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MARIA DOLORES CUNHA TOLOI
Filhos do divórcio: como compreendem e
enfrentam conflitos conjugais no casamento e na
separação
DOUTORADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
2006
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MARIA DOLORES CUNHA TOLOI
Filhos do divórcio: como compreendem e
enfrentam conflitos conjugais no casamento e na
separação
Tese apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor em
Psicologia Clínica
Orientadora: Professora Doutora Rosane Mantilla de Souza
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
2006
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Banca Examinadora
_______________________________________
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_______________________________________
Para meu companheiro Carlos e meu filho André, meus cúmplices.
AGRADECIMENTOS
“Somos o produto de múltiplas conversações”
Marinés Suares, 1996
A Rosane Mantilla de Souza, pela compreensão, acompanhamento e
dedicação.
Aos meus pais, Nilton e Bernadette, pela vida, pelos valores, pela educação.
Aos meus irmãos, Bernadette, Cristina, Giselle e Nilton Jr., pelo
companheirismo e compartilhamento na vida.
Aos meus cunhados Cairo e José Antonio (Zétó), minha cunhada Paula, meus
enteados Mariana, Heitor, Rafael e Marcos, sobrinhos e neta, pela convivência
afetuosa.
As minhas tias Vera (in memoriam), Glória, Egle e Raquel e tios Daniel e
Ataliba (in memoriam), pelo acolhimento, pela compreensão, pelo suporte.
A Tereza França pelo amor, pelo carinho, pela dedicação.
Ao meu sogro Alexandre (in memoriam), pelos ensinamentos sobre dignidade
no campo jurídico.
Ao Dalmiro Bustos, Gisela Castanho e Lucila Camargo, pela acolhida, pelas
contribuições sobre intervenções psicodramáticas com adolescentes.
A Laís Amaral Rezende de Andrade e Reinaldo Amaral de Andrade, pela
amizade, pela confiança, pela oportunidade.
Ao Luiz Fernando de Barros Carvalho, Luiz Henrique Basile, Valquíria
Pereira de Souza, Ulda Bretonec e Vinciane Herck, pelos cuidados e suporte.
Aos professores Maria Amália Faller Vitale, Maria Thereza de Alencar Lima e
Flávia Arantes Hime, pelas contribuições no Exame de Qualificação.
A diretora, coordenadora de ensino e professoras da escola da zona oeste da
cidade de São Paulo, pela confiança e cooperação.
Aos queridos alunos/participantes das oitavas séries, pela experiência, pela
aprendizagem, pela calorosa receptividade.
Ao Rafael (Barretos), Milene, Abel e Fernando, pela cooperação e incentivos
do primeiro projeto “piloto” dessa pesquisa.
A Cristina Figueiredo, Edda Gonçalves Maffei, Ana Maria Palamone e Ana
Célia Roland Guedes-Pinto, pela amizade, pelo companheirismo.
A Herialde e Rachel, pela amizade e apoio.
Aos colegas da pós-graduação da PUC-SP, pela cumplicidade estimulante,
pelo compartilhamento, pela troca e apoio.
Ao CNPq que ofereceu subsídios para a realização desta pesquisa.
SUMÁRIO
Introdução
Capítulo I - Conflitos Conjugais......................................................................................12
1.1. Conflito e conjugalidade................................................................................................23
1.2. Conflito conjugal no Judiciário Brasileiro.....................................................................28
1.3. Psicologia e Direito........................................................................................................36
Capítulo II - Perspectivas das crianças e adolescentes sobre família, casamento e
separação..............................................................................................................................41
2.1. A criança e o adolescente no divórcio............................................................................48
Capítulo III - Conflitos conjugais para crianças e adolescentes...................................56
3.1. Conflitos conjugais e adolescentes.................................................................................64
Capítulo IV - Método........................................................................................................72
4.1. Participantes...................................................................................................................75
4.2. Procedimento..................................................................................................................77
4.3. Análise de resultados......................................................................................................86
Capítulo V - Resultados....................................................................................................88
5.1. Temas sobre conflitos conjugais....................................................................................89
5.2. Concepção sobre família e papéis familiares.................................................................90
5.3. Como compreendem e enfrentam conflitos conjugais.................................................120
Considerações finais..........................................................................................................147
Bibliografia........................................................................................................................155
Anexos................................................................................................................................169
RESUMO
O objetivo deste estudo é investigar como os adolescentes compreendem e
enfrentam conflitos conjugais no casamento e na separação. Quarenta e cinco estudantes,
pertencentes às camadas médias da população paulistana, entre 13 e 16 anos, participaram
da pesquisa qualitativa realizada através de quatro Sociodramas Temáticos sobre conflitos
conjugais.
Os resultados demonstram que os conflitos interparentais são identificados como
fenômenos gerados por características intrínsecas e particulares dos genitores. Os
adolescentes não identificam os aspectos interacionais e dinâmicos na construção e
manutenção das discórdias, nem mesmo nas demandas da conjugalidade. Os filhos de pais
de primeira união não conseguem identificar as dinâmicas dos relacionamentos conjugais e
conflitos, enquanto os filhos de pais separados/divorciados/segundo casamento,
discriminam estes fatores de acordo com o alto nível emocional dos confrontos
identificados por eles.
Dentre os temas eliciadores de conflitos, a questão econômica e as práticas
educacionais são os mais comuns, sendo que o aspecto financeiro permeia todas as
instâncias de escalonamento. O estilo de parentalidade, como mediador de conflitos
interparentais, e a interferência de terceiros (avó, empregada, parentes e amigos) também
são intensificadores de discórdias.
Quanto ao enfrentamento, as respostas dos participantes coincidem com as reações
da revisão apresentada por Cummings e Davies (2002), em que o ajustamento de crianças e
adolescentes pode ser observado através da atuação dos processos cognitivos e emocionais
quando eles tentam alterar o fator de estresse, causado pelos conflitos, através da solução
do problema.
ABSTRACT
The aim of this study is to investigate how adolescents comprehend and cope with
marital conflicts in marriage and separation. Fourty five students of a middle class
population of São Paulo, 13-16 years old, have participated of a qualitative research
through four Thematic Sociodramas about marital conflicts.
The results demonstrate that interparental conflicts are identified as a phenomenon
caused by intrinsic and personnel characteristics of the genitors. The adolescents do not
identify the inter-relational and dynamic aspects of constructing and maintaining the
discords not even the demands of the couple’s relationship. The first marriage sons and
daughters can not identify the dynamics of the marital relationship and conflicts while those
from separate/divorce/second marriages discriminate these factors according to the high
level of the emotional confrontation observed by them.
Among the themes initiated by conflicts, the economic features and educational
practices are the usual ones in which the financial aspects permeate all levels of escalation.
The parenting, as a mediator of interparental conflicts, and the interference of others
(grandmothers, maids, relatives and friends) also increase disagreements.
Concerning how they are coping with conflicts, the answers of the participants agree
with the adolescent’s reactions according to the review presented by Cummings and Davies
(2002) in which the adjustment of children and adolescent can be observed through their
cognitive and emotional processes when they try to alter the stress factor caused by
conflicts through problem solution.
1
INTRODUÇÃO
“Todos os criadores estão a sós até que seu amor pela criação forma um mundo ao seu redor”
Jacob Levy Moreno
Meu interesse na investigação sobre, como os filhos compreendem e enfrentam
conflitos conjugais e a separação dos pais, foi despertado em 1977 quando me tornei
bacharel em Psicologia e psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). No trabalho com crianças percebia que a intervenção clínica seria insuficiente
diante da forte influência exercida pelos pais no cotidiano de suas práticas educacionais.
Entendia que eles procuravam manter e aplicar as normas, padrões e valores culturais
vigentes sem sequer questionarem suas implicações, ou mesmo, permitirem indagações dos
filhos sobre as bases ideológicas de tais orientações. Na ocasião vivíamos sob a égide de
um forte regime militar ditatorial que não permitia qualquer contestação nos âmbitos
político e social, repercutindo assim, na família.
A falta de um “lócus” de expressão dos filhos, dentro da família, era um aspecto que
se destacava para mim, enquanto profissional, atenta às sintomatologias da infância. Diante
disto, considerei que poderia atuar de forma mais efetiva trabalhando diretamente com os
pais no sentido de poder ajudá-los a serem “melhores pais” e “bons cuidadores” para seus
filhos, sendo os conflitos na díade parental talvez um dos maiores obstáculos desse
cuidado.
Do ponto de vista da Psicologia, os primeiros estudos sobre conflitos conjugais
surgiram por volta de 1920 e apontavam para a investigação dos efeitos negativos na
criação dos filhos. Estudos sobre divórcio surgiram a partir de 1940, focalizando os efeitos
da separação dos pais misturados com as concepções sobre perda, luto, morte e ausência
paterna. Durante as décadas de 60 e 70, a incidência de divórcio cresceu drasticamente em
todos os países ocidentais, trazendo uma transformação na concepção do ideal da família
2
nuclear (pai e mãe) que iria influenciar a sociedade brasileira a partir das mudanças
ocorridas, principalmente, nos grandes centros urbanos.
Conflitos interparentais e a própria dissolução conjugal, e seus efeitos para a
família, passaram a ser os focos de atenção visto que as transformações sociais estavam
ocorrendo de maneira rápida e, conseqüentemente, o impacto nas famílias brasileiras, de
classe média, já estava se manifestando através das mudanças legais como a promulgação
da Lei do Divórcio (lei n. 6.515) em 12 de dezembro de 1977.
Considerando que a nossa cultura sempre manteve padrões familiares baseados nas
concepções do ideal de família nuclear “patriarcal” (1) com práticas hegemônicas
autoritárias e idealistas da burguesia do século XIX (2), temas sobre família surgem como
tentativas de preencher o vazio que as transformações políticas, sociais e legais estavam
deixando no âmbito dos relacionamentos. Diante das transformações ocorridas começam as
buscas de respostas para as questões sobre como as mudanças seriam absorvidas no
contexto da família de classe média brasileira e como os filhos estariam reagindo a isto. O
divórcio certamente traria, como trouxe, um novo panorama na dinâmica dos
relacionamentos familiares, principalmente, com relação ao papel da mulher, na luta pela
conquista da igualdade de gênero e nos cuidados dos filhos.
A partir dos anos 90, o paradigma da resiliência começou a ocupar um espaço
significativo na análise psicológica do contexto familiar e, acrescentou, também, uma nova
concepção na maneira de compreender e atuar com as famílias, divorciadas ou não
divorciadas. Este paradigma procura analisar os fatores e/ou processos que capacitam as
pessoas a atuarem bem a despeito das adversidades, ou mesmo criarem mecanismos e
estratégias de enfrentamento que não se manifestariam sem a crise da qual os tornam,
assim, mais capazes (Cowan, Cowan e Schulz, 1996). Neste sistema de pensamento, as
(1) Conceito elaborado por Gilberto Freyre como uma construção ideológica, constituída por traços básicos
do comportamento familiar brasileiro e questionado por Eni de Mesquita Sâmara em “Novas Imagens da
Família “À Brasileira””, 1992.
(2) Vide Jurandir Freire Costa, em “Ordem Médica e Norma Familiar”, 1979.
3
crianças e adolescentes são concebidas como tendo sua saúde mental e psicológica
associadas aos fatores de risco e proteção no contexto da convivência familiar.
O referido paradigma passou a ter influência na maneira com que comecei a atuar,
em 1995, na função de assistente técnica de Perícias Judiciais em Varas de Família do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. A maior parte da demanda de casos era, e tem
sido até hoje, de perícias psicológicas de guarda de filhos. Este trabalho me possibilitou
compreender melhor as questões relevantes ao bem estar das crianças e, trouxe ainda,
inúmeros temas sobre dissolução conjugal, conflitos, litígios e intensos antagonismos
provenientes dos processos judiciais que também passaram a integrar os aspectos de grande
interesse.
Nesse momento, mais uma vez, pude constatar a falta de um “lócus” no contexto
judicial que pudesse incluir a expressão “verdadeira” e espontânea das crianças e
adolescentes que vivem a situação de separação dos pais, pois, enquanto litigantes, eles se
engendram em disputas contínuas deixando de lado, ou mesmo desconectando das
demandas e necessidades dos filhos.
No Judiciário, a maioria dos casos de discórdias entre os pais se deve ao fato de que,
em decorrência da separação conjugal, os genitores passam a ter domicílios diferentes e a
guarda dos filhos deve ficar restrita a um deles, cabendo ao outro o direito de visitação.
Este sistema refere-se à guarda única, ou seja, um acordo de separação estabelecido, formal
ou informalmente, em que um dos pais, em geral a mãe, detém a responsabilidade, cuidado
e moradia dos filhos ficando ao outro (em geral, o pai) o direito à visitação.
Na dissolução conjugal, este tipo de acordo, associado à questão da pensão
alimentícia, daquele que detém a guarda, resulta ainda por contribuir para a cristalização de
inúmeras dificuldades e discórdias derivadas do processo de separação do casal (Martins,
1999). No Direito de Família, as concepções de ideais antigos contribuem para a
manutenção da necessidade de culpabilidade das pessoas que desejam separar-se e
estimulam, cada vez mais intensas posturas contenciosas, através da sentença judicial, ao
4
atribuírem aos pais posições antagônicas de “vencedor” e “perdedor”. Conseqüentemente,
interferindo no convívio da família durante e após a separação.
Diante de um procedimento que, de certa forma, estimula o litígio nas
separações/divórcios, o contexto familiar que poderia ter apenas tensões iniciais pertinentes
ao próprio rompimento do vínculo conjugal, acaba sendo agravado pelo posicionamento
contencioso entre as partes durante a tramitação do processo judicial de separação
(Martins, 1999). Mesmo quando, durante o período de separação, as questões entre o casal
parecem juridicamente definidas, inúmeras discórdias surgem da convivência após o
rompimento, muitas em decorrência das desigualdades atribuídas pelo sistema de guarda
única, no que diz respeito à criação e permanência com os filhos, pensão alimentícia e
visitas, intensificando os conflitos interparentais e a disfuncionalidade no convívio
familiar.
No cotidiano das famílias divorciadas, a guarda única estabelece um sistema de
convívio em que um dos pais mantém o contato diário com os filhos, enquanto o outro as
visitas quinzenais e/ou esporádicas, ocasionando uma ruptura no relacionamento entre a
prole e aquele que não detém a guarda. O esquema de visitas, em geral, tende a estabelecer
conseqüências conflitantes tanto à organização familiar quanto ao desenvolvimento das
crianças, principalmente para aquelas de tenra idade. As pesquisas na área demonstram que
a falta de envolvimento e distanciamento entre pais e filhos tem sido um dos maiores
fatores de risco causados pela separação conjugal (Wallerstein & Kelly, 1980; Gardner,
1992; Kaslow & Schwartz, 1995; Darnall, 1998; Tiet, Bird, Davies, Hoven, Cohen, Jensen
& Goodman, 1998; Cohen, Slonim, Finzi & Leichtentritt, 2002, Hetherington & Kelly,
2002).
Hetherington (1993), a partir da primeira revisão da literatura baseada em estudo
longitudinal com famílias divorciadas, assinalou que as respostas das crianças e
adolescentes ao divórcio são influenciadas pela qualidade das relações familiares na
situação pré-divórcio, pelas circunstâncias da dissolução conjugal e pelas experiências e
mudanças ocorridas no pós-separação.
5
O fator crítico relacionado à adaptação das crianças no pós-divórcio demonstra ser o
nível de conflito entre os pais. O nível e o padrão de resolução dos conflitos interparentais
tem sido considerado o maior indicador da adaptação dos filhos, mais do que o próprio
divórcio (Kline, Tschann, Jonston & Wallerstein, 1989; Crosbie-Burnett, 1991; Bauserman,
2002; Hetherington & Kelly, 2002; McIntosh, 2003).
Dentre as inúmeras pesquisas na área, Hetherington (1999) realizou um estudo com
famílias divorciadas e não divorciadas, em diferentes níveis de conflitos conjugais
(alto/baixo e encapsulado/direto), diferentes estilos de parentalidade
(instrumental/emocional) e práticas educativas (autoridade calorosa/ coerção negativa). A
pesquisadora concluiu que o alto nível de conflito em famílias não divorciadas e o divórcio
colocam crianças e adolescentes em situação de alto risco sócio-emocionais e acadêmicos
por depararem com transtornos/rupturas na parentalidade e no suporte de rede maior.
Concluiu, também, que os efeitos do divórcio e dos conflitos maritais são extensos e afetam
inúmeros aspectos do desenvolvimento infantil, devido ao alto nível de stress causado pelos
conflitos interparentais e a conseqüente disfuncionalidade no relacionamento entre os pais e
pais/filhos. Por outro lado, a manutenção do casamento com alto nível de conflito agrega as
mesmas conseqüências.
Desta forma, podemos considerar que o divórcio caracteriza um contexto específico
de situações adversas (declínio econômico, eventos estressantes, conflitos psicológico e
comportamental, problemas de saúde dos pais e condições ecológicas adversas com poucos
recursos) no ciclo vital de uma família, especialmente durante os três primeiros anos do
pós-separação (Hetherington & Kelly, 2002), porém, o nível de conflito entre os pais,
assim como, a qualidade da parentalidade são fatores de resiliência no ajustamento de
crianças e adolescentes. Os resultados obtidos demonstram evidências de que o processo
familiar (conflitos conjugais/parentais e qualidade da parentalidade) é mais importante do
que a estrutura familiar (famílias divorciadas/não divorciadas) considerando-se o
desenvolvimento de saúde ou problemas psicológicos e comportamentais em crianças e
adolescentes (Hetherington, 1999; Hetherington & Kelly, 2002).
6
Ao considerarmos os conflitos conjugais/parentais e a qualidade da parentalidade
como fatores de risco ou de proteção na adaptação de crianças e adolescentes à situação
pós-separação/divórcio, devemos assinalar o contexto judicial como espaço em que se
intensificam ou minimizam/solucionam esses conflitos, visto ser uma instância atuante no
sentido da legitimação dos direitos e obrigações nos relacionamentos entre os ex-casais e
seus filhos, interferindo, assim, nos contratos formais e informais da convivência familiar.
Um outro aspecto a ser considerado a respeito da situação das famílias brasileiras
refere-se ao fato de que vivemos efetivamente na “cultura do divórcio”. As crianças e
adolescentes, tanto de famílias separadas/divorciadas quanto de primeira união, vivenciam
o contexto do divórcio como referência no cotidiano.
Hackstaff (1999) na análise realizada sobre as características do casamento e da
ética conjugal dos anos 30 aos 70, descreve nos anos 70 o que denomina como a
emergência da “cultura do divórcio”. A autora assinala que a conjugalidade se construiu
sobre o declínio da “cultura do casamento”, entendida como um agrupamento de crenças,
símbolos e práticas, emoldurado por condições materiais que reforçavam o casamento e
impediam o divórcio. O casamento era constituído pelas crenças de que: casar é
obrigatório, o casamento é para sempre e o divórcio é o último recurso, enquanto, a “cultura
do divórcio” introduz as crenças de que: casar é opção, o casamento é contingente e o
divórcio é uma solução. Assim sendo, as crianças e adolescentes do nosso atual momento
sócio-político-econômico estão inseridas nessa cultura no convívio com suas famílias. Isto
pode ser confirmado nos estudos de Souza e Ramires (2006) em que crianças e
adolescentes brasileiros expressaram que compreendem o amor conjugal como finito, o
casamento como não sendo para sempre, o divórcio como um meio de solução de conflitos
e o pós-divórcio como o momento em que os ex-cônjuges buscarão novos parceiros.
A revisão da literatura me possibilitou constatar que alguns estudos sobre conflitos
conjugais se referem aos efeitos para os filhos, havendo poucas investigações sobre como
crianças e adolescentes compreendem estas discórdias e quais as estratégias de
7
enfrentamento utilizadas. Nesse levantamento apareceram lacunas a serem preenchidas sob
a ótica dos filhos.
A idéia de compreender as concepções dos filhos diante dos conflitos interparentais
procura dar espaço de expressão àqueles considerados, historicamente, como seres
passivos, dependentes e emudecidos, assim como, possibilitar respostas que possam ajudá-
los na comunicação e participação mais efetivas da trajetória familiar.
Em vista do relatado, o objetivo deste trabalho é compreender como os filhos de
pais de primeira união e de pais separados/divorciados compreendem os conflitos
conjugais, quais são e como evoluem os temas identificados por eles como sendo
conflituosos, como enfrentam e quais as soluções dadas às situações identificadas.
Com este estudo, acredito poder contribuir para a compreensão de um tema que
ainda é pouco pesquisado e que permite oferecer indicadores para a orientação de crianças e
adolescentes, assim como, possibilitar a promoção de uma melhor qualidade de vida
daqueles que vivenciam as adversidades e enfrentam os desafios dos relacionamentos
familiares.
Na elaboração desta pesquisa, destaco como passo inicial, as questões éticas
envolvidas no contato com os participantes. Quando iniciei a investigação sobre como os
filhos compreendem e enfrentam conflitos conjugais, com crianças e adolescentes, a
primeira preocupação foi ponderar a delicadeza da situação de contato e trabalho
considerando os aspectos de vulnerabilidade da população. Inúmeros questionamentos
foram surgindo e ao mesmo tempo as respectivas respostas serviram como norteadores do
trabalho. Como abordar, investigar de maneira profunda e fidedigna as questões pessoais e
íntimas desta população, ainda em seu processo de formação e desenvolvimento, sem correr
risco de causar dano físico, moral ou psicológico? Considerando que os filhos sofrem o
impacto e são influenciados pelos efeitos dos conflitos interparentais, como seria investigar
este contexto a partir do ponto de vista deles? Como pesquisar a maneira como
compreendem e enfrentam as discórdias sem tocar diretamente em lembranças ou marcas,
8
talvez dolorosas, das vivências familiares? Como motivá-los de tal forma que pudessem
expor as idéias, opiniões e sentimentos sem comprometer a integridade moral e
psicológica? De que maneira os participantes poderiam ser beneficiados pelo procedimento
desta pesquisa, ou seja, de que modo o procedimento poderia ser educacional ou mesmo
terapêutico?
A preocupação efetiva em proteger o público alvo na abordagem do problema,
reconhecendo as vulnerabilidades e incapacidade legal, foi o guia principal nas decisões do
estudo. Foi considerada a maneira sobre como abordar o problema podendo obter
resultados parcimoniosos, e ao mesmo tempo, a partir do levantamento das alternativas de
enfrentamento dos participantes contribuir, construtivamente, para a tomada de consciência
da questão familiar. O compromisso com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e
riscos envolveu todos os passos realizados na escolha dos participantes e construção do
método e procedimento.
A primeira decisão tomada no estudo foi determinar a faixa etária a ser abordada.
De acordo com as pesquisas levantadas, pude constatar que conflitos conjugais, separação e
casamento apresentam efeitos diversos nas diferentes faixas etárias, de acordo com a fase
de desenvolvimento cognitivo/emocional dos filhos. Os estudos demonstram que a
adolescência é a etapa em que os indivíduos apresentam menor impacto e interferência
direta dos conflitos interparentais, menor vulnerabilidade nos aspectos de desenvolvimento
emocional e cognitivo e maior clareza quanto à percepção, discriminação e expressão dos
conteúdos presenciados no cotidiano das famílias (Cummings, Zahn-Waxler e Radke-
Yarrow, 1984; Cummings, Pellegrini, Notarius e Cummings, 1989; Grych e Fincham,
1990; Cummings, Ballard e El-Sheikh, 1991; Cummings, Ballard, El-Sheikh e Lake, 1991;
Burns e Dunlo p, 2003). Desta forma, o critério estabelecido para a escolha desta faixa
etária visa garantir que os participantes tenham um processo cognitivo desenvolvido que os
capacite expressar, claramente, os conteúdos internos. Além disto, a escolha da
adolescência se justifica, também, pelo fato de que os jovens estão bem mais próximos da
infância, o que os possibilita utilizar ainda a memória vivida como criança sem, contudo,
9
sofrerem interferência de experiências amorosas pessoais na manifestação e expressão dos
conteúdos.
Um segundo aspecto de relevância foi considerado ao como investigar os conteúdos
desta população. Como detectar valores, crenças e temas familiares tentando diminuir o
impacto da dor emocional contida nas expressões a fim de garantir a preservação
psicológica e menor exposição direta das experiências pessoais. A alternativa encontrada
para a questão foi elaborar o trabalho com grupos de dramatização. O trabalho em grupo
minimiza tanto a tensão da expressão quanto do contato pessoal da entrevista individual,
assim como, possibilita a exposição dos conteúdos internos respeitando o nível de
envolvimento e adesão de cada participante.
No grupo, os jovens podem utilizar a dramatização como meio de expressão
espontânea de suas experiências/vivências/idéias/opiniões pessoais sem se sentirem
demasiadamente comprometidos com a realidade vivenciada nas próprias famílias. De
acordo com Moreno (1978), o criador do Psicodrama e Sociodrama, neste período da vida
(criança/adolescente), a qualidade dramática opera com maior frequência do que em outros.
Na dramatização, a espontaneidade (etimologia derivada do latim sponte “de livre
vontade”) permite o livre fluxo de expressão que, sob análise, em sua forma de produção e
originalidade é uma expansão ou variação da conserva cultural (3). Ao contrário à idéia de
determinismo psíquico, a espontaneidade “faz parecerem novos, frescos e flexíveis todos os
fenômenos psíquicos” (p. 153).
Neste sentido, a escolha da dramatização com grupos de adolescentes, permitiu a
maior aproximação e contato com conflitos conjugais, do ponto de vista dos filhos, sem que
fossem tocadas diretamente as feridas mais íntimas e dolorosas da vivência familiar dos
participantes. Desta forma, para melhor compreensão da abordagem teórica sobre o tema
(3)De acordo com Moreno (1978), “A conserva cultural propõe-se ser o produto acabado, e como tal, adquiriu
uma qualidade quase sagrada. Este é o resultado de uma teoria de valores geralmente aceita....propriedade do
grande público, algo de que todos podem compartilhar. Devido à sua forma permanente, é um ponto de
convergência a que podemos regressar a bel-prazer e sobre o qual pode ser assente a tradição cultural....as
conservas culturais asseguravam a continuidade de uma herança cultural” (pp. 158-159).
10
de pesquisa serão apresentados três capítulos. No capítulo inicial, Conflitos Conjugais,
apresento a noção/definição de conflito norteadora do trabalho. Os temas surgidos nesse
estudo nos dão indícios de que a complexa construção e manutenção da conjugalidade
surgem como focos de antagonismos e discórdias entre pais e pais/filhos, assim sendo,
estudos sobre Conflito e Conjugalidade, realizados com a população brasileira, são
apresentados confirmando resultados de pesquisas em outros países sobre como as
concepções, crenças, valores e expectativas dão suporte e mantém esses relacionamentos.
Uma parte sobre Conflito Conjugal no Judiciário Brasileiro nos permite reconhecer os
processos sociais, econômicos, políticos e jurídicos como fenômenos da cultura articulados
a modos coletivos de pensar, imaginar, sentir e atuar. A busca do poder Judiciário como
instância de solução de conflitos passa por modificações significativas tanto no discurso das
partes que procuram a Justiça quanto nas decisões judiciais. O histórico e os aspectos
concernentes às dissoluções conjugais, em diferentes regiões do país, na Primeira
República foram enfatizados pois representam a base dos sistemas e padrões de conduta
moral e social da família interferindo na dinâmica dos conflitos maritais. Em Psicologia e
Direito abordo alguns aspectos da intersecção entre as duas áreas no tocante aos direitos dos
filhos e a importância da abordagem psicológica no contexto de separação judicial.
No segundo capítulo, Perspectivas das crianças e adolescentes sobre família, casamento e
separação, apresento os resultados de pesquisas realizadas com a população brasileira com
relação aos temas referentes a conjugalidade, enfocando o ponto de vista dos filhos. Em A
criança e o adolescente no divórcio, apresento os resultados de estudos longitudinais com
famílias divorciadas realizados fora do Brasil e destaco como os temas sobre guarda de
filhos e desigualdades de gênero se apresentam no contexto brasileiro, interferindo na
adaptação dos filhos no pós-separação.
Finalizando, o terceiro capítulo, Conflitos conjugais para crianças e adolescentes,
apresento os principais modelos teóricos que embasam a análise do impacto das discórdias
maritais para os filhos. A descrição das principais transformações ocorridas na fase de
adolescência, assim como, os resultados das pesquisas mais recentes relativas aos efeitos
11
dos conflitos conjugais para os adolescentes dão subsídios para a análise dos
resultados/aspectos apresentados pelos participantes deste estudo.
12
Capítulo I CONFLITOS CONJUGAIS
“Os docentes não despojam de nossos conhecimentos; os médicos, de
nosso corpo; os juízes e advogados, de nossos conflitos”
Leonardo Schvarstein, 1996
A palavra “conflito”, na língua portuguesa, refere-se a “profunda falta de
entendimento entre duas ou mais partes” (Houaiss, 2004). Esse vocábulo vem do latim
“conflictus”: desacordo, choque. O termo tem sido frequentemente utilizado na Psicologia
para definir uma realidade intrapsíquica. No campo da mediação, no entanto, a noção de
conflito funciona como um “pressuposto”. O termo é utilizado para referir-se
exclusivamente aos conflitos interpessoais, ou seja, entre pessoas, entre pessoas e
organizações e entre organizações, destacando sempre o caráter relacional (Suares, 1999).
Neste sentido, esta abordagem parece bastante útil quando temos como objeto de estudo
conflitos conjugais.
Conflitos não podem ser considerados como entidades simples, nem mesmo como
conceitos, mas como processos complexos inerentes ao ser humano e ao seu convívio no
meio ambiente. Conflitos, como situações de crise, fazem parte da vida do ser em evolução.
Não podemos conhecê-los totalmente, nem predizer a sua evolução.
No campo da mediação, a concepção de conflito parte do pressuposto baseado na
teoria geral dos sistemas. Esta teoria demonstra que vivemos dentro de sistemas múltiplos,
mais ou menos complexos, em que cada sistema é composto por elementos e suas
atribuições, assim como, pelas relações entre estes elementos. Dentre os sistemas existem
interações que apresentam características especiais e estão regidas por regras semelhantes
que se atraem e outras que, por apresentarem diferenças, são antagônicas.
Para que se mantenha um sistema é necessário que seus elementos conservem as
diferenças, ou seja, as interações antagônicas pois se não existissem as diferenças os
13
elementos se confundiriam um com o outro, entrariam em fusão e o sistema desapareceria.
Por outro lado, se existissem somente as interações antagônicas o sistema entraria em
colapso e se destruiria. Desta forma, o antagonismo não é nem construtivo, nem destrutivo
em si mesmo, mas um dos elementos da evolução e como parte integral dos sistemas não
pode ser eliminado. As interações antagônicas interagem com as atrativas criando um
equilíbrio dinâmico no sistema.
Heitler (1990) ao analisar as estratégias para diagnóstico e tratamento de indivíduos,
casais e famílias considera conflito como uma situação em que são encontrados elementos
incompatíveis cujas forças se apresentam em direções opostas ou divergentes. Pruitt e
Rubin (apud Heitler, 1990) definem conflito em termos das percepções e crenças. Para eles,
conflito significa divergência de interesses ou crenças entre as partes cujas aspirações não
podem ser alcançadas simultaneamente. Assim sendo, para Heitler, os conflitos existem se
as pessoas pensam sobre eles, ou seja, as pessoas constroem, de forma cognitiva e
emocional, fatores considerados contraditórios mesmo que estes não façam parte da
situação propriamente dita. A autora enfatiza que as forças divergentes evocam tensão mas
não necessariamente hostilidade ou luta. Neste caso, o termo denota apenas que elementos
possam aparecer em oposição.
A razão pela qual os conflitos chamam a atenção dos cientistas sociais refere-se ao
seu caráter antagônico pois a palavra “conflito” nos remete a questões sobre luta,
desacordo, briga entre as partes, e conseqüentemente, a pensarmos a respeito das
alternativas de dissolução, finalização e resolução, visto que, o fenômeno pode mobilizar
muita angústia e sofrimento das partes envolvidas no processo.
O que podemos chamar de “resolução” ou “solução” tem assumido diferentes
conotações na literatura. Dentro do campo da mediação, Suares (1999) ao considerar a
complexidade do conflito, afirma que este é gerado da luta entre duas partes incompatíveis,
tais como, crenças, ações, cognições, condutas, valores, idéias, necessidades, sentimentos,
etc. Chama a atenção para o fenômeno como um “processo conflitante” em que sua co-
construção leva a idéia do gerenciamento da “condução do conflito”. A autora diferencia a
14
noção entre conflito e problema assinalando que conflitos, como processos, seguem a
lógica da evolução/involução enquanto os problemas seguem a lógica da solução/não
solução, e portanto, somente estes últimos podem ter solução. Dessa forma, processo e
solução são considerados de diferente ordem.
Ainda no campo da mediação, Souza (2003) chama a atenção para a indiferenciação
entre as concepções de conflito e violência. Em oficinas de educação para solução de
problemas, a autora assinala que nos trabalhos realizados com grupos constatou a “presença
de crenças de que conflito é sinônimo de violência”, juntamente com “as expectativas de
uma experiência de vida em que a divergência seja erradicada” (p. 111). Enfatiza que a
conseqüência disso gera nos indivíduos uma visão idealizada dos relacionamentos e
impotência diante do cotidiano. De alguma forma, essa indiferenciação predispõe o
indivíduo a um padrão de conduta rígida e reativa. Este passa a assumir uma posição
baseada na crença de que a violência esteja em seu opositor, sem considerar os aspectos
dinâmicos e interacionais dos conflitos. Este estilo de comportamento o impede de realizar
um acordo ou de desenvolver uma comunicação mais flexível, dificultando, assim, uma
possibilidade de solução.
Por outro lado, Heitler (1990) considera como resolução de conflitos, a conquista de
uma situação que possa satisfazer as condições das partes relativas às forças aparentemente
discordantes e, ao mesmo tempo, possa produzir um sentimento de finalização para os
participantes. A resolução, ao nível psicológico, ocorre quando dois ou mais elementos
aparentemente contraditórios se transformam num único elemento que passa a existir sem
contradição. A autora parte da suposição de que os princípios de resolução dos conflitos se
aplicam a todos os níveis, desde os conflitos entre nações que ameaçam o mundo até os
conflitos pessoais internos que se evidenciam no contexto privado dos sentimentos. No
entanto, estratégias de resolução de conflitos conseguem ser eficientes somente quando as
partes envolvidas desejam chegar a uma resolução o que, de certa forma, implica na
renuncia/concessão de algo, deixando de lado a posição de vencedor/perdedor.
15
Apesar dos aspectos psicológicos estarem incluídos nos diversos níveis de
relacionamento e comunicação entre os indivíduos, no campo da mediação, a ênfase sobre a
conceituação de conflito é colocada no processo interacional entre duas ou mais partes
(interação entre pessoas, entre pequenos ou grandes grupos, entre uma pessoa e um grupo)
em que predominam interações antagônicas. As pessoas em interação estão envolvidas
como seres totais em suas ações, pensamentos, afetos e discursos. Caracterizam-se por
serem processos de co-construção das partes envolvidas e algumas vezes podem ser
processos agressivos. Por serem processos complexos não podem ser contidos totalmente
dentro de uma única definição (Suares, 1999).
Uma importante característica refere-se à “co-construção entre as partes”. Isto
significa considerarmos uma participação de ambas as partes envolvidas em que a interação
entre elas vai dando forma ao conflito. Suares (1999) ressalta a importância do aspecto
repetitivo das interações na criação de uma “pauta” na qual os envolvidos tornam-se
restritos a um modo específico de interação, por onde circula o conflito. A autora afirma:
“ .....dada uma interação, esta tende a se repetir. Quando as interações são repetidas criam uma pauta de
interação e logo esta pauta de interação favorece a ocorrência daquelas interações que deram origem. As
pautas de interação restringem o aparecimento de outro tipo de interação...........O conflito é conduzido pelas
partes a partir das interações geradas entre elas, o qual leva muitas vezes a aumentar o conflito, sentindo-se as
partes “presas” às próprias interações que as geraram” (pp. 75-76).
Dentre as contribuições que as diversas abordagens em terapia familiar deram à
mediação podemos citar duas delas que melhor serviriam para a compreensão da
construção dos conflitos conjugais: as idéias sobre a construção do problema de Paul
Watzlawick (1976) e a construção do conflito como narrativa, baseada na teoria da
narrativa descrita nos trabalhos de Michael White (1994).
Watzlawick (1976) descreve dois tipos de problemas e suas diferentes formas de
encontrar soluções, denominados “dificuldades” e “crises”. As “dificuldades” ocorrem nas
situações de vida em que a aplicação de uma conduta comum, de sentido contrário àquela
da qual o problema é definido, pode parecer suficiente para que seja indicada uma solução.
16
Aplica-se um feed-back negativo ao sistema, mas não se modifica, por exemplo, numa
situação de frio devemos elevar a temperatura de um ambiente para que se transforme em
calor, assim, combatemos o frio com o calor. A solução é produto do sentido
comum/contrário, pois podemos estar tratando de uma situação de vida indesejável que
necessitamos aprender a conviver com ela. No caso das “crises”, os problemas são aqueles
em que a aplicação de uma conduta oposta pode aumentar o problema, ou seja, apesar da
intenção de obter uma solução pode-se criar um outro problema. Por exemplo, a aplicação
da “lei seca” para combater o alcoolismo originou uma série de problemas que não existiam
anteriormente como a indústria clandestina, o mercado negro de álcool e a má qualidade
dos produtos de contrabando que resultam em prejuízos à saúde da população.
A partir destes tipos de problemas, Suares (op. cit.) assinala três formas
fundamentais para abordá-los. Uma delas seria as “simplificações terríveis” em que a
pessoa empreende uma solução/ação simplificada, mas nega a realidade global do
problema. A segunda denominada “síndrome da utopia” em que a pessoa tenta solucionar o
problema por meio de uma mudança quando, do ponto de vista prático, esta não é
modificável. E a terceira denominada “pragmática paradoxal” em que a pessoa tenta uma
modificação frente a uma crise, porém, em um nível equivocado. Esta última refere-se a
muitos problemas familiares nos quais são efetivadas diversas construções paradoxais. Um
exemplo disto poderia ser quando os pais procuram manter uma conduta de não “mandar”
nos filhos, pois não querem parecer autoritários, mas por outro lado não aceitam os
comportamentos “livremente escolhidos” dos mesmos. Geralmente, estas formas de
enfoque se tornam equivocadas porque, na intenção de busca de uma solução, se toma uma
parte do sistema ao invés de considerar o sistema em sua totalidade.
Na construção do conflito como narrativa, Suares (op. cit.) baseia-se na teoria da
baseada nos trabalhos de Michael White (1994) realizados sobre “narrativas fixas” em
textos de ficção, centrados na linguagem. Nestes trabalhos, White enfatiza como os
personagens contam as historias de sua própria perspectiva considerando seus valores e a
seqüência de organização da história apresentada. Cada personagem mostra-se a seu modo
17
e pode coincidir ou não com os valores, os temas e as seqüências de organização das
narrativas dos outros personagens.
A partir dos anos 70 começam a aparecer as “narrativas em ação”. Estas não mais se
baseiam nos textos como produtos da ficção, mas em “textos ativos”, “textos vividos”. São
deixados de lado os limites entre a linguística (a língua) e a retórica (a palavra) e assim
marca-se o início das teorias pós-modernas da narrativa.
Nos textos “ativos” e “vividos” encontra-se a ação pautada por normas, regras e
códigos de acordo com a cultura em que o narrador esteja inserido. Na análise das mesmas
podemos observar as relações entre as pessoas, as normas, os mitos, as histórias da
sociedade e os contextos sobre os quais as narrativas acontecem. Os diferentes contextos
influenciam os tipos de relações que se criam e para tal, se constroem diferentes histórias.
A mesma situação pode ser contada de diferentes maneiras se o interlocutor for uma
esposa, um amigo, um juiz ou um terapeuta. Nesse sentido, no contexto dramatizado desse
estudo, os participantes construíram narrativas sobre conflitos conjugais na visão dos filhos.
Para Suares (op. cit.), as narrativas refletem o processo de construir histórias sobre
os acontecimentos de nossa vida e isto se mantém permanentemente. As construções são
sintônicas com as formas como as pessoas, os narradores, vêem a si mesmos, sintônico com
a forma como tem construído e continuam construindo seu próprio “self”.
