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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
HELENARA PLASZEWSKI FACIN
Pelotas, março de 2008
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HELENARA PLASZEWSKI FACIN
HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DA PROFESSORA E AUTORA
DE LIVROS DIDÁTICOS NELLY CUNHA (1920-1999)
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Pelotas, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Eliane Teresinha Peres
Pelotas, março de 2008
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Catalogação na Publicação: Renata Braz Gonçalves CRB 10/ 1502
F118h Facin, Helenara Plaszewski
Histórias e memórias da professora e autora de livros
didáticos Nelly Cunha (1920-1999) / Helenara Plaszewski
Facin. – 2008.
149 f.
Orientador: Eliane Teresinha Peres. Dissertação
(Mestrado) – Universidade Federal de Pelotas, Faculdade
de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,
2008.
1. História da Educação. 2. História de Vida. 3. Memória.
4. Livro Didático. I.Título.
CDU: 37 (091)
BANCA EXAMINADORA
Prof
a
. Dr
a
. Eliane Teresinha Peres
Orientadora – FaE/UFPel
Prof
a
. Dr
a
. Maria Helena Menna Barreto Abrahão
PUCRS
Prof. Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara
FaE/UFPel
Prof
a
. Dr
a
. Lúcia Maria Vaz Peres
FaE/UFPel
AGRADECIMENTOS
Ao término deste trabalho, emergem em minha memória muitos fatos,
acontecimentos, desafios, sentimentos, conquistas, em suma, toda a minha
caminhada até chegar nesta etapa final. Foi uma experiência muito importante na
minha vida e que me proporcionou um crescimento indescritível. Mas esta vitória
não foi realizada sozinha, pois pude contar com o apoio de muitas pessoas
queridas, às quais agradeço não como mera formalidade da academia, mas para
expressar meu profundo agradecimento e gratidão a todas.
Primeiro a Deus... Sem palavras!
À Professora, orientadora e amiga, Drª. Eliane Peres, a quem me
faltam palavras para agradecer. Nela encontrei o exemplo do verdadeiro mestre
dedicado, competente e humano. Sua confiança, qualificada orientação,
experiência e carinho foram imprescindíveis durante nossa convivência. A ela,
minha eterna gratidão!
Agradeço aos familiares de Nelly, de modo muito especial, às filhas
Elaine Cunha da Silva e Nina Rosa da Cunha Wolff; ao Sr. Heddy Pederneiras, às
amigas Ana Carolina Xavier da Costa, Rebeca Amar, Maria Helena Portanova de
Oliveira e às co-autoras Teresa Iara Fabretti e Zélia Maria Sequeira de Carvalho,
que gentilmente se dispuseram a ajudar e a participar deste trabalho. Sem vocês
muito pouco poderia ser dito.
5
À professora Maria Helena Menna Barreto Abrahão pela sua valiosa
contribuição a este trabalho de pesquisa, bem como pela oportunidade de poder
escrever um dos capítulos de seu próximo livro com a história da pesquisada.
À Professora Drª. Lúcia Maria Vaz Peres e ao Professor Dr. Elomar
Antonio Callegaro Tambara pelas contribuições que trouxeram na ocasião da
qualificação, também por acreditarem na importância da temática escolhida e
respeitarem minhas escolhas.
Aos professores e funcionários com quem tive contato na FaE/UFPel, por
me atenderem com tanta atenção e interesse em todos os momentos que precisei.
Às colegas do curso e do grupo de pesquisa HISALES pelo
conhecimento compartilhado e pela agradável convivência nestes dois anos de
curso. A todas/o, que não irei citar o nome para não correr o risco de esquecer,
sintam-se homenageadas/o.
Aos meus pais, Antônio e Evanir, aos quais jamais conseguirei
agradecer, primeiro pela vida que veio de vocês, pelos ensinamentos, pelo amor
incondicional, ajuda, e, principalmente, por fazerem parte de minha vida. Amo
vocês!
Aos meus irmãos, Simone e Rafael: obrigada pela existência e por
nossos encontros que sempre são permeados de carinho e amizade. Sempre
estarei torcendo pelo sucesso de vocês!
Aos demais amigos e familiares que direta e indiretamente estiveram
presentes, obrigada por vibrarem com as minhas conquistas.
Ao meu esposo, Márcio André Facin, meu amor, amigo, eterno
companheiro, agradeço a compreensão pelas ausências, inquietações e insônias.
Obrigada pelo incentivo e, principalmente, por compartilhar sonhos e realizações.
E por último, não como menos importante na minha vida, à amada
Juliana, razão do meu ser, que não entendia o porquê de muitos trabalhos para
fazer. Obrigada por existir e desculpa a falta de tempo, Te amo filha!!!
A todos dedico este trabalho!
Helenara Plaszewski Facin
À memória de Nelly Cunha, que não deixou apenas sete
coleções didáticas como legado, mas um verdadeiro
exemplo de determinação, coragem e luta, de realizações e
de trabalho, especialmente no campo educacional. É por
isso que ela deve ser lembrada como uma das eminentes
educadoras que o Estado do Rio Grande do Sul teve e
pelas muitas mulheres que a habitaram: mãe, esposa,
professora, escritora, autora de livros, administradora,
técnica educacional, apresentadora de programas de rádio,
pianista... uma mulher de extraordinária personalidade.
Professora Nelly, é para você este trabalho. Fazer sua
história foi uma grande satisfação!
RESUMO
Este trabalho tem como foco dar visibilidade à História de Vida da educadora
Nelly Cunha (1920-1999), uma professora primária que foi também uma das mais
importantes autoras de livros didáticos no Estado do Rio Grande do Sul, entre os
anos de 1960 e 1980. A pesquisa foi realizada a partir de dois tipos de fontes:
orais e escritas. As fontes orais foram coletadas através de entrevistas semi-
estruturadas, gravadas e transcritas, com familiares, amigas, ex-alunas e co-
autoras de obras didáticas, de maneira que a memória dos entrevistados
apresentou-se como uma valiosa fonte de pesquisa. Com relação às fontes
escritas, as mesmas foram disponibilizadas pelas filhas de Nelly, que doaram o
arquivo privado da mãe, por elas cuidadosamente guardado ao longo dos anos.
Trata-se de documentos pessoais e oficiais, manuscritos, diários, recortes de
jornais, cartas, fotos, coleções de livros didáticos, etc. No que tange à opção
teórico-metodológica, os estudos sobre histórias de vida e as questões em torno
de arquivos privados e livros didáticos nortearam a presente pesquisa.
Palavras-chave: História da Educação; História de Vida; Memória e Livros
Escolares.
ABSTRACT
This paper focus on giving visibility to the Life Story of the educator Nelly Cunha
(1920-1999), a primary teacher who was also one of the most important
schoolbook authors in the state of Rio Grande do Sul, between the years of 1960
and 1980. The research was developed based on two types of sources: oral and
written. Oral sources were collected through semi-structured interviews, recorded
and transcribed, with relatives, friends, ex-students and co-authors of textbooks,
which means the interviewed people’s memory was a valuable research source.
The written sources were made available by Nelly’s daughters, who donated their
mother’s private archive, which was carefully taken care by them throughout the
years. This archive includes personal and official documents, manuscripts, diaries,
newspapers’ articles, letters, pictures, textbook collections, etc. In what concerns
theoretic and methodological options, the studies about life stories and the matters
around private archives and textbooks guided the research.
Key-words: History of Education; Life Stories; Memory and Textbooks.
SUMÁRIO
Lista de Figuras ........................................................................................... 10
Lista de Quadros ......................................................................................... 13
Introdução .................................................................................................... 14
Capítulo I. Aspectos teórico-metodológicos da investigação ................. 20
1.1. Memórias e histórias de vida como uma opção metodológica ............. 20
1.2. “Da gaveta para o mundo”: o arquivo privado de Nelly Cunha ............. 32
Capítulo II. Quem foi Nelly Cunha? ............................................................ 39
2.1. “Reminiscências de outrora”: infância/adolescência ............................. 39
2.2. A pianista Nelly Cunha ......................................................................... 49
2.3. Como se tornou professora? ................................................................ 53
2.4. Aspectos da prática pedagógica de Nelly Cunha
(Cadernos de planos - 1941-1946)........................................................ 59
2.5. O curso superior ................................................................................... 67
Capítulo III. A escritora e autora de livros didáticos Nelly Cunha ........... 73
3.1. A Revista Pedagógica Cacique ............................................................ 73
3.2. As obras didáticas de Nelly Cunha ....................................................... 81
3.3. A viagem aos EUA no acordo MEC/COLTED/USAID ........................ 118
Considerações Finais ................................................................................ 134
Referências ................................................................................................ 138
Anexos ....................................................................................................... 147
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: A Foto de Nelly disponibilizada em seu arquivo (s/d) ........................ 38
Figura 2: Imagem da Revista Tico-Tico ............................................................ 41
Figura 3: Imagem da Revista Eu Sei Tudo ....................................................... 42
Figura 4: Imagem da Coleção Tesouro da Juventude ...................................... 43
Figura 5: Imagem da Coleção Júlio Verne ....................................................... 44
Figura 6: Foto de 1995, quando Nelly viajou para Buenos Aires,
com 75 anos de idade ........................................................................ 47
Figura 7: Cópia do Diploma do Curso de Piano, em 31/12/1937 ..................... 49
Figura 8: Apresentação de Nelly no Conservatório Mozart, POA (s/d) ............. 50
Figura 9: Nelly e Fabrício no Programa de Rádio (s/d) .................................... 51
Figura 10: Cópia do Diploma de Professora ....................................................... 55
Figura 11: Retrato de Formatura ........................................................................ 55
Figura 12: Foto entre as Professoras do Grupo Escolar Rio Branco,
Nelly está em pé, sua posição é a terceira da esquerda
para a direita ...................................................................................... 56
Figura 13: Nelly com seus Alunos do Grupo Escolar Rio Branco (s/d) ............... 58
Figura 14: Imagem da Capa do Caderno de Planos de Nelly ............................ 59
Figura 15: Página do Caderno de Planos de Nelly Cunha
(outubro de 1941, p.3) ....................................................................... 65
Figura 16: Página do Caderno de Planos de Nelly Cunha
(outubro de 1941, p.18-19) ................................................................ 66
Figura 17: Solenidade de Colação de Grau em Jornalismo, PUCRS ................. 69
Figura 18: Cópia do Diploma .............................................................................. 69
11
Figura 19: Nelly Cunha na Redação do Jornal “Última Hora” ............................. 71
Figura 20: Capa da Revista “Cacique” ............................................................... 75
Figura 21: Contra-Capa da Revista “Cacique” ................................................... 76
Figura 22: Imagem do Texto escrito por Nelly em 15/11/1958, p.19 .................. 79
Figura 23: História Escrita por Nelly em 31/10/1959, p.27-28 ............................ 80
Figura 24: Capa da Coleção “Estrada Iluminada” .............................................. 88
Figura 25: Capa do Livro “Travessuras de Pirulim” ............................................ 89
Figura 26: Capa do Livro “Páginas do Sul” ......................................................... 90
Figura 27: Capa do Livro “O Canto do Brasileiro” ............................................... 91
Figura 28: Capa do Livro “Pinceladas Verde-Amarelas” .................................... 92
Figura 29: Capa do Livro “Novas Travessuras de Pirulim” ................................. 93
Figura 30: Capa do Livro “Páginas do Sul” ......................................................... 94
Figura 31: Capa do Livro “O Canto do Brasileiro” ............................................... 95
Figura 32: Capa do Livro “Pinceladas Verde-Amarelas” .................................... 96
Figura 33: Capa da Coleção “Nossa Terra Nossa Gente” .................................. 98
Figura 34: - Imagem do texto e dos exercícios das páginas 9 e10 da
Coleção “Estrada Iluminada” – Bichano e Zumbi – 1º ano, 1960 ..... 100
Figura 35: Imagem do texto e dos exercícios das páginas 9 e 10 da
Coleção “Nossa Terra Nossa Gente” – 1º ano, 1970 ....................... 101
Figura 36 Capas da Coleção “Nossa Terra Nossa Gente”, 4ª e 28ª edições ....... 103
Figura 37: Cópia da Carta da Secretaria de Turismo para Nelly ...................... 104
Figura 38: Cópia do Contrato com a Editora Globo .......................................... 107
Figura 39: Foto das Autoras Teresa, Zélia e Nelly ........................................... 108
Figura 40: Capa do Livro “Alegria, Alegria” ...................................................... 110
Figura 41: Capa do Livro “E agora, André?” ..................................................... 111
Figura 42: Capa do Livro “Pequenos Turistas” ................................................. 112
Figura 43: Capa do Livro “Querência” .............................................................. 112
Figura 44: Capa do Livro “Rumo Certo” ........................................................... 113
Figura 45: Capa do Livro “Espiral” .................................................................... 113
Figura 46: Capa da Coleção “Tapete Verde” .................................................... 114
Figura 47: Capa da Coleção “Paralelas” .......................................................... 116
Figura 48: Foto das Autoras que viajaram aos EUA ......................................... 119
Figura 49: Nos EUA, Nelly entre a Comitiva, 1969 ........................................... 119
12
Figura 50: “Relatório-diário” Datilografado, p.12 .............................................. 123
Figura 51: Cópia da Capa do Programa ........................................................... 125
Figura 52: Cópia do Certificado do Curso ......................................................... 126
Figura 53: Reportagem de um Jornal Norte-Americano
sem identificação e s/d..................................................................... 127
Figura 54: Cópia da Carta que Nelly escreveu para a família, 22/10/1969 ....... 129
Figura 55: Cópia da Carta que Nelly escreveu para as amigas, 08/10/1969..... 130
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Depoimentos .................................................................................. 23
Quadro 2: Planos ............................................................................................ 63
Quadro 3: Obras .............................................................................................. 85
INTRODUÇÃO
Alvinho ficava olhando o mar. Além do mar, o que haveria? Ele
imaginava um oceano imenso que começava ali na praia e ia se
estendendo em ondas cada vez maiores, em espaços mais
amplos, até o fim do mundo. (Nelly Cunha, 1985, p.70)
1
.
O excerto do conto de Nelly Cunha revela aspectos da personalidade
da protagonista desta pesquisa e o processo pelo qual estou me construindo
como pesquisadora, pois quando me lancei no universo da pesquisa não tinha
idéia do que ia encontrar pela frente, mas sem dúvida foi um grande aprendizado.
Tudo começou em 2005, quando ingressei no grupo de estudos de História da
Alfabetização
2
, o qual, entre outras investigações, desenvolve o projeto
interinstitucional (UFMG, UFPel, UFMT), em andamento desde 2001, intitulado
“Cartilhas Escolares: ideários, práticas pedagógicas e editoriais – construção de
repertórios analíticos e de conhecimento sobre a história da alfabetização e das
cartilhas (MG/RS/MT, 1870-1996)”. Foi nesse contexto, durante a minha inserção
nesse projeto de investigação, que teve início a atual pesquisa.
1
Extraído de um conto de Nelly Cunha, num livro de 1985, premiado com menção honrosa pela
Poupança Habitasul, Prêmio Petrobrás – JC de Literatura (Poesias-Contos-Crônicas).
2
Hoje grupo de pesquisa HISALES – História da Alfabetização, Leitura, Escrita e dos Livros
Escolares, cadastrado no CNPq desde 2006. HISALES é também um amplo projeto de pesquisa
desenvolvido na FaE/UFPel, sob a coordenação da professora Dra. Eliane Teresinha Peres, e que
abarca vários subprojetos.
15
Durante essa trajetória, os estudos realizados foram me engajando no
contexto da pesquisa e, ao mesmo tempo, possibilitaram-me partilhar e
enriquecer meus conhecimentos e aprendizagens junto ao grupo.
Ao participar das reuniões semanais, fui integrando-me aos propósitos
da equipe, com o intuito de colaborar com a investigação, cujo objetivo inicial
consistia em fazer um levantamento das cartilhas produzidas e em circulação no
Rio Grande do Sul durante as décadas de 60 e 70.
Na análise realizada em materiais que circulavam durante esse
período, inicialmente, identificou-se o nome da autora Cecy Cordeiro Thofehrn
(1917-1971), que era recorrente em muitas cartilhas. A partir desse dado, fui em
busca de notícias referentes a ela, através de incessantes e extensivas
investigações realizadas por intermédio da Internet, catálogos telefônicos, jornais,
contatos telefônicos, endereços eletrônicos, dentre outros processos de busca,
objetivando a obtenção de informações relativas à localização e informações
referentes à professora Cecy Cordeiro Thofehrn. No entanto, não obtive
“sucesso”, pois, esgotadas algumas possibilidades familiares e institucionais,
apenas tive acesso a um documento referente ao processo de nº 639, na Câmara
Municipal de Porto Alegre, que aprovou, em 13/09/1972, uma denominação de via
pública com o seu nome, como forma de homenageá-la.
Após buscar o máximo de dados possíveis, repassei esses ao grupo,
que examinou detalhadamente as informações ali contidas, permitindo a
publicação do trabalho: “Aspectos da produção didática da professora Cecy
Cordeiro Thofehrn” (PERES, 2006).
A pesquisa de campo supõe que quanto mais o/a pesquisador/a se
encontrar inserido e atuante dentro do grupo de estudos, mais ricos serão seus
dados; por isso toda a experiência é válida, mesmo que não se colha os
resultados inicialmente almejados. Nessa perspectiva, segui com a referida
análise dos materiais coletados e observei que, em diversas obras, juntamente
com o nome de Cecy, aparecia o nome de outra autora. Diante disso, nasceu a
idéia de expandir a pesquisa em direção ao nome de Nelly Cunha, co-autora de
alguns livros editados com Thofehrn.
16
Pouco a pouco, o nome de Nelly Cunha e sua vasta produção didática
foram se impondo como um possível e rico objeto de investigação. Surgia, assim,
o início da pesquisa que propus como projeto de dissertação de mestrado, hoje
intitulada: Histórias e Memórias da professora e autora de livros didáticos Nelly
Cunha (1920-1999).
Quando me propus a aprofundar este estudo, o primeiro passo foi fazer
uma verdadeira garimpagem pelos rastros de Nelly Cunha, sem sequer saber se
ela ainda estava viva. Parti, então, em busca de informações. Foi uma tarefa difícil
e que exigiu persistência. Investigar e localizar o paradeiro de alguém
“desconhecido” constitui um dos grandes obstáculos da pesquisa, verdadeiro
exercício de paciência.
Após ter ultrapassado a primeira barreira da localização, finalmente
cheguei à informação do logradouro em que Nelly residia. Ao entrar em contato
com o número telefônico relativo ao endereço da mesma, em outubro de 2005, fui
atendida por Thaís Nascimento, que se identificou como neta da autora e, apesar
de informar a triste notícia que Nelly havia falecido no ano de 1999, gentilmente
dispôs-se a colaborar com o estudo, disponibilizando o número telefônico de sua
tia Elaine Cunha da Silva, filha de Nelly Cunha, residente em Porto Alegre (RS).
De posse dessas primeiras informações, desde 2005, durante as
viagens à capital do Estado, tratei de exercitar os ensinamentos descritos por
Lopes e Galvão (2001, p.92-93):
O trabalho com as fontes exige, antes de tudo, paciência. Quantas
vezes ficamos horas, dias ou semanas para encontrar um ou dois
documentos que interessam à pesquisa? [...] um trabalho é mais
rico e mais confiável quanto maior for o número e tipos de fontes a
que se recorreu [...].
Nesse sentido, quanto maior a diversidade de materiais, maior a
possibilidade que o/a historiador/a terá para explorá-los, compreendê-los e
produzir conhecimentos sobre o assunto da pesquisa.
O primeiro contato em busca de material para a pesquisa, como já foi
dito, aconteceu em meados de outubro do ano de 2005, por telefone, com Elaine,
filha de Nelly, a qual permitiu que agendássemos uma data para a entrevista. No
17
dia previamente marcado (30 de outubro de 2005) cheguei à sua residência em
Porto Alegre (RS), onde fui cordialmente acolhida. Nesse primeiro encontro,
expliquei o objetivo da pesquisa e realizei a primeira entrevista, que foi gravada
com a permissão da entrevistada.
Minha preocupação inicial foi a de informar o que estava fazendo e o
porquê, no sentido de expor claramente meus objetivos, pois buscava criar um elo
de confiança principalmente quanto à coleta e uso das informações obtidas.
Em relação ao tipo de entrevista, organizei um roteiro de perguntas
para servir de estímulo e de encaminhamento à fala da entrevistada. A entrevista
teve um caráter de semi-estruturada ou semidirigida, com o cuidado de não seguir
uma estrutura rígida, ou seja, “presa” a um questionário fechado, procurando dar
liberdade à manifestação da entrevistada, mas atenta para não afastar do tema
em estudo.
Entrevistar supõe uma conversa interativa entre os pares, na qual se
estabelece uma relação mútua, como define Queiroz (1988, p.20): a entrevista
está presente em todas as formas de coleta dos relatos orais, pois estes implicam
sempre num colóquio entre pesquisador e narrador.
Durante o encontro, Elaine rememorava com “naturalidade” a trajetória
profissional e os fatos do cotidiano familiar da mãe, num clima de muita
receptividade e confiança entre nós. Na medida em que a conversa avançava,
notei em alguns momentos que sua voz embargava pela emoção. Nesses
momentos, percebi que lidava com vida, sentimentos, lembranças e saudades.
Precisava ter muita sensibilidade e compromisso ético com o conteúdo dessas
informações.
A primeira entrevista teve inicialmente um caráter mais exploratório,
com o objetivo de coletar o máximo de informações possíveis. Foi um relato em
forma de “linha de tempo”. No transcorrer dos relatos, Elaine mostrou-me os
materiais que pertenceram à mãe, por ela cuidadosamente guardados, “um
arquivo privado”. É imprescindível citar a guarda e a conservação desse material
pelos familiares ao longo dos anos, fato pouco comum e que merece destaque na
pesquisa, bem como a doação desse material para a investigação.
18
Assim, a partir da surpresa ao me deparar com informações e fontes
escritas de suma importância, é que o estudo foi tomando forma. Na primeira
entrevista, Elaine também me proporcionou um contato telefônico com a Sra.
Tereza Iara Fabretti, co-autora de alguns livros didáticos com Nelly.
Em novembro de 2005 fiz mais uma entrevista com Elaine e sua irmã
Nina Rosa, momento esse em que as filhas doaram o arquivo privado da mãe, o
qual foi fundamental para a pesquisa.
Em 2006, aprovada no curso de Mestrado do Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas, dei
continuidade ao processo de pesquisa que se iniciara mesmo antes dessa
aprovação e que, agora, resulta nesta dissertação.
O trabalho se estruturou a partir dessas informações, do arquivo
pessoal de Nelly, das contribuições de muitas pessoas e das lembranças dos
entrevistados, que foram significativas para reconstruir a história de vida de Nelly
Cunha. O processo de análise dos dados indicou-me aspectos que deveriam ser
apresentados na pesquisa, como, por exemplo, a formação de Nelly como
professora e autora de livros didáticos, sua atuação pedagógica, sua trajetória
profissional. Desta forma, estruturei a dissertação em três capítulos, apresentados
da seguinte maneira.
No primeiro capítulo, abordo a metodologia de pesquisa, apresentando
os procedimentos de coleta e análise dos dados, além das indicações dos
referenciais teórico-metodológicos, nos quais se apóia a investigação, indicando a
importância do trabalho especialmente no contexto da História da Educação.
No segundo capítulo, apresento a história de vida de Nelly Cunha,
apontando as fases de sua vida, bem como sua formação e atuação, além de
alguns elementos que identificam a prática pedagógica desenvolvida na escola
primária
3
, localizando o possível ideário pedagógico da professora.
Já no terceiro capítulo, assinalo a produção de Nelly Cunha,
destacando o início de sua trajetória como escritora e autora de livros; além disso,
apresento os dados referentes à viagem realizada por ela aos Estados Unidos da
América, no acordo MEC/COLTED/USAID, no ano de 1969.
3
Atualmente, anos iniciais do Ensino Fundamental.
19
Por último, trato, especificamente, de fazer as considerações finais
sobre a temática pesquisada, abordando os temas discutidos, com o intuito de
realizar uma síntese das questões propostas nesta pesquisa.
ASPECTOS TEÓRICOS-METODOLÓGICOS
DA INVESTIGAÇÂO
CAPÍTULO I
1.1 Memórias e histórias de vida como uma opção metodológica
A fonte é a necessária e indispensável matéria-prima do
historiador para que ele possa, de alguma forma, reconstruir esse
passado [...]. (LOPES e GALVÃO, 2001, p.77).
