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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA
IMAGENS DA FAVELA, IMAGENS PELA FAVELA:
REPRESENTAÇÕES DE SI E DO OUTRO NAS IMAGENS DO POVO.
THIAGO ZANOTTI CARMINATI
RIO DE JANEIRO
2008
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IMAGENS DA FAVELA, IMAGENS PELA FAVELA:
REPRESENTAÇÕES DE SI E DO OUTRO NAS IMAGENS DO POVO.
THIAGO ZANOTTI CARMINATI
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Sociologia (com concentração em
Antropologia).
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio Gonçalves
RIO DE JANEIRO
2008
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IMAGENS DA FAVELA, IMAGENS PELA FAVELA:
REPRESENTAÇÕES DE SI E DO OUTRO NAS IMAGENS DO POVO.
Thiago Zanotti Carminati
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio Gonçalves
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para obtenção do grau de Mestre em
Sociologia (com concentração em Antropologia).
Prof. Dr. Marco Antonio Gonçalves (Orientador) – (IFCS/UFRJ)
Profª. Drª. Beatriz Maria Alasia de Heredia (IFCS/UFRJ)
Prof. Dr. Milton Monteiro (UCAM)
Profª. Drª. Rose Satiko G. Hikij (FFLCH/USP)
Suplentes
Prof. Dr. Emerson Giumbelli (IFCS/UFRJ)
Prof. Dr. Carlos Fausto (MN/UFRJ)
4
Carminati, Thiago Zanotti.
Imagens da Favela, Imagens pela Favela: representações de si e do outro
nas imagens do povo/ Thiago Zanotti Carminati. – Rio de Janeiro: UFRJ / IFCS,
2008.
vii, 167f.: il ; 29,7 cm
Orientador: Marco Antonio Gonçalves
Dissertação (mestrado) UFRJ / IFCS / Programa de Pós-
Graduação em
Sociologia e Antropologia, 2008.
Referências bibliográficas: f. 301
1. Favela. 2. Fotografia. 3. Etnografia. 4. Auto-representações. 5. Inclusão
Visual. I. Gonçalves, Marco Antônio. II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação
em Sociologia e Antropologia. III. Imagens da Favela, Imagens pela Favela:
representações de si e do outro nas imagens do povo.
5
Este trabalho é dedicado
aos fotógrafos da
Imagens do Povo e
à todos que, como eles,
acreditam e lutam por
dias melhores.
6
RESUMO
IMAGENS DA FAVELA, IMAGENS PELA FAVELA: REPRESENTAÇÕES DE SI E DO
OUTRO NAS IMAGENS DO POVO.
Thiago Zanotti Carminati
Orientador: Marco Antonio Gonçalves
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Sociologia
e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Sociologia (com concentração em Antropologia).
O tema sobre o qual este trabalho se concentra diz respeito ao fenômeno recente da produção
de auto-representações fotográficas em favelas do Rio de Janeiro. A experiência em foco é a
da agência fotográfica Imagens do Povo. Além de agência fotográfica, a Imagens do Povo
também é uma escola de fotógrafos populares e um banco de imagens, cuja estrutura está
abrigada no quadro de atividades do Observatório de Favelas. Os principais objetivos estão
em verificar se as produções imagéticas da Agências podem ser concebidas enquanto crítica
sócio-cultural frente aos modos tradicionais de representação e apresentação das favelas; e se,
a partir de seu uso pedagógico, estas imagens podem agenciar novas práticas de cidadania. Os
materiais e métodos da pesquisa consistiram na observação participante, entrevistas e coleta
de dados em diversas mídias. Como conclusão, este trabalho demonstrou que a lógica dual
por meio da qual a favela é representada e compreendida pode ser superada com a inserção
dessas imagens numa esfera cada vez maior de circulação, isto é, através da inclusão visual; e,
por fim, o aprofundamento da noção de auto-representação mostrou-se caminho eficiente para
o diálogo intercultural e, consequentemente, a efetivação de uma episteme aberta.
Palavras-chave: Favela, Fotografia, Etnografia, Auto-Representações e Inclusão Visual.
Rio de Janeiro
2008
7
ABSTRACT
IMAGES OF THE FAVELA, IMAGES THROUGH THE FAVELA: REPRESENTATIONS
OF THE SELF AND OF THE “OTHER” IN THE IMAGES OF THE PEOPLE
Thiago Zanotti Carminati
Adviser: Marco Antonio Gonçalves
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Sociologia
e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Sociologia (com concentração em Antropologia).
This work concentrates on the recent phenomenon of the self-representing photographic
productions in Rio de Janeiro's “favelas” (slums). We focus on the experience of the
photographic agency Imagens do Povo”. Besides being a photographic agency, “Imagens do
Povo” is also a popular photographic school and a place to archive images, being linked with
the “Observatório de Favelas” (Slum's Observatory). The main objectives of the research are:
verify if the image production of “Agência do Povo” can be perceived as a social-cultural
critic against the traditional forms of presentation and representation of the “favelas”; and if,
through its pedagogic use, these images can promote new practices of citizenship. The
materials and methods of research were: participant observation, interviews, and collecting
data through many different media. As a conclusion, this research showed that the dual logic
through which the “favela” is understood can be overcame with the inclusion of the images in
a bigger sphere of circulation, as a form of visual inclusion; and, finally, the emphasis on the
notion of self representation turned to be an efficient way to an inter cultural dialog and for
the consolidation of an opened epistemics.
Key-Words: Slum, Photography, Ethnography, Representation, Visual Inclusion.
Rio de Janeiro
2008
8
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço o apoio, o carinho e o estímulo incondicional por parte da
minha família: Míran, minha mãe; José, meu pai; Mirella, minha irmã. Agradeço também
meus parentes: vovó Celina, tias, tios e primos, que comigo sempre se preocuparam,
mostrando-se sempre solícitos com qualquer coisa que fosse.
Em memória dos meus avós Amábile e Geraldino, por todo amor transmitido em vida,
cujos efeitos permanecerão.
Renata, minha companheira de anos e de sempre, agradeço por tudo e algo mais.
Um agradecimento especialíssimo à Marco Antonio Gonçalves, sem o qual nenhuma
dessas linhas teria sido escrita.
Agradeço, igualmente, à CAPES, ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, ao
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, instituições imprescindíveis para realização dos cursos e da pesquisa. Espaços que
proporcionaram o encontro com pessoas e idéias fundamentais para a formação de
pesquisadores na área das Ciências Humanas. Instituições são pessoas e, por isso, a elas
agradeço: funcionários, professores e alunos.
Aos professores dos cursos realizados no mestrado: Maria Laura Viveiro de Castro
Cavalcanti, Luis Antonio Machado da Silva, Bila Sorj, Peter Fry, Marcos Otávio Bezerra,
Renata Menezes, John Comenford, Moacir Palmeira. Em especial a professora Beatriz
Heredia por acompanhar de perto o presente trabalho.
Aos professores Milton Guran, Rose Satiko, Scott Head e Celeste Ccicarone por
influenciarem com textos e sugestões a confecção do trabalho.
Os professores Emerson Giumbelli e Aparecida Vilaça comentaram este trabalho
quando ele era ainda apenas um esboço sem contornos, agradeço-os pelas críticas e sugestões.
Ao fotógrafo Gustavo Stephan que com interesse e disponibilidade contribuiu com
informações preciosas para pesquisa.
A todos meus amigos, sobretudo, aqueles que acompanharam o processo, muitas vezes
contribuindo com dúvidas, sugestões e auxílios mil, são eles: Caio Miranda, Luciano Dayrell,
Fábio Araújo, Valéria Aquino, Juliana Farias, Fabiene Gama, Diego Mady, Gustavo Chiesa,
Camilla Lobino, Márcio Filgueira, Roberto Marques, Mário Miranda, Bernardo Curvelano,
Marina Cordeiro, Rosilene Mello. Meus colegas do mestrado foram igualmente importantes,
contribuindo com suas questões nas aulas de metodologia, por isso agradeço a turma inteira.
9
Agradeço mais que especialmente à comunidade Imagens do Povo. Não creio ter
escrito um trabalho que correspondesse a todas as expectativas, mas espero ter escrito um
trabalho que minimamente sirva para algumas reflexões. João Roberto Ripper, Dante
Gastaldoni, Kita Pedrosa, Bira Carvalho, Jaqueline Silva, Ratão Diniz, Sadraque Santos,
Rovena Rosa, Francisco Valdean, Márcia Bezerra, Naldinho, Adriano Rodrigues, Fábio Caffé
e todos os demais, meu profundo e humilde reconhecimento pela força e fé no projeto.
Agradeço aos coordenadores do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro e do
Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré por terem viabilizado meu trânsito pelas
instituições. Abrigado a todos os pesquisadores e professores destas instituições.
Por fim, gostaria de agradecer ao professor Mario Hélio Trindade de Lima
1
por todos
os anos de convivência e amizade, sem contar o constante estímulo dado. Seria um golpe
muito duro a vida te levar agora, portanto, esse agradecimento é investido de força, e
esperança.
1
Mário Hélio Trindade de Lima, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal do Espírito Santo e Pós-Doutorando em Sociologia na Universidade Federal de Minas Gerais. No dia 26
de setembro de 2008 o amigo e mestre Mário Hélio Trindade de Lima encerrou precocemente sua travessia.
Resultado de profunda interlocução e empatia, este trabalho corresponde a continuidade desses diálogos. Se de
sua autoria ficaram textos inconclusos, ficaram também muitas pistas e caminhos abertos: anos de carreira
dedicados aos ‘estudos urbanos’. Mário nos deixou um pensamento inacabado sobre a cidade, inacabado como o
próprio conhecimento. Se viver é um descuido prosseguido, como escreve Guimarães Rosa em “Grande sertão:
veredas”, “a morte é para os que morrem. Será?”.
10
SUMÁRIO
Introdução............................................................................................................................12
Por falar na Maré........................................................................................................16
Um olhar periférico.....................................................................................................18
Projetos de inclusão e agências fotográficas nas favelas..........................................20
Auto-representação e dispersão da autoridade etnográfica....................................23
Materiais e métodos....................................................................................................30
Estrutura do trabalho.................................................................................................35
Capítulo 01: Imagens e contra imagens da favela..................................................37
Uma gênese moral.......................................................................................................40
Cidade e cidadania................................................................................................. .....45
Imagens da Favela.......................................................................................................47
Contra imagens da favela...........................................................................................55
Capítulo 02: Imagens da exclusão, imagens para inclusão.................................65
O movimento de Inclusão visual................................................................................68
A escola-agência Imagens do Povo............................................................................74
Os professores..............................................................................................................80
Tornar-se fotógrafo.....................................................................................................85
Capítulo 03: A construção do olhar periférico........................................................98
A camada autoral......................................................................................................104
A camada política......................................................................................................109
A camada institucional..............................................................................................116
A camada ética...........................................................................................................120
As imagens do povo...................................................................................................122
Considerações finais..............................................................................................................127
11
Referências.............................................................................................................................133
Anexos....................................................................................................................................142
Anexo 01.....................................................................................................................142
Anexo 02.....................................................................................................................143
Anexo 03.....................................................................................................................144
Anexo 04.....................................................................................................................150
Anexo 05.....................................................................................................................160
Anexo 06.....................................................................................................................161
Anexo 07.....................................................................................................................162
12
INTRODUÇÃO
13
Olho o olho do outro
Penso o que ele pensa
Voltar a mim
é a minha diferença
Olho o ralo até turvá-lo
Penso que ele não pensa
Ir com a água
é a minha recompensa
(Arnaldo Antunes)
14
O tema sobre o qual este trabalho se concentra diz respeito ao fenômeno recente da
produção de (auto)representações visuais em favelas e periferias da cidade do Rio de Janeiro.
Inicio pela constatação de que é cada vez maior o número de grupos e indivíduos envolvidos
na realização de documentários, vídeos, filmes e ensaios fotográficos que de alguma maneira
se referem às favelas. A repercussão dessas produções se associa e vem acompanhada de uma
marca: a de terem sido feitas por “crias das comunidades”, isto é, produzidas pelos próprios
favelados. Dessa forma, pensando especificamente nas imagens fotográficas, tomei os
seguintes questionamentos como pontos para discussão: como se constrói o olhar periférico
sobre si e o mundo em sua representação fotográfica? Como as apresentações desses olhares
construídos criam suas próprias realidades, para além do determinismo atribuído às imagens
fotográficas enquanto registro (fidedigno) da realidade? Essa elaboração ativa e criativa do
mundo pode ser concebida como crítica social e cultural frente aos modos tradicionais de
representação e apresentação das favelas? Sobre as problemáticas urbanas, que tipo de
sensibilização o uso pedagógico da fotografia pode agenciar? Em suma, todas essas perguntas
talvez caibam nesta: o que representam as auto-representações fotográficas?
A experiência em foco é a da agência fotográfica Imagens do Povo. Formada a partir
do acúmulo de lutas relativas à democratização da informação e defesa do fotojornalismo
independente e parcial, a agência fotográfica, especializada em temáticas sociais, é uma das
pontas do projeto que inclui a Escola de Fotógrafos Populares e o banco de imagens,
constituindo-se, por fim, num centro de documentação ancorado nas produções de alunos e
ex-alunos (os fotógrafos da agência). A realização do projeto é uma iniciativa ligada ao
Observatório de Favelas do Rio de Janeiro (Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público – OSCIP), com sede na favela Nova Holanda, no bairro Maré. Ademais, a idealização
e coordenação geral da Imagens do Povo são de responsabilidade do fotógrafo João Roberto
Ripper.
A idéia para esta pesquisa surgiu de uma visita feita ao Observatório de Favelas no
final do ano de 2005. O objetivo, na ocasião, era buscar informações, bem como um lócus de
observação, que me permitissem comparar as políticas de assistência social em favelas do Rio
de Janeiro com as políticas que estavam em fase de implementação na capital do estado do
Espírito Santo, trabalho que vinha desenvolvendo até então
2
. Realizei esta visita sob a
companhia de Sadraque Santos, o guia designado pela direção da Instituição. Sadraque
2
CARMINATI. Thiago Zanotti. Entre Caranguejos e Marlins: políticas sociais e pobreza urbana no município
de Vitória/ES (2004). Monografia do Curso de Especialização em Planejamento e Uso do Solo Urbano. Instituto
de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional/UFRJ, 2005.
15
apresentou rapidamente as equipes envolvidas nos projetos em andamento, porém reservou
maior tempo para apresentar o que lhe era mais interessante: a sala da Imagens do Povo. Na
sala, onde estava trabalhando Francisco Valdean e Sadraque, este último, também fotógrafo
da Agência, conversamos longamente, ao passo em que víamos fotos produzidas por eles. S
de lá com o recém lançado livro de fotografias da Agência
3
em mãos e sem a mesma certeza
que motivou a visita.
Nos meses seguintes, pus-me pensar a respeito da inclusão daquelas fotografias como
fonte de dados no estudo que pretendia fazer. Por isso, mantive contato, principalmente com
Sadraque, que, por sua vez, convidou-me para comparecer na mostra “Filma Favela”,
realizada no início de maio de 2006, no Observatório de Favelas. Esse evento congregava
produções de algumas escolas populares de áudio visual (CUFA, Afroreggae, Nós do Morro,
Nós do Cinema e do próprio Observatório) e, além da exibição dos filmes, na programação
havia debates sobre temas relacionados à violência urbana, estética dos filmes de periferia e
estratégias para efetivação de novos projetos.
O meu comparecimento neste evento determinou outros rumos para pesquisa, pois
naquele dia, ciente do início das aulas na Escola de Fotógrafos Populares, articulei uma
possível presença no curso, o que acabou por reconfigurar todo o projeto inicial. Na semana
seguinte, comecei a freqüentar as aulas na condição de aluno ouvinte. Assisti às aulas alguns
dias da semana, conciliando o curso na Escola com a vida acadêmica. Ainda assim, mantive
freqüência ao longo do ano.
De início minha presença gerou curiosidade e desconfiança dos outros alunos. Porém,
passadas algumas semanas, éramos colegas de turma e compartilhávamos com entusiasmo
ensinamentos, tarefas e brincadeiras. Tempos depois, uma colega confessou: “no começo,
como você aparecia num dia e sumia no outro, e conversava com uma ou duas pessoas, a
gente se perguntava: quem é esse ‘gringo’ e o que ele está fazendo aqui?”. De fato,
instituições como o Observatório de Favelas recebem freqüentemente visitas de estrangeiros,
o que, a princípio, faria o comentário soar normalmente, não fosse o sentido que lhe atribuí:
minha “entrada” no campo havia se cumprido com algum êxito; e, o mais importante, meus
objetivos ficaram claros, tanto para os colegas, quanto para os professores: assistir aulas,
fotografar, observar fotógrafos em ação, compartilhar experiências, realizar entrevistas e tirar
disso material para uma pesquisa.
3
Até quando?/[organização]: Jailson de Souza e Silva, J. R. Ripper; fotos: Projeto Imagens do
Povo/Observatório de Favelas; texto: Pedro Garcia. – Rio de Janeiro: Observatório de Favelas, 2005.
16
Os laços de amizade estabelecidos com alguns fotógrafos foram cruciais para o
andamento do trabalho de campo. Idioma social paradoxal conforme argumenta Julian Pitt-
Rivers (1971), quando nos diz que: “um amigo tem direito de esperar que seus sentimentos e
favores sejam recíprocos, mas não tem o direito de entregá-los com a idéia de que hão de ser
reciprocamente devolvidos
4
(Pitt-Rivers, 1971, p. 163) a amizade instituída entre nós
possibilitou acesso às intimidades das vidas e dos lares, garantindo-me conforto e
tranqüilidade toda vez que fui à Maré, tanto para assistir nossas aulas, quanto para participar
de qualquer outra atividade por lá realizada.
Desse modo, desde o final do primeiro trimestre de 2006 acompanho os trabalhos dos
fotógrafos da agência Imagens do Povo. De lá para cá, vários encontros se sucederam não
apenas nas favelas, como também nos centros culturais e eventos onde suas imagens foram
expostas e por vezes debatidas. Nas favelas da Maré realizei a maior parte das observações
aqui presentes, embora tenha compartilhado algumas vezes o trabalho de documentação de
projetos sociais fora da Maré (nos municípios de São Gonçalo e Teresópolis, ambos no estado
do Rio de Janeiro).
Por falar na Maré
Trata-se de um dos maiores conjuntos de favelas do Rio de Janeiro, reunindo uma
população de 132.176 pessoas, distribuídas em 38.273 domicílios, subdivididos em 16
favelas, o que representa 2,26% da população do município
5
. Porém, quando perguntei
quantas “comunidades” existem na atualidade, ninguém soube dizer ao certo. A seguinte
consideração de um fotógrafo procurou encerrar minhas dúvidas: “não adianta querer saber
com exatidão, as comunidades estão grávidas, sempre nasce uma de dentro da outra”.
Conforme observa a urbanista Paola Berenstein Jacques:
A Maré não é simplesmente uma favela, mas o que se denomina um complexo
de favelas, várias comunidades diferentes juntas, como se fossem vários
bairros distintos, uma quase-cidade informal. Complexa Maré. Na verdade, a
Maré é um dos laboratórios urbanos de habitação popular do país, onde
inúmeras experiências habitacionais foram feitas nas últimas décadas. O
próprio sítio sofreu tantas alterações que a própria maré que deu nome ao
complexo não existe mais; foram tantos os aterros, que o mar ficou bem
distante. (...) A diversidade de formas está patente nas diferentes comunidades
4
Tradução minha.
5
Censo Maré/CEASM/2000 e Censo IBGE/2000 (apud Jacques, 2002).
17
do complexo. Quase todas as morfologias urbanas e tipologias arquitetônicas
referentes a habitações populares têm ou tiveram um exemplar na Maré: da
favela labiríntica de morro ao mais cartesiano conjunto habitacional
modernista, passando por palafitas em áreas alagadas e conjuntos
habitacionais favelizados (Jacques, 2002, p.19).
Outro modo interessante de apresentar a Maré está na consideração feita por Bira
Carvalho, fotógrafo da Imagens do Povo e colaborador de vários projetos nas diferentes
instituições atuantes. Disse-me ele certa vez, refletindo a respeito das imagens da Maré na
mídia:
A Maré é, e sempre vai ser, um local onde a mídia vai preferir. A mídia, o
comércio. Por que isso? Ela tem particularidades. As três facções [do tráfico
de drogas] que tem no Rio têm aqui dentro. As quatro, o Batalhão policial. As
três maiores vias, Brasil, Vermelha e Amarela. Tudo tem uma maior
proporção aqui. Aqui, na Rocinha, no Vidigal. E aqui mais ainda, pelo
tamanho. é aonde entra a imagem: todo mundo quer conhecer a Maré.
Virou moda dar um rolé na Maré. Baile da Nova Holanda: vêm uma galera da
Globo aqui. Como é que eles souberam que tinha baile no sábado?
Nas favelas da Maré são desenvolvidas diversas ações de caráter sócio-pedagógicas,
esportivas e culturais, articuladas e promovidas pelas seguintes instituições: Observatório de
Favelas; CEASM (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré), com duas sedes, no Morro
do Timbau e na Nova Holanda, atualmente divididas em duas instituições diferentes; Vila
Olímpica; Luta Pela Paz; Casa de Cultura e Museu da Maré. Sem contar as outras formas de
organização em que se envolvem os moradores visando à política e às atividades lúdicas, tais
como: as Associações de Bairro; o Grêmio Recreativo Bloco Carnavalesco “Gato de
Bonsucesso”; a Lona Cultural (espaço para apresentações artísticas); os clubes esportivos
(principalmente os times de futebol); os bailes funk. O(s) “movimento(s)” do tráfico de
drogas e as igrejas, sobretudo as evangélicas, talvez sejam capítulos à parte, no entanto, é de
se notar que as formas pelas quais se organizam, pensando, sobretudo, no tráfico, permeiam e
interferem todas as anteriores formas de organização, seja de maneira indireta (como
influenciar no calendário de realização de alguma atividade), seja mais diretamente (com
contribuição em dinheiro para realização de um campeonato de futebol, por exemplo).
Antes de apresentar alguns pressupostos, acrescento que a análise se restringe à
produção dos fotógrafos da Agência Imagens do Povo, embora esteja levando em
consideração, no quadro geral da pesquisa, um conjunto maior de produções visuais, o que
nos permite afirmar a existência de um fenômeno de amplitude considerável, não apenas
localizado nesta, ou naquela, favela.
18
Um olhar periférico
Falar em olhar(es) periférico(s), neste trabalho, não significa a tomada de fotógrafos e
imagens apreensíveis a partir de um lugar simbólica e territorialmente delimitados. Não
significa, igualmente, uma busca por olhares essenciais em meio ao caótico mundo das
aparências, do espetáculo. Significa, antes, a reflexão sobre o uso de categorias que informem,
não de modo estanque, a respeito da produção desses olhares fotográficos construídos sobre si
e o mundo. Por isso, este trabalho se investe da possibilidade de discussão sobre a formação
de um olhar (seletivo e parcial); um olhar realista ao mesmo tempo em que é fabulador.
A construção desse olhar como tentarei demonstrar ao longo do trabalho é
atravessada por inúmeras mediações que não aparecem nas imagens, mas que as tornam
possíveis. Estão em jogo diferentes interesses que se equacionam não apenas no instante em
que o fotógrafo, com seus olhos fixos no visor da câmera, efetua o “click”, mas sobretudo na
hora da edição, quando técnica, estética, ética e política se entrelaçam num profícuo diálogo
que faz (re)aparecer as imagens do povo.
Conforme argumenta Mari Corrêa sobre o “Vídeo nas Aldeias”, projeto do qual é uma
das diretoras: “ao ver estes filmes, não estamos, portanto, diante da ‘verdadeira realidade’ dos
índios, mas de uma interpretação construída de pelo menos dois olhares: o da pessoa que
filma e da que consente ser filmada. [...] Filmar o real não é filmar a realidade” (Corrêa, 2004,
p.37). Aqui também o se trata da tentativa de evidenciar a “verdadeira realidade” das
favelas, mas de pontos de vistas particulares.
A Escola de Fotógrafos Populares Imagens do Povo coloca seus alunos diante de
questões éticas, políticas e culturais que vão muito além do manuseio dos equipamentos e das
câmeras. Na verdade, os alunos da turma de 2006
6
possuíam pleno domínio das técnicas
elementares da fotografia. Alguns deles acumulavam anos de carreira (seja como retratistas,
seja como freelancer de instituições de cunho social), ou possuíam fotos e ensaio publicados.
Por isso, o objetivo ali era o de difundir as tecnologias digitais, revisar os conceitos sobre a
imagem por meio do estudo da história da fotografia, colocar em contato fotógrafos populares
com experiências diferenciadas, discutir as produções e formar quadros profissionais para a
Agência.
6
Turma batizada de “Juvenyr Lourenço”, em homenagem a ele que é o mecânico dos equipamentos fotográficos
e pessoa portadora de um saber imenso sobre o funcionamento ótico e mecânico das meras, além de um
entusiasta dessa turma.
19
Escolher o que mostrar e como mostrar, não “roubando” imagens
7
, mas insistindo com
um olhar próximo, proposto enquanto uma maneira de se relacionar, que permita as
personagens se posicionarem de outra maneira, abrindo espaço para que sejam elas mesmas
partes ativas na construção da imagem: reside uma parcialidade distinta daquela produzida
à distância, com uso de teleobjetivas, e que chega aos nossos lares na hora do café da manhã.
O fotografar e o olhar são verbos no gerúndio para a Imagens do Povo, uma vez que seus
focos estão lançados em processos irrealizados de um projeto político mais amplo: o de
transformação das condições que mantém os favelados em posições subalternas. Por isso, o
olhar periférico é um olhar em construção permanente e, no limite, sua realização implica na
negação de seu caráter periférico.
A própria noção de periferia corre o risco de não possuir nenhuma serventia, caso se
restrinja a um designador de origem social do fotógrafo. Como nos fala Edward Shils (1996),
à propósito de “Centro e Periferia”: A zona central não é em si um fenômeno localizado no
espaço. [...] sua centralidade nada tem a ver com a geometria e pouco tem a ver com a
geografia. O centro, ou zona central, é um fenômeno que pertence à esfera dos valores e das
crenças. É o centro da ordem de símbolos, de valores e crenças que governam a sociedade”
(Shils, 1996, p.53). Os valores periféricos, portanto, não se opõem por completo aos do
centro, podendo ser entendidos como interpretação e crítica aos valores e à estética
dominante, o que evidencia seu lado criativo, ou então como deslocamentos e apropriações,
fazendo imagens e significados circularem, evidenciando, dessa vez, um contínuo de
posições.
Com isso não quero dizer que basta ser favelado e ocupar um lugar periférico na
ordem social e econômica para garantir os atributos conferidos pelos fotógrafos, bem como os
que procurarei conferir, ao olhar periférico. Inspirando-me em Bailey (1971) e Heredia
(1996), argumento que possuir esse olhar significa fazer parte de uma comunidade (neste
caso, a dos fotógrafos da agência Imagens do Povo) e lutar para ser reconhecido enquanto tal
perante seus pares. O pertencimento à comunidade, sem que isso implique na inexistência de
hierarquias e conflitos, é a chave para afirmar a existência de um olhar que ao mesmo tempo
em que é compartilhado possui seu traço autoral.
Resta, portanto, um questionamento que engendra mesmo o paradoxo produtivo
envolvido na representação e apresentação de si e do outro no contexto da produção
7
Guran (1987) tece uma crítica semelhante no que diz respeito a discursos visuais e atitudes profissionais:
“documentação fotográfica não é reportagem, e portanto não se baseia em fotos ‘roubadas’. O flagrante faz parte
do discurso fotográfico, e é mesmo peça fundamental, mas no caso da pesquisa antropológica mas vale o registro
do fato continuado [...]” (Guran, 1987, p. 67).
20
imagética: o olhar periférico, esse “olhar de dentro”, pode ser colocado em solução de
continuidade com o “olhar de fora” ou trata-se de uma ruptura, de uma disputa por poder
expressa na produção de representações (Gama, 2006)? Dito de outro modo, há, neste
contexto, a emergência de novos atores que querem falar, com mais legitimidade, sobre a
favela? Ao que parece, entre a continuidade e a ruptura, instaura-se entre os diferentes agentes
uma luta pelo controle das representações sobre os favelados.
Projetos de inclusão e agências fotográficas nas favelas
Historicamente, a formação e o desenvolvimento do nosso Estado de Bem-Estar
Social foram marcados por uma dicotomia entre aqueles incluídos no mundo do trabalho
formal, cobertos por um sistema de proteção, e os demais trabalhadores, excluídos do campo
de direitos, modelo este que ganhou várias denominações, tais como: “modernização
conservadora”, “cidadania regulada”, “modernização excludente” (Santos, 1979; Kowarik,
1985). O projeto prescrito pela Constituição Brasileira de 1988 nunca se realizou por
completo no sentido da formação de um Estado plenamente democrático, promotor de justiça
social. Constata-se, com alarme, que a distância existente entre demandas sociais e a
cobertura da política social nacional ainda é abissal, tornando evidente a dificuldade do
Estado de lidar com as disfunções provocadas por ingerências políticas e financeiras (Draibe,
1998; Lavinas, 2003). Nesse contexto, surgem no Brasil centenas de iniciativas de caráter
mercantil-filantrópico e/ou de assistência social e/ou de caráter estritamente educacional. É o
período em que as ONGs se projetam enquanto atores sociais relevantes. De uma perspectiva
crítica, Virgínia Fontes (2006) comenta esse processo:
Mais importante a reter, sempre na década de 1980, parece-nos essa
modificação do perfil de uma parcela da militância, alterando o teor de sua
participação. Reduzia-se o engajamento direto numa luta comum e crescia a
oferta de serviços de apoio aos grupos com cujas causas tais militantes
estariam, supõe-se, de acordo. (...) Introduzia-se uma separação entre o
assessor (o técnico) e sua base social. Embora todos se apresentassem como
militantes, falava-se agora em nome da própria ONG. (...) Consolidava-se a
profissionalização da assessoria prestada aos movimentos populares, ainda
que conservando um cunho ‘moral’ de ‘apoio’ a uma cidadania e a uma
sociedade transformada, democrática. Acelerando a rotação que transformava
militância em emprego, os serviços profissionais prestados poderiam – e
deveriam ser remunerados conforme o mercado, segundo as condições de
pagamento dos movimentos sociais ou, o caso mais freqüente, através da
orientação para obtenção de recursos junto a agências financiadoras. Novas
21
especializações técnicas se definiam, como a de formuladores de projetos e a
de agenciadores de recursos, nacionais e internacionais. (...) As ONGs
rapidamente adquiriram muita visibilidade. Estavam próximas dos
movimentos sociais, participavam deles, assessoravam, apoiavam e
contribuíam para sua sobrevivência. Confundiam-se, de certa forma, com eles,
constituindo uma espécie de vanguarda peculiar, e passaram a considerar-se
como expressão mais adequada da sociedade civil (Fontes, 2006, p. 346-347,
grifos da autora).
No entanto, falar de ONG (e organizações similares) em sentido geral é assumir o
risco de relegar iniciativas inovadoras, deixando para um segundo plano os bons resultados
atingidos. Esse talvez seja o caso de organizações que proporcionam os meios e as condições
para que crianças, jovens e adultos tenham oportunidade de experimentar novas tecnologias e
produzir, a partir de outras linguagens, representações mais complexas sobre si e os outros.
Exemplos efetivos: o grupo cultural Afroreggae, a Central Única das Favelas (CUFA), o
Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM) e o Observatório de Favelas. Neste
meio altamente heterogêneo, esses são atores que têm em comum, no conjunto de suas ações,
ênfase na produção de imagens
8
e discursos sobre as favelas do Rio de Janeiro.
Contudo, escapa-me a possibilidade de avaliar os benefícios sociais gerado por tais
projetos. Para isso seriam necessários estudos que acurassem a eficácia, a eficiência e a
efetividade social dessas iniciativas, tal como propõem os estudos sobre avaliação de projetos
e políticas sociais (Cohen e Franco, 1998; Marinho e Façanha, 2001). Grosso modo, porém,
vejo nessas imagens construídas, bem como em seus usos, enorme potencial para gerar outros
efeitos de verdade que venham alterar a imagem predominante negativa das favelas e dos
favelados. É de se notar, contudo, o enorme benefício que as ONGs tiram dessas imagens
negativas. Sem elas boa parte dos projetos empreendidos deixaria de fazer sentido. Essa é a
‘consciência maldita’ das ONGs que atuam em favelas: saber que suas existências dependem,
em parte, da permanência dos estigmas, da segregação (e fragmentação) sócio-espacial e da
violência.
Outra observação, muito evidente por sinal, é o fato das ONGs serem responsáveis
pela introdução de equipamentos e recursos de alta tecnologia, desencadeando, por sua vez,
novas situações sociais nas favelas. Por intermédio delas o favelado tem acesso a suportes,
ferramentas e conhecimentos que, se não estiverem próximos, a muito custo deveriam ser
8
A produção dessas imagens da favela tem diversas finalidades, algumas delas são: capacitação profissional dos
agentes envolvidos na produção (inclusão social), (auto)divulgação dos projetos de onde partem, reverberação de
debates sobre temas dos direitos humanos, inserção nos circuitos nacionais e internacionais de exibição de
produções audiovisuais e na mídia (inclusão visual). Em todas elas a dimensão da auto-representação pode ser
verificada e estudada.
22
buscados alhures. Assim, a presença das ONGs nas favelas (sejam elas “nativas”
9
, ou não)
provocam, ou ao menos intensificam, o embaralhamento das categorias de pensamento e de
classificação, fazendo do “local” o “global”
10
. Isso, no entanto, não significa o apagamento
das desigualdades sociais. Conforme formulado por Canclini (2007), a resolução da questão
da desconexão não elimina, por tabela, o problema da desigualdade: uma imagem possível
seria a dos desiguais conectados.
Se por um lado as ONGs colaboram com a comunicação das diferenças (e isso é de
extrema importância), por outro, a solução das desigualdades sociais fogem de suas alçadas
(por mais que a “venda” dessa solução possa fazer parte da retórica de algumas organizações).
As ONGs, quanto quaisquer outras instituições inseridas no capitalismo contemporâneo, estão
submetidas às mesmas forças desagregadoras, produtoras de desigualdades, provocadas pela
auto-regulação imperfeita do mercado.
Quanto à presença de Agências Fotográficas em favelas, é preciso situá-las e
especificá-las, pois cada caso é um caso. A Imagens do Povo tem uma trajetória e uma
inserção na favela diferente, por exemplo, da Olhares do Morro, estudada pro Fabiene Gama
(2006). A Olhares do Morro tem sua atuação voltada para a venda de fotografias, vinculando-
se estreitamente ao circuito de exposições artísticas, valendo-se da origem social do fotógrafo
enquanto seu diferencial de mercado. Esta agência explora produtivamente a autenticidade
conferida, sobretudo por clientes e colecionadores de fotografias, às produções desses autores
favelados. Dessa forma, a atuação da Olhares do Morro é menos comprometida com projetos
sociais desenvolvidos em favelas, o que não invalida seu próprio estatuto de projeto social,
uma vez que a inserção dos favelados no âmbito da agência lhes garantem ofício e trabalho;
não sendo menor, igualmente, seu potencial enquanto produtora de contra-imagens das
favelas.
O caso da Imagens do Povo é um tanto diferente. Ao fazer a pergunta: quem veio
primeiro, o Observatório de Favelas
11
ou a Imagens do Povo? Chego à conclusão que a
9
Chamo de ONGs nativas aquelas cuja criação são obra de agentes sociais oriundos de favelas.
10
Isso não significa, todavia, que somente depois das ONGs as favelas tornaram-se local do global, ou foram
percebidas enquanto tal. Desde que as favelas começaram a ser estudadas por cientistas sociais notadamente:
Leeds e Leeds (1972) e Machado da Silva (1967) elas nunca foram lidas como espaços sociais isolados,
compartimentados, ou encapsuladas em si próprias. Os conceitos de localidade e supralocalidade, utilizados por
estes pesquisadores, revelavam os processos nos quais os favelados se implicavam com a vida política mais
ampla, fora dos limites territoriais das favelas.
11
Sobre as linhas de pesquisa e atuação do Observatório de Favelas, além do site da Instituição, vide também:
SILVA, Jailson de Souza e; e BARBOSA, Jorge Luiz. Favela: alegria e dor na cidade. Rio de Janeiro: Editora
Senac Rio; [x] Brasil, 2005.
23
Imagens do Povo antecede a criação do Observatório de Favelas, embora dele não possa
prescindir. Contudo, a criação efetiva das instituições tem ordem inversa. O Observatório de
Favelas é anterior à fundação da Agência. Quero dizer o seguinte: a Imagens do Povo estava
contida virtualmente na Imagens Humanas, que por sua vez estava contida na Imagens da
Terra, todas agências ligadas ao trabalho do fotógrafo brasileiro João Roberto Ripper. No
segundo capítulo desta dissertação, “Imagens da exclusão, imagens para inclusão”, este ponto
será desenvolvido com mais detalhes, por agora é suficiente dizer que a Imagens do Povo tem
sua gênese localizada na tradição desencadeada com a criação da Agência Magnum
12
, isto é, a
de organizações que se fundamentam na cooperativa de fotógrafos independentes,
desvinculadas das editorias de jornais e revistas, de onde se pode primar pela autonomia,
liberdade na proposição de trabalhos, estabelecimento de uma tabela de preços para as
imagens, garantia de posse dos negativos, edição e assinatura dos ensaios (Kulcsár, 2007).
O que ocorreu nas favelas da Maré em 2004 foi um encontro profícuo do projeto para
formação de uma agência fotográfica composta prioritariamente por favelados com projetos
de formação nas áreas da comunicação social destinados aos moradores de favelas. Esse foi o
caso da parceria estabelecida entre a Escola Popular de Comunicação Crítica (Espoc) do
Observatório de Favelas e a Imagens do Povo.
Auto-representação e dispersão da autoridade etnográfica
Dentre as múltiplas possibilidades de apreender as “imagens do povo
13
produzidas
pelo “povo”, uma delas é de justamente discutir estas imagens a partir da perspectiva da auto-
representação. Para tanto, farei um breve percurso sobre alguns enquadramentos teóricos onde
a noção de representação (etnográfica e/ou imagética) está atrelada para daí extrair idéias
acerca do que aqui se entende por auto-representações fotográficas.
12
João Kulcsár (2007), curador de recente exposição de fotografias da agência, apresentou a Magnum desta
forma: “Em 1947, após a Segunda Guerra Mundial, um grupo de quatro fotojornalistas criou a agência
fotográfica Magnum, a mais mítica e famosa do mundo. Henri Cartier-Bresson, Robert Capa, Davis ‘Chim’
Seymour, George Rodger exploraram uma dimensão humanística da imagem, apresentando uma revolução de
linguagem e procedimentos (ibid., p.03)”.
13
Aqui uma referência aos trabalhos do crítico de cinema Jean-Claude Bernardet, para quem a presença da
periferia e da favela no cinema (nos ensaios fotográficos, acrescentaria) é uma presença temática, tendo pouco
ou nada a ver com a fundação de uma estética para o cinema nacional. Em “Cineastas e Imagens do Povo”
Bernardet (2003) se preocupa principalmente com os discursos do documentário brasileiro sobre o outro (o
operário, o pobre, o favelado...). A força de sua crítica reside na demonstração dos modos de
representação/apresentação do outro construído a partir de tipologias gerais “cientificamente” elaboradas, ou
seja, uma verdade sobre o outro dada de antemão.
24
De início, a representação como imagem presente de um objeto ausente, por mais que
ainda possa subsistir, é tributária da compreensão segundo a qual os signos mantêm uma
relação de substituição com um objeto original. Conforme Mauad (2000), isto pode ser
depreendido da revisão da noção de representação feita por Chartier (1989), que nos diz: “por
um lado, a representação como dando a ver uma coisa ausente, o que supõe uma distinção
radical entre aquilo que representa e aquilo que é representado; por outro lado, a
representação como exibição de uma presença, como apresentação pública de algo ou
alguém” (Chartier apud Mauad, 2000, p.138). Neste segundo caso, a representação é colocada
como “máquina de fabrico” de signos. Assim, a representação é posta como apresentação de
uma construção.
Outra revisão, feita por Santaella e Nöth (2005), postula que, etimologicamente, o
conceito de representação se encontra em relação de oposição ao de apresentação. Para estes
autores, mesmo com toda gama de usos, é possível se fixar: ‘apresentação’ é utilizada
tendencialmente para a presença direta de um conteúdo na mente, enquanto ‘representação’ é
reservada para casos de consciência de um conteúdo, nos quais um momento de redação,
reprodução e duplicação está em jogo” (Santaella e Nöth, 2005, p.20).
Tomando estes como pontos de partida para discussão da crise da representação, os
mesmos autores nos guiam à tese neo-estruturalista da auto-referencialidade essencial dos
signos”, o que demonstraria os fundamentos da crise. Contudo, em Lukács se encontravam
argumentos a respeito da crise das representações, tendo em vista sua discussão sobre a
impossibilidade de representação do mundo na arte do culo XX (ibidem, p.22) e, na esteira
de Lukács, também podemos encontrar outros argumentos em Guy Debord (2006), para o
qual a economia política do espetáculo (essa relação social mediada por imagens) produz uma
inversão do concreto, autonomizando imagens que apenas fazem sentido quando mutuamente
referenciadas, prescindindo, por sua vez, de uma base empírica (o proletariado, a burguesia, a
fábrica...)
14
.
14
Acrescentando outra observação acerca da crise das representações nas Ciências Humanas, recorro à
Baudrillard (2004) em seu argumento sobre a transformação do social e, por extensão, do político, nas
sociedades do capitalismo contemporâneo, em abismos de sentido. Ele nos diz: “Enfraquecimento do político de
uma pura ordenação estratégica a um sistema de representação, depois ao cenário atual de neofiguração, isto é,
em que o sistema se perpetua sob os mesmos signos multiplicados mas que não representam mais nada e não têm
seu ‘equivalente’ numa ‘realidade’ ou numa substância social real: não há mais investidura política porque
também não mais referente social de definição clássica [...] Simplesmente não significado social para dar
força a um significado político. [...] não é mais possível se tratar de expressão ou de representação, mas somente
de simulação e dum social inexprimível e inexprimido (ibid., p. 21-23)”. Para estas formulações Baudrillard tem
um ponto de partida, a constatação de que enquanto ocorre um evento político importante “a maioria silenciosa”
(milhões de telespectadores franceses) assiste a uma partida de futebol da seleção francesa nas eliminatórias para
a Copa do Mundo, mantendo-se indiferente ao que se passa no âmbito da política.
25
É nesta direção que a inserção da imagem fotográfica (sua produção, circulação,
recepção e interpretação) no quadro de preocupações teórico metodológicas da antropologia
se torna interessante, pois, como argumenta W.J.T. Michell (2002), “a relação entre fotografia
e linguagem é o principal local da luta entre valor e poder nas representações contemporâneas
da realidade; é o lugar onde imagens e palavras encontram e perdem sua consciência, sua
identidade estética e ética” (Michell, 2002, p.101). Em outras palavras, dessa vez sob
intercessão de Philippe Dubois (2006), é no dispositivo fotográfico (em proveito da arte
expressa nos trabalhos de Marcel Duchamp, Kasimir Malévich, entre outros) onde se observa
com intensidade o declínio da noção clássica de representação, traduzida pelo abandono da
lógica do ícone e a favor da lógica do índice
15
, um redimensionamento baseado na lógica do
ato, da experiência, do sujeito, da situação, da implicação referencial. Conforme o autor:
A arte de Duchamp e a fotografia têm em comum funcionarem, em seu
princípio constitutivo, não tanto como uma imagem mimética, analógica, mas,
em primeiro lugar como simples impressão de uma presença, como marca,
sinal, sintoma, como traço sico de um estar-aí (ou de um ter-estado-aí): uma
impressão que não extrai seu sentido de si mesma, mas antes da relação
existencial e muitas vezes opaca que a une ao que a provocou. (ibid.,
p.256-7)
Evocando outra reflexão, a de Michel Foucault (1990), abordar o problema da
representação é tratá-lo como componente específico da história das idéias. É-nos proposto o
estudo das representações em contraposição a noção de que seriam epifenômenos do “real”, o
que nos afasta, de uma só vez, da compreensão durkheimiana (realidade = representação) e da
noção de ideologia que, no mais das vezes, supõe a existência de um conhecimento
desprovido de erros e de ilusões (ideologia verdade).
Por meio deste questionamento, a análise dos discursos e imagens não está pautada na
tentativa de diferenciar o falso do verdadeiro, mas de ver o que é produzido historicamente
pelos efeitos de verdade dentro dos discursos que, em si mesmo, não o verdadeiros nem
falsos. A proposição sugerida é a de encarar os regimes de verdade como efetivos
componentes na construção de práticas sociais. Este é o ponto, conforme Rabinow (1986),
que aproxima as presentes formulações ao trabalho de investigação antropológica: perceber os
discursos o pensamento na sua dimensão de prática social e pública. Dessa maneira, a
representação é posta como o modo de ser do saber. Como representação, “a verdade é para
15
É preciso salientar que toda terminologia empregada por Dubois advém da obra de Ch. S. Peirce.
26
ser entendida como um sistema de procedimentos ordenados para a regulamentação,
distribuição e operação de afirmações” (Rabinow, 1999, p.79). Assim, a apreensão das
representações como fatos sociais são possíveis quando nelas se percebe a relação circular que
conecta a verdade ao regime de poder que a produz, confirma, induz e a estende.
Na antropologia o abalo da crise das representações teve, no entanto, outros adendos
que fizeram repercutir nos modos de escrita etnográfica e na relação entre etnógrafo e
etnografado. A prática da representação intercultural (seja ela imagética ou textual) foi posta
em cheque em conseqüência dos dilemas da desintegração e redistribuição do poder colonial,
das reverberações de teorias culturais radicais dos anos 60 e 70 e da politização das
“minorias” (Clifford e Marcus, 1986). Transformações que, segundo Geertz (2005),
promoveram o encurtamento das mentalidades, sendo, assim, cada vez mais difícil conceber a
diversidade humana enquanto culturas independentes, delimitadas e inscritas. Por isso, as
condições em que se davam o ato etnográfico foram radicalmente modificadas, fazendo
eclodir a dispersão da autoridade do etnógrafo (Clifford, 2002).
