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A ORDEM DOS CIRCUNSTANCIAIS TEMPORAIS E LOCATIVOS EM
CARTAS DOS SÉCULOS XVIII E XIX
DANIELLE KELY GOMES
UFRJ
2006
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GOMES, Danielle Kely. A ordem dos circunstanciais temporais e locativos em cartas
dos séculos XVIII e XIX. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras, Universidade Federal do
Rio de Janeiro. 2006. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.
BANCA EXAMINADORA
Professor Doutor Afrânio Gonçalves Barbosa (Orientador) - UFRJ
Professora Doutora Maria da Conceição de Paiva (Co-orientadora) - UFRJ
Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes - UFRJ
Professor Doutor Mário Eduardo Martelotta - UFRJ
Professora Doutora Márcia dos Santos Machado Vieira - UFRJ
Professora Doutora Maria Luiza Braga - UFRJ
DEFENDIDA A DISSERTAÇÃO
CONCEITO:
EM ____/ _____/ 2006.
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A ORDEM DOS CIRCUNSTANCIAIS TEMPORAIS E LOCATIVOS EM
CARTAS DOS SÉCULOS XVIII E XIX
por:
Danielle Kely Gomes
Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa.
Orientador: Profº Drº Afrânio Gonçalves Barbosa.
Co-orientador: Profª Drª Maria da Conceição de
Paiva.
Rio de Janeiro, 1º semestre de 2006.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me dado forças para acreditar que tudo é
possível e por me encorajar a seguir em frente.
Aos meus pais, José e Marlene, por estarem ao meu lado em
todos os momentos em que preciso. Sem o sacrifício desses
dois, não teria chegado aqui e construído toda a minha
trajetória acadêmica e profissional.
Ao meu orientador, Afrânio Barbosa, por ter aceitado me
orientar sem mesmo me conhecer e pelas lições de seriedade
acadêmica.
A Conceição Paiva, por ter me aberto as portas para o mundo
da pesquisa científica e pelo seu apoio e dedicação, que
desconhecem limites.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas, em especial às professoras Célia Lopes, Márcia
Machado e Sílvia Rodrigues, pela gentileza e por estarem
sempre dispostas a ajudar.
Aos meus colegas de trabalho, pelo interesse em ver-me
progredir e, sobretudo, pela valiosa e divertidíssima
convivência.
Aos demais familiares, que estiveram comigo ao longo dessa
trajetória.
Aos meus alunos, as soluções para quase todos os meus
problemas.
A todos, os meus sinceros agradecimentos.
SINOPSE
Variabilidade posicional dos circunstanciais de tempo e lugar em
cartas de circulação privada dos fins do século XVIII e do século
XIX. A influência de fatores de natureza sintática, semântica e
discursiva na ordenação dos circunstanciais temporais e locativos.
Análise funcionalista, com especial ênfase ao constructo teórico da
marcação.
RESUMO
GOMES, Danielle Kely. A ordem dos circunstanciais temporais e locativos em cartas
dos séculos XVIII e XIX. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras, Universidade Federal do
Rio de Janeiro. 2006. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.
Esta dissertação focaliza a variabilidade na ordenação dos circunstanciais
temporais e locativos, incluindo tanto advérbios como sintagmas preposicionais, a partir
de uma amostra de cartas de circulação privada escritas entre os finais do século XVIII e o
século XIX – as Cartas de Comércio (Barbosa, 1999), os Documentos de Circulação
Privada da Cidade do Rio de Janeiro (Rumeu, 2004) e as Cartas Paulistas (Simões,
2005). O nosso objetivo principal é o de identificar a ordem não marcada de cada classe
semântica e os fatores associados a essa variação. Além disso, procuramos depreender os
contextos que favorecem sua violação, partindo do princípio de que a ordem mais
marcada, a menos freqüente, ocorre em contextos mais discursivamente marcados.
Neste trabalho, entende-se que a variação na ordem dos circunstanciais é resultado
da interação de fatores ligados ao domínio sintático, semântico, discursivo e, ainda, de
aspectos relacionados à extensão. Através do suporte teórico-metodológico da
Sociolingüística Variacionista, tentamos identificar semelhanças e diferenças nos padrões
de ordenação constatados para as duas classes semânticas e os dois corpora analisados.
Tomando a freqüência como um critério inicial, observou-se que cada classe semântica de
circunstancial possui uma ordem não marcada: a margem esquerda para os circunstanciais
temporais e a margem direita para os circunstanciais locativos. A infração a ordem não
marcada está associada a contextos específicos, a saber, a extensão dos circunstanciais e a
função que esses itens desempenham na organização do discurso.
ABSTRACT
GOMES, Danielle Kely. A ordem dos circunstanciais temporais e locativos em cartas
dos séculos XVIII e XIX. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras, Universidade Federal do
Rio de Janeiro. 2006. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.
This paper focuses on the variability in the order of time and place adverbials, including
adverbs and prepositional phrases, based on a sample of no-public circulation letters
written between the end of 18
th
century and 19
th
century – Cartas de Comércio (Barbosa,
1999), Documentos de Circulação Privada da Cidade do Rio de Janeiro (Rumeu, 2004)
and Cartas Paulistas (Simões, 2005). Our main proposal is to identify the non-marked
order to each semantic category and the factors associated with this variation. Besides, we
try to identify the contexts in this order is violated. We assume that the marked order, or
the less frequent one, occur in more discursively marked context.
In this paper, we understand that the variation results from interaction of factors
linked to syntactic, semantic and discursive domain, as well aspects linked to extension.
By the use of methodological approach of Variationist Sociolinguistic, we try to identify
similarities and differences of variation patterns observed in the two semantic classes and
the two samples of written letters. Taking frequency as a initial criterion, we observed that
each adverbial classes has a different non-marked order: the left-periphery for the
temporal adverbials and the right-periphery for the place adverbials. Violations of non-
marked order are associated to specific contexts, such as phonological extension and the
role of adverbials in discourse.
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Índice geral de anteposição / posposição dos circunstanciais
locativos nas duas amostras consideradas
59
Gráfico 2 - Índice geral de anteposição/posposição dos circunstanciais temporais
nas duas amostras consideradas
59
Gráfico 3 - Posposição dos Circunstanciais Locativos nas Amostras Analisadas:
argumentais x não-argumentais
61
Gráfico 4 - Posposição dos Circunstanciais Locativos por Tipo Morfológico
62
Gráfico 5 - Anteposição dos Circunstanciais Temporais por Tipo Morfológico
63
Gráfico 6 - Distribuição dos Circunstanciais Locativos por posição - Cartas de
Comércio
70
Gráfico 7 - Distribuição dos Circunstanciais Locativos por posição -
Documentos de Circulação Privada
71
Gráfico 8 - Distribuição dos Circunstanciais Temporais por posição - Cartas de
Comércio
79
Gráfico 9 - Distribuição dos Circunstanciais Temporais por posição -
Documentos de Circulação Privada
80
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Os corpora
49
Tabela 2 - Configurações Sintagmáticas dos Circunstanciais Locativos nas
Cartas de Comércio
66
Tabela 3 - Configurações Sintagmáticas dos Circunstanciais Locativos nos
Documentos de Circulação Privada
68
Tabela 4 - Distribuição dos Advérbios Locativos nas Cartas de Comércio e nos
Documentos de Circulação Privada por Posição.
73
Tabela 5 - Configurações Sintagmáticas dos Circunstanciais Temporais nas
Cartas de Comércio
76
Tabela 6 - Configurações Sintagmáticas dos Circunstanciais Temporais nos
Documentos de Circulação Privada
77
Tabela 7 - Distribuição dos Advérbios Temporais nas Cartas de Comércio e nos
Documentos de Circulação Privada por Posição.
81
Tabela 8 - Anteposição do Circunstancial Temporal e Extensão
89
Tabela 9 - Posposição do Circunstancial Locativo e Extensão
92
Tabela 10 - Seqüenciação e Posposição dos Circunstanciais Locativos
97
Tabela 11 - Seqüenciação e Anteposição dos Circunstanciais Temporais
98
Tabela 12 - Posposição do Circunstancial Locativo e Função Discursiva
104
Tabela 13 - Anteposição do Circunstancial Temporal e Função Discursiva
107
Tabela 14 - Posposição do Circunstancial Locativo e Forma de Realização do
Sujeito
113
Tabela 15 - Anteposição do Circunstancial Temporal e Forma de Realização do
Sujeito
115
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AgrP = agreement phrase (port. concordância)
CIRC. = circunstancial
Compl. = complemento
CP = complementizer phrase (port. complementizador)
POS. 1 = margem esquerda
POS. 2 = posição entre o sujeito e o verbo
POS. 3 = posição entre o verbo e o complemento
POS. 4 = margem direita.
Pred. = predicativo
S = sujeito
SPrep. = sintagma preposicional
SV = sintagma verbal
Tóp. = Tópico
TP = tense phrase (port. tempo)
V = verbo
VP = verbal phrase (port. sintagma verbal)
LISTA DE SÍMBOLOS
X = qualquer elemento que não seja sujeito, verbo, complemento, predicativo ou
circunstancial (temporal ou locativo)
/ = um ou outro elemento
( ) = pode ou não ocorrer
ÍNDICE
0- INTRODUÇÃO
14
1- OS CIRCUNSTANCIAIS TEMPORAIS E LOCATIVOS – O
ESTADO DA QUESTÃO
17
2- PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
24
2.1- A Sociolingüística Variacionista
24
2.2-A relação entre Variação e Função
29
2.3- A Perspectiva Funcionalista nos Estudos da Linguagem
32
2.3.1- A Perspectiva Funcionalista da Ordem dos Constituintes
36
2.3.2 - O Princípio de Marcação
37
3-OS CORPORA E PROCEDIMENTOS TEÓRICO-
METODOLÓGICOS
42
3.1 – A seleção dos corpora
42
3.1.1 - A utilização de cartas para o e estudo de sincronias passadas da
língua portuguesa no Brasil.
43
3.1.2 - Constituição e principais características dos corpora analisados
44
3.1.3 - Sobre a tipologia utilizada
46
3.1.4 - Enfim, o material que compõe a pesquisa.
48
3.2 – Procedimentos Teórico-Metodológicos – o instrumental variacionista 50
4- VARIABILIDADE SINTAGMÁTICA DOS CIRCUNSTANCIAIS
LOCATIVOS E TEMPORAIS
58
4.1 - Padrão não marcado de ordenação dos circunstanciais locativos
66
4.2 – Padrão não marcado de ordenação dos circunstanciais
temporais.
75
5-RESTRIÇÕES A ORDEM NÃO MARCADA
86
5.1 - Aspectos estruturais e sintáticos
87
5.1.1- Extensão dos Circunstanciais
87
5.2-Aspectos Discursivos
99
5.2.1- Função discursiva do circunstancial
99
5.3- Forma de realização do sujeito da oração 110
CONCLUSÕES
118
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
122
14
0- INTRODUÇÃO
Questões relativas à ordem dos constituintes oracionais vêm preocupando uma serie de
pesquisadores, interessados não só em depreender as regularidades subjacentes ao fenômeno
de ordenação dos constituintes no português, como em outras línguas, a partir do trabalho
pioneiro de Greenberg (1963). De forma mais ou menos explícita, os estudos que verificam a
ordem dos constituintes oracionais partem do pressuposto de que é possível determinar uma
ordem mais básica para cada tipo de constituinte e que as diversas formas de disposição
sintagmática estão a serviço da organização discursiva e da interação comunicativa. O
trabalho que agora se apresenta se filia a essa linha, e focaliza a ordenação dos circunstanciais
temporais e locativos, representados por advérbios e sintagmas preposicionais, em cartas de
circulação privada escritas em território brasileiro nos fins do século XVIII e século XIX.
O objetivo central deste trabalho é identificar os padrões de ordenação desses
constituintes, sua ordem não marcada nessas cartas e os contextos que a favorecem. Estamos
considerando uma série de fatores (morfológicos, sintáticos e discursivos) que podem, em
maior ou menor grau, exercer influência no estabelecimento dessa ordem para cada classe
semântica de circunstanciais e em que contextos a ordem não marcada pode ser violada.
Os objetivos e hipóteses expostos nas linhas anteriores estão em conformidade com os
princípios e pressupostos teóricos da corrente funcionalista dos estudos da linguagem,
sobretudo os propostos por M.Halliday (1975, 1985), Croft (1990), Chafe (1976, 1987),
Givón (1990, 1995). Como se trata de uma pesquisa de cunho quantitativo e qualitativo,
tornou-se uma necessidade a conjugação dos pressupostos teóricos do funcionalismo com os
princípios teórico-metodológicos da Teoria da Variação e Mudança, tal como proposto em
Weireinch, Labov e Herzog (1968) e refinado nos trabalhos posteriores de Labov (1972,
1994, 2002, 2004). Consoante os pressupostos da Sociolingüística Variacionista, admitimos
15
que a ordenação dos circunstanciais temporais e locativos não é aleatória, mas sim
estruturada, sendo o reflexo da conjugação de fatores de diferentes níveis.
Concebemos a língua como um instrumento de interação, a partir do qual se
estabelecem as relações comunicativas entre os falantes. Deste modo, admitimos que a forma
como os usuários se servem desse meio de comunicação é de fundamental relevância para a
análise da forma lingüística e dos padrões de variação que nela são observados. Assim, a
língua em uso, os propósitos que se circunscrevem a esse uso, os participantes da interação e
suas intenções comunicativas formam uma rede essencialmente dinâmica, que se reflete na
disposição sintagmática dos constituintes na sentença.
A noção de marcação constitui o ponto central deste trabalho. A partir desse conceito,
podemos pressupor que há uma ordem preferencial, mais natural, para os circunstanciais
temporais e locativos. Em condições específicas, isto é, a partir da intervenção de fatores
diversos, essa ordem pode ser infringida. Ao aplicarmos o conceito de marcação à
variabilidade posicional dos circunstanciais temporais e locativos, temos de considerar a
função desses constituintes na organização temporal e espacial do discurso. Diversos
trabalhos (Paiva, 2002, 2004; Brasil, 2005) mostram a necessidade de incorporar o papel
desses elementos na organização discursiva na análise da tendência de ordenação dos
circunstanciais, sendo esse fator crucial no estabelecimento de uma ordem não marcada e na
análise dos casos em que tal ordem é violada. Também tomamos como hipótese a influência
do fator organização discursiva na ordenação dos circunstanciais temporais e locativos.
As hipóteses levantadas nesse trabalho são verificadas em uma amostra de cartas de
circulação privada – as Cartas de Comércio (Barbosa, 1999), os Documentos de Circulação
Privada da cidade do Rio de Janeiro (Rumeu, 2004) e as Cartas Paulistas do século XIX
(Simões, 2005) – missivas escritas no Brasil por brasileiros e portugueses nos fins do século
XVIII e início do século XIX. O alcance deste trabalho é verificar o comportamento
16
posicional dos circunstanciais temporais e locativos no português escrito no Brasil, isto é, a
modalidade escrita daqueles que constituíram segmentos sociais e econômicos de destaque na
sociedade brasileira do período.
Os procedimentos metodológicos utilizados para o estudo da variação na ordem dos
circunstanciais são aqueles propostos pela Sociolingüística de base laboviana, o que implica
um tratamento quantitativo dos dados e a depreensão dos diversos contextos de ocorrência de
cada variante de ordenação dos circunstanciais. Deste modo, consideramos como variável
dependente, isto é, variantes de uma mesma variável, a anteposição ou a posposição dos
circunstanciais temporais e locativos ao núcleo verbal e procuramos verificar a correlação
entre essas variantes e fatores externos, estruturais e discursivos
O trabalho se organiza da seguinte forma: na seção um, tratamos da ordenação dos
circunstanciais a partir de trabalhos já realizados sobre o assunto; na seção dois, serão
apresentados os pressupostos teóricos que norteiam a análise (a Teoria da Variação e
Mudança e o Funcionalismo); na seção três, são apresentados os procedimentos
metodológicos e algumas considerações acerca da amostra utilizada na análise.
Na seção quatro, nos concentraremos na identificação da variabilidade sintagmática
dos circunstanciais temporais e locativos nos corpora utilizados, a partir dos resultados
apresentados pelo programa de análises estatísticas GOLDVARB2001. Na seção cinco, serão
apontadas as restrições ao padrão não marcado identificado na seção quatro. Em seguida,
serão tecidas as considerações finais, destacando as semelhanças e diferenças nos padrões de
variação encontrados em cada amostra.
17
1- OS CIRCUNSTANCIAIS TEMPORAIS E LOCATIVOS – O ESTADO DA
QUESTÃO.
As propriedades semânticas, distribucionais e funcionais dos constituintes
circunstanciais são destacadas por diversos autores. Câmara Jr. (1977), por exemplo,
distingue os advérbios que expressam tempo e lugar dos demais advérbios, já que eles
“são de natureza pronominal por sua função na comunicação lingüística. Destinam-se a
situar o evento comunicativo no espaço ou no tempo em relação à posição espacial ou
temporal do falante”.(op.cit: 115). Neves (2000, 2002), a partir do quadro teórico
funcionalista, mostra que os circunstanciais não possuem uma função “modificadora”,
pois não modificam o verbo, o adjetivo ou outro advérbio. Os circunstanciais, para a
autora, são elementos que indicam circunstância, isto é, “provêm orientação locativa ou
temporal por referência ao falante – aqui – agora, que é o complexo modo-temporal que
constitui o ponto de referência do evento de fala” (Neves, 2002:250).
No que diz respeito aos limites imprecisos da classe dos advérbios, Ilari et alii
(2002) apontam a necessidade de distinguir duas dimensões na classificação desses
elementos: uma relativa aos segmentos sintáticos a que os advérbios se aplicam, a outra
diz respeito à gama de funções que esses elementos podem desempenhar. Para recobrir
a multifuncionalidade da classe dos advérbios, os autores propõem a distinção entre
advérbios de constituinte, de sentença e de discurso: os de constituinte se referem a um
elemento particular da oração; os de sentença se referem à unidade sentencial como um
todo, os últimos se aplicam “a unidades cujas dimensões ultrapassam não só os limites
dos constituintes, como também da sentença” (op. cit: 70), ou seja, abarcam a
seqüência discursiva mais ampla. Os autores também propõem uma outra distinção
entre os advérbios, com base nas funções que esses elementos desempenham: os
18
advérbios predicativos alteram o núcleo de significação de verbos e adjetivos, isto é,
possuem uma função modificadora, da mesma forma como são caracterizados pela
abordagem tradicional. Os advérbios não predicativos aproximam-se dos
circunstanciais, de acordo com a caracterização de Neves (2002), pois agregam
circunstâncias de tempo e lugar aos estados de coisas descritos.
No tocante à ordenação, os circunstanciais temporais e locativos possuem
relativa flexibilidade de disposição sintagmática na sentença, podendo ser antepostos ou
pospostos ao constituinte com o qual se relacionam, como mostram os exemplos abaixo:
A- Anteposição ao SV
(1) Aqui estou purgando os meus pecados
(Cartas de Comércio – BNL - mss. 224/410 – 16/03/1798)
(2) No dia 25 tivemos a incomparavel honra de vermos | no nosso solo onosso
Idolatrado Principe (Documentos de Circulação Privada - 01/07/1822)
B- Posposição ao SV
(3) tenho serto para ami ha chegada se fazer logo
(Cartas de Comércio – BNL – mss. 224/252 – 28/03/1793)
(4) Desde o dia 3 naõ voltei mais ao Governo enem pertendo por mais os pes.
(Documentos de Circulação Privada - 28/05/1822)
Com relação especificamente à ordem dos advérbios, Austin et alii (2004:3)
alertam que problemas particulares se colocam, pois “enquanto os advérbios parecem
usufruir de uma considerável liberdade com relação à sua posição sintática, outras vezes
eles estão sujeitos à restrições sintáticas extremamente rigorosas
1
”. Mesmo entre
aqueles advérbios que apresentam maior flexibilidade de ordenação, faz-se necessária
1
“while adverbials sometimes seem to enjoy considerable freedom with respect to syntactic position, at
other times they display extremely tight syntactic restrictions.”
19
uma distinção entre os que admitem um amplo leque de arranjos sintagmáticos daqueles
que apresentam uma variabilidade mais restrita.
As gramáticas tradicionais do português fazem referência à ordenação dos
advérbios propriamente ditos e pouco ou quase nada prevêem sobre a ordenação dos
sintagmas preposicionais que expressam tempo e lugar. Cunha (1976) e Cunha & Cintra
(1985: 533-35), por exemplo, ressaltam que é impossível fazer uma generalização sobre
a ordem dos advérbios, pois as diferentes classes semânticas apontam tendências
distintas. Os autores destacam três grupos entre aqueles advérbios que “modificam” o
verbo:
1- os advérbios de modo colocam-se normalmente depois do verbo;
2- os advérbios de tempo ou lugar podem se colocar tanto antes quanto depois do verbo;
3- os advérbios de negação sempre antecedem o verbo.
Cunha (1976:368), contudo, ressalta que a antecipação do advérbio ao verbo
(ordem Adv. + V), principalmente para a posição periférica mais à direita, atende a uma
função de realce, propondo, ainda que implicitamente, que a ordem V + Adv. seria a
mais natural.
As propriedades sintático-semânticas dos advérbios influem de forma decisiva
na ordenação desses constituintes, já que a posição por eles ocupada pode variar de
acordo com a expressão que tomam como escopo. De acordo com Ilari et alii
(2002:113),
A posição que os advérbios ocupam na frase corresponde a alguns
paradigmas (advérbios sentenciais, advérbios predicativos intra-
sentenciais, operadores discursivos) que se definem funcionalmente e
que correspondem a várias propriedades de ordem sintática e semântica.
Para cada paradigma há geralmente uma posição preferencial, (...).
Para os autores em questão, ainda que haja uma posição preferencial para os
advérbios, eles podem se deslocar para outros pontos da sentença, em função de
20
pressões do grau de informatividade ou de pressões discursivas. Entretanto, a posição
dos advérbios “depende, em cada caso, da função que exerce ao mesmo tempo em que
contribui para identificar essa função” (op.cit: 114). Bechara (1999) enfatiza que a
ordem dos advérbios está diretamente relacionada ao papel sintático-semântico e à
relação que o advérbio mantém com o verbo. Segundo o autor (op.cit: 290):
Os advérbios de papel sintático-semântico mais internamente ligados ao
núcleo verbal não gozam de flexibilidade de posição, enquanto aqueles
mais externamente ligados ao núcleo verbal possuem certa flexibilidade
de posição não só no espaço em que se prolonga o predicado (com seu
núcleo verbal) mas se estende aos domínios do sujeito, podendo
antecedê-lo ou vir-lhe posposto.
A ordem dos circunstanciais temporais e locativos não se reduz apenas ao
binômio anteposição/posposição
2
. Martelotta (1994), Kato et alii (2002), Costa (2004),
Brasil (2005) e Paiva (no prelo) apontam que não só os advérbios, como também os
sintagmas preposicionais que expressam tempo e lugar podem ocupar diferentes
posições na oração: podem se situar em posições mais internas da sentença ou se
deslocarem para as posições periféricas, as margens direita e esquerda. Kato et alii
(op.cit: 267), verificam que os circunstanciais temporais e locativos preferem posições
que fogem do domínio da regência, enquanto os indicadores de aspecto
3
preferem as
posições mais adjacentes ao verbo. Os autores (p. 268) concluem que
2
Por opção metodológica, isto é, para evitar a análise com uma variável dependente eneária, reduzimos a
questão da ordem dos circunstanciais a uma variável binária, a anteposição /posposição ao SV.
3
A distinção entre circunstanciais temporais e aspectuais não é pacífica. Tempo é uma categoria dêitica,
enquanto aspecto se refere ao desenrolar do processo na sua constituição interna. No entanto, as duas
noções não possuem fronteiras nítidas, possibilitando que sejam incluídos no conjunto dos
circunstanciadores de tempo advérbios e sintagmas preposicionais e nominais aspectualizadores. Alguns
trabalhos (Cf. Paiva, no prelo) optam por excluir as expresões aspectuais prototípicas (advérbios como
sempre, nunca, , ainda; SNs como todo dia, etc) da categoria dos cincunstanciais temporais, já que seus
resultados apontam para a fixação de um “ponto de aterrissagem”, isto é, um lugar preferencial para a
incidência desses constituintes. Contudo, como o estudo que aqui se apresenta propõe investigar o
comportamento dos circunstanciais em uma perspectiva de tempo real de longa duração, não serão
excluídos da análise os advérbios e os sintagmas preposicionais que denotam aspecto.
21
tomando a variação posicional dos temporais e locativos, que podem
aparecer produtivamente nas duas margens, podemos dizer que se trata
de uma variação apenas no nível das funções semânticas, mas que não
constituem variação no nível das funções textuais. Assim, os adjuntos
temporais e locativos aparecem no início quando constituem a
orientação do evento, no sentido de Labov e Valesky (1967), ou de
fundo, na terminologia Givóniana. Quando, porém, fazem parte da
complicação eles se situam como parte da predicação da sentença,
posicionando-se, pois, em posição pós-verbal.
Quanto às posições mais internas à oração, os autores destacam a importância de
considerações de ordem mais sintática, “em especial de caráter diacrônico” (p.268).
Martelotta (1994), em um trabalho que verifica a ordenação dos circunstanciais
temporais, depreende seis posições possíveis para esses constituintes: três posições pré-
verbais e três pós-verbais, que variam a depender do tipo de circunstanciador (tempo
delimitado, tempo indeterminado, iterativo, delimitativo, de simultaneidade), do tipo de
discurso e de traços semântico-gramaticais dos circunstanciais. Nas palavras do autor
(p. 60):
Com exceção de uns poucos itens lexicais específicos que demonstram
uma tendência para assumir posições mais fixas, os circunstanciadores
temporais, em sua condição de modificadores da sentença, possuem
uma mobilidade muito grande dentro da sentença, e sua colocação
efetiva depende de uma tendência resultante da interação de suas
características semântico-gramaticais com fatores de natureza
pragmático-discursiva.
Costa (2004), a partir de uma análise multifatorial das diferentes possibilidades
de ordenação dos circunstanciais no português europeu, propõe que não se considerem
apenas restrições semânticas e sintáticas, mas também restrições discursivas e de
extensão sobre a escolha de uma ou de outra forma de ordenação. O autor considera
esses constituintes como adjuntos
4
e estabelece a que categorias os advérbios podem
adjungir.