Neste capítulo apresento fundalmentalmente o processo da
investigação, enfatizando a coleta de dados, os referenciais teóricos, as opções
de análise, entre outros aspectos.
A coleta dos dados da pesquisa ocorreu a partir de dois tipos de fontes:
orais e escritas. Muitos historiadores que fazem uso de fontes orais se interrogam
sobre a pertinência da expressão história oral ou fontes orais, por isso são
pertinentes as idéias de Joutard (1996, p.56), o qual nos diz que:
Na América Latina, muitos utilizam as fontes orais de modo
predominante, mas não exclusivo. Assim, eles também preferem
21
falar em uso de fontes orais na pesquisa e não história oral
(Schwarzstein) [...]. O mesmo pensam muitos arquivistas para
quem a expressão fontes orais é mais exata na medida em que se
trata de uma fonte entre outras [...]. De minha parte considero,
como a maioria de meus colegas, que a expressão “fontes orais” é
metodologicamente preferível e que a expressão “história oral” é
terrivelmente ambígua, para não dizer inexata.
Optei pelo uso da terminologia fontes orais por acreditar ser uma
denominação mais ampla e aceita entre os historiadores. Conforme Alcàzar I
Garrido (1992/1993), elas são uma ferramenta indispensável na pesquisa. De
forma que busquei reconstruir aspectos da história de vida de Nelly Cunha,
através das entrevistas – fontes orais – com pessoas que com ela conviveram,
seja na família, seja na profissão.
As fontes orais foram coletadas através de entrevistas semi-
estruturadas, gravadas e transcritas, com familiares, colegas, amigas, alunas e
co-autoras das obras de Nelly Cunha, respeitando a singularidade de cada um
dos entrevistados. O mais importante, entretanto, não foi a quantidade de relatos
utilizados na pesquisa, mas sim o valor e a qualidade dos testemunhos.
De forma que o mais interessante nos relatos foi compreender a
história de Nelly conforme relatada e interpretada pelos próprios entrevistados.
Conforme descrito anteriormente, as duas primeiras entrevistas foram
realizadas com Elaine, a filha de Nelly, que proporcionou um contato telefônico
com a co-autora de livros Tereza Iara Fabretti, a qual de imediato me atendeu e
relembrou alguns fatos relativos à antiga companheira, e que, além de citar o
nome de outra co-autora, Zélia Maria Sequeira de Carvalho, se disponibilizou a
dar informações adicionais numa futura entrevista, agendada para o dia 8 de
fevereiro de 2006, em sua residência.
No dia 8 de fevereiro de 2006, na cidade de Porto Alegre, em locais e
horários diferentes, foram realizadas as entrevistas com as co-autoras de livros
escolares Teresa Iara Palmini Fabretti e Zélia Maria Sequeira de Carvalho.
Inicialmente realizei a entrevista com a professora Teresa que
proporcionou informações de grande valia em relação à elaboração dos livros
22
didáticos, que será detalhada no capítulo referente às obras produzidas por elas e
Nelly.
Posteriormente, entrevistei a professora Zélia, também em sua
residência, que dispôs de seu tempo para me receber e apresentar mais detalhes
para o trabalho em questão.
Em novo contato com Elaine, ela forneceu o número telefônico do seu
tio, irmão de Nelly, o qual atualmente reside na cidade de Estrela, interior do Estado
do Rio Grande do Sul. Ao conversar com o senhor Heddy Pederneiras, este se
dispôs a narrar acontecimentos e passagens da vida da irmã. Em seguida, digitou-
os e enviou as informações através de correspondência via correio.
Elaine colocou-me ainda em contato com a outra filha de Nelly Cunha,
Nina Rosa da Cunha Wolff, atualmente residindo em Blumenau (SC), mas que
prestativamente marcou uma entrevista na casa de Elaine, na cidade de Porto
Alegre, em 14 de novembro de 2005.
Os contatos com Elaine continuaram ocorrendo durante o ano de 2006
e, em 2007, ela auxiliou-me na localização e contato com uma colega de Nelly, do
Grupo Escolar Rio Branco, a senhora Ana Carolina Xavier da Costa, hoje com 98
anos de idade. Realizei a entrevista com a senhora Ana em 28 de junho de 2007.
Em 26 de setembro de 2007, entrevistei uma grande amiga de Nelly, dona
Rebeca Amar. Ambas atenciosamente concederam entrevista em suas
residências na cidade de Porto Alegre. Por fim, recebi um relato por escrito, em
25 de setembro de 2007, de uma senhora que havia sido aluna de Nelly, D. Maria
Helena Portanova de Oliveira, também localizada por Elaine Cunha.
Retomando o conjunto de dados coletados através das fontes orais,
realizei ao todo oito entrevistas: com as duas filhas de Nelly, com uma colega de
profissão, com uma amiga e com as duas co-autoras; e obtive dois relatos por
escrito: um do irmão de Nelly e outro de uma ex-aluna. Apresento a seguir um
quadro ilustrativo que permite melhor visualização desses dados:
23
Quadro 1
Depoimentos
NOME RELAÇÃO TIPO DE
DEPOIMENTO
DATA
Elaine Cunha da Silva filha oral
30/10/2005
14/11/2005
28/06/2007
26/09/2007
Heddy Pederneiras irmão escrito 31/10/2005
Nina Rosa da Cunha Wolff filha oral 14/11/2005
Teresa Iara Fabretti co-autora oral 08/02/2006
Zélia Maria Sequeira de Carvalho co-autora oral 08/02/2006
Ana Carolina Xavier da Costa colega oral 28/06/2007
Rebeca Amar amiga oral 25/09/2007
Maria Helena Portanova de Oliveira aluna escrito 26/09/2007
Realizadas as entrevistas, degravei-as, etapa que, conforme Alcàzar I
Garrido (1992, 1993, p.45), é o [...] trabalho mais longo e pesado [...], a
transcrição. Nessa fase tive a sensação conflitante abordada por Dermatini (1988,
p.62), que nos diz que os maiores problemas que surgiram no trabalho de
transcrição [...] foi fazer o discurso escrito ser o mais fiel possível ao discurso
falado. Compreendi o quanto isso é problemático, pois não se consegue colocar
no papel tudo o que foi experienciado na pesquisa e da forma como foi
verbalizado pelos/as entrevistados/as; esse é um dos limites da transposição das
falas, nas quais perpassam sentimentos, emoções e esquecimentos que a escrita
não capta.
No momento da transcrição, fui estabelecendo algumas categorias de
análise e realizando seleções de trechos que considerei significativos nas
entrevistas. Ao trabalhar com esses depoimentos, fiz uma seleção que resultou
num material digitado e agrupado em dois grandes eixos: vida pessoal e
24
profissional, que estão inteiramente interligadas. Organizei os dois eixos em
subtítulos: infância, vida familiar, formação escolar, escolha do magistério,
carreira docente, prática pedagógica, produção didática e viagem de estudos aos
EUA. Os depoimentos, que neste trabalho estão articulados às fontes escritas,
constituem-se na “porta de entrada” para a reconstrução da trajetória de vida da
professora Nelly Cunha, que foi aqui reorganizada cronologicamente.
Com relação aos depoimentos colhidos, as lembranças dos
entrevistados se revelaram importantes na pesquisa, visto que cada depoimento
foi único e singular. Cada qual reconstruiu o que “guardou” na memória,
vivenciou, pensou e sentiu em relação à Nelly. Nesse sentido, pode-se dizer que
são as experiências vividas e as emoções sentidas referidas em (PORTELLI,
1996). É necessário, também, considerar que o trabalho com a memória não leva
em conta se os fatos são exatos, imaginados e/ou idealizados, pois tudo é
subjetivo; duas pessoas, por exemplo, podem vivenciar o mesmo acontecimento e
recordá-lo e contá-lo de diferentes modos, pois a memória está condicionada pela
emoção, por lembranças boas ou ruins, de acordo com as experiências pessoais.
Sobre a memória, nos diz Benjamin (apud SOUZA, 2006, p.13):
[...] um acontecimento vivido é finito ou pelo menos encerrado na
esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem
limites, porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e
depois [...].
Um dos aspectos bastante referenciados nos relatos foram os “valores”
de Nelly Cunha, evidenciados através das seguintes expressões: dedicada ao
trabalho, responsável, talentosa, capaz, organizada, amiga, muito corajosa para
enfrentar a vida, alegre e disposta. Valores esses que revelam as “marcas” que
Nelly deixou.
Para Thompson (1992, p.204), os significados mais simples são
provavelmente os mais convincentes. Nesse sentido, as “marcas” deixadas por
Nelly nos revelam sobre a construção da memória e sua relação com a
constituição da identidade, as quais estão “amarradas”, constituídas e instituídas.
A esse respeito, Pollak (1992, p.204) nos diz:
25
A memória é um elemento constituinte do sentimento de
identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é
também um fator extremamente importante do sentimento de
continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo [...].
Ainda conforme Thompson (1997, p.57), a memória “gira em torno da
relação passado-presente, e envolve um processo contínuo de reconstrução e
transformação das experiências relembradas”. Nesse sentido, percebe-se que as
recordações que a memória dos depoentes conservou sobre Nelly Cunha foram
significativas, cheias de sentimento, de emoções e apego dos tempos idos e
vividos.
Conforme Stephanou e Bastos (2005, p.418):
[...] a Memória, não sendo a História, é um dos indicíos,
documento, de que se serve o historiador para produzir leituras do
passado, do vivido, do sentido, do experimentado pelos indivíduos
e daquilo que lembram e esquecem, a um só tempo.
Sendo assim, nesta pesquisa, história de vida e memória estão
entrelaçadas, pois, conforme Montenegro (1993, p.56):
A entrevista realizada na perspectiva da história de vida
estabelece um campo de resgate da memória. São experiências,
acontecimentos, momentos que constituem as fontes de
significados a serem revisitados.
Trabalhei nessa perspectiva, portanto, porque me interessou saber
como e o que familiares, amigas, alunas, colegas de profissão guardaram na
memória sobre Nelly Cunha.
Há de se considerar, neste ponto, as idéias de Janotti (1993, p.13), a
qual diz que as histórias de vida não esclarecem necessariamente os fatos
passados, mas são interpretações atuais deles.
Compreendo que a escolha pela história de vida foi de suma
importância para o desenvolvimento da pesquisa, e esse processo de coletar os
dados a partir das fontes orais permitiu aproximar os sujeitos entrevistados da
pesquisadora, bem como analisar suas lembranças, através de suas memórias.
De acordo com Ferreira e Amado (1996, p.XV):
26
[...] o objeto de estudo do historiador é recuperado e recriado por
intermédio da memória dos informantes; a instância da memória
passa, necessariamente, a nortear as reflexões históricas,
acarretando desdobramentos teóricos e metodológicos
importantes [...].
Propus-me a realizar a história de vida de uma educadora e autora de
livros didáticos que faleceu no ano de 1999, por isso sem contar com a presença
da própria protagonista. E como trabalhar com esta perspectiva? Eis a pergunta
que se colocou ao longo de todo processo de pesquisa.
No início, vislumbrava construir a biografia de Nelly Cunha através dos
depoimentos obtidos e dos documentos escritos encontrados em seu arquivo
privado. Acreditava ser a escolha metodológica mais adequada, pois desta forma
conseguiria apresentar sua história completa, início, meio e fim, abrangendo a
totalidade da sua experiência. Entretanto, não é assim que se processa, pois,
segundo Fischer, é impossível focar o indivíduo e querer dar um sentido lógico, ou
perseguir um andamento linear, sem incorrer em “inverdades”, como refletiu no
seu próprio processo de pesquisa. Diz Fischer (2006, p.265) em relação à história
de vida de Nilce Léa, professora por ela pesquisada:
[...] maior foi a certeza de que nunca daria conta de escrever a
totalidade de sua vida [...], de reconstituir um enredo para a vida
de alguém que já partiu dessa materialidade. Portanto, não
contando com a contribuição do próprio sujeito que se pretende
biografar, o desafio consiste em, literalmente, juntar pedaços [...]
para tentar dar-lhes sentido [...].
Então o que investigar e como fazer a investigação? Por onde
começar? A partir dessas indagações e idéias, que muito me auxiliaram na
identificação da escolha metodológica mais adequada à pesquisa, fui em busca
de referenciais teóricos do campo da História da Educação para o
desenvolvimento do trabalho, encontrando suporte e inspiração em estudos de
autores como Zeila Dermatini (1988), Maria Isaura Queiroz (1988), Antônio Nóvoa
(1996), Maria Helena Abrahão (2004), Beatriz Daudt Fischer (2006), Ana Sofia
António (2004), entre outros.
27
Nessa perspectiva de “juntar pedaços”, como diz Fischer, considerei
que a vida de qualquer indivíduo pode ser comparada, conforme Ana Sofia
António (2004, p.98):
[...] a uma viagem através de um meio de transporte rápido, ou
seja, ao olharem pela janela os passageiros apenas conseguem
observar pequenos episódios do meio, tal é a rapidez da mudança
de paisagem [...]. Em tempos assim tão conturbados, surgem
cada vez mais estudiosos a usar as histórias de vida como técnica
e investigação, e consequentemente a metodologia qualitativa.
Os estudos sobre histórias de vida de professores/as são, hoje, objetos
de inúmeras pesquisas, e é inegável a importância e a relevância dessa temática
no campo educacional.
Pineau (2006, p.339) refere-se à diferenciação terminológica das
abordagens vida ou o bio em seu título: biografia, autobiografia, relato de vida,
história de vida [...]. Segundo ele, essas são denominadas correntes que se
diferenciam segundo a análise da vida privilegiada, tais como: existência global,
vida singular, vida plural, educativa, formativa ou profissional.
Tal distinção representa os diferentes percursos da vida de um sujeito
que podem ser analisados. Entretanto, independente da opção terminológica
adotada, mais do que um simples modismo, é uma abordagem de suma
relevância, na medida em que incorpora experiências individuais e subjetivas
mescladas a contextos sociais e históricos.
A opção da pesquisa surgiu, portanto, por considerar a história de vida
uma adequada alternativa metodológica, ao articular a dimensão individual
imbricada com o social.
Dominicé (apud BUENO, 2002, p.22-23) reflete sobre o uso da história
de vida afirmando que:
[...] a história de vida é outra maneira de considerar a educação.
Já não se trata de aproximar a educação da vida, como nas
perspectivas da educação nova ou da pedagogia ativa, mas
considerar a vida como o espaço de formação. A história de vida
passa pela família. É marcada pela escola. Orienta-se para uma
formação profissional, e em conseqüência beneficia de tempos de
28
formação contínua. A educação é assim feita de momentos que só
adquirem o seu sentido na história de uma vida.
Nesse sentido, as histórias de vida devem ser articuladas ao contexto
em que se desenvolvem e isso implica em considerar um conjunto de situações
que o sujeito vivenciou, pois o cotidiano é repleto de significações.
Bueno (2002, p.23) refere-se às várias perspectivas e objetivos da
história de vida:
Em função de estudos terem surgido na área de educação, como
uma busca de alternativas para se produzir um outro tipo de
conhecimento sobre o professor e sobre suas práticas docentes,
as propostas nessa direção têm-se manifestado sob modalidades
as mais variadas, e com perspectivas metodológicas e objetivos
também diversos.
As histórias de vida possibilitam ressaltar a vida do sujeito, permitindo
conhecer a trajetória histórica e compreender as relações que estabeleceu ao
longo de sua existência.
Queiroz (1988, p.30) apresenta a história de vida dentro do quadro
amplo da história oral. Menciona que história de vida é uma espécie, ao lado de
tantas outras, que capta informações oralmente; e reforça a idéia anterior de
Fischer em relação à incompletude de lidar com a técnica da biografia; e
apresenta a possibilidade de trabalhar com história de vida descrevendo-a:
Como qualquer outro procedimento empregado na coleta de
dados, é pois, um instrumento, não é nem coleta, nem produto
final da pesquisa; ela recolhe um material bruto que necessita ser
analisado. Porém, o material bruto, uma vez registrado,
permanece inerte e imutável através do tempo, tendo as mesmas
características de persistência e identidade que possui qualquer
outro documento e, como estes, durando através das idades
desde que convenientemente armazenado.
Fischer (2006, p.275-276) aponta ainda a importância de trabalhar com
a história de vida, que revela informações sobre o passado, como no caso de sua
pesquisa sobre a professora Nilce Léa. Diz a autora: seus guardados de ontem
29
agora ajudam a reconstruir parte do enredo de sua vida. Ao mesmo tempo
permitem levantar questões pertinentes à história da educação [...].
Mais uma vez, Fischer (2005, p.264) reforça sua opção por um projeto
que elege a história de vida como metodologia de pesquisa:
[...] ao definir-me por história de vida como encaminhamento
metodológico, não pretendo erigir um pedestal para esse tipo de
abordagem. O que se está pretendendo é, antes, aliar
documentos escritos e orais, articulando-os dinamicamente à luz
da análise discursiva. Faço-o consciente das restrições que têm
sido contundentemente referidas, não apenas à técnica da história
de vida, também à história oral como um todo.
Outro aspecto essencial a considerar aqui diz respeito às idéias de
Queiroz (1988, p.19) em relação às definições dos termos mais apropriados. Para
a autora:
História oral é termo amplo que recobre uma quantidade de
relatos a respeito de fatos não registrados por outro tipo de
documentação, ou cuja documentação se quer complementar [...].
Dentro do quadro amplo da história oral, a “história de vida”
constitui uma espécie ao lado de outras formas de informação
também captadas oralmente; porém, dada a sua especificidade,
pode encontrar um símile em documentação escrita [...].
Com base na afirmação de Queiroz, pode-se considerar a possibilidade
de fazer história de vida a partir da articulação das fontes orais e escritas. Foi
essa perspectiva que adotei na presente pesquisa.
Quanto à opção por trabalhar com histórias de vida, destaco Alarcão
(2004, p.9), que indica a importância e o interesse pelas histórias de vida, pois,
segundo ela, permite remexer no passado, reordená-lo, contextualizá-lo no
tempo, no espaço e no contexto de cada indivíduo, entretecê-lo na teia da história
– a história de uma pessoa - e compreendê-la na sua natureza multifacetada.
Nessa linha de estudos, Abrahão (2001, p.14) desenvolve trabalhos
sobre histórias de vida de destacados educadores rio-grandenses. Em um de
seus trabalhos trouxe à tona as histórias de vidas de 12 educadores, enfocando a
vida pessoal e profissional, a formação e a questão da identidade, reconhecendo
30
a importância desse tipo de estudo e considerando: “um potencial para
construção de propostas significativas para a formação de professores e para a
profissionalização docente”.
Segundo a autora (s/d, p.1):
A história de vida e a história profissional de cada educador são,
sem dúvida, um manancial a ser explorado, dando-lhe visibilidade,
vindo, certamente, a constituir-se em rico material de consulta
para estudantes de todos os níveis de ensino, mas, muito
especialmente, para mestrandos e doutorandos, educadores, em
geral, e de forma especialíssima, para pesquisadores nas linhas
de Educação de Professores e de História da Educação. Trata-se,
igualmente de, à luz das histórias de vida clarificar, para melhor
compreender, a própria história da educação no Estado em
determinado período.
Nesse sentido, as pesquisas de Abrahão possibilitam visualizar a
atuação de mestres que foram/são referência na educação gaúcha. Assim,
aponta Abrahão (2004, p.17): “não deixamos de ter presente que nossos
destacados educadores foram/são, antes de tudo, seres humanos e, portanto,
longe de se constituírem em super-homens e supermulheres”. É da vida de
profissionais que atuaram cotidianamente e lutaram incansavelmente na e pela
educação que tratamos quando estudamos histórias de vida de professores/as.
Costumava-se apresentar, em geral, a história e feitos de “grandes
homens” e de fatos. Raro é, ainda, dar visibilidade à vida de mulheres, em uma
sociedade em que o domínio é predominantemente masculino, a qual
menospreza o papel desempenhado pela mulher, especialmente mulheres
professoras.
Conforme Almeida (1998, p.25), a História das Mulheres constitui um
campo de estudo bastante privilegiado, mas as mulheres, enquanto profissionais
do ensino, têm sido constantemente relegadas ao esquecimento [...]. Almeida
(1998, p.26) aponta ainda que:
Registrar essa história feminina no campo educacional tem sido a
tentativa de estudiosos do tema, mas estes ainda são bastante
reduzidos. Recuperar a trajetória das mulheres no magistério se
configura, num momento em que a profissão é absolutamente
31
feminina, em tirar da obscuridade as professoras que se
encarregam no país, há mais de um século, da educação
fundamental, apesar das notórias dificuldades enfrentadas por
elas, como mulheres e como profissionais.
A história de vida de um/a educador/a como um ser produzido social e
historicamente considera a confluência do pessoal ligado ao profissional. Nesse
sentido, Nóvoa (1996, p.17), ao referir-se ao processo de reflexão sobre o
percurso dos educadores, menciona que é impossível separar o eu profissional do
eu pessoal.
Nessa mesma linha de trabalho, a pesquisadora Ana Sofia António
(2004, p.98-99) justifica:
As histórias de vida permitem reconhecer o sujeito não só
enquanto profissional ou agente de uma determinada acção, mas,
também, enquanto pessoa [...]. Ora, no âmbito de uma
investigação, interessa, muitas vezes, conhecer os “mundos
vividos” pelos sujeitos, assim como, perceber a articulação entre
as acções por eles exercidas e as suas vidas.
Investigar vida de professores/as pressupõe que existem diferentes
experiências, atitudes, expectativas, preocupações relacionadas com as
diferentes fases da vida pessoal e profissional. Cada história de vida tem sua
singularidade, seu percurso e um processo de formação único, constituindo-se,
assim, em foco de pesquisa valioso.
Por todas essas considerações acerca do tema, compreendo que as
possibilidades e potencialidades dos estudos com histórias de vida de professores
são muitas. A partir destas reflexões, detenho-me para os procedimentos teórico-
metodológicos adotados na prática concreta da pesquisa.
O presente estudo foi realizado com base na história de uma
professora primária que viveu nas lides do magistério, dando sentido às letras e à
escola, e também foi uma das mais importantes autoras de livros didáticos no
Estado do Rio Grande do Sul, entre os anos de 1960 e 1980.
É importante frisar que a história de vida que descrevo é de uma
professora gaúcha que faleceu em 1999 e teve uma trajetória de lutas e
conquistas, a partir das quais se pôde apresentar alguns aspectos e momentos
32
importantes no que diz respeito à educação; não com o caráter de realizar
generalizações acerca do tema, mas de oferecer elementos para reflexão sobre a
formação, a trajetória como professora, a prática pedagógica, as realizações e a
produção didática da professora Nelly.
Como afirmei, o objetivo central desta pesquisa é dar visibilidade à
História de Vida da educadora Nelly Cunha (1920-1999), que ficou praticamente
circunscrita ao conhecimento das pessoas que com ela conviveram.
Cabe ressaltar que as fontes escritas extraídas de seu arquivo privado
foram articuladas às fontes orais, não para legitimar os dados na tentativa de
considerá-los “verdadeiros”, mas no sentido de valorização, interação e
compreensão da trajetória de Nelly. Conforme as idéias de Queiroz (1988, p.18),
a narrativa oral, uma vez transcrita, se transforma num documento semelhante a
qualquer outro texto escrito [...]. Também Alcázar I Garrido (1992, 1993, p.34)
aponta que se trata, portanto, de incorporar tais fontes orais como uma fonte
documental a mais. Logo, as fontes orais e escritas têm o mesmo valor, o mesmo
status; reconhecido o prestígio da primeira sem a idéia da necessidade de
comprovação para validar o relato, pois os dois registros podem produzir
informações importantes, mas de diferentes aspectos.
Assim sendo, passo a descrever a coleta e o trabalho com as fontes
escritas.
1.2 “Da gaveta para o mundo”: o arquivo privado de Nelly Cunha
É importante fazer algumas considerações em relação aos arquivos
privados como fontes de pesquisa. Primeiramente, a respeito da terminologia
adotada: Arquivo Privado de Nelly Cunha. Refiro-me ao que Nelly guardou de
documentos e que “testemunham” momentos de sua vida, suas relações pessoais
e profissionais. São cartas, fotografias, documentos de trabalho, registros de
viagens, diários, diplomas, cadernos, contratos, livros didáticos e alguns poucos
literários. Esses documentos, quando tomados em conjunto, revelam sua
trajetória de vida, também seus gostos, interesses e valores, constituindo-se em
um arquivo pessoal, conforme destaca Mignot (2002, p.17):
33
Guardados em sótãos e porões, conservados em gavetas
fechadas a chaves, perdidos em bibliotecas cobertas pela poeira
do tempo, arquivos pessoais são mantidos sob os cuidados de
muitas famílias. Cobiçados, esses “legados incômodos” protegem
segredos, aguçam curiosidades. Chegar até eles é tarefa árdua e
imprevisível. Envolve conquistar confiança, revolver saudades,
embaraçar-se com lágrimas.
