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Pai, mãe e filhos: este é o núcleo
familiar básico que nossa
sociedade,em geral, considera
como modelo.Existem,no entanto,
inúmeros outros padrões de estru-
tura e organização familiar.Um in-
dicador importante para o enten-
dimento dos diferentes tipos de
família é o cumprimento das
funções parentais de cuidado,
proteção e apoio às crianças e ado-
lescentes,por parte dos adultos
responsáveis,garantindo um
ambiente de estabilidade e segu-
rança para o desenvolvimento dos
mesmos.
Os pais têm projetos de vida para
seus filhos,ou melhor,projetam
neles – e esperam deles – a reali-
zação de suas próprias aspirações.
É difícil em nossa sociedade o
reconhecimento das tarefas
domésticas como trabalho,embora
seja bastante diferente o trabalho
doméstico (realizado no interior da
família) do trabalho doméstico
assalariado,(muitas vezes sem pro-
teção trabalhista).
Cidade Tiradentes é um gigantesco
conjunto habitacional,com 220 mil
habitantes,construído pelo Estado
na década de 1980,quando esse
modelo de desenvolvimento
habitacional e adensamento
humano já estava internacional-
mente condenado, por segregar
sua população dentro do espaço
urbano.Dos seus habitantes,150
mil estão ali por decisão pública –
ou seja,foram transferidos com-
pulsoriamente de outras regiões da
cidade.Os demais foram em busca
do sonho da casa própria.Trata-se
de uma “cidade”construída sem
previsão de serviços,que priva seus
habitantes do direito à cidade:tem
infra-estrutura precária em trans-
porte (55% dos percursos são
feitos a pé),em áreas de lazer,edu-
cação,equipamentos culturais,
saúde e serviços (a única agência
bancária é para receber as
prestações dos mutuários),e
pouquíssimos postos de trabalho.A
média é de um emprego para cada
398 habitantes (Ministério do Tra-
balho,1999).Assim,sua população
precisa se deslocar para outras
regiões da cidade para trabalhar.
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van nasceu, em janeiro de 1984, na Cidade Tiradentes,
bairro da zona leste de São Paulo. Seu pai, um homem
forte e bem humorado, trabalhava como funileiro em
uma oficina de automóveis, em outra região da cidade; a mãe era
manicure, atendendo em domicílio nos prédios do conjunto habita-
cional em que moravam.Quando Ivan nasceu, a irmã tinha oito
anos e os pais ainda pagavam com dificuldade, ao final de cada
mês,as prestações da casa própria e as outras contas.Tinham,
como sempre repetia o pai,“uma vida sem luxo, mas digna”:nunca
faltava comida em casa, nem cadernos para a escola.
O nascimento de Ivan foi festejado pelo pai, que sempre dese-
jara ter um “filho homem”; a mãe ficara feliz com a alegria do mari-
do. Com o garoto, a família estava completa: um filho desejado. O
sonho dos pais era que os dois filhos pudessem estudar e,como
sempre repetia a mãe,“não precisassem passar pelas mesmas
necessidades” que passara, tendo que “deixar os estudos cedo para
trabalhar”. Ela costumava pensar nisso quando Ivan ainda era
bebê, e quando via a filha pequena ajudando a cuidar da casa e, às
vezes, das refeições da família
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Quando Ivan completou seis anos, o pai enfrentou problemas
sérios de saúde,época em que a situação financeira da casa ficou
mais difícil. Os gastos com remédios deixavam pouco dinheiro para
o resto das despesas e,muitas vezes, as únicas refeições para as
crianças eram as merendas da escola e da creche que a mãe con-
seguira para Ivan, depois de um ano e meio na fila. Ivan tinha oito
anos quando o pai faleceu; estava para completar a primeira série.
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Conhecendo Ana e Ivan
Dados do Diagnóstico Cidade Tiradentes do Programa Bairro Legal da Secretaria Municipal de Habitação do municí-
pio de São Paulo, realizado por USINA - Centro de Trabalho para o ambiente habitado,2003.
Existem 2 milhões e 500 mil crianças e adolescentes brasileiros trabalhando.Trezentos e cinqüenta mil na faixa etária
de cinco a nove anos.Do total geral,um pouco mais de 45% no trabalho doméstico.(IBGE,2003)
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