4
Há uma grande discussão, na literatura de base gerativista, sobre a posição dos circunstanciais
relacionada ao tratamento que se dispensa à função desses elementos na sentença: os advérbios são
adjuntos ou especificadores? Não nos deteremos nesta questão: remete-se para a leitura de Cinque (2004),
22
Costa (op.cit) defende que a adjunção é parcialmente livre, isto é, um advérbio é
livre para adjungir a uma categoria lexical, como VP e a categorias funcionais, como TP
ou CP. No entanto, nem todas as categorias são sites” potenciais para a adjunção: o
autor defende que a adjunção de um advérbio a AgrP é impossível, primeiro porque a
concordância é desprovida de significado e, segundo porque a concordância é uma
categoria nominal, e os advérbios não modificam categorias nominais
5
.
Ao considerar a adjunção, a princípio, livre e não condicionada por qualquer tipo
de parâmetros em termos de direcionalidade, o autor afirma que é de se esperar que um
advérbio possa ocupar a posição tanto a direita quanto a esquerda do verbo. A adjunção
do advérbio ao início ou ao fim da oração depende de, pelo menos, dois fatores: (i) a
estrutura da oração; (ii) condicionamentos sintático-semânticos, especialmente os
relativos ao significado de cada advérbio. Costa (2004: 718) defende que, no geral, o
significado dos advérbios é derivado da sintaxe. No entanto, há de se distinguir entre os
advérbios cujo significado é depreendido da disposição do elemento na sentença
daqueles que tem um significado intrínseco. Para exemplificar, o autor compara o
advérbio de tempo “ontem” com o advérbio “estupidamente”:
Independentemente de sua posição sintática, ontem possui um
significado intrínseco (algo como “o dia anterior ao tempo de referência
ou de enunciação). Uma posição diferente não afetará o seu significado.
Um advérbio como estupidamente, por outro lado, pode apresentar dois
significados: uma leitura como advérbio de modo, e ser parafraseado
que dá um tratamento sistemático ao assunto. Aqui, trataremos os circunstanciais como adjuntos, assim
como o fez Costa (2004).
5
Macambira (1974: 44 - 45) lista outras categorias que podem ser modificadas por advérbios. O autor
reconhece que um advérbio pode tomar como escopo, ainda que excepcionalmente, o substantivo (como,
por exemplo, o assim em Homens assim mudarão a face da terra). Pode também acompanhar a
preposição (O pássaro voava exatamente sobre a cabeça do adormecido) e a conjunção (Aborreço este
lugar somente porque o ar é muito quente). O autor (op.cit.), assim como Bechara (1973:152), reconhece
que o advérbio pode modificar uma oração inteira (Lamentavelmente ele não viajará conosco). Só não
seriam modificados pelo advérbio o artigo e a interjeição, pois até mesmo os pronomes e os numerais
podem admitir a modificação por advérbio, já que antes da NGB eles pertenciam à classe dos adjetivos.
23
como ‘de um modo estúpido’ ou pode ter o significado orientado para o
sujeito e ser parafraseado como ‘foi estupidez de X fazer Y’
6
Os trabalhos até aqui resumidos mostram uma preferência de ordenação dos
circunstanciais temporais: de forma geral, os elementos que indicam a circunstância de
tempo preferem as posições periféricas da oração, sobretudo à margem esquerda, e
evitam posições mais internas à sentença, posições essas que rompem com a estrutura
canônica da oração. Os circunstanciais locativos, por sua vez, mostram preferência por
posições depois do núcleo da sentença, preferencialmente à margem direita da oração.
Shaer (2004), tratando especificamente da ordenação dos circunstanciais
temporais, ressalta que não é fácil determinar de forma precisa as diferenças entre os
temporais na margem esquerda ou na margem direita da sentença, ainda que seja
possível determinar distinções funcionais entre eles: a margem esquerda constitui um
ponto de ancoragem, um elo entre a parte do discurso em que se encontra o
circunstancial e um ponto do discurso anteriormente mencionado, numa relação
nitidamente anafórica, de conexão discursiva. Tal fenômeno tende a não ocorrer com os
advérbios que ocupam a margem direita da oração, associados a um escopo mais
restrito, geralmente portadores de informação nova.
Das considerações feitas nas linhas anteriores, depreende-se a necessidade de se
considerararem as propriedades sintático-semântico-discursivas dos circunstanciais
temporais e locativos aqui arroladas para o estudo da variação de ordem desses
constituintes.
6
Independently of its syntactic placement, yesterday has an inherent meaning (something like ‘the day
before the reference or utterance time’). A different position will not affect its meaning. An adverb like
stupidly, on the other hand, may have two meanings: it may have a manner reading, and be paraphrased
by ‘in a stupid manner’ or it can have a subject-oriented meaning and be paraphrased by ‘it was stupid of
X to do Y’
24
2- PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Neste capítulo, serão discutidos os princípios teórico-metodológicos que norteiam esta
pesquisa: a Sociolingüística Variacionista e o Funcionalismo. Serão detalhados os princípios
que dão conta da ordenação dos constituintes na sentença e os pressupostos que procuram
explicar a variação entre duas ou mais formas de expressão de um mesmo significado.
2.1 - A Sociolingüística Variacionista
Para a Teoria da Variação e Mudança ou Sociolingüística Variacionista, todos os
sistemas lingüísticos são caracterizados por uma heterogeneidade inerente, ordenada e
sistemática. Uma das contribuições fundamentais do modelo de análise sociolingüista foi o
desenvolvimento de métodos rigorosos para a análise da diversidade lingüística, métodos que
possibilitaram a identificação de fenômenos variáveis e a depreensão dos padrões de variação
em uma comunidade de fala.
A Sociolingüística como um quadro teórico organizado surge na década de 60, como
uma reação às análises formais, que partiam do pressuposto de que a língua era um objeto
homogêneo de representação, desvinculado do falante e do contexto social a que serve de
meio de comunicação. Em Weinreich, Labov e Herzog (1968), doravante WHL, são
propostos os fundamentos teóricos da Teoria da Variação e Mudança: a língua é uma entidade
essencialmente heterogênea
1
, não se pode entender a mudança lingüística “sem se considerar
a evidência histórica disponível no processo de mudança no interior de uma comunidade de
fala”. (op. cit: 147). A teoria é refinada a partir dos trabalhos de Labov na década de 70.
1
“it will be necessary to learn to see language – whether from a diacronic or a synchronic vantage – as an object
possessing orderly heterogeneity” ( Weireinch, Labov e Herzog. 1968: 100)
25
Nestes trabalhos fica patente a necessidade de se conceber a mudança como um processo com
implicações tanto no sistema lingüístico como na comunidade que utiliza a língua.
Em WLH, é proposto um modelo teórico no qual a variação e a mudança são
resultados da influência de fatores lingüísticos e extralingüísticos. Sendo assim, abre-se um
caminho para a compreensão da inter-relação entre língua e a comunidade que a utiliza. De
acordo com os autores:
Fatores lingüísticos e sociais estão intimamente relacionados no
desenvolvimento da mudança lingüística. Explicações que estão confinadas a
um ou outro aspecto, não importa quão bem construídas estejam, irão falhar ao
tentar justificar o rico corpo de regularidades que podem ser observados nos
estudos empíricos do comportamento de uma língua
2
(op. cit: 188)
Em Chambers (1995), está explícito que a tarefa empírica da Sociolingüística é
correlacionar a variação lingüística – as variantes lingüísticas, isto é, as duas ou mais formas
de dizer a mesma coisa – a variáveis independentes, estruturais e sociais, e procurar
identificar quais são os fatores mais relevantes para a explicação do fenômeno variável a ser
estudado. No transcorrer do seu desenvolvimento como campo de investigação, a
Sociolingüística vem acumulando uma série de análises que verificaram a influência de
fatores sociais como sexo, idade, escolaridade e posição no mercado de trabalho na escolha
das variantes. Além dos fatores estritamente sociais, a Sociolingüística também enfatiza a
influência da variável registro ou estilo, não só nos processo de variação como também na
mudança lingüística
3
.
Como conseqüência metodológica, a Sociolingüística postula a utilização de dados
“reais”, extraídos de amostras de fala dos integrantes da comunidade nos contextos sociais de
utilização. Dá-se ênfase à análise do vernáculo, isto é, à língua como é utilizada na
comunidade de fala. Ao partir do princípio de que a variação apresentada no indivíduo reflete
2
“Linguistics and social factors are closely interrelated in the development of language change. Explanations
which are confined to one or other aspect, no matter how well constructed, will fail to account for the rich body
of regularities that can be observed in empirical studies of language behavior.”
3
Conferir, por exemplo, o trabalho de Labov (1972) sobre a variável (R) em Nova York, que aponta um
processo de mudança influenciado de forma decisiva pelo estilo de fala.
26
a variação presente no grupo social, o conceito de comunidade de fala adquire um novo
significado: a comunidade de fala não é vista apenas como um conjunto de pessoas que
compartilham um mesmo espaço físico e uma série de normas de usos, mas sobretudo como
um grupo que compartilha o mesmo valor social das variantes.
Um outro pressuposto básico da sociolingüística é que, ao mesmo tempo em que a
língua muda, de forma gradual, há porções desse mesmo sistema que permanecem estáveis
por largos períodos de tempo. A variação observada na fala dos indivíduos pode ser
representativa de uma mudança em progresso ou pode ser um padrão que se repete por
gerações de indivíduos, sem mudanças no sistema. A observação de tal fenômeno levou WLH
(op. cit: 188) a afirmarem que “nem toda variação e heterogeneidade na estrutura da língua
envolve mudança, mas toda mudança envolve variação e heterogeneidade”
4
.
Ao reconhecer que nem toda variação implicará alterações do sistema, a
Sociolingüística procurou desenvolver métodos que permitissem explanações de questões
relativas à mudança, isto é, à sua origem, aos condicionamentos, às formas de propagação,
restrições sociais e estruturais e à avaliação da mudança pela comunidade de fala. Tais
questões, discutidas por WLH (op.cit: 185-7), provêm as bases emricas para a teoria da
mudança lingüística.
Ao pressupor que toda mudança implica variabilidade, admite-se também que a
variação sincrônica pode ser representativa da coexistência de diferentes estágios de uma
língua. Diferenças etárias significativas podem ser reflexos de desenvolvimentos diacrônicos,
desde que outros fatores se mantenham constantes. O comportamento lingüístico de cada
geração pode estar refletindo um estado de língua: os grupos mais jovens podem estar
introduzindo no sistema formas lingüísticas que progressivamente irão substituir as formas
utilizadas pelos grupos de falantes mais velhos, cuja fala é representativa de estados de língua
4
“Not all variability and heterogeneity in language structure involves change; but all change involves variability
and heterogeneity”.
27
anteriores. Tal forma de estudo, denominada de construto de tempo aparente, evidentemente,
não pode ser tomada como conclusiva.
Um primeiro problema é a própria relação entre o construto do tempo aparente e a
hipótese da aquisição: essa relação está baseada na previsão de que a fixação do sistema
lingüístico pelo indivíduo se encerra no início da puberdade, não havendo, a partir daí,
mudanças significativas. Como já fora exposto anteriormente, outros fatores de natureza
social e condicionamentos impostos pelo grau de formalidade do contexto influem no
processo de variação e mudança.
As dificuldades que surgem nos estudos de tempo aparente podem ser contornadas a
partir da associação entre um estudo do tempo aparente e do tempo real. A conjugação dos
dois modelos pode fornecer pistas seguras sobre a natureza do fenômeno de variação
lingüística, propiciando uma análise mais abrangente sobre os processos de mudança da
língua.
Entretanto, alguns aspectos relacionados à mudança lingüística só podem ser
apreendidos a partir da comparação do comportamento do fenômeno variável em uma
perspectiva que recobre uma fatia maior de tempo, denominada estudo de tempo real em
longa duração. O estudo em tempo real de longa duração é de fundamental importância
porque se presta
não apenas para identificar o momento de desaparecimento e morte de uma
determinada variante lingüística como também para verificar a regularidade na
ação dos princípios que regem a variação e subjazem à implementação da
mudança (Paiva e Duarte, 2003:182).
Contudo, o estudo da mudança no tempo real não está isento de problemas, exaustivamente
discutidos em Labov (1994), e aqui retomados brevemente. O primeiro problema é a ausência
de falantes nativos da língua em análise, o que, necessariamente, obriga o pesquisador a se
defrontar com a análise de documentos escritos, a selecionar amostras significativas de um
determinado período, partindo do princípio de que eles registram estágios de um processo de
28
mudança ou que contêm formas comuns em uma determinada época, mas que desapareceram
ao longo do processo de variação e mudança. Não se pode afirmar com rigor se aquela
amostra de textos representa de fato a língua da comunidade de fala no período estudado. A
autenticidade dos documentos que sobreviveram também pode ser posta em cheque, já que a
documentação remanescente do período pode ter sido alterada por copistas e acréscimos
considerados necessários por editores modernos (Labov, 1994:11)
As estruturas que sobrevivem nos documentos antigos constituem um esforço para
registrar uma norma culta escrita que, podemos acreditar, em linhas gerais, não constitui a
língua nativa daquele que escreveu o documento. As formas lingüísticas são filtradas e os
efeitos de uma possível hipercorreção, mistura de dialetos e erros dos copistas são freqüentes
(Cf. Paiva e Duarte, 2003a) .
Como mostra Labov (1994 apud Paiva e Duarte, 2003:184), os documentos históricos
só apresentam evidências positivas, isto é, sabe-se o que era usado, mas não se pode
generalizar sobre as estruturas que não aparecem nos documentos. Evidências negativas sobre
o que era agramatical só podem ser deduzidas de lacunas na distribuição. Há de se considerar
ainda que tais distribuições possam ser casuais.
Pouco se sabe sobre os escritores e menos ainda se sabe sobre sua posição na estrutura
social da comunidade
5
. Como se não bastassem os problemas, ainda não podemos ter certeza
se o que está escrito era compreendido pelos membros da comunidade de fala. É impossível
saber o poder das avaliações subjetivas sobre as variantes. Assim, entende-se porque Labov é
incisivo ao afirmar que a Lingüística Histórica é “a arte de fazer o melhor uso dos maus
dados” (op.cit:11).
5
Todavia, a criação de grupos de pesquisa direcionados à criação de corpora de estágios anteriores da língua
portuguesa, como o PROHPOR e o PHPB, deu uma nova guinada nos estudos histórico-diacrônicos, pois uma
das etapas de elaboração de material de fases anteriores inclui a investigação acerca da história do falante e sua
posição na estrutura social do período em que foi escrito o texto.
29
Todos os problemas acima listados não desautorizam, contudo, o estudo em tempo real
de longa duração. É óbvio que as conclusões a que se chegam são limitadas a certos alcances,
mas são legítimas: são dados positivos. Além disso, o fato de buscar no passado os caminhos
que um sistema lingüístico percorreu até chegar ao estado atual e, quem sabe, tecer algumas
hipóteses, sobre os próximos passos do sistema, mostra a validade das análises de tempo real
de longa duração.
2.2- A relação entre Variação e Função
Para a Sociolingüística Variacionista, o conceito central é o de variante lingüística, isto
é, as formas lingüísticas alternantes que constituem o fenômeno variável. Para Tarallo
(1985:8), as variantes lingüísticas são, portanto, diversas maneiras de se dizer a mesma coisa
em um mesmo contexto, e com o mesmo valor de verdade”.
Autores como Lavandera (1978, 1984), Paredes da Silva (2003), Camacho (2003) e
Cheshire (2003) apontam que esse conceito é bastante controverso, principalmente se
aplicado a fenômenos acima do nível fonético-fonológico. Camacho (2003:57) afirma que,
com o aprimoramento da Sociolingüística, a partir do refinamento das ferramentas de análise,
“a unidade lingüística de qualquer nível de análise, que até então tinha sido invariável,
discreta e qualitativa, passa a ser variável, contínua e quantitativa”. O conceito de regra
variável permitia a descrição e a explicação da variação em qualquer nível, inclusive em casos
de variação sintática. Todavia, nesse campo de investigação, surgiram estudos que contestam
a aplicação do conceito de regra variável.
O ponto central da discussão reside no princípio proposto por Labov (1972) e
retomado pela citação de Tarallo: a necessidade de manutenção do significado entre duas ou
mais formas variantes. Entendido desta maneira, o conceito de regra variável implica, além da
identidade semântica, a identidade funcional entre as formas em variação. Cheshire (2003)
30
aponta que tal necessidade é facilmente mantida nos estudos de variação fonológica, já que,
neste nível, a relação forma e significado é arbitrária
6
. Lavandera (1984, apud Paredes da
Silva, 2003) propõe, em casos de fenômenos variáveis no nível da sintaxe, “substituir o
conceito de equivalência semântica pelo de ‘comparabilidade funcional’, restringindo a noção
de significado ao significado referencial”.
A aplicação dos pressupostos metodológicos variacionistas a fenômenos superiores ao
nível fonético/fonológico exige do pesquisador certa cautela, dada a interseção entre fatores
sintáticos, semânticos e discursivos. Embora nesta pesquisa o uso do conceito de variante
lingüística esteja condicionado à adoção da noção de equivalência referencial, outra vertente
nega por completo a possibilidade de utilização do conceito de regra variável a fenômenos
sintáticos e discursivos, como mostram os trabalhos de Lavandera (1978, 1984). Todavia, esse
problema pode ser contornado a partir de um controle muito estrito dos fatores semânticos e
discursivos que influem de forma decisiva na variação sintática, pois as possíveis nuances
semânticas de variantes sintáticas podem ser controladas por grupos de fatores que
quantificam os prováveis efeitos comunicativos e funcionais das variantes. Trabalhos de
pesquisadores do PEUL
7
e do NURC
8
foram bem sucedidos ao enfocar fenômenos sintáticos
a partir de um viés variacionista e ao apontar que as restrições impostas pelo contexto de uso
podem ser controladas tendo por base grupos de fatores semânticos e discursivos.
Considerar o fenômeno de ordenação dos circunstanciais temporais e locativos em
termos de equivalência semântica, tal como proposto por Labov (1972), coloca algumas
dificuldades no reconhecimento da variação lingüística. Costa (2004) ressalta que, na maioria
dos casos, o significado dos circunstanciais, com exceção daqueles com sentido intrínseco, é
6
“Semantic equivalence can be easily established for phonological variables, where the form-meaning
relationship is at its most arbitrary, (...).”
7
Programa de Estudos do Uso da Língua - Departamento de Lingüística e Filologia da Faculdade de Letras da
UFRJ. www.letras.ufrj.br/peul
8
Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta – Departamento de Letras Vernáculas da Faculdade de
Letras da UFRJ. www.letras.ufrj.br/nurc-rj
31
determinado por sua posição na oração. Entretanto, as diferenças de significado, nesta
pesquisa, foram controladas, identificando os contextos associados com cada uma das
possibilidades de ordenação dos circunstanciais temporais e locativos. Esse procedimento só é
possível a partir da conjugação dos princípios teóricos da Sociolingüística com o
Funcionalismo, o que nos permitiu agregar uma visão abrangente sobre aspectos funcionais
relacionados à ordenação dos elementos circunstanciais.
Tanto o Funcionalismo como a Sociolingüística têm como interesse a interação
lingüística. Apesar de ambas advogarem o estudo da língua em uso pelos falantes, o primeiro
tende a focalizar as situações comunicativas e sua relação com os outros componentes da
comunicação lingüística, enquanto o segundo enfatiza a variação e os aspectos sócio-culturais
da linguagem. Nichols (1984) reconhece que o Funcionalismo se apropriou de certos avanços
da Sociolingüística, porém inovou ao conceituar a língua. O funcionalismo propõe a análise
dos fenômenos estruturais como integrantes de uma situação global de comunicação. A
primeira vista, parece natural a conjugação dos dois modelos: é possível medir os efeitos
funcionais em fenômenos de variação lingüística. Paiva e Gomes (1999:813) partilham dessa
posição, ao defenderem o uso de fundamentos funcionalistas na interpretação dos resultados
das análises quantitativas. Para as autoras:
A possibilidade de interface entre o modelo variacionista e diversos modelos
funcionalistas é uma decorrência natural da necessidade de extrapolar o nível
puramente descritivo e alcançar um nível explicativo mais amplo em que os
fenômenos de variação sejam tomados como conseqüência de princípios mais
gerais que atuam sobre a linguagem humana. (...). Essa convergência, mesmo
se discutível, se torna possível pelo fato de que uma abordagem que visa a
desvendar a sistematicidade do uso da língua não pode ignorar, e muito menos
deixar de explicar, de que maneira se integram as propriedades sócio-
funcionais e a estrutura lingüística propriamente dita.
A Sociolingüística e o Funcionalismo procuram depreender as regularidades da
estrutura gramatical e interpretar os fenômenos lingüísticos a partir da interseção de fatores de
natureza diversa. Desta forma, em casos de variação fora dos limites da fonologia, a interface
32
entre os dois modelos está a serviço de explicações mais abrangentes, procurando estabelecer
os contextos de ocorrência de cada forma e as funções que estas podem assumir na interação
verbal. Essa é a perspectiva que será adotada ao longo deste trabalho: a adoção dos
pressupostos teórico-metodológicos da Sociolingüística para a depreensão dos aspectos, de
natureza funcional, relativos à ordenação dos circunstanciais temporais e locativos.
2.3 - A Perspectiva Funcionalista nos Estudos da Linguagem
As diversas vertentes do estruturalismo, concepção de estudo da linguagem que
vigorou na primeira metade do século XX, mostram diferenças na caracterização de três
noções básicas: estrutura, sistema e função. As abordagens estruturalistas divergem quanto à
ênfase dada a cada um desses conceitos e ao papel dado à função na análise dos sistemas
lingüísticos. Duas posições se confrontam nesse sentido: para uma vertente, a função ganha
um papel predominante na organização lingüística. Outra prioriza a forma, ignorando as
funções desempenhadas pelos elementos lingüísticos.
Halliday (1985: xiii) explicita a abordagem funcional nos seguintes termos:
[é uma introdução à gramática funcional (grifos do autor)] porque o suporte
conceitual em que é baseada é funcional. (...) explica porque a língua é usada. Cada
texto, isto é, tudo aquilo que é dito ou escrito desenrola-se em algum contexto de uso;
além disto, é o uso da linguagem que, através de gerações, molda o sistema. A
linguagem satisfaz as necessidades humanas, e o modo como é organizada é funcional
com relação a essas necessidades – não é arbitrário.
9
A concepção funcional opõe-se à perspectiva estruturalista clássica, cujo principal
ícone é Ferdinand de Saussure, que entende a língua como “uma entidade autônoma de
dependências externas, ou, numa palavra, uma estrutura” (Benveniste, 1976). A intervenção
9
“[it is an introduction to functional [grifos do autor] grammar because the conceptual framework on which it is
based is a functional one rather than a formal one. […] it is designed to account how language is used. Every
text – that is, everything that is said or written – unfolds in some context of use; furthermore, it is the uses of
language that, over tens of thousands of generations, have shaped the system. Language has evolved to satisfy
human needs; and the way it is organized is functional with respect to these needs – it is not arbitrary.”
33
de fatores sócio-históricos é descartada do sistema lingüístico. A partir deste princípio, é
descartada também a vinculação do sistema ao uso que os falantes dele o fazem, do mesmo
modo como se dá ênfase à arbitrariedade das estruturas lingüísticas.
As análises formais entendem a língua como um objeto autônomo e
descontextualizado, da mesma forma como os estruturalistas a entendiam. Por essa razão,
priorizam o estudo da estrutura inerente a linguagem. Borges Neto (2004:85) afirma que
os formalistas estudam as línguas naturais para entendê-las como uma
linguagem, isto é, enquanto um conjunto de formas que se relacionam entre si
numa sintaxe, que se relacionam com objetos do mundo (mundo “objetivo” ou
mundo “mental”) numa semântica, e que servem para que os falantes “digam
coisas”, expressem seus “significados” (pragmática).
Assim como o estruturalismo, o formalismo também apresenta um número considerável de
vertentes, diferenciando-se uma das outras a partir da ênfase que dão aos conceitos de
estrutura, forma e função. No entanto, todas as linhas de investigação formalistas têm em
comum “a compreensão dos fatos lingüísticos enquanto manifestações de um objeto
‘autônomo’, que preexiste a estes fatos, [...], que é a linguagem humana” (op.cit: 85).
As diversas correntes funcionalistas tomam uma direção oposta à dos modelos
formais: concebem a língua como uma ferramenta de interação social, uma rede de relações.
Deste modo, as formas lingüísticas podem ser explicadas a partir das funções que a língua
desempenha nas atividades humanas. Para Nichols (1984:97):
A gramática funcional amplia seu ponto de vista além desses fenômenos
estruturais, e deste ponto sua perspectiva teórica é distinta. Analisa a estrutura
gramatical, assim como a gramática formal e a estrutural: mas também analisa
a situação comunicativa: os propósitos do evento de fala, seus participantes e o
contexto discursivo.
10
A abordagem funcional vai além da análise dos fenômenos estruturais, levando em
conta também a situação comunicativa, o propósito do evento de fala, os participantes da
interação e a situação discursiva. As análises funcionais buscam explicar os fatos estruturais a
10
Functional grammar broadens its purview beyond these structural phenomena, and hence its theoretical
outlook is distinctive. It analyzes grammatical structure, as do formal and structural grammar: but also analyzes
the entire communicative situations: the purpose of the speech event, its participants, its discourse context
34
partir da situação de comunicação. Desta maneira, o funcionalismo rejeita a distinção entre
sistema e uso, ou língua e fala, já que entende que pressões de ordem funcional moldam a
estrutura da língua (Cf. Givón, 2000).
Além de rever a distinção entre sistema e uso, comum às análises estruturalistas, o
funcionalismo questiona outros dogmas das análises lingüísticas estruturais: a arbitrariedade
do signo lingüístico e a dicotomia sincronia x diacronia.
As propostas estruturalistas clássicas defendem a arbitrariedade da relação entre forma
e significado, isto é, as categorias lingüísticas são arbitrárias porque só podem ser definidas
dentro do sistema de relações em que estão inseridas. As análises funcionais admitem que,
pelo menos em parte, há elementos e regras de combinação que são derivados de pressões
semânticas e pragmáticas, condicionadas por um componente discursivo-funcional. Com
relação aos estudos em sintaxe, alguns modelos funcionalistas postulam a influência de um
arranjo icônico da gramática (Princípio da Iconicidade), segundo o qual pressões funcionais e
cognitivas se refletem na estrutura da língua, espelhando certa motivação entre forma e
significado (Cf. Bolinger, 1977; Givón, 1995, 2001; Haiman, 1980, 1983).