Também Moura (apud MIGNOT 2007, p.39) aponta que:
Nossos guardados, certamente, têm coisas que, quando vamos
buscar, nos sensibilizam, fazem nossas lembranças viajarem no
tempo, ajudando-nos a entender porque escolhemos ser
professoras e não uma outra profissão. Cada uma de nós tem
caixinhas onde guardamos bilhetes, cartas inesquecíveis, cartões
postais, convite de formatura, nossos primeiros cadernos, os
caderninhos de nossos filhos nas primeiras experiências
escolares, cadernos de planos, fotografias, enfim, temos lá, no
cantinho do armário, muitas relíquias que precisam ser
socializadas. Por isso, devemos preservar essas histórias
privadas também, pois nada mais belo é poder olhar a nossa
experiência, trocando relatos, papéis e documentos que nos
ajudam a entender o nosso fazer na educação [...].
Desvendar este arquivo é também considerar sua importância histórica
no campo educacional. Entretanto, surge a questão “Como conceituar este
material?” De acordo com Rousso (1996, p.2):
A utilização de um "arquivo" pelos historiadores só pode ser
compreendida sob a luz da noção de "fonte". Chamaremos de
"fontes" todos os vestígios do passado que os homens e o tempo
conservaram, voluntariamente ou não - sejam eles originais ou
reconstituídos, minerais, escritos, sonoros, fotográficos, audiovisuais,
ou até mesmo, daqui para a frente, "virtuais" (contanto, nesse caso,
que tenham sido gravados em uma memória) -, e que o historiador,
de maneira consciente, deliberada e justificável, decide erigir em
elementos comprobatórios da informação a fim de reconstituir uma
seqüência particular do passado, de analisá-la ou de restituí-la a
seus contemporâneos sob a forma de uma narrativa, em suma, de
uma escrita dotada de uma coerência interna e refutável, portanto de
uma inteligibilidade científica.
34
Bellotto (1991, p.14) afirma que o documento é qualquer elemento
gráfico, iconográfico, plástico ou fônico pelo qual o homem se expressa. Nesse
sentido, todos os materiais, quando explorados pelo/a historiador/a, podem ser
considerados fontes de pesquisa.
Os referidos estudos sobre arquivos privados e sobre fontes
contribuíram, então, para definir melhor o trabalho de pesquisa, em especial como
lidar com as fontes escritas do arquivo privado de Nelly. Como destaca Bédarida
(1996, p.222), em relação aos documentos e ao papel do/a historiador/a:
De fato, a verdade da história provém da interface entre os
componentes do passado, tal como ele nos chega através de seus
vestígios documentais, e o espírito do historiador que o reconstrói,
buscando conferir-lhe inteligibilidade.
Sendo assim, as fontes escritas e o arquivo privado de Nelly consistem
parte fundamental dos dados, vindo a contribuir decisivamente para compor a
pesquisa, pois através da análise desse material, articulado às fontes orais, foi
possível reconstruir sua história de vida.
Cabe ressaltar que minha breve experiência em localizar informações e
documentos em arquivos públicos, como secretarias de educação, bibliotecas,
museus, Instituto Nacional do Livro, entre outros, mostrou-se insatisfatória quanto
à atenção, guarda e conservação de materiais antigos, visto que, no processo
investigativo inicial dessa pesquisa nada encontrei.
Por isso, considero novamente oportuno enfatizar o arquivo privado de
Nelly Cunha, no que se refere à guarda desses materiais pelos familiares ao
longo dos anos, uma vez que a professora faleceu em 1999, e encontrei esse
acervo em 2005, cuidadosamente preservado. Isso ganha ainda mais relevância
considerando a prática comum de descarte de tudo o que é “velho”. Diante disso,
merece destaque a atitude de Elaine Cunha da Silva e Nina Rosa da Cunha Wolff,
por acolherem a pesquisa e por seu gesto de doação de um material rico para o
trabalho em questão, pois, inicialmente, empenhada em realizar as entrevistas,
não pensava, ainda, na coleta de materiais escritos.
É válido reiterar que recentemente os arquivos privados têm
despertado grande interesse dos pesquisadores de diferentes áreas, constituindo-
35
se em valiosas fontes de pesquisa, pois desvendá-los possibilita compreender e
entender muitas facetas da história que, por outras vias, tornam-se praticamente
desconhecidas.
O crescimento das pesquisas nas áreas de história da vida privada e
história do cotidiano têm aumentado a procura por este tipo de fonte, chamando
atenção para a importância de sua preservação, organização e abertura à
consulta pública.
Apesar dos sérios obstáculos que limitam o acesso aos arquivos
privados, efetivamente eles têm despertado o interesse de muitos/as
pesquisadores/as, como se percebe em alguns estudos na área da educação
brasileira, a exemplo de Ana Chrystina Mignot (2002), em “Baú de memórias,
bastidores de história, o legado pioneiro de Armanda Álvaro Alberto”, no qual
desvenda, através dos documentos, a trajetória da eminente educadora, que foi
presidente da entidade União Feminina do Brasil (UFB), atuante da Associação
Brasileira de Educação (ABE), foi presa política, casada com Edgar Süssekind de
Mendonça, que era professor, diretor de escolas, escritor, tradutor, editor e
fundador da ABE. Ambos assinaram o Manifesto dos Pioneiros da Educação em
favor da escola pública, gratuita, universal e laica. Também na tese de doutorado
de Francisca Izabel Pereira Maciel (2001), “Lúcia Casasanta e o método global de
contos: uma contribuição à história da alfabetização em Minas Gerais”, a
pesquisadora explorou o arquivo privado da professora. Na tese a autora
reconstruiu a trajetória de formação e a prática pedagógica de Lúcia Casassanta.
Mais recentemente, a pesquisadora Beatriz Daudt Fischer (2006) analisou o
arquivo pessoal da professora Nilce Leone Chaves (Nilce Léa), uma ativa
militante do Centro de Professores do Rio Grande do Sul, atualmente CPERS-
Sindicato, casada com Hamilton Chaves, jornalista e político influente que esteve
diretamente ao lado do então governador Leonel Brizola na década de 60. Esses
estudos ajudaram a subsidiar essa pesquisa principalmente no que tange às
questões de exploração de arquivos privados.
Sabe-se que os materiais coletados são fragmentos de um período, e
podem ser entendidos como “diamantes brutos” que devem ser lapidados, ou
seja, os dados encontrados em uma pesquisa não estão “prontos”, devem ser
analisados, selecionados e articulados entre si e com uma base teórica.
36
Assim sendo, no momento seguinte, já com o arquivo de Nelly em casa
e tendo registrado no diário de campo
4
todo o percurso e as implicações disso,
como pesquisadora, fascinada e curiosa, mas centrada na pesquisa, é que fui
organizar o arquivo e fazer a seleção de dados.
Ao mexer e remexer no arquivo de Nelly, como quem quer procurar
algo novo, inexplorado, seduzida pelos papéis, lembrei-me da vivência de Mignot
(2002, p.17) ao realizar sua pesquisa, pois me vi na mesma situação:
Inúmeras vezes fiquei debruçada sobre o arquivo com o coração
aos sobressaltos, numa “experiência semi-religiosa”. Folheava
sofregamente. Profanava. Esbarrava em fotos, cartas [...]. Não
entendia. Supervalorizava. Desprezava. Retomava.
De acordo com Maciel (2001, p.29), também às voltas com um arquivo
privado, nos vimos num dilema:
Nessa trama, deparei-me com muitas dificuldades, pois,
diferentemente da maioria das pesquisas, em que o pesquisador
parte em busca das fontes, dos livros, enfim, dos materiais a
serem analisados, o pesquisador de arquivo se vê diante de tudo
e, ao mesmo tempo, de nada. O “tudo” é o arquivo como um todo,
um conjunto de documentos, livros, recortes de jornais,
fragmentos de anotações, cartas, agendas, etc. Todo esse
material estava à minha frente, à minha disposição. E o que fazer
com tudo aquilo? Em vários momentos senti o objeto
escorregadio; envolta em uma enorme quantidade de
documentos, o objeto parecia escapar de minhas mãos.
Apesar destes sentimentos, sabia que o trabalho que propus era de
buscar, nas fontes escritas do arquivo de Nelly Cunha articulada às fontes orais,
elementos que me ajudassem refazer sua história de vida.
4
Entre as curiosidades e sentimentos, cito a experiência ao deparar-me com a doação do arquivo
privado de Nelly Cunha e ter de transportá-lo para a cidade de Pelotas. Transcrevo, a seguir, um
trecho das anotações da viagem, registradas no diário de campo (2005): “Embarquei às 12h do dia
14/11/2005, no ônibus da empresa Embaixador, de volta para a cidade de Pelotas. Meu coração
pulsava na garganta. Como transportar todo esse material de forma segura, ou seja, sem correr o
risco de extraviá-lo ou perdê-lo? Sentia uma enorme responsabilidade. Lembro-me das palavras
gentis do motorista ao olhar-me mal posicionada em meio a duas poltronas e tantas sacolas.
Disse-me: Moça! Parece-me mal acomodada. Vamos colocar estas sacolas no compartimento das
bagagens? [...] Respondi um NÃO e concluí: estou muito bem aqui, senhor! Só relaxei ao chegar
em casa”.
37
Nessa perspectiva, mergulhada no arquivo privado da autora, em uma
experiência fascinante e indescritível, mas atenta às questões propostas, é que fui
constituindo o presente trabalho.
A seguir apresento o material localizado em seu arquivo:
- documentos oficiais (diplomas de conclusão dos cursos de piano,
1937; de normalista, 1940 e de jornalismo, 1958; convite de
formatura, etc);
- rascunho de uma Antologia, que não chegou a ser editada;
- manuscritos de um livro de Contos, que também não chegou a ser
editado;
- um livro de Prêmio Petrobrás – JC de Literatura (Poesias-Contos-
Crônicas) ano de 1985, no qual há um texto de Nelly que foi
selecionado e premiado pela poupança Habitasul;
- um álbum de recordações, no qual as pessoas prestavam
homenagens escritas para Nelly;
- 29 fotos da autora;
- um caderno de planos da professora, datado de 1941 a 1946;
- um diário-relato, no qual descreveu as impressões da viagem aos
Estados Unidos, em 1969;
- o roteiro da viagem aos EUA e outro referente às palestras
proferidas, o certificado de conclusão do curso realizado;
- dados por escrito em ficha, referente à autora Nelly Cunha, espécie
de “currículo” para a UNESCO;
- recortes de jornais referentes à viagem aos EUA e em relação à
produção de seus livros;
- as revistas Cacique do ano de 1954 até 1959, totalizando 105
exemplares da revista pedagógica;
- sete contratos com a Editora Globo;
38
- uma correspondência de Nelly Cunha à Secretaria de Turismo,
solicitando material para a confecção de uma coleção;
- sete coleções de livros, cuidadosamente encadernados, totalizando
34 livros didáticos, ou seja, cada livro corresponde a uma série,
tendo duas coleções da mesma edição e ano;
- alguns livros de sua biblioteca com dedicatórias de autores como,
por exemplo, Celso Pedro Luft (04/07/1985 – Língua & Liberdade);
outros ofertados pelo avô para Nelly (15/09/1944 – OS
BUDDENBROOK); e do esposo a ela (Dante Vivo, livro de 1935) e
de Nelly para a filha Nina Rosa (presente de natal, 1959).
Assim, é com esse material, entrelaçado com as fontes orais, que
elaborei a presente dissertação, sabendo dos limites desse trabalho e das
possibilidades de explorar verticalmente todo esse conjunto de dados. É com este
olhar que me lancei na reconstrução da história de vida da professora Nelly
Cunha, fazendo escolhas e descartando informações e dados pela grande
quantidade de documentos disponíveis.
A seguir passo ao segundo capítulo da dissertação, no qual procuro
reconstruir aspectos da infância, juventude e escolha profissional da professora
Nelly Cunha.
Figura 1: Foto de Nelly disponibilizada
em seu arquivo (s/d)
QUEM FOI NELLY CUNHA?
CAPÍTULO II
Não conheci a casa dela, mas imagino assim: um monte de livros...
em cada livro, um gato; em cada gato, um jasmim, livros, gatos e
flores! Acho que resumi os amores da... Nelly! (Linda Alba)
5
2.1. Reminiscências de outrora: infância/adolescência
Nelly Cunha nasceu em 30 de outubro de 1920, em Porto Alegre, no
Estado do Rio Grande do Sul. Filha primogênita do casal Romeu Velloso
Pederneiras e de Celina Machado Pederneiras. O pai era comerciante, além de
securitário, e a mãe professora. A família Pederneiras era composta, além dela,
filha mais velha, de um irmão caçula, Heddy Pederneiras. Ainda, em relação aos
familiares, o irmão relata:
5
Este excerto foi extraído do diário de lembranças de Nelly, página 67, de autoria de Linda Alba,
amiga da professora Nelly Cunha.
40
Os avós paternos eram Dinarte Velloso Pederneiras e Philomena
da Câmara, os avós maternos: Júlio José Machado
(fazendeiro/pecuarista e rizicultor em Pedras Brancas, hoje
município de Guaíba/RS) e Adelina de Bittencourt Machado
(professora). (Heddy Pederneiras, 2005, p.1).
Os dados indicam, portanto, uma “certa tradição” familiar na docência:
a avó materna e a mãe foram professoras
6
.
Na história de vida da educadora, apesar das adversidades que seus pais
enfrentaram para criá-los, como indica o irmão, em relato escrito para a pesquisa, há
a marca forte da presença estruturada da família. A dinâmica familiar é salientada
pelo irmão, que menciona terem tido uma sólida formação familiar. Ele referiu-se à
família como uma base importante para sua formação, mais pelo ambiente
propiciado pelo amor e dedicação do que por intervenção ou autoritarismo nas
decisões. Segundo Heddy, os conhecimentos adquiridos, antes do ingresso na
escola, vieram da mãe, que ensinou seus filhos a ler e escrever muito cedo.
Conforme as lembranças do irmão, a literatura sempre esteve presente
na vida de ambos, e Nelly tinha um especial apreço pela leitura desde muito
pequena. O hábito de ler fazia parte de seu cotidiano, tanto que ela fazia da leitura
o preenchimento das horas vagas, apreciava por demais os livros. Assim, ela
“sorvia” desde as revistas “Tico-Tico”, “Eu Sei Tudo” e “Para Todos”, até outras
coleções como, por exemplo, “Tesouro da Juventude”, “Júlio Verne”, etc.
Ao referenciar suas leituras, procurei conhecer e visualizar a imagem
desses livros. Pesquisei na internet alguns dados e os ilustro, pois esses podem
ajudar a compreender sua formação como leitora, seus gostos e as inspirações
de uma futura escritora.
A revista Tico-Tico, segundo a pesquisa do professor e pesquisador de
quadrinhos Henrique Magalhães
7
, comemorou 100 anos na data de 11 de outubro
de 2005. Diz o autor:
Foi a primeira revista a publicar quadrinhos regularmente no Brasil
[...]. O Tico-Tico resistiu até fevereiro de 1962 [...] até que,
6
As três filhas de Nelly: Amaryllis (falecida), Elaine e Nina Rosa também se formaram no magistério:
Elaine na Escola Normal 1º de Maio e as outras no Instituto de Educação General Flores da Cunha.
7
Disponível no site http://www.universohq.com/quadrinhos/2005/ticotico.cfm. Acesso em 20 de
setembro de 2007.
41
finalmente, com a marca excepcional de 2097 edições e quase 57
anos de existência, encerrou uma saga ainda não igualada pela
revistas infantis nacionais. Era uma publicação que reunia
diversas expressões culturais, com ênfase na literatura [...]. O
caráter didático da publicação estava presente em toda sua linha
editorial, mas de maneira natural, inserida nos contos,
brincadeiras, jogos e quadrinhos, colaborando na formação de
várias gerações de crianças e jovens.
Magalhães (2007) ainda indica que a revista era de leitura agradável
em livros ricamente ilustrados atraía os fãs divertindo e educando. Assim como as
histórias dos personagens Réco-Reco, Bolão e Azeitona.
Sobre essa revista, há também a pesquisa de Vergueiro e Santos
(2006) que, além de caracterizá-la, indicam que ela foi a primeira revista em
quadrinhos infantil publicada no Brasil, que marcou gerações de brasileiros.
Pode-se visualizar a seguir uma imagem dessa revista:
Figura 2: Imagem da Revista
Tico-Tico.
42
Ao consultar a cópia digitalizada da revista “Eu Sei Tudo” no site
específico, a indicação de Carmen Menezes
8
(s/d) é de que
[...] era um “Magazine Mensal Ilustrado”, publicado pela
Companhia Editora Americana no Rio de Janeiro a partir de 1917
[...] era organizada, ou simplesmente montada, como uma caixa
de surpresas. Páginas de Arte, Nossa terra, As ciência ao Alcance
de Todos. Novidades e invenções, romances, contos e aventuras
[...].
Figura 3: Imagem da Revista Eu Sei Tudo.
8
Historiadora de formação, após freqüentar sebos durante anos, tornou-se colecionadora e
livreira. As informações estão disponíveis no site: http://www.traca.com.br/?tema=padrao&pag=
euseitudoindex&mod=inicial Acesso em 27 de novembro de 2007.
43
Já sobre a revista “Para Todos”, da qual não obtive imagens, consta no
site que era publicada semanalmente e era uma revista de variedades, voltada
para a mulher
9
.
Ao pesquisar a “Coleção Tesouro da Juventude
10
” na internet, há o
destaque de que foi
[...] uma enciclopédia voltada para jovens e crianças, publicada na
década de 1930 [...]. Editada por W. M. Jackson, Inc., com sede
em São Paulo, era obra originalmente inglesa. Caracterizava-se
assim: Encyclopedia em que se reunem os conhecimentos que
todas as pessoas cultas necessitam possuir, oferecendo-os em
forma adequada para o proveito e entretimento (sic) dos meninos.
Com introdução de Clovis Bevilaqua, para atestar a qualidade,
possuia um texto admirável, e a seleção de temas e autores
apontava para uma comissão editorial, de constituição não
revelada, de alta categoria.
A seguir a imagem da coleção
11
:
9
Disponível no site: http://209.85.165.104/search?q=cache:4ItcNGC3MHkJ:www.brasilcultura.com.br
/conteudo.php%3Fid%3D965+http+www+brasilcultura+com+br+conteudo+php+id+965&hl=pt-
BR&gl=br&strip=1 Acesso em 27 de novembro de 2007.
10
Disponível no site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tesouro_da_Juventude. Acesso em 27 de novembro de 2007.
11
http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-53640811-tesouro-da-juventude-1956-enciclopedia-
completa-18-vols-_JM
Figura 4: Imagem da Coleção
Tesouro da Juventude.
44
E a última coleção mencionada por seu Heddy, do repertório de leituras
de Nelly Cunha na infância e juventude, é a “Júlio Verne”. Sobre essa coleção os
dados indicam que era composta de:
Capas de diferentes edições da coleção Viagens Extraordinárias,
com cerca de 50 livros, da qual fazem parte 20 Mil Léguas
Submarinas, Cinco Semanas em um Balão, Viagem ao Centro da
Terra, A Volta ao Mundo em 80 Dias e Jangada (cuja ação se
passa na Amazônia), entre muitos outros
12
.
Figura 5: Imagem da Coleção Júlio Verne.
12
Disponível no site: http://www.bbc.co.uk/portuguese/especial/840_verne/page12.shtml Acesso
em 27 de novembro de 2007.
45
Seu Heddy aponta o sentido da leitura na vida da irmã, destacando o
incentivo da mãe. O irmão atribuiu uma das suas condições de “boa leitora e
escritora” a sua alfabetizadora, sua mãe, D. Celina. Nesse sentido, percebe-se a
socialização primária (BOURDIEU, 1983)
13
em relação à leitura e a escrita, no
caso de Nelly. A mãe alfabetizadora da filha foi uma referência importante em sua
trajetória.
Os primeiros anos de infância, bem como os primeiros anos como
aluna, relata o irmão, passaram-se num casarão, na Rua General Lima e Silva,
1311, esquina Quatorze de julho, hoje Olavo Bilac – Bairro Cidade Baixa, em
Porto Alegre. Endereço de nascimento de Nelly e local que serviu como
residência da família e também como escola, sendo que as professoras eram a
mãe e a avó materna de Nelly Cunha, que ensinavam crianças de diferentes
níveis de escolarização, em uma classe multisseriada, destaca Heddy em seu
relato escrito.
Os dias se passavam naquele sobrado, onde ela viveu uma infância
alegre e feliz, diz o irmão. Estudou somente por dois anos nessa escola, pois sua
avó foi nomeada para trabalhar em outro colégio e, posteriormente, veio a falecer,
em 1926. A partir disso, seu avô, viúvo, transferiu-se de residência e com isso o
estabelecimento fechou.
Em seqüência, o irmão descreve alguns detalhes deste local, uma
memória tecida de um conjunto de lembranças: espaços-lugares-pessoas que
marcaram uma época:
Em 1928, depois da grande enchente, o avô construiu no terreno
coberto por um pequeno bosque de árvores altas, um prédio de
esquina de dois pavimentos, destinando o superior, de número
1377, para a residência da “família dos quatro” e locando o térreo
para a instalação de um armazém de “secos e molhados” que se
chamava “O Rei dos Barateiros”, ou talvez “O Rei Barateiro”.
Posterior locou-se a residência para a instalação de um colégio
semelhante ao original – classe multisseriada, cuja locatária era a
professora Adelina Bacellar [...]. Fomos imediatamente ali
matriculados.
13
Em outros termos, a socialização primária é aquela que reúne as experiências primitivas, da
origem.
46
Percebe-se, através das lembranças do irmão, que a escola estava
sempre presente nesse contexto, ou seja, mesmo que a família tenha fechado a
escola, eles acabam locando o espaço para uma senhora que instala outra escola
no local, e, inclusive, os irmãos seguiram estudando lá.
No prosseguimento da trajetória escolar de Nelly, outra escola que foi
freqüentada por ela, além do colégio da família, segundo seu irmão foi:
O Ginásio Brasileiro na rua Venâncio Aires, junto à esquina da Av.
João Pessoa, até o seu fechamento, quando transferiu-se para
outro colégio elementar na rua Sebastião Leão, á beira do
chamado “Açude”, que era um braço do Arroio Dilúvio, que
naquele ponto formava a “ilhota” do (Lupicínio). Depois da
retificação do arroio e abertura da Av. Ipiranga, tudo isso acabou
ou foi urbanizado [...]. (Heddy Pederneiras, 2005, p.2).
A partir deste relato seu Heddy aponta o motivo da mudança de
residência e o próximo local no qual foram matriculados. Nelly foi estudar no
Colégio Americano, na Av. Independência, na capital, e mais tarde transferiu-se
para o Colégio Oswaldo Aranha, no bairro Partenon, onde concluiu o curso
elementar.
O primeiro namorado, estudante do 5º ano primário do Colégio Rosário,
uma escola privada, surgiu nessa época. Posteriormente, ficaram noivos, na
década de 30, e, antes mesmo de se formar professora, no dia 31 de janeiro de
1940, Nelly casou-se com Fabrício Mesquita da Cunha. O marido era advogado
do Departamento dos Correios e Telégrafos - DCT
14
. Deste enlace matrimonial,
nasceram três filhas: Amaryllis (que faleceu muito jovem), Elaine e Nina Rosa.
Nelly ficou viúva muito cedo, em 1955, com apenas 35 anos de idade.
Nelly assumiu um papel importante na criação das três filhas
pequenas. Pelos depoimentos de seu irmão e das filhas, foram tempos muito
difíceis. Elas relembram o falecimento do pai como um episódio muito triste e uma
perda muito dolorosa que a mãe teve que suportar. Além disso, foi um momento
de dificuldades financeiras, que exigiu coragem e equilíbrio, pois Nelly teve que
sustentar suas filhas sozinhas, sem poder contar com o apoio e os recursos de
ninguém, tendo que conciliar as tarefas domésticas com as profissionais.
14
Atualmente empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos – ECT.