Os conflitos ou problemas têm a estrutura das narrativas. De acordo com Suares
(op.cit.):
“......Os discursos sobre os conflitos existem numa seqüência de fatos que mantém coerência com o tema ou o
argumento principal, no qual estabelecem os papéis (localizações positivas e negativas) para as pessoas e se
baseiam em valores, os quais constituem o “marco ético” que posiciona as partes nos papéis de “bons” ou
“maus”.....” (p.194).
18
Assim sendo, as narrativas constroem também uma estrutura de interpretação que,
de certa forma, podem se sobrepor a outras, numa dada situação de conflito. Nas regras de
interpretações, as narrativas podem ser “constitutivas” e “regulativas”. As “constitutivas”
são consideradas normas particulares de cada indivíduo dentro de sua cultura, de seu
contexto, porém, consensualmente compartilhadas. Nas “regulativas” pautam as
interrelações, ou seja, se referem aos relacionamentos, e podem contribuir para a
manutenção das interações simétricas e assimétricas.
Quanto aos temas e conteúdos, em geral, se apóiam em conflitos de objetivos, de
valores, de crenças, e de princípios. Nos conflitos de objetivos as partes estão centradas
naquilo que querem, ou seja, na meta que cada uma pretende alcançar. Nos valores cada
parte justifica sua posição em um “valor diferente”, por exemplo, rentabilidade, beleza. Nas
crenças cada parte sustenta sua posição em função de um sistema de crenças (ex: igualdade
de direitos entre homens e mulheres versus a determinação biológica da maternidade) e
estas estão, na maioria das vezes, na base dos valores.
Nos princípios, as pautas são implícitas ou explícitas para a adoção de decisões, ou
seja, como um guia de conduta. A maior dificuldade encontrada nos conflitos baseados nos
princípios refere-se à falta de flexibilidade incorporada na impossibilidade de reflexão
sobre eles. A lógica do princípio torna rígida qualquer negociação do conflito visto que, por
definição, os princípios não podem ser abandonados ou modificados. Isto se deve à
concepção inicial onde os princípios originais são os religiosos e, como tal, princípios
absolutos e inquestionáveis. De certa forma, a adolescência é uma etapa do ciclo vital em
que podemos encontrar este tipo de conflito, sendo uma fase característica de pouca
flexibilidade na comunicação e revisão de princípios.
Em função do aspecto constitutivo, Barnett Pearce (apud Suares, 1999) parte da
hipótese de que os conflitos são gerados a partir da forma como lidamos com nossas
diferenças. Considera que as diferenças por si só não geram conflitos, mas estes são
construídos pelas diferentes maneiras com que lidamos com eles. Classifica os conflitos em
“disputas incompatíveis” e “conflitos morais”.
19
Nas “disputas incompatíveis”, os conflitos são gerados nos momentos em que
enfrentamos as diferenças, mantendo um acordo sobre o tema, porém, as partes
demonstram diferentes opiniões. Estes são receptivos à negociação ou mediação e, em
geral, pode haver uma resolução mutuamente satisfatória.
Nos “conflitos morais” ou “disputas morais”, os confrontos estão focados nos temas
e existe um desacordo quanto à forma de tratá-los. Pearce (apud Suares, 1999) divide-os em
dois tipos: “incomparáveis” e “incomensuráveis”. Conflitos “incomparáveis” são aqueles
em que as partes que estão tratando suas diferenças não estão em acordo sobre o que está
sendo discutido. Não se pode comparar, por exemplo, a situação na qual uma parte discute
sobre o dinheiro e outra sobre um valor atribuído a algo (atenção, amor). Conflitos
“incomensuráveis” são compatíveis quanto ao tema, porém, são incomparáveis, por
exemplo, quando as partes discutem sobre o aborto e elas se baseiam em princípios
diferentes, tornando-se impossível comparar essas posições ou mesmo chegar a um acordo.
Para o autor, “conflitos morais” não podem ser colocados em processo de negociação sem
antes fazermos algo que possa transformá-los em disputas incompatíveis.
Um outro enfoque a ser considerado refere-se ao aspecto de que os conflitos podem
se manifestar de forma verbal e física ou podem ser silenciosos e inexpressivos.
Diferentemente da mediação, na área de diagnóstico e intervenção a análise inclui os
indícios silenciosos e inexpressivos. Nos estudos desta abordagem são colocadas ênfases
na compreensão do conteúdo, impacto e padrões de comunicação dos conflitos enquanto o
processo de resolução tem recebido pouca atenção, principalmente, na literatura das
psicoterapias.
A maioria dos psicoterapeutas explora os campos comportamentais
(comportamentos observados e sintomas verbalizados), dinâmicos (motivação subjacente,
consciente/inconsciente e origens familiares) e sistêmicos (estrutura e temas relativos à
unidade familiar). Muita ênfase tem sido colocada no sintoma, processo e conteúdo. Heitler
(1990) propõe que na visão baseada no conflito, o conflito é o elemento
central/organizador do psicodiagnóstico. O processo se refere ao como os indivíduos lidam
20
com conflitos, ou seja, à seqüência de comportamentos ocorrendo no tempo e sua descrição
se focaliza nos padrões de respostas nas situações conflitantes. O conteúdo se refere aos
temas dos problemas não resolvidos que deixam as pessoas em desconforto, incluindo as
situações problemáticas, suas conseqüências e outros temas oriundos desse contexto.
Os temas podem se manifestar através dos desejos ou anseios por afetos, validação,
controle, independência, cuidados com os outros, descanso e saúde, segurança financeira,
busca de um significado ou objetivo na vida. Uma outra maneira de expressão dos temas
também pode ser manifestada através de diferentes formas de medo, como medo de falhar,
da rejeição, do abandono, da doença e da morte. O aprofundamento das noções e
conceituações subjacentes aos temas problemáticos, anseios e medos tem sido foco da
maioria das psicoterapias.
Os conteúdos também podem se apresentar através dos temas, em sua forma
estrutural, como a determinação de um espaço na vida e no sistema familiar. A distribuição
do tempo e energia para o trabalho, a família e o lazer, adicionando uma conotação
valorativa para esses aspectos, como, aproximação/distanciamento dos membros da família,
divisão do trabalho, hierarquia e controle, limites, rigidez e permeabilidade (Heitler, op.
cit.), comuns nos relacionamentos conjugais e familiares.
Um outro momento de manifestação dos conteúdos conflitantes ocorre quando as
adaptações às mudanças e transformações do ciclo vital requerem reestruturações pessoais
e familiares, tais como, a entrada de novos membros na família, mudanças/crises
previsíveis relativas ao processo de desenvolvimento (início da fase escolar de uma criança,
adolescência, envelhecimento) ou mudanças/crises não previsíveis (financeira, divórcio,
doença crônica). Essas condições podem fazer com que as pessoas se sintam em conflito
e/ou entrem em conflito com outras pessoas. Neste sentido, podemos salientar um aspecto
da condição dos participantes desse estudo que problematiza a experiência dos conflitos
conjugais. Isto se refere à questão de que todos os adolescentes vivem um momento de
crise previsível, enquanto alguns deles estão passando ou já passaram pela crise não
21
previsível de separação dos pais, sem contar outras crises não diretamente mencionadas nos
grupos, como doença crônica e/ou perdas na família.
Diferentemente do campo da mediação que consiste apenas na compreensão do
aspecto interacional, Heitler (op. cit.) estabelece uma relação entre padrões de conflito
(intrapsíquico e interpessoal) com os sintomas clínicos evidenciados. Ela considera que:
“......quando as pessoas estão em desconforto devido a sentimentos de depressão, ansiedade ou raiva, elas
respondem aos conflitos em suas vidas através de padrões específicos e previsíveis. Isto quer dizer, que certos
padrões de conflito emergem, consistentemente, em conjunção com sintomas específicos. Esta associação
entre padrões de conflito (processo) e sintomas ocorre tanto para conflitos intrapsíquico, interpessoal ou
ambos........” (p. 57).
A autora chama atenção para o fato de que o estilo de vida de alguns indivíduos
e/ou famílias parece refletir padrões de conduta de contínua tensão, turbulência e luta. Isto
ocorre em virtude da maneira como as pessoas constroem os conflitos indicando serem
mais propensas a reagirem às situações de vida com excessiva crítica com os outros, auto-
crítica, culpa com relação a outras pessoas e auto-culpa. As evidências demonstram que
quanto mais elas reagem com negatividade, irritabilidade, atitudes defensivas e egoístas
com relação aos desafios que as confrontam no dia a dia, maior a incidência de situações
conflitantes a serem construídas. Essas atitudes fazem com que outras pessoas na interação
venham a responder ao padrão, reagindo, também, de forma negativa.
Uma forma de compreensão dos padrões relativos à construção de conflitos diz
respeito às respostas dadas aos desafios cotidianos. Heitler (op. cit.) faz uma analogia com
quatro respostas primitivas (não verbais) apresentadas pelos animais diante das situações de
conflito: luta, fuga, rendição ou imobilização/congelamento. Para a autora, os seres
humanos apresentam a linguagem como uma quinta opção de resposta e, em conseqüência
disto, a possibilidade de negociarem e solucionarem os problemas. Assim sendo, falar a
respeito do dilema possibilita a abertura de um potencial amplo de soluções criando
condições que possam satisfazer às partes antagônicas do processo.
22
Nos conflitos intrapsíquicos a estratégia de resolução seria, primeiramente, uma
auto-aceitação das partes antagônicas para, assim, poder determinar um plano de
decisão/ação. Nos interpessoais, a luta, submissão, fuga (saída, escape) e imobilização
também podem ser utilizadas como estratégias, porém, podem ser funcionais ou
disfuncionais dependendo dos resultados obtidos quanto ao aumento ou prejuízo da
possibilidade de solução do problema, assim como, da melhora ou prejuízo das relações
interpessoais considerando as perdas atribuídas ao contexto. Um exemplo disto poderia ser
se observarmos que eventualmente as pessoas tentam obter o que querem através de alguma
forma de estratégia de luta. Elas insistem, reivindicam ou aumentam o tom de voz a fim de
convencer os outros a obterem o que elas querem. Essa estratégia pode se tornar
clinicamente significativa e/ou disfuncional dependendo da proporção com que as pessoas
falham na obtenção de soluções mutuamente satisfatórias.
Conflitos relacionais, inerentemente, envolvem as duas partes (intrapsíquico e
interacional). A visão que integra esses padrões mescla os sentidos dados a ambas as
instâncias. Os padrões interacionais são recíprocos quando uma pessoa pode provocar outra
e cada uma ou ambas iniciam o processo de interação. A expectativa de uma pessoa em
direção ao movimento ou conduta do outro pode ser suficiente para iniciar o padrão
relacional entre elas. Assim, a partir da ação/conduta de um lado, o outro retorna numa
ação/conduta recíproca/conhecida e vice-versa. , envolvendo a desconsideração dos
pensamentos e sentimentos dos outros, rompimento de relacionamentos, ou mesmo, injúrias
ou prejuízo moral e material de outras pessoas.
Algumas vezes o nível de intensidade ocupa uma posição de escalonamento nas
oposições das partes. Este tipo de escalonamento, dentro de um padrão cíclico, é
comumente denominada “interação luta-luta”. Uma afirmação pode começar com uma
insinuação crítica, que recebe como resposta uma réplica hostil, provocando um retorno de
raiva/culpa e finalizando com gritaria ou violência física. Este padrão tende a se repetir de
maneira cíclica sendo que a intensidade e volume das expressões tendem, também, a
aumentar.
23
Um outro padrão de escalonamento a ser considerado refere-se ao “conflito-evitado
em interação de luta”. Esse padrão também tende a aumentar na intensidade, propiciando o
aparecimento de adição e/ou um descompromisso crescente com o sistema familiar.
Caberia salientarmos o caráter dinâmico e mutável dos padrões de conflitos em que
uma determinada estratégia pode ser modificada ou substituída por outra em diferentes
momentos. Um conflito constituído num processo de escalonamento de brigas e discussões
pode atingir um determinado ponto em que um, ou ambos participantes, escolhe se
desconectar da interação. Nesse ponto, podem vivenciar um padrão viciado estabelecendo
uma guerra fria (imobilização mútua). Eles podem mudar a posição de dominação-
submissão com um dos participantes se rendendo, evitar o tema por um período de tempo,
ou mesmo optar por um processo cooperativo, na tentativa de encontrarem uma solução
mutuamente satisfatória para o problema.
Em alguns momentos o mesmo padrão disfuncional, ou uma série de padrões, pode
se repetir por um longo período no tempo. Em outros casos, um determinado padrão é
predominante por um período para uma pessoa, ou um casal, e pode ser mudado para outro
padrão num período subseqüente. Um casal pode passar meses ou anos num clima de
tensão crescente, seguido por períodos de brigas contínuas e finalizar num episódio de
completo desinteresse entre ambos.
1.1. Conflito e Conjugalidade
Conflitos conjugais são processos referentes às perturbações ou mudanças no
sistema de interação conjugal que podem ser provocadas por transformações ou crises no
ciclo da relação entre um casal. O equilíbrio existente no início do relacionamento conjugal
é rompido e, geralmente, sentido como angustiante, ameaçador ou como um sinal de algo
novo.
24
Conflitos e crises conjugais são geralmente utilizados, na linguagem comum, como
sinônimos, porém, apresentam distintas conotações. Uma crise na conjugalidade pode ser
percebida e vivenciada como um momento de transição entre um antigo estado de relativa
estabilidade e a busca de um novo equilíbrio. Como já vimos anteriormente, conflitos,
como crises, fazem parte da vida do ser em evolução, no entanto, crises se referem a, um ou
diversos, momentos específicos de um relacionamento enquanto conflitos
(intrapsíquicos/interacionais) podem emergir, mais intensamente, ou mesmo induzir os
momentos de crise.
Conflitos conjugais podem ser analisados a partir de como estes se configuram na
conjugalidade, ou seja, na expressão e comunicação dos anseios, expectativas, valores,
intenções individuais, de como os indivíduos compreendem e vivenciam as concepções de
amor, família, casamento e como atuam essas concepções no cotidiano das relações.
Souza e Ramires (2006) assinalam que a concepção do amor romântico ocupa o
papel central no imaginário amoroso nas relações de conjugalidade na cultura ocidental. Ao
mencionarem as transformações no conceito de família no Brasil, a partir da nova
Constituição (1988), afirmam:
“Se as mudanças legais apontam na direção da cristalização de algumas transformações, no plano da
subjetivação e no dia a dia dos relacionamentos é difícil antever os ideais igualitários de relacionamento como
uma transição definida. O que parece ocorrer nos relacionamentos amorosos e conjugais é a busca idealizada
tanto do amor romântico, da cara metade ou alma gêmea, os quais caracterizam relações com pouco ou
nenhum potencial de ajuste, mudança ou transformação, quanto de relações igualitárias, que vão se
construindo ao longo do ciclo de vida adulta que se prolonga cada vez mais, tornando a compatibilidade de
projetos de vida no relacionamento conjugal um árduo esforço de mudança e negociação....” (p. 78)
O complexo emocional de crenças, valores, sensações e sentimentos, incluídos nas
expectativas de realizações individuais, indicam a coexistência de ideais, identidades e
normas contraditórias nos sujeitos, e consequentemente, na expressão de orientações
diferentes e contraditórias das subjetividades dentro da conjugalidade. Esse conjunto de
diferentes expectativas de realizações individuais passa a.permear as relações conjugais
25
numa tal complexidade que interfere nas interações e implementações dos projetos pessoais
e comuns ao casal através de intensos processos projetivos de atuação.
Diante de tal complexidade, uma maneira de compreendermos os conflitos na
conjugalidade seria considerarmos algumas questões referentes ao como se iniciam os
relacionamentos conjugais, a própria escolha amorosa dos parceiros, e aos fatores que
influenciam a manutenção de um relacionamento cooperativo e, portanto, mais duradouro.
Féres-Carneiro (1997) em estudo sobre o processo de escolha amorosa nos
relacionamentos entre homens e mulheres hetero e homossexuais nas camadas médias da
população carioca assinala que os homens e mulheres heterossexuais valorizam as mesmas
qualidades em seus parceiros, tais como, fidelidade, integridade, carinho e paixão, porém,
nas escolhas de parceiros apareceram diferenças de gênero significativas, quanto aos
atributos considerados preferenciais.
Nos resultados obtidos no estudo, as mulheres heterossexuais demonstraram um
nível alto de exigência com relação à escolha dos parceiros e houve uma preferência aos
atributos competência profissional e capacidade econômica como critérios de escolha. A autora
considera que competência profissional, ambição e capacidade profissional são características
culturalmente identificadas como masculinas, determinando uma certa dependência das
mulheres de seus parceiros. Com relação aos homens, os atributos jovem e fisicamente atraente
foram considerados significativamente mais importantes nas escolhas das parceiras, em
variadas condições amorosas (namoro, casamento e coabitação estável). Estes resultados
confirmam o estudo, realizado por Buss (apud Féres-Carneiro, 1997), referente a 37
culturas diferentes, e outros estudos, principalmente nos Estados Unidos, em que os
investigadores focalizaram as escolhas para fins de casamento ou um tipo de relação mais
duradoura (Buss; Buss & Barnes, apud Feres-Carneiro, 1997). O atributo fidelidade foi o
mais valorizado pelos homens heterossexuais, sendo também muito valorizado pelas
mulheres hetero e homossexuais, e não escolhidos pelos homens homossexuais.
26
Hetherington e Kelly (2002) ao descreverem os motivos de insatisfação nos
relacionamentos conjugais enfatizam que os conflitos nem sempre são bons preditores de
separação. Assinalam que homens e mulheres dão diferentes significados para as questões
da conjugalidade, sendo que, para as mulheres a intimidade implica em ternura e
afetividade enquanto para os homens em prover ou simplesmente estar.
Os autores consideram as diferenças de gênero na maneira com que homens e
mulheres expressam e avaliam as questões referentes a emoções e comunicação; sexo e
fidelidade; trabalho e dinheiro; o tolerável e o intolerável no relacionamento, além do fato
de que o nível de satisfação conjugal muda através do tempo para um mesmo
relacionamento. Identificam cinco tipos de casamentos baseados nas distintas maneiras com
que os casais expressam as emoções, solucionam os problemas, se comunicam e lidam com
as tarefas domésticas. Enfatizam que dentre os padrões de conjugalidade avaliados, os tipos
casamento com individuação e coesão e o casamento tradicional são os menos propensos à
separação. O casamento com individuação/coesão refere-se ao ideal de casamento no mundo
ocidental, onde existe equilíbrio entre individualidade e conjugalidade. Neste tipo, os
cônjuges encontram espaço para desenvolver autonomia, individualidade, realização, auto-
expressão e só terminam quando o individual se torna mais importante do que o conjugal. O
tipo casamento tradicional apresenta um padrão de relacionamento em que ambos os cônjuges
vivenciam os papéis de gênero de forma tradicional harmoniosamente, ou seja, o homem
provedor e a mulher cuidadora, sendo que a mudança ameaça a conjugalidade.
Dentre os tipos mais propensos à separação estão: casamento aproximação-
distanciamento; casamento desengajado e casamento explosivo (emocional). No casamento aproximação-
distanciamento, a mulher valoriza a comunicação e intimidade, procurando confrontar e
discutir problemas e sentimentos, enquanto o homem valoriza o estoicismo, se mantém
reticente emocionalmente, controlado e prefere evitar o confronto e a discórdia, assumindo
um papel mais distante. No casamento desengajado, os relacionamentos não apresentam
representações de gênero, porém os cônjuges demonstram ser similares. Este tipo
normalmente une dois indivíduos auto-suficientes que tem medo ou não necessitam
intimidade para atingir o senso de bem estar. Alguns casamentos desse tipo são realizados
27
por conveniência, ou seja, o casal não quer intimidade ou companhia mas ambos querem
filhos, status e privilégios que a união conjugal pode prover. Finalmente, o casamento
explosivo, apesar dos cônjuges apresentarem diferenças na representação de gênero estes
aspectos são superados pela alta ativação emocional do casal. Nesse tipo, homens e
mulheres procuram sensações fortes e são emocionalmente voláteis. Um ambiente
harmonioso e plácido os deixa entediados, em função disto ambos procuram os extremos,
incluindo intensas brigas e atividade sexual. Normalmente terminam quando a satisfação
sexual não compensa a constância do conflito.
Norgren, Souza, Kaslow, Hammerschmidt e Sharlin (2004) ao identificarem os
processos e variáveis associadas à satisfação conjugal em casamentos de longa duração
(mais de 20 anos) notaram que tanto os cônjuges satisfeitos quanto os insatisfeitos (homens
e mulheres) assinalaram o amor como motivo para permanecerem na relação, confirmando o
valor dado ao amor romântico na cultura ocidental atual. Porém, no casamento como uma
construção conjunta da realidade, as variáveis interpessoais que apareceram como
importantes para que fossem satisfatórios estariam incluídos o consenso, a resolução de conflito,
a comunicação e a flexibilidade. Quanto às variáveis circunstanciais estariam a satisfação com o
status sócio-econômico e parceiros praticantes de crença religiosa.
A partir dos estudos relatados, podemos considerar a paixão, fidelidade, integridade
e carinho como critérios significativos das escolhas iniciais dos parceiros na vida conjugal
(Féres-Carneiro, 1997), o amor, como primeiro atributo de escolha nas justificativas de
permanência duradoura do casamento e satisfação conjugal (Norgren, Souza, Kaslow,
Hammerschmidt e Sharlin, 2004), o casamento tipo tradicional e casamento tipo
individuação/coesão como referências de padrões de conjugalidade menos propensos a
separação (Hetherington e Kelly, 2002), porém, os componentes que asseguram uma
qualidade mais satisfatória, de vida a dois, referem-se aos recursos pessoais
utilizados/desenvolvidos no processo de interação do casal relativos à resolução de
conflitos e de problemas conjugais.
28
Esses fatores indicam que, a partir dos aspectos de escolha inicial dos parceiros a
preservação satisfatória dos relacionamentos, e conseqüentemente da qualidade de vida
individual e conjugal, está intimamente relacionada com a maneira como os casais lidam
nas diferentes perspectivas dos conflitos no dia a dia.
No entanto, nem todos os casais que vivenciam um relacionamento insatisfatório,
com alto nível de conflito, chegam à separação. Porém, aqueles que decidem separar-se
podem passar a utilizar a instância legal/jurídica na dissolução da conjugalidade ou até
mesmo na expectativa de resolução dos conflitos no pós-separação. Da mesma forma com
que os casais vivenciam diferentes níveis e intensidade de conflitos (alto/baixo,
aberto/encapsulado) no cotidiano, alguns incluem os aspectos legais nas discórdias como
instrumento de solução ou intensificação dos confrontos, transformando o Judiciário no
espaço de atuação dos conflitos conjugais.
1.2. Conflito Conjugal no Judiciário Brasileiro
A história dos conflitos conjugais no Judiciário está vinculada à compreensão do
divórcio para a família brasileira. A contextualização do divórcio requer um pouco do
entendimento sobre os valores/condutas morais implícitos aos grupos sociais em diferentes
momentos da história da família, assim como, da dissolução dos vínculos de casamento.
Na sociedade brasileira, o fenômeno do distrato conjugal apresenta, do ponto de vista
social e relacional, determinadas significações de acordo com suas especificidades,
variantes em diferentes regiões do país.
No início de século passado, os distratos de casamento eram comportamentos
incomuns que não representavam unicamente a dissolução de um vínculo conjugal nem tão
pouco um significado apenas legal. Os distratos refletiam, e refletem até hoje, na esfera
social os aspectos de dominação e de conflitos dentro da família que acabam assumindo
especificidades no tempo e no espaço, inseridas nos grupos sociais.
29
No Brasil, a organização do divórcio, assim como do casamento, deu-se da
mesma forma que em Portugal, através do direito canônico (Samara, 1983; Oliveira, 1999).
Posteriormente, a regulamentação por parte da Igreja cobria as questões referentes à
anulação do matrimônio e a separação foi efetivada por decreto imperial de 3 de novembro
de 1827, enunciadas na Constituição do Arcebispado da Bahia (Samara, 1983; 1992).
O processo de divórcio mais antigo que se tem conhecimento no Brasil, datado de
1700 em São Paulo, faz parte do acervo da Cúria Metropolitana. Antes da Proclamação da
República a separação judicial ou processo de divórcio era de competência do Tribunal
Eclesiástico. Durante o período colonial as questões dos casais que desejassem se separar
legitimamente era assunto exclusivo da Igreja, ou seja, as decisões e sentenças de
separação corriam por conta da Justiça Eclesiástica.
A partir do regime republicano (1890 1930) o governo Provisório baixou o
decreto-lei 181 de 24 de janeiro de 1890, incorporado à Constituição Federal de 1891, em
que estabeleceu ser o Estado, através do Tribunal de Justiça, o fórum legítimo para união e
separação de casais. Na ocasião, o Ministério da Justiça comunicou aos governos federados
que os juízes de paz passariam a ter competência para nomear escrivãos e que seriam
responsáveis pelo cumprimento do dispositivo legal que obrigaria a realização do
casamento civil antes da cerimônia religiosa (Oliveira, 1999). De acordo com Azevedo
(1961):
“Sendo o casamento civil, no Brasil, por força da Constituição Federal e do Código Civil monogâmico e
indissolúvel, não existe no País o divórcio a vínculo. O regime republicano tentou introduzi-lo mas opoz-se-
lhe a resistência dos constitucionalistas, da Igreja e de grande parte da opinião pública......Em logar do
divórcio total foi introduzido, por uma lei de 24 de janeiro de 1890, incorporada à Constituição Federal de
1891 e às seguintes, a separação legal ou divórcio a mensa et thoro, que não dissolve os laços matrimoniais
mas desobriga os cônjuges da obrigação da vida em conjunto. Esse instituto, a princípio denominado
“divórcio” e assim referido nos documentos judiciais e censitários, é chamado “desquite”...” (p. 233).
Na Primeira República o que importava no ato de separação conjugal, na decisão
do Estado, era regular a divisão do patrimônio e a tutela dos filhos. Nessa época, se tem
conhecimento de que em São Paulo começaram a surgir os processos encaminhados ao
30
Tribunal de Justiça Civil que poderiam ser movidos pelos cônjuges tanto por ações
litigiosas quanto amigáveis. Apesar do aparecimento dessas ações, os laços do matrimônio
se mantinham indissolúveis devido às pressões da Igreja Católica, sendo que, a dissolução
do casamento ocorria apenas com relação à separação dos bens do casal e da vida comum,
não permitindo um segundo casamento.
Os tipos de família, as relações de parentesco, as regras de casamento, assim
como, de divórcio relacionavam-se muito estreitamente com os esquemas de estratificação
social. A intromissão do Estado no espaço privado se manifestou de maneiras distintas nas
diferentes classes sociais dependendo dos interesses envolvidos e das características sócio -
econômicas na ocupação de diferentes regiões geográficas do país. Em São Paulo, por
exemplo, devido ao intenso crescimento econômico e demográfico, ocasionado pelo
desenvolvimento dirigido ao processo de urbanização, a dissolução dos matrimônios
ocorreu tanto para os escravos quanto para as pessoas provenientes de tradicionais famílias
paulistanas. As características apresentadas demonstravam especificidades oriundas do
processo de urbanização.
Nos processos da elite paulistana, o aspecto central dos pedidos de divórcio
era a questão da propriedade que poderia estar em risco ao ser dividida entre os cônjuges.
Os parentes eram convocados a agir como unidade corporativa para manutenção do
patrimônio familiar e, em geral os homens, eram convocados a afirmar a adequação de
cada um dos cônjuges nas condutas e comportamentos mais ou menos idealizados do casal
demonstrando como poderiam ser bons maridos e esposas. Neste setor da sociedade,
prevalecia a “família patriarcal” na manutenção do status e prestígio social (Souza, 1992).
Aqui, a solidariedade e o regime de poder das famílias se estruturavam em torno de um
membro mais velho da família, a quem os demais membros consultavam a respeito das
questões conjugais e prestavam deferências (Azevedo, 1961).
Nas dissoluções de casamento a questão subjacente, contida nos autos, seria
analisar sob que condições o chefe de família poderia perder a metade de seus bens e/ou se
a mulher seria capaz de administrá-los. Caso a mulher tivesse interesse em ser portadora
31
dos bens do casal, isto se justificaria se pudesse comprovar que o marido não tinha sido um
bom representante da família ou, até mesmo, se a fortuna familiar poderia estar correndo
risco nas mãos de um homem que, através de uma relação extraconjugal, estaria doando as
propriedades do casal às concubinas ou lesando a herança dos filhos legítimos. Este tipo de
risco teria o peso de conceder, à mulher, o divórcio. Mesmo assim, eram raros os casos em
que era concedido.
Nos casos de conflitos entre os casais resultantes de maus tratos físicos por
parte dos maridos, estes apresentavam testemunhas que negavam terem visto qualquer tipo
de violência e afirmavam que os homens nunca teriam sido capazes deste ato. As
principais testemunhas das mulheres eram, geralmente, os criados que presenciavam cenas
do cotidiano doméstico, porém, seus depoimentos eram sistematicamente desqualificados
ou mesmo destruídos pela parte contrária.
Souza (1992) acrescenta que, entre a população de imigrantes, era maior o
número de casamentos civis e, conseqüentemente, divórcios realizados numa época em que
as uniões oficiais eram raras nas classes populares. Porém, este fenômeno ocorria como
forma de fazer com que os imigrantes pudessem legalizar situações de uniões e separações
como um direito inerente à cidadania, independente da situação social da classe a que
pertencessem. Para esta população, a questão central nos processos de separação era a
sobrevivência com procedimentos relativos à dependência do imigrante da família extensa
e da rede de vizinhança.
Os conflitos familiares apresentados eram caracterizados pelas tensões relativas
ao desemprego, à precariedade de salários e à falta de perspectiva do proletariado. As
crises dos valores patriarcais foram desafiadas pelo trabalho feminino, pela divisão de
tarefas do papel de provedor entre os membros da família e pela saída da mulher do espaço
doméstico (Azevedo, 1961; Souza, 1992).
Nas denúncias de violência doméstica, diversamente ao modo como ocorriam
com as elites, eram apresentadas várias testemunhas, como amigos e vizinhos, descrevendo
32
cenas minuciosas do cotidiano nos lares. Existia um clima de solidariedade dos amigos e
vizinhos que acompanhavam o casal e os depoimentos eram representações da comunidade
sobre quais seriam os papéis adequados ao marido e à mulher (Azevedo, 1961; Souza,
1992). As petições apresentadas em juízo também diferiam das apresentadas pelas elites.
Eram petições em que não apareciam os jargões jurídicos mas apresentavam as questões
banais do dia a dia das pessoas, formuladas e descritas concretamente (Souza, 1992).
Na cidade de Salvador (Bahia), Oliveira (1999) demonstra que o contexto de
dissolução de matrimônios apresentava características distintas. Apenas uma parcela da
população interessava-se pelo casamento formal e, conseqüentemente, pela dissolução
deste. O comércio fez surgir a oligarquia financeira, formada por portugueses, e que se
mantinha antagônica às camadas pobres da sociedade nos diversos espaços públicos e
privados. Constatou-se, assim, o divórcio como conduta das camadas médias e altas da
sociedade. Os casamentos eram raros e aqueles que se separavam eram indivíduos
influentes, de prestígio e de poder, ou seja, pessoas emergentes socialmente, os
funcionários do Estado ou os profissionais liberais. Casar ou cumprir qualquer uma das
normas legais significava estabelecer-se socialmente. Os casamentos de descendentes de
escravos eram firmados como estratégias de adquirir status social.
A dissolução conjugal era uma maneira com que as mulheres poderiam
questionar o autoritarismo masculino, porém, mesmo com os distratos a hegemonia
masculina se mantinha através do controle dos bens do casal e da guarda dos filhos.
As questões sobre agressões domésticas assumiam diferentes interpretações
conforme a posição social dos litigantes. As agressões físicas poderiam ser graves para os
indivíduos de posse ou com escolaridade, porém, para as pessoas pobres a gravidade só
ocorria se fossem constantes. Na maioria dos casos, os processos de dissolução conjugal
eram consensuais camuflando o verdadeiro motivo do conflito. De certa forma, os conflitos
domésticos eram resguardados pela aparente consensualidade dos casais.
33
Quanto aos bens e guarda de filhos, os motivos que poderiam levar à separação
dos casais na Primeira República seriam provavelmente os mesmos que levam os casais
aos Tribunais nos dias de hoje, porém, as argumentações que indicavam as razões da
separação e a maneira como os distratos de casamento ocorriam tanto nos Tribunais
Eclesiásticos quanto de Justiça seguiam os padrões de resolução conforme as relações de
poder econômico, social e moral vigente.
Os Tribunais de Justiça Civil e Eclesiástica de São Paulo demonstravam
aspectos mais relacionados com a questão da igualdade entre os cônjuges. Nesses casos,
desde que houvesse estabelecido o regime de comunhão de bens a mulher poderia recorrer
caso a divisão do patrimônio do casal tivesse sido injusta e não igualitária. Os processos
analisados, da época, demonstravam que a divisão do patrimônio deveria ser eqüitativa
(Samara, 1983).
Neste sentido, pode-se averiguar uma maior preocupação com a posição da
mulher após a separação e, especialmente, os filhos legítimos menores que tinham seus
direitos assegurados. A tutela dos filhos sempre ficava assegurada ao pai, com exceção das
crianças pequenas em fase de amamentação. Caberia ao homem a obrigação de alimentos e
educação da prole, desde que este tivesse condições econômicas para tal, enquanto à mãe
caberia criá-los. No caso da mãe ter melhores condições econômicas, a quantia referente à
contribuição do pai poderia ser determinada pelo Juiz de Menores.
No final do século XIX, os documentos analisados por Sâmara (op. cit.)
demonstram que a guarda dos filhos era decidida pelo casal, nos casos de mútuo
consentimento, nem sempre todos os filhos ficavam sob a guarda do pai ou da mãe. Nesta
época, começam a surgir os casos em que quando a guarda era concedida à mãe caberia ao
pai o pagamento de uma pensão mensal, sendo que o marido deveria continuar mantendo a
mulher e os filhos que permanecessem em sua companhia.
Quanto à cidade de Salvador, os documentos analisados (Oliveira, 1999)
demonstram que nas separações, as mulheres voltavam a morar com a mãe e irmãos e não
34
foram encontrados registros de esposas que saíam da casa do marido para viverem
sozinhas.
Nos aspectos referentes às desigualdades de gênero, a mulher começa a ter o
caráter de demonstrar a não aceitação da submissão e resignação feminina. No divórcio,
como instrumento legal, reconhecido e aceito socialmente ela começa a “impor” seus
direitos.
A soberania masculina também se fazia presente nas questões referentes à herança
dos casais divorciados. Em casos de morte da mulher, mesmo depois de divorciada por
sentença, o ex-marido acabava assumindo a função de inventariante e herdando os bens
deixados pela falecida em situações em que o casal não tinha filhos. Por outro lado, quando
ocorria o falecimento do marido o filho/homem mais velho do casal se apresentava como
inventariante sem que a mulher pudesse ter acesso ao processo ou mesmo bens do ex-casal.
De acordo com Oliveira (1999):
“.....as representações de poder masculino eram muito maiores do que aquele definido pela lei, ou seja, o
poder de gerir bens e negócios, de escolher o domicílio da família e de impor obediência, algumas vezes, é
vivido pela via da violência física e moral, exercida por alguns homens contra suas mulheres e filhos” (p.
128).
A guarda dos filhos era mantida pelo pai como figura centralizadora do
domínio familiar. Ser o chefe da família parecia ir além da administração dos bens do
casal, mas também como provedor, o exemplo moral, a guarda, a proteção e educação dos
filhos. A figura feminina aparecia sempre vivificada e valorizada como uma figura
“santificada”, porém, quando se tratava de divórcio os filhos ficavam com o pai pela razão
de serem responsáveis por administrar os bens dos menores. Neste contexto nenhuma
referência era feita com relação aos reais interesses dos filhos, ou melhor, as necessidades
da prole limitavam-se aos interesses de herança, patrimônio e criação dentro dos padrões
religiosos e morais da época.
No início do século XX, os conflitos familiares e as tensões conjugais foram
adquirindo uma formatação socialmente aceitável. As resoluções pós-separação seguiam os
35
padrões de condutas morais vigentes para cada grupo social. Os conflitos conjugais não
eram considerados nos aspectos psicológicos, tanto para os cônjuges quanto para os filhos,
mas sim na ênfase de seus efeitos sociais e econômicos.
Os distratos de casamento sempre apresentaram distintos posicionamentos e
significados dos papéis masculinos e femininos no contexto familiar. No Brasil, os
procedimentos e decisões judiciais caminharam em direção às expectativas dos papéis
sociais decorrentes do processo de ocupação dos grupos no solo urbano e do
desenvolvimento social e econômico da região. Em São Paulo, as famílias e os distratos
matrimoniais seguiram em direção a um padrão nuclear de constituição familiar, enquanto
em Salvador, podemos observar características mais marcantes relativas ao conceito
genérico de “família patriarcal” semelhante ao apresentado pelas elites paulistanas.
Desde a Primeira República aos dias de hoje, inúmeras transformações
ocorreram quanto aos direitos da mulher, e em alguns aspectos dos filhos, o que não
implica necessariamente em uma modificação nos códigos dos relacionamentos familiares.
No que concerne à situação dos filhos, atualmente, aqueles que buscam o poder
judiciário para resolução da conjugalidade acabam encontrando inúmeros entraves na
situação pós-separação pois o posicionamento legal das decisões jurídicas, mesclados com
os procedimentos específicos de atuação nesta instância, coloca na figura do juiz o poder
central e decisório de um contexto extremamente complexo que ultrapassa o caráter
profissional e humanista na compreensão da família. Além das decisões sobre divisão de
bens e pensão alimentícia, aparentemente não tão significativa para os filhos, a grande
questão de conflito acaba convergindo para a guarda dos filhos.
No Judiciário, a família, reconhecida como um instituto natural, mas
essencialmente cultural, encontra-se diante de dois desafios: dos limites de intervenção do
Estado na vida privada e da subjetividade jurídica. De acordo com Pereira (2003)
compreender o funcionamento das estruturas psíquicas é compreender também a estrutura
do litígio conjugal na busca do poder judiciário, como órgão regulador no exercício das
36
práticas das funções familiares, considerando o afeto, norteador e condutor da organização
jurídica do Direito de Família. Diante disto, a articulação entre as práticas jurídicas com os
conhecimentos da área psicológica compõe um procedimento de compreensão e ajuda aos
filhos cujas famílias estão envolvidas em ações de guarda e/ou outros litígios judiciais.
1.3. Psicologia e Direito
No âmbito familiar, as questões domésticas estão, historicamente, pautadas pela
posição do Estado frente aos direitos humanos, pela história do Direito de Família e pelas
modificações dos parâmetros utilizados pelas mulheres e crianças no sentido de galgarem
espaços jurídicos na igualdade e inclusão.
A posição da criança e do adolescente no Brasil, a partir da Constituição de 1988,
incorpora os ideais trazidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, declarados e
reconhecidos pela Assembléia Geral da ONU em 1948. Nesse documento prevalece o
reconhecimento constitucional da criança e do adolescente como titulares de Direitos
Fundamentais e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. Como princípio, o
“melhor interesse” dos filhos se apresenta em nosso sistema jurídico com seus próprios
indicadores.
Diante disto, o poder Judiciário reflete a preocupação em favorecer os interesses do
menor de idade principalmente no âmbito familiar. O desafio na implementação de ações
que possam refletir as efetivas mudanças na cultura do atendimento à população infanto-
juvenil busca incessantemente norteadores a fim de que seja possível colocar em prática o:
1) assumir, definitivamente, a criança e o adolescente como “sujeitos de direitos”; e 2)
promover a implementação do princípio do “melhor interesse” (Pereira, 2000; Miranda
Júnior, 2000).
No Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA Lei nº 8.069/90) o Estado passa a
delegar funções à comunidade no sentido de responsabilizar a participação no trabalho com
37
a infância e a juventude. O E.C.A. acentuou a importância da família, das instituições e da
comunidade como responsáveis pela formação destes indivíduos (Miranda Júnior, 2000).
