de
estudo comuns aos dois e, mesmo com instrumentos de natureza diferentes, essas foram geradas a
partir dos objetivos interpretativos. A pesquisadora também examinou os aspectos envolvidos no
processo de memorização e as vantagens de utilizar a interpretação, em abordagem imaginativa,
durante o estudo do repertório. Holmes apóia-se em Chaffin e Imreh (2001) para justificar a
importância do relato do sujeito como fonte de informações fenomenológicas para a pesquisa,
visto que o montante de dados mais producente é aquele proveniente da descrição da própria
prática pelo músico. A autora utilizou-se desse princípio para formular as questões de cunho
subjetivo para a entrevista, por ser uma abordagem que permite explorar as representações
imaginativas da performance que o intérprete deseja realizar, ligando-as a vários aspectos
implícitos das imagens mentais.
1.4.1 Estudos com entrevistas e/ou questionário
A entrevista é um procedimento de coleta de dados relevante nos trabalhos da linha do
planejamento da execução, pois que até mesmo as pesquisas descritivas/experimentais
2
utilizaram-se delas para confrontar os relatos com os dados da observação provenientes das
gravações em vídeo e/ou áudio (as quais registraram o comportamento da prática do
instrumento). Quase a totalidade dos estudos com entrevista utilizou a entrevista semi-estruturada
como técnica de pesquisa. A duração da entrevista variou em torno de dez minutos, para as
crianças mais novas, até duas horas com os profissionais. Após a coleta, essas foram transcritas
detalhadamente. Algumas foram realizadas somente por telefone, como o estudo de Burland e
Davidson (2002). Isso se justificou por ser um estudo realizado com os mesmos participantes,
após oito anos à pesquisa original e porque a maioria dos entrevistados morava em outras
cidades. Os autores compilaram algumas das questões da pesquisa anterior, além de formularem
novas perguntas específicas para o trabalho.
2
A pesquisa com delineamento experimental de Costa (1999) utilizou questionários e entrevistas após um período de
cinco semanas de aplicação de estratégias de estudo com sujeitos, objetivando averiguar o processo de aprendizagem
de instrumentistas. As entrevistas elucidaram muitas questões dos questionários, as quais foram mais compreendidas
com os esclarecimentos dos participantes. Assim, esses procedimentos mostram-se úteis para agregar dados
diversificados para serem analisados em contexto.
97
Segundo Williamon e Thompson, o questionário tem a vantagem de ser relativamente
rápido e fácil para colher e administrar as informações coletadas, visto que as questões
respondidas são colocadas nas categorias de uma listagem fixa. Essa é uma excelente
característica, quando o objetivo é realizar um levantamento estatístico ou prover o panorama
geral do problema examinado (2004, p.18-19). Acredito que, para o estudo do planejamento da
execução, o questionário não deva ser o único método de pesquisa empregado, uma vez que as
respostas não são suficientemente detalhadas para esclarecer a constituição da prática
instrumental em profundidade. Essa técnica de pesquisa seria melhor aplicada para selecionar o
grupo de indivíduos que poderão servir como sujeitos nos trabalhos empíricos.
Hallam realizou uma série de estudos de entrevista com músicos de diversos níveis de
habilidade instrumental (1995a, 1995b, 1997a, 1997b, 2001a). Esses trouxeram contribuições
sobre a análise da prática instrumental, sendo amplamente citados nas pesquisas sobre essa
temática. Seu referencial teórico engloba autores significativos que pesquisaram o planejamento
da execução, dentre esses estão os estudos de caso com músicos experts, como Miklaszewski
(1989), Chaffin e Imreh (1997) e Nielsen (1999).
A preocupação de Hallam com a imparcialidade própria das pesquisas científicas pôde ser
evidenciada em alguns detalhes da estruturação de seu trabalho: apesar de ter qualificação
profissional, tanto como musicista, quanto na área da psicologia da educação, ela utilizou uma
banca independente
3
para ajudá-la na categorização dos relatos das entrevistas (HALLAM,
2001a, p.29). Nota-se que a ampla discussão para criar um consenso quanto a essa categorização
contribuiu para que houvesse coerência na análise dos dados. Esse fato evidencia a necessidade
de troca de informações entre pesquisadores, sendo que cada um colabora com o conhecimento
aprofundado de sua área de atuação. Desse modo, Hallam permite que os resultados finais
tenham vinculação com o processo que o antecede, ou seja, existe a compreensão geral do
problema (essa característica não se verifica em todas as pesquisas empíricas).
Hallam (1995a) investigou as estratégias de estudo de músicos profissionais e concluiu
que, embora todos os entrevistados tivessem habilidades e nível técnico-musical semelhantes,
houve grande diversidade na forma com que os sujeitos praticavam o instrumento. De acordo
com os relatos das entrevistas, depreende-se que existe uma gama de possibilidades de
3
A banca foi formada por um músico profissional com mais de vinte anos de experiência e um professor
universitário da área da psicologia da educação.
98
investigação perante as questões geradas nas entrevistas. Hallam entrevistou vinte e dois músicos
profissionais e cinqüenta e cinco alunos iniciantes para saber como esses realizavam sua prática
de estudo. Segundo a autora, os músicos profissionais “aprendem como estudar”, sendo
influenciados talvez pela necessidade de “sobreviver” em um meio competitivo, como o de uma
orquestra profissional (2001, p.37). Como conseqüência, eles desenvolveram habilidades
metacognitivas significativas, além da capacidade de se auto-avaliar e de elaborar estratégias de
estudo que os ajudem a superar determinadas dificuldades técnico-musicais. Por outro lado, os
relatos dos alunos iniciantes mostraram que as suas estratégias são menos refinadas, não tendo
foco definido para resolver os problemas encontrados. Todavia, notou-se uma semelhança entre
os dois grupos entrevistados no sentido de que ambos identificam as dificuldades, reconhecem os
erros e monitoram o progresso (p.37). Segundo a pesquisadora, essa conscientização é
fundamental para que a prática do instrumento seja eficiente. Nota-se que algumas das
conclusões de Hallam (2001a) se assemelham às encontradas em várias outras pesquisas com
músicos profissionais. Hallam verificou que praticamente todos os músicos avançados aprendiam
uma nova peça, tendo inicialmente uma visão geral da obra, a qual era realizada através de sua
execução ou, apenas, examinando a partitura. Esse panorama serviu para identificar as
dificuldades, avaliar o andamento da peça e as implicações técnico-musicais, além de
considerações sobre a estrutura da obra e os materiais temáticos (p.30).
Algumas pesquisas empíricas têm continuidade, podendo-se analisar o processo de
aquisição da habilidade musical ao longo dos anos. Burland e Davidson (2002) realizaram um
estudo longitudinal em que entrevistaram dezoito instrumentistas que iniciavam seus estudos
musicais. Após um intervalo de oito anos, as pesquisadoras entrevistaram esses indivíduos
novamente para verificar a fase de transição entre a formação e a carreira profissional. Os
resultados encontrados contradizem o conceito de que somente a prática, por si só leva à
perfeição, visto que outros fatores envolvidos foram igualmente determinantes na escolha da
carreira em música, como a influência da família, dos professores, da instituição de ensino e
outros aspectos de motivação.
Outros trabalhos tentaram abarcar não somente os investigados, mas também os
indivíduos que exerceram influência durante o período de sua formação musical, como Sosniak
(1995), que realizou um estudo de entrevistas com vinte e um pianistas concertistas e seus pais.
Esse é um dos mais relevantes estudos com entrevista sobre a formação musical de músicos
99
profissionais, examinando as influências dos pais e professores e as atividades que ocorreram
durante as fases iniciais, intermediárias e avançadas da formação musical de vinte e um pianistas-
concertistas
4
. Os relatos explicitam a importância de uma prática instrumental organizada,
consciente e com objetivos traçados e, sobretudo, pela seriedade com que o estudo foi
administrado. Segundo Sosniak, os concertistas investiram, aproximadamente, dezessete anos de
prática antes de atingir o vel expertise pianístico, requisito esse que lhes possibilitou participar
de seu estudo com entrevista (p.409).
1.4.2 Levantamento/Survey
Os levantamentos são aplicados em grandes amostras. Jorgensen (1997) aplicou um
questionário para 182 alunos de música, a fim de verificar o tempo gasto na prática. O autor
utilizou a pesquisa experimental de Ericsson et al. (1993) como referência, a qual apontou o fator
tempo despendido na prática do instrumento como determinante para o nível de desempenho
alcançado. Entretanto, Jorgensen ressaltou a necessidade de haver um arcabouço teórico que
fundamentasse a análise do comportamento do aluno durante a prática. Um dos motivos para essa
lacuna seria a escassez de pesquisas empíricas sobre essa temática, impossibilitando a formulação
de uma teoria (JORGENSEN, 1997, p.124). Nesse contexto, Jorgensen propõe um modelo
hipotético (Diagrama 4) para o relacionamento entre quatro variáveis que interagem entre si,
afetando a prática instrumental do aluno: social (relativa aos relacionamentos com pessoas e
eventos fora da instituição), instrumental (o instrumento em que a prática é realizada),
institucional (local onde ocorre a aprendizagem) e individual (a variável central, representando as
características individuais de aprendizagem, a qual faz a mediação entre as outras variáveis e
afeta o resultado: tempo despendido na prática):
4
Jovens pianistas americanos finalistas dos mais renomados Concursos Internacionais de Piano, como Van Cliburn
(EUA), Frederic Chopin (Polônia) e Margerite Long (França).
100
Social
Instrumental
Institucional
Individual
Tempo despendido na
prática instrumental
Diagrama 4. Modelo hipotético do relacionamento entre variáveis que
influenciam o tempo despendido na prática instrumental do aluno
(traduzido e reproduzido de JORGENSEN, 1997, p.137)
Jorgensen (2002) realizou outro levantamento sobre a mesma temática de seu trabalho
realizado em 1997, mas abordando, em particular, a relação entre tempo gasto na prática
instrumental e o nível de desempenho atingido. Sua amostra compreendeu alunos avançados de
um Conservatório. O autor justifica essa escolha com uma questão de pesquisa pertinente: “se a
proficiência na execução é provavelmente mais fácil de se reconhecer do que a excelência no
estudo do instrumento, então, como poderíamos definir uma prática proficiente?(2002, p.107).
Assim, o pesquisador aplicou os questionários com o intuito de examinar o que determina uma
prática instrumental de excelência. Nota-se que a limitação da amostra ao Conservatório indica
que o autor havia verificado, em seu levantamento de 1997, a influência da instituição sobre o
tempo despendido na prática (ver Diagrama 4). Assim, Jorgensen continuidade à linha
investigativa através da aplicação de resultados anteriores em uma nova situação de pesquisa, de
maneira que as conclusões ficam cada vez mais embasadas em evidências empíricas. No caso, o
autor fragmentou um dos fatores (instituição) que interfere na prática para examiná-lo em seu
contexto de atuação. Jongensen ainda comparou seus resultados com estudos de outros
pesquisadores sobre essa mesma temática. É justamente nesse processo de continuidade
investigativa e de interação entre os trabalhos que o referencial teórico dessa linha de pesquisa é
construído, criando possibilidades de validar e/ou gerar teorias relevantes à linha do planejamento
da execução.
Nielsen (2004) também realizou um levantamento com 130 músicos de elevado
desempenho instrumental de instituições de nível superior da Noruega, respondendo a um
questionário sobre como esses utilizavam as estratégias de estudo. Nota-se que essa autora é um
101
raro exemplo de pesquisador que tenha realizado tanto estudos de caso quanto um levantamento
5
.
A vantagem de se trabalhar com diferentes métodos faz com que se possa fortalecer certas partes
da pesquisa propensas a dificuldades investigativas, utilizando-se, através de sua experiência com
diferentes métodos, o que cada um deles pode acrescentar no delineamento da pesquisa. Nesse
contexto, depreendo que, na linha do planejamento da execução, os pesquisadores costumam
estabelecer um método preferencial que melhor se adapte ao seu perfil investigativo para, então,
estruturar suas pesquisas a partir desse modelo. Contudo, não posso afirmar se isso é uma
característica apenas da linha de pesquisa sobre o planejamento da execução (visto conter
tendências interdisciplinares), ou se também ocorre em pesquisas de outros campos temáticos da
música.
O levantamento de Harnischmacher (1997) aplicou um questionário com 151
instrumentistas a fim de examinar o conteúdo da prática de estudo, a organização e o tempo gasto
nessa atividade. Objetivou-se verificar os efeitos das diferenças individuais, motivação e
maturidade no comportamento de estudo. Os resultados apontaram que os aspectos complexos da
prática são mais influenciados por fatores de motivação e situacionais do que pelo fator idade.
Na conclusão, o autor aponta a necessidade de futuros estudos longitudinais (estudos de caso)
para determinar em que extensão a eficiência da prática é influenciada pelos fatores encontrados
(p.85). A sugestão de Harnischmacher denota a importância dos estudos de caso para descrever e
analisar detalhadamente questões apresentadas pelos estudos com questionário. Os questionários,
devido à abrangência, não podem aprofundar os resultados, contudo, possibilita que o fenômeno
seja investigado a partir de dados comprovados empiricamente.
Barry e McArthur (1994) realizaram um levantamento com 94 professores de piano para
saber como esses discutem as estratégias de estudo com sua turma de alunos. O questionário
incluiu uma lista sistemática (Music Practice Instruction Inventory) com 26 perguntas diretas,
concernentes às estratégias de estudo, a fim de saber como elas eram abordadas pelo professor
em aula, e se esse ensinava aos alunos como aplicá-las durante a prática. Smith (2005) elaborou
uma lista semelhante, com 21 estratégias (Practice Strategy Inventory), porém direcionadas à
pratica do instrumentista. Essa lista foi uma das partes do questionário administrado a 344
5
Também podemos citar alguns outros pesquisadores que fizeram trabalhos com diferentes métodos de pesquisa,
como: Davidson, a qual realizou um estudo de caso (PITTS et al. 2000) e vários levantamentos e estudos com
entrevista; e Barry, realizando um levantamento (BARRY e MCARTHUR, 1994) e uma pesquisa descritiva com
delineamento experimental (BARRY et al. 1992).
102
instrumentistas. Smith estabeleceu as estratégias retirando-as de três fontes referenciais: (a)
pesquisas empíricas que abordaram essa temática (provenientes da observação, experimentação
ou de estudos com entrevistas), citando, em especial, os trabalhos de Barry e McArthur (1994) e
Gruson (1988); (b) trabalhos sobre auto-regulação do aprendizado e, (c) estratégias sugeridas do
pesquisador e pelos especialistas no assunto. Esses últimos (três professores de instrumento do
ensino superior) também foram os revisores dessa lista. A contribuição dos dois levantamentos
acima citados deveu-se muito à maneira com que os pesquisadores integraram a especificidade
das estratégias com uma amostragem de grande proporção. Entretanto, os resultados do
levantamento pedem aprofundamento da discussão, em razão de que os artigos (principalmente,
SMITH, 2005) não detalharam todas as possibilidades de análise comparativa das estratégias
listadas. Isso pode ser justificado, provavelmente, pela dificuldade de se trabalhar com tantas
associações ocorrentes em um numeroso montante de dados. Todavia, o levantamento como
método de pesquisa fornece um panorama geral do problema examinado, provendo informações
necessárias para ir de um universo investigativo abrangente para um específico, de maneira que o
pesquisador, ao estudar o indivíduo, também tenha a sua contextualização, podendo compará-lo
com o grupo de indivíduos do qual faz parte.
Kotska (2002) realizou um levantamento com 127 professores e 134 universitários em
música. Esse trabalho investigou as expectativas e atitudes em relação à prática do instrumento
entre esses dois grupos. A autora verificou que existe, nos relatos dos participantes, uma
incompatibilidade quanto às expectativas de professores e alunos referentes ao que acontece
realmente na prática: quase que a totalidade dos professores afirmaram que discutem as
estratégias de estudo com seus alunos, todavia, 67% dos alunos responderam que seus
professores não ensinam como utilizar as estratégias de estudo durante a prática. Assim, os
resultados apontaram que existem grandes diferenças entre professores e alunos em relação às
atitudes e expectativas quanto à prática instrumental. Kotska relata que não houve análise
estatístico-comparativa das respostas, visto que os grupos eram independentes. Afirma, ainda,
que essa pesquisa deve ser vista como uma apresentação inicial de informações que auxiliem
professores e alunos a discutir o que seria uma prática eficiente e de qualidade (p.150). Nota-se
que essa pesquisadora não tem formação em outras áreas do conhecimento, apenas na área de
música. Talvez isso explique a ausência da análise estatística e de associações e conexões entre as
respostas dos dois grupos. Kotska optou por um delineamento metodológico que tivesse menor
103
interferência interdisciplinar. Entretanto, acredito que os trabalhos empíricos (feitos
exclusivamente por músicos) devem procurar utilizar, quanto à análise de dados, critérios mais
semelhantes aos levantamentos realizados em outras áreas para que não se perca a principal
característica dos estudos de grande amostragem: prover a perspectiva panorâmica do fenômeno
investigado (embora, sem maior detalhamento) através de análises estatísticas. No caso de
pesquisas realizadas por músicos sem formação multidisciplinar, seria aconselhável incluir um
pesquisador que saiba manipular os dados quantitativos.
Os estudos com entrevistas e levantamentos feitos por Sloboda et al. (1991a, 1991b,
1996a, 1996b) e seus demais artigos (DAVIDSON e SLOBODA et al. 1995, 1998) refletem a
opção prima por esse método ao abordar o planejamento da execução, focando a temática do
desenvolvimento musical. Um dos trabalhos mais citados nas pesquisas sobre o planejamento é o
levantamento com 257 crianças e jovens (SLOBODA et al. 1996), o qual trouxe evidências para
fortalecer a teoria de que a prática formal é fator determinante para a aquisição musical em nível
de expertise. Nota-se que a relevância desse trabalho encontra-se na pesquisa paralela realizada
com 94 sujeitos, os quais registraram em um diário a duração e as atividades realizadas durante a
prática. Essa pesquisa foi, dentre todas as que utilizaram diários de acompanhamento da prática, a
que mais tempo gastou na coleta dos dados: 42 semanas. Por esse motivo, os resultados também
foram mais completos e com maior apelo de generalização das atividades que ocorrem durante a
prática.
Sloboda critica o fato de Ericsson et al. (1993) terem utilizado o diário por apenas uma
semana nos grupos de sujeitos, assim, seus resultados não representariam o universo de
atividades realizadas ao longo da formação musical (SLOBODA et al. 1996, p.290). Todavia,
vários resultados de Sloboda et al. se semelham aos de Ericsson et al. (além da importância da
quantidade de horas como fator relevante para vel de desempenho), tais como: os alunos mais
avançados concentravam seu período de estudo pela manhã, realizando primeiramente os
exercícios técnico-motores; esses também tinham uma prática mais disciplinada e regular. Creio
que a importância do levantamento de Sloboda et al. (1996), como referência para o
planejamento da execução, está no fato desses autores terem aplicado diversas técnicas de
pesquisas no levantamento
6
. Assim, utilizaram a abrangência dos questionários e entrevistas,
6
Foram realizadas entrevistas individuais com 257 músicos, além dos diários de acompanhamento das atividades
realizadas durante a prática.
104
comparando-os com o detalhamento dos diários em seu longo período de coleta. Esse trabalho
serve de modelo de um método de pesquisa em que se conseguiu obter uma soma de resultados
aprofundados (típicos dos estudos de caso) no universo dos levantamentos, a partir da inserção de
outras técnicas de pesquisa.
A interação entre os estudos de entrevista (abordados no item anterior) e levantamentos
mostra uma positiva confrontação entre seus resultados, enriquecendo ainda mais a discussão
entre os defensores de determinada linha de pensamento nas Práticas Interpretativas. O estudo de
entrevistas de Burland e Davidson (2002) opõe-se ao levantamento de Sloboda et al. (1996) no
que se refere à quantidade de horas como determinador para alcançar um nível de expertise.
Burland e Davidson realizaram um estudo com entrevista com dezoito instrumentistas
profissionais encontrando, em seus resultados, evidências que contradizem o argumento de que
somente a quantidade de estudo é a responsável pelo sucesso profissional. Esses autores
investigaram outros fatores que podem interatuar no sucesso alcançado, tais como as influências
da família, dos professores e da instituição de ensino. Assim, sugerem que talvez seja necessário
que o músico atente aos fatores que podem contribuir para a obtenção de seus objetivos como
instrumentista e, conseqüentemente, encontrar apoio e encorajamento necessários para alcançar
suas metas.
CAPÍTULO 2
UMA REFLEXAO SOBRE AS ESTRATÉGIAS DE ESTUDO UTILIZADAS NA
PRÁTICA PIANÍSTICA: SUA CONSTRUÇÃO, APLICAÇÃO E EFEITOS, A PARTIR
DE EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS OU TEORIZADAS POR ESPECIALISTAS NA ÁREA
2. AS ESTRATÉGIAS DE ESTUDO: SUA CONTEXTUALIZAÇÃO E RELAÇÕES
INTERATUANTES
Neste capítulo serão investigadas algumas estratégias de estudo empregadas no
planejamento da execução instrumental. A sua conceituação é fundamental para a reflexão crítica
acerca da organização da prática, de sua aplicabilidade no estudo e dos resultados almejados:
(...) As estratégias de estudo podem ser definidas como pensamentos e comportamentos
que os músicos empregam durante o estudo com pretensão de influenciar na motivação
ou estado emocional, ou como o caminho em que eles selecionam, organizam, integram
e ensaiam um novo conhecimento ou habilidade (WEINSTEIN e MAYER apud
JORGENSEN In: WILLIAMON, 2004 p.85).
Entende-se por estratégias de estudo o conjunto de táticas e técnicas empregadas durante a
prática do instrumento com o intuito de alcançar um objetivo específico. Essas estratégias
formam o fator-chave para o desenvolvimento da excelência na execução e estão vinculadas a
uma prática deliberada de estudo, responsável pelo alto nível de desempenho e de eficiência nos
resultados. Segundo Lehmann (2007, p.19), instrumentistas e professores de música acreditam
que o fazer musical não é, primariamente, uma habilidade física, mas, sim, mental, visto que todo
aparato físico-motor segue o direcionamento do cérebro. Assim, as estratégias implicam o uso de
habilidades metacognitivas para reconhecer a natureza de determinada tarefa, identificando
dificuldades (para aplicar a estratégia apropriada), monitorando o progresso, avaliando o
aprendizado (no contexto da execução) e tomando decisões (quando necessário), para aprimorar a
106
execução a longo-prazo (HALLAM, 2001a, p.28). Segundo Nielsen (1999a), uma atividade na
prática instrumental pode ser considerada como estratégia se ela levar a alcançar as metas
estabelecidas, pois que as estratégias são definidas como um processo intencional e direcionado
para atingir determinado objetivo (p.276). Nesse sentido, a autora afirma que o músico que possui
maior nível de auto-regulação da prática é capaz de, continuamente, ajustar as escolhas das
estratégias de acordo com a situação, utilizando técnicas sistemáticas, focalizadas e auto-
instrutivas para implementar seu aprendizado (NIELSEN, 2001, p.160).
Segundo Barry e McArthur (1994), a prática instrumental é um complexo fenômeno que
envolve inumeráveis processos cognitivos e psicológicos. Por isso, justificam a necessidade,
urgente, de realizar pesquisas que examinem o modo mais eficiente de se estudar, empregando
estratégias de estudo, para, então, poder afirmar (e ensinar ao aluno) os caminhos mais eficientes
para se praticar um instrumento. Os autores partem do princípio de que nem toda prática é eficaz,
para, assim, formular possíveis perguntas de pesquisa, como: quais os elementos da aula que o
aluno realmente se lembra e aplica em seu estudo diário? Isso estaria vinculado ao fato de que os
professores pensam que ensinaram como estudar determinada passagem musical, mas, na
realidade, nunca verbalizaram de maneira clara e sistemática, como isso deve ser feito para que
possa ser lembrado futuramente (1994, p.53). De acordo com Pitts et al. (2000), o estudo do
instrumento é uma habilidade que deve ser aprendida. Para tanto, o professor deve ensinar como
realizar essa atividade, através da aplicação de estratégias, de modo que o aluno se torne
independente e continuidade a esse trabalho durante o estudo diário do instrumento. Nesse
sentido, cabe ao aluno identificar as seções com dificuldades e ao professor prover uma série de
estratégias para eliminá-las. Esses autores salientam o campo investigativo pouco explorado das
estratégias de estudo, a fim de que as pesquisas identifiquem as mais eficientes e em que
circunstâncias devem ser utilizadas. Ressaltam, ainda, que essa temática é muito importante para
não ser considerada como problema de pesquisa (2000, p.46 e 54).
Evidências científicas destacam a natureza das estratégias como um dos fatores
determinantes para atingir o nível de expertise no instrumento, a exemplo dos trabalhos de Barry
(1992), Costa (1999), Ericsson et al. (1993), Gruson (1988), Hallam (1997), Nielsen (1999),
Chaffin et al. (2002) e Williamon (2004). Embora, existam inúmeras estratégias que não são
eficazes ou, até mesmo, contraproducentes, este capítulo tem como parâmetro aquelas que
apresentaram um resultado qualitativo e de elevada eficiência, que foram, ou não, investigadas
107
em pesquisas empíricas e/ou teorizadas por especialistas na área instrumental. O levantamento
bibliográfico em periódicos de referência na linha do planejamento da execução mostrou que os
trabalhos sobre as estratégias empregadas na prática do instrumento tornaram-se, quantitativa e
qualitativamente, mais significativos a partir do final da década de 1980, quando, a partir de
então, apresentaram metodologias e procedimentos bem delineados e uma melhor fundamentação
teórica. Existe uma demanda para pesquisas empíricas sobre estratégias e técnicas de estudo,
abrindo-se campo profícuo para futuras investigações sobre as táticas utilizadas durante o
processo de aprendizagem.
Ao examinar as estratégias discutidas nesse capítulo, percebi que muitas delas não foram
exploradas, seja através de estudos empíricos ou da criação de teorias que possam dar maior
sustentação aos argumentos e benefícios a elas atribuídos. As estratégias precisam ter seu
processo formativo compreendido. Por isso, intentei:
Demonstrar o funcionamento e a aplicação de algumas delas;
Discutir seus objetivos e a interação com os resultados obtidos;
Refletir, criticamente, sobre os trabalhos já realizados, discutindo os aspectos não
contemplados nas pesquisas, identificando e debatendo os tipos de estratégias com
potencial para serem examinadas por procedimento científico;
Sugerir propostas de estudos futuros que possam validar sua eficácia.
Williamon (2004) ressalta a existência de pesquisas que comprovaram a eficácia de
determinadas estratégias de estudo, as quais se mostraram capazes de aprimorar a habilidade
física e mental da ação músico-instrumental. Ele salienta também que várias delas não foram
legitimadas pela pesquisa sistemática ou estão pouco fundamentadas por um referencial teórico
adequado. Para Williamon, quando se consegue demonstrar que determinado benefício da
estratégia pôde ser rigorosamente testado e empiricamente provado, o sico poderá assegurar-
se dovel de qualidade pretendido, através do conhecimento do funcionamento dos mecanismos
que regulamentam a estratégia e de como essa poderá aprimorar sua habilidade musical (p.15).
Para esse autor, embora a intervenção (utilização de estratégias pré-estabelecidas, legitimadas
empiricamente) na prática de estudo possa ter validação científica, isto não significa que ela irá,
necessariamente, otimizar o trabalho do músico. Neste caso, estão implícitas muitas variáveis,
tais como as preferências individuais sobre determinadas técnicas e estratégias e a maneira e a
liberdade com que as estratégias são empregadas, além do acesso, do músico, a um treinamento
108
adequado e a um ambiente propício ao seu desenvolvimento musical (WILLIAMON, 2004,
p.14).
Paul Henley (2001, p.1) também aponta a necessidade de haver pesquisas que focalizem
as estratégias individuais utilizadas na prática diária. O fato de algumas estratégias não serem
inferidas pela investigação sistemática ocasiona a dificuldade em referendar determinadas
práticas de estudo. Henley acrescenta que a pesquisa na área da música precisa mirar-se nas que
ocorrem no campo da psicologia e da medicina esportiva. Essa pretensa analogia faz-se
pertinente, pois as áreas citadas têm tradição em pesquisas, demonstrando, ao longo de sua
história, um significativo avanço qualitativo nos resultados.
Costa (1999, p.70) baseia-se na teoria de Sloboda (1985), segundo a qual o conhecimento
seguro de uma peça musical envolve a formação de representações múltiplas dessa obra. Tendo
esse princípio como referencial, Costa fez um estudo empírico com vinte e oito instrumentistas
para verificar como os participantes respondem a uma prática estruturada, utilizando vinte e seis
estratégias de estudo. Verificou-se que a variedade de estratégias para o estudo do trecho musical
foi fundamental para que 81% dos participantes fossem capazes de aprender a música mais
rapidamente do que o habitual e obter melhores resultados técnico-musicais. Além disso, todos os
sujeitos relataram ter aprendido algumas idéias novas e eficazes para aplicar durante a prática.
Outros trabalhos interligam estratégias ao conhecimento musical prévio do instrumentista.
Hallam (2001b, p.15), por exemplo, apontou que o uso eficaz de estratégias de estudo relaciona-
se, em algumas circunstâncias, ao nível de desenvolvimento musical do indivíduo. Esses dados
basearam-se nas evidências de que a aplicação de algumas estratégias foi limitada, mesmo
quando o sujeito as conhecia, pois que o instrumentista não tinha nível suficiente de
conhecimento musical. Assim, Hallam postula que a prática efetiva se relaciona aos
conhecimentos musicais e às habilidades metacognitivas do intérprete. Trabalhos, como os acima
citados, reforçam o princípio de que a utilização de uma gama de estratégias para a prática do
instrumento pode ser fundamental para a eficácia da aprendizagem, servindo como instrumento
para compreensão de seus mecanismos.
A superioridade da prática estruturada, através da utilização de estratégias direcionadas
para melhorar o aprendizado musical versus a prática livre e informal, foi o resultado mais
significativo encontrado no estudo experimental de Nancy Barry (1992, p.119). Contudo, esse
não foi o objetivo principal ao se iniciar essa pesquisa, pois que a pesquisadora pretendia
109
verificar a influência de outros fatores, dentre eles, gênero, diferenças individuais e o efeito das
estratégias de estudo sobre a acuidade técnica e a musicalidade com instrumentistas divididos em
dois grupos: o grupo experimental (vivenciando uma prática estruturada, com estratégias
direcionadas) e o grupo de controle. Nesse contexto, não foi verificado nenhum efeito
significante em relação ao gênero ou a diferenças individuais quanto ao progresso no estudo do
instrumento, e sim, diferenças em relação à maneira com que os sujeitos realizavam sua prática
de estudo. Com base nesses resultados, a autora tece a hipótese de que alguns aspectos da prática
estruturada serviram para neutralizar essas diferenças e que, certamente, existe a necessidade de
mais estudos na área do planejamento para que se obtenha maior compreensão dessas variáveis.
Pesquisas como essas confirmam o que os teóricos e pedagogos afirmam, isto é, que o
estudo consciente, sistemático, direcionado e com aplicação de estratégias voltadas para a
solução dos problemas acarretará resultados qualitativos na aprendizagem instrumental. Ericsson
et al. (1993) apontam diversas pesquisas em outras áreas do conhecimento que indicaram que não
é apenas a motivação ou a extensa repetição de determinada tarefa que irá assegurar um elevado
nível de execução. Geralmente, o emprego de estratégias inadequadas leva a um rendimento
insuficiente, fato verificado no trabalho de Chase e Ericsson (1981)
1
com digitadores
(ERICSSON et al. 1993, p.9)
2
.
A formulação de estratégias de estudo úteis e de maior complexidade, que resultem na
eficácia da prática instrumental, está ligada ao fator experiência do músico que as emprega. Isso
devido ao fato de que os instrumentistas tendem a desenvolver e aplicar estratégias apropriadas
relativamente tarde, ou seja, nos estágios mais avançados de sua formação musical
(HARNISCHMACHER, 1997, p.72). Com base nesse preceito, depreendo duas asserções que
devem interagir para que haja maior contribuição para o desenvolvimento da linha de pesquisa do
planejamento da execução:
a) As estratégias de estudo formuladas por especialistas na área (músicos profissionais,
professores e pedagogos do instrumento) podem ser utilizadas como parâmetro para o
ensino e como fonte de problemas de pesquisa, por estarem baseadas na vivência e na
experiência prática desses especialistas, além de se apoiarem na longa tradição do
1
CHASE; ERICSSON. Skilled memory. In: ANDERSON. Cognitive skills and their acquisition. Hillsdade:
Erlbaum, 1981, p.141-189.
2
Dentre as pesquisas, Ericsson cita outros estudos empíricos como os de Baltes e Kliegl (1992) e Kliegl et al. (1989,
1990) os quais mostraram que, após os sujeitos serem instruídos para utilizar estratégias apropriadas, houve um
aumento significativo do nível de memorização após extensa prática.
110
ensino do piano;
b) As pesquisas empíricas sobre a prática instrumental, com músicos profissionais,
podem trazer grandes contribuições para a área da pedagogia do instrumento, pois
esses trabalhos se estabelecem na cientificidade de seus métodos de pesquisa para
validar, ou não, essa prática.
Essas duas evidências – as quais têm, para alguns músicos, uma conotação díspar
precisam ser consideradas mutuamente ao se examinar a constituição das estratégias de estudo e a
sua correta aplicação. Essa articulação conjunta produz um campo temático fértil, ainda pouco
explorado, que poderá levar ao desenvolvimento de pesquisas que explorem essa interação.
Como resultante, a ampliação de trabalhos nessa linha temática poderá trazer contribuições,
interconectando essas duas realidades e podendo levar a pesquisa em Práticas Interpretativas ao
patamar de cientificidade empírica alcançado por outras áreas do conhecimento.
O presente estudo selecionou diversas estratégias utilizadas na prática pianística. Dessas,
algumas serão discutidas com maior detalhamento por serem as que tiveram maior número de
trabalhos escritos ou por estar em um nível mais avançado de investigação científica. Os critérios
para a seleção foram os seguintes:
Estratégias investigadas em pesquisas e estudos empíricos;
Estratégias presentes na literatura específica e em trabalhos puramente teóricos;
Estratégias apregoadas por especialistas na área: professores e pianistas.
A partir dos critérios acima citados, segue-se a lista de estratégias e seus fatores
circundantes a serem discutidas:
2.1 Estratégias para memorização;
2.2 Estudo mental;
2.3 Estratégias para concentração;
2.4 Análise da estrutura da obra musical;
2.5 Estratégias para o estágio inicial do aprendizado da obra musical;
2.6 Os fatores musicalidade e interpretação no processo de escolha e aplicação das
estratégias;
2.7 A extensão e período de estudo;
111
2.8 Estudo através de repetições;
2.9 Estudo através de seções musicais
2.10 Estudo invertido de seções;
2.11 Estudo de seções difíceis;
2.12 Estudo de mãos separadas e mãos juntas;
2.13 Estudo em andamentos diferentes;
2.14 Estudo com metrônomo;
2.15 Estudo com variantes rítmicas;
2.16 Estudo do dedilhado;
2.17 Exercícios de aquecimento e exercícios técnico-mecânicos;
2.18 Exercícios alongamento, relaxamento e de finalização do estudo;
2.19 Estudo através de gravações de outros pianistas;
2.20 Estudo através do registro em vídeo/áudio da própria prática instrumental e da
execução;
2.21 Estratégias para maturação da obra musical;
2.22 Estratégias para preparação e simulação de uma apresentação formal;
2.23 Possibilidades investigativas a partir de estratégias diversificadas.
2.1 ESTRATÉGIAS PARA MEMORIZAÇÃO
2.1.1 Sua abordagem em pesquisas empíricas e vivenciadas na prática
Dentre as estratégias de estudo, as que envolvem a memorização e seus processos
cognitivos são as mais investigadas pelas pesquisas empíricas, sendo este um dos mais antigos
problemas de pesquisa da linha do planejamento da execução. Um dos estudos pioneiros sobre
aspectos relacionados à memorização foram os trabalhos de Rubin-Rabson (1937, 1939, 1940a,
1940b, 1941). Essa autora é sempre citada nas pesquisas sobre essa temática, por ser uma das
primeiras a verificar, pelos delineamentos experimentais, como é feita a memorização do
repertório pianístico. Ela investigou, por exemplo, a memorização através da visualização da
partitura antes do inicio do aprendizado, sugerindo que as informações auditivas, visuais e
cinestésicas não dependem, exclusivamente, do movimento motor e físico.
As vantagens da execução de memória têm sido examinadas por diversos pesquisadores e
métodos de pesquisa, como nos estudos de caso de Chaffin et al. (2002, 2006) e Miklaszewski
112
(1989) e nas pesquisas com delineamento experimental de Williamon e Valentine (2002a).
Williamon (1999) realizou um estudo semelhante ao de Davidson (1993), para mostrar a
influência positiva da execução memorizada sobre os ouvintes. O autor fez oitenta e seis
participantes ouvirem e avaliarem diversas gravações em vídeo de apresentações memorizadas e
de execuções que contaram com o auxílio da partitura. O resultado mostrou que a execução de
memória foi superior àquela utilizando partitura, indicando que existe benefício em gastar um
tempo extra para assimilar uma peça na memória. Isso pôde ser verificado pela avaliação total da
qualidade da performance, em razão de que a proficiência técnico-musical parece ser otimizada
pela execução de memória. Isso estaria ligado ao fato de que tocar de memória faz com que o
músico tenha maior liberdade e expressividade, além de comunicar, mais efetivamente, suas
intenções expressivas ao público. Esse resultado tem implicações pedagógicas, corroborando para
afirmar o argumento de que tocar, sem utilizar a partitura, tem maior impacto sobre os ouvintes.
O estudo com entrevista de Hallam (1997a) mostrou alguns benefícios da execução de memória,
como, por exemplo, o aumento da capacidade de concentração nos aspectos musicais, havendo
(semelhantemente ao trabalho de WILLIAMON, 1999) maior comunicação com o público.
Em meio a tantas vantagens, os pianistas se deparam com a alta demanda cognitiva (e o
estresse psicológico) que envolve a retenção do conteúdo musical na memória. Nesse sentido,
explica-se o interesse por estratégias que otimizem a memorização, pela quantidade significante
de literatura puramente teórica sobre o assunto, além das pesquisas empíricas sobre os tipos de
memória. Dentre esses últimos, ressalta-se a importância da memória analítico-conceitual.
Segundo o pianista Jörg Demus, “(...) voprecisa ter um conhecimento detalhado do que está
tocando. Assim, se a memória falhar, seu cérebro lhe socorrerá” (CHAFFIN et al. 2002, p.38).
Muitos estudos salientam a importância do uso e do entendimento da estrutura formal da
música como uma das maneiras mais eficazes de se reter na memória o conteúdo aprendido.
Alguns estudos empíricos, como os de Chaffin et al. (2002) e Williamon e Valentine (2002a),
indicaram que pianistas com expertise utilizam a estrutura da música para organizar a prática e
para memorizar uma peça musical. Esses tipos de pesquisas se propõem a testar os argumentos e
sugestões para o aprimoramento da execução musical feita por especialistas no instrumento. A
partir do pressuposto de que a memorização musical é um aspecto cognitivo do processo de
aprendizagem, várias dessas investigações são realizadas com a colaboração de profissionais da
psicologia, a exemplo de Chaffin, Williamon e Valentine. Essa interação entre áreas diversas
113
sustenta os resultados das pesquisas e abre espaço para que haja meios de se testar empiricamente
as várias maneiras com que um músico poderá memorizar determinada peça musical.
As entrevistas com pianistas e professores de instrumento, relatadas por Chaffin et al.
(2002, p.26-65), evidenciam alguns tipos de memória utilizados por esses profissionais, além de
estratégias específicas para aprimorar cada memória descrita. Entretanto, grande parte dessas
informações não tem comprovação empírica. Dessas estratégias, algumas podem conter lacunas
que levem a questionar sua real eficácia, por causa da subjetividade e vulnerabilidade a fatores
externos
3
. Em contraposição, outras estratégias parecem ter melhor aplicabilidade, visto serem
consolidadas através de métodos de longa tradição e credibilidade, como, por exemplo, a
memorização embasada na compreensão e análise formal da peça ou do estudo mental
4
da obra.
Assim, os tipos de memória empregados no processo de memorização de uma peça
musical costumam ser conceituados distintamente por pianistas e professores do instrumento.
Muitas dessas terminologias são sinônimas ou se referem ao mesmo procedimento e estratégia de
estudo para a retenção do conteúdo musical. Geralmente, os profissionais enfatizam certo tipo de
memória por ser o que produz para este indivíduo um melhor resultado qualitativo na
memorização. Verifica-se que essa escolha ou preferência costuma basear-se na experiência
prática, com ênfase na maneira em que o pianista foi ensinado e nas atividades de estudo do
instrumento realizadas em sua formação musical. Essas características confirmam a tradição
quase que “artesanal” do processo de transmissão do conhecimento.
Não é prática generalizada dos instrumentistas e professores fundamentar as estratégias de
memorização utilizadas no estudo do piano em pesquisas científicas que investigaram a eficiência
de cada tipo de memória, até porque não são muitos os trabalhos empíricos dedicados a essa
temática. Ericsson et al. (1993, p.9) embasam sua pesquisa experimental em inúmeros trabalhos
5
sobre a memória expert em outras áreas do conhecimento, os quais mostraram que o uso
adequado de estratégias, após um extenso período de prática, leva a um excepcional nível de
memorização. alguns exemplos de pesquisas relevantes na área da música que estudaram os
processos cognitivos envolvidos na memorização, como as de Chaffin et al. (1997, 2002),
3
A exemplo da memorização utilizando somente a repetição da música, sem um trabalho de análise e compreensão
da obra. Em uma apresentação pública, fatores exteriores, como o estresse, a ansiedade e os ruídos na platéia,
poderão trazer sérias conseqüências ao desempenho instrumental se o pianista não desenvolver uma memória
conceitual.
4
Também conhecido como “visualização” e proposto por Gieseking e Leimer (1932).
5
Como os de Baltes e Kliegl (1992); Kliegl, Smith e Baltes (1989, 1990) e Ericsson (1985, 1988).
114
Williamon e Valentine (2002a), Lehmann (1997) e Mishra (2002). Estes descreveram a maneira
com que os sujeitos memorizam uma peça musical através da análise criteriosa do contexto de
aprendizagem e da observação do comportamento dos músicos durante processo de assimilação
do repertório. Embora os resultados apresentados apontem para a superioridade da memória
analítico-conceitual, os trabalhos não afirmam, nem comparam, qual seja a melhor estratégia para
o processo de memorização, de forma a poder hierarquizar o grau de eficiência de cada uma
delas.
2.1.2 Tipos de memória: conceituação e estratégias utilizadas por pianistas renomados
A pianista Gabriela Imreh (CHAFFIN et al. 2002, p.26-65) compilou, em livros e revistas,
diversas entrevistas feitas por renomados pianistas acerca das suas estratégias de memorização,
servindo como referencial da área da música em seu estudo de caso. Algumas dessas estratégias
são relevantes para a compreensão dos tipos de memória empregados por pianistas de nível
internacional.
Saliento a abordagem, quanto à memorização, do pianista Heinrich Gebhard
6
. Segundo
ele, o método de memorização mais adequado é aquele em que o pianista faz o estudo detalhado
da partitura através da análise profunda da estrutura da obra, antes de começar a memorizar a
partir da execução no teclado. Entretanto, menciona três tipos de memorização que não são
confiáveis, os quais evita utilizar, tanto para si próprio quanto para seus alunos (COOKE apud
CHAFFIN et al. 2002, p.40):
1. Memória automática - aquela em que o aluno estuda, automaticamente, uma peça por
várias semanas, utilizando incansáveis repetições mecânicas, até que os dedos
automatizem os movimentos corretos. Um dos adeptos desse tipo de abordagem é o
pianista russo Yuri Egorov, o qual relata nunca estudar com o objetivo de memorizar
uma determinada seção (MACH apud CHAFFIN et al. 2002, p.54);
2. Memória auditiva - a qual se baseia na audição e nas emoções para reproduzir os sons;
3. Memória visual - obtida através da visualização de cada nota na partitura.
Embora pressuponha que a memorização a partir da análise e compreensão da partitura
(também chamada de memória conceitual, declarativa, analítica e consciente) seja a mais
6
Conhecido com um dos mais relevantes pianistas do início do século XX. Nasceu no fim do século XIX na
Alemanha, sendo radicado nos EUA. Estudou com Leschetizky em Viena e foi professor de Leonard Bernstein.
115
relevante, as demais mencionadas pelo pianista Heinrich Gebhard são tipos de memória que, se
utilizadas em conjunto, poderão trazer maior retenção do conteúdo assimilado. Chaffin cita o
pianista australiano Percy Grainger como um dos que postula a utilização de memórias variadas.
Assim, “se um tipo de memória falhar, outro tipo poderá servir como suporte” (COOKE apud
CHAFFIN et al. 2002, p.40). Para alcançar essa finalidade, Grainger utiliza os seguintes tipos de
memória e estratégias de estudo (p.40):
Memória física (não-mental/cinestésica): é a memória "subconsciente" das mãos e dos
dedos, sendo proveniente das numerosas repetições da passagem musical. Grainger
considera que alguém alcançou os objetivos desse tipo de memória quando é capaz de
ler um livro ao mesmo tempo em que toca. "Esta memória ajuda quando ocorre um
branco" (p.40). Vale salientar que se o pianista utilizar apenas este tipo de memória,
de forma automática e mecânica, o mesmo poderá estagnar-se musicalmente, por estar
trabalhando somente a parte motora exigida ao se tocar um instrumento. O estudo
desprovido do objetivo maior, que é a decodificação da obra, através do que se
depreende de sua interpretação e da qualidade sonora do pianista, poderá gerar uma
execução sem "personalidade" ou relevância artística. Embora entenda que Grainger
quis enfatizar a dissociação entre automatização e assimilação do conteúdo musical,
ler um livro durante o estudo não aparenta ser a maneira mais eficiente para
desenvolver o total envolvimento físico e emocional que um músico necessita ter para
transmitir sua mensagem ao ouvinte;
Memória consciente da forma musical: entendimento de toda a estrutura e
detalhamento da partitura;
Memorização seccional: obtida através da memorização intensificada do início de
cada seção musical. Assim, caso ocorra uma falha de memória na seção musical em
que este se encontra, o pianista estará seguro para iniciar a próxima seção;
Fortalecer a memória através da transposição: ser capaz de transpor uma passagem
para qualquer tonalidade. Este procedimento reforça a habilidade para conseguir
vencer as dificuldades encontradas em peças com complexas modulações;
Estratégia para desenvolver a memória através da habilidade de se escrever, no papel,
cada nota da partitura, obviamente, longe do teclado;
116
Otimização da memória através do agrupamento de compassos: estudar por grupos de
compassos. Assim, o pianista conta internamente (enquanto executa) os compassos
dentro das frases musicais, esperando acontecer algum lapso de memória. Ao ocorrer
o lapso, o músico poderá identificar quantos compassos deve esperar até o início do
próximo grupo de compassos. Essa não me parece ser uma estratégia que ajude a sair
de um problema de memória, pois haverá uma longa pausa entre o lapso e o recomeço
da execução. Entretanto, uma investigação experimental poderá dizer precisamente se
essa tática realmente funciona.
Geralmente, os pianistas são unânimes quanto à memorização baseada em apenas um tipo
de estratégia. O pianista Rudolf Serkin, por exemplo, relata que a memória baseada somente no
dedilhado é perigosa e que não é confiável durante a execução. Esse dado é significativo,
considerando que Serkin mudava o dedilhado constantemente, conforme o momento e de acordo
com o piano, o local, a sua disposição (CHAFFIN et al. 2002, p.41). O dedilhado, como forma de
apreender as seqüências musicais, se enquadra na memória topográfica, a qual é um tipo de
memorização importante, se utilizada em conjunto com outras formas de se memorizar. O fato de
não se ter um dedilhado específico prejudica, em muito, o desenvolvimento da memória
topográfica. Obviamente, Serkin baseava-se em outros tipos de memória para a sua execução.
Segundo Chaffin, o dedilhado serve como orientação durante a execução de memória, pois pensar
sobre a localização de um determinado dedo faz o pianista lembrar-se da passagem inteira,
assegurando, também, que sua mão estará na posição correta para executá-la (p.168).
Chaffin menciona algumas estratégias para verificar, exclusivamente, se a música foi
assimilada na memória, como aquela empregada pelo pianista israelense David Bar-Illan, ao
realizar um "estudo silencioso" da peça para checar sua memorização: pressiona a tecla muito
devagar para não emitir som. Segundo o pianista, este tipo de estudo aumenta a resistência e a
segurança no palco, onde, geralmente, a execução musical está abaixo do vel de expertise do
músico. Durante esse estudo, o músico poderá ouvir a música internamente e, desse modo,
desenvolver a capacidade de tocar ouvindo realmente o resultado sonoro, assegurando-se de que
a sua interpretação não está meramente automatizada. (DUBAL apud CHAFFIN et al. 2002,
p.44). Estratégias como essas não foram testadas através de pesquisa de cunho experimental.
Uma verificação científica sobre técnicas tão específicas poderia trazer significante contribuição
à área.
117
Outra possibilidade temática para pesquisas empíricas pode ser extraída da frase do
pianista Ralph Votapek, ao relatar que algumas vezes teve pequenas falhas de memória na mão
esquerda durante seus recitais: "o erro era imediatamente corrigido, mas o medo da memória
falhar estava lá, escondido" (NOYLE apud CHAFFIN et al. 2002, p.48). Geralmente, as falhas de
memória ocorrem na mão esquerda. Este fato evidencia a necessidade de se utilizar a estratégia
estudo de mãos separadas
7
e, principalmente, de se memorizar cada mão individualmente. Não
encontrei nas fontes bibliográficas a partir de 1980, pesquisas empíricas que tenham abordado a
relação entre memorização e estudo de mãos separadas
8
. Nesse sentido, sugiro uma pesquisa com
delineamento experimental que utilize registros áudio-visuais de execuções musicais "ao vivo"
para selecionar os sujeitos que tiveram lapsos de memória. Assim, seria possível localizar os
trechos musicais onde ocorreram as falhas de memória e em qual o isso, primeiramente,
ocorreu. A partir desses dados, o grupo experimental seria submetido ao estudo de mãos
separadas (da mesma peça ou de uma nova obra), objetivando tanto a sua memorização quanto
uma execução excelente, antes de juntar as os. O grupo de controle estudaria a peça sem
recorrer ao estudo de mãos separadas. Por fim, realizar-se-ia novamente uma apresentação para
verificar se houve recorrência do problema. Uma pesquisa nessa temática poderia fornecer
subsídios para o argumento de que o estudo detalhado de cada mão e a sua memorização
reduzem, ou não, o risco de falhas de memória.
Outro enfoque investigativo é quanto ao momento em que a memorização deve acontecer
durante o processo de aprendizagem. Para a pianista canadense Janina Fialkowska, a
memorização deve ocorrer na primeira etapa do aprendizado, pois esta considera a ação de olhar
a partitura como "ato de colar". As conseqüências dessa abordagem de estudo refletem-se na
capacidade de Fialkowska memorizar uma peça de longa duração em apenas alguns dias
(NOYLE apud CHAFFIN et al. 2002, p.54). O pianista americano Edwin Hughes também
aconselha memorizar a peça imediatamente, "(...) mesmo que no início o pianista só consiga reter
alguns pontos" (COOKE apud CHAFFIN et al. 2002, p.55). Para o pianista Mark Westcott uma
peça pode amadurecer e ser totalmente assimilada caso esteja memorizada. Assim, a
7
A ser discutido no item 2.12 desse capítulo.
8
Para o presente trabalho, selecionei, apenas, a pesquisa experimental de Burnsed e Humphries (1998). Essa
pesquisa não abordou a relação entre o estudo de mãos separadas e memorização. Ela investigou, apenas, sujeitos
que estavam iniciando o aprendizado pianístico, utilizando métodos de iniciação para verificar uma maior ênfase na
mão esquerda no início da aprendizagem. Assim, esse trabalho não trouxe evidências para emitir parecer que pudesse
ser estendido aos níveis mais avançados de habilidade instrumental.
118
memorização se torna uma prioridade no início do estudo (p.57). Particularmente, pude verificar
durante a preparação dos meus recitais de doutorado, que a retenção se tornava eficaz quando eu
memorizava desde o primeiro contato com a peça.
2.1.3 Tipos de memória: evidências empíricas e discussões
2.1.3.1 Memória conceitual
A memória conceitual
9
tem sido a mais estudada por pesquisas empíricas, sendo, também,
a mais destacada nas entrevistas, as quais denotam que esse é o tipo de memória com resultados
mais eficazes para a retenção do conteúdo musical. Chaffin et al. (2002) postulam que uma das
melhores maneiras para se prevenir de falhas de memória é ter, durante toda a execução, a
representação conceitual e nítida da música. Se houver uma falha de memória, isto proporcionará
ao intérprete saber a sua localização (qual é o compasso, seção musical e o que deverá se
suceder), podendo reiniciar a execução a partir de qualquer trecho musical. Para um músico sem
esse tipo de memória, a solução geralmente é iniciar novamente a peça. Os autores afirmam que a
memorização não-conceitual da música acontece no início da carreira, mas, com o passar do
tempo, as limitações desse tipo de estratégia começam a aparecer. Assim, se algum lapso de
memória acontecer, o pianista precisa localizar-se dentro da peça, a fim de tomar as providências
necessárias para desvencilhar-se do problema. Para que isto ocorra, é necessário ter, muito
claramente, a representação conceitual da música na mente durante a execução. A representação
hierárquica da peça permite que o pianista selecione uma reentrada eficiente, em caso de lapso de
memória, ativando os pontos-chave que resgatarão da memória de longa duração as informações
necessárias para continuar a execução (p.198-199).
A importância da estrutura formal da música é crucial para a memorização, bem como
para a sua interpretação (CHAFFIN et al. 2002, p.205-206). A memória conceitual é necessária,
principalmente, quando as memórias motora e auditiva não conseguem ser ativadas
automaticamente como, por exemplo, no caso de falha de memória em que é preciso fazer uma
mudança brusca para corrigir o erro. Quando o intérprete tem boa memória conceitual e está bem
preparado, este consegue desvencilhar-se desse problema sem que, muitas vezes, o público
sequer perceba a falha. Uma das conclusões do estudo de caso do Chaffin et al. (2002, p.233) é
9
Também conhecida por memória analítica ou declarativa.
119
que a memória conceitual, ou declarativa, é crucial para pianistas concertistas, assim como é
prioritária também em outros tipos de habilidades que exijam memória aguçada.
Para Chaffin et al. (2002), a relevância da memória analítico-conceitual encontrada no
estudo de caso vem comprovar a ênfase que os pedagogos de instrumento dão ao estudo formal e
analítico da obra musical a ser aprendida. Todavia, a função desse tipo de memória não tem sido
completamente compreendida por esses profissionais, visto não haver, por exemplo, uma
terminologia comum ao se falar sobre memória conceitual. Acrescente-se que a sua importância
na prática do instrumento é, muitas vezes, “obscurecida pela grande ênfase em outras formas de
memória” (p.235). Embora os músicos profissionais utilizem a memória conceitual, essa parece
desenvolver-se tardiamente em muitos estudantes. Um dos objetivos do estudo de Chaffin et al.
sobre a análise do processo de memorização é que a sua pesquisa possa mudar a maneira com que
os alunos memorizam uma peça. Isso se justifica pelas evidências de que muitos estudantes não
entendem como a memória conceitual poderia auxiliar durante a preparação para a execução
musical e, quando a compreendem, já estão em estágio profissional tardio (p.236).
Para a pianista Gabriela Imreh, uma das contribuições pessoais de seu estudo de caso foi
sua mudança quanto aos procedimentos para memorizar uma peça musical. A pianista relatou que
ao iniciar a pesquisa, costumava utilizar os padrões convencionais para memorizar, ou seja,
priorizar a memória motora tentando, primeiramente, “dominar a música em seus dedos”.
Contudo, à medida que a pesquisa avançava, ela percebeu que utilizava, cada vez mais cedo,
outras formas de memorização. Através dessa percepção ela optou por cultivar o hábito de
memorizar uma obra assim que iniciava a sua aprendizagem, gastando tempo maior em todos os
diferentes aspectos da música para desenvolver e solidificar a memória como um todo
(CHAFFIN et al. 2002, p.267). Nota-se que os estudos de observação sobre a prática instrumental
em ambiente natural de aprendizagem (como os trabalhos de CHAFFIN et al. 2002 e
MIKLASZEWSKI, 1989) sugerem que a memorização tende a ocorrer nas etapas finais do
processo de aprendizagem. Um dos resultados das pesquisas de Hallam (1997c) indica que as
estratégias utilizadas por músicos profissionais são formuladas a partir de vários fatores: a
natureza do conteúdo a ser memorizado, as preferências individuais e os níveis de ansiedade.
Esse aprendizado era baseado na combinação de estratégias auditivas, cinestésicas, visuais e
analíticas (1997c, p.208). Assim, uma abordagem holística quanto aos tipos de memorização
poderia levar a uma maior retenção do conteúdo musical, embora a memória conceitual seja a
120
mais importante nesse processo.
A conclusão após três décadas de pesquisa sobre a natureza da memória expert é que todo
indivíduo que tem dificuldade em memorizar não teve a oportunidade de aprender as estratégias
apropriadas ou não soube aplicá-las corretamente (ERICSSON e SMITH apud CHAFFIN et al.
2002, p.67). A capacidade de memorização está relacionada à familiaridade com a área do
conhecimento envolvida, especialmente em relação aos padrões musicais armazenados na
memória. Quanto mais se sabe sobre determinada habilidade, maior o armazenamento e mais
complexas as suas conexões (CHAFFIN et al. 2002, p.68). Assim, pode-se explicar por que os
profissionais são capazes de memorizar sem muito esforço, como acontece com os pianistas que
relatam memorizar automaticamente. Segundo Chaffin et al. (2002), quando a memorização
ocorre sem esforço, significa que o profissional reconhece que a música é formada por padrões
familiares e por conhecidas variantes de novos padrões (p.68). Foi evidenciado que praticamente
todos os pianistas citados em seu livro admitiram conhecer a estrutura formal da obra.
Indiretamente, reconhecem "a importância da memória analítica, do conhecimento da forma, da
arquitetura musical ou da estrutura harmônica" (p.71).
Ginsborg (WILLIAMON, 2004, p.138) salienta que existem poucas pesquisas que
abordam o impacto do estilo de aprendizagem utilizado por músicos profissionais sobre sua
capacidade de memorização e aplicação de estratégias. As entrevistas e pesquisas na área indicam
que músicos usam diferentes métodos para decorar uma peça, além de variadas abordagens e
preferências por determinadas formas de memorização. Segundo a autora, a memória pode ser
conceituada de várias maneiras, baseando-se no modelo de Atkinson e Shiffrin (1968) no qual a
memória possui três tipos de armazenamento (WILLIAMON, 2004, p.124-126):
1) Armazenamento sensório que compreende as informações recebidas via sentidos,
permanecendo brevemente na memória e com capacidade limitada para armazenar
informações. Se alguma informação captura a atenção do indivíduo, essa é transferida
para o próximo tipo de armazenamento:
2) Memória de curto prazo vinculada às tarefas de memorização corriqueiras, como
lembrar alguns números de telefone e manter um diálogo. Em termos musicais, este
tipo de memória é utilizada em tarefas como improvisação e leitura à primeira vista,
nos quais as novas informações precisam ser assimiladas e são relacionadas ao
conhecimento musical do presente e do passado para poder predizer os eventos
121
musicais futuros. Se houver estudo e ensaio intensivos sobre estas informações, este
conhecimento irá para o próximo tipo de armazenamento:
3) Memória de longo prazo possui capacidade e duração ilimitada para o
armazenamento de informações. Um dos objetivos principais deste tipo de memória é
poder resgatar a informação armazenada com precisão e conforme a demanda. Este
tipo de memória é vital para a memorização de uma música.
Segundo Ginsborg o músico deve elaborar estratégias que contribuam para uma
memorização deliberada da música, trazendo, durante a execução, as informações armazenadas
na memória de longo prazo (WILLIAMON, 2004, p.126).
A memorização de uma música é feita através de sua representação mental armazenada
na memória de longo prazo, a qual o músico utiliza quando executa. Diferentes tipos de
estratégias podem contribuir para o desenvolvimento da representação mental da música, a
exemplo das informações coletadas pelo armazenamento sensório (memória tátil, visual e
auditiva da música) as quais são essenciais nas primeiras etapas de memorização. Segundo a
autora, dependendo das preferências de aprendizado do intérprete, a música pode ser estudada
visualmente, auditivamente ou cinestesicamente para ser armazenada na memória de longo prazo.
Contudo, para que isso ocorra, em nível mais elevado de assimilação, o músico precisa utilizar as
estratégias para uma memorização conceitual ou analítica da música (WILLIAMON, 2004,
p.128).
2.1.3.2 Memória através da repetição (automática/motora)
Talvez seja o tipo de memorização mais adotado por músicos, especialmente os mais
inexperientes. Esse tipo utiliza, basicamente, a memória cinestésica, conhecida também por
memória tátil, motora, do movimento ou muscular, fazendo uso da repetição do compasso, frase
ou gina até que a música possa ser tocada automaticamente (WILLIAMON, 2004, p.129). Na
pesquisa de Chaffin et al. (2002) muitos pianistas relataram estudar mãos separadas e com o
mesmo dedilhado para desenvolver a memória cinestésica. Assim, Ginsborg aconselha que o
pianista estimule essa memória através da repetição musical e da memorização de mãos
separadas e juntas. Por outro lado, a memória cinestésica é vulnerável a interferências externas,
como, por exemplo, a ansiedade e o nervosismo durante a execução pública, ruídos no auditório,
122
etc. Por estas e outras razões, os músicos experientes costumam utilizar este tipo de memorização
apenas para reforçar a sua memorização e aprendizado (WILLIAMON, 2004, p.129).
Higuchi (2005) ressalta que a memorização baseada somente na memória digital (guiada e
desencadeada por um impulso automático) faz com que a seqüência de notas não seja
interrompida durante a execução (p.224). No caso de uma apresentação ao vivo, em que inúmeras
variáveis não-presentes na prática cotidiana surgem, esse tipo de memória não é confiável, em
virtude que, havendo uma interrupção, o músico somente poderá prosseguir caso retorne ao início
da seção para continuar com o fluxo e os gestos automatizados pela memória digital. Assim, a
memorização através de memórias conscientes torna-se crucial durante o período de
aprendizagem, por ser o tipo de memorização que “permite o acesso consciente das notas, assim
como o controle dos movimentos” (p.224). A partir dessas informações, Higuchi conclui que a
forma mais eficiente de se memorizar conscientemente é estudar a peça dividindo-a em seções
pequenas, analisando-as individualmente. Enquanto as informações da análise ainda permanecem
na mente, o músico deverá tocar essa seção, várias vezes, até a sua memorização e automatização
(p.224).
Alguns estudos demonstram que a repetição, feita conscientemente e dentro de uma
prática estruturada e variada, pode auxiliar no processo de memorização. Costa (1999) fez um
estudo com delineamento experimental com vinte e oito instrumentistas para verificar como os
sujeitos respondem a uma prática estruturada. Foram-lhes dadas duas opções de prática de
estudo: o Método A (a repetição de pequenas frases musicais, sem referência às estratégias de
estudo) ou o Método B (traz várias estratégias de estudo para que as repetições sejam feitas a
partir de uma lista de 26 diferentes maneiras de estudar o trecho musical). O sujeito deveria
escolher cinco tipos de repetições segundo seu critério. O Método B mostrou-se mais eficaz para
a otimização da aprendizagem e foi escolhido pela maioria dos participantes. Esse método
enfatiza a memorização compulsória, ou seja, a 5
a
repetição do trecho musical estudado deveria
ser sempre de memória. Caso o sujeito não conseguisse, deveria repetir as quatro primeiras
estratégias. De acordo com Costa (1999, p.70), a memorização pode promover fluência musical,
motivação e concentração durante o estudo, em razão de que a obrigatoriedade faz com que a
repetição esteja vinculada ao entendimento detalhado do texto musical, além de forçar uma
audição mais acurada e com maior atenção para reproduzir o trecho musical assimilado.
123
Vários conceitos são formulados a partir do uso da repetição como única forma de se
memorizar. Um desses conceitos foi feito por Higuchi (2005), a qual define a memorização “de
cor e automático, sem saber” (p.222) como um tipo de memória inconsciente. As memórias
inconscientes são apreendidas de maneira automática, sem que o indivíduo perceba nitidamente o
que está sendo assimilado, ou seja, o mesmo percebe as condições do procedimento e do
resultado da execução, mas sem compreender as operações em si (IZQUIERDO apud HIGOCHI,
2005, p. 224). Nesse contexto, ela exemplifica com a sua própria experiência ao executar as
Cenas Infantis de Schumann, em que teve um bloqueio total que a impediu de continuar a
execução. O estudo dessa peça ocorreu, apenas, repetindo-se inúmeras vezes a obra do início ao
fim. Assim, os dedos faziam automaticamente a execução da seqüência dos movimentos, o qual a
autora chama de “memória digital inconsciente” (p.223). Higuchi relata que houve automatização
do movimento sem que houvesse conhecimento consciente da seqüência das notas que
compunham a peça musical (p.223). Embora exista a tradição de estudar uma peça musical
repetindo-a diversas vezes até a sua memorização, os estudos no campo da memória, realizados
pela neurociência, evidenciam a fragilidade desse método de estudo. Isso porque a quantidade de
informações não deve exceder a capacidade de retenção da memória operacional
10
, objetivando o
seu armazenamento pela memória de longa duração. Por outro lado, estas pesquisas validam a
estratégia de se estudar cumulativamente através de pequenos trechos musicais a serem
compreendidos e perfeitamente assimilados pela Memória de Longa Duração.
Segundo Higuchi, uma das formas mais eficazes para a retenção do conteúdo é “nomear
nota por nota e [sentir] a duração das figuras musicais” (2005, p.225). Nota-se, em seu trabalho,
que a autora enfatiza a necessidade do pianista saber, conscientemente, a seqüência de notas.
Entretanto, sabe-se que, isoladamente, o conhecimento da seqüência de notas e da duração das
figuras rítmicas não irá gerar, por si mesmo, uma solidificação da retenção do conteúdo musical.
Possivelmente, esse conhecimento seria otimizado caso fosse inserido no contexto da estrutura
musical, visto que poderia otimizar, ainda mais, a ativação da memória consciente, a exemplo da
inserção desse grupo de notas em uma macro estrutura musical (estrutura formal, harmônica,
10
Memória operacional - é crucial tanto no momento da aquisição como no momento da evocação de toda e qualquer
memória, declarativa ou não. Através dela armazenamos temporariamente informações que serão úteis apenas para o
raciocínio imediato e a resolução de problemas, ou para a elaboração de comportamentos, podendo ser esquecidas
logo a seguir. Em outras palavras, ela mantém a informação viva durante poucos segundos ou minutos, enquanto ela
está sendo percebida ou processada. Disponível em: <http://www.cerebromente.org.br/n01/memo/memoria.htm>
Acesso em: 20 fev. 2008.
124
rítmica, fraseológica, aspectos de dinâmica, tempo, interpretação, dentre outros). A partir desse
questionamento, abre-se a possibilidade de realização de um estudo empírico sobre que tipo de
estratégia utilizada nas repetições poderia surtir melhor retenção do conteúdo musical aprendido.
2.1.3.3 Memória através da informação visual
Assim como a memória através da repetição, este tipo de memorização pode ser frágil,
caso o músico apenas empregue os estímulos visuais para assimilar o conteúdo musical. Ela é
também denominada memória fotográfica por alguns pianistas que dizem possuí-la, como Artur
Rubinstein, Guiomar Novaes e Claudio Arrau, consistindo na capacidade de “enxergar e ler” a
partitura ao tocar de memória (CHAFFIN et al. 2002, p.37). Ginsborg salienta a importância de
se escrever na partitura as informações relevantes (dedilhado, dinâmica, fraseado, etc.) para que
esses sinais sejam ligados à memória conceitual. Assim, ao músico requer utilizar alguma forma
de análise da música bem como a antecipação de seus objetivos interpretativos finais a fim de
decidir o que chamar a atenção na partitura. Dessa maneira estes sinais poderão atuar como
memória conceitual e, conseqüentemente, a cada repetição, o músico irá reforçar memorização
através da visualização destas informações (WILLIAMON, 2004, p.130). Esse tipo de memória
será abordado no item 2.2 sobre o estudo mental.
2.1.3.4 Memória auditiva
Este tipo de memória é, assim como a visual e a cinestésica, suscetível a interferências
externas e raramente é confiável no caso de uma apresentação ao vivo, a não ser que esteja
associada à memória conceitual. Desse modo, a memória auditiva serviria como orientação para o
monitoramento da localização do músico dentro da obra a ser executada, quando então poderia
sugerir seqüências alternativas, no caso de lapso de memória (WILLIAMON, 2004, p.131).
As entrevistas compiladas por Imreh (CHAFFIN et al. 2002) ressaltam que a memória
auditiva é quase unanimidade entre os pianistas, embora não seja mencionada por todos os
entrevistados. Ela é tão natural e automática que não é considerada, formalmente, para explicar os
processos de memorização. Para Imreh, a memória auditiva é evidenciada quando o intérprete
discute sobre memorização de peças polifônicas ou da música atonal, as quais não são formadas
por seqüências ou padrões sonoros familiares, causando certa dificuldade em depender dessa
memória (p.37). O fato de não existir pesquisa empírica que tenha examinado esse tipo de
125
memorização faz com que essa possibilidade temática possa ser investigada através de grupos de
sujeitos que utilizem diferentes abordagens para memorizar uma peça musical. Sabe-se, através
das pesquisas empíricas, da superioridade da memória conceitual e que, por isso, haveria maior
contribuição para a área do planejamento se pesquisas sobre os tipos de memória focalizassem
outras menos investigadas, como a memória visual e a auditiva.
2.1.4 Estratégias para otimização das memórias
Por ser o tipo de memória mais importante e com maior número de trabalhos empíricos,
a memória conceitual possui maior detalhamento quanto à aplicação de suas estratégias. A
habilidade de formar uma representação mental da música em níveis micro e macro de
assimilação, em especial para peças extensas, depende da memória conceitual. Para aprimorar
esse tipo de memória, várias estratégias foram elaboradas. Ginsborg sugere que ao memorizar
uma peça pela primeira vez, o músico teste a memória com o intuito de simular alternativas para
sair de um lapso, utilizando procedimentos que requerem uma análise mental da situação.
Existem algumas maneiras de se executar uma peça, dificultando o resgate do conteúdo da
memória de longa duração, a saber: iniciar a execução por seções inesperadas, como na metade
de uma frase musical ou executar a peça intercalando as seções, sem uma seqüência gica
(WILLIAMON, 2004, p.133).
Meu orientador artístico, o prof. Dr. Ney Fialkow relatou que, certa vez, recorreu a uma
difícil estratégia para memorizar uma fuga de Bach. Ele subdividiu e numerou os trechos de
estudo de acordo com as frases musicais. Após ter memorizado a obra, ele sorteava esses
números e tocava de acordo com a seqüência sorteada. Essa estratégia pareceu-me árdua, mas
acredito que, se um sico é capaz de dissociar as partes fora do fluxo natural da execução,
certamente será capaz de ter maior retenção do conteúdo. Lembro-me da minha professora, Dra.
Nelita True, que ao fazer-me memorizar uma Fuga de Bach, pediu-me que iniciasse o estudo da
peça e a sua memorização de trás para frente. Estratégias como essas podem ser empregadas para
fortalecer o processo de assimilação analítica. Um estudo empírico sobre o efeito de estratégias
desse tipo na retenção do conteúdo musical poderia fornecer evidências para comprovar, ou não,
sua real eficácia.
Segundo Ginsborg, as pesquisas têm focalizado a análise musical e as delimitações da
estrutura da peça como os dois principais veículos para desenvolver a representação mental da
126
música através da memória conceitual. Assim, as estratégias que envolvem a memória conceitual
são fundamentais para o entendimento universal da peça, através da compreensão da estrutura
harmônica, fraseológica, melódica e rítmica (WILLIAMON, 2004, p.133-134). Assim, a autora
salienta alguns pilares que podem ativar a memória conceitual:
Análise: a análise da peça serve para selecionar e organizar a prática através da divisão da
música em seções menores que, depois de memorizadas, serão agrupadas. No estudo de Hallam
(1997), apenas metade dos sicos profissionais entrevistados relataram utilizar a análise para
fundamentar outros tipos de memória que são desenvolvidos através da repetição. Segundo
Williamon (2004), o estudo mais detalhado sobre o uso da análise para desenvolvimento da
memória conceitual em música foi feito por Chaffin et al. (2002), os quais trabalharam por mais
de uma década em um projeto para explorar o processo cognitivo, envolvendo aprendizado e
memorização musical:
Um dos resultados dessa pesquisa [CHAFFIN et al., 2002] é que a pianista identificou a
estrutura composicional da peça e a utilizou, não somente, para orientar sua prática,
através de agrupamentos, mas, também, para dar precisão ao executar de memória. Ela
estudou e memorizou, conscientemente, as seções da música, separadamente e
juntamente. Quando executou a peça inteira de memória, ela podia, deliberadamente,
relembrar detalhes de cada seção, sabendo a seção em que estava executando e qual
viria a seguir (WILLIAMON, 2004, p.134).
Delimitações da Estrutura da Peça: a pesquisa com delineamento experimental de
Williamon e Valentine (2002a) abordou o desenvolvimento da habilidade de identificar a
estrutura da sica, utilizando-a na organização da prática do instrumento, a fim de aprimorar a
memorização e servir como guia durante a execução. A pesquisa mostrou que os pianistas com
maior nível de desempenho pianístico foram, também, os que mais utilizaram os compassos
iniciais e finais das delimitações da estrutura da peça como parâmetro para a prática do
instrumento. Notou-se que os pianistas que apresentaram os melhores resultados de execução na
avaliação final, foram os que iniciaram esta estratégia mais cedo no processo de aprendizagem.
Resultados semelhantes, quanto ao uso da estrutura da música e organização da prática, foram
encontrados em outras pesquisas empíricas, como Gruson (1988), Hallam (1997a), Miklaszewski
(1989) e Chaffin et al. (2002). Ginsborg salienta que quanto mais o músico organizar a prática
através da estrutura musical da peça, especialmente no início do processo de aprendizagem,
127
maior será a sua capacidade de lembrar dessa estrutura básica durante a execução
(WILLIAMON, 2004, p.135).
A partir dessas colocações, Ginsborg sugere algumas estratégias de estudo para auxiliar o
processo de memorização (WILLIAMON, 2004, p.137-138):
Faça uma análise estrutural da música que está memorizando para entendê-la e
organizar a prática, utilizando a memória conceitual para otimizar a sua
assimilação;
Divida a música em seções pequenas utilizando, como referência, as
delimitações estruturais da peça. Depois, aumente o tamanho das seções ou as
agrupe à medida que maior familiaridade com a música e progresso na
prática;
Use a memória de repetição, cinestésica, em conjunto com a memória visual e
auditiva;
Saiba que pesquisas em diversas áreas indicam que memorizar uma menor
quantidade de informação, mas com maior freqüência, traz melhores
resultados do que memorizar a mesma informação em poucas e extensas
seções de estudo.
Johnston (2002) apresenta outras estratégias para memorização. Uma delas é fazer com
que o aluno escreva trechos da partitura de memória. É um exercício difícil, mas que auxilia na
retenção do conteúdo aprendido e é indicado para alunos que estão com a peça memorizada.
Constitui-se em solicitar ao aluno que copie os oito primeiros compassos da partitura diante do
professor. Isso indicará se o aluno realmente conhece as informações básicas como tempo,
andamento, tonalidade, estrutura rítmica, fraseológica, e etc. O autor aponta três circunstâncias
em que essa estratégia é mais apropriada: quando o aluno declara ter memorizado e o professor
quer checar essa informação; quando uma seção não consegue ser memorizada, após a utilização
de várias técnicas de memorização; e quando se intenta diagnosticar as seções da peça, nas quais
a memorização não esteja completamente segura (p. 182-184). Embora essa estratégia não tenha
sido empregada pela pianista Imreh em seu processo de aprendizagem, ela foi capaz de escrever
os compassos iniciais do 3
o
movimento do Concerto Italiano de J. S. Bach, dois anos após tê-lo
aprendido (CHAFFIN et al. 2002).
128
Johnston postula que um dos princípios para uma memorização eficaz é ter um panorama
geral da peça (característica encontrada em muitas pesquisas empíricas com músicos avançados).
O aluno deve saber se localizar dentro da obra para, então, memorizar pequenas seções em
contexto, estando familiarizado com a tarefa proposta. A partir da compreensão do todo, o
aluno poderá ir a níveis elevados de detalhamento para saber, por exemplo, os padrões de
dedilhado, mudança de registro, fraseado, articulação, pausas, rubato, ritardando, acelerando,
etc. Este tipo de abordagem para memorização propicia o entendimento de como as pequenas
partes relacionam-se com o todo, permitindo que a execução tenha potencial para convencer o
público através de seu senso de unidade. Vários métodos para memorizar utilizam-se da
memorização progressiva. Trata-se de memorizar-se um compasso ou frase por vez para, então,
acrescentar outro em seguida. Johnston faz uma analogia com a pintura quando alega que, assim
como um pintor inicia o quadro com um panorama geral para depois desenhar os nimos
detalhes, da mesma maneira deveria ocorrer a memorização musical (JOHNSTON, 2002, p.185-
186).
Algumas estratégias empregam procedimentos detalhados e vagarosos que demandam
tempo durante a prática, mas que são considerados eficazes. Johnston (2002) sugere uma
estratégia para se memorizar cumulativamente, a qual pode ser utilizada por alunos com
dificuldade de retenção do conteúdo musical.
Essa memorização é feita, basicamente, pelas seguintes etapas: seleção da unidade de
informação a ser memorizada; ensaio intensivo desta unidade; teste para verificação se a
informação foi realmente assimilada; incorporação desta unidade de informação a outras já
estudadas; ensaio dessa informação em contexto com outras unidades aprendidas. Na prática, o
aluno pode estudar apenas um compasso utilizando as etapas acima mencionadas. Segundo o
autor, não importando a dificuldade do trecho a ser memorizado, o estudante irá memorizar
apenas um compasso por vez, e descobrirá que não precisou de muito tempo de estudo para
conseguir retê-lo. Entretanto, Johnston aponta algumas limitações deste método (p.187-191):
a) O longo tempo despendido para a assimilação da obra inteira, além de não haver a
segurança de que a memorização foi feita através da análise da partitura pelo aluno;
b) Maior tempo de estudo nos compassos iniciais. Assim, se uma peça possui 200
compassos, quando o aluno chegar ao final, poderá ter estudado 200 vezes o primeiro
compasso e apenas duas vezes o último compasso da obra, o que acarreta uma
129
desproporção no estudo. Para solucionar este problema, o autor sugere que o aluno
também estude a obra de trás pra frente;
c) Este método poderá não ser producente para peças de longa duração, como concertos e
sonatas extensas.
Acredito que a limitação ‘a’ pode ser eliminada se o aluno, antes de aplicar essa
estratégia, fizer uma análise minuciosa do trecho musical que irá memorizar, fazendo, também,
uma conexão deste com as demais partes da obra. A vinculação das partes com o todo pode,
inclusive, ajudar a eliminar a limitação ‘c’, pois formas musicais extensas, como os concertos e
as sonatas, englobam seções recorrentes.
Johnston propõe outra estratégia, designando-a aos alunos que conseguem memorizar
peças curtas, mas que têm dificuldade em memorizar obras de grande proporção: estudar a peça
longa como se ela fosse formada por “peças menores”. Assim, o professor divide a peça em
seções como se fossem distintas, para que o aluno as estude independentemente. Após a
assimilação do ‘conjunto’, o aluno memorizará a conexão entre as seções como, por exemplo, os
últimos quatro compassos de um trecho com os primeiros quatro da próxima passagem musical.
Dessa forma, uma obra extensa representar-se-ia, na mente do aluno, como se fossem pequenas
peças conectadas e desencadeadas em uma seqüência lógica (2002, p.192).
2.2 ESTUDO MENTAL
2.2.1 Conceituação
Jorgensen destaca duas categorias de estratégias em relação ao estudo silencioso e ao
estudo com execução musical: o estudo mental e a prática instrumental com a aplicação de
estratégias de execução (WILLIAMON, 2004, p.91-94). O estudo mental é assim definido:
O estudo mental é um tipo de estudo sem execução (...) que tem sido adotado por
pedagogos e psicólogos. É geralmente definido como um estudo cognitivo e imaginário
de uma habilidade física, sem observar movimento muscular. É freqüentemente usado
como alternativa ou suplemento ao estudo de execução. Entretanto, é importante
salientar que não execução sem atividade cognitiva, significando que a performance
é inevitavelmente uma combinação entre esforço mental e físico (WILLIAMON, 2004,
p.91-92).
Segundo Jorgensen, existem inúmeras formas e técnicas que podem ser aplicadas no
130
estudo mental (apesar de não ter especificado quais seriam). Contudo, nenhuma dessas estratégias
mentais poderia ser considerada como a melhor ou a mais apropriada. O objetivo do estudo
mental é estabelecer e ativar na mente e, conseqüentemente, na execução, as imagens visuais,
auditivas e do movimento físico-muscular necessários. Considerando a partitura como fonte de
todas as referências para o estudo mental, o intérprete deve, ao máximo, explorar e compreender
seu conteúdo. Assim, o rendimento do estudo mental depende do entendimento dos códigos
musicais, diga-se análise musical, percepção auditiva, conhecimento da história da música, estilo,
assim como a habilidade para desenvolver imagens do movimento e do toque, reflexão e
memorização. Jorgensen salienta que o músico deve refletir sobre como combinar o estudo
mental com as estratégias de execução, de maneira que ambas possam atuar em conjunto e se
fortalecer mutuamente (WILLIAMON, 2004, p.92).
A memória visual pode ser desenvolvida através do estudo visual da obra musical e da
mentalização da execução, ao se trabalhar a habilidade de imaginar como a música irá soar e
como será a sensação física ao tocar apenas olhando a partitura (WILLIAMON, 2004, p.131).
Gieseking e Leimer chamavam este método de visualização” e recomendavam que os pianistas
memorizassem a peça olhando a partitura, utilizando o “ouvido interno” antes de iniciar seu
estudo ao teclado (GIESEKING e LEIMER apud WILLIAMON, 2004, p.131).
A diferença entre leitura musical e a sua execução ou solfejo (...) é fazer aparecer um
som imaginário [e senti-lo]; é igual à diferença entre ler um texto em voz alta, como
fazem as crianças, e o ler silenciosamente. Se você é um músico que aprende e
memoriza música notada, então aprender a ouvi-la na sua mente [para que você
memorize longe do instrumento] é uma das habilidades mais extraordinárias que você
poderia desenvolver (WILLIAMON, 2004, p.131).
Barry e Hallam (2002, p.153) definem o estudo mental como uma prática que envolve
um ensaio cognitivo de uma habilidade sem atividade física ou motora. Elas estabelecem alguns
pré-requisitos para que o estudo mental seja plenamente eficiente:
Que o músico tenha experiência prévia ou similar com essa tarefa;
Que o músico consiga expressar verbalmente o que ele irá mentalizar;
Que o músico saiba utilizar as técnicas apropriadas da prática mental, como a
visualização e a concentração;
Que o estudo mental seja realizado intercalando-o com a execução;
131
Que as seções musicais sejam curtas;
Que o músico também imagine os movimentos e as respostas musculares que
serão feitas durante a execução.
2.2.2 Enfoque do estudo mental por pianistas renomados
As entrevistas com pianistas de nível internacional relatadas no estudo de caso de Chaffin
et al. (2002) confirmam a pertinência do estudo mental para o aperfeiçoamento instrumental
desses músicos eminentes. Para o pianista Jorge Bolet, qualquer execução musical ao teclado
fornecerá material suficiente para estudar mentalmente o que se faz ao piano. Bolet relata estudar
mentalmente quantas horas quisesse: "sempre tem algo musical acontecendo na minha mente". O
pianista Misha Dichter diz que após ter aprendido uma peça, ele a estuda mentalmente, longe do
piano: "eu tive uma das minhas maiores revelações enquanto corria ou jogava tênis". O pianista
Moriz Rosenthal recomenda memorizar longe do instrumento, sendo que o primeiro passo deverá
ser o entendimento da obra e do significado musical por parte do pianista. Outros instrumentistas
como John Browning, Walter Gieseking e Vitor Seroff também utilizam o estudo mental da obra
como estratégia de aprendizado. Walter Gieseking diz que é capaz de memorizar uma peça longe
do piano após algum tempo de visualização: "quando leio uma peça, os olhos captam a
mensagem impressa da partitura enquanto os ouvidos "ouvem" a música mentalmente. Após
algum tempo de leitura, geralmente conheço a peça e posso ir ao piano para tocá-la de memória"
(CHAFFIN et al. 2002, p.44-56).
Para o pianista Elly Ney a interpretação e sonoridade devem ser parâmetro no processo de
aprendizagem, mesmo através do estudo mental:
Existem muitos meios para se memorizar. Alguns pianistas repetem a peça, inúmeras
vezes, até memorizarem. Outros aprendem as notas primeiramente antes de pensar
profundamente sobre o seu significado. Eu faço diferentemente. Para mim, a música e
seu significado precisam estar em primeiro lugar. Assim, inicio pensando, pensando,
pensando, estudando os sons, as frases que corporificam a música que eu desejo
reproduzir. Posso fazer isso longe do piano. Eu não me preocupo em ouvir muito o som
do piano - não preciso de muitas repetições. Melhor usar minha mente para alcançar o
que procuro através da capacidade mental e não por um meio mecânico (BROWER
apud CHAFFIN et al. 2002, p.45).
132
2.2.3 Estudo mental: abordagem e perspectiva das pesquisas empíricas
Segundo Connolly e Williamon, o estudo mental é um ensaio imaginário ou cognitivo de
uma habilidade física sem movimento muscular observável. Os autores relatam que existem
inconsistências em algumas pesquisas nesta temática em relação à metodologia, critérios e
procedimentos utilizados (WILLIAMON, 2004, p.224). Nota-se a estreita relação dessa temática
com a área da psicologia e da neurociência. Desse modo, é aconselhável que o pesquisador que
estiver interessado em desenvolver esse tipo de pesquisa detenha conhecimento interdisciplinar
dos aspectos envolvidos nessa atividade, além de dominar os procedimentos metodológicos
necessários para avaliar o estudo mental. Estes quesitos indispensáveis fazem com que as
pesquisas mais eminentes nessa temática sejam realizadas por pesquisadores fora da área da
música. Ademais, cito trabalhos de autores que, além de músicos amadores ou profissionais, têm
formação acadêmica na área de psicologia: Chaffin, Davidson, Ginsborg, Valentine e Williamon,
Juslin, Lehmann, dentre outros.
Parry (WILLIAMON, 2004, p.50) cita pesquisas que investigaram o estudo mental a
partir de procedimentos de cunho estritamente científico, como os trabalhos de Freymuth (Mental
practice for musicians: Theory and applications. Medical Problems of Performing Artists, 1993) e
Stanton (Reduction of performance anxiety in music students. Australian Psychology, 1994).
Essas pesquisas utilizaram recursos da eletro-fisiologia para mostrar que as transmissões neurais
são ativadas da mesma maneira, esteja o músico executando a obra ao instrumento ou
imaginando e ensaiando mentalmente essa mesma peça.
Segundo os resultados das pesquisas, o estudo mental deveria ser integrado à rotina de
prática do músico para evitar problemas músculos-esqueléticos causados pelo excesso de estudo.
Williamon (2004, p.225-226) coletou, em entrevistas com alunos de instrumento, relatos sobre as
vantagens da utilização do ensaio mental como rotina de estudo, tais como:
Otimiza o aprendizado e a memória;
Torna o estudo mais eficiente;
Ajuda a resolver problemas técnicos e desenvolve a habilidade motora;
Aumenta a percepção sensorial;
Ajuda a ter maior interesse pela música;
Auxilia a focalizar a atenção durante a execução;
Aumenta a autoconfiança para enfrentar o palco;
133
Ajuda a controlar as emoções negativas;
Estabelece uma conexão e comunicação com o público.
Williamon enfatiza que estes benefícios variam conforme a habilidade técnico-musical
de cada aluno, suas preferências individuais de aprendizado e sua auto-reflexão, além da extensão
e de como estas técnicas de estudo metal são praticadas. “Não é simplesmente uma questão de
adotar uma abordagem de estudo mental ou física da obra musical, mas de como depreender o
máximo de cada uma dessas abordagens” (WILLIAMON, 2004, p.226).
O pesquisador deve estabelecer claramente o que seja um estudo mental para então
investigá-lo ou empregar essa terminologia em seu trabalho. Algumas pesquisas utilizaram
procedimentos diferentes para o que seja um estudo mental conhecido como “visualização” e
proposto por Gieseking e Leimer (1932)
11
. Costa (1999), por exemplo, realizou uma pesquisa
com delineamento experimental em um grupo de vinte e oito instrumentistas empregando uma
lista de vinte e seis estratégias de estudo. Entre os resultados da pesquisa, a autora menciona que
o estudo mental foi uma das estratégias menos popular entre os sujeitos, visto que poucos
escolheram essa estratégia para estudar uma peça (p.75). Contudo, ao verificar a lista das
estratégias de estudo (p.69), a que mais se assemelhava ao estudo mental era a tática n.20 (cante
a frase mentalmente e mova seus dedos silenciosamente no instrumento). Nota-se que ao utilizar
o estudo mental, os alunos já haviam executado o trecho por diversas vezes, por ser uma
estratégia de número 20. Talvez o fato de ter executado a passagem incontáveis vezes tenha feito
com que o estudo mental não houvesse tanto apelo, pois que o aluno não teria mais tanta
paciência para realizar essa estratégia em uma etapa mais adiantada de assimilação do conteúdo.
Segundo Barry e Hallam (2002, p.153), o estudo mental é mais efetivo nas fases iniciais do
aprendizado, quando o aluno está formulando idéias musicas e planejando as tarefas a serem
realizadas ou em estágios avançados, quando estratégias mais complexas devem ser elaboradas.
Pesquisas sobre os efeitos do estudo mental na habilidade motora (em outras áreas do
conhecimento) identificaram situações onde essa estratégia obtém seus melhores resultados: (a)
durante os estágios iniciais de aprendizagem, onde a percepção das idéias está sendo formulada; e
(b) nos estágios finais do processo de aprendizagem, onde as intenções da execução e o conteúdo
estudado precisam ser reforçados. Para tanto, intenta-se imaginar as respostas musculares, como
se estivesse realmente executando o movimento físico durante a execução (WILLIAMON, 2004,
11
GIESEKING e LEIMER. Piano technique. New York: Dover, 1932.
134
p.226-227). Como não evidências empíricas suficientes na área instrumental sobre como o
estudo mental atuaria nas diferentes etapas do aprendizado, necessidade de replicação, na área
de Práticas Interpretativas, das pesquisas realizadas por outras áreas do conhecimento. Nesse
caso, o estudo mental (utilizando a “visualização” conforme Gieseking e Leimer, 1932) poderia
ser aplicado nas fases iniciais e finais do aprendizado pianístico, com grupo experimental e de
controle, pondo à prova sua aclamada eficácia.
A partir de pesquisas no campo da psicologia esportiva, várias conclusões e princípios
sobre o estudo mental podem, igualmente, ser aplicados na execução musical, tais como
(WILLIAMON, 2004, p.227):
Fazer o estudo mental regularmente e, preferencialmente, pela manhã (MAY,
1993; YOON, 2000; HASHER, 2002);
É aconselhável que os períodos do estudo mental sejam curtos, mas regulares, ao
invés de longos e espaçados (WEINBERG, 1982);
Inicie com relaxamento para estabelecer sinais claros de comunicação entre mente
e corpo, estando alerta e relaxado ao mesmo tempo;
Estude mentalmente um determinado trecho técnico que esteja semelhante ou
acima de seu nível de execução atual;
Seja positivo e controle o seu ensaio mental, focalizando aspectos qualitativos;
Use todos os seus sentidos, como se estivesse realmente executando o
instrumento, para fazê-lo da forma mais nítida e viva na sua mente, inclusive as
emoções e sentimentos a serem transmitidos;
Regule a sua visualização. Você consegue ver-se externamente (como expectador)
e internamente (sentido as sensações corporais)?
Johnston (2002) sugere uma estratégia de estudo mental que é uma variante do método de
visualização. Segundo o autor, não se deve aprender uma peça inteira utilizando essa estratégia,
pois ela deve ser empregada em conjunto com outras técnicas mais práticas, como o sistema de
135
níveis. Esse método consiste em três partes: primeiramente, o aluno seleciona um ou dois
compassos e analisa a sua estrutura, minuciosamente, longe do piano; após verificar todos os
detalhes, inclusive dedilhado, dinâmica, articulação, etc., o aluno deverá imaginar-se tocando esta
seção. Ele poderá tocar na mesa ou em sua perna para tentar visualizar os movimentos utilizados
na ação pianística. Por fim, executará de memória ao instrumento o trecho estudado visualmente
para, em seguida, abrir a partitura e tocá-la, olhando-a. Se o aluno verificar que houve
discrepância, ele poderá refazer o processo novamente, a fim de obter uma assimilação mais
acurada do conteúdo musical (JOHNSTON, 2002, p.138).
Poucos trabalhos na área do planejamento da execução examinaram o estudo mental. Lim
e Lippman (1990) aplicaram um teste experimental com sete pianistas para assimilar um trecho
musical em dez minutos, por meio de três estratégias diferentes (cada uma sendo aplicada em
sessões de testes distintas): (1) prática mental do trecho; (2) prática mental ouvindo, ao mesmo
tempo, a parte a ser memorizada; e (3) prática instrumental (apenas executando o trecho musical).
Os resultados mostraram que o estudo mental não foi tão eficaz. Na comparação entre as
estratégias, o estudo mental ouvindo o trecho musical apresentou uma consistente vantagem
sobre o estudo mental sem o estímulo sonoro. Talvez porque os sujeitos não precisassem alocar
esforço para produzir a imagem auditiva da peça. Esse estudo deveria ser realizado com maior
amostragem, visto que o estudo mental é pouco realizado pelos músicos, embora, seja
incentivado.
Creio que o estudo mental é uma estratégia que produz resultados lentos e cumulativos,
no qual, no início de sua aplicação, poderá haver maior dificuldade para apreender o conteúdo e
verificar sua eficácia, mas à medida que ocorre maior prática, seus resultados poderão tornar-se
mais rápidos e eficientes. Entretanto, isso é apenas uma hipótese que deveria ser testada em
estudo longitudinal, por requerer um acompanhamento de médio/longo prazo da aplicação dessa
estratégia. Além disso, devem ser consideradas as características idiossincráticas do músico em
seu processo de aprendizagem, em razão de que os elementos cognitivos envolvidos no estudo
mental podem variar em cada sujeito, conforme a sua experiência prévia, nível de habilidade e
conhecimento musical.
136
2.3 ESTRATÉGIAS PARA CONCENTRAÇÃO
Segundo Connolly e Williamon, o músico deve entender alguns mecanismos de
funcionamento da concentração, pois que este é requisito para a maximização da aprendizagem e
primordial durante a execução. A atenção em uma tarefa pode variar em duração e intensidade.
Para que exista alta concentração é necessário focalizar determinado aspecto em detrimento de
outro, onde o intérprete está “em um relaxado estado de alerta”: mentalmente alerta para mudar
de foco rapidamente (mas de modo natural) sem que acontecimentos externos possam interferir
negativamente (WILLIAMON, 2004, p.233).
Praticar a concentração e a mudança do foco de atenção pode ajudar o músico a tornar-
se ciente de onde está a sua atenção e por que ela está em determinado lugar.
Conseqüentemente, ele poderá romper com padrões antigos e pensamentos negativos
sobre um comportamento não producente. O intérprete pode (...) interromper ou
distanciar-se das distrações e preocupações provenientes de fontes além do seu controle
(WILLIAMON, 2004, p.233).
Para Williamon, o ideal é que o intérprete esteja centrado durante toda a apresentação,
embora em muitas execuções o músico possa ter períodos de maior ou menor concentração. É
importante que o músico saiba redirecionar a atenção para os pontos relevantes durante uma
execução, caso tenha se distraído ou mudado de foco. Para tanto, é necessário identificar as
ocasiões e os momentos em que essas distrações acontecem para poder treinar, mentalmente,
como reorientar o pensamento, trocando os hábitos negativos por outros mais produtivos, caso
contrário o aspecto contraproducente será reafirmado durante a execução (WILLIAMON, 2004,
p.234). Os efeitos da concentração durante a execução enquadram-se na linha de pesquisa que
aborda temáticas relacionadas à ansiedade de palco e suas conseqüências na execução.
Entretanto, nos trabalhos sobre o planejamento da execução, a concentração é investigada a partir
de sua influência durante o processo de aprendizagem e as táticas que podem potencializar seu
efeito.
A concentração no estudo deve ser vista como uma questão de posicionamento do sico
em relação à sua importância para a eficácia da prática de estudo. Chaffin et al. (2002, p.71)
designam de guias de execução (performance cues) os aspectos cnicos, interpretativos e
137
expressivos em que o pianista geralmente pensa durante uma apresentação, a fim de conduzi-lo
ao objetivo artístico estabelecido durante o estudo. O músico deve praticá-los durante o estudo,
através da concentração nos elementos interpretativos e nas idéias musicais, bem como nos
movimentos motores realizados pelas mãos, para que esses guias atuem como estimulantes para a
concentração enquanto toca. Para Chaffin, o pianista necessita aprender a usar os elementos de
inspiração como guia durante a execução, mas isto precisa ser praticado para ser automatizado.
Esta é uma estratégia fundamental para desenvolver uma concentração plena na sica em que
se irá tocar.
A concentração vincula-se à capacidade do sico de ter atenção completa durante
determinado período de tempo. O pianista Abbey Simon relata não estudar por mais de duas
horas, visto que acima desse período ele se cansa: "se não houver concentração, o estudo não vale
a pena" (NOYLE apud CHAFFIN et al. 2002, p.48). A pianista Gabriela Imreh comentou que
estudar concentrada é cansativo, assim, precisava monitorar constantemente seu nível de energia
e parar o estudo quando não podia mais estudar eficazmente. Segundo Chaffin, a preocupação
com a eficácia do estudo pode ser uma das razões para o desenvolvimento de uma habilidade
musical superior (p.163):
Certamente, a preocupação de Gabriela sobre fadiga é uma reminiscência do estudo de
observação de Ericsson, Krampe e Tesch-Römer (1993), no qual os jovens sicos com
maior habilidade e rendimento de estudo costumavam cochilar mais (CHAFFIN et al.
2002, p.163).
Ericsson et al. (1993, p.15) citam os trabalhos pioneiros em psicologia da música
realizados por Seashore (1939, 1967) e Auer (1921), os quais recomendaram que o aluno
praticasse por períodos menores do que uma hora, intercalados por um amplo período de
descanso. O curto período de estudo relaciona-se à capacidade de concentração que o músico
deve ter para localizar as áreas que necessitam de aprimoramento e evitar erros em sua execução.
Para esses teóricos, o estudo sem concentração prejudica o aperfeiçoamento da execução.
A concentração também está vinculada ao horário biológico, no qual o sico consegue
manter a sua máxima atenção para monitorar a prática, obtendo, assim, maior rendimento nos
resultados desse estudo. Os resultados da pesquisa de Ericsson et al. (1993, p.33) mostraram que
o grupo formado pelos violinistas de maior desempenho teve uma pratica distribuída ao todo o
138
dia, mas com maior intensidade no fim do período da manhã. Alguns músicos inclusive
costumam privilegiar horários alternativos para sua prática, como durante a madrugada.
Independentemente dessa escolha, o horário preferencial é aquele em que o indivíduo está em
total concentração para potencializar os efeitos da aprendizagem.
Um dos resultados da pesquisa de Costa (1999, p.75) sobre estratégias de estudo feitas
com um grupo de vinte e oito músicos mostrou que a concentração durante a prática do
instrumento foi aumentada, significativamente, após a aplicação de determinadas estratégias. Isso
ocorreu quando os participantes escolhiam a estratégia de memorizar, compulsoriamente, um
determinado trecho musical. O fato de ter que se concentrar em cada repetição, e fazê-lo de forma
fidedigna com a obra musical, fez com que o indivíduo aumentasse sua atenção durante a tarefa.
Nesses sujeitos, a concentração aumentou à medida que tinham que memorizar o trecho musical.
Conforme Costa, isso é uma hipótese que requer pesquisas adicionais para validá-la.
2.4 A ANÁLISE DA ESTRUTURA DA OBRA MUSICAL
2.4.1 Importância do entendimento da obra na execução musical: evidências empíricas
Segundo Chaffin et al. (2002, p.235), a conclusão sobre a relevância da memória
conceitual encontrada em seu estudo de caso, vem comprovar a ênfase que os pedagogos do
instrumento davam ao estudo formal e analítico da obra musical a ser aprendida (HUGHES,
1915; LEHRER, 1988; MATTHAY, 1926; SANDOR, 1981; SHOCKLEY, 1986).
A pianista
Gabriela Imreh, relata que a sua interpretação foi originada a partir de uma visão geral da obra, de
sua arquitetura e comparando os diversos clímax com os níveis mais baixos de dinâmica, além de
ter certeza de que a repetição dos temas não fosse igual (CHAFFIN et al. 2002, p.192).
A pianista Imreh (CHAFFIN et al. 2002) gastou apenas 1/4 do tempo executando a peça,
pois em sua maior parte ela analisa, pensava e refletia sobre o processo de estudo e sobre a
música em si mesma.
Com esse dado, concluiu-se que o uso da estrutura formal da obra, como
base para o estudo do instrumento, é uma das características da prática efetiva encontrada em
músicos com alto rendimento. Chaffin (2002) salienta que as intenções do compositor estão
codificadas na estrutura da sua obra, assim, quando um músico estabelece a estrutura formal
como guia e focaliza sua atenção nos elementos estruturais da peça, esse tocará com maior
expressão e acuidade (p.260). Isto foi verificado em outras pesquisas, como as de Williamon
(1999) e Williamon e Valentine (2002a), ao mostrar que os alunos que utilizaram a estrutura da
139
peça para dividir as seções de estudo tiveram melhores resultados na apresentação final da obra,
além do estudo de caso de Miklaszewski (1989) com um pianista de nível proficiente.
Chaffin e Lemieux declaram que uma das maneiras para desenvolver uma visão
panorâmica da execução é utilizar a estrutura formal da peça para organizar a prática de estudo.
Esta estratégia é recomendada por muitos teóricos, como Matthay (1926), Sandor (1981) e
Schockley (1986) e utilizada por inúmeros músicos profissionais (WILLIAMON, 2004, p.28).
Esses últimos estudam uma obra sempre com as repetições iniciando-se nos mesmos segmentos
musicais. Com o decorrer da aprendizagem, esta prática é abandonada para trabalhar as transições
entre essas seções, como encontrado nos trabalhos de Chaffin et al. (2002) e Nielsen (1999,
2001). Para músicos menos experientes, o uso da estrutura formal da obra para organizar a prática
de estudo se inicia tardiamente no processo de aprendizagem (WILLIAMON, 2004, p.29).
2.4.2 Análise da obra musical e execução: aplicação prática
Durante o meu Bacharelado, minha professora de instrumento, Célia Ottoni, sempre
enfatizava que o que faz a diferença entre o resultado artístico de uma simples execução musical
está na maneira como o pianista lida com os mínimos detalhes da partitura. Acrescentava, ainda,
que se um músico tem boa orientação e utiliza estratégias eficientes e apropriadas, ele poderá
alcançar um elevado nível de destreza motora, mas somente sua ênfase quanto à qualidade sonora
e ao trabalho paciente e meticuloso sobre a estrutura da peça é que lhe trarão “personalidade”
artística. Williamon (2004, p.14) ressalta que, em muitos casos, a máxima eficiência de uma
estratégia utilizada para o aprimoramento da execução só pode ser alcançada através de um
trabalho paciente e concentrado sobre a sutileza de cada detalhe.
Jorgensen salienta que o estilo e a complexidade da música devem influenciar na escolha
das estratégias, tanto para o estudo mental da obra quanto para a aplicação das estratégias de
estudo durante o trabalho nos trechos musicais. Segundo este autor, uma das estratégias para se
prevenir erros é estudar detalhadamente a partitura para identificar aspectos importantes da
música e assim, prevenir futuros erros potenciais (WILLIAMON, 2004, p.92-96). Esse mesmo
princípio é compartilhado por pianistas renomados, como Alfred Cortot, o qual salientava que ao
aprender uma peça nova, o músico necessita analisá-la profundamente, verificando como essa é
estruturada para identificar as intenções e o significado que o compositor desejava transmitir
(BROWER apud CHAFFIN et al. 2002, p.45). Leon Fleisher aconselha que antes de estudar uma
140
peça, o músico deve compreender toda sua estrutura, realizando uma análise rigorosa do material,
além de cantar as melodias e sentir a fluência rítmica. Após este trabalho, o pianista poderá
estudar ao piano, pois, nesse momento, possui um objetivo a alcançar (NOYLE apud
CHAFFIN et al. 2002, p.47).
Johnston (2002) sugere uma estratégia para analisar a obra, parecida com o método de
visualização, mas sem a memorização prévia da obra: antes de iniciar a leitura e execução ao
piano de uma nova peça, o aluno deve analisar detalhadamente a obra através da observação.
Desse modo, ao iniciar o estudo ele terá certo entendimento e familiaridade com a música.
Alguns elementos musicais servem como direcionamento para essa primeira exploração: a
tonalidade, o tempo e andamentos principais e as suas mudanças, a estrutura fraseológica e
temática e os padrões rítmicos e motores (escalas, arpejos, acordes, baixo de Alberti, etc.).
Quanto mais informações o aluno listar, maior será o seu entendimento. Esse trabalho antecipado
propicia compreensão e auxilia a organização da prática de estudo (p.143-146).
Para alguns pianistas o entendimento da estrutura da obra é essencial para obter maior
concentração durante a execução. O pianista Misha Dichter salienta que o músico jamais deve
estudar desconcentrado: "nunca use o piano como um veículo para, simplesmente, mover os
dedos ou passar o tempo. Se, em algum momento do estudo, vo não está completamente
consciente do que está fazendo musicalmente e tecnicamente [e, geralmente, ambos] você estará
desperdiçando seu tempo" (CHAFFIN et al. 2002, p.46). Assim, completa seu pensamento
dizendo que a análise da estrutura da obra reflete-se no aumento da concentração. Dichter
costuma analisar minuciosamente a partitura:
Se eu dividir a peça em seus menores componentes, se eu entender por que um
compositor escreveu determinada nota naquele compasso, inseridos em um contexto
mais abrangente, subitamente, estarei vendo a obra em suas unidades harmônicas
primordiais, como era a intenção do compositor. É isto que eu penso constantemente,
causando tensão e relaxamento em uma execução pública (NOYLE apud CHAFFIN et
al. 2002, p.61).
2.5 ESTRATÉGIAS PARA O ESTÁGIO INICIAL DE APRENDIZAGEM DE UMA OBRA
Essas estratégias têm vinculação às outras mencionadas, visto que o processo inicial de
aprendizagem envolve a utilização de inúmeros procedimentos para otimizar a assimilação do
conteúdo musical. Para o pianista John Browning, ao estudar uma nova peça é importante ler à
141
primeira vista toda a obra para identificar onde estão os problemas a serem solucionados. Ele
salienta que o músico precisa ter um tipo de intuição para identificar não apenas os problemas
técnico-motores, mas o que poderá causar-lhe dificuldade durante a execução:
É como um seguro (...) você se prepara muito além do necessário, assim, se você
distrair-se durante um concerto ou não se sentir seguro, você terá tanta reserva, quanto à
preparação, que ela te guiará automaticamente pela seção (NOYLE apud CHAFFIN et
al. 2002, p.45).
O pianista Vladimir Ashkenazy está sempre em contato com alguma obra do repertório
que não tenha tocado, a fim de ampliar sua compreensão da peça. Ele enfatiza que não é preciso
tocá-la inteiramente, o pianista pode apenas selecionar alguns compassos, mas fazê-lo com a
maior “musicalidade” possível (CHAFFIN et al. 2002, p.44).
Várias pesquisas empíricas sobre o planejamento da execução examinaram o
comportamento da prática a partir do aprendizado de novas peças musicais (CHAFFIN et al.
2002; GRUSON, 1988; WILLIAMOM e VALENTINE, 2000, 2002; ROSTRON e BOTTRILL,
2000, dentre outros). Na pesquisa com delineamento experimental de Costa (1999), vinte e oito
sujeitos aplicaram uma série de estratégias para a aprendizagem de uma peça nova. Os
participantes poderiam escolher entre duas abordagens de estudo para serem utilizadas durante a
prática instrumental: Método A (toca-se a peça inteira, depois cinco repetições dos trechos e,
por fim, toca-se tudo novamente. Não referência às estratégias de estudo) ou Método B
(compreendendo 26 estratégias de estudo para que as repetições sejam feitas a partir dessa lista).
O método mais utilizado e eficaz foi o B, devido sua variedade e organização. Parece-me que o
Método A contêm a estrutura básica na qual o Método B pode ser aplicado, visto que (embora,
Costa não mencione) o Método A insere-se no conceito síntese – análise - síntese (Whole – Part –
Whole
12
), ou seja, o indivíduo toca a peça para identificar as áreas que necessitam ser trabalhadas,
depois estuda essas partes individualmente e, por fim, a executa pela última vez para verificação
12
A abordagem todo/parte/todo [Whole/Part/Whole approach], também denominado de síntese/análise/síntese é um
recurso bastante utilizado em educação para organizar a experiência do aluno com o conteúdo a ser aprendido: a
primeira etapa é o todo/síntese [Whole], o qual é uma introdução, um panorama que estabelece as bases de
familiaridade com o pico. O Segundo estágio é a parte/análise [Part], consistindo no estudo detalhado de uma
parte do pico. Por fim, retorna-se ao todo/síntese [Whole], no qual o aluno tem um entendimento mais sofisticado
de como as partes se relacionam para formar um todo unificado. Disponível em: <
http://www.giml.org/methodology.php> Acesso em: 22 fev. 2008.
142
do resultado. Esse método evita com que o aluno toque, apenas a peça do início ao fim, sem se
fixar em partes específicas que precisam ser trabalhadas. Nesse sentido, esse conceito o
precisa, necessariamente, ser aplicado na peça inteira (principalmente se for uma obra de grande
proporção como um Scherzo de Chopin), por ser improvável que se consiga tocar uma peça sem
erros técnico-musicais no início da sua aprendizagem
13
. Entretanto, é aconselhável que se aplique
esse princípio em pequenos trechos a serem estudados, a fim de que se tenha a compreensão do
todo, mesmo que o todo sejam apenas alguns compassos.
Hallam (2001b) fez um estudo empírico com instrumentistas de cordas para verificar o
efeito das estratégias de estudo sobre o desenvolvimento musical, utilizando de um pequeno
registro da aprendizagem de uma nova peça do repertório. A análise dos resultados mostrou que
somente um sujeito, dos quarenta e nove participantes de estágios iniciais e intermediários do
aprendizado, relatou fazer alguma atividade durante o estudo que fosse relacionada aos aspectos
interpretativos. O objetivo principal do estudo era tocar a música “corretamente”, sem erros
rítmicos e de notas, sendo que a interpretação e a observação da dinâmica eram enfatizadas
quando o aluno alcançava um maior nível de habilidade (HALLAM, 2001b, p.9 e 21). Esse dado
alarmante tem implicações sobre como os professores devem pensar o ensino, de modo que o
primeiro contato do aluno com uma peça possa ser estabelecido a partir de parâmetros
interpretativos e da representação final da obra para, então, trabalhar os demais aspectos da
execução. Essa característica encontrada em músicos experts deve ser incutida nos estágios
iniciais de aprendizagem independentemente do nível de habilidade ou estágio de estudo do
aluno.
2.6 OS FATORESMUSICALIDADE” E INTERPRETAÇÃO NO PROCESSO DE ESCOLHA E
APLICAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS
Segundo Gabrielsson (2003, p.238), todas as pesquisas encontraram diferenças
individuais marcantes no comportamento da prática do estudo. Verificou-se que a prática de
trabalhar constantemente as dificuldades técnico-motoras no estudo do instrumento ocorre no
início da aprendizagem e diminui à medida que esses problemas são solucionados em favor de
aspectos interpretativos. Questiono se essa abordagem é a mais eficaz, a partir do pressuposto de
13
Os sujeitos de Costa, 1999 eram crianças na fase inicial do aprendizado e suas peças eram curtas, o que facilitava a
aplicação do Método A em toda a extensão da obra musical.
143
que não se deve desvincular os aspectos interpretativos, a concepção global da obra e as idéias
musicais da parte técnico-mecânica. Compartilho a visão dos autores Chang (2005), Chappell
(1999), Hallam (1995), dentre outros, em que a relação entre técnica motora e
sonoridade/interpretação deve ocorrer desde o primeiro contato com a obra a ser estudada, pois
que “a ênfase demasiada no trabalho mecânico durante o estudo inibe o crescimento musical do
aluno” (CHAPPELL, 1999, p.253). Partindo do princípio de que o texto (uma execução de
excelência) poderá ser compreendido dentro de seu contexto (uma prática do instrumento
consciente e altamente eficaz), faz-se necessário realizar pesquisas empíricas que comparem
como grupos de sujeitos, com mesmo nível de habilidade, solucionariam dificuldades técnico-
mecânicas no início da aprendizagem. Sugiro uma pesquisa com delineamento experimental em
que os sujeitos com mesmo nível de habilidade aprendessem trechos musicais que contenham
complexidades técnico-motoras, como, por exemplo, passagens do Estudo Transcendental Feux
Follets de Liszt. O grupo controle resolveria os problemas motores através da repetição exaustiva
e mecânica do trecho, com exercícios desvinculados da parte musical, enquanto o grupo
experimental os trabalharia inserindo-os no contexto interpretativo, primando pela qualidade
sonora e com exercícios técnicos elaborados a partir das dificuldades da peça. Após algumas
sessões de prática os participantes registrariam sua execução, apenas em áudio
14
, para poder
avaliar qual grupo obteve resultados mais significativos.
2.6.1 Sobre expressividade/interpretação e execução musical: aplicação e perspectivas dos
trabalhos empíricos e puramente teóricos
Chaffin et al. (2002) verificaram que uma das características da prática de estudo dos
músicos profissionais está no seu intrínseco interesse em atingir elevados níveis de execução:
"Para cada trecho musical, o pianista formava primeiramente uma idéia geral (...) dos valores
expressivos para, então, decidir como executá-los" (p.88). Acrescenta ainda que as decisões,
interpretativas e expressivas, são realizadas no início da aprendizagem e que a escolha do
dedilhado e o trabalho nas dificuldades técnicas são realizados a partir destas decisões (p.176).
Chaffin e Lemieux verificaram que músicos profissionais detêm uma visão musical abrangente,
ou seja, a “imagem artística” da peça e, ao mesmo tempo, se fixar aos detalhes da técnica e da
14
Talvez o registro em vídeo possa influenciar a percepção do avaliador quanto à maneira com que a mensagem
musical é transmitida. Nesse caso, eliminaria a apreensão visual, analisando-se apenas o som.
144
interpretação (NEUHAUS apud WILLIAMON, 2004, p.28). Salientam que as decisões iniciais
sobre a técnica devem ser embasadas sobre a idéia musical e os objetivos expressivos finais da
execução: sem isto em mente, muitas das decisões poderão ser mudadas futuramente,
ocasionando prolongamento do período de aprendizagem (WILLIAMON, 2004, p.28). Conforme
visto no estudo de Chaffin et al. (2002 p.90) e Williamon et al. (2002), quanto maior a
experiência do músico, maior será a capacidade de antecipar problemas e prever a interpretação
final, além de mudar rapidamente o foco de atenção da visão panorâmica para os detalhes e vice-
versa (WILLIAMON, 2004, p.28). A pesquisa experimental de Rostron e Bottrill (2000, p.55)
com oito sujeitos, também confirmou que os pianistas com maior habilidade foram os que
estavam atentos aos aspectos interpretativos (expressão, dinâmica) como um componente integral
no início do aprendizado. Isso se refletia em sua capacidade de formar múltiplas representações
da música.
Chaffin et al. (2002, p.71) verificaram a existência de guias interpretativos que
direcionam a execução”, os quais seriam os aspectos artísticos, interpretativos e expressivos
sobre os quais, geralmente, o pianista pensa durante uma apresentação, de forma a otimizar os
resultados da execução. Chaffin et al. demonstram coerência ao afirmar que somente os objetivos
interpretativos e as idéias musicais devem servir como guias durante a execução, e não os
problemas e dificuldades da obra (2002, p.72):
(...) no estágio final de preparação para uma execução musical, o pianista deverá pensar
no elevado nível dos objetivos musicais. Qualquer outro tipo de dificuldade tem que ser
reorganizado através de uma visão interpretativa. As decisões interpretativas devem ser
remodeladas, objetivando efeitos expressivos, ex.: um súbito forte se torna uma
"surpresa". Enquanto estuda, o pianista pensa nos objetivos expressivos para que possa
vir à mente durante a execução, agindo como retrieval cues (...). Somente quando os
guias expressivos de execução [expressive cues] se tornam automáticos é que o pianista
poderá alcançar o estado transcendente em que as preocupações e os problemas de uma
peça retrocedem a um segundo plano, assim, a atenção é inteiramente focalizada para a
música e para as emoções transmitidas. Neste nível, o pianista está (idealmente) capaz de
tocar, enquanto pensa na música em níveis expressivos mais elevados (WEGNER e
VALLACHER apud CHAFFIN et al. 2002, p.72).
McPherson e Schubert (WILLIAMON, 2004, p.67) destacam a pesquisa de Repp (1997,
1999), a qual indicou que os alunos tendem a desviar-se muito pouco, em termos de
expressividade e interpretação, dentro de uma obra musical, ao contrário de intérpretes famosos.
Estes demonstram uma flexibilidade de tempo muito maior do que os estudantes, os quais são
145
fiéis às normas estabelecidas. Isso remete às palavras da pianista Nelita True
15
, a qual enfatizava
que a diferença entre um artista e um pianista é a forma como esse trabalha o tempo (o qual nunca
é gido, mas flexível) e a sua obstinação em produzir uma sonoridade única e de qualidade.
Segundo McPherson e Schubert, o aluno pode maximizar o impacto de sua execução através da
variação intencional do conteúdo expressivo e interpretativo da partitura, mesmo que isto
implique em fugir das normas, tradições e das convenções estilísticas pré-estabelecidas
(WILLIAMON, 2004, p.67). Acredito que esse tipo de estratégia pode trazer resultados
interpretativos positivos e inesperados, além de aguçar a sensibilidade artística do aluno. Uma
forma de aplicação dessa estratégia é alterar a maneira como se executa a escrita convencional
codificada na partitura, como, por exemplo, modificar o tipo de toque e o padrão de dinâmica,
estabelecer diferentes clímax, repensar a organização das frases musicais, utilizar a flexibilidade
do tempo com a inserção de rubatos, a tempo, ritardando e acelerando que fujam dos padrões de
interpretação (à exemplo da tendência em acelerar nos crescendos e de diminuir o andamento nas
cadências e finais de frase, dentre outras opções).
McPherson e Schubert ressaltam que é de vital importância que o instrumentista busque o
equilíbrio entre a intensidade e a variedade de emoções a serem expressas durante a interpretação
de uma peça. Nessa condição, o músico poderá otimizar a apreciação que o público terá ao ouvi-
lo: uma interpretação onde não há variedades e oscilações suficientes em seu conteúdo emocional
irá facilmente enfadar o ouvinte. Nesse sentido, os autores salientam que as qualidades mais
evidentes do pianista precisam ser consideradas ao escolher o repertório. É aconselhável que o
pianista mantenha e explore suas virtudes quanto aos aspectos de interpretação e desenvolva
constantemente estas qualidades dentro do repertório, a fim de que seja maior seu aproveitamento
(WILLIAMON, 2004, p.72-73).
A excelência de uma execução musical é uma simbiose entre as habilidades técnicas e
expressivas do intérprete (SLOBODA, 1996; GABRIELSSON, 1990 apud WILLIAMON, 2004,
p.251). Segundo um levantamento com alunos de instrumento feito por Lindström
16
(2003), a
maioria dos estudantes de música gostaria de estudar com mais expressividade do que costumam
fazer, além de poder experimentar novas estratégias de aprendizagem que desenvolvessem este
aspecto da execução (WILLIAMON, 2004, p.265). Se, por um lado, as habilidades expressivas
15
Professora de piano da Eastman School of Music (NY), com a qual estudei durante meu Mestrado.
16
LINDSTRÖM; JUSLIN; BRESIN; WILLIAMON. Expressivity comes from within your soul: A questionnaire
study of music students’ perspectives on expressivity. Research Studies in Music Education, 20, p.23-47, 2003.
146
do músico tendem refletir a sua sensibilidade emocional em relação à sonoridade musical, por
outro viés, não denota ser impossível desenvolver as habilidades expressivas através de um
treinamento adequado. Isto pode ser comprovado através de estudos empíricos, mostrando que
estas habilidades podem ser desenvolvidas através de uma instrução apropriada e do treinamento,
como os de Marchand (1975), Johnson (1998), Woody (1999), Juslin e Laukka, (2000) e Sloboda
(2003). Assim, o mais relevante aspecto não é se a expressão pode ou não ser ensinada, mas sim
como a expressão é ensinada (WILLIAMON, 2004, p.251).
Juslin et al. destacam o conceito de expressão por Palmer (1997) (WILLIAMON, 2004,
p.251):
Em um contexto particular, expressão geralmente se refere às “variações sistemáticas”
ou “desvios” em tempo, dinâmica, timbre e altura que formam a chamada microestrutura
da execução e que a diferencia de uma outra execução da mesma música (PALMER
apud WILLIAMON, 2004, p.251).
Assim, o intérprete deve, deliberadamente, fugir das expectativas estilísticas concernentes
aos padrões de convenção interpretativos para adicionar tensão e surpresas à execução
(WILLIAMON, 2004, p.253). Para que isto ocorra de forma coerente é preciso que o músico
tenha um amplo conhecimento sobre os estilos musicais e as convenções de execução, além de
ter a habilidade de estruturar originalmente a sua interpretação, no sentido de propor uma
narrativa convincente de acontecimentos musicais. Este é um aspecto da expressão musical pouco
pesquisado e um dos que mais necessitam de estratégias formais de ensino para o uso consciente
da expressão das emoções em música (p.254).
Johnston (2002) sugere algumas estratégias para auxiliar o aluno a criar o seu próprio
plano interpretativo, a fim de trazer originalidade à sua execução. Ao contrário de algumas
vertentes (sobre a prioridade do elemento interpretativo nas etapas de aprendizagem), o autor
salienta que a elaboração deste aspecto deve ser feita nas fases iniciais do aprendizado, sugerindo
as seguintes estratégias para abordar este elemento durante a prática (p.226-229):
Mapeamento da partitura: antes do aluno inferir suas próprias idéias
interpretativas, ele precisa estar ciente de todos os detalhes da partitura. Esta
etapa não é atribuição do professor. Este apenas deve destacar alguns elementos
não tão evidentes no panorama feito pelo aluno;
147
Evidenciar as indicações interpretativas da partitura. Johnston sugere que o aluno,
e não o professor, saliente na partitura as indicações de dinâmica, tempo e
articulação, pois assim o estudante poderá saber exatamente o local onde foi
chamado à atenção e, então, relembrá-lo com maior precisão;
Marcar com cores e formas diferentes as indicações interpretativas relevantes da
partitura para diferenciar os aspectos de interpretação. Johnston sugere que todos
os aspectos de dinâmica sejam circulados; os de tempo, enquadrados; e os de
articulação, postos dentro de triângulos, utilizando cores distintas para
diferenciar as indicações de dinâmica. Com isso, o aluno i focalizar sua
atenção para estes aspectos através do estímulo visual, localizando-se dentro da
partitura. O aluno deverá fazer uma fotocópia da edição original para realizar
esta intervenção e utilizá-la durante o período de estudo;
Criar “áreas geográficas interpretativas”, ou seja, definir o plano interpretativo
através de áreas onde se localizam elementos interpretativos semelhantes. Isso
auxilia o aluno a entender a dinâmica e a estrutura temporal da peça, auxiliando
na compreensão de como cada indicação marcada na partitura contribui para dar
unidade, proporcionando uma visão geral da obra. Assim, o estudante poderá ver
a obra como delimitações situacionais, por exemplo:
Agora, estou entrando em uma seção cheia de pianíssimos (...) quando terminá-la, o
tema principal irá retornar, o qual é cheio de notas em staccato. A página final é a área
com muitos ritardando (JOHNSTON, 2002, p.230).
2.7 A EXTENSÃO E O PERÍODO DO ESTUDO
A questão da extensão da prática é um assunto complexo e bastante debatido nos
trabalhos da área do planejamento da execução. Chaffin et al. (2002) mencionam comentários de
pianistas renomados sobre essa questão: o pianista Jorge Bolet diz que estudava apenas quando
era necessário e que o estudo não passava de uma hora e meia de cada vez. A pianista Bella
Davidovich diz preferir estudar em sessões de uma hora, tempo limite de sua concentração. Após
esse período, ela fazia um intervalo entre dez a vinte minutos, ocupando-se de um afazer
completamente diferente. Utilizando esse procedimento, era costume estudar oito horas por dia
em sessões de prática de uma hora. Davidovich salienta a importância de se estudar com a mente
148
completamente descansada para ser mais produtivo (p.44-45). Chaffin et al. (2002, p. 259)
relatam que nas primeiras etapas do aprendizado da peça, a pianista Gabriela Imreh procurou
estudar em dias consecutivos para minimizar os efeitos do esquecimento e reter na memória de
longo prazo o máximo de informações. Por outro lado, na última etapa, as sessões de estudo
foram mais espaçadas e o período de aprendizado um pouco mais longo que as etapas iniciais.
Segundo Chaffin e Lemieux (WILLIAMON, 2004, p.25) estudos empíricos realizados por
Seashore (1938/1967)
17
, Auer (1921)
18
e Rubin-Rabson (1940a) indicaram que a prática é mais
eficiente se for realizada em unidades curtas, com no máximo uma hora de duração e separados
por intervalos entre as sessões para recuperar a capacidade de atenção. Parry postula que a
quantidade de horas de estudo para cada pianista depende tempo em que é capaz de manter
concentração ininterrupta e do seu nível de condicionamento físico. Por exemplo, a necessidade
de estudar um repertório em curto período de tempo, faz com que haja um excesso de prática.
Contudo, os efeitos negativos dessa sobrecarga poderão ser minimizados caso o músico faça
intervalos regulares e exercícios de alongamentos (WILLIAMON, 2004, p.49).
Jorgensen menciona que se um músico não sabe o quanto está investindo em tempo na
prática do instrumento, seria necessário observar e registrar sistematicamente seu período de
estudo. Se a intenção é ter um período maior de estudo, o músico poderá fazer um contrato
consigo mesmo sobre o quanto deseja estudar durante a semana ou mês, ficando a seu critério
cumprir, ou não, esse contrato. Salienta ainda que não se deve considerar apenas a quantidade,
mas, principalmente, se o tempo despendido reflete-se no progresso desejado (WILLIAMON,
2004, p.91).
Segundo Ericsson et al. (1993, p.15-16), a prática deliberada exige concentração e atenção
durante todo o processo de estudo, assim, a duração diária da prática deve ser limitada ao nível de
concentração do aluno. Somente após o indivíduo ter se adaptado a um nível constante de prática
é que se torna possível aumentar gradativamente a duração diária da prática. Ericsson salienta que
o instrumentista deve recuperar-se a cada dia do esforço exigido durante a prática caso isto não
ocorra e continue a sustentar esse nível de prática, ele poderá ser levado a um processo de
exaustão física e de fadiga mental. Assim como outros pesquisadores, Ericsson et al. também
17
SEASHORE. Psychology of music. New York: Dover, 1938/1967.
18
AUER. Violin playing as I teach it. New York: Stokes, 1921.
149
apontam os trabalhos pioneiros de Seashore (1939
19
, 1967) e Auer (1921), os quais
recomendaram que o aluno praticasse por períodos menores que uma hora seguido de amplo
período de descanso. O curto período de estudo relaciona-se à capacidade de concentração que o
músico deve ter para conseguir identificar as áreas que necessitam de aprimoramento, evitando
erros em sua execução.
No estudo experimental de Ericsson et al. (1993), uma das hipóteses sobre a eficácia da
prática deliberada era de que o maior aproveitamento (e, indiretamente, a melhor execução) está
associado com uma maior quantidade de prática deliberada durante as semanas de estudo. Os
músicos de maior desempenho estudam com níveis constantes de prática para maximizar o
aprendizado por um longo período de tempo, intercalando-os com períodos de repouso entre as
seções de prática. Ericsson também constatou que o grupo dos pianistas e violinistas de melhor
habilidade foram os que tinham uma prática deliberada distribuída em quatro horas diárias,
formulando a hipótese de que esse é o limite para uma quantidade máxima de prática sem que
haja exaustão física e mental (p.50). Assim, a prática deliberada deve manter um equilíbrio entre
o esforço e o período de recuperação, para poder, em um longo prazo, aumentar gradativamente a
quantidade de tempo e a adaptação do músico à nova demanda (p.17).
De acordo com Hallam, existem evidências empíricas significantes que comprovam que o
tempo despendido na prática do instrumento aumenta proporcionalmente com o nível de
habilidade do músico. Isso pôde ser verificado principalmente durante a formação musical, pois
que, quando o sico começa a trabalhar profissionalmente, a quantidade de horas de estudo
diminui. Entretanto, as pesquisas também indicaram que, quando se atinge determinado nível de
execução, a manutenção das habilidades instrumentais requer menos horas na prática do que na
fase de aquisição das habilidades técnico-musicais (1997c, p.195).
2.8 ESTUDO ATRAVÉS DE REPETIÇÕES
2.8.1 Estudo através de repetições: perspectiva das pesquisas empíricas
Um dos objetivos de Chaffin et al. (2002) foi decifrar como o sujeito realizava as
repetições dos trechos musicais a serem memorizados. Os autores estabeleceram dois critérios
para examinar o estudo da obra musical pela pianista: um se chamava work - designando a
19
SEASHORE. Work methods: an often neglected factor underlying individual differences. Psychological Review,
46, p.123-141, 1939.
150
repetição de uma passagem curta para resolver determinado problema técnico-musical, a fim de
estabelecer a memória muscular (topográfica) e desenvolver a fluência e a segurança do trecho
estudado; o outro se denominava runs - indicando um longo segmento musical em que a pianista
executava o trecho inteiro com o mínimo de repetição e sem haver um trabalho técnico-musical
específico. Os runs tiveram três objetivos básicos: testar e localizar os problemas a serem
solucionados, estudar a transição e as conexões entre as seções e, finalmente, permitir que as
decisões interpretativas sejam avaliadas dentro de um contexto mais abrangente.
A divisão do estudo para trabalhar trechos curtos, intercalando-os com a execução de
partes maiores, mostra que a natureza da prática reflete o caráter de "solução de problemas"
(CHAFFIN et al. 2002, p.116-118). Desse modo, a repetição é encarada de maneira consciente,
tendo objetivos específicos a serem alcançados e com o foco de atenção voltado na prática em si
mesma, descartando a repetição mecânica e desprovida de concentração. Jorgensen relata que o
hábito de estudar, tocando inúmeras vezes, a peça do início ao fim sem interrupção pode ser
benéfico para alguns sicos, mas ineficiente para outros, visto que músicos profissionais têm
uma abordagem de estudo idiossincrática em relação ao que considera uma prática eficiente
(WILLIAMON, 2004, p.85). Acredito que esta afirmação pode estar equivocada, em razão de ser
improvável que um instrumentista obtenha um nível de expertise apenas repetindo inúmeras
vezes a obra musical sem se fixar a um trabalho de detalhamento que exigirá o emprego de
estratégias específicas para a solução de problemas técnico-musicais e para o aperfeiçoamento da
execução. Talvez isso possa ser alcançado se o pianista tiver um nível proficiente e se a peça
for relativamente simples, mas se ele atingiu esse nível, provavelmente não estudou dessa
maneira durante sua formação profissional. Conseqüentemente, este hábito nunca é eficiente se o
pianista utiliza apenas esta forma de estudo para assimilar a obra. Segundo Jorgensen, o
intérprete busca acentuar suas qualidades individuais e a eliminação de suas fraquezas (p.85).
Conseqüentemente, a organização da prática deverá ser direcionada no sentido de alcançar estes
objetivos, não contemplando uma prática em que a única estratégia para esse fim seja através da
repetição mecânica do trecho.
A pesquisa com delineamento experimental de Costa (1999) verificou que, se os alunos
não têm orientação sobre o que fazer durante a prática, a maioria deles apenas tocará a peça, do
início ao fim, sem isolar trechos que necessitam de estudo. Os sujeitos que utilizaram o método
que continha uma lista de estratégias, para serem utilizadas durante a repetição dos trechos, foi o
151
que apresentou maior eficiência dos resultados: 81% dos participantes relataram que assimilaram
o conteúdo mais rapidamente.
2.8.2 Aplicação das estratégias que envolvem repetição
Johnston (2002) sugere algumas estratégias de repetição em forma de jogos para verificar
a assimilação de uma passagem musical. Uma das mais elaboradas é risivelmente denominada de
“sete estágios da infelicidade” (The seven stages of Misery). Segundo Johnston, esta estratégia
não é recomendada para todos os alunos, por ser um jogo que exige muita concentração e
persistência para utilizá-la corretamente. Para realizá-la, o aluno precisa fazer oito quadrados,
dividindo-os em oito níveis (1º ao 7º, sendo o um retorno). Assim, o pianista somente avança
um estágio quando consegue executar o nível anterior sem falhas. Se houver algum erro, por
menor que seja esta, o aluno deverá voltar um nível. O jogo terminará quando o aluno alcança
o oitavo nível. Essa estratégia evidencia as seções musicais onde o aluno precisa trabalhar (caso
não consiga subir de nível ou demore muito tempo para finalizar a tarefa) das que o aluno
assimilou o conteúdo. Johnston ressalta que à medida que o aluno avança para os últimos níveis,
a ansiedade torna-se maior, porque estará próximo do seu objetivo e qualquer erro o fará
retroceder. Uma das vantagens dessa estratégia é que ela mostra a quantidade exata de estudo que
cada seção necessitará, auxiliando o aluno a perceber que se a seção foi assimilada, não será a
ansiedade que poderá interferir na sua correta execução (p. 156-157).
Johnston (2002) propõe uma estratégia para ser utilizada em seções longas ou na peça
inteira após o aluno ter assimilado o seu conteúdo. A finalidade é ajudar o aluno a minimizar os
erros e torná-lo atento a sua localização a fim de saber onde estão as suscetíveis a falhar durante a
execução. Para isto, o aluno escolhe um compasso específico na peça e inicia sua execução a
partir deste ponto até o fim da obra, em seguida, continua execução a partir do início da peça até
o início do compasso em que o jogo começou. Após contar o número de falhas que ocorreu
durante a execução, o aluno trabalhará separadamente nestas partes para solucionar o problema.
Após este trabalho, o aluno executará novamente, mas irá diminuir 1 (um) número do total de
falhas. Por exemplo, se na primeira vez ele cometeu cinco falhas, na próxima repetição deverá
errar somente quatro vezes. Johnston sugere uma variação nesse jogo, que seria a proibição de
fazer novamente o mesmo erro anterior, aumentando a consciência do aluno em relação à falha
cometida (p. 164-166).
152
2.9 ESTUDO ATRAVÉS DE SEÇÕES MUSICAIS
2.9.1 Estudo através de seções musicais: comprovações empíricas
Os estudos de caso com pianistas profissionais, como os de Chaffin et al. (1997, 2002) e
Miklaszewski (1989) indicam que a segmentação dos trechos a serem estudados varia de acordo
com a estrutura formal e a dificuldade da peça, e que as complexidades técnico-motoras irão
definir a fragmentação das sessões maiores em trechos musicais menores. Chaffin et al. (2002)
observaram que pianistas profissionais utilizam o estudo de seções no início do processo de
aprendizagem. Assim, há períodos de intenso trabalho em pequenos trechos intercalados por
execuções maiores, as quais se conectavam os trechos menores estudados. As execuções longas
dos trechos servem para avaliar o trabalho recente sobre as seções estudadas individualmente e
para identificar os problemas a serem estudados. As passagens difíceis eram estudadas
intensivamente até que as diferenças de nivelamento entre os trechos difíceis e fáceis
desaparecessem.
A pesquisa com delineamento experimental de Williamon e Valentine (2002a) também
apontou que a utilização dos trechos estruturais, para segmentar a estrutura da prática, aumentava
juntamente com o nível de habilidade do músico de maneira que, o início e o fim da execução,
durante a prática de estudo, era comandado pelos pontos-chave da estrutura formal da peça.
Verificou-se que quanto mais cedo os sujeitos utilizavam a estrutura formal da peça como
parâmetro para organizar as sessões de estudo, melhor era a qualidade final da execução. Assim,
os resultados indicaram que a identificação e o uso das estruturas musicais para guiar a prática é
uma característica peculiar do nível de desempenho, tornando-se mais utilizada à medida que o
músico aumenta seu nível técnico-musical (2002a, p.23).
Segundo a pianista Gabriela Imreh, quanto maior a dificuldade da peça, menores devem
ser as seções (CHAFFIN et al. 2002, p.102). A divisão da peça em unidades menores, baseada na
estrutura formal da música, é uma recomendação tradicional dos teóricos da área instrumental
(HUGHES, 1915; LEHRER, 1988; MATTHAY, 1926; SANDOR, 1981; SHOCKLEY, 1986).
De acordo com Chaffin et al. (2002), a importância da estrutura formal da música é crucial para a
memorização assim como para a sua interpretação. Os autores verificaram que a organização das
seções de estudo foi feita para que o início e o fim das seções coincidissem com as fronteiras
formais da peça e com trechos que contivessem mudanças bruscas, assim, esses pontos críticos
eram estabelecidos como referência de orientação durante a execução. Imreh utilizou as
153
delimitações formais da música como “pontos de partida” para os segmentos de estudo. Assim, a
repetição no estudo de uma determinada parte da peça permite estabelecê-la como guia de
execução (retrieval cue) fazendo com que o intérprete possa, futuramente, iniciar a execução
desse trecho musical apenas “resgatando essa informação da mente” (p.249). Para esses
pesquisadores, a similaridade entre as seções pode ser útil para a memorização, todavia, ela
também é fonte, em potencial, para confusão durante a execução. Para que isso não lhe cause
transtorno, o intérprete deve ficar atento às mudanças estruturais e ao que se segue após cada
seção semelhante (p.207).
Chaffin et al. (2002, p.259) ressaltam a importância da utilização de estratégias eficientes
como, por exemplo, dividir a música em segmentos para estudo, identificando objetivos a serem
alcançados para cada seção de estudo. O trabalho puramente teórico de Barry e Hallan (2002,
p.156) aponta alguns resultados das pesquisas sobre as atividades que os músicos profissionais
realizam ao aprender uma nova peça. Segundo essas autoras, a estrutura da música é o que
determina o tamanho dos trechos musicais a serem estudados. Assim, quanto mais complexa a
música, menor a seção musical e à medida que a prática progride, as unidades vão se tornando
maiores, sendo que o plano estrutural da prática e os objetivos são guiados por considerações
musicais em detrimento das técnico-motoras. Assim, trabalhar com objetivos e metas a serem
alcançadas é indicativo de uma prática que é direcionada, visando a identificar os problemas para
eliminá-los em cada seção de estudo. Chaffin e Lemieux (WILLIAMON, 2004, p.26-27)
ressaltam que ao limitar o número de problemas a serem solucionados, é possível focalizar
atenção nesses e desse modo, a passagem musical é rapidamente resolvida, ao invés de protelar as
dificuldades para uma solução futura. Assim, quando o músico evita tocar a passagem antes de
estar tecnicamente e musicalmente resolvida, este estará prevenindo o desenvolvimento de
hábitos motores errados, os quais teriam que ser reaprendidos no decorrer da aprendizagem.
Segundo Jorgensen, pesquisas recentes apontam três tendências para organizar a prática
de estudo a partir da divisão dos trechos musicais (WILLIAMON, 2004, p.92-93):
1. Estratégia de executar a peça inteiramente, repetindo-a inúmeras vezes e sem se fixar
a qualquer trabalho específico de algum trecho musical. Esta estratégia é mais
utilizada por novatos do que por profissionais;
154
2. Estratégia de trabalhar focalizando somente algumas partes da peça antes de estudá-la
por completo. Uma característica dessa tática é trabalhar intensivamente em
determinado trecho até dominá-lo para, só então, ir para a próxima seção;
3. Estratégia de estudo que combina as duas acima mencionadas
20
.
Segundo Jorgensen, cada uma dessas tem seus próprios méritos, pois dependem das
circunstâncias para definir a prática a ser adotada. Certas variáveis podem ser determinantes para
a escolha da estratégia a utilizar, tais como, o prazo para se preparar a obra, o estilo e a
complexidade da música, a familiaridade com a peça a ser estudada, os objetivos da prática, o
nível de habilidade do músico, sua experiência profissional, dentre outras (WILLIAMON, 2004,
p.93). Jorgensen sugere que o músico nunca se fixe em apenas um dos três tipos de abordagem
acima citadas, mas que possa utilizar as três tendências de acordo com a necessidade. Verifiquei
que não foi encontrado um estudo experimental que tenha investigado estas três tendências ao
mesmo tempo, examinando a validade de cada uma delas e comparando qual seria a mais eficaz.
Embora algumas pesquisas descritivas tenham examinado algumas características desses tipos de
abordagem (CHAFFIN et al. 1997, 2002; NIELSEN, 1997, 1999b; WILLIAMON e
VALENTINE, 2002a), nenhuma fez um estudo comparativo objetivando resultados práticos e
empíricos de sua utilização. Assim, não é possível afirmar qual dessas estratégias seria a mais
eficiente, provavelmente as de número 2 e 3, por serem as mais notadas na prática de pianistas
com nível mais adiantado. Contudo, não há uma experimentação científica que certifique o
veredicto. Desse modo, uma pesquisa poderia partir da hipótese de que as estratégias que são uni-
direcionadas (estratégias 1 e 2) são as mais passíveis de ter maior interferência de variáveis
21
e,
assim, ficarem sujeitas a ter resultados de execução mais limitados. Por outro lado, deduz-se que
a estratégia 3 pode ter aplicação de maior generalização, devido as suas características flexíveis,
podendo adaptar-se a um maior número de variáveis previstas, com maior probabilidade de que o
resultado da aprendizagem seja mais eficaz.
20
Ao iniciar a aprendizagem do Concerto Italiano (BWV 971), a pianista do estudo de caso de Chaffin et al. (2002)
executava a peça inteiramente para ter sua concepção geral e dos lugares que necessitariam de um trabalho
específico. Nota-se, nessa abordagem de estudo, que há seleção das partes e contextualização com o seu todo.
21
Por exemplo, alguém que apenas estuda pela abordagem n.1 estimula mais a memória automática, cinestésica. Em
uma apresentação ao vivo, qualquer interferência (variável externa) que possa levar a uma falha de memória fará
com que o pianista perca a seqüência motora. Nesse momento, ele dependerá da memória conceitual, a qual é
desenvolvida através de um estudo analítico, por seções, estabelecendo as conexões das partes com o todo.
155
Jorgensen salienta que a estrutura formal da peça (estrutura harmônica, fraseologia, etc.) é
a que deve orientar como as seções musicais para estudo serão selecionadas. Algumas pesquisas
mostram que as dificuldades técnicas motoras dentro dos trechos selecionados fazem com que
essas seções sejam subdivididas em partes ainda menores (CHAFFIN e IMREH, 1997;
MIKLASZEWSKI, 1989, 1992). Segundo Williamon e Valentine (2000, 2002), os trechos
musicais costumam ficar maiores, na medida em que a peça vai evoluindo. Contudo, a atenção
sobre os detalhes musicais das seções acontece durante todo o processo de aprendizagem,
inclusive no último estágio, como visto na pesquisa de Chaffin et al. (2002). Segundo Jorgensen
o músico deve ter dois critérios ao selecionar o trecho musical a ser estudado (WILLIAMON,
2004, p.93):
O músico não precisa ater-se à estrutura formal da peça obedecendo à mesma
compreensão do compositor, mas as partes selecionadas precisam fazer sentido
musical para o intérprete;
Focalizar a atenção nas partes difíceis e desafiantes dos trechos, mas sem
desvinculá-los do contexto geral, de modo a estudar as conexões entre as partes.
2.9.2 Aplicação prática das estratégias: sugestão de pianistas e teóricos
O relato de alguns pianistas coincide com algumas táticas de estudo utilizadas pela
pianista Imreh no estudo de caso de Chaffin et al. (2002). A pianista americana Olga Samaroff
recomenda memorizar uma peça através de pequenas seções musicais. Após o estudo e a
memorização de cada trecho, o músico deverá memorizar a próxima passagem musical, iniciando
por alguns compassos antecedentes à nova seção, assim, estudará as conexões e fortalecerá a
memória (p.56). Sob a mesma concepção, o pianista russo Benno Moiseiwitsch estudava a peça
dividindo-a em partes e estudando-as com grande detalhamento (BROWER apud CHAFFIN et
al., 2002, p.55). O pianista australiano Ernest Hutcheson aconselha o estudo por seções, mas
também ressalva que é importante estudar as conexões entre elas, para que "as juntas fiquem
seguras" (COOKE apud CHAFFIN et al. 2002, p.55).
Segundo Johnston (2002, p.78-79), existem alunos que cometem a falha de estudar a peça
sempre do mesmo lugar, geralmente do início da peça, ao invés de considerar o local onde as
dificuldades realmente estão. Isso poderá trazer desequilíbrio à execução e desnivelamento em
sua qualidade: o início é sempre melhor que o restante. Conseqüentemente, esse aluno tem
156
dificuldade em se localizar dentro da peça e de iniciar a execução em qualquer seção. Johnston
sugere uma estratégia para solucionar esse problema: que o professor divida a peça em pequenos
trechos e instrua o aluno a estudá-los separadamente, para que possa iniciar a execução a partir de
qualquer lugar. Assim, após realizar esse estudo e resolver os problemas, executam-se todos os
trechos em seqüência. A cada falha de memória ou técnica, o aluno deverá voltar, não para o
início da peça, mas para o trecho anterior à seção onde ocorreu essa falha. Assim sendo, o aluno
estará voltando (como de costume), mas por um caminho “mais curto” (p.80-81). De acordo com
minha experiência como instrumentista e professor, esse tipo de estratégia pode ser eficaz no
estudo, mas deve ser evitada durante a execução (mesmo que se cometa um erro). O fato de
retroceder poderá trazer conseqüências negativas à execução, pois ao invés de dar continuidade à
comunicação musical, tentando manter o controle e achar a seqüência perdida, o pianista voltará
à parte anterior, evidenciando seu erro e estabelecendo um costume não producente. As falhas
muitas vezes causam um bloqueio momentâneo e se o músico retroceder à seção anterior,
provavelmente aumentará as chances de que o erro se reincida, principalmente se esta falha for de
memória. Nesse contexto, surge um problema de pesquisa com forte potencial para ser
examinado através de uma pesquisa experimental, ou seja, verificar qual estratégia é a mais
produtiva: (a) retroceder a cada erro para a seção anterior ou (b) continuar a execução, voltando
apenas para corrigir os erros em contexto.
Uma das falhas na prática do instrumento apontada por Johnston (2002, p.52-56) é que ao
invés do aluno estudar a música por partes, assimilando o conteúdo progressivamente e com
eficácia, este trabalha toda a peça de uma vez, sem se ater aos detalhes como, por exemplo, a
escolha adequada do dedilhado ou a solução dos problemas técnico-musicais. Com esse tipo de
abordagem de estudo, o período de aprendizagem se torna muito mais longo e com resultados
ineficazes. Assim, aconselha-se não estudar uma nova peça de maneira monolítica, mas
dividindo-a em várias pequenas seções de estudo, aplicando estratégias (de níveis progressivos).
Para tanto, o aluno deverá considerar três questionamentos: em qual nível estou? Como saberei
quando completei esse nível? Qual nível virá após esse finalizado? Desse modo, o aluno poderá
progressivamente vencer as dificuldades e obter resultados significativos mais rapidamente. Esses
níveis indicam uma seqüência gica de objetivos a serem alcançados dentro de cada seção de
estudo. Johnston os exemplifica da seguinte forma (p. 130-134):
Nível 1 (tocar mão esquerda lentamente);
157
Nível 2 (tocar mão direita lentamente);
Nível 3 (tocar mão esquerda de memória);
Nível 4 (tocar mão direita de memória);
Nível 5 (tocar mão esquerda com metrônomo);
Nível 6 (tocar mão direita com metrônomo);
Nível 7 (tocar ambas as mãos lentamente);
Nível 8 (tocar ambas as mãos de memória);
Nível 9 (tocar ambas as mãos de memória e com metrônomo).
Segundo Johnston, o principal benefício do sistema de níveis é que o aluno pode mensurar
seu progresso, mesmo com uma peça nova. Com base nesses veis, sugiro acrescentar uma
estratégia que poderia melhorar, ainda mais, o resultado. Johnston especificou que o professor
pode organizar os níveis de acordo com as necessidades do aluno. Assim, acrescentaria o estudo
de um micro trecho musical na velocidade final, mas somente com mãos separadas, de maneira
que o aluno o execute sem erro, estabelecendo o dedilhado e o movimento que utilizará no
andamento final (se o aluno não foi capaz de realizar esse trecho no andamento final e cometeu
erros é porque o trecho está longo demais). Para Johnston (2002, p.132-135), O sistema de vel
ajuda o aluno a monitorar seu estudo e a não trabalhar partes que não necessitam de tanta
prática. Com essas estratégias, o aluno poderá saber exatamente qual o nível que ele alcançou na
seção estudada, conseqüentemente, no outro dia de estudo, ele saberá o nível que devereiniciar
seu estudo. Para tanto, é aconselhável escrever na partitura o número do vel em que última
sessão de prática foi finalizada.
5.10 ESTUDO INVERTIDO DE SEÇÕES
Segundo Chaffin et al. (2002, p.201), pesquisas empíricas sobre a memória, tanto na
música quanto em outras áreas do conhecimento, evidenciam que a recordação está associada a
uma ordem serial, em que o início é sempre melhor assimilado do que as partes finais. Então, se a
música é organizada na memória através de seções musicais, conclui-se que o início das seções é
mais lembrado do que suas últimas partes. Será que essa afirmativa poderia ser diferente, caso
houvesse um estudo experimental em que o músico estudasse uma peça dividindo-a em seções, e
começando “de trás para frente”? Haveria diferença na maneira em que o conteúdo é retido na
158
memória de longa duração, caso a seqüência musical fosse assimilada por ordem inversa? Ficam
essas questões em aberto para futuras pesquisas. Nesse contexto, lembro-me de que o estudo por
seções invertidas é um procedimento que a pianista Nelita True me recomendava utilizar com as
peças que eu estava preparando para os recitais do mestrado, principalmente as polifônicas. A
obra era memorizada a partir do seu fim e as seções musicais eram numeradas de trás para frente.
O estudo de caso de Miklaszewski (1989) com um pianista de nível de expertise mostrou
que a prática não se iniciava sempre do início da peça. Os segmentos do meio da obra eram
isolados para estudo específico, com um determinado objetivo, para, depois, conectá-los às outras
seções. O sujeito também utilizava a ordem invertida dos trechos durante o estudo, iniciando a
execução pelo fim da peça e gradualmente ligando-a aos segmentos musicais anteriores.
Outra variante dessa estratégia seria o estudo intercalado de seções. Segundo Chaffin et
al. (2002), o estudo intercalado dos trechos musicais é uma das características encontradas em
profissionais com elevado rendimento no estudo e com nível de habilidade superior. Essa prática
é classificada como um trabalho intenso sobre os trechos musicais e a execução da seção
estudada. Objetiva-se assimilar a obra musical o mais rápido possível, através da divisão do
estudo entre o trabalho intenso sobre determinadas passagens (o pianista identifica o problema e
o estuda com estratégias apropriadas em busca de uma solução) e a execução musical desse
trecho (para avaliar a eficiência da estratégia empregada). A repetição dos segmentos de estudo
curtos irá focalizar um problema específico, trabalhando com o mínimo de distração possível.
Esse tipo de estratégia ocorreu em todas as etapas do período de aprendizagem da pianista do
estudo de caso de Chaffin et al. (2002) e em outros trabalhos empíricos, tais como os de Gruson
(1988) e Miklaszewski (1989) (CHAFFIN et al. 2002, p.259).
2.11 ESTUDO DE SEÇÕES DIFÍCEIS
O pianista Alfred Cortot aconselhava ao músico selecionar as seções tecnicamente mais
difíceis da obra musical com o intuito de trabalhá-las separadamente. Os exercícios eram
elaborados a partir da dificuldade e utilizados como novo material para o estudo da técnica. Com
esse tipo de prática, o pianista poderia reforçar a memorização da seção, além de servir para
desenvolver o aparato motor necessário para sua execução (BROWER apud CHAFFIN et al.
2002, p.45). A pianista Gabriela Imreh afirma que quanto mais difícil e complexa a peça,
menores seriam as seções (CHAFFIN et al. 2002, p.102). Uma execução com muitos problemas
159
técnicos pode ser uma evidência de que o pianista estuda a peça somente tocando, sem prestar
atenção aos erros cometidos ou tentando resolver esses problemas. Muitas vezes o aluno protela o
trabalho nessas seções porque acredita que essas dificuldades técnicas “não atrapalham” a
fluência da execução ou que essas poderão ser resolvidas posteriormente. A pesquisa empírica de
Williamon e Valentine (2000, p.9) apontou que os músicos que obtiveram maior avaliação da
qualidade da execução foram os que limitaram a quantidade de erros somente aos compassos
mais difíceis, os quais eram trabalhados no contexto do trecho musical.
Obviamente, o grau de dificuldade cnica depende do nível de desempenho pianístico e
da experiência do músico. Jorgensen aponta algumas estratégias específicas para solução dos
problemas técnico-musicais, tais como (WILLIAMON, 2004, p.93-94):
A utilização de exercícios e Estudos musicais que trabalhem uma determinada
complexidade técnico-musical ou que simplifiquem esse problema, até levá-lo
gradualmente a uma solução que possa ser aplicada na peça musical em questão.
Nesse contexto, ressalto a importância de realizar exercícios técnicos de maneira
musical, visto não haver dissociação entre o desempenho motor e o resultado
sonoro;
Estudar as partes difíceis repetidamente e intensivamente até que a dificuldade seja
vencida. Jorgensen salienta que existem poucas pesquisas nessa linha temática.
Contudo, sugere que o músico sempre se pergunte se esses exercícios estão
realmente ajudando-o a solucionar o problema específico e se há uma
transferência positiva dos resultados dos exercícios com a passagem musical a ser
aprendida (HALLAM apud WIILIAMON, 2004, p.94).
Johnston (2002) sugere que os professores adotem duas estratégias para alunos que
costumam estudar somente as partes que dominam, em detrimento das partes que realmente
necessitam ser aprimoradas: (a) dividir a peça em seções, ordenando-as por ordem de dificuldade
e instruir ao aluno a estudar somente as seções mais complexas durante a semana; (b) fazer uma
fotocópia da peça, cortando com uma tesoura as partes que estão dominadas e entregar ao
aluno somente as que necessitam de trabalho (p.44). Essa última estratégia aparenta ser
pedagogicamente questionável, pois impõe ao aluno algo que deveria ser feito através da
160
conscientização sobre o que deve ser uma prática bem estruturada, além de tirar o trecho musical
do contexto em que se insere.
Johnston (2002) propõe ainda que o professor solicite ao aluno dividir a peça em seções,
classificando-as por ordem decrescente de dificuldade. Assim, em vez de começar a estudar a
peça pelo início, as seções mais difíceis serão priorizadas, estudando-as primeiramente. O autor
salienta que esta estratégia poderá não funcionar com todos os alunos, principalmente com os que
costumam desistir facilmente ao primeiro sinal de dificuldade. Para esses, ele indica seguir o
processo usual, ou seja, aprender as partes mais fáceis de forma que reste somente a seção difícil
para completar o aprendizado, assim o aluno terá estímulo para trabalhar o único trecho restante
para, então, alcançar o objetivo final (p.136-137).
2.12 ESTUDO DE MÃOS SEPARADAS E MÃOS JUNTAS
O estudo de mãos separadas é uma estratégia bastante utilizada por pianistas de nível
avançado. O pianista Jorge Bolet costumava estudar as mãos separadas e com andamento lento
(NOYLE apud CHAFFIN et al. 2002, p.44) e o pianista Ernest Hutcheson sempre memorizava as
mãos separadas (COOKE apud CHAFFIN et al. 2002, p.55). Diversas pesquisas empíricas
apontam esse tipo de estudo como uma das características que definem a prática de
instrumentistas de nível avançado. Inclusive, essa estratégia é um dos temas de pesquisa mais
antigos dentro do planejamento da execução. Rubin-Rabson (1940b) mostrou que a memorização
era mais eficiente quando o pianista estudava as mãos separadas em comparação ao estudo de
mãos juntas. A pesquisa empírica de Gruson (1988, p.106) confirmou que a utilização do estudo
de mãos separadas, durante a prática pianística, aumentou na mesma proporção que o vel de
desempenho dos sujeitos.
A pesquisa experimental de Rostron e Bottrill (2000, p.53) com oito sujeitos mostrou que os
pianistas com maior nível de habilidade foram os que empregavam o estudo das mãos separadas,
além do estudo em andamento lento, sendo essas suas estratégias preferidas. Tanto o estudo de
caso de Chaffin et al. (2002) quanto o de Miklaszewski (1989) apontam que os sujeitos fizeram
amplo uso do estudo com mãos separadas. Em Miklaszewski (1989, p.105), o pianista estudou,
por um longo período, um complexo trecho musical concentrando-se apenas na mão esquerda. O
estudo foi tão bem realizado que, nas sessões subseqüentes da prática, ele tinha praticamente
dominado a passagem musical.
161
A pesquisa experimental de Burnsed e Humphries (1998) investigou o efeito de reverter a
ênfase da mão direita para a mão esquerda no início da aprendizagem pianística. Os autores
examinaram a prática de vinte e quatro alunos iniciantes de piano (todos destros e instrumentistas
de bandas). Os resultados, comparando o grupo de controle com o experimental, corroboram o
argumento de muitos professores ao salientar que os alunos de piano devem concentrar-se no
desenvolvimento da mão esquerda para alcançar uma melhor execução. No trabalho de Burnsed e
Humphries, isso foi verificado apenas revertendo a importância das mãos no início do
aprendizado, tendo colocado a linha melódica apenas na mão esquerda. Os autores apontam que
uma das razões para que a mão esquerda seja, muitas vezes, percebida como tecnicamente
inferior (em relação à mão direita) pode estar nas próprias características do repertório pianístico
- como as melodias são realizadas na clave de sol, a mão direita recebe maior ênfase (1998, p.95).
Esse foi um tipo de pesquisa que não teve continuidade com outros tipos de sujeitos.
Conseqüentemente, abre-se margem para ser examinada por pesquisas com pianistas em diversos
níveis de habilidade, a fim de comparar e observar se o resultado com alunos iniciantes pode
refletir em estágios mais elevados do desempenho.
2.13 ESTUDO EM ANDAMENTOS DIFERENTES
Essa estratégia consiste em estudar uma obra musical de mãos separadas e juntas,
aplicando diferentes andamentos, do largo ao prestíssimo. Essa prática foi encontrada em
trabalhos com a participação de músicos profissionais (HALLAN, 1995; CHAFFIN et al. 2002).
De acordo com Jorgensen (WILLIAMON, 2004, p.94), uma das estratégias para alcançar o
andamento final é o estudo gradual do andamento, ou seja, primeiramente o músico estuda e
executa a peça em andamento lento até dominá-la e, progressivamente, vai aumentando o
andamento até o tempo final da execução. A investigação de Barry (1992) reafirma que esse tipo
de estratégia é uma das técnicas de estudo mais recomendadas por músicos para alcançar o
andamento final. Outros trabalhos, como os de Drake e Palmer (2000), mostram que a execução
em andamento lento pode conter maior número de erros do que as de andamento rápido. Todavia,
Jorgensen salienta que isso não é um argumento contra a estratégia, visto que a peça estudada
lentamente ficará mais familiar e irá conter menos erros, à medida que o estudo progride
(WILLIAMON, 2004, p.94). A objeção de Jorgensen contra a utilização da estratégia é em
relação aos movimentos de mãos e braços utilizados na execução, os quais são completamente
162
diferentes nos andamentos lentos dos rápidos. Conseqüentemente, poderá ser contraproducente
se, ao aprender uma peça, o aluno estudar devagar e aumentar muito lentamente o andamento,
visto não estar desenvolvendo as respostas físico-musculares correspondentes à execução final
(WILLIAMON, 2004, p.94). A pianista Gabriela adotou a prática de estudar com andamentos
progressivos para estudar uma passagem difícil em Fugato (CHAFFIN et al. 2002). Embora não
houvesse uma discussão da validade dessa prática naquela pesquisa, notei que a pianista gastou
inúmeras horas utilizando essa estratégia sem obter resultados satisfatórios em curto prazo.
Muitos dos seus comentários sobre a evolução do processo de estudo, feita através dessa
estratégia, mostraram sua insatisfação com a lentidão dos resultados obtidos.
A estratégia de se estudar lentamente para, sucessivamente, acelerar o tempo foi
questionada por Handel (1986)
22
. Segundo esse autor, a prática em andamento lento envolve
outros padrões motores, que não se aplicam quando em velocidade, sendo, desse modo,
ineficiente. Isso já foi evidenciado por renomados pianistas, como Ortmann (1929), o qual
mostrou que os movimentos rápidos na execução pianística são completamente diferentes dos
lentos (HANDEL e ORTMANN apud GABRIELSSON, 1999).
Outra estratégia de estudo utilizada para alcançar o andamento final foi descrita por
Jorgensen como estudo alternado dos andamentos lento e rápido
23
(WILLIAMON, 2004, p.94).
Segundo Jorgensen, essa estratégia poderá fazer com que o andamento final seja alcançado em
menor tempo, visto que exigirá que o músico assimile rapidamente o tempo com que irá executar
a peça (WILLIAMON, 2004, p.94). Essa estratégia parece-me ser a mais apropriada para encurtar
o percurso cujo fim é o alcance do andamento desejado. Entretanto, acredito que ela seja uma das
estratégias que apresenta grande probabilidade de que a música aprendida também assimile um
número maior de falhas cometidas durante a execução. Isso se explica porque, nas fases iniciais
do processo de aprendizagem, o músico ainda não dominou todos os desafios encontrados na
música e, assim, não conseguirá executar a peça no andamento final sem que haja falhas em sua
performance. Mesmo que esse pianista consiga executar a peça no andamento final, esta poderá
conter erros de movimentos físico-musculares, de sonoridade e de interpretação (fraseado,
articulação, dinâmica e timbre), devido à pouca vivência com a peça. Assim, o estudo em
22
HANDEL. Tempo in rhythm: comments on Sidnell. Psychomusicology, vol. 6, p.19-23, 1986.
23
Essa estratégia foi investigada detalhadamente na seguinte tese de doutorado: DONALD, L. The organization of
rehearsal tempos and efficiency of motor skill acquisition in piano performance. Michigan: UMI, 1997. Tese de
doutorado, University of Texas at Austin, 1997.
163
andamento rápido de uma obra musical inteira poderá ser contraproducente e imensamente
arriscado para a otimização da prática, pois o pianista estará estudando a reiteração das falhas.
A partir desses fatos, creio que o músico não deveria utilizar essa estratégia para tocar a
peça inteira nas fases iniciais do processo de aprendizagem. Por outro lado, seria extremamente
produtivo que ele a utilizasse para assimilar curtíssimos trechos musicais. É praticamente
impossível tocar corretamente a peça inteira no andamento final quando se está iniciando o
aprendizado, mas é possível e salutar que se toque (buscando perfeição e no andamento final)
alguns trechos musicais pequenos, mesmo que contenham um alto grau de complexidade técnico-
musical. Conforme as pesquisas indicam, quanto maior a dificuldade, menor o trecho a ser
estudado.
Conforme Jorgensen (WILLIAMON, 2004, p.94) os alunos que utilizam a estratégia
estudo alternado dos andamentos lento e rápido devem ser aptos para identificar e classificar os
erros que serão aceitos durante o estudo. Acrescenta, ainda, que o músico deve decidir o número
de falhas que irá permitir que ocorra durante o aumento do andamento e, assim, escolher o tempo
de acordo com esta decisão. Essa sugestão parece-me igualmente inapropriada, pois que os erros
não devem ser aceitos durante o estudo do instrumento, em virtude de que as falhas também
podem ser assimiladas, caso haja estudo intensivo e repetitivo das mesmas. Novamente, saliento
que a alternativa seria diminuir as seções e trechos musicais para serem estudados no andamento
final até que essas sejam executadas no andamento desejado, objetivando máxima exatidão. Na
medida em que as metas de execução são alcançadas, as seções musicais podem ser aumentadas,
bem como o estudo das conexões entre as mesmas.
O estudo alternado dos andamentos pode ser aplicado com a seguinte estratégia: a
variação abrupta de andamento. Por exemplo, tocar no andamento 66 e depois em 138, voltando
ao andamento lento, mas com um grau a mais (68 para depois tocar em 138), em seguida volta-se
ao andamento lento, aumentando outro grau (70, e assim por diante). Esse processo permite
chegar à velocidade final progressivamente, mas tendo a experimentação da velocidade final.
Geralmente, a primeira vez que se toca rápido o resultado não é bom, mas à medida que se
retorna a este andamento após o estudo lento, costuma haver um significativo progresso. Salienta-
se que essa estratégia deve ser realizada em trechos curtos e não na peça inteira, ao menos nas
fases iniciais do aprendizado.
A última estratégia para alcançar o andamento final foi descrita por Jorgensen como um
164
estudo da peça no andamento final desde o início da aprendizagem (WILLIAMON, 2004, p.94).
Essa tática assemelha-se à primeira estratégia
24
, em relação a uma abordagem unilateral para
alcançar o andamento de execução da peça, mas através de um caminho oposto. As
conseqüências para um estudo fundamentado na execução rápida da obra foram acima descritas,
mostrando as fragilidades dessas estratégias. O ato de tocar no andamento final, como prioridade
no início da aprendizagem, não deveria ser o único foco dos que defendem esse tipo de estratégia.
É preciso tocar rápido, mas sem falhas técnicas e, principalmente, com a inclusão dos objetivos
expressivos e interpretativos.
Johnston (2002) sugere que o aluno estude a peça acima do seu andamento final, de modo
que quando for tocar no tempo apropriado a execução lhe pareça fácil, do mesmo modo como foi
feito pela pianista Gabriela Imreh (CHAFFIN et al. 2002). Essa estratégia assemelha-se ao ato de
forçar a resistência além dos limites, um método bastante empregado por atletas profissionais.
Esse princípio parece-me ter fundamento, mas necessitaria de estudos experimentais para
comprovar sua verdadeira eficácia. Johnston (2002) propõe uma estratégia para alcançar o
andamento final da peça baseado nesse princípio, mas, na forma em que essa foi concebida, creio
que não surtirá o efeito desejado. Essa consta do aluno tocar a peça em andamento rápido, mesmo
que não esteja preparado para tocá-la (Johnston enfatiza que não se deve utilizá-la
freqüentemente). Segundo o autor, esse tipo de estudo auxilia ao aluno avaliar se o trabalho árduo
para acelerar o andamento está surtindo resultado, além de criar um sentimento de progresso
(p.206). Acredito que tocar peça inteira, em velocidade, cometendo erros e sem ter vencido as
dificuldades será improdutivo e não alcançará os objetivos artísticos. A conseqüência negativa de
empregar o estudo no andamento final poderá ser a falta de motivação acarretada pela percepção
de que não se está obtendo progresso no estudo, visto que muitas falhas poderão surgir ao tentar
tocar no andamento quando se não está preparado. Creio que se possa ultrapassar a velocidade da
peça, mas isso não deve ser feito em detrimento dos aspectos expressivos e interpretativos, visto
serem esses os reais objetivos do músico. Assim, tem sentido exceder o andamento, caso as
intenções musicais possam acompanhar a velocidade, contextualizando-se dentro da execução.
Outra questão a considerar é a automatização dos gestos e movimentos que serão
utilizados no andamento rápido, em razão de serem completamente diferentes da ação músculo-
motor ao se executar em andamento lento. A sugestão para conciliar os movimentos utilizados na
24
Estudo gradual do andamento.
165
execução rápida com a ausência de erros, quando se toca em andamento lento, é diminuir ao
máximo a seção a ser executada em máxima velocidade. Assim, o músico poderá ter noção de
como funcionará seu gesto físico-motor no andamento final da peça, certificando-se da eficácia
do dedilhado escolhido (sem esbarrar ou tocar notas erradas), além de, juntamente, avaliar os
resultados sonoro-interpretativos como a dinâmica, fraseado, articulação apropriada e intenções
expressivas.
2.13.1 Estudo em andamento lento
Segundo especialistas do piano, o estudo em andamento lento é fundamental, visto que,
quando uma passagem é executada corretamente nesse andamento, torna-se cil levá-la até o
andamento final (CHAFFIN et al. 2002, p.134). Para Gabriela Imreh, o estudo lento desenvolve a
memória conceitual (analítica) por diminuir a eficiência da memória motora, forçando o pianista
a pensar sobre o que se está tocando (CHAFFIN et al. 2002, p.110). O pianista russo Yuri Egorov
costuma tocar muito devagar as peças tentando manter os mesmos movimentos utilizados no
andamento correto (MACH apud CHAFFIN et al. 2002, p.54). Parece-me ilusório tentar manter
no andamento lento os mesmos movimentos físico-motores utilizados, por exemplo, em um
prestíssimo.
Segundo Johnston (2002, p.200), acorrem situações em que o método tradicional de
acelerar o andamento através do metrônomo não será producente, assim, sugere algumas
estratégias alternativas e complementares para alcançar este objetivo. Uma delas, chamada the
halflight technique, utiliza a execução em andamento lento, fundamentando-se no princípio de
que quanto mais rápido se almeja tocar mais relaxado o músico precisa estar. Para realizá-la, o
aluno necessita de um ambiente silencioso e sem interferência de pessoas. Apaga-se a luz da sala
do piano, deixando entrar somente um reflexo de luz externa. Em seguida, respira-se
profundamente para se concentrar e iniciar executando uma passagem à sua escolha em
andamento muito lento, estando atento ao relaxamento e a precisão da execução. O aluno deve
expressar verbalmente o que está sentindo: “fácil, relaxado, sem esforço, tranqüilo, etc.” (p.204).
A sensação psicológica e o bem-estar resultante desse tipo de estudo, em andamento lento, devem
ser o mesmo que o aluno buscará em um andamento rápido (p.205).
Algumas poucas pesquisas empíricas sobre as estratégias de andamento indicaram dados
relevantes sobre a execução em andamento lento. A pesquisa empírica de Drake e Palmer (2000,
166
p.14) com sessenta pianistas mostrou que, ao contrário do que se imaginava, a execução em
andamento lento tem a tendência de conter maior número de erros. Esse resultado intrigante
evidencia a necessidade de estudar lentamente, pois o controle sobre vários aspectos se torna
mais exigente, como, por exemplo, os aspectos de dinâmica e de contraste, as diferentes
articulações, os crescendo e diminuendo e a precisão dos movimentos de mão. Podemos
comprovar esse resultado na complexidade exigida ao se tocar, por exemplo, um movimento
lento das Sonatas de Mozart.
2.14 ESTUDO COM METRÔNOMO
O uso do metrônomo como estratégia para aumentar o andamento de uma peça é um dos
métodos mais tradicionais para alcançar esta finalidade. Segundo Johnston, todos os alunos,
independente do nível de desempenho, podem ser beneficiados com a sua utilização. Esse autor
salienta a estratégia de aumentar o andamento progressivamente, como ferramenta utilizada
especificamente para combater o pensamento negativo de que é impossível tocar determinada
peça velozmente. Esse método é destinado para alcançar o andamento final da peça e não para
correção de falhas. Como pré-requisito para a utilização do metrônomo, o aluno deverá ter
assimilado o conteúdo da peça (ritmo, notas, dedilhado, articulação, etc.), pois que a repetição,
que o método requer, poderá reforçar a assimilação dos erros. Assim, o aluno escolherá o
andamento inicial para começar a aceleração do andamento de acordo com o tempo em que a
peça é executada sem nenhuma falha para, então, aumentar progressivamente até o andamento
em que consiga tocar sem cometer erros (JOHNSTON, 2002, p. 195-197). O aluno precisa estar
atento aos sinais de que ele alcançou o limite de tempo quando registrar os primeiros erros de
execução. É aconselhável que se registre o andamento alcançado, para que no próximo dia de
estudo o aluno possa iniciar a partir desse tempo (p.197-198). Quando o aluno anota, poderá
acompanhar seu rendimento, sabendo identificar as partes da peça que levam mais tempo para
aumentar o andamento e assim, poder trabalhar nessas seções; além de prover uma análise do
processo de aceleração do andamento (p.198). Esse método tradicional parte de um princípio
íntegro e fundamentado. Entretanto, suscito alguns questionamentos em relação a sua real
eficácia e utilização:
a) Esse método parece adequado para seções menores, visto que para as maiores seria
mais produtivo intercalar estudo lento com estudo rápido, no andamento final. Pode ser
167
irrealizável executar uma peça que está no estágio inicial de aprendizagem em
andamento rápido e ao mesmo tempo isento de erros. Todavia, pode-se executar meio
compasso (de acordo com o desenho musical) intercalando andamentos, lento e rápido,
e assim, ir juntando as micro-seções progressivamente, de modo a assimilar a sensação
físico-muscular que será exigida no andamento final e com ausência de falhas;
b) A utilização intensiva do metrônomo pode gerar automatização da interpretação, pois
os aspectos expressivos dependem da flutuação do tempo para passar sua informação.
O controle externo do tempo (ao invés do músico sentir internamente o pulso da
música) e a precisão “cirúrgica” que o aparelho pode trazer aos aspectos interpretativos
poderão ser nocivos à execução, caso o metrônomo seja empregado com freqüência e
intensivamente no estudo do instrumento;
c) Uma das desvantagens da utilização excessiva do metrônomo e da estratégia de se
acelerar o andamento progressivamente é a probabilidade de que haja ausência de
concentração ao estudar; pois que os aspectos repetitivos e controladores do método
auxiliam a automação dos movimentos sem que, necessariamente, o músico necessite
estar atento e centrado na tarefa para que esta consiga ser realizada.
Outra variante desse método de Johnston é a estratégia de utilizar o metrônomo de acordo
com o resultado qualitativo da execução, ou seja, se o aluno executou perfeitamente, ele aumenta
um ponto no metrônomo; se houve falha, ele diminui um ponto, de forma que a qualidade seja
parâmetro para o uso do metrônomo. Segundo o autor, esse método não deve ser feito por todos
os alunos, pois alguns podem ficar desmotivados, se o tempo começar a diminuir mesmo
estudando a seção (JOHNSTON, 2002, p.199). Johnston salienta que o metrônomo não deve ser
utilizado nas seguintes condições (p.200-202):
Quando o aluno não está seguro em relação às notas;
Quando o aluno utiliza um dedilhado não apropriado para executar passagens
rápidas;
Quando o aluno está imaturo tecnicamente para determinada peça musical.
168
2.15 ESTUDO COM VARIANTES RÍTMICAS
Esse é um tipo de estratégia corriqueiramente utilizada, especialmente nos trechos que
contêm dificuldades técnico-motoras ou em escalas, arpejos e passagens em velocidade. Segundo
Johnston (2002), as variações rítmicas devem ser utilizadas na escrita musical para otimizar os
resultados da execução. Esta estratégia objetiva aumentar o andamento da peça alterando
ritmicamente as notas, ou seja, ao invés de executar o ritmo exatamente como está escrito, o
aluno deliberadamente o distorce, variando o ritmo e/ou articulação (p.207). As variantes mais
utilizadas são os ritmos feitos com notas pontuadas, acentuações e ligaduras de notas. Essas
variantes poderão revelar a existência de dificuldades técnicas em partes isoladas da seção
estudada, assim, se o aluno não consegue realizar corretamente um trecho curto com esses ritmos,
provavelmente não irá conseguir o trecho inteiro com o ritmo correto (p.208). Através da variante
com notas ligadas, o aluno poderá parar nessas notas e ter tempo para visualizar exatamente
como será a execução do próximo grupo de notas, como por exemplo, o dedilhado a ser
empregado e o movimento correto para um salto (p.209).
Para Johnston (2002, p.216), existem situações durante o processo de aprendizagem onde
um determinado trecho estudado não consegue apresentar nenhuma evolução por mais que se
pratique. Para essas passagens com problemas, sugere que o estudante crie exercícios técnicos
com o mesmo material da dificuldade encontrada, de forma que o exercício possa ser muito mais
exigente do que o material original. Praticamente toda a dificuldade pode ser aumentada,
estendida e repetida tornando o exercício um desafio técnico maior do que a partitura original.
Conseqüentemente, quando o aluno for executar a peça, ele poderá achar mais fácil do que o
trecho estudado (p.219). Nota-se que esse mesmo método era empregado por Alfred Cortot.
Podemos encontrar, nas partituras por ele editadas, diversos exemplos de como um trecho
complexo pode tornar-se ainda mais difícil através de exercícios específicos. Essa estratégia se
utilizava de variantes rítmicas. Não foram encontradas pesquisas que tenham abordado a validade
das estratégias que utilizam variantes rítmicas sobre a maximização do desempenho pianístico a
partir da escrita da partitura. Abrem-se, assim, novas possibilidades investigativas sobre
estratégias utilizadas no planejamento da execução.
Alguns autores são contrários ao estudo com variantes rítmicas, como Richerme (1996), o
qual afirma:
169
Pessoalmente, sou contra as variações rítmicas que normalmente se usam no estudo das
seqüências de notas. As contínuas paradas, intercaladas por pequenas seqüências rápidas,
perturbam tanto o planejamento como a automatização dos movimentos adequados,
atrapalhando também o cuidado individual que se deve ter com cada movimento de dedo
na seqüência. Se vantagem nesse tipo de estudo, é a localização mental dos pontos de
apoio rítmico da seqüência, que acaba por ocorrer como conseqüência desse estudo
(RICHERME, 1996, p.248).
Com base nos argumentos dos defensores e oponentes das estratégias que utilizam
variantes rítmicas, a pesquisa empírica deve assumir caráter de árbitro, confrontando as
respectivas abordagens, de modo que os resultados possam trazer à tona as dúvidas que temos em
relação a sua verdadeira eficácia.
2.16 ESTUDO DO DEDILHADO
Segundo Chaffin et al. (2002), uma das características encontradas em músicos com
habilidade superior é a capacidade de antecipar os objetivos e decisões futuras sobre determinado
aspecto cnico-musical. Por exemplo, a escolha do dedilhado é fundamental, pois é mais difícil
recondicionar a mente a um novo dedilhado que aprendê-lo no início do processo de estudo.
Assim, pianistas experientes geralmente fazem suas decisões sobre o dedilhado considerando a
antecipação das decisões interpretativas, a facilitação do trabalho técnico, o conforto da
execução, além das suas características físicas, como o tamanho da mão e dos dedos. Acima de
tudo, a antecipação dos objetivos estéticos depende de uma longa experiência prévia com o
repertório e com a prática do instrumento (p. 261). Chaffin relata que o dedilhado é uma escolha
pessoal baseada no tamanho da mão e da influência de determinada escola pianística. Também
influenciam os fatores técnicos e as intenções interpretativas e expressivas (uma escala cromática
pode ser executada com um dedilhado específico em função do tipo de toque exigido, por
exemplo), além de padrões que possam facilitar a memorização (como escalas e arpejos). Isto
posto, Chaffin aconselha que, ao escolher o dedilhado, o músico considere os aspectos técnicos,
interpretativos e expressivos e a memorização, sendo prioridade quando se está aprendendo uma
nova peça (p.146):
A memória motora se desenvolve imediatamente, assim, a mudança de dedilhado produz
interferência entre o dedilhado antigo e o novo, fazendo com que o novo dedilhado leve
muito mais tempo para ser aprendido e assimilado. Para evitar esta interferência, o
pianista precisa antecipar como será a interpretação final, que é a fase em que será capaz
de tocar no andamento requerido (CHAFFIN et al. 2002, p.146).
170
O pianista deve tomar algumas decisões pessoais em relação ao dedilhado. Nem sempre o
dedilhado padrão, que se utiliza em escalas e arpejos, por exemplo, funciona em determinado
trecho musical. “A escolha óbvia precisa ser freqüentemente modificada por causa do contexto”
(SLOBODA apud CHAFFIN et al. 2002, p.167). Segundo Chaffin et al. (2002, p.68), dois
critérios devem ser considerados ao escolher um dedilhado: o quanto este é apropriado para uma
determinada interpretação e a facilidade da execução.
O pianista Jörg Demus desenvolve a memória muscular (topográfica) através da utilização
de um dedilhado consistente, salientando que a escolha definitiva de um dedilhado facilita o
pianista automatizar os movimentos (CHAFFIN et al. 2002, p.50). A pianista Alicia de Larrocha
estuda as passagens mais complexas, em termos de dificuldade técnica e de dedilhado truncado,
através do estudo devagar para solidificar a memorização e refinar o fraseado. Assim, todos os
detalhes são minuciosamente trabalhados e o dedilhado é escrito na partitura. Ao estudar uma
nova peça, a pianista Alicia de Larrocha costuma ler a obra à primeira vista e, em seguida verifica
a sua estrutura, para então escrever na partitura o dedilhado escolhido. Ela memoriza a peça
através de uma abordagem visual da música (p.53).
Segundo Sloboda (1996), uma memória eficiente depende da habilidade de representar a
música em termos de agrupamento de notas (dedilhado) as quais estão relacionadas com a
estrutura e os padrões estilísticos familiares, bem como as outras seqüências da mesma obra
musical. Entretanto, isso não significa, necessariamente, que o agrupamento será o principal guia
durante uma execução de memória (p.95).
O estudo de caso de Miklaszewski (1989) apontou que grande parte dos comentários
verbais do sujeito salientava a importância de selecionar um dedilhado apropriado, de escrevê-lo
na partitura e de mantê-lo fixo. Essa característica encontrada nesse músico de nível de expertise
sugere que é a programação motora que controla a ação direta da execução, ou seja, a memória
cinestésica, a qual atua de forma predominante (p.108).
2.17 EXERCÍCIOS PARA AQUECIMENTO E EXERCÍCIOS TÉCNICO-MECÂNICOS
Jorgensen (WILLIAMON, 2004, p.88) aponta que os exercícios de aquecimento
utilizados por músicos o geralmente relacionados às peculiaridades mecânicas do instrumento
171
ou às demandas físicas. Entretanto, recomenda que antes de utilizar esses tipos de exercícios
como aquecimento, o músico deveria se perguntar: isto é necessário durante esta sessão de
estudo? Existiriam outros exercícios mais apropriados para esta situação particular de estudo?
Qual a finalidade desses exercícios para os meus objetivos, a curto e longo prazo? Os exercícios e
Estudos podem trazer benefícios, mas precisam ter foco direcionado e ser empregados somente se
forem contribuir para solucionar dificuldades técnico-musicais de um determinado repertório.
Na pesquisa de Sloboda et al. (1996, p.303), os alunos que tinham o maior nível de
habilidade eram os que utilizavam uma prática formal de estudo e costumavam realizar o estudo
técnico, como escalas e arpejos, pelo período da manhã. Esse horário foi escolhido pelo fato do
estudo técnico-mecânico ser árduo e exigir concentração (por ser uma prática que pode tornar-se
facilmente enfadonha). Assim, eles iniciavam o estudo com algo menos gratificante, deixando
para o resto do dia "a melhor parte" do estudo. Jorgensen (WILLIAMON, 2004, p.88) afirma que
a sua pesquisa indicou que os músicos normalmente iniciam a sessão de estudo com exercícios
técnicos, para depois fazer o trabalho no repertório.
Embora, as pesquisas possam comprovar um procedimento tão comumente difundido,
ressalto a necessidade de verificar a eficácia dessa prática, pois que discordo de algumas
abordagens puramente mecânicas no ato da prática instrumental. Haveria real necessidade de
sempre iniciar o estudo com exercícios técnico-motores? Qual seria o resultado da execução,
caso um grupo de sujeitos (que faz exercícios cnicos, como escalas e arpejos no início da seção
de estudo) fosse comparado com outro grupo que escolhe os exercícios técnicos de acordo com
os desafios do repertório proposto e os estuda paralelamente ao trabalho do repertório? Há
diferença entre sujeitos que escolhem os exercícios de acordo com a complexidade do repertório
para aqueles que utilizam os exercícios cnicos convencionais, independentemente do
repertório? Pianistas de nível internacional ainda utilizam esta prática de estudo ou isto ocorreu
apenas durante a sua formação profissional?
Segundo Perry (WILLIAMON, 2004, p.47-52), os dados do BAPAM
25
indicaram que a
grande maioria dos músicos que sofriam problemas físicos em conseqüência da prática eram
pianistas. As dores eram geralmente causadas por tensão no pulso, postura curvada, pressão
exagerada nas teclas e excesso de prática de estudo sem aquecimento ou intervalos, além de
diferenças anatômicas individuais. O autor salienta que o tipo de exigência técnica pode causar
25
British Association for Performing Arts Medicine.
172
problemas físicos, como visto no estudo de Sakai (1992)
26
. Em Sakai, uma das causas de dores
foi o estudo intensivo de oitavas e acordes. Nesse sentido, o pianista deve monitorar e
possivelmente limitar a quantidade de tempo gasto no exercício repetitivo sobre as dificuldades
técnicas. Os resultados de pesquisas sobre a relação entre aparato técnico do pianista X
aproveitamento e problemas físicos, mostram as seguintes conclusões (WILLIAMON, 2004,
p.52):
A articulação excessiva dos dedos é prejudicial à técnica pianística;
O pianista deve utilizar a força dos ombros e não das mãos para produzir
intensidade sonora;
A posição muito curva dos dedos produz um desvio ulnar e isso é um potente
causador de lesões;
Importância de se ter pulso flexível, sem tensão demasiada, além de postura
corporal ereta e confortável, ombros relaxados, braços afastados do tronco e
posição natural da mão, além da altura correta do banco em relação ao
instrumento.
Perry salienta que enquanto não houver estudo de longo prazo sobre qual a melhor
posição da mão para se tocar piano (posição da mão aberta, fechada ou mista), o pianista terá que
escolher a posição mais adequada de acordo com as abordagens que mais obedeçam às leis da
ergonomia humana (WILLIAMON, 2004, p.52). Perry ainda aconselha outras atitudes que o
músico deve ter para prevenir lesões, tais como (p.55-56):
Realizar aquecimento antes e após o estudo isto não significa tocar escalas e
exercícios técnicos, mas fazer uma série de exercícios de alongamento dos
braços, pernas, pescoço, rotação do tronco, ombros e pulsos, além de respiração
profunda;
Ter uma postura corporal correta durante o estudo;
Fazer intervalos a cada 20-30 minutos, levantando do piano, alongando os braços
e respirando profundamente;
26
SAKAI. Hand pain related to keyboard techniques in pianists. Medical Problems of Performing Artists, 7, p.63-65,
1992.
173
Praticar técnica de relaxamento antes da execução, a fim de obter controle da
mente sobre o corpo durante a performance;
Manter alimentação saudável;
Ter tempo de lazer e de atividade esportiva e cultural.
2.18 EXERCÍCIOS DE ALONGAMENTO, RELAXAMENTO E DE FINALIZAÇÃO DO
ESTUDO
Segundo Parry (WILLIAMON, 2004, p.50), o atleta faz aquecimento antes de iniciar a
prática do esporte e uma série de exercícios após o treinamento. Do mesmo modo o músico
deveria adotar uma rotina semelhante durante o estudo do instrumento. Zaza e Farewell no artigo
Musicians´ playing-related musculoskeletal disorders: An examination of risk factors (1997)
mostraram que os exercícios de aquecimento e intervalos durante a prática podem proteger o
músico dos distúrbios músculo-esquelético relacionados à prática do instrumento. Parry salienta
que as lesões músculo-esqueléticas, que costumam acometer pianistas que estudam
inadequadamente por um prolongado período de tempo, podem ser reduzidas caso o intérprete
faça aquecimento antes e após o estudo. Isso não significa tocar escalas e exercícios técnicos, mas
realizar uma série de exercícios de alongamento dos braços, pernas, pescoço, rotação do tronco,
ombros e pulsos, além de respiração profunda. Salienta-se que após 20 ou 30 minutos, o pianista
faça um intervalo, levantando-se do piano, alongando os braços e respirando profundamente
(WILLIAMON, 2004, p.55-56).
Parry ressalta a importância de se estar fisicamente bem condicionado. A intensidade do
estudo depende do nível de preparo cárdio-respiratório do músico. Geralmente, quanto mais
condicionado fisicamente for o intérprete (vigor físico, músculos posturais fortes, stamina
27
,
flexibilidade, boa condição cárdio-vascular, dentre outras), melhor se sua capacidade de
praticar o instrumento sem causar dano à sua saúde. Disto se conclui a necessidade do músico
fazer atividades físicas regulares, as quais vão refletir em sua prática musical (WILLIAMON,
2004, p.50).
27
Segundo Parry é importante desenvolver a força e o vigor (stamina), a qual é a habilidade de manter determinada
repetição e esforço sobre o sistema músculo-esqueletico durante um período. Isto é alcançado através de um
programa de alta repetição, mas com exercícios de baixa intensidade (WILLIAMON, 2004, p.50).
174
Segundo Jorgensen (WILLIAMON, 2004, p.88) o músico deve procurar o equilíbrio entre
as atividades com e sem execução durante a prática. Quando se gasta tempo com trabalho mental
e reflexão sobre a obra, o músico estará prevenindo sobrecarga muscular de trabalho.
2.18.1 Quanto aos exercícios de relaxamento
Williamon (2004) postula que exercícios de relaxamento devem ser praticados
diariamente pelo músico como meio para aumentar a sua consciência corporal e a assimilação da
aprendizagem. Um estado de relaxamento é caracterizado pela ausência de atividade e tensão
além da necessidade. O relaxamento pode ser utilizado de duas maneiras na execução musical:
para controlar os níveis de excitação (overarousal) que interferem antes, durante e após a
execução musical e para controlar o nível de stress ocupacional e da vida diária sobre o esforço
físico e mental requeridos. O autor relata que alguns trabalhos sugerem que uma determinada
habilidade é, melhor, assimilada e aprendida quando se está em um estado de relaxamento, sendo
que maior assimilação do conhecimento quando este é intercalado por períodos de
aprendizagem e relaxamento. Assim, o relaxamento ajuda a mente a ter maior consciência
corporal podendo, por exemplo, reduzir a tensão muscular que interfere na coordenação motora.
As técnicas de relaxamento devem objetivar manter o corpo relaxado, mas manter a mente
sempre alerta, sendo que esses exercícios devem ser implementados antes da execução e
praticados e testados durante os períodos de estudo. Segundo os autores, o melhor horário para
utilizá-los é durante o período de aquecimento (para consciência corporal e preparação para o
estudo), em intervalos durante o estudo (para reduzir tensão e recobrar a concentração), na
finalização do estudo (para reduzir a tensão e estabelecer novamente o equilíbrio) e antes de
qualquer exercício ou estudo mental (WILLIAMON, 2004, p.222).
2.19 ESTUDO ATRAVÉS DE GRAVAÇÕES DE OUTROS PIANISTAS
A pianista canadense Janina Fialkowska costumava ouvir as gravações da nova peça que
iria tocar, mesmo que a conhecesse profundamente. Assim, selecionava gravações dos seus
pianistas prediletos e os ouvia a fim de identificar as nuances e os aspectos interpretativos. "Eu
estou sempre curiosa para ouvir como as pessoas que eu admiro tocam a mesma peça, assim
comparo-as com o que eu tenho feito e roubo suas melhores idéias" (CHAFFIN et al. 2002, p.46).
Este fato me remete a um episódio que aconteceu no Festival de Campos do Jordão. Após um
175
aluno tocar o primeiro movimento do Concerto n.1 de Tchaikovsky, o professor disse que poderia
afirmar que o aluno ouvira a gravação de Richter do referido Concerto devido às inúmeras
referências interpretativas ao renomado músico em sua execução. O aluno, surpreso, disse que
essa gravação era a sua favorita, mas que não tivera a menor intenção em copiá-la. Lembro-me,
ainda, da minha professora da graduação que, ao ter aberto a porta de uma sala de concertos,
encontrou uma pianista ensaiando alguns dos Prelúdios de Chopin, ao mesmo tempo em que
ouvia uma gravação, por outro pianista, dessa mesma obra.
Pessoalmente, considero essa estratégia de estudo das mais polêmicas, por discordar da
utilização de gravações como parâmetro interpretativo para as obras em estudo. Questiono como
o músico pode desenvolver sua "personalidade" artística e sua individualidade interpretativa, se o
mesmo não procura desenvolver suas próprias idéias musicais. Essa estratégia pode ser útil desde
que seja utilizada antes do início da leitura da peça, objetivando apenas um olhar panorâmico
sobre a obra musical, principalmente para o caso de ser desconhecida. Mesmo assim, seria
aconselhável a obtenção do maior número possível de gravações, para se ter diversas abordagens
interpretativas da mesma obra. Após o início do estudo da peça, entretanto, o aluno não deveria
escutar essas gravações, a menos que tal fato ocorresse na última etapa do aprendizado, ou seja,
na fase de "polimento". Assim, o aluno teria elaborado suas próprias idéias musicais durante o
processo de aprendizagem, sem interferência em suas escolhas interpretativas. Nessa etapa final,
as gravações lhe serviriam de comparação e não mais de modelo.
Essa estratégia de estudo, muito difundida, é carente de pesquisas que comprovem, ou
não, a sua eficácia, tendo potencial para a realização de investigações que verifiquem a influência
das gravações sobre a interpretação. Várias hipóteses poderiam ser investigadas, a saber: Chaffin
menciona que a descoberta de um padrão interpretativo diferenciado é extremamente
recompensador para o músico, ou seja, encontrar algo que nem intérpretes, nem o próprio
compositor imaginaram - “é como encontrar um tesouro para si próprio” (CHAFFIN et al. 2002,
p.168). Este argumento justifica o estudo sem basear-se em gravações, ou, no máximo, estimula-
se que as gravações sejam ouvidas para que se tenha certeza de que o músico não irá copiar
determinada interpretação.
Jorgensen relata que instrumentistas com maior desempenho e experiência possuem um
modelo final de interpretação ou uma imagem mental da música construída por ele mesmo. Por
outro lado, intérpretes menos experientes precisam de outros referenciais para utilizar como
176
parâmetro, a exemplo das gravações de outros músicos. Segundo pesquisas nesta área, mesmo
músicos experientes podem ser beneficiados ao estudar outras interpretações e tê-las como
modelo quando a música em questão for complexa ou não familiar ao intérprete (WILLIAMON,
2004, p.96).
Johnston (2002) salienta a importância de se utilizar gravações de outros intérpretes para
que o aluno possa ter familiaridade com a peça que está estudando e, assim, assimilar mais
rapidamente seu conteúdo (p.139). O autor ressalva que o objetivo desta estratégia é utilizar a
gravação para implementar e acelerar o processo de aprendizagem e não para substituir a
partitura ou as idéias interpretativas do aluno (p.139). Essa estratégia é propícia para ajudar o
aluno a corrigir-se; a prover familiaridade com as dificuldades da escrita musical e o seu
resultado sonoro; a internalizar a escrita rítmica com a sua execução, a exemplo dos ritmos
sincopados; e servir de inspiração e encorajamento para conscientizar como deve ser a execução
final de uma obra (p.140). Todos estes objetivos podem auxiliar o estudo.
Acredito, porém, que a forma como o autor sugere a utilização dessa estratégia poderá
tolher o desenvolvimento da concepção musical. Johnston aconselha que o aluno ouça
regularmente e intensivamente a gravação da peça que está começando a estudar, seja no carro,
enquanto faz as tarefas escolares, durante o jantar, enquanto faz uma leitura, etc. (p.141).
Acrescenta ainda que, para peças em andamento lento, o aluno deverá executar juntamente com a
gravação (p.141). Creio que, por melhor que a referencia possa ser, o modo de utilização dessa
estratégia certamente influenciará a maneira como o aluno interpreta a peça, tornando-a apenas
uma imitação do que ele está ouvindo. Um agravante é que esses conselhos (da página 141 de
JOHNSTON, 2002) foram direcionados a crianças em fase de formação, ao invés de a músicos
profissionais, os quais já possuem uma concepção interpretativa consolidada e que podem filtrar
a informação auditiva que estão recebendo das gravações. Salienta-se que, ao se ouvir
exaustivamente a gravação de uma peça, o aluno poderá, além de ser influenciado pela
interpretação, ser levado à “exaustão auditiva”, a qual poderá surtir efeito contrário à motivação
do estudo da obra.
Daniel (2001) menciona a freqüência com que os alunos tendem a construir suas
habilidades interpretativas a partir de gravações de renomados pianistas, em lugar de ter a
responsabilidade de investigar, formular e refletir sobre sua própria interpretação. Assim
assumem um papel passivo na construção da sua própria execução. Nesse sentido, Daniel cita
177
alguns autores que enfatizaram a importância dos professores em encorajar os alunos a tomar o
controle do seu desenvolvimento musical, assumindo lugar ativo no processo de avaliação da sua
execução (p.218).
2.20 ESTUDO ATRAVÉS DO REGISTRO EM VÍDEO/ÁUDIO DA PRÓPRIA PRÁTICA
INSTRUMENTAL E DA EXECUÇÃO
Um questionário feito por Lindström et al. (2003)
28
mostrou que 50% dos alunos
entrevistados raramente, ou nunca, ouviam suas próprias gravações. Segundo Juslin, isto é um
dado lastimoso, visto que o registro da própria gravação poderá informar com precisão se as
intenções expressivas estão ou não sendo realizadas pelo executante (WILLIAMON, 2004,
p.249). Por outro lado, músicos profissionais costumam fazer este tipo de avaliação para alcançar
um elevado nível artístico, a exemplo de Murray Perahia:
[Ouvir a sua própria gravação] pode ser muito instrutivo. Quando eu me ouço, eu penso
“será que precisaria tocar assim tão rápido?ou “por que eu não toquei esta seção com
maior poesia e emoção?” Isto nunca deixou de me espantar (DUBAL apud
WILLIAMON, 2004, p.249).
Jorgensen ressalta que o músico deve estudar e ensaiar o comportamento de palco, ou
seja, entender como os movimentos do corpo influenciam na percepção do ouvinte durante uma
apresentação pública. Desse modo, sugere que o músico veja se os seus movimentos corporais
estão de acordo com as intenções da mensagem musical (WILLIAMON, 2004, p.95). Parry relata
que ao mostrar aos músicos o registro em vídeo de sua execução, muitos ficam surpresos com a
postura inadequada ao tocar o instrumento (WILLIAMON, 2004, p.48). Concluiu-se que a auto-
avaliação, a partir do registro em vídeo de sua execução, ajuda a descobrir os meios de otimizar a
preparação para a apresentação em público (DANIEL apud WILLIAMON, 2004, p.95). Ao ver-
se em vídeo, além da auto-avaliação, o aluno poderá obter uma maior independência, visto que
ele geralmente precisa dos comentários do professor para avaliar seu desenvolvimento musical
(p.96).
A pesquisa empírica de Davidson (1993) investigou, a partir de gravações em vídeo, a
percepção visual do ouvinte sobre os movimentos corporais do músico ao executar a mesma peça
28
LINDSTRÖM et al. Expressivity comes from within your soul: a questionnaire study of music students´
perspectives on expressivity. Research Studies in Music Education, 20, p.23-47, 2003.
178
em três maneiras diferentes (sem expressão, com expressão exagerada e projetada). Essas
gravações foram apresentadas aos ouvintes por três modos: apenas a visão da execução (sem o
som), apenas o som (sem ver o vídeo) e com os dois parâmetros juntos (som e visão da
performance). Os resultados sugerem que a visão do ouvinte, das maneiras com que o músico se
expressa, é mais atuante do que se pensava, informando e comunicando as intenções musicais,
tanto quanto o som. Um dos resultados mostrou que, em alguns casos, foi somente a visão da
execução que distinguiu os três tipos de interpretação. Assim, uma das implicações dessa
pesquisa aponta para uma utilização sistemática do registro em vídeo da prática instrumental,
para que o músico tenha um feedback sobre o que ele está querendo transmitir ao público através
de sua expressão corporal.
Segundo Baker-Jordan (1999)
29
, o registro em deo é superior, em termos de feedback,
ao registro em áudio pois envolve os sentidos visual e auditivo, aumentando, assim, a eficiência
do aprendizado. Todavia, isso depende da capacidade do instrumentista em analisar criticamente
quesitos como os aspectos técnico-musicais, estilísticos e corporais presentes na execução
(BAKER-JORDAN apud DANIEL, 2001, p.217). Assim, o recurso do vídeo serve para auto-
avaliação, de modo que o músico tenha um olhar externo e crítico sobre sua capacidade de
comunicar a mensagem musical.
Johnston (2002) aconselha a estratégia de estudo curiosamente chamada de Dez horas,
cabeça baixa e confiança”: não importa o que o aluno pense, simplesmente identifique o
problema, aplique as estratégias corretas e estude a peça durante um período de dez horas
espaçadas durante a semana. O autor salienta que o aluno muitas vezes confunde “nenhum
progresso no estudo com progresso lento”, visto que o processo de assimilação do conteúdo
ocorre de maneira individualizada (p.221). Desse modo, aconselha ao aluno realizar duas
gravações do trecho: uma antes e outra depois de dez horas acumuladas de estudo para avaliar os
resultados. Geralmente um aprimoramento, mas o mais importante é fazer com que o aluno
compreenda que o seu desempenho poderá melhorar. Algumas vezes, isso leva algum tempo para
surtir resultados, mas, em regra, ocorrerá, caso o aluno persista (p. 222-223).
Para Daniel (2001) a utilização do vídeo como possibilidade de auto-avaliação é uma
estratégia eficiente, mas que parece sofrer algumas objeções por parte de quem mais a deveria
29
BAKER-JORDAN. What are the pedagogycal and practical advantage of “three or more” teaching? Pedagogy
Saturday III, p.22-3. Cincinnati: Music Teachers National Association, 1999.
179
utilizar: os próprios alunos. Segundo Daniel, dos 35 instrumentistas que participaram do estudo
com questionário, quase a metade relatou ter dificuldade em ver e ouvir a sua própria execução
em vídeo. Assim, o autor lança a hipótese de que os alunos que não analisam e avaliam sua
execução em vídeo podem, de fato, perder a oportunidade de identificar os problemas que são
encontrados em apresentações ao vivo.
2.21 ESTRATÉGIA PARA MATURAÇÃO DA OBRA MUSICAL
O pianista Leon Fleisher conduz as etapas de aprendizagem de uma nova peça musical de
modo semelhante ao empregado por Gabriela Imreh no estudo de caso de Chaffin et al. (2002).
Fleisher aprende uma peça até o seu limite por um determinado período para, em seguida,
abandoná-la por alguns meses ou anos. Após esse tempo, a peça é estudada novamente, mas
nessa nova etapa, a peça estará madura, pois o músico irá "ouvi-la com novos ouvidos" e "vê-la
com diferentes olhos". Após reaprendê-la, ele a abandona pela segunda vez e somente quando for
estudá-la pela terceira vez é que, diz ele: "(...) você, realmente, tem a chance de apresentar algo
em público que se tornou, geneticamente, parte de você" (NOYLE apud CHAFFIN et al. 2002,
p.47). O pianista Misha Dichter prefere abandonar as peças por um período de três meses após a
primeira etapa de estudo para, então, tornar a estudá-las. Sua justificativa é que as peças retornam
mais maduras (CHAFFIN et al. 2002, p.53). Para Imreh, deve-se evitar, no início da
aprendizagem, um longo período sem estudar a peça. Todavia, é preciso abandoná-la depois de
aprendida e estudá-la novamente após certo tempo como se nunca a tivesse aprendido: “toda vez
que se reaprende uma peça a memória se solidifica enormemente” (p.106). A pianista Janina
Fialkowska relata o mesmo procedimento:
Ao preparar uma peça-solo, eu me concedo um ano de preparação (...) inicio o estudo em
junho e, geralmente, estréio a peça para um pequeno público. Em setembro ou outubro
do mesmo ano (...) a peça alcançará seu nível máximo, geralmente (...) em março (...) eu
abandono a peça em abril ou maio e se voltar a estudar. No próximo ano ela estará
provavelmente muito melhor. Estará sólida (NOYLE apud CHAFFIN et al. 2002, p.61).
Nota-se que os pianistas acima não utilizam essa estratégia por causa dos problemas
técnicos, mas para que a peça possa amadurecer e ter um maior tempo para a sua assimilação e
reflexão interpretativa. Nesse sentido considero essa estratégia pertinente e instigante para a
pesquisa sobre o planejamento da execução, pois que os resultados prometidos têm uma sólida
180
argumentação baseada na experiência prática de pianistas profissionais. Seria relevante realizar
um estudo longitudinal com essa estratégia, embora existam alguns fatores que dificultem a
realização desse tipo de pesquisa: o longo prazo investigativo e a coleta de dados espaçada,
diminuindo as chances de encontrar sujeitos disponíveis para serem observados durante o longo
processo de pesquisa.
Johnston (2002) aconselha o abandono da peça musical por algumas semanas quando não
se está conseguindo evoluir na aprendizagem (mesmo que o músico tenha empregando várias
estratégias apropriadas), pois geralmente a execução retorna melhor que anteriormente. O autor
aponta algumas razões para esta resolução: (a) talvez o subconsciente trabalhe durante o período
de descanso sobre o problema e tenha tempo para assimilar tudo o que foi feito; (b)
provavelmente a quebra da rotina da prática possa fazer com que a próxima abordagem da seção
musical seja mais efetiva; e (c) talvez a seção volte a ser novamente desafiante e motivadora, ao
invés de vestir-se em forma de “inimigo” (p.220). Johnston aconselha que, ao reiniciar o estudo,
o aluno não utilize a mesma partitura (cheia de rabiscos, sugestões, advertências, etc.), mas
obtenha uma nova edição para que sinta a sensação de um genuíno recomeço (p.220).
2.22 ESTRATÉGIAS DE PREPARAÇÃO E SIMULAÇÃO DE UMA APRESENTAÇÃO
FORMAL
O ensaio mental de uma execução pública é uma das estratégias sugeridas pelo pianista
Vladimir Ashkenazy para lidar com a ansiedade anterior a uma apresentação pública, afirmando
que a imaginação de uma apresentação faz parte da sua preparação (PORTUGHEIS apud
CHAFFIN et al. 2002, p.58).
Para que haja uma execução de memória segura, Chaffin ressalta a importância de
selecionar um número reduzido de elementos musicais (a partir dos mais relevantes elementos
técnicos, interpretativos e analíticos) para pensar durante a execução e praticar constantemente no
período de preparação da peça. Esses elementos irão orientar o pianista durante a execução e,
assim, ajudar em sua concentração. Uma das estratégias é utilizar os elementos expressivos que
representam os objetivos afetivos que o pianista quer expressar, ou seja, as emoções a serem
transmitidas ao público (alegria, dor, excitamento, drama, etc.) e como estas serão articuladas
dentro das várias seções da peça musical:
181
Estas sugestões expressivas dão à obra seu total delineamento musical, especificando o
fluxo dos sentimentos, que o as contribuições mais pessoais e subjetivas do intérprete
em uma execução. Elas são baseadas nos feitos básicos e interpretativos da música
juntamente com o conhecimento do músico sobre obras relacionadas e a história, gosto e
tradição musical da época do compositor (CHAFFIN et al. 2002, p.170).
Chaffin enfatiza que pensar nos objetivos expressivos, enquanto se toca, ajuda a
estabelecer as ligações entre as intenções interpretativas e as respostas motoras:
Ao invés de pensar na dificuldade técnica durante a execução, seria melhor envolver
esse problema com o efeito interpretativo produzido [ex: um determinado fraseado ou
uma ênfase]. Os efeitos interpretativos podem, em contrapartida, ser incluídos sobre os
objetivos expressivos que estes servem. Por exemplo, o fraseado pode prover um
momento poderoso e excitante. Ao pensar no excitamento ao invés do fraseado durante a
execução, poderá proporcionar uma execução mais convincente (CHAFFIN et al. 2002,
p.171).
Em resumo, Chaffin afirma que as sugestões expressivas durante a execução representam
o mais elevado nível de organização, pois incorporam os elementos das dimensões básicas e
interpretativas da execução musical. A maioria dos elementos dessas últimas dimensões torna-se
automática com a prática de estudo e, portanto, suscetíveis à falta de atenção durante a
performance. Isto não ocorre com as intenções expressivas, pois essas requerem concentração
para executar com convicção os sentimentos que convêm mostrar ao público (CHAFFIN et al.
2002, p.171). O impacto estético de uma execução sobre o público é resultante do que o
intérprete pensará durante essa execução (p.250). Imreh postula que somente a emoção deve ser
o centro do trabalho de memorização durante uma apresentação pública. Para que isto ocorra, o
intérprete deve praticar, durante o estudo do piano, com o pensamento focalizado nas emoções a
serem transmitidas, tomando como base a sua vinculação com a estrutura da música (p.223).
Segundo Chaffin, quando se pensa exclusivamente nos objetivos expressivos
30
da peça, o
pianista terá alcançado o alvo performático da obra musical. Entretanto, para focalizar a atenção
nesses objetivos, faz-se necessário que o músico tenha estudado a peça pensando nesses alvos
para que sejam automatizados e estejam presentes durante a execução. Caso o pianista não estude
dessa maneira, existe a possibilidade de que as distrações, provenientes do auditório, das
30
Referentes às decisões sobre os sentimentos implícitos na obra, seu caráter e a mensagem musical que o
instrumentista quer transmitir, tais como fúria, paixão, dor, resignação, alegria, etc.
182
diferenças do instrumento, de antecipações dos problemas técnicos e dificuldades da peça, além
do alto nível de adrenalina, interfiram no resultado musical. Assim, aconselha que até a
espontaneidade seja preparada durante a prática de estudo.
A ansiedade tende a ser menor quando o músico está bem preparado ou pensa que não
tem dificuldades no que irá executar. Por outro lado, o nível de ansiedade será alto, podendo até
prejudicar a execução se o músico não se preparou suficientemente ou reputa ser o repertório
muito complexo, auto avaliando-se negativamente sobre sua capacidade em executá-lo. Outros
fatores também podem colaborar para o estresse situacional”, a exemplo do número de pessoas
no auditório, local de apresentação, se a execução será de memória ou não, estréia de um
repertório novo, dentre outras coisas (WILLIAMON, 2004, p.11). Contudo, o grau de preparação
para uma execução parece ser o fator mais influente no nível de ansiedade. Assim, creio que,
quanto mais eficiente for o estudo, com a aplicação de estratégias variadas que envolvam os
elementos que possam interferir em uma apresentação formal, menores serão os níveis de
ansiedade do músico.
Williamon (2004, p.11-12) cita algumas pesquisas e estudos com entrevistas, como os
trabalhos de Steptoe (1989)
31
e Wolfe (1989)
32
, que investigaram estratégias utilizadas para
reduzir a ansiedade na execução musical. Algumas, inclusive, são adotadas momentos antes da
entrada no palco como, por exemplo: técnicas de respiração profunda e de relaxamento,
pensamento focalizado e uso de sedativos, dentre outras.
Outra questão que deve ser considerada na preparação para uma apresentação formal é a
acústica do local. Sabe-se que a acústica muda de um auditório para outro, influenciada pelo
tamanho, quantidade de público, tipo de instrumento e características acústicas intrínsecas à
edificação. Por isso, é aconselhável ao pianista que se prepare, previamente, para um possível
ajustamento da sua execução ao local da apresentação. Nesse sentido, vários elementos podem
ser alterados, que vão desde o andamento das peças (para locais com grande reverberação, a
pedalização habitual e uma velocidade excessiva poderão fazer com que a execução não seja
clara), até o nível de dinâmica (para locais muito grandes ou com muita interferência de ruídos,
uma dinâmica com pianississimos poderá prejudicar o entendimento). Para que seja obtida
flexibilidade pelo pianista para lidar com essas situações, é necessário haver variedade de
31
STEPTOE. Stress, coping and stage fright in Professional musicians. Psychology of Music, 17, p.3-11, 1989.
32
WOLFE. Correlates of adaptive and maladaptive musical performance anxiety. Medical Problems of Performing
Artists, 4, p.49-56, p.1989.
183
estratégias durante a preparação do repertório, o que aumentará sua segurança e controle de
palco.
Segundo Behrens e Green (1993)
33
, o timbre de um instrumento musical específico pode
afetar a eficácia no processo de comunicação da execução musical (WILLIAMON, 2004, p.255).
Embora este estudo não tenha sido feito com pianistas, sabe-se que essa afirmativa pode
plausivelmente aplicar-se ao piano. À exceção de raríssimos concertistas que levavam seu próprio
instrumento para os recitais, como Vladimir Horowitz, os demais pianistas têm que se adaptar a
instrumentos que, muitas vezes, não oferecem condições para o músico demonstrar seu máximo
potencial. Por esse motivo, quanto mais o intérprete puder estudar em diferentes instrumentos
durante o período de aprendizagem, menor será o tempo que levará para adaptar-se ao
instrumento e melhor será essa aproximação. Não encontrei registro de pesquisa sobre essa
temática, em que alunos com a mesma formação acadêmica e que estejam utilizando as mesmas
estratégias de estudo, sejam comparados através de dois grupos, onde a distinção seria o grupo de
controle utilizando o mesmo instrumento, enquanto o grupo experimental, vários instrumentos
diferentes durante o processo de aprendizagem de uma obra musical.
Jorgensen salienta que, ao se preparar para uma execução, o músico deve considerar os
tipos de público e de apresentação (concurso; recital; concerto com orquestra; música de câmara;
provas e processos de seleção), ou seja, imaginar como o público irá perceber e reagir ao som que
o músico estará criando. Para isto o autor traz as seguintes sugestões (WILLIAMON, 2004,
p.95):
Trabalhar deliberadamente sobre a comunicação das idéias musicais nos estágios
finais de aprendizagem. Saliento que quanto mais cedo tal trabalho for
introduzido na prática de estudo, maior será a naturalidade e a convicção das
idéias que o intérprete passará aos ouvintes: os aspectos de interpretação e as
intenções expressivas devem ser analisados e trabalhados nos estágios iniciais de
aprendizagem;
Estudar e ensaiar o comportamento de palco, ou seja, entender como os
movimentos do corpo influenciam na percepção do ouvinte durante uma
apresentação pública. Assim, Jorgensen sugere que o músico veja se os seus
33
BEHRENS; GREEN. The ability to identify emotional content of solo improvisations performed vocally and on
three different instruments. Psychology of Music, 21, p.20-33, 1993.
184
movimentos corporais estão de acordo com as intenções da mensagem musical.
Conseqüentemente, a auto-avaliação a partir do registro em vídeo de sua
execução irá ajudá-lo a descobrir os meios de otimizar a preparação para a
perfomance em público.
Ginsborg (WILLIAMON, 2004, p.137) sugere duas estratégias de estudo a serem
utilizadas nas etapas finais de preparação para uma execução pública de memória:
1) State-dependence. É a estratégia que ajuda ao músico a aprender como controlar a
mente no sentido de trazer para a execução, durante a prática, as mesmas sensações que
o intérprete vivencia durante a execução pública;
2) Context-dependent learning. É a estratégia de se estudar no local da apresentação.
Sugiro que o músico se vista, inclusive, com as mesmas roupas e sapatos que serão
usados no dia do evento. Assim, ele poderá antever, ao máximo, a sensação que deverá
experimentar durante a apresentação.
Segundo Partington (1995), embora as diferenças individuais possam influenciar na
execução, alguns outros fatores contribuem para seu resultado final, como o compromisso de
longo prazo que o músico faz consigo mesmo de manter alta qualidade de preparação técnica,
física e artística; além de desenvolver uma rotina de estudo individualizada e flexível, que inclua
atividade física, nutrição, repouso, aquecimento e uso de estratégias para o aperfeiçoamento
técnico, mental, emocional e musical (WILLIAMON, 2004, p.232).
Johnston (2002, p.65) sugere que o aluno toque a peça a cada final da prática, sem
conceder a si próprio qualquer chance de repetição caso não tenha ficado satisfeito com o
resultado. Saliento que isso também pode ser feito com pequenas unidades da peça, acaso o
repertório escolhido não esteja completamente pronto. Esta simulação de recital pode ser feita
antes do início do período de estudo, e, até mesmo, antes do aquecimento e do trabalho técnico-
musical, como acontece em uma apresentação formal. Esse procedimento poderá ajudar a
identificar as falhas a serem corrigidas durante o estudo.
Segundo Johnston (2002), uma das estratégias a serem adotadas durante as últimas etapas
de aprendizagem é a simulação da execução pública, na qual o aluno executaria a peça para
familiares, amigos, ou numa aula em grupo. Essa simulação auxiliaria o aluno a auto-analisar sua
execução e a tomar as providências necessárias para corrigir possíveis falhas. Para o caso de um
185
resultado melhor do que o esperado após a simulação, o aluno deverá identificar o que ocasionou
os feitos positivos e o que fez de diferente durante a execução para alcançar resultados
qualitativos (p.238-239). Se, contudo, algo sair errado, o aluno, além de saber os motivos, deverá
focar-se principalmente em como ele conseguiu contornar o problema sem arruinar a sua
execução (p.240).
Existe a possibilidade da ocorrência de falhas que somente surgem por ocasião de uma
execução pública, por conta de variáveis como a ansiedade e o nervosismo. Igualmente, a
simulação ajudará o aluno a identificar e prevenir estes percalços que poderão surgir no futuro (p.
241). Essa simulação deve ser feita freqüentemente, mas não mais que uma vez por dia, e pode
iniciar-se assim que o aluno conseguir executar a peça inteira. Muitos professores recomendam
que não haja simulação nos dois dias anteriores ao recital, para que o aluno não descubra algum
problema que exija um tempo maior de estudo para resolvê-lo (p.242).
Johnston (2002) sugere que o aluno estabeleça um “plano B”, ou seja, treinar “rotas de
fuga”, para que, se alguma falha ocorrer no curso da apresentação, ele consiga desvencilhar-se
imediatamente da situação. Para isso, seria necessário identificar e numerar na partitura os locais
estruturais para onde ir quando ocorresse um lapso de memória, ao invés de retornar ao início da
peça musical ou parar de tocar. O estudante precisa treinar a mudança de um trecho para outro
imediatamente, sem pausas, para que esta estratégia possa ser eficaz. O deslocamento de um
trecho para outro deve ser o mais natural possível, tentando camuflar ao máximo a falha cometida
(p.243-245).
O autor aconselha que nos dias que antecedem a apresentação o aluno inclua o estudo em
andamento lento, focalizando e exagerando um determinado elemento técnico-musical: dinâmica,
legato, articulação, etc. Isso lhe ajudará a se concentrar em seus atributos com a intenção de
salientá-los durante a execução, desfocando, assim, a sua atenção das partes problemáticas e da
ansiedade pré-recital (JOHNSTON, 2002, p.248).
Outro elemento a ser ensaiado é a simulação do início da peça, pois o começo será a
primeira impressão que o público terá do pianista, antevendo como irá transcorrer o restante do
recital. Para isso, o aluno deverá fazer uma lista do que pretende evidenciar no início da peça,
como, por exemplo, um andamento que possa ser compatível com uma seção difícil mais à frente,
a postura correta, um gesto convincente, uma determinada atmosfera expressiva, dentre outras
coisas. Ao identificar esses elementos, o aluno poderá simular sua entrada no dia da apresentação
186
e iniciar a peça como se estivesse em situação real, enfatizando cada aspecto anotado. Isso poderá
ser ensaiado inúmeras vezes até que o aluno se sinta confortável e confiante em relação ao início
da peça, reduzindo, assim, seu nível de ansiedade (JOHNSTON, 2002, p.248-250).
Segundo Johnston (2002), existem algumas estratégias para controlar o pensamento
durante a execução que podem ser aplicadas durante o período de preparação, podendo-se utilizá-
las mesmo na ausência do instrumento. Uma delas é criar uma lista das qualidades técnico-
musicais que o intérprete domina plenamente e que deseja salientar durante a execução, ao invés
de focalizar nos pontos negativos e problemas. Sempre há trechos que o aluno executa com
facilidade e extremo desempenho e é nesses elementos que o mesmo deverá manter seu
pensamento durante a execução. Johnston propõe “um tratamento de choque” que deve ser
realizado durante as semanas antecedentes à apresentação com o intuito de solucionar problemas
nas passagens musicais que o aluno tem dificuldades e que lhe causem medo e ansiedade quanto
à execução. Nesse período, o estudante seleciona somente os trechos em que está tendo
problemas, identificando sua causa e aplicando, de forma intensiva, estratégias apropriadas e
específicas para cada falha (p.253-255). Entretanto, isso não deve ser realizado nos dias que
antecedem à apresentação. Nesses dias, o estudo deve focalizar-se somente nos seus pontos fortes
e na ênfase aos aspectos expressivos de execução.
2.23 POSSIBILIDADES INVESTIGATIVAS A PARTIR DE ESTRATÉGIAS
DIVERSIFICADAS
As estratégias de estudo utilizadas na prática instrumental oferecem inúmeras opções
investigativas. Algumas delas são abordadas pela psicologia da sica e estão em estágio
avançado de desenvolvimento científico, como as que envolvem os processos cognitivos
utilizados na memorização. Outras, sequer foram abordadas, talvez por envolverem cunho
subjetivo e aspectos de avaliação específicos da área instrumental, tornando-se mais difícil a
delineação de um método de pesquisa que possa analisá-las sob o viés científico. Contudo, essa é
a perspectiva temática que a pesquisa sobre o planejamento da execução precisa tomar posse:
uma linha investigativa que tenha aplicação prática do conhecimento teórico produzido pela área
de Práticas Interpretativas. As estratégias de estudo direcionadas para um determinado problema
técnico-musical dependem de um músico para a análise dos resultados de execução e, assim,
187
podem servir para que o instrumentista/pesquisador tenha participação ativa no processo de
pesquisa.
Algumas estratégias carecem de maiores investigações empíricas, apesar de já serem
correntemente utilizadas por grande parte dos pianistas, como por exemplo:
Estudo com mudança de toques de articulação: altera-se propositalmente a articulação
original - onde se tem legato toca-se staccato e vice-versa; onde se tem um crescendo
faz-se um diminuendo. Costa (1999) utilizou várias estratégias que alteravam a escrita
musical, a fim de que os sujeitos estudassem uma peça de várias maneiras. Lembro-
me da dificuldade que tive ao realizar as seqüências de terças em legato na coda da
Balada nº4 de Chopin. consegui resolver o problema ao tocar essa passagem non
legato. Entenda-se que essa estratégia não sugere modificar o que deve ser executado,
ou seja, alterar a obra do compositor, mas intenciona-se o estudo da passagem de
diferentes maneiras, trabalhando também a criatividade do músico;
Estudo em dinâmica pianíssimo: essa estratégia requer do pianista absoluto controle
das mãos para que a peça seja executada com todos os matizes e articulações, mas
dentro de uma dinâmica piano. Assim, esse é um estudo do controle do toque que
objetivava desenvolver o domínio do teclado e o comando mental sobre o que se está
executando. O pianista Yuri Egorov costuma executar as obras que estuda em
dinâmica pianíssimo para ajudar na concentração (MACH apud CHAFFIN et al. 2002,
p.54). Richerme (1996, p.216) cita alguns pianistas que são partidários do estudo com
pouca força, como o pianista Michelangeli: “o que se sabe em pianíssimo, sabe-se
bem”. A pianista Guiomar Novaes, de igual modo, tocava a peça em pianíssimo e
lentamente antes de entrar no palco. Segundo Richerme:
Se grandes vantagens em estudar devagar e em pianíssimo, é importante lembrar que,
sem o devido cabedal técnico, isso pode resultar tão-somente numa sonoridade fraca e
sem brilho. É necessário saber como estudar em pianíssimo, com atenção devida aos
detalhes dos movimentos e coordenações musculares realizados, bem como depois saber
a maneira correta de aplicar maior força muscular (RICHERME, 1996, p.217). O estudo
lento e com pouca força permite melhor análise, planejamento e observação dos
movimentos da execução, bem como uma automatização desses movimentos por meio
de um processo mais consciente e detalhado, com sensações cinestésicas mais sutis
(p.216).
188
Estudo em dinâmica fortíssimo: apesar de inúmeros pianistas estudarem seções
musicais em dinâmica forte, trata-se de uma estratégia polêmica, a qual carece de
pesquisas experimentais para prover um parecer científico sobre a sua real eficácia,
pois divergências quanto à aplicação desse tipo de estudo em uma peça musical.
Estratégias que provocam discordância quanto à sua aplicação, tais como essa, são
uma fonte potencial para o futuro das pesquisas sobre o planejamento. Segundo
Richerme (1996):
Muitos pianistas e professores adotam o toque percussivo forte durante o estudo com a
finalidade exclusiva de fortalecer os dedos. Essa não é a forma ideal para se atingir esse
objetivo, por estar o toque percussivo intimamente ligado à fixação muscular [...] Além
do mais, o toque percussivo durante o estudo é um forte fator de educação auditiva
(RICHERME, 1996, p.98).
Estudo com ou sem pedal: segundo CHAFFIN et al. (2002, P.169), o pedal é uma
ferramenta imprescindível ao pianista para controlar a qualidade sonora e a duração da
ressonância do piano, alterando a “cor” das notas. Entretanto, o objetivo dessa
estratégia é a verificação do toque do pianista, principalmente quanto ao legato, pois
alguns músicos utilizam o pedal para ligar as notas que deveriam ser realizadas pelos
dedos. Assim, habituam-se a estudar sempre utilizando o pedal e muitas vezes deixam
de se esmerar em aperfeiçoar as diferentes articulações exigidas pelo compositor;
Estudo do instrumento utilizando a voz: alguns professores enfatizam que o aluno
pode estudar a peça cantando a melodia ou o nome das notas. Tem-se, com isso, a
hipótese de que ao cantar o fraseado, o músico irá internalizar o conteúdo a ser
aprendido, realizando com melhor fluência a execução. Alguns alunos o capazes de
tocar um trecho musical, mas, ao serem solicitados a cantar ou fazer a percepção
rítmica do mesmo, não conseguem ou apresentam alguma dificuldade para realizar a
tarefa. Tal fato se daria simplesmente por que esses estudantes não costumam realizar
essa estratégia ou por que realmente existem outros componentes cognitivos,
dissociados da ação motora, envolvidos nesse processo? Surge, então, mais uma
opção temática para ser realizada por pesquisadores da área da psicologia e da
189
neurociência. Nesse sentido, a próxima estratégia também se insere nessa mesma
categoria;
Monitoramento do estudo através de comentários verbais: Segundo Jorgensen, o auto
direcionamento é importante para fornecer uma mensagem construtiva sobre o próprio
músico durante seu estudo. Essa mensagem pode ser falada (verbal), cantada e
pensada durante o estudo e execução. Na investigação de Nielsen (2001), quando o
músico faz comentários sobre o seu progresso e chama a atenção para os aspectos da
música e do próprio estudo, o mesmo irá desenvolver a capacidade de concentração e
de motivação (WILLIAMON, 2004, p.97):
Existem estratégias para chamar a atenção [“está chegando àquela parte difícil, eu tenho
que tocar mais devagar”], comentários sobre a estratégia [“não, não toque o rápido”],
verbalização para controlar a estratégia [“um, dois, três, um, dois, três”], estratégias para
reforçar um pensamento [“lembre-se da melodia na mão esquerda”]. Estas estratégias de
orientação também envolvem cantar enquanto se executa (WILIAMON, 2004, p.97).
Estudo de olhos fechados: o pianista Stephen Hough aconselha a estudar com os olhos
fechados. No estudo do piano, o cérebro é treinado para usar o sentido do toque,
audição e visão (através da visão do teclado enquanto se toca e da partitura) em uma
abordagem multisensorial. Então se o sentido da visão for anulado através desta
estratégia, os outros irão desenvolver-se muito além do esperado como em um
processo de compensação (CHAFFIN et al. 2002, p.47). Esta estratégia fortaleceria a
memória, visto que o pianista solidificaria as memórias topográfica e auditiva;
Estratégias para manutenção do repertório aprendido: Segundo Williamon (2002a,
p.6), um pianista concertista em início de carreira geralmente poderá executar de dez a
quinze concertos para piano e orquestra, e cerca de seis programas de recitais
diferentes. Essa enorme capacidade de reter todo esse material na memória evidencia
o pleno domínio na área da execução instrumental, construído através de extensa
prática acumulada ao longo da formação profissional. Não obstante, existe um campo
temático a ser investigado: como esse vasto conteúdo musical é assimilado e retido na
memória? A pesquisa de Jorgensen (1998) mostrou que muitos alunos estudam
190
somente novas peças e que não empregam nenhuma estratégia de estudo sistemática
para relembrar as obras que foram executadas (WILLIAMON, 2004, p.88).
Jorgensen sugere que o músico deva incluir um trabalho deliberado sobre o repertório
assimilado a fim de mantê-lo ativo. Entretanto, verifiquei que não fora especificado
qual seria esse trabalho deliberado e nem quais seriam as estratégias de estudo para se
alcançar esse fim;
Relação entre repertório a ser estudado versus organização da prática e estratégias
de estudo: O estudo de Lehmann e Ericsson (1998) mostrou como um aluno, em
preparação para seu recital de graduação, alocava seu tempo de estudo de acordo com
o repertório escolhido (CHAFFIN et al. 2002 p.85-86). O registro do diário de estudo
mostrou que, para cada minuto do recital de graduação, o aluno tinha estudado 14.5
horas. O estudo de caso de Renwick e McPherson (2002), para averiguar como o
intrínseco interesse em um determinado repertório influenciava o comportamento da
prática instrumental de uma clarinetista iniciante, mostrou, em seus resultados,
algumas implicações sobre a relação repertório e estratégias de estudo: quando o
aluno estuda um repertório que lhe é interessante, escolhido por ele mesmo, isso faz
com que esse músico recorra a estratégias cognitivas e metacognitivas, características
de uma prática experiente, as quais são muito mais eficientes (p.185).
A partir da diversidade de atividades, de conceituações e de divergências que
compreendem o universo das estratégias de estudo, abre-se um vasto campo investigativo. Essa
temática possibilita ao pesquisador da área de Práticas Interpretativas ter participação ativa no
delineamento de pesquisas, para que os resultados tenham significância e apelo aos
instrumentistas. Isso devido ao fato de que esse pesquisador pode melhor avaliar o conteúdo, a
aplicação e os resultados das estratégias utilizadas no estudo do instrumento. Esse é um campo
temático próprio da área de Práticas Interpretativas que carece de investigação para confrontar
suas diferentes opiniões internas, esclarecendo dúvidas quanto à maneira mais rápida e eficaz de
se obter uma execução de excelência.
CAPÍTULO3
AVISÃODOINTÉRPRETECOMOSUJEITODEUMESTUDODECASO:RELATO
CRÍTICO DO ESTUDO DE CASO DURANTE O ESTÁGIO DE DOUTORADO NO
EXTERIOR
Este capítulo aborda o estudo de caso realizado durante o Estágio de Doutorado no
Exterior,sendoassimdividido:
3.1Estágiono exterior: fonteselocaisdedesenvolvimentodapesquisa;co-orientador;
métodosdetrabalhoeatividadesrealizadas;
3.2 Estudodecaso:contexto,técnicasdepesquisa,coletaeanálisededadoseresultados;
3.3 Reflexãocríticadoestudodecasosobaperspectivadosujeito.
O item 3.1 descreve o local, os pesquisadores envolvidos e as atividades realizadas
duranteoestágioparacontextualizaroambienteemqueoestudodecasofoirealizado.Oitem
3.2discorreespecificamentesobreoestudodecaso,detalhandotodososaspectospertinentes,
suapreparação,execuçãoeresultados.Oitem3.3abordaasconclusõeseosquestionamentospor
mim levantados como sujeito do estudo de caso e as implicações para futuras pesquisas em
PráticasInterpretativas.
3.1 ESTÁGIO NO EXTERIOR: FONTES E LOCAIS DE DESENVOLVIMENTO DA
PESQUISA; CO-ORIENTADOR; MÉTODOS DE TRABALHO E ATIVIDADES
REALIZADAS
O estágio de doutorado no exterior contribuiu significativamente para o
desenvolvimento da tese de doutorado por fornecer material e dados fundamentais para a
continuidadedapesquisa.OestágiofoirealizadonoDepartamentodePsicologiadaUniversidade
de Connecticut – EUA, sob a co-orientação do Dr. Roger Chaffin, professor de psicologia
cognitivaepsicologiadamúsicadoDepartamentodePsicologiadaUniversidadedeConnecticut
192
ecoordenadordoGrupodePesquisaemPsicologiadaMúsicaePerformance.Essegrupoatua
como base para discussões dos trabalhos de pós-graduação na área, além de desenvolver
pesquisasinterinstitucionaiscomacolaboraçãodepesquisadoresdeuniversidadeseuropéias.Dr.
Chaffin é atualmente considerado um dos mais respeitados e profícuos pesquisadores em
psicologiadamúsicaeéautordediversostrabalhospublicadosnosmaisrelevantesperiódicosda
área.Oseucampodeinvestigaçãoabrangeaexecuçãomusical,apráticainstrumental,amemória
musicalearepresentaçãomentaldamúsica.SeulivroPracticingPerfection:MemoryandPiano
Performance (2002) é referência para as áreas da música e da psicologia da música, sendo o
primeirotrabalhocientíficoadescreverosresultadosencontradosemumestudodecasosobreo
processodeaprendizageminstrumentalcomênfasenamemóriaenaexecuçãomusical,apartir
do detalhamento de todas as etapas de estudo de um repertório por uma pianista-concertista.
Segundo Williamon e Valentine (2002, p.11), o trabalho de Chaffin and Imreh (1997), foi o
primeiroademonstrarcomofuncionaomecanismoeosprincípiosdamemóriaproficienteem
concertistas.
O plano de estudo no exterior direcionou-se para a verificação e análise, in loco, do
delineamentodaspesquisasnaáreadaPsicologiadaMúsicaedamaneiracomoseprocessaasua
influêncianaproduçãodoconhecimento,vistoqueosresultadosencontradospoderãocontribuir
paraaampliaçãoefortalecimentodaspesquisasnaáreadePráticasInterpretativas.Asatividades
noexteriorforamimplementadasatravésdasseguintesatividades:
3.1.1 ParticipaçãonadisciplinaMusicPsychology(PSYC301).Essadisciplinafoiministrada
pelo Dr. Chaffin e direcionada a alunos de pós-graduação em Psicologia, Educação
Musical e Práticas Interpretativas da Universidade de Connecticut. Cada vez mais a
interdisciplinaridade insere-se no campo da pesquisa em música, visto que muitos dos
trabalhossobreoplanejamentodaexecuçãoinstrumentalestãoembasadosemteoriase
procedimentos metodológicos utilizados no campo da psicologia da música e cognitiva
(CHAFFIN et al. 2002). Assim, a participação nessa disciplina ajudou-me a entender
como se processam as relações interdisciplinares e a compreender como ocorre a
aproximaçãoentreessescamposdistintosdentrodalinhadepesquisadoplanejamentoda
execução instrumental. A disciplina foi realizada em forma de seminário, em que cada
participantetevedeapresentaroumediardiscussõessobretextosetópicosrelacionadosà
193
temáticadecadaaula.Outrofocodosemináriofoidiscutiroprojetodeelaboraçãodeum
capítulodelivrosobrepsicologiadamúsica,aserlançadoem2008.Olivro,chamadode
Oxford Handbook of Music Psychology, será editado por Susan Hallan, Ian Cross e
Michael Thaut, com a intenção de abranger as temáticas abordadas pela Psicologia da
Música.Dr.Chaffinfoiconvidadoparaescreverocapítulo33,PerformingfromMemory,
tratandode assuntosrelativosàexecuçãodememória.Elerelacionaráostrabalhosque
examinaramosprocessoscognitivosedememórianaáreadamúsica,desdeasuagênese
investigativa até ao seu estágio atual de pesquisa. Algumas referências bibliográficas
dessecapítuloforamestudadasduranteadisciplina,como,porexemplo,ThePsychology
ofMusic(DEUTSCH,1999);Waysoflistening:Anecologicalapproachtotheperception
ofmusicallistening(CLARKE,2005)eMusicandMemory:anintroduction(SNYDER,
2000). Embora houvesse uma reflexão sobre o conteúdo e a literatura referencial do
capítulonessadisciplina,Chaffindiscutiuaestruturaeoesboçodocapítulosomentecom
osparticipantesdoGrupodePesquisaemPsicologiadaMúsica.
3.1.2 Coletadematerialbibliográfico.Adelimitaçãobibliográficaparaapresenteteselimita-
se aos trabalhos publicados em língua inglesa a partir da década de 1980. Uma das
maiores contribuições do estágio no exterior foi coletar esse referencial bibliográfico,
vistoque,noBrasil,sófoipossívelobter65%dessaliteratura,tantoatravésdoportalde
periódicosCAPES,quantodoacervodasnossasbibliotecas.Conseqüentemente,oestágio
noexteriorfoidecisivoaodisporomaterialnecessárioparaodesenvolvimentodatese.
Foramadquiridoscinqüentaeseisartigosnosperiódicosdaárea,impressosdoacervoon-
line,alémdefotocópiasdelivrosrarosquenãosãomaispublicadosedebibliografiasque
não foram encontradas nas bibliotecas e livrarias brasileiras. O trabalho de coleta do
materialbibliográficoocorreunoacervodabibliotecadoDepartamentodeMúsicaeda
BibliotecaCentraldaUniversidadedeConnecticut, no acervoon-line, na comuta entre
bibliotecasamericanasenoempréstimodelivrosdoacervopessoaldomeuco-orientador.
Além desses, Chaffin disponibilizou seus artigos, inclusive, os que ainda não foram
publicados.Fuiincumbidodeleressesartigoseemitiropiniõessobreoconteúdo,tendo
liberdade para discutir com ele qualquer dúvida ou discordância. Essa abertura foi
oportuna por obter seu feedback a partir dos questionamentos levantados. Muitas das
194
minhasindagaçõesforamrespondidasnoestágionoexterior,discutindo-aspessoalmente
comoautordemeureferencialteórico.
3.1.3 Acompanhamento do processo edas etapas dos trabalhos em andamento realizados no
Grupo de Pesquisa em Psicologia da Música e Performance, coordenado pelo Dr.
Chaffin. Esse grupo tem ao seu dispor uma infra-estrutura completa para suporte dos
métodoseprocedimentosempíricosdostrabalhosemandamento,englobandolinhasde
pesquisas definidas e um intenso intercâmbio com outros centros internacionais de
pesquisaempsicologiaeexecuçãomusical,havendointeraçãoetrocadeconhecimento
entre os pesquisadores. A verificação in loco ajudou-me a compreender a análise dos
resultados e dimensionar as dificuldades e direcionamentos envolvidos no processo
investigativo,alémdediscutircomoseseudesenvolvimentoeasoluçãodepossíveis
problemas. Dois integrantes do Núcleo de pesquisa são alunos
1
de pós-graduação em
psicologia cognitiva, orientados pelo Dr. Chaffin, os quais desenvolvem pesquisas
relacionadas à psicologia da música, analisando os aspectos do planejamento e da
execuçãomusical.Seustrabalhosintitulam-se:
Uncovering the nature of performance cues: differential contributions to memory
retrieval.PesquisadesenvolvidapeladoutorandaKristenBegosh.Aspesquisasanteriores
deDr.Chaffinmostraramqueomúsicoseatémadiferentesaspectosdamúsicaaotocaro
instrumento de memória. O propósito é determinar qual aspecto cognitivo-musical é o
mais importante para que um músico saiba onde está e para onde vai durante uma
execuçãodememória.Essetrabalhotemestreitarelaçãocomoestudodecasoemque
participei,inserindo-senoquadrodetrabalhosquepodemtrazercontribuiçõesàáreade
Práticas Interpretativas ao abordar temas ligados ao planejamento da execução
instrumental;
Exploring double-time feel: investigating non-verbal communication between jazz
improvisers.ApesquisadesenvolvidapelodoutorandoTopherLoganpropõe-seadecifrar
comoseestabeleceeseprocessaacomunicaçãoentrejazzistasprofissionaisparaquehaja

