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Universidade de São Paulo
Escola de Comunicação e Artes
Departamento de Comunicações e Artes
Fotograa – do Analógico para o Digital
Um estudo das transformações no campo da produção
de imagens fotográcas
Cristiano Franco Burmester
Dissertação apresentada à Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo para a obtenção do Título de
Mestre em Ciências da Comunicação. Área de concentração:
Comunicação. Linha de pesquisa: Comunicação e cultura.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Cristina C. Costa
São Paulo
Janeiro de 2006
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II
BANCA EXAMINADORA
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III
Agradecimentos
Eu gostaria de agradecer a colaboração dos amigos e colegas de prossão: Tony
Genérico, Carrieri, J. Henrique Lorca, Márcio Sallowicz e Thales Trigo, pela colaboração
e gentileza em conceder as entrevistas e ceder imagens para a realização desta pesquisa.
Também quero agradecer a minha orientadora Profa. Dra. Maria. Cristina Castilho
Costa pelo estímulo e pelas reexões e revisões durante o desenvolvimento do trabalho.
Ao Prof. Dr. Boris Kossoy e ao Prof. Dr. Rubens Fernandes Jr. pelas sugestões
bibliográcas e comentários relativos ao tema de pesquisa.
À Renata P. Burmester, minha esposa, pela paciência e apoio durante a redação do
projeto.
IV
BURMESTER, Cristiano Franco. Fotograa do Analógico para o Digital - Um
estudo das transformações no campo da produção de imagens fotográcas São
Paulo: Universidade de São Paulo Escola de Comunicação e Artes, 2006. (Dis-
sertação apresentada para a obtenção do título de Mestre em Ciências da Comuni-
cação).
Resumo: Esta pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de nos aprofundarmos
nas questões que decorrentes do advento das mídias digitais, permeiam a fotograa
atualmente. Para isso, tomamos como objeto de estudo o campo da fotograa pub-
licitária, uma área que trabalho e expressão com imagens que tem sofrido signica-
tivas transformações. Os focos da pesquisa empírica são as a dinâmica de trabalho
criação e produção - dos fotógrafos publicitários, as mudanças tecnológicas na
fotograa e a percepção e a recepção das questões estéticas inerentes à imagem.
Palavras-chave: fotograa, comunicação, publicidade, mídias digitais, tecnologia.
V
BURMESTER, Cristiano Franco. Photography from analogical to digital A
study of transformations in the eld of production of photographic images. São
Paulo: Universidade de São Paulo Escola de Comunicação e Artes, 2006. (Dis-
sertation – Master in Communication Sciences).
Abstract: This research was conducted to develop a broader comprehension of
the transformations occurred within the area of photography after the advent of
the digital media. In order to do so, we have chosen as our object of study the eld
of advertising photography, an area of work and expression through images that
has suffered signicant transformations. The focuses of the empirical research are
the dynamics of work – creation and production of advertising photographers,
the technological transformations within photography and the perception and re-
ception of aesthetical matters regarding the photographic image.
Keywords: photography, communication, advertising, digital media, technology.
VI
Sumário
1. Introdução 01
2. A Fotograa Analógica 03
3. Questões técnicas e de linguagem fotográca 18
4. A revolução da informática e a fotograa 31
5. A fotograa publicitária 46
6. Metodologia de Pesquisa 57
a. Corpus 57
b. Objetivo da pesquisa e procedimentos iniciais 59
c. Roteiro de perguntas 60
d. Entrevistas 62
7. Fotograa – mídia em transformação 96
8. Conclusão 100
9. Bibliograa 102
1
Introdução
Nas últimas décadas do século XX e início do século XXI, uma grande revolução
se processou no campo da comunicação, em especial no da produção de imagens. Trata-
se do surgimento das novas tecnologias digitais de captura e manipulação de imagens.
Vamos inicialmente procurar entender esse processo no campo da imagem fotográca.
A linguagem fotográca surgiu na sociedade como um produto da Revolução
Tecnológica iniciada no século XIX e se desenvolveu ao longo do tempo, impulsionada
pela aceleração do ritmo de vida e da necessidade de se registrar de forma mais rápida e
el os acontecimentos.
Durante a maior parte de sua história, a imagem fotográca foi observada através
de uma postura conceitual carregada de uma forte preocupação com a objetividade e o
realismo. Isto fez com que a subjetividade e a ccionalidade da fotograa casse em se-
gundo plano. Atualmente com o desenvolvimento das tecnologias de imagem digital estas
posições buscam uma nova relação de equilíbrio.
O primeiro capítulo deste trabalho coloca a sua atenção sobre a fotograa en-
quanto mídia analógica. Questões teóricas como a verossimilhança, a indicialidade e o
papel do fotógrafo como responsável pela seleção do objeto fotografado são analisados
através das reexões de pesquisadores e autores sobre o assunto.
É intuito desta dissertação aprofundar a reexão sobre a ccionalidade na foto-
graa. Este trabalho irá buscar referências, contraposições e convergências de posturas e
concepções de pensadores, autores e criadores sobre o assunto, primeiramente no cam-
po teórico e posteriormente na área técnica por meio da análise do desenvolvimento dos
métodos de pré-produção, produção e pós-produção de imagens.
O segundo capítulo desta dissertação examina questões técnicas e de linguagem
no campo da fotograa até o advento das mídias digitais. Esta análise procura fornecer
subsídios para uma compreensão mais profunda sobre as transformações estéticas e de
linguagem ocorridas na fotograa após o surgimento da tecnologia digital.
2
Também é objeto deste trabalho aplicar um olhar mais atento sobre os reexos
provocados pela revolução da informática, no quase ilimitado processo de construção da
imagem digital. O terceiro capítulo é uma reexão sobre o surgimento das mídias digitais,
em particular, a tecnologia de imagem digital e seu desenvolvimento e integração com a
fotograa.
Por m, é nosso objetivo desenvolver um olhar investigativo acerca da modi-
cação do formato de trabalho dos fotógrafos e da conseqüente construção de cções
fotográcas, especialmente a partir da incorporação da tecnologia digital pela fotograa.
Sendo assim, foi escolhido o gênero da fotograa publicitária para a realização de uma
pesquisa utilizando-se de entrevistas e imagens cedidas pelos fotógrafos entrevistados. O
quarto capítulo aplica um olhar sobre a fotograa publicitária, e precede o capítulo que
traz a metodologia de pesquisa e as entrevistas.
O tema do último capítulo, fotograa – mídia em transformação, dedica-se a con-
cluir a reexão que a dissertação propõe, procurando elementos de análise provenientes
da pesquisa bibliográca, das entrevistas e das imagens utilizadas como referência no
trabalho.
3
2. A fotograa analógica
A civilização ocidental, desde a Antiguidade, se deslumbrou com o potencial rea-
lizador da razão humana, que veio a ser amplamente reconhecido a partir da modernida-
de. Após séculos de embates com a religião e a fé, a razão adquiriu a sua “maioridade”
expressa no desenvolvimento da ciência, da técnica e do desejo do homem de dominar a
natureza e controlar o mundo à sua volta.
O século XIX teve como uma de suas principais características, uma enorme ex-
pansão da pesquisa cientíca e do seu uso em invenções e inovações tecnológicas. Não
é de se estranhar que este período tenha sido palco de duas revoluções industriais que
transformaram a natureza do trabalho, do consumo e do comportamento em sociedade.
Os processos de urbanização da sociedade e o desenvolvimento do capitalismo
provocaram o surgimento de um grupo social intermediário que genericamente chama-
mos de classe média.
Esses extratos médios desenvolveram hábitos de comportamento e de consumo
espelhados na elite da sociedade, porém o limite do seu poder aquisitivo provocou a apa-
rição de novas formas de consumo material e simbólico, de certa maneira mais acessíveis
nanceiramente, entre elas a fotograa, especialmente impulsionada pelo individualismo
e pelo anseio de consagrar a auto-imagem das pessoas.
A nova invenção veio para car. Seu consumo crescente e ininterrupto
ensejou o gradativo aperfeiçoamento da técnica fotográca. Essencial-
mente artesanal, a princípio, esta se viu mais e mais sosticada à medida
que aquele consumo, que ocorria particularmente nos grandes centros
europeus e nos Estados Unidos, justicou inversões signicativas de
capital em pesquisas e na produção de equipamentos e materiais fotos-
sensíveis. A enorme aceitação que a fotograa teve, notadamente a par-
tir da década de 1860, propiciou o surgimento de verdadeiros impérios
industriais e comerciais.
1
1 KOSSOY, Boris. Fotograa e História. 2a. edição revista. Ateliê Editorial. São Paulo, 2001, p. 25
4
Com o surgimento da fotograa, o homem passou a ter um conhecimento mais
preciso e amplo de realidades que lhe eram, até aquele momento distantes, acessíveis
unicamente pela tradição escrita, verbal e pictórica. A fotograa possibilitou uma nova
forma de apreensão do real, aproximando pessoas, lugares e culturas. “O mundo, a partir
da alvorada do século XX, se viu, aos poucos, substituído por sua imagem fotográca. O
mundo tornou-se, assim, portátil e ilustrado”.
2
A produção da imagem com o auxílio de uma câmera era conhecida desde o
período renascentista. “O princípio de funcionamento das câmeras era conhecido
muito tempo: a luz penetrando por um orifício da parede de um quarto escuro forma na
parede oposta uma imagem invertida do objeto que estiver do lado de fora do quarto”.
3
As chamadas “câmaras escuras” eram utilizadas por artistas, pintores, desenhistas
e ilustradores para o registro da natureza, das pessoas e do mundo. “Em ambas as situa-
ções antes e após o advento da fotograa – o homem buscou destacar do mundo visível
um fragmento deste, cuja imagem, tal como se formava na câmara obscura, se destinava a
ser materializada sobre um dado suporte, seja na forma de um desenho, seja na forma de
uma fotograa”.
4
De acordo com os registros da época, a capacidade mimética da fotograa proce-
deria da sua natureza técnica, ou seja, de seu procedimento mecânico, que permite a
produção de uma imagem de maneira “quase natural” sem a intervenção do homem no
processo, como ocorria nas demais manifestações artísticas.
Não é difícil compreender que os debates ao redor da fotograa fossem tão fer-
vorosos, havia quem proclamasse a morte da pintura e quem dissesse que a pintura deve-
ria se concentrar, a partir de então, na produção da cção e não no registro da realidade,
tarefa esta que caria por conta da fotograa.
2 KOSSOY, Boris. Op. Cit. p. 26.
3 NEWHALL, Beaumont.
The History of Photography. The Modern Museum Of Art. Nova York, 1982, p.14.
4 KOSSOY, Boris. Op. Cit. p. 36
5
O poeta e crítico francês Charles Baudelaire, em 1865, assim se expressou sobre
esse tema:
...a fotograa é a arte que, numa superfície plana, com linhas e tons,
imita com perfeição e sem qualquer possibilidade de erro a forma do
objeto que deve reproduzir. Sem qualquer dúvida a fotograa é um ins-
trumento útil à arte pictural . É manejada muitas vezes com gosto por
gente culta e inteligente, mas, anal, nem se cogita compará-la com a
pintura”
5
.
A câmara escura teve todo seu desenvolvimento tecnológico concluído até apro-
ximadamente 1750 e seu uso foi intenso e largamente disseminado até o surgimento da
fotograa, como a conhecemos hoje, o que ocorreu em meados do século XIX.
O primeiro a tentar registrar uma imagem por meio da ação da luz foi o inglês
Thomas Wedgwood (1771-1805). Antes mesmo de 1800, ele tentou sensibilizar papel e
couro com nitrato de prata, colocando-os em contato com objetos planos ou transparên-
cias pintadas e expondo-os à luz.
Porém, as diculdades que Wedgwood encontrou para xar as imagens sobre
uma superfície seriam o maior obstáculo a ser vencido por todos os que se envolveram
na experimentação com a fotograa. O problema era que sem uma técnica de xação, a
imagem desaparecia em questão de minutos.
O processo iniciado por Wedgwood foi concluído com sucesso pelo francês Ni-
céphore Niépce. As primeiras imagens produzidas necessitavam de pelo menos oito ho-
ras de exposição à luz, fato que privilegiou objetos e paisagens como os principais temas
da fotograa.
A fotograa surgiu como resultado da interação de processos físicos e químicos.
A luz que passa pela lente atinge o negativo fotográco e provoca uma sensibilização dos
sais de prata ali aplicados, registrando assim uma imagem à semelhança do objeto fotogra-
fado. Este processo de registro de imagens é o que chamamos de fotograa analógica.
5 BAUDELAIRE, Charles. Philosophie de l’Art in DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográco. Editora Papyrus. Campinas, 1993, p.29
6
As três décadas seguintes à aparição da fotograa foram um período de arma-
ção da técnica e da inserção da fotograa no cotidiano da sociedade. Após as paisagens e
a natureza morta, a principal aplicação da fotograa foram os retratos.
Vista do Boulevard du Temple, Paris. Louis Jacques Mande Daguerre, 1838. O inventor francês Daguerre
aprimorou o método fotográco criado por Niépce, apresentou a técnica à comunidade cientíca européia
e iniciou a comercialização do processo de registro de imagens fotográcas conhecido como Daguer-
reótipo.
Rapidamente inúmeros ateliês se estabeleceram com o objetivo de comercializar
os serviços fotográcos. Os retratos eram o gênero fotográco com a maior demanda.
Muitos pintores e ilustradores migraram para o ramo da fotograa e tornaram-se fotógra-
fos. Inicialmente ter um retrato fotográco da família ou de uma pessoa reproduzia a
experiência dos retratos pintados à mão. A herança do ritual e a solenidade de uma pintura
faziam com que as pessoas buscassem na fotograa uma experiência semelhante.
E, “tanto no Brasil como na América Latina, a experiência dos ateliês fotográ-
cos sempre reproduziu basicamente a experiência européia, particularmente quando se
trata da imagem da burguesia ou da elite”.
6
6 KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotográca. Atelier Editorial. São Paulo, 2000, p.78
7
Mas a fotograa também revelava o desejo de desenvolver uma linguagem pró-
pria, característica do seu meio de expressão. Este primeiro momento da linguagem fo-
tográca é de busca de uma identidade, embora se inspirando para isso na linguagem mais
próxima, a pintura.
O embate entre a fotograa e a arte, especialmente durante as primeiras décadas
de vida da foto, provocou uma grande variedade de reações entre artista, público e pen-
sadores da época. Fato este que de uma forma ou de outra contribuiu para o início da
formação de um pensamento sobre a relação entre a fotograa e a sociedade.
The Photographer’s Wife. Nadar, 1853. O fotógrafo francês Nadar iniciou sua carreira como
pintor e posteriormente migrou para a fotograa, que lhe deu notoriedade como retratista.
A pose, o gesto e a iluminação do retratado fazem clara referência à técnica da pintura e ao
comportamento da elite da sociedade.
Mas a fotograa também revelava o desejo de desenvolver uma linguagem própria,
característica do seu meio de expressão. Este primeiro momento da linguagem fotográca
é de busca de uma identidade, embora se inspirando para isso na linguagem mais próxima,
a pintura.
8
O embate entre a fotograa e a arte, especialmente durante as primeiras décadas
de vida da foto, provocou uma grande variedade de reações entre artista, público e pen-
sadores da época. Fato este que de uma forma ou de outra contribuiu para o início da
formação de um pensamento sobre a relação entre a fotograa e a sociedade.
O poeta francês Baudelaire teceu as seguintes considerações sobre o assunto:
Estou convencido de que os progressos mal aplicados da fotograa
contribuíram muito, como, aliás, todos os progressos puramente mate-
riais, para o empobrecimento do gênio artístico francês, já tão raro (...).
Disso decorre que a indústria, ao irromper na arte, se torna sua inimiga
mais mortal e que a confusão das funções impede que cada uma delas
seja bem realizada (...). Quando se permite que a fotograa substitua al-
gumas das funções da arte, corre-se o risco de que ela logo a supere ou
corrompa por inteiro graças à aliança natural que encontrará na idiotice
da multidão. É, portanto, necessário que ela volte ao seu verdadeiro
dever, que é o de servir ciências e artes, mas de maneira bem humilde,
como a tipograa e a estenograa, que não criaram nem substituíram
a literatura. (...). Mas se lhe for permitido invadir o domínio do im-
palpável e do imaginário, tudo o que é válido porque o homem lhe
acrescenta a alma, que desgraça para nós!.
7
Em suma, na ideologia estética da época, Baudelaire coloca a fotograa a serviço
da memória, um registro daquilo que se foi. A concepção elitista e idealista da arte como
uma nalidade em si mesma, não aceitava que uma obra pudesse ser ao mesmo tempo,
artística e documental. A fotograa desequilibrou o campo artístico e houve uma tentativa
de reduzi-la à sua função documental.
Estas discussões também produziram concepções positivas sobre a fotograa nos
séculos XIX e XX, especialmente aquelas que proclamavam a libertação da arte pela foto-
graa.
7 BAUDELAIRE, Charles. Op. Cit. p. 29.
9
Ainda em 1939, um século após a invenção da fotograa, num diálogo com o fo-
tógrafo francês Brassaï, o pintor espanhol Pablo Picasso armou:
Quando você tudo o que é possível exprimir através da fotograa,
descobre tudo o que não pode car por mais tempo no horizonte da
representação pictórica. Por que o artista continuaria a tratar de su-
jeitos que podem ser obtidos com tanta precisão pela objetiva de um
aparelho de fotograa ? Seria absurdo, não é ? A fotograa chegou no
momento certo para libertar a pintura de qualquer anedota, de qualquer
literatura e até do sujeito. Em todo caso, um certo aspecto do sujeito
hoje depende do campo da fotograa”.
8
Nessa discussão sobre a comparação entre fotograa e pintura, se percebe a fo-
tograa pensada como um registro el do mundo e da realidade. A tecnologia aplicada ao
processo de produção de imagens é o componente determinante da expressiva dedigni-
dade das fotograas em relação ao mundo. A percepção dessa característica da fotograa
pela sociedade faz com que seja atribuída à imagem fotográca uma enorme credibilidade
no registro dos fatos.
Porém, “a eleição de um aspecto determinado isto é, selecionado do real, com
seu respectivo tratamento estético –, a preocupação na organização visual dos detalhes
que compõem o assunto, bem como a exploração dos recursos oferecidos pela tecnologi-
a: todos são fatores que inuirão decisivamente no resultado nal e conguram a atuação
do fotógrafo enquanto ltro cultural”.
9
No entanto, a atitude do fotógrafo, suas idéias e valores e seu estado de espírito
podem ser percebidos através dos registros visuais que ele realiza para si mesmo como
forma de expressão visual.
8 DUBOIS, Philippe. Op. Cit. p. 31.
9 KOSSOY, Boris. Op. Cit. p. 42.
10
O lósofo francês Roland Barthes em seus estudos sobre a fotograa cons-
tatava uma série de atributos inerentes a ela que deixavam claro a sua natureza múltipla,
complexa, e as distintas possibilidades de interpretação da realidade, como ele próprio
escreveu:
A foto retrato é um campo cerrado de forças. Quatro imaginários
se cruzam, se afrontam, se deformam. Diante da objetiva, sou
ao mesmo tempo: aquele que eu me julgo, aquele que eu gostaria que
me julgassem, aquele que o fotógrafo me julga e aquele de que ele se
serve para exibir sua arte. Em outras palavras, ato curioso: não paro de
me imitar, e é por isso que, cada vez que faço (que me deixo) fotogra-
far, sou infalivelmente tocado por uma sensação de inautenticidade, às
vezes de impostura (como certos pesadelos podem proporcionar)”.
