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LUIS PAULO VALENTE
LAZER E VIDA URBANA EM PRESIDENTE PRUDENTE-SP
PRESIDENTE PRUDENTE
2005
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unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE
Faculdade de Ciências e Tecnologia
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
LAZER E VIDA URBANA EM PRESIDENTE PRUDENTE-SP
LUIS PAULO VALENTE
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em
Geografia da Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Unesp, campus de
Presidente Prudente, para obtenção do
Título de Mestre em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Raul Borges Guimarães
Presidente Prudente
2005
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COMISSÃO EXAMINADORA
___________________________________
Maria Encarnação Beltrão Sposito
________________________________________
Gilmar Mascarnhas de Jesus (UERJ)
________________________________________
Raul Borges Guimarães
Presidente Prudente, 11 de Junho de 2005
Resultado: APROVADO
Aos meus queridos pais,
Paulo e Maria,
por todo amor,
incentivo e apoio.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Paulo e Maria, meus irmãos, João e Ana, e meu
sobrinho, Paulinho. Vocês são maravilhosos!
À Luciana D. do Nascimento, por todo estímulo, apoio e amor desde
que a conheci.
Ao professor Raul B. Guimarães, pelo incentivo e confiança durante a
orientação deste trabalho, e pela amizade. Valeu Raul!
Aos professores Jayro Gonçalves Mello (é com você que tudo isso
começou Mestre!) e Maria Encarnação B. Sposito, pelas preciosas
contribuições no Exame de Qualificação e pela atenção que sempre
dispensaram a mim.
Aos professores do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-
graduação em Geografia da FCT/Unesp, com os quais muito aprendi.
Aos companheiros de turma na Graduação e Pós-graduação. Saudade
de muitos de vocês!
Aos funcionários da biblioteca e todos os demais funcionários da
FCT/Unesp.
Aos funcionários do Museu e Arquivo Histórico Municipal de Presidente
Prudente, pelo grande apoio e atenção durante a pesquisa nos jornais.
Aos irmãos e amigos com quem compartilhei minha vida nesses últimos
tempos e que muito me ajudaram: Fernando, Gelson, Tiago, Nizete, Gabriel,
Sergio & Rosângela, Marquinhos, Sérgio (Duasunhas), Zaqueu, Marcelo, Bosco,
Elaine, Cloves, Neto, Madureira, Tais, Marina, Botuca... e todos os demais
participantes da “Unidos da Melem Isaac”, nossa escola de samba e de
vida.
RESUMO
Este estudo tem por objetivo identificar as formas de lazer presentes ao longo
da história da cidade de Presidente Prudente-SP, relacionando-as com o
desenvolvimento da vida urbana. A pesquisa foi realizada em periódicos
como jornais, revistas e outras publicações locais, além de fotografias que
retratam a vida e paisagem urbana da cidade, em diferentes momentos. A
relação entre lazer e vida urbana é analisada em três perspectivas. Primeiro,
considerando a manifestação do sagrado, do profano e do cívico a partir
das festas realizadas na cidade. Segundo, tendo em vista os espaços público
e privado e suas inter-relações. Por fim, lazer e vida urbana é abordado em
face das transformações na cidade que caracterizam a passagem do
predomínio do rural para o urbano. Nos primórdios da cidade, o lazer era
ainda aquele relacionado ao modo de vida rural. Mas com o crescimento
da cidade, formas de lazer típicas da sociedade urbana passaram a
predominar. Essas novas formas de lazer integram o conjunto de valores e
práticas sociais que dão sentido e significado à vida urbana.
Palavras-chave: lazer; vida urbana; festas; espaço público; espaço privado;
rural; urbano.
ABSTRACT
This work aims to identify the leisure practices during the history of the city of
Presidente Prudente (Brazil), linking them with the urban life development. The
data was found in the newspapers and the magazines, rather then the
photographs of different periods. The relationship between leisure and urban
life is analysed in three approuch. Firstly it is considered manifestations of the
sacred and profane and civic in the feast which take place in the city.
Secondly it is considered public and private space and their inter-relationship.
Finnally the leisure and urban life are survey in face of the city changes which
are characterized by rural to urban predominating influence. The research
demonstrates that at early times, the leisure was still related to rural way of life.
But the leisure practices changed with the growth of the town and became
closest to the urban way of life.
Key-words: leisure; urban life; feast; public space; private space; rural; urban.
SUMÁRIO
Lista de figuras
7
Lista de anexos
7
Introdução
08
12
Capítulo I Sobre os estudos do lazer e a vida urbana de Presidente
Prudente
13
1.1. A teoria do lazer
13
1.1.1. Origem histórica do lazer
14
1.1.2. O lazer na sociedade urbano-industrial
17
1.1.3. Concepções de lazer
21
1.2. A vida urbana de Presidente Prudente
27
Capítulo II Lazer e vida urbana em Presidente Prudente: entre o
sagrado, o profano e o cívico
43
2.1. Festas
44
2.2. As festas religiosas
44
2.3. As festas carnavalescas
51
2.4. As festas cívicas
59
Capítulo III Entre o público e o privado
63
3.1. O público e o privado
64
3.2. O lazer nos espaços públicos e privados
70
Capítulo IV Entre o rural e o urbano
99
4.1. O rural e o urbano
100
4.2. O rural, o urbano e o desenvolvimento das formas de lazer
107
Considerações finais
130
Referências bibliográficas
134
Anexos
139
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Planta da cidade de Presidente Prudente (1923) ................................
41
FIGURA 2: Praça Nove de Julho, em 1933, ano de sua inauguração .................
41
FIGURA 3: Esplanada da Estação (Praça da Bandeira), em 1940 .......................
42
FIGURA 4: Rua Nicolau Maffei, em 1940, já pavimentada ..................................
42
FIGURA 5: Anúncio da primeira Festa de São Sebastião, em 1926 ..................... 62
FIGURA 6: Anúncio da saída do corso, no carnaval de 1929 ..............................
62
FIGURA 7: Parque São Sebastião, em1929 ..........................................................
93
FIGURA 8: Área da Praça Nove de Julho, em1929 ..............................................
93
FIGURA 9: Jardim Público da Praça Nove de Julho ............................................. 94
FIGURA 10: Footing na rua Nicolau Maffei ........................................................... 94
FIGURA 11: Vista interna do Cine Teatro Santa Emilia, em 1923 .......................... 95
FIGURA 12: Anúncio comercial do “Petit Bar” .......................................................
95
FIGURA 13: Anúncio comercial do “Cine Internacional” ...................................... 95
FIGURA 14: Prédio do Cine Fênix, em 1937...........................................................
96
FIGURA 15: Prédio do Cine João Gomes, em 1936 .............................................
96
FIGURA 16: Prédio do Cine Presidente, em 1953..................................................
97
FIGURA 17: Vista interna do Cine Presidente ........................................................ 97
FIGURA 18: Salão do Bosque Municipal ...............................................................
98
FIGURA 19: Grêmio Progresso Japonês ................................................................
98
LISTA DE ANEXOS
CARTOGRAMA 1 .................................................................................................. 140
CARTOGRAMA 2 ...................................................................................................
141
CARTOGRAMA 3 ...................................................................................................
142
MATERIAL PESQUISA (CD-R) ....................................................................................
143
8
INTRODUÇÃO
9
Introdução
A identificação com o tema do presente estudo teve início ainda
durante o curso de graduação em Geografia na FCT/Unesp, quando na
condição de bolsista de Iniciação Científica, entre os anos de 1998 e 2000,
participava do projeto de pesquisa O Tênis Clube de Presidente Prudente e
seu papel na história da cidade, sob a coordenação do professor Dr. Jayro
Gonçalves Melo, no âmbito do GAsPERR (Grupo de Pesquisa Produção do
Espaço e Redefinições Regionais). Durante essa pesquisa trabalhamos com
diversos documentos, principalmente jornais e atas do clube, na busca de
dados e informações sobre a história do Tênis Clube de Presidente Prudente,
uma instituição de lazer fundada em 1934.
Se, por um lado, os documentos pesquisados permitiram conceber uma
história possível para essa instituição
1
, por outro revelaram-nos uma dimensão
significativa da vida social da cidade, qual seja, aquela na qual indivíduos
procuram suprir suas necessidades de lazer e sociabilidade. Foi a partir daí
que surgiu o nosso interesse em pesquisar sobre a vivência do lazer em
Presidente Prudente, no contexto do desenvolvimento da vida urbana da
cidade.
Nesse sentido, algumas questões serviram de base para a formulação
de nossa proposta de pesquisa. Sendo o lazer uma prática social expressiva
na cidade, qual a sua relação com o desenvolvimento da vida urbana? Qual
o papel do lazer na definição de um modo de vida urbano que, por sua vez,
implica na afirmação de um novo sistema de valores e práticas sociais. Essas
foram nossas indagações iniciais.
Mas essas questões podem ser consideradas para um entendimento
mais amplo do lazer na sociedade contemporânea, de vez que há uma
estreita vinculação entre as formas de lazer atuais e a cultura mais ampla,
vivida e produzida nas cidades. Aliás, é com base nessa relação que muitos
1
Essa pesquisa resultou no livro Tenis Clube de Presidente Prudente: sua história de 1934 a
1980, de autoria de Jayro Gonçalves Melo.
10
autores restringem o entendimento do fenômeno lazer à sua produção nas
sociedades urbano-industriais.
Neste estudo procuramos analisar o lazer no contexto da gênese e
desenvolvimento da vida urbana de Presidente Prudente, considerando as
suas formas mais significativas e episódios que envolvem a sua prática e
vivência ao longo da história da cidade.
Nesse sentido, o lazer pode ser visto aqui como objeto de pesquisa e
reflexão sobre a vida urbana. E, ao elegermos Presidente Prudente como
realidade empírica de pesquisa, pensamos poder contribuir com os estudos
referentes à dinâmica social urbana de cidades cujo padrão de
desenvolvimento é distinto daquele metropolitano; ao mesmo tempo em
que contribuir para o entendimento de como se dá o processo de
significação/produção da vida urbana numa cidade típica do interior em
relação, ou melhor dizendo, sob influência da cultura vivida e produzida em
outros centros maiores, irradiadores de cultura urbana.
Nossa principal fonte de pesquisa utilizada foram os periódicos,
particularmente os jornais, mas também revistas e outras publicações locais,
além de fotografias que retratam diferentes momentos da vida e paisagem
urbana da cidade. Todo o material levantado e selecionado nos periódicos,
mesmo aqueles não diretamente utilizados ao longo do texto, encontra-se
disponível no CD-R que acompanha esta dissertação, e pode servir para
outras pesquisas futuras.
Os recortes de periódicos apresentados ao longo dos capítulos, que são
reportagens, crônicas, artigos etc., os quais retratam aspectos relacionados
ao lazer e à vida urbana da cidade, permitem ao leitor levantar suas próprias
questões e desenvolver análises próprias. O fato é que pela quantidade e
riqueza do material disponível, temos a convicção de que estivemos longe
de ter conseguido explorá-los com a opulência analítica desejada. Por outro
lado, a diversidade de enfoque dos capítulos, ao mesmo tempo em que
ampliou a nossa abordagem, limitou-nos para um aprofundamento teórico-
analítico em cada um deles.
11
Vejamos como está estruturada a dissertação. No capítulo I, “Sobre os
estudos do lazer e a vida urbana de Presidente Prudente”, apresentamos
algumas das discussões teóricas e metodológicas que permeiam os estudos
específicos do lazer, principalmente no âmbito da Sociologia, disciplina
pioneira nos estudos do tema. Abordamos ainda o desenvolvimento da vida
urbana de Presidente Prudente no contexto da formação histórica da cidade
e da produção de seu espaço urbano. Objetivamos, assim, fornecer
elementos para uma necessária aproximação conceitual do lazer, bem
como apresentar um esboço histórico da realidade sobre a qual o fenômeno
é abordado, qual seja, a vida urbana de Presidente Prudente. No capítulo II,
Entre o sagrado, o profano e o cívico”, a relação entre lazer e vida urbana é
abordada a partir das festas realizadas na cidade, nas suas seguintes formas:
as festas religiosas, o carnaval e as festas cívicas. Aqui, demonstramos o
papel dessas festas e as mudanças de significado e conteúdo que passaram
em relação ao desenvolvimento da vida urbana. No capítulo III, “Entre o
público e o privado”, destacamos o uso de espaços públicos e privados para
fins de lazer. Mostramos que a constituição de espaços (públicos e privados)
adequados à vivência do lazer na cidade significou o próprio incremento da
vida urbana. Finalmente, no capítulo IV, Entre o rural e o urbano”,
procuramos demonstrar o avanço, na cidade, de formas de lazer
tipicamente urbanas sobre as formas relacionadas à vida no campo. Esse
avanço é visto como expressão de um processo mais amplo em que valores
e práticas sociais característicos da sociedade urbana passam a predominar
sobre aqueles das sociedades tradicionais.
12
CAPÍTULO I
SOBRE OS ESTUDOS DO LAZER E A VIDA URBANA DE
PRESIDENTE PRUDENTE
13
1. Sobre os estudos do lazer e a vida urbana de Presidente Prudente
Neste primeiro capitulo, onde estaremos fazendo as considerações
iniciais do trabalho, pretendemos abordar os dois tópicos que constituem o
foco de nossa dissertação, quais sejam: o lazer e a vida urbana de
Presidente Prudente. Nesse sentido, primeiro vamos discutir algumas questões
que envolvem os estudos do lazer, destacando a compreensão atual desse
fenômeno e sua relação com a realidade urbana contemporânea. Em
seguida, vamos apresentar um esboço histórico da constituição da vida
urbana de Presidente Prudente, realidade sobre a qual se assenta nossa
análise.
1.1. A teoria do lazer
Os estudos do lazer ganharam importância e intensificaram-se
sobretudo a partir da década de 1950, principalmente no campo da
sociologia, com o crescimento do número de pesquisas empíricas e
discussões sobre o tema. Há que se destacar, no entanto, que esses estudos
desenvolveram-se primeiramente nos países urbano-industriais da Europa e
nos Estados Unidos. Contudo, não se pode dizer que o lazer não tenha sido
objeto de discussão e reivindicação social em período anterior, pois nesses
mesmos países, principalmente os europeus, o lazer fora em fins do século
XIX objeto de reivindicação social e tema de escritos políticos de cientistas
sociais, como é possível evidenciar com o clássico texto de P. Larfargue, O
Direito à Preguiça, publicado em 1883.
No Brasil, os estudos sistemáticos do lazer desenvolveram-se
principalmente a partir da década de 1970, também inicialmente no âmbito
da sociologia e sob forte influência de autores europeus, cujas obras
passaram a ser traduzidas e publicadas no país. Da mesma forma, foi nesse
mesmo período que o lazer passou a ser objeto de preocupação de
instituições responsáveis pela realização e apoio à políticas públicas urbanas.
Cabe ressaltar ainda que, diferente dos países desenvolvidos, onde a
emergência do tema lazer esteve relacionada à discussão dos efeitos
sociais, econômicos, políticos e culturais da industrialização, no Brasil o lazer
14
ganhou destaque principalmente vinculado à questão da urbanização e da
qualidade de vida nos grandes centros urbanos.
Nossa preocupação a seguir será destacar algumas das principais
questões teórico-metodológicas que, durante todo esse já longo período de
estudos específicos do lazer, têm permeado a compreensão e
conceituação desse fenômeno. Nesse sentido, primeiramente focalizamos a
questão da ocorrência histórica do lazer, acerca da qual muitos autores
divergem no plano teórico. Num segundo momento, discutimos o significado
moderno do lazer e os fundamentos históricos de sua produção na
sociedade contemporânea. E, por fim, apresentamos algumas definições
gerais de lazer, tendo em vista as concepções de diferentes autores, tanto
brasileiros como de outros países.
1.1.1. Origem histórica do lazer
Não há muito consenso entre os estudiosos do lazer quanto à questão
de sua origem histórica. De modo geral, as proposições apresentadas
localizam-se em dois campos distintos de interpretação. Um no qual o lazer é
visto como fenômeno sempre existente, ou seja, desde os tempos mais
remotos da história humana até os dias atuais. Outro no qual a manifestação
do lazer se relaciona, exclusivamente, às sociedades urbano-industriais que
se constituíram a partir de meados do século XVIII.
Sobre essa questão, vejamos as posições de dois importantes teóricos
da chamada “Sociologia do Lazer”: o sociólogo francês Joffre Dumazedier,
que é um dos mais influentes estudiosos do lazer, e Stanley Parker, autor de
Sociologia do lazer, obra de referência nos estudos do tema.
Dumazedier (1973) considera:
[...] como ponto pacífico ser o lazer parte integrante da
civilização técnica. Não somente todas as modificações
inerentes a essa civilização influem sobre o lazer como
também ele próprio é uma criação da civilização industrial.
Com efeito, “os dias sem trabalho”, (jour chômés) do período
tradicional, não podem ser comparados com os dias de lazer
(DUMAZEDIER, 1973, p. 52).
15
Em livro editado no Brasil, que reproduz um curso ministrado pelo autor
em Porto Alegre, em 1975, sobre a “teoria do lazer”, enfatiza: “Há sociólogos,
para os quais o lazer existiu em todas as épocas, em todas as civilizações.
Não é esse o meu ponto de vista, pois o lazer tem traços específicos,
característicos da civilização nascida da revolução industrial”. (DUMAZEDIER,
s.d., p. 48).
Assim, para Dumazedier (1980):
[na] sociedade pré-industrial, o lazer não existe. É o trabalho
que se inscreve nos ciclos naturais das estações e dos dias;
seu ritmo natural confunde-se com o ritmo solar do
amanhecer ao anoitecer, cortado de quando em quando
por pausas para repouso, cantos, jogos, cerimônias, a que
não se pode chamar de lazer. Durante os longos meses de
inverno, o trabalho intenso desaparece para dar lugar a uma
semi-atividade, durante a qual a luta pela vida se torna muito
difícil. Tal inatividade não apresenta, evidentemente, as
propriedades do lazer moderno. Os ciclos naturais são
marcados por uma sucessão de domingos e festas: o
domingo pertence ao culto, as festas, pela oportunidade que
oferecem de despender intensamente a energia e os
alimentos, constituem o inverso ou a negação da vida
cotidiana, e são indissociáveis das cerimônias em geral,
dependem do culto e não do lazer. Assim, ainda que as
civilizações tradicionais da Europa hajam conhecido mais de
cento e cinqüenta dias por ano sem trabalho, parece-nos
impossível aplicar o conceito de lazer, em sua análise
(DUMAZEDIER, 1980, P. 49).
Dessa forma, o autor concebe o lazer como um produto específico das
sociedades urbano-industriais. Isso porque, conforme explica e esta é a sua
tese as condições históricas responsáveis pelo aparecimento do lazer
emergiram apenas com os processos de industrialização e de urbanização.
Mais particularmente:
Foram necessárias duas condições históricas para o
aparecimento do lazer. Primeiro, foi preciso uma laicização
do tempo livre, foi preciso que o tempo livre saisse do
conjunto de atividades rituais mágico-religiosas. Segundo,
para chegar-se ao lazer em sentido moderno, foi preciso que
o advento da civilização urbana e do trabalho urbano de tipo
industrial e administrativo introduzissem um corte nítido entre
as horas de trabalho e as horas de não trabalho [...]. Tal
regulamentação do tempo de trabalho cria o tempo de
lazer, enquanto que nas civilizações rurais tradicionais o
tempo de lazer era um tempo ritual de festa, de culto
regulado pelas autoridades e a natureza do trabalho era
16
praticamente sem fim (contínua), exceto quanto às
condições naturais, como a chuva, a neve, as doenças, os
cataclismos, a fome, as epidemias, etc. Nestas condições
tradicionais, creio que não se pode falar de lazer
(DUMAZEDIER, 1980, p. 18-9).
Numa perspectiva diferente da defendida por Dumazedier, Stanley
Parker (1978) entende o lazer como fenômeno sempre existente, isto é, em
todas as sociedades e tempos históricos. Entretanto, Parker reconhece ser
possível, nos quadros atuais:
[...] argumentar que o lazer nunca existiu para as massas
populares enquanto parte separada da vida, até ser
conquistado em razão dos períodos de trabalho
excessivamente longos. Segundo esse princípio, o lazer
poderia ser considerado um produto da sociedade industrial;
e realmente parece que a redução das horas de trabalho foi
acompanhada por formas de lazer típicas da estrutura social
e das circunstâncias da época (PARKER, 1978, p. 29).
Assim, afirma o autor: “É tentador definir o lazer de tal modo que este se
ajuste ao estilo e às características da sociedade industrial sem se ajustar aos
de outros tipos de sociedade” (PARKER, 1978, p. 34). Portanto, defende que
“[...] uma das principais tarefas da sociologia do lazer é, provavelmente,
estudar até onde o lazer na sociedade industrial é produto da sociedade
industrial” (PARKER, 1978, p. 34).
Enfim, Stanley Parker não restringe em seu entendimento a manifestação
do lazer às sociedades urbano-industriais como o faz Joffre Dumazedier,
embora reconheça que com ela emergiram formas específicas de trabalho
e de não-trabalho, que por sua vez foram responsáveis pela produção do
lazer em seu sentido moderno. Parker (1978) reconhece dessa forma a
manifestação do lazer nas sociedades tradicionais ou do período pré-
industrial, mas não com as mesmas características do lazer moderno.
Segundo afirma, enquanto nessas sociedades o lazer encontra-se integrado
ao conjunto das demais atividades sociais, nas sociedades de tipo urbano-
industrial o lazer manifesta-se como instância específica da vida social,
definindo tempo e espaço próprios para a sua vivência.
É importante destacar que atualmente a questão da origem histórica do
lazer vem sendo relativisada. Conforme ressalta Marcellino (1990a, p. 34), não
há, a rigor, uma oposição real entre as duas perspectivas, senão enfoques
17
diferenciados. Ocorre que, enquanto uma perspectiva focaliza a
necessidade de lazer sempre presente na história das sociedades, a outra se
detêm às características que esta necessidade assume no mundo pós-
revolução industrial.
Para nós, interessa destacar as características do lazer na sociedade
contemporânea, marcada pelos processos de industrialização e de
urbanização, uma vez que suas características atuais foram dadas a partir
desse novo contexto histórico. Dessa forma, vamos a seguir tratar da
produção do lazer nas sociedades urbano-industriais.
1.1.2. O lazer na sociedade urbano-industrial
Como visto acima, muitos autores preferem entender o lazer como
produto da sociedade urbano-industrial. Mesmo aqueles que não
concordam inteiramente com tal perspectiva, reconhecem que o lazer
adquiriu nessa sociedade características peculiares, onde sua manifestação
se dá enquanto instância distinta e específica da vida social. Quais seriam
então as forças históricas que produziram o lazer em seu sentido moderno?
Essa questão é abordada por Joffre Dumazedier, em suas obras, com
bastante profundidade, numa análise que privilegia um conjunto de fatores
sociais, econômicos, políticos e culturais que, com o advento da
industrialização, foram responsáveis pela produção do lazer. Tomaremos
como referência, agora, a teoria desse autor sobre o que chama de
“dinâmica produtiva do lazer” na sociedade urbano-industrial.
Para Dumazedier (1973):
Evidentemente, a produção do tempo livre, envelope que
contém o tempo de lazer, é o resultado de um progresso da
produtividade, proveniente da aplicação das descobertas
científico-técnicas ou tecnológico-econômicas. Todavia este
componente não explica tudo. Não permite saber por que o
tempo liberado se transformou, principalmente, em atividades
de lazer. Faz-se necessário fazer intervir um componente
ético-social. Com efeito, nossa hipótese é que a produção do
lazer é o resultado de dois movimentos simultâneos: a) o
progresso científico-técnico, apoiado pelos movimentos
sociais, libera uma parte do trabalho profissional e doméstico;
18
b) a regressão do controle social pelas instituições de base da
sociedade (familiares, sócio-espirituais e sócio-políticas)
permite ocupar o tempo livre, sobretudo com as atividades
do lazer (DUMAZEDIER, 1973, p. 63).
Essas mesmas idéias comparecem em outro trabalho de Dumazedier
(sd., p. 19-25), de forma mais sistemática, quando apresenta os fundamentos
históricos de sua teoria do lazer. O autor aponta, então, quatro importantes
dinâmicas históricas sem as quais não se é possível explicar a produção do
lazer nas sociedades industriais: 1) a dinâmica técnico-econômica, 2) a
dinâmica social, 3) a dinâmica da transformação do tempo liberado em
lazer e 4) a dinâmica cultural.
Vejamos, em linhas gerais, cada uma delas.
A dinâmica técnico econômica” diz respeito às transformações
decorrentes dos avanços tecnológicos e gerenciais de produção que
possibilitaram ao homem produzir mais riqueza ao mesmo tempo em que
mais tempo liberado. Essa seria a primeira condição histórica que tornou
possível a produção do lazer na sociedade contemporânea. É preciso dizer,
entretanto, que o progresso técnico-econômico que permitiu o aumento da
produtividade não implicou na concentração automática do tempo de
trabalho; mas, pelo contrário, durante a fase inicial do processo de
industrialização houve o aumento contínuo das jornadas de trabalho até o
limite do suportável: em média 85 horas por semana. Com isso, restou ao
proletariado urbano apenas uma pequena parcela de tempo liberado
destinado a sua recuperação psicossomática e reprodução. O aumento do
tempo liberado só começou a efetivar-se a partir do advento dos
movimentos trabalhistas, existindo aí, portanto, uma dinâmica social aliada à
dinâmica técnico-econômica na produção do tempo liberado.
A “dinâmica social”, também vista como dinâmica da produção do
tempo liberado, compreende as forças sociais que agiram a favor da
regressão do tempo de trabalho. Identificadas nos movimentos sindicais,
essas forças atuaram no sentido de reduzir as jornadas de trabalho e
melhorar as condições de vida dentro e fora deste. Foi no interior das lutas
operárias, quando já era reivindicado o “direito à preguiça” com P. Lafargue
19
(1883), que o lazer começou a ganhar sentido enquanto emprego cultural
das horas livres. Gradativamente a classe trabalhadora foi conseguindo
efetivar suas conquistas enquanto direitos sociais, seja no interior de
instituições seja nas próprias legislações de seus países.
Dumazedier (s.d., p. 23) aponta que a maior parte dos autores que
procuraram explicar a produção do lazer nas sociedades de tipo industrial
não foram muito além da análise dessa última dinâmica, que responde
unicamente à questão do aumento do tempo liberado. Restou ainda a
questão de como o tempo liberado conquistado sobre o tempo de trabalho
converteu-se, boa parte, em lazer e não em outra coisa qualitativamente
diferenciada. E é em torno dessa última questão que Dumazedier apresenta
a terceira dinâmica histórica produtora do lazer.
Assim, a “dinâmica da transformação do tempo liberado em lazer” é
aquela que efetivamente expressa a produção do lazer na sociedade
industrial, isto é, permite entender por que o tempo liberado conquistado
pela classe trabalhadora significou o desenvolvimento e a difusão de
atividades de lazer, e não o aumento de atividades políticas (como previa
Marx) ou religiosas e familiares (como visualizaram outros cientistas sociais da
época). A explicação para isto, segundo Dumazedier, estaria na regressão
dos controles institucionais sobre a vida dos indivíduos e, mais
particularmente, sobre o tempo liberado produzido pela sociedade. Tal
regressão ocorreu por meio: 1) das resistências populares às concepções
autoritárias de política; 2) da diminuição do controle religioso sobre a vida das
pessoas e; 3) e da diminuição do papel da família na orientação das
atividades de seus membros.
Dessa forma foi possível aos indivíduos maior liberdade na autogestão
por si mesmo e para si mesmo do tempo liberado socialmente
conquistado. Portanto, além de produto do progresso da produtividade
econômica e da reivindicação social, o lazer é também resultado do recuo
do controle das instituições tradicionais sobre o tempo liberado.
Há, ainda, uma dinâmica cultural” na produção do lazer, que
compreende a passagem, na sociedade, de “uma moral da repressão para
20
uma moral da expressão”, que implicou no desenvolvimento de novas
iniciativas e atividades, por conseguinte novas possibilidades dos indivíduos
no uso do tempo liberado. A dinâmica cultural introduziu novos conteúdos
(para além do descanso) no tempo liberado, que de alguma forma
representam as manifestações de desejos e tendências anteriormente
reprimidos. Há: “[...] uma espécie de reivindicação social da pessoa, a fim de
exprimir suas tendências profundas, que eram reprimidas no período anterior
[...]” (DUMAZEDIER, s.d., 25). Assim, o desenvolvimento do lazer está associado
à produção de novos valores que entraram em conflito com antigos valores,
em categorias cada vez mais amplas de população.
Essas são as quatro dinâmicas históricas que explicam a produção do
lazer na sociedade moderna, presentes na teoria de Dumazedier. Sua maior
contribuição ao entendimento da produção do lazer consiste, certamente,
na compreensão da dinâmica de transformação do tempo liberado em
lazer.
