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Universidade Federal do Rio de Janeiro
A ORDEM VS/SV COM VERBOS INACUSATIVOS:
UM ESTUDO DIACRÔNICO
Danielle de Rezende Santos
2008
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A ORDEM VS/SV COM VERBOS INACUSATIVOS:
UM ESTUDO DIACRÔNICO
Danielle de Rezende Santos
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito
para a obtenção do Título de Mestre em Letras
Vernáculas (Língua Portuguesa).
Orientadora: Prof
a
Doutora Maria Eugênia Lamoglia
Duarte
Rio de Janeiro
Agosto de 2008
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i
A ORDEM VS/SV COM VERBOS INACUSATIVOS:
UM ESTUDO DIACRÔNICO
Danielle de Rezende Santos
Orientadora: Professora Doutora Maria Eugênia Lamoglia Duarte
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas
(Língua Portuguesa).
Aprovada por:
____________________________________________________
Presidente, Profª. Doutora Maria Eugênia Lamoglia Duarte – UFRJ
____________________________________________________
Profª. Doutora Sílvia Regina de Oliveira Cavalcante – UFRJ
____________________________________________________
Prof. Doutor Emílio Gozze Pagotto USP
____________________________________________________
Profª. Doutora Célia Regina dos Santos Lopes – UFRJ (suplente)
____________________________________________________
Profª. Doutora Vera Lucia Paredes Pereira da Silva – UFRJ (suplente)
Rio de Janeiro
Agosto de 2008
i
Rezende Santos, Danielle de.
A ordem VS/SV com verbos inacusativos: um estudo
diacrônico. / Danielle de Rezende Santos. Rio de Janeiro: UFRJ /
Letras, 2008.
xiii, 110 f.: il.; 31 cm.
Orientadora: Maria Eugênia Lamoglia Duarte.
Dissertação (Mestrado) - UFRJ / Letras / Programa de Letras
Vernáculas, 2008.
Referências Bibliográficas: f. 104-110.
1. Ordem VS/SV. 2. Parâmetro do Sujeito Nulo. I. Duarte,
Maria Eugênia Lamoglia. II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Faculdade de Letras. III. Título.
2
RESUMO
A ORDEM VS/SV COM VERBOS INACUSATIVOS: UM ESTUDO DIACRÔNICO
Danielle de Rezende Santos
Orientadora: Professora Doutora Maria Eugênia Lamoglia Duarte
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em Letras Vernáculas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Trabalhos anteriores sobre o português brasileiro apontaram a mudança quanto
ao valor na marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo: a posição do sujeito pronominal
vem se caracterizando pela forma plena, tanto para sujeitos de referência definida,
quanto para os de referência indeterminada. Como conseqüência dessa uma
mudança, seriam esperadas alterações em estruturas geralmente associadas às
línguas de sujeito nulo, entre as quais as construções com verbos inacusativos, que
selecionam apenas um argumento interno DP, com o traço semântico [-
agentivo/+tema], ao qual não podem atribuir Caso acusativo. Tais construções
propiciam a ocorrência da ordem VS/SV, exibindo a primeira uma posição vazia à
esquerda do verbo, incompatível com línguas de sujeito preenchido, como o francês
e o inglês, por exemplo. Este trabalho procurou observar, numa perspectiva
diacrônica, as ocorrências de VS/SV nas construções com inacusativos em peças de
teatro popular escritas no Rio de Janeiro ao longo dos séculos XIX e XX, com o
propósito de verificar se a mudança em direção aos sujeitos expressos afetaria a
ordem VS. Os resultados confirmam a hipótese de que, embora a ordem VS pareça
ser uma das propriedades das línguas de sujeito nulo mais resistentes à mudança, já
se pode observar uma restrição cada vez maior a VS, entre elas: o status
informacional “novo” do DP sujeito associado ao traço “indefinido” e certos itens
lexicais como “existir”, “faltar”, “ficar”.
Palavras-chave: Ordem VS/SV, verbos inacusativos, Parâmetro do Sujeito Nulo,
mudança paramétrica
Rio de Janeiro
Agosto de 2008
3
ABSTRACT
VS / SV ORDER WITH UNACCUSATIVE VERBS: A DIACHRONIC STUDY
Danielle de Rezende Santos
Orientadora: Professora Doutora Maria Eugênia Lamoglia Duarte
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de s-
graduação em Letras Vernáculas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Previous works about Brazilian Portuguese have pointed out the parametric change
related to the null subject parameter, with preference for overt referential pronominal
subjects, definite and arbitrary. As a consequence, one would expect changes in
structures usually related to null subject languages, among which the constructions
with unnacusative verb, which select one internal non agentive argument to which
they can not assign accusative Case. The present study analyses, in a diachronic,
the occurrences of VS / SV order in popular plays written in Rio de Janeiro along the
19
th
and the 20
th
centuries, in order to investigate if the change towards overt
subjects affects VS order. Our results confirm the hypothesis that, even though VS
order seems to be a very resistant property of null subject romance languages, one
can observe an increasing restriction to its occurrence: the informational status of the
DP associated with the feature [indefinite] and certain lexical items, such as “exist”,
“lack”, “stay”, among other.
Key-words:
VS/SV order, unaccusative verbs, Null Subject Parameter, parametric change
Rio de Janeiro
Agosto de 2008
4
AGRADECIMENTOS
Algumas pessoas foram extremamente importantes para a realização deste
trabalho:
Agradeço, em primeiro lugar, a minha querida orientadora, professora Maria
Eugênia Lamoglia Duarte, por quem tenho imensa admiração. Obrigada pela
orientação dedicada, pela paciência e pela forma apaixonada como compartilha sua
grande sabedoria. Você se tornou um porto-seguro em meio a minha insegurança
frente a tantos desafios.
Aos amigos de pesquisa, responsáveis por tornar minha jornada ainda mais
especial, dedico meus sinceros agradecimentos. Em especial, a Fernando Pimentel
Henriques, com quem tanto aprendi, agradeço pelo incentivo e apoio oportunos; e a
Juliana Esposito Marins, por todo apoio e contribuição, inclusive na confecção do
primeiro gráfico no primeiro painel apresentado, que serviu de base para tantos
outros. Sinto-me honrada por ter compartilhado esta experiência com amigos tão
especiais. Agradeço ainda a Maria Spano, cuja humildade e sabedoria se tornaram
uma grande inspiração para o desenvolvimento deste trabalho.
Aos professores da pós-graduação em Letras Vernáculas, particularmente às
professoras Dinah Callou, Célia Lopes e lvia Regina Cavalcante, meu
reconhecimento e agradecimento pelas várias oportunidades de aprendizado
oferecidas ao longo deste período.
À minha família, especialmente aos meus pais e à minha querida avó, que de
perto acompanharam e torceram pela realização deste trabalho. A Rafael Gidra,
gostaria de agradecer de maneira muito especial e carinhosa, pelas incontáveis
maneiras como me ajudou e me incentivou nesta caminhada.
Acima de todas as coisas, agradeço a Deus, fonte de toda inspiração e
capacitação. Sem sua ajuda incondicional seria impossível a realização deste
trabalho.
i
A realização deste trabalho foi
parcialmente financiada por uma
bolsa CNPq.
ii
SINOPSE
Mudança na marcação do
Parâmetro do Sujeito Nulo no PB.
A ordem VS em construções
inacusativas é afetada. Teoria da
Variação e Teoria Gerativa
explicam a mudança paramétrica
em curso. Considerações sobre a
relação entre a mudança em
direção ao preenchimento do
sujeito e a perda da ordem VS.
iii
SUMÁRIO
ÍNDICE DE TABELAS E QUADROS iii
ÍNDICE DE GRÁFICOS iv
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO 1: PONTOS DE PARTIDA 6
1. Introdução 6
1.1 O que são verbos inacusativos? 6
1.2 Os diferentes tipos de construções inacusativas 13
1.3 Como a ordem (não) é tratada nas gramáticas 15
1.4 O Parâmetro do Sujeito Nulo no Português Brasileiro: mudanças 17
1.5 A ordem VS 23
1.5.1 A ordem VS em construções monoargumentais 24
1.5.1.1 A ordem VS nas construções inacusativas 27
1.5.1.1.1 Análises sincrônicas 27
1.5.1.1.2 Análises diacrônicas 32
1.5.1.1.3 Considerações finais 35
CAPÍTULO 2: FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 37
2. Introdução 37
2.1 A mudança lingüística nos moldes de Weinreich, Labov e Herzog (1968) 37
2.2 A Teoria Gerativa: O Modelo de Princípios e Parâmetros 39
2.3 A harmonia trans-sistêmica (cf. Tarallo e Kato, 1989) 41
2.3.1 O tratamento da ordem VS em PB 44
2.4 Metodologia 46
2.4.1 Objetivos e hipóteses 47
2.4.2 A amostra 48
iv
2.4.3 Grupos de fatores considerados 51
2.4.3.1 Fatores relacionados ao sintagma determinante (DP sujeito) 51
2.4.3.2 Fatores relacionados ao verbo (V) 56
2.4.3.3 Outros fatores 58
2.4.3.4 Fatores extra-lingüísticos 61
CAPÍTULO 3: ANÁLISE DOS DADOS 62
3. Introdução 62
3.1 Resultados gerais 62
3.2 Fatores selecionados como favoráveis à ordem VS 65
3.3 Resultados encontrados para cada sincronia 72
3.3.1 O status informacional do DP 74
3.3.2 A extensão do DP 75
3.3.3 A forma verbal (simples X complexa) 77
3.3.4 A força ilocucionária (oração declarativa X interrogativa) 78
3.3.5 O item lexical (grupo de verbos) 79
3.3.5.1 Verbos morrer/nascer com DPs indefinidos 84
3.3.6 A definitude do DP 85
3.3.7 A categoria sintático-semântica do verbo 88
3.3.8 A estrutura do DP 91
3.3.9 A animacidade do DP 95
3.3.10 Outros fatores não contemplados na análise de regra variável 95
CONCLUSÃO 101
REFERÊNCIAS (PEÇAS TEATRAIS) 104
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 106
v
ÍNDICE
DE TABELAS E QUADROS
Quadro 1.1: Evolução dos paradigmas flexionais em PB adaptado de Duarte (1993)
______________________________________________________18
Tabela 1.1: Ordem VS segundo a transitividade do verbo (Berlinck 1988:88, apud
Spano 2002) ____________________________________________24
Tabela 1.2: Ordem VS segundo a categoria sintático-semântica do verbo (adaptada
de Spano 2002:74) _______________________________________27
Quadro 2.1: Amostra utilizada segundo o período de tempo e autores _______49
Tabela 3.1: Ordem VS (vs SV) segundo o período de tempo _______________63
Quadro 3.1: Grupos de fatores selecionados e não selecionados pelo VARBRUL
______________________________________________________66
Tabela 3.2: Ordem VS (vs SV) segundo a definitude do DP ________________67
Tabela 3.3: Ordem VS (vs SV) segundo a extensão do DP_________________67
Tabela 3.4: Ordem VS (vs SV) segundo o item lexical ____________________68
Tabela 3.5: Ordem VS (vs SV) segundo o status informacional do DP ________70
Tabela 3.6: Ordem VS (vs SV) segundo o período de tempo _______________71
Quadro 3.2: Grupos de fatores selecionados pelo VARBRUL em cada sincronia por
ordem de seleção ________________________________________73
Tabela 3.7: Ordem VS (vs SV) segundo o status informacional do DP em cada
sincronia _______________________________________________74
Tabela 3.8: Ordem VS (vs SV) segundo a extensão do DP em cada sincronia__76
Tabela 3.9: Ordem VS (vs SV) segundo a extensão do DP em cada sincronia__77
Tabela 3.10: Ordem VS (vs SV) segundo a força ilocucionária em cada sincronia
______________________________________________________78
Tabela 3.11: Ordem VS (vs SV) segundo o item lexical em cada sincronia ____79
Tabela 3.12: Ordem VS/SV segundo a definitude do DP selecionado pelo grupo
morrer/nascer, nas amostras em conjunto _____________________84
Tabela 3.13: Ordem VS (vs SV) segundo a definitude do DP em cada sincronia 86
Tabela 3.14: Ordem VS (vs SV) a partir do cruzamento do status informacional e
definitude do DP _________________________________________87
Tabela 3.15: Ordem VS (vs SV) segundo a categoria sintático-semântica do verbo
em cada sincronia _______________________________________89
vi
Tabela 3.16: Ordem VS (vs SV) segundo a estrutura do DP em cada sincronia 92
Tabela 3.17: Ocorrência de VS (vs SV) com DPs representados por [Det+N] por
período (%) _____________________________________________94
Tabela 3.18: Ordem VS (vs SV) segundo a animacidade do DP em cada período
______________________________________________________95
Tabela 3.19: Elementos à esquerda de V no contexto VS__________________96
Tabela 3.20: Padrões sentenciais em cada sincronia _____________________99
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1.1 Sujeitos pronominais nulos em peças teatrais (Duarte 1993) ______19
Gráfico 1.2: Distribuição de VS / SV na fala popular ______________________28
Gráfico 1.3: Distribuição de VS / SV na escrita padrão
28
Gráfico 1.4: Distribuição de VS / SV na escrita padrão do PB e do PE
30
Gráfico 1.5: Distribuição de VS / SV na fala culta
31
Gráfico 1.6: Distribuição de VS / SV e cartas pessoais do século XIX 33
Gráfico 3.1: Ocorrência de VS (vs SV) por período (%) 63
Gráfico 3.2: Ocorrência de sujeitos pronominais nulos em peças teatrais (Duarte1993) 64
Gráfico 3.3: Ocorrência de VS (vs SV) segundo os grupos de verbo por período (%) 83
Gráfico 3.4: Ocorrência de VS (vs SV) com DPs definidos por período (%) 87
Gráfico 3.5: Ocorrência de VS (vs SV) com DPs indefinidos por período (%) 88
Gráfico 3.6: Ocorrência de VS (vs SV) com DPs representados por [Det+N] por período (%)
94
Gráfico 3.7: Ocorrências de VS segundo o elemento à esquerda de V em toda a amostra
97
vii
INTRODUÇÃO
Os estudos da representação do sujeito pronominal no português brasileiro
(PB) apontam uma mudança quanto ao valor na marcação do Parâmetro do Sujeito
Nulo: o PB estaria passando de língua [+ pro-drop] (sujeito nulo) para [- pro-drop]
(sujeito preenchido). Em outras palavras, isso significa dizer que a posição do sujeito
pronominal vem se caracterizando pela forma plena, tanto para sujeitos de
referência definida, quanto para os de referência indeterminada, conforme Duarte
(1993, 1995, 2002):
(1) ELA ganha bem, mas eu acho que ELA devia ganhar mais porque ELA
merece.
(2) A GENTE tem que seguir o que A GENTE sabe e da forma que A GENTE foi
criado.
Tais mudanças estariam relacionadas à redução dos paradigmas flexionais e
pronominais no PB, como verificou Duarte (1993, 1995). A perda da distinção entre
as formas verbais para referência à segunda pessoa do singular (tu canta e você
canta) e a concorrência entre nós e a gente para referência à primeira pessoa do
plural teriam levado à redução dos paradigmas flexionais verbais, que perderam sua
riqueza morfológica e funcional. A conseqüência disso foi o aumento do
preenchimento da posição do sujeito pronominal. Segundo a autora, esta mudança
não é uma questão de perda da possibilidade de o sujeito vir omitido, mas uma
preferência comprovada empiricamente pelo uso da forma pronominal plena.
Como conseqüência, estudos acerca das construções existenciais e das
estruturas com verbos de alçamento (aqueles que permitem o alçamento do sujeito
da oração encaixada) revelam certas alterações também na representação dos
sujeitos não argumentais/não referenciais. As análises de tais estruturas revelam
2
que, embora o PB não tenha desenvolvido um expletivo lexical como ocorreu no
francês, elementos referenciais começaram a ser utilizados a fim de preencher a
posição vazia à esquerda de predicados que não selecionam um argumento externo.
Além dos predicados existenciais e dos verbos de alçamento, uma outra
estrutura sujeita a tais alterações seriam as construções com verbos inacusativos.
Esses verbos são monoargumentais, isto é, projetam apenas um argumento, assim
como os intransitivos. A diferença é que o argumento projetado pelos inacusativos
possui o traço semântico [- agentivo / + tema] e é gerado à direita do verbo, na
posição de argumento interno. As construções com tais verbos propiciam, assim, a
ocorrência de uma posição vazia à esquerda do verbo, como pode ser visto em (3),
sendo, portanto, incompatíveis com línguas de sujeito preenchido, como o francês e
o inglês, por exemplo.
(3) Pronto, ___ CHEGOU o outro estudante. Um pouco mais e nós vamos ter um
curso de verão aqui. (No Coração do Brasil, Miguel Falabella 1992)
Nos exemplos (4) e (5a) abaixo, observa-se que, tanto em francês quanto em
inglês, teríamos a anteposição do argumento interno ao verbo, neste contexto. O
exemplo (5b) mostra ainda a ocorrência de um expletivo ocupando a posição à
esquerda do verbo, em inglês:
(4) un enfant est arrivé (um menino chegou)
(5) a) a boy arrived
b) there arrived a boy (um menino chegou)
Inúmeros trabalhos têm revelado a restrição de monoargumentalidade que
cerca a ocorrência da ordem VERBO-SUJEITO (VS) no PB. Estudos sobre esta
ordem em sentenças declarativas (Coelho 2000, Spanó 2002) revelam que ela é
quase que totalmente restrita a sentenças com verbos monoargumentais, como as
construções com verbos inacusativos, intransitivos e copulativos. No entanto,
pesquisas acerca desse tema revelam que, tanto na fala quanto na escrita, já
começa a haver certas alterações, embora esta pareça ser ainda uma das
propriedades das línguas de sujeito nulo mais resistentes à mudança no PB.
Em estudos anteriores sobre a ordem VS com inacusativos (cf. Santos &
Duarte 2006, Santos 2007), foi possível verificar que esta ordem começa a ceder
lugar à ordem SV, mesmo que lentamente, ficando a posposição do argumento
3
interno ao verbo cada vez mais restrita a determinados fatores: a saber, o status
informacional [+ novo] do sujeito, seu caráter indefinido e certos tipos de verbo,
como os existenciais e os apresentativos. Os exemplos abaixo ilustram estes
contextos de resistência:
(6) aí, ___ CHEGOU um casal de amigo lá em casa (Fala, PEUL)
(7) noite de verão a gente ficava todo mundo do lado de fora... naquela época
___ não EXISTIA televisão as pessoas falavam mais né (Fala, NURC)
(8) assim, ___ SURGIRÁ uma luz dentro do túnel, e talvez possamos voltar
aos bons tempos dos grandes sambas enredo (Escrita)
Por outro lado, já foram encontradas algumas estratégias adotadas a fim de evitar a
posição vazia à esquerda do verbo. São elas:
(a) a anteposição do sujeito ao verbo, principalmente, nos contextos em que o DP
1
sujeito apresenta traço semântico [- novo, + definido] e os verbos indicam mudança
de estado (com ou sem movimento físico), como mostram os exemplos abaixo:
(9) Benvenuto Cellini devia NASCER alguns meses depois. (Escrita)
(10) os colégios particulares estão apavorados com esta situação... os mercados
de trabalho que havia DESAPARECERAM. (Fala, NURC)
(b) o aparecimento de outros elementos à esquerda do verbo que forneçam
evidências para a restrição fonológica que estaria em curso no português do Brasil
(cf. Kato & Duarte 2003). Estes elementos podem ser conectores coordenativos e
subordinativos, elementos adverbiais ou marcadores discursivos:
(11) e a indústria pesada foi inclusive a que fez com que o Japão pudesse ser uma
potência industrial e por isso tentar dividir o mercado... bom ___ OCORRE a
guerra e nada nessa história acontece por acaso né? (Fala, NURC)
(c) a ocorrência de reestruturações já indicadas por Pontes (1987), em que um
complemento do DP ou um locativo ocupam a posição do sujeito:
1
Como sugerido em Coelho (2000:12), será usada aqui a categoria sintagmática DP (do inglês, Determiner
Phrase) para designar sintagma nominal, em vez de NP (Noun Phrase) “porque, para efeitos de referencialidade,
um NP é sempre não-referencial, pois a ele faltam traços de definitude e de especificidade, enquanto um DP
pode ser tanto referencial como não-referencial”.
4
(12) Li que um motorista também iria cobrar na Justiça o prejuízo que teve porque
seu carro QUEBROU [ o amortecedor t ] caindo num buraco na rua. (O
Globo)
(__ quebrou [o amortecedor do seu carro])
A motivação inicial deste trabalho é verificar como a mudança em direção ao
preenchimento do sujeito pronominal é refletida na ordem VS em construções
inacusativas, tendo em vista que uma das propriedades relacionadas ao Parâmetro
do Sujeito Nulo é justamente a “inversão sujeito/verbo”. Em outras palavras, se a
língua está passando de [+ pro drop] para [- pro drop], é de se esperar alguma
alteração nessa ordem, ou até mesmo sua perda, como ocorreu no francês.
O objetivo deste trabalho é, portanto, observar, na linha do tempo, o
comportamento desta ordem em conseqüência da mudança paramétrica verificada.
Para isso, será realizado um estudo diacrônico que permita relacionar a mudança na
marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo com a ordem VS em construções
inacusativas, utilizando uma amostra constituída de peças de teatro popular escritas
no Rio de Janeiro ao longo dos séculos XIX e XX.
Como essas peças buscam representar a fala da época, será possível
observar se houve alguma alteração nos condicionamentos à ordem VS, em
conseqüência da mudança observada nessa mesma amostra, por Duarte (1993), na
representação dos sujeitos pronominais.
A partir dos resultados encontrados por Duarte, espera-se encontrar
alterações qualitativas na ordem básica (VS), à medida que o número de ocorrências
de sujeito nulo diminuindo, isto é, à medida que a mudança paramétrica vá
tomando lugar. No entanto, levando em consideração a grande resistência que a
ordem VS apresenta à mudança, é de se esperar ainda um número bastante
relevante de dados nesta ordem.
Este trabalho está organizado em três capítulos. No capítulo 1, encontram-se
os pontos de partida. Primeiramente, é apresentada a definição de inacusatividade,
bem como as caractesticas próprias de tais construções. Em seguida, pretende-se
discutir os resultados sincrônicos e diacrônicos de alguns trabalhos realizados
acerca do fenômeno da ordem VS em construções declarativas, nas modalidades
5
falada e escrita do PB, com o intuito de apresentar um quadro geral que contemple
os diferentes enfoques relacionados ao tema estudado.
A partir dos resultados expostos na seção anterior, são apresentados no
capítulo 2 os pressupostos teóricos que fundamentam esta pesquisa. Com isso,
objetiva-se compreender de que maneira os pressupostos da Teoria da Variação e
Mudança Lingüística, particularmente no que se refere às noções de
condicionamentos, implementação, encaixamento e transição (Weinreich, Labov &
Herzog 1968 e Labov 1994) são associados aos pressupostos da Teoria de
Princípios e Parâmetros (Chomsky 1981). Nesta seção, encontram-se ainda os
grupos de fatores investigados na análise dos dados, bem como a descrição da
amostra utilizada. Esta descrição consiste na listagem das peças teatrais analisadas,
seus respectivos autores e ano em que foram escritas.
Finalmente, no capítulo 3, é apresentada a análise dos resultados obtidos.
Para isso, faz-se necessário apresentar os grupos de fatores selecionados como
condicionadores da ordem VS, em cada período analisado, pelo programa
estatístico Varbrul (D. Sankoff, 1975).
Com base nos resultados apresentados na seção anterior, é apresentada a
conclusão deste estudo em que se estabelecem considerações gerais acerca do
fenômeno abordado.
6
CAPÍTULO 1:
PONTOS DE PARTIDA
1. Introdução
O capítulo em questão apresenta os pontos de partida para a análise
diacrônica da ordem verbo+sujeito (VS) com verbos inacusativos no Português
Brasileiro (PB). Em 1.1, serão apresentadas as características das construções
inacusativas, bem como, exemplos que ilustrem tais estruturas. Em seguida, será
verificado o tratamento dado à questão da ordem no PB pelas gramáticas
tradicionais.
Uma vez definido o conceito de inacusatividade e abordada a visão tradicional
da ordem VS, passaremos às análises que serviram de ponto de partida para este
trabalho: (a) as que tratam da mudança verificada na marcação do Parâmetro do
Sujeito Nulo em PB e, (b) as que focalizam especificamente a variação na ordem
VS/SV com inacusativos.
1.1 O que são verbos inacusativos?
No estudo dos diferentes tipos de verbo, é imprescindível levar em
consideração três especificações: o número de argumentos que tal verbo requer
(nenhum, um, dois ou três); o papel temático desse(s) argumento(s) (agente,
paciente, etc.); e sua realização sintática (sintagma nominal, preposicional, etc.).
7
Deve-se ainda levar em conta o fato de que argumentos diferentes o
interagem com o verbo da mesma forma. Analisando uma sentença como (1), por
exemplo, verifica-se que o verbo pegar forma primeiramente uma unidade semântica
com apenas um dos dois argumentos, o livro.
(1) A Maria pegou o livro.
A interpretação do argumento a Maria será determinada o pela sua relação direta
com o verbo, mas pela relação previamente estabelecida entre o verbo e o segundo
argumento, o livro. Para comprovar tal fato, basta apenas mudar este segundo
argumento por outro termo:
(2) A Maria pegou uma gripe.
Neste segundo exemplo, verifica-se que uma mudança no papel
semântico do argumento a Maria, que deixa de ser agente e passa a ser
experienciador / paciente. Esta mudança é decorrente da troca do segundo
argumento: de o livro para uma gripe.
Como pode ser visto na representação abaixo, o verbo pegar forma uma
unidade sintática complexa com o DP o livro, excluindo o argumento a Maria:
(3) VP
3
DP
1
V’
A Maria 3
V DP
2
pegou o livro
A partir desta representação, é possível entender a oposição entre os termos
argumento interno e externo. O argumento interno é aquele contido dentro de V’,
relacionado diretamente ao verbo, diferentemente do argumento externo, que vai
estabelecer relação sintática com V’ (V + DP
2
). Sintaticamente, o argumento interno
8
corresponde ao complemento, enquanto o argumento externo corresponde ao
especificador.