De certa forma, esse Estatuto (E.C.A) passou a garantir a execução dos direitos da
criança, porém, de difícil aplicabilidade devido ao fato dela ser por um lado considerada
como o adulto, ou seja, um sujeito de direitos, e por outro, suas características e condição
de criança a deixam incapacitada para os atos da vida jurídica, sua condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento e sua titularidade de direitos fundamentais (Pereira, 2000). Em
face deste dilema cotidiano, o Direito Brasileiro tem buscado novos caminhos para
assumir uma “nova cultura” no atendimento da população infanto-juvenil e dar voz aos
jovens significa galgar o caminho em direção a uma efetivação dos direitos fundamentais.
Nesse sentido, Miranda Júnior (2000) enfatiza:
“...dar lugar à palavra de crianças e adolescentes, desta forma, é considerá-los como sujeitos capazes de se
articular na linguagem para buscar o sentido. Isto significa desalojá-los da posição sintomática de sujeição
que o discurso os colocou, significa dar a eles uma chance de escolha, uma chance de responder pelo seu
dever assumindo uma decisão...”(p. 62).
Considerando a criança e o adolescente no contexto da família, a entrada do afeto e
do reconhecimento da importância dos sentimentos no processo de construção e
desconstrução dos vínculos amorosos possibilita a inserção da Psicologia nas decisões
judiciais. A afetividade passa a ter fundamento Constitucional, dado que a natureza da
família está fundada essencialmente nos laços de afetividade.
Assim, faz parte da função dos psicólogos nos Tribunais de Justiça a interpretação,
avaliação e encaminhamento das diversas demandas familiares nos processos judiciais. A
palavra da criança e do adolescente se expressa através dos discursos e laudos de
psicólogos e assistentes sociais, em ações judiciais sobre adoção, guarda de menores,
cuidados, proteção, violência intrafamiliar e em inúmeros processos que permeiam as
garantias de seus direitos fundamentais.
38
Mediante apresentação dos laudos técnicos em perícias psicológicas e sociais, na
condição de psicólogos e assistentes sociais judiciais e os respectivos assistentes técnicos
(psicólogos e assistentes sociais) contratados pelas partes em litígio, o processo pode ser
instruído, juntamente com as provas documentais e testemunhais, no sentido de informar
ao juiz e auxiliá-lo na melhor decisão do ponto de vista da criança/adolescente.
Ainda assim, em diversos casos, pouca ênfase acaba sendo dada à visão dos filhos.
O discurso jurídico e os procedimentos judiciais induzem a uma complexidade de ações e
direcionamentos sobre os interesses dos pais no litígio. Os interesses dos pais se mesclam
com os posicionamentos da prole tornando a perícia judicial um campo orientado para a
resolução da demanda do processo judicial.
O princípio jurídico sobre o “melhor interesse” da criança e do adolescente norteia
as ações processuais do Direito de Família na guarda de filhos. De acordo com o E.C.A, a
guarda dos pais obriga a assistência material, moral e educacional à criança e ao
adolescente conferindo a seu detentor o direito de se opor a terceiros. Este detentor poderá
inclusive se opor aos próprios pais sobrepondo o conceito de guarda ao conceito de vínculo
emocional e consangüinidade. Porém, toda a orientação do Estatuto vem no sentido do
apoio às famílias carentes e marginalizadas priorizando a prevenção da marginalidade e
promovendo condições ao desenvolvimento da criança e do adolescente dentro dos
programas de atendimento em meio aberto (Gomide, 1996) fazendo com que as ações
judiciais sobre guarda de filhos das camadas médias da população tenham poucos
parâmetros e subsídios para a tomada de decisões.
Por outro lado, o instituto da guarda não é regulamentado nem no Código Civil nem
na Lei do Divórcio. Segundo Dias (2002):
“Ambas as leis “se limitam a identificá-lo como um atributo do pátrio poder a ser deferido ao genitor com
quem o filho passa a residir. Há que reconhecer que a guarda configura verdadeira coisificação do filho, que
é colocado muito mais na condição de objeto do que de sujeito de direito. Tal qual o direito de propriedade
que pode se desdobrar em nua-propriedade e usufruto, posse direta e indireta também pátrio poder e a
39
guarda admitem igual fracionamento. Ambos os pais detêm o pátrio poder, mas a guarda fica com um deles,
sendo assegurado ao outro só o direito de visita” (p. 12).
Essa dualidade ou, às vezes, oposição de direitos, faz com que o processo judicial e
os interesses dos pais possam ser confundidos com os dos filhos em inúmeros momentos
de discórdias onde aparecem as diferenças e a hierarquização das necessidades dentro da
família. Baptista (2000) assinala que, nas separações conjugais e divórcio, os temas de
guarda e direito de visitas, do cônjuge que não detém a guarda, apresentam graves
problemas de natureza moral e psicológica, e apesar de existirem em função e interesse dos
menores, procurando manter o contato freqüente entre pais e filhos, a lei, paradoxalmente,
pauta e organiza o seu exercício como se o interesse fosse dos pais.
No contexto jurídico, Fachin (1996) enumera alguns fatores a serem considerados
do melhor interesse da criança quando se decide a guarda e direito de visitas em famílias
divorciadas, a saber: o amor e os laços afetivos entre pai/mãe ou o titular da guarda e a
criança; a habilidade do pai/mãe ou do titular da guarda de dar amor e orientação; a
habilidade do pai/mãe ou do titular da guarda de prover a criança com comida, abrigo,
vestuário e assistência médica; qualquer padrão de vida estabelecido; a saúde do pai/mãe
ou titular da guarda; o lar da criança, a escola , a comunidade e os laços religiosos; a
preferência da criança, se ela tem idade suficiente para ter opinião; e a habilidade do
pai/mãe em encorajar contato e comunicação saudável entre a criança e o(a) outro(a)
genitor(a).
A psicanalista Françoise Dolto (1989), freqüentemente citada pelos psicólogos que
atuam no contexto jurídico, enfatiza que a concessão da guarda deve ser baseada nos
referenciais afetivo, social e espacial. Assinala que nas decisões quanto aos menores, “....a
justiça não deve esquecer que as medidas tomadas no “interesse do filho” constituem as
condições que o conduzirão a se tornar autônomo na adolescência” (p. 128) pois ele se
encontra inserido numa dinâmica evolutiva. Enfatiza que em função do processo de
desenvolvimento, na adolescência aparece a necessidade de promover uma autonomia
responsável no sentido de direcionar o jovem aos seus interesses/necessidades e afastá-lo, o
mais rápido possível, das influências derivadas dos conflitos na conjugalidade. De acordo
40
com as diversas fases evolutivas, a autora considera os diferentes graus de interesse dos
filhos, tais como:
“ o interesse imediato e urgente de que a criança não se “desarticule”; o interesse, a médio prazo, de que ela
recupere sua dinâmica evolutiva após os momentos difíceis; e o interesse, a longo prazo, de que ela possa
deixar seus pais: é preciso que ela seja apoiada na conquista da sua autonomia mais depressa do que os filhos
de casais unidos, ou seja, que se torne capaz de assumir a responsabilidade por si, e não se deixar apegar
demais ao genitor contínuo ou desenvolver mecanismos de fuga, que são principalmente de dois tipos: a
inibição a fuga para dentro de si ou o abandono da formação pré-profissional, dos estudos, o que às vezes
chega até às fugas repetidas. O “interesse do filho” consiste em levá-lo a sua autonomia responsável” (p.
129).
Deste modo, cabe à Psicologia a função, tanto no contexto jurídico quanto no
cotidiano familiar, no que concerne a orientação e determinação dos paradigmas sobre o
“melhor interesse da criança/adolescente”, colocar atenção especial ao aspecto de que o
“interesse da criança/adolescente” não seja transformado na “criança/adolescente do
interesse” dos pais.
41
Capítulo II PERSPECTIVAS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
SOBRE FAMÍLIA, CASAMENTO E SEPARAÇÃO
“O problema fundamental em relação aos direitos humanos, h
oje,
não é tanto o de justificá-los, mas de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”
Norberto Bobbio
Os temas relacionados com as perspectivas das crianças e adolescentes sobre
família, casamento e separação no mundo ocidental têm sido apresentada por
pesquisadores estrangeiros na literatura, porém, o caráter cultural do contexto brasileiro
requer uma compreensão mais aprofundada a respeito de como as mudanças
sociais/políticas/legais e familiares possam estar interferindo nas concepções das crianças e
adolescentes sobre estas questões.
Assim sendo, passaremos a apresentar alguns trabalhos apresentados na literatura
brasileira que podem parecer poucos, mas significativos, e que enfocam a percepção dessa
população a respeito de suas famílias e suas transformações. Gostaríamos de acrescentar
que as pesquisas a serem mencionadas foram realizadas com crianças e adolescentes das
cidades de São Paulo, Porto Alegre e Brasília.
Wagner, Falcke & Meza (1997) ao compararem o que pensam os adolescentes de
famílias com pais de primeiro casamento e de pais separados/divorciados, assinalam que a
maioria dos jovens considera que suas famílias são: legal/normal (50%) e unida/feliz/afetiva
(35%), sendo que poucos consideram complicadas (15%). Quanto às características que eles
mais gostam em suas famílias, mais da metade das respostas indicaram
companheirismo/união/afeição (53,32%), seguidas por liberdade/diversão (23,33%) como
aspectos positivos. Nos aspectos que mais desagradam, surgiram as brigas (58,33%),
seguidas de falta de liberdade/crítica/desatenção (21,66%), sendo que poucos responderam que
nada (6,66%) os desagradava. O que eles mais gostariam de mudar na família, as respostas
indicaram na maioria nada (28,33%), brigas (25%) e o modo de pensar/agir (21%) foram
42
mencionados por mais de 45% dos jovens. As autoras concluem que o grande número de
separações e reconstituições conjugais com outros companheiros fez com que o conceito
de família se tornasse mais extenso, descaracterizando o modelo clássico de família
nuclear. Os adolescentes que sofreram o processo de separação dos pais e vivenciaram a
reconstituição do relacionamento afetivo destes com novos companheiros tendem a
diferenciar-se em seus relacionamentos interpessoais. Apesar das mudanças nos valores
sociais, ainda se mantém a idéia romântica no relacionamento conjugal. É consensual,
entre os jovens, que as pessoas se casam por amor e se separam porque este acabou. O
padrão disfuncional das famílias cujos pais se casaram novamente é explicado, em grande
parte, pelo equívoco de analisar este novo núcleo familiar baseado em pressupostos do
modelo original.
Souza (1997) apresenta um estudo em que as experiências das famílias de dupla
carreira, divorciadas, monoparentais e outras foram analisadas para evidenciar as
diferenças entre as perspectivas adulta e infantil. Este trabalho confirmou a investigação de
autores estrangeiros com relação aos diversos fatores (idade, gênero, nível de conflito
parental, arranjo de cuidados alternativos, personalidade, competência individual, redes
disponíveis de apoio e seu nível de desenvolvimento cognitivo) que interferem na maneira
como a criança percebe a separação dos pais. A autora demonstra que na experiência
infantil os processos cognitivos são importantes na construção da “realidade” vivenciada
pela criança.
Souza (1998) ao pesquisar como a criança concebe a família e seu processo de
transformação em função das novas configurações familiares, a partir do divórcio, enfatiza
que as crianças (5-10 anos) demonstram haver criado um “novo mapa” para definir e se
orientar frente aos novos parceiros dos pais, sendo que, o afeto e o vínculo positivo foram
usados como orientadores nos novos conceitos utilizados por eles para definir os novos
parceiros e suas famílias. As crianças demonstram domínio a respeito dos diversos
vínculos envolvidos nas relações familiares e conseguem ter uma compreensão da família
enquanto processo ou percurso geracional, porém, a experiência direta com a situação
aparece como de menor importância que a maturidade cognitiva em facilitar com que a
43
criança possa estabelecer uma diferenciação entre vínculos reversíveis e irreversíveis. No
estudo apresentado em 1999, referente às concepções infantis diante das transformações
das configurações familiares, Souza assinala que, com relação ao divórcio, as crianças (5-
10 anos) demonstram compreender a separação, porém, apresentam dificuldades com os
aspectos legais envolvidos. Compreendem que o divórcio envolve sofrimento mas
percebem que estes sentimentos se transformam ao longo do tempo. Apesar de seus
desejos, reconhecem e valorizam a necessidade de que os pais devam reorganizar a vida
afetiva com novos parceiros. Os resultados indicam que o processo de maturidade
cognitiva e a experiência concreta da criança interferem na maneira como ela apreende e
expressa a compreensão dos diversos níveis de complexidade da situação familiar.
Independente da idade, elas identificaram o conflito como aspecto fundamental na
motivação para o término do relacionamento entre os pais. O estudo confirma resultados
anteriores de investigações onde indicam que as crianças reconhecem o amor conjugal
amor romântico - como central para o relacionamento (Wagner, Falcke e Meza, 1997),
assim como, a sua reversibilidade (Souza, 1998).
Quanto à situação de separação/divórcio, Ribeiro (1989) ao investigar como os
adolescentes (média: 13 anos e 9 meses) se sentiram na época da separação dos pais e
quais as coisas boas e desagradáveis que aconteceram em conseqüência disto, conclui que
a separação pode representar, para os filhos, a perda da segurança/estabilidade e
insegurança quanto ao futuro. Muitas vezes há um desequilíbrio temporário ou duradouro
nas estruturas hierárquicas da família e um verdadeiro tumulto no cotidiano dos filhos uma
vez que algumas modificações são necessárias para que haja uma nova estruturação a nível
econômico, espacial e hierárquico. Todas estas mudanças, aliadas ao aspecto afetivo, talvez
sejam responsáveis pelos sentimentos negativos vivenciados pelos filhos. O sentimento de
rejeição e baixa auto-estima podem ser observados, no início da adolescência, como
conseqüências da separação dos pais.
Souza (2000) desenvolveu uma investigação para compreender como os
adolescentes vivenciam a separação dos pais, ou seja, se eles identificam a tensão
antecedente à separação, como compreendem, como reagiram, quais as conseqüências e
44
fontes de apoio percebidas. Na pesquisa qualitativa realizada com 15 participantes com
idades entre 4 e 11 anos na época em que os casais se separaram, os resultados demonstram
que os filhos podem ou não perceber a tensão pré- separação. Independente disto, as
maiores dificuldades e fontes de sofrimento foram: a saída de casa de uma das figuras
parentais e a falta de previsibilidade dos eventos da vida cotidiana após a separação.
Apesar de relatarem solidão e ausência ou incapacidade de encontrar fontes de apoio, todos
afirmaram que o divórcio foi uma boa solução para a família.
Ramires (2004) num estudo em que busca compreender como crianças e pré-
adolescentes (5-13 anos) vivenciam a separação e as novas uniões, cujos pais estavam
separados entre o período de 1 mês a 8 anos, salienta que o tipo de vínculo que as crianças
e pré-adolescentes haviam estabelecido com seus pais constituiu-se como importante fator
de resiliência no enfrentamento das transições familiares. Apresenta uma análise dos dados
em categorias de acordo com as diferentes faixas etárias dos participantes (5-6 anos; 8-9
anos; 10-13 anos) e conclui que crianças com 8 e 9 anos aparecem mais vulneráveis no
enfrentamento das transições familiares, confirmando resultados apresentados por diversos
autores norte-americanos. Os sentimentos de desamparo associados à separação aparecem
mais claramente entre crianças de 5-6 e 8-9 anos. A idade e o nível de desenvolvimento
cognitivo, afetivo e social auxiliam o enfrentamento das mudanças nas famílias,
favorecendo as crianças mais velhas e os adolescentes, como indicam estudos anteriores
(Ramires, 2002; Schwartz, 1992).
Souza e Ramires (2006) ao analisarem as concepções das crianças e adolescentes (5-
15 anos) acerca do amor na família, casamento e separação enfatizam que eles identificam
o amor como o “elo de conexão nas diferentes categorias de relacionamento pais-filhos,
amizades e relacionamentos românticos, guardadas as suas particularidades em cada um
deles, as quais vão sendo discriminadas de modo cada vez mais sofisticado ao longo das
idades” (p. 80). Neste elo inclui os vínculos estabelecidos entre pais e filhos, amigos e
conjugal, sendo este último identificado com o amor-romântico. O vínculo conjugal pode
ser reconhecido como tal, diante de sua reversibilidade, pelas crianças a partir dos 10 anos,
sendo que “o gostar/amar dirigido ao outro e abrangendo vários sentidos, incluindo o
45
sentido romântico, aparece em todas as idades” (p. 81). Entre 5 - 8 anos, as concepções
sobre o amor são baseadas nos comportamentos das pessoas (características externas) mais
do que nos processos internos. Observa-se mais pela inferência a respeito do fazer/ação das
pessoas do que dos referenciais sobre os estados afetivos e suas transformações, pois nesta
fase, a cognição é pautada por ações/atos explícitas. Nessa faixa etária, os sistemas
comportamentais de apego e de cuidado são prioritários:
“ ....a importância do sistema de apego e das relações concretas que vivenciam, em conjunto com as
características da sua estrutura de pensamento (atração pelas características físicas mais salientes do aqui e
agora, tendência a não se afastar muito da situação social imediatamente presente, limitações para identificar
e compreender emoções complexas), sejam fatores importantes a colorir as suas concepções sobre o amor e
os vínculos amorosos” (p. 86).
Souza e Ramires (op. cit.) assinalam que, a partir dos 10 anos, as crianças começam
a reconhecer os sentimentos como um estado interno que levam a uma ação e a um
relacionamento, assim como, uma rede complexa de sentimentos como raiva, tristeza,
ciúme, carinho, amizade, companheirismo, etc. Dos 10 aos 12 anos, as crianças e pré-
adolescentes “dão indícios de haver elaborado modelos representacionais mais complexos
dos relacionamentos com os pares sexuais, os quais incluem uma gama variada de
sentimentos e possibilidades” (p. 91). As capacidades cognitivas mais refinadas conseguem
compreender os processos internos (atributos psicológicos) das pessoas, interligar estes
estados e suas transformações, suas motivações e as relações com os sentimentos dos
outros, através de um pensamento mais abstrato e hipotético. A partir dos 10 anos
começam a assumir os sistemas comportamentais de afiliação e o sexual. Gradativamente o
complexo emocional presente nos vínculos amorosos vai sendo cada vez mais
discriminado. Aos 12 anos, o “sistema sexual aparece como componente excluído do amor
pais-filhos e referido como uma diferença entre este e o amor romântico” (p. 103), com
isto, os sentimentos, pensamentos e experiências relacionados ao sistema sexual não
podem ser compartilhados com os pais, somente com os pares da mesma idade e amigos.
Entre 14 e 15 anos, constata-se um aprofundamento e maior compreensão da
complexidade de sentimentos e motivações incluídas nos vínculos amorosos, a partir de
46
inferências de afeto mais precisas, abstratas e amplas. Nessa compreensão,
“gradativamente, tornam-se mais capazes de compreender emoções conflitantes, além de
diagnosticar os estados emocionais e incluir cada vez mais as ações e os sentimentos dos
outros nas suas cognições” (p. 93). Neste momento, os adolescentes apresentam
capacidade discriminatória para compreender as contradições, os processos internos e
conseqüentemente, uma percepção mais amadurecida do que vem a ser conflitos conjugais.
As autoras assinalam que:
“... os jovens de 14 e 15 anos parecem atingir um nível ainda mais avançado na capacidade de compreender
as transformações dos estados internos e dos vínculos, na medida em que se colocaram mais facilmente como
sujeitos desses sentimentos e relacionamentos, confrontando-se mais facilmente com os conflitos que lhes
correspondem. Essa possibilidade de articulação da própria experiência com a experiência dos pais
relacionadas ao amor conjugal, talvez promova uma capacidade mais acentuada da compreensão das suas
vicissitudes, o que pode implicar em melhores condições de enfrentamento das transições familiares” (p.
135).
No processo de diferenciação do self, o adolescente passa a experimentar, explorar,
conhecer e buscar novas dimensões nos vínculos a partir de uma fonte de apoio e de
sustentação. Neste momento, o amor entre pais-filhos é concebido como base para outros
vínculos, enquanto “as concepções dos relacionamentos com os pais estão focalizadas no
apego dirigido a eles” (p. 103). O amor pais-filhos inclui a dimensão do conflito, mas
diferentemente do amor romântico, este suporta e supera o conflito. Para eles, o vínculo de
amizade pode ser transformar num amor romântico e depois familiar.
Enfatizando o processo de diferenciação do self e suas percussões para os
adolescentes, as autoras salientam que:
“..processo de diferenciação e construção de uma nova identidade está articulado ao desenvolvimento de uma
série de habilidades cognitivas crescentes capacidades de fazer inferências sobre os processos e atributos
psicológicos internos do outro e do self, capacidade de coordenar o próprio mundo interno e o do outro, com
os conflitos e contradições que lhes acompanham. Todas essas capacidades, disponíveis para os
relacionamentos, as suas visões de mundo e aquelas dos seus pais, e poderão contribuir para gerar uma
47
necessidade de discriminação e distanciamento em relação a eles. Já, que, ao mesmo tempo, continuam sendo
figuras importantes, o que lhes confere um potencial de influência poderoso” (p. 106).
Com relação ao casamento e separação dos pais, a noção do vínculo conjugal
aparece, em todas as faixas etárias, como sendo baseada pelo amor-romântico. A
conjugalidade é motivada pelo gostar/amar e inclui a possibilidade do conflito que leva à
separação. Entre 5-8 anos, as crianças percebem os conflitos como algo externo através de
uma ação (brigar, discutir), sendo que os significados e as causas psicológicas implícitas no
comportamento de brigar, contidos nos conflitos, não são abordados. Aos 5 anos a causa do
rompimento conjugal é atribuída a um terceiro que mandou, enquanto que, aos 7 anos a
criança compreende que um estado mental interno pode gerar um comportamento. Aos 10
anos quando aparece a diferenciação do amor romântico do conjugal eles podem conceber
a dimensão conflituosa.
Na adolescência, o conflito passa a ser associado ao deixar de amar e à separação.
As razões da separação passam a ser o desgaste da convivência, a falta de comunicação e a
traição. Os jovens começam a perceber a complexidade da dimensão conflituosa do amor ,
assim como, a suscetibilidade às mudanças e transformações presentes no amor que é
subjacente aos vínculos conjugais. Eles têm a noção de que o conflito interno pode gerar o
externo presente na relação. A pouca experiência nos relacionamentos que incluem o amor
romântico faz com que eles tenham uma tendência a idealizá-lo.
Em suma, as autoras assinalam que o desenvolvimento cognitivo, associado às
modificações nos modelos funcionais internos e à importância crescente dos sistemas
comportamentais (afiliação e sexual), além do apego/cuidados estabelecidos com os pais,
sustentam as modificações nas concepções sobre vínculos amorosos, casamento e
separação apresentadas pelos jovens na “cultura do divórcio”.
48
2.1. A Criança e o Adolescente no Divórcio
As questões legais dos casais separados nem sempre acompanham o mesmo ritmo
das transformações sociais, assim como, suas repercussões no dia a dia das famílias.
No imaginário social, convivemos com as noções ideológicas da família tradicional
juntamente com as repercussões que o processo de divórcio abre para as famílias
brasileiras. Desta forma, a Psicologia tem dado uma grande contribuição para a
compreensão e atuação no cotidiano das famílias, assim como, nos processos judiciais.
Os estudos sobre divórcio demonstram que, para algumas crianças, o aspecto
positivo da dissolução conjugal é a redução do conflito entre os pais, enquanto o negativo,
a diminuição da convivência e contato com o genitor (pai ou mãe) que sai de casa gerando
uma série de mudanças nos relacionamentos entre pais e filhos (Hess & Camara, 1979;
Wallerstein & Kelly, 1980; Hetherington & Kelly, 2002).
As questões de maior importância na adaptação das famílias pós-divórcio, referentes
aos cuidados com as crianças e adolescentes, são os acordos formais e/ou informais
estabelecidos entre os pais a respeito do sistema de guarda, incluindo moradia, cuidados
diários e pensão alimentícia, no que concerne à divisão dos deveres, obrigações,
responsabilidades, preservação e atendimento das necessidades básicas dos filhos.
As discórdias parentais e as constantes medidas legais durante o processo de
separação conjugal podem ser utilizadas pelos cônjuges, ou por um deles, com a finalidade
de prolongar a ligação com a família que está sendo dissolvida e para evitar a aceitação da
perda. Tal prolongamento tende a manter o conflito entre o casal, assim como, o
enfraquecimento e desgaste do sistema parental (que não se rompe com a separação
conjugal do casal). Sendo assim, o escalonamento dos conflitos parentais acaba por privar
os filhos da tranqüilidade necessária para o desenvolvimento psicológico e o livre acesso
aos seus pais ao serem expostos e/ou envolvidos em constantes situações de conflitos de
lealdade (Martins, 1999).
49
Nos processos judiciais de divórcio litigioso ou sem justa causa, as disputas tendem
a ser tensas e, em muitos casos, os pais utilizam os filhos como instrumento de barganha
para atingirem seus objetivos. Na dinâmica dos relacionamentos, os casais contemporâneos
pretendem buscar um equilíbrio e divisão eqüitativa de deveres e responsabilidades,
permeando basicamente os temas sobre as questões econômicas/financeiras e os cuidados
com os filhos (Kaslow & Schwartz, 1995).
Parte da preocupação com os temas sobre as condições econômicas de cada um dos
ex-cônjuges no pós-separação se deve ao fato de que tem se constatado que o nível
socioeconômico está diretamente relacionado à capacidade do cônjuge se recuperar do
divórcio, pois os indivíduos que têm uma renda maior, em geral passam por um processo
de ajustamento muito mais fácil (Daniels-Mohring e Berger, 1984). Os indivíduos tendem
a se assegurar de uma situação que possa permitir a retomada de um equilíbrio financeiro.
A continuidade dos temas presentes no processo de dissolução da conjugalidade
tende a se manter por muitos anos. No decorrer dos anos, os relacionamentos e possíveis
rompimentos com os novos parceiros dos pais, assim como, as repercussões na rede de
convivência e apoio em função de novas uniões conjugais e nascimento de irmãos retomam
a busca de referências na trajetória da adaptação familiar. Os novos relacionamentos,
namoros e casamentos dos pais e a forma como estes vão se estruturando interferem
consideravelmente no cotidiano das crianças.
Souza e Ramires (2006) assinalam, em referência ao sistema de adaptação da
família no pós-separação, que “a transitoriedade é a marca destes arranjos........o refazer da
vida dos pais, na maior parte das vezes, leva ao encontro de novos parceiros amorosos, e
quando ocorre um novo casamento, ele tende a desestabilizar o equilíbrio anteriormente
atingido” (p. 200).
Independente da situação dos filhos (pais separados/divorciados, primeira ou
segunda união), as transformações advindas do divórcio sinalizam novas concepções e
50
reformulações a respeito de vínculos amorosos, relacionamento conjugal, rede familiar,
rede de apoio, proteção e cuidados, indicando uma profunda reformulação dos sistemas
estabelecidos pela família nuclear tradicional. As crianças e adolescentes convivem com a
alteração de conceitos, valores e crenças, induzindo no cotidiano, a implementação de
novos padrões de conduta e estilos de vida nas diferentes configurações familiares.
Os aspectos econômicos e financeiros são significativos na medida em que
intensificam os conflitos gerados no cotidiano. Na dinâmica dos casais isto se evidencia no
modo como se relacionam quanto à divisão de poder e desigualdades de gênero, refletindo,
nos cuidados com os filhos nas distintas condições sócio-econômicas.
Hetherington & Kelly (2002) a partir de pesquisa realizada no estado da California
(E.U.A.) constataram que apenas um terço dos casais separados mantém o arranjo legal
inicial sobre dinheiro, guarda de filhos e visitação. Os autores assinalaram que os pais
vivenciam o acordo de divórcio como um trabalho em processo e informalmente negociam
as questões considerando as mudanças individuais dos cônjuges, tais como, mudanças de
emprego, dos esquemas no horário de trabalho, de casa, de país, e até mesmo, novos
casamentos. Essas mudanças associadas ao crescimento dos filhos, interferem nas decisões
sobre com quem eles vão morar, nos esquemas de visitas e suporte econômico.
No Brasil, os dados oficiais e a literatura na área jurídica não disponibilizam este
tipo de informação, visto que, as ações judiciais de separação e divórcio transcorrem sob o
chamado “segredo de justiça”, o que dificulta a constatação de como os aspectos
concernentes à pensão alimentícia, guarda e visitas ocorrem efetivamente na realidade das
famílias. Os dados do processo são acessíveis somente aos advogados e às próprias partes
envolvidas. Por outro lado, as práticas clínica e jurídica nos permitem inferir que as
famílias recorrem ao Judiciário como forma de resolver as questões econômicas durante e
após as separações judiciais. Inúmeras ações sobre pensão alimentícia, guarda de filhos e
regulamentação de visitas indicam o fator econômico como um dos aspectos subjacentes
aos pedidos de revisão judicial.
51
Outros fatores referem-se à distribuição dos bens, as dívidas conjugais estabelecidas
no momento da separação, a transferência de dinheiro de um ex-cônjuge para o outro,
geralmente do ex-marido para a ex-esposa, para o sustento, às vezes parcial do(a)
genitor(a) e dos filhos durante o período pós-divórcio (Kaslow & Schwartz, 1995). Este
processo pode, também, se manifestar em mudanças no padrão de vida, principalmente das
mulheres que, em sua maioria, acabam ficando com a guarda dos filhos menores (4).
Hetherington e Kelly (2002) enfatizam que a falta de suporte econômico dos pais
aos filhos leva ao empobrecimento das mulheres. No estudo longitudinal (Virginia
Longitudinal Study) realizado foi constatado que um quarto dos homens pesquisados não
prove suporte econômico para os filhos, 50% prove um suporte inconsistente e apenas um
quarto mantém regularmente a quantia sobre o acordo financeiro estabelecido no Tribunal.
Assinalam que alguns homens desaparecem, outros tentam ser responsáveis mas faltam
recursos financeiros para poderem manter duas casas e, em geral, um novo casamento dos
homens e/ou as dificuldades criadas para as visitas podem causar a parada ou redução do
suporte financeiro aos filhos. Acrescentam que não só o dinheiro é o problema mas a falta
de um companheiro que possa dar suporte na criação da prole torna complexa a dinâmica
da monoparentalidade.
Kaslow e Schwartz (1995) enfatizam que nos relatórios analisados pelas
pesquisadoras, nos E.U.A , 40-60% dos pais deixa de pagar a pensão dos filhos em bases
regulares. As autoras acrescentam que as mulheres divorciadas, “além de estarem
empregadas são forçadas, de uma hora para outra, a ser financeiramente responsáveis por
tudo o que acontece nas suas vidas com freqüência também nas vidas dos filhos. Se
nunca cuidaram das finanças familiares, esta é uma nova tarefa que deve ser aprendida”
(p.183). Em contrapartida, torna-se curioso o aspecto de que freqüentemente “o pai que
escolhe sair de casa parece ser considerado menos responsável pelo que acontece com os
filhos” (p. 183).
(4) No Brasil, dados apresentados pelo IBGE demonstram que em 2002, nos divórcios s separações judiciais
concedidos em Primeira Instância a casais com filhos menores de idade, as mulheres ficaram com a guarda
em 90,74% dos casos. Em www.sidra.ibge.or.br , acesso em março de 2003.
52
Apesar dos estudos longitudinais serem baseados em população norte-americana, o
divórcio mobiliza aspectos sociais/econômicos/legais nos relacionamentos familiares
concernentes às culturas ocidentais. No contexto brasileiro, a lei estipula que o menor até
16 anos, é representado ou, se for relativamente capaz, de 16 a 18 anos, é assistido em
juízo pelo representante legal, geralmente a mãe, e acaba sendo neste ponto que convergem
as principais discórdias referentes à pensão alimentícia dos filhos. No Código Civil, o
artigo 1694 (parágrafo 1º) estima como critério de determinação dos alimentos o binômio:
necessidade do alimentando X possibilidade do alimentante. Em geral, a pensão
alimentícia é dada pelo pai e torna-se complexa a aplicação deste critério visto que as
necessidades da criança e o seu sustento estão bastante interligadas ao padrão de vida do
ex-casal, às condições de vida da mãe no pós-separação e aos novos relacionamentos dos
pais. Acrescenta-se a isto, o que podemos constatar na prática dos consultórios, que
inúmeros sentimentos de vingança, orgulho ferido, ciúme, frustração, fracasso, mágoa e
ressentimentos do ex-casal podem estar incluídos nestas desavenças.
Quanto à situação econômica dos homens após o divórcio, Weitzman (1985)
assinala que os pertencentes à classe média ficam com 75% de sua renda e têm, no decorrer
dos anos, muito mais possibilidades de subir na esfera financeira do que suas ex-esposas
que, certamente, acabam ficando em posições menos privilegiadas.
A Jurisprudência no Brasil indica que um terço dos rendimentos líquidos dos pais
são encaminhados para o custeio de alimentos dos filhos (Canossa, 2004), por outro lado,
considerando-se que a mãe em geral mantém a guarda, isto indiretamente evidencia que os
rendimentos líquidos totais da mãe podem estar sendo direcionados à prole. Assim sendo,
as desigualdades que envolvem as questões de gênero no relacionamento conjugal passam
a ser centrais nos conflitos.
Essas desigualdades também geram aspectos intermináveis quanto aos conflitos
sobre deveres e obrigações dos pais na criação dos filhos. As conseqüências dos processos
53
legais e das obrigações econômicas posteriores são intensas, geralmente pesadas e
angustiantes, revertendo em fortes efeitos emocionais para toda a família.
Um segundo aspecto de relevância diz respeito às conseqüências do tipo de guarda
estabelecido entre os pais após a separação/divórcio.
Essas decisões influenciam os filhos a curto, médio e longo prazo, pois os arranjos
estabelecidos e a maneira como as condições se desenvolvem no decorrer do tempo,
interferem na qualidade dos relacionamentos entre os ex-cônjuges e entre pais/filhos. A
“cultura do divórcio” estabelece um campo de estudo que não existia anteriormente, o do
sentimento de perda, distanciamento e alienação dos pais e filhos gerados pelo sistema
tradicional de guarda única.
Nos Tribunais norte-americanos, as decisões judiciais sobre família são geralmente
acompanhadas de inúmeros procedimentos, estudos e avaliações referentes à adaptação ao
contexto da separação conjugal. Dentre estes estudos o que tem chamado atenção dos
pesquisadores são as conseqüências do sistema de guarda única que pode dificultar o
contato e convivência dos filhos pequenos com um dos genitores ou mesmo facilitar a
implantação da síndrome de alienação, colocando-os em situação de risco.
O sistema de guarda única estabelece um tipo de convivência entre pais e filhos que
permite a instalação de um padrão de relacionamento capaz de se tornar abusivo, do ponto
de vista psicológico, na dinâmica familiar. Gardner (1992; 1998; 2002) define e descreve a
“síndrome da alienação parental” como um distúrbio que ocorre quase exclusivamente no
contexto de disputa judicial de guarda de crianças pequenas. A alienação parental é um
processo que consiste em programar uma criança para que odeie um de seus genitores, sem
justificativa, sendo que a criança passa, também, a dar a sua contribuição na campanha
para desmoralizar o genitor alienado. A campanha de desmoralização começa após a
separação, e em geral, tem ocorrido num contexto em que ele mantém um distanciamento
da criança, em virtude dos obstáculos causados pelo genitor alienador que tem como
objetivo excluir o ex-cônjuge da vida dos filhos (Bone & Walsh, 1999). Major (2000)
54
assinala que esta síndrome se manifesta, em geral, no ambiente materno, pois sua
instalação necessita muito tempo e é a mãe que tem a guarda dos filhos pequenos na
maioria das vezes.
Por outro lado, em todos os países ocidentais, as tendências nas decisões judiciais
começam a apresentar mudanças na direção de uma modalidade de guarda que possa
proporcionar o convívio da criança com ambos os pais, ou seja, da guarda compartilhada,
conjunta ou dividida. Neste conceito de guarda o interesse nas decisões volta-se para os
pais que participam efetivamente na criação e demonstram responsabilidade com seus
filhos.
O conceito de guarda compartilhada ou dividida tem sido desenvolvido para prover
a possibilidade de participação ativa de ambos os pais na criação dos filhos. O aumento na
média de crianças sendo criadas sob esse regime demonstra que existem, cada vez mais,
famílias em situação de pós-separação onde os filhos mantêm a convivência e são
acompanhados pelos genitores. Os resultados das investigações na área demonstram que
esse sistema de guarda oferece vantagens e desvantagens para todos os membros da
família, porém, pode trazer benefícios somente se os pais demonstram cooperação,
disponibilidade e flexibilidade de dividir as questões referentes aos cuidados com os filhos
(Abarbanel, 1979; Benedek, Benedek, 1979; Irving, Benjamin, Trocme, 1984; Pearson,
Thoennes, 1990) e é desaconselhável para os casais que apresentam alto nível de conflito
(Teyber, 1995; Motta, 2000).
Nos casos de desacordo entre os pais, os estudos sobre perícia judicial psicológica
buscam encontrar respostas para a melhor maneira de informar ao juiz, do ponto de vista
técnico, os resultados obtidos buscando subsídios de fundamentação à demanda pericial,
assim como, compreender os significados das disputas entre os litigantes e a análise sobre
como abordá-los. A partir de alguns trabalhos levantados na área (Brito, 1993; Felipe,
1997; Motta, 1998, 2000; Martins, 1999; Cezar-Ferreira, 2000; Silva, 1999; Alves, 2002;
Shine, 2003; Silva, 2003; Castro, 2003; Caffé, 2003) pudemos constatar a grande ênfase
colocada no processo judicial quando são levadas as questões referentes aos filhos. Os
55
casais que procuram no poder Judiciário a ajuda e/ou solução para as discórdias acabam se
envolvendo num complexo de procedimentos e interesses em que são estimulados a
assumirem intensos posicionamentos antagônicos o que dificulta, ainda mais, a
compreensão e o acordo esperados nas resoluções de conflitos.
De certa forma, os conflitos conjugais se encontram num contexto de riscos e
dificuldades para os filhos e acabam norteando inúmeros estudos e teorias para a
compreensão de um fenômeno que interfere tanto nos relacionamentos entre pais e filhos
quanto no desenvolvimento emocional/cognitivo/comportamental de crianças e
adolescentes.
56
Capítulo III CONFLITOS CONJUGAIS PARA CRIANÇAS E
ADOLESCENTES
As palavras são escultoras da vida”
Do livro Kami wa Ikiteirn
Seicho Taniguchi
Conflitos e discórdias entre adultos são eventos comuns no cotidiano dos filhos.
Discórdias regulares entre os pais são considerados como parte dos relacionamentos para a
maioria dos casais que vive um casamento harmônico. Porém, o alto nível de conflito
marital, dentro de certos parâmetros, com constância, alta intensidade e baixo nível de
resolução é extremamente estressante para a prole (Davies, Cummings, Myers e Heindel,
1999), associado ao aumento da propensão dos filhos desenvolverem diversos sintomas
patológicos (internalizados ou externalizados) (Davies e Cummings, 1994), interferindo, de
maneira significativa, no desenvolvimento cognitivo e emocional (Grych e Fincham, 1990;
Cummings e Davies, 2002).
Desde 1920, a literatura tem colocado interesse nos efeitos negativos do conflito
conjugal para os filhos (Cummings e Davies, 1994). A análise causal do processo parece
insuficiente no contexto em que os conflitos usuais e inevitáveis num casamento,
especialmente se forem definidos de forma genérica, os desacordos/expressões de emoções
inconvenientes ou negativas no cotidiano tem um significado específico para cada casal
(Cummunigs e Davies, 2002). Por volta dos anos 80 e com o grande aumento de divórcios,
durante a década de 60 nos países ocidentais, os estudos sobre conflitos conjugais, e seus
efeitos para os filhos, passaram a incluir múltiplas dimensões de análise e compreensão.
Alguns estudos demonstram que a história da criança afeta a maneira como ela
avalia e responde aos conflitos entre os pais. Os efeitos dos conflitos podem ser analisados
como função da história passada da criança/adolescente exposta aos estímulos específicos
e/ou dos estímulos presentes na situação conflituosa (Cummings e Cummings, 1988; Grych
e Fincham, 1990; Davies e Cummings, 1994).