1
Ambostêmformaçãomusicalemníveisdiferentes:TopherLogan,trombonistaprofissionaleKristenBegosh,
clarinetistaamadora.
195
uma perfeita sincronia entre as improvisações. Tem-se como parâmetro determinados
aspectosdotempo(double-meter).Emboraessapesquisanãotenhaligaçãocomaminha
tesededoutorado,oseuacompanhamentoserviuparasecompreendercomosedelineia
umestudodeobservaçãonaáreadapsicologiadasica,vistoqueesseprocedimentoé
amplamenteutilizadoemtrabalhosempíricossobreapráticainstrumental.
O grupo de pesquisa reuniu-se uma vez por semana para discutir o andamento das
pesquisaserelataroquefoirealizadoduranteasemana(dificuldadesencontradas,aplicaçãodos
procedimentos,análisedosresultadoseavaliação)comvistasaoplanejamentoedirecionamento
daspróximasetapas.Oestudodecasoem queparticipeifoidiscutidoduranteessesencontros
para estabelecer as metas a serem alcançadas, podendo expor questionamentos e dúvidas em
relaçãoàestruturaçãodapesquisa,seustesteseetapas.Entretanto,porsersujeito,muitasdessas
indagações não puderam ser respondidas até que a coleta dos meus dados fosse finalizada. A
inserção nesse Núcleo foi essencial para a compreensão de muitos aspectos do processo de
pesquisa, em virtude que não sendo da área de psicologia, faltava-me embasamento técnico e
vivênciaparadiscorrersobreodelineamentodaspesquisasnaáreadapsicologiadamúsica.
Durantemeuestágionoexterior,Dr.ChaffinfinalizavaumartigoemparceriacomaDra.
TâniaLisboa,professoradeviolonceloepesquisadoraempsicologiadamúsicadoRoyalCollege
ofMusic,emLondres,aserpublicadonosperiódicosdaárea.Osresultadosdessetrabalhoforam
discutidosnoNúcleodepesquisaapartirdainterpretaçãodosdadoscodificadosporalunosde
iniciaçãocientíficadeDr.Chaffin(gráficosetabelasprovenientesdaobservaçãodoestudodo
instrumento e da execução pública da violoncelista). O acompanhamento dessa pesquisa foi
pertinenteparaminhatesededoutorado,vistoque:
a) A temática tem estreita relação com o presente trabalho. Embora o instrumento
musical da autora seja outro (violoncelo), existe um paralelo entre o processo de
aprendizagemdosinstrumentos;
b) Aautoratambémfoisujeitodeumestudodecaso,utilizandoomesmoaparatopara
coletar as informações. Assim, acompanhei parte da análise dos dados e dos
resultadosencontrados,compreendendoosprocedimentosmetodológicosadotadosna
pesquisa;
c) A pesquisadora é co-autora juntamente com o Dr. Chaffin. Um dos meus focos é
compreendercomoserealizamaspesquisasinterinstitucionaisecomoseprocessaa
196
parceria entre áreas distintas, além de ajudar-me a refletir sobre a relação entre
pesquisadoresujeito.