47
Em entrevista, a filha caçula, Nina Rosa, atualmente residente em
Blumenau (SC), relembra o que marcou a relação com sua mãe e, para além
disso, inicia lembrando das dificuldades financeiras enfrentadas naquela época e,
na fase adulta, das viagens realizadas com a mãe:
Ela que fazia as nossas roupas, o modelo era vestidos rodados e
longos para aproveitar mais a peça, no entanto já se usavam as
saias mais curtas naquela época [...]. Nos cabelos grandes laços,
estilo meninas antigas, porém o estilo da moda já era outro.
Depois de grande, lembro-me das nossas viagens que eram muito
divertidas, em especial, quando fomos a Buenos Aires
aproveitando o momento de queda da moeda estrangeira e fomos
com o dinheiro contadinho, mas não perdemos a classe, fomos
nos divertir nas cafeterias “chics” para saborearmos pelo menos
um cafezinho com bolachinhas [...]. (Entrevista realizada em
14/11/2005).
Segundo a fala da filha Nina Rosa, Nelly era uma entusiasta por
viagens, passeios, novas e diferentes culturas e quando dispunha de recursos
econômicos para viajar não media esforços. Algumas dessas viagens estão
registradas em cartas, postais e fotos. A foto abaixo, localizada no arquivo de
Nelly, refere-se a um desses momentos da sua vida.
Figura 6: Foto de 1995, quando Nelly
viajou para Buenos Aires, com 75 anos
idade.
48
Ao apresentar alguns fatos ou passagens da vida de Nelly, relembro as
idéias de Fischer (2006, p.268) que diz:
A alguns pode parecer fora de propósito, num trabalho de história
da educação, apontar para episódios de vida que mais parecem
curiosidades de almanaque popular, mas opto por assim fazê-lo
porque em parte revela a personalidade [da professora].
Nesse sentido, pequenos fatos, embora pareçam irrelevantes, são de
suma importância para compreender a história de vida da professora Nelly Cunha.
Estão nesse rol suas leituras de infância e juventude, amizades, viagens,
casamento, família, etc.
Os depoimentos sobre a história de vida, de trabalho e de luta de Nelly
Cunha evidenciam que muitos dos seus feitos resultaram de seus gestos de
determinação, de dedicação, de amor e do incansável trabalho. Ao longo de sua
vida, em tudo o que fez, deixou marcas de uma atuação forte e determinada.
As lembranças do irmão de Nelly fizeram rapidamente “um vôo” pelo
tempo passado até os últimos dias de sua existência. Do passado ao presente e de
novo de volta ao passado, é o movimento de relembrar, como percebemos em seu
relato e na afirmação de Rousso (1996, p.98) que diz que um indivíduo quando
interrogado pelo historiador, quando fala do passado não fala “senão do presente,
com palavras de hoje, com sua sensibilidade do momento”. É um processo contínuo
de reconstrução e transformação das experiências relembradas. Para além disso,
Heddy rememora, a partir de sua saudosa lembrança na condição de irmão, assim
como fazem as filhas que, nostálgica e saudosamente, relembram a mãe.
Admitir e trabalhar com a memória implica em entender que as pessoas
constroem suas memórias de modo específico, entrelaçadas com suas emoções, e
que, segundo Pollak (1989, p.9), a memória, [é] essa operação coletiva dos
acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar [...].
A memória consegue trazer à tona fragmentos que aconteceram no
passado, que ora estão ocultos, desconhecidos, guardados e por vezes
esquecidos, e, com isso, possibilita retratar fatos, acontecimentos, que permitem
reconstruir a história, que por outra fonte seria muito difícil ou até, em alguns
49
casos, impossível. Sendo assim, no que diz respeito à infância, juventude e à vida
escolar de Nelly, o relato de seu irmão Heddy foi fundamental.
Com o intuito de melhor compreender a trajetória de Nelly, passo agora
a outro aspecto de sua vida: a formação como musicista.
2.2. A pianista Nelly Cunha
Para além da professora “vocacionada” à tarefa docente,
paralelamente aos estudos, como “hobby”, Nelly matriculou-se no curso de piano,
ministrado pela professora Emilia Carlota Xavier da Costa, sua vizinha, conhecida
por dona Noquinha, irmã de Ana Carolina Xavier da Costa, que depois viria a ser
colega de trabalho de Nelly, no Grupo Escolar Rio Branco. Ao atingir o limite de
competência do curso, transferiu-se, por indicação da professora, para o Curso
Superior de Piano no Conservatório Mozart, Porto Alegre, formando-se em 31 de
dezembro de 1937, conforme visualiza-se a seguir:
Figura 7: Cópia do Diploma do
Curso de Piano, em 31/12/1937.
50
Conforme o relato escrito por seu Heddy, o diretor do conservatório era
o maestro João Schwartz, e sua esposa, dona Ida, o auxiliava no ensino da
música. Nelly executava solos, com acompanhamento de piano, dedicava-se
especialmente ao canto lírico (ópera) e erudito brasileiro, espanhol e italiano.
Além de árias, duetos e até quartetos líricos, como o do Rigoletto, dedicava-se
também às músicas populares e a alguns boleros mexicanos, valsas e tangos
argentinos e às sacras, como as Ave Marias.
Figura 8: Apresentação de Nelly no Conservatório Mozart, em POA (s/d).
Sobre essa fase da vida de Nelly, dona Rebeca Amar, sua vizinha na
época, em entrevista no dia 25 de novembro de 2007, conta:
Chamava-me atenção porque na casa dela o casal cantava muito,
mas muito. Ela tocava piano e ele tinha uma voz assim, que, se tu
tivesse na Redenção
15
, tu escutava a música. Era um tom bem
forte, coisa maravilhosa. A vizinhança toda se encostava na janela
para ouvir aquelas belas músicas, mas era lindo de se ouvir.
15
O Parque Farroupilha, que é conhecido também como "Redenção", localiza-se em Porto Alegre,
bem próximo ao centro da cidade, entre os bairros Bom Fim e Cidade Baixa. A entrevistada refere-
se a ele, por ser bem próximo da residência de ambas, cerca de uns 200 metros.
51
O piano servia para reunir amigos em recitais em sua residência
durante os finais de semana. O casal também fez curso de canto com a
professora Branca Bagorro, formando um dueto, ao som do piano. Além disso,
eles atuaram em dueto na “Hora Italiana”, programa semanal em emissora de
rádio-difusão de Porto Alegre.
Figura 9: Nelly e Fabrício no programa de rádio (s/d).
A música sempre esteve presente na vida de Nelly, inclusive na sua
trajetória profissional. Escreveu muitas histórias e contos para a revista
pedagógica “Cacique”, sendo que esses eram freqüentemente relacionados à
música
16
. Também em sua prática pedagógica freqüentemente utilizava a música,
conforme aparecem em relatos da colega e da ex-aluna.
16
Vários títulos destas histórias e a abordagem desta fase de sua vida em que trabalhou na
Revista “Cacique” serão posteriormente detalhados em capítulo específico.
52
Conforme relata a colega de trabalho do Grupo Escolar Rio Branco, a
senhora Ana Carolina Xavier da Costa, Nelly tinha um talento musical
excepcional:
Ela era responsável por preparar as apresentações artísticas e
culturais da escola, quando se recebia a visita de alguma
autoridade ou para celebrar uma data comemorativa. Nelly
organizava e ensaiava todas as turmas da escola. Era uma
“produtora de espetáculos” e o sucesso das apresentações
rendia-lhes vários elogios, para, além disso, possuía uma
habilidade especial no trato com os alunos considerados
indisciplinados, ao propor atividades com a música para acalmá-
los e conseguir trabalhar determinadas dificuldades. (Entrevista
realizada em 28/06/2007).
A partir deste relato de dona Ana Carolina, observa-se que a
professora Nelly Cunha conciliava docência e música na sua prática pedagógica.
Uma forte marca e diferencial na escola.
Nelly Cunha apresentou-se em inúmeros concertos, como, por
exemplo, no Teatro São Pedro, na cidade de Porto Alegre, no dia 03 de julho de
1957, no qual recebeu inúmeros louvores das pessoas que a assistiram,
registrados em seu álbum de poesia e recordações. Entre as homenagens
escritas, destaca-se: Érico Veríssimo, Paulo Autran, Oduvaldo Viana, Walmor
Chagas e Alberto Fernandes, que se manifestou com o seguinte poema:
No teu piano eu vejo uma capela
E em tuas mãos, bem brancas de rezar,
Levando em cada dedo uma vela
Iluminando – eu vejo um lindo altar
(Álbum de poesia de Nelly Cunha, 03/07/1957, p.11).
O álbum de Nelly servia para salvaguardar uma recordação, um momento
bom, principalmente para registrar os sentimentos das pessoas que assistiam suas
apresentações artísticas. A esse respeito, nos diz Cunha (2005, p.354):
53
Emocionadas, contidas, longas ou curtas, as dedicatórias
presentes nos álbuns apontam para uma idéia de congraçamento,
de amizade [...]. Afetos que permanecem como um resíduo,
materializados em tinta e papel [...], eternizaram momentos e
podem emergir como lembrança, como re-conhecimento, como
possibilidade de não-esquecimento.
Algumas das emoções, das amizades e das lembranças estão
registradas no álbum de recordação de Nelly Cunha.
Feita essa breve explanação sobre a pianista Nelly e sobre a influência
da música em sua prática, passo a apresentar a sua formação como professora.
2.3. Como se tornou professora?
Inicio este subcapítulo com as idéias de Arroyo (2004, p.14), que
sintetiza a imagem e o ofício de mestre ao mencionar que:
Revisitar o magistério é como revisitar nosso sítio, nosso lugar ou
nossa cidade. É reviver lembranças, reencontros com nosso
percurso profissional e humano [...]; o magistério é uma referência
onde se cruzam muitas histórias de vidas tão diversas e tão
próximas. Um espaço de múltiplas expressões.
Nelly Cunha foi uma educadora que marcou sua época, em virtude de
seu empenho e dedicação ao longo de muitos anos dedicados ao magistério.
Além disso, foi uma professora que produziu sete coleções didáticas.
Sua escolha profissional está relacionada à trajetória de vida familiar. A
opção pelo magistério, apontada no relato do irmão Heddy, foi despertada muito
cedo e teve sua origem no contexto familiar, pois Nelly pertencia a uma família de
professoras: a figura da avó-professora e da mãe-professora foi um fator que
influenciou sobremaneira a sua opção profissional. O irmão refere-se a elas como
modelos para sua formação identitária e reconhece a influência profissional de
ambas como uma das razões para a escolha de Nelly. De acordo com Peres
(1999, p.135):
Certamente, nossa(s) identidade(s) permeia(m) e é(são)
permeadas pelo modo de estar no mundo advindos das relações
pessoais, afetivas, profissionais e das relações sociais em geral.
54
Ou seja, somos “puro” movimento; como seres psicossociais
concretos nos relacionamentos a partir das ferramentas,
construídas para ver e sentir as coisas que nos cercam [...].
Assim sendo, considerando o meio em que estava inserida, a opção de
Nelly pelo magistério pode ser compreendida como resultante dessas relações
que foram funcionando como matriz de percepções e identidade.
Nelly ingressou no curso de magistério no Instituto de Educação
General Flores da Cunha
17
, em Porto Alegre, sendo aprovada com o conceito
“Plenamente” e recebendo o diploma de aluna-mestra (FIG.10) em 10 de abril de
1940.
A partir daí, começou sua trajetória profissional como professora. Após
a formatura, recebeu sua primeira nomeação para o exercício do cargo de
professora da rede estadual de ensino, na cidade de Vacaria, no Rio Grande do
Sul. O irmão relata esta fase vivida por Nelly:
Ela foi residir no hotel da cidade, onde também morava a diretora
do colégio, a professora dona Branca Paim. Ambas iam a cavalo
para o sublime trabalho, que foi sempre seu projeto de vida.
(Heddy Pederneiras, 2005, p.3).
Nessas lembranças é possível que tenham ocorrido determinadas
representações, conforme aponta Ferreira (1994, p.8), as possíveis distorções
dos depoimentos e a falta de veracidade a eles imputada podem ser encaradas
de uma nova maneira, não como desqualificação, mas como uma fonte adicional
para a pesquisa. Essas ênfases, possíveis “distorções”, supervalorização,
esquecimentos, são partes constitutivas das reminiscências. Isto significa dizer
que a memória pode revelar para uma imagem afetiva da situação rememorada.
17
De acordo com o site: http://www.aredencao.com.br/instituto.htm#historico, acessado em
05/01/2008; o Instituto de Educação General Flores da Cunha é a mais antiga escola de grau
médio de Porto Alegre. Criada como Escola Normal da Província em 05/04/1869, foi instalada a 1º
de maio do mesmo ano, com a finalidade de formar professores para o ensino primário. Desde o
princípio, recebeu crescido número de alunos de ambos os sexos, concorrendo decisivamente
para habilitar profissionalmente o magistério da Província. Na década de 1930, sob a
administração estadual do General Flores da Cunha, foi ordenada a construção do espaçoso
prédio da Av. Osvaldo Aranha, dado por pronto em 30/4/1936. Já então, fora restabelecida (desde
1929) denominação de Escola Normal, transformada em Instituto de Educação por obra de um
decreto de 09/01/1939. Já tivera, na década de 30, a denominação de “Escola Normal General
Flores da Cunha”, abandonada em decorrência da desgraça política do patrono em 1937.
55
Figura 10: Cópia do Diploma de Professora.
Figura 11: Retrato de formatura.
56
Nelly permaneceu em Vacaria por apenas um ano. Obteve
transferência para a capital gaúcha e começou a lecionar no Grupo Escolar Rio
Branco, no bairro Petrópolis em Porto Alegre, onde desempenhou suas
atividades, segundo suas filhas, até sua aposentadoria, com 30 anos de
experiência em sala de aula. Além disso, segundo seu Heddy, suas amizades
perduraram por longos anos, como as amigas: Conceição De Piazza e Petrulina.
No arquivo privado da professora Nelly, há uma foto do corpo docente do Grupo
Escolar Rio Branco, sem data, e no verso da foto encontra-se o nome dessas
colegas e de outras como: Dora Batain, Eloá, Edela, Geni Sperb, Virgínia, Cecília
Grinberg, Ana Carolina Xavier da Costa (Anita), Iria, entre outras.
Figura 12: Foto entre as professoras do Grupo Escolar Rio Branco, Nelly está em pé,
sua posição é a terceira da esquerda para a direita.
Ao entrevistar, em 28 de junho de 2007, na cidade de Porto Alegre,
uma de suas colegas de profissão, Ana Carolina Xavier da Costa, mais conhecida
por todos como Anita, hoje com 98 anos de idade, ela relatou:
57
Lembro-me que ela era das letras, vocacionada, muito inteligente,
tinha muita criatividade [...]. Nelly sabia lidar com os alunos que
tinham problemas na escola, pois ela os abraçava pelo pescoço e
lá levava eles para o piano e com a música ela orientava e
conversava com eles. As festas na escola eram muito importantes
e quem organizava as apresentações era a Nelly, desde os
pequeninos até os grandes. Tinha muito talento. Ela se destacava.
Sempre foi uma professora dedicada, de grande conhecimento,
respeitada por todos e ao mesmo tempo inovadora. A Nelly era
diferente, se destacava lá na escola. Todos adoravam os livros
que ela escrevia. Os alunos sentiam uma honra e uma alegria em
utilizar os livros escritos por ela.
Conforme (POLLAK, 1992), a memória é constituída por pessoas,
personagens. Além disso, segundo as autoras Stephanou e Bastos (2005, p.420),
é uma espécie de caleidoscópio composto por vivências, espaços e lugares,
tempos, pessoas, sentimentos, percepções/sensações, objetos, sons e silêncios,
aromas e sabores, texturas, formas. Nesse sentido, no processo de rememoração
de D. Anita, percebe-se a emoção e as “marcas” da professora Nelly, ou seja, a
música, o piano, as festas, as apresentações e, também, os livros que produziu.
De acordo com o relato, aparentemente Nelly tinha uma atuação
diferenciada, cantava, regia e cativava os alunos com a magia da música. Sua
ação como educadora foi marcante, conforme o relato apresentado pela filha
Elaine, que foi sua aluna no 5º ano primário, em 1954, no Grupo Escolar Rio
Branco. Ela diz o que marcou nas aulas da mãe-professora:
Ela era bem criativa nas aulas, pois não gostava de aulas
“paradas”, então, fazia dinâmicas na exposição dos conteúdos.
Ainda, explicava o conteúdo com muito entusiasmo e clareza.
Lembro-me bem que eu era tratada como os demais coleguinhas
de sala de aula, sem distinção ou regalias.
Além desse relato, a filha de Nelly proporcionou um contato com outra
aluna da mãe, Maria Helena Portanova de Oliveira, hoje com 67 anos de idade
que, em depoimento por escrito, descreve:
Conheci a professora na Escola Estadual Rio Branco e fui colega
nas 3ª e 4ª séries primárias de sua filha Amaryllis. Na 5ª série fui
aluna de Dona Nelly [...]. Quando me tornei professora, trabalhei
58
com os livros de sua autoria: Estrada Iluminada e Páginas do Sul,
seguindo sua didática. Sempre admirei muito esta professora e,
mais ainda, como mãe de minhas amigas: Amaryllis, Elaine e Nina
[...] Tenho sempre na lembrança a meiga Dona Nelly, como um
exemplo de mulher dedicada, batalhadora e muito culta.
Figura 13: Nelly com seus Alunos do Grupo Escolar Rio Branco (s/d).
Ao longo de sua trajetória, outra atividade de Nelly era a de ministrar,
em sua residência, aulas particulares para um grupo de alunos, preparando-os
para o exame de admissão ao Ginásio. Nelly dava aulas de Português e outra
colega ministrava as aulas de Matemática. Segundo suas filhas, essa era uma
forma de complementar a renda familiar.
Através das recordações das entrevistadas, foi possível perceber que a
trajetória profissional de Nelly mantém-se presente na memória das filhas, alunas
e da ex-colega. Essas memórias, que aqui foram registradas, revelaram alguns
aspectos da atividade docente da professora Nelly. Diante disso, o próximo
59
subcapítulo é dedicado a um estudo mais detalhado da prática pedagógica e do
ideário com o qual Nelly “comungava”: a Escola Nova.
2.4. Aspectos da prática pedagógica de Nelly Cunha:
Cadernos de planos (1941-1946)
Entre os diversos materiais doados pelas filhas, havia um caderno de
planos de aula, manuscrito, de capa dura, letras desenhadas bem talhadas,
escritas com caneta tinteiro. Esse caderno contém noventa páginas, com o
registro de planos de aula e de projetos de ensino, além do registro das notas dos
alunos dos 4
os
anos primários com os quais Nelly trabalhou no Grupo Escolar Rio
Branco, entre os anos de 1941 e 1946. Tal caderno traz informações de grande
valia em relação a elementos que localizam o possível ideário pedagógico da
professora e autora de livros didáticos.
Figura 14: Imagem da Capa do Caderno de Planos de Nelly.
60
Neste subcapítulo tem-se como propósito fazer uso do caderno de
planos, anteriormente citado, para apresentar aspectos da prática escolar da
professora Nelly, bem como distinguir os métodos, as referências e os
fundamentos por ela adotados.
O uso do caderno de planos como fonte de pesquisa, fundamenta-se a
partir das idéias de Lopes e Galvão (2001, p.80), que, em relação às fontes em
História da Educação, dizem:
Com o alargamento dos temas abordados pela História da
Educação, [...] os pesquisadores foram, aos poucos, também
ampliando o uso das fontes. Tal como ocorreu em outros domínios
da História, os historiadores da educação incorporaram a idéia de
que a História se faz a partir de qualquer traço ou vestígio deixado
pelas sociedades passadas e que, em muitos casos, as fontes
oficiais são insuficientes para compreender aspectos
fundamentais [...].
Segundo as autoras, o estudo de objetos utilizados no cotidiano da
escola tem se tornado fundamental nas investigações da História da Educação.
Pesquisar os diversos materiais, tais como cadernos, provas, boletins, livros,
entre outros utensílios, possibilita a análise e a reconstrução de práticas
escolares.
Dessa forma, muitos autores partilham do mesmo ideal de fazer a
história avançar por novos caminhos que ampliem a perspectiva do uso de fontes,
gerando múltiplas contribuições para a História da Educação. Sendo assim, a
tentativa de analisar o caderno de planos da professora Nelly Cunha insere-se
nesse esforço de contribuição, ou seja, o uso de novas fontes, para uma nova
historiografia da educação; pois, conforme Amâncio e Cardoso (2006, p.194), é
preciso considerar o caráter discursivo das fontes oficiais e escolares, pois elas:
[...] fazem parte de um conjunto de dispositivos que contêm em
sua estrutura elementos reveladores de conteúdos valorizados
pelas instituições de ensino em diversos âmbitos: o do ensino,
porque contempla e registra o conhecimento considerado válido
para ser ensinado aos alunos (tanto as crianças quanto aos
professorandos); o da escolha metodológica, porque acaba
revelando, de certo modo, as opções do professor no
61
encaminhamento/planejamento para o encontro do aluno com o
saber sistematizado; o da avaliação, porque evidencia as
cobranças do que foi mais relevante no universo dos diversos
conteúdos destinados aos aprendizes.
Também o estudo de Gvirtz (1999) destaca a relevância do uso de
cadernos como fonte privilegiada de registro do ensino e aprendizagem. De
acordo com a autora, o caderno não é um mero suporte físico, pelo contrário, é
um dispositivo cuja articulação gera efeitos na dinâmica da sala de aula, através
da interação dos alunos e professores na realização da tarefa escolar. Isso é
válido, também, para os diários de classe de professoras (cadernos de
planejamentos).
De acordo com essas pesquisadoras e corroborando as idéias de
Peres (2006, p.136), os diários de classe tornam-se instrumentos de pesquisa
muito importantes e por isso deve-se criar a cultura da preservação desse
material, como no caso da manutenção do caderno de planejamentos da
professora Nelly Cunha.
Analisando o caderno de planos da professora, me foi possível
identificar vinte e sete projetos realizados por Nelly com seus alunos, entre os
anos de 1941 a 1946. Verifiquei, então, que, em média, os projetos tinham
duração de 15 a 30 dias e eram acompanhados das respectivas atividades passo
a passo. Assim, também chamam atenção algumas características presentes na
maioria dos projetos, tais como a seqüência e os passos seguidos nesses
projetos, quais sejam: introdução, motivação, desenvolvimento e aplicação.
Destaquei do caderno, também, algumas atividades realizadas pela
professora, neste mesmo período, com bastante freqüência: excursões, passeios,
palestras aos alunos, plantio de vegetais, confecção de álbuns, piqueniques,
jogos, brincadeiras, trabalhos manuais, montagem de peças de teatros, entre
outros. Atividades essas que corroboram aquilo que a filha, a aluna e a ex-clega
rememoram em relação à Nelly: sua criatividade, dinamicidade e dedicação.
Havia, ainda, planos preparatórios para as provas finais de cada ano letivo, nos
mesmos moldes de categorização dos projetos: introdução, motivação,
desenvolvimento e aplicação.
62
Destaco, também, no registro dos planos de ensino de Nelly, a
culminância dos projetos ou dos centros de interesse, geralmente como uma
atividade manual – princípio básico da Escola Nova. Como exemplo, pode-se
destacar o projeto sobre a Semana da Asa, em 1941, no qual foi proposta a
confecção de um brinquedo, uma pandorga, conforme se pôde constatar no
caderno de planos. Os projetos e centros de interesse propostos pela professora
sempre pressupunham, ainda, jogos e brincadeiras como forma de integração de
conteúdos, de associação de idéias, de motivação ou aplicação dos
conhecimentos. Assim sendo, esse registro permitiu-me perceber uma das muitas
facetas da professora: sua vinculação ao ideário escolanovista. Nelly Cunha, um
dos nomes mais expressivos no campo da produção didática no Rio Grande do
Sul, foi, antes de tudo, uma professora do ensino primário com uma efetiva prática
vinculada aos pressupostos teóricos mais “avançados” de seu tempo.
Apresento, no quadro a seguir, alguns dados contidos no Caderno de
Planos, com o objetivo de dar uma idéia geral desse material:
63
Quadro 2
Planos
ANO SÉRIE REGISTROS
1941 4° ano
primário
Plano para a Semana da Árvore (introdução, motivação e desenvolvimento de atividades
como palestra, leitura, excursão, desenho, redações, jogos, exercícios e outros, no período
de 17/09/41 a 17/10/41).
Centro de Interesse: Semana da Asa (atividade principal: construção de um Aeródromo,
período de 18/10/41 a 14/11/41).