Uma vez entendida a distinção entre argumento externo e interno, torna-se
possível diferenciar dois tipos de predicadores verbais que selecionam um
argumento, tradicionalmente classificados como intransitivos. Tais verbos o
constituem um conjunto homogêneo, podendo ser desmembrados em duas classes
de verbos com propriedades diferentes.
A configuração intransitiva canônica, apresentada abaixo, mostra que o
predicado verbal trabalhar seleciona apenas um argumento, o externo, com o papel
temático de agente:
(4) VP
3
DP V
A Maria g
V
trabalha
No entanto, existe ainda uma classe de verbos monoargumentais que possui
um comportamento bem distinto da configuração apresentada acima. Observemos
os paradigmas abaixo:
(5) a) A Maria trabalha.
b) *Trabalha a Maria.
c) *A encomenda trabalha.
d) *Trabalha a encomenda.
(6) a) A Maria chegou.
b) Chegou a Maria.
c) A encomenda chegou.
9
d) Chegou a encomenda.
Em (6), verifica-se que o verbo chegar pode selecionar tanto um argumento com
traço semântico [+animado], como a Maria, como um argumento [- animado], a
encomenda. Por outro lado, o predicado
2
trabalhar possui uma seleção bastante
restrita: seu argumento deve possuir traço semântico [+ animado] e [+ agentivo],
como mencionado acima, o que é evidenciado através da agramaticalidade de (5c).
Outra distinção entre estes dois tipos de verbo se encontra na questão da
ordem. Enquanto o argumento de trabalhar ocupa apenas a posição à esquerda do
verbo, como mostra a agramaticalidade de (5b), o argumento de chegar pode ocupar
indiscriminadamente tanto a posição à esquerda, quanto a posição à direita do
verbo.
A principal diferença entre verbos como trabalhar e chegar está no papel
temático do argumento selecionado. Enquanto o argumento de trabalhar recebe o
papel de agente, o argumento de chegar recebe o papel de tema. Estas diferenças
são suficientes para atestar que existem dois tipos distintos de verbos
monoargumentais, a que nos referimos como intransitivos.
Segundo uma hierarquia temática encontrada em Mioto, Silva e Lopes
(2005:136), “o argumento externo de um verbo, o primeiro argumento mais alto
dentro do VP, tendea receber o papel temático de agente ou experienciador; o
argumento interno, mais baixo no VP, tenderá a receber o papel temático de tema”.
O funcionamento desta hierarquia pode ser visto no exemplo transitivo em (7), o
mesmo usado pelos autores:
(7) [
VP
o menino [
V’
chutar a bola ]]
Enquanto o constituinte mais alto, argumento externo, o menino, tem papel temático
[+ agentivo], o mais baixo, argumento interno, a bola, tem papel de tema:
(8) IP
2
A noção de predicado utilizada aqui corresponde à definição de Mioto, Silva e Lopes (2005:121):
“núcleos que selecionam os elementos lexicais que co-ocorrerão com eles”. Pode-se também usar o
termo predicador.
10
3
DP I’
O menino
i
3
I VP
chutou
j
3
DP V’
t
i
3
V DP
t
j
a bola
Se considerarmos que esta hierarquia também funciona em construções
monoargumentais, poderemos concluir que o argumento agentivo selecionado por
trabalhar é externo, enquanto o argumento de chegar, por possuir papel de tema,
constitui-se num argumento interno. Desta forma, a estrutura de orações cujo verbo
se comporta como trabalhar pode ser vista em (9), enquanto a estrutura de orações
cujo verbo se comporta como chegar pode ser vista em (10):
(9) VP
2
DP V’
g
V
(10) VP
g
V’
2
V DP
11
Diferenciando-se dos verbos monoargumentais que selecionam um argumento
externo legítimo, conhecidos como INTRANSITIVOS ou INERGATIVOS, exemplo
(5a), temos em (6) construções com os chamados verbos INACUSATIVOS.
Segundo a generalização proposta por Burzio (1986), o verbo que não seleciona um
argumento externo, i.e. inacusativo, não poderá atribuir Caso acusativo a seu
argumento. E é exatamente por não atribuírem Caso acusativo ao seu argumento
interno que esses verbos são chamados inacusativos.
Vejamos a agramaticalidade
de (11) ao substituirmos o DP encomenda pelo clítico acusativo –a:
(11) a) Chegou a encomenda.
b) *Chegou-a.
Para tornar a sentença gramatical, seria necessário substituir o DP pelo clítico
nominativo ela, o que evidencia o fato de a encomenda ser o sujeito da oração
inacusativa:
(12) Ela chegou.
Em línguas de sujeito nulo, entre elas, o espanhol, o italiano e o português, um
argumento interno, como em (10), pode ser movido, como se abaixo, em (14), ou
permanecer in situ, como será visto a seguir. A estrutura superficial (SS) de (6a),
aqui retomada em (13), mostra claramente o alçamento do DP a Maria, de sua
posição de base para a posição de Spec IP (sujeito):
(13) A Maria chegou.
(14) IP
3
DP I’
A Maria
i
3
I VP
chegou
j
g
V’
12
2
V DP
t
j
t
i
Em (14), O DP a Maria é gerado como argumento interno de chegar, posição na qual
ele recebe seu papel temático [+ tema]. Verifica-se ainda, em SS, que este DP foi
alçado para a posição de Spec IP a fim de receber Caso nominativo e satisfazer o
Princípio de Projeção Estendido (EPP)
3
. Assim, formando-se a cadeia (A Maria
i
,
t
i
).
A SS da oração vista em (6b), aqui retomada em (15), em que temos o
argumento interno em sua posição de origem, ilustra a atribuição de Caso
nominativo com o DP a Maria in situ:
(15) Chegou a Maria.
(16) IP
3
DP I’
pro
expl
3
I VP
chegou
i
g
V’
2
V DP
t
i
A Maria
Se o DP a Maria permanece in situ, como satisfazer o EPP e como atribuir
Caso ao DP? Este problema é resolvido pela inserção de um expletivo nulo.
Enquanto em línguas de sujeito obrigatoriamente preenchido, como o inglês, este
3
Segundo o Princípio de Projeção Estendido (EPP, do inglês Extended Projection Principle), toda sentença tem
sujeito, e, portanto, deve ter uma posição sempre presente para o recebimento do caso NOMINATIVO.
13
expletivo possui matriz fonética, como pode ser visto em (17), no português, os
expletivos são nulos, ou seja, não pronunciados, representados aqui como pro
expl
.
(17) There arrived a boy.
pro
expl
chegou um menino’
A respeito da diferença encontrada na classe dos verbos monoargumentais,
existem alguns ‘testes’ realizados a fim de distinguir os verbos intransitivos dos
chamados inacusativos. Dentre eles, o mais eficaz para o PB parece ser a
transformação da construção inacusativa em uma construção com particípio:
(18) a) Ocorreu um acidente.
b) Ocorrido o acidente, a multidão se aglomerou.
A construção em (18b) pode ser realizada com verbos que projetam um
argumento interno, os inacusativos e os transitivos diretos, sendo, portanto,
incompatível com as construções intransitivas:
(19) a) O João comprou o livro.
b) Comprado o livro, o João começou a estudar.
(20) a) O menino estudou.
b) *Estudado o menino, saiu para brincar.
Carnie (2007) apresenta outra diferença entre os intransitivos e os
inacusativos. Enquanto aqueles podem opcionalmente selecionar um objeto direto,
como visto em (21), estes não podem, uma vez que seu sujeito é gerado na posição
de objeto:
(21) O menino estudou matemática.
(22) *O menino chegou uma carta.
1.2 Os diferentes tipos de construções inacusativas
14
São consideradas também inacusativas as construções passivas, pois tais
predicados selecionam apenas um argumento interno, ao qual atribuem Caso
nominativo:
(23) a) [
IP
[ pro
expl
] Foi escrito um artigo pelo professor].
b) [
IP
Um artigo
i
foi escrito t
i
pelo professor].
Verifica-se que, nas construções passivas, o constituinte com papel de tema,
um artigo, é alçado para a posição de Spec IP, onde recebe Caso nominativo:
(24) IP
3
DP I’
Um artigo
i
3
I VP
foi
j
g
V’
3
V PartP
t
j
6
escrito t
i
pelo professor
No entanto, os verbos inacusativos não são apenas aqueles que
selecionam um DP (argumento interno). Destacamos aqui os que selecionam uma
oração, que pode ter a estrutura de um CP (do inglês, complementizer phrase),
como convir, parecer, constar, etc, ou de um AgrP/GerP (do inglês, agreement
phrase/gerund phrase) como demorar, custar, acabar, ilustrados em (25a), (25b) e
(25c), respectivamente:
(25) a) [
IP
[ pro
expl
] Parece [
CP
que a Maria terminou o trabalho]].
b) [
IP
[ pro
expl
] Custou [
PP
para a Maria terminar o trabalho]].
c) [
IP
[ pro
expl
] Acabou [
GerP
a Maria terminando o trabalho]].
15
Da mesma forma que vimos com os inacusativos prototípicos na seção
anterior, o DP sujeito da oração encaixada pode ser alçado para a posição
disponível na oração matriz
4
:
(26) a) [
IP
A Maria
i
parece [
InfP
t
i
ter terminado o trabalho]].
b) [
IP
A Maria
i
custou [
PP
para t
i
terminar o trabalho]].
c) [
IP
A Maria
i
acabou [
GerP
t
i
terminando o trabalho]].
Finalmente, são considerados inacusativos também os verbos que
selecionam uma mini-oração, Small Clause (SC)
5
, como complemento. Desta classe,
fazem parte os verbos conhecidos como de ligação, como estar, parecer, ficar,
permanecer, continuar, etc.
(27) a) [
IP
[ pro
expl
] é [
SC
a Maria corajosa]].
b) [
IP
A Maria
i
é [
SC
t
i
corajosa]].
Neste caso, o DP a Maria é argumento de outro predicado: o predicado
nominal da SC: corajosa. É esse predicado, e não o verbo inacusativo (neste caso,
verbo não predicador), que irá decidir o tipo semântico do argumento, se [+ animado]
ou [- animado].
Em linhas gerais, foram apresentados até o momento o conceito de
inacusatividade, suas principais características em oposição às construções
intransitivas, e também, as diferentes estruturas com verbos inacusativos a
depender do tipo de complemento por eles selecionado. Verificou-se que fazem
parte desta classe de verbos monoargumentais, os verbos que (1) não selecionam
um argumento externo; (2) selecionam um argumento interno ao qual não atribuem
Caso acusativo; (3) permitem o alçamento de um DP para a posição de argumento
externo, onde recebe Caso nominativo. Nesse trabalho, serão analisados apenas os
inacusativos que selecionam um argumento interno representado por um DP.
4
Sobre essas construções e as chamadas construções de “hiperalçamento”, conferir Henriques (2008), que faz
um estudo diacrônico com base nas mesmas peças utilizadas na presente dissertação.
5
Segundo Mioto, Silva e Lopes (2005:107), Small Clause é uma predicação estabelecida entre um constituinte
DP e o predicado que o seleciona, sendo que o núcleo desse predicado não é uma flexão verbal e não pode
atribuir Caso a este DP.
16
1.3 Como a ordem (não) é tratada nas gramáticas
Os estudos gramaticais tradicionais não dedicam muita atenção à “sintaxe da
ordem”. Basta observar que, na “divisão da sintaxe”, nossas gramáticas contemplam
a sintaxe de Regência, a sintaxe de Concordância e a sintaxe de Colocação. Nesta
última, parece que apenas a “colocação” dos clíticos merece atenção especial. a
ordem dos demais constituintes aparece diluída em diversos pontos.
Na Gramática Normativa da Língua Portuguesa (Rocha Lima, 2003:236-238),
verificam-se as posições em que o sujeito pode aparecer na oração. O autor chama
de ordem direta aquela em que o sujeito vem antes do verbo, e de ordem inversa
aquela em que o sujeito se encontra posposto ao verbo. Para exemplificar a ordem
verbo + sujeito (ordem VS), o autor apresenta:
(a) as orações interrogativas, iniciadas por que, onde, quanto, como, quando e
porque (Que desejam vocês?; Onde estão as crianças?; etc);
(b) as orações da voz passiva sintética (Vendem-se carros usados);
(c) as orações iniciadas por advérbio enfático (Lá vão eles; Aqui está o seu
dinheiro!);
(d) as orações com verbos como dizer, perguntar, responder, que trazem a pessoa
que proferiu a oração anterior (Renunciarei ao cargo! Disse o ministro)
6
.
Cunha (1971) trata das ordens direta e inversa de forma bastante parecida
com a vista acima. O autor afirma que, assim como nas demais línguas românicas, a
ordem direta é a que predomina em português, principalmente em sentenças
enunciativas e declarativas. Verifica-se ainda que, embora haja esse predomínio, a
ordem inversa é bastante comum, sendo ainda mais facilmente aceita em português
que em outras línguas românicas, como o francês, por exemplo.
As inversões de natureza estilística ocorrem devido à necessidade de ênfase:
geralmente, o realce do sujeito provoca sua posposição ao verbo (Não s o que te
6
Verbos dicendi, dandi e rogandi, que apresentam o discurso direto.
17
dou eu?); o realce do predicativo, do objeto (direto ou indireto) e do adjunto
adverbial é expresso através de sua anteposição ao verbo (Avô de Otacília êsse
velhinho era; Ao bom darás e do mau te afastarás).
Por outro lado, fazem parte das inversões de natureza gramatical a inversão
predicativo + verbo e a inversão verbo + sujeito. Na inversão predicativo + verbo,
normalmente, o predicativo precede o verbo de ligação, como em Que monstro seria
ela? e Mais doce é o vosso cativeiro! (orações interrogativa e exclamativa,
respectivamente); e também em construções afetivas do tipo Orgulhoso, apaixonado
pela própria imagem – isso êle o foi!
A inversão verbo + sujeito pode ser vista, além das construções tratadas
anteriormente por Rocha Lima (2003), nas construções seguintes:
(a) orações imperativas (Ouve tu, meu cansado coração);
(b) orações absolutas construídas com o verbo no subjuntivo a fim de denotar uma
suposição, um desejo – orações optativas (Valha-me Deus!);
(c) orações reduzidas de infinitivo, de gerúndio e de particípio (Mediam tudo,
pesavam tudo, para não surgirem decepções; Não aparecendo ninguém, teve a
idéia de descer; Terminado o discurso, recebera seu diploma);
(d) certas construções com verbos unipessoais (Aconteceram diferentes coisas
nesse intervalo).
São justamente as construções unipessoais tratadas em Cunha (1971) que
correspondem ao contexto inacusativo. Semelhantemente, Rocha Lima (2003) faz
menção à ordem em que o sujeito deste tipo de verbo “intransitivo” aparece. O autor
fala sobre uma inversão especial, que, segundo ele, “requer cuidado” (Rocha Lima,
2003:237): a inversão do sujeito a verbos intransitivos como aparecer, chegar,
correr, restar, surgir, etc. Esta inversão requer cuidado porque pode fazer com que o
leitor interprete o sujeito posposto como objeto direto; e.g.Apareceu, enfim, o
cortejo real; Chegaram boas notícias!” (Rocha Lima, 2003:238)
Bechara (1977) também exemplifica a ordem inversa no português, ao
chamar a atenção para estruturas em que “o verbo vem no início das orações que
18
indicam existência (ser, existir, haver, fazer), tempo, peso, medida: (...) Existiam
várias razões.(...) Faltam dois dias para a festa.” (Bechara, 1977:324)
Dentre os outros casos de ordem inversa tratados pelo autor, assim como
vistos nas demais gramáticas, predominam:
(a) a voz passiva pronominal (Alugam-se casas);
(b) as orações reduzidas de gerúndio e particípio (Terminado o discurso, dirigiu-se
ao hotel);
(c) as orações que acompanham o discurso direto (Suma-se – ordenou o policial);
(d) as interrogações introduzidas por pronomes e advérbios (De quem falava você
quando chegamos?; Como foi ele parar nessa encrenca?).
Uma novidade é que o autor menciona a ordem SV em interrogativas (De
quem você falava?) e o uso do vocábulo interrogativo no final da oração, isto é, da
partícula qu- in situ (Ele comprou o quê?).
Observa-se que, assim como era esperado, na classificação dos verbos
quanto ao tipo de complemento, não é feita nenhuma distinção entre verbos
inacusativos e intransitivos, uma vez que aqueles passaram a ser considerados
separadamente dos intransitivos a partir da generalização de Burzio (1986) no
âmbito dos estudos lingüísticos. Nota-se, porém, que se chamava a atenção para
seu comportamento diferente e para o cuidado que seu uso requer.
1.4 O parâmetro do sujeito nulo no Português Brasileiro: mudanças
O parâmetro do sujeito nulo foi originalmente proposto dentro do quadro de
estudos da Gramática Gerativa em conseqüência das comparações estabelecidas
entre o inglês e as línguas românicas de sujeito nulo, como o espanhol e o italiano.
Segundo Chomsky (1981), a propriedade de o sujeito não ser realizado
foneticamente estaria relacionada a uma outra propriedade das línguas pro-drop:
rica especificação morfológica da concordância verbal (quadro flexional verbal rico).
No espanhol e no italiano, cujos paradigmas verbais apresentam desinências
distintivas para cada pessoa e número gramaticais, a opção do preenchimento do
19
sujeito pronominal só se daria em casos de ênfase, ou para desfazer alguma
possível ambigüidade, ao contrário do inglês, cujo paradigma flexional verbal pode
ser considerado pobre, por não apresentar um número mínimo de desinências
distintivas que o tornem um paradigma capaz de licenciar e identificar o sujeito nulo,
sendo, portanto, necessário o preenchimento pronominal.
O PB parece diferir bastante das outras línguas românicas descritas acima.
Pesquisas diversas realizadas nas últimas décadas (cf. dentre outros, Duarte 1993,
1995, 2003) têm revelado que o PB está passando por uma mudança quanto ao
valor na marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo: de língua [+ pro-drop] (sujeito nulo)
para [- pro-drop] (sujeito preenchido). Como mostram os exemplos de fala abaixo, a
posição do sujeito pronominal vem se caracterizando pela forma plena, tanto para
sujeitos de referência definida, caso do exemplo (28), quanto para os de referência
indeterminada, como mostra o exemplo (29), (exemplos de Duarte 2003):
(28) ELA ganha bem, mas eu acho que ELA devia ganhar mais porque ELA
merece.
(29) A GENTE tem que seguir o que A GENTE sabe e da forma que A GENTE foi
criado.
Tais mudanças estariam relacionadas justamente à redução dos paradigmas
flexionais verbais verificada no PB. A tabela 1.1 abaixo, adaptada de Duarte (1993),
apresenta a evolução destes paradigmas flexionais na língua:
Quadro 1.1: Evolução dos paradigmas flexionais em PB adaptado de Duarte
(1993).
Pessoa
Número
Pronomes
Paradigma
1
Paradigma
2
Paradigma
3
singular Eu cant - o cant - o cant - o
2ª direta singular Tu canta - s canta - Ø canta - Ø
2
a
singular Você canta - Ø canta - Ø canta - Ø
20
indireta
3
a
singular Ele / Ela canta - Ø canta - Ø canta - Ø
plural Nós
A gente
canta - mos
____
canta - mos
canta - Ø
canta - Ø
canta - Ø
2ª direta plural Vós canta - is ____ ____
indireta
plural Vocês canta - m canta - m canta - m
3
a
plural Eles / Elas canta - m canta - m canta - m
Como se verifica na tabela acima, após a perda da distinção entre TU e
VOCÊ, no que diz respeito à presença/ausência do morfema <-s> (seja pela opção
por VOCÊ, seja pela neutralização entre TU/VOCÊ)
6
, um paradigma com seis
formas distintivas (Paradigma 1), mais dois sincretismos, representados pela
segunda pessoa indireta –– que utiliza as formas verbais com desinência zero: você
canta –– passa a exibir quatro formas (Paradigma 2). Este paradigma, segundo a
autora, restrito à língua escrita e à fala de uma geração cuja faixa etária é mais alta,
coexiste hoje com um terceiro, que apresenta apenas três formas, em conseqüência
da substituição do pronome de primeira pessoa do plural NÓS pelo pronome A
GENTE
7
–– que utiliza formas verbais igualmente com a desinencia zero: a gente
canta –– principalmente pelos falantes mais jovens (Paradigma 3).
A esta redução no quadro dos paradigmas flexionais verbais, que perderam
sua riqueza formal e funcional, pode ser associado o aumento do preenchimento da
posição do sujeito pronominal de referência definida, o que mostram os resultados
de Duarte (1993) para uma análise variacionista da mudança em tempo real de
6
Nas regiões do Brasil que mantêm TU/VOCÊ para a referência à segunda pessoa, parece haver grande
variação entre presença/ausência da desinência <-s>, com predomínio da desinência zero.
7
Sobre a pronominalização/gramaticalização de A GENTE, ver Lopes (2003); de VOCÊ, ver Lopes & Duarte
(2003).
21
longa duração, com base em peças de teatro popular, como mostra o gráfico 1.1, a
seguir:
Sujeitos pronominais nulos em sete períodos
80%
77%
75%
54%
50%
33%
26%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1845 1882 1918 1937 1955 1975 1992
Gráfico 1.1: Sujeitos pronominais nulos em peças teatrais (Duarte 1993)
Verifica-se que, durante os três primeiros períodos, 1845, 1882 e 1918, é o
Paradigma 1 que está em vigor, permitindo licenciar e identificar um sujeito nulo.
Assim, foi possível encontrar altos índices de sujeitos nulos nesses primeiros
períodos. Nos dois períodos seguintes, 1937 e 1955, os dados exibem o Paradigma
2, que coexiste com o Paradigma 3, nos dois últimos períodos analisados, 1975 e
1992. É possível perceber a gradativa queda das ocorrências de sujeito nulo, ao
longo dos períodos analisados, chegando a apenas 26% no último período, ou seja,
74% de sujeitos pronominais expressos.
Os resultados encontrados para a peça de 1992 se revelam bastante
próximos dos obtidos por Duarte (1995), para a fala espontânea culta, amostra
NURC, e por Duarte (2003a), para a fala espontânea popular, amostra PEUL. Em
todas as referidas pesquisas, foram encontrados elevados índices de preenchimento
do sujeito pronominal referencial, inclusive nos contextos estruturais em que uma
língua de valor [+ pro drop] deixaria categoricamente vazia a posição de sujeito,
como em (30), em que o antecedente do pronome é [-animado], e em (31), com a
22
ocorrência de sujeito deslocado à esquerda e retomado em três estruturas
consecutivas tendo o antecedente em orações adjacentes:
(30) A casa
i
virou um filme quando ela
i
teve de ir abaixo.
(31) Eu conheço duas (moças)
i
que
i
elas
i
não sabem ficar sozinhas. Elas
i
não
conseguem, sabe? Elas
i
podem namorar o cara mais idiota do mundo. Mas
elas
i
têm que ter um namorado.
Essas análises mostram que a mudança em direção aos sujeitos plenos se
implementa em contextos em que o sujeito nulo não é categórico, ou é quase
categórico nas línguas de sujeito nulo. A implementação obedece a uma hierarquia
de referencialidade, afetando os sujeitos de 1
a
. e 2
a
. pessoas, que são
inerentemente [+ humanos], e encontrando maior resistência nos sujeitos de 3
a
.
pessoa, que podem apresentar os traços [+/- humano] e [+/- animado]. Dentre outros
fatores estruturais que favorecem o preenchimento do sujeito pronominal, verifica-se
o padrão sentencial: o sujeito pleno se implementa mais facilmente no contexto em
que seu antecedente se encontra em outra função sintática, e quando ocorrência
de material interveniente entre ele e o sujeito. Por outro lado, a presença do
antecedente do sujeito em contexto imediatamente precedente e na mesma função
propicia a ocorrência do sujeito nulo. No entanto, mesmo nesses contextos de
resistência à mudança, se encontra um número bastante relevante de dados de
preenchimento.
A mudança se faz notar na modalidade escrita do PB. Segundo Duarte
(2007), o uso do sujeito pleno é favorecido quando material interveniente entre o
antecedente e o pronome nulo ou pleno (padrão 3), como mostra o exemplo (32), ou
quando o antecedente não exerce a função de sujeito no contexto precedente
padrão 4, como mostra o exemplo (33).
(32) Gilberto Braga
i
não foi muito feliz em seus últimos trabalhos. [“O Dono do
Mundo”, “Pátria Minha” e “Força de um Desejo” estiveram longe de alcançar
23
a repercussão de “Dancing Days”, “Água Viva” ou “Vale Tudo”]. Em
“Celebridade” ele
i
não se permitiu arriscar. [O Globo 12.11.03 - PB]
(33) Uma das grandes alegrias do meu pai
i
era acompanhar o ir-e-vir dos
lagartos que moravam no sítio. Ele
i
passava boa parte do dia trabalhando na
biblioteca (...) mas fazia questão de ser avisado sempre que algum deles
aparecia. [O Globo 12.02.04 - PB]
Da mesma forma que na fala, verificou-se que o contexto mais resistente ao
preenchimento é aquele em que o sujeito e seu antecedente possuem a mesma
função, sendo aquele encontrado na oração principal, e este (nulo ou pleno)
encontrado na(s) frase(s) subordinada(s) –– o que Barbosa, Duarte e Kato (2005)
chamam de preenchimento pronominal redundante no PB (padrão 1):
(34) Enquanto isso, com uma tolerância que não tinham com ele, Meirelles
i
explicava pacientemente que Ø
i
não teve a pretensão de fazer sociologia
nem obra-prima.[O Globo 31.01.04 - PB]
Outro contexto de resistência ao preenchimento é aquele em que o antecedente se
encontra em oração imediatamente adjacente, na mesma função, facilmente
acessível numa língua de sujeito nulo, como pode ser visto no exemplo (35) (padrão
2):
(35) Na tragédia, Clara
i
ganha os melhores momentos de sua vida. Curada, Ø
i
voltará para Milão e para seu cotidiano infernal. [O Globo 21.01.04 - PB]
Contudo, verificou-se que, em todos os padrões de correferência, o PB
apresenta um alto índice de preenchimento, sendo possível constatar um aumento
progressivo no uso de sujeito pleno do padrão 1 para o padrão 4, na escrita.
Com os resultados apresentados acima, pode-se concluir que:
“(...) a expressão do sujeito pronominal é hoje no português uma regra
variável, com a forma expressa sendo a não-marcada em termos de
freqüência. Com isso, a expressão do sujeito deixa de ser um recurso de
que o sistema dispõe e o falante lança mão para expressar ênfase ou
contraste. Ela é usada também, mas não apenas, para este fim”.