Oestágiodedoutoradoproporcionou-memateriaiseinfra-estruturanecessáriosparaa
reflexãosobreosquestionamentoslevantadosnatese,auxiliando-meaexaminarocampoteórico
easuarelaçãocomoempírico.Dessemodo,discutiraconstruçãodeumreferencialsólidopara
embasar as investigações sobre a aplicação de estratégias de estudo do instrumento e a
sistematização do processo de aprendizagem de um repertório. Busquei refletir sobre as
implicaçõespedagógicasprovenientesdoprofundoconhecimentodasetapasdeplanejamentodo
estudoedoentendimentodecomoseconstróiumaexecuçãoemníveldeexpertise.
3.2ESTUDODECASO
3.2.1Contexto
Durante o segundo ano do meu doutorado na UFRGS, entrei em contato com o Dr.
Chaffinparasabersehaviainteressedapartedeleemsermeuco-orientadorduranteoestágiode
doutorado.Aidéiaderealizarumestudodecasosurgiulogoapósseuaceite,sugerindoquea
minhaexecuçãomusicalfosseinvestigadapormétodosempíricosenquantoestivessenosEUA.
Minhaparticipaçãoseriacomosujeitoeco-autordeumestudodecasodeautoriadeChaffinede
sua doutoranda em Psicologia, Kristen Begosh. Essa interação entre pesquisador (psicólogo) e
sujeito(músico),emumtrabalhocientífico,tinhasidoconsolidadanaspesquisasanterioresde
Chaffin (1997, 2002, 2005), mostrando-se uma parceria com significativas contribuições para
ambas as áreas de atuação. Nesse contexto, vivenciei os aspectos inter-relacionais ocorrentes
nessetipodepesquisa,osquaiseuhaviaestudadoapenasteoricamente.Essavisãoabriu-meuma
nova perspectiva em relação ao entendimento dos processos que permeiam esse tipo de
investigação,osquaissomenteumaimersãoprática,comosujeito,podeproporcionar.
Oestudodecasodenominou-seCuedRecallofMemoryforPerformance:ACaseStudye
teveseusprimeirosresultadosapresentadosnaInternationalConferenceoftheSocietyforMusic
PerceptionandCognition,emjulhode2007,naUniversityofConcordia,emMontreal,Canadá.
Ofocotemáticonãoserestringiuàsfasesdeaprendizadodeumaobrainstrumental,comonos
outrostrabalhosdeChaffinetal.(1997,2002),mas,sim,nosprocessoscognitivo-musicaisque
ocorrem na etapa de manutenção de um repertório pianístico assimilado. Embora tenha
197
acompanhado alguns procedimentos metodológicos envolvidos na pesquisa, como a coleta e
análisededadoseseusresultadospreliminares,obviamente,porserosujeito,nãotiveacessoao
conteúdo e ao processo de preparação dos testes experimentais de execução aos quais fui
submetido.
As pesquisas de Chaffin abordam a memória musical e têm fornecido evidências que
confirmamautilização,pelosmúsicos,deguiasnormativosdaexecuçãomusical,chamadosde
performance cues
2
, os quais direcionam mentalmente a execução instrumental durante a
performance de memória. Esse tipo de orientação mental objetiva assegurar que a obra
memorizadasejaexecutadacomprecisãoedeacordocomasintençõesmusicaisdointérprete.Os
guiasdeexecuçãosãolugares específicosnamúsica,osquaisointérpretenormalmentepensa
enquantotocaparanãoperderofluxomusicalcontínuo.Essesguiassãoestabelecidosdurantea
práticadoinstrumentoatravésdohábitodesempreiniciaroestudodotrechomusicalapartirde
determinados locais na partitura. Essa forma de estudar, tão característica do aprendizado
pianístico,fazcomqueomúsicoestabeleçaumaligaçãoentreopensamentoeaintençãomusical
com a seqüência motora, armazenando-as na memória de longa duração. Assim, esses lugares
específicos na partitura tornam-se guias de execução, sendo utilizados conscientemente pelo
músicoparaquenãoocorrambloqueios.Quandoocorreumafalhadememória,opianistapodeir
paraopróximoguiadeexecução,reiniciandoaseqüênciamotoraemantendoacontinuidadede
sua mensagem musical (CHAFFIN, IMREH e CRAWOFORD, 2002; CHAFFIN e LOGAN,
2006).
Tendo como base os princípios acima formulados, a intenção do estudo de caso foi
verificarcomoessesguiasatuariam,casomeocorresseumlapsodememória,gerando-se,assim,
a seguinte pergunta de pesquisa: Após uma falha de memória, o músico reinicia a sua
performance a partir de um guia de execução? Objetivou-se saber como um instrumentista
conseguesairdeumproblemadefalhadememóriaduranteumaapresentaçãomusicalaovivo,a
partir da hipótese de que intérpretes experientes são capazes de superar os erros de memória,
restabelecendoa continuidadedaperformance,atravésdaexecuçãodeumguiadeexecução à
frente.Especificamente,ahipótesetestadafoiadeque,apósumafalhadememória,omúsico
reiniciariamaisrapidamenteemlocaisondehouvepreparoeestudocomosguiasdeexecuçãoe,
conseqüentemente,essarespostaseriamaislentaemlocaisondeelesnãoexistiam.

