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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
VIVIANE ARENA FIGUEIREDO
JÚLIA LOPES DE ALMEIDA: O ADULTÉRIO FEMININO EM A FALÊNCIA
Rio de Janeiro
2006
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FIGUEIREDO, Viviane Arena. Júlia Lopes de Almeida: o adultério feminino em A falência. Rio
de Janeiro, 2006. 130 fls. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas) Faculdade de Letras,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
_________________________________________________________________________
Profª. Drª. Elódia Xavier — FL/UFRJ (orientadora)
_________________________________________________________________________
Profª. Drª. Fátima Cristina Dias de Rocha — FL/UERJ
_________________________________________________________________________
Profª. Drª. Rosa Maria de Carvalho Gens — FL/UFRJ
_________________________________________________________________________
Prof. Dr. Wellington de Almeida Santos — FL/UFRJ (suplente)
_________________________________________________________________________
Prof. Drª Angélica Soares — FL/UFRJ (suplente)
Em _____/_____/_____.
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JÚLIA LOPES DE ALMEIDA: O ADULTÉRIO FEMININO EM A FALÊNCIA
por
VIVIANE ARENA FIGUEIREDO
(Aluna do Curso de Mestrado em Letras Vernáculas)
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira), como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Literatura Brasileira, elaborada sob a orientação da Profª. Drª.
Elódia Xavier.
UFRJ – Faculdade de Letras
2006
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Dedico
À minha mãe Regina Célia, exemplo de amor incomparável, que mesmo encontrando-se em outra
dimensão, continua ao meu lado guiando meus passos e me incentivando nessa jornada;
Aos meus avós maternos, Elza Arena e Miguel Arena, pelo carinho invisível, conforto e proteção
espiritual;
Aos “Arenas” falecidos, pelo orgulho que tenho em fazer parte dessa família de lutadores e
guerreiros.
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AGRADECIMENTOS
À Professora Elódia Xavier, minha orientadora, que com seu exemplo de amor à literatura, levou-
me a descobrir não o valor da literatura de autoria feminina, mas também o encanto presente
nas narrativas de Júlia Lopes de Almeida, autora por quem sou apaixonada;
A meu grande amigo Leandro, meu marido, que me ajudou nessa última caminhada, sem deixar-
me desanimar ou desistir dos meus sonhos;
A meu pai, por sempre me incentivar a continuar estudando e buscando conhecimento, mesmo
nos momentos mais difíceis;
À minha tia Lourdes, pelo seu imenso carinho e incentivo – hoje você está em meu coração como
minha mãe;
À Carla Bento, que com sua mão amiga, incentivou-me nessa caminhada final, com suas palavras
firmes e seguras;
Aos meus sinceros amigos, Vivian e Vinícius, pela força dessa amizade que sempre se renova nos
momentos de dificuldade;
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“Quando tento librar-me no espaço,
As rajadas em tétrico abraço
Me arremessam a frase – mulher!”
(Narcisa Amália)
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SINOPSE
Análise da temática do adultério feminino na obra de Júlia
Lopes de Almeida, em especial no romance A falência. As
relações familiares, o casamento por conveniência, a
importância do trabalho e da educação para a valorização do
ser humano. A transgressão do feminino na busca do amor, a
redenção pelo trabalho.
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FIGUEIREDO, Viviane Arena. Júlia Lopes de
Almeida: o adultério feminino em A falência. Rio de
Janeiro, 2006. 130fls. Dissertação (Mestrado em
Letras Vernáculas) Faculdade de Letras,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2006.
RESUMO
O presente trabalho visa a uma análise da temática do adultério feminino
na obra de Júlia Lopes de Almeida. Apenas um romance foi analisado - A
falência - publicado pela autora em 1901. Ao longo da narrativa são observados
os comportamentos das personagens em relação ao adultério cometido pela
protagonista. São também colocadas em evidência as relações familiares,
considerando o relacionamento conjugal, a questão do trabalho como
instrumento capaz de redimir as faltas cometidas, a importância da maternidade.
Porém, deve ser chamada atenção para a transgressão cometida pela
protagonista, através do adultério, como um questionamento do papel da mulher
junto à sociedade.
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FIGUEIREDO, Viviane Arena. Júlia Lopes de
Almeida: o adultério feminino em A falência. Rio de
Janeiro, 2006. 130fls. Dissertação (Mestrado em
Letras Vernáculas) Faculdade de Letras,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2006.
ABSTRACT
The current work drives at an analysis of the female adultery thematic on
Júlia Lopes de Almeida’s works. Only a novel was analyzed - A falência,
published by the author in 1901. Throughout the narrative were observed the
characters’ behaviors in relation to the adultery committed by the protagonist. It is
also showed the familiar relationship, considering the marital relationship, the
question of the work as an instrument capable of redeem the faults already
committed by people and the importance of maternity. However, we should call
attention to the transgression committed by the protagonist, as a discussion of the
women role in society.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................................11
2. ADULTÉRIO: ADULTÉRIOS .................................................................................................16
2.1. O adultério na obra de Júlia Lopes de Almeida...........................................................22
2.2. O nascimento do adultério...........................................................................................28
2.3. As legislações universais e o adultério........................................................................31
2.4. As legislações do Brasil e o adultério......................................................................... 39
2.5. As religiões e o adultério............................................................................................ 42
3. A FAMÍLIA, O GÊNERO E OS PAPÉIS SOCIAIS – UMA VISÃO DE A FALÊNCIA........ 46
3.1. A família em A falência – papéis sociais em jogo.......................................................57
3.2. O trabalho e a educação – espaço de mudanças......................................................... 70
3.3. A visão da maternidade em A falência....................................................................... 82
4. A PROBLEMÁTICA DO ADULTÉRIO EM A FALÊNCIA................................................... 92
4.1. A transgressão feminina nos laços familiares – “a insossa domesticidade da esposa
obediente?”.................................................................................................................................. 103
4.2. A punição da mulher adúltera – vitória da voz social............................................... 110
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................... 120
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................................124
ANEXOS .....................................................................................................................................131
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1. INTRODUÇÃO
A pesquisa em questão visa à análise do adultério presente no romance A falência,
publicado em 1901 por Júlia Lopes de Almeida. Para tanto, é enfocada primordialmente a
problemática da infidelidade feminina, levando em consideração o tratamento dado ao tema pela
autora, procurando abordar suas causas e seus efeitos sobre a vida das personagens.
Ao longo da narrativa, tal assunto recebe destaque não somente através do relacionamento
adúltero vivido pela protagonista, Camila, mas também é a causa da morte violenta da mãe do
Capitão Rino e motivo da separação conjugal do Dr. Gervásio, médico da família.
É importante ressaltar que o estudo de tal romance admite a análise de questões que se
encontram ligadas à temática do adultério, tais quais o casamento por conveniência, o
relacionamento familiar insatisfatório, a carência afetiva.
Cabe observar que a infidelidade feminina é um tema recorrente na obra de Júlia Lopes.
Assim, após A falência, tal assunto volta a ser abordado no romance Cruel Amor, publicado em
1911, englobando também a ótica do ciúme passional. O tema é mencionado ainda em A
Silverinha Crônica de um verão, em 1914, através do comportamento leviano da personagem
Xaviera.
Tal assunto é também enfocado na coletânea de crônicas intitulada Eles e Elas, sob vários
pontos de vista. Porém, deve ser chamada a atenção para o novo papel de esposa delineado pela
autora: mulheres que começam a questionar o chamado “direito” masculino a aventuras
extraconjugais.
Nesse trabalho, a escolha de Júlia Lopes de Almeida como objeto desse estudo aponta a
necessidade em se fazer uma investigação mais profunda sobre os vários assuntos abordados em
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sua obra, como a ascensão da burguesia, a idealização do amor romântico no casamento, a
importância da educação e do trabalho feminino, a maternidade.
Atualmente, devido à diversidade de temas, a obra de Júlia Lopes de Almeida tem sido
objeto de estudo de pesquisadores/as principalmente da área de literatura de autoria feminina. Na
penúltima ANPOLL, realizada em agosto de 2005 no Rio de Janeiro, a autora foi o centro das
atenções em mesas redondas e comunicações através das palestras de professores/as e alunos/as
de pós-graduação.
Por tais motivos, não se esgotam as possibilidades de estudos sobre a obra de Dona Júlia.
Vale ressaltar que a escolha do tema adultério se deve em não ter sido ainda suficientemente
explorado, podendo ainda, ser considerado como um assunto polêmico na época em que o
romance foi publicado em primeira edição.
É tomada como ponto de referência a análise detalhada do romance A falência, enfocando
primordialmente o adultério feminino e suas implicações na vida em família. Nesse caso, é
impossível deixar de mencionar as relações entre os familiares que aparecem no decorrer da
narrativa, assim como o posicionamento dos membros da família quanto a traição cometida pela
protagonista.
Dirigiu-se especialmente o foco à personagem Camila, que transgride o título pré-
determinado de esposa e mãe ao reivindicar, através da infidelidade, o direito ao amor que o
vive em seu casamento.
Na verdade, a estrutura do enredo nos leva a refletir sobre os motivos de tal adultério:
existe sim um marido, que se impõe à família, reafirmando valores de soberania patriarcal.
Cumpre, assim, apenas o papel de macho designado pela sociedade, sendo, porém, marido e pai
ausente, motivando carências que direcionam os impulsos femininos de sua esposa ao adultério.
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É, pois, interessante notar que, embora todos saibam dos deslizes da personagem, não existe uma
interferência concreta no caso de amor vivido por Camila e Gervásio.
Partindo dessa visão, evidenciaram-se os aspectos motivadores do adultério da
protagonista: insatisfação conjugal e dependência da figura masculina.
Júlia mostra que a geração de Camila, ao casar-se, longe de conquistar qualquer tipo de
liberdade ou privacidade, somente passava da proteção do pai para a do marido. Suas vontades,
desejos e necessidades eram minadas pela subserviência que devia ser prestada a um único
homem, consagrando assim o tão conhecido destino de mulher.
Cabe ainda observar que ao longo dessa pesquisa certos exemplos retirados de outros
romances da autora são mencionados como um recurso argumentativo, servindo de comparação
com certas questões enfocadas em A falência.
Ao serem investigadas no romance as formas de relações familiares, notou-se uma
interação bastante interessante entre realidade social e realidade ficcional. Para tanto, utilizou-se
como aportes teóricos, livros e ensaios que remontam à vida em sociedade no século XIX, tais
quais: “Mulher e família burguesa”, de Maria Ângela D’Incao em História das mulheres no
Brasil (2000), Sobrados e Mucambos (1951), de Gilberto Freyre, As mulheres, o poder e a
família (1998), de Eni de Mesquita Samara.
Dentro desse aspecto é ainda levado em conta o processo de transição da família rural
patriarcal para a família nuclear burguesa, com o aparecimento de novas formas de socialização
que vão, aos poucos, modificando hábitos e costumes. É nesse período que passam a serem
consideradas outras maneiras de se vivenciar o amor, o casamento e a relação conjugal. Assim,
tais assuntos podem ser considerados como relevantes em A falência.
Ao considerar-se a definição dos papéis sociais dentro da família, procura-se avaliar as
relações de gênero que aparecem de formas tão significativas ao longo do romance. Nesse ponto,
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são usados como base os livros O segundo sexo (1980), de Simone de Beauvoir, Um é o outro
(1986), de Elizabeth Badinter e A dominação masculina (2005), de Pierre Bourdieu.
De forma a melhor analisar a problemática do tema, o primeiro capítulo faz uma
abordagem teórica do adultério, englobando principalmente as sanções punitivas sofridas pelos
cônjuges adúlteros. É enfatizada, assim, uma perspectiva sócio-histórica do tema do adultério,
focalizando as diferentes legislações e a definição de suas leis, no que tange à infidelidade
matrimonial. Usamos como base na construção desse capítulo o livro Adultério (1983), de Ester
Kosovski.
Faz-se necessário ressaltar que, dada a amplitude do tema, decidiu-se também mencionar
em tal capítulo, a visão do adultério de acordo com a literatura e a religião. Considerando a visão
literária, são citadas as obras de Júlia Lopes, em que a infidelidade é de alguma forma retratada.
No segundo capítulo, é abordada a relação entre gênero e família presente no romance A
falência. Nesse ponto fica expressa a problemática do gênero ligado à divisão dos papéis
familiares. Ao longo desse capítulo, a questão do gênero pode ser visualizada dentro de certos
temas presentes no romance, tais quais família, trabalho, educação e maternidade.
Cabe aqui chamar atenção sobre a questão do trabalho, como meio de sustentação, que é
analisada a partir de sua visão ambígua: ele é o responsável pela ganância ilimitada de Francisco
Teodoro, o patriarca, levando a família à ruína financeira; por outro lado, é a maneira pela qual a
protagonista encontra um meio de se redimir de sua culpa.
De qualquer forma, é interessante notar que os sub-temas desenvolvidos ao longo desse
capítulo possuem algum tipo de relação com a infidelidade cometida por Camila.
O terceiro capítulo mostra como o tema da infidelidade feminina é abordado por Júlia
Lopes de Almeida em A falência. São analisados os três adultérios mencionados ao longo do
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romance, e os diferentes desfechos para cada um deles. Nesse ponto, começa a ser relembradas as
punições sofridas pelas mulheres que ousam manter uma relação extraconjugal.
Vale a pena observar, entretanto, que Júlia Lopes traça em Camila o perfil da mulher
romântica, porém questionadora, que acaba por transgredir as regras vigentes em prol de viver o
amor, conquistando sua felicidade.
Ao ser analisada a importância do amor na vida da protagonista de A falência acaba-se por
voltar à literatura universal, quando se percebe certos pontos de contato entre o romance de da
autora e a obra de Flaubert, Madame Bovary. É verificado até que ponto Camila aproxima-se de
Emma Bovary em suas idealizações e atitudes.
Pretende-se, com essa pesquisa, contribuir para outros estudos não somente em relação à
temática do adultério presente no romance A falência, mas também sobre outros temas aqui
expostos, que possam ser ampliados como recurso para melhor entender a obra de Julia Lopes de
Almeida.
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2. ADULTÉRIO: ADULTÉRIOS
O amante,
Cabeça tronco e membro
Para o amado,
Não o decifra um só instante.
Eu mesmo ainda me lembro
O amante é devorado
Já o amado,
Por mais ignorante e indiferente,
Decifra o seu amante
De trás para frente
De trás para frente/
Antônio Cícero
Adultério é uma palavra que carrega um peso significativo extremo; por força das raízes
históricas e patriarcais, essa palavra nos traduz um sentido de proibição lembrado por inúmeros
símbolos de punição tais quais pecado, apedrejamento, cintos de castidade, infâmia, honra lavada
com sangue.
Grande parte desse juízo que fazemos do adultério está ligada aos próprios padrões de
conduta estabelecidos pelos diferentes segmentos da sociedade. Atualmente, não estamos
inseridos em um sistema de regras tão rígidas, mas até um tempo atrás, a infidelidade era
considerada como uma grave violação dos direitos da família.
Na verdade, o adultério fere um princípio determinado pelo Direito de Família, que
compreende um sistema de mútua assistência entre os cônjuges. Dentre todas as normas que esses
devem seguir encontram-se os deveres de coabitação, socorro recíproco, respeito e fidelidade. No
plano religioso, esses mesmos conceitos são considerados como pontos primordiais para a
manutenção da família.
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Levando em conta os dois últimos aspectos apontados, supõe-se que os deveres
englobando respeito e fidelidade complementam-se, considerando o fato de que o ato do
adultério, inclui, segundo as normas jurídicas, a conduta desonrosa por parte do cônjuge infiel
que, por sua vez, acaba por faltar com respeito a seu companheiro.
A interpretação para o delito de adultério assume diferentes formas de acordo com as
diversas legislações que vigoram no mundo. Da mesma forma, essa palavra assume múltiplas
significações: adultério provém do latim adulterare, que significava inicialmente, o ato físico de
manter relações sexuais com outrem, que não seja seu consorte. Por sua vez, adulterare estende
seu sentido ao verbo adulterar que por si possui uma definição bem pouco favorável: alterar,
falsificar, corromper, estragar. Nesses termos, um dos significados do verbo adulterar acaba
encaixando-se perfeitamente na definição apresentada: aquele que comete adultério é o que
corrompe e altera a vida em família.
Outro aspecto que merece atenção é a maneira semelhante na qual alguns autores definem
adultério e infidelidade. De fato, ambos designam um ato de traição para com o parceiro com o
qual se assume um laço de compromisso. Porém, o adultério somente pode ocorrer na vigência do
matrimônio, ou seja, quando se subentende vida em comum.
Geralmente, as legislações encontram certas dificuldades em conceituar o delito do
adultério, devido a uma divergência quanto à própria situação em que esse ocorre. Algumas leis
consideram adultério o simples fato de uma mulher estar na companhia de outro homem;
enquanto outras levam em conta apenas a realização da cópula. Outras legislações consideram
apenas como adultério a relação sexual em que ocorra a “seminatio intra vas”, ou seja, a
inseminação intra vaginal como prova concreta do delito.
Segundo Ester Kosovski, “modernamente definimos o adultério como a conjunção carnal
do homem com uma mulher, implicando violação da fé conjugal por parte de qualquer um deles,
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ou de ambos” (KOSOVSKI, 1983, p.17). Entretanto, é interessante considerar a visão de alguns
teóricos, a maioria atribuindo o delito ao sexo feminino, excluindo quase que por completo
qualquer movimento de culpa relacionado ao sexo masculino.
Essa visão pode ser considerada como uma influência da própria modificação sofrida pelo
termo adulterare. Com o tempo, o vocábulo passou a designar “usufruir o acesso ao leito e à
mulher, propriedade de outro(KOSOVSKI, 1983, p. 16, grifo nosso). Através dessa definição,
intui-se a posição feminina dentro da esfera familiar. Dessa forma, a mulher, assim como o leito é
um objeto pertencente ao dono da casa.
Nesse sentido, surgiram muitas outras definições, relacionando o sexo feminino ao
adultério. Algumas se tornaram derivação da própria palavra adulterare, tal qual alterius et
torus, que significa o ‘leito do outro’; a mulher é contada como leito do marido” (GOLDSTEIN
apud KOSOVSKI, 1983, p. 20). Seguindo a mesma linha de pensamento, o autor considera o
adultério como a “violação do leito alheio, ou seja cópula realizada com a esposa de outro”
(Ibidem, 17). Alfonso Reyes, jurista citado pela autora, considera o adultério como um ato de
exclusiva culpa do sexo feminino, relatando que “do adultério dela pode vir grande dano para o
marido” (REYS apud KOSOVSKI, 1983, p. 20).
Entra-se, então, na questão da desigualdade de condições entre os sexos. Como se pode
observar, ao marido ficava resguardado um poder, capaz de oprimir e castrar os desejos da
mulher. Enquanto o homem possui todos os direitos de viver irrestritamente a sua sexualidade,
podendo desfrutar de várias relações ilícitas fora de seu casamento, à mulher cabia somente
obedecer ao seu amo e senhor. Como uma serva, procura manter uma conduta aplicável, a fim de
honrar e manter o nome de seu marido intacto, pois “a honra de um homem depende de sua
esposa e a honra de uma mulher depende exclusivamente de seu próprio comportamento”
(BASSANESI, 1996, p. 364).
19
Tanta vigilância e proibição tinham por objetivo anular o desejo feminino de procurar
exercer sua sexualidade. Considerando que a maioria dos casamentos ocorria pelo senso de
obrigação por meio de arranjos financeiros, é natural pensar que foram raras as mulheres que
encontraram satisfação sexual dentro do matrimônio, mesmo porque a esposa era considerada
como um mero instrumento de procriação.
Por outro lado, o comportamento transgressor sempre exerce fascínio sobre a espécie
humana e dessa forma, não foram poucos os autores que ao longo da literatura universal
destacaram em suas obras, narrativas que continham como personagem principal a mulher
adúltera. Vale ressaltar, no entanto, que a maioria das personagens femininas retratadas em tais
narrativas acabaram pagando caro por seu comportamento audacioso. A trajetória da mulher
adúltera sempre acabava em culpa e morte.
Uma das primeiras narrativas a expor o problema do adultério feminino encontra-se na
tragédia A Orestiada de Ésquilo. Aliás, é com o advento da literatura grega que esse tema começa
a ser abordado. Porém, A Orestiada configura-se como uma exaltação do poder masculino
através do assassinato da mulher adúltera pelo filho Orestes, que vinga a honra do pai.
Seguindo a mesma linha de Ésquilo, a tragédia Hipólito de Eurípedes retrata a paixão
como culpa. Na verdade, não existe concretização do adultério feminino, pois Fedra, madrasta de
Hipólito, prefere o suicídio à desonrar seu marido com o próprio enteado. Além de abordar o
tema do adultério, Eurípedes toca em outro tema tabu: o incesto. Esta mesma peça foi reescrita
por Sêneca que desta vez, com o nome de Fedra. Ambas as tragédias tratam do mesmo tema,
mas através de pontos de vista diferentes.
Sem dúvida, a mais famosa narrativa grega sobre infidelidade feminina encontra-se na
trajetória de Helena de Tróia. Segundo Junito de Souza Brandão, “Helena foi a deusa-heroína-
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mulher mais celebrada e mais denegrida no mito grego” (BRANDÃO, 1989, p. 7). De fato, o
maior enfoque dado à rainha de Esparta é o de sua fuga com Páris Alexandre.
O problema do adultério de Helena tem como agravante a traição da hospitalidade,
considerando que Páris seduz Helena dentro da casa de Menelau, desrespeitando assim, não
somente a honra do rival, mas também os princípios de hospitalidade grega.
Muitos séculos depois, com a Renascença, a mulher ganha uma posição de destaque ao
ser retratada como um ser casto e intocável. Por outro lado, a mulher divinizada em sua pureza,
torna-se não somente um modelo de castidade inabalável, mas também uma figura submissa,
desprovida de desejos que expressem sua sensualidade.
Com a intenção de quebrar o paradigma da mulher perfeita, Boccaccio retrata em
Decameron (1351) uma infinidade de contos que tinham por fim satirizar o modelo petrarquiano
de encarar as relações amorosas. As narrativas de Decameron são uma apologia ao amor
erotizado, não faltando nesse aspecto, vários relatos de relações adúlteras. Aliás, as personagens
femininas de Boccaccio têm como principal característica a malícia empregada tal qual um
artifício na arte de burlar a vigilância de seus esposos. É interessante notar a inexistência não
do sentimento de culpa pela infidelidade cometida, como também da impunidade de tais
personagens.
Com o advento do romance, o tema adultério passa a ser explorado com mais freqüência.
Sob o pseudônimo de A Condessa de La Fayette, Maria Madelaine Pioche de La Vergnè narra
um adultério frustrado em A Princesa de Cléves (1678). Ao fugir de um amor adúltero, a
personagem principal se encerra em um convento, a fim de redimir sua culpa e pecado. Ao final
do romance, tem como destino a morte.
O Realismo veio concretizar a abordagem do tema, principalmente se for levado em conta
que nos romances o enredo e a teia narrativa podiam ser melhor desenvolvidos. Dentre todos os
21
autores realistas, Balzac foi o que mais explorou o tema da infidelidade em sua obra. Porém
chama a atenção o adultério não concretizado de O lírio do vale, publicado originalmente em
1835. O autor debruçou-se sobre a construção de um amor platônico na qual a personagem-
protagonista, a condessa de Mortsauf, vê-se impedida de consumar o seu amor por Félix
Vandenesse, em nome de manter-se digna de seu marido.
Pode ser considerada A letra Escarlate (1850) de Nathaniel Hawthrone como um dos
exemplos mais drásticos de castigo para o adultério feminino. Por uma única infidelidade, a
protagonista Hester Pryne é condenada como adúltera a carregar sobre o vestido uma letra
escarlate bordada em “A” que a distinguia dos outros cidadãos de bem. O autor mostra o rigor do
julgamento social, baseado na difamação e vergonha que subsiste até mesmo após a morte da
protagonista: “Num campo severo, imenso, negro e triste, gravada a vermelho a letra A subsiste”
(HAWTHRONE, 1992, p. 189).
É, pois, de Flaubert a narração de um dos romances femininos mais conhecidos da
História: Madame Bovary (1856). O autor coloca em exposição não apenas a infidelidade da
personagem. De certa forma, Flaubert justifica o adultério ao retratar o “protótipo de esposa
infeliz por excelência” (YALOM, 2002, p. 308). Por causa dessa postura, Flaubert foi acusado
por Napoleão III de insulto contra a moralidade.
Emma Bovary, personagem principal do romance em questão, apesar de suicidar-se ao
final do romance, parece não acalentar qualquer tipo de remorso por sua infidelidade.
Simplesmente, mata-se por dívidas e pela desilusão em não encontrar em seus amantes o apoio
necessário nos momentos de dificuldade.
Abordando o mesmo tema, Leon Tolstoi publica em 1875 Anna Karenina. Mais uma vez,
depara-se com uma esposa infiel que procura no adultério a realização sentimental não
encontrada em seu casamento. Seu triste destino também é o suicídio ao constatar que seu
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amante, o oficial Vronsky, não amava com a intensidade que imaginara. Anna Karenina, além de
abordar o adultério cometido por uma mulher, mostra a dependência sentimental feminina da
figura masculina.
Ainda na literatura portuguesa, Eça de Queiroz trata em sua trama romanesca O primo
Basílio (1878) as conseqüências desastrosas que podem advir do adultério. Na verdade, o autor
chama atenção para aqueles que se aproveitam dos desvios e das fraquezas humanas. Luíza, a
protagonista, paga caro pelo seu envolvimento com Basílio. A chantagem da empregada
oportunista torna-se a principal sombra de seu desvio. Novamente, a morte torna-se o destino de
uma protagonista adúltera.
É também importante darmos a devida atenção à galeria de personagens femininas
adúlteras de Machado de Assis, que quebraram um modelo socialmente estipulado para a época.
Até o final do século XIX, o tratamento dado às personagens adúlteras na literatura não
era muito diferente do que o dispensado na realidade da época. Como pode ser observado, a
infidelidade feminina era punida com a infâmia ou com a morte. De certa maneira, os autores
acabavam compondo suas narrativas de forma a seguir as expectativas da sociedade. Dessa
forma, expor o adultério feminino sem um castigo final era fato inadmissível.
2.1. O adultério na obra de Júlia Lopes de Almeida
Nascida em 1862, a escritora Júlia Lopes de Almeida reveste-se de coragem para abordar
a temática do adultério feminino no romance A falência. Publicado em 1901, o romance obteve
boa aceitação junto ao público leitor; apesar de lidar com um tema polêmico, pode-se intuir a
surpresa da sociedade em constatar que uma mulher casada e mãe de família enquanto escritora,
tocou num ponto tão delicado para a época em questão. Por outro lado, o sucesso de seu romance
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deve-se ao fato de não restringir a sua narração somente ao problema da esposa adúltera, mas
principalmente, por apontar um aspecto incômodo na estrutura familiar: o casamento por
conveniência.