Parker (1978, p. 33), tendo em vista as interpretações de outros dois
autores
2
além do próprio Dumazedier, conclui que o lazer na sociedade
urbano-industrial é visto como um concorrente ou mesmo uma reação ao
tipo de trabalho que emergiu com essa sociedade, uma vez que comporta
suas instituições sociais característica e permite maior liberdade individual.
Afirma, ainda, ser o lazer uma nova fonte de valores, para além daqueles
fundamentados no mundo do trabalho e da produção. Mas que,
contraditoriamente, tende a exibir as mesmas feições e relações sociais que
caracterizam o trabalho industrial: padronização, prática rotineira,
passividade no processo de vivência, etc., ao mesmo tempo em que o
trabalho passa a receber influência dos valores do lazer.
2
Tom Burns e Denneth Roberts. Para Burns “[...] a vida social fora da situação de trabalho não
reemergiu; ela foi criada novamente, segundo formas que são as próprias feições do
industrialismo, que derivam deste e que contribuem para seu desenvolvimento, crescimento
e rearticulação [...]” (BURNS, 1973 apud PARKER, 1978, p. 33). Para Roberts “[...] desde a
revolução industrial vem ocorrendo dentro da sociedade um processo geral de
diferenciação estrutural, com instituições especiais que surgem para atender a necessidades
tais como educação e bem-estar social, anteriormente satisfeitas por grupos e organizações
de múltiplos propósitos. O lazer é apenas um dentre as atividades sociais humanas que tem
se sujeitado a um processo de diferenciação estrutural [...]” (ROBERTS, 1970 apud PARKER,
1978, p. 33).
21
1.1.3. Concepções de lazer
Segundo Parker (1978): “Há muitas formas de se definir o lazer, mas a
maior parte destas definições inclui separada ou integradamente as
dimensões de tempo e atividade” (PARKER, 1978, p. 10). Assim o autor
identifica pelo menos três formas de abordagens ou definições gerais de
lazer. A primeira considera o lazer como tempo residual, isto é, o tempo que
sobra depois de subtraído o período gasto com trabalho, descanso,
alimentação, sono, atendimento das necessidades fisiológicas etc. A
segunda como atitude, importando aí a qualidade da atividade
desenvolvida pelo indivíduo ou grupo. A terceira definição é aquela que
considera conjuntamente os aspectos “tempo” e “atividade”. Para ele: “Uma
compreensão adequada de lazer exige que consideremos tanto as suas
dimensões de tempo quanto as de atividade” (PARKER, 1978, p. 21).
Sobre essa mesma questão, Marcellino (1990a) observa que:
Entre os autores que se dedicam ao estudo do lazer não
existe um acordo sobre o seu conceito, podendo-se distinguir
duas grande correntes: a que enfatiza o aspecto atitude,
considerando o lazer como um estilo de vida, portanto
independente de um tempo determinado, e a que privilegia
o aspecto tempo, situando-o como liberado do trabalho, ou
como tempo livre, não só do trabalho, mas de outras
obrigações familiares, sociais, religiosas destacando a
qualidade das ocupações desenvolvidas (MARCELLINO,
1990a, p. 28-9).
Contudo, a despeito da polêmica acerca do conceito, na atualidade
se verifica a tendência em considerá-lo tendo em vista os dois aspectos
tempo e atitude (MARCELLINO, 1990a, p. 31). Essa perspectiva, que encontra
relação com aquela defendida acima por Parker (1978), parece ter reduzido
os contrastes em torno da conceituação do lazer.
3
3
Conforme Marcellino, as concepções que reduzem o entendimento do lazer a um de seus
aspectos tempo ou atitude comportam uma série de contrastes. Segundo as
concepções baseadas no aspecto atitude, a situação de lazer existe quando se verifica a
satisfação do indivíduo na realização de determinada atividade. Então, qualquer atividade,
mesmo o trabalho, poderia representar uma oportunidade de lazer. Aqui, importa na
definição do lazer a relação verificada entre o sujeito e a experiência vivida. Por outro lado,
as concepções fundamentadas no aspecto tempo definem o lazer no âmbito do “tempo
livre”, que seria o tempo dispensado de obrigações e normas de conduta social, ou do
22
No Brasil, o conceito de maior influência nos estudos do lazer é aquele
apresentado por Dumazedier (1973), assim enunciado:
O lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo
pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja
para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda para
desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua
participação social voluntária e sua livre capacidade criadora
após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações
profissionais, familiares e sociais. (DUMAZEDIER, 1973, p. 34).
Esse conceito, embora de boa aceitação, é parcialmente contestado
por alguns autores, como Valquíria Padilha (2000), que questiona o
estabelecimento de critérios muitos determinados para tratar do grau de
autonomia das atividades de lazer em relação ao que se considera como
obrigação. Conforme ressalta a autora, Dumazedier deixa claro que o lazer
deve ser uma atividade “desinteressada”, isto é, sem qualquer fim lucrativo,
utilitário ou ideológico; e que quando relacionada a algum desses fins deixa
de ser lazer e para ser considerado como “semilazer”.
4
Mas:
Na sociedade capitalista, parece quase inexistir alguma
atividade de lazer desvinculada dos fins apontados acima.
Os limites entre o que é obrigação e o que não é, se ela é
institucional ao não, não são muito evidentes [...]. (PADILHA,
2000, p. 56).
O conceito de Dumazedier também é criticado pelo caráter
funcionalista que expressa, principalmente quando desconsidera o fato de
que as necessidades humanas não adquirem as mesmas características
para todos e nem são da mesma forma satisfeitas. É o que argumenta
“tempo residual”, que seria o tempo que sobra após o trabalho e a satisfação das
necessidades vitais como alimentação e descanso. Nesse ultimo caso, em hipótese alguma
o trabalho poderia representar uma oportunidade de lazer. Portanto, como se vê, não há
muito acordo entre os autores destas respectivas correntes na conceituação do lazer.
Particularmente com relação à definição de lazer enquanto tempo livre, é possível questionar
sobre a existência de um tempo realmente livre, na acepção proposta, imune de qualquer
tipo de coação ou modelo de conduta social. Diante disto alguns autores vêm preferindo
falar de “tempo disponível”, ao invés de tempo livre, como o faz Marcellino (1990a), para
quem: “A ‘disponibilidade de tempo’ significa a possibilidade de opção pela atividade
prática ou contemplativa” (MARCELLINO, 1990a, p. 31).
4
Dumazedier define o semilazer da segunte forma: “Trata-se de uma atividade que, em
proporções variáveis, pode ser utilitária e desinteressada. Os dois aspectos interpenetram-se,
um peso ao setor das obrigações e outro ao dos lazeres” (DUMAZEDIER, 1973, P. 36). Assim, o
semilazer pode ser identificado nas atividades conhecidas como “faça você mesmo” ou
bricolage, que se refere às atividades ou pequenos ofícios domésticos, como jardinagem e
consertos em geral.
23
Faleiros (1980 apud MARCELLINO, 1992 e apud PADILHA, 2000), ao criticar o
conceito de Dumazedier:
Todas as atividades desenvolvidas pelos grupos humanos
objetivam a satisfação de necessidades. Mas como se
processa o mecanismo de satisfação dessas necessidades?
No caso específico do lazer, a maneira como Dumazedier
entende-o e elabora suas propostas teórico-metodológicas
implica uma explicação que se faz através da estrutura
própria ao funcionalismo (FALEIROS, 1980 apud PADILHA, 2000,
p. 57).
Seu conceito se identifica com um invólucro vazio para ser
preenchido com as atividades que são desenvolvidas em
função de determinadas necessidades, desde que realizadas
distintamente de certas obrigações institucionalizadas. Esse
conceito de lazer, desprovido de caráter histórico, parece
buscar seu conteúdo organizando o mundo da aparência
(FALEIROS, 1980 apud MARCELLINO, 1992, p. 314).
No Brasil, o conceito de lazer proposto por Dumazedier teve ampla
difusão, influenciado nas formulações de autores como Requixa (1980) e
Camargo (1986), que estão entre os pioneiros nos estudos do tema no país.
Para esses dois autores, em linhas gerais, o lazer define-se como um conjunto
de atividades ou ocupações exercidas de forma desinteressada, após o
cumprimento das obrigações sociais, e preenchendo algumas funções.
Assim o lazer é, para Requixa (1980): “[...] uma ocupação não
obrigatória, de livre escolha do indivíduo que a vive e cujos valores propiciam
condições de recuperação psicossomática e de desenvolvimento pessoal e
social” (REQUIXA, 1980, p. 35). E para Camargo (1986):
[...] um conjunto de atividades gratuitas, prazerosas,
voluntárias e libertatórias, centradas em interesses culturais
físicos, manuais, intelectuais, artísticos e associativos,
realizados no tempo livre roubado ou conquistado
historicamente sobre a jornada de trabalho profissional e
doméstica e que interferem no desenvolvimento pessoal e
social dos indivíduos (CAMARGO, 1986, p. 97).
Ethel Medeiros (1975), também pioneira nos estudos do lazer no Brasil, de
maneira semelhante aos autores anteriores, define o lazer como “[...] o
espaço de tempo não comprometido, do qual podemos dispor livremente,
porque já cumprimos nossas obrigações de trabalho e de vida” (MEDEIROS,
1975, p. 3). Ainda segundo a autora, o lazer teria para o homem
24
contemporâneo as funções de descanso, diversão e desenvolvimento
pessoal, funções estas que, conforme ela mesma indica, são comuns às
definições gerais de lazer. (MEDEIROS, 1975, p. 115-6).
Uma forma de abordagem teórico-conceitual distinta daquela proposta
por Dumazedier pode ser encontrada em Gustavo Gutierres (2001). Seu
entendimento de lazer privilegia a dimensão de busca do prazer e da
emoção durante o tempo disponível. Entretanto, afirma: “o lazer não
pressupõe necessariamente a consumação do prazer. Seu compromisso é
com a busca do prazer, com a luta por uma sensação de prazer que pode,
ou não, vir a ocorrer” (GUTIERREZ, 2001, p. 7).
Para Gutierrez (2001) a questão do prazer explicita os principais
problemas metodológicos existentes em torno da compreensão do lazer
bem como em torno de sua formalização enquanto objeto de estudos em
ciências sociais. Conforme explica o autor:
[...] é muito plausível a premissa da expectativa de
comportamento racional do indivíduo no desenvolvimento de
modelos de interpretação social. A grande maioria dos
objetos de pesquisa na área de humanas adapta-se bem a
esta forma de aproximação.
Mas o objeto lazer, por sua vez, possui natureza
particularmente complexa: como busca pessoal da
realização do prazer, ele insere o sujeito social no campo das
ações determinadas racionalmente, ao passo que o prazer
em si, com sua interface psicológica/fisiológica/cultural, é
muito difícil de ser reduzido à dimensão racional (GUTIERREZ,
2001, p. 38).
A dimensão de busca do prazer nas atividades de lazer é
acessível, ao passo que o prazer, em si mesmo, ainda se
apresenta cheio de mistérios. Assim existe um núcleo racional
e individual no objeto de pesquisa lazer que dificulta sua
descrição e interpretação com base nas teorias
fundamentadas na expectativa de um comportamento
racional. Nesse sentido, as elaborações mais ou menos
imediatas sobre o objeto lazer, tomando-se por base as
relações de produção, a busca racional da dominação, ou
ainda a função de integração social, terminam por construir
muitas vezes cenários pouco representativos e atravessados
por tensões internas e contradições mal resolvidas.
Isso talvez ajude a explicar porque encontramos tantas
análises classificatórias do lazer, fundamentadas na utilização
de um referencial funcionalista empobrecido e mecânico, no
qual o objeto tanto pode aparecer como compensação ao
25
cansaço do tempo de trabalho quanto como manifestação
anômica quando em desacordo com o funcionamento
regular, típico e conservador do sistema (GUTIERREZ, 2001, p.
39-40).
Como é possível perceber, esses problemas apontados por Gutierres
(2001) em torno da compreensão do lazer, dizem respeito principalmente às
abordagens de cunho funcionalista, também criticadas por Faleiros (1980
apud MARCELLINO, 1992 e PADILHA, 2000), conforme já visto.
Em referência a abordagem funcionalista do lazer, Marcellino (1990a)
aponta pelo menos quatro tipos: a romântica, a moralista, a compensatória
e a utilitarista, todas elas manifestando um caráter altamente conservador. A
abordagem romântica enfatiza os valores da sociedade tradicional, numa
certa nostalgia ao passado. A moralista, motivada pelo caráter de
ambigüidade do lazer e a partir de juízos de valor, procura resguardar
aquelas práticas de lazer vistas como benéficas à manutenção da ordem e
da segurança social. A compensatória, centrada na relação trabalho-lazer,
enfatiza as funções do lazer enquanto compensador das alienações,
insatisfações e restrições vividas durante o tempo de trabalho. E a
abordagem utilitarista destaca as funções do lazer na recuperação da força
de trabalho e como fator de progresso econômico numa dada sociedade.
Essas formas de abordagem funcionalista, apontadas por Marcellino,
podem ser identificas nos trabalhos de diversos autores brasileiros, entre os
quais Requixa e Medeiros. Entretanto, esses autores não manifestam apenas
valores funcionalistas com relação ao lazer, mas também outros valores
como os de desenvolvimento pessoal e social, conforme destaca o próprio
Marcellino (1990, p. 39).
Neste ponto, é interessante notar que mesmo Requixa (1977) reconhece
a presença de valores funcionalistas em seus trabalhos, justificando-os da
seguinte forma:
Em nosso primeiro trabalho [“As dimensões do lazer”, Revista
Problemas Brasileiros, n. 81, São Paulo, maio de 1970] sobre o
lazer, detinhamo-nos na problemática do
subdesenvolvimento. Em face do preconceito contra a
palavra, ditado por uma forma de moral valorizadora do
trabalho, em essência, e embora conscientes do valor do
26
lazer como lazer, não nos descuidamos de buscar
“indulgência” para com a promoção do produto lazer.
Assinalamos com ênfase os aspectos educativos de
recuperação psicossomática. Isto é, tentamos criar uma
justificativa, através da qual o público pudesse usá-la perante
si mesmo e aceitá-la mais calma e descontraídamente. O
lazer apresentado como “sócio-educativo” e proporcionado
“recuperação psicossomática” certamente ganharia mais
conteúdo de reforço e seria aceito menos
preconceituosamente (REQUIXA, 1977, p. 96).
A justificativa acima apresenta nos parece fundamental para entender o
por que do predomínio de concepções funcionalistas nas análises do lazer.
Tais concepções, talvez demasiadas mas de certa forma necessárias para
promoção da discussão do lazer tanto na sociedade em geral bem como
no ambiente acadêmico, onde nem sempre foi aceito como tema de
pesquisa.
Voltando à questão, Marcellino (1992, p. 314) relaciona as abordagens
funcionalistas ao entendimento do lazer em sua “especificidade abstrata”,
isto é, em si mesmo, de forma isolada, nesta ou naquela atividade, e
desvinculado do contexto social mais amplo. Por outro lado, o lazer em sua
“especificidade concreta” é visto enquanto componente da cultura
historicamente situado e em estreita relação com as demais dimensões da
vida social. Assim:
A “especificidade concreta” do lazer, considerado em sua
manifestação na sociedade atual, é colocada como
reivindicação social. [...]. O lazer é visto como fruto da
sociedade urbano-industrial e, dialeticamente, incide sobre
ela, como gerador de novos valores que a contestam
(MARCELLINO, 1992, p. 315-6).
5
Diz ainda Marcellino (1992) que a consideração do lazer em sua
“especificidade concreta” requer:
[...] o seu entendimento amplo em termos de conteúdo, as
atitudes que envolve, os valores que propicia, a consideração
dos seus aspectos educativos, as suas possibilidades
enquanto instrumento de mobilização e participação cultural,
5
Nesse sentido, o lazer é visto como campo privilegiado para a vivência de valores que
contribuam para a instauração de uma nova ordem cultural e moral, necessárias à
construção de uma nova ordem social. (MARCELLINO, 1990a, p. 31). Nesse mesmo sentido,
Oliveira (1997, p. 12) estabelece relação com o que já afirmou Henri Lefebvre em sua
Critique de la vie quotidienne, de que é por meio do lazer que os homens, conscientes ou
não, realizam dentro de suas possibilidades a crítica de sua vida cotidiana.
27
e as barreiras sócio-culturais verificadas para seu efetivo
exercício, tanto intra-classes como inter-classes (MARCELLINO,
1992, p. 315).
Com base nessas questões, sua definição apresenta o lazer como:
[...] a cultura compreendida no sentido mais amplo
vivenciada (praticada ou fruída) no “tempo disponível”. O
importante, como traço definidor, é o caráter
“desinteressado” dessa vivência. Não se busca, pelo menos
fundamentalmente, outra recompensa além da satisfação
provocada pela vivência. A “disponibilidade de tempo”
significa possibilidade de opção pela atividade prática ou
contemplativa (MARCELLINO, 1990, p. 31).
A compreensão de lazer que se tem neste trabalho aproxima-se do
entendimento acima expresso, sendo que para nós o lazer apresenta-se na
atualidade como dimensão da cultura mais ampla vivida e produzida a partir
da cidade, do urbano. É nesse sentindo que estaremos considerando o lazer
na sua relação com a vida urbana, ou seja, tendo em vista sua ligação com
o sistema de práticas e valores presentes e que dão sentido e significado à
vida na cidade.
Feitas essas colocações, passaremos a seguir a tratar da constituição da
vida urbana de Presidente Prudente.
1.2. A vida urbana de Presidente Prudente
Embora não seja nosso objetivo tratar da formação histórica de
Presidente Prudente, assunto que comparece em outros trabalhos
6
, ao se ter
como foco a vida urbana dessa cidade, torna-se necessário considerar o
processo de constituição e desenvolvimento de seu núcleo urbano. É a partir
daí que pretendemos destacar aspectos relacionados ao desenvolvimento
da vida urbana da cidade, para então nos capítulos seguintes procedermos
a análise do lazer no interior dessa realidade.
7
6
Sobre a fundação e desenvolvimento da cidade de Presidente Prudente, confira Dióres
Santos Abreu (1972). As informações contidas neste item foram retiradas principalmente
dessa obra. Sobre o mesmo assunto podem ser consultados ainda Abreu (1997) e Leite
(1972).
7
Neste momento, achamos pertinente designar em poucas palavras o que se entende por
vida urbana, para então buscar sua constituição e desenvolvimento em Presidente Prudente.
A vida urbana diz respeito à cultura mais ampla, vivida, produzida e disseminada a partir das
cidades do mundo moderno, este marcado pelo duplo processo de industrialização-
28
Dessa forma, no desenvolvimento deste item estaremos considerando: a
origem de Presidente Prudente no contexto da ação urbanizadora do café
(que fez surgir várias cidades na região estremo-oeste do Estado no início do
século XX); a constituição propriamente dita de seu núcleo urbano e a ação
de seus fundadores; o aparelhamento comercial e de serviços da cidade e;
a produção de seu espaço urbano, enquanto produção da dimensão
espacial da vida urbana.
Originada no conjunto da rede urbana formada a partir da expansão da
atividade cafeeira que se deu entre o final do século XIX e início do século XX
nos espigões do Planalto Ocidental Paulista, Presidente Prudente progrediu de
cidade pequena de “boca de sertão” para uma cidade média com forte
influência regional, desenvolvendo já nas primeiras décadas de sua
existência uma vida urbana significativa, denotadora de práticas e valores
que caracterizam a cidade moderna.
Conforme relata Abreu (1972), é dentro do:
[...] contexto da marcha do café pelos espigões do extremo-
oeste de São Paulo, tendo como amparo a Estrada de Ferro
Sorocabana, que se coloca o aparecimento de Presidente
Prudente. A busca de solos virgens para o café, a
especulação com terras e a colonização pelo loteamente de
grandes glebas resumem as características do povoamento
na Alta Sorocabana. Os núcleos urbanos surgiram como
pontos de apoio para a exploração econômica da região.
(ABREU, 1972, p. 42).
Presidente Prudente foi assim uma das cidades que sugiram como
conseqüência da ação urbanizadora do café, que ao promover a
ocupação efetiva das terras localizadas ao extremo-oeste do Estado, foi
responsável também pela constituição de núcleos urbanos sem os quais não
seria possível a exploração econômica das mesmas, seja na
comercialização de terras seja no desenvolvimento de atividades agrícolas.
Sobre esse aspecto, Abreu (1972) esclarece:
A ação urbanizadora do café alcançou sua plenitude no
momento em que ganhou os espigões do planalto ocidental
urbanização. A vida urbana refere-se assim ao modo de vida que se desenvolveu a partir
das cidades contemporâneas, o qual comporta um sistema de práticas e valores que o
diferencia daquele de grupos rurais ou de sociedades tradicionais. Esse entendimento tem
por base nossa leitura das obras de Lefebvre (1991a, 1991b, 1999 e 2002).
29
paulista no final do século passado [XIX] e primeira metade
do atual [XX]. Então, o que ocorria anteriormente, a fazenda
precedendo a cidade, foi invertido. A cidade será, na maioria
das vezes, o trampolim para a ocupação da zona rural. E
continuará depois a fornecer-lhe as condições para o
desempenho de suas funções vitais.
Este desenvolvimento da urbanização ligada à expansão
cafeeira ocorreu em grande parte, porque a ocupação do
extremo oeste paulista pelo café se fez não só pelo latifúndio,
numa repetição do que ocorrera anteriormente em outras
áreas, como também pela pequena propriedade. Grandes
extensões de terras foram adquiridas por compra ou “grilo” e
cortadas em lotes para serem vendidas a pessoas de
pequenas posses desejosas de se enriquecerem com a
plantação de café. E um núcleo urbano anexo à área
loteada tornava-se indispensável ao bom êxito do comércio
de terras. O proprietário ou a companhia loteadora se
esforçará para dotá-lo de armazém, médico, capela,
farmácia etc. de maneira a atrair compradores que se
sentirão seguros instalando-se numa gleba que tenha
“recursos”. Daí o número de cidades aumentar de forma
proporcional à expansão cafeeira, que por sua vez foi
acompanhada ou precedida pela rede ferroviária, condição
fundamental de seu crescimento, fazendo com que as
cidades fossem criadas, preferencialmente, em torno das
estações ferroviárias (ABREU, 1972, p. 9-10).
Particularmente, a cidade de Presidente Prudente nasceu da reunião
das vilas Goulart e Marcondes
8
, criadas respectivamente pelos coronéis
Francisco de Paula Goulart (1917) e José Soares Marcondes (1920), que
tiveram, cada um deles, a iniciativa de formar um núcleo urbano dotado de
equipamento comercial, industrial e de serviço, que viabilizasse a
comercialização das terras rurais de suas posses atraindo compradores
bem como o desenvolvimento do trabalho agrícola.
9
Nesse sentido, ao iniciar o projeto de colonização de suas glebas,
ambos os coronéis procuraram facilitar ao máximo a vinda e instalação de
8
A Vila Goulart foi fundada na área denominada gleba Pirapó-Santo Anastácio, de posse do
Coronel Goulart, defronte à estação da Estrada de Ferro Sorocabana (Estação “Presidente
Prudente”, que veio a dar nome a cidade, quando da instituição de seu município em 1923).
Do outro lado da linha e aos fundos da estação, na área da gleba Montalvão, de posse da
Companhia Marcondes, do coronel Marcondes, foi fundada a Vila Marcondes. Era a própria
estrada de ferro que estabelecia o limite entre as duas glebas e assim entre as duas vilas.
Confira FIGURA 1, página 41.
9
É interessante esclarecer sobre algumas diferenças entre o tipo de empreendimento de
Goulart e o de Marcondes: enquanto a colonização Goulart era marcada pelo estilo
personalista, sem muito planejamento e descapitalizada, a colonização Marcondes tinha um
caráter empresarial, com maior recurso financeiro e desenvolvendo estratégias de mercado
na venda de terras rurais e urbanas.
30
moradores na zona urbana. Na Vila Goulart, chegavam a acontecer
doações de datas urbanas feitas pelo coronel Goulart àqueles que
desembarcavam na estação desejosos de investir e trabalhar na nova
cidade, pois esta “[...] precisava crescer depressa para atrair e fixar
compradores de terras” (ABREU, 1972, p. 63). Na Vila Marcondes, não muito
diferente disso, muitos dos moradores que chegavam conseguiam
financiamento da própria companhia colonizadora para a abertura de um
novo negócio na cidade.
Outrossim, a rivalidade que fatalmente acabou surgindo entre
a Vila Goulart e a Vila Marcondes tornou-se profundamente
benéfica ao povoado. Cada uma delas procurava oferecer
melhores serviços para atrair moradores. Essa concorrência
acabou por oferecer datas, nas vilas, quase de graça, a
quem desejasse montar uma padaria, uma farmácia ou um
bar (LEITE, 1972, p. 154).
Foi assim que Presidente Prudente, configurada nas duas vilas, ganhou
população e iniciou suas primeiras atividades urbanas. Seu núcleo urbano
consolidou-se ao mesmo tempo em que fomentou a venda de lotes rurais na
região, atraindo compradores que se sentiam seguros com a expectativa de
progresso da cidade e de toda a região da Alta Sorocabana.
O desenvolvimento da cidade nas décadas de 1930 e 1940 intensificou
a sua vida urbana. Para tanto, contou muito o seu aparelhamento comercial
e de serviços, elemento que colocou Presidente Prudente desde os primeiros
anos de sua existência à frente de outras cidades da Alta Sorocabana.
Conforme visto acima, os primeiros estabelecimentos comerciais como
padarias, bares, farmácias, lojas de armarinhos etc., foram abertos por
pessoas recém chegadas à cidade e na maior parte das vezes desprovidas
de muito capital, daí necessitarem da “ajuda” dos coronéis. Outras vezes,
foram abertos por agricultores que após um bom ano agrícola pegavam
suas economias e dirigiam-se para a cidade a fim de nela se estabelecerem
para desenvolver alguma atividade urbana. Estes, na maior parte das vezes
vendiam suas propriedades, rompendo definitivamente suas ligações com a
terra e ligando-se à cidade. Dessa forma, os primeiros estabelecimentos
comerciais de Presidente Prudente foram abertos “[...] com pequeno capital
31
e com muito crédito obtido com as firmas fornecedoras, geralmente, da
Capital” (ABREU, 1972, p. 175).
Mas, com o rápido crescimento da cidade e a consolidação e
expansão de sua rede comercial, não demorou a surgir estabelecimentos de
maior porte, a exemplo das firmas “Grande Estabelecimento Naufal” (1927),
de Elias Naufal e irmãos, e “Casas Pernambucanas” (1928), tradicional
empresa de tecidos do país. O comércio de veículos automotores,
favorecido pela constante abertura de novas estradas na região, também se
desenvolveu rapidamente, surgindo representantes das marcas Dodg, Ford,
Chevrolet e Fiat. Da mesma forma, os estabelecimentos comerciais
atacadistas de compra e beneficiamento de café e cereais, prosperaram
em vista do crescimento da produção regional e do aumento de suas
operações comerciais com as casas comissárias de São Paulo e Santos, a
que se vinculavam. Enfim, todos esses grandes estabelecimentos comerciais
ao lado dos pequenos que predominavam em quantidade, contribuíram
para o rápido dinamismo econômico e crescimento da cidade.
No setor de serviços, a cidade desenvolveu já nesses primeiros tempos
de sua vida os serviços bancários, de saúde e higiene pública, religiosos,
escolares, de comunicação, de diversões e público-administrativos (ABREU,
1972, p. 177-202). O primeiro estabelecimento bancário surgiu em 1926 com
a instalação do Banco Noroeste do Estado de São Paulo, e nos anos
seguintes, apesar da crise econômica que assolou o país, outras agências
vieram a se instalar na cidade. Fato interessante foi a iniciativa de
constituição de uma cooperativa de crédito, em 1928, com a participação
de funcionários públicos, profissionais liberais, comerciantes e agricultores.
Embora essa cooperativa não tenha sido executada, o importante de se
observar é que se trata de uma iniciativa tipicamente urbana que já se
desenvolvia na cidade nesse momento inicial de sua vida.
Quanto aos serviços de saúde e higiene pública, Presidente Prudente
contou já a partir do início da década de 1920 com a prestação dos serviços
médico, odontológico, farmacêutico e hospitalar. Os dois primeiros médicos
foram trazidos entre 1920-1921 pelo coronel Marcondes, que lhes garantiu
32
apoio financeiro na montagem de seus consultórios. Em 1929, a cidade já
contava com 11 médicos e seus primeiros hospitais particulares, alguns deles
equipados com laboratórios de análises e raios-X. Em 1929, foi constituída a
Sociedade de Medicina e Cirurgia da Alta Sorocabana, congregando
profissionais de Presidente Prudente e de outras cidades da região. A Santa
Casa de Misericórdia iniciou suas atividades em 1935, com a inauguração
de seu primeiro pavilhão, prestando serviço ambulatorial. Porém, a primeira
iniciativa para a sua constituição se deu em 1929, com a formação da
primeira diretoria e comissão de trabalho. A primeira farmácia começou a
funcionar entre 1921 e 1922, e em 1929 a cidade já contava com cinco
estabelecimentos desse gênero. Os primeiros consultórios odontológicos
também datam do início da década de 1920, oferecendo à população
desde cirurgia bucal até serviços de prótese. Quanto aos serviços de saúde
pública, em 1930, Presidente Prudente tornou-se sede de Inspetoria Sanitária,
realizando serviços de vacinação, de educação sanitária e de fiscalização
sanitária em estabelecimentos comerciais, públicos e residenciais.
