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As histórias de Ana e Ivan
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As histórias de Ana e Ivan
BOAS EXPERIÊNCIAS EM LIBERDADE ASSISTIDA
Maria de Lourdes Trassi Teixeira
COLEÇÃO DÁ PRA RESOLVER
DIRETORIA EXECUTIVA
Diretor-Presidente:Rubens Naves
Diretor-Tesoureiro:Synésio Batista da Costa
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Presidente:Ismar Lissner
Secretário:Sérgio E.Mindlin
Membros efetivos:Aloísio Wolff,Carlos Antonio Tilkian,Carlos Rocha Ribeiro da
Silva,Daniel Trevisan,Emerson Kapaz,Éricka Quesada Passos,Guilherme Peirão
Leal, Gustavo Marin,Hans Becker,Isa Maria Guará,José Berenguer, José
Eduardo P. Pañella,Lourival Kiçula,Márcio Ponzini,Oded Grajew e Therezinha
Fram. Membros suplentes:Edison Ferreira,José Luis Juan Molina e José
Roberto Nicolau
CONSELHO FISCAL
Membros efetivos:Audir Queixa Giovani,José Francisco Gresenberg Neto e
Mauro Antônio Ré.Membros suplentes:Alfredo Sette,Rubem Paulo Kipper e
Vítor Aruk Garcia
CONSELHO CONSULTIVO
Presidente:Therezinha Fram
Vice-presidente:Isa Maria Guará
Membros efetivos:Aldaíza Sposati,Aloísio Mercadante Oliva,Âmbar de Barros,
Antônio Carlos Gomes da Costa,Araceli Martins Elman,Benedito Rodrigues
dos Santos,Dalmo de Abreu Dallari,Edda Bomtempo, Helena M.Oliveira
Ya zb eck,Hélio Pereira Bicudo, Ilo Krugli,João Benedicto de Azevedo Marques,
Joelmir Betting,Jorge Broide,Lélio Bentes Corrêa,Lídia Izecson de Carvalho,
Magnólia Gripp Bastos,Mara Cardeal,Marcelo Pedroso Goulart,Maria Cecília C.
Aranha Lima,Maria Cecília Ziliotto,Maria Cristina de Barros Carvalho,Maria
Cristina S.M.Capobianco,Maria Ignês Bierrenbach,Maria Machado Malta
Campos, Marlova Jovchelovitch Noleto,Marta Silva Campos,Melanie Farkas,
Munir Cury,Newton A.Paciulli Bryan,Norma Jorge Kyriakos,Oris de Oliveira,
Pedro Dallari,Rachel Gevertz,Ronald Kapaz,Rosa Lúcia Moysés,Ruth Rocha,
Sandra Juliana Sinicco,Sílvia Gomara Daffre,Tatiana Belinky,Valdemar de
Oliveira Neto e Vital Didonet
SECRETARIA EXECUTIVA
Gerente Executiva Operacional:Ely Harasawa
Gerente Executivo de Relacionamento:Luis Vieira Rocha
Gerência Administrativo-Financeira:Victor Alcântara da Graça
Gerência de Comunicação:Renata Cook
Gerência de Informação:Walter Meyer Karl
Gerência de Mobilização e Políticas Públicas:Itamar Batista Gonçalves
Gerência de Captação de Recursos:Luis Vieira Rocha
Gerência de Planejamento e Avaliação:Ely Harasawa
“A s Histórias de Ana e Ivan:Boas Experiências em Liberdade Assistida
ISBN:85-88060-09-4
Esta publicação foi concebida pela equipe do Programa Nossas Crianças da
Fundação Abrinq,com a colaboração de dez organizações sociais participantes
da Rede Nossas Crianças.
Coordenador:Itamar Batista Gonçalves
Equipe: Daniela Florio, Denise Cesário, Édson Mauricio Cabral,Kátia Baklanos e
Márcia Quintino
Tex to : M ar ia de Lourdes Trassi Teixeira
Preparação de texto:Márcia Quintino e Pyxis Editorial e Comunicação
Revisão de texto:Renato Potenza e Vivian Miwa Matsushita
Edição:Ricardo Prado (Área de Comunicação da Fundação Abrinq)
Projeto gráfico e capa:Silvia Ribeiro
Editoração eletrônica:Estúdio Silvia Ribeiro
Assistente de design:Nicole Boehringer
Produção gráfica:Raquil Lange
Impressão e acabamento:Pancron
Os seguintes representantes da Rede Nossas Crianças envolvidas na adoção de
medidas socioeducativas na Grande São Paulo participaram deste processo de
sistematização:
Associação Comunitária e Beneficente Padre José Moreira:Simone A.Barbosa,
Roberto Wagner M.de Morais e Celia Marli Z.Ferreira;Associação dos
Cavaleiros da Soberana Ordem Militar de Malta de São Paulo e Brasil
Meridional - Centro Assistencial Cruz de Malta:Conceição Aparecida Borges,Eli
D. de Almeida,Vilma do Carmo, Silene Pereira;Associação Evangélica
Beneficente (AEB):Cilene Maria Fernandes e Luciana Faria A.Silva;Associação
Jandirense de Apoio a Entidades Sociais (AJAES):Ana Lucia Lopes e Valéria
Araújo;Aldeia do Futuro Associação para Melhoria da Condição da População
Carente:Genilva de Souza Borges e Magali Della Crocci;Centro de Defesa dos
Direitos da Criança e do Adolescente de Interlagos:Beat Wehrie,Fabio Silvestre
da Silva e Domiciano de Souza;Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente "Casa 10":Claudio Hortêncio e Isabel Aparecida Santos;Centro de
Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente "Luiz Gonzaga Júnior":Silvio
R.Filho;Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente "Mônica
Pao Trevisan":Cheila Olalla,Sueli Aparecida dos Santos,Valdênia Paulino e
Ilda Aparecida dos Santos;Serviço Social Bom Jesus do Piraporinha:Maria Rita
do Prado;Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente:Helder
Delena.
S.Paulo,2003
O jovem que entrou em conflito com a lei é capaz de dar a volta por cima e aprender a convivência coletiva –
desde que haja um trabalho consistente de apoio emocional,suporte material,orientação psicológica e,acima de
tudo,capacidade de acolhimento.A Fundação Abrinq acredita que o melhor caminho é trabalhar com este adoles-
cente, que vive uma situação de crise de identidade e está sob forte pressão social,para que ele seja capaz de criar
para si um projeto de vida.É para apoiar quem também acredita nessa alternativa que temos o prazer de apresen-
tar este livro,uma construção coletiva sistematizada,com elegância e estilo,pela psicóloga Maria de Lourdes Trassi
Teixeira.
As Histórias de Ana e Ivan são fruto da experiência acumulada de dez organizações que trabalham com a
medida socioeducativa da Liberdade Assistida e fazem parte das 114 organizações da Rede Nossas Crianças,for-
mada há uma década na Grande São Paulo pela Fundação Abrinq.Na execução dessa medida,prevista pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),o jovem é orientado a entender sua trajetória de vida até o momento
da infração,seu contexto familiar e social,é levado a elaborar projetos para o presente e para seu o futuro,a va-
lorizar os estudos e se integrar economicamente à sociedade,seja pela qualificação profissional,seja por sua
inserção no mercado de trabalho.Na Liberdade Assistida propõe-se um pacto com mútuas responsabilidades,ava-
lizado pelo orientador responsável junto à família e aos amigos mais próximos do adolescente.Em suma,afirmam-
se valores e,assim,as noções de cidadania e de pertencimento àquela comunidade podem encontrar um solo mais
firme para crescer.
Fazer o jovem acreditar em seu poder de superar esse momento dilemático de sua vida é um objetivo que
deve ser perseguido pelas organizações que passaram a operar programas socioeducativos.
A municipalização dessas medidas ora em curso em todo o País abre possibilidades para que o jovem possa
cumpri-las na sua comunidade.Estamos convictos de que a municipalização é a melhor alternativa no atendimen-
to ao adolescente e à sua família.
Esta publicação servirá de consulta permanente aos profissionais que já atuam em organizações da sociedade
civil e programas públicos.Acreditamos também que os outros segmentos do Sistema de Garantia de Direitos pos-
sam se beneficiar dessa leitura e que ela também sirva para influenciar a construção de políticas públicas nessa
área.Mas,acima de tudo,nosso desejo é que as experiências de todas as Anas e Ivans possam levá-los a ser
sujeitos de suas histórias,com seus direitos fundamentais assegurados,e que possam,assim,exercer plenamente
seu papel de cidadãos e cidadãs.
Rubens Naves
Diretor-presidente da Fundação Abrinq
7
ÍNDICE
INTRODUÇÃO : Para ler as histórias de Ana e Ivan..............................................................................................................................
CAPÍTULO 1 : Conhecendo Ana e Ivan.......................................................................................................................................................................
CAPÍTULO 2 : O percurso no sistema de justiça para a infância e a juventude
..................
Fluxograma do sistema de justiça para a infância e a juventude.......................................................................
CAPÍTULO 3 : Ana e Ivan na rede de atendimento
...........................................................................................................................
O projeto de atendimento em LA: uma proposta de trabalho
......................................................................
Primeira etapa: a recepção.......................................................................................................................................................................................
Segunda etapa:a execução do Plano de Atendimento Individual......................................................................................
Terceira etapa: o acompanhamento.................................................................................................................................................................
Quarta etapa:o encerramento..............................................................................................................................................................................
CAPÍTULO 4 : Outro lado da história: a entidade, a equipe, o orientador...........................................
A equipe do projeto de LA e suas funções..................................................................................................
A formação de uma boa equipe............................................................................................................................
CAPÍTULO 5 : As histórias continuam.........................................................................................................................................................................
ANEXOS.........................................................................................................................................................................................................................................
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INTRODUÇÃO
Para ler as histórias de Ana e Ivan
Contar boas experiências é uma tarefa encantadora;mais ainda quando se trata de experiências bem-sucedi-
das envolvendo jovens em condição de vulnerabilidade.E como sempre há muitos jeitos de contar uma história,
optamos por relatar os casos de dois adolescentes cujas biografias são absolutamente únicas e,ao mesmo tempo,
revelam o que é comum a muitos deles:modos de ser e existir que identificam um ambiente cultural,um tempo
histórico.Ambos praticaram atos infracionais e foram atendidos pelo projeto de Liberdade Assistida (LA).O fio con-
dutor será as biografias de Ana e Ivan,dois adolescentes de verdade.
A idéia desta publicação,tendo como recorte boas experiências em Liberdade Assistida,surgiu do encontro de
muitas razões,idéias e sentimentos construídos ao longo de percursos profissionais de cidadãos e organizações
sociais comprometidos com o profundo desejo de sonhar e realizar um mundo melhor para as novas gerações.O
lugar do encontro foi a Fundação Abrinq,espaço onde se gestam novos futuros possíveis para as crianças e os
jovens brasileiros.Sob a coordenação da equipe técnica do Programa Nossas Crianças,reuniram-se,durante o ano
de 2002,trabalhadores de diferentes regiões da heterogênea São Paulo,responsáveis por projetos de execução da
medida socioeducativa de Liberdade Assistida,destinada a adolescentes autores de atos infracionais
1
.
Os primeiros esboços deste texto foram produzidos em encontros periódicos,nos quais abor-
damos:o processo de municipalização da medida socioeducativa (tardiamente em pauta e em início
de implementação na cidade de São Paulo);a importância do estabelecimento de uma rede de
serviços e parcerias e a inserção do projeto nessa rede,para garantir os objetivos do atendimento
direto ao adolescente;as peculiaridades da condição de vulnerabilidade dos adolescentes autores de
atos infracionais,envolvidos no cenário da violência como atores e vítimas;os desafios de implemen-
tação do sistema de garantia de direitos preconizado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA);
Aldeia do Futuro - Associação para a Melhoria da Condição da População Carente;Associação Comunitária e Beneficente Padre José Augusto Machado Moreira;Associação Evangélica
Beneficente (AEB);Centro Assistencial Cruz de Malta;Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca de Interlagos);Centro de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente “Casa
10”;Centro de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente “Luiz Gonzaga Júnior”;Centro de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente “Mônica Paião Trevisan”;Serviço Social Bom
Jesus do Piraporinha.
Associação Jandirense de Apoio a Entidades Sociais (AJAES,na Região Metropolitana de São Paulo).
1
Da Capital
Do município
de Jandira:
8
9
as relações difíceis com o sistema de segurança;as relações necessárias com os poderes Judiciário e
Executivo e as articulações com as entidades da sociedade civil;a mentalidade prevalente que associa
juventude à violência;a importância da retaguarda e dos vínculos com a comunidade e,particular-
mente,com a família – essa instituição em profundas e radicais mudanças;a especificidade do acom-
panhamento do adolescente em LA;os indicadores de avaliação dos programas,que são objetivos e
subjetivos,como o primeiro beijo que o pai consegue dar na filha,depois de muito tempo cumprindo
a medida.
Essas discussões acontecem num tempo em que o cenário de violência se exacerba,com a cooptação de jovens
– cada vez mais jovens – para o crime organizado,particularmente o ligado ao tráfico de drogas;um momento em
que a violência das instituições destinadas ao cumprimento da medida socioeducativa de internação – de onde
vêm muitos adolescentes para cumprir LA – se intensifica e produz nos adolescentes efeitos absolutamente nefas-
tos à sua participação na convivência coletiva;um momento em que,nos grandes centros urbanos,já é um luxo
não temer os demais seres humanos. Uma circunstância – conjuntura social – absolutamente enigmática e
desafiadora para aqueles que militam ou atuam profissionalmente na área da infância e juventude.Novamente é
preciso ousar saber e ousar fazer,num esforço de esperança e competência redobradas.
Este texto,portanto,foi construído a partir de muitas discussões em grupo que seguiram um roteiro previa-
mente definido pela urgência e relevância de questões concretas,cujo enfrentamento se impunha.Com a troca e a
socialização de experiências,mudanças se operaram em alguns projetos – por exemplo,a documentação do per-
curso do adolescente desde sua apreensão até a recepção no projeto de LA no Cedeca Interlagos.Nesse sentido,
buscou-se a difícil arte/ciência de transformar a idéia em ação,o discurso em prática.
A documentação das discussões dos profissionais e os materiais,documentos específicos das organizações
sociais – inclusive estudos de caso e registros de atendimentos –, permitiram a elaboração de um grande rascu-
nho.Foi quando Ana e Ivan ganharam vida.Naquele momento,foram realizadas duas oficinas para uma leitura ri-
gorosa e crítica do material escrito,visando as correções e acréscimos,já com vistas à publicação.
Este trabalho tem,portanto,dupla finalidade:enfatizar a lógica do desafio (a potência,a experiência bem-
sucedida) em oposição à lógica do fracasso (a impotência,aquilo que não dá certo,“não funciona”),possibilitando a
apropriação da experiência.Apropriar-se significa considerar as peculiaridades de cada região da cidade,do Estado,
do nosso país;de cada organização,projeto,de cada novo adolescente.Universos que exigem pensar de novo os
percursos de trabalho,a partir de convicções firmes (a ética da responsabilidade),de pressupostos e finalidades
com os quais nos identificamos e que são bússola para nos conduzir em direção ao futuro – esse desconhecido.
Os pressupostos – idéias-força que orientaram todo o trabalho – dizem respeito às características próprias do
projeto de execução da medida socioeducativa de LA,ou seja:
a dimensão socioeducativa deve prevalecer sobre os aspectos punitivos da medida,num esforço
que inclui a responsabilização do adolescente sobre suas condutas,inclusive o ato infracional que se
inscreve em sua biografia pessoal,mas não o reduz a ele;portanto,há o desafio da implementação
do ECA,instrumento jurídico de garantia de direitos;
a adolescência é um fenômeno em transmutação que problematiza o que sabíamos,ou julga-
mos saber,porque os sujeitos de uma história contemporânea são atravessados por novos fenô-
menos transnacionais,e suas identidades se constituem a partir de matrizes que os ligam aos seus
grupos de filiação e,ao mesmo tempo,a ícones universais que transitam pelo universo global – por
exemplo, o consumo de um produto globalizado,como referência identitária;
o protagonismo juvenil,entendido como participação solidária,direitos e responsabilidades
conquistadas por uso de mecanismos sociais legítimos de pressão
2
,produzindo a construção de
cidadania e participação”através,principalmente,da vertente cultural,emergente nas periferias das
cidades;ou seja,a demanda é por direitos fundamentais,uma concepção prevalente na América
Latina desde a década de 1990 que,no Brasil,é acrescida da grave questão da violência.Nessa
perspectiva,os jovens são ativos na relação com os poderes constituídos e solidários,em defesa de
interesses coletivos;
o atendimento direto ao adolescente autor de ato infracional orienta-se pelo princípio da
incompletude institucional;ou seja, o programa se inscreve em uma rede de serviços e parcerias;dar
conta” das muitas demandas do adolescente (sua vida) implica que ele transite por essa rede,porque
o projeto não supre e não pode suprir todas as suas necessidades;
a ação da equipe de trabalhadores – técnicos e não-técnicos – ocorre a partir de um projeto
educacional qualificado que supera o senso comum,as boas intenções e a abordagem moralista ou
normatizadora do adolescente;ou seja,há clareza política,competência técnica e disponibilidade
pessoal para um trabalho profissional exigente;
o conjunto de esforços investidos em cada adolescente deve criar condições para que ele cons-
trua um projeto,no presente e para o futuro,em que seja possível amar,aprender e conviver,a partir
do exercício cotidiano de direitos e deveres de cidadania – o direito à juventude.
Iuanelli,Jorge A.S.& Fraga,P.C.P. Jovens em tempo real.Rio de Janeiro:Ed.DP&A,2003.
2
10
11
Para percorrer cada parte do texto:
Este livro está organizado da seguinte forma:um texto central – as histórias de Ana e Ivan,que ocorrem para-
lelamente –,que inclui tópicos e apontamentos (destacados nas margens laterais das páginas,em cor diferencia-
da) nos quais aprofundamos a compreensão de fatos e dados citados,relacionando-os a acontecimentos que tan-
genciam a história,ampliando a reflexão do subjetivo (biográfico) para o fenômeno social.
Ao final de cada capítulo o leitor encontrará as seguintes seções:
É necessário saber: um elenco de temas decorrentes dos acontecimentos das histórias de Ana e Ivan que
exigem reflexão,aprofundamento e posicionamento para o trabalho em Liberdade Assistida.Nessa seção existe
um pequeno texto sobre cada um dos temas.
Vale a pena pesquisar: outros temas relacionados ao conteúdo do capítulo indicados à guisa de roteiro
para estudos e aprofundamentos.
Para saber mais: dicas para trabalho,referências bibliográficas usadas para a elaboração de comentários
que os percursos de Ana e Ivan sugerem e para a construção das duas seções anteriores;de acordo com o teor do
capítulo,pode haver também indicação de filmes,vídeos e romances – modos prazerosos de aprender.
Acima de tudo,esse volume traz em cada página o desejo de que o Brasil possa oferecer melhores condições
de vida para todo adolescente e a convicção de que sempre vale a pena tentar mais uma vez,mais uma...e de
novo.
Boa leitura!
12
13
Capítulo 1
14
Pai, mãe e filhos: este é o núcleo
familiar básico que nossa
sociedade,em geral, considera
como modelo.Existem,no entanto,
inúmeros outros padrões de estru-
tura e organização familiar.Um in-
dicador importante para o enten-
dimento dos diferentes tipos de
família é o cumprimento das
funções parentais de cuidado,
proteção e apoio às crianças e ado-
lescentes,por parte dos adultos
responsáveis,garantindo um
ambiente de estabilidade e segu-
rança para o desenvolvimento dos
mesmos.
Os pais têm projetos de vida para
seus filhos,ou melhor,projetam
neles – e esperam deles – a reali-
zação de suas próprias aspirações.
É difícil em nossa sociedade o
reconhecimento das tarefas
domésticas como trabalho,embora
seja bastante diferente o trabalho
doméstico (realizado no interior da
família) do trabalho doméstico
assalariado,(muitas vezes sem pro-
teção trabalhista).
Cidade Tiradentes é um gigantesco
conjunto habitacional,com 220 mil
habitantes,construído pelo Estado
na década de 1980,quando esse
modelo de desenvolvimento
habitacional e adensamento
humano já estava internacional-
mente condenado, por segregar
sua população dentro do espaço
urbano.Dos seus habitantes,150
mil estão ali por decisão pública –
ou seja,foram transferidos com-
pulsoriamente de outras regiões da
cidade.Os demais foram em busca
do sonho da casa própria.Trata-se
de uma cidadeconstruída sem
previsão de serviços,que priva seus
habitantes do direito à cidade:tem
infra-estrutura precária em trans-
porte (55% dos percursos são
feitos a pé),em áreas de lazer,edu-
cação,equipamentos culturais,
saúde e serviços (a única agência
bancária é para receber as
prestações dos mutuários),e
pouquíssimos postos de trabalho.A
média é de um emprego para cada
398 habitantes (Ministério do Tra-
balho,1999).Assim,sua população
precisa se deslocar para outras
regiões da cidade para trabalhar.
3
van nasceu, em janeiro de 1984, na Cidade Tiradentes,
bairro da zona leste de São Paulo. Seu pai, um homem
forte e bem humorado, trabalhava como funileiro em
uma oficina de automóveis, em outra região da cidade; a mãe era
manicure, atendendo em domicílio nos prédios do conjunto habita-
cional em que moravam.Quando Ivan nasceu, a irmã tinha oito
anos e os pais ainda pagavam com dificuldade, ao final de cada
mês,as prestações da casa própria e as outras contas.Tinham,
como sempre repetia o pai,“uma vida sem luxo, mas digna”:nunca
faltava comida em casa, nem cadernos para a escola.
O nascimento de Ivan foi festejado pelo pai, que sempre dese-
jara ter um “filho homem”; a mãe ficara feliz com a alegria do mari-
do. Com o garoto, a família estava completa: um filho desejado. O
sonho dos pais era que os dois filhos pudessem estudar e,como
sempre repetia a mãe,“não precisassem passar pelas mesmas
necessidades” que passara, tendo que “deixar os estudos cedo para
trabalhar”. Ela costumava pensar nisso quando Ivan ainda era
bebê, e quando via a filha pequena ajudando a cuidar da casa e, às
vezes, das refeições da família
4
.
Quando Ivan completou seis anos, o pai enfrentou problemas
sérios de saúde,época em que a situação financeira da casa ficou
mais difícil. Os gastos com remédios deixavam pouco dinheiro para
o resto das despesas e,muitas vezes, as únicas refeições para as
crianças eram as merendas da escola e da creche que a mãe con-
seguira para Ivan, depois de um ano e meio na fila. Ivan tinha oito
anos quando o pai faleceu; estava para completar a primeira série.
I
Conhecendo Ana e Ivan
Dados do Diagnóstico Cidade Tiradentes do Programa Bairro Legal da Secretaria Municipal de Habitação do municí-
pio de São Paulo, realizado por USINA - Centro de Trabalho para o ambiente habitado,2003.
Existem 2 milhões e 500 mil crianças e adolescentes brasileiros trabalhando.Trezentos e cinqüenta mil na faixa etária
de cinco a nove anos.Do total geral,um pouco mais de 45% no trabalho doméstico.(IBGE,2003)
3
4
15
Daí por diante, uma tristeza profunda tomou conta da mãe, que
ficou mais dura e brava com os meninos. Não queria que saíssem
de casa “sem autorização, de jeito nenhum”, e todos os dias ia
cedo trabalhar com “o coração na mão”,preocupada por ter que
deixar os filhos sozinhos,naquele bairro considerado violento.
não conseguia dar conta dos gastos da casa.
O lazer de Ivan era assistir à TV e jogar bola com os colegas,
nas ruas empoeiradas do conjunto habitacional.
Cansada de lutar sozinha, a mãe decidiu um dia aceitar a
ajuda de familiares e se transferir com os filhos para um estado do
Nordeste: partiram em 1992.
Naquele mesmo ano de1992, os pais de Ana foram chamados
várias vezes a comparecer na escola particular da Vila Mariana –
bairro de classe média da capital paulista – para discutir os proble-
mas que a filha vinha apresentando. Os professores não estavam
conseguindo controlar a menina; aos oito anos, cursando a 2
a
série,
ela apresentava muitas vezes um comportamento agressivo.
Nenhuma reclamação quanto ao desempenho escolar.Suas notas
eram ótimas.
O problema de Ana era rebeldia: vira e mexe, lá estava ela aos
berros,agredindo até mesmo fisicamente algum coleguinha – e
não eram só meninas que enfrentava; às vezes partia para cima de
garotos maiores e mais fortes que ela, sem medo de se machucar.
Muitas convocações foram feitas pela direção da escola para tentar
resolver o problema. Em nenhuma delas o pai apareceu; era sem-
pre a mãe quem ia...
Com o passar do tempo, a história da família começou a vir à
tona: apesar de morarem em casa própria e terem situação finan-
ceira razoável, seus pais viviam em conflito. O pai, um homem vio-
lento com a mãe, era dado a beber,vício que vinha se agravando
ultimamente.Apesar disso, a mãe, uma dona de casa que nunca
trabalhara, jamais cogitara separar-se.A pequena assistia às brigas
O lazer e o acesso aos bens cultu-
rais são direitos da infância e da
juventude,constituindo impor-
tantes fatores de socialização nes-
sas etapas do desenvolvimento.
Possibilitam a apropriação de
novos elementos do mundo exter-
no,da cultura e permitem a
expressão do mundo interno,
psíquico.
É comum,em muitos lugares do
mundo,que a responsabilidade
pela educação dos filhos seja da
mãe,revelando uma concepção
cultural do papel do homem e da
mulher na sociedade.Um dos
maiores historiadores do século XX,
Eric Hobsbawm,afirma que a me-
lhor imagem do século é uma mãe
e seus filhos”.
Dificuldades emocionais não se
refletem,necessariamente,no
desempenho intelectual,embora
os vários aspectos do desenvolvi-
mento sejam interdependentes
É importante olhar, escutar,com-
preender a conduta excessiva ou
reiteradamente agressiva de uma
criança ou adolescente como um
pedido de socorro, sintoma de algo
que não vai bem.É como se eles
dissessem:“Olha o que está acon-
tecendo comigo!”.
Estudar e trabalhar ao mesmo
tempo nem sempre é um dilema
para o adolescente pobre,porque
para ele não há escolha.Quando
ocorre conflito,a solução é pelo
imperativo da necessidade,que
impõe alguma estratégia de sobre-
vivência.O trabalho no mercado
formal ou informal é uma delas.
16
entre os dois e chorava escondida. E por mais que tivesse um misto
de medo e raiva do pai,Ana não conseguia deixar de gostar dele.
Muitas vezes ele era carinhoso com ela e a enchia de presentes.
Suas explosões emocionais acabavam acontecendo na escola e
eram cada vez mais violentas: agredia colegas,desrespeitava pro-
fessores.A mãe já não conseguia manejar o comportamento da
filha. O atendimento psicológico indicado pela escola nunca acon-
teceu.Ana foi desligada dessa escola, e depois de outras.
Quando Ana atingiu a adolescência, já não havia presente do
pai ou lágrima da mãe que pudesse controlá-la: horários, festas,
amizades,mentiras, desempenho escolar, as primeiras experiências
com drogas, vida sexual, tudo era do jeito que ela queria fazer. Ana
exigia ter tudo aquilo que queria, nada a satisfazia.
Ana foi ficando cada vez mais agressiva quando os pais não
davam o que pedia. Os primeiros furtos, principalmente de dinheiro,
foram em casa. E ela já não era uma criança, tinha catorze anos.
Com essa mesma idade,Ivan trabalhava o dia todo. À noite ia
para a escola. Sonhava fazer curso técnico quando terminasse o
ensino fundamental, quem sabe de mecânica de automóveis.A
irmã também trabalhava para ajudar no orçamento da casa.
Juntando, a renda dos três não chegava a três salários mínimos:
viviam uma vida conformada,amenizada pela fé que a mãe sempre
lhes ensinara. Mas Ivan vislumbrava outros horizontes; ambicionava
ser chefe na fábrica onde trabalhava e, algum dia, ter muito di-
nheiro para dar à mãe tudo que ela nunca pudera ter. Só falava
disso com as namoradinhas nos cultos da igreja ou quando ia
passear, aos domingos.Intrigava-o um sonho muito agradável, que
sempre se repetia: via-se com o pai, empinando uma pipa. Em mea-
dos daquele ano de 1998, numa viagem para visitar parentes, sua
mãe foi atropelada e morreu dois dias depois.
Em muitos casos,a mentira e o
furto em casa são indícios impor-
tantes das dificuldades da criança
e do adolescente,na sua relação
com o mundo adulto,particular-
mente com a família,como nos
ensina D.W.Winnicot.