10
Boris Kossoy nos ajuda a compreender este conceito através de seus estudos que
enfocam as condições históricas e sociais que marcam os signicados da imagem foto-
gráca. A realidade da fotograa não corresponde (necessariamente) à verdade históri-
ca, apenas ao registro expressivo da aparência... A realidade da fotograa reside nas múlti-
plas interpretações, nas diferentes leituras que cada receptor faz dela num dado momento,
tratamos, pois, de uma expressão peculiar que suscita inúmeras interpretações”.
11
Podemos entender que é a relação entre aquilo que está inserido no quadro foto-
gráco e aquilo que está fora dele que estabelece no receptor da imagem fotográca o
espectro interpretativo que a fotograa suscita nas pessoas. nessa posição um novo
sentido. A fotograa não depende apenas do que é fotografado e da intencionalidade do
fotógrafo, mas também daquele que observa a fotograa.
A imagem fotográca é o relê que aciona nossa imaginação para dentro de um
mundo representado (tangível ou intangível), xo na sua condição documental, porém,
moldável de acordo com nossas imagens mentais, nossas fantasias e ambições, nossos
conhecimentos e ansiedades, nossas realidades e nossas cções. A imagem fotográca
ultrapassa, na mente do receptor, o fato que representa”.
12
10 BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Nova Fronteira. São Paulo, 1984, p. 27.
11 KOSSOY, Boris.
Realidades e Ficções na Trama Fotográca. pp. 37-38.
12 Idem, p. 46.
11
Ao estudar o processo de criação fotográca Boris Kossoy identica três fases
complementares: pré-produção, produção e pós-produção.
A etapa da pré-produção corresponde à seleção do assunto a ser fotografado pelo
fotógrafo a partir de uma concepção pessoal que toma forma através da convergência de
diferentes fatores: universo cultural, objetivo econômico, conjuntura social, personalida-
de e experiência de vida.
A produção fotográca é a captura ou a fabricação da imagem, o instante foto-
gráco que documenta um assunto pré-selecionado pelo fotógrafo. Já a pós-produção é a
fase na qual a imagem, ao ser preparada para o processo de publicação, sofre adaptações,
cortes e ajustes visando à sua inserção na página do jornal, da revista, do cartaz, etc.
13
“Desde sempre as imagens foram vulneráveis às alterações de seus signicados
em função do título que recebem, dos textos que ilustram, das legendas que as acompa-
nham, da forma como são paginadas, dos contrapontos que estabelecem quando são dia-
gramadas com outras fotos, etc...”.
14
A composição de imagens e textos a partir de um documento original irá propor-
cionar uma nova interpretação dos fatos, os quais passarão a ter uma nova realidade, ou
seja, uma nova cção documental.
13 Idem, p. 54
14 Idem, p. 55.
12
Nesse ponto, tornam-se pertinentes as considerações de Pierre Bourdieu acerca
dos usos sociais da fotograa:
Normalmente todos concordam em ver na fotograa o modelo da ve-
racidade e da objetividade... É fácil demais mostrar que essa representa-
ção social tem a falsa evidência das pré-noções; de fato a fotograa xa
um aspecto do real que é sempre o resultado de uma relação arbitrária
e, por aí, de uma transcrição: de todas as qualidades do objeto, são reti-
das apenas as qualidades visuais que se dão no momento e a partir de
um único ponto de vista; estas são transcritas em preto e branco, geral-
mente reduzidas e projetadas no plano. Em outras palavras, a fotograa
é um sistema convencional que exprime o espaço de acordo com as leis
da perspectiva (seria necessário dizer, de uma perspectiva) e os volumes
e as cores por intermédio de dégradés de preto e branco. Se a fotograa
é considerada um registro perfeitamente realista e objetivo do mundo
visível é porque lhes foram designados (desde a origem) usos sociais
considerados realistas e objetivos.
15
Para Bourdieu está claro que a intenção perceptível na imagem fotográca é a da
objetividade e da realidade, pois assim deseja a sociedade. Mas e a subjetividade do fo-
tógrafo? Como ela estabelece a sua relação com o objeto fotografado?
Philippe Dubois considera que é no ato-fotográco, gesto do corte na fotograa,
que se estabelece a interação entre a subjetividade do fotógrafo e o objeto fotografado.
“O corte temporal que o ato fotográco implica, não é, portanto, somente redução
de uma temporalidade decorrida num simples ponto (o instantâneo), é também passagem
(até superação) desse ponto rumo a uma nova inscrição na duração: tempo de parada,
decerto, mas também, e por mesmo, tempo de perpetuação (no outro mundo) do que
só aconteceu uma vez”.
16
15 BOURDIEU, Pierre. Un art moyen. Minuit. Paris, 1965, pp.108-109.
16 DUBOIS, Philippe. Op. Cit., p. 174.
13
Imagem de soldado espanhol no instante em que foi atingido. Robert Capa, 1933. O fotó-
grafo foi um dos precursores do fotojornalismo europeu. Seu modo de trabalho era estar
sempre inserido nos acontecimentos sociais para poder capturar suas fotos no momento do
desenrolar dos eventos.
A imagem produzida pelo fotógrafo Robert Capa durante a Guerra Civil Espan-
hola na década de 1930 é um bom exemplo do processo do corte temporal. Este foto-
jornalista procurou em seu trabalho, passar incógnito ao objeto fotografado, buscando o
máximo possível de objetividade e imparcialidade, além de capturar a espontaneidade do
referente.
Porém, ca evidente a seleção prévia do recorte a ser aplicado na imagem. Porque
será que Capa registrou justamente o momento em que este combatente espanhol é al-
vejado por um tiro inimigo? Certamente o tempo dispendiado no campo de batalha o
habilitou a registrar um momento tão expressivo e único, mas a impossibilidade do não
envolvimento emocional com o tema o levou a capturar uma imagem que atesta as con-
seqüências das guerras, como por exemplo, a morte.
“O espaço fotográco não é determinado, assim como não se constrói. Ao con-
trário, é um espaço que deve ser capturado (ou deixado de lado), um levantamento no
mundo, uma subtração que opera em bloco... Para o fotógrafo, a questão não é colocar
dentro, mas arrancar tudo de uma vez”.
17
17 DUBOIS, Philippe. Op. Cit., p. 178.
14
Nesse debate entre o realismo e a representação colocamo-nos na posição de que
a fotograa é uma representação a partir do real. Entretanto, em função da materialidade
do registro, no qual se tem gravado na superfície fotossensível, o vestígio/aparência de
algo que se passou na realidade concreta, em dado espaço e tempo, nós a tomamos, tam-
bém, como um documento dos fatos, uma fonte histórica.
18
Em nossa reexão entendemos que na fotograa o espaço representado é o in-
terior da imagem, o espaço do seu conteúdo. Espaço de representação é a imagem como
suporte de inscrição, construída pelas bordas do quadro. espaço topológico é a mani-
festação das articulações que se estabelecem entre o espaço referencial do sujeito que olha
a imagem e a relação que ele mantém com ela mesma.
Assim, parece que aquilo que uma fotograa não mostra é tão importante quanto
o que ela revela. Existe uma relação inevitável do que está fora com o que está dentro,
fazendo com que a fotograa seja portadora de uma “presença virtual” de algo que não
está ali, mas que se assinala como excluído.
A relação entre fotógrafo e realidade e a inuência que exercem um sobre o outro
geram uma certa tensão que pode ser entendida do seguinte modo: a fotograa é um
índice do real, pois a fotograa analógica está fundamentada no processo físico-químico
de registro da imagem, ou seja, a formação da imagem sobre a película fotográca pres-
supõe a existência de um objeto referente a uma determinada realidade.
Durante aproximadamente 150 anos a fotograa se desenvolveu por meio do uso
da tecnologia analógica. Porém a partir da década de 1970, com o advento da revolução da
informática e com o surgimento da tecnologia de imagem digital, a fotograa ampliou as
suas possibilidades de percepção, incorporando também as formas icônicas e simbólicas.
A tecnologia digital está baseada no processo físico-numérico, ou seja, a luz que
passa pela objetiva da câmera sensibiliza um sensor eletrônico (um chip) que produz uma
interpretação numérica da intensidade luminosa que o atingiu, formando assim uma ima-
gem que é uma combinação de dados.
18 KOSSOY, Boris. Op. Cit., p. 31.
15
A informática, aliada à tecnologia de imagem digital, permite que esta combina-
ção de dados seja alterada por meio do uso de “softwares” especícos na fase que cha-
mamos de pós-produção. Ali a inserção de outros elementos ou a alteração dos compo-
nentes registrados inicialmente permite que a imagem amplie a sua concepção indicial,
portadora de uma similaridade com a realidade, para uma concepção icônica, ou seja, a
representação de alguma qualidade da imagem; ou até mesmo que adquira uma concep-
ção simbólica, representando um contexto mais amplo do que aquele inserido no quadro
fotográco.
Sendo assim, o papel da tecnologia tem sido importante na compreensão da rela-
ção da fotograa com a realidade: a tecnologia tanto possibilita gestos mais rápidos e reg-
istros mais espontâneos favorecendo uma concepção indicial da fotograa – como pos-
sibilita formas mais ecientes de pré e pós-produção, favorecendo a concepção icônica e
simbólica do ato fotográco.
Fiéis ao redor do Papa Pio XII. Henri Cartier-Bresson, 1938. Bresson trabalhava em busca
do que ele chamava de “instante decisivo”. O seu ideal era estar o mais oculto possível ao
ambiente em que fotografava para capturar aquela imagem que através da espontaneidade de
seus fotografados revelava a essência do contexto fotografado.
Os gêneros fotográcos, entre eles a paisagem, o retrato, o fotojornalismo, a pu-
blicidade e o experimental, por sua vez também favorecem uma ou outra corrente:
gêneros como o fotojornalismo, em que o fotógrafo se deixa guiar pelo real, e há gêneros
como o experimental em que o caráter autoral, o olhar do artista, parece ser o principal
objeto a ser fotografado.
16
Henri Cartier-Bresson é um dos exemplos mais expressivos de um fotógrafo que
tentava se deixar surpreender pela realidade, escondendo-se do e sob o objeto fotogra-
fado. Procurava, assim, registrar momentos decisivos de um determinado acontecimento
em curso. O objetivo de Bresson era realizar o seu trabalho com quase total imparciali-
dade de escolha e julgamento sobre os fatos.
O trabalho de Henri Cartier-Bresson, Robert Capa, Walker Evans, Dorothea
Lange e outros fotógrafos contemporâneos das décadas de 1930 e 1940, está também
fortemente ligado ao avanço das técnicas de reprodução e da disseminação da imprensa
pelo mundo por meio de jornais e revistas impressas. A partir daquele momento, os mei-
os de comunicação passaram a ter cada vez mais poder de inuência sobre as pessoas e
sobre a formação de seus conceitos acerca da realidade e dos fatos do mundo e, de uma
forma ou de outra, procuraram criar credibilidade para a sua visão sobre os acontecimen-
tos sociais, políticos e econômicos.
O pesquisador Jacques Aumont considera que “o olhar é o que dene a intencio-
nalidade e a nalidade da visão. É a dimensão propriamente humana da visão”.
19
Tradicionalmente a fotograa sempre pareceu estar bem formatada para a trans-
formação do olhar em imagem física e bidimensional. As características técnicas dos
meios de produção fotográca ao longo dos seus primeiros 150 anos de existência, hoje
chamados de analógicos ou convencionais, sempre trabalharam em consonância com a
capacidade de tradução de um olhar pessoal e singular em uma fotograa.
Em seus estudos E. H. Gombrich identicou algumas das principais formas de
investimento psicológico do ser humano na imagem. Entre elas, o reconhecimento e a
rememoração se destacam nesse complexo processo que é a relação humana com as i-
magens.
O reconhecimento está mais próximo da memória e do uso do intelecto para o
desenvolvimento das propriedades do sistema visual. Reconhecer alguma coisa em uma
imagem é identicar, pelo menos em parte, o que nela é visto como alguma coisa que se
ou se pode ver no real, ou seja, “reconhecer não é constatar uma similitude ponto a
ponto, é achar invariantes da visão, estruturados, para alguns, como espécies de gran-
des formas”.
20
19 AUMONT, Jacques. A Imagem. Papyrus Editora. Campinas, 1990, p. 59.
20 Idem, p. 83
.
17
O processo de rememoração está ligado ao uso do sistema sensorial para a apre-
ensão do visível e, dessa forma, está próximo do conhecimento, pois é através da decodi-
cação das imagens do real que se constrói o saber. Sendo assim, Gombrich traz para o
particular ou o individual, a compreensão das relações entre o imaginário e a imagem.
Quanto mais nos aprofundamos no universo da imagem fotográca, podemos
perceber que a fotograa analógica, em todo o seu histórico anterior ao surgimento da
fotograa digital, estabeleceu com o seu espectador uma relação em que de um lado es-
tava a analogia e de outro a crença do observador.
Jean-Pierre Oudart desenvolveu este tema mais extensamente e apresentou as se-
guintes considerações:
no espectador um efeito de realidade produzido por um conjunto
de índices de analogia em uma imagem representativa, trata-se no fun-
do de uma variante, recentrada no espectador, da idéia de que existe um
catálogo de regras representativas que permitem evocar, ao imitá-la, a
percepção natural. O efeito de realidade será mais ou menos completo,
mais ou menos garantido, conforme a imagem respeite convenções de
natureza plenamente histórica codicadas.
21
Porém, uma segunda etapa se desenrola no espectador da imagem que Oudart
denomina de efeito do real. “Face um efeito de realidade sucientemente forte, o espec-
tador induz um julgamento de existência sobre as guras da representação e atribui-lhes
um referente no real, ou seja, o espectador acredita, não que o que é o real propria-
mente, mas, que o que vê existiu, ou pôde existir, no real”.
22
Em razão disso é que, apesar do embate teórico e das questões colocadas pela
tecnologia digital, a fotograa continua gozando de credibilidade junto ao público ob-
servador e produtor de imagens.
Porém, como veremos mais adiante, a fotograa digital vem ganhando espaço na
sociedade a uma enorme velocidade, a ponto de alguns segmentos da sociedade não
mais produzirem fotos no formato analógico ou convencional.
Dedicarei, mais adiante, um capítulo para a reexão sobre o impacto da revolu-
ção informática na relação da fotograa com a sociedade.
21 OUDART, Jean-Pierre. Op. Cit., p. 111.
22 Idem.
18
3. Questões técnicas e de linguagem fotográca
A apresentação da fotograa para a comunidade cientíca européia causou uma
enorme repercussão, especialmente entre as pessoas que puderam sentir o potencial dos
usos da imagem fotográca.
O político francês Arago, “ao ver uma representação que, a todos espantava pela
sua delidade na representação do já-visto, põe-se a sonhar com espantosos imprevistos,
novas possibilidades positivas de exercício de um ver cuja atualização na experiência, ao
mesmo tempo nas suas modalidades e nos seus resultados, era ainda difícil senão radi-
calmente impossível de prever com segurança.
23
A evolução tecnológica da fotograa acontece de forma ininterrupta até os dias
de hoje. A cada inovação, uma nova aplicação do uso da fotograa se colocava disponível
àqueles que ousem experimentar novos olhares.
O que nos parece com bastante acuidade se tivermos em conta o modo
pelo qual a fotograa veio a transformar-se, ela mesma, num novo meio
de observação permitindo o acesso à vistas que lhe eram então absolu-
tamente especícas, a descobertas que lhe foram inteiramente próprias,
abandonando, portanto, o estatuto de um mero meio de registro dos
fatos que não eram observados por seu intermédio. (...) A fotograa
torna-se uma nova porta da percepção.”
24
Aqui vamos ao encontro do pensamento de Pierre Bourdieu sobre o uso da foto-
graa como o meio de comunicação dotado da capacidade verossímil e do retrato da
realidade de forma objetiva.
A fotograa foi então tida como o meio de eleição para a obtenção de
representações respeitadoras da verdade do visível, considerada como
extraordinariamente adaptada para libertar uma representação que
então se pretendia verdadeira na arte e na ciência – de duas insuciên-
cias que começaram a imputar-se à pintura e ao desenho, insuciências
cuja gravidade a fotograa permitia agora revelar: por um lado, uma ex-
cessiva humanidade da mão, capaz a cada golpe e a cada momento, de
23 FRADE, Pedro Miguel. Figuras do Espanto. Edições ASA. Porto, 1992, p. 42.
24 Idem, p. 59.
19
comprometer qualquer exercício virtuoso do olhar; por outro, o caráter
grosseiro e demasiadamente espesso dos seus materiais, que impedia
a representação pictural de dar a ver com sutileza as pequeníssimas
minúcias do detalhe.
25
Enquanto fruto de uma invenção tecnológica, a fotograa rapidamente se inseriu
no contexto industrial. O seu caráter mecânico e instrumental em poucos anos a fez sair
das pequenas ocinas para adentrar o campo das indústrias e da produção em larga esca-
la.
A inserção da fotograa em um contexto comercial criou uma dinâmica de reno-
vação contínua de todo o aparato fotográco ao longo do tempo e de sua história. Con-
comitantemente ao movimento dinâmico da linguagem fotográca, o aprimoramento
tecnológico se sucedeu em igual ou maior velocidade, criando novas possibilidades de
expressão ou renovando as suas capacidades operacionais em reação aos anseios de fo-
tógrafos prossionais e amadores.
“Já em 1870, com a introdução das dry plates, chapas secas, a fotograa começou
a se uniformizar. O tamanho dos negativos, a velocidade das emulsões, a textura do papel,
tudo se tornou uma decisão de ordem industrial e não mais do fotógrafo”.
26
O início da padronização dos processos de produção fotográca permitiu que a
fotograa tivesse o seu uso disseminado por todos os continentes. Estúdios fotográcos
que se encarregavam da produção de uma enorme quantidade de retratos, paisagens e
eventos se estabeleceram em todos os cantos e foram responsáveis pela apreensão do
mundo ao redor dos homens.
Porém, não tardou em aparecer entre fotógrafos e entusiastas o desejo para que
a fotograa explorasse uma linguagem mais livre do puro registro da realidade e que de
certa forma se aproximasse da arte em sua busca pelo Belo e pela emoção.
25 FRADE, Pedro Miguel. Op. Cit., p. 100.
26 GRUNDBERG, Andy. Crisis of the Real. Aperture Foundation. Nova Iorque, 1999, p. 52.
20
Combinação de fotograa e esboço utilizado para pré-visualização e produção da imagem
fotográca. Henry Peach Robinson, Carroling, 1887. Esse fotógrafo inglês oriundo das artes
plásticas procurou incansavelmente desenvolver uma linguagem fotográca à semelhança da
pintura.