2
Nopresentetrabalhootermoperformancecuesserátraduzidoporguiasdeexecução.
198
A partir desses pressupostos, os pesquisadores elaboraram um teste experimental
específicodeexecuçãoaopiano,chamadodecued-recalltask
3
,parasimularacondiçãoemqueo
músicotemumlapsodememóriaeprecisacontinuartocandoapartirdeumtrechoaleatórioda
peçaexecutada.EmconformaçãocomoutrostrabalhosdeChaffin,aanálisedosdadosmostrou
queasminhasrespostasforammaisrápidasquandoeramvinculadas aos guiasexpressivos de
execução (expressive performance cue stimuli) e mais lentas quando relacionadas aos guias
básicosdeexecução(basicperformancecuestimuli).Issosugereque,casoocorraumafalhade
memória durante uma apresentação ao vivo, é mais provável que o músico utilize os guias
expressivoscomopontodeapoio,aoinvésdosguiasbásicos,paradarcontinuidadeàseqüência
musical.
3.2.2Técnicasdepesquisaecoletadedados
3.2.2.1Seleçãodaobramusical
Oprincipalcritérioparaaescolhadaobramusicalfoiàexigênciadequeapeçamusical
estivesseinteiramentememorizada,considerandoqueaquestãodapesquisainvestigariaaspectos
cognitivosenvolvidosnaexecuçãodememória.Apeçaselecionadafoioprimeiromovimentoda
Sonatanº 2,emFásustenidomenor,deJohannesBrahms, Allegro non troppo ma enérgico,a
qualfoiexecutadanomeuterceirorecitaldeDoutorado,trêsmesesantesdoestágionoexterior.
Outrasjustificativaspessoaisforamdeterminantesparaaescolhadapeça,asaber:
a) Asuanítidaestruturaformal,aqualnãoapresentavadificuldadesparadefiniroslimites
estruturaisdomovimentoealocalizaçãodosguiasdeexecução;
b) Adificuldadequetiveemmemorizá-la.Duranteafasedeaprendizadodapeça,foi-me
necessário entender, por completo, a estrutural formal para otimizar o processo de
memorização.Assim, aanálisemusicalfoifatordeterminantepara memorizá-la.Nesse
contexto, algumas indagações pessoais surgiram, como se o fato de eu não ter ouvido
absolutotalvezjustificasseadificuldadeemutilizaramemóriaauditivaparamemorizar
as repetições dos temas nas diversas tonalidades com todas as suas variadas
transformações. A memorização da peça tornou-se ainda mais desafiante durante a
aplicaçãodoTesteExperimentalII,oqualutilizoupequenosestímulossonorosapartirde