Com quinze anos,Ana foi presa em um bar junto com um
grupo de jovens suspeitos de receptação de objetos roubados. O
advogado acionado pelo pai foi à delegacia e conseguiu libertá-la.
Um susto! Algo estranho se passava com ela: em nenhum momento
Ana sentira-se culpada.Ao contrário: era como se estivesse vivendo
uma grande aventura. Cada vez mais bonita, sabia que cativava os
homens; era a mascote do grupo que fazia receptação de objetos
roubados e planejava um grande assalto.Vira meninos “surfando no
trem” e ficara imaginando a sensação maravilhosa que deveriam
sentir. Nenhum cuidado consigo. Provar o quê? Para quem?
Naquele mesmo ano de 1999, Ivan e a irmã retornaram a São
Paulo para morar no mesmo apartamento da Cidade Tiradentes: os
dois cômodos apertados receberam de volta também a velha TV, em
que assistiam às notícias de outro mundo que lhes parecia irreal, e
também do mundo real e violento que os circundava. Cidade
Tiradentes era agora conhecida como um dos três bairros mais vio-
lentos da capital. Os outros dois eram Jardim Ângela e Vila
Brasilândia. Pela janela,Ivan via outras crianças jogando bola na
mesma rua empoeirada.
Muitos dos garotos com os quais Ivan convivera, anos antes,
estavam mortos ou cumpriam medida de internação em alguma
unidade da Febem; outros estavam foragidos da polícia ou de trafi-
cantes, por conta das dívidas não acertadas. O caminho para
alguns era o tráfico; para outros, o ócio; para pouquíssimos, os estu-
dos ou o trabalho. E todos indignados, revoltados com a condição
em que viviam. Os objetos do desejo passavam diante de seus
olhos,mas distantes de suas posses.Como fazer em um mundo em
que para ser era preciso ter? Todos justificavam as diferentes
estratégias de sobrevivência como se tivessem escolhido por desejo
próprio seus destinos.
Para Ivan, o projeto de fazer um curso técnico parecia cada vez
mais escapar de suas mãos.Com dezesseis anos,lutava para
17
Este é um dado conjuntural,
porque quando a segurança públi-
ca investe mais em um bairro, a
criminalidade migra para outros.
Pouca ou nenhuma consciência do
engendramento de suas existências.
Viver situações-limite,de perigo,
“pura adrenalina”,é algo que
muitos adolescentes procuram.
Um indicador da violência é o nú-
mero de homicídios cuja principal
vítima é o jovem de quinze a
dezenove anos.
A pesquisa da OIT e IETS no Rio de
Janeiro publicou uma tabela com
cargos,horas de trabalho semanal
e salários no mundo do crime:vigia
(40 a 72 horas) – R$ 1.600,00;
embalador (12 a 36 horas) – de
R$ 300,00 a R$ 1.400,00;vendedor
(36 a 72 horas) – de R$1.900,00 a
R$ 3.000,00;segurança (36 a 60
horas) – de R$ 1.200,00 a
R$ 2.000,00;gerente (60 a 72
horas) – de R$ 2.000,00 a R$
4.000,00;gerente-geral (60 a 72
horas) – de R$ 10.000,00 a
R$ 15.000,00
5
.
O adolescente,com freqüência,vive
uma situação dilemática:os
padrões morais internalizados pela
socialização na família,na religião,
seus grupos de pertencimento até
ali e,ao mesmo tempo,as influên-
cias dos amigos.Nessa faixa etária,
o grupo de pares tem uma
importância grande na afirmação
da identidade do adolescente.
18
encontrar vaga em alguma escola,ao mesmo tempo que fazia
bicos para ajudar nas despesas – a irmã trabalhava em casa de
família, fazendo faxina. No bairro, havia surgido uma ONG de
“inclusão digital”, que Ivan começou a freqüentar. Ficou fascinado
com a Internet e sonhava,agora,em fazer um curso de informática.
Mas como, se não conseguia arranjar emprego nem para se man-
ter? A cidade que havia fora da Cidade Tiradentes era, para ele, um
mundo desconhecido. Sentia-se sozinho, a falta dos pais ainda doía
muito.A irmã ia se casar. E ele?
Ana parecia não se importar com o presente e, menos ainda,
com o futuro.Voltava pra casa na hora em que queria; às vezes não
voltava. A mãe chorava pelos cantos,sem saber o que fazer.A
autonomia de Ana denunciava, na verdade, o abandono experimen-
tado ao longo da vida e que as condições materiais apenas enco-
briram. Sentia-se só. O curso supletivo em que se matriculara era
também uma tentativa de fazer amigos. Seus vínculos afetivos eram
frágeis e não conseguia confiar em ninguém.
Os colegas de Ivan o pressionavam, mas não tinham controle
sobre ele.
As sugestões para levar as trouxinhas de maconha “daqui pra
ali” eram descartadas embora a “grana” fizesse falta em casa. O
emprego estava difícil, só conseguia uns “bicos” na feira.A irmã tra-
balhava muito, sem reclamar, e os colegas diziam que não havia
perigo. Ivan lembrava dos conselhos da mãe e a sua cabeça era
uma confusão. Sabia o que era certo e errado e nem tocava no
assunto com a irmã.Vivia calado.Um dia topou e não parou mais:
saía de casa cedo como se fosse trabalhar e voltava junto com a
Jornal O Estado de S.Paulo de 2.3.2002.Existe um levantamento semelhante sobre as funções e hierarquia no tráfico
que está no Anexo 1 do livro Pelos caminhos da violência (Assis,1999, p.225).
5
19
irmã. Freqüentava a escola à noite. Pela capacidade, tornou-se
respeitado e foi “progredindo”; pela confiança do chefe e o bom
trânsito com o policiamento da área, em breve seria gerente do
ponto e o salário ia subir muito.
Pensava em um bom presente para o casamento da irmã que
estava perto. Uma batida policial interrompeu os pensamentos.
Ana saiu de casa muito bem vestida,tomou o metrô e foi para
o outro lado da cidade encontrar com os “manos”. Era a primeira
vez que ia junto com eles para “uma fita”. Só ia ficar no carro. Sabia
o que eles iam fazer, mas a possibilidade de ter uma grana boa
para sair definitivamente de casa era legal. Pensava em sair e levar
a mãe que já estava adoecida e com quem brigava muito. Embora
estivesse decidida, ficou assustada com as armas pesadas que o
pessoal carregava embaixo do tapete do carro.A coragem voltou
em dois goles de uma bebida forte.
No final da tarde, em um dos programas de TV sobre ocorrên-
cias policiais que a mãe de Ana assistia, pôde ver, em tempo real,
um flash da filha no momento em que a polícia fez o cerco em
mais um assalto a banco na cidade.
20
É NECESSÁRIO SABER:
As biografias são multideterminadas
Para compreendermos as condutas humanas,no caso do adolescente é necessário ir além do tempo presente
(o tempo do acontecimento) e além das aparências.O conhecimento científico e transdisciplinar permite-nos essa
apreensão porque supera o senso comum e procura compreender o comportamento das pessoas e suas ações
como multideterminados.Compreender uma biografia como um produto da imbricação de aspectos culturais,
econômico,políticos,psicológicos etc.impede explicações reducionistas,ou seja,focadas em um único ângulo,seja
ele econômico (a pobreza) ou psicológico (a impulsividade,a agressividade),por exemplo.Aumenta,desse modo,a
probabilidade de que o trabalho junto ao adolescente seja bem-sucedido.
As circunstâncias históricas do mundo, do país, da cidade, do bairro
O aqui e agora”em que o adolescente vive está em permanente transformação – o que na sociedade con-
temporânea ocorre de forma veloz e complexa:surgem novos hábitos e padrões de consumo;a comunicação pla-
netária impõe novas dinâmicas (ou “produz”um novo tipo de adolescência?),novos modos de ser,sentir e existir...
Essa conjuntura possui vários contextos – o global,o regional e o local – que se sobrepõem e interagem,atuando
nos grupos próximos e/ou de pertencimento do adolescente,cujos processos e histórias também produzem efeitos
em sua conduta.O universal se revela no particular e o particular dá pistas para compreendermos além do fato
observado,ou seja,um adolescente revela o mundo em si,assim como o mundo revela os modos de ser e existir do
adolescente.
Um aspecto conjuntural de raízes históricas,importante de ser ressaltado,é a desigualdade social,fenômeno
que se verifica em diferentes países e regiões do mundo e se torna mais visível quando atinge segmentos sociais
de um mesmo país.O Brasil é um dos países de maior desigualdade social no mundo,sendo superado apenas por
três países africanos (Serra Leoa,República Centro-Africana e Suazilândia).Aqui,1% da população economica-
mente ativa (793 mil pessoas) recebe cerca de 12,5% da renda total (R$ 12,6 mil/mês,em média); enquanto que
os 10% mais pobres (7,93 milhões de pessoas) recebem cerca de 1% da renda (R$ 101,00/mês,em média). A
maior parte de nossa população está excluída da distribuição de riquezas e dos direitos da cidadania.Adolescentes
nascidos em cenários sociais diferentes terão,a priori – por sua origem de classe –,horizontes de futuro determi-
nados e pouca ou nenhuma autonomia para construírem seus próprios destinos.O adolescente não se conforma
21
com isso,particularmente com a impossibilidade de ter o que está sendo estimulado a consumir e está diante dos
seus olhos.
Grupos de filiação costuram a formação da identidade do adolescente
A identidade de cada indivíduo é construída ao longo da sua história de vida.Há grupos,pessoas e aconteci-
mentos mais ou menos significativos nas construções dessas biografias.É necessário resgatarmos a trajetória de
uma pessoa para sabermos o que é ou não é significativo para ela.Muitas vezes descobriremos dados e fatos dife-
rentes do que supúnhamos ou do que é considerado comum.A família é,tradicionalmente,considerada a agência
socializadora por excelência.Contudo,é importante considerar que as funções da família biológica podem ser
supridas por algum outro grupo (família substituta) ou instituição (abrigo).Portanto,para um adolescente, a
família de origem pode não ser o grupo de referência mais importante.Aspectos relevantes na formação das iden-
tidades são os modelos de socialização vivenciados:figuras significativas e valorizadas pelo jovem,cuja importân-
cia ancora-se na qualidade do vínculo afetivo.Nesse sentido,os modelos de conduta não são, necessariamente,os
considerados positivos pela sociedade,mas os que suprem as necessidades psicológicas da criança e do adoles-
cente.Um pai presidiário pode ser um bom pai.Hoje,os grupos de referência e pertencimento podem se localizar
em diferentes pontos do mundo.Os avanços das tecnologias de comunicação,num mundo globalizado,romperam
fronteiras geográficas e criaram realidades transnacionais,implementando,assim,novas matrizes de identidade.
Adolescência, uma etapa da vida
Duas questões importantes a serem consideradas:
1
No final do século XIX,a adolescência tornou-se tema de reflexão e estudo para especialistas e já era
entendida como uma fase problemática da vida humana – o aborrecentede hoje.É difícil desmontar a associa-
ção adolescência/problema,embora saibamos que nas diferentes culturas,e mesmo nas diferentes classes sociais,
essa fase da vida pode ser experimentada de formas bastante diversas.Atualmente,um novo complicador soma-se
a essa visão estereotipada:a associação entre juventude e violência,que coloca o adolescente e o jovem como res-
ponsáveis pelos crescentes índices de criminalidade no país.A isso se soma,com freqüência,a determinação,pelo
saber técnico,de características próprias a essa etapa da vida como,por exemplo,a contestação da autoridade.
2
Há uma nova perspectiva de análise histórica,sociológica e psicológica que,considerando fenômenos so-
ciais recentes – particularmente as duas grandes revoluções sociais da segunda metade do século XX,a da juven-
tude e a do papel social da mulher,cujos efeitos vivemos até hoje –,constata que as relações tradicionais de sub-
22
missão e dependência do adolescente em relação ao mundo adulto estão definitivamente superadas.O adoles-
cente está se constituindo como agente social autônomoe tem sido tratado dessa forma pela economia de mer-
cado;ou seja,como massa concentrada de poder de consumo.O historiador inglês Eric Hobsbawm afirma que o
fenômeno mais significativo e enigmático (porque ainda não sabemos seus efeitos) do final do século XX foi a rup-
tura das novas gerações com os valores das gerações anteriores;com os valores da tradição.Vale a pena refletir,
ainda,sobre o fato de que não há diferenças significativas entre os adolescentes em geral e os adolescentes
autores de atos infracionais pertencentes a um mesmo estrato social,segundo o Núcleo de Estudos da Violência da
Universidade de São Paulo.
A família, agência socializadora
A criança depende de adultos e de agências e instituições que a socializem para adquirir os códigos de
decifração do mapa do mundo.Essas agências socializadoras têm sido a família,a creche,a escola,e outras,que
vão assumindo,rápida e cada vez mais precocemente,essas funções,como a televisão e as novas tecnologias de
comunicação.A família sempre foi vista como uma instituição que cumpriria a atribuição social de preparar”as
novas gerações para a participação coletiva, no cotidiano da vida dos indivíduos.Contudo,a revolução social do
papel da mulher produziu,e ainda produz,efeitos significativos na estrutura,na organização e na própria dinâmica
familiar,na qual a mulher desempenha um papel central.Isso se traduz em mudanças nas relações entre gêneros e
gerações que redefinem papéis,relações de poder,funções de cada um dos membros desse grupo.Um aspecto
importante é a independência de todos os membros da família,inclusive a independência precoce das crianças –
um valor cultivado na educação ou exigido pelas condições materiais de existência –,e a nova escola se transfor-
ma em aliada.Um exemplo ilustrativo disso são as crianças de três anos da creche no bairro do Campo Limpo
sendo treinadas para o auto-atendimento no horário da refeição e a justificativa é a valorização do treino da inde-
pendência.Essas mudanças significam que a família nuclear – pai,mãe,prole – um modelo dos séculos XIX e XX,
vem sendo substituída e surgem outras possibilidades de organização desta instituição:a família homossexual,a
família chefiada por mulheres,a família chefiada por adolescentes,a família com prole constituída a partir de casa-
mentos anteriores de cada um dos cônjuges,a família substituta,a família com rotatividade de um dos parceiros
adultos.O desafio,então,é superar a concepção ideológica e moralista da família tradicional como modelo e refe-
rência,o que leva a avaliar as demais formas de organização familiar como desestruturadas ou ilegítimas.Muitas
vezes, observa-se o uso de argumentos supostamente científicos”para encobrir preconceitos.A organização ou
dinâmica patológica,promotora ou prejudicial ao desenvolvimento de uma criança ou adolescente pode estar pre-
sente em todos os padrões de família.Outro mito sobre a família é achar que ela é sempre o melhor lugar para a
23
criança ou o adolescente.Nem sempre isso é verdade.É freqüente o fenômeno da violência doméstica e da família
“ausentena vida da criança ou do adolescente – o que se verifica em todas as classes sociais.E são inúmeros os
estudos nacionais e internacionais sobre os prejuízos físicos,intelectuais,afetivo-emocionais e sociais dessas vivên-
cias para as crianças e adolescentes,comprometendo-os no presente e para o futuro.
A violência
A violência é uma produção humana,por mais surpreendente e cruel que sejam suas múltiplas expressões.O
mal-estar nas relações entre as pessoas – algo que acompanha a história da Humanidade – atualiza-se e se inten-
sifica,no momento histórico atual,também nas relações do homem com o mundo e com seu próprio corpo.
Mapear o território da violência,pondo em relevo a juventude/adolescência como vítima e como agente de violên-
cia,implica abordar esse fenômeno complexo e multideterminado considerando sua relevância na produção de
mentalidades,de padrões de sociabilidade,além de seus efeitos em todas as esferas da vida pública e privada.A
violência enraizou-se nas instituições sociais,mesmo naquelas consideradas de proteção (como a família ou a
escola),e naquela à qual nossa sociedade atribuiu as funções de promover,legislar e arbitrar sobre os conflitos dos
cidadãos,o Estado.Essa naturalização da violência ultrapassa segmentos sociais e fronteiras nacionais,se reve-
lando,em nosso tempo,através da legitimação da guerra de extermínio,de novas e assépticas”técnicas de tortura
de prisioneiros;nas demonstrações de força do crime organizado;na transformação de corpos em mercadorias;nos
seqüestros e no tráfico de drogas;na excessiva medicabilidade do sofrimento.A banalidade do mal se expressa no
sintoma de alheamento em relação ao sofrimento do outro,escreveu a ensaísta Hannah Arendt.Assim,a violência
se transforma em “ingrediente permanente da cultura,marcando o regime de sociabilidade dominante (...) e
torna-se em grande parte invisível,ao menos para os que ali nascem,crescem e vivem,analisa Luis Claudio
Figueiredo.É nesse ambiente cultural que as novas gerações formam suas identidades e constroem seus modos de
pensar,sentir e agir.Todos se sentem vulneráveis,instala-se o sentimento de medo social e há o clamor geral pela
paz pública que,numa ótica reducionista,tem sido buscada através do reforço do aparato policial repressivo,cuja
ação acaba incidindo preferencialmente sobre os pobres.A insegurança é acrescida,também,pelo descrédito nos
mecanismos sociais reguladores da convivência coletiva – o sistema de justiça,por exemplo.Emergem,então,
inúmeros mecanismos paralelos para garantir a segurança pessoal ou aplicar justiça,como os contingentes de
segurança particular e os “justiceiros”.
24
O adolescente e a prática do ato infracional
Esse fenômeno é histórico – por isso,é importante conhecermos a história da infância no Brasil,desde o sécu-
lo XVI,para compreendermos a produção social do adolescente envolvido com a prática do ato infracional.É tam-
bém universal,pois está presente em países pobres e ricos,nos quais podemos observar o crescimento dos índices
de envolvimento do adolescente com a criminalidade.É também um fenômeno transversal na sociedade,ou seja,
está presente em todos os estratos sociais.Reafirmando,não se trata – como muitos pensam – de um fenômeno
atual apenas de países pobres ou em desenvolvimento,circunscrito à população pobre.Pesquisas recentes revelam
novas configurações para o fenômeno.Abaixo,um exemplo:
“O adolescente autor de ato infracional não se distingue substantivamente do adolescente do estrato socioe-
conômico ao qual pertence.(...) Há maior presença de adolescentes estudando,inclusive de escolaridade média,o
que aponta para a universalização da educação e a entrada de adolescentes de estratos médios na criminalidade e
o envolvimento crescente do jovem com o tráfico e consumo de drogas,em São Paulo e outras capitais brasileiras.
Também registra-se uma evolução da criminalidade não-violenta para a criminalidade violenta e as suspeitas de
um maior envolvimento do adolescente com o crime organizado,sob a forma de bandos e quadrilhas,construindo
sua carreira moral na delinqüência mais rapidamente.(...) Essas tendências da última década não são particulares
do Brasil,mas já eram observadas na década de 80 em outros lugares do mundo,mesmo nas sociedades com altos
indicadores de desenvolvimento econômico e social;por exemplo,a França(extraído da pesquisa “O adolescente
na criminalidade urbana em São Paulo,do Núcleo de Estudos da Violência da USP,1999).
25
TEMAS PARA DEBATE/DISCUSSÃO:
A violência como não-exercício de direitos.As outras expressões da violência.
A história da infância e da adolescência no Brasil.As condições de vulnerabilidade:o abandono,a vitimização
física,sexual e psicológica,o trabalho precoce;a rua como local de trabalho e/ou moradia;a mendicância,a prosti-
tuição infantil e adolescente;a prática de ato infracional.
A revolução cultural do final do século XX – o triunfo do indivíduo sobre a sociedade.A cultura do narcisismo.
As novas profissões.A liberação sexual.As modernas tecnologias da comunicação.A medicabilidade do sofrimento.
As novas subjetividades:novos modos de ser e existir.
A constituição de uma cultura juvenil,a partir da década de 1960:vestuário,música,alimentação,a micro-
política,a política do desejo.
Consumismo – o exagero do consumo:a insatisfação permanente.A busca da felicidade.Os ícones da identidade.
A disseminação do uso de drogas,a partir da década de 1980.Drogas lícitas e ilícitas:tolerância e intolerância
social. A política de redução de danos.
O culto ao corpo;a sexualidade do adolescente;a erotização da infância:quais são as conseqüências?
Escola:qual a missão da escola? A escola como prestadora de serviços.A escola expulsiva;a cultura da
repetência.
A dicotomia trabalho-estudo:por que o adolescente pobre precisa trabalhar? “É melhor trabalhar do que
roubar?”O trabalho precoce como expressão da violência. Os efeitos sobre o processo de escolarização e a cons-
trução do projeto de futuro.
26
PARA SABER MAIS:
1
Ouça o que têm a dizer os adolescentes,pergunte sobre os termos que usam (linguagem);interesse-se por suas
músicas e preferências...É importante querer saber sobre eles.
2
Antes de qualquer conclusão,pergunte o porquê de uma dada situação,conduta ou hábito.Suporte não saber e
busque respostas nos estudos.Problematize e questione suas próprias convicções.
3
Estude:o funcionamento do mundo,do país,da família,da escola,dos meios de comunicação; a produção da vio-
lência,as drogas,a sexualidade.Existem várias formas de estudar,educando-se para o trabalho.Leia,faça cursos,vá a
museus,ao cinema, ouça músicas,faça supervisão do trabalho,participe de grupos de estudo,volte para a escola etc.
4
Referências bibliográficas (estudos,ensaios):
Era dos extremos – O breve século XX,de Eric Hobsbawm (particularmente os capítulos Revolução
Social,10,e Revolução Cultural,11).São Paulo:Companhia das Letras,1995.
Cidade em pedaços,de Aldaíza Sposati.São Paulo:Brasiliense,2001.
São Paulo,de Raquel Rolnik.São Paulo:Publifolha,2001.
O desaparecimento da infância,de Neil Postman.Rio de Janeiro:Graphia,1999.
O cabaré das crianças,de Gilberto F.Vasconcellos.Espaço e Tempo,1998.
A história das crianças no Brasil,de Mary del Priore.São Paulo:Contexto,1999.
Adolescência,de Contardo Calligaris.São Paulo:Publifolha,2000.
Adolescer,de José Outeiral.Porto Alegre:Artes Médicas,1994.
Jovens em tempo real,organização de Jorge A.S.Iulianelli e Paulo C.P.Fraga.Rio de Janeiro:DP&A,
2003.
Juventude em debate,de Helena W.Abramo e outros.São Paulo:Cortez Editora,2000.
A violência na escola,de Claire Colombier e outros.São Paulo:Summus Editorial,1989.
Violência e psicanálise,de Jurandir Freire Costa.São Paulo:Edições Graal,2003.
Traçando caminhos em uma sociedade violenta – A vida de jovens infratores e de seus irmãos não
infratores,de Simone Gonçalves de Assis.Rio de Janeiro:Fiocruz,1999.
Privação e delinqüência,de D.W.Winnicot.São Paulo:Martins Fontes,1999.
Poema pedagógico,de Anton S.Makarenko (3 volumes).São Paulo:Brasiliense,1983.
Adolescência e violência,de David Levisky e outros.São Paulo:Casa do Psicólogo,2001.
27
5
Romances:
O senhor das moscas,de William Golding.Rio de Janeiro:Nova Fronteira,1996.
Capitães da areia,de Jorge Amado.Rio de Janeiro:Record,1996.
A fugitiva – O diário de uma menina de rua,de Evelyn Lau.São Paulo:Scipione,1997.
Infância,de Graciliano Ramos.Rio de Janeiro:Record,1995.
O apanhador no campo de centeio,de Jerome David Salinger.Ed.Do Autor,1999.
Capão pecado,de Ferréz.São Paulo:Labortexto Editorial,2000.
Diário de um adolescente hipocondríaco,de Aidan Macfarlane e Ann McPherson.São Paulo:Ed.34,
1993.
6
Filmes:
Kids,1995,direção de Larry Clark.
O ódio,1994,direção de Mathieu Kassovitz.
Pixote,a lei do mais fraco,1981,direção de Hector Babenco.
Sociedade dos poetas mortos,1989,direção de Peter Weir.
Juventude transviada,1955,direção de Nicholas Ray.
Minha vida em cor-de-rosa,1997,direção de Alain Berliner.
A fúria dos titãs,1981,direção de Desmond Davis.
28
29
Capítulo 2
30
carro do advogado de Ana estacionou quase em seguida
aos da Polícia Militar, em frente à delegacia do bairro em
que houve o assalto.A tarde estava quente e abafada,o
que aumentava a tensão no interior do prédio despojado, com
poucos móveis, velhos computadores e funcionários de olhares
soturnos.Era a segunda vez que Ana ia parar na cadeia e agora por
participação em assalto. O delegado recusava-se a deixar o advoga-
do ter contato com Ana, antes que pudesse tomar os depoimentos
dos adultos e lavrar o Boletim de Ocorrência. Reagindo, em tom
duro, o advogado argumentou que a lei – o ECA – garantia, a todo
adolescente autor de ato infracional, o direito à “defesa técnica, por
advogado”. O advogado percebeu que tinha conseguido atingir seu
objetivo quando o delegado levantou-se e determinou alguma coisa
a um policial: mandou que colocassem Ana em cela separada das
demais presas.
Pelo celular e mais aliviado, o advogado passava instruções à
família: precisava urgentemente de um atestado de escolaridade e
dos outros documentos que deveriam acompanhar o Boletim de
Ocorrência e que seriam encaminhados à primeira oitiva – uma
audiência preliminar –, na Vara Especial da Infância e Juventude,
VEIJ. Não demorou para os pais chegarem à delegacia,na expecta-
tiva de ver Ana do lado de fora o quanto antes; o advogado explicou
que isso seria impossível.
Ana teve que passar a noite na delegacia.O delegado
enquadrou o ato infracional no qual ela estava envolvida como
“grave”e não a liberou. Muitos depoimentos seriam tomados, a
Art.111,inciso III – garante a pre-
sença do defensor,desde a elabo-
ração do (B.O.) Boletim de
Ocorrência.
Em São Paulo,o VEIJ atende exclu-
sivamente os adolescentes autores
de ato infracional e as Varas da
Infância e Juventude atendem aos
demais casos,nos quais os direitos
e interesses das crianças e adoles-
centes devem ser assegurados.
Artigo 172 do ECA
6
Art.175,parágrafo 2
0
.Na cidade de
São Paulo não há delegacias espe-
cializadas para adolescentes.
Art.175, parágrafos 1
0
e 2
0
.O
Estatuto não define o que é ato
infracional grave – art.103 – e a
refencia para esse balizamento
tem sido o Código Penal,a Lei de
Contraveões Penais ou alguma
outra lei criminal.
O percurso no sistema de justiça para
a infância e a juventude
O
Todos os artigos referem-se à lei 8.069,o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente de 13/7/1990 – uma lei fe-
deral,subordinada à Constituição do Brasil e às leis internacionais das quais o país é signatário.
6
31
noite avançava e Ana seria encaminhada, no dia seguinte, ao re-
presentante do Ministério Público. Contendo o nervosismo, os pais
decidiram ir para casa. Cedo, no dia seguinte,estavam de volta;
chegaram pouco antes do advogado. Por volta das 9 horas,
rumaram para o Fórum, onde funcionavam as Varas Especiais,pen-
sando em conversar com o promotor e com o juiz,intercedendo
pela filha. Na cabeça da mãe, giravam imagens vistas pela TV das
rebeliões da Febem, os policiais atirando bombas, meninos
“enlouquecidos” e lembrava que seu marido sempre defendeu a
pena de morte. Sentiu pânico! O pai estava sentado com as mãos
segurando a cabeça do outro lado do corredor. Era impossível saber
o que pensava.Aquele era o primeiro dia,depois de muito tempo,
em que ele não bebera uma gota de álcool.
Com brutalidade, Ivan foi atirado dentro do camburão, ainda
atordoado pela coronhada que recebera de um policial e que o
deixara desacordado por algum tempo, não sabia dizer quanto...
Sua dor maior era, no entanto, a vergonha por ter sido levado, do
prédio onde vivera quase a vida toda, algemado. Olhares conheci-
dos amontoavam-se para assistir à cena. Ele pensou na irmã; sentiu
uma raiva doida de quem o havia delatado. Na delegacia, cruzou
com outros “companheiros de trabalho” – só “entregadores”, ne-
nhum “chefe”ou “gerente”de ponto. Os interrogatórios durariam
muitos dias...
Soube,ainda na primeira noite,que a irmã estivera à tarde na
delegacia procurando por ele.Tentaria outras vezes, inutilmente.
Diziam apenas que ele não estava ali.Sabia que o delegado não
deixaria que ninguém o visse no estado em que estava, cheio de
escoriações e inchaços resultantes dos interrogatórios: estava orgu-
lhoso,porém, por ter resistido e não delatado ninguém – até aquele
momento.A pressão e as ameaças eram fortes. Depois de levar
muita pancada de cassetete – principalmente no estômago e nas
costas – era obrigado a entrar na água gelada; aquilo ardia como o
Nenhuma observância ao artigo
178: “...não poderá ser conduzido
ou transportado em compartimen-
to fechado de veículo policial...”