(DUARTE, 2007:271)
Deve-se ainda considerar que esta mudança em direção ao preenchimento do
sujeito não é um fenômeno isolado no sistema. Considerando o feixe de
24
propriedades relacionadas ao Parâmetro do Sujeito Nulo, dentre as quais interessa
aqui o sujeito nulo, bem como a noção de encaixamento da mudança, proposta por
Weinreich, Labov e Herzog (1968), é natural esperar certas alterações conseqüentes
da mudança no valor da marcação do parâmetro. A primeira evidência desse
encaixamento da mudança é revelada através das construções com sujeitos
deslocados à esquerda, isto é, construções de “duplo sujeito”. Os exemplos abaixo
revelam que tais estruturas ocorrem tanto em contextos iniciais –– sem material
interveniente, (36), ou com material interveniente, (37) –– quanto em contextos
encaixados, como se vê em (38):
(36) A população neotrentina
i
ela
i
é meio flutuante porque os homens saem
muito para trabalhar na construção civil.
(37) A minha filha
i
quando era pequena, ela
i
sempre desceu, sempre brincou lá.
(38) Não vou falar de bermuda, [porque os alunos
i
hoje em dia no verão eles
i
vêm assistir aulas com bermuda de qualquer tamanho]
Outra evidência da mudança encaixada é o preenchimento dos sujeitos de
referência indeterminada/arbitrária encontrado na fala espontânea carioca, como
mostram os exemplos abaixo (Duarte 1995 e 2003a):
(39) Você
i
, quando você
i
viaja, você
i
passa a ser turista. Então você
i
passa a
fazer coisas que você
i
nunca faria no Brasil.
(40) Hoje em dia, quando a gente
i
levanta as coisas, é que a gente
i
vê tudo o que
aconteceu. Mas na época a gente
i
não podia acreditar [...]. A gente
i
não
acreditava nisso, primeiro porque a gente
i
era novo.
Em conseqüência da mudança paramétrica, seria natural esperar também
alterações na representação dos sujeitos não argumentais/não referenciais e, de
fato, é o que revelam estudos sobre as construções com predicados que não
selecionam argumento externo (cf. Duarte 2003b, 2007b). As análises de tais
estruturas revelam que, embora o PB não tenha desenvolvido um expletivo lexical,
como ocorreu no francês, o sistema lança mão de elementos referenciais a fim de
25
ocupar a posição vazia à esquerda desses predicados. Esta estratégia ocorre nas
construções existenciais, como se vê em (41), e também nas construções de
alçamento, como em (42):
(41) Em vez de: Não é como no Rio de Janeiro, que em cada esquina ___
tem/há um bar pra você lanchar.
Temos: Não é como no Rio de Janeiro, que VOCÊ em cada esquina
VOCÊ tem um bar pra você lanchar.
(42) Em vez de: Às vezes, ___ parece que EU vou explodir de raiva.
Temos: Às vezes, EU pareço que EU vou explodir de raiva.
Uma outra estrutura sujeita a tais alterações seriam as construções com
verbos inacusativos que selecionam um DP, argumento interno. Nessas estruturas,
as ordens VS e SV são possíveis nas línguas de sujeito nulo. Ora, como a ordem VS
apresenta um sujeito nulo expletivo, seria natural esperar como conseqüência da
mudança em direção ao preenchimento (a) um aumento da ordem SV ou (b) a
inserção de elementos referenciais na posição do sujeito esquerda do verbo). A
seção seguinte apresenta algumas análises sincrônicas e diacrônicas a respeito
deste fenômeno no PB.
1.5 A ordem VS
O estudo do fenômeno da ordem dos constituintes tem recebido muitas
contribuições ao longo dos anos. Diferentes enfoques teóricos têm sido utilizados
para abordar tal fenômeno, tanto na modalidade escrita, quanto na modalidade
falada do PB. As linhas que seguem apresentam os resultados encontrados em
alguns desses estudos acerca da ordem VS, numa perspectiva que mais se alinha à
nossa.
1.5.1. A ordem VS em construções monoargumentais
26
Estudos sobre a ordem VS em sentenças declarativas mostram que esta
ordem se encontra hoje quase que totalmente restrita a sentenças com verbos
monoargumentais, como os intransitivos, inacusativos e copulativos, por exemplo.
Isto corresponde à chamada restrição de monoargumentalidade que cerca a
ocorrência da ordem VS no PB (cf. Tarallo e Kato, 1989).
Segundo Coelho (2000:02), “quanto menos transitivo um verbo é, maior a
possibilidade de inversão de seu DP; quanto mais transitivo é, menor essa
possibilidade”. Esta relação entre transitividade verbal e ordem dos constituintes
pôde ser atestada em diversos trabalhos que tratam do tema. Os resultados de Lira
(1986), por exemplo, que analisou o fenômeno da ordem em construções transitivas,
intransitivas e de cópula, revelaram que apenas 0,8% do total de dados na ordem
VS ocorria com verbos transitivos. Segundo a autora, isso se deveria à possibilidade
de a posposição do DP sujeito ao verbo transitivo gerar ambigüidade na
identificação da função sintática exercida pelo constituinte pós-verbal. Os resultados
de Lira são confirmados por Berlinck (1988), que podem ser vistos na tabela 1.1
abaixo:
Tabela 1.1: Ordem VS segundo a transitividade do verbo
(Berlinck 1988:88, apud Spano 2002)
TRANSITIVIDADE DO VERBO
Verbo intransitivo existencial 99%
Verbo intransitivo não-existencial 46%
Verbo de ligação 23%
Verbo transitivo indireto 8%
Verbo transitivo direto 3%
Sem separar ainda mais claramente intransitivos e construções “inacusativas”
(cf. seção 1.1), a restrição de monoargumentalidade fica clara nos resultados
27
encontrados pela autora. Como se na tabela 1.1 acima, os intransitivos
existenciais alcançam 99% de ordem VS, seguidos pelos intransitivos não-
existenciais, com 46% de posposição. Apenas os transitivos rejeitam a ordem VS,
com menos de 10% de posposição.
No entanto, a monoargumentalidade não é por si a restrição para a ordem
VS, uma vez que, no contexto monoargumental, também podem ser encontrados
sujeitos pré-verbais. Além da monoargumentalidade, é preciso levar em
consideração o tipo de argumento e a relação estabelecida com o verbo que o
projeta. Berlinck (1988 apud Spano 2002) verificou que o traço semântico [-agentivo]
do DP sujeito, bem como o tipo de verbo influenciam na definição da ordem. Isso
significa que são os verbos inacusativos os que influenciam favoravelmente a ordem
VS.
Ao realizar um estudo diacrônico com peças de autores brasileiros e
portugueses, Berlinck (1995, apud Spano 2002) refina o tratamento de verbos
monoargumentais, fazendo a distinção entre (a) verbos intransitivos o-ergativos;
(b) verbos intransitivos ergativos (derreter, aquecer, morrer, aparecer, acontecer,
existir, etc.); (c) construções com se-V; (d) construções com verbos de movimento e
(e) construções copulares. Destes tipos de construção, segundo os resultados da
autora, os verbos que apresentam maior índice de ordem VS, com um percentual de
43% do total de ocorrências de posposição, são os chamados verbos intransitivos
ergativos, a que nos referimos aqui como inacusativos
8
.
Spano (2002), analisando construções declarativas monoargumentais,
na fala culta das variedades brasileira e européia do português, encontrou uma
acentuada freqüência da ordem VS (68% para o PE e 61% e 52% para as décadas
de 70 e 90 do PB, respectivamente). Uma explicação dada para a alta incidência
desta ordem foi a grande quantidade de construções existenciais encontrada pela
autora em todas as amostras analisadas: seus resultados revelam que cerca de 70%
das ocorrências de posposição são com construções existenciais. Ressalte-se,
entretanto, que a autora incluiu as construções com haver. Outro fator encontrado
8
Haegman (1994) estabelece uma distinção entre verbos inacusativos e ergativos, sendo estes considerados
verbos causativos, que projetam seu argumento TEMA na posição de sujeito: The boat sank. Duas razões são
apresentadas para justificar esta distinção. Em primeiro lugar, o verbo SINK pode ser usado como transitivo, em
que ele concede caso acusativo a um de seus argumentos: The enemy sank the boat
. Outra razão diz respeito à
construção com o expletivo there. Enquanto verbos tipicamente inacusativos permitem a construção com there:
There arrived three men, os verbos causativos não ocorrem nessas construções: *There sank three ships last
week.
28
como favorecedor desta ordem foi o traço semântico do DP sujeito em posição s-
verbal [- definido, + novo]. A anteposição do DP ao verbo, ao contrário, é favorecida
pelos DPs definidos e por aqueles já mencionados no discurso, evidenciando, assim,
uma relação entre a definição da ordem e estratégias discursivas.
Das construções não-existenciais analisadas pela autora fazem parte (a) os
verbos intransitivos de ação (acordar, chorar, dormir, rir, tremer); (b) intransitivos
com deslocamento concreto (andar, correr, passear); (c) de movimento com
deslocamento concreto (verbos que apresentam seu sentido prototípico de
deslocamento espacial do argumento: chegar, entrar, ir, passar, sair,); (d) de
movimento com sentido inacusativo (verbos que se distanciam do seu sentido
prototípico de deslocamento ao expressar uma mudança de estado sem o
deslocamento físico do argumento: vir, sair); (e) inacusativos de mudança de estado
(verbos inacusativos prototípicos: acontecer, aparecer, começar, ocorrer, surgir,) e
(f) inacusativos de permanência de estado (prevalecer, predominar, imperar). De
todos esses contextos, foram os intransitivos que apresentaram a menor freqüência
da ordem VS, tanto para o PB (5% e 2% para o PB70 e o PB90, respectivamente),
quanto para o PE (13%), independentemente do traço [-definido] do argumento
externo. Isso mostra que a categoria sintático-semântica dos verbos está
intimamente relacionada à ordem dos constituintes selecionados, o que está de
acordo com resultados mostrados anteriormente.
Assim, foram estabelecidos como contextos que favorecem a ordem básica,
VS, as construções inacusativas existenciais e de mudança de estado, bem como,
as construções de movimento com sentido inacusativo. Do outro lado, inibindo tal
ordem, encontram-se as construções intransitivas e de movimento com
deslocamento concreto, como pode ser visto na tabela abaixo:
29
Tabela 1.2: Ordem VS segundo a categoria sintático-semântica do verbo
(adaptada de Spano, 2002:74)
CATEGORIA SINTÁTICO-SEMÂNTICA DO VERBO PE PB70 PB90
Movimento com sentido inacusativo 50% 87% 70%
Inacusativo de mudança de estado 40% 50% 52%
Inacusativo existencial 53% 50% 38%
Movimento com deslocamento concreto 32% 13% 12%
Intransitivo 13% 5% 2%
Foi observado até o momento que, ao longo dos anos, em se tratando
de contextos pluri-argumentais, o fenômeno da ordem em sentenças declarativas do
PB passou por um decréscimo gradual da freqüência de VS em direção a um
enrijecimento da ordem SV. Por outro lado, as construções monoargumentais se
apresentam ainda como um contexto propício à posposição, a depender do tipo de
verbo e do traço semântico do argumento selecionado. Em resumo, os trabalhos até
aqui descritos confirmam uma maior rigidez da ordem VS e apontam os contextos de
resistência dessa ordem no sistema.
Na seção seguinte, serão apresentados os resultados encontrados
para a ordem VS nos contextos exclusivamente inacusativos. Os trabalhos
apresentados buscam identificar dentro do quadro dos inacusativos quais são os
itens lexicais que mais resistem à ordem SV, ou seja, quais os que mantêm mais
rígida a ordem VS.
1.5.1.1 A ordem VS nas construções inacusativas
1.5.1.1.1 Análises sincrônicas
30
Em pesquisas anteriores, das quais a autora desta dissertação
participou como bolsista de iniciação científica, foram analisadas diferentes amostras
sincrônicas a fim de comparar os resultados obtidos para a fala e a escrita cariocas.
Duarte e Santos (2005), utilizaram duas amostras: (a) as amostras de fala popular
carioca (Projeto PEUL, Programa de estudos sobre o uso da Língua), gravadas em
dois períodos de tempo distintos (no início dos anos 80 e em 2000), com 30
indivíduos cada uma, estratificados segundo a faixa etária e o nível de escolaridade,
permitindo um estudo em tempo real de curta duração que focaliza a possível
mudança na comunidade (Estudo de Tendência); (b) a amostra de língua escrita,
constituída de textos de opinião, reportagens e crônicas publicados entre 2002 e
2004 em dois tipos de jornal carioca: um dirigido a uma camada mais escolarizada e
outro mais popular.
Os resultados gerais obtidos para a posposição do DP sujeito ao verbo nas
duas análises podem ser vistos nos gráficos a seguir:
(a) Fala popular
Início dos anos 80
41%
59%
VS SV
Anos 2000
50% 50%
VS SV
Gráfico 1.2: Distribuição de VS / SV na fala popular.
(b) Escrita padrão
Anos 2000
38%
62%
VS SV
Gráfico 1.3: Distribuição de VS / SV na escrita padrão.
31
Como se pode observar, na língua oral a distribuição VS/SV mostra leve
alteração nos dois períodos de tempo (anos 80 e 2000). Na escrita, ao contrário, se
observa o predomínio de construções com sujeito à esquerda do verbo: 62% das
ocorrências. Esses números percentuais, entretanto, incluem todos os tipos de DPs
sujeitos: novos e evocados, definidos e indefinidos, lexicais e pronominais.
Assim, foi possível confirmar que a posposição do argumento interno do verbo
fica cada vez mais restrita ao status informacional [+ novo] [- definido] [- animado] do
DP, associado a certos verbos, como existir, aparecer, surgir, conforme mostram os
exemplos abaixo:
(43) a) Mas, se diz para aquele povo, [pro
expl
] SURGIA um pânico tremendo
(Fala)
b) assim, [pro
expl
] SURGIRÁ uma luz dentro do túnel, e talvez possamos
voltar aos bons tempos dos grandes sambas enredo (Escrita)
Por outro lado, certos verbos inacusativos, como morrer e nascer,
aparecem predominantemente com a ordem SV, seja com um DP sujeito novo ou
evocado, mas com o traço [+ definido] [+ animado]:
(44) a) Porque meu pai
i
MORREU t
i
eu tinha três anos. (Fala)
b) Dias antes foi a vez da Rocinha, onde, numa operação mal explicada (...)
três garotos
i
MORRERAM t
i
. (Escrita)
Um outro resultado a destacar é a rejeição ao verbo em primeira posição.
Observou-se a presença de elementos à esquerda do verbo no contexto VS,
obedecendo a uma restrição fonológica que parece ter começado a implementar-se
no sistema (cf. Kato & Duarte 2003). Assim como em Spano (2002), foram os
elementos adverbiais que apareceram com maior freqüência à esquerda do verbo,
entre os quais temos negação, advérbios aspectuais, conectores e marcadores
discursivos. Vejamos em (45) alguns exemplos:
32
(45) a) [pro
expl
] VEIO um carro, atropelou ele (Fala)
b) quando [pro
expl
] CHEGA o dia do meu aniversário, eu não preciso nem
falar (Fala)
c) Mas de uma coisa eu tenho certeza: [pro
expl
] não FALTOU empenho e por
isso nenhuma daquelas palavras serviu para o grupo. (Escrita)
d) Quando [pro
expl
] CHEGOU a notícia do avião lançado sobre o Pentágono e
do que caíra na Pennsylvania, a Katie Courik e seus colegas tinham quase
toda a história dos quatro seqüestros. (Escrita)
Tendo como ponto de partida os resultados apresentados acima, foi realizada
uma análise comparativa acerca da ordem VS em construções inacusativas, entre as
modalidades brasileira e européia do português, com base em duas amostras: uma
de jornais do Rio de Janeiro e outra de Lisboa, ambas constituídas de textos de
opinião, notícia e crônica publicados entre 2002 e 2005.
Estando tal análise relacionada ao processo de mudança paramétrica em
direção ao preenchimento do sujeito pronominal do PB, era de se esperar que o PE,
como língua que conserva as propriedades de sujeito nulo, às quais está
relacionada a ordem VS, apresentasse diferenças quantitativas e qualitativas.
Os resultados demonstraram, ao contrário da expectativa inicial, que entre o
PB e o PE, há mais semelhanças do que diferenças quanto a este fenômeno,
confirmando a análise de Spano (2002) para a fala das duas variedades. Como pode
ser visto no gráfico 1.4, abaixo, os índices de VS são praticamente os mesmos nas
duas variedades: 41% de ordem VS para o PB e 38% para o PE.
Jornais PB
41%
59%
VS SV
Jornais PE
38%
62%
VS SV
Gráfico 1.4: Distribuição de VS / SV na escrita padrão do PB e do PE.
33
Verificou-se, ainda, que a ordem VS, tanto na escrita brasileira quanto na
européia está fortemente relacionada ao status informacional do DP [+ novo], como
se em (46), e à categoria sintático-semântica do verbo existencial e de
permanência de estado, em (47a) e (47b), respectivamente:
(46) a) Foram negociações tensas, porque na região [pro
expl
] estavam
OCORRENDO muitos saques a lojas e feiras livres. (Escrita PB)
b) Dentro de dias [pro
expl
] COMEÇARÁ para a Igreja Católica a era
pós-concílio (Escrita PE)
(47) a) Basta atentar no contraste com o que se passa em Espanha, onde [pro
expl
]
EXISTE uma legislação semelhante. (Escrita PE)
b) [pro
expl
] FICA, pois, a contribuição do Balanço Mensal: o
crescimento ajuda mas não basta para reduzir as taxas de desemprego.
(Escrita PB)
Num terceiro estudo, observaram-se as amostras de fala culta
pertencentes ao Projeto NURC-RJ, gravadas em dois períodos de tempo distintos,
anos 70 e 90, e organizadas para análise em tempo real de curta duração.
9
Como se pode observar no gráfico 1.5, na língua oral culta, os percentuais
para a ordem VS nos anos 70 e 90 são muito parecidos, 59% e 61%,
respectivamente.
Anos 70
59%
41%
VS SV
Anos 90
61%
39%
VS SV
Gráfico 1.5: Distribuição de VS / SV na fala culta.
9
As entrevistas coletadas sobre diferentes temas pertencem ao formato DID, i.e., diálogos entre informante e
documentador.
34
A fim de justificar a aparente resistência que os verbos inacusativos
apresentam em relação à mudança na ordem VS, foi realizada uma análise
qualitativa tanto dos itens lexicais (grupos de verbos inacusativos), quanto dos DPs
sujeitos.
O fato de ter havido um grande número de ocorrências com o verbo existir
(verbo existencial) e com o grupo ficar, restar, sobrar (verbos de permanência de
estado) na fala culta justifica o predomínio da ordem VS nesta amostra. Um exame
dos resultados revelou que são exatamente estes os tipos de verbos que
apresentam os percentuais mais elevados de posposição.
Uma outra justificativa para o maior índice de VS na fala culta está
relacionada ao fator definitude do DP sujeito. Sabe-se que o traço [- definido] do DP
é o contexto favorecedor da posposição. Foi encontrado um maior número de DPs
indefinidos, resultando, portanto, na maior ocorrência da ordem VS nesta amostra.
Em suma, com os resultados apresentados nesta seção, verificou-se que, de
fato, para estudar a ordem VS, faz-se necessário levar em consideração o traço
semântico do DP sujeito, associado à composição sintático-semântica do verbo, bem
como o item lexical. Nota-se que, embora a ordem VS comece a ceder lugar para
a ordem SV nas construções inacusativas, este contexto ainda apresenta uma forte
resistência à mudança, revelando que, das propriedades das línguas de sujeito nulo,
esta parece ser uma das mais resistentes à mudança no PB, o que está de acordo
com estudos sobre línguas que mudaram a marcação do parâmetro.
1.5.1.1.2 Análises diacrônicas
Com o intuito de iniciar uma análise diacrônica acerca da ordem VS com
verbos inacusativos, foi realizado um trabalho com duas amostras pertencentes ao
Projeto PHPB-Rio (Para uma História do Português Brasileiro) (cf. Santos, 2007).
Foram elas:
35
(i) Amostra constituída por 41 cartas pessoais escritas no último quartel do
século XIX, pelo casal Christiano e Barbara Ottoni a seus netos, Mizael e Christiano.
Do avô, têm-se 27 cartas, enquanto da avó, apenas 14;
(ii) Amostra constituída por cerca de 20 cartas pessoais dirigidas a Ruy
Barbosa, escritas no período de 1866 a 1899, por pessoas de renome, como
ministros, deputados, secretários, etc. Estas cartas constam do Arquivo de Rui
Barbosa - Inventário Analítico da Série Correspondência Geral Vol. 1
Correspondentes usuais: pessoas físicas (Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de
Janeiro)
O objetivo deste trabalho era observar as ocorrências de VS/SV nas
construções com verbos inacusativos na escrita do PB ao final do século XIX, e, com
isso, investigar os contextos particulares que limitam tal ordem.
Partiu-se da hipótese de que não fossem tão recorrentes nas construções
inacusativas do culo XIX as alterações encontradas na estrutura das construções
do século XX, apresentadas na seção anterior, como a anteposição do sujeito ao
verbo, por exemplo. Em outras palavras, esperava-se que as construções do século
XIX conservassem as propriedades de sujeito nulo, às quais está relacionada a
ordem VS, apresentando, portanto, maior rigidez em casos de DPs sujeitos novos,
indefinidos e inanimados.
O resultado geral obtido para a posposição do sujeito ao verbo pode ser visto
no gráfico 1.6, abaixo:
Cartas pessoais Séc XIX
55%
45%
VS SV
Gráfico 1.6: Distribuição de VS/SV e cartas pessoais do século XIX
36
Como se pode observar, foi encontrado um leve predomínio da ordem VS,
representando 55% do total de dados, uma ocorrência superior à encontrada na
amostra de jornais contemporâneos.
Ao observar os contextos estruturais que favorecem a ordem VS na escrita do
século XIX, verificou-se que o status informacional [+ novo] do DP sujeito se
comporta como o contexto de resistência desta ordem: 67% dos DPs com traço
semântico [+ novo] se encontram pospostos ao verbo, enquanto somente 37% dos
DPs evocados, traço semântico [- novo], se encontram pospostos ao verbo. Vejamos
abaixo exemplos de DPs novos e evocados, em (48a) e (48b), respectivamente:
(48) a) Aqui a novidade que houve é que [pro
expl
] CAHIO o ministerio do Joaõ
Alfredo e levaraõ 15 dias para organizarem outro (CA38)
b) a revolução a meo ver está terminada, desejo presenciar a athitude do
Senado em relação a ti, (...) disse que Você é quem influe para que a
revolução
i
CONTINUE t
i
, enfim altribuem a ti tudo (CR14/3/14)
Outro fator que favorece a ordem VS na amostra é a categoria sintático-
semântica do verbo. Este grupo leva em consideração tanto o significado veiculado
pelo verbo quanto o traço semântico de seu argumento interno. As categorias
sintático-semânticas trabalhadas foram quatro: (a) verbos existenciais; (b) verbos de
permanência de estado; (c) verbos de mudança de estado com movimento físico e
(d) verbos de mudança de estado sem movimento físico. Curiosamente, não foi
encontrado nenhum dado que ilustrasse a categoria existencial não foi encontrado
nenhum dado com verbo existir, um contexto de forte resistência da ordem VS.
Os resultados para este fator revelaram que os verbos de mudança de estado
com movimento físico, como chegar e vir, por exemplo, lideram a preferência pela
ordem VS, com 64% dos dados de posposição. Por outro lado, os verbos de
permanência de estado, como ficar, se encontram no outro extremo favorecendo a
anteposição do DP sujeito ao verbo. Permanecem em um nível intermediário os
verbos de mudança de estado sem movimento físico, como começar, terminar,
37
cessar, com 50% de posposição. Os exemplos (49)-(51) ilustram as diferentes
categorias encontradas:
VERBOS DE MUDANÇA DE ESTADO (COM MOVIMENTO FÍSICO)
(49) Agora neste instante [pro
expl
] CHEGARAÕ os caixoens com as encomendas
que vieraõ de la mas naõ posso mandar dizer nada, por que esta vai agora
de manhã para seguir hoje. (CA35)
VERBOS DE MUDANÇA DE ESTADO (SEM MOVIMENTO FÍSICO)
(50) a) Felismente, o meu incommodo
i
CESSOU t
i
de todo, e tenho agora
melhor appetite do que antes de adoecer. (CA22)
b) Imagino, quanto deve ser agora agradavel o clima de Paris, tendo [pro
expl
]
CESSADO o frio e naõ tendo chegado as ordens de Julho. (CA18)
VERBOS DE PERMANÊNCIA DE ESTADO
(51) assim se me afiançou, todos os empregados
i
FICARÃO t
i
, menos o
Alfredo, não sei a rasão. (CR14/3/19)
Contrariando a expectativa inicial, a definitude do DP sujeito não foi um fator
que contribuiu para sua posposição ao verbo. Os resultados da ordem VS e da
ordem SV se mostraram bastante equilibrados, tanto para DPs sujeitos definidos
quanto para DPs sujeitos indefinidos. Vejamos abaixo alguns exemplos de DPs
definidos em (52) e indefinidos em (53):
(52) a) Desejava remeeter esta carta pelo intermedio do Lbe porem como [pro
expl
]
PARTE para ahi esse amigo a quem te apresento, aproveitei-o (CR14/3/14)
b) a revolução
i
a meo ver está TERMINADA t
i
, desejo presenciar a athitude
do Senado em relação a ti (CR14/3/14)
38
(53) a) Naõ teposso dizer nada daqui pois cheguei á 8 dias e ainda nsahi e
aqui [pro
expl
] tem VINDO poucas pessoas. (CA34)
b) Recebi uma cartinha de Bebe e pos de escrito de Tixe que muito estimei
porque prova que naõ se esqueceraõ de sua Didinha que-lhes quer muito
bem e que tem muitas saudades delles e que um so dia
i
naõ sePASSA t
i
em que naõ selembra do anno passado em que estavamos todos aqui juntos.
(CA40)
1.5.1.1.3 Considerações finais
Uma última palavra acerca da ordem VS vem revelar o aparecimento de
reestruturações em tais construções. Nestas reestruturações, indicadas por
Pontes (1987), um complemento do DP sujeito ou um locativo são alçados para a
posição do sujeito, como é visto em (54) e (54), respectivamente:
(54) Temos: Meu celular
i
ACABOU [ a bateria t
i
].