3
Tarefaderesgatedeguias
199
trechosaleatóriosdapeça.Dessemodo,eradifícilperceber,porexemplo,seocompasso
ouvidoeradaexposiçãooudare-exposição;
c) Portê-latocadoempúblicoesidoextensivamentepreparadaparaorecitaldeDoutorado.
3.2.2.2IndicaçãodosguiasdeexecuçãoutilizadosnaperformancedasonatadeBrahms
AspesquisasdeChaffindeterminaramquatrotiposdeguiasdeexecução,osquaisservem
paradescrever o processo mental que direciona o músico durante a sua performance: básicos,
interpretativos,expressivoseestruturais(CHAFFIN,1997;2001;2002;2003;2005e2006).Os
resultados encontrados nessas pesquisas mostram que esses guias apresentam características
peculiares,como:
São utilizados pelo músico como pontos de referência da representação
mentaldapeça;
Representamoqueomúsicoestápensandoduranteaexecuçãomusical;
Atuamcomopontosdepartidaparaarestauraçãodamemóriamusical;
São ações que precisam ocorrer como previstas para que a peça seja
executadaconformeomúsicoplanejouduranteoestudo;
São cuidadosamente selecionados e praticados durante o estudo do
instrumento;
Tornam-seautomatizadoscomodecorrerdaaprendizagem;
Sãoocontrolecognitivodeseqüênciasmotorasautomáticas.
Todasessascaracterísticasforamencontradasapartirdeumnúmeroespecíficodeguias
deexecução,osquaisatuaramdurantetodooprocessomusical,desdeoiníciodaaprendizagem
deumrepertórioatéasuaexecuçãofinal.Osguiaspodemserdefinidoscomo:
a) Básicos (basic performance cues): compreendem decisões de ordem técnico-
mecânicas,aexemplodosdedilhados,padrõesmusicaisdeexecuçãoedificuldades
deordemmotoraededesempenho;
b) Interpretativos(interpretativeperformancecues):abrangemdecisõessobreaspectos
interpretativoscomodinâmica,fraseado,oscilaçãotemporal,sonoridade,etc;
c) Expressivos (expressive performance cues): referentes às decisões sobre os
sentimentos implícitos na obra, seu caráter e a mensagem musical que o
200
instrumentistaquertransmitiraoouvinte,taiscomo:alegria,paixão,dor,resignação,
drama,etc.;
d) Estruturais (structural performance cues):baseados naanáliseformaldapeça,ou
seja, nas seções, subseções e delimitações estruturais da peça, onde ocorrem
mudanças harmônicas ou melódicas, como, por exemplo, os temas, motivos,
desenvolvimento,re-exposição,ponte,coda,etc.
Após entender o significado de cada um desses guias e de como eles atuam na
construçãodaexecução,foi-mesolicitadofornecerumaanáliseminuciosa,porescrito,decada
umdessesquatroguias,apartirdaminhaconcepçãomusical-interpretativaedaexecuçãoda
obra selecionada. Para essa coleta de dados, realizei os seguintes procedimentos: fiz quatro
fotocópias da minha partitura (uma cópia para cada guia de execução), recortei os sistemas
musicaiseoscoleiemumafolhaA3(videExemploMusical2).Inseriquatrolinhasparalelas
acima da clave de sol e quatro abaixo da clave de fá para apontar os guias de execução
utilizados em cada mão. Desse modo, os quatro guias requeridos, na fase de coleta
4
desses
dados, foram identificados e localizados na partitura para que os pesquisadores pudessem
identificá-losapósregistraremvídeominhapráticadeestudoeexecução.
OExemploMusical2exibeosguiasinterpretativoseexpressivosdeexecução,onde
aslinhasparalelas,acimaeabaixodaspautas,indicamosaspectosapontados:fraseado,tempo,
dinâmica, dentre outros. As setas mostram o lugar na obra musical em que eu pensava, ou
pensei,nessesguiasduranteafasedeaprendizagem.Assetasemdestaquecoloridosãoasmais
relevantes,poisevidenciamoquesepensavasistematicamenteaoiniciaraexecuçãodaobra:a
setadecorlaranjaapontaoguiaexpressivo-“caráterfurioso”;asetadecoramarelaindicao
guia interpretativo - “tempo preciso para contrastar com a próxima seção” - na mão direita
(m.d.), e “atenção para a precisão rítmica” na mão esquerda (m.e.). Por decisão própria,
coloqueiosguiasinterpretativoseexpressivosemumúnicoregistroescrito,porconsiderarque
existeumtênuelimiteentresuasconceituaçõesequeambosseinter-relacionamparaalcançar
umúnicoobjetivo.