O art.185,parágrafo 2
o
,estabelece
que o adolescente só poderá per-
manecer em repartição policial por,
no máximo,cinco dias,em seção
isolada de adultos e com insta-
lações apropriadas,sob pena de
responsabilidade.
Não há previsão legal que proíba,
expressamente,a utilização de
algemas,embora isso possa ser
considerado um ato atentatório à
dignidade do adolescente,con-
forme o artigo 232.
O artigo 5
o
,inciso III,da
Constituição Federal reza:
“Ninguém será submetido a tortu-
ra, nem a tratamento desumano
ou degradante”;a lei 9.455/97 de
7/4/1997 foi feita especialmente
para definir o crime de tortura e
prever punição para quem a pratica.
32
diabo, mas as marcas quase desapareciam.A cela era uma sujeira
só e cheirava uma mistura de fedores – suor, urina,fezes,vômito. À
noite, sempre tinha alguém tentando boliná-lo. Precisava ficar de
olho aberto, nem conseguia dormir direito.Acabou decidindo assi-
nar “as broncas” que lhe colocaram pela frente,sem nem ter idéia
do que estava escrito ali ou do que iria acontecer com ele.
Foi no quinto dia que decidiram lotar um carro da polícia civil
com adolescentes que estavam ali naquela mesma delegacia e os
levaram para um “exame de corpo delito”. No Instituto Médico Legal
(IML), ele foi acompanhado pelo mesmo policial que o havia espan-
cado nos dias anteriores.Foi obrigado a dizer que os hematomas
eram de uma briga que tivera com outros presos.Daí o “entre-
garam” num lugar chamado UAI.Entendeu logo que estava na
Febem... Um estagiário de direito, de uma ONG que realizava traba-
lho no Fórum junto a adolescentes e familiares disse-lhe que estava
ali para ajudá-lo a entender seus direitos e como correria o proces-
so. Ivan ouviu-o falar que o “melhor” naquele momento era assumir
“tudo”, porque isso poderia, inclusive, beneficiá-lo. Em seguida,
aconteceu uma conversa – a oitiva informal – com um promotor
publico; coisa rápida... Não tinha nenhum advogado o acompa-
nhando...
Na sala de espera do Fórum, a mãe de Ana aguardava a
definição do caso quando viu um adolescente deixar uma audiên-
cia, acompanhado possivelmente do irmão, indo para casa. Encheu-
se de esperanças.
Logo em seguida teve início a audiência de Ana; sem dizer
nada, a mãe e o pai permaneceram na sala. O advogado tentou
argumentar sobre sua condição de estudante e sobre sua situação
familiar,mas o promotor propôs a instauração de procedimentos
para aplicação da medida socioeducativa.Em vez de ir para
casa, Ana foi encaminhada à Unidade de Internação Provi-
sória (UIP). O promotor solicitou e o juiz determinou que, em
Unidade de Atendimento Inicial,
UAI: “porta de entrada”do fluxo de
atendimento da Febem-SP,destina-
da aos adolescentes autores de ato
infracional apreendidos;é também
a Unidade responsável pela apre-
sentação dos adolescentes ao repre-
sentante do Ministério Público,no
prazo de 24 horas,conforme o arti-
go 175,parágrafo 1O
o
.
Na ausência de advogado consti-
tuído,os adolescentes são assisti-
dos por um dos defensores públi-
cos da Procuradoria de Assistência
Judiciária do Estado de São Paulo,
que busca garantir seu direito de
defesa – um dos grandes ganhos
do ECA em relação ao antigo
Código de Menores,de 1979,e ao
primeiro código, de 1923.Contudo,
não é praxe que nessa primeira
oitiva informal o advogado esteja
presente.
art.182,parágrafo 1º e 2º.
São freqüentes as afirmações,entre
advogados e especialistas,de que as
“confissões”assinadas por adoles-
centes os beneficiam nas
atribuições de medidas socioeduca-
tivas.Não há,contudo,nenhuma
lógica nesse argumento,como se
pode verificar por dados empíricos e
pela experiência de defensores.
As Unidades de Internação
Provisória da Febem-SP recebem
os adolescentes autores de atos
infracionais por períodos máximos
de até 45 dias (conforme art.183),
para elaboração dos estudos de
caso,feitos por equipe técnica e,
posteriormente,encaminhados ao
Poder Judiciário com vistas a sub-
sidiar atribuições de medidas
socioeducativas.
33
trinta dias, deveria ser encaminhado um parecer técnico para
subsidiar sua decisão.
Ivan já estava trancado na UIP havia muito tempo; quase perdia
a conta dos dias e calculava sua permanência já em dois meses.A
irmã ia visitá-lo aos domingos,constrangida por ter que passar
pelas revistas íntimas.A cada domingo ficava mais triste por ver o
irmão emagrecendo, usando um chinelo de dedo e calção, naque-
les dias frios.Ivan não reclamava e ela tinha receio de perguntar
como eram as coisas lá dentro. Não saberia o que fazer se ele con-
firmasse que era verdade as cenas que vira num programa de TV
que denunciava a superlotação nas unidades da Febem.Vira os
garotos amontoados, dormindo no chão uns grudados nos outros,
até embaixo das mesas. Ivan lhe dizia que o pior era passar os dias
sentado no chão, sem nada para fazer.“Será que batem no meu
irmão?”, ela pensava, sem coragem de perguntar e ouvir uma con-
firmação.Tinha receio de sofrer mais ainda; não ia mesmo ter como
tirar o irmão lá de dentro. Foi quando ouviu uma outra moça que
conversava com um garoto falar de uma tal AMAR, a Associação das
Mães dos Adolescentes em Risco, que prestava apoio a familiares
de adolescentes internos na Febem. Mas não tinha o endereço nem
sabia onde obter; também não tinha dinheiro para contratar advo-
gado e não sabia dos direitos do irmão; não tinha como ajudá-lo...
Os pais de Ana foram visitá-la – sempre em companhia do
advogado – sem precisar passar por revista. Logo fizeram boas
relações com os técnicos da unidade, que aconselharam tratamen-
to psicológico para Ana e para eles próprios.“Claro! Claro!”, diziam.
Concordariam com o que fosse para ver a filha fora dali. Sabiam
que ela estava vivendo num ambiente hostil; muitas adolescentes
passavam por ali pela terceira ou quarta vez – eram reincidentes.
Garotas cuja trajetória a assustava e, ao mesmo tempo, fascinava.
No acompanhamento de vários
casos,percebe-se que há maior
proximidade dos técnicos com
familiares de origem e estrato
social semelhante ao seu.
Nesse período podem ser rea-
lizadas,também,as oitivas de
testemunhas,juntada de provas no
processo legal que foi instaurado,
de acordo com os arts.110 e 111.
Art.118 combinado com uma
medida protetiva,o artigo 101.
34
As diferenças entre elas eram tantas que Ana não conseguia se
integrar nos grupos; não era aceita nem aceitava os hábitos das
outras adolescentes.Não passou uma semana e o parecer técnico
sobre seu caso foi concluído e encaminhado ao juiz, descrevendo
sua conduta adequada às normas institucionais, a presença cons-
tante da família e as circunstâncias que, ao longo de sua história
pessoal, a teriam feito chegar ali. O parecer sugeria uma medida
socioeducativa em meio aberto e tratamento psicológico para Ana e
seus pais. Pela gravidade dos fatos que a envolviam,o juiz achou
melhor solicitar também um estudo da equipe técnica da Vara
Especial, cujo resultado também não tardou e foi semelhante.Ana
tinha endereço fixo, pais interessados que não faltaram a nenhuma
visita e possibilidades financeiras para garantir o tratamento e a
escolarização. Havia ainda uma breve consideração sobre as
condições precárias em que as medidas de privação de liberdade
estavam sendo executadas e o fato de Ana ser primária. Portanto,
uma medida em meio aberto poderia beneficiá-la,“além do que”,
diziam os técnicos, “ela já passara por um bom susto” – um “susto
pedagógico” – durante a permanência na UIP.
Ao processo de Ana fora anexado ainda um parecer elaborado
por um psiquiatra, por solicitação do defensor, argumentando que
ela tinha sido “manipulada por adultos”, no caso do roubo ao
banco,“usada como laranja”, pois não saberia “avaliar com clareza
as conseqüências de sua conduta”. Esse e os outros elementos
foram muito bem utilizados pelo advogado em sua peça de defesa,
que falou ainda sobre as precárias condições para o cumprimento
das medidas de privação de liberdade, a partir de informações que
eram de domínio público.A audiência final foi demorada, com
várias intervenções do promotor e do advogado.Ana teve que
responder a muitas perguntas,principalmente sobre sua relação
com as pessoas da quadrilha e sobre o dia do assalto.Por fim, o
juiz determinou que ela cumprisse medida socioeducativa de
Liberdade Assistida, com obrigatoriedade de tratamento psicológico,
A contraditoriedade da conduta
dos pais:o presente encobre/fal-
seia o passado.
35
As condições de cumprimento da
medida de internação na UIP e na
Unidade de Franco da Rocha estão
descritas no relatório da Comissão
de Direitos Humanos da Câmara
Federal, intitulado “O sistema
Febem e a produção do mal”, de
2001,e em outros relatórios de
comissões nacionais e interna-
cionais de direitos humanos.
A pesquisa “O Adolescente na
Criminalidade Urbana em São
Paulo”, do Núcleo de Estudos da
Violência (NEV),da USP,coloca
claramente a diferença de rigor na
atribuição de medidas socioeduca-
tivas dependendo da origem social
do adolescente.Considera que o
uso da lei pelo Poder Judiciário
deveria ser absolutamente rigo-
roso,sem o viés político-ideológico,
o que garantiria a igualdade de
todos os cidadãos perante a lei.
Os adolescentes têm direito a
acompanhar seus processos – art.
111.
incluindo relatório mensal feito pela equipe técnica da entidade
social em que ela cumprisse a medida.
Ivan reencontrou alguns conhecidos de Cidade Tiradentes na
UIP e logo foi inteirado de que, para sobreviver ali dentro, teria que
achar sua turma. Em grupos, os garotos ofereciam proteção contra
outros adolescentes e contra os monitores. Os contatos surgiam das
coincidências de conhecimentos anteriores feitos pelas ruas da
cidade ou nos locais de origem.Aos poucos, Ivan foi vendo vários
colegas de pátio irem embora.Alguns ganhavam liberdade, outros
eram destinados a unidades do quadrilátero do Tatuapé, da Raposo
Tavares ou, o que era mais temido, para Franco da Rocha.
Numa manhã de terça-feira chegou a sua vez: Ivan entrou na
sala de audiência, sem conseguir olhar o juiz. Ouviu, então,o pro-
motor fazer comentários sobre ele; um advogado que nunca vira
antes o orientou dizendo que deveria admitir a prática do ato infra-
cional, garantindo:“isso só vai beneficiá-lo”.Não conseguia olhar a
irmã. Em nenhum momento da audiência a irmã foi ouvida nem
ele.No final, o juiz decidiu que Ivan iria cumprir medida socioe-
ducativa de “privação de liberdade”em uma Unidade de Internação.
Naquele mesmo dia ele pegou o “bonde” da UIP e só ficou sabendo
que seria encaminhado para Franco da Rocha quando já estava
dentro da viatura.“Por que o mandavam para Franco da Rocha,se
ali mesmo no pátio da UIP conhecera garotos que tinham atos
infracionais mais graves que ele e ganharam a liberdade?”Afligiu-
se com a idéia de que a irmã não conseguiria saber onde encon-
trá-lo.Alguém precisava avisá-la”, remoia consigo. Não entendia o
que estava acontecendo.
Será que tinham adivinhado seus pensamentos de progredir na
carreira e ganhar muito dinheiro no tráfico para sair daquela vida
sem graça? Mas... isso nem era um pensamento muito firme. O que
Ivan não sabia é que ele fazia parte de uma rede de tráfico que se
36
instalara na periferia da cidade – o crime organizado – e que bus-
cava aliciar adolescentes cada vez mais jovens para as tarefas mais
perigosas e com maior risco.
VALE A PENA REFLETIR...
O número de adolescentes envolvidos com adultos na prática de delitos duplicou em São Paulo,se compara-
dos os índices dos finais das décadas de 1980 e 1990.Há vários estudos sobre o tema,como “O Adolescente na
Criminalidade Urbana na Cidade de São Paulo,realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência,da USP.Alba Zaluar,
estudiosa do assunto,pesquisando um conjunto habitacional do Rio de Janeiro,mostrou no ensaio “Teleguiados e
Chefes”(um bom estudo na área) o envolvimento de jovens com o mundo do crime local.Relatos colhidos por ela
referem-se a uma idade crítica,os catorze anos,marco de um envolvimento com a criminalidade associado a um
padrão de moral masculina,que define o que é ser homemnaquele ambiente cultural.O crescimento da partici-
pação de adolescentes na criminalidade vinculado ao tráfico de drogas é um fato recente.Os adultos atraem os
jovens através do vício e do empréstimo de armas.Jovens entrevistados falam sobre o fascínio que esses bens e as
figuras dos bandidos exerceram sobre eles e os aproximaram das quadrilhas.Para Zaluar,os adolescentes são inte-
ressantes para o crime organizado por sua fraqueza e sua inclinação para valorizar bens como a arma e o fumo
(maconha),dinheiro no bolso,roupas bonitas e a disposição para matar”.A posse desses objetos e sua exibição
garantem a passagem do mundo infantil para o mundo adulto,no ambiente do crime,exercendo atração sobre as
mulheres e concretizando seus projetos pessoais de virilidade.No Brasil,armas de fogo tornam-se facilmente
disponíveis a adolescentes por meio do crime organizado,que recruta a mão de obra barata de crianças e adoles-
centes na venda de tóxicos e põe armas em suas mãos para defenderem a “boca de fumo”ou assaltar,longe do
lugar,quando o comércio está fraco.Para alguns adultos com mais de trinta anos,envolvidos com o crime,a
inclusão dos menores”no crime organizado é prática recente e condenável.
Em Cidade Tiradentes,um diagnóstico elaborado pela USINA (Centro de Trabalho para o Ambiente Habitado –
Diagnóstico de Cidade Tiradentes,produto do Projeto Bairro Legal da Sehab do município de São Paulo,2003) com
vistas às intervenções urbanas no bairro para interferir nos índices de violência constatou: as condições sociais e
políticas que fundaram o bairro – construção do conjunto habitacional para dar guarida a uma população expulsa
de outras regiões da cidade – já são uma ação violenta.Os altos índices de desemprego geram baixa auto-estima e
os adultos ficam sem lugar na família e na comunidade.(...) Isto,associado à falta de lazer leva,segundo os
agentes de saúde locais,ao maior consumo de álcool e drogas,potencializando situações de desentendimento
familiar e de vizinhança,o que produz o ato violento.(...) A violência que afeta as faixas etárias superiores está li-
gada ao desemprego,à precariedade das habitações,ao congestionamento domiciliar.(...) Os homicídios estão
relacionados diretamente ao tráfico de drogas e atingem a faixa dos mais jovens (quinze a 24 anos).(...) A ocu-
37
38
pação do bairro por blocos de transferência compulsória de grupos populacionais favoreceu a existência de
gangues em diferentes regiões do bairro;formam-se guetos favorecidos,também,pela topografia da região e
baixa acessibilidade interna.(...) A organização do tráfico de drogas se assenta aí:uma briga de grupos rivais trans-
forma-se em disputas de morte pelos locais de comercialização de drogas,o que é potencializado pelo livre comér-
cio de armas de fogo.(...) Os lugares que suscitam medo na população local não são os lugares com maior número
de homicídios (terminal de ônibus,avenidas,ruas principais e proximidade dos equipamentos policiais –
bombeiros,Delegacia de Polícia,Batalhão),mas as regiões sem donoe em disputa pelo tráfico e pelas gangues.”
Mais uma vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
O trabalhador envolvido com a área da infância e da juventude ouviu muitas vezes falar sobre a Lei 8.069,o
ECA.Contudo,há duas ou três coisas a se enfatizar sobre a lei.O ECA,que garante os direitos da infância e juven-
tude,é uma legislação avançada para o tempo que vivemos em nosso país – e mesmo para muitos outros lugares
do mundo desenvolvido e em desenvolvimento.Estabelece horizontes,em uma direção na qual podemos e deve-
mos investir nossos esforços,razão e sentimento,buscando criar outros futuros possíveis,uma vida melhor para as
novas e próximas gerações.O esforço de transformar a lei (palavra escrita) em ato (exercício cotidiano) não é tarefa
pequena,nem restrita aos trabalhadores da área.É um trabalho para toda a sociedade porque exige vontade
política de governantes e da sociedade,competência técnica e uma mentalidade sustentada na ética da soli-
dariedade,capaz de superar o binômio juventude/violência,descriminalizando a pobreza.O produto disso será
uma sociedade mais acolhedora para todas as crianças e adolescentes.
Equivocadamente,alguns setores – inclusive autoridades da área – difundem a idéia de que o ECA deixa
impunes adolescentes envolvidos em atos infracionais.As medidas socioeducativas buscam a responsabilização dos
jovens,em uma gradação das medidas que incluem a privação de liberdade.Apesar disso,o ECA enfrenta resistên-
cias nas três esferas de poder público (Legislativo,Judiciário e Executivo) e em segmentos da sociedade para os
quais a paz pública deve ser garantida com medidas repressivas.Para todos esses,os adolescentes envolvidos com
criminalidade devem ser tratados na esfera da Segurança Pública,sob uma ótica policial e com sistema de vida pri-
sional.Desconhecem,por exemplo,as situações de países em que as leis são mais severas que a nossa (idade penal
aos dezesseis anos,sistema de vida prisional para os adolescentes,inclusive com a pena de morte),nos quais os
índices de criminalidade juvenil não diminuíram.O melhor exemplo disso são os Estados Unidos.É nessa mesma con-
cepção repressora que se fundamentam as propostas que pretendem reduzir a idade penal no Brasil e a implantação
do modelo prisional adulto nas Unidades de Internação da Febem de São Paulo que permanece até este ano de 2003.
39
O ECA é uma lei cuja implantação implica qualificação dos profissionais envolvidos no trabalho com os adoles-
centes – do policial civil e militar responsável pela sua apreensão,a juízes,promotores e responsáveis pelo atendi-
mento direto.Como instrumento jurídico,o ECA não organiza as práticas e ações necessárias à sua execução,nem
define os conteúdos pedagógicos e terapêuticos a serem utilizados no atendimento dos jovens.Implica,portanto,a
utilização de saberes e outras especialidades além da ciência do Direito.
40
É NECESSÁRIO SABER:
O trâmite de um processo judicial envolvendo adolescente é complexo mesmo para quem tem conhecimentos
na área.Por isso mesmo,é importante saber:
O sistema de justiça da infância e juventude, no que diz respeito aos adolescentes
autores de atos infracionais, abrange:
Segurança Pública: a Polícia Civil,responsável pelo mandado de busca e apreensão;a Polícia
Militar,responsável pela apreensão em flagrante.
Defensoria: advogados particulares ou procuradores públicos designados pelo Serviço de
Assistência Judiciária (SAJ).
Ministério Público:promotores das Varas Especiais da Infância e Juventude (VEIJ).Em São Paulo,
os promotores alocados na Vara Especial participam do processo de atribuição de medidas socioe-
ducativas;há também promotores alocados no Departamento de Execução da Infância e Juventude
(DEIJ),que fazem o acompanhamento da execução da medida.
Poder Judiciário,representado pelo juiz.Em São Paulo,da mesma forma que o Ministério Público,
o juiz está alocado tanto na instância de atribuição da medida socioeducativa (VEIJ),como na
responsável por sua execução (DEIJ).
Órgão Executivo da Medida Socioeducativa: em São Paulo,no ano de 2003,a Febem-SP é o
órgão responsável pelas medidas de Privação de Liberdade (internação e semiliberdade) e por vários
postos de Liberdade Assistida (LA) no estado.Quanto à LA,as equipes técnicas desses postos também
supervisionam organizações sociais que desenvolvem programas socioeducativos em convênio com a
Febem.Em função do processo de municipalização,estão sendo realizadas transferências de respon-
sabilidades para as prefeituras que,por sua vez,estão incrementando convênios e buscam parcerias
com outras organizações da sociedade civil para a execução dessa medida socioeducativa.
41
Ato infracional
praticado por adolescente
(faixa etária entre 12 e 18 anos)
Mandado de busca ou apreensão em flagrante,realizada
pela autoridade policial,ou por funcionário público (por
obrigação),ou por cidadão (por opção)
Encaminhamento à autoridade policial
Liberação Não liberação
Três alternativas:
1.Apresentação direta ao
Ministério Público
2.Encaminhamento à repar-
tição policial,em ambiente
separado dos adultos
3.Colocação em entidade
de atendimento
Entrega aos pais
ou responsáveis
Ministério Público
Remissão
Arquivamento
Parecer de medida
socioeducativa
Autoridade judiciária
Autoridade judiciária
Audiência
Aceita
decisão do MP
Não aceita
decisão do MP
Caso encerrado
Parecer da
Procuradoria de
Justiça do
Estado
Atribuição de medida
Caso encerrado
Recusos
processuais
Cumprimento da
medida
Caso encerrado
Fluxograma do Sistema de Justiça da Infância e Juventude
7
Os dados deste fluxograma e das legendas explicativas foram retirados de Medidas socioeducativas em meio aberto e de semiliberdade,de Myrian Veras Baptista,vol.1:Contextualização e
Proposta.São Paulo: Veras,2001; de Liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade:medidas de inclusão social voltadas a adolescentes autores de ato infracional,de Irandi Pereira e
Maria Luiza Mestriner.São Paulo,IEE/PUC-SP;Febem-SP, 1999;e,de CEDECA – Interlagos,São Paulo, 2002.
7
42
1
o
passo:
A apreensão do adolescente pode ser feita em flagrante de ato infracional (quando deverá ser encaminhado
à autoridade policial) ou através de um mandado de busca e apreensão,ou seja,uma ordem judicial fundamenta-
da e anterior à apreensão (caso em que o adolescente deverá ser encaminhado à autoridade judiciária).Poderá ser
realizada pela Polícia Civil ou Polícia Militar.
2
o
passo:
O adolescente apreendido é encaminhado à autoridade policial e:
a) é liberado e entregue aos pais ou responsáveis,para ser posteriormente apresentado ao Ministério Público (MP);
b) não é liberado,podendo seguir os seguintes percursos:
é apresentado diretamente ao Ministério Público (ou seja,a uma Vara Especial da Infância e da
Juventude);
permanece antes desse encaminhamento ao MP em repartição policial por prazo máximo de cinco
dias,devendo ficar separado de adultos;
permanece antes desse encaminhamento ao MP em local de atendimento próprio (em São Paulo,
esse local é a Unidade de Internação Provisória,UIP,parte do fluxo de atendimento da Febem-SP).
3
o
passo:
A apresentação ao Ministério Público acontece durante uma oitiva informal (ou audiência preliminar),em que
não há obrigatoriedade da presença de advogado;nesse momento,pode ocorrer:
a) remissão:
quando a autoridade judiciária (o juiz) aceita a representação com sugestão feita pelo Ministério
Público (ou seja,pelo promotor da Vara Especial da Infância e da Juventude) de liberação do jovem e
o caso é imediatamente encerrado;
quando o juiz não aceita a representação do MP e solicita parecer da Procuradoria da Justiça do
Estado,que é anexado ao processo e enviado ao MP,que o reencaminha ao juiz.Este pode aceitar a
representação do MP,encerrando o caso.
b) arquivamento:
quando o juiz aceita a representação do MP favorável à liberação do jovem e o caso é encerrado;
quando o juiz não aceita a representação e solicita parecer da Procuradoria da Justiça do Estado,
43
que é anexado ao processo e enviado ao MP,que o reencaminha ao juiz.Este pode aceitar a represen-
tação,encerrando o caso.
c) aplicação de medida socioeducativa:
quando o MP apresenta representação ao juiz propondo a instauração de procedimentos para a
aplicação da medida socioeducativa.Nesse caso,o juiz decreta (quando o adolescente não está reti-
do) ou mantém a medida de internação provisória (sempre com prazo máximo de até 45 dias),de-
signando uma audiência para apresentação do adolescente.No caso de indicação das medidas de
reparação de danos,prestação de serviços à comunidade e em alguns casos de atribuição direta de
LA não há necessidade da internação provisória;
na audiência em que o adolescente é apresentado,o juiz pode ouvi-lo,assim como a seus pais e
ainda solicitar opinião de profissional qualificado (perito).A presença do advogado é obrigatória
nessa audiência;o juiz pode decidir pela remissão (ouvindo o MP) ou pode decidir pela necessidade
de outros subsídios para emitir sua decisão,inclusive relatórios técnicos (estudos de caso) sobre o
adolescente,que permanecerá em internação provisória.Aqui,o juiz designará nova audiência de
instrução e julgamento ou poderá decidir pela aplicação de uma das medidas socioeducativas
cabíveis:internação,semiliberdade ou liberdade assistida.
4
o
passo:
cumprimento da medida determinada,sob o acompanhamento do Departamento de Execução da
Infância e Juventude (DEIJ) e/ou
entrada com recursos processuais”solicitando revisão da decisão judicial.
Obs.:A atribuição de medida socioeducativa pode ser acompanhada de medida protetiva.Por exemplo:a
medida socioeducativa de LA pode estar acompanhada da medida protetiva de abrigamento de adolescente.
COM A PALAVRA, OS ADOLESCENTES...
O levantamento de dados Trajetória dos Adolescentes pelo Sistema de Justiçafoi realizado em 2002 por três enti-
dades – Aldeia do Futuro,AEB e Cedeca Interlagos –,ouvindo 91 adolescentes que chegaram para o cumprimento de medi-
da socioeducativa de Liberdade Assistida.Destes,86 eram do sexo masculino e apenas quatro do sexo feminino,na faixa
etária de treze a dezoito anos ou mais,sendo que o maior número (47) tinha entre dezesseis e dezessete anos de idade.O
levantamento buscou abranger desde a abordagem policial,na circunstância da prática do ato infracional,à passagem pela
delegacia,o contato com a Assistência Judiciária,com o Ministério Público,com a autoridade judiciária e a permanência nas
unidades de atendimento da Febem SP.
A maioria dos adolescentes se referiu a uma abordagem péssima e ruimpelas forças policiais na circunstância da
apreensão (79%).O mesmo se repetiu quanto à recepção nas delegacias (68%) para as quais foram conduzidos e durante o
período de permanência nas mesmas.A qualificação de péssima/ruimdiz respeito à prática de agressões verbais (atos
vexatórios),violência psicológica (constrangimentos,ameaças) e,principalmente,violência física,com referência ao uso de
gás pimenta e de choque elétrico.Do total,52 foram conduzidos algemados.A totalidade,exceto um caso,ficou apenas um
dia na delegacia;a maioria (75%) afirmou que o local destinado a eles era apropriado.
Quanto ao percurso junto à Procuradoria da Assistência Judiciária (PAJ),há uma divisão clara entre os que conside-
raram essa assistência “ruim/péssimae “boa/muito boa”;um grande número (50) não teve contato preliminar à audiência
com o defensor e a qualificação de “ruim/péssimarefere-se a não ter se sentido acolhido e defendido pelo procurador”.
Mais de 50% afirmaram que a família foi informada quanto ao andamento do processo.
Quanto ao Ministério Público,a maioria teve a audiência preliminar em até uma semana,sendo que 52% não con-
taram com o defensor nessa oitiva,embora a grande maioria (81 adolescentes) tenha contado com a presença de familiar
ou responsável.Um pequeno número (9) referiu-se a atos vexatórios (xingamentos) nesse momento do percurso no
Sistema de Justiça.
Os dados referentes ao primeiro contato com o Poder Judiciário – prazo para a primeira audiência – não são claros e
revelam a dificuldade dos adolescentes em discriminar os diferentes agentes do Sistema de Justiça.Alguns (7) afirmaram
ter sido liberados sem passar pela audiência com o juiz e sete (7) permaneceram mais de 45 dias na Unidade de
Atendimento,aguardando audiência.Um número significativo (41) considerou o contato com o juiz “bom/muito bom”
quinze adolescentes afirmaram ter sido submetidos a atos vexatórios nesse contato.Um pouco mais da metade contou com
o apoio do defensor nessa circunstância e um número mais significativo (73) contou com a presença da família.