Considerando o volume de sua obra cerca de quarenta livros, englobando romances,
crônicas, contos, peças de teatro, conferências, ensaios, livros de natureza didática pode-se
perceber uma reincidência do tema do adultério em suas narrações, tais quais nas crônicas
impressas em Eles e elas (1910) e no romance Cruel Amor (1911).
O respeito enquanto ficcionista reconhecida e consagrada no meio literário garantiu a
Júlia Lopes um certo respaldo para que pudesse levantar o debate de temas tão polêmicos. Ao
longo de sua obra, podem ser observadas as diferenças nas relações de gênero principalmente no
que concerne ao plano familiar. Porém, é a imagem feminina que figura absoluta nas narrativas
da autora.
O encantamento pela figura emblemática da mulher parece nascer de sua própria condição
na sociedade fluminense da época. Apesar de renomada escritora, Júlia Lopes soube conciliar
perfeitamente os papéis de esposa, dona-de-casa e mãe com seu trabalho de ficcionista. Segundo
Norma Telles na apresentação da reedição do romance A falência (2003), Júlia Lopes de Almeida
“Conseguiu viver de sua pena, um feito para uma época em que à mulher não era permitido
escrever nem expressar suas opiniões” (TELLES In: ALMEIDA, 2003).
Sua principal influência partiu de dentro de seu próprio ambiente familiar. O clima
intelectual propício foi uma das condições para o desenvolvimento de seu talento literário. Seu
pai, além de exercer a profissão de médico, foi o fundador do hoje extinto Colégio Humanidades,
com sede na rua do Lavradio no Rio de Janeiro; a mãe de Júlia Lopes foi musicista por
profissão. Além disso, Júlia escreveu alguns contos infantis em colaboração com sua irmã, a
também escritora Adelina Lopes Vieira. Após seu casamento com o escritor português Filinto de
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Almeida, a carreira de D. Júlia, como era carinhosamente conhecida, torna-se consolidada,
principalmente pela sua colaboração em jornais de renome, tais quais O jornal do comércio, A
semana, O país e O estado de São Paulo.
Em tais jornais Júlia publicou inicialmente romances em formato de folhetim; um deles é
Cruel Amor, publicado no Jornal do Comércio em 1908 e editado pela editora Francisco Alves
em 1911. Como já citado anteriormente, tal romance aborda o tema da infidelidade feminina.
O cenário escolhido pela autora é a Copacabana do início do século XX, habitada por
pescadores simples e trabalhadores, que se ajudam mutuamente em busca de seu sustento. Porém,
o modo de vida dos pescadores acaba por servir como pano de fundo para a composição de um
enredo que enfoca primordialmente a problemática do amor passional. Júlia constrói duas tramas
que correm paralelas. Ambas são histórias de relacionamentos amorosos que desde os primeiros
capítulos da narrativa mostram um caráter profundamente conturbado. Assim, a autora nos
apresenta os casais Flaviano/Maria Adelaide e Rui/Ada.
A romancista coloca em questão problemas tais quais o ciúme, a diferença racial, a
ambição como elementos de desequilíbrio nas relações pessoais e amorosas. Além disso, Júlia,
como na maioria dos seus romances, chama a atenção para o eterno desejo de superioridade
presente na personalidade masculina. O que aproxima Rui e Flaviano é justamente esse tal
sentimento de posse que ambos nutrem por suas noivas; Flaviano não admite que Maria Adelaide
sequer levante os olhos para encarar outro homem, sendo extremamente possessivo
principalmente pelo fato de ter sido aceito em compromisso por uma mulher branca.
“Vaidoso da noiva branca, que lhe tinha caído na rede como um peixinho inexperiente,
ele dava-se ares de superioridade, para retê-la na sua submissão de mulher, que é a
única verdadeira. Ele não sabia falar de amor, mas sabia dizer: _ eu quero, faça!”
(ALMEIDA, 1963, p. 21)
25
Rui tenta regrar a vaidade excessiva de Ada, exigindo que esta renunciasse sua beleza
em prol do amor que os unia. O ciúme parece uma herança que adquire um ar controlador e
doentio à medida que Rui percebe qualquer comportamento em Ada que o desagrade: Tu não
renuncia a tua faceirice; eu não posso renunciar ao ciúme que está unido a minha alma, como a
minha pele a minha carne” (ALMEIDA, 1963, p. 30).
É a partir desse ciúme obsessivo de ambos os personagens masculinos que Júlia começa a
traçar o sentimento que impulsionará Maria Adelaide e Ada à infidelidade.
Ao final do romance, Ada, movida pela sua ambição em fazer parte da sociedade
burguesa, foge com o jovem Eduardo Guedes, traçando assim, um destino rumo ao desconhecido.
Ela prefere a incerteza de uma aventura amorosa a viver acorrentada ao amor sufocante de Rui.
A audácia de Ada cria um sentimento de coragem em Maria Adelaide, como se a
influência de tal atitude a impelisse a tomar pela primeira vez as rédeas de seu destino.
Apaixonada por Marcos, a moça resolve declarar-se a esse pescador na ânsia de viver a ventura
de sua paixão e finalmente decide impor sua vontade a Flaviano.
Assim, Maria Adelaide se cala. Pelas mãos impiedosas de Flaviano, que lhe atravessa o
punhal, sem lhe dar o direito de reivindicar sua felicidade. Dessa forma, o pescador vinga com o
sangue de sua noiva a honra de homem traído. A atitude passional de Flaviano nos remete ao
desfecho do famoso romance de Shakespeare, Otelo, no qual o homônimo personagem central,
cego pelo ciúme doentio, assassina a esposa.
Em A Silverinha - crônica de um verão (1914), novamente a autora esbarra no tema da
infidelidade feminina. Pode-se destacar nessa narrativa a personagem Xaviera, mulher fina e
elegante, que descobre em sua personalidade sedutora um meio de escapar de sua medíocre vida
de dona-de-casa. Mais uma vez evidencia-se a problemática do casamento sem amor,
considerando que Xaviera vira-se forçada a contrair núpcias com um rico fabricante de conservas
26
e licores. Boa parte de seu comportamento volúvel reside na própria vontade em sentir-se
admirada e observada, um ímã dos galanteios masculinos.
Ainda no mesmo romance, Júlia levemente insinua um possível interesse de Guiomar, a
Silverinha, pelo sedutor Padre francês Pierre, o que pode ser confirmado em evidências do
próprio texto: “Ela chegava a sonhar com o padre Pierre e ouvia em tudo o som de sua voz”
(ALMEIDA, 1914, p. 297). A autora sutilmente pretende deixar subentendido uma possível
correspondência de sentimento entre o religioso e Guiomar, porém nunca mencionando uma
concretização de tal interesse.
Ao contrário do trágico final de Cruel Amor, em A Silverinha os conflitos são pacificados
em nome da santa ordem familiar. Xaviera redime-se de seus pecados, arrependendo-se de suas
aventuras amorosas, decidindo enfim, voltar-se única e exclusivamente para o ambiente familiar.
Finalmente, Xaviera assume seu papel de mãe e esposa, aceitando o destino de mulher imposto
socialmente.
Mais tarde, em crônicas publicadas no jornal O País (1907 1909), Júlia passa a explorar
com mais freqüência tal tema, que dessa vez, enfocando a infidelidade masculina. Dessas
crônicas rendeu o livro Eles e Elas, publicado em 1910 pela editora Francisco Alves do Rio de
Janeiro.
Logo na crônica de abertura, intitulada “Os vícios deles”, é destacado o comentário da
esposa em relação às infidelidades do marido.
“Meu marido não pode resistir ao vício do amor. As mulheres fascinam-o, como os
jacarés às crianças. Ele vive alheado a mim, no deleito de suas paixões de aluguel ou de
empréstimo, é, o que lhe posso afiançar” (ALMEIDA, 1910, p. 14).
Mais que um simples relato das infidelidades masculinas, encontra-se nessa crônica o
desabafo da esposa cansada de sempre relevar os deslizes do marido, como que condicionada a
27
aceitá-los como fato normal da natureza masculina. Percebe-se assim, a mágoa da mulher, que
castrada em seus sentimentos e opiniões, não tem outro destino a não ser aceitar o
comportamento volúvel de seu marido.
“...isso me ocasiona as mais dolorosas revoltas de amor próprio e me dá certeza de que,
embora o vício das mulheres seja entre todos os vícios o de mais curta duração na vida
de um homem, é também o que uma esposa menos perdoa” (ALMEIDA, 1910, p.
14).
Na verdade, esse era o comportamento feminino esperado pela sociedade da época. A
mulher, longe de exigir o seu direito à fidelidade do marido, deveria manter-se calada, sofrendo
solitariamente a sua desilusão. Não deveria pois, importuná-lo, nem descuidar da manutenção do
equilíbrio e da paz de seu lar.
Esse tipo de comportamento da mulher submissa é difundido até meio século depois da
publicação de Eles e elas, em revistas femininas das décadas de cinqüenta e sessenta. Em Jornal
das Moças, por exemplo, não faltam recomendações para que esposas frente ao adultério
masculino mantenham a paciência para conservar o esposo e a família unida:
“Mantenha-se no seu lugar de honra, evitando a todo custo cenas desagradáveis que
servirão para exacerbar a paixão do seu marido pela outra. Mas envidar todos os
esforços para não sucumbir moralmente; procure manter o ânimo firme, levando tanto
quanto possível uma vida normal, sem descuidar do aspecto físico.” (BASSANESI,
1996, p. 368).
Ainda em Eles e elas, pode-se citar as crônicas “É esquisito”, “Cena de comédia”, “Se eu
fosse outra”, “A curiosidade e a razão”, “Não sei porque será” e “Já desanimei”. As duas últimas
crônicas tratam de infidelidades femininas, sendo que em “Já desanimei”, as pretensões da esposa
em trair o marido é freada pela certeza do comportamento fiel de seu marido: “Não posso
enganar um homem que não me engana [...] se ele amasse outra mulher, eu ficaria livre para amar
28
também outro homem” (1910, p. 136). Na verdade, Júlia deixa implícito que a falta de coragem
da personagem em enganar o marido está relacionada muito mais à ausência de provas da
infidelidade do esposo que pelo remorso em trair um homem sincero, não tendo assim motivos
para justificar seu deslize caso fosse descoberta em adultério: “A consciência dos outros nunca
perdoa as mulheres” (ALMEIDA, 1910, p. 136).
É com o desfecho da crônica de Júlia Lopes que pode ser percebido o peso da opinião da
sociedade sobre a infidelidade feminina. Esta, segundo o advogado Magalhães Noronha “se
resolve freqüentemente pela solução bárbara do homicídio ou pelo desquite litigioso sempre com
alarde” (NORONHA apud KOSOVSKI, 1983, p. 34). De certa maneira, esse desenlace
exagerado era exatamente o que a sociedade esperava como punição a uma mulher adultera,
considerando que esta, em sua infidelidade, infringiu as leis reguladoras do casamento e denegriu
a honra do marido.
Porém, é preciso investigar profundamente as raízes desse pensamento social para tentar
entender as causas que levaram a este desfavorecimento do sexo feminino em questões
relacionadas à família e ao adultério. Para tal reflexão é preciso anteriormente que se entenda que
a punibilidade das ligações amorosas antes do casamento, enquanto crime, está ligada muito mais
à ordem e à conservação da família do que propriamente à condição de honra e posse sexual dos
cônjuges.
2.2. O nascimento do adultério
Para entender os motivos que passaram a associar o adultério a um fato criminoso, é
preciso que se saiba reconhecer as bases fundadoras do pensamento patriarcal e
conseqüentemente da desigualdade de direito entre os sexos.
29
De qualquer forma, alguns questionamentos ainda se fazem presentes: Por que ato do
adultério é associado diretamente ao problema da honra? Por que o adultério feminino tende a ser
mais condenável que o adultério masculino?
A fim de serem respondidas tais questões faz-se necessário situar no contexto histórico
primeiramente, o momento em que a diferença física entre os sexos passou a ser considerada
como fato social, provocando o desequilíbrio das relações de igualdade, e conseqüentemente
relegando a mulher a um segundo plano na sociedade.
Segundo o antropólogo suíço Bachofen em O direito materno: uma investigação sobre a
ginococracia no mundo antigo, segundo a sua natureza religiosa e de direito (1861),
inicialmente os membros da sociedade primitiva praticavam relações sexuais alheias a toda regra.
Não conseguindo prever com certeza a paternidade de tais relações, a filiação acabava por ser
considerada exclusivamente seguindo uma linha feminina. Desta forma, o direito feminino era
respeitado e a manutenção familiar era feita praticamente em bases matriarcais.
A tese de Bachofen é ratificada por outros teóricos, tais quais o inglês Mac Lennan
1
e o
norte-americano Lewis Henry-Morgan
2
. Ambos complementam as teorias de Bachofen
considerando o estudo da origem do casamento. Mac Lennan, por exemplo, afirma que em
épocas remotas era comum encontrar nos grupos primitivos o casamento baseado na poliandria,
ou seja, uma mulher adquiria núpcias com vários homens. Desta forma, tornava-se impossível
definir a paternidade dos filhos, ficando todo o direito de filiação reservado à mãe.
Foi na obra O homem antes da escrita, de Vladimir Eliseeff, que começaram a ser
apontadas as causas que determinaram a importância do vínculo de parentesco através da linha
1
Autor de O matrimônio primitivo (1865) e Estudos sobre a história primitiva (1976)
2
Autor de A sociedade primitiva ou a investigação nas linhas do progresso humano desde a selvageria até a
civilização, através da barbárie [s.d]
30
patrilinear. O autor afirma que a mudança de um possível estado matriarcal para patriarcal deveu-
se sobretudo a uma mudança econômica e social.
E, foi com a introdução da criação de gado e de seu aproveitamento nas lavouras como
auxílio ao cultivo da terra, que tem-se uma das primeiras revoluções econômicas. Assim, o
trabalho na lavoura, que antes era predominantemente feminino, torna-se também uma
incumbência do sexo masculino. Com o desenvolvimento dessas novas técnicas, ocorre um maior
aproveitamento dos recursos naturais, gerando excedentes de produção. Nesse caso, é necessário
levar em conta que tal excedente deve-se não somente aos recursos advindos da agricultura, mas
também aos da pecuária, considerando-se que com o nascimento de novos filhotes nos pastos, os
animais passaram a também ser usados na alimentação e no aproveitamento de peças para o
vestuário.
A mulher acabou perdendo seu espaço se considerarmos a divisão de trabalho entre as
tribos; que a ela ficavam destinados os cuidados com a terra, e o homem preocupava-se
essencialmente com o pastoreio. Levando em conta uma perspectiva econômica, o valor
correspondente da cabeça de gado era muito mais alto que os produtos derivados da colheita.
Com isso, o poder econômico começa a concentrar-se nas mãos do homem, que gradativamente
vai acumulando bens, de modo a constituir propriedade.
Will Durrant, historiador citado por Kosovski em Adultério, confirma em seus estudos
que “o surto da propriedade gerou no homem o senso do domínio em relação à esposa”, pois
“O crescimento da propriedade transmissível sob a forma de gado e produtos da terra
trouxe a subordinação sexual da mulher, porque agora o macho exigia dela fidelidade a
fim de que a herança só fosse de filho presumivelmente seus. A paternidade sobrepuja a
maternidade, a linha de sucessão torna-se masculina e a família patriarcal faz-se a
unidade econômica, social, legal e política da sociedade” (DURRANT apud
KOSOVSKI, 1983, p. 30).
31
A partir dessa mudança de status, a mulher e os filhos passaram a configurar parte da
propriedade pertencente ao marido que reservava para si todos os direitos e privilégios sobre seus
bens. Assim, à mulher ficou relegado um papel secundário e complementar na estrutura familiar:
a procriação de filhos legítimos que dessem continuidade à linha de sucessão.
Partindo dessa linha de pensamento, Frederick Engels em A origem da família, da
propriedade privada e do estado (1987) define a finalidade de uma linha de parentesco patriarcal:
“A importância da família monogâmico-patriarcal reside na finalidade de procriar filhos de
origem incontestável e esta paternidade é exigida porque os filhos devem entrar na posse da
fortuna por sucessão” (ENGELS, 1987, p. 76).
Deduz-se que a importância de assegurar a verdadeira paternidade levou o homem a exigir
maior fidelidade da mulher, de modo que a herança ficasse restrita apenas a filhos legítimos.
Pode-se assim dizer que devido a essa necessidade da manutenção severa da linha de
sucessão exigida pelo patriarcado é criada uma legislação que leve em consideração a
problemática do adultério com conseqüências muito mais pesadas para o sexo feminino.
Com a exigência da fidelidade feminina, vai sendo também introjetada no seio da
sociedade a questão da honra, do respeito a um único homem e, finalmente, a submissão da
mulher.
2.3. As legislações universais e o adultério
No momento em que o patriarcalismo se consolidava, tornou-se necessário a criação de
uma série de leis que passassem a regulamentar as relações pessoais e comerciais. Com o
surgimento da escrita no final do Período Neolítico, por volta de 3.000 a.C., a documentação e o
registro de fatos relativos ao cotidiano tornou-se cada vez mais freqüente, exigindo a maior
32
necessidade da evolução dos códigos, para que fossem amplamente reconhecidos por cada grupo
correspondente.
Inicialmente, a codificação encontrava-se ligada ao controle de produção e às normas para
regulamentação das trocas de mercadorias entre os povos. Com o tempo, os regulamentos foram
estendidos a fim de caracterizar a forma de economia, a organização administrativa e as relações
familiares distintas de cada grupo.
Percebe-se assim a crescente necessidade do estabelecimento de uma norma padrão que
fosse seguida e obedecida segundo os preceitos organizados pelos membros da comunidade.
Dentro dessas normas inclui-se uma série de regulamentações relacionadas ao comportamento
dos indivíduos, de modo a tornar possível a convivência entre eles.
Tais normas acabam sendo estendidas à vida familiar com o objetivo de sistematizar a
relação de propriedade e a questão da herança. Nesse sentido, levando em conta que o direito de
propriedade era sempre destinado ao homem, é definida a supremacia masculina sobre todos os
entes familiares. Também não pode deixar de ser considerado o fato de que, a partir do momento
em que as leis são determinadas apenas por homens, uma tendência natural em privilegiar o
sexo masculino.
Dentro das leis que passaram a regular a família, encontra-se uma série de dispositivos
relacionados ao comportamento da mulher no meio social. Partindo do princípio que o poder
sobre os bens concentrava-se inteiramente nas mãos do homem, pode-se supor que as leis eram
estritamente rígidas em relação às atitudes femininas.
Uma das mais severas normas relacionadas à vida em família diz respeito ao ato do
adultério; porém, convém mais uma vez ressaltar que o estabelecimento de uma punição para tal
delito encontrava-se num rigor muito mais acentuado para o sexo feminino, visto que era através
33
da fidelidade da mulher que o homem garantia para si a certeza de ceder sua herança somente a
filhos legítimos.
Com a difusão da importância da manutenção da ordem social entre os povos, o hábito de
criar legislações tornou-se comum entre as comunidades. É interessante notar a adaptação de
cada povo às suas leis, visto que as legislações foram adquirindo faces diferentes de acordo com
as necessidades de cada grupo social.
Da mesma forma pode-se considerar as leis que regem o adultério, cada legislação
definindo de maneira muito particular o considera como adultério, aplicando os castigos que
melhor julgar adequados.
São encontradas legislações já anteriores ao nascimento de Cristo que determinavam
normas jurídicas em relação à família, ao casamento e ao adultério. As primeiras regras de que se
têm conhecimento encontram-se traçadas sob a forma de códigos; esses eram um conjunto amplo
de normas jurídicas escritas que condensavam as diferentes regras vigentes.
Um dos códigos mais antigos de que se tem conhecimento é o Código de Hamurabi,
elaborado por volta de 1700 a.C., pelo rei Hamurabi da Mesopotâmia. O rei foi uma das figuras
mais eminentes da história universal, sendo considerado consolidador do Império Babilônico, que
se compunha de várias raças e nações, destacando-se os povos Sumério, Acádios e Caldeus.
As leis numeradas de 1 a 282 estão gravadas em um monólito de diorita preta de 2,5 m de
altura. De certa maneira, o Código de Hamurabi revela um esforço de unificar a aplicação do
direito, sistematizando a administração da justiça e a estimação das condutas. Consagrando a Lei
de Talião – “olho por olho, dente por dente” – as leis determinadas por Hamurabi abrangiam uma
diversidade de assuntos: crimes, matéria patrimonial, família, sucessões, obrigações, salários,
posse de escravos.
34
De acordo com alguns historiadores, o Código de Hamurabi destaca-se por conter normas
privadas e penais altamente elaboradas para seu tempo. Apesar de ser considerado como um dos
mais antigos códigos da história da humanidade, em 1947 foi descoberto um conjunto de leis
anteriores ao Código de Hamurabi – o Código de Lipit-Istar de Isin. Porém, a maior parte das leis
que constituíam este código não conseguiram ser recuperadas.
Considerando o ato do adultério, o Código de Hamurabi prevê penas extremas
principalmente para a mulher infiel; sendo assim, no artigo 129 está previsto que a esposa
flagrada em contato sexual com homem diferente de seu marido, deveria junto com seu amante
ser amarrada e jogada na água até o mais completo afogamento. Porém, a legislação de Hamurabi
previa a anistia da pena de morte caso o marido perdoasse a esposa. As leis que regiam as causas
familiares, no entanto, nada mencionavam sobre o adultério do marido.
Doze séculos antes do nascimento de Cristo tem-se a notícia da legislação concebida pelo
profeta Moisés, conhecido como Código Mosaico ou Pentateuco. Este é considerado como um
dos códigos mais importantes da antiguidade e sendo dividido nos seguintes livros: Gênesis,
Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Segundo o Deuteronômio, a pena de morte para a
adúltera era considerada irreversível.
Figurando como a lei que vigorou em Roma durante séculos, encontra-se a chamada Lei
das XII Tábuas. Este código foi promulgado no ano de 452 a.C., surgindo como um dos objetivos
dos plebeus em acabar com a incerteza do direito exercido de forma arbitrária pelos magistrados
contra a plebe.
A Lei das XII Tábuas pode ser considerada uma criadora fecunda do direito romano
posterior, levando em conta que dela decorreram o direito privado, o direito civil romano, normas
sobre a propriedade, obrigações, sucessões e família, os direitos de vizinhança, de tutela, os
testamentos, os preceitos creditórios e os contratos. O direito penal, embora em menor escala,
35
encontra em tais leis materiais a influência para questões relativas a homicídio, furto, dano e falso
testemunho.
Segundo essa lei, o marido que flagrasse a mulher em adultério tinha o direito de matá-la,
requerendo apenas um conselho familiar a fim de informar a causa da execução da punição.
Uma vez editadas, as XII Tábuas passaram a designar o direito do povo romano durante
todo o restante do período histórico de Roma, até que foram construídas normas paralelas para as
situações não contempladas. Assim, pode-se dizer que elas nunca foram abolidas, mas abriram
espaço para uma maior complementação.
De certa forma, os imperadores romanos que governaram após a implementação de novas
leis nunca deixaram de se basear nas XII Tábuas no momento em que precisavam julgar alguma
causa. Alguns legisladores, por exemplo, preferiam governar segundo os moldes estabelecidos
pelas XII Tábuas que aplicar certas leis que passaram a vigorar no governo anterior.
Este é o caso do Império Coercendis, uma das ramificações do Império Romano e cujo
Imperador, César Augusto (27 a.C. a 14 d.C.), preferiu governar segundo os moldes arcaicos,
principalmente no tocante aos problemas da família e do adultério. Assim, em seu império é
criada a Lei Julia de Adulteriis, no qual o adultério passa a ser um crime público, podendo ser
denunciado por qualquer cidadão. Tal medida desfavorecia principalmente as mulheres que
muitas vezes viam-se vítimas de calúnia por simples inveja de alguma pessoa da sociedade.
Sendo baseada na legislação arcaica, a Lei Julia de Adulteriis assegurava ao marido traído
todos os direitos na delação do adultério de sua esposa, conferindo após sessenta dias a punição
adequada. Por outro lado, esta lei abole o direito do marido em matar a esposa, sob pena de
incorrer na Lei Cornelis de Sicariis; neste caso, o marido era julgado mas, de certa forma, sua
pena era sempre atenuada por causa da “justa defesa da honra masculina”.
36
Mais tarde, Teodósio II, imperador romano que governou entre 408 a 450 d.C., estabelece
o sistema de culpa para a mulher adúltera, considerando como punição o sistema de açoite e a
prisão por dois anos em um mosteiro. A lei ainda declarava que se o marido não reclamasse a
esposa após este tempo de confinamento, esta seria surrada pela madre superiora responsável pela
sua guarda, perante toda a comunidade, a fim de servir como exemplo dos castigos impetrados à
mulher infiel.
Após o nascimento de Cristo, o direito romano passou por severas reformulações com a
ascensão do Imperador Justiniano, em 527 d.C.. O imperador nutria particular interesse pela
jurisprudência e a ela dedicou boa parte de seu governo. Justiniano, assim, encarregou uma
comissão destinada a compilar os escritos dos antigos juristas. Os homens responsáveis por esse
trabalho tinham o poder de fazer supressões, modificações e acréscimos nas leis de acordo com
as exigências da época.
Assim, passou a vigorar no Império Romano o Digesto, código que constituía o núcleo da
compilação justiniana, não sendo permitido por parte do imperador, nenhum comentário infame
que viesse a obscurecer a legalidade das normas ali apresentadas.
A lei que sanciona o crime do adultério no Digesto permanece com o nome de Julia de
Adulteriis, mas algumas alterações em relação à primeira lei podem ser verificadas: o adultério
feminino continuava sendo considerado um delito público, porém, a punição para tal ato era o
divórcio obrigatório dos cônjuges. No caso de desejar manter o casamento, o marido traído
deveria perdoar a esposa, não podendo mais tarde, acusá-la do mesmo delito.
Outro fato que chama atenção é que o Digesto só punia as mulheres adúlteras que
anteriormente ao seu casamento viveram no recato de suas famílias, mantendo-se castas até o
matrimônio; estas eram consideradas as grandes traidoras, sendo acusadas do crime de
dissimulação. Por outro lado, se a esposa adúltera tivesse uma conduta vexatória e indigna antes
37
do casamento, não seria punida, pois o marido, ao contrair matrimônio com tal mulher, já deveria
estar preparado para este tipo de comportamento.
É interessante ressaltar que a lei de Justiniano é a primeira a exigir um mútuo dever de
fidelidade conjugal. Em alguns aspectos, o marido adúltero também poderia ser punido, como por
exemplo, se mantivesse relações com uma mulher casada ou se mantivesse outra mulher em
regime de concubinato na mesma cidade em que residia sua esposa legítima.
Voltando ao período antes do nascimento de Cristo, temos em vigor outro importante
código para a história da humanidade – O Código Manu. Escrito em sânscrito e elaborado entre o
século II a.C. e o século II d.C., o código Manu é a legislação mais antiga da Índia.