A distinção entre sincronia e diacronia é um postulado introduzido pelo Estruturalismo
saussereano. Tal dissociação é um critério adotado pelos estruturalistas para ignorarem a
mudança em progresso e a mutabilidade inerente das línguas. Os estruturalistas concebiam o
desenvolvimento histórico de uma língua como a sucessão de sistemas discretos, homogêneos
e autônomos
11
. Assim, a mudança só seria acompanhada a partir da sucessão de estágios
sincrônicos, o que justifica, dentro da concepção estrutural, a separação entre sincronia e
diacronia. Trabalhos funcionalistas apontam que, ao mesmo tempo em que há fenômenos
suscetíveis à mudança através do tempo, determinados aspectos parecem manter-se ao longo
11
Entretanto, Martinet (1974:48), pesquisador estruturalista, mostra que esta distinção entre sincrônico (estático)
vs. diacrônico (dinâmico) não se sustenta em uma análise de dados concretos, pois “toda a tentativa de limitar o
exame diacrônico a um determinado lapso de tempo terá necessariamente um caráter artificial”, já que
estabilidade e mudança são lados da mesma moeda, isto é, a língua em uso por uma comunidade de fala.
35
da trajetória das línguas. As diversas abordagens funcionalistas, (Cf. Neves, 1997:1), são
múltiplas, muitas vezes ligadas aos pesquisadores que as desenvolveram. Essas vertentes
podem se distinguir pelo significado que aplicam à palavra função e a forma como entendem
o conceito de estrutura.
A utilização do termo funcional pode não servir como critério suficiente para
denominar uma ou outra abordagem de funcionalista. Retomando Nichols (1984:98), o termo
função é polissêmico, referindo-se a perspectivas bastante diferentes entre si:
Função é um termo polissêmico, não uma coleção de homônimos. Todos os
seus sentidos significam a dependência de um dado elemento estrutural em
algum elemento lingüístico de outra ordem ou domínio (estrutural ou não
estrutural). Todos têm relação com o papel desempenhado por um elemento
estrutural no todo da linguagem e da comunicação
.
12
A autora discute cinco possíveis sentidos para o termo função:
função/interdependência, função/propósito, função/contexto, função/relação,
função/significado. Serão destacados os que se apresentam mais pertinentes para a pesquisa
em questão.
O primeiro, função/propósito, faz referência ao uso intencional da linguagem, o uso da
linguagem para provocar alguma reação no interlocutor, realizar algum objetivo
comunicativo. O segundo, função/contexto, diz respeito à linguagem como reflexo do
contexto do ato de fala. Essa concepção pode ser subdivida em dois subtipos de função:
função/evento e função/texto.
Além das cinco formas de se conceber o termo função, Nichols (1984:102-3)
identifica a existência de três grupos de abordagens funcionalistas, consoante a forma como
concebem a relação entre estrutura e função (Cf. Neves, 1997: 55-58):
12
Function is a polysemous term, not a collection of homonyms. All its senses signify the dependency of some
given structural element on linguistic elements of another order or domain (structural or nonstructural); and they
all have to do with the role played by a given structural element in the larger whole of language and
communication
36
1- funcionalismo conservador
13
: se restringe a apontar a inadequação das análises
estritamente formais;
2- funcionalismo moderado
14
: não apenas aponta a inadequação das análises estruturais e
formais, como também propõe a incorporação de aspectos relacionados ao contexto e
ao uso das formas lingüísticas nas situações de comunicação;
3- funcionalismo extremo
15
: argumenta que as regras são baseadas somente nas funções;
a estrutura só codifica função. Nega por completo a autonomia do sistema.
O trabalho que por ora se apresenta assume a posição funcionalista moderada: não se
nega o conceito de estrutura, mas procura-se avaliar de que forma efeitos de ordem funcionam
atuam nas diversas formas de ordenação dos circunstanciais temporais e locativos em cartas
dos séculos XVIII e XIX.
2.3.1 - A Perspectiva Funcionalista da Ordem dos Constituintes
Os diversos estudos que buscam depreender as possibilidades de ordenação dos
constituintes oracionais constituem um campo muito explorado, mas inesgotável, para a
verificação da inter-relação entre os componentes sintático, semântico e pragmático, além da
verificação da relação entre forma e função.
A partir do trabalho pioneiro de Greenberg (1963), está implícito na maioria dos
estudos de ordem de palavras o princípio de que é possível identificar uma ordem básica, mais
natural. Dentro de uma perspectiva funcional que procura investigar o papel dos
componentes sintático, semântico e pragmático na ordenação das palavras, justificam-se as
diferentes formas de ordenação como condicionadas por fatores estruturais e comunicativos.
13
Van Valin (1990 apud Neves, 1997:56) cita Susumo Kuno como um exemplo de funcionalista conservador.
14
Van Valin (op.cit.) considera como funcionalistas moderados Simon Dik, M.A.K Halliday , Talmy Givón
(Syntax I e II, English Grammar) e a si próprio.
15
Sandra Thompson, Paul Hopper, Erica Garcia e Talmy Givón ( On Understanding Grammar) são
funcionalistas extremos, de acordo com a taxonomia de Van Valin (1990 apud Neves, 1997:56) .
37
Os estudos funcionalistas interessados nesse campo de investigação ressaltam a influência de
fatores sintáticos, discursivos e cognitivos na explicação das tendências de variação de ordem
de palavras.
No tocante à ordenação dos constituintes adjuntos, mais precisamente dos
circunstanciais, fica patente a interseção de restrições sintáticas, pressões exercidas por
condicionamentos semânticos e o papel destes constituintes na organização do discurso.
Austin et alii (2004) e Costa (2004), autores já citados neste trabalho, propõem que as
diversas formas de disposição sintagmática dos constituintes adverbiais resultam da ação de
princípios ligados ao escopo dos adjuntos, o significado das formas adverbiais, a participação
desses elementos na organização discursiva e também seu peso fonológico. Todos esses
princípios estão integrados em um construto teórico maior – o conceito de marcação – que
procura dar conta das assimetrias entre duas ou mais formas lingüísticas. A noção de
marcação será discutida com maiores detalhes na seção a seguir.
2.3.2 - O Princípio de Marcação
O princípio de Marcação ocupa uma posição central nos estudos funcionalistas que
investigam as diferentes formas de disposição dos constituintes na sentença. A distinção entre
a forma lingüística marcada e a não marcada surge nos estudos do Círculo Lingüístico de
Praga, que entendiam essa noção como uma relação binária: enquanto um elemento do par
constrastivo se caracterizava pela presença de uma determinada propriedade, o outro se
caracterizava pela ausência de tal traço.
Croft (1990), em uma perspectiva que procura explicitar os aspectos inerentes a noção
de marcação e os critérios que permitem determinar o valor marcado ou não marcado de uma
forma lingüística, propõe uma releitura da formulação original do conceito de marcação. O
38
autor ressalta que o estatuto mais ou menos marcado de uma forma pode ser relativizado, a
depender do número de elementos que constam no paradigma: uma forma X pode ser
marcada em relação à Y que, por seu turno, pode ser mais marcada em relação à forma Z.
Croft (op. cit: 71) ressalta ainda a distinção entre um valor marcado e o não marcado pode
estar associada à conjugação de vários critérios, em um contraste gramatical binário:
dizer que o valor de uma determinada categoria é marcado e outro é não
marcado pressupõe uma série de padrões interlingüísticos que deveriam todos
se comportar da mesma maneira, cada padrão deve selecionar os mesmos
valores que o padrão não marcado. Esses padrões são os critérios de
marcação.
16
Greenberg (1963) postula um conjunto de critérios para distinguir as categorias
marcada e não marcada. A partir de uma revisão dos postulados de Greenberg, Croft
(1990:70-90) propõe quatro critérios para definir o estatuto mais marcado de uma forma:
Estrutural – o valor marcado de uma categoria gramatical será expresso por, pelo menos,
o mesmo número de morfemas que o valor não marcado daquela categoria;
Comportamental
flexional – se o valor marcado possui um certo número de formas distintas num
paradigma flexional, o valor não marcado possuirá igualmente muitas formas distintas
no mesmo paradigma;
distribucional – o elemento que ocorre em um número maior de construções será o
menos marcado;
Freqüência – considerada em dois níveis distintos:
textual – o membro não marcado de uma oposição ocorre pelo menos tão
freqüentemente quanto o membro marcado em uma amostra equivalente;
interlingüístico – o valor não marcado de uma categoria ocorre pelo menos no mesmo
número de línguas que o valor marcado, em uma amostra comparável
Neutralidade – o elemento menos marcado é aquele que resulta de um processo de
neutralização de condições que requerem o membro marcado da oposição. É um critério
não mensurável quantitativamente.
Os critérios postulados acima são aplicáveis a uma série de fenômenos
morfossintáticos e podem ser considerados as manifestações fundamentais do fenômeno de
16
To say that one value in a grammatical category is marked and the other is unmarked subsumes a whole set of
cross-linguistic pattern which (should) all behave in the same way, that is every pattern should select the same
value as the unmarked value. These patterns are the criteria for markdness.
39
marcação. Givón (1995:28) propõe uma abordagem da oposição marcado/nãomarcado em
termos de três princípios interligados: complexidade estrutural, complexidade cognitiva e
freqüência, formulando o seguinte conjunto de pressupostos:
a) complexidade estrutural: a estrutura não marcada tende a ser mais complexa – ou
maior – do que a estrutura não marcada;
b) distribuição de freqüência: a categoria marcada tende a ser menos freqüente do que a
categoria não marcada;
c) complexidade cognitiva – a categoria marcada tende a ser cognitivamente mais
complexa – requer um maior esforço para o processamento – em relação à categoria
não marcada.
Tanto Givón quanto Croft ressaltam a dependência contextual do estatuto marcado ou
não marcado de um determinado elemento: uma forma marcada em um determinado contexto
pode não sê-lo em outro. Há de se considerar a marcação em relação ao contexto em que as
formas estão inseridas, não em termos absolutos.
O conceito de complexidade cognitiva, tal como proposto por Givón, é questionado
por Dryer (1995), com base em uma série de argumentos. A noção de complexidade
cognitiva proposta por Givón é baseada exclusivamente no ouvinte. Dryer (op.cit :129)
questiona essa formulação, já que o fenômeno de marcação é condicionado por uma série de
regras e princípios da gramática do discurso que são relevantes para justificar as escolhas que
os falantes fazem de uma determinada construção, dentre um leque de possibilidades. Ao
criticar a noção de complexidade cognitiva de Givón, Dryer (p.129) destaca que:
Sua noção de complexidade cognitiva é similar à marcação pragmática, ambas
são noções de marcação cognitivamente baseadas, associadas, mas distintas,
de marcação formal e freqüência. Por outro lado, sua noção é um tanto
diferente da marcação pragmática, (...). Assumo que a marcação pragmática é
uma propriedade das regras ou princípios da gramática do discurso, que
40
determina a escolha pelo falante de uma construção particular entre um
conjunto de alternantes governadas pelo discurso. (...), a marcação pragmática
é uma noção baseada no falante. Porém, a noção de Givón de complexidade
cognitiva é puramente baseada no ouvinte
.
17
O ouvinte não necessariamente está a par das razões que levaram o falante a escolher uma
determinada forma em detrimento das demais. Logo, explanações de base cognitiva se
mostram inadequadas para justificar o estabelecimento de uma ordenação não marcada e as
possíveis infrações a esse padrão.
Dryer (1995:130) questiona ainda a necessidade dos diversos critérios de marcação se
relacionarem de forma implicacional, isto é, se uma estrutura é mais marcada que a outra,
então necessariamente ela deve ser semanticamente mais complexa e menos freqüente. Não é
raro, porém, que os parâmetros conflitem entre si: uma forma pode ser marcada em relação a
um determinado parâmetro e não com relação a outro. Inconsistências teóricas desse tipo
levaram ao que Sobkowiak (2004) nomeia como redução da marcação ao critério da
freqüência, pois este é mensurável objetivamente. De acordo com Paiva (no prelo) “a
freqüência de uma determinada ordem pode ser tomada como um ‘diagnóstico’, mas não
como um critério definitivo para a determinação do estatuto mais ou menos marcado de uma
forma de ordenação”.
Dryer (1995:131) propõe que o critério fundamental a ser considerado na noção de
marcação é o estatuto pragmaticamente marcado ou não marcado, um princípio desvinculado
do critério de freqüência e diretamente relacionado ao conhecimento de princípios que regem
a organização do discurso. Neste enfoque, o conhecimento lingüístico do falante define a
17
His notion of cognitive complexity is similar to pragmatic markedness to the extent that both are cognitively-
based markedness notions that are associated with, but distinct from, formal markedness and frequency. But
otherwise, his notion is rather different from pragmatic markedness, (…), I assume that pragmatic markedness is
a property of the rules or principles of discourse grammar, which determine the choice by speakers of a
particular construction from a set of discourse-governed alternants. (…), pragmatic markedness is a speaker-
based notion. But Givón’s notion of cognitive complexity is purely a hearer-based notion.
41
associação entre uma construção e o seu contexto de uso
18
. Assim, é necessário definir os
contextos discursivos de cada variante provável de ordem de palavras. Assume-se que uma
ordem é pragmaticamente mais marcada quando utilizada em contextos de neutralização, isto
é, se o conjunto de contextos no qual a forma ocorre é um subconjunto de contextos em que a
ordem não marcada ocorre. A propriedade da ordem pragmaticamente não marcada é que ela
deve estar em contraste com as outras formas que são pragmaticamente marcadas.
Entende-se, a partir do exposto acima, que a freqüência de ocorrência de uma
determinada construção tem de ser relativizada em função do estatuto pragmático da forma
lingüística.
18
“ (...), the notion of pragmatic markedness , (...), is not context-sensitive in the same way, since it is a property
of discourse grammar, of the rules or principles that underlie discourse-governed choices.”
42
3 – OS CORPORA E PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Em conformidade com os pressupostos teóricos da Sociolingüística Variacionista, os
dados utilizados para a análise da ordenação dos circunstanciais temporais e locativos em
cartas privadas do final século XVIII e do século XIX foram extraídos de situações reais de
comunicação. Os materiais constituintes da amostra e o funcionamento das ferramentas
estatísticas, assim como o controle dos aspectos que influem na ordenação dos circunstanciais
temporais e locativos, serão apresentados e discutidos nas seções a seguir, que tratam dos
corpora analisados e dos procedimentos teórico-metodológicos adotados.
3.1- A seleção dos corpora
Para que fosse possível identificar as tendências de ordenação dos circunstanciais
temporais e locativos em cartas escritas ao final do século XVIII e ao longo do século XIX,
foi necessária a busca de fontes que pudessem, guardadas as devidas proporções, refletir os
usos da língua portuguesa no Brasil no período proposto para análise, a partir de um estudo
em tempo real de longa duração.
A seleção da documentação que constitui o material analisado seguiu os critérios
propostos por Mattos e Silva e Lucchesi (1993 apud Lopes, 2003:46) na organização dos
corpora do projeto PROHPOR
1
. De acordo com os autores, a seleção de material para os
estudos lingüísticos deve considerar aspectos como:
(1) a utilização de “edições filologicamente confiáveis”, para que os resultados
baseados nas amostras analisadas “não venham a ser comprometidas pela falta
de rigor na constituição de sua base empírica” (Mattos e Silva e Lucchesi,
1993:5 apud Lopes, 2003:46);
(2) os documentos utilizados devem ser representativos ao período histórico
abrangido, a partir de “um criterioso seriamento cronológico dos textos”. O
objetivo maior é constituir um acervo mínimo que possibilite a análise “dos
processos lingüísticos situados nesse lapso de tempo”. Contudo, o pesquisador
não deve ter a pretensão de analisar todos os textos representativos da fase da
língua em estudo;
1
Programa para a História da Língua Portuguesa
43
(3) “a diversidade dos tipos de textos disponíveis (documentação poética,
documentação em prosa literária, cartas pessoais, cartas oficiais, peças teatrais,
etc.) para que ‘através da diversidade de registros, se possa entrever a variação
sociocultural que condiciona os usos lingüísticos”. (Op.cit).
Apenas citar quais foram os documentos utilizados na análise de tempo real em longa
duração é insuficiente, pois de acordo com Barbosa (1999:106), para a elaboração de corpora
confiáveis para os estudos lingüísticos tanto da variedade utilizada pela sociedade brasileira
falante do português (Português do
Brasil) como o estudo da língua da comunidade européia
instalada em solo brasileiro (Português no
Brasil), é essencial se explicitar as especificidades
do (s) gênero(s) analisado(s), o contexto sócio-histórico e o contexto de escritura dos textos.
Façamos, então, um apanhado geral sobre o gênero carta, explicitando que contribuições as
análises de textos epistolares forneceram e ainda fornecem para uma melhor compreensão de
estágios anteriores da língua portuguesa, seja a variedade do Brasil ou no Brasil.
3.1.1 - A utilização de cartas para o e estudo de sincronias passadas da língua
portuguesa no Brasil.
Os estudos sobre a língua portuguesa em sincronias passadas através de cartas têm se
configurado como um campo bastante fértil de análise. De certa forma, o “boom” de estudos a
partir de cartas é facilitado pelas próprias características desse gênero textual. Para Lopes
(2005:15), a carta
configura-se como uma circunstância espontânea de comunicação verbal.
Estruturada em um eixo que pressupõe um autor, um destinatário e um tema
íntimo, a carta missiva segue um padrão reconhecido há muito no mundo
ocidental. Assim, apesar de algumas variações, (...), o texto epistolar não
dispensa certos elementos que o caracterizam como gênero, ao mesmo tempo
em que situam e contextualizam o seu autor em uma determinada realidade
histórico-social. (...). Por conta do seu tema intimo ou espontâneo [grifo
nosso], a carta pode facilitar na identificação de fatos lingüísticos em processo
de mudança. Se por um lado, a carta transmite a inovação e mudança
lingüística, por outro, conserva fórmulas fixas que se perpetuam “tipos
estáveis de enunciados”, caracterizando-a como gênero discursivo.
A citação acima fornece uma caracterização bastante genérica, que merece
considerações. Tomando-se as características gerais do gênero epistolar e comparando-as aos
44
documentos utilizados para a análise nesta dissertação, pode-se observar que as cartas aqui
estudadas não se configuram como um texto de caráter íntimo predominante. Reunir todo o
material analisado neste trabalho sob o rótulo generalizante de carta poderia enviesar os
resultados. Todavia, tal constatação só é possível se levarmos em consideração a forma como
foram constituídos os corpora analisados.
3.1.2- Constituição e principais características dos corpora analisados
Os textos analisados nesta dissertação, as Cartas de Comércio (Barbosa, 1999), as
Cartas de Circulação Privada no Rio de Janeiro (Rumeu, 2004) e as Cartas Paulistas do
século XIX (Simões, 2005) foram editados por pesquisadores que tinham como objetivos não
só a análise de fenômenos lingüísticos específicos, a saber, a variação entre a forma nominal
gerúndio e infinitivo gerundivo na tese de Barbosa (op.cit.), o comportamento do gerúndio em
Simões (op.cit) e as formas pronominais e nominais de tratamento em Rumeu (op.cit.), como
também fornecer uma contribuição para a comunidade acadêmica: a formação de amostras
que reflitam uma determinada realidade histórico-social. Todavia, o trabalho de constituição
de corpora empreendido por esses pesquisadores é calcado em uma reflexão sobre o contexto
de produção desses materiais, porque, conforme Barbosa (op. cit:106):
a escrita não é opaca às operações realizadas na língua falada de quem produz
o texto escrito: tampouco a elas se revela inteiramente transparente, mas, na
verdade, as deixa transparecer sob as restrições próprias de modalidade sem os
recursos da entoação, da lógica cronológica de emissão do enunciado, e ainda,
entre outras coisas, sob estratégias específicas de cada tipo de texto a marcar
determinada opção de uso.
A partir da consideração das especificidades do registro escrito em contraponto à
modalidade oral da época, o autor adota uma perspectiva de busca de materiais de prosa não
literária, perspectiva também adotada por Rumeu (2004) e Simões (2005). Tal procedimento
resultou na distribuição das cartas manuscritas em três grandes grupos, consoante a forma de
45
circulação desses documentos: as cartas de administração pública e os textos de circulação
privada – as cartas de administração privada e as cartas particulares. Na seção a seguir,
serão retomados os critérios para o estabelecimento da tipologia para os textos de sincronias
passadas utilizados pelos autores.
Outro aspecto a ser destacado na forma de organização dos corpora empreendida
pelos pesquisadores citados é a relevância desse material para o estudo do comportamento
lingüístico da comunidade onde os textos foram produzidos. Barbosa (2005:25-6) propõe a
divisão do material de sincronias passadas em dois eixos: os materiais significativos e
representativos
2
. De acordo com a proposta do autor, materiais a serem considerados
significativos devem ter
conseguido vencer uma ou mais dentre as dificuldades comuns na construção
de corpora de sincronias passadas e, por terem reunidos caracteres especiais
em seus recortes, tais como: 1) sabe-se serem verdadeiramente autógrafos; 2)
sabe-se a naturalidade de todos os seus autores; 3) sabe-se de que tradição
discursiva (oficial, religiosa, etc.) são oriundos, e conta-se com a descrição de
seus principais ritos e fórmulas; 4) foi-se capaz contrapor homens a mulheres;
5)conta-se com um grande número de fólios distribuídos por longo período, o
que permite estudo diacrônico com vários pontos de comparação; 6) conta-se
com grande massa de textos editados sob o mesmo critério e reunidos em
diferentes locais do Brasil; 7) pode-se contrapor impressos a manuscritos; 8)
conta-se com tipologia cada vez mais variada; 9) começa-se a controlar
elementos discursivos fundamentais para a provocação de uma escrita mais
cotidiana.
Já os textos representativos, além de registrarem pelo menos um dos critérios citados acima,
apresentam “a qualidade de escrita de um grupo sócio-cultural de determinada época – seja
escrita cotidiana ou especial” (op.cit).
Os corpora utilizados nesta dissertação reúnem qualidades que os enquadram na
categoria tanto de materiais significativos como representativos. Os materiais são
significativos, uma vez que seus organizadores, na medida do possível, tentaram controlar os
2
A distinção entre materiais significativos e representativos foi sugerida, ainda que implicitamente, em Labov
(1994:11), quando o autor destaca, entre os desafios a serem superados pela Lingüística Histórica, a relativização
dos resultados para um determinado fenômeno em textos de sincronias passadas, já que o escrito não
necessariamente reflete o padrão lingüístico da comunidade. Não é nosso objetivo, neste capítulo, retomar toda a
discussão encaminhada por Labov. Recomenda-se a leitura do capítulo relativo aos Pressupostos Teóricos, onde
a questão está sistematizada.
46
textos por eles reunidos seguindo pelo menos um dos critérios explicitados acima, como, por
exemplo, sabe-se a que tradição discursiva as Cartas de Comércio (missivas compreendidas
como documentos de administração privada), as Cartas de Administração Privada e as
Cartas Paulistas estão inseridas. Ao mesmo tempo, são materiais representativos dos grupos
sociais que os produziram: a título de ilustração, as Cartas de Comércio são textos que
representam a realidade sócio-cultural de um determinado segmento, a saber, os mercadores
portugueses instalados na costa brasileira que estabeleciam relações comerciais com o Senhor
Antonio Esteves da Costa, proprietário de uma firma intercontinental dirigida de Lisboa.
3.1.3 – Sobre a tipologia utilizada
Todo trabalho que procura controlar a influência do gênero textual em fenômenos
lingüísticos cria, de acordo com os interesses e características dos fenômenos estudados,
categorias em que possam agrupar os materiais utilizados na análise. Os trabalhos que se
voltam a épocas passadas na história das línguas também não fogem à regra. Nesta
dissertação, ao adotarmos a perspectiva de Barbosa (1999:110), também acolhida por Rumeu
(2004) e Simões (2005), temos em vista a hipótese de que as especificidades de cada
documento podem influir no fenômeno em análise, a ordenação dos circunstanciais temporais
e locativos.
Barbosa (op.cit: 110-ss), a partir de um levantamento dos problemas surgidos em
decorrência do estabelecimento de uma taxonomia geral – que reúne nomenclaturas já
desgastadas – propõe uma tipologia para os textos do Brasil colônia. De acordo com o autor, a
adoção de uma abordagem taxonômica dos textos traria algumas dificuldades como:
1) problema das contradições e superposições de critérios do fazer tipológico-
comparativo; 2) o do comprometimento e confusão criados pelo uso
consagrado de algumas terminologias; 3) o da imprecisão das “tipologias”
arquivísticas; 4) o de saber-se de que maneira as variedades lingüísticas estão
retratadas naquela época pela modalidade escrita, distinguindo-se, pelos
dados, que fatos poderiam dizer respeito às normas de uso e, que outros, ao
47
estilo; 5) o de estar-se em descoberta da sociedade colonial brasileira, graças à
grande massa de documentação inédita que tem vindo à luz.
Tendo por base as considerações expostas acima, o autor assume uma tipologia calcada no
modo de circulação do documento. A partir desse critério, a forma como o documento
circulava pelas esferas da sociedade colonial é responsável pelo estabelecimento de duas
macrocategorias, definidas de acordo com os atos de escritura: os documentos oficiais e os
documentos privados. Contudo, tais categorias podem ser desmembradas em três tipologias
distintas: os documentos de administração pública, os documentos de administração privada
e os documentos pessoais. Ao discutirem a importância do controle dessas categorias nas
pesquisas lingüísticas que voltam ao passado colonial brasileiro, Barbosa e Lopes (2003)
ressaltam que
(...) manuscritos versus impressos é categoria significativa, é fator
extralingüístico de controle fundamental, assim como será necessário o
contraponto entre diferentes atos de escritura exercidos entre documentos
oficiais e documentos privados da fase colonial. Se uma dada pesquisa exigir
maior rigor no controle da sintonia de escritura, essas duas categorias podem
ser desmembradas em três: administração pública, administração privada e
documentos pessoais. São pontos como esses que valeriam trabalhos
contrastivos
.