Do total de adolescentes,56 permaneceram em Unidade de Internação Provisória (UIP) e desses,trinta cumpriram a
medida de internação antes da atribuição da Liberdade Assistida.As referências ao atendimento nas unidades do fluxo de atendi-
mento – Atendimento Inicial,Internação Provisória e Unidade de Internação – mostram que os prazos de permanência foram
adequados para a maioria e o relato de maus-tratos (agressões físicas,atos vexatórios) é feito por 30 % desses 56 adolescentes.
O roteiro utilizado para esse levantamento encontra-se na página 106.
44
45
1
Além de estudar o ECA,particularmente os artigos que dizem respeito ao adolescente autor de ato infra-
cional,é importante conhecer textos e documentos legais (normativas) nacionais e internacionais,de forma a
ampliar e fundamentar os conhecimentos e as convicções sobre um sistema de garantia de direitos para os adoles-
centes,tais como:
Constituição Federal Brasileira;
Declaração Universal dos Direitos Humanos;
Declaração Universal dos Direitos das Crianças;
Regras de Beijing – Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas para a Administração da
Justiça da Infância e Juventude;
Diretrizes de Riad – VIII Congresso da Organização das Nações Unidas Sobre a Prevenção do Delito e
Tratamento do Delinqüente.
2
O ECA prevê seis tipos de medidas socioeducativas,cada uma delas com sua especificidade e implicando
um programa de atendimento ao adolescente:
advertência (pode ter um caráter educativo,pedagógico para os próprios pais que reassumem a
responsabilidade frente aos filhos);
reparação de danos;
prestação de serviço à comunidade;
liberdade assistida (LA);
semiliberdade;
privação de liberdade.
O estudo do ECA é importante porque as medidas socioeducativas podem estar associadas a medidas proteti-
vas ou,ainda,as medidas socioeducativas podem estar articuladas;por exemplo:o adolescente que cumpre medi-
da de internação e,na seqüência,deve cumprir a medida de LA.
3
Conhecer experiências de trabalhos bem-sucedidos no Brasil e em outros lugares do mundo,em que o devi-
do processo legal mostra-se ágil e de acordo com as normas internacionais e nacionais,particularmente no as-
pecto da garantia do direito de defesa e no cumprimento dos prazos estipulados pela lei.Por exemplo,numa
cidade do interior de São Paulo adolescentes apreendidos encontram,ao chegar à delegacia,um advogado da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) disponível para acompanhar seus processos desde esse primeiro momento.
46
Outra experiência bem-sucedida,na cidade de São Paulo,é a da Associação Olha o Menino.Um grupo de advo-
gados,educadores e psicólogos (muitos ainda estudantes) iniciou um serviço de Defensoria Pública (atendimento
jurídico gratuito) junto a adolescentes no Fórum da Vara Especial da Infância e Juventude da cidade.Estavam ali à
disposição dos jovens e suas famílias (ou responsáveis) para informá-los e orientá-los sobre procedimentos jurídi-
cos e seus direitos,já a partir da primeira oitiva ou audiência preliminar.As famílias eram acolhidas em seu espan-
to,dificuldades,temores quanto ao que estava acontecendo com seus adolescentes e com eles mesmos nesse
envolvimento com a Justiça.O acompanhamento prosseguia nas demais audiências e enquanto os jovens per-
maneciam na Unidade de Internação Provisória (UIP) até a atribuição da medida socioeducativa.Em alguns casos
de medida de internação,o acompanhamento continuava na unidade em que o adolescente fosse cumprir a medi-
da,mantendo o próprio e sua família atualizados sobre o processo.Esse trabalho iniciou-se no final de 1998,foi
interrompido em meados de 2001 e foi retomado em setembro de 2003 com financiamento do Ministério da
Justiça.Pode-se saber mais sobre ele no site www.olhaomenino.org.br,onde é possível fazer parte de seus grupos
de discussão pela Internet sobre o tema.
Programa Liberdade Assistida de Belo Horizonte: os adolescentes, a lei, a cidade e suas responsabilidades.
Cristiane Barreto Napoli,Coordenadora do Programa de Liberdade Assistida de
Belo Horizonte,psicóloga e psicanalista da Escola Brasileira de Psicanálise
Em abril de 1998,a Prefeitura de Belo Horizonte responsabilizou-se pela execução da medida de Liberdade
Assistida.O programa foi implantado pela Secretaria Municipal de Assistência Social em parceria com a Pastoral do
Menor e com o Juizado da Infância e da Juventude de Belo Horizonte.Desde então,empenha-se em garantir a
construção de uma política pública de atendimento ao adolescente infrator com qualidade.Para tanto,desde sua
implantação,mantém três princípios de funcionamento,a saber:a regionalização,a participação da sociedade civil
e a garantia de um acompanhamento individual ao adolescente.
Existe um núcleo do programa em cada uma das nove regionais administrativas do município.Nesses núcleos
os adolescentes são atendidos semanalmente por uma equipe interdisciplinar que articula as ações e os encami-
nhamentos necessários.
O Programa Liberdade Assistida convida os moradores de Belo Horizonte a serem Orientadores Sociais – figu-
ra jurídica prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente – para que façam trabalho voluntário,com o objetivo
de criar saídas para os impasses dos adolescentes diante da lei e facilitar sua circulação pela cidade.Cada cidadão
que se torna um orientador,acompanhando apenas um adolescente,traz como contribuição seu estilo,um fazer à
47
sua maneira,e mantém o compromisso de acompanhar regularmente questões que dizem respeito à vida do ado-
lescente – como a escola,o trabalho e a família.
Cada caso inaugura uma aposta nova.A criatividade,assim como a disponibilidade de cada orientador e a
postura de cada profissional recortam a cena necessária ao campo das negociações.Trata-se da possibilidade de
um encontro,nem tão próximo,nem tão distante,onde a cidade possa ser apresentada,uma conversa inaugurada,
uma referência ética sustentada.Cada solução criada faz parte do mesmo desafio:acolher,dar tratamento e não
segregar.
Desde o início o Programa já recebeu cerca de 2.200 adolescentes.Atualmente seiscentos estão em acompa-
nhamento e entre 60 e 70% deles concluem a medida.
Acreditamos que o trabalho neste campo não se dá sem um árduo exercício de oferecer aos jovens um lugar
onde eles possam ser interpelados,incentivados a falar sobre sua história e seus embaraços.É necessário acom-
panhar suas construções e,a partir dessa localização,uma resposta se apresenta ao sujeito e ao mundo:poderão
escolher pertencer a alguns lugares,no empenho dos seus compromissos com a cidade e suas ofertas de lazer,
saúde,educação,arte e de encontro com o amor.
4
Dados quantitativos são indicadores importantes para compreendermos melhor a realidade.Segundo o
Departamento da Criança e do Adolescente do Ministério da Justiça,em 1999 mais de 50% dos casos relativos a
adolescentes autores de atos infracionais registrados no Brasil ocorreram no Estado de São Paulo.Os dados do
“Mapeamento Nacional”,realizado no segundo semestre de 2002 pelo IPEA/Ministério da Justiça,ainda não foram
divulgados.Dados da Febem-SP indicam que havia no Estado,em maio de 2003,6.040 adolescentes cumprindo
medida de privação de liberdade,um aumento de 37% em relação a maio de 2002,quando 4.407 adolescentes
cumpriam medida de internação.Acrescente-se a esse número que,em julho de 2003,520 adolescentes permane-
ciam na Unidade de Atendimento Inicial (UAI) da cidade de São Paulo (que tem 62 vagas),local onde deveriam
permanecer,no máximo,24 horas.Segundo o Ministério Público,muitos têm sido mantidos ali por até três meses.
Existem 390 vagas de semiliberdade no Estado.Denúncias de maus-tratos e torturas nas unidades de internação –
particularmente nas Unidades de Franco da Rocha – são freqüentes,por parte de vários órgãos de defesa de direi-
tos humanos e do Ministério Público.Esses dados foram publicados pelo jornal Folha de S.Paulo,em 2/7/2003.
Quanto às medidas em meio aberto,o processo de municipalização na cidade de São Paulo pretende atingir até 6
mil adolescentes.Em setembro de 2003,o Secretário de Educação do Estado de São Paulo,onde a Febem-SP está
alocada,em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo,afirmou que havia,na época,em torno de 12 mil adoles-
centes em cumprimento da medida de Liberdade Assistida.
48
PARA SABER MAIS:
1
Referências bibliográficas (estudos,ensaios):
Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado,de Munir Cury (coord.) e outros.São Paulo:
Malheiros,2003.
Infância e cidadania na América Latina,de Emilio Garcia Mendez.São Paulo:Hucitec,1998.
O adolescente e a criminalidade na cidade de São Paulo,de Sérgio Adorno e outros,NEV/Ministério
da Justiça.
Teleguiados e chefes:juventude e crime,de Alba Zaluar, In:Condomínio do diabo.Rio de Janeiro:
Revan/Ed.da UFRJ,1994.
Adolescentes privados de liberdade – A normativa nacional e internacional/Reflexões acerca da
responsabilidade penal,de Mario Volpi.São Paulo:Cortez Editora.
A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os Direitos Humanos,de Martha de Toledo
Machado.Barueri:Editora Manole,2003.
Mapeamento Nacional da Situação do Atendimento dos Adolescentes em Cumprimento de
Medidas Socioeducativas em Meio Fechado;Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e
Depto.da Criança e do Adolescente do Ministério da Justiça,2002.
Crianças do tráfico – Um estudo de caso de crianças em violência armada organizada no Rio de
Janeiro,de Luke Dowdey.Rio de Janeiro:7 letras,2003.
Documentos Sobre Violação de Direitos podem ser obtidos nos sites da Anistia Internacional
(http://www.amnesty.org ou http://utopia.com.br/anistia);Alto Comissariado da ONU para os
Direitos Humanos (www.unhchr.ch);Grupo Tortura Nunca Mais
(http://www.torturanuncamaisrj.org.br/ );Justiça Global (http://www.global.org.br/);Comissão de
Direitos Humanos da Câmara Federal (http://www.dhnet.org.br/direitos/brasil/legislativo/cdhcf/);
Comissão de Direitos Humanos da OAB (http://www.oab.org.br/comissoes/cndh/); Guia de Direitos
Humanos (www.guiadh.org) e,também,através da imprensa,em jornais de circulação nacional.
49
2
Endereços importantes que precisam estar disponibilizados para os funcionários da organização social:
Delegacias de Polícia do bairro e/ou distrito;
Delegacias Especializadas (de Pessoas Desaparecidas,da Mulher,da Criança e Adolescente);
Corregedoria da Polícia Civil;
Corregedoria da Polícia Militar;
Ouvidoria da Polícia;
Instituto Médico Legal (IML);
Conselho Tutelar;
Assistência Judiciária ou outros serviços públicos de defensoria;
Centro de Defesa do Direito da Criança e do Adolescente (CEDECA);
Organizações e entidades de direitos humanoslocais,nacionais e internacionais;Associações de
mães e/ou familiares de adolescentes autores de atos infracionais e vítimas de violência.Em São
Paulo,foi criada a Associação das Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco (AMAR):Rua
Pedro Américo,32,13º andar,Centro,São Paulo,SP.CEP 01045-010;tel:(11) 3337-0451,fax:(11)
3337-0451;e-mail:amar[email protected].
50
51
Capítulo 3
Procurar ajuda implica atitude
ativa. Algo nem sempre fácil para o
adolescente.
“Não pensar”é um modo de não
entrar em contato com o próprio
sofrimento.
Isso caracteriza a implantação do
sistema carcerário nos equipamen-
tos destinados ao adolescente
autor de ato infracional.
52
a semana seguinte à audiência,Ana apresentou-se no
Posto de LA da Febem,que a encaminhou a uma enti-
dade social executora do programa, situada em região
próxima à sua casa, onde deveria comparecer, em data marcada,
para cumprir não sabia direito o quê. Em casa, andava calada,
preferia ficar vendo TV e comendo. Continuava brigando com a
mãe,argumentando que não queria mais ir ao supletivo; que todo
mundo lá ficava apontando para ela e fazendo comentários. Um
misto de desdém e vergonha, medo e irritação fazia com que se
sentisse um tanto perdida sobre o que tinha acontecido. Lembrou-
se da sugestão do trabalho com a psicóloga. Não sabia por onde
começar e o melhor,assim pensou,“era simplesmente não pensar”.
Trancafiado em Franco da Rocha,Ivan só saía de vez em quan-
do para tomar sol no pátio – a “hora de sol”; a maior parte do
tempo ficava, do mesmo modo que os outros garotos,fechado em
uma cela.A turma até que era legal. Zoavam muito, e se não fosse
assim ninguém agüentaria ficar ali. Mas ficava sempre esperto pra
não ser passado pra trás no “rango”,na hora de descolar um cigar-
rinho ou de dormir...Ali era parecido com as penitenciárias dos
filmes que via, só que um pouco mais sujo e os funcionários não
usavam uniforme.Andavam desleixados como os internos. O tempo
não passava e não tinha nada pra fazer, só uma aula de street
dance uma vez por semana e, ainda assim, os monitores escolhiam
quem podia ir. Como não era de pedir nada pra ninguém – porque
“quem pede fica devendo”, sua mãe dizia –, preferia ficar no seu
canto, pensando, pensando...Tentava entender por que perdera
N
Ana e Ivan na rede de atendimento
Os fatores desencadeadores do uso
de drogas são inúmeros.
53
Por mais que se resista, é impor-
tante admitir no trabalho com o
adolescente que o uso da droga
está associado a uma experiência
de prazer.
O que significa propiciar o desen-
volvimento do adolescente em
todos os aspectos de sua vida”?
Exercício de cidadania? Inclusão
social? Ruptura com a prática do
ato infracional? Ascensão social?
Em educação,o objetivo é definido
considerando concepções filosófi-
cas e as características da popu-
lação à qual se destina o projeto
educacional.No caso da LA é
importante que os objetivos
genéricos sejam substituídos por
objetivos operacionais que
forneçam direções precisas e unifi-
cadoras para a ação da equipe de
trabalhadores.É necessário consi-
derar que os adolescentes para os
quais se destina o programa têm
uma vivência em ato infracional.
coisas tão preciosas em sua vida e tudo se tornara tão difícil.
Sempre quisera estudar e trabalhar. Isso o fazia sentir-se diferente
de alguns meninos dali.Agora, tinha mais uma coisa em que pen-
sar: a irmã ia se casar. Ela estava namorando um cara lá no
Conjunto. Ivan sentiu-se impotente: quem seria esse cara? O que
fazia para viver? E ele? Será que ainda tinha chance de estudar?
De casar? Quem iria querer um garoto com passagem pela Febem?
Pensava, pensava e afundava mais na tristeza. Num dia em que a
angústia bateu mais forte aceitou um baseado do colega. Começou
a usar maconha a partir daquele dia.Achava que os problemas
ficavam menores, as dúvidas sempre tinham uma boa solução e
voltou a lembrar do pai empinando pipa.Nem sabia dizer se aquilo
era sonho ou tinha acontecido,de verdade.
Foi justamente na véspera do dia do seu aniversário que Ana
se apresentou no Projeto de LA. Completaria dezessete anos.
Naquele mesmo dia, ela assistiu pela TV a notícia sobre mais uma
rebelião na Unidade da Febem de Franco da Rocha.
A entidade na qual Ana foi cumprir sua medida socioeducativa
tinha estabelecido como objetivo do projeto:“propiciar o desenvolvi-
mento do adolescente em todos os aspectos de sua vida”. Os
rumores sobre a municipalização deixavam todos os trabalhadores
da entidade inseguros quanto às prioridades no trabalho. Queriam
acertar, porque disso dependia o convênio. Não sabiam os critérios
para manutenção dos convênios quando o programa de LA pas-
sasse do estado para o município.Tudo ainda estava em discussão
e os adolescentes continuavam a chegar, precisavam ser atendidos.
Ana, em mais um arroubo de autonomia – “nunca dependera
de ninguém para nada” – foi sozinha se apresentar na entidade e
nem passou da recepção. Foi informada que deveria voltar no dia
seguinte com o pai, a mãe ou um responsável.Resolveu não “criar
caso” antes de saber o que era a tal da LA.Voltou no dia seguinte
com a mãe “debaixo do braço”.O pai levou-as de carro,mas “não
Falar sobre a intimidade implica
um clima de acolhimento e uma
relação de confiança.Por isso,co-
nhecer o outro é um processo.
O adolescente consegue capturar o
sentido desta frase? O desafio da
educação é falar na linguagem da
criança ou do adolescente;ou seja,
considerar suas estruturas de pen-
samento.
54
podia” ficar. Foram atendidas por um orientador que,naquele dia,
fazia o “plantão de interpretação da medida”.Ana nem quis enten-
der o que era aquilo, mas viu logo que era uma coisa “demorada”.
O orientador explicou, com detalhes, tudo que estava escrito na
“determinação judicial”, disse que o objetivo do trabalho que rea-
lizavam era “desenvolver o adolescente em todos os aspectos de
sua vida”. E fez muitas perguntas, que Ana foi respondendo logo,
querendo se livrar daquilo depressa. O orientador percebeu que a
filha inibia a mãe; mesmo quando abordada diretamente, a mãe
começava uma resposta vaga e ia deixando a filha completar...
Ambas,ele também percebeu, evitavam falar de dificuldades fami-
liares – não mencionaram o alcoolismo do pai e as situações de
violência.Ana disse que freqüentava o supletivo, embora isso não
ocorresse desde o assalto.
O orientador quis marcar entrevista com a psicóloga, que faria
seu encaminhamento para a psicoterapia no posto de saúde, quan-
do Ana atalhou dizendo que não seria necessário. Já tinha indi-
cação de uma psicóloga particular. O orientador explicou,então,
sobre a obrigatoriedade do seu comparecimento mensal ali, sobre
as conseqüências de sua ausência e,ainda, sobre ter que levar,
todas as vezes, documentos comprovando seu local de moradia,
onde estava estudando e fazendo psicoterapia, conforme a determi-
nação judicial. Explicou também que, naquele primeiro mês, deveria
ir uma semana antes, porque o juiz determinara que o primeiro
relatório deveria ser encaminhado trinta dias após sua apresen-
tação para cumprir a LA – em seu caso, não havia sido colocada
exigência de “trabalho”. Finalmente, ele falou sobre o funcionamen-
to do Projeto de LA e sobre atividades de participação voluntária,
como os grupos de “conversa para adolescentes”e “de mães”.
Antes de atender o caso seguinte, o orientador cismou por alguns
instantes,observando Ana e sua mãe. Chamou-lhe a atenção a
excessiva prontidão das respostas da garota, contrastando com a
apatia da mãe.Mas,ao mesmo tempo, sentiu um certo alívio. Pela
Esse tipo de raciocínio acaba por
deixar aqueles adolescentes com
mais recursos financeiros desprote-
gidos,porque reduz a questão às
suas determinações objetivas (o
aspecto econômico).No caso de
Ana e outros semelhantes,um
equívoco.
55
O“seguroé um espaço na própria
unidade reservado a adolescentes
ameaçados por outros.Sua circu-
lação é mais restrita e o temor de
ser atacado é constante.
experiência, soube logo que aquele era o tipo de caso em que a
família “providenciava tudo”, deixando o pessoal da LA com mais
tempo para se dedicar aos que dependiam exclusivamente dos
recursos e dos encaminhamentos da entidade.
No caminho pra casa, a mãe fez uma única tentativa de pon-
derar com Ana, dizendo que ela deveria voltar a freqüentar a escola,
que era “exigência judicial”.Ana se esquivou:“Quem cuida da
minha vida sou eu”. Para ela, o tal orientador era um “mandão” e
nela ninguém iria mandar. Essa história de “juiz determinou” não
seria bem assim e,depois,“seis meses iam voar”...
Ivan não quis participar da rebelião na unidade, que teve início
porque os meninos estavam injuriados com os maus-tratos e humi-
lhações que recebiam dos monitores “sangue-ruim” e com a
proibição da visita das mães,naquela semana.A recusa de Ivan
levou os garotos a acharem que ele estava de “jogo” com os moni-
tores. Os monitores, por sua vez, desconfiavam dele, porque era ca-
lado e não entregava o “movimento” dos meninos. Ivan tinha uma
ética. No final da tarde daquele domingo, a rebelião tomou pro-
porções; os garotos queimavam colchões e se tornavam cada vez
mais agressivos com os colegas.A tropa de choque da PM foi
chamada e invadiu a unidade com gás lacrimogênio e balas de
borracha. Ivan teve que ir para o “seguro”. No “seguro”, seu contato
com a equipe técnica passou a ser mais freqüente,o que não con-
tribuiu para diminuir seu temor de que os outros garotos conseguis-
sem pegar a chave e invadissem o lugar para um “acerto de con-
tas”. A Febem havia se tornado um inferno:só queria ficar quieto,
tentar fazer com que o tempo corresse depressa... Não “topava” a
maioria dos garotos e não queria ter nada a ver com os movimen-
tos deles. O mesmo valia para os monitores... Não queria encrenca
com ninguém.
Exatos seis meses depois de sua internação informaram-lhe
que havia chegado o papel da desinternação.Aquilo foi para ele
A progressão da medida coloca
para o projeto de LA a necessidade
de considerar as vivências institu-
cionais de violência do adoles-
cente.Isso também constitui sua
biografia.
Nessas circustâncias o adolescente
está centrado em suas necessi-
dades e interesses particulares.
Muitas informações gerais não são
“registradas”; precisam ser
retomadas.
56
quase tão inexplicável quanto o modo como fora parar ali. Disseram
também que ele teria que cumprir uma tal “medida de Liberdade
Assistida”, por mais seis meses, que poderiam ser prorrogáveis.
Achou que era uma espécie de milagre; seus pais deviam estar
“arranjando” isso, lá de cima, para ajudá-lo. Na manhã seguinte o
encarregado de turno da unidade confirmou que ele seria levado
para casa ainda na tarde daquele dia. Mas que casa? Sabia que a
irmã estava vivendo com o tal cara, mas em outro bairro. Era o
endereço que tinham pra levá-lo, porque em todo o processo ela
aparecia como sua responsável. Logo que o carro da Febem parou
em frente ao pequeno barraco de periferia – um bairro chamado
Jardim Shangrilá – percebeu que as coisas não tinham melhorado
para ela. Estava mais magra, com olheiras.Desconfiou que o mari-
do a tratava mal; quis ir logo embora dali, buscar seu rumo. Mas
para onde? Uma coisa de cada vez:antes iria se apresentar no
endereço que estava no papel do juiz, para cumprir a tal da “LA”.
Tinha esperança de encontrar alguma ajuda.Teria que ir junto com
a irmã, sua responsável.
No dia e hora marcados, os dois chegaram na entidade social.
Ele foi colocado em um grupo junto com outros adolescentes,
alguns seus conhecidos de Franco da Rocha.A assistente social
que os recebeu disse que o assunto que iriam trabalhar era “inter-
pretação da medida”. Sua irmã foi encaminhada a outro grupo, com
os demais pais e responsáveis, que receberiam explicações sobre o
trabalho realizado pela entidade. Ivan sentiu-se “tonto” com tanta
coisa que disseram. Só entendeu uma parte – o que era Liberdade
Assistida, a prestação de contas para o juiz – e que havia uma lei,
um tal ECA mas não entendeu muito bem o que era.Fosse o que
fosse, era muito melhor estar ali do que lá em Franco da Rocha,
claro... Perguntou se alguém poderia lhe explicar mais sobre o “seu
caso”. Poderiam.Ele teria que marcar entrevista individual,em outro
dia. E não precisaria retornar acompanhado pela irmã.
Retornou no dia marcado e foi atendido por outra pessoa – um
O vínculo – uma relação afetiva
significativa – é um processo a ser
construído; contudo,podem ocor-
rer situações – um gesto,uma
palavra – que estabelecem uma
relação importante de empatia.
Um das características do adoles-
cente é a labilidade.Ele decide,
muitas vezes,por impulso.
57
rapaz jovem, orientador do Projeto de LA (quanta novidade!) – que
se apresentou dizendo que estava “à sua disposição para tirar as
dúvidas que tivesse”. Ivan gostou do jeito que ele o olhava, nos
olhos,e de ser atendido naquele lugar quieto, reservado. Mas aí deu
um “branco”.Tinha tantas dúvidas e não sabia o que perguntar,
exatamente. Ficava com medo de dizer alguma besteira,alguma
coisa que não podia.Aí foi legal porque o cara pareceu adivinhar
sua atrapalhação e começou a perguntar devagar sobre sua pas-
sagem na Febem, sua família,seus amigos, a escola, se tinha von-
tade de trabalhar, o que pensava para o seu futuro... Gaguejou
algumas vezes e não conseguiu responder a todas as coisas que o
orientador perguntava.“Tudo bem, com o tempo você vai aprender a
confiar”, disse o orientador.Algo importante ocorreu naquele mo-
mento, que nenhum dos dois ainda saberia explicar bem o que era.
E Ivan, quase sem querer, disse:“Tenho que arranjar outro lugar pra
morar. Lá com minha irmã não tá dando mais”.Aquilo era o que
mais o angustiava naquele momento. O orientador percebeu sua
aflição, mas pediu que ele tivesse um pouco de paciência, porque
aquele tipo de providência era mais difícil de resolver. Orientou-o
para começar a freqüentar a escola do bairro e a participar das ati-
vidades do Projeto de LA – grupos de dança de rua, de capoeira, de
samba e,na sexta-feira, futebol, além de um grupo para discutir
como arranjar trabalho e outro grupo para mães e responsáveis.A
irmã já sabia disso, mas não tinha tempo para vir.O orientador per-
cebeu que ele não ficou completamente satisfeito, mas lhe deu
passes de ônibus para seu retorno ao Projeto de LA. Ivan saiu dali
sem saber pra onde ir. Sem nem saber por quê, usou os passes
para ir à Cidade Tiradentes... Lá encontrou alguns meninos do con-
junto, e outros que tinha “cruzado” na UIP e em Franco da Rocha.
Fumou com eles um baseado e,antes de ir embora, marcou um
ponto de encontro.Nesses encontros sempre “rolava” muita droga e
histórias em que eles contavam como tinham conseguido “um mon-
A tentativa de compreender!
A voracidade do consumo alimen-
tada na sociedade narcísica pode
se apoiar em dificuldades psicoló-
gicas e encobri-las.
58
te de grana”.Ivan juntou as “pontas” dos baseados pra fumar mais
tarde... Nos dias seguintes, voltou a encontrar “os manos” outras
vezes.
Nos seus retornos ao Projeto de LA, o orientador notou que Ivan
estava se tornando cada vez mais desleixado; a irmã, por sua vez,
nunca aparecia nos grupo de família. Já passava um mês desde
que ele saíra da Febem e nada de arranjarem um outro lugar para
ele morar. Dos grupos de trabalho que havia na LA, Ivan interessara-
se pelo de grafite, mas o que ele mais gostava mesmo era de con-
versar com o orientador naquela sala fresquinha, sem barulho de
telefone e com a porta fechada. Naquelas conversas, ia repassando
sua história, minuciosamente. Cada vez mais interessado em Ivan, o
orientador acreditava na possibilidade de que ele pudesse construir
para si um destino melhor do que tudo que tinha vivido até ali.
Ana não compareceu ao primeiro retorno do Programa de LA.
Esqueceu! Lembrou que a mãe tinha falado sobre uma carta da
entidade confirmando dia, horário e documentos que deveria levar.
Mas aquilo estava ficando vago e longe em sua cabeça. Preferia
gastar o tempo no shopping ou vendo TV. Estava engordando. E “ai”
da mãe se falasse em regime ou médico.A resposta era um
palavrão.Tudo que precisava era de “mais dinheiro”. O pai acabava
cedendo, mas por mais que desse,nunca seria suficiente para con-
sumir tudo o que queria.Ana passou, então, a “tirar”objetos de casa
para vender. Os pais faziam “vista grossa”.Logo, porém,Ana perce-
beu que havia outro jeito de fazer “grana fácil”: uma vez um dos
caras havia sugerido que ela fizesse “um programa”com um
homem mais velho. Sabia que, gorda como estava, seria mais difícil:
precisava emagrecer... Pensava nisso quando o telefone tocou. Era
um dos trabalhadores do Programa de LA convocando-a e à sua
mãe para comparecerem à entidade. Explicou que, caso isso não
ocorresse,um comunicado seria feito ao juiz e um mandado de
busca e apreensão seria expedido, determinando que Ana fosse,
A dificuldade dos pais lidarem com
seus filhos adolescentes tem se
acentuado.E se exacerba em algu-
mas famílias em função de seu
histórico.Trabalhar com adoles-
cente implica trabalhar com a
família.
O adolescente revela com os ope-
radores de LA um modo de estar
no mundo.