57
Na perspectiva dos filhos, o significado do conflito não se articula com a presença
ou freqüência da discórdia global. Eles demonstram enorme sensibilidade, particularmente,
aos parâmetros centrados na forma e intensidade de expressão dos pais, no percurso
emocional da interação, assim como, nos resultados e implicações dos temas abordados
(Davies e Cummings, 1994). Paralelo a isto, alguns estudos demonstram que os casais
apresentam maior freqüência de discórdias durante o período de criação da prole ( Belsky e
Pensky, 1988; Glenn, 1990).
Papp, Cummings e Goeke-Morey (2002) constataram que dois terços dos conflitos
conjugais ocorrem na ausência dos filhos. Porém, as discórdias em que as crianças e
adolescentes (8-16 anos) estavam presentes foram as mais negativas emocionalmente e
mais destrutivas do que as ocorridas na ausência deles. Conflitos na presença dos filhos
tiveram, também, uma alta incidência de temas relativos a eles, como problemas de
educação e cuidados diários. Tais temas foram considerados especialmente angustiantes
para serem debatidos diante deles. Desta forma, a exposição das crianças e adolescentes aos
conflitos conjugais é um fator de risco pois eles tendem a presenciar discórdias
relativamente hostis e emocionalmente negativas no ambiente doméstico.
Na literatura sobre a compreensão dos efeitos dos conflitos conjugais para crianças
e adolescentes, Grych e Fincham (1990) propuseram o modelo do “contexto-cognitivo”.
Esta abordagem analisa os efeitos do conflito marital nos processos cognitivos dos filhos e
no papel destes no direcionamento das emoções e comportamentos. O impacto dos
conflitos é visto como sendo mediado pela compreensão e avaliação que a
criança/adolescente faz do mesmo. Este modelo de análise tenta compreender como o
processo cognitivo e os comportamentos de “coping” (5) são influenciados pelas
(5) “Coping” De acordo com Cummings e Davies (2002) nenhum tipo de análise pode descrever
integralmente uma definição de “coping”. Os autores citam Cummings e Cummings (1988) que propõem
considerar diversos níveis de análise que levam às perspectivas de “coping”, incluindo respostas de “coping”,
estratégias de “coping” e estilos de “coping” em alto grau. Assinalam que estes elementos podem ser
interrelacionados mas podem também definir aspectos independentes do processo. Margolin, Oliver e Medina
(2001) descrevem “coping” como o esforço, a intenção ou atividades físicas ou mentais direcionadas a um
determinado objetivo de modo a alterar o problema percebido ou alterar o próprio estado emocional
proveniente da situação-problema (pp. 23-24).
58
características dos conflitos e pelos fatores contextuais como experiência no passado,
gênero, idade, expectativas e humor (Davies, Cummings, 1994). A influência destes fatores
é reconhecida como relacionada à avaliação do significado dado ao conflito e como guia do
comportamento após a exposição à situação conflituosa. Assim sendo, o processo cognitivo
funciona como um mediador entre o conflito percebido e a resposta dada a este.
Nesta análise, uma ênfase especial é colocada sobre o processo de cognição para o
desenvolvimento do self. A percepção dos filhos no processo de avaliação da ameaça, no
desencadeamento do sentimento de auto-culpa, e as implicações para o self em decorrência
dos conflitos conjugais influenciam o impacto desses eventos familiares no seu
funcionamento, especialmente na internalização dos efeitos dos conflitos. Quanto a
externalização dos efeitos, no contato com outras pessoas a criança/adolescente pode ser
afetada por diferentes processos provenientes da interação, incluindo as concepções sobre
como ela sente ou pensa a respeito dela mesma (Cummings e Davies, 2002), transmitidas
através das práticas educacionais e distintos estilos de parentalidade.
Uma outra abordagem sobre os efeitos dos conflitos conjugais consiste na “hipótese
da segurança emocional” (Davies e Cummings, 1994), a partir da “hipótese da
sensibilização”.
A “hipótese da sensibilização” pressupõe que a exposição prolongada ao conflito
interparental negativo (expressão de raiva em escalonamento intenso, violento, não
resolvido) induz os filhos, progressivamente, a apresentarem reações emocionais negativas
(angústia, medo, ansiedade) (Cummings e Davies, 2002). Considerando que as emoções
mantêm um sistema de monitoramento interno e um guia com a função de avaliar os
eventos, motivar os comportamentos e modelar as respostas de adaptação, na “hipótese da
segurança emocional” a reação emocional negativa da criança ao conflito conjugal regula e
é regulada pelo objetivo de preservar sua própria segurança emocional. De acordo com esta
hipótese, a reação emocional negativa serve como um agente causal em reter/manter sua
segurança emocional.
59
A atuação deste esquema pode ser observada quando a criança/adolescente tenta
alterar o fator de estresse através da solução do problema. Ela pode apresentar uma
alternativa de intervenção (mediar, desviar a atenção do assunto, dar auxílio/conforto a um
ou ambos os pais), mudar seu próprio estado emocional através da fuga, evitar a situação,
fazer uma reavaliação positiva do conflito, procurar suporte emocional ou tentar se
distanciar da situação conflituosa (Cummings e Davies, 2002).
De acordo com Davies e Cummings (1994) a segurança emocional tem um papel
central como mediadora das situações em que os filhos são expostas aos conflitos e de
como é feita a representação interna destes. É, também, um fator fundamental no controle
do aumento da ativação fisiológica (ansiedade) emocional, organização e motivação da
resposta diante do conflito. Assinalam que a representação internalizada das relações
conjugais e o processo de respostas que se desenvolve no tempo tem implicações no
ajustamento psicológico das crianças e dos adolescentes.
Cummings e Davies (2002) apresentam uma revisão sobre o tema e consideram que
ambas as abordagens são significativas na compreensão do contexto, visto que, o
ajustamento de crianças e adolescentes é conceituado em termos dos processos de
adaptação e desenvolvimento, ou seja, dos padrões de respostas à situação conflituosa
dentro de um contexto de mudança através do tempo. Desta forma, eles propõem um
modelo de análise orientado pelo processo, denominado “process-oriented”, através do qual
todos os fatores que afetam o desenvolvimento são importantes na medida em que abarcam
as influências tanto positivas (proteção) quanto negativas (risco) na evolução e na complexa
relação entre estas. Nesta abordagem, o relacionamento conjugal é reconhecido como tendo
efeito direto no funcionamento psicológico dos filhos, assim como, seus efeitos indiretos
mediados pela parentalidade (práticas parentais e relacionamentos entre pais e filhos). Isto
justifica o crescente aumento de estudos sobre os efeitos do conflito conjugal a partir da
própria parentalidade. Os estudos, também, assinalam que os efeitos dos conflitos
interparentais não são estáticos mas refletem uma relação dinâmica de influências ao longo
do tempo.
60
O modelo “process oriented” provê a base para caminhos de múltipla conceituação dos
efeitos associados aos conflitos. A ênfase é colocada nos processos dinâmicos de interação
entre fatores intra- e extra- orgânicos, em contraste com as noções relativamente estáticas
de associações entre caracterizações globais da discórdia marital e seus resultados para a
prole. Esses processos de interação são complexos, multidimensionais, dinâmicos e sujeitos
a constantes transformações. E mais do que procurar um simples fator, as teorias atuais
assumem a concepção de que existem múltiplos mecanismos causais operando no sistema.
Margolin, Oliver e Medina (2001) assinalam que na perspectiva da resiliência (6) os
fatores de proteção, em crianças e adolescentes resilientes, nas situações hostis e abusivas
incluem características individuais e ambientais. A literatura sobre o tema considera as
características individuais, tais como, a maneira como os filhos avaliam as situações de
conflito, as respostas de “coping”, o tônus fisiológico (7) e a inteligência. Esses fatores são
significativos e influenciam a relação entre conflito conjugal e as respostas da prole.
Enquanto a parentalidade é a característica primária a ser considerada como variável de
proteção ou de risco, as autoras enfatizam que pode ser um recurso, um mecanismo e um
fator de proteção ou vulnerabilidade. Apesar da associação entre parentalidade e respostas
das crianças e adolescentes ser bidirecional e recíproca, a maioria dos estudos tem efetuado
a análise em apenas uma direção.
É importante ressaltarmos as respostas, reações e comportamentos previstos pelos
adolescentes ao analisarmos os efeitos dos conflitos conjugais para esta fase do
desenvolvimento, visto que, nesta etapa do ciclo vital, eles apresentam características
específicas quanto ao modo de agir, sentir e pensar, bastante significativas que refletem na
expressão/manifestação dos conteúdos e temas abordados por eles.
A adolescência refere-se a uma etapa do desenvolvimento humano em que ocorrem
(6) A perspectiva da resiliência coloca atenção em como conflito marital interage com outros fatores de risco
e também como os recursos internos e externos dos filhos protegem a exposição aos conflitos (p. 30).
(7) Tônus fisiológico medida da ramificação parassimpática, do sistema nervoso central, que é um marco
fisiológico da habilidade da criança em focalizar o processo de atenção e inibir a ação imprópria (Katz e
Gottman, apud Margolin, Oliver e Medina, 2001, p. 25).
61
profundas transformações biopsicossociais no ciclo vital do indivíduo. É considerado um
processo de crise previsível pelo fato de requerer adaptação às novas demandas
fisiológicas, corporais, psicológicas e sociais.
Campos (2002) considera o período de adolescência entre 12 e 18 anos de idade.
Para os autores que definem este período em termos fisiológicos, essa fase tem início por
volta dos 10 anos e meio (Pearson, 1966). Hurlock (1971) a considera a partir dos sinais de
maturação sexual, ou seja, aos 13 anos, aproximadamente, para as meninas e 14 anos para
os meninos. Quanto ao seu término, alguns indicadores psicológicos, sociais e legais de
amadurecimento são considerados e pode ocorrer desde os 18 (Campos, 2002; Losacco,
2003), 21 (Hurlock, 1971) ou até 25 e 27 anos de idade (Aberastury e Knobel, 1981),
período em que o adolescente geralmente passa para a fase adulta. De qualquer forma, essa
fase é delimitada de acordo com a cultura, características pessoais (fisiológicas e
psicológicas), familiares, ambientais e sociais do indivíduo.
De acordo com Aberastury e Knobel (1981) nesta etapa específica do ciclo vital, o
indivíduo apresenta as seguintes características: 1) busca de si e da identidade; 2) tendência
grupal; 3) necessidade de intelectualizar e fantasiar; 4) crises religiosas que podem ir desde
o ateísmo, mais intransigente, até o misticismo mais fervoroso; 5) deslocalização temporal,
onde o pensamento adquire as características de pensamento primário; 6) evolução sexual
manifesta que vai do auto-erotismo até a sexualidade genital adulta; 7) atitude social
reivindicatória com tendências anti ou associais de diversa intensidade; 8) contradições
sucessivas nas manifestações na conduta dominada pela ação, que constitui a forma de
expressão conceitual mais típica deste período de vida; 9) separação progressiva dos pais; e
10) constantes flutuações do humor e do estado de ânimo. Os autores enfatizam que o
problema atual da adolescência se faz diante de uma sociedade difícil, incompreensiva,
hostil e inexorável. Eles afirmam:
“.....A tendência que caracteriza esta etapa é, do ponto de vista do indivíduo, a necessidade do jovem começar
a fazer parte do mundo do adulto e os conflitos que surgem têm a sua raiz nas dificuldades para ingressar
nesse mundo e nas dificuldades do adulto para dar passagem a essa nova geração que lhe imporá uma revisão
crítica de suas conquistas e do seu mundo de valores........a característica da adolescência é que a criança,
62
queira ou não, vê-se obrigada a entrar no mundo do adulto.........o que aprendeu como criança, em
aprendizagem e adaptação social, não lhe serve mais. O mundo externo e ela mesma exigem uma mudança
em toda a sua personalidade. Frente a esta invasão, a primeira reação afetiva da criança é o refúgio em seu
mundo interno; é como se ela quisesse reencontrar-se com os aspectos do seu passado para poder enfrentar
depois o futuro........quando se afasta do mundo exterior e se refugia no mundo interior é para estar seguro (p.
89)......outro problema central do adolescente é a busca de sua identidade.....” (p. 90).
Um processo na conquista de autonomia, individuação dos pais e re-significação do
mundo em direção à vida adulta, porém, utilizando ainda mecanismos infantis, de caráter
egocêntrico, o adolescente vivencia espaços de contradição e ambigüidades muitas vezes
dolorosos. Segundo Losacco (2003), “o adolescente é um viajante que deixou um lugar e
ainda não chegou no seguinte...vive um intervalo entre liberdades anteriores e
responsabilidades/compromissos subseqüentes; vive uma última hesitação antes de sérios
compromissos na fase adulta” (pp. 68-69).
Quanto ao seu desenvolvimento mental, Campos (2002) assinala que o pensamento
mágico infantil cede lugar ao pensamento baseado em evidências dos fatos reais. Modifica
o panorama da logicidade e da fatalidade dos acontecimentos e passa a procurar as relações
de causa e efeito no que ocorre a seu redor. O desenvolvimento da consciência de si
mesmo, descoberta do mundo interior, o leva à reflexão. A interiorização do pensamento
leva-o a tornar-se mais suscetível aos estímulos internos e à respectiva interpretação,
desperta, assim, um interesse crescente em compreender-se e compreender as coisas e
pessoas que o rodeiam.
A autora acrescenta que uma das conseqüências do exercício do pensamento lógico
leva-o a atitudes polêmicas com a função de atingir ao menos uma das três finalidades: 1)
defender-se, tentando libertar-se da influência do adulto, a fim de fazer-se reconhecer
como pessoa que pode e que quer; 2) exercitar-se no jogo de palavras e frases-raciocínio
que tanto o fascina; e 3) exibir-se tentando aparecer como inteligente e capaz
intelectualmente. A relação de sua capacidade cognitiva com a auto-realização parece
ainda difícil de ser estabelecida, pois, as dificuldades de reconhecimento de seus próprios
limites, mantêm o ideal de conquista num patamar irrealista. O julgamento moral pode ser
63
capaz de gerar um comportamento crítico em excesso em função do não reconhecimento
dos conflitos internos, das contradições do self e do outro (Souza e Ramires, 2006).
Com relação à família, apesar das modificações ocorridas nas novas configurações,
o contexto familiar é ainda um “porto seguro” para os jovens. Mesmo porque os
adolescentes têm a constatação de que a relação pais e filhos garantem uma condição de
amor incondicional (Souza e Ramires, 2006).
Segundo Losacco (2003), as alterações primordiais das novas configurações
incidem sobre a qualidade da apreensão, da função e do desempenho dos papéis intra e
extranúcleo familiar. Acrescenta, ainda que, devido ao período de vida composto por
momentos de particular complexidade, “o jovem necessita de parceiros que o ajudem a
construir formas adequadas de superação das incertezas e dos conflitos advindos das novas
experiências corporais e relacionais” (p. 67), indicando, assim, a necessidade de uma maior
atenção no acompanhamento de seu processo de desenvolvimento e inserção social. Porém,
atualmente, “o tempo destinado à convivência familiar é mais escasso, seja pela jornada de
trabalho em razão das necessidades econômicas, seja por solicitação de atividades externas
exercidas individualmente ou com grupos extrafamiliares. Esse processo favorece,
freqüentemente, o enfraquecimento da coesão familiar”.
Com relação aos adolescentes das camadas médias da população, Losacco (op. cit.)
enfatiza que a dependência financeira dos pais é fator preponderante em sua trajetória. “A
competição desenfreada impressa pela sociedade desencadeia um comportamento
altamente individualista” (p. 72). De certa forma, “a dependência econômica, por vezes,
serve como instrumento direcionador e impedidor da aquisição da autonomia necessária
para o ingresso na vida adulta”, visto que, “quanto maior a dependência financeira, menor
a autonomia do jovem para construir seu “ser no mundo”.
Diante de tal complexidade, o adolescente encontra-se com poucos parâmetros para
a re-significação de conteúdos dos quais, frente à sua crise (previsível) do ciclo vital, terá
que “dar conta” sozinho. Os obstáculos de seu próprio processo de desenvolvimento, a
64
imaturidade e necessidade de autonomia, associados à impotência das exigências do
mundo adulto fazem da adolescência uma fase especial diante das repercussões dos
conflitos interparentais.
3.1. Conflitos Conjugais e Adolescentes
Considerando o impacto dos conflitos conjugais para os adolescentes devemos
assinalar que existe no jovem um processo de desenvolvimento cognitivo mais
amadurecido que os coloca numa situação específica quanto à maneira como compreendem
e se inserem no contexto familiar. Conforme mencionado, anteriormente, os adolescentes
tem a percepção do conflito mais próxima da percebida pelo adulto, o que lhes confere uma
vivência em que conseguem discriminar a complexidade dos sentimentos e motivações
envolvidas nas discórdias entre os pais, compreender as emoções e intenções conflitantes,
assim como, discriminar melhor e confrontar seus sentimentos e interesses com os dos pais.
Paralelo a isto, eles estão num momento de vida em que tentam se diferenciar dos pais e
conquistar uma autonomia própria na exploração e busca de individuação.
Desta forma, estaremos considerando os estudos mais recentes a respeito dos efeitos
dos conflitos conjugais no processo de desenvolvimento emocional e cognitivo do
adolescente e sua inserção no contexto familiar, com pais divorciados e não divorciados.
Burns e Dunlop (2002) num estudo longitudinal realizado com adolescentes de 13 a
16 anos e reavaliados 10 anos depois, constataram que grande envolvimento com conflitos
interparentais os levaram a desenvolver atitudes de desconfiança nos relacionamentos
íntimos na própria conjugalidade. A desconfiança no relacionamento foi alta nos grupos de
filhos de pais divorciados e daqueles não divorciados cujos adolescentes estavam
envolvidos nos conflitos conjugais. As autoras enfatizaram que o envolvimento nos
conflitos maritais tem efeito a longo prazo, porém, o efeito demonstrou ser similar para os
dois grupos (filhos de pais divorciados e não divorciados). No estudo, citam Cashmere e
Goodnow (1985) ao assinalarem que a visão dos filhos sobre a atitude e comportamento
65
dos pais varia muito da descrição feita pelos próprios genitores, assim como, a percepção
dos jovens e seu nível de envolvimento com os conflitos influenciam no ajustamento
psicológico e social. O grau de conflito percebido no início da adolescência influencia a
auto-imagem e o nível de ansiedade, porém, não houve diferença significativa entre os
grupos de filhos de pais divorciados e não divorciados.
Na investigação, o único preditor de auto-estima encontrado foi relacionado ao
gênero, ou seja, adolescentes/rapazes (nos dois grupos) apresentaram melhor auto-imagem
do que as moças. A pesquisa demonstra que a auto-estima do adulto não é influenciada por
sua auto-estima no passado e isto indica a adolescência como fase de transformação onde
podem ser revisadas as questões da infância. De acordo com as pesquisadoras, os aspectos
disfuncionais do passado, relativos ao relacionamento dos pais, não precisam perseguir a
criança na vida adulta pois o relacionamento contemporâneo (mais do que passado)
demonstra ser mais importante.
Burns e Dunlop (2003), utilizando a mesma amostragem e procedimento do estudo
anterior (2002), publicaram os resultados referentes às características de personalidade dos
pais e adolescentes (depressão, ansiedade, sensibilidade e submissão) e concluíram que
quanto maior a maturidade socio-emocional (auto-confiança, controle dos impulsos,
responsabilidade, empatia e cooperação) dos adolescentes (percebida, independentemente,
pelos pais e filhos) maior a maturidade socio-emocional destes na vida adulta (adolescentes
reavaliados 10 anos depois) direcionada para um melhor sucesso no relacionamento
conjugal (ajustamento conjugal e resolução de conflitos).
Neste estudo, o divórcio dos pais ocorreu durante o período de adolescência dos
filhos e os resultados não demonstraram diferenças significativas entre os grupos
(divorciados e não divorciados), dando evidências de que os adolescentes são menos
suscetíveis a sofrerem influências negativas se comparados com crianças maiores, o que
reforça a concepção de que a habilidade cognitiva e uma certa autonomia emocional são
responsáveis por este tipo de efeito. Os resultados indicam que os diferentes aspectos da
personalidade dos pais exercem uma importante função na estabilidade dos
66
relacionamentos e as características de personalidade dos pais, mais do que o
relacionamento marital, demonstram maior influência na transmissão intergeracional do
sucesso na conjugalidade dos filhos.
Buehler e Gerard (2002) ao analisarem a relação entre conflito conjugal,
parentalidade ineficiente e ajustamento de crianças e adolescentes em famílias de diferentes
etnias e renda familiar, incluindo população em nível de pobreza, concluíram que conflitos
conjugais são associados com um maior uso de disciplina severa pelos pais, baixo nível de
envolvimento dos pais com os filhos e maior freqüência de conflitos pais-adolescentes,
consequentemente, maiores dificuldades no ajustamento de crianças e adolescentes. O
efeito “spillover” (alta freqüência de conflito entre os pais está relacionada com maiores
problemas nas relações dos pais com os filhos) do conflito conjugal e as dificuldades no
ajustamento dos filhos, através da parentalidade ineficiente, foram observados em meninos
e meninas de famílias originárias de diferentes grupos étnicos e nível socio-econômico.
De acordo com os resultados do estudo, um dos efeitos deletérios dos conflitos
conjugais, especificamente desacordos e agressões verbais, refere-se ao nível e freqüência
com que os pais tendem a espancar, dar bofetadas/tapas, gritar com seus filhos, ou mesmo
brigar. Este tipo de hostilidade física e/ou verbal dos pais, apesar de não ser considerada
abusiva pela maioria das famílias, apresenta uma covariância com o ajustamento de
crianças e adolescentes. Um outro aspecto deletério do conflito conjugal está associado
com o baixo nível de envolvimento dos pais. Pais são menos atentos com os filhos, passam
pouco tempo com eles, fazem pouca leitura, brincam menos e estão mais engajados em
atividades sociais. Na medida em que o conflito entre os pais aumenta, tornam-se mais
absorvidos pelos problemas do relacionamento conjugal, menos disponíveis para os filhos
e mais preparados a utilizarem práticas disciplinares punitivas com menos argumentação
verbal. Estes resultados indicam que adolescentes cujos pais apresentam um tipo de
relacionamento que tende a afastá-los, através da coerção e hostilidade, podem desenvolver
um padrão de comportamento agressivo e desviante.
67
Schulz, Waldinger, Hauser e Allen (2005) ao analisarem a relação entre hostilidade
interparental e comportamento dos adolescentes em três diferentes momentos (aos 14, 15 e
16 anos) durante interação familiar, incluindo adolescentes hospitalizados em razão de
dificuldades psiquiátricas e adolescentes de população não clínica, concluíram que
interações familiares com maior hostilidade interparental foi acompanhada de maiores
expressões de hostilidade dos pais em relação aos filhos. Constataram, também, que quanto
maior a hostilidade entre os pais maior hostilidade expressa dos adolescentes ao se
engajarem nos temas familiares sobre os dilemas morais, independente do histórico
psiquiátrico dos participantes. Esses resultados indicam um padrão comum de
comportamento apresentado pelos adolescentes na presença dos conflitos conjugais, sendo
consistentes com estudos apresentados por outros pesquisadores. Os autores consideraram
que a hostilidade e o engajamento hostil dos filhos nos dilemas morais podem ser
funcionais, na medida em que os jovens que ficam emocionalmente fechados diante das
discórdias parentais podem tentar recuperar o senso de segurança emocional respondendo
através de ações hostis, a fim de obter o controle da situação ou mesmo tentar ter a atenção
dos pais reduzindo a possibilidade da continuidade dos conflitos.
Os pesquisadores acrescentam ainda que, o estudo indica que o processo e a
capacidade de regular/controlar as emoções podem determinar com que os adolescentes
utilizem respostas hostis ou facilitadoras (não hostis) diante das discórdias dos pais.
Argumentam que os adolescentes considerados mais capazes de moderar suas expressões e
comportamentos emocionais quando expostos a sentimentos negativos são menos
propensos, do que os jovens com mais dificuldades, a aumentarem a hostilidade na
presença das discórdias conjugais. Conforme o esperado pelos pesquisadores, a qualidade
da relação entre pais e filhos assume um papel importante em predizer o comportamento do
adolescente na interação familiar, pois as crianças que geralmente são expostas a maiores
hostilidades entre os pais tendem a utilizar estratégias hostis e menos construtivas na
presença deles.
Acrescentam ainda que, na investigação, o grau de covariância entre a hostilidade
do adolescente e a dos pais depende, em parte, da idade do adolescente no momento de
68
observação da interação familiar. Conforme os adolescentes cresceram estes passaram a
apresentar menor disponibilidade de respostas hostis nas discussões entre os pais,
demonstrando que a tendência no desenvolvimento pode refletir o aumento do controle
emocional ou mudanças no significado das discórdias parentais para eles. Quanto maiores e
mais autônomos demonstraram ser os adolescentes, maior a tendência a ficarem menos
preocupados e se distanciarem mais dos conflitos para a preservação do próprio bem estar
emocional, e conseqüentemente, menos afetados pelas hostilidades dos pais.
Finalizando, os autores consideraram impossível ter uma clareza a respeito da
direção dos efeitos da hostilidade entre pais e filhos, ou seja, até que ponto o
comportamento do adolescente é influenciado ou influencia a hostilidade entre os pais.
Mesmo quando a relação entre os resultados parece ser fidedigna, a linguagem específica e
os significados ocultos que existem dentro da família, assim como, a complexidade das
interações pode desafiar a análise do direcionamento das influências. Por outro lado, os
adolescentes podem variar na habilidade e disponibilidade de nomear e apresentar suas
reações e discutir aspectos emocionais de suas vidas. De qualquer forma, parece claro
identificar que, como um mecanismo do relacionamento, o desequilíbrio emocional dos
adolescentes está relacionado com a flutuação da hostilidade interparental.
A partir de conceitos e princípios da visão sistêmica sobre família, Grych, Raynor e
Fosco (2004) analisam os processos de proteção e risco envolvidos no impacto dos
conflitos conjugais para adolescentes de diferentes etnias e grupos socioeconômicos. Eles
assinalam a triangulação como um processo em que a exposição de crianças e adolescentes
às discórdias conjugais aumenta o risco de desenvolverem problemas emocionais e
cognitivos pois estarão mais vulneráveis às dificuldades advindas da dinâmica familiar
estabelecida pelo contexto. No processo de triangulação, crianças e adolescentes são
envolvidos ou se sentem atraídos a entrarem no meio dos desentendimentos entre os pais e
isto representa uma violação das fronteiras entre dois subsistemas: conjugal e pais-filhos.
Os autores consideram a triangulação como tentativa de evitar a expressão aberta dos
conflitos conjugais colocando atenção na criança/adolescente ou no esforço de um dos pais
em angariar o suporte do filho na situação.
69
Na investigação realizada, os pesquisadores concluíram que os adolescentes são
mais propensos a entrarem em processos de triangulação nas desavenças conjugais na
medida em que o conflito aumenta em freqüência e intensidade. O estudo demonstra que a
triangulação afeta adolescentes de famílias divorciadas e não divorciadas de maneira
similar, porém, parece ser mais comum ocorrerem em famílias divorciadas pois eles estão
freqüentemente propensos a serem colocados numa posição de maior proximidade de um
dos pais, o que é visto como uma traição ao outro, ampliando, assim, o conflito de lealdade
dos filhos comumente estabelecido na triangulação. Desta forma, a triangulação pode afetar
o relacionamento entre pais e filhos, assim como, as crianças e adolescentes podem
triangular os conflitos conjugais e conseqüentemente desenvolver uma aliança mais forte
com um dos pais e se distanciar do outro.
Acrescentam que a triangulação não é sempre iniciada pelos pais pois alguns
adolescentes podem utilizar este processo para interferir nas discórdias a fim de reduzir a
tensão que eles experimentam. Por outro lado, ao se colocarem no meio do conflito dos
pais ou serem compelidos a se colocarem do lado de um dos genitores contra o outro a
maioria dos adolescentes pode sentir enorme tensão, assim como, gerar ansiedade,
ressentimento ou culpa. Se a triangulação se torna um padrão consistente dos
relacionamentos, nos momentos em que os pais estão em discórdia, estes sentimentos
podem ser persistentes e levarem os filhos a desenvolverem problemas emocionais e
cognitivos. Desta forma, a triangulação pode resultar num processo em que os adolescentes
se tornam o alvo da hostilidade e agressão dos pais o que levaria a uma série de
dificuldades nos relacionamentos familiares.
Os autores consideram que a violação das fronteiras dos relacionamentos pode ser
especificamente problemática para os jovens devido à fase de desenvolvimento em que se
encontram. Os adolescentes estão numa faixa etária em que buscam uma individualização e
o envolvimento nas disputas conjugais ou na colisão entre as gerações pode interferir no
esforço de estabelecerem uma maior autonomia dos pais.
70
Por outro lado, um outro aspecto deste estudo indica que adolescentes com forte
aliança com um dos pais demonstram ser menos ameaçados pelos conflitos e menos
propensos aos sentimentos de culpa quando as discórdias ocorrem. A segurança no vínculo
com um dos pais permite que possam fazer a separação dos desacordos conjugais e evita
que tenham que assumir a responsabilidade ou se sentirem compelidos a resolver a
situação. Desta forma, apesar dos conflitos conjugais tenderem a influenciar a qualidade
das relações familiares, pais que se mantém dando suporte, atenção e respondendo às
demandas emocionais de seus filhos, apesar das desavenças, podem reduzir os efeitos
adversos associados às discórdias na conjugalidade, indicando, também, a tendência de que
a proximidade com um genitor ou ambos possa gerar um fator de proteção.
O tipo de parentalidade exercida dentro da família é significativo para os efeitos dos
conflitos, independente do gênero dos pais. Doyle e Markiewicz (2005) desenvolveram um
estudo longitudinal e constataram que apesar dos conflitos conjugais serem considerados,
na literatura, de alta correlação com os problemas emocionais e cognitivos dos filhos essas
associações são mediadas pela parentalidade. Os conflitos entre os pais afetam
negativamente a parentalidade, porém, a maneira com que os pais interagem diretamente
com seus filhos pode significar mudanças nos índices de ajustamento.
As autoras constataram que o controle psicológico dos pais, caracterizado por
utilizar zombarias (chamar o adolescente por nomes pejorativos), induzir culpa e ansiedade
(afirmar que o adolescente causa stress) e argumentar utilizando coerção e hostilidade, foi o
fator de maior influência na análise dos problemas de ajustamento dos filhos e isto é
consistente com a visão de que essa técnica de parentalidade induz a vergonha, ansiedade e,
em especial, culpa. Por outro lado, o envolvimento caloroso dos pais diminui os problemas
de ajustamento e aumenta a auto-estima dos filhos, enquanto o estilo de apego inseguro
especialmente ansiedade sobre ser ou não merecedor do amor parental, foi relacionado com
problemas de adaptação emocional e cognitivo apresentados pelos adolescentes.
Outra importante pesquisa que confirma os efeitos dos conflitos conjugais,
mediados pela parentalidade, para o ajustamento psicológico e social dos adolescentes foi
71
realizada por Bradford, Barber, Olsen, Maughan, Erickson, Ward e Stolz (2004) em 11
diferentes nações (Bangladesh, China, Índia, Bósnia, Alemanha, Palestina, Colômbia,
Estados Unidos e três grupos étnicos da África do Sul) com 9.050 jovens entre 14 e 17 anos
que cursavam diferentes escolas de áreas metropolitanas. Este estudo demonstra a
relevância da parentalidade como função mediadora (direta ou indireta) dos efeitos dos
conflitos maritais nas respostas psicológicas e sociais dos adolescentes. Os autores
enfatizam que conflitos colocam em risco crianças e adolescentes quanto aos problemas de
comportamento, porém, não necessariamente compromete a função adaptativa dos jovens
que pode sofrer mudanças a partir do exercício da parentalidade. Consideram como um
aspecto positivo do estudo o fato de terem encontrado padrões comuns discerníveis na vida
dos jovens de diferentes nacionalidades, religiões, línguas, classes sociais, etc que
apresentam os mesmos aspectos de compartilhamento quanto aos efeitos e riscos para esta
população advindos dos conflitos interparentais.
A complexidade que envolve a análise dos efeitos dos conflitos conjugais para os
adolescentes deve conter os aspectos referentes às concepções dos conflitos vividos e
expressos nessa fase específica do ciclo vital, assim como, as variáveis atuantes advindas
do contexto familiar compõem padrões próprios repletos de significados de uma população
que se prepara para assumir seus papéis na conjugalidade.
72
Capítulo IV - MÉTODO
Considerando o objetivo da investigação, o modelo de pesquisa adequado é o estudo
de pesquisa-intervenção/qualitativa, no qual o foco de atenção é a construção da história
coletiva em que se permite apreender o conjunto de processos como o lugar onde se efetua
a conjunção entre a história de grupos e de coletividades e a dos indivíduos que as
constituem (Levy, 2001).
Levantar a construção dos significados da “realidade” vivida num contexto grupal a
respeito de como os participantes percebem conflitos conjugais e como enfrentam estes
conflitos na situação familiar. Neste estudo, o importante é compreender a história coletiva
onde se constrói a história da família (Levy, 2001). Abordar a realidade sobre como os
participantes a percebem, compreender o significado dado pelo grupo, da realidade social
“construída”, pelos atores sociais, através dos significados atribuídos por eles. Assim,
levarmos em conta o que os atores sociais dizem e pensam, no marco das relações
intersubjetivas (Taylor & Bogdan, 1986; Vasilachis de Gialdino, 1992; Araújo e Carreteiro,
2001).
Apesar de ser uma investigação que visa compreender os processos pela via de uma
população não-clínica (os participantes do grupo não são clientes de psicoterapia da
pesquisadora), este trabalho caracteriza-se como uma pesquisa clínica-social, ou seja, irá
compreender o ponto de vista dos atores sociais, tentando circunscrever o contexto social
ou coletivo das representações individuais, considerando as relações dialéticas entre estes
dois pontos (Sévigny, 2001).
Na compreensão clínica, o movimento dinâmico é o que dá sentido à realidade
construída, ou seja, a de “...uma experiência subjetiva (um sofrimento, um mal-estar) de
uma história imaginada, que carrega o traço de traumatismos antigos, reais ou supostos,
individuais ou coletivos, que foram objeto de esquecimento ou de preclusão e não a do
mundo objetivo, que nossos sentidos nos dão a perceber” (Levy, 2001, p. 35). Neste
73
trabalho, tentamos compreender o sentido que os atores dão aos dados objetivados ou
objetivos ao analisar a situação de como é compreendida pelos próprios atores sociais e, de
como é interpretada por eles (Sévigny, 2001).
De acordo com Levy (2001), a clínica social se impõe como “....uma démarche
específica, simultaneamente de pesquisa e de intervenção, junto a grupos e organizações
sociais de qualquer natureza, confrontados com situações de crise que afetam suas
estruturas e seus modos de funcionamento, assim como as pessoas que nelas se encontram
implicadas...........visando a melhor compreender os processos de mudanças, e as mutações
sociais e psicológicas que acarretam, permitindo reconhecer, em toda sua complexidade, as
diversas dimensões de fenômeno” (p. 13).
Os atores sociais são participantes conscientes que colaboram com o pesquisador
representando uma base suficiente de fonte de dados e informações. Utilizando a
comunicação como ferramenta para acessar os significados, através de uma linguagem
conotativa e metafórica (Vasilachis de Gialdino, 1992).
Sob esta perspectiva, o investigador deve estar envolvido e, ao mesmo tempo,
mantendo uma certa distância que permita apreender e estabelecer o relacionamento das
dimensões da experiência aparentemente desconectadas (Levy, 2001). O investigador tenta
aproximar-se dos indivíduos-chave e de todos os indivíduos do grupo, mas nunca se
converte numa parte dele, nem se identifica com eles. (Moreno, 1975). Estando consciente
da interferência de sua subjetividade, bem como de sua responsabilidade pelas informações
apuradas e resultados obtidos.
A estratégia metodológica utilizada foi o Sociodrama Temático sobre o tema
“conflitos conjugais”. O sociodrama, enquanto processo grupal, permite com que através da
composição coletiva, os indivíduos de um grupo possam expressar sua subjetividade. Trata-
se de um procedimento dramático específico, baseado nos conceitos da teoria dos papéis
sociais em que fornece indícios de como os papéis sociais interagem no desenvolvimento
das atividades comuns do grupo estudado. Baseia-se no pressuposto de que um grupo
74
organizado em qualquer contexto possui papéis sociais que todos os indivíduos da mesma
cultura compartilham em diversos graus (Moreno, 1975, 1992).
O sociodrama possibilita a visualização dos conflitos coletivos e permite fazê-los
emergir à compreensão dos indivíduos de um grupo (Menegazzo e cols., 1995). Permite,
também, atuar num processo de investigação e terapêutica numa dimensão social em que o
foco é a identidade comum do drama coletivo, sendo que parte do conflito social para sua
subjetivação (Zampieri, 2002).
Enquanto procedimento de investigação e intervenção, o sociodrama trabalha na
intersecção entre o fenômeno social e o indivíduo. O verdadeiro sujeito de um sociodrama é
o grupo, dentro de uma problemática social (Moreno, 1975).
No sociodrama desta pesquisa, os participantes foram solicitados a assumirem
diferentes papéis (8) dos personagens de uma família imaginária e construíram cenas
dramáticas sobre conflitos conjugais. Eles utilizaram a improvisação para construírem e
atuarem os papéis internalizados num contexto coletivo de interação e compartilhamento. A
cena improvisada possibilitou a expressão livre através da ação criadora.
Desta forma, através do processo grupal, o Sociodrama Temático, baseado nos
roteiros de entrevista em grupo (anexos 1 e 2), teve como objetivo o levantamento e a
compreensão de como os filhos percebem e enfrentam conflitos conjugais.
(8) De acordo com Moreno (1978), papel é uma cristalização final de todas as situações numa área especial de
operações por que o indivíduo passou. O papel pode ser definido como as partes reais e tangíveis que o eu
adota. Pode ser definido como uma pessoa imaginária, um personagem ou função assumida na realidade
social (p. 206). É uma forma de funcionamento que o indivíduo assume no momento específico em que reage
a uma situação específica, na qual outras pessoas ou objetos estão envolvidos (p. 27). Pode ser, também,
definido como uma unidade de experiência sintética em que se fundiram elementos privados, sociais e
culturais (p. 238). Todo papel é fusão de elementos particulares e coletivos; é composto de duas partes seus
denominadores coletivos e seus diferenciais individuais (Moreno, 1992, p. 178). No procedimento deste
estudo, o papel será considerado através de um personagem da dramatização, por exemplo, pai, mãe, filhos,
empregada, avó, etc.
75
4. 1. Participantes
Os participantes do estudo foram 45 adolescentes, de uma população não clínica,
entre 13 e 16 anos (média: 14,28), 27 do sexo feminino e 18 do masculino. Os adolescentes
foram divididos em quatro grupos (dois grupos de filhos de pais de primeiro casamento e
dois de pais separados/divorciados/segundo casamento) de alunos de uma instituição
particular de ensino na zona oeste da cidade de São Paulo, pertencentes às camadas médias
(média-baixa, média-média e média-alta) da população.
A relativa homogeneidade do nível sócio-econômico-cultural permite proporcionar
similaridades decorrentes dos contextos familiares, mas também, uma certa variabilidade
devido às vivências subjetivas e particulares dentro de cada família.
Quanto à caracterização dos adolescentes dos grupos de pais de primeiro casamento,
dos 24 participantes, 12 foram do sexo feminino e 12 do masculino. Com relação à
configuração familiar: 23 viviam com os pais e mais um membro da família extensa (tio,
tia, sobrinho, prima e cunhado), 3 deles não tinham irmãos, 14 viviam com um(a)
irmão/irmã e 7 com dois ou três irmãos, variando entre 7 e 32 anos.