As leis de Manu representam historicamente uma primeira organização geral da
sociedade, sob forte motivação religiosa e política. Encontramos nesse código, ao lado de uma
extensa e sistematizada determinação de preceitos jurídicos, uma série de idéias sobre valores
como verdade, justiça e respeito. Os julgadores do código determinavam a coação e o castigo
essenciais para se evitar o caos na sociedade.
Em relação à posição da mulher na sociedade, pode-se dizer que esta se encontrava em
extrema desvantagem, dependente em todos os aspectos do sexo masculino e proibida de
expressar suas opiniões.
Além do extremo desfavorecimento feminino, o Código Manu dividia a sociedade em
castas; aqueles que pertenciam ao povo brâmane eram contemplados com todo privilégio por este
conjunto de leis. Essa mesma regra acaba sendo mantida para os casos de adultério. Uma
aventura adúltera de um brâmane não era punida com o mesmo rigor do que de outrem
pertencente à casta inferior.
Em relação ao adultério, o Código Manu era bastante rígido, estabelecendo sessenta e
nove artigos para distinguir tal crime. Em relação à mulher, o simples fato de ser tocada por outro
38
homem em qualquer parte do corpo ou receber presentes, era considerado crime de adultério
com mútuo consentimento. Basicamente, a infidelidade feminina era punida com a morte.
Outros povos da antiguidade também situaram as penalidades para o adultério. No Egito,
o marido traído tinha direito ao divórcio, caso flagrasse a esposa em adultério; esta, por sua vez,
perdia o direito à devolução do dote. Na Grécia, a mulher acusada de adultério pagava seu crime
com a morte ou, se fosse perdoada pelo marido, era-lhe negada a liberdade. Na China,
principalmente depois da dinastia Tcheou (1.134 a 237 a.C.), a mulher era desmerecedora de seus
direitos, principalmente perante a família do marido o adultério feminino não podia ser
perdoado; o marido que não quisesse matar a mulher podia vendê-la como escrava ou prostituta.
Na Idade Média, as penas para o ato do adultério feminino continuaram se mantendo
severas. Os visigodos podiam matar a mulher e seu cúmplice, mesmo que apenas desconfiassem
de um possível adultério. os borgonheses permitiam o repúdio da mulher adúltera, não
condenando, porém, o marido que assassinasse a esposa adúltera em defesa da honra. A
Legislação Saxônica previa a morte da esposa adúltera ou sua deformação com a perda do nariz e
das orelhas; nesse segundo caso, a mulher deformada serviria de exemplo de punição.
No século XVI, no reinado de Carlos V, com a chegada dos espanhóis a Nápoles, o crime
de adultério feminino passou a ser encarado com muito mais rigor. Devido às pressões sociais, o
marido infiel sentia-se obrigado a punir com a morte a esposa adúltera, através de uma sentença
escrita.
Em 1804, é promulgado o Código Civil Francês, sendo considerado o primeiro grande
triunfo do movimento de codificação. O Código Francês procurou harmonizar o direito romano
como direito público; sua essência era toda baseada nos direitos do homem, colocando o
indivíduo frente ao Estado. Porém, seu espírito reflete a mentalidade da burguesia, classe que
muito pressionou a confecção de um conjunto de leis que atendesse às expectativas do país.
39
Quanto ao crime de adultério, o Código Francês punia a infidelidade da esposa com pena
de prisão, sendo o mesmo castigo aplicado ao cúmplice. O marido seria punido caso fosse
confirmada a manutenção de uma relação de concubinato, sendo que a aplicação de sua pena
ficava restrita ao seu patrimônio.
2.4. As Legislações do Brasil e o adultério
A necessidade de organizar o Brasil com uma série de normas, que viessem a
regulamentar toda a espécie de relação dentro da colônia levou Portugal a estabelecer em solo
verde-amarelo a chamada Ordenação Afonsina, primeiro código a entrar em vigor em nossas
terras.
Parte da preocupação de nossos colonizadores deveu-se, principalmente, aos relatos dos
padres que aqui residiam sobre o tipo de relacionamento amoroso comum no Brasil. Em carta
enviada ao rei de Portugal em 1553, Padre Nóbrega descreve: “Nessa terra há muitos homens que
estão amancebados e desejam casar-se com suas mulheres [...] Já tenho dito que nos alcancem
estes casos dos homens que andam nessas partes de infiéis” (SERAFIM apud KOSOVSKI, 1983,
p. 99). O pároco acrescenta que alguns homens, por não obedecerem a uma regra explícita,
acabam assumindo “compromisso” com duas mulheres ao mesmo tempo, muitas vezes até da
mesma família.
As leis Afonsinas desdobraram-se nas leis Filipinas, também chamada de Ordenação
Filipina. As leis provenientes dessa ordenação passaram a promover principalmente a harmonia
das relações familiares. Porém, repousava sobre o Código Português a questão da hierarquia
social, isto é, aquele que pertencesse à burguesia ou fosse membro integrante do governo
português no Brasil possuía sempre mais privilégios.
40
Quanto à questão do adultério, estava estritamente ligada à questão da classe social. Se
alguma pessoa pertencente à fidalguia cometesse adultério, provavelmente não sofreria nenhuma
sansão penal.
Em nome da boa ordem familiar, o comportamento da mulher passou a ser extremamente
regulado pelas leis das Ordenações Filipinas. A mulher devia zelar pelos valores morais em
qualquer ocasião de sua vida. Enquanto solteira deveria primar pelo comportamento casto e,
depois de casada, manter-se sempre honrada de modo a preservar o nome de seu marido.
Assim, a adúltera era punida com a morte, da mesma forma que seu amante. Mas a
infidelidade podia ser castigada mediante a comprovação do fato. o adultério do marido
acarretava o degredo em alguma colônia portuguesa e o confisco dos bens por quarenta dias. Vale
lembrar que a pena de morte para a mulher adúltera poderia ser revogada caso a denúncia do
adultério partisse de outra pessoa que não o marido; neste caso, a mulher era punida com o
degredo na África.
“Dentre os motivos que apareceram arrolados como causas de separação, o adultério
sempre mereceu destaque especial pois opunha-se às noções de fidelidade, de
coabitação e de ajuda mútua, princípios reguladores do casamento e do equilíbrio
familiar interno. O homem e a mulher, quando adúlteros, rompiam o equilíbrio e
violavam a honra conjugal, praticando, portanto, injúria grave.” (SAMARA, 1998, p.
72).
Longe de conseguir regular com rigor o comportamento feminino, as Ordenações
Filipinas, na ânsia de oprimir as mulheres, acabaram contribuindo para que muitas esposas
mantivessem relações extraconjugais, buscando uma realização de sua sexualidade que não
poderia ser satisfeita no círculo da família patriarcal.
Com a Independência do Brasil, foi criado um novo código que não ficasse tão preso às
amarras de Portugal. Assim, em 1830 têm-se constituído o Código Criminal do Império, no
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qual o crime de adultério passava a ser descrito em quatro artigos que deveriam ser estritamente
obedecidos em nome da segurança do estado civil e doméstico.
As leis do Brasil independente determinavam que a mulher adúltera e seu amante
deveriam cumprir pena em regime fechado de um a três anos. Nesse caso, a acusação do crime só
podia ser feita pelo cônjuge traído, não sendo considerada a palavra de outras pessoas, salvo
como testemunhas do ato do adultério. Ao marido ficava reservada a mesma pena, se este
mantivesse relações com concubina a quem sustentasse.
Com o advento da República, novamente há uma mudança na Legislação Brasileira.
Porém, o adultério continuava sendo considerado como parte do Código Penal, definido como
“crime contra a segurança da honra, honestidade das famílias e ultraje público ao pudor”.
As sanções contra o adultério encontram-se definidas em três artigos, prevendo para a
mulher adúltera e seu cúmplice pena de um a três anos. Porém, a delação poderia ser feita em
até três meses, contando da data do flagrante, caso contrário, o crime prescreveria. As leis
previam que o perdão do marido extinguia todos os castigos legais.
Finalmente, no Código Civil de 1916 é equiparado o adultério feminino ao masculino. Em
1940, com a criação de um novo Código Penal, as penas relativas ao adultério foram atenuadas
contando como detenção de quinze dias a seis meses para ambos os cônjuges infiéis. A ação
pode ser impetrada pelo cônjuge lesado, e dentro de um mês a contar do conhecimento do fato.
Em 1969, um novo código foi criado mas, para o adultério, as punições não foram
modificadas. Atualmente, com a lei do divórcio prevista na Legislação Brasileira, o crime de
adultério foi abolido do Direito Penal e pouca importância conta para o Direito Civil, que
havendo o conhecimento da infidelidade, o cônjuge pode entrar com o pedido de divórcio.
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2.5. As religiões e o adultério
Quando se pensa em definir o ato do adultério através do pensamento religioso, temos que
considerar primordialmente a Bíblia Sagrada como sendo fonte rica de citações sobre tal tema.
Analisando mais profundamente a visão cristã sobre este fato, percebe-se que o verdadeiro
sentido que leva à condenação do adultério encontra-se voltado para a questão familiar.
Não tem-se somente a Bíblia como fonte de documento histórico e religioso a analisar as
relações familiares; o Alcorão, livro religioso e jurídico dos muçulmanos, contém preceitos
bastante rígidos sobre a vida em família.
No entanto, chama a atenção mais uma vez a posição da mulher, colocada sempre numa
forma subordinada aos desígnios do chefe supremo familiar o marido. Tanto a Bíblia quanto o
Alcorão tornam-se mais um exemplo da fundamentação patriarcal que rege a sociedade desde
épocas remotas.
Para uma melhor compreensão desta ideologia, é preciso que seja considerada a divisão
da Bíblia em Antigo e Novo Testamento. Nota-se que os preceitos relativos ao adultério recebem
um enfoque muito mais ameno no Novo testamento, visto que era doutrinada pelo pensamento
humanitário difundido na passagem de Jesus pela Terra.
De qualquer forma, toda a visão envolvendo o fato do adultério o considera um crime
extremamente condenável, não correspondendo apenas ao ato físico, mas também relacionando-o
aos desejos e pensamentos. O fato a ser ressaltado diz respeito justamente ao adultério da mulher,
sempre considerado como mais grave do que do homem.
O primeiro registro condenando o adultério encontra-se no Decálogo ou Dez
Mandamentos. O sétimo Mandamento deixa explícito o seguinte preceito: “Não adulterarás”;
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ainda no Êxodo, capítulo 20, versículos 14 a 17, encontra-se o reforço desse pensamento, ao ser
definido que o homem não cobice a casa ou a mulher de seu próximo.
No Capítulo 20 de Levítico, tem-se enfim a punição para aqueles que cometem o crime de
adultério, considerando que aqueles que cometem tal falha devem ser castigados com a pena de
morte, não excluindo aí a culpa do homem ou da mulher que comete adultério.
De todos os livros do Pentateuco, Números é aquele que apresenta a mais extrema forma
de castigo contra a mulher. Segundo a visão apresentada nesse livro, o adultério oculto poderia
ser confirmado através de provas nomeadas como Ordálias, “águas da maldição”, que uma vez
bebidas pela mulher adúltera, inchariam seu ventre e apodreceriam suas coxas. Além da infâmia
sofrida pela mulher, esta ainda teria deformado o seu corpo, sendo conhecida por todos como
leviana.
O Deuteronômio faz alusão ao adultério em dois de seus capítulos – o quinto e o vigésimo
segundo. No Capítulo 5, simplesmente recomenda que o homem não deseje ou fornique com a
mulher do próximo, confirmando assim, o Sétimo mandamento. Já o Capítulo 22 prevê a pena de
morte para ambos os adúlteros. Nesse capítulo, é encontrada a menção ao crime de estupro contra
mulher. O Deuteronômio prevê que sendo uma mulher vítima de estupro em local ermo, onde não
poderia ser socorrida, esta seria perdoada. Porém, se tal violação ocorrer dentro da cidade, a
mulher deve ser condenada ao apedrejamento, visto que consentiu com o crime, pelo fato de não
pedir socorro.
Provérbios e Eclesiástico são uma apologia às maldições dos artifícios femininos. Os
Capítulos 5, 6 e 7 de Provérbios fazem referência ao adultério, considerando que ambos, homem
e mulher, deviam fugir do amor impuro, pois cedendo às “loucuras do coração”, perderiam a
alma. No entanto, os textos reforçam que o homem deve guardar-se da mulher alheia e estranha,
não deixando-se levar pela língua da mulher má. Da mesma forma, o Eclesiástico condena
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somente a mulher que será eternamente desonrada caso deixe o seu lar ou ao seu marido um
herdeiro fruto de um relacionamento adúltero.
Considerando os preceitos do Novo Testamento, encontramos no Evangelho de São
Mateus não mais a pena de morte para o ato do adultério, mas sim, o divórcio. Este Evangelho
determina que toda mulher repudiada pelo marido, pelo fato de ter sido infiel, é considerada
adúltera por toda a sua vida. Da mesma forma, o homem que vier a ter relações com tal mulher
repudiada, mesmo sendo esta não mais casada, será também considerado adúltero.
O Capítulo 10 do Evangelho de São Marcos define que qualquer homem ou mulher que
contrair casamento pela segunda vez, após ter sido repudiado, comete adultério contra o cônjuge
do primeiro matrimônio. O Evangelho de São Lucas completa esse pensamento, determinando
que o homem que contrai núpcias pela segunda vez, após repudiar sua mulher, comete adultério.
No mesmo Evangelho de São Lucas encontra-se o episódio da pecadora arrependida, no
qual Jesus condena o julgamento impróprio da sociedade e apregoa o perdão. Baseado nesse
pensamento, o Evangelho de São João, pela primeira vez, considera como possível o perdão da
mulher adúltera.
Atualmente, o adultério não é somente enfocado pelas determinações bíblicas. Ambas as
igrejas Católica e Anglicana baseiam seus preceitos segundo as leis do Direito Canônico. O
conceito de tal direito é semelhante, mas não idêntico ao modelo legislativo e judicial do
ocidente. O Direito Canônico está diretamente relacionado ao dia-a-dia de milhares de fiéis,
servindo, por exemplo, hoje em dia, para discutir a validade de um casamento realizado na Igreja.
O atual código canônico foi promulgado pelo Papa João Paulo II no ano de 1983,
substituindo o código anterior, datado de 1917, que fora promulgado pelo então Papa Bento XV.
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Segundo o Direito Canônico, o adultério representa primeiramente a violação da ordem
social, da lei moral, sendo não só um pecado contra o ideal de castidade, mas também, tornando-
se um delito pela injúria ao cônjuge.
O Direito Canônico, ao definir as regras que regem o matrimônio, considera a
possibilidade de rompimento do casamento, caso seja confirmado o adultério de um dos
cônjuges. Porém, esse rompimento não constitui a invalidação do casamento, apenas o divórcio
da lei dos homens.
Considerando a mulher totalmente inferior ao sexo masculino, o Alcorão prevê penas
severas para o adultério feminino, considerando que o homem muçulmano pode contrair vários
casamentos através da poligamia.
Na lei muçulmana, as penas para a mulher adúltera variam do repúdio por seu marido ou
cem chibatadas na esposa infiel e seu cúmplice, fato que ocasionalmente torna-se uma pena de
morte, visto que muitas mulheres não conseguem resistir com vida ao castigo.
Com a evolução histórica, o Alcorão foi ficando cada vez mais distanciado da realidade e
revelou a sua incapacidade para reger a vida social. Atualmente, uma série de jurisconsultos
muçulmanos têm tentado conciliar o velho texto com a realidade, porém as penas para o crime de
adultério não foram revogados.
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3. A FAMÍLIA, O GÊNERO E OS PAPÉIS SOCIAIS – UMA VISÃO DE A FALÊNCIA:
“A estrada está deserta ...
Alguma sombra escassa
Buscando o pássaro perdido.
Morro acima. Serra abaixo.
Ninho vazio de pedras
Eu avante na busca fatigante
De um mundo impreciso,
Todo meu.
Feito de sonho incorpóreo
E terra crua”
Cântigo primeiro de Aninha/
Cora Coralina
Família, sociedade e suas relações caminhos que parecem inevitáveis para formar a
estrutura do homem. Desde os primórdios da humanidade, nos damos conta que assim que
nascemos nos encontramos inseridos em um sistema de valores e regras que regulam a nossa
conduta e, muitas vezes, o nosso comportamento.
À medida que crescemos e adquirimos maturidade, tomamos consciência de nossos atos e,
pouco a pouco, vamos interiorizando as leis do que é certo e do que é errado, a fim de moldarmos
nosso caráter e as linhas da nossa personalidade.
Assim, nossas vontades e sentimentos mais interiores são domados pelo forte sentimento
de coletividade que nos cerca. Nesse momento é perceptível que a natureza acaba por ceder à
forte influência da cultura e à presença latente das organizações sociais.
Desta forma, a conduta humana passa a ser moldada pela discussão entre os membros que
dela pertencem, mas principalmente pelas leis sociais, pela religião, pela família, etc... Sem
perceber, acabamos fazendo parte de um esquema social invisível, capaz de inculcar padrões e
determinar formas de comportamento que se encaixem dentro das regras sancionadas pela
sociedade.
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Todo este condicionamento acaba também aplicando-se a uma distribuição de papéis que
define uma divisão socialmente construída entre os sexos. A determinação de condutas relativas a
cada sexo passa a ser explicada por teses que se baseiam na diferença sexual anatômica entre os
seres. Assim, a carga biológica acaba sendo usada como desculpa para a padronização de
modelos que diferenciem socialmente o sexo masculino e o sexo feminino, “os corpos
compreendidos como recipientes passivos de uma lei inoxerável” (BUTLER, 2003, p.26).
Segundo Pierre Bourdieu em A dominação masculina, esta divisão sócio-cultural
instalada entre os sexos é baseada em uma ótica que “adquire todo um reconhecimento de
legitimação” (BOURDIEU, 2005, p. 17). A máquina simbólica encontra em nossas próprias
atitudes um terreno fértil para plantar seus modelos de conduta; assim, quando repetimos os
padrões sociais desejados pelo meio, acabamos concordando com as afirmações usadas com o
fim único de segregar os sexos.
É desta forma que o gênero é construído, tornando-se comum, através de nossos
costumes, conferido em nossas atitudes, tornando-se então nada mais, que um “produto social,
aprendido, representado, institucionalizado e transmitido ao longo das gerações” (HOLLANDA,
1994, p. 15).
Pode-se, assim, dizer que o gênero também é aprendido através de um processo de
educação destinado ao ensino de diferentes valores a meninos e meninas. Vale lembrar que o
processo educativo aliado à construção do gênero não se refere meramente à instrução aprendida
nas escolas, mas principalmente, a todo um procedimento no qual as crianças são orientadas a
seguirem um tipo de comportamento condizente com o sexo ao qual pertencem. Segundo Guacira
Lopes Louro (In: PRIORE, 2000, p. 456)
"Gênero não pretende significar o mesmo que sexo, enquanto sexo se refere à
identidade biológica de uma pessoa, gênero está ligado a sua construção social (...) os
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sujeitos se produzem em relação e na relação, enfatizando assim os processos de
formação de feminilidade e da masculinidade."
Em O segundo sexo, Beauvoir denuncia este esquema de educação ao pronunciar a
famosa frase “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher” (BEAUVOIR, 1980, p. 9). A autora
recusa-se a aceitar a tese da explicação biológica usada como meio de confirmar a diferença entre
os sexos. Para Beauvoir, o gênero era o resultado de uma construção que começava desde a tenra
infância, sendo desde os primeiros anos, sua vocação imperiosamente ditada” (BEAUVOIR,
1980, p. 10).
Madame d’Epinay, que viveu no século XVIII, afirma que “a mulher é um ser de cultura,
moldada pela educação” (apud BADINTER, 1991, p. 31); insurge-se, assim, contra a tese de
Diderot, na qual as mulheres seriam determinadas pelo útero. Analisando as opiniões sobre a
condição da mulher na época, d’Epinay propõem a tese de igualdade entre os sexos, focalizando a
importância da instrução feminina em prol de sua emancipação intelectual.
Ao propagar suas idéias, d’Epinay acaba também se opondo à Emille (1762) de Rousseau,
visto que tal obra, ao descrever certos aspectos relativos à educação dos infantes, acabava por
reforçar a condição da mulher como um ser inferior na sociedade: “A mulher é feita não para si
mesma, mas ‘para agradar ao homem...’ ‘para ser subjugada por ele...’ ‘para lhe ser agradável...’
‘para ceder e para suportar até mesmo a sua injustiça’ (ROUSSEAU apud BADINTER, 1985,
p. 242).
A partir da primeira afirmação de Beauvoir em O Segundo sexo a experiência vivida
(1980, p. 9), começa a ser pensada a questão do comportamento padrão relacionado ao sexo
feminino. Ao serem socializados os infantes, nota-se que as meninas, em especial, acabam sendo
relegadas a um papel secundário, associado às condições de dependência e de passividade.
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Para se entender a concepção de inferioridade feminina, basta ter em mente a idéia de que
o mundo é regulado e controlado por um Deus todo-poderoso, personificado na figura do Pai de
todos os seres humanos. Desta forma, é associado à idéia do homem, um ideal de superioridade e
onipotência.
Tal pensamento contrapõe-se severamente a idéia da “mulher Eva”, causadora dos
infortúnios humanos pela sua desobediência às leis do Pai. Assim, a mulher fica “condenada a
pagar eternamente pelo erro de Eva, a primeira mea, que levou Adão ao pecado e tirou da
humanidade futura a possibilidade de gozar da inocência paradisíaca” (ARAÚJO In: PRIORE,
2000, p. 46).
Ao longo da história percebemos que os valores relacionados à fraqueza feminina foram
generalizados através de uma série de pensamentos que determinavam papéis distintos a serem
vivenciados pelos sexos masculino e feminino e que, conseqüentemente, subordinava, a mulher
ao homem. Ao punir Eva, Deus promove o homem a uma posição de crescente superioridade
sobre as mulheres: “Seus desejos serão os de seu marido e ele te comandará”.
O apóstolo São Paulo foi um dos primeiros homens a manifestar a sua opinião acerca da
diferença ideológica entre os sexos. Em sua Epístola dirigida aos Efésios, ele conclui que “as
mulheres estavam sujeitas aos seus maridos como ao Senhor, porque o homem é a cabeça da
mulher, como Cristo é a cabeça da igreja” (Efésios 5: 22-24).
Posteriormente, Santo Agostinho confirma a superioridade masculina ao afirmar que o
homem era governado por uma sabedoria divina própria, visto que ele tinha sido criado a imagem
e semelhança de Deus Pai. Por outro lado, a mulher, deveria ser governada pelo homem, por ser
considerada apenas uma parte deste.
As filosofias sociais em muito contribuíram para a divulgação do pensamento que
relegava a mulher a um plano secundário. O Positivismo de Augusto Comte, por exemplo,
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considerava que a sociedade era formada apenas por homens, visto que a mulher em nada
contribuía para a elevação da humanidade, já que estaria sempre “condenada à inferioridade pelas
leis irrevogáveis da natureza” (RIBEIRO JR, 1985, p. 37). De acordo com Saffiotti, o Positivismo
“desvincula os papéis femininos, segrega os sexos, reserva a idealização da cultura objetiva ao
homem” (SAFFIOTTI, 1987, p. 32).
Em A origem das espécies, Darwin não deixa de fazer considerações acerca das diferenças
entre os sexos. Para tanto, ele toca preferencialmente no ponto relativo ao intelecto desenvolvido
por ambos os sexos. Segundo Darwin, “o homem atinge em tudo o que empreende, um ponto ao
qual a mulher não pode alcançar” (apud MONTEIRO, 1990, p. 53).
Em 1891, o Papa Leão XIII declara em sua Encíclica intitulada Rerum Novarum que a
natureza feminina encontrava-se diretamente relacionada aos trabalhos domésticos. Sendo assim,
a mulher deveria manter-se presa às amarras do patriarcado, pois a família nada mais era do que
uma instituição governada exclusivamente pelo pai.
Baseada em tal concepção, ainda em 1891, a Suprema Corte Argentina determina que as
mulheres não têm capacidade civil necessária para agir de acordo com a sua vontade, devendo
permanecer sob a tutela e o olhar vigilante de seus maridos. Do mesmo modo, no Brasil,
prevaleceu até 1916 o Código Civil, que colocava as mulheres como “menores perpétuos sob a
lei” (PINTO, 1990, p. 22), as situando no mesmo patamar civil das crianças.
Condicionada por tais pensamentos, a humanidade vai interiorizando uma forma de
socialização, na qual a mulher deverá assumir uma identidade servil, enquanto ao homem caberá
a divulgação de todos os feitos heróicos, que venham a contribuir para a formação e evolução da
sociedade.
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“A mulher é A Bela Adormecida, Cinderela, Branca de Neve. Nas canções, nos contos,
vê-se o jovem partir aventurosamente em busca da mulher; ele mata dragões, luta contra
gigantes, ela se acha encerrada em uma torre, um palácio, um jardim, uma caverna,
acorrentada a um rochedo, cativa, adormecida, ela espera”.(BEAUVOIR, 1980, p. 33)
A mulher fica relegada à posição de permanecer nos bastidores, escondida em sua
natureza, determinada pela fragilidade de seus órgãos sexuais. Muitas vezes, parece que o
verdadeiro destino de mulher, enquanto ser vivo, não se inscreve no que os livros de biologia
ensinam; ao invés, de “nascer, crescer, reproduzir e morrer”, como qualquer ser humano, a
mulher deve “nascer, crescer, casar, reproduzir, ser mãe e morrer”. Assim, a finalidade impressa
no papel do casamento e da maternidade é inserida dentro do esquema biológico feminino, de
modo a determinar às mulheres atitudes moldadas pelas convenções sociais.
Partindo da idéia do conservador prussiano Heirich von Treitschke, historiador protestante
do século XIX, que considera que a “verdadeira vocação da mulher será sempre a casa e o
casamento” (THERBORN, 2006, p. 46), conclui-se que a mulher acaba sendo condicionada ao
seu papel biológico e social ao aceitar a idéia de que a sua função na sociedade é ser
simplesmente esposa e mãe.
Pouco a pouco, a mulher vai aprendendo que a sociedade espera que ela considere o
casamento como sua meta mais importante. Ao contrair casamento, espera-se que ela sua
parcela de contribuição à sociedade, gerando filhos. Com o nascimento da prole é preciso que a
mulher cumpra mais um importante papel – educadora.
É justamente ao educar uma criança, que a mulher acaba cristalizando modelos que se
encontram inscritos na própria segregação que a coloca como um ser à parte na sociedade. É
nesse sentido que podemos concluir que “os dois sexos participam da mesma ideologia”
(D’AVILA NETO, 1980, p. 29).