No que toca aos serviços escolares, o primeiro estabelecimento de
ensino da cidade iniciou suas atividades em 1920. Foi a “Escolas Reunidas”,
que funcionava em precário prédio de madeira alugado e mobiliado pelo
próprio coronel Goulart. No ano de 1925, essa escola transformou-se em 1º
Grupo Escolar. Outra “Escolas Reunidas” surgiu em 1929, na Vila Marcondes,
dando origem depois ao 2º Grupo Escolar, agora localizado na Vila Nova.
Mas o grande marco do ensino elementar foi a inauguração, em 1938, do
prédio do Grupo Escolar de Presidente Prudente, atual Escola Adolpho Arruda
Mello, que então reuniu as classes dos demais grupos escolares da cidade.
No ensino secundário, a primeira escola foi o Ginásio São Paulo, inaugurado
em 1930, também conhecido na época como Academia de Comércio do
Ginásio São Paulo por formar profissionais para a escritura mercantil. O
Colégio Cristo Rei, fundado em 1937 e dirigido por madres beneditinas,
também ofereceu curso secundário, além de aulas de pintura, desenho e
piano. Assim, já na década de 1930, Presidente Prudente contava com a
mais completa rede escolar elementar e secundária da região. Suas escolas
eram espaços de destaque na vida urbana da cidade, lugares de
33
acontecimentos sociais importantes no cotidiano urbano, como será possível
observar nos capítulos seguintes.
Nos serviços religiosos, desde 1925 a cidade conta com as atividades
da Igreja Católica, data em que foi instalada a paróquia e ordenado o seu
primeiro vigário, o padre José Maria Martinez Sarríon. A primeira capela,
entretanto, foi construída ainda em 1918, no centro da atual Praça Nove de
Julho, a mando do coronel Goulart. Era ali que se realizavam as tradicionais
festas religiosas, que atraíam praticamente toda a população da cidade e
boa parte da população rural de seu entorno. A construção da Igreja Matriz
definitiva, a atual Catedral de São Sebastião, foi iniciada em 1936, com o
lançamento de sua pedra fundamental e concluída em 1942. Cabe registrar
também que nesse período inicial da vida da cidade, além de católicos
atuavam outros grupos religiosos como os evangélicos e os espíritas, porém
com menor quantidade de fiéis.
Na área de comunicação, destaca-se o jornal como principal meio na
cidade. Foram muitos os jornais que surgiram e desapareceram
rapidamente, estando eles quase sempre vinculados a alguma facção
política local. A existência efêmera desses periódicos explica-se justamente
pelo fato deles terem sido veículos político-partidários. Quando um grupo se
desarticulava, ou as rivalidades políticas se dissolviam, o jornal perdia sua
principal finalidade e assim era extinto, porque oneroso. Apenas um jornal
conseguiu ter vida longa: “A Voz do Povo”, que começou a circular em 1926.
Nas páginas desses jornais, além de artigos e propagandas políticas também
eram publicadas reportagens que cobriam todos os tipos de fatos e eventos
sociais da cidade, desde a viagem de algum munícipe a São Paulo ou Rio
de Janeiro até as tradicionais festas religiosas. Também chegaram a ser
publicados na cidade jornais de caráter crítico e humorístico, editados por
grupos de jovens e distribuídos a amigos, como o “Sorriso” (1926) e “O Grito”
(1927). Esses jornais também tiveram vida efêmera, quase sempre não
ultrapassando o primeiro número. Os jornais da capital, como “Diário de São
Paulo” e “O Estado de São Paulo”, também circulavam na cidade nesse
período, com certo atraso mas difundindo localmente notícias além de
34
modas, valores e práticas sociais da capital. Outros meios de comunicação
que a cidade pode contar, além dos jornais, foram o serviço de telefonia,
inaugurado em 1925, porém com um número muito restrito de assinantes, e
o serviço de correios, inaugurado em 1928. A radiodifusão só se desenvolveu
a partir da década de 1940, junto com os Serviços de Alto-falantes instalados
nos principais logradouros da cidade.
Os serviços de diversões, que se relacionam diretamente ao foco deste
estudo e cuja análise comparece nos capítulos seguintes, prosperaram
rapidamente em Presidente Prudente gerando investimentos, movimentando
dinheiro, mercadorias e pessoas. Tiveram assim peso significativo no
desenvolvimento urbano da cidade. Desde os primórdios de sua história a
cidade contou com parques de diversões, espetáculos teatrais,
cinematográficos, musicais, circenses, festas religiosas, festivais literários,
práticas esportivas de diversos gêneros, o footing. Enfim, uma ampla gama
de diversões realizadas tanto em espaços públicos como privados. Conforme
será possível observar, já na década de 1930, Presidente Prudente contava
com uma série de espaços de lazer que serviam para a diversão da
população e animavam a vida da ainda pequena urbe.
Quanto aos serviços público-administrativos, a cidade passou a
desenvolvê-los após a criação de seu município. Antes disso, Presidente
Prudente tinha sua jurisdição disputada por Campos Novos do
Paranapanema e Conceição do Monte Alegre, municípios para os quais se
dirigiam aqueles que desejassem, por exemplo, pagar impostos ou procurar
serviços administrativos municipais. Mas com a criação de município próprio,
o que se deu em 1923, após acertos políticos envolvendo seus dois líderes
locais (os coronéis Goulart e Marcondes) e líderes estaduais, a cidade
ganhou prefeitura, câmara municipal, fórum, cartórios, coletorias estadual e
federal e Delegacia Regional de Polícia. Com isso ampliou seu status político-
administrativo e viu crescer o número de pessoas circulando e se dirigindo a
ela. Sobre esse aspecto, Beltrão Sposito (1983) destaca:
A importância do aparelho comercial e de serviços que a
cidade desenvolveu nas décadas de 20 e 30 é inconteste,
contudo há que se ressaltar que muito do movimento urbano
35
que se percebia em Presidente Prudente, decorria de seu
estatus político administrativo. Era aí que se tratavam de
negócios, pagava-se impostos, passava-se escrituras e
tratava-se de outras questões jurídicas. Nestas ocasiões,
aproveitava-se para as compras ou para a utilização de
quaisquer serviços oferecidos na cidade, que era sem dúvida
o centro fornecedor e receptor dos produtos produzidos e
consumidos na região (BELTRÃO SPOSITO, 1983, p. 60).
Além dos aspectos até aqui apontados, outra face denotadora do
desenvolvimento urbano da cidade é aquela da produção de seu espaço
urbano. Essa produção, que ocorre tanto a partir de ações do poder público
como privadas, é que dá base territorial e material ao acontecer urbano, aos
tempos urbanos, enfim, ao cotidiano urbano em todas as suas dimensões.
Entretanto, essa produção deve ser entendida no âmbito geral da produção
social, ou seja, não se produz apenas espaços na cidade, como praças,
ruas, prédios etc., mas também se produz usos, valores e práticas que
permeiam a existência desses espaços, dando sentido e significado social a
eles.
Nesse sentido, temos aqui como base de interpretação a acepção
marxista de produção, que, conforme aponta Lefebvre (1991b e 1999),
comporta dois sentidos que se distinguem e se complementam: um sentido
amplo, que designa criação de obras (incluindo o tempo e o espaço
sociais), de idéias, de valores, de espiritualidade onde se revela a
historicidade humana; e um sentido estrito, que se refere à fabricação de
coisas, de bens, de objetos, enfim, a produção das condições materiais e
técnicas de existência da sociedade onde se revela a práxis humana. “Este
último sentido apóia o primeiro e designa sua base material” (LEFEBVRE, 1999,
p. 46).
Ainda segundo Lefebvre (1999):
[...] a cidade cobre bem a dupla acepção do termo
“produzir”. Obra ela mesma, e o lugar onde se produzem
obras diversas, inclusive aquilo que faz o sentido da
produção: necessidades e prazeres. È também o lugar onde
são produzidos e trocados os bens, onde são consumidos.
Reúne essas realidades, essas modalidades do “produzir”,
umas imediatas e outras mediatas (LEFEBVRE, 1999, p. 48).
36
A produção do espaço urbano, no sentido de produção territorial da
cidade e de toda a sua materialidade, pode ser vista como produção estrita
que, assim, diz respeito à produção das condições concretas através das
quais se desenvolve a vida urbana. Portanto, a produção do espaço urbano
traz em si, também, a produção da vida urbana, o que pode ser ilustrado em
se considerando a produção do espaço urbano de Presidente Prudente.
O início do processo de produção do espaço urbano de Presidente
Prudente se deu com o primeiro loteamento urbano realizado pelo coronel
Goulart, cujo resultado foi a constituição da Vila Goulart, a partir de 1917,
como já visto. É principalmente nessa área, compreendida entre as quatro
principais avenidas da cidade (Avenida Brasil, antiga Avenida do Estado;
Avenida Washington Luís, antiga Avenida Antônio Prado; Avenida Goulart e;
Avenida Marcondes) que se concentraram os esforços, nas décadas de 1920
e, principalmente, 1930 e 1940, no sentido de dotar a cidade de bens e
equipamentos urbanos, ainda que na Vila Marcondes também houvesse, em
menor proporção, a produção desses mesmos bens e equipamentos. Com
efeito, na Vila Goulart e, mormente, a partir dela, é que a cidade foi sendo
produzida e expandiu-se, mesmo porque do outro lado da linha férrea, na
Vila Marcondes, a área era de características topográficas pouco propícias à
urbanização, conforme já assinalou Beltrão Sposito (1983). Nessa questão,
pesa ainda o fato de que ao coronel Marcondes “[...] não interessava
diretamente a produção de um espaço urbano configurado em benfeitorias
para usufruto, até porque residia na capital do Estado, não participando
diretamente da vida prudentina” (SILVA, 2000, p. 75-6).
O período que vai da fundação da cidade, em 1917, até pelo menos
1930, pode ser identificado como um primeiro momento da produção do
espaço urbano de Presidente Prudente, sendo ele marcado pela
necessidade de “abertura” de um núcleo urbano como meio de atrair
compradores de lotes na zona rural. Não havia ainda, nesse momento, uma
separação nítida entre o espaço urbano e o espaço rural. A cidade em
constituição deveria apenas oferecer atividades de comércio e de serviços
necessários para que esses compradores pudessem se fixar e desenvolver
37
suas atividades rurais. Os esforços dos coronéis na produção do espaço
urbano pautavam-se nesse primado.
Assim:
Esses primeiros anos [1917-1930], apesar do todos os esforços
para forjar uma paisagem urbana, não se poderia afirmar
que a cidade desfrutava de uma vida urbana no seu sentido
pleno, pois os costumes e as práticas e a própria imagem da
cidade ainda estavam ligados ao mundo rural (SILVA, 2002, p.
47).
Depois de 1930 a produção do espaço urbano ganhou um novo
sentido, e a cidade uma vida mais urbana. É quando entram em cena novos
atores na produção do espaço urbano, que não os coronéis, favorecidos por
um novo contexto político e econômico no país. O crescimento da
população urbana da cidade e a consolidação de sua posição como
centro comercial, industrial e de serviços da Alta Sorocabana, fazem com
que Presidente Prudente deixe cada vez mais de ser reflexo das condições
agrárias de seu entorno, para subordinar a si a zona rural. Nesse contexto, as
bases do poder deslocam-se do meio rural para o urbano, dos coronéis para
as novas lideranças (ABREU, 1972 e SILVA, 2000).
Se até 1930 os interesses que permeavam a produção do espaço
urbano eram aqueles relativos à venda de terras na zona rural, e, portanto,
respondia aos interesses imediatos dos coronéis, após esse momento a
cidade começa a ser produzida “para si mesma”, isto é, com base nos
interesses de um novo segmento partícipe da cidade: profissionais liberais,
comerciantes, industriais, funcionários públicos graduados, que buscavam
melhorar suas condições de vida urbana e otimizar o desenvolvimento de
suas atividades econômicas, sejam elas industriais, de prestação de serviços
ou comerciais. Foi desse novo segmento urbano que nasceu a nova
liderança política da cidade, mas sem que isso representasse a dissolução
completa e imediata do poder dos coronéis, os quais mantiveram ainda
assim peso significativo na vida política da cidade e da região.
Nesse novo contexto, uma série de ações envolvendo o poder público
(municipal e estadual), e também iniciativas privadas, processaram-se
transformando, ou melhor dizendo efetivando uma paisagem urbana na
38
cidade e com ela um modo de vida urbano para muitos de seus habitantes.
Problemas que a cidade enfrentava como a falta de logradouros públicos,
de calçamento das ruas, de serviços de água e esgoto e de prédios para
abrigar os serviços públicos começaram a ser resolvidos, importando para
tanto a maior presença do Estado na concessão dessas antigas
reivindicações da população e a maior operância do poder público
municipal, dado por mudanças na postura administrativa de seus gestores,
aliás novos gestores.
10
As transformações urbanísticas de Presidente Prudente em pouco mais
de uma década, após 1930, foram muitas e definitivamente imprimiram uma
nova feição e vida à cidade. O pontilhão sobre os trilhos da Estrada de Ferro
Sorocabana inaugurado em 1932, ligando as duas partes da cidade e
melhorando o fluxo entre elas, foi a primeira grande realização municipal. Em
seguida, no ano de 1933, iniciaram-se os serviços de sarjetas e de
calçamento, que prosseguiram nos anos seguintes em ritmo lento, mas aos
poucos dando nova feição às ruas da área central. Através de decretos de
posturas municipais obrigavam-se também os proprietários das ruas que
recebessem esses melhoramentos a construírem passeio público e muros,
melhorando a feição dos prédios privados e das vias públicas. Ainda em
1933, fora inaugurado a praça do Jardim Público, a Praça 5 de Julho (atual
Praça 9 de Julho), em um quarteirão adquirido pela prefeitura entre 1923-
1925 para essa finalidade, que recebeu então calçamento, jardins,
arborização, mobiliário urbanístico e no centro um repuxo com um cisne de
cujo bico saia água. Outras realizações importantes executadas pela
municipalidade foram a construção dos prédios do Mercado Municipal e do
Paço Municipal, a construção de um bosque público em área de mata
virgem que o próprio coronel Goulart havia reservado para tal fim desde a
fundação da cidade, e a construção de um novo jardim público na área da
esplanada da estação, que depois recebeu o nome de Praça da Bandeira.
11
10
Cabe nessa questão destacar o papel desempenhado pela consolidação da Lei
Orgânica dos Municípios de 1935, que impôs uma vigilância mais estreita do governo central
sobre as prefeituras, obrigando-as a adotar maior disciplina nos gastos públicos.
11
Confira FIGURA 2, página 41; FIGURA 3, página 42; FIGURA 4, página 42.
39
Outras obras importantes para o desenvolvimento urbano de Presidente
Prudente, porém realizadas pelo Governo do Estado, foram as do Grupo
Escolar, inaugurado em 1938, do Fórum, construído entre 1938-1945, e da
Cadeia e Delegacia Regional de Polícia, construído na década de 1940;
prédios que se destacavam na paisagem urbana da cidade. O Governo do
Estado também contribuiu com a municipalidade financiando as obras dos
serviços de água e esgoto, uma das reivindicações mais antigas e urgentes
da cidade. A inauguração do abastecimento por água encanada ocorreu
em 1938. A água vinha de quatro poços semi-atesianos e seu primeiro
reservatório foi localizado no Largo da Igreja Nossa Senhora da Aparecida, na
Vila Marcondes.
Foi com base nessas transformações que Presidente Prudente ganhou a
aparência efetiva de cidade e desenvolveu sua vida urbana. Os novos
espaços e serviços urbanos foram acompanhados pelo desenvolvimento de
novas práticas e valores, mais urbanos, por assim dizer. Cabe, no entanto,
ressaltar que essa urbanização que Presidente Prudente alcançou ficou
circunscrita ao seu quadrilátero central, compreendido entre as quatro
avenidas (Avenida Brasil, antiga Avenida do Estado; Avenida Washington Luís,
antiga Avenida Antônio Prado; Avenida Goulart e; Avenida Marcondes). Fora
dessa área central, os serviços e infra-estruturas urbanas foram chegando
tardiamente e os seus habitantes estiveram assim pouco integrados à nova
realidade urbana da cidade. Os que residiam nas bordas do perímetro
urbano, nas suas áreas de transição:
[...] pouco vivenciavam os espaços sociais e recreativos da
cidade, viviam em habitações precárias, de madeiramento
de baixo valor, cobertas de “tabuinha” ou “sapê”. Não tinham
acesso á maioria dos bens e serviços urbanos e
encontravam-se numa situação restrita, em condições de
sobrevivência. (SILVA, 2002, p. 51).
A produção da vida urbana em Presidente Prudente se deu ao mesmo
tempo em que a produção de seu espaço urbano, como não poderia
deixar de ser. A consolidação da vida urbana com a difusão mais
acentuada de valores e práticas sociais próprias da sociedade urbana
pode ser identificada a partir daquele momento em que na cidade começa
40
a se efetivar uma paisagem urbana junto ao desenvolvimento de instituições
igualmente urbanas, como as administrativas, escolares, de saúde, e
também de lazer, como é o caso dos clubes.
Foi no quadrilátero histórico da cidade entre as quatro avenidas que
se concentrou inicialmente a maior parte das atividades urbanas (comerciais,
de serviços etc.) bem como a vida social da cidade, seja nas escolas, nas
praças, nos cinemas, nos bares, nos clubes etc. A vida urbana teve assim a
sua centralidade definida primeiramente nesse espaço, a partir de onde
foram sendo reproduzidos valores e práticas sociais tipicamente urbanos, cujo
alcance foi se estendo à população junto com o crescimento da cidade.
41
FIGURA 1: Planta da cidade de Presidente Prudente (1923).
Fonte: EMUBRA História do Oeste de São Paulo, 2003 (CD-R).
FIGURA 2: Praça Nove de Julho, em 1933, ano de sua inauguração.
Fonte: EMUBRA História do Oeste de São Paulo, 2003 (CD-R).
42
FIGURA 3: Esplanada da Estação (Praça da Bandeira), em 1940.
Fonte: EMUBRA História do Oeste de São Paulo, 2003 (CD-R).
FIGURA 4: Rua Nicolau Maffei, em 1940, já pavimentada.
Fonte: EMUBRA História do Oeste de São Paulo, 2003 (CD-R).
43
CAPÍTULO II
LAZER E VIDA URBANA EM PRESIDENTE PRUDENTE: ENTRE O
SAGRADO, O PROFANO E O CÍVICO
44
2. Entre o sagrado, o profano e o cívico
Neste capítulo vamos considerar a vivência do lazer diante da
manifestação do sagrado, do profano e do cívico nas festas realizadas na
cidade, nas décadas de 1920, 1930 e 1940, em suas seguintes formas: as
festas religiosas, o carnaval e as festas cívicas ou patrióticas.
2.1. Festas
De modo geral, as festas funcionam como elemento de coesão e de
afirmação da unidade e vitalidade de um grupo. Nas sociedades
tradicionais, as festas eram marcadas pelo sentido de ruptura com o dia-dia
comum, por exemplo, quando realizadas após o período de colheita
assinalando aí o fim de uma longa jornada de trabalho coletivo bem como a
fartura de alimentos. No mundo contemporâneo, por sua vez, as festas
deixaram de se realizar nos moldes comunitários, ganhando assim novas
características e significados. Na interpretação de Dumazedier (1973, p. 76) a
relação da festa com o rito e a cerimônia, que caracterizava as festas
tradicionais, se enfraqueceu e ao mesmo tempo a festa diluiu-se na vida
cotidiana, perdendo assim seu caráter explosivo e mesmo catártico.
Em Presidente Prudente, a festa em seu sentido tradicional pode ser
identificada nos primórdios da cidade, quando esta se encontra ainda sob o
domínio da vida rural. A partir do momento em que a cidade começa a
crescer e a desenvolver uma vida, por assim dizer, mais urbana, muitas festas
tradicionais, principalmente as festas religiosas, são suprimidas ou então
ganham novos significados. Ao mesmo tempo, outras festas ganham espaço
na vida social da cidade, como o carnaval e as festas cívicas, que são
manifestações típicas de uma sociedade urbana.
2.2. As festas religiosas
Nos primeiros anos de existência da cidade é possível observar uma
estreita relação entre o lazer da população e a religião predominante, no
caso o catolicismo. Era nos dias de celebração religiosa e nos dias de
45
guarda (domingos e feriados) que a população encontrava a sua principal
forma de lazer: as festas. Identificamos aí a forte influência de Igreja católica,
fazendo prevalecer o sentido da festa no conjunto das práticas lúdicas
populares, o que, segundo Requixa (1977), não aconteceu nos países com
influência protestante.
12
Assim, nos primeiros tempos da cidade, como bem já observou Silva
(2002), a Igreja católica:
[...] exercia um papel significativo na vida social, cultural e
política da cidade e não simplesmente religiosa, sendo de
berço católico a maioria das famílias que aqui viviam.
Conseqüentemente, a festa era também
predominantemente religiosa e havia mais feriados do que
agora: Santo Antônio era feriado, São João, São Pedro [...]
além do Natal, da Páscoa (SILVA, 2002, p. 47).
As festas religiosas têm como base o calendário litúrgico instituído para
comemorar as datas do Senhor, de Nossa Senhora, bem como para
comemorar os dias santificados. Todavia, essas festas, historicamente,
parecem estar mais efetivamente ligadas às tradições e ritos populares que
estritamente às ordenações clericais. Uma característica importante dessas
festas, é que elas se compõem de manifestações ao mesmo tempo
sagradas e profanas.
Judith Elazari (1979), em estudo sobre vida social da cidade de São
Paulo entre 1850 e 1910, destaca que as principais festas religiosas
encerravam não só as tradicionais atividades sacras como também uma
série de práticas profanas, como bebedeiras, jogatinas e até prostituição,
que tanto causava indignação em moralistas da época. A autora observa
ainda que devido à amplitude dessas festas, elas atraiam parte considerável
da população, promovendo intensa movimentação pela cidade, e assim
representavam momentos de ruptura coletiva com o dia-dia comum
vivenciado. Porém, já no início do século XX, com as transformações urbanas
verificadas, as festas religiosas acabaram perdendo importância na vida da
12
Ainda segundo Requixa (1977), esse quadro só veio a sofrer transformações durante a
urbanização e industrialização brasileira, quando passam a predominar comportamentos
lúdicos tipicamente urbanos, isto é, da civilização urbana-industrial.
46
cidade, contribuindo para isso, entre outros fatores, a emergência de novas e
modernas formas de lazer, típicas de uma sociedade urbana.
Fenômeno semelhante ao descrito por Elazari pode ser verificado em
Presidente Prudente, embora com suas particularidades. Nos primeiros anos
de existência do núcleo urbano, como dito inicialmente, as festas de
natureza religiosa constituíam a principal e mais permanente forma de lazer
da população. Predominavam, nesse momento da história da cidade,
práticas e valores próprios do mundo rural, e as festas religiosas integravam
esse universo, exercendo papel significativo na vida social da cidade. Mas
quando esta começa a experimentar uma urbanização mais intensa, a partir
de 1930, as festas religiosas começam a perder relevo, e ao mesmo tempo
ganham destaque novas formas de lazer urbano, como o footing e o
cinema.
Se, por um lado, as novas formas de lazer avançavam cada vez mais
sobre aquelas de inspiração religiosa, por outro. a Igreja manifestava
preocupação quanto ao caráter dessas novas atividades que povoavam o
tempo livre das pessoas. Nesse sentido, ela procurava preservar o caráter
sagrado dos dias de descanso ao mesmo tempo em que orientar a
população no desenvolvimento de práticas (de lazer) consideradas dignas,
conforme transparece em artigos publicados na “Secção Religiosa” do jornal
“A Voz do Povo” ainda no final da década de 1920:
“[...]. Mas o Domingo não é só do senhor, é também o dia do homem. Deus
criando o homem deu-lhe a alma e o corpo e pôs entre este e aquele um
vínculo tão estreito, tão intimo que se a alma não repousa, o corpo sofre e se
o corpo não descansa, a tranqüilidade não desce ao espírito. Deus com
amoroso desvelo da sua Providência proveu a esta necessidade
estabelecendo o descanso de Domingo; e este descanso foi o mesmo Artista
supremo que regulou, segundo o organismo e as forças do homem e o fixou
um dia inteiro renovando periodicamente de seis em seis dias.
Deste modo, assim como o descanso da noite nos foi dado para restaurar-
nos das fadigas do dia o descanso do Domingo serve para reparar as forças
47
despendidas com o trabalho circunscrito a semana: e o homem entra no
pensamento de Deus quanto, quando neste dia chama este dia de
recreação, quase nova creação.
Assim aprouve Deus estabelecer nas suas leis o equilíbrio da nossa existência
com um descanso determinado. [...]” (A Voz do Povo, 13/03/1927, nº 64, grifo
nosso).
“O Recreio
O recreio parenthesis indispensavel nas lides escolares é exigido
imperiosamente pela idade dos jovens, pelas suas inclinações, pela sua
natureza e pela sua saúde.
Os jovens carecem de brincar, de jogar, de repousar e de dispender em
divertimentos innocentes a exhuberancia da sua seiva, e vivacidade do seu
gênio o ardor do seu temperamento. Precisam de se expandir livremente,
de desenvolver as forças; precisam de ar, de espaço, de sol, de movimento,
de ruído, de vida. Tornam se necessários os jogos, e as expansões, até para a
formação do seu caracter e da sua alma. Não há meio termo para os
jovens: ou se recreiam ou se aborrecem. Ora o tédio gera a tristeza; a
tristeza que comprime a alma e irrita o caracter é má conselheira. O jovem
triste, enfastiado, descontente, é assediado pelas impressões mais penosas e
pelas inspirações mais funestas.
Os seus maus instintos manifestam-se de um modo inevitável, se não entregar
a honestos passa tempos; pelo contrário, se elle joga, se se recreia, se se
expande, velo-emos alegre, contente e feliz e as más inclinações cedem ás
boas.
Mgr. Dupanloup” (A Voz do Povo, 22/01/1928, nº 110, grifo nosso).
É principalmente por meio da idéia de “recreação” que a moral religiosa
estabelece limites ao desenvolvimento das atividades de lazer. A recreação
diz respeito a um conjunto de atividades lúdicas orientadas para recuperar o
homem para o trabalho, ou prepará-lo para a vida produtiva. É precisamente
aí que a religião encontra afinidade como o lazer, e é também aí que ela
exerce influência restritiva sobre as formas de lazer.
48
Sobre essa questão, Parker (1978, p. 133) esclarece que as formas de
lazer consideradas perniciosas, como os jogos de azar, historicamente
sofreram oposição da Igreja porque a ideologia religiosa, baseada em
princípios de recompensa e castigo, não poderia permitir que a sorte se
tornasse também uma ideologia poderosa, concorrente, sendo assim
incentivado apenas as formas recreativas de lazer.
Vejamos, particularmente, algumas festas religiosas realizadas em
Presidente Prudente, nos primórdios da cidade. Elas podem ser classificadas
em duas modalidades distintas: as festas espontâneas (não
institucionalizadas) e as institucionalizadas. A primeira modalidade podemos
exemplificar com as festas juninas, e a segunda com as festas do padroeiro
da paróquia, São Sebastião, de organização direta da Igreja local.
Segundo relato de José Rainho Teixeira, em carta enviada a redação do
jornal “A Voz do Povo”, publicada na edição de 03/07/1930, nº 219, a
primeira festa junina de Presidente Prudente aconteceu no ano de 1920,
quando a cidade resumia-se a um pequeno povoado de “boca do sertão”.
Foram os festejos de São João:
“São João
de 1920 em Presidente Prudente
Do Sr. Cap. José Rainho Teixeira, antigo morador nesta cidade, onde goza
de geral estima, recebemos a seguinte carta:
No dia 23 e 24 de Junho, 1920, o povo de Prudente organisou tão grande
festa em louvor a São João Bastista, que jamais foi vista em tão pequena
povoação, pois teria neste tempo apenas umas 200 casas.
Houve terço em casa do Sr. Antônio Lopes (hespanhol) e fogueiras por
diversas ruas. Eu fui o rezador do terço, e fiz um discurso conforme o meu
saber, animando o povo, fazendo-lhe ver que estavamos em uma nova terra
da promissão.
Foram soltados 120 duzias de foguetes e grande número de balões, milhares
e milhares tiros de carabinas foram disparados e de outras armas.