4
Foramincluídostodososguiasqueutilizaradesdeafaseinicialdeaprendizagematéacoletadessesdados.Alguns
dessesguiaseujánãopensavamaisduranteaexecuçãonafasedemanutençãodorepertório.Porisso,destaqueios
principais com cores diferenciadas para mostrar os guias que eu sempre pensava ao executar a peça, na fase de
manutençãodorepertório(verExemploMusical2).
201
ExemploMusical2.Indicaçãonapartituradosguiasinterpretativos

eexpressivosdeexecuçãoutilizadospelosujeito
3.2.2.3Registroemvídeodapráticadeestudoedaperformancepadrãodapeçaselecionada
Oregistroemvídeoéumatécnicadepesquisafreqüentementeempregadanaspesquisas
de Chaffin et al. (1997, 2002, 2006). Não diferentemente, ela foi utilizada em todas as etapas
desse estudo de caso, servindo para analisar o comportamento de estudo e para auxiliar na
codificaçãodosdadoseresultadosdostestes.Aproximadamentetodaapráticainstrumentalque
envolvesse a peça de Brahms deveria ser gravada, incluindo comentários verbais sobre o que
estava sendo realizado, como, por exemplo, mencionar as estratégias utilizadas, a seção
trabalhadaeasdificuldadesencontradas,dentreoutros.Oacompanhamentodoestudo dapeça
seriaimportanteparaaveriguarcomofoiainfluênciadapráticasobreodesempenhonostestes
experimentais.
Oregistroem vídeo também foi empregadopara gravaraexecuçãopadrãodapeçade
Brahms,realizada minutos antes da aplicação do Teste Experimental I. Essa gravação serviria
202
tambémcomoreferênciasonoradosestímulossonorosparaoTesteExperimentalII.Paracoletar
essedado,ospesquisadoresproporcionaram-meumambientemenoslaboratorial,recriandouma
ambiência de concerto, embora o público se restringisse, apenas, a Chaffin e seus dois
doutorandos. A sala era equipada com um piano de cauda Yamaha, uma aparelhagem para
gravação e alguns lugares, onde os pesquisadores ficaram sentados a certa distância. Após a
execução,Chaffinperguntou-mesobreaminhaimpressãodoqueacabaradetocaredecomome
sentiaemrelação àapresentação.O registroemáudioeraimportantenoprocessodepesquisa
porqueserviriapara elaborar estímulos sonoros aseremutilizados noteste,um mês apósessa
coleta.Entretanto,eunãoestavaapardequaiseramosobjetivosdessaexecução.Osdadosda
minhagravaçãodasonatadeBrahmsserviram,também,paraverificarcomoseprocessaaminha
memorizaçãoeosaspectoscognitivo-musicaisenvolvidosnaescolhadosguias,confrontando-os
com os dados teóricos fornecidos pelos quatro tipos de guias de execução. A partir dessas
informações, Chaffin analisou as relações entre os dados teóricos, previamente escritos, e o
resultadopráticoprovenientedostestesdeexecução.Seuobjetivoerasaberseexistiriamrelações
dedualismooudereciprocidadeentreaexecuçãopráticaeosdadosteóricos.
3.2.2.4TesteExperimentaldeExecuçãoI
AntesdeaplicaroTesteExperimentalI,Chaffinsolicitouqueeutocasseaobramusical
de forma a servir de parâmetro interpretativo, a fim de retirar, dessa gravação, os estímulos
sonoros para o Teste Experimental II. Até esse momento, os pesquisadores não haviam
empregado a terminologia Teste Experimental, apenas requisitaram que, além da execução
padrão,aobrafossetocadadeduasformasdiferentes:umacomextremoexagerointerpretativoe
outra com o mínimo de variação de tempo e de dinâmica, ou seja, em uma concepção “anti-
musical”.Seriamaotodonoveexecuções,porqueessasseriamfeitasemtrêsordensseqüenciais,
havendoumintervaloentrecadatrêsperformancesparamerecompor.Aordemdasseqüências
foi:
1. Execuçãonormal–Execuçãoexagerada–Execução“anti-musical”;
2. Execução“anti-musical”–Execuçãonormal–Execuçãoexagerada;
3. Execuçãoexagerada–Execução“anti-musical”–Execuçãonormal.
Essas interpretações serviriam para verificar a interferência da maneira com que a
execuçãoérealizadasobreosprocessoscognitivosquenorteiamograudehierarquiaentreos
203
guiasdeexecução.Buscou-seaveriguarse,aotocardeformanãoprogramada,osujeitoalteraa
percepção e seu direcionamento para resgatar da memória as informações que guiam a sua
execução.
Somenteesseprimeirotestefoirealizadoemumpianodecauda.Assessõessubseqüentes
aconteceram em um piano digital Yamaha Clavinova para que os dados da execução fossem
coletados e codificados por um computador acoplado ao teclado. Chaffin realizou mais duas
sessõesdoTesteExperimentalInesseinstrumentodigital,comespaçamentodealgumassemanas
entreosmesmos.Aopçãoporrealizaramaiorpartedotesteemumpianodigitalfoidevidaao
aparatoeletrônicoenvolvido,poisfornecedadosestatísticosprecisossobreodesempenho.Foi-
mesolicitadogravarastrêsseqüênciasdeexecuçãoduranteaminhapráticadeestudodapeça,
assim, fiz várias gravações nos pianos acústicos da universidade durante um período de dois
meses. Embora o Teste Experimental I tenha sido aplicado três vezes, além da gravação das
seqüênciasduranteoestudodoinstrumento,osseusdadossóseriamanalisadosposteriormente,
visto que os pesquisadores consideravam que esse teste seria outra maneira de se abordar o
problemadepesquisa.
Antesdaaplicação doTesteExperimental I, as duas opções interpretativasdivergentes
pareciam-me facilmente exeqüíveis, mas sua realização me causou uma sensação de extremo
desconforto de execução e mal-estar auditivo por estar fora dos princípios interpretativos que
adotaracomoreferênciaparaminhaexecução.Aexecução“anti-musical”revelou-sedifícilsobo
desempenho técnico-motor, evidenciando alguns erros de notas em determinados trechos,
especialmente onde havia os guias básicos de execução. Entretanto, esses mesmos erros não
existiramoueraminsignificantesnasexecuçõespadrãoeexagerada.Paraqueeupudesserealizar
uma execução “anti-musical”,foinecessário reduzir qualquer oscilação temporalemanter um
mesmo patamar de dinâmica.Contudo, os registros indicaram pouca variaçãonesses quesitos,
mostrando que mesmo em uma execução “anti-musical” eu mantive alguns aspectos
interpretativosdaexecuçãopadrão.Issosetornouevidenteapósaminhaexecução“anti-musical”
do Brahms, visto que Dr.Chaffin comentou que aexecução ainda estava “musical”, sugerindo
que eu tentasse, nas próximas execuções, eliminar ainda mais as oscilações em tempo e em
dinâmica.Acreditoqueessefatocorroboraasevidênciasdequemuitodificilmenteummúsico
iráinterpretarumapeçadistantedospadrõesestilísticosedeexecuçãoporeleestabelecidos.
204
3.2.2.5TesteExperimentaldeExecuçãoII
Sãorarososcasosdeconcertistasquereiniciamaexecuçãoapartirdoiníciodapeçaao
teralgumafalhadememória.Geralmenteessesavançamparaalgumasessãoàfrente(CHAFFIN
etal.2002,p.198).SegundoChaffin(p.198),aoocorreressetipodeproblema,omúsicoprecisa
saberimediatamenteondeseestádentrodamúsicaeoqueviráaseguirpara,então,reiniciara
seqüênciamotora.Osinstrumentistassemexperiênciageralmentetendemareiniciaraexecuçãoa
partirdoiníciodapeçamusical.Osmaisexperientespodemreiniciarapartirdequalquerlugar,
utilizandoguiasestrategicamentelocalizadosemtodaaextensãodapeça,osquaisresgatarãoas
informações necessárias para continuar a execução. Para investigar como são escolhidas essas
seções,quesãorelacionadasaosguiasdeexecução,Chaffinpreparouumtesteespecíficoapartir
daminhagravaçãodapeçadeBrahmsrealizadaantesdeaplicaroTesteExperimentalI.Estefoi
formuladoparasimularumasituaçãoemqueomúsicoprecisaencontrarasaídaparaumafalha
dememória,reiniciandoaexecuçãoapartirdeumtrechomusicalemalgumapartealeatóriada
obramusical.Foijustamentenessespontos(pormimpré-determinadosnaindicaçãodosguiasna
partitura)queospesquisadoresescolheramosestímulossonorosqueserviriamparaidentificaros
guias que eu usava para resgatar o conteúdo apreendido da memória de longa duração. A
configuraçãodotestenãomefoireveladaantesdesuaaplicação,vistoque,comosujeito,não
poderiatercontatocomosprocedimentosaseremadotados.
Diferentemente do Teste Experimental I, esse foi realizado apenas no piano de cauda
Yamahaefoiaplicadoemquatrosessões,comintervalosdeaproximadamenteumasemanaentre
cadaum,paraquehouvessecontinuidadedapráticadeestudo.Osestímulossonorosutilizados
nos testes foram selecionados dentre os guias de execução indicados por mim na partitura:
básicos, expressivos/interpretativos e estruturais. Do montante indicado, os pesquisadores
escolheramapenasalgunsparaseremaplicadosnoteste:9básicos,8expressivos,7estruturaise
9 que foram os locais onde não havia indicação de guias de execução. Após a seleção, esses
trechosforamrecortadosdaminhagravaçãopadrãodapeçaecolocadosemordemdeaplicação.
Antes do início do teste, a doutoranda/pesquisadora explicou-me o protocolo de
procedimentoseoquedeveriaserrealizado.Cadaestímuloiriaserapresentadoumaúnicaveze
emordemseqüencial.Fuiinstruídoasentar-meaopianocomasmãossobreaspernas,fatoque,
de certa forma, inibe a memória cinestésica, estando preparado para tocar quando ouvisse a
últimapulsaçãodotempodecadaestímulo(aserdetalhadoabaixo).Aofinaldoúltimosom,a
205
execuçãodeveriaserimediata,deformaanãohaverinterrupçãoentreoestímuloeacontinuação
daexecução.Otestefoiaplicadodaseguintemaneira:
A peça é em 3/4. Primeiramente, ouvi três tempos metronômicos do trecho a ser
executado(umamédiaentreostemposondeesseestímuloestavalocalizado),visto
que,emrazão do caráter românticodaobraeporindicaçõesdo compositor,houve
uma significante flutuação temporal. Após essas pulsações, foram ouvidos dois
compassos consecutivos do trecho (devido a localização dos guias, os compassos
geralmente não iniciavam na barra de compasso). No último tempo do segundo
compassoeraacrescentadaumapulsaçãometronômica,indicandoofimdoestímuloe
opontoondeeudeveriaimediatamentecontinuaraexecuçãodotrecho.Umatrasoem
começaratocarsugeririaquefoiprecisoumtempomaiorpararesgataraseqüência
motoradamemóriadelongaduração.
O objetivo de simular uma situação de lapso de memória foi alcançado, visto que em
alguns estímulos, principalmente nas duas primeiras das quatro sessões dos testes, eu tive
dificuldadeemresgatardamemóriaalocalizaçãodealgunstrechosaseremexecutados,tendo
umbloqueiodememóriasemelhanteaalgunsocorridosemapresentaçõespúblicasnopassado.
Comoaintençãoerafazercomquenãohouvesseinterrupçãoentreofimdoestímuloeoinício
daexecução,deformaadarcontinuidadeàmúsica,otempogastonesseprocessoindicavacomo
ointérpreteresgatavaessasinformaçõesdamemória.Eraexatamenteessetempo,entreofinaldo
estímuloeoiníciodaexecução,queindicavaalocalizaçãodosguiasdeexecuçãoeosgrausde
hierarquia como referência para a minha memorização. Quando esse lapso ocorria durante os
testes, tentei, através da análise, resgatar as informações da memória, para então executar o
trechocorreto.Muitasvezesesse processo demoravaalgunssegundos, mas pareciamhorasna
situaçãodeexecução.Outrasvezeseraimpossívelsaberalocalizaçãodotrechoouvidoparaque
houvesse continuidade da performance. Nesse caso, eu tinha que comentar quais foram as
dificuldades encontradas por não ter conseguido resgatar, imediatamente, da memória as
associaçõescognitivo-musicaisquemefariamexecutarotrechoselecionado.Ospesquisadores
nãorepetiamoestímulosonoroapósafalhadememória,masesseeratestadonovamenteapósa
aplicaçãodetodososoutrosestímulos.Nãomefoiinformadoqueoestímuloiriaserrepetidono
mesmoteste,nemmesmopercebiqueessehaviasidonovamenteaplicado.Contudo,fuicapazde
responderatodososestímulosrepetidosapósouvi-lospelasegundavez,mesmoquedemorasse
206
algum tempo para reiniciar a execução. Foi justamente a dificuldade em resgatar essas
informaçõesdamemória,quefezcomqueospesquisadorespudessemverificarquaisforamos
guiasdeexecuçãomaisresponsivos.
Após a realizaçãodetodos os testes, tive acesso à maneira como foramelaborados os
estímulossonoros.Doistiposdeestímulossonorosdistintosforamutilizados:
1. Iníciodoestímulosonoroantesdoguiadeexecução:oestímuloiniciava-sedois
compassosantesdoguia,requerendo-meiniciaraexecuçãonacabeçadoguiade
execução;
2. Iníciodoestímulosonoronoguiadeexecução:exigindo-meiniciaraexecução
doiscompassosdepoisdoguia.
Asquatrosessõesdetestestiveramespaçamentodeaproximadamenteumasemanaentre
elas.Entrea segundaeterceirasessões eu inicieiumestudodirecionadoespecificamentepara
melhorarmeudesempenhonostestes.Tenteidesenvolverestratégiasdeestudoqueotimizassem
a minha memorização (essas estratégias serão explicadas no item 3.3.2). Essa iniciativa foi
tomada por não estar satisfeito com o meu próprio desempenho. Ao notarem que a minha
respostamelhorousignificativamenteapartirdasessão3,ospesquisadoresincluíramapráticade
estudo como uma variável independente
5
, visto que ela exerceu influência positiva nos
resultados.Assim,ospesquisadoresdividiramasquatrosessõesdetestes,tendocomoparâmetro
ainterferênciadaprática,denominando-asde:
EfeitoPré-Prática:apráticaocorridaentreassessões1e2,ouseja,antesdeeuter
adotado, por conta própria, novas estratégias de estudo após a realização do Teste
ExperimentalII;
EfeitoPós-Prática:apráticadirecionadaqueafetouosresultadosdassessões3e4,
apósadotarestratégiasespecíficasparaaprimorarodesempenhonostestes.
Eraprevistoque,devido ao resultadodaminhapráticadeestudo,aminha atuaçãonas
quatrosessõesdetestesseriasuperiornopós-práticadoquenopré-prática.

5
Denomina-seporvariávelindependenteaquelaqueintegraumconjuntodefatores,condiçõesexperimentaisque
sãomanipuladasemodificadaspeloinvestigadorecujamodificaçãosesupõepoderproduzirumamodificaçãoem
umdadocomportamentoobservável.Oobjetivodoinvestigadorécomprovarseosefeitosprovocadospelavariável
independente sobre a variável dependente são aqueles que tinha suposto como hipótese.Disponível em:
<http://www.notapositiva.com/trab_estudantes/trab_estudantes/psicologia/psicologia_trabalhos/metodoexperiment.ht
m>e<http://filotestes.no.sapo.pt/psicMetodos.html>.Acessoem:08jan.2008.
207
ApartirdospadrõesdeinvestigaçãoselecionadosparaoTesteExperimentalII-tiposde
estímulo e efeitos da prática - os pesquisadores estruturaram o conteúdo que deveria ser
examinadoemcadasessãodetesteseasuaordemseqüencial:
Sessão1:Iníciodoestímuloantesdoguiadeexecução/Pré-prática
Sessão2:Iníciodoestímulonoguiadeexecução/Pré-prática
Sessão3:Iníciodoestímulonoguiadeexecução/Pós-prática
Sessão4:Iníciodoestímuloantesdoguiadeexecução/Pós-prática
3.2.3 Análisededados
Os resultados foram codificados pelos pesquisadores através de dados estatísticos para
quesepudessemrelacionarosguiasutilizados,tentandomostrarcomoseprocessaoresgatena
memóriadasinformaçõesmusicaiseseureflexonaexecução.Asprincipaisinferências,apartir
daanálisedosdados,indicamque:
Arespostaimediatadaexecuçãoapósotérminodoestímuloestávinculadaaotipode
guiapor mim utilizado. Conseqüentemente, existeumefeitosignificante do tipo de
guiadeexecuçãosobreaperformancemusical;
As respostas de execução foram mais rápidas e precisas nos guias expressivos de
execução e as mais lentas nos guias básicos. O Gráfico 1 indica que,
comparativamente,houvemaiornivelamentoentreoguiaestruturalenenhumguia
6
.
Osexpressivos evidenciam-seporsedistanciarem dos demaisguias,denotandoseu
substancialefeitopositivonodesempenhodostestes:

6
OGráfico1mostraaindicaçãoNENHUM,referindo-seaolocaldamúsicaondenãoexistemguiasdeexecução.
Do montante apontado, os pesquisadores selecionaram nove desses locais para serem utilizados como estímulos
sonorosnostestes.
208
Gráfico1.Gráficodacorrelaçãoentreostiposdeguiasdeexecuçãoeotempodespendido,
emsegundos,parareiniciaraexecuçãoapósotérminodoestímulosonoro
7
.
Alocalizaçãoonde não havianenhumaindicação deguiasdeexecução (Nenhum,vide
Gráfico1)foi,apósosguiasbásicos,olocalondeasrespostasdeexecuçãoforammais
lentas;
Os efeitos da prática de estudo sobre o desempenho nas duas últimas sessões foram
fatoresdeterminantesparaqueasrespostasdeexecuçãofossemmaisrápidasapósouvir
osestímulossonoros(efeitopós-prática,videGráfico2).OGráfico2evidenciaqueas
respostasdeexecuçãoforammaisrápidasnascondiçõespós-práticadoquenasdepré-
pratica,ouseja,ainfluênciadaaplicaçãodeestratégias,pormimelaboradas,trouxeuma
maiorotimizaçãoemmeudesempenho:

7
Osnúmerosàesquerdaindicamotempomédio,emsegundos,despendidoparainiciaraexecuçãoapósotérmino
doestímuloeoreiníciodaexecuçãoaopianoemrelaçãoaotipodeguia.Oresultadoindicaqueosguiasexpressivos
foramosquetiveramumarespostamaisimediataemcomparaçãocomosdemais,nãochegandoameiosegundo.Os
guiasbásicosforamosqueprecisaramdemaiortempoparaqueaexecuçãopudessereiniciadaapartirdosguias
básicos.
0
0.05
0.1
0.15
0.2
0.25
0.3
0.35
Nenhum
Basico
Expressivo
Estrutural
Tipos de Guias de Performance
Tipos de Guias de Performance Tipos de Guias de Performance
Tipos de Guias de Performance
Log
to
Corr
ect
Start
209
Gráfico2.
Gráficodacorrelaçãoentreosefeitosdapráticasobreacapacidade
dereiniciaraexecuçãoeotempodespendidoparareiniciara
execuçãoapósotérminodoestímulosonoro
8
.
3.2.4 Resultados
Ospesquisadoresanalisaramosdadosdasquatrosessõesdetestesobjetivandoresponder
algumas perguntas de pesquisa quanto ao processo de resgate das informações contidas na
memóriadelongaduração,taiscomo:
a) Ondeseriamaisfácilreiniciaraexecuçãoapósumafalhadememória?
OGráfico1apontaosguiasemrelaçãoaotempogastoparareiniciaraexecuçãoapóso
fimdoestímulosonoro.Deacordocomoresultado,osguiasexpressivosforamoslocaisonde
tivemaiorfacilidadeparareiniciaraexecução,nãochegandoameiosegundopararesponderao
estímulo.Nooutroextremo,osguiasbásicosforamosqueocasionarammaiordificuldadepara
me localizar, com uma média de três segundos para resgatar as informações da memória.
Comparativamente,oguiaestruturalnãomostrounenhumavantagemsobreosoutrosguiaseo
seutempoparareiniciaraexecuçãoestábempróximoaolocalondenãohaviaindicaçãodeguias
de execução (indicado no gráfico como Nenhum). Os locais onde não havia guia de execução

8
Osnúmerosàesquerdaindicamotempomédio,emsegundos,despendidoparainiciaraexecuçãoapósotérmino
do estímulo e o reinício da execução ao piano em relação a variável “influência da prática de estudo” sobre a
execuçãodoteste(Averagetimetocorrectstartasafunctionofpracticecondition).
0
0.05
0.1
0.15
0.2
0.25
0.3
Pré-Prática Pós-Prática
Efeitodapráticasobreosresultados
210
forammaisfáceisdereiniciardoqueosguiasbásicoseligeiramentemaisdifícildoqueosguias
estruturais.
b) Porquefoimaisfácilreiniciaraexecuçãoapartirdosguiasexpressivosdeexecução?
Umadasrazõesapontadaspelospesquisadoreséqueosguiasexpressivosrepresentamas
intençõesgeraisdomúsicoquantoaoconteúdoeamensagemessencialasertransmitida.Nesse
caso,oguiaexpressivoestávinculadoànaturezaconceitual/analíticadaexecução,vistoque,por
definição, ele não está relacionado à seqüência motora/automática do movimento.
Conseqüentemente,oguiaexpressivodiminuiupartedaminhahabilidadedecontarsomentecom
oaparatomotorparacontinuaraexecução.