52
É evidenciada a importância da própria linguagem na inculcação de valores estritamente
femininos, como por exemplo, a virgindade. Quando a sociedade usa a palavra moça ao se referir
a uma jovem, espera-se que ela não tenha vivido experiências sexuais. Assim, “o uso da palavra
‘mulher’ associada a uma jovem solteira, adquire uma conotação depreciativa, podendo equivaler
à vagabunda, prostituta” (LEITÃO, 1988, p. 62). Tem-se como exemplo na literatura brasileira a
personagem Lúcia, do romance Lucíola de José de Alencar, que ao ser tomada pelo provinciano
Paulo como uma moça, acaba sendo definida por como uma “mulher bonita” (ALENCAR,
2002, p. 15).
Na verdade, desde a infância, assim como ocorre com as meninas, os rapazes são também
influenciados por uma ideologia dominante que os conduz a exercer certos papéis na sociedade.
Ao menino são associadas imagens de força e de poder que podem ser observadas
principalmente através das brincadeiras, muitas vezes baseadas em atos agressivos necessários
para se conquistar honra e glória.
Segundo Beauvoir, a ideologia corrente relegada ao papel masculino é a de inibição de
sentimentos. O ditado popular “Comporte-se como um homem!” explicita a idéia de que o
homem não pode demonstrar fraqueza ante as dificuldades.
“Ao menino proíbe-se até o coquetismo: um homem não pede beijos [...] um homem
não se olha no espelho, homem não chora, dizem-lhe. Querem que ele seja um
homenzinho, e é libertando-se dos adultos que ele conquista o sufrágio deles”
(BEAUVOIR, 1980, p. 12)
Sendo aquele que será responsável direto pelo sustento da família enquanto provedor
oficial, ele garante seu papel de liderança [...] legitimando a dominação masculina sobre os
demais membros do grupo familiar” (ARAÚJO; SCALON, 2005, p. 47).
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As desigualdades entre o sexo masculino e feminino são socialmente legitimadas. Basta
consultarmos alguns dicionários e enciclopédias para percebermos o teor de tais distinções;
assim, encontramos definições do vocábulo mulher como “a fêmea do homem” (La Grand
Enciclopédia) e como “ser humano do sexo feminino que concebe e dá luz a filhos(Dictionaire
Petit Robert); enquanto homem é definido como “ser humano do sexo masculino, varão, dotado
de qualidades viris, macho” (Dicionário de Língua Portuguesa Aurélio Buarque de Holanda).
É notável, portanto, que a mulher é mais uma vez definida em função de seu papel e de
sua subordinação ao sexo masculino, sendo considerada a “eterna costela” do homem.
A discussão sobre a disparidade existente no meio familiar, com sua arbitrária distinção
social entre os sexos, pode ser notada na obra de Júlia Lopes de Almeida. A maior parte de seus
romances são construídos dentro de um ambiente familiar, onde podem ser ouvidas as múltiplas
vozes do discurso em relação à problemática do gênero.
É claro que devido à época em que escreve final do século XIX e início do século XX
não podemos esperar grandes discussões dispostas a derrubar os parâmetros difundidos pelo
esquema do gênero. Porém, podemos sentir certas críticas sutis através de trechos que denunciam
a submissão feminina.
São nítidas as vezes em que durante a leitura de seus romances ou crônicas, podem ser
percebidas as distinções dos papéis sociais a serem seguidos pela sociedade burguesa, espaço
central de suas tramas.
Convém aqui chamar a atenção para uma obra em especial – O livro das noivas
destinado à educação das jovens da época. Este livro revela nuances de matiz conservador, no
qual à mulher cabia o cuidado com o lar, marido e filhos. A boa execução de sua função,
enquanto rainha do lar, garantia a manutenção do casamento e, por conseguinte, a união familiar.
Para tal, é preciso que a mulher aceite seu papel subordinado junto ao homem: “É nosso esposo
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quem nos conduz pelo braço; é firmado no seu nome, na sua honra, na sua dignidade que o nosso
espírito descansa e que nos vemos cercada de respeito” (ALMEIDA, 1896, p. 17).
O grande objetivo da mulher era alcançar a verdadeira proteção através do casamento.
Para muitas, tornar-se esposa constituía um destino inevitável, reservando à mulher um certo
status perante àquelas que permaneciam solteiras: “O título de esposa era um rótulo de honra.
Dizia ao mundo em alto e bom tom que alguém tinha cumprido o seu destino natural” (YALOM,
2002, p. 13).
Em muitos romances de Júlia, percebe-se a importância do casamento para a vida da
mulher, com o principal fim de obter uma proteção segura para o resto de seus dias. Logo no
primeiro romance da autora, Memórias de Marta (1889), a mãe da protagonista discorre sobre o
alívio que teria ao ver a filha casada com um homem honesto e de respeito, pois “a reputação da
mulher é essencialmente melindrosa” (Almeida, 1889, p. 142).
O tema do casamento é apenas uma das formas encontradas pela autora para apresentar as
diferenças que caracterizam os sexos. Em termos gerais, a autora nos apresenta através de suas
personagens certas posturas que determinam os espaços reservados ao sexo masculino e ao
feminino.
Em A família Medeiros, Júlia Lopes denuncia o verdadeiro papel da mulher em seu meio,
através da carta de despedida de Madame Gruber, preceptora da personagem Eva.
“Não se deixe prender, como tantas outras mulheres inteligentes do nosso tempo e da
sua instrução, pelos assuntos guindados das teses sociais; deixe tais argumentos à
competência e à prática dos homens; o seu concurso não iria, com certeza, abalar as leis
estabelecidas e, ainda por cima, comprometeria a sua vida intima. Uma mulher com
pretensões dogmáticas neste meio é, aos olhos dos outros, uma ridícula, e aos seus
próprios olhos, uma infeliz” (ALMEIDA, 1919, p. 86).
Como pode ser observado, a mulher deve conformar-se com seu papel social a fim de
preservar o seu valor perante a sociedade. Neste caso, ser a precursora de idéias avançadas e
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contestadoras poderia ser um problema para a reputação da mulher da época. O ideal seria seguir
o que a sociedade esperava da mulher: acomodar-se no papel de rainha do lar, colocando tal
pretensão “à frente de seus interesses individuais” (SAMARA, 1989, p. 94).
Discurso idêntico é proferido pela personagem Jordão em A Silverinha crônica de um
verão, ressaltando que uma senhora casada não teria o direito de se apresentar em público em
oposição às idéias do marido (ALMEIDA, 1914, p. 135). Tem-se, neste romance, a visão
religiosa em relação à família representada através da figura do padre Pierre; a personagem
reduplica os valores patriarcais da época, alegando que o lugar de uma senhora casada era ao lado
do marido, “procurando ser esposa dedicada e mãe fecunda” (ALMEIDA, 1914, p. 154).
Nota-se que a moral pregada pela igreja Católica tratava de aliar o ideal de feminilidade à
maternidade. Assim, as mulheres acabavam por serem “orientadas em função dos outros e não, de
si mesmas” (ROCHA-COUTINHO, 1994, p. 29).
Outro ponto extremamente relevante nas obras de Júlia diz respeito à educação dos
infantes. Considerando a época em que a autora construiu sua produção literária, a educação das
moças voltava-se para os afazeres domésticos.
Quanto à escolarização, por muito tempo a mulher se viu obrigada a viver como
espectadora da instrução fornecida aos rapazes. No currículo dirigido aos meninos, contava o
ensino de gramáticas de várias línguas, história, geografia, ciências. Em 1882, é assentado um
Plano geral de organização de ensino com o objetivo de difundir a importância da escolarização
das moças. Porém, com um currículo diferenciado daquele apresentado aos rapazes, a educação
dirigida às moças tentava contrabalançar a instrução aprendida através de poucas matérias com o
aprendizado de prendas domésticas.
Porém, a maioria das famílias ainda parecia relutante em relação a uma educação
oferecida fora do lar, tanto que a maioria das meninas permanecia na escola no máximo até os
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treze anos, pois “a instrução poderia colocar em risco o esquema de controle exercido sobre as
esposas e filhas semi-ociosas” (QUINTANEIRO, 1995, p. 168).
Contradizendo a visão corrente da época, Júlia Lopes de Almeida procura um melhor
destino para as prendas ensinadas às meninas. Ela mostra que a mulher poderia conseguir o seu
sustento fazendo uso dos dotes domésticos.
O romance A intrusa mostra como a mulher da época poderia sustentar-se, em um
momento de eventual dificuldade. A personagem Alice usa suas habilidades domésticas de modo
a conseguir manter-se. Com a ausência da figura masculina em sua vida, ela não alternativa
que não seja o trabalho. Neste romance, em especial, fica latente o discurso ligado à separação
dos papéis sociais. Argemiro, o patrão viúvo, mostra não ter competência para administrar o seu
próprio lar, afinal, os homens não foram educados para esses fins. Por outro lado, fica evidente a
falta de experiência de Alice em não saber negociar um salário à altura de seu serviço.
O romance epistolar Correio da roça também ressalta o uso das prendas domésticas em
prol do sustento através do trabalho digno. Júlia se serve das cartas trocadas entre duas amigas
Maria e Fernanda – para enaltecer a importância do trabalho doméstico. Encontramos uma severa
crítica da autora ao pensamento que considerava as prendas do lar como um mero instrumento
para ressaltar as habilidades femininas nos salões. Assim, na primeira carta de Maria à Fernanda,
encontra-se o seguinte pensamento em relação à educação de suas filhas: “De que valerão agora
as prendas com que se ornaram para brilhar na sociedade?” (ALMEIDA, 1987, p. 30)
De fato, Júlia procura sempre exaltar em sua obra a transformação que o trabalho poderia
ocasionar na vida de uma pessoa. Porém, vale mais uma vez ressaltar que as personagens
femininas de Júlia, em nenhum momento, ousam atravessar as barreiras sociais que relegam a
mulher o espaço do lar.
57
Na primeira edição da revista A mensageira, Júlia declara que “as aptidões femininas
poderiam ser aproveitadas em atividades remuneradas que pudessem vir a auxiliar a família sem
detrimento do trabalho do homem” (In: ALAMBERT, 1998, p. 92).
Ao pensar desta forma, Júlia acaba por difundir um pensamento atual no qual
“a dicotomia dos papéis sexuais é entendida em termos de complementaridade e
funcionalidade, no qual a especialização dos papéis visaria a manutenção da família
através da solidariedade entre seus membros” (SORJ In: ARAÚJO&SCALON, 2005, p.
125).
Como pode ser observado, a obra de Júlia é construída de modo a mostrar sua
preocupação com questões sociais relevantes, tais quais a profissionalização feminina, a união
familiar e a educação transmitida através das gerações.
3.1. A família em A falência – papéis sociais em jogo
O estudo sobre a família constitui-se como um tema complexo a ser analisado a partir de
uma visão global. É preciso ter em mente as mudanças que caracterizaram as famílias ao longo
dos séculos. Neste caso, deve ser considerado que a estrutura familiar se ajustava de acordo com
a classe a qual pertencia, fato tal que diferenciava a absorção das regras sociais de modo a
servirem às suas conveniências mais urgentes.
Assim, certas normas extremamente importantes em uma família burguesa, poderiam, por
exemplo, não gozar de tanta consideração em uma família de camponeses.
O que realmente chama atenção é o fato de que a família constitui-se como um organismo
vivo, constituindo-se como excelente fonte de pesquisa por representar um reflexo da vida em
sociedade, seus costumes, suas mudanças.
58
Segundo Maria Lúcia Rocha-Coutinho em Tecendo por trás dos panos “a família humana
é uma construção social, uma superação da família biológica (macho-fêmea-crias)” (1994, p. 27).
Partindo dessa visão podem ser analisadas as relações que se constituem dentro desta
instituição; faz-se necessário um entendimento sobre a construção ideológica fomentada no meio
familiar, reservando espaços diversificados aos membros que dela pertencem. Além disso, as
próprias leis sociais, que vão sendo gradualmente incorporadas pela sociedade são, na maioria
das vezes, frutos de idéias que se cristalizaram dentro da família.
Assim, a família vai se constituindo como um espaço aberto pelo sexo e pelo poder, e o
melhor exemplo desta afirmação reside nas relações existentes dentro da chamada família
patriarcal que por tanto tempo, dominou o cenário social brasileiro.
De acordo com Elizabeth Badinter, “o patriarcado não designa somente uma forma de
família baseada no parentesco masculino e no poder paterno. O termo designa também toda uma
estrutura social que nasce de um poder do pai” (BADINTER, 1986, p. 95).
Como foi ressaltado no segundo capítulo, o patriarcado reservou à mulher um papel
secundário na sociedade. A viabilidade de uma vida fora do círculo familiar era conquistada
através da presença e da concordância do pai ou do marido. Assim percebe-se que a relação entre
o homem e a mulher no patriarcado é marcada pela assimetria de poder, promovendo as
desigualdades entre os sexos.
É importante notar que a distinção existente entre os membros da família, colocando o
homem como centro dessa instituição, reside essencialmente no problema da herança e na
necessidade de ser assegurada a transmissão dos bens aos filhos legítimos. Para tal, era preciso
manter a mulher enclausurada na esfera do lar, “transformada em esposa tutelada e subordinada”
(ENGELS, 1987, p. 59), a fim de evitar qualquer dúvida quanto à paternidade da prole.
59
De acordo com Rosaldo e Lamphere “o fenômeno do capitalismo não reside em regular as
ordens econômicas e políticas, mas comportamentos relativos a homens e mulheres, delimitando
valores diferentes para o masculino e o feminino” (LAMPHERE; ROSALDO, 1979, p. 75).
Confirma-se então a ideologia do gênero como sendo um produto cultural, impedindo o
direcionamento dos membros da família a outros papéis que não sejam os pré-determinados pela
sociedade.
Esta estrutura familiar, durante muito tempo, fez parte do cenário social brasileiro. O
estilo de colonização difundida no Brasil, baseada na exploração dos recursos naturais da terra,
originou uma economia de base latifundiária e escravocrata, que em muito contribuiu para a
consolidação da autoridade paterna e, por conseguinte, a dependência dos outros membros da
família de tal figura.
A principal característica desse tipo de família residia no tipo de organização familiar,
centrada fundamentalmente no núcleo domiciliar para “onde convergia a vida econômica, social e
política” (SAMARA, 1998, p. 11). O símbolo da casa grande passou a ser associado à estrutura
da família patriarcal, visto que o pai, a fim de conservar seus vínculos políticos, procurava manter
sob sua tutela um número infinitos de agregados e parentes, que se colocariam como seus aliados
definindo uma rede vasta de interesses.
Júlia Lopes de Almeida retrata muito bem as características dessa estrutura familiar em A
família Medeiros. Nesta obra, encontra-se a figura do pai autoritário representado pelo
comendador Medeiros, homem que não foge aos padrões tradicionais, procurando manter seus
interesses políticos e econômicos junto a outros senhores de fazenda, entre os quais o Coronel
Tavares, o fazendeiro Siqueira Franco, o Trigueirinhos, “homens capazes de intrigas, traições e
assassinatos para manter suas posições e convicções” (SALOMONI, 2005, p. 178).
60
Na época em que tal romance foi escrito, a sociedade brasileira passava por uma série de
transformações. Novas idéias vindas do exterior procuravam enaltecer valores relacionados à
família, valorizando a vida conjugal e uma maior privacidade entre seus membros.
Na verdade, as próprias mudanças estruturais ocorridas a partir da chegada da Família
Real no Brasil, contribuíram para a divulgação de informações que reafirmavam a necessidade de
mudança em nossos costumes. Com a remodelação do Rio de Janeiro pelo Prefeito Pereira
Passos, em meados do século XIX, a população vai sendo contagiada pela nova ordem urbana,
que edificava pouco a pouco, um pensamento reformador, baseado sobretudo no
desenvolvimento social do país.
Este panorama vai abrindo espaço para novas formas de socialização que acarretaram a
solidificação da família nuclear burguesa.
De acordo com Érica Schlude Ribeiro, “a nova mentalidade reorganizou as vivências
familiares, a forma de pensar e sentir o amor, valorizando o lar e a maternidade” (1999, p. 17). A
família torna-se o espaço de valorização da intimidade e a casa vai ganhando características de
lar, sendo o espaço familiar o local onde o homem encontra sossego e aconchego.
A mulher, glorificada no papel de mãe, assume o controle do seu lar, procurando garantir
a ordem e o conforto necessários à preservação da paz familiar. Na verdade, pode ser observado
que a posição da mulher junto à família em nada muda seu status na sociedade ela continua
enclausurada no lar, dependente da figura do marido. Assim, pode-se dizer que "as mulheres
continuavam sob o regime de dominação e submissão, na situação de serem protegidas e
mantidas. Não gerenciavam suas vidas, os maridos cuidavam de seus bens" (PORCHAT, 1992, p.
110).
61
De qualquer forma, vale ressaltar que mesmo começando a realizar o sonho do casamento
por amor, a mulher continua presa aos mesmos costumes de quando solteira, passando ao
controle do marido, “o pai social” (CAVALCANTI, 1987, p. 144).
"Acostumada à sujeição e à obediência, a mulher, pupila eterna do homem, não muda
de condição ao passar do poder do pai para o do marido... Vive enclausurada em meio
das mucamas, sentada no seu estrado, a coser, a fazer renda e a rezar as orações: os
bons costumes em que resume a sua educação" (MACHADO, 1930, p. 155).
Nessa época, o dote vigorou como um dos principais instrumentos de garantia de
casamento para a mulher, servindo como uma espécie de auxilio nas despesas do matrimônio.
Desta forma, homens se casavam com a moça que tivesse dote, e ela com o homem que provasse
que poderia sustentá-la.
Aliás, é confiando na possibilidade de ser sustentada eternamente pelo marido, que muitas
moças se resignaram em aceitar os acordos pré-nupciais que as levariam rumo a um casamento
sem amor. A possibilidade de permanecer solteira aterrorizava as moças, pois de qualquer forma,
amando ou não o marido, ao se casarem elas conseguiam um status diferente daquelas que
permaneciam solteiras. Assim, a “identidade da mulher passa a ser definida a partir de sua
condição civil. Não é a mulher que é valorizada e reconhecida como pessoa, mas é o papel de
esposa que lhe dá uma imagem social ...” (CAVALCANTI,1987, p. 110).
É nessa fase de transição entre casamento-negócio, casamento-amor, que Júlia Lopes de
Almeida constrói o cenário do romance em estudo A falência. Ela mostra uma incrível percepção
do meio em que vive, ao apresentar em sua narrativa personagens tão envolvidas com os modelos
pré-determinados pela sociedade.
Logo nas primeiras páginas tem-se o contato com o mundo público, espaço marcado pelo
trabalho e restrito ao mundo masculino. Corria então o ano de 1891, e o comércio do café crescia
62
em grandes proporções, tornando-se um dos negócios mais cobiçados por aqueles que desejavam
constituir riqueza.
Percebe-se que o mundo público descrito pela autora é essencialmente construído pela
presença masculina. É nesse espaço que se encontra Francisco Teodoro, português bem sucedido
que enriqueceu às custas do seu trabalho. É através da figura de tal personagem que Júlia Lopes
irá apresentar o pensamento corrente entre os homens da época, limitado por um discurso
tradicional que designava valores distintos para homens e mulheres, ajudando a reforçar a
ideologia do gênero.
Assim, contrapondo-se a esse mundo público, encontra-se o espaço do lar, o mundo
privado, marcado pela suntuosidade do palacete da família Teodoro. Chega-se então ao ponto
chave do romance: a presença da família, um dos temas de maior referência na obra de Júlia
Lopes.
É através da observação dos moldes familiares, que Júlia sutilmente se propõe a revisar
certos valores que impediam o desenvolvimento da estrutura familiar. Em A falência,
encontramos alguns questionamentos sobre os papéis tradicionais que definiam as relações dentro
da família, tais quais o casamento por conveniência, o ócio feminino dentro do lar, a ausência
paterna.
Ao longo do romance, podem ser percebidas algumas nuances que levam a visualizar as
imagens de uma típica família burguesa no final do século XIX: Francisco Teodoro, marido e pai
da família, coloca-se como o ser soberano de sua casa.
Fartura e conforto eram os principais lemas de sua existência, baseada em uma ambição
desmedida que será a causa de sua ruína financeira ao final do romance. Além disso, ao
fundamentar sua vida na importância de sua fortuna, Teodoro torna-se um ser ausente, e sem
63
perceber, acaba sendo o causador de problemas familiares, entre os quais a vaidade e adultério de
sua esposa e a falta de caráter do filho.
Porém, importava ao homem da época a sua posição na sociedade e, Francisco Teodoro
não fugia à regra. Sua reputação havia sido cristalizada principalmente pela riqueza produzida
pelo seu trabalho. Esta obsessão em ser reconhecido socialmente será um dos motivos pelo qual
ele se sentirá incentivado em contrair casamento. Junta-se a esse motivo, a preocupação em
resguardar sua expressiva fortuna através de gerações que carregassem o seu nome: “Para o que
lhe serviria o que juntara se o não compartilhasse com uma esposa dedicada e meia dúzia de
filhos que lhe herdassem virtudes e haveres?” (ALMEIDA, 2003, p. 44).
Tal comportamento remonta a tese de Engels em A origem da família, da propriedade
privada e do estado. Segundo o autor, “o poder que essa propriedade confere aos homens que a
possuem, define o fato de que os homens querem transferir essa propriedade a seus filhos varões”
(ENGELS, 1987, p. 53). Assim, levando em consideração as palavras de Engels, na qual o termo
“propriedade privada” significava “propriedade de um indivíduo ou de uma família, onde os
direitos de dirigi-la cabe a um dos proprietários”
(1987, p. 51), nota-se que a ordem pela qual a
família por muito tempo se viu constituída, baseou-se em uma estrutura capitalista que
preocupava-se sobretudo com os bens e com a herança.
A aflição de Francisco Teodoro em relação à manutenção de seus bens pode ser explicada
pela amargura de uma infância pobre, sem instrução e cheia de limitações: “A pátria esquecida
não lhe acenava com o mínimo encanto: a mãe morrera, a sua única irmã tinha-se recolhido a um
convento. Fechara-se uma porta sobre a sua meninice” (ALMEIDA, 2003, p. 43).
O matrimônio, em A falência, em nenhum momento é associado à referência do amor,
tanto que a idéia do casamento de Francisco Teodoro é sugerida por um médico para a
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“regularização de hábitos”. Vemos aqui mais uma função da família, além de assegurar a
perpetuação da espécie e de garantir a herança: regularizar hábitos.
Além disso, existe o problema da solidão, que começa a ser sentida pela personagem ao
perceber que em sua confortável casa na rua da Candelária “lhe faltava alguma coisa”
(ALMEIDA, 2003, p. 44). Essa concepção é dirigida à falta da presença feminina, que também é
abordada em outro romance de Júlia Lopes, A intrusa, através das palavras da personagem
Argemiro “uma casa sem mulher é um túmulo com janelas: toda vida está fora”. (ALMEIDA,
1994, p. 3)
O Positivismo, corrente filosófica largamente difundida na época da publicação do
romance, condena de forma veemente o celibato. Segundo Marina Colasanti em seu livro A nova
mulher, o solteiro para José de Alencar é uma espécie de aleijão social (1980, p. 177).
Assim é feito o casamento de Francisco Teodoro com Camila, por meio de Mattos, amigo
de Teodoro, que propôs todos os arranjos necessários à união do futuro casal. Tais acertos
colocavam em questão as vantagens financeiras que garantiriam definitivamente a realização do
matrimônio.
Apesar de existirem outras meninas na família, Camila foi a escolhida por ser "a filha
mais velha e a mais instruída" (ALMEIDA, 2003, p. 46). Nota-se que a autora deixa
subentendido que a necessidade em casar Camila relacionava-se a sua condição civil, que
sendo a filha mais velha, não poderia permanecer solteira por muito tempo.
A mãe de Camila, com “ares de rainha destronada” (ALMEIDA, 2003: 47), cumpre seu
papel, sabendo encaminhar Camila rumo a um casamento lucrativo, de modo que a filha tenha
garantido seu futuro através da proteção masculina. Em alguns momentos da conversa entre D.
Emília e Francisco Teodoro, pode ser percebida a nítida intenção da senhora em oferecer a filha
tal qual uma mercadoria a ser apreciada: “E a mãe começou a falar com um ar de sinceridade
65
muito demonstrativa. A cada instante o nome de Camila saia-lhe da boca como um elogio”
(ALMEIDA, 2003, p. 46).
Esta idéia da mãe como uma negociadora do futuro da filha é encontrada de forma
corrente na obra de Júlia Lopes de Almeida. Em A intrusa, temos a figura da personagem
Pedrosa, empenhando todos os seus esforços em arranjar um casamento lucrativo para a filha. O
mesmo fato ocorre em Memórias de Marta, como citado anteriormente, porém, com uma
maior preocupação quanto à reputação da filha. No romance A viúva Simões, a protagonista da
narrativa, Ernestina, influenciada pelos apelos de Luciano, seu namorado, empenha-se em
arranjar um casamento de valor para a filha Sara.
Percebe-se em Camila uma certa condescendência em relação à forma pela qual seu
matrimônio fora arranjado. Ela mesma colocara-se diante do pretendente personificando o perfil
de mulher da época: quieta e prendada.
Camila será, então, mais uma personagem na literatura brasileira do século XIX a contrair
o chamado “casamento de conveniência”, tal qual Virgília, personagem de Machado de Assis em
Memórias póstumas de Brás Cubas, que realiza um casamento de “maiores vantagens e menos
amor” (MACHADO apud BERNARDES, 1998, p. 61). Porém, de se notar a diferença de
necessidade entre as personagens de Machado e Júlia Lopes, visto que Camila precisava casar
para obter segurança para o futuro e, Virgília casa para continuar mantendo sua situação
abastada.
Apesar de haver certa empatia entre o casal, percebe-se que a união entre Camila e
Francisco Teodoro encontra-se longe de designar uma relação baseada no amor. Nota-se,
também, que embora haja a escolha por parte de um dos cônjuges (neste caso, o homem), o
conhecimento pré-nupcial (sob constante vigilância dos pais e parentes) foi insuficiente para que
fossem criados laços de amizade e intimidade.
66
Na verdade, mais do que o arranjo financeiro propriamente dito, a possibilidade do
casamento resguarda expectativas diferentes para homens e mulheres. Os homens “desejam para
esposa a mulher elegante, uma lady, como um cartão de visitas que desempenhe
profissionalmente o papel de esposa” (MURARO, 1996, p. 94).Observa-se tal fato na própria
narração do romance; mesmo com o passar dos anos, Camila era apontada por todo o Rio de
Janeiro como uma mulher formosa, fato tal que enchia Francisco Teodoro de orgulho e vaidade.
Além disso, homens como Francisco Teodoro esperam ainda que a mulher a luz a um filho
varão, dando continuidade ao nome da família.
as mulheres, segundo Simone de Beauvoir “procuram um homem que lhes pareça
superior a todos os outros, pela posição, mérito, inteligência; querem-no mais velho que ela,
tendo conquistado um local de destaque na sociedade” (BEAUVOIR, 1980, p. 87). A tia de
Camila, Itelvina, inveja a sorte da sobrinha ao admitir que “Mila deveria adorar o marido de
joelhos! Nesse tempo já não é fácil uma moça pobre e sem proteção encontrar um marido assim!”