Em vez de: [pro
expl
] Acabou [a bateria do meu celular].
(55) a) Temos: A mão dela
i
CRESCE umas bolinhas [ t
i
].
Em vez de: [pro
expl
] Crescem umas bolinhas [na mão dela].
b) Temos: Essas janelas
i
VENTAM muito [ t
i
].
Em vez de: [pro
expl
] Venta muito [nessas janelas]. (Pontes, 1987)
Esse tipo de reestruturação da ordem VS pode ser entendido como uma
tentativa de preencher a posição vazia à esquerda do verbo, enquadrando as
orações no padrão SVO (sujeito+verbo+objeto).
Embora sejam comuns na fala espontânea, foram encontradas pouquíssimas
ocorrências destas reestruturações nas amostras sincrônicas descritas na seção
anterior, o que significa que as entrevistas sociolingüísticas não constituem um
39
contexto favorável ao aparecimento de tais construções. Podemos, no entanto,
verificar abaixo um exemplo de fala culta e dois da escrita padrão brasileira, em (56
a–c):
(56) a) Aconteceram várias coisas engraçadas porque uma vez, duas ou três
vezes aliás, mas uma principalmente foi muito ridículo mesmo. Eu fiquei
presa na rua. O carro
i
simplesmente não ABRIA [a porta t
i
] , entendeu?
(Fala NURC)
b) Bancos
i
SOBEM [juros t
i
] apesar de o BC manter taxa estável. (O Globo
13-03-04)
c) Li que um motorista também iria cobrar na Justiça o prejuízo que teve
porque seu carro
i
QUEBROU [o amortecedor t
i
] caindo num buraco na
rua. (Escrita - O Globo 21-08-04)
Mesmo sem ser observado com freqüência na fala e na escrita, essa
estratégia, juntamente com a ocorrência de SV, deve se implementar no sistema à
medida que o PB progride na remarcação do valor do Parâmetro do Sujeito Nulo.
Desta forma, acredita-se que tais considerações permitam uma investigação
da ordem VS/SV em construções inacusativas encontradas em peças de teatro
escritas ao longo dos séculos XIX e XX, a fim de observar, na linha do tempo, o
comportamento desta ordem em conseqüência da mudança paramétrica em direção
ao preenchimento do sujeito pronominal.
40
CAPÍTULO 2:
FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
2. Introdução
Neste capítulo, são estabelecidos os fundamentos teórico-metodológicos
adotados na descrição e na análise da variação da ordem VS/SV com verbos
inacusativos em peças teatrais dos séculos XIX e XX.
Primeiramente, são apresentados alguns pressupostos teóricos da
Sociolingüística Variacionista e da Teoria de Princípios e Parâmetros a fim de
conciliar a utilização dos dois modelos na análise do fenômeno estudado. Em
seguida, descreve-se a metodologia adotada na pesquisa a partir da delimitação das
hipóteses e objetivos do estudo assim como dos grupos de fatores investigados na
análise dos dados.
2.1 A mudança lingüística nos moldes de Weinreich, Labov e Herzog (1968)
O ponto principal da teoria da mudança lingüística, nos moldes de Weinreich,
Labov e Herzog (1968, 2006), é a visão da língua como um objeto constituído de
heterogeneidade ordenada. Os autores buscavam superar as teorias estruturais,
fundadas na noção da homogeneidade. Segundo eles, toda língua é um sistema
inerentemente variável, heterogêneo. Procurando harmonizar a questão da
heterogeneidade com a abordagem estrutural da língua, isto é, ao defender a idéia
de que toda heterogeneidade é estruturada, Weinreich, Labov e Herzog apresentam
uma nova concepção da variação e mudança lingüística. Até então, a variação era
tida como caótica, aleatória e sem regularidade, além de ser considerada uma mera
conseqüência do desconhecimento das “regras da língua”. A inovação está
justamente no uso dos termos “ordenada”, “estruturada” para caracterizar a
heterogeneidade lingüística, termos estes que reconhecem na variação um caráter
sistemático e controlado. Sendo assim, cabe ao lingüista entender, descrever e
explicar essa sistematicidade, depreendendo os padrões que governam a variação.
Weinreich, Labov e Herzog não apresentam uma teoria completa da mudança,
mas sim um conjunto de fundamentos empíricos para uma teoria da mudança
41
lingüística. Este conjunto, que é fundamentado na aceitação da língua como um
fenômeno caracterizado pela heterogeneidade ordenada, serviu para lançar as
bases de uma nova linha de investigação histórica das línguas.
Em seu clássico estudo, os autores apresentam as cinco questões cruciais que
envolvem a variação e a mudança lingüística, com a instalação de uma nova
variante no sistema, que pode ou não suplantar uma variante mais velha: os
condicionamentos, a transição, o encaixamento, a implementação e a avaliação.
Essas questões estão inter-relacionadas, oferecendo, assim, uma visão mais
integrada da mudança.
O verdadeiro cerne de uma teoria da mudança está justamente na questão da
implementação, que, segundo Labov (1972), está relacionada à origem e à
propagação da mudança. Esta questão se encontra intrinsecamente relacionada aos
condicionamentos da mudança: na medida que se identificam os fatores que
favorecem ou inibem a implementação de uma nova variante no sistema, pode-se
adiantar uma explicação da forma como a mudança vai se expandindo por diferentes
contextos estruturais. Uma outra questão referente à mudança lingüística é o
encaixamento, isto é, uma mudança sempre é decorrente de outras e ocasiona
“efeitos colaterais” no sistema de forma não casual, o que significa dizer que
nenhuma mudança é um fato isolado na estrutura da língua. A questão da avaliação
diz respeito à valorização ou discriminação que uma variante inovadora sofre a
depender dos contextos estruturais da variação. O grau de avaliação, positiva ou
negativa, poderá ser mais facilmente notado através das reações e atitudes dos
falantes frente às variantes do que através de sua produção, ou seja, o falante
muitas vezes rejeita estruturas que ele próprio usa freqüentemente.
É importante também levar em conta que, dentro dessa perspectiva, que se
volta para a produção do falante (seu desempenho lingüístico), nenhuma mudança
ocorre de forma abrupta, pelo contrário, a instalação de uma nova variante no
sistema é progressiva, sendo possível identificar sistemas transicionais (estágios
intermediários) entre dois estágios de uma língua. Os autores abrem o caminho para
a compreensão dos estágios intermediários entre dois momentos temporais,
permitindo captar a instalação contínua e gradativa da mudança. A transição entre
velhas e novas formas variantes pode ser percebida tanto no controle estrutural,
quanto no controle social da variação, isto é, na sua distribuição pelos diferentes
42
contextos lingüísticos e pelos diferentes estratos sociais da população analisada,
respectivamente.
Em linhas gerais, Weinreich, Labov e Herzog defendem a inter-relação entre
variação e mudança, sendo esta entendida como uma conseqüência inevitável da
dinâmica interna das línguas naturais, podendo ser capturada no curso de sua
implementação.
Segundo os autores, é extremamente necessário estabelecer um controle
sistemático e empírico dos fatores estruturais (internos) e sociais que servem de
motivação para o uso de uma ou outra variante. Assim, é preciso buscar uma teoria
da linguagem que acomode a heterogeneidade ordenada como uma realidade das
línguas, e não como um fenômeno marginal. Não basta reconhecer a variação, é
necessário explicá-la e identificar os fatores que a controlam; daí a necessidade de
uma teoria que permita perseguir a variação, levantar hipóteses, identificar como as
variantes se “encaixam” no sistema, e a que outras mudanças elas estão
relacionadas.
A partir dessa necessidade, foi proposta em Tarallo e Kato (1989) a
associação de modelos teóricos, a princípio incompatíveis, a fim de dar conta das
variações internas no Português Brasileiro (PB). Assim, os autores buscaram
estudar a variação lançando mão de pressupostos da Teoria Gerativa,
principalmente no quadro teórico de Princípios e Parâmetros. Esta interação entre a
sociolingüística variacionista e uma teoria da linguagem, que ao contrário, não está
interessada de modo especial na variação intra-lingüística, uma vez que se preocupa
com a Língua-I, tem se mostrado enriquecedora para o estudo da mudança
lingüística, como será mostrado na seção seguinte.
2.2 A Teoria Gerativa: O Modelo de Princípios e Parâmetros
Enquanto o modelo variacionista está preocupado com o tratamento da língua
em uso, para a Teoria Gerativa, o que interessa é a competência (conhecimento) do
falante. A questão central que permeia a investigação gerativista é a questão de
como a gramática se desenvolve na mente do falante conforme o modelo de
princípios e parâmetros proposto por Chomsky (1981).
43
O gerativismo defende a idéia de que todo falante possui um dote genético
que lhe permite aprender uma língua. É esta capacidade inata para o aprendizado
de uma língua que o lingüista gerativista tenta caracterizar. Este dote genético foi
denominado de Gramática Universal (GU), e corresponde a um conjunto de
princípios universais rígidos presentes em todas as línguas humanas. Esses
princípios rígidos, abstratos, como que “efetivam” através de princípios variáveis, os
chamados parâmetros de variação, com dois valores: positivo e negativo,
responsáveis pelas diferenças entre as línguas.
Verifica-se, portanto, que a GU é flexível, pois acomoda a variação entre as
diferentes línguas, mas também é rígida, pois conta das propriedades específicas
que caracterizam o conhecimento final dos falantes acerca de sua língua. E, para
explicar a natureza específica deste conhecimento final do falante, é preciso
restringir os mecanismos descritivos da gramática através de princípios universais, o
que faz com que se diminua o número de gramáticas derivadas do sistema inicial.
Em outras palavras, a GU contém princípios rígidos, que deverão ser incorporados
por qualquer gramática final, e também princípios abertos, que correspondem aos
chamados parâmetros. Estes parâmetros dão as opções possíveis em GU.
Sem estar exposta aos dados lingüísticos, a criança não poderá construir sua
gramática interna. O que a GU faz é guiar a criança na interpretação e organização
da língua a que ela está exposta, isto é, a criança “aciona” os valores dos
parâmetros, à medida que é exposta aos dados da língua que lhe servem de input.
Assim, a aquisição da linguagem consiste na marcação de parâmetros em
decorrência da exposição do indivíduo a um ambiente lingüístico específico.
Quando os parâmetros estão devidamente fixados significa que a criança
adquiriu a gramática nuclear, isto é, nas palavras de Raposo (1998:55), “um sistema
complexo de conexões entre os princípios universais rígidos e os parâmetros, o qual
determina de um modo altamente específico as propriedades de cada língua
particular”.
Verifica-se, assim, que, enquanto a Sociolingüística está interessada na
variação intralingüística, considerando as formas variantes como parte de uma
mesma gramática e como condição essencial para a mudança, a Teoria de
Princípios e Parâmetros fornece conhecimento daquilo que é característico de um ou
44
outro sistema, através da descrição das propriedades dos parâmetros (variação
inter-lingüística). Formas variantes para a teoria da variação seriam manifestações
de diferentes gramáticas em competição para a teoria gerativa
10
. A forma pela qual é
possível a associação entre tais perspectivas está ilustrada na chamada “harmonia
trans-sistêmica” proposta por Tarallo e Kato (1989), a ser trabalhada na seção
seguinte.
2.3 A harmonia trans-sistêmica (cf. Tarallo e Kato, 1989)
A despeito da grande distância teórico-metodológica existente entre as
Teorias Gerativista e Variacionista, conseqüência do “velho e desgastado debate”
entre o empiricismo e o racionalismo, Tarallo e Kato (1989) traçam um novo
caminho, ao propor uma forma de olhar para a variação intralingüística, tratada na
Teoria Variacionista, a partir da variação interlingüística, tratada na Teoria Gerativa,
denominada pelos autores “de lingüística de propriedades paramétricas e de
princípios”. Esta tentativa de “resgatar a compatibilidade” entre tais teorias foi
referida pelos autores como harmonia trans-sistêmica.
A associação entre a Teoria de Princípios e Parâmetros e a Teoria
Variacionista traz um grande enriquecimento para o estudo da mudança lingüística,
principalmente ao tratarmos da questão do encaixamento da mudança. Esta
questão, uma das principais levantadas por Weinreich, Labov e Herzog (1968) e
considerada fundamental para a construção de uma teoria da mudança lingüística,
pode ser trabalhada com sucesso a partir de pressupostos teóricos da Teoria
Gerativa, uma vez que, como atesta Duarte (1999), o diálogo entre o encaixamento
de uma mudança, nos termos variacionistas, com uma teoria sintática que permite
observar os fatos, prevendo os caminhos que eles vão trilhar, é o que possibilita
interpretar os dados sem deixar que eles passem por idiossincrasias.
Os pressupostos sociolingüísticos também contribuem para o estudo da
mudança paramétrica ao permitir a quantificação dos fenômenos variáveis. Assim, é
possível observar a implementação de uma mudança através dos diferentes
10
Discutir a competição de gramáticas está fora dos limites deste trabalho (cf. a respeito Kroch 1989, entre
outros)
45
contextos lingüísticos e sociais, e através do levantamento de hipóteses sobre o
modo como a mudança se instala e progride num sistema.
Esta associação permite (1) diferenciar aquilo que faz parte do processo de
mudança daquilo que é acidental; (2) identificar novas formas lingüísticas no
sistema; (3) entender por que e como essas novas formas se instalaram. Verifica-se,
assim, que o diálogo entre modelos teóricos, em princípio tão incompatíveis, pode
trazer grandes benefícios para o estudo da mudança lingüística. As perguntas
fornecidas pela sociolingüística, juntamente às propriedades do parâmetro em
mudança na marcação do seu valor guiam o estudo, permitindo não verificar o
caminho já percorrido, mas também, prever os passos seguintes (Duarte, 1998).
No que se refere ao Parâmetro do Sujeito Nulo, as línguas positivamente
marcadas em relação a ele se caracterizam pelo seguinte conjunto de propriedades
(cf. Chomsky 1982:240 , 2ª. ed.; Haegeman 1994, 2ª. ed.):
(i) o sujeito referencial nulo:
ho trovato il libro
encontrei o livro / eu encontrei o livro
(ii) a inversão livre do sujeito:
ha mangiato Giovanni / *Giovanni ha mangiato
*comeu o Giovani / o Giovani comeu (em resposta a “quem comeu”?)
è arrivato Giani / *Giani è arrivato
chegou o João / o João chegou (em resposta a “o que aconteceu”?)
há telefonato sua moglie / *sua moglie há telefonato
?telefonou sua mãe. / sua mãe telefonou (em resposta a alguém telefonou?
Quem telefonou?)
(iii) o movimento longo do sujeito a partir de uma ilha-QU:
l'uomo
i
[che mi domando [ chi t
i
abbia visto]]
O homem que (eu) me pergunto quem viu / o homem que eu me pergunto
quem ele viu
(iv) o pronome resumptivo nulo em sentenças encaixadas:
46
ecco la ragazza
i
[che
i
mi domando [chi crede [ che ec
i
possa fare...VP]]]
eis a moça que eu me pergunto quem acha que possa fazer VP / eis a moça
que eu me pergunto quem acha que ela possa fazer VP
(v) a aparente violação do filtro *[that-t]:
chi
i
credi [che t
i
partirá]
quem (você) acha que partirá? / *quem você acha que ele partirá?
Ao observarmos acima as traduções para o português dos exemplos em
italiano, vemos que, em (i), (iii) e (iv), embora possamos dizer que aceitamos o
sujeito nulo ou expresso, é possível quase afirmar que o expresso tem a
preferência. Em (ii), a inversão com o verbo transitivo é inaceitável no PB, daí sua
agramaticalidade; por outro lado, com um inacusativo ou intransitivo, tanto a ordem
VS como SV seriam aceitas em PB, com preferência por SV em contextos
apresentativos com um DP definido, como os ilustrados.
Em (v) parece que o PB se
comporta como o italiano, daí a agramaticalidade da sentença com o sujeito
expresso. Entretanto, se pode observar um pronome ligado a uma expressão
quantificada, como cada um
i
podia fazer as perguntas que ele
i
queria”, ouvida na
Radio CBN.
Em inglês, língua negativamente marcada em relação ao Parâmetro do
Sujeito Nulo, todas as sentenças teriam ou um pronome expresso, como (i), (iii) e
(iv), a ordem SV em (ii) e um vestígio de movimento sem o complementizador "that",
como em (v) (Chomsky 1982:240):
(i) ho trovato il libro
("I found the book")
(ii) ha mangiato Giovanni
("Giovanni ate")
(iii) l'uomo [che mi domando [ chi ti abbia visto]]
(with the interpretation: "the man x such that I wonder who x saw")
(The man who I wonder who(m) he saw......)
47
(iv) ecco la ragazzai [chei mi domando [chi crede [ che eci possa VP]]]
("this is the girl who I wonder who thinks that she may VP")
(v) chi credi [che ti partira]
("who
i
do you think t
i
will leave]")
Assim, temos evidências de que o PB é um sistema parcialmente pro-drop, o
que poderá permanecer assim ou corresponder a uma etapa do processo da
mudança. Na seção seguinte, veremos como se comporta o PB em relação à
propriedade chamada “inversão livre”.
2.3.1 O tratamento da ordem VS em PB
Ao tratar a variação da ordem SUJEITO+VERBO sob uma perspectiva
variacionista inter- e intra-lingüística, Tarallo e Kato (1989) colocam em xeque a
relação existente entre a possibilidade de uma sentença apresentar sujeito nulo e a
de permitir a inversão livre do sujeito. Os autores defendem a idéia de que, ao invés
de fazerem parte das propriedades de um mesmo parâmetro, o sujeito nulo e a
inversão livre do sujeito parecem constituir parâmetros distintos. A fim de explicar tal
idéia, deve-se levar em conta o caráter heterogêneo que envolve o fenômeno da
ordem VS, nas línguas. São, então, apresentados três tipos de construção
envolvendo a ordem VS. São elas: as construções inacusativas, as construções de
anteposição do verbo (V-fronting) e as construções de anti-tópico.
As construções inacusativas
11
, também chamadas de apresentativas,
segundo os autores, são aquelas que ocorrem com verbos existenciais e de
aparecimento, ou seja, os verbos a que vimos referindo como inacusativos,
acompanhados de um argumento interno contendo informação nova. Nestas
construções, a posição do sujeito (Spec de IP) pode vir vazia como em (1a), caso do
português, espanhol e italiano, ou na forma de expletivo lexical como em (2a), caso
do inglês. É possível ainda a ocorrência de sujeitos lexicalmente preenchidos,
através da anteposição do argumento interno ao verbo, como em (1b) e (2b):
11
Os autores apresentam tais construções sob o tulo de ergativas. No entanto, visto a diferenciação feita por
Haegman (cf. nota 9, cap.1), adotaremos o nome inacusativas para definir tais estruturas.
48
(1) a) pro
expl
Chegaram os meninos.
b) Os meninos
i
chegaram t
i
.
(2) a) There arrived the boys.
b) The boys
i
arrived t
i
.
Ocorre que, nas línguas de sujeito nulo, como o italiano, o espanhol e o PE,
as duas estruturas em (1) não são opcionais. Se a sentença é apresentativa, a
escolha recai sobre (1a). Vê-se, pois, que a inversão não é “livre”.
Outro tipo de construção analisado pelos autores foram as estruturas de
anteposição do verbo, também conhecidas como V-fronting ou ‘inversão estilística’.
Estas, ao contrário das construções inacusativas (apresentativas), não apresentam
restrições lexicais e necessitam de um elemento que desencadeie a inversão (na
maioria das vezes, um pronome interrogativo). Como visto na seção 1.3, no capítulo
1, grande parte das gramáticas do português apresenta as perguntas com pronomes
interrogativos como um dos contextos obrigatórios da ordem VS em português,
como é visto em (3a). Por outro lado, a ordem SV em interrogativas, caso de (3b), é
pouco abordada na tradição gramatical, bem como o uso do elemento Qu- in situ,
em (3c):
(3) a) O que queriam os meninos?
b) O que os meninos queriam?
c) Os meninos queriam o quê?
Pode-se dizer, portanto, que “o fenômeno de anteposição de verbo ocorre em
função da atração que o elemento interrogativo exerce sobre o verbo” (Tarallo e
Kato, 1989:13). Duarte (1992:45) mostra que essa ordem em (3a) com verbos
transitivos também se perdeu em PB e está hoje restrita a verbos de um argumento,
particularmente os inacusativos (dentre eles, a cópula), como ilustram os exemplos
em (4):
(4) a) Como é que vai ser a reprodução da espécie?
b) E onde está o resto?
c) Como é que me acontece uma coisa dessas?
49
Finalmente, a chamada inversão com anti-tópico é aquela que movimenta o
sujeito para o final da sentença, para uma posição não-argumental, externa ao
predicado. Tal afirmação nos leva a entender o porquê de tais inversões o serem
produtivas em português, ficando aparentemente limitadas a verbos de cópula.
Verifica-se nos exemplos em (5) que a posição de sujeito pode aparecer com um
pronome nulo (5a) ou expresso (5b):
(5) a) [pro
i
Tá pronto,] o vestido azul
i
.
b) [Ele
i
tá pronto,] o vestido azul
i
.
Como em PB se verifica uma mudança em direção ao preenchimento dos sujeitos
pronominais, a construção em (5a) concorre com (5b), ao contrário do que se em
línguas de sujeito nulo.
A partir daí, verifica-se que o PB se aproxima das línguas [+ pro-drop], no que
diz respeito às construções inacusativas porque apresenta um percentual
significativo de VS. Por outro lado, aproxima-se das línguas [- pro-drop], em relação
às construções de anti-tópico. em relação às construções de V-fronting,
apresenta um comportamento distinto tanto das línguas de sujeito obrigatoriamente
nulo, quanto das de sujeito não-nulo, que, em nossa língua, a regra de inversão
desse tipo não tem caráter obrigatório e é cada vez mais rara.
2.4 Metodologia
Segundo a questão do “encaixamento” da mudança, proposta por Weinreich,
Labov e Herzog (1968, 2006), toda mudança deixa vestígios ou “efeitos colaterais”
no sistema. Se de fato uma mudança em direção ao preenchimento dos sujeitos
pronominais, que efeitos ou conseqüências podemos esperar em relação às demais
propriedades associadas ao Parâmetro do Sujeito Nulo?
50
Já verificamos que a mudança paramétrica (a perda da propriedade do sujeito
nulo de referência definida como opção não marcada, em termos de freqüência)
ocasionou uma preferência pelo preenchimento dos sujeitos de referência
indeterminada. Outra evidência do encaixamento dessa mudança foi vista no
aparecimento das construções de deslocamento à esquerda, construções que não
ocorrem em línguas puramente [+ pro-drop]. O processo de mudança por que vem
passando o PB provoca também alterações na representação dos sujeitos não
argumentais/não referenciais. As análises de tais estruturas revelam que, embora o
PB não tenha desenvolvido um expletivo lexical, como ocorreu no francês, o sistema
lança mão de elementos referenciais a fim de evitar a ocorrência do verbo em
posição inicial. Essa estratégia ocorre nas construções existenciais, nas construções
de alçamento (como mostramos em 1.4, no capítulo 1), e nas construções
inacusativas. Essas últimas constituem o foco deste trabalho.
Estudos acerca da ordem VS em construções inacusativas revelam que as
alterações esperadas nesta ordem ocorrem de forma lenta, o que está de acordo
com a hipótese de Tarallo e Kato (1989:21): se uma língua muda de [+ sujeito nulo]
para [- sujeito nulo], as construções inacusativas serão as mais resistentes à
mudança. O estudo diacrônico de Berlinck (1989), que reúne todos os tipos de
verbos, mostra que o grupo relacionado ao status informacional do DP sujeito, que
condicionava mais fortemente a ordem VS em sincronias passadas, cede lugar à
transitividade verbal nos estágios mais recentes, quando os verbos
monoargumentais assumem a liderança no favorecimento de VS. E, mesmo com tais
verbos, se notam indícios de mudança na representação desta ordem (cf. Coelho
2000, Spano 2002, Duarte e Santos 2005). Um estudo diacrônico centrado nos
verbos inacusativos pode ajudar a confirmar ou não essa lenta mudança da ordem
VS para SV.
2.4.1 Objetivos e hipóteses
A motivação inicial deste trabalho é, a partir dos estudos empíricos acerca da
mudança na marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo (Chomsky 1981); da proposta
de Duarte (1993) a respeito da simplificação da morfologia verbal; dos resultados
sincrônicos obtidos para as construções monoargumentais, dentre as quais
encontram-se as inacusativas (Berlinck 1989, Coelho 2000, Spano 2002, Duarte e
51
Santos 2005, entre outros); e da noção de “encaixamento” da mudança (Weinreich,
Labov e Herzog 1968, 2006), verificar como a mudança em direção ao
preenchimento do sujeito pronominal é refletida na ordem VS em construções
inacusativas, tendo em vista que uma das propriedades relacionadas ao Parâmetro
do Sujeito Nulo é justamente a chamada “inversão livre”. Em outras palavras, se a
língua está passando de [+ pro drop] para [- pro drop], seria esperada alguma
alteração nessa ordem, ou até mesmo sua perda, como ocorreu no francês. No
entanto, os resultados sincrônicos, se por um lado mostram a preferência por SV
com certos verbos inacusativos, por outro revelam uma expressiva resistência da
ordem VS com muitos outros.
O objetivo deste trabalho é, portanto, (a) levantar os contextos da
ordem VS e SV nas construções com verbos inacusativos; (b) observar, na linha do
tempo, o comportamento da ordem VS/SV, buscando comparar as ocorrências com
os resultados para a realização do sujeito pronominal (Duarte, 1993); (c) identificar
qual(is) contexto(s) que mais prontamente cedem e os que mais resistem à
posposição. Para isso, será realizado um estudo diacrônico que permita relacionar a
mudança na marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo com a ordem VS/SV em
construções inacusativas, utilizando uma amostra constituída de peças de teatro
popular escritas no Rio de Janeiro ao longo dos séculos XIX e XX.
Como essas peças buscam representar a fala da época, será possível
observar se houve alguma alteração nos condicionamentos à ordem VS, em
conseqüência da mudança observada nessa mesma amostra, por Duarte (1993), na
representação dos sujeitos pronominais.