Nos grupos de filhos de pais separados/divorciados/segundo casamento, dos 21
participantes, 15 do sexo feminino e 6 do masculino, de acordo com a seguinte
configuração familiar:
Tabela 1 Com quem vivem
Membros da Família
Pai / Mãe / Irmãos / Outros* 7
Mãe / Irmãos / Outros 7
Mãe / Padrasto / Irmãos / Outros 3
Pai / irmãos 2
Avó / Irmão 2
* Tia, Prima e Avó
76
Tabela 2 Tempo de separação dos pais
Tempo de Separação dos Pais
1 a 2 anos 2
2 a 4 anos 6
4 a 6 anos 1
Acima de 6 anos 4
Nunca se casaram 2
Tabela 3 Configuração familiar de origem
Origem Familiar
1º Casamento dos Pais 10
Casamentos dos Pais 3
2º Casamento do Pai 4
2º Casamento da Mãe 2
Pais não se casaram 2
Tabela 4 Configuração familiar atual - Pai
PAI
Sim Não Mais de uma vez
Casou 3 6 0
Sim Não Tempo
Mora com Alguém
6 7 4-13 anos
Sim Não Tempo
Namora
2 3 7 meses - 3 anos
77
Tabela 5 Configuração familiar atual Mãe
MÃE
Sim Não Mais de uma vez
Casou 1 8 1
Sim Não Tempo
Mora com Alguém
7 7 Menos de 1 ano -13 anos
Sim Não Tempo
Namora 2 3 1 mês menos de 1 ano
Tabela 6 Separação legal e disputa judicial
Separação Legal Disputa Judicial
Sim Não Sim Não
11 5 2 12
4.2. Procedimento
Como estratégia de abordagem, a escola foi inicialmente contatada para a efetivação
do trabalho. Após a exposição do objetivo da pesquisa para a orientadora geral e de ensino,
a Instituição autorizou e assumiu o estudo como parte de um projeto sobre “Qualidade de
Vida do Adolescente” que já estava sendo implementado desde o início do ano. Os alunos
escolhidos como público alvo pertenciam à oitava série em virtude da faixa etária (13-16
anos) previamente determinada.
Um termo de autorização do estudo foi assinado pela escola. Num encontro inicial
estabelecido com os alunos, estive pessoalmente nas quatro salas de oitava série (turmas A,
B, C e D) apresentando o objetivo da pesquisa e convidando-os a participar dos grupos,
mediante a autorização, dos pais ou responsáveis, fornecida pela coordenação pedagógica.
78
A duração, objetivo e tipo de atividade foram esclarecidos e algumas perguntas respondidas
a fim de elucidar as possíveis dúvidas.
As datas da realização dos grupos foram previamente marcadas e os alunos
poderiam se inscrever, caso houvesse interesse em participar, em apenas um dos quatro
grupos. Os encontros ocorreram, respectivamente, em quatro segundas-feiras consecutivas
das 13:30 hs às 16:00 hs e foram realizados da seguinte forma: Grupo 1 com filhos de pais
de primeiro casamento; Grupo 2 com filhos de pais separados/divorciados/segundo
casamento; Grupo 3 com filhos de pais de primeiro casamento e Grupo 4 com filhos de pais
separados/divorciados/segundo casamento.
Os grupos foram compostos da seguinte forma: Grupo 1 12 participantes, 5 do
sexo feminino e 7 do masculino; Grupo 2 11 participantes, 11 do sexo feminino; Grupo 3
12 participantes, 7 do sexo feminino e 5 do masculino e Grupo 4 10 participantes, 4 do
sexo feminino e 6 do masculino.
O horário dos encontros foi agendado com a orientadora pedagógica para que não
interferisse nas atividades de classe. Para cada grupo foi oferecido almoço aos participantes
na cantina da escola e, logo após, foi dado início ao trabalho numa sala reservada
especialmente para a realização da pesquisa.
Foram realizados quatro Sociodramas Temáticos (um com cada grupo), referente ao
tema “conflitos conjugais”, orientados por dois roteiros de entrevista em grupo utilizados
para objetivar e complementar as informações, impressões, opiniões e percepções dos
participantes a respeito de como compreendem os conflitos conjugais e como os enfrentam.
Os roteiros foram construídos evolutivamente no decorrer dos grupos (anexos 1 e 2).
Os encontros foram gravados e contaram com a participação de dois profissionais
técnicos em áudio, assim como, o acompanhamento da orientadora dessa pesquisa. Após a
realização dos sociodramas, foram requisitados aos participantes os consentimentos para a
utilização das falas gravadas, garantindo o cuidado com a não identificação pessoal nem a
79
dos demais integrantes das cenas e histórias familiares construídas e/ou relatadas. Caso os
participantes não concordassem, teriam a opção de não preencherem uma ficha contendo
seus dados pessoais (anexos 3 e 4), porém, todos concordaram com o procedimento.
No Sociodrama Temático, a problemática investigada é iniciada no contexto grupal,
pela inter-relação de seus elementos, partindo da questão proposta pelo investigador para
sua subjetivação.
Através do sociodrama podemos conduzir à realidade objetiva a partir da
subjetivação do grupo. A ação por si mesma conduz à realidade objetiva do grupo
(Zampieri, 1996; 2002; Marra e Costa, 2004).
O conteúdo do grupo é considerado através de como seus elementos se inter-
relacionam. Isso é possível tecnicamente pela representação dos papéis sociais no cenário
sociodramático (Zampieri, 2002).
Ao fina l do trabalho, os participantes construíram um relato sobre o vivenciado,
uma reflexão pessoal de participação na experiência dramática, ao “sair” dos personagens
interpretados na dramatização com o que houve na experiência (Monteiro e Brito, 2000).
Compartilharam seus sentimentos, idéias, pensamentos e emoções ocorridos dentro da
temática proposta. Expressaram as identificações mais significativas e o conhecimento foi
sendo co-construído, elaborado e sistematizado.
O Sociodrama Temático foi realizado em cinco etapas. Os grupos do estudo
passaram por todas as etapas sendo que o primeiro grupo considerado (Grupo 1), também,
como “grupo piloto” serviu de modelo e parâmetro do procedimento para os demais. A
partir das sugestões e comentários dos participantes, no final do trabalho, algumas
modificações foram feitas para que pudesse compor um procedimento mais integrado.
A primeira etapa, chamada Aquecimento Inespecífico, foi utilizada para preparar o
grupo para o tema proposto. Inicialmente, me apresentei e pedi para os demais participantes
80
que se apresentassem, utilizando o nome escrito num “crachá” colocado na blusa para
facilitar a identificação daqueles que não se conheciam. Discutimos a proposta, respondi às
dúvidas, estabelecemos o período de trabalho, assim como, o consentimento verbal do
grupo para a utilização da gravação.
Na segunda etapa, chamada Aquecimento Específico, dei início ao preparo do
grupo para trabalhar o tema “conflitos conjugais”. No primeiro grupo (Grupo 1) o
aquecimento foi corporal: em pé, todos caminharam respirando profundamente e sentindo o
próprio corpo, experimentando sensações de calor, frio, chuva e finalizaram num círculo
em que passaram a construir verbalmente uma história coletiva sobre conflitos conjugais
numa família fictícia. Cada participante determinava um aspecto da trama e aos poucos o
enredo foi surgindo contendo os personagens por eles definidos. A queixa apresentada por
este grupo foi considerada, pois apenas metade dos participantes assumiu os papéis nos
personagens da família fictícia, enquanto a outra metade assistiu. No final do trabalho eles
sugeriram que nos próximos grupos todos deveriam representar um personagem na trama
familiar.
Nos demais grupos (Grupos 2, 3 e 4) o procedimento foi alterado nesta etapa do
aquecimento. Cada participante escreveu, individualmente numa folha de papel, os temas
relacionados com conflitos conjugais, ou seja, uma listagem sobre quais temas eles
consideravam permearem os conflitos entre os pais. Feito isto, os participantes de cada
grupo (Grupos 2, 3 e 4) se dividiram em 2 sub-grupos (a e b, contendo 5-6 participantes
cada) e contavam aos demais colegas dos sub-grupos os temas, identificados por eles, dos
conflitos interparentais. Neste momento, havia a troca de informações a respeito dos temas
indicados e cada um dos sub-grupos construiu uma história que contivesse o maior número
de elementos assinalados, assim sendo, cada história deveria representar os conflitos
assinalados pelos participantes de cada um dos sub-grupos. Em seguida, os participantes
escolhiam e assumiam o papel de um personagem na história a ser dramatizada e todos
representaram um personagem específico das famílias.
81
A terceira etapa, a Dramatização, foi constituída de três fases. Nesta etapa as
histórias foram dramatizadas através de cenas. Na primeira fase, o Grupo 1, após a
definição dos personagens da história e a escolha de quais participantes fariam a
representação de cada personagem, cinco participantes passaram a se “fantasiar” com as
roupas específicas que caracterizavam seu próprio personagem, utilizando vestes e adornos
disponíveis (caixas contendo roupas para pai, mãe, bebê, criança, adolescente rapaz e
moça empregada e avó), enquanto os demais ficaram observando como platéia (9).
Nos demais grupos (Grupos 2, 3 e 4) após a definição dos personagens,
inicialmente apenas nos sub-grupos a (sub-grupos 2.a; 3.a; 4.a) os participantes passavam
para o momento de “vestir a fantasia” e em seguida iniciavam a dramatização, tal qual o
Grupo 1, enquanto os sub-grupos b (sub-grupos 2.b; 3.b; 4.b) assistiam como platéia.
Após a dramatização dos sub-grupos a (2.a; 3.a; 4.a), a situação se invertia, ou seja, nos
sub-grupos b (2.b; 3.b; 4.b) os participantes vestiam as “fantasias” e se preparavam para a
dramatização, enquanto os sub-grupos a (2.a; 3.a; 4.a) ficavam como platéia. Desta forma,
obtivemos uma história dramatizada do Grupo 1 e duas histórias em cada um dos três
grupos subseqüentes (sub-grupos 2.a; 2.b; 3.a; 3.b; 4.a; 4.b) perfazendo o total de sete
histórias construídas e dramatizadas sobre conflitos conjugais. Este total, corresponde a três
cenas de filhos de pais de primeiro casamento e quatro cenas de filhos de pais
separados/divorciados/ segundo casamento.
O momento de “vestir a fantasia” serviu como aquecimento para a “tomada do
papel” (10) de cada personagem, ou seja, cada participante saía, gradativamente, de seu
papel de pessoa privada (aluno/participante de pesquisa) e passava a assumir seu papel
psicodramático (11) (pai, mãe, filho, empregada, etc) do personagem por ele escolhido.
(9) A platéia ou público é um instrumento utilizado no teatro da espontaneidade de Moreno. A platéia apóia e
compreende os conteúdos expressos pelos protagonistas da cena dramática pois funcionam em mútua
sintonia. Na cena protagônica “o público vê-se a si mesmo, isto é, um de seus síndromes coletivos é retirado
do palco” (Moreno, 1978, p. 19) De acordo com Menegazzo, Tomasini, Zuretti e cols. (1995) a platéia se
apresenta com a participação e compromisso na ação dramática, sem necessidade de ação pessoal (p. 160).
(10) Tomada de papel ou adoção do papel “role-taking” é o primeiro passo no processo de
desenvolvimento de um novo papel. Consiste em simplesmente imitá-lo, a partir dos modelos disponíveis
(Gonçalves, Wolff e Almeida, 1988, p. 73).
(11) Papéis psicodramáticos, também chamados de papéis “psicológicos”, correspondem à dimensão mais
individual da vida psíquica, à “dimensão psicológica do eu” (Gonçalves, Wolff e Almeida, 1988, pp. 71-72).
82
Este momento é, também considerado, como aquele em que os participantes assumem os
seus papéis sociais (12) de pais, mães, filhos, irmãos, etc, mesclados aos papéis
internalizados de pais, mães, irmãos, etc, construídos na experiência vivida e/ou percebida
no cotidiano. O recurso, criado por Moreno e, utilizado neste trabalho com os adolescentes,
é denominado Teatro da Espontaneidade (Moreno, 1984) ou Teatro Espontâneo (Davoli,
1995; 1999) (13).
Na segunda fase foi feita a montagem da cena dramática. Em sua concepção
originária a cena provém do teatro e, a partir daí, Moreno passou a transformá-la em
unidade básica de ação tendo como principais componentes: a determinação do espaço,
tempo, personagens e argumento (Bustos, 2001). Assim sendo, os participantes
assinalavam o espaço, local onde cada cena iria ocorrer, o tempo, a hora suposta da
ocorrência da cena, o posicionamento físico e definição dos personagens no espaço do
cenário dramático, como também, o roteiro a ser desenvolvido.
Definidos o tempo, o espaço, os personagens e o enredo no “aqui e agora” da cena
dramática, os participantes faziam a auto-apresentação dos personagens, ou seja, dentro do
papel psicodramático, cada participante se apresentava a si mesmo, no papel de pai, mãe,
filho, etc, dizendo seu nome, idade, profissão (ocupação), situação familiar, problemas e
círculo de pessoas de suas relações envolvidas no enredo. A técnica da auto-apresentação
(Moreno, 1999) possibilitou que cada participante pudesse construir e expressar seu
personagem a partir de seus próprios papéis sociais e psicodramáticos internalizados. Após
a apresentação dos personagens, a cena transcorria livremente, sem interrupção, por 15-20
minutos aproximadamente. Neste momento, os personagens atuavam, contracenando com
os demais membros da cena, desenvolvendo, assim, o enredo da história.
(12) Papéis sociais correspondem à dimensão da interação social. Correspondem a conjuntos diferenciados de
unidades de ação (Gonçalves, Wolff e Almeida, 1988, pp. 71-72).
(13) Teatro da Espontaneidade é um veículo organizado para a apresentação do drama do momento (Moreno,
1984, p. 52). É o teatro no qual o enredo é improvisado e criado pelos atores, pela platéia e pelo diretor. Numa
linguagem menos teatral, é a dramatização que se realiza no palco psicodramático a partir de uma história
protagônica, coordenada por um diretor (Davoli, 1999, p. 80). O Teatro da Espontaneidade se caracteriza pela
dramatização do “aqui e agora”; sua produção e criação são feitos no momento da dramatização. Todo
procedimento psicodramático busca as relações espontâneas que se alcançam através do jogo de papéis
criados e vividos coletivamente (Davoli, 1995, pp. 15-16).
83
Na terceira fase, após haver transcorrido 15-20 minutos de livre atuação dos
personagens, no papel de diretora de cena, interrompia a dramatização. Nesta interrupção,
pedia o “congelamento da cena”, ou seja, os participantes paravam de interagir e ficavam
imobilizados em seu espaço no cenário. Na imobilização física e verbal, pedia
primeiramente que cada personagem fizesse um “solilóquio” (14) e depois realizava a
entrevista com cada um deles, ainda, em seus papéis psicodramáticos (nos papéis de pai,
mãe, filhos, tio, avó, empregada, amante/namorada e ramister da família).
Na técnica do “solilóquio” os personagens verbalizavam seus pensamentos e
sentimentos mobilizados pela cena a partir do desenvolvimento dos papéis psicodramáticos.
Esta técnica foi utilizada para que o personagem pudesse expressar, em voz alta, o que
acontecia com ele no momento. Cada personagem expressava os pensamentos e
sentimentos sobre si mesmo e/ou sobre o que estava acontecendo ao seu redor, o contexto
do qual fazia parte. Este momento implicava no esclarecimento dos conteúdos ocultos dos
personagens que não apareciam na dramatização, assim como, possibilitava uma maior
compreensão do sistema familiar a partir do ponto de vista de cada um (Barberá e Knappe,
1997).
De acordo com Gonçalves Santos (1998), esta técnica pode ser considerada
terapêutica na medida em que, a pedido do diretor de cena, os protagonistas expressam seus
pensamentos, sensações, emoções e sentimentos ocultos, o que possibilita a ampliação do
conhecimento a respeito do que cada personagem percebe de fato e não está sendo exposto
na ação.
Os personagens faziam o solilóquio a partir do desempenho em seus papéis
psicodramáticos. A expressão dos conteúdos do “mundo interno” ofereceu uma abertura
para que a diretora de cena pudesse penetrar nos conflitos latentes dos próprios
(14) O solilóquio é uma técnica simples e efetiva, consiste em solicitar que se expresse o que se está
pensando/sentindo e que não aparece de forma explícita (Bustos, 2001, p. 212). Segundo Moreno, esta técnica
“amplifica” os processos inconscientes do indivíduo na dramatização. Possui uma similaridade formal com os
apartes nas peças dramáticas. Contudo, os apartes são destituídos de significado para o ator que os produz, são
fictícios e ensaiados, ao passo que nas dramatizações é significativo para a pessoa que o produz, é
extemporâneo e direto (Moreno, 1983, p. 66).
84
personagens. A aplicação do solilóquio tornou possível para cada personagem, e os demais
integrantes da cena, ficar ciente de seu “interior”.
Após o solilóquio, a entrevista com cada personagem teve a finalidade de
esclarecer a dinâmica dos relacionamentos da dramatização, compreender como os
participantes construíram seus respectivos papéis psicodramáticos, ou seja, os indicadores
dos principais temas/preocupações, da maneira de pensar e atuar nos diversos papéis
familiares. Segundo Menegazzo, Tomasini, Zuretti e cols. (1995) a entrevista ou
reportagem é uma técnica fundamental dos procedimentos psicodramáticos (sociodrama,
psicodrama e jogo de papel). É normalmente praticada por meio do diálogo entre o diretor
de cena e o protagonista para diagnóstico, compreensão terapêutica e contextualização da
ação dramática.
Na presente investigação, as perguntas da diretora de cena dirigidas a cada um dos
personagens também possibilitaram o questionamento dos conteúdos que apareciam
camuflados ou desconhecidos, possibilitando uma maior compreensão de como os
filhos/personagens compreendem e enfrentam ou enfrentariam conflitos conjugais surgidos
nas dramatizações.
Nesta fase da Dramatização, de acordo com Zampieri (2002), o mundo das
realidades vividas e os significados específicos estão comprometidos em tornar o
conhecimento objetivo e a verdade como resultantes das várias perspectivas dos integrantes
do grupo, onde as diferenças coexistem e são legitimadas. Nesse momento acontece um
saber transformador e intersubjetivista onde os significados acontecem na construção
grupal. A presença da diretora de cena/pesquisadora nas situações interativas possibilita
facilitar com que os participantes sejam ativos no curso da pesquisa e que realizem suas
construções num processo complexo, na co-criação de um clima de segurança e confiança.
Assim sendo, na presente investigação as entrevistas possibilitaram a criação de um
procedimento dinâmico, co-construído ao longo do desenvolvimento do trabalho.
85
Na quarta etapa, o Compartilhamento, os personagens e a diretora de cena saíram
de seus papéis psicodramáticos, constituídos na etapa da Dramatização, e voltaram a agir
em seus papéis de pessoas privadas (alunos/participantes da pesquisa e pesquisadora).
Neste momento de intimidade do grupo, os participantes construíram os seus relatos
afetivos, expressaram uma reflexão pessoal da participação na experiência dramática, se
despiram dos personagens e falaram sobre o que houve de presente e/ou pessoal na
experiência (Monteiro e Brito, 2000). Os participantes compartilharam seus sentimentos,
idéias, pensamentos e emoções ocorridos durante a Dramatização. Neste compartilhar, eles
também expressaram as identificações mais significativas e o conhecimento foi sendo co-
construído, elaborado e sistematizado.
Uma quinta etapa, foi introduzida ao Sociodrama Temático, denominada Inquérito.
Nesta etapa, pesquisadora e orientadora da pesquisa participavam ativamente formulando
perguntas que pudessem prestar maiores esclarecimentos e indícios direcionados ao
problema de investigação, ou seja, ao como os adolescentes compreendem e enfrentam
conflitos conjugais.
A condução dos participantes e o manejo dos grupos, nas etapas de Dramatização,
Compartilhamento e Inquérito foram orientados através dos roteiros de entrevistas já
mencionados. Estes roteiros foram construídos de forma evolutiva em que as questões
abordadas acabaram sendo refinadas no decorrer dos grupos. O primeiro roteiro a ser
construído contém uma parte geral, uma parte específica para filhos de pais de primeira
união e outra parte para filhos de pais separados/divorciados/segundo casamento, utilizados
com os grupos 1 e 2 (anexo 1). O segundo mais aprimorado, a partir dos dois primeiros
grupos, contém os itens do primeiro roteiro acrescidos de itens adicionais (anexo 2). Estes
orientadores se constituíram como guias na compreensão de como os filhos compreendem e
enfrentam conflitos conjugais.
86
4.3. Análise de Resultados
O trabalho realizado nos grupos foi gravado. As gravações do áudio foram
transcritas na íntegra para que pudéssemos obter o material completo de cada encontro.
Foram realizadas diversas leituras e sínteses das narrativas a fim de que pudéssemos
ter um relato condensado das informações mais significativas, na forma e seqüência,
apresentadas pelos participantes. Estes relatos foram acompanhados das anotações
realizadas após os encontros, relativos à forma e conteúdo das apresentações e impressões
da pesquisadora. Em cada grupo foram considerados como material de análise: estrutura
das cenas, dinâmica dos relacionamentos, respostas dadas aos inquéritos de esclarecimento,
histórias construídas, sequência das histórias e relato final dos participantes nas fases de
“Compartilhamento” e “Inquérito”.
Foram realizadas comparações entre os relatos escritos nas etapas de “Aquecimento
Específico”, os conteúdos e dinâmica dos relacionamentos das cenas na “Dramatização”, as
identificações pessoais e relatos do “Compartilhamento” e respostas dos participantes no
“Inquérito”.
O relato de cada grupo foi codificado e analisado segundo: sequência da narrativa
das construções dos eventos do grupo; análise estrutural utilizando indicadores de conflitos
conjugais referentes a como os filhos compreendem e enfrentam as discórdias por eles
construídas. Re-elaboração dos 4 grupos de sociodrama de maneira a retratar as
concordâncias e discordâncias quanto à seqüência, conteúdo expresso e dinâmica dos
relacionamentos, refletindo assim, sobre os significados dados pelos participantes.
Considerando a faixa etária dos participantes, foi realizada uma re-análise dos
grupos identificando a maneira como as concepções sobre família foram construídas na
cena dramática e contexto pessoal/familiar mais amplo. Re-análise dos conteúdos quanto às
especificidades dos temas e concepções referentes aos grupos de pais
separados/divorciados/ segundo casamento e primeira união. Foram consideradas as
87
concordâncias e discordâncias das respostas, dos conteúdos e significados dos 4 grupos (2
de filhos de primeiro casamento e 2 de filhos de pais separados/divorciados/segundo
casamento).
As histórias construídas na etapa de “Dramatização” foram comparadas com as
análises realizadas nas etapas de “Compartilhamento” e “Inquérito” a fim de que
pudéssemos obter os dados significativos quanto à diferenciação dos filhos nestes grupos.
Foram realizadas diversas comparações e análises entre as etapas de “Aquecimento
Específico”, “Dramatização”, “Compartilhamento” e “Inquérito” quanto aos conteúdos e
significados referentes ao problema de pesquisa. Re-análise do procedimento englobando
todas as etapas da pesquisa.
Foram, então, produzidas abstrações que pudessem refletir a compreensão dos
grupos num contexto mais amplo, considerando os significados dos grupos no que se refere
à construção das concepções sobre família, dos papéis familiares, assim como, da
compreensão e enfrentamento dos conflitos conjugais.
Caberia salientarmos que, para garantirmos a análise e os resultados deste estudo,
tivemos o apoio das discussões com a orientadora da pesquisa.
88
Capítulo V - RESULTADOS
Os resultados obtidos nesta pesquisa nos permitem considerar inúmeras
possibilidades de análise e compreensão em função da riqueza e dinamismo do
procedimento utilizado.
Em virtude disto, podemos compreender diferentes aspectos a partir da situação
vivida pelos participantes conduzindo às constatações sobre como as concepções de família
e papéis familiares são atuadas no contexto dramático de filhos de pais de primeira união e
filhos de pais separados/divorciados/segundo casamento.
Desta forma, os resultados serão apresentados em três partes. Na primeira, os
assuntos assinalados pelos participantes como temáticos de conflitos conjugais. Na
segunda, a partir das cenas e suas derivações, ou seja, da elaboração espontânea dos
personagens (vestimenta, conteúdo e expressão corporal/verbal/emocional), da
manifestação espontânea dos participantes nas vivências dramatizadas (estrutura, conteúdo,
dinâmica e desenvolvimento) e dos conteúdos apresentados nos “solilóquios” (expressão
corporal/verbal/emocional) podemos compreender como eles atuam as concepções sobre
família e papéis parentais/familiares construídos.
Apesar da maneira estereotipada com que os adolescentes se expressaram nas cenas,
as comparações dos conteúdos espontâneos das dramatizações com os conteúdos dos
relatos nos “solilóquios” nos possibilitam compreender a dinâmica dos conflitos. As
estratégias utilizadas no procedimento e análise dos conteúdos nos permitiram ultrapassar o
estereótipo. Essas comparações são significativas no sentido de desconsiderarmos o aspecto
cênico e histriônico dos personagens e compreendermos melhor como as concepções que
eles representaram sobre família e os diferentes papéis familiares atuam nos contextos de
filhos de primeira união e filhos de pais separados/divorciados/segundo casamento.
Na terceira parte, os conteúdos das etapas de “Aquecimento Específico”,
“Dramatização”, “Compartilhamento” e “Inquérito” nos permitiram estabelecer quatro
89
categorias sobre como os participantes compreendem conflitos conjugais, quais são e como
evoluem os temas assinalados por eles como sendo conflituosos e três categorias sobre
como enfrentam e as soluções dadas às situações identificadas. Essas categorias foram
estabelecidas a partir da freqüência, intensidade e relevância dos temas apresentados nas
diferentes etapas do procedimento. Os relatos analisados nas categorias foram retirados das
etapas de “Compartilhamento” e “Inquérito”, ou seja, quando os participantes já haviam
saído de seus papéis psicodramáticos.
5. 1. Temas sobre Conflitos Conjugais
Os temas sobre conflitos conjugais foram considerados a partir das respostas
assinaladas pelos participantes na fase de aquecimento específico do procedimento, ou seja,
cada participante escrevia numa folha de papel quais temas estariam relacionados com
conflitos conjugais. Baseados nesta listagem, os grupos 2, 3 e 4 (sub-divididos em 2a, 2b,
3a, 3b, 4a e 4b) passaram a construir as cenas dramáticas. Desta forma, trinta e três
adolescentes, sendo doze filhos de primeira união e vinte e um de pais
separados/divorciados/segundo casamento, participaram desta etapa.
Os cento e onze itens levantados pelos jovens foram agrupados em cinco assuntos
principais. Os assuntos se referiram à temática de conflitos conjugais sobre: relacionamento
entre os pais e pais/filhos (26,1%), questões econômicas e financeiras (25,22%), educação dos filhos
(22,5%), interferência de terceiros (9,9%), infidelidade (7,2%), trabalho (4,5%) e outros (4,5%).
Com relação ao relacionamento entre os pais e pais/filhos, podemos destacar:
autoritarismo (3,6%), falta de respeito (3,6%), responsabilidade/irresponsabilidade (3,6%); falta de
amor/união (2,7%), falta de diálogo (2,7%), ciúme (2,7%), relacionamentos (1,8%), falta de atenção
dos pais (1,8%), disputa da companhia do filho (1,8%), guarda e bens (1,8%). Quanto à educação
de filhos: educação/monitoramento (6,3%), horários (5,4%), escola (3,6%), ajudar nas tarefas
domésticas (2,7%), amigos (2,7%) e liberdade (1,8%). Na interferência de terceiros: primeira
90
esposa, madrasta, ex-namorada (6,3%) e família extensa (3,6%). Em outros temas: drogas/bebidas
(2,7%), coisas comuns (0,9%) e animais da casa (0,9%).
Como ponto de partida do estudo, esses temas, em maior ou menor escala se
repetiram nas categorias sobre como os participantes compreendem conflitos conjugais.
Após a troca de informações a respeito dos assuntos indicados, os grupos deram início à
etapa da dramatização.
5. 2. - Concepção sobre Família e Papéis Familiares
Ao compararmos os itens levantados sobre conflitos conjugais com as cenas
dramatizadas a partir destes, podemos assinalar que o conteúdo e as expressões dos
personagens foram bastante estereotipados, contendo narrativas agressivas e, algumas
vezes, violentas. Estas cenas nos remetem a algumas considerações sobre o ocorrido. Em
primeiro lugar, podemos considerar que a atuação de teatro possa ter induzido a um tipo de
conduta exagerada e radical. Por outro lado, a própria fase de adolescência, em que o
indivíduo apresenta um movimento em busca de uma individuação/autonomia através do
distanciamento/diferenciação dos pais, indica a presença de atitudes reivindicatórias com
tendências anti ou associais intensas, ao mesmo tempo, em que apresenta contradições
sucessivas de conduta (Aberastury e Knobel, 1981). Estas atuações podem ter sido
exacerbadas ou mesmo pelo fato de encontrarem um espaço livre de expressão, puderam
ser manifestadas.
Sob as atuações estereotipadas dos adolescentes emergiram conteúdos repletos de
significações. As concepções que os participantes apresentaram, sobre família e papéis
familiares, foram retiradas das dinâmicas das dramatizações livres e dos conteúdos dos
“solilóquios”. Contando com o aspecto estereotipado dos comportamentos podemos
analisar a dinâmica das cenas e, a partir disto, identificar as concepções mais marcantes
apresentadas por eles. As cenas 1 , 2 e 3 são representações dos filhos de primeira união e
as cenas 4, 5, 6 e 7 dos filhos de pais separados/divorciados/segundo casamento.
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Cena 1
A cena tem início na sala de estar da família. Num domingo às 3 horas da tarde, pai
(Alberto, 38), mãe (Ana Paula, 36) e filhos (Rodrigo, 13 e Paulo, 10) estão assistindo TV, o
“Domingo do Faustão”. Mãe, pai e filhos brigam por causa do programa a ser assistido. Na
discussão, a mãe afirma que os filhos deveriam ir à casa de amigos caso quisessem assistir
outro programa.
A cena transcorre sobre brigas a respeito dos programas de televisão e algumas
atividades que a família “deveria fazer em conjunto” ou cada um individualmente. Na TV,
a mãe tem preferência por programas com a sociality, o pai futebol e os filhos não expressam
suas preferências. As brigas ocorrem entre o casal e pais-filhos.
O pai inicia sua fala afirmando que está cansado e não gostaria de presenciar brigas.
Apresenta uma fala autoritária dirigida à esposa, filhos e empregados (citados mas não
aparecem na cena). Chama os filhos para uma atividade conjunta (boliche) mas eles se
negam a acompanhá-lo, preferem sair com os amigos. Nos momentos em que os pais
perdem o controle das brigas, eles mandam os filhos para o quarto.
Os filhos apresentam falas de desabafo de que não agüentam mais a família.
Aparentam tristeza e distanciamento dos pais. Afirmam que os pais só pensam neles
próprios e que não dão atenção aos problemas da prole.
Cena 2
A cena transcorre num quarto de hospital. Mãe (Cristina, 29) e filho (Douglas, 16)
sofreram um acidente de carro. A mãe estava dirigindo o automóvel da família e ambos
encontram-se levemente machucados, sem nenhum perigo de vida.
Mãe, filho e médica estão no quarto do hospital enquanto pai (David, 40) e tia
(Carolina, 32) chegam para visitá-los. O pai entra gritando com todos, lamentando a perda
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de um carro caro. A mãe apresenta-se calma e afirma que é a culpada pelo acidente pois
esteve distraída ao volante. O casal briga sobre o ocorrido enquanto a médica tenta
apaziguar os ânimos do pai. Este agride e desqualifica verbalmente a esposa.
Após alguns minutos, toca o celular do pai.......é a ex/atual namorada (Fernanda,
27). Ambos conversam tentando marcar um encontro. A mãe pergunta “quem é” (sic) e ele
afirma que fala com um amigo do escritório. Ela percebe que é mentira e inicia uma briga
seguida do pedido de separação do marido. Diante disto, o pai se descontrola e puxa o filho
para fora da cama hospitalar. Douglas (filho) cai no chão, enquanto o pai agride
verbalmente a mãe. A médica pede silêncio, tenta controlar a situação e a cena termina com
todos gritando muito.
No dia seguinte, o pai entra no quarto tentando levar mulher e filho para casa. A
esposa se recusa a sair com o marido afirmando que não necessita mais dele. Este se coloca
de maneira “vitimizada” alegando que esteve muito nervoso. Ela afirma que “não quer mais
o marido”, quer se separar e irá para casa somente com o filho. Os pais iniciam a disputa
sobre com quem o filho irá para casa.
Cena 3
A cena inicia-se na sala de estar da casa. Mãe (Helena, 35), pai (Roberval, 42) e tio
(Valdir, 38) estão discutindo sobre a constante presença do Valdir na residência da família.
As filhas (Rebeca, 20 e Luana, 18) estão no quarto, se preparando para uma “balada” com o
amigo Salvador (20).
O pai agride verbalmente o tio, insinuando que sua presença o incomoda
demasiadamente e eles começam a discutir. A mãe protege o irmão, afirmando que seu
“irmãozinho querido” (sic) seria incapaz de fazer algo de mal a ninguém.
Rebeca e Luana (filhas) preparam-se para sair com Salvador. Antes de saírem, o pai
faz uma vistoria em suas vestimentas e não concorda com o tipo de roupa que elas usam. A
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mãe tenta protege-las e apesar dos gritos e ameaças do pai em retirar o cartão de crédito,
elas saem contra a sua vontade. Ambas verbalizam que o pai não as respeitam enquanto a
mãe faz uma voz mansa de sedução. Neste momento, o tio entra na discussão protegendo as
duas jovens, desqualificando o discurso do pai.
O pai culpa a mãe pelo tipo de educação que as meninas receberam. Ele enfatiza que
sua esposa só pensa em compras e que as filhas ficam com parâmetros superficiais da vida.
Por outro lado, ela o acusa por falta de atenção e negligência nos cuidados com a família.
A cena termina três meses após o ocorrido. Neste momento todos estão se dando
muito bem, sem conflitos nem discussões.
Cena 4
A cena inicia-se na sala de estar. A avó materna (Vera Lúcia) conversa com os netos
(Junior, 19 e Patrícia, 16). A empregada (Cleusa, 35) limpa a casa, ouvindo a conversa dos
netos com a avó. A mãe (Joana, 47) está trabalhando, fora de casa, em seu escritório. O pai
(Álvaro, 52) está trabalhando numa obra.
Os netos se queixam de falta de dinheiro com a avó. Ela explica que não trabalha,
não pode dar o que eles pedem e que deveriam pedir aos pais. Os irmãos brigam pelas
prioridades dos pedidos: Júnior afirma que a irmã pede algo supérfluo enquanto Patrícia
considera seu pedido de grande importância.
A mãe chega reclamando do cansaço de um longo dia de trabalho e ouve
reclamações e pedidos dos filhos e empregada. Tenta resolver as questões e acaba ligando
para o pai dos jovens.
A cena toda transcorre a respeito da questão econômica da família. Os pais
demonstram dificuldades em administrar a divisão do dinheiro, confusão quanto às
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prioridades das demandas dos filhos com os interesses pessoais/particulares de cada um,
apesar de demonstrarem amor e interesse pela prole.
Quanto às demandas dos filhos, as primeiras respostas dos pais demonstram
indisponibilidade: “não posso...não tenho...não consigo”. Demonstram dependência dos
pais no aspecto econômico e tentam dissuadi-los na direção de seus objetivos.
Quanto à madrasta, esta não aparece na cena. Ela é mencionada no diálogo entre
pai, mãe, filhos e avó. Os filhos competem com ela pelo dinheiro e atenção do genitor.
A avó materna aparece, inicialmente, para proteger os netos do conflito do ex-casal.
A ambigüidade da avó é evidenciada, pois de um lado aparece como figura apaziguadora e
de outro como crítica ao comportamento do pai devido à negligência como provedor, em
conseqüência de um segundo casamento, o que acaba fomentando as discórdias do ex-casal.
Nos diálogos, o casal apresenta dificuldade de comunicação e disfuncionalidade nas
resoluções dos conflitos. Pode-se observar um padrão repetitivo entre mãe e filhos ao
insistirem que o pai resolva as questões financeiras da família. Neste tema, os filhos se
aliam à mãe contra o pai e isto aumenta as discórdias.
Diante disto, os filhos demonstram impotência e tristeza. Mencionam que poderiam
tentar mediar, porém, sentem-se impedidos pela falta de atenção e dificuldade de
comunicação com os pais.
No final da cena, todos pedem e gritam muito. O pai acaba cedendo.
Cena 5
A cena transcorre na sala de estar com a mãe (Letícia, 45), avó materna (Ana) e
filha (Desirée, 15) assistindo televisão. O pai (Humberto, 40) jogando golf com os amigos e
sua ex-amante/atual companheira (Janaína, 27) esperando-o numa praça pública para
fazerem uma viagem.
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A dramatização tem início com a filha pedindo para a mãe e avó dinheiro. Ela quer
sair de casa pois não “agüenta mais” (sic). A avó afirma que elas não podem corresponder
ao desejo da neta, visto que, a mãe é a única que trabalha como secretária e ganha muito
pouco.
No meio do diálogo, a mãe pega o telefone e chama o pai para resolver o problema.
Ele entra na casa e inicia-se uma discussão. Na briga com a filha, ela faz aliança com a mãe
contra o pai.
A discussão transcorre num clima tenso em que todos falam ao mesmo tempo. O pai
atende ao celular numa ligação de sua atual namorada. Esta reclama estar esperando-o na
praça há muito tempo. Quando mãe e filha percebem que é a namorada, inicia-se uma
briga, via Humberto (pai), em que ambas (mãe e filha) se aliam contra Janaína (namorada).
Nos diálogos, a mãe chama o ex- de marido. Apresenta-se como submissa e vítima
da falta de atenção dele. O pai também chama a ex- de esposa. Expressa-se com violência
verbal, autoritarismo, desqualificando todos os membros da família. Mistura os conteúdos e
questões referentes à ex-esposa com os temas relacionados à filha. Percebe que não dá
atenção e carinho para a filha, não é um pai presente, porém, gostaria que ela fosse
independente, economicamente, e estudasse mais. Acrescenta que a namorada é a única
pessoa capaz de dar carinho.
Quanto à avó materna, esta é desqualificada e ofendida pelo pai. Ouve e quase não
expressa opinião. Quando fala protege a filha contra as insinuações do ex-marido.
A namorada do pai se apresenta de forma agressiva, afirmando que a ex-esposa só
quer o dinheiro de Humberto (pai) e pretende explorá-lo.
A dramatização finaliza sem qualquer solução ou alternativa para as discórdias.
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Cena 6
A cena transcorre na sala de estar da família. Mãe (Gabriela, 48), filha (Juliana, 18),
filho (Matheus, 16) e avó materna (Rafaela, 83) estão assistindo TV. Mãe e filha sentadas
no sofá, avó tricotando numa poltrona e o filho jogando video-game. É sábado, duas horas da
tarde.
A cena inicia-se com a filha questionando a mãe que fuma muito e deveria parar. A
mãe não aceita a cobrança e responde de maneira rude e agressiva. O filho apresenta o
boletim da escola com notas baixas e a mãe chama-o de “irresponsável” (sic). Ela ameaça
tirar seu celular como castigo pelo fraco rendimento escolar.
O pai toca a campainha da casa. Ele está bêbado e convida o filho para ir ao
shopping. A mãe não autoriza e começa uma grande briga. A filha agride verbalmente o pai
e irmão. A mãe tenta castigar o filho mas é interceptada pelo pai que o protege. A filha alia-
se à mãe contra o pai e irmão. Como resposta, o pai afirma que irá levar o filho para morar
com ele e em seguida agride verbalmente a avó materna responsabilizando-a pela separação
do casal.
O grupo interrompe a cena e termina a dramatização. Como final da história: a avó
mata o pai e vai para a prisão por vinte anos, o filho sentiu sua morte, a filha não foi ao
enterro.
A cena ocorreu num clima tenso, um pouco hostil. Entre os participantes, a
comunicação verbal foi bastante agressiva mesmo antes da dramatização.
Cena 7
A cena transcorre na sala de jantar da família. É sexta-feira, a mãe (Carmina), o
padrasto (Paulo Saulo) e os três filhos de Carmina (Álvaro, 16; Caio, 15; Marília, 12) estão
sentados à mesa, após o jantar.