(ALMEIDA, 2003, p. 63).
Formalizada a união, nota-se o afastamento dos cônjuges, com os anos de convivência.
Ambos reproduzem socialmente uma relação de aparências, fingindo viver o casamento perfeito.
Aos olhos da sociedade, este ideal familiar constituía-se mais pela presença da fortuna que pelo
entendimento entre marido e esposa.
Teodoro, no início do casamento, vive relações extra-conjugais, assim como Camila, que
após certo tempo de casada, acaba envolvendo-se com o médico da família, o doutor Gervásio.
A protagonista, apesar de levar uma vida humilde enquanto solteira, afeiçoa-se
rapidamente ao conforto produzido pelo trabalho de Francisco Teodoro. Suas origens vão sendo
gradativamente esquecidas, assim como suas visitas à casa das tias no morro do Castelo, local
onde havia residido antes de casar-se com Teodoro.
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A vaidade da protagonista é ainda enaltecida pela autora através de toaletes nobres, que
favorecem sua graça e elegância. Por outro lado, Teodoro começa a contrastar com a figura da
mulher, ao se deixar levar pelo vício do trabalho e pela ambição em constituir maiores fortunas,
encarnando, segundo as palavras de Elódia Xavier, o “burguês do famoso poema de Mário de
Andrade (“Ódio ao burguês”): ‘o burguês níquel, o burguês-burguês’, o que algarisma os
amanhãs” (XAVIER, 1998, p. 18).
A riqueza passa a ter um duplo objetivo: além de fornecer conforto à família, também
serve como uma espécie de exibição junto à sociedade. A casa da rua da Candelária, dos
primeiros tempos de casados, é substituída por um suntuoso palacete em Botafogo. A casa está
sempre aberta a grandes jantares, festas e recepções, onde Camila tem a oportunidade de exibir
sua fina toalete e Francisco Teodoro, a fortuna, pela qual enchia sua mesa com variadas iguarias
que encantavam as visitas
“Queria tudo à larga. Era uma casa a sua em que as roupas, as comidas e as bebidas
atafulhavam os armários e a despensa até a brutalidade. Dizia-se que no palacete
Teodoro os cozinheiros enriqueciam e que a vigilância trabalhosa de Nina não
conseguia atenuar a impetuosidade do desperdício” (ALMEIDA, 2003, p. 209).
Assim, todas as terças-feiras, a conselho do Dr. Gervásio, era o dia destinado às reuniões
de convidados no palacete dos Teodoro, mostrando que “o dinheiro à custa do trabalho gosta de
impor-se à admiração alheia” (ALMEIDA, 2003, p. 53).
Tal procedimento era comum entre as famílias mais abastadas do século XIX, “as casas
mais ricas abriam-se para uma espécie de apreciação pública por parte de um círculo restrito de
familiares, parentes e amigos” (D’INCAO In: PRIORE, 2000, p. 228).
Esta também era a oportunidade da mulher em mostrar-se como boa anfitriã, e ainda por
cima, demonstrar seus dotes femininos em relação à organização e o capricho com seu lar.
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Segundo Maria Lucia Rocha-Coutinho, a mulher “teria um papel decisivo na elevação social do
marido” (ROCHA-COUTINHO, 1994: 102).
Camila representa o modelo de mulher vaidosa. Sua conduta é alvo de recriminações de
sua própria tia Joana, que a condena não por viver uma relação adúltera, mas também pela sua
falta de religiosidade: “Camila vai a missa para se mostrar. Basta ver como ela se enfeita”
(ALMEIDA, 2003, p. 66).
Francisco Teodoro prefere manter a distância necessária da família de Camila, a fim de
manter não só a soberania sobre seu lar, mas também evitar maiores pedidos de favor que
poderiam vir das tias, que ainda moravam no Rio. Ele se contentava em ter que mandar
grandes somas de dinheiro para Sergipe, visando o sustento da família de Mila: “Um sorvedouro,
aquela família, sempre exalando lamúrias em todas as cartas, na sede insaciável de dinheiro”
(ALMEIDA, 2003, p. 48).
Ainda em relação aos problemas familiares, por algum tempo Teodoro fora obrigado a
conviver com o irmão de Mila, Joca, em sua opinião, um vadio, “causador de tantíssimas
querelas!” (ALMEIDA, 2003, p. 49), entre ele e Camila, e perturbador da ordem familiar.
A figura intratável de Joca marca não somente o desrespeito das regras familiares, como
também a irresponsabilidade paterna. Ao arranjar uma filha com uma mulher de vida duvidosa,
prefere abandoná-la aos cuidados dos tios, não se preocupando com o destino que essa poderia
vir a ter.
Nina, filha de Joca, não é considerada da família, principalmente por ser fruto de um amor
venal. Ela não passa de uma serva, cumpridora dos seus deveres domésticos, estando sempre
disposta a cuidar, proteger e vigiar, principalmente as crianças.
Por ser considerada como uma bastarda aos olhos da sociedade, Nina permanece solteira.
Aos vinte e cinco anos, apaixonada pelo primo Mário, e invisível dentro do lar, ela não saída
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para sua vida, a não ser continuar presa aos laços daquela família, que bem ou mal, a havia
acolhido ao ser abandonada pelo pai.
O amor platônico pelo primo é apenas mais um dos motivos de sua amargura. Resignada,
ela aceita o seu destino, sabendo que nunca teria condições financeiras ou morais de realizar o
sonho do casamento por amor com alguém tão importante como Mário.
Teodoro chega a cogitar a possibilidade de casar Nina com Capitão Rino, visto que ambos
eram humildes e possuíam um passado problemático. Se a sobrinha era uma mera bastarda, Rino
era órfão e, em condições muito desfavoráveis, pois sua mãe havia sido assassinada por motivo
de adultério.
O problema em ter uma filha solteira é também motivo de desgosto para o velho Motta.
Ao ver a filha chegar aos trinta anos, ele chega a bajular um dos empregados da casa, Joaquim,
com a intenção de casá-lo com sua filha, Emília.
Por outro lado, Júlia mostra-nos uma outra visão em relação a mulher celibatária, através
da personagem Catarina, irmã do Capitão Rino. Considerada por Francisco Teodoro como
portadora de idéias muito progressistas para uma mulher da época, ela decide se preservar
solteira, muito em parte pela observação do fracasso que havia sido o casamento de seus pais.
A jovem mostra-se a favor da emancipação da mulher, fato que desagrada Francisco
Teodoro com seu pensamento extremamente positivista. Ao ser questionado por Catarina sobre a
falta de instrução comum nas mulheres da época, Teodoro é enfático ao admitir que as mulheres
não conhecem o mundo. Começa assim, a proferir seu pensamento sexista, defendendo uma
posição subordinada para as mulheres:
“Minha senhora, eu sou da opinião que a mulher nasceu para ser mãe de família. Crie os
seus filhos, seja fiel ao seu marido, dirija bem a sua casa, e terá cumprido a sua missão.
Este foi sempre o meu juízo, e não me dei mal com ele, não quis casar com mulher
sabichona” (ALMEIDA, 2003, p. 132).
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O interessante nessa cena é que nem Mila ou Ruth contestam a visão de Francisco
Teodoro. Em parte, podemos considerar o comportamento de ambas como parte do medo
feminino em contrapor-se às opiniões do chefe da família. Por outro lado, percebemos a falta de
instrução feminina, impedindo a mulher de questionar os conceitos masculinos e,
conseqüentemente, de refletir sobre a sua posição na sociedade. Este comportamento padrão
reflete o pensamento de Francisco Teodoro, segundo o qual é nas medíocres que se encontram
as esposas” (ALMEIDA, 2003, p.132).
É também por causa dessa concepção machista, que Catarina prefere manter o seu
celibato. Apesar de viver com a madrasta, com quem mantém um sentimento não muito amistoso,
ela continua a levar sua vida, prezando sua liberdade. Apesar de suas idéias avançadas, a irmã de
Rino não foge muito ao padrão da mulher da época. Acaba, pois, cumprindo papéis femininos ao
se afeiçoar a certas prendas domésticas como a jardinagem e a costura, pois “o que mais havia de
fazer?” (ALMEIDA, 2003, p. 201).
Por fim, existe um aspecto extremamente positivo no relacionamento de Catarina e Rino:
ambos possuem a mesma ideologia e partilham das mesmas tristezas outrora sentidas na infância,
com o assassinato da mãe pelo pai. Sentimos uma relação de profunda igualdade entre eles,
apontando para uma mudança da visão padronizada que separava os sexos.
3.2. O trabalho e a educação – espaço de mudanças
O trabalho pode ser considerado como um tema relevante na obra de Júlia Lopes de
Almeida, pois através dele pode ser percebida a inserção da figura feminina em um espaço que,
anteriormente, era marcado apenas pelos esforços do homem. Mais do que um simples meio de
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sobrevivência, a autora define o trabalho como uma espécie de agente transformador da
realidade, capaz de promover o progresso e influenciar a humanidade no desenvolvimento de
diferentes habilidades.
Essa idéia positiva do trabalho é percebida no romance epistolar Correio da roça,
publicado por Júlia Lopes em 1913. Nessa narrativa, o trabalho, além de produzir recursos
materiais duradouros, é a grande solução no combate ao ócio e à depressão: “Para todas as
agonias e desfalecimentos morais há um único remédio – o trabalho!” (ALMEIDA, 1913, p. 62).
Apesar da idéia do trabalho feminino ter sido defendida em alguns romances anteriores é
em Correio da roça, em especial, que a escritora defende a idéia de que somente através do
trabalho produtivo, a mulher poderia encontrar o verdadeiro caminho da dignidade, sem esperar
ser mantida pela figura masculina. “A estória é emblema de auto-suficiência, de re-educação, e
cria sua própria realidade corporativa” (TELLES, 2005, p. 12).
De certo modo, existem acepções diferentes envolvendo a idéia do trabalho. Baseada no
livro A condição humana, da filósofa alemã Hannah Arendt, Érica Schlude Ribeiro, em sua
dissertação de mestrado, define as duas categorias do trabalho: uma ligada ao labor e outra ligada
ao trabalho propriamente dito.
A necessidade em se definir a diferença entre trabalho e labor reside na intenção em
apontar uma distinção entre o trabalho masculino e feminino, tão ressaltada nas obras de Júlia
Lopes de Almeida. Na observação da realidade de sua época, Júlia discorre sobre o pouco valor
dado aos esforços femininos na concepção de suas tarefas, pois “o sacrifício da mulher é mudo, e
o do homem é barulhento” (ALMEIDA, 1910, p. 131).
Na verdade, segundo Karen Sacks, o trabalho doméstico não é considerado verdadeiro,
por não ter valor de troca (SACKS In: ROSALDO; LAMPHERE, 1979, p. 202). Assim,
considera-se o trabalho feminino ligado à esfera do labor. Porém, antevemos o valor do labor, ao
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serem percebidas as cobranças dirigidas ao sexo feminino quanto à realização das tarefas de
âmbito privado. O labor mostra-se assim, crucial para a organização da vida, para a promoção do
conforto.
As exigências de um bom desempenho do trabalho doméstico estão presentes na própria
vida de Júlia Lopes como é revelado em uma entrevista a João do Rio: “Meus romances surgem
depois do almoço quando as coisas ficam mais tranqüilas” (RIO, 1994, p. 29).
Fica claro que antes de escrever seus textos, Júlia cumpria com suas tarefas do lar. Basta
recuperar certa passagem de seu Livro das Noivas, quando, depois de descrever os homens como
egoístas e autoritários, ela acaba concluindo que era "da cozinha que dependia a felicidade do lar"
(ALMEIDA, 1896, p. 34).
No romance A falência, é ressaltada esta diferença de especializações que marcam o
trabalho feminino e o masculino. A realização das atividades ligadas aos sexos masculino e
feminino encontra-se reservada à separação entre os espaços público e privado.
O espaço público é marcado basicamente pelas ruas e logradouros adjacentes ao galpão
onde se encontram os negócios de Francisco Teodoro, situado à rua de São Bento. Logo nos
primeiros capítulos, sentimos o impacto do ambiente urbano, marcado por uma série de
impressões sensoriais – a cidade pulsa, sua, “cheira a café cru” (ALMEIDA, 2003, p. 26).
Júlia nos descreve um ambiente público essencialmente marcado pela presença masculina,
através, principalmente, da representação do trabalhador braçal; “o trabalho viril, a força física,
movida por músculos de aço e peitos decididos a ganhar duramente a vida” (ALMEIDA, 2003,
p.27).
A delimitação de um espaço marcado fundamentalmente pelo perfil viril vai tornar clara a
ausência da figura feminina burguesa, pois as mulheres de tal classe não deviam se encontrar
73
misturadas às pessoas de tal espécie. É importante notar, no entanto, que encontramos em tal
espaço, apenas mulheres pertencentes às classes menos favorecidas:
“A não serem as africanas do café ou outra italiana que se atrevia a sair de alguma
fábrica de sacos com dúzias deles à cabeça, nenhuma outra mulher pisava naquelas
pedras, só afeitas ao peso bruto” (ALMEIDA, 2003, p. 27).
Essa citação mostra bem a posição da mulher dentro da sociedade de classes; o ambiente
urbano, tal qual retratado por Júlia, era restrito às mulheres das camadas trabalhadoras, que se
encontravam ali meramente em prol do seu sustento. Assim, é reforçada a idéia de que era “a rua
um local de individualização, de luta, de trabalho [...]” (DAMATTA, 1997, p. 58).
Na verdade, são poucas as vezes que vemos as mulheres da família Teodoro exibirem-se
pelas ruas. Em algumas passagens do romance, nas visitas às tias no Morro do Castelo, Ruth, por
ser solteira, encontra-se sempre acompanhada pela ama da família, Noca.
O local de trabalho de Francisco Teodoro é também o espaço onde são discutidos os
negócios e os temas referentes à situação política, assuntos exclusivamente masculinos. Nota-se
que tais debates são feitos longe do espaço doméstico, numa forma de esquivar-se de eventuais
comentários femininos. Enfim, era uma ideologia disposta a deixar a mulher em um mundo a
parte, ignorando problemas e causas sociais. “Da mulher não se queria ouvir a voz na sala, entre
conversas de homem, a não ser pedindo vestido novo, cantando modinha, rezando pelos homens”
(FREYRE, 1951, p. 277).
Ao longo da obra de Júlia Lopes, nota-se uma crescente preocupação em difundir a
ideologia do trabalho como um instrumento transformador da sociedade. Essa necessidade pode
ser explicada pela influência do pensamento positivista extremamente atuante na época em que a
autora concebe sua obra. Tal corrente filosófica baseia-se no lema “O Amor por princípio, e a
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Ordem por base; o Progresso por fim” (RIBEIRO JUNIOR, 1985, p. 30), sendo que o progresso
só seria definitivamente alcançado pelo esforço do trabalho.
O romance A falência apresenta visões conflitantes sobre o trabalho. Primeiramente,
percebe-se uma imagem negativa, assinalada pela postura de Francisco Teodoro frente aos
negócios. Nele, nota-se um sentimento de ambição e posse presentes desde a juventude.
É preciso lembrar que Francisco Teodoro é um imigrante português, que encontra em
terras brasileiras a possibilidade de trabalho que não conseguira em seu país de origem. Segundo
o historiador Carlos J. Wehrs, a vida comercial no Rio de Janeiro era agitada, os “portugueses,
em calça e camisa, [...] iam ostentando nos dedos grossos anéis de ouro” (WEHRS apud
DAMATTA, 1997, p. 58).
Ostentação. Como foi dito anteriormente, esta palavra serve para definir o perfil de
Teodoro. Eis aí, uma visão negativa do trabalho; ele passa a servir não apenas como o
sustentáculo da sobrevivência, mas também para fazer vista aos parentes, amigos e conhecidos:
“Tinha ele por hábito, tornado em cacoete, remexer com a mão curta e gorda o dinheiro e as
chaves guardadas no bolso direito da calça” (ALMEIDA, 2003, p. 30).
Outra palavra que também designa a personagem é a ambição. Esta tem um aspecto
dúbio; é a mola propulsora do enriquecimento de Teodoro na juventude e, posteriormente, ao
final do romance, será a causa de sua falência.
Tal ambição é a grande causadora do vício do trabalho e, conseqüentemente, do
afastamento de Teodoro de seus familiares: “O negócio era o seu sonho de noite, a sua esperança
de dia, o ideal que atirava a sua alma de adolescente e de moço [...] fora do comércio não havia
nada que lhe merecesse o desvio de um olhar...” (ALMEIDA, 2003, p. 42).
A cobiça do personagem não irá restringir-se aos sonhos de juventude, quando a paixão
pelo dinheiro já se fazia sentir em seu espírito de rapaz sonhador. Esta continua até o fim de sua
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vida: “No seu orgulho de homem saído do nada, aquele gozo material enchia-lhe a alma de uma
espécie de heroísmo” (ALMEIDA, 2003, p. 254).
Essa crescente obsessão o levará aos delírios de possuir maiores riquezas, desejando ser o
maior comerciante de cado Rio de Janeiro, pois “ter a maior fortuna, partido do nada, era toda
a sua ambição(ALMEIDA, 2003, p. 58). Sua inveja é dirigida principalmente ao Gama Torres,
que segundo Francisco Teodoro, enriquecera facilmente, sem o merecido esforço do trabalho:
“Aquela conquista de fortuna, feita de relance, perturbava-o, desmerecia o brilho de suas
riquezas, ajuntadas dia-a-dia na canseira do trabalho” (ALMEIDA, 2003, p. 41).
Segundo Badinter, “a masculinidade é medida pelo compasso do sucesso, do poder e da
admiração que provoca” (BADINTER, 1992, p. 134). Esta é considerada uma expectativa normal
para o homem, pois ele, desde menino, é ensinado a lidar com finanças e a administrar
propriedades, tornando-se um ser essencial à sociedade por segurar com mão forte o controle de
seus bens e a imagem de seu lar.
Assim, o apreço masculino ao poder constrói uma imagem de orgulho, de sensações sem
limites, que vão pouco a pouco fazendo Francisco Teodoro perder as rédeas da situação. A
falência, que já se mostrava aparente dentro do lar, com o desapego dos familiares, acaba
instalando-se sobre seus negócios.
Levado somente pela ambição, Teodoro se deixa influenciar pelo ladino Inocêncio Braga,
mesmo sabendo de sua reputação duvidosa junto aos negócios cafeeiros, o que o seu nome
ironicamente desvela: “Esse Inocêncio é espertalhão! Está aqui, está diretor do banco ... Tem uma
lábia!” (ALMEIDA, 2003, p. 34). Enfim, com o encilhamento, crise econômica que abalou o
negócio do café naquela época, Teodoro declara sua falência.
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A autora faz da falência de Francisco Teodoro um meio de criticar não a cobiça, mas
também, a falta de instrução da personagem, o único responsável pela sua ruína: “Não fosse ele
um ignorante, ele não se deixaria enfeitiçar pelas palavras” (ALMEIDA, 2003, p. 313).
Por outro lado, com a perda de seus bens, Teodoro consegue reconhecer a face
contraditória da riqueza e da ambição. A cena em que Teodoro relembra sua juventude, ao
deparar-se com um rapaz português recém-chegado à cidade, adquire um tom simbólico através
das palavras da personagem “... não queira riqueza que ela engana e mente. Mas vale ser pobre
toda a vida! Volve; acostuma tua mulher ao trabalho...” (ALMEIDA, 2003, p. 290).
Encontra-se subentendido nesse trecho outro aspecto de crítica à ganância. Por dedicar-se
inteiramente ao trabalho, Teodoro é um dos responsáveis pelo ócio de Camila; basta refletir sobre
um dos pensamentos do personagem sobre a esposa “– Camila sem sedas!” (ALMEIDA, 2003,
p.311) que traduz justamente sua participação na alienação da mulher. Esse pensamento é
apresentado logo no início do romance, quando Teodoro conhece Camila:
“Francisco Teodoro Comoveu-se com a idéia de que aquela mulher talhada para rainha,
passasse os dias a picar os dedos na agulha ou a calejar as mãos com o uso da vassoura
ou do ferro. Trabalhar! Trabalhar é bom para os homens, de pele endurecida e alma
feita de coragem.” (ALMEIDA, 2003, p. 46)
De fato, todos estiveram sempre esperando pela fartura que o trabalho de Teodoro
produzia; a família confiava nele, por causa de seu autocontrole e de sua paciência pela qual
construíra sua riqueza, tanto que Mila se espanta com a atitude do marido: “Que insensatez,
naquela idade! Deixar-se falir!” (ALMEIDA, 2003, p. 301).
A falência de Teodoro provoca uma ruptura do status da família junto a sociedade; na
realidade, com a iminente pobreza, a família fica relegada a uma outra classe social, o que
conseqüentemente, acaba por afastá-los dos amigos mais abastados.
77
O suicídio de Teodoro representa o desespero do chefe de família com a pobreza, além da
vergonha social por ter falhado como homem e do despeito por perceber que a Casa Gama
Torres, com quem tanto competira, havia se tornado a mais rica da rua. Junta-se a isso a fraqueza
por não saber recomeçar.
Concluímos então, com a atitude final de Francisco Teodoro, que limitar a vida a um
único ideal “é passar por uma operação de redução na ordenação do seu próprio mundo
(KUNNER, 1997, p. 10).
A falência e a morte de Teodoro são o pretexto usado pela autora para mostrar o esforço
familiar voltado para o trabalho. A união feminina mantém a dignidade da família Teodoro. É
importante ressaltar que Júlia faz questão de mostrar que, pela primeira vez naquele lar, a voz da
mulher se torna única em todas as decisões.
Nota-se que, em outros romances de Júlia Lopes, a iniciativa das mulheres em se unirem
em prol do seu sustento ocorre após a morte do provedor familiar, neste caso, o pai ou o marido.
Em Memórias de Marta, Marta e a mãe mudam-se para um cortiço depois do falecimento do pai
da menina. A protagonista do romance, por conhecer desde a tenra idade a miséria, fica
impressionada ao descobrir que a mãe, tão afeita aos trabalhos domésticos, havia tido uma vida
abastada na juventude. Correio da roça também apresenta pontos de semelhança com o romance
em estudo, principalmente levando em consideração que a personagem Maria e as filhas mudam-
se para o campo ao descobrirem que a morte do chefe da família ocorrera em virtude de uma
falência.
Voltemos então a idéia do labor; este termo vai marcar a vida das mulheres da família
Teodoro, pois é através dele que elas conseguirão o dinheiro necessário para o sustento. Nota-se
agora que os recursos financeiros não serão mais desperdiçados devido à boa administração de
Nina. Tal fato surpreende a própria Camila que, pela primeira vez, percebe que as sobras são
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divididas com pessoas da região que passam por maiores dificuldades: “A Providência não a
desamparava. Ainda na sua casa havia sobras para dar ...” (ALMEIDA, 2003, p. 336).
Como se pode notar, o labor encontra-se ligado ao domínio privado. O trabalho feminino
vai constituir-se pela sua feição domiciliar, nos afazeres de costura, engomando ou lavando
roupas para famílias mais abastadas: “a única chance de atuação da mulher fora do lar se dava
através do magistério e estava reservada àquelas moças com menos recursos e que se viam
obrigadas a trabalhar” (ROCHA-COUTINHO, 1994, p. 33).
A extrapolação do limite do lar é feita justamente através de Ruth, que por ser a mais
instruída, será aquela capaz de exercer o ofício de professora, através do ensino de lições de
violino. Além disso, é ela que, ao final do romance, conseguirá um reconhecimento social
produzido pela sua dedicação à musica e seu talento.
O trabalho de Ruth é aceito sem maiores restrições sociais, devido ao processo de
feminização do magistério, que coincide com o período em que A falência é publicada. De acordo
com os padrões da época, o magistério “passa a representar uma extensão da maternidade, pois a
docência não subverteria a função feminina fundamental” (LOURO In: DEL PRIORE, 2000, p.
450).
Percebe-se que Ruth não se assusta com a pobreza, sendo a única a transmitir força ao pai
ao sabê-lo falido: “Neste mundo então lugar para os ricos?” (ALMEIDA, 2003, p. 307), e
mais tarde, já habitando no subúrbio, surpreende a mãe com uma reflexão sábia: “Quando lembro
do que se desperdiçava lá em casa! Por um lado, mais vale a gente ser pobre... Os ricos, não é por
mal, mas como não conhecem a necessidade dos outros não consolam ninguém...” (ALMEIDA,
2003, p. 335).
Apesar de possuir uma docilidade especial, Ruth também se coloca como uma moça
questionadora, inconformando-se com as desigualdades que segregavam as classes “[...] que
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direito teriam uns a todas as primícias e regalos da vida, se havia outros que nem por uma nesga
viam a felicidade?” (ALMEIDA, 2003, p. 238)
Ruth assume sua tarefa com afeição, disposta a ajudar a família em seu sustento apesar
das críticas da mãe: Ver sua pobre filha andar na rua angariando dinheiro alheio? Nunca. Não
tinham ainda chegado a tal extremo...” (ALMEIDA, 2003, p. 332). Tal concepção é confirmada
em A intrusa através da postura tradicional da baronesa, sogra de Argemiro: “Minha neta! Mal
casada! [...] precisando trabalhar para viver... que coisa horrível!” (ALMEIDA, 1994, p. 32).
De fato, nota-se que a elevação intelectual de Ruth com “sua fronte de homem, vasta e
pensadora” (ALMEIDA, 2003: 354), não é conquistada apenas através de sua dedicação pela
música. Ela é a mais instruída das mulheres da família, tendo freqüentado a escola de freiras por
pouco tempo, procedimento padrão nas famílias da época. Percebemos na caracterização
intelectual de Ruth uma descrição tipicamente masculina, marcando uma diferença entre o
trabalho da menina e os das outras mulheres da casa.
Júlia chama a atenção para a importância dos estudos na vida da mulher, principalmente
em uma época em que, estando destinadas ao papel de esposa e mãe, as moças tinham acesso
apenas ao ensino elementar. A autora advogava em prol de um ensino feminino baseado em um
currículo mais avançado do que o seguido pelas escolas da época, pois considerava que a
aquisição de maiores conhecimentos pela mulher contribuiria principalmente para uma melhor
educação dos filhos:
“A nossa educação superficial, essencialmente decorativa, não nos permite decerto
responder a todas as perguntas curiosas dos pequeninos a quem temos o dever
indeclinável de guiar [...] E nós, a quem tudo isso não foi nitidamente ensinado, ficamos
envergonhadas, humilhadas com um profundo desgosto de nós mesmos [sic]”
(ALMEIDA, 1896, p. 205).
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Tal idéia colocava em xeque a real definição impressa na palavra educação. Educar a
mulher do final do século XIX não possuía o significado de instruí-la. Na concepção geral da
época, a instrução feminina não teria um fim específico dentro do contexto em que a mulher era
inserida. Basta observarmos o comentário de um dos personagens de A falência, o doutor
Gervásio: “Uma pessoa instruída não será de exterioridade agradável se não for educada. A
instrução nem sempre transparece e nem sempre concorre para a felicidade". (ALMEIDA, 2003,
p. 154).