Quanto à escrita dos textos etnográficos, os críticos pós-modernos apontam para a
cômoda posição ocupada pelos autores clássicos na forma como representavam/apresentavam
o outro em suas monografias. A autoridade etnográfica era garantida por meio da justaposição
de uma presença excessiva e uma presença insuficiente do autor em seu texto. Tecendo
comentários sobre esta crítica, nos diz Caldeira (1988):
“o outro existe pela voz do antropólogo que esteve lá, viu e reconstruiu a
cultura nativa enquanto totalidade em seu texto. Mas essa presença excessiva
do antropólogo corresponde a uma ausência: a do questionamento do
antropólogo sobre sua inserção no campo, no texto e no contexto em que
escreve” (Caldeira, 1988, p. 134-135).
A idéia de cultura figurada nas etnografias clássicas era, por exemplo, a de um todo
complexo e coerente. Deste modo, por meio da ‘parte’ se tinha acesso ao todo que era a
cultura: pela descrição do Kula podia-se afirmar como vivem os trobriandeses. As partes eram
então concebidas como microcosmos de um macrocosmo, isto é, análogas ao todo. Assim, o
foco da pesquisa estava em escolher alguma instituição e descrevê-la, permitindo, assim,
acesso ao todo pela parte. Para tornar possível abstratamente essa passagem, a dimensão
sincrônica era privilegiada em detrimento à diacrônica. Por isso, a estratégia “mágica” do
antropólogo estava na conversão do diálogo em monólogo; do particular em típico; da
interação em descrição; do indivíduo em povo; do interpessoal em nativo.
27
Outro artifício de autoridade etnográfica na representação/apresentação do outro é o
uso da voz ativa no presente, ou seja, a elaboração de textos na forma do “presente
etnográfico”. O outro e sua cultura eram representados abstratamente, inscritos numa
temporalidade perene como se fossem a-históricos (Clifford, 2002).
Entretanto, o ponto que irei me deter aqui é o do artifício fotográfico e imagético da
autoridade etnográfica: a foto da tenda de Malinowski é exemplar. A forma como a fotografia
era encarada em seu tempo, baseada na idéia de registro fiel da realidade, garantia a
Malinowski sustentar sua ânsia e seu desejo de objetividade (a aquisição de dados objetivos).
A célebre fórmula “você está porque eu estava lá”, com o uso de fotografias ganha força
adicional. Com isso, busco reafirmar: as fotografias nunca foram instrumentos de menor
importância ou supérfluos na construção do discurso etnográfico.
Conforme a discussão desenvolvida por Gonçalves (1999) – acerca das coleções,
museus e a experiência do olhar pode-se dizer que o modo como as imagens são
apreendidas pelos etnógrafos mantém íntima relação com a maneira como as culturas são
compreendidas em cada tempo
16
. As fotos de Malinowski e de Margaret Mead, conforme
Samain (1998, 2004) e Mendonça (2006), respectivamente, foram usadas como um artifício
de autoridade a partir do registro do “estive lá”. Entretanto, suas imagens foram investidas de
um poder de ampliação do diário de campo, o que fazia da fotografia suporte e fonte do
discurso antropológico, contribuindo, por finalidade, com uma descrição cultural sintética
baseada na observação participante/fotografável.
Outro ponto referente à questão da visualidade na antropologia diz respeito à crença e
ênfase no “poder de observação”: poderes de análise visual da observação participante e nos
registros imagéticos. Como nos fala novamente Clifford (2002), uma distinta primazia foi
dada ao visual entre os fundadores da etnografia moderna: “a interpretação dependia da
descrição” (Ibid., p.29), esta, por sua vez, dependente do uso de metáforas visuais
17
.
16
Escreve Gonçalves (1999): “Na antropologia evolucionista, os objetos aparecem como ilustrações de
‘estágios’ de um processo evolucionário universal; na antropologia difusionista, como ilustrações de origem e
difusão de ‘traços’ a caracterizar determinadas ‘áreas culturais’. (...) a moderna antropologia social e cultural virá
a descrever e analisar esses objetos a partir de um enquadramento relativista. Nessa perspectiva, os objetos
materiais serão descritos e analisados como partes integrantes de contextos social e culturalmente singulares (...)
a ‘concepção etnográfica da cultura’ centrada na idéia de ‘culturas’ (no plural) como totalidades discretas e
singulares. (...) O que de relativamente novo na literatura antropológica produzida nas últimas duas décadas é
o estudo dos objetos, não mais estritamente como partes funcionais e significativas de contextos sociais, rituais e
cosmológicos, mas como componentes dos processos (sociais, epistemológicos e políticos) de apropriação que
sofrem por parte das sociedades ocidentais, através de coleções, museus, arquivos e textos etnográficos” (ibid, p.
21-2, grifo do autor).
17
Marilyn Strathern (2006) vai além, pois para a autora as imagens que os textos etnográficos evocam são
expressões de processos cognitivos complexos, uma vez que não pensamos e expomos o pensamento apenas
com o auxílio de imagens (metáforas visuais), mas, sobretudo, porque pensamos através de imagens.
28
No entanto, quando percebido através da tensão texto e imagem, o modelo visualista
da antropologia evidencia um “estranho paradoxo”. É o que nos mostram Gonçalves e Head
(2008) ao escrevem:
“o texto etnográfico se constrói levando em conta os efeitos produzidos pela
exposição de metáforas visuais, o que faz equivaler o observado e o narrado
construindo, assim, o que ficou conhecido como ‘realismo etnográfico’ que
transforma a escrita numa autenticação naturalista da visão como se ambas
tivessem o mesmo valor nas formas de representação. O que se observa,
entretanto, é que ao se problematizar a equivalência entre visão (aqui entenda-
se imagem) e escrita surgem novas possibilidades de se construir um texto
etnográfico que leva em conta não mais a visão/imagem versus a escrita mas,
sobretudo, a idéia de imaginação enquanto categoria poderosa para articular
um novo modo de representar/apresentar esta relação com outro (...) Esta
capacidade imaginativa possibilita, também, outras formas tanto para o
antropólogo quanto para o nativos de imaginarem sobre si e sobre o outro,
redefinindo, assim, a própria concepção de representação” (Gonçalves e Head,
2008., p.3-4).
Estas considerações apontam para os riscos inerentes ao uso de imagens na pesquisa
antropológica, ao passo que das imagens não se deve esperar estados prontos de
conhecimentos acabados, mas a qualidade de agenciadoras de relações sociais, discursos e
imaginários, retirando-as somente do espaço da memória de acontecimento passados (o isso
foi barthesiano), para percebê-las na dimensão do devir, neste caso, do devir-imagético
18
.
Sobre os equívocos, um recorrente, gerado por usos não reflexivos das imagens
(coletadas ou produzidas), é o de apresentarem representações fotográficas empobrecidas em
relação aos próprios textos onde estão disponíveis, como é o caso de The Nuer, de Evans-
Pritchard (1940), que estabelece visualmente uma tipologia geral de Nuer, criando
fotograficamente “um modelo simples de uma entidade complexa” (Hutnyk apud Pink, 2005,
18
Sobre a noção de devir imagético Gonçalves e Head escrevem: “Este devir-imagético da etnografia pode ser,
assim, depreendido do conceito de mímese, tal como elaborado por Benjamin (1979) e Taussig (1993): uma
percepção através de imagens que permite uma certa fusão (merging’) entre o objeto da percepção e o corpo do
perceptor, criando uma relação que não se limita ao ‘visualou mesmo ao ‘audio-visual’, mas que permeia os
sentidos”. (ibid., p. 2-3, grifos dos autores). Lembrando que a noção de mimese das formas nativas diverge da
noção de mimese enquanto cópia fiel do mundo representado, continuam os autores: “Assim, devir-imagético,
encaminha uma nova percepção da alteridade, qual seja, aquele que apresenta representa e aquele que representa
apresenta, paradoxo insolúvel que no plano imagético assume potência e eloqüência criativa. Neste sentido,
todos são personagens das etnografias e dos filmes, tanto os etnógrafos quanto os etnografados, os que filmam e
os filmados. O devir-imagético seria, portanto, a possibilidade de emergência de um personagem, do indivíduo
que fala, que se apresenta e se representa a partir de uma relação. Relação que se realiza nesta tensão entre a
apresentação e a representação. Ao dissolver a alteridade bipolar eu/outro aprofunda uma nova dimensão da
alteridade que assume uma forma topológica em que o ‘eu é outro’. A conceituação de devir-imagético procura
justamente escapar da célebre formula ‘o que é fácil no documentário é que sabemos quem somos e quem
filmamos’” (ibidem., p. 24, grifo dos autores).
29
p.70). Outro equívoco generalizado é a utilização de fotografias nas etnografias enquanto
recurso meramente ilustrativo. Para além de um possível “embelezamento” ou enriquecimento
do texto se esconde por trás desta forma de utilização da fotografia a atribuição de uma
virtude heurística intrínseca ao recurso imagético. Enquanto suportes de narrativas
etnográficas as imagens podem ser produtivamente exploradas, contudo, a função ilustrativa
da fotografia a torna refém da gica icônica que, no mais das vezes, apenas serve como
“argumento” (ou prova) de autoridade científica.
Porém, o mais importante a se notar nessas considerações diz respeito à
reconfiguração da idéia de representação. Indo, portanto, à questão central com a qual esta
dissertação se depara temos que: se antes eram os cientistas sociais, urbanistas, políticos e
filantropos os “donos da voz” sobre a favela, hoje os “favelados” buscam falar por si mesmos.
Neste contexto atual, marcado pela dispersão da autoridade etnográfica, somos obrigados a
“imaginar um mundo de etnografia generalizada” (Clifford, 2002), pois aqueles antes
considerados objetos da antropologia passam à condição de sujeitos, provocando,
conseqüentemente, a reconfiguração da idéia de representação. Desse modo, a concepção de
auto-representação surge “como um modo legítimo de apresentar uma auto-imagem sobre si
mesmo e o mundo que evidencia um ponto de vista particular, aquele do objeto clássico da
antropologia que agora se vê na condição de sujeito produtor de um discurso sobre si próprio
(Gonçalves e Head, 2008, p.7).
O enfoque da auto-representação explicita uma nova percepção da alteridade “que não
está mais presa a uma concepção de identidade/alteridade baseada apenas na formação de
campos de representação do eu e do outro em que prevalece a dualidade nós/eles” (ibid., p.5).
Esta perspectiva problematiza a possibilidade de se falar do ponto de vista do nativo, uma vez
que se questiona o quanto de projeções do “eu” o “eles” é construído. Por isso, esse Outro
escrito com letra maiúscula perde seu terreno, visto se tratar da constituição de “outros”
homogeneizados e de uma construção que desconsidera as múltiplas maneiras do sujeito ser e
estar no mundo.
Em sua discussão sobre a construção do conceito de autoetnografias, Versiani (2005)
fornece pistas importantes para pensar a perspectiva da auto-representação (fotográfica) como
um contradiscurso (imagético) do outro enquanto si mesmo, bem como um método auto-
reflexivo, onde o “auto” significaria o próprio reconhecimento de multiplicidade do self
19
.
Sendo assim, nos diz a autora:
19
Para a mesma discussão sob um enquadramento complementar vide nota anterior.
30
“os termos de pares dicotômicos tais como indivíduo/sociedade, sujeito do
conhecimento/objeto do conhecimento, o Mesmo/o Outro, insider/outsider,
tradicionalmente compreendidos como opostos e antagônicos, são assim
aproximados pela elaboração sempre circunstanciada de um neologismo
que, ao colocar lado a lado os prefixos auto e etno, procura possibilitar a
percepção simultânea e relacional dos dois termos do par” (ibid., p.213).
Entretanto, as imagens da favela, na favela, feitas pela favela, como argumentam
Alvarenga e Hikiji (2006), não devem estar desacompanhada da reflexão sobre o processo
inerente a qualquer narrativa imagética. As auto-representações enquanto produtoras de
documentos sobre o mesmo precisam ser alvos de questionamentos constantes, pois
pertencimento e proximidade na favela, de onde são tributados os argumentos de autoridade
do fotógrafo e autenticidade de suas imagens, nunca estão dadas de antemão, necessitando
permanentemente de reafirmação para que se garantam os vínculos sociais que as tornam
imagens possíveis. Ademais, toda imagem, seja fixa, seja em movimento, corresponde sempre
a processos de seleção criativa do mundo. Deste modo as imagens são interpretações sobre
determinados temas (ibid: idem).
Materiais e métodos
Conforme assinalei no início desta introdução, grande parte do material utilizado neste
trabalho se construiu a partir da interlocução com os fotógrafos da agência Imagens do Povo.
Em certas ocasiões uma imagem específica tornou-se objeto de conversas e entrevistas; em
outras, acontecimentos desenrolados nas favelas da Maré foram centros de reflexões e
diálogos; algumas vezes recorri a outros profissionais para melhor entender o “mundo da
fotografia”. Os fotógrafos da Imagens do Povo contribuíram de forma decisiva para formular
aqui minhas elaborações. Deste modo o trabalho se inspira na noção rouchiana de
“antropologia compartilhada”
20
, uma vez que os interesses dos fotógrafos por questões
relativas às ciências sociais, lugar de onde partiam minhas questões, tinham intensidade
20
Sobre Jean Rouch e sua forma de se relacionar com o outro, escreve Gonçalves (2008): “A frase de Mead
(1976:14): ‘cada diferença é preciosa e deve ser cuidada com carinho’ faria eco em todo projeto rouchiano, em
que o Outro é simplesmente outro, não é objeto de estudo, é sujeito e, antes de tudo, um amigo em potencial. Se
para Rouch a essência do fazer etnografia e do fazer cinema é a relação enquanto gênese, possibilidade e
resultado de uma narração esta relação é entre sujeitos e o conhecimento na Antropologia e no cinema surgem
como possibilidade da subjetividade” (Gonçalves, p.4, 2008).
31
semelhantes às minhas interpelações em relação à fotografia e à favela. Antes de listar os
materiais que guiam o presente estudo, traçarei algumas considerações metodológicas.
Independente dos modos sob o qual as imagens podem ser percebidas, segundo
Caiuby Novaes (2005), não é mais aceitável a idéia de relegar à imagem um segundo plano
nas análises dos fenômenos sociais e culturais. Tais como os textos, as imagens são artefatos
culturais, sobretudo porque a produção e análise dos registros fotográficos podem permitir a
reconstituição da história cultural de grupos sociais, bem como uma compreensão sobre a
dinâmica das relações interétnicas, além de um entendimento sobre os processos de mudança
social. “O uso da imagem acrescenta novas dimensões à interpretação da história cultural,
permitindo aprofundar a compreensão do universo simbólico, que se exprime em sistemas de
atitudes por meio das quais grupos sociais se definem, constroem identidades e apreendem
mentalidades” (Novaes, 2005. p.110).
Acrescentando, ainda, que um tratamento “descritivo interpretativo” confere
produtividade etnográfica às imagens uma vez que torna desnecessária a pormenorização
escrita de aspectos visuais: “primeiramente, permite fixar uma observação visual; em segundo
lugar, registra uma infinidade de detalhes que a observação direta nem sempre leva em
consideração; e, em terceiro, torna perene um instante e a percepção que o fotógrafo teve [...]”
(Attané e Langewiesche, p. 136, 2005). Esta compreensão auxilia o pesquisador a se esquivar
do limite da simples impressão, transformando-se, assim, numa antropologia do não dito, do
não confessado, da visualidade quase sempre ambígua em relação ao discurso (ibid: idem).
Conforme Clifford (2002), se a fotografia pode afirmar uma presença, ela é antes de
qualquer coisa uma elaboração ativa: sugere a presença do fotógrafo e/ou etnógrafo, que
também elabora ativamente um fragmento de realidade, transformando algo em presença
visível. Por outro lado, a recepção
21
das imagens implica numa negociação de sentidos que
vão além da imagem, remetendo ao contexto cultural mais amplo nas quais elas circulam,
pois, como aponta Gonçalves (1999), o olhar dos expectadores “não é absolutamente uma
experiência natural, mas, na verdade, uma experiência codificada segundo regras variáveis
cultural e historicamente” (ibid., p.27).
Portanto, neste estudo, fotos isoladas ou ensaios fotográficos estão dimensionados
pelos acontecimentos situados em contextos etnográficos específicos ou, em outras palavras,
imagens cuja significação está impregnada pelo tempo-espaço da pesquisa. Uma vez que as
21
Quanto à recepção das fotografias produzidas na Imagens do Povo, meu escopo é demasiadamente pequeno
para oferecer análises precisas. Apenas sugiro, em alguns pontos, que as interpretações de certas imagens foram
resultados de exegeses feitas em cooperação com fotógrafos, o que circunscreve a recepção neste espectro
determinado de apreensão.
32
experiências de pensamento extrapolam linguagens fixas, determinadas por meios técnicos
específicos, os significados das fotografias produzidas na Imagens do Povo resultam de
negociações de sentidos que extrapolam as intenções dos fotógrafos: são as representações da
favela o foco dessa disputa de significados.
Por isso, seja como resultado de uma pesquisa ou como “dado coletado”, encarar a
fotografia como um atestado de fidedignidade, testemunha inequívoca do real, limita
extremamente o alcance de sua mensagem. Sobre a favela, no momento em que é tomada
como fonte de inspiração para fotógrafos, ela não é mais que uma imagem, um constructo do
que seria a favela dentro das múltiplas possibilidades de representá-la. Por isso, os usos da
imagem influenciam diretamente seu modo de apreensão num dado contexto de recepção.
Uma fotografia sempre significa alguma coisa para alguém, não significando nada em si
mesma
22
: “as imagens não falam por si sós, mas expressam e dialogam constantemente com
modos de vida típicos da sociedade que as produz” (Novaes, 2005. p.110). Assim,
objetivando produzir elementos que informem as questões propostas, a análise das imagens
está pautada por uma compreensão de que são elas não apenas suporte de discursos e
narrativas, mas o mecanismo que os acionam e os agenciam.
Portanto, da fotografia pode se esperar que ela sirva tanto como o ponto de partida,
como o resultado final de uma pesquisa. É o que nos mostra Milton Guran (2000) ao revelar
as duas principais contribuições da linguagem fotográfica nos quadros da pesquisa social: “a
fotografia feita com o objetivo de se obter informações” e “a fotografia feita para demonstrar
ou enunciar conclusões” (Guran, 2000, p. 155). O autor acrescenta que, para alcançar a
eficácia do uso da fotografia na apresentação de conclusões, “é necessário que haja uma
articulação entre as duas linguagens, a escrita e a visual, de modo que uma complete e
enriqueça a outra” (ibid, p. 162). Procuro demonstrar que esses dois modos de operação do
dispositivo fotográfico “fotografar para descobrir” e “fotografar para contar” são comuns
tanto aos pesquisadores quanto aos fotógrafos da Imagens do Povo, de modo que influencia a
conceituação dos trabalhos dos fotógrafos da Agência enquanto construções visuais de
conhecimentos sobre a favela, e não como expressões de saberes intrínsecos ao fotógrafo
favelado.
Embora faça referência a outros suportes de representações, trabalho analiticamente
apenas com produções fotográficas, não levando em consideração as produções fílmicas e
22
Nesta mesma direção, salienta Samain: “o falso e persistente dilema tinha sido superado, que sabíamos
agora que a fotografia podia, ela também, ‘mentir’, isto é, no caso, permitir dizer coisas novas(Samain, p.125,
2005, grifos do autor).
33
videográficas, nem mesmo aquelas onde os fotógrafos são personagens, pois isso obrigaria
lançar questões específicas a cada meio de representação visual. Para ilustra essas diferenças,
conforme argumenta Pinney (2000) ao comparar imagens fixas e imagens em movimento, a
fotografia acomoda muitos significados, enquanto o filme constrói uma cadeia de significação
bem menos fluída. Isto tem implicações no estabelecimento de uma unidade de leitura, de um
léxico, que é maior quando se trata do filme (imagem, movimento e som). O léxico temporal
do filme é relativamente fixo, prendendo o expectador dentro de seu regime temporal, no qual
somos incapazes de intervir. Por outro lado, esse léxico (tempo-espacial) é completamente
livre para a fotografia. Para a fotografia é mesmo arriscado encará-la como enunciado, pois,
por definição, a fotografia incorpora uma perigosa ambivalência que, antes de tudo, deve ser
explorada na perspectiva de sua riqueza semântica. A fotografia explicita essa mistura de
informação, acaso, estética e intenção (Novaes, 2005).
Na dimensão de narrativa etnográfica, este trabalho procura oferecer uma descrição da
favela através de imagens. Por meio de exegeses, os fotógrafos produziram discursos sobre
suas imagens e, conseqüentemente, sobre seu inescapável referente: a favela. Somando tais
discursos com observações (participante), entrevistas e textos escritos pelas instituições em
que os fotógrafos estão vinculados, foram reconstruídas por justaposição e montagem
situações etnográficas onde a narrativa sobre si converte-se em uma etnografia
23
de
representações e apresentações imagéticas da favela.
Quando James Clifford (2002) nos fala que na prática da etnografia está envolvida, e
não pode ser compreendida em separado, um debate político-epistemológico mais geral sobre
a escrita e a representação da alteridade, é plausível perceber a etnografia como uma maneira
de se relacionar e de produzir conhecimento a partir do envolvimento intersubjetivo. Assim,
se a escrita etnográfica inclui uma tradução da experiência para a forma textual, essa
experiência particular se transpõe à maneira transmitida por Benjamin no conto “Omeletes de
Amoras
24
”, isto é: a impossibilidade de reproduzir essa experiência, mas a possibilidade de
narrá-la.
23
Ao comentarem a formulação de conceitos como os de polifonia, dialogismo, alegoria e ficção como
alternativas ao instrumental teórico clássico, Gonçalves e Head (2008) consideram: “o conceito de etnografia se
altera de forma considerável, passando de uma ingênua e inócua forma de ‘descrever e apresentar’ costumes
alheios a um modo implicado de apresentação em que a perspectiva do etnógrafo é parte da observação e a
perspectiva do etnografado exprime uma crítica da própria relação de pesquisa inserida em uma arena política-
cultural determinada” (Gonçalves e Head, p. 02, 2008).
24
No conto, o ensaísta alemão narra a saga de um rei e seu filho que, ao perderem uma batalha, refugiam-se
numa floresta onde passam dias a fio sem comida, água e esperança. Em dado momento encontram a casa de
uma velha senhora que lhes prepara uma omelete de amoras. A partir de então, o rei retoma seu reinado e seu
34
Ademais, o fazer e o pensar antropológico impedem de considerar os sujeitos da
pesquisa de maneira encapsulada, encerrados em um mundo simbólico delimitado e
facilmente definível, pois, além dos trânsitos culturais, o sujeito do “olhar periférico” tem
ocupado um lugar cada vez mais central na antropologia contemporânea e seu ponto de vista
vem assumindo crescente relevância política. Da mesma forma, lidar com conceitos que, ao
mediarem o entendimento, permitem perceber os meandros da construção do olhar fotográfico
dos favelados e, assim, chegar a uma compreensão de ser a representação fotográfica de si
(este si como afirmação de pertencimento a “mundos” e comunidades específicas) a
apresentação de um outro imaginado
25
, dificilmente apreendido por conceitos meramente
analíticos: a “verdade” de uma imagem, seja de si, seja do outro, é uma permanente
construção sócio-cultural e espaço-temporal.
Quanto aos materiais utilizados na pesquisa, além da observação e participação no
curso da Escola de Fotógrafos Populares “Imagens do Povo”, a coleta de dados também
incluiu: 1) observação e participação no cotidiano de alguns fotógrafos na Maré; 2) análise do
banco de imagens das Agências O Globo e O Dia (responsáveis pela produção das imagens
que alimentam parte da impressa escrita no Rio de Janeiro); 3) entrevista com Gustavo
Stephan, fotógrafo do jornal O Globo, onde é narrada a produção de imagens da favela; 4)
entrevistas concedidas por João Roberto Ripper a diversas mídias (onde o coordenador fala
sobre sua carreira e sobre a Imagens do Povo); 5) transcrição de uma conferencia proferida
por Ripper, ocasião em que foi feita uma exposição panorâmica de sua carreira; 6) textos
produzidos pelos coordenadores do Observatório de Favelas relativos a produção de
representações sobre a favela; 7) pequena quantidade de material jornalístico colhido na
imprensa carioca e capixaba no que se refere a produção de discursos sobre as favelas e sobre
a Agência Imagens do Povo; 8) documentos relativos aos Encontros sobre Inclusão Visual; 9)
análise dos livros da Agência (“Até quando?” e Light nas Comunidades”); 10)
acompanhamento da produção da matéria sobre a Agência pela revista de circulação
filho se torna o rei mais poderoso que se teve notícias. Este rei, no entanto, entediado com seu poder manda
chamar o cozinheiro real e pede que lhe prepare a mesma omelete oferecida pela velha nos tempos da incerteza,
sob a condição de que, se conseguisse, seria o herdeiro do trono e das riquezas de seu reino, porém, caso a
iguaria não fosse preparada, estaria condenado à morte. O sábio cozinheiro pediu-lhe, então, que sua condenação
fosse imediata, pois mesmo que soubesse todos os ingredientes, o modo de preparo e os versos declamados ao se
misturar a omelete, jamais conseguiria acrescentar ao seu prato a incerteza do futuro, o cansaço, a derrota, o
conforto oferecido pela velha senhora e a posterior vitória. O rei, concordando com as considerações do servo,
dispensa-o de seus serviços fazendo dele um homem rico.
25
Sobre imaginação e etnografia, escreve Gonçalves (2008): “Essa condição da etnografia, de se ter acesso ao
mundo do outro pela palavra do outro sobre si próprio e sobre quem lhe pergunta como é o seu mundo, dá à
etnografia a confiança de tomar o que as pessoas imaginam como sendo uma verdade, isto é, a verdade da
etnografia” (Gonçalves, p. 94, 2008).
35
internacional “Fotografe Melhor”; 11) entrevistas com os fotógrafos Bira Carvalho, Francisco
Valdean, Ratão Diniz e Jaqueline Felix; 12) exegese e análise de imagens com Bira Carvalho,
Ratão Diniz, Rosinaldo Lourenço e Adriano Rodrigues; 13) material de divulgação de
exposição dos trabalhos da Agência; 14) por fim, a experiência de ter sido morador de um
subúrbio carioca cercado por favelas.
Estrutura do trabalho
A organização dos resultados da pesquisa procura seguir a lógica sob a qual o projeto
da Imagens do Povo está fundamentado, não perdendo de vista as articulações possíveis entre
tema e objeto de pesquisa com a teoria sócio-antropológica. Deste modo, o estudo está
dividido em três partes, além da introdução e considerações finais.
No primeiro capítulo, “Imagens e contra imagens da favela”, é investigado, a partir de
certa literatura especializada, a validade do argumento de onde se tributa a razão de ser da
Agência: a predominância de imagens negativas da favela. Se a favela é historicamente
representada através de estigmas, tomo como meu o ponto de partida dos fotógrafos: a
contraposição das imagens depreciativas por representações imagéticas da favela que possam
apresentar outras perspectivas, não somente a de ser o espaço da violência, do trauma, da
desrazão urbana. Tentando reconstituir a lógica que rege a produção de notícias da favela pela
imprensa, o intuito é demonstrar que a imagem negativa não é a “verdade” da favela, mas
uma verdade de imprensa. Assim, uma contra-imagem da favela se apresenta como alternativa
crítica edificada por agentes implicados politicamente com as situações sociais das favelas.
Obviamente, a concentração da violência é um problema também localizado nas favelas, o
que não impede de delas declinarem imagens positivas, sobretudo, porque, como
agenciadoras de relações sociais e recursos políticos e econômicos, as imagens podem
mobilizar intervenções não belicosas.
O segundo capítulo, Imagens da exclusão, imagens para inclusão”, segue-se o
argumento, qual seja: para se produzir contra-imagens da favela é preciso instrumentalizar-se
tecnicamente, aprender a linguagem fotográfica e se implicar politicamente. Assim, a inclusão
visual não se limita apenas à capacitação profissional, concluída com a inserção no mercado
de trabalho, mas se traduz no empoderamento das camadas desprivilegiadas, dando-lhes
condições para que sejam elas mesmas produtoras de informação sobre si e sobre os outros.
Neste capítulo, descrevo a estrutura do projeto e da agência Imagens do Povo, observando sua
36
inserção no contexto mais amplo. Também apresento situações de sala de aula e a utilização
de ferramentas pedagógicas que fazem da imagem um instrumento privilegiado para o
aprendizado de conteúdos e conquista da cidadania.
O terceiro capítulo, “A construção do olhar periférico”, tratar de observações e
narrativas sobre a produção das imagens no contexto das favelas, em particular a Maré. É
proposta uma unidade de leitura para as imagens, elaborada em cooperação com os
fotógrafos, onde é possível se perceber a contigüidade referencial entre contexto e imagem e
os usos atribuídos às fotografias. A análise das imagens identifica basicamente quatro
camadas não isoláveis: a camada autoral, a camada institucional, a camada ética e a camada
política. Assim, a justaposição dessas camadas ajuda a entender os modos de operação do
dispositivo para produção da mensagem fotográfica, aqui entendida como representações
imagéticas de si (ou auto-representações fotográficas).
Como conclusão, apresenta-se elementos na tentativa de oferecer respostas provisórias
às questões propostas. Acredito que as “imagens do povo” podem ser lidas como crítica sócio-
cultural e a experiência do projeto como um todo (escola, agência e banco de imagens) deve
ser difundida, inclusive tendo seus princípios incorporados à rede de ensino (público e
privado). Para finalizar, neste trabalho se verificou e, por isso, tentou-se aproximar alguns
paradoxos que, antes de significarem entraves, são potencialmente produtivos: o paradoxo
fotográfico (de ser uma mensagem com e sem código), o paradoxo das ONGs envolvidas na
produção de imagens da e pela favela (uma imagem que não apaga a outra, isto é, as imagens
negativas são imprescindíveis para efetivação dos projetos) e o paradoxo da auto-
representação (quando se envolvem dimensões do self e do etno que não se excluem).
37
Capítulo I
Imagens e contra imagens da favela
38
Favela: Cem Anos
Tá visto que em cem anos de favela
muito sangue de morte banhou
as terra batidas de becos, ruas e vielas.
Mas tá visto também que na favela
há muito mais mulher que a gente
e muita menina vira moça a toda hora, todo dia
se vendo meio que assustada e maravilhada
pela primeira vez menstruada.
Vai daí, que por bênção de Mãe Oxum
dessa sanguinolência toda que jorra na favela
por cem anos a fio, filetes e chimbicas
tem sido menos de certeza da morte
e muito mais da verdade da possibilidade da vida.
Daí que pela graça de Mãe Oxum
na favela, centenariamente, se sangra ainda
muito mais da divina maravilha da criação
que dos horrores letais das chacinas.
(Deley de Acari)
39
As favelas são apresentadas diariamente em jornais, revistas, TV’s e dias
eletrônicas. Seus “personagens” rendem histórias para jornalistas, literatos, roteiristas e
etnógrafos. No cinema, nas telenovelas, nos seriados televisivos, nos ensaios fotográficos, nos
roteiros turísticos, nas páginas policiais, as favelas figuram como cenário, ora cruel, ora
romântico, despertando fascínio e temor quando transformadas no lugar do “outro” na cidade.
Forjadas no imaginário urbano, as imagens da “favela” agregam-se num senso comum
produtor de representações que obedecem quase sempre uma lógica dual. Esse dualismo,
persistente em muitas das atuais interpretações das favelas (Zaluar e Alvito, 2003), oscila
entre um ponto que as encerram enquanto espaços essencialmente violentos, lugar de
marginais, dos pobres e da pobreza, e outro que as enxergam como “lugar-símbolo da cultura
nacional, com o nascimento do samba (correndo também da polícia) de Ismael Silva, Noel,
Brancura, Cartola, Hilário Jovino, Donga, Pixinguinha, João da Baiana...” (Lins, 2005, p. 16).
Neste capítulo objetivo apresentar algumas representações sociais (não apenas visuais)
nos quais se articulam os significados de favela. Em primeiro lugar, são trazidos os
antecedentes históricos da formação do imaginário social sobre a favela. Um segundo esforço
visa situar a favela na ordem urbana atual, procurando perceber as implicações desta inserção
problemática para a construção da cidadania. O passo seguinte é dado no sentido de trazer à
tona essas representações da favela contestada pelos agentes da produção de auto-
representações visuais. Assim, privilegiaremos o seguinte percurso: a apresentação das
imagens da favela e a lógica de suas produções; posteriormente, as contra imagens da favela
e a crítica retórica que fundamenta as produções visuais dos favelados, isto é, as imagens pela
favela.
Para tal empreendimento, tomamos emprestado o argumento de Bourdieu (1997)
formulado a partir de experiências de pesquisa nos subúrbios parisiense e nos guetos de
Chicago segundo o qual falar em favelas
26
é evocar não “realidades”, “mas fantasmas,
alimentados de experiências emocionais suscitadas por palavras ou imagens mais ou menos
não controladas, como aquelas que a imprensa sensacionalista e a propaganda ou o boato
político veiculam” (Bourdieu, 1997, p. 159). As imagens, sobretudo as imagens fotográficas,
são interpeladas ao mesmo tempo em que são produtos de certa gramática. Então, que
26
Comparando a favela ao banlieue e ao gueto, Ribeiro (2001) afirma: “Os ‘favelados’ não apresentam o mesmo
grau de isolamento social que os moradores dos guetos americanos. Estão inseridos na divisão social do trabalho,
embora em posições marginais, mantendo relações de troca com o mundo exterior. [...] A conexão da favela com
a sociedade, ainda que subalterna, permite o seu morador experimentar a alteridade. Por outro lado, se a favela é
majoritariamente preta e parda, nem todos pretos e pardos pobres estão nas favelas, fato que cria oportunidades
ao ‘favelado’ de escapar da estigmatização e circular no espaço social sem portar as insígnias da desqualificação
social. [...] Morar na favela não representa sempre estar em uma etapa da mobilidade social descendente”.
(Ribeiro, 2001)
40
repertórios agenciam e são agenciados por estas imagens? A intenção é apresentar um pouco
desses dois domínios que não existem em separado – as imagens visuais e as imagens mentais
sobre a favela – na tentativa de demonstrar disputas nas quais estão implicadas sua construção
imagética.
Embora se diga que a imagem fotográfica tenha adquirido “um imediatismo e uma
autoridade maiores do que qualquer relato verbal” (Sontag, 2003, p.25), seu significado
“depende de como a imagem é identificada ou erroneamente identificada; ou seja, depende
das palavras” (ibid, p.28). Seja através da tensão entre texto e imagem, seja através da força
da mensagem visual, uma das hipóteses centrais é a de que a fotografia contribui
decisivamente para construções de idéias e imagens sobre as favelas. As imagens fotográficas,
principalmente aquelas às quais se atribuí estatuto testemunhal, de valor informativo ou como
documento, não são instrumentos laterais na elaboração de práticas discursivas e de
intervenções políticas. A “favela” se constrói com imagens, essas que são as próprias imagens
de sua construção.
Uma gênese moral
Resultado de uma série de circunstancias históricas, a favela é o “efeito colateral” das
disputas estabelecidas entre republicanos, teóricos do embranquecimento, membros das
oligarquias e o povo, na virada do século XIX, na cidade do Rio de Janeiro. Falar de favela é
também falar da transição para ordem capitalista, da passagem de um modelo agrário-
exportador para um urbano-industrial. De um crescimento urbano espantoso. Do Brasil que
começava experimentar ser República. É evocar seu mito de origem: o mito de Canudos.
Sobre isso, escreve Valladares:
De fato, a leitura de textos escritos no início do século leva a associar o Morro
da Providência, no Rio de Janeiro, ao povoado de Canudos, no sertão baiano.
Na verdade, as duas histórias se sobrepõem, pois foram os antigos
combatentes da guerra de Canudos que se estabeleceram no Morro da
Providência, a partir daí denominado Morro da Favella. A maioria dos
comentaristas apresenta duas razões para essa mudança de nome: 1) a planta
favella, que dera seu nome ao Morro da Favella situado no município de
Monte Santo no Estado da Bahia ser também encontrada na vegetação que
recobria o Morro da Providência; 2) a feroz resistência dos combatentes
entrincheirados nesse morro baiano da Favella, durante a guerra de Canudos,
ter retardado a vitória final do exército da República, e a tomada dessa posição
representando uma virada decisiva da batalha (Valladares, 2005, p. 29).
41
A resistência dos combatentes de Canudos não evitou o massacre, mas conferiu um
significado à palavra favela, o de ser o espaço da resistência. Lugar onde “capoeiras” e
“malandros” passaram a viver depois da demolição dos cortiços do Centro da cidade, após se
revoltarem contra a ordem médico-sanitarista, encarnada em Oswaldo Cruz, e contra a ordem
urbana, personificada na figura do prefeito Pereira Passos. As tentativas de tornar o Rio de
Janeiro uma cidade européia, desenhada por entre bulevares, longe dos miasmas, das
habitações insalubres e das epidemias, deram na favela (Valladares, 2005, 1989; Carvalho,
1987; Chalhoub, 1986).
Dos cortiços o foco muda então para as favelas. A justaposição dos discursos médico-
higienista e jurídico-político produziram um consenso aos olhos da elite nacional de que a
favela era o berço do vício, do crime e das epidemias. Nesse momento, marcado pelo fim do
Império e início da República, o problema da pobreza começa aparecer na agenda pública e
surgir enquanto questão legítima para ser academicamente abordada (Valladares, 1989).
Entretanto, no período, da pobreza se depreendia apenas o que supostamente eram atributos
individuais: o pobre foi imediatamente associado ao vadio, um ser anormal porque “resistia”
fazer parte do mundo do trabalho.
Na perspectiva do discurso competente da época, o pobre figurava como o portador de
uma ética da malandragem, o pólo negativo dentro da lógica dicotomizadora do mundo,
fundada na crença do trabalho como elemento moralizador e ordenador da sociedade (por
mais aviltante que o trabalho pudesse ser). Chalhoub (1986) demonstra como essa forma de
representar o pobre e a pobreza no Brasil eram ecos daquilo que se entendia por classes
perigosas” na Inglaterra vitoriana e na França revolucionária, categoria posta em oposição à
de classe trabalhadora. Este dualismo tinha também sua tradução no território: a fábrica,
espaço da ordem e do trabalho, e as favelas, como seu oposto.
Contraditoriamente, se a favela era tratada como algo que deve ser extirpado do tecido
social, a imagem do Morro da Favela era também uma imagem da modernidade. Analisando a
uma edição de 1928 da revista “Para Todos...”, Oliveira (2003) comenta uma reportagem
ilustrada com a fotografia do Morro. Sobre a foto, escreve a autora:
É uma imagem que busca apresentar um aspecto da “cidade maltrapilha” para
uma audiência burguesa. Por outro lado, não deixa de ser uma imagem
vistoriadora da população local, descrevendo uma forma de conhecimento
visual mapeador, no qual o habitante da favela é apresentado como objeto
central da imagem. No entanto, não é reduzido a tipo”, sendo-lhe permitido
reter a sua identidade e o seu lugar na cidade, mesmo que este espaço fosse o
42
morro, a favela. Esta representação se difere inteiramente daquela na qual a
comunidade é reduzida a pequenas manchas na imagem, ou se transforma em
objeto circulante nas grandes avenidas do Centro reformado, aparecendo
apenas como objetos de passagem, não lhes sendo dado sequer a possibilidade
de serem notadas como indivíduos (Oliveira, 2003, p. 255).
Entre as décadas de 1950 e 1960 as metrópoles passavam por transformações em todos
os setores de suas economias: substituição de importações, expansão centrada na indústria
pesada e produção de bens de consumo em escala ascendente. O movimento de expansão do
mercado metropolitano fez crescer em escala ascendente o contingente populacional, de
maneira que: o crescimento desses mercados determinou o crescimento das favelas (Singer,
1985). Oriundos, sobretudo, dos estados da região Nordeste, vitimados pela seca e pela brutal
concentração de terras, os numerosos migrantes aqueceram a economia urbana, cuidando de
sua manutenção e garantindo o baixo custo da mão-de-obra.
Esta combinação de fatores – seca, concentração fundiária, êxodo rural interno e
externo, demolição de cortiços e habitações insalubres – estimulou fluxos contínuos de
migrações, resultando na consolidação da favela enquanto espaço de habitação das classes
populares. O Centro-Sul, identificado como eixo dinâmico da economia, tornou-se o destino,
o lugar alternativo para prosperidade não alcançada de milhões de pessoas que tomaram o
caminho da cidade em sua busca de melhores condições de vida (Durham, 1973).
Os “paraíbas”, como são conhecidos os migrantes nordestinos no Rio de Janeiro,
passaram a condição de novos vizinhos nas favelas. Remetendo a minha experiência de ter
sido morador de um subúrbio carioca, por mais de uma vez ouvi, sempre em momentos de
descontração, sentado numa mesa de bar com moradores antigos de bairros periféricos e de
favelas, narrativas que versavam sobre a chegada dos migrantes na cidade. Algum desses
narradores eram eles mesmos migrantes. Diziam-me, era um período de crescimento do
território feito à custa de muita precariedade, pois eram os “paraíbas” os ocupantes dos piores
terrenos, os mais íngremes, menos habitáveis ou mais distantes do Centro. Certa vez, ouvi o
comentário de um Senhor sobre seu antigo local de moradia: “quem chegou por último foi
subindo, enquanto deu pra subir!”.
A categoria “paraíba”, na maioria das vezes, designa um estigma e afeta a construção
da noção de pessoa na favela. Sobretudo pela negação do estigma
27
, é possível depreender a
27
As gerações de filhos de migrantes, mesmo mantendo vínculos com os lugares de origem, negam esse estigma,
uma vez que se consideram tão cariocas quanto quaisquer outros nascidos na cidade do Rio de Janeiro. Foi o que
pude perceber ao me tornar amigo de pessoas cujos pais são migrantes. Ainda, é preciso salientar que o fluxo
migratório continua existir, no entanto, de maneira desacelerada. Tal processo faz atualizar essa designação
depreciativa, pois grande parte dos migrantes ocupa postos de trabalho de baixa remuneração e sem status social.
43
favela enquanto um meio de acentuada diferenciação social, onde a chegada dos migrantes fez
heterogeneidade cultural aumentar ainda mais. Assim, a presença dos migrantes, eles também
muito diferentes entre si, tornou-se estorvo adicional para o pensamento que havia
objetificado uma idéia sobre a favela, pois na categoria “favelado” não havia lugar para
diversidade étnica e de estilos de vida
28
.
Por outro lado, embora tenha sido pensada como o lugar do campo na cidade, a favela
sempre apresentou “uma forma de organização tipicamente capitalista, com uma vitalidade
econômica que chega a espantar àqueles que com ela se defrontam” (Machado da Silva, 1967,
p.37). Entretanto, a lógica predominante continuava enxergar na favela a expressão da crise
urbana.
Um exemplo perverso dos efeitos negativos das imagens cristalizadas sobre a favela
pode ser observado no período Lacerda. No início da cada de 1960 o Estado da Guanabara
empossou Carlos Lacerda como seu primeiro governador. De imediato, Lacerda se empenhou
na remoção de favelas, uma estratégia prevista no Plano de Habitação Popular, amplamente
financiado por capital norte-americano. Em sua gestão foram executadas remoções de várias
favelas e seus moradores foram transferidos para os conjuntos habitacionais da Cidade de
Deus, em Jacarepaguá; Vila Kennedy, em Senador Camará; Vila Aliança, em Bangu; e Vila
Esperança, em Vigário Geral
29
.
O governo Lacerda foi extremamente cruel com os favelados que se insurgiam contra as
remoções forçadas, penalizando-os com incêndios criminosos. O Correio da Manhã, de 26 de
janeiro de 1964, trazia uma charge de Augusto Bandeira: Lacerda comicamente representado
como Nero, o Imperador Romano; o homem que polemizava para se beneficiar de sua
polemica; o homem que ateava fogo em favelas
30
(Motta, 2006). A favela do Morro do
É muito comum ouvir pela cidade: “você se veste como um paraíba”, “isso é coisa de paraíba”... expressões que
indicam um suposto “mal gosto”.
28
Comentando as duas linhas teóricas pelas quais as favelas eram “compreendidas” (a favela expressa em termos
de ‘marginalidade’ sócio-política-econômica e a favela como parte do lumpenproletariat) Machado da Silva
considera serem abordagens que ignoram as íntimas relações entre a favela e o sistema global e errôneas por
acreditar ser a favela um grupo dentro de um estrato social. Conforme o autor, a deficiência dessas teorias estava
em “considerar a existência de um tipo único de favelado” (Machado da Silva, 1967, p.36).
29
http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/2684_5.asp
30
Um outro episódio rumoroso que marcou o governo Lacerda foi o da matança de mendigos - efetuada pelo
Serviço de Recuperação de Mendigos -, cujos corpos foram jogados no rio da Guarda (um dos mananciais que
abasteciam a cidade do Rio de Janeiro). Esse caso, ocorrido em 1962, teve repercussão internacional e, apesar de
ter punido os culpados, Lacerda continuou a ser acusado por seus adversários de o "governador mata-mendigos"
(http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/2684_5.asp).
44
Pasmado e a favela da Catacumba foram duas das destruídas por incêndios com “causas
ignoradas”. Antes mesmo, em outubro de 1958, a favela Roquete Pinto, na Praia de Ramos,
teve 400 barracos de suas palafitas destruídos pelo fogo
31
, fato que apontava como sendo
anterior à Lacerda a prática de incêndios criminosos.
Apenas para evocar um exemplo da reconfiguração urbana motivada por remoções e
despejos, tem-se o caso o conjunto habitacional Cidade de Deus, tornada favela ícone a partir
da literatura e do chamado “cinema da retomada”. A Cidade de Deus começou receber os
primeiros moradores em 1966, eram desabrigados de uma das piores enchentes que o Rio de
Janeiro já enfrentou. Pouco depois, os moradores de outras 60 favelas, entre elas as destruídas
pelos incêndios criminosos, vieram se somar. A lógica que motivava o planejamento urbano
era a da apartação, quanto mais distantes territorialmente as camadas sociais díspares
pudessem ficar, mais eficaz seria o resultado da reforma. Em outros termos, o dualismo
estrutural (sertão/litoral, morro/asfalto, entre outros) não se limitava às idéias e imagens do
concreto, mas haviam se tornado projetos de governo.
