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Serrano, homenagem a Madame Satã com um desfile de miss travesti, exposição de cartunistas,
grafiteiros juntos com poetas, seminários de todo tipo, oficina de franzine, sede durante a Eco 92 do
Parlamento Terra, lançamento de revista em quadrinhos, ateliê de pintura, exposição de fotografias e,
é claro, direito a banho de mangueira aos domingos. Se quisermos citar nomes para ilustrar essa casa
de promoção da cultura e da cidadania, a lista não acabará nunca, mas aí vão alguns que fizeram a
história da nossa cultura e que passaram ou “nasceram” no Circo: Paulo Moura, Blitz, Caetano
Veloso, Martinho da Vila, Ângela Rô Rô, Ivone Lara, Tim Maia, Nelson Cavaquinho, Cazuza, Léo
Jaime, Lenine, Raimundos, Lobão, Beto Guedes, Erasmo Carlos, Millôr Fernandes, Gilberto Gil,
Cauby Peixoto, Altamiro Carrilho, Zezé Mota, Quarteto em Cy, Chacal, Planet Hemp, Celso Blues
Boy, Bussunda, Regina Casé, Cidinha Campos etc., etc., etc.
2 - A diversificação de seu público: uma prova de democracia e cidadania.
O Circo Voador foi, durante um bom tempo, a verdadeira “Meca” do Rio de Janeiro, o local
por excelência, “onde as diferenças dançam juntas”.
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Estilos diferentes, modos de vida
contraditórios, realidades e costumes díspares, o Circo conseguiu juntar sob sua lona a Zona Sul e a
Zona Norte, a Barra da Tijuca e Niterói, os Punks e os surfistas, tudo isso na velha Lapa, antes
abandonada e desprezada.
O Circo foi um dos poucos lugares que reuniu, em uma única noite sob sua lona, motoqueiros,
surfistas hippies velhos, blacks, intelectuais e punks. Foi num sábado de março de 1983, quando se
deu a “Primeira Noite Punk do Rio de Janeiro”. Nas palavras de Ana Maria Bahiana:
Nunca as diferenças dançaram tão juntas como na noite de sábado. Nunca tantas diferenças
estiveram juntas. Nunca se dançou tanto. Lotado, o Circo provou, mais uma vez, que é um dos
mais importantes espaços de convívio e animação cultural da cidade. Lado a lado, das 21
horas às 5 da manhã de domingo, conviveram, dançaram, cantaram, namoraram, comeram
milho, acarajé e pipoca, beberam café e cerveja, quase todos os espécimes da população
jovem da cidade. Dos donos da noite – um núcleo reduzido, mas unido, de uns cem punks
autênticos, muitos vindos de São Paulo em caravana, com pouquíssimo dinheiro, acampados
no próprio Circo – a seus antagonistas históricos, os hippies velhos, de longos cabelos, olhar
beatífico, batas indianas e colares Rajneesh ao pescoço. De maduros intelectuais de cabeça
grisalha – deleitados por poderem, enfim, dançar ao som de slogans como ‘a revolução está
nas nossas mãos’ – a surfistas de camisas coloridas. De motoqueiros a blacks, de fãs do
Rolling Stones a fãs de Fagner (a julgar pelo desfile de camisetas). Assustados, de início – os
punks, estranhando o ambiente, fora de seu próprio meio, os outros, com os punks – todos,
afinal, se deixaram levar pela violenta catarse provocada pelo som adrenalínico que jorrava do
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Frase de Perfeito Fortuna.