Outromotivoseriaofatodosguiasexpressivosapresentaremumanaturezaconceptual
1
e
daí, não requerem uma informação proprioceptiva
2
para sua utilização. Segundo os
pesquisadores,proprioceptivorefere-seaofeedbackqueeureceboapartirdoposicionamentoe
domovimentodosmeusmembros.Issotambémserelacionacomasinformaçõesprovenientes
dosestímulosmusculares,osquaismelevarãoaumentendimentodessamensagem.
A última razão apontada para a minha facilidade em reiniciar a execução a partir dos
guiasexpressivosresidenofatodequeéprovávelque essessejammaispraticadosdo queos
locais onde não existam guias de execução. Conseqüentemente, eles acabam sendo mais
reconhecíveis(CHAFFIN;LISBOA;LOGANeBEGOSH,2007).
c) Porquefoimaisdifícilreiniciaraexecuçãonosguiasbásicos?
Ospesquisadoresverificaramqueasminhasrespostasaosguiasbásicosforamaspiores
entretodososguias.Elessão,pornatureza,relacionadosaosmovimentosmotores/automáticos,
os quais não foram priorizados por mim para servir como direcionamento para a execução de
memória.
Outra causa apontada seria o fato de que as informações proprioceptivas podem estar
acessíveisemalgunscasosdefalhadememória,masnãoemtodososcasos.Nopresenteestudo

1
Oatodeconceberoucriarmentalmente,deformaridéias,especialmenteabstrações(DicionárioAURÉLIO
Online).
2
Proprioceptivorefere-seàcaptaçãodeinformaçãorelativaaoposicionamentodocorpo,suamovimentaçãoatravés
dossistemasdesentidos,sendocapazdereceberestímulosoriginadosnointeriordopróprioorganismo(Dicionário
AURÉLIOOnline).
211
decaso, eunãoutilizeiamemóriacinestésica
9
comofocodeminhamemorização,massim,a
memóriaconceitual,baseadanoentendimentoformaldapeçaeemsuarelaçãocomasintenções
interpretativas.Assim,tivedificuldadeemreiniciaraexecuçãoapartirdosguiasbásicos,pois
pouco utilizava os movimentos das mãos e dos braços como base para a memorização. A
exigênciademanterasmãosforadotecladoantesdaexecuçãodotestefezcomquehouvesseum
cortedaseqüênciamotorautilizadaemumapassagemmusical.Conseqüentemente,seutilizasse
somenteamemória cinestésica,euteriadificuldadeem realizarqualquertipode guiaquenão
fosseobásico.Adificuldadeemexecutarostrechosrelacionadosaosguiasbásicosdemonstrou
queamemóriacinestésicaeraapenasutilizadacomosuporteparaotipoprincipaldememória,a
conceitual/analítica.
Oúltimomotivoparaadificuldadeemreiniciaraexecuçãoapartirdosguiasbásicosé
porqueessesguiasparecemnãoservircomoumareferênciaconfiávelparacontinuaraexecução
emcasodefalhadememória.Quandoolapsodememóriaocorreemumaapresentaçãoaovivo,
a memória cinestésica é a primeira a sofrer com a perda da seqüência motora, visto que “a
memória cinestésica é vulnerável a interferências” (WILLIAMON, 2004, p.129). O pianista
americanoLeonFleisherdizque“osdedossãoosprimeirosadesertar”(CHAFFINetal.2002,
p.37). Nesse caso, estão implícitas algumas variáveis que interferem diretamente na memória
muscular, como, por exemplo, a tensão e ansiedade, o piano, a sala de concertos, o tipo de
público e a importância do recital, dentre outros. Chaffin salienta que, “embora a memória
motora/cinestésica seja universal, ela é o tipo de memória menos confiável para uma
performance”(p.37).
d)Épossívelreiniciaraexecuçãoapartirdequalquerlocalizaçãodamúsica?
Osautoresacreditamqueissosejapossível,poisotempoparadecidirparaondeir,em
casodefalhadememória,diminuicomapráticadeestudo,indicandoainfluênciaeoefeitoda
práticasobreessereflexo.Ostestesapontaramque,após umlapsodememória,otempopara
tomaradecisãofinalsobreoquetocardiminuiuàmedidaemqueeumantiveumapráticadiária
deestudodapeçadeBrahms.Assim,notou-seoefeitopós-práticanahabilidadedereiniciara
execuçãoapartirdeumalocalizaçãoaleatórianapartitura(videGráfico2).

9
Tambémdenominadaporpianistasrenomadoscomomemóriamotora,tátil,dosdedos,automática,inconsciente,
não-mentaloumuscular(WILLIAMON,2004,p.129eCHAFFINetal.2002,p.36-37).
212
Ostestestambémapontaramqueahabilidadedecomeçaraexecuçãoaofimdoestímulo
melhorouconsideravelmente,indicandoaexistênciadeumahierarquianamaneiracomoresgatei
asinformaçõesdamemória.
3.3REFLEXÃOCRÍTICADOESTUDODECASOSOBAPERSPECTIVADOSUJEITO
3.3.1Discussãodosresultadossobaperspectivadosujeito
Ao considerar o tempo entre o final do estímulo sonoro e o início da execução, as
respostas mais rápidas foram as dos guias expressivos e as mais lentas dos guias básicos. Os
expressivos gastaram, em média, menos de meio segundo para resgatar as informações da
memória, enquanto os básicos, três segundos. Embora essa fraçãotemporal sejarelativamente
pequena,elasetornadegrandedimensãoaoseranalisadanocontextodaexecuçãomusical.O
tempo gasto por um músico para recompor-se de uma falha de memória torna-se um fator
absolutamente imprescindível ao êxito da execução. Ao realizar o teste, notei que em alguns
trechospreciseideumtempomaiorparaconseguirrecordaraseqüênciamusicalquedeveriadar
continuidadeàexecução.Apesardarespostamaislentatersido,emmédia,umpoucoacimade
três segundos, a impressão era de quetive uma grave falha de memória, evidente pela lacuna
temporal. Um fator que colaborou para que o tempo despendido entre o fim do estímulo e o
reinício da execução fosse tão ressaltado deveu-se ao andamento vivo da peça, pois qualquer
“pausa” no fluxo musical ocasionaria uma ruptura na maneira com que a mensagem era
transmitida.Provavelmenteosmesmossegundoscausariam menosdistúrbioseocorressem em
umandamentolento,comono2
o
movimentodessamesmasonatadeBrahms,vistoqueeunão
necessitariapensar,metaforicamente,em moto perpetuo.Nessesentido,questionosenãoseria
relevante realizar o Teste Experimental II com outros tipos de andamentos para verificar se a
formacomqueeuresgatavaasinformaçõesdamemóriapoderiasermodificada.Algunsaspectos
técnico-motores atuam de modo desigual em andamentos opostos. Por exemplo, o mesmo
dedilhado que funciona perfeitamente em um andante pode ser inapropriado em um presto.
Indagose,demodoanalógico,oprocessodememorizaçãoedeutilizaçãodosguiasdeexecução
poderiaocorrerdeoutramaneirasefosseinvestigadoemcontextostemporaisdivergentes.
Emborameuestudodecasosejaoprimeirotrabalhocientíficoautilizaressetipodeteste
paraverificaroprocessodememorização,elefoirealizadoapenascomumaobradeandamento
rápido.Tantooestudodecasodoqual fizpartequantooestudolongitudinalrealizadocom a
213
concertista Gabriela Imreh (CHAFFIN et al. 1997, 2002) foram examinados a partir de peças
rápidas
10
.Conseqüentemente,nossosresultadosestãoinseridosdentrodeummesmoparâmetro
temporal.
Partodahipótesedequeomeuprincípiodememorizaçãotenhapermanecidoinalterado
duranteaaprendizagemdeumrepertório,independentementedotipodeandamento.Entretanto,
apartirdaconstataçãopessoalsobreumamaiordificuldadeemmemorizarpeçasemandamento
lentoemcomparaçãoaosrápidos,seriapertinenteverificaraatuaçãodosguiaseoprocessode
memorizaçãoemumadágio,porexemplo.Aonotarqueosresultadosdapráticainstrumentalsão
altamente individualizados, variando de um músico para outro, a resposta para meu
questionamento só poderia ser dada caso o mesmo sujeito fosse testado nas duas situações
mencionadas.Dessamaneira,hánecessidadededarcontinuidadeaomeuestudodecasoparaque
osresultadossejamcomparadoseinvestigadossoboutrasperspectivastemporais.
Os resultados apontam alguns aspectos da prática dos quais eu não tinha consciência,
como,porexemplo,aimportânciadosguiasexpressivosnodirecionamentodaminhaexecução
de memória. Embora soubesse da importância de fundamentar meu aprendizado a partir da
qualidadedaproduçãosonoraextraídaapósumraciocíniosobreaanáliseeinterpretaçãodaobra,
eunãotinhadadosestatísticosquecomprovassemcomoaexecuçãodememóriaeraguiada.O
fatodeterrespostasmaisimediatasnoTesteExperimentalII,quandoessasforamvinculadasaos
aspectosinterpretativos,fezeram-meterciênciadequemeuprocessopregressodeestudoestava
emconsonânciacomapesquisaempírica.Entretanto,oresultadoqueconsidereiimprevistofoia
dificuldade de reiniciar aexecução a partir dos guiasbásicos. Os Exemplos Musicais 3ae3b
mostramumtrechoemoitavas,cujacomplexidadeconstituiu-seemumdosmaioresobstáculos
paradarcontinuidadeàexecuçãoapósofimdoestímulosonoro:


10
ApianistaImrehestudouoterceiromovimento(presto)doConcertoItalianodeJ.S.Bach.
214

ExemploMusical3a.Compassos131-132comindicaçãodosguiasbásicosdeexecução

ExemploMusical3b.Compassos133-136comindicaçãodosguiasbásicosdeexecução
215
OExemploMusical3 exibepartedaseçãodedesenvolvimentodoprimeiromovimento
daSonatan.2(compassos131-136).Essetrechofoiumdosquetivemaiordificuldadetécnico-
motoraparareiniciaraexecuçãoapósoterminodoestímulosonoro. Otrechoéconstituídopor
oitavaseacordesquedevemsertocadosemaltavelocidade,emfluxoininterrupto,comdinâmica
emfortíssimoesaltoscomintervalosde5
a
,6
a
e8
a
.Asidéiasmusicais,emambasaspautas,eram
semelhantes,mascomexecuçãonão-paralelaentreasmãos(osdesenhosmusicaiseosmarcato
nãocoincidiam).Asexigênciastécnico-motorasfaziamcomqueessapartefosseumadasmais
estudadas.Entretanto,aosubmeter-meaoTesteExperimentalII,ficoumanifestaadificuldadede
execuçãonessetrecho,vistoqueospesquisadoresutilizaramestímulossonorosvinculadosaos
guiasbásicos.Noteiquesóconseguiareiniciaraexecuçãovoltandoaocompasso131,ouseja,na
parteestruturaldaobraeiníciodoguiaexpressivo,oqualsinalizaracomosendoolocalondeeu
pensavamusicalmenteapassagemquedeveriaserrealizadaautomaticamente.Procurotomara
“musicalidade” como requisito para solucionar minhas dificuldades técnico-motoras. Essa
característicatambémfoiencontradanapesquisaempíricadeHallam(2001b),aqualdemostrou
queosalunosqueadotavamumapráticamaiseficienteeram tambémosquesolucionavamos
problemasmecânicosapartirdeumaabordageminterpretativo-musical.
OestudocomdelineamentoexperimentaldeWilliamoneValentine(2002a,p.20)indica
que os compassos difíceis influenciaram a segmentação dos trechos a serem praticados pelos
sujeitos (porém, em menor escala, se comparados aos compassos estruturais). Assim, esse
argumentopodetambémjustificaraminhadificuldadeemreiniciaraexecuçãodessetrechosem
voltaraocompasso 131, visto queerao compassoestruturaleo localondesempre iniciavao
estudodessapassagemmusical.Chaffinetal.(2002,p.249)mostraramqueapianistaGabriela
Imreh recorria aos pontos-chave da estrutura formal como trechos para iniciar a prática do
instrumentoeque,pelarepetição,esseslocaiseramestabelecidoscomoguias.Elaconcentrava-se
nosguiasexpressivoseinterpretativosduranteapráticae,dessamaneira,essesvinhamàmente
durante a execução. Desse modo, Chaffin inferiu que se o músico não estudar desse modo,
provavelmente correrá o risco de ter interferências e distrações (2002, p.250). Segundo, é
provávelqueosguiasexpressivossejammaispraticadosdoqueoslocaisondenãoexistamguias
deexecução.Conseqüentemente,elesacabamsendomaisreconhecíveis.
NoTesteExperimentalII,aodeslocaroestímulosonoroparaomeiodotrecho,nosguias
básicos por mim indicados, os pesquisadores perceberam a minha dificuldade em continuar a
216
execução a partir desses pontos e, desse modo, ficou evidente que a minha memorização era
guiada pelos guias expressivos. Ao verificar meu decepcionante desempenho em localizar-me
nosguiasbásicos,decididesenvolveralgumaestratégiaquemeauxiliasseareiniciaraexecução
em qualquer lugar dentro dessa passagem musical (o item 3.3.2. discutirá as estratégias
elaboradas).
Segundo Chaffin, os guias básicos são, por natureza, relacionados aos movimentos
motoresenãodevemservircomopontoconfiávelparareiniciaraexecuçãoemcasodefalhade
memória. Todavia, o resultado de outras pesquisas, tanto de Chaffin como de outros autores,
mostraqueháindíciosdequeummúsicopoderecorrerainformaçõesproprioceptivas,ligadas
aos guias básicos, para reiniciar a execução em certos tipos de lapsos de memória. Nesse
contexto,seriapertinentearealizaçãodetrabalhosempíricosqueabordassemessaperspectiva,
vistoque,aoutilizarasestratégiaspormimelaboradas(como,porexemplo,napassagemmusical
doExemploMusical3),mefoipossívelreiniciaraexecuçãoemqualquerlugardentrodotrecho
estudado, sem maiores problemas. Questiono, então, se as estratégias não teriam ativado as
conexõescognitivasligadasaosguiasbásicosque,porconseguinte,tiveramumreflexopositivo
nomeudesempenhonasduasúltimassessõesdoTesteExperimentalII
11
.Épossívelquetalfato
nãoocorressecasoeucontinuasseestudandoapenasbaseadonosguiasexpressivos,poisminha
atuaçãonasduasprimeirassessõesnãofoisatisfatória,mesmocomtempodeestudosuficiente.
Nessecaso,questionoporqueaestratégiaaplicadanosguiasbásicossurtiumaioreficiência,se
os guias expressivos são os mais relevantes. Levanto a hipótese de que o tipo de estratégia
utilizada deve ter maior ou menor influência na otimização da memorização se aplicada em
conformidade com o contexto situacional (na relação tipo de guia predominante, texto
musical/análiseeexecução/interpretação)evoltando-seàsoluçãodeumproblemaparticular.No
ExemploMusical3,euintensifiqueiotrabalhoespecificamentenosguiasbásicos,fatoqueme
permitiureiniciaraexecuçãoapartirdequalquerlugardessapassagem.
Minhasimpressões,comosujeito,aoperfazertodooprocessodepreparação,aplicaçãoe
reflexãopós-teste,fez-mededuzirqueexisteumaestreitaconexãoentre todososguias,sendo
impossívelterprecisãoemapontarondeseiniciaouterminaopredomíniodeumsobreooutro.
Issosedeveaofatodeque,aoexecutarumtrechopredominantementemotor/muscularcomoo

11
Tiveapenasumperíododeaproximadamenteumasemanaentreassessões2e3eoutraentreassessões3e4para
aplicarasestratégiasparamelhorarasrespostasdeexecução.Apartirdoaprimoramentododesempenhonassessões
3e4,verifiqueiquecumprioobjetivodealcançarmáximaeficiênciadentrodopoucotempodepreparação.
217
doExemploMusical3,euaindamantinhaofoconosguiasexpressivos.Contudo,provavelmente
eu não teria solucionado a dificuldade de reiniciar a sua execução (após o fim do estímulo
sonoro) caso não tivesse abdicado de focar os guias expressivos durante a aplicação das
estratégiasdeestudoemtrechosondeaexigênciatécnico-motorafossemaisintensiva.
Os resultados indicaram que a habilidade de começar a execução, ao fim do estímulo,
melhorouconsideravelmenteemtodosostiposdeguiasdeexecução,sendoessetempomenor
nosguiasexpressivos,indicandoaexistênciadeumahierarquianaformacomqueeuresgateias
informaçõesdamemória.Somenteumpesquisadorcomexperiênciaemáreasquetrabalhemcom
testesestatísticos,comoChaffin,poderácodificareanalisarosdadoscomointuitodeevidenciar
ograudehierarquiaentreosguias.Paralelamente,apesquisaempíricanaáreadoplanejamento
daexecuçãodependedeummúsicoparaavaliaraexecução,independentementedeeleconhecer
ounãotodooprocessodesencadeante.
3.3.2Interferênciadapráticainstrumentalnodesempenhodostestes
Ocampodeconhecimentoqueenvolveestratégiasdeestudosemprefoi,pessoalmente,
uma instigante fonte a ser pesquisada e experimentadaduranteaminha práticadeestudo. Tal
interesse foi intensificado aindamais em meu doutorado,quando essa temática assumiu papel
preponderante para o desenvolvimento da tese. Como participante do estudo de caso,
experimentei na prática (auto-analisando o fenômeno, sem interferência do pesquisador)como
uma estratégia pode ser elaborada e aplicada. Segundo Hallam, vários pesquisadores têm
identificadoosdiversosestilosdeaprendizadoe os tiposdeprática queserealizamduranteo
estudo do instrumento. Entretanto, existem muitas questões em aberto, pelo fato de que esses
pesquisadores não conseguiram identificar se os estilos de aprendizagem estão conectados às
característicasindividuaisouàsestratégiasadotadasemrelaçãoànaturezadeumadeterminada
tarefa a ser realizada (1997c, p.187). Essa questão está implícita, no presente estudo de caso,
especificamente em relaçãoaoprocesso de estudo que resultou nomeu desempenho no Teste
Experimental II, pois os pesquisadores obtiveram um produto-alvo (fruto de suas teorias
previamente formuladas) sem, no entanto, objetivar examinar o caminho percorrido. Uma
aproximaçãodessesenfoquespoderiapotencialmenteaumentaraaplicabilidadedosresultados,
gerandoumtrabalhodemaiorconfluênciainterdisciplinar.
218
O Teste Experimental II foi realizado em quatro sessões com intervalos de
aproximadamenteumasemanaentrecadaum.Comonãomesatisfizcomomeudesempenhonas
duas primeiras sessões, decidi desenvolver estratégias de estudo que gerassem respostas de
execução mais precisas e imediatas nos testes subseqüentes. Nas sessões três e quatro, os
pesquisadores notaram que o meu desempenho melhorou significativamente e, dessa forma,
inseriram a prática como uma variável independente, por essa ter influenciado os resultados.
Todavia, os pesquisadores descartaram abordar o problema investigativo a partir dessa
perspectivapornãoserobjetivodapesquisaexaminaraformulação,oconteúdoeaaplicaçãode
estratégiasdeestudo.Seporumladoessasquestõesnãoseriamexaminadas,eu,comoprofessor
einstrumentista,interessavasaberquaisseriamosefeitosdautilizaçãodessasestratégiassobreo
meudesempenho,alémdeindagarseelaspoderiamseraplicadasemoutrassituações,comona
práticadiáriadeumdeterminadorepertório,semqualquervínculoaumambientelaboratorial.
Questionei-me se acaso a ausência desse enfoque estariano fato dos pesquisadores não terem
umaformaçãoeumavivênciainstrumentalquefundamentasseumaincursãoanalíticasobuma
perspectivamaisvoltadaparaoinstrumentista.
A elaboração das estratégias envolveu uma intensa reflexão para reconstruir o meu
desempenhonostestes,ouseja,relembrarasminhasimpressões,localizandoospontosemquea
memória teve dificuldade para resgatar as informações necessárias para dar continuidade à
execução, verificando a precisão dessas respostas e ajudando-me a obter opções de escape.
Embora o conhecimento de uma gama de estratégias seja fundamental para a eficácia do
aprendizado, o nível de expertise não se alcança apenas com o uso de regras e estratégias
apropriadas, uma vez que essas dependem de um contexto específico (HOLYOAK apud
HALLAM,1997,p.91).Fatoéqueeunãotinhaestratégiasprontas,àminhadisposição.Assim,
essas táticas deveriam ser elaboradas a partir de um contexto particular, tendo como alvo
resgatar,rapidamente,o conteúdomusicalapreendidonamemóriadelongaduração.Objetivei
criarestratégiasque,apartirdeumfocoespecífico,tivessemapelodegeneralizaçãoefossem
aplicadas em outras situações do processo de aprendizagem. Os estudos de caso de Nielsen
(1997),Chaffinetal.(2002)eMiklaszewski(1989)fornecemevidênciasdequeosmúsicosde
níveldeexpertiseempregamestratégiasdeestudodemaneiraflexível,deacordocomoproblema
a ser solucionado. Com isso em mente, as desenvolvi a partir dos princípios da prática
219
instrumental que conhecia, transformando-as e aplicando-as de acordo com o contexto
situacional.
A formulação de estratégias apropriadas e eficazes requer um extensivo domínio do
conhecimento, visto que a músico de vel proficiente “precisa continuamente ajustar os
processosdeplanejamento,colherinformações,formularhipóteses,fazerescolhasereconsiderar
decisões” (DORNER e SCHOLKOPF apud HALLAM, 1997, p.91). Hallam aponta que uma
característica comum ao músico profissional é a suacapacidade de “sabercomo fazer acoisa
certa no momento exato”. Afirma ainda que a prática efetiva tende a assumir muitas formas,
dependendo da natureza da tarefa a ser cumprida, do contexto da aprendizagem, do nível de
habilidade e das diferenças individuais do músico (1997, p.91). Esses pressupostos foram
implicitamente postos à prova por mim, ao tentar criar estratégias que melhorassem meu
desempenho em um tempo relativamente curto. Assim, elas deveriam ser eficazes, pois tinha,
apenas,umasemanadepreparaçãoentreassessões2e3,emaisumasemanaentreassessões3e
4.Comistoemmente,elaboreiduasestratégiasbaseadasnoTesteExperimentalII:
3.3.2.1Estratégiaparamaximizaroresgatedeinformaçõesdamemóriadelongaduração,a
fimdecontinuaraexecuçãoapósumafalhadememória.
No capítulo específico sobre estratégias de estudo para memorizar peças musicais,
Ginsborg(WILLIAMON,2004,p.133)sugereque,apósmemorizarumaobra,omúsicodeveria
testarsuamemorizaçãoparasimularasinúmeraspossibilidadesderecuperaçãoemcasodelapso
dememória.Paratanto,oinstrumentistainiciariaaexecuçãoemlugaresnão-estruturaisdentroda
organizaçãoformaldapeça(comoosmeiosdefrases),tocandoeinvertendoaordemdasseções
dapeçaafimdeselocalizaremdiferenteslugares.Aofazerisso,aautoraressaltaqueomúsico
terácriadoumarepresentaçãomentaldamúsica, aqualproduziráemumaexecuçãoestávele
flexível.ParamelhorarmeudesempenhonoTesteExperimentalII,euprecisavaestudaraobrade
modo a também simular uma situação de falha de memória, onde dependesse totalmente da
memória analítico-conceitual para continuar a execução e, ao mesmo tempo, abstraísse as
memóriascinestésicaevisual
12
.

12
Essaserefereàmemóriadavisualizaçãodaposiçãodasmãosaotecladoedapartitura.Tambéméchamadade
memóriafotográfica(CHAFFINetal.2002,p.32,37).
220
A estratégia, por mim desenvolvida, baseou-se no conselho de Ginsborg (acima
mencionado), mas foi aplicada de modo diferenciado e em concordância com a situação
laboratorial vivenciada. Primeiramente, escolhi um trecho da sonata de Brahms para iniciar a
execuçãoquepoderiaserpartedodesenvolvimentooudare-exposição.Assim,euotocavapor
algunssegundos(umoudoiscompassos)para,emseguida,pararaexecução.Todavia,teriaque
ouvirmentalmenteacontinuaçãodapeça,sememitirnenhumsomcomaminhavoz.Decerto
modo, o fato de parar de tocar e apenas ouvir mentalmente fez com que a minha memória
auditiva
13
fosse parcialmente desativada, pois, embora estivesse ouvindo internamente, o
estímulosonorohaviacessado.Duranteessa“ausênciareal”dosom,eraimprescindívelqueeu
tirasseporcompletoasmãosdoteclado,dadoque,casoasmantivesse,eupoderiaserguiadopela
seqüência motora e, conseqüentemente, ativar a memória cinestésica. A ausência do toque
tambémcortariaavisualizaçãodomovimentodasminhasmãos,eliminandooestímulorelativoà
memória visual. Após determinado tempo ouvindo mentalmente a música, como se fosse o
estímulo sonoro do teste, eu teria que rapidamente colocar as mãos no teclado e continuar a
execuçãoapartirdotrechomusicalqueseseguisseàminha“execuçãomental”.Apóscontinuar
tocando alguns poucos compassos, eu parava novamente e refazia esse processo de estudo,
intercalandoexecuçãoeestudomentalatéofinaldasessãooudapeça.
As primeiras vezes em que utilizei essa estratégia de estudo, eu tive dificuldade em
manter a seqüência de execução ou ter precisão em acertar as notas que deveriam dar
continuidade. Assim, decidi, primeiramente, utilizar apenasos pontos estratégicos da estrutura
musical da obra para parar ou começar a execução. Chaffin et al. (1997) constataram que os
iníciosefinsdaspassagensmusicaisestudadaspelapianistaocorriammaisfreqüentementeem
pontoschavesdaestruturaformaldapeça,aoinvésdelugaresperiféricosoucontextuais,como,
por exemplo, em notas no meio de uma frase musical ou após uma pausa. Essa evidência foi
utilizadacomosuporteparaaproposiçãodequeumpianistaidentificaaestruturaformalpara
usá-la como guia de codificação da mensagem musical e para resgatar essas informações da
memória.WilliamoneValentine(2002,p.23)tambémencontraramessamesmaevidênciaemsua
pesquisa com delineamento experimental com vinte e dois pianistas. Os resultados mostraram
que os pianistas utilizaram a estrutura formal da peça para guiar sua prática durante todo o

13
SegundoGinsborg,emboraosmúsicosutilizemamemóriaauditivaduranteoaprendizado,elasóseráconfiável,
para um músico poder se localizar em uma performance, caso esteja subordinada à memória conceitual/analítica
(WILLIAMON,2004,p.131).
221
processodeaprendizagemeque,quantomaioroníveldehabilidade,maioreraautilizaçãodesse
parâmetrocomobaseparaapráticaeexecução.
Essascaracterísticastambémforamconfirmadasnosresultadosdoestudodecasoemque
participei, indicando que a minha execução era regulada pelos guias expressivos de execução
que,porconseguinte,eramfundamentadosnaestruturaformaldaobra.Contudo,paraconseguir
realizaroTesteExperimentalIInaformaemqueessefoiaplicado,euprecisavamelocalizarem
todo e qualquer lugar dentro do arcabouço formal da peça e não somente em seus pontos
estruturais.
LimeLippman(1990)submeteramsetepianistasaumtesteexperimental,memorizando
umtrechomusicalemdezminutosapartirdetrêsdiferentesestratégias:(1)estudomentaldo
trecho,(2)estudomentalouvindoaomesmotempoaparteasermemorizadae(3)estudofísico,
ouseja,apenasexecutandootrechomusical.Apóscadasujeitoterrealizadoastrêsestratégias,os
resultados apontaram que os lapsos de memória ocorriam no meio dos trechos ou de frases
musicais,empartesnãoestruturais.Esseseoutrosresultadosdepesquisasindicamainfluência
dos trechos estruturais como pontos de apoio na execução. Entretanto, o meu objetivo era
fortificartodasasseçõesesub-seçõesdapeçamusicalenãosomenteospontosestruturais.
Assim, após dominar a estratégia elaborada a partir dos trechos principais da peça,
comeceiapararereiniciaraexecuçãoemlugaresnão-convencionaiscomonomeiodeumafrase
musical, no meio de uma seqüência de arpejos, nos contratempos ou no segundo tempo da
pulsação 3/4. A complexa realização da estratégia nesses moldes dificultou imensamente a
precisãoeacontinuidadedaexecução,masfoisomenteapartirdessafasedetreinamentoquea
minhamemóriasetornoumaissegura,podendoreiniciarmaisfacilmenteaexecuçãoapartirde
trechosaleatóriosnapartitura.
Apóssentir-meconfiantenaexecuçãodessaestratégia,tenteidificultarumpoucomaisa
suarealização:aoinvésdereiniciaraexecuçãocom ambasasmãos,euutilizavaapenasuma,
intercalando-asemumaordemseqüencial.Geralmenteeuutilizavamaisamãoesquerda,jáque,
tradicionalmenteéamenosestudadae,conseqüentemente,maissuscetívelafalhasdememória,
emcomparaçãocomamãodireita.
A aplicação dessa estratégia requer que o instrumentista tenha memorizado a peça
musical, já que o objetivo é fortalecer o processo cognitivo que resgata as informações já
contidas na memória de longa duração. A partir dessa condição, seu uso se restringe,
222
principalmente,àsfasesmaisavançadasdoperíododeaprendizagemdorepertório.Nomeucaso,
essa estratégia foi empregada na fase de manutenção, pois a peça havia sido tocada no meu
terceiro recital de doutorado alguns meses antes do estudo de caso. Como o fator
experiência/habilidademusicaléumavariávelrelevanteedecaráterindividual/únicoparacada
sujeito, seria pertinente investigar a real eficiência desse tipo de estratégia, como forma de
aprimoraramemorização,aosepesquisarocomportamentodeestudo.
A partir dos resultados desse estudo de caso, torna-se necessária a aplicação dessa
estratégiacomumaamostragemmaiorquecompreendaváriosníveisdehabilidadeparaquese
possavalidar,ounão,suaeficácia.Nessesentido,aausênciadeumaabordagemespecíficasobre
autilizaçãodasestratégiaselaboradasnomeuestudodecasoinstigou-meaadentrarnessecampo
temático, com o intuito de desenvolver pesquisas que esclareçam alguns questionamentos de
ordemprática.
EssanovaformadeestudarasonatadeBrahmsdemandouumaltoníveldeconcentração
e,porisso,nãofoipossívelapráticaporlongosperíodosporcausadaexaustãomental.Chaffine
Lemieuxapregoamque “anecessidadedemanterumaatençãocompletaéarazãopelaquala
práticamaisefetivaérealizadaemsessõescurtasdeumahoraoumenos,separadasporintervalos
pararecuperação”(WILLIAMON,2004,p.25).Aassertivaqueoestudodopianoémaismental
doquefísicofoiconfirmadapelaaplicaçãodaestratégia,aqualexigiuumainterrupçãofísicada
seqüência motora e a continuidade imaginária, mas presencial, da fluência musical. E isso
demandou alta concentração. A reflexão sobre as impressões decorrentes da utilização dessas
estratégiaslevou-me aformularumaperguntaquepoderátornar-se um problema de pesquisa:
seráqueessetipodeestudodesenvolvediferentesconexõescerebraisquepoderiamotimizara
memorizaçãosecomparadasaoutrostiposdeestratégias?Obviamente,seaquestãoforanalisada
através de dados e comprovações de ordem neurofisiológica, a pesquisa terá que ter a
contribuiçãodeumespecialistaemneurociênciaparaanalisareinterpretaroscomplexosdados
estatísticosedeordemcientífica.Umtrabalhodessetipo,deintensacolaboraçãointerdisciplinar,
requereria uma investigação experimental com grupo de controle para ter parâmetros
comparativosedeaplicabilidadecomprovada.
223
3.3.2.2Estratégiaparafortaleceramemóriavisual
Segundo Hallam, o método mais seguro para se preparar uma execução memorizada
aparenta estar na adoção de estratégias que levam a uma codificação múltipla do conteúdo
aprendido.Nessecaso,asestratégiasparaamemóriavisual,auditivaecinestésicaoperamcom
menorconsciência,masaosesubmeteremàestruturaconscientedamemóriaconceitual,oefeito
sobre a apreensão do conteúdo será potencializado (1997c, p.208). Essa afirmativa parece
corroborarcomaelaboraçãodasegundaestratégia,criadacomointuitodefortaleceroutrostipos
de memória. O objetivo da estratégia anterior (de maximizar o resgate de informações da
memória de longa duração) era estimular e depender ao máximo da memória analítica para
resgatar as informações musicais da memória de longa duração e, ao mesmo tempo, tentar
restringiraativaçãodasmemóriascinestésicaevisual.
Devidoàênfasenamemóriaconceitualdaprimeiraestratégia,euprecisavaconstruiruma
novamaneiradeativaroutrasmemóriasdeapoio,especificamenteavisual,prevenindopossíveis
lacunas e fortalecendo a assimilação do conteúdo apreendido. A memória visual é igualmente
conhecidacomo“fotográfica”eédefinidacomoaquelaemqueomúsicoconseguevisualizare
lerapartituraaosetocardememória.Algunspianistas,comoCláudioArrau,GuiomarNovaese
Arthur Rubinstein, declararam ter esse tipo de memória. Outros, como Alfred Brendel, Misha
DichtereLiliKraus,disseramqueraramenteautilizam,por“nãoteremumaboamemóriavisual
ou porque não a acham útil” (CHAFFIN et al. 2002, p.37). Segundo Chaffin, o termo
“fotográfico” é freqüentemente usado, embora os psicólogos acreditem que não exista uma
memória verdadeiramente fotográfica (2002, p.37). No meu caso, apesar de não possuir a
capacidadedevisualizarmentalmenteasnotasnaausênciadapartitura,aassimilaçãovisualdo
conteúdo musical ajudou-me a fortalecer o entendimento do texto musical, aumentando sua
retenção.
Alguns renomados especialistas na área instrumental, como Gieseking e Leimer,
ressaltam o método de “visualização” como uma das mais relevantes estratégias para a
assimilaçãodeumaobra.Paratanto,omúsicomemorizaotextomusicalantesdeiniciaroestudo
dorepertório,utilizandoapenasoouvidointerno(WILLIAMON,2004,p.131).Nocaso,como
eujáhaviamemorizadoasonatadeBrahms,essaestratégiadeveriaseradaptadaparaocontexto
demanutençãodorepertório,ouseja,tentarvisualizarinternamenteumtextojáassimilado.A
suaaplicaçãoocorreudaseguintemaneira: sentava-meaopianocomasmãosforadoteclado
224
(mesmo princípio da primeira estratégia)paratentar suprimir a memória cinestésica, de modo
queelanãoservissedeestímulomotorparadarcontinuidadeàmúsica.Apartituraficavaabertaà
minhafrente.Todavia,osolhosdeveriampermanecerfechados.Oatodefecharosolhosfezcom
queeudiminuísseaativaçãodamemóriavisual(quetambéméguiadapelavisãodomovimento
dasminhasmãos),estimulandoainternalizaçãodapartituraenãoaminhaseqüênciamotora.A
execução de olhos fechados me fez ativar a percepção espacial do teclado de forma não-
convencional.Apartirdessespreceitos,empregueiamesmamaneiradeexecuçãodaestratégia
anterior, ou seja, ouvir mentalmente a música para tentar executá-la após determinado tempo.
Comooobjetivoerateraimagemmentaldapartituraereiniciaraexecuçãomantendoosolhos
fechados,oandamentoprecisouserdrasticamentereduzidoparaqueeuconseguisse“visualizar”
asnotasimpressasemelocalizarespacialmenteaoteclado.Determineiquetodasasvezesem
queeutivessedificuldadedemelocalizar,euabririaosolhosemefixariaatentamenteparaa
partitura. Fiz isso praticamente todas as vezes no início da aplicação dessa estratégia. Assim,
apenas olhava fixamente para o texto musical, sem tocar, assimilando todas as informações
impressascomoserealmentefosseumafotografia.Porfim,voltavaaotecladoerepetiaotrecho
visualizado.
Segundo Jane Ginsborg (WILLIAMON, 2004, p.130), são raríssimas as pesquisas
empíricasquetenhaminvestigadoamemóriavisual,citandoapenasotrabalhodeNuki(1984)
sobre memorização ao piano. No material bibliográfico coletado para o presente trabalho,
encontreiapenasapesquisacomdelineamentoexperimentaldeLimeLipman(1990),naqualos
sujeitos foram submetidos ao estudo mental de um trecho musical por um período de dez
minutos,parasóentãoexecutá-lomemorizado.Geralmenteasreferênciasbibliográficasapenas
descrevem como o estudo mental é realizado: memorizar antes de aprender a tocar. Ginsborg
(WILLIAMON,2004,p.131)ressaltaaindaqueoatodememorizarlongedoinstrumentoéuma
dasmaisimportanteshabilidadesqueummúsicopodedesenvolver,istoé,tera“capacidadede
ler a música, traduzindo a informação visual em som imaginário para, então, criar uma
representaçãomentaldessamúsica”(NUKIapudWILLIAMON,2004,p.131).Emboraeunão
tenha utilizado o método de visualização tal qual descrito por esses autores, a estratégia que
construí,baseadanessesprincípios,ajudou-meaalcançarumsignificativoaperfeiçoamentoem
minha memorização. Isso foi comprovado através dos resultados das duas últimas sessões do
225
TesteExperimentalII,apesardetertidoapenasumasemanadeintervaloentreassessõesdeteste
trêsequatroparaimplementaressaestratégia.
Ao finalizar todas as sessões de testes, observei que as duas estratégias anteriormente
citadasmeajudaramaaumentararetençãomentaldoconteúdoaprendido,bemcomoaprecisão
em reiniciar a execução a partir de qualquer lugar na partitura, proporcionando-me maior
segurançanaexecução.Aassimilaçãodapeçafoitãointensaquefuicapazdetocá-laapósoito
meses de abandono, sem quehouvesse falhas de memória (apenas errei uma nota, no registro
grave, a qual foi imediatamente corrigida, sem prejuízo da continuidade da execução). Após
comprovaçãodaeficáciadessasestratégias,lamenteiofatodo estudo de casonãocontemplar
outrosenfoquesinvestigativos,taiscomo aaplicaçãoe ainfluênciadessasestratégiassobreas
respostasdeexecuçãoenaotimizaçãodamemória musical. Cientedessa realidade, estabeleci
algumassuposiçõesquepoderiamjustificaraausênciadesseviéstemáticonoestudodecaso:
Essenãoeraoproblemadepesquisaoriginalpropostopelosautoresprincipais;
O efeito da prática sobre o resultado foi uma variável não-prevista. As estratégias
foram elaboradas por questões pessoais, de necessidade, sem terem sido requeridas
pelos pesquisadores. Entretanto, devido à sua influência nos resultados, foram
consideradascomovariávelindependente,sendoincluídasnoEfeito Pós-Prática.A
eficácia das estratégias sobre o desempenho das sessões de testes 3 e 4 não foi
prevista.Conseqüentemente,casofosseminvestigá-las,ospesquisadoresprecisariam
estruturar a metodologia em torno desse objetivo, uma vez que teriam que coletar
dadosmaisprecisossobreaformulaçãoeaplicaçãodasestratégias.Haveria,também,
necessidadedemaiormonitoramentonassessõesdeestudoedeumadescriçãoverbal
detalhada sobre a aplicação das estratégias nos trechos musicais. A falta desses
requisitospoderiacomprometerosresultadosfinais,tantoemrelaçãoàs técnicasde
pesquisa empregadas quanto à validade dos resultados, visto que todo material
coletadoficaàdisposiçãodeoutrospesquisadores.
Embora essas circunstâncias inviabilizassem uma investigação sobre as estratégias de
aprendizagem nesse estudo de caso, ficou evidente a existência de um campo temático a ser
desenvolvido. Segundo Crawford (CHAFFIN et al. 2002, p.18), raras são as pesquisas que
realizaram uma observação longitudinal e sistemática com concertistas, além de que as
226
entrevistas, nas quais esses músicos discutem suas estratégias de estudo, não esclarecem seu
processo de aprendizagem. A partir dessas informações, seria pertinente que o Teste
Experimental II fosse utilizado em outras pesquisas, servindo de parâmetro avaliativo, não
somenteparadetectarosguiasdeexecuçãoutilizadospelomúsico,mastambémparasubmetera
exametodoprocessoqueenvolveaaplicaçãodeestratégiasdessetipo.
Aespecificidadedastécnicasdepesquisautilizadasnesseestudodecasoeacomplexa
codificação estatística dos dados me impossibilitariam investigar as estratégias de estudo com
essa mesma metodologia sem a parceria de um especialista em manipulação estatística.
Entretanto,esseviésinvestigativopoderá,nofuturo,serexeqüívelatravésdautilizaçãodeuma
metodologia adaptada ao contexto situacional da minha pesquisa, ou seja, menos centrada na
neurociência e mais voltada aos aspectos idiossincráticos da execução e da didática do
instrumento.Atéomomento,nãoencontreinenhumafontebibliográficaquetenharealizadoum
estudo experimental (com grupo de controle e grupo experimental) sobre estratégias para
memorizaçãoaplicadasaorepertóriopianístico.
3.3.3 Críticas, sugestões e implicações para pesquisas empíricas na área de Práticas
Interpretativas
3.3.3.1Utilizaçãodoaparatolaboratorial
OTesteExperimental I,emqueeudeveriatocarapeçadeBrahmscomtrêsdiferentes
interpretações–“normal,comextremoexageroeanti-musical”(videitem3.2.2.4),foirealizado
primeiramente em um piano de cauda Yamaha. Entretanto, as execuções subseqüentes foram
feitasemumpianodigitalYamahaClavinovaemoutrocampusdaUniversidadedeConnecticut,
onde o Dr. Chaffin coordena um laboratório mais equipado e orienta bolsistas de iniciação
científica. Esses últimos foram encarregados de codificar e tabelar os dados fornecidos pelo
computadoracopladoaopianodigital.AopçãoporrealizaramaiorpartedassessõesdoTeste
Experimental Iem um pianodigitalfoi devida àprecisãodos resultados doaparatoeletrônico
envolvido,proporcionandomaiorexatidãoaoscálculosestatísticossobreodesempenhomúsico-
instrumental.
O Gráfico 3 mostra um dos dados estatísticos sobre a interpretação padrão da peça,
evidenciando a oscilação temporal ocorrida em cada compasso da obra. Dados complexos e
227
precisos como esses necessitam de recursos tecnológicos para que sua coleta e análise sejam
factíveis.
Gráfico3.Gráficoindicativodaoscilaçãotemporalduranteaexecução
14
.
AssessõesdoTeste Experimental Itiveramespaçamentodealgumassemanasentre si.
Durante esse intervalo, registrei em vídeo as mesmas seqüências de execução do Teste I,
realizadasnaminhapráticaindividualdeestudonospianosacústicosdauniversidade.Entretanto,
osdadosprincipaisdapesquisaeramcoletadosnopianodigital,devidoàsrazõesacimaexpostas.
A utilização de um piano eletrônico para coletar os dados da execução é um recurso técnico
bastanteempregadoempesquisasnaáreadoplanejamentodaexecução,comoasdeEricssonet
al.(1993),KrampeeEricsson(1996)eBurnsedeHumphries(1998),sendoqueomodelomais
recorrentefoiopianodigitalYamahaClavinovaacopladoaumprogramadecomputador.Outras
pesquisas priorizaram um instrumento acústico computadorizado ao prover o aparato
experimental, geralmente um piano de armário Yamaha Disklavier, a exemplo das pesquisas

14
O gráfico mostra a oscilação temporal em uma das execuções. O lado esquerdo indica o tempo (pulsação por
minuto) em relação aos números de compasso, localizados na parte inferior. Esses gráficos o sobrepostos para
traçarasoscilaçõestemporaisdecadainterpretação,parafinsdecomparaçãoentreasdiferentesexecuções.
228
empíricas com delineamento experimental de Woody (2003), Camp, Binkofski e Halsband
(1994),PalmereVandeSande(1995)eDrakeePalmer(2000).
Palmerutilizousomentepianosacústicosemsuaspesquisasexperimentaiscompianistas,
visto que “os sensores óticos e solenóides no piano [de armário Yamaha computadorizado]
permitiramumagravaçãoprecisa”,semafetarotoqueouosomquesomenteumpianoacústico
podeproporcionar(DRAKEePALMER,2000,p.8).Emsuapesquisade1995,Palmerusouum
piano acústico ainda mais preciso: o piano de cauda computadorizado Boesendörfer Imperial.
Como os pesquisadores da área de psicologia da música trabalham com testes experimentais
baseados em dados estatísticos e exatos sobre a execução, é fundamental que o sujeito possa
utilizaruminstrumentoquelhesejafamiliar,ouseja,uminstrumentoacústicoenãoumpiano
digital.
Sabe-se que os pianos digitais não reproduzem, em exata medida, a sonoridade e o
mecanismo de um piano acústico. No entanto, o alto custo de um piano acústico
computadorizado,comoosfabricadospelaBoesendörfere Yamaha,muitasvezesinviabilizaa
suaaquisiçãoporumlaboratóriodeexecuçãomusical,principalmenteseessenãofordaáreada
música. Por isso, mesmo com toda a infra-estrutura do laboratório de Chaffin, este ainda não
tinhaoaparato.
Considerando a disparidade entre os instrumentos acústico e digital no que se refere à
captação exata das intenções do intérprete, suscito uma questão referente à variável tipo de
instrumento: será que haveria alguma alteração nos meus resultados, caso os mesmos
procedimentos fossem realizados em um piano acústico? Considero essa questão a partir das
característicasdoinstrumentoacústico,emrazãodequeopianodigitalnãotemmecanismode
escapamento
15
comoodeumpianodecaudae,conseqüentemente,arepetiçãodasnotasseria
prejudicada,afetandoosresultadosquantoàvelocidadeeprecisão.Contudo,seráqueaagilidade
poderiasersuperiornospianoseletrônicos,jáqueseutecladopossuimenorpesoemrelaçãoàs
teclas de um piano acústico? Nesse caso, seria aconselhável que o teste fosse aplicado com
mesmosujeitoeeminstrumentosdigitaleacústico.