49
Eu por ver tão grande tiroteio, que parecia mais uma guerra do que uma
festa de São João, pedi a conta a todos os negociantes para ver quantas
balas foram gastas naquellas duas noites, dando um total de 4:886$000, isto
sem contar as balas que cada um tinha para o seu uso. Não houve briga, só
apareceu morta uma cabra por uma bala, no logar onde hoje é a machina
‘Santa Rosa’.
No dia 24 todos os habitantes fecharam suas casas e ninguém sahiu á rua
pois, era tão grande o tiroteio que parecia uma viva guerra.
Assim foi commemorada a primeira noite de São João Batista nesta cidade.
José Rainho Teixeira (A Voz do Povo, 03/07/1930, nº 219).
Este relato, dos mais pitorescos, nos dá uma idéia geral de como eram
e o que representavam as festas juninas nesse período inicial da vida da
cidade, quando esta se limitava a algumas poucas quadras, que hoje
configura o centro. As ruas eram de terra batida, cheias de troncos, resquícios
da matada a pouco retirada, e sem qualquer infra-estrutura urbana. Nas
noites juninas daqueles anos ficavam tomadas por inúmeras fogueiras,
ocasiões em que se desenvolviam uma série de brincadeiras típicas, muitas
vezes temerárias, como é possível constatar no relato acima. Essas festas
representavam momentos de libertação “explosiva” da população, ou seja,
de ruptura com o cotidiano então vivenciado na cidade com muita agrura
quanto à falta de infra-estruturas e serviços urbanos. Depois, com o
crescimento e desenvolvimento urbano da cidade, as festas juninas foram
adquirindo novas características; gradualmente banidas das ruas, essas festas
ficaram cada vez mais circunscritas a espaços fechados como escolas,
clubes etc., bem como freqüentemente associadas ao universo infantil,
perdendo assim seu antigo significado.
A festa de louvor ao padroeiro da paróquia São Sebastião, como já
dissemos, diferente das festas juninas, que em geral aconteciam de forma
espontânea entre a população, era organizada pela Igreja local, e exercia
importante impacto sobre a vida social da cidade, com grande participação
da população local e vicinal. A primeira edição dessa festa ocorreu no ano
50
de 1926, no largo da Matriz (atual Praça Nove de Julho), local onde
continuou a acontecer nos anos seguintes.
13
Numa mistura de manifestações sagradas e profanas, a Festa de São
Sebastião continha as tradicionais atividades religiosas, como missas,
ladainhas cantadas, exposição do Santíssimo, procissão pelas ruas, etc., e
também quermesses que ofereciam um conjunto de divertimentos e
atrações recreativas, como jogos, leilões, concertos musicais, etc. Os dias de
maior festejo eram anunciados na alvorada com repiques de sinos e salva de
tiros, quando então a cidade experimentava momentos de completa ruptura
com o seu dia-dia comum. A organização dos festejos era realizada pelos
conhecidos “festeiros”, que cuidavam desde os preparativos com
arrecadação de donativos e prendas para os leilões e as quermesses até a
contabilidade final da festa. A função de festeiro era vista como sendo
honorífica e denotadora de “status”, sendo assim exercida por membros de
famílias de prestígio social e poder econômico e político na cidade.
Além da Festa de São Sebastião, nesse período inicial da vida da
cidade, outras festas religiosas, como a Festa de Nossa Senhora
14
e a Festa
de São Roque
15
, aconteciam no largo da Igreja Matriz. Também não
podemos deixar de considerar as atividades da Semana Santa, quando
durante a maior parte da semana predominavam as atividades religiosas,
com missas e procissões, que marcavam o drama da morte do Cristo, e
depois, no Sábado de Aleluia e Domingo de Páscoa, a ressurreição era
comemorada com atividades festivas. Eram comuns os bailes de aleluia em
versões semelhantes aos bailes carnavalescos, ou então eram temáticos
como o fora o “Baile Oriental” realizado no Sábado de Aleluia do ano de
1938, no salão do “Cine Theatro Phenix”.
16
Esses bailes, como as festas
religiosas de modo geral, eram promovidos de forma a levantar fundos para
a construção, inicialmente, da Santa Casa e depois da nova Igreja Matriz.
13
Confira FIGURA 5, página 62.
14
A Voz do Povo, 09/10/1927, n.º 95.
15
A Voz do Povo, 13/10/1940, n.º 800.
16
A Voz do Povo, 03/04/1938, n.º 553.
51
Expressavam assim a capacidade de mobilização da sociedade local, de
sua elite, no sentido de realizar suas “obras” na cidade.
2.3. As festas carnavalescas
O carnaval é sem dúvida a mais popular e profana das festas e parece
estar estreitamente vinculado ao mundo urbano. Sua origem está no
“entrudo”, um tipo de folguedo que predominou nas principais cidades
brasileiras até meados do século XIX. O entrudo consistia num bloco de
pessoas mascaradas que, durante os três dias que antecediam a Quarta-
feira de Cinzas, saiam às ruas atirando farinha e laranjinhas d’água
17
uns aos
outros mas também em qualquer outra pessoa transeunte, ou mesmo
naquelas que porventura estivessem dentro de suas casas, no portão ou em
alguma janela observando a passagem do bloco. Daí serem comuns as
brigas, confusões e reclamações decorrentes desse tipo de folguedo. A
transformação do entrudo em carnaval se dá com a formação das primeiras
sociedades carnavalescas, quando estas passam a organizar seus préstitos
para sair às ruas em desfile. Outros sinais que acompanharam essa
transformação foram a realização dos primeiros bailes de salão e a
substituição das batalhas de laranjinhas por batalhas de confetes, serpentinas
e lança-perfumes (ELAZARI, 1979).
Em Presidente Prudente, já a partir de meados da década de 1920, o
carnaval era realizado com grande participação popular, nas ruas e outras
áreas públicas da cidade bem como nos salões de clubes e cine-teatros.
Embora a festa de origem religiosa fosse ainda predominante, o carnaval já
se revelava uma realidade significativa e denotadora de uma sociedade
local cujo sentido era se tornar cada vez mais urbana, na sua cultura material
e imaterial.
Nos primeiros carnavais da cidade, conforme é possível observar em
alguns recortes de jornais da época, a folia era animada pelos cordões com
seus calorosos embates de serpentinas, confetes e lança-perfumes. Também
17
As laranjinhas eram frutas artificiais, feitas de cera, recheadas com água perfumada.
52
existiam os corsos que saíam às ruas da cidade com seus carros enfeitados,
uma exibição do objeto-símbolo maior da sociedade urbana o automóvel,
cada vez mais presente na vida da cidade, não só como meio de transporte
mas também como instrumento de lazer.
“[...] haverá na bela e ampla praça do Parque São Sebastião renhidos
embates de lança perfumes e outras diversões e surpresas que estão
reservadas aos foliões.
Á noite, no Parque haverá concorridissimos bailes familiares à fantasia.
Outra surpresa empolgará o público folião Os bailes nos salões do Theatro
Santa Maria em honra aos seus espectadores” (A Voz do Povo, 13/02/1927,
n.º 60).
“CARNAVAL
As festas carnavalescas nesta cidade excederam em tudo a espectativa
geral.
A crise economica que perdura, assoberbando todas as classes, o tempo
chuvoso que vinha se prolongando, tudo nos fazia pensar que os festejos do
Carnaval se limitassem a uns simples bailes á phantasia e “cancans” ás horas
mortas.
Assim porem não foi: como nos contos de fadas, a cidade transmudou-se,
engalanou-se; estrugiram as sereias da alegria, que numa superabundante
cheia invadiu todas as almas.
E os lança-perfumes e os confettis e as serpentinas campearam;
movimentaram-se nas ruas, sahiu a população ao ar livre e a grandeza da
praça do Parque São Sebastião tonificou-lhes os pulmões.
Cerca de 100 automoveis e caminhões deram animação ao corso.
[...]
Na quarta-feira, ainda com saudades da folia, muita gente foi ás cinzas,
voltando aos lares tendo a cantar-lhe ao ouvido o ‘momento homo’.
Pois que somos pó, tudo se desfaça, mas reste ao menos uma lembrança
da passagem da gente pela vida” (A Voz do Povo, 03/03/1927, n.º 62).
53
“CARNAVAL
Segundo nos informam e a notar-se pela grande animação que corre em
todos os meios de nossa sociedade, os festejos carnavalescos este anno vão
ser solemnisados condignamente em Presidente Prudente.
Assim é que, estão sendo organizadas poderosas comissões de festejos, e, no
Cine Theatro Internacional e no Theatro Santa Emilia haverá bailes á
phantazia, estando reservado surprezas e surprezas.
A nota chic destes dias de delírio, está precisamente o corso e nas batalhas
de perfumes, confettis e serpentinas” (A Voz do Povo, 27/01/1929, n.º 157).
Se, por um lado o carnaval pode ser considerado uma festa
característica da sociedade urbana, por outro ele mantém muito do sentido
das festas tradicionais, qual seja, o de libertação explosiva da população.
Como é possível observar nos recortes acima e nos que virão a seguir,
durante os dias de carnaval a cidade ganhava um novo ritmo, tudo nela
mudava, quando o cotidiano da então pequena urbe se rompia na fruição
do lúdico e no transe.
O urbano, gerador de novas formas de iniciativa e de organização, já se
transparecia no carnaval através das primeiras sociedades carnavalescas
constituídas num período em que a cidade ainda não comportava uma vida
verdadeiramente urbana. No final da década de 1920, junto com os
primeiros carnavais, nasceram as sociedades da “Vila Nova”, da “Vila
Marcondes” e o “Clube dos Batutas”
18
, sendo esta última sociedade
composta principalmente por médicos, advogados, demais profissionais
liberais recém chegados à cidade e outros elementos da então nascente
elite urbana.
Durante os dias de carnaval, cada sociedade carnavalesca compunha
o seu cordão e o seu corso, cuja saída pelas ruas era anunciada com
antecedência para que a população pudesse prestigiar:
“O Club dos Battutas
18
A Voz do Povo, 03/02/1929, n° 158.
54
Hoje, as 4 horas da tarde, o Clube dos Batutas, cuja directoria provisoria está
assim constituida: Presidente Jacinto Ferreira da Silva e membros Felicio
Tarabay, Felicio Elias João, Pedro Jorge, Dr. Antonio Uchôa Filho, José Aguera
Plazas, Tuffi Athia, Max de Barros, Pedro Larocca e Francisco de Barros, sahirá
á rua com o barulhento Zé Pereira e o corso carnavalesco, havendo batalha
de serpentinas, lança-perfume, etc.
Sabemos que são innumros os carros phantaziados e muitos delles, com
primor e sobretudo muito luxo” (A Voz do Povo, 27/01/1929, n.º 158).
19
O itinerário dos corsos também era previamente divulgado sob
determinação das autoridades do município, devendo ser obrigatoriamente
observado pelos condutores dos automóveis em desfile. Compreendia as
ruas centrais da cidade, onde se localizavam as principais casas comerciais
e hotéis e onde residiam os moradores de maior poder econômico:
“Ecos do Carnaval
[...] as autoridades municipais ou policiais, publicam previamente, o itinerário
a ser observado pelos corsos carnavalescos. Na falta dessa determinação,
está claro, o corso seguirá o ultimo roteiro, o qual, nesta cidade, tem sido
sempre o mesmo, isto é, Rua João Pessoa [atual Tenente Nicolau Maffei], Av.
dos Estados [atual Av. Col. José Soares Marcondes], Rua Barão do Rio Branco
e Av. Brasil [atual Casemíro Dias]. [...]” (A Voz do Povo, 18/02/1932, nº 277).
Para essas ruas afluíam as camadas populares que do passeio
observavam e aplaudiam os carros em desfile, que levavam em seu interior o
proprietário e seus familiares ou amigos. Alguns carros representavam casas
comerciais da cidade, que utilizavam a ocasião para fazer publicidade:
“Carnaval
[...]
Entre os carros que tomaram parte no corso vimos os seguintes:
19
Confira ainda a FIGURA 6, página 62.
55
Automovel reclamo da Agencia Ford, dando idea do modo sempre
original que a firma Marcondes & Oliveira fazem os reclamos dos afamados
automoveis Fords.
Automóvel da familia Josué de Toledo; Automovel particular de Elizeu Prestes
Cezar conduzindo gentis senhoritas; Automovel particular de Jacintho
Ferreira da Silva, com foliões trajando de bellas phatazias; Automovel
particular de Francisco Marques Filho, conduzindo foliões com expressivas
phantazias; Automovel Cruz Vermelha de José Aguera Plazas; [...]” (A Voz do
Povo, 03/02/1927, nº 62).
“Carnaval
[...]
Sabemos que diversas casas commerciais preparam carros reclames para
os 3 dias de Carnaval.
O Bar Melódia, também se apresentará com o seu carro cantando a
Melodia de suas alegrias suaves. E assim vamos ter um Carnaval de arromba
nesta cidade este anno, graças á iniciativa de distinctos cavalheiros de nossa
cidade” (A Vos do Povo, 27/01/1929, n.º 157).
Dado a notoriedade daqueles que saíam nos corsos, era comum o
aluguel de automóveis durante o carnaval:
“Automóveis para o carnaval
Aluga-se para os três dia de carnaval uma possante ‘Studebacker’ com sete
logares e um caminhão ‘Chevrolet’.
Para tratar com Antônio Gerbasi & Albieri na Oficina Progresso” (A Voz do
Povo, 18/02/1928, n.º 114).
No comércio local a venda de artigos carnavalescos fazia crescer o
lucro de comerciantes, contribuindo para isso também aumento da venda
de produtos alimentícios e de bebidas. Os artigos carnavalescos eram
confetes, serpentinas, lança-perfumes e materiais utilizados na
56
ornamentação de veículos. Dias antes do início do carnaval já eram notados
anúncios nos jornais: “A Casa Naufal, tem 80 contos de artigos carnavalescos
para acudir as necessidades dos festejos Carnavalescos.”
20
O lança-perfume,
muito utilizado na época pelos foliões para “alegrar” o ar que respiravam nas
ruas, nos salões e mesmo dentro dos carros durante o corso, também era
anunciado: Lança-perfumes para o carnaval”, propagandeava a casa
comercial “Ao Novo Mundo”.
21
A partir do início da década de 1930 a cidade começou a comportar
um ambiente mais urbano e também de uma vida social e econômica mais
significativa. Novos e modernos prédios foram construídos para abrigar
atividades das mais diversas como cinemas, clubes, casas comerciais e
serviços públicos. A Praça Nove de Julho ganhara um novo e aprazível jardim,
e as ruas da área central sarjetas e calçamento. Estes novos espaços da
cidade, durante o carnaval recebiam iluminação especial e decoração.
Além disso, coretos eram erguidos em alguns pontos, abrigando bandas que
tocavam animando os foliões. Quem cuidava dos preparativos era a própria
Prefeitura:
“Carnaval
[...].
Ficou deliberado, que o centro da cidade seria fericamente illuminado nas
tres memoraveis noites, e varios coretos seriam levantados nos pontos de
maior movimento.
Varias bandas de musica se fariam ouvir em pontos previamente escolhidos,
pelas respectivas comissões.
[...]” (A Voz do Povo, 10/01/1937, n.º 482).
“O Carnaval Prudentino
[...]
A praça ‘9 de Julho’ recebeu artística decoração á lampadas de côres em
arco brancos e altos, dando ao jardim aspecto festivo e de radiante beleza,
20
A Voz do Povo, 27/01/1929, n.º 157.
21
A Voz do Povo, 17/02/1935, n.º 393.
57
devendo-se isso á nossa Prefeitura Municipal” (A Voz do Povo, 02/03/1941, n. º
838).
Assim, a praça e ruas centrais ficavam tomadas por um grande número
de foliões. Além disso, eram realizados bailes em salões de cine-teatros e
clubes (também localizados na área central da cidade); porém, diferente do
carnaval de rua, aberto à população em geral, o acesso a esses bailes era
restrito aos pagantes ou associados de clubes promotores.
Num contexto de transformações urbanas e de uma estrutura social
cada vez mais complexa, o “gygantesco progresso de Presidente Prudente
tinha expressão na euforia carnavalesca daqueles anos das décadas de
1930 e 1940:
“Carnaval
Presidente Prudente terá este anno um carnaval na altura de seu gygantesco
progresso. Projecta-se grandes festejos carnavalescos, cujo brilho empolgará
a nossa grandiosa população.
Teremos diversos carros alegóricos, imponente corso e muitos cordões
composto da fina flôr da nossa enthusiastica mocidade.
Haverá bailes a phantasia nos salões da Santa Casa nos dia 2, 3, 4 e 5,
promovidos pela sua directoria em benefício da conclusão de suas obras.
O Commercial Futebol Clube, alem de seu majestoso cordão, dará 4
imponentes bailes a phantasia na Barraca do Largo, onde funccionou a
Kermesse.
O Clube Atlético Prudentino, alem de seu garboso cordão, dará também
bailes.
O Rádio Clube Prudentino, abrirá seus salões para 4 grandes bailes.
No Cine Internacional, dos sympathicos Irmãos Gomes, como sempre,
animados bailes.
O carnaval, portanto, promete, este anno, uma annimação fóra do
commum, ultrapassando mesmo a nossa expectativa.
A postos foliões Prudentinos!” (A Voz do Povo, 10/02/1935, n.º 392).
58
“Carnaval
[...]
As ruas de Presidente se encheram de povo, de camadas procedentes de
seus districtos e até das cidades vizinhas, concentrando-se, de prefencia, em
nosso principal jardim e nas imediações do cinema.
Neste ultimo trecho, achavam-se postas as nossa duas bandas de musica,
graças as quais subiu, alli, ao auge da animação em homenagem ao Deus
Momo
O corso esteve, por sua vez, bastante animado.”
[...]” (A Voz do Povo, 06/03/1938, n.º 545).
“[...]
O corso também esteve bastante animado nos três dias, notando-se alguns
automoveis occupados por distintos rapazes e bellas senhoritas lindamente
phantaziadas.
Também percorriam as ruas da cidade e a Praça do Jardim, lindas
creanças e senhoritas bellamente phantaziadas, e diversos cordões” (A Voz
do Povo, 11/02/1940, nº736).
Podemos considerar ainda, além do carnaval, outras festas profanas
realizadas na cidade. Festas dançantes e bailes em geral aconteciam nos
salões dos clubes e cine-teatros; e festas populares aconteciam na Praça
Nove de Julho e, a partir de 1940, também no Bosque Municipal:
“Salão Fenix
Em homenagem a sociedade prudentina, vae ser iniciada no Salão Fenix,
uma temporada de bailes da primavera, que se realizarão todos os sábados
durante essa estação. [...]” (A Voz do Povo, 01/10/1936, nº 470).
59
“Domingueiras
No Leader-Club
Continua o Leader-Club a promover animadas ‘brincadeiras’ aos domingos,
que tanta falta vinham fazendo á mocidade prudentina, e que enorme
sucesso vem alcançando.
Toda a élite prudentina tem comparecido ao Leader, e as dansas vão até ás
24 horas num ambiente alegre de distinção” (A Voz do Povo, 29/02/1940,
nº741).
“Grande Baile
A Liga Estudantina de Presidente Prudente, orgão de Literatura, Recreativo e
Esportivo do Ginasio São Paulo, fará realizar no próximo sabado, dia 12, um
gracioso Baile a Chita, em comemoração ao ‘Dia da Raça’.
[...]” (A Voz do Povo, 10/10/1940, nº 799).
“Ano Novo no Parque
Em nosso Parque reinou muita alegria na passagem do ano.
A noite de São Silvestre foi festejada lá, num ambiente popular, e ao qual
não faltou a necessária ordem e o animo de sempre.
[...]
O baile no bosque foi igualmente animado de modo que tôda a população
de Presidente Prudente entrou festivamente o ano de 1940” (A Voz do Povo,
07/01/1940, nº729).
2.4. As festas cívicas
Em 25 de setembro de 1927, o jornal “A Voz do Povo”, em seu nº 93,
informava sobre a comemoração cívica realizada no dia 20 passado, pela
Colônia Italiana (Sociedade Nova Itália), em razão da “grande unificação da
nação do Adriático”. Conforme programação divulgada, essa festa contou
com carreata pelas ruas, ao som da Banda Santa Cecília; sessão magna no
60
“Cine Teatro Internacional”; e, por fim, “muita cerveja e discursos“ na casa do
Sr. José Rivoto, um dos integrantes da colônia.
Temos aí um exemplo de festa de natureza cívica realizada de forma a
compor o quadro de acontecimentos sociais da cidade. Da mesma forma,
outras datas cívicas transformavam-se em eventos festivos da população,
como o 7 de Setembro, em alusão à Independência do Brasil, que em 1928
foi comemorado em grande evento marcado pela participação de
escoteiros da cidade e da região, havendo nesse dia solenidades cívicas e
diversas atividades recreativas, e à noite um grandioso Baile de Gala no salão
do Teatro Santa Emília, que invadiu a madrugada.
22
Treze anos mais tarde,
em 1941, essa mesma data foi comemorada com apresentação da Banda
“7 de Setembro”, na Praça Nove de Julho, e outras atividades em clubes e
colégios da cidade.
23
Esse foi o formato comum das festas cívicas nas
décadas de 1930 e 1940:
“Grupo Escolar de Presidente Prudente
3 de Maio
Programação para a commemoração do 428º anniversário do
descobrimento do Brasil
Convite ao Povo em Geral
1º Parte: No recinto do Grupo Escolar: sessão de poesias e conto do Hino.
2º Parte: (à tarde) No largo da Martriz
Atividade Esportiva: salto em altura, corrida de velocidade 200 ms.,
demonstração de gynastica” (A Voz do Povo, 29/04/1928, n.º 122).
“Gremio Familiar 21 de Abril
Commemorando a data de 3 de maio, descoberta do Brasil, o ‘Gremio
Familiar 21 de Abril offereceu aos seus associados uma enthusiastica festa
dansante onde compareceu grande número de exmas familias e
cavalheiros de nossa melhor sociedade.
22
A Voz do Povo, 05/08/1928, n.º 135 e 13/09/1928, n.º 140.
23
A Voz do Povo, 11/09/1941, n.º 887.
61
A festa que terminou ás 4 horas da madrugada foi abrilhantada pela
victoriosa Philarmonica São José sob a batuta do competente e incansavel
maestro Sebastião Ferreira.
Sabemos que o Gremio projecta para estes dias a sua partida official do
mez, em seu novo salão ora em reparos.” (A Voz do Povo, 11/05/1930, n.º
213).
Em 1941, a data de aniversário do então Presidente Getúlio Vargas
também foi comemorado na cidade em clima de festa cívica, aliás uma
grande festa, que conforme extensa programação divulgada na imprensa
local
24
, contou com: missa na Igreja Matriz; desfile de alunos do Tiro de
Guerra 20, do Ginásio São Paulo e de membros de entidades recreativas,
tendo como referência o palanque armado em frente ao Clube Atlético
Internacional (CAI); sessão solene e espetáculo teatral no Cine Teatro Fênix;
festa popular animada por orquestra no Bosque Municipal; e, finalmente, à
noite, Baile de Gala no salão do Liader-Clube. Era o nacionalismo pós
“Revolução de 1930” fazendo-se sentir no plano local.
Principalmente a partir do Governo de Getúlio Vargas, em 1930, em
face da emergência de valores patrióticos e de ordem, as festas cívicas
tornaram-se freqüentes na vida da cidade. Essas festas representavam
momentos de oportunidade de lazer para a população, já que as
comemorações iam além das tradicionais cerimônias cívicas e incluíam um
conjunto de outras atividades, desde jogos recreativos envolvendo estudantes
dos grupos escolares até concorridos bailes nos salões dos clubes. As festas
cívicas constituíam assim elemento importante da vida urbana em ascensão,
contribuindo na difusão de atividades e valores relacionados ao lazer na
cidade.
24
A Voz do Povo, 24/04/1941, n.º 850.
62
FIGURA 5: Anúncio da primeira Festa de São Sebastião, em 1926.
Fonte: A Voz do Povo, 16/07/1926, n.º 16.
FIGURA 6: Anúncio da saída do corso, no carnaval de 1929.
Fonte: A Voz do Povo, 27/01/1929, n° 157.
63
CAPÍTULO III
ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO
64
3. Entre o público e o privado
Neste capítulo pretendemos tratar do lazer considerando a sua vivência
nos espaços público e privado. Para tanto, primeiramente vamos fazer
algumas considerações sobre a natureza do público e do privado, tendo em
vista as suas inter-relações e o papel historicamente diferenciado dessas duas
esferas na vida social.
3.1. O público e o privado
A compreensão da manifestação do lazer na cidade suscita a
questão dos espaços público e privado, pois é a partir deles que se
desenvolve o conjunto das práticas sociais individuais e coletivas. Assim,
vamos buscar compreender o público e o privado considerando o
desenvolvimento histórico dessas duas esferas, que conforme já assinalou
Negt (2002), guarda relação com o próprio desenvolvimento da cidade, de
vez que a vida urbana sempre esteve relacionada com a existência de
ambientes públicos como praças, tribunais, assembléias públicas, etc.
Para compreender o público e o privado é preciso considerar a
relação que há entre essas duas esferas, ou seja, o público só pode ser
compreendido em relação ao seu oposto, o privado, e vice-versa.
Porquanto, ainda que os domínios do público e do privado tenham assumido
historicamente significados distintos, sempre foram definidos um em relação
ao outro. Desse modo, entender o público e o privado implica em considerar
a natureza de uma relação que assume diferentes conotações ao logo da
história e para diferentes sociedades.
Segundo Habermas (1984), a distinção entre o público e o privado tem
origem histórica na Grécia Antiga, e foi transmitida ao Ocidente em sua
versão romana. É na cidade helênica que o público e o privado tomam
corpo e se distinguem, o primeiro representando a esfera daquilo que é
comum aos cidadãos a polis, que é o espaço da política; e o segundo a
esfera daquilo que é próprio aos indivíduos o oikos, que é o espaço da
necessidade ditada pelas exigências da sobrevivência.
65
A vida pública, bio politikos, não é, no entanto, restrita a um
local: o caráter público constitui-se na conversação (lexis),
que também pode assumir o caráter de conselho e de
tribunal, bem como a de práxis comunitária (práxis), seja na
guerra, seja nos jogos guerreiros (HABERMAS, 1984, p. 15).
É importante ressaltar que na civilização grega apenas homens livres
eram cidadãos, excluindo-se dessa categoria mulheres, crianças e escravos.
Nesse sentido, a esfera pública correspondia ao reino dos homens livres
enquanto que os demais membros da sociedade encontravam-se
impedidos de participar da vida pública.
A distinção grega entre o público e o privado corresponde, assim, a
oposição entre um mundo da liberdade e igualdade, que se materializava
no espaço público da polis onde a ação política era visível a todos, e um
mundo da necessidade, que se constituía no espaço privado do oikos onde
o homem exercia domínio sobre mulheres, filhos e escravo, de forma a
assegurar a ordem doméstica no âmbito da reprodução e do trabalho
(HABERMAS, 1984 e ARENDT, 1983).
Nesse contexto, era a autonomia do homem na vida doméstica
(privada) que permitia a sua participação política na polis. Em outras
palavras, era a superação das necessidades da vida privada que fazia do
homem um ser livre para participar da vida pública (HABERMAS, 1984 e
ARENDT, 1983).
Durante o Império Romano, há uma inversão de significado da esfera
pública e, por conseguinte, privada. Se para os gregos a polis correspondia
ao espaço da afirmação da política, onde os cidadãos encontravam-se
livres e em condição de igualdade para discutir os assuntos comuns, com os
romanos a esfera pública assume principalmente o papel de espaço de
dominação do poder imperial sobre os cidadãos e restantes súditos do
Império, e, assim, o espaço público converte-se em lugar de espetáculo e
cerimonial.
Dessa forma, há entre os romanos uma diminuição de conteúdo da
esfera pública, e assim “[...] o velho centro urbano assumiu um aspecto
formal, dignificado, porém sem vida” (SENNETT, 2001, p. 104 apud MIÑO,
66
2003). Por outro lado, com os romanos há uma certa valorização da esfera
privada enquanto espaço apropriado para atividades “espirituais”, como o
estudo das artes e das ciências. Os romanos consideravam que as esferas
pública e privada deveriam coexistir permitindo ao homem, ambas, alcançar
a condição humana por meio de atividades relacionadas ao espírito, ainda
que o privado não pudesse substituir a ação política na condução dos
assuntos públicos. Nesse aspecto, os romanos se distanciam dos gregos que
sempre relacionaram o espaço da vida privada à ausência da condição
humana.
Na Europa da Idade Média, a oposição entre as esferas pública e
privada desaparece, não sendo possível, a partir de critérios institucionais,
diferenciá-las. Isso porque o público passa a ser representado através do
poder do senhor feudal que, tanto pelos seus atributos como pelos seus
símbolos, torna-se representante da ordem coletiva e responsável pelo “bem
comum”, isto é, o poço, a praça do mercado, as estradas, enfim, os
espaços que pertencem ao domínio comunal e são de uso comum, de
acesso público (HABERMAS, 1984, p. 18-9). É a sua função de representação
que estrutura a esfera pública do senhor, sendo no cerimonial religioso que
essa representação atinge seu ponto mais significativo e visível; aspecto que
denota a subordinação do político ao sagrado, isto é, ao fim divino, em
conformidade com o pensamento cristão da época.