1942 4° ano
primário
Projeto: Dia do Pan-Americano (aplicação de questionários, trabalhos manuais, desenhos e
palestra, a qual teve início em 16/04/42 e foi o fio condutor de todo o ano letivo de 1942).
1943 4° ano
primário
Método de Projetos no Plano Geral, através das produções Rio-Grandenses (Ciências,
Linguagem, Geografia, Moral e Civismo, Matemática e História; atividades de Feira de
Amostras, trabalho de cartonagem, confecção de quadros elucidativos e redação).
Centro de interesse: O trigo; O homem (Antropologia).
Projeto sobre a Semana da Asa (01/10/43 a 23/10/43).
1944 4° ano
primário
Centro de Interesse: Pan-Americano / Brasil.
Método de Projeto: A cidade e a casa de campo.
Plano para o estudo do Corpo Humano e para a Semana da Criança (através da
globalização de matérias, realização de visita ao Instituto Santa Luzia, doação de livros para
as crianças hospitalizadas no Pronto Socorro, tardes de jogos, brincadeiras e presentes).
1945 4° ano
primário
Plano 1: Retorno das férias.
Plano 2: Introdução ao estudo de hidrografia do RS.
Plano 3: Leitura – O sapo e o elefante.
Plano 4: Estudo sobre a vida e a obra de Castro Alves (patrono da classe).
Plano 5: Centro de Interesse - Semana da Pátria.
Plano 6: Dia da Árvore.
Plano 7: Produtos do RS.
1946 4° ano
primário
Plano 1: Estudos sobre o Rio Grande do Sul.
Plano 2: O Brasil - Regiões e belezas naturais.
Plano 3: A missão de educar (estudos sobre vida e obra de Pestalozzi).
Plano 4: Revisão após férias de inverno.
Plano 5: Independência do Brasil.
Plano 6: Centenário da Princesa Isabel.
Plano 7: Intercâmbio de Redações.
Plano para a Semana da Pátria (diário dos trabalhos; culminância 6 de setembro, com a
exposição de trabalhos).
64
A partir da análise do quadro, é possível relacionar as propostas de
trabalho da professora Nelly Cunha a alguns autores como, por exemplo, Ovideo
Decroly, John Dewey e William H. Kilpatrick, considerado o responsável pelo
Project Method e que prosseguiu com o trabalho de Dewey, dando-lhe uma
configuração mais prática, tendo em vista um ensino mais global e menos
segmentado e disperso. A proposta metodológica de Dewey “ensinar através de
projetos” foi muito difundida entre os adeptos do movimento da Escola Nova. O
pensamento baseado na experimentação, centrado numa atividade prática dos
alunos, de preferência manual, marcaram sua produção. Gadotti (2003, p.144)
refere-se às contribuições de Kilpatrick em relação ao método de projetos nos
seguintes termos:
[colocando o aluno no centro do processo] centrado numa
atividade prática dos alunos, de preferência manual. Os projetos
poderiam ser manuais, como uma construção; de descoberta,
como uma excursão; de competição, como um jogo; de
comunicação, como a narração de um conto, etc. A execução de
um projeto passaria por algumas etapas: designar o fim, preparar
o projeto, executá-lo e apreciar o seu resultado.
Kilpatrick (1975) argumentava que a vida havia mudado, o mundo
evoluído, grandes descobertas e transformações acontecido, mas a educação
não acompanhava tal evolução. Descreveu que as mudanças tornaram-se mais
rápidas e que então nada poderia ser mais do mesmo jeito e modo. Nesse
sentido, defendia que, para uma “sociedade em mudança”, era preciso um
pensamento e práticas baseados na experimentação, modelados pelos resultados
da ciência e suas aplicações. Ele preocupava-se, sobretudo, com a formação
para a democracia em uma sociedade em constante mutação. Ao que tudo indica,
ao propor um ensino dinâmico, moderno, experimental, associado ao cotidiano e
à resolução de problemas, Nelly Cunha comungava das idéias e perspectivas
defendidas pelos escolanovistas: uma nova escola para uma nova sociedade.
No caso de Dewey (1979), um de seus conceitos centrais é a
experiência. Para o autor, a experiência tem duplo aspecto: ensaiar e provar. A
vida é toda ela uma longa aprendizagem. Vida, experiência, aprendizagem não
podem separar-se, pois simultaneamente, segundo ele, vivemos experimentando
e aprendendo. São também importantes as reflexões de Dewey a respeito do
65
interesse na tentativa de superar a velha oposição entre o interesse/esforço e
interesse/disciplina. Para tanto, é fundamental o professor detectar o real
interesse de seus alunos, apenas assim a experiência adquire valor educativo.
Nesse sentido, percebe-se nos projetos que eram desenvolvidos por
Nelly Cunha, registrados no caderno de planos, as questões do interesse, do
esforço, da motivação e da experimentação.
Figura 15: Página do Caderno de Planos de Nelly Cunha (outubro de 1941, p.3).
66
A culminância do projeto de 1941 foi uma atividade manual sobre a
Semana da Asa, na qual foi proposta a confecção de um brinquedo, uma
pandorga, conforme se pode observar a seguir:
Figura 16: Página do Caderno de Planos de Nelly Cunha (outubro de 1941, p.18-19).
67
Esse material permitiu recuperar uma parte importante da trajetória de
Nelly Cunha: sua efetiva ação pedagógica, seu trabalho em sala de aula e, em
conseqüência, algumas de suas filiações teóricas. Faz-se necessário, entretanto,
expandir a pesquisa no que diz respeito à formação profissional de Nelly, de
forma que passo agora a falar sobre o almejado curso universitário.
2.5. O curso superior
Em 1958, com 38 anos de idade, Nelly Cunha, viúva, formada
professora, em exercício docente havia pelo menos 18 anos, decidiu ir em “busca
de seus sonhos”: cursar o tão desejado ensino superior.
Para falar da escolha profissional de Nelly, destaco as idéias de Mignot
(2002, p.20), a qual afirma que a identidade não se faz em linha reta. O percurso
profissional deriva de opções, escolhas, mudanças de rumo. Passa por
metamorfoses. Esse parece ter sido o caso de Nelly.
Com relação à opção pelo curso superior, a grande amiga e
companheira Rebeca Amar, em entrevista no dia 26 de setembro de 2007, relata,
quando questionada sobre essa fase da trajetória de Nelly, o seguinte:
Desde que eu me conheço por gente, a Nelly Cunha foi minha
vizinha toda a vida, nós morávamos casa do lado de casa. Mas
nós só fomos nos falar quando eu terminei o colegial, pois eu era
muito mais nova que ela. Eu me esbarrei nela na rua. Ela me
disse: “Oi, onde tu tá indo?”. “Olha eu vou até a PUC me inscrever
pro vestibular”. Daí ela me disse: “Eu tô com muita vontade de
voltar a estudar”. “Então vamos subir juntas”. E aí fomos até a
PUC, que na época era no Colégio Rosário. A gente se informou e
uns dias depois eu me inscrevi para Ciências Sociais, porque
tinha Matemática, Matemática pura, e eu adoro Matemática. Fui
na casa dela avisá-la da minha inscrição e ela me disse que se
inscreveu para jornalismo. Ela me disse assim: “Como é que tu vai
estudar? Vamos estudar juntas?” Eu até estas horas detalhes dela
eu não conhecia. Nós combinamos no outro dia de estudar às 2
horas da tarde. Eu me lembro como se fosse hoje ela me
perguntando como eu gostava de estudar. Ela gostava de estudar
em cima da cama. Ela tinha uma cama grande e alta e nós
sentamos em cima da cama e começamos a estudar. Ela tinha
uma mania, pois ela estudava e os pontos importantes ela
68
escrevia, escrevia e jogava os papéis no chão. Nós estudávamos
das 2 às 6 e a noite das 8 até a mãe dela me botar pra fora. Ela
dizia: “Tá na hora Rebeca, te manda, amanhã tu volta”. Não era
por mal, ela se preocupava com a gente. Eu gostava muito da
mãe dela. Assim foi até o dia da primeira prova. Eu comecei a
contar da minha vida e ela da dela e aí nunca mais nos
desgrudamos mais, isto faz 53 anos. (Entrevistada em
26/09/2007).
Através do relato de D. Rebeca, torna-se possível perceber que as
lembranças dessa época se mantêm com muita vivacidade, presentes em sua
memória, uma vez que lembra com detalhes esta época, como se conheceram, a
preparação para o vestibular e algumas confidências de amigas não reveladas,
mas guardadas como boas lembranças.
Ainda em relação ao vestibular, seguiu lembrando a aprovação das
duas no concurso e conta:
Ela passou e tirou dez na Prova de Português, porque ela era
muito boa mesmo, um Português limpo, claro, bonito de se ver,
ela cantava o que queria dizer, com uma facilidade incrível. Eu
tirei nove, porque eu aprendi com ela, porque eu nunca na minha
vida tinha tirado uma nota desta.
O sonho se concretizou e elas se formaram juntas, no mesmo dia, 16
de dezembro de 1958, pois a solenidade de colação de grau ocorreu em conjunto.
Nelly formou-se em Jornalismo pela Faculdade de Filosofia da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Inclusive, segundo lembra
D. Rebeca, “ela foi laureada como a única aluna do curso que tirou dez em todas
as provas de Português, desde a seleção do vestibular. Ela foi homenageada,
ganhou uma coleção de dicionários”.
Há, no arquivo da autora, uma foto deste momento importante de sua
vida.
69
Figura 17: Solenidade de Colação de Grau em Jornalismo, PUCRS.
Também se encontra em seu arquivo o diploma de conclusão do curso
superior:
Figura 18: Cópia do Diploma.
70
D. Rebeca, hoje com 71 anos de idade, manifesta lembranças daquele
momento em que tudo era alegria ao ver o sonho concretizado, uma ocasião
especial e única, e assim se referiu à Nelly:
Ela tinha um sonho de ser jornalista e de escrever, porque tudo o
que ela escrevia, não escrevia com as mãos, mas com o coração.
Ela não tinha o que pensar para escrever, aquilo fluía
naturalmente e nós fizemos uma festinha juntas para comemorar
a formatura, lá na minha casa e ela me disse: “fiz o que eu sempre
sonhei. Hoje sou uma jornalista”. (Entrevistada em 26/09/2007).
Após a conclusão do curso de Jornalismo, contudo, Nelly não
abandonou seu ofício e seguiu atuando como professora primária no Grupo
Escolar Rio Branco. No entanto, a história da professora teve um novo capítulo.
Com a nova profissão, mudou o rumo de sua trajetória profissional, passando a
exercer paralelamente ao magistério outras atividades.
Nesse sentido, desempenhou as seguintes atividades: Redatora e
Redatora-chefe da Revista “Cacique”, em 1958/59; Coordenadora de
Publicações, Documentações e Informações, do MEC, de 1960/1973; Assistente
de Redação do Centro de Pesquisas e Orientação Educacionais (CPOE)
18
, em
1964; Amanuense Especializada, em 1974; Agente Administrativa, em 1977;
Técnica em Assuntos Culturais, em 1981; Chefe de Sessão de Acompanhamento
da Divisão de Programação e Desenvolvimento - DEMEC/RS, em 1982; Diretora
18
“Em 1942, a Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul passou por uma reorganização e foi
denominada, então, de Secretaria da Educação e Cultura. Nessa reorganização foi criado, em
substituição às antigas Inspetoria e Diretoria da Instrução Pública, o Departamento de Educação
Primária e Normal. As funções deste Departamento eram, fundamentalmente, as de “exercitar,
orientar e fiscalizar as atividades relativas à educação pré-primária, primária e normal, bem como
ao ensino supletivo” (Artigo 12º. Decreto 578. 22/07/1942). Um ano após essa reorganização, em
1943, foi aprovado o Regimento Interno do Departamento de Educação Primária e Normal e com
ele instalado o Centro de Pesquisas e Orientação Educacionais (CPOE). A partir de então – e até
os anos 70 – o CPOE passou a desempenhar um papel fundamental no ensino primário do Rio
Grande do Sul. Tinha como função principal a “realização de estudos e investigações psicológicas,
pedagógicas e sociais, destinados a manter em bases científicas o trabalho escolar” (Decreto 794
de 17/06/1943). Eram atribuições do CPOE, ainda, segundo o Decreto 794 de 1943, elaborar
medidas para a organização das classes, a orientação educacional e o controle do rendimento
escolar. Isso deveria se efetivar através de cursos e reuniões, de visitas às unidades escolares, de
ensaios pedagógicos, de consultas de ordem técnica, da elaboração de programas, de planos, de
comunicados, de circulares e de instruções, através da manutenção de uma Biblioteca Central de
obras pedagógicas e escolares, da organização do conteúdo pedagógico do Boletim de Educação
da SEC, da indicação de livros didáticos e de obras para as bibliotecas dos professores e dos
alunos” (PERES, 2004).
71
do DPD/DEMEC/RS, em 1985. Também trabalhou na redação do Jornal Última
Hora na revisão e correção das notícias.
Figura 19: Nelly Cunha na redação do Jornal “Última Hora”. Segundo o relato de sua
filha Elaine ela trabalhou uma época na revisão e correção de notícias.
Assim, a pergunta “Quem foi Nelly Cunha?” é de difícil resposta.
Escrever a história de vida dela implicou, entre tantas coisas, recuperar
pacientemente a memória dos entrevistados, lembranças de uma história
especial, de uma pessoa dinâmica e atuante. A trajetória social e profissional da
professora e autora Nelly Cunha esteve vinculada a órgãos públicos como: o
CPOE, a SEC/RS, a COLTED, o MEC e as Editoras Globo e do Brasil,
amplamente conhecidas pela inserção dos livros didáticos no mercado,
especialmente entre os anos de 60-80 do século XX. E foi a partir dessas
vinculações e nesse contexto que a professora Nelly produziu todas as suas
obras didáticas. Com isso, a história de Nelly permite compreender melhor um
momento chave da história da produção e circulação dos livros escolares no Rio
Grande do Sul no período de 1960-1980. Cabe ressaltar, contudo, que Nelly
72
Cunha não deixou apenas sete coleções didáticas como legado, mas um
verdadeiro exemplo de determinação, coragem, realizações e trabalho,
especialmente no campo educacional. É por isso que ela deve ser lembrada como
uma das eminentes educadoras que o Estado do Rio Grande do Sul teve e pelas
muitas mulheres que a habitaram: professora, mãe, esposa, escritora, autora de
livros, administradora, técnica educacional, apresentadora de programas de rádio,
pianista... Uma mulher de muitos amores, conforme a epígrafe desse capítulo.
A AUTORA E ESCRITORA DE
L
IVROS DIDÁTICOS NELLY CUNHA
CAPÍTULO III
O livro didático, esse primo-pobre, mas de ascendência nobre, é
poderosa fonte de conhecimento da história de uma nação [...]
(LAJOLO e ZILBERMAN, 1999, p.12).
3.1. A Revista Pedagógica “Cacique”
A trajetória de Nelly Cunha como escritora iniciou-se na redação de
uma revista pedagógica destinada ao público infanto-juvenil
19
, denominada
CACIQUE Revista Infantil. Nelly desempenhou duas importantes funções:
redatora da revista no período de 15 de janeiro de 1958 a 30 de setembro de
1958 e, posteriormente, redatora-chefe de 15 de outubro de 1958 a 31 de
dezembro de 1959.
19
O nome da revista, segundo a professora Nancy Mariante, foi uma escolha dos próprios leitores-
mirins, através de uma pré-lista enviada às escolas primárias. Foi o nome que mais teve aceitação
(BASTOS, 1994, p.10).
74
Em relação à revista, uma pesquisa realizada por Bastos (1994, p.91)
analisa o conteúdo, sua estrutura e organização, conforme descrito abaixo:
A Revista foi publicada em abril de 1954 até dezembro de 1959,
totalizando sua publicação em 106 números. Inicialmente, era de
tiragem mensal (10 a 15.000 exemplares), mas de 1957 a 1959
tornou-se quinzenal. O sistema de venda avulsa e assinaturas
atingiam diversas regiões do Estado e vários estados brasileiros,
como se pode perceber na lista publicada na contracapa "Nossos
Assinantes", a partir do número 58, de 1958. Na primeira fase, a
Revista foi dirigida pelas professoras Maria da Glória Albuquerque
e Nancy Mariante.
Após breve interrupção, a revista retornou em 1961, vinculada à
Divisão de Cultura da SEC-RS, sob a direção da professora Maria
Moritz. Apresentava alterações editoriais e gráficas, distribuição
mensal e gratuita, e “uma nova linha ideológica com ênfase numa
tendência nacionalista e regionalista”. Encerrou definitivamente
sua publicação, em 1963.
A Revista “Cacique” tinha um conteúdo bastante variado, com histórias
infantis, palavras cruzadas, charadas, ilusão de ótica, música e letra, histórias em
quadrinhos, curiosidades, “coisas que tu podes fazer”, desenhos para colorir,
jogos e passatempos, cantinho dos curiosos, poesias, monumentos da Capital
Gaúcha, concurso de grandes vultos da humanidade (com premiações de livros
que gostaria de receber), coleção de flâmulas de clubes de futebol, álbum, tema
regional e cultural geral.
A revista era editada pela Livraria do Globo e apresentava na
contracapa das revistas de número 2 ao 57 uma História da Capa, escrita por
Dirceu A. Chiesa. A partir do número 58, essa história foi substituída pela lista de
Novos Assinantes, na qual era publicado o nome do local de origem dos leitores.
A ilustração da capa traduzia ao leitor a intencionalidade do que
deveria ser percebido ou lido, isto é, a transmissão da mensagem com vistas ao
padrão correto de conduta e das normas sociais que ele deveria seguir, para sua
melhor formação moral. A propaganda era uma contribuição positiva em prol da
boa leitura infantil.
75
Para ilustrar, transcrevo, a seguir, um breve trecho da contracapa da
segunda revista publicada, no mês de maio de 1954, que anuncia a seguinte história:
Figura 20: Capa da Revista “Cacique”.
A partir de 15 de janeiro de 1958, a contracapa da Revista Infantil
“Cacique” apresenta aos leitores a equipe de elaboração que era composta de:
Diretora, Secretária, Gerente, Auxiliar de gerente, Redatora-chefe, Redatoras,
Desenhista supervisora, Desenhistas e o pessoal do Planejamento. Além de
apresentar o nome dos novos assinantes da capital e do interior, a exemplo das
cidades de Santa Rosa, Santana do Livramento e Santo Ângelo, conforme
visualização a seguir:
A HISTÓRIA DA CAPA
Paulinho e seu cão, de nome
Pilôto, saíram uma tarde a
passear ao longo de um rio. A
certa altura, viram um barco
amarrado a um sarandi. A
idéia de uma grande aventura
surgiu na mente do menino.
Fascinado, consultou o seu
fiel companheiro: - Que tal,
Pilôto, um passeio até
embaixo onde o rio faz uma
volta? Pilôto latiu faceiro,
rodopiou por uns instantes,
sempre de cauda abanando
[...].
76
Figura 21: Contra-capa da Revista “Cacique”.
77
Esses dados têm apenas o objetivo de caracterizar a Revista
“Cacique”, projeto no qual Nelly Cunha esteve totalmente envolvida.
A partir de 15 de outubro de 1958, na revista de número 77, Nelly
Cunha passou a figurar em um novo cargo, com a função de Redatora-Chefe,
porém não deixou de escrever e publicar suas histórias para a revista.
Nelly Cunha escreveu muitas histórias para a Revista Infantil “Cacique”.
O enredo da maioria dos seus contos ou histórias estava relacionado à música,
com os sons, ritmos, melodias, vultos da música ou estilos, influência decorrente
de seu apreço musical e sua formação como pianista. A seguir alguns dos títulos
destacados:
- A História Maravilhosa da Música (30/05/58, p.20).
- A História Maravilhosa da Música – A Grécia Imortal (30/06/58, p.24).
- A História Maravilhosa da Música – Os Trovadores Medievais
(15/07/58, p.16).
- A História Maravilhosa da Música – A Origem do Piano (p.12 –
31/07/58).
- A História Maravilhosa da Música – Os Grandes Compositores do
Século XVII João Sebastião Bach (15/08/58, p.22).
- A História Maravilhosa da Música – Mozart – O Menino Prodígio e
Beethoven – O Gênio de Bonn (31/08/58, p.13 e 14).
- A História Maravilhosa da Música – Os Compositores e a Escola
Romântica – A Valsa do Adeus e Chopin – O Poeta do Teclado
(15/09/58, p.5).
- A História Maravilhosa da Música – Schubert – E as Alegres Melodias
– Serenata e Félix Bartholdymendelssohn (30/09/58, p.11).
- A História Maravilhosa da Música – FRANZ LISZT – Tarantela e
Marcha (15/10/58, p.9).
- A História Maravilhosa da Música – Músicos dos Séculos XIX e XX
– Carlos Gomes – O Brasileiro que venceu – Canção e Vila-Lobos
– Impressões Seresteiras (30/10/58, p.19).
78
- A História Maravilhosa da Música – Grieg – O Chopin do Norte –
Canção de Solvejg e Rimsky-Korsalov – Canção Indu – Da Ópera
Sadko (15/11/58, p.19).
- A História Maravilhosa da Música – Debussy – O Senhor dos
Sonhos – Valsa (30/11/58, p.5).
- A História Maravilhosa da Música – Bela Bartók, Manuel De Falla,
Richard Strauss, Igor Stravinsky (Dança Russa) e Jean Sibelius
(15/12/58, p.23).
- Lendas que os povos me contaram – O Anzol Milagroso (15/02/59
p.6).
- Lendas que os Povos me contaram – A Prece de Éaco (28/02/59,
p.30).
- A Flor do Jacarandá (30/04/59, p.15).
- Festa de São João (15/06/59, p.1).
- No Reino da Formigolândia (30/06/59, p.25).
- Os Sapatinhos do Nenê (15/08/59, p. 25).
- Um Susto (31/08/59, p.9).
- Volta ao Passado (15/09/59, p.15).
- Rosicler (31/10/59, p.27).
- Vovô Zeferino (15/11/59, p.29).
- Elixir Mágico (15/12/59, p.1).
- O Navio Submerso (31/12/59, p. 3).
Antes de se lançar na produção didática, Nelly Cunha produziu mais de
vinte e cinco histórias e contos, tendo sido premiada com menção honrosa pela
Poupança Habitasul, Prêmio Petrobrás – JC de Literatura (Poesias-Contos-
Crônicas), no ano de 1985, com o conto “O Último Visitante” (Anexo 1).
A seguir, destaca-se a história publicada pela Revista Infantil
“Cacique”, em 15 de novembro de 1958, com o título: A História da Música –
GRIEG – O CHOPIN DO NORTE (Adaptado para Cacique por Nelly Cunha):
79
Figura 22: Imagem do Texto escrito por Nelly em 15/11/1958, p.19.
80
A fim de visualizar sua criação, segue a cópia de outra história:
Figura 23: História escrita por Nelly em 31/10/1959, p. 27-28.
81
Em muitos textos escritos por Nelly para a Revista Infantil “Cacique”
nota-se um diferencial com relação ao modelo de escrita e estrutura textual da
autora. Nos dois exemplos escolhidos, percebe-se a criatividade de unificar a
história com as partituras do canto em um mesmo texto, congregando assim seu
dom literário ao seu apreço musical.
Em relação à revista, conforme o relato das filhas de Nelly, a mãe
sempre contava sobre as boas lembranças desta época, em que ela conheceu
muitas pessoas que lá trabalhavam, fez vários amigos, mas, em especial, criou
fortes laços de amizade com a professora Helga Joanna Trein, que,
posteriormente, em 1963, resultaria em uma parceria também na produção
didática. Juntas publicaram, pela Editora Globo, a Série “Era Uma Vez”. Essa não
foi, contudo, a primeira coleção didática da professora Nelly Cunha. Antes disso,
já havia feito parcerias e publicado outras obras.
Certamente que, ao reconstruir a história de vida da professora Nelly,
não se pode ignorar a sua produção didática, de forma que passo agora a
apresentar as obras de destinação escolar por ela produzidas.
3.2. As obras didáticas de Nelly Cunha
Tem-se no universo acadêmico uma tradição consolidada de estudos
sobre livros didáticos, em âmbito nacional e internacional, com uma grande
diversidade de enfoques temáticos e metodológicos. O livro representa um objeto
e uma fonte privilegiada, que vem há algum tempo despertando a curiosidade de
pesquisadores, portanto, é um campo fecundo de pesquisa.