Henry Peach Robinson, pintor inglês que se tornou fotógrafo em 1852, produziu
uma enorme quantidade de imagens fotográcas que eram inicialmente rascunhadas em
forma de desenho para posteriormente serem realizadas fotogracamente.
Na maioria das vezes, a imagem nal era uma composição de vários negativos
diferentes que eram manipulados no laboratório para que o resultado nal se aproximas-
se do conceito pré-visualizado da imagem.
27
27 NEWHALL, Beaumont. The History of Photography. The Museum of Modern Art. Nova Iorque, 1982, p. 77.
21
“Da mesma maneira que fotógrafos utilizaram-se da pintura como inspiração pa-
ra a realização de seu trabalho, muitos pintores passaram a ter na fotograa um grande
aliado. (...) Eugéne Delacroix, realizou regularmente fotos de seus modelos para o desen-
volvimento de trabalhos em etapas posteriores.”
28
Paralelamente à produção fotográca inspirada pela ou na pintura, muitos fotó-
grafos buscavam um conceito de expressão visual na fotograa que explorasse exclusi-
vamente as possibilidades oferecidas pelo meio fotograa.
Alguns fotógrafos, como Eugene Atget, Alfred Stieglitz e Paul Strand, ainda utili-
zando-se de câmeras de grande formato, ou view cameras, desenvolveram seus trabalhos
com o objetivo de encontrar no registro do cotidiano, dos fatos econômicos e da socie-
dade como um todo, uma estética unicamente fotográca. Neste período, nal do século
XIX e início do século XX, tinham posse de objetivas com elementos ópticos mais
sosticados que possibilitavam a produção de imagens mais nítidas e também possuíam
diafragma com grande abertura o que facilitava o trabalho com luminosidade escassa ou
com tempos de exposição mais curtos. Já era possível realizar fotos “quase
instantâneas”.
29
O início do século XX trouxe o cubismo e o dadaísmo como algumas das princi-
pais correntes de manifestação artística do modernismo. Decorridos quase 100 anos
desde sua invenção, a fotograa absorveu novos conceitos que resultaram na ampliação
da experimentação com a linguagem fotográca. Esta relação de inuencia mútua com
a pintura já acontecia muito tempo. Poucos anos após o seu surgimento no mundo, a
fotograa estimulou a pintura a renovar a sua linguagem, fato que ocorreu com o desen-
volvimento da pintura impressionista.
28 NEWHALL, Beaumont. The History of Photography. The Museum of Modern Art. Nova Iorque, 1982, p. 82.
29 Idem, p.83.
22
Inverno na 5a. Avenida, Nova York. Alfred Stieglitz, 1893. O fotógrafo norte-americano
pôde produzir uma de suas mais célebres fotograas em decorrência das emulsões fotográ-
cas já serem sensíveis o suciente para registrar imagens em frações de segundo.
László Moholy-Nagy, fotógrafo e designer húngaro, estabelecido em Nova Ior-
que, desenvolveu seu trabalho a partir de 1920 buscando ultrapassar a qualidade objetiva
da imagem fotográca. Suas fotomontagens ou fotogramas são claros exemplos de ima-
gens construídas. Por meio de técnicas de laboratório, recortes, partes de fotograas e
elementos grácos são combinados na produção da imagem nal.
30
30 GRUNDBERG, Andy. Op. Cit., p. 42.
23
Fotomontagem “Ciúmes”. László Moholy-Nagy, Nova York, 1927. Esse fotógrafo e design-
er húngaro estabelecido nos Estados Unidos realizou inúmeros trabalhos utilizando técnicas
fotográcas para construir imagens. Os conceitos modernistas de transformação da imagem,
para ele, se aplicavam muito bem à publicidade e ao design.
O modernismo na fotograa, em termos gerais, traduziu-se pela pes-
quisa de autonomia formal e, conseqüentemente, pela negação da
importância decisiva do referente. No entanto, as características in-
trínsecas da imagem fotográca não permitiram um engajamento ir-
restrito no abstracionismo como fez o movimento moderno. Mas foi
justamente devido às suas peculiaridades que a fotograa permitiu uma
ponte com o real como jamais a pintura poderia vivenciar. “(...) fazer
as coisas se aproximarem de nós, ou antes das massas, é uma tendên-
cia tão apaixonada do homem contemporâneo quanto a superação do
caráter único das coisas, em cada situação através da sua reprodução”
A atuação modernista estetizou o ambiente social na medida em que
alterou a percepção do mundo, propondo o redimensionamento do
cotidiano por meio da arte.
31
31 COSTA, Helouise e SILVA, Renato Rodrigues da. A Fotograa Moderna no Brasil. Cosac&Naify, São Paulo, 2004, p. 30.
24
No Brasil, o pulsar do espírito modernista se fazia sentir desde as primeiras
décadas de 1900, inicialmente por meio da pintura e da literatura, e atingiu a produção
fotográca a partir da década de 1950. Inspirados nos conceitos e ideais modernistas,
alguns fotógrafos como Geraldo de Barros, Thomas Farkas, Germán Lorca, Eduardo
Salvatore, Gertrudes Altschul, entre outros nomes importantes, realizaram uma extensa
produção fotográca. Inuenciados pelo olhar estrangeiro, porém trabalhando com ele-
mentos brasileiros, suas imagens são um reexo do Brasil modernista.
Porém, foi em 1924, com a introdução no mercado europeu da primeira câmera
de formato 35mm, a Leica, que a fotograa iria ganhar em termos tecnológicos a liber-
dade tão defendida e perseguida pelo pensamento modernista. A Leica era de dimensões
muito menores do que os outros modelos de câmera. Era portátil, possibilitava a rápida
troca de objetivas e podia ser acondicionada em uma bolsa pequena para ser carregada
nos ombros do fotógrafo.
Os fotojornalistas foram os primeiros a incorporar o novo formato de equipa-
mento ao seu processo de trabalho. A agilidade adquirida e a possibilidade de se passar in-
cógnito aos acontecimentos foi um grande estímulo à disseminação ampla e abrangente
do formato 35mm. O aprimoramento do negativo 35mm, que passou a poder trabalhar
com a captura de imagens em frações de segundo, também ofereceu ganhos expressivos
entre prossionais e amadores, pois a partir de então era possível realizar fotos nítidas sem
o uso de tripés, mesmo em situações de baixa luz.
25
A menina do sapato. Geraldo de Barros, 1949. As fotomontagens e os fotogramas foram
a forma pela qual a fotograa se apropriou dos conceitos modernistas. A liberdade criativa
aliada a inevitável presença de um referente possibilitou a criação de imagens fotográcas
inovadoras face aquilo que se conhecia como fotograa.
Simultaneamente aos avanços do equipamento fotográco as técnicas de repro-
dução gráca utilizadas pela mídia impressa também evoluíram na qualidade da repro-
dução de imagens e na velocidade de impressão de jornais, revistas, folhetos e posters,
fornecendo à fotograa documental e ao fotojornalismo um forte estímulo no aprimora-
mento de sua linguagem, bem como em sua projeção perante a sociedade.
Os meios de comunicação passaram a utilizar fotograas para ilustrar seus textos.
A primeira metade do século XX viu a popularização dos veículos de mídia impressa que
se tornaram os principais meios para o abastecimento da sociedade com informações e
imagens.
26
Fotorreportagem sobre uma visita do ditador italiano Benito Mussolini à Alemanha pub-
licada em periódico alemão, 1937. As fotorreportagens exploravam ao máximo o uso das
fotograas para contar uma história.
Independentemente de seu uso, uma fotograa é sempre um documento. Na ima-
gem fotográca sempre informações a serem absorvidas sobre determinado campo
de estudo.
32
Embora a fotograa documental tenha se desenvolvido como gênero a partir
das inovações técnicas aqui mencionadas anteriormente, alguns fotógrafos realizavam
documentários fotográcos antes do surgimento do formato de 35mm. Entre eles, o fo-
tógrafo norte-americano Lewis Hine, que produziu o conjunto de sua obra sob a ótica
documentária com o explícito intuito de denunciar as injustiças sociais produzidas pela
desigualdade econômica.
32 KOSSOY, Boris. Fotograa e História. Op. Cit., p. 45.
27
Carolina Cotton Mill. Lewis Hine, 1908. Trabalhando com câmeras pesadas e desajeitadas,
esse fotógrafo norte-americano produziu documentários fotográcos sobre algumas das
questões sociais mais preocupantes da sua época, em especial a exploração do trabalho in-
fantil e feminino.
Documental tem sido denido no senso estilístico do trabalho fotográco. Seus
fundamentos foram profundamente absorvidos pelo fotojornalismo e posteriormente
pelo estilo factual do jornalismo televisivo. Alguns nomes substitutos foram sugeridos
para a fotograa documental, tais como: histórica, factual, realista, porém nenhum deles
traz tão implicitamente em seu sentido, o desejo de criar uma interpretação subjetiva do
mundo em que se vive.
33
Embora a cor esteja presente na fotograa desde o século XIX por meio de pro-
cessos manuais de colorização de cópias fotográcas, somente a partir de 1947, com a
introdução no mercado pela Kodak da linha de negativos coloridos Ektacolor
34
é que a
fotograa colorida começa a ganhar presença e expressão no campo fotográco.
33 NEWHALL, Beaumont. OP. Cit. p. 246.
34 Idem, p. 277
28
Waterfront. Edward Weston, 1946. Kodachrome transparência. A imagem em cores é parte
dos primeiros trabalhos fotográcos exploratórios em cor desenvolvido por esse renomado
fotógrafo norte-americano.
Simultaneamente a essa transformação da fotograa no seu campo prossional e
comercial, alguns fotógrafos, entre eles, Edward Weston, buscam explorar as cores como
uma nova concepção estética para a fotograa e não somente para o registro do mundo
como é observado pelas pessoas.
Conforme o próprio Weston comentou sobre sua pesquisa acerca da fotograa
em cores, “muitas fotograas – e pinturas também – são somente tons de preto e branco.
O preconceito que muitos fotógrafos possuem contra a fotograa colorida vem do fato
de não pensarem a cor como uma forma.”
35
35 Idem, p. 279
29
Bem aceita primeiramente no mercado fotográco amador, a foto colorida não
tardou a ser incorporada pela publicidade e posteriormente pelas revistas ilustradas como
a Life e a Look. No Brasil, os semanários O Cruzeiro e Visão foram dois expoentes
dessa fase de expansão da imagem colorida. Os jornais e veículos diários demoraram mais
tempo para introduzir imagens coloridas em suas páginas devido às diculdades da re-
produção em cores na impressão em alta velocidade.
A disseminação do uso do lme fotográco colorido libertou a fotograa em
preto e branco para buscar novas formas de expressão visual. Nas décadas de 1960 e 1970
a fotograa em preto e branco passou por uma intensa fase de experimentação técnica e
de uso da linguagem.
Analisar, recortar os materiais em seus últimos constituintes, como as
letras das palavras e as palavras da linguagem, para lhes associar nova-
mente na língua original e única do autor. Dissociar a cor e a forma, dis-
sociar os volumes e os contornos; decompor as superfícies em linhas
e em pontos descontínuos, para projetá-los alhures no espaço, analisar
o movimento, a velocidade, o tempo. A abstração nasce desta vontade
de manipular os elementos primeiros, fundamentais, geométricos para
alguns ou mais precisamente orgânicos para outros, sem ligações de
representação com a realidade visível, para reuni-los numa outra reali-
dade, esta pictural, tão real quanto a primeira,(...) romper de uma outra
maneira com a representação. Ela fornece aos artistas um novo sopro,
ao mesmo tempo em que modica sua sensibilidade e lhes meios
plásticos originais para exprimi-la.
36
36 COUCHOT, Edmond. A tecnologia na arte – da fotograa à realidade virtual. UFRGS Editora. Porto Alegre, 2003, p. 56
30
Symbolic Mutation. Jerry Uelsmann, 1961. Fotomontagem. Esse fotógrafo norte-americano
desenvolveu um trabalho experimental aprimorando a sua capacidade de uso da técnica labo-
ratorial para construir imagens conceituais que se apropriam de conceitos da pintura surreal
e futurista.
A linguagem fotográca busca na inovação tecnológica do aparato fotográco
possibilidades de renovação e simultaneamente estimula o avanço tecnológico. Essa rela-
ção mutuamente dependente entre tecnologia e linguagem tem sido a força motriz da
dinâmica relacional entre a fotograa e a sociedade. A cada novo desejo de representação
expresso pela sociedade a tecnologia fotográca avança para suprir essa demanda consci-
ente e muitas outras ainda somente presentes no inconsciente coletivo.
A fotograa viveu mudanças provocadas por inovações tecnológicas que ao se
tornarem disponíveis forçaram a tecnologia anterior a procurar novos caminhos para seu
uso, expressão e identidade. Os meios de comunicação, especialmente por estarem vin-
culados ao desenvolvimento tecnológico, aprimoraram a sua linguagem por meio desse
contínuo embate entre a técnica e a capacidade de expressão.
31
4. A revolução da informática e a fotograa
A sociedade integrada por sistemas de telecomunicações como a que vivemos
atualmente se congurou como uma sociedade que está em constante busca de superar
obstáculos de tempo, espaço, distância, quantidade e qualidade da informação.
As primeiras pesquisas nessa área datam de 1790, especialmente quando tiveram
início as experiências com as transmissões telegrácas. Inicialmente desenvolveram-se
redes de transmissão de sons, depois de imagens e nalmente redes de som e imagem que
viriam a ser o que hoje conhecemos por redes de difusão sonora e audiovisual.
Cento e cinqüenta anos de pesquisa propiciaram que, em 1949, fosse
bem sucedida a primeira transmissão a cabo com sinais captados por
antenas coletivas, e que, em 1975, as primeiras imagens sonoras e em
movimento pudessem ser transmitidas através de sinais por satélite,
captados por antenas parabólicas... Mas foi na década de 1980 que se
consumou outro casamento – entre as telecomunicações e a informáti-
ca -, instaurando uma nova concepção de comunicação: a tradução de
toda e qualquer linguagem sonora e visual produzida por qualquer v-
culo ou técnica, para a linguagem numérica através de código binário.
Instalava-se a era da comunicação digital.
37
Uma das vertentes mais expressivas desse processo de profunda transformação
da sociedade veio a se tornar conhecida como internet, uma imensa rede de conexão e
comunicação entre os países do mundo que conecta instituições, pessoas e governos si-
multaneamente.
37 COSTA, Cristina. Ficção, Comunicação e Mídias. Editora SENAC. São Paulo, 2002, p. 75.
32
Fotograa transmitida via cabo submarino do continente europeu para os Estados Unidos
em 1929. Os primeiros exemplos da aplicação da tecnologia na transmissão de imagens ocor-
reram muito antes da revolução da informática. Porém, foi somente a partir de 1970 que esse
processo se viabilizou tecnologicamente.
Embora a internet seja a parte mais visível desse processo, é preciso entender que
uma transformação profunda se realiza na sociedade, mudando radicalmente os proces-
sos produtivos, as relações entre as partes neles envolvidas e a comunicação. Emerge na
década de 1970 uma sociedade automatizada, integrada e globalizada, cujas relações se es-
tabelecem sob a forma de redes descentralizadas, multidirecionais e integradas por pólos
que constituem posições individuais”.
38
É nesse contexto social que mais uma inovação tecnológica se desenrola na soci-
edade global. O surgimento das imagens digitais é decorrente do processo de desenvol-
vimento das ciências da informação. As primeiras imagens apareceram no campo da as-
tronomia e paulatinamente foram se expandindo para outras áreas, como a medicina, até
chegarem ao uso do público em geral.
38 Idem, p. 78.
33
Porém, é somente a partir da década de 1990 que a tecnologia da imagem digital
ganha um impulso de penetração na sociedade de consumo como uma nova maneira de
registrar o cotidiano e começa a provocar uma nova onda de debates sobre os usos das
imagens fotográcas analógicas, e sobre os usos da recém-chegada imagem fotográca
digital.
Imagem digital capturada com equipamentos especiais a bordo de sondas espaciais. Circa
1970. As primeiras imagens capturadas e produzidas com equipamento digital vieram do
campo da astronomia e da tecnologia aeroespacial.
Inicialmente procuraremos compreender como a comunicação em tempo real é
desenvolvida num ambiente que passamos a chamar de ciberespaço e como a integração
de um número cada vez maior de pessoas a esse ambiente congura um novo processo
cultural denominado cibercultura. Além disto, avançaremos sobre as reexões acerca da
imagem e as novas tecnologias de produção e recepção de imagens digitais.
O ciberespaço teve o início de sua conguração atual quando foi implementado
um programa de conexão em rede de terminais de computadores localizados em distin-
tos pontos geográcos do planeta. O ecossistema do ciberespaço nada mais é do que a
possibilidade de comunicação instantânea entre computadores que não necessariamente
pertencem a uma mesma comunidade ou ambiente institucional e social. É nesse ambi-
ente virtual que circulam informações, dados, imagens e as mais variadas mensagens entre
pessoas que talvez nunca puderam trocar sicamente seus olhares.
34
Imagem digital produzida através da inserção de dados numéricos em “softwares” de ima-
gem. Circa 1975. A medicina e muitas outras áreas de pesquisa perceberam rapidamente o
potencial da imagem digital para as mais variadas aplicações.
Aos poucos, o crescimento dos novos meios de comunicação ao redor do mundo
começa a transformar o planeta numa grande aldeia global. A conguração da cibercul-
tura parece remeter a um processo social tribal, em que diferentes grupos estarão associ-
ados às tecnologias digitais, opondo-se ao individualismo da cultura do impresso em seu
formato totalitário e tecnocrático.
Embora estimulante, o pensamento sobre as singularidades da cibercultura tam-
bém possui expoentes críticos, como é o caso de Jean Baudrillard que considera que o
ciberespaço permite simulação de interação e não verdadeiras interações. Para ele, as
novas tecnologias de comunicação aumentam o potencial isolacionista do ser humano,
pois quanto mais informação é trocada menos comunicação é realizada.
O lósofo francês Jean Baudrillard e seus colegas levam a análise crítica adiante
até o ponto da percepção de que a aparente facilidade de comunicação estabelecida atra-
vés do ciberespaço não é nada mais do que mera troca de dados, pois é isto, que de fato é
transportado. Neste processo as sensações não são enviadas via transferência numérica.
35
Segundo essa visão, “a sociedade da comunicação cria uma cultura tecnológica
onde as inovações potencializam, ao mesmo tempo, a troca de informações e a debilita-
ção da comunicação. A comunicação morre por excesso de comunicação”.
39
É possível perceber que a cibercultura se constitui a partir da convergência entre
o social e o tecnológico e de certa forma a inclusão de uma prática social dentro de qual-
quer dinâmica de relação acarreta o surgimento de um caráter de indeterminismo para o
processo como um todo.
O relacionamento desenvolvido entre o social e o tecnológico parece estar carre-
gado de tensão na cibercultura, mas numa tensão produtiva em que ambos os lados são
dependentes entre si para o avanço desse processo.
Sem dúvida, as novas tecnologias das comunicações asseguraram um espaço
na sociedade global. Seja por força do poder econômico ou pelo próprio desenrolar do
processo social, a práxis comunicativa está se transformando em algo novo.