Na relação entre as esferas pública e privada, durante o período
medieval observa-se uma absorção desta por aquela, no sentido de que a
vida privada (dos servos e vilões) encontrava-se submetida às regras e
jurisdições coletivas personificadas na vontade do senhor feudal.
Comparativamente, o homem chefe de família na Grécia Antiga
encontrava-se sujeito à lei e à justiça (de outrem) apenas na esfera pública
da polis, tendo no âmbito privado do lar poder de domínio sobre mulher,
filhos e escravos, sem qualquer limite legal.
A partir do século XVI, no seio de um conjunto de transformações sociais,
econômicas e políticas verifica-se a emergência de uma nova “esfera
pública burguesa”. Habermas (1984) identifica essas transformações na
67
constituição do capitalismo, do Estado moderno, da sociedade civil
burguesa e da impressa pública.
A esfera pública burguesa pode ser entendida inicialmente
como a esfera das pessoas privadas reunidas em um
público; elas reivindicam essa esfera pública regulamentada
pela autoridade, mas diretamente contra a própria
autoridade, a fim de discutir com ela as leis gerais de troca
na esfera fundamentalmente privada, mas publicamente
relevante, as leis do intercâmbio de mercadorias e do
trabalho social (HABERMAS, 1984, p. 42).
Conforme é possível observar, a esfera pública burguesa é o espaço
onde as pessoas, reunidas em público, procuram afirmar perante a
autoridade seus direitos privados. Nesse contexto ganha lugar uma nova
concepção e função da esfera pública, que, através da existência de
instituições do poder público, passa a ser o espaço de regulação da esfera
privada. Nesse caso, verifica-se a subordinação da esfera pública aos
interesses privados; e assim a política passa a se preocupar com o domínio
privado (da riqueza e da propriedade).
A esfera pública burguesa, inicialmente como “esfera pública literária”,
constitui-se nos espaços de convivência como cafés, clubes e salões, onde
as pessoas se reuniam em público para animadas e controversas discussões
literárias e políticas. Nesse ambiente nasce a moderna impressa, com a
elaboração textos críticos de arte, teatro, literatura, idéias. Depois, de
divulgadora de opiniões que se formavam publicamente nesses espaços de
convivência, a impressa passa a ser, ela mesma, fazedora de opinião, com
uma nova classe de profissionais, cujo trabalho substitui o de elaboração
coletiva. Nesse momento, a esfera pública literária dá lugar à “esfera pública
política”, que se constitui apoiada nessa nova impressa profissionalizada de
opinião pública, no surgimento de instituições e clubes partidários e no início
da publicidade institucional de governo (HABERMAS, 1984).
A separação entre sociedade e Estado é a base sobre a qual se edifica
essa esfera pública política, onde o espaço público assume o papel de
intermediário entre os interesses da sociedade, diga-se burguesa, e o Estado.
Assim, conforme esclarece Habermas (1984): “A esfera pública com atuação
da política passa a ter o status normativo de um órgão de automediação da
68
sociedade burguesa com um poder estatal que corresponde às suas
necessidades” (HABERMAS, 1984, p. 93).
Segundo Habermas (1984), com o liberalismo e em resposta às
contradições da esfera pública que embora destinada à burguesia não
conteve participação de outros grupos sociais que passaram a atuar contra
ela, na imprensa, nos partidos políticos e no próprio parlamento surge a
“esfera pública ampliada”, onde os direitos de igualdade política são
estendidos através do Estado às demais classes sociais, de forma a garantir a
reprodução social e a reduzir os conflitos que se tornavam cada vez mais
agudos.
Esse conjunto de questões apontado por Habermas (1984) comparece
nas discussões de Arendt (1983), no que ela denomina de esfera do social,
cuja constituição representou em certa media o desaparecimento do
público e do privado; nesse caso, há uma submersão de ambos ao social.
Segundo Arendt (1983), a promoção da esfera do social, nos primeiros
estágios da modernidade, resulta da subordinação da política (esfera
pública) aos interesses individuais (privados) de grupos e indivíduos,
permanecendo, nesse contexto, como preocupação comum, unicamente a
esfera social privada, que assim ganha status de ação política,
contrariamente ao modelo clássico de oposição entre polis e oikos.
Para melhor compreender as mudanças de significado das esferas
pública e privada na época moderna, destacamos a análise de Sennett
(1998), que relaciona essas mudanças às próprias transformações no interior
do capitalismo e da sociedade como um todo.
Sennett (1998), tomando por referência as cidades de Paris e Londres,
observa uma ampliação do sentido do público a partir do início do século
XVIII, época em que:
[...] a palavra “público” já havia adquirido seu significado
moderno, portanto, ela significava não apenas uma região
da vida social localizada em separado do âmbito da família
e dos amigos íntimos, mas também esse domínio público
dos conhecidos e estranhos incluía uma diversidade
relativamente grande de pessoas (SENNETT, 1998, p. 31).
69
Nesse sentido, o público veio a significar não só o domínio localizado
fora da intimidade da família e dos amigos, mas também uma região de
contato de grupos complexos e diversos. Segundo o autor, essa nova
característica do público tem relação com o próprio crescimento das
cidades, que passaram a comportar cada vez mais espaços de contato
entre estranhos, como parques urbanos, cafés e bares, abertos não só aos
membros da elite burguesa mas também às classes laboriosas.
Esse panorama da vida pública e privada logo começa a se modificar
com a ascensão de um capitalismo industrial, por voltado do final do século
XVIII. Sennett (1998, p. 34-40) fala de três forças inter-relacionadas que
atuaram nessa mudança. A primeira delas é o impacto do capitalismo
industrial na vida pública das grandes cidades; a segunda diz respeito à
reformulação do secularismo, que mudou a forma das pessoas encararem o
estranho e o desconhecido. E a terceira força refere-se ao conseqüente
desprestígio da vida pública enquanto esfera moralmente legítima.
O impacto do capitalismo industrial na vida pública urbana verifica-se
em dois aspectos. Primeiro, nas pressões de privatização que o capitalismo
promoveu no interior da sociedade burguesa do século XIX. Em face dos
traumas do capitalismo do século XVIII, a burguesia procurou se proteger de
vicissitudes econômicas buscando fortalecer a segurança material no interior
da vida familiar, fazendo desta um campo de estabilidade e um refúgio
contra os tremores da sociedade. Em segundo lugar, na mistificação da vida
material em público. A produção e distribuição em massa de vestimentas e
outros objetos de uso pessoal causou a homogeneização das aparências
em público. Assim o medo do outro se fez presente enquanto impossibilidade
de identificação das pessoas pelos seus traços exteriores, isto é, visíveis.
De outro lado, a reformulação do secularismo no século XIX significou
que as pessoas, embora imbuídas de mistério, já que uniformizadas na
aparência, deveriam ser levadas à serio porque são tangíveis, e assim
qualquer exercício de discriminação a priori poderia ser um equívoco.
Quanto à esfera pública como domínio imoral, isso decorre da própria
idealização da família como padrão de relações moralmente aceita e
70
legítimas. Entretanto, para homens e mulheres a esfera pública tinha sentidos
diferentes. Para as mulheres a vida pública, sendo um campo de
imoralidade, representava o risco de perda da virtude, ou seja, cair em
desgraça. Assim, uma mulher sozinha com um grupo de homens, mesmo
que entre eles estivesse o seu namorado ou marido, despertaria sensação
pública, dúvidas sobre a sua índole. Por outro lado, para os homens a vida
pública, ao invés de uma região de simples desgraça, constituía num campo
de liberdade, onde a violação moral não era um problema mas uma
possibilidade. Nesse contexto, o comportamento adequado em público,
principalmente para a mulher, era o de permanecer estranho em meio às
pessoas, longe de qualquer vínculo pessoal.
Essas questões até aqui tratadas ajudam a pensar no significado dos
espaços público e privado na cidade contemporânea e seus papéis
(importância) na vida urbana. Em linhas gerais, o espaço público se relaciona
à idéia do que é comum e acessível a todos, do que é aberto à observação
de qualquer pessoa, um espaço partilhado (vivido) por indivíduos que se
relacionam entre si, ainda que esses princípios não sejam plenamente
concretizados na prática. Dessa forma, o espaço público contém o sentido
da pluralidade, da diversidade, do encontro e confronto, da aproximação
em vez do isolamento, e é por essas características, por esses atributos, que
podemos reconhecer nele um papel essencial na vida social urbana. Em
outras palavras: é no espaço público que a vida urbana encontra sentido e
ganha significado.
3.2. O lazer nos espaços públicos e privados
Conforme já visto, a estruturação dos espaços públicos enquanto
espaços adequados ao convívio social se deu na década de 1930, quando
a cidade recebeu os primeiros melhoramentos urbanísticos, entre os quais a
construção do Jardim Público (Praça Nove de Julho), também do jardim da
Esplanada da Estação (Praça da Bandeira), bem como o calçamento e
construção de passeios nas ruas centrais da cidade. Ao lado dessas obras
públicas, outras de caráter privado também foram realizadas nesse mesmo
71
período, como a construção de modernos prédios para abrigar instituições,
lojas comerciais e centros de serviços, sem esquecer a construção de casas
residenciais.
É importante destacar, aliás, que os investimentos privados na cidade na
construção de prédios, alguns dotados de requintes de decoração externa,
antecederam a década de 1930. Conforme destaca Abreu (1972), a
cidade, no período anterior a 1930: “[...] não recebeu dos poderes públicos o
volume de benefícios que lhe proporcionou a iniciativa privada” (ABREU, 1972,
p. 292).
Antes da efetiva urbanificação dos espaços públicos da cidade, a
apropriação desses espaços, a despeito das condições ambientais em que
se encontravam, já se fazia pela população, obrigatoriamente das ruas para
a simples circulação, mas também de outros espaços, como aquele na
época (década de 1920) reservado pela Municipalidade para a construção
do Jardim Público e da igreja e seu adro espaço esse então conhecido
como “Praça Carlos de Campos” e ou “Largo da Igreja”.
Sobre esse espaço, Abreu (1972) relata: “[...] era um vazio desgracioso,
varrido constantemente pela poeira e prejudicado pelo lamaçal. Ali se
realizavam os comícios e as quermesses e funcionavam os circos” (ABREU,
1972, p. 309). Como indica Abreu, um lugar vazio, mas freqüentemente
ocupado por atividades diversas, além de abrigar a primeira capela da
cidade, construída em 1918, exatamente no centro da atual Praça Nove de
Julho. Eram principalmente atividades de lazer que davam vida a esse
espaço, como quermesses, circos
25
e parques
26
:
“PARQUE SÃO SEBASTIÃO
25
Era grande o número de circos que passavam pela cidade, nesse período, e se instalavam
nessa área. Mesmo depois da construção do Jardim Público (1933), os circos continuaram a
montar seus pavilhões no largo da Igreja Matriz, na época em construção. Apenas no final
da década de 1930, os esses centros de diversão passaram a se instalar em outros terrenos
da cidade, porém não muito distantes dali.
26
Confira FIGURA 7, página 93; FIGURA 8, página 93.
72
Realiza-se, hoje, às 14:30 horas a inauguração do Parque São Sebastião que
será aberto ao público para honestas distrações com jogos esportivos e
divertimentos para creanças. Além desses divertimentos encontram ali às
exmas famílias e cavalheiros um Bar modelo, onde haverá café e chocolate,
balas, sovertes, refrescos, tônicos e aperitivos.
O Parque São Sebastião está situado num do melhores logares desta cidade,
ao largo da Matriz, e pelo capricho com que montou o Sr. João Adell,
tornar-se-á um logar procurado para os que desejam passar horas
agradáveis.
Estamos certos da enchente de povo que ali irão certificar-se do importante
melhoramento local” (A Voz do Povo, 3/10/1926, nº 39, grifo nosso).
“Parque São Sebastião
Continua frequentadissimo pelas exmas famílias e cavalleiros, principalmente
aos domingos, à tarde, este aprazível ponto de diversões sob a direção do
seu esforçado proprietário sr. João Adell. A meninada tem se divertido
bastante nos cavallinhos de pau, com o seu Jaz-Band moderno, havendo alli
muitos variados divertimentos, como balanço, boliches, tiro-ao-alvo e outros
e um bem sortido Bar onde se encontra de tudo referente ao ramo do
negócio.” (A Voz do Povo, 07/08/1927, nº 86).
“Circo de Touros
Estréa-se hoje nesta cidade, a empreza touromachica dirigida pelo sr. J.
Eugenio Negrão
O redondel acha-se armado na Praça Carlos de Campos, em frente ao
Theatro Cine.
Os artistas toureiros foram contractados em Jhú e as rezes a serem lidadas
vieram de Mato Grosso e foram escolhidas à capricho pelo seu emprezario.
[...]” (A Voz do Povo, 27/07/1928, nº 134, grifo nosso)
“Circo Nelson
73
Estrea nesta cidade, quinta-feira, próxima, na Praça Carlos de Campos o
conhecido Circo Nelson, com um grande e bem escolhido número de
artistas destacando a eximia aramista Iracema.
Possue, também, o Circo Nelson, uma exellente colleção de feras, taes
como, Leões, Tigres, Leopardos, Hyenas, Pantheras, Pumas e Macacos,
também diversos cavallos e cães amestrados” (A Voz do Povo, 11/05/1930, nº
213, grifo nosso).
Da mesma forma, as ruas, ainda de terra batida, também eram
apropriadas pela população em atividades lúdicas. Para exemplificar,
podemos novamente nos remeter à festa de São João de 1920, que
promoveu nas ruas da cidade intensa agitação, e à festa realizada pela
Colônia Italiana em 1927, quando seus membros saíram em desfile pelas
ruas ao som de uma banda.
Nesses dois casos, nas apropriações do terreno da praça e das ruas
pela população ou parte dela, em atividades de lazer, temos exemplos de
manifestações públicas, na nascente vida urbana da cidade. Mesmo nas
condições em que se encontravam, isto é, sem qualquer melhoramento
urbanístico, esses logradouros já eram lugares significativos da experiência
urbana.
Nesse período, década de 1920, contribuiu em muito para a
intensificação da vida pública da cidade a abertura de bares, que com suas
atrações e diversões vieram a se constituir no principal ponto de encontro da
nascente elite urbana da época; lugares onde pessoas privadas se reunião
em público (HABERMAS, 1984), num associativismo espontâneo.
“Recreio Familiar Bella Vista
de
Pascoalino Ciambroni
Rua Cayua, nº 1
(Esquina da Avenida São Paulo)
74
Neste centro de diversões, exclusivamente familiar, encontram-se bebidas
finas, licores, refrescos, etc.
É o ponto mais preferido pela nossa elite
Asseio irreprehensivel e promptidão no serviço” (A Voz do Povo, 23/05/1926,
nº 1).
“Barzinho Avenida
Bebidas de todas as qualidades
Doces, chocolates, café, frios, leite, sandwichs, fructas, pestisqueiras, etc.
Antônio Garcia Machado
Avenida Brasil nº 10 Caixa Postal 44
Pegando à Casa F. Elias João & Irmãos
P. Prudente
Est. São Paulo E. F. Sorocabana” (A Voz do Povo, 27/06/1926, nº 11).
“AO BOM PETISCO
Inaugurou-se, nesta cidade, há dois dias, um bem montado bar, de
propriedade dos srs. Norberto Pinto e Frederico Silva, sucedendo ao antigo
Petit Bar.
Esse novo bar esta situado à rua Washington Luiz vizinhando com o Cine
Internacional.
À inauguração compareceram pessoas do escol de nossa sociedade e
exmas famílias, sendo muito saudados os seus proprietários.
O bar ‘Ao Bom Petisco’ oferece refeições excellentes, almoços e jantar tendo
um optmo sortimento de bebidas finas, fornecendo refeições à qualquer
hora do dia e até a 1 hora da manhã” (A Voz do Povo, 13/02/1927, nº 60).
“Bar Comercial
Conforme notificamos, ocorreu bastante animado o acto inaugural do Bar
Comercial, pelo que apresentamos nossos parabéns aos seu dignos
proprietários, com augúrios de muita prosperidade e longo viver ao nosso
estabelecimento” (A Voz do Povo, 08/01/1928, nº 108).
75
“Bar Central
Mais um estabelecimento que vem attestar o nosso pujante progresso acaba
de ser montando nesta cidade. Referimo-nos ao Bar e Restaurante Central,
de propriedade de D. Ivonette Boenis Rogé, instalado no prédio da rua
Washington Luiz, onde funcionou o Banco Noroeste do Estado Noroeste do
Estado de S. Paulo” (A Voz do Povo, 27/07/1928, nº 132).
“Bar Paulista
Inaugurou-se domingo passado, às 7 horas da noite, o confortável Bar
Paulista, da firma Belém & Tuchler.
É um novo estabecelecimento que muito concorre para o nosso grandioso
progresso.
O Bar Paulista que possue também vasto salão de Bilhares, tem um optimo
serviço de restaurante que servido caprichosamente e a contento do
público. [...]” (A Voz do Povo, 05/08/1928, nº 135).
Mas o marco da vida pública urbana encontra-se na década de 1930,
quando, como já dissemos, por meio de investimentos públicos a cidade
recebeu uma série de melhoramentos urbanísticos; entre eles a construção
de um dos símbolos da cidade, qual seja, o Jardim Público da Praça Nove
de Julho, inaugurado em 1933, que se tornou o ponto de referência da vida
pública nas décadas seguintes
27
.
Conforme Whitacker (1997), até a construção do Jardim Público a
cidade tinha sua centralidade máxima na área da esplanada da estação
(atual Praça da Bandeira): “Talvez pudesse se dizer que existia um espaço
central, o lugar do lazer, do poder, etc., mas este ainda não parecia
constituir-se num símbolo [...] era a Estação Ferroviária, e seu largo, que
primeiro exerceram tal papel [...]” (WHITACKER, 1997, p. 138-9). Depois de sua
urbanificação, com a construção do Jardim Público, a Praça Nove de Julho
deslocou para si e suas imediações a centralidade urbana, tornando-se o
principal espaço público da cidade.
27
Confira FIGURA 9, página 94.
76
A importância da Praça Nove de Julho na vida urbana da cidade,
como espaço de lazer e sociabilidade, pode ser verificada em diferentes
ocasiões e contextos. Durante os carnavais, conforme já visto no capítulo III,
era no Jardim Público que os foliões se reuniam:
“[...] O ponto de attração, onde affluiram, durante os tres dias de folgança,
as familias Prudentinas, foi o Jardim Público, onde o jogo de lança-perfume
estava animado.Grupos de foliões percorreram as ruas centrais da
cidade.[...]” (A Voz do Povo, 18/02/1934).
“[...] Também percorriam as ruas da cidade e a Praça do Jardim, lindas
creanças e senhoritas bellamente phantaziadas, e diversos cordões” (A Voz
do Povo, 11/02/1941, nº 736).
Outros eventos significativos da vida pública urbana eram as noites de
retreta, quando nos anos de 1930 e 1940, no coreto da Praça Nove de Julho,
apresentavam-se as duas bandas da cidade: a “7 de Setembro” e a
“Philarmonica São José”. Em 1937, essas duas bandas chegaram a ser
contratadas pela Prefeitura para apresentações públicas às quintas-feiras e
domingos
28
:
“Concerto Musical
A Corporação Musical ‘7 de Setembro’, sob a regência do Maestro Francisco
Furtanato, executará hoje no Jardim Público o seguinte programa: [...]” (A
Voz do Povo, 10/02/1935, nº 392).
“Concerto Musical
A Corporação Musical ‘7 de Setembro’ sob a regência do Maestro Francisco
Fortunato, chama a attenção dos distintos ouvintes de musicas classicas,
para não deixarem de ouvir hoje no Jardim Público, os grandiosos trechos
das populares Operas ‘Rigoletto’ e ‘Conte de San Bonifacio’, do immortal
28
A Voz do Povo, 07/02/1937, nº 486.
77
Maestro Italiano Ginseppe Verdi, obedecendo a seguinte programação: [...]”
(A Voz do Povo, 20/02/1935, nº 394).
Uma das mais memoráveis apresentações da banda “7 de Setembro”
no coreto da Praça Nove de Julho, foi lembrada em artigo publicado no
jornal A Voz do Povo, edição de 14/09/1957:
“Corporação Musical 7 de Setembro
[...]
No mesmo 7 de Setembro de 1941, por iniciativa do Maestro Francisco
Fortunato e do sr. Virgílio Reis, comemorando o 16º aniversário de fundação
apresentou-se a banda, pela primeira vez uniformizada, tendo apresentado
no velho coreto da Praça Nove de Julho um verdadeiro espetáculo digno de
ser visto, pois para todos nós que o assistimos, ficou perenemente gravado
em nossa memória. Foi um verdadeiro Concerto que obedeceu a seguinte
ordem, programada:
1.a Parte
Hino Nacional de F. M. Silva
O Guarany Dueto do 2º ato de Carlos Gomes
Tosca Cena e Dueto 3º ato de Giacomo Puccini
La Fortaleza Del Destino Dueto 3º ato de Giusepe Verdi
2.a Parte
La Figlia Del Reggimento Poul Pourry G. Donizetti
I Pagliacci Poul Pourry de Leoncavallo
Hino Nacional F. M. Silva
Essa apresentação da Banda Musical 7 de Setembro arrancou do povo
prudentino que assistiu maravilhado, longas e efusivas palmas. Foi uma noite
memorável, um espetáculo que jamais desde aquela época se repetiu em
Presidente Prudente.
[...]” (A Voz do Povo, 14/09/1957, nº 1835).
78
As noites de retrata eram também noites em que principalmente os mais
jovens se reuniam para a prática do footing, ali mesmo na praça, quando ao
som da banda mulheres e homens caminhavam em direções contrárias,
oportunidade para uma troca de olhares e o início de um flerte:
“Chronica do ‘Footing’
Á noite é a ‘retreta’ o vozerio dum ‘speaker’, reunindo os cavalheiros e
senhoritas que passeiam em direcção contraria: encontram-se frente a
frente esses grupos sympathisantes...
A musica dá, ao homens, dignidade do passo e ao porte, ás mulheres,
leveza. Cruzam-se os olhares e chocam-se os parenthesis dos sorrisos mutuos.
Em algumas orbitas comunicam as primeiras irradiações do ‘flirt’.
Ha muitos rapazes ‘invulneraveis’. Jovens desta cidade: precisais rendê-los ás
vossas graças...” (A Voz do Povo, 15/08/1937, nº 510).
Apesar da intensa movimentação durante as noites de retreta, nos
demais dias da semana prevalecia na Praça Nove de Julho um clima mais
ameno e tranqüilo; a praça ainda não era um espaço utilizado
cotidianamente, isto é, todas as noites, para a reunião e o encontro:
“[...]. O nosso único jardim ainda não é procurado a titulo de passeio
habitual, ou como busca de melhores ares. Para enche-se, tem a suas noites
consagradas, aquellas nos quais tocam bandas de musica e falam
‘Speakers’, numa ressonancia excepcional. É o pequeno e formoso parque
das quintas feiras e dos domingos.
No restante da semana, como é difficil verem nossas ‘misses’ mais
representativas... [...]” (A Voz do Povo, 22/09/1937, nº 515).
Todavia, esse panorama é alterado logo no início da década de 1940,
quando uma série de novos melhoramentos contribuiu para a efetivação de
um ambiente urbano na área central da cidade, como a regularização do
serviço de iluminação pública, que enfrentava freqüentes cortes e deixava a
79
cidade completamente às escuras; o asfaltamento dos primeiros quarteirões
nas imediações da Praça Nove de Julho; a inauguração do novo jardim na
área da esplanada da estação (Praça da Bandeira); além dos investimentos
privados na construção de novos prédios para abrigar atividades e instituições
diversas, com destaque para um novo e moderno cinema, o Cine João
Gomes, que imprimiu uma vida noturna mais intensa e contínua na praça e
suas imediações:
“O Futuro Centro da Cidade
É fato digno de se notar a afluencia que dia a dia vai tendo nossa praça do
Jardim, e sempre em crescente aumento.
Asfaltadas as ruas Te. Nicolau Mafei, e a Barão do Rio Branco, com a
medernização dos quarteirões que cercam nosso lindo Jardim, é de se
prever para logo uma intensa vida comercial e social na praça 9 de Julho.
Novos e elegantes cafés e bars vão se instalando naquela praça; a Prefeitura
Municipal, por si só, já atrai para lá grande massa de populares; a
monumental matriz, que está por terminar, também influirá muito, além do
novo Grupo Escolar, já em funcionamento.
Acha-se em construção um grande e moderno cinema, esforço de nossos
amigos de Prudente, para embelezar a cidade, dotando-a de edifícios que
ela merece.
Assim, em breves mezez, com o asfaltamento daquela encantadora praça,
teremos lá a parte central de nossa cidade, que causará por certo inveja a
muitos que á apreciarem” (A Voz do Povo, 01/02/1940, nº 734).
“Cine João Gomes
Sua inauguração dia 2
[...]
Todos devem ter notado o movimento que o ‘João Gomes’ deu à Praça 9 de
Julho e ao Jardim, que, apesar dos pesares, não tinham grande ânimo à
noite.
Agora, porém, a coisa é outra.
80
O Jardim vive se regogitando, as ruas ao redor movimentadas, e isso por
certo abreviará a reforma de sua iluminação de tempos atrás.
Aos domingos, então, o jardim será uma festa aos prudentenses e
prudentinos. E para essa alegria dos dias feriados em muito contribuirá o
‘João Gomes’ com sua fachada de ótima iluminação.
[...]” (A Voz do Povo, 06/07/1941, nº 870).
O funcionamento do Cine João Gomes, a partir de 1941, deu assim
uma nova dinâmica à Praça Nove de Julho e suas imediações. Antes e
depois das sessões de cinema as pessoas se concentravam em frente ao
João Gomes e dali partiam para o footing na rua Tenente Nicolau Maffei:
“Cônica da cidade
Passe PARTOUT
Luz e Footing
Na Copacabana linda a policia tem catado de quando em vez, durante os
black-outs alguns casais de namorados que só se enxergam no escuro...
Fazer piada em torno desses acidentes amorosos não o tentamos, porque A
CARETA já tirou patente para tal fim.
E se citamos essa passagem negra cá na Crônica da Cidade, é porque
todas as noites nos lembramos dela, quando do footing em frente ao Cine
João Gomes e no quarteirão seguinte, do Bar Haidamus ao Mercadinho São
Paulo [rua Tenente Nicolau Mafei].
Os prudentinos acostumaram-se a essa marcha forçada antes e depois das
sessões de cinema.
As mil e uma garotas de Prudente preferiram os dois quarteirões asfaltados
ao passeio pelo jardim, onde há mão e contra mão, onde há ainda o lé-
com-lé, cré-com-cré.
Mas o caso é que os dois quarteirões são escuros. E quando o Cine João
Gomes apaga a sua fachada, fica-se como que em black-out.
Por outro lado, a polícia proibindo o transito de veículos em frente o cinema,
andou prá lá de bom.
81
Mas o trecho é curto. Os quinze mil habitantes de Prudente não cabem
nesse curto espaço vital de um quarteirão asfaltado.
E a onda humana fazendo footing se espalhou mais para adiante,
arriscando a vida no meio dos automóveis que por ali trafegam...
Não seria ótimo se a prefeitura colocasse mais luzes nos dois quarteirões, e
se o transito dos carros-de-asfalto ficasse limitado às ruas perpendiculares e
às de volta do Jardim.?...
Passear no escuro não deixa de ser agradável. Mas quando se ‘passeia’ de
verdade, vem um guarda e... brucutú. É cana!
O Sr. Gerente do João Gomes nos afirmou que vai enfeitar ainda mais a
fachada do cine, inclusive os dois chitres do prédio, que anda às escuras.
Considerando que não necessitamos de black-out, aqui fica o pedido à
Prefeitura e à Polícia, para que se iluminem mais os dois trechos da rua
Nicolau Mafei e para que os carros de praça não interrompam os romances
das mil e uma, proibindo-se o transito apenas quatro horas por noite em
ambos os quarteirões” (A Voz do Povo, 03/02/1944, nº 1082).
Como visto acima, a partir de então o footing na praça foi
abandonado, passando a ser realizado na rua Tenente Nicolau Maffei
29
, entre
a Praça Nove de Julho e o cruzamento com a rua Siqueira Campos, trecho
onde se concentravam os bares mais freqüentados e também pistas de
dança.
30
A prática do footing na Nicolau Maffei perdurou até o início da
década de 1970, quando essa prática urbana de lazer praticamente deixou
de existir na cidade.