59
provavelmente,recolhida na Febem (embora não fosse exatamente
assim porque, necessariamente,haveria uma audiência no DEIJ). O
orientador usou esse argumento sabendo que, em muitos casos,se
mostrava eficiente. Foi o bastante para que,na manhã seguinte, a
mãe de Ana comparecesse,sozinha, no Projeto de LA. Foi atendida
por um orientador que levava nas mãos uma pasta na qual estava
escrito o nome de Ana. Ele repetiu algumas perguntas já feitas na
primeira entrevista,mas também quis saber o que havia acontecido
naqueles quase trinta dias:“Como estava Ana? Por que não viera na
data do retorno e nem agora?”A mãe tentou inicialmente “salvar a
filha”, dizendo que estava doente.Aos poucos, começou a se con-
tradizer, falando mais sobre ela mesma... Que não “sabia como
lidar com a filha”, que não via jeito “de fazê-la mudar”, que se sen-
tia “culpada por tudo aquilo”, e desabou no choro.A conversa foi
difícil, também, porque a toda hora alguém entrava na sala ou o
telefone tocava. O orientador, sem muito o que fazer, tentou mostrar
alternativas. Ela saiu dali, levando em sua bolsa um papel com dia
e hora em que ocorreria a próxima reunião do grupo de mães.
Levou também uma nova convocação escrita para Ana.A entidade
estaria ainda fazendo um comunicado ao juiz, justificando a impos-
sibilidade de ser cumprido o prazo para o primeiro relatório.A con-
tragosto,Ana acabou aparecendo no Projeto de LA,no dia marcado,
quase no final do expediente. Usava um short curtíssimo e uma
blusa provocante, bem decotada. O orientador que a atendeu teve
que ser paciente para agüentar sua arrogância e displicência. O
tempo todo ela tentava driblar as perguntas, argumentando e fazen-
do trejeitos,querendo saber o que a mãe havia dito. Ficou sem
saída quando o orientador pediu os comprovantes de freqüência à
escola e à psicoterapia. Sem ter justificativa,ela fez o que sabia...
foi mal-educada. O orientador, para não se descontrolar, saiu da
sala e pediu que outro colega encerrasse a entrevista dando a ela
novo prazo, de uma semana, para levar os comprovantes.Ana con-
tinuou tentando tirar o outro orientador “do sério”.Ainda naquela
Ficar atento ou estar desconfiado.
A escolha do lugar depende do
cuidado com o adolescente.
60
semana, sua mãe compareceu ao grupo de mães do Projeto de LA.
Não conseguiu dizer uma palavra, mas permaneceu atenta, princi-
palmente quando outras mães relatavam sobre agressões que so-
friam dos maridos.
O caso de Ana foi parar na pauta de discussão semanal da
equipe do Projeto de LA. Naquele dia, todos se deram conta que,
apesar de terem lido todos os documentos e relatórios do pron-
tuário, pouco sabiam sobre aquela garota e tinham a sensação de
terem sido ludibriados por ela. Resolveram aguardar mais um
pouco para ver se ela traria os comprovantes e pensaram que,
através da mãe, talvez pudessem atingi-la, envolvê-la... Seria mais
uma tentativa. Decidiram ficar de olhos abertos com Ana... Quando
ela retornou ao Projeto de LA, o único documento que apresentou
foi um recibo” da matrícula feita no começo do ano – já era maio.
Jogou o documento na mesa da recepcionista, que pediu que ela
aguardasse.A resposta foi:“Não tenho todo o tempo do mundo pra
ficar aqui à sua disposição”. Já na sala do orientador tentou argu-
mentar que precisara faltar à escola para estar ali. O orientador
pediu-lhe que conversasse com a psicóloga, chamada para atender
seu caso.Ana se irritava cada vez mais...A psicóloga deixou que ela
esbravejasse. Num momento de “cansaço” de Ana, perguntou:
“Como você quer fazer? O que você propõe para resolvermos sua
situação?”. A pergunta a atordoou.Por algum tempo,Ana emude-
ceu e foi para muito longe dali.A voz da psicóloga a fez retornar:
“Vamos ficar por aqui. Se você quiser continuar a conversar, volte
semana que vem, nesse mesmo horário”. Levantou-se, abriu a porta
e despediu-se de Ana, que saiu confusa da sala.A partir daquela
tarde, ficou decidido no Projeto de LA que a psicóloga seria a refe-
rência nesse atendimento.Ana dormiu naquela noite como não
acontecia havia muito tempo...
Ivan chegou ao Projeto de LA desarrumado, desatento e com
sono. Começara a experimentar o “maldito crack”. E, para bancar a
Conhecer os efeitos de drogas e o
adolescente são condições para um
diálogo franco e objetivo sobre o
assunto.
O cotidiano do trabalho vai reve-
lando um fazer exigente.
61
droga, começara a fazer biscates, alguns trabalhos esporádicos e
pequenos furtos nas barracas dos camelôs. O orientador percebeu
seu estado e, pela primeira vez, falou sem entremeios sobre os
riscos que corria usando o crack e,ainda, sobre como isso dificul-
taria para que conseguisse uma vaga em algum abrigo. Por coin-
cidência, naquele mesmo dia a assistente social comunicou ao
orientador, em seguida,que conseguira uma vaga para Ivan em um
abrigo que aceitava adolescentes. Ele ficou eufórico com a notícia.
Foi providenciada uma autorização junto ao juiz e a irmã de Ivan foi
comunicada.
No dia seguinte, o orientador foi levá-lo até o local.Vida nova:
agora, tendo um local fixo definido, poderia matricular-se em uma
escola e,talvez,até fazer um curso de informática.O que Ivan não
sabia era que o crack começava a tomar conta de sua vontade.
Estava querendo parar com as drogas porque, afinal, tudo começa-
va a melhorar para ele. Mas por mais que tentasse, quando a noite
vinha não conseguia deixar de sair à procura da droga. Quando não
fazia isso,começava a suar frio, a sentir pânico... Depois de abriga-
do, tentou segurar a barra por um,dois dias.Na terceira noite
apelou, pela primeira vez, para o celular do orientador. Contou a ele
o que acontecia e, só de ouvir sua voz, sentiu-se mais calmo. Mas
ainda assim quase não conseguiu dormir, mais uma noite. O
mesmo se repetiu nas noites seguintes... Às vezes, nem ligar para o
orientador adiantava e ele acabava “caindo na vida”. Numa dessas
vezes, o orientador foi buscá-lo tarde da noite num bairro distante,
para conversar. Ivan o ouviu falar longamente sobre um “tratamen-
to”.Acompanhado pelo orientador,Ivan pôde entrar no abrigo de
madrugada. Dormiu bem daquela vez e sonhou outra vez que esta-
va com o pai soltando pipa...Acordou em dúvida: era o pai ou o
orientador que aparecia no sonho? Foi para a escola decidido a
seguir, depois,para o Programa. Faria qualquer oficina que tivesse
no dia. Precisava ocupar seu tempo. Melhor seria se conseguisse
um serviço.Tentaria vencer sozinho a dependência; se fraquejasse,
aceitaria fazer o tratamento proposto pelo orientador. Lembrava do
A identificação facilita a criação de
vínculos em que o outro se torna
significativo.Ocorre a partir de
aspectos nem sempre planejados,
racionais.
Essa constatação de Ivan é algo
importante para os trabalhadores
da área.A drogadição tem aspectos
orgâncios e psíquicos complexos.
Compreender o passado auxilia a
se organizar no presente e planejar
o futuro.
62
esforço da mãe para criá-lo e gostaria que ela zelasse por ele, de
onde estivesse. O difícil era se livrar dos “manos”, que insistiam pra
que saíssem pras “baladas”. Não era o único do grupo que cumpria
medida socioeducativa no Projeto de LA. Ivan, algumas vezes,
acabava se deixando levar, algumas vezes fugia. Um dia, procurou o
orientador e disse que queria fazer o tratamento. Sozinho não ia
mesmo dar conta. Entendeu que não era só uma questão de von-
tade. Foi, então, encaminhado a um programa ambulatorial de
redução de danos, num bairro distante.Também o coordenador do
abrigo o parabenizou pela decisão; disse que “podia contar com
ele”.Aquele homem negro tinha um jeito de erguer as sobrance-
lhas,quando ia dizer uma coisa séria, que lembrava seu pai.
Paralelamente ao tratamento,melhorou sua freqüência nas oficinas
da entidade e começou a aprender “um monte de coisas”. Nem
sabia bem pra que serviam, mas se sentia melhor.Na oficina de
grafite, seus desenhos ficavam cada vez mais interessantes e eram
elogiados.
A mãe de Ana não faltava mais a nenhum encontro na enti-
dade. Encaminhada a um programa de atendimento a mulheres víti-
mas de violência doméstica, seu caso foi avaliado e uma alternativa
pensada foi o encaminhamento do marido a um tratamento para
alcoolismo. Ela alegou, no entanto, que tinha medo de falar com ele
sobre isso. Parecia estar agora entendendo melhor a situação com-
plicada vivida pela família e o quanto isso havia prejudicado sua
filha. Lembrou-se da primeira vez que foi chamada na escola por
conta do comportamento de Ana, que contava uns sete anos.Aquilo
tinha ocorrido pouco depois de ela ter sido agredida pelo marido,
pela primeira vez,na frente da filha.Ana, agora,já estava distante
dela. Seria muito difícil que ambas se ajudassem. Lembrou-se,
ainda, de a filha ter-lhe dito um dia que queria sair de casa. Ela
também já sentia menos medo de enfrentar essa situação.Talvez
tivesse sido melhor isso do que passar por tudo que passou. Uma
Os indícios de um pedido de ajuda
são,às vezes,delicados,sutis.
O“tempo”de cada adolescente é
diferente.A administração da
justiça deve considerar isso.
63
tarde teve forças para se aproximar de Ana e falar sobre o que esta-
va sentindo; sobre essa vontade de ir embora também.A garota
ouviu calada, não fez comentários... Naquela semana, a psicóloga
da entidade percebeu, quando deixava o trabalho, que Ana estava
sentada na calçada do outro lado da rua. Entreolharam-se, nada
mais... Dia seguinte, durante a reunião da equipe,a psicóloga con-
siderou que talvez fosse importante dar mais “um tempo” a Ana,
antes que fosse encaminhado o segundo relatório para o DEIJ infor-
mando sobre ela não estar cumprindo as determinações judiciais.
Não poderiam, de todo modo, esquecer de solicitar uma prorro-
gação ao juiz – ou poderiam ser cobrados por isso pela equipe téc-
nica do DEIJ. Outra alternativa seria mandar um relatório, mas justi-
ficando o caso com a exposição da dinâmica familiar e da situação
psicológica de Ana.Todos concordaram em “tentar mais uma vez”.
No plantão seguinte da psicóloga,Ana apareceu bem vestida,
apesar da maquiagem excessiva – principalmente o batom –,que
não combinava com o local ou com a hora do dia.Ana tentava se
mostrar segura: falou sobre “ganhar dinheiro” se prostituindo para
sair de casa e ir viver em outro local com a mãe. Sem comentários
moralistas,a psicóloga falou apenas sobre os cuidados que deveria
ter com métodos contraceptivos ou para evitar doenças sexual-
mente transmissíveis.Ana mostrou-se bem informada a respeito. Em
certo momento, disse:A única diferença entre eu e minha mãe é
que ela vende seu corpo pra um homem só.Eu vendo pra muitos”.
A frase continha todo o seu drama. Sem rodeios, a psicóloga disse-
lhe que sem ajuda seria muito difícil superar tantas dificuldades
que vinha vivendo havia tanto tempo. Entregou a ela um cartão,
com o endereço de uma psicoterapeuta, afirmando:A decisão é
sua”. Mais um mês se passou. No retorno seguinte,Ana apareceu
levando o comprovante de que estava em atendimento psicológico.
Sua mãe continuava freqüentando o grupo da entidade; já se
tornara familiar aos integrantes da equipe; oferecera-se, inclusive,
para integrar o grupo de recepção às mães recém-chegadas, em
O atendimento do adolescente em
uma perspectiva responsável não
se encerra com o desligamento do
projeto, com a cessação da medida.
Portanto,faz falta na rede de
atendimento equipamentos de
moradia para o adolescente e o
jovem.
O processo de crescimento pessoal
é contraditório, não é linear.
64
fase de implantação. Sentia-se orgulhosa de poder participar; estava
mais alegre e até mais bonita.Através da mãe,a entidade tinha
mais informações sobre Ana: por exemplo, que ela voltara a cursar o
supletivo, que iniciara um curso de inglês, e também continuava
passando muitas noites fora de casa. Outras vezes, chegava
alcoolizada dizendo que estava trabalhando. Uma noite,a mãe
percebeu que ela chorava em seu quarto.Teve medo de se aproxi-
mar. Passaram-se alguns dias e, certa manhã, foi Ana quem viu a
mãe,debruçada em sua cama, chorando.Também não teve co-
ragem de se aproximar. No dia seguinte,ela tirou uma certa quantia
de dinheiro da bolsa e entregou à mãe, dizendo:Abre uma
poupança com esse dinheiro”. Não deu mais nenhuma explicação.
Era difícil para a mãe entender o que se passava na cabeça da
filha. Mais seis meses se passaram sem que a equipe técnica
tivesse elementos suficientes e convicção para elaborar um
relatório de encerramento do caso ao DEIJ. Optaram por solicitar a
prorrogação da medida.A psicóloga foi incumbida de informar Ana
sobre a decisão e seus motivos.
Com convicção, o orientador defendeu que o relatório de Ivan
para o DEIJ propusesse o fim da medida socioeducativa,mantendo-
se apenas a medida protetiva, ou seja, o abrigo,um lugar de mora-
dia. Ivan ainda precisava de retaguarda, de apoio.A discussão foi
acalorada; o orientador chegou a ser “acusado” por colegas de se
envolver excessivamente com o adolescente e que isso era uma ati-
tude pouco profissional. Mas ele rebateu essas argumentações e se
manteve firme na proposta,que acabou prevalecendo. Havia dúvida
apenas sobre se seria possível mantê-lo sob medida protetiva,
porque Ivan estava para completar dezoito anos por aqueles dias O
coordenador do abrigo foi consultado e esclareceu que a maiori-
dade não era o único critério para desabrigamento, particularmente
em casos de jovens que dependessem exclusivamente de si para
sobreviver. Ele ainda se comprometeu a dar um parecer, a ser ane-
65
xado ao relatório, avaliando como positiva a conduta de Ivan no
abrigo e garantindo sua vaga.Com isso, o juiz acabou concordando
com a cessação da medida aplicada a Ivan. Ele continuou a fre-
qüentar a entidade, mas como ajudante da oficina de grafite,
recebendo uma ajuda de custo.E poderia também se inscrever no
Programa Bolsa-Trabalho, que abria as inscrições por aqueles dias.
66
1. Pressupostos
o adolescente é um sujeito de direitos e deveres;
o ato infracional é um aspecto da vida do adolescente e precisa ser compreendido em sua
multideterminação;
o ECA é a referência para o atendimento do adolescente;
todo o trabalho de Liberdade Assistida será pautado pela “lógica do desafio” superando a “lógi-
ca do fracasso”;
o trabalho terá um enfoque transdisciplinar;
passado, presente e futuro de cada adolescente compõem uma biografia única;
a trajetória pessoal de cada adolescente inscreve-se num contexto social com direitos e
deveres de cidadania e onde ele pode realizar suas contribuições;
o conhecimento da realidade objetiva em que o adolescente vive é condição fundamental
para compreendê-lo.
2. Objetivos
Geral:
Criar condições para que o adolescente construa um percurso de desenvolvimento pessoal e partici-
pação produtiva na coletividade, garantindo o exercício dos direitos e deveres de cidadania, no presente
e no futuro.
Específicos:
estabelecer contratos claros,precisos e plausíveis;
garantir condições adequadas e dignas de vida no cotidiano;
propiciar situações nas quais o adolescente possa refletir sobre si próprio, sobre suas esco-
lhas,compromissos e perspectivas de futuro;
introduzir o adolescente em outras redes de relações capazes de propiciar experiências signi-
ficativas e novos elementos para reflexão;
fornecer ao adolescente retaguarda e apoio, particularmente nas situações de crise.
O projeto de atendimento em LA:
uma proposta de trabalho
67
3. Organização do Projeto
1
a
etapa - a recepção
A Recepção se define por ser o acolhimento do adolescente e de sua família ou responsável no projeto.
Não é só o primeiro contato, mas um conjunto de procedimentos iniciais que definem e constroem, a médio
e longo prazos, o padrão de relação orientador-adolescente (educador-educando), o trânsito do adolescente
no projeto e um contrato viável entre ambas as partes que busca garantir a qualidade do atendimento.
A postura e a perspectiva do olhar do trabalhador para cada adolescente compõem-se pela lógica do
desafio: investir no adolescente a partir de quem ele é, como é. Muito do que desejamos para ele como uma
vida boa não é um ponto de partida, mas é um objetivo, um ponto de chegada, lá na frente,depois de muito
trabalho, com suas dificuldades e potencialidades, que devem ser descobertas por ele mesmo, com a ajuda
de um adulto que se disponha a essa tarefa com ele.
A recepção definida como acolhimento significa CUIDAR. E cuidar pode ter vários sentidos: escutar, tole-
rar, providenciar moradia documentos, reafirmar regras e conseqüências de seu descumprimento, encami-
nhar para atendimentos especializados etc.
O primeiro momento – a chegada do adolescente no Projeto – significa escutar. É um momento para o
adolescente. Explicar o que ele quer saber. Escutar para compreender. É daí que emergem as pistas para,
posteriormente,fazer combinados viáveis, estabelecer contratos verbais e formais. É importante descaracteri-
zar o primeiro contato exclusivamente como “interpretação da medida”, que também deverá ser feita, porque
a medida é o motivo pelo qual o adolescente chegou até o Projeto. Contudo,a medida e os despachos judi-
ciais colocam enfaticamente as obrigações para o adolescente, e reduzir o primeiro contato a isso significa
perder a oportunidade de iniciar uma relação de acolhimento na qual o adolescente será esclarecido sobre
como e com quem poderá contar para cumprir suas obrigações.
Embora o foco seja o adolescente, a família ou o responsável está junto e precisa ser considerada, incluí-
da no processo.A própria medida foi atribuída judicialmente por conta da existência da família (artigo 119,
inciso I). E ela é, ou poderá ser, um importante aliado do adolescente e,portanto, do trabalho do projeto junto
àquele adolescente. Não há uma garantia de que essa aliança exista ou possa vir a existir. O delito do ado-
lescente pode ser, também, uma denúncia, um sintoma de algo que acontece com a família, não só do ponto
de vista psicossocial. A família está inscrita na mesma base material da sociedade. Os pais também
enlouquecem, se alcoolizam. É necessário desmistificar a família e,ao mesmo tempo, trabalhar com a família
real. Às vezes,a família perdeu o controle do seu filho há muito tempo. É possível para ela retomar esse con-
trole? Ela quer? Nem sempre...
68
E sabemos que só o projeto,o adolescente e sua família/responsável não darão conta de todas as
providências que serão necessárias e importantes ao longo do atendimento; portanto, no final desta primeira
etapa os apoiadores serão incluídos e já se desenha aí (e às vezes desde o primeiro contato) a inclusão do
adolescente na rede de parcerias e serviços. Nessa perspectiva de trabalho, garantem-se outras experiências
de socialização para o adolescente e o Projeto rompe, de fato, com a concepção de trabalho que deve suprir
todas as suas necessidades.
Esta etapa é bastante importante para o estabelecimento do contrato de direitos e deveres de ambas as
partes: a retaguarda e ajuda que o adolescente poderá contar e a sua contrapartida – o que se espera dele.
A recepção se organiza do seguinte modo:
1
Primeiro contato:
O adolescente e a família/responsável chegam de modos muito diferentes para o primeiro contato:
curiosos,medrosos,hostis,submissos. Esse primeiro momento é necessário para acolher e conhecer – o orien-
tador começa a conhecer o adolescente e este começa a conhecer o projeto. É a partir do primeiro contato
que se inicia a construção do vínculo entre o adolescente e o trabalhador do projeto; o vínculo é uma relação
de troca afetiva que torna o outro significativo para si e permite se ver como significativo para o outro – é a
condição da relação de confiança. Como não deixar os procedimentos burocráticos prevalecerem sobre o
clima de acolhimento que deverá ser criado aí? Às vezes, perguntar, afirmar menos e ouvir mais, ajuda.
O primeiro a ser ouvido deve ser o adolescente.As anotações serão feitas posteriormente; escrever nesse
momento pode retirar o clima de intimidade que é bastante difícil de estabelecer em um primeiro contato.
Ouvir o que ele tem para falar e explicar o que ele quer saber. O responsável que veio junto espera. Fica evi-
dente para o adolescente que ele é o foco do trabalho.
Na seqüência, ouvir a família/responsável. Importante ouvir a sua versão dos acontecimentos que
levaram o adolescente até ali e tentar estabelecer, pelo menos como hipótese,o como e quanto será possível
contar com essa família/responsável para uma aliança em prol daquele jovem.Esclarecer suas dúvidas mais
urgentes quanto à execução da medida socioeducativa. Nessa entrevista,as anotações podem ser feitas
desde que justificadas para o interlocutor.
E finalmente,na conversa com ambos,fazer a interpretação formal da medida, preencher formulários,
assinar os documentos necessários. É importante que nesse primeiro contato alguns aspectos da vida do
adolescente fiquem caracterizados porque podem ser necessárias providências e encaminhamentos de
urgência quanto à saúde do adolescente, documentos,alimentação, vestuário, transporte, moradia (o
endereço dos pais não é, necessariamente, o lugar onde o adolescente permanece ou a situação familiar
pode ser expulsiva) para viabilizar o início de um trabalho com o adolescente.
Em síntese, o primeiro contato se organiza em três etapas seqüenciais: ouvir o adolescente,ouvir a
família e conversar com o grupo familiar ou responsável.E tem uma tarefa:iniciar o preenchimento dos for-
mulários necessários. É pouco provável que se conclua a coleta de todos os dados importantes já no primeiro
contato, porque isso não pode ser mais importante do que a relação positiva que se busca estabelecer
8
.
2
A recepção não terminou.Dela fazem parte ainda:
Grupo de Recepção: coordenado por um orientador, que retoma a interpretação da medida
socioeducativa, noções sobre o ECA e sobre os direitos e deveres do adolescente; o âmbito do
trabalho no Projeto de LA e suas atividades. Esse “Grupo de Recepção” é uma estratégia interes-
sante porque,através dela, é possível conhecer o padrão de conduta do adolescente em grupo,
incrementando a socialização entre eles.As intervenções do adulto (orientador) deverão lhes
propiciar novas referências. O Grupo de Recepção poderá se beneficiar, ainda, da participação
de um adolescente que já cumpre (ou cumpriu) medida socioeducativa no Projeto de LA, o que
facilita a identificação dos que estão chegando. O “Grupo de Recepção” poderá ser acompa-
nhado de atendimento individual posterior a membros do grupo que,de algum modo, chama-
ram a atenção. Por exemplo: um menino que não conseguiu permanecer sentado, excessiva-
mente agitado; aquele displicente ou apático.
Visita Domiciliar
9
: permite uma visão objetiva das condições de vida do adolescente e do am-
biente familiar, além do conhecimento da vizinhança, da comunidade e seus recursos. É uma
oportunidade para se conferir as hipóteses levantadas no primeiro contato sobre a situação do
adolescente na família. Permite ainda realizar os encaminhamentos necessários à família:
inscrição em programas e serviços de assistência em áreas como educação (como bolsa-
auxílio, bolsa-rendimento), saúde etc. Para isso, facilita ter uma boa articulação com o Programa
Saúde da Família (PSF), com o Conselho Tutelar, com programas de alfabetização de adultos do
bairro e outras organizações comunitárias.
Entrevista Individual: mais detalhada, com o adolescente,deve ser conduzida a partir dos dados
que suscitam dúvidas, coletados em situações anteriores: contradições,visões diferentes entre
família e adolescente etc. Quando a Entrevista Individual for necessária, o orientador deverá,
anteriormente,analisar os dados coletados e organizar um roteiro que aborde aspectos ainda
não abordados ou pouco esclarecidos, evitando entrevistas repetitivas e burocráticas, que preju-
dicam o estabelecimento de vínculos significativos. Essa entrevista pode ser solicitada pelo
orientador, pelo adolescente e/ou por seu familiar (responsável).
Ver nos anexos:sugestão de roteiro para Entrevista Inicial,que deverá compor a primeira parte do Plano de Atendimento Individual (PAI)- pag.108.
Ver nos anexos:sugestão de roteiro para registro de Visita Domiciliar - pag.113.
8
9
69
70
3
O estudo de caso:
Será realizado um estudo de caso a partir do conjunto de dados, informações coletadas pela equipe do
projeto sobre o adolescente,sua família etc.Os dados fornecem os indicadores para a interpretação das
necessidades específicas daquele adolescente atendido. O estudo de caso é a atividade-condição para ela-
borar as diretrizes que orientarão a discussão do Plano de Atendimento Individual (PAI). Portanto, será o plano
que orientará os encaminhamentos para atividades do próprio projeto e para a rede de parcerias e de
serviços da comunidade local ou mais ampla
10
.
O estudo de caso define as diretrizes do Plano de Atendimento Individual – o eixo de trabalho com o
adolescente – e o orientador que será a referência para o adolescente e sua família/responsável no Projeto.
A elaboração do Plano de Atendimento Individual é um momento crucial do trabalho com o adolescente.
A discussão do caso preparou o orientador para essa situação com o adolescente. Isso deverá ocorrer em
entrevistas individuais, tantas quantas forem necessárias. Nessas oportunidades serão feitos os ajustes e
negociações,visando estabelecer um plano factível e um contrato viável para ambas as partes. Importante
lembrar que a questão do adolescente é a transgressão às leis – é por isso que ele está em Liberdade
Assistida. Ou seja, ao mesmo tempo que estamos disponíveis para trabalhar com ele,devemos considerar as
suas dificuldades de cumprir combinados, regras, contratos e, portanto, estes deverão considerar sua factibili-
dade.É necessário “fechar”um contrato mínimo com o adolescente, em que ficam explicitadas as suas
responsabilidades. Na discussão do PAI poderá ser importante convocar a família/responsável ou ela poderá
estar incluída no próximo passo.
4
O encontro de compromisso:
É um momento solene que marca o compromisso do adolescente – seu contrato social – diante do
orientador, dos familiares/responsáveis, pessoas próximas e queridas dele (membros da família, amigos) e
outras pessoas de seus grupos, instituições de pertinência indicados por ele ou que o Projeto constata que
são importantes para esse adolescente (por exemplo, a professora ou alguém da escola,o pastor da igreja, o
coordenador do grupo de hip-hop). Os membros desse grupo ampliado, onde se inclui a família/responsável,
são denominados
apoiadores. Nessa situação ficará explícito para ele a contribuição de cada um para a exe-
cução do seu PAI e o seu compromisso ficará público.O técnico (psicólogo ou assistente social), que é o
coordenador do Encontro, tem um papel importante nessa atividade. Ele será o responsável por deixar bem
claro ao adolescente quais serão as possíveis dificuldades que este encontrará para cumprir alguns combi-
nados (permanecer na escola, diminuir ou cessar o uso de bebida alcoólica) e os riscos de reincidência que
Ver nos anexos:sugestão de roteiro do Plano de Atendimento Individual- pág.116.
10
eventualmente corre na comunidade local (ele pode ser muito visado pela polícia, ter dívidas com traficantes
de drogas etc.). O orientador também deve envolver cada membro desse grupo na rede de apoio ao adoles-
cente.A grande vantagem desse encontro ampliado é que as pessoas, mobilizadas a partir da rede de con-
vivência do adolescente, se constituirão em seus apoiadores no cotidiano e também em referência para o
projeto,no sentido do estabelecimento de parcerias efetivas no atendimento de cada adolescente do progra-
ma de LA. Esse grupo é absolutamente particular para cada adolescente e poderá ser acionado/mobilizado,
em seu conjunto ou em parte, em situações de crise, dificuldades ou por ocasião do envio de relatórios ao
Poder Judiciário.
5
O relatório:
A última tarefa desta etapa é a produção e encaminhamento do primeiro relatório para o Poder
Judiciário. Essa é uma situação em que fica evidente a importância da documentação que será consultada.
O compromisso do adolescente,da família, dos apoiadores e também do Projeto de LA ficam formalizados
nesse relatório. O adolescente deverá estar ciente desse encaminhamento.
Encerrou-se a etapa da recepção. A recepção é um processo longo, trabalhoso, mas, quando feito de
modo cuidadoso, é extremamente facilitador para a continuidade do atendimento do adolescente no projeto.
Vale a pena! O trabalho com o adolescente começou desde o primeiro contato.