Comunicar-se através de meios digitais é aceitar que a comunicação as-
suma novos parâmetros – que é um novo segmento de público que se
alcança: mais jovem, de alta escolaridade e no qual já não predominam
as mulheres. É saber que, apesar dessa segmentação que implica certa
regularidade de características, trata-se de usuários que fazem escolhas
e criam hábitos muito individualizados, e que os meios eletrônicos cada
vez mais fornecem ferramentas para que o gosto e a curiosidade pes-
soais sejam satisfeitos, seja pela grande oferta de produtos, seja pela
sosticação tecnológica dos equipamentos.
40
Os meios de comunicação digital rompem com as características básicas da co-
municação de massa. Eles permitem uma individualização do processo de seleção de
temas, canais e grade de programação das redes de difusão, transferindo para o receptor
uma parte importante do processo comunicativo.
39 LEMOS, André. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Ed. Sulina. Porto Alegre, 2002, p. 81.
40 COSTA, Cristina. Op. Cit., p. 84.
36
As novas tecnologias da comunicação têm provocado um grande impacto social
e cultural pela forma revolucionária com que passaram a transmitir imagens ao redor do
globo e pela possibilidade de manipulação do conteúdo das imagens através do uso de
processos de digitalização que interpretam as imagens capturadas através de um processo
numérico, transformando-as em modelos manipuláveis por meio do uso de computador
e sosticados sistemas – softwares – de trabalho.
A imagem numérica não é mais o registro de um traço deixado por um objeto
preexistente pertencendo ao mundo real (traço óptico, no caso da fotograa, cinema ou
do vídeo, ou traço físico resultante do encontro do pincel e da tela na pintura); ela é o
resultado de um processo em que a luz é substituída pelo cálculo, a matéria e a energia,
pelo tratamento da informação”.
41
O suporte de registro da imagem digital é totalmente diferente da película foto-
gráca. Nesse momento ca evidente a distinção entre aquilo que convencionamos
chamar fotograa e essa nova forma de registro de imagens que denominamos imagem
digital. Porém, outros fatores técnicos e tecnológicos também irão colaborar para o esta-
belecimento de semelhanças e diferenças entre fotograa química e fotograa digital.
Nesse sentido, a imagem de síntese não possui mais nenhuma aderência
ao real: ela se libera. Ela não é mais como a foto, o cinema, a televisão,
nem mesmo a pintura, projetada sobre uma tela ou um quadro; ela é
lançada para fora do real, com força suciente para se extirpar de sua
atração e do campo de representação. Com ela se instaura uma nova or-
dem visual em ruptura com as técnicas tradicionais da imagem, mas em
continuidade com a lógica escrita alfabética que liberava o pensamento
da materialidade sonora da língua.
42
O crescente uso de imagens digitalizadas, sua rápida divulgação e transmissão
através do ciberespaço e a percepção da possibilidade de sua manipulação é fator de in-
tensos debates não nos meios especializados, mas também entre pessoas que paulati-
namente começam a tomar contato com as novas tecnologias de comunicação.
Para levar adiante essa reexão sobre comunicação, vou colocar um olhar mais
profundo sobre algumas questões relativas ao conceito de imagem e sobre como a psique
humana se relaciona inconsciente e conscientemente com elas.
41 COUCHOT, Edmond. Op. Cit., p. 164.
42 Idem.
37
A imaginação ou conhecimento da imagem vem do entendimento; é o entendi-
mento, aplicado à impressão material produzida no cérebro, que nos uma consciência
da imagem”.
43
Antes de tudo, é preciso compreender as diferenças entre o conceito de imagem
no senso comum e o conceito losóco de imagem. Jean-Paul Sartre entende que a ima-
gem é diferente de uma idéia ou conjunto de idéias, pois para ela “a imagem é o pensa-
mento do homem (tensão entre imaginação e razão) enquanto modo nito, e, no entanto,
é idéia e fragmento do mundo innito, que é o conjunto de idéias”.
44
É possível perceber que a imagem também é pensamento, porém diferente de
uma simples racionalização de um objeto, pois ela está carregada de signicação. De certa
maneira a imagem é uma representação do real.
Podemos dividir o mundo das imagens em dois domínios. O primeiro é o das
representações visuais, como desenhos, pinturas, fotograas e imagens televisivas. O se-
gundo é o domínio das imagens na nossa mente. Ambos os domínios da imagem não
existem separados, pois estão inextricavelmente ligados já na sua gênese. Não há imagens
como representações visuais que não tenham surgido de imagens da mente daqueles que
as produziram, do mesmo modo que não imagens mentais que não tenham alguma
origem no mundo concreto dos objetos visuais”.
45
A modernidade assistiu a invenção de diferentes formas de representação visual
como a fotograa, o cinema e a televisão. Todas essas formas de imagem são materializa-
das por meio de uma lógica gurativa chamada morfogênese por projeção, “o que implica
sempre a presença de um objeto real preexistente à imagem. Cria uma relação biunívoca
entre o real e sua imagem. A imagem se dá, então, como representação do real”.
46
O desenvolvimento das tecnologias digitais traz em seu modus operandi uma
lógica gurativa diferente daquela utilizada pelos meios de representação existentes até
então. A lógica gurativa numérica não parte da preexistência de um objeto real, mas sim
de sua modelização, ou seja, ela reconstrói o real, fragmento por fragmento sem manter
uma relação direta ou física com ele.
43 SARTRE, Jean-Paul. A Imaginação. Difusão Européia do livro. São Paulo, 1964, p. 11.
44 Idem, p. 13.
45 SANTAELLA, Lúcia e NOTH, Winfried. Imagem – Cognição, Semiótica, Mídia. Ed. Iluminuras. São Paulo, 2001, p. 15.
46 PARENTE, André (org.). Imagem – Máquina. A Era das tecnologias do virtual. Editora 34. Rio de Janeiro, 1993, p. 39.
38
O que se torna claro a respeito das imagens é que elas podem se referir tanto à
realidade factual quanto ao irreal, portanto, a questão sobre se transmitem uma verdade
ou uma mentira sempre esteve em aberto.
Ao analisarmos a imagem fotográca analógica, percebemos que as circunstân-
cias físicas de produção da fotograa forçam a reprodução ponto por ponto da natureza,
concedendo assim um signo indicial à imagem fotográca. Talvez, este seja um dos mo-
tivos pelos quais muito se debate sobre imagem digital e seu uso indiscriminado pelos
meios de comunicação em contrapartida ao uso da imagem analógica.
Atualmente, a pergunta mais regularmente feita é, que a imagem digital traba-
lha a partir de métodos tão distintos da fotograa analógica, seria ela ainda uma fotogra-
a? Será que não deveria ser estudada como outro tipo de imagem? Em contrapartida,
também devemos questionar se somente quando a imagem é analógica é que ela faz refe-
rência ao mundo real.
Embora, o registro da imagem no lme fotográco seja diferente da feita pelo
chip ou do processador numérico inserido no interior dos aparelhos fotográcos, a to-
mada fotográca ou a forma pela qual se olha através do aparelho se mantém a mesma
em ambas tecnologias.
Pierre Francastel estudou profundamente a relação do homem com a imagem, se-
ja ela uma pintura, um desenho ou uma fotograa. Para ele o espaço imaginário baseia-se
numa concepção abstrata do espaço que é a do adulto ocidental normal. “Em compen-
sação, existem outras relações com o espaço, antes mesmo do encontro com as imagens,
relações baseadas numa concepção menos abstrata, menos rigidamente estruturada pela
geometria perspectivista, e a respeito das quais Francastel utiliza a palavra topologia.”
47
Topologia é o estudo das relações espaciais, porém Francastel desenvolve sua
reexão utilizando conceitos da psicologia, especialmente aqueles sobre a apreensão do
espaço pelas crianças. Antes de desenvolverem um olhar global e apto à perspectiva, as
crianças conhecem o espaço pelas relações de proximidade: ao lado de, em cima de, dis-
tante, próximo, etc. Para Francastel as pessoas nunca perdem por completo a memória
dessas relações iniciais que são obscurecidas por um sentido espacial mais abrangente e
global.
47 AUMONT, Jacques. Op. Cit., p.137.
39
Em nossas relações com as imagens, essas primeiras experiências de apreensão do
espaço vinculadas à extensão corporal têm a oportunidade de serem externalizadas. Na
fotograa analógica, técnicas de criação como o descentramento do objeto, estimulam
esse formato de relação. Já nas imagens digitais é possível inserir diferentes elementos no
plano da imagem que estimulam o mesmo processo, porém de maneira mais acentuada.
Serra Pelada, Brasil. Sebastião Salgado, 1986. O trabalho documental desse fotógrafo
brasileiro radicado na Europa pode ser analisado a partir de Kant. Suas imagens registraram
momentos intensos da realidade social mundial e ao mesmo tempo possuem uma beleza
plástica de tonalidades, luzes, e sombras inerentes ao mais renado conceito estético.
A natureza da imagem digital adquire status híbrido, visto que a imagem fotográca
somente aceita composições de elementos e formas em seu processo de pós-produção,
sendo que a tomada fotográca se mantém a mesma. Alguns autores avaliam o teor de hi-
bridez das imagens fotográcas, especialmente as experimentais e as publicitárias, devido
ao fato de a razão estar passando por um período de fragilidade.
Jean-Marie Schaeffer acredita que a imagem fotográca após o surgimento das
tecnologias digitais está conceitualmente precária. Para aprimorar sua reexão ele busca
subsídios nos conceitos de belo e sublime desenvolvidos por Kant, “um objeto é belo no
momento em que experimentamos uma concordância feliz entre a imaginação e o enten-
40
dimento. (...) Em outras palavras, um objeto é belo se apresentar por fora, formas idênti-
cas às que nosso espírito projetaria em uma atividade livre e autônoma. (...) A coincidência
deve ser experimentada concretamente na contingência empírica, por exemplo, a da vida
perceptiva.
48
Sem dúvida, a reexão anterior nos faz perceber a concepção defendida acerca da
imagem fotográca, ou seja, somente sob os preceitos da imagem analógica é que podem-
os fruir do prazer estético sobre a imagem fotográca. Anal, para Schaeffer a fotograa
é a “imagem que pede para ser vista como imagem fotográca: não um ícone autotélico,
mas uma imagem referente ao universo perceptivo, sem que por isso ela reproduza uma
percepção”.
49
Ao contrário do que acontece nas mídias digitais. “Podemos dizer, portanto, que
nas mídias analógicas, além de afetividade e naturalismo, um processo de humaniza-
ção tecnológica, uma tentativa de encobrir os recursos e as diculdades técnicas, dando a
impressão de que a comunicação se dá nos moldes das relações face a face, envolvendo os
mesmos sentimentos e as mesmas regras de comportamento”.
50
Já no campo das imagens digitais,
Bricolage parece ser a palavra mais adequada para explicar a manei-
ra como os mais diversos recursos da tecnologia digital se ajustam às
manifestações artísticas e ccionais que vêm se desenvolvendo desde
que a comunicação eletrônica se rmou como base dos processos co-
municacionais. O termo implica a possibilidade de cada autor integrar
de forma pessoal e híbrida os mais diferentes recursos das chamadas
“novas tecnologias” (...) Bricolage remete à diversidade formal, à adap-
tação provisória e à experimentação que norteiam as propostas artísti-
cas realizadas em meios digitais, e que vão desde a produção de um site
na internet ou de um CD com hipertextos até complexos sistemas de
telepresença.
51
Parece que o surgimento de uma nova tecnologia, a fotograa digital, sempre
causou um certo temor pela desaparição ou pela completa substituição da tecnologia que
a antecede. Porém a história tem mostrado que este não é o caso. Se assim fosse não es-
48 SCHAEFFER, Jean-Marie. A Imagem precária. Papyrus Editora. Campinas, 1996, p. 163.
49 Idem, p. 196.
50 COSTA, Cristina. Op. Cit., p. 68.
51 Idem, p. 93.
41
taríamos ainda ensinando as crianças a se expressar através de desenhos e pinturas. “No
caso particular da fotograa, o seu primeiro grande golpe aconteceu no século XIX,
com o surgimento da imagem em movimento e do cinema”.
52
Por mais que a imagem fotográca atualmente seja compreendida como uma
imagem híbrida, reexo de um processo social complexo que consegue adquirir visibili-
dade por meio das mais diferentes produções imagéticas, ela ainda é produzida sobre
elementos do real e sob a mesma forma de tomada fotográca com a qual a fotograa foi
historicamente realizada.
O modo dialógico colocanos numa situação muito diferente em relação
às antigas imagens. A imagem interativa calculada em tempo real
existe na medida em que intervimos sobre ela, ou, mais precisamente
sobre o mundo no qual ela nos propõe uma simulação. Em compen-
sação, esse mundo simulado transmite informações de todas as ordens
afetando nossa percepção de diversos modos, dando-nos a impressão
– alguns dirão: ilusão – de estar em contato real com ele.
53
Sem dúvida, estaremos habitando um mundo cada vez mais repleto de simula-
ções, mas é difícil imaginar um estilo de vida em que o contato com a realidade esteja
ausente da vida das pessoas.
“Se a simulação tende globalmente a liberar do real a imagem e o pensamento -
gurativo no seu conjunto, ela recria, graças aos jogos das interfaces, pontos de referência
do real, ligações tênues, mas que lhe impedem de colocar-se à deriva sem nenhum con-
trole.
54
Talvez em um futuro não muito distante a imagem analógica sobreviva somente
em alguns nichos sociais e comerciais especícos. Porém, enquanto a tecnologia digital
não for aplicada a todos os meios de comunicação existentes, a fotograa convencional irá
fazer-se presente e se farão ouvir os conceitos de realidade e verdade tão ardorosamente
defendidos por aqueles que compreendem a imagem fotográca exclusivamente como
um veículo que expressa traços de uma realidade, justamente a corrente de pensa-mento
hegemônica no período pré-surgimento da fotograa digital.
52 AMELUNXEN, Hubertus von; IGLHAUT, Stefan; RÖTZER, Florian. Photography after Photography. G+B Arts. Munique, 1996, p.
20.
53 COUCHOT, Edmond. Op. Cit., p. 172.
54 Idem.
42
O armazenamento de informações sensoriais da realidade no formato numérico
permite uma recombinação dos elementos armazenados dando origem a algo novo e
diferente da imagem previamente registrada. Aquilo que as pessoas registraram como
uma informação à semelhança do real pode, a partir de agora, ser recombinado e trans-
formado em uma outra matriz sem que a operação seja percebida por aquelas pessoas que
estavam diante de uma determinada imagem pela primeira vez.
Sem dúvida a possibilidade de manipulação do conteúdo das imagens de forma
imperceptível ao receptor levanta a questão sobre o embate entre o mundo real e o c-
cional.
Como vimos anteriormente, o processo de desenvolvimento da cibercultura
coloca as pessoas num ambiente no qual as relações são desenvolvidas à distância, de
forma não presencial. Por isso, é preciso compreender como se dará a recepção das ima-
gens digitais pelas pessoas, já que as próprias imagens poderão conter em si elementos de
realidade e outros de cção.
Manipulação digital de conteúdo da imagem, Paul Higdon. Nova York, Estados Unidos,
1996. Fotomontagem com a intenção de estimular a reexão sobre a ccionalidade na foto-
graa. Para os indivíduos leigos em história, a presença de personagens de televisão poderia
muito bem não ser percebida no contexto da fotograa de uma reunião de chefes de estado
durante a II Guerra Mundial.
O avanço tecnológico dos meios de comunicação parece ter dado forma ao an-
seio humano de materializar os seus desejos mais profundos de expressão de identidade
e de representação cultural. Não seria, talvez, a produção de imagens digitalmente mani-
43
puladas a factualização daquilo que já se notava anteriormente nas imagens analógicas?
É muito difícil expressar uma resposta conclusiva acerca desse assunto, mas é pos-
sível tecer algumas considerações que apontem caminhos de investigação sobre o tema.
A primeira ponderação que devemos fazer é que o atofotográco, ou seja, a to-
mada da fotograa se em processo similar tanto na produção fotográca analógica
quanto na digital. Suas diferenças estão no processo posterior ao registro da imagem.
Após a captura da imagem, no processo analógico se desenrola a revelação da película
para que a imagem seja revelada e posteriormente aplicada aos seus diferentes tipos de
uso. No processo digital a equação numérica que representa a imagem capturada é trans-
ferida para um processador numérico ou computador que permite que se o destino
desejado para aquela imagem.
Imagem publicitária criada com o auxílio de manipulação digital. Ho-ward Schatz, 2002. O
fotógrafo norte-americano pré-visualiza a sua imagem nal, levando em consideração as
possibilidades de manipulação na fase de pós-produção permitidas pela tecnologia digital.
44
Portanto, o que existe sicamente como imagem após o seu registro é completa-
mente diferente nas tecnologias analógica e digital.
55
A imagem digital não faz com que apareça um novo gênero fotográco. Na reali-
dade, o seu processo de pós-produção se insere em qualquer gênero fotográco e amplia
as possibilidades de trabalho com a imagem fotográca. Até então, após a sua produção,
a imagem analógica era editada, recortada, retocada ou até colorizada a partir de proces-
sos manuais ou mecânicos. Agora o processo digital pode ser aplicado sobre a fotograa,
desde que esta seja transformada em uma imagem digital através do escaneamento da
imagem.
A digitalização das imagens atende a demanda dos veículos de informação que
necessitam de imagens dos fatos e acontecimentos no mundo em tempo praticamente
simultâneo ao seu desenrolar, ou seja, a rapidez e a facilidade de transmissão das imagens
são um fator de determinação do seu formato de uso.
56
A imagem publicitária, por meio de sua linguagem codicada, ganha diversidade
de ferramentas e agilidade em seu processo criativo com a inclusão de ferramentas digi-
tais na realização de seu processo produtivo.
Sem dúvida, essa nova dinâmica torna a imagem fotográca algo novo daquilo
que foi possível ser observado ao longo dos seus 150 anos de vida. Sua nova identidade
ainda está em formação e por isso torna-se difícil tecer alguma consideração conclusiva
acerca desse fato.
Dada a atual fascinação pela fotograa veiculada na grande mídia como
signo cultural e a generalizada insatisfação com as tradições da fotogra-
a “artística” herdadas desde a cinqüenta anos atrás, é de se suspeitar
se a celebração do 150 o aniversário da fotograa não deveria ser um
aviso de despertar. Pois, se a fotograa sobreviver ao século XXI, ela
será algo mais fabricado, manipulado e egocêntrico do que a fotograa
que nós viemos a conhecer. Ela será, em breve, menos como o mundo
e mais como a arte.
57
55 AMELUNXEN, Hubertus; IGLHAUT, Stefan; RÖTZER, Florian. Op. Cit., p. 20.
56 Idem, p. 60.
57 GRUNDBERG, Andy. Op. Cit., p. 221.
45
Porém, como já foi mencionado, a imagem digital desloca um componente de im
-
portância e relevância nas relações entre imagens e observador. É cada vez mais claro que
a imagem é feita pelo espectador e que a multiplicidade das formas que a fotograa vêm
adquirindo nos últimos anos é decorrência do desejo de comunicação no âmbito singular
do sujeito.