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Este é o segundo casamento da mãe e primeira união estável do padrasto. O casal
mora junto a dez anos. Paulo Saulo (padrasto) conheceu a companheira na quarta série e
seu ex-marido era colega de faculdade. Carmina casou-se e teve três filhos do primeiro
casamento. Aparentemente, o casal vive bem. Carmina considera que não irá se separar
deste segundo companheiro pois ele a deixa segura quanto a isto, por outro lado, percebe
que ele talvez possa se interessar por outras mulheres mais novas. Paulo Saulo (padrasto)
gosta muito dos filhos, paga as contas que não são cobertas pelo ex-marido e comporta-se
como se fosse o pai das crianças.
Paulo Saulo (padrasto) cuida dos três filhos da companheira e se considera um
“excelente pai e marido” (sic). Valoriza a esposa pois ela cuida da casa, cozinha bem e
autoriza-o a ir ao pagode somente com os filhos dela.
No início da cena, o padrasto solta um arroto na mesa da sala de jantar. A mãe
reclama sobre a educação que ele está dando aos filhos. Álvaro (filho) pergunta ao padrasto
qual seria o programa da noite e este afirma que irá a uma reunião no escritório. A mãe
desconfia dessa reunião numa sexta-feira à noite. O telefone toca.....é um amigo (Joaquim)
de escritório chamando-o para a reunião.
Ao desligar o telefone, a dramatização é interceptada pela diretora de cena, falando
ao telefone, como se fosse o pai biológico dos filhos.
A mãe atende a ligação e o pai fala com seus três filhos, amigavelmente, tentando
chamá-los para um passeio. Os três se recusam a sair e acabam marcando um encontro para
o próximo fim de semana.
Ao perceber que as crianças estavam falando com o pai, o padrasto chama os
meninos para sair de casa. Padrasto e filhos saem juntos em direção a um “prostíbulo” (sic)
para encontrar algumas mulheres. Ao chegarem de volta, inicia-se uma briga com a mãe
sobre a saída deles. A mãe coloca o padrasto fora de casa e os filhos saem com ele.
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Segundo o padrasto, essa saída ocorreu como uma revanche ao ciúme provocado pelo
telefonema do pai aos filhos.
A cena é finalizada com a saída do padrasto e filhos de casa.
Apesar da estereotipia das representações, os resultados demonstram as concepções
sobre família e papéis familiares baseadas no ideal da família nuclear tradicional.
Características dos personagens
A maneira como os participantes desenvolveram e atuaram os personagens em cada
um dos papéis familiares foi constituída através da construção espontânea e livre, utilizando
as vestimentas específicas, das dramatizações e dos “solilóquios”. Assim sendo, podemos
ressaltar algumas características próprias assinaladas por eles.
Na representação da família casada, as diferenças de gênero nos papéis familiares
foram bastante evidenciadas. As diferenças se caracterizam dentro da configuração
hierárquica da família nuclear tradicional através das expectativas, dos relacionamentos
entre os pais e entre pais e filhos.
Na separação/divórcio as diferenças de gênero são menos hierárquicas, tendendo a
igualitárias. Essas diferenças são evidenciadas nos temas de interesse no cotidiano, nas
expectativas e no modo com que as pessoas se relacionam com o mesmo sexo e o sexo
oposto.
No casamento, o pai provedor 38 - 40 anos, empresário, fazendeiro e minerador.
Apresenta-se como uma figura vaidosa, egoísta, controladora e dominadora. Preocupado
com seus interesses pessoais e de trabalho. Em casa é autoritário com a mulher, filhos e
empregados determinando o que e como as pessoas devem se comportar. Passa a maior
parte do tempo no trabalho e reconhece que deveria dar mais atenção à família. Queixa-se
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de cansaço e sente-se sobrecarregado pois é o único a trabalhar fora do domicílio e arcar
com todas as despesas da família.
Reconhece a esposa como uma parceira perfeita quanto aos cuidados dele e da casa.
A educação dos filhos fica a critério da genitora até o ponto em que passa a culpá-la pela
disciplina que avalia como inadequada. Insinua ter um relacionamento sexual pouco
satisfatório na conjugalidade e uma certa monotonia que procura superar.
Considera ter um casamento estável e feliz apesar de já ter tido relacionamentos
extraconjugais que não interferiram na conjugalidade. Em geral, comporta-se de maneira
gentil com relação à esposa e só demonstra hostilidade quando ela gasta mais dinheiro do
que ele gostaria. Sente-se solitário dentro da família e questiona o amor dos filhos. Quando
uma amante surge, mais explicitamente, ele tenta enganar a esposa afirmando que se trata
de um colega de trabalho, porém, ela percebe a mentira e o casamento termina.
Apresenta-se como uma figura distante da mulher e filhos. Quando os filhos
reclamam sua ausência, este tenta chamá-los a uma atividade/passeio, porém, eles se negam
acompanhá-lo pois preferem outras atividades com os amigos. No momento em que isto
acontece, ou seja, os filhos não cumprem suas “ordens”, comporta-se de forma punitiva
suspendendo o cartão de crédito ou privando-os de compras. Nos diálogos com os filhos do
sexo masculino utiliza um discurso coercitivo que ao mesmo tempo os
desqualificam/desmoralizam, o que não acontece com as filhas/mulheres. No caso de
separação, manifesta interesse em ficar com os filhos.
Na separação/divórcio, o pai ex-casado/solteiro: 40 52 anos, empresário bem sucedido
ou funcionário de alto escalão de uma grande empresa. Casado pela segunda vez ou com
namorada entre 20 e 27 anos. Aparenta ser uma pessoa egoísta, vaidosa e preocupada com a
aparência física colocando grande ênfase na temática sexual. Considera-se satisfeito com
sua vida pós-separação apesar de ter problemas com a ex- e filhos devido às questões
econômicas e por dispor de pouco tempo para dar atenção a todos. Demonstra bom
relacionamento com a atual companheira/namorada/esposa, porém, algumas dificuldades
100
em estabilizar ou organizar os compromissos de seu atual estilo de vida com as
responsabilidades/compromissos com a ex- e filhos. As dificuldades também aparecem
relacionadas ao conter as disputas entre os filhos e ex- com a parceira.
Considera ter um bom relacionamento com os filhos do ex-casamento e culpa a mãe
deles pelos problemas no cotidiano. Percebe que sua ex- esteja passando por um período
difícil mas não sabe o que poderia fazer para ajudá-la. Não pretende ter mais filhos. Em
alguns momentos sente tristeza e desalento devido à falta dos filhos e impossibilidade de
estar com eles por um período maior de tempo. Alguns pais expressam o desejo de obter a
guarda deles mas isto parece difícil conseguir.
No casamento, a mãe cuidadora 29 36 anos, dona de casa. No desempenho de seu
papel mostra-se egoísta, um pouco fútil e superficial quanto aos temas de seu interesse no
cotidiano.
Carinhosa, tolerante, paciente, dependente, com pouca autonomia de decisão, ou
mesmo, submissa ao marido. Casou-se muito jovem e sempre contou com ajuda de seus
familiares nos cuidados dos filhos pequenos. Considera ter um bom casamento apesar de
reclamar a ausência do marido quanto aos cuidados e atenção com ela e os filhos. O vazio
afetivo da conjugalidade procura preencher nos cuidados da prole. Em alguns momentos
faz um certo “jogo” de interesses e/ou “chantagem” com o marido para conseguir o que
quer utilizando uma tonalidade de voz baixa e suave.
Sente-se protegida na conjugalidade apesar de já ter tido um único relacionamento
extraconjugal sem, contudo, haver abalado seu interesse em manter o casamento. Admite a
idéia de infidelidade do marido somente se isto ocorrer de forma discreta, sem seu
conhecimento. Quando tem o conhecimento dessa infidelidade aparenta tristeza e desilusão
com a perda do amor de sua vida. Decide-se pela separação/divórcio como única forma de
conviver com a perda de confiança no parceiro e/ou término dos anos de tolerância e
submissão conjugal.
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Quanto aos filhos mostra-se atenta à aquisição de bens materiais sem considerar
outros interesses/necessidades da prole. Na relação com eles apresenta uma dualidade, ora
tenta impor sua vontade utilizando ameaça verbal e um discurso coercitivo, ora aparece
compreensiva e superprotetora chegando a infantilizá-los. Nos diálogos com as
filhas/mulheres mostra-se mais íntima e companheira, o que não acontece com os
filhos/homens.
Na separação/divórcio, a mãe cuidadora/provedora 45 48 anos, separada entre 5 e
10 anos, não tem namorado ou outro relacionamento, uma advogada, uma secretária e outra
sem mencionar sua profissão. Iniciam as cenas demonstrando estresse quanto à sobrecarga
doméstica em função da saída do marido de casa.
A figura materna trabalha o dia inteiro fora de casa. A dupla jornada de trabalho
(casa e profissão) a deixa estressada, sem ânimo para lidar com as dificuldades do
cotidiano.
Ela tenta resolver as demandas do contexto, mas sente-se impotente. Expressa
querer ser mais dedicada aos filhos, porém, o trabalho e o cansaço a impedem de estar
presente.
Demonstra fortes discordâncias com o ex-cônjuge relativas à criação dos filhos.
Apresenta-se como defensora dos interesses dos filhos mas que, em alguns momentos, se
confundem com os seus. Em alguns casos, cuida da mãe idosa e viúva que sempre a ajudou
no cuidado dos filhos pequenos. Manifesta um padrão repetido e constante de
responsabilizar o ex- pelas dificuldades encontradas em estabilizar seu cotidiano. Culpa a
namorada/companheira do ex- ou madrasta pelo pouco dinheiro e atenção que o genitor
disponibiliza aos filhos.
No relacionamento com a prole, tenta corresponder a todas as
demandas/necessidades e/ou exigências, porém, a tensão emocional em virtude de sua
102
própria exigência e solidão a impede de identificar alguma alternativa para a situação. Não
consegue lidar sozinha com a educação/criação dos filhos visto que o pai parece ocupado
em organizar sua vida pessoal no pós-separação. Sente-se só, desamparada e triste, sem
esperanças de melhora em sua vida.
Nos diálogos com os filhos apresenta cumplicidade em função de obter a atenção do
ex- e ajuda econômica, assim como, uma forte disputa com a namorada/companheira dele.
No casamento, filhos/homens 10 16 anos, estudantes. Alguns são bons alunos,
praticam esporte, gostam de estudar e/ou ouvir música. Outros se consideram revoltados,
rebeldes, não gostam de estudar, não praticam esporte, não tem amigos e se isolam
freqüentemente no quarto.
Apresentam queixas sobre a ausência do pai e a distância da mãe. Consideram que
os pais só pensam neles e que não se preocupam com os problemas da família.
Eles expressam tristeza, solidão e, em alguns momentos, sentimento de estranheza
na família. Nessa situação não conseguem identificar alternativas de solução a não ser
trancarem-se no quarto. Quanto à possibilidade de separação dos pais acreditam que seria
doloroso ter que escolher com quem ficar mas consideram que iriam morar com a mãe.
Na separação/divórcio, filhos/homens : 16 19 anos, estudantes, moram com a mãe, avó
materna e irmã e não tem namorada. Um deles é bem próximo do pai e considera a mãe
“chata” (sic). O outro não expressa nenhum comentário negativo a respeito do genitor e se
alia à mãe contra o pai e a madrasta quando o tema é dinheiro. Acreditam que o pai esteja
bem com a atual mulher mas dá pouca atenção a eles.
Eles não se interessam pelas irmãs ou qualquer assunto considerado “feminino”.
Não se interessam pelos temas de discórdia entre os pais e não conversam isto com
103
ninguém, nem mesmo com os amigos. Com o pai e/ou amigos conversam sobre futebol e
mulheres.
No casamento, filhas/mulheres 18 20 anos, estudantes, não tem namorado. Uma faz
Faculdade e pretende seguir a profissão. Define-se como sendo rebelde. Gosta de fazer
compras com a mãe e ir nas “baladas”. A outra terminou o colegial, não pretende estudar
nem trabalhar quer apenas “curtir a vida”, viajar com a mãe e irmã e fazer compras.
Apresentam queixas sobre a ausência do pai, porém, o tio materno compensa o
vazio deixado por ele. Identificam a mãe interessada no dinheiro do pai e o genitor como
figura mais envolvida amorosamente na conjugalidade, porém, de difícil expressão.
Expressam alegria em pertencer à família e não identificam conflitos entre os pais.
Na separação/divórcio, filhas/mulheres: 15 16 anos, estudantes, moram com a mãe, avó
materna e irmão, não tem namorado. Não gostam de estudar mas freqüentam a escola por
imposição dos pais. Preocupam-se em comprar roupas e “aproveitar a vida”. Elas mantêm
uma certa distância afetiva do pai e pouco interesse em sua vida pós-separação. De um
lado, valorizam a figura materna por ser a maior responsável pela criação da prole, mas por
outro, criticam sua maneira de tomar as decisões e/ou seu relacionamento com o genitor.
Nas disputas do ex-casal, algumas vezes, aliam-se à mãe contra o pai e/ou
madrasta/namorada/companheira, outras se aliam ao pai, de acordo com os interesses
pessoais. Consideram difícil a convivência familiar e quando as discórdias acontecem não
interferem, se isolam ou saem de casa. Uma delas acredita que os pais estariam em
melhores condições se estivessem casados.
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Família extensa/amante/namorada do pai
Avó materna: viúva, mora com a filha desde que o nascimento do primeiro neto ou
falecimento do marido. Cuida dos netos desde pequenos e se alia à filha para defender seus
interesses contra o ex-marido. Ao interferir no relacionamento do ex-casal acaba recebendo
respostas hostis e agressivas do ex-genro.
Tio materno 38 anos, solteiro, não tem namorada, contrabandista. Gosta da irmã e
sobrinhas e por isso visita diariamente a família. Acredita que o cunhado não goste de sua
presença na casa, porém, a irmã o protege de seus ataques e agressões verbais.
Tia materna 32 anos, solteira, mora com a família há dezesseis anos desde que o
primeiro filho do casal nasceu. Ajudou a irmã a cuidar do sobrinho quando pequeno e
atualmente aconselha-a se separar do marido.
No casamento, a amante do pai 27 anos, solteira, advogada. Mantém o relacionamento
com o pai mesmo ele sendo casado. Pretende terminar a relação pois acredita que ele não
esteja dando atenção suficiente para ela. A respeito da separação do casal, afirma que não
pretende ficar com ele pois se sente responsável pelas brigas e não quer “desfazer” (sic)
uma família.
Na separação/divórcio, a namorada do pai: 27 anos, solteira, profissão indefinida. Foi
amante do pai enquanto ele estava ainda casado. Apresenta uma fala rude com relação à ex-
esposa. Não demonstra sensibilidade quanto às questões da família e se interessa apenas em
viajar com o namorado.
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Diante do exposto, podemos considerar que os jovens apresentaram famílias com
padrões hierárquicos rígidos onde inferimos um processo defensivo, típico da adolescência,
e/ou um momento de denúncia de uma realidade vivida onde há pouca ou nenhuma
possibilidade de expressão e interlocução. De acordo com Campos (2002) o exercício do
pensamento lógico do adolescente leva-o a atitudes polêmicas para defender-se, exercitar o
jogo de palavras que o fascina ou exibir-se tentando mostrar-se intelectualmente capaz e
conhecedor do contexto. Esta fase também se caracteriza pela busca de sua própria
identidade onde os intensos questionamentos dos padrões sociais vigentes se constituem
como parte de sua atuação na realidade, em função do processo de diferenciação dos pais
(Aberastury e Knobel, 1981).
Podemos, também, sugerir que as performances apresentaram conteúdos de delação
da “realidade” vivida, sentida e percebida ou demonstraram reações de fuga diante das
dificuldades de discriminação e expressão dos conteúdos dolorosos, pertinentes aos
próprios conflitos. Na tentativa de evitar uma temática que pudesse remetê-los a diversas
sensações e sentimentos de experiências angustiantes, a estereotipia e a violência os
direcionaram a situações que não conseguiram “dar conta” ou mesmo elaborar explicações
ou finalizações coerentes para as denúncias e conflitos apresentados.
Nas dramatizações, as cenas terminavam no auge dos conflitos o que indica a falta
de recursos que pudessem possibilitar uma finalização, fuga dos conteúdos emocionalmente
carregados ou mesmo necessidade de ajuda do adolescente no sentido de identificar a
situação para propor uma alternativa fora do caótico.
A compreensão e elaboração do dramatizado para os adolescentes e pesquisadora
foram possíveis a partir dos “solilóquios”, dos compartilhamentos e dos inquéritos. Desta
forma, as etapas subseqüentes à dramatização das cenas possibilitaram a aplicação de um
procedimento com efeito educacional e terapêutico.
A despeito da diferença estrutural (famílias casadas e separadas) eles expressaram
basicamente a mesma dinâmica.
106
A família representada é de classe média composta por uma unidade heterossexual,
em relações hierárquicas, com um pai provedor, uma mãe cuidadora e um ou dois filhos
dependentes economicamente dos pais, em vínculo de consanguinidade. Esta configuração
também corresponde ao da chamada família moderna da qual a conjugalidade é exercida por
um homem provedor responsável pelo espaço público e uma mulher cuidadora
responsável pela vida privada do lar no sustentáculo do desenvolvimento infantil
saudável. Ou a também chamada família típica como narrativa dominante descrita nos livros
infantis, na mídia e nas expectativas de muitos técnicos e teóricos (Souza e Ramires, 2006).
Na família separada/divorciada, a configuração familiar é de pais morando em casas
separadas, mães morando com os filhos, pai e mãe tendo vidas distintas, pai em outro
relacionamento (namorada ou companheira), porém, as falas e contexto apresentam indícios
como se o ex-casal estivesse casado, ou ainda, o segundo casamento da mãe, como se fosse
a família nuclear de origem. Nas cenas 4, 5 e 6, diante da impossibilidade de solucionar as
questões econômicas do cotidiano, as mães chamam os ex-maridos como primeira
alternativa para resolver os problemas da casa, o que não acontece na cena 7 na qual, ao
invés do marido, tem o padrasto. Os ex-casais também utilizam os termos marido e mulher
ao se referirem aos ex-cônjuges e apresentam expectativas de atenção e atitudes referentes a
um relacionamento que já não existe mais. Até mesmo a namorada do pai se refere à ex-
esposa como sendo a “mulher dele”. Diferentes autores assinalam que o padrão
disfuncional das famílias cujos pais se casaram novamente é explicado, em grande parte,
pelo equívoco de analisar este novo núcleo familiar baseado em pressupostos do modelo
original (Wagner, Falcke e Meza, 1997; Hetherington, 1999; Hetherington e Kelly, 2002;
Souza e Ramires, 2006).
Os movimentos familiares são direcionados no sentido de manter essa configuração
tanto para filhos de pais de primeira união quanto para os de pais
separados/divorciados/segundo casamento.
Como mecanismo de manutenção do ideal de família nuclear, os participantes
demonstraram dificuldades em identificar conflitos intrínsecos à díade conjugal.
107
Consideram que conflitos geram separação, portanto, se não há separação não existem
conflitos. Eles reconhecem os aspectos ligados à distância/ausência paterna mas isto faz
parte do convívio familiar comum, ou seja, é incorporado sem que seja realizado nenhum
movimento no sentido de estabelecer relação entre a posição da figura paterna
distante/ausente com as dificuldades em resolver conflitos. A efetiva distância/ausência do
pai só fica evidenciada/reconhecida no contexto de separação, assim como, todos os demais
temas conflitantes presentes nos relacionamentos.
Figura paterna
O pai provedor é a figura principal, de maior domínio e centralizadora dos temas na
família casada. Ele se expressa através das suas próprias expectativas, da mãe e dos filhos,
da falta de alternativas e possibilidades de resolução das questões econômicas familiares
considerada como tema principal dos conflitos conjugais.
Esta posição o habilita a assumir uma atitude hegemônica e hierárquica no núcleo
familiar. Desde a Primeira República, a figura paterna tem assumido o papel de domínio e
poder sobre as relações domésticas e propriedades da família, constatadas nas camadas
provenientes da elite paulistana e nas médias e altas da cidade de Salvador (Sâmara, 1983;
Souza, 1992 e Oliveira, 1999). Na denominada “família patriarcal” a solidariedade e o
regime de poder das famílias se estruturavam em torno de um membro mais velho a quem
os demais consultavam a respeito das questões conjugais e prestavam deferências
(Azevedo, 1961). A pai provedor também acaba sendo o responsável em prover o melhor
para a família.
Uma aparente submissão àquele que deve prover as necessidades e corresponder aos
desejos e anseios de todos. O fato do pai provedor não corresponder ao que lhe é conferido,
acaba assumindo enorme responsabilidade que o impede de vivenciar/expressar/ser contido
pela intimidade do acolhimento familiar no cotidiano.
108
Sem conseguir esse espaço afetivo, volta-se para outros interesses fora, como
valorização/excesso de trabalho e/ou procura de outras mulheres.
Os filhos fora do núcleo familiar são evitados. Como anteriormente mencionado
sobre a família brasileira na Primeira República, a intromissão do Estado no espaço privado
se faz no sentido de proteger os interesses sócio-econômicos do núcleo familiar,
privilegiando as relações de consangüinidade a fim de preservar os bens e propriedades do
casal (Azevedo, 1961; Sâmara, 1983; Souza, 1992 e Oliveira, 1999) e, desta forma, este
aspecto fica garantido tendo os filhos apenas dentro do modelo tradicional.
Por outro lado, o pai provedor expressa seu desejo de autonomia
financeira/amadurecimento/crescimento dos filhos apesar de não discriminar as práticas
educativas adequadas para conduzi-los a tal objetivo. Desde a Primeira República, em
algumas regiões do país, o genitor da “família patriarcal” (Azevedo, 1961; Samara, 1992)
se responsabilizava por todos os espaços de domínio doméstico, inclusive os cuidados da
prole (Oliveira, 1999), porém, sem o convívio do cotidiano visto ter-se dedicado
especialmente ao espaço público. A pouca convivência com os filhos faz com que ele tenha
dificuldades em discriminar os procedimentos educacionais pertinentes ao processo de
amadurecimento/crescimento da prole. Diante disto, coloca a responsabilidade nos “maus
cuidados” dos filhos sobre a mãe cuidadora.
Como no ideal da família nuclear tradicional existe espaço apenas para um só pai
provedor, na separação/divórcio o pai biológico acaba sendo excluído e o padrasto
preenche o lugar dele no formato do ideal paterno. Na cena 7 onde se dramatiza uma
família de segundo casamento da mãe com três filhos do primeiro marido, e primeiro
casamento do padrasto sem filhos, as crianças chamam o padrasto de pai e a mãe se refere a
ele como o pai da prole. O movimento de todos os membros no sentido de configurar uma
família nuclear de origem fica bastante evidenciado. De qualquer forma, a substituição do
pai foi à maneira com que os adolescentes “deram conta” da escassez da figura paterna.
Eles demonstraram sofrimento com relação à ausência do genitor, porém, sem alternativa
de solução.
109
Figura materna
A mãe cuidadora, na família casada (primeiro e segundo casamento), se expressa
através da própria concepção sobre seu papel na família, assim como, das expectativas dos
filhos e atual marido quanto aos cuidados da prole, preservação da casa e da conjugalidade.
Na família divorciada, com a saída do pai, a mãe (sem padrasto) passa a ser a figura
central, sua vida e dificuldades econômicas são os temas mais abordados por todos.
Nas duas configurações familiares (casada e separada/divorciada), as mulheres
escolhem “bons provedores” para criar a prole e sentirem-se seguras. Féres-Carneiro (1997)
em estudo sobre o processo de escolha amorosa nas camadas médias da população assinala
que as mulheres heterossexuais demonstram um alto nível de exigência e utilizam como
preferência os atributos “competência profissional” e “capacidade econômica” em função
de uma certa dependência de seus parceiros. Nas cenas dramatizadas, a mãe dependente foi
estabelecendo diferentes tipos de aliança com os filhos, se colocando na mesma posição
hierárquica que eles.
Filhos
Os filhos se apresentam como figuras dependentes exclusivamente do núcleo
familiar, incluindo a família extensa (tios, avó etc), sem identificar os caminhos que
poderiam levá-los a uma maior autonomia econômica e emocional. Para o jovem, o não
estabelecimento da relação entre sua capacidade cognitiva e a auto-realização, devido às
dificuldades de reconhecer seus próprios limites, o mantém num ideal de conquista irreal
(Campos, 2002). Por outro lado, no convívio familiar eles são privados/poupados da
aprendizagem sobre como atingir a esperada autonomia através das atitudes dos pais de
superproteção da prole. Em estudos realizados com crianças e adolescentes brasileiras,
Souza (apud Souza e Ramires, 2006) constata na adaptação ao pós-separação uma
percepção fragilizada dos pais com relação aos filhos, vítimas da superproteção.
110
Eles exigem alternativas de solução dos pais e responsabilizam a figura paterna pela
falta de possibilidades nas resoluções dos diferentes contextos de vida. Essas atitudes são
originárias, em parte pela imaturidade da faixa etária, anseios de independência e luta por
uma identidade diferente dos pais, por outra, pelas dificuldades de resoluções das situações
no cotidiano, comuns à fase de desenvolvimento dos adolescentes (Aberastury e Knobel,
1981).
A dependência dos filhos se evidencia também pela forma infantilizada com que são
tratados pela mãe e avó materna, manifestando suas inquietudes com relação a este padrão
de interação. Eles identificam a solidão entre os membros da família, a falta de atenção e a
distância entre os pais e pais-filhos. Expressam o desejo de uma relação mais calorosa,
porém, sem saber o que fazer com isto. Idealizam os relacionamentos familiares baseados
na proximidade e afetividade, mas identificam falta de recursos para tal.
Família extensa
Na ausência afetiva, econômica ou física do pai provedor, algum outro membro da
família materna (tio), ou o padrasto, assume seu papel de forma descomprometida com a
educação efetiva da prole. Tanto no casamento quanto na separação (sem a presença do
padrasto) o espaço deixado pelo genitor é ocupado por um membro da família materna (tios
e avó).
Os membros da família materna (avó, tia e tio) aparecem também como figuras
dependentes e/ou agregadas ao núcleo familiar. Surgem como auxiliares da mãe nos
cuidados da prole e aliadas aos interesses/necessidades dela. Em alguns momentos
protegem os filhos e em outros fomentam as discórdias entre os pais e pais-filhos, em geral,
assumindo um posicionamento contra o atual/ex- marido. De acordo com DaMatta (1987),
apesar de todas as enormes diferenças internas, a “família patriarcal” é capaz de manter
agregados realizando a ponte entre o mundo público e o universo privado, de forma a agir
como um grupo “corporativo”, ou seja, como uma pessoa jurídica indivisível. Assim sendo,
a família se refere não só a família nuclear mas também a toda a parentela.
111
Dinâmica familiar
Na dinâmica familiar aparece a absorção/aceitação daqueles fora da lei ou com
comportamentos não aceitáveis socialmente. Na cena 3, o tio materno vive do narcotráfico
e o pai custeou um aborto para a ex-amante que assume abertamente ser ilegal. Na cena 5, a
ex-amante/atual namorada do pai é “garota de programa” que utiliza expressões agressivas
e pejorativas ao se referir à ex-esposa e filha dele. Estes jovens denunciam e concordam, de
alguma forma, com Carreteiro (2001) ao definir a “lógica do favor” na sociedade brasileira.
Para o autor, a lógica do favor pode suplantar ou, até mesmo anular, a lógica do direito.
Acrescenta que a assimetria violenta e a arbitrariedade caracterizam as relações onde os
direitos cívicos ficam subordinados aos valores hierárquicos e a estrutura social fica
contaminada pelos valores de intimidade, da proximidade moral, da convivência
econômica, da consideração social. Desta forma, a lógica do direito se esvazia e é
substituída pela lógica da violência, baseada no nepotismo, que pode ser explicitada, como
às vezes acontece com a lógica do narcotráfico.
Eles também corroboram com a análise de DaMatta (1987) sobre a imoralidade
como um padrão comum de atuação na esfera política e social no Brasil. O autor considera
que as leis e as práticas sociais não se encontram em sintonia, pois as leis são duras demais
para serem seguidas pelos amigos e filiados e, inversamente, as relações sociais com os
amigos são boas demais para o crivo da lei. Desta forma, as leis só devem servir para os
outros, ou seja, os não amigos e não parentes. A distância entre leis e práticas sociais
perpetua o nepotismo autoritário e sem dúvida faz com que a vida social seja movida por
duas éticas altamente diferenciadas: uma delas aplicada a razões da família e a outra para
exercer uma razão pública.
O aspecto central na dinâmica da família e do conflito refere-se ao como o
dinheiro/comprar/dar/adquirir bens de consumo é confundido com sentimento e expressão
de atenção, amor e carinho entre os pais e entre pais e filhos, ou seja, aquele que prove ou
facilita o acesso a estes bens é identificado como o que sente amor e expressa carinho e
atenção.
112
Em consequência da dificuldade em identificar os conflitos dentro da família as
justificativas das discórdias conjugais são colocadas fora. A culpabilidade é deslocada para
os membros da família materna ou filhos, pois a atual/ex- conjugalidade é sempre
protegida/poupada. Na separação/divórcio, a namorada/companheira do pai ou madrasta o
impede de ser um provedor atencioso e presente.
Dinâmica dos conflitos nas representações da família casada
Os conflitos não aparecem claramente neste tipo de configuração. As cenas
demonstram uma acomodação das discórdias em função da manutenção do relacionamento
conjugal. As desavenças são encapsuladas e somente a infidelidade pode gerar a separação,
e então, os conflitos poderão surgir.
Nessa representação de família aparece o casamento por conveniência em conflito
com outros ideais românticos que ficam abalados com a entrada do aspecto
econômico/financeiro. Ao assinalarem a concepção de família e casamento, Souza e
Ramires (2006) enfatizam a importância do amor romântico para o imaginário social da
cultura ocidental, assim sendo, para os participantes este ideal é ameaçado pelas demandas
e necessidades econômicas do contexto familiar.
Na cena 3 em que aparece a questão da infidelidade dos cônjuges, a infidelidade do
marido é aceita pela esposa, porém, a suspeita de infidelidade da esposa é seguida de
ameaça/agressão do marido, assinalando padrões de desigualdade de gênero na relação
conjugal. Este padrão de conduta nos remete às colocações de DaMatta (1997) de que na
complementaridade hierárquica de gênero, os homens são intrínseca e naturalmente
superiores, assim sendo, o celibato masculino pode ser visto como uma traição ao gênero,
sendo impossível separar a prática sexual da definição total da identidade social e as
metáforas sexuais acabam reproduzindo as normas da organização social. Aquele que nasce
homem tem que se comportar como tal, ou seja, com hombridade, com consistência,
firmeza e certa dureza, realizando sistematicamente certos gestos e mostrando aos “outros”
determinadas atitudes.
113
A infidelidade da esposa é inicialmente negada por ela, depois assumida sem
considerar qualquer interferência no casamento. A relutância de expressão/aceitação da
mulher quanto à sua própria infidelidade sinaliza o aspecto de submissão/dependência
aparente que o casamento impõe na conjugalidade, através do discurso feminino, ou seja, o
da fidelidade incondicional ao marido.
Para o marido, os relacionamentos extraconjugais também não interferem no
casamento, porém, seu discurso é mais direto e aberto. Na cena 3, os adolescentes
denunciam o aspecto da dupla moralidade. Desde a Primeira República, o duplo padrão de
moralidade, que tradicionalmente governa as relações de gênero e os comportamentos,
permite uma ampla liberdade aos homens e vigia rigorosamente a virgindade e a pureza da
mulher. Este sistema de valores originou-se no Brasil, sendo desenvolvido na Península
Ibérica através do contato com os mouros nas condições morais de Portugal (Azevedo,
1961).
Para as famílias dramatizadas, quando a infidelidade do marido é desvelada/pública
cria-se uma situação que conduz à separação/divórcio. Em alguns momentos das cenas, o
casal não se separa por causa dos filhos. Porém, quando eles se separam, as mulheres
demonstram uma certa desilusão vinculada ao amor romântico perdido. Assim, os
adolescentes não são capazes de perceber que podem existir espaços para negociação na
díade conjugal. Na complexidade dos relacionamentos, eles identificam comportamentos
que conduzem a resoluções simplistas no sentido de causa e efeito sem, contudo,
discriminarem os valores atribuídos à construção da conjugalidade.
Quando o casal se separa, a amante do marido aparece ambígua. Acredita que deve
haver a separação por causa das brigas do casal mas sente-se responsável pela ruptura da
conjugalidade. No caso de separação, a mãe conta com o apoio dos membros de sua família
de origem.
114
Dinâmica dos conflitos nas representações da família separada/divorciada
Na família separada/divorciada, os conflitos aparecem em maior grau de evidência e
escalonamento através das questões econômicas. Torna-se mais evidenciada a
mistura/confusão nas prioridades dos interesses/necessidades entre os pais e pais-filhos.
Surgem, também, os conflitos entre irmãos por coisas materiais. Isto pode ter acontecido
pois a manifestação dos conteúdos conflituosos ocorre no momento em que as adaptações e
transformações do ciclo vital requerem reestruturações pessoais e familiares e essas
condições podem fazer com que as pessoas se sintam em conflito e/ou entrem mais
intensamente em discórdias com outras pessoas (Heitler, 1990).
A presença da avó materna é mais marcante (cenas 4, 5 e 6). Ela procura sair ou
minimizar a situação nos mo mentos em que o nível de conflito aumenta. Quando isto
ocorre, ela apóia a mãe em seus interesses mas não consegue propor/elaborar/atuar
alternativas para as discórdias.
A figura da mãe e sua rotina são centrais na casa. Em geral, ela chega do trabalho
queixando-se do cansaço de um longo dia e da falta de dinheiro para corresponder às
demandas insistentes dos filhos, pois o ex-marido não paga o que deve da pensão
alimentícia. Com a saída do pai, as despesas de manutenção da casa e as contas dos filhos a
sobrecarregam. Sem o marido, ela fica com poucos recursos materiais e pessoais para
reconstruir sua vida. Isto acompanha as constatações de estudos que demonstram as
dificuldades econômicas da família no pós-separação como conseqüência da falta ou
irregularidade no pagamento da pensão alimentícia dos filhos, por parte do genitor (Kaslow
e Schwartz, 1995; Hetherington e Kelly, 2002).
Nas dramatizações, o pai inicialmente está sempre indisponível ou ocupado com o
trabalho. A mínima incompatibilidade de horários e falta de flexibilidade de ambas as
partes inicia a briga entre o ex-casal. Porém, o pai acaba indo para a casa dos filhos resolver
os problemas financeiros da família.
115
Na residência dos filhos, há, também, forte discórdia entre os pais quanto à criação
da prole, relativas aos temas sobre regras, limites, normas e diferentes critérios quanto à
definição das prioridades nas práticas educativas, crenças e valores (cenas 4 e 5). Os pais
demonstram diferentes critérios quanto às expectativas para os filhos na vida adulta
baseados na história de relacionamento do ex-casal. Os conflitos não resolvidos servem
como base para direcionar a educação dos filhos. Os pais emitem julgamentos e críticas
quanto ao estilo de vida de ambos no pós-separação e eles culpam um ao outro,
insistentemente, pela “falta” de dinheiro.
Nesses momentos podemos identificar como as narrativas constroem os conflitos
através de regras que regulam e pautam as inter-relações. Quanto aos temas e conteúdos,
das cenas dramatizadas, foram evidenciados conflitos de objetivos (as partes estão
centradas nas diferentes metas, das quais cada um pretende alcançar), de valores (cada parte
justifica sua posição baseada numa conotação valorativa diferente) e crenças (cada parte
sustenta sua posição em função de um sistema de crenças diferente) (Suares, 1999).
O escalonamento dos conflitos ocorre em referência às questões
econômicas/financeiras do ex-casal (cenas 4, 5 e 6). Nos diálogos, inicialmente, o pai tenta
uma conversa a respeito da redução dos gastos da família. A mãe não aceita as sugestões e
questiona o padrão atual de vida do ex-marido. Numa segunda alternativa para resolver a
situação, o pai cobra da mãe uma prestação de contas, ou seja, sobre o que ela faz com o
dinheiro de seu trabalho e assume, também, uma posição de cobrança dos filhos. O genitor
aparenta sempre ter um padrão de vida melhor do que o da ex-esposa e filhos, além de uma
namorada mais jovem que parece usufruir benefícios dos quais os filhos não têm.
Assim sendo, o escalonamento dos conflitos ocorre em função da falta de
flexibilidade incorporada na impossibilidade de reflexão sobre eles (cenas 4, 5 e 6). Suares
(1999) denomina este fator de discórdia como “conflitos por princípios”. Nesses conflitos,
as pautas implícitas ou explícitas para a adoção de decisões servem como um guia de
conduta, porém, a lógica do princípio torna rígida qualquer negociação, visto que, por
116
definição, os princípios não podem ser abandonados ou modificados, tornando inviável
qualquer alternativa de resolução.
Um enfoque que se aplica apo contexto, é descrito por Pearce (apud Suares, 1999)
que parte da hipótese de que os conflitos são gerados a partir da forma como lidamos com
nossas diferenças. O autor considera que as diferenças por si só não geram conflitos, mas
estes são construídos pelas diferentes maneiras com que lidamos com eles. Diante disto,
identificamos nas cenas os chamados “conflitos incomparáveis”, ou seja, aqueles em que as
partes que estão tratando suas diferenças não estão em acordo sobre o que está sendo
discutido. Nas dramatizações das cenas 4, 5 e 6, os filhos e ex-esposa discutem a falta de
atenção e apoio do pai com relação a eles, enquanto o genitor aborda exclusivamente as
questões financeiras da família.
Dando continuidade aos diálogos, os filhos se negam a colaborar com as propostas
do pai de redução das despesas e exigem a manutenção do padrão de vida mais alto do que
aquele que o genitor não pode ou não quer disponibilizar. Quando não consegue ter
controle da situação, o pai aponta os altos custos do estilo de vida da mãe e/ou dos filhos.
Para essa situação, Heitler (1990) assinala os aspectos silenciosos e inexpressivos dos
conflitos manifestados através dos conteúdos. Os conteúdos se referem aos temas não
resolvidos e/ou situações problemáticas que deixam as pessoas em desconforto. Nas
dramatizações dos filhos, a saída do pai de casa pode ter gerado de um lado o medo do
abandono e de outro, em função de sua fase de desenvolvimento, a necessidade de
autonomia e diferenciação. Estes fatores fazem com que a questão econômica se torne o
ponto de convergência de suas maiores dificuldades. Do ponto de vista das ex-esposas, os
conteúdos enfatizam a saída da figura do provedor como fator que intensifica a insegurança
econômica e faz com que ela se sobrecarregue com as novas estruturações vinculadas à
distribuição de tempo e energia para o trabalho, cuidados da casa e filhos e o lazer.
Mãe e filhos respondem às cobranças do pai. Nas narrativas, o ex-casal apresenta
dificuldade de comunicação e disfuncionalidade nas resoluções das discórdias. Pode-se
considerar um padrão repetitivo entre mãe e filhos que pedem para o pai o que necessitam
117
e, de certa forma, acreditam que somente ele possa resolver os problemas atuais. Os filhos
se aliam à mãe contra o pai e isto aumenta a discórdia. Nas brigas, as estratégias de
enfrentamento tornam-se disfuncionais na medida em que prejudicam os relacionamentos
interpessoais e implementam perdas no processo de decisões. Podemos constatar que, nas
cenas, os personagens utilizam a denominada estratégia de “luta”, ou seja, estratégia da
qual quando as pessoas discutem, elas insistem, aumentam a tonalidade da voz a fim de
convencer o outro ou obterem o que querem, desconsiderando os pensamentos e
sentimentos dos outros, rompendo os relacionamentos ou mesmo cometendo injúrias e
prejuízo moral para os envolvidos (Heitler, 1990).
Ainda, quanto a disfuncionalidade das resoluções, devemos assinalar que os
conflitos relacionais envolvem os aspectos intrapsíquico e interacional, como partes
inerentes à sua constituição. Para Heitler (1990), isto pode ser constatado pois como os
padrões interacionais são recíprocos, uma pessoa pode provocar outra e cada uma ou ambas
iniciam o processo de interação disfuncional. Para a autora, a expectativa de uma pessoa em
direção ao movimento ou conduta da outra pode ser suficiente para iniciar o padrão
relacional destrutivo entre elas. Assim sendo, a partir da ação/conduta de uma, a outra
retorna numa ação/conduta recíproca/conhecida e vice-versa. Desta forma, os conflitos
assumiram, nas dramatizações, um círculo repetitivo de acusações, ameaças e alianças
(mãe/filhos contra o pai), chegando ao descontrole e sem um possível acordo. Este padrão
também surgiu na competição entre a mãe/filhos e namorada/companheira/madrasta pelo
dinheiro e atenção do pai.