Também em A intrusa, a baronesa professa a mesma ideologia de Gervásio ao se
pronunciar sobre a educação da neta “Ela lê... e escreve... e demonstra jeito para a música. Afinal,
não se educa para doutora nem para professora. No meu tempo não se exigia tanto” (ALMEIDA,
1994, p. 31).
A importância de se possuir uma boa formação será ressaltada em Correio da roça. As
filhas de Maria assumem o papel de professoras, expandindo seus ensinamentos às crianças
analfabetas do meio rural. Na carta de Fernanda à Maria fica clara a importância em se colocar
em prática o que foi aprendido pelas meninas
“Tuas filhas teriam menos necessidade de instrução se vivessem de valsa em valsa nos
salões da nossa capital, do que num meio inculto, e onde a influência da sua instrução
se pode fazer sentir de um modo radical e perfeito.” (ALMEIDA, 1913, p. 41)
Ironicamente, quem salva de imediato à família Teodoro da miséria completa é Nina,
aquela que “cheirava a pecado” (ALMEIDA, 2003, p. 168), segundo tia Joana. Apesar de inculta
e de financeiramente dependente da boa vontade dos tios, Nina abriga as primas e a tia, em sua
modesta casa de subúrbio.
É importante notar que Nina usa suas habilidades domésticas a fim de manter um sustento
digno para a família. É ela quem, após a morte de Teodoro, toma as rédeas da situação
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acomodando a vida de todos, assumindo o lugar de pessoa de referência na família, provando a
capacidade da mulher em lidar com situações adversas.
“Nina despediu os criados, montou a casa nova com mobílias baratas, leitos de ferro,
louças brancas, sem douraduras. Pensava em tudo, traçava planos, sacudia o torpor e a
apatia dos que a rodeavam, indagava preços e discutia o valor dos objetos que adquiria”
(ALMEIDA, 2003, p. 324)
Segundo Gervásio, Nina é “a mulher mais compenetrada dos seus deveres de mulher” que tinha
conhecido (ALMEIDA, 2003, p. 323).
Nina, porém, não se encontra sozinha em sua missão de contagiar a todos com o trabalho.
Ela conta com a ajuda de Noca, a ama e empregada, agregada à família após a libertação da
escravatura. São elas que conseguem contagiar a todos com o trabalho, a grande fonte de
otimismo da nova vida que lhes era apresentada.
Nina e Noca conseguem desmistificar “a imagem feminina de passividade e ociosidade”
(SOIHET, 1989, p. 166), confirmando a possibilidade de uma sobrevivência digna, mesmo que
simples. O comportamento de ambas influenciam a reflexão de Camila sobre sua postura ante a
vida “Olhou para as mãos. Eram bonitas ... Mas não sabiam fazer nada” (ALMEIDA, 2003, p.
344).
Finalmente, o objetivo do romance é atingido; ao aceitar a realidade que lhe fora
reservada, Camila dribla o ócio, juntando-se finalmente aos afazeres daquela comunidade de
mulheres que se definia através da força do labor, sob as palavras de Nina: “O trabalho distrai!”
(ALMEIDA, 2003, p. 355).
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3.3. A visão da maternidade em A falência
De acordo com o dicionário francês Petit Robert, a mulher é definida da seguinte maneira:
“Mulher: ser humano do sexo feminino que concebe, dá luz a filhos; fêmea da espécie humana”.
Como pode ser percebido nesse verbete, a mulher é definida não em função de si mesma,
mas em relação a sua especificidade biológica procriar. A escolha por um dicionário de origem
francesa reside no fato de mostrar que a mulher ainda é encarada universalmente por sua função
biológica. Geralmente enxergam a mulher como um invólucro, que deve ser preparado e
conservado para as gestações futuras: “o corpo feminino parece condená-la à mera reprodução de
vida” (LAMPHERE; ROSALDO, 1979, p.104).
Tal ideologia é amplamente reconhecida; biologicamente, a mulher é associada a sua
característica natural de procriação. Esse pensamento, por muito tempo, foi usado como uma
maneira de colocar a mulher à parte na sociedade, associando à sua figura ideais de fragilidade e
fraqueza.
Na verdade, a plena aceitação da maternidade é mantida através de uma estratégia de
convencimento social que associa à imagem materna, figuras sacras, tal qual a Virgem Maria,
consagrada como o ideal feminino a ser seguido pelas mulheres. O Madonismo, nome pelo qual
ficou conhecido o culto à Virgem, determinou o padrão de comportamento da mulher: conservar-
se pura a fim de guardar o corpo e o espírito livre de pecados - “O culto à Maria não constitui
apenas uma homenagem prestada à mãe se uma mulher (Eva) causara a perda da humanidade,
outra (Maria) iria salvá-la” (BADINTER, 1986, p. 103).Visto por esse ângulo, podemos
visualizar que o corpo feminino não pertence à mulher ele deve ser usado apenas em prol da
concepção.
83
Esse pensamento constitui-se como um verdadeiro limitador da sexualidade feminina,
visto que o ato sexual era permitido apenas com o fim único da procriação:
“o sexo será santificado se estiver a serviço da procriação, livre dos desejos da carne,
vivido dentro de um clima de castidade. E a virgindade será associada à castidade, que
santificará a maternidade da mulher” (CAVALCANTI, 1987, p. 105).
A visão idílica da maternidade nem sempre foi cultuada na sociedade. Até o século XVII,
o infante tinha pouca importância dentro da família; os filhos eram vistos apenas como um meio
de continuidade familiar, pois a eles caberiam futuramente as responsabilidades de cuidar do
patrimônio.
Além disso, como muitas crianças morriam nos primeiros anos de vida, os pais viam na
necessidade de afastamento uma forma de não se apegarem aos filhos. Badinter ressalta que “a
frieza do pai e da mãe serviria de couraça sentimental contra os riscos de ver desaparecer o objeto
de sua ternura. Valia mais a pena não se apegar para não sofrer depois” (BADINTER, 1985, p.
85).
Por volta de 1760, novos valores são associados à maternidade. A figura da mãe passa a
ser vista com um tom sagrado, e assim como Maria, ela deveria representar através de seu
comportamento positivo virtudes, tais quais a ternura, a paciência, o recato, a simplicidade. Ao
revestir-se de bons sentimentos, a mãe estaria influenciando o comportamento dos filhos e
cultuando valores positivos dentro do lar. Assim, “o amor materno não consiste apenas para
mulher em amamentar o filho; consiste, sobretudo, em educá-lo” (BADINTER, 1985, p. 145).
À medida que avançava o século XIX, a mulher vai deixando envolver-se pelo discurso
apologético da maternidade como expressão máxima de sua feminilidade, reconhecendo a
concepção como o principal objetivo a ser alcançado em sua vida.
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Tal discurso ganha força expressiva com as teorias de Rousseau e Michelet. Ambos
concebem a maternidade como um dom natural da mulher. Rousseau, por exemplo, encara a
maternidade como um sacerdócio, sendo para a mulher uma experiência necessária ao seu
desenvolvimento social. Michelet advoga a favor da maternidade como um instinto natural da
mulher, enfatizando que desde a tenra idade, a criança do sexo feminino vislumbra, com
felicidade, a possibilidade de ser mãe (MICHELET, 1995, p. 77).
As mulheres são incentivadas a seguirem novas técnicas que visavam a prevenção de
doenças dos infantes; tornam-se importantes os cuidados higiênicos com o lar, e a amamentação,
além de garantir a alimentação correta da criança, ainda a aproxima fisicamente da mãe, gerando
vivências de afetividade.
Essa concepção de maternidade aliada aos novos valores implantados dentro da família
leva a mulher a manter uma maior permanência dentro do lar, dedicando-se às tarefas domésticas
que englobam também os cuidados com os filhos e com o marido: “o culto da vida doméstica é
transformada em religião secular” (YALOM, 2002, p. 212).
Em sua obra, Júlia Lopes de Almeida glorifica a imagem feminina da maternidade,
procurando salientar comportamentos condizentes com a mulher-mãe. Vê-se a importância do
papel de mãe principalmente como a educadora da prole, aquela que ensina os valores morais e é
responsável pela manutenção das virtudes de seus filhos.
Em Traços e iluminuras, Júlia Lopes de Almeida valoriza o instinto materno como algo
inato ao sexo feminino. Desse modo, encontra-se contos tais quais, “Dona Formiga” e “Biografia
de uma aranha”, cujos insetos representam o modelo de mães abnegadas.
O livro infantil Era uma vez mostra a falta que a figura materna causa no caráter de uma
criança; a princesa Edeltrudes, protagonista da narrativa, ao ser educada somente pelo pai, torna-
se uma mulher fria e egoísta, conhecida em todo o reino pela sua maldade. O enredo da história
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ratifica a imagem do sacrifício materno ao descrever a morte da rainha: “a mãe morre ao embalá-
la, causando em todos do reino uma sensação de que a filha havia lhe roubado os últimos fios de
vida” (ALMEIDA, 1917, p. 9).
Em Ânsia eterna, encontram-se contos nos quais a presença da mãe torna-se crucial para o
desenvolvimento das narrativas. Assim, a importância da figura materna se faz evidente em “Os
porcos”, “O coração tem razões” e “A primeira bebedeira”. Porém, a imagem mais completa do
amor materno encontra-se no conto “A caolha”. Apesar de ser constantemente desprezada pelo
filho que fora o causador de tal anomalia, esta mãe persevera em seu amor extremado,
confessando: “Que lhe importava o desprezo dos outros, se o seu filho adorado lhe pagasse com
um beijo todas as amarguras da vida?” (ALMEIDA, 1938, p. 115).
Tal abnegação materna será enfatizada em Maternidade, no qual Júlia Lopes ressalta que
“a maternidade sabe perdoar e transformar em flores os próprios espinhos com que dilacera a
indiferença dos filhos” (ALMEIDA, 1896, p. 55). Este livro reforça o sentimento materno como
natural a toda mulher “o amor materno vive nas próprias virgens pela inconsciente aspiração da
perpetuidade [sic]” (ALMEIDA, 1896, p. 89), e exalta também os sacrifícios maternos como um
fator necessário à vida da e, desde o inicio da concepção: “Nove meses de angústia,
nauseativos, mal dormidos, mal vividos, de corpo pesado, cheia de apreensões aterradoras”
(ALMEIDA, 1896, p. 19).
No romance A falência são encontrados vários aspectos envolvendo a questão da
maternidade, inclusive através do comportamento da protagonista Camila em relação às outras
mulheres do romance. Além disso, consegui-se também depreender da relação entre Teodoro e os
filhos, o afastamento paterno.
Um dos fatos ligados aos hábitos difundidos entre as pessoas da classe burguesa é a
presença do médico, que no romance será retratado através da figura do Dr. Gervásio. É ele quem
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salvará os filhos de Camila de doenças graves, como o Tifo. Ao mesmo tempo, ele tomará
conhecimento da morte da pequena Biju, filha de Teodoro e Mila, fato que o deixará ainda mais
próximo da família de Camila.
Segundo Badinter, a figura do médico torna-se comum dentro do lar, aconselhando a
“nova mãe que se sente responsável pela saúde do filho”. Há um tipo de aliança no qual o médico
passa a considerar a mãe como “sua interlocutora, enfermeira, assistente e executiva”
(BADINTER, 1985, p. 21).
O falecimento de Biju revela um fato ainda comum para a mulher burguesa da época, ou
seja, ter que conviver com a morte de algum filho. Mesmo com os conselhos médicos, a mulher
ainda continuava a ser vista como uma procriadora e tantas gestações freqüentes tornavam
maiores as possibilidades de falecimento de alguma criança na família.
A atitude materna de Camila vai ser marcada por diferentes pontos de vista ao longo do
romance; para Teodoro, o marido, Camila era culpada pela má educação do filho Mário. Na visão
do doutor Gervásio, Camila “tinha modos de uma boa mãe tranqüila, muito banal, com discursos
longos e choradeiras sobre a morte muito recente de uma filhinha, que a tornavam fastidiosa”
(ALMEIDA, 2003, p. 75).
Observa-se que o ponto de vista apontado por Gervásio em nada contribui para ressaltar
os atributos da protagonista como a bela mulher que é descrita na maior parte do romance.
Gervásio considera inconveniente este aspecto extremado da maternidade representado por
Camila, tanto que sua influência acaba por mudar o comportamento da protagonista.
Assim, podemos dividir o comportamento materno de Camila em dois tempos: antes e
após conhecer Gervásio. Durante o tempo em que mantém seu caso adúltero com o doutor,
Camila não demonstra muito afeto pelos filhos, principalmente pelas gêmeas Lia e Raquel. Em
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algumas passagens do romance, a mãe trata de despachar as filhas, a fim de ficar mais à vontade
com o seu amante, como pode ser observado nesse exemplo:
“E ela ia repetir as palavras de amor que Gervásio pedira, quando as gêmeas entraram
ruidosamente.
Lia queria saber se aqueles navios pretos e pequeninos espalhados no jornal eram do
Capitão Rino.
_ São; disse a mãe abreviando explicações. Vão brincar!” (ALMEIDA, 2003, p.
73).
Além disso, percebe-se que o cuidado para com as meninas ficava inteiramente reservado
a Noca ou a Nina. São elas também responsáveis pelo cuidado em manter as gêmeas ignorantes
em relação ao caso de amor vivido pela mãe, já percebido pelos filhos mais velhos, Mário e Ruth.
É de se notar, também, que Camila se aproxima das filhas em momentos de tristeza,
como se a alma inocente das pequenas gêmeas aliviasse um pouco a dor de ser apontada como
uma mera adúltera:
“Camila não respondeu; sentou-se em um banco, e em vez de olhar para os bonecos,
pôs-se a olhar para as filhas, muito lindas, com os seus bibes brancos, e os cabelos
soltos.
_Vocês gostam de mim? perguntou-lhes Camila de repente, puxando-as para si [...]
Poderia contar com alguma coisa, as filhas defendê-la-iam dos maus tratos do mundo”
(ALMEIDA, 2003, p. 111).
A distância da mãe também se faz sentir com relação aos filhos mais velhos, Mário e
Ruth. Considerando Ruth, em nenhum momento, avista-se um maior contato entre mãe e filha; a
maior aproximação entre Camila e Ruth ocorre pelo incentivo da mãe às aulas de violino da
menina.
Já, entre Camila e Mário, há um relacionamento deveras conturbado. O filho, por saber do
adultério cometido pela mãe, não a respeita, acusando-a de manchar a reputação da família: “_
Reputação! Ora mamãe, e é a senhora quem me fala nisso! [...] A senhora pode censurar-me em
88
nome de meu pai, visto que ele não teve coragem para tanto, mas em seu nome, não!”
(ALMEIDA, 2003 p. 107).
Sendo acusada de adúltera, Camila acaba por perder a moral perante o filho, não tendo a
oportunidade de influir em sua educação. Camila vê-se obrigada a desculpar as faltas do rapaz,
visto que, estando em situação de desvantagem moral, ela não pode contrariá-lo: “os erros que
Mário comete são naturais da idade” (ALMEIDA, 2003, p. 120).
Entrando em defesa de Mário, Camila acaba por ser acusada pelo marido como a culpada
pela péssima educação do filho: “[...] afinal das contas a verdadeira culpada das patifarias do
rapaz és tu” (ALMEIDA, 2003, p. 78).
O pensamento de Teodoro remonta à imagem da mãe como a principal mentora das
virtudes familiares, tal qual era difundida através do famoso provérbio inglês: “a mão que balança
o berço, governa o mundo”. Na visão geral, é a mãe quem influencia com suas atitudes, o
comportamento dos filhos: “A influência da e, era determinante; o destino do filho passou a
ser visto como sinal e o critério de sua virtude ou vício, de vitória ou falha. À mãe caberiam todos
os méritos e toda a culpa pelo sucesso ou fracasso alcançados pelo filho” (ROCHA-COUTINHO,
1994, p. 37).
Ao final do romance, percebemos que Mário, agora casado, sente-se na obrigação de zelar
pela reputação da mãe, visto que, com a morte do pai, ele tem o direito de assumir o seu posto de
varão junto à família: “Compete agora a mim o dever de zelar pela sua honra” (ALMEIDA, 2003,
p. 340).
Mário não se furta da possibilidade de criticar o comportamento da mãe, que mesmo
viúva, continuava a manter contatos com o doutor Gervásio: “A viuvez situa a mulher na terra de
ninguém; não é mais moça, porque não é virgem. Não sendo virgem, não pode sair à rua para não
ficar falada” (QUINTANEIRO, 1995, p. 36).
89
A atitude de Mário reflete uma preocupação não com a reputação da mãe somente, mas
principalmente com a idoneidade de sua esposa, cuja honra poderia ser maculada pelo
comportamento duvidoso de Camila. Além disso, as próprias irmãs, ainda solteiras, poderiam ser
prejudicadas socialmente com a relação de Camila e Gervásio: Acho preferível o casamento à
continuação desta vida. Perdoe-me que lhe diga, mas suas filhas merecem outros exemplos”
(ALMEIDA, 2003, p. 339).
Mas, a crítica de rio não se dirige somente à mãe; enquanto solteiro, percebemos o
profundo desdém que cultiva pelo pai, a quem acusa de preocupar-se em ganhar dinheiro:
“Logo vi que havia de ser por causa do dinheiro [...] Os portugueses nasceram para isso; eu
tenho outros gostos, outras aspirações” (ALMEIDA, 2003, p. 107).
Através das palavras de Mário, Júlia faz uma crítica ao afastamento paterno do lar. Apesar
do equilíbrio domiciliar basear-se na figura da mãe, é através da autoridade paterna que certas
regras familiares deverão ser cumpridas.
Teodoro é indiferente em relação aos filhos, sabendo quase nada sobre a vida deles. Nota-
se tal atitude em uma das primeiras páginas do livro, quando fica sabendo, por meio de uma nota
de jornal, sobre o concerto de violino de Ruth: “São coisas da mãe” (ALMEIDA, 2003, p. 35).
Além disso, ele delega para Camila a responsabilidade de colocar Mário nos eixos,
preferindo valer-se de sua autoridade de pai apenas para criticar o que estava errado na família. O
trabalho toma seu tempo de uma forma tão compulsiva, que ele não encontra sequer a
oportunidade de almoçar com a filha Ruth:
“Eu queria tomar-lhe a benção, para depois irmos almoçar [...]. Não posso. Tenho
muito que fazer [...] e abreviando, ele meteu uma nota de vinte mil réis na mão da filha,
aconselhando às duas que comessem qualquer coisa em um restaurante. E despediu-se à
pressa, mal ouvindo os inúmeros recados que a Ruth mandava à mãe” (ALMEIDA,
2003, p. 243).
90
Teodoro vem salientar o comportamento padrão do homem burguês da época “sempre
ausente, ocupado com suas atividades sociais e profissionais gerando na mulher e nos filhos
vivências de abandono e desafeto” (MUZKAT, 1992, p. 90).
Ironicamente, Teodoro começa a se aproximar das filhas com a sua ruína financeira:
“Era a primeira vez que as achava semelhantes. Lia, batida de luz, parecia mais clara [...] a outra
velava-se em uma meia sombra, com as mãos espalmadas no peitinho gordo. Francisco Teodoro
esteve longo tempo a olhar, ora para uma filha, ora para outra. Que dormir tão bonito”
(ALMEIDA, 2003, p. 285). Mesmo assim, ele prefere que as pessoas em volta não percebessem o
carinho pelas gêmeas.
O comportamento distante do pai é também ressaltado na obra Era uma vez (1917),
mencionada anteriormente. O pai da princesa Edeltrudes além de ter falhado em sua educação,
ainda se conserva indiferente em relação à filha; “O próprio pai quando a abraçava apenas lhe
roçava os lábios pela testa [...]” (ALMEIDA, 1917, p. 9).
Outro ponto que vem nos chamar atenção é a questão da maternagem, visão levantada na
obra de Elizabeth Badinter em Um é o outro.
A maternagem é representada pelas figuras de Noca e Nina, que embora nunca tendo sido
mães, cumprem com propriedade um papel de afeto e dedicação junto às crianças. Nina
reconhece em Ruth a única pessoa que lhe transmitiu o amor que outrora lhe fora negado pela
mãe e pelo pai:
“Habilidosamente, Noca aproveitou Nina para entreter Ruth, que dava então os seus
primeiros passos [...] Ruth em poucos dias preferia-a aos outros, atirando-lhe ao
pescoço magrinho e pálido os dois bracinhos redondos. Aquela conquista fora uma
glória para Nina. O amor de alguém nascia para ela, como a luz pra um cego, e sentia
nos beijos cor de rosa da criança gorda e bem tratada o aroma da vida, que até então ela
só parecia ter espreitado de longe” (ALMEIDA, 2003, p. 167).
91
Noca é sempre encontrada às voltas com as crianças contando histórias, cuidando da higiene e
das toaletes das meninas. Sempre ligada à família, ela faz do carinho e admiração por Mário sua
devoção: “Noca adorava o Mário; achava-o lindo, com o seu pequeno buço alourado e os seus
olhos negros e pestanudos. A flor da família” (ALMEIDA, 2003, p. 69)
É por causa de tal sentimento que Noca e Nina decidem amparar Camila após a falência,
movidas pela afeição que nutriam por aquelas crianças.
92
4. A PROBLEMÁTICA DO ADULTÉRIO FEMININO EM A FALÊNCIA
“Ele vai me fitar, sem olhos, sem
nariz, sem feições.
Sem identidade como eu
qual é o meu nome?
Onde fica o meu lugar?
Como se deve amar?
Neve ou fogo?
(Lya Luft)
Encontrar o par perfeito que realize todos os nossos sonhos e fantasias nem sempre é uma
tarefa fácil de se resolver. Enquanto seres humanos vivemos com uma inquietação constante que
nos faz procurar pelo objeto concreto de nossos desejos.
O filósofo Arthur Schopenhauer, por exemplo, foi um dos teóricos que tentou explicar
este comportamento do homem, concluindo que o ser humano, em toda a sua essência, nunca está
completamente satisfeito com aquilo que possui, e essa insatisfação interna é que o faz lançar
vôos cada vez mais altos em direção a novas conquistas.
Num nculo matrimonial esse sentimento não é diferente, pois muitos são os fatores que
determinam a manutenção de um bom relacionamento; devemos considerar que, acima de tudo,
são duas pessoas advindas de famílias diferentes (às vezes, diferindo em classe e cultura) que
estarão unidas para formar uma nova família. Soma-se a essa diferença a própria educação
recebida por cada cônjuge, que na maioria das vezes, determina não o caráter, como também
certos traços da personalidade.
Com o passar dos anos de convivência, a rotina e os problemas pessoais, o casal passa por
uma fase de adormecimento que leva a um conseqüente sentimento de inquietude, derivando a
busca por relacionamentos extraconjugais.
93
Boa parte desse problema, porém, pode ser explicada pela própria cultura ocidental
baseada no casamento monogâmico, forçando o cônjuge a escolher apenas um parceiro para
conviver ao longo da vida marital. As próprias leis que dizem respeito ao Direito de família são
rígidas quando se trata de assuntos de adultério.
Daí, também pode-se concluir que muitos desses relacionamentos ocorrem pelo próprio
sentido de proibição imposto pela sociedade, provocando um sentimento de desejo e aventura que
vem a desafiar o sistema social e colide com a rotina imposta pelo casamento.
Historicamente, o homem sempre traiu mais do que a mulher. Desde os tempos do
patriarcalismo era sabido que o chefe da família, além de sua esposa, possuía outras "aquisições",
que podiam ser não apenas amantes da Corte, como também escravas ou prostitutas. Até mesmo
dentro da própria Família Real Portuguesa, um dos romances mais conhecidos foi o da Marquesa
de Santos com o Imperador D. Pedro I:
“[...] D. Pedro manteve com Dona Domitila de Castro correspondência na qual, se
multiplicavam fáceis proposições de ordem amorosa: representam elas tudo aquilo em
que o trato íntimo se alimenta e se desata, mas enterrado na fórmula da mais
exasperante das banalidades” (PRIORE, 2005, 224)
O adultério também continuou a prevalecer dentro do casamento burguês, porém, com a
evolução da estrutura familiar, que desencadeou o aparecimento da família conjugal moderna,
não o homem deixou de ser o agente principal do adultério, como também passou a dividir as
estatísticas de relacionamento extra-conjugais com a mulher. Geralmente, o fardo da traição
sempre pesou mais do lado delas. Eram as mulheres que morriam de culpa e medo, martirizando-
se ao pensar no parceiro, na família, no que o mundo iria falar se descobrisse o seu deslize, com a
agravante de que, como dependiam financeiramente de seus maridos, a infidelidade poderia
significar morar no olho da rua.
94
Esse panorama pode ser explicado não somente pela própria situação de desvantagem da
posição feminina dentro do ambiente familiar como também pelo conceito de duplo padrão de
moralidade difundido com total naturalidade pelo meio social. Essa poderia ser considerada como
uma força que facilitava as irregularidades sexuais dos homens (ALMEIDA, 1996, p. 49).
Tal moral era justificada pela teoria da natureza polígama inerente ao sexo masculino.
Acreditava-se que, ao contrário da mulher, o homem possuía uma necessidade de manter um
intercurso sexual intenso, que lhe garantiria um meio de exaltar sua virilidade.
Essa concepção encontra-se definida já na educação transmitida aos rapazes, incentivando
relações sexuais freqüentes de modo a adquirir experiência antes do casamento.
Por outro lado, o tipo de relação permitido às moças enfatizava a importância da virtude
feminina, que deveria ser baseada em um auto-controle estrito a fim de manter a virgindade,
que era “raro o homem que se permitia casar com uma moça deflorada por outro(PRIORE,
2000, p. 321).
Tal vigilância deveria ser mantida também após o casamento; a mulher deveria manter sua
reputação evitando envolver-se em relações duvidosas que pudessem manchar o nome de sua
família e a honra de seu marido. Esse padrão de comportamento feminino remonta ao século
XVIII, quando era pregado que “uma mulher realizada é aquela de que ninguém ouve falar”
3
(apud BADINTER, 1991, p. 24).
A disparidade existente no duplo padrão de moralidade pode ser exemplificada pela
escultura presente na nave da igreja de Civaux, em Poitou, na França; a obra de arte retrata a
figura de um casal no qual “a mulher tem os olhos voltados para o céu e o homem olha para a
meretriz, para o amor venal” (MACEDO, 1993, p. 42)
3
Tal conselho é criticado por Madame D’Epinay em Carta ao abade Galiani, em 14 de março de 1772, p. 190.
95
Júlia Lopes critica o duplo padrão de moralidade ao denunciar em Eles e Elas que “os
homens teceram a sociedade com malhas de dois tamanhos, grandes para escorrer os pecadilhos
próprios e extremamente miudinhas para as mulheres” (ALMEIDA In: TELLES, 2005, p. 25).