Neste período entre meados da década de 1930 e 1970, os cinemas
destacam-se enquanto forma de entretenimento, e junto com o footing e os
bares formavam o programa de lazer preferido das camadas médias e da
elite da cidade. O cinema era a principal atração de lazer e, por outro lado,
fomentava outras atividades como os encontros nos bares e o footing. Assim,
29
Confira FIGURA 10, página 94.
30
Destacamos os bares Cruzeiro do Sul, o Haidamus, o Shoyama e o Bar do Maracujá e as
pistas de dança da Boate Ambassador e da boate do Grande Hotel Naufau.
82
boa parte do movimento de pessoas na rua Nicolau Maffei se dava em
função das sessões que ocorriam nas salas ali próximo localizadas.
Todavia, a importância do cinema na vida urbana pode ser verificada
desde a década de 1920, época das primeiras exibições cinematográficas
na cidade. Os primeiros cinemas, que também eram espaços de
apresentações teatrais e festivais artísticos, foram o “Cine República”, o “Cine
Theatro Internacional” (também conhecido como “Poeira”) e o “Cine Theatro
Santa Emilia”, que funcionavam em precários barracões de madeira
31
. Já
nesse período a ida ao cinema era conjugada com outras formas de lazer,
como os bares, que recebiam os habitues antes e após as sessões.
“Festival em benefício da Santa Casa
Do Rv. Sr. Vigário da Parochia, recebemos gentil convite, que muito nos
captivou, para assistirmos ao espectaculo de gala, em benefício da Santa
Casa, que será levado a effeito no Cine-República, pelo conhecido e
apreciado grupo dramático de amadores locais com auxilio efficiente do
distinto casal Simões.
O espetáculo que é dedicado à imprensa local, constará de variado
programa que publicaremos no próximo número.
Gratos pelo convite” (A Voz do Povo, 03/06/1926, nº 4,grifo nosso).
“Cine Theatro Internacional
Como é do domínio público, o sr. Cap. João Gomes, proprietário do popular
Theatro Cine Internacional desta cidade, havia, há 6 meses, mais ou menos,
arrendado o referido Theatro, a uma empresa theatral que se dizia com
sede em Bauru.
Os arrendatários logo que tomaram posse começaram a exibir fitas antigas
e estragadas, descontentand.o os freqüentadores daquele theatro, e assim
continuaram durante quase 6 meses.
O público já cansado de supportar tanto abuso por parte de tal empresa, foi
aos poucos, deixando de freqüentar o Cinema.
31
Confira FIGURA 11, página 95.
83
Sabemos agora que o sr. Cap. João Gomes rescindiu o referido contrato,
assumindo de novo a direção do Cinema e hoje dará ao público o seu
primeiro espectaculo com um programa de arromba.
Parabéns ao povo de Presidente Prudente por ver de novo na frente do
Cinema o nosso querido amigo e popular cavalheiro sr. Capitão João
Gomes” (A Voz do Povo, 13/03/1927, nº 64).
“Theatro Santa Emília
Com excepcional pompa foi inaugurado na entrada do Ano Novo, o
sumptuoso Theatro Sta. Emília de propriedade do abastado capitalista Sr.
Francisco Di Lourenço, um dos pioneiros do progresso desta cidade.
O Theatro Sta. Emília é o bem o expoente máximo da iniciativa particular
desta cidade, o que a garantia do futuro grandioso a que estamos
destinados” (A Voz do Povo, 08/01/1928, nº 108).
“Festa de Arte
Concerto de Piano
Presidente Prudente vae hospedar a eximia pianista Maria do Carmo
Campos Maia, que no Theatro Santa Emilia, deverá realizar no próximo dia 9
do mez entrante, um concerto de piano.
Maria do Carmo é um nome cercado de applausos pela selecta platéa de
S. Paulo...
[...]
Ainda bem que espíritos de escol nos proporcionam, de tempos em tempos,
dessas horas de indizivel prazer intelectual, vindo a esta cidade longiqua
affirmar o prestigio da sua crescente cultura. Eis porque a festejada pianista
Maria do Carmo encontrará na nossa população culta os applausos a sua
arte victoriosa” (A Voz do Povo, 30/06/1929, nº 161, grifo nosso).
32
Em 1935 Presidente Prudente ganhou o seu primeiro grande e moderno
cinema, o Cine Fênix, que até 1941 foi a principal casa desse espetáculo
32
Confira ainda FIGURA 12, página 95; FIGURA, 13, página 95.
84
cinematográfico da cidade, quanto então no lugar do antigo “Poeira” foi
inaugurado o Cine João Gomes, com quem passou a concorrer em
desvantagem. O Fênix foi o cinema que por mais tempo funcionou (até a
década de 1980) e junto como o João Gomes constituía um dos mais
tradicionais cinemas da cidade
33
. Nesse longo período de funcionamento, o
Fênix passou por diversas reformas e mudou sua programação para atender
públicos específicos, como a Colônia Nipônica, na década de 1960,
apresentando produções japonesas.
“Inauguração do Teatro Novo
No dia 17 do corrente inaugurou-se o Teatro Phenix, de propriedade da
firma Tenorio & Guerra, desta praça.
[...]. Amplos, modernos, com otimas acomodações, com frizas, balcões,
platéa e galerias, que comportam 1.600 pessoas.
[...]
O teatro foi alugado ao sr. Emilio Peduti, que é um dos grandes emprezarios
do Cinema Bandeirante, no interior do Estado, pois é proprietario de teatros
do mesmo genero, que explora, em Marilia, Bataguassú, Assis, Botucatú,
Avaré, Baurú, Vera Cruz, Piratininga, Ourinhos e Jacarezinho, e que veio exibir
os melhores filmes importados pelo Brasil.
[...]” (A Voz do Povo, 22/12/1935, nº 435).
“Nosso Progresso é um Fato
[...]
E o Cine Fênix que vem de passar por uma completa reforma, terá em breve
um colega, não como concorrente, mas como coordenador de esforços
em pról de nosso progresso.
Esse será o Cine João Gomes.Ergue-se no mesmo logar onde antigamente
os prudentinos conheceram um cinema a que deram o nome de ‘poeira’.
[...]” (A Voz do Povo, 17/03/1940, nº 746).
33
Confira FIGURA 14, página 96; FIGURA 15, página 96.
85
“Grande entusiasmo popular pela reabertura do “Cine Teatro Fenix’
Está de franco parabéns a conceituada firma Antonio Moysés & Cia., pela
reabertura do ‘Cine Teatro Fenix’.
As festividades de inauguração das novas e suntuosas instalações da mais
luxuosa casa de diversões da cidade disseram, por si só, do grande
contentamento do povo, que recebe com indivisível simpatia tal iniciativa.
Em verdade, de há muito Presidente Prudente se ressentia da falta de mais
um cinema, de mais um teatro, pois a densidade da nossa população é
realmente considerável e uma única casa de espetáculos não atendia ao
grande número de frequentadores [...].
[...]” (A Voz do Povo, 16/01/1949, nº 1430).
Além do Fênix e do João Gomes, posteriormente dois outros grandes
cinemas foram instalados na cidade: o Cine Presidente e o Cine Ouro
Branco, inaugurados em 1959 e 1965, respectivamente. Com a inauguração
deste último, Presidente Prudente passou a contar com quatro grandes
cinemas, os quais juntos ofereciam um total de 4490 poltronas, sendo 2117
no Cine Presidente, 804 no Cine Ouro Branco, 800 no Cine João Gomes, 710
no Cine Fênix. Cabe destaque para o Cine Presidente que esteve entre os
maiores cinemas do país, instalado num majestoso prédio com capacidade
para mais de duas mil pessoas:
“Em Dezembro deste ano será inaugurado em P. Prudente um dos maiores
cinemas do País
Diretores de Grandes Empresas Cinematográficas virão a Presidente
Prudente Empregados na obra 30 milhões de cruzeiros aproximadamente
O maior da Empresa Pedutti e um dos Maiores do País.
Iniciadas em junho de 1955 deverão ser concluídas em dezembro deste ano
as obras de um dos maiores cinemas do país, qual seja o Cine Presidente,
de nossa cidade. A construção cobre uma área de 1768 ms2, onde foram
empregados aproximadamente trinta milhões de cruzeiros.
Outros Dados
86
O cinema será dotado de ar condicionado. Terá duas amplas salas de
espera, iluminação indireta e ultra moderna. Estão sendo construídas duas
platéias: uma em cima, especial e luxuosa, com 886 poltronas estofadas e
recuáveis; outra em baixo, com 1600 poltronas de madeira mas modernas.
A tela só não supera a do cine República, de São Paulo, em tamanho, em
toda a América do Sul, pois terá 20 metros de comprimento por 9 de altura,
destinada aos filmes em cinemascope. Será dotado, ainda, com som
esfereofônico, moderníssimo.
[...]” (O Imparcial, Edição Especial de Novembro de 1958, nº 3935).
34
Um importante espaço público utilizado para o lazer, entre fins da
década de 1930 e início de 1940, foi o Bosque Municipal, instalado numa
reserva de mata próximo ao centro da cidade, de propriedade do Coronel
Goulart. A área havia sido arrendada pela prefeitura do município, em 1938,
por um prazo de cinco anos. Pouco antes do vencimento do prazo de
arrendamento, em 1943, o Coronel Goulart requereu o despejo da prefeitura
alegando atraso no pagamento do aluguel. Em seguida, e a despeito de a
prefeitura ter decretado utilidade pública da área para fins de
desapropriação, a mesma foi vendida com a condição de o novo
proprietário doar parte da área para a manutenção do bosque. Porém assim
não foi, e por uma série de questões a prefeitura acabou por perder em
definitivo a área, posteriormente loteada.
Apesar do seu pouco tempo de existência, o Bosque Municipal foi um
importante logradouro público, utilizado para passeios, piqueniques e festas
populares. Havia ainda em seu interior um parque infantil e um bar-
restaurante onde freqüentemente a elite da cidade se reunia para reuniões e
festas políticas.
35
“[...] O sr. Dr. Cerávolo teve a gentileza de levar-me de automovel para
constatar em loco, os grandes melhoramentos já realizados pela sua ainda
34
Confira FIGURA 16, página 97; FIGURA 17, página 97.
35
Confira FIGURA 18, página 98.
87
curta gestão. [...] fomos ao parque já concluido, proximo a estação n’um
capão de mata que a sua providencia em data bem remota impedira que
fosse derrubada, esta hoje construindo um bello parque infantil, um bello
bosque que entre arbustos e arvores seculares estão traçados diversas ruas...
[...]
No parque S. Excia, mandou assentar innumeras machinas para divertimento
da petisada, ginasticas de toda especie e parece-me ter visto ainda, uma
pista destinada ao Turf Prudentino.[...].” (A Voz do Povo, 04/05/1939, nº 663)
36
“[...] O Bosque Municipal, o ponto predileto da nossa população nos dias e
noites quentes está recebendo um grande melhoramento de há muito
reclamado a illuminação eletrica.
[...]” (A Voz do Povo, 26/11/1939, nº 719)
“Ano Novo no Parque
Em nosso Parque reinou muita alegria na passagem do ano.
A noite de São Silvestre foi festejada lá, num ambiente popular, e ao qual
não faltou a necessária ordem e o animo de sempre.
[...] O baile no bosque foi igualmente animado de modo que tôda a
população de Presidente Prudente entrou festivamente o ano de 1940” (A
Voz do Povo, 07/01/1940, nº 729)
Outro importante espaço de lazer, presente na cidade desde os seus
primórdios, são os clubes ou associações recreativas. A existência dessas
instituições não está relacionada à necessidade de trabalho, como os
sindicatos e as associações profissionais, nem aos imperativos de práticas
políticas e religiosas, como os partidos e as organizações confessionais, mas
respondem sobretudo a objetivos próprios do lazer (DUMAZEDIER, 1973, p. 47).
Particularmente, os clubes manifestam o caráter associativo inerente à vida
urbana, tendo como fundamento de sua constituição a afinidade de
interesses, de gostos ou ainda de posição social entre seus membros. Para
36
Artigo “Revoada da Sorocabana”, assinado por João Salemi.
88
participar do quadro social de um clube é preciso, antes, ser aceito por
aqueles que já o integram; e assim os clubes caracterizam-se como espaços
privados, porque não aberto a todos.
Em Presidente Prudente, as primeiras sociedades desse gênero surgiram
entre o final da década de 1920 e início de 1930, muitas delas com vida
curta, sendo destituídas antes mesmo de efetivarem suas atividades:
“Sociedade Allemã
Esta novel associação ainda em organização, iniciou suas runiões no
Domingo transacto as suas reuniões domingueiras, na sua sede provisória, na
Villa Euclydes, comparecendo grande numero de exmas famílias e
cavaleiros.
A novel sociedade que tem por fim a cultura physica e intellectual, de seus
associados, iniciou naquelle dia os exercícios gymnasticos, literário e
artísticos, terminando com um animado Sarau dansante.
Agradecendo ao convite feito a nós, almejamos á distincta sociedade
brilhante sucesso e perfeita harmonia de seus associados para que tão útil
Associação possa levar avante tão magnífica e feliz idéa.” (A Voz do Povo,
27/07/1928, nº 134).
“Grêmio Recreativo Prudentino
Realizou-se no dia 5 do corrente a eleição da primeira Directoria daquella
nova sociedade recreativa... [...] Damos parabéns a Presidente Prudente
pela instituição da sociedade acima, que vem concorrer para o
estreitamento de amizade e diversão das famílias desta cidade.” (A Voz do
Povo, 15/09/1929, nº 185).
“Sociedade Recreativa Familiar
Declaro que no dia 31 de Março findo dissolvi aquella sociedade e não
cogitei até hoje de sua reorganização, tendo apenas cedido as instâncias
de alguns amigos, que me pediram licença para fazerem reuniões com
aquelle fim. Fiz ver ainda a esses amigos que não me interesso mais pelo
89
assunto e nem acceitaria cargo algum, dando preferência a vender os
móveis daquella sociedade para que elles organisem outra.
Portanto, não é verdade que eu tenha convidado ou mandado convidar
quem quer que fosse para as reuniões que realizaram naquelle sentido.
P. Prudente, 19 de Abril de 1930
Antônio Gonçalves” (A Voz do Povo, 10/04/1930, nº 210).
“Sociedade Recreativa
Cogita-se da fundação nesta cidade de uma sociedade recreativa,
achando se á frente dessa feliz e oportuna iniciativa o nosso illustrado e
digno Juiz de Direito Exmo. Sr. Dr. Laurindo Minhoto Junior.
Presidente Prudente que conta já com um elemento social de escol, já
muito que vinha se rescintindo da falta de uma associação recreativa.
Oxalá que a idéia se torne um facto e para a qual desde já pomos a nossa
folha á disposição de seus organizadores” (A Voz do Povo, 27/05/1934, nº
358).
Muitos outros clubes surgiram ao longo da década de 1930, como o
Clube Atlético Internacional (CAI), o Grêmio Recreativo, o Grêmio Familiar 21
de Abril, o Grêmio Progresso Japonês
37
, a Sociedade 13 de Maio, o Tênis
Clube, a Associação Prudentina de Esporte Atléticos (APEA), o Aero-Clube, o
Clube Náutico Prudentino e o Leader Clube, dos quais dois deles ainda
existentes (Tênis Clube e APEA). Esses clubes desempenhavam papel
importante na vida urbana, na medida em que eram os principais centros de
lazer e eventos da cidade. Muitos deles tinham suas sedes sociais na rua
Nicolau Maffei, ou ali próximo, onde além de atividades cotidianas de lazer
aos associados eram oferecidos também bailes, noitadas carnavalescas,
apresentações artísticas, entre outros eventos que, muitas vezes, eram
abertos à população em geral:
“Gremio Familiar 21 de Abril
37
Confira FIGURA 19, página 98.
90
Commemorando a data de 3 de maio, descoberta do Brasil, o ‘Gremio
Familiar 21 de Abril offereceu aos seus associados uma enthusiastica festa
dansante onde compareceu grande número de exmas familias e
cavalheiros de nossa melhor sociedade.
A festa que terminou ás 4 horas da madrugada foi abrilhantada pela
victoriosa Philarmonica São José sob a batuta do competente e incansavel
maestro Sebastião Ferreira.
Sabemos que o Gremio projecta para estes dias a sua partida official do
mez, em seu novo salão ora em reparos” (A Voz do Povo, 11/05/1930, nº
213).
“Box
A turbamulta que ocorreu domingo último na quadra de esportes do
conhecido e tradicional Clube Athletico Internacional teve o ensejo de assistir
diversas pelejas da ‘arte nobre’.
[...]
E assim o clube das iniciais CAI, deu mais uma nota brilhante para o esporte
desta terra, fazendo com que a sua academia de box puzesse em rinque
dois amadores do ‘esporte nobre’ filhos de prudente.
[...]” (A Voz do Povo, 24/06/1937, nº 503).
“Napoleão de Aguiar
Um festival
Num dos salões do C. A. Internacional, para este fim gentilmente cedido,
levou-se a effeito o festival do conhecido humorista Napoleão Aguiar,
cognominado de o ‘Rei do Riso’. [...]” (A Voz do Povo, 28/09/1937, nº 516).
“Domingueiras
No Leader-Club
Continua o Leader-Club a promover animadas ‘brincadeiras’ aos domingos,
que tanta falta vinham fazendo á mocidade prudentina, e que enorme
sucesso vem alcançando.
91
Toda a élite prudentina tem comparecido ao Leader, e as dansas vão até ás
24 horas num ambiente alegre de distinção.”(A Voz do Povo, 29/02/1940, nº
741).
“Cornélio Pires hoje no Leader
O afamado humorista que todo o Brasil conhece e aplaude, o grande
Cornélio Pires, estará hoje com suas piadas sempre novas e de sucesso,
num festival no Leader-Club, em beneficio da Santa Casa.
[...]” (A Voz do Povo, 16/02/1941, nº 835).
Nesse período, as associações classistas e desportivas também
desempenhavam papel importante na oferta geral de lazer à população.
Podemos destacar o Comercial Futebol Clube, a Liga Estudantina, Grênio
Leterário, Recreativo e Esportivo da Academia de Comércio, Clube de Xadrez
e o Clube de Sociologia, entre outras:
“O Estadio do Commercial Futebol Club
Sua breve inauguração
[...]
Pois já estão quase concluidas as principais obras do Estadio que vae ser o
ponto obrigatório ao domingos, e dias santificados das populações da
Alta Sorocabana; pois não há de negar, o Commercial F. C., veio
prehencher com grandes vantagens uma falta que, de há muito tempo,
vinha sendo reclamando nesta cidade, por quantos que trabalham durante
a semana de sol a sol, em todos os ramos da actividade humana.
[...].” (A Voz do Povo, 21/06/1931, nº 225).
“[...]O Commercial Futebol Clube, alem de seu majestoso cordão, dará 4
imponentes bailes a phantasia na Barraca do Largo, onde funccionou a
Kermesse.[...]” (A Voz do Povo, 10/02/1935, nº 392).
“Grande Baile
92
A Liga Estudantina de Presidente Prudente, orgão de Literatura, Recreativo e
Esportivo do Ginasio São Paulo, fará realizar no próximo sabado, dia 12, um
gracioso Baile a Chita, em comemoração ao ‘Dia da Raça’.
[...]”(A Voz do Povo, 10/10/1940, nº 799).
“Clube de Sociologia de Presidente Prudente. Após decorrido um ano de
sua fundação o clube que se destina a realizar estudos sociológicos, e que
realiza reuniões culturais mensalmente, irá inaugurar sua Biblioteca
Circulante.”(A Voz do Povo, 06/04/1952, nº 1550).
93
FIGURA 7: Parque São Sebastião, instalado na área da Praça Nove de Julho,
em1929.
Fonte: EMUBRA História do Oeste de São Paulo, 2003 (CD-R).
FIGURA 8: Área da Praça Nove de Julho, em1929, sendo possível observar
algumas barracas utilizadas em quermesses.
Fonte: EMUBRA História do Oeste de São Paulo, 2003 (CD-R).
94
FIGURA 9: Jardim Público da Praça Nove de Julho alguns anos após a sua
inauguração.
Fonte: EMUBRA História do Oeste de São Paulo, 2003 (CD-R).
FIGURA 10: Footing na rua Nicolau Maffei.
Fonte: EMUBRA História do Oeste de São Paulo, 2003 (CD-R).
95
FIGURA 11: Vista interna do Cine Teatro Santa Emilia, em 1923, instalado em
barracão de madeira.
Fonte: EMUBRA História do Oeste de São Paulo, 2003 (CD-R).
FIGURA 12: Anúncio comercial do “Petit Bar”.
Fonte: A Voz do Povo, 16/07/1926, n° 16.
FIGURA 13: Anúncio comercial do “Cine Internacional”.
Fonte: A Voz do Povo, 17/04/1927, n° 70.
96
FIGURA 14: Prédio do Cine Fênix, em 1937, na rua Dr. José Foz com a Barão
do Rio Branco.
Fonte: EMUBRA História do Oeste de São Paulo, 2003 (CD-R).
FIGURA 15: Prédio do Cine João Gomes, em 1936, na rua Nicolau Maffei,
em frente a Praça Nove de Julho.
Fonte: EMUBRA História do Oeste de São Paulo, 2003 (CD-R).
97
FIGURA 16: Prédio do Cine Presidente, em 1963, na avenida Coronel
Marcondes.
Fonte: EMUBRA História do Oeste de São Paulo, 2003 (CD-R).
FIGURA 17: Vista interna do Cine Presidente, com capacidade para mais de
2.000 pessoas.
Fonte: O Imparcial, 14/09/1959, n° 4.037
98
FIGURA 18: Salão do Bosque Municipal, local de festas e reuniões políticas
entre o final da década de 1930 e início de 1940.
Fonte: EMUBRA História do Oeste de São Paulo, 2003 (CD-R).
FIGURA 19: Grêmio Progresso Japonês.
Fonte: EMUBRA História do Oeste de São Paulo, 2003 (CD-R).
99
CAPÍTULO IV
ENTRE O RURAL E O URBANO
100
4. Entre o rural e o urbano
Neste capítulo vamos considerar o lazer entre o rural e o urbano, ou seja,
no contexto das transformações verificadas na cidade, em que novos valores
e práticas típicos da sociedade urbana passam a predominar sobre aqueles
ligados ao mundo rural. Para tanto, vamos antes tratar do “urbano” e do
“rural”.
4.1. O rural e o urbano
Definir o rural e o urbano é tarefa que envolve múltiplas questões, muitas
delas em via de problematização. Expressões correntes como “a invasão do
campo pela cidade”, “a urbanização do campo”, “o novo rural”, “o novo
urbano”, entre outras, evidenciam um contexto aparentemente confuso onde
o rural e o urbano não se distinguem com tanta clareza. Beltrão Sposito (1999)
bem expressa essa problemática quando diz:
Se as relações entre cidade-campo não expressão
simetricamente aquelas entre o urbano e o rural, porque as
relações que se estabelecem a partir das cidades, os símbolos
e signos que nelas e através delas expressam o que é urbano
estão além das cidades, é preciso refletir sobre o sentido dessa
urbanização e em que medida a reprodução do espaço
urbano pode gerar não o fim da distinção cidade-campo,
mas a ausência da cidade na perspectiva de um conteúdo
de urbanidade (BELTRÃO SPOSITO, 1999, p. 84).
Assim, a conceituação tradicional (dicotômica) do rural e do urbano
perde cada vez mais valor explicativo da realidade, de vez que o urbano
incorpora o rural e modifica seus antigos conteúdos; elementos da cidade
difundem-se cada vez mais no campo diminuindo as diferenças sociais e
culturais entre as populações urbanas e rurais ou entre localidades urbanas e
rurais; o urbano, originário da urb, extrapola os limites físicos da cidade e
tende a ser virtualmente global, sem que, contudo, isso signifique o fim do
rural e muito menos o fim da distinção cidade-campo.
Dessa forma, não se é mais possível tomar o rural por simples oposição
ao urbano, ou a cidade por simples oposição ao campo num modelo
dicotômico, e nem estabelecer cortes rígidos entre essas esferas, como nas
101
definições tradicionais. Mas o urbano deve ser considerado na sua relação
contraditória com o rural.
Nesse sentido, o entendimento do rural e do urbano deve ser buscado
nas relações históricas entre cidade e campo, pois, essencialmente, são
esses espaços e as relações historicamente estabelecidas entre eles que
definem as bases concretas de significação/diferenciação do rural e do
urbano.
Aqui cabe destacar a distinção que Lefebvre (1991b) faz entre
morfologia material e morfologia social, sendo o campo e a cidade
morfologias materiais, isto é, dados prático-sensível da realidade, e o rural e o
urbano morfologias sociais, isto é, realidades sociais compostas de relações
presentes, como divisão social do trabalho e funções desempenhadas.
Nesses termos, a cidade é entendida como base material, concreta,
relacionada a uma forma social específica, a forma urbana. Do mesmo
modo o campo é entendido como base material, concreta, relacionada a
uma forma social específica, a rural.
Assim, entendemos que inicialmente a diferenciação rural/urbana pode
ser vista como decorrente do próprio nascimento da cidade que, por sua
vez, passa a desenvolver relações com o seu entorno, o campo. Nesse
processo a cidade desenvolve e acumula funções frente ao campo, bem
como passa a comportar um sistema de relações sociais distinto.
Historicamente, essa diferenciação é expressão de uma cada vez mais
complexa divisão social e territorial do trabalho entre campo e cidade.
Para Castells (1983), são as relações históricas entre sociedade e espaço
que explicam a origem e desenvolvimento das cidades. O fenômeno urbano
é visto assim articulado à estrutura de uma sociedade e sua respectiva forma
de organização espacial. Nesse sentido, a cidade é entendida como:
[...] o lugar geográfico onde se instala a superestrutura
político-administrativa de uma sociedade que chegou a um
ponto de desenvolvimento técnico e social (natural e cultural)
de tal ordem que existe uma diferenciação do produto em
reprodução simples e ampliada da força de trabalho,
chegando a um sistema de distribuição e de troca, que
supõe a existência: 1. de um sistema de classes sociais; 2. de
102
um sistema político permitindo ao mesmo tempo o
funcionamento do conjunto social e o domínio de uma
classe; 3. de um sistema institucional de investimento, em
particular no que concerne à cultura e à técnica; 4. de um
sistema de troca com o exterior (CASTELLS, 1983, p. 20).
Castells (1983) demonstra que as primeiras cidades apareceram no final
do neolítico, momento em que as técnicas e as condições naturais e sociais
de trabalho possibilitaram a produção de um excedente agrícola, absorvido
então pelas cidades a partir de um sistema complexo de divisão e
distribuição.
Nesse mesmo sentido Singer (1998) ressalta que embora fundamental a
produção de um excedente agrícola, que o autor identifica como mais-
produto, não foi condição única para o surgimento das cidades, sendo
imprescindível também a criação de instituições sociais que assegurassem a
transferência desse mais-produto às aglomerações humanas, o que
pressupõe a existência de uma sociedade de classes onde a participação
dos homens no processo de produção e de distribuição é diferenciada.
Assim, a origem da cidade em certa medida se confunde com o
nascimento da sociedade de classes.
Pois, de outro modo, a transferência de mais-produto não
seria possível. Uma sociedade igualitária, em que todos
participam do mesmo modo na produção e na apropriação
do produto, pode, na verdade, produzir um excedente, mas
não haveria como fazer com que uma parte da sociedade
apenas se dedicasse à sua produção, para que outra parte
dele se apropriasse (SINGER, 1998, p. 9).
As primeiras cidades foram centros administrativos, políticos e religiosos.
À essas funções somam-se depois as funções comerciais e de gestão,
notadas nas cidades imperiais dos primeiros tempos da história,
particularmente no Império romano. As cidades organizadas pelo Império
romano durante a sua expansão em outras civilizações, evidenciam um
processo de colonização urbana, onde cidade é suporte das funções
administrativas e de exploração mercantil dos territórios dominados. Por isso a
queda do Império romano no Ocidente significou um quase
desaparecimento das cidades ali existentes, que ficaram na sua maior parte
103
reduzidas à função de sede administrativa da Igreja ou, em alguns casos, de
defesa de regiões fronteiras (CASTELLS, 1983).
Portanto, a Idade Média iniciada após a queda do Império romano
correspondeu a um declínio geral do fenômeno urbano. Todavia, foi a partir
de condições econômicas, sociais e políticas criadas no interior do próprio
modo de produção feudal que as cidades renasceram, condições essas
responsáveis também pela organização do modo de produção capitalista.
O refortalecimento do comércio nunca completamente eliminado
principalmente a partir da reabertura do comércio com o Oriente, fez das
cidades (os burgos) o abrigo e lugar das atividades dos mercadores. O
comércio ganhou assim o caráter de atividade urbana, isto é, realizado de
forma regular nas cidades. Com isso as cidades foram retomando seus
papéis urbanos, bem como passaram a desenvolver instituições próprias que
garantissem autonomia e segurança para o desempenho e ampliação de
suas funções.