Uma última observação quanto a esta etapa diz respeito ao tempo:é importante que esse processo todo
ocorra o mais rapidamente possível para garantir o impacto sobre o adolescente (em quinze ou vinte dias). O
tempo é um fator importante nesse momento inicial em que o adolescente poderá se reorganizar de forma
diferente daquela que se organizava até o ato infracional,até a sentença do juiz, até chegar ali.A agilidade
pode revelar para o adolescente que existe um investimento nele,que ele é “alguém especial”.
2
a
etapa - a execução do plano de atendimento
Em se tratando de Liberdade Assistida, alguns aspectos são mais urgentes do que outros. É necessário
estar garantido para o adolescente:
local de moradia – são recorrentes os casos de garotos que saem das unidades de internação
para a LA e vão residir com a mãe já vivendo com novo companheiro com o qual têm dificul-
dade de convivência. Por conta disso, ficam sem local de moradia fixa e/ ou adequada;
todos os atendimentos emergenciais de saúde – saúde física, bucal e mental;
documentação – não só a referente à escolaridade, mas também as que garantem seu reco-
nhecimento e sua identidade civil;
71
72
transporte – o vale-transporte garantirá, inclusive,que ele compareça ao Projeto de LA
alimentação – às vezes é necessário também garantir onde ele tomará refeições; a fome ou a
mendicância não são alternativas toleradas ou bem consideradas pelo adolescente que já usou
a prática de ato infracional como estratégia de sobrevivência.
Nessas providências urgentes já se revela a importância do Projeto de LA estar inserido e articulado com
uma rede de serviços e parcerias que, em algumas áreas de atendimento,transcendem a comunidade local
do adolescente, a região geográfica do Projeto de LA e mesmo a área específica de atuação da “infância e
juventude”. No caso da moradia, o adolescente (como vimos no caso de Ivan) pode ter como alternativas um
abrigo, uma república ou uma pensão; no atendimento em saúde, o Projeto de LA precisa ter em mãos um
mapeamento dos equipamentos e serviços disponíveis nessa área e de bons contatos interinstitucionais, de
forma a garantir um encaminhamento ágil e eficiente; a documentação, por seu turno, pode ser providencia-
da em órgãos públicos centrais ou regionalizados; é importante lembrar, por exemplo, que o adolescente pre-
cisa de dinheiro para fotografia e nem sempre sabe preencher fichas (sua escolaridade pode ainda não tê-lo
habilitado a isso); as refeições podem ser viabilizadas em grupos que se dedicam a esse tipo de serviço,tais
como escolas que têm merenda escolar, bares e restaurantes locais.Isso deve estar presente desde o
primeiro contato. É bastante útil que o Projeto de LA mapeie todos os recursos disponíveis do bairro, na região
e na cidade,construindo sua “rede de parcerias e serviços”, que deve ser permanentemente atualizada – um
trabalho comum a toda a equipe,e que todos podem acionar a qualquer momento.
O desafio, a partir desse ponto, será:
garantir estabilidade nas condições cotidianas de vida do adolescente,ini-
ciando seu processo de inserção em instituições, programas e serviços, dentro e fora do Projeto de LA, de
forma a suprir suas necessidades e a subsidiar a construção de um novo projeto de vida,no qual suas esco-
lhas e decisões sejam avaliadas nas implicações pessoais e sociais que venham a ter. Ele deverá aprender a
considerar o “eu” e “os outros”, seus interesses pessoais e os coletivos, o que constitui importante indicador
num processo educacional.
1
Os encaminhamentos – instituições,serviços e programas da comunidade:
Escola um direito e um dever do adolescente.Muitas observações podem ser feitas em
relação a esse aspecto.Por exemplo, sabe-se que as escolas, ou melhor, seus professores têm
dificuldades quanto a receber alunos em cumprimento de medida de LA ou que tiveram pas-
sagem pela Febem – a mesma mentalidade difusa na sociedade que os enxerga como
perigosos também está presente na escola – e também que as escolas onde os trabalhadores
do programa de LA ou o Conselho Tutelar fazem um trabalho de esclarecimento, discutem o ECA,
acabam por desenvolver um clima de tolerância, de inclusão e de maior responsabilidade pe-
73
rante esses adolescentes – a escola se transforma em parceiro no desafio de educá-los. É
necessário considerar que as alternativas de escolarização não estão apenas na escola de ensi-
no fundamental e médio; há o ensino supletivo (presencial e à distância), os cursos de alfabeti-
zação nos projetos de Educação de Jovens e Adultos. Para cada adolescente é possível uma
alternativa diferente. O jovem pode ter dificuldades de desempenho na escola formal, em função
de uma história anterior de fracasso escolar ou de experiências de evasão/expulsão, e não ter
nenhum comprometimento em suas capacidades intelectuais. Pode apresentar um bom desem-
penho na aprendizagem profissional, na aprendizagem associada com algo de seu interesse ou
a algum ganho (trabalho-profissionalização); portanto,embora a escolarização formal seja um
direito do adolescente é necessária uma flexibilização na sua inserção em propostas formais de
educação. Existem casos em que o adolescente permanece na escola, enquanto cumpre a
medida socioeducativa para atender as expectativas do Projeto e obter um relatório favorável
para o Judiciário e, posteriormente, se desliga. Isso não é produtivo.A escola onde o adolescente
estudará deve ser definida de comum acordo com ele. Nessa avaliação devem estar presentes
seus compromissos anteriores quanto a um modo de ser e de agir que possam impedir
mudanças comportamentais importantes. Ou seja, a escola pode propiciar o encontro com anti-
gos grupos de convivência que foram significativos em sua trajetória anterior, que influenciou a
prática do ato infracional, e podem ser um obstáculo na busca de outro estilo de vida.
Saúde: outro direito do adolescente.É importante considerar os aspectos da saúde física, bucal
e mental. Nesse sentido, o adolescente é orientado para o uso dos equipamentos públicos de
saúde em situações de urgência e também para serviços preventivos; por exemplo, na área da
sexualidade (exames, cuidados, fornecimento de contraceptivos etc.). Um aspecto bastante
importante refere-se à saúde mental: o uso desse serviço na rede pública deve ser incentivado –
a psicoterapia ou grupos terapêuticos.Os programas da área de drogadição se situam principal-
mente junto a organizações não-governamentais. Nesse quesito deve-se considerar também as
necessidades dos demais membros da família, na medida em que isso interfere na tranqüilidade
do adolescente com quem trabalhamos e pode criar um ambiente difícil de convivência; por
exemplo, o alcoolismo ou situações de grave sofrimento psíquico de um dos membros da
família precisam ser considerados.Aqui, observa-se a mesma dificuldade ou resistência dos
profissionais quanto ao atendimento desses adolescentes.
Profissionalização: os bons cursos profissionalizantes tradicionais requerem graus mínimos de
escolaridade.O ensino fundamental é pré-requisito para o processo de aprendizagem de con-
ceitos e informações mais complexas. Esse é um dos grandes obstáculos na profissionalização
74
de um número significativo de adolescentes a partir dos catorze anos. E não há sentido em pro-
por-lhes cursos de baixa qualidade,sem demanda no mercado de trabalho, que só funcionam
como ocupação do tempo, para “tirá-los da rua”.Além de inútil, quando o adolescente percebe
isso, perde a confiança depositada no Projeto.Ao mesmo tempo, é possível considerar as várias
possibilidades de profissionalização com menor exigência de escolaridade formal e que incluem
profissões não tradicionais, como por exemplo:paisagismo, cenografia, grafite, música,
fotografia,produção de vídeo, informática,artes circenses, esportes etc. Outra possibilidade de
profissionalização é através do trabalho legalmente permitido ao maior de catorze anos, de
acordo com a Lei do Aprendiz.A Lei 10.097, de 2000,obriga empresas de médio e grande porte
a empregar de 5% a 15% de aprendizes entre seus funcionários, ou seja, jovens com idade
entre catorze e dezoito anos.O adolescente aprende trabalhando. Em todas essas alternativas,
uma condição necessária é considerar os interesses e habilidades do adolescente para incluí-lo
na atividade.Algo que favorece o desenvolvimento do interesse é a informação. Como é possível
ter interesse por aquilo que não se conhece? Existem inúmeras organizações que oferecem
profissionalização com as quais o Projeto pode estabelecer parcerias,ampliando sua rede de
relações para além da comunidade local. Será que o Projeto precisa dar conta também da
profissionalização? Na carência de serviços, acontecerá o desejo legítimo de suprir todas as
necessidades dos adolescentes.Aqui todo cuidado é pouco porque, muitas vezes, com a melhor
das intenções, o modelo de referência da estrutura e dinâmica do trabalho é o da instituição
total: aquela que supre ou deveria suprir todas as necessidades do indivíduo. O que o Projeto
pode propiciar, com qualidade, são as informações, os debates, a palestra ou o
Grupo de Escolha
Profissional
,onde tudo isso pode acontecer e o adolescente poderá partilhar com outros seus
interesses/desinteresses,habilidades/dificuldades e conhecer mais sobre si e sobre esse aspecto
do mundo. Nesse sentido, uma visão importante a ser incorporada nas discussões sobre o tema
é a da igualdade que se sobrepõe à situação socioeconômica.Assim, o adolescente pobre não
precisa ter como horizonte só o curso pré-profissionalizante ou profissionalizante de nível médio.
Ele tem direito, como todos os jovens,de construir uma expectativa de futuro que inclua o curso
universitário e pode, considerando as desigualdades existentes,organizar-se para isso.
Trabalho: esta é uma exigência para os adolescentes que precisam garantir o rendimento para
sua sobrevivência e para muitos que precisam contribuir no orçamento doméstico. Uma situação
paradoxal é buscar emprego para o adolescente quando o chefe da família está desempregado.
Esta é uma polêmica sempre presente.Para os adolescentes pobres,o trabalho no mercado for-
mal ou informal da economia é a outra estratégia de sobrevivência alternativa à prática do ato
75
infracional. Nesse aspecto existem inúmeros desafios: a baixa escolarização e nenhuma profis-
sionalização implicam postos de trabalho com baixa remuneração. Isso leva o jovem trabalhador
a uma ruptura com padrões de consumo, como roupas e lazer, que a prática do ato infracional
propiciava.Uma dicotomia a ser enfrentada é a do trabalho versus escola, ou seja, nem todos os
adolescentes conseguem manter essa dupla inserção e optam pelo trabalho, por imperativo da
necessidade,o que implica prejuízos para o seu progresso e futuro profissional. Outro desafio
importante é que o mundo do trabalho exige uma disciplina do corpo e da vontade – hábitos de
trabalho – que se opõem a um estilo de vida ocioso ou sem obrigações, exige um grau de to-
lerância com a hierarquia, normas institucionais e outros padrões de relação e convivência pau-
tados, muitas vezes, por um maior grau de formalidade – tudo aquilo que os jovens detestam e
contestam. Portanto, a inserção no mundo do trabalho implica preparação; não basta arranjar a
vaga, que já é bastante difícil,para o primeiro emprego. O Projeto Jovem Parceiro, da Ericsson do
Brasil, que faz a preparação de adolescentes para o mundo do trabalho, constatou que, em
grande número de casos, o empregador ou a chefia imediata tem disponibilidade para auxiliar o
adolescente quanto à aquisição de habilidades,mas espera que ele tenha “postura” (repertório
comportamental).É possível realizar articulações – na perspectiva do ano de 2003 – com
inúmeras iniciativas nessa área, sejam governamentais (o programa Primeiro Emprego é uma
das ações do Fome Zero) ou ligadas à iniciativa privada (empresas que investem e valorizam
sua Responsabilidade Social). O
Grupo de Escolha Profissional pode agregar a preparação para o
trabalho e a sustentação dessa experiência para os adolescentes,através da troca constante
entre eles. Essa atividade pode se tornar bastante produtiva com a participação de jovens traba-
lhadores da comunidade. Portanto, passa a se denominar Grupo de Escolha Profissional e Trabalho.
Cultura, lazer, esporte: estas áreas da vida são consideradas, com freqüência, supérfluas, mera
ocupação de tempo, algo com que os Projetos não se preocupam, o que resulta na baixa quali-
dade das atividades.É importante que se desenvolva uma mentalidade que valorize e priorize
esses aspectos como oportunidades de socialização, como direito ao usufruto de bens culturais,
como facilitadores de recuperação de matrizes de identidade (os aspectos culturais),como
complementar ao processo de educação formal do adolescente. Portanto, é preciso considerar
também a qualidade daquilo que é proposto. Há muitas alternativas que o bairro e a cidade ofe-
recem e podem ser usufruídas, embora a questão da circulação pela cidade implique em custos
(transporte).Esta é uma área em que o projeto pode ter seus próprios programas:culturais
(vídeos, biblioteca, exposição de fotografias, jornal mural, fanzines, concursos de textos,poesias,
música, palestras, oficinas de hip-hop, grafite,DJ, dança), recreativos e esportivos. É uma
76
maneira atraente e produtiva de iniciar e manter o projeto como referência para o adolescente –
um ponto de encontro,um ponto de “agito” – desde que as atividades sejam constantes e fre-
qüentes e haja uma abertura para as iniciativas de produção cultural juvenil e/ou dos próprios
adolescentes do Projeto.A área cultural bem implementada no Projeto pode transformá-lo em
um pólo de atração para os demais adolescentes da comunidade local. É importante também
que haja um levantamento sempre atualizado dos eventos e acontecimentos, particularmente
para os finais de semana. Em Belo Horizonte (MG) foi feita uma pesquisa que demonstra que os
jovens se envolvem mais em atos infracionais e ocorre o maior número de homicídios no perío-
do que vai da noite de sexta-feira à noite de domingo.A discussão atual sobre os bairros consi-
derados violentos em São Paulo aponta, entre outras carências importantes,a ausência de
equipamentos de lazer e cultura. Ou seja, a cultura está excluída dos programas de inclusão
social. E, como diz a letra da música “Comida”, da banda de rock Titãs,“...a gente não quer só
comida... a gente quer comida, diversão e arte...
Nessa etapa da vida, o adolescente está se conhecendo e conhecendo o mundo – o mundo do trabalho,
das profissões,do conhecimento, das artes, das religiões etc.Existem tantos caminhos! Portanto, é bastante
freqüente que o adolescente muito interessado em algo queira mudar, desistir, não queira mais aquilo (tra-
balho, esporte, curso) que queria muito e lutou para conseguir. Para auxiliar o adolescente é importante dis-
criminar do que se trata essa labilidade (instabilidade): é algo próprio dessa etapa de descobertas e mu-
danças aceleradas ou é uma dúvida quanto ao estilo de vida proposto em oposição à prática do ato infracional.
2
Atividades do Projeto
Este é um tema importante:“Como o projeto resistirá a não reproduzir vários serviços e programas que
existem ou deveriam existir na comunidade?”. Este último aspecto – a inexistência de serviços necessários –
torna-se, com freqüência, o argumento que prevalece para o Projeto ter oficinas,propostas de profissionaliza-
ção, vários tipos de grupo de adolescentes, de familiares,de mães,no afã de suprir todas as carências dos
serviços e equipamentos públicos ou privados. É de fato um dilema enfrentar a incompletude institucional e
conviver com a falta,a carência.
Outra justificativa para a proposição de oficinas e atividades no Projeto de LA são as habilidades dos
orientadores: alguém que toca violão, o outro que sabe marchetaria ou pratica capoeira.Aqui é necessário ter
claro: os interesses e necessidades do adolescente (e não do trabalhador) devem ser o ponto de partida das
propostas.E as habilidades dos orientadores podem ser bastante importantes para atividades lúdicas, re-
creativas, culturais, programadas com o intuito de criar um ambiente de acolhimento e trânsito de infor-
mações e adolescentes no Projeto: um ponto de encontro. Mas o trabalhador do projeto deve ser também um
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“oficineiro”? Caso seja impossível desviar-se dessa exigência pela absoluta falta de perspectivas de parcerias
em curto prazo, de ausência de rede, por que não trabalhar com oficineiros das secretarias de cultura,de
esporte, de ONGs que podem desenvolver as oficinas com maior especialidade? Dessa forma, os traba-
lhadores do Projeto se dedicarão ao trabalho que precisa ser feito:a recepção, os encaminhamentos, o
acompanhamento e o encerramento dos casos.
3
a
etapa - o acompanhamento
O acompanhamento refere-se a uma retaguarda permanente para o adolescente, fornecida pelo Projeto
durante todo o período de cumprimento da medida socioeducativa. Isso será realizado por meio do orienta-
dor de referência para o adolescente; o orientador poderá, a qualquer momento, acionar, como sua retaguar-
da, a equipe de trabalhadores do projeto, algum técnico em especial e, também, poderá mobilizar os
apoiadores do adolescente,em sua totalidade ou parte deles.
O acompanhamento se sustenta no vínculo entre o orientador e o adolescente,portanto, no investimento
que o orientador faz no adolescente e na documentação de todo o processo que se iniciou na recepção.
O parâmetro para o acompanhamento do adolescente é o Plano de Atendimento Individual (PAI), que
propiciará ao orientador avaliar com o jovem as mudanças e o percurso em direção aos objetivos que ele se
propôs ou à mudança de objetivos. É importante lembrar, mais uma vez, que a adolescência é uma etapa da
vida bastante plástica, portanto as mudanças de rotas, o estabelecimento de novos objetivos, são fatores que
fazem parte do processo de desenvolvimento e crescimento pessoal.Em um certo sentido é esperado que
ele vá alterando seus propósitos,porque o Plano de Atendimento Individual foi elaborado lá no início, quando
ele chegava no Projeto, e as mudanças podem refletir os efeitos do trabalho com o adolescente: ele coloca
objetivos mais realistas, por exemplo. O cuidado aqui é avaliar com ele o porquê da mudança e as conse-
qüências disso no presente e no futuro.As escolhas são dele: é ele quem irá viver suas alegrias e tristezas.A
nossa contribuição é dar condições para que ele construa um projeto de vida e um trânsito pelo mundo que
favoreçam seu desenvolvimento pessoal e de cidadão ou, dito de outro modo, possa ser sujeito de sua
história. E, nessa história pessoal que tem passado, presente e futuro, somos a retaguarda, apoiadores, inter-
locutores,cuidadores, contra-regras.O adolescente é autor e o personagem principal dessa história.
1
O acompanhamento abrange todas as áreas de encaminhamento:
escola: quando a escola faz parte do Plano de Atendimento Individual,o orientador deve acom-
panhar a matrícula/transferência, o nível de assiduidade,os motivos de abstenção,o desempe-
nho escolar (boletim), as dificuldades de aprendizagem, de adaptação (indisciplina, suspen-
sões), a mudança de escola. Para isso, são necessários contatos com diretor, orientador
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pedagógico ou professor, além de estimular a presença dos pais nas reuniões escolares.Uma
atividade no Projeto associada a isso que pode ser produtiva é a disponibilização de plantões de
professores voluntários –
Plantão de Conhecimento – para tirar dúvidas,auxiliar nas tarefas esco-
lares, trabalhos,pesquisas; esses professores voluntários podem ser os adolescentes de séries
posteriores,profissionais ou pessoas que se interessam por esse tipo de atividade.Pode, ainda,
ser realizado em um ou dois dias fixos da semana, em períodos diferentes.Aqui cabe uma obser-
vação: o trabalho voluntário precisa ser de qualidade e é uma alternativa para a integração do
Projeto na comunidade local. O Plantão de Conhecimento não é uma atividade obrigatória, mas
o adolescente pode ser incentivado, por seu orientador, a usar essa oportunidade.
família:o acompanhamento da família do adolescente é algo imprescindível mesmo quando é
considerada uma “boa família”. Nos casos em que a dinâmica familiar preocupa, a atenção deve
ser maior. Esse acompanhamento pode ser feito de duas formas. Na primeira, a família vai ao
Projeto para entrevistas agendadas pelos técnicos ou orientador, entrevistas solicitadas, grupo de
responsáveis; ou, então, o Projeto vai à família para orientar, auxiliar, avaliar situações que inter-
ferem na vida do adolescente – são as visitas domiciliares, agendadas ou de urgência.
Essa é uma metodologia de trabalho em que é importante observar os limites que a família colo-
ca.A preocupação e os cuidados com um de seus membros, no caso o adolescente,não justifi-
cam uma postura intrusiva dos operadores do Projeto. O limite da ajuda é o desejo do outro.
Os dados relativos à família são importantes sinalizadores sobre o bem-estar e o processo do
adolescente em direção aos objetivos de realização de um projeto de vida de desenvolvimento
pessoal. Portanto, é necessária uma avaliação sempre realista do que está acontecendo com a
família e com o adolescente nela.As discussões de caso em equipe do Projeto auxiliam nessa
compreensão. Mais uma vez é preciso lembrar: nem sempre a família é o melhor lugar para o
adolescente ficar,nem sempre é um lugar de apoio, cuidado... Pelo contrário, muitas vezes as
primeiras experiências de violência foram vividas ali e uma das características importantes da
violência familiar é o segredo.
Quando o adolescente está em família substituta ou com medida protetiva de abrigo, esses mes-
mos procedimentos se aplicam.
trabalho – o acompanhamento do adolescente,no que se refere ao trabalho, se inicia antes da
busca de emprego. Normalmente ele não tem as habilidades e informações necessárias para
procurar o emprego. Isso significa que precisa ter os documentos em ordem, saber preencher
uma ficha ou formulário, portar-se em uma entrevista de seleção, sentir-se seguro para tirar dúvi-
das e fazer perguntas. Ele também precisará saber onde procurar emprego: o jornal, o mural do
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sindicato, o mural do Centro de Defesa da Criança e Adolescente (Cedeca), o escritório do
Serviço Nacional de Emprego (SINE); saber se situar e se locomover na cidade, dependendo da
ocupação; saber o mínimo sobre as ocupações que está pleiteando, além de ter noções básicas
do direito do trabalhador. Não é pouca coisa! Ajuda bastante o trabalho do orientador se no
Projeto houver o
Grupo de Escolha Profissional e Trabalho – um grupo aberto que funciona em um
dia e horário fixo e que aborda as temáticas acima.A coordenação desse grupo é de um orien-
tador. Essas condições são facilitadoras para a difícil tarefa para a qual o adolescente nem sem-
pre está mobilizado.A jornada de trabalho (número de horas), a disciplina no trabalho, a subor-
dinação à hierarquia e o salário são vistos, com freqüência, como desanimadores. O orientador
é um motivador que pode ser auxiliado pelo
Grupo de Escolha Profissional e Trabalho,onde esses
temas e os depoimentos dos adolescentes que enfrentaram essas dificuldades são elaborados.
O orientador ainda tem muitas questões pela frente. Nem sempre o adolescente quer ou concor-
da em identificar-se para o empregador como alguém que cumpre a medida socioeducativa.
Portanto, como o orientador vai verificar as condições de trabalho que por vezes parecem abusi-
vas? Ou a veracidade das informações, quando tem dúvidas? Neste último caso, a carteira re-
gistrada ou o recibo do salário pode ser um indicador.Aqui, a aliança com os pais/responsável
pode ser eficiente porque se justifica o contato com o empregador na medida em que o adoles-
cente é menor de idade. E ainda é necessário ajudar o adolescente a pensar no salário e no seu
orçamento pessoal.Vale lembrar que o adolescente com que trabalhamos teve ou ainda tem
essa dificuldade de planejar, pensar nas conseqüências, não agir impulsivamente e gastar todo
o salário em um tênis,por exemplo; ou vender todos os vales-transporte para ir ao show de
música ou trocá-los por cigarro e depois não ter como pagar o transporte até o final do mês
para ir trabalhar.
profissionalização – aplica-se o mesmo da escola.
vida cultural,lazer e esporte – aqui o papel do orientador é ser um incentivador da participação
do adolescente em atividades de seu interesse, ampliando suas informações e desenvolvendo
outros interesses. O Projeto pode ser um pólo de incentivo à participação cultural, tanto através
de atividades que propõe e realiza como por meio da circulação de informações sobre eventos
e atividades.É importante que o orientador saiba como o adolescente ocupa seu final de se-
mana e possa auxiliá-lo a criar oportunidades diversificadas e prazerosas.
saúde – os tratamentos que o adolescente necessita também devem ser monitorados; particu-
larmente os atendimentos de médio e longo prazo que implicam persistência. Por exemplo, os
tratamentos odontológicos,fisioterápicos e psicoterápicos. É importante que o orientador esteja
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atento às necessidades emergentes no processo de acompanhamento.A questão das drogas
pode ser algo importante de ser retomado no momento certo; outro aspecto diz respeito ao
comportamento sexual e aos cuidados preventivos e, se necessário, curativos. Por exemplo, o
incentivo às consultas com ginecologista e urologista. Os profissionais da saúde são importantes
aliados do orientador desde que sensibilizados para o atendimento do adolescente. Entre os
profissionais da saúde,destaca-se, atualmente, o agente comunitário de saúde cuja inserção na
comunidade local permite um acompanhamento bastante próximo de toda a família, inclusive
do adolescente, podendo diagnosticar com maior precisão – nos aspectos físicos e orgânicos –
a necessidade de encaminhamentos com a vantagem que ele faz parte de um fluxo de atendi-
mento que inclui equipamentos e serviços da área.
outras áreas – cada adolescente é de um jeito. Portanto, não é possível definir a priori todas as
áreas de acompanhamento.O interessante é isto:“cada caso é um caso” e o orientador precisa
estar atento às particularidades do adolescente que acompanha.Durante o cumprimento da
medida, o adolescente pode precisar mudar de bairro – por mudança de local de moradia da
família ou porque é mais adequado ao seu processo de desenvolvimento pessoal e, nessa situa-
ção, o orientador tem um papel importante na transferência do adolescente para outro Projeto
de LA. Não falamos aqui de um papel apenas burocrático, mas de contato e discussão do caso
com a equipe do projeto para o qual será transferido:situações de gravidez; de responder por
outros processos no VEIJ; de envolvimento com outros atos infracionais no cumprimento da
medida; de ausência sistemática e não justificada nos contatos com o Projeto. Em algumas
regiões, é particularmente importante o acompanhamento nos aspectos referentes às forças de
segurança (a polícia civil, militar), às rivalidades entre grupos de adolescentes (gangues), à ten-
tativa de cooptação dos adolescentes para o crime organizado (o tráfico). Na medida em que
há muitas diferenças, mais uma vez a documentação do atendimento em que as providências
são registradas é muito importante, pois a qualquer momento será possível, para outro traba-
lhador do Projeto,dar continuidade ao trabalho anterior.
4
a
etapa - o encerramento
O encerramento ou finalização do atendimento não é um momento, mas um processo. O futuro norteia
as práticas do presente no Projeto.Portanto, os benefícios da participação no Projeto serão vividos pelo ado-
lescente em sua vida presente e futura. Nesse sentido, o encerramento – como desligamento do adolescente
– está presente desde o início do trabalho. Para exemplificar, basta lembrar que na recepção elaborou-se o
81
Plano de Atendimento Individual cujo objetivo é a projeção do adolescente no futuro.Além do que, uma ca-
racterística importante das medidas socioeducativas é a sua brevidade.E aqui há uma questão importante
para o trabalhador do projeto: como se vincular ao adolescente, sabendo que irá se separar dele e, muitas
vezes, nem saberá o uso que este fez dos investimentos do orientador?
O encerramento do atendimento dos casos pode colocar algumas situações bastante desafiadoras para
o processamento da equipe do Projeto:
o período de cumprimento da medida socioeducativa estipulado pelo Poder Judiciário, seis
meses,por exemplo, pode se esgotar antes de encaminhamentos e procedimentos necessários
para solidificar os percursos do adolescente em outras trajetórias em oposição à prática do ato
infracional;
o adolescente desenvolveu um intenso vínculo de pertencimento ao Projeto e é isso que sus-
tenta sua organização pessoal nesse momento;
o prazo da medida está se finalizando e o adolescente está novamente envolvido com a práti-
ca do ato infracional.
Diante dessas questões, é preciso refletir sobre a natureza da medida socioeducativa e das concepções
sobre o Projeto de LA. Ou seja, a medida de LA é uma medida intermediária entre as medidas de prestação
de serviços à comunidade e reparação de danos e as medidas de privação de liberdade – internação e semi-
liberdade –, mas não é possível negar que a LA tem um sentido de “cerceamento da liberdade”. A origem da
medida de Liberdade Assistida está na Liberdade Vigiada, um benefício do sistema de justiça dos adultos.