Tenho a percepção de que o embate a ser analisado atualmente no campo da ima-
gem fotográca é a sua relação na psique humana entre o universal e o singular por meio
de um aprofundamento sobre o campo da linguagem, dos símbolos e das representações
como elementos constitutivos da dinâmica social.
Talvez a postura mais adequada diante desse processo seja a que Cristina Costa
explicita em seu livro Ficção, Mídias e Comunicação:
Vivemos certamente o desconforto de saber que tudo aquilo que nos
habituamos se encontra em plena metamorfose e que muito rapidam-
ente não poderemos mais usar nossas antigas referências entre elas
a capacidade de discernir entre cção e realidade. Mas por tudo o que
aqui desenvolvemos, parece mais razoável pensar que tendemos a su-
perar o assombro das novas virtualidades e a perder rapidamente nossa
ingenuidade – inteirando-nos daquilo que é real e daquilo que encanta,
porque, não sendo real, permite-nos experimentar o prazer irrecusável
de reinventá-lo.
58
58 COSTA, Cristina. Op. Cit., p. 102.
46
5. A fotograa publicitária
As considerações que zemos até este ponto do trabalho dizem respeito ao pro-
cesso fotográco transformado pelo advento das mídias digitais, abrangendo todos os
seus gêneros – o fotojornalismo, a foto publicitária, a fotograa artística e até a fotograa
amadora.
Neste capítulo vamos estudar mais detidamente as modicações que ocorreram
com a fotograa publicitária, em parte porque suas características, como veremos, pare-
cem ser mais suscetíveis ao desenvolvimento tecnológico e também porque ela me é mais
próxima, em virtude de minha ocupação prossional se ater a este campo de trabalho.
Entendemos por gênero um conjunto de características envolvendo o tratamento
de um tema, objetivos e funções do processo fotográco, premissas discursivas e estéticas
que se repetem de forma a constituir um modelo com certa credibilidade que resiste in-
clusive à sua adaptação por diferentes mídias.
Na fotograa temos, assim, além dos gêneros herdados das artes plásticas (retra-
to, paisagem e natureza-morta), os gêneros próprios do processo fotográco: o fotojor-
nalismo, a fotograa experimental e a fotograa publicitária. Como já foi dito, o foto-jor-
nalismo se atém prioritariamente ao registro e a divulgação dos acontecimentos sociais,
políticos e ambientais que permeiam a sociedade como um todo. A fotograa experimen-
tal é aquela que se destina à exploração dos gêneros metafóricos do ato fotográco, pri-
orizando a exploração prática da linguagem fotográca, destinando-se à avaliação, recon-
hecimento e legitimação dos prossionais do campo em que atuam. Por m, a fotograa
publicitária se ocupa da criação e produção de imagens que divulguem e promovam os
mais diversos bens e serviços oferecidos por pessoas e empresas à sociedade como um
bem de consumo.
Essa classicação obedece à intencionalidade do ato fotográco e não a um juízo
de valor excludente, sendo possível considerar uma foto publicitária como artística quan-
do atingir níveis de excepcionalidade.
47
No contexto histórico da fotograa, “o gênero publicitário surgiu como uma real
opção de trabalho na publicidade após a Primeira Guerra Mundial. No início da década
de 1920, menos de 15% dos anúncios publicitários empregavam fotograas, ao redor de
1930, 80% já eram fotos”.
59
Inicialmente os executivos e diretores de arte das agências de publicidade da é-
poca se interessaram pelas propriedades “realistas” e “verdadeiras” da imagem fotográ-
ca. A capacidade que a fotograa possui de, muitas vezes, obscurecer a sua construção
subjetiva através da precisa reprodução dos mínimos detalhes, apresentando assim, um
apelo emocional mediado por uma visão objetiva, abriu as portas no meio publicitário
para um uso mais constante e intenso da fotograa.
Pouco tempo depois, um estilo de fotograa publicitária mais manipulativa emer-
giu, projetando fantasias e ideais de forma óbvia, mas ainda assim, com grande força per-
suasiva e apelo consumista. A fotograa, como uma ferramenta da propaganda, tornou
gradualmente a beleza mais acessível aos olhos do público, aproximou ideais de consumo
e nesse processo ajudou a promover e vender bens e serviços.
O período após a Primeira Guerra Mundial também foi um momento histórico
de grande ímpeto modernista, especialmente nos Estados Unidos, onde foram erguidos
enormes prédios comerciais, a indústria passou a implementar novos e mais ecientes
métodos de produção e a arte mostrou-se renovada. Além disso, para a publicidade, no-
vas técnicas de pesquisa e ferramentas de marketing apareceram e tornaram o meio pu-
blicitário mais prossionalizado. Entre essas ferramentas a fotograa foi uma que mais
se destacou. E muito, porque suas características analógicas expressavam muito bem o
contexto social e econômico da época.
O estilo inicial direto e quase documentário da fotograa publicitária estava cen-
trado em produzir uma narrativa que, aliada aos títulos e textos dos anúncios, garantisse
um apelo consumista claramente decodicável para o consumidor, mas que também en-
altecesse certa sensibilidade estética e um cuidado com a beleza da imagem fotográca
apresentada.
59 JOHNSTON, Patricia. Real Fantasies, Edward Steichen’s Advertising Photography. University of Cali-fornia Press. Berkeley, 2000,
p. 1.
48
Reprodução de um anúncio para o fabricante norte-americano de loções cremosas Jergen’s
Lotion publicado na revista Vogue. Fotograa de Edward Steichen e direção de arte de Gor-
don Aymar da J. Walter Thompson, novembro de 1925. A técnica fotográca usada não é
manipulativa e aliada ao texto procura ressaltar para a mulher que é possível ter mãos bonitas
e macias, mesmo com o duro trabalho do lar.
O fotógrafo norte-americano Edward Steichen foi um dos principais prossion-
ais da fotograa publicitária entre as décadas de 1920 e 1940. Seu trabalho percorreu o
estilo objetivo inicial da imagem publicitária, bem como estilos mais manipulativos que
surgiram posteriormente.
O estilo objetivo da foto publicitária era nitidamente explícito em sua construção
narrativa. Inicialmente, como já foi mencionado, o ideal de consumo era enaltecido pelas
próprias características da imagem fotográca, tais como: nitidez, realismo, precisão e
afetividade.
49
A narrativa empregada nos anúncios como os utilizados pela empresa Jergens Lo
-
tion auxiliava o uso de uma estratégia de propaganda fundamentada na expressão racional
dos benefícios e atributos do produto. Nesse caso a fotograa objetiva e direta parecia ser
a escolha correta para tal formato de propaganda. “É possível que os diretores de arte da
época ainda não tivessem assimilado o complexo conceitual da imagem fotográca, pois
utilizavam um meio de comunicação novo, a fotograa, aliada a uma técnica de promoção
antiga.”
60
Com o passar dos anos a fotograa publicitária foi incorporando em sua lingua-
gem visual uma manipulação sutil e referências derivadas das principais correntes losó-
cas e artísticas do período modernista.
A colorização de fotograas em preto e branco (P&B) foi uma das técnicas utili-
zadas para se atingir um maior apelo visual, assim como o hábito de exagerar a nitidez do
foco, valorizar detalhes e criar uma aura de sosticação nas imagens apresentadas> Todas
elas iam ao encontro dos conceitos modernistas de renovação das formas e da sensibili-
dade estética.
Embora o processo de reprodução gráca por tons médios existisse algum
tempo, a fotograa P&B (tons de cinza) preponderou nos anúncios publicitários até o
nal da década de 1940, provavelmente devido ao alto custo da impressão colorida e do
elaborado trabalho de colorização manual das fotograas em P&B. Não obstante, o de-
sejo pela visualização da imagem em cores existia desde o século XIX, quando fotógra-fos
coloriam manualmente os retratos de seus clientes.
60 JOHNSTON, Patricia. Op. Cit., p. 60.
50
Reprodução de um anúncio para o fabricante norte-americano de loções cremosas Jergen’s
Lotion, publicado no Ladies’ Home Journal. Fotograa de Edward Steichen e direção de arte
de Gordon Aymar no ano de 1925 da J.Walter Thompson em fevereiro de 1925.
Embora sutil, o teor de manipulação aplicado aos trabalhos fotográcos, já deno-
tava um uso intencional de técnicas fotográcas de interferência sobre a imagem com o
intuito de causar um maior impacto sobre o público da imagem, ao mesmo tempo con-
sumidor do produto ou serviço.
Durante o período modernista, utilizou-se também a pré-seleção de temas e ângu-
los de visão como uma forma de manipulação no uso de imagens para a criação de car-
tazes e folhetos publicitários que divulgavam mensagens políticas e de campanhas de
guerra. Em alguns países, indivíduos e personalidades não desejadas pelo regime político
hegemônico, em sua grande maioria totalitários, foram grosseiramente apagadas ou reti-
radas das imagens utilizadas em campanhas de divulgação e promoção de ideologias.
51
Podemos perceber nas imagens apresentadas que as interferências ocorriam mais
intensamente nas fases de pré-produção e produção e em menor grau na fase de pós-
produção. A tecnologia analógica e as técnicas de reprodução de imagem da época, ainda
não permitiam as manipulações viabilizadas pelas mídias digitais das quais falamos anteri-
ormente.
Reprodução de um anúncio para o fabricante norte-americano de suco de uva Welch’s Grape
Fruits, publicado no Ladies’ Home Journal. Fotograa de Edward Steichen. Colorização da
fotograa por ilustra-dor desconhecido. Publicado em 1926.
A manipulação da imagem na fase da pré-produção se realiza a partir de uma re-
exão sobre qual o conceito visual que será registrado para que determinado objetivo,
por exemplo, aumentar vendas, seja atingido. Na fase da produção, o uso de técnicas de
iluminação e de fotograa, tais como, controle de foco, profundidade de campo e con-
traste, são as principais ferramentas disponíveis para o fotógrafo. A colorização, uma das
ferramentas de manipulação na fase de pós-produção, devido à limitação tecnológica na
época, demonstra as restrições para o seu uso regular.
52
Independentemente das possibilidades tecnológicas, o modernismo também era
percebido no ambiente industrial através do desenvolvimento de produtos que exaltavam
formas inovadoras, exibiam um design diferenciado e aproximavam o público de uma
atmosfera de sosticação. Os anúncios desses produtos e serviços procuravam utilizar
fotograas que oferecessem ao consumidor uma clara percepção desses valores.
Reprodução de um anúncio para o fabricante norte-americano de isqueiros Douglass Light-
ers publicado em novembro de 1928 na revista Harper’s Bazaar. Fotograa de Edward Stei-
chen. A sutil manipulação do contexto da imagem por meio do uso de brilhos para enaltecer
a sosticação do produto e o nítido foco dos produtos corresponde às características exigi-
das pela imagem publicitária da época.
53
A partir da metade da década de 1930, a economia norte-americana e as demais
economias do mundo começaram a sair do período que cou conhecido como a Grande
Depressão. Nessa fase a publicidade começou a utilizar em seus anúncios fotograas
provocativas e com um apelo psicológico, seja por seu conteúdo ou com o uso da cor nas
imagens.
“O fotógrafo norte-americano Edward Steichen criou para um cliente
uma série de imagens que combinavam ambas as formas de manipula-
ção com o intuito provocativo. As cores do produto e a sensualidade
provocante dos retratos femininos formaram um interessante e ecaz
conceito de promoção das toalhas de banho Cannon.
61
A introdução do lme fotográco colorido no mercado pela empresa norte-
americana Kodak coincide com o nal da década de 1930. Inicialmente o processamento
desse material era de difícil execução e, por isso, sucessivas inovações tecnológicas foram
necessárias para o aprimoramento da capacidade de registro das cores pelas emulsões.
“Foi somente na década de 1950, quando o lme Ektacolor, também desenvolvido pela
Kodak, ofereceu ao mercado uma boa reprodutibilidade das cores e um custo acessível de
revelação e processamento que a fotograa colorida iniciou sua expansão como uma nova
forma de registro e criação.
62
A existência de películas coloridas capazes de reproduzir a tonalidade das cores
dos objetos, pessoas e lugares a um custo razoável resultou em um grande impulso para a
fotograa publicitária e foi, talvez, o mais importante recurso de manipulação da ima-gem
surgido antes do advento das mídias digitais. “Tradicionalmente a linguagem visual pub-
licitária utiliza-se de referências e semelhanças com a pintura a óleo. A fotograa colorida
é a técnica que passou a dar continuidade à linguagem da pintura não no nível pictórico
como também no conjunto de signos utilizado.
63
61 JOHNSTON, Patricia. Op. Cit., p. 224.
62 NEWHALL, Beaumont. Op. Cit., p. 278.
63 BERGER, John. Modos de Ver. Penguin Books Ltd. Londres, 1972, p. 139.
54
Reprodução de um anúncio para o fabricante norte-americano de toalhas de banho Cannon,
publicado na revista Vogue em março de 1936. Fotograa de Edward Steichen e direção de
arte de Charles T. Coiner e Paul Darrow da N.W. Ayer and Son.
O processo criativo da fotograa publicitária até o surgimento das tecnologias
digitais também se assemelhou muito ao ritmo de trabalho desenvolvido por outros artis-
tas. Inicialmente realiza-se um esboço das idéias e conceitos que serão ilustrados para que
a fase da produção seja abastecida com elementos de referência e suporte ao trabalho.
Após essa etapa o trabalho criativo é realizado com o intuito de produzir a imagem pré-
visualizada.
Na publicidade a fase da pré-produção é muito importante, pois é ela que orienta
o fotógrafo com os elementos que serão utilizados na produção da fotograa. A produ-
ção em si também envolve muita habilidade e criatividade, pois após ter elaborado todos
os elementos de composição da imagem o fotógrafo precisará coordenar seu trabalho de
modo que tudo se mantenha como o pré-visualizado e, assim, ele possa registrar de fato
a imagem.
55
Ao olharmos o trabalho de fotograa publicitária podemos perceber que as ino-
vações oferecidas pelas tecnologias digitais à criação fotográca ampliaram em grande
medida a capacidade de expressão ao longo do processo de produção da imagem.
Porém, como já vimos no capítulo anterior, a informática não só transformou as
ferramentas de trabalho, como também tem provocado mudanças na sua linguagem e na
sua essência. Este fenômeno tecnológico e social é observado na área das comunicações
e na fotograa publicitária com particular atenção.
Imagem publicitária criada com auxílio de manipulação digital. Nick Vedros, 2002. Nota-se
na imagem o trabalho de manipulação do conteúdo da imagem original realizado na fase de
pós-produção com o intuito de aplicar um conceito de inovação para a rede norte-americana
de canais de TV a cabo D.I.Y..
A fotograa publicitária adquiriu liberdade criativa, mas também incorporou mui-
tos elementos lingüísticos de outras técnicas que até então não podiam ser trabalhados em
conjunto. Atualmente, elementos e conceitos da ilustração e do design gráco podem ser
inseridos em uma fotograa como parte constituinte daquilo que irá se tornar a imagem
nal. Não há dúvida de que a fotograa publicitária hoje é uma imagem híbrida nos seus
aspectos criativos e de produção.
56
A publicidade fala no futuro do indicativo e, todavia, a consecução
desse futuro é indenidamente adiada. Como então continua a publici-
dade auferindo crédito – ou crédito suciente para exercer a inuência
que ela exerce? Seu crédito permanece porque a veracidade da publici-
dade é julgada, não pelo cumprimento real de suas promessas, mas pela
relevância de suas fantasias face às fantasias do espectador-comprador.
Não se aplica essencialmente à realidade, mas aos sonhos alimentados
durante a vigília.
64
O fotojornalismo também sofreu mudanças, mas elas estão muito mais centradas
nas questões da dinâmica jornalística, da agilidade de transmissão de informações e da
possibilidade de revisão do trabalho in loco, todas, portanto, pouco voltadas à criação
fotográca. A publicidade é uma das áreas da fotograa que mais se transformou nos
últimos tempos, pois a sua própria identidade como fotograa está em processo de revi-
são. Será hoje a fotograa publicitária melhor conceituada como imagem publicitária, ou
seja, aquela técnica que agrega diferentes ferramentas para a elaboração de uma imagem
que instigue e provoque a idealização e o desejo?
Será a percepção de que essas imagens estão deslocadas dos conceitos de veros-
similhança e registro documental que tanto se aplicou à fotograa como um todo, que é
verdadeira possibilidade de mudança dos valores e percepção da fotograa?
Sem dúvida, os gêneros fotográcos se relacionam de maneiras diferentes com as
principais questões tratadas no presente trabalho, em especial o caráter artístico e o rea-
lismo da fotograa. Portanto, partindo dessas indagações e para ampliarmos essa análise
que reunimos um grupo de fotógrafos publicitários para uma série de entrevistas e análi-
ses de imagens por eles produzidas.
64 Idem, p. 148.
57
6. Metodologia de Pesquisa
a) Corpus
Dada a amplitude das repercussões da informática na fotograa, decidimos optar
pela fotograa publicitária para realizar uma pesquisa empírica com o objetivo de detec-
tar as transformações notadas pelos fotógrafos em relação às questões levantadas ao lon-
go da dissertação.
A fotograa tem se transformado? Martin Lister, em sua coletânea de textos so-
bre cultura digital coloca sua preocupação com o advento das imagens digitais: “existe de
fato o perigo de racionalizarmos excessivamente a nossa visão e perdermos o sentido pelo
qual (amor, medo, paixão, angústia, etc.) realmente olhamos as imagens”.
65
E o trabalho do fotógrafo se modicou? Em que medida? Sabemos que histori-
camente o surgimento de uma nova tecnologia geralmente provoca mudanças nas rela-
ções e no trabalho propriamente dito.
A tecnologia tornou a prática e o trabalho fotográco mais fácil? No campo da
fotograa amadora, o impacto da tecnologia foi o de facilitar o processo fotográco, já na
área da fotograa de publicidade, além desta, outras conseqüências foram sentidas pelos
prossionais.
Em seus estudos sobre as imagens artísticas, ou seja, aquelas produzidas com o
único intuito de ressaltar o prazer estético, Jacques Aumont teceu a seguinte considera-
ção: “Em resumo, o prazer da imagem entenda-se o prazer do espectador da imagem
– é sem dúvida inseparável de um suposto prazer do criador da imagem”.
66
Sendo assim,
a criatividade, ganhou mais espaço de expressão?
A produção fotográca teve o seu custo alterado? O efeito de uma aparente di-
minuição do valor de produção pode ser sentido de diferentes formas. Na prática amado-
ra, o excesso de produção leva a uma crescente perda de sensibilidade diante das imagens
cotidianas decorrente da facilidade de exibição de imagens entre as pessoas. Os meios de
comunicação on-line facilitam e estimulam esse processo.
65 LISTER, Martin (org.) e ROBINS, Kevin. Nos seguirá comoviendo una fotograa?. Paidós. Barcelona, 1998, p.66
66 AUMONT, Jacques. Op. Cit., p. 313.
58
Rubens Fernandes desenvolve sua reexão sobre o assunto externando sua preo-
cupação com a diminuição da memória individual e coletiva uma vez que as pessoas pro-
duzem cada vez mais imagens descartáveis, ou seja, a produção é tão intensa que as novas
fotograas rapidamente substituem as antigas. Estas, quando digitalizadas, acabam sendo
regularmente eliminadas do acervo fotográco.
