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Conversamos um pouco, em seguida gravei o relato sobre os trabalhos autorais do fotógrafo.
Antes, porém, Bira me contou a história daquele homem. Era um ex-traficante que não
agüentava mais a vida no tráfico. Não gostaria de morrer naquela altura da vida, já maduro e
com filhos para criar. Não gostaria igualmente que seus filhos seguissem seu caminho,
portanto, resolveu encerrar sua carreira na “vida do crime”. Gostava muito de flores, mas a
“vida honesta” não lhe permitia comprar tantas quantas queira, por isso, Bira resolveu
presenteá-lo. Seu amigo era realmente um sujeito muito simpático, insistiu muito para que eu
entrasse em seu time para disputar uma partida de futebol, dizendo-me que não era preciso se
preocupar, pois ali só havia “pernas de pau” e tudo não passaria de uma grande brincadeira.
Rejeitei o convite, mas aceitei um segundo para uma partida no outro fim de semana. No
entanto, como também não compareci, Bira transmitiu o recado de seu amigo: “olha, o cara
mandou te falar que tu perdeu. Tava muito bom e ainda teve churrasco e cerveja”. No entanto,
vejamos a narrativa de Bira sobre seu trabalho autoral:
O tema surgiu de uma mulher de uma sabedoria absurda, semi-analfabeta:
minha mãe. Uma foto ou outra, das que eu gosto, de vez em quando, mostro
para ela para ver o que ela acha. Aí uma vez eu mostrei uma foto dela de
quando ela tinha sonhado com a mãe dela, à noite, fumando e olhando para a
janela. Aí, quando eu mostrei uma outra foto num outro dia, ela falou que eu
fotografava o corpo e a alma das pessoas. E eu fiquei de bobeira, meu mano,
não sabia que invadia tanto assim a privacidade das pessoas, mesmo de forma
respeitosa. É invasão. E aí eu comecei ver que... a força que a favela tem,
um...Quando ela falou isso eu comecei a olhar minhas fotos. Minha forma de
fotografar mudou. Porque eu comecei a ver, reparar na expressão, mesmo com
as pessoas que estavam de costas. Entender sobre sentimentos, amor... dor,
esperança, fé. Eu entendi que não podia mais fotografar uma temática só, e
mesmo fotografando uma temática só eu chegaria na alma. Porque no fundo,
no fundo, ela intuiu mais do que eu e o Ripper o que eu tinha que fazer.
Porque eu tinha escolhido primeiro “tribos”, para mostrar a diversidade na
favela. Têm pessoas que são anarco-punk, têm uns que gostam de funk, outros
de forró, reagge, e a sociedade que vê de um lado só pensa que é só funk e
neguinho careca. Eu raspo a cabeça antes de Ronaldinho, desde 94, porque eu
ganhava um salário e só podia cortar o cabelo uma vez no mês. É foda, só
acostumei. E quando ela intuiu isso, mano, ela chegou onde eu não tinha
chegado. Que meu negócio era fazer a diversidade, mostrar as pessoas que
moram na favela. Anarco-punk, mas o anarco-punk anda de skate, mas tem
um cara da igreja que anda de skate, tem o mesmo amor, mas são diferentes e
tem uma coisa que une que é o skate. E eu comecei a viajar sobre isso, que
mais do que mostrar o que é o diferente é mostrar o que unia. Eu podia até
mostrar o diferente, mas mostrar o que unia... Eu cheguei no tema alma, que
não é tão fácil de explicar, nem de chegar, porque você tem criar uma relação.
Não é o fotografar por fotografar mais. O momento. É fotografar o algo mais.
Aí tem que ter sintonia. Mais do que conhecer a técnica, obturador,
velocidade, luz, curvatura, luz ideal, luz dura, o fio de ouro, película ou cromo
que satura mais a cor, mas endurece a sombra. Se não tiver a sintonia, ele pode
estar até com a Leica última geração, a D-200 (maquina que ele possui), se