Os documentos de circulação oficial são aqueles que, de acordo com a tipologia supracitada,
eram direcionados às Instanciais governamentais do Brasil colônia (segunda metade do século
XVIII) e ao Império, a partir da Independência, em 1822. Os documentos caracterizados
como particulares, por sua vez, são aqueles “trocados entre instituições não governamentais e
ou particulares quando um deles, ou os dois, estava(m) em condição de pessoa jurídica ou de
representação institucional” (Barbosa, 1999:150). A adoção de uma ou outra forma de
categorização depende do fenômeno em análise e do interesse do pesquisador em fazer um
controle rígido das tipologias propostas. Entretanto, ao acolher as tipologias descritas
anteriormente, o trabalho de pesquisa não pode desconsiderar que o contexto de produção do
documento, isto é, se o documento fosse endereçado a um destinatário próximo ao emissor
48
ou se o documento fosse destinado a um interlocutor de certa forma inatingível, impõe certas
restrições na interpretação dos resultados. Retomando Barbosa e Lopes (op.cit.):
Escrever para ser lido por uma autoridade dentro de uma instituição privada –
da qual, muitas vezes, o próprio redator participa – segue diferentes esquemas
e tradições de escritura em relação ao material encaminhado ao rei, bem como
ao texto enviado a um amigo. Fosse numa ordem religiosa, num círculo
literário ou entre homens de negócios, de acordo com o período, enfim, era no
espaço institucional não público que se criaram condições de identificação de
segmentos quase sempre sem registro e desconsiderados pela máquina oficial.
Eram contextos histórico-sociais peculiares que produziram textos reveladores
de marcas específicas.
3.1.4 - Enfim, o material que compõe a pesquisa
Neste ponto, serão expostos os corpora utilizados na análise, assim como serão
descritas algumas características desses materiais.
As Cartas de Comércio, editadas por Barbosa (1999:134) formam, de acordo com as
palavras do próprio pesquisador, “um dos melhores materiais já reunidos para o estudo do
Português europeu no Brasil durante a gestação colonial do Português do Brasil”. Tal
corpus é constituído por 145 cartas, devidamente guardadas na Biblioteca Nacional de
Lisboa, escritas nas cidades do Rio de Janeiro, Salvador, Recife, São Luiz do Maranhão e
Belém do Pará e direcionadas ao senhor Antônio Esteves da Costa, um comerciante
português.
Esta investigação, contudo, utiliza as 93 Cartas de Comércio, escritas no último quarto
do século XVIII. Conforme Barbosa (op.cit: 294), tais missivas
foram escritas por trinta e um homens e, exceto por duas, enviadas a um único
destinatário, o senhor Antonio Esteves da Costa, opulentíssimo comerciante
cujas atividades se estendiam por outras colônias e países da Europa. Pode–se
identificar, com base nos traços lingüísticos e/ou comentários feitos nas
missivas, que vinte e nove desses homens eram portugueses radicados no
Brasil. A bem da verdade, e a julgar pelos representantes de que AEC
dispunha em outras colônias, esses dois redatores não identificados têm grande
chance de serem também portugueses.
A partir da caracterização acima, pode-se perceber que o corpus a ser analisado nos oferece
um panorama da Língua Portuguesa escrita por portugueses instalados no Brasil, o que define,
49
pela análise desse material, esta investigação como a depreensão das tendências de ordenação
dos circunstanciais temporais e locativos na variedade do Português no Brasil, modalidade
escrita em fins do século XVIII.
Com relação ao material relativo ao século XIX, foram utilizados 35 documentos, 15
editados por Rumeu (2004) e 20 editados por Simões (2005). A amostra de Rumeu
corresponde a cartas de circulação privada (15 missivas) trocadas no Rio de Janeiro ao longo
do século XIX. A amostra editada por Simões reúne 20 cartas escritas nas cidades de Itu,
Sorocaba, Santos e São Paulo.
Rumeu (op.cit) destaca que o corpus por ela organizado constitui documentos úteis
para a investigação lingüística, pois é possível identificar, através de marcas lingüísticas, os
tipos de interações sociais entre remetente e destinatário. Em seu corpus, aspectos relativos à
autoria, ao local e data de escritura do documento, assim como ao conteúdo, são controlados,
a fim de permitir a observação do perfil social dos interlocutores.
Simões (2005) ressalta que os textos reunidos em sua amostra apresentam
características informais de interlocução autor/leitor, apesar do status social dos
interlocutores, pessoas que ocupavam cargos oficiais.
A seguir, um quadro com os materiais analisados:
Tabela 1 - Os corpora
Tipologia Número de documentos
Cartas de Comércio
(século XVIII)
93
Documentos de Circulação Privada
no
Rio de Janeiro
(século XIX)
15
Cartas Paulistas
(século XIX)
20
TOTAL 128
50
A categorização exposta acima está de acordo com o tipo de controle da documentação
colonial proposto por Barbosa e Lopes (2003). No quadro acima, está representada apenas
uma das duas macrocategorias de documentação adotadas pelos autores citados: os textos de
documentação privada. Esse tipo de controle da tipologia textual é um passo imprescindível
em pesquisas que procuram estabelecer as possibilidades de ordenação dos constituintes
oracionais e, portanto, um procedimento de vital importância nesta dissertação.
3.2 – Procedimentos metodológicos – o instrumental variacionista
Tendo em vista os pressupostos teóricos da Sociolingüística Variacionista e do
Funcionalismo, revisados no capítulo dois, os dados utilizados na análise da variação
posicional dos circunstanciais temporais e locativos forma submetidos a um tratamento
estatístico, só possível pelo instrumental metodológico variacionista. O tratamento estatístico
possibilita verificar e controlar quais são os fatores atuantes na flexibilidade de ordenação
desses constituintes.
O objeto de estudo deste trabalho é tomado como um fenômeno variável, a priori
binário, condicionado por fatores de natureza diversa. Ainda que se mantenham as ressalvas
ao problema da equivalência semântica das formas em variação, tratadas na seção 2.2, A
ordenação dos circunstanciais temporais e locativos é um fenômeno susceptível de uma
análise multivariacional. O suporte fornecido pelo paradigma da Sociolingüística Quantitativa
(Labov, 1975, 2004; Guy, 1993 e Mollica e Braga, 2003) nos permite depreender a ordem não
marcada para cada classe semântica de circunstanciais (tempo e lugar), a regularidade dos
princípios que atuam na variação de cada amostra analisada e os fatores relevantes para a
compreensão do fenômeno em questão.
51
Nas linhas anteriores foi ressaltado que o fenômeno de ordenação dos circunstanciais
envolve aspectos de natureza distinta, isto é, controlamos aspectos estruturais, semânticos e
discursivo-pragmáticos com o propósito de identificar os que mais fortemente condicionam a
ocorrência da ordem não marcada e os que atuam mais incisivamente na “infração” do padrão
não marcado de ordenação.
Dentre os aspectos estruturais, são analisados condicionamentos como a correlação
entre a ordem dos circunstanciais e a forma de realização do sujeito da oração, o tipo de
advérbio e a preposição núcleo dos sintagmas preposicionais. No nível semântico são
verificadas as formas de localização espacial e demarcação temporal e a superposição entre as
categorias tempo e aspecto. No âmbito discursivo-pragmático, é investigada a participação do
circunstancial na organização discursiva. Ainda são examinados aspectos como a extensão do
circunstancial (verificada em termos de número de sílabas) e a seqüenciação ou não de dois
ou mais circunstanciais.
Os corpora utilizados, no entanto, não constituem uma variável independente, pois
seria arriscar o enviesamento dos resultados caso analisássemos os dados das duas amostras, a
priori tão distintas, em um só conjunto, dadas as especificidades de cada material. Todavia,
por apresentarem um comportamento similar, optou-se por amalgamar em um só grupo os
dois corpora relativos ao século XIX – as Cartas de Circulação Privada no Rio de Janeiro
(Rumeu, 2004) e as Cartas Paulistas do século XIX (Simões, 2005). A esse novo grupo de
missivas demos o nome de Documentos de Circulação Privada do século XIX.
A nacionalidade do redator foi uma variável independente controlada, pois era de
nosso interesse verificar se os dados refletiriam diferenças entre a variedade brasileira e
européia do português. No entanto, uma pesquisa mais avançada nessa questão
obrigatoriamente necessitaria de um volume maior de textos e de dados, já que as tendências
apontadas na análise multivariacional não poderiam ser tomadas como absolutas por causa da
52
falta de dados. Por esta razão, o alcance desta pesquisa é o comportamento dos circunstanciais
temporais e locativos no português escrito no Brasil, isto é, a modalidade escrita daqueles que
constituíram segmentos sociais e econômicos de destaque na sociedade brasileira. Dessa
forma, decidimos juntar aos textos de brasileiros e portugueses as cartas de habitantes dos
quais ainda não foi identificada a naturalidade. Esse grupo, portanto, controla brasileiros,
portugueses e desconhecidos.
Para a operacionalização das análises estatísticas na verificação do efeito de cada
grupo de fatores, foi utilizado o pacote de programas estatísticos GOLDVARB2001
(Robinson, Lawrence e Tagliamonte, 2001), cuja base matemática é discutida por Naro
(2003). Os recursos deste programa fornecem a freqüência de cada variante, sua distribuição
pelos diferentes contextos e ainda os pesos relativos associados a cada fator e a relevância
estatística dos grupos de fatores para a compreensão do uso de cada variante de posição dos
circunstanciais temporais e locativos em cada amostra analisada.
O programa GOLDVARB2001 opera uma separação entre os grupos de fatores que
influenciam significamente o fenômeno em estudo e aqueles que não contribuem de forma
decisiva para a ocorrência de uma ou outra variante. Através deste procedimento, o programa
nos permite determinar, com um maior grau de confiabilidade, que condicionamentos estão
mais fortemente correlacionados ao fenômeno em estudo. Sankoff (1988 apud Scherre,
2003:165) destaca que um dos aspectos mais interessantes do programa Varbrul é as
ponderações feitas pelo aplicativo de análises estatísticas até chegar aos grupos relevantes
para o fenômeno em análise. Nos termos da autora, essa vantagem dos programas estatísticos
consiste no fato de que eles trabalham com diversos níveis de análise,
efetuando comparações sucessivas e progressivas entre as variáveis
independentes e projetando pesos relativos para os seus respectivos fatores
Em nosso fenômeno sob estudo, consideramos, em um primeiro estágio, os advérbios
prototípicos, os sintagmas preposicionais e sintagmas nominais que codificam coordenadas
53
temporais e locativas. No entanto, o conjunto maciço de dados se concentra em advérbios e
SPreps. Os sintagmas nominais com função adverbial, além de estarem em menor número,
podem, de acordo com a perspectiva de Rocha (2002), ser interpretados como SPreps “sem
cabeça”
3
, isto é, sintagmas preposicionais que não realizam foneticamente a preposição, mas
que podem ter a preposição recuperada em um nível mais abstrato de representação. Optamos,
portanto, por incluir os sintagmas nominais com função adverbial na categoria de SPreps e
codificá-los, na variável independente “tipo de preposição que encabeça o sintagma
preposicional”, como “SPreps sem cabeça”.
Do ponto de vista estrutural, advérbios e sintagmas preposicionais apresentam
propriedades distintas. Tal consideração nos forçou a analisar cada tipo em separado,
procurando identificar as possíveis interferências ocasionadas pelas especificidades de cada
um dos tipos nas tendências de ordenação dos circunstanciais. O mesmo procedimento foi
considerado na análise dos locativos e temporais, buscando-se verificar as regularidades
independentes de cada classe semântica e as prováveis particularidades de cada uma delas.
A variável dependente ‘anteposição do circunstancial ao verbo’ vs. ‘posposição do
circunstancial ao verbo’ foi observada em relação aos fatores apresentados a seguir. Neste
trabalho, analisamos os circunstanciais temporais e locativos vinculados a um núcleo verbal.
Tal afirmação parece redundante, mas é importante ressaltá-la, já que há a possibilidade
desses elementos vincularem-se a um nome, funcionando como um adjunto adnominal. Ao
cumprirem a função de adjunto adnominal, os circunstanciais não apresentam variação de
posição, estando categoricamente pospostos ao nome aos quais se referem.
O binômio anteposição / posposição foi tratado, ao longo da pesquisa, em termos de
diferentes configurações estruturais, isto é, diversas possibilidades de arranjo sintagmático
dos circunstanciais na oração. As diversas configurações estruturais serão discutidas com
3
bare-np adverbs”, de acordo com a perspectiva gerativista.
54
mais profundidade no capítulo a seguir, onde são considerados os padrões de ordenação dos
circunstanciais temporais e locativos.
A variável dependente contempla as duas possibilidades a seguir:
1- Anteposição ao verbo
(5) Aqui Chegou hoje 15 do Corrente oNavio Serra Com 41 Diaz deviagem,
(Cartas de Comércio, BNL 224/104 – 14/02/1794)
(6) Ante ontem se fizeraõ nesta Cidade as elleiçoens dos Deputados de Cortes, e Governo
Provincial. (Documentos de Circulação Privada, 01/09/1822)
2- Posposição ao verbo
(7) Pertendo Sahir deste Porto a12 de junho
(Cartas de Comércio, BNL 224/12 – 11/05/1793)
(8) o Senhor Thomas Antonio de Villanova Portugal me disse que havia mandado para
essa Accademia huã amostra de hua formação cristalina em figura de anel
(Documentos de Circulação Privada, 11/07/1815)
Para tentar determinar se a preferência por uma ou outra forma de ordenação era
condicionada em nossos corpora foram controlados alguns fatores, de forma a verificar que
condições influíam nas possibilidades de ordenação dos circunstanciais temporais e locativos.
Esses prováveis condicionamentos são traduzidos nas variáveis dependentes investigadas
nesta pesquisa.
A partir dos resultados de outros estudos acerca da ordenação dos circunstanciais (Cf.
Martelotta, 1993; Paiva, 2002, 2004; Ilari et. alii, 2002[1989]; Brasil, 2005), organizou-se
uma ampla possibilidade de condições lingüísticas e extralingüísticas, ampliando-se grupos de
fatores já testados e incluindo-se novas possibilidades, para um controle mais seguro da
variável dependente. Para oferecer uma visão panorâmica, tais grupos serão apenas
apresentados nesta seção. Nos capítulos relativos à análise e interpretação dos resultados e às
restrições a ordem não marcada apresentaremos detalhadamente, dentre os fatores aqui
elencados, somente os que se mostraram estatisticamente relevantes na análise
55
multivariacional. Os ambientes lingüísticos e extralingüísticos controlados foram os
seguintes:
1- Tipo Morfológico
- advérbio prototípico
- sintagma nominal
- sintagma preposicional
2- Função Sintática
- argumental
- circunstancial
3- configuração estrutural
- CIRCunstancial + Verbo
- CIRCunstancial + Sujeito + Verbo
- Tópico + CIRCunstancial + Sujeito + Verbo
- Sujeito + CIRCunstancial + (X) + Verbo
- Verbo + CIRCunstancial.
- Verbo + CIRCunstancial + Complemento/Predicativo/X
- Verbo + Complemento/Predicativo/X + CIRCunstancial.
- Verbo + Complemento + CIRCunstancial + Complemento
- CIRCunstancial + X + Sujeito/Verbo
- Verbo + (Complemento) + CIRCunstancial + X
- Sujieto/X + CIRCunstancial + X + Verbo
- (Sujeito) + Verbo + (complemento) + X + CIRCunstancial.
- Vauxiliar + CIRCunstancial + Vprincipal + (Complemento)
4- Extensão
- 1 sílaba
- 2 a 4 sílabas
- 5 a 8 sílabas
- mais de 8 sílabas
5- Tipo de advérbio locativo
ali
aqui
abaixo
dentro
perto
fora
embaixo
longe
6- Tipo de advérbio temporal
agora
amanhã
mensalmente
ontem
cedo
antes
nunca
56
hoje
tarde
depois
durante
sempre
recentemente
atualmente
logo
ultimamente
jamais
ainda
antigamente
diariamente
7- relação entre a ordem dos circunstanciais e o preenchimento da margem esquerda
- sujeito expresso anteposto ao verbo
- sujeito expresso posposto ao verbo
- sujeito não expresso com referência definida
- sujeito não expresso com referência indefinida (sujeito indeterminado)
- sujeito não expresso sem referência (orações sem sujeito)
8- Função discursiva do circunstancial
- introduz uma mudança no plano discursivo
- especifica coordenadas dêiticas
- sinaliza a introdução de um novo tópico no discurso
- demarca pontos distintos numa seqüência temporal ou locativa
- retoma uma referência temporal ou locativa já mencionada
- focaliza um espaço ou uma coordenada temporal
- introduz um contraste locativo ou temporal.
9- tipo de preposição que encabeça o SPrep
- ausência de preposição no SPrep
- preposição em
- preposição de
- preposição para
- preposição por
- preposição a
- preposição entre
- preposição até
- preposição sobre
- preposição perante
- preposição ante
- preposição sob
- preposição diante
- preposição desde
- preposição com
- preposição após
57
10- Seqüência de circunstanciais
- elemento isolado
- seqüência de 2 circunstancias da mesma classe semântica
- seqüência de 2 circunstanciais de classes semânticas distintas
- seqüência de + de 2 circunstanciais da mesma classe semântica
- seqüência de + de 2 circunstanciais de classes semânticas distintas
- seqüência de 2 ou + circunstanciais de classes semânticas distintas.
11- superposição com aspecto
- não há superposição
- há superposição
12 – Forma de delimitação temporal
- circunstanciadores de tempo determinado (calêndrico)
- circunstanciadores de tempo indeterminado
- iterativos
- delimitativos
- seqüenciais
- imediatez
13- Forma de localização espacial
- [+ preciso, + delimitado]
- [- preciso, - delimitado]
- metaforizado
- posição relativa
- ambíguo.
14- Nacionalidade do escritor
- reconhecidamente brasileiros
- reconhecidamente portugueses
- nacionalidade desconhecida
As tendências apontadas pelas análises estatísticas serão melhor detalhadas nos
capítulos a seguir, onde serão identificadas as tendências gerais de ordenação de cada uma das
classes semânticas de circunstanciais – temporais e locativos – e os fatores que condicionam a
preferência por uma ou outra forma de ordenação.
58
4- A VARIAÇÃO POSICIONAL DOS CIRCUSTANCIAIS LOCATIVOS E
TEMPORAIS
Neste capítulo, temos por objetivo depreender os padrões de ordenação dos advérbios
e dos SPreps espaciais e temporais nas Cartas de Comércio e n’Os Documentos de
Circulação Privada, com o objetivo de identificar as semelhanças e diferenças no
comportamento desses constituintes, em materiais que reflitam os usos da língua escrita no
Brasil em fins do século XVIII e no século XIX. Como já foi colocado na introdução, o
objetivo central deste trabalho é verificar se há uma ordenação preferencial para cada
categoria dêitica (tempo e espaço) em cada amostra analisada ou se ou padrões de ordenação
verificados são indiferentes no tocante ao tipo de material analisado, regulares nos dois
corpora considerados.
Os circunstanciais temporais e locativos podem ser antepostos ou pospostos ao núcleo
verbal, como mostram os exemplos a seguir.
A – Anteposição ao Verbo
(9) noSaco do Navio Escrevo aVossa merce, Deus queira chegue oSanto Esteve e Patrossinio
para nos dar notysias.
(Cartas de Comércio, BNL - mss. 224/405 – 15/08/1793)
(10)
Depois de ter escrito aVossa Senhoria duas Cartas nesta occazião, faço esta para o
importunar, pedindo lhe queira remeterme com abrevidade possivel as encomendas constantes
da Relação inclusa.
(Documentos de Circulação Privada, 16/04/1803)
B – Posposição ao Verbo
(11) Devendo seroponto da Reuniaõ em Taguahi, veio hum Official em 4 dias do Rio a esta
Cidade trazendo hum Avizo aberto para ler aos Corpos, que encontrasse pelo Caminho, no
qual ordenava Sua Alteza Real que se guissem |a marchas
(Documentos de Circulação Privada, 16/02/1822)
(12) Tu sabes, que, alem de teu irmão, sou realmente teu amigo, e portanto consternei-me em
demasia, pensando no que terás sofrido: trabalhei em consequencia por achar negociante, que
quizesse [ .. ]receber aqui dinheiro, e dar-me huă letra para Lixboa
(Documentos de Circulação Privada, 16/01/1810)
59
A análise estatística das amostras consideradas nos permite constatar padrões regulares
na tendência geral de ordenação dos circunstanciais locativos e temporais, conforme os
gráficos 1 e 2, a seguir.
31%
68%
22%
77%
0%
20%
40%
60%
80%
Cartas de Comércio Documentos de Circulação
Privada
Gráfico 1 - Índice geral de anteposição / posposição dos circunstanciais
locativos nas
duas amostras consideradas
anteposiçao
posposição
No geral, não há diferenças marcantes entre os dois corpora analisados. Tanto para as
Cartas de Comércio como para os Documentos de Circulação Privada, a posposição é o valor
não marcado para os circunstanciais locativos, com 77% de ocorrências de locativos
pospostos neste material contra 68% de ocorrência naquele corpus. A diferença reside, no
entanto, nos resultados para os circunstanciais temporais. O gráfico a seguir aponta as
tendências de ordenação dos temporais nos corpora em estudo.
48%
51%
57%
42%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Cartas de Comércio Documentos de
Circulação Privada
Gráfico 2 - Índice geral de anteposição/posposição dos circunstanciais
temporais nas duas amostras consideradas
anteposição
posposição
Apesar da variabilidade bastante acentuada nesta categoria, os materiais analisados
apresentam diferenças percentuais: nas Cartas de Comércio, representativas do século XVIII,
a posposição é o valor mais freqüente (51% das ocorrências), nos Documentos de Circulação
60
Privada, do século XIX, a anteposição ao verbo é o valor mais comum, com 57% das
ocorrências.
Os resultados descritos acima nos indicam a importância de considerar cada categoria
dêitica, tempo e espaço, em separado, dadas as peculiaridades sintáticas, semânticas e
discursivas de cada uma das classes semânticas de circunstanciais. Tais resultados
preliminares confirmam as tendências de ordenação dos circunstanciais delineadas na teoria
gramatical tradicional apenas para os circunstanciais locativos. Cunha (1976), já citado neste
trabalho, observa que a posição mais freqüente para os constituintes adjuntos é a posposição
ao verbo, após os termos argumentais da sentença. O autor admite a anteposição desses
constituintes quando estes atendem a uma função de realce.
Os resultados dos gráficos ignoram, todavia, um aspecto de vital importância para a
definição dos valores marcado e não marcado dos circunstanciais. Apesar de definidos,
principalmente na tradição gramatical, como constituintes satélites, não argumentais, os
circunstanciais podem funcionar também como argumentos do verbo, conforme já foi
salientado ao longo deste trabalho. (Cf. Rocha Lima, 2002; Ilari et alii, 2002; Moura Neves,
2000, 2002 e Porto Dapena, 1993). Tal possibilidade é ilustrada pelos exemplos:
(13) ofazem sahir dous dias atras denossa sahida que deve ser para asemana, oque Deus queira.
(Cartas de Comércio, BNL - mss. 224/412 - 27/05/1798)
(14) He proprio da Piedade d’ElRei Nosso Senhor acolhe-los de baixo daSua Real Protecçaõ,
porem ameu ver, deve ser tirando-os dos seus lares pelas circunstancias, que vou ponderar.
(Documentos de Circulação Privada, 14/10/1820).
A função argumental dos circunstanciais é mais saliente para os locativos que
preenchem a valência de verbos com o traço [+ locativo], como ir, partir, seguir, vir, voltar,
estar, ficar, morar, permanecer, colocar, por, situar, etc. Moura Neves (2002: 255) destaca
que o circunstancial com função argumental “preenche uma casa de valência do verbo,
61
pertencendo ao sistema de transitividade”. Nesses casos, a variabilidade do circunstancial fica
restringida pelo fato de ele constituir um argumento do verbo e ficar sujeito às mesmas
restrições ao movimento que atingem os argumentos verbais prototípicos. O gráfico a seguir
mostra de que forma a função sintática do circunstancial atua na tendência de ordenação dos
circunstanciais locativos:
73%
63%
92%
65%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Cartas de comércio Documentos de
Circulação Privada
Gráfico 3 - Posposição dos Circunstanciais Locativos nas Amostras
Analisadas: argumentais x não-argumentais
[+ argumental]
[- argumental]
O gráfico acima nos aponta a importância de se considerar a função sintática do
circunstancial locativo: apesar dos resultados acima apresentados nos fornecerem uma
evidência adicional para entendermos que a posposição é o valor não marcado para os
circunstanciais locativos, aqueles que funcionam como argumentos de verbos com o traço [+
locativo] apresentam uma tendência maior para a posposição do que os circunstanciais
locativos adjuntos. Nas Cartas de Comércio, a diferença é de dez pontos percentuais: 63% de
posposição para os locativos adjuntos contra 73% de posposição para os locativos
argumentais. Nos Documentos de Circulação Privada, a diferença é ainda maior: os locativos
argumentais são quase-categóricos na posição pós-verbal, enquanto os circunstanciais não-
argumentais apresentam uma variabilidade maior (65%), ainda que a posposição seja o valor
não marcado.
Os circunstanciais temporais se mostram muito mais sensíveis à influência da função
sintática nas tendências de ordenação. Os temporais com função argumental, apesar de poucos
dados nos corpora analisados, são categoricamente pospostos.
62
Já que a variação de ordem é muito mais significativa nos circunstanciais com função
não-argumental, excluímos da análise multivariacional os circunstanciais argumentais, pois a
análise desses constituintes envolveria aspectos que tratam da variabilidade dos constituintes
argumentais. Deste modo, as discussões neste capítulo e no seguinte se restringem aos
circunstanciais adjuntos.
Nesta dissertação, são considerados como circunstanciais os elementos
tradicionalmente denominados advérbios e os sintagmas preposicionais que codificam
coordenadas espaciais e temporais. É de se esperar que esses dois grupos apresentem
comportamentos distintos no que se refere à ordem não marcada, como mostram os gráficos 4
e 5, a seguir.
75%
13%
70%
45%
0%
20%
40%
60%
80%
Cartas de
Comércio
Documentos de
Circulação Privada
Gráfico 4 - Posposição dos Circunstanciais Locativos por Tipo
Morfológico
Spreps
Advérbios
Entre os circunstanciais locativos, há grandes diferenças entre a mobilidade posicional
dos advérbios e sintagmas preposicionais nas duas amostras consideradas. Como aponta o
gráfico 4, os advérbios locativos apresentam uma tendência à anteposição. Nas Cartas de
Comércio, a diferença percentual entre os dois tipos morfológicos chega a 62%: os advérbios,
neste corpus, mostram uma tendência muito clara para a anteposição, pois somente 13%
desses constituintes se apresentam após o verbo. Nos Documentos de Circulação Privada, a
diferença na posição de sintagmas preposicionais e de advérbios se reduz consideravelmente,
ainda que a anteposição seja o valor não marcado para os advérbios locativos (45% das
63
ocorrências). Os sintagmas preposicionais, por sua vez, são claramente pospostos nos dois
materiais considerados (75% e 70%, respectivamente).