67
E na fotograa publicitária, o que sucedeu com a diminuição do custo de produ-
ção?
O modo de exibição das imagens atualmente aproxima-se da cultura televisiva, ou
seja, quanto mais exposição dá às imagens, mais cansativas elas se tornam. A rapidez com
que os meios de comunicação conseguem mostrar imagens dos fatos ao redor do mundo
cria uma superexposição desses mesmos fatos, tornando necessário que as pessoas sejam
cada vez mais sacudidas para prestarem atenção em uma nova imagem. A fotograa es-
taria, então, mais ilusionista para suplantar essa tendência?
Algumas das principais indagações foram expostas neste capítulo, porém ques-
tões complementares poderão ser analisadas ao longo das entrevistas que completam o
trabalho.
67 FERNANDES Jr., Rubens. Desconhecidos Íntimos. Revista FACOM no.6, FAAP. P.44-52. São Paulo, 1999.
59
b) Objetivos da pesquisa e procedimentos iniciais
Para a realização da pesquisa sobre o processo de transição da imagem analógica
para a imagem digital, deni como principal objetivo o aprofundamento da compreensão
sobre a relação das pessoas com a imagem fotográca, tomando como ponto de partida
os novos parâmetros de produção e criação fotográca surgidos com a imagem digital.
É também intuito da pesquisa apresentar alguns exemplos de criação e produção
de imagens digitais para que seja possível analisar as informações obtidas a partir das ent-
revistas com os fotógrafos prossionais. O objetivo aqui é fazer uma análise comparativa
que permita traçar rumos e perspectivas na relação das pessoas com a imagem fotog-
ca.
Para atingir tal objetivo foram realizadas entrevistas com um roteiro de perguntas
abertas com cinco fotógrafos atuantes na área publicitária. As repostas às perguntas rea-
lizadas foram transcritas para permitir a análise do seu conteúdo.
Também foi pedido aos fotógrafos entrevistados que selecionassem duas imagens
de sua autoria de trabalhos realizados em períodos distintos e distantes entre si para que
ilustrassem a natureza da prática da fotograa publicitária em algum de seus aspectos
como: linguagem, liberdade criativa, restrições ou possibilidades tecnológicas e período
histórico de produção.
Como critério de seleção, foram escolhidos prossionais que possuem mais de
dez anos de trabalho com a tecnologia de imagem digital, sendo que alguns deles viven-
ciaram o processo do surgimento da tecnologia digital desde momentos em que ela ainda
estava muito distante da imagem analógica, tanto em termos de potencial de trabalho
quanto na qualidade dos resultados fotográcos.
As entrevistas, realizadas pessoalmente, são transcritas e apresentadas no capítu-
lo que se segue. As conclusões sobre o impacto das novas tecnologias no ato fotográco
resultam da análise de conteúdo da pesquisa, das questões tratadas no aporte teórico
apresentado e na minha experiência pessoal com a fotograa publicitária.
60
c) Roteiro de perguntas das entrevistas
1. Dados pessoais
2. Breve histórico prossional
3. Quais os principais motivos que o levaram a se tornar fotógrafo prossional?
4. Como você começou a tomar contato com as novas tecnologias de fotograa
e imagem digital?
5. Em que fase você usa mais os meios digitais: pré-produção, produção ou
pós-produção?
6. Quais os equipamentos de fotograa digital, hardware e software, que você
mais utiliza?
7. O que determina o uso do equipamento analógico ou digital no seu trabalho?
8. Sob o seu ponto de vista, quais as vantagens e desvantagens econômicas do
equipamento digital?
9. E sob o ponto de vista estético?
10. No campo prossional, onde tem sentido os maiores reexos da transição da
fotograa analógica para a digital?
11. E na sua relação pessoal com a fotograa?
12. Ao produzir uma fotograa utilizando-se da tecnologia digital, como se dá o
seu processo criativo?
13. Na sua opinião quais são as principais diferenças no processo de percepção
fotográca – sob a ótica do cliente ou público – entre a imagem analógica e a
imagem digital?
61
14. Historicamente a fotograa teve um vínculo muito forte com a realidade.
Após o surgimento da tecnologia digital você sentiu alguma mudança nessa rela
ção?
15. As pessoas sempre tiveram uma certa desconança em relação ao conteúdo
e a estética da foto publicitária. Após a tecnologia digital você sente que essa sen
sação se modicou?
16. Quais as suas experiências no campo da fotograa com o uso da internet?
17. Você percebe alguma mudança nos formatos de uso e aplicação da imagem
fotográca após o surgimento da imagem digital?
18. Considerações pessoais sobre a transição da imagem analógica para a digital.
62
d) Entrevistas
Entrevista 1
1. Dados pessoais
• Nome: Tony Genérico
• Idade: 65 anos
• Nacionalidade: brasileira
• Formação: autodidata
• Prossão: fotógrafo
• Local de trabalho: São Paulo
2. Breve histórico prossional
Tony Genérico nasceu e cresceu em uma fazenda no interior de Minas Gerais.
Adulto, saiu do País em busca de novos horizontes pessoais e prossionais. Foi para a Ale-
manha e começou a trabalhar como cenógrafo da companhia de espetáculos Holiday
on Ice. O contato com culturas diferentes e outros prossionais consolidou o seu desejo
de tornar-se fotógrafo. Após cinco anos como cenógrafo, estabeleceu residência em Nova
York, nos Estados Unidos, e iniciou seu percurso prossional na fotograa publicitária.
Inicialmente trabalhando como assistente e associado em estúdios, e posteriormente es-
tabelecendo o seu próprio estúdio fotográco. Depois de 22 anos vivendo e trabalhando
em Nova York, retornou ao Brasil, xando residência na cidade de São Paulo e desenvol-
vendo seu trabalho de fotograa publicitária.
3. Quais os principais motivos que o levaram a se tornar fotógrafo pros-
sional?
Tenho recordações do período em que vivia no interior de Minas Gerais. Elas me
fazem lembrar o quanto o ambiente ao meu redor era capaz de me encantar e despertar
a minha curiosidade. Possivelmente meu interesse pela fotograa começou a aparecer na
infância, pois me recordo que com 5 ou 6 anos de idade, eu cava longamente obser-
vando a luz do sol passar pelas janelas e provocar diferentes formas de reexo na palha e
penas que utuavam no interior dos ambientes da casa.
63
4. Como você começou a tomar contato com as novas tecnologias de foto-
graa e imagem digital?
Comecei a tomar contato com a fotograa digital na década de 1980. Na época
somente havia a captura ou registro digital da imagem, ainda estava por surgir no mer-
cado o software Photoshop, hoje elemento integrante do que chamamos fotograa digital
na área publicitária. Inicialmente eram câmeras fotográcas digitais simples e de quali-
dade muito ruim, não era possível incorporar nada no cotidiano de trabalho. Absorvi a
tecnologia digital em meu trabalho prossional quando percebi que a qualidade das ima-
gens registradas digitalmente se equiparou às imagens registradas em lme fotográco.
5. Em que fase você usa mais os meios digitais: pré-produção, produção ou
pós-produção?
A tecnologia digital mudou todas as etapas do trabalho fotográco. Dessa forma,
ao realizar um trabalho com uso da fotograa digital, todas as etapas são desenvolvidas de
maneira distinta da fotograa tradicional. A característica de cada trabalho irá determinar
em qual fase usarei mais a tecnologia digital.
6. Quais os equipamentos de fotograa digital, hardware e software, que
você mais utiliza?
Utilizo uma câmera de grande formato com um back digital Kodak DCS-Pro e
também uma câmera 35mm Kodak 14N. Em termos de software, obrigatoriamente o
Photoshop.
7. O que determina o uso do equipamento analógico ou digital no seu tra-
balho?
A partir do momento em que a captura digital se tornou igual ou melhor ao lme,
eu passei a utilizar o digital, embora eventualmente ainda apareça algum cliente que
precise do lme fotográco por algum motivo especíco.
64
8. Sob o seu ponto de vista, quais as vantagens e desvantagens econômicas
do equipamento digital?
O trabalho com equipamento digital possui um custo operacional menor, isso in-
clui a eliminação dos custos de lme e revelação, a diminuição do custo com estrutura e
pessoal e o tempo de produção que ca bastante reduzido. Quando necessário, a refação
do trabalho é imediata.
9. E sob o ponto de vista estético?
A tecnologia digital permite um grau de experimentação bem maior do que a
analógica, porém atualmente o mercado demanda custos cada vez menores e uniformi-
dade de linguagem, o que suprime todas essas novas possibilidades.
10. No campo prossional, onde tem sentido os maiores reexos da tran-
sição da fotograa analógica para a digital?
A imposição de uma uniformidade de visão estética tornou-se um problema sé-
rio!
11. E na sua relação pessoal com a fotograa?
A minha curiosidade pessoal e o meu percurso prossional me permitiram expe-
rimentar uma grande variedade de formas de trabalhos fotográcos que demandavam
um alto grau de inventividade e engenhosidade na solução das diculdades em se obter
a imagem desejada. Isto é muito estimulante! Hoje pouco espaço para se aplicar nos
trabalhos todo um repertório de conhecimento teórico e prático.
12. Ao produzir uma fotograa utilizando-se da tecnologia digital, como se
dá o seu processo criativo?
No meu caso, mudou muita coisa nesse processo. Com o lme fotográco, você
fazia um teste para cada componente da foto: um teste de luz, um teste de lme, um teste
para o modelo e assim por diante. Com a tecnologia digital, há muito menos planejamen-
to, o processo é muito mais imediato. Gasta-se menos tempo com a criação, pois o mer-
cado não tem mais tempo para que a imagem seja bem elaborada, pensada, etc.
65
13. Na sua opinião quais são as principais diferenças no processo de per-
cepção fotográca – sob a ótica do cliente ou público – entre a imagem analógica
e a imagem digital?
A imagem digital diminuiu o valor atribuído à fotograa e ao trabalho fotográ-
co. Também não podemos esquecer que o Brasil está com o seu mercado publicitário
muito deprimido, pouco investimento e pouca produção publicitária. Aqui estamos
sentindo esse fenômeno de forma muito mais acentuada em decorrência da atual conjun-
tura econômica do Brasil.
14. Historicamente a fotograa teve um vínculo muito forte com a reali-
dade. Após o surgimento da tecnologia digital você sentiu alguma mudança nessa
relação?
A imagem fotográca, sem dúvida, perdeu credibilidade.
15. As pessoas sempre tiveram uma certa desconança em relação ao con-
teúdo e à estética da foto publicitária. Após a tecnologia digital você sente que
essa sensação se modicou?
Eu acho que a foto publicitária deixou de ser fotograa em 1970. O processo
de produção da fotograa publicitária é muito diferente da do fotojornalismo. Em inglês
ao se referir à imagem de publicidade falamos make pictures, e quando a referência é o
fotojornalismo, falamos take pictures. Nesse ponto o importante é a ética, pois no foto-
jornalismo não deve haver manipulação fotográca. Na publicidade há manipulação, mas
ela deve ser somente uma ferramenta de trabalho e não uma atitude desonesta.
16. Quais as suas experiências no campo da fotograa com o uso da inter-
net?
A internet estimulou a produção fotográca de maneira geral, mas em termos
prossionais, ela ainda impõe muitas limitações técnicas para que usos muito diferentes
da fotograa possam ser desenvolvidos.
66
17. Você percebe alguma mudança nos formatos de uso e aplicação da ima-
gem fotográca após o surgimento da imagem digital?
O fotógrafo precisará reinventar a sua prossão. O fotógrafo como o conhec-
emos nos últimos 150 anos irá car no saudosismo. A facilidade de produção fotográca
oferecida pela tecnologia digital tira o trabalho do fotógrafo especializado e o dilui entre
uma série de outros prossionais que de uma forma ou de outra estão próximos da lin-
guagem da imagem. Outro ponto a se considerar é que se olharmos o lme 35mm usado
na fotograa e o utilizado pelo cinema, eles são praticamente a mesma tecnologia. É bem
possível que em breve o CCD da fotograa e o do vídeo digital sejam o mesmo aparato
tecnológico. Isso poderá trazer novidades no formato de trabalho com imagem.
18. Considerações pessoais sobre a transição da imagem analógica para a
digital.
Todo esse processo de transformação que estamos vivendo me traz uma frustra-
ção muito grande que é a clara noção de que as pessoas e os atuais fotógrafos estão per-
dendo o potencial do olhar. A subjetividade do fotógrafo está sendo uniformizada.
67
• Imagens cedidas para análise
• Imagem 01
Título: Campanha publicitária para o Leite Molico
Autor: Tony Genérico
Data: 1998
Dimensões: Anúncio de página dupla, formato A3.
Técnica: Fotomontagem digital
Descrição: A imagem é uma composição com fotograas independentes: da modelo, da
embalagem e do splash. As fotograas foram realizadas com equipamento fotográco
analógico câmera formato 4 x 5 e lme fotográco. Cada fotograa foi digitalizada
escaneada em alta resolução para execução da montagem nal. Posteriormente foi
composto em computador, através do software Photoshop um fundo azul para simboli-
zar o céu e a idéia de leveza do produto. Embora a parte mais difícil do trabalho splash
tenha sido realizada com a tecnologia analógica, a imagem nal é resultado da fusão e
montagem de cada imagem individual, através do software Photoshop. O conceito nal
promove o bem estar e a saúde do consumidor por meio do uso do produto divulgado.
68
• Imagem 02
Título: Imagem publicitária para promoção do evento de sorteio dos grupos e cabeças de
chave dos países participantes da Copa do Mundo de 2002.
Autor: Tony Genérico
Data: 2002
Dimensões: Capa de folder promocional, formato A4.
Técnica: Fotomontagem digital
Descrição: Da mesma forma que na imagem anterior, esse trabalho resume três fotogra-
as analógicas diferentes compostas por meios digitais. Os três elementos fotográcos
componentes da imagem nal foram fotografados com o uso de equipamento digital
câmera formato 4 x 5 e back digital Kodak DCS-645. Inicialmente a bola de futebol
foi fotografada, depois o splash do líquido amarelo foi fotografado e isolado para a fusão
com um fundo verde produzido digitalmente com o uso do software Photoshop. O trata-
mento nal também foi realizado com esse programa.
69
Entrevista 2
1. Dados pessoais
• Nome: Luiz Fernando Carrieri
• Idade: 38 anos
• Nacionalidade: brasileira
• Formação: Administração de Empresas – Fundação Getúlio Vargas
• Prossão: fotógrafo
• Local de trabalho: São Paulo
2. Breve histórico prossional
Carrieri nasceu e cresceu na cidade de São Paulo. Cursou administração de em-
presas na Fundação Getúlio Vargas. O interesse pela fotograa surgiu na adolescência e
foi sendo nutrido desde o período até a fase adulta. Após se formar na faculdade, produ-
ziu um portfolio de imagens publicitárias, se apresentou ao mercado e começou a se de-
dicar prossionalmente à fotograa. Trabalha a partir de seu estúdio atendendo empre-
sas e agências de publicidade de renome em suas mais variadas necessidades.
3. Quais os principais motivos que o levaram a se tornar fotógrafo pros-
sional?
Quando eu tinha aproximadamente dez anos de idade, eu z um curso de foto-
graa na escola. A mágica de todo o processo de clicar uma fotograa, revelar o lme
P&B e depois ir ao laboratório fazer ampliações fotográcas me encantou. A partir da-
quele momento eu senti que a fotograa poderia ser um caminho pessoal. Para chegar à
prossionalização levou tempo, mas o processo começou naquele momento.
70
4. Como você começou a tomar contato com as novas tecnologias de foto-
graa e imagem digital?
Comecei a tomar contato com a fotograa digital em 1995 para me colocar no
mercado de uma maneira diferenciada, conquistar um espaço prossional. Eu sentia uma
certa diculdade em ter acesso, ou seja, foi a forma que eu desenvolvi para sosticar
esteticamente o meu trabalho fotográco e realizar os bons trabalhos publicitários. Na
época comecei utilizando um computador McIntosh e o Photoshop estava na versão 3.0.
Não demorou muito para eu investir um pouco mais em equipamento digital. Comprei
um scanner, uma gravadora de cromos e em 1999 um back digital. Tudo isso aliado ao
meu crescente conhecimento de manipulação de imagens, que me auxiliou muito no apri-
moramento do meu trabalho e na agilidade e resolução do meu dia-a-dia.
5. Em que fase você usa mais os meios digitais: pré-produção, produção ou
pós-produção?
No início do uso da tecnologia digital, a fase que mais utilizava o digital era a pós-
produção. Isso porque boa parte dos trabalhos era produzida em lme para posterior-
mente ser digitalizada e manipulada. Atualmente uso o digital de forma equilibrada entre
a produção e a pós-produção.
6. Quais os equipamentos de fotograa digital, hardware e software, que
você mais utiliza?
Utilizo um back digital Sinar em uma câmera de grande formato ou em uma Has-
selblad. O Photoshop é uma ferramenta sem a qual o conceito de fotograa digital seria
outro.
7. O que determina o uso do equipamento analógico ou digital no seu tra-
balho?
No meu caso a agilidade e o curto tempo de produção são determinantes na
minha escolha do equipamento. Não estou falando somente pela ótica da necessidade
do cliente, mas também por escolha pessoal. Outro fator é a possibilidade de eu mesmo
manipular e ajustar a imagem no pós-fotográco através do uso do Photoshop.
71
8. Sob o seu ponto de vista, quais as vantagens e desvantagens econômicas
do equipamento digital?
O trabalho com equipamento digital possui uma série de vantagens se você con-
siderar a diminuição dos custos de lme, revelação e o ganho expressivo de tempo de
trabalho. Porém, a desvantagem do custo de investimento na tecnologia digital com a
aquisição de equipamentos, softwares e o contínuo custo de aprendizado, especialmente
de manipulação de imagens através do Photoshop.
9. E sob o ponto de vista estético?
Na minha visão o Photoshop mudou radicalmente as possibilidades de criação es-
tética nas imagens fotográcas. Se pararmos para pensar, e olharmos a fotograa digital
somente como um processo tecnológico de registro de imagens distinto do lme fotográ-
co, não mudou praticamente nada. Mas as fusões, manipulações e retoques possibilita-
dos pelo Photoshop são na minha opinião o próprio conceito de imagem digital.
10. No campo prossional, onde tem sentido os maiores reexos da tran-
sição da fotograa analógica para a digital?
No lado positivo, o ganho de agilidade e menor tempo de trabalho, no lado nega-
tivo, o alto custo de investimento inicial e a rápida depreciação dos equipamentos digi-
tais.
11. E na sua relação pessoal com a fotograa?
Na minha relação pessoal com a fotograa, eu acredito que o meu encantamento
pelo ofício da criação e produção de imagens cresceu, pois a pós-produção atualmente
oferece uma oportunidade a mais de renamento do trabalho.
12.Ao produzir uma fotograa utilizando-se da tecnologia digital, como se
dá o seu processo criativo?