A hipótese que orienta a pesquisa é que à medida que o número de
ocorrências de sujeito nulo diminuindo, isto é, à medida que a remarcação do
Parâmetro do Sujeito Nulo se implementando, haverá alterações quantitativas e
qualitativas na ordem sica VS. No entanto, levando em consideração a grande
resistência que esta ordem apresenta à mudança, é de se esperar ainda um número
bastante expressivo de dados nesta ordem, a depender principalmente dos
seguintes contextos: categoria sintático-semântica do verbo (existenciais e de
permanência de estado); traço do DP sujeito argumento interno ([+ novo, - definido, -
animado]).
52
2.4.2 A amostra
A amostra utilizada neste trabalho é a mesma analisada no estudo diacrônico
de Duarte (1993). Contudo, para obter um número mais significativo de dados, foi
preciso acrescentar outras peças à amostra originalmente utilizada pela autora,
mantendo-se os sete períodos de tempo.
Essa amostra é composta por peças teatrais escritas no Rio de
Janeiro, por diferentes autores, entre os anos 30 e 40 do século XIX e o final do
século XX. Os textos aqui analisados correspondem principalmente a comédias de
costume, ou seja, textos leves que procuravam divertir retratando as características
da sociedade de sua época. As peças da segunda metade do século XX ganham
características diferentes, mas mantêm a leveza das anteriores. Os textos mais
dramáticos foram evitados com o intuito de manter certa homogeneidade de estilo.
Uma vez que a amostra é constituída de textos escritos, que tentam
reproduzir a fala de um período de tempo determinado, não é possível tomar os
resultados encontrados aqui como absolutos. É, no entanto, possível enxergá-los
como tendências de uso de uma determinada época, dado o seu caráter bastante
popular.
No quadro 2.1 abaixo, verifica-se a listagem das peças teatrais analisadas em
cada período de tempo, acompanhadas de seus respectivos autores:
Quadro 2.1 Amostra utilizada segundo o período de tempo e autores
Ano Peça Autor
O juiz de paz na roça (1838)
O Judas em sábado de Aleluia (1844)
O noviço (1845)
Martins Pena
Período I
1838 - 1860
Luxo & vaidade (1860) Joaquim M. de Macedo
Período II
Tipos da atualidade (1862) França Jr.
53
O defeito de família (1870)
Direito por linhas tortas (1870)
Como se fazia um deputado (1882)
1862 - 1883
Caiu o ministério (1883)
O simpático Jeremias (1918)
Onde canta o sabiá (1920)
Gastão Tojeiro
Período III
1918 - 1922
A flor dos maridos (1922) Armando Gonzaga
O hóspede do quarto nº.2 (1937) Armando Gonzaga
A vida tem três andares (1938) Humberto Cunha
Período IV
1937 - 1939
Maria Cachucha (1939) Joracy Camargo
A garçonnière do meu marido (1949)
Flagrantes do Rio (1951)
Silveira Sampaio
Pedro mico (1954) Antônio Callado
Período V
1949 - 1955
Um elefante no caos (1955) Millôr Fernandes
A mulher integral (1975) Carlos E. Novaes
O último carro ou as 14 estações (1976) João das Neves
Período VI
1975 - 1979
Os órfãos de Jânio (1979) Millôr Fernandes
A Partilha (1989)
Período VII
1989-1992
No coração do Brasil (1992)
Miguel Falabella
Verifica-se que as peças foram distribuídas em sete períodos de tempo, com
base em Duarte (1993). Para alguns períodos, foram usadas apenas peças do
mesmo autor (períodos II e VII), para outros, foram acrescentados textos escritos por
diferentes autores numa mesma época (períodos restantes).
54
Antes de apresentar os grupos de fatores analisados, é importante delimitar o
contexto selecionado para a presente análise: as construções de VS e SV com
verbos inacusativos que selecionam um DP como argumento interno. Dentre estas
construções, foram eliminados da análise os seguintes contextos:
(i) construções em que o argumento interno é representado por uma forma de
tratamento ou por um pronome pessoal, seja de primeira, segunda ou terceira
pessoas:
(6) desde ontem que vossa mercê não APARECE, e eu precisava
absolutamente falar-lhe. (Joaquim Manuel de Macedo, 1860, I)
(ii) Expressões cristalizadas, cuja ordem já é definida:
(7) a) Elas [as mulheres que a polícia usa pra pegar bandido] fingem de muito
liga e de repente - pimba! - assobiam pros tiras e VEM borracha e tiro.
(Antônio Callado, 1954, V)
b) Ela não faria isso. Ela é uma mulher honesta. / Cristina: honesta? Honesta?
Só faltava essa. (carlos e. Novaes, 1975, vi)
(iii) construções ambíguas com verbos que podem apresentar duas configurações
sintáticas:
(8) Minha mãe sempre dizia, quando ACABAVA a história de Zumbi, que muitas
vezes quem morre é que vence a batalha. (Antônio Callado, 1954, V)
Minha mãe
i
sempre dizia, quando pro
i
ACABAVA a história de Zumbi ou
Minha mãe sempre dizia, quando pro
expl
ACABAVA a história de Zumbi.
(iv) construções que apresentam um predicador adjetival após o predicador verbal:
(9) a)
Os falsários já não MORREM enforcados. (Martins Pena, 1844, I)
55
b) Está soprando o noroeste e o fogo VEM feio para este lado. (Millôr
Fernandes, 1955, V)
2.4.3 Grupos de fatores considerados
Seguem abaixo os grupos de fatores analisados no presente trabalho. A
escolha destes grupos foi feita com base em estudos anteriores que trataram do
tema em questão. Os fatores foram analisados em relação à dupla possibilidade de
ordenação, VS e SV, a fim de observar quais deles favorecem uma ou outra ordem.
Como dito anteriormente, o tipo do argumento e sua relação com o verbo são
fatores extremamente importantes na definição da ordem. Sendo assim, foram
escolhidos grupos de fatores que abarcassem tanto as diferenças encontradas nos
tipos de DP sujeito quanto nos tipos de verbo, a partir dos trabalhos aqui referidos
(Berlinck 1989, Coelho 2000, Spano 2002, Duarte e Santos 2005).
Foram levantados quatorze grupos de fatores no total, sendo doze deles
fatores lingüísticos e dois, extralingüísticos. A variável dependente corresponde às
duas possibilidades de ordenação, VS e SV, como se em (10) e (11),
respectivamente:
(10) Pronto, pro
expl
CHEGOU o outro estudante. Um pouco mais e nós vamos ter
um curso de verão aqui. (Miguel Falabella, 1992, VII)
(11) Felicidade é poder olhar pra frente. Acordar de manhã e sentir que a gente
tem um futuro. / Então a gente fudido. Porque eu acho que o nosso futuro
i
já CHEGOU t
i
. (Miguel Falabella, 1992, VII)
2.4.3.1 Fatores relacionados ao sintagma determinante (DP sujeito)
I. Estrutura do DP
Para este grupo, consideram-se os DPs sujeitos representados por dez
categorias, exemplificadas a seguir, a fim de confirmar a hipótese de que os DPs
representados por pronomes demonstrativos e nomes próprios inibem a ordem VS,
56
em oposição aos DPs representados por nomes comuns e pronomes indefinidos,
mais ligados à ordem vs. Com o intuito de refinar ainda mais a análise dos dados,
foram observados separadamente os DPs sujeitos cujos determinantes são
representados por artigo / pronome demonstrativo ou possessivo; e por
quantificadores / expressões quantitativas dos DPs “nus”, isto é, sem determinantes
(nomes não contáveis, nomes contáveis no plural, nomes contáveis no singular).
Foram também observadas as construções com DPs modificados por uma relativa:
Pronomes demonstrativos
(12) Estava enfurecido comigo por certos negócios. Isto PASSA-lhe. (Martins
Pena, 1844, I)
Pronomes indefinidos
(13) Hora e meia!...e alguém me FALTA... (Joaquim M. de Macedo,1860, II)
Nomes próprios
(14) Se o Manuel João VIESSE e não achasse a jacuba pronta, tínhamos
campanha velha. (Martins Pena, 1838, I)
Determinante (artigo; pronome demonstrativo/possessivo.) + NP (nome
comum)
(15) o meu sobrinho cá não APARECEU (Martins Pena, 1845, I)
quantificadores, expressões quantitativas/partitivas + SN
(16) Você não vai terminar com essa ginástica não? / Mais um pouquinho.
FALTAM só oito exercícios. (Carlos E. Novaes, 1975, VI)
NP nu (nome não contável)
(17) Eu só não desisto, porque o dia em que eu desistir, vai FALTAR gasolina e o
corpo vai parar. (Miguel Falabella, 1992, VII)
57
NP nu (nome contável no plural)
(18) Dois anos estive viúva e não me FALTARAM pretendentes (Martins Pena,
1845, I)
NP nu (nome contável no singular)
(19) CHEGOU nova remessa do Porto. Os sócios continuam a trabalhar com
ardor (Martins Pena, 1844, I)
NP + oração (relativa)
(20) PASSOU aquele amanuense da Alfândega, que está à espera de ser
segundo escriturário para casar-se comigo. (Martins Pena, 1844, I)
II. Definitude do DP
Com base em Spano (2002), essa variável foi controlada a partir de uma
marca formal, ou seja, a partir do tipo de determinante utilizado. Foram considerados
com o traço [+ definido] os DPs modificados por artigos definidos, pronomes
possessivos, demonstrativos, quantificadores e os DPs modificados por oração
relativa, vistos em (21a–e), respectivamente.
(21) a) E a pobre Ritinha? Enxoval pronto, o padre falado, vem uma camada de
bexigas bravas, transforma-lhe o rosto e o noivo DESAPARECE de casa do
dia para a noite. (França Jr, 1870, II)
b) Não, Pedro, minha mãe lembrava esta história quando a gente andava
numa disgra danada, antes do meu pai MORRER. (Antônio Callado, 1954, V)
c) Quero dizer: se essas dores APARECEM todos os dias a uma hora certa e
determinada. (França Jr, 1862, II)
d) Dois tiros PASSARAM tinindo por mim. Olha que sorte. (Millôr Fernandes,
1955, V)
58
e) todos esses figurões que te festejam, hão de DESAPARECER e
abandonar-te na hora da adversidade (Joaquim M. de Macedo, 1860, I)
Por outro lado, os DPs marcados por artigos indefinidos, pronomes indefinidos e
expressões partitivas foram considerados com o traço [- definido], como visto nos
exemplos em (22a–c), respectivamente:
(22) a) Oh! mamãe, CAIU um homem da Maxambomba; está todo sujo de
poeira, coitado (França Jr, 1862, II)
b) O coração está me vaticinando que hoje ACONTECE-me alguma. (França
Jr, 1870, II)
c) BASTA um bocado de boa vontade. (Martins Pena, 1845, I)
Em relação aos DPs sem determinantes, caso de alguns DPs representados
por nomes próprios e dos DPs “nus” (singular e plural), considerou-se o traço [+
definido] para aqueles, por apresentarem um caráter definido, específico, particular,
visto em (23); e [- definido] para estes, por indicarem um caráter genérico, visto em
(24):
(23) O povo não vai acreditar que Maria NASCEU no Sul da França! (Miguel
Falabella, 1992, VII)
(24) Mas não nada decidido a respeito dessa viagem, não é? / FALTAM-me
recursos. (Armando Gonzaga, 1937, IV)
III. Animacidade do DP
Nesta variável, foram considerados [+ animados] os DPs que designam seres
humanos, animais e grupos de pessoas, como por exemplo, nomes coletivos, nomes
59
de países, e de partidos. Tais contextos estão exemplificados, respectivamente, em
(25a–c). O restante dos DPs é classificado como [- animado], como mostra o
exemplo (26):
(25) a) Se o Manuel João VIESSE e não achasse a jacuba pronta, tínhamos
campanha velha. (Martins Pena, 1838, I)
b) Oh! que lindo animal! é meter-se-lhe as esporas, e a mulinha SAI pela
estrada que é um regalo. (França Jr, 1862, II)
c) VEIO a família toda. Manda que entrem para cá. (França Jr, 1882, II)
(26) Pois então, enquanto não CHEGAM as suas malas, aqui está este casaco,
para o senhor ficar mais á vontade. (Armando Gonzaga, 1937, IV)
IV. Status Informacional do DP
Sabe-se que o contexto em que o DP sujeito indica informação nova no
discurso é favorecedor da ordem VS. Levando essa evidência em consideração,
foram estabelecidas quatro categorias informacionais para este estudo: referentes
novos, “disponíveis”, inferíveis e evocados.
Os primeiros, novos, são aqueles que estão sendo mencionados pela
primeira vez no discurso, ao contrário do quarto e último fator, os evocados, que
corresponde aos referentes previamente citados no discurso, podendo estar no
contexto textual (DPs, elementos co-referenciais ou dêiticos) ou situacional
(participantes do discurso). Os referentes inferíveis são aqueles que podem ser
deduzidos a partir da associação com um outro referente anteriormente mencionado
no discurso, por fazer parte do mesmo campo semântico do DP (cf. Berlinck 1995
apud Spano 2002). os “disponíveis” correspondem aos casos de referentes de
“existência única” ou com uma função específica (cf. Spano, 2002).
A seguir, encontram-se alguns exemplos que ilustram tais categorias:
60
Novos
(27) Pensando bem, foi uma sorte você não ter ido trabalhar lá, Margareth! A
sobrinha de uma amiga minha, tem uma amiga que foi ao Pathé e
ACONTECEU uma coisa horrível! (Miguel Falabella, 1992, VII)
Evocados
(28) A nossa luta é pela igualdade de oportunidades, igualdade de salários,
igualdade de direitos, enfim. E essa luta tem que COMEÇAR aqui. (Carlos E.
Novaes, 1975, VI)
Inferíveis
(29) Não posso compreender que um homem como você, passe o dia sem
trabalhar! / muita gente que tem a mesma ocupação. E tenho eu
porventura culpa que não APAREÇAM empregos? (Gastão Tojeiro, 1918, III)
Disponíveis
(30) E você, Margareth, tente olhar com êxtase. Isso é um anjo, não é um vizinho
de Maria. Ela não estava acostumada a receber a visita de anjos todo o dia. /
Eu acho melhor a senhora fazer o papel. (...) / Eu não posso. O povo não vai
acreditar que Maria NASCEU no Sul da França! (Miguel Falabella, 1992, VII)
V. Extensão do DP
Estudos anteriores acerca da ordem VS comprovam que o tamanho do DP
sujeito é um fator importante na definição da posição deste constituinte na frase: os
DPs considerados mais “pesados” ou “longos” tendem a vir pospostos ao verbo, ao
contrário dos DPs “leves”.
Tomando como base Spano (2002), os DPs compostos por atrês palavras
foram considerados como [- pesado], como se em (31), enquanto os DPs com
mais de três palavras foram analisados como [+ pesado], como ilustra o exemplo
(32):
61
(31) Minha mãe, não diga isso, seu incômodo PASSARÁ. (Martins Pena, 1845, I)
(32) PASSOU aquele sujeito que tem loja de fazendas. (Martins Pena, 1844, I)
2.4.3.2 Fatores relacionados ao verbo (V)
I. Categoria sintático-semântica de V
Este grupo de fatores foi adaptado de Coelho (2000) e Spano (2002),
levando em consideração o significado veiculado pelo verbo e o traço semântico de
seu argumento interno. Os verbos foram reunidos aqui em quatro grupos, de acordo
com suas semelhanças quanto ao conteúdo semântico. Ressalte-se que, ao
contrário das autoras, que trabalharam tanto com verbos de movimento cujos
argumentos manifestavam papel temático de agente, como com verbos cujos
argumentos manifestavam papel de tema, neste trabalho, foram analisados apenas
os verbos que selecionam argumentos que manifestam o papel de tema. Os
exemplos de (33) a (36) ilustram as diferentes categorias sintático-semânticas
observadas:
Verbos existenciais: aqueles que descrevem um estado que denota
existência.
(33) não Romeu nem Julieta, e se ainda EXISTE o amor platônico, como o
concebeu o filósofo da antiguidade, é tão somente na cabeça desses loucos
que se intitulam poetas. (França Jr, 1862, II)
Verbos de mudança de estado com movimento físico: aqueles que descrevem
um evento ou processo que indica o deslocamento espacial do argumento
interno selecionado.
(34) a) Pois vamos, antes que meu pai VENHA. (Martins Pena, 1838, I)
b) Pois então, enquanto não CHEGAM as suas malas, aqui está este casaco,
para o senhor ficar mais á vontade. (Armando Gonzaga, 1937, IV)
62
Verbos de mudança de estado sem movimento físico: os que descrevem um
evento que expressa uma mudança de estado, sem ocorrer nenhum
deslocamento na localização física do DP argumento.
(35) porque poetas e escritores MORREM de miséria, no Brasil (Martins Pena,
1845, I)
Verbos de permanência de estado: aqueles que expressam uma persistência
de estado do argumento interno.
(36) Mamãe, os homens passam e os bares FICAM. (Millôr Fernandes, 1955, V)
Segundo Coelho (2000), a composição semântica do verbo é um importante
condicionamento na definição dos contextos que mais favorecem uma ou outra
ordem. Diversos trabalhos acerca do fenômeno da ordem VS apresentam um ponto
em comum: são os contextos existenciais os mais resistentes à mudança de VS para
SV.
II. Forma verbal
Foi observada também a distinção entre estruturas verbais simples e
complexas (locuções verbais), como mostram os exemplos (37) e (38),
respectivamente:
(37) A sobrinha de uma amiga minha, tem uma amiga que foi ao Pathé e
ACONTECEU uma coisa horrível! (Miguel Falabella, 1992, VII)
(38) Sei lá, estão ACONTECENDO coisas tão estranhas hoje em dia. (Carlos E.
Novaes, 1975, VI)
III. Itens lexicais (Grupos de verbos)
Os verbos inacusativos foram agrupados levando em conta sua composição
sintático-semântica, sua freqüência e a maior rigidez na ordem VS, na tentativa de
identificar uma distribuição mais qualitativa dos itens lexicais.
63
Grupo 1: acontecer, ocorrer, transcorrer, suceder, começar, terminar,
principiar, acabar, cessar, prevalecer, durar, reinar, (des)aparecer, (res)surgir,
correr, circular, seguir, crescer, aumentar, diminuir, avançar, passar, falhar
Grupo 2: ficar, restar, sobrar, faltar, bastar, importar
Grupo 3: vir, chegar, entrar, cair, subir, descer, sair, partir, embarcar
Grupo 4: morrer, nascer, envelhecer, (florir, murchar)
Grupo 5: existir
2.4.3.3 Outros fatores
I. Posição à esquerda do verbo
Obedecendo a uma restrição fonológica que parece ter começado a
implementar-se no sistema (cf. Kato & Duarte 2003), procurou-se verificar ainda o
aparecimento de elementos circunstanciais à esquerda do verbo quando o sujeito se
encontra posposto. Coelho (2000) e Spano (2002) apontaram a grande ocorrência
de sintagmas adverbiais e preposicionais, de tempo e lugar, ocupando essa posição
principalmente nas construções inacusativas, o que levou Coelho a defender a idéia
de que tais construções apresentam uma ordem mais fixa (XVS) se as compararmos
com outras estruturas monoargumentais, como as intransitivas. Fazem parte dos
fatores aqui considerados:
ELEMENTOS À ESQUERDA DE V
Conjunções coordenativas e marcadores discursivos: estes, assim como em
Spano (2002), foram agrupados sob o mesmo fator, por não desempenharem
função sintática na oração ou elemento anterior.
(39) Por fim, lanço fogo ao convento e MORREM todos os frades assados, e
depois queixem-se. (Martins Pena, 1845, I)
Conjunções subordinativas: elementos que subordinam orações. Foram
consideradas as conjunções subordinativas adverbiais e as integrantes.
(40) a) Pois muito bem. Assim que COMEÇOU o filme, ela se sentiu mal. (Miguel
64
Falabella, 1992, VII)
b) Eu tava sentindo que ia ACONTECER alguma coisa. Desde cedo que eu
tava com essa sensação. (Miguel Falabella, 1992, VII)
Pronomes e advérbios interrogativos (sejam em orações interrogativas diretas
ou indiretas).
(41) Ainda pouco anunciou-nos a miséria, e tu sabes, Hortênsia, que a miséria
nos está estendendo as garras! / A que VÊM essas tristes idéias? (Joaquim
M. de Macedo, 1860, I)
Sintagmas adverbiais e preposicionais (indicadores de lugar e tempo)
(42) Bem, por enquanto é um botão de couve... daqui a três dias, NASCE a
flor. (Carlos E. Novaes, 1975, VI)
Focalizadores (só, também, até, apenas, inclusive, ainda).
(43) a) Teu filho também vai CRESCER todos os dias. (Martins Pena, 1845, I)
b) Talvez a chuva VENHA para a madrugada. (Armando Gonzaga,
1937, IV)
Negação, clíticos e advérbios de freqüência: cuja posição é mais fixa.
(44) Dois anos estive viúva e não me FALTARAM pretendentes. (Martins Pena,
1845, I)
Ausência de elemento à esquerda de V
Verbo em início de oração em posição posposta a outra: foram consideradas
os seguintes contextos: completivas de verbos causativos e perceptivos,
exemplificadas em (45a-b); completivas de verbos com complementizador
nulo (46); principais pospostas a uma oração subordinada adverbial (47).
(45) a) e fosse possível fazer [CHEGAR uma carta] às mãos de Dona Inacinha.
(França Jr., 1870, II)
b) vejo [VINDO um malandro] que eu conheço ele, sei que ele é
65
assaltante. (João das Neves, 1976, VI)
(46) E que Deus permita [PASSEM muitos anos] sem que eu tenha a honra de o
acompanhar à última morada! (Humberto Cunha, 1938, IV)
(47) Por exemplo: quando o Brizola caiu [APARECEU algum grupo de onze] pra
defender ele? (Millôr Fernandes, 1979, VI)
Verbo em início absoluto de período: ausência marcada formalmente por
algum tipo de pontuação (ponto final, de interrogação, exclamação, vírgula,
reticências).
(48) Vou ficar com mais um quarto vago, e justamente dos melhores, quer dizer,
dos que mais rendem. o oitocentos mil réis mensais que vou perder / VIRÁ
outro hóspede. (Armando Gonzaga, 1937, IV)
II. Padrão sentencial
Neste grupo, buscou-se observar quais as estruturas sentenciais mais
freqüentes com verbos inacusativos. Foram consideradas oito estruturas, que podem
ser vistas nos exemplos abaixo:
V S
(49) E a pobre Ritinha? Enxoval pronto, o padre falado, VEM uma camada de
bexigas bravas, transforma-lhe o rosto e o noivo desaparece de casa do dia
para a noite. (França Jr., 1870, II)
Aux V S
(50) Vai CHEGAR algum filho do major? (Armando Gonzaga, 1937, IV)
X V S
(51) Esses casos caracterizam-se por um aumento da afetividade, pelo excesso
de vaidade, o que, de certo modo, dá uma ilusão de cura, desde que não lhe
FALTEM os elementos de que falei. (Joracy Camargo, 1939, IV)
X Aux V S
(52) Eu tava sentindo que ia ACONTECER alguma coisa. (Miguel Falabella, 1992,
VII)
S V
66
(53) Minha mãe, não diga isso, seu incômodo PASSARÁ. (Martins Pena, 1845, I)
X S V
(54) Quando o Senhor James e o Senhor Raul CHEGAREM, manda-os entrar.
(França Jr., 1883, II)
III. Força ilocucionária
Verificou-se também em quais tipos de oração tais estruturas ocorriam. Foram
consideradas as interrogativas e as declarativas, como mostram em exemplos (55) e
(56), respectivamente.
(55) ACABOU o espetáculo? (Gastão Tojeiro, 1918, III)
(56) ACABOU a merenda... Com licença... (Millôr Fernandes, 1955, V)
2.4.3.3 Fatores extra-lingüísticos
Por fim, foram considerados dois fatores extra-lingüísticos: as peças teatrais
e o período em que cada uma delas foi escrita, conforme os sete períodos de tempo
estudados em Duarte (1993). A listagem das peças por período pode ser vista no
quadro 2.1, no item 2.4.2 (A amostra).
A codificação e o processamento dos dados seguem os passos da
metodologia de pesquisa da sociolingüística quantitativa laboviana (Braga e Mollica
2003 e Guy e Zilles 2007), com a utilização dos programas do pacote Varbrul
(Pintzuk 1988).
67
CAPÍTULO 3:
ANÁLISE DOS DADOS
3. Introdução
Neste capítulo são apresentados os resultados obtidos para a análise das
peças teatrais. Busca-se observar, como já explicitado no capítulo anterior, na linha
do tempo, se há, de fato alguma mudança em direção à ordem SV, e, em caso
afirmativo, quais os contextos que mais prontamente cedem e os que mais resistem
à ordem VS. Inicialmente serão apresentados os resultados gerais obtidos para a
análise do conjunto dos dados, tomando como variável dependente a ordem VS/SV
e os períodos de tempo como um dos grupos de fatores. Em seguida, são
apontados os grupos de fatores selecionados pelo programa Varbrul (Pintzuk, 1998)
como significativos para a ordem VS.
A partir desse ponto, os dados de cada período serão submetidos a uma
rodada do Programa Varbrul a fim de que possamos identificar possíveis mudanças
no quadro de fatores estruturais que condicionam a ordem VS. É essa análise que
nos permitirá observar, como maior segurança, se ou não uma tendência de
mudança em direção a SV e que fatores se mantêm estáveis, que fatores cedem à
ordem SV.
3.1 Resultados gerais
Como dito anteriormente, a amostra utilizada neste trabalho é a mesma
analisada no estudo diacrônico de Duarte (1993). A fim de obter um número mais
significativo de dados, foi preciso acrescentar outras peças à amostra originalmente
utilizada pela autora, no entanto, mantiveram-se os sete períodos de tempo (cf.
quadro 2.1, cap. 2). Foi coletado um total de 734 dados, distribuídos de maneira
mais ou menos uniforme pelos períodos de tempo analisados. A tabela 3.1
apresenta a distribuição das ocorrências de ordem VS (em relação à SV) em cada
período:
68
Tabela 3.1 Ordem VS (vs SV) segundo o período de tempo
O gráfico a seguir permite visualizar na linha do tempo os índices percentuais
de ordem VS apresentados na tabela acima:
56
53
66
53
45
52
50
0
20
40
60
80
100
I II III IV V VI VII
Gráfico 3.1 Ocorrência de VS (vs SV) por período (%)
Pode-se observar um certo equilíbrio em todos os períodos, com exceção do
terceiro (1918-1922), em que o maior predomínio da ordem VS, com 66% de
ocorrência, e do quinto período (1949-1955), em que se verifica um leve predomínio
I II III IV V VI VII
Oco/tot
(%)
Oco/tot
(%)
Oco/tot
(%)
Oco/tot
(%)
Oco/tot
(%)
Oco/tot
(%)
Oco/tot
(%)
ORDE
M
VS
59/105
(56%)
55/104
(53%)
67/102
(66%)
58/109
(53%)
47/105
(45%)
55/106
(52%)
51/103
(50%)
69
da ordem SV, 45% de VS. Uma análise mais detalhada dos resultados encontrados
em cada peça individualmente nos permitirá entender melhor tais resultados.