Comparando as duas amostras, pode-se observar que há uma diferença quantitativa
considerável na posposição dos advérbios locativos, muito mais restrita nas Cartas de
Comércio do que nos Documentos de Circulação Privada. As especificidades de cada
material são um entrave para uma análise em termos de mudança. A grande diferença
quantitativa entre a posição dos advérbios locativos nas duas amostras consideradas pode ser
um reflexo do grau de sintonia entre os interlocutores, ou também um reflexo da tendência de
os circunstanciais locativos apresentarem uma variação cada vez mais restrita com o passar do
tempo. A comprovação dessas hipóteses só seria possível se dispuséssemos de um maior
número de gêneros textuais e de dados. Observe-se, agora, o gráfico 5:
40%
68%
55%
62%
0%
20%
40%
60%
80%
Cartas de Comércio Documentos de Circulação
Privada
Gráfico 5 - Anteposição dos Circunstanciais Temporais por Tipo Morfológico
Spreps
Advérbios
Para os circunstanciais temporais, a tendência de anteposição ao verbo se confirma
para os advérbios nas duas amostras consideradas com índices muitos próximos (68% nas
Cartas de Comércio e 62% nos Documentos de Circulação Privada). Os sintagmas
preposicionais apresentam tendências distintas nos corpora analisados: nas Cartas de
Comércio, apresentam 40% de ocorrências nas posições pré-verbais, com uma tendência
maior para a posposição. Nos Documentos de Circulação Privada, a anteposição ao verbo é o
valor não marcado, com 55% desses constituintes em posições antes do SV.
64
O tratamento da variação na ordem dos circunstanciais temporais e locativos em
termos do binômio anteposição/posposição ao verbo é, de certa forma, simplificador, pois há
de se considerar, no uso efetivo da língua, que os circunstanciais temporais e locativos podem
ocupar diversas posições na sentença. Autores como Martelotta (1993), Kato et alii (2002),
Paiva (2004) e Brasil (2005) comprovam que das diferentes formas de ordenação dos
circunstanciais na oração podem derivar diversas configurações estruturais, como fica
evidente a seguir:
A – Posições antepostas ao verbo
i – CIRC. + V (casos se de sujeito elíptico ou posposto)
(15) No mesmo [o Correio do Rio] veio Avizo para Recolherse ao Rio Joaõ Carlos |
Prezidente deste Governo.
(Documentos de Circulação Privada, 28/05/1822)
ii – CIRC. + S + V + (Compl)
(16) em o anno seguinte de 1832 o Oppositor teve Provisões para uso d’ Ordens e para
confessor na Diocese de Marianna.
(Documentos de Circulação Privada, 1854)
iii – Tóp. + CIRC. + (S) + V
(17) Persuado-me por tanto, que Se nesta occaziaõ Sua Magestade ordenasse alguma
Expediçaõ, nunca elles com mais desapego deixariaõ Seos Lares, etudo o que lhes he mais
amavel. Enesta parte desde ja devo prevenir aV.
a
pelos Conhecimentos que aexperiencia me
tem dado, que Será muito Conveniente marcharem os Soldados debaixo do Cómando deSeos
Officiaes e nunca [talvez: addidos] à Tropa de Linha.
(Documentos de Circulação Privada,14/04/1817)
iv – S + CIRC. + V + (Compl/Pred.)
(18) Aqui estou purgando osmeuspecados, hé quando mecapasito a inf[e]liçidade hé comigo,
Creio seDeus queira eu chegue aessa com vida os Cavelos serão todos brancos; Seja oque
Deus quizer.
(Cartas de Comércio, BNL - mss.224/410 – 16/03/1798)
v – CIRC. + X + (S) + V + Compl (X = outro circunstancial/ clítico ou advérbio de negação)
(19) euSey que vossa mercê hade ter pago as 2 Letraz epara asse fim ade estar em algum
dezembolço tenha passiençia que Logo lhe Remeto alguma Couza para Se embolçar.
Cartas de Comércio, BNL - mss. 224/104 - 14/02/1794)
65
vi – S/X + CIRC. + (X) + V (X = outro circunstancial)
(20) Hoje ja he possi- | vel irem pelo Caminho
de Guarapuava Sair perto de | Missoens.
(Documentos de Circulação Privada 1/05/1817)
B – Posição intraverbal
vii – S + V + CIRC. + V + (Compl)
(21) O malvado Pedro Taques foi ontem despedido para Parnagoa com titulu de deligência
(Documentos de Circulação Privada 1/09/1822)
C – Posições pospostas ao verbo
viii – (S) + V + CIRC.
(22) a importancia será entregue apessoa que Vossa Senhoria para este fim authorizar
nestaCidade
(Documentos de Circulação Privada, 1803)
ix– (S) + V + CIRC. + Compl/Predicativo/Outro circunstancial
(23) O Marechal Candido tomou anteontem posse do governo das Armas, equem comanda o
Quartel he o Coronel Cezar.
(Documentos de Circulação Privada, 01/09/1822)
x – (S) + V + Compl/Predicativo/Outro circunstancial + CIRC.
(24) Eu senti bastante saber que isto passou em silencio na Camera
(Documentos de Circulação Privada, 1835)
Os exemplos acima relacionados nos mostram que os circunstanciais temporais e
locativos podem ocupar as margens da oração, colocar-se entre o sujeito e o verbo, entre o
verbo e o seu complemento e ainda entre dois verbos, no interior de uma perífrase verbal. A
análise da distribuição dos dados pelas diferentes configurações estruturais, a seguir, nos
mostra que cada categoria dêitica (lugar ou espaço) tem uma determinada “preferência” por
uma ou outra configuração sintagmática em detrimento das demais.
66
4.1- Padrão não marcado de ordenação dos circunstanciais locativos
Consideramos, inicialmente, os circunstanciais locativos. A distribuição desses
elementos pelas diversas configurações estruturais é mostrada nas tabelas 2 e 3,
respectivamente para as Cartas de Comércio e os Documentos de Circulação Privada,
separadamente para os advérbios e os sintagmas preposicionais.
Tabela 2 - Configurações Sintagmáticas dos Circunstanciais Locativos nas Cartas de
Comércio
Cartas de Comércio Configurações Estruturais
Spreps Advérbios
CIRC. + V
19 = 15% 20 = 66%
CIRC. + S + V 1 = 0% -
S + CIRC. + (X) + V 2 = 1% 1= 3%
V + CIRC. 30 = 25% -
V + CIRC. +
Complemento/Predicativo/X
27 = 22%
3 = 10%
V +
Complemento/Predicativo/X
+ CIRC.
34 = 28%
1 = 3%
CIRC. + X + S/V 7 = 5% 5 = 16%
S/X + CIRC. + X + V - -
TOTAL
120 30
Percebemos, ao analisar cada corpus isoladamente, tendências distintas de ordenação
para os advérbios e índices bastante próximos para os sintagmas preposicionais locativos.
Para as Cartas de Comércio, a configuração sintagmática mais produtiva para os sintagmas
preposicionais locativos é aquela que os localiza na margem direita da sentença, após os
complementos verbais (V + Complemento/Predicativo/X + CIRC.), com 28% das ocorrências.
A preferência dos sintagmas preposicionais locativos pela margem direita é confirmada nesse
corpus pelo alto índice desses constituintes na configuração que os localiza imediatamente
após o núcleo da sentença em orações com verbos intransitivos (configuração V + CIRC.),
com o índice de 25%. Vale ressaltar, no entanto, o alto número de sintagmas preposicionais
locativos entre o verbo e o seu argumento (configuração V + CIRC. +
67
Complemento/Predicativo/X), com 22% de ocorrência. Esse fato é digno de nota, pois não é
de se esperar um volume grande de circunstanciais na posição em que se rompe a adjacência
do verbo e seu argumento. Tomlin (1986) postula que há um alto grau de coesão entre o
verbo e seus complementos internos – o princípio de coesão verbo-objeto. Deste modo, evita-
se a inserção de elementos lingüísticos que possam evitar a ruptura da adjacência entre o
núcleo da sentença e seus argumentos. (Cf. também Rocha, 2002; Tarallo et alii, 2002).
Nossos resultados, contudo, não reiteram esse princípio.
Muito menos recorrente para os sintagmas preposicionais locativos são as
configurações estruturais que os situam na margem esquerda da oração, em configurações
como CIRC. + V (15%), CIRC. + S + V (0%) e CIRC. + X + S/V (5%). A baixa exploração
da configuração estrutural que localiza os sintagmas preposicionais locativos entre o sujeito e
o verbo (S + CIRC. + (X) + V), com freqüência de apenas 1% só nos auxilia na confirmação
de que a margem direita é posição não marcada para os sintagmas preposicionais locativos
nas Cartas de Comércio.
Para os advérbios locativos, apesar do reduzido número de dados, o panorama muda
radicalmente: 66% dos dados de advérbios locativos nas Cartas de Comércio estão na margem
esquerda da sentença, na configuração estrutural CIRC + V . Este índice, somado ao da
configuração CIRC. + X + S/V (16% das ocorrências), nos indica que a margem esquerda é a
posição não marcada para os advérbios locativos nas Cartas de Comércio, já que 82% dos
dados se encontram na periferia esquerda da oração. Uma evidência adicional para essa
interpretação está no baixo índice de advérbios locativos nas configurações que os localizam
na margem direita da sentença: não há dados de advérbios de lugar na configuração
sintagmática V + CIRC., e apenas 3% na posição estrutural V + Complemento/Predicativo/X
+ CIRC.
68
A tabela a seguir mostra a distribuição dos circunstanciais locativos nos Documentos
de Circulação Privada.
Tabela 3 – Configurações Sintagmáticas dos Circunstanciais Locativos nos
Documentos de Circulação Privada
Documentos de Circulação
Privada
Configurações Estruturais
Spreps
Advérbios
CIRC. + V
14 = 16% 9 = 37%
CIRC. + S + V 2 = 2% 1 = 4%
S + CIRC. + (X) + V 5 = 5% -
V + CIRC. 13 = 15% 2 = 8%
V + CIRC. +
Complemento/Predicativo/X
24 = 27%
7 = 29%
V +
Complemento/Predicativo/X
+ CIRC.
24 = 27%
2 = 8%
CIRC. + X + S/V 3 = 3% 3 = 12%
S/X + CIRC. + X + V 1 = 1% -
TOTAL
86 24
Para os sintagmas preposicionais locativos dos Documentos de Circulação Privada,
pode-se perceber que as configurações estruturais que os localizam após os argumentos
verbais (V + Complemento/Predicativo/X + CIRC) e entre o verbo e o complemento (V +
CIRC. + Complemento/Predicativo/X) apresentam índices idênticos, 27% das ocorrências, um
índice muito próximo ao encontrado para essa posição nas Cartas de Comércio (22%).
Entretanto, o conjunto dos dados nos mostra que, mesmo nesse corpus, a margem direita é a
posição predominante, pois ao somarmos as configurações que localizam o sintagma
preposicional locativo na margem direita da oração, (estruturas V +
Complemento/Predicativo/X + CIRC e V + CIRC.) temos, na periferia direita da sentença,
42% do total de dados de sintagmas preposicionais locativos.
69
A margem esquerda da sentença, também nos Documentos de Circulação Privada, se
mostra como um site de menor recorrência para os sintagmas preposicionais locativos: nas
configurações CIRC. + V (16%), CIRC. + S + V (2%) e CIRC. + X + S/V (3%) temos 21%
do total de dados, índice inferior se comparado com a margem direita da sentença. A posição
entre o sujeito e o verbo (S + CIRC. + (X) + V) continua sendo a menos explorada pelos
sintagmas preposicionais locativos, com 5% do total de ocorrências.
Os advérbios locativos, nos Documentos de Circulação Privada, apresentam uma
distribuição mais uniforme, se comparados aos mesmos constituintes analisados nas Cartas de
Comércio. A configuração mais produtiva continua sendo a que situa os advérbios locativos
na margem esquerda da oração (CIRC. + V), com um índice de 37%. A posição estrutural que
localiza o advérbio entre o verbo e o complemento (V + CIRC. +
Complemento/Predicativo/X) também apresenta um índice significativo: 29% do total de
dados. A periferia esquerda, de um modo geral, continua sendo o padrão não marcado de
ordenação para os advérbios locativos nos Documentos de Circulação Privada, com 49% do
total de dados (configurações CIRC. + V e CIRC. + X + S/V [12% dos dados]). Tal tendência
é confirmada também pelo baixo índice de advérbios locativos nas posições que os prevêem
após o núcleo verbal (configurações V+ CIRC. e V + Complemento/Predicativo/X + CIRC,
com 8% de ocorrências em cada uma das posições). Na posição entre o sujeito e o verbo, não
há dados de advérbios locativos. Na configuração estrutural que alinha os advérbios locativos
entre o verbo e o complemento (configuração V + CIRC. + Complemento/Predicativo/X),
temos 29% de freqüência, o que nos mostra a fraca atuação do princípio de coesão verbo-
objeto.
Uma análise alternativa, mais simplificada, torna mais evidente as diferenças entre os
dois tipos de circunstanciais locativos e os corpora analisados. Deste modo, as configurações
estruturais vistas nas tabelas 2 e 3 foram re-agrupadas, de acordo com quatro posições
70
possíveis: margem esquerda (POSIÇÃO 1), entre o sujeito e o verbo (POSIÇÃO 2), entre o
verbo e o complemento (POSIÇÃO 3) e margem direita (POSIÇÃO 4). Os resultados dessa
nova análise são mostrados nos gráficos 6, relativo às Cartas de Comércio e 7, referente aos
Documentos de Circulação Privada.
22%
1%
22%
53%
83%
3%
10%
3%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Spreps Advérbios
Gráfico 6 - Distribuição dos Circunstanciais Locativos por posição - Cartas de Comércio
POS.1
POS.2
POS.3
POS.4
Os resultados do gráfico 6 reforçam as tendências delineadas para os circunstanciais
locativos das Cartas de Comércio na análise das configurações estruturais. Pode-se observar
duas tendências bastante nítidas: para os sintagmas preposicionais, a margem direita (POS.4)
é nitidamente o valor mais freqüente, com 53% do total de dados. Os índices percentuais de
ocorrência de SPreps na margem esquerda e na posição entre o verbo e o complemento é
semelhante– 22%. A posição entre o sujeito e o verbo (POS.2) se confirma como a menos
explorada pelos sintagmas preposicionais locativos – 1% do total de dados. Os advérbios
locativos tomam uma direção radicalmente oposta: a margem esquerda é a posição mais
explorada, com 83% do total das ocorrências. A margem direita e a posição entre o sujeito e o
verbo são as menos freqüentes para os advérbios locativos nas Cartas de Comércio, o que só
vem confirmar o que já havia sido descrito na análise das configurações estruturais.
O gráfico 7, a seguir, reflete a distribuição dos dados de circunstanciais locativos pelas
quatro posições consideradas nos Documentos de Circulação Privada.
71
22%
5%
27%
43%
54%
0%
29%
16%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Spreps Advérbios
Gráfico 7 - Distribuição dos Circunstanciais Locativos por posição - Documentos de
Circulação Privada
POS.1
POS.2
POS.3
POS.4
Os dados de circunstanciais locativos nos Documentos de Circulação Privada
apresentam uma melhor distribuição pelas configurações consideradas, se comparados aos
dados das Cartas de Comércio. Os sintagmas preposicionais apresentam um índice
relativamente alto na POS.4 (43% dos dados), confirmando o que se viu nos dados das cartas
de comércio. Todavia, vale destacar o número considerável de dados na POS.3 (27%). A
POS.1 apresenta um índice de 22% de sintagmas preposicionais locativos. A posição menos
explorada é a POS.2, com um índice de 5%.
Os advérbios também mostram também nos Documentos de Circulação Privada uma
tendência clara para a anteposição ao verbo, na POS.1. No entanto, ainda pode-se observar
um alto índice de advérbios na POS.3 (29%). A baixa exploração da margem direita e da
posição entre o sujeito e o verbo só servem para confirmar os resultados delineados na tabela
3.
Ao apreciarmos o conjunto de dados de circunstanciais locativos podemos perceber
algumas tendências em comum entre os dois corpora utilizados nesta dissertação: de um
modo geral, advérbios e sintagmas preposicionais apresentam sites preferenciais de
aterrissagem distintos: para os advérbios, a periferia esquerda da sentença; para os sintagmas
preposicionais, a margem direita da oração. O conjunto de dados também nos indica que a
posição entre o sujeito e o verbo é pouco explorada pelos dois tipos de circunstanciais
locativos considerados. A forte restrição pela posição entre o sujeito e o verbo é verificada
72
também em dados do português brasileiro e do português europeu hodierno (Cf. Costa, 2004;
Brasil, 2005).
Uma outra tendência delineada pelo conjunto de dados e que merece considerações é o
alto índice de circunstanciais locativos na posição entre o verbo e o complemento. Em dados
do português brasileiro e do português europeu contemporâneos, verifica-se a
indisponibilidade dessa configuração estrutural para os sintagmas preposicionais e a pouca
ocorrência de advérbios nesse tipo de cadeia sintagmática, como mostrou Brasil (2005), na
modalidade escrita brasileira e européia. Paiva (no prelo a, b) também ressalta essas
correlações em dados de fala e escrita o português brasileiro. Pagotto (s.d) considera que o
século XIX marca o fim da possibilidade da ocorrência de adverbiais na posição em que há a
ruptura de adjacência entre o verbo e o complemento. Nossos resultados, apesar de
remontarem aos fins do século XVIII e início do século XIX, contradizem a consideração de
Pagotto. Há, portanto, um conjunto de evidências contrárias à indisponiblidade da posição.
Pode-se observar que há uma forte restrição quanto ao tipo de advérbio que pode se colocar
nessa configuração estrutural.
Como já fora salientado ao longo deste trabalho, é necessário considerar que, em
fenômenos onde está envolvida uma oposição não-binária, como no caso da ordenação dos
circunstanciais, o estatuto mais ou menos marcado de uma forma de ordenação se define em
relação às outras formas que com ela co-ocorrem. A comparação entre os gráficos 6 e 7 nos
permite depreender hierarquias distintas de preferência posicional para cada conjunto de
circunstanciais locativos.
- marcado ----------------------+ marcado
Cartas de Comércio
Advérbios – POS. 1 > POS.3 > POS.2 /POS.4
SPreps – POS.4 > POS.1 /POS.3 > POS.2
73
- marcado ----------------------+ marcado
Documentos de Circulação Privada
Advérbios – POS. 1 > POS.3 > POS.4
SPreps – POS.4 > POS.3 > POS.1 > POS.2
Uma evidência adicional para a interpretação da variabilidade posicional dos
circunstanciais locativos é fornecida pela análise de cada um dos advérbios em separado, o
que permite verificar a tendência de ordenação de cada um desses itens e, principalmente,
verificar quais apresentam posição fixa. Na tabela 4, são discriminadas as ocorrências de cada
advérbio locativo de acordo com as quatro posições acima consideradas.
Tabela 4 – Distribuição dos Advérbios Locativos nas Cartas de Comércio e nos Documentos
de Circulação Privada por Posição.
Cartas de Comércio Documentos de Circulação Privada
Advérbios
POS. 1 POS. 2
POS. 3
POS. 4 POS. 1 POS. 2
POS. 3
POS. 4
2/4 =
50%
-
1/4=
25%
1/4=
25%
4/5 =
80%
-
1/5 =
20%
-
ali
- - - - - -
1/1 =
100%
-
5/6 =
83%
-
1/6 =
17%
-
1/1 =
100%
- - -
aqui
15/17 =
88,23%
1/17 =
5,88%
1/17 =
5,88%
-
6/10 =
60%
-
3/10 =
30%
1/10 =
10%
fora
- - - - - -
1/2 =
50%
1/2=
50%
debaixo
- - - -
1/1 =
100%
- - -
- - - -
1/4=
25%
-
1 / 4 =
25%
2/4 =
50%
dentro
1/1 =
100%
74
Ainda que os resultados descritos na tabela acima tenham de ser fortemente
relativizados em função do número bastante reduzido de dados, podemos observar que poucos
são os advérbios locativos de posição fixa: dentro (POS.1), debaixo (POS.1) e ali (POS.3). Os
advérbios dentro e debaixo incluem-se entre aqueles denominados por Moura Neves (2000)
de transitivos, isto é, itens de valor adverbial que estabelecem coordenadas espaciais com o
auxílio de um complemento “que determina o ponto tomado como parâmetro de aferição da
distância” (op.cit). Pontes (1992:67) afirma que na ausência desse parâmetro de aferição
“implicitamente pode-se tomar como ponto de referência um objeto já mencionado no
discurso ou então o lugar do falante”.
Com relação aos advérbios que apresentam variação, podemos observar que a
proforma
1
, nos corpora analisados, mostra preferência pela POS.1 (margem esquerda). Nas
Cartas de Comércio, o índice de ocorrência desse advérbio na POS.1 é de 50%; nos
Documentos de Circulação Privada, o índice sobe para 80% das ocorrências. Paiva (no prelo),
a partir de dados da Amostra Censo
2
, mostra que o lá tende a ir para a posição inicial da
oração. Isso se justifica inclusive pelo forte caráter pronominal desse advérbio, que mais
frequentemente retoma coordenadas espaciais já introduzidas no discurso. A proforma
apresenta variação nas Cartas de Comércio (83% em POS.1 e 17% na POS.3) e se mostra
categórica nos Documentos de Circulação Privada (100% na POS.1). Pontes (op.cit: 14)
observa que , que se opõe a , “é usado com menos liberdade que este. (...)”
3
.
O advérbio aqui é o mais produtivo nas duas amostras consideradas: nos dois
corpora analisados, este advérbio apresenta uma tendência nítida para a margem esquerda da
1
Advérbios como , , aqui e são denominadas de PROFORMAS por Pontes (1992:8) “porque constituem
sozinhos um sintagma, não ocorrem acompanhadas de um SN, como os outros advérbios.”
2
Um conjunto de entrevistas gravadas entre 1980 e 1984 com homens e mulheres cariocas, distribuídos por três
faixas etárias (7 a 14 anos, 15 a 25 anos e acima de 50 anos) e por três níveis de escolaridade (1
a
. fase do ensino
elementar, 2
a
. fase do ensino elementar e Ensino Médio). Essas entrevistas representam um estilo de fala semi-
informal.
3
Seu uso parece hoje estar restrito ao acompanhamento do verbo vir e da preposição para (pra).
75
oração (POS.1). Nas Cartas de Comércio, o índice de ocorrências de aqui na POS.1 chega a
88,23%; nos Documentos de Circulação Privada, a POS.1 apresenta 60% das ocorrências
4
.
A proforma adverbial aí, presente somente nos Documentos de Circulação
Privada, apresenta um padrão de ordenação que difere das tendências delineadas para os
outros advérbios: 50% das ocorrências desse advérbio aparecem na POS.4 (margem direita).
Pelo que foi visto até aqui, os advérbios em geral apresentam fortes restrições à periferia
direita da sentença. Todavia, tais resultados não podem ser tomados como conclusivos, já que
o número reduzido de dados nos impede de fazer generalizações. O advérbio fora,
pertencente também à categoria dos advérbios intransitivos, só aparece nos materiais relativos
ao século XIX, com 50% de ocorrência na POS. 3 (entre o verbo e o complemento) e 50% na
POS.4 (margem direita).
Na seção a seguir, são considerados os padrões de ordenação dos circunstanciais
temporais.
4.2- Padrão não marcado de ordenação dos circunstanciais temporais
Pelo o que foi discutido no início desse capítulo, os circunstanciais temporais não
chegam a apresentar uma ordem não marcada nítida, se comparados aos circunstanciais
locativos. No geral, os circunstanciais temporais apresentam uma grande variabilidade
posicional entre a anteposição e a posposição ao núcleo verbal. As tabelas 5 e 6 mostram a
distribuição dos temporais de acordo com as configurações sintagmáticas analisadas nos
materiais considerados nessa pesquisa:
4
Paiva (2002, no prelo a) aponta que as proformas adverbiais locativas, de um modo geral, apresentam, nos
dados do português contemporâneo, indicações por uma preferência pela margem esquerda da sentença, graças
justamente ao seu caráter fortemente pronominal. É obvio que a busca das origens desse processo, em dados de
sincronias passadas, exigiria um número muito maior de dados.
76
Tabela 5 – Configurações Sintagmáticas dos Circunstanciais Temporais nas Cartas de
Comércio
Cartas de Comércio Configurações Estruturais
Spreps Advérbios
CIRC. + V
21 = 25% 22 = 34%
CIRC. + S + V 1 = 1% 4 = 6%
S + CIRC. + (X) + V 3 = 3% 9 = 14%
V + CIRC. 16 = 19% 3 = 4%
V + CIRC. +
Complemento/Predicativo/X
5 = 6% 15 = 23%
V +
Complemento/Predicativo/X
+ CIRC.
27 = 32% 1 = 1%
CIRC. + X + S/V 7 = 8% 8 = 12%
S/X + CIRC. + X + V 2 = 1% 1 = 1%
TOTAL
82 63
Os advérbios e os Spreps, nas Cartas de Comércio, apresentam comportamentos
bastante diferenciados. Para os Spreps, podemos observar um equilíbrio na distribuição dos
dados entre as margens direita e esquerda: a configuração estrutural mais produtiva é aquela
que situa o Sprep temporal após os argumentos internos do verbo (V +
Complemento/Predicativo/X + CIRC.), com 32% das ocorrências. A configuração estrutural
que apresenta o segundo maior índice de favorecimento é a que situa o Sprep na margem
esquerda da sentença, na posição inicial (CIRC. + V), com índice de 25%. Os sete pontos de
diferenças percentuais entre as duas configurações mais produtivas servem de indícios para
comprovar a mínima diferença entre as duas possibilidades posicionais. As posições mediais
são pouco exploradas pelos sintagmas preposicionais: 3% na configuração S + CIRC. + (X) +
V e 6% em V + CIRC. + Complemento/Predicativo/X, o que vem a confirmar a hipótese de
que materiais “pesados” foneticamente tendem a preferir as periferias da oração.