Um alto nível de conflito, também, aparece entre pais e filhos. A comunicação e as
práticas educativas surgem com características de hostilidade e coerção verbal (cenas 4, 5 e
6). Outros momentos de hostilidade ocorrem quando o pai tenta sair para passear ou morar
com os filhos mas é impedido pela mãe (cena 6).
No alto nível de conflito, a mãe minimiza a discórdia e avalia a situação sem
consciência de sua gravidade (cena 6). Inicialmente nega o ocorrido, depois tenta fazer o
melhor para ajudar os filhos, principalmente no momento em que a violência surge como
118
solução. Isto pode ser compreendido através da análise de Heitler (1990) sobre padrões de
escalonamento. A autora descreve a estratégia de “conflito evitado em interação de luta”.
Nessa estratégia, o aumento na intensidade leva ao descompromisso com o sistema
familiar, ou seja, um conflito constituído num processo de escalonamento de brigas e
discussões pode atingir um determinado ponto em que um, ou ambos participantes, escolhe
se desconectar da interação.
Diante do alto nível de intensidade nas discórdias, os adolescentes parecem
identificar que a separação não resolve conflitos. Eles percebem que as brigas podem
diminuir quando os pais moram em casas distintas, mas de certa forma, a intensidade pode
se manter ou até aumentar em outros contextos. Para Heitler (1990), o nível de intensidade
dos conflitos pode ocupar uma posição de escalonamento nas oposições das partes dentro
de um padrão cíclico. Quando um determinado padrão de interação já foi estabelecido num
relacionamento, uma afirmação pode ser interpretada como uma insinuação crítica que
recebe, como resposta, uma réplica hostil, provocando um retorno mais intenso e
finalizando com gritaria ou violência verbal. A autora assinala que este tipo de interação
tende a se repetir ciclicamente, sendo que a gravidade e volume das expressões tendem,
também, a aumentar.
Nos momentos em que isto ocorre nas dramatizações, os filhos identificam o alto
nível de conflito entre os pais, porém, eles procuram não interferir , se isolam, saem de casa
ou tentam mediar a interação dos pais a fim de controlar a situação. Contudo, eles não
identificam a razão das brigas entre os genitores. Alguns acreditam que o casal poderia
ficar bem junto, outros conseguem identificar que o pai esteja melhor no segundo
casamento.
Dentre as quatro cenas dramatizadas pelos filhos de pais
separados/divorciados/segundo casamento, apenas uma (cena 7) se configurou como
família de segundo casamento, contendo o padrasto. Na cena, podemos identificar a mistura
de aspectos específicos da família nuclear tradicional com os da família
separada/divorciada.
119
Nessa situação, além do padrasto assumir a posição do pai da prole, como já
mencionamos anteriormente, este posicionamento lhe confere um não compromisso efetivo
com a educação dos filhos, por exemplo, ele não se intimida em colocar o filho contra a
mãe.
Apesar do grupo não ter selecionado nenhum personagem para representar o pai dos
filhos no segundo casamento, a pesquisadora interrompeu a dramatização e interferiu na
cena, assumindo, no telefone, o papel do genitor da prole. Nesse momento, pudemos
constatar o posicionamento do pai dentro da configuração familiar no segundo casamento
da mãe.
Na cena, foi identificada a exclusão do genitor pelos três filhos do ex-casal. Os
filhos não corresponderam abertamente às palavras de afeto/carinho do pai. A filha não quis
morar com ele porque “lá não tem mãe” (sic). No diálogo com o pai, os filhos pedem
dinheiro somente para sair ou para um presente. O padrasto mostrou-se com ciúme do ex-
marido da esposa.
Na separação/divórcio, inicia-se a disputa do casal pelos filhos ou, no segundo
casamento, a perda dos filhos dela. Os filhos sofrem com separação e conflitos. Nas
disputas interparentais, eles ficam confusos sobre com quem irão ficar. Alguns escolhem
morar com uma figura de apoio da família extensa, outros com o padrasto. Apesar das
brigas, os filhos não querem a separação do casal. Eles preferem que os pais voltem a viver
juntos ao invés de se separarem.
No segundo casamento, após a separação, a mãe pensa em procurar um trabalho
extradomiciliar. Ela se recupera mais rapidamente da ruptura do relacionamento conjugal
do que a mãe da família nuclear.
Reações dos filhos aos conflitos
Em concordância com os resultados das categorias a serem apresentadas, para os
filhos, os conflitos são identificados nas dramatizações através das brigas por dinheiro.
120
Quando as discórdias entre os pais aparecem, na tentativa de controlar a situação, os filhos
querem ter a atenção deles. No casamento, eles pensam em alternativas idealizadas com um
“final feliz”. Na separação/divórcio, eles pensam em dialogar mais, porém, difíceis de
serem concretizadas. Uma outra alternativa é se isolar no quarto ou sair de casa. Cummings
e Davies (2002) observam que diante dos conflitos entre os pais, os filhos procuram alterar
o fator de estresse através da solução do problema. Eles tentam apresentar uma alternativa
como: mediar, desviar a atenção do assunto, dar auxílio/conforto a um ou ambos os pais,
mudar seu próprio estado emocional através da fuga, evitar a situação, fazer uma
reavaliação positiva do conflito ou ter a atenção dos pais através de comportamentos
negativos.
Uma alternativa de resolução dos conflitos se evidencia quando o pai provedor cede
à demanda da atual/ex- mulher e/ou filhos. Segundo Heitler (1999), a rendição é uma
resposta dada à situação de conflito quando não há qualquer negociação estabelecida.
5.3. Como compreendem e como enfrentam Conflitos Conjugais
Os resultados do estudo demonstram que conflitos, em geral, são identificados pelos
participantes como fenômenos gerados por características intrínsecas e particulares das
pessoas. Num primeiro momento, eles reconhecem os conflitos a partir da forma e
intensidade com que os pais expressam os conteúdos emocionais numa interação (Davies e
Cummings, 1994), sem considerar os aspectos interacionais e dinâmicos na construção das
discórdias.
Essa maneira específica de identificar conflitos ocorre em função de um pensamento
pragmático, associado às crenças profundas de certo e errado, baseado na noção de conflito
vinculado à concepção de violência (Souza, 2003). A aceitação de uma definição em si
mesma, convivendo com a posição pessoal de que os conflitos estão fora e não dentro e/ou
na interação entre os indivíduos, dificulta a identificação de alternativas para as desavenças
no cotidiano, aprisionando as partes oponentes numa disputa de poder.
121
Os filhos de pais de primeira união apresentam a dicotomia - conflito e não conflito
- de maneira mais marcante, enquanto para os filhos de pais separados/divorciados/segundo
casamento as dinâmicas da conjugalidade e dos conflitos aparecem mais discriminadas em
função do alto nível emocional dos confrontos identificados por eles.
Para assinalar este aspecto, os filhos de primeira união descreveram exemplos de
como pais com temperamento explosivo podem causar o escalonamento das brigas, assim
como, a submissão de uma pessoa pode causar conflitos explosivos.
“......uma pessoa que é mais explosiva assim.....ela já grita mais......o temperamento da pessoa conta muito
na hora da briga”
“....se a pessoa é explosiva...digamos...pavio curto...a pessoa não agüenta...é tanta discussão num
ambiente pessoal, trabalho, profissional.....se for calma...você vai conseguir suportar.... agora, se for uma
pessoa assim....que desiste fácil....que é muito explosiva....assim você não consegue mesmo, você acaba....”
“...... ou a pessoa é calma demais e não discute e nem liga.....fala tá bom, tá bom, é isso....”
“.....às vezes a pessoa vinha guardando.....guardando tanto que chega uma hora a pessoa não
agüenta.....mesmo que seja assim uma pessoa calma.....chega uma hora que não dá mais....que vai
guardando umas coisas.....”
A partir dessas constatações foram levantadas categorias sobre como os
participantes compreendem e enfrentam conflitos conjugais. As categorias foram
retiradas das cinco etapas (aquecimento inespecífico, aquecimento específico,
dramatização, compartilhamento e inquérito) do procedimento, porém, a análise desses
resultados foi realizada a partir dos relatos individuais nas etapas de “Compartilhamento” e
“Inquérito”. Nessas últimas, os participantes e pesquisadora saíram de seus papéis
psicodramáticos e voltaram a agir em seus papéis de pessoas privadas (alunos/participantes
da pesquisa e pesquisadora), no momento em que os bloqueios/dificuldades e defesas
pessoais se encontravam rebaixados em função da descontração e intimidade promovidas
122
pela dramatização. Desse modo, os relatos assinalados demonstram as opiniões, sensações,
pensamentos e sentimentos baseados nas experiências/impressões/reflexões/concepções
pessoais dos participantes.
Os temas referentes ao como compreendem conflitos conjugais estão divididos em
quatro categorias: 1) dinheiro; 2) educação dos filhos (práticas educativas); 3) estilo de
parentalidade; e 4) interferência de terceiros.
Os temas referentes ao como enfrentam conflitos conjugais estão divididos em três
categorias: 1) chorar/conversar com os amigos ou cachorro/pensar e fazer outras coisas; 2)
tentar mediar os conflitos dos pais; e 3) distanciar para evitar
sofrimento/aceitar/acalmar/tentar esquecer.
A ordem dos temas foi estabelecida de acordo com a importância do conteúdo
(maior freqüência, maior intensidade emocional e concordância entre os participantes) e a
relevância/sequência com que os assuntos foram surgindo durante os relatos.
COMO COMPREENDEM CONFLITOS CONJUGAIS
1) Dinheiro
No ambiente familiar, o dinheiro é a principal fonte de conflitos e está incluído em
todos os setores dos relacionamentos no cotidiano, embora as diferenças ocorram com
relação à intensidade das desavenças.
Para os filhos de primeira união, as questões econômicas não aparecem diretamente
como tema de conflito. A falta de dinheiro e/ou excesso de gastos são identificados,
inicialmente, através da dependência da mulher e filhos de um único provedor. Nessa
dinâmica, as discórdias surgem em conseqüência dos conflitos entre os gastos com a casa e
123
a prole, com os gastos e o estilo de vida privada dos cônjuges. As brigas entre os pais
começam com coisas sem importância e depois são direcionadas para a situação financeira.
“ ....eu acho que começa com coisas bobas, mas aí depois eles já começam a envolver outras coisas na
discussão, por isso que começa a ficar maior a briga......como bola de neve...começa um mudando de canal
e depois termina com a situação financeira da casa...que todo mundo gasta muito”
“....dinheiro.......às vezes está faltando, aí brigam um com o outro aí começa uma discussão....acho que é
assim....”
“ ....é mãe e pai tem que pensar na família e a pessoa....o pai ou a mãe acabam começando a ver mais só o
seu lado pessoal, acaba pensando: “porque eu tenho que trabalhar para sustentar essas pessoas”........“eu
quero viver a minha vida, eu cansei”... e às vezes acaba em separação”
As questões referentes à dependência econômica aparecem como motivos de raiva e
irritabilidade. O pai/provedor, a mãe/cuidadora e mãe/filhos dependentes estabelecem uma
dinâmica familiar em que os que dependem não questionam e procuram manter a situação
de privilégios através de diferentes tipos de alianças. No caso de haver separação, as brigas
irão aumentar por causa de dinheiro. Quando o casal se separa, aparece o preconceito com
relação à mulher descasada.
(Diferentes participantes): .....“Ela vai ficar correndo atrás do dinheiro dele”....“Vai ficar dependendo do
irmão dela”.... “Vai ficar dependendo do irmão”....“Ela vai ter que conseguir dinheiro, vai criar vergonha
na cara e correr atrás do trabalho”.... “Ela vai procurar um amigo rico dele que sempre deu uma olhada
pra ela...”....“Eu acho que ela vai trabalhar”.....“Ela vai procurar alguém que ela realmente goste e que
tenha dinheiro”....“Ela vai brigar até o fim”....“Ela processa ele”....“Ela quer dinheiro, ele quer amor, aí
vai ficar uma discussão.....mesmo ele querendo amor, ele vai querer dinheiro, não vai dar dinheiro pra
ela.....vai ter uma briga no Judiciário por separação dos bens”
“Ela vai procurar um modo mais fácil....ou achar outro marido”....“Ela vai pra fazenda do
vizinho....procurar outro homem”.....“Se ela não achar (outro homem), ela vai brigar”.... “Vai achar um
velho de 80 anos......prestes a morrer”
124
“Não vai parar de brigar nunca. Ela vai querer mais e ele não vai dar”......“Ela não quer ficar pobre e ele
não quer dar dinheiro para ela”.
O dinheiro também aparece relacionado com os “bons” cuidados dos filhos, porém,
considerado insuficiente no convívio familiar. As mães voltadas para a manutenção e
estabilização da relação conjugal, algumas vezes, são identificadas como as que gastam
muito, outras como mais responsáveis do que os filhos. A questão econômica também é
responsável pela desunião familiar.
“.... mãe gastona....não dá bola pra o que está acontecendo, assim, a situação financeira, ela vai gastando
sem pensar”
“....a questão financeira acaba distanciando toda a família....hoje tem muita gente que é desunida, assim,
cada um pensa no seu......não vê gente unida.....às vezes podia sair para um almoço, um filme, sei lá”
“....os filhos não se importam muito, assim, com a situação financeira e vão gastando....a mãe tem mais
responsabilidade”
Para os filhos de pais separados/divorciados/segundo casamento, os relatos e
histórias pessoais também demonstram o dinheiro como tema mais comum, emergindo
agora nas brigas entre os casais e ex-casais. As questões se tornam mais complexas e se
amplificam pois o sistema obriga a maiores distribuições de bens e proventos. As brigas por
dinheiro se referem à educação dos filhos e despesas da casa, incluindo o sustento de outro
membro da família (avó), filhos de outro casamento e outras esposas misturadas às
despesas dos filhos do casal e/ou pessoais dos pais.
“...bate-boca mais de dinheiro, essas coisas dinheiro, porque na minha casa é assim, ele (pai) tem dinheiro
mas ele não pode gastar com você, aí meu pai revida e fala assim: “ não, mas sua avó tem dinheiro e sua
vó também não te ajuda. Você tem as duas, você tem a mãe e a vó só pra você....e eu tenho que criar mais
duas, né...do segundo casamento”.....ele tem duas filhas no primeiro casamento...........eu podia também
ajudar e aí minha mãe fala: “não, você como pai poderia estar ajudando”....
125
“.... meu pai nem fala com a minha mãe direito porque a minha madrasta fica com ciúmes e aí........aí ela
fica falando que quando eu peço alguma coisa pro meu pai ela é que fala: “tem muitos gastos com meus
filhos, não dá pra ter mais uma” ....não sei das quantas......“já paga metade da sua escola, já paga pra
você um monte”....”
Enquanto a mãe de primeira união aparece essencialmente dependente do marido, a
mãe separada/divorciada trabalha fora de casa e tenta suprir o sustento da prole. Essa última
aparece como uma figura protetora, atenta e responsável pelos interesses e necessidades dos
filhos. A referência principal é a ausência paterna e o dinheiro como forma de falar sobre
esta falta. Reconhecido o sentido da ausência, comparado com a mãe atrelada ao marido e a
prole, a mãe descasada assume a posição de alguém que merece o reconhecimento e
proteção dos filhos (Hetherington e Stanley-Hagan, 1999).
“........ minha mãe é que quando vai em shopping fica comprando as coisas pra mim....agora meu pai não”
“ ........eu não acho que minha mãe é ausente na minha vida, tanto que passei por tantas coisas que eu sei
que foi minha mãe que salvou....”
“ .......ela não é ausente, ela não é ausente, ela está sempre lá....”
“.........minha mãe não fala mal do meu pai de jeito nenhum, eu acho que ela acha que se ela falar mal dele
vai afetar minha relação com ele, e ela não quer que isso aconteça....ela fala: “você pede o tênis de 400
reais pra mim e para o seu pai você pede a bolsa, porque você não pede a ele?”. Porque eu sei que meu pai
não vai me dar, então eu peço pra minha mãe que ela vai me dar a bolsa.....”
As dificuldades econômicas e os problemas no trabalho foram identificados como
motivos de raiva e irritabilidade, principalmente nos pais/homens. Alguns participantes
relataram uma dinâmica autoritária/agressiva (violência verbal) por parte dos homens e de
passividade/tolerância por parte das mães diante do escalonamento da raiva paterna.
Os conflitos dos pais (identificados como inerentes ao sujeito) e entre eles em
conciliar/administrar a vida pessoal/familiar/financeira acabam “sobrando” para os filhos.
Esses resultados coincidem com os observados no estudo de Schulz, Wadinger, Hauser e
126
Allen (2005) em que demonstram como as interações familiares com maior nível de
hostilidade interparental também são acompanhadas de maiores expressões de hostilidade
dos pais em relação aos filhos.
Por não terem experiência suficiente em relacionamentos que incluam referenciais
de conjugalidade, os jovens acabam identificando conflitos como fenômenos intrínsecos às
pessoas, não percebem as realidades diversificadas nem tampouco a dinâmica entre elas.
“ ...o meu pai é a palavra da casa, se ele fala tem que fazer o que ele quer, se não faz ele vira o capeta
dentro de casa. Ele chega é porque é assim: “eu sou a primeira ordem” (pai falando)......minha mãe não
pode falar nada porque senão o meu pai fala um monte, meu pai implica todos os dias, se está o problema
de dinheiro ele chega em casa, ele fica revoltado com a família, se não vende nada na loja ele fica
revoltado...minha mãe, não...minha mãe fala: “deixa”...porque ela não teve isso na época dela, minha mãe
sempre foi presa. ...porque naquela época era mais a moda antiga que não saia muito, não era desse
tipo......então o meu pai é a única palavra de casa, quando ele fala ninguém pode....tem que todo mundo
abaixar a cabeça pra ele........Isso é horrível....”
“......acho que esse negócio de chegar do serviço estressado não sei o que, descontar em todo mundo,
acontece muito em casa. Por exemplo, meu pai tem (loja quebrada por assaltantes)..............aí ele ficou
uma semana, aquela que você não pode nem chegar perto dele. Nossa, a gente chegava perto dele, ele,
meu: “ o que que você quer, que que você tá fazendo aqui?”...que não sei o que..ele ficava muito nervoso...
...isso gerava muita confusão.... minha mãe chegava: “calma, vai passar”....ele: “não, não vai passar,
destruíram a minha loja”.... e fazia uma confusão enorme.....descontava em mim, na minha irmã, na
minha mãe....”
“ ......meu pai dá dinheiro pra cuidar das coisas dela (tia), depois ele acaba e....não faz um monte de coisas
pra minha casa. E ele chega em casa e ele desconta tudo em mim e na minha mãe....aí ele começa a xingar
a minha mãe de um monte de coisa...começa a falar um monte de coisa que não tem nada a ve...começa a
culpar a gente de tudo que tá acontecendo...um monte de coisa na vida dele e não é isso. E a gente tem
que abaixar a cabeça pra ele, sabe...pra ele não ficar estressado com a gente....todo problema que a gente
tiver, a gente não fala nada com ele, nada do gênero para não deixar ele mais nervoso.....”
127
“ ....minha mãe chora...chora muito...minha mãe chega a gente pergunta pra ela: “o que aconteceu
mãe?”...ela chega e não fala....porque ela ouve um monte de absurdo do meu pai e não pode fazer nada.
....Porque eu falo assim: “mãe, porque você não fala pra ele ficar quieto?”...ela diz que é respeito que ela
tem......entendeu? É o limite que ela tem....ela não é daquele jeito de chegar e começar a ficar falando,
....então isso sempre acontece....”
“....esse negócio de bate-boca não tem a ver com finança, finança é mais pra discussão... mais forte
assim.............finanças....seria uma coisa mais forte assim.............descontrole....acho que sobra pra
gente.....minha mãe não encontra com meu pai, só por telefone.....então o descontrole é com a gente e bate-
boca, discussão ..essas coisas...entre eles.....”
Na questão econômica, a expressão de raiva foi identificada entre os pais e pais e
filhos, denotando um escalonamento crescente no nível de violência verbal e física. A
violência também caracteriza a falta de amor e é expressa, inclusive, através do tipo de
verbalização utilizada pelos filhos que dizem sofrer muito com tudo. Este padrão de
relacionamento, denominado efeito “spillover” (alta freqüência de conflito entre os pais está
associada com maiores problemas nas relações dos pais com os filhos), foi detectado no
estudo de Buehler e Gerard (2002) e indica inúmeras dificuldades no ajustamento dos filhos
em função da parentalidade ineficiente.
“ ...é, várias vezes ela (amiga) sempre ouvia brigas.....meu pai xingar minha mãe pra mim......e eu vice-
versa. Já passei por várias coisas quando meus pais estavam juntos...aquela coisa de
brigar.....tapas......socos entre meus pais....”
“....meus pais brigavam muito...meu pai chegava muito nervoso queria ser mais reservado e tudo mais,
minha mãe não entende....minha mãe chegava muito estressada......ela briga com o cachorro (animal de
estimação da filha), chuta o meu cachorro, quase que meu cachorro voou uma vez pela parede que a minha
mãe ficou muito nervosa com o meu cachorro.........ele ficou muito abalado, também, ele chora, ele mija, ele
faz....ele comeu a boneca dele, a boneca voou, é uma confusão.....”
“ ....minha mãe não pode pedir nada que meu pai fala um monte...então...minha mãe quando tá
precisando de alguma coisa, assim em casa ou pra ela, meu pai fala um monte....meu pai pentelha....ele
128
fica batendo na mesma tecla: “Isso irrita por que?” (pai falando)......a minha irmã sofreu muito e eu
também estou sofrendo agora e as duas irmãs pequenas, elas sofrem também.........isso sempre acontece é
por falta de dinheiro, eu tenho falta de amor....”
“ .....(referência à mãe) “do meu jeito, tem que ser do meu jeito....tem que ser assim”....e acho que foi até um
dos motivos que meu pai se separou da minha mãe porque ele também era autoritário....então ficava um
de um lado autoritário, outra muito autoritário, aí não dava certo.....”
No relacionamento da díade parental, os filhos identificam o ciúme da mãe
interferindo na compreensão do motivo da falta de dinheiro.
“ ..... minha mãe vive me enchendo o saco e...fala assim: “eu não sou ciumenta filha, eu não sou”... mas a
gente sabe que é....ela fica caçando... ela acha que o meu pai tem mulher....tem várias mulheres e que ele
não tem dinheiro por causa disso....sendo que meu pai ficou desempregado agora....e é por isso que não
está entrando muito dinheiro como antes....”
Em geral, a mãe aparece como figura que sempre prove tudo ou se esforça para dar
o máximo, enquanto o pai é negligente nos cuidados e atenção dispensada aos filhos.
“ ...ele não está nem aí....como que eu gasto ou que eu faço...pra ele é como se eu não existisse...ele sabe
que estou bem.... mas ele não está preocupado assim: “ será que ela tá indo bem na escola? será que ela tá
tendo tudo o que necessita?”.... No meu caso quem se vira é a minha mãe... é mais preocupada do que meu
pai....meu pai não está nem aí.....”.
O padrasto, como substituto do pai no convívio diário, criação e pagamentos de
algumas despesas da prole, é considerado como se fosse pai.
“ ..meu padrasto que paga a Cultura (curso de inglês).... meu padrasto que paga os treinos.... meu padrasto
que cuida assim, mais de mim...e meu pai.... aí tem que dar dinheiro pra pagar Cultura....nem metade ele
....não paga nada....acho um saco.....”
129
“....eu nem cheguei a conhecer o meu pai.......acho que notícias assim do meu pai eu tenho através de
famílias.........eu não tenho esse conflito do tipo pai e mãe brigando porque a filha tá pedindo dinheiro.
...não senti falta de pai porque o meu padrasto....ele me cria desde os três anos e ele sempre me deu tudo,
tudo que eu peço ele me dá.....”
De acordo com o exposto, constatamos que nas famílias de primeira união, a
intensidade dos conflitos está vinculada à suficiência/insuficiência do dinheiro no
cotidiano. A questão econômica permeia as relações de eficiência entre aquele que ganha
com os outros que gastam. Considerando que o divórcio traz o empobrecimento das
mulheres e a divisão do patrimônio do casal, como um fenômeno do mundo ocidental, os
participantes mostram como os conflitos se expandem e o dinheiro se transforma no foco
das famílias pós-separação, alertando para a necessidade de que se inclua a mediação na
área jurídica enquanto instância de trabalho com a problemática familiar. Na
separação/divórcio o dinheiro concretiza os conflitos e emerge mais prontamente como
desestabilizador das relações familiares na busca de bens e proventos, enquanto o consumo
passa a ser o intermediário na escalada da qualidade de vida e alcance de metas e objetivos
pessoais.
2) Educação de filhos (práticas educativas)
Educação e monitoramento dos filhos aparece como um segundo grande tema de
conflitos conjugais, e em conseqüência disto, eles acabam se sentindo culpados pelas
desavenças.
“Acho que tem alguns conflitos entre pais que acontecem por causa dos filhos também, por causa da
educação, essas coisas assim.....”
Para os filhos de primeira união, os domínios masculinos e femininos são
absolutamente excludentes. A mãe aparece mais próxima e atenta com relação à educação e
130
monitoramento deles. Ela os acompanha nas atividades do dia a dia, os conhece melhor e
por isso brigam mais.
“..... o filho que por conviver mais tempo.....mais parte do tempo com a mãe, acaba pensando que a mãe é
pior que o pai. O pai acontece que não vai entender....e a mãe como convive e sabe.....conhece um
pouquinho mais o filho do que o pai....acaba sendo a chata...a pessoa que não entende....a pessoa que gera
conflitos....”
Por estar mais próxima, a mãe protege e chega a infantilizar os filhos. Na dinâmica
de pai provedor, mãe cuidadora e mãe/filhos dependentes são estabelecidos padrões de
relacionamento em que mãe e filhos se tornam cúmplices e a prole acaba sendo extensão de
seus interesses e necessidades. Nesses casos, quando surgem os problemas a mãe é
responsabilizada pelo pai.
“... os pais trabalham fora.....a mãe é mais ou menos dona de casa daí....o filho...vai mal ou está
rebelde......daí o pai coloca meio a culpa na mãe: “Ah, você não está educando ele direito, sabe...””
“.....filho drogado...o pai fala que ela não educa direito....que não sei que...aí começa a quebrar....a sumir
coisa também.....ele (pai) não quer a culpa, né.... tem que jogar na mãe ou então vice-versa.....alguém por a
culpa em alguém....é isso aí começa.....que gera mais conflito....”
Para os filhos de pais separados/divorciados/segundo casamento, na co-
parentalidade, a mãe ainda é cobrada como se não houvesse o rompimento conjugal. Entre
a díade, a divisão de trabalho permanece a mesma porém isto não ocorre com os proventos,
mas a mãe continua sendo a responsável pela educação da prole. Desse modo, ela está mais
próxima através do acompanhamento das atividades, totalmente responsável pelo
monitoramento no dia a dia e com isso, mais envolvida nos conflitos com eles.
“......minha mãe tá lá no pé.....ficou de castigo....ficou de recuperação....não vai no treino. Agora acabei de
brigar com ela que eu falei que eu queria vir aqui...”
131
Os conflitos surgem a nível verbal quando os pais responsabilizam as mães pelos
problemas dos filhos na escola e criticam o tipo de conduta que ela esteja utilizando no
monitoramento e educação da prole.
“.......você dá muita liberdade pra sua filha.....”
“....É, geralmente quando o filho ou a filha fica com a mãe, o pai sempre chega, ah, você faz isso, você faz
aquilo, você não cria sua filha direito, você dá liberdade, deixa voltar às 3 horas da manhã, dá isso, dá
aquilo e o pai sempre acha que a mãe está errada....”
Na distância da figura paterna, os filhos identificam no pai a figura que não orienta,
não ajuda e não faz o acompanhamento escolar deles. Eles justificam a falta pela
negligência em participar das atividades no cotidiano. Nesse sentido, percebem que o
genitor apenas pontua e pergunta, ou mesmo, cobra aquilo que deveria monitorar, como,
melhorar as notas e estudar mais ou questiona o monitoramento que o outro pai faz do
amigo. O próprio pai não ajuda ou facilita o transporte dos filhos nos compromissos,
atividades ou lazer. O baixo envolvimento do genitor é considerado fator de risco
relacionado aos conflitos conjugais, pois pai menos atento tende a passar pouco tempo com
os filhos e na medida em que os conflitos interparentais aumentam, torna-se mais absorvido
pelos problemas da interação e ainda menos disponível para os filhos (Buehler e Gerard,
2002).
“ .....ele não pergunta, filha assim: “como que estão suas notas?”...... “Fiquei de recuperação”..... Aí ele:
“do que?”..... “Disso”...... “Tá bom”...... Então....ele não fala, não cobra..... “Ah, você ficou, ficou? Tá
bom”.....ele não fala: “porque você não ficou?”......”
“ ....meu pai só cobra.....ele adora cobrar, agora ajudar, não...... É tudo assim.....porque você tem que
estudar.....você pegou recuperação então você tem que estudar...... Mas ele não ajuda a estudar..... você
pegou recuperação, então você tem que estudar......Mas ele não ajuda a estudar......minha mãe que tem
que ajudar, se precisar....”
132
“ .....essa história também de ir para os lugares....voltar, ele: “ você volta muito tarde .....essa história
também de ir para os lugares, voltar....você volta muito tarde”......eu falo: “pois é, é que eu volto com
meus amigos, eu não escolho a hora que eu volto”.......então ele cobra que os pais dos meus amigos vão
pegar tarde, mas ele não vai pegar mais cedo.....ele nem pensa em pegar.....”
Nos finais de semana em que encontram o pai, devido ao pouco convívio e
intimidade, o genitor reclama que os adolescentes querem ficar com os amigos, dão pouca
atenção à família e falam constantemente no celular com os colegas. Desta forma, os filhos
também acabam dando pouca atenção ao pai nos momentos em que estão juntos.
“....como eu não moro com meu pai......a minha mãe se acostumou né, deu estar com ela....meu celular toca,
......então vamos fazer isso, vamos sair, não sei que.....ah, qualquer coisa assim...... E meu pai não, meu
pai não se acostumou com isso.....então eu vou na casa do meu pai e ele reclama que meu celular toca, ele
reclama que eu ligo para os meus amigos, ele reclama que só falo dos meus amigos............eu acho que isso
é falta, tipo de conviver.......ele não liga pra essas horas que eu quero sair com meus amigos e não com
ele.......Ele só liga nas horas que é pra eu sair com ele, fazer os programas com ele.....e ele se incomoda
quando eu quero fazer programas com as outras pessoas....”
No caso em que existe o padrasto, este aparece como figura compensatória da
distância/ausência paterna, compreensiva e colaboradora no estilo de monitoramento da
mãe. Participa na divisão dos cuidados instrumentais (buscar nas festas de madrugada,
comparecer/participar das comemorações na escola). O pai que tem outros filhos não
consegue cumprir/acompanhar os compromissos e, então, o padrasto o substitui. Em função
disto, acabam identificando o pai como figura distante e o padrasto como próxima. Desta
forma, todos ficam mais confortáveis pois retoma o equilíbrio da díade conjugal através da
complementaridade dos papéis, como sendo parentais, no suporte dos filhos.
“ ......eu vivo mais com meu padrasto do que com meu pai, então eu considero mais o meu padrasto do que
meu pai......ele esteve presente, ele vem quando eu preciso, mas não é aquela coisa de pai pra filha....que é
uma coisa distante.....então eu gosto dele como se fosse, sei lá, um amigo, um tio, alguma coisa assim, não
meu pai.....e eu acho que meu pai é meu padrasto........pai é aquele que cria e quem me criou foi meu
padrasto.....”
133
“ ......em relação ao meu padrasto.............ele me ajuda a estudar, ele que me leva nos lugares.....esse
sábado, eu tinha marcado de ir num lugar, que meu pai que ia me levar.....aí tá tudo combinado.....aí
sexta ele liga: “então, eu não vou poder te levar porque é a festinha de primavera do teu irmão e eu vou
ter que assistir e não vai dar pra eu te levar nem te buscar”........aí meu padrasto teve que desmarcar o que
ele ia fazer, que ele tinha marcado com os amigos tudo.......aí ele levou.........”
Alguns conflitos são influenciados pela madrasta que não aparece como figura
positiva, pois não permite/autoriza que o pai participe dos eventos com os filhos. Ela sente
ciúme da mãe e tenta impedir o contato do ex-casal nas atividades conjuntas com a prole.
Nesses casos, os conflitos entre os pais não são abertamente identificados.
“....(sobre o pai)... na minha festinha de primário, nunca foi em nenhuma.....só a da quarta série.... ele
nunca foi em nenhuma......A minha madrasta foi a única vez porque ficou com ciúmes da minha mãe com
ele......E meu padrasto..... ele que me leva nos lugares.....ele que me ensina as coisas....”
“ .....ela (madrasta) não deixa meu pai ficar sozinho num lugar com a minha mãe......ele ir no colégio me
buscar....ela não deixa.....ela vai junto.....porque sozinho ele não vai mesmo.....que meu pai não vê a
minha mãe fazem anos.....desde que eu tinha um ano......”
“.....é, meu pai não vê minha mãe, quer dizer, vê quando vai me buscar, assim, mas de conversar não......”
“....minha madrasta fica enchendo o saco porque meu pai não chegou a casar com minha mãe......”
Entre os pais, em geral, as brigam começam por coisas comuns do cotidiano e eles
se descontrolam. As discórdias ficam intensas ao lidarem com problemas de
alcoolismo/drogadição/traição. Essas situações acabam sendo modelos de como não
resolver e intensificar discórdias.
“....a minha mãe não gosta do caseiro....a minha mãe reclama que ele não limpa a casa....aí o meu pai
começa a discutir e manda ela trocar.....Esses dias mesmo eles discutiram...eu fiquei até assustado por que
eles gritaram que não sei o que....meu pai falou que minha mãe é da favela.....falou várias assim....eu não
134
acreditei....a minha mãe começou a falar da sogra e ele também....aí foi um auê total..... eu e a minha irmã
lá: “o que está acontecendo?”.....”
“.... traição.....na minha família não tem....mas eu já ouvi falar....eu já ouvi falar em famílias que o pai
quebra tudo em saber que a mãe está traindo ou a mãe quebra tudo em saber que o pai está traindo.....”
“......tem também problema de bebidas alcoólicas....que o pai bebe.....Tem casos de famílias assim.... que
leva isso ao descontrole......filho drogado, a mãe descobre que o filho mexe com maconha.....daí começa...”
Nas práticas educativas, o pensamento pragmático e maniqueísta do adolescente faz
com que ele identifique a conduta dos pais em modelos de representação do masculino e do
feminino bastante diferenciados, onde os espaços são determinados pelos domínios de
gênero, sendo excluída a complexidade dos significados nas diversidades das realidades
vividas. Na maneira com que eles concebem a parentalidade, a figura paterna aparece
bastante negativa, manifestando condutas insuficientes e pouco consistentes pela falta de
diálogo entre eles.
3) Estilo de parentalidade
Considerando a atuação dos diferentes estilos de parentalidade no cotidiano, a
importância dessa categoria releva, como já mencionamos anteriormente, os resultados dos
estudos que demonstram a qualidade da parentalidade como mediadora dos conflitos
conjugais (Grych, Raynor e Fosco, 2004; Doyle e Markiewics, 2005), sendo mais
importante do que a própria estrutura familiar (casamento ou divórcio) no que se refere ao
desenvolvimento de problemas psicológicos e comportamentais em crianças e adolescentes
(Hetherington, 1999; Hetherington e Kelly, 2002).
Para os filhos de primeira união, o aspecto mais mencionado pelos participantes foi
falta de atenção dos pais (pais e mães). O distanciamento entre os pais e entre pais e filhos
135
aparece em função do excesso de trabalho. Muitas vezes, o trabalho e a necessidade de
obter proventos substituem o dinheiro pela proximidade no convívio.
“ ...alguns pais como não tem tempo não dão atenção que eles (filhos) querem.....não prestam atenção num
trabalho que eles fizeram....em alguma coisa que eles ganharam..... que eles evoluíram.....que eles estão
aprendendo”
“........Só vê os filhos de noite e nem vê direito que o filho vai lá no computador......depois dorme e não vê o
filho......”
“.......Ele (filho) até tem um momento pra ficar com o pai mas ele prefere ficar no
computador....falando....sei lá.....na internet porque já está acostumado a ficar com o pai”
“....às vezes não é o caso de também o pai não querer prestar atenção no filho, por ser um problema à
parte, como todos os outros..... É o fato dele querer dar tudo o que o filho merece, atenção, compreensão e
não ter tempo..... Porque, hoje em dia, você tem que ter, tem que se dedicar muito pra vencer na vida......
Vamos supor assim, subir um pouco na vida.....E então não dá, ou você fica com os filhos ou você fica
trabalhando, estudando, se dedicando e muitas vezes os filhos são deixados de lado.....os filhos têm a hora
deles porque o trabalho ocupa a maior parte das pessoas, em geral dos adultos....”
“.....Tem pais que mesmo trabalhando conseguem dar a atenção necessária para os filhos......mas não é
todos......”
Nos casos dos pais se separarem, a separação é assumida com o desaparecimento da
figura paterna.
“ (sobre a separação)....acho que eles (pais) vão acabar brigando pelos bens e vão acabar esquecendo dos
filhos.....”
“.......Já estão acostumados a ficar longe, eles ficam longe muito tempo, eles meio que se
acostumam..........”
136
A separação é um agravante para o distanciamento entre pais e filhos.
“(pais ficam muito tempo afastados e quando estão juntos) ....não sabem o que fazer”
De acordo com os participantes, a presença dos pais estabelecendo limites é
chamada de autoritarismo. Nesses momentos, a dificuldade de comunicação entre pais e
filhos foi identificada como fator capaz de gerar conflitos.
“.....quando os filhos querem sair......fazer os programas deles, e os pais não deixam.....aí começa aquela
discussão......você não deixa fazer nada....”
“..... o pai fala pro filho: “você não tem idade.....tudo tem a sua hora”.......”
A competição entre irmãos também é desencadeante de conflitos. Os pais se tornam
vítimas das discórdias entre os filhos e não dão conta disto acima de qualquer coisa.
“.......é dá muita discussão, independente de ser menino com menino, menina com menina, menina com
menino, também dá do mesmo jeito discussão, um é um tal de um querer pegar coisa do outro...”
“...........querer o computador......é querer usar o computador, ver televisão ao mesmo tempo.......mudar de
canal e com isso os pais não esquentam.....Além do conflito do mundo, da vida, tem que agüentar o
conflito dos filhos....”
“...... a competição começa a ficar mais forte.....você quer provar que está certo, porque você tem certeza e
isso acaba........descontrolando você já tem que partir, porque mesmo que ganhe a competição acaba
partindo por outros meios.....”
A horizontalização da relação hierárquica entre pais e filhos passa a ser um aspecto
da parentalidade. Este padrão torna-se fator de risco na medida em que a exposição de
crianças e adolescentes às discórdias conjugais aumenta a probabilidade de desenvolverem
problemas emocionais e cognitivos, pois estarão mais vulneráveis às dificuldades advindas
137
da dinâmica familiar (Grych, Raynor e Fosco, 2004). Isto fica mais evidente nos filhos de
pais separados/divorciados onde a triangulação apresenta características marcantes.
“......tem vezes que eles vão discutir e eles chamam a gente mesmo....pra dar a nossa opinião......situação
financeira: “ah, vocês acham que ele não devia fazer isso para melhorar?”......não sei que......tipo pra
ajudar...”
Entre os filhos de pais separados/divorciados/segundo casamento, o pai dispensa
pouca ou nenhuma atenção aos filhos. Consideram a mãe como a principal responsável
pelos cuidados e acompanhamento deles tanto nas necessidades básicas, pagamento dos
estudos, alimentação quanto no monitoramento dos horários, amigos, atividades escolares e
sociais. Ela acaba assumindo uma posição autoritária e controladora delegada ao pai
provedor na família nuclear, enquanto o genitor fica com a parte mais prazerosa da
convivência pois só encontra os filhos nos finais de semana.