Com o capitalismo, a urbanização adquire proporções nunca antes
vistas, sendo a própria cidade a base de sustentação desse novo modo de
produção. Conforme ressalta Singer (1998): “O capitalismo surge na cidade,
no centro dinâmico de uma economia urbana, que lentamente se reconstitui
na Europa, a partir do século XIII” (SINGER, 1998, p. 19-20).
A urbanização sob o capitalismo se diferencia da urbanização anterior
na medida em que com ele a cidade torna-se locus da produção (de
mercadorias, valores de trocas), bem como passa a ser o centro dinâmico
da sociedade. Sobretudo a partir do capitalismo em sua fase industrial, a
urbanização atingiu um ritmo bastante acentuado. Um processo
hegemônico no interior do qual a cidade redefine seus papeis,
desenvolvendo novas funções e concentrando as forças produtivas da
sociedade.
Para Lefebvre (2002) a industrialização, que imprime um novo ritmo à
urbanização, paradoxalmente é responsável pela ruptura da realidade
urbana, que se fragmenta:
104
Nesse movimento, a realidade urbana, ao mesmo tempo
amplificada e estilhaçada, perde os traços que a época
anterior lhe atribuía: totalidade orgânica, sentido de pertencer,
imagem enaltecedora, espaço demarcado e dominado pelos
esplendores monumentais (LEFEBVRE, 2002, p. 26).
Nesse mesmo sentido, Castells (1983) afirma:
A difusão urbana equivale exatamente à perda do
particularismo ecológico e cultural da cidade. Por isso os
processos de urbanização e autonomia do modelo cultural
‘urbano’ se manifestam como processos paradoxalmente
contraditórios (CASTELLS, 1983, p. 22).
As relações históricas entre cidade e campo, desde os primeiros núcleos
urbanos do final do neolítico até as cidades do período pós-revolução
industrial, descrevem uma complexificação da divisão social trabalho e das
relações sociais com um todo. A sociedade se reproduz de forma cada vez
mais complexa. Trata-se, contudo, de um processo que não se dá de
maneira homogênea no espaço e no tempo, mas variando segundo os
diferentes momentos históricos e os modos de produção predominantes em
cada um deles e em cada sociedade localizada.
Lefebvre (1976 e 2002) reconhece a existência de três grandes
momentos históricos, nos quais encontramos relações específicas entre a
cidade e o campo, entre o urbano e o rural:
Três camadas. Três épocas. Três “campos”, não apenas de
“fenômenos sociais”, mas de sensações e de percepções, de
espaços e tempos, de imagens e de conceitos, de linguagem
e de racionalidade, de teorias e de práticas sociais:
-o rural (camponês),
-o industrial,
- o urbano [...] (LEFEBVRE, 2002, p. 37).
Cada um desses campos é definido pelo predomínio de uma
determinada forma de estrutura e organização social. Não se trata de
campos aprazíveis, mas campos de tensões, havendo entre eles interações e
desigualdades de desenvolvimento pelas quais seus domínios coexistem
assim, numa determinada época, por exemplo a atual, continuam a existir
elementos de épocas anteriores. Enfim, três tipos de sociedade global: a
sociedade rural ou agrária, a sociedade industrial e a sociedade urbana.
Todavia, junto com Queiroz (1979) podemos reconhecer um outro tipo
de sociedade global anterior à sociedade rural, qual seja, a sociedade tribal:
105
“[...] em que inexiste a divergência rural-urbana, em que os grupos sociais são
de envergadura pouco complexa, em que a divisão social do trabalho é
fraca e em que não existe a concentração urbana.” (QUEIROZ, 1979, p. 161).
Na sociedade rural a cidade já é uma realidade presente e suas
funções são essencialmente político-administrativas, concentrado-se no
campo praticamente toda a produção e vida social; portanto, o fenômeno
urbano nela já existe porém num contexto em que a cidade aparece
subordinada ao campo.
Com a sociedade industrial, a produção urbana (industrial) passa a
predominar sobre a produção rural (agrícola), e o sentido desta também
passa a ser determinado pela cidade, pelo urbano. Essa inversão se dá
igualmente nos planos demográfico e cultural. A população dos países
industriais torna-se eminentemente urbana, ou seja, residente nas cidades, e
os valores e práticas da sociedade passam a ter como base de sua
reprodução não mais o campo, mas a cidade.
Para Lefebvre (2002) a sociedade urbana já se revela na sociedade
industrial, e assim cabe reservar o termo “sociedade urbana”: “[...] à
sociedade que nasce da industrialização. [...] a sociedade constituída por
esse processo que domina e absorve a produção agrícola” (LEFEBVRE, 2002,
p. 15). Dessa forma, podemos considerar que a verdadeira transformação se
faz da sociedade rural para a urbana, havendo entre as duas a sociedade
industrial.
Esse longo caminho histórico do rural para o urbano, passando pelo
industrial, descreve uma complexificação da sociedade: “[...] que atinge ao
mesmo tempo atinge o espaço e o tempo, pois a complexificação do
espaço e dos objetos que o ocupam não ocorre sem uma complexificação
do tempo e das atividades que nele se desenvolvem” (LEFEBVRE, 2002, p.
153).
Assim, quanto mais urbana é uma sociedade, mais complexa são as
suas relações. Essa correlação pode ser entendida a partir da própria
essência e sentido histórico do fenômeno urbano, qual seja, a centralidade,
e nela a simultaneidade:
106
Não existe cidade, nem realidade urbana, sem um centro.
Mais que isso: o espaço urbano se define, como já dissemos,
pelo vetor nulo; é um espaço onde cada ponto,
virtualmente, pode atrair para si tudo o que povoa as
imediações: coisas, obras, pessoas (LEFEBVRE, 2002, p. 93).
A cidade atrai para si tudo o que nasce, da natureza e do
trabalho, noutros lugares: frutos e objetos, produtos e
produtores, obras e criações, atividades e situações. O que
ela cria? Nada. Ela centraliza as criações. E, no entanto, ela
cria tudo. Nada existe sem troca, sem aproximação, sem
proximidade, isto é, sem relações. Ela cria uma situação, a
situação urbana, onde as coisas diferentes advêm umas das
outras e não existem separadamente, mas segundo as
diferenças [...] (LEFEBVRE, 2002, p. 111).
Portanto, o urbano é uma forma pura: o ponto de encontro,
o lugar de uma reunião, a simultaneidade. Essa forma não
tem um conteúdo específico, mas tudo a ela vem e nela
vive [...]. Enquanto diversos, os conteúdos (coisas, objetos,
pessoas, situações) excluem-se, e se incluem e se supõem
enquanto reunidos. [...]. Ele se liga, de um lado, à lógica da
forma, e, de outro, à dialética dos conteúdos (às diferenças
e contradições dos conteúdos) (LEFEBVRE, 2002, p. 112).
A idéia do urbano como mais complexo e dinâmico que o rural
comparece nos estudos clássicos (comparativos) de localidades urbanas (ou
sociedades urbanas) e localidades rurais (ou sociedades rurais). Nesses
estudos, o urbano e o rural são vistos a partir de uma perspectiva dicotômica,
isto é, num sistema de oposições. Segundo Palen (s.d.):
Os termos usados para definir essa dicotomia podiam variar,
mas a idéia central era basicamente a mesma: o campo
representava a simplicidade, a cidade a complexidade. As
regiões rurais eram caracterizadas por regras, papeis e
relações imutáveis, enquanto a cidade se distinguia pela
inovação, mudança e desorganização. A cidade era o
centro da variedade, heterogeneidade e inovação social,
enquanto o campo representava a tradição, a continuidade
social e o conformismo cultural. Os habitantes da cidade
eram mais sofisticados, mas tinham menos calor humano
(PALEN, s.d., p. 140)
Conforme Castells (1999), essa: “[..] noção de urbano (oposta a rural)
pertence à dicotomia ideológica sociedade tradicional/sociedade moderna,
e refere-se a uma certa heterogeneidade social e funcional [...]” (CASTELLS,
1999, p. 24). Essa distinção rural/urbano aparece então como expressão da
divergência entre uma realidade moderna (a urbana) identificada com o
capitalismo, o progresso da técnica e novos padrões de relações sociais e
107
estilos de vida e uma realidade tradicional (a rural) refratária a esses
elementos. É aí também que identificamos a oposição entre aquilo relativo à
urbanidade (ilustrada, civilizada) e a rusticidade (ingênua, rústica).
A seguir vamos procurar identificar essas relações entre o rural e o
urbano, entre o tradicional e o moderno, no desenvolvimento das práticas de
lazer em Presidente Prudente, particularmente nas primeiras décadas de
existência da cidade. Procuraremos demonstrar que, no contexto da
produção da cidade e do desenvolvimento da vida urbana, as mudanças
nas práticas de lazer dizem respeito a um processo mais amplo de
transformações, aonde novos valores e práticas, típicos da sociedade
urbana, passam a predominar sobre aqueles relacionados à vida no campo.
4.2. O rural, o urbano e o lazer
Segundo Requixa (1977), a análise dos reflexos da urbanização e da
industrialização sobre as formas tradicionais de lazer da população informa
permanências, transformações e desaparecimentos. Por outro lado, novas
formas de lazer típicas da sociedade urbana são acrescentadas e passam a
predominar sobre aquelas tradicionais.
É preciso considerar que essas mudanças no âmbito do lazer ocorrem
num contexto de transformações mais amplas da sociedade, ou seja, no
conjunto das suas práticas e valores. Pois a emergência da sociedade
urbana tem como resultado um novo estilo de vida, que reflete na forma
como as pessoas comem, vestem-se, divertem-se, enfim, como encaram a
realidade social.
Em Presidente Prudente, a vida da cidade esteve marcada em seus
primeiros tempos não só pela economia como também por valores e
práticas próprios do mundo rural. Posteriormente, na medida em que a
cidade foi crescendo, valores e práticas da sociedade urbana foram se
firmando, ao passo que a economia urbana também passou a predominar
sobre a economia rural no contexto regional. Conforme destaca Abreu
(1972):
108
A cidade nasceu como “boca de sertão” em função da
expansão cafeeira e da especulação de terras, sendo em
seus primórdios muito mais um reflexo das condições agrárias
de sua periferia do que um agente de transformação do
campo. Posteriormente, esta situação se inverteu na medida
em que Presidente Prudente foi organizando um
aparelhamento comercial e de serviços, subordinando a si a
zona rural (ABREU, 1972, p. 10-1).
Como já visto, foi a partir da década de 1930 que Presidente Prudente
passou a desfrutar de uma vida urbana em seu sentido mais pleno, quando
então se verificou na cidade uma série de melhoramentos urbanísticos bem
como a emergência de novos padrões de comportamento e hábitos entre
a população.
Todavia, isso não significou a supressão imediata e total dos elementos
do mundo rural até então presentes na cidade. Diferente disso, muitos desses
elementos persistiram ou mesmo foram incorporados à vida urbana, e assim
fragmentos da vida rural continuaram a fazer parte do cotidiano de uma
parcela da população.
Sobre esse aspecto, são esclarecedoras as idéias de Lefebvre, para
quem o urbano não nega o rural, mas o inclui, ainda que modificando seus
antigos conteúdos e conferindo novos significados a seus elementos. Isso
porque:
[...] a Cidade teve a singular capacidade de se apoderar de
todas as significações a fim de dizê-las, a fim de escrevê-las
(estipulá-las e “significá-las”), inclusive as significações oriundas
do campo, da vida imediata, da religião e da ideologia
política. Na cidade, os monumentos e as festas tiveram estes
sentidos (LEFEBVRE, 1991b, p. 56).
Em Presidente Prudente, as festas religiosas ligadas ao mundo rural foram
inicialmente condensadas na cidade e depois dissolvidas pela vida urbana,
perdendo assim a sua antiga função social, isto é, o seu papel como
elemento de definição da sociabilidade vicinal e como principal forma de
lazer da população local. Papeis esses observados ainda hoje em pequenas
cidades do interior, onde valores e práticas da sociedade tradicional
encontram-se mais vivas e em condição de maior resistência.
É interessante notar que as primeiras festas religiosas, realizadas na
década de 1920, já eram povoadas por uma série de diversões citadinas,
109
como concertos musicais, jogos esportivos, atividades recreativas, entre
outras, que informam já nesse período as primeiras transformações no
conteúdo dessas festas. É o que Elazari (1979) verificou também em São
Paulo, quando entre o final do século XIX e início do XX as tradicionais festas
religiosas comportavam até mesmo atividades condenadas pela Igreja,
como jogos de azar e prostituição.
Embora “profanadas” pela vida urbana, muitas festas religiosas
continuam a fazer parte da vida da cidade, como é o caso da Festa de São
Judas Tadeu, que ocorre anualmente no Bairro São Judas. Ou então a Festa
de São Sebastião, que após décadas de interrupção voltou a ser realizada, a
partir de 2003, no largo da Igreja Matriz, o mesmo local das suas primeiras
edições na década de 1920. Podemos mencionar ainda as festas juninas,
hoje realizadas mormente em ambientes fechados e freqüentemente
associadas ao universo infantil; um contraponto às festas juninas dos primeiros
tempos da cidade, que, conforme já visto, eram realizadas nos moldes
tradicionais, quando a população reunia-se: “[...] na instável fronteira entre o
frenesi alegre e o frenesi cruel, na fruição lúdica e no transe” (LEFEBVRE, 2002,
p. 111).
Assim, a despeito das suas transformações, as festas religiosas são ainda
aquelas que, embora atenuadas, apresentam maior condição de resistência
ao processo de modernização da sociedade. É o que já assinalou Requixa
(1977), quando diz que: “[...] parecem ser as manifestações lúdico-religiosas
aquelas a guardarem mais possibilidades de permanência, apesar da
urbanização” (REQUIXA, 1977, p. 35).
Ao tempo em que as festas religiosas perderam a sua antiga
importância e função social, sem contudo desaparecerem, novas festas
vinculadas ao mundo urbano passaram a fazer parte da vida de moradores
da cidade, como é o caso do carnaval e das festas cívicas. E além dessas
festas urbanas, a cidade desenvolveu também outras formas de lazer, típicas
da sociedade urbana, que destacaremos a seguir.
Como já visto, o carnaval era realizado na cidade, desde os últimos
anos da década de 1920, com grande animação e participação popular.
110
Depois, com as transformações urbanas na cidade, a partir da década de
1930, em que se verificou a urbanificação de logradouros públicos e a
constituição de espaços de convívio social como os clubes, o carnaval
ampliou ainda mais a sua presença e importância na vida urbana. Era no
Jardim Público e suas imediações assim como nos salões dos clubes e cine-
teatros que os foliões se reuniam durante os dias de carnaval. Signos da
reunião e do urbano, são esses lugares (ruas, praças, luzes, calçadas etc.)
que permitem e estipulam a reunião e a vida urbana (LEFEBVRE, 2002, p.
111). E o carnaval, enquanto festa urbana, constituía nesse período uma das
formas mais significativas de apropriação do espaço urbano, pois: “O uso
principal da cidade, isto é, das ruas e das praças, é a Festa (que consome
improdutivamente, sem nenhuma outra vantagem além do prazer e do
prestígio, enormes riquezas em objetos e em dinheiro)” (LEFEBVRE, 1991b, p.
4).
As festas cívicas, por sua vez, surgiram na cidade no final da década de
1920, relacionadas principalmente à necessidade de promoção, por parte
do Estado e através do sistema escolar, de valores morais e cívicos entre as
populações urbanas, num período de transição do modelo econômico (de
agrário-exportador para urbano-industrial) e de emergência de um projeto
nacionalista no país.
Não por acaso, as festas cívicas eram realizadas aqui como em outras
cidades, com a participação efetiva dos grupos escolares, que além de
cerimônias cívicas promoviam também atividades de educação física, estas
geralmente sob a denominação de “ginástica”, que, segundo Betti (1991),
caracterizava-se por práticas como filas, ordem unida, uso de uniforme e de
vozes de comando, tudo com vinculação direta com manifestações
patrióticas. Para esse quadro em que a educação física se insere no regime
escolar:
Uma explicação plausível é a de que a Educação Física foi
percebida como um valioso meio de inculcação dos valores
pregados pelo Estado, em especial na escola secundária,
numa faixa etária propícia à modelação da personalidade e
à absorção de valores morais e cívicos (BETTI, 1991, p. 85).
111
As atividades ginásticas, que se desenvolveram no Brasil a partir do
método francês, compreendem seis formas de trabalho físico: jogos,
flexionamentos, exercícios educativos, aplicações (que compreende no
grupo de sete exercícios: marchar, trepar, saltar, levantar e transportar, correr,
lançar, atacar e defender-se.), esportes individuais e esportes coletivos (BETTI,
1991, p. 75). Assim, elas dizem respeito também ao desenvolvimento do
conjunto das práticas esportivas, que, segundo Requixa (1977) :
[...] constituem manifestações tipicamente urbanas e
difundidas, quase sempre, a partir de modelos desenvolvidos
no exterior. Admite-se a existência de uma certa correlação
do índice e nível qualitativo da urbanização e a prática
esportiva (REQUIXA, 1977, p. 61).
Em Presidente Prudente, o desenvolvimento da vida urbana se fez
acompanhar pelo crescimento das práticas esportivas na cidade. Futebol,
bola ao cesto, natação, tênis, boxe, são algumas das modalidades
esportivas encontradas na cidade desde os finais da década de 1920:
“Box
A turbamulta que ocorreu domingo último na quadra de esportes do
conhecido e tradicional Clube Athletico Internacional teve o ensejo de assistir
diversas pelejas da ‘arte nobre’.
[...]
E assim o clube das iniciais CAI, deu mais uma nota brilhante para o esporte
desta terra, fazendo com que a sua academia de box puzesse em rinque
dois amadores do ‘esporte nobre’ filhos de prudente.
[...]” (A Voz do Povo, 24/06/1937, nº 503).
“Lucta livre
No Cine Internacional, deverá ser realizado um match de lucta livre entre
Ruhmann, campeão syriolibanes e Carlos Berner, atlheta local. [...] ”(A Voz do
Povo, 01/09/1935, nº 419).
112
“Torneio de Bocce
Iniciar-se-á, a 16 de Abril proximo, na cancha do Bar Maggiorino, nesta
cidade, um sensacional torneio de bocce, em duplas (4 jogadores), o qual
está despertando franca animação entre os amadores desses esporte.
[...] Esse torneio, pelo que se nota, será o maior até agora realizado na zona
da Alta Sorocabana.
[...]” (A Voz do Povo, 06/04/1939, nº 656).
“Torneio de Bocce
de Presidente Prudente
Será realizado no próximo dia 8, o grande torneio de ‘Bocce”, que promete
ser de concorrencia enorme, principalmente entre os afeiçoados desse
jogo, notadamente nos elementos da Colonia Italiana desta cidade.
[...]
Servirá de local a cancha da Confeitaria Italiana do sr. Magiorino Roda, que
[...](A Voz do Povo, 05/12/1940, nº 814).
O futebol deu origem na cidade a três times: O “Esporte Clube
Operário”, o “Commercial Futebol Clube”e o “Clube Athletico Prudentino”,
este dois últimos com estádios próprios, construídos nos primeiros anos da
década de 1930. Aos domingos, a população tinha a oportunidade de
acompanhar partidas entre times locais e times de outras cidades da
região
38
. O esporte tênis, por sua vez, começou numa quadra de terra
improvisada num terreno da cidade, mas depois ganhou acomodações
mais adequadas, quando também foi fundado um clube por seus
praticantes. A bola ao cesto era praticada numa quadra construída por uma
entidade filantrópica chamada Assistência Social a Mendigo, havendo
diversos times na cidade, como o do “Tênis Clube”, o “Athletico Cesto Bol
Clube” e o time do “Commercial F. Clube”. Esporte que se popularizava na
época, a bola ao cesto era também praticada por mulheres na cidade:
38
A Voz do Povo, edições de 12/02/1928, n° 113; 11/03/1928, n° 116; 01/06/1930, n° 215;
24/05/1931, n° 253 e; 01/01/1935, n° 386.
113
“Commercial F. Club
Aviso n. 4
Convido as senhoritas que se inscrevam como sócias da secção feminina do
Commercial Futebol Club, e que desejarem tomar parte nos jogos femininos,
a comparecerem amanhã (Segunda-feira), ás 6 e meia horas, da manhã,
no estadio do Commercial Futebol Club, afim serem organizados os quadros
de ‘Bola ao Cesto’, cujos treinos terão início aquella hora.
[...]” (A Voz do Povo, 21/06/1931, nº 255).
A produção de novos valores e práticas sociais na cidade, com o
desenvolvimento da vida urbana, não esteve e nem está isenta de conflitos.
No desenvolvimento do lazer, uma nova prática esportiva pode ser
socialmente rejeitada, sendo que, nesse caso, a tradição e seus valores
funcionam como a causa de sua recusa. Em Presidente Prudente,
identificamos esse aspecto num artigo publicado em 1932, o qual defende a
não introdução na cidade de uma forma de lazer na época já bastante
difundida em São Paulo, qual seja, a patinação de pista:
“Rink de Patinação
Segundo lemos na ‘Folha da Sorocabana’, cogita-se de fundar nesta cidade
um Club de Patinação. Vamos dar nossa opinião sobre esse geenero de
esporte. Em primeiro logar consideramos um esporte perigoso e sem
vantagem nenhuma ao exercicio physico, senão vejamos: a patinação não
influe em nada ao desenvolvimento physico, pois é exercicio de
musculatura, em segundo logar é um divertimento perigoso e de
consequencias funestas como passamos a provar. Em São Paulo, fundaram-
se em menos de 2 mezes perto de 50 rinks de patinação, nesses 50 rinks que
funccionam em 2 periodos, das 13 ás 17 horas e da 20 ás 24 horas,
registram-se innumeros desastres e alguns factaes. Tivemos a ocasião de
assistir a alguns desses desastres, num rink, só numa noite, duas senhoritas
fracturaram a perna, um rapaz bateu com o craneo no cimento, fallecendo
momentos depois, na mesma noite num outro rink uma senhorita cahiu
114
fracturando a espinha que resultou a paralisia completa. São tantos os
desastres que se verificam diariamente que os carros de assistencia policial,
e isso poderemos provar, não dão conta dos chamados de socorros, e assim
ficou resolvido a não mais attender a chamada de assistencia para attender
a desastre nos salões de patinação a não ser mediante o pagamento de
30$000 para cada chamado, isso calcula-se só para desastres graves não se
levando em conta os ferimentos leves.
Tudo quanto aqui exposto tivemos a opportunidade de verificar ainda há dias
em São Paulo.
Assim aconselhamos os chefes de famílias não consentirem que seus filhos se
exponham a perigos dessa natureza e que como exercicio physico, nada
vale” (A Voz do Povo, 07/01/1932, nº 271).
Por outro lado, esse mesmo artigo revela uma outra dimensão
importante relacionada ao desenvolvimento da vida urbana da cidade.
Trata-se do papel dos grandes centros, e nesse caso a cidade de São Paulo,
na difusão local de comportamentos e hábitos urbanos, entre os quais
aqueles relacionados ao lazer, que como visto acima podem encontrar certa
resistência.
Conforme esclarece Santos (1998): “A história de uma dada cidade se
produz através do urbano que ela incorpora ou deixa de incorporar; desse
urbano que em outros lugares pode tardar a chegar, e que em São Paulo
sempre chegou imediatamente” (SANTOS, 1998, p. 71). Assim, nas diversas
regiões do território brasileiro tivemos, e ainda temos, um processo
diferenciado de urbanização e de penetração de valores e práticas urbanos.
Nesse processo as grandes cidades funcionam como centros irradiadores de
cultura urbana, exercendo influência sobre outras cidades menores, que
passam a copiar seus modelos de urbanidade, ainda que inicialmente possa
haver alguma forma de resistência ou rejeição.
E como visto no recorte acima, parece haver uma estreita relação entre
a constituição de um “rinke de patinação” na cidade e a generalização
dessa forma de lazer em São Paulo. Igualmente, muitas outras formas de
115
lazer difundiram-se a partir dos grandes centros para as cidades menores,
como é o caso do bilhar, prática introduzida em Presidente Prudente na
década de 1920, depois de já haver sido popularizado em cidades como
São Paulo e Rio de Janeiro. Aqui como em outras cidades, o bilhar era um
importante chamariz para os estabelecimentos da época, havendo também
as casas especializadas nesse gênero de diversão:
“Bar Paulista
Inaugurou-se domingo passado, às 7 horas da noite, o confortável Bar
Paulista, da firma Belém & Tuchler.
É um novo estabecelecimento que muito concorre para o nosso grandioso
progresso.
O Bar Paulista que possue também vasto salão de Bilhares, tem um optimo
serviço de restaurante que servido caprichosamente e a contento do
público. [...]” (A Voz do Povo, 05/08/1928, nº 135, grifo nosso)
“Bar Cascatinha
Foi inaugurado há dias nesta cidade, o ‘Bar Cascatinha’ de propriedade do
nosso amigo sr. Ismenio Corrêa, antigo negociante nesta cidade.
O ‘Bar Cascatinha’ está magnificamente installado com rigoroso asseio e
mobiliário moderno, no prédio onde funcionou os bilhares do sr. Flousino
Ambrósio, em frente ao Theatro Santa Emilia, na rua barão do Rio Branco.
[...].” (“A Voz do Povo”, 25/01/1931, nº 241, grifo nosso)
“Bilhar Jardim
Já ha varios dias que se encontra á diposição do público, o ‘Bilhar Jardim’,
que instalado com modernas mesas de ‘snooker’, realça entre os seus
congeneres.
O ‘Bilhar Jardim’ está localizado onde funcionou a Coletoria Estadual,
oferecendo, pela sua comodidade e esplêndida iluminação, ótimos
momentos de recreação.
A seu proprietário, sr. Remigio Pedrosa, desejamos prosperidades.” (“A Voz do
Povo”,11/01/1940, nº730)
116
Dentre as formas de lazer difundidas com a urbanização, talvez a mais
significativa delas seja o cinema, que segundo Dumazedier (1973): “[...] impôs
heróis, temas e modas que determinaram profundas transformações no
comportamento e nas atitudes com relação aos lazeres diários e na vida
cotidiana da juventude do mundo inteiro” (DUMAZEDIER, 1973, p. 70).
Essa forma de lazer, desde que foi iniciada com as primeiras técnicas
de reprodução cinematográficas, em 1894, espalhou-se rapidamente pelo
mundo, causando grande impacto na vida diária das pessoas. Em Presidente
Prudente, o cinema foi introduzido no final da década de 1920, quando a ele
já era reservado na cidade espaço importante na vida social e particular dos
indivíduos:
“DIVERSÕES
CINEMA
O cinema actualmente faz parte do programa da vida diaria...
É obrigatório a todas as famílias frequentarem o cinema, normalmente
numa cidade onde é a única dirversão que se tem. [...]
Presidente Prudente pode orgulhar-se de um Theatro que depois de
acabado será o primeiro da Sorocabana, é o Theatro Santa Emília...” (A Voz
do Povo, 03/03/1929, nº 161).
O crescimento da importância do cinema no lazer e na vida urbana da
cidade, desde que foi introduzido, pode ser observando no aumento do
número de público e de lugares nas salas de exibição. Esse crescimento se
deu em Presidente Prudente até a década de 1960, quando a cidade
chegou a contar com quatro grandes salas de cinema (Cine João Gomes,
Cine Fenix, Cine Presidente e Cine Ouro Branco), que juntas ofereciam um
total de 4.490 poltronas. Nesse período, a inauguração de um cinema novo
era referenciada como sinal de progresso e de modernidade. A imprensa
destacava com grande apreço o luxo, o tamanho e os avanços técnicos das
novas salas em relação às mais antigas:
117
“Theatro Santa Emília
Com excepcional pompa foi inaugurado na entrada do Ano Novo, o
sumptuoso Theatro Sta. Emília de propriedade do abastado capitalista Sr.
Francisco Di Lourenço, um dos pioneiros do progresso desta cidade.
O Theatro Sta. Emília é o bem o expoente máximo da iniciativa particular
desta cidade, o que a garantia do futuro grandioso a que estamos
destinados” (A Voz do Povo, 08/12/1928, nº 108).
“Nosso Progresso é um Fato
Cine João Gomes
[...]
E o Cine Fênix que vem de passar por uma completa reforma, terá em breve
um colega, não como concorrente, mas como coordenador de esforços
em pról de nosso progresso.
Esse será o Cine João Gomes. Ergue-se no mesmo logar onde antigamente
os prudentinos conheceram um cinema a que deram o nome de ‘poeira’.
[...]” (A Voz do Povo, 17/03/1940, nº746).
“Cine João Gomes
Sua inauguração dia 2
[...]
Convenhamos que o Cine Fênix era uma boa casa, sendo talvez o melhor
prédio de Prudente, pela sua moderna arquitetura.
Todavia, como cinema, e como era naturalmente de se esperar, o ‘João
Gomes’, ressurgido das cinzas do antigo ‘Poeira’, pelo recente acabamento
barrou o antigo Cine Fênix.