A criação e a produção de um trabalho são desenvolvidas contemplando as pos-
sibilidades oferecidas pelo processo de pós-produção.
72
13. Na sua opinião quais são as principais diferenças no processo de per-
cepção fotográca – sob a ótica do cliente ou público – entre a imagem analógica
e a imagem digital?
Na atual situação econômica do Brasil, a expansão da tecnologia de imagem digi-
tal desvaloriza o trabalho do fotógrafo e o valor da imagem produzida frente ao cliente.
14. Historicamente a fotograa teve um vínculo muito forte com a reali-
dade. Após o surgimento da tecnologia digital você sentiu alguma mudança nessa
relação?
Observo que uma determinada camada da população, especialmente a com nível
universitário e uma faixa etária mais jovem, ouviu falar do Photoshop e das possibili-
dades de manipulação, o que traz uma sensação de perda de credibilidade frente à reali-
dade da fotograa. Porém, ainda há uma enorme parcela da população, menos instruída,
talvez, que não percebe nenhuma mudança ou diferença.
15. As pessoas sempre tiveram uma certa desconança em relação ao con-
teúdo e à estética da foto publicitária. Após a tecnologia digital você sente que
essa sensação se modicou?
Eu acho que a foto publicitária sempre teve a função de despertar um desejo de
consumo, portanto sempre existiu uma suspeita dela ser algo a mais do que aquilo que o
consumidor iria encontrar no produto, porém agora ela parece estar cumprindo uma fun-
ção meramente ilustrativa.
16. Quais as suas experiências no campo da fotograa com o uso da inter-
net?
A internet se tornou parte integrante do meu dia-a-dia prossional. Hoje envio
praticamente todos os meus trabalhos para os meus clientes via internet. É mais um fator
de agilidade no trabalho.
73
17. Você percebe alguma mudança nos formatos de uso e aplicação da ima-
gem fotográca após o surgimento da imagem digital?
Eu ainda não percebo uma mudança radical, pois precisamos ver quais outras
tecnologias irão se acoplar às da imagem digital para que essas novas formas de uso apa-
reçam no mercado.
18. Considerações pessoais sobre a transição da imagem analógica para a
digital.
Acredito que a imagem digital irá evoluir gradualmente até se tornar hegemônica.
Ainda alguns aspectos a melhorar, tais como: cor, denição de imagem e até mesmo
o processo de captura. Outra coisa a lembrar é que cada vez mais será possível trabalhar
distante dos principais centros comerciais do país. Haverá menos contato pessoal.
74
• Imagens cedidas para análise
• Imagem 1
Título: Campanha publicitária para a cerveja Brahma veiculada em anúncios impressos e
pontos-de-venda especícos.
Autor: Carrieri
Data: 1996
Dimensões: Anúncio em revista, formato A4.
Técnica: Fotomontagem digital
Descrição: Para a imagem foram realizadas cinco fotograas individuais com o uso de
equipamento fotográco digital câmera fotográca formato 4 x 5 e um back digital
Sinar. Através do uso do software Photoshop, foi realizada a montagem de todas as fotos
para a nalização da imagem.
75
• Imagem 02
Título: Campanha publicitária para a água mineral Crystal veiculada em anúncios im-
pressos.
Autor: Carrieri
Data: 2002
Dimensões: Anúncio em revista, formato A4.
Técnica: Fotomontagem digital
Descrição: Para a ilustração do conceito de pureza, foram produzidas duas fotograas
com o uso de equipamento fotográco digital câmera fotográca formato 4 x 5 e um
back digital Sinar. Através do uso do software Photoshop, a montagem e o equilíbrio de
cores foram nalizados. A tecnologia digital produziu os efeitos desejados com rapidez e
facilidade.
76
Entrevista 03
1. Dados pessoais
• Nome: J. Henrique Lorca
• Idade: 53 anos
• Nacionalidade: brasileira
• Formação: Bacharel - Engenharia Civil – Escola Politécnica da USP
M.F.A. – Fotograa – Rochester Institute of Technology
• Prossão: fotógrafo
• Local de trabalho: São Paulo
2. Breve histórico prossional
Henrique Lorca nasceu na cidade de São Paulo. Iniciou sua carreira no estúdio de
seu pai, Germán Lorca. Trabalhou no estúdio da agência de publicidade Norton e poste-
riormente uniu-se ao pai para trabalhar com fotograa publicitária. Lecionou cursos de
fotograa na Escola Panamericana de Artes e após cursar o mestrado em Belas Artes no
Rochester Institute of Technology passou a ministrar aulas na Escola Superior de Propa-
ganda e Marketing (ESPM) e atualmente coordena os cursos da Miami Ad School em São
Paulo.
3. Quais os principais motivos que o levaram a se tornar fotógrafo pros-
sional?
No meu caso, provavelmente a proximidade com a área fotográca proporciona-
da por meu pai, um dos pioneiros da fotograa publicitária no Brasil. Desde criança
freqüentei seu estúdio, manipulando equipamentos, laboratórios e convivendo com o co-
tidiano de trabalho de um grande estúdio fotográco. na faculdade meu interesse se
manteve e ao me formar comecei a trabalhar prossionalmente com fotograa publicitá-
ria.
77
4. Como você começou a tomar contato com as novas tecnologias de foto-
graa e imagem digital?
Na década de 1980 comecei a ver o surgimento dos computadores pessoais e logo
percebi que a informática iria causar uma revolução na vida das pessoas. Também não de-
morou muito para eu começar a pensar como ela seria utilizada na fotograa. Em 1987 fui
aos Estados Unidos cursar um mestrado no Rochester Institute of Technology. Fui para
lá com o intuito de buscar conhecimento sobre tecnologias de imagem digital. Cursei dis-
ciplinas nos departamentos de Computação Gráca e Ciências da Computação e aprendi
a realizar programações de software de manipulação de imagem. Na época eu utilizava um
computador Apple II, as imagens eram quase monocromáticas. No meu retorno para o
Brasil, eu trouxe uma série de equipamentos que fui atualizando com o tempo, na medida
em que meu conhecimento se ampliava e eu realizava trabalhos cada vez mais sosticados
de criação de imagem.
5. Em que fase você usa mais os meios digitais: pré-produção, produção ou
pós-produção?
Utilizo mais o digital na etapa de pós-produção.
6. Quais os equipamentos de fotograa digital, hardware e software, que
você mais utiliza?
Utilizo diferentes backs digitais em câmeras de grande formato ou em uma Has-
selblad. Obviamente, o Photoshop está presente em toda a fase de pós-produção.
7. O que determina o uso do equipamento analógico ou digital no seu tra-
balho?
Eu tenho uma preferência pelo uso do equipamento digital. Somente trabalho
com lmes fotográcos quando uma necessidade muito grande de se ter informação
na imagem. Nesse caso, utilizarei um cromo 4 x 5 que será digitalizado.
78
8. Sob o seu ponto de vista, quais as vantagens e desvantagens econômicas
do equipamento digital?
Sob o meu ponto de vista, a tecnologia digital agregou valor ao meu trabalho,
pois há diminuição de custos de lme e revelação, menores custos operacionais, ganho de
tempo e o processo de pós-produção é cobrado à parte do cliente.
9. E sob o ponto de vista estético?
Se retirarmos da comparação as possibilidades de manipulação da imagem, que
agregam novas opções de criação, é interessante comparar uma mesma imagem captura-
da através das duas técnicas, analógica e digital, na mídia impressa. É bem provável que
o resultado hoje seja no mínimo equivalente, pois o processo gráco atual pressupõe a
digitalização de todo lme fotográco para que ele possa ser realizado.
10. No campo prossional, onde tem sentido os maiores reexos da tran-
sição da fotograa analógica para a digital?
A dinâmica do trabalho mudou muito. Hoje os fotógrafos estão cada vez mais i-
solados em seus estúdios. O cliente raramente acompanha a produção de uma fotograa.
Aos poucos o cliente vai perdendo a noção do que é uma produção fotográca complexa
e ao mesmo tempo, exige modicações muito freqüentes, pois acredita que o digital dei-
xou tudo muito mais fácil. É uma questão difícil de ser equacionada!
11. E na sua relação pessoal com a fotograa?
A minha relação pessoal com a fotograa não mudou nada, continuo o mesmo
entusiasmado de sempre!
12. Ao produzir uma fotograa utilizando-se da tecnologia digital, como se
dá o seu processo criativo?
O meu trabalho se tornou algo mais fácil e ágil. Após a criação do conceito da
imagem, os testes são feitos e eventualmente já em algum deles é possível concluir o tra-
balho.
79
13. Na sua opinião quais são as principais diferenças no processo de per-
cepção fotográca – sob a ótica do cliente ou público – entre a imagem analógica
e a imagem digital?
Sob a ótica do cliente uma desvalorização do trabalho fotográco. Perante o
mercado tudo o que é bom e diferente não é mais fotográco, e sim, obra do digital. O
cliente atualmente está um pouco perdido ao olhar fotos, ele também perdeu critérios de
análise e não sabe mais avaliar e diferenciar adequadamente bons prossionais. Para o
público em geral perceber a presença da tecnologia digital na imagem, ela precisa ter sido
manipulada de forma grotesca.
14. Historicamente a fotograa teve um vínculo muito forte com a reali-
dade. Após o surgimento da tecnologia digital você sentiu alguma mudança nessa
relação?
Acredito que o público passe a desconar mais da relação do cinema com a reali-
dade, que já era ccional, mas agora os efeitos especiais estão tão estratosféricos, que essa
desconança começa a se aproximar da fotograa. Porém, ainda acredito que a fotograa
goze de boa credibilidade.
15. As pessoas sempre tiveram uma certa desconança em relação ao con-
teúdo e a estética da foto publicitária. Após a tecnologia digital você sente que
essa sensação se modicou?
A foto publicitária sempre foi produzida com o objetivo de exaltar algo. É claro
que as pessoas sempre souberam que aquela foto foi realizada com determinado m, mas
o consumidor sempre foi permissivo a isso também.
16. Quais as suas experiências no campo da fotograa com o uso da inter-
net?
A internet tornou o meu trabalho mais rápido e permite manter um fácil contato
com um grande número de pessoas.
80
17. Você percebe alguma mudança nos formatos de uso e aplicação da ima-
gem fotográca após o surgimento da imagem digital?
O fato mais perceptível é a crescente produção de fotos sem sentido pessoal,
emocional ou de registro que rapidamente são esquecidas em um computador ou sim-
plesmente apagadas da memória dos equipamentos.
18. Considerações pessoais sobre a transição da imagem analógica para a
digital.
Eu percebo que cada vez mais fotos digitais, muitas vezes grotescamente ma-
nipuladas. Isto faz com que a fotograa perca credibilidade como veículo de comunica-
ção e como prossão.
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• Imagens cedidas para análise
• Imagem 1
Título: Society Bits – Trabalho pessoal
Autor: J.Henrique Lorca
Data: 1987
Dimensões: Formato A3.
Técnica: Fotomontagem digital
Descrição: A imagem foi produzida como parte de um trabalho de conclusão do cur-
so de Mestrado. Para sua criação foram utilizadas fotograas analógicas capturadas com
equipamento fotográco 35mm e posteriormente digitalizadas escaneadas em alta re-
solução para a realização da fusão com o fundo colorido criado com um software de
design gráco.
82
• Imagem 02
Título: Imagem publicitária para promoção da Pick-Up Silverado
Autor: J.Henrique Lorca
Data: 2002
Dimensões: Formato Outdoor – 6m x 14m.
Técnica: Fotomontagem digital
Descrição: A imagem, realizada 15 anos após a anterior, ilustra o grau de avanço tecno-
lógico a que a imagem digital foi submetida. Os dois elementos componentes da ima-
gem foram fotografados com o uso de equipamento digital câmera formato 4 x 5 e
back digital Kodak DCS-645. Inicialmente fotografou-se a paisagem e, depois, o carro
foi fotografado no estúdio. Com o auxílio do software de edição de imagens Photoshop,
realizou-se a fusão das imagens e o trabalho de equilíbrio de cores e efeitos especiais no
movimento das rodas.
83
Entrevista 04
1. Dados pessoais
• Nome: Márcio Sallowicz
• Idade: 42 anos
• Nacionalidade: brasileira
• Formação: Publicidade - ESPM
• Prossão: fotógrafo
• Local de trabalho: São Paulo
2. Breve histórico prossional
Márcio Sallowicz é natural da cidade de São Paulo. Iniciou sua carreira no estúdio
da extinta revista Manchete aos 18 anos de idade. Cursou Publicidade na Escola Su-
perior de Propaganda e Marketing. Após alguns anos de aprendizado e ofício na Editora
Bloch, estabeleceu seu estúdio de fotograa publicitária e atende empresas e agências de
publicidade de renome em suas mais variadas necessidades.
3. Quais os principais motivos que o levaram a se tornar fotógrafo pros-
sional?
Eu tive um professor na escola que me ensinou a trabalhar em um laboratório
P&B. Isso foi ao redor dos meus 14 anos de idade. Desde então eu me interessei pela foto-
graa, a ponto de fazer dela a minha prossão. Mais adiante, já na fase adulta, o processo
de construção da imagem me encantou, em especial pela rapidez com que o resultado do
seu trabalho era percebido pelas pessoas e futuramente clientes. Hoje ainda me encanto
muito com o processo de compreensão da luz que a dinâmica do trabalho fotográco
exige do fotógrafo.
84
4. Como você começou a tomar contato com as novas tecnologias de foto-
graa e imagem digital?
Eu comecei a tomar contato com a tecnologia digital ao redor de 1993, 1994.
Inicialmente eu enviava imagens minhas para serem digitalizadas e depois fazia a mani-
pulação que fosse necessária. Isso poderia ser desde uma simples limpeza da imagem até
processos de fusão mais complicados. Em 2001 eu comprei um back digital e passei a não
fotografar mais em lme.
5. Em que fase você usa mais os meios digitais: pré-produção, produção ou
pós-produção?
Eu mudei a conguração do meu processo de pré-produção, que agora é adapta-
do ao trabalho com o digital. Por exemplo, em uma produção de objetos, são menos
objetos que eu preciso ter em mãos, pois posso duplicá-los mais tarde no Photoshop.
A minha produção se tornou mais versátil, trabalho pensando em todas a variações que
acredito que serão possíveis de serem atingidas na pós-produção. A pós-produção com
todo o seu trabalho de composição, montagem, manipulação e retoque tornou-se a ima-
gem fotográca nal de fato.
6. Quais os equipamentos de fotograa digital, hardware e software, que
você mais utiliza?
Utilizo um back digital PhaseOne em câmeras de grande formato ou em uma
Hasselblad. Obviamente, o Photoshop está presente em toda a fase de pós-produção, mas
também o utilizo o C1Pro, que é o software que acompanha o PhaseOne.
7. O que determina o uso do equipamento analógico ou digital no seu tra-
balho?
Atualmente eu não utilizo mais lme fotográco.
85
8. Sob o seu ponto de vista, quais as vantagens e desvantagens econômicas
do equipamento digital?
Eu acredito que a desvantagem são os custos de investimento para se iniciar na
tecnologia digital, que são muito altos. A vantagem é a eliminação de uma série de insu-
mos e a enorme agilidade adquirida para o processo de trabalho aliada à segurança que o
digital oferece para a execução do trabalho.
9. E sob o ponto de vista estético?
Nesse ponto eu acredito que a qualidade do trabalho na fotograa cresceu larga-
mente, pois como a tecnologia digital oferece a visualização imediata daquilo que está
sendo produzido, agora uma margem de erro muito mais administrável do que antes.
Isso oferece a chance de se arriscar muito mais na criação.
10. No campo prossional, onde tem sentido os maiores reexos da tran-
sição da fotograa analógica para a digital?
Eu sinto que ainda um certo preconceito na aceitação da realização do trabalho no
formato digital, mesmo que o lme posteriormente seja digitalizado para entrar no pro-
cesso gráco. De outro lado, para aqueles que embarcaram nesse novo processo, as
produções foram valorizadas, pois cou mais fácil criar imagens que são nalizadas na
pós-produção.
11. E na sua relação pessoal com a fotograa?
A minha relação pessoal com a fotograa não mudou muito, porém acredito que
eu arquivo ou elimino muitas imagens, às vezes, sem mesmo tê-las visto.
12. Ao produzir uma fotograa utilizando-se da tecnologia digital, como se
dá o seu processo criativo?
Enquanto eu trabalhei com lme fotográco, sempre pensei em uma solução pa-
ra o trabalho que pudesse ser conseguida com um clique somente. Hoje eu penso a ima-
gem de forma fragmentada, a minha criação contempla a produção como uma etapa
intermediária do processo de criação de imagens publicitárias.
86
13. Na sua opinião quais são as principais diferenças no processo de per-
cepção fotográca – sob a ótica do cliente ou público – entre a imagem analógica
e a imagem digital?
Na minha opinião, as fotos que não aparentam manipulação são lidas como uma
fotograa no sentido tradicional da imagem fotográca. Eu acredito que o leigo em tec-
nologia fotográca leia toda imagem como fotograa, o diretor de arte ou editor de
imagens compreende o que é uma fotograa digital e lê ela como uma imagem digital.
14. Historicamente a fotograa teve um vínculo muito forte com a reali-
dade. Após o surgimento da tecnologia digital você sentiu alguma mudança nessa
relação?
Na minha percepção a fotograa ainda possui uma forte relação com a realidade.
Ainda não sinto muita mudança a respeito desse tema.
15. As pessoas sempre tiveram uma certa desconança em relação ao con-
teúdo e à estética da foto publicitária. Após a tecnologia digital você sente que esta
sensação se modicou?
Eu acredito que as pessoas, o público consumidor em geral, assumiram que a
foto publicitária é uma imagem meramente ilustrativa e dessa forma é plenamente passí-
vel de manipulação. É claro que nós prossionais não podemos ultrapassar os limites
éticos na relação com o consumidor.
16. Quais as suas experiências no campo da fotograa com o uso da inter-
net?
A internet tornou o meu trabalho mais rápido, reduziu o número de deslocamen-
tos que eu preciso fazer na cidade de São Paulo e facilitou o esclarecimento de dúvidas
durante o processo de produção fotográca.
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17. Você percebe alguma mudança nos formatos de uso e aplicação da ima-
gem fotográca após o surgimento da imagem digital?
Ainda não percebo novas formas de uso. Acredito que a internet possibilitou uma
maior divulgação dos trabalhos, porém ainda possui uma tecnologia limitada para ofere-
cer um uso completamente diferente daquilo que já conhecemos.
18. Considerações pessoais sobre a transição da imagem analógica para a
digital.
Com a chegada do digital, a minha relação com o trabalho melhorou muito, passo
muito menos estresse, pois o erro se tornou mais administrável.
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• Imagens cedidas para análise
• Imagem 1
Título: Sem nome – Trabalho Pessoal
Autor: Márcio Sallowicz
Data: 1996
Dimensões: Formato A4
Técnica: Fotomontagem digital
Descrição: O humor sempre foi uma das formas que a publicidade utilizou para atrair a
atenção das pessoas. Essa imagem, criada a partir da fusão de uma fotograa digital ob-
tida com o uso de uma câmera formato 4 x 5 e um back digital PhaseOne, e uma imagem
digital realizada com o uso do software Photoshop. Os efeitos de movimento e sombra
também foram criados sobre a imagem com o uso do programa.