Os advérbios temporais, nas Cartas de Comércio, têm uma nítida preferência pela
margem esquerda da oração (configuração CIRC. + V.), já que 34% das ocorrências de
advérbios temporais, nesse corpus, tendem para essa posição. Advérbios e sintagmas
77
preposicionais apresentam diferenças com relação à exploração das posições internas da
oração, que rompem a adjacência entre o verbo e seus argumentos: a configuração estrutural
que situa o circunstancial temporal entre o verbo e o complemento (V + CIRC. +
Complemento/Predicativo/X) é a segunda mais freqüente para os advérbios temporais (23%),
vindo em seguida a configuração que prevê o advérbio temporal entre o sujeito e o verbo (S +
CIRC. + (X) + V), com um índice de 14%. A posição final da oração, que agrega as
configurações V + CIRC. e V + Complemento/Predicativo/X + CIRC., continua a ser uma
posição restrita para os advérbios temporais, pois apenas 5% do total de dados se encontram
nessas configurações estruturais.
A tabela a seguir mostra a distribuição dos dados de circunstanciais temporais nos
Documentos de Circulação Privada.
Tabela 6 – Configurações Sintagmáticas dos Circunstanciais Temporais nos Documentos de
Circulação Privada
Documentos de Circulação
Privada
Configurações Estruturais
Spreps Advérbios
CIRC. + V
18 = 23% 33 = 33%
CIRC. + S + V 5 = 6% 5 = 5%
Tópico + CIRC. + S + V 1 = 1% 2 = 2%
S + CIRC. + (X) + V 7 = 9% 8 = 8%
V + CIRC. 8 = 10% 3 = 3%
V + CIRC. +
Complemento/Predicativo/X
11 = 14% 24 = 24%
V +
Complemento/Predicativo/X
+ CIRC.
14 = 18% 3 = 3%
CIRC. + X + S/V 11 = 14% 12 = 12%
S/X + CIRC. + X + V 1 = 1% 1 = 1%
Vauxiliar + CIRC. +
Vauxiliado +
(Complemento)
1 = 1% 7 = 7%
TOTAL
77 98
78
Os Spreps, nos Documentos de Circulação Privada, mostram uma clara tendência
para a anteposição ao verbo, principalmente pela margem esquerda da sentença, pois 23% do
total de dados de Spreps temporais se situam na configuração estrutural V + CIRC. A segunda
configuração estrutural mais explorada é a que prevê o Sprep temporal após os argumentos
internos do verbo, na margem direita da oração (V + Complemento/Predicativo/X + CIRC.),
com 18% das ocorrências. Nesse corpus, é interessante notar o índice até considerável de
sintagmas preposicionais em posições internas da oração, principalmente na configuração V +
CIRC. + Complemento/Predicativo/X, com um índice de 14%, o mesmo apresentado para a
configuração estrutural CIRC. + X + S/V, que prevê o Sprep na margem esquerda da
sentença.
Os advérbios temporais, nos Documentos de Circulação Privada, apresentam uma
preferência bastante clara pelas posições iniciais da oração, pois 33% das ocorrências de
advérbios temporais aparecem na configuração estrutural V. + CIRC. e 12% das ocorrências
na configuração CIRC. + X + S/V. Entretanto, a configuração estrutural que prevê o advérbio
temporal entre o verbo e complemento (V + CIRC. + Complemento/Predicativo/X) também
mostra um índice considerável (24%), o que mostra que, para os advérbios temporais, há uma
competição entre a margem esquerda e a posição medial entre o verbo e o complemento. Tal
tendência é confirmada pelo baixo índice de advérbios temporais na margem direita da oração
(V + CIRC. e V + Complemento/Predicativo/X + CIRC., com 3% em cada uma). Interessante
observar também é a possibilidade do advérbio temporal de aterrissar entre dois verbos, no
interior de uma perífrase verbal (configuração Vauxiliar + CIRC. + Vauxiliado +
(Complemento), com um índice de 7%.
Ao procedermos com o agrupamento das diversas configurações estruturais, de
acordo com a distribuição dos circunstanciais temporais pela margem esquerda (POS.1), entre
o sujeito e o verbo (POS.2), entre o verbo e o complemento (POS.3) e a margem direita
79
(POS.4), as diferenças entre os advérbios e os sintagmas preposicionais temporais se tornam
mais evidentes em relação à ordem não marcada, como se pode verificar nos resultados
esquematizados no gráfico 8, relativo às Cartas de Comércio, e no gráfico 9, referente aos
Documentos de Circulação Privada.
53%
15%
23%
7%
37%
3%
6%
52%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Advérbios Spreps
Gráfico 8 - Distribuição dos Circunstanciais Temporais por posição - Cartas de
Comércio
POS.1
POS.2
POS.3
POS.4
As tendências delineadas no gráfico 8 reforçam os padrões depreendidos na
tabela 5, referente à distribuição dos dados dos circunstanciais temporais das Cartas de
Comércio pelas configurações estruturais. Pode-se perceber que para os advérbios, a POS.1,
relativa à margem esquerda da oração, é a mais freqüente, pois mais da metade dos dados
(53%) se encontram nessa posição. A POS.3 também apresenta um número considerável de
ocorrências (23%), mas esses resultados não se aproximam dos valores identificados para a
margem a esquerda, que se confirma para os advérbios temporais das Cartas de Comércio
como a posição não marcada. Observa-se ainda o baixo índice de ocorrências de advérbios na
margem direita da sentença (POS.4), o já fora identificado nas configurações estruturais.
Os Spreps parecem oscilar entre a margem direita (POS.4) e a margem esquerda
(POS.1), com 52% e 37% de ocorrências, respectivamente. Há uma diferença quantitativa
significativa entre as margens esquerda e direita, com predominância da segunda. Tais
resultados, aliados à baixa incidência de Spreps nas posições mediais (POS. 2 e 3) servem de
80
indícios para confirmar as periferias da sentença, como sites preferências para os Spreps nas
Cartas de Comércio, com um favorecimento para a periferia direita da oração.
O gráfico 9, a seguir, refere-se à distribuição dos dados de circunstanciais
temporais dos Documentos de Circulação Privada pelas quatro posições consideradas.
54%
8%
31%
6%
46%
9%
15%
28%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Advérbios Spreps
Gráfico 9 - Distribuição dos Circunstanciais Temporais por posição - Documentos de
Circulação Privada
POS.1
POS.2
POS.3
POS.4
Os resultados apresentados pelo gráfico 9 atestam as tendências depreendidas na
tabela 6, que mostra a distribuição dos circunstanciais temporais dos Documentos de
Circulação Privada pelas configurações estruturais consideradas. Os advérbios temporais
apresentam preferências bastante claras pela POS.1, a margem esquerda da sentença, já que
54% dos dados de advérbios se encontram nessa posição. Nota-se também um índice
considerável de advérbios de tempo na posição que rompe a coesão entre o verbo e o objeto
(POS.3), com 31% das ocorrências. A posição entre o sujeito e o verbo (POS.2) e a posição
que situa os circunstanciais na margem direita da oração apresentam índices bastante
próximos, 8% e 6%, respectivamente.
Os SPreps apresentam correlações idênticas às encontradas para os advérbios,
apesar de diferenças percentuais entre cada tipo morfológico. É possível notar que as margens
da sentença (posições 1 e 4) apresentam índices relativamente superiores (46% para POS.1 e
28% para POS.4) aos encontrados para as posições mais adjacentes ao verbo, tendências
bastante semelhante às encontradas nas Cartas de Comércio.
81
A comparação entre os gráficos 8 e 9 permite depreender continua distintos de
preferência posicional para os circunstanciais temporais: os advérbios, nos materiais
analisados, apresentam um comportamento idêntico; os SPreps, apresentam ligeiras
diferenças:
- marcado ----------------------+ marcado
Cartas de Comércio
Advérbios – POS. 1 > POS.3 > POS.2 > POS.4
SPreps – POS.4 > POS.1 > POS.3 > POS.2
- marcado ----------------------+ marcado
Documentos de Circulação Privada
Advérbios – POS. 1 > POS.3 > POS.2 > POS.4
SPreps – POS.1 > POS.4 > POS.3 > POS.2
As particularidades posicionais de alguns advérbios temporais fornecem
evidências adicionais para a interpretação da ação do princípio de marcação na ordenação dos
advérbios temporais. A tabela 7 mostra como os advérbios temporais se distribuem pelas
posições depreendidas.
Tabela 7 - Distribuição dos Advérbios Temporais nas Cartas de Comércio e nos Documentos
de Circulação Privada por Posição.
Cartas de Comércio Documentos de Circulação Privada
Advérbios
POS. 1 POS. 2
POS. 3
POS. 4 POS. 1 POS. 2
POS. 3
POS. 4
agora
10/22 =
45%
3/22 =
13%
6/22 =
27%
3/22 =
13%
4/9 =
44%
-
3/9 =
33%
2/9 =
22%
hoje
3/5 =
60%
-
1/5 =
20%
1/5 =
20%
4/7 =
57,14%
1/7 =
14,28%
2/7 =
28,57%
-
82
6/9 =
66%
1/9 =
11%
2/9 =
22%
-
24/31 =
77,4%
2/31 =
6,45%
5/31 =
16%
-
logo
5/13 =
38%
1/13 =
7%
6/13 =
46%
1/13 =
7%
1/3 =
33%
-
1/3 =
33%
1/3 =
33%
ainda
2/3 =
66%
1/3 =
33%
-
-
3/9 =
33%
3/9 =
33%
3/9 =
33%
-
nunca
3/4 =
75%
1/4 =
25%
-
-
4/4 =
100%
anteontem
1/4 =
25%
3/4 =
75%
-
-
1/2 =
50%
-
1/2 =
50%
-
amanhã
1/1 =
100%
-
-
-
-
-
1/1 =
100%
-
breve
2/2 =
100%
-
-
-
-
-
2/3 =
66%
1/3 =
33%
antes
1/1 =
100%
-
-
-
-
1/1 =
100%
-
-
ontem
- -
-
-
4/9 =
44%
1/9 =
11%
4/9 =
44%
-
-mente
- -
-
-
1/5 =
20%
-
3/5 =
60%
1/5 =
20%
depois
- -
-
-
3/3 =
100%
-
-
-
então
- -
-
-
1/1 =
100%
-
-
-
83
sempre
- -
-
-
2/7 =
28,5%
-
5/7 =
71,4%
-
cedo
- -
-
-
-
1/1 =
100%
-
-
dentro
- -
-
-
-
-
-
1/1 =
100%
durante
- -
-
-
-
-
1/1 =
100%
-
antes
- -
-
-
-
1/1 =
100%
-
-
A tabela acima nos permite verificar que poucos advérbios temporais apresentam,
nos corpora considerados, posição fixa: amanhã, antes, então, depois, cedo, dentro, durante,
nunca (nos Documentos de Circulação Privada) e breve (nas Cartas de Comércio). Como
apresentam um número bastante reduzido de ocorrências, restritas a um ou outro corpus, fica
muito difícil tecer considerações mais definitivas.
É interessante observar que grande parte dos advérbios de posição fixa tende a se
situar na margem esquerda da oração, o que corresponde a tendência observada para os
circunstanciais temporais. A exceção fica para as formas cedo, amanhã, dentro e durante que,
nos Documentos de Circulação Privada, ocupam as posições adjacentes ao SV.
Com relação aos advérbios que, nesses corpora, admitem variação posicional,
observa-se que há poucas diferenças no tocante à exploração das posições pré-SV. As duas
amostras se emparelham na tendência de ordenação dos advérbios agora, hoje e : esses itens
se alojam preferencialmente na margem esquerda da sentença.
84
As diferenças entre as duas amostras estão mais salientemente marcadas nos
advérbios mostrados a seguir:
logo – nas Cartas de Comércio, ocupa mais freqüentemente a POS.3 (entre o verbo e o
objeto), com 46% das ocorrências, embora apresente um índice significativo na margem
esquerda (33%). Nos Documentos de Circulação Privada, os dados estão distribuídos
uniformemente entre as posições 1 (margem esquerda), 3 (entre o verbo e o objeto) e 4
(margem direita).
ainda – nas Cartas de Comércio, estão predominantemente na POS.1. Nos Documentos de
Circulação Privada, há uma grande variação entre as posições 1, 2 e 3.
anteontem – majoritariamente na POS. 2 nas Cartas de Comércio, com 75% das ocorrências;
apresenta variação entre as posições 1 e 3 nos Documentos de Circulação Privada.
As tendências aqui delineadas envolvem necessariamente a questão do
significado dos itens lexicais, isto é, de que forma esses constituintes provêem a demarcação
temporal. Em um primeiro momento, controlamos de que forma a demarcação temporal era
expressa pelo advérbio. No entanto, nossos dados de advérbios temporais se concentram em
circunstanciais marcadores de tempo determinado, aqueles que indicam uma marcação
temporal precisa. Esse grupo não se mostrou estatisticamente relevante e, por essa razão,
optou-se por discuti-lo de forma condensada na seção em que são mostrados os resultados da
análise multivariacional.
No que diz respeito às duas classes de circunstanciais focalizadas nesse trabalho,
podem ser constadas diferenças marcantes tanto no que diz respeito à categoria dêitica
considerada – espaço e tempo, quanto no que está relacionado ao tipo de circunstancial –
85
advérbio e SPrep. Para os sintagmas preposicionais locativos, depreende-se uma ordem não
marcada bastante nítida nas duas amostras consideradas: a margem direita da oração. Os
sintagmas preposicionais temporais, todavia, apresentam diferenças menos claras no que diz
respeito à exploração das margens esquerda e direita, ainda que haja uma ligeira preferência
pela margem esquerda.
Os advérbios mostram uma maior variabilidade posicional: os locativos oscilam
entre as margens esquerda e direita; os temporais manifestam nítida preferência pela margem
esquerda. Tais diferenças são indícios de que a variação posicional dos circunstanciais
temporais e locativos só pode ser entendida a partir da depreensão de condicionamentos
sintáticos e discursivos que influenciam na flexibilidade de ordenação desses constituintes.
A partir do critério de freqüência, pode-se dizer que cada uma das categorias
dêiticas apresenta, nas Cartas de Comércio e nos Documentos de Circulação Privada, uma
ordem não marcada distinta. Conforme o que já foi discutido no capítulo 2, a definição do
estatuto mais ou menos marcado de uma forma lingüística tem de considerar outros critérios.
Em estudos que verificam os padrões de ordenação dos constituintes sentenciais, as funções
desempenhadas por esses constituintes no discurso são de suma importância na determinação
do padrão não marcado de ordenação. A análise multivariacional, desenvolvida no capítulo a
seguir, permitiu verificar de que forma restrições de caráter estrutural e discursivo atuam nas
tendências de ordenação dos circunstanciais temporais e locativos.
86
5- RESTRIÇÕES A ORDEM NÃO MARCADA
Neste capítulo serão discutidos os resultados da análise multivariacional, que nos
permitiram identificar com mais precisão as condições sintáticas e discursivo-pragmáticas que
atuam no favorecimento da ordem não marcada para cada classe semântica de circunstanciais e
os contextos em que tal ordem é infringida. Os grupos de fatores selecionados pelo programa de
análise estatística GOLDVARB2001 serão apresentados de acordo com a ordem em que foram
selecionados, o que nos permite organizar uma hierarquia de condições favorecedoras da
ocorrência da ordem não marcada. Além dos grupos selecionados, optamos por discutir um
terceiro condicionamento, a forma de realização do sujeito da oração, pois seus resultados
apontam correlações interessantes para a discussão do padrão marcado de ordenação de cada
classe semântica de circunstanciais.
No domínio sintático-estrutural, foi relevante para a ordenação dos circunstanciais
temporais e locativos condicionamentos como a extensão do circunstancial; no domínio
discursivo-pragmático, foram relevantes aspectos relacionados à contribuição dos circunstanciais
temporais e locativos na organização tópica do discurso. Na discussão dos resultados, tomamos
como ponto de partida aspectos particulares de cada corpus analisado – as Cartas de Comércio e
os Documentos de Circulação Privada – em cada uma das categorias dêiticas – tempo e espaço.
Em um segundo momento, serão consideradas as regularidades depreendidas no conjunto de
dados como um todo.
Dois aspectos importantes têm de ser considerados: a análise dos Spreps locativos e
temporais se concentra principalmente nos dados de sintagmas preposicionais introduzidos pelas
preposições em, para, de, a, até, entre, desde e após. Há um predomínio da preposição em e, em
muitos casos, preposições que apresentam um resultado categórico, o que nos obrigou a fazer um
87
confronto entre os Spreps introduzidos pela preposição em e os demais sintagmas preposicionais.
Outro ponto a ser destacado é o reduzido número de advérbios locativos, o que nos obriga a tratar
os resultados aqui apresentados como indicações de tendências possíveis.
5.1- Aspectos estruturais e sintáticos
5.1.1- Extensão dos Circunstanciais
O peso fonológico de um constituinte é um parâmetro freqüentemente salientado para se
explicar a variação posicional dos constituintes oracionais. Givón (1995) nomeia esse parâmetro
de subprincípio da quantidade, integrante do meta-princípio da Iconicidade. Para o autor, os
constituintes mais pesados, isto é, com maior quantidade de material fonético, tendem a se situar
na periferia direita da oração, enquanto elementos mais leves são propensos a posições mais à
esquerda na oração.
O fator peso fonológico ou extensão já foi salientado por alguns autores como importante
para justificar a variação posicional dos constituintes adjuntos. Para Kato e Nascimento (2002), a
variabilidade dos adjuntos está condicionada ao seu peso fonológico. Costa (2004) também
salienta a importância desse fator para a análise da posição dos advérbios no português europeu.
Para o autor, a ordem dos circunstanciais no PE hodierno envolve considerações especificadas
nas suas entradas lexicais, entre elas, informações concernentes ao peso fonológico. De acordo
com Costa (op.cit: 724):
Parece razoável admitir que a distribuição dos advérbios é parcialmente
condicionada por sua forma fonológica. [...] informações vindas da especificação
lexical do advérbio são relevantes para determinar sua posição na cláusula.
Dependendo de cada caso, o tipo de informação que é delimitada pode
condicionar a distribuição dos advérbios de diferentes formas: quando um
88
advérbio tem significado inerente sua distribuição é mais livre, quando tem uma
forma prosódica específica, sua distribuição pode ser menos livre.
1
A variável extensão ganha um relevo particular na análise do fenômeno de ordenação dos
constituintes na escrita, já que por razões de condições de processamento, a modalidade escrita
favorece a ocorrência de constituintes mais extensos. A dimensão dos circunstanciais foi
controlada em termos de sílabas, considerando as quatro possibilidades ilustradas a seguir:
A – Circunstancial de 1 sílaba
(25) devo crer, que teraõ partido aestas oras
(Documentos de Circulação Privada, 16/02/1822)
B – Circunstancial de 2 a 4 sílabas
(26) aqui fico para hir em o navio Sam Manuel do Porto
(Cartas de Comércio, BNL – mss.224/409, )
(27) Aquelle lugar he hoje pouco seguro (Documentos de Circulação Privada , 14/10/1820)
(28) Mandarão-me do Rio muitos folhetos por via do Leite.
(Documentos de Circulação Privada, 16/02/1822)
C – Circunstancial de 5 a 8 sílabas
(29) annualmente sefaz pelos cofres da Junta da Fazenda da Bahiacom a Real Marinha
(Documentos de Circulação Privada, 1812)
(30) Ontem passou por esta cidade aconduçaõ do assu= | car
(Documentos de Circulação Privada, 14/01/1822)
D – Circunstancial de mais de 9 sílabas
(31) Aqui fico para partir para os finz do mez deabril
(Cartas de Comércio, BNL – mss.224/252, 28/03/1793)
1
[...] it seems reasonable to assume that its (adverbs) distribution is partly conditioned by its phonological shape.
[…] information coming from the adverbs’s lexical specification is relevant for determining its position in the clause.
Depending on each case, the type of information that is at stake can condition the distribution of the adverbs in
different ways: when an adverb has a inherent meaning its distribution is freer, when it has a specific prosodic shape,
its distribution may be less free
.
89
(32) Na villa de Itu, e adjacentes , se fazem para sima de cem mil arrobas evay amais
(Documentos de Circulação Privada, 10/09/1801)
A influência do fator condicionante número de sílabas só foi relevante para os advérbios
temporais nos Documentos de Circulação Privada, não tendo sido selecionada para os
circunstanciais locativos em nenhum dos materiais analisados. Contudo, os demais resultados
para essa variável serão discutidos com o objetivo de demonstrar as regularidades nos padrões de
ordenação. Os resultados descritos na tabela 8 mostram a estreita correlação entre a ordenação
dos circunstanciais temporais e sua extensão
2
.
Tabela 8 – Anteposição do Circunstancial Temporal e Extensão
Cartas de Comércio
(XVIII)
Documentos de Circulação
Privada
(XIX)
Número de Sílabas
Advérbios
Apl/T
Spreps
Apl/T
Advérbios
Input: 0,654
Sig: 0,010
Apl/T
Spreps
Apl/T
1 sílaba 7/9 = 77%
(.95)
3
-------- 24/29 = 82%
.69
--------
2 a 4 sílabas 33/51 = 64%
(.32)
5/14 = 35%
(.67)
31/59 = 52%
.35
13/20 = 65%
(.62)
5 a 8 sílabas 4/4 = 100% 16/32 = 50%
(.48)
5/8 = 62% 23/42 = 54%
(.52)
9 ou mais silabas -------- 12/36 = 33%
(.44)
1/2 = 50% 7/15 = 46%
(.25)
Ainda que não possam ser tomados como absolutos dada a distribuição irregular dos
dados, os resultados da tabela 8 apontam algumas correlações regulares. Tomemos como ponto
de partida os resultados para os advérbios das Cartas de Comércio, que, embora não tenham sido
selecionados pelo programa de análise estatística, apontam alguns aspectos interessantes.
2
Os valores de aplicação para a formatação das tabelas foram retirados dos resultados percentuais depreendidos no
capítulo 4: a anteposição é o valor de apliação para os temporais e a posposição, para os locativos.
3
Os pesos relativos entre parênteses, que não foram selecionados pelo programa estatístico, foram extraídos da
primeira rodada do step down.
90
Segundo esses resultados, os circunstanciais monossilábicos, de menor peso fonológico,
apresentam chances significamente maiores de ocuparem as posições pré-verbais, com 77% de
freqüência. Os pesos relativos acompanham essa tendência, já que apresentam média de .95. A
hipótese que norteava a postulação desse fator condicionante é a de que, na medida em que
aumentasse o número de sílabas do circunstancial, diminuiriam os índices de colocação desses
constituintes nas posições pré-verbais. No entanto, os advérbios temporais das Cartas de
Comércio parecem não seguir essa tendência. Ainda que haja uma queda no índice de
anteposição de circunstanciais de 2 a 4 sílabas (64% de freqüência e .32 nos pesos relativos), os
resultados para os advérbios de 5 a 8 sílabas não comprovam a hipótese postulada, pois, apesar
do número escasso de dados, estes se apresentam categoricamente antepostos ao núcleo verbal.
Uma possível explicação para a não atuação desse fator na ordem dos advérbios temporais das
Cartas de Comércio é que o item lexical em questão possa obscurecer os resultados.
Os resultados para os Spreps temporais das Cartas de Comércio também não se mostram
regulares. Observa-se que, se compararmos os resultados dos sintagmas preposicionais com os
resultados obtidos para os advérbios no mesmo corpus, o índice geral de anteposição dos Spreps
é menor se comparado ao índice de anteposição para os advérbios, o que já fora mostrado no
gráfico 5. Logo, o fator tipo morfológico, como já vimos, também influi no peso morfológico, já
que os sintagmas preposicionais são, em tese, maiores do que os advérbios prototípicos. A tabela
8 mostra que os Spreps temporais nas Cartas de Comércio apresentam resultados menos
regulares. Para os circunstanciais de 2 a 4 sílabas, o índice de anteposição é de 35%. Os pesos
relativos parecem não acompanhar os índices percentuais, pois o peso relativo é de .67. Esperava-
se que tal índice diminuísse à medida que houvesse o aumento do número de sílabas, mas o que
acontece é exatamente o contrário: há um aumento de anteposição para os Spreps de 5 a 8 sílabas
(50% e .48 nos pesos relativos) e uma diminuição no índice para os Spreps de mais de 9 sílabas
91
(33% e .44 nos pesos relativos). Podemos notar que há uma regularização para os resultados dos
sintagmas preposicionais de 2 a 4 sílabas e de mais de 9 sílabas.
Os resultados para os circunstanciais temporais nos Documentos de Circulação Privada se
mostram mais regulares, se comparados aos resultados obtidos para as Cartas de Comércio.
Tomando como partida os resultados para os advérbios temporais, que foram selecionados pelo
programa estatístico, podemos observar uma clara correlação entre o fator extensão e a
anteposição do advérbio temporal ao sintagma verbal: os advérbios monossilábicos são
majoritariamente antepostos, com 82% de freqüência e .69 de peso relativo. Para os advérbios de
2 a 4 sílabas, há uma queda do índice de anteposição, com 52% de freqüência e .35 de peso
relativo, resultado esse que corresponde às expectativas em relação à variável em análise. Os
advérbios de 5 a 8 sílabas apresentam 62% de anteposição, um índice maior se comparado ao
encontrado para os advérbios de 2 a 4 sílabas; os advérbios de mais de 9 sílabas, apesar de
escassos, apresentam 50% de anteposição. Os resultados para os advérbios têm de ser
relativizados, já que o número de dados é pequeno e também porque a influência do número de
sílabas na ordenação de advérbio sofre restrições do próprio item lexical.
Os resultados para os sintagmas preposicionais temporais nos Documentos de Circulação
Privada são os mais regulares, se comparados aos demais resultados para o fator extensão. Os
Spreps temporais, nos Documentos de Circulação Privada, confirmam a hipótese levantada para
esse fator condicionante: os sintagmas mais leves têm a anteposição ao verbo como o valor não
marcado e os sintagmas preposicionais maiores apresentam fortes restrições para as posições pré-
verbais, como mostram os índices expostos na tabela 8: os sintagmas preposicionais de 2 a 4
sílabas apresentam 65% de anteposição. Os pesos relativos acompanham essa tendência, com
uma média de .62. Há uma queda no favorecimento da anteposição para os Spreps temporais de 5
a 8 sílabas (54%), tendência acompanhada pelos pesos relativos (.52). Observa-se a queda no
92
favorecimento da anteposição também nos sintagmas preposicionais de mais de 9 sílabas, que
apresentam um índice percentual de 46% de anteposição. Os pesos relativos, contudo, não se
mostram tão regulares, já que o índice está em .25.