15
Ospianosdearmárionãotêmomecanismodeescapamento,aexemplodoYamahaDisklaviercomputadorizado,
utilizadonagrandemaioriadaspesquisasqueutilizaramumpianoacústicocomputadorizado.Oescapamentoutiliza
opesodagravidadepararetornaromarteloàposiçãodeataque.Conseqüentemente,existeumamaiorrapidezpara
repetir umanota,fazendocom que seja possívelarepetição da mesma nota semque atecla precise voltar asua
posiçãonormal.
229
Semrelevarainfluênciadoelevadocustodopianoacústicocomputadorizadocomofator
derestriçãoinvestigativa,autilizaçãodeuminstrumentoeletrônicotalvezsejustifiquepelofato
dequeamaioriadaspesquisasempíricasérealizadaporpesquisadoresdeoutrasárease,muitas
vezes, sem a ponderação do sujeito/pianista profissional, que não estuda em um piano digital.
Assim,cabeaopesquisadorproverumaparatoinstrumentaladequadoparacolherosdados.
As três interpretações realizadas no piano digital causaram-me certo distúrbio na
execução,oqualdificultouminhaconcentraçãonatarefa.Emborativesseexperimentadoopiano
antesdacoletadedadosafimdemefamiliarizarcomoinstrumento,nãoconseguiabster-medos
seuslimitesduranteaexecução.Váriascaracterísticasdopianodigitalfazemcomqueaexecução
nesse instrumento não permita transparecer por completo as intenções técnico-musicais do
intérpreterealizadasemsuarotinadeestudo.Nessecaso,ascaracterísticasdoinstrumentodigital
(opoucopesodasteclas,adificuldadeparacontrolaradinâmicaeosdiferentestiposdetoque,a
falta de precisão do mecanismo e a resposta sonora significativamente inferior) fizeram-me
perceberqueaexecução nesseinstrumentonãocorrespondiaàsminhas expectativas musicais,
poisnãoproduziuamesmasonoridadedaminhapráticahabitual.
O tipo de instrumento pode influenciar tanto os aspectos interpretativos quanto os de
cunhomecânicoededesempenho.Mesmocomtodasessaslimitações,tenteirealizaroTesteIda
maneira mais eficiente possível, tentando adaptar-me às condições impostas. A primeira
execução do Teste I foi realizada em um piano de cauda. Contudo, o foi possível obter os
mesmos resultados precisos de execução, visto que o instrumento não era computadorizado.
Assim,osdadosdaoscilaçãotemporal,porexemplo,sópuderamseranalisados,estatisticamente
apartirda gravação em piano digital. Paraseobterumparâmetronos resultados de execução
seriaaconselhávelainvestigaçãodofenômenonos doistiposdeinstrumento,paraseverificar
uma possível alteração nos resultados. Desse modo, os fatores oriundos das limitações do
instrumento e os provenientes de alguma dificuldade de execução por parte do sujeito seriam
elucidados.
Notando-seaimportânciadavariáveltipodeinstrumentocomofatordeinterferenciana
execução, há a necessidade de que a pesquisa empírica seja sempre realizada em um piano
acústicocomputadorizadoe,depreferência,decauda.Paratanto,torna-seindispensávelqueos
pesquisadores que trabalham nessa linha temática obtenham recursos junto aos órgãos de
fomento à pesquisa, para a aquisição de um instrumento com maior precisão e dentro da
230
ambiência
16
emqueosicopraticaeexecutasuashabilidadesmusicais.Issonãodependeda
decisãodopesquisador,mas,sim,dosrecursosfinanceirosenvolvidos.Hánecessidadedebusca
de alternativas para solucionar esse obstáculo. Uma das sugestões seria a busca por parcerias
interinstitucionaisdepesquisa,emqueáreasdistintaspoderiamserbeneficiadas.
3.3.3.2Relaçãoentrepesquisadoresujeito
A reflexão crítica sobre as pesquisas empíricas na linha do planejamento da execução
instrumentalsugereque arelaçãoentrepesquisadoresujeitoestásujeitaadivergências.Mary
Crawford(CHAFFINetal.2002,p.15)relataque,noiníciodoplanejamentodoestudodecaso
com a pianista Gabriela Imreh, Chaffin intentou referir-se como autor e pesquisador
17
,
considerando a pianista apenas como objeto de estudo. Imreh julgou esse posicionamento
inaceitável,explicandoque“somentepoderiaparticiparnacondiçãodeparceiroativoepensante,
enão como sujeito passivo” (2002, p.15). Por fim, lhes foi possível construir uma relaçãode
troca,naqual todos os envolvidos puderamsecompletar: um pesquisador empírico(Chaffin),
uma construcionista
18
(Crawford) e uma pianista concertista (Imreh). Essa “simbiose” foi
consolidadaatravésdeumavisãometodológicaaberta,semrejeitartantoosmétodosqualitativos
quantoosquantitativos,nemassumirquealgumdessesseriaoúnicocaminhoparaainvestigação
(p.16).PerssoneRobson(1995,p.41)corroboram essemesmopensamento,salientandoquea
distinçãoentrequalitativoequantitativotemsetornadoumadiscussãoobsoletaequeapesquisa
naáreadaperformancemusicalnecessitadessajunção,reconhecendoqueambossãoigualmente
válidosemtermosdeesforçocientífico.
Segundo Chaffin et al.(2002), o fato de suas pesquisas terem a participação de
profissionaiscomníveldeexpertise,fazcomquehajaoportunidadeparasuperaro tradicional
problema de hierarquia entre o pesquisador e o sujeito (p.19). Contudo, acrescenta que não
encontraram nenhum registro científico em que os participantes afirmassem haver criado um
relacionamentoemquenãohouvessealgumgraudehierarquiaentreasváriaspartesenvolvidas

16
Refiro-meaoestudodopianoserrealizadoessencialmenteeminstrumentoacústico.
17
ChaffinrelataquenoiníciodapesquisacomImreh,aúnicamaneiradeconceituararelaçãoentreosenvolvidos
era atravésda linguagem utilizada pelasconvenções tradicionais dapesquisa naárea da psicologia, ou seja,pela
hierarquiaentreopesquisadoreosujeito(CHAFFINetal.2002,p.15)
18
Crawford deslocou suas bases epistemológicas da psicologia empírica para uma posição mais construtivista e
social.Osconstrucionistasfazemhipótesesbaseadasnomundonaturalesocialeacreditamqueosmétodos,queeles
utilizamparaentenderosfenômenos,devemserinstrumentossurgidosdentrodeumtempoespecíficonahistóriae
dentrodeumadeterminadacomunidade(CHAFFINetal.2002,p.14).
231
napesquisa(p.22).NoestudodecasocomaconcertistaGabrielaImreh,Chaffinafirmaqueas
ponderações da pianista foram vitais na pesquisa, mas, assim como a maioria dos psicólogos
cognitivos, ele dava valor à perspectiva analítica do pesquisador sobre o fenômeno cognitivo
(p.22).Apartirdessasconsiderações,refletisobrecomoseconstituiamasrelaçõesdehieraquia
entreosenvolvidosnoestudodecasoemqueparticipei,vistoque,emboratenhasidoconvidado
aserco-autor dotrabalho, aminhaparticipaçãoestavadelimitadacomo sujeito. O fatodeser
sujeito,oportunizou-merefletirsobrecomoseformavamasconfiguraçõesinterpessoaisdepoder,
atravésdavisãopessoaldoobjetoobservado.Esseenfoquefoiumdosmaisenriquecedorespara
estabelecerumacompreensãoglobaldosenvolvidosnapesquisaempírica.
Nota-se que a pesquisa empírica, de maneira geral, pode ter a tendência implícita de
definirosatributosparacadaparticipante,estabelecendoseuslimitesecontribuições.Osujeito
precisaficarexclusodoprocessodeelaboraçãodoprojetodepesquisa,duranteaaplicaçãodos
testesecoletadedadosedaavaliaçãodos resultadosparaqueotrabalhotenhaumcaráterde
neutralidade e imparcialidade próprios da pesquisa científica. Todavia, deve-se evitar que a
pesquisainterdiciplinarpriveopesquisadoremPráticasInterpretativasdeparticiparativamente
dapesquisa.Comoosujeitoserádaáreainstrumental,seriarelevanteterumpesquisadordessa
área na equipe multidisciplinar para avaliar aspectos específicos da execução, geralmente
relacionadosàsquestõesinterpretativasederealizaçãotécnico-motor.Afaltadessaaproximação
ajudaafortaleceroargumentodequeapesquisaempíricarealizadaporprofissionaisdeoutras
áreasestácalcadanaanáliseobjetivadosdados,dandomaiorpesoaosregistrosquantitativosdo
comportamento e analisados sob a reflexão do pesquisador dessas áreas. É justamente nesse
contextoqueapesquisainterdisciplinardeveseprecaverdeumaabordagemuni-direcional,para
que os resultados não sejam influenciados por um direcionamento baseado na visão
epistemológicadeumadeterminadaáreadoconhecimento.
ApesquisaempíricadecaráterinterdisciplinarcomtemáticasdasPráticasInterpretativas
pode tender a situar o sujeito apenas como um objeto de estudo, de certa maneira passivo e
exteriormente observável, principalmente se esse trabalho for realizado por um pesquisador
proveniente de outras áreas do conhecimento. Persson e Robson (1995, p.42) ressaltam que a
maioria dos músicos tende a ressentir-se por serem tratados como objeto de estudo e que os
pesquisadores, na maioria das vezes, não consideram seriamente as objeções dos músicos.
Conseqüentemente,aparticipaçãodosujeitolimita-sesomenteàanálisesubjetivadosaspectos
232
estéticos do fazer musical, os quais Chaffin denomina de “dados subjetivos”, provenientes do
relatopessoaldosujeitosobreseucomportamentodeestudoeintençõesmusicais.Nessecaso,
caberia apenas ao pesquisador observar o comportamento do sujeito durante a prática e o
fenômenocognitivoparaconfrontá-loscomseusrelatos verbais.Ocernedo problemanãome
pareceestarcentradonessasquestões,vistoqueessahierarquiaéumacaracterísticadapesquisa
empírico-científica, mas sim, na fragilidade de um campo investigativo em que as questões
principaisdaáreapesquisadanãosãoplenamenterespondidas.
Nopresenteestudodecaso,osresultadossãorelevantesetêmcomprovaçãocientificado
problemaproposto.Todavia,apartirdaaspiraçãodosmúsicosemalcançarresultadosdemaior
aplicabilidade, esse trabalho tende a seguir os padrões de pesquisa estabelecidos pelas
investigações da psicologia da música, ou seja, priorizam o resultado final da execução em
detrimentodadescriçãodetalhadasobreoscaminhospercorridospelomúsicoemseuprocessode
aprendizagem.Nãoqueissotenhaumaconotaçãonegativaoudedesmerecimento,aocontrário,
esseobjetivo trazméritoàpesquisa,vistoestardeacordocomoviésinvestigativoda áreada
psicologiadamúsica.Entretanto,essasituaçãoreforçaoargumentodequehánecessidadedeque
o fenômeno examinado tenha igualmente maior abrangência e aplicação, com o intúito de
responder aos questionamentos, divergências e lacunas empíricas da área de Praticas
Interpretativas.
Hultberg(2005)ressaltaqueosinstrumentistas,porvezes,criticamospesquisadorespor
investigaremapenasosaspectosmensuráveisaoinvésdeexaminaroquerealmenteinteressaaos
participantes. Acrescenta, ainda, que esse problema talvez esteja relacionado à falta de
comunicaçãoentreosenvolvidos(p.212).Segundoessaautora,asdivergênciaspodemestarnas
intençõesdospesquisadoresenasexpectativasdossujeitosemproverumaclaraindicaçãosobre
como os resultados da pesquisa serão concretizados. A discussão dos resultados entre os
envolvidos é um elemento importante na pesquisa,visto que as conclusões poderão ter pouco
apeloàáreainstrumentalcasonãoseconsideremaspectosinseridosnaaçãomúsico-instrumental
(p.213).
Assim, parece-me que os resultados do estudo de caso em questão demonstraram a
hierarquiadosguiasdeexecução,semquefosseapontadocomoocorreuoprocessoparaotimizar
amemorização.Nessecontexto,aindafaltaàpesquisanalinhadoplanejamentoumajunçãomais
orgânicaentreatradiçãoempírico-científicaeosaspectosfuncionaisevivenciaisprópriosdas
233
Práticas Interpretativas. Talvez o anseio de uma maior aproximação pudesse solucionar a
dificuldadedessaspesquisasemtransformarsuasconclusõesemresultadosdecunhoprático,ou
seja,explicarcomoomeioresultouemumfim.Serájustamenteesseencaixequeproporcionará
umadescriçãomaisintegraldofenômenoestudadodeformaagerarumconhecimentoaplicável.
Contudo, esse equilíbrio não parece fácil de ser obtido (comprovado pelo exíguo número de
pesquisasempíricasrealizadascommúsicosexperts).
Hultberg(2005)dizque,geralmente,ossujeitosestãoenvolvidosapenasnafasedecoleta
dosdados.Issopodelhesocasionarumafaltadecompreensãogeraldapesquisa,podendocausar
uma lacuna situacional entre o seu entendimento da pesquisa e os objetivos do pesquisador.
Conseqüentemente, se o conhecimento da área instrumental (pelo sujeito) não é levado em
consideração,aresultantedomaterialcoletadopoderáserquestionada,alémdanecessidadede
outrostiposdecoletas,comoentrevistaseobservações(p.213).Assim,essaautoramencionaque
osujeitoprecisateracessoaopanoramageraldapesquisaparaquetenhacondiçõesdeparticipar
daanálisedosresultadosemtermosdeigualdadecomopesquisador(p.216).Acreditoqueeste
anseiosejautópico,poisnãohá como sujeito epesquisadorteremo mesmopesonoprocesso
investigativo,poisissoinvalidariaesseprocesso.
Geralmente os pesquisadores da área da psicologia da música não têm uma formação
instrumentalquelhesdêsubsídiosparainvestigaroconteúdoeaestruturaçãoda performance
musical com o mesmo respaldo e confiança que têm em sua área de conhecimento. Assim,
escolhemumaabordagemcientíficaquelhesgarantesegurançaepistemológicaparaadentrarnos
aspectoscognitivosedaneurociênciaenvolvidosnaexecuçãoinstrumental.Nessecontexto,seria
pertinentequeapesquisaempíricasobreoplanejamentodaexecuçãoincluísseumpesquisador
daáreainstrumental,demaneiraqueodelineamentoinvestigativosejaestabelecidoapartirdo
problemadepesquisa.Nessesentido,apóio-menaressalvadosautoresPerssoneRobson(1995,
p.42),os quaissalientamanecessidadede“acomodarametodologiaaofenômenomusical,ao
invésdeacomodarofenômenomusicalaotradicionalparadigmacientífico”.Mencionamainda
que as questões de pesquisa devem atuar como “árbitro para escolher qual a metodologia ou
combinaçãodemetodologiasdevemserempregadas(oucriadas)pararesolverumdeterminado
problemaougrupodequestões”.
Considerandooproblemadepesquisadesseestudodecaso(istoé,descobrirquaissãoos
guiasdeexecuçãoutilizadospelosujeitopararesgatarasinformaçõesmusicaisdamemóriade
234
longo prazo), verifiquei que foi estabelecido um relacionamento hierárquico apropriado, visto
que,aospesquisadores,importavaexaminarsomenteoresultadofinalparacomprovar,ounão,as
suasteoriassobreosguiasdeexecução.Entretanto,omesmoestudodecasonecessitariadeum
pesquisador da área instrumental caso houvesse outro objetivo, como, por exemplo, a
constituição, a aplicação e os efeitos das estratégias de estudo para otimizar a retenção do
conteúdo apreendido na memória de longa duração. Muitos outros aspectos da prática
instrumental, tais como a relação entre resposta de execução e sonoridade, podem ser melhor
avaliados sob a observação consciente do músico. Nesse caso, o músico/pesquisador teria um
envolvimento ativo na decodificação dos dados. É justamente nessa divergência de olhares
investigativos,quesecompletam,queaáreadePráticasInterpretativasprecisasedimentarasua
pesquisaempírica.
Minhareflexãosobreosresultadosdoestudodecasotrazalgunsquestionamentos que
poderiamserexaminadospelospesquisadoresemtrabalhosfuturos,comoarelaçãoqualitativa
entrerespostadeexecuçãoesonoridade.Muitasvezesminhasrespostasforamimediataseem
sincroniacoma continuidademusical.Contudo,aqualidadedo som produzidofoiabaixodos
meus padrões interpretativos. Outras vezes, onde houve interrupção do fluxo musical e uma
respostamaislenta,asonoridadefoisatisfatória.Dessamaneira,indagoseadescontextualização
doresultadosonoroparaaanálisedarespostaedosguiasdeexecução,conformerealizadonesse
estudodecaso,deixoudeconsideraraproduçãosonoracomoumadasprincipaiscaracterísticas
quedistinguemumartista.Sealgumasrespostasforamprecisasemdetrimentodeumamelhor
sonoridade, então, nesse determinado tempo e espaço, estaria eu centrado em aspectos do
desempenhoquenãosãoconsideradosnormalmenteemumaperformancedeexcelência?Seas
variáveis interpretação e sonoridade não são averiguadas pelos pesquisadores de outras áreas,
quem irá julgar a relação desempenho versus qualidade do resultado sonoro? Caso esses
questionamentosfossemverificadosnaspesquisasempíricassobreoplanejamentodaexecução,
éprovávelqueosobjetivospropostosearelaçãoentrepesquisadoresdeáreasopostasteriamque
ser revistos, uma vez que estão implícitas questões subjetivas que podem ser melhor
compreendidaseavaliadassobaestéticaeavisãodointérprete.
Aspesquisasempíricaseinterdisciplinaresnaáreadoplanejamentodaexecuçãodevem
reconsiderar a interação entre os envolvidos, pois que alguns questionamentos somente serão
respondidosemcasodecontribuiçãoindividualedeacordocomacompetênciaeexperiênciade
235
cadaparticipantedaequipemultidisciplinar.Nesseestudodecaso(semrelevaraanálisesobreo
processo de aprendizagem, para o qual eu poderia trazer maior contribuição), mesmo que o
problema de pesquisa exija um pesquisador de outras áreas, algumas questões implícitas e de
cunhoespecífico-musicalpodemalterarosresultadossenãoforemexaminadasnocontextodo
problema.Nessesentido,ressaltonovamenteaimportânciadogrupodepesquisadoresincluirum
profissionaldaáreadePráticasInterpretativas,demodoqueatrocadeexperiênciassejafatorde
convergênciadasáreasdistintasembuscaderesultadosquesatisfaçamambasasáreas.
CONCLUSÃO
O longo processo de construção investigativa do presente trabalho, através da análise
crítica das fontes bibliográficas e da reflexão sobre a minha participação em um estudo de caso,
mostrou que a pesquisa empírica a respeito do planejamento da execução instrumental é uma das
linhas de pesquisa mais relevantes em Práticas Interpretativas. Existem inúmeras possibilidades
de experimentação prática dos conceitos, princípios e teorias formuladas que têm sua origem nos
trabalhos puramente teóricos e na prática vivenciada de especialistas da área instrumental,
oferecendo farto material temático. Depreende-se, então, que o planejamento da execução tem a
maior quantidade de problemas de pesquisa inexplorados, pois a temática abrange todo o
processo de aprendizagem de um repertório: desde o primeiro contato com a partitura até a sua
apresentação formal. Isso também corrobora para que essa linha de investigação seja estabelecida
como uma das que mais se vincula ao campo da didática do instrumento e transforma-se numa
justificativa para incentivar os estudos empíricos.
Os trabalhos realizados nesta linha de pesquisa apresentam muitas ramificações temáticas,
geralmente para verificar a análise do comportamento da prática instrumental, os níveis diferentes
de execução e os aspectos particulares da prática, como a aplicação e o efeito das estratégias de
estudo. De modo geral, essas pesquisas são estruturadas sob tendências da psicologia cognitiva,
adotando um amplo espectro investigativo: diferentes métodos (sendo as pesquisas descritivas
com delineamento experimental uma das mais utilizadas, seguida pelos estudos e caso), técnicas
de pesquisa variadas (destacando-se a entrevista semi-estruturada como a mais empregada, além
do registro em vídeo da prática instrumental) e uma amostragem que varia tanto em número
quanto em nível de habilidade musical. Os pesquisadores da linha do planejamento da execução
costumam estabelecer um método preferencial, que melhor se adapta ao seu perfil investigativo
para, então, estruturar suas pesquisas a partir desse modelo. Em seus resultados, é possível
evidenciar marcantes diferenças entre indivíduos em relação à prática do instrumento, devido às
237
diversas formas de abordagens do planejamento, das atividades realizadas no estudo e de acordo
com o nível de habilidade do músico.
O foco das investigações está centrado em dois eixos sobre o desempenho instrumental:
1. O músico profissional com nível de expertise, o qual atua como modelo da ação
músico-instrumental e de parâmetro para o ensino do instrumento. Nesse quesito
algumas pesquisas têm se destacado e servido de referencial para inúmeros trabalhos
que abordam aspectos relacionados à execução de excelência, como, por exemplo,
os trabalhos de Chaffin et al. (1997, 2002), Miklaszewski (1989), Ericsson et al.
(1993) e Sosniak (1985);
2. Os estudantes de música e músicos amadores, em seus variados estágios de
aprendizagem e níveis de habilidade, servindo como objeto de pesquisa para o
exame dos aspectos específicos da execução musical, tais como o tipo de prática
empregada, as diferenças individuais durante o estudo, a estrutura da prática, o
efeito das estratégias de estudo, os aspectos motores ou expressivos da execução e a
memorização. Esse eixo compreende a maioria das pesquisas empíricas sobre o
planejamento, destacando-se vários trabalhos como referenciais: Gruson (1988),
Hallam (1997), Lim e Lippman (1990), Nielsen (1997, 1999), Pitts et al. (2000),
Sloboda et al. (1996), Williamon e Valentine (2000, 2002), dentre outros.
Somente com a comparação desses trabalhos e o entendimento do processo de pesquisa é
que se poderá ter uma compreensão inteligível de como se configuram suas relações. O primeiro
eixo é o que engloba maior número de fontes puramente teóricas sobre a prática instrumental em
nível de expertise. Entretanto, é um dos que mais necessita de pesquisas empíricas. Isso se torna
ainda mais evidente quando a pesquisa relaciona-se com a análise do comportamento de estudo
de pianistas profissionais, dado pela exígua produção científico-acadêmica com músicos que se
enquadram nesse perfil. Nota-se que, além da dificuldade de encontrar sujeitos com essa
qualificação, existem poucas chances de que um instrumentista com tal competência seja capaz
de dispor do tempo necessário e convencer, a si mesmo, a testar, de maneira explícita, suas
habilidades como músico. Nesse sentido, um estudo de caso pode ter maior apelo ao
instrumentista, pois talvez não lhe pareça um teste comparativo para provar seu desempenho
(próprio das pesquisas experimentais), mas apenas uma observação de sua prática.
Independentemente do método escolhido, o pesquisador precisa estar atento a essa variável ao
238
interagir com o sujeito, visto que a pesquisa estarevelando, de uma maneira ou de outra, um
aspecto íntimo e frágil da prática instrumental. Esse seria um dos focos que mais poderiam
contribuir para esclarecer as dúvidas quanto aos procedimentos a serem adotados para se chegar à
uma execução de nível de expertise, assumindo, assim, fortes implicações para o ensino
instrumental, com base na validação dos seus resultados. Hallam (1997, p.92) ressalta que as
pesquisas que estabelecem as atividades de estudo em músicos profissionais e monitoram as
mudanças ocorridas durante o período de aprendizagem, podem prover um proveitoso arcabouço
para auxiliar professores a melhor ensinar os alunos a estudar eficientemente.
As fontes bibliográficas sobre o planejamento da execução apontam que os trabalhos
sobre a análise do comportamento durante o estudo (sua organização, características e tipos de
prática) constituem o principal foco temático dessa linha de pesquisa. Embora em menor número,
as temáticas envolvendo os processos de memorização e de representação mental da música são
as que apresentam o vel de maior desenvolvimento investigativo com trabalhos de resultados
substanciais e de reconhecido mérito. Essa consistência científica deve-se à influência do
embasamento teórico das pesquisas realizadas no campo da psicologia cognitiva e das
neurociências e de pesquisadores dessas áreas, os quais atuam em investigações na área da
música, como Chaffin et al. (2002), Davidson (2004), Ericsson et al. (1993, Lehmann (1997),
Williamon e Valentine (2000), dentre outros. Embora haja avanço nas temáticas sobre a
memorização, ainda um campo significativo para ser examinado, principalmente se os
pesquisadores acrescentassem uma investigação sobre as estratégias de memorização à descrissão
do processo cognitivo, aplicando-as nos sujeitos, a fim de comparar quais que melhor otimizam a
retenção do conteúdo musical. Nesse contexto, depreende-se que a temática com maior
necessidade de investigação é a que aborda as estratégias de estudo, em virtude de que uma parte
significativa delas não foi examinada através de pesquisas empíricas.
Várias pesquisas comprovaram a eficácia de determinadas estratégias de estudo que se
mostraram capazes de aprimorar a habilidade física e mental da ação músico-instrumental,
reforçando o princípio de que a utilização de uma gama de estratégias para a prática do
instrumento pode ser fundamental para a eficácia da aprendizagem. Conseqüentemente, serviu
como incentivo para buscar maior entendimento sobre a aplicação dessas estratégias. Os
trabalhos têm confirmado o que os teóricos e especialistas afirmam, isto é, que o estudo
consciente, sistemático, direcionado e com aplicação de estratégias voltadas para a solução dos
239
problemas irá acarretar resultados qualitativos na aprendizagem instrumental. Com base nesse
preceito, depreendo duas asserções que devem interagir para que haja uma maior contribuição
para o desenvolvimento da linha de pesquisa do planejamento da execução:
a) As estratégias de estudo formuladas por especialistas na área (músicos, teóricos e
professores do instrumento) podem ser utilizadas como parâmetro para o ensino por
estarem baseadas na vivência e na experiência prática desses profissionais, além de se
apoiarem na longa tradição do ensino do piano. Uma significativa parte dessas
estratégias não foi examinada por estudos empíricos;
b) As pesquisas empíricas sobre a prática instrumental, com músicos profissionais,
podem trazer grandes contribuições para a área da pedagogia do instrumento, pois
esses trabalhos se estabelecem na cientificidade de seus métodos de pesquisa para
validar, ou não, essa prática.
Essas duas evidências devem ser consideradas mutuamente ao se examinar a constituição
das estratégias de estudo e a sua correta aplicação. Essa articulação conjunta produz um fértil
campo temático, ainda pouco explorado, podendo levar ao desenvolvimento de pesquisas que
perscrutem essa interação. Dentre todos os campos temáticos, as que versam sobre estratégias são
as que apresentam maior potencial para ser examinado por pesquisas empíricas, abrindo espaço
para que sejam identificadas, sistematizadas e criticamente analisadas. A ampliação de trabalhos
nessa temática poderá levar a pesquisa descritiva em Práticas Interpretativas ao patamar de
cientificidade empírica já alcançado por outras áreas do conhecimento.
Considerando-se o material bibliográfico apresentado, este trabalho estabeleceu dois
pilares interconectados para refletir sobre a construção crítica do pensamento sobre a estruturação
dos processos envolvidos na pesquisa empírica: (a) o pilar teórico fundamentado no estudo
crítico sobre as pesquisas empíricas na linha do planejamento da execução instrumental; e (b) o
pilar prático, vivenciado minha experiência, como sujeito de um estudo de caso, durante o
Estágio de Doutorado no Exterior. As relações interatuantes entre os dois pilares ajudaram-me a
refletir de modo multidimensional a respeito de diversas questões presentes nos trabalhos sobre o
planejamento da execução visando discernir sobre as implicações para pesquisas futuras na área
de Práticas Interpretativas.
Os trabalhos empíricos têm-se mostrado propensos à interdisciplinaridade, adotando
elaboradas técnicas de pesquisa e métodos que requerem a participação de um pesquisador com
240
formação multidisciplinar ou a criação de equipes multidisciplinares. Por exemplo, a utilização
de complexos testes estatísticos na codificação dos dados demanda um conhecimento específico
que dificilmente um músico sem experiência em áreas que trabalhem com análises estatísticas
terá como empregar. Esses requisitos evidenciam-se no exíguo número de pesquisas empíricas
sem a participação ou influência de um pesquisador de outra área, geralmente um psicólogo
cognitivo. Com base nessa realidade e na história dos trabalhos dessa linha, depreende-se que a
área de psicologia da música deteve a autoridade sobre a investigação do planejamento da
execução instrumental, evidenciando que o caminho a percorrer na linha do planejamento da
execução aponta para uma influência cada vez maior das relações interdisciplinares, na medida
em que as pesquisas se tornam estudos em paralelo às que são realizadas em outras áreas. O
planejamento da execução alcançou um nível investigativo em que necessidade de que os
centros de pesquisa em música repensem a interdisciplinaridade, incluindo um profissional
formado em psicologia da música em seu corpo docente, a fim de trabalhar conjuntamente com
pesquisadores que estejam envolvidos no delineamento das pesquisas. O estudo de caso do qual
participei reforçou meu entendimento de que a colaboração interdisciplinar é a maneira mais
completa de se averiguar questões subjetivas e de cunho artístico-musical. Essas últimas servem
de justificativa para o argumento equivocado de que a arte não pode ser investigada pela ciência.
Ao contrário, os resultados das pesquisas apontam justamente para uma direção oposta a essa
alegação.
Vários autores apontam que a linha de Práticas Interpretativas é, dentre as subáreas da
música, uma das que mais carece de parâmetros teóricos específicos e de procedimentos
metodológicos consolidados. Presumo que a fragilidade do referencial não provenha somente da
ausência de uma sólida fundamentação teórica para embasar a prática de estudo, mas também da
maneira como ocorre a intersecção entre os vários referenciais. O fato de as pesquisas empíricas
sobre o planejamento da execução terem cunho interdisciplinar e serem realizadas, em grande
parte dos trabalhos, por pesquisadores com formação em outras áreas do conhecimento, faz com
que o referencial utilizado tenha tendência a ser extraído dessas áreas. Outro fator envolvido na
escolha desse referencial é que a execução musical tem atributos físico-mentais passíveis de
serem examinados pelos mesmos parâmetros metodológicos e analíticos de outros estudos que
igualmente envolvem a habilidade motora e mental. Esse é um dos problemas que faz com que a
linha de pesquisa do planejamento da execução tenha dificuldade em encontrar um sustentáculo
241
teórico próprio que embase seus estudos empíricos, visto que não são correntemente considerados
os referenciais próprios das Práticas Interpretativas. A relação entre o empírico e o teórico precisa
ser revista para que as perspectivas da pesquisa sobre o planejamento possam assegurar que as
investigações estão contribuindo para a construção de novas teorias e não apenas reiterando as
mesmas já existentes.
Como conseqüência, a ausência de trabalhos puramente teóricos por especialistas na área
música faz com que muitos resultados das pesquisas empíricas sejam questionados, como, por
exemplo, a pesquisa experimental de Ericsson et al. (1993, 1996), que formulou a teoria da
prática deliberada aplicada à música (baseada, quase em sua totalidade, em experimentos e
trabalhos não pertencentes à área musical). Todavia, não foram explicitadas as estratégias de
estudo utilizadas pela prática deliberada, sua constituição, aplicação e relação quanto ao processo
de aquisição de uma habilidade em nível de expertise. A escolha por um referencial teórico fora
da área da sica, além de indicar a formação acadêmica dos pesquisadores em outras áreas do
conhecimento, aponta para uma abordagem onde a música é vista como um objeto de estudo, sem
que haja maior interlocução entre as partes envolvidas. Nesse sentido, faz-se necessário que o
referencial teórico das pesquisas empíricas leve em consideração o que os especialistas na área de
música escreveram, até mesmo para que os resultados tenham apelo para a área de interesse.
Assim, ao selecionar seu referencial teórico, o pesquisador deve evitar colocar em segundo plano
o conhecimento de especialistas da música, e sim encontrar um ponto de convergência em que a
cientificidade e os aspectos práticos e subjetivos relativos à música possam se fundir.
O exame crítico sobre as fontes bibliográficas apontou que algumas temáticas da prática
instrumental já foram apoderadas pelos pesquisadores da área da Psicologia da Música, visto
estarem em um estágio avançado de desenvolvimento investigativo, como, por exemplo, os
trabalhos que examinaram os processos cognitivos envolvidos na memorização e na
representação mental da sica - Chaffin et al. (1997, 2002), Williamon e Valentine (2002),
Lehmann (1997); os da prática deliberada - Ericsson et al. (1993, 1996); e do comportamento de
estudo e aprendizagem - Sloboda, 1996; Miklaszewski (1989), Hallam (1997). Essas obras
referenciais para o planejamento da execução instrumental construíram suas bases teóricas a
partir de trabalhos da área da psicologia e de outras áreas científicas. Desse modo, conclui-se que
o referencial originário da linha de pesquisa do planejamento da execução advém dos trabalhos
realizados pelos pesquisadores da Psicologia da Música (sob as tendências da psicologia
242
cognitiva como sustentáculo investigativo para essas pesquisas), os quais fundamentaram suas
bases epistemológico-teóricas nas pesquisas de outras áreas do conhecimento, tais como as
neurociências, a antropologia, a linguística, a educação física, a filosofia e a computação, entre
outras.
A partir dessa realidade, notei que as pesquisas empíricas apontaram poucos trabalhos
puramente teóricos na área da música, levando-me a conjecturar que as referidas pesquisas
estariam pondo à parte os teóricos/especialistas somente porque esses autores não utilizaram
parâmetros e procedimentos empírico-científicos nas teorias formuladas sobre as estratégias de
aprendizado do instrumento. Provavelmente essa questão está também centrada na aplicabilidade
e objetivos da investigação, visto que o pesquisador/psicólogo musical nem sempre está
interessado na aplicação prática de seus achados. A partir dessa evidência e da minha experiência
como sujeito de um estudo de caso, propuz a inclusão de um outro eixo teórico formado pelos
especialistas da área da música, possibilitando completar um ciclo teórico-investigativo de maior
impacto para as pesquisas empíricas na linha do planejamento da execução instrumental. Desse
modo, considero a necessidade de haver uma interação entre os referenciais teóricos da área de
psicologia da música com os da área da música, para que os resultados das pesquisas sejam ainda
mais significativos para ambas áreas do conhecimento.
Conforme o modelo proposto, a área da psicologia da música é a que melhor pode
intermediar a aproximação científica entre a sica e o referencial teórico de outras áreas do
conhecimento, pois pode permear entre as áreas divergentes. Entretanto, a psicologia da música
precisa considerar o referencial da área de música, com poder ativo na construção teórica em uma
relação interatuante, para que desse modo mostre o resultado final, expondo também o processo
de aprendizagem realizado pelo instrumentista. Assim, poderão ser explicitados os mecanismos
que desencadeiam uma execução de nível de expertise, evitando a tendência de serem
identificados somente os aspectos fragmentários da ação músico-instrumental.
A partir do modelo proposto, formulei a hipótese de que a relação entre o empírico e o
teórico poderesultar na construção de novas teorias. Essa relação de interdependência poderá
produzir um conhecimento verdadeiramente interdisciplinar, em que a resultante pode
satisfazer as necessidades intrínsecas das áreas envolvidas. As novas teorias são geradas a partir
de problemas de pesquisa analisados sob os parâmetros investigativos e de observação de cada
243
área, sem preterir referenciais teóricos ou direcionar a pesquisa conforme os objetivos centrais de
cada área. Ao adotar esse novo modelo, presumo que o direcionamento e as perspectivas das
pesquisas sobre o planejamento da execução poderão fornecer novas possibilidades
investigativas, abrindo um campo para exame das temáticas e dos problemas com maior
aprofundamento, culminando na construção efetiva de um referencial teórico sólido, resultante de
uma ação-reflexão mútua entre pesquisadores da área da música e da psicologia da música. É
justamente no processo de interação que o referencial teórico próprio dessa linha de pesquisa será
construído, criando possibilidades de validar e/ou gerar teorias relevantes à linha do planejamento
da execução.
Os trabalhos sobre o planejamento da execução instrumental apresentam inúmeras
possibilidades de enfoques analíticos e abordagens metodológicas diferenciadas, além da inclusão
de múltiplas variáveis explícitas e implícitas que podem influenciar os resultados. Devido a essa
complexidade, as pesquisas experimentais na área do planejamento precisam ser criteriosas,
estabelecendo objetivos definidos e medidas cautelosas no sentido de cercar as suas possíveis
fragilidades e inconsistências teóricas, prevenindo, assim, subseqüentes problemas
metodológicos. Ao refletir criticamente sobre os trabalhos, vários critérios precisam ser levados
em consideração pelo pesquisador ao delinear uma pesquisa empírica sobre o planejamento:
a) Procurar realizar estudos em contexto, ou seja, evitar procedimentos e ambiente de
laboratório para a coleta de dados, de modo a proporcionar ao sujeito condições de
captar as informações investigativas em uma situação que se aproxime ao do seu
cotidiano de prática de estudo;
b) Focar-se na análise das etapas e processos da aprendizagem, não privilegiando
somente o produto-alvo. Parte das pesquisas empíricas examinou mais o resultado
final da execução (distinguindo as melhores performances ou o melhor desempenho
em determinados testes), não investigando como os níveis de execução são
alcançados. De certo modo, isso tira o foco direcional que essa linha de pesquisa deve
percorrer. A descrição detalhada das atividades empregadas durante a prática é o que
poderia diferenciar o que é realizado por um expert daquele feito por um
instrumentista amador, além de permitir que o resultado final se relacione com o
processo antecedente;
244
c) Verificar como são definidos os aspectos particulares da área de conhecimento em que
o problema de pesquisa está inserido, ou seja, consultando o que os especialistas da
área investigada dizem a respeito do fenômeno estudado. Esse fato evidencia a
necessidade de troca de informações entre pesquisadores, onde cada um contribui com
o conhecimento aprofundado em sua área de atuação;
d) Evitar generalizações posto que as pesquisas empíricas realizadas com a música estão
freqüentemente inclinadas a generalizar, a partir da comprovação empírico-científica,
mas, muitas vezes, em detrimento do que é essencial para a área pesquisada. A ão
músico-instrumental é uma atividade que leva em conta o indivíduo e, assim, as
características idiossincráticas têm forte poder de atuação nos resultados, diminuindo
as chances de generalizações. Em algumas publicações, percebi que o planejamento
da execução instrumental é muitas vezes analisado superficialmente. As técnicas de
estudo são tratadas como se fossem “fórmulas prontas” que podem ser adaptadas a
todos os alunos, indistintamente, e prometendo resultados significativos. Entretanto,
estes princípios aparentam ser inconsistentes.
O estudo de caso é um dos métodos que mais poderia cooperar para o desenvolvimento do
planejamento da execução instrumental, a partir da análise aprofundada da prática de estudo e do
processo de aprendizado de músicos de nível de expertise. O fato dos estudos de caso
manifestarem uma característica investigativa que permite um acompanhamento muito próximo
possibilita que uma temática de aplicação específica, como as estratégias de estudo, seja melhor
observada por meio desse método de pesquisa. Intenta-se, através da observação empírica, gerar
uma sistematização da rotina de estudo para formular princípios e teorias que podem ser
aplicadas no ensino do piano. Vários pesquisadores evidenciam a importância dos estudos
longitudinais para descrever e analisar detalhadamente questões apresentadas por outros métodos,
como as pesquisas experimentais e levantamentos. Esses últimos, devido à abrangência, não
propiciam o aprofundamento dos resultados. Por outro lado, fornecem um panorama do problema
examinado, provendo informações necessárias para ir de um universo investigativo abrangente
para um específico, de maneira que o pesquisador, ao estudar o indivíduo, também terá a sua
contextualização, podendo compará-lo com o grupo de indivíduos do qual faz parte.
O estágio de doutorado proporcionou-me materiais e infra-estrutura necessários para a
reflexão sobre os questionamentos levantados na tese, ajudando-me a examinar o campo teórico e
245
a sua relação com o empírico. Busquei refletir sobre as implicações pedagógicas provenientes do
profundo conhecimento das etapas do planejamento do estudo e do entendimento de como se
constrói uma execução em nível de expertise. No estágio, várias conexões foram estabelecidas
entre os pilares teórico e prático/vivenciado, gerando reflexões críticas a respeito dos resultados
do estudo de caso e de suas implicações para trabalhos futuros.
Os resultados do estudo de caso em que participei apontam para a evidência de que os
autores principais seguem o mesmo princípio de pesquisas da psicologia da música, focando-se
no produto-alvo (fruto de suas teorias previamente formuladas), mas sem esclarecer
detalhadamente o caminho percorrido pelo músico para atingir esse objetivo. Não que isso tenha
uma conotação negativa ou de desmerecimento, mas apenas reforça o argumento de que há
necessidade de que o fenômeno investigado tenha maior abrangência e aplicação, com o intúito
de responder aos questionamentos, divergências e lacunas empíricas da área de Praticas
Interpretativas. Verifiquei a necessidade de ser dada continuidade aos testes experimentais com
um maior número de sujeitos e com níveis diversos de habilidade para examinar, por exemplo, se
o processo de memorização e de utilização dos guias de execução poderia ocorrer de outra
maneira, caso fosse investigado em contextos temporais divergentes (alguns aspectos técnico-
motores atuam de forma diferente em andamentos opostos). Ademais, há necessidade de se
experimentar a aplicação das estratégias elaboradas, visto que essas surtiram efeito no meu
desempenho durante os testes, em curto espaço de tempo, comprovando sua eficácia. Os
resultados mostraram-me alguns aspectos da prática dos quais não tinha consciência explícita,
como, por exemplo, a ênfase nos guias expressivos para direcionar meu processo de
memorização. Embora soubesse da importância de fundamentar o aprendizado a partir da
qualidade da produção sonora a partir da análise e decodificação da obra, eu não tinha dados
estatísticos que comprovassem como a execução de memória era guiada. O fato de ter tido
respostas mais imediatas no Teste Experimental II, quando essas se relacionavam aos aspectos
interpretativos, fez-me ter ciência de que meu processo de estudo estava respaldado pela pesquisa
empírica. Outros resultados foram inesperados, como a dificuldade de reiniciar a execução a
partir dos guias básicos.
Constatei que necessidade de estudos específicos que abordem a constituição e
aplicação das estratégias de estudo, visto que isso não foi realizado no meu estudo de caso e nem
na maioria dos trabalhos. Como participante, experimentei na prática como uma estratégia pode
246
ser elaborada e aplicada, pois precisei desenvolver táticas que otimizassem meu desempenho no
Teste Experimental II. Desse modo criei duas estratégias: (1) estratégia para estimular a memória
analítico-conceitual e (b) estratégia para otimizar as memórias de apóio, enfatizando a memória
visual. A sua aplicação requer que o instrumentista tenha memorizado a obra, que o objetivo é
fortalecer o processo cognitivo que resgata as informações contidas na memória de longa
duração. Assim, seu uso se restringe, principalmente, às fases mais avançadas do período de
aprendizagem do repertório. Como o fator experiência/habilidade musical é uma variável
relevante e de caráter individual/único para cada sujeito, é pertinente uma investigação da real
eficiência desses tipos de estratégia no aprimoramento da memorização.
A concentração necessária para realizar as estratégias evidenciou que o estudo do piano é
mais mental do que físico, pois exigiu, ao mesmo tempo, uma interrupção física da seqüência
motora com uma continuidade imaginária da condução musical. Os resultados eficazes dessas
estratégias levaram-me a indagar se esse tipo de estratégia desenvolve diferentes conexões
cerebrais que poderia otimizar a memorização se comparada a outros tipos de estratégias.
Obviamente, isso não será respondido nesse estudo de caso, pois esse viés investigativo não
estava previsto. Surge então um problema de pesquisa em aberto para ser examinado através de
um trabalho interdisciplinar, de cunho neurocientífico e com grupo de controle para que se
produzam parâmetros comparativos e de aplicabilidade comprovada. Segundo Crawford
(CHAFFIN et al. 2002, p.18), são raras as pesquisas que tenham realizado uma observação
longitudinal e sistemática com concertistas, além de que as entrevistas, nas quais esses músicos
discutem suas estratégias de estudo, não revelam ou esclarecem seu processo de aprendizagem. A
partir dessas informações, seria pertinente que o Teste Experimental II fosse utilizado em outras
pesquisas para servir de parâmetro avaliativo, não somente para detectar os guias de execução
utilizados pelo músico, mas também para submeter a exame todo processo que envolve a
aplicação de estratégias desse tipo.
A experiência como sujeito e co-autor desse estudo de caso oportunizou-me refletir sobre
a relação entre os envolvidos na pesquisa. O fato de ter ambas participações possibilitou-me ter
uma visão privilegiada do processo investigativo. Como a pesquisa empírica realizada por
profissionais de psicologia da música está calcada na análise objetiva dos dados e dos registros
quantitativos do comportamento, senti falta da perspectiva de um pesquisador da área de Práticas
Interpretativas, uma vez que, quando sujeito, levantei vários questionamentos peculiares à área
247
instrumental. Os pesquisadores de Práticas Interpretativas precisam estar atentos para
revindicarem participação ativa na equipe interdisciplinar de pesquisa para que as questões
investigadas possam satisfazer, ainda mais, as necessidades dessa área.
Aparenta faltar à pesquisa empírica sobre o planejamento da execução uma junção mais
orgânica entre a tradição metodológico-científica e os aspectos funcionais e vivenciais próprios
das Práticas Interpretativas. Talvez essa associação pudesse solucionar a dificuldade dessas
pesquisas em transformar suas conclusões em resultados de cunho prático, ou seja, explicar como
o meio resultou em um fim. Isso será factível quando o intérprete/pesquisador atuar ativamente
na decodificação e análise dos dados que envolvam o processo de aprendizagem e os resultados
da prática e da execução, de modo que a troca de experiências seja fator de agregação em busca
de respostas para ambas as áreas de conhecimento. Será justamente esse encaixe que
proporcionará uma descrição mais integral do fenômeno estudado de maneira a gerar um
conhecimento aplicável. Contudo, esse equilíbrio não me parece fácil de ser obtido, uma vez que
a maioria dos intérpretes não estão envolvidos em pesquisas empíricas no Brasil. Muitas vezes os
pesquisadores de outras áreas escolhem abordagens epistemológicas para adentrar nos aspectos
cognitivos, da neurociência e fisico-motores envolvidos na execução instrumental, sem incluir
pesquisadores da área investigada em sua equipe. Nesse contexto, os problemas de pesquisa
somente terão uma amplitude que satisfaça ambas as áreas caso haja uma contribuição individual,
de acordo com a competência e a experiência de cada participante da equipe. Tais questões
referem-se à maneira através da qual a pesquisa empírica vem sendo enfocada e articulada ao
longo de sua história. Essa situação justifica-se pela falta de interação plena da pesquisa empírica
com a área de Práticas Interpretativas, em que seu referencial teórico e seus envolvidos (músicos
pesquisadores) não participam ativamente e de igual relevância no delineamento das pesquisas. A
própria área de Práticas Interpretativas não se exime de sua parcela de responsabilidade pela falta
atribuída à pesquisa empírica sobre o planejamento da execução instrumental, à medida em que
não tem assumido satisfatoriamente suas temáticas nem reivindicado uma pesquisa
interdisciplinar que examine o que lhe é vital.
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