Ao criticar a dupla moral vigente, Júlia Lopes de Almeida acaba abordando o assunto do
adultério com uma certa freqüência em sua obra. Porém, é chamada a atenção para o fato de
colocar a mulher também como autora da traição. Como citado no primeiro capítulo,
encontramos indícios da infidelidade feminina em algumas crônicas de Eles e Elas, no romance
Cruel Amor, no conto In extremis”, de Ânsia Eterna e no romance A falência, objeto desse
estudo.
Vale atentar para o fato que raramente Júlia descreve cenas sensuais nas obras em que o
adultério feminino aparece como principal tema. Porém, é preciso ressaltar que o contato físico
de um casal enamorado ocorrerá somente no conto In extremis”, entre as personagens Laura e
Bruno. Mesmo assim, o contato carnal é permitido no momento próximo à morte de Bruno,
quando Laura, na tentativa de salvar o amado, desnuda seu corpo ao oferecer-lhe o leite materno.
É importante lembrar que, em In Extremis”, mais uma vez encontra-se a problemática do
casamento sem amor que também é mencionada em A Falência. Em In Extremis”, Laura é
casada com Dr. Seabra, descrito pela autora como bem mais velho que a esposa. A falta de
interesse entre marido e esposa leva Laura a apaixonar-se por Bruno, mesmo não chegando a ser
concretizado o relacionamento entre o casal.
Júlia Lopes mostra que os sucessivos casamentos arranjados acabam se tornando uma das
razões que levam os cônjuges a cometer adultério. Para as mulheres, por exemplo, resta o
conformismo a um destino que se encontra traçado desde a infância, como podemos notar
através da figura da matriarca de A Família Medeiros: “Casara-se aos treze anos sem amor, sem
simpatia, mas também sem repugnância” (ALMEIDA, 1892, p. 89). A mãe, definida ao longo do
96
texto, é o paradigma ideal da mulher da época; em nenhum momento ousa burlar as convenções
sociais ou questionar seu destino.
A personagem e, de A Família Medeiros, é aqui apresentada a fim de pautar um
contraste claro com a protagonista de A Falência. Ao contrário de Mãe, Camila questiona sua
realidade procurando viver com o Dr. Gervásio o amor que não encontrara no casamento.
Apesar do romance A Falência focar seu principal tema no adultério feminino, Júlia
mostra que a própria traição de Francisco Teodoro no início de seu casamento pode ser
considerada como um dos motivos da infidelidade de Camila, pois ao desconfiar das
infidelidades do marido, ela sente-se no direito de igualmente viver uma relação extra-conjugal:
“Eu soube de muitas coisa e fingi ignorá-las, todas! Não é isso que a sociedade quer de nós? As
mentiras que o meu marido me pregou, deixaram sulco e eu paguei-lhas com o teu amor, e
pelo amor!” (ALMEIDA, 2003, p. 72).
Assim, a primeira imagem de adultério que temos em A falência é através das recordações
do próprio Francisco Teodoro. Logo após o casamento, ele envolve-se com Sidônea, que havia
sido sua amante na época de solteiro: “[...] a Sidônea reapareceu na vida de Teodoro, obrigando-o
a desvios e infidelidades” (ALMEIDA, 2003, p. 48).
Nota-se nesse trecho que a mulher (Sidônea) é colocada como a grande culpada pelo
adultério de Francisco Teodoro; ele tenta se redimir de sua culpa ao mencionar que fora a amante
quem o coagira a cometer tal ato.
Teodoro tenta desculpar sua falta ao mencionar que mesmo com seu deslize, ele continua
a manter sua postura de provedor familiar, desde o momento em que nada falta à família. Na
opinião de Teodoro, a presença constante da fartura e do conforto eram as metáforas da felicidade
familiar, cessando qualquer perturbação que pudesse haver dentro do lar:
97
“Nem a pobre Camila desconfiara nunca... Também, nada lhe tinha faltado e já devia
ser um regalo para ela cobrir de boas roupas o seu corpo de neve, ter mesa farta, e andar
pela cidade atraindo as vistas no deleite de sua graça” (ALMEIDA, 2003, p. 48).
Na opinião de Francisco Teodoro, a mulher deve manter seu papel de cuidadora do lar
sem questionar as posições sociais que lhe eram designadas: “Mas é bom, prova que a mulher
nasce com o fim de criar filhos e amar com obediência e fidelidade a um homem, o marido”
(ALMEIDA, 2003, p. 135).
Nota-se que Francisco Teodoro enfatiza em sua colocação a postura da mulher dentro do
casamento; ela deve prezar pela sua fidelidade ao marido e, nesse sentido, cuidar dos filhos torna-
se um dos meios pelo qual a mulher não se desvia do seu destino. Na verdade, percebe-se em
Teodoro o medo de ser traído, pois não poderia transmitir a imagem do homem que não consegue
satisfazer sexualmente sua mulher.
Essa postura conservadora de Francisco Teodoro é uma das causas que contribuem para o
adultério de Camila. Aliado a este fato, a própria ausência de Teodoro, motivada pela ganância e
indiferença em relação à família, leva a esposa a envolver-se com o homem que naquele
momento se encontra mais próximo de seu lar – o médico da família, o Dr. Gervásio.
O sentimento de gratidão de Camila pelo médico e a presença constante dessa figura
dentro do lar serão um dos pontos no qual o adultério dessa esposa será baseado.
Na verdade, as mulheres do século XIX viviam a maior parte do tempo ocupadas com os
afazeres domésticos, de modo a não manterem relação com o mundo exterior e assim se
conservarem longe dos olhares de cobiça de outros homens. No entanto, o contato com o espaço
público surge com a ascensão da família burguesa.
Mais do que um consultor da saúde domiciliar, o médico tornou-se uma figura de
confiança e credibilidade no seio familiar. Nesse aspecto, a cumplicidade existente entre o
98
médico e a mulher é maior devido à preocupação com a saúde dos filhos. Era a primeira vez,
assim, que a mulher passava a ter uma aproximação direta com outro homem que não fosse o de
sua família:
“A mulher de sobrado foi encontrando no doutor uma figura prestigiosa de homem em
quem repousar a confissão de doenças, de dores, de intimidades do corpo, oferecendo-
lhe um meio agradável de desafogar-se da opressão patriarcal e da clerical” (FREYRE,
1951, p. 179).
Desta forma pode ser explicada a maneira pela qual o Dr. Gervásio circula livremente e
com toda a confiança dentro do lar da família Teodoro, não levantando suspeitas quanto ao seu
envolvimento com Camila.
É de se observar a grande diferença existente entre Teodoro e Gervásio; essa engloba
distinções no âmbito físico e também intelectual. A figura de Gervásio contrasta de maneira
significativa com o tipo de Francisco Teodoro, principalmente em relação aos modos sociais.
Teodoro mostra um comportamento rude, enquanto Gervásio se apresenta como um “homem
delicado” (ALMEIDA, 2003, p. 54).
A descrição de Gervásio, favorecendo suas habilidades intelectuais, contribui para um
certo aspecto sedutor: “O Dr. Gervásio Gomes desenhava a lápis na carteira qualquer coisa que
fazia a Camila sorrir. Ele gabava-se de ter jeito para caricatura. Era um homem magro, nervoso,
de quarenta e três anos, trigueiro e apurado na toilette” (ALMEIDA, 2003, p.50).
É de se notar que o próprio Francisco Teodoro impressiona-se com a superioridade
intelectual de Gervásio, tanto que pode ser considerada essa sua virtude como um dos meios pelo
qual ele consegue se manter tão próximo da família: “Francisco Teodoro ouvia o Dr. Gervásio
com muito acatamento, reconhecendo-lhe superioridade intelectual. Devia-lhe a vida dos filhos,
confessava, e dessa dívida não se cansava de se dizer devedor” (ALMEIDA, 2003, p.57).
99
É por conta de todos esses atributos que Camila sente-se atraída por Gervásio. Porém, em
algumas passagens do romance, sente-se que o médico assume uma postura de marido, não só em
relação à Camila, mas também com referência à organização do lar.
Muitas vezes o relacionamento entre Gervásio e Camila parece constituir mais uma
relação marital do que propriamente uma aventura extraconjugal. Camila vai abrindo espaço para
que Gervásio invada a intimidade e privacidade de seu lar com palpites próximos ao do chefe de
família.
“Ele não faltava. Ia vê-la todos os dias, almoçar no lugar de Francisco Teodoro, que
almoçava sozinho duas horas antes, a um canto da grande mesa vazia; e ali o médico
ensinava àquela gente o meio de se conduzir na sociedade, polindo-lhe o espírito,
alterando-lhe os gostos, fazendo preferir o queijo que ele preferia, o vinho que ele mais
gostava, as aves e as caças com molhos delicados, de fino paladar”. (ALMEIDA,
2003, p. 70)
Na verdade, ao colocar-se como o homem responsável pela família, Gervásio consegue
encantar ainda mais Camila. Nesse ponto, é observada a extrema carência da protagonista em
relação à figura masculina. Ela precisa de alguém que conduza sua vida, seus gostos, suas
opiniões.
Aproveitando-se desse fato, Gervásio vai tomando conta de todas as esferas da vida de
Camila, mostrando um certo comportamento possessivo em relação a sua amante. Antes de
relacionar-se emocionalmente com Camila, percebe que está se tornando embrutecida pela
convivência com Teodoro. Aos poucos o médico transforma Camila de simples dona de casa em
uma mulher refinada.
“Quando o médico percebeu o quanto Camila mudava, e que essa transformação lenta e
visível se fazia ao influxo dos seus gostos, da sua convivência e do seu espírito,
começou a observá-la com redobrada atenção, cultivando o prazer de a tornar outra
como que uma obra sua” (ALMEIDA, 2003, p. 75).
100
Nota-se que Gervásio segue um tipo de impulso masculino que considera a mulher apenas como
um ser inferior, que pode ser moldado segundo seus gostos e vontades: “O médico via em Camila
um reflexo perfeito da sua alma” (ALMEIDA, 2003, p. 76).
Ao influenciar Camila em suas escolhas, Gervásio chega ao ponto de decidir quais seriam
as jóias e roupas que se adequariam a Camila, de forma a torná-la mais elegante: “— Ponha este
anel fora... é indigno de sua mão [...] Vá lá, que não são mal escolhidas as suas pedras, precisa de
um brilhante negro, para este dedinho que está muito nu. Tenho pena que não goste de pérolas; só
quer pedras que fulgurem” (ALMEIDA, 2003, p.71).
Se em um primeiro momento, para Camila, viver uma relação extra-conjugal configurava-
se como uma “lei da fatalidade”, para Gervásio “aquela ligação foi uma vitória” (ALMEIDA,
2003, p. 76). Enquanto Camila procurava na proteção do médico a atenção e o amor que não
encontrara em sua vida em comum com Francisco Teodoro, Gervásio envaidecia-se ao pensar
que “ser amante de uma mulher bonita e cobiçada o é coisa que fique mal a um homem”
(ALMEIDA, 2003, p. 104).
Com a falência de Francisco Teodoro e seu conseqüente suicídio, Gervásio continua
tomando conta daquela família. Será justamente nesse momento que Camila descobre que
Gervásio encontra-se separado de uma esposa também adúltera, embora ainda preso aos laços
burocráticos do matrimônio.
Evidencia-se assim, mais um mais um exemplo de adultério feminino. A mulher de
Gervásio é também uma adúltera, tal qual Camila. O detalhe desta questão reside no fato de que
Gervásio, mesmo não perdoando a esposa pelo deslize cometido, é o grande responsável pela
traição de Camila.
101
Outro ponto a ser ressaltado é o motivo pelo qual a esposa de Gervásio o teria traído.
Percebe-se que o adultério de Camila também foi motivado pela indiferença de Francisco
Teodoro, porém, não sabemos que razões teriam levado a esposa de Gervásio a traí-lo.
Essa dúvida, colocada por Júlia Lopes ao final do romance, leva-nos a alguns
questionamentos pertinentes quanto ao comportamento do Dr. Gervásio: teria ele sido um bom
marido durante os anos de convivência com sua esposa ou teria sido tão distante quanto Teodoro
fora com Camila? Teria sua esposa o traído por sentir que ele nutria um interesse por outra
mulher?
O que na verdade pode-se depreender dessas perguntas é o fato de que a mulher adúltera,
na visão geral da sociedade, é sempre considerada a culpada pelo seu ato, sem direito a qualquer
tipo de justificativa.
A ausência de uma voz que entre em defesa da mulher adúltera é salientada por Júlia
Lopes em outra ocasião do romance, em que é apresentado mais um exemplo de adultério
feminino — o da mãe do Capitão Rino.
Desta vez, porém, o destino dessa infidelidade adquire um fim trágico; a mãe de Rino é
assassinada por sua ousadia em viver um relacionamento adúltero. Tal desfecho faz com que
Rino se afaste de Camila, receando presenciar alguma cena que lembre o fim de sua mãe.
“Esta idéia trouxe a lembrança da mãe, morta a facadas pelo pai, como adúltera. A
imagem dela, encheu-lhe o coração; ergueu-se bruscamente e começou a descer a rua,
apressado com a idéia de fugir para longe, salvar-se do perigo que o solicitava”
(ALMEIDA, 2003, p. 197).
Na verdade, o adultério da mãe de Rino remonta ao direito masculino de “lavar sua
honra” com a morte da mulher adúltera. Porém, tal assassinato é colocado pela autora como uma
das causas da desarmonia familiar. Com um olhar crítico sobre essa família, nota-se que ambos
102
os irmãos, Rino e Catarina, optam pelo celibato. É certo que em suas confissões, eles admitem a
possibilidade de contraírem um casamento, mais pela necessidade imposta pela sociedade do que
pela vontade.
Porém, sente-se, principalmente da parte de Catarina, um grande receio em perder sua
individualidade com o casamento e ser tão infeliz como a mãe fora: “— Os homens assustam-te?
Um pouco. São enganosos, e eu sou franca. Imagine o conflito! Depois, a lembrança de nossa
mãe faz-me odiar o casamento” (ALMEIDA, 2003, p. 202).
Junta-se a esse fato a lembrança do pai, absolvido pelas leis e pela sociedade,
reconstruindo sua vida ao lado de outra mulher. Neste ponto, fica latente o aborrecimento de
Catarina em relação à figura de sua madrasta. Na opinião da moça, a madrasta assumia uma
figura virtuosa, sendo considerada digna do respeito e da confiança do pai, fazendo com que
fosse ressaltado apenas o comportamento da mãe como adúltera e pecadora:
“Se a morte de minha mãe tivesse sido natural, eu aceitaria depois a madrasta, senão
com ternura, ao menos com respeito. Assim quero-lhe mal, porque escolhendo meu pai,
ela ofendeu a minha mãe” (ALMEIDA, 2003, p. 205).
Apesar de ter lesado a vida dos filhos com sua atitude, o pai de Catarina e Rino segue vida
normal como se nada prejudicasse a ausência da figura materna na vida dos filhos. Essa visão faz
parte de um pensamento comum no século XIX no qual uma “mulher adúltera não pode ser boa
mãe” (PRIORE, 2000, p. 386).
Outro dado que chama a atenção em relação a esse ponto é o ciúme de Gervásio quanto à
presença do Capitão Rino, revelando um lado possessivo que talvez tenha sido uma das causas da
ruptura do casamento do médico.
Júlia Lopes deixa subentendido que a atitude extremada do pai em relação ao adultério da
esposa pode ter sido uma solução prática aos olhos da sociedade, mas não em relação aos filhos,
103
pois para eles “a mãe é sempre a mulher e mais pura entre as mulheres” (ALMEIDA, 2003, p.
202). Ao contrário do que se poderia esperar, o pai, ao dar vazão ao seu comportamento
passional, vingando com a morte da esposa sua honra ferida, tem como certo apenas o desprezo
dos filhos, que não conseguiram perdoá-lo nem mesmo na hora da morte.
4.1 A transgressão feminina nos laços familiares “A insossa domesticidade da esposa
obediente?”
Em todas as épocas da História da sociedade, nos deparamos com certas regras e leis que
se constituem como um interdito em relação à humanidade. Porém, com o passar dos anos, esses
interditos vão sendo modificados, adquirindo novas feições, adaptando-se a evolução social.
Em uma visão ampla é reconhecido que lei, interdito e poder encontram-se interligados.
Assim, “a lei age nos informando de um interdito que um poder impõe, oprime e embaraça”
(ALBORNOZ; KUHNER, 1994, p. 55). Tais conceitos são os criadores de barreiras que têm por
objetivo a castração de nossas vontades frente ao que é considerado permitido pela ordem social.
Evidenciam-se certas atitudes de transgressão presentes na obra de Júlia Lopes de
Almeida. Porém, é preciso ressaltar que o comportamento transgressor de certas personagens é
usado mais como um veículo de questionamento da realidade que propriamente como uma
quebra de regras. Sendo assim, ao final de cada romance, as personagens que se destacavam pela
rebeldia são trazidas à normalidade por meio do casamento ou do trabalho.
Esse perfil transgressor remete à própria vida da autora em sua juventude. Em uma
entrevista a João do Rio em O momento literário, Júlia confessa que, quando moça, dedicava-se à
literatura através da composição de versos, escondida, porém, de seus familiares; não era de bom
tom as mulheres se dedicarem a afazeres literários.
104
“Pois eu em moça fazia versos. Há! Não imagina com que encanto. Era como um prazer
proibido! Sentia ao mesmo tempo a delícia de os compor e o medo de que acabassem
por descobri-los. [...] A mim sempre me parecia que se viesse a saber desses versos
viria o mundo abaixo. [...]” (RIO, 1994, p. 28).
O temor de Júlia é explicado pela própria posição da mulher da época, a quem era negada “a
autonomia necessária à criação” (TELLES, 2005, p. 403). Apesar de viver intensamente sua vida
literária, Júlia em nenhum momento se descuidou do lar por sua carreira, reafirmando a ideologia
de que a mulher não poderia desligar-se do meio familiar.
Como mencionado anteriormente, o tema do adultério aparece de forma corrente na
obra de Júlia. Porém, é em A Falência que os motivos para um adultério aparecem de forma mais
concreta. Através da transgressão da personagem Camila, Júlia encontra uma forma de criticar os
arranjos familiares que levam um casal ao matrimônio sem amor. Como diria Simone de
Beauvoir, “O adultério é uma denúncia do contrato” (BEAUVOIR, 1980, p. 365).
Em A Falência, Camila, através dos seus atos e palavras, abala a estrutura das verdades
pautadas pela sociedade. Ela se reveste de coragem para viver o seu ideal de amor e transgredir as
regras fomentadas pelo sistema social.
Na verdade, Camila representa a voz das esposas que viram suas aspirações quanto ao
casamento completamente fracassadas. Apesar de o ter se casado por amor, sente-se que a
protagonista se ressente com a distância do marido. Sendo o tipo de mulher que conserva sua
beleza mesmo após os anos de juventude, Camila espera ser observada e admirada pelo olhar
masculino como parte de sua personalidade sedutora.
Assim, é através da infidelidade que Mila procura realizar o casamento por amor que ela
não consegue viver com o marido Teodoro. Procura-se entender o comportamento de Camila
através da própria idealização do amor e da importância de amar e sentir-se amada, que caminha
105
paralelamente com a “necessidade de preencher o vazio existencial materializado na figura do par
amoroso” (PORCHAT, 1992, p. 96).
"Todos temos necessidade de vivenciar o amor assim como temos necessidade de
encontrar alguém com quem compartilhar este sentimento. Esse alguém, no ideal
romântico de amor, se revelará casualmente por uma vivência de encantamento, que
dependerá das carências, das injunções ou dos prazeres do nosso imaginário.”
(PORCHAT, 1992, p. 97).
Camila vivencia o amor como uma forma de viver intensamente os seus sentimentos,
compartilhando com alguém o desejo de amar e ser amada. Por outro lado, pode-se perceber
nessa personagem um aspecto contraditório: apesar de não encontrar a felicidade esperada ao
lado de Francisco Teodoro, Camila em nenhum momento chega a cogitar o fato de um
afastamento de seu lar, a fim de viver seu amor com Gervásio. Percebe-se que, muitas vezes, ela
sente-se confusa quanto aos seus sentimentos sobre o marido, mesmo admitindo que não se casou
por amor: "(...) eu comecei a amá-lo depois que o enganei... É amizade, é uma amizade muito
grande!" (ALMEIDA, 2003, p. 302).
Pode ser concluído, que a natureza indolente de Camila é um dos motivos de sua perpétua
acomodação ao lado de Teodoro, que para ela, representa a figura do homem que pode lhe dar
garantias sólidas de sobrevivência. Apesar de Gervásio ser médico, possuir uma postura
intelectual elevada e uma vida também confortável, Camila sabe que a expectativa de uma vida
de regalos junto ao amante está longe de ser aquela oferecida por Francisco Teodoro.
Deste modo, Camila segue ao lado do marido, que lhe proporciona os bens materiais que
deseja, e continua mantendo seu relacionamento adúltero compartilhando afeto e carinho.
De fato, um dos sentimentos que move Camila em direção ao adultério é a necessidade
em ser admirada. Percebe-se isso pela descrição de sua apurada toilette, sempre muito luxuosa,
procurando ressaltar os traços e as curvas mais expressivas de seu corpo: "Reclamara da modista
106
um vestido com bordaduras luminosas, flores e asas espalmadas sobre tules, que dessem ao seu
corpo o fulgor de um astro". (ALMEIDA, 2003, p. 220).
Ao ser influenciada pelo Dr. Gervásio, Camila vai adquirindo um temperamento sedutor;
este fará parte de sua extrema elegância principalmente como a anfitriã das festas realizadas em
seu palacete. São nesses momentos que Camila tem a possibilidade de exibir sua graça e leveza
joviais.
Se Francisco Teodoro procura exibir-se ao abrir sua casa e mostrar sua mesa sempre farta
de diversas iguarias, Mila procura expor sua riqueza através de suas vestimentas e adornos.
Assim, Camila tira proveito dos confortáveis recursos financeiros de sua família, de modo a obter
vantagens para a manutenção de sua beleza e vivacidade.
Parte da riqueza que tanto deslumbra Mila é explicada por Ieda Porchat em Amor,
casamento e separação "(...) se a mulher fez da moda um meio de expressar a sua
individualidade também a usou como meio de exercer sua sedução e poder sobre o homem"
(1992, p. 111).
É essa qualidade sedutora de Camila que chama a atenção do Capitão Rino. Ele se sente
fascinado pela exuberância de Mila, principalmente por perceber que ela gosta de ser observada
por ele:
“Camila sentou-se olhando-lhe para o perfil doce, ensaiando uma confissão que não lhe
saía nunca dos lábios trêmulos. Camila abandonava-se, parecia provocar essa grande
palavra, como se não bastassem à sua vaidade de mulher os amores do amante e do
marido” (ALMEIDA, 2003, p. 87)
Não se sabe até que ponto Camila realmente tenha se interessado por Rino; deste fato,
podem ser depreendidas as observações do Capitão, que, embalado pelo seu amor por Mila, tenta
encontrar nos atos de sua amada algum indício de afeto que revele uma possível chance de um
envolvimento futuro.
107
De certo modo, Camila não pode deixar-se envolver por Rino, já que se sentia duplamente
comprometida; as últimas atitudes de Mila para com o Capitão remontam ao seu esforço em
manter-se indiferente em relação à presença do rapaz, visto que o ciúme de Gervásio cobra-lhe
exclusividade e ela própria tenta fugir de uma aproximação mais intensa.
Pode-se comprovar esse fato através do último encontro entre Mila e Rino, longe do olhar
possessivo de Gervásio. Apesar de se encontrarem por pura coincidência, Camila faz questão em
ser cumprimentada pelo rapaz, reforçando mais uma vez, a sua vaidade ao sentir-se admirada por
outro homem.
“O Capitão atravessou ruas, passou por amigos como se ninguém visse, e ao
desembocar na rua do Ouvidor parou de chofre. Diante dele, majestosa no seu vestido
preto picado apenas no peito por uma rosa escarlate, Camila sorriu-lhe, estendendo-lhe
a mão enluvada. Era uma reconciliação e um apelo; [...]” (ALMEIDA, 2003, p. 197).
Porém, a maior decepção de Camila está ligada ao seu casamento com Francisco Teodoro.
É em relação a sua vida conjugal que Camila desabafa com Gervásio as suas críticas
principalmente em relação à sociedade, que relegava ao homem o direito de viver plenamente a
sua sexualidade.
Suas palavras, mais do que um simples desabafo, são um reflexo de sua própria intuição,
do meio e da época em que vivia: "Eu soube de muitas coisas e fingi ignorá-las, todas! Não é isso
que a sociedade quer de nós?" (ALMEIDA, 2003, p. 72). Júlia Lopes transmite através das
palavras de Camila a sua consciência do ideal esperado pela sociedade em relação ao
comportamento da mulher no relacionamento conjugal.
Além de sua coragem em viver uma relação adúltera, fica ainda mais evidente a sua
percepção quanto ao comportamento de seu próprio marido. Mesmo sabendo que Teodoro viveu
108
relações extra-conjugais no início de seu casamento, Camila não perdoa a natureza masculina,
que além de desculpar o homem em seus deslizes, ainda lhe concede o direito ao adultério.
"(...) Pensa, Gervásio, que, desde o primeiro ano de casado, o meu marido não me traiu
também? Qual é a mulher, por mais estúpida, ou mais indiferente, que não adivinhe,
que não sinta o adultério do marido no próprio dia em que ele é cometido?"
(ALMEIDA, 2003, p. 72)
Camila vai ainda mais longe ao denunciar-nos o verdadeiro papel da mulher em relação a
seus maridos: "Os homens pensam que nós não nos interessamos pela sua vida. Têm-nos para
o seu prazer! Só, só, só!" (ALMEIDA, 2003, p. 300). Nesse caso, as palavras de Camila parecem
as mesmas de uma das personagens de Eles e Elas, que admite não passar de uma boneca de
carne dentro do lar: “A gente fica até vexada... ser carga é uma coisa bem triste...Fardo...boneca
de carne... em resumo: parece que não me tomam por outra coisa” (ALMEIDA, 1910, p. 27).
Na verdade, ao reivindicar o seu direito de viver um amor, e não somente uma aventura
amorosa, Camila proclama a igualdade entre o homem e a mulher, numa época em que a
supremacia masculina era evidente.
"Quantas vezes o marido teria beijado outras mulheres, amado outros corpos... e
estava como dele se dizia bem! Ele amara outras em volúpia, pelo pecado, pelo
crime; ela se desviara para um homem, depois de lutas redentoras; e porque não
sabia esconder a sua ventura (...)" (ALMEIDA, 2003, p. 110).
Percebemos então o desejo feminino em poder viver plenamente sua sexualidade não como um
sentimento volúvel e leviano, mas carregado de amor e afeto.
Ao ser criticada em sua reputação por seu filho, Camila não demonstra sentir nenhum
remorso, visto que o próprio marido com suas infidelidades, a fizera sofrer calada. Dessa forma,
coloca-se em sua própria defesa ao admitir que traía sim, mas apenas por amor a um homem:
“[...] ela se desviara para um homem, depois de lutas redentoras; [...](ALMEIDA, 2003, p.