Embora não tenha sido selecionado para nenhum conjunto de circunstanciais locativos,
razão pela qual nos restringimos às freqüências, o efeito do parâmetro extensão sobre a ordenação
dos locativos nos permite constatar que se delineia uma tendência de fixação de ordem desses
constituintes, o que se comprova na tabela a seguir.
Tabela 9 – Posposição do Circunstancial Locativo e Extensão
Cartas de Comércio
(XVIII)
Documentos de Circulação
Privada
(XIX)
Número de Sílabas
Advérbios
Apl/T
SPreps
Apl/T
Advérbios
Apl/T
SPreps
Apl/T
1 sílaba 3/8 = 37%
------ 1/5 = 20%
------
2 a 4 sílabas 1/17 = 5%
33/46 = 71%
8/16 = 50%
20/31 = 64%
5 a 8 sílabas 0/1 = 0% 41/53 = 77%
1/2 = 50% 30/40 = 75%
9 ou mais silabas -------- 17/21 = 80%
1/1 = 100% 11/15 = 73%
Ao observarmos os resultados da tabela 9, percebemos alguns resultados que conflitam
com a hipótese considerada. Tomemos, incialmente, os advérbios nas Cartas de Comércio: os
resultados mostram que os advérbios monossilábicos se apresentam muito mais pospostos ao SV
do que os demais advérbios locativos, com 37% de freqüência. O que pode contribuir para essa
93
“distorção” dos resultados é que, necessariamente, as formas monossilábicas se restringem aos
advérbios e que apresentam, nas duas amostras analisadas, um comportamento bastante
particular, como mostramos no capítulo anterior.
Com relação aos demais casos, observas-se que os advérbios locativos de 2 a 4 sílabas e
os de 5 a 8 sílabas apresentam índices percentuais muito baixos de posposição (5% e 0%,
respectivamente). Para os advérbios de 2 a 4 sílabas, há de considerar que se tratam
majoritariamente da proforma aqui, que apresenta padrões de ordenação bem particulares, como
mostramos no capítulo quatro.
Para os advérbios locativos nos Documentos de Circulação Privada, podemos observar
uma espécie de continuum: as freqüências favoráveis à anteposição crescem a medida que
aumenta o número de sílabas do advérbio. Vale observar ainda que há uma neutralização nos
valores para os advérbios de 2 a 4 sílabas e os de 5 a 8 sílabas: índice percentual de 50%. Os
circunstanciais maiores (9 ou mais sílabas),que apresenta apenas um dado, está categoricamente
posposto.
Os sintagmas preposicionais locativos, por seu turno, não se mostram sensíveis à atuação
de um gradiente de extensão, o que pode ser verificado nos dois corpora analisados. Verifica-se,
para os Spreps locativos, uma oposição entre os circunstanciais maiores e os circunstanciais
menores. Comparando os resultados das duas categorias dêiticas consideradas, podemos notar
que os circunstanciais temporais se mostram, no geral, mais sensíveis ao condicionamento do
parâmetro extensão e que a posposição dos circunstanciais locativos está de tal forma
estabelecida como o padrão não marcado que os fatores que poderiam atuar na restrição do
padrão não marcado não conseguem se impor.
As tendências aqui delineadas se emparelham, em alguns aspectos, às que foram
constatadas por Paiva et alii (2004) e Brasil (2005) para a língua falada e língua escrita
94
contemporânea respectivamente, o que mostra que o parâmetro extensão atua de forma similar no
português contemporâneo e em estágios anteriores da língua portuguesa. Os trabalhos citados
apontam que os índices de anteposição diminuem na medida em que aumenta a extensão do
constituinte temporal e que, entre os circunstanciais locativos, há uma distinção no
comportamento dos circunstanciais menores e os constituintes locativos maiores. Os trabalhos
considerados mostram que, de forma diferente dos temporais, os locativos parecem estar sujeitos
a maiores restrições sintáticas, o que também foi comprovado nesta pesquisa.
Uma questão relevante que se refere ao subprincípio da Quantidade e que não foi
considerada nesta seção diz respeito à função desse princípio na forma de organização do
discurso. Desta forma, quanto mais nova e discursivamente relevante for a informação para o
discurso, maior quantidade de material fonético será necessária para codificá-la e quanto mais
extenso for o material utilizado para a codificação de uma informação, maior a probabilidade de
esse constituinte transmitir informação nova e de se situar na parte final da sentença.
Demonstraremos, em seções posteriores, de que forma se correlacionam o papel do circunstancial
na organização do discurso e sua disposição sintagmática na oração. É relevante destacar ainda
que o subprincípio da Quantidade também possui uma contraparte cognitiva, pois a ocorrência de
advérbios ou Spreps de maior peso em posições mediais da oração pode influenciar no
processamento e quebrar a coesão entre o verbo e os argumentos a ele subjacentes.
O parâmetro extensão está associado, ainda que em parte, na tendência de os
circunstanciais se apresentarem em forma de cadeias, isto é, em seqüências em que se alinham
mais de um adjunto adverbial. Pode ocorrer a seqüenciação de dois ou mais circunstanciais da
mesma categoria semântica ou de categorias semânticas distintas, especialmente em posições
periféricas ao SV. Essa possibilidade já foi discutida por Paiva (2003), em um estudo onde é
focalizado o encadeamento de circunstanciais locativos na modalidade oral. Em construções
95
formadas pela seqüência pro-forma locativa + Sprep, a autora aponta que a pro-forma estabelece
a conexão entre as partes do discurso e o Sprep atua na especificação dêitica locativa, ocorrendo,
deste modo, uma dissociação entre a foricidade e a dêixis,
com a proforma estabelecendo a relação entre as partes do discurso e o sintagma
preposicional provendo a especificação dêitica locativa. Essa dissociação seria
decorrente da subespecificação referencial das proformas adverbiais que fornecem
apenas uma indicação locativa imprecisa dos estados de coisas descritos na
predicação, exigindo, assim, a presença de constituintes suceptíveis de prover
indicação mais precisa. (op. cit: 134)
Neste trabalho, foram consideradas as seguintes possibilidades de seqüênciação temporal
e locativa:
A – Circunstancial Isolado
(33) Logo Ceucompadre deo ordem a Carregalo
(Cartas de Comércio, BNL - mss. 224/94 – 31/05/1798)
B – Seqüência de dois circunstanciais da mesma classe semântica
(34) os Frades Menino JESUS, eogrande Tondella foraõ por ordem daSua Alteza Real expul= |
dos desta para essa Cidade
(Documentos de Circulação Privada, 01/09/1822)
C – Seqüência de dois circunstanciais de classe semântica distinta
(35) o Coronel | Francisco Ignacio vendeo agora em Santos setenta, etantas caixas para
car=regarse hum Navio.
(Documentos de Circulação Privada, 14/01/1822)
D – Seqüência de mais de dois circunstanciais
(36) esta | novidade
fez Rebentar a Bernarda premeditada amuito tempo por m eia du= | zia de
facciozos, os quais mandaraõ tocar aRebate por todas as Ruas da Cidade | no dia 3 as quatro
oras datarde
(Documentos de Circulação Privada, 28/05/1822)
96
Conforme discutiu Paiva (2003), na maioria dos casos, os dois constituintes adverbiais da
mesma classe semântica formam um todo indissolúvel, o que acarreta um aumento considerável
do peso fonológico do adjunto. Assim, pode-se esperar que as seqüências de circunstanciais
sofram maiores restrições de posição, por razões impostas pelo princípio de coesão Verbo-Objeto
e pelo subprincípio da Quantidade. Vale ressaltar ainda que os circunstanciais que se encadeiam
constituem, em maioria, elementos que atuam na indicação precisa de uma coordenada locativa
ou temporal, provendo uma máxima especificação acerca do lugar ou momento em que ocorre o
evento.
Se a seqüência de circunstanciais necessariamente acarreta um aumento do peso
fonológico do adjunto adverbial, pode-se esperar que as cadeias constituídas de dois ou mais
circunstanciais estejam mais propensas a aterrissarem na periferia direita da sentença, no final da
oração, diferentemente do que ocorre com um circunstancial simples. Apesar do número reduzido
de seqüências nas amostras examinadas, as freqüências confirmam em parte as expectativas.
Entretanto, os resultados não se mostraram estatisticamente relevantes para os temporais e
locativos na análise multivariacional, razão pela qual nos restringimos apenas na apresentação
dos índices percentuais.
97
Tabela 10 – Seqüenciação e Posposição dos Circunstanciais Locativos
Cartas de Comércio
(XVIII)
Documentos de Circulação
Privada
(XIX)
Tipo de
Sequenciação
Advérbios SPreps Advérbios SPreps
Circunstancial
Isolado
4/30 = 13% 84/138 = 60% 10/22 = 45% 53/76 = 69%
2 circunstanciais da
mesma categoria
semântica
-
6/6 = 100%
-
3/5 = 60%
2 circunstanciais de
categorias
semânticas distintas
-
5/6 = 83%
1/2 = 50%
5/5 = 100%
A distribuição dos dados na tabela 10, ainda que irregular, corrobora a atuação do
condicionamento extensão na posposição dos circunstanciais locativos. Observa-se que, para os
Spreps nas Cartas de Comércio, a seqüência de dois circunstanciais da mesma categoria
semântica apresenta resultados categóricos. Os Spreps nos Documentos de Circulação Privada,
para o mesmo fator considerado (dois circunstanciais da mesma classe), apresentam uma maior
variação, ainda que a posposição ao SV seja o valor não marcado. Com relação à seqüência de
dois circunstanciais de categorias semânticas distintas, também se pode observar altos índices
para a posposição ao núcleo verbal: nas Cartas de Comércio, os Spreps de categorias distintas
ainda apresentam uma pequena margem de variação (83%), enquanto que nos Documentos de
Circulação Privada os resultados são categóricos. Todavia, esses resultados não podem ser
tomados como conclusivos, pois a distribuição irregular dos dados pode mascarar outros efeitos
que não podem ser controlados em um número tão reduzido de elementos.
O grupo sequenciação de circunstanciais também não se mostrou relevante para os
circunstanciais temporais. No entanto, seus resultados serão considerados para podermos
98
verificar se há regularidades para as duas categorias dêiticas no tocante a influência da variável
em questão.
Tabela 11 – Seqüenciação e Anteposição dos Circunstanciais Temporais
Cartas de Comércio
(XVIII)
Documentos de Circulação
Privada
Tipo de
Sequenciação
Advérbios SPreps Advérbios SPreps
Circunstancial
Isolado
39/56 = 69%
29/59 = 49%
50/83 = 60%
39/63 = 61%
2 circunstanciais da
mesma categoria
semântica
3/4 = 75%
4/8 = 50%
4/4 = 100%
1/2 = 50%
2 circunstanciais de
categorias
semânticas distintas
2/4 = 50%
0/13 = 0%
7/11 = 63%
3/10 = 30%
mais de 2
circunstanciais de
categorias
semânticas distintas
-
-
-
0/2 = 0%
Para os circunstanciais temporais, a tabela 11 mostra que não há correlações claras entre a
sequenciação e a anteposição do circunstacial temporal. Para os advérbios temporais nas Cartas
de Comércio, observamos que não há diferenças significativas de anteposição entre os itens
isolados e as seqüências de dois circunstanciais da mesma categoria semântica, com 69% e 75%
de freqüência, respectivamente. Há diferenças entre esses dois fatores e a seqüência de dois
circunstanciais de categorias semânticas distintas, que apresentam um menor índice de
anteposição (50%) se comparado aos demais. Os Spreps temporais nas Cartas de Comércio
também não mostram correlações nítidas: não há diferenças no índice de anteposição entre os
Spreps isolados e os que se apresentam em uma cadeia com outro elemento de mesma categoria
semântica, com 49% e 50% de anteposição, respectivamente. Há diferenças entre esses dois
99
fatores e a seqüência de dois circunstanciais de categorias semânticas distintas, já que estes estão
categoricamente pospostos.
5.2-Aspectos Discursivos
5.2.1- Função discursiva do circunstancial
O falante/escritor, ao organizar seu discurso, procura, na maioria das vezes, facilitar a
compreensão do seu texto pelo destinatário, a fim de colaborar no processamento da mensagem
por parte daquele que a recebe.
Assim, todo o texto deve estar estruturado de forma a manter a sua continuidade. Mudanças no
plano discursivo, mudanças no tópico ou quebras na transmissão da informação devem ser
sinalizadas, a fim de propiciar processamento mais rápido da informação.
Givón (1983 apud Paiva, 2002) entende a continuidade em três dimensões: a continuidade
referencial (a construção do discurso em torno de determinado (s) referente(s)), continuidade
espacial e continuidade temporal. Entende-se que a forma não marcada de organização do
discurso envolve a continuidade do referente, do espaço do tempo. Marcas lingüísticas devem
assinalar infrações ao princípio de continuidade.
Em análises funcionais da ordem dos constituintes, tem sido observado que os
circunstanciais, em especial os temporais e locativos, atuam como um recurso freqüente para o
gerenciamento da informação no discurso, seja ao manter a coesão e a coerência entre as partes
do texto, seja ao marcar as fronteiras discursivas, sinalizando a transição entre tópicos e
subtópicos distintos (Cf. Paiva, 2004; Shaer, 2004). Outros recursos, como os sinais de
pontuação e as expressões referenciais indefinidas, também podem desempenhar esse papel de
gerenciador de informação.
100
Uma análise mais apurada do papel dos circunstanciais na macro-organização discursiva
permite identificar de que forma as funções discursivo-pragmáticas dos circunstanciais impõem
restrições à variabilidade sintagmática dos advérbios e sintagmas preposicionais locativos e
temporais. Paiva (2002, no prelo a, b) propôs um conjunto de funções que os constituintes
circunstanciais podem desempenhar na organização do discurso. Essas funções, testadas em
corpora de entrevistas e textos jornalísticos contemporâneos, serão aplicadas nossos dados, para
verificarmos se as restrições discursivas que atuam na ordenação dos circunstanciais em textos
falados e escritos atuais já se mostravam relevantes em amostras de textos de sincronias
passadas.
Uma primeira função, talvez a mais básica desses elementos, é a de introduzir a
circunstanciação locativa ou temporal de um estado de coisas no interior do subtópico, isto é, os
circunstanciais determinam as coordenadas dêiticas a partir do ponto de referência do aqui-agora
do falante, como mostra o exemplo a seguir:
(37) Ante ontem se fizeraõ nesta Cidade as elleiçoens dos Deputados de Cortes, e | Governo
Provincial; seguio esta elleição o curso da elleição dos Elleitores Sapa= | toens; Secenta, etantas
pessoas obtiveraõ votos para Deputados deCortes, que abun= | dancia de luzes cobrem aos
Paulistas! entre elles foraõ nomeados o Bag uá, | Manoel Lopes, os tres irmaos Vazes e sic de
ceteris; Padre Frei Antonio Carlos ape= | nas teve 12 votos! Para a prezidencia do governo teve
D. Luis secenta, e tan= | tos votos, Joaõ Carlos 20; Miguel Joze, Francisco Ignacio, Muller
tiveraõ | muitos votos para Membros do governo, e ovelho Coronel Luis Antonio Neves teve
bastastes para Secretario.
(Documentos de Circulação Privada, 01/09/1822)
Uma outra função, em parte associada à vista anteriormente, é o caráter anafórico de
certas expressões circunstanciais, que funcionam como uma espécie de “âncora” entre um ponto
determinado do discurso e o discurso precedente, mantendo a coerência. Ao mesmo tempo em
que colaboram para a coerência textual, os circunstanciais com função anafórica também
auxiliam na manutenção do tópico discursivo, o que mostra que a função prototípica dos
101
circunstanciais é a de situar no espaço e no tempo um determinado estado de coisas descrito pelo
verbo, como aponta o exemplo seguinte:
(38) equando eu foi ao Portto não pençei que dali embarceçe para esta. esim tornar para esa e
dahi embarcar porem suçedeo o Contrario, por Cuja Rezam eu não diçe avossa merce a Deos…
(Cartas de Comércio, BNL - mss.224/40 - 10/11/1793)
Outra possibilidade de função discursiva dos circunstanciais levantada nesse trabalho é o
papel que esses elementos podem desempenhar na delimitação de planos discursivos distintos,
marcando transições de uma forma de discurso a outra, conforme o exemplo que se segue:
(39 ) em o Navio Triumfo carregou, cujo chegou asalvamento a este Porto em 4 do prezente com
42 dias de viagem - e tratei logo deprincipiar aSua descarga com toda a deligencia afim de se
venderem os generos que nelle vinhão por bom dinheiro, pela certeza que nos davão da demora
do Comboy; mas o meo Coração me dictava aque vendesse,que estando eu aquerer vender tudo o
que erão mantimentos excepto Vinhos,Vinagres, e Azeites com 40 por Cento estando eu já
determinado athea dallo com 50 por cento a tempo que se ouve hua’ vóz dizendo vem Na vio -
em fim meo Amigo foi o mesmo que deitar agoa na fervura
(Cartas de Comércio, BNL – mss 224/107 - 11/02/1798)
Além das possibilidades descritas acima, os circunstanciais temporais e locativos ainda
podem demarcar pontos distintos em um continuum temporal ou locativo, sinalizando a
ocorrência de diversos eventos implicados entre si no interior do subtópico, como aponta o
fragmento a seguir:
(40) Amigo eSenhor
nodia primeiro de Julho cheguei aesta terra, enodia 4 dodito falei
aoCastelão, e lhe ofreci o Navio para carregar o que tivesse de[ll]e, elle medisse que sim, mas
como levantarão os fretes, elle foi oCabessa dehuma porção que seonirão para não carregar nada
neste Comboio, emedisse não mandava nada deConta de vossa merce, eu instei que elle devia
Carregar, eque depois eu lhe não poderia Receber, Respondeume que me não importasse, pois
que elle só era o Responsavel para com vossa merce de fazer ou não Remessas; porem nodia 22
do prezente Recebeu cartas pelo Correio Maritimo, e mefala dizendome que quer Carregar,
respondilhe que ja era tarde mas que veria avolta que sepoderia dar, edepois mepede que lhe
102
guarde lugar no Navio em the chigar do Pará para então Carregar, proposta esta que não tem
lugar, ecomo elle sabe avontade que eu tenho de Servir a vossa merce , anda jogando o Jogo do
empura, epor fim não Carrega nadapor sua Culpa ; he o que posso informar avossa merce
Respeito aCastel[a-] .( Cartas de Comércio, BNL – mss. 224/37 – 25/08/1798)
Além das funções citadas anteriormente, o circunstancial pode atuar na segmentação
discursiva, assinalando a mudança no sub-tópico discursivo, introduzindo no texto um novo
tema a ser discutido, como mostra o fragmento a seguir, em que o locutor critica a política
predominante na cidade de São Paulo, afirmando que vai se retirar da cidade e, logo em seguida,
enumera as coisas que vai remeter a seu detinatário:
(41) Desde o dia 3 naõ voltei mais ao Governo | enem pertendo por Lá mais os pes, doque
participei para o Rio | por hum proprio, ena ultima oitava do Espirito Santo .retirome para a
Xachara, onde amais de 2 mezes naõ ponho os | pes, chorando, elamentando aDemocratia, aque
está esta Cidade | reduzida. Naõ ha em toda aCidade cobre defolha, epor | isso naõ Remeto para
oConserto dos taxos. Remeto esses papeis, que | me vieraõ do Rio, e depois deos veres Remeteos
ao Coronel Francisco | Correa de Morais, que éssa he a ordem, que tive do Morais.
(Documentos de Circulação Privada, 28/05/1822)
O circunstancial também pode vir acompanhado de um elemento lingüístico que lhe
confira destaque, focalizando a coordenada temporal ou locativa, como mostra o fragmento
seguinte, em que o circunstancial temporal é posto em destaque em uma construção de clivagem:
(42) he agora que vou lançar mão deste generozoofferecimento pedindoCarta deprotecção para
oExceletíssimo Ministro deEstado.
(Documentos de Circulação Privada, 1820)
Os circunstanciais podem também, além das funções enumeradas, establecer uma relação
de contraste, contrapondo com uma referência já mencionada no discurso. Observe que, no
exemplo a seguir, o circunstancial parece cumprir uma função limítrofe entre a referenciação
dêitica e a articulação contrastiva do discurso:
(43) V. S.
a
apareceo neste mundo debaixo como [hum] | meteoro; pois quando soube quesetinha
mostrado neste | horizonte, ja tinha desaparecido, oque muito senti | por que lhe queria dar hum
abraço amigavel. Agora não vou dar abraços; vou pedir-lhe hum favor, | oque sem preámbulo,
103
que queira dispensar do | serviço do regimento a Francisco Joze de Sousa, Trombeta | da 4.
a
companhia, pelo ter apostado na minha Fa | zenda de Monserrate, e me ser ali m.to preciso.
(Documentos de Circulação Privada, 17/09/1820)
Dadas as características específicas de cada corpus, fica evidente a distribuição irregular
dos dados por células. Nem todas as funções foram encontradas em todos os materiais. Por essa
razão, vale sempre destacar que os resultados não podem ser tomados como conclusivos, mas
sim como indicações de tendências possíveis.
Os resultados depreendidos na análise multivariacional permitem demonstrar de que
forma a função do circunstancial na macro-estrutura discursiva influi na posição desses
constituintes na sentença. Os resultados levam em consideração não só as categorias semânticas
(tempo e espaço), como também o tipo morfológico do circunstancial (advérbios e SPreps). Para
os locativos, esse grupo de fator condicionador foi selecionado apenas para os sintagmas
preposicionais, nos dois corpora considerados. Os circunstanciais temporais não se mostraram
estatisticamente sensíveis ao condicionamento função discursiva. No entanto, mantendo o
procedimento tomado na discussão dos resultados de outros fatores, optamos por discutir os
resultados percentuais depreendidos no conjunto de dados que mostrou indiferente à analise
multivariacional, com o propósito de compreender as regularidades. A tabela 12 aponta os
resultados para a posposição dos circunstanciais locativos.
104
Tabela 12 – Posposição do Circunstancial Locativo e Função Discursiva
Cartas de Comércio
(XVIII)
Documentos de Circulação
Privada
(XIX)
Função Discursiva
Advérbios SPreps
InPut: 0,775
Sig: 0,000
Advérbios SPreps
InPut:0,671
Sig: 0,009
Especificação de
coordenadas dêiticas
2/24 = 8%
(.44)
4
79/95 =
83%
.59
7/14 = 50%
(.53)
51/78 =
78%
.58
Retomada Anafórica 2/6 = 33%
(.74)
11/24 =
45%
.18
1/5 = 20%
(.41)
7/17 = 41%
.22
Introdução de um novo
tópico no discurso
----- 1/1 = 100% ----- 1/1 = 100%
Demarcação de pontos em
uma seqüência locativa
------ ------ ----- ------
Focalização de uma
coordenada espacial
------ ------ ----- ------
Introdução de um contraste
locativo
------ ------ ----- ------
Mudança no plano
discursivo
0/1 = 0% ------ ----- 1/1 = 100%
Apesar de não selecionados, os resultados da tabela 12 fornecem indicações sobre o
comportamento peculiar dos advérbios locativos, sobretudo para os dados das Cartas de
Comércio. Mantendo-se sempre a ressalva sobre a questão do número de dados e a respectiva
distribuição desses por células, pode-se observar que os advérbios locativos tendem a infringir a
ordem não marcada depreendida para essa classe semântica, a posposição ao verbo, em um
contexto particular: a especificação de coordenadas dêiticas. Nos dados das Cartas de Comércio,
observa-se que os advérbios que se situam em pontos onde não há mudança de tópico discursivo,
4
Os pesos relativos entre parênteses, que não foram selecionados pelo programa estatístico, foram extraídos da
primeira rodada do step down.
105
isto é, itens que provêem a localização do evento no espaço, apresentam um baixo índice de
posposição, 8%. Os pesos relativos não acompanham essa tendência, já apresenta um índice (.44)
bastante distante da freqüência percentual. O pouco número de dados ou a predominância dos
dados em uma só função pode estar por trás dessa discrepância.
A expectativa de que os advérbios que recuperam anaforicamente uma referência espacial
estejam antepostos ao verbo, preferencialmente na margem esquerda, parece se confirmar, já que
o índice de posposição dos advérbios que desempenham essa função é de 33%, sendo, portanto, a
anteposição dos advérbios anafóricos o valor não marcado mais freqüente. Mais uma vez o
coeficiente probabilístico não acompanha os índices percentuais: .74 de peso relativo. O baixo
número de dados e questões relativas ao significado do advérbio podem estar em jogo na
tendência de ordenação desses constituintes. A função que sinaliza a mudança no plano
discursivo apresenta apenas um dado, anteposto ao verbo.
Os dados de advérbios locativos nos Documentos de Circulação Privada parecem
responder às expectativas postas nesta variável independente. Os advérbios locativos que
estabelecem especificação de coordenadas dêiticas, localizando um evento no interior do
subtópico, apresentam 50% de ocorrências e .53 de peso relativo em posições posteriores ao
núcleo verbal. Nota-se um equilíbrio maior entre as posições antepostas e pospostas nesta função
nos dados dos Documentos de Circulação Privada. Os advérbios locativos que estabelecem
retomada anafórica apresentam um índice relativamente menor de posposição (20%) se
comparado ao índice estabelecido na função anterior. O peso relativo não acompanha essa
tendência, com índice de .41. É evidente que número pequeno de dados pode mascarar os
resultados.
Entre os sintagmas preposicionais que codificam espaço, observam-se correlações
sistemáticas nos dois corpora: as posições pós-verbais são amplamente favorecidas, a exceção de
106
funções mais discursivamente marcadas. A posposição é o valor não marcado quando o Sprep
locativo, tanto nas Cartas de Comércio quanto nos Documentos de Circulação Privada,
estabelece a especificação de uma coordenada locativa no interior do subtópico, com 83% de
freqüência e .59 de peso relativo nas Cartas de Comércio e 78% de freência e .58 de peso
relativo nos Documentos de Circulação Privada.
Há uma queda significativa nos índices de posposição em contextos de retomada
anafórica, com 45% de freqüência e .18 de peso relativo nas Cartas de Comércio e 20% de
ocorrências .22 de peso relativo nos Documentos de Circulação Privada. Observa-se que, para os
Spreps, o comportamento é sistemático, independentemente da amostra.