Atualmente, podem ser tomados como espaços de expressão desses
interesses alguns eventos, tais como: O Seminário Brasileiro sobre Livro e
História Editorial, em 2003, no RJ; O Congresso de História do Livro e da Leitura
no Brasil, realizado em 2004, na UNICAMP/SP; recentemente, em novembro de
2007, o I Seminário Internacional sobre Livro Didático na USP/SP, entre outros.
Estes são representativos do crescente empenho dos pesquisadores no
desenvolvimento de estudos históricos em torno do livro, bem como dos sujeitos,
instituições e objetos a ele associados.
82
A partir dessas diferentes produções multifacetadas, surgiram trabalhos
que, embora com recortes temporais, geográficos ou, ainda, com temáticas
diferentes, têm como ponto comum proporcionar um espaço de produção,
circulação e troca de idéias, provocando um movimento de reconfiguração nos
modos de conduzir as pesquisas histórico-educativas sobre o livro didático.
Nessa vertente, Choppin (2004) descreve que, após ter saído da
obscuridade ao olhar dos historiadores, bibliógrafos e bibliotecários, o livro didático
começou a suscitar, a partir dos anos 70, em diversos países, grande interesse
entre os pesquisadores. Os motivos pelos quais foi tão negligenciado ao longo dos
anos são muitos, que vão desde a sua origem até o seu destino final, ou seja, fica
superado frente aos progressos da ciência, desatualizando-se com muita rapidez e
é mercadoria perecível. Outro aspecto salientado por Choppin é em relação à
dificuldade de pesquisar livros didáticos devido ao difícil acesso às coleções.
O livro didático é destinado a um público específico, o mercado escolar.
É produzido em grande escala, sendo um mercado vendável e sempre crescente.
Encontra-se em todos os níveis de escolarização de um indivíduo e tende a
circular mais fora do espaço das bibliotecas. No que tange à conservação e
localização, as coleções acabam por se tornarem obras raras, difíceis de localizar
e que muitas vezes não abrangem todo um período, visto que são raros os
espaços destinados à preservação e à memória do livro didático.
Por outro lado, as pesquisas sobre livros didáticos constituem um terreno
significativo e contribuem como fonte de informação para conhecer processos
educativos do passado, pois, como destacam Lopes e Galvão (2001, p.57):
[...] há estudos que buscam descrever a constituição desses
impressos na história do país e seu papel, [...] métodos de ensino,
no contexto da progressiva institucionalização da escola como
principal espaço educativo.
Visto como ferramenta pedagógica ou como suporte dos
conhecimentos a serem ensinados, os livros escolares desempenham uma
importante tarefa na compreensão de alguns aspectos da cultura escolar. São
uma poderosa fonte de informação, conhecimento da história de um país, da
cultura, valores e idéias que circularam em determinada época.
83
A pesquisa de Tambara (2002), por exemplo, que apresenta a trajetória
e natureza do livro didático nas escolas de ensino primário no século XIX, no
Brasil, destaca a leitura realizada pelos alunos e professores nas aulas de
primeiras letras no Brasil.
Ainda sobre a contribuição dos livros didáticos como fonte de pesquisa,
Corrêa (2000, p.20) diz:
Desvendar o livro escolar é também contribuir para fazer a
arqueologia das práticas escolares por meio dos materiais que
compuseram o trabalho pedagógico desenvolvido na escola ao
longo do tempo.
Já no estudo de Maciel e Frade (2003, p.30), há a afirmação de que:
No Brasil, as pesquisas sobre os manuais didáticos privilegiaram nas
décadas de 70/80, denunciar aspectos ideológicos e
preconceituosos, principalmente nos livros de História e de Estudos
Sociais. Atualmente, os estudos sobre os livros didáticos podem se
constituir num trabalho fecundo que permita, mais do que denunciar,
compreender como determinado pensamento pedagógico se
materializa, como representa parte das práticas inovadoras ou
cristalizadas dos docentes, das políticas governamentais, das
políticas pedagógicas e editoriais, das relações com os públicos para
os quais se destinam, buscando recuperar o diálogo que estes
materiais estabelecem com outros produtos culturais.
A pesquisa de Maciel e Frade (2003, p.29) esclarece, ainda, que
[...] a análise do livro didático ou livros utilizados com destinação
escolar permite uma série de abordagens, que podem ser
relacionadas aos processos de sua produção, à análise do
suporte impresso como fonte e como objeto e, [...] das práticas
advindas de seu uso.
Em relação à conceituação, Choppin (2004) enfatiza as dificuldades em
conceituar “livro didático”, o qual é designado de inúmeras maneiras nas
diferentes línguas e nem sempre é possível explicitar as características
específicas de cada uma das denominações.
Sobre as características do livro didático, Batista (1999, p.529) afirma:
84
[...] Trata-se de um livro efêmero, que se desatualiza com muita
velocidade. Raramente é relido; pouco se retorna a ele para
buscar dados ou informações [...] sua utilização está
indissoluvelmente ligada aos intervalos de tempo escolar [...].
Nessa citação evidencia-se o caráter temporário do livro, pois ao
término de um determinado período de tempo deixa de cumprir seu papel, sendo
descartado ou depositado nas prateleiras das bibliotecas escolares.
Bittencourt (1989, p.3) caracteriza o livro escolar como uma mercadoria
que atende aos interesses do mercado, seguindo a evolução das técnicas de
fabricação e comercialização. Mas, além disso, é também o "depositário" de
muitos conteúdos educacionais que retratam conhecimentos e valores
considerados importantes na sociedade em uma determinada época. Nesse
sentido, conforme Pfromm Netto (1974, p.18), o livro é um recurso educacional
que pode provocar mudanças nos modos de pensar, agir e sentir dos alunos.
Galvão e Batista (2003, p.177) reiteram a complexa definição do livro
didático:
[...] os livros didáticos nem sempre são livros, mas apresentam-se
em diferentes suportes materiais; o texto didático nem sempre se
restringe ao texto explicitamente elaborado e reproduzido tendo em
vista um destino escolar; destinado ou utilizado pela escola [...].
Lajolo e Zilberman (1999, p.120) afirmam que os livros didáticos
constituem uma fonte privilegiada de pesquisa, também apontam para a questão
da produção editorial, pois ele é uma mercadoria que gera grandes lucros para as
editoras, pois, apesar de ser considerado o primo pobre da literatura, descartável,
ele desatualiza-se com rapidez e/ou é deixado de lado pelo estudante a cada ano
escolar concluído, passando a ser, portanto, o primo-rico das editoras.
Munakata (1999) indica o fato de o livro didático possuir certas
especificidades quanto à prática da leitura: pode ser aberto e lido, relido em casa,
ser transportado diariamente, pode receber registros, o que o torna “consumível”.
Portanto, supõe determinados leitores: o professor e o aluno.
Assim, é essa multiplicidade de abordagens e esses autores citados
que problematizam a questão dos livros didáticos e da pesquisa sobre eles. São
85
autores que dão suporte para a compreensão desta temática. Cabe salientar, no
entanto, que, ao fazer a referida escolha por história de vida, delimitei o enfoque
da pesquisa, decidida a apresentar a história de vida de Nelly Cunha. De forma
que o objetivo da presente pesquisa não é desenvolver uma análise mais
minunciosa de sua produção didática ou fazer outro tipo de investigação em
relação aos livros por ela produzidos; o objetivo é, antes, mostrar como Nelly
formou-se professora em 1940, posteriormente em jornalismo, em 1958, as
atividades que desempenhou e os livros que produziu.
Feitas essas considerações, passo a apresentar o quadro com a
produção de Nelly Cunha, no qual podem ser visualizadas sete coleções didáticas
da autora, do período de 60 a 80, com a referida catalogação, em ordem
cronológica, dos exemplares localizados em seu arquivo privado e em sebos, pois
não havia a Coleção Estrada Iluminada em posse das filhas de Nelly.
Quadro 3
Obras
TÍTULO ANO EDITORA EDIÇÃO Ano escolar
Estrada Iluminada:
Estrada Iluminada - Bichano e Zumbi. 1º
ano – Leitura Intermediária e Matemática.
Estrada Iluminada - A Festa do Vaga-
Lume. 2º ano – Linguagem e Matemática.
Estrada Iluminada - O Álbum Maravilhoso.
3º ano – Linguagem e Matemática.
Estrada Iluminada - Canto da Minha
Terra. 4º ano – Linguagem e Matemática.
Estrada Iluminada - Curso de Admissão –
Linguagem, Matemática, História e
Geografia.
Estrada Iluminada - Rodeio de Estrelas –
Antologia e Gramática Aplicada.
Estrada Iluminada. Exercícios de Gramática
e Matemática Significativa, 2º ano.
Estrada Iluminada. Exercícios de
Gramática e Matemática Significativa, 3º ano.
Estrada Iluminada. Exercícios de
Gramática e Matemática Significativa, 4º ano.
1960
1967
DO BRASIL 5ª, 7ª, 9ª, 12ª,
13ª
24ª edição -
exemplar 4929
1° ao 5º ano
primário,
Admissão ao
Ginásio
86
Continuação Quadro 3
TÍTULO
ANO EDITORA EDIÇÃO Ano escolar
Série Era Uma Vez
Travessuras Pirulim
Páginas do Sul
O canto do brasileiro
Pinceladas Verde-amarela
1963 GLOBO
2º ano primário
3º ano primário
4º ano primário
5º ano primário
Série Era Uma Vez
Novas Travessuras Pirulim
Páginas do Sul
O canto do brasileiro
Pinceladas Verde-Amarelas
1970 GLOBO Coleção
Reformulada
2º ano primário
3º ano primário
4º ano primário
5º ano primário
Nossa Terra Nossa Gente
s/d
1974
DO BRASIL
28ª
1º ao 5º ano
primário
Alegria, Alegria
E agora, André?
Pequenos Turistas
Querência
Rumo Certo
Espiral
1973
1974
1975
GLOBO 1ª série
2º série
3º série
4º série
5º série
6ª série
Tapete Verde
1976 GLOBO 1ª a 4ª séries
Paralelas
1979 DO BRASIL 1ª a 4ª séries
Apresentado o quadro, passo a detalhar cada produção
individualmente, começando pela coleção ESTRADA ILUMINADA. Ao que tudo
indica essa deve ter sido sua primeira obra didática. Em seu arquivo privado não
consta essa produção, mas a conhecia e localizei em sebos 7 livros da coleção, a
saber: do ano de 1960, a 5ª e a 7ª edição do primeiro ano, a 9ª edição do terceiro
e do quarto ano primário, a 12ª edição do segundo ano primário, e a 13ª edição
do terceiro ano primário; do ano de 1967, a 24ª edição do livro de admissão ao
87
ginásio. Cabe lembrar que a trajetória de Nelly como autora de livros didáticos
iniciou junto à professora Cecy Cordeiro Thofehrn
20
.
A coleção era destinada do 1º ao 5º ano primário e havia um livro
designado “Admissão ao Ginásio”. Cada livro correspondia a um ano escolar,
sendo assim composta, conforme consta na contracapa da coleção “Era uma vez”:
1. ESTRADA ILUMINADA - BICHANO E ZUMBI. 1º ano – Leitura
Intermediária e Matemática.
2. ESTRADA ILUMINADA - A FESTA DO VAGA-LUME. 2º ano –
Linguagem e Matemática.
3. ESTRADA ILUMINADA - O ÁLBUM MARAVILHOSO. 3º ano –
Linguagem e Matemática.
4. ESTRADA ILUMINADA - CANTO DA MINHA TERRA. 4º ano –
Linguagem e Matemática.
5. ESTRADA ILUMINADA - CURSO DE ADMISSÃO – Linguagem,
Matemática, História e Geografia.
6. ESTRADA ILUMINADA - RODEIO DE ESTRELAS – Antologia e
Gramática Aplicada.
7. ESTRADA ILUMINADA. EXERCÍCIOS DE GRAMÁTICA E
MATEMÁTICA SIGNIFICATIVA, 2º ano.
8. ESTRADA ILUMINADA. EXERCÍCIOS DE GRAMÁTICA E
MATEMÁTICA SIGNIFICATIVA, 3º ano.
9. ESTRADA ILUMINADA. EXERCÍCIOS DE GRAMÁTICA E
MATEMÁTICA SIGNIFICATIVA, 4º ano.
Foi publicada pela Editora do Brasil S/A, seu formato tem a seguintes
medidas: 13,5 x 18 cm:
20
Professora e Orientadora de Educação Primária do Centro de Pesquisas e Orientação
Educacionais da Secretaria de Educação e Cultura do Rio Grande do Sul (CPOE).
88
Figura 24: Capa da Coleção “Estrada Iluminada”.
Ao que tudo indica, a coleção seguinte produzida por Nelly, de acordo
com o ano da primeira edição, foi a SÉRIE ERA UMA VEZ, localizada no arquivo
privado da autora, com a data de 1963. A coleção, uma parceria com a professora
Helga Joanna Trein, era destinada do 2º ao 5º ano do ensino primário, impressa
nas oficinas gráficas da Livraria do Globo S.A., em Porto Alegre. Nessa coleção
não há um livro específico para o ensino da leitura, e está assim composta:
1. SÉRIE ERA UMA VEZ - TRAVESSURAS DE PIRULIM - 2º ano.
Linguagem, Gramática Funcional, Matemática, Estudos Sociais e
Ciências Naturais.
89
2. SÉRIE ERA UMA VEZ - PÁGINAS DO SUL - 3º ano. Gramática
Funcional, Matemática, Estudos Sociais e Ciências Naturais.
3. SÉRIE ERA UMA VEZ - O CANTO DO BRASILEIRO - 4º ano.
Linguagem, Gramática Funcional, Matemática, Estudos Sociais e
Ciências Naturais.
4. SÉRIE ERA UMA VEZ - PINCELADAS VERDE-AMARELAS - 5º
ano Linguagem, Gramática Funcional, Matemática, Estudos Sociais
e Ciências Naturais. Destinado ao primário.
A seguir a imagem das capas em questão:
1. TRAVESSURAS DE PIRULIM - Um livro com 145 páginas, formato
(medidas) 13,7x20,5 cm, contendo 21 histórias, organizado por áreas: Linguagem,
Gramática Funcional, Matemática, Estudos Sociais e Ciências Naturais, para o 2º
ano do ensino primário. Foi dedicado pelas autoras ao Professorado Gaúcho.
Figura 25: Capa do Livro
“Travessuras de Pirulim”.
90
2. PÁGINAS DO SUL – As ilustrações e capa foram de Anelise T.
Becker. O livro, contendo 187 páginas, possui 62 histórias. Organizado por áreas:
Linguagem, Gramática Funcional, Matemática, Estudos Sociais e Ciências
Naturais, para o 3º ano do ensino primário. Já na contracapa deste livro, há uma
dedicatória às mães das autoras, as quais escrevem: ”queridas, a quem devemos
tanto apoio e incentivo”.
Figura 26: Capa do Livro “Páginas do Sul”.
91
3. O CANTO DO BRASILEIRO – Apresenta maior número de páginas,
251, com 23 histórias em 50 subtítulos. Organizado por áreas: Linguagem,
Gramática Funcional, Matemática, Estudos Sociais e Ciências Naturais, para o 4º
ano do ensino primário. “Livro dedicado aos seus filhos”.
Figura 27: Capa do Livro “O Canto do Brasileiro”.
92
4. PINCELADAS VERDE-AMARELAS – O número de páginas, quase
duplica, ou seja, 348 páginas, com 23 histórias em subtítulos nas áreas de:
Linguagem, Gramática Funcional, Matemática, Estudos Sociais e Ciências
Naturais. Destinado ao 5º ano do ensino primário.
Figura 28: Capa do Livro “Pinceladas Verde-Amarelas”.
É importante salientar que Nelly Cunha passou por uma nova fase na
sua trajetória profissional. Em 1969, foi uma das professoras brasileiras, autoras
de livros didáticos, escolhidas para viajar aos Estados Unidos, no âmbito da
política do COLTED (Comissão do Livro Técnico e Didático), no acordo
MEC/USAID (United States Agency for International Development).
93
Sendo uma viagem de iniciativa do COLTED/MEC/USAID em
colaboração com editoras brasileiras, a Editora Globo indicou Nelly Cunha para
fazer parte da comitiva. As informações e aspectos dessa viagem são abordados
em capítulo específico adiante. Essa viagem é um marco fundamental na
produção da autora, pois os dados indicam que na década de 70, ao retornar da
viagem e tendo produzido duas coleções didáticas, Nelly Cunha reorganizou e
publicou pela segunda vez as duas coleções.
A coleção editada pela Globo, com novo formato, 14 cm x 20,5 cm,
ficou reorganizada da seguinte forma:
1. SÉRIE ERA UMA VEZ - NOVAS TRAVESSURAS DE PIRULIM -
ano. Livro de leitura. O formato desses livros passa para 14 cm x 20,5
cm de altura.
Caderno de Exercícios de Linguagem.
Manual do Professor (Leitura e Exercícios de Linguagem).
Caderno de Matemática.
Manual do Professor (Exercícios de Matemática).
Figura 29: Capa do Livro
“Novas Travessuras de
Pirulim”.
94
2. SÉRIE ERA UMA VEZ - PÁGINAS DO SUL - 3º ano. Livro de leitura.
Caderno de Exercícios de Linguagem.
Manual do Professor (Leitura e Exercícios de Linguagem).
Caderno de Matemática.
Manual do Professor (Exercícios de Matemática).
Figura 30: Capa do Livro “Páginas do Sul”.
95
3. SÉRIE ERA UMA VEZ - CANTO DO BRASILEIRO - 4º ano - Livro
de leitura.
Caderno de Exercícios de Linguagem.
Manual do Professor (Leitura e Exercícios de Linguagem).
Caderno de Matemática.
Manual do Professor (Exercícios de Matemática).
Figura 31: Capa do Livro “O Canto do Brasileiro”.
96
4. SÉRIE ERA UMA VEZ - PINCELADAS VERDE-AMARELAS -
Admissão ao Ginásio - 5º ano - Livro de leitura.
Caderno de Exercícios de Linguagem.
Manual do Professor (Leitura e Exercícios de Linguagem).
Caderno de Matemática.
Manual do Professor (Exercícios de Matemática).
Figura 32: Capa do Livro “Pinceladas Verde-Amarelas”.
Em relação às modificações visíveis na coleção refeita, há alterações
gráficas na obra, ou seja, na capa do livro destinado ao 2º ano do ensino primário
de 1963, a ilustração é de um macaquinho, já na reorganização da coleção a
imagem é de um duende. As crianças no livro para o 3º ano vestiam roupas da
tradição gaúcha (vestido de prenda, bombacha e botas) e tocavam gaita; na nova
edição, vestem: a menina, um vestido curto, já o menino, short e camiseta. No livro
97
para o 4º ano há um menino encostado na cerca e um bezerrinho deitado no chão;
na nova edição é uma garota e um garoto que estão dentro de um barquinho. No
livro para o 5ª ano, a paisagem é de natureza, há uma arara pousando num galho;
na reformulação, a imagem é de duas crianças observando uma pessoa que está
pintando um quadro.
O que nos surpreende não são, apenas, as mudanças nas capas, mas,
principalmente, a organização da obra em: um Livro Leitura, Caderno de
Exercícios de Linguagem, Caderno de Exercícios de Matemática, um Manual do
Professor (Leitura e Exercícios de Linguagem) e outro Manual (Exercícios de
Matemática), um grande diferencial observado na elaboração dos livros após a
viagem. Com relação ao manual, na Coleção reformulada da série “Era Uma
Vez”, no livro “Novas Travessuras de Pirulim”, destinado ao 2º ano, constam
algumas orientações das autoras, entre elas a indicação de que o livro seja
dividido em planos de unidades. A cada unidade encontram-se sugestões
diferentes, como se pode verificar na unidade I, página 4: dramatizar a história,
descrever cenas familiares. Já na unidade VI, página 10, a idéia é organizar um
“chá de bonecas”. Na página 3, há as seguintes orientações:
[...] o professor preparará à classe para a leitura, através de
perguntas [...] objetivos a atingir: desenvolver valores [...];
desenvolver o vocabulário da criança; desenvolver a habilidade de a
criança observar pormenores poéticos [...]. (Era Uma Vez, 1970, p.3).
Ainda sobre a Coleção “Era Uma Vez”, localizei uma matéria do jornal
“Zero Hora”, datada de 8 de março de 1971, na qual é mencionada a continuidade
da obra no mercado, como se pode observar: Outros livros lançados no ano
passado e que continuarão em destaque são os da série “Era uma vez”, das
professôras Nelly e Helga Trein (Anexo 2).
Ao que tudo indica e conforme o relato da filha Elaine, a coleção Estrada
Iluminada foi reformulada posteriormente a viagem e foram realizadas alterações no
título da coleção, a qual passou a ser denominada NOSSA TERRA NOSSA GENTE.
Foi publicada pela Editora do Brasil, novamente em co-autoria com Cecy Cordeiro
Thofehrn, integra todas as áreas do currículo: Linguagem, Matemática Moderna,
Estudos Sociais, Moral e Cívica, do 1° ao 5°ano do ensino primário, e é assim
composta:
98
1. NOSSA TERRA NOSSA GENTE – Pré-livro.
2. NOSSA TERRA NOSSA GENTE – 1º ano. Linguagem, Matemática
Moderna, Estudos Sociais e Moral e Cívica.
3. NOSSA TERRA NOSSA GENTE – 2º ano. Linguagem, Matemática
Moderna, Estudos Sociais e Moral e Cívica.
4. NOSSA TERRA NOSSA GENTE – 3º ano. Linguagem, Matemática
Moderna, Estudos Sociais e Moral e Cívica.
5. NOSSA TERRA NOSSA GENTE – 4º ano. Linguagem, Matemática
Moderna, Estudos Sociais e Moral e Cívica.
6. NOSSA TERRA NOSSA GENTE – 5º ano. Linguagem, Matemática
Moderna, Estudos Sociais e Moral e Cívica.
A seguir visualiza-se a imagem das capas da coleção:
Figura 33: Capa da Coleção “Nossa Terra Nossa Gente”.
99
No livro há diversas atividades e variados textos de leitura, selecionados
pelas autoras num rico repertório de grandes escritores, tais como: Olavo Bilac,
Monteiro Lobato, Érico Veríssimo, José Lins do Rego, Simões Lopes Neto, Cecília
Meireles, Darcy Azambuja, Machado de Assis, entre outros nomes importantes da
literatura. Outros dados referentes às coleções “Estrada Iluminada” e “Nossa Terra
Nossa Gente” é que muitos dos textos são os mesmos, mas os exercícios são
diferentes. Na coleção do ano de 1974, destinado ao 1º ano do ensino de 1º Grau
21
,
na segunda página, há uma apresentação da obra, enfatizando que os textos de
leitura intermediária focalizam dois personagens principais: Bichano e Zumbi. Ao lado
destes, são acrescidos outros animaizinhos que surgem no desenvolver dos temas.
O ambiente familiar é apresentado, e também valorizado, através dos personagens
Paulo e Iarinha, envolvendo situações reais, das próprias vivências dos alunos.
A seguir visualiza-se um dos textos e exercícios contidos nas coleções
acima mencionadas, que apresentam as seguintes semelhanças:
21
A nova terminologia: 1º ano do ensino de 1º grau, refere-se a alteração produzida pela Lei
5691/71.
100
Figura 34: Imagem do texto e dos exercícios das páginas 8 e 9 da Coleção “Estrada
Iluminada” - Bichano e Zumbi - 1º ano, 1960.
101
Figura 35: Imagem do texto e dos exercícios das páginas 9 e 10 da Coleção “Nossa
Terra Nossa Gente” - 1º ano, 1970.
102
Com relação à coleção “Nossa Terra Nossa Gente”, é interessante
frisar que no arquivo da autora havia uma coleção s/d (sem data), da 4ª edição, e
outra editada no ano de 1974, na sua 28ª edição. Este fato permite evidenciar a
grande reprodução desta coleção. Ao observar o número de edições, a partir dos
exemplares localizados no arquivo privado de Nelly, verifica-se que foram
publicadas, no mínimo, vinte oito edições, que se tem conhecimento; o mesmo
pode-se inferir sobre a Coleção “Estrada Iluminada”, visto que o número das
edições localizadas chegou a 24ª edição. No entanto, com relação às demais
coleções produzidas por Nelly, não posso inferir tal análise, por localizar em seu
arquivo apenas a primeira edição de cada uma das coleções.
