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No direito, por exemplo, as diversas questões divergentes oriundas entre a tradição
anglo-saxã e a tradição romana - como a jurisprudência, por exemplo - podem nos fornecer
algumas pistas de como as regras (inclusive as leis, que são regras da conduta humana) são
criadas e impostas em determinadas sociedades
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Todo jogo é, ao mesmo tempo, um sistema de regras que define o que pertence e o
que não pertence à ele, isto é, o que é permitido e o que é proibido. As convenções adotadas
são, ao mesmo tempo, arbitrárias, imperativas, inapeláveis e suspendem as leis ordinárias
do mundo, o que acaba por estabelecer – pelo momento do jogo – novas legislações. No
jogo, as leis devem ser respeitadas e, caso não sejam, podem resultar em penalizações ou
mesmo no término do jogo.
As regras do jogo são absolutas, como disse de passagem Paul Valéry (apud
Huizinga: 2004, 14): “No que diz respeito às regras de um jogo, nenhum ceticismo é
possível, pois o princípio no qual elas assentam é uma verdade apresentada como
inabalável”. O jogador que desrespeita ou ignora esse princípio é chamado, como vimos, de
“desmancha-prazeres”, pois pode:
“(...) abalar o próprio mundo do jogo. Retirando-se do jogo, denuncia o caráter
relativo e frágil desse mundo no qual, temporariamente, se havia encerrado
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É interessante registrar, que no direito internacional há de existir uma vontade ampla e
generalizada de respeitar as regras, pois no momento em que uma das partes resolver
desrespeitar uma espécie de “acordo tácito” que há entre as diversas partes envolvidas, o
mundo inteiro pode se tornar uma barbárie - a menos que haja força e disposição política
para se tirar do jogo o “estraga prazeres”. Essa questão encontra-se além do escopo desta
pesquisa, mas mostra-se absolutamente relevante, pois: “A verdadeira relação entre os
estados é uma relação de guerra, e todo contato diplomático, na medida em que procede
através de negociações e acordos, constituem apenas um prelúdio à guerra ou um interlúdio
entre duas guerras” (Huizinga: 2004, 232). A guerra está muito além do jogo e de seu fator
agonístico, da “competição entre selvagens”: se baseia no princípio de interpretações da
dualidade entre bem e mal, amigo ou inimigo, e sua justificativa só poderá deixar de ser
evocada quando o homem for capaz de uma transformação de caráter ético. “O que torna
séria uma ação é seu conteúdo moral. Quando o combate possui um valor ético, ele deixa
de ser um jogo. Só é impossível sair desse inquietante dilema para aqueles que negam o
valor e a validade objetiva dos padrões morais(...) Só através de um ethos capaz de superar
a relação amigo-inimigo, que reconheça uma finalidade mais alta do que a satisfação de si
próprio, de seu grupo ou de sua nação, torna-se possível a uma sociedade política passar do
“jogo” da guerra para uma verdadeira seriedade” (Huizinga: 2004, 234).