Os materiais analisados tamm se alinham, em termos percentuais, no que diz respeito
ao comportamento dos Spreps que demarcam um novo tópico no discurso: a posposição é o valor
não marcado, categórico. É evidente que este resultado não pode ser tomado como conclusivo, já
que há apenas um dado nas Cartas de Comércio, situação que se repete nos Documentos de
Circulação Privada. Os SPreps que sinalizam mudança no plano discursivo também apresentam
um padrão de acordo com os encontrados para a os circunstanciais locativos: apesar de termos
apenas um dado em somente uma das amostras, os Documentos de Circulação Privada, este se
apresenta posposto ao verbo.
Embora esse grupo de fatores não tenha sido selecionado para os circunstanciais
temporais, optou-se por apresentar seus resultados percentuais, com intuito de depreender
algumas diferenças no comportamento de advérbios e Spreps.
107
Tabela 13 - Anteposição do Circunstancial Temporal e Função Discursiva
Cartas de Comércio
(XVIII)
Documentos de Circulação
Privada
(XIX)
Função Discursiva
Advérbios SPreps Advérbios SPreps
Especificação de
coordenadas dêiticas
43/62 =
69%
21/64 =
32%
57/92 =
61%
33/68 =
50%
Retomada Anafórica 1/1 = 100% 7/13 = 53%
1/1 = 100% 4/5 = 80%
Introdução de um novo
tópico no discurso
0/1 = 0% - 0/2 = 0% 1/1 = 100%
Demarcação de pontos em
uma seqüência temporal
- 4/4 = 100% - -
Focalização de uma
coordenada temporal
- 1/1 = 100% 2/2 = 100% 1/1 = 100%
Introdução de um contraste
temporal
- - 1/1 = 100% -
Os resultados da tabela 13 apresentam um comportamento bastante regular para
advérbios e Spreps nas duas amostras consideradas. É relevante observar que a função em que se
encontra uma variabilidade mais acentuada dos circunstanciais temporais é no contexto de
especificação de coordenadas temporais. O único caso em que há infração a ordem não marcada
nessa função é nos SPreps das Cartas de Comércio, que apresentam um índice percentual para a
anteposição relativamente mais baixo, se comparados aos demais nessa mesma função discursiva
(32% das ocorrências).
Os circunstanciais temporais que estabelecem uma retomada anafórica podem ser
divididos em dois grupos: os advérbios, nos dois corpora analisados, se apresentam
categoricamente antepostos, enquanto os SPreps apresentam variação, muito mais incisiva nas
Cartas de Comércio, com 53% das ocorrências. Nos Documentos de Circulação Privada,
108
contudo, a anteposição é nitidamente a ordem não marcada de ordenação dos SPreps, com uma
freqüência de 80% .
Os circunstanciais que introduzem um novo tópico no discurso também podem ser
divididos em dois grupos: apesar do reduzido número de dados, nota-se que nas duas amostras os
advérbios apresentam um padrão não marcado que foge ao identificado para os circunstanciais
temporais nos corpora analisados: a posposição é o valor categórico. Os Spreps que
desempenham essa função, encontrados apenas nos Documentos de Circulação Privada, se
mostram categoricamente antepostos. Uma possível explicação para essa diferença de
comportamento dos advérbios pode estar no item lexical em consideração, o que já foi explicado
no capítulo 4.
Com relação às outras funções discursivas (demarcação de pontos em um continuum,
focalização de coordenada temporal e contraste) podemos notar que, apesar da má distribuição
dos dados, a anteposição se confirma como valor categórico, o que vem a confirmar a
expectativa de que em funções mais discursivamente marcadas a anteposição do circunstancial
ao verbo se confirme como o padrão não marcado de ordenação. Todavia, há sempre a ressalva
do pouco número de dados. Conclusões mais definitivas necessariamente implicariam a análise
de um volume maior de dados.
Uma comparação entre as funções que os circunstanciais desempenham no discurso e os
padrões de ordenação depreendidos para os locativos e temporais confirmam, pelo menos em
parte, a expectativa de que as especificidades de cada classe semântica atuam não só nas
tendências preferenciais de distribuição sintagmática como também restringem as possibilidades
de variação. Notamos que, de certa forma, os circunstanciais locativos são menos sensíveis às
pressões impostas pelos condicionamentos discursivos no que diz respeito às tendências de
ordenação. Os temporais, com exceção de casos localizados, estão mais sujeitos às pressões
109
oriundas das formas de organização do discurso, com ênfase em contextos discursivos mais
marcados, como nas funções de demarcação de pontos em um continuum, focalização de
coordenada temporal e contraste.
Os resultados aqui apresentados estão de acordo aos encontrados por Paiva (no prelo) em
amostras de língua falada. A autora observa que os índices de anteposição dos circunstanciais
temporais variam significativamente a depender da função que esses elementos desempenham na
organização do discurso. As funções discursivas mais proeminentes apresentam altos índices de
anteposição dos circunstanciais temporais, enquanto os circunstanciais que cumprem um papel
mais interno na oração, especificando coordenadas temporais, apresentam uma variabilidade
maior, o que corresponde ao encontrado neste trabalho.
Os locativos, por outro lado, só se apresentam antepostos ao verbo em contextos
específicos, mais estritamente em funções como contraste e focalização de coordenada locativa.
Para os locativos, não conseguimos traçar um paralelo entre os resultados da autora e os
encontrados nessa pesquisa, já que os dados de circunstanciais locativos predominam nas
funções de especificação de coordenada dêitica e retomada anafórica, com baixíssima incidência
nas demais funções consideradas.
Retomando as considerações acerca dos nossos resultados, a competição entre restrições
de natureza sintática e pressões discursivas pode estar por trás deste comportamento particular
dos circunstanciais locativos: a forte tendência dos locativos a aterrissarem em posições pós-
verbais pode ser conseqüência da ação do princípio de coesão verbo-objeto, que impõe restrições
à variabilidade dos locativos argumentais (Tomlin, 1986 apud Paiva, no prelo). As restrições de
mobilidade dos locativos argumentais podem ter se generalizado para os locativos adjuntos,
“impulsionando uma tendência à posposição, que opera independentemente da ação de
determinados princípios discursivos” (Paiva, no prelo).
110
5.3 - Forma de realização do sujeito da oração
A forma de realização do sujeito da oração, um critério de natureza sintática, não se
mostrou estatisticamente relevante para as categorias semânticas de circunstanciais analisados –
tempo e espaço, em nenhum dos corpora considerados. No entanto, seus resultados percentuais
serão discutidos, pois as amostras utilizadas são reflexo de um período em que, lingüisticamente,
ocorrem mudanças significativas entre as variantes européia e brasileira do português (Cf. Duarte,
1993, 1995). Os textos que compõem a amostra deste trabalho – as Cartas de Comércio e os
Documentos de Circulação Privada – são representativos da heterogeneidade social que imperava
na comunidade brasileira nos fins do século XVIII e início do século XIX, quando brasileiros e
portugueses mantinham um intenso contato. Um dos aspectos constantemente retomados para
exemplificar as diferenças entre as duas variedades diz respeito justamente à forma de realização
do sujeito.
Em uma análise que verifica a forma de realização do sujeito pronominal, Duarte (1993)
observa que o português do Brasil apresenta índices de preenchimento do sujeito bastante
superiores aos apresentados pelas línguas românicas de sujeito nulo, como o espanhol, o italiano
e a variedade européia do português. A partir desse trabalho, formulamos a hipótese de que em
todos os contextos em que a posição do sujeito está vazia – seja pela não realização, a posposição
ou deslocamento do sujeito para a margem direita da oração – favoreceria a ocorrência de
adjuntos do SV, como os circunstanciais temporais e locativos, na periferia esquerda da sentença.
De certa forma, a correlação entre a posição dos circunstanciais temporais e locativos e a forma
de realização do sujeito da oração já transpareceu no capítulo 4, onde são analisadas as diversas
possibilidades estruturais decorrentes das posições que os circunstanciais ocupam na sentença.
111
Essa hipótese já fora levantada em trabalhos como os de Kato e Nascimento (2002:195), que
mostram que “se o sujeito é nulo, o preenchedor pode ser predito como um adjunto”. Rocha
(2001:113) também concorda com essa posição, pois afirma que “a ausência de argumento
concorre para propiciar a presença de preenchedores
5
”.
Entretanto, trabalhos recentes apresentam evidências contrárias a essa hipótese. Duarte
(2003:121), em um estudo que compara amostras da fala carioca dos anos 80 e dos anos 90,
atesta que a ocorrência “de elementos adjuntos ao sujeito, sejam eles resultados de topicalizações,
sejam eles adjuntos adverbiais, favorece a expressão plena do sujeito pronominal”.
Para verificar de que forma se dá a correlação entre a realização do sujeito e a posição dos
circunstanciais temporais e locativos em textos escritos dos fins do século XVIII e do século
XIX, foi feito um controle das possibilidades exemplificadas a seguir.
A – Sujeito expresso anteposto ao verbo
(44) eu
NaRainha de Nantez estou Carregando humas Pipas deAgoardente tão bem lhe heide
Remeter alguma para aCabar deaJustar a Conta das 2 Letras, que são a de Manoel Duarte Silva e
a do Francisco Xavier
(Cartas de Comércio, BNL - mss. 224/103 – 29/01/1794)
B – Sujeito expresso posposto ao verbo
(45) O dia 27 de Janeiro foi omais assignalado, e aprazivel a toda | esta Provinica, por que nelle
chegou nesta cidade o Decretto da promo= | çaõ de V Exa ao emprego de Ministro, e
Secretario de Estado dos | Negocios do reino, e Estrangeiros
(Documentos de Circulação Privada, 14/04/1817)
5
Entretanto, Rocha (op.cit.) considera como preenchedores outros elementos lingüísticos além dos adjuntos, como
os marcadores discursivos.
112
C – Sujeito não expresso com referência definida (sujeito oculto)
(46)
e como se acabou opapel __ nada mais digo por ora o que__ farei em outra occazião.
(Documentos de Circulação Privada, 30/07/1835)
D – Sujeito indeterminado
(47) tem sido a mahor dezordem que setem visto nabahia
(Cartas de Comércio, BNL - mss. 224/94 - 31/05/1798)
E – Orações sem sujeito
(48) espero Vossa Mercê Reçeba a Salvamento efaça todo obem que puder Elles lá lhea Signara
Conhecimento pois não há tempo de nada tudos Seestão fazendo aVella
(Cartas de Comércio, BNL -mss. 224/157 - 10/09/1793)
Os resultados percentuais sinalizam uma situação bastante diferenciada para os
circunstanciais locativos e os circunstanciais temporais. Apesar de não selecionados pelo
programa de análises estatísticas, optamos por considerar essa variável independente, com o
objetivo de demarcar as peculiaridades de cada classe semântica de circunstanciais no que diz
respeito a esse aspecto de caráter estrutural.
A tabela 14, que mostra os resultados para os circunstanciais locativos, aponta algumas
diferenças não só em função do tipo morfológico do circunstancial, como também em relação ao
corpus analisado.
113
Tabela 14 - Posposição do Circunstancial Locativo e Forma de Realização do Sujeito
Cartas de Comércio
(XVIII)
Documentos de Circulação
Privada
(XIX)
Advérbios SPreps Advérbios SPreps
Formas de
Realização do
Sujeito
Apl/T Apl/T Apl/T Apl/T
Sujeito expresso
anteposto ao verbo
2/4 = 50%
20/22 = 90%
3/4 = 75% 18/27 = 66%
Sujeito expresso
posposto ao verbo
1/5 = 20%
8/9 = 88%
0/1 = 0% 4/8 = 50%
Sujeito não expresso
com referência
definida
(sujeito oculto)
1/17 = 5%
56/81 = 69%
6/13 = 43%
34/42 = 80%
Indeterminação do
sujeito
0/1 = 0% 2/2 = 100% 2/4 = 50% 2/3 = 66%
(.40)
Oração sem sujeito 0/3 = 0% 5/6 = 83%
0/2 = 0% 3/6 = 50%
A interpretação dos resultados da tabela 14 tem que ser muito relativizada, em razão da
distribuição muito desequilibrada dos dados, o que faz com que algumas células, em especial a
dos advérbios, não apresentem um número muito confiável de ocorrências.
De um modo geral, o maior índice de posposição dos circunstanciais locativos está
associado às orações com o sujeito expresso anteposto ao SV, o que corresponde às expectativas
em relação a esta variável. Os únicos que fogem à tendência geral são os SPreps nos Documentos
de Circulação Privada, que apresentam o maior índice de posposição (80%) associados à
possibilidade de o sujeito estar elíptico, nas tradicionais orações com o sujeito oculto.
Duas explicações, que de certa forma se completam, podem justificar essa alta ocorrência
de SPreps pospostos em orações com o sujeito oculto, hipótese já levantada por Brasil (2005:139-
147), em dados de textos jornalísticos contemporâneos: a primeira diz respeito ao status
informacional dos constituintes da oração. O sujeito possui um caráter muito mais referencial do
114
que os adjuntos adverbiais. Por essa razão, apesar de a posição do sujeito estar livre, prefere-se
mantê-la vazia a ocupá-la com um elemento que possa vir a comprometer a cadeia referencial,
acarretando em dificuldades no processamento da informação. Outra justificativa para o alto
número de SPreps pospostos em orações com o sujeito elíptico é o fato de os sintagmas
preposicionais serem mais “pesados” foneticamente, o que favorece a posposição desses
constituintes, como foi mostrado na seção 5.1.1.
Os advérbios se mostraram mais sensíveis, nas duas amostras analisadas, a
condicionamentos oriundos do grau de referencialidade do sujeito não realizado foneticamente,
pois somente 5% desses constituintes se apresentam após o SV nas Cartas de Comércio e 43%
nos Documentos de Circulação Privada. Para os advérbios, o item lexical pode se mostrar
relevante na tendência de posposição, como mostramos no capítulo 4.
Diferenças marcantes podem ser percebidas quando se comparam advérbios e SPreps
locativos no que diz respeito às orações com o sujeito posposto. Os advérbios, por um lado,
apresentam baixos índices de posposição (20% nas Cartas de Comércio e 0% nos Documentos de
Circulação Privada), os SPreps, por outro, mostram índices favorecedores para a ordem não
marcada, em especial nas Cartas de Comércio (88% de posposição). Nos Documentos de
Circulação Privada, contudo, observamos uma grande variabilidade, com um índice de 50% .
Para as orações impessoais (ou sem sujeito, de acordo com a perspectiva da Gramática
Tradicional), os resultados não mostram uma correlação clara, dificultada pelo reduzido número
de dados. Todavia, os resultados evidenciam que a ausência do sujeito tende a favorecer a
anteposição dos advérbios, já que não há ocorrências de advérbios pospostos nas orações sem
sujeito. Ao que tudo indica, essa é uma tendência uniforme, pois os dois corpora mostram um
comportamento semelhante. Os SPreps, por sua vez, se mostram menos sujeitos ao caráter
restritivo das orações impessoais. Os altos índices de posposição dos SPreps, nas duas amostras
115
consideradas (83% nas Cartas de Comércio e 50% nos Documentos de Circulação Privada)
fogem à tendência encontrada para os advérbios.
Observe-se agora a tabela 15, que mostra a correlação entre a anteposição dos
circunstanciais temporais e a forma de realização do sujeito.
Tabela 15 - Anteposição do Circunstancial Temporal e Forma de Realização do Sujeito
Cartas de Comércio
(XVIII)
Documentos de Circulação
Privada
(XIX)
Advérbios Spreps Advérbios SPreps
Formas de
Realização do
Sujeito
Apl/T Apl/T Apl/T Apl/T
Sujeito expresso
anteposto ao verbo
14/20 = 70%
5/14 = 35%
17/30 = 56%
16/26 = 61%
Sujeito expresso
posposto ao verbo
3/5 = 60%
3/6 = 50%
8/12 = 66%
5/8 = 62%
Sujeito não expresso
com referência
definida
(sujeito oculto)
26/38 = 68%
23/57 = 40%
32/49 = 65%
29/39 = 51%
Indeterminação do
sujeito
- 0/3 = 0% 4/5 = 80% 2/4 = 50%
Oração sem sujeito 1/1 = 100% 2/2 = 100% 0/2 = 0% -
A partir dos resultados para as Cartas de Comércio, reitera-se o caráter bastante particular
das orações sem sujeito. Para os temporais, nesse corpus, o tipo de circunstancial é indiferente
quando se trata das orações impessoais, uma vez que os índices de anteposição são categóricos
tanto para os advérbios quanto para os SPreps. Nos Documentos de Circulação Privada, os
resultados são menos transparentes.
Ainda com relação aos resultados das Cartas de Comércio, advérbios e SPreps apresentam
tendências contrárias em orações com o sujeito expresso anteposto ao verbo e nas orações com o
116
sujeito não expresso com referência definida: em ambos os casos, os SPreps apresentam médias
mais baixas de anteposição, o que era de se esperar, por razões discutidas anteriormente. Os
sintagmas preposicionais, nas orações com o sujeito expresso antes do sintagma verbal
apresentam 35% de anteposição, o que confirma as expectativas postas na variável, já que a
posição do sujeito não se encontra vazia. Nas orações com o sujeito elíptico, o índice de
anteposição chega a 40%, o que vem a confirmar a tendência, já discutida, de que nas orações
com sujeito oculto há a preferência por não preencher essa posição, para não comprometer a
cadeia de referencialidade. Ainda vale ressaltar que, nesses casos, a anteposição dos
circunstanciais mais extensos poderia contrariar ação do subprincípio da Quantidade. Afirmações
mais seguras só seriam possíveis com um volume maior de dados.
Os dados de circunstanciais temporais nos Documentos de Circulação Privada se
mostraram menos sensíveis ao condicionamento forma de realização do sujeito. Observa-se que,
no geral, as possibilidades de realização do sujeito apresentam índices que oscilam entre grande
variabilidade dos circunstanciais temporais e um grande favorecimento da anteposição ao verbo.
A única possibilidade que foge à tendência são os casos de orações sem sujeito, categoricamente
pospostas. No entanto, a escassez de dados nos impede de tecer considerações mais
aprofundadas.
Comparando os resultados obtidos para os circunstanciais locativos e os temporais, pode-
se concluir que os circunstanciais locativos parecem estar mais fortemente sujeitos à influência da
forma de realização do sujeito da oração. Entre os locativos, observa-se uma nítida correlação
entre a posposição, o tipo morfológico do circunstancial e a manutenção da continuidade
referencial do sujeito: a posposição é amplamente favorecida quando o constituinte é um
sintagma preposicional e, principalmente, quando o sujeito é realizado foneticamente anteposto
ao núcleo verbal. Para o sujeito elíptico, o entanto, não há correlações claras.
117
As orações sem sujeito, apesar do baixo número de dados, apresentam um comportamento
sistemático para as duas classes semânticas consideradas: no geral, favorecem a anteposição dos
advérbios locativos e dos advérbios temporais nas Cartas de Comércio. Os SPreps apresentam
resultados conflitantes: entre os locativos observamos um alto índice de posposição nas Cartas de
Comércio e variação muito grande nos Documentos de Circulação Privada; para os temporais,
mais especificamente nos dados das Cartas de Comércio, observamos a anteposição como um
valor categórico. Discussões mais aprofundadas sobre o comportamento das orações sem sujeito
só seriam possíveis se dispuséssemos de mais dados. Em todo caso, fica em aberto para trabalhos
futuros investigar o comportamento bastante particular desse tipo de construção.
As orações com o sujeito preenchido anteposto ao verbo apontam um comportamento
condizente com o padrão não marcado de ordenação para cada classe semântica: favorecem a
posposição dos circunstanciais locativos e a anteposição dos circunstanciais temporais, com
ressalvas para os SPreps nas Cartas de Comércio, o que pode ser efeito de outros
condicionamentos de cunho estrutural, como o número de sílabas do circunstancial, por exemplo.
Os sujeitos pospostos ao SV não mostram um resultado muito sistemático.
As diferenças com relação à forma de realização do sujeito podem estar correlacionadas à
tendência geral de ordenação de cada categoria dêitica de circunstanciais; os locativos, já nesse
período, apresentam uma tendência bastante acentuada de se situarem na margem direita da
oração, de acordo com a forma mais comum, a não marcada, dos constituintes oracionais:
SUJEITO – VERBO – COMPLEMENTOS – ADJUNTOS. Os temporais, por seu turno,
apresentam uma tendência mais forte para a anteposição do verbo.
118
CONCLUSÕES
Como lingüistas, estamos sempre buscando novidades nos fenômenos ou nos
modos de abordar os fenômenos. Boa parte da graça em nos engajarmos num
empreendimento complexo – e muitas vezes desanimador – como o estudo da
linguagem está na possibilidade de descobrirmos fatos novos, de
reanalisarmos fatos velhos, de virarmos de ponta cabeça análises bem
estabelecidas, de estabelecermos novas relações entre os fatos etc. Cada
lingüista, individualmente, vive essas experiências em seu trabalho. Cada
lingüista já deve ter-se defrontado com situações em que é preciso ignorar o
que já foi dito e ousar, abrir caminhos, redizer em outras bases o que já foi
dito ou até mesmo ficar sem ter o que dizer
*
.
A análise desenvolvida neste trabalho permitiu identificar padrões de correlação que
reforçam a necessidade de se considerar em separado cada classe semântica de
circunstanciais, em função de suas possibilidades de ordenação e princípios gramaticais e
discursivos que autorizam a infração da ordem não marcada para cada classe semântica
considerada. A partir do controle de freqüência de uso, e dada a diferença entre os dois tipos
de circunstanciais considerados (SPreps ou advérbios), foi possível chegar às seguintes
conclusões:
a) Cada classe semântica de circunstanciais apresenta um padrão não marcado de ordenação,
a depender, principalmente, do tipo morfológico considerado:
a margem esquerda da sentença é a posição preferencial para os advérbios temporais;
os sintagmas preposicionais temporais apresentam diferenças menos claras no que diz
respeito à exploração das margens esquerda e direita, ainda que haja um ligeiro predomínio da
margem esquerda.
a periferia direita da oração é o site mais freqüente para os SPreps locativos;
os advérbios locativos oscilam entre a margem esquerda e a posição entre o verbo e o
complemento
*
BORGES NETO, José. Apresentação. In: Ensaios de Filosofia da lingüística. São Paulo: Parábola, 2004. p.7.
119
Apesar de se tratar de um conjunto de dados que correspondem à realidade escrita de
fases passadas da língua portuguesa, ficou evidente a maior variabilidade dos circunstanciais
temporais em contraposição aos circunstanciais locativos, que, dada a atuação de restrições
discursivo-gramaticais mais rigorosas, tendem a apresentar uma ordem quase fixa. Esses
resultados vêm a confirmar as análises baseadas em amostras de fala e escrita hodierna, o que
nos força a postular, em fases posteriores de investigação, em que momento da história da
língua essa restrição começa a atuar.
Mesmo com a diferença na posição preferencial de cada uma das classes de
circunstanciais, puderam ser apreendidas algumas regularidades entre as categorias
semânticas, no que diz respeito à exploração das diversas possibilidades sintagmáticas:
b) Ampla exploração das margens, restrição à posição medial que situa os circunstanciais
entre o sujeito e verbo, ocorrência considerável de dados nas configurações sintagmáticas que
prevêem circunstanciais rompendo a adjacência entre verbo e objeto.
Ficou comprovado que a variação na ordenação dos circunstanciais está diretamente
relacionada à atuação de princípios discursivo-gramaticais. As análises multivariacionais
apontaram que:
c) Nas duas amostras consideradas em paralelo, o papel dos circunstanciais no
gerenciamento das informações impõe fortes restrições à posição ocupada por esses
constituintes na sentença:
120
o circunstancial em posição inicial, principalmente na margem esquerda da sentença,
está mais diretamente associado à retomada e continuidade da informação anteriormente
referida e na demarcação de pontos em uma seqüência temporal ou locativa;
o posicionamento em posições pospostas, em especial na margem direita, contribui
para a manutenção do tópico discursivo, acrescentando circunstancias que delimitam as
predicações dentro de um tópico.
d) A proeminência de fatores funcionais não exclui a atuação de padrões de outra natureza,
como a extensão do circunstancial e a forma de realização do sujeito da oração, confirmando
a expectativa de que a ordenação dos circunstanciais é reflexo de uma conjugação de
restrições sintáticas, semânticas e gramaticais.
Pode-se constatar que a ordenação dos circunstanciais, mais estritamente os temporais,
está diretamente relacionada à sua extensão, evidenciando-se a atuação do princípio de
iconicidade. As posições que o circunstancial vem a ocupar na oração estão correlacionadas a
sua quantidade de material fonológico: circunstanciais menores em posições antepostas;
circunstanciais maiores em posições pospostas.
A forma de realização do sujeito da oração, apesar de ser um grupo de fatores não
selecionado pelo programa de análises estatísticas, mostra algumas correlações de vital
importância para a compreensão do fenômeno de ordenação dos circunstanciais. Pode-se
observar uma nítida relação, em especial para os locativos, entre a posposição, o tipo
morfológico do circunstancial e a manutenção da continuidade referencial do sujeito, já que a
posposição é amplamente favorecida quando o constituinte é mais extenso e, principalmente,
quando o sujeito é realizado foneticamente anteposto ao núcleo verbal. Os SPreps temporais
121
se mostraram menos propensos à atuação desse princípio estrutural, já que os resultados não
nos mostram correlações nítidas; para os advérbios de tempo observam-se correlações mais
evidentes.
Podemos concluir que a variação na ordenação dos circunstanciais, advérbios ou
sintagmas preposicionais, nos textos analisados neste trabalho – as Cartas de Comércio, os
Documentos de Circulação Privada da cidade do Rio de Janeiro e as Cartas Paulistas do
século XIX, materiais significativos e representativos da realidade social e cultural das terras
brasileiras na última fase do período colonial e início da fase independente – resulta da
interseção de fatores estruturais, semânticos e discursivo-gramaticais. Nesse trabalho, ficou
em segundo plano a verificação da atuação de fatores extralingüísticos, por causa do reduzido
número de dados. Vale destacar ainda que as considerações aqui tecidas têm por alcance
verificar o comportamento dos circunstanciais em um gênero específico, as cartas. Mais do
que isso, trata-se da análise do comportamento lingüístico de comunidades distintas presentes
no Brasil em duas fases diferentes, o que insere esta pesquisa na análise de aspectos do
português no Brasil.
122
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