As narrativas que têm a paisagem da Cidade de Deus como cenário transcorrem no
momento em que se forjava na academia e no imaginário social uma nova compreensão sobre
a pobreza, declinando daí outro modo representar os favelados, que passaram a serem
divididos entre “trabalhadores e bandidos” (Valladares, 1989). Nas décadas de 1970 e 1980 se
generalizou outra noção de pobreza, classificada não mais por meio de atributos estritamente
individuais, mas como problema de acomodação na estrutura social e inserção no mundo do
trabalho.
As Ciências Sociais, expressa na autoridade científica dos cientistas sociais,
desempenharam um papel importante nessa mudança de percepção, para dizer que “o discurso
sobre a pobreza não é, no entanto, fruto exclusivo da base material da sociedade, mas se
reporta, também, à sua base moral
32
” (Ibid, p. 107).
31
Os relatos de moradores sobre esse incêndio podem ser lidos no artigo de Marcelo Monteiro, “Incêndio nas
Palafitas”, disponível em www.favelatemmemoria.com.br.
32
As favelas são amplamente conhecidas pela designação “comunidade”. Não cabe aqui uma investigação a
respeito do surgimento e conseqüências teóricas (e morais) do termo, mas fica a intuição das favelas serem assim
chamadas pela íntima relação que algumas delas tiveram para sua formação e consolidação no espaço urbano
através de forte atuação de setores da Igreja Católica, por meio das Comunidades Eclesiais de Base, como foi o
caso do Morro Santa Marta (Barcelos, 2004).
45
Cidade e cidadania
Os atuais processos desencadeados sobre a alcunha de um capitalismo
desindustrializado (pós-fordista) levam a afirmação de que, hoje, não se trata de argumento
plausível culpar o pobre por sua pobreza, pois as garantias de segurança, certeza e
estabilidade, fortemente ancoradas em idéias social-democratas e nos diferentes modelos de
Estado de Bem-Estar Social, experimentados pelos países do norte (Bauman, 2001), ruíram
assim que foi dada a partida para um novo regime de acumulação capitalista
33
(Harvey, 2001).
O resultado foi a desestruturação das redes de proteção social e a implosão do que Castel
(2001) chamou de “civilização do trabalho”. Segundo o autor:
Essa nova regra do jogo contratual não vai, pois, promover proteções novas e,
ao contrário, terá por efeito destruir o que restava de pertencimentos coletivos,
acentuando, assim, o caráter anômico da individualidade “negativa”. O
pauperismo – uma representação-limite como o vagabundo exemplifica essa
dessocialização completa que reduz uma parte da população industrial a uma
massa agregada de indivíduos sem qualidades (Castel, 2001, p. 599).
Nesse contexto, constata-se, com alarme, um déficit de lugares ocupáveis na estrutura
social, fazendo surgir a figura dos “inúteis para o mundo”, dos “não integrados e não
integráveis”, supranumerários sem lugar no mundo do trabalho formal (ibid: idem).
No capitalismo tardio a existência de amplos segmentos pauperizados não é recente.
No caso latino-americano, nunca convivemos com pleno-emprego. As demandas sociais
crescentes não tiveram no horizonte um Estado de Bem-Estar Social que pudessem saná-las.
Historicamente, a formação e o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar brasileiro têm se
caracterizado pela dicotomia estabelecida entre aqueles incluídos no mundo do trabalho
formal, cobertos por um precário sistema de proteção social, e os demais trabalhadores
informais, excluídos do campo de direitos. Com a redemocratização da sociedade brasileira,
cujo marco é a Constituição de 1988, a universalização dos direitos sociais, via reformas
institucionais no arranjo do Estado no sentido da descentralização, estabeleceu-se como ideal
a ser perseguido pelos governos. (Draibe, 1998, Lavinas e Barbosa, 2000). Assim, a
condução das políticas de combate à pobreza e urbanização de favelas passou ser também
responsabilidade das unidades subnacionais da federação (os municípios).
33
O argumento de David Harvey pode ser brevemente resumido deste modo: as transformações decorrentes de
processos de reestruturação econômica iniciados nos anos setenta, quando o regime fordista de acumulação de
capital e de organização do trabalho mostrou sinais de esgotamento, desencadearam um novo regime de
acumulação ancorado na produção flexível (just in time) e na financeirização do Capital (Harvey, 2001).
46
Por mais que se tenha avançado no plano constitucional, com a formalização dos
direitos de cidadania, prescritos na Carta Magna, a efetivação dos mesmos encontra-se
bastante comprometida. As causas desse comprometimento, pelo menos em parte, atribui-se
ao modelo de cidade que vem se implementando a partir das administrações municipais. Se
por um lado a autonomia concedida pelo Estado pode melhorar a eficiência e eficácia das
administrações, em direção à resolução de problemas sociais e urbanos imediatos, por outro,
essa autonomia consentida se traduz em apropriações (diretas ou indiretas) das prefeituras por
grupos empresariais com objetivo de tornarem as cidades interessantes para o capital
internacional
34
. Por isso, os críticos desse modelo apontam para a transformação no papel dos
prefeitos, estando cada vez mais assemelhados aos empresários cuja função se tornou a de
“vender as cidades” – do que como políticos, gestores de recursos e conflitos. Desse modo, o
direito à cidade passa estar diretamente relacionado ao “índice de solvência” (poder de
compra) de cada indivíduo, uma vez que, para estes agentes econômicos, os segmentos de
“escasso interesse estratégico” – os pobres – devem ser banidos da cidade
35
(Vainer, 2000).
Resultante destas reestruturações em curso, o planejamento e gestão das cidades e, por
extensão, o enfrentamento da questão social pensada em seu sentido amplo sofrem uma
mudança paradigmática. Se antes predominava o padrão taylorista de organização e
gerenciamento das cidades, alicerçado fortemente nas idéias de racionalidade, de
funcionalidade e de regularidade, emerge, em sua substituição, o modelo de empresariamento
urbano. Produtividade, competitividade e adequação à lógica do mercado tornam-se os
imperativos na nova ordem urbana para produção e apropriação de seu espaço (ibid: idem).
Adequada à lógica do mercado, a cidade passa ser representada como uma empresa, ou
como uma mercadoria (a mercadoria mais complexa do capitalismo). O ideal moderno que
apostava na cidade como o “lugar do encontro”, o lugar de produção de relações sociais, onde
a diferenças e a diversidade encontravam seu palco, vai se apagando pouco a pouco. Nesse
sentido, a cidadania, isto é, neste caso, viver na e para a cidade, é algo que se pode imaginar
enquanto um valor, entretanto, como um conjunto de direitos, a cidadania apenas existe se
34
O caso mais atual diz respeito a realização dos Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro. A ocorrência de
eventos esportivos dessa magnitude, além de palco para apresentações de atletas com alto nível profissional,
envolve altos investimentos que impactam diretamente a geografia e as formas de sociabilidade na cidade. Os
fotógrafos da agência Imagens do Povo documentaram a remoção de uma favela em Jacarepaguá por ocasião das
obras do Pan.
35
Vainer acrescenta que, dentro da nova ordem urbana, a pobreza foi redefinida enquanto um critério “estético”,
porque as ações governamentais direcionadas a estes setores têm um intuito de “maquiar” os problemas ao invés
de intervir nos mecanismos de sua reprodução.
47
exercida, o que faz dela uma disparatada retórica quando as bases materiais para o seu
exercício não são acessíveis.
Para tanto, as práticas reivindicativas de cidadania nas favelas não encontram
motivações comuns ao ponto de formarem uma ação coletiva. Primeiramente, porque os
efeitos do rearranjo institucional (delegação de maior poder à esfera municipal no que tange a
alocação de recursos) ao invés de caminhar no sentido da eficiência do aparelho burocrático,
fizeram gerar uma diferenciação administrativa no interior das agências e programas de
governo, cada vez mais fragmentados. Como conseqüência, ocorre a própria “fragmentação
do interlocutor”, que perde de seu horizonte o espectro mais amplo da cidadania, tornando-se
um reivindicador (ou demandante) de serviços públicos pontuais. Conforme Machado da
Silva (2002), de outro lado, “interferindo, por meio desse mecanismo de diferenciação, sobre
a formação da auto-imagem dos favelados, mais como clientela ou público do que como uma
categoria social com interesses definidos” (Machado da Silva, 2002, p. 235).
Imagens da favela
Inicio por uma visita ao banco de imagens da agência O Globo
36
. No espaço reservado
para busca de imagens digito a palavra “favela”. Com está palavra-chave aparecem associadas
99 imagens, número que considero pequeno quando comparado as 346 surgidas ao digitar a
palavra-chave “Pan 2007”. Pela quantidade díspar de fotos disponíveis para exposição e
venda no banco, indago sobre se são as imagens da “favela” assunto fotográfico menos
interessante do que as produzidas durante os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro. Para
além deste fato, mantenho atenção nas imagens associadas à palavra-chave de interesse. A
primeira constatação é tirada da evidência: das 99
37
imagens acessíveis 80 são fotografias
feitas à longa distância e quase a totalidade formada por fotos aéreas. Com a repetição dessas
imagens a informação transmitida ganha força no passar de uma à outra, produzindo um
significado: a imagem da favela-rizoma
38
subindo encostas e montanhas, adentrando matas e
36
O banco de imagens da Agência O Globo reúne uma amostra do acervo dos jornais O Globo e Extra, constando
aproximadamente 5 milhões de fotos, entre cromos, negativos, cópias e arquivos digitais. Devo dizer que realizo
visitas ocasionais a este banco de imagens desde meados de 2007 e que de para muito poucas imagens
foram acrescentadas na seção “favela”.
37
Esse número cresceu para 128 na última visita realizada ao banco em julho de 2008.
38
A idéia de inspiração deleuziana é desenvolvida em “Estética da Ginga: a arquitetura das favelas através da
obra de Hélio Oiticica” (Jacques, 2007).
48
descendo para cidade racionalmente urbanizada é a imagem do mal, que senão urbano pelo
menos urbanístico.
As demais imagens da favela contidas no banco da agência O Globo correspondem a
06 fotos associadas à violência, produzidas em coberturas jornalísticas de incursões da polícia
e do Exército. Estão anexadas também 08 imagens de arquivo realizadas entre 1956 e 1966 e
são estas fotos as poucas onde o sujeito “favelado” é representado em seu cotidiano. Fica,
porém, a intuição de elas estarem ali apenas porque presentificam uma imagem praticamente
extinta do universo representacional da favela: as mulheres com latas d’água na cabeça e a
agitação do sobe e desce nas escadarias dos morros
39
.
As demais imagens digitais que completam o conjunto de 99 fotos tomadas
provisoriamente como corpus para uma inicial aproximação com as representações visuais da
favela são exemplos de como a inserção diferenciada do fotografo determina os modos de
representar/apresentar o tema, podendo torná-lo rico, polissêmico. Surgem duas belas fotos do
making off do filme “Era uma vez”, gravado no Morro do Cantagalo; junto a elas outra onde
são personagens o rapper americano Afrika Bambaataa (reconhecido como fundador oficial
do Hip Hop) e o brasileiro Marcelo D2, numa visita à mesma favela; mais duas fotos
realizadas em 2006: a primeira apresentando um engenhoso barraco flutuante e, a segunda, a
metaimagem de uma exposição fotográfica onde se o compositor Tom Jobim em visita ao
barracão da escola de samba Mangueira em 1992, ambas de autoria de Marcia Foletto. Por
fim, uma foto de Oscar Niemeyer em visita a uma favela beneficiária de projeto social em
1979. Nesta imagem, o arquiteto reconhecido por suas grandes obras parece ceder a vez para a
passagem da senhora e da criança que seguem com latas d’agua nas cabeças pelo estreito beco
formado entre os barracos.
Os exemplos apontam para possibilidade de apresentação de outras imagens da
“favela” que não apenas a da “favela problema social”, entretanto, essa parece não ser a
intenção dos gerenciadores do banco. Ainda assim, insistindo com a pesquisa digito, agora, a
39
Embora não sejam atualmente imagens freqüentes no conjunto geral de representações visuais sobre as favelas
brasileiras, as latas d’águas são ainda transportadas na cabeça de mulheres e crianças em diversas favelas do Rio
de Janeiro. Com as constantes falta d’água em favelas e bairros periféricos da metrópole, a solução para o
problema cantado em prosa e verso na musica popular continua sendo as latas e os baldes. Longe das favelas
consolidadas, onde o problema é menos freqüente, a cena se repete fora dos livros, revistas e jornais. São os
casos das ocupações recentes, onde uma rede formal ou informal de abastecimento ainda não foi implementada.
Vi a cena acontecer algumas vezes numa visita que fiz ao acampamento Carlos Lamarca, em Belford Roxo,
Baixada Fluminense, no ano de 2005. As precárias condições impostas aos moradores eram tamanhas que pensei
se tratar de um exemplo que nomeei de arquitetura do improvável, onde os mais diversos objetos, cujas
propriedades e finalidades jamais foram pensadas para as funções nas quais estavam sendo utilizadas, eram
empregados na construção de casas e “equipamentos” de uso coletivo. Um interessante ensaio fotográfico
realizado na localidade, de autoria de José Dionísio, está disponível em: www.vivafavela.com.br.
49
palavra “violência”. Surgem 28 imagens das quais 06 são as mesmas anexadas junto a palavra
“favela”. Entre imagens de armas e incursões policiais, uma salta aos olhos: a foto do rapper
MV Bill em sua apresentação na edição de 1999 do Free Jazz Festival. A princípio, pouco
nesta imagem representa a violência, pois se trata apenas da foto do show de um rapper num
conceituado festival musical. Encerro o percurso no banco de imagens da agência O Globo
ficando com a questão: como a representação fotográfica de certos personagens, no caso a do
Rapper carioca, cujas composições tematizam o cotidiano violento da favela onde mora e atua
socialmente, influencia outras representações que circulam na cidade? Enfim, com suas ações
o movimento Hip Hop tem amenizado a imagem predominantemente negativa da favela
através de sua própria imagem enquanto movimento sério e comprometido com a mudança
social. Não seria demasiado dizer que seus representantes foram eleitos pela camada
dominente, sobretudo pela mídia, como mediadores privilegiados no intercurso das trocas
culturais
40
.
Mudo de site e repito o exercício, agora no banco de imagens da agência O Dia
41
.
Nele as imagens da favela têm um conteúdo fortemente apelativo. Todas as 27 imagens
anexadas na palavra-chave favela estão relacionadas aos confrontos travados entre as forças
policiais e as facções ligadas ao tráfico de drogas. É realizada nova busca utilizando a palavra
“violência”. As 27 imagens reaparecem e a elas se acrescem outras 24. Novamente a
evidência se impõe como conclusão: a “favela” apresentada ao cliente da agência O Dia é a
“favela” única e exclusivamente violenta. Qualquer outra possibilidade de
representar/apresentar imageticamente a favela é descartada pelos editores desta agência
42
.
Sob o impacto da violência trabalham os fotojornalistas que executam pautas relativas
às favelas no Rio de Janeiro. Evidentemente a cobertura de favelas não se restringe aos
confrontos entre traficantes, policiais e milicianos, mas o grosso do material jornalístico é
40
Durante a campanha do Presidente Lula nas eleições de 2006, a CUFA (Central Única das Favelas) organizou
um comício na Cidade de Deus. Como expoente máximo da Organização e morador da favela, o Rapper MV
Bill foi o MC (mestre de cerimônia) do comício. A enorme comitiva que acompanhava o Presidente pode
prestigiar mostras do que produz o movimento Hip Hop: dança, grafite, esporte (a música estava proibida
segundo as regras eleitorais). Em suma, o acesso do Presidente à favela sem aparato militar nas proporções
requeridas para um chefe de Estado (conforme foi visto na ocasião em que o Presidente visitou as obras do
Programa de aceleração do Crescimento em favelas da Zona Sul) apenas foi possível dado à inserção do
movimento Hip Hop na localidade em questão. Participei deste comício junto com os fotógrafos da Imagens do
Povo que foram cobrir o evento.
41
A agência O Dia possui um banco de imagens com aproximadamente 3.000.000 arquivos digitais.
42
Ambas as agências possuem número maior e mais diverso de imagens de favelas, no entanto, a análise se
restringiu àquelas acessíveis via internet. Os sites falam sobre a existência de outras maneiras para se pesquisar
seus arquivos visuais.
50
retirado daí. Não se esquecendo do fato de ser, no mais das vezes, a instituição policial a
principal fonte jornalística.
Os confrontos armados têm sua dimensão de “mal-estares jornalísticos”, uma vez
serem “fora do comum”, dramáticos, emocionantes e, por isso, comercialmente rentáveis
(Champagne, 1999). Na condição de acontecimentos “mediáticos”, as imagens
43
da favela no
jornal são as imagens da violência, pois, como declarou Nilton Claudino, fotógrafo da agência
O Dia: “Não tem jeito, ficamos torcendo para a ação acontecer”
44
. O que significa, em outras
palavras, uma prática profissional baseada na rotina policial.
Na tentativa de melhor compreender a lógica da produção de imagens fotográficas no
jornalismo, entrevistei Gustavo Stephan, fotógrafo do jornal o Globo
45
. Embora não seja sua
especialidade, Stephan, que também é sociólogo, cobriu pautas em favelas, inclusive tendo
sua câmera roubada quando fotografava a Linha vermelha, nas imediações da Maré. O
fotógrafo é um crítico da forma como o jornal aborda o tema “favela”. Segue, abaixo, as
razões de sua crítica:
No início, quando comecei a fotografar, o Globo tinha os chamados Cadernos
de Bairro. O jornal de bairro era um espaço das comunidades, até a parte
comercial se sobressair. Mas eu peguei ainda essa fase. No meu primeiro dia
de trabalho fui fazer uma matéria num lixão na Maré e em seguida num triplex
em São Conrado. E o interessante foi que num dia de trabalho tive a
oportunidade de ver dois mundos diferentes do meu. Desde o início no jornal
de bairro eu fazia muitas reportagens em favelas, isso em 1991. Entravamos
em várias favelas, à vontade. Claro que era avisado que iríamos fazer a
matéria, mas na Maré, por exemplo, era muito tranqüilo. Era a época do Jorge
Negão... peguei o início da construção da Linha Vermelha, fazendo matéria
com a repórter Claudia Sílvia, que adorava as matérias na Maré. Então eu ia
com ela em matérias sobre artistas da Maré, sobre os problemas da Maré
relacionados à Linha Vermelha. E eu pedia sempre para sair com ela e fazer
essas matérias. Fotografei as últimas palafitas. Para mim era um mundo novo
e eu estava fascinado. Não tinha medo, nem receio de estar fotografando. Mas
depois o jornal foi mudando. Entre 1996 e 1997, no “jornal de bairro”,
passaram a o querer que se fizesse mais esse tipo de matéria. O jornal foi
abandonando essa linha e hoje poucos fazem esse tipo de reportagem. Fazem
matérias no Nós do Morro, no Observatório de Favelas, mas não tem mais
aquela entrada que existia antigamente.
43
Sobre o lugar das imagens na fabricação do “acontecimento” na perspectiva da “visão mediática”, escreve
Champagne: “a informação ‘posta em imagens’ produz um efeito de drama que é próprio para suscitar muito
diretamente emoções coletivas. Enfim, as imagens exercem um efeito de evidência muito poderoso: mais sem
dúvida que o discurso, elas parecem designar uma realidade indiscutível, se bem que elas sejam igualmente o
produto de um trabalho mais ou menos explícito se seleção e de construção” (Champagne, 1999, p.64).
44
Baixando a Máquina. Ano 01, 01. Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2007 (boletim informativo sobre o
documentário Baixando a Máquina).
45
A entrevista foi realizada em janeiro de 2008 na residência do fotógrafo, em Niterói/RJ.
51
Como não imaginava que algum dia tivesse havido espaço na grande imprensa para
discussão de temas e, consequentemente, produção de representações mais complexas sobre a
favela, insisti neste ponto perguntando: O que aconteceu entre 1996 e 1997 que motivou essa
mudança de linha nos Cadernos de Bairro?
Foi uma jogada comercial que reestruturou o jornal. Quiseram transformar o
jornal num produto que desse mais dinheiro. Antes o “jornal de bairro” era um
jornal maior, mais gente trabalhando. Daí, enxugaram o quadro de
funcionários e foram transformando ele num produto comercial, pois
enxergaram nele uma grande receita para o Jornal. Talvez ele tenha hoje 20%
da receita do jornal. E se compará-lo com as outras editorias que existem na
redação, certamente ele é um dos que mais traz dinheiro para o Jornal.
Dirigi-lhe outra pergunta: os antigos jornais de bairro correspondem hoje aos cadernos
específicos para Zona Sul, Zona Norte, Niterói...?
Antes, existiam mais cadernos. Existia o caderno Copacabana, o caderno
Ipanema... Uma das mudanças foi a redução do número de cadernos, isso ao
mesmo tempo em que a parte comercial passava a ter mais importância do que
a parte jornalística. Acho que os cadernos são, hoje em dia, e cada vez mais,
catálogos de anúncios. E as reportagens estão lá quase em segundo plano. Não
que eles fossem perfeitos no passado. Hoje, em seus aspectos gráficos ele é
bem melhor, a fotografia tem uma qualidade melhor, mas houve essa
mudança, pois existia uma liberdade para você ir às favelas. O repórter
também tinha mais autonomia para fazer essa matéria. Hoje a prioridade é a
parte comercial.
Insistindo nesse ponto: então quer dizer que as matérias servem hoje mais como
incremento da parte comercial do que antes?
Diretamente os anunciantes não estão atrelados ao Editorial, mas como a parte
comercial é grande um desequilíbrio. Por exemplo, antes eram mais
freqüentes as saídas para matérias em favelas, o que hoje acontece muito
menos. Além disso, cada vez mais as pessoas m medo de ir com o carro do
jornal em favela.
Por causa do tráfico e das milícias?
Também. Mas mudou a postura do Jornal. O Jornal hoje se posicionou. Ele
não tem intenção nenhuma de fazer pacto qualquer com a bandidagem, mas o
problema é que ele colocou a “comunidade” toda no mesmo saco.
Antigamente existiam mediações que tornavam o trabalho de um fotógrafo e
52
de um repórter mais tranqüilo. Trata-se desses assuntos relacionado às favelas
com muito preconceito. O Globo é um jornal que atende os interesses das
elites do Rio de Janeiro, da Zona Sul, um pouco da Tijuca e um pouco de
Niterói. E o Extra entra um pouco nessa história, para ser um jornal de corte
popular, uma saída para lucrar com a clientela popular.
Ao revelar a mudança de postura do jornal, quis saber como essas mudanças
repercutiam na rotina de trabalho dos fotógrafos. Então perguntei: quando o fotógrafo vai
tratar de assuntos relacionados à favela, existe uma forma geral, uma orientação geral ou cada
fotógrafo tem a sua?
Cada um cumpre sua pauta. Não existe uma cobrança direta, mas muitos
fotógrafos agem como se ela existisse. Uma espécie de auto-censura. Mas não
uma orientação geral. Entre os fotógrafos há os que querem fazer um trabalho
diferenciado, com uma visão mais crítica. Porém, o editor quer ser ele o
detentor do olhar para discutir com a redação. O editor quer colocar à frente de
certas situações aquele fotógrafo que não vai se questionar diante de uma cena
se ele deve ou não fotografá-la. Ele vai fotografar, irá colocá-la no sistema e
quem decidirá por ela é o editor. [...] Geralmente o fotografo que gosta de
fazer matérias sobre a favela, sobre tráfico de drogas, é o fotógrafo que fica
com a visão da polícia. É o profissional que até tenta ter uma visão mais
crítica, mais complexa da situação. Ele monta uma projeção para demonstrar
sua crítica, mas na verdade ele está ali com o olhar que melhor o jornal
poderia ter. Aquele olhar que pode absorver o máximo de informação para o
editor poder fazer aquilo que ele quer. [...] Bom, eu disse que não existe uma
orientação geral, mas essa acaba sendo uma orientação geral ditada pela
quantidade. O editor quer todo o material, ele não quer um fotógrafo que edite
por ele.
Sobre a experiência profissional de Stephan, ela foi narrada tomando as seguintes
sugestões para sua reflexão: Como você recebe uma pauta para cumprir quando o tema é
favela? Que tipo de pauta você recebe?
Vou te contar uma história: aconteceu de eu fotografar para uma matéria sobre
a Linha Vermelha. Então pensei em fotografar aquele pontilhão vermelho que,
para mim, é um emblema da Linha Vermelha. Esperei uns carros vermelhos
passarem por ali. Daí, quando consegui fazer a foto da Linha Vermelha com
dois carros vermelhos passando, pensei: está bonita a foto. Mas antes, cheguei,
coloquei a câmera num lugar visível, pois sabia que o lugar era meio
complicado, cumprimentei todo mundo que estava em volta. Quando estava
indo em direção ao carro, veio três adolescentes, e o motorista chegou a ver
dois “caras” com fuzil dando cobertura no fundo. O que comandava a
operação devia ter uns 18 anos, os outros deviam ter entre 15 e 16. Vieram e:
“tá ficando maluco! Fotografando aí!”. Entreguei a máquina e continuei com a
mochila. Daí, ele pediu a mochila, atingindo-me um soco de raspão e: “some,
53
some, some!”. Corri até o carro, uns cem metros de distância. Pois é, passei o
maior sufoco ali na Maré. Depois desse e de outros episódios, ando meio
“grilado”. Às vezes o jornal pede, como na semana passada, “está aumentando
o número de construções na Rocinha”. Faço essas fotos, mas fico muito
preocupado. Porque eu queira ir à associação de moradores pedir para
fotografar, só que é uma coisa rápida, pois estava com várias pautas ao mesmo
tempo. Na verdade, sempre achei que nada fosse acontecer comigo por que...
mas não sou eu que estou ali, o Gustavo, o cara bacana, é o Globo quem esta
ali.
Na semana que aconteceu isso comigo lá na Maré eu entrei na Rocinha, fui à
Associação de Moradores [...] Sabia que era uma matéria bacana e queira
desenvolver essa matéria: “o governo vai investir na Rocinha”. Fiz uma bela
foto da Rocinha, e que rendeu a primeira página de domingo, o quê o
Globo não costuma dar. Gravei o material em CD para retornar para a
Associação de Moradores e, por um acaso, este CD estava na mochila quando
fui roubado. Na verdade, eu fui à Rocinha fazer uma matéria com um repórter
e as fotos ficaram legais. Como antes eu não achava que nada fosse acontecer
comigo, eu subi, peguei moto táxi, passei pelos “caras” do tráfico, sem
problemas.
Depois disso fiquei meio retalhado. E os fotógrafos que fazem essas fotos no
dia a dia não param mais ali, pois sabem que é uma área muito perigosa. Aí eu
lembrei que alguns meses antes uma fotógrafa do jornal foi cobrir a visita da
Heloisa Helena na Maré e fotografou um gerente com um fuzil, e o Globo deu
na primeira página. E aquilo que aconteceu comigo era na época das eleições.
E o que aconteceu comigo foi em janeiro, fez um ano agora. E o que esta
história quer dizer: que o Globo, embora não muito legal, mas estava com a
gente, e, hoje, cada vez mais o Jornal trata a questão da favela com muito
preconceito. Na verdade, é de um grande desconhecimento [...] Porque a
idéia de achar que quem mora na favela ou é ou compactua é muito
comum.
Outra história pode dar outro ponto de vista: fui fotografar o Afroreagge e uma
das coisas que achei interessante era a relação de um dos músicos com um
traficante. O repórter estava muito tempo dentro, eu não estava com
paciência para ouvir a entrevista e fiquei do lado de fora sentado. Eles
conversavam sobre roupa de marca, sobre os lugares interessantes que o
músico tinha ido. Enquanto isso havia crianças jogando bola. Um dos
moleques chutou a bola e ela foi parar no telhado da vizinha. O traficante foi
pedir a bola para a Senhora e ela se recusou a devolver, pois os meninos
estavam estragando o telhado da casa dela. O traficante virou de costas e foi
embora. Então, até que ponto existe esse poder todo?
Em 2005 o Globo publicou uma série de reportagens sobre a questão das remoções de
favelas e essas reportagens foram estopins para debates que se alastraram em vários
segmentos da sociedade, sobretudo, na academia. Depois de oferecer essa contextualização ao
fotógrafo, perguntei: você publicou alguma foto no período daquelas reportagens?
54
Fiz uma aqui em Niterói, reflexo do que aconteceu no Rio. O Globo Niterói
acaba copiando, está acontecendo lá, vamos fazer uma matéria aqui também.
Então, no Pequeno, aqui em Niterói, fizeram um conjunto de prédios para
pessoas com poder aquisitivo maior e ao lado havia uma favelinha, uma posse.
Ali tem uma escola com piscina, o Centro Educacional de Niterói. E as
crianças de no final de semana pulavam o muro para poder tomar banho de
piscina. A repórter, preconceituosa e incomodada com aquela situação,
mandou que eu fosse da janela do prédio fotografar a proximidade existente
ali. O que aconteceu: ali é uma família que reside a mais de 50 anos [...] Na
verdade era a segunda vez que estavam sendo feitas fotos ali. Era para reforçar
mais a matéria, era a segunda vez que o jornal mandava uma equipe. Eu
cheguei ao prédio e fiz as fotos. Mas eu quis ver de perto. Daí disse para
equipe para irmos até lá. Chegando lá era uma família, uma família tradicional
do bairro, que todos conhecem. Havia também um centro de umbanda. O que
estava acontecendo era um embate com a prefeitura que planejava demolir as
casas. [...] Concluímos que iríamos fazer um absurdo: o Jornal fazendo essa
matéria e a história é outra, não era invasão, mas sim uma família tradicional
que cresceu e por isso aumentaram o número de casas.
E essa matéria foi publicada?
Não. A matéria caiu. O Jornal deixou de bater e a prefeitura entrou em acordo
com o pessoal. Exceto pelo preconceito que continuou, a situação se resolveu.
Imagine você, qual criança que não pularia um muro para tomar banho numa
piscina perto de casa. O enfoque da matéria deveria ser muito mais a do perigo
de se ter uma piscina perto de locais com crianças e não de imóveis que estão
se desvalorizando porque existe uma pequena favelinha perto.
Outra situação aconteceu na Lagoa. Ligou uma Senhora para o Jornal para
avisar sobre o crescimento de uma favelinha. Fomos verificar. Chegando lá,
era uma chácara de uma família que habitava aquele lugar quase cem anos e lá
acontecia uma roda de samba, era um lugar tradicional, freqüentado por várias
pessoas. O lugar é o maior barato. Enfim, a matéria não saiu. [...] Então, no
Jornal tem muita gente que faz a foto sem perguntar o porquê. O resultado é
que ocorrem muitos equívocos. E o que acontece? Os órgãos públicos, em
cima das matérias que o jornal faz, tentam agir em cima, eles capitalizam.
Uma vez eu estava na pauta e lá estava um político que disse assim: eu resolvo
tudo que está no jornal, eu oriento minha equipe para agir rapidinho. Porque
passa a ser um problema, um buraco famoso. O político capitaliza o que está
no jornal, ajudando assim o próprio jornal.
Os longos trechos transcritos foram necessários uma vez que demonstram a lógica pela
qual a informação imagética textual é construída pela imprensa
46
. Na fala do fotógrafo fica
clara a posição do jornal em relação à temas como remoção e violência. O próprio fotógrafo
foi vítima de uma violência no momento em que executava sua pauta. No entanto, ele mesmo
não deixou de perceber que, meses antes, durante o período de campanha dos presidenciáveis,
46
Também, apresentando sua narrativa dessa forma, acredito reproduzir com maior proveito para o argumento
da pesquisa o fulcro de raciocínio do fotógrafo.
55
uma fotógrafa de seu jornal havia cumprido a risca a “determinação” do jornal. Não apenas
trouxe fotos relativas à campanha, como também trouxe para redação a foto de um jovem
portando um fuzil (anexo 01).
Por mais que o fotógrafo tenha ido à “campo” cumprir uma pauta, assim,
materializando numa imagem bidimensional algo pré-roteirizado, uma fotografia é o resultado
de escolha subjetiva, portanto, uma leitura, uma interpretação feita por um autor. Sozinhas as
fotos são estado de ausência, demanda constante por atribuições de significado. A maneira
como são percebidas expressa a mútua implicação entre imagens e discursos. Os olhos do
editor são também os olhos do fotógrafo. Por isso, a fotografia é, também, um dos
instrumentos centrais na produção de objetificações e falseações
47
dos acontecimentos
mediatizados e de suas versões.
Analisando os discursos sobre a exclusão social na impressa escrita no Rio de
Janeiro entre os anos de 1980 e 2000, Lima (2005) oferece uma conclusão também válida
para o caso do fotojornalismo, visto, conforme se vem assinalando, o “efeito de verdade”
provocado pelo jornal ser produzido através da tensão texto/imagem. Escreve o autor:
[Trata-se de] Um discurso que aponta os sintomas de um mundo desigual e
dividido, mas que não se atém aos processos que possam conduzir a uma
determinada situação social. Um discurso que se preocupa com as margens e
periferias [...] sem pretender questionar os processos que atuam no centro do
modelo e que produz a realidade que se quer nomear de exclusão. [...] O lugar
de onde são proferidos os discursos sobre a exclusão social, lugar este que
pressupõem uma ausência dos sujeitos que são representados. Lugar que
transforma esses sujeitos em objetos de uma “verdade”, cuja propriedade não
lhes pertencem. Lugar que permite emitir uma visão do estado de coisas, a
partir de um modelo de referência que pretende ser universal, carregado de
valores e juízos próprios dessa posição social. É de um lugar da integração que
se enxerga a desintegração. Um lugar dominante, um lugar de classe (Lima,
2005, p. 220-21).
Contra imagens da favela
O que proponho chamar de contra imagem da favela são as produções fotográficas
realizadas pelos fotógrafos da Agência Imagens do Povo e demais agentes sociais
comprometidos com a construção de representações que escapem desta lógica que rege a
produção de notícias e informações sobre as favelas.
47
Penso falseação aqui em oposição à idéia de ficção, que traz, em seu melhor sentido, a idéia de construção.
Também evito tomar o falseado com antônimo do autêntico. Falseado não significa o mesmo que falso, mas algo
traiçoeiro, esquivo.
56
Contudo, os principais problemas não necessariamente estão localizados nos centros
difusores de representações sobre a favela. Não é demais lembrar que a noção de
representação pela qual esta pesquisa se fundamenta é a de que a representação não está
encerrada num plano imagético. Ao contrário, as representações agem e nos fazem agir
(mesmo que a “ação” seja a inércia). Para que essas afirmações não fiquem vazias, apresento
uma breve narrativa que procura demonstrar como são recebidas as imagens da favela.
Durante os meses de janeiro e fevereiro de 2007 por diversas vezes fui à Maré
encontrar os fotógrafos da Imagens do Povo. Nesse período, os laços de amizade e as
afinidades construídas ao longo do ano de 2006 com alguns fotógrafos, levavam-me às suas
casas muito mais na condição de um par, de alguém com o qual se pode trocar informações e
objetos relacionados a uma paixão compartilhada, do que como pesquisador. Evidentemente,
esses encontros eram carregados de sentidos etnográficos, e procurei vivenciá-los nesta
dimensão.
No entanto, também havia acabado de comprar uma câmera digital profissional e não
dominava as funções e possibilidades oferecidas. Aproveitei essas ocasiões para aprender com
eles a manipular o equipamento. Meus principais colaboradores foram Bira Carvalho,
Rosinaldo Lourenço, Ratão Diniz e Fábio Café. Aprendi nas aulas junto com eles a teoria,
mas a prática para mim era novidade. Com Café, que não morava em nenhum lugar da Maré,
mas não era difícil vê-lo por lá, sempre fotografando, discutimos os aspectos relativos à
composição e à produção da mensagem fotográfica, aproveitando dele as experiências de
fotógrafo altamente produtivo e de estudante do curso de Cinema, na Universidade Federal
Fluminense. De Bira recebi lições sobre balaço de branco e fotometragem. Circulando pelas
ruas da Nova Holanda, Bira me dizia: “está vendo aquela luz lá, está vendo aquela sombra ali,
o que tu vai explorar na sua foto?”. Rosinaldo Lourenço, nome utilizado apenas nos créditos
de suas imagens, pois é conhecido por todos como Naldinho, proporcionou-me lições
adicionais de edição e tratamento. Na maior parte das vezes que nos encontramos, Naldinho
estava “tratando” e editando imagens suas ou de alunos do Núcleo de Imagem e Comunicação
do CEASM, onde era coordenador.
Quando marcava um encontro com Ratão (que na ocasião não era proprietário de
equipamentos digitais), ele agendava o empréstimo de uma câmera na Imagens do Povo.
Assim, todas as vezes que estivemos juntos, durante as férias, a Nikon D-70 foi companhia
certa. Coloco nestes termos, pois fiz, em algumas ocasiões, comentários brincalhões,
sobretudo com ele e com Dona Nevinha, sua mãe, dizendo: é impossível imaginar o Ratão
sem essa câmera. Para mim, ela é parte do seu corpo.
57
Nestes meses, abandonei o caderno de notas e o gravador, embora tenha gravado uma
nova entrevista com o Ratão, desta vez em sua casa. Minha preocupação maior estava em
vivenciar um pouco do cotidiano dos moradores de favelas, por isso, além de fotografar,
assisti partidas de futebol nos campos espalhados pela Maré; comi açaí em muitas bancas para
saber qual era o mais saboroso, um hábito compartilhado com Ratão; bebi cerveja em bares de
diferentes “comunidades”; visitei instituições; fui a bailes funk de facções do tráfico de drogas
rivais; e, entre outras coisas, assisti televisão.
Essas experiências foram possíveis porque contei com a hospitalidade de Dona
Nevinha, que abriu a porta de sua casa na “comunidade” Parque Maré, deixando-me gozar do
conforto de seu lar. Foi na sala de sua casa, na hora do jantar, que tomei conhecimento da
novela Vidas Opostas, transmitida pela rede Record de Televisão. Na ocasião, não atribuí
importância maior à novela, apenas achei curioso o elenco ser formado por atores cujo grosso
de suas carreiras estarem associadas à outra emissora, famosa por suas telenovelas. A
narrativa também parecia interessante para alguém que se preocupa com as representações
imagéticas de favelas. Tratava-se da construção de “mundos” antagônicos, onde a violência
urbana parecia ser o fio condutor da história, ligando, de alguma maneira, todas as
personagens.
Somente depois, passado alguns dias, dei-me conta da importância do acontecimento
para pesquisa e, por isso, registrei no caderno de notas. Assim, acredito ter feito um
pequenino exercício de “etnografia de recepção
48
”.
A narrativa se constrói em torno das tradicionais oposições em que se envolvem as
representações da favela e de seu lugar na cidade: bom policial/mal policial, traficante/polícia,
trabalhador/bandido, morro/asfalto. Constatei que a novela tinha boa audiência na favela, pois
não era difícil ouvir as pessoas nas ruas comentando o capítulo exibido na noite anterior.
Dona Nevinha gostava da novela porque para ela aquilo era “pura verdade”. Acostumada aos
sons das armas de grosso calibre, as cenas de violência não a impressionavam.
Outro expectador freqüente naquela semana foi seu filho mais velho. Luis Paulo, que é
professor de geografia, fazia os seguintes comentários sobre a novela: “parece que a favela é
48
Segundo Esther Hamburger (2005), a chamada “etnografia de recepção” da televisão seria uma ferramenta
capaz de produzir uma descrição compreensiva sobre o que os telespectadores vêem na televisão. Sua utilização
em pequenos grupos, em famílias ou individualmente, pode oferecer chaves para o entendimento das conexões
estabelecidas entre o ato de assistir à televisão e as rotinas cotidianas dos telespectadores, o que pode evidenciar
o caráter polissêmico que diferentes apropriações e interpretações de textos iguais em contextos diferentes
implicam. Em suas análises sobre a teledramaturgia brasileira, a autora sugere que as novelas engendram ao
mesmo tempo em que acompanham as mudanças sociais.
58
algo que está fora da sociedade, não faz parte da humanidade, porque só há espaço para heróis
e vilões. Para televisão só o totalmente ruim e o totalmente bom, coisa que na prática não
existe”. Concordando com Luis Paulo, acrescentei que as novelas de maneira geral são assim:
a representação da luta entre o bem e o mal. Enquanto discutíamos, Dona Nevinha solicitava o
nosso silêncio.
A estrutura narrativa da telenovela prendia-se ao que o próprio título antecipava: vidas
opostas. Se uma parcela dos favelados se identificava com a novela, é sinal de que as
representações produzidas nas telenovelas não estão em desacordo com seus cotidianos. No
entanto, não significa que a favela seja refém de suas representações televisivas. Uma
inserção diferenciada, acompanhada de uma olhar diferenciado, sobre as favelas, provoca o
não reconhecimento da pessoa com as personagens. Isso reforça a idéia de que existem
múltiplas maneiras de ser e estar na favela.
Portanto, as contra imagens da favela não devem se limitar à analogia de contra
discurso. Se as produções fotográficas da Imagens do Povo puderem ser entendidas enquanto
auto-representações e, por sua vez, como contra imagens, elas devem escapar do modelo
dualista, procurando não se tornar o pólo positivo no interior da lógica dicotomizadora do
mundo. Versiani (2005), ao discutir a possibilidade de entendimento de autoetnografias como
contra discursos da alteridade, oferece uma importante consideração:
[...] a possibilidade de autoetnografias serem discursos “de resistência”,
“contradiscursos”, ou “contranarrativas” [...] me parece limitadora, pois traz
implícita uma perspectiva que considera a construção da subjetividade e
identidade de modo relacional sim, mas limitada a uma percepção
oposicionista e dualista. Acredito, contudo, que discursos produzidos e lidos a
partir de conceitos que procuram superar o pensamento dicotômico [...]
possam ser consideradas interessantes alternativas discursivas, não apenas
pela visibilidade que sem dúvida podem trazer para novas subjetividades e
minorias, mas principalmente porque convidam a perceber processos de
construção de subjetividades a partir de pressupostos relacionais, interativos e,
sobretudo, não dicotômicos e não estáticos (Versiani, 2005, p.227, grifo da
autora).
A construção dual da mensagem jornalística é o ponto de partida para fundação de
uma agência fotográfica implicada politicamente com a “favela”. A série de reportagens sobre
a questão da remoção de favelas, publicadas ao longo de 2005 no jornal O Globo, serve como
inspiração para as aulas de João Roberto Ripper, idealizador e coordenador da Imagens do
Povo. Diz Ripper:
59
Tem um conceito geral, exemplo: matéria sobre remoção ou não de favelas. O
Globo é a favor de algumas remoções. Então, a matéria segue tecnicamente os
parâmetros jornalísticos: de um lado, tem um especialista falando
moderadamente sobre a remoção; do outro lado, no alto da página, ao lado
dele, tem um radical falando em favor da remoção absoluta. Embaixo, no final
da página, o Jailson de Souza do Observatório de Favelas falando contra as
remoções das favelas. Isso vem depois de uma seqüência de imagens, onde as
fotos mostradas com uma teleobjetiva imensa, que chapa os planos, e que
mostra como se o Cristo Redentor tivesse dentro de uma favela, ou como se a
Central do Brasil já estivesse dentro de outra favela. Claro que os jornalistas
não são inocentes úteis. Eles sabem perfeitamente o que estão fazendo. O
editor sabe que ao colocar dessa forma ele está mostrando um lado, o outro e o
lado que ele quer
49
.
O coordenador da Imagens do Povo demonstra a força da mensagem fotográfica como
argumento na defesa da remoção. As opiniões de técnicos e políticos convergiam, para o caso
dos defensores da remoção, na idéia de ameaça ecológica representada pela expansão das
favelas. Contudo, a imagem marcante do calor dos debates, evocada por Ripper, foi uma foto
do Cristo Redentor cercado por favelas. Henri Cartier-Bresson (1908-2003), em sua definição
do significado de fotografar, ajuda-nos a compreender o fenômeno do “significado ausente da
fotografia”: “tirar uma foto é como reconhecer um evento, e naquele exato momento e numa
fração de segundo, você organiza as formas que vê para expressar e dar sentido ao evento. É
uma questão de pôr o cérebro, o olho e o coração na mesma linha de visão” (Cartier-Bresson,
apud Guran, 1989. p.23-4). Assim, seguindo a intuição de Cartier-Bresson, percebe-se o
caráter político da fotografia, no caso, a orientação política do jornal e, por conseguinte, do
fotógrafo: usar teleobjetivas de 500 mm para chapar planos que passam a quilômetros de
distância e produzir um argumento: as favelas são antiecológicas (para visualizar o efeito das
lentes teles vide anexo 02). Este exemplo demonstra como a linguagem fotográfica pode
produzir efeitos de verdade dando significado ao seu aparente estado de ausência
50
.
49
Comentário aos alunos de Comunicação Social da UFRJ em palestra proferida em 22/11/07 na ECO/UFRJ.
50
Outro caso exemplar desse processo foi a polêmica gerada em torno da foto de Spencer Platt, premiada na
edição de 2007 do World Press certamente uma das premiações mais importantes no mundo do foto-
jornalismo internacional. Escolhida pela World Press Organization como a foto do ano 2006, a imagem mostra,
no primeiro plano, cinco jovens brancos e bem vestidos em um carro conversível, de onde um dos jovens parece
estar fotografando com o telefone celular, enquanto os outros observam pasmos a destruição provocada pelos
ataques do exército israelense ao subúrbio de Beirute, capital do Líbano, cena apresentada em segundo plano. A
imagem foi divulga pelo mundo como exemplo do turismo de desastre. Entre os fotógrafos de guerra, foi
considerada boa demais, por isso questionou-se a possibilidade de não ter passado de uma montagem. Nada do
que foi dito e escrito sobre a foto foi corroborado pelos personagens representados que resolveram se manifestar
diante do equivoco. Tratava-se de cinco jovens, entre eles três irmãos, que voltavam para casa, ou para o que
sobrou dela, no subúrbio da capital libanesa. O autor da foto, em recente entrevista a rede CNN de televisão,
declarou que não conversou com nenhum dos ocupantes do carro e que não pretendia atribuir nenhuma
60
Deste modo, o trabalho empreendido em favor da desconstrução representacional do
imaginário depreciador do lugar e de seus habitantes algo que é constantemente acionado
não apenas pelo repertório discursivo dos fotógrafos, mas dos demais agentes da intervenção
social nas favelas esbarra num paradoxo. Qual seja: é partindo dos estereótipos e estigmas,
para sua contraposição, que todo o conjunto de ações é edificado e no qual a produção dessas
imagens está situada. Sem o estigma tal conjunto de ações deixaria de fazer sentido, ao menos
enquanto contraponto. Vejamos a reflexão de Bira Carvalho que me conduziu a esta
compreensão ao responder a pergunta por mim formulada nestes termos: se foram as ONGs
que difundiram a fotografia aqui (Maré), e o recurso das ONGs grande parte vem de países
estrangeiros, qual é o interesse dos estrangeiros nas fotografias da favela?