110).
109
Ao perceber que o filho critica sua atitude e se torna um perigo, Camila não hesita em
casá-lo com uma moça de posses, que também proporciona ao filho o mesmo conforto que tem
em seu lar.
"E o casamento de Mário fora um alívio para ambos. Estavam livres daquela
testemunha importuna, que tinham de respeitar. Mila bendizia aquele casamento, que a
libertava de uma humilhação constante, levando-lhe o filho para as terras do luxo e do
prazer. (...)" (ALMEIDA, 2003, p. 325).
De certo modo, percebe-se que para Camila, o relacionamento com Gervásio é não
uma forma de viver a experiência de amar e ser amada, mas também de sentir o deleite de uma
represália que lhe apague a humilhação de ser traída: “As mentiras que o meu marido me pregou,
deixaram sulco e eu paguei-lhas com o teu amor, e só pelo amor!” (ALMEIDA, 2003, p. 72).
O comportamento transgressor da protagonista é ressaltado ao final do romance, quando
desesperada por encontrar-se pobre e afastada de seus filhos, Camila propõe casamento ao Dr.
Gervásio, quebrando com a sua atitude as convenções vigentes:
"Sim, Gervásio poderia salvá-la, se quisesse dizer primeiro a palavra que ela não
tinha a coragem de pronunciar [...] assim, ela tornaria a ter um lar onde aninhasse as
filhas; cessariam os sacrifícios de Nina e Ruth, a Noca trabalharia para si [...] Devia
fazer isso depressa, a tempo de salvar toda a gente e reunir as crianças antes do
desapego completo [...]” (ALMEIDA, 2003, p. 344).
Existe então, agora, a possibilidade de viver o casamento por amor que não conseguira ter
durante os anos de casada: “[...] o seu velho amor, purificado por tantos sobressaltos, por tantas
agonias, ressurgiria, como um dia de luz após outros de negrume, para a felicidade de todos!".
(ALMEIDA, 2003, p. 344).
110
4.2. A punição da mulher adúltera – vitória da voz social.
A maioria das obras que apresenta como principal questão a infidelidade feminina tem por
fim um desfecho revelador, no qual as personagens adúlteras são punidas de alguma forma pela
sua ousadia. Geralmente, tais mulheres encontram como destino certo a morte, a loucura ou a
solidão.
Durante o século XIX, por exemplo, romances como Madame Bovary, Anna Karenina e
O primo Basílio retrataram tal tema de forma a tocar em certos problemas relevantes em uma
vida marital, tais quais a acomodação dos cônjuges ao longo da relação, a idealização habitual de
fantasias românticas e a decepção com o desenrolar do relacionamento.
Boa parte das desilusões matrimoniais encontra-se principalmente no plano afetivo; a
esposa descobre-se não tão interessante aos olhos do marido, os filhos e os afazeres domésticos
ocupam a maior parte de seu tempo, apenas as preocupações domésticas são divididas com seu
companheiro. Acaba não restando mais tempo para cultivar a paixão idealizada muito antes do
matrimônio.
Assim, observa-se em tais romances casamentos que por si começam mornos, e que
vão esfriando com a convivência diária, provocando uma certa indiferença por parte dos
cônjuges.
Esse desgaste da relação conjugal é enfatizado por Júlia Lopes de Almeida em A falência.
Porém, a mola propulsora desse adormecimento matrimonial se encontra baseada no casamento
por conveniência, que ocorre entre Camila e Francisco Teodoro logo no início do romance.
Mesmo nos primeiros anos de casamento, o relacionamento entre o casal é apresentado de
um modo conformado, sem maiores expectativas afetivas: “Tinham-se acostumado um ao outro;
111
viviam em paz [...]” (ALMEIDA, 2003, p. 48). A paz descrita por Francisco Teodoro, configura-
se para Camila como uma verdadeira monotonia que a induz a cometer adultério.
Camila descobre a possibilidade de poder viver plenamente uma relação afetiva a partir de
sua proximidade com o Dr. Gervásio. Ao perceber a admiração do médico, ela descobre a
necessidade de sentir-se amada, confirmando a tese de Barthes em que “amamos o amor”
(BARTHES; 2003, p. 28).
A protagonista acaba vivendo um relacionamento projetando na figura do amante todas as
expectativas relativas ao sentimento do amor que não vive em seu casamento.
É assim que, em certos pontos, podemos perceber uma aproximação entre as personagens
Camila e Emma Bovary. Ambas tentam preencher com o amor e a admiração alheia o vazio que
sentem em suas vidas. Tal sentimento de vazio recebe a definição de “Bovarismo”, uma alusão à
protagonista do romance de Flaubert. A professora Rachel Gutiérrez, mestra em filosofia pela
UFRJ, assim define tal termo: “[...] o termo bovarismo, tomou o sentido, de que alguns
discordam de ‘falta de senso de realidade’. Estando entre os discordantes, acho que bovarismo é,
pelo contrário, a consciência de que a realidade é muito medíocre” (In: JACOBINA; KUHNER,
1998, 91).
São assim comparadas duas passagens presentes em ambos os romances que confirmam
tal semelhança de atitude das personagens; Camila, ao final de A falência, finalmente confessa a
sua verdadeira forma de viver o amor: “Maldita natureza que fizera a ela para o amor!”
(ALMEIDA, 2003, p. 353). Já, Emma Bovary tem a plena consciência de que sua carência parte
da insatisfação com a maneira de encarar a vida:
“Sentia necessidade de poder tirar das coisas uma espécie de proveito próprio, e repelir
tudo que não contribuísse para a alegria imediata do coração, porque tinha um
temperamento mais sentimental que artístico, procurando emoções e não paisagens”
(FLAUBERT, 2005, p. 50).
112
Porém, é necessário ressaltar que diferente de Camila, Emma Bovary persegue um
significado de vida que beira os limites entre a realidade e a ilusão; seu ideal de vida é baseado
nos romances que lera durante sua juventude, nos quais as suas personagens favoritas eram
mulheres que, através da transgressão das normas vigentes, conseguem imprimir em suas vidas
um sentido verdadeiro.
Por outro lado, Camila não se deixa seduzir pela ilusão dos textos romanescos; Camila
percebe que as heroínas transgressoras acabam recebendo as parcelas de castigo por sua ousadia.
Assim, a protagonista de A falência questiona o desfecho de romances nos quais prevalece a
punição das esposas adúlteras:
“[...] Os senhores romancistas não perdoam às mulheres; fazem-nas responsáveis por
tudo como se não pagássemos cara a felicidade que fruímos! Nesses livros tenho
sempre medo do fim; revolto-me contra os castigos que eles infligem às nossas culpas,
e desespero-me por não poder gritar-lhes: hipócritas! Hipócritas! Leve o seu livro; não
me torne a trazer desses romances. Basta-me o nosso, para eu ter medo do fim”.
(ALMEIDA, 2003, p. 71).
Os pontos de contato entre os romances Madame Bovary e A falência vão além do
adultério cometido pelas protagonistas; percebem-se certas semelhanças desde o casamento entre
ambos os casais de tais romances até os comportamentos de Emma e Camila frente a algumas
situações apresentadas nas narrativas.
De modo a apontar tais pontos de afinidade entre os textos, pode-se tomar como exemplo
o casamento entre Camila e Francisco Teodoro; para que tal evento ocorra é necessário a
intervenção do amigo de Teodoro, que sabendo das pretensões do rapaz, não hesita em arranjar-
lhe uma esposa. No romance Madame Bovary, o pai de Emma vai aos poucos induzindo Charles
a contrair matrimônio com sua filha:
113
“Quando notou que Charles corava junto a sua filha, o que significava que qualquer dia
a pediria em casamento, examinou previamente a expectativa; diziam que se portava
bem, que era econômico, muito instruído e, sem dúvida, não discutiria muito sobre o
dote” (FLAUBERT, 2005, p. 37)
Percebe-se que em nenhum momento alusão a qualquer tipo de afinidade amorosa entre o
casal. Para a mãe de Camila e o pai de Charles Bovary, o que realmente contava era assegurar o
futuro material das filhas.
É de se notar que ambas as protagonistas, enquanto solteiras, levavam uma vida sem
maiores perspectivas, e o casamento, naquele momento, era um meio de livrá-las do tédio em que
se encontravam. No caso de Camila, o matrimônio com Francisco Teodoro reserva-lhe a
possibilidade de continuar vivendo no Rio de Janeiro, desfrutando do conforto que nunca teria se
continuasse solteira. Já, Emma Bovary deposita toda sua esperança de felicidade no
relacionamento que poderia ter com Charles após estar casada:
“Quando Charles foi a Bertaux pela primeira vez, Emma supunha-se muito desiludida,
certa de não ter mais nada que aprender ou sentir. Mas a ansiedade de um novo estado,
ou talvez a excitação causada pela presença daquele homem, tinham-lhe sido o bastante
para convencer-se tocada, enfim, por aquela paixão maravilhosa [...]” (FLAUBERT,
2005, p. 54).
Porém, ambas, Camila e Emma, encontram no casamento não o desejo de felicidade
realizado, mas sim, a decepção com os comportamentos de seus companheiros. Enquanto Camila
se ressente das infidelidades cometidas por Teodoro, Emma observa em seu marido uma
personalidade medíocre e acomodada: “Quisera que aquele nome Bovary, que era o seu, fosse
ilustre... Charles, porém não tinha ambições” (FLAUBERT, 2005, p. 81).
É em relação à punição das protagonistas que as semelhanças entre os dois romances
tornam-se mais evidentes. Primeiramente, é de se notar que ambas as personagens tentam repelir
o perigo de uma relação adúltera, no momento em que se dão conta que se sentem atraídas por
114
um outro homem. Emma, ao perceber que amava Leon, prefere guardar a devida distância do
rapaz; da mesma forma, Camila repele Gervásio:
“Levada na fascinação, tarde Camila percebeu o perigo que a solicitava; então quis
fugir: fechou-se em casa, esquivava-se a ver o médico; mas, através da distância e do
silêncio, ele percebia o amor dela a chamá-lo, a envolvê-lo todo com uma obsessão de
loucura” (ALMEIDA, 2003, p. 76).
Ambas acabam sucumbindo aos seus desejos de serem amadas. Camila encara o fato de
não conseguir resistir à tentação de uma paixão adúltera como “uma lei da fatalidade”
(ALMEIDA, 2003, p. 76), tentando com esse pensamento, salvaguardar-se da culpa. Por outro
lado, Emma encara com surpresa, e nenhum remorso, o fato de manter um relacionamento
adúltero: “Tenho um amante! Tenho um amante! deleitando-se com essa idéia, como se fora
uma nova puberdade que lhe sobreviesse” (FLAUBERT, 2005, p. 191).
O primeiro castigo de ambas as personagens é o próprio esfriamento de seus romances
adúlteros. Com o passar do tempo, e a consolidação da intimidade entre os amantes ocorre uma
certa mudança quanto ao tom de convivência desses casais (Camila e Gervásio/Emma e
Rodolpho). Emma consegue perceber que sua relação extra-conjugal parecia alimentar uma
chama doméstica. Já Camila, iludida em sua idealização amorosa, não consegue enxergar que seu
relacionamento com Gervásio aos poucos vai adquirindo a característica de uma relação conjugal.
Gervásio, ao se aproximar da família de Camila, vai moldando os costumes, fazendo
prevalecer os seus gostos e vontades. Dessa forma, consegue manipular Mila ao seu bel-prazer,
torná-la “o reflexo perfeito de sua alma” (ALMEIDA, 2003, p. 76). Ia assim, alimentando sua
vaidade em ser amante de uma mulher tão formosa.
Emma Bovary, ao perceber a indiferença de seus amantes, tenta manter a atenção para si,
ao cativá-los com a compra de sucessivos presentes; tal atitude configura-se como a causa de sua
ruína financeira, que a leva à morte e ao arrependimento de seus atos irresponsáveis.
115
Na verdade, percebe-se nas atitudes de Mila e Emma a necessidade em manter a
idealização do amor. Segundo Roland Barthes “o amor é a assunção demencial da dependência”
(BARTHES, 2003, p. 300); o sentimento amoroso faz parte de uma necessidade que precisa ser
saciada pela presença do outro.
Camila, por exemplo, coloca-se à disposição do ser amado, prendendo-se ao outro pelo
simples fato de conseguir viver a sensação de sentir-se amada: “Ele sentia-a trêmula, numa
comoção de virgem, como se aquele velho amor pecaminoso fosse um amor nascente”
(ALMEIDA, 2003, p. 337).
Nota-se também que o relacionamento extraconjugal vivido por Camila e Gervásio acaba
sendo marcado por uma certa desconfiança, principalmente considerando o comportamento
possessivo do médico em relação a amante.
Gervásio sente-se ameaçado pela presença do Capitão Rino, principalmente pelo fato de
tal personagem ser um homem bonito, culto e sensível, carregando atributos que poderiam
fascinar Camila: “[...]começava a compreender o homem. Iludira-se até então, julgando o Rino
como um medíocre e um simples. Um simples seria, mas um medíocre não” (ALMEIDA, 2003,
p.124).
Observa-se então mais um castigo sofrido por Camila; o próprio Gervásio, em seu ciúme
exaltado, desconfia da reputação da amante: “Quem pode confiar na lealdade de uma mulher?
Ninguém, e a justiça era que ela o enganasse e o traísse, como por ele traía e enganava o
esposo...” (ALMEIDA, 2003, p. 128). Na verdade, descobre-se ao final do romance, que tal
pensamento professado pelo médico faz parte de sua própria experiência pessoal já que, tal qual
Francisco Teodoro, ele havia sido traído pela sua esposa.
Camila ao sentir-se ultrajada com a desconfiança de Gervásio desabafa: “Quase sempre a
mulher ainda ama e já é considerada pelo homem como uma importuna!... Está aí a nossa
116
volubilidade...” (ALMEIDA, 2003, p. 137). Porém, a sua extrema dependência do amante faz
com que acabe resignando-se a tal humilhação “naquela torturante passividade de escrava, a que
o seu amor a lançara” (Ibidem, 137). Mila reconhece que o seu comportamento em relação a
Gervásio é submisso, porém não encontra outra maneira de viver o seu amor.
Em Madame Bovary, Léon, o segundo amante de Emma, também desconfia da
volubilidade de sua amante: “Não discutia as idéias dela e aceitava-lhe todos os gostos; ele era
mais amante dela do que ela o era sua; onde aprendera aquela corrupção, quase imaterial à força
de ser profunda e dissimulada?” (FLAUBERT, 2005, p. 317).
Dentre as punições sofridas por Camila em A falência nota-se a própria agonia da
personagem em ser descoberta a sua traição pelo marido, visto que, aos poucos, ela percebe que
todos à sua volta sabiam de seu relacionamento com o Dr. Gervásio.
A principal preocupação de Camila é em relação ao seu filho Mário, pois ele é o primeiro
a declarar o desprezo pelo Dr. Gervásio, por saber do relacionamento extraconjugal vivido entre
o médico e a mãe. Mila sente-se impotente ao notar que não consegue mais exercer sua
autoridade sobre o filho, visto que ele, agora, critica a sua reputação.
A pressa de Camila em casar o filho, de modo a ver-se livre da principal ameaça ao seu
relacionamento adúltero, acaba tornando-se um castigo; Mila percebe que logo após o casamento,
a nora procura afastar Mário da presença de seus familiares. A indiferença da moça para com a
sogra revela o preconceito sofrido pelas mulheres adúlteras. Sendo esposa de Mário, seria natural
que Paquita, soubesse do relacionamento extraconjugal de Camila, e com isso, prefere manter o
afastamento necessário a fim de não ver manchada a sua reputação de mulher recém-casada por
causa de um contato mais direto com a sogra, uma mulher adúltera e visada socialmente.
Além disso, é mencionado em várias partes do romance que a relação de Mila e Gervásio
é amplamente conhecida pela sociedade. É observado, assim, o preconceito contra as atitudes de
117
Mila no velório de Francisco Teodoro, onde a maioria dos convidados lança à viúva o seu olhar
de crítica: “As maiores condolências voltavam-se para os filhos, e por etiqueta e dever de
aparência cumprimentavam a viúva” (ALMEIDA, 2003, p. 318).
Com a viuvez e a pobreza iminente, Camila tem ainda como castigo a consciência da
transitoriedade do corpo: “Feriu-a então a idéia de que era avó, e que esse título devia ser um
ridículo algemando-a ao silêncio” (ALMEIDA, 2003, p. 347). Aliado a este fato, Camila percebe
que o amor e a vaidade fazem dela uma mulher ociosa, sem habilidades específicas que pudessem
contribuir para o sustento de sua família.
A punição final de Camila pode realmente ser considerada com o desfecho do
romance; ao estar prestes a realizar o desejo de estar com o seu escolhido, através do sonho do
casamento por amor, não vivido em seu primeiro matrimônio, Camila depara-se com a verdadeira
realidade: descobre-se traída ao saber que Dr. Gervásio era um homem casado.
Mais uma vez, vê-se aqui outro problema ligado à infidelidade, pois o médico separara-se
de sua esposa por sabê-la adúltera. Porém, continuava preso aos vínculos legais do matrimônio,
não podendo assumir Camila como sua mulher perante a sociedade.
A decepção com o ser amado encontra-se principalmente no fato do amante ter
desprezado sua mulher pelo mesmo motivo pelo qual Camila era criticada pela sociedade; assim,
sendo a esposa de Gervásio também uma adúltera, Camila percebe que não poderia ser
considerada de modo diferente por Gervásio:
“[...] ela não podia ser aos olhos daquele homem nem melhor nem mais digna do que a
outra que ele desprezara; a mesma culpa as nivelava, e se ele não encontrara perdão
para a esposa, como encontraria respeito para ela?” (Almeida, 2003, p. 351).
A decepção de Camila com o homem que escolhera para viver o amor constitui-se como a
pior punição de todo o romance. Sua experiência final acaba lhe deixando uma visão negativa do
118
sentimento romântico do amor, que um dia fora conquistado pela beleza e voluptuosidade de seu
próprio corpo:
“Olhou com desprezo para o seu belo corpo de mulher ardente. Era um despojo, de que
valia? Lembrou-se com terror das filhas, aquelas crianças nascidas dela, predestinadas
para o Sofrimento. Caminhariam alegremente para o Amor, e o Amor lhes daria
decepção e miséria” (ALMEIDA, 2003, p. 354).
Percebe-se nesse trecho que as palavras “Amor” e “Sofrimento” são escritas com letra maiúscula,
como se estas constituíssem um ser animado, que fizesse parte da essência vital de todas as
mulheres.
Ao criticar a ilusão romântica do amor, a autora coloca em evidência o que seria
realmente a honestidade feminina para a realização pessoal da mulher. Assim, o final idealizado
por Júlia Lopes nos transmite um sentimento moralizante, através das palavras da própria Camila:
"Oh! Ser honesta, viver honesta, morrer honesta, que felicidade! Se pudesse voltar
atrás, desfazer todos aqueles dias de sonho e de ebriedade, recomeçar os labores antigos
na insossa domesticidade de esposa obediente, sem imaginação, sem vontade, feliz em
ser sujeita, em bem servir a um homem, com que pressa voltaria para evitar esta
humilhação, pior que todas as mortes (...)" (ALMEIDA, 2003, p. 353)
Camila reconhece que a vida de esposa honesta e obediente constitui não mais do que uma
obrigação “insossa” porém, ela percebe que para a mulher não havia outro caminho a ser seguido.
Assim, se Camila, um dia, pretendeu viver o amor, agora, seu maior desejo é ter de volta a
sua reputação de mulher honesta. Ela descobre que o seu castigo naquele momento constitui-se
em reconhecer seu erro, e não poder voltar atrás.
Da mesma forma que Emma Bovary, Camila percebe que seu amor excessivo, sua
idealização romântica a levaram por um caminho sem volta, onde encontra preconceitos e
críticas em relação ao seu comportamento.
119
De qualquer forma, vale salientar que diferente de Emma Bovary e de outras
protagonistas adúlteras dos romances universais, que encontram a morte como desfecho de seus
deslizes, a protagonista de A falência, pelo menos, possui a chance de redimir seu erro através do
trabalho doméstico.
É interessante notar que a autora procura encaminhar sua narrativa de modo a fazer com
que Camila perceba que a redenção de sua culpa possa ser encontrada dentro do seio familiar,
protagonizando o papel de dona-de-casa dedicada e mãe extremada, encarnando aquela que
transmite seus conhecimentos e experiência às filhas menores.
Assim, se por um lado, Júlia Lopes de Almeida nos surpreende ao definir uma
protagonista que luta em pleno século XIX, pelo seu amor, mesmo que adúltero, ela acaba ao
final do romance, recuando, procurando mostrar que tal comportamento, naquela época, poderia
ter conseqüências perigosas para a mulher que ousasse desafiar as regras impostas pela
sociedade.
120
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegando ao final de tal pesquisa, percebem-se alguns pontos mencionados ao longo do
trabalho que se destacam pela direta interação com o tema aqui analisado. A questão do adultério
feminino, tal qual é apresentado no romance, leva a reflexões sobre a realidade apresentada no
universo ficcional construído por Júlia Lopes de Almeida em A falência.
Partindo para uma análise mais profunda da obra, nota-se que o próprio título do romance
possui uma interpretação ampla dentro do contexto narrativo. A falência representa uma imagem
que vai além do simples conceito de ruína financeira, referindo-se também aos valores familiares
e morais vivenciados pelas personagens.
Além do tema do adultério, um ponto que merece especial atenção é a questão das
relações familiares presentes ao longo do romance. Vale ressaltar que o universo familiar descrito
por Júlia não se restringe ao núcleo de personagens pertencentes à família de Francisco Teodoro;
a autora além de dedicar em sua narrativa devida importância ao ambiente familiar
desconfortável vivido pelas tias de Camila, ainda discorre sobre o relacionamento profundamente
fraternal vivido pelo Capitão Rino e Catarina.
Faz-se necessário salientar a maneira pela qual Júlia Lopes descreve as relações dentro da
própria família de Francisco Teodoro, procurando tecer um termo de comparação entre dois
momentos distintos: o de fartura e o de pobreza. Ao colocar em pauta a falência e a conseqüente
perda do conforto material daquela família, Júlia declara o fim de um relacionamento familiar
baseado na indiferença, destacando um novo ideal de família, construído pela força do trabalho.
Outro ponto que merece ser destacado é a interação das personagens com o universo
ficcional apresentado no romance. Júlia Lopes de Almeida constrói personagens bem distintas, a
fim de delinear diferentes maneiras de pensar e agir diante dos fatos apresentados na narrativa.
121
Cada personagem, com seu jeito especial, vai corporificar diferentes ideologias que dão unidade à
totalidade do enredo.
A falta de diálogo, de presença e de entendimento entre os membros desta família levam
cada um a tecer o seu mundinho particular, buscando a sua própria individualidade. O marido
preocupa-se em ganhar dinheiro, a esposa busca o amor, o filho mais velho diverte-se em
dilapidar a fortuna do pai. Resta como esperança, a filha adolescente Ruth, apaixonada pelo seu
ideal – a música – e as gêmeas Raquel e Lia, ainda pequenas para estarem enredadas pelo sistema
social.
Vê-se, então, um pai e marido, construído nos moldes neo-burgueses, ausentar-se de seu
núcleo familiar em prol de sua ganância, difundindo modelos reacionários com seus pensamentos
preconceituosos em relação ao posicionamento dos membros da família e à posição feminina da
época. Este homem, desvairado em sua ambição, indiretamente, vai traçar o destino de toda a sua
família, desde a falência propriamente dita até o comportamento adúltero de sua própria esposa.
A mãe, Camila, apesar de todos os esforços para manter-se presa somente ao lar, seguindo
o seu "destino de mulher", não consegue esconder as carências vivenciadas em seu casamento. O
adultério é a forma pela qual a personagem tenta encontrar a felicidade, através da afeição
compartilhada com outro homem, que complete o seu ideal de amor romântico.
O filho, Mário, rejeita o modelo paterno, procurando destruir as aparências da família
com o seu comportamento promiscuo e leviano, negando de forma veemente aquilo que o pai
mais valorizava, o dinheiro. Soma-se à sua falta de caráter o conhecimento do adultério praticado
pela mãe, a qual se opõe de forma crítica, mostrando com seu egoísmo, o mesmo pensamento
machista difundido por seu pai. Ao final do romance, afasta-se definitivamente da família agora,
pobre e desamparada.
122
Ruth, filha adolescente, também nega o mundo de aparências regado a festas e
desperdícios presentes em sua família, isolando-se em sua individualidade projetada na música e
na apreciação das artes. Com seu temperamento meigo e tranqüilo parece ser a que melhor
consegue se adaptar à falta de conforto e privações decorrentes da falência. Ao final do romance,
dentro de um lar composto apenas por mulheres, Ruth é a única a ser apontada como a
representante de uma qualidade viril, através de sua “fronte de homem, vasta e pensadora”.
É importante destacar a presença de um discurso composto por múltiplas vozes capaz de
traduzir os diferentes pensamentos das personagens apresentadas no romance. Podemos
considerar como os mais representativos, os discursos de Francisco Teodoro, de Camila e de
Catarina.
Teodoro exibe o seu pensamento patriarcal ao reforçar com suas declarações uma postura
que relega a mulher a um plano subordinado. Em seu ponto de vista, uma mulher “quer-se com
carnes”, devendo “amar e obedecer a um só homem: o marido” (grifo nosso).
É também, por tais atitudes, que Camila sente-se atraída pelo médico da família, o doutor
Gervásio, homem fino, apresentando um comportamento diferente de Francisco Teodoro. Apesar
de nutrir um sentimento possessivo em relação à amante, Gervásio consegue conquistá-la por
oferecer a atenção que Camila necessita.
A protagonista do romance enriquece a narrativa através do questionamento de seu direito
de vivenciar o amor e, não somente, uma relação adúltera. Um dos pontos chave do romance é o
momento em que Camila questiona o verdadeiro papel da mulher casada dentro da família,
admitindo que a vida conjugal faz parte de uma “insossa domesticidade”.
Catarina é outra personagem que discute a visão padrão da inferioridade feminina. É ela
quem transmite um ponto de vista visionário em relação à posição da mulher na sociedade. Ela é
123
a única personagem do romance a contestar o pensamento patriarcal de Francisco Teodoro, não
tendo medo de entrar em conflito com ele ao expor suas idéias.
Ao final do romance nos perguntamos: Camila, culpada ou inocente? Sente-se que apesar
de Camila não conseguir viver a idealização romântica do casamento por amor, ela acaba
buscando no trabalho a redenção de seu ócio e de sua culpa. A última atitude de Camila transmite
a visão da autora sobre a postura da mulher da época: Camila propõe–se a alfabetizar as filhas
mais novas, consagrando assim, dentro do lar, a posição da mãe como educadora.
Desta forma, Júlia Lopes de Almeida fecha o seu romance com uma visão positiva do
trabalho tão difundida ao longo de sua obra, mostrando mais uma vez, o seu comprometimento
com o bem-estar familiar.
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