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reside (ou que ele “é”), sabemos a partir de agora, é paradoxal
42
. É dessa forma que
vai, lentamente, se configurando uma imagem de “totalidade” que habita (ou
constitui) o inconsciente. “Uma fonte que faz”, diz Jung tendo o Deus de Jó por
referência, “de nosso eu consciente um joguete: muitas vezes somos sua vítima,
mas outras tantas também carrasco” (Ibid., par. 111).
Mas, ainda nesse mesmo parágrafo, a dificuldade de formular um conceito de Deus
que, mesmo em termos psicológicos, parece escapar, faz com que ele novamente
pergunte: “Quem é esse Deus?”, para então responder:
É um pensamento gerado pela humanidade em todas as partes do mundo,
em todas as épocas, sempre e de novo e de forma semelhante; uma força
de “outro mundo” que o homem venera, uma força que cria e destrói.
Uma idéia necessária à vida
. Compreendida psicologicamente a divindade
nada mais é do que um complexo de representações que é projetado,
acentuado quanto ao afeto de acordo com o grau de religiosidade do
indivíduo; assim, Deus deve ser considerado como representando uma
certa soma de energia (libido)
43
. Essa energia aparece projetada
(metafisicamente), pois ela atua a partir do inconsciente e é deslocada para
o exterior, como mostra a psicanálise (Ibid.).
A pergunta que ele se fez obrigou-o a uma resposta sintética e a, finalmente, uma
definição do que ele entende por “Deus”. Aproveitamos então este espaço da
definição para reunirmos o que ele estruturou ao longo destas páginas do
“Símbolos”. Assim, “Deus”, é um pensamento (ou um complexo autônomo de
representações) presente na humanidade em todas as épocas e lugares, de base
instintiva, serve à vida; habita o inconsciente ou espaço metapsicológico ou a
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Talvez desde 1906 Jung tenha formulado a idéia de um inconsciente que contivesse em si os pares de
opostos. No “Seminário de 1925” ele narra que, em 1906, no Burghölzli, atendeu a uma costureira em que à
megalomania mesclava-se um sentimento de inferioridade, e que, quando protestava por ser mantida no
manicômio, uma “voz” lhe dizia que era insana e por isso lá deveria permanecer. Jung concluiu então que o
inconsciente estava na superfície e o ego no inconsciente. Ele diz: “Descobri, mais tarde, para meu espanto, que
as idéias de megalomania e as de depreciação, provinham da mesma fonte. No princípio achei impossível que o
inconsciente pudesse produzir os opostos conjuntamente, pois estava ainda na trilha de Shopenhauer, de
Hartemann e de Freud. O inconsciente era apenas uma pulsão e não podia expor um conflito dentro dele
mesmo. Pensei então que talvez os dois opostos viessem de diferentes níveis do inconsciente, mas isso não
funcionou. Finalmente tive de admitir que a mente da mulher utilizava-se de ambos os princípios de uma só
vez.[...] Em outras palavras: o inconsciente contém em si os pares de opostos” (JUNG, 1991, p. 18-19).
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Em 1952, quando da revisão para a nova edição, Jung houve por bem acrescentar nesse ponto uma nota de
rodapé, que aqui reproduzimos: “Esta proposição foi vista como uma ofensa, pois não se percebeu que se
tratava de um ponto de vista psicológico e não de um enunciado metafísico. O fato psíquico “Deus” é um
autonomismo típico, um arquétipo coletivo, como mais tarde o denominei. É, portanto, característico não só de
todas as formas superiores de religião, mas aparece também em sonhos. O arquétipo, como tal, é uma imagem
psíquica inconsciente, tendo uma realidade independente da atitude da consciência. É uma existência psíquica
que não deveria ser confundida com a idéia de um Deus metafísico. A existência do arquétipo não postula a
existência de um Deus e nem a nega” (JUNG, Vol. V, p. 48, n. 29).