É imagem. É mais fácil vender o que vê. É mesma coisa que eu querer vender um
relógio para você e falar: “eu tenho um relógio em casa que fala, choque, abre a
geladeira para você e pega a cerveja e põe na sua boca”, você vai falar que não é
verdade. Mas se eu te mostro um relógio: oh, eu tenho esse relógio aqui que ta
funcionado, olha aí, é muito mais forte do que seu argumento, é tu com a imagem, ou
então quando o cara vê... Mas que viu uma verdade parcial. Porque a verdade é
uma bola que alguém jogou para o alto e quando quebrou cada um pegou um pedaço.
Você olhando pelo olho do outro. Pelos olhos do outro. O que tem a boa, ou que
tem preconceito, ou que tem... Em todas elas a ONG ganha. Tudo que é lado. Se é
preconceito, é mais fácil eu vender que estou salvando gente, se é o amor, é porque
estou mudando a vida daquela pessoa, em relação a auto-estima e a identidade com a
cultura e com seu próprio povo. Todos dois é argumento para vender. É igual laranja:
se azeda é vitamina C, se doce é para adoçar a boca e o coração. O cara que é
bom vendedor vende. o cara vende solução para criança que tá na rua, vende
solução para criança que no tráfico, vende a solução para manter a cultura como
forma de resistência, vende a solução para saúde... vende a solução para o cara que
está desempregado “porque o demônio está fazendo uma obra na sua vida e você tem
que se converter para deus te aceitar”.... é argumentação, a comunicação. [...] a ONG o
que faz? Para cá, ela é a parceira da comunidade, mas para lá ela se vende como tábua
de salvação. Aqui ela se mostra amiga “não vem mesmo, é o maior prazer ter você na
Vila Olímpica, no Luta pela Paz, no Observatório”, mas lá, quando ela vai pegar
recurso ela vende o estereótipo, reforça o estereótipo. Tem a ver com imagem, ela
falando que está salvando. Por que eu sou o fotógrafo que mais apareço pela mídia lá?
Porque eu sou cheio de crime nas costa, sou negro, cadeira de roda. Tenho todos os
estereótipos que podem ser vendidos. Ainda leio um pouco, né... Mas eu não sou de
bobeira. lucro para todo mundo esse crime, é morte, meu mano. A morte desses
garotos, quem vai tirar proveito? As ONG. Eu tiro benefícios porque trabalho em
ONG, porque as pessoas me conhecem e tenho uma liberdade maior. Se eu fosse o
Bira, poderia até chegar, do jeito que eu sou, mas chegaria com mais dificuldade. E
todo mundo vai tirando. A igreja tira. Quanto mais pessoas no vício, mais pessoas
desesperadas, mais pessoas nas igrejas.
Entretanto, se a produção desses fotógrafos está inserida numa contradição, não é o
trabalho das ONGs o responsável pela produção dos estereótipos. Se as fotografias da
conotação política àquela imagem (A foto e as informações sobre a polêmica foram consultadas na edição de 05
de março de 2007, página 18, do jornal A Gazeta e também em: http://www.worldpressphoto.org/.).
61
Imagens do Povo são marcadas por um olhar diferenciado, para a construção de outra favela
(dentro dos conflitos e disputas sobre significados possíveis) é preciso esquecer a lógica do
jornalismo e, por extensão, a gica do fotojornalismo. Talvez assim este paradoxo possa ser
desfeito em proveito de perspectivas politicamente mais eficientes.
A lógica jornalística deve ser abandonada em favor de um “estilo de raciocínio”
alternativo, sobretudo, porque, conforme sugere Rabinow (1999), a gica é a manutenção da
verdade, mesmo que por oposição. Outro “estilo de raciocínio”, talvez melhor identificado
com o fotodocumentarismo, ou com a etnofotografia, pode inventar outros tempos para o
fotógrafo, que não o tempo da pauta, isto é, o tempo do mercado editorial, tempo que obstrui
a possibilidade da relação e identificação profunda do fotógrafo com seu “assunto
fotográfico”. Nesse sentido, um “estilo de raciocínio” alternativo pode estar sendo criado no
âmbito da Imagens do Povo. Vejamos, senão, o conceito no qual a Agência está
fundamentada:
Este projeto parte da idéia de que democratizar a fotografia é derramar um
olhar humano sobre a sociedade. Neste sentido, o que se pretende é trabalhar
para que a fotografia seja um instrumento de arte, informação e de formação
colocado a serviço do resgate da dignidade das classes populares e da
ampliação dos direitos humanos. Isso realizado através da produção e da
difusão de imagens [...] nas periferias e favelas das grandes cidades, a partir do
olhar de seus próprios moradores. [...] Buscamos materializar uma fotografia
engajada e solidária, capaz de denunciar a dificuldade da existência dos que
estão oprimidos, mas destacar também sua dignidade, sua sensualidade e
beleza
51
.
As contra imagens da favela pensadas nesses termos podem compor uma grande
“maquinaria de guerra” na disputa por significados. Na dimensão de auto-representações, elas
podem legitimar (desde que não se percam num essencialismo ingênuo) novos discursos,
novas imagens e novas práticas na favela, pois como argumenta Francisco Valdean, fotógrafo
com forte engajamento na Agência:
Quando você pensa a favela como um espaço negativo é diferente de quando
se pensa e se mostra a favela a partir de um ponto de vista positivo, lugar onde
existem muitas qualidades. Porque, pense só, se forem se formular políticas
para um espaço negativo é diferente de você fazer política para um espaço
positivo. Porque dentro do positivo a política começa pela preservação e
melhoria do que está dando certo, para daí trabalhar os pontos que são
negativos. Quando você parte do negativo, as coisas que existem e são boas
tendem a serem deixadas de lado, nem se pensa nelas como caminho para
alguma coisa. Essa é a diferença.
51
www.imagensdopovo.org.br
62
Conforme apresentarei no segundo capítulo, a Imagens do Povo é uma realização em
parceria com o Observatório de Favelas do Rio de Janeiro. Este fato confere a Agência uma
amplitude maior, uma vez ser o Observatório um pólo catalisador de debates e recursos e, ao
mesmo tempo, promotor de projetos de pesquisa e extensão nas áreas de segurança pública e
ensino da comunicação social. Não é aceitável conceituar a Agência sem se referir aos
conceitos trabalhados e empreendidos pela Instituição que a abriga. Por isso, as idéias sobre a
favela formuladas pelos pesquisadores do Observatório servem tanto de fundamento, quanto
de projeto político. Vejamos como os agentes sociais conceituam o trabalho da Instituição. De
autoria de Vitor Monteiro de Castro, o seguinte trecho corresponde ao boletim informativo
52
da instituição e leva o título de “Sociedade e Mídia”.
É preciso pensar em novas formas de comunicação, que não dependa dessa
grande mídia, já viciada e com interesses muito bem definidos. É preciso uma
nova comunicação, que venha de baixo para cima, e o uma comunicação
impositiva como estamos desde sempre acostumados. [...] apresentando as
favelas com os olhares dos próprios moradores, sem os estigmas e
preconceitos geralmente apresentados pelos tradicionais veículos de
comunicação. [Por isso a necessidade de] veículos e programas alternativos,
para a proposição de novas iniciativas que tenham o caráter de inovar e
valorizar os espaços e os saberes populares, ou seja, veículos de comunicação
que tenham como principal preocupação a vida das pessoas, os direitos
humanos.
Este trecho fortemente apologético, entretanto o menos relevante, sobretudo, por se
tratar de um texto militante, contém as bases do projeto político-pedagógico das escolas de
comunicação do Observatório, entre elas a Escola de Fotógrafos Populares Imagens do Povo.
Contudo, o trecho supõe a existência de um conhecimento inequívoco sobre as favelas que, na
melhor das hipóteses, é desconhecido pelas camadas dominantes e, na pior, é ignorado por
elas. A ênfase no “ponto de vista” de quem fotografa e/ou de quem produz o conhecimento
sobre as favelas é plausível e defensável, desde que não se limite a uma espécie de
empiricismo baseado na idéia de um conhecimento acessível apenas aos favelados. A
suposição de que o olhar insider é mais apurado ou, valendo-me de um argumento de Geertz
(2006), o olhar dos moradores de favelas traduziriam em imagens conceitos de “experiência
próxima”, destoa das próprias práticas pedagógicas realizadas na Instituição no período em
que realizava o trabalho de campo.
O problema das auto-representações, portanto, não é de acuidade mimética, mas de
disputa de poder expresso pela produção imagética. Assim, se o pensamento antropológico
52
Disponível em: www.observatoriodefavelas.org.br
63
pode contribuir no processo de disputa e controle das representações dos favelados pelos
próprios favelados é indicando a possibilidade de se pensar numa episteme aberta, construída
a partir por múltiplos pontos de vistas, na tentativa de oferecer alternativas ao pensamento
dual. Vejamos dois outros trechos, de autoria de Jailson Souza e Silva, coordenador geral do
Observatório, onde o problema das representações é pensado como relações de dominação,
desse modo, como se organizam e se apresentam as imagens da favela são os pontos cruciais e
os caminhos políticos priorizados pela Instituição.
Trecho 01: [...] as intervenções institucionais encaminhadas nas favelas, em
sua maioria tanto do poder público como das acadêmicas –, caracterizaram-
se pela ignorância e/ou idealização das estratégias, criativas, complexas e
heterogêneas, efetivadas pelos atores locais no sentido de melhorarem sua
qualidade de vida. [...] As intervenções [...] desconheceram – ou mitificaram –
os mecanismos de sociabilidade; de circulação na sociedade formal; de
intervenção na vida pública; de compreensão das relações sociais, nos seus
mais variados níveis [...] Com isso, terminaram por se apropriar e/ou
apresentar tais vivências como se os cidadãos locais, seus vizinhos, fossem
nativos. A exotização foi, mais do que uma prática metodológica. Foi uma
prática social [...] Logo, a construção de outra representação das favelas, que
possa se manifestar na mídia, faz-se necessária. Ela deve pressupor que os
moradores dos espaços populares desenvolvem formas ativas e contrastantes
para enfrentar suas dificuldades do dia-a-dia, de acordo com suas trajetórias
pessoais e coletivas, as características socioculturais e geográficas da
localidade, o peso do tráfico de drogas e a postura assumida pelos dirigentes
das entidades comunitárias, dentre outras variáveis. [...] E isso só será feito no
processo de constituição de uma nova hegemonia no campo dos meios de
comunicação de massa.
Trecho 02: [...] as interpretações mais comuns sobre os espaços populares, em
particular a respeito da violência e das práticas culturais de seus moradores, se
sustentam em pressupostos sociocêntricos, que dificultam a compreensão e o
encontro de alternativas adequadas para os problemas reais da vida nos
espaços populares. [...] Por isso, a valorização das ausências é eixo dos olhares
dirigidos àquelas áreas urbanas: a favela é definida, de forma quase
homogênea, por uma pretensa carência, seja de serviços públicos e
equipamentos urbanos, de leis, de beleza e, no limite, de noções básicas de
moral e de ética. [...] No que diz respeito à imprensa, ela perdeu os canais para
se relacionar com os moradores das favelas e só consegue nelas entrar atrás do
carro da polícia
53
.
Por outro lado, um fundamento mais prático e menos epistemológico que justifica a
presença de uma agência fotográfica na favela está na possibilidade de oferecer pontos de
vista alternativos à lógica da produção de informação jornalística. Conforme pensa Ripper, os
53
Os textos estão disponíveis em www.observatoriodefavelas.org.br. O primeiro se intitula “Meios de
comunicação e espaços populares”, e foi escrito em setembro de 2004; o segundo leva o título “Os limites para a
constituição da cidade como espaço do encontro”, e foi escrito em janeiro de 2005.
64
fotógrafos e documentaristas, por melhor intencionado que sejam, via de regra, passam pelas
favelas, entretanto, para um projeto político efetivo, é interessante que os fotógrafos fiquem
nas favelas
54
. Em outra ocasião Ripper fundamentou sua idéia, dizendo:
[...] as reportagens contribuem para criminalização da pobreza brasileira. A
impressa não discute quando aborda a favela: as armas chegam lá, mas não
existe indústria armamentista na favela; a droga chega lá, a forma de se chegar
lá, enquanto jornalista, é se esquecendo que 99,5% da população que nada tem
a ver com marginalidade alguma e que são esquecidos de ser fontes
jornalísticas. Quando se esquece dessa fonte jornalística, você passa a ter uma
visão muito pequena e parcial de favela. E a constante divulgação dessa favela
como elemento de violência leva a sociedade ter esse temor que parece que
favela é um terror. Não é assim. Claro que as favelas têm problemas, como e
qualquer parte da cidade. E tem problemas diferenciados também. O tráfico de
drogas é um fator muito ruim. E a polícia, que nas favelas é mais perigosa que
o tráfico de drogas, porque negocia com o tráfico, mata em cima do tráfico de
drogas.
Para finalizar esta secção, não poderia deixar de recorrer a mais uma fala de Bira
Carvalho, que me dizia, numa tarde em que avistávamos da Vila Olímpica a Linha Vermelha
completamente engarrafada. Falávamos em mudança social, então, perguntei: e o trabalho do
fotógrafo pode fazer alguma coisa diante disso?
Vou te responder fazendo uma pergunta. Quem seria o herói da história se
tivesse nos quilombos uma máquina fotográfica? Seria a Isabel? Pelo menos, a
história verdadeira, a gente ia ver ela com outro olhar. Que não seja a
verdadeira, mas a minha verdade. Quando eu fotografo eu estou contando a
minha história. É o Eu representado. Seria outra. Será que seria o negro o
dominado? Será que o negro ia ser visto com estereótipo? Ou seria o galã, ao
invés de ser o cara ali. E até está mudando. É você falar: “eu gosto de
negro, eu amo os negros”. O que seria nossa história? Quem seriam os heróis?
Eu penso nisso...
54
Informações registradas no diário de campo quando acompanhei uma entrevista concedida por representantes
do Imagens do Povo à repórter da revista Fotografe Melhor.
65
Capítulo 02
Imagens da exclusão, imagens para inclusão
66
Você tem cultura?
Sim. Declaro sem medo de errar e, inquieta que
sou, faço outras perguntas:
cultura para que e para quem?
Dentro dessa minha inquietação não cabem
respostas.
Apenas a própria busca.
Minha cultura é ferramenta que corta a carne
dura e mórbida, dos que ferem a mim a aos
meus.
Essa ferramenta eu quebro e espatifo em pedaços
e daí sai música, poesia, dança, luta e arte.
Distribuo os pedaços a todos e, a todos me uno e
me disponho a sorrir, chorar, desconstruir,
remontar e seguir.
Minha cultura me movimenta.
E que se agite o mundo com a minha inquietação.
Desconheço a descultura.
(Márcia Bezerra)
67
Mirando a inclusão visual, iniciativas ancoradas numa pedagogia com e da imagem
estão em desenvolvimento nas favelas do Rio de Janeiro. Estes projetos buscam trabalhar a
imagem como ferramenta pedagógica apostando em sua produtividade enquanto uma
linguagem, e não somente como mediadoras privilegiadas no ensino de conteúdos. Portanto, é
o processo ensino-aprendizagem da linguagem fotográfica que está sendo colocado em jogo.
Se a auto-representação fotográfica dos “favelados” pode significar uma nova chave
para superação da gica dicotômica por meio da qual a favela é representada, classificada e
entendida, apenas com a circulação dessas “imagens de si” num espaço cada vez mais amplo
(na cidade), isto é, com a inclusão visual, essas imagens poderão se tornar imagens capazes de
afetar o “mundo”. Por isso, os projetos de inclusão visual (através da fotografia e do vídeo)
precisam de investimentos constantes para transpor, assim, o caráter intermitente dos projetos
sociais, fazendo atingir um patamar que venha garantir ações continuadas no tempo e no
espaço. Igualmente, as experiências bem sucedidas devem ser tomadas como exemplo. Entre
os projetos mais bem sucedidos, tem-se a experiência da Escola e Agência Imagens do Povo.
Pensando num possível alcance em escala nacional, devem ser as escolas públicas de
ensino fundamental e médio os focos da intervenção. Por isso, as emendas constitucionais à
chamada Lei Darcy Ribeiro (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996) que determina as
diretrizes e bases do ensino no sentido da inserção de conteúdos visuais nas grades
curriculares, como exemplo a proposta de emenda do Senador Cristovam Buarque (emenda n°
185), não podem prescindir da capacitação, sobretudo, dos professores para aquisição de
noções-chave que tornem as imagens caminhos para conhecimentos, para além da exploração
pedagógica da dimensão lúdica.
Projetos mais ousados, como o “Revelando os Brasis
55
”, de responsabilidade do
Ministério da Cultura, investem na imagem como instrumento que, ao comunicar, pode
promover o diálogo e, conseqüentemente, o reconhecimento das diferenças culturais e a
tolerância. Assim, “o moderno” e “o tradicional” também podem se implicar mutuamente,
gerando hibridizações que deixam de fazer sentido enquanto imagens do moderno por
oposição ao tradicional, e vice-versa, mas em imagens da cultura (no plural).
Nesta secção, procuro argumentar sobre as continuidades e rupturas nas formas de
pensar e construir representações imagéticas do mundo através da fotografia. Começo pela
55
O Projeto selecionou 40 roteiros em cidades brasileiras com até 20 mil habitantes, proporcionando estrutura
para suas filmagens, garantindo espaço para suas exibições. A parceria entre o Ministério da Cultura e
Observatório de Favelas oportunizou a participação de dois fotógrafos da Imagens do Povo, Ratão Diniz (eixo
Norte-Nordeste) e Jaqueline Felix (eixo Centro-Sul), para cobertura das pré-estréias nas localidades
selecionadas.
68
discussão do conceito “inclusão visual”, apresentando seus agentes formuladores, suas teses e
as ações envolvidas nesta construção. Em seguida, num primeiro momento, passo à
experiência da Imagens do Povo, apresentando sua estrutura e seus objetivos, para depois
chegar aos agentes: professores e alunos. Por fim, escrevo sobre aquilo que considero ser o
laço social que torna a Imagens do Povo algo mais do que um projeto social com objetivos e
metas a cumprir: o tornar-se fotógrafo como afirmação de um pertencimento a uma
comunidade com códigos, condutas e valores definíveis.
O Movimento de Inclusão Visual
A existência de projetos de inclusão visual não se restringe ao caso brasileiro. O
conceito e sua aplicação estão em fase de disseminação nos rios continentes
56
. Citando
alguns exemplos, além do Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais, Recife e São Paulo, existem
projetos de inclusão visual atuando em Buenos Aires (Argentina), Cali (Colômbia), Marselha
(França), em várias partes do México, de Moçambique, da Índia, entre outros países.
O movimento de Inclusão Visual no Brasil conta como um de seus principais
articuladores o fotógrafo e antropólogo Milton Guran. Com toda uma trajetória profissional
dedicada à democratização da fotografia, figurando entre os pioneiros na fundação das
agências fotográficas independentes, além de atuar na condição de ativista, Guran é
formulador das bases conceituais do movimento. A razão de ser do movimento é sintetizada
por Guran através da seguinte constatação:
[...] em todas as grandes cidades do mundo, uma parte importante da
população é sistematicamente excluída da produção da própria imagem, sendo
sempre e sistematicamente apresentada ao conjunto da sociedade sob o
impacto da tragédia catástrofes, guerra de quadrilhas e confrontos com a
polícia o que só faz aumentar o preconceito com essa parte da população.
[...] Queremos mostrar a favela por dentro, um bairro como outro qualquer, e
os moradores como gente comum
57
.
Somadas às constatações acima o fato de que o hábito (ou a necessidade construída) de
espectar imagens da calamidade alheia ser “uma experiência moderna essencial” (Sontag,
2003, p.20), a tarefa colocada aos agentes da inclusão visual não corresponde ao apagamento
56
Para uma listagem e análise dos projetos de Inclusão Visual, vide Gama (2006, 2008).
57
http://photos.uol.com.br/materia.asp?id_materia=2307
69
das “imagens da dor do outro”, mas a apresentação de imagens contra o ressentimento e a
piedade, portanto, representações imagéticas reflexivas, alternativas à guerra também
instauradas através de “imagens e sons na sala de estar” (ibid: idem). Por isso, nos diz Guran:
Na representação mediática, quem detém os meios e produção da imagem
representa o mundo a sua maneira. Isso quer dizer que constrói a imagem de si
que melhor lhe convém, e representa o outro a partir das idéias pré-concebidas
do que este outro deve ser, para que o mundo funcione de acordo com os seus
interesses. Sendo a fotografia uma representação do mundo visível, um rastro
de vida, é a própria vida por trás da foto que faz o valor a imagem
58
.
Por um lado, os projetos de inclusão visual tendem a “valorizar a auto-estima”, a
“formar profissionalmente os jovens e adultos”, isto é, proporcionar condições e instrumentos
para o exercício da cidadania, por outro, ao “destacarem os pontos positivos de suas próprias
relações sociais”, o aprofundamento da inclusão visual promove a “visibilidade social baseada
no que essas comunidades possuem de melhor”, revertendo, assim, o quadro de isolamento
social. Mesmo na cidade do Rio de Janeiro, onde se é possível experimentar uma forte
proximidade territorial entre pobres e ricos, isto é, um padrão de segregação sócio-espacial
muito diferente, por exemplo, do da cidade de São Paulo, a distância social permanece
imensa. Por isso, comenta Guran:
[...] a inclusão das classes menos favorecidas ao mercado consumidor de
fotografia amplia o alcance social da representação de si, constrói uma
memória coletiva e individual mais sólida e, com isso, aumenta o sentimento
de pertencimento a uma determinada sociedade, o que, certamente, ajuda a
construir uma sociedade menos fragmentária e, portanto, menos explosiva
59
.
Dessa forma, o coordenador do movimento não deixa de acrescentar que a inclusão
visual precisa ser parte de um movimento cada vez mais amplo de “democratização da cultura
cotidiana e da cultura política propiciada, sobretudo, pelo advento dos meios eletrônicos e
pelo surgimento de organizações não-tradicionais
60
”. Portanto, para os “favelados” se
transformarem “em sujeitos da representação da sua própria história”, as iniciativas de
inclusão a partir da produção imagética não devem estar desacompanhadas de projetos de
alfabetização visual: “sem a ‘inclusão visual’ dos seus usuários, na hora de utilizar o
58
idem
59
ibidem
60
http://photos.uol.com.br/materia.asp?id_materia=2393
70
computador não se dará a combinação da lógica do raciocínio com a magia da imagem”,
conclui Guran
61
.
Nesse mesmo sentido, Pedro Demo, na condição de pesquisador do Instituto Brasileiro
de Informação em Ciência e Tecnologia, unidade de Pesquisa vinculada ao Ministério da
Ciência e Tecnologia, nos diz que o caminho para a inclusão social nos dias de hoje deve
obrigatoriamente unir o processo de inclusão digital ao processo de aprendizagem
educacional. Tarefa esta que faz imprescindíveis os recursos propiciados pelas novas
tecnologias de comunicação e informação, convertidas, agora, em instrumentos de educação e
conhecimento. Ele nos diz:
[...] Se conhecer é, fundamentalmente, questionar, as atividades de
aprendizagem devem voltar-se para esforços nesta direção questionadora e
autoquestionadora, deixando para trás ambientes passivos, instrucionistas.
Conhecimento não se transmite: se cria, recria, desconstrói e reconstrói. Isto
afasta também a noção inerte de informação disponível e congelada, como se
fosse conhecimento. É apenas matéria-prima. Informação é conhecimento
congelado (digitalizado) e assim pode ser armazenado, enviado, processado; já
conhecimento, na condição de dinâmica complexa não-linear, existe como
atividade de desconstrução e reconstrução. [...] Não se trata de instruir pessoas
em tecnologias, mas fazer o indivíduo saber aprender melhor
62
.
Portanto, se os imperativos da educação estão colocados na busca pela construção da
autonomia, da cidadania, o que proporcionaria aos sujeitos as condições para protagonizarem
suas próprias histórias, individuais e coletivas, da perspectiva da inclusão digital e, por
extensão, da inclusão visual, é preciso considerar que, mesmo se a rede mundial de
computadores e a generalização dos recursos digitais venham significar a democratização da
informação, “há, porém, um outro lado da questão que é extremamente perigoso, que é a
prevalência esmagadora de quem controla o processo
63
”, ponderação ressaltada por Guran que
nos alerta sobre uma apreensão ingênua das novas tecnologias aplicadas à educação.
Discutindo as características específicas dos projetos de Inclusão Visual, Gama (2006,
2008) nos oferece uma análise da retórica e das práticas educativas destes projetos. Em
primeiro lugar, a inclusão passa pela educação ou descolonização do “olhar”, o que o
significa apenas formar tecnicamente jovens e adultos através de cursos, visando,
61
idem
62
www.ibict.br
63
http://photos.uol.com.br/materia.asp?id_materia=2393
71
consequentemente, uma possível inserção no mercado de trabalho, mas, sobretudo, contribuir
para a ampliação do exercício da cidadania, enfatizada pela luta por mais um direito: o da
construção da própria imagem. Ao analisar o discurso dos coordenadores, a autora sintetiza:
Ao falarem sobre os cursos e as oficinas, os coordenadores ressaltaram como
principais objetivos: a) “dar acesso para as pessoas que não tinham acesso” -
no caso, acesso aos meios de comunicação e à linguagem audiovisual, b)
oferecer aos alunos “a possibilidade de ver a vida de uma outra maneira”, e c)
“propor imagens novas sobre as favelas”. A idéia de que estes jovens
“naturalmente” se representariam de outra maneira positiva - também
aparece implícita em vários discursos, ainda que alguns tenham apontado para
a internalização de preconceitos e estereótipos massificados pelas classes
dominantes (Gama, 2008, p. 08).
Os participantes do movimento apostam na fotografia como um instrumento
multiplicador da representação de si. Reconhecem que quem detém os meios de produção da
imagem representa o mundo a sua maneira: representam o outro a partir de idéias e conceitos
pré-concebidos, não de uma forma ‘errada’, ou ‘equivocada’, mas de maneira eficiente no
sentido do controle da imagem deste “outro” construído. Por isso, encontrar formas para
oferecer os meios de produção da imagem é encontrar a possibilidade desse outro controlar
minimamente a imagem de si.
Na agência Imagens do Povo soluções práticas são encontradas para a produção
permanente de imagens na e pela favela. O empréstimo de equipamentos fotográfico
(câmeras, cartões de memória, filmes, computadores, etc.) é feito não para viabilizar as
aulas, mas para que os fotógrafos cumpram as pautas e concretizem seus próprios projetos.
Percebi, que, de maneira geral, tirando desentendimentos menores entre os fotógrafos, o
rodízio dos equipamentos fotográficos funcionava bem e, ademais, sem ele grande parte da
produção destes fotógrafos não existiria. Importante ão, nesse mesmo sentido, são os
acordos estabelecidos no ato de contratação dos serviços da Agência. Os coordenadores
propõem aos clientes, como moeda de pagamento, o fornecimento de câmeras que, depois do
trabalho, passam ser de propriedade do fotógrafo. No âmbito das ONGs há, também, uma
espécie de credito informal e pessoalizado, onde os fotógrafos conseguem meios para adquirir
seu próprio equipamento. São soluções pela qual um número cada vez maior de fotógrafos
passa a possuir seus próprios instrumentos de trabalho
72
Viabilizados os materiais fotográficos, a contrapartida é a de argumentar com
imagens, e no caso do movimento de Inclusão Visual no Rio de Janeiro, com fotografias,
contra o empobrecimento semântico realizado, sobretudo, pela imprensa quando fala das
favelas. Como vimos na análise dos arquivos de imagens dos jornais realizada no capítulo
anterior, percebemos que embora não se refiram às favelas somente através de reportagens
sobre conflitos armados constata-se que todos os demais temas abordados apresentam a favela
como lugar, essencialmente, violento.
Mesmo quando os fotógrafos conseguem furam o bloqueio e publicar imagens nas
mídias de grande circulação, permanecem reféns da lógica jornalística. Um exemplo disso
ocorreu com o fotógrafo Fábio Café da agência Imagens do Povo. Como vinha documentando
jogos de futebol na Maré, resolveu encaminhar ao jornal Extra algumas de suas imagens. Na
edição de 25 de outubro de 2006 uma foto sua é publicada com a seguinte legenda:
Pela primeira vez, as 16 comunidades do Complexo da Maré estão unidas em torno de
um mesmo objetivo a bola. Começou sábado passado e vai até janeiro um
campeonato de futebol na Vila Olímpica da Maré. Acostumados ao barulho dos
tiros, agora, e até o fim do torneio, os meninos vão ouvir o grito das torcidas”. (grifos
meus)
Retomando o argumento do capítulo anterior: se a publicação das “imagens do povo”
poderia significar a inclusão visual, na prática, continua prevalecendo os interesses do
mercado editorial. Desse modo, para a inclusão visual está colocado o desafio de inventar
novos meios de comunicação que sejam capazes de superar a gica jornalística. Esta é a
percepção do fotógrafo João Roberto Ripper ao fazer uma avaliação sobre a produção dos
fotógrafos “favelados”:
[...] E o trabalho dessas pessoas tem mostrado uma riqueza, uma beleza, uma
sensualidade, que eu acho um grito deles [...] É uma grande discussão da
comunicação, o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
"Todo ser humano tem direito a se informar do que quer e a informar o que
quer". Se as comunidades pobres estão precisando fazer a sua própria
comunicação, cabe a gente uma reflexão. Porque a forma como eles vêm
sendo mostrados não traduz a realidade deles. Desagrada e ofende
profundamente. Então eles estão precisando mostrar. Porque hoje, o grosso do
material jornalístico produzido tem sido nocivo à pobreza
64
.
Antes de passar ao próximo tópico, é importante perceber que a inclusão social se
tornou algo recorrente na retórica de políticos, empresários “socialmente responsáveis”,
64
www.anovademocracia.com.br/33/30.htm.
73
agentes comunitários, organizações não-governamentais, jornalistas e de todos aqueles que do
“social” desejam falar. As palavras “pobreza”, “desigualdade” e “exclusão social” são partes
de seus repertórios. Contudo, seus usos representam uma armadilha, pois, quando evocadas
no debate público, estas noções não dão conta, salvo exceções, de explicar os fenômenos que
se propõem analisar. Ao designar todos os estados do despossuir, perdem a processualidade
mais abrangente e, consequentemente, afetam as chamadas políticas de inclusão (Castel,
2004).
Pensando na exclusão visual, como um apêndice da exclusão social, admitindo que se
trate de disfunções causadas por problemas sociais pontuais, estar-se-á assumido o postulado
de que estamos produzindo, neste início de milênio, sociedades socialmente justas e
economicamente equânimes, portanto, a solução dos problemas seriam aquelas no estilo “caso
a caso”, “um a um”, por meio de ações focalizadas, visto se tratarem de acontecimentos que
não afetam a estrutura social como um todo. Vale lembrar que o vocabulário dos projetos de
inclusão social (estatais e não-estatais) está repleto de termos que transmitem essa idéia:
‘ações focalizadas’, ‘áreas de interesse prioritário’, ‘desenvolvimento local’, etc. Todavia, se
o enquadramento estiver dado na admissão de uma questão social, o significado muda por
completo, passando assumir a posição de que, no momento atual, está sendo posto em xeque
nossa capacidade de reprodução social e existência enquanto um conjunto ligado por relações
de interdependência
65
. O problema da inclusão visual se localiza nesta segunda consideração,
e não pode ser compreendido fora dela.
Por fim, resta dizer que movimento de Inclusão Visual não se configura como uma
instituição política no sentido clássico, isto é, como um aparelho burocrático. Trata-se da
organização de estratégias coletivas e orientações gerais partindo-se das experiências dos
diversos projetos. Portanto, um dos objetivos permanentes é a formação de uma Rede de
Inclusão Visual que agregue cada vez mais novos projetos. Desde 2004 são realizados os
Encontros sobre a Inclusão Visual do Rio de Janeiro. De para o número de projetos
participantes oscilou, porém, o mais importante é a permanência de boa parte dos projetos
65
A noção de exclusão social é conceitualmente produtiva desde que conjugue as diversas situações que acabam
por compor o dramático quadro da chamada “nova questão social”. Dentro de certo enquadramento teórico,
rigorosamente, a exclusão social designa o último estágio no processo de desfiliação social, conforme
demonstrou Castel (2001). A exclusão é precedida da desestabilização dos que ocupavam lugares estáveis na
estrutura social e da instalação na precariedade ou, como prefere Paugam (1999), a desqualificação social. Por
tanto, a noção de exclusão social não deve ser entendida como uma equação de ordem binária
(incluído/excluído). Há um contínuo de posições que ligam os in aos out e, o mais importante para esses teóricos,
seu desencadeamento é gerado no centro e não nas margens dessa que seria a zona de integração.
74
desde a realização do primeiro Encontro, o que evidência a seriedade e o vigor de suas ações.
Entre os mais atuantes, tem-se a agência Imagens do Povo.
A escola-agência Imagens do Povo
Cada vez mais o que nos mobiliza ou nos impele à ação o as representações
imagéticas do mundo social. Se este pressuposto for válido, nele estão fundamentadas as
produções dos fotógrafos da Imagens do Povo. Produzir imagens da favela é a principal razão
de ser da agência. Idealizada em 2004 pelo fotógrafo João Roberto Ripper, a Imagens do Povo
foi pensada, e assim consiste, como uma estrutura tríplice: uma escola, uma agência, um
banco de imagens/centro de documentação.
A Escola de Fotógrafos Populares e a Agência Imagens do Povo (na qualidade de
prestadora de serviços e de centro de documentação) estão vinculadas ao Observatório de
Favelas, mantendo com a Organização alguns objetivos em comum: estão ligadas às favelas
não por possuírem seus escritórios nestes espaços, mas, sobretudo, por deles se valerem
como campo primordial para produção de conhecimentos e imagens
66
.
No contexto de realização desta pesquisa, o Projeto contava como principal
patrocinador o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o que garantiu ao projeto
uma estrutura mínima para seu funcionamento: sala climatizada, oito computadores em rede,
programas de edição e tratamento de imagem, quatro câmeras digitais Nikon D-70, lentes,
cartões de memória, filmes para as câmeras analógicas existentes e verbas para revelação e
digitalização dos negativos, além do salário dos professores.
O curso acontecia de segunda à sexta, das 09:00 às 13:00 horas, com aulas práticas aos
sábados. Sua grade curricular estava composta por três módulos de 180 horas/aula cada um,
divididos entre história da fotografia, edição, indexação, tratamento, montagem e manutenção
de micro computadores e, também, com a colaboração de voluntários, aulas de inglês, no
entanto menos freqüentes. Toda essa estrutura estava chancelada pela Pró-Reitoria de
Extensão da Universidade Federal Fluminense.
66
O escopo do Observaório é amplo, sendo a Imagens do Povo apenas uma parte das atividades desenvolvidas
em conjunto com a Organização. Para se ter um exemplo do formato das ações em andamento, cito o Programa
Rotas de Fuga. Baseado em pesquisas sociais de responsabilidade do próprio Observatório, o Programa atua na
linha dos Direitos Humanos, formulando alternativas às famílias em situação de risco social, sobretudo, às
crianças e jovens frente à oferta de trabalho no tráfico de drogas e, por fim, atuando na denuncia da violência
urbana (em particular a letal). Além do Programa Rotas de Fuga, o Observatório promove a Escola Popular de
Comunicação Crítica, com ênfase na produção de mídias impressas, virtuais e videográficas. Para mais
informações, além do site da Organização (www.observatoriodefavelas.org.br), vide Silva e Barbosa (2005).
75
A coordenação do Curso ficava a cargo de Ripper e de Dante Gastaldoni. Ambos,
porém, acumulavam funções. Ripper colaborava nas aulas de História da Fotografia de Dante,
e vice-versa. Mas sua contribuição mais intensa era nas aulas de Edição. Essas aulas tinham
um formato bastante aberto, de maneira que as opiniões de Ripper não eram as últimas
palavras a serem proferidas, uma vez que nestas aulas se discutia as produções dos 28 alunos
inscritos no curso. Embora o professor argumentasse técnica, estética e politicamente as
imagens projetadas, para dali retirar o conteúdo de uma narrativa, algumas vezes surgia uma
imagem que fugia aos padrões estéticos mais clássicos que, porém “não caiam” na hora da
edição final, pois o autor contra-argumentava em favor da imagem utilizando motivos
afetivos. Ripper respeitava profundamente estes sentimentos, inclusive indexando estas
imagens no banco da Agência.
Nas aulas de edição compartilhei com os alunos a experiência de ver milhares de
imagens da favela. Muitas foram descartadas por estarem fora de foco ou por não
transmitirem a mensagem atribuída pelo autor, porém, tributo a esta experiência boa parte do
que aprendi sobre as favelas do Rio de Janeiro. Ao longo do tempo, cheguei à conclusão de
que a fotografia é um instrumento pedagógico muito mais poderoso do que se poderia
imaginar. Mesmo aquelas imagens acidentais, despretensiosas, ganhavam um discurso
original, passando ao largo do cânone acadêmico. Por isso, a relação mais intensa entre
fotografia e favela, ao menos como uma experiência particular, pode ser sintetizada da
seguinte forma:
Se pensamos a cidade menos como cidadela, e mais como fonte e núcleo de
irradiação cidadã, como tarefa pedagógica de todos e de cada um, talvez
possamos avançar um pouco mais. Por enquanto seria precipitado concluir que
a educação vem enfrentando, a contento, o desacordo citadino. Porque não
basta ensinar na cidade; é preciso ensinar a cidade. A cidade e sua constelação
temática, que outra coisa é senão o impulso e a vontade dos cidadãos, capazes
de conciliar relações de produção e produção de relações, jornadas de trabalho
e fluxos de desejos (Portella, 1995, p.109, grifos do autor)
Não tenho dúvida de que o maior beneficiário desta pesquisa foi o próprio
pesquisador, pois se é possível pensar numa educação não mais pela pedra, mas numa
educação pela cidade, as imagens do povo têm me educado, ensinando-me a cidade.
Entretanto, as imagens do povo não se restringem à sala de aula, elas estão ganhando o
mundo. Dezenas de exposições coletivas foram realizadas, além de publicações em livros,
76
revistas e jornais
67
. Não listarei todas as exposições e publicações uma vez que podem ser
facilmente consultadas no site da Agência
68
, apresentarei, aqui, três exemplos que me
parecem relevantes para as questões que desenvolvo nesta pesquisa.
O primeiro se refere à edição de número 123, de dezembro de 2006, da revista
Fotografe Melhor.que me parece a mais importante reportagem realizada sobre a experiência
da Agência
69
. Sobretudo, por ser um texto extremamente rico e bastante completo em suas
informações, detalhando a estrutura da Agência, os conteúdos pedagógicos, trazendo, ainda,
sínteses biográficas de João Roberto Ripper e Dante Gastaldoni e de alguns alunos. O
conteúdo imagético é igualmente bastante representativo do que era a Agência naquele
momento. Trata-se, também, de uma reportagem cara à minha “autoridade etnográfica”, ao
menos no que se refere ao “estive lá”. Nas fotos da autora da matéria, Fabrizia Granatieri,
apareço na imagem que representa uma situação de sala de aula (de perfil, no momento em
que prestava atenção no que Ripper falava).
Na foto que abre a matéria (onde estão Dante, Ripper, Walter, Adriano, Bira, Jaqueline
e Ratão), estava ao lado de Fabrizia, posicionando-me, até com certo constrangimento,
enquanto pesquisador. Minha vontade, na ocasião, lembro bem disso, era estar posando ao
lado daquelas pessoas com quem me relacionava intensamente na época. Num lapso, cheguei
a dar um passo em direção à cena que se anunciava, porém, percebi o constrangimento que
poderia causar, pois nunca havia deixado de demarcar meu lugar. Assim, mantive meus olhos
fixos nos de Bira, que fazia um sinal de positivo, não sei se para mim, não sei se para a
câmera. Acho que para ambos.
Este fato, contudo, é menor, uma vez que já figurei como personagem em imagens dos
fotógrafos com quem saía para fotografar na Maré. O mais interessante, portanto, foi a postura
da jornalista e a relevância de sua matéria. Fabrizia não se limitou a fazer umas poucas
perguntas, fotografar e ir embora. A jornalista assistiu à aula na íntegra, realizando sua
entrevista não no intervalo, mas ao final da aula. Acompanhei seu trabalho, inclusive me
valendo das informações que coletei a partir de suas perguntas. Não satisfeita, a repórter
voltou no dia seguinte para completar sua matéria. Em outras palavras, o tempo de sua pauta
foi outro completamente diferente daquele imposto aos jornalistas que trabalham na grande
imprensa.
67
Para alguns exemplos e informações adicionais sobre o Projeto, vide anexo 03.
68
www.imagensdopovo.org.br
69
Não poderia deixar de mencionar as revistas que publicaram amplos ensaios da Imagens do Povo, a exemplo,
a revista Democracia Viva, do Ibase, edição número 35 de junho de 2007.
77
O segundo exemplo diz respeito a duas exposições da Agência: “Olhar Cúmplice:
fotografias do Parapan” (Caixa Cultural) e “Imagens do Povo: esporte na favela” (Centro
Cultural Banco do Brasil). Ambas as exposições, depois de deixarem os respectivos centros
culturais, seguiram para o Planalto Central para serem expostas. O próprio Presidente Luís
Inácio Lula da Silva recebeu os representantes da Imagens do Povo na abertura da exposição
(Ripper, Kita Pedroza, Davi Marcos, Ratão Diniz e Francisco Valdean). Estas duas
exposições foram importantes para continuar dando visibilidade ao projeto. Não esquecendo
que a exposição relativa à cobertura do Parapan, ao sair, deu lugar à exposição da ontológica
Agência Magnum, o que para os fotógrafos da Imagens do Povo é de um valor inestimável.
Em 2005 o Centro Cultural Correios, também no Rio de Janeiro, havia sediado uma exposição
da Agência concomitantemente a exposição dedicada ao trabalho de Henri Cartier-Bresson
(1908-2004). Na ocasião, a esposa do célebre fotógrafo, a também fotógrafa Martine Franck,
compareceu na abertura da exposição, participando, ainda, das atividades do FotoRio (evento
internacional de fotografia, que abriga também os Encontros sobre Inclusão Visual do Rio de
Janeiro), entre elas a “Visita Cidadã” ao Observatório de Favelas, na Maré, para conhecer os
trabalhos lá desenvolvidos
70
. Sadraque e Naldinho, em diferentes momentos, disseram-me que
era difícil acreditar que alguém que tenha convivido tantos anos com Cartier-Bresson
estivesse ali na Maré, ao lado deles, almoçando no Bar da Galega
71
. Na próxima seção
comentarei algumas imagens presentes nestas exposições, sobretudo, por ter estado ao lado
dos fotógrafos no ato de suas concepções.
Da Magnum
72
a Imagens do Povo os conceitos que envolvem a produção fotográfica
se transformaram. Em termos imagéticos, o conceito que inspirava a Magnum foi aquele que
consagrou Cartier-Bresson: o “momento decisivo”. Cunhado por André Kertész, e atribuído à
70
Este era texto da divulgação da atividade: “Participantes de projetos de inclusão visual, autoridades, imprensa,
convidados e o público em geral visitam a comunidade da Maré, para conhecer o projeto da ONG Observatório
de Favelas, que vai representar o Rio na “Jornada Internacional de Inclusão Visual”, e lançar as atas do “1°
Encontro sobre Inclusão Visual do Rio de Janeiro”. A visita pretende, assim, realizar uma integração entre
diversos setores da sociedade”.
71
O Bar da Galega sempre foi uma referencia na hora do almoço, sobretudo nas aulas práticas acontecidas nos
sábados. Galega é uma migrante nordestina que trouxe consigo a cozinha de seu lugar. Além de outros, um
cardápio freqüente é: carne de sol, cuscuz, macaxeira, baião e, de sobremesa, rapadura à vontade. Almocei
muitas vezes e em diversos lugares na Maré, sem dúvida, a comida da Galega é a mais saborosa.
72
Retomando algumas informações: Fundada em 1947 por Henri Cartier-Bresson, Robert Capa, David ‘Chim’
Seymour e Rodger, a agência fotográfica Magnum é precursora do movimento responsável pela regulamentação
da profissão de fotógrafo, bem como da afirmação de sua autonomia. “A instituição foi organizada como uma
cooperativa de fotógrafos independentes entre si, permitindo a seus membros a liberdade para propor projetos
individuais, o direito de posse do negativo, a edição e a assinatura do ensaio” (Kulcsár, 2007, p.3).
78
obra de Bresson, o “momento decisivo” definia o ato de concepção e a forma de apresentação
da imagem. A foto era a ‘foto única’, o momento fugaz; a imagem do imprevisto que jamais
se repetirá; a ausência de uma narrativa, apesar dos livros temáticos
73
. O fotógrafo era um
flaneur profissional. Sempre com a câmera em mãos à espera do acontecimento. Um invisível
na multidão. Dentro da própria Magnum o conceito foi criticado. Sebastião Salgado, fotógrafo
da Agência, era um crítico contundente dessa forma de pensar e produzir imagens. O
fotógrafo sugeria, em substituição ao “momento decisivo”, o conceito de “fenômeno
fotográfico”, uma nova forma para o fazer fotográfico. Salgado explica o conceito usando a
analogia dos gráficos e parábolas matemáticas. O fotógrafo, nesta perspectiva, é o sujeito que
percorre toda a extensão da parábola, isto é, relacionando-se com os sujeitos e assuntos
fotográficos, tornando-se também parte do acontecimento, de maneira que o “click”, ou
melhor, o ato de concepção da imagem, deveria traduzir os momentos de maior densidade,
correspondendo, portanto, aos ápices da parábola
74
. A ruptura representada pela Imagens do
Povo é expressa pela auto-representação. O fotógrafo não mais como um outsider”, mas
como sujeito de sua própria imagem. Igualmente, a apresentação não mais da imagem do
“outro”, mas do “outro que sou”. Isto é, a possibilidade de imagens partidas do lugar onde o
etno e o self se cruzam: a gênese e a narrativa, o fato e a versão. As continuidades, contudo,
estão nos imperativos inaugurados com a Magnum: autonomia, independência e autoria.