A LA é uma determinação jurídica referente à responsabilização do adolescente pela prática do ato infra-
cional, e a determinação do tempo é aspecto legal importante na administração da justiça. E, nesse sistema
de administração de justiça, os trabalhadores dos projetos são executores das determinações judiciais e suas
avaliações (relatórios técnicos e/ou de acompanhamento) são importantes subsídios que fundamentam as
decisões judiciais quanto à regressão, progressão ou cessação da medida.Concomitantemente, é necessário
considerar que a grande conquista do ECA é que as medidas socioeducativas tenham caráter, de fato, educa-
tivo. Para além da polêmica de que elas também têm ou deveriam ter, exclusivamente,o caráter punitivo,é
necessário considerar que o processo educacional, particularmente na adolescência, implica uma dimensão
de tempo que se estende para o futuro.Isso é particularmente relevante em casos de adolescentes cuja tra-
jetória pessoal carrega prejuízos importantes e que o tempo, cronológico e subjetivo, necessário para reparar
os danos não é reduzido. Portanto, o Projeto de LA que sustenta compromissos éticos e políticos com seus
adolescentes vive um dilema,na medida em que considera que os adolescentes que atende estão sob uma
medida jurídica de prazo determinado. Esse dilema é particularmente relevante no momento de fazer o
relatório de encerramento do caso para o DEIJ – Departamento das Execuções da Infância e Juventude. É
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ético solicitar ao Poder Judiciário a permanência do adolescente para concluirmos um trabalho educacional
com ele?
Esse dilema pode,de algum modo, ser melhor equacionado se o Projeto de fato estiver centrado na
inserção do adolescente na rede de serviços e parcerias e nas instituições da sociedade em geral. E, nesse
aspecto, desempenha um papel importante a existência dos apoiadores no cotidiano da vida do adolescente.
Ao mesmo tempo, é importante compreender que o Projeto não é um lugar de permanência, mas um local
de passagem para o mundo – outras instituições, outros grupos, outras possibilidades.Um lugar de pas-
sagem pode,sem dúvida, constituir-se em uma experiência significativa para o adolescente, dependendo do
que acontece ali. O trabalhador da área da educação também convive com a angústia de não saber o uso
que os educandos farão de seus investimentos.
Outros adolescentes chegarão e o Projeto deverá ter a mesma disponibilidade para os novos. Um aspec-
to decorrente de “querer ficar com os adolescentes” no Projeto é o inchaço das atividades e a sobrecarga de
trabalho para a equipe, o que acaba comprometendo o atendimento de todos.
Ainda outro aspecto relacionado ao encerramento do caso é que o estabelecimento de vínculos e de
uma relação de confiança – particularmente com adolescentes com históricos mais severos de dificuldades
e vivência de violência com adultos – é um processo delicado,demorado e implica que, em situações de
separação, haja uma preparação. Isso é necessário principalmente quando situações de abandono ou perdas
significativas ocorreram na história do adolescente. Portanto, quando a medida é de seis meses, o estabeleci-
mento do vínculo deve considerar esse aspecto desde o início. É importante lembrar que a dificuldade de
separação é também, com freqüência, do orientador.
1
Os procedimentos no encerramento são:
discussão do caso pela equipe – envolve todos os trabalhadores relacionados ao atendimento
do adolescente. Essa discussão norteará as últimas providências a serem tomadas, a postura do
orientador no processo de desligamento, as responsabilidades dos apoiadores e, finalmente,a
elaboração do relatório a ser encaminhado ao DEIJ;
entrevista individual – feita com o adolescente para esclarecimentos, orientação e definição
das últimas providências, essa entrevista é pautada pelo Plano de Atendimento Individual e as
mudanças que foram registradas. É uma situação privilegiada de avaliação para o adolescente e
do projeto;
últimas providências;
encaminhamento do relatório final ao Poder Judiciário;
encontro de compromisso – realizado entre o adolescente e os apoiadores após a devolutiva
do Poder Judiciário.
83
É NECESSÁRIO SABER:
O adolescente que é recebido no Projeto de execução da medida socioeducativa pode estar vindo do cumpri-
mento de uma medida de internação e recebeu a LA como parte de um processo de desinstitucionalização,ou
pode ter recebido como primeira medida a LA.São dois adolescentes”diferentes que o Projeto recebe.As vivências
ao longo da história de uma pessoa vão construindo quem ela é.A internação,no seu aspecto de privação de liber-
dade,em um momento peculiar do desenvolvimento que é a adolescência,torna-se uma experiência bastante sig-
nificativa.E a isso se acrescem as condições de cumprimento da medida.Em São Paulo,onde as denúncias de
maus-tratos e tortura nas unidades de internação são freqüentes (constatadas tanto pelas mães da AMAR e pelo
Ministério Público,quanto por organismos nacionais e internacionais de Direitos Humanos) é possível pensar nos
prejuízos que essa vivência acarreta.A conduta dos adolescentes nas rebeliões,a crueldade na relação com os cole-
gas – o episódio mais chocante foi o assassinato de quatro internos na rebelião do Complexo de Unidades
Imigrantes (1999),onde um deles teve a cabeça decepada –,demonstram que a violência da instituição os torna
mais violentos.Portanto,isso deverá ser considerado no momento em que recebermos o adolescente no Projeto e
em relação a muitas de suas dificuldades iniciais no relacionamento com os adultos,com a autoridade,com a lei.
Um aspecto bastante polêmico que envolve o atendimento direto dos adolescentes é a realização de psicote-
rapia no próprio Projeto,como uma de suas atividades.Ou seja,o profissional – no caso,psicólogo – é contratado,
pelo Projeto,para realizar inúmeras atividades e,entre elas,o grupo de psicoterapia com os adolescentes ou
atendimento psicoterápico individual.
A justificativa mais freqüente para isso é a ausência desse serviço na rede e o benefício que os adolescentes
podem ter com ele.Não há dúvida de que a rede de saúde mental é precária e que pelo menos uma parcela dos
adolescentes em LA pode se beneficiar desse atendimento.
Portanto,quando o Projeto propõe o atendimento psicoterápico em suas dependências,realizado pelo psicólo-
go que trabalha no cotidiano das demais atividades,é possível perguntar:o adolescente terá tranqüilidade para
falar de todos os seus conteúdos,sem o fantasma de que aquilo”será usado no relatório para o juiz? A censura no
processo psicoterápico é um mecanismo que auxilia ou obstaculiza o trabalho? Ou,independente de seu desejo”,o
adolescente participará porque poderá contar pontos”em seu relatório?
Como é iniciar um processo psicoterápico em que o usuário é informado de que os dados serão discutidos em
equipe e farão parte do relatório a ser encaminhado ao juiz? E,em que medida,o próprio psicólogo que con-
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tribuirá para a discussão do caso na equipe e,posteriormente elaborará relatórios,não usará os dados da situação
de sigilo?
Um outro aspecto dessa questão é que o Projeto de LA realiza muitas atividades,grupos temáticos,de orien-
tação,reflexão,coordenados por técnicos ou orientadores cujos efeitos podem ser terapêuticos,promotores da
saúde mental.Ao mesmo tempo,o psicólogo pode realizar atendimentos de orientação,grupos de escuta,encami-
nhamentos etc.E tudo isso já é um trabalho bastante importante.Os casos que necessitam,de fato,de psicoterapia
podem ser encaminhados para uma rede que precisa ser construída ou ampliada.
Os trabalhadores do atendimento direto ao adolescente autor de ato infracional relatam,com freqüência,que
o seu encaminhamento para a rede de serviços e parcerias é difícil.As instituições resistem e muitos profissionais
têm medo,não querem atendê-lo.É importante considerar que a associação juventude-violência é uma represen-
tação social que se ancora em cada um dos indivíduos e,inclusive,nos profissionais da saúde,da educação, da
assistência etc.No caso dos adolescentes autores de ato infracional,e particularmente aqueles com passagem pela
Febem,existe uma exacerbação de que ele é perigosoou potencialmente perigoso.Na prática,o que se tem
mostrado facilitador para uma recepção adequada do adolescente nos serviços da rede é o trabalho preliminar da
equipe do Projeto com a equipe ou profissional do serviço (escola,posto de saúde,centro cultural etc.),no sentido
de esclarecimento e retaguarda.Se mostra pouco eficiente para a qualidade do atendimento do adolescente
resolver a questão exclusivamente por ofício,brandindo a lei ou comunicando ao Judiciário a recusa do atendimen-
to.A mudança de mentalidade é um processo educacional.
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VALE A PENA PESQUISAR:
Técnicas de entrevistas:individual,grupal,de família.
Grupos sociais:processos,técnicas de dinâmica de grupo,coordenação de grupos.
Visita domiciliar:o público e o privado.
Orientação familiar.
Profissões:a orientação profissional,novas profissões.
Cultura juvenil.
Programas de saúde do adolescente.
Drogas:a política de redução de danos.
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PARA SABER MAIS:
Um modo privilegiado de saber mais é trocar experiências – documentos,relatos – com outras equipes próximas
ou distantes.Existem BOAS EXPERIÊNCIAS com adolescentes autores de ato infracional em vários cantos do Brasil.
Bibliografia:
A polícia das famílias,de Jacques Donzelot.São Paulo:Edições Graal,2001.
Desenhos familiares,de Maria F.Gregori.Fundação Banco de Boston/Alegro,Ed.Unesco/Fundação
BankBoston,2000.
Saberes globais e saberes locais – o olhar transdisciplinar,de Egar Morin.Rio de Janeiro:
Garamond,2000.
Dialética da família,organização de Massimo Canevacci.São Paulo:Brasiliense,1981.
Trabalhando com famílias pobres,de Patrícia Minuchim e outros.São Paulo: Artes Médicas,1999.
A família em desordem,de Elisabeth Roudinesco.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,2003.
A instituição e as instituições,de R.Käes e outros.São Paulo: Casa do Psicólogo,1995.
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Capítulo 4
88
A municipalização das medidas socioeducativas em meio aberto é a responsabilização da comunidade local –
em um conceito amplo – pelos seus adolescentes.Implica uma mudança de mentalidade superar a associação
entre juventude e violência,mobilizando esforços para criar condições,no presente,em que seja possível desenhar
outros futuros possíveis para a juventude.Portanto,significa viabilizar programas e projetos em uma rede de
parcerias e de serviços do poder público,organizações da sociedade civil,organizações governamentais e não-go-
vernamentais para o atendimento do adolescente como pessoa – cidadão.
É necessário que haja vontade política para desencadear e fomentar esse processo.É necessário,ainda,com-
petência técnica para implementar os projetos.Ambos os aspectos – político e técnico – são indissociáveis.
Lidamos com um fenômeno que se situa,por um lado,na temática da violência,que suscita temores e um clima de
insegurança na sociedade – o medo social – e alguns setores têm uma mentalidade que exige do poder público
(legislativo,judiciário e executivo) medidas repressivas circunscritas à área da segurança pública;e,por outro lado,
com uma parcela da juventude cujo ato infracional – um sintoma – revela histórias de violência,prejuízos no
desenvolvimento pessoal e social e,portanto,necessita de retaguarda,atendimentos especializados e perspectiva
de futuro.
O ato infracional é,ao mesmo tempo,produção de um tempo e uma história social,e um ato individual pelo
qual o autor,no caso o adolescente,precisa ser responsabilizado para garantir sua participação produtiva na cole-
tividade.Isso é particularmente relevante quando temos um projeto de futuro para e com as novas gerações,sem
desperdício de vidas.
A dimensão política do processo de municipalização – que não é uma mera “prefeiturizaçãoou terceirização
de serviços – concretiza também a implementação do ECA,instrumento jurídico de salvaguarda de direitos dos
adolescentes.No esforço de qualificar o trabalho de atendimento direto estão presentes (e é com isso que traba-
lhamos!) as peculiaridades socioculturais e sociopsicológicas do adolescente,que revelam matrizes de identidade,
condições objetivas de vida,novos modos de ser e existir de seu tempo histórico,de seus grupos de pertencimento
locais e transnacionais.
A qualificação das organizações sociais reconhecidas,que já realizam o atendimento direto desses adoles-
centes é uma necessidade,pois o processo de municipalização das medidas socioeducativas em meio aberto traz
embutido o risco de surgir organizações cuja proposta de atendimento esteja fincada exclusivamente no interesse
pelo repasse de verbas.Seria um grande retrocesso se a municipalização das medidas socioeducativas trouxesse
Outro lado da história: a entidade,
a equipe, o orientador
89
um modelo arcaico de atendimento,centrado no controle social do adolescente e na baixa qualidade do atendi-
mento,o que revelaria uma concepção estigmatizante do adolescente envolvido com o ato infracional.Aí nenhum
futuro é possível.Nessa perspectiva,o que predomina é o trabalho burocrático,centrado em atitudes investi-
gatórias,em contatos esporádicos com o adolescente,em relatórios,em uma lógica do fracasso.Ou seja,a execução
da medida se reduz a dar conta da determinação judicial,em uma postura de subserviência ao Poder Judiciário,e
não centrada no adolescente e em suas dificuldades e necessidades.
A inscrição da organização social no Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA),
exigência que a capacita junto ao Poder Judiciário e ao Conselho Tutelar,é um primeiro passo para garantir os
critérios de qualidade,ou seja,do compromisso ético,político e educacional com os objetivos de exercício de direi-
tos de cidadania do adolescente que cometeu ato infracional.
Para operar com eficiência uma proposta de atendimento socioeducacional que tenha a dimensão das práti-
cas do coletivo – afinal,são as dificuldades desse adolescente com as regras de convivência na coletividade que o
trouxeram ali – e do cuidado com cada adolescente no sentido da singularidade da sua biografia (passado,pre-
sente e futuro),um projeto de Liberdade Assistida deve estar pautado em duas idéias centrais:a da incompletude
institucional e a do protagonismo juvenil.A concepção da incompletude institucional significa que nenhum pro-
grama ou serviço consegue suprir todas as carências e necessidades de sua clientela,no caso os adolescentes.Isso
coloca o Projeto de LA necessariamente inserido em uma rede de parcerias,com programas e projetos de enti-
dades (por exemplo,para a profissionalização) – e,em uma rede de serviços – órgãos públicos da área da saúde,
educação,cultura etc.Ao assumir claramente a incompletude institucional,toda organização social passa a se arti-
cular politicamente com parceiros,participando do movimento mais amplo de defesa de direitos,em sintonia com
as demandas da população e o diagnóstico da realidade.Ao mesmo tempo,começa aí a viabilização e a garantia
de condições para que o adolescente possa transitar por vários grupos,associações e instituições locais,usufruindo
os benefícios sociais e culturais desse contato com outros contextos.Trata-se,enfim,de dar continuidade à expe-
riência do aprendizado de direitos e deveres.
O exercício de direitos e deveres nas diferentes esferas da vida social é uma das características do protagonis-
mo juvenil. Ou,nas palavras do educador Antonio Carlos Gomes da Costa,o protagonismo é a mobilização dos
jovens para a atuação solidária,construtiva e criativa no enfrentamento de problemas reais na escola,na comu-
nidade e na sociedade mais ampla. Isso significa que o Programa não desenhará,nem terá pronto para o jovem,
um projeto de vida e de futuro,mas fornecerá a ele as condições,as contingências e os subsídios que o ajudarão na
construção de seu projeto pessoal,de um destino único.
A construção de uma proposta de atendimento direto na qual os fundamentos sejam a incompletude institu-
cional e o protagonismo juvenil com adolescentes autores de ato infracional exige um projeto socioeducacional
90
com objetivos claros e operacionais,compartilhados por todos os trabalhadores que irão realizá-lo.Todo Projeto
precisa se apoiar em uma organização de seus trabalhadores que o viabilize.Para isso,é necessário que cada um
tenha clareza de suas funções,responsabilidades que ultrapassam o simples cumprimento de tarefas burocráticas.
Desse modo,torna-se imprescindível que o trabalhador seja qualificado e tenha disponibilidade para o trabalho
coletivo – uma exigência do Projeto.
O trabalho coletivo se realiza em uma concepção metodológica fundada na transdisciplinaridade.Ou seja,a
contribuição de cada profissional construindo um saber sobre a adolescência com o qual trabalha,sobre cada
jovem que atende e considerando que nenhum conhecimento é dispensável,na medida em que se propõe a
superar o senso comum e as visões estereotipadas,moralistas e reducionistas do adolescente autor de ato infracional.
A condição facilitadora para o trabalho transdisciplinar é a composição da equipe de trabalhadores formada
por profissionais de várias especialidades e competências.É possível considerar a equipe de trabalhadores de um
Projeto de Liberdade Assistida composta por coordenador,psicólogo,assistente social,advogado e educadores.Na
linguagem da lei todos são orientadores. Há necessidade,também,de um suporte administrativo.
91
1. Coordenador:
Responde pelo Projeto de LA junto à instituição contratante (órgão público municipal),junto ao
Poder Judiciário e as demais instâncias do sistema de justiça da infância e juventude,junto à organi-
zação social mantenedora,à comunidade local,aos familiares,adolescentes atendidos e junto ao con-
junto dos trabalhadores.
Realiza articulações políticas para incluir o Projeto de LA numa rede serviços e parcerias.
Viabiliza o suporte administrativo para o projeto técnico.
Elabora,em conjunto com a equipe de trabalhadores,o projeto técnico-administrativo de implan-
tação da medida socioeducativa de LA ou a apropriação de um modelo,fazendo sua adequação à
realidade local.
Coordena as ações e atividades do atendimento direto aos adolescentes visando à integração e
complementaridade das mesmas,sua ampliação e a inclusão de novas ações e atividades.
Estimula práticas coletivas na equipe de trabalho e valoriza produções individuais,incentivando a
socialização de conhecimentos e a auto-estima dos trabalhadores.
Participa da seleção de trabalhadores para o Projeto de LA,buscando garantir o perfil necessário à
execução do mesmo.
Propicia situações de aprimoramento e qualificação à equipe de trabalhadores.
Acompanha a execução do projeto técnico,através de avaliação contínua e de situações planejadas
de avaliação,com o objetivo de replanejá-lo e aprimorá-lo.
2. Assistente social/psicólogo:
Substitui o coordenador (desde que solicitado para isso),em quaisquer de suas funções e
atribuições.
Responde pela área de atendimento direto ao adolescente e sua família.
Fornece retaguarda permanente,além de subsídios teóricos e técnicos (de acordo com sua espe-
cialidade),aos demais orientadores,instrumentalizando-os.
Coordena as discussões técnicas:estudo de caso (elaboração de Plano de Atendimento Individual,
A equipe do projeto de LA e suas funções
92
encaminhamentos,encerramento de caso),elabora relatórios e oferece suporte às situações do coti-
diano que envolvem algum tipo de dilema quanto ao procedimento adequado.A natureza da dis-
cussão técnica deverá indicar a especialidade do técnico (psicólogo ou assistente social) que deverá
coordenar cada reunião.
Realiza atividades definidas pelo Projeto de LA,a partir da divisão interna de atribuições:faz plan-
tões de atendimento e atendimentos agendados;coordena trabalhos de grupos de recepção de ado-
lescentes,de grupos de recepção de familiares e/ou responsáveis,de grupos de orientação de
mães/apoiadores e de grupos de orientação de adolescentes;realiza visitas domiciliares;consulta
processos no Fórum;faz contatos com profissionais da rede de serviços e parcerias;discute o Plano de
Atendimento Individual (PAI),com adolescente e no Encontro de Compromisso.A divisão interna de
atividades poderá se beneficiar das habilidades específicas de cada um dos técnicos,embora a espe-
cialidade não se defina pela atividade.Por exemplo:a coordenação do grupo de orientação de fami-
liares poderá ser responsabilidade do psicólogo ou do assistente social e,no curso do trabalho,outro
profissional poderá ser chamado a contribuir com subsídios de sua especialidade.
Acompanha as rotinas do Projeto de LA e participa delas,de acordo com a definição de res-
ponsabilidades,de acordo com a especialidade e/ou habilidades específicas.
Faz visitas domiciliares e/ou qualquer outra atividade,em situações excepcionais (dificuldades do
caso,situações emergenciais internas ou externas).
Assume as responsabilidades técnicas junto ao Poder Judiciário (laudos e diagnósticos técnicos) e,
quando necessário,assegura encaminhamentos e providências para o adolescente e sua família.
Fomenta as articulações políticas da rede de serviços e de parcerias,com vistas à eficiência e agili-
dade dos encaminhamentos necessários.Os contatos poderão se beneficiar da natureza semelhante
de especialidade entre o técnico e a instituição contatada.Por exemplo:o assistente social articula a
entidade junto ao programa governamental de distribuição de benefícios sociais;o psicólogo,junto
ao ambulatório de saúde mental.
Incrementa as formas participativas e cooperativas no cotidiano do trabalho.
Coordena o Encontro de Compromisso.
Obs.:As especialidades de formação e as habilidades dos profissionais serão indicadores importantes para
definir suas inserções e responsabilidades mais diretas diante das atividades do Projeto de LA.Na perspectiva da
transdisciplinaridade e do trabalho em equipe, o saber específico de cada um é compartilhado.
93
3. Advogado:
Acompanha o processo legal do adolescente.
Toma providências junto ao sistema de justiça.
Elabora pareceres e denúncias nas situações de ilegalidade que envolvam o adolescente e/ou sua
família.
Subsidia as discussões de caso:Plano de Atendimento Individual (PAI) e encerramento de caso.
Subsidia a realização dos relatórios técnicos a ser encaminhados ao Poder Judiciário.
Participa do Encontro de Compromisso (com os apoiadores).
Realiza atendimentos e orientações individuais,em casos excepcionais,do adolescente e/ou sua
família.
Participa das reuniões da equipe quanto ao funcionamento e avaliação do Projeto de LA.
4. Orientador:
É responsável pelas rotinas,pela manutenção e pelo aperfeiçoamento da qualidade do ambiente
físico das instalações e pelo clima de convivência dos adolescentes e/ou familiares/responsáveis no
Projeto de LA.
Participa das discussões de casos (Plano de Atendimento Individual,elaboração de relatórios,si-
tuações emergenciais,encerramento de casos).
Realiza visitas domiciliares.
Faz plantão de atendimento ao adolescente e familiar/responsável.
Atende os adolescentes e/ou suas famílias na etapa de Recepção (entrevistas iniciais,discussão do
Plano de Atendimento Individual e Encontro de Compromisso).
Acompanha os adolescentes quanto às providências,encaminhamentos e acompanhamento nos
aspectos de moradia,saúde,educação,profissionalização,trabalho,lazer e vida cultural.
Coordena grupos de discussão temática com adolescentes,sob supervisão de um dos técnicos,con-
forme a especialidade do mesmo.
Ajuda a planejar e participa,com os adolescentes,de eventos políticos,culturais,artísticos,
esportivos e recreativos,no âmbito do Projeto de LA,na comunidade local ou em outras regiões.
94
5. Administrativo:
Participa do planejamento técnico do Projeto de LA com vistas a compreender a integração do pro-
jeto técnico com o administrativo.
Cuida do ambiente físico e de sua manutenção.
Planeja e realiza a compra de insumos necessários ao funcionamento cotidiano do Projeto de LA.
Realiza a compra do material necessário às atividades pedagógicas,culturais,segundo cronograma
técnico;responsabiliza-se por sua distribuição.
Controla a saída e o uso do material de manutenção,pedagógico e cultural.
Faz a prestação de contas ao órgão contratante,à entidade conveniada e à coordenação do Projeto
de LA.
Cuida dos aspectos referentes aos recursos humanos.
Realiza o serviço de recepção telefônica.
Digita material técnico,quando necessário.
Cuida e é responsável pela correspondência:recepção,distribuição e envio.
Participa das reuniões de avaliação geral do Projeto de LA.
Obs.:É importante considerar que esse trabalhador precisa conhecer e estar sintonizado com o Projeto de LA.
Suas atribuições implicam contatos com os adolescentes (por exemplo,fornecimento de material para atividades,
contatos telefônicos etc).No Projeto de LA todos são Orientadores.
95
Uma equipe coesa e produtiva de operadores da medida socioeducativa é o principal ingrediente de um bom
trabalho em Liberdade Assistida.Sua formação começa pela seleção de cada trabalhador,a partir da avaliação de
suas habilidades e características em relação ao perfil definido pelas funções que se buscam implementar.A cons-
tituição da boa equipe de trabalho se mantém com um processo de avaliação constante,centrada no trabalho,e
no processo de qualificação contínua.
O trabalho no Projeto de LA é extremamente exigente em seu cotidiano e a primazia/o foco de atendimento é
o adolescente,e não o trabalhador.Portanto,uma boa seleção buscará nos candidatos ao trabalho uma postura
ética e política de compromisso com a proposta socioeducacional,condições emocionais e capacidade de lidar com
situações de conflito.É importante lembrar que não basta boa vontade,espírito caritativo ou voluntarista para esse
trabalho.A profissionalização dos operadores é a garantia da conquista dos objetivos que dizem respeito à quali-
dade do atendimento aos adolescentes.
Uma equipe que comunga os mesmos objetivos,que concorda com as estratégias e procedimentos de traba-
lho,que se norteia pelas mesmas regras na relação com o adolescente e com sua família/responsáveis é a garantia
de um ambiente de trabalho onde o sucesso e o fracasso,o acerto e o erro,são responsabilidades de todos.E a
equipe funciona como retaguarda,apoio e referência para cada trabalhador,independente de sua função e espe-
cialidade.
A equipe como retaguarda de cada trabalhador é um aspecto relevante,porque é sabido que a prática junto
ao adolescente e,particularmente,junto ao adolescente autor de ato infracional,tem histórias de violência – como
vítima e como agente – que mobilizam aspectos emocionais do orientador:os riscos da identificação, o gozo com a
transgressão do adolescente e,como decorrência,a cumplicidade,a omissão frente a suas transgressões,o “tomar
partido,a perda da capacidade de se distanciar,de fazer uma leitura crítica e desapaixonada do caso e,portanto,
conseguir pensar para ajudar o adolescente a pensar.
Um outro exemplo de envolvimento emocional freqüente do trabalhador é o trato com as situações que
envolvem a família.Todos têm vivências familiares – agradáveis,conflitivas,frustrantes etc.– e é sobre essas bases
que se ancoram os saberes.Com freqüência,a teoria acaba por dar um verniz que encobre convicções arraigadas na
vivência pessoal.Para o trabalho com famílias isso pode ser um obstáculo porque impede o trabalhador de com-
preender o que ocorre ali,pode moralizar condutas e,o mais complicado,pode considerar que a boa solução para
aquela família é aquela que teve ou gostaria de ter para o seu próprio caso pessoal.
A formação de uma boa equipe
96
Este é um trabalho com riscos emocionais.As reuniões de equipe,a troca de visões sobre o mesmo fato ou
situação e o surgimento de polêmicas no grupo auxiliam a pensar sobre o adolescente,o trabalho e si próprio no
trabalho;ajudam,cada um,a se ver”,se discriminar.Um procedimento que auxilia bastante a equipe nesse sentido
é a supervisão técnica:um profissional que não é da equipe,nem da organização social,nem do órgão con-
tratante,e que tenha credibilidade junto à equipe para ajudá-la a fazer a leitura das situações de trabalho,da
dinâmica da própria equipe e/ou dos casos.Isso tudo para que se vá além das aparências,das emoções e dos con-
flitos e para que o grupo fortaleça sua potência de trabalho e suas convicções.É uma atividade centrada no traba-
lho,mas que pode vir a ter efeitos terapêuticos para o grupo.A supervisão técnica permanente do trabalho tem se
mostrado um importante instrumental de qualificação dos trabalhadores,implementação do projeto técnico e,
portanto,da garantia da qualidade do atendimento ao adolescente.
97
É NECESSÁRIO SABER:
O sistema de informações ou de documentação do Projeto
A documentação tem dois aspectos bastante diferentes e igualmente importantes.
Um deles refere-se à documentação do Projeto,suas atividades,ações,ou seja,tudo aquilo que permite a con-
tinuidade do trabalho,mesmo com a ausência e a substituição de um determinado trabalhador.O projeto se man-
tém,não se desfigura e evita-se,desse modo,a perda de continuidade,situação bastante freqüente na área:cada
mudança de coordenador ou de equipe começa tudo de novo,como se não tivesse existido nada.Quem perde é
sempre o adolescente e sua família.Nesse caso,há também uma repercussão negativa na área do atendimento
que avança vagarosamente e com o esforço de todos os projetos.A documentação do Projeto também possibilita a
troca com outros e a disseminação da experiência,o que dá visibilidade e possibilidade de aprimoramento.