Isso a diversos fatores. A disposição das poltronas na platéia, o declive mais
acentuado desta, a cobertura em material mais tecnicamente adaptável à
acústica, o modernismo, enfim, do ‘João Gomes’ o tornará o que há de
melhor em matéria de cinema no interior.
A enchente do publico que ocorreu às duas sessões da noite inaugural notou
isso, sem dúvida.
118
A ventilação, por seu lado, nada deixou a desejar, pois são de fato possantes
os quatro exaustores colocados ao fundo do salão, onde se enfileiram as
cômodas mil e duzentas poltronas, cujo elevado custo está relativo à
perfeição das mesmas.
[...]
Daí, a bela construção que enfeita hoje a Praça 9 de Julho.
[...]” (A Voz do Povo, 06/07/1941, nº 870).
“Em Dezembro deste ano será inaugurado em P. Prudente um dos maiores
cinemas do País
Diretores de Grandes Empresas Cinematográficas virão a Presidente
Prudente Empregados na obra 30 milhões de cruzeiros aproximadamente
O maior da Empresa Pedutti e um dos Maiores do País.
Iniciadas em junho de 1955 deverão ser concluídas em dezembro deste ano
as obras de um dos maiores cinemas do país, qual seja o Cine Presidente,
de nossa cidade. A construção cobre uma área de 1768 ms2, onde foram
empregados aproximadamente trinta milhões de cruzeiros.
Outros Dados
O cinema será dotado de ar condicionado. Terá duas amplas salas de
espera, iluminação indireta e ultra moderna. Estão sendo construídas duas
platéias: uma em cima, especial e luxuosa, com 886 poltronas estofadas e
recuáveis; outra em baixo, com 1600 poltronas de madeira mas modernas.
A tela só não supera a do cine República, de São Paulo, em tamanho, em
toda a América do Sul, pois terá 20 metros de comprimento por 9 de altura,
destinada aos filmes em cinemascope. Será dotado, ainda, com som
esfereofônico, moderníssimo.
[...]” (O Imparcial, Edição Especial de Novembro de 1958, nº 3935).
A “fase de ouro” do cinema foi assim vivida em Presidente Prudente nas
décadas de 1940, 1950 e 1960, com a inauguração de grandes e luxuosas
salas de exibição. Esse glamour dos palácios dos cinemas, segundo Almeida
(2002), tem relação com o próprio tipo de filme freqüentemente exibido
naquele período que expressavam um mundo de sonhos e fantasias, mundo
119
esse projetado diretamente nos espaços físicos dos cinemas. Por outro lado,
a grandiosidade dos cinemas também correspondia ao papel que eles
desempenhavam na vida urbana, como lugar central no lazer cotidiano das
pessoas.
Depois dessa fase de ouro, assistiu-se a decadência geral dessa forma
de lazer. Conforme esclarece Almeida (2002), a idéia de “decadência do
cinema”, que começou a ser difundida a partir da década de 1960 tanto na
imprensa como no senso comum das pessoas, tem relação com as
mudanças que o mercado cinematográfico passou nesse período. De um
lado, houve a crise econômica do cinema norte-americano e, de outro, a
diminuição do público freqüente. As transformações das salas de exibições
também ajudam a explicar essa decadência: antes elas eram a grande
atração, eram luxuosas e ligavam-se a idéia de modernização; depois,
enquanto essas salas se tornavam deterioradas, as novas ficavam cada vez
menores. Para muitos, ainda, o aumento da exibição de filmes pornográficos
e de violência é também um dos motivos da decadência do cinema.
Dumazedier (1973) observa que essas transformações no mercado
cinematográfico se fizeram sentir primeiro nos paises desenvolvidos, logo
após a Segunda Guerra Mundial, quando se observou o fechamento de
inúmeras salas de exibição. O principal motivo apontado para tanto, foi a
difusão da televisão nos lares, instrumento que passou a concorrer com o
cinema enquanto forma de lazer. Portanto, a diminuição do papel
desempenhado pelo cinema como lazer está relacionada à concorrência
com outras formas de lazer.
Em Presidente Prudente, a decadência do cinema ocorreu nas
décadas de 1970 e 1980, quando houve uma diminuição significativa do
público freqüente e o fechamento das tradicionais salas de exibição da
cidade. Os motivos dessa decadência não fogem daqueles apontados
acima, conforme transparece na reportagem a seguir, que trata do
encerramento das atividades do maior e mais luxuoso cinema da cidade, o
Cine Presidente, em 1983:
120
“Última Sessão de Cinema
Após 24 anos, o Cine Presidente é desativado
Sem maiores explicações a Empresa Teatral Pedutti, com sede em
Botucatu,resolveu desativar o Cine Presidente que a partir de terça-feira
próxima, dia 1.o de março, não mais receberá seus habituées, O que será
feito com o enorme salão também não se sabe. Talvez seja transformado
em mais um supermercado ou um grande magazine, é o que se especula.
[...]
Presidente Prudente já contou com 5 cinemas Fênix, João Gomes,
Presidente e Ouro Branco passa a ter unicamente o Ouro Branco e Fênix,
este último considerado o mais velho entre todos, vindo da década de 1930.
É uma pena que tal fato ocorra. Nossa cidade que já não conta com muitos
locais de entretenimento, vai perdendo os poucos que restam ainda. A
concorrência da televisão é apontada como a causa principal do
desaparecimento de cinemas tradicionais, não só em Prudente mas em
todos os grandes centros populacionais. O Cine Presidente capaz de
comportar mais de duas mil pessoas, vivia às moscas, só dando bilheteria
quando da apresentação de filmes de Mazzaropi (que infelizmente morreu)
e Os Trapalhões, doso dirigidos à criançada. Pensava-se até em transformá-
lo em duas salas, desativando o Cine Fênix, para efeito de economia, mas os
planos não deram certo. Mesmo as pornochanchadas, o apelo às cenas de
sexo de algumas películas não cativam mais o público. O alto preço dos
ingressos também influiu, pois poucos se arriscavam a pagar muito para
assistira um péssima película, nacional como estrangeira, quando se têm no
conforto do lar as boas produções de fim de semana apresentadas pela TV.
Só nos resta agora torcer para que não desapareçam também os dois
últimos cinemas prudentinos, e que eles apresentem uma programação
condizente com a grandeza desta terra e deste povo. Só assim o público
será motivado a comparecer e esquecer um pouco esse aparelhozinho
chamado televisão.
[...] “ (Correio da Sorocabana, 27/02/1983).
121
Assim como o cinema, outros espaços de lazer surgiram na cidade,
ocupando espaço importante no lazer diário das pessoas e incrementando a
vida urbana. No início da década de 1940, por exemplo, o Bosque
Municipal, apesar de seu breve período de existência, constituiu-se num
espaço importante de lazer, onde as crianças podiam brincar, havendo ali
um playground; onde as famílias se reuniam para fazer pic-nic e onde
aconteciam reuniões sociais e festas. Outro exemplo pode ser dado com o
centro esportivo do “Commercial Futebol Club”, inaugurado no início da
década de 1930. O recorte a seguir denota a importância desse espaço de
lazer para a cidade:
“O Estadio do Commercial Futebol Club
Sua breve inauguração
[...]
Pois já estão quase concluidas as principais obras do Estadio que vae ser o
ponto obrigatório ao domingos, e dias santificados das populações da
Alta Sorocabana; pois não há de negar, o Commercial F. C., veio
prehencher com grandes vantagens uma falta que, de há muito tempo,
vinha sendo reclamando nesta cidade, por quantos que trabalham durante
a semana de sol a sol, em todos os ramos da actividade humana.
Evidente essa lacuna consistia na criação de um ponto confortável, discreto
e cheio de encantos, onde a sociedade laboriosa de nossa cidade,
pudesse, nos dias de descanso suavisar as asperezas do trabalho cotidiano.
Para preencher essa falta, uma punhado de jovens dignos, intelligentes e
esforçados, tendo á frente o hábil e operoso engenheiro dr. Alvino Gomes
Teixeira, resolveu fundar uma sociedade que proporcionasse aos habitantes
deste Município, onde tudo vale por uma grande esperança realisadora e
cheia de victorias, meios e modos della se divertir, gosar e descansar das
fadigas semanaes e para isso fundaram o Commercial F. C., centro que
será em breve tempo, o paraizo das formosas damas, linda senhoritas e
distinctos cavalheiros da sociedade prudentina.
[...].” (A Voz do Povo, 21/06/1931, nº 255).
122
Dentre os espaços de lazer que se proliferaram na cidade com
participação expressiva na oferta geral de lazer, aparecem os clubes e
associações recreativas. Conforme Parker (1978), sendo o lazer um aspecto
importante da vida e estrutura social urbana, enquanto experiência do
indivíduo, enquanto atributo de um grupo ou de uma atividade social, é
natural que surjam na cidade organizações e instituições próprias para o seu
desenvolvimento.
Por outro lado, a constituição dessas instituições se relaciona ao
conjunto das transformações sociais e culturais mais amplas provocadas pelo
desenvolvimento da vida urbana. Processo em que relações primárias dão
lugar a uma multiplicidade de contatos, onde a afinidade de parentesco, de
vizinhança ou histórica é substituída por uma afinidade de interesses, de
gostos e de aspirações. Segundo Camargo (1986):
Esta relação social por afinidade de gosto ou de situação é
uma produção cultural típica das cidades. Nesta dinâmica
se baseiam o associativismo urbano, tanto informal, que se
resume no contato inconseqüente, como formal, que evolui
para alguma forma de ação (CAMARGO, 1986, 54).
Na cidade, sobretudo por aglutinar um número expressivo e diverso de
pessoas, é grande a velocidade com que surgem novas aspirações e
interesses, em torno das quais as pessoas se aglutinam e passam a algum
tipo de ação. E no campo do lazer, esse caráter associativo inerente à vida
urbana manifesta-se principalmente na constituição de clubes e
associações recreativas. Instituições que passam a exercer papel significativo
no modo como as pessoas usam o tempo livre, pois não só atendem as suas
demandas de lazer como também fomentam e desenvolvem novas
práticas.
Em Presidente Prudente, como já visto, foram muitas as iniciativas
baseadas em algum tipo de afinidade, que deram origem a clubes e
associações recreativas. A predileção de algumas pessoas pelo automóvel,
por exemplo, fez surgir, em 1929, o Automóvel Clube de Presidente Prudente
(confira recorte abaixo). Gênero de clube que naquela época se difundia
pelo país com a sua fundação em inúmeras cidades. Outro exemplo cabal
pode ser dado com o Tênis Clube de Presidente Prudente, clube ainda em
123
atividade, que surgiu na década de 1930 a partir da iniciativa de algumas
pessoas que praticavam o esporte tênis na cidade.
“Automóvel Club de Presidente Prudente
No dia 20 do mez próxima findo, realizou-se a assembléia de installação do
‘Automóvel Club de Presidente Prudente’, à Rua Ruy Barbosa N. 7, sua sede
provisória.
Trata-se de uma instituição que trará indiscutíveis benefícios e vantagens ao
município, senão toda alta sorocabana. Pois entre os Fins que o Club visa,
destaca-se o de crear e manter nesta cidade um centro de convivência
social para os seus sócios, o de interessar-se pelo desenvolvimento do
automobilismo no município como também na alta sorocabana,
correspondendo-se com as autoridades competentes sobre a construção de
estradas de automóvel. Bem como sobre estado e melhoramento das
existente [...] organizar concursos, corridas de automóvel para fim de
estimular o gosto pelo automobilismo” (A Voz do Povo, 03/09/1929, nº 184).
A constituição de espaços de lazer como parte do desenvolvimento da
vida urbana, não ficou restrita ao perímetro urbano da cidade. Fora dela,
surgiram lugares de recreio e diversão, para onde aos finais de semana se
dirigiam moradores da cidade, cujo deslocamento era facilitado pelo
uso do automóvel. Assim, a vida urbana se realizava, também, fora da
cidade:
“Nova Piscina na Represa S. José
Presidente Prudente em matéria de recreação e ao mesmo tempo de
educação phisica, vae, dia à dia, tomando novo impulso.
Hontem, éra o oporoso cidadão sr. João Sandoval que abria ao publico sua
magnifica piscina servida por uma jardineira e com modernas instalações.
Hoje, é o não menos progressista, sr. José Fabris que acaba de proporcionar
aos prudentinos, mais uma optima piscina na ‘Represa São José’, na sua
124
fazenda do cedro, ocupando uma área de 70 metros de largura por 300
metros de comprimento.
A nova piscina, que dista apenas 3 Kilometros desta cidade, fica n’um local
muito aprazivel, onde nossas familias terão excellente recreação e os nossos
jovens uma verdadeira escola de educação phisica.
Logo que a Prefeitura melhorar a estrada do Cedro, começará a correr
diariamente , uma excellente jardineira até a piscina” (A Voz do Povo,
05/03/1939, nº 647).
“Represa S. José
piscina da
Fazenda do Cedro
O abaixo assinado communica aos amigos e ao publico em geral, que está
em franco funccionamento a ‘Piscina da Represa São José’ distante da
cidade apenas 3 Kilometros, onde se poderá passar horas em franco e
alegre divertimento, sendo um optimo passeio para as exmas familias e
logar aprazivel para pic-nics e descansos domingueiros.
[...]
O proprietario
José Fabris” (A Voz do Povo, 05/03/1939, nº 647).
Segundo Lefebvre (1991b e 2002), uma rodovia, um supermercado, ou,
como no caso acima, uma estância de lazer em pleno campo, fazem parte
do tecido urbano, que é o que dá suporte à vida urbana. O tecido urbano
não diz respeito assim apenas ao domínio edificado nas cidades, mas ao
conjunto das manifestações do predomínio da cidade sobre o campo.
Desse modo, o interesse pelo tecido urbano não se limita à sua morfologia,
pois:
Na base econômica do “tecido urbano” aparecem
fenômenos de outra ordem, num outro nível, a da vida social
e “cultural”. Trazidas pelo tecido urbano, a sociedade urbana
e a vida urbana penetram nos campos. Semelhante modo
de viver comporta sistema de objetos e sistemas de valores.
Os mais conhecidos dentre os elementos do sistema urbano
de objetos são a água, a eletricidade, o gás (butano no
125
campo) que não deixam de se fazer acompanhar pelo carro,
pela televisão, pelos utensílios de plástico, pelo mobiliário
“moderno”, o que comporta novas exigências no que diz
respeito aos “serviços”. Entre os elementos do sistema de
valores, indicamos os lazeres ao modo urbano [...] (LEFEBVRE,
1991b, p. 11-2).
Assim, a difusão, fora da cidade, de lazeres ao modo urbano, diz
respeito também ao desenvolvimento da vida urbana, nesse caso, melhor
dizendo da sociedade urbana. Em Presidente Prudente, esse aspecto pode
ser observado na exibição cinematográfica num bairro rural da cidade, na
década de 1930. Era o Bairro Boa Vista, onde existia a Associação de
Japoneses da Colônia Boa Vista. Ali se realizava um conjunto de atividades
culturais e dentre elas a exibição de filmes japoneses. Conforme relata
Susumu Guibu (GUIBU, 1998):
“Naquela época (década dos anos 30), alguns japoneses eram
especializados em importação de filmes japoneses e exibição ambulante,
inclusive em longínquas paragens.
Eles andavam com um pequeno caminhão, um gerador e uma máquina
projetora; com um macaco, eles suspendiam o eixo traseiro, tiravam o pneu
de uma das rodas suspensas, à qual era acoplada uma correia, e em cuja
outra extremidade era conectado a uma polia do gerador.
Então, bastava colocar o motor em funcionamento com o câmbio
engatado na quarta marcha; a correia transmitia a rotação da roda
suspensa ao gerador; aí, bastava ligar o projetor.
Eu não freqüentei a Escola Rural de Bôa Vista porque já estudava no Grupo
Escolar da cidade, mas ia lá quase todos os domingos e feriados, ao campo
da escola (rural), praticar atletismo, fazer exercícios físicos e, quando havia
exibição de filmes (só japoneses), quase sempre a família toda comparecia.
Os filmes eram mudos, mas os chamados ‘Katsubenshi’ descreviam o que se
passava na cena e no ‘interior’ dos personagens, inclusive imitando vozes dos
protagonistas masculinos e femininos nos diálogos. Posteriormente, ao assistir
filmes falados, senti imensa falta daqueles ‘benshi’ que descreviam
magistralmente o que se passava e o que cada personagem sentia: aflições,
126
alegria, tristeza, raiva, vacilações, ansiedade, inconformismo, etc., etc.”
(GUIBU,1998, p. 29).
Nesse processo de desenvolvimento da vida urbana e, como parte
dela, das formas de lazer, cabe observar a importância do contato entre as
populações do campo e da cidade. É, pois, sobretudo na cidade que esse
contato acontece de maneira mais concreta.
Como já visto, as relações entre as populações urbana e rural se deram
inicialmente em Presidente Prudente em função do comércio e da prestação
de serviços urbanos. Aliás, a cidade surgiu para ser um centro fornecedor de
produtos e serviços para a fixação do homem no campo, viabilizando assim
a exploração econômica das terras rurais. Mas essa relação se deu também
em função das práticas religiosas. Conforme indica Abreu (1972):
Para um estreitamento de relações sociais entre as
populações urbanas e rurais muito colaboraram as práticas
religiosas, destacadamente as da Igreja Católica. Para as
missas dos domingos e dias santos de guarda, visitas
pastorais do bispo com a imposição do crisma e cerimônias
religiosas públicas como as procissões, a cidade enchia-se
do “povo da roça” ficando alguns hospedados em casa de
parentes ou de amigos, aproveitando para viver alguns dias
na cidade (ABREU, 1972, p. 207-8).
Particularmente, as festas religiosas atraiam para a cidade uma
quantidade significativa de população rural. É interessante observar, todavia,
que nesse momento em que predominavam as festas religiosas como a
mais importante forma de lazer popular, as diferenças socioculturais entre as
populações do campo e da cidade eram ainda tênues.
Mas na medida em que a cidade foi crescendo e desenvolvendo uma
vida urbana mais intensa, essas diferenças aumentaram. A partir dai, ficou
também mais explícito a oposição ideológica entre aquilo relativo à
urbanidade e aquilo relativo à rusticidade. Na crônica a seguir, que trata de
um típico dia de domingo dos anos de 1930, quando a cidade enchia-se de
“povo da roça”, essa questão já transparece:
“Chronica do ‘Footing’
127
O domingo é o dia feliz em que pudemos vêr...
Dos ‘distritos’ chegam, superlotados, os omnibus,. Ellas saltam, faces tostadas
do bom sol do campo, ou naturalmente côr das rosas; plastica antigas,
exuberante; olhos sem expressão estudada; andar sem a leveza do pisar das
citadinas, mas valendo todo um poema de saúde e franqueza...
Umas, da patria das ‘gueishas’, baixas, as mais delgadas, olhos apertados e
levemente obliquos, cabelleira negra, reclamando a constituição oriental do
‘Kemonos’, dos crysanthemos, das cerejeiras; outras filhas de espanhóes e
italianos; outras ainda de syrios esplendidas figuras morenas, de olhos e
sobrancelhas que são o poema das sombras, de afilado nariz...
Ha as citadinas. A missa é a primeira concentração: a desfilada de após a
missa é a procissão da graça e da belleza feminina. A cidade se enriquece
do colorido dessa ‘toilettes’ e do variado de talhe de suaves creaturas.
Á noite é a ‘retreta’ o vozerio dum ‘speaker’, reunindo os cavalheiros e
senhoritas que passeiam em direcção contraria: encontram-se frente a
frente esses grupos sympathisantes...
A musica dá, ao homens, dignidade do passo e ao porte, ás mulheres,
leveza. Cruzam-se os olhares e chocam-se os parenthesis dos sorrisos mutuos.
Em algumas orbitas comunicam as primeiras irradiações do ‘flirt’.
Ha muitos rapazes ‘invulneraveis’. Jovens desta cidade: precisais rendê-los ás
vossas graças...” (A Voz do Povo, 15\08/1937, nº 510).
Conforme é possível observar, a descrição acima (faces tostadas do
bom sol do campo, ou naturalmente côr das rosas; plastica antigas,
exuberante; olhos sem expressão estudada; andar sem a leveza do pisar das
citadinas, mas valendo todo um poema de saúde e franqueza...) mostra
uma imagem dos habitantes do campo enquanto portadores de uma
rusticidade ingênua, de traços de comportamento e modos que se
diferenciam daqueles dos citadinos. Trata-se, certamente, de uma visão dos
habitantes da cidade sobre os do campo.
Por sua vez, o signo de urbanidade, esta ilustrada e não ingênua,
expressa-se diretamente nas práticas de lazer da elite urbana da época,
128
particularmente nos festivais artísticos, literários, teatrais, musicais, entre outros,
promovidos nos salões de clubes e cine-teatros da cidade. Nesses festivais,
comparece bem a idéia de uma culta urb:
“Festa de Arte
Concerto de Piano
Presidente Prudente vae hospedar a eximia pianista Maria do Carmo
Campos Maia, que no Theatro Santa Emilia, deverá realizar no próximo dia 9
do mez entrante, um concerto de piano.
Maria do Carmo é um nome cercado de applausos pela selecta platéa de
S. Paulo...
[...]
Ainda bem que espíritos de escol nos proporcionam, de tempos em tempos,
dessas horas de indizivel prazer intelectual, vindo a esta cidade longiqua
affirmar o prestigio da sua crescente cultura. Eis porque a festejada pianista
Maria do Carmo encontrará na nossa população culta os applausos a sua
arte victoriosa” (A Voz do Povo, 30/06/1929, nº 161).
“Grande Festa Litteraria em homenagem ao duo-deimo centenario da
morte de um dos maiores poetas do seu tempo, o grande e inspirado Jaryr,
uma das raras joias do escrinio litterario, da antiga Syria. Haverá uma
importante e delicada festa, no Theatro Santa Emilia, desta cidade, hoje, as
16 horas.
O professor Taufik Kurban que é um dos mais bellos da colônia syria, que vive
e trabalha no Brasil, fará nesse dia uma conferência [...].
[...]
Essa festa que é dedicada a fina intellectualidade prudentina, vae
proporcionar a nossa terra, uma hora de intensa alegria e de goso espiritual.
[...]” (A Voz do Povo, 28/03/1931, nº 249)
“Concerto da Virtuose Celia Valente
A cultura da sociedade prudentina aguarda, com anciedade, a noite de
segunda-feira, dia 4 ás 9 horas da noite, quando no salão do club local, irá
129
fruir do alto prazer intellectual e artistico de ouvir a eximia pianista virtuose
paulista, senhora Celia Valente, residente em Assis, prendada filha do illustre
clinico, naquella cidade, dr. Castro Valente, diplomada pelo Concervatorio
São Paulo, e aluna particular do Maestro Agostino Cantú, em cujo oitavo
anno recebeu a laurea dos maiores premios, Tem tocado nos programas
dos Radios Cultura de S. Paulo [...]” (A Voz do Povo, 03/02/1935, nº 391).
“Amanhã, 9 do corrente, ás 20 horas, a sociedade prudentina vai deliciar-se
nos vastos salões feéricamente illuminados do Fenix, desta cidade.
Vamos todos assistir a uma festa de pura arte, onde tomará parte a flor dos
intellectuais desta culta urb, como se vê do illustrado programa abaixo
transcripto: [...]” (A Voz do Povo, 09/05/1937, nº 496).
130
CONSIDERAÇÕES FINAIS
131
Considerações finais
A relação entre lazer e vida urbana fica explícita ao tomarmos por
referência os estudos específicos do lazer, nos quais as formas
contemporâneas de lazer são vistas, de modo geral, como decorrentes do
desenvolvimento da urbanização e da industrialização. Nessa perspectiva, o
lazer é situado no quadro das manifestações sociais urbanas, tendo assim a
cidade como locus de seu desenvolvimento. Mais ainda, o lazer é
compreendido enquanto parte do sistema de valores e práticas sociais que
dão sentido e significado à vida nas cidades. Portanto, há uma vinculação
direta entre o lazer e a cultura mais ampla, vivida e produzida nas cidades.
Neste estudo, procuramos demonstrar essa relação a partir das formas
de lazer que se desenvolveram junto com a vida urbana da cidade. Esse
processo é acompanhado pela passagem do predomínio do rural suas
práticas e valores para o urbano. Da mesma forma, tem-se a estruturação,
na cidade, de espaços públicos e a constituição de espaços privados
adequados às diferentes dimensões da vida urbana, entre elas o lazer.
Nos primeiros tempos da cidade, quando a vida social, econômica,
política e cultural estava mais diretamente vinculada ao mundo rural, o lazer
era ainda aquele justificado por algum tipo de ritual ou celebração pública.
Predominavam, nesse contexto, as festas religiosas como a mais significativa
forma de lazer da população. Nos espaços comuns das ruas e da praça,
naquela época ainda mal desenhados e desprovidos de melhoramentos
urbanísticos, a população local se reunia em atos coletivos que
comportavam tanto atividades sagradas como profanas. Essas festas tinham
o sentido de libertação, o sentido de ruptura coletiva com o dia-dia comum,
uma manifestação típica das sociedades tradicionais ou rurais. Todavia, já
identificamos nesse período novas formas festivas ou de lazer vinculadas ao
mundo urbano, como o carnaval e as festas cívicas, que também
desempenharam papel importante na nascente vida social da cidade.
A partir dos primeiros anos da década de 1930, um conjunto de
transformações imprimiu uma paisagem urbana na cidade (na sua área
central, inicialmente) e também uma vida urbana em seu sentido mais
132
pleno. Esse momento é marcado pela mudança do poder político das mãos
dos proprietários rurais para uma nova elite urbana, constituída
principalmente por profissionais liberais como médicos e advogados, mas
também por comerciantes, industriais e funcionários públicos. Esse segmento
foi o principal responsável por uma série de iniciativas que resultaram na
constituição de espaços públicos como privados nos quais a vida social
urbana pode se desenvolver. O Jardim Público, o Bosque Municipal, os
cinemas, os bares, os clubes esportivos e sociais, são alguns desses novos
espaços. De outro lado, esse mesmo segmento fomentava a vida urbana
instituindo na cidade novas práticas sociais, esportivas e culturais, e
movimentando as quermesses, os bares, os bailes, o carnaval, as festas
cívicas, os espetáculos teatrais, musicais, cinematográficos, circenses etc.
As festas religiosas, inicialmente realizadas nos moldes tradicionais, com
o desenvolvimento da vida urbana ganharam novos conteúdos e
significados. Perderam a sua antiga importância como elemento de
definição da sociabilidade vicinal, ou seja, como momentos de encontro e
de reunião. Contudo, a emergência da vida urbana e, como parte dela, de
novas formas de lazer não representou a diminuição do papel do espaço
público na vida social da cidade, mas, diferente disso, a consolidação de
tais espaços foi condição para a nascente vida urbana, que se reproduzia
também a partir de outros espaços de encontro e de reunião, como os
clubes e os bares, em sua interação com os espaços públicos. As festas
cívicas e o carnaval representavam, nesse contexto, momentos significativos
da experiência urbana vivida nesses espaços.
Os espaços públicos tiveram, portanto, sua importância ampliada junto
à vida urbana. Mas a complexificação posterior da vida urbana implicou
numa gradual diminuição do papel desses espaços. Assim, ruas e praças se
esvaziaram enquanto espaços de lazer e de convívio social, dimensões estas
que passaram a ter como referência não mais os espaços públicos da
cidade, mas principalmente aqueles de natureza privada, isto é, familiar ou
de grupos restritos. Por outro lado, segmentos de maior poder aquisitivo se
segregam na vida urbana e no lazer.
133
A partir da década de 1970, em meio à intensificação do crescimento
territorial da cidade, verifica-se um gradual esvaziamento do centro da
cidade locus inicial da vida urbana e como parte desse movimento
muitas das práticas de lazer que ali se davam (como o cinema, o footing, os
encontros nos bares etc.) transferem-se para outros lugares, ou simplesmente
deixam de existir. Trata-se de uma mudança não só na dinâmica espacial do
lazer mas da própria vida urbana. Intensifica-se a segmentação
socioespacial na cidade, fazendo com que pessoas de diferentes estratos
socioeconômicos cada vez menos compartilhem de uma mesma
experiência urbana, deixando de participar das mesmas atividades e de
freqüentar os mesmos espaços na cidade. Há assim um estreitamento do
papel mas sobretudo do valor dos espaços públicos enquanto espaço de
lazer, de encontro, de festa, enfim, de convívio entre as diferenças.
134
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Revistas
Revista OESTE ILUSTRADO 1947
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Revista ALTA SOROCABANA EM REVISTA 1962
Revista REPERCUSSÃO 1975.
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Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. História do Oeste de São Paulo.
Presidente: EMUBRA, 2003. (CD-Rom).
139
ANEXOS
Cartograma 1
Presidente Prudente - 1939 (Ilustrado)
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Cartograma 2
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Organização e Edição Gráfica
Luis Paulo Valente
Cartograma 3
Presidente Prudente - 1961(Cinemas)
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