Ao contrário de ser somente o resultado da cobertura de um evento esportivo, a
exposição “Olhar Cúmplice: fotografias do Parapan” possuía como motivação forte o fato de
ser um dos fotógrafos também portador de necessidades especiais e igualmente atleta.
Para finalizar, o último exemplo se refere ao Prêmio “Faz Diferença”, concedido pelo
jornal O Globo para “homenagear brasileiros que contribuíram, com o seu trabalho, para
mudar o país”. A Imagens do Povo concorreu na categoria “Revista O Globo”, com o ensaio
coletivo “A favela se diverte” (Revista O Globo, ano 03, 138, 18 de março de 2007).
Composto de 32 imagens, contando com a capa, o ensaio pretendeu apresentar o lúdico, o
ócio, a brincadeira, enfim, o lazer na favela (foto da capa, vide anexo 03).
O texto escrito por Isabel De Luca, editora da Revista O Globo, procura redimir a
empresa apontando os culpados para o tipo de cobertura da favela feita pelo jornal. Escreve
ela: “A favela está nos jornais todos os dias: bala perdida, tráfico de drogas, gatos em geral.
Tudo isso existe, claro, e é justamente por tudo isso que está cada vez mais difícil cobrir a
73
Essa discussão advém das de Dante Gastaldoni na Imagens do Povo.
74
Idéias discutidas no vídeo “Ponto de Interrogação”, de Saara Mom (Take Five, 1999).
79
favela, digamos, do lado de dentro”. De qualquer maneira, os ensaios de Bira Carvalho,
Sadraque Santos, Jaqueline Felix, Walter Mesquita, Adriano Rodrigues, Tony Barros, Davi
Marcos, estão acompanhados de suas próprias falas evitando, assim, algumas deturpações no
texto editado pelo jornal. Na verdade, as falas são dispensáveis, o importante são as
descrições das fotos. Tenho convicção que o substancial de suas falas foi cortado no momento
da edição. A afirmação é categórica, pois de algumas daquelas imagens publicadas ouvi dos
próprios fotógrafos elaboradas reflexões que, se colocados em complementação com as fotos,
engendrariam elementos estranhos ao discurso oficial” sobre a favela, portanto, críticas à
lógica dicotômica que funda a percepção do jornal sobre a cidade do Rio de Janeiro. Por mais
que as imagens tenham oferecido ângulos da favela impraticáveis aos profissionais do Jornal,
conforme foi dito aos fotógrafos da Imagens do Povo em visita à redação d’O Globo, o que
fazia o ensaio ainda mais interessante para a Revista, manteve-se, por oposição, a mesma
lógica: o lado oposto ao do tráfico é a ingênua brincadeira. Mas o tratamento dado pelo jornal
não deixou de fornecer um espaço interessante (também pela quantidade de fotos publicadas)
para divulgação do projeto Imagens do Povo, escolhido para o Prêmio por meio de votação
eletrônica entre três iniciativas. Vejamos um trecho do texto de Karla Monteiro acerca da
premiação:
[...] os aspirantes a fotógrafos mergulharam em aulas diárias e clicaram o
próprio universo, atuando como documentaristas das regiões onde nasceram.
O resultado dos meses de labuta é duplo: jovens profissionais com potencial
para uma carreira profissional e belos ensaios fotográficos das favelas
cariocas, com o olhar sem preconceitos de quem nasceu e vive nas áreas
carentes da cidade [...] (O Globo, 22 de dezembro de 2007, p.11).
A matéria não deixa de constatar o vel de profissionalização atingido pelos
fotógrafos. Serviços prestados a entidades como o Sesc e a Casa Daros têm garantido a
profissionalização no quesito renda. Alguns fotógrafos da Imagens do Povo, inclusive, estão
no caminho da estabilização de suas carreiras, como o exemplo de Adriano Rodrigues que,
pela qualidade de seu trabalho, foi contratado como fotógrafo oficial da Prefeitura Municipal
do Rio de Janeiro.
Quanto à recepção do Prêmio o próprio Adriano junto com Bira Carvalho subiram ao
palco para recebê-lo em nome de toda Escola-Agência. Algum tempo depois, encontrei Bira
na quadra da “Escola de Samba Gato de Bonsucesso”, na favela Nova Holanda, no bairro
80
Maré, na pré-estréia do filme “Maré, nossa história de amor
75
”, da Diretora Lúcia Murat.
Nesta ocasião, Bira relatou a entrega do Prêmio, dizendo que a fala do Adriano foi mais
formal, feita em agradecimento ao prêmio e aos patrocinadores do Projeto. Ele, porém, como
ácido crítico que é, não perdeu a oportunidade. Registrei no diário de campo as críticas de
Bira no trajeto de volta para casa, com a certeza de que o fotógrafo disse algo semelhante ao
que reproduzo: “Eu disse a eles que quem realmente faz a diferença são as pessoas da favela,
que vivem com alegria apesar de tudo..., senti o constrangimento no ar, e as pessoas
aplaudiram porque tinham que aplaudir. Na verdade, nós fomos indicados porque somos da
favela, ninguém parou para ver a qualidade de trabalho mesmo. A qualidade do trabalho fica
em segundo plano, o que eles querem é um alívio na consciência, por isso, foi muito bom ter
dado o prêmio para os pobrezinhos carentes da favela”.
Sintetizando, para uma compreensão do projeto Imagens Povo a idéia de rede me
parece pouco explicativa. Talvez seja melhor compreendê-lo enquanto um complexo de
relações que tem a ver, concomitantemente, com a carreira profissional e com o ativismo
político de Ripper, com a formação das agências fotográficas autônomas desvinculadas das
editorias de jornais e revistas, com os projetos sociais empreendido pelo Observatório de
Favelas, em sua relação de intercâmbio com outros projetos sociais ligados ao ensino da
fotografia, com um projeto de extensão da Universidade Federal Fluminense, com o
movimento de Inclusão Visual, com as agências supranacionais de fomento, com circuitos de
venda, troca e exposição das imagens, enfim, outras relações mais que se fazem e refazem,
atualizando o Imagens do Povo enquanto projeto efetivo.
Os Professores
Outros professores contribuíram fortemente para tornar as imagens do povo imagens
possíveis. Évlen Bispo compartilhou seu amplo conhecimento sobre os programas de
tratamento de imagens. Daniel Araújo desvendou os “mistérios” de um computador. Ricardo
Funari, que sempre esteve com Ripper, desde o início, deu aulas de portfólio, agregando
sempre uma discussão a mais para a construção de narrativas imagéticas. A jornalista Kita
Pedrosa, que trabalhava no projeto “Viva Favela” também com fotografia, se juntou ao grupo
para coordenar o banco de imagens.
75
Roteiro inspirado em “Romeu e Julieta”, filme que também marca a retomada da produção de musicais no
quadro do cinema nacional. A história se baseia na “velha receita” quando se trata de favelas: facções rivais do
trafico de drogas disputando territórios, promovendo o terror na favela.
81
Em 2006, as duas referências fortes, no entanto, eram Dante e Ripper. Eram vistos
com admiração manifesta não através de elogios, mas na busca constante do aprimoramento.
Os alunos discutiam freqüente e exaustivamente seus trabalhos com os dois. Quando uma
imagem não saía da maneira esperada, os professores chegavam a ficar depois do horário para
esclarecer as dúvidas técnicas e os resultados estéticos. Presenciei a saída de Dante e de
Ripper em companhia dos fotógrafos favela à dentro para discutir a dúvida in loco. Os alunos
construíam os professores a partir da relação engendrada no contexto do Imagens do Povo.
Demandavam atenção e a atenção era recíproca. A contra partida era produzir e zelar pelos
equipamentos.
Ao contrário do acontecia com Dante, meu relacionamento com Ripper era mais
distanciado. Contudo, Ripper era extremamente solícito comigo, viabilizando o que fosse
necessário para a pesquisa. Por isso, pude participar de todas as atividades, discussões e
acompanhar os trabalhos dos fotógrafos, como, por exemplo, no município de São Gonçalo,
junto com Deise Lane e Diego Custódio, e em Teresópolis, junto com Márcia Bezerra e
Sadraque Santos.
Ripper dedicou a maior parte de sua carreira à fotografia documental. Trabalhou
sempre, desde os tempos do jornal, imergindo no campo, no assunto, nunca se satisfazendo
com o “dado a ver”, procurando o visível ainda não dado. Sua relação com a Maré remonta a
meados da década de 90, quando residiu por seis meses na favela no intuito de estreitar sua
relação com os moradores para produzir uma documentação densa sobre aquele momento. As
fotos desse período estão na exposição permanente do Museu da Maré, que possuí um acervo
fotográfico que pretende contar a história da região desde as primeiras ocupações (no anexo
04 é apresentado com maiores detalhes o perfil do fotógrafo).
Analisando imagens marcantes do fotojornalismo brasileiro, Guran (1992) confirma o
trabalho de Ripper como algo não muito comum, um trabalho realizado apenas por um
profissional comprometido com as questões de seu tempo. As fotos de Ripper, publicadas no
Jornal do Brasil, em 25 de novembro de 1990, eram parte da matéria intitulada: “Polícia toma
cerveja com assassino de Lan (Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cabo
Frio/RJ)”. O flagrante jornalístico foi possível porque Ripper era o construtor do seu próprio
tempo, não fazendo mais parte de nenhum jornal mas trabalhando indiretamente para eles
através da Agência Imagens da Terra (Guran, 1992, p. 88-9). Essas histórias podem ser
82
melhores contadas por alguém que conhece o fotógrafo há muito tempo, por isso, o narrador
será Dante Gastaldoni
76
:
Queria me valer do fato de conhecer o Ripper há 30 anos e falar na posição de
quem tem muito orgulho de ser amigo dele, de tê-lo como referência. O
Ripper teve uma participação pequena, mas cintilante, no fotojornalismo
brasileiro oficial. Ele começou na Última Hora, passou pelo O Globo, a passos
rápidos, e nesse curto tempo, porque ele saiu para fazer uma carreira de
fotógrafo independente, ele teve uma participação aguda, no sentido de ajudar
mudar o perfil do repórter fotográfico. Isso eu classificaria, como quem se
debruça sobre o assunto, em dois momentos chaves: um seminário em que
talvez ele tenha sido o principal articulador junto com Ricardo Azuri,
chamado “Sobre Fotografia”, em 1983, resultando num livro, num conjunto de
discussões, refletindo em algumas coisas que perduram até hoje, como por
exemplo: uma tabela de preço mínimo, a exigência de crédito nas fotografias,
uma preocupação imensa em resguardar o jornalista da censura [...] Então, o
Ripper participou desse movimento de maneira contundente e pagou um preço
muito caro por isso. Passou a ser alijado de grandes pautas. O Ripper nunca
foi escalado para cobrir uma Copa do Mundo, ou uma Olimpíada. Ele era
escalado para cobrir uma regata em Araruama. Enfim, foi penalizado por
alguns jornais, mas não abaixou a crista.
Durante a campanha das Diretas ele fez um trabalho fantástico, convidando os
fotógrafos de grandes jornais do Rio a registrarem o movimento através de
multidões. De tal maneira a não dar aos editores fotos que não sejam
representativas do que é e do que foi o movimento. Então, no dia seguinte da
grande reunião de um milhão de pessoas ou os jornais tinham multidão, ou os
jornais não tinham fotos. Esse processo do Ripper fez com que, num tempo
relativamente curto, ele saísse para trabalhar numa agência de fotógrafos
independentes, a F4, que eu brinco dizendo que é a Magnum brasileira. Eu
acredito que, até hoje, foi o mais bem sucedido projeto de agência. Era um
time poderosíssimo que lá estava. E o Ripper iniciou uma documentação
desses brasis, de tudo que não funcionava tão bem. Ele documentou aldeias
indígenas, o movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, carvoeiros,
trabalho escravo.
Ele tem, na minha avaliação, ao longo dos últimos trinta anos, a mais
contundente documentação dos excluídos do Brasil. Ele não tem isso
organizado, como o Sebastião Salgado, mas várias fotos clássicas que se
conhece do Salgado, o Ripper estava na boléia do caminhão junto com ele.
Aliás, o Salgado é que estava com o Ripper. Ele foi fazendo essa
documentação até o momento em que a F4 empresarialmente não comportava
mais isso. Desde então, ele começou o que eu chamo de uma trilogia, iniciada
com a agência Imagens da Terra, que perdurou de 1991 a 1999. Um trabalho
onde ele se aproximou de modo candente da Universidade. Houve épocas que
o Imagens da Terra era composto por João Roberto Ripper e mais seis
estudantes da Universidade Federal Fluminense, todos fotógrafos, todos
decolando com a ajuda dele.
76
Toda narrativa sobre a carreira de Ripper foi motivada pelo evento organizado por Dante no quadro da
disciplina que ministra na cadeira de Fotojornalismo na Escola de Comunicação da UFRJ. Combinamos, eu e
Dante, em gravar a apresentação para também, depois que eu transcrevesse as fitas, que as falas fossem
utilizadas num livro sobre o trabalho de Ripper.
83
Também ficou difícil manter o sonho do Imagens da Terra. Ele enveredou
pelo seu próprio site, o Imagens Humanas. E o terceiro movimento dessa
trilogia, talvez o mais generoso, é esse que ele está coordenando na Maré, que
é o Imagens do Povo.
O Ripper é isso: uma demonstração de generosidade permanente. Eu não estou
acostumado a ver. As máquinas deles são emprestadas para as pessoas... Os
cinco filhos do Ripper se acostumaram a não ver o pai por longos períodos. Eu
acho que, embora o Ripper tenha se dedicado tanto aos outros, e menos a si
próprio, que as fotos dele vão permanecer na história do Brasil.
A relação de Ripper com a fotografia se traduz num ativismo fotográfico, um ato
fotográfico em dois tempos: conhecer e transformar. Suas imagens foram arroladas em
CPI’s relativas a questão agrária e ao trabalho escravo em carvoarias, foram indexadas em
processos de demarcação de terra... Assim, suas aulas são ecos dessas experiências, e como
ensinamento o fotógrafo as transmitia sempre com esta questão: como é possível contar uma
história da melhor forma? Da película ao digital, o fotógrafo atravessou o tempo tecendo a
realidade com imagens. O fotodocumentário, mais que uma linguagem, era uma ferramenta
valiosa para democratização dos meios de comunicação. Consequentemente, a alternativa
estava dada pela formação das agências independentes. O próprio Ripper narra sua trajetória e
os motivos que o conduziram ao caminho das agências:
Minha trajetória foi assim: trabalhei na Luta Democrática, passei pela Última
Hora. Trabalhei no Globo por cinco anos, eu ia para o Globo discutindo
muito sobre a autonomia do fotógrafo, dele poder fazer sua pauta, para que
servia a imagem. Sempre tive uma preocupação muito grande para que meu
click não causasse mal as pessoas. E no jornal foi uma insatisfação muito
grande. Nesse período eu me engajei na luta sindical, que foi importante,
porque se criou a tabela de preços mínimos; porque começaram a surgir as
agências, e daí se valorizou o mercado de trabalho alternativo; passou-se a ter
créditos nas fotografias, pois não existiam. Mas já no final dos cinco anos do
trabalho no Globo, eu tinha uma enorme dificuldade de me entender enquanto
jornalista. Era um questionamento muito grande: ‘o que eu estou fazendo
aqui?’. Depois de fazer uma faculdade, depois do engajamento sindical, enfim,
esses ditames todos, o experimento era difícil [...] Eu pulei fora! Daí eu parti
para esse processo de trabalho
77
.
“O Dante foi a maior aquisição para a Maré”. Essa frase de Bira traduzia o sentimento
da turma em relação às aulas de Dante. Suas aulas eram extremamente densas e os alunos,
(entre eles, eu), convidados, com o suporte de amplo material visual (reproduções de
77
Vide nota anterior.
84
fotografias), a percorrer desde a “certidão de nascimento da fotografia” (uma impressão da
imagem de uma janela “avistando” fábricas que precisou de 8h de exposição para ser
impressa numa chapa de cobre, entre os anos de 1825 e 1826 não se sabe ao certo cuja
autoria se atribui à Niepce); passando pelos trabalhos de cunho social dos fotógrafos da Farm
Security Administration, agência estatal norte-americana, em particular os de Jacob Riss e
Lewis Hine sobre trabalho infantil nas décadas de 40 e 50, uma vez que foram produções que
influenciaram indecisões parlamentares e alteraram a constituição dos Estados Unidos
78
. O
percurso continuava através dos pioneiros entre os fotógrafos de guerra, como Roger Fenton e
Nathew Brady, para chegar e permanecer em longas aulas sobre a Magnum. Por fim, um
percurso igualmente denso na história do fotojornalismo brasileiro. Foram discutidos os
trabalhos de Rogério Reis (um dos primeiros alunos de Dante no Departamento de
Comunicação social da UFF, no final da década de 70), Walter Firmo, Evandro Teixeira,
Milton Guran, entre outros nomes fortes da fotografia brasileira, que não apenas foram temas
de aulas, mas compareceram para ministrar aulas especiais (vide a matéria sobre as aulas
especiais no anexo 05).
Minha presença motivou algumas aulas com enfoque nas ciências sociais. Dante
transitava muito bem entre a história e a análise dos contextos das imagens. Certa aula, Dante
tratou da fotografia etnográfica de Pierre Verger e comentou um artigo de Gilberto Freire
sobre o conceito de sociofotografia. No começo da aula, fez questão de endereçá-la a mim, o
que não poderia deixar de gerar uma “vaia” da turma, fato que ocorria toda vez que algo
engraçado acontecia em sala de aula. No final da aula, Dante me emprestou o livro e pediu
que eu lesse e comentasse. Uma pena essa ter sido uma das últimas aulas, o que não
proporcionou espaço para o retorno. Entretanto, na certeza de que não será um comentário
tardio, faço-o no espaço deste texto, aproveitando para justificar a presença da tese de
Gilberto Freire aqui e não em uma outra seção do texto possivelmente mais adequada.
Sobre a tese, não apenas entre os clássicos europeus e americanos a fotografia ocupou
lugar central na restituição e apresentação dos dados etnográficos. Comentando a Coleção
Francisco Rodrigues de fotografias do século XIX, da Fundação Joaquim Nabuco, Gilberto
Freyre (1983) cunhava, em benefício de suas próprias teses, o conceito de “sociofotografia”.
Escrevia ele:
78
É interessante, também, observar como maneira de expor mais um ponto de aproximação, que o livro
“Antropologia Visual: a fotografia como método de pesquisa”, uma das publicações pioneira entre s, é de
autoria de John Collier Jr., fotógrafo que integrou esta mesma agência (Samain, 2005).
85
Porque a fotografia, interessando à antropologia física, pelo que documenta de
tipos físicos e biótipos, de uma população regional ou nacional, vai além;
documenta a ação ecológica do ambiente e aculturativa da sociedade sobre
esses tipos, como que virgens sem esses impactos de caracterizações
socioculturais, através de modos de trajar, de calçar, de pentear, de adorno
pessoal, de homens, de mulheres, de crianças, que constituem os sinais mais
ostensivamente cotidianos de presenças socioculturais sobre homens apenas
indivíduos biológicos [...] O que aqui se sugere de início basta para indicar o
que as sociofotografias representam de riqueza antropológica e sociocultural,
para confrontos de projeções de tempos sociais [...] A especialização que aqui
se intitule sociofotografia é expressivamente adequada, correspondendo, noutro
setor, a uma estabelecida ou consagrada sociolingüística. [...] como
documentação sociofotográfica, confirma, de maneira a mais cientificamente
confiável, essa perspectiva sobre a formação brasileira. [...] Desonrosa para um
purismo europeu de civilização, a essa criticada promiscuidade entre elementos
senhoris e elementos servis de uma mesma família patriarcal corresponderam
situações documentadas sociofotograficamente” (Freyre, 1983, p.14-17).
Como fica evidente, Gilberto Freyre estava preso à concepção de seu tempo,
compreendia a fotografia como um objeto cientificamente confiável. Porém, ao compor essa
tese nos revela que a fotografia o servia de fonte de inspiração. Em “Casa Grande e Senzala”,
Gilberto Freyre não utiliza fontes fotográficas, ficando apenas com imagens iconográficas.
Porém, é provável que sua reflexão em torno da fotografia não tenha sido apenas
desenvolvida em razão da publicação dos acervos fotográficos da Fundação Joaquim Nabuco.
Pela quantidade de fontes utilizadas em seu estudo, certamente imagens fotográficas serviram
de suporte para descrição de cenas e acontecimentos, o que produzia uma metalinguagem,
ainda que não referenciada. Portanto, é igualmente possível que Gilberto Freire, além de um
dos pioneiros da produção antropológica brasileira, possa figurar também entre os pioneiros
na utilização de fotografias no campo das Ciências Sociais no Brasil.
Tornar-se fotógrafo
Neste tópico final, procuro apresentar alguns atributos que tornam um aluno fotógrafo
da Imagens do Povo. Como a fotografia ensinada não está desvinculada da construção de
um olhar sobre as favelas, a discussão a ser feita é sobre produção dos “efeitos de olhar
situados e referenciados na favela. Num primeiro momento, utilizo o exemplo de duas
fotógrafas que com suas trajetórias ajudam entender melhor o processo de documentação feito
pelos alunos-fotógrafos. Em seguida, são apresentados alguns ensinamentos práticos para, em
86
seguida, a partir de uma situação de sala de aula, que envolveu a discussão sobre o assassinato
do jornalista Tim Lopes, chegar aos ensinamentos éticos e políticos. Por fim, uma acusação
muito freqüente à produção fotográfica que se debruça em temáticas sociais: a “estetização da
pobreza”. Contraponho esta tese utilizando argumentos inspirados na discussão sobre a
perspectiva da auto-representação.
Em 2006, se preparava a quinta edição do festival “Tangolomango”, evento que reúne
realizadores do audiovisual, teatro, música, artes plásticas, dança e todo tipo de produção que
se possa enquadrar no conceito de “popular”, evento que durante o mês de novembro
promoveu intervenções urbanas em vários pontos da cidade do Rio de Janeiro. Na ocasião, foi
proposto aos participantes escreverem textos para responder a pergunta: “Você tem cultura?”
O texto vencedor foi este que abre em epígrafe a presente seção. Sua autora, Márcia
Bezerra, era uma das alunas mais “inquietas” da Escola de Fotógrafos Populares Imagens do
Povo. Márcia aproximou-se da fotografia quando trabalhou como assistente de um retratista
em Belford Roxo, município da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, lugar onde reside.
Excêntrico, o retratista nunca calibrava sua quina, de maneira que muitas fotos saíam
erradas. No entanto, por nunca admitir seus erros, culpava seus clientes, geralmente crianças
negras, por terem “vitiligo interno” (a superexposição “estourava” a imagem, impregnando-a
de “manchas” brancas), o que provocava a preocupação das mães que nele acreditavam,
contava-me Márcia. Por isso, decidiu estudar fotografia para que os equívocos não voltassem
a ocorrer.
Márcia descobriu a existência dos cursos na área de comunicação ministrados no
Observatório de Favelas. A descoberta tardia não a impediu de se matricular. As aulas
estavam para começar e as turmas estavam fechadas. No âmbito da Imagens do Povo, não
estavam previstos alunos que não possuíssem alguma experiência de documentação em
favelas. Naquele ano, o projeto focava o aperfeiçoamento de fotógrafos iniciados. Porém, a
insistência de Márcia convenceu os coordenadores, matriculando-se não apenas na Escola de
Fotógrafos Populares, como também na Escola Popular de Comunicação Crítica, esta última,
dando ênfase em mídia impressa. A carga horária a obrigava permanecer no Observatório
durante todo o dia e parte da noite. Márcia era casada e mãe de uma filha adolescente. Sua
atenção dividida não a impedia de participar de todas as atividades dos cursos. A fotógrafa
também se engajou na Agência, o que implicava saídas para cumprimento de pautas. No
período em que fazia frio, Márcia vendia chocolate quente nos intervalos da aula.
Em nossas conversas, Márcia confessava seu incômodo com alguns alunos que,
segundo ela, achavam que sabiam tudo e, portanto, pegavam câmeras para fotografar
87
exatamente no horário das aulas teóricas. Fato superado em razão da própria coerção da
turma, que também julgava equivocada tal atitude. Os incômodos de Márcia não terminavam
por aí. Com a visibilidade crescente do Projeto, os trabalhos dos alunos começaram a aparecer
em exposições e jornais, inclusive o próprio trabalho dela. Isso, no entanto, não justificava a
postura de alguns fotógrafos de se considerarem “celebridades”, vindo a afetar os princípios
da Agência. Conversando com os fotógrafos que também identificavam estas atitudes em
alguns colegas, Márcia fazia coro à crítica formulada pelo grupo: “certos fotógrafos têm
vocação para pavão!”.
Os muitos compromissos e a carga horária dobrada tomavam o tempo que Márcia
julgava necessário para dedicar ao seu tema: os cultos afro-brasileiros. Contudo, a fotógrafa
conseguiu compor o seu ensaio sobre um terreiro de umbanda da Baixada Fluminense, o que
lhe garantiu o diploma de fotógrafa oferecido pelo Observatório de Favelas, sob a chancela da
Universidade Federal Fluminense.
Outra aluna era Rovena Rosa. Estudante de jornalismo de uma instituição federal de
ensino superior, Rovena não morava em favela. Começou a freqüentar o curso na Escola de
Fotógrafos Populares porque, além de ter se dedicado desde o começo da faculdade ao
fotojornalismo, era monitora de Dante na disciplina ministrada na Universidade. Apesar de
ser de classe média, era considerada, entre os fotógrafos mais engajados na Agência, como
mais “favelada” até do que os que são “nascidos e criados”. Para fotógrafos como Bira
Carvalho, não fazia a menor diferença a pessoa ser de “dentro” ou ser de fora” da favela. O
que importa é o engajamento no projeto, a perspicácia para não se envolver em controvérsias
públicas, a discrição e a solidariedade em relação à dor do outro. Valdean tem a mesma
opinião em relação a não existência de um fronteira que divide os de “dentro” e os de “fora”.
Em entrevista, ele me revelou:
Um dia, em um seminário no Foto Rio de 2007, uma pessoa nos questionou
dizendo que, no caso dela, ela faria a mesma imagem. E é verdade. Porque o
cara estava pensando como a gente. Essa posição de estar por dentro é uma
posição muito boa, porque ficamos sabendo das coisas, mas se não estivermos
em cooperação essas informações e imagens não terão um caminho de ida,
nem um caminho de volta. É muito positivo alguém de dentro da comunidade
estar contando sua própria história e documentando a história de outros. Mas,
mesmo eu contando minha própria história e mostrando a história de outros da
comunidade, quem vai ver essa história?
Bira dividia as aulas de fotografia artesanal com Rovena e Adriano. Gostava de
trabalhar com estes colegas porque o compreendiam em relação às posições sobre o
88
andamento das aulas ministradas para um público prioritário de crianças. Bira dizia: “sou
cobrado para que as aulas dêem maiores resultados, só que tem o seguinte: eu não sou tubo de
ensaio, nem esses meninos são químicas para serem testadas”. Rovena concordava com Bira,
que se referindo a ela dizia:
O cara pode ser de fora e ter uma boa índole e ver a favela, o diferente, não
como exótico, nem... e o cara pode ser de dentro, né, meu mano, e ser todo
mal resolvido e ter preconceito consigo mesmo e com seu espelho que é o
outro. Eu não ligo muito se o cara é de fora ou é de dentro. Eu ligo mais se o
cara... Cada um é cada um. Cada um com sua fé. Tem maluco de dentro aí,
ta ligado? Tem maluco lá do Observatório que se você olhar pelas fotos,
maluco não fotografa na rua porque a comunidade não confia. Não confia no
mano. E a Rovena vem , sai andando, entrando em casa, fala, fala olhando
no olho, e isso é mais forte. É energia! É olhar no olho! É mostrar a alma!
se é de dentro, se é de fora, isso aí. Um de fora pode dar mole, ou um de
dentro também. É a índole do cara, o momento do cara. É mais o momento do
cara, às vezes um erro de avaliação [...]
Para pertencer à Imagens do Povo não necessariamente o fotógrafo precisa ser um
“favelado”. A origem social do fotógrafo não determina sua inserção e a importância de seu
trabalho no quadro da Agência. Tornar-se fotógrafo na Imagens do Povo é assumir
compromissos: o olhar do fotógrafo deve se misturar ao da “comunidade”. Portanto, ser um
olhar parcial, um “olharque toma partido. Para que essa tomada de partido seja eficiente e
responsável, os professores propõem os seguintes ensinamentos em relação à linguagem
fotográfica e a um “manual de campo
79
”.
Um documentário fotográfico bem sucedido depende do recorte temático que vai
orientar a abordagem da pauta. Igualmente, é imprescindível o permanente aprofundamento
no tema (outras abordagens fotográficas, livros e etc.). Uma documentação densa ajuda a
inserção profissional mesmo com um trabalho independente, ao exemplo de Ripper: “como se
realiza esse trabalho? Estudando o tema, aprendendo e se informando com as pessoas que
trabalham com esse tema, buscando neles parceiros para seu trabalho. Depois, tentando
vender trabalho até para essa impressa que tanto questionei e dela quis sair”.
O fotógrafo deve estar atento para existência de linhas “investigativas” que o permita
construir conceitos que valorizem a narrativa fotográfica. Igualmente atento deve estar para o
fato de que uma história pode conter outras possíveis de serem narradas em paralelo. Como
79
Além do diário de campo, a listagem dos ensinamentos toma como base a matéria da revista Fotografe Melhor
(Ano 11. n° 123, dezembro de 2006).
89
exemplo, vejamos o comentário de Ratão Diniz sobre a elaboração de seus ensaios
fotográficos:
Quanto mais você ‘enxugar’ é melhor porque você cai mais dentro do tema.
Então, em qual situação eu posso fotografar crianças em que seja mais forte...
Fui criando temas centrais: ‘Olhares’, ‘Explosões de Alegria’ e ‘Trabalho
Infantil’. Em ‘Explosões de Alegria’ minha proposta foi buscar um
contraponto nessa questão que se tem sobre a favela. A favela sempre é vista
como um espaço violento. Um espaço onde tem explosões, e que essas
explosões são de tiro e de violência, de sangue e de pólvora, de tiro de fuzil,
enfim, eu chamo de explosões de alegria, mostro que não existem apenas
explosões de violência, mas existe uma outra vida que não é mostrada, que são
as alegrias através das crianças
80
.
Outros ensinamentos dizem respeito da construção das personagens. É preciso que elas
sejam expressivas e, a partir de suas vidas, ajudem a contar a história que está sendo
documentada. Contudo, não se deve insistir em fotografar alguém que se sinta desconfortável
diante da câmera. Portanto, a relação com os sujeitos fotografados é o primordial. Assim,
Ripper completa:
[...] o mais importante no fotógrafo documental, e no fotógrafo de modo geral,
é o profundo respeito pelo fotografado. Às vezes, uma grande foto acontece
porque a gente deixou de fazer uma foto de uma pessoa que não a quis. A
fotografia tem uma importância social muito grande e é fundamental que a
foto retorne às pessoas fotografadas. E nada disso impede que se tenha um
prazer enorme em fotografar, trabalhando a composição... então, prefiro
começar mostrando as fotos
81
.
O retorno das imagens faz parte dos ensinamentos, não somente para que as pessoas e
grupos documentados possam se reconhecer, mas, sobretudo, para que as imagens possam ser
utilizadas pelos sujeitos da documentação. Este é um pressuposto levado a sério. Certa vez,
estava na casa de Luciano Dayrell, um amigo que é vídeo documentarista, e,
coincidentemente, neste dia meu amigo recebeu uma correspondência cujo remetente era uma
associação de pequenos agricultores de Minas Gerais. Luciano estava realizando um
documentário sobre agricultura e sustentabilidade na região de atuação desta associação. Para
minha surpresa, o conteúdo do envelope era um CD com fotos do Ripper (um documentário
80
A imagem que o fotógrafo considera a síntese de seu ensaio “Explosões de Alegria” encontra-se na contra
capa do livro de fotografias da Agência: Até quando?/[organização]: Jailson de Souza e Silva, J. R. Ripper;
fotos: Projeto Imagens do Povo/Observatório de Favelas; texto: Pedro Garcia. Rio de Janeiro: Observatório de
Favelas, 2005.
81
Comunicação aos alunos da ECO/UFRJ.
90
produzido em parceria com a associação). O retorno das imagens não se restringe à conduta
profissional de Ripper. Em outra ocasião, dirigi a seguinte questão para Bira: “uma vez
estávamos sentados em frente ao computador, eu, Rovena e Adriano, e você exibia umas fotos
e fazia comentários sobre as vidas das pessoas fotografadas: uma mulher que corria na pista
da Vila Olímpica, um senhor... você disse que fazia a foto e corria para mostrar e, a partir dali,
acessava o mundo daquelas pessoas. A digital tem alguma coisa a ver com isso?”.
Facilitador. Porque até um mostrar, antigamente... Eu comprava os filmes num
mês e não tinha dinheiro para revelar, no outro mês eu revelava, ou
revelava a metade. Com a digital é na hora, é a senha mais rápida! É a
maneira mais fácil para mim ver as fotos. De lá para cá, quantas fotos eu tirei?
Todos eles querem as fotos. Se eu voltar pelo mesmo caminho, os mesmos que
pediram, pedem de novo.
Embora, de maneira geral, os fotógrafos da Imagens do Povo reconheçam que o
resultado final do filme, isto é, a granulação, é esteticamente mais interessante que o pixel da
digital (e isso é algo compartilhado com outras comunidades de fotógrafos, basta ver os
recursos informáticos disponíveis que tentam reproduzir o efeito do grão na digital), a digital
é uma escolha baseada em razões práticas. Outra opção também compartilhada é produzir
parte das imagens em preto e branco, pois, como confessa Naldinho: “[...] o P&B chama mais
atenção [...] se eu colocar minhas imagens em exposição dentro da favela, por mais que não
tenha uma cultura visual muito ampla, até tem em relação à TV, elas vão buscar, elas vão
começar a se perguntar, então eu acho que o P&B mostra mais do que o próprio colorido
[...]”. Ripper assinala esta qualidade do digital, reafirmando esta qualidade de facilitadora:
O digital por um lado tem sido muito bom, porque ajuda muito mais no
retorno rápido. Por exemplo, fiz um trabalho no início do ano com os
ribeirinhos da Amazônia e, quando eu saí, deixei 600 imagens com eles
colaborando assim com a renovação dos projetos. O segundo fator, o
encarecimento da película, principalmente do preto e branco. O que está sendo
estranho, para mim, é que gosto de trabalhar com a Leica M, que era uma
câmera pequenina, agora estou trabalhando com a Canon 5D e eu tenho
vergonha de colocar a 5D na cara das pessoas.
O retorno é crucial não apenas na construção da relação entre os sujeitos, mas central
na construção das personagens. Admitindo que as personagens da fotografia tenham forte
vocação para o anonimato (Entler, 2005), o autor não deve assumir o anonimato como
condição de seus registros. Ao contrário, conforme nos fala Guran, reenviando esta questão à
inclusão visual, um novo tipo de engajamento fotográfico deve ser colocado, dessa vez
91
baseado na “possibilidade de construir e dar a conhecer a sua própria estética: o olhar dirigido
a si próprio que escapa do gueto social ao qual foi confinado, e se opõe ao olhar exterior que
tem marcado a documentação social desde as suas origens
82
”. Como nos diz Bira: “Gostar do
que tem a ver com identidade, de se aceitar, auto-estima. É a valorização do eu, não desse
eu egocêntrico! [...]”. E tomando o exemplo de Ripper usado em sala de aula para as lições
sobre a construção das personagens:
Α questão do retorno é fundamental. Por exemplo, quando fotografei
comunidades gays [na Maré]. As primeiras fotos que mandei, eles acharam
uma porcaria, disseram que eles não eram assim, e a partir daí fizemos um
trabalho bem interessante. [...] fiz projeção de minhas imagens em áreas
rurais e perguntava as pessoas: o que elas queriam que fosse mostrado, o que
elas não queriam, o que estava faltando? A fotografia é uma troca de
aprendizados.
Aproximando o trabalho de cineastas como Eduardo Coutinho, João Moreira Salles e,
a meio caminho, do antropólogo cineasta Jean Rouch, de uma determinada antropologia
contemporânea, que tem em Roy Wagner e Marilyn Strathern expoentes cruciais, Macedo
(2006) vai ao ponto que considera produtivo para uma interlocução:
[...] seja pelo acento no relacional em detrimento do substantivo, seja pela
abordagem do outro como uma experiência de pensamento, em que são
concomitantes o aprendizado e a invenção, e mais: em que estão implicados
aprendizado/invenção do outro e aprendizado/invenção de si. Enquanto a
corrente pós-moderna da disciplina esteve voltada para a desconstrução do
objetivismo, apontando o caráter ficcional das etnografias e assimetria de
poder entre o sujeito do conhecimento e seus objetos, a antropologia tal como
pensada por Wagner e Strathern, entre outros, toma a invenção etnográfica”
como ponto de partida e não de chegada (ou beco sem saída). Como
experiência de pensamento, a construção do outro não prescinde da existência
efetiva do outro, tampouco prescinde da (re)construção de si. A experiência é
mediada pelo pensamento (e seus parâmetros culturais), e este é atualizado
pela experiência. (Macedo, 2006, p.150, grifos da autora)
Acrescentaria à lista da autora os trabalhos de Ripper e dos demais fotógrafos da
Agência. Esta aproximação, embora em outro nível, enfatiza um mesmo valor compartilhado:
o trabalho de campo de longa duração. No quadro da antropologia, trata-se, inclusive, de uma
tradição. No fotodocumentário, contudo, a questão não parece tão óbvia. Mas com o exemplo
82
http://photos.uol.com.br/materia.asp?id_materia=2307 (27/9/2004)
92
de Ripper, que durante dezesseis anos cobriu populações indígenas no Matogrosso do Sul,
chegando a permanecer três meses num mesmo local, esta forma de produzir imagens e
relações, portanto, imagens de relações, vem se fixando enquanto um princípio da Agência.
O “acento no relacional”, evidenciado no processo criativo de personagens, o que o
faz invalidar o uso das imagens fotográficas como “argumentos” para uma causa política, isto
é, a admissão da imagem fotográfica como “prova”; e a percepção do ato fotográfico como
um ato produtivo na construção de conhecimento, e não meramente um ato de puro registro,
são ensinamentos em constante estado de elaboração. Por isso, os pressupostos essencialistas,
como aqueles (cada vez menos evocados) que conferem aos fotógrafos insiders um estatuto
diferenciado, precisam ser abandonados. Afinal, a auto-representação não é uma espécie de
lente corretiva que evitaria as distorções das representações outsiders. Comentando os estudos
sobre a representação étnica/racial e colonial nos meios de comunicação, Shohat e Stam
(2006), recolocam a questão:
Se essas análises sobre os estereótipos e as distorções’ propõem
questionamentos legítimos sobre a plausibilidade social e acuidade mimética,
sobre imagens positivas ou negativas, elas geralmente têm como premissa uma
aliança exclusiva com uma estética da verossimilhança. Uma obsessão com o
‘realismo’ emoldura a discussão, que parece se resumir a uma simples questão
de identificar erros’ e ‘distorções’, como se a verdade’ de uma comunidade
fosse simples, transparente e facilmente acessível, e mentiras’ fossem
facilmente desmascaradas
83
. (Shohat e Stam, 2006, p.261)
Todavia, a documentação de favelas sob o enfoque da auto-representação está sendo
experimentada nos termos da elaboração criativa e, somente então, elucidativa. A imagem de
um fotógrafo “favelado” representa a verdade da auto-representação, não a verdade da favela.
Sabendo que a fotografia pode comportar múltiplos significados, a “favela” fotografada é, em
primeiro lugar, apenas uma foto da favela. Sua significação deve ser buscada em outros
lugares, sobretudo em seus usos e apropriações. Deste modo, chegamos a um ponto crítico
referente às imagens produzidas na favela: qual o lugar das imagens da violência nas imagens
do povo? Pretendo introduzir esta questão para continuar desenvolvê-la no capítulo seguinte,
para tanto, temos a narrativa de uma aula acontecida logo no início do projeto:
83
Fundamentando suas posições, os autores argumentam: “A teoria pós-estruturalista nos lembra que habitamos
no interior da linguagem e da representação, e que não temos acesso direto ao ‘real’. [...] Assim, a despeito do
fato de que não existe uma verdade absoluta, nenhuma verdade distante da representação e da disseminação,
ainda existem verdades contingentes, qualificadas a partir de certas perspectivas, que informam a visão de
mundo de certas comunidades” (ibid, p.263).
93
Num dia de aula, projetamos imagens de fotojornalismo para discutirmos
técnicas de fotografia e também para que eles debatessem sobre como são
publicadas as notícias sobre as favelas. Muito bem, uma das fotos era sobre o
assalto ao ônibus 174, aquele episódio que até virou filme. Um dos alunos do
curso - que é paraplégico e se desloca em média um quilômetro ou mais por
dia para participar do curso - pediu para falar. Ele disse que a pessoa que
praticou o assalto morava na comunidade dele e contou um pouco da história
do rapaz. Do outro lado da sala, uma menina que mora na Rocinha disse que a
moça que morreu era vizinha dela. Então, na mesma sala, no mesmo dia, nós
tivemos visões diferentes sobre o mesmo assunto. E por causa dessa discussão,
uma senhora pede para incluir na discussão a atuação da imprensa, que
segundo ela martiriza o Tim Lopes. Ela questiona inclusive as matérias
premiadas do nosso colega Tim Lopes, pelo fato de elas mostrarem o
problema, mas não dizerem o porquê do problema. Nesse mesmo dia, eles
pedem uma reunião para discutir como é que nós, da organização do curso,
estamos preparando a segurança deles, para quando eles forem para dentro da
favela fotografar não serem achacados pela polícia. Em seguida, a diretoria do
Observatório de Favelas nos avisa que um dos professores acabou de sofrer
um seqüestro relâmpago creditado à polícia. Esse é o contexto de um dia de
aula. [...]
84
.
Primeiro recorro a alguns comentários sobre a trágica morte do jornalista, depois faço
os comentários, articulando a tragédia à experiência fotográfica. Que nas favelas atuam
facções criminosas ligadas ao narcotráfico isso não é novidade para ninguém. Algo que se
ausenta dos discursos, no entanto, é o fato da organização do tráfico de drogas possuir uma
característica rizomática, isto é, não começa e nem termina na favela. Sem contar que as
atividades neste ramo da ilegalidade estão cada vez mais diversificadas o que, em parte,
desmilitariza a atuação (nenhum vendedor de gás, ou instalador de internet ilegal portam
armas ou exercem coação para que os moradores adquiram o serviço
85
). Sobre a investigação
do jornalista assassinado Tim Lopes que juntava provas para denunciar um baile funk
promovido por um braço de uma facção do tráfico onde denunciaria adolescentes que se
prostituíam, Bira tece um comentário:
[...] eu vou entrar num tema que você não me perguntou, mas eu vou falar: a
morte de Tim Lopes. Uma vida é uma vida! Mas eu acho que deveria procurar
saber por que aquela menina está tentando tirar a roupa no baile, se se vive
num país machista onde vai falar que ela piranha, puta, porque ela está tirando
a roupa. Ninguém vai perguntar por que ela está tirando a roupa, porque ela
84
Entrevista intitulada “Novos olhares contra velhos estigmas”, concedida à Viviane Gomes. Rets, agosto de
2004.
85
As organizações que controlam a oferta desses serviços são muito diferentes entre si, apelando mais ou menos
para a violência de acordo com o perfil da ‘organização’. O que gostaria de chamar atenção, no entanto, é o fato
de elas trabalharem encima de uma demanda legítima das populações da favela, o que é muito diferente da venda
de drogas ilícitas.
94
não trabalha. O cara pegou o filme da metade para o final [...]. Eu não estou
falando que ele está errado. Nem certo, nem errado, porque eu não estou aqui
para julgar ninguém. Eu acho que se ele tivesse ido lá com sinceridade, e com
o coração, porque ele falou que tinha recebido uma denuncia de que as
meninas estavam tirando a roupa no baile. Imagina tu, numa favela
preconceituosa, num país machista, uma menina trocar a roupa no baile. Para
todo mundo ela é puta. Seja na faculdade, seja na favela, seja em Copacabana.
“Ih! Essa menina aí é papa rolo. É quenga, puta”. No norte é quenga. No Rio é
puta. Na favela é mamada. Mas porque ela é? Por que ela tem que denegrir a
imagem dela? O que forçou ela a fazer isso, a passar por isso? O que foi
negado a ela? É o fio da meada. É a onde eu quero chegar.
A consideração do fotógrafo aponta para uma crítica ao jornalismo investigativo que,
via de regra, tem se perdido no “factualismo”, não acompanhando e nem deixando espaço
para que o acontecimento possa ser narrado a partir dos fios de sua duração. Na verdade, esta
modalidade de produção de informação produz sua verdade por meio de um corte no tempo e
no espaço, o que engendra fatos “iguais” em quantidade cada vez maior. Mudam-se os nomes
das personagens (Jorge Negão, Escadinha, Elias Maluco, Fernandinho Beir-Mar...), mas a
estrutura narrativa tende ser a mesma. Assim, Ripper reverte a trágica experiência em
ensinamentos aos fotógrafos da Imagens do Povo.
Não pra gente compactuar e aceitar que a partir da morte de Tim Lopes o
resultado seja a gente não ir até a comunidade ou ir atrás da polícia. Não
tem sentido. Se a gente não tem um trabalho muito forte de mostrar as
comunidades pobres, permitindo que elas sejam mostradas como local de
violência, como agência de violência, a gente permite que o Estado entre com
carros que disseminam o terror dentro das comunidades. Se os jornalistas não
têm disposição para tentar apurar a corrupção da polícia e se a gente resume o
problema da violência ao tráfico de drogas a uma ótica própria de como se
o tráfico de drogas, a gente está compactuando com isso aí.
Os fotógrafos da Imagens do Povo não fotografam temas ligados ao narcotráfico (o
cotidiano das “bocas de fumo”, bailes funk, festas, etc.), pois, apesar de territorialmente
próximos, o universo simbólico deles é muito distante do mundo do tráfico. Porém, não
mostrar os conflitos armados é mais que uma escolha temática, mas uma questão de proteção.