No período I, duas das quatro peças analisadas apresentam índices de ordem
VS superiores a 55%. As duas peças restantes apresentam 50% dos dados na
ordem VS cada. Semelhantemente, no período seguinte, verificam-se também
índices de VS superiores a 55% em duas das cinco peças analisadas, tendo o
restante das peças apresentado resultados que beiram os 50%.
O terceiro período é o único a apresentar todas as peças com índices de VS
superiores a 55%, sendo que, em uma delas, “A Flor do Maridos”, de 1922,
encontra-se o índice de ordem VS mais alto dentre todas as peças analisadas: 81%,
o que possivelmente contribuiu para elevar o resultado obtido para este período
(66%), como se vê no gráfico acima.
A partir deste momento, observa-se uma quantidade maior de peças com
índices de posposição inferiores a 50%. No período IV, por exemplo, das três peças
analisadas, uma apresenta 44% de ordem VS, revelando um leve declínio desta
ordem em relação aos períodos anteriores. Deste período, apenas uma peça
apresenta índice superior a 55%.
O período V, como se no gráfico acima, é o que apresenta o menor índice
de posposição, o que é explicado pelo fato de não ter ocorrido nenhum índice de VS
superior a 50% nas peças analisadas aqui. “Pedro Mico”, de 1954, por exemplo,
apresentou apenas 36% de dados nesta ordem, um dos índices de posposição mais
baixos encontrados em toda a amostra.
Por fim, das peças analisadas nos dois períodos finais, apenas uma peça de
cada período apresentou índice de VS superior a 55%; todas as outras
apresentaram índices inferiores a 50%, chegando a 35%, em “A Partilha”, de 1989, o
que revela um maior predomínio da ordem SV em relação aos períodos iniciais.
Pode-se, pois, dizer, que a partir do período IV se inicia uma leve mas
consistente tendência de diminuição de VS. Observando-se os resultados
encontrados por Duarte (1993) para a representação dos sujeitos pronominais de
referência definida, pode-se verificar que é justamente a partir do período IV que
ocorre a mudança na representação do sujeito pronominal:
70
80
77
75
54
50
33
26
0
20
40
60
80
100
1845 1882 1918 1937 1955 1975 1992
Gráfico 3.2 Ocorrência de sujeitos pronominais nulos em peças teatrais (Duarte
1993)
A autora associou à redução no quadro dos paradigmas flexionais verbais, que
perderam sua riqueza formal e funcional, o aumento do preenchimento da posição
do sujeito pronominal de referência definida. Verifica-se, assim, que, durante os três
primeiros períodos, 1845, 1882 e 1918, é o Paradigma 1 (formalmente “rico”) que
está em vigor, permitindo licenciar e identificar um sujeito nulo. Assim, foi possível
encontrar altos índices de sujeitos nulos nesses primeiros períodos. Nos dois
períodos seguintes, 1937 e 1955, os dados exibem o Paradigma 2 (funcionalmente
“rico”), que coexiste com o Paradigma 3 (que perde a riqueza formal e funcional, nos
termos de Roberts 1993), nos dois últimos períodos analisados, 1975 e 1992. É
possível perceber a gradativa queda das ocorrências de sujeito nulo, ao longo dos
períodos analisados, chegando a apenas 26% no último período, ou seja, 74% de
sujeitos pronominais expressos.
Apesar da aparente regularidade nos percentuais de VS no gráfico 3.1, é
possível relacionar os valores para cada período aos exibidos no gráfico 3.2 acima.
Pode-se dizer que, nos quatro primeiros períodos, VS está sempre acima dos 53%.
A partir daí, encontramos valores entre 52% e 44%. A análise de pesos relativos
poderá confirmar a significância desses valores percentuais.
71
3.2 Fatores selecionados como favoráveis à ordem VS
A fim de realizar a análise de regra variável para a obtenção dos pesos
relativos para cada fator, foi necessário retirar três grupos de fatores. São eles:
elementos à esquerda do verbo; padrão sentencial; peça teatral. Os dois primeiros
grupos foram retirados desta análise devido à grande ocorrência de knockouts, o
que impossibilitaria a rodada do programa. o grupo peça teatral foi removido por
apresentar vinte e quatro fatores, fazendo com que o número de fatores da célula
excedesse o limite máximo permitido para a rodada do VARBRUL. Desta forma, a
rodada contou com dez grupos de fatores, tendo sido quatro selecionados como
favoráveis à ordem VS e seis descartados pelo programa.
A tabela a seguir apresenta os fatores selecionados e os descartados pelo
VARBRUL na rodada geral dos dados, tomando como valor de aplicação a ordem
VS (vs SV) e com o período de tempo constituindo um grupo de fatores:
Quadro 3.1 Grupos de fatores selecionados e não selecionados pelo VARBRUL
FATORES SELECIONADOS
Fatores não selecionados
1. Definitude do DP 1. Período de tempo
2. Extensão do DP 2. Animacidade do DP
3. Item lexical
3. Categoria sintático-semântica do
verbo
4. Status informacional do DP
4. Estrutura do DP
5. Forma verbal
6. Força ilocucionária
72
Com o intuito de verificar se a não seleção da categoria sintático-semântica
se daria ao fato de haver sobreposição com o grupo item lexical, foram realizadas
duas rodadas distintas do Programa Varb2000, retirando um e outro grupo.
Na primeira rodada, sem a categoria sintático-semântica do verbo, foram
selecionados como significativos para a definição da ordem VS/SV os seguintes
fatores: definitude do DP, extensão do DP, ITEM LEXICAL e status informacional do
DP. Foram descartados o período de tempo, a animacidade do DP, a forma verbal
(simples X complexa), a estrutura do DP, e a força ilocucionária (oração declarativa
X interrogativa).
Na segunda rodada, sem o grupo item lexical, foram selecionados a definitude
do DP, a extensão do DP, o status informacional do DP e o período de tempo. Por
outro lado, foram descartados a animacidade do DP, a forma verbal, a estrutura do
DP, a CATEGORIA SINTÁTICO-SEMÂNTICA DO VERBO, e a força ilocucionária.
Com isso, verificamos que, mesmo retirando um e outro grupo, a definitude do
DP e a sua extensão se mantêm como os primeiros selecionados como significantes
à definição da ordem VS/SV, seguidas pelo status informacional do DP. Verifica-se,
também, que o item lexical (grupos de verbo) consiste em um fator importante para a
análise da ordem VS/SV com inacusativos.
Passemos, agora, à descrição dos resultados para os grupos de fatores que
se mostraram relevantes para a ocorrência da ordem VS. O primeiro a ser
selecionado foi a definitude do DP, cujos resultados são mostrados a seguir:
Tabela 3.2 Ordem VS (vs SV) segundo a definitude do DP
DEFINITUDE DO DP Oco./tot. % PR
DP indefinido 204/264 77% .72
DP definido 186/470 40% .37
INPUT . 56 LOG LIKELIHOOD= -400.951 SIGNIFICANCE= .000
73
Como mostra a tabela, verificamos que a oposição entre os DPs
indefinidos e os definidos, tanto em termos de freqüência quanto de probabilidade,
está fortemente relacionada à variação da ordem VS: DPs com traço [- definido]
ocorrem preferencialmente pospostos ao verbo, enquanto, DPs com traço [+
definido] tendem a vir antepostos ao verbo. A seleção dessa variável em primeiro
lugar, com uma distância de .35 entre os pesos relativos, não surpreende, uma vez
que os DPs indefinidos estão associados às sentenças apresentativas e tendem a
aparecer na sua posição de base em línguas de sujeito nulo. Tal correlação pôde
ser atestada em inúmeros trabalhos anteriores, entre os quais Coelho 2000, Spanó
2002, Duarte & Santos 2005.
Outro grupo selecionado no conjunto dos dados foi a extensão do DP.
Observemos os resultados encontrados na tabela abaixo:
Tabela 3.3 Ordem VS (vs SV) segundo a extensão do DP
EXTENSÃO DO DP Oco./tot. % PR
DP pesado 108/145 74% .71
DP leve 287/589 48% .45
INPUT . 56 LOG LIKELIHOOD= -400.951 SIGNIFICANCE= .000
Embora os DPs pesados ocorram em número bem inferior aos mais leves
(apenas 145 ocorrências em um total de 734 dados), tal contexto favorece a ordem
VS, com um peso relativo de .71, ao contrário dos DPs leves, que tendem a vir
antepostos ao verbo. Veja-se que a distância de .26 entre os pesos nos dá a medida
da importância dessa variável. Observou-se que os DPs pesados são, em sua
grande maioria, modificados, tendo sido raros os casos de DPs coordenados.
Comparemos os exemplos (1) e (2) abaixo:
74
(1) A paixão tem suas idades. Mesmo que, entre nós, não EXISTISSE essa
barreira intransponível que, neste caso, é o Cláudio, o meu amor pela
Yara restringir-se-ia ao amor paternal. (Humberto Cunha, 1938, IV)
(2) um momento em que tudo e todos se fundem e uns são outros e a gente
mesmo, EXISTE a camaradagem, o amor das próprias células... (Silveira
Sampaio, 1949, V)
O próximo grupo que se mostrou favorável à ordem VS foi o item lexical,
Vejamos abaixo a distribuição dos itens lexicais considerados sobre o número total
de dados:
Tabela 3.4 Ordem VS (vs SV) segundo o item lexical
ITEM LEXICAL
Oco./tot
.
% PR
ficar, restar, sobrar, faltar, etc 90/114 79% .72
existir 12/19 63% .61
chegar, entrar, vir, etc 163/306 53% .54
acontecer, começar, terminar, (des)aparecer, crescer,
aumentar, diminuir, passar, etc
108/222 49% .42
morrer, nascer, envelhecer 17/73 23% .24
INPUT . 56 LOG LIKELIHOOD= -400.951 SIGNIFICANCE= .000
Um exame dos resultados revela que o grupo ficar / restar / sobrar / faltar e o
verbo existir são os que apresentam os percentuais e pesos mais elevados (.72 e
.61, respectivamente). Por outro lado, verbos como morrer / nascer (.24) o que
apresentam os resultados menos favoráveis à ordem VS, isto é, privilegiam a
anteposição de seus argumentos internos. Os resultados encontrados para os
75
grupos chegar / entrar / vir e acontecer / começar / (des)aparecer mostram que tais
verbos permanecem em um nível intermediário, com .54 e .42 de peso relativo,
respectivamente. Vejamos abaixo alguns exemplos:
(3) a) Resultado: abandonei a Maria justamente quando aos homens não é mais
permitido recomeçar uma vida amorosa. / E ela ficou! / Ficou. FICOU o amor.
(Joracy Camargo, 1939, IV)
b) Mamãe, os homens passam e os bares FICAM. (Millôr Fernandes, 1955, V)
(4) a) Mas também me ensinaram que no Brasil não EXISTE preconceito racial.
(Millôr Fernandes, 1979, VI)
b) Pois seria possível que o Sr. encontrasse na sua terra, onde nada presta,
alguém capaz disso? / Encontrei! Sim, essa criatura EXISTE! (Gastão Tojeiro,
1920, III)
(5) a) vieram depois as dívidas, e finalmente CHEGOU o dia da ruína e do
opróbrio. (Joaquim M. de Macedo, 1860, I)
b) Acha que não sirvo para marido? / O seu dia CHEGARÁ... Eu não sirvo
para você... (Humberto Cunha, 1938, IV)
(6) a) Oh! Minha filha... ACONTECEU algo muito desagradável... (Silveira
Sampaio, 1949, V)
b) Ontem consegui arrastar a Selma para um encontro esotérico. Ela lutou,
lutou, mas acabou indo. Então a coisa mais engraçada ACONTECEU. (Miguel
Falabella, 1989, VII)
(7) a) Passado esse tempo, MORREU minha mãe. (Martins Pena, 1845, I)
b) Eu preciso do atestado de óbito da mamãe. / [...] todo mundo sabe que a
mamãe MORREU. (Miguel Falabella, 1989, VII)
Seguindo a ordem de seleção dos grupos de fatores, o próximo a ser
comentado é o status informacional do DP, cujos resultados se encontram na tabela
abaixo:
76
Tabela 3.5 Ordem VS (vs SV) segundo o status informacional do DP
STATUS INFORMACIONAL DO DP Oco./tot. % PR
DP novo 271/405 67% .60
DP inferível 21/49 43% .46
DP evocado 96/251 38% .39
DP disponível 4/29 14% .21
INPUT . 56 LOG LIKELIHOOD= -400.951 SIGNIFICANCE= .000
Como demonstrado em inúmeros trabalhos, o DP novo é o contexto de
resistência da ordem VS, o que pode ser confirmado, ao analisarmos os pesos
relativos na tabela acima. Observa-se também que é este o contexto mais freqüente
do conjunto de dados (405, das 734 ocorrências, apresentam DPs novos), o que
naturalmente está relacionado ao caráter apresentativo dessas construções, ao
contrário dos DPs disponíveis e inferíveis, que correspondem a apenas 29 e 49
dados do total da amostra, respectivamente.
A tabela mostra que, de um lado, encontram-se os DPs novos favorecendo a
ordem VS (.60), e, no extremo oposto, os DPs disponíveis (.21), que ocorrem
preferencialmente antepostos ao verbo. A aproximação dos pesos obtidos para os
DPs inferíveis e os evocados (.46 e .39, respectivamente) mostra que é possível
considerar tais contextos em um nível intermediário, em relação aos demais fatores,
embora no caso dos evocados seja mais claro o favorecimento à ordem SV.
Este grupo está intimamente relacionado ao grupo definitude do DP,
apresentado anteriormente. Comparando os resultados da tabela 3.5 acima com os
resultados apresentados na tabela 3.2, é possível confirmar a hipótese de que a
ordem VS está, de fato, fortemente associada aos verbos inacusativos cujo sujeito
possui os traços [+ novo] e [- definido].
77
Passemos agora aos grupos não selecionados pelo programa nesta primeira
rodada. O período de tempo foi o primeiro grupo a ser descartado, o que evidencia,
de certa forma, sua significância na realização da variável em detrimento dos demais
grupos não selecionados. Abaixo, encontram-se os resultados para cada período:
Tabela 3.6 Ordem VS (vs SV) segundo o período de tempo
PERÍODO DE TEMPO Oco./tot. % PR
Período I (1838–1860) 58/105 56% .52
Período II (1862–1883) 55/104 53% .56
Período III (1918–1922) 67/102 66% .65
Período IV (1937– 939) 58/109 53% .49
Período V (1949– 1955) 46/105 45% .38
Período VI (1975–1979) 55/106 52% .42
Período VII (1989–1992) 51/103 50% .49
INPUT . 56 LOG LIKELIHOOD = -381.638
Os pesos encontrados aqui, embora não muito distantes, aproximam os três
períodos iniciais, em oposição aos períodos V e VI. Enquanto aqueles favorecem
levemente a ordem VS, estes a desfavorecem. Numa posição intermediária,
encontram-se os períodos IV e VII. Essa diferença, embora sutil, é bastante
significativa. A próxima rodada dos dados, separando-os por cada período de tempo,
nos permitirá observar o peso dos fatores em cada sincronia.
Os demais grupos descartados foram: a animacidade do DP, cujos resultados
revelam que a distância entre o peso obtido para os DPs com traço [- animado] e o
peso obtido para os DPs com o traço [+ animado] (.10) é inexpressiva; a categoria
78
sintático-semântica do verbo, grupo este que, de certa forma, se sobrepõe ao grupo
item lexical (certamente a razão pela qual aquele não foi selecionado), os resultados
encontrados para cada categoria revelam que os verbos de mudança de estado com
movimento físico se encontram bem separados das outras categorias, com .40 de
peso relativo, favorecendo a ordem SV; a estrutura do DP, cuja não-seleção
possivelmente se deve ao grande número de fatores, dentre os quais são os nomes
modificados por quantificadores, os modificados por orações relativas e os DPs nus
no plural os que apresentam os pesos mais elevados (.75, . 59 e .60,
respectivamente), em oposição à estrutura [pronome interrogativo + DP], cujo peso
relativo (.24) revela sua preferência pela anteposição ao verbo; a forma verbal
(simples ou complexa) e a força ilocucionária (oração declarativa ou interrogativa);
os resultados encontrados para estes dois últimos grupos se mostram, de fato,
inexpressivos para a análise.
O próximo passo da análise consiste em verificar como se comportam os
fatores em cada sincronia separadamente.
3.3 Resultados encontrados para cada sincronia
Analisando os resultados obtidos para cada período separadamente é
possível observar como cada fator se comporta quanto à ordem VS na linha do
tempo. É essa análise que nos permitirá observar, como maior segurança, se ou
não uma tendência de mudança em direção à ordem SV, que fatores se mantêm
estáveis e que fatores cedem à ordem SV.
Para tornar possível a obtenção dos pesos relativos de cada fator nos sete
períodos de tempo separados, fez-se necessária a aplicação de determinadas
medidas, que serão explicitadas a seguir. Em primeiro lugar, além dos grupos de
fatores retirados na primeira etapa da análise (elementos à esquerda do verbo;
padrão sentencial; peça teatral), foi preciso remover certos fatores, cujos resultados
percentuais apresentavam knockouts, o que impossibilitaria a rodada do programa.
Abaixo, encontram-se resumidos os fatores retirados em cada sincronia.
Do grupo categoria sintático-semântica do verbo, (i) a categoria existencial, e,
conseqüentemente, todas as ocorrências com o verbo existir, foi retirada para as
79
células dos períodos I, II, III e VI; (ii) a categoria permanência de estado foi retirada
para a lula dos períodos IV e VII. Do grupo estrutura do DP, os DPs modificados
por uma relativa foram retirados para as células dos períodos II e VII. Do grupo item
lexical, para a célula do período VII, foram retiradas as dezesseis ocorrências com o
grupo de verbos morrer/nascer, pois todas ocorreram antepostas ao verbo.
Outro procedimento adotado foi o amálgama de determinados fatores, para
todos os períodos de tempo, também com o objetivo de evitar a ocorrência de
knockouts. O grupo estrutura do DP passou a se dividir em quatro fatores: (i)
estruturas A (DPs com elementos à direita de N: DP modificado por uma oração
relativa); (ii) estruturas B (DPs nus: contáveis no singular, contáveis no plural e não-
contáveis); (iii) estruturas C (DPs com elementos à esquerda de N: Det+N, Quant+N
e Interr+N); e (iv) estruturas D (pronomes demonstrativos, indefinidos e nomes
próprios). o grupo status informacional do DP passou a apresentar apenas dois
fatores, tomando como base as semelhanças entre os resultados percentuais de
cada fator: DP novo, ao qual foi amalgamado o DP inferível e DP evocado, ao qual
foi amalgamado o DP disponível.
Vamos, em seguida, verificar a apresentação dos fatores selecionados como
favoráveis à ordem VS nas diversas sincronias. Na tabela abaixo, encontram-se os
nove grupos de fatores analisados devidamente marcados conforme a ordem de
seleção em cada período de tempo.
80
Quadro 3.2 Grupos de fatores selecionados pelo VARBRUL em cada sincronia
por ordem de seleção
Dentre todos os grupos, apenas a animacidade do DP não foi selecionada como
significante em nenhuma das sincronias. Note-se que o status informacional do DP,
selecionado em primeiro lugar no período I, independentemente da definitude do DP,
perde sua ordem de preferência para a definitude a partir do período III, revelando
uma importante mudança qualitativa. Sabe-se que a ordem VS está fortemente
associada tanto ao status informacional do DP [+ novo], quanto ao seu traço [-
definido]. No entanto, DPs com o traço [+ novo] e [+ definido] também aparecem
preferencialmente em VS. Observa-se no quadro 3.2 que, a partir do período III e,
principalmente nos três últimos períodos, é a definitude que irá favorecer a ordem
Grupos de
Fatores
I II III IV V VI VII
Status informacional do DP
1º. -- 2º. 2º. -- 3º. --
Extensão do DP 2º. 3º. -- . 2º. -- --
Forma verbal (estrutura do verbo) 3º. -- -- -- -- -- --
Força ilocucionária (tipo de oração) -- 1º. -- -- -- -- --
Item lexical (grupos de verbo) -- 2º. 4º. 5º. -- 2º. --
Definitude do DP -- -- 1º. 3º. 1º. 1º. 1º.
Categoria sintático-semântica do
verbo
-- -- 3º. -- -- -- --
Estrutura do DP -- -- -- 4º. -- -- --
Animacidade do DP -- -- -- -- -- -- --
81
VS mais fortemente. Será possível então que, nos últimos períodos, um DP definido
com o traço [+ novo] ainda seja capaz de aparecer posposto ao verbo com alguma
freqüência significativa?
A fim de responder esta pergunta e verificar se outras mudanças
qualitativas e/ou quantitativas na realização da ordem VS, ao longo dos períodos,
passemos aos resultados obtidos para cada fator, seguindo a ordem de seleção
apresentada no quadro 3.2 para a primeira sincronia.
3.3.1 O status informacional do DP
Este grupo foi selecionado em quatro períodos de tempo: período I (na
primeira posição), III e IV (na segunda posição), VI (na terceira posição), o que
revela sua grande relevância dentre os demais fatores levantados. Vejamos, na
tabela abaixo, os resultados encontrados em cada período, lembrando sempre que
os pesos são “relativos”, isto é, não têm um valor em si mesmos ou isoladamente,
mas sempre em “relação” a outro, e que pesos de rodadas diferentes não podem ser
comparados. Os pesos apontados nas sincronias que não tiveram este grupo
selecionado foram retirados do primeiro nível do stepdown:
Tabela 3.7 Ordem VS (vs SV) segundo o status informacional do DP em cada
sincronia
I
II
III IV
V
VI
VII
S
S
T
T
A
A
T
T
U
U
S
S
I
I
N
N
F
F
O
O
R
R
M
M
A
A
C
C
.
.
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
DP novo 67%
.60
53%
.46
80%
.67
65%
.62
57%
.62
64%
.61
65%
.74
DP evocado 38%
.32
48%
.55
43%
.21
27%
.31
24%
.30
33%
.34
50%
.16
82
Conforme apontam os estudos apresentados no capítulo 1, os DPs evocados
constituem um contexto pouco propício à ordem VS, ao contrário dos DPs novos,
contexto favorável à posposição. Os resultados percentuais da tabela 3.7 mostram
que, de fato, é isto que acontece, independentemente do período.
Quanto aos pesos relativos, pode-se observar que a distância entre o peso
obtido para o DP novo e o peso obtido para o DP evocado é maior nos períodos III
(.46) e VII (.58). Nos períodos I, IV, V VI, nota-se também uma elevada distância
entre os pesos (.28, .30, .32, .27, respectivamente). Apenas o período II apresenta
uma aproximação entre os fatores (.09). Ao observarmos os resultados percentuais
para esta sincronia, verificamos uma das mais altas taxas de ocorrências de DPs
evocados na ordem VS de todos os períodos de tempo (48%), ficando atrás somente
do período VII (50%). O período II apresenta também o percentual mais baixo de
ordem VS com DPs novos, ao contrário dos outros períodos, cujos percentuais se
encontram todos acima dos 55%.
Vejamos abaixo exemplos de DPs novos em (8), e de DPs evocados em (9), a
fim de ilustrar o período II, cujo comportamento, neste particular, foi o mais
diferenciado:
(8) a) E a pobre Ritinha? Enxoval pronto, o padre falado, VEM uma camada
de bexigas bravas, transforma-lhe o rosto e o noivo desaparece de casa do
dia para a noite. (França Jr., 1870, II)
b) sei: Vossa Senhoria quer desculpar-se por não me ter aparecido
mais tempo. Eu sei o que são essas coisas; a minha defunta Inês muitas
vezes não APARECIA às visitas porque tinha de preparar garapa. (França Jr.,
1862, II)
(9) a) As dores são periódicas? / Se eu tenho - periódicos? não senhor. Apenas
assinante do Correio Paulistano. / Que estúpido! Quero dizer: se essas dores
APARECEM todos os dias a uma hora certa e determinada. (França Jr., 1862,
II)
83
b) Fizestes muito bem, o Senhor Artur não tarda e daqui a um mês estarás
ligada àquele excelente moço pelos laços da Santa Madre Igreja. Onde está o
alamão? / O alemão está dentro arranjando o quarto, onde deve FICAR o
Senhor Artur. (França Jr., 1870, II)
3.3.2 A extensão do DP
Observemos agora, na tabela 3.8, os resultados para a extensão do DP,
primeiro grupo selecionado no período IV, segundo selecionado nos períodos I e V e
terceiro selecionado no período II:
Tabela 3.8 Ordem VS (vs SV) segundo a extensão do DP em cada sincronia
Este grupo, como haviam revelado os resultados para a análise dos
períodos em conjunto, mostra-se bastante relevante na análise. Sabe-se que, o
traço [+ pesado] favorece a ordem VS, ao passo que o [- pesado] facilita a ordem
SV. No entanto, os resultados percentuais da tabela 3.8 mostram, ao longo dos
anos, uma forte tendência à ordem VS, mesmo sendo S representado por DPs
leves.
I
II
III
IV
V
VI
VII
E
E
X
X
T
T
E
E
N
N
S
S
Ã
Ã
O
O
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
DP pesado 77%
.70
64%
.72
87%
.83
86%
.71
80%
.85
59%
.54
67%
.57
DP leve
50%
.43
46%
.42
64%
.43
41%
.44
39%
.43
49%
.49
58%
.49
84
Observando os pesos relativos, notamos, nos cinco primeiros períodos, a
grande distância entre os pesos obtidos para o DP pesado e o DP leve (.27, .30, .40,
.27, .42, respectivamente). nos dois últimos períodos, é possível observar que a
distância entre os pesos diminui bastante (.05 e .08, respectivamente), o que revela
que, com o passar do tempo, o fator extensão do DP tende a se tornar irrelevante na
escolha da ordem VS/SV.