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• Imagem 2
Título: Sem nome – Trabalho Pessoal
Autor: Márcio Sallowicz
Data: 2003
Dimensões: Formato A4.
Técnica: Fotomontagem digital
Descrição: Imagem criada para dar visibilidade ao conceito de produção ecologicamente
correto desenvolvido pelas Industrias Klabin. Criada através da fusão digital de uma foto-
graa (prato e embalagem) registrada digitalmente com o uso de uma câmera formato
4 x 5 e um back digital PhaseOne, com uma imagem de fundo em tonalidade verde criada
digitalmente pelo Photoshop. Os efeitos de sombra e equilíbrio de cores também foram
obtidos com o Photoshop. Para ser realizada diretamente em lmes fotográcos essa
produção precisaria ter uma innidade de tons de tecidos ou papel para compor o fundo
da imagem.
90
Entrevista 05
1. Dados pessoais
• Nome: Thales Trigo
• Idade: 56 anos
• Nacionalidade: brasileira
• Formação: Bacharel em Física – Universidade de São Paulo
Mestre em Astronomia – Universidade de São Paulo
Ph.D. – Engenharia de Sistemas - Imagem Digital – Poli-USP
• Prossão: fotógrafo
• Local de trabalho: São Paulo
2. Breve histórico prossional
Thales Trigo é natural da cidade de São Paulo. Após a sua graduação em Física,
montou um laboratório fotográco e começou a trabalhar com fotograa sem a completa
intenção de se tornar um prossional. Mas, após concluir o Mestrado em Astronomia
decidiu dedicar-se prossionalmente à fotograa. Atualmente, além do trabalho de foto-
graa publicitária, é professor de física no Cursinho Anglo e coordenador dos cursos de
bacharelado e pós-graduação em fotograa no SENAC.
3. Quais os principais motivos que o levaram a se tornar fotógrafo pros-
sional?
A minha ligação com a fotograa sempre foi a de que a imagem é uma forma de
ligação com o conhecimento sobre o mundo. O meu contato inicial com a fotograa foi
estimulado pelo meu pai, fato que me auxiliou a continuar fotografando durante a minha
graduação.
91
4. Como você começou a tomar contato com as novas tecnologias de foto-
graa e imagem digital?
Eu fui a um congresso sobre imagem digital na Inglaterra no meio da década de
1990. Lá, além de ouvir palestras sobre uma série de temas relacionados à área, eu pude
tomar contato com alguns equipamentos digitais e claramente perceber que a fotograa
se aproximaria da tecnologia digital. Resolvi investir e comprei uma câmera digital, algum
tempo depois eu comprei um back digital, que possibilitou a realização de trabalhos de
maior porte já com a tecnologia digital.
5. Em que fase você usa mais os meios digitais: pré-produção, produção ou
pós-produção?
No meu caso, a fase da pós-produção é a que demanda mais trabalho. Toda a
composição, montagem, manipulação e retoque acontecem nessa etapa.
6. Quais os equipamentos de fotograa digital, hardware e software, que
você mais utiliza?
Utilizo um back digital Sinar 44 em câmeras de grande formato ou em uma Has-
selblad. Os softwares utilizados são o Photoshop e o Photo-Retouch da Binus, que cria
pers de cor ICC e os exporta para o Photoshop.
7. O que determina o uso do equipamento analógico ou digital no seu tra-
balho?
Alguns trabalham com enorme volume de produção de imagens, eventualmente
ainda podem ter uma certa vantagem se produzidos em lme, pois o trabalho de pós-
produção irá começar posteriormente à seleção das imagens pelo cliente. Mas, prati-
camente todos os meus trabalhos prossionais já são realizados no formato digital.
8. Sob o seu ponto de vista, quais as vantagens e desvantagens econômicas
do equipamento digital?
Eu acredito que a desvantagem é o elevado os custo de investimento para se
iniciar na tecnologia digital e o tempo de aprendizado de uso dos softwares de edição
de imagem, que é muito extenso. Como vantagem a preservação do meio ambiente e
uma maior tranqüilidade na realização das produções fotográcas com a segurança que o
digital oferece para a execução do trabalho.
92
9. E sob o ponto de vista estético?
Nesse aspecto eu sinto que a tecnologia digital trouxe uma maior liberdade artís-
tica aos fotógrafos e para outros prossionais envolvidos no processo de produção da
imagem. Há uma participação coletiva no processo de criação da imagem publicitária.
10. No campo prossional, onde tem sentido os maiores reexos da tran-
sição da fotograa analógica para a digital?
Na minha experiência pessoal a tecnologia digital se impôs inicialmente através
dos trabalhos mais simples e depois fui gradualmente incorporando aos trabalhos mais
complexos. Porém, aprendi muita coisa de forma autodidata e isto possui um preço alto
que eu não recomendo.
11. E na sua relação pessoal com a fotograa?
Sou um grande entusiasta da fotograa, utilizo prossionalmente a tecnologia
digital e me mantenho no processo analógico para os meus trabalhos pessoais.
12. Ao produzir uma fotograa utilizando-se da tecnologia digital, como se
dá o seu processo criativo?
No âmbito prossional eu vejo pouca mudança, o que de fato ocorre é que na
pós-produção podemos elaborar outras características e qualidades estéticas que antes
não eram possíveis de serem desenvolvidas.
13. Na sua opinião quais são as principais diferenças no processo de per-
cepção fotográca – sob a ótica do cliente ou público – entre a imagem analógica
e a imagem digital?
Na minha opinião, não é possível detectar mudanças de percepção, pelo menos
ainda não.
93
14. Historicamente a fotograa teve um vínculo muito forte com a reali-
dade. Após o surgimento da tecnologia digital você sentiu alguma mudança nessa
relação?
Acredito que estamos começando a perceber algumas mudanças, mas ainda
muita credibilidade na verossimilhança da imagem fotográca.
15. As pessoas sempre tiveram uma certa desconança em relação ao con-
teúdo e a estética da foto publicitária. Após a tecnologia digital você sente que
essa sensação se modicou?
Eu acredito que a cultura muda muito pouco o homem. Na minha opinião o pro-
cesso de percepção das imagens está também fortemente ligado à siologia humana e que
funciona da forma que a conhecemos há pelo menos 4 milhões de anos. Na minha opin-
ião, a sucessão olhar, sentir e pensar quando nos deparamos com uma imagem continuará
a existir sem grandes mudanças. Porém, falando especicamente da foto publicitária, esse
gênero de imagem sempre foi manipulado e a fotograa nunca foi igual ao produto con-
sumido, as pessoas já possuem essa percepção ao olharem as embalagens e anúncios.
16. Quais as suas experiências no campo da fotograa com o uso da inter-
net?
A internet, sem dúvida, agilizou algumas etapas do meu trabalho, mas principal-
mente me forneceu acesso a conhecimento especíco sobre fotograa que em outro
momento da história teria levado muito tempo para eu ter acesso. Esta dinâmica ajuda no
crescimento do trabalho.
17. Você percebe alguma mudança nos formatos de uso e aplicação da ima-
gem fotográca após o surgimento da imagem digital?
Ainda não percebo novas formas de uso. Porém, percebo um crescimento enorme
na vontade de compartilhar imagens entre as pessoas.
18. Considerações pessoais sobre a transição da imagem analógica para a
digital.
Estamos ainda em um processo de intensas inovações tecnológicas e é necessário
estar atento ao que surge no mercado, em especial, dos softwares. A informática irá in-
uenciar cada vez mais as imagens.
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• Imagens cedidas para análise
• Imagem 1
Título: Sem título – Trabalho Pessoal
Autor: Thales Trigo
Data: 1992
Dimensões: 6cm x 6cm
Técnica: Captura Digital
Descrição: A fotograa foi selecionada por sugestão do fotógrafo Thales Trigo, com
o intuito de demonstrar a evolução tecnológica dos equipamentos fotográcos digitais.
Ela foi realizada com um equipamento fotográco digital Kodak oriundo das primeiras
gerações de equipamentos com o registro digital de imagem. São nítidas as restrições que
a tecnologia daquele período ainda impunha à qualidade da imagem e suas possibilidades
de aplicação e reprodução de imagem.
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• Imagem 2
Título: Sem título
Autor: Thales Trigo
Data: 2003
Dimensões: 6cm x 6cm
Técnica: Captura Digital
Descrição: A fotograa produzida dez anos após a anterior e demonstra o grau de quali-
dade de reprodução de tonalidades e cores que a imagem digital oferece atualmente. Foi
realizada com o uso de equipamento fotográco digital câmera Hassel-blad formato 6
x 6 e back digital Sinar. O grau de contraste e equilíbrio de cores foi realizado com o uso
dos softwares Photoshop e o Photo-Retouch.
96
7. Fotograa – mídia em transformação
Com base na pesquisa bibliográca, na pesquisa de campo entrevistas e na
minha experiência pessoal apresento as principais considerações a respeito das transfor-
mações que sofre a fotograa com o advento das mídias digitais.
A passagem do analógico para o digital é um processo que tende a se ampliar. Teve
início com os prossionais da fotograa que, pressionados pelo mercado, começaram a
realizar experiências. Tende a se intensicar à medida que os equipamentos se aprimoram,
que os custos de produção reduzem, devendo chegar ao consumidor comum, ao cidadão
comum, ao amador e ao grande público.
As pessoas, de um modo geral, utilizam para o novo processo os mesmos crité-
rios de avaliação adquiridos em cento e cinqüenta anos de fotograa analógica, mas os
novos princípios desconcertam prossionais, clientes e público. Há, como armou Hen-
rique Lorca, uma maior ccionalidade atribuída à fotograa e ao cinema dado o grande
uso de efeitos especiais.
De um modo geral é nos efeitos especiais que o grande público percebe o digital,
quando a imagem se aproxima ou se assemelha do analógico, o uso da nova tecnolo-
gia passa desapercebida. No entanto, essa tendência atinge mais a fotograa publicitária,
tradicionalmente relacionada com a idéia de construção de imagens.
As novas tecnologias favorecem a padronização – o uso de programas semelhan-
tes, a possibilidade de ampla divulgação pela Internet, o uso de imagens pré-produzidas
em compensação, as possibilidades de manipulação, os recursos de animação, fusão,
compressão, acabamento e edição, estimulam a criatividade. O fotógrafo se aproxima do
artista plástico para quem uma obra está sempre em processo.
Porém, houve uma aceleração no processo fotográco – produz-se mais imagens,
elas se transformam mais rapidamente e o trabalho se agiliza, mas, por outro lado, o resul-
tado parece mais efêmero. Não os prossionais, como também o público, tornam-se
menos apegados ao produto nal e mais entretidos com o processo em si mesmo. Como
disse Lorca: há um fato perceptível que é a crescente produção de fotos sem sentido pes-
soal algum, que cam esquecidas dentro de um computador. Márcio Sallowicz também
constata este processo armando que, muitas vezes, arquiva e elimina imagens, sem ao
menos, tê-las visto.
97
O trabalho do fotógrafo prossional, além de mais ágil e rápido, parece estar
se transformando também em seu processo mais complexo de produção. mais pós-
produção com o uso de programas de retoque, tratamento de imagem, acabamento e
edição.
A relação com os clientes e fornecedores também se diferencia. O fotógrafo Car-
rieri percebe um maior distanciamento entre as pessoas: a internet e a agilidade com que
se realizam modicações nos trabalhos digitais, desestimula o acompanhamento pessoal
das produções fotográcas pelos clientes. Thales Trigo arma que mais prossionais estão
envolvidos no processo, a necessidade de atuação em mais campos de conhecimento
e produção – a manipulação de programas de edição de imagem, a operação de scanners
e a preparação de arquivos para a impressão são atualmente algumas das novas funções
atribuídas à produção fotográca. Tony Genérico acredita que os clientes têm menos
critérios e compreensão do processo digital. O ritmo das transformações da tecnologia
digital é muito acelerado e frenético, são sempre muitas inovações disponíveis quase que
simultaneamente. Sem dúvida, é difícil manter uma compreensão atualizada e não super-
cial desse processo.
A dependência da tecnologia tende a ser maior, exigindo mais investimento e
obrigando os fotógrafos a um contínuo aperfeiçoamento. Como disse Thales Trigo, em-
bora o custo de produção seja menor, a necessidade de investimento é maior. Por outro
lado esse investimento não diz respeito apenas ao equipamento fotográco. É preciso
computador e câmera, impressora e diferentes programas. O produtor de imagens, assim
equipado vai se aproximando do diretor de fotograa e do videomaker.
Isso implica em que o fotógrafo prossional não é mais apenas aquele que sabe
olhar e ver, mas alguém que produz imagens e que se ana com máquinas e equipamen-
tos.
No que diz respeito às questões levantadas na parte teórica deste texto, podemos
dizer que, se o caráter indicial da fotograa era discutível, com as mídias digitais o
caráter icônico da foto se acentua. Os processos de edição se popularizam e mesmo o
grande público percebe o uso do Photoshop nas revistas e nas imagens idealizadas dos
jornais e das revistas. Em inúmeros casos, a idealização dos objetos, pessoas e lugares
apresentados nos veículos de comunicação é excessivo, provocando uma sensação de
descrédito e desconança por parte do leitor.
98
Em compensação, a fusão da fotograa com outras mídias e a mágica da ima
-
gem como representação compartilhada da realidade permanece sempre presente. Thales
Trigo constata que o advento da Internet foi um grande estímulo ao compartilhamento
de fotograas entre as pessoas fazendo com que, repentinamente, esta relação de trocas
se acentuasse.
Mas resta a pergunta, o futuro do fotógrafo será se transformar num designer,
num projetista, ou num roteirista de audiovisual? Difícil responder. Tony Genérico co-
mentou em relação à sua percepção a respeito do fotógrafo como o conhecemos até hoje.
Segundo ele a prossão perdeu prestígio. Estaria então a aura do fotógrafo ameaçada?
Estaria se dispersando entre tantas outras habilidades que é preciso desempenhar? Sem
dúvida, estamos vivendo um processo de redenição de identidade artística e prossion-
al.
Do ponto de vista da linguagem, os gêneros tradicionais da fotograa tendem a
permanecer fotojornalismo, fotograa experimental, foto de publicidade mas suas
características tendem a estar mais relacionadas à intencionalidade do autor – documenta-
ção do real, representação interpretativa do mundo à volta ou mera expressão conceitual
do que das características do processo fotográco em si mesmo. A inserção da foto nos
veículos de comunicação, a trajetória do fotógrafo, o texto elucidativo também têm, cada
vez mais, peso na percepção que o leitor tem da imagem.
Outros gêneros, entretanto, começam a surgir com a proliferação das mídias digi-
tais e da Internet fotoblogs, fotograas interativas, fotos por celular a relação interpes-
soal por meio da fotograa se expande.
Da mesma forma, novas tecnologias propiciam ao olho humano novas visibilida-
des ecograas, cintilograas, ultrassonograas tornando o olhar menos ingênuo e a
visão um processo mais complexo e abstrato. Essas novas formas de apreensão do real,
da codicação e da decodicação da realidade inuenciam a maneira como a fotograa
se apresenta como documento e como expressão subjetiva do autor. Mas trata-se de um
processo em desenvolvimento cujas conseqüências são ainda imprevisíveis.
99
Do ponto de vista estético, os fotógrafos parecem motivados a explorar as novas
possibilidades dos meios digitais os recursos de edição tendem a propor experiências
novas que, como dissemos, ultrapassam o registro do olhar e vão na direção da con-
strução e da interferência na imagem. Em alguns casos, a verossimilhança, a dedignidade
e o recorte tornam-se menos importantes do que a aptidão no uso de programas, a criação
de atmosferas. Princípios ligados ao concretismo, construtivismo, ao hiper-realismo, ao
abstracionismo, valorizando o formalismo da expressão estética, parecem predominar nos
anseios dos fotógrafos contemporâneos. Márcio Sallowicz ressalta que a tecnologia digi-
tal favoreceu a tomada de riscos criativos. Atualmente, arriscar tem um peso e um custo
menor caso algum erro aconteça durante o percurso.
Mas, num momento em que as transformações estão em processo, essas tendên-
cias podem vir a apresentar outras alternativas. O trabalho que aqui apresentamos está
longe de ser conclusivo. Trata-se apenas de um esforço de compreensão e registro de
um momento em que a fotograa se apresenta em transformação reavivando antigas
polêmicas e trazendo outras. Esperamos estar contribuindo para as discussões sobre a
imagem fotográca na atualidade e aprimorando nossa relação com essa linguagem que
escolhemos para com ela expressar nossas idéias.
100
8. Conclusão
Este trabalho pretendeu recuperar a historiograa da fotograa pautada pelas
conquistas tecnológicas como a portabilidade dos equipamentos, o lme em cores, a mas-
sicação do processo fotográco, mostrando que a tecnologia não é um fator acessório,
mas determinante daquilo que diversos autores chamam de imagem técnica, ou seja, a
imagem que só pode ser feita com o auxílio da máquina e por meio de seus comandos.
Foi a força desse pressuposto de que o desenvolvimento tecnológico é fator
preponderante na compreensão e desenvolvimento de uma cultura da imagem – que nos
levou a estudar a fotograa frente ao desenvolvimento das mídias digitais, talvez a mais
radical invenção tecnológica da contemporaneidade.
Assim, buscamos recuperar a historiograa pinçada pelos principais momentos de
transformação tecnológica, acompanhando esse processo pelo desenrolar das principais
questões losócas e críticas que o acompanharam, e que diziam respeito à credibilidade
da fotograa como forma de representação do real e os princípios estéticos que deniam
o processo fotográco.
Passamos depois à tentativa de caracterizar a imagem analógica e a imagem digital
mostrando suas diferenças enquanto processo de criação e construção da imagem, bem
como de forma de relacionamento com a realidade visível.
Focando nossa discussão, estudamos a fotograa publicitária em suas especici-
dades enquanto gênero para ir, em seguida a campo, e vericar o que pensam os pros-
sionais da fotograa publicitária a respeito das transformações do processo analógico em
digital.
Com esse percurso, pudemos perceber que o advento das mídias digitais vêm efe-
tivamente transformando o mundo da imagem e da comunicação através da imagem, vem
modicando a relação entre as pessoas e delas com a realidade e com suas formas de rep-
resentação. Pudemos perceber que essas mudanças não dizem respeito especicamente à
fotograa, mas também à maneira como ela se insere no campo da produção de imagens,
junto ao cinema, ao vídeo e à televisão. Podemos armar, portanto, que esse trabalho nos
remete a transformações mais amplas no campo da comunicação e da imagem técnica que
deverão ser estudados separadamente.
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Assim, o espaço para o qual aponta este texto diz respeito às transformações da
informática e da cibernética no mundo da comunicação visual e da produção da infor-
mação, espaço este no qual a imagem fotográca é apenas um dos elementos. Outras
imagens, outros textos, outras formas de percepção do mundo estão, igualmente, sendo
geradas pela introdução das mídias digitais como meios hegemônicos nos processos de
comunicação.
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