Se quisessem, poderiam muito bem registrar os eventos promovidos pelo tráfico, os
armamentos, e tudo o mais. Existem fotógrafos que realizam um trabalho do ponto de vista
estético que aborda o tráfico escapando da lógica jornalística, como é o caso dos trabalhos do
fotógrafo André Cypriano. Por se tratarem de fotógrafos “favelados” a acusação de associação
com o tráfico de drogas seria imediata. Ademais, depois da generalização da internet,
telefones celulares com fotos, e câmeras digitais nas favelas do Rio de Janeiro, as imagens do
95
tráfico, ironicamente, são cada vez mais produzidas por eles mesmos. Uma auto-
representação que, por estar disponível em sites de relacionamento, chegam aos jornais (vide
anexo 06).
A partir da discussão desencadeada no manifesto “Uma Estética da Fome”, redigido
por Glauber Rocha em 1963, Xavier (1983) nos fornece idéias interessantes para pensar as
produções da Imagens do Povo não como uma “estética da pobreza”, ou “cosmética da
pobreza”, como prefere Bentes (2006). Para a Imagens do Povo, a preposição “do”, ao
contrário da preposição “sobre”, é proposta para ser algo mais que tema, objeto do qual se
fala. O “povo”, neste caso, não diz respeito àquela categoria que carece de uma base concreta
para nela se referenciar, portanto, um obstáculo; significa, antes, a afirmação de
pertencimento, rico em formas de pertencer a um “povo”, sem, contudo, deixar de perceber
que as “imagens do povo” reinventam o “povo” na reafirmação da desigualdade, da
desconexão e da diferença.
Contudo, as imagens do povo não são produtos de uma visão romantizada. A leitura
das fotos permite enxergar as problemáticas urbanas nas quais estão inseridas as favelas. Se as
imagens do cotidiano dos favelados são imagens de uma favela “bela, bonita e sensual”, no
momento mesmo em que certas lentes enxergam apenas morte, tortura, trauma. A aposta é
que essas imagens sejam tão politicamente eficientes quanto a denuncia, o luto, o martírio
exemplar. A auto-representação não pode prescindir de altas doses de criatividade, de
invenção. Criar narrativas imagéticas é também construir projetos de mundos possíveis de
serem habitados. Estas construções não escapam da crítica. A criatividade dos “favelados”
tem sido enquadrada como “estéticas da pobreza”, portanto, cabe aqui uma discussão.
Sontag (2003) traz o exemplo de Sebastião Salgado, segundo ela, um fotógrafo
“especializado na desgraça mundial”, para dizer que o fotógrafo se tornou o alvo principal “da
nova campanha sobre a inautenticidade do belo” (Sontag, 2003, p. 67). A autora resiste em
concordar inteiramente com os críticos que se restringiram a acusá-lo pela comercialização
dos “retratos da miséria”, ou sobre a forma em que The Family of Man”, representativa de
sete projetos de Salgado, foi montada. Para autora, o significativo foi esquecido:
[...] o problema está nas fotos em si mesmas, e não na maneira ou no lugar
onde foram expostas: o problema está no seu foco voltado para os destituídos
de poder, reduzidos à impotência. É significativo que os destituídos de poder
não sejam designados nas legendas. Um retrato que se exime de designar seu
tema torna-se cúmplice, ainda que inadvertidamente, do culto da celebridade
que inflamou um apetite insaciável pelo tipo oposto de fotografia: assegurar só
aos famosos a menção de seus nomes rebaixa os demais a exemplos
96
representativos de suas ocupações, de suas etnias, de suas aflições (ibid:
idem, grifos meus).
Com a autoridade que possui enquanto crítica de fotografia, Sontag nos leva ao que
considera o cerne da questão, a crença de que a fotografia é uma linguagem universal e, por
isso, tradutora de todo e qualquer estado de coisa, fazendo, assim, incorrer no erro de produzir
tipificações pouco produtivas para construção de conhecimentos através da fotografia.
Entretanto, é inaceitável deixar de produzir “imagens da pobreza”, pois como nos fala Ripper:
A nossa sociedade é muito preconceituosa. Documentar pessoas que não são
da classe média, que não são ricas, muitas vezes é caracterizado como estética
da miséria. E a beleza é muito mais democrática do que o processo de
formação de uma pessoa ou do que o processo arquitetônico e urbanístico de
uma cidade
86
.
Então, a cumplicidade deve ser de outra natureza, como nos fala novamente Ripper:
“falta um olhar cúmplice com os agentes transformadores da nossa realidade. Os agentes são
os que sofrem a discriminação”. Desse modo, se realidade de uma imagem é uma construção
sócio-cultural e espaço temporal, as imagens do povo, ao construírem uma visão do popular,
nos mostram que essa visão é, e não pode deixar de ser, conforme nos ensina MacDougall
(1998), parte do objeto de sua própria imagem. O fotógrafo é também personagem de sua
imagem: as personagens existem através do fotógrafo que faz delas uma parte de si.
Afinal, as personagens da fotografia, mesmo sem legenda para identificá-la, dirigem-
nos perguntas tão fortes quanto àquelas que poderíamos a elas dirigir: quem é você que agora
me vê? Portanto, o anonimato da imagem fotográfica deve ser relativizado, porque deixar que
as pessoas tenham consciência da câmera, ou posem para ela, é dar-lhes o direito de compor
sua própria imagem em toda sua dignidade e fragilidade.
Para finalizar, as imagens do povo não são imagens da formação de um povo, mas
imagens de projetos para formação de um povo, portanto, imagens para um futuro, assim
expressos no devir-imagético da Agência, como nos fala Valdean:
As vezes eu falo em algumas reuniões internas que o Imagens do Povo,
pensando todos os projetos que tem dentro dele, a escola, o banco de imagens
e a agência, é muito mais além do que você aprender a técnica da fotografia,
porque junta todo um lado que é o da emoção, das coisa que a gente acredita,
acreditar na mudança... O Imagens do Povo carrega tudo isso. E essas idéias
que estão por trás estão com todo mundo, com os alunos, com os fotógrafos já
formados, com os professores, com o Ripper. A gente está construindo isso:
86
Vide nota 23.
97
que país a gente quer? Que Maré a gente quer? Que Rio de Janeiro a gente
quer? Como a gente quer que a favela seja vista? Não as favelas, mas
outros espaços que historicamente vivem na segregação, que não têm
oportunidade de participação no resto da cidade, enquanto espaços urbanos, e
os espaços rurais em relação ao país. Isso é uma construção que não se tem. A
gente está construindo isso, claro que com outros projetos que trabalham com
produção visual. [...] Toda imagem que a gente mostra da favela, da beleza, da
estética, do cotidiano, tem por trás essa idéia: de que a gente precisa de
mudança. Mudanças na educação, na política, na desigualdade social... E isso
a gente procura fazer na parte de produção de imagens. O Imagens do Povo é
uma agência diferenciada nesse ponto, porque a gente não quer só mostrar um
espaço positivo da Maré, ou de outra favela do Rio de Janeiro, ou de uma área
rural do Brasil, a gente procura inserir isso dentro do fato de que precisamos
de mudanças em âmbito maior. Mudança de pensamento, de como a gente
aborda, ou melhor dizendo, com os meios de comunicação abordam certos
assuntos, pois não se pode tratar os assuntos de interesse maior de forma
superficial, com se estivesse sendo imparcial. A imprensa não é imparcial em
momento algum, ela, de forma geral, tem o seu ponto de vista, suas
colocações. Ela trás o debate sobre que sociedade a gente tem, que sociedade
nós queremos, o que nós devemos combater. Tudo isso partir de um ponto de
vista. Um ponto de vista que não leva em conta os outros pontos de vista.
98
Capítulo 03
A construção do olhar periférico
99
Exposição de fotos
(a João Roberto Ripper)
O fotógrafo sobrevoa
– com olhos de 400 asas –
a alma de um povo
que só a ele
concede o direito
de revelá-la.
(Carlos Nepomuceno)
100
A fotografia é também uma obra de ficção. Sua condição de imagem fabricada fica
evidente no ensaio fotográfico o lugar ideal para estudar a interação entre fotografia e
linguagem, assim nos fala Michell (2002) na medida em que se constrói uma história e, ao
mesmo tempo, o seu modo de narrar. Na fotografia riqueza e pobreza se invertem: a fotografia
é “pobre” porque sua semântica é excessivamente “rica”. Portanto, na comparação entre
fotografia e pintura, Bougnoux (1996) nos diz que o pintor de uma tela parte do vazio,
enquanto que o fotógrafo parte do excesso:
[para o pintor] uma vez mais sua tarefa parece intimamente mais livre,
portanto, eventualmente ‘genial’ porque ele começa por fazer o vazio, e
compõem toque por toque para além do corte semiótico, ou da materialização;
ao passo que o fotógrafo opera antes do corte, na abundância do real ou numa
relação indicial com ele. O artista nos às vezes a ilusão de fazer, falando
absolutamente – e nós o chamamos de criador – enquanto o fotógrafo faz com,
irredutivelmente. Medida pelo desejo romântico de originalidade, sua criação
parece, portanto, menos rica; no entanto, esse pacto com a realidade não é sem
grandeza (Bougnoux, 1996, p.41, grifo do autor).
Aliado a este estatuto, o de construção por eliminação, a edição das imagens é enfática
na sua condição de “máquina de fabrico”. Além da eliminação da infinidade do mundo visível
(a extração de um “quadro” através de uma poética do enquadramento), a edição provoca a
eliminação de um conjunto de “quadros” que, depois de selecionados, produzem, em sua
relação, uma narrativa. O processo fica evidente na fala de Francisco Valdean:
Quando você fotografa basicamente existem dois momentos: o de fotografar e
o de editar. Na verdade, a edição é uma nova foto. Estou fazendo uma foto,
outra foto [...] Na hora da edição me deparo com outra foto. É nesse momento
que você tem que optar. Por exemplo, fiz uma seqüência de fotos, na hora da
edição tem uma que eu gosto: o enquadramento, a composição, a luz e toda a
idéia que vinha construindo anteriormente. Essa serve para mim. Porque na
hora da edição a foto é finalizada com toda a idéia anterior. É onde entram os
componentes técnicos e a ideologia que carrego.
Havendo uma defesa do caráter não lingüístico da fotografia, como um espaço que
resiste à linguagem, esquivar-se desta perspectiva não é aceitar que a fotografia é um puro e
simples “complexo intercâmbio entre o visual e o verbal” (Burgin, apud Michell, 2002, p.
103). O “olhar”, contudo, revela a possibilidade desse cruzamento verbo-visual, tendo na
fotografia, esse “retângulo silencioso”, o suporte para que ele aconteça, mas sem o garantir e
nem fazê-lo em definitivo.
101
Para Barthes (19xx obvio e obtuso), o “dispositivo fotográfico
87
” é paradoxal pois nele
ocorre a coexistência de duas mensagens: uma sem código (a analogia fotográfica) e outra
com código (a retórica fotográfica). Assim, a ausência do código é designada na sua dimensão
denotativa, mítica, não verbal; a presença do código, por outro lado, designando sua dimensão
conotativa, quando se encontram a legibilidade e textualidade da fotografia. Por isso, a
fotografia é e não é uma linguagem, o que faz conviver no dispositivo o objetivo e o
investido, a realidade física e a cultural.
Entretanto, segundo Michell (2002), as mensagens não estão numa relação de
oposição, pois a mensagem conotada (codificada) se desenvolve a partir da mensagem sem
código. Dessa forma, o que a fotografia representa nunca estará livre do que achamos que ela
significa. Para Dubois (2006) algo que não passa de concepções sobre o referente e não sobre
a imagem em si mesma. Então, Michell conclui que a diferença entre conotação e denotação
não resolve o paradoxo da fotografia, apenas permite recolocá-lo de maneira mais explicita.
As indagações sobre o pretenso realismo, expresso pela aceitação não crítica de seu
caráter lingüístico, retiram da fotografia a condição de espelho do mundo (ícone), passando a
ser reconsiderada como uma formação arbitrária, cultural, ideológica e perceptualmente
codificada (um símbolo). Entretanto, na fotografia, observa-se um retorno ao referente: “sua
realidade primordial nada diz além de uma afirmação de existência” (Dubois, 2006, p.53).
Todavia, o triunfo da imagem fotográfica é tributado à sua natureza indicial, que não a faz
uma obra realista, mas obrigatoriamente uma obra referencial, um signo afetado pela coisa.
Nestes termos, o signo fotográfico é um signo indiciário: o referente encontra em seu
suporte uma contigüidade física, de maneira que as simbolizações acionadas por uma imagem
fotográfica estão apontadas para o referente e relacionadas ao sujeito-interpretante e, este, ao
seu contexto sócio-cultural.
Mesmo sabendo que significação não pode esgotar a riqueza indizível da imagem,
neste capítulo, a intenção é construir uma unidade de leitura para as imagens do povo, isto é,
estabelecer um léxico que permita vislumbrar as potencialidades das imagens fotográficas
enquanto expressão artística, ferramenta política e, até mesmo, publicitária. No entanto, com a
seguinte pergunta que informa a permanente tensão na qual se implica o exercício analítico:
“como dizer o indizível, como tornar inteligível aquilo que é, antes de mais nada, do domínio
do sensível (Novaes, 2005, p. 108)?”
87
O autor não utiliza essa designação, mas recorro a ela, a partir de Dubois (2006), pois é uma maneira de
compreende a fotografia em toda extensão de seu ato: da concepção à foto “pronta”.
102
O questionamento proposto remete ao banimento do acaso; da infixidez; da
impermanência; da mutação; atitudes científicas necessárias à constituição do conhecimento
positivo, racional, que, no entanto, bloqueiam a imaginação como potência e possibilidade de
representação e apresentação de uma narrativa etnográfica ou imagética enquanto uma
realidade imaginada, o sem estar comprometida política e culturalmente. Assim, em
trabalhos como o de Christopher Pinney
88
(2000) a fotografia é investida de um contra
argumento para o que se denomina de self-presence embodied in the truncated stillnesse of
the photograph”(Pinney, 2000, p. 26), self-presence incompleta no silêncio da fotografia e
que apenas se completaria no movimento do filme. Para tanto, a tarefa se concentra no
estabelecimento de um espaço léxico que supere a supressão do tempo e do espaço a partir
das fabulações agenciadas pelas imagens. Sobre a possibilidade de leitura das imagens, nos
diz Barthes:
O que vem a ser um léxico? É uma parte do plano simbólico (da linguagem)
que corresponde a um conjunto de práticas e de técnicas; é exatamente o caso
das diferentes leituras da imagem: cada signo corresponde a um conjunto de
“atitudes”: o turismo, a vida doméstica, o conhecimento no campo da arte, um
mesmo indivíduo não possuindo, forçosamente, todas elas. Há, em cada
pessoa, uma pluralidade, uma coexistência de léxicos; o número e a identidade
desses léxicos formam o idioleto de cada um. A imagem, em sua conotação,
seria, assim, construída por uma arquitetura de signos provindo de uma
profundidade variável de léxicos (de idioletos), cada léxico, por mais
“profundo” que seja, sendo codificado, se, como se pensa atualmente, a
própria psichê é articulada como uma linguagem; quanto mais se “desce” à
profundidade psíquica de um indivíduo, mais raros são os signos e mais
classificáveis [...] A variabilidade das leituras não pode, pois, ameaçar a
“língua” da imagem, se admitirmos que essa ngua é composta por idioletos,
léxicos ou subcódigos: a imagem é inteiramente ultrapassada pelo sistema do
sentido, exatamente como o homem articula-se até o fundo de si mesmo em
linguagens distintas. A língua de imagens não é apenas o conjunto de palavras
emitidas (por exemplo, ao nível de combinador dos signos ou criador de
mensagens), é também o conjunto de palavras recebidas: a língua deve incluir
as “surpresas” do sentido. (Barthes, 19xx, p. 39).
Portanto, o que vinha chamando até aqui de agenciamentos da fotografia guarda
semelhanças com a noção barthesiana de punctum: esses detalhes não codificados, um objeto
parcial, não nomeado, que abre metonimicamente aos domínios da memória e da
subjetividade, aquilo que se acrescenta à fotografia justamente por estar lá: sua força de
expansão (Barthes, 1984). Além dessa noção, a atenção é colocada nos usos e finalidades da
fotografia, nos discursos sobre seus referentes e nas experiências e intenções de quem as
88
O antropólogo britânico concentra suas pesquisas na fotografia popular na região da Índia Central.
103
produziu. Assim, propõe-se uma leitura por camadas: quatro camadas que em sua
justaposição informam o modo de produção e os sentidos das imagens do povo: autoral,
política, institucional e ética.
Evidentemente, outras leituras podem ser propostas, mas, levando-se em consideração
os itens acima, talvez essas possam ser chaves interessantes, ao menos provisoriamente.
Algumas imagens servirão de exemplos. Deve-se salientar o caráter dialógico estabelecido
para que essas imagens se descamassem. Contudo, uma leitura guiada por punctum’s não
prescindiu de concepções e projeções sobre a favela, cabendo-se, então, alguns comentários.
Um texto pode oferecer diversas, talvez incontáveis, camadas pelas quais se permite
ler. Em cada camada mais um sem número de chaves por meio das quais temas podem ser
postos em discussão. Cada camada, cada chave, uma experiência, uma posição. Isso, de
alguma maneira, foi-nos sugerido pela a equipe coordenada por Michel Foucault com a
publicação de “Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão” ([1977]
2003). No caso, o texto, ou melhor, os textos tornaram-se a própria vida de Rivière, um
parricida do século XIX, na medida em que foram expressões de lutas, confrontos, relações de
poder, “uma batalha de discursos e através de discursos” (Foucault, 2003, p.07), que
demarcaram representações, produzindo, por sua vez, sentidos sobre os atos cometidos e
sobre sua vida
89
.
Extraindo desse conjunto heterogêneo de textos algumas inspirações para pensar a
organização de uma leitura possível para as imagens do povo, o primeiro passo é perceber as
implicações dos fotógrafos na construção de representações visuais sobre as favelas do Rio de
Janeiro, a partir da perspectiva da auto-representação. Desse modo, como uma palavra, uma
imagem pode comportar múltiplos significados, portanto, “favela” é esta palavra à espera de
significados. Por sua vez, os sentidos da “favela” na Imagens do Povo são encontrados no
nexo entre acontecimentos imagéticos e perspectivas sobre a “política na favela”.
Pressupondo que a fotografia é uma imagem-ato, todo ato consiste na compreensão de seus
significados. Se compreender é a possibilidade do sujeito descobrir e/ou estabelecer ligações
entre objetos e idéias em sua mútua referencialidade, a compreensão é sempre em um sentido.
Os tipos de imagens produzidas no âmbito da agência Imagens do Povo são variáveis,
indo desde a cobertura de eventos esportivos dentro e fora das favelas, passando pelo registro
das atividades promovidas por ONG’s, até a documentação de temas extraídos do cotidiano
89
A primeira parte do livro é composta, em ordem cronológica, de relatórios de juizes, de depoimentos de
testemunhas, de relatórios de autoridades administrativas, do memorial escrito pelo próprio Rivière, de pareceres
médico-legais, dos autos do processo e do relatório sobre prisão e morte de Rivière.
104
dos favelados. Em cada uma delas as quatro camadas podem ser encontradas, porém umas se
sobrepõem às outras, tornando-se mais, ou menos, evidente em cada situação fotográfica.
Apenas para exemplificar, a camada autoral sem dúvida atravessa toda e qualquer
modalidade fotográfica, porém, ficando mais evidente quando a intenção é mais artística e
menos presa à duração do acontecimento que se deve fotografar. O tempo e o espaço são
dimensões que permitem um controle maior por parte do fotógrafo quando este trabalha pelo
prazer estético, aliado ou não as outras dimensões (política, por exemplo).
Camada autoral
Alma: este era o tema autoral de Bira Carvalho. Um tema impalpável, não tátil, e
muito difícil de ser debatido, por isso, quando o fotógrafo conversava com Ripper e com
Dante sobre as possibilidades de exploração do tema, os professores recomendavam-no achar
a “alma” em lugares específicos, e não na favela como um todo. Bira não queria achar a alma
no boxe, no futebol, no show de reagge, na religião. Para encontrar a favela, o fotógrafo
buscava todas as almas. Um “problema” das Ciências Sociais colocado para documentação
fotográfica: o que faz da favela a “favela”? Buscar a “alma” da favela traduzia-se numa busca
incessante por si próprio (favelado, nordestino, negro, atleta paraplégico, fotógrafo, ativista
político, coordenador de ONG, “oficineiro”, todos Bira ao mesmo tempo), um investimento
para uma documentação eterna, inacabável.
Com sua companheira inseparável, a NiKon D-200 (adquirida por serviços prestados à
ONG Luta Pela Paz – uma academia de boxe na Maré), Bira e eu caminhávamos de um ponto
a outro da Maré, ignorando aquilo que foi tratado de modo enfático no filme “Maré, nossa
história de amor”, da diretora Lúcia Murat: as fronteiras invisíveis que separam os territórios
dominados por facções rivais
90
. Naquele escaldante verão de 2007, Bira queria entregar uma
orquídea a um recém conquistado amigo e eu o acompanhava, alertando-o para o fato de que
se nossa tarefa não fosse rapidamente executada, a planta iria sofrer. Chegando à casa de seu
amigo, a filha disse que seu pai havia se dirigido à Vila Olímpica. Mudamos o curso e,
chegando, Bira lhe presenteou com a flor, recebendo em troca um caloroso abraço.
90
Embora o fotógrafo não reconhecesse essas fronteiras como intransponíveis, outros, porém, não a ignoravam.
Alguns fotógrafos faziam o assim chamado “caminho dos covardes”, um caminho “neutro”, para transitar entre a
Ceasm do Morro do Timbau e o Ceasm da Nova Holanda, em território de facções rivais.
105
Conversamos um pouco, em seguida gravei o relato sobre os trabalhos autorais do fotógrafo.
Antes, porém, Bira me contou a história daquele homem. Era um ex-traficante que não
agüentava mais a vida no tráfico. Não gostaria de morrer naquela altura da vida, maduro e
com filhos para criar. Não gostaria igualmente que seus filhos seguissem seu caminho,
portanto, resolveu encerrar sua carreira na “vida do crime”. Gostava muito de flores, mas a
“vida honesta” não lhe permitia comprar tantas quantas queira, por isso, Bira resolveu
presenteá-lo. Seu amigo era realmente um sujeito muito simpático, insistiu muito para que eu
entrasse em seu time para disputar uma partida de futebol, dizendo-me que não era preciso se
preocupar, pois ali havia “pernas de pau” e tudo não passaria de uma grande brincadeira.
Rejeitei o convite, mas aceitei um segundo para uma partida no outro fim de semana. No
entanto, como também não compareci, Bira transmitiu o recado de seu amigo: “olha, o cara
mandou te falar que tu perdeu. Tava muito bom e ainda teve churrasco e cerveja”. No entanto,
vejamos a narrativa de Bira sobre seu trabalho autoral:
O tema surgiu de uma mulher de uma sabedoria absurda, semi-analfabeta:
minha mãe. Uma foto ou outra, das que eu gosto, de vez em quando, mostro
para ela para ver o que ela acha. uma vez eu mostrei uma foto dela de
quando ela tinha sonhado com a mãe dela, à noite, fumando e olhando para a
janela. Aí, quando eu mostrei uma outra foto num outro dia, ela falou que eu
fotografava o corpo e a alma das pessoas. E eu fiquei de bobeira, meu mano,
não sabia que invadia tanto assim a privacidade das pessoas, mesmo de forma
respeitosa. É invasão. E eu comecei ver que... a força que a favela tem,
um...Quando ela falou isso eu comecei a olhar minhas fotos. Minha forma de
fotografar mudou. Porque eu comecei a ver, reparar na expressão, mesmo com
as pessoas que estavam de costas. Entender sobre sentimentos, amor... dor,
esperança, fé. Eu entendi que não podia mais fotografar uma temática só, e
mesmo fotografando uma temática eu chegaria na alma. Porque no fundo,
no fundo, ela intuiu mais do que eu e o Ripper o que eu tinha que fazer.
Porque eu tinha escolhido primeiro “tribos”, para mostrar a diversidade na
favela. Têm pessoas que são anarco-punk, têm uns que gostam de funk, outros
de forró, reagge, e a sociedade que de um lado pensa que é funk e
neguinho careca. Eu raspo a cabeça antes de Ronaldinho, desde 94, porque eu
ganhava um salário e podia cortar o cabelo uma vez no mês. É foda,
acostumei. E quando ela intuiu isso, mano, ela chegou onde eu não tinha
chegado. Que meu negócio era fazer a diversidade, mostrar as pessoas que
moram na favela. Anarco-punk, mas o anarco-punk anda de skate, mas tem
um cara da igreja que anda de skate, tem o mesmo amor, mas são diferentes e
tem uma coisa que une que é o skate. E eu comecei a viajar sobre isso, que
mais do que mostrar o que é o diferente é mostrar o que unia. Eu podia até
mostrar o diferente, mas mostrar o que unia... Eu cheguei no tema alma, que
não é tão fácil de explicar, nem de chegar, porque você tem criar uma relação.
Não é o fotografar por fotografar mais. O momento. É fotografar o algo mais.
tem que ter sintonia. Mais do que conhecer a técnica, obturador,
velocidade, luz, curvatura, luz ideal, luz dura, o fio de ouro, película ou cromo
que satura mais a cor, mas endurece a sombra. Se não tiver a sintonia, ele pode
estar até com a Leica última geração, a D-200 (maquina que ele possui), se
106
não tiver o coração aberto e a mente. E lutar contra seus preconceitos, que é
uma luta interna, o auto-conhecimento.
Bira nos fala de uma favela insuspeita, não reificada. Fala-nos da diversidade cultural,
mas nos fala, sobretudo, da construção de seu olhar sobre essa diversidade, resistindo vê-la
como mosaico de formas e estilos que não dialogam, mas como algo em relação e de como o
resultado imagético dessa relação ainda é uma incógnita em seu trabalho. Contudo, encontra
no ato de fotografar o caminho para continuar se perguntando: o que é a favela? “Quando
você está fotografando, na realidade, você está auto se conhecendo, a forma mais ampla de
ver Deus”, reitera o fotógrafo, mostrando-nos uma vez mais que fotografa não para mostrar
“sua favela”, “sua periferia”, mas para encontrar os sinais e fragmentos de si nos outros.
Na camada autoral se percebe com mais força o controle do fotógrafo sobre seu
projeto, pois é ele o autor, o editor, o narrador e a “personagem” de seus ensaios. Inventar-se
enquanto cria, são possibilidades proporcionadas pelo trabalho autoral. As imagens autorais
são aquelas que se encontram nos portfolios dos fotógrafos. Nesse domínio, o fotógrafo pode
explorar os aspectos mais plásticos e as potencialidades da fotografia enquanto arte, sem
perder de vista o linguagem própria do documentário fotográfico. Outro ensaio com o qual
acredito demonstrar as características que tornam evidente a camada autoral diz respeito a
documentação de uma comunidade evangélica. Neste ensaio o olhar estético é tanto uma
apreciação formal, quanto um exercício etnográfico.
O autor deste ensaio é Rosinaldo Lourenço. Em entrevista realizada no CEASM, onde
é coordenador do cleo de Comunicação e Imagem, o autor relatou sua experiência de
documentação. Na busca pela religiosidade em geral, o fotógrafo acabou permanecendo com
apenas uma igreja. Para adquirir confiança dos sujeitos fotografados e captar momentos
densos de um culto cristão, considerou ser mais importante insistir num locus fixo, indo
dezenas de vezes fotografar a igreja. Fazer pesquisas e entrevistar, ainda que informalmente,
os fiéis e os sacerdotes fora do culto foram fundamentais para prosseguir a documentação.
Histórias e percepções que versam sobre estranhamento, proximidade e os dilemas da busca
pela objetividade. Buscando o tema da religiosidade na favela, procurou tanto terreiros de
candomblé, quanto de umbanda; as Assembléias de Deus e as igrejas católicas:
Mas aqui na Maré não existia terreiro. Existia um, que era uma casa, que eles
faziam de terreiro, mas não era um terreiro mesmo, como eu ia fazer para
documentar terreiros na Maré se não existe? Porque no início da Maré existia.
Um tempo atrás, quando a Maré era Maré, palafita e vinha os migrantes para
cá, existia muito terreiro. Mas pensei em documentar as que mais eram
documentadas, as mais vistas. que a Assembléia de Deus ela não é muito
107
documentada. E como eu tinha um contato, porque havia fotografado
uma vez. [...] Vou tentar buscar a vivência dessas pessoas, entrar dentro da
casa delas, conversar com elas, buscar o trabalho delas. que eu o acabei
conseguindo isso [...] Vou tentar buscar isso de outra forma. Vou tentar captar
alguns sentimentos, algumas alegrias, algumas coisas que acontecem dentro da
igreja. Só estando lá para você ter idéia do que é [...] o cara falar lá, a começar
a falar a tal da língua estranha, que eles falam, a receber o espírito santo [...]
Vou começar a
documentar a
partir disso, esse
tipo de espírito
santo que eles
dizem que
recebem [...] eles
se abraçam, eles
choram [...] Um
cara ficou um
tempo em
silêncio absoluto,
e eles falando a
língua estranha, e
caminhado pela igreja: eu tenho que buscar isso. As pessoas começam a
chorar do nada, a sentir emoções diferenciadas. Dá arrepio quando se chega lá
dentro. Eu tentei documentar também a questão do social [...] tentei pegar o
dia a dia do culto, quando a igreja estava mais cheia, quando a igreja estava
mais vazia, e quando tem o pregador do dia.
Da religiosidade em geral, Rosinado Lourenço, optou pelo recorte temático e por uma
igreja apenas, a Assembléia de Deus, no Parque Maré. Consequentemente, as escolhas lhe
proporcionaram um envolvimento intersubjetivo convertido em conhecimento sobre si e sobre
o outro.
acabei documentando ela, até mesmo porque a maioria das pessoas ali eu
tinha um conhecimento, sabia mais ou menos como era vida delas, elas
aqui, porque você conhece essas pessoas. Às vezes, elas podem ficar meio
assim: ‘pô, o cara está me fotografando (?!)’. Beleza, mas você tem como
entrar um pouco mais na vida dessas pessoas. A vida que eu falo é a vida
religiosa. [...] A Igreja aqui do “Cai Dez” não se com a Igreja do Engenho
da Rainha (chamam de Engenho da Rainha porque a cede é lá), que é essa que
eu estava documentando. Mas eu não quis documentar isso (os conflitos entre
as Igrejas), mas quis documentar um pouco do sentimento que é passado para
as pessoas mesmo. A pessoa que chega na igreja e começa a ver isso, é óbvio
que ela vai se espantar, porque ela o está acostumada com isso. Mas ela
começa a se acostumar. Ela começa a ver que é isso mesmo. Eu mesmo que
não tenho religiosidade nenhuma me arrepiava quando estava dentro. E o
pastor chegava para mim: cara você vai mudar a sua vida! Óbvio que é
conversa de todo mundo [...] que eu o podia misturar muito porque eu
estava documentando. Às vezes eu achava que estava atrapalhando, porque
ele estava lá num momento de transe. Num momento deles, entende, de
esquecer problemas, de esquecer de responsabilidades [...] As atividades que
eles faziam, os gestos que eles faziam, era o que me chamava mais atenção.
[...] eu trago para dentro da nossa realidade, quer dizer, eu falo da minha
108
por causa da
vivencia que eu
tenho dentro da
favela mesmo. O
cara entra para o
tráfico, a
salvação do cara
é essa aqui [...] a
salvação que eu
digo é porque foi
uma cultura
criada que é
complicado a
de dizer como
isso chegou a acontecer. Se o cara sai do tráfico e entra na igreja católica ele
não vai ser bem recebido quanto estar num tipo de igreja como a Assembléia
de Deus [...] É a igreja também, porque se o cara vai para o candomblé e sai
do tráfico, o cara vai ser morto ou vai acontecer alguma coisa com o cara [...]
ai vai falar que é o demônio, mas eu acho que não é, acho que é um tipo de
cultura que essas pessoas não conseguem compreender, mas que acabaram
acatando isso, acabaram segurando a idéia que a Assembléia muda a vida da
pessoa, que o cristão muda. O que acontece, o cara vai para a igreja, fica um
tempo na igreja, a grande maioria sai, mas ficam na mesma ali, não voltam
para o tráfico, mas podem convier tranquilamente de novo. Parece que é um
lugar onde você está todo errado, entra e se conserta [...] Sai da sociedade
violenta, entra para sociedade religiosa e sai, volta para violenta, mas não
como o cara que participa da violência, mas que está ali como um morador de
favela comum. Claro que eu não documentei isso, mas você vê concretamente,
porque você foi nascido, criado e está aqui vendo o dia a dia dessas pessoas.
Basicamente o que eu quis mostrar foram esses gestos, esses sentimentos que
essas pessoas têm.
A fala do fotógrafo, elaborada através da exegese de suas imagens, mostra o profundo
conhecimento que passou a ter sobre a história das Assembléia de Deus, da organização
interna e dos projetos de ampliação da igreja que documentou. O fotógrafo descreve o ato de
documentar como um ato de “descobrir” (Guran 1995), redimensionando sua atividade de
documentarista para além da suposta simplicidade do registro e da produção de documentos,
trazendo para si uma reflexão sobre a ética do olhar e as relações de alteridade na favela. Por
morar na favela, Rosinaldo coloca questões para si mesmo como àquela sobre a conversão dos
traficantes, que mesmo não seguindo adiante com os preceitos religiosos, “converte-se” em
“morador comum” ao passar pela experiência do transe, da possessão. Acontecimentos
imateriais, portanto, não fotografáveis.
De todo o material produzido, escolheu 56 imagens para projeção que organizou junto
à Igreja. Considera que as melhores fotos foram feitas com analógica, não apenas pelas
qualidades estéticas das fotos, mas porque o cuidado com a composição foi maior, levando
mais tempo até o “click”, o que lhe rende maior reflexão (economia provocada pelo limitado
109
número de filmes e custo da revelação). Enfim, embora não seja evangélico, gostaria que suas
fotos pudessem ser lidas com a intensidade emotiva sentida ao fotografar. As cenas que
produziu das “ofertas” (doação em dinheiro feita pelos fiéis), para ele, não tem qualquer
conotação denunciativa, ao contrário, expressa uma relação de confiança, por isso não deve
ser lidas fora de contexto.
Entretanto, se a favela foi, ou ainda é, “representada como um dos fantasmas
prediletos do imaginário urbano” (Zaluar e Alvito, 2003), pela desconstrução dessa imagem
se empenham os fotógrafos da Imagens do Povo. Em primeiro lugar, porque as favelas são
seus espaços de moradia, de lazer, de trabalho e lá, com as pessoas de lá, produziram suas
subjetividades e se inventaram enquanto pessoa. Em segundo, ao optarem pela formação em
fotografia, dentro da estrutura de oportunidade na qual estão inseridos, comprometeram-se
com o projeto político da Imagens do Povo. Daí as declarações: “Fotografia é mais do que um
papel com lembranças de família. Pode ser um meio de mobilizar as pessoas” e “Acredito que
posso contribuir com a desconstrução dos estereótipos de violência e desordem,
historicamente atribuídos aos espaços populares. o é de hoje que a grande mídia
estigmatiza a pobreza como foco de criminalidade”
91
A camada política
Os estereótipos são imagens mentais hiper-simplificadas de uma determinada
categoria de indivíduos, que podem tornar-se sociais quando são “compartilhados por um
grande número de pessoas, implicando a partilha de um processo de difusão efetiva. Os
estereótipos são geralmente acompanhados por um preconceito, isto é, uma disposição
favorável ou desfavorável em relação a qualquer membro da categoria em questão” (Tajfel,
1982, 160-1). Nos registros (textuais e fotográficos) das representações da imprensa pode-se
observar uma das funções da estereotipia, isto é, produzir correlações ilusórias entre duas
classes de acontecimentos que, na realidade não estão correlacionadas, ou estão
correlacionados em menor âmbito que o relatado
92
.
91
Entrevistas concedidas por, na ordem das falas, por Jaqueline Felix e Adriano Rodrigues à Fabrizia Granatieri
da revista Fotografe Melhor, ano 11-N°123, dezembro de 2006. Acrescento que acompanhei estas entrevistas e
inclusive apareço em duas das fotos feitas na sala de aula pela autora da matéria.
92
Também sobre a construção dos estereótipos, Barthes faz a seguinte consideração: “assim, por sua própria
estrutura, a língua implica uma relação de alienação. Falar, e com maior razão discorrer, não é comunicar, como
se repete com demasia freqüência, é sujeitar: toda língua é uma reificação generalizada. [...] Por outro lado, os
signos de que a língua é feita, os signos existem na medida em que são reconhecidos, isto é, na medida em
110
Os estereótipos construídos sobre as favelas são os pontos com os quais se pretende
confrontar os problemas relacionados à elaboração de auto-representações fotográficas e a
construção do imaginário social sobre a favela. No entanto, a camada política pela qual se
constrói as imagens do povo não se limita a uma alternativa imagética, ela representa,
também, o engajamento dos fotógrafos. São imagens produzidas com intuito de dar
visibilidade as lutas sociais e de denuncia de acontecimentos críticos. Portanto, as “imagens
do povo” como componentes de estratégias de visibilidade desenvolvidas pelos movimentos
sociais podem ser lidas como estratégias de sobrevivência” (Farias, 2006).
Nos parágrafos seguintes tento sistematizar algumas entrevistas realizadas em outubro
de 2006 correlacionando-as com notas de campo feitas no mesmo período. Procuro
demonstrar como trabalham os fotógrafos, quais recursos mobilizam quando fotografam e que
tipos de relações estabelecem nos momentos em que são eles “partes” de acontecimentos
crítico, violentos.
No dia de outubro o fotógrafo Bira Carvalho cobriria a eleição na Maré. Repete
esse trabalho alguns anos
93
. No instante em que saiu de casa, ao observar a rua, decidiu
qual seria sua pauta de documentação. Fotografaria crianças: “aconteceu que esse ano eu tinha
elegido fotografar criança, mano, que na minha mente era um momento de esperança em um
momento de corrupção como esse aí: crianças brincando num momento de eleição”. E Bira as
fotografou até dar uma pausa para o almoço. Quando entrou em sua casa, ouviu tiros. Avaliou
e concluiu: pela hora, pela quantidade de pessoas na rua, pelo clima festivo, os disparos
poderiam ter sido dados pela polícia. Em seguida aos disparos, os moradores foram lhe
chamar. Uma multidão formara-se em frente ao 22° Batalhão clamando por justiça. Para se
dirigiram: um menino de três anos de idade fora assassinado com um tiro de fuzil no
abdômen, exatamente no lugar onde estava o fotógrafo, momento antes.
Perguntei por que os moradores lhe chamaram e a resposta foi imediata: “as
fotografias”. Entretanto, por ele ser fotógrafo explica apenas parte de minha pergunta. Foi
acionado pelos moradores não por ser uma pessoa que possui uma câmera e sabe usá-la, foi
chamado, antes, em razão dos vínculos que estabelece com as pessoas do lugar onde vive.
Vínculos de amizade e confiança: tem mesmo a confiança do Major e dos Oficiais do
Batalhão da Maré. Em uma determinada ocasião, a diretoria da Vila Olímpica da Maré, a qual
que se repetem; o signo é seguidor gregário; em cada signo dorme esse monstro: um estereótipo: nunca posso
falar senão recolhendo aquilo que se arrasta na língua” (Barthes, 1977 p.15).
93
Bira Carvalho m fotos de cobertura de eleições publicadas em algumas mídias. Uma delas, realizada na
eleição de 2004, foi capa do livro Até Quando? / [organização]: Jailson de Souza e Silva, J.R. Ripper; fotos:
Projeto Imagens do Povo/Observatório de Favelas; texto: Pedro Garcia. – Rio de Janeiro: Observatório de
Favelas, 2005.
111
o fotógrafo faz parte, e os representantes do Batalhão reuniram-se para discutir assuntos
comuns às duas instituições vizinhas (a Vila Olímpica e o Batalhão são próximos um do
outro). Neste momento, estabeleceu-se um canal de interlocução entre as autoridades policiais
e o fotógrafo. E este canal foi acionado no dia da tragédia. Temendo o que estava por vir, o
fotógrafo e o Major se interpelaram:
Ele me chamou. Ele achou que eu poderia deter a multidão, que estava cada
vez aumentando mais. Eu cheguei questionando, ele me chamou no canto e
falou ‘Poxa Bira, você sabe que a
minha não é essa...’ Eu falei: ‘Major, mas,
pô Major, mataram uma criança de três anos. Até sei que o senhor não é disso,
mas no mínimo foi imprudência’.
Enquanto parte da multidão dirigia-se à Linha Vermelha, para “fechá-la”, trocas de
acusações eram proferidas entre policiais e moradores. A tensão na manifestação chegou a seu
ápice quando moradores começaram apedrejar os carros particulares dos policiais,
estacionados na calçada do Batalhão, e, em resposta, os policiais atiraram bombas de gás para
dispersar a multidão. Uma narrativa visual sobre o acontecimento a partir da repercussão do
caso nos jornais e de fotografias da agência Imagens do Povo se encontra no anexo 06.
Quando os moradores se dirigiam à via expressa para interditá-la, faziam isso no
intuito de tornar visível àquilo que ocorria na favela. Fechar uma via importante ou uma
avenida é, certamente, um dos meios mais rápidos e eficazes de se comunicar, sobretudo, à
imprensa de que algo está acontecendo, isto é, um modo eficaz de tornar mediatizavél o que
de outra maneira não o seria. Adriano Rodrigues, fotógrafo da Agência, seguiu com os
manifestantes nesta ação, mas não a fotografou. Perguntei o porquê da opção, disse-me que na
hora não se sentiu à vontade, percebeu que os “nervos estavam à flor da pele”. Por isso,
preferiu seguir mais na condição de manifestante do que de fotógrafo. Entre os ele e Bira não
houve qualquer tipo de comunicação durante o desenrolar do acontecimento, souberam do que
estava acontecendo da mesma forma, através do ‘boca-à-boca’.
Sobre este meio de comunicação, remeto a narrativa de um morador que dizia não se
preocupar com as coisas que acontecem, ou que estão por acontecer, em sua casa, e de como
ele ficaria sabendo, se lá não estivesse: “se sua mãe passar mal dentro de casa e você não
estiver lá, estiver em outra favela (na Maré), distante da casa, não tem problema, você será
avisado em menos de dois minutos. Não precisa de celular”
94
.
94
As redes de comunicação que se formam por este “método” são bastante eficientes e servem também, quando
transmutada em circuitos de fofocas, para tipificarem e qualificarem pessoas, meio pelo qual se opera a
impressão de marcas distintivas: “esse hoje é da igreja”, “aquele é ainda da boca”, “aquela faz faculdade”, “este
112
A multidão, espontaneamente formada, rebelara-se contra os objetos pertencentes aos
policiais. Seus carros estavam em vias de destruição. Diante do fato, Bira, com a câmera em
punho, preferiu não fotografar a destruição dos carros, justificando sua atitude e avaliando seu
trabalho naquele dia:
Porque essas fotos para mim não estão acusando os policiais, porque se eu
parar para analisar, mano. Eu estava ali pensando no carro dos “canas” sendo
apedrejado, deve ser foda, tanta gente te odiando. Será que todos eles pensam
da mesma forma? Eu acho que não. Eu estava pensando nisso naquele
momento, ali, quando começou as pedras. É foda ser polícia na favela, todo
mundo te odeia, mano. Ninguém gosta de tu. Você é o estereótipo do braço
repressor do Estado. E eu fiquei percebendo, naqueles minutos, pensando
sobre isso. E a massa da gente! Se pegam eles sem armas ali, matam!
A cena é o enterro da criança assassinada. Se os fotógrafos preferiram o fotografar
determinadas cenas da revolta dos moradores, mas as cenas do enterro, ao contrario, são
fartas, evidenciando as relações de confiança, por um lado, e uma posição diante do
acontecimento, por outro. Embora os jornais
tenham dado primeira página para destruição
dos automóveis particulares dos policiais, os
fotógrafos da Agência não a fotografaram: em
primeiro lugar, porque, junto a outros ativistas
e diretores de ONG’s, tentaram evitar a
destruição dos carros, em segundo, pois não
seriam eles quem produziriam ‘provas’ que incriminassem pessoas tão indignadas quanto
eles.
Considero as fotos do enterro bastante impactantes. Além do impacto que a morte de
alguém nessas circunstâncias pode gerar, o efeito provocado pelo uso das lentes grande-
angulares permite um campo de visão maior, possibilitando o fotógrafo agregar mais
elementos na cena construída, ao contrário das tele-objetivas, que fornecem o “detalhe”,
possibilitando fotografar a distância. As grande-angualres “obrigam” o fotógrafo a uma
proximidade física maior com os sujeitos e objetos fotografados. Proximidade essa não
está desempregado”. Para demonstrar essas relações recorro à pergunta que fiz a um outro fotógrafo para saber
se reconhecia algum perigo em fotografar na presença de usuários e comerciantes de drogas ilícitas. Respondeu-
me que na favela não como esconder o que você é. Todos os seus vizinhos sabem que ele fotografa e quanto
aos usuários de drogas, disse-me não fazer a menor diferença fumar maconha na outra esquina, ou fumar na
porta de casa; as pessoas saberão entre os usuários quem é da ‘boca’ e quem não é, saberão, inclusive, qual é o
lugar que o indivíduo ocupa na hierarquia do tráfico. Para fotografar perto de uma “boca” não precisa pedir
autorização, concluía, é só não apontar a câmera em direção a ela.
113
apenas no que se refere ao gosto estético, ou nas obrigatoriedades ópticas impostas pelo tipo
de lente utilizada no trabalho. Depois do enterro, os fotógrafos Fábio Caffé e Ratão Diniz
resolveram permanecer entre os familiares da vítima. Na casa da mãe de Renan, os fotógrafos
produziram imagens do enterro transmitido pelo noticiário televisivo. Era a mesma televisão
que, antes de sua morte, distraía o menino com desenhos animados.
O caso teve repercussões políticas que, por sua vez, continuaram a serem
documentadas. O documentação relativa ao caso tornou-se exemplar na Imagens do Povo,
embora o uso delas tenha sido bastante limitado, como considera os próprios fotógrafos, em
razão da repercussão na mídia. Desencadearam-se no âmbito da Agência discussões a respeito
da possibilidade de plantões para cobertura de casos similares e sobre maneiras de tornar a
fotografia mais eficiente como instrumento de uma causa e denúncia da violência,
principalmente, policial.