Vejamos exemplos de DPs pesados em (10) e de DPs leves em (11). Os
exemplos foram retirados dos períodos que tiveram este grupo selecionado pelo
programa:
(10) a) FICOU a moléstia quase incurável do celibato... (Joracy Camargo, 1939,
IV)
b) Se você quer continuar meu amigo, é melhor se retirar porque tudo quanto
eu sentia pelo senhor DESAPARECEU completamente. (Silveira Sampaio,
1951, V)
(11) a) sei: quer falar-me do cometa que aparece as noites? / Não; não é isso.
Em São Paulo APARECEM muitos, mesmo de dia. (França Jr., 1862, II)
b) Pois vamos, antes que meu pai VENHA. (Martins Pena, 1838, I)
3.3.3 A forma verbal (simples x complexa)
O grupo em questão foi selecionado apenas para o período I, em terceiro
lugar de preferência. Lembrando que, na análise dos períodos em conjunto, este foi
um dos grupos cujos resultados gerais se mostraram bastante inexpressivos (a
forma simples apresentou .51 de peso relativo, enquanto a complexa, .43, isto é,
uma distância de apenas .08)
85
Tabela 3.9 Ordem VS (vs SV) segundo a forma verbal em cada sincronia
Observando os resultados na tabela 3.9, vemos que este grupo apresenta um
comportamento um tanto distinto para cada período de tempo: enquanto nos
períodos I, II, IV e VII, encontramos a forma simples como favorável à ordem VS
(.53, .54, .54 e .57, respectivamente), nos períodos III, V e VI, é a forma complexa
que favorece a posposição (.58, .67, .59). No entanto, se observarmos atentamente,
veremos que estes períodos apresentam uma distância muito menor entre os pesos
obtidos para a forma simples e a complexa (.09, .19 e .12, respectivamente) do que
aqueles. Isto evidencia que, nos períodos III, V e VI, embora a forma verbal
complexa possua peso mais elevado, a forma verbal simples também se revela
como favorável à ordem VS, revelando um certo equilíbrio encontrado entre os
fatores nestes períodos, o que justifica a sua não-seleção.
3.3.4 A força ilocucionária (oração declarativa X interrogativa)
Embora os resultados gerais para a análise dos períodos em conjunto tenham
revelado este grupo como descartável (com uma diferença de apenas .02 entre os
pesos obtidos para a oração declarativa e a oração interrogativa: .50 e .52,
respectivamente), a força ilocucionária foi selecionada na rodada dos dados do
I
II
III IV
V
VI
VII
F
F
O
O
R
R
M
M
A
A
V
V
E
E
R
R
B
B
A
A
L
L
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
Simples 59%
.53
52%
.54
69%
.49
53%
.54
45%
.48
51%
.47
61%
.57
Complexa 25%
.18
36%
.20
50%
.58
22%
.19
46%
.67
52%
.59
53%
.28
86
período II, em primeiro lugar de preferência. Vejamos os resultados encontrados em
cada período na tabela abaixo:
Tabela 3.10 Ordem VS (vs SV) segundo a força ilocucionária em cada sincronia
O equilíbrio entre as orações declarativa e interrogativa para a definição da
ordem VS/SV que se esperava encontrar pode ser verificado nos períodos III, IV e,
principalmente, no VI, cujos pesos obtidos para cada tipo de oração são bastante
próximos. Nos demais períodos, observa-se uma grande distância entre os pesos
encontrados para os dois primeiros períodos (.34 e .51, respectivamente), e uma
diminuição nesta distância nos períodos finais (.20, .26, respectivamente).
Comparando os pesos obtidos para cada tipo de oração, em cada período,
observamos comportamentos bastante diferentes. Enquanto nos períodos I e VII, a
oração interrogativa lidera a preferência pela ordem VS, com os pesos mais
elevados (.81, .71, respectivamente), nos períodos II e V, este tipo de oração
apresenta os pesos mais baixos (.07 e .31, respectivamente), já favorecendo a
ordem SV.
I
II
III IV
V
VI
VII
F
F
O
O
R
R
Ç
Ç
A
A
I
I
L
L
O
O
C
C
U
U
C
C
I
I
O
O
N
N
Á
Á
R
R
I
I
A
A
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
oração declarativa 55%
.47
56%
.58
66%
.48
52%
.51
45%
.51
50%
.50
54%
.45
oração
interrogativa
75%
.81
9%
.07
73%
.62
36%
.40
40%
.31
60%
.52
80%
.71
87
Tais resultados tão distintos parecem demonstrar que a escolha da ordem
VS/SV, na verdade, independe do tipo de oração e sim de outros fatores, como o
status informacional e a definitude do DP, que será tratada mais adiante.
3.3.5 O item lexical (grupo de verbos)
O grupo item lexical, correspondente aos verbos inacusativos reunidos por
algumas características semelhantes no que diz respeito à composição sintático-
semântica, foi selecionado como significativo em segundo lugar, nos períodos II e VI,
em quarto lugar, no período III, e em quinto lugar, no período IV. Os resultados
encontrados para cada período podem ser vistos na tabela abaixo:
Tabela 3.11 Ordem VS (vs SV) segundo o item lexical em cada sincronia
I
II
III IV
V
VI
VII
I
I
T
T
E
E
M
M
L
L
E
E
X
X
I
I
C
C
A
A
L
L
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
ficar, restar, sobrar,
faltar
70%
.44
75%
.83
95%
.85
84%
.87
64%
.85
83%
.81
80%
.79
existir 0%
---
100%
---
0%
---
67%
.41
75%
.57
100%
---
67%
.55
chegar, entrar, vir 60%
.63
58%
.60
58%
.50
47%
.47
51%
.76
39%
.34
63%
.53
acontecer, começar,
(des)aparecer
47%
.40
29%
.22
62%
.25
53%
.49
32%
.18
62%
.62
49%
.38
morrer, nascer 50%
.48
36%
.29
50%
.11
21%
.17
25%
.13
27%
.36
0%
---
88
Primeiramente, é importante dizer que foi encontrado, para cada período, um
número bastante reduzido de dados com o verbo existir, fazendo com que houvesse
resultados categóricos (0% de VS, nos períodos I e III; e 100%, nos períodos II e VI),
razão pela qual o grupo foi excluído das rodadas para esse período. Vejamos a
seguir alguns exemplos das ocorrências existenciais para cada período.
(12) Pois seria possível que o Sr. Encontrasse na sua terra, onde nada presta,
alguém capaz disso? / Encontrei! Sim, essa criatura EXISTE! (Gastão
Tojeiro, 1920, III)
A anteposição do sujeito ao verbo existir em (12) pode ser justificada pelo
traço do DP essa criatura [- pesado], e pelo seu status informacional [- novo],
favorável à ordem SV.
Nos período II e VI, as ocorrências com existir trazem a ordem VS. Vejamos
os exemplos em (13):
(13) a) Já não há Romeu nem Julieta, e se ainda EXISTE o amor platônico, como
o concebeu o filósofo da antiguidade, é tão somente na cabeça desses
loucos que se intitulam poetas. (França Jr., 1862, II)
b) Mas também me ensinaram que no Brasil não EXISTE preconceito racial.
(Millôr Fernandes, 1979, VI)
c) Por que é que você pensa que os medíocres dos japoneses andam sempre
juntos? Por que é que você acha que não EXISTE japonês individual?
(Millôr Fernandes, 1979, VI)
Note-se que nenhum dos exemplos em (13) é representado por pronome. A
posposição em (13a) parece, então, ser explicada pelo status informacional [+ novo]
do DP, fator que explica também a posposição de (13b). Além disso, (13b) traz um
DP indefinido, assim como o DP verificado em (13c). Este exemplo é bastante
interessante, pois mostra que, embora o DP selecionado seja evocado, prevalece a
89
posposição. A ordem VS se mantém aí devido ao caráter indefinido do DP japonês
individual.
Nos demais períodos, podemos encontrar certa variação. Em IV, vemos que,
embora o resultado percentual de VS para este verbo tenha sido elevado (67%), o
programa não o destacou como relevante para a realização da ordem VS, revelando
o peso de .41, possivelmente devido ao reduzido número de ocorrências com existir
encontradas neste período, apenas três. Os exemplos em (14) ilustram as duas
possibilidades de ordem:
(14) a) É que quando estou perto de você, para mim não EXISTE outra mulher no
mundo! (Humberto Cunha, 1938, IV)
b) Não, Yara, sou simplesmente um homem que a ama!... Sem você, a vida
para mim não EXISTE (Humberto Cunha, 1938, IV)
Considere-se ainda que, nesse período, todos os dados com existir foram
encontrados na mesma peça (“A vida tem três andares”, de 1938), cujos índices
percentuais para a posposição se revelaram um dos mais elevados dentre as
demais peças (60%). Em (14a), nota-se a seleção de um DP indefinido, que,
portanto, se encontra posposto ao verbo, ao contrário de (14b), em que temos um
DP definido, na ordem SV.
Os períodos V e VII foram os que apresentaram o maior número de dados
com existir (quatro e seis ocorrências, respectivamente). Os resultados percentuais
de ordem VS se mostram bem elevados nas duas sincronias (67% e 75%,
respectivamente), confirmando a estrita relação existente entre a posposição e o
caráter apresentativo deste verbo. Vejamos abaixo exemplos de VS e SV para o
período V em (15) e para o período VII em (16):
(15) a) Para toda paciência EXISTE uma explicação! (Silveira Sampaio, 1951, V)
b) Modos... modos... agora você me diz para eu ter modos... Modos o senhor
devia ter antes de me trazer para êste apartamento... / Perdão... perdão... a
senhora veio aqui porque quis... Até chave falsa a senhora usou... / Mas o
apartamento já EXISTIA antes da chave. (Silveira Sampaio, 1949, V)
90
(16) Taras? / Ele mijava em mim. / Eu não ia acreditar, se você tivesse me contado
naquela época. / Ninguém ia acreditar. Ninguém sabia que essas coisas
EXISTIAM. (Miguel Falabella, 1989, VII)
Outro resultado categórico foi encontrado no período VII, para o grupo de
verbos morrer/nascer, cujos DPs apresentam geralmente os traços [+ animado, +
definido]. Nesta última sincronia, das dezesseis ocorrências encontradas com este
grupo de verbos, todas apresentam a ordem SV, ou seja, 0% de posposição.
Vejamos os exemplos abaixo retirados do período VII:
(17) A Milena tinha um problema congênito. A gente sabia que ela ia morrer
desde menina, a gente nem deixava ela brincar, lembra Selma? [...] Aliás,
vocês sabiam que o tio Amaro veio buscá-la, no dia em que ela morreu? /
Regina, ra de beber. Quando a Milena MORREU, o tio Amaro tinha
MORRIDO. (Miguel Falabella, 1989, VII)
(18) Tem uma cena nesse filme, eu não me lembro mais por que, mas o noivo de
Jennifer Jones MORRE. (Miguel Falabella, 1989, VII)
Vemos que o exemplo (17) apresenta o contexto mais favorável à ordem SV: DP
sujeito [+ animado, + definido, - novo]. O exemplo (18) revela que os traços [+ novo]
e [+ pesado] do DP sujeito o noivo de Jennifer Jones não foram suficientes para sua
posposição ao verbo morrer, o que nos leva à hipótese de que, com este grupo de
verbos, o fator status informacional e extensão do DP sujeito parecem se anular. Por
outro lado, deve-se levar em consideração também que o traço [+ definido] do DP,
em (18), contribui fortemente para a ordem SV.
Passemos à análise dos resultados obtidos para os demais itens lexicais,
somente nos períodos de tempo que tiveram este grupo de fatores selecionado (II,
III, IV e VI). Comecemos pelos períodos que tiveram o fator existir removido da
rodada (II, III e VI).
91
No período II, os resultados percentuais e relativos revelam os grupos
ficar/restar e chegar/entrar/vir como os grandes favorecedores da ordem VS, com
.83 e .60 de peso relativo, respectivamente. No outro lado, desfavorecendo a
posposição, isto é, favorecendo a ordem SV, encontram-se os grupos
acontecer/começar/(des)aparecer e morrer/nascer, com .22 e .29 de VS,
respectivamente. Tais resultados se mostram bastante semelhantes aos
encontrados no período III, como se vê na tabela 3.10.
O período VI também apresenta semelhanças aos resultados comentados
anteriormente, com exceção dos grupos chegar/entrar/vir e
acontecer/começar/(des)aparecer. Tais grupos mostram resultados percentuais e
relativos exatamente opostos aos resultados obtidos para estes grupos nos períodos
II e III. Em VI, os itens chegar/entrar/vir se aproximam de morrer/nascer (.34 e .36,
respectivamente), enquanto os itens acontecer/começar/(des)aparecer se
aproximam de ficar/restar (.62 e .81, respectivamente).
Os resultados do período IV, como nos demais períodos, também apresentam
o grupo ficar/restar na posição mais favorável a VS, com .87 de VS. Entretanto,
aparentemente devido à entrada do fator existir na rodada dos dados, foram
encontrados resultados um pouco diferentes em relação aos períodos II e III para os
demais itens lexicais. Numa posição intermediária, estão os grupos existir,
chegar/entrar/vir e acontecer/começar/(des)aparecer, com .41, .47 e .49 de peso
relativo, respectivamente. Destes grupos, é o verbo existir o que possui o percentual
mais alto de ordem VS (67%), enquanto os demais grupos apresentam resultados
percentuais equilibrados para a definição da ordem VS/SV. Na posição mais baixa,
encontra-se o grupo morrer/nascer, com apenas .17, confirmando sua preferência
pela ordem SV também nesta sincronia.
A partir destes resultados, pode-se concluir que a mudança em direção à
ordem SV já começa a querer se implementar nas ocorrências com os verbos
inacusativos morrer/nascer, e isto é visto na linha do tempo. Enquanto os períodos
iniciais ainda apresentam índices percentuais elevados de VS com morrer/nascer,
justamente a partir do período IV, as taxas de VS com tais verbos diminuem,
chegando a 0%, no último período. Observemos, no gráfico abaixo, os índices
92
percentuais de ordem VS para todos os grupos de verbos, apresentados na tabela
3.11 acima.
0
20
40
60
80
100
I II III IV V VI VII
Ficar, restar, sobrar, faltar Existir
Chegar, entrar, vir Acontecer, começar, (des)aparecer
Morrer, nascer
Gráfico 3.3 Ocorrência de VS (vs SV) segundo os grupos de verbo por período (%)
3.3.5.1 Verbos morrer/nascer com DPs indefinidos
Com o intuito de observar se os DPs com traço [- definido] se encontram
antepostos aos verbos morrer/nascer, foi realizada uma análise das ocorrências dos
verbos morrer/nascer com DPs indefinidos. Vejamos abaixo um exemplo de DP [-
definido] posposto ao verbo morrer (ordem esperada para tal contexto):
(19) Aqui houve em outros tempos uma grande batalha em que MORREU uma
quantidade extraordinária de bichos. (França Jr., 1870, II)
93
A tabela 3.12 apresenta os resultados quantitativos encontrados para VS/SV de
acordo com a definitude do DP selecionado pelos verbos morrer/nascer em toda a
amostra:
Tabela 3.12 Ordem VS/SV segundo a definitude do DP selecionado pelo grupo
morrer/nascer, nas amostras em conjunto
MORRER/NASCER
com DP indefinido
MORRER/NASCER
com DP definido
Oco % Oco %
VS 9 50% 8 15%
SV 9 50% 47 85%
TOTAL 18 55
É importante ressaltar que as ocorrências de VS/SV com morrer/nascer
selecionando DPs indefinidos se distribuem equilibradamente entre os períodos de
tempo, não havendo nenhuma diferença significativa entre eles, motivo pelo qual,
os resultados são apresentados para todas as sincronias em conjunto.
A análise quantitativa revela que, ocorrem DPs indefinidos antepostos a
morrer/nascer (ordem SV) na mesma freqüência com que ocorrem pospostos
(ordem VS). Observemos o exemplo de SV abaixo:
(20) a) porque poetas e escritores MORREM de miséria, no Brasil (Martins Pena,
1845, I)
Observando agora atentamente as características de cada ocorrência de
morrer/nascer com DPs indefinidos na ordem VS, percebe-se que, em sua maioria,
os DPs indefinidos pospostos a morrer/nascer são aqueles representados por
expressões quantitativas e pronomes indefinidos. Vejamos os exemplos abaixo:
94
(21) a) [estes livros] Devem ser para ela. O pai não tem tempo de ler... MORRE
tanta gente nesta terra! (Humberto Cunha, 1938, IV)
b) Toque a "Morte de Frinéa"... Para seu pai, logo que MORRA alguém, êle
fica satisfeito! (Humberto Cunha, 1938, IV)
A tabela 3.12 mostra ainda os resultados obtidos para os DPs definidos
selecionados por morrer/nascer. Verifica-se que, como era esperado, 85% destes
DPs se encontram antepostos a V, enquanto apenas 15% deles se encontram
pospostos. Ressalte-se que, de todos os períodos de tempo, o período III foi o que
apresentou o maior número de ocorrências de DPs definidos pospostos a
morrer/nascer (três das oito ocorrências). Observemos, a seguir, nos exemplos em
(22), algumas características dos DPs definidos pospostos a morrer/nascer, a fim de
verificar se existe algum outro fator contribuindo para a escolha da posposição.
(22) a) hoje Vossa Excelência não é mais do que um filho da casa, um amigo
dedicado e fiel, para quem MORREM essas regras banais e frívolas da
etiqueta. (França Jr., 1862, II)
b) Até que enfim você veio nos ver. / Pago-lhes na mesma moeda. / Eu,
minha filha, quase não saio... Depois então que NASCEU o meu netinho
(Armando Gonzaga, 1922, III)
Note-se, em (22a), a ocorrência de um DP pesado e, em (22b), a ocorrência de um
DP novo, fatores possivelmente responsáveis pela escolha da ordem VS.
3.3.6 A definitude do DP
A grande importância do fator definitude do DP na escolha da ordem VS/SV já
havia sido atestada pela seleção deste grupo em primeiro lugar na rodadas das
sincronias em conjunto. Nesta etapa da análise, conforme mostra o quadro 3.2, a
definitude do DP foi selecionada como significativa em quase todos os períodos de
tempo, exceto nos dois períodos iniciais. Outro fato importante é que a seleção deste
grupo foi feita em primeiro lugar para os períodos III, V, VI e VII, e em terceiro lugar
95
para o IV. Assim, a definitude do DP se revela o fator mais relevante na definição da
ordem VS/SV. Observemos os resultados na tabela abaixo:
Tabela 3.13 Ordem VS (vs SV) segundo a definitude do DP em cada sincronia
Com base na tabela 3.13, verifica-se que, em todos os períodos que tiveram a
definitude selecionada como fator significante para a ordem VS (do III ao VII), a
distância entre os pesos obtidos para o DP indefinido e o DP definido são maiores
que a distância encontrada entre os pesos obtidos para cada fator, nos períodos I e
II, que não tiveram este grupo selecionado. Isto significa dizer que a íntima relação
entre a ordem VS e o traço [- definido] do DP, e entre a ordem SV e o traço [+
definido] é vista mais claramente nos cinco períodos finais. Em contrapartida, em I e
II, podemos notar uma maior aproximação entre os pesos obtidos para cada fator, o
que, de fato, mostra que a ordem VS era favorecida também com DPs definidos; ou
seja a restrição era menor.
Ao observarmos a seleção dos grupos de fatores pelo programa Varbrul em
cada sincronia (cf. quadro 3.2), notamos que houve uma mudança qualitativa: o
status informacional do DP, selecionado em primeiro lugar no período I,
I II III IV V VI VII
D
D
E
E
F
F
I
I
N
N
I
I
T
T
U
U
D
D
E
E
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
DP indefinido 70%
.60
67%
.76
91%
.85
76%
.81
78%
.82
74%
.72
88%
.81
DP definido 49%
.45
46%
.42
54%
.29
39%
.34
26%
.30
30%
.29
29%
.19
96
independentemente da definitude do DP, perde, a partir do período III, sua ordem de
preferência para a definitude, grupo que, principalmente nos três últimos períodos,
passa a favorecer a ordem VS mais fortemente. A fim de atestar tal mudança
qualitativa e verificar se, nos últimos períodos, um DP definido com o traço [+ novo]
ainda era capaz de aparecer posposto ao verbo com alguma freqüência significativa,
foi realizado um cruzamento entre os grupos definitude e status informacional do DP.
Os resultados para as amostras em conjunto estão apresentados na tabela abaixo:
Tabela 3.14 Ordem VS (vs SV) a partir do cruzamento
do status informacional e definitude do DP
NOVO INFERÍVEL EVOCADO DISPONÍVEL
STATUS
DEFINIT.
Oco./T % Oco./
T
% Oco./
T
% Oco./
T
%
DEFINIDO 114/217
53%
12/39 31% 57/18
6
31% 4/28 14%
INDEFINIDO 157/188
84%
9/10 90% 39/65 60% 0/1 0%
Observa-se que, dos DPs definidos, somente aqueles que têm o traço [+
novo] ainda revelam um índice expressivo de VS (53%), mas se encontram em
distribuição equilibrada com SV. Por outro lado, os DPs indefinidos apresentam altos
índices de VS, independentemente do status informacional, com exceção do status
disponível, que apresentou apenas 1 ocorrência na ordem SV.
Resta agora observar como se o comportamento dos DPs definidos e
indefinidos a depender do status informacional novo ao qual foi amalgamado o
status inferível –– e evocado –– ao qual foi amalgamado o status disponível, ao
longo dos sete períodos. Abaixo, encontram-se os resultados obtidos para cada
sincronia separadamente. Foram separados os DPs definidos dos indefinidos.
97
Ocorrência de VS com DPs definidos
58
46
67
56
37
38
25
37
46
35
22
13
21
35
0
20
40
60
80
100
I II III IV V VI VII
NOVOS EVOCADOS
Gráfico 3.4 Ocorrência de VS (vs SV) com DPs definidos por período (%)
Ocorrência de VS com DPs indefinidos
81
67
100
76
83 83
100
40
67 67
75
63
53
67
0
20
40
60
80
100
I II III IV V VI VII
NOVOS EVOCADOS
Gráfico 3.5 Ocorrência de VS (vs SV) com DPs indefinidos por período (%)
Ao analisarmos os resultados apresentados no gráfico 3.4, vemos que, de
fato, há uma diminuição na ocorrência de VS ao longo do tempo independentemente
do status informacional, chegando ao último período com índices baixos e muito
próximos DPs definidos novos e os evocados.
No caso dos DPs indefinidos, por outro lado, observa-se no gráfico 3.5 que,
independentemente do status informacional, a preferência recai sempre sobre VS.
98
Apenas no período I vemos a preferência pela ordem SV com DPs [- definidos, -
novos] (40% de VS).
3.3.7 A categoria sintático-semântica do verbo
O programa selecionou como fator significante a categoria sintático-semântica
do verbo apenas para o período III, no terceiro lugar de significância. Este grupo
possui grandes semelhanças em relação ao conjunto de itens lexicais (cujos
resultados são apresentados no item 3.2.5), no entanto, em um mesmo grupo de
verbos, podem existir verbos que correspondem a categorias diferentes, como será
visto nos exemplos abaixo:
(23) a) Já quando CAIU o outro ministério foi a mesma coisa. (França Jr., 1883, II)
b) E o que me diz do Ambrósio da Silveira? Era porventura alguma coisa? /
Chico Bento – Foi liberal. / Limoeiro – Nunca! [Ouve-se o ruído de uma
girândola.] CHEGOU o rapaz! (França Jr., 1882, II)
(24) a) Mamãe, os homens passam e os bares FICAM. (Millôr Fernandes, 1955, V)
b) Ainda falta muito? / FALTAM apenas três botões... (Gastão Tojeiro, 1918,
III)
Em (23), cair e chegar pertencem ao mesmo grupo de verbos, no entanto, observa-
se que aquele corresponde à categoria de mudança de estado sem movimento
físico, enquanto este à categoria de mudança de estado com movimento físico. O
mesmo ocorre em (24): ficar e faltar, embora pertençam ao mesmo grupo de verbos,
correspondem a categorias sintático-semânticas diferentes: permanência de estado
e mudança de estado sem movimento físico, respectivamente.
a categoria existencial corresponde única e exclusivamente às ocorrências
com o verbo inacusativo existir. Observe o exemplo abaixo:
(25) Mas também me ensinaram que no Brasil não
EXISTE preconceito racial.
(Millôr Fernandes, 1979, VI)
99
Passemos aos resultados encontrados para este grupo de fatores, em cada
período analisado:
Tabela 3.15 Ordem VS (vs SV) segundo a categoria sintático-semântica do verbo
em cada sincronia
Como foi visto no item 3.2.5, o número de dados obtidos com o verbo existir,
para cada período, foi bastante reduzido, fazendo com que houvesse resultados
categóricos (0% de ordem VS com existir, nos períodos I e III; e 100%, nos períodos
II e VI). Tais resultados, conseqüentemente, afetam a categoria existencial, como se
na tabela 3.15. Outra categoria a apresentar resultados categóricos foi a
I
II
III
IV
V
VI
VII
C
C
A
A
T
T
E
E
G
G
O
O
R
R
I
I
A
A
S
S
I
I
N
N
T
T
Á
Á
T
T
I
I
C
C
O
O
-
-
S
S
E
E
M
M
Â
Â
N
N
T
T
I
I
C
C
A
A
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
permanência de estado 86%
.91
75%
.78
80%
.42
100
%
---
40%
.01
67%
.72
0%
---
existencial 0%
---
100
%
---
0%
---
67%
.50
75%
.70
100
%
---
67%
.87
mudança de estado sem
movimento físico
52%
.48
53%
.57
78%
.70
57%
.62
46%
.65
51%
.54
57%
.41
mudança de estado com
movimento físico
59%
.41
45%
.39
50%
.24
33%
.24
39%
.32
46%
.35
61%
.58
100
permanência de estado, nos períodos IV e VII (100% VS e 0% de VS,
respectivamente). Estes resultados se devem também ao número reduzido de
ocorrências que representam tal categoria.