Além desses dados, o que chamou a atenção foi o fato de não
encontrar a 1ª edição das coleções “Nossa Terra Nossa Gente” e “Estrada
Iluminada” em seu arquivo privado. Isso me causou grande surpresa e
desapontamento, porém, uma das explicações para compreender tal situação foi
abarcada à luz das idéias de Choppin (2004), que menciona a grande dificuldade
que os historiadores do livro didático esbarram: o acesso às coleções, à sua
incompletude e dispersão.
Por outro lado, pesquisar livro didático, apesar dessas dificuldades,
possibilita vários estudos, tais como as mudanças que surgem a cada nova
edição. É o caso da coleção “Nossa Terra Nossa Gente”, que, além de ser
“Estrada Iluminada” reformulada, o que por si só já daria um objeto de análise
específico, apresenta alterações visíveis da 4ª edição (s/d - sem data) para a 28ª
edição. Houve grandes modificações, é uma coleção totalmente diferente, nova.
O destaque está na capa da 28ª ed., cujo fundo é amarelo, com as ilustrações
dentro de um formato de cuia; a 4ª ed. era vermelha com a paisagem das ruas da
cidade de Porto Alegre. Além disso, o formato da coleção modifica-se de 14,0 x
20,5 cm para 17,0 x 26,3 cm. O que chama atenção nessa edição não é só a
mudança da capa, o que já era suficiente para muitas análises, mas as alterações
internas. Observa-se a seguir a imagem das capas dos livros:
103
Figura 36: Capa da Coleção “Nossa Terra Nossa Gente” da 4.ed. (s/d) para a 28ª edição.
Com relação às mudanças observadas nos livros escolares em geral a
partir dos anos 60 do século XX, indicou Batista (1999, p.554) que:
Ao longo dos anos 60 e 70, ocorre um conjunto acentuado de
modificações na produção dos manuais escolares nacionais. Em
primeiro lugar, na forma física de seus suportes: suas dimensões,
tradicionalmente situadas entre 21 x 14 cm, terminam por alcançar
sua forma padrão atual, de cerca de 27x21 cm; sua encadernação
passa a ser feita por processos mecânicos e é plastificada; a
qualidade do papel se torna superior, assim como a qualidade da
impressão, que, aos poucos incorpora o uso de cores, torna-se mais
regular e utiliza padrões de legibilidade e recursos visuais modernos.
Ao enumerar algumas mudanças visualizadas nas coleções após a
viagem aos EUA, pode-se perceber um novo modo de pensar, escrever e
confeccionar livros escolares, tendo em vista atender a novas exigências,
ajustando a escrita dos textos didáticos à natureza infantil e aperfeiçoando a
linguagem do livro. Isso leva a pensar, em primeiro lugar, que estes elementos
diferentes de estruturação, assuntos ou conteúdos tematizados, que foram
moldando a forma e o conteúdo dos textos didáticos, seria influência dos modelos
estrangeiros com os quais Nelly Cunha teve contato durante a viagem; em
104
contrapartida, poderia revelar uma criação própria, uma inovação dos textos, a
partir das idéias que serviram de inspiração.
Um exemplo que revela um pouco sobre a maneira como Nelly
produzia seus livros didáticos pode ser evidenciado em uma carta de 1978,
endereçada à Secretaria de Turismo, na qual Nelly pede material e publicações
específicas sobre aspectos culturais, políticos e econômicos para enriquecer seu
trabalho na elaboração da nova coleção.
Figura 37: Cópia da carta da Secretaria de Turismo para Nelly Cunha.
105
Posteriormente, Nelly foi convidada pelo Sr. José Otávio Bertaso, então
diretor da Editora Globo, para um novo trabalho, agora em parceria com as
professoras Teresa Iara Palmini Fabretti e Zélia Maria Sequeira de Carvalho,
produzirem juntas, em 1973, a Coleção ALEGRIA, ALEGRIA E OUTROS, cujo
formato é de 17 cm x 24,5 cm, sendo assim constituída:
1. ALEGRIA, ALEGRIA - Pré-livro, 1º Caderno de Atividades, 2º
Caderno de Atividades, Leitura Intermediária e Manual do
Professor.
2. E AGORA, ANDRÉ? - 2ª série do 1º Grau e integrada pelos
seguintes volumes: Livro-texto de Comunicação e Expressão,
Integração Social e Ciências, Caderno de Atividades de Matemática
e Manual do Professor.
3. PEQUENOS TURISTAS - 3ª série do 1º Grau, integrada pelos
seguintes volumes: Livro-texto de Comunicação e Expressão,
Integração Social e Ciências, Caderno de Atividades de Matemática
e Manual do Professor.
4. QUERÊNCIA - 4ª série do 1º Grau, contendo os seguintes volumes:
Livro-texto de Comunicação e Expressão, Integração Social e
Ciências, Caderno de Atividades de Matemática e Manual do
Professor.
5. RUMO CERTO - 5ª série do 1º Grau, com os seguintes volumes:
Livro-texto de Comunicação e Expressão, Integração Social e
Ciências, Caderno de Atividades de Matemática e Manual do
Professor.
6. ESPIRAL - 6ª série do 1º Grau, a obra é composta dos seguintes
volumes: Livro-texto de Comunicação e Expressão, Integração
Social e Ciências, Caderno de Atividades de Matemática e Manual
do Professor.
Com relação a essa coleção, a professora e co-autora Teresa Iara
Palmini Fabretti, em entrevista no dia 8 de fevereiro de 2006, relembra como
surgiu a parceria com as autoras:
106
No ano de 1971, quando a Editora Globo atravessava um período
de muita dificuldade com materiais didáticos e resolveram inovar,
pois, queriam gente nova, então, marcaram uma reunião com
Nelly, Zélia e eu, para que juntas trabalhássemos na produção de
uma série. (Entrevista 08/02/06).
Teresa relatou, ainda, “o susto” ao deparar-se com este desafio duplo,
o de produzir uma coleção didática e o de trabalhar com a “famosa escritora”
Nelly Cunha. Ressaltou, também, que elas não tinham um vínculo de trabalho
com a editora, pois esta comprava os direitos editoriais, dando um percentual
sobre o número de exemplares vendidos, sendo estes acordos acertados através
de contratos.
O contrato estabelecido pela Editora Globo com as autoras, recuperado
no arquivo, mostra que era destinado o percentual de 6% (seis por cento) sobre o
preço de venda dos livros, assim distribuído: 2% (dois por cento) para Nelly
Cunha, 2% (dois por cento) para Teresa Iara Palmini Fabretti e 2% (dois por
cento) para Zélia Maria Sequeira de Carvalho (FIG.38).
O contrato firmado entre a editora e as autoras confirma o controle que
a editora exercia sobre a publicação de seus trabalhos. A cautela entre as regras
do negócio e as exigências da proteção fica bem clara na primeira, quarta e sexta
cláusulas do documento. Elas cedem o direito exclusivo à Editora Globo, para a
qual a obra é dotada de um “valor comercial”.
É certo, também, que, como uma mercadoria, o livro didático é um
produto que precisa ser vendável e, por conseguinte, rentável às editoras. Essas
adequações e mudanças resultam, igualmente, dessa necessidade de venda dos
livros didáticos. Tanto quanto outras mercadorias, o livro didático está sujeito às
leis do mercado (CÔRREA, 2000; BATISTA, 1999).
Para além do aspecto vendável do livro didático, há que se observar
também seu aspecto efêmero, pois conforme Lajolo e Zilberman (1999, p.120):
Apesar do berço ilustre, contudo, o livro didático é o primo- pobre
da literatura, texto para ler e botar fora, descartável porque é
anacrônico: ou ele fica superado dados os progressos da ciência a
que se refere ou o estudante o abandona, por avançar em sua
educação.
107
Figura 38: Cópia do Contrato com a Editora Globo.
108
No que diz respeito à elaboração da coleção “Alegria, Alegria” e outros,
depois de aceitarem a proposta de produzirem juntas, as autoras passaram a
reunir-se nas residências em horários disponíveis, porque Teresa ainda lecionava
e Nelly e Zélia já estavam aposentadas, mas faziam outras atividades e, ainda,
tinham os cuidados com lar.
Figura 39: As autoras Teresa, Zélia e Nelly estavam reunidas na residência de Teresa,
para a elaboração da coleção, dez/1972.
A lembrança desse momento é relatada por Zélia:
Quando os encontros eram à noite, se davam na casa da Nelly, de
dia, mais em minha casa; pois Iara ainda trabalhava na Escola,
enquanto que Nelly e eu já estávamos aposentadas. Nós
elaborávamos em casa, datilografávamos e entregávamos na
editora. (Zélia, entrevista 08/02/2006).
Teresa justifica que só a experiência de sala de aula não era suficiente
para escrever “bons livros” e que sentiam a necessidade de participar de cursos
mais específicos nas áreas que não tinham grande domínio. Então, ela fez um
109
curso no GEEMPA
22
sobre Teoria dos Conjuntos – Piaget, com Léa Fagundes;
um curso de lógica, com “Nicole Pilar”, na França, além de outros cursos que elas
fizeram em Porto Alegre.
Ao refletir sobre o processo de produção do livro didático, e, nesse
caso, visualizar o perfil do autor, vêem-se professoras do ensino primário que
sentem a necessidade de buscar aperfeiçoamento e conhecimento em diferentes
áreas para a elaboração de uma nova coleção didática. Isso leva a pensar como
“se forma” uma autora de livro didático. Neste caso, especificamente de Nelly e
outras professoras terem se tornado autoras de livros escolares, parece-nos
haver certa relação entre o fato de ser “uma boa professora primária” e estar
vinculada ao CPOE (Centro de Pesquisas e Orientação Educacionais da
Secretaria de Educação e Cultura do Rio Grande do Sul) e Editora Globo.
Para Corrêa (2006, p.40), os autores didáticos eram:
[...] figuras de destaque no cenário político, cultural e acadêmico
não ficaram alheias à atividade de escrever textos escolares. No
entanto, nem sempre esse envolvimento foi percebido como uma
atividade culturalmente valorizada [...]. Considerada uma
produção de pouco prestígio cultural, alguns intelectuais preferem
não ver seu nome associado à composição de obras escolares e
por isso omitem ou dão pouca importância a sua faceta de autor
desse gênero de texto.
Em meio a essa composição multifacetada, chama atenção,
especialmente no Estado do Rio Grande do Sul, a freqüência de figuras
femininas, professoras do ensino primário e/ou assessoras educacionais, na
atividade de escrever livros no século XX, além de seus envolvimentos no campo
educacional. Fato evidenciado através do relato das autoras entrevistadas, as
22
http://www.geempa.org.br. Site acessado em 5 de nov. 2007 - O GEEMPA (Grupo de Estudos
sobre Educação, Metodologia da Pesquisa e Ação) é uma organização privada, ou seja, uma
sociedade civil sem fins lucrativos, registrada como pessoa jurídica em Porto Alegre, na Rua Lopo
Gonçalves, 511, RS e declarada de utilidade pública, conforme decreto municipal de 13 de
dezembro de 1984. Desenvolve, desde sua fundação, atividades de pesquisa na área de
educação independente das Universidades, das Secretarias de Educação e do Ministério de
Educação, guardando com estas instituições uma relação de colaboração e apoio. As finalidades
da instituição são o estudo e a pesquisa para o desenvolvimento das ciências da educação, a
realização de ações efetivas, visando a melhoria da qualidade do ensino, junto a professores e
técnicos que atuam na área educacional, assim como junto a autoridades responsáveis pelo
planejamento e execução da política educacional e a formação e orientação de professores,
técnicos e profissionais ligados à educação.
110
quais declaram que atuavam em escolas primárias e nos horários disponíveis
reuniam-se nas residências para a elaboração dos livros.
Assim sendo, esse modelo rompe com a clássica imagem da figura do
escritor, em um local específico, como um escritório, a sala de uma editora ou
uma biblioteca. As autoras se reuniam na sala da casa, em meio aos filhos que
brincavam ao redor, muitas vezes recolhendo os papéis amassados que eram
jogados ao chão, como afirmou a filha Elaine em uma das entrevistas.
Dando prosseguimento à apresentação das obras de Nelly, passo à
imagem da capa do livro “Alegria, Alegria” para a 1ª série do 1º Grau.
Figura 40: Capa do Livro “Alegria, Alegria”.
111
Nesse livro, conforme apontam as autoras, atenta-se ao cuidado com a
organização e estrutura, através de exercícios variados, bastante espaço, com
letra script e contendo um manual do professor, que apresenta desde conselhos
ao professor em orientar as crianças para que cuidem e valorizem o livro, até
orientações quanto à avaliação que deveria ser contínua, respeitando cada etapa
do desenvolvimento da criança. Dentre os objetivos descritos no manual, cita-se:
[...] utilizar os atuais interesses dos alunos e estimular interesses
futuros; prever o atendimento das diferenças individuais; utilizar as
experiências das crianças e suas vivências; [...] tornar a
aprendizagem significativa para os alunos. (Alegria, Alegria,
Manual do Professor, 1973, p.1)
E AGORA, ANDRÉ? - 2ª série do 1º Grau.
Figura 41: Capa do Livro “E Agora, André?”.
112
PEQUENOS TURISTAS - 3ª série do 1º Grau
QUERÊNCIA - 4ª série do 1º Grau.
Figura 42: Capa do Livro “Os
Pequenos Turistas”.
Figura 43: Capa do Livro
“Querência”.
113
RUMO CERTO - 5ª série do 1º Grau.
ESPIRAL - 6ª série do 1º Grau.
Figura 44: Capa do Livro “Rumo
Certo”.
Figura 45: Capa do “Espiral”.
114
No ano de 1976, Nelly Cunha produziu mais uma obra em co-autoria
com Teresa. Editada pela Globo, produziram TAPETE VERDE - 1ª a 4ª séries -
Livro Integrado e Caderno de Atividades. A coleção apresentava as seguintes
medidas: 16,5 cm x 24 cm e era assim composta:
1. TAPETE VERDE: Livro Integrado com Caderno de Atividades
1ª Série/ 1º Grau.
2. TAPETE VERDE: Livro Integrado com Caderno de Atividades
2ª Série/ 1º Grau.
3. TAPETE VERDE: Livro Integrado com Caderno de Atividades
3ª Série/ 1º Grau.
4. TAPETE VERDE: Livro Integrado com Caderno de Atividades
4ª Série/ 1º Grau.
Figura 46: Capa do Livro Tapete Verde.
115
Ao entrevistar a professora Teresa Iara Palmini Fabretti, atualmente
com 72 anos de idade e morando em Porto Alegre, a mesma destaca que em
1976:
[...] o Senhor José Otávio Bertaso [na época diretor da Editora
Globo] nos chamou novamente para um novo desafio, montar a
série TAPETE VERDE. Apresentou as dificuldades e a crise em
que a editora passava naquele momento e determinou algumas
normas para a elaboração desta série, ou seja, no que se refere a
impressão dos livros didáticos, nos deram como opção de
escolher uma só cor de tinta e o tipo de papel mudaria em relação
à textura. Referente ao tipo de letra, método de apresentação e o
desenho ilustrativo permaneceria no mesmo molde dos livros
publicados anteriormente. [...] A partir destas recomendações
optamos pelo título da série, que lembrava os campos e as matas.
Então escolhemos o nome de TAPETE VERDE utilizando a única
cor verde. (Entrevista com Teresa em 08/02/06)
Devido à crise financeira que enfrentava, a Editora Globo precisou
modificar-se para aumentar as vendas e com isso baratear os custos. O objetivo
era o de reduzir o custo, para baixar o preço da venda do livro didático, baseado
na relação custo/benefício. Pode-se dizer que a produção desta coleção didática
esteve cercada de desafios, pelo fato de que foi preciso aliar preço à qualidade de
impressão e encadernação, a fim de que pudesse ser acessível a um grande
contingente educacional.
No entanto, a opinião de Teresa foi:
Em termos de trabalho foi o melhor, pois tinha uma metodologia
mais atual, um verdadeiro manual de trabalho, mas em termos
editorais não foi tão bom, pois não gostei muito do resultado final,
não em relação ao conteúdo da coleção, mas com relação à
apresentação e forma. (Entrevista com Teresa em 08/02/06).
Ainda em relação à crise financeira da editora, o trabalho de Hallewell
(2005, p.414), no que tange à história das editoras comerciais no Brasil, aponta o
destino final da Editora Globo:
[...] sua aquisição, em outubro de 1986, pela Rio Gráfica, editora
(principalmente de revistas) da formidável organização de mídia
Rede Globo, que, desejando aumentar suas atividades no campo
116
do livro, optou pela compra da editora para substituir a Rio
Gráfica, apenas porque ambas tinham, por acaso, o mesmo nome
e símbolo comercial [...].
Por fim, a última produção que há no arquivo de Nelly Cunha foi
publicada no ano de 1979, pela Editora do Brasil e foi escrita em co-autoria com
Iara Thofhern Coelho, filha de Cecy Cordeiro Thofhern, que já havia falecido em
1971. Trata-se da coleção PARALELAS – Livros de 1ª a 4ª séries, da área
Comunicação e Expressão. A obra, com o formato 20,7 cm x 27,0 cm, era assim
constituída:
1. PARALELAS – Comunicação e Expressão Língua Portuguesa
1ª série do Primeiro Grau.
2. PARALELAS – Comunicação e Expressão Língua Portuguesa
2ª série do Primeiro Grau.
3. PARALELAS – Comunicação e Expressão Língua Portuguesa
3ª série do Primeiro Grau.
4. PARALELAS – Comunicação e Expressão Língua Portuguesa
4ª série do Primeiro Grau.
Figura 47: Capa da Coleção “Paralelas”.
117
Além das obras supracitadas, há no arquivo privado, em uma pasta
separada, o rascunho de uma Antologia de autoria de Nelly, com a data de
outubro de 1983, direcionada ao 1º grau (4ª, 5ª e 6ª séries), que não chegou a ser
editada. A antologia apresenta textos selecionados pela autora e suas
observações acerca da organização e estrutura do livro, ou seja, como gostaria
que fosse elaborada: “O livro deverá ter 6 a 8 ilustrações – página inteira
somente; as ilustrações deverão ocupar páginas pares; não deverão aparecer
figuras humanas, apenas paisagens, flores, pássaros e objetos”, entre outras
orientações.
Sobre o processo de produção dos livros, Chartier (1999, p.17) tem
enfatizado a necessidade de distinguirmos a função que cabe ao autor e ao editor:
Os autores não escrevem livros: não, eles escrevem textos que se
tornam objetos escritos, manuscritos, gravados, impressos e, hoje,
informatizados.
Tal distinção apontada por Chartier permite refletir sobre o processo de
escrita dos livros destinados aos alunos. Ao visualizar a preocupação da autora
com relação à elaboração do livro, ela indica passo-a-passo suas idéias: a
escolha do título, as cores, modelo da capa, letra e ilustrações; caso a obra viesse
a ser editada.
Também encontrei, ao folhear a coleção Nossa Terra Nossa Gente, na
edição de nº 2, exemplar nº 1622, destinada ao 5º ano primário, algumas
correções, registradas a lápis, que a autora faz num livro já impresso, editado.
Descrevo, por exemplo, a página 71, onde se lê enregelada, ela risca e escreve
engelhada. Outro caso ocorre na página 72, cuja frase é “As suas palavras para
mim...”, ela risca palavras e escreve no lugar histórias; e assim outros exemplos
podem ser observados no livro.
Retomando o arquivo privado de Nelly, encontro, em outra pasta, um
manuscrito, também não editado, de sua autoria, de um livro de Contos, s/d
(sem data).
Ao questionar a filha Elaine, em relação à não publicação dessas obras,
esta mencionou que a mãe sempre seguiu escrevendo, gostava muito de ler e
escrever, não perdia o hábito, porém não mostrava para ninguém, guardava para si.
118
3.3 A viagem aos EUA no acordo MEC/COLTED/USAID
Em relação à viagem realizada em 1969, aos Estados Unidos, Nelly
Cunha foi uma das professoras brasileiras, autoras de livros didáticos, escolhidas
para viajar, no âmbito da política do COLTED (Comissão do Livro Técnico e
Didático), no acordo MEC/USAID (Agência Norte-americana para o
Desenvolvimento Internacional). Do Rio Grande do Sul, além de Nelly Cunha, fez
parte dessa missão Sydia Sant´Anna Bopp, Técnica em Educação da SEC/RS e
também reconhecida autora de livros escolares. Outras dez profissionais - todas
mulheres, professoras, assessoras, coordenadoras ou técnicas educacionais -
estavam no grupo, sendo que uma delas era de Minas Gerais e as restantes de
São Paulo e do Rio de Janeiro.
A relação das participantes de acordo com o programa é: Romilda
Araújo (SP); Thelma de Oliveira Belloti (RJ); Nilda Manhães Belthlem (RJ); Sydia
Sant´Anna Bopp (RS); Leny Werneck Dornelles (RJ); Manhúcia Perelberg
Liberman (SP); Therezinha Pedrosa Maestrelli (SP); Nair Adell Mello (RJ); Maria
Lúcia Freire Esteves Peres (RJ); Maria Zenólia Rabelo Versiani (MG); Nelly
Cunha (RS) e Wanda Rollin Pinheito Lopes (RJ).
É importante ressaltar que essa viagem foi uma iniciativa do
COLTED/MEC/USAID em colaboração com editoras brasileiras, de forma que
Nelly foi indicada pela Editora Globo para fazer parte da comitiva.
Há, em seu arquivo privado, documentos pessoais e profissionais,
folders, fotos, entre outros materiais impressos que mostram alguns lugares que a
comitiva visitou durante esta viagem.
119
Figura 48: Foto das Autoras que viajaram para os EUA.
Figura 49: Nos EUA, Nelly entre a Comitiva, 1969.
Com relação à COLTED, Comissão do Livro Técnico e Didático, trata-se
de uma instituição do tipo misto, resultante do convênio entre o Sindicato Nacional
120
de Editores de Livros (SNEL) e a USAID. Foi criada pelo decreto presidencial N°
58.653, de 16 de junho de 1966
23
, com a finalidade de incentivar, orientar e
coordenar as atividades do Ministério da Educação e Cultura relacionadas ao
aperfeiçoamento do livro didático. A partir desse momento, o governo passou a
reconhecer o livro destinado ao ensino como instrumento básico para melhoria do
rendimento escolar, pois conforme o Art.1° do decreto 58.653:
É instituído no Ministério da Educação e Cultura o Conselho do
Livro Técnico e Didático – COLTED, com a atribuição de gerir e
aplicar recursos destinados ao financiamento e à realização de
programas e projetos de expansão do livro escolar e do livro
técnico, em colaboração com a Aliança para o Progresso.
Destaca-se que o Ministério da Educação e Cultura lançou um volume,
organizado por Alves (1969), contendo um material básico dos cursos de
treinamento para professores do ensino primário, com as orientações sobre o
Livro didático e sua utilização em classe. O material foi disposto em unidades, que
versavam sobre: o programa da COLTED; a produtividade da escola primária
brasileira; os objetivos da educação primária; o papel do livro na consecução dos
objetivos da educação primária e sobre a forma de assegurar a boa utilização do
livro. Em específico à COLTED, descreve:
Em 6-1-67 foi firmado o convênio MEC/SNEL/USAID (Ministério da
Educação e Cultura – Sindicato Nacional de Editôres de Livros e a
Agência Norte-Americana para o desenvolvimento Internacional)
com o objetivo de tornar disponíveis cêrca de 51 milhões de livros
aos estudantes brasileiros no período de três anos. Êsses livros
serão distribuídos gratuitamente às escolas para uso de seus
alunos. Por êsse Convênio comprometeu-se também o MEC a
proporcionar recursos suficientes para assegurar a continuação do
programa além do prazo de três anos. (p.18).
Ainda, com relação ao objetivo do programa, o material expõe:
Foi reconhecendo a necessidade de que o professor realize
sempre escolhas mais acertadas e utilize adequadamente o livro
didático, a fim de estimular bons autores e editôres e melhorar o
23
Disponível na internet http://www.prolei.inep.gov.br/pesquisar.do?anoInicial=&anoFinal=&indI
nicial=3420&indFinal=3429&Mais=false&ManterDelimitador=349&descricao=&tipoDocumento=&as
sunto= Acesso em 10 de fevereiro de 2006.
121
rendimento do ensino, que a COLTED decidiu-se pela execução
de um programa de treinamento [...]. (p.20).
Como se vê, em função desse programa, planejou-se cursos de
treinamento para professores e autores de livros didáticos.