O outro aspecto da documentação refere-se à coleta e registro dos dados e informações relativas ao adoles-
cente. Esse registro se inicia com sua chegada ao Projeto e diz respeito às informações provenientes dele próprio e
dos outros sobre ele – família,responsável,apoiadores.Incluem-se aí as informações sobre escola,trabalho,as visi-
tas domiciliares;sua presença e participação em atividades do Projeto etc.Nada se desperdiça porque qualquer
detalhe,alguma informação que “não faz sentidono momento do registro,pode ser importante mais tarde para
compreender o adolescente,encaminhá-lo,lidar com ele.Esse registro é aparentemente trabalhoso.Na verdade,
trata-se de um hábito a ser instalado na equipe,um treino que vai facilitando a sua execução e vai ficando
“automático,ou seja,um atendimento,uma atividade ou uma tarefa só se encerra com o registro.Há uma regra
básica para que esses registros sejam úteis:anota-se o dado,a informação,o fato – um relato descritivo,sintético e
datado.O registro não é lugar de interpretações,opiniões,impressões,análises.Caso isso seja necessário ou impor-
tante,coloca-se uma observação no final como hipótese.As interpretações e análises necessárias serão feitas na
discussão do caso,a partir dos registros e anotações,para a elaboração do Plano de Atendimento Individual (PAI),
para o relatório a ser encaminhado ao Poder Judiciário ou a outro profissional e/ou em alguma situação excep-
cional de dificuldade.As anotações dessas discussões,e posteriormente os relatórios,serão também anexados à
documentação do adolescente,contida na sua pasta.Os registros sobre um adolescente devem estar disponíveis
para todos os que trabalham com ele.Do contrário,como trabalhar com um adolescente sem dispor de infor-
mações importantes sobre ele? Isso coloca o tema da ética da equipe no trato com os dados,ou seja,o seu bom
98
uso.Há uma concepção equivocada de que somente os técnicos podem ter acesso a todas as informações porque
os demais trabalhadores não têm qualificação para seu manejo.Se não têm,deveriam ter e isso fala do trabalho
dos técnicos na equipe quanto ao compartilhamento do saber.O sigilo das informações é no sentido de proteger a
intimidade do adolescente,é um direito à privacidade,e não pode ser moeda de afirmação de poder entre os
membros da equipe (“Quem sabe mais?”).Nesse sentido,há com freqüência um conflito do operador da medida
quanto ao registro de determinadas informações,consideradas por ele como sigilosas,e está aí um bom tema de
discussão da equipe,que poderá resultar em maior consenso quanto a posturas que facilitam os procedimentos do
cotidiano.
Um dos produtos importantes que resulta da documentação do caso é o Parecer Técnico.
Parecer Técnico
O parecer técnico é um documento escrito (relatório) produzido a partir do estudo de caso cujos subsídios
estão na documentação (pasta).O teor ou ênfase desse documento está relacionado com o destinatário do parecer
e/ou com solicitações específicas:relatório de acompanhamento do caso,relatório conclusivo etc.Comumente se
considera o parecer exclusivamente para o encaminhamento ao Poder Judiciário.Contudo,um bom estudo de caso
que se formaliza em um relatório pode ser o ponto de partida do atendimento,encaminhamento e acompa-
nhamento do adolescente para a própria equipe ou pode ser o facilitador do trabalho de outro profissional (da
saúde,por exemplo),da rede de serviços ou parceria para onde se encaminha o adolescente.O estudo de caso,um
momento de discussão e reflexão da equipe,exige a participação de todos os operadores nele envolvidos.Não é
tarefa circunscrita aos técnicos do Projeto,embora eles possam coordenar a atividade e cuidar de sua execução.A
elaboração do relatório segue normas técnicas e a qualidade das informações e análises (conteúdo) fornece cre-
dibilidade para a equipe perante o sistema de justiça,as demais organizações e os trabalhadores da área,da rede
de parcerias e de serviços.
Uma questão ética que envolve o relatório a ser encaminhado ao Poder Judiciário é quanto à omissão ou não
de informações que possam supostamente prejudicar”o adolescente.Está aí uma questão que acaba por revelar
um distanciamento do Projeto (ou,em geral,dos trabalhadores da área) em relação ao Poder Judiciário ou ao
Departamento de Execução da Infância e Juventude (DEIJ).Uma interlocução freqüente,fundada em argumentos
consistentes que se referenciam no conhecimento que essas instâncias tenham do trabalho desenvolvido pelo
Projeto,pode ser um facilitador na discussão de casos específicos.É necessário romper com a idéia de que a relação
com o Poder Judiciário deve ser de subserviência,de desconfiança.O interesse do adolescente implica uma relação
99
de complementaridade entre as várias instâncias envolvidas na execução e avaliação do cumprimento da medida
socioeducativa.A presença do advogado na equipe,mesmo prestando consultoria,pode auxiliar na avaliação e no
procedimento quanto às informações consideradas “polêmicas,embora um dos pressupostos do atendimento seja
que o trabalho junto ao adolescente não tenha caráter de investigação policial.Esta não é a função dos operadores
e do Projeto.Seu trabalho é socioeducativo.
O relatório a ser encaminhado ao Poder Judiciário refere-se ao processo de desenvolvimento do adolescente
desde sua chegada no Projeto,considerando a história anterior como obstaculizador e/ou facilitador desse proces-
so.Inclui,também,o momento presente e os planos para o futuro (verbalizados pelo adolescente e com indícios de
viabilização).Portanto,o relatório não tem a função de fazer prognósticos.A ciência do comportamento humano
não tem o poder de prever o futuro.Quanto a esse aspecto,uma armadilha é considerar o comportamento institu-
cional como capaz de fornecer pistas seguras do comportamento extra-institucional.Nem sempre o é.O adoles-
cente se comporta de um modo adequado no Projeto,porque ali é (deve ser) um lugar protegido para ele ou
porque aprendeu as respostas e condutas adequadas que interferem positivamente em sua apreciação e no encer-
ramento da medida.Isso é bastante interessante,porque o adolescente demonstra aquilo que é capaz de fazer e
isso não precisa ser compreendido só como falseamento de suas outras intenções.Mas,ao mesmo tempo,é
necessário considerar a contraditoriedade de sua conduta e o que prevalecerá depende de outras histórias,de
encontros que irá viver.O Projeto é um pedaço de sua biografia.
Um exemplo de ofício de encaminhamento de relatório técnico,realizado pelo Projeto de LA que atendera Ivan:
MM.Juiz
Departamento de Execuções da Infância e Juventude
São Paulo – Capital
Em resposta ao ofício xxxx,de 12/03/xxxx,deste Departamento, estamos encaminhando,em anexo,relatório de
acompanhamento do jovem Ivan S.Souza,processo n.º xxxx.
Colocamo-nos à disposição de Vossa Excelência para qualquer outra informação e esclarecimento.
Tereza E. Gonçalves
Coordenadora do Projeto de LA
PARECER TÉCNICO
Referência:Ivan S.Souza,processo n.º xxxx,filho de José S.Souza (falecido) e Sueli S.Souza (falecida),nascido em 17/01/84
O jovem Ivan permanece em atendimento no Ambulatório de Saúde Mental – Grupo de Riscos/Drogadição – e é possível observar a
seriedade com que tem realizado este tratamento.Tem sido assíduo e busca seguir as orientações dos agentes de saúde daquele progra-
ma,quanto à inclusão em seu cotidiano de atividades gratificantes e prazerosas,bem como tem estabelecido novas redes de relações.Em
contato com a equipe responsável pelo Programa de Redução de Danos,fomos informados de que o plano de atendimento de Ivan prevê
seu desligamento em curto prazo.
Quanto ao local de moradia,Ivan permanece no Abrigo “Casa dos Meninos”e o coordenador do mesmo nos informa que Ivan tem se
mostrado bastante cuidadoso com sua higiene pessoal,seus pertences e com o ambiente físico, particularmente depois que iniciou seu
trabalho de ajudante na oficina de grafite deste Projeto de LA.É bastante organizado e cooperativo nas tarefas de manutenção da casa,
nos finais de semana,quando permanece no abrigo,pois,com freqüência,participa das atividades culturais de sua escola.Informou,
ainda,que raramente visita a irmã ou é visitado por ela.Os telefonemas da irmã nem sempre são respondidos e este aspecto causa preo-
cupação quanto ao seu desligamento definitivo do abrigo.Podemos acrescentar que este é um aspecto ainda a ser elaborado por Ivan,
considerando sua história de vida,visando seu desligamento definitivo deste Projeto de LA e considerando que a irmã é a única referên-
cia familiar do jovem nesta cidade.
Contudo,é possível afirmar que Ivan tem uma relação afetiva bastante significativa com a irmã e que a dificuldade de contato está rela-
cionada com o cunhado – segundo Ivan,ele maltrata a esposa – e com suas dificuldades econômicas (ausência de trabalho ou atividade
remunerada),pois Ivan se atribui a responsabilidade de auxiliá-la financeiramente.
A questão do trabalho remunerado tem sido uma das grandes preocupações desta equipe técnica,quando do desligamento de Ivan,con-
siderando que ele deverá dar conta de sua subsistência.
Cabe esclarecer,também,que Ivan permanece no abrigo porque não temos verba prevista no Projeto de LA para pagamento de pensão
ou república.Quanto à escola,Ivan tem encontrado alguma dificuldade em função da interrupção durante o período de internação,mas
tem freqüentado, eventualmente,o Plantão de Reforço Escolar promovido pela escola e participado,segundo a orientadora educacional,
de modo positivo nas atividades culturais extracurriculares (grupo de Hip-Hop).
No Projeto de LA,Ivan tem participado de alguns grupos de recepção de adolescentes.Permanece como ajudante na oficina de grafite e
estamos,neste momento,verificando a possibilidade de sua remuneração.
É o que temos a informar.
Alexandre Pires Rose M.Figueira
Psicólogo Assistente Social
CRP xxxx CRESS xxxx
100
101
TEMAS PARA DEBATE/DISCUSSÃO
Existem alguns “malesque atacam o trabalhador e/ou a equipe de trabalho da área.A reflexão sobre esses
aspectos produz bons resultados para o trabalho e para o trabalhador:
Onipotência / impotência:a dificuldade de avaliar o trabalho.
Militância / tecnicismo:a discussão fora de lugar.
Idealização / estigmatização do adolescente:cadê o adolescente real?
Omitir o delito / enxergá-lo pela ótica do delito:a desfiguração do adolescente.
Rivalidade com a família:quem cuida melhor do adolescente?
A busca do culpado”:uma investigação inútil.
Discurso sociologizante / discurso psicologizante:o reducionismo.
Excesso de estilo pessoal do operador da medida / as diretrizes homogeneizadoras do Projeto de LA.
Envolvimento emocional / abordagem racional:não há neutralidade.
Técnicos / não técnicos;saber / fazer.
Projeto técnico / suporte administrativo.
PARA SABER MAIS:
Referências bibliográficas (ensaios, estudos)
Comunidade e sociedade no Brasil,de Florestan Fernandes.São Paulo:Ed.Nacional,1975.
O medo social,de Jurandir Freire Costa (em Veja,25 anos:Reflexões Para o Futuro.São Paulo:Abril).
Medidas socioeducativas em meio aberto e de semiliberdade,de Myrian Veras Baptista,3 volumes;
Veras (a ser publicado).
Guia de gestão – Para quem dirige entidades sociais.São Paulo:Fundação Abrinq/Senac,2002.
Como elaborar projetos?,de Domingos Armani Amencar.Porto Alegre:Tomo Editorial,2001.
Ética e o espelho da cultura,de Jurandir Freire Costa e outros.Rio de Janeiro:Rocco,1995.
Código de ética profissional da psicologia;CRP-SP.
Código de ética profissional do serviço social,Cress-SP.
... Afinal, onde estão Ana e Ivan?
102
103
Capítulo 5
104
No dia em que o agente de saúde do grupo de redução de danos que Ivan freqüentava disse para ele:
“Agora, você aparece aqui quando achar que precisa ou quando tiver saudades... não há necessidade de vir
toda semana”, Ivan sonhou que voava de asa delta acima de muitas pipas que cortavam o céu.Acordou, sen-
tou-se à mesa do abrigo e escreveu uma carta para o “seu” orientador de Liberdade Assistida.
Pedro. Você sabe que sei desenhar melhor do que escrever
mas vou tentar. Tive um sonho esta noite que eu voava de
asa delta e foi uma boa experiência e acordei com uma
coisa boa dentro de mim e é como se aquelas idéias que eu
achava que nunca mais fossem se realizar pudessem acon-
tecer e você sabe bem de que idéias tô falando e são aque-
las que antes tinha vergonha até de falar e depois me ator-
mentavam porque era tudo sonho e foram ficando muito longe e agora estão aqui de
novo dentro de mim e acho que não vai ser fácil por na real mas na escola estou indo bem
demais e tem um professor que gosta muito do meu trabalho de grafite e ele acha que
eu tenho muito jeito e você diz habilidade e ele foi outro dia ver o trabalho que eu fiz
com a turma aí da oficina de LA numa parada de hip-hop e tem dado a maior força
porque ele conhece um pessoal da secretaria da cultura que trabalha com juventude nas
quebradas e querem fazer oficinas de grafite e o salário é mais do que eu preciso mas aí
posso pensar em fazer aquele curso de design gráfico (viu como aprendi o nome?!) que
dizem que é a profissão do futuro e posso juntar as duas coisas que gosto (computa-
dor+desenho) e posso até pensar em ir morar na pensão lá perto da minha irmã e arran-
jar uma namorada e... é tanta coisa mas como minha mãe falava... ”uma coisa de cada
vez”. Desculpa o jeito de escrever tudo amontoado mas na minha cabeça não tá confuso e
você me entende e Deus te pague e agora nós temos que dar força pro Nil que tá numa
pior e acho que como eu quando cheguei aí. O desenho da outra folha é da asa delta do
meu sonho. Ivan.
As histórias continuam....
105
Um dia a mãe de Ana acordou e viu sobre a mesa da cozinha, embaixo do açucareiro, um dinheiro com
um bilhete de Ana, naquela letra bonita e elegante:
“Mãe, hoje é meu primeiro dia de trabalho em um berçário na Avenida
Paulista. Não queria falar antes de conseguir o emprego. Fiz um teste e disseram
que tenho muita facilidade de contato com os bebês e com as crianças menores,
mesmo com aquelas mais rebeldes e difíceis. Este dinheiro é para pagar o con-
domínio. Vê no banco se o pai depositou a pensão deste mês. O dinheiro da
poupança já está acabando. No próximo mês, temos o meu salário. Hoje, chego
mais tarde porque vou na LA conversar com a psicóloga. Qualquer hora a gente
conversa mais. Pode guardar o jantar pra mim. Ana.
A mãe de Ana sorriu e pensou na sobremesa que faria para o jantar...
106
Detalhamento
Como foi a abordagem dos Policiais em função do ato
infracional?
Foi conduzido algemado à Delegacia?
Como foi a recepção na Delegacia?
Sofreu violência (abuso físico,sexual,psicológico)?
Foi submetido a atos vexatórios?
Quanto tempo ficou retido na Delegacia antes de ser
encaminhado à autoridade judiciária?
Na Delegacia,ficou retido em local apropriado e sepa-
rado dos detidos adultos?
Foi liberado mediante presença da família ou foi
encaminhado para a unidade de atendimento?
Qual foi o tratamento recebido no período em que
permaneceu na Delegacia?
Teve apoio da PAJ?
Teve uma conversa com o Defensor antes da audiência?
Sentiu-se acolhido e defendido pelos Procuradores da
PAJ?
Sofreu violência (abuso físico,sexual,psicológico)?
Foi submetido a atos vexatórios?
Sua família foi regularmente informada quanto ao
andamento do processo?
Etapa da
trajetória
Apreensão
Delegacia
Procuradoria da
Assistência
Judiciária
(PAJ)
Assinalar
2
MB
MB
B
B
R
R
P
P
sim não
sim não
sim não
sim não
sim não
Especificar
Este roteiro é preenchido pelo adolescente e/ou orientador
MB = muito bom;B = bom;R = ruim; P = péssimo
1
2
TRAJETÓRIA DE ADOLESCENTES PELO SISTEMA DE JUSTIÇA
1
Idade do/a entrevistado/a: Sexo: Bairro de residência:
Anexos
sim
não
sim não
MB B R
P
sim
não
MB B R
P
MB B R
P
107
Ministério Público
Autoridade
Judiciária (Vara da
Infância e
Juventude -VEIJ)
Unidades de
Internação
Quanto tempo esperou pela primeira audiência com o
MP?
Como foi a abordagem pelos Promotores?
Havia Defensor presente?
Foi acompanhado pela família ou responsável?
Sofreu violência (abuso físico,sexual,psicológico)?
Foi submetido a atos vexatórios?
Quanto tempo esperou pela primeira audiência?
Como foi a abordagem feita pelo Juiz?
O Defensor estava presente?
Foi acompanhado pela família ou responsável?
Sofreu violência (abuso físico,sexual,psicológico)?
Foi submetido a atos vexatórios?
Antes de ser inserido em Liberdade Assistida ficou
internado?
Qual foi o tratamento recebido na Unidade de
Atendimento (24h)?
Sofreu violência (abuso físico,sexual,psicológico)?
Foi submetido a atos vexatórios?
Quantos dias permaneceu?
Qual foi o tratamento recebido na Unidade de
Internação Provisória?
Sofreu violência (abuso físico,sexual,psicológico)?
Foi submetido a atos vexatórios?
Foi respeitado o prazo máximo de 45 dias de inter-
nação provisória?
Qual foi o tratamento recebido na internação?
Sofreu violência (abuso físico,sexual,psicológico)?
Foi submetido a atos vexatórios?
Teve acesso a atividades socioeducativas?
Foi inserido no processo de escolarização?
sim não
sim não
sim não
sim não
sim
não
sim não
sim não
sim não
sim
não
sim não
sim não
sim não
sim não
sim não
sim não
sim não
sim não
sim não
Anexos
2.Situação familiar
Família
Biológica: Substituta:
CEP
Tel . para contato
CIC
N
0
108
Caracterização do Adolescente
1.Identificação
ENTREVISTA INICIAL
Timbre da Organização Social
Entrevista Inicial
Nome
Data Nasc.
Filiação
Responsável
Endereço
Bairro
Referência para localização da moradia
Documentação
Pai
Mãe
Cert. de Nasc.
N
0
Cart. Profissional
N
0
Idade
RG
N
0
Natural de
Título de Eleitor
N
0
Falar com
Carteira de Alistamento Militar
N
0
Anexos
2.1. Constelação familiar (todos que compõem a família)
Nome Grau de parentesco Idade Grau de escolaridade Formação profissional Ocupação Salário mensal Local de residência
109
2.3. Histórico familiar
Anexos
2.2. Composição domiciliar (todos que residem com o adolescente)
Nome Grau de parentesco Idade Grau de escolaridade Formação profissional Ocupação Salário mensal
2.4. Situação Habitacional
Casa Apartamento Barraco Corto Pensão Outro:
Próprio Alugado Cedido Invadido Outro: N
o
de cômodos:
Saneamento básico: Água Luz Esgoto Pavimentação
3.Escolarização
Trajetória escolar (idade de ingresso na escola,última série que concluiu,histórico de retenções,motivo de desistência etc.)
110
Estuda? Sim Não Série Período
Nome da escola
Endereço da escola
Os pais ou responsável participam da sua vida escolar? Como?
Freqüenta ou freqüentou outros cursos? Sim Não Onde? Quando?
Quais?
4.Vida Profissional
Trajetória de trabalho (histórico de empregos e relação com a idade,última atividade remunerada que realizou,motivos etc.)
Trabalha? Sim Não Ocupação atual Há quanto tempo?
Local de trabalho
Endereço do trabalho
Horário de trabalho Está satisfeito com o trabalho? Por quê?
com vínculo empregatício sem vínculo empregatício Salário atual
Curso profissionalizante Sim Não Qual? Onde? Quando?
Profissão que gostaria de seguir
Por q?
Áreas de interesse e habilidades
5.Saúde
Já teve algum problema de saúde? Qual? Tratamento
Faz acompanhamento de saúde? Onde? Freqüência Data da última consulta
Física
Odontológica
Mental
Toma algum remédio? Qual? Fuma? Há quanto tempo?
Tem doença sexualmente transmissível? Qual? Toma bebida alcoólica? Há quanto tempo?
Já fez teste de HIV? Positivo Sintomático Assintomático Negativo
Anexos
111
MEDIDA DE LA
Número do processo Vara Número do prontuário Local de atendimento
Data da medida Prazo da medida Data de entrada do caso Data de interpretação da LA
Na medida de LA Primário Reincidente N
o
de vezes
A atual medida é 1
a
Medida Progressão Motivo da atual medida
Descrição da vida pregressa e detalhes do episódio que levou à atual Medida de LA
RECURSOS DA COMUNIDADE
(EDUCAÇÃO,CULTURA,LAZER,RELIGIÃO,ESPORTES,SAÚDE ETC.)
Quais conhece?
Quais utiliza?
Com que freqüência utiliza?
Atendem à necessidade?
OUTRAS INFORMAÇÕES IMPORTANTES
Anexos
112
IMPRESSÃO DA ENTREVISTA
Responsável pelo atendimento Data
Anexos
113
RELATÓRIO DE VISITA DOMICILIAR
Timbre da Organização Social
Relatório de visita domiciliar
Data
Horário
Nome do adolescente
Filiação Pai
Mãe
Responsável É parente? Grau de parentesco Grau de relacionamento
Endereço
Bairro CEP
Referência para localização de moradia Telefone para contato Falar com
PESSOAS PRESENTES DURANTE A VISITA
OBJETIVO DA VISITA
DESCRIÇÃO DA MORADIA
(Tipo de habitação,número de cômodos,condições de higiene e salubridade,segurança, existência de água encanada,luz elétrica etc.)
Anexos
114
CONTEXTO FAMILIAR
(Quantidade e identificação das pessoas que convivem na casa,grau de parentesco ou relacionamento)
CONTEXTO ECONÔMICO
(Quantos trabalham,que tipo de trabalho fazem,como administram os recursos financeiros que recebem etc.)
CONTEXTO SOCIAL
(Como vivem em sociedade:no bairro,com amigos,na escola, no bar, na religião etc.)
ENCAMINHAMENTOS
Para que lugar? Com que finalidade?
Anexos
115
Responsável pelo relatório Data
Anexos
IMPRESSÕES
Moradia / convivência familiar (ou grupo substituto)
Convivência comunitária (grupo de amigos,relações com a vizinhança etc.)
Estudo (discriminar a escolarização formal / equivalentes / curso profissionalizante / outros cursos)
Saúde (discriminar saúde física,bucal,mental / dependência química)
Trabalho
Lazer / cultura / esporte
Finais de semana (ocupação do tempo)
2.Síntese do estudo de caso do adolescene (com indicações da equipe para discussão com o adolescente)
116
Orientador de referência
PLANO DE ATENDIMENTO INDIVIDUAL
Timbre da Organização Social
Entrevista Inicial
Anexos
3.Encaminhamentos / providências / perspectivas quanto a:
4.Atividades (no projeto, na rede de serviços e parcerias)
Observações:
1.Para cada item,o orientador pode contratar com o adolescente as metas a curto,médio ou longo prazo.
2.Em cada novo contato com o adolescente,cada item deverá ser avaliado e registrado em folha anexa.
3.Como referência de avaliação de cada item,ver “Indicadores de avaliação de objetivos”do Plano Personalizado de Atendimetno do Cedeca Interlagos.
Caracterização do Adolescente
Nome
Data Nasc.
Filiação Pai
Mãe
Idade Processo
1.Identificação
117
O/a adolescente e sua família não necessitam de inserção em “programa oficial ou comunitário de
auxílio e assistência social
O/a adolescente e sua família necessitam de inserção em “programa oficial ou comunitário de
auxílio e assistência social”,mas não conseguem atendimento
O/a adolescente e sua família são encaminhados para Programa de Assistência Emergencial
(Cesta Básica,Abrigo etc.) e são atendidos
O/a adolescente e sua família começam a desenvolver seu protagonismo no sentido de lutar por
seus direitos
O/a adolescente e sua família conseguem promover-se socialmente e assumem a luta por políti-
cas públicas com participação popular
O/a adolescente e sua família não conseguem superar os seus problemas
O/a adolescente se esforça para superar os seus problemas,mas não tem apoio da família
A família está apoiando o/a adolescente para superar seus problemas e participa ativamente dos
encaminhamentos necessários.O adolescente,porém,não se esforça
O/a adolescente e sua família reconstroem relações de diálogo e começam a superar a pro-
blemática enfrentada
O/a adolescente e sua família superam as dificuldades enfrentadas
O/a adolescente resiste em procurar matrícula
O/a adolescente se sensibiliza da importância do estudo,porém,não encontra matrícula
O/a adolescente se matriculou,porém, não tem freqüência satisfatória
O/a adolescente freqüenta a escola,porém, não tem aproveitamento satisfatório
O/a adolescente tem freqüência e aproveitamento satisfatórios
O/a adolescente não tem formação profissional e não trabalha
O/a adolescente concluiu curso profissionalizante,mas não encontra colocação no mercado de
trabalho
O/a adolescente está inserido em curso de profissionalização
O/a adolescente trabalha no mercado informal
O/a adolescente tem trabalho registrado
O/a adolescente aparenta ter boa saúde e não necessita de encaminhamento
O/a adolescente aparenta ter problemas de saúde,mas nega necessitar de um encaminhamento
específico
O/a adolescente ou seus responsáveis são encaminhados,porém,não se interessam pelo enca-
minhamento
O/a adolescente ou seus responsáveis são encaminhados,manifestam interesse,mas não con-
seguem ser atendidos pelo serviço público referente
O/a adolescente ou seus responsáveis são encaminhados e o atendimento não tem resultado sa-
tisfatório
O/a adolescente ou seus responsáveis são encaminhados e o atendimento tem resultado satis-
fatório
Não alcançado
Parcialmente alcançado
Alcançado majoritariamente
Alcançado plenamente
Não alcançado
Parcialmente alcançado
Alcançado majoritariamente
Alcançado plenamente
CEDECA Interlagos
PLANO PERSONALIZADO DE ATENDIMENTO (PPA) - Acompanhamento 1
Nome do adolescente Tipo e tempo de medida Início do atendimento Educador/a
1.OBJETIVOS DO PLANO PERSONALIZADO DE ATENDIMENTO
Objetivos PPA Indicadores Data do Acompanhamento
1.Promoção social (ECA,Artigo 119-I)
2.Desenvolvimento pessoal e familiar
3.Escola (ECA,Artigo 119 – II)
4.Formação Profissional e Trabalho (ECA,
Artigo 119 – III)
5.Saúde do/da adolescente e de seus
responsáveis (ECA,Artigo 101 – V,VI)
6............................................................
7............................................................
Anexos
118
Nome do adolescente Tipo e tempo de medida Início do atendimento Educador/a
2.PARTICIPAÇÃO DO/DA ADOLESCENTE NO ATENDIMENTO DO PROJETO
Ações | Atividades Indicadores Data do Acompanhamento
Satisfatório
Parcialmente satisfatório
Insuficiente
Satisfatório
Parcialmente satisfatório
Insuficiente
Satisfatório
Parcialmente satisfatório
Insuficiente
Satisfatório
Parcialmente satisfatório
Insuficiente
Satisfatório
Parcialmente satisfatório
Insuficiente
CEDECA Interlagos
PLANO PERSONALIZADO DE ATENDIMENTO - Acompanhamento 2
8.Empenho do/da adolescente no cumprimento da medida
9.Disponibilidade em aceitar tarefas e orientações
10.Assiduidade e freqüência com que comparece às atividades do
Projeto
11.Pontualidade
12.Sociabilidade – Freqüência e intensidade dos contatos que o
adolescente estabelece com o grupo em que está convivendo
Satisfatório
Parcialmente satisfatório
Insuficiente
Satisfatório
Parcialmente satisfatório
Insuficiente
Satisfatório
Parcialmente satisfatório
Insuficiente
Satisfatório
Parcialmente satisfatório
Insuficiente
Satisfatório
Parcialmente satisfatório
Insuficiente
13.Proposta de Trabalho do Projeto
14.Atendimento recebido no Projeto
15.Método e Dinâmica de Trabalho do Projeto
16.Vínculo entre adolescente e Educador/a
17.Resultados alcançados pela participação no Projeto
3.AVALIAÇÃO DO PROJETO PELO/PELA ADOLESCENTE
Ações | Atividades Indicadores Data da Monitoria
Anexos
119
7.............................................
1.Promoção social
Nome do adolescente Tipo e tempo de medida Início do atendimento Educador/a
1.AVALIAÇÃO SUBJETIVA DO PPA [___/___/___]
CEDECA Interlagos
PLANO PERSONALIZADO DE ATENDIMENTO - Avaliação
Tempo de Atendimento no Projeto
Objetivos PPA Participação no projeto
2.Desenvolvimento pessoal
3.Escola
4.Trabalho
5.Saúde
6.............................................
8.Empenho
9.Disponibilidade
10.Freqüência
11.Pontualidade
12.Sociabilidade
Alcançado plenamente
Alcançado majoritariamente
Parcialmente alcançado
Não alcançado
2.ATENDIMENTOS REALIZADOS ATÉ A PROPOSTA DE ENCERRAMENTO [___/___/___]
Tipos de Atendimento Número de Atendimentos realizados
Visitas (domiciliares,escola, trabalho etc.)
Atendimentos individuais
Atendimentos grupais
Oficinas pedagógicas
Atendimento familiar
Encaminhamentos para a rede de serviços
Anexos
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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