
148
Br´ em Js 17,15.18) é ideal para demonstrar:
14
E falaram os filhos de José com Josué, dizendo: ‘Por que deste para mim uma
herança sorteada
398
apenas, e uma região apenas, e eu (que sou) um povo
numeroso, visto que, até aqui, abençoou-me Yahweh?’.
15
E disse-lhes Josué: ‘Se
um povo numeroso és tu, sobe para a floresta
399
, e corta para ti um lugar na terra
dos ferezeus e dos refaim, já que é estreita
400
para ti a montanha de Efraim’.
16
E
disseram os filhos de José: ‘Não é suficiente
401
para nós a montanha, e carro de
ferro (está) com cada cananeu que governa
402
na terra do vale, tanto em bêt-šü´än e
nas suas vilas, quanto no vale de yizrü`e´l’.
17
E disse Josué aos filhos de José, para
Efraim e para Manasses, dizendo: ‘Povo numero és tu, e grande força tens. Não
apontam na direção de considerar-se que essa exclusivação subjetiva da raiz seja um fenômeno
recente na história judaica. Logo, não se aplica à etimologia histórica de Br´. Além disso, a Tese
esclarece o contexto fenomenológico da cosmogonia judaica, deixando claro que, ao contrário do
que considera W. H. Schmidt, pode-se, sim, estabelecer “indícios” da evolução de Br´ na cultura
judaica – e um deles passa pela consideração de que, em Js 17,15.18, “cortar” e “criar” sejam
conceitos metonimicamente intercambiáveis. Além do mais, o conjunto dos dicionários e
analíticos disponíveis desconhecem/desconsideram o fato de que já tão cedo quanto 1844,
Gesenius tratava todas as ocorrências da raiz Br´ na Bíblia Hebraica numa mesma entrada (!), o
que pode ser verificado em GESENIUS, A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament:
Including the Biblical Chaldee. Translated by Edward Robinson. New Edition. Boston: Crocker
and Brewser, 1844, p. 159-160. Mais do que “simplesmente” desconsiderar uma decomposição da
raiz em cognatos I, II e III, e tratar todas as suas atualizações literário-discursivas como expressões
da potência semântica da mesma raiz, Gesenius inicia assim o verbete “ar"B': [qal] 1. propriamente
cortar, esculpir, formar, cortando ou esculpindo”. Na seqüência imediata, informa que a
correspondente raiz árabe significa “talhar, para desbastar ou derrubar”. Somente, agora, na
seqüência, Gesenius introduz o sentido – “derivado” – “2. formar, criar, produzir”. Será nessa
seção, sem distinções nem reservas “teológicas”, que Gesenius fará referênia a Gn 1,1. A seguir,
abrirá, ainda, os semas “[3] dar à luz” e “[4] cortar a fome = alimentar, engordar”. Abrirá, então, a
sub-entrada nifal e, finalmente, piel, onde, a essa altura, não há mais novidades: Br´, no piel,
significa tanto cortar (para construir) quanto já, diretamente, “formar, fabricar, fazer Ez 21,24”.
Finalmente, fecha-se a rubrica com a sub-entrada do hifil (1 Sm 2,29). Ora, com a proposição de
Gesenius, já se estava no trilho de compreender que “criar” – Br´ – carrega, dentro de si, uma
“evolução” semântica – tambem dentro da Bíblia Hebraica! – que, contudo, não perde a marca
característica do sentido básico da raiz. “Criar” (Br´) carrega, sempre, em si, o sentido de “cortar”,
isto é, cortar [alguma coisa] para construir [aí] alguma coisa. Assim, “esculpir”, porque está-se,
assim, “criando uma escultura, arrotear, porque se está cortando árvores para, aí, plantar-se ou
construirem-se habitações – e, eis a idéia fundamental desta Tese – “criar”, ou seja, “construir a
civilização humana”, desobstruindo o lugar (terraplanando), e, inclusive, enfrentando todas as
condições adversas à operação. Em Gn 1,1-3, quando ´élöhîm cria, ele está, na verdade, em
sentido técnico, “esculpindo”, “arroteando”, “terraplenando”, e, em sentido mítico-cosmogônico,
“enfrentando treva e vento, acalmando as águas, e tirando daí, das águas “cortadas”, a sua
“criação”. Cf., nesse sentido, F. K. FLINN, The Phenomenology of Symbol – Genesis I and II, in:
W. S. HAMRICK (ed), Phenomenology in Practice and Theory, p. 233.
398
“Herança sorteada”, traduzindo, com L. ALONSO-SCHÖKEL, Dicionário, p. 136, naHálâ
Gôräl.
399
“Sobe para a floresta”, traduzindo `álË lükä hayya`râ. Segundo L. ALONSO-SCHÖKEL,
Dicionário, p. 497, há casos em que ocorre a “perda do sema subir. Passa a significar deslocar-se,
dirigir-se, acorrer”. Nesse caso, diante da reclamação dos filhos de José de que o território que
lhes teria cabido por sorteio era pouco para eles, que eles então fossem eles mesmos “cortar” um
novo território para si. “Cortar” aí é, a um só tempo, tomar posse da terra (a floresta), prepará-la
(“cortar” as árvores, arrotear o terreno) e construir (instalar-se).
400
Cf. L. ALONSO-SCHÖKEL, Dicionário, p. 34: “te estreita, aperta Js 17,15”.
401
Idem, p. 396.
402
“Governa”. Cf. N. K. GOTTWALD, Tribos de Yahweh, p. 531.