Observemos, na tabela 3.15, como se o comportamento das quatro
categorias verbais em cada período. No período I, os verbos de permanência de
estado apresentam o peso mais elevado (.91), favorecendo a ordem VS. Num nível
intermediário, encontram-se as categorias mudança de estado com e sem
movimento físico, cujos pesos se mostram bastante próximos (distância de apenas
.07). Observando os resultados percentuais, nota-se que a ordem VS/SV se mostra,
de fato, mais equilibrada com verbos de mudança de estado, neste período.
Enquanto, em I, vemos que nenhuma das categorias se mostra favorável à
ordem SV, em II, os verbos de mudança de estado com movimento físico
representam um contexto propício para a anteposição (.39 de VS), ao contrário dos
verbos de permanência de estado, cujo peso de .78 revela sua preferência pela
ordem VS. Permanecem num nível intermediário, favorecendo levemente a ordem
VS, os verbos de mudança de estado sem movimento físico (.57). Observa-se que
tais resultados se assemelham bastante aos encontrados no período VI.
O próximo período, III, foi o único no qual este grupo de fatores foi
selecionado. Vamos tentar entender o porquê. Pela primeira vez, na linha do tempo,
observa-se que os verbos de mudança de estado sem movimento ocorrem em maior
freqüência na ordem VS (78% dos dados). Tal fato parece ter anulado a relevância
da categoria de permanência de estado, que, embora favoreça a ordem VS
percentualmente (80%), apresenta um peso de .41, se aproximando mais da
categoria mudança de estado com movimento físico (.24).
No período IV, os verbos de mudança de estado sem movimento continuam
privilegiando a ordem VS, com .62 de peso relativo, o que mostra que esta categoria
é mais relevante para a definição da ordem VS do que a categoria existencial (.50).
Observa-se ainda que todas as ocorrências dos verbos de permanência de estado
se encontram com os DPs pospostos. Por outro lado, os verbos de mudança de
estado com movimento físico correspondem, novamente, ao contexto desfavorável à
VS (.24).
101
O período V foi o único a apresentar os pesos relativos para todos os fatores.
Pela primeira vez, na linha do tempo, a categoria existencial assume a posição de
liderança no favorecimento de VS (.70), seguidos dos verbos de mudança de estado
sem movimento (.65). No extremo oposto, favorecendo a ordem SV, encontram-se
os verbos de mudança de estado com movimento físico novamente (.32) e os de
permanência de estado (.01).
Finalmente, no período VII, os verbos de permanência de estado se
encontram categoricamente na ordem SV. Todas as demais categorias se
encontram preferencialmente em VS. Contudo, comparando os pesos relativos neste
período, notamos que os verbos existenciais constituem o contexto mais relevante
para a escolha da posposição (.87) em detrimento dos verbos de mudança de
estado com e sem movimento físico (.58 e .41, respectivamente)
3.3.8 A estrutura do DP
Com base nos resultados gerais obtidos para este grupo de fatores, na
análise das sincronias em conjunto, comentados anteriormente, observou-se que
são os nomes modificados por quantificadores, visto em (26), os modificados por
orações relativas, em (27) e os DPs nus no plural, em (28) os que apresentam os
pesos mais elevados, favorecendo a ordem VS, em oposição à estrutura [pronome
interrogativo+N], em (29), cujo baixo peso relativo revela sua preferência pela
ordem SV.
(26) Na repartição, a bagunça voltou logo ao que era antes. Nesse mês,
DESAPARECERAM três máquinas de escrever. (Millôr Fernandes, 1979,
VI)
(27) Eu sou casado no Paraná... espero que não CHEGUEM até notícias
comprometedoras que possam abalar a solidez do meu lar. Muito
obrigado. (Carlos E. Novaes, 1975, VI)
(28) Não posso compreender que um homem como você, passe o dia sem
trabalhar! / muita gente que tem a mesma ocupação. E tenho eu
porventura culpa que não APAREÇAM
empregos? (Gastão Tojeiro, 1920, III)
102
(29) Que filme tá PASSANDO? (Miguel Falabella, 1992, VII)
Os resultados percentuais para a análise das sincronias em conjunto
mostraram ainda que, dentre as demais estruturas, os nomes próprios, como se
em (30) e os DPs representados por pronomes demonstrativos, em (31) são os mais
freqüentemente encontrados antepostos ao verbo, o que está de acordo com o traço
[+ definido] apresentado por tais DPs. A estrutura [Det+N], vista em (32), se mostrou
bastante equilibrada em relação à escolha da ordem VS/SV.
(30) Se o Manuel João VIESSE e o achasse a jacuba pronta, tínhamos
campanha velha (Martins Pena, 1838, I)
(31) Nunca mais isto há de ACONTECER... (Silveira Sampaio, 1949, V)
(32) a) Desçam, desçam, que PASSAM as horas. (Martins Pena, 1845, I)
b) Mamãe, os homens PASSAM e os bares ficam.(Millôr Fernandes, 1955, V)
A fim de tornar possível a realização da análise em sincronia separadamente,
este grupo teve seus fatores amalgamados em quatro estruturas. São elas:
estruturas A (DPs com elementos à direita de N: DP modificado por oração relativa);
estruturas B (DPs nus: contáveis no singular, contáveis no plural e não-contáveis);
estruturas C (DPs com elementos à esquerda de N: Det+N, Quant+N e Interr+N); e
estruturas D (pronomes demonstrativos/indefinidos e nomes próprios). Verifiquemos
na tabela abaixo os resultados encontrados para os fatores amalgamados em cada
sincronia.
103
Tabela 3.16 Ordem VS (vs SV) segundo a estrutura do DP em cada sincronia
Conforme o quadro 3.2, podemos observar que este grupo foi selecionado
apenas para o período IV, na quarta posição de significância, evidenciando que o
fator estrutura do DP sozinho não é relevante para definir a ordem VS/SV.
Os resultados percentuais encontrados na tabela 3.16 mostram que a
estrutura A (DP modificado por uma oração relativa) se revela como o contexto de
maior favorecimento da ordem VS, nos períodos I, II III, IV e VII (92%, 100%, 80%,
83% e 100% das ocorrências, respectivamente). Tais resultados podem ser
relacionados ao traço [+ pesado] do DP, que contribui para sua posposição ao
verbo. Os resultados categóricos encontrados em II e VII podem ser explicados pela
I
II
III
IV
V
VI
VII
E
E
S
S
T
T
R
R
U
U
T
T
U
U
R
R
A
A
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
A
(DP modificado por uma
oração relativa)
92%
.93
100%
---
80%
.11
83%
.78
50%
.00
50%
.19
100
%
---
B
(DPs nus)
60%
.37
67%
.32
50%
.14
86%
.36
80%
.41
89%
.80
77%
.06
C
(Det+N, Quant+N e
Interr+N)
52%
.38
53%
.58
71%
.53
55%
.69
43%
.51
49%
.52
45%
.39
D
(pron. demonstrat./indefin.,
nomes próprios)
50%
.53
39%
.32
59%
.55
17%
.08
35%
.64
40%
.34
71%
.88
104
quantidade extremamente reduzida de ocorrências encontradas com esta estrutura
em todos os períodos. Dentre todas as sincronias, I oferece o maior número de DPs
modificados por oração relativa (treze). A redução do número de dados obtidos com
esta estrutura também explica seus resultados percentuais encontrados nos
períodos V e VI (50%).
Outra estrutura que apresentou altos índices percentuais em todos os
períodos foram as estruturas em B (DPs nus contáveis no singular, contáveis no
plural e não-contáveis), o que possivelmente se deve ao fato de tais DPs possuírem
o traço [- definido], favorecendo sua posposição ao verbo.
Esperava-se encontrar os menores resultados percentuais de VS para as
estruturas em D (pronomes demonstrativos/indefinidos e nomes próprios), e, de fato,
é o que acontece na maioria dos períodos (I, II, IV, V e VI). Analisando os três tipos
de estrutura que se amalgamaram em D, verifica-se que os índices de VS se devem
às ocorrências com DP representado por pronome indefinido, em todos os períodos.
Em VII, por exemplo, das vinte ocorrências encontradas na ordem VS, quatorze são
com pronomes indefinidos, enquanto três são com nomes próprios e as três
restantes com pronomes demonstrativos.
Das estruturas agrupadas em C (Det+N, Quant+N e Interr+N), [Interr+N]
chegou a não ser encontrada nos períodos II, III, IV e V, em contrapartida, [Det+N] é
a que apresenta o maior número de ocorrências, em todos os períodos, sendo
bastante comum a presença de DPs com esta estrutura em toda a amostra. Assim,
separando a estrutura [Det+N] (estrutura mais freqüente de DP) das demais,
observam-se na tabela 3.16, abaixo, os resultados percentuais para a ordem VS ao
longo dos períodos de tempo.
105
Tabela 3.17 Ocorrência de VS (vs SV) com DPs representados por [Det+N]
por período (%)
O gráfico a seguir permite visualizar na linha do tempo os índices
percentuais de ordem VS com DPs representados por [Det+N], apresentados na
tabela acima:
43
50
59
46
33
26
18
100
67
90
92
78 78
83
0
20
40
60
80
100
I II III IV V VI VII
[DET definido + N] [DET indefinido + N]
Gráfico 3.6 Ocorrência de VS (vs SV) com DPs representados por [Det+N] por
período (%)
I II III IV V VI VII
Oco/tot
(%)
Oco/tot
(%)
Oco/tot
(%)
Oco/tot
(%)
Oco/tot
(%)
Oco/tot
(%)
Oco/tot
(%)
[DET+N]
definido
22/51
(43%)
30/60
(50%)
22/37
(59%)
25/54
(46%)
17/51
(33%)
11/43
(26%)
6/34
(18%)
[DET+N]
indefinido
6/6
(100%)
6/9
(67%)
9/10
(90%)
11/12
(92%)
7/9
(78%)
7/9
(78%)
10/12
(83%)
106
Pode-se observar que, enquanto os DPs representados pela estrutura [DET
indefinido + N] apresentam altos índices de ordem VS, em todas as sincronias, a
tendência de diminuição de VS a partir do período IV, ora verificada no gráfico 3.1,
pode ser vista mais claramente com a estrutura [Det definido + N] separada das
demais. Como mostram os resultados encontrados por Duarte (1993) para a
representação dos sujeitos pronominais de referência definida, é justamente a partir
do período IV que ocorre a mudança na representação do sujeito pronominal. No
gráfico 3.6, observamos que a gradativa queda na ordem VS chega a 18%, no último
período, ou seja, 82% de ordem SV com DPs representados por [DET definido + N].
3.2.9 A animacidade do DP
Por fim, analisemos o único grupo não selecionado para nenhuma
sincronia: a animacidade do DP. Observem-se os resultados apresentados na tabela
abaixo.
Tabela 3.18 Ordem VS (vs SV) segundo a animacidade do DP em cada período
I II III IV V VI VII
A
A
N
N
I
I
M
M
A
A
C
C
I
I
D
D
A
A
D
D
E
E
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
%
PR
DP inanimado 56%
.49
59%
.54
73%
.58
63%
.41
50%
.53
51%
.45
65%
.64
DP animado 57%
.51
42%
.46
58%
.38
34%
.62
32%
.42
50%
.59
46%
.21
107
Esperava-se que o traço [+ animado] do DP fosse alterar à predominância de
ordem VS, uma vez que os DPs animados tendem a ocorrer antepostos ao verbos
que os selecionam. Contudo, a análise dos resultados apresentados na tabela 3.17
revela que tal fator parece não determinar na escolha de VS/SV, uma vez que, em
quase todas as sincronias, os DPs animados mostram elevados índices percentuais
de ordem VS. Os índices mais altos se encontram nos períodos I, que apresenta
57% de DPs animados pospostos ao verbo; o período III, que apresenta 58%; e o
período VI, com 50%.
3.2.10 Outros fatores não contemplados na análise de regra variável
Um outro fator a observar é a possível rejeição ao verbo em primeira posição.
Obedecendo a uma restrição fonológica que parece ter começado a implementar-se
no sistema em decorrência da mudança em direção ao preenchimento do sujeito
referencial (cf. Kato & Duarte 2003), procurou-se verificar ainda a relação entre
presença e ausência de elementos à esquerda do verbo e a ocorrência de VS ou
SV. Entre esses elementos, temos, conectores coordenativos e marcadores
discursivos; conectores subordinativos; pronomes e advérbios interrogativos;
sintagmas adverbiais e preposicionais; focalizadores; negação, clíticos e advérbios
de freqüência (elementos bastante recorrentes). Os casos de ausência de elemento
reúnem verbo em posição inicial absoluta de período e verbo em início de oração
não inicial.
Observemos na tabela abaixo, a freqüência com que tais elementos aparecem
na posição imediatamente à esquerda de V, no contexto VS, em toda a amostra, e
comparemos com a freqüência encontrada para o contexto VS sem nenhum
elemento à esquerda:
108
Tabela 3.19 Elementos à esquerda de V no contexto VS
ELEMENTO À ESQUERDA DE V Oco %
Ausência elemento 120 31%
Negação, clíticos e advérbios de freqüência 101 26%
Sintagmas adverbiais e preposicionais 57 14%
Conectores subordinativos 54 14%
Conectores coordenativos e marcadores
discursivos
33 8%
Focalizadores 20 5%
Pronomes e advérbios interrogativos 7 2%
TOTAL 392 100%
O gráfico a seguir permite visualizar a distribuição das ocorrências de VS,
segundo o elemento à esquerda de V, conforme os resultados apresentados na
tabela acima:
109
31%
26%
14%
14%
8%
5%
2%
Ausência de elemento
Negação e clíticos
Sintagmas adverbiais e preposicionais
Conectores subordinativos
Conectores coordenativos e marcadores discursivos
Focalizadores
Pronomes e advérbios interrogativos
Gráfico 3.7 Ocorrências de VS segundo o elemento à esquerda de V em toda a
amostra
Verifica-se, com base nos resultados percentuais apresentados acima, que
apenas 31% das 392 ocorrências de VS apresentam o verbo na primeira posição
(V1), 27% em posição inicial absoluta de período e 4% antecedidos de oração. Isso
significa que 69% das ocorrências apresentam algum elemento ocupando a posição
imediatamente à esquerda de V. Vejamos abaixo exemplos que ilustrem cada tipo
destes elementos, seguindo, respectivamente, a ordem em que eles se encontram
na tabela 3.19:
(33) a) Vou ficar com mais um quarto vago, e justamente dos melhores, quer dizer,
dos que mais rendem. [...] / VIRÁ outro hóspede... (Armando Gonzaga, 1937,
IV)
b) Quando a guerra acabou, ACABOU o tal do AI-5, tinha oito redatores.
(Millôr Fernandes, 1979, VI)
110
(34) Dois anos estive viúva e não me FALTARAM pretendentes. (Martins Pena,
1845, I)
(35) sei: quer falar-me do cometa que aparece as noites? / BARÃO - Não; não
é isso. Em São Paulo APARECEM muitos, mesmo de dia (França Jr., 1862,
II)
(36) Eu não quando TERMINAR minha temporada no Babaca vou me
apresentar dois dias num cassino clandestino (Millôr Fernandes, 1979, VI)
(37) pensei muito nisso. Cheguei a aplicar todos os meus esforços na
realização desse ideal: um emprego. Mas FALHARAM todas as minhas
tentativas. (Armando Gonzaga, 1937, IV)
(38) Eliminem todos os porcos chovinistas, e FICARÃO uns poucos como eu
(Carlos E. Novaes, 1975, VI)
(39) É que sou uma pobre moça da roça, não tenho educação... / E que
IMPORTA a educação, quando Deus mimoseou-te com todos os predicados
de um anjo? (França Jr., 1882, II)
Uma análise dos percentuais obtidos para o contexto VS com ausência de
elemento, em cada sincronia, também revelou a tendência a evitar que o verbo
ocorra em primeira posição. Os índices percentuais encontrados para tal contexto
variam entre 11% e 22% do total de ocorrências VS, em cada período de tempo.
Estudando ainda as características da posição à esquerda dos verbos
inacusativos, procurou-se observar o comportamento dos padrões sentenciais em
cada sincronia separadamente. Foram observados cinco padrões ao todo. Vejamos
na tabela abaixo a freqüência de cada padrão no total de ocorrências de posposição
em cada sincronia:
111
Tabela 3.20 Padrões sentenciais em cada sincronia
Comparando os índices percentuais, verifica-se que o padrão mais freqüente é XVS,
com 70% das ocorrências de posposição, no total da amostra, o que de certa forma
confirma a hipótese de Kato e Duarte (2003) e ainda mostra que, em muitos casos, a
ocorrência freqüente de um adjunto nessa posição sugere seu estatuto quase-
argumental, como aponta Spano (2002). Pode-se considerar ainda este resultado
um sinal de mudança relacionado à remarcação do Parâmetro do Sujeito Nulo
(PSN), uma vez que XVS é um padrão compatível com línguas que não o
positivamente marcadas em relação ao PSN. Línguas como o francês e o inglês
I II III IV V VI VII TOTAL
P
P
A
A
D
D
R
R
Ã
Ã
O
O
S
S
E
E
N
N
T
T
E
E
N
N
C
C
I
I
A
A
L
L
Oc/tot
(%)
Oc/tot
(%)
Oc/tot
(%)
Oc/tot
(%)
Oc/tot
(%)
Oc/tot
(%)
Oc/tot
(%)
Oco/tot
(%)
V S 17/59
(29%)
16/55
(29%)
22/67
(33%)
18/58
(31%)
15/47
(32%)
18/55
(33%)
14/51
(27%)
120/392
(30%)
X V S 42/59
(71%)
39/55
(71%)
45/67
(67%)
40/58
(69%)
32/47
(68%)
37/55
(67%)
37/51
(73%)
272/392
(70%)
S V 18/46
39
16/49
33
10/35
29
22/51
43
24/58
41
19/51
37
21/52
40
130/342
(38%)
X S V 11/46
24
18/49
37
13/35
37
16/51
31
23/58
40
20/51
39
19/52
37
120/342
(35%)
S X V 17/46
37
15/49
30
12/35
34
13/51
26
11/58
19
12/51
24
12/52
23
92/342
(27%)
112
ainda apresentam estruturas XVS com verbos inacusativos (entre os quais estão as
construções com cópula).
Verificamos, assim, que a definitude do DP, a sua extensão, bem como o
status informacional do DP e o item lexical (grupos de verbo) consistem em
importantes fatores para a definição da ordem VS/SV com inacusativos. Por um
lado, temos o contexto DP [- definido, + pesado, + novo] com verbos
ficar/restar/sobrar e com existir favorecendo a ordem VS; enquanto, por outro lado,
os DPs com os traços [+ definido, - pesado, - novo] já se encontram primordialmente
antepostos à V, e principalmente quando V corresponde aos verbos morrer/nascer.
Tais resultados vão ao encontro de estudos anteriores, como Duarte & Santos
(2005) e Santos (2007).
Passemos, agora, à conclusão a que o presente estudo permite chegar.
113
CONCLUSÃO
A partir dos estudos empíricos acerca da mudança na marcação do
Parâmetro do Sujeito Nulo (Chomsky 1981); da proposta de Duarte (1993) a respeito
da simplificação da morfologia verbal; dos resultados sincrônicos obtidos para a
variação na ordem VS/VS nas construções monoargumentais, dentre as quais
encontram-se as inacusativas (Berlinck 1988, Coelho 2000, Spano 2002, Duarte e
Santos 2005, entre outros); e da noção de “encaixamento” da mudança (Weinreich,
Labov e Herzog, 1968), o objetivo deste trabalho foi verificar de que forma a
mudança em direção ao preenchimento do sujeito pronominal (cf. Duarte 1993,
1995, 1999) é refletida na ordem VS em construções inacusativas, tendo em vista
que uma das propriedades relacionadas ao Parâmetro do Sujeito Nulo é justamente
a chamada “inversão livre”.
Para isso, procuramos levantar os contextos da ordem VS/SV nas
construções com verbos inacusativos, utilizando uma amostra constituída de peças
de teatro popular escritas no Rio de Janeiro ao longo dos séculos XIX e XX, e,
assim, observar, na linha do tempo, o comportamento desta ordem, buscando
comparar as ocorrências com os resultados obtidos para a realização do sujeito
pronominal (Duarte, 1993). A partir daí, foi possível identificar quais os contextos de
resistência da ordem VS e quais os contextos em que a ordem VS começa a
ceder lugar à SV.
Com base nos resultados encontrados em estudos anteriores sobre a ordem
VS em construções monoargumentais, partiu-se da hipótese de que, à medida que o
número de ocorrências de sujeito nulo diminuindo, isto é, à medida que a
expressão fonética do sujeito pronominal se implementando, haveria alterações
quantitativas e qualitativas na ordem básica VS. No entanto, levando em
consideração a grande resistência que esta ordem apresenta à mudança, seria
esperado ainda um número bastante expressivo de dados nesta ordem, a depender
principalmente dos seguintes contextos: categoria sintático-semântica do verbo
(existenciais e de permanência de estado); traço do DP sujeito argumento interno [+
novo, - definido, -animado].
A amostra utilizada se constitui de 24 peças teatrais, escritas entre 1838 e
1992 e ambientadas no Rio de Janeiro, distribuídas em sete períodos de tempo,
estudados em Duarte (1993).
114
A fim de testar tal hipótese, tendo em vista que o tipo do argumento interno e
sua relação com o verbo são fatores extremamente importantes na definição da
ordem, foram estabelecidos grupos de fatores que abarcassem tanto as diferenças
encontradas nos tipos de DP sujeito (estrutura, definitude, status informacional,
extensão) quanto nos tipos de verbo (categoria sintático-semântica, forma verbal,
além do próprio item lexical). A estrutura das construções inacusativas também foi
observada a partir dos grupos padrão sentencial, posição à esquerda do verbo, e
força ilocucionária (tipo de oração).
A análise estatística dos dados revelou que, de todos os fatores, foram a
definitude, o status informacional, a extensão do DP, e o item lexical que se
mostraram mais relevantes no favorecimento da ordem VS com inacusativos. O
período de tempo, embora não tenha sido selecionado como significante pelo
programa, também mostrou importante influência na escolha da ordem.
Quanto aos resultados gerais encontrados em cada sincronia separadamente,
observou-se um aparente equilíbrio nos percentuais de ordem VS. Verificamos que
tal ordem apresentou percentuais sempre acima de 53%, nos quatro primeiros
períodos observados. A partir daí, se iniciou uma leve mas consistente tendência de
diminuição de VS. Comparando estes resultados aos encontrados por Duarte (1993)
para a representação dos sujeitos pronominais de referência definida, notamos que
foi justamente a partir do período IV que ocorreu a mudança na representação do
sujeito pronominal.
A atenta análise dos pesos relativos obtidos para cada fator nos permitiu
observar se está havendo ou não uma tendência de mudança em direção à
anteposição do sujeito ao verbo e quais os fatores que se mantêm estáveis
(favorecendo a ordem VS), e quais os fatores que já cedem à ordem SV.
O status informacional do DP, selecionado em primeiro lugar no período I,
independentemente da definitude do DP, perdeu sua ordem de preferência para a
definitude a partir do período III, quando este grupo passou a favorecer a ordem VS
mais fortemente, revelando uma importante mudança qualitativa. Assim, a análise
qualitativa dos dados revelou que, de fato, a definitude do DP está na frente do
status informacional, na definição da ordem VS/SV. A posposição do sujeito ao
verbo está fortemente associada ao traço [- definido] do DP sujeito. Os DPs
definidos já se encontram preferencialmente à direita de V, principalmente a partir do
período IV.
115
Outro resultado importante foi a seleção da extensão do DP como um dos
grupos significantes para a escolha de VS/SV. Verificou-se que os DPs sujeitos com
traço [- pesado] ocorrem na ordem SV mais freqüentemente que os DPs
considerados pesados, que tendem a aparecer pospostos ao verbo. No entanto, foi
possível observar que este grupo somente não pode ser responsável pela definição
da ordem VS/SV, uma vez que a distância entre os pesos obtidos para DPs leves e
pesados diminui bastante nos dois últimos períodos, revelando um equilíbrio entre os
dois fatores.
A seleção da ordem VS/SV também se mostrou intimamente ligada ao item
lexical (grupo de verbos). Os resultados encontrados para este grupo de fatores na
análise dos períodos de tempo em conjunto revelaram que o grupo ficar / restar /
sobrar / faltar e o verbo existir apresentaram os percentuais e pesos mais elevados
para a ordem VS. Do outro lado, favorecendo SV, verbos como morrer / nascer
apresentaram os resultados menos favoráveis à posposição. Os resultados
encontrados para os grupos chegar / entrar / vir e acontecer / começar /
(des)aparecer mostraram que tais verbos permanecem em um nível intermediário,
ora favorecendo VS, ora favorecendo SV, a depender do traço apresentado pelo DP
sujeito.
A partir destes resultados, pode-se concluir que a mudança em direção à
ordem SV já começa a querer se implementar nas ocorrências com os verbos
inacusativos morrer / nascer, o que pôde ser visto na linha do tempo. Enquanto os
períodos iniciais ainda apresentaram índices percentuais elevados de VS com
morrer / nascer, justamente a partir do período IV, as taxas de VS com tais verbos
passaram a diminuir, chegando a 0%, no último período.
Constatamos ainda a rejeição ao verbo em primeira posição (V1),
obedecendo a uma restrição fonológica que parece ter começado a implementar-se
no sistema (cf. Kato & Duarte 2003). A análise dos elementos à esquerda de V, no
contexto VS, revelou que apenas cerca de 31% das ocorrências de posposição
apresentam o verbo em primeira posição (V1). Os 69% restantes apresentam algum
elemento preenchendo a posição à esquerda do verbo, evidenciado, assim, um
padrão sentencial mais fixo das construções inacusativas (XVS).
Desta forma, espera-se que tais resultados constituam uma importante
contribuição para o estudo da mudança paramétrica em progresso no PB, e para a
descrição do fenômeno da ordem VS em contextos inacusativos.
116
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SPANO, Maria. (2002) A ordem V SN em construções monoargumentais, na fala
culta do português brasileiro e europeu. Dissertação de Mestrado, UFRJ.
TARALO, Fernando & KATO, Mary. (1989) Harmonia trans-sistêmica: variação intra
e inter-lingüística. Preedição 5. Campinas, SP: Unicamp.
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WEINREICH, Uriel; LABOV, William & HERZOG, Marvin (2006) Fundamentos
empíricos para uma teoria da mudança lingüística. Tradução Marcos Bagno;
revisão técnica Carlos Alberto Faraco; posfácio Maria da Conceição A. de
Paiva, Maria Eugênia Lamoglia Duarte. São Paulo: Parábola Editorial.
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