Alguns compreendem isto como algo positivo pois garante uma certa estabilidade e
segurança no cotidiano. Por outro lado, reclamam do monitoramento materno afirmando
que ela é mais autoritária e controladora do que o pai que pergunta sobre os horários e
amigos mas não interfere, apenas indaga ou reclama.
“ .....minha mãe quando dá a opinião dela é ponto final e ninguém pode discutir porque é ela e
pronto......é, às vezes é ruim porque é muito autoritarismo, é só ela e ninguém tem direito de falar nada e
às vezes é bom..........aquela coisa que você pode fazer tudo, você é dona do seu nariz, não sei que ela...às
vezes liberdade demais atrapalha......é, mas depois percebe que ela faz pro meu bem e acho que é isso..... ”
“....quem é a autoritária é a minha mãe, então ela vai, é testa de ferro e ela impõe.....tudo o que ela acha
que a gente tem que fazer e a gente não pode contestar.....”
“.....(monitoramento da mãe)...sem contar que tem a questão dos amigos: “Com quem que você anda?
Pra onde você vai? Eles fumam? Eles bebem? Eles dirigem?”.......”
138
“ .....meu pai eu falo assim, pai me leva não sei onde.....ele leva..... Minha mãe não: “O que é isso, quem
vai? Qual dos amigos vão? Porque? Que vai ter?.............Quem que eu conheço?”.....”
“.......é quem eu conheço, vai?....mas é a pergunta básica, né?”
“.......minha mãe é assim......eu sempre ando com pessoas um pouco mais velhas e a minha mãe: “porque
isso...porque não sei que, não sei que”..... Aí, ela fica me enchendo o saco por causa das amizades também”
“......aquela coisa que minha mãe acha......pra minha mãe sobram as coisas chatas de colégio......de falar
pra estudar.....essas coisas e pro meu pai só sobram as coisas legais.....leva pra sair.....levar pra ir pra casa
da namorada.......”
O interesse no ex-cônjuge e/ou a expectativa de um possível retorno aparece como
aspecto de interferência na parentalidade.
“........minha mãe nega que ela não quer voltar com meu pai, não sei o que, mas eu acho que quer....”
“......minha mãe separou do meu pai duas, três vezes e sempre voltou....só que eu acho que uma hora não
dá mais pra voltar.....E aí eles terminaram de vez, só que o meu pai fica ligando, insistindo, em vez dele
ligar pra saber de mim..... ele fica ligando pra saber dela....fica ligando pra perguntar se não tem
chance....fica enchendo o saco da minha mãe.....fica ligando toda hora e ele não está nem aí......”
“........o problema tá na primeira mulher do meu pai que ela um pouco atrapalha......Assim, não é nem por
causa da pensão, essas coisas....Porque ela é doida.....Ela fica atrás do meu pai querendo que meu pai
volte pra ela e meu pai tá casado....com a minha mãe e ela não enxerga isto..........é a história de querer
voltar com o meu pai.......é, reconciliação depois de dez anos......”
É importante ressaltar que os filhos não têm noção de que fazem parte de um
sistema de triangulação com os pais e nem percebem os efeitos disto. Eles discriminam
apenas seus padrões e descrevem a triangulação como um aspecto comum na dinâmica da
parentalidade. Em alguns casos, os filhos são usados como o “pombo-correio” na
cumplicidade de um(a) genitor(a) com o filho contra o(a) outro(a) genitor(a) e sentem que
139
tudo “sobra pra eles”, gerando muita raiva. Na triangulação, os filhos são envolvidos ou se
sentem atraídos a entrarem no meio das questões interparentais e isto representa a violação
das fronteiras entre o sistema conjugal e pais-filhos. Grych, Raynor e Fosco (2004)
consideram a triangulação como uma tentativa de evitar a expressão aberta dos conflitos
conjugais colocando atenção nos filhos ou no esforço de um dos pais em conquistar o apoio
deles.
“ .......lá em casa, eu tenho mais contato com o meu pai e meu irmão.......a preferência dele sou eu......eu
sou o pombo-correio. Então assim, minha mãe pede dinheiro pro meu pai. Eu vou lá e ouço. Ah, porque a
sua mãe é folgada....não sei o que. E tudo é problema do meu padrasto, porque meu padrasto paga....a
minha mãe tem os problemas dela pra resolver, só que ela está sempre presente na nossa vida, ela sempre
liga, vocês estão bem?.....ela me liga e aí fica esse negócio, pede pro seu pai dinheiro....então sempre sobra
pra mim as coisas, eu que ouço, sempre, sabe, a briga é porque eu não pedi, eu não falei”
“ .......eu também sou pombo-correio: “ah, minha filha, você vai pedir dinheiro pra seu pai. Eu to
precisando de dinheiro, pede lá dinheiro pra seu pai”......aí eu tenho que ouvir da minha mãe que fala do
meu pai, o mesmo caso que ela.........a minha mãe acha assim, você tem que ser independente, e que não sei
o que e se virar, assim....”
“..........A mãe quer defender o filho e acaba brigando com o pai ou então ao contrário...........”
Em algumas situações, quando o pai se apresenta negligente com os filhos e
agressivo com a família, eles fazem aliança com a mãe contra o genitor, demonstrando
outro tipo no padrão de triangulação.
“..........Tem vez que eu tenho vontade de falar um monte pra ele (pai). Só que eu não falo porque minha
mãe sofre, porque minha mãe sempre teve isso, faz muito tempo e isso acontece todos os dias. Tem dias
que meu pai chega bem assim. Tem dia que ele chega mal em casa, chega implica com todo mundo, tanto
que quando ele chega, ele chega tarde, a gente pega e fica junto com a minha mãe, eu e as minhas irmãs,
então ele vê, ele não vê que ele atrapalha às vezes...........”
140
“..........então meu pai não fala mal da minha mãe porque ele sabe que se ele falar mal dela eu vou retrucar
na hora, porque foi ela que me criou...........”
“....em casa somos muito unidas, eu minha mãe e as minhas três irmãs, o meu pai eu nunca incluo ele
muitas vezes, em nada na minha vida. O que me importa é a minha mãe, minhas irmãs e meus
amigos........”
Os conflitos surgem, também, quando se evidencia a diferença no tratamento entre
os filhos do casal ou de outra conjugalidade (meio-irmãos).
“.......Porque tem muito pai que faz diferença entre filho, gosta mais do filho mais velho porque é mais
jeitoso ou o filho mais novo porque pega mais mulher, essas coisas......”
“............... Ou senão tem filho de outro casamento aí não dá atenção necessária..........”
Diante do exposto, constatamos que a relação que liga a figura paterna aos filhos é
bastante frágil. De certa forma, o vínculo que mantém o casal não se dissolve no divórcio e
os pais continuam juntos através dos conflitos.
4) Interferência de terceiros
Os filhos de primeira união identificam grande interferência da família extensa e de
amigos como intensificadores de conflitos conjugais porém não mencionam nenhum
exemplo deste item. Numa escala de 0 a 10 eles classificam o grau de interferência como
sendo 7 e 8. Nessas situações eles apresentam dificuldades em identificar padrões de
triangulação e as conseqüências disto no escalonamento dos conflitos.
Os filhos de pais separados/divorciados/segundo casamento identificam claramente
a interferência de terceiros. Os relatos demonstram a interferência de empregada, parentes,
ex-esposas, porém, a avó aparece como figura mais significativa nos conflitos. Ela assume
141
uma posição ambígua na dinâmica familiar, pois de um lado tenta apaziguar os ânimos, de
outro fomenta as discórdias, o que já fora mencionado pelos entrevistados de Souza (2000)
em pesquisa realizada também com depoentes nesta faixa etária e filhos de pais separados.
“ .......eu tinha uma empregada que nem ela, só que a minha empregada se metia muito também, nos
assuntos pessoais ia se intrometer, né. Minha mãe é assim, ah, deixa a vida me levar, sabe essa coisa
assim, meu pai não, meu pai é mais, sabe não pode, empregada não pode se intrometer, tudo mais....”
“....... na minha casa tem muita gente que mora é prima, é vó, é empregada vai lá, tem duas irmãs, meu
pai, minha mãe sempre que acontece alguma coisa todo mundo dá palpite. Todo mundo fala, ah, eu acho
isso, eu acho aquilo, mãe você tem que fazer isso....”
“ .......cada um (parentes e empregada) quer dar uma opinião e ninguém chega a nada... ...”
“.........vó interfere demais...vó com genro....vó fala mal do genro....vó ajuda os netos. Fala assim: (voz
mansa): “mas filha você tem que tomar conta deles, porque não sei o que”.... Sempre ajuda os netos, mete o
pau no genro, fala um monte. Até a empregada às vezes se envolve....”
“.......A minha vó fica assim....quando ela está comigo e com a minha irmã, ela fala: “Porque vocês tem
que ter isso, tem que ter aquilo, vocês tem que ter calma, tal”....aí ela chega na minha mãe e detona....aí a
minha mãe vem e briga comigo....aí meu pai já se mete..... porque é fofoca da minha vó, sabe?.... Quando
ela está com a gente, quando ela está comigo e com a minha irmã ela fala: “....vocês devem ser
calmas”.....ela conversa numa boa.....aí chega a minha mãe, ela mete a boca: “....porque suas filhas, elas
são muito nervosas, elas querem tudo e que não sei que, elas não respeitam”....Aí chega meu pai tentando
defender uma das duas e fica aquele quebra-pau........”
“.....aí a minha vó vê e aí ela pega e fica falando um monte da minha mãe e aí eu pego.....comento alguma
coisa com ela.....ela pega e fala o que eu falei pra minha mãe......aí minha mãe briga comigo....”
“..........É verdade, às vezes um casal termina por causa da influência da vó......”
Além da mãe, os filhos também sentem ciúme da ex-mulher do pai.
142
“.....a gente não gosta muito da ex-mulher do meu pai, porque aí a gente não gosta nem quando......porque
meu pai guarda algumas fotos......mas uma foto só tem dela.....tanto que eu olho e eu não gosto...... é meio
que um ciúme..........Porque eu não sou acostumada com isso....”
A interferência de terceiros acaba aumentando a indissolubilidade das situações
conflituosas que se reproduzem progressivamente e todos se mantêm na condição de reféns
daquilo que nunca resolve.
COMO ENFRENTAM CONFLITOS CONJUGAIS
Tanto no casamento quanto na separação/divórcio/segundo casamento não foram
encontradas diferenças quanto à maneira como os participantes enfrentam conflitos
conjugais. Os resultados indicam as reações descritas por Cummings e Davies (2002) no
denominado “process-oriented” em que o ajustamento dos filhos é conceituado em termos dos
processos de adaptação e desenvolvimento. Para os autores, são evidenciadas reações
ligadas aos processos dinâmicos de interação entre fatores intra- e extra- orgânicos. A
atuação deste processo pode ser observada quando os filhos tentam alterar o fator de
estresse, causado pelos conflitos, através da solução do problema. Assim sendo, os
resultados foram divididos nas seguintes categorias:
1) Chorar/ conversar com os amigos e cachorro/pensar e fazer outras coisas.
Essas reações envolvem uma certa impotência diante das discórdias. Aparece a
utilização do processo cognitivo através do pensar e tentar mudar ou fazer uma reavaliação
positiva do conflito, assim como, procurar suporte emocional e tentar se distanciar da
situação conflituosa (Cummings e Davies, 2002).
“..........começo a chorar....”
143
“.....eu já chorei muito, já...todo dia eu chorava, ela (amiga) sempre convive comigo....”
“.....acho que como todo mundo, eu choro muito.....é e deito no travesseiro...”
“.....eu choro.......eu fico muito chateada, eu tento procurar consolo com as amigas, só que tem algumas
que falam: “ah, não liga.”, só que é difícil de não ligar....”
“....tentar pensar em outra coisa, ligar pra amiga, tentar pensar em outras coisas sem ser isso, tentar, é
meio esquecer, mas tipo, tentar pensar em outras coisas, assim, é tentar adiar o assunto e que no fundo, no
fundo, eles podem brigar mas eles querem o bem da gente, né. Não que a gente fique chateado com o que
eles estão fazendo, mas sim, que eles querem o melhor, mas eles acabam fazendo do modo errado....”
“ ....tem que esquecer, se envolver com outras coisas....”
“....tentar desabafar com alguém, porque ficar com o sentimento é pior do que se você tentar desabafar
com alguém, nem que seja de frente para o espelho, pra você mesma....”
“....transformar em alegria fazendo algum esporte, fazendo, é desenhando, conversar com amiga,
procurando, sabe, lendo um livro e respirar fundo e bola pra frente sabe, assim, sabe e tentar esquecer ou
desabafar com uma amiga, assim, você tira o peso da sua consciência....”
“ ...eu consolo mais o meu cachorro que chama.....do que meu pai e minha mãe.....eu falo mais com o meu
cachorro do que com eles dois.......marido e mulher ninguém mete a colher, então deixa que eles resolvam,
eu prefiro consolar, ficar eu e meu cachorro....”
“....eu converso muito com o meu cachorro, ele não podendo corresponder mas eu falo pra ele os problemas
que acontecem........desabafa.....”
Na especificidade dessa categoria são observadas reações imediatas, sem elaboração
dos conteúdos internos.
144
2) Tentar mediar os conflitos dos pais.
Essa categoria também coincide com os resultados no estudo de Cummings e
Davies (2002) onde assinalam o mediar como uma alternativa de intervenção em que os
filhos tentam dar auxílio e conforto a um ou ambos os pais como solução, no controle do
estresse causado a eles.
“......eu faço isso sempre, eu me envolvo....”
“ ......às vezes eu não me meto na hora da discussão assim da briga, mas aí depois tal eu tento consertar as
coisas, fico conversando com um, conversando com outro.....”
“........é, eu falo: ô mãe, você pegou pesado, porque você falou isso?....eu falo isso....”
“.......é aí os dois acabam pedindo desculpas ao mesmo tempo e aí resolvem....”
“......às vezes a gente só conversa só com a mãe, depois só com o pai, sei lá, pra ajudar mesmo pra eles se
entenderem....”
“.......acho que se preocupam mais com os pais, que vão sei lá, vão falar: “para, porque vocês não
conversam, porque vocês não tentam”.... sei lá.....”
“......É tem muitos filhos que esperam depois do descontrole, quebrando o pau, eu acho que se meter na
hora pode até atrapalhar...então depois quando já foi, você fala particularmente com cada um. Aí sim, aí
vem aquela conversa, já ajuda....”
“.....eu fico na minha...eu tento acalmar dos dois lados....tento não deixar minha mãe nervosa e deixar
meu pai....sozinho....ficar na dele.....porque eu entendo a parte dele..... ele ficou nervoso com o que
aconteceu e com as coisas que acontecem, mas acho que ele poderia separar um pouco a casa das coisas que
acontecem fora, não descontar e eu tento manter a calma....”
145
“....no começo eu queria falar, eu queria botar a minha opinião, mas eles não ouvem, eles estão muito
irritados com tudo o que está acontecendo e tem uma hora que não adianta mais falar....”
Os participantes percebem que mediar não resolve. No momento em que tentam
mediar, a lógica do sistema hierárquico é revertida e isto acaba fazendo com que os filhos
saiam da posição de serem cuidados para cuidarem dos próprios pais. Esta dinâmica acaba
gerando indivíduos impotentes em função da constatação de que nada adianta fazer para
solucionar o problema. Além disto, carregar as discórdias interparentais induz os filhos a
construírem concepções familiares negativas que irão levá-los a desenvolver atitudes de
desconfiança nos relacionamentos íntimos na conjugalidade estabelecida no futuro (Burns e
Dunlop, 2002).
3) Distanciar para evitar o sofrimento/ aceitar/ acalmar/ tentar esquecer
Essa categoria considera os aspectos de desviar a atenção do assunto, mudar seu
próprio estado emocional através da fuga e distanciamento da situação (Cummings e
Davies, 2002).
“...... é, tem que agüentar mesmo....”
“......antigamente eu me importava muito, aí falava, pára, pára, agora eu nem ligo mais porque eu sei que
não vai dar em nada mesmo....”
“......meus pais discutem no quarto. Eles fecham a porta, eles acabam eles mesmo tirando a gente, então
deixa eles resolvem depois acaba ficando de lado....”
“......tem filhos que não agüentam e vão embora de casa, não quer se meter nas brigas dos pais e vão
embora....”
“......eu acho que eu devia ter fugido de casa....”
146
“......a gente não deve se intrometer, assim, você acaba também sofrendo muito mais. E se houver algum
conflito, sair, se fechar no quarto, sei lá. Se fechar no quarto, tentar se meter o menos possível, porque
não.....como eu sofri assim, bastante, já sei como é passar por isso....”
“......eu não sei como é passar por isso......são os conflitos de família e tudo o mais, mas o conselho que eu
daria pra uma amiga, sei lá, eu falaria pra ela, sei lá, fingir......fingir que não está acontecendo nada. É
complicado, sei lá, mas é um conselho....”
“ ......querer se intrometer não tem nada a ver, tem que ficar...tem que aceitar do jeito que está, é conversa
de adulto, eles tem que se entender e depois virem conversar com você...não adianta sofrer antecipado, não
adianta se intrometer, não adianta querer dar opinião, porque eles não vão ouvir, não vai adiantar em
nada, o jeito é esperar e ver o que acontece....”
“......tentar esquecer que vai dar certo no final, que eles sabem realmente pelo que eles estão passando, os
dois, eles sabem o que eles têm que fazer.....eles vão ter que decidir.....no fim vai dar tudo certo......não
adianta você ficar chorando, chorando que no fim tudo dá certo....”
“......tentar não se meter nos problemas deles, sabe, só ouvir o que eles têm pra te falar..não se
meter...aquele negócio de sofrer antecipado, não vale a pena...espera no que vai dar e depois você sofre ou
não sofre...meio que esquecer isto....”
“ ......eu acho que você nunca deve se encanar com isso, né, porque são coisas assim que não tem
explicação....”
“......manter a calma....não adianta você estressar com eles....eu prefiro sempre me acalmar, ter
paciência.....não se meter.....”
“....não se meter, porque eu acho que é capaz de você ou ficar de mal com o seu pai ou com a sua mãe e não
falar mais com ele ou não falar mais com sua mãe, então, não se mete, acho que a briga é deles mesmo, eles
vão resolver.....”
Nestes relatos, ficam evidenciados os aspectos emocionais dos participantes no que
se refere à maneira como enfrentam conflitos conjugais.
147
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Neste período de constante ameaça nuclear, quando nossa capacidade de
destruir-nos e ao planeta todo corre paralela com a história do mundo, a necessidade de compreender como
as pessoas podem viver juntas, cooperativamente, cria uma nova dimensão”
Susan M. Heitler, 1990
Nesse estudo, o ponto encontrado na construção da nova dimensão refere-se ao
como ajudar os adolescentes e seus pais, a partir dos resultados obtidos, a construírem
relações familiares mais harmoniosas e cooperativas. Durante o trabalho de pesquisa pude
detectar alguns aspectos relevantes sobre a compreensão do problema elaborado, ampliar a
experiência de intervenção com uma faixa etária específica da população, assim como,
aprender a respeito das possibilidades e limitações do estudo e intervenção dentro da nossa
cultura brasileira.
Na definição e compreensão do problema de pesquisa, os estudos realizados no
exterior se apresentam bastante explorados e me apontaram indícios sobre o que deveria ser
abordado em se tratando de uma população da qual tenho contato mais próximo através dos
processos judiciais nas Varas de Família do Tribunal de Justiça, em diversas Comarcas do
Estado de São Paulo.
O procedimento utilizado, referente a dramatizações em grupos, me possibilitou ir
além da aproximação íntima dos conteúdos pessoais necessários para responder ao
problema, mas também construir com os jovens um espaço pedagógico/terapêutico e com
isto demonstrou ser adequado, para esta faixa etária, e mais brando do que entrevistas.
Neste espaço foi possível compartilhar e identificar os aspectos dolorosos da convivência
familiar numa etapa de vida que os possibilita potencializar os recursos de escolha e
iniciação de uma vida conjugal mais aberta, mais descomprometida com os preconceitos
embutidos nas crenças e valores culturais das famílias de origem.
148
A fluidez com que os participantes se expressaram nos Sociodramas Temáticos me
permitiu detectar a maneira estereotipada, porém bastante significativa sobre como atuam
as concepções de família e papéis familiares inseridas no imaginário dos adolescentes
paulistanos pertencentes às diferentes estratificações sociais das camadas médias da
população. A espontaneidade e riqueza das interpretações denunciam os padrões sociais e
morais que alicerçam a vida familiar, em alguns aspectos bastante similares aos
encontrados nos primórdios da Primeira República, em que continuam mantendo uma
prática doméstica fortemente hierarquizada onde cada um tenta estabelecer com outrem
relações assimétricas. Desta forma, este tipo de concepção necessita ser discriminado e
elaborado no sentido de poder viabilizar a compreensão de valores e condutas mais
humanas, baseadas em pressupostos igualitários, capazes de direcioná-los a formatos
cooperativos na vida adulta.
Parte desta concepção se faz pelo fato de que os adolescentes apresentam um
processo cognitivo mais amadurecido porém a dificuldade em discriminar e identificar os
mecanismos de construção e manutenção dos conflitos, torna-os mais vulneráveis a
manterem os pensamentos maniqueístas de certo e errado diante da crença de conflito como
sinônimo de violência. A manutenção desta crença dificulta a compreensão de diferentes
conceitos e padrões de enfrentamento nas discórdias, o que faz perpetuar o escalonamento
da agressividade e violência num contexto familiar sem solução, mantendo o ciclo da
indissolubilidade na situação.
Em termos de conflitos, os adolescentes demonstram percebe-los a partir dos
formatos e intensidades emocionais apresentados pelos pais, observados no cotidiano dos
relacionamentos conjugais. Bastante entretidos em seu mundo em transformações e novos
desafios, os jovens não conseguem identificar claramente as nuances nas interações da
díade parental e as demandas da conjugalidade. Eles se misturam aos conflitos dos pais e
isto os leva a uma compreensão simplista a respeito das razões, dos temas e dos
mecanismos referentes ao desenvolvimento e manutenção das discórdias.
Nos resultados encontrei como referência intensas discórdias da díade parental e a
função reguladora da figura paterna em termos da estabilidade/desestabilidade diante de sua
149
presença/ausência no domínio doméstico. Contando com sua presença, como no casamento,
os conflitos aparecem mais amenos e de alguma forma contornáveis, porém, em sua
distância/ausência, como na separação, aparecem mais intensos e num escalonamento que
chega à violência verbal e física.
Os temas mais expressivos de conflitos se referem à situação econômica e práticas
educativas. No aspecto financeiro, como o mais significativo na construção e
escalonamento das discórdias, se inclui a dependência econômica das mulheres/filhos e os
problemas advindos do excesso ou dificuldades no trabalho de ambos os pais. Quanto às
práticas educativas, estas ficam ao encargo das mulheres enquanto os homens as
responsabilizam pela condução ineficiente dos cuidados e educação dos filhos. Quando
entram os padrastos, estes são incluídos no ideal de pai, ou seja, aquele que corresponde às
necessidades e expectativas dos filhos, porém, não é cobrada nenhuma responsabilidade.
O estilo de parentalidade demonstra que os efeitos “spillover” (alta freqüência de
conflito entre os pais está relacionada com maiores problemas nas relações dos pais com os
filhos) são consideráveis quando se identificam conflitos conjugais, ou seja, a parentalidade
acaba sendo prejudicada pelos conflitos interparentais induzindo a padrões disfuncionais de
violação das fronteiras dos relacionamentos hierárquicos e a triangulação. Esses padrões
são significativos quando se considera o estilo de parentalidade como mediadora dos efeitos
dos conflitos conjugais para o desenvolvimento de problemas cognitivos e emocionais nos
jovens.
O fato da triangulação e da inversão hierárquica dos papéis entre pais e filhos ser
identificada como um fator comum na dinâmica familiar, sem que possam ser claramente
percebidos os prejuízos advindos desse sistema, expõe a prole a condições de risco na
medida em que os aprisiona a um mecanismo perverso da díade parental e que, ao mesmo
tempo, atua como bloqueador e impede a fluidez da energia necessária ao desenvolvimento
desta etapa do ciclo vital. As conseqüências e a maneira como os mecanismos utilizados
pelos pais interferem no desenvolvimento cognitivo/emocional dos adolescentes têm sido
pouco pesquisados e necessitam de maiores esclarecimentos no trabalho com as famílias.
150
A interferência de terceiros aparece como um dos fatores que intensificam os
conflitos, principalmente na figura da avó que se apresenta numa ambigüidade de papéis,
pois de um lado ajuda na criação da prole, porém, de outro intensifica as discórdias
familiares. A ambigüidade desse papel também necessita ser mais aprofundada no que
concerne sua atuação na dinâmica familiar, principalmente com relação a
monoparentalidade.
Quanto ao enfrentamento, não foram encontradas diferenças nas reações dos
adolescentes aos conflitos. Os resultados acompanham o estudo apresentado por Cummings
e Davies (2002) sobre “process oriented” em que se incluem reações emocionais e cognitivas
na elaboração de respostas que possam minimizar ou neutralizar o estresse causado pelos
conflitos conjugais. Essas reações também são específicas da faixa etária estabelecida pelo
estudo e, de alguma forma, foram encontradas nas pesquisas realizadas com adolescentes
nos últimos cinco anos (Burns e Dunlop, 2002; 2003; Buehler e Gerard, 2002; Grych,
Raynor e Fosco, 2004; Bradford, Barber, Olsen, Maughan, Erickson, Ward e Stolz, 2004;
Doyle e Markiewicz, 2005; Schulz, Waldinger, Hauser e Allen, 2005).
Em geral, os adolescentes demonstram grande expectativa para conquistar
autonomia fora de casa, porém, no ambiente doméstico querem ser cuidados demonstrando
passividade diante dos temas e discórdias familiares. Eles se colocam na posição passiva de
maneira bastante conveniente, pois apesar de receberem cuidados não querem dar nenhum
retorno ou estabelecer qualquer tipo de troca nas interações. Apresentam expectativa e
busca do modelo familiar por eles idealizados, em que coexistem as figuras do pai provedor
e da mãe cuidadora da família hierárquica em conjunto com o estilo de expressividade
calorosa, comunicação aberta e proximidade afetiva da família não hierárquica.
Os resultados da pesquisa também apontam para o aspecto crônico da problemática
familiar no que concerne a manutenção das relações hierárquicas e disputa de poder na
resolução das discordâncias no cotidiano. A dificuldade encontrada na pouca discriminação
dos adolescentes se deve não somente pelo fator amadurecimento, específico de sua faixa
etária, mas também pela maneira infantilizada, pela fraca comunicação, pela pouca
151
disponibilidade/atenção e aplicação de soluções simplistas oferecidas pelos pais frente às
adversidades e compromissos no cotidiano, o que os mantém num círculo repetitivo de
relações de dependência.
Os resultados me levam a refletir que a concepção de família se atualiza, porém a
necessidade da díade parental parece garantir o apoio aos adolescentes das camadas médias
da população. A idade e o desenvolvimento afetivo/emocional indica uma fase de
transformação em que eles ainda estão fortemente ligados aos pais. No caso dos filhos de
pais separados/divorciados, o sistema judicial possibilita que os filhos possam ser ouvidos
pelo juiz do litígio a partir dos doze anos de idade. Esta indicação não compatibiliza com os
achados desse estudo, visto que os jo vens podem ser compelidos a se envolverem no
relacionamento da díade parental. Eles também não apresentam recursos para
discriminarem seus efeitos e, a partir disto, se protegerem das conseqüências de um
posicionamento efetivo, adicionado ao fator de serem colocados diante do dilema de
lealdade com os pais.
O maior agravante da escuta judicial dos jovens é que os conflitos pessoais de
lealdade são intensificados nas disputas entre os pais e isto passa a ser a dificuldade
encontrada no trabalho da área psicológica. Paralelo a isto, os filhos acabam sendo sempre
os maiores prejudicados, pois se torna impossível mediar ou estabelecer um acordo que seja
efetivamente cumprido no âmbito da intimidade das relações familiares. O juiz poderá
estabelecer um acordo entre os pais, porém, o conflito de lealdade dos filhos só poderá ser
trabalhado no campo das psicoterapias ou nos grupos de apoio que começam a ser
realizados no Brasil (Souza, 1995; Filipini, 2001; Souza e Norgren, 2003; Souza, 2005).
Assim sendo, a vulnerabilidade dos jovens dessa faixa etária justifica, ainda mais, a
necessidade da mediação familiar nos Tribunais de Justiça como um “lócus” protegido de
expressão, comunicação e aconselhamento.
Um importante fator de competência na intersecção entre a Psicologia e o Direito
refere-se ao sistema de guarda única. A guarda única estabelece um padrão de
relacionamento que possibilita/estimula/facilita o distanciamento entre os filhos e o cônjuge
152
que não detém a guarda. Esse distanciamento, legitimado por lei, impõe um sistema que vai
contra o direito dos filhos de conviverem com ambos os pais. A menos que haja uma
situação de violência ou alta intensidade de conflitos interparentais em que a prole esteja
correndo algum tipo de risco físico/moral/psicológico, este tipo de guarda deve ser evitado
e se deve tentar estabelecer a guarda compartilhada/dividida nos moldes que melhor se
ajustarem aos interesses dos filhos. Por outro lado, a guarda única, adicionada à morosidade
do sistema judicial, pode contribuir para a instalação da Síndrome de Alienação Parental,
bastante comum nas decisões judiciais em que estão envolvidas crianças pequenas.
Estas dificuldades me remetem a questionar sobre como podemos ajudar, tanto pais
quanto filhos, a resolverem parte das angústias do dia a dia. Sem dúvida alguma, as famílias
convivem num mundo multifacetado repleto de significações conflituosas com poucas
alternativas positivas de resoluções. De um lado, temos pais ocupados, estressados, com
pouco tempo, dinheiro e recursos disponíveis para orientação e educação de seus filhos, por
outro lado, adolescentes inseguros, confusos, com acesso a resoluções rápidas, simplistas e
pouco consistentes quanto aos conflitos vividos e observados na comunidade.
Os resultados sobre como os participantes compreendem e enfrentam conflitos
conjugais foram analisados de tal forma que pude constatar os benefícios e
limites/dificuldades na abordagem do tema.
Um importante aspecto do procedimento com os grupos se refere à constatação de
que os adolescentes identificaram a importância da participação no trabalho, dando indícios
de que a atuação da dinâmica dos conflitos e o posterior processamento verbal das
experiências tiveram um efeito bastante positivo. Desta forma, os obstáculos reconhecidos
em função da complexidade do tema e a delicadeza da abordagem puderam ser superados e
os jovens tiveram um espaço de manifestação, compartilhamento e elaboração das
impressões e vivências dolorosas no cotidiano das famílias.
Outro aspecto me remete à questão sobre os recursos disponíveis na comunidade em
que vivemos e aos possíveis dispositivos que podemos utilizar enquanto profissionais
atuantes nas áreas: clínica, jurídica, educacional e de pesquisa.
153
Na área clínica, as pesquisas realizadas sobre a temática familiar, dentro e fora do
Brasil, indicam maneiras, formatos e conteúdos de atuação a serem utilizados em diversas
práticas da atividade profissional, quer sejam nos consultórios particulares, em consultorias,
ou na intervenção em comunidades. O trabalho em grupos de apoio, tanto em escolas como
em clínicas e ONGs, favorece o enfrentamento e retira o atendimento aos “filhos do
divórcio”, e mesmo a seus pais, do contexto das psicoterapias, no qual seu sofrimento
emerge basicamente como fenômeno intrapsíquico e fora do “normal” para defini-lo como
transição a ser facilitada, oferecendo não só novos instrumentos de compreensão e
enfrentamento da situação como favorecendo o agenciamento e protagonismo. Ao mesmo
tempo, as atuações com grupos de dramatização possibilitam a intervenção com um grande
número de pessoas e aparece como um indicador efetivo de transformação e
conscientização dos temas e conteúdos levantados por pais e filhos no contexto clínico-
social.
Na área jurídica, a implantação de uma instância de mediação se faz necessária para
ajudar aos que procuram o Judiciário como recurso na decisão e resolução dos conflitos
familiares. O que a experiência de trabalho tem indicado é que ao invés de possibilitar
recursos de auxílio às famílias, o sistema judicial acaba intensificando as questões que são
levadas ao seu âmbito. Os procedimentos judiciais tornam a questão familiar ainda mais
complexa e menos possível de conter uma possível resolução visto haver inúmeros
interesses incluídos nos discursos das partes envolvidas, o que acaba camuflando as reais
necessidades dos filhos nos litígios. A falta de parâmetros, o fraco alinhamento do trabalho
psicológico, a pouca e, algumas vezes, ineficiente comunicação entre a área jurídica e
psicológica não facilitam as decisões dos juízes que procuram ter a melhor conduta nos
processos das Varas de Família e Sucessões, assim sendo, muito trabalho necessita ainda
ser desenvolvido e implantado nessa intersecção.
A mediação familiar estabelecida de forma efetiva, reconhecida e legitimada
possibilita a construção e aprendizagem de procedimentos mais eficientes de resolução de
conflitos, assim como, flexibiliza e desarticula o posicionamento antagônico comum dos
154
processos judiciais oferecendo uma alternativa de solução e encaminhamento da
problemática familiar. Ao mesmo tempo, a mediação pode dividir com a figura do juiz a
função de formalizar uma decisão e/ou direcionar positivamente as discórdias constituídas
nas famílias.
Na pesquisa, os resultados desse estudo indicam que se torna imperativo que a
questão econômica seja tratada com mais rigor pela área psicológica no contexto judicial.
As ações sobre guarda e visitas são permeadas pelos temas econômicos e acabam sendo
desconsideradas na análise da dinâmica familiar. Os participantes demonstram a
importância de serem revisados os formatos com que os documentos de perícia psicológica
(laudo e parecer técnico) descrevem a problemática da família, assim como, os conteúdos
incluídos nos padrões de triangulação e inversão dos papéis hierárquicos nas relações entre
os pais e pais e filhos. Considerando que os documentos inseridos num processo judicial
têm por objetivo auxiliar o juiz na tomada de decisão, cabe à área psicológica incluir os
temas levantados pelos adolescentes como significativos dos conflitos conjugais.
Finalizando, um aspecto a ser enfatizado refere-se à educação para resolução de
conflitos. A crença no binômio conflito-violência não se estabelece unicamente entre os
adolescentes, mas também na população adulta como um todo. A maneira maniqueísta com
que os conflitos são enfrentados e resolvidos, através de ação-reação intensa e rápida com
pouca reflexão, leva à intensificação e escalonamento das discórdias e, conseqüentemente,
à indissolubilidade das situações conflituosas. Assim sendo, a aprendizagem dos
mecanismos de solução de conflitos introduz uma nova dimensão ao como se define e
compreende os antagonismos pessoais, interpessoais, entre grupos e nações. A
transformação das mentalidades e a conseqüente repercussão na política, no social e no
familiar tenderiam a potencializar nas relações humanas as características mais consistentes
e eficientes na melhora da qualidade de vida do planeta.
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prevenção de HIV e de Aids no casamento. Tese de Doutorado em Psicologia Clínica
pela PUCSP.
169
ANEXO 1
Entrevista em Grupo
Após a dramatização:
I - Foco Geral - para os 2 grupos (pais separados e não separados)
1. Como foi construir e participar desta cena?
2. Vocês acham que ela (cena) é freqüente na vida das pessoas?
3. Quais situações levam os pais a discutirem? Sobre o que (temas)?
4. Quais situações levam os pais a brigarem (bater-boca)? Como acontece? Sobre o que
(temas)?
5. Quais situações levam as brigas ao descontrole (quebrar coisas, bater, ir embora).
6. Na cena dramatizada, o que os filhos poderiam fazer?
7. Como vocês acham que eles seriam afetados?
8. O que vocês fazem/fizeram com as discussões, brigas ou descontrole? Isto tem mudado
ao longo do tempo?
II Específico para filhos de pais não separados
9. Quais as situações que predizem separação? Na sua opinião, que tipo de conflitos levam
os pais a se separarem?
10. Que conselho vocês dariam aos pais que discutem, brigam ou se descontrolam nos
conflitos?
11. Que conselho vocês dariam aos filhos destes pais?
12. No que os conflitos conjugais são diferentes de outros entre criança, entre pais e filhos,
entre namorados?
170
13. Alguém de vocês tem namorado aqui? Depois que vocês começaram a namorar, mudou
a forma como percebem as discussões, brigas e descontrole entre os pais?
III Específico para filhos de pais separados
1. Vocês disseram que os temas de discussão são:.......................Estes temas são diferentes
antes e depois da separação?
2. Vocês disseram que os temas de brigas são:............................Estes temas são diferentes
antes e depois da separação?
3. Vocês disseram que os temas de descontrole são:....................Estes temas são diferentes
antes e depois da separação?
4. Que conselho vocês dariam aos pais que se separam?
5. Que conselho vocês dariam aos filhos de pais que se separam?
6. No que os conflitos conjugais são diferentes de outros entre crianças, entre irmãos,
entre pais e filhos, entre namorados?
7. Alguém tem namorado aqui? Depois que vocês começaram a namorar, mudou a forma
como percebem as discussões, brigas e descontrole entre os pais?
171
ANEXO 2
Entrevista em Grupo
1. Os pais são amigos e companheiros de vocês, certo!! Os pais gostam de vocês,
certo!! Mas eles discutem, brigam, se descontrolam entre eles e vocês não gostam
disto, certo!! E aí, tiram o time de campo, saem dessa, ou tentam consertar, certo!!
Como fica isto? Como se resolve? A que isto leva?
2. Quando percebem que estão no meio dos conflitos, muda o que sentem pelos pais?
Se algo muda, o que muda?
3. Quais as razões psicológicas (sentimento, pensamento, sensação) contidas no
comportamento de discutir, brigar e se descontrolar dos pais?
4. Quais os sentimentos que levam os pais a brigarem, discutirem ou se
descontrolarem?
5. O que motiva os conflitos conjugais? O que eles pretendem ou conseguem com
isto?
6. Quais as intenções dos pais nas discussões e brigas? O que um espera do outro?
7. Depois que o casal separa, resolve o conflito?
8. A separação como saída para o conflito, mas se não tem separação, como fica?
9. O que motiva os conflitos conjugais? O que eles pretendem ou conseguem com
isto?
172
ANEXO 3 (Pais de primeiro casamento)
1. Idade.....................anos
2. Sexo: Feminino:.....................Masculino:........................
3. Você vive com quem? Escreva o grau de parentesco das pessoas de sua casa (ex.
avó, mãe, pai, irmãos).............................................................................................
.................................................................................................................................
.................................................................................................................................
4. Irmãos:
sexo:..................................... idade:..........
sexo:..................................... idade:..........
sexo:..................................... idade:..........
173
ANEXO 4 (Pais separados/divorciados/segundo casamento)
1. Idade:...................anos
2. Sexo: Feminino:........... Masculino:............
3. Você vive com quem? Escreva o grau de parentesco das pessoas de sua casa (ex. avó,
mãe, pai, irmão mais novo).
.............................................................................................................................................
4. Seus pais são:
Separados ou divorciados........../ Há quanto tempo?........
Viúvos........./ Mãe morreu........../Pai morreu....................
5. Você é filho ou filha do primeiro casamento de seus pais?
Sim........
Não.....Do 2º ....., 3º ....., 4º ........casamento do pai...........ou mãe............
6. Se seus pais são separados ou viúvos:
Seu pai se casou ou mora com alguém? Não.....Sim......Mais de uma vez.........................
Atualmente ele namora........ou mora.......com alguém? Há quanto tempo?............ meses
ou............anos.
Sua mãe se casou ou mora com alguém? Não.....Sim......Mais de uma vez.......................
Atualmente ela namora.......ou mora.......com alguém? Há quanto tempo?.............. meses
ou ...........anos
7. Se seus pais são separados:
São separados legalmente? Não...... Sim.......
Já tiveram brigas ou disputas judiciais: Não......Sim....... porque motivo(s): ..............
......................................................................................................................................
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