O estudo de Arapiraca (1982) identifica que na época o então Ministro
Eduardo Portela advertia que estava à frente do MEC no pior momento da
educação brasileira. Destacava que muitas das causas do mau funcionamento
era fruto da imposição de uma política educacional que teve suas origens nos
acordos firmados entre o governo brasileiro e a USAID.
Portanto, tratava-se não apenas de um acordo de “cooperação técnica”,
mas de um verdadeiro planejamento ideológico. O autor aponta, neste estudo, o
contexto mais geral dessa intervenção, que é o contexto econômico: o pretexto da
“assistência técnica” servia para camuflar o real interesse, que era o de atrelar o
sistema educacional ao modelo de desenvolvimento dependente, imposto pela
política econômica americana para a América Latina (ARAPIRACA, 1982).
Segundo Arapiraca (1982), a estratégia foi de formar técnicos
brasileiros nos Estados Unidos, criando assim “amigos” brasileiros nas cúpulas
das universidades e da rede oficial de ensino, o que influenciou na formação
destes dirigentes.
Arapiraca indica, ainda, que o programa objetivava, também, eliminar o
impasse entre as editoras privadas e o governo, em relação ao lucro das mais de
setenta editoras daquela época, porque tinha um mercado garantido. Então, a
solução encontrada pelo governo foi a institucionalização do Programa Nacional
do Livro Didático, executado pela COLTED, beneficiando o setor livreiro.
Castro (2005) aponta que nesta época a censura a livros e periódicos
intensificou-se. Vivia-se no país um cenário cheio de restrições e o decreto foi
instituído no ápice do período militar, momento este em que a censura era
exercida com rigor, as pessoas que lidavam com materiais impressos, as editoras
de livros e periódicos deviam ser cadastradas nas delegacias da Polícia Federal,
como forma de controle por parte do estado. Assim, em relação ao conteúdo dos
livros didáticos, estes eram analisados para observar se existia um cunho
ofensivo à moral e aos bons costumes da época.
122
Ao retomar a análise dos dados relativos à viagem realizada por Nelly,
neste acordo MEC/COLTED/USAID/, chama a atenção uma espécie de “relatório-
diário” datilografado, de autoria de Nelly Cunha, que registra os vários estados e
cidades visitadas, bem como as inúmeras instituições e palestras que o grupo
participou. Para dar apenas alguns exemplos: na cidade de Washington, primeira
etapa da viagem, o grupo esteve no Federal City College/Educational Material
Center, Instructional Materials Center, Smithsonian Institution; em New York,
foram a American Educational Publishers Institute, Holt, Rhinehart e Winston
INC/School Departament, Teacher College, Bank Street College. Estiveram,
ainda, nas cidades de Newton e Boston – Massachusetts; Springfield, Chicago e
Evanston – Illinois; Columbus – Ohio. Nesses lugares, as visitas concentravam-se
em escolas, universidades, departamentos oficiais, bibliotecas, centros de
treinamentos, instituições de apoio, fomento e ‘formação’ de autores de livros
escolares, além de várias visitas culturais a museus, memoriais, igrejas,
academias, etc.
Conforme o minucioso registro das palestras feito pela professora Nelly
Cunha, as muitas palestras a que a comitiva assistiu giravam em torno das
temáticas da produção, edição, utilização do livro didático; das “técnicas” de
escrever um “bom livro”; das características de um “bom livro”; das funções do
editor; da importância de equipes para “confecção” de livros didáticos; das
diferentes etapas de preparação de um livro e do guia do professor; dos materiais
auxiliares; da importância da ilustração; da relação entre editores e autores; dos
aspectos gráficos dos livros; do “treinamento” de professores; da avaliação dos
livros; dos livros para ensino acelerado, ensino regular e ensino de crianças mais
lentas; das relações entre organizações educacionais e editoras, etc. Também
eram abordados temas gerais, como por exemplo, desenvolvimento infantil,
métodos de ensino, currículo escolar, disciplinas escolares.
123
Figura 50: Relatório-Diário datilografado, p.12.
De acordo com o registro de Nelly no “relatório-diário”, alguns aspectos
aludidos nas palestras estão diretamente relacionados à questão da leitura.
Questões essas que já eram de interesse da autora, que, diante da grande
missão de elaborar um livro de boa qualidade e de interesse ao público leitor, se
124
preocupava com a questão da leitura prazerosa, aquela que iria despertar na
criança o gosto pelo ato de ler. Além isso, a autora já mostrava uma preocupação
em relação ao poder das novas tecnologias de informação. Preocupações que se
traduzem na idéia da confecção de um “bom livro didático”.
A análise deste material permitiu-me observar melhor as vivências,
intenções e idéias de uma determinada época e espaço, também, em relação à
produção e circulação dos livros didáticos. Para os pesquisadores, a leitura deste
material possibilita incorporar a voz de autoras de livros, despertando para
inúmeras questões, a fim de melhor compreender a história dos livros didáticos no
Estado do Rio Grande do Sul entre os anos de 1960 e 1980.
Há, também, no material disponibilizado para pesquisa, um documento
do Program Information and Itinerary, que fora distribuído à comitiva pelo U.S.
Department Of Health, Education and Welfare antes da viagem, e que continha os
objetivos do programa, itinerários e atividades das participantes:
O objetivo dêste programa é de ajudar o Gôverno Brasileiro, em
colaboração com os editores de livros escolares, a ter disponível
um suprimento adequado de livros escolares para os alunos de
escolas primárias e de ginásios, bem como de prover livros, de
baixo custo, aos estudantes universitários no Brasil.
Através da Comissão de Livros Técnicos e Didáticos (COLTED)
do Ministério da Educação e Cultura, a USAID dá assistência
técnica para incrementar o suprimento de livros escolares e para
estimular e melhorar dentro das salas de aula o uso eficaz de
livros didáticos e outros materiais de ensino.
Referindo-se às professoras da comitiva o documento registra:
Estas participantes ocupam cargos de liderança em educação
primária no nível estadual, sendo, outrossim, autoras de renome
de livros de ensino para escolas primárias publicados por dez
diferentes casas editoras do Brasil. Elas foram recomendadas
pela COLTED e AID para tomar parte nesse programa de
treinamento por observação, visando a que venham a produzir,
não somente mais, como melhores livros escolares e manuais
para professoras e, assim, melhorar a qualidade da instrução.
125
A comitiva recebeu o seguinte programa da viagem (imagem da capa
do programa):
Figura 51: Cópia da Capa do Programa
O arquivo revela também um certificado do departamento de educação
Departament Of Health, Education, And Welfare Office Of Education, referente à
conclusão deste período de aperfeiçoamento, assinado em Washington, dia 8 de
outubro de 1969, e um recorte de jornal norte-americano, anunciando a presença
das professoras brasileiras na cidade.
126
Figura 52: Cópia do Certificado do Curso.
De forma a enriquecer ainda mais as informações sobre a viagem, para
minha surpresa e alegria, a filha de Nelly contatou-me, em setembro de 2007,
para perguntar se me interessava por umas cartas escritas pela mãe neste
período, e que estavam guardadas com uma sobrinha dela. No mesmo momento,
expressei meu interesse em analisá-las. Ao receber o envelope pelo correio,
contabilizei 12 cartões postais e 22 cartas do período de 20 de setembro a 30 de
outubro de 1969, enviados de várias cidades e estados visitados pela comitiva
nos EUA.
Em relação às cartas, as autoras Bastos, Cunha e Mignot (2002, p.5)
apontam para o fato de que:
127
Escrevem-se e mandam-se cartas pelos mais variados motivos:
conversar, seduzir, desabafar, agradecer, pedir, segregar,
informar, registrar, vender, comprar, desculpar e desculpar-se,
falar da vida, enfim! As cartas seguem um protocolo, obedecem a
um outro ritmo de tempo: levam um tempo para chegar, muitas
vezes demoram para ser respondidas e, não raro, demoram para
retornar.
Figura 53: Reportagem de um Jornal Norte-Americano sem identificação e s/d.
128
Dauphin e Pouplan (2002, p.75) apontam para importância das cartas:
Na historiografia, as cartas ocupam, tradicionalmente, o status de
documento. A qualidade do signatário, do destinatário ou das
pessoas citadas valoriza o conteúdo. Os dizeres - os mais
simples, os detalhes -, os mais incongruentes, tornam-se signos
ou indícios a serem interpretados. Como no campo literário, as
correspondências legitimadas, pelo destaque que ocupam na
sociedade, desvelam a vida privada, o que se esconde atrás da
cena pública, o que não é acessível no mistério da obra ou na
fulgurância do acontecimento.
As vinte e duas cartas foram escritas a mão por Nelly e enviadas ao
Brasil como forma de se corresponder com seus amigos e familiares. As
correspondências tinham um caráter mais íntimo, mais informal, numa linguagem
mais espontânea, como se pode observar:
4 outubro de 1969.
Minha gente
Amanhã, partiremos de N.Y. rumo Boston. Embora eu não tenha
ainda notícias de vocês, vou escrevendo diariamente. Assim,
vocês estarão a par do que ando fazendo e observando. O
programa dos cursos aqui foi intenso e agitado e o pouco tempo
que nos restava foi gasto em percorrer a cidade, de ponta a ponta.
[...]
Analisar as cartas permitiu-me visualizar a constante preocupação de
Nelly em dar e receber notícias, bem como relatar tudo o que via e acontecia
durante a viagem. É o que se vê na cópia a seguir:
129
Figura 54: Cópia da Carta que Nelly escreveu para a família, 22/10/1969.
Em outra carta, envia notícias para as amigas Maria Silvia, Débora e
Dirce sobre a cidade e o povo norte americano.
130
Figura 55: Cópia da Carta que Nelly escreveu para as amigas, 08/10/1969.
A carta tornou-se um elo entre Nelly e seus familiares, pois, conforme
Mignot (2006, p.297), as cartas são: [...] Escrita[s] para encurtar distâncias,
amenizar ausências, comunicar saudades.
131
Ler uma carta é algo fascinante, é como entrar na história daquele
momento e desvelar fatos que não se pode descobrir por outras formas. E é
através de cartas que os bastidores da viagem são descritos por Nelly:
Nina, já te contei que no Rio fomos à Colted? Passamos tardes lá,
êles examinaram meus livros e os acharam ótimos. Conta para a
Helga”. [...] “Minha viagem tem sido fabulosa, apesar do cansaço,
pois além dos programas de estudo, que me tomam quase todo o
dia, quero conhecer o máximo destas cidades por onde tenho
andado”.[...] “Bem cedo fomos para Scott Foresman, distante
daqui, a maior casa editôra de livros didáticos do país. Lá ouvimos
palestras, filmes, fizemos visitas aos diversos departamentos [...].
Vejam só, em viagens dentro do país, sem contar com a
Internacional, a AID gastou com cada uma de nós 800 dólares [...]
corresponde a 360 cruzeiros novos. O que eu ganho por ano, no
Estado [...].
Partindo da análise do material utilizado para a pesquisa, percebe-se a
riqueza de cada documento encontrado, que por sua vez remete a outros tantos,
tornando-se um banco de dados para o pesquisador e lhe permitindo
compreender alguns fragmentos da história, da produção e circulação dos livros
escolares no Estado do RS nesse período; bem como refletir sobre os dados
apresentados na carta acima, na qual a autora aponta para questões que tangem
aos recursos e salários pagos ao professorado gaúcho, comparando-os ao valor
destinado pelo programa para o aperfeiçoamento profissional.
O investimento e o dinheiro disponibilizado para este curso de dois
meses nos EUA pelo acordo MEC/USAID foi superior ao salário anual da
professora Nelly. Fato que causou grande surpresa a autora e narrado por ela nas
demais cartas. O assunto vem sempre à tona, pois ela compara e narra os
valores gastos durante a viagem, o que consegue comprar e gastar na
alimentação diária, hospedagem, locomoções, presentes e entre outros, em
relação ao Brasil.
Por fim, é válido retomar a idéia, anteriormente apresentada, de que
depois de realizada essa viagem, em 1970, ao que tudo indica, Nelly Cunha
reorganizou, a coleção “Série Era Uma Vez”, “Nossa Terra Nossa Gente” e,
posteriormente, publicou mais três coleções didáticas.
132
Após apresentar a trajetória da escritora e autora de livros didáticos,
apresento o relato de uma grande amiga de Nelly, que acompanhou sua história
até os últimos dias de vida. A senhora Rebeca Amar concedeu entrevista e
relatou que:
Ela era uma pessoa muito estudiosa, dedicava todo o seu tempo
livre à leitura. Além desta ser o seu “hobby” predileto,
semanalmente ia ao cinema, teatro ou um concerto com os
amigos. Ela não escrevia mais e o pouco que escrevia mostrava e
já guardava, pois ela privava os outros de olhar o que ela
escrevia, a única coisa que fazia era dedicar-se a cuidar do
bisneto. Todas as sextas-feiras, eu saía direto da escola para a
casa dela e voltava lá no sábado, não nos desgrudávamos
(Entrevistada em 26/09/2007).
Ainda conforme dona Rebeca, a grande mulher Nelly, por tudo que fez,
foi exemplo:
Ela pensava pra frente, ela só viveu o hoje, jamais pensou o
amanhã. Bonita, inteligente e vistosa, ela era simples, não
ostentava o que tava na cabeça. Ela era de uma personalidade
muito forte, ninguém mandava nela. Ela fazia o que ela queria,
mas jamais pensava em ofender alguma pessoa, nunca. Ela foi
feliz naquilo que fez, ela se realizou fazendo o que fez. Eu sinto
tanta falta dela, pois aprendi a viver bem com Nelly, porque viver
todo mundo vive, mas é muito difícil viver bem e isto ela me
ensinou, ela tinha uma facilidade de ver coisas boas em coisas
ruins. (Entrevista 26/09/07).
Ao realizar a entrevista com dona Rebeca, pude perceber o quanto
significou a amizade na vida dela e a falta da presença da amiga.
Em 22 de maio de 1999, Nelly, já com seus 78 anos de idade, sofreu
um infarto, vindo a falecer na Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre.
Em seu trajeto de vida tornou-se uma grande mulher, elaborou obras
imprescindíveis tanto para os professores como para os alunos, pois durante três
décadas prestou ao lado de suas co-autoras um valioso auxílio à educação,
produzindo sete coleções didáticas. Também deixou outro legado: três filhas, oito
netos e quatro bisnetos, e, posterior a sua morte, mais dois bisnetos. Para além
disso, Nelly continua presente na memória de autoras, professoras, alunas e
133
amigos, que não esqueceram de sua importante atuação profissional, valiosa
amizade e dos livros produzidos por ela, pois fez parte do cotidiano de muitas
gerações na educação do Rio Grande do Sul.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Jovem monja dorme. Leva sôbre ela, tristes lirios roxos. Sopra
vento leve, sobre gases negros. Velas choram juntas. Côros
rezam preces. Descem asas brancas... Bela, ela sobe! (NATHO
HENN)
24
.
Ao concluir esse trabalho começo por tecer considerações sobre o
processo da pesquisa iniciado ainda em 2005. Na ocasião sequer imaginava fazer
uma dissertação de mestrado, quanto mais uma investigação sobre a professora
Nelly Cunha, visto que, ao ingressar no grupo de pesquisa, foi me dada uma
tarefa: encontrar dados sobre a autora de cartilhas Cecy Cordeiro Thofhern. Ao
realizar tal atividade, fui pouco a pouco "me aproximando" de Nelly Cunha. De lá
até aqui foi um longo processo de aprendiz de pesquisadora que agora encerra
um ciclo. Nesse processo muitos desafios eu vivi: chegar aos familiares de Nelly
24
Poema de Natho Henn, extraído do diário de lembranças de Nelly, página 5, e também gravado
na lápide do túmulo dela.
135
Cunha, realizar as entrevistas, receber em doação o arquivo privado, trabalhá-lo,
definir categorias, realizar leituras, fazer opções teórico-metodológicas. Histórias
de vida, memórias, fontes orais e escritas, arquivo privado foram as escolhas que
fiz para a realização da presente pesquisa.
A escolha metodológica por histórias de vida possibilitou o diálogo
entre a esfera individual e o profissional-social-cultural, bem como evocou
elementos do passado para o presente. Essa interação articulada apresentou
importantes elementos para reconstruir a história de vida de Nelly Cunha.
Importante destacar que a história descrita de Nelly Cunha é de uma
professora gaúcha que viveu e fez sua trajetória de lutas e conquistas, dedicadas
ao ensino sul-riograndense.
Nessa pesquisa descobri mais do que uma autora de livros didáticos,
objetivo primeiro da investigação. Descobri uma mulher, mãe, filha, irmã, esposa,
professora, escritora, pianista, assessora, administradora, técnica educacional,
apresentadora de programas de rádio, uma extraordinária pessoa.
Considero, portanto, que diversas questões foram elucidadas nessa
busca da trajetória de vida pessoal e profissional da professora Nelly Cunha, pois
através desse estudo, tornou-se possível conhecer seu início profissional, aspectos
da prática pedagógica, a produção didática e literária, sua “veia artística”.
A menina, filha e neta de professoras, que gostava de ler desde muito
pequena, de revistas a coleções, se fez mulher e professora com uma importante
trajetória profissional. Como escritora, iniciou na redação da Revista Pedagógica
“Cacique”, na qual desempenhou duas funções, a de redatora da revista, no
período de 15 de janeiro de 1958 a 30 de setembro de 1958 e a de redatora-
chefe, de 15 de outubro de 1958 a 31 de dezembro de 1959.
Em relação à opção pela carreira docente, percebe-se o modelo
profissional familiar e o desejo pela profissão desde cedo como um fator decisivo
para a escolha pelo magistério. Ao término do curso de normalista no Instituto de
Educação General Flores da Cunha, ingressou na carreira do magistério público,
sendo destacada para atuar no interior do Estado. Posteriormente foi transferida
para a capital do Estado do RS, onde se aposentou com 30 anos de experiência
em sala de aula. Os dados obtidos na pesquisa revelam essa concomitância na
136
vida profissional: mesmo desenvolvendo inúmeras atividades técnicas e literárias
não se afastou da sala de aula.
Com relação a sua prática de ensino, essa se caracterizava por
procurar aproximar a escola da vida, através de uma prática pedagógica
interdisciplinar, que se efetivou através da pedagogia dos projetos. Foi possível,
assim, relacionar suas propostas de trabalho com os ideais escolanovistas e, em
especial, com alguns autores, como Decroly, Dewey e Kilpatrick.
Os relatos de suas ex-alunas e colegas de profissão apontam o
empenho da professora Nelly, desenvolvendo um trabalho diferenciado, com
seriedade e compromisso com a formação do educando.
Além da formação e atuação como professora e autora de livros
didáticos, formou-se no curso de piano. A música sempre esteve presente na vida
de Nelly, inclusive na sua trajetória profissional, pois escreveu muitas histórias e
contos sobre a música para a Revista “Cacique”. Também, apresentou-se em
inúmeros concertos. O apreço musical mesclado à escola fez um diferencial e
uma marca em sua prática pedagógica.
O curso de Jornalismo foi a “porta de entrada” para atuar em outras
atividades, como consta em sua carteira de trabalho: Redatora e Redatora-chefe
da Revista “Cacique”; Coordenadora de Publicações, Documentações e
Informações, do MEC; Assistente de Redação do Centro de Pesquisas e
Orientação Educacionais (CPOE); Amanuense Especializada; Agente
Administrativa; Técnica em Assuntos Culturais; Chefe de Sessão de
Acompanhamento da Divisão de Programação e Desenvolvimento - DEMEC/RS;
Diretora do DPD/DEMEC/RS. Também trabalhou na redação do Jornal Última
Hora na revisão e correção das notícias.
Ao refazer a sua trajetória como a autora de livros escolares, destaquei a
produção das sete coleções didáticas de Nelly, do período de 1960 a 1980, com a
referida catalogação destes livros em ordem cronológica dos exemplares
localizados. Esse aspecto, inexplorado na dissertação, poderá ser objeto de
inúmeros outros trabalhos futuros. Contudo, procurei mostrar que Nelly Cunha foi
uma “produtiva” autora de Livros Didáticos, suas coleções contabilizam mais de 30
livros publicados, de forma que Nelly Cunha foi uma profissional de obras didáticas.
137
Além do que já fora exposto, cabe salientar que foi um estudo muito
prazeroso, pois trabalhar com vida, emoções, sentimentos, lembranças,
saudades, nos remete a múltiplos sentidos. Reconheço, também, as limitações
deste trabalho, ao considerar que ele é um viés, escolhido por mim, para analisar
a história de vida da professora e autora Nelly Cunha. Outro poderia ter abordado
de outra forma, no entanto, considero que a pesquisa possa contribuir com a
História da Educação do Rio Grande do Sul.
Por fim, a conclusão não poderia ser outra: Nelly foi mulher de muitas
facetas. Uma mulher dinâmica, atuante, moderna, inteligente. Uma mulher que
nasceu nos anos 20 e morreu nos anos 90, atravessou quase todo o século XX e,
certamente, de forma quase invisível, contribuiu decisivamente com as conquistas
femininas desse século que foi tão importante na História das Mulheres.
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mai/ago.2006. p.329-343.
PFROMM NETTO, Samuel; ROSAMILHA, Nelson e DIB, Claudio Zaki. O Livro na
Educação. Rio de Janeiro: Primor/INL/MEC, 1974.
145
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Relatos Orais: do “Indizível” ao “Dizível”. In:
VON SIMSON, Olga R. de Moraes (org.). Experimentos com História de vida
(Itália – Brasil). São Paulo: Vértice, 1988.
ROUSSO, Henry. O arquivo ou o indício de uma falta. Revista Estudos Históricos,
trad. Dora Rocha, Rio de Janeiro, n. 17, 1996.
SOUZA, Elizeu Clementino de. O conhecimento de si: estágio e narrativas de
formação de professores. Rio de Janeiro: DP&A; Salvador, BA: UNEB, 2006.
p.13.
TAMBARA, Elomar. Trajetórias e natureza do livro didático nas escolas de ensino
primário no século XIX no Brasil. História da Educação. Pelotas: ASPHE, n.11,
abril 2002. p.1-287.
THOMPSON, Paul. A voz do passado: história Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1992.
THOMSON, Alistair. Recompondo a memória: Questões sobre a relação entre a
História Oral e as memórias. Projeto História. Ética e história Oral. Revista do
Programa de Estudos, Pós-Graduados em História, PUC/SP. São Paulo, n.15,
abril 1997. p.51-97.
STEPHANOU, Maria. História, memória e história da educação. In: STEPHANOU,
Maria; BASTOS, Maria Helena Camara (orgs.). Histórias e memórias da educação
no Brasil, vol. III: século XX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
VERGUEIRO, Waldomiro e SANTOS, Roberto Elísio (org). O Tico-Tico: 100 anos.
Vinhedo, SP: Opera Graphica Editora, 2006.
Fontes de Pesquisa
Arquivo Privado de Nelly Cunha:
Caderno de planos da professora Nelly Cunha, datado de 1941 a 1946.
“Relatório-diário-datilografado” da autora, no qual descreveu as impressões da
viagem aos EUA.
146
Cento e cinco Revistas Pedagógicas Cacique do ano de 1954 até 1959.
Sete coleções de livros, totalizando trinta e quatro livros.
Álbum de poesia assinado por amigos e demais pessoas.
Recortes de jornais referentes à viagem aos EUA e em relação à produção de
seus livros.
Ficha referente à autora Nelly Cunha, espécie de ‘currículo’ para a UNESCO.
O roteiro da viagem aos EUA e das palestras proferidas.
1. Relato por escrito:
Heddy Pederneiras 31/10/05 (p.1-6).
Maria Helena Portanova de Oliveira 26/09/07.
2. Depoimentos Orais:
Entrevista com a filha Elaine Cunha da Silva, Porto Alegre, 30/10/05. Retorno:
14/11/05; 28/06/07 e 26/09/07.
Entrevista com a filha Nina Rosa da Cunha Wolff, Porto Alegre, 14/11/05.
Entrevista com a co-autora Teresa Iara Fabretti, Porto Alegre, 08/02/06.
Entrevista com a co-autora Zélia M. S. de Carvalho, Porto Alegre, 08/02/06.
Entrevista com a colega Ana Carolina Xavier da Costa, Porto Alegre, 28/06/07.
Entrevista com a amiga Rebeca Amar, Porto Alegre, 25/09/07.
3. Fotografias:
Vinte e nove fotografias (arquivo pessoal).
4. Outros: (arquivo pessoal)
Documentos Oficiais (Contratos com a Editora Globo).
Diplomas e Certificados.
Vinte e duas cartas e doze postais.
ANEXOS
148
Anexo 1_________________________________________
149
Anexo 2_________________________________________
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