A camada política remete imediatamente à questão ética da fotografia: se os usos da
fotografia determinam em grande parte os modos pelos quais elas são apreendidas, a
construção das personagens fotográficas se relaciona diretamente ao tipo de ‘uso’ dessa
pessoa (desapoderada, despossuída, dilapidada, espoliada) como tema dentro de um código de
mensagem fotográfica que vincula o objetivo político ao ético, criando intercâmbios e
resistências no nível dos valores. Assim, Sontag redime os fotógrafos ao considerar que: “as
imagens têm sido criticadas por representarem um modo de ver o sofrimento à distância,
como se existisse algum outro modo de ver. Porém, ver de perto sem a mediação de uma
imagem – ainda é apenas ver” (Sontag, 2003, p. 98).
“Respeito e dignidade”, título do editorial de O Cidadão
95
(fevereiro, março, abril de
2006, ano VIII 44.), antecipa os termos com os quais o jornal discute o problema da
violência. A foto de capa é o postal da campanha contra o “Caveirão” (veículo blindado
utilizado em operações polícias em favelas), promovida por diversas entidades ligadas à
defesa dos direitos humanos. O texto pontua o fato de que violência, em especial a promovida
por policiais e traficantes, afeta drasticamente a vida das pessoas que moram nas áreas em
conflito, deixando-as doentes, prejudicando a rotina escolar, atuando na desvalorização dos
imóveis do local e restringindo o direito de ir e vir.
Embora a edição do jornal não trate apenas deste tema, enfocando também os
impasses relacionados à remoção da favela Mandacaru (ocupação situada na Maré) e de
outros temas ligados ao cotidiano das “comunidades” (ecologia e saneamento; divulgação de
95
O jornal é uma publicação do Centro de Ações Solidárias da Maré e tem tiragem de 20 mil exemplares, com
distribuição gratuita, com circulação destinada principalmente à Maré.
114
ações bem sucedidas nas áreas de esporte, saúde e cultura; entre outros), chamou-me atenção
a reportagem de capa, principalmente por seu conteúdo imagético. Nela texto e imagens
convergem para o argumento de que não existe uma política de segurança pública que sirva
aos moradores de favelas, e o corolário desta ausência é justamente a ação (repressivas)
promovida pelo Estado.
O argumento é construído com falas de moradores “comuns”, de moradores
politicamente engajados, de especialistas, com imagens de fotógrafos que moram na Maré e
com ilustrações feitas por um morador. No texto temos a seguinte declaração de Marcelo
Freixo
96
: “O princípio de qualquer guerra é a destruição do inimigo. Quem seria o inimigo da
sociedade? O pobre, negro e favelado? O Caveirão viola todos os tratados internacionais e
todas as leis nacionais” (O Cidadão, pg. 14). Na seqüência, segue-se a observação dos
redatores: “o Governo do Estado diz que o carro foi feito para entrar na comunidade em
situações de conflito, mas o que acontece é que na briga de facções ele não aparece” (ibid:
idem).
Uma das fotos utilizadas na composição do argumento é de Bira Carvalho. A imagem
é acompanhada da legenda onde se lê: “Crianças brincando na quadra da praça da Nova
Holanda quando de repente passa o Caveirão”. A imagem apresenta, em primeiro plano,
crianças e adolescentes no instante da troca de camisas e de times, provavelmente para o
início de nova partida do futebol jogado na quadra da praça, no momento em que o veículo
blindado da polícia passa ao fundo da quadra, cena em segundo plano. A tranqüilidade
aparente dos meninos no futebol contrasta com o relato, posto ao lado da foto, quando uma
moradora narra a ocasião em que presenciou o desespero de uma criança desavisada que
encontrou no caminho em direção ao CIEP Operário Vicente Mariano, na Baixa do Sapateiro,
dois veículos blindados. No entanto, não quero dizer com isso que a foto (também de um
morador) desminta os relatos componentes do texto, todos sobre medo da polícia e em
repúdio às ações violentas, mas ao contrário: a foto complexifica e até mesmo radicaliza o
argumento.
A imagem do “Caveirão” foi construída pelos movimentos sociais como a
representação da falência da segurança pública, enquanto para o governo o blindado
representa a inovação e os investimentos na área da segurança. A foto de Bira, no entanto,
desmistifica o argumento da Secretaria de Segurança segundo o qual o veículo seria apenas
96
Na reportagem Freixo é apresentado como professor de história, pesquisador do Centro de Justiça Global e ex-
coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Atualmente exerce
o mandato de deputado estadual (PSOL/RJ).
115
utilizado em operações especiais: nada de especial na cena justifica a presença do blindado,
ademais, se havia um jogo de futebol certamente não havia conflito entre facções, nem
conflitos entre policiais e traficantes
97
.
O engajamento político na favela passa fortemente pela denuncia e luta contra
violência. Por isso, dirigi a Valdean, que na ocasião da entrevista atuava junto com Kita
Pedrosa na gestão do banco de imagens, um pergunta sobre o lugar das imagens da violência e
da pobreza no conjunto das produções da Agência. Ele respondeu:
A fotografia serve para muitas coisas: serve para você lembrar o que se quer
lembrar e guardar de lembrança, mas serve para registrar um fato que você
quer que não aconteça, ou que acontece. Nesse sentido, a imagem serve como
um suporte da memória tanto individual quanto coletivo. Para mim, ela
funciona nesse sentido. Na questão do que a gente quer com a imagem,
acredito que mostramos o cotidiano e nele mostramos ou o que queremos que
aconteça, ou algo que queremos que não aconteça. Quando documentamos
temas relacionados à violência a gente precisa do suporte de idéias, porque
podem, a partir de uma imagem nossa, ser atribuídas outras idéias. Essa
violência que se mostra no dia a dia é o resultado de inúmeras outras
violências, e isso não é colocado. Nesse sentido, quando se faz um ensaio
dentro do tema da violência, a gente vai mostrar algo do ponto de vista do que
queremos que não aconteça. Dentro disso, iremos nos cercar de todas as
possibilidades para que passar essa idéia. Porque não é nosso propósito
fotografar a violência e mostrar como é mostrado, por que não se trata de
mostrar a violência em si, mas as violências e seus resultados.
Porém insisti com a pergunta, formulando da seguinte maneira: você acha que a
Imagens do Povo alcançou esse patamar, o de construir imagens visualmente complexas em
relação ao tema da violência?
Acredito que a gente ainda não chegou nesta imagem. Olhando nossa
produção como um todo, acredito que essa imagem ainda não chegou.
Sabemos o que não queremos, e isso é um grande avanço. No meu caso,
ainda não fiz uma imagem que represente o meu pensamento sobre a
violência. Mas temos uma coisa muito clara, não iremos reproduzir imagens
sobre a violência da maneira como ela é retratada.
97
A banalidade quanto ao uso do veículo blindado que em seus alto falantes anuncia “que irá roubar a alma”
das pessoas da favela – tiro da minha experiência de morador de um subúrbio na Zona Norte. Durante a
apresentação de um grupo de pagode num bar de minha rua, uma briga de casal tomou proporções maiores, o
que obrigou os organizadores a acionar a polícia. O fato se transcorreu aproximadamente as 23 h de um domingo
de janeiro de 2008. Apenas às 4 horas da segunda-feira, quando não havia mais ninguém no local, os policiais
chegaram para apurar o caso. O grupo de policiais veio no “caveirão”, e justificaram a presença do veículo por se
tratar de uma “zona de risco”. Contudo, se é zona de risco para alguns policiais, não é para outros. Aos olhos de
todos, semanalmente uma viatura ‘simples’ da polícia militar circula o bairro para pegar os ‘arregos’ (propina)
do jogo do bicho e do moto táxi.
116
A camada institucional
As imagens de caráter institucional são aquelas onde o fotógrafo mistura seu olhar ao
da instituição que contrata os serviços da Agência. São ONG’s, empresas públicas e agências
multilaterais basicamente os clientes mais freqüentes da Imagens do Povo. Os fotógrafos são
contratados para cobrir eventos que precisam, para diferentes fins, ganhar visibilidade,
portanto, fotografam acontecimentos que se concretizam, em grande medida, para que sejam
fotografados. Os clientes da Agência precisam dessas imagens para formar memórias visuais
de suas atividades, comporem suas ginas na internet, usá-las para renovação de contratos,
entre outras finalidades. A camada institucional, por isso, guarda semelhanças com a
fotografia publicitária. Como nos diz Barthes:
em publicidade, a significação da imagem é, certamente, intencional: são
certos atributos do produto que forma a priori os significados da mensagem
publicitária, e estes significados devem ser transmitidos tão claramente quanto
possível [...] a mensagem publicitária é franca, ou pelo menos, enfática.
(Barthes, 19xx, p. 28)
Para demonstrar o uso institucional das imagens do povo tomarei dois caminhos. No
primeiro faço uma análise de um documentário institucional que, ao mesmo tempo em que
servil de material de propaganda para a empresa cliente, foi uma oportunidade para a
experimentação do trabalho em conjunto dos fotógrafos. A ressalva se faz no sentido de,
apesar de ser um material “publicitário”, não deixou de ser um documentário fotográfico,
portanto, nesses termos também dever ser considerado. O segundo caminho é a narrativa de
Valdean sobre a pauta realizada em função de um evento promovido por uma agência
multilateral.
O livro “Light nas Comunidades
98
” propõe uma narrativa visual sobre o projeto
“Comunidade Eficiente” promovido pela empresa concessionária de energia Light. Segundo o
presidente da concessionária, Jean Pierre Bel, o objetivo do projeto foi “levar conceitos de
eficiência e uso racional de energia aos clientes através da educação, doação de equipamentos
eficientes e melhoria nas instalações elétricas das casas mais pobres”. Na apresentação do
livro ainda lê-se, dentro dos objetivos estipulados, o envolvimento de agentes comunitários
(formados por jovens moradores das áreas de atuação do projeto) e técnicos da empresa
98
COUTINHO, Márcia e MENDONÇA, Marliane (orgs). Light nas Comunidades. Rio de Janeiro:
Observatório de Favelas, 2006.
117
ofereceu “aos clientes a chance de acabar com a cultura do ‘gato’ e da inadimplência [...]
favorecendo, assim, maior qualidade no fornecimento e maior segurança no uso da energia
elétrica”.
Embora o projeto estivesse seguindo as metas lançadas pelos programas de eficiência
energética, regulados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), na busca por
equilíbrio entre oferta e demanda, um efeito explícito foi a intervenção na organização social
das “comunidades”, algo que foge de sua alçada enquanto empresa privada. Lembrando que o
controle das redes de abastecimento de água e luz sempre serviu como instrumento de
dominação política por parte do Estado e, também, por parte da “burguesia favelada”
(Machado da Silva, 1967), ações como estas, antes de servirem com marketing empresarial,
deveriam se tornar projeto de governo. Hoje em dia, no entanto, depois de assumido o
controle da energia elétrica, primeiro pelas “comissões de luz” formadas por moradores,
posteriormente pela Concessionária, outros recursos econômicos garantem a reprodução e
perpetuação dos instrumentos internos para o exercício do poder político pela camada
dominante da favela
99
, por exemplo, as “gatonet’s” (serviços de internet e venda de canais
fechados), transportes coletivos (moto-táxi e Kombi), venda de combustíveis domésticos,
entre outros.
A ambivalência do projeto promovido pela empresa de luz, porém, não deixou de
proporcionar um espaço interessante para que os fotógrafos da Imagens do Povo pudessem
contribuir com imagens que, no conjunto, narraram visualmente as etapas de execução do
“Comunidade Eficiente”. A produção do livro contou com 55 imagens (a maior parte de
responsabilidade da agência fotográfica) editadas por Dante Gastaldoni e por João Roberto
Ripper. Participaram com suas imagens os fotógrafos Adair Aguiar, A. F. Rodrigues, Alex
Batista, Anderson Oliveira, Daina Araújo, Francisco Valdean, Jaqueline Felix, Janildo
Thomaz, Natália Marinho, Ratão Diniz, Renato Nunes, Rosângela Barbosa e Sadraque
Santos. Ao ensaio se acresceram cinco imagens do arquivo da empresa.
A narrativa fotográfica se inicia com três fotos (paisagem) de “comunidades parceiras”
(áreas de atuação) do projeto. As duas imagens seguintes representam o ato de assinatura da
“parceria” da Light com as “comunidades” beneficiárias. Na seqüência, outra foto de
paisagem mostra um morro densamente ocupado por casas iluminadas pela luz do sol,
99
Sobre os recursos de exploração econômica e dominação política nas favelas, Machado da Silva (1967) nos
diz que esses serviços “só podem funcionar, como recursos, na medida em que se mantiver o status quo, isto é,
na medida em que a organização da favela não sofrer mudanças muito profundas, que a transformem num bairro.
[...] pode-se afirmar que boa parte dos recursos internos, sobre os quais se baseia a organização da favela,
depende de fatores externos e da própria continuidade de certas características de sua organização” (Machado da
Silva, 1967, p. 41-42).
118
imagem produzida a partir de um ambiente de sombra, representado em primeiro plano, e esta
foto antecede as imagens que apresentam as “personagens” do ensaio: o técnico da empresa; o
agente comunitário e o morador da “comunidade”; as ligações de luz clandestinas e/ou
precárias, os objetos da intervenção. Seguem-se a elas imagens que mostram o trabalho dos
técnicos e a intervenção dos agentes comunitários, no papel de mediadores entre empresa e
moradores das favelas. São 26 fotos que se alternam entre a representação do trabalho dos
agentes no ato de aproximação e interpelação com os moradores, e a intervenção direta dos
técnicos na manutenção (ou instalação) das redes de transmissão de eletricidade. A narrativa
visual se finda com o registro das atividades promovidas pela empresa nas áreas de
intervenção: são fotos de eventos culturais (teatro, circo, grafite e música) dispostas em
alternância com o registro de eventos de caráter educativo (palestras e atividades lúdicas que,
nas impressões deixadas pelos signos indiciais, objetivaram transmitir dicas sobre economia
de energia e informações correlatas).
Por não apresentarem legendas e créditos disponíveis no final do livro duas
valorizações estão propostas: uma ênfase no caráter coletivo da obra, evidenciando a agência
Imagens do Povo como produtora do ensaio; e uma aposta no poder narrativo das imagens
seriais. Acredito, endossando ambas as estratégias e pensando do ponto de vista da divulgação
do trabalho da Agência Fotográfica, que o livro foi bem sucedido nesses aspectos.
Um julgamento desse tipo se faz necessário frente algumas críticas possíveis de serem
endereçadas ao trabalho, dentre elas a de ter sido produzido uma representação
demasiadamente generalista sobre a visualidade da favela e sobre a relação dos agentes
sociais envolvidos com problemática das redes elétricas, uma vez que o projeto da Light
passou por aproximadamente 72 favelas, mas apenas algumas poucas foram documentadas.
Por outro lado, se houve conflitos, eles não foram representados.
A entrevista realizada com Valdean pode evidenciar maneiras diferenciadas para
produção de imagens “autorais” e imagens “institucionais”, o que não corresponde à produção
de camadas isoladas, pois uma contém a outra. A produção de representações é um processo
cognitivo que formula imagens que “servem” ou não “servem” para determinados usos.
Assim nos diz o fotógrafo respondendo a pergunta que lhe dirigi: o que você leva contigo
quando está trabalhando? O que você pensa enquanto está fotografando?
Quando realizo um de trabalho às vezes as imagens servem ao trabalho, mas
não para mim. Só que dentro desse trabalho podem surgir imagens que servem
para mim. Quando digo que elas me servem é quando elas atendem as
expectativas de tudo que carrego: meus questionamentos; como nossa
119
sociedade está estruturada, como ela está montada. Quando essa imagem
atende meus questionamentos e ligadas a mais um conjunto de coisas, assim
acredito que é uma imagem que serve para mim. Quando não, atende somente
ao trabalho que estou fazendo.
Então são dois tipos de trabalho, digamos assim: um que é uma pauta para cumprir e o
outro que é um trabalho autoral. Você esses dois tipos de trabalho de maneira diferente?
Tecnicamente não. Tecnicamente o pensamento é o mesmo. Mas
ideologicamente, talvez não. De repente eu faço uma imagem, ela pode servir
para tal tema, que estou pensando, ilustrando, tentando levantar, e que irá
servir para o meu portfólio. Uma pauta é diferente de um trabalho que eu
venho desenvolvendo, como o trabalho sobre o MST que eu venho fazendo a
algum tempo. Tem uma diferença.
Qual é essa diferença?
É uma diferença que se percebe quando ela acontece. A história do fotógrafo,
o ponto de vista dele, ele traz com ele. E no momento que se realiza uma
imagem que representa isso, ele percebe. Quando vejo uma imagem e percebo
nela o meu ponto de vista, a minha história, essa é a diferença.
Então, quando você faz um trabalho para uma determinada instituição você tenta
prever o que seria uma boa imagem para ela, de acordo com a expectativa dessa instituição,
mas se fosse com o seu traço autoral você faria diferente?
Mesmo que eu esteja fazendo um trabalho para uma instituição que espera um
tipo de resultado e, geralmente, esperam, eu tenho o meu. Vou sempre fazer o
meu porque é o que eu acredito. Claro que concessões. Você negocia. Ou
às vezes é até o contrário.
E quanto à edição, você tem critérios diferenciados para editar o seu material e o
material para outras pessoas ou instituições? Que critérios você usaria para os outros que você
não usaria para você?
Bom, eu uso os mesmo recursos para todos os casos. Não tem uma distinção
para o que institucional do que é para mim. É claro que dentro de um trabalho
para uma instituição, a instituição pede, “nós queremos isso...”. Você foi pago,
então, de certa forma, é preciso atender o que eles querem. Se você colocar
somente o que você quer poder ser que não agrade a instituição. Com o tempo
você vai aprendendo a colocar o que você quer, mas em diálogo com o que a
instituição quer. Mas na hora de usar os recursos os critérios são os mesmos.
Fora a técnica, existe algum “filtro político” que você utiliza na hora da edição, por
exemplo, evitando certos personagens, ou valorizando outros?
120
No mercado existe muito isso. As vezes você faz um trabalho sabendo que
tem que entrar elemento tal, daí você joga com acréscimo de elementos.
O livro sobre o trabalho da Light é um pouco exemplo disso?
Olha só, uma vez fizemos um trabalho para uma agência internacional
destinada aos direitos humanos no Brasil, e tinha que se garantir a entrada de
certos elementos. A bola que é símbolo da instituição, na verdade é uma bola
da Nike. Esse símbolo tinha que entrar. Esse foi um momento de embate, por
que o que é a Nike? Uma empresa que escraviza crianças, trabalho infantil e
trabalho muito mal remunerado no território de certos países. Nesse trabalho
tinha que entrar essa bola com o símbolo da Nike. Nos deparamos com esse
dilema, e aí, entra esse símbolo que ideologicamente a gente condena. Eu não
concordo com a postura da empresa. Daí você sabe que a organização tem um
trabalho belíssimo, mas tem como patrocinador uma empresa como a Nike.
Esse foi o dilema, fazer o que você quer e acredita tendo que abrir brechas
para essa bola aparecer. [...] Essa é uma questão complicada. Porque, no
sistema em que vivemos, estamos atrelados a tantas coisas que acabam por se
misturar, como uma empresa capitalista super exploradora que patrocina um
trabalho belíssimo. Infelizmente certas ações necessitam de patrocinadores e
muitas vezes esses patrocinadores não estão de acordo com o próprio trabalho
que estão patrocinando.
A camada ética
A ética na produção imagética tende à não explicitação quando olhar analítico se
dirige apenas ao resultado final: a imagem bidimensional. Permitir que as personagens
posicionem-se de determinada maneira, com um comportamento gestual catalisado em razão
da presença da câmera, ou, igualmente, não permitir que determinadas imagens apareçam, são
acontecimentos fotográficos agenciados eticamente. Koury (2006) nos chama atenção para
essa dimensão da análise social revelada através dos silêncios da fotografia, o que o autor
chama de fora fotográfico: “compreender o significado da escolha dessa e não daquela
fotografia para revelação pública” (Koury, 2006, p. 49). Assim, narro este silêncio.
Com o propósito de participar de atividades realizadas em reação aos acontecimentos
que resultaram na morte de uma criança, passei a primeira semana de outubro na casa de
amigos na Maré. Num desses dias, durante a noite, estávamos tranqüilos, conversando
sentados na praçinha da Nova Holanda, enquanto um amigo fotógrafo e seu colega contavam-
me histórias de seus tempos de criança. Histórias que se passaram no “tempo da
malandragem”, conforme disseram. Narrativas que se cruzavam e por vezes recontavam a
mesma história. Não lhes perguntei nada sobre qualquer tema, mas o próprio contexto parece
121
ter-lhes cobrado isso. Falavam sobre brincadeiras, admiração, medo. Contavam-me que nos
tempos da malandragem era proibido fumar maconha ou usar qualquer outro tipo de drogas
nas vistas de todos. Podia-se fazer o uso apenas na “areinha”, um terreno desocupado ao lado
da Linha Vermelha, lugar onde hoje é a Vila Olímpica. Eram ordens da “bandidagem”. O
mais respeitado entre eles era Jorge Negão, tão respeitado que mesmo depois de morto, sua
família continuou a receber algum percentual de uma das dezenas de “bocas de fumo”
existentes na Maré. Os amigos diziam que na época tinham verdadeira admiração por Negão,
mas, ao mesmo tempo, medo. Negão era impiedoso, principalmente na hora dos “acertos”,
hora em que os devedores quitavam suas dívidas, muitas vezes, com a própria vida. Era o
momento em que as mães corriam ruas e becos recolhendo seus filhos. Outro personagem
evocado foi D’moral, bandido “parceiro” de Negão. Era ele o arauto dos “acertos”. Sempre
com uma camisa do Flamengo, bermuda jeans dobrada acima dos joelhos, cordão e pulseira
de prata, chinelo e uma faca na cintura, D’moral percorria vielas, becos e ruas anunciando a
noite de acertos. Todos se recolhiam em casa. Quem seria o alvo da vez? Numa daquelas
noites, D’moral foi o “acertado”.
Resolvemos regressar até a casa do fotógrafo, onde fiquei hospedado. Outras histórias
percorriam conosco o trajeto de volta. Tantas que parte delas se perdeu no caminho. Bem
próximo de sua casa estavam pouco mais de uma dezena de adolescentes e crianças
aglomerados em frente à lan house de seu beco. Quando surgimos na esquina, eles correram
em direção ao meu amigo fotógrafo pedindo-lhe que fizesse fotos para anexarem em seus
orkut’s. O fotógrafo, apesar de não ter um equipamento digital
100
, estava com uma Nikon D-
70 da Imagens do Povo em casa. Ficou com a câmera para documentar os eventos que se
sucederam ao assassinato do menino. Diante da insistência, fotografou-os, no entanto
interveio decisivamente na composição das fotos, na maneira como os adolescentes queriam
posar. Recusou-se a fotografá-los com um cigarro de maconha, como um dos adolescentes
queria, e proibiu os meninos de fazerem os gestos que aludiam a uma das facções criminosas
existentes no Rio de Janeiro. Mesmo assim, ficaram gratos e o fotógrafo satisfeito. Ali
mesmo, em frente ao estabelecimento que vendia os serviços de internet, onde “descarregou”
as imagens nos computadores, uma jovem mãe que recentemente dera a luz deixou-se
fotografar com sua filha.
Ao entrarmos em sua casa, perguntei-lhe por que não havia fotografado os garotos e
garotas da maneira como eles queriam ser fotografados. Respondeu-me que havia atendido
100
Não era proprietário na ocasião. Hoje, possui uma Nikon D-200.
122
esses pedidos outras vezes e explicara aos jovens vizinhos que a internet é um veículo que
expõem publicamente a imagens das pessoas, e que, portanto, uma brincadeira dessas poderia
ter alguma implicação negativa para eles. Disse-me, também, que caso as fotos ficassem
realmente boas, como poderia aproveitá-las em um possível ensaio fotográfico, se o que se
veria ali era apologia às drogas e ao crime, coisa que jamais gostaria de fazer. Entretanto,
descobri naquele mesmo dia, ainda que pudessem ser consideradas boas fotos seriam sempre
fotos impublicáveis. Com exceção das imagens de algumas das crianças aglomeradas na lan
house, que inclusive se tornaram personagens de outras fotos conhecidas dele
101
, e da mãe
com sua filha recém nascida no colo, os personagens daquelas fotos jamais serão vistos
novamente. A não ser no display da própria câmera que os fotografou logo após serem
fotografados. Não serão fixados em nenhum suporte para que sejam vistos. Não porque sejam
personagens desinteressantes ou que as situações ali vividas e fotografadas não tenham
nenhuma importância enquanto possível tema de documentação e nem mesmo a porque a foto
de uma mãe adolescente posando com sua filha seja tema melhor para ser fotografado. O
fotógrafo e sua ética impediram-nos de ver algumas daquelas imagens. Mesmo com todo
controle exercido na produção das imagens que imediatamente devolveu aos fotografados,
quando descarregou a máquina num dos computadores da lan house, ele apagou da memória
da máquina fotográfica grande parte do que registrou nas pouco tempo da interação. Isso
porque conhece aqueles adolescentes desde os seus nascimentos. Conhece as histórias de cada
um, sabe de seus afetos e, também, de seus desafetos. Sabe que aqueles meninos e meninas,
apesar da pouca idade, experimentaram muitas coisas em suas vidas: casaram-se e
separaram-se, tiveram filhos, envolveram-se em situações que concorreram contra suas vidas.
Vidas intensas e, por isso, identidades impossíveis de se fixar numa imagem que fosse de sua
autoria. A conversa que tivemos antes de dormir foi sobre a vida de cada um daqueles
adolescentes, que desapareciam um a um com o toque no botão apagar da câmera.
As Imagens do Povo
Nenhum desses domínios é isolável. As imagens são perpassadas por eles e por outros.
As imagens do povo são as relações tensas, irresolutas e permanentes entre autoria, ética,
política, estética na retórica da imagem. Como nos fala Barthes (1984), tensões dadas na
101
Fotos expostas em centros culturais, galerias e publicadas em livros e revistas, uma delas na revista Fotografe
Melhor.
123
mútua implicação do spectrum, do operator e do spectador: o que se vê, como se olha, e a
quem se mostra. As imagens do povo são, portanto, “registros de olhares ‘endógenos’ de
quem circulam em seus lugares de origem”; são, igualmente a crítica ‘endógena’ ao olhar
‘endógeno’; imagens que “renegam a noção a de cidade partida”; imagens que são
“instrumentos de arte e contra-informação”, forjados por um “olhar humanista sobre a
sociedade”, “um olhar além das estatísticas frias com o que as favelas são habitualmente
retratadas”; portanto, imagens capazes de “registrar a capacidade de resistência das
populações faveladas”
102
.
Os usos e a circulação não impedem as apropriações resignificadoras dessas imagens.
Quem nos diz isso, dessa vez, não é a teoria, mas os próprios fotógrafos: “uma imagem
sozinha pode dizer muita coisa, mas ela precisa estar embasada em alguma idéia. Mas uma
imagem diz muita coisa. Ela abre caminho para se poder falar de muitas coisas. Então, é
preciso alguma coisa estar por trás da imagem para ela poder dizer alguma coisa”. Assim,
uma atenção especial é dada ao controle dessas imagens que devem ser não apenas de
responsabilidade dos gerenciadores do banco de imagem, mas, como, nos diz Valdean:
um mecanismo de controle que tem que ser feito por cada um dos fotógrafos.
É uma idéia que o Ripper está sempre tratando com a gente, uma idéia que
sempre estamos discutindo. que por trás da imagem a gente quer ter uma
idéia diferenciada, a gente nunca deve tratar o que a gente está fazendo de
forma superficial. Sempre levantar discussões sobre aquilo que estamos
fazendo. Por que se esse controle fugir, imagens nossas poderão ser usadas
num espaço para reforçar aquilo que a gente não quer reforçar. [...] esse
controle, para existir, tem que ser uma luta de cada um. Por exemplo, o
fotógrafo dizer: nesse espaço eu não quero isso, e se for ter, tem que ser assim,
porque é nisso que eu acredito e são com essas idéias que eu quero prestar
contas.
Para finalizar, vejamos, a partir dos trabalhos de Ratão Diniz, a presença justaposta de
todas as camadas com as quais se é possível ler as imagens do povo, bem como os conflitos
engendrados na produção de auto-representações fotográficas.
Essa imagem, considerada “careta” pelo próprio fotógrafo, nos termos de seu
enquadramento, foi produzida em julho de 2005 num evento da “Agenda Redutora da
Violência”, no Complexo de Manguinhos, na área considerada a “Faixa de Gaza” (território
disputado por facções). Esta foto foi publicada em dois livros e se tornou alvo de intrigas
entre ONG’s ao ser escolhida como tema para fantasia que homenageava o Observatório de
Favelas no carnaval de 2007 pela Porto da Pedra. A polêmica girava em torno do segundo
102
Partes dessas caracterizações foram retiradas de materiais produzidos pela Agência.
124
plano, que representa uma tela pintada por alunos de outro projeto social. Nos livros a
imagem associou-se ao movimento que “pede paz” no Rio de Janeiro; na avenida, a imagem
representou o Observatório de Favelas
103
. Porém, a não se mencionar o projeto “Portinari
Manguinhos”, de onde vinha a tela do segundo plano, instauro-se um disputa pela autoria da
imagem, algo que se resolveu no plano institucional.
Assim, o que representa auto-representação? Tentar de alguma maneira mostrar que
favela não é uma não-cidade? Buscar um olhar que revele a vida que existe dentro da favela
com sua multiplicidade e suas diferenças? Um “ser de lá” e “estar lá”? Uma reflexão sobre si
e sobre o outro, traduzida em imagens? Ou até mesmo imagens ‘acidentais’, que a princípio
103
Autores: David Souza, Fábio Costa, Francisco, William dos Anjos e Vagner Fonseca. Com o enredo Preto e
Branco A Cores, de autoria do carnavalesco Milton Cunha, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos do Porto da
Pedra conta as lutas sociais da África do Sul, homenageando o Observatório de Favelas, o Nós do Morro, a Central
Única das Favelas e o AfroReggae. O desfile foi realizado no dia 19 de fevereiro de 2007, no Sambódromo da Marquês
de Sapucaí, no Rio de Janeiro. Segue a letra do samba-enredo: Destino a minha vida/Minha luta pela liberdade/A
nove filhas de um coração/Ao Sul do berço da humanidade/O Anjo Invasor me deu a cor, mas cor não
tenho/Eu tenho raça e a cada farsa, a cada horror/O meu empenho, meu braço, meu valor/Se ergueu contra o
monstro da cobiça/Caveirão da injustiça, filho da segregação/Liberto, permanece o pensamento/Ele foi meu
alento/Quando o corpo foi prisão/O nosso herói Mandela é/Senhor da fé, clamou o povo/E o Tigre encontra no
Leão/A maior inspiração de um mundo novo/Do gueto, um palco de glória/Corre em meu sangue a história/Num
mundo misturado
/Matizado com as cores deste chão/Um canto a ser louvado, ser humano ante a fome e a
privação/Museu da Favela Vermelha/Minha alma se espelha na face do irmão/É hoje, vou cantar/Minha gente é
o lugar que eu sempre quis/Na Avenida, meu irmão, vou abraçar/Viver a igualdade e ser feliz/Liberdade, pelo
amor de Deus/Liberdade a este céu azul/É minha terra, orgulho meu/Porto da Pedra canta a África do Sul.
125
não foram pensada para nenhum uso específico? Sem respostas definitivas, Ratão Diniz narra
seu trabalho (a autobiografia do fotógrafo está no anexo 07).
É difícil você conseguir essa cena. Essa cena não acontece em qualquer
situação. É uma cena que eu consegui captar e está ai. E está para eu buscar
as expressões em ‘Explosões de Alegria’, o próprio sorriso, as brincadeiras e
a própria careta. Isso era um evento lá na Marsílio Dias, que é a
Mandacaru
104
, que é aquela favela considerada geograficamente a última da
Maré, ta dentro da Marsílio Dias: tipo como se fosse uma subcomunidade.
Enfim, foi um evento, Ação social, se eu não me engano, era esse o nome do
evento, e foram os médicos... Os ‘Médicos Sem Fronteira’ têm uma sede nessa
área e quem organizou esse evento foram eles [...] A gente foi convidado para
ir até dar uma oficina de fotografia e ao mesmo tempo estar documentando
esse evento. Aqui tem um dos animadores, que eu tirei da imagem [...]
Quase nem sempre se vai conseguir uma cena como essa, então, vou buscar
pelo sorriso, pelas brincadeiras e principalmente pelas caretas, onde vou
conseguir bastante expressões (esse ensaio sobre caretas é bastante surreal...).
vou me aprofundar muito, nesse tema de caretas dentro do tema da
‘Explosões de Alegria’. O segundo tema foi
‘Olhares’. Eu gosto muito dessas. Quer dizer,
gosto de muitas outras.
Essa foto eu fiz em 2004 e foi a partir dessa e de
outras fotos que comecei a trabalhar essa questão
do olhar. Mas até cair essa ficha foi um processo.
Eu curto essa foto da Elaine, tem uma troca, tem
uma admiração. Ela é lida, ela é jovem. É uma
grande guerreira, tem uma grande história por trás
dela. É uma mulher nova, sedutora, superguerreira
[...] Cria dois filhos, sozinha, com menos de um
salário mínimo. Seu marido está preso. Ela mora
no Parque Maré, que é enfrente ao “brizolão”. É
perto da casa da Jaqueline [fotógrafa da Agência],
ela é vizinhada Jake, nuns becos ali pela Jake. [...]
Enfim, o tema ‘Olhares’ foi uma busca porque as
crianças transmitem muito através de seus olhares,
transmitem o questionamento, a dor, o medo, a
dúvida [...] o olhar passa muito isso, o carinho, a
alegria e eu fui explorando esses sentimentos
dentro do olhares [...] e uma forma de se
comunicar também [...] durante todo o tempo o ser
humano viaja para o exterior para aprender novas
línguas, para se adaptar, sempre procurando uma
linguagem para uma comunicação e uma coisa
muito básica, que as vezes a gente não percebe, é o olhar [...] O olhar é uma
forma de comunicação, a face o rosto, todas elas comunicam. [narrando a
forma de produzir] quem se posicionar na frente da foto, a criança vai estar na
linha do olhar, ela vai dialogar com qualquer expectador, não é um olhar de
cima para baixo.
104
As ocupações mais recentes recebem são nomeadas a partir das telenovelas que estão fazendo sucesso no
período ou de temas jornalísticos em evidência no momento, como exemplo: “Mandacaru”, “Salsa e Merengue”
e “Sem Terra”, ocupações localizadas na Maré.
126
Outro tema é trabalho infantil, que eu o consegui me aprofundar tanto,
devido ao tempo mesmo de correr atrás e conseguir imagens [...] Mas eu tenho
umas imagens sobre trabalho infantil, onde eu busco não uma forma de
denuncia de uma situação precária, mas mostrar que crianças deixam de ser
crianças, ali naquele momento, para poder se envolver com o trabalho. E tem
várias discussões encima disso: as crianças buscando uma autonomia
financeira, grana para comprar suas coisas, pois a mãe ganha salário mínimo e
que infelizmente têm que trabalhar para sustentar suas necessidades; e outra
situação é que a pessoa trabalha [...] tiro pela minha experiência: eu catava
papelão, lata de óleo e vendia no ferro velho, eu trabalhava na feira e no
chiqueiro, para poder ter uma grana para comprar as minhas coisas. [...] estou
falando essas coisas porque vivenciei, não estou falado que esta criança está
fazendo isso por isso. [...] estou dando suposições, acredito que tem várias
situações e eu mesmo, minha mão nunca me obrigou, ela sempre falou que a
escola é fundamental, sempre dava um apoio para correr atrás, para trabalhar,
porque a gente via lá em casa que ela não tinha situação. Ela sempre falou, o
fundamental é a escola, mas tem que buscar um trabalho. E eu trabalhava na
feira vendendo limão; vendendo legumes para uma senhora; trabalhava no
chiqueiro perto de casa, no vizinho; trabalhei vendendo sorvete na rua;
trabalhei vendendo papelão latinha e sempre fiz isso não porque minha mão
disse ‘vai fazer isso’. Eu ia porque queria ter minhas coisas e porque minha
mãe o tinha condições bancar os nossos desejos. Quatro filhos, sozinha,
vivendo com salário mínimo, porra, é foda. Meu irmão começou a trabalhar
muito cedo, o primeiro emprego dele foi de ofice boy, com dezesseis anos.
Trabalhou, ralou, juntou dinheiro, construiu em casa o barraco, construiu a
casa, surper
guerreiro, até hoje. Então, trabalho infantil: as pessoas pegam e
falam, ‘ah, trabalha porque quer’ ou porque é obrigado, mas tem vários fatores
envolvidos nisso. Sempre aquela coisa do bandido, ‘ah, o cara é o bandidão’, o
cara é o terror, o cara é o vilão de toda história. Mas na verdade, de toda uma
estrutura por trás do cara, o cara é o mais pé-rapado’. O cara anda descalço,
sem camisa, quase não dorme, todo tempo com medo de ser pego pela polícia,
enquanto os caras que estão por trás deles estão todos tranqüilos de terno e
gravata, ganhando várias propinas com isso [...] tem que buscar a história
desses caras: é a discussão, o que levou ele a fazer isso [...] não estou
defendendo o traficante, mas o ser humano.
127
Considerações finais
128
O olhar é o fundo do copo do ser humano.
(Walter Benjamin)
Não espere nada do centro se a periferia está morta,
pois o que era velho no norte se torna novo no sul.
(Mundo Livre S/A)
129
Em seus filmes e manifestos, o cineasta soviético Diziga Vertov procurava demonstrar
o caráter construído do olhar. Olho é aquele que seleciona o que vê e as câmeras são
instrumentos que senão aprimoram a percepção visual, produzem recortes que permitem
“eternizarem” instantes, cenas, detalhes. Depreende-se, a partir da produção de Vertov, a idéia
de que o olhar aprimorado, o olhar atento, é o olhar que seleciona imagens na infinitude do
mundo visível atribuindo, assim, sentidos a elas no momento mesmo em que são reconhecidas
pelo olho seletor, pela câmera. Este trabalho procurou, portanto, não se ater tanto às imagens
em si mesmas, mas em seus processos de produção e no modo pelas quais as imagens tornam-
se possíveis, isto é, visíveis para um público maior. Arriscou-se, ainda, criar uma metodologia
que permitisse a leitura não de imagens específicas, mas parâmetros que servissem para uma
compreensão panorâmica das imagens do povo.
Os registros textuais e visuais da imprensa demonstraram, em primeiro lugar, que
essas imagens resultam de um olhar sobre o favelado; um olhar dos outros não favelados
sobre espaços de moradia concebidos como territórios à margem da sociedade mais
abrangente. Na recusa de uma identidade social positiva ao favelado, essa categoria social
passa a ser representada, notada, nomeada, classificada, pela ameaça que representa (como
problema social) aos olhos dos demais habitantes da cidade.
Em torno da favela e dos favelados se constituiu historicamente uma maquinaria
imagético-discursiva que lhes definiu os contornos, seus recortes, suas formas; tornando-os
visíveis e dizíveis. Passa-se a falar em seus nomes, a partir de uma visão outsider que lhes
enfoca, aprisiona, ilumina, e lhes retrata. Várias são as engrenagens dessa máquina de
produção imagético-discursiva: a Igreja, as instituições sociais do Estado, a imprensa, as
ONGs, as Ciências Sociais. Máquina que produz intervenções, ações, dispositivos, técnicas e
políticas de assistência aos favelados; permitindo criar métodos de classificação, de ação, de
pensamento e de trabalho visando, por finalidade, o seu controle, disciplina, a sua correção,
construindo, assim, uma engenhosa pedagogia da assistência, sobre seus corpos e almas,
estendendo-se desde caridade à ação político libertária. Máquina político-imagética de
produção de eufemismos, de visões e de divisões do mundo social, de realidades homogêneas,
abstratas, quantitativas, de separações.
Encontramo-nos no mundo social diante dessas imagens construídas e reproduzidas
por esse maquinário, formado por várias peças, que trabalham para repor este estoque de
imagens, remodelando-as, fabricando-as e imprimindo-as no mundo das relações sociais.
Imagens que circulam entre campos simbólicos e que, por sua vez, herdamos e reproduzimos,
reconhecendo-as socialmente. Leituras e construções de “verdades”, de visões do outro;
130
demarcando fronteiras e separações, ou reafirmando-as permanentemente, reatualizando-as a
todo instante em que se fala do favelado, da favela.
Por meio da revelação de propriedades distintivas, pela identificação de signos
exteriores, as imagens da favela instituíram uma região, em condições tanto de reunir, como
de separar, através de barreiras e limites, um território. A favela e os favelados, os invasores e
suas invasões, o morro e seus moradores, enfim, os pobres, ou os muito pobres. Essas
propriedades distintivas que definem os grupos sociais inferiores inferior em termos de
relações de forças produzem estereótipos compartilhados socialmente que costumam lançar
esses grupos num espaço anômico, excluindo-os do modelo normativo.
Se observarmos as diversas imagens construídas historicamente a respeito dos pobres
urbanos e de seus espaços de moradia vamos encontrar como suas características distintas
uma suposta ausência de regras e de valores (dominantes), o exemplo de desordeiros que
desrespeitam as leis, que não seguem as regras do mundo normal do trabalho, em suma, como
desadaptados sociais. Seres em geral inferiores e, particularmente, sujos, sem boas maneiras,
sem princípios éticos do trabalho, sujeitos ao controle social sob pena de ameaçar a ordem
urbana. O discurso sobre os pobres é o discurso do poder, das vozes autorizadas a dizer o que
o pobre é, a apontar as suas características para fazê-lo ser reconhecido por certos atributos
que lhes faltam. É um discurso que visa reconhecer as características do inimigo para poder,
então, atacá-lo. É um discurso estratégico que visa dominar o seu destino e o seu território,
para transformá-lo e impor um novo rumo e uma nova forma espacial, para organizar o
desorganizado, para estabelecer a ordem num terreno de desordem, para difundir novos
valores em substituição aos valores não desejáveis: um discurso que prega a ação, a interdição
de um determinado estado de coisas: é, portando, um discurso dominante ancorado em
estereótipos e imagens negativas que arrasta a vontade de poder. Um movimento de miragem
que observa o favelado e que o descreve pelos seus traços semelhantes, inventando o seu
mundo como um mundo de casos idênticos, essa chapa de generalidade, de moralidade, de
indiferença, que pesa sobre o discurso coletivo.
E como poderiam nos lembrar do fato de que, ao falar da favela e da sua acepção, não
poderíamos nos furtar de contribuir para produzir também mais um discurso sobre a favela,
construindo um sentido para o mundo, como fazem os especialistas da produção simbólica,
que não existe um lugar de onde se possa falar de fora do poder e como não podemos deixar
de correr esse risco.
Assim, mesmo com outros repertórios e alternativas conceituais ainda se produz
tipificações mais ou menos controladas pelo pesquisador: isso que chamamos de
131
conhecimento. De qualquer forma, as Ciências Humanas têm se colocado a sob inquérito.
Queremos abandonar o lugar do saber inequívoco sobre o “outro”, por isso novos conceitos
são experimentados (polifonia, dialogismo, heteroglosia, imaginação...).
Na direção dessa nova sensibilidade antropológica, este trabalho procurou ao máximo
evidenciar suas lacunas discursivas, mostrando onde o interlocutor fala com mais força e de
onde não se possui o domínio completo sobre seu discurso. As últimas palavras de cada
capítulo, portanto, não poderiam ser do pesquisador, visto este ter engendrado o contexto e
uma (pré)resposta ao lhes dirigir uma pergunta. Isso sem contar as inúmeras perguntas
dirigidas ao pesquisador, sendo este incapaz de as responder.
Considerou-se “imagens de si” a produção dos fotógrafos da Imagens do Povo. No
entanto, essas mesmas imagens de si são as imagens do outro. Isto fica claro quando “eu
apreendo as imagens “deles”, encerrando-as em um campo de preocupações, em um texto: a
inserção das auto-representações fotográficas no quadro desse trabalho às torna, dessa forma,
imagens sem uma posição específica no campo das representações. São imagens percebidas
por alguém, ou usadas por alguém, o que as implicam em um permanente movimento de
resignificação.
Em suma, no quadro geral da pesquisa se tentou revelar o movimento de constituição
de novas subjetividades no cenário das grandes cidades a partir dos anos 90, sobretudo pela
ação de ONG’s nas favelas; movimento que criou um espaço de reflexão sobre si e sobre o
outro e de afirmação de novas identidades. Além disso, procuro-se analisar criticamente o
lugar da fotografia no fazer etnográfico, passando em revista as maneiras clássicas pela qual a
fotografia foi utilizada.
A questão teórica aqui tratada foi o problema das representações nas Ciências Sociais.
Tratou-se de redefinir conceitos clássicos (como o de ideologia em Marx, o fato social em
Durkheim) ao repensar com o auxílio da semiótica e de certa filosofia o campo das
representações sociais.
Finalmente, o problema teórico aqui proposto é também um problema político: o
desvendar dos movimentos de poder moleculares que envolvem a entrada na cena cultural
urbana de novos atores: os favelados. Ao mesmo tempo, essa entrada ou aparecimento do
favelado e de suas vozes e imagens, paradoxalmente, o transforma em algo novo que não faz
mais sentido falar em favelado enquanto categoria social isolada. Esse movimento de
emergência de apresentação na cena pública parece possuir a potencia destrutiva de estigmas
e signos, transmutando-se em algo novo e criativo, apontando novas diferenças e apagando
velhas imagens e estereótipos.
132
Por fim, o trabalho empreendido em favor da reconstrução imagética e
representacional contra o imaginário depreciador do lugar e de seus habitantes se assenta
mesmo num paradoxo: é partindo dos estereótipos e estigmas, e em sua contraposição, que
todo um conjunto de ações é edificado, e nelas a produção dessas imagens está situada.
Contudo, sem os estigmas e estereótipos tal conjunto de ações deixaria de fazer sentido, ao
menos enquanto contraponto.
