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Eduardo Silva Maia
Ficção e História em De Vita Caesarum
de Caius Suetonius Tranquillus
BELO HORIZONTE
Faculdade de Letras da UFMG
2007
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Eduardo Silva Maia
Ficção e História em De Vita Caesarum
de Caius Suetonius Tranquillus
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras: Estudos Literários, da
Faculdade de Letras da Universidade Federal
de Minas Gerais, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Estudos
Literários.
Orientadora: Profª Drª Sandra Maria Gualberto
Braga Bianchet
BELO HORIZONTE
Faculdade de Letras da UFMG
2007
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Para Michelle
AGRADECIMENTOS
Aos meus mestres que me mostraram a saída da caverna a
fim de que rolasse o meu tonel;
Ao Antonino de La Pedraja, mestre primeiro da viagem
rumo às estrelas;
Em especial à professora Tereza Virgínia, grande
semeadora de sonhos, amiga da Sensatez, de Dioniso e
Medéia;
Ao professor Jacyntho, por me apresentar Platão,
Luciano, Diógenes e Machado de Assis, esses caras
sacanas;
Ao Murilo Marcondes, técnico exemplar e grande leitor
de poesia, porque nem só de tradução vive o homem;
Ao Professor Antônio Martinez, cerne do humano em
nós;
À Sandra, professora, orientadora, latinista exemplar,
pelo carinho, pela atenção e por dar norte às minhas
idéias;
Ao meu pai, que ainda hoje, me conta Histórias
mirabolantes, verdadeiras. Posso provar!
À minha mãe pelo apoio incondicional;
Ao Juca, amigo da casinha no Caiçara, e de versos
fesceninos;
À Grazi, amiga querida, que me deve ainda, um suculento
Ravioli;
À amiga Camila Êvo, pela consultoria em Língua Inglesa;
Ao Ivacy e demais passageiros da Zebatur turismo, pelos
momentos de descontração, conversa e audição;
Ao Lino pelos aposentos, pelas conversas, pelas trocas de
experiências e pelos momentos de descontração, o meu
muito obrigado.
"E repare leitor como a Língua Portuguesa
é engenhosa. Um contador de Histórias é
justamente o contrário do historiador, não
sendo um historiador, afinal de contas, mais
do que um contador de Histórias. (...)"
Machado de Assis
RESUMO
O presente trabalho tem como objeto de estudo, a tradução e o estudo do sexto
capítulo do livro De Vita Caesarum, de Caio Suetônio Tranquilo, capítulo no qual o
autor retrata o período em que Nero esteve no poder de Roma. Empenhamo-nos em
mostrar como se realizam as questões referentes à ficção e à História nesse escrito de
Suetônio e, amparados por Luciano de Samósata, no seu Como se deve escrever a
História, aplicamos ao De Vita Caesarum a teoria exposta nesse libelo, seguindo as
propostas que o autor propõe aos historiadores de sua época o século II d.C. –, de
como se deve escrever a História. Trata-se de compreender, então, como pode ser
avaliada a estrutura textual da História de Suetônio perante a teoria proposta por
Luciano sobre o fazer Historiográfico.
ABSTRACT
The main objective of the current paper is the translation and study of chapter
six from the book De Vita Caesarum by Caius Suetonius Tranquillus, a chapter in
which the author portrays the period that Nero had power over Rome. Our aim is to
demonstrate how issues concerning fiction and history are approached in this work
written by Suetônio and supported by Lucien of Samosata in his own work How History
should be written. We approach the theory exposed in this piece according to the
proposals that the author imposes on the historians of period of time, which is during
the second century B.C. on how history should be written. We, therefore, try to
understand how the textual structure should be evaluated according to the proposed
theory by Luciano on how to carry out Historiographics.
SUMÁRIO