Essencializar o olhar endógeno para fundamentar ações e discursos é o mesmo que
legitimar idéias reificadas sobre a cultura, retirando dela todo seu dinamismo. O olhar
endógeno é tão perspectivado quanto outros olhares sobre as favelas. Não é um olhar que
reproduz a realidade da favela com fidedignidade, mas sim um olhar colaborativo e solidário
na construção de alternativas aos problemas da favela, por isso essas imagens não se fixam,
nem se encerram, na contigüidade física que mantém com seus referentes, pois, como a
própria favela, são imagens em permanente construção.
Entretanto, o trabalho desses fotógrafos é marcado por um olhar diferenciado e parcial,
resultando na construção imagética de outra favela dentro dos conflitos e disputas pelos
significados dados às favelas. Assim, a produção da Imagens do Povo desestabiliza as
imagens da favela, apresentado-a visualmente como o lugar do possível, e não o lugar da
ausência, o espaço da morte.
Se dentro da ordem urbana as favelas são expressões do mal, o espaços da desrazão, o
engajamento dos fotógrafos da Imagens do Povo na produção de representações imagéticas
alternativas sobre as favelas do Rio de Janeiro é o ponto crucial com o qual os meandros da
construção do olhar fotográfico dos favelados podem ser vislumbrados. A representação
fotográfica de si (este si como afirmação de pertencimento àquele mundo), esta apresentação
de um outro imaginado que dificilmente é apreendido por categorias meramente analíticas, é
resultado desse diálogo profundo entre a expectativa das Ong’s e parceiros patrocinadores de
projetos; com as agências estatais de fomento; com a linguagem e a estética documental; com
a tradição das agências fotográfica autônoma; com a trajetória político-profissional do
fotógrafo João Roberto Ripper e o projeto político da Agência; com as escolhas pessoais dos
fotógrafos; com a Rede de Inclusão Visual; com as oportunidades e pautas disponíveis aos
fotógrafos; com os acontecimentos fotografados, enfim, o olhar periférico é um complexo de
relações que a partir da linguagem fotográfica agenciam formas e acontecimentos,
construindo novas perspectivas sobre as favelas, proporcionando um maior controle sobre a
representação do favelado.
133
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142
Anexo 01
143
Anexo 02
144
Anexo 03
Mostra revela o esporte nas favelas cariocas
Exposição no CCBB discute o legado do Pan para as áreas mais carentes.
Intenção é mostrar a visão dos moradores das próprias comunidades.
Do G1, no Rio
Fábio Caffé / Divulgação
Exposição reúne cem imagens de jovens da Agência Imagens do Povo (Foto: Fábio Caffé / Divulgação)
Um retrato diferenciado do esporte com adultos, jovens e crianças praticando futebol, tênis de
mesa, taco, caratê ou judô em 13 favelas localizadas no entorno dos locais de competição do
Pan 2007 poderá ser visto a partir desta segunda-feira (20), no Centro Cultural
Banco do Brasil, no Centro do Rio.
A exposição “Imagens do Povo - Esporte na Favela” reúne cem imagens de jovens da
Agência Imagens do Povo, constituída por alunos formados pela Escola de Fotógrafos
Populares do Observatório de Favelas, localizado no conjunto de favelas da Maré, no
subúrbiodoRio.
O coordenador e professor da escola, João Roberto Ripper, acredita que a exposição traz um
“olhar descolonizado” sobre o tema e a realidade de comunidades como o Morro da Coroa, na
Zona Norte, Rocinha e Vidigal, na Zona Sul, e a Vila Vintém, na Zona Oeste. A intenção é
também discutir o possível legado dos XV Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro para o
cotidiano dos moradores das favelas.
145
Roverna Rosa / Divulgação
Intenção é também discutir o possível legado do Pan para o cotidiano das favelas (Foto: Roverna Rosa / Divulgação)
Futebol é o mais popular
O fotógrafo Adair Aguiar, de 23 anos, estudante de jornalismo da Uerj, documentou a prática
do esporte no conjunto habitacional dos Bandeirantes, conhecido como Caminho do Bicho, no
Recreio,ZonaOestedoRio.
Adair explicou que os integrantes da Agência Imagens do Povo se dividiram para acompanhar
o cotidiano esportivo das diferentes favelas. “Cada um passou junho e julho num lugar,
fotografando. Eu fui pra comunidade do Caminho do Bicho. jogam muito futebol, claro, e
taco também. Pra jogar taco, as crianças usam lata de óleo, de leite em pó. Eles precisam
acertar uma bolinha de tênis na lata do oponente e proteger a sua própria latinha”.
Sobre o legado do Pan, o estudante e fotógrafo lamentou que não existam ações de incentivo
mais próximas às comunidades. A prática de atividades esportivas pode ter sido estimulada
pelo Pan, segundo Adair, mas a prática do esporte depende da infra-estrutura presente em
cada comunidade.
Agência busca olhar autoral sobre as favelas
A agência Imagens do Povo foi fundada pelo fotógrafo João Roberto Ripper em 2004. O
trabalho do grupo está voltado para o desenvolvimento de um olhar autoral sobre o Rio de
Janeiro, a partir das vivências dos jovens fotógrafos em suas próprias realidades sociais.
Espera-se a formação de um banco de imagem que contribua para desconstruir a imagem
estigmatizada das favelas ligada à violência.
A curadoria da exposição “Esporte na Favela” foi feita por João Roberto Ripper, Dante
146
Gastaldoni e Kita Pedroza. As imagens poderão ser vistas até 16 de setembro, no CCBB, com
entrada franca.
http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL91146-5606-6374,00.html
147
Foto: AF. Rodrigues/Agência Imagens do Povo
148
AF. Rodrigues/Imagens do Povo. Capa da Revista Democracia Viva/IBASE
Fábio Caffé/Imagens do Povo. Divulgação da Exposição “Esporte na Favela”/CCBB, 2007
149
Revista O Globo
AF. Rodrigues/Imagens do Povo (Capa)
Bira Carvalho/Imagens do Povo (primeira página do ensaio que rendeu o
prêmio concedido pelo Jornal à Agência)
150
Anexo 04
Inclusão Através das Lentes
A partir de iniciativas pequenas, projetos sociais provam que a união da arte com a educação
é um dos melhores caminhos para estimular a criatividade e o desenvolvimento humano e
artístico
Por Liliane Pelegrini
Fotografia, aprendizado, inclusão. O que era apenas um antigo sonho dos
fotógrafos João Roberto Ripper e Ricardo Funari se transformou na
realidade de cerca de vinte moradores - das mais diversas faixas etárias - de
favelas cariocas, que agora encontram na arte de fotografar uma alternativa
para escapar do rótulo da marginalidade e caminhar em busca de uma vida
melhor. Assim, do esforço conjunto de Ripper, Funari e alunos das
comunidades, surgiu a "Escola de Fotógrafos Populares Imagens do Povo",
entidade sem fins lucrativos onde o objetivo é oferecer ferramentas e
suporte para formar profissionais da fotografia aptos a entrar e competir no
mercado de trabalho.
Com duração prevista para quatro meses, o curso tem, de segunda a quinta-feira, uma carga
horária de quatro horas/aula - ministradas pelos dois fotógrafos-coordenadores e por
profissionais convidados -, em que os alunos podem se aprofundar nas técnicas - incluindo
edição, escaneamento, arquivamento digital, formação de banco de dados e noções básicas
sobre direito autoral. Às sextas-feiras, a escola ainda oferece cursos básicos nas áreas de
informática e línguas estrangeiras.
Além da profissionalização, o projeto tem como foco estimular um novo olhar sobre as
favelas que compõem a paisagem das grandes cidades. "Quisemos criar um espaço onde há o
gosto e o desejo de aprendizagem. O projeto comunga com a importância de encarar a cidade
como um todo e não com esse conceito de 'cidade partida', onde o 'morro' está de um lado e o
'asfalto' de outro" explica Ripper. "Tem um monte de coisa bonita, ativa, solidária, sensual,
mas o que aparece é só a exclusão. Queremos transmitir a inclusão", completa o coordenador,
151
destacando a importância de exercitar a percepção e a auto-estima dos moradores sobre a
realidade que os rodeia.
O resultado, conta Ripper, é surpreendente. Apesar de ainda estarem na metade do curso, os
alunos já produzem, tratam, catalogam e disponibilizam imagens que revelam os efeitos dos
esforços investidos. "As favelas são hoje um mundo fantástico de criatividade, comunidades
que têm atividades incríveis de dança, teatro, artes plásticas, tudo digno de se apresentar em
qualquer grande espaço cultural", afirma.
Aprendizado Mútuo
Apesar de estarem na posição de aprendizes,
não são apenas os alunos do projeto que saem
das aulas com uma bagagem cultural mais rica.
"Nessa convivência, eles mudam e nós,
professores, mudamos também. O aprendizado
que a gente tem vem das histórias que eles
contam, tudo é uma lição de vida. A gente
ouve e vai aprendendo", revela Ripper.
Entre os inúmeros exemplos, o fotógrafo-professor cita o famoso caso do seqüestro do ônibus
174, no Rio de Janeiro. "Durante uma aula, quando analisávamos as fotos da ação,
começamos a ouvir depoimentos dos alunos. Um deles era da comunidade do seqüestrador e
contava a versão dos fatos sob o ponto de vista dele. Do outro lado, estava uma aluna que
narrou todo o drama da família da moça assassinada, pois era vizinha de porta dela", conta.
A solidariedade das favelas é outro aspecto que emociona ao fotógrafo. "Se eles têm um quilo
de açúcar, eles dividem com quem não tem. Acontece o mesmo nas aulas. O bom resultado de
um é bom para todos. Não tem essa de competição, afirma." A capacidade superar um ensino
básico precário e lutar pelos sonhos é muito forte neles. Dá vontade de ficar lá ensinando o
tempo todo", empolga-se João Roberto Ripper.
http://culturapop.weblogger.terra.com.br/index.htm
152
Coleção Pirelli/MASP de Fotografia
Biografia: João Roberto Ripper
Rio de Janeiro, RJ, 1953. Autodidata, foi repórter fotográfico dos jornais Luta Democrática
(1973), Diário de Notícias (1974), Última Hora (1978-1982)e O Globo (1982-1987). Sócio-
fundador da agência F4 no Rio de Janeiro, empenhou-se pela defesa dos direitos autorais e
melhoria das condições de trabalho dos fotógrafos no Brasil. Foi idealizador e coordenador do
projeto Imagens da Terra (1991-1999), que tinha como proposta colocar a fotografia a serviço
dos direitos humanos e atuava na cobertura fotográfica de temas sociais, como o trabalho
escravo, o trabalho infantil e os conflitos indígenas. Desde 2004 coordena o projeto Imagens
do Povo, um centro de documentação, pesquisa e formação de fotógrafos populares criado
pelo Observatório de Favelas do Rio de Janeiro, cujo objetivo é a produção e a difusão de
imagens da realidade brasileira, especialmente das populações mais pobres que vivem nas
periferias e favelas das grandes cidades, a partir do olhar de seus próprios moradores.
Recebeu o Prêmio Interpressphoto (1982); o Prêmio Waldimir Herzog, São Paulo (1988); o
Prêmio Internacional de Ecologia ICA (1993); o Prêmio Nacional de Fotografia (1997); o
Prêmio Empreendedor Social, Fundação Ashoka (1998); e o Prêmio Agenda Latino-
americana (2002-2003).
Mostras individuais
1996 – Imagens da Terra, Memorial da América Latina, São Paulo
1996 – Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, Estados Unidos
1997 – Imagens da Terra, Museu da República, Rio de Janeiro
2002 – Imagens Humanas, Centro Cultural Laurinda Santos Lobo, Rio de Janeiro
Exposições coletivas
1984 – Tradição e Ruptura, Fundação Bienal de São Paulo
1986 – Fotojornalismo dos anos 80: tendências, Museu da Imagem e do Som, São Paulo
1989 – Luta pela terra: violência, impunidade, vitórias, Centro Cultural São Paulo
1992 Rio de Janeiro: retratos da cidade 1840/1992, Centro Cultural Banco do Brasil, Rio
de Janeiro
1992 – Brasilien: entdeckung und selbstentdeckung, Kunsthaus, Zurique, Suíça
1995 - São Paulo SP - Contatos e Confrontos: o índio e o branco, no MIS/SP
2003 – Trabalho Escravo, Centro Cultural Justiça Federal, Rio de Janeiro
2005 – Citizens, Pitshanger Museum, Londres, Reino Unido
2006 – Biennale Internationale de la Photographie et des Arts Visuels, Centre Culturel Les
Chiroux, Liège, França
http://site.pirelli.14bits.com.br/autores/121
153
João Roberto Ripper: Editando Diretas-já!
Transcrição de trecho (4’25”) de depoimento de João Roberto Ripper ao autor, em vídeo, em
25/05/2005. Gravação depositada no LABHOI - Laboratório de História Oral e Imagem da
UFF - Universidade Federal Fluminense, em Março de 2008.
Meu nome é João Roberto Ripper e eu sou fotógrafo-documentarista. E nessa época eu estava
trabalhando como repórter-fotográfico. Trabalhei na Última Hora e trabalhei no O Globo.
Especificamente na época das Diretas-Já eu trabalhava no jornal O Globo e havia uma
insatisfação popular contra as matérias, que saíam na TV Globo e no jornal O Globo, que
diziam respeito às questões da ditadura e às questões do movimento sobre as Diretas, sobre as
eleições, no Brasil. Isso começou a dar alguma insatisfação entre os profissionais porque
havia alguns casos de bloqueio do exercício profissional, uma indignação...
Quer dizer, as pessoas não estavam satisfeitas com a resposta, no dia seguinte (ou no mesmo
dia, no caso da TV), do que ia ao ar ou saía nos jornais. Então, começaram a dificultar. Houve
caso de impedir o trabalho, houve casos até de se virar o carro da TV Globo, ameaça de virar
carro do jornal O Globo. E eu me lembro que conversamos, nós conversamos, alguns
fotógrafos... Eu me lembro de um papo, até um papo com Aníbal Philot, que hoje é falecido,
mas que era talvez o fotógrafo de mais expressão, à época, lá no Globo, e a gente comentando
como é que a gente ia sair dessa, né?
Como é que a gente ia passar a determinar, de alguma maneira, o que fosse publicado...
E a discussão que a gente teve é que a gente precisava editar na hora de fotografar, isso
muito antes. Então, assim, como fazer isso sem impedir a criatividade do fotógrafo? Eu me
lembro bem que a gente comentou, conversou, que este fotógrafo ia ter o cuidado de trazer
para o jornal material muito editado, que mostrasse o grosso, a multidão, e que detalhes
dessas fotos ele fizesse com as suas próprias câmaras (grifos meus).
Isso, por quê? Porque, se está em uma grande manifestação e se além de fotografar a
manifestação, que é de uma expressão popular muito grande, você mostrasse detalhes
(e esses detalhes são, por exemplo, a lateral do palco, ou algo assim), acabavam saindo fotos
154
que mostrassem pessoas brincando, ou curiosidades, ou complementos dessa matéria,
mas que não mostrassem grande número de pessoas (grifos meus).
Então eu lembro que na grande passeata da Rio Branco, o Philot foi fotografar, me lembro da
gente comentando uma tática. Ele falou: “eu só vou fotografar de tele-objetiva”. E ele fez toda
a passeata com tele, e fotos mostrando aquela multidão comprimida, uma monstruosidade
de pessoas. E eu me lembro que quando ele chegou com o material, pediram mais fotos. E
foram mais fotos para a redação. Não satisfeitos, pediram os contatos e viram que tinha uma
multidão enorme. E aí eu lembro que trocaram a manchete. Eles iam dar a mesma manchete...
Ele iam dar menos gente do que na época tinha dado a Polícia Militar. E eles trocam a
manchete, botam mais gente, que todas as fotos que eles tinham eram de multidão.
Então essa foi uma das coisas positivas, me lembro bem, a gente comentando, vibrando...
E é claro que eles deram o troco. Quando foi o grande comício das Diretas-Já, aí na Presidente
Vargas, eu me lembro que eles estipularam alguns repórteres especiais para ficar junto dos
fotógrafos especiais, em vários pontos da Pres. Vargas, e dando... mandando fotos desde o
início, né?... Com todas as etapas, é óbvio que você tem gente chegando, você tem o
movimento ainda fora do seu apogeu... E O Globo um número muito menor do que o
número de pessoas que tem na manifestação do comício pelas Diretas. Eles deram, se não me
falha a memória, menos gente do que deu a Polícia Militar (grifos meus).
Então é um pouco do que era esse processo de luta, entre você tentar informar o mais próximo
o que você sentia, e lutar contra um caminho que tentava minimizar, diminuir a informação.
155
Joao Roberto Ripper - Great Photographers
http://www.consciencia.net/artes/fotografia.html
Empregar crianças significa lucro fácil. A exploração infantil gera o desemprego dos pais,
trabalho escravo, crianças doentes, subnutridas, morando em precárias condições,
prejudicadas na sua capacidade intelectual e no seu direito à educação, lesadas no seu direito
ao lazer, ao carinho, à alegria; enfim, sem infância. Doze milhões de crianças trabalham no
Brasil, número superior à população de Portugal, país que colonizou o imenso território
brasileiro.
Entre os trabalhadores infantis, 7,5 milhões têm entre 10 e 14 anos e 4,5 milhões entre 14 e 17
anos. A exploração é tão grande que 57,8% não recebem nada pelo seu trabalho. Segundo
divulgação recente do IBGE, meio milhão de crianças entre 5 e 9 anos trabalham no Brasil.
Dessas, 92,2% trabalham de graça e são submetidas a uma jornada de 40 horas semanais, sem
condições de freqüentar a escola. Infelizmente, 400 milhões de crianças trabalham em todo o
mundo. Cerca de um milhão de crianças se prostituem e 12 milhões morrem por ano. Em todo
o mundo, 143 milhões de crianças não vão à escola.
Nessas tristes estatísticas, o Brasil só não está atrás do Haiti e da
República Dominicana. Seria
impossível retratar em imagens, de forma plena, essa dura realidade. O fotógrafo João
Roberto Ripper, no entanto, disponibiliza na Internet dez imagens chocantes dessa grande
vergonha nacional, que não é conseqüência da pobreza,
mas sim instrumento financiador dela.
Veja na página www.imagenshumanas.com.br/infantil/index.htm
No coração do morro Santa Marta (RJ), foi implantado um pólo de criação fotográfica com a
participação de seus moradores que documentam a vida social e cultural, fora da eterna
moldura das lutas de facções e violências policiais. O objetivo principal do projeto Olhares do
Morro é capacitar os moradores para criar um acervo de imagens. “Promover um projeto
coletivo de afirmação visual faz infinitamente mais sentido do que fotografar solitariamente o
território sensível da favela", comenta Vincent Rosenblatt, fotógrafo e idealizador do projeto
http://www.abi.org.br/paginaindividual.asp?id=516
Um olhar atento à realidade brasileira
05/08/2005
José Reinaldo Marques
O fotógrafo carioca João Roberto Ripper tem como marca registrada da sua carreira o fato de
ser humanista e traduzir com imagens realísticas as dificuldades, os anseios, as lutas e
também as boas iniciativas das populações carentes, muitas vezes desprezadas pelas
coberturas jornalísticas.
O resultado dessa dedicação à defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos resultou num
substancial material fotográfico, que vai da vida do homem do campo ao habitat indígena, da
seca do Nordeste ao ambiente urbano, do trabalho escravo de carvoeiros a crianças em Mato
Grosso do Sul.
Estes são alguns dos temas que nunca perdem o foco nas lentes de João Ripper, que estava
cursando a 3ª série do antigo curso Científico quando teve as primeiras lições de fotografia
156
com o amigo e companheiro de escola Júlio Cezar Pereira, à época já considerado um bom
profissional.
Em 1972, com 19 anos de idade, Ripper ingressou na carreira de repórter-fotográfico na Luta
Democrática, do controvertido Tenório Cavalcanti. Vieram em s
eguida o Diário de Notícias, a
Última Hora, a sucursal carioca do Estadão e O Globo, sem contar os muitos trabalhos como
freelancer para vários outros jornais e revistas.
Isto até ele perceber que gostaria que suas fotos tivessem o poder de levar as pess
oas a refletir
sobre a realidade registrada através de sua câmera sem estereótipos — apenas um retrato fiel
da desigualdade social que o incomoda muito. Resultado: deixou O Globo e foi participar da
criação da Agência F4.
A F4, do Rio; a Ágil, de Brasília; e a Angular, de São Paulo, foram muito importantes,
porque permitiram aos fotógrafos iniciar um movimento. Passamos a pensar as pautas,
documentar de forma livre e optar pelo comprometimento com causas populares. Além de
criar mercados de trabalho, este movimento começou a romper com a hipocrisia de que o
jornalista é imparcial.
Para ele, jornais e jornalistas são veículos dos mantenedores da sociedade partilhada entre
pobres e ricos, na qual impera a discriminação que faz com que os moradores das periferias e
favelas “sejam excluídos e tratados como subalternos, atendendo aos interesses das classes
média e alta e do regime repressor, autoritário e racista que criminaliza a pobreza”.
Terra, homens, povo
Quando deixou a F4, Ripper criou o Projeto Imagens da Terra, em que seu olhar sobre a vida
dos trabalhadores rurais viria a contemplar seu grande sonho: a fotografia a serviço dos
direitos humanos. A experiência durou oito anos e foi o ponto de partida para seu trabalho
atual:
Imagens Humanas é a continuação da minha trajetória na busca de pôr a fotografia a
serviço dos diretos humanos, mas é um projeto individual. O coletivo chama-se Imagens do
Povo e trata-se de uma agência e um banco de imagens do Observatório de Favelas. Muito
desse material é produzido por profissionais formados pela Escola de Fotógrafos Populares,
onde dou aula, moradores de comunidades carentes que estão fazendo um trabalho
documental sobre o lugar onde vivem.
Ripper diz que essas fotografias buscam mostrar um panorama normalmente não revelado
pelas matérias jornalísticas, com boas iniciativas de trabalho, educação e cultura:
É a revelação de um mundo especial, parido pelas próprias comunidades, que não está na
mídia ou na pauta de obrigações e compromissos do Estado. São situações com que a maioria
dos colegas da imprensa — que não veio da pobreza, nem trabalha em prol dos pobres — não
tem intimidade.
Mesmo desculpando-se pelo tom “meio ácido e crítico”, Ripper diz que não abre mão da sua
consciência sobre o papel que os veículos de comunicação deixam de cumprir:
Apesar de ser uma arma muito poderosa, a comunicação é trabalhada como instrumento de
manutenção das diferenças; os movimentos sociais ainda não conseguiram usá-la como
instrumento de transformação real. Esp
erar isso da mídia é uma utopia. Estou cheio de escutar
que o jornalista tem um perfil de esquerda, um perfil humanista, e muitas vezes ver o
157
resultado do seu trabalho ser racista e anti-humanista. Para mim, humanista é aquele que luta
de forma radical contra a exploração, a discriminação, a opressão e a alienação com a qual
tanto contribuem os nossos veículos de comunicação.
Entre jornais e revistas, o fotógrafo destaca algumas exceções, como Caros Amigos, Carta
Capital e Brasil de Fato, que, no entanto, “ainda atingem públicos muito pequenos”.
Às vezes é a ascensão profissional que tira o repórter da rua e o aprisiona nos aquários da
redação. E há ainda um problema maior, que surgiu com a internet: o jornalista que sai pouco
atrás dos fatos, porque pode navegar na rede para apurar as notícias.
Fotógrafos populares
Sobre a contribuição que a fotografia pode dar à população marginalizada, João Ripper diz:
Ela só vai acontecer de fato quando a população marginalizada estiver representada no
meio profissional e existirem muitos fotógrafos populares oriundos dessas comunidades.
Para ele, não faltam grandes profissionais no fotojornalismo brasileiro do ponto de vista
técnico:
No entanto, os fotógrafos precisam aprender mais sobre a realidade para ajudar a
transformá-la, ter consciência de que estão sempre optando por um lado e quem não está com
os pobres está contra eles. Imparcialidade jornalística é uma grande hipocrisia, não existe.
Entre seus mestres, Ripper cita W. Eugene Smith, “um humanista e um fotógrafo fantástico”.
No próprio trabalho, a predileção é pelo preto e branco, “por sua representação no imaginário
das pessoas”.
Acho que chama mais as pessoas a participarem da discussão dos temas fotografados. A
imagem em preto e branco tem um pouco da magia do rádio: podemos ver um pouco além.
Mas acho que o fundamental é a gente fazer aquilo de que gosta e fotografar da forma com a
qual mais se identifica. Eu só quero continuar fotografando as pessoas maravilhosas que
lutam por um mundo melhor e teimam em ser bonitas, sensuais e sonhar. E me organizar para
usar cada vez mais a fotografia a serviço dos direitos humanos.
158
A terra é o sentido da vida para os Guarani
Por João Roberto Ripper,
Do jornal Brasil de Fato, 28/4/2005
Para o povo guarani, a terra é o sentido da vida. É a mãe, a conexão com o Criador, e o local
sagrado. É nas "casas de reza" que fazem seus rituais, mantêm a transferência da sabedoria
milenar para os mais jovens.
A terra não tem função de acúmulo. Não é para ser usada para monocultura, venda do
excedente e ampliação para latifúndio. Quando tiramos a terra dos Guarani, tiramos
literalmente o chão dos pés deles. Ficam sem norte e sem reza. Perdem a noção do sentido de
vida, se matam.
Como não acumulam, não lutam e não guerreiam. Diversas teses tentaram decifrar a
"passividade" desse povo. Mas, no Mato Grosso do Sul, a cada de 90 foi uma virada de
recuperação cultural e de retorno à terra; lideranças indígenas partiram para o confronto. O
resultado foi a recuperação de muitas áreas sagradas, com vestígios de casa de reza, mas
sobretudo o uso do argumento irrefutável sobre a recuperação de algo que, um dia, lhes
pertenceu de fato e permaneceu sendo espiritualmente deles.
As crianças guarani do Mato Grosso do Sul morrem semanalmente, por desnutrição, por falta
de terras. É um trabalho de limpeza étnica.
Os rituais
Vejamos como são os rituais desse povo. No alto, as estrelas parecem astros leves e sensuais,
exercendo a dança da solidariedade no céu, voluntárias em manter o equilíbrio, a beleza e a
harmonia com a lua, nas noites que iluminam as danças e os cânticos das aldeias Kaiowá.
na terra os índios cantam, dançam e brincam, até o amanhecer quando, então, se despedem do
espetáculo, como as estrelas, para que o sol seja novamente o dono da festa.
Mas não foi sempre assim. mais de 20 anos essa nação indígena sofria com a freqüência
com que seus jovens guerreiros e mulheres se suicidavam. Desde 1986, foram registrados 310
casos de suicídio, a maioria de moças e rapazes, sem horizontes ou perspectivas. Mas o
retorno dos indígenas às suas antigas terras vem reduzindo drasticamente os casos.
"Hoje, o Kaiowá ou luta ou morre. Onde ele conquista sua terra sagrada de volta, ele não se
mata", resume o cacique e pajé Marcos Veron, 68 anos, da Aldeia Takuára.
O Mato Grosso do Sul é o Estado que possui a segunda maior população indígena do Brasil:
são cerca de 56 mil índios divididos entre várias etnias: Guarani Kaiowás e Nandeva, Guató,
Terena, Kadiuei, Ofaié. 200 anos, os Guarani chegaram a ocupar 25% do Mato Grosso do
Sul, possuindo cerca de 8,7 milhões de hectares. Atualmente, formam a maioria da população
indígena, principalmente os Kaiowá, que se distribuem por 28 pequenas áreas indígenas
demarcadas pelo governo.
O processo de criação das reservas indígenas no Mato Grosso do Sul teve início no final da
década de 20, quando os Guarani começaram a ser expulsos de suas terras e a ser usados
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como escravos em fazendas de cultivo de erva-mate. O governo brasileiro, nas décadas de 30
e 40, removeu os indígenas para oito reservas demarcadas, de pequenos espaços - cerca de 1,5
hectare por pessoa. Atualmente os índios ocupam menos de um por cento das antigas terras.
Hoje, o Mato Grosso do Sul é o Estado com a maior concentração fundiária do Brasil.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 50 mil propriedades
rurais detêm, pelo menos, 20 milhões dos 35 milhões de hectares.
Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), existem ainda cerca de quatro mil
Guarani Kaiowá desaldeados nas periferias das cidades, às margens de rodovias,
sobrevivendo do artesanato e subempregados em fazendas. Entretanto, o povos que ainda
mantêm a noção do seu território sagrado, que se estende ao norte, até os rios Apa e
Dourados, e ao sul, até a Serra de Maracaju e afluentes do Rio Jejuí.Todos esses aspectos
estão documentados nas fotos desta página.
João Roberto Ripper é repórter fotográfico e documentarista social. 11 anos acompanha
a luta dos Guarani do Mato Grosso do Sul, no processo de retomada de suas terras e na
reorganização social das aldeias
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Anexo 05
Imagens do Povo recebe visitas de profissionais
A turma de aperfeiçoamento da
Escola de Fotógrafos Populares Imagens do Povo
iniciou suas atividades em maio desse ano. Sob a coordenação dos fotógrafos Dante
Gastaldoni e João Roberto Ripper, o curso funciona diariamente, na sede do Observatório
de Favelas, localizado na Maré. Pela manhã, os 28 alunos de origem popular que formam
a turma participam de aulas de linguagem fotográfica, informática aplicada à fotografia e
fotografia documental. À tarde, a sala de aula se transforma na Agência Imagens do
Povo, onde os fotógrafos tratam os materiais produzidos nas aulas práticas que realizam
no último final de semana do mês. Essas imagens tratadas são disponibilizadas no Banco
de Imagens na internet.
As aulas de linguagem fotográfica e fotografia documental são ministradas pelos
coordenadores do curso. As aulas de informática aplicada à fotografia ficam sob a
responsabilidade de Ricardo Funari, Evlen Bispo e Daniel Araújo.
A aula inaugural, realizada em maio e com o tema Comunicação e Direitos Humanos,
teve a participação de Flávio Pachalsky (assessor da Executiva Nacional da CUT),
Milton Guran (fotógrafo, antropólogo e jornalista) e Sylvia Moretzsohn (jornalista e
professora de jornalismo da Universidade Federal Fluminense). Além deles, recebeu a
visita do fotógrafo Pedro Capeto, organizador da exposição Retrato Amargo da América,
com obras da Farm Security Administration, que documentou a recessão dos Estados
Unidos na década de 1930. Essa exposição ficou no Observatório de Favelas durante todo
o mês de maio.
Visitas ilustres
Mas não foi apenas na aula inaugural que professores de fora da instituição participaram.
O curso também recebe constantemente fotógrafos e professores renomados que
ministram aulas e debatem com a turma as experiências acumuladas em suas vidas de
fotógrafos. Já participaram do curso: Ildo Nascimento (professor de programação visual
da Universidade Federal Fluminense); Larissa Grandi (mestre em comunicação e cultura
na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro); Delfim Vieira
(fotografo do jornal O Globo); Walter Firmo (fotógrafo e professor de fotografia do
Ateliê da Imagem); Juveny Lourenço (fotógrafo); Marizilda Cruppe (fotógrafa do jornal
O Globo); Ricardo Beliel (fotógrafo e professor da Universidade Estácio de Sá e Ateliê
da Imagem); e Zeca Linhares (fotógrafo do Patrimônio do Rio de Janeiro).
O mais interessante é que dos fotógrafos que vêm para dar aulas, muitos acabam
voltando. Walter Firmo, por exemplo, foi convidado pelos alunos a participar de uma
saída fotográfica na Maré, dia 29 de julho, e confirmou presença. Já o fotógrafo que
ocupa hoje o cargo que foi um dia de Augusto Malta, o de fotógrafo do Patrimônio do
Rio de Janeiro, Zeca Linhares, também volta dia 27 de julho para falar sobre fotografia
digital. Na sua primeira visita, falou da sua dissertação de mestrado que tratou da obra de
Henri Cartier-Bresson e a fotografia francesa.
Visite o Banco de Imagens e a Agência de Fotografia na internet
http://www.imagensdopovo.org.br/
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Anexo 06
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Anexo 07
Marcos Diniz da Silva, Ratão
Nascido em 14 de janeiro de 1984, numa das 16 favelas denominada Parque Maré que integra o
Complexo da Maré. Esta comunidade como muitas outras do Bairro teve como característica seus
primeiros barracos construídos sobre o mangue, em 1950. Desde então, a comunidade não parou
de crescer. Hoje são quase 30 mil habitantes e cerca de 4 mil domicílios. Atualmente as casas de
madeira praticamente desapareceram , as ruas são calçadas e a comunidade dispõe de relativa
infra-estrutura. Já na data do meu nascimento, não mais, existia as palafitas, porém ainda
predominava os barracos, onde residir toda a minha infância...
Minha mãe se tornou viúva quando tinha um ano e alguns meses de vida, meu pai faleceu em
casa com certos problemas de coração ao meu lado e de minha mãe, deixando 4 filhos para que
ela tocasse todas as 5 vidas. Minha mãe acaba entrando em depressão devido não saber como
levar a vida adiante... meu pai tinha um forte papel em casa, responsável por fazer a compra do
mês; ia à feira; trabalhava para o sustento de toda a família, isso fez com que ela não soubesse
muito bem circular pelo Rio de Janeiro. Ela sendo retirante do nordeste, trazida por uma mulher
para ser empregada domestica desta. Depois de alguns anos toda a sua família vem de Natal, Rio
Grande do Norte, região nordestina do Brasil, para tentarem como muitos outros nordestinos,
uma boa qualidade de vida. Conseguem um barraco num lugar chamado Maré e logo depois toda
a família vai para Duque de Caxias, um ponto distante da Maré, só resta minha mãe e sua família
que estava iniciando... Com o falecimento de pai, minha mãe era dona de casa e não conhecia
muito bem a cidade do Rio de Janeiro e apartir deste momento teria que assumir sozinha seus 4
filhos, sendo eu o mais novo. Ela consegue vencer a depressão e assume um emprego como
servente no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro deixando os filhos que não estavam na
idade escolar em casa trancados, deixando as chaves com os vizinhos e pedindo para ficarem de
olhos na gente enquanto ela estivesse no trabalho. Adorava poder ir ao aeroporto nos finais de
semana, correr pelos corredores imensos, apertar os botões do elevador e correr pelas escadas,
andar dentro do carinho de bagagem empurrado pela Rosa, amiga de trabalho da minha mãe,
pegar o ônibus de volta para casa depois de um dia muito divertido, brincar com os presentes
quebrados que a mãe encontrava no lixo do aeroporto, nossa, era ótimo!!!!!
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Depois de algum tempo fui para a creche, era muito choro ao ver a mãe indo, dando tchau com
aquele olhar de dó, mas estive com ótimas pessoas nessa instituição. Em seguida fui iniciar o meu
papel no ensino escolar primário CIEP Samora Machel e CIEP Elis Regina em horário
integral. Repetir a 4º serie do primário, sem entender o motivo até hoje, depois de adulto procurei
saber o motivo desta repetição de série e não soube, continuo sem saber este motivo.
Aos meus 7 anos, ou ate mesmo, antes desta idade, fui em busca de fazer algo para ajudar minha
mãe... ia para a lixeira próximo de casa catar latas de óleo, papelão; trabalhei limpando órgãos de
porco no chiqueiro perto de casa, vendi na feira carne de boi, cabra, porco, trabalhei em barraca
de frutas, legumes, vendi picolé na feira, limão, ... pela vontade da mãe eu não ia, mas tinha
minha necessidade e busca à da independência financeira. A noite, na hora de dormir ia para
cama com mamãe e conversávamos muito... uma das coisas que dizia era que ia trabalhar muito
para sair da favela com toda a minha família uma vontade que hoje de maneira alguma, penso
mais, adoro morar neste local, tenho uma forte ligação com este lugar, meu irmão mais velho já
teve até proposta de sair, mas não foi uma boa idéia, continuamos no mesmo lugar, hoje com
casa de alvenaria. Pode parecer que tive uma infância de muito trabalho, por um lado sim, mas
pelo contrario do se viu tive uma vida muito divertida, alegre, prazerosa correr pelas ruas
brincando de pique esconde, pique lata, pique esconde, taco, futebol de rua, pião, bola de gude,
pipa, dando mortais nas terras, areias dos Irmãos Alvez (casa de material de construção), catava
melancias, maxixe, com seu Zé, o pai do Tiago, no terreno que hoje esta uma comunidade criada
em 1996, uma das ultimas construídas no bairro Maré.
O meu antido ginásio, conhecido hoje como ensino fundamental, cursei da à 8 º no Colégio
Municipal Carlos Chagas, onde tive uma ótima série, chegando a não tive um bom
desempenho como nas outras series, repetindo novamente um ano letivo, agora eu sabia o
motivo, devido a falta de aulas; a não participação; odiava a matéria de historia, sempre com
notas vermelhas, a 7º dou uma melhora, mas ainda com resistência a historia, nossa, era a matéria
mais chata da escola, eu não gostava da professora e ela de mim e foi um período que iniciei a
minha vida em movimentos sociais que acaba tendo uma necessidade em conhecer a historia do
povo. A série foi a retomada da educação, apesar ser a vida a maior escola que tive, mas como
ia dizendo... fiz um ótimo estudo no ano de 2000, onde tive ótimos professores, onde me tornei
amigo de todos eles, onde eu tive uma vontade imensa dos estudos; da leitura; do buscar; de tirar
duvidas nos corredores; de ficar depois da aula na sala de aula tirando duvidas com os
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educadores; pedir livros ao professor de geografia, isso tudo me ajudou a ter outra visão da
escola, foi uma relação de amizade.
No ano de 2001 fui para o CIEP 326 Professor César Pernetta cursar o conhecido ensino médio,
ano este que desenvolvi muitas atividades do tipo: Informaré Curso de Informática básica,
avançada, produção gráfica. Oferecido pela Capacitação Solidária, no Centro de Estudos e Ações
Solidárias da Maré –CEASM, com 600 horas de aula; 2001/2002 entrei para o PROVOC
Programa de Iniciação Científica / Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio / Fundação
Oswaldo Cruz, no período de julho de 2001 a junho de 2002 com carga horária de 240 horas.
(Este programa proporciona seus alunos a convivência na área de pesquisa científica, atuando
diretamente com laboratórios. O projeto de estudo desenvolvido durante o período de meu
estágio, foi realizado no Laboratório/Núcleo de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental
LAPSA, Instituto Oswaldo Cruz IOC, com o seguinte nome: Memória da Esquistossomose no
município de Sumidouro (RJ, Brasil), orientado pela Sra. Marisa da Silveira Soares e co-
orientado pela Sra. Marli Brito M. de Albuquerque Navarro. Área: PARASITOLOGIA,
HISTORIA ORAL; 2001/2002: Curso de Produção Gráfica (Corel Draw, Photoshop),
desenvolvido pelo CEASM (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré), totalizando 192
horas; e apartir deste ano e dentro desta instituição (CEASM), atuei como colaborador de projetos
sociais (monitoramento de duas turma de informática, estagiando no núcleo de produção gráfica
na RETEM Rede de Trabalho e Educação na Maré). Este projeto oferecia curso de Audio
Visual, Produção Gráfica e Fotografia, neste período ainda não tinha optado pela fotografia, mas
tinha certeza de uma grande admiração que existia pelo registro, penso eu que deve ser a falta de
registros da minha vida passada, poucas fotografias de meu pai, ou talvez por não saber como era
a feição de meu exatamente, enfim... eu sempre tentei de alguma forma registrar alguns
momentos. Quando tinha 10, 11 anos aproximadamente, comprei uma câmera com um dinheiro
que estava juntando à bastante tempo, lembro até hoje, guardava o dinheiro na ripa próxima ao
telhado do barraco. Fiz umas imagens do meu irmão na ciclovia próxima de casa, onde hoje é a
Vila olímpica da Maré, confesso q não foi nada bom o resultado, deu erro de paralax, cortei a
cabeça do meu irmão que alisava um cavalo. Câmera é uma compacta que iniciei poucos
registros, mas dei o primeiro passo, o começar a fotografar, mas tive um grande problema não
tinha dinheiro para comprar filmes e pagar pelas revelações ai decidir deixar a câmera parada.
Estive no PROVOC (Programa de Vocação Cientifica) até o ano de 2004, indo para o avançado.
Neste ano não existia mais a RETEM, mas até hoje é dado continuidade aos trabalhos que ela
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vinha desempenhando, neste só estava terminando o Programa e daí eu tinha que buscar algo para
fazer, foi quando decidi me envolver com a fotografia já que tinha uma grande afinidade e admira
grandes documentaristas através dos trabalhos desenvolvidos pelo CEASM, nesse envolvimento,
estudos sobre a historia da Maré, colaborador, etc, conheci o trabalho de João Roberto Ripper,
mentor, coordenador e educador da Escola de Fotógrafos Populares e de Sebastião Salgado.
Quando vejo, ainda hoje estes trabalhos, tenho uma grande admiração pela propostas de projetos ,
pela sinceridade que esses tem pela fotografado, pela pessoa, principalmente ao Ripper que
estamos juntos nessa escola, enfim... esse olhar, admiração por estes trabalhos me fez pensar:
Puxa, queria estar fazendo o que eles fazem, queria pelo menos tentar desenvolver algo parecido.
Daí em abril de 2004 procurei um curso no SENAC Centro Educacional Profissional Marechal
Floriano, fiz o básico, mas a proposta do SENAC não era bem a minha, apesar de me oferecer e
muito bem, a técnica fotográfica. Conclui após um mês e não tinha mais dinheiro para dar
continuidade, mas parecia que estava dando tudo certo. Um semana após o término do curso
básico rola um boato de que terá um ótimo curso oferecido pelo Observatório de favelas e tive
algumas dificuldades devido ter perdido a data de inscrição, acabei aceitando e sendo aceito
como ouvinte, achei o Maximo, no meu primeiro dia de aula se tem a noticia da desistência de
um rapaz de Manguinhos e esta vaga sobrou para mim, fui inscrito na Escola de Fotógrafos
Populares, daí me envolvi de tão maneira pela fotografia que não me vejo fazendo outras coisa a
não ser fotografar. Este projeto me proporcionou fazer o que me prazer, este projeto esta
tornando possível a minha proposta: estar iniciando um projeto de documentação, como disse
antes, este projeto também me fez conhecer muitos outros fotógrafos e abrindo meu horizonte
para minha proposta de trabalho, me influenciando, assim como Marcos Prado, Carlos Carvalho,
Marizilda Cruppe, João Roberto Ripper, Sebastião Salgado, Henri Cartier Bresson, Flavio
Canalonga, Nair Benedito, Eugene Smith, Dorothea Lendhy, entre muitos outros que estamos
estudando e que vem sendo minha .
Em 2004, ainda fazendo parte da turma da Escola de Fotógrafos Populares comprei uma
câmera com que tanto desejava, paquerava, namorava Nikon FM2, e com esta toquei meu
projeto documental (Crianças) que ainda vem sendo minha proposta, dando uma “interrupção”
em dezembro de 2006 para tocar um novo projeto (Cultura Folclórica em Áreas Populares). Neste
momento estou querendo investir num equipamento digital devido a gastos e também me
preocupo com término da Escola, no sentido de não ter mais material para estar tocando como,
por exemplo, filmes. Temos equipamento digital, mas não poderei tocar este novo projeto fora da
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Maré, ou até mesmo fora do Rio e do mundo. A minha idéia é investir na digital devido não ter
grana para sustentar estes futuros projetos fora do Rio de Janeiro.
Este novo projeto Cultura Folclórica em Áreas Populares, tem como objetivo buscar através de
imagens uma valorização, importância, resistência, tradições das culturas populares que em
algumas áreas se perderam ou estão por se perder. Como por exemplo o Candomblé, Folia de
Reis (Reisado), Blocos de Rua, ... é mostrar para as pessoas que ainda existi resistências culturais
nas favelas, em áreas populares como todo.
Este projeto surgiu apartir de uma à viagem na cidade de Recife, Pernambuco. Fui para participar
do Fórum Social Brasileiro, mas com a idéia quis aproveitar esta viagem para entrar em alguma
favela da cidade, acabei não conseguindo, mas me fez pensar como poderia acompanhar a
periferia de Recife, decidi fotografar a participação da favela no Fórum foi quando conheci um
projeto chamado Pé no Chão/Eco da Periferia que atua em duas favelas de Recife (Arruda e Santo
Amaro). Senti que meu coração batia muito e me estimulava demais á fotografar ao ouvir a batida
do Maracatu, ao ver a Dança de Coco, o Frevo, ao ver a Ciranda cantada pelas crianças, foi
demais ver que o nordeste é rico em relação ao povo, à cultura, principalmente Pernambuco. Daí
pensei muito nesta proposta e logo fui expondo minhas idéias para todos os amigos que fiz neste
lugar e veio os convites que ainda mais me estimularam: vem para cá, você fica e casa”, – vem
para cá, você fica com a gente no SERTA (Ong que trabalha com tecnologia alternativa), você
dorme lá. Isso foi um estimulo para tocar este trabalho. Logo surge um projeto paralelo.
Conversando com um dos companheiros, Germano, ele diz que o SERTA faz um trabalho no
Sertão pernambucano e ele me pergunta se gostaria se gostaria de fotografar o Sertão,
imediatamente digo: vo esta falando serio??!??!?!?! Ele diz que sim, que gostaria muito de
estar tocando um trabalho coletivo. Eu logo aceitei, mas pensando como poderia estar fazendo a
documentação. O que veio em minha cabeça para tocar este trabalho é estar em Pernambuco
durante um bom tempo. Para iniciar será 6 meses, dividindo esses meses para os dois projetos
(Cultura Folclórica em Áreas Populares e Sertão)...
Decidi acompanhar o estimulador que trabalha com a cultura da região imagens iniciei este farei
dois trabalhos
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sta iniciando na Maré, registrando o Marécatu, grupo de Maracatu da Maré, que tem como
proposta trabalhar com crianças da Maré. O Marécatu é um projeto realizado pelo CEASM
Centro de Estudo e Ações Solidárias da Maré em parceria com Escola municipal da Maré (CIEP
Samora Machel).
A RETEM foi um projeto importantíssimo na Maré na formação de jovens na área de
comunicação, hoje reencontro grandes seres humanos Bira Carvalho e Deise Lane, que foram do
núcleo de fotografia da antiga RETEM, e que hoje estamos juntos na Escola de Fotógrafos
Populares.
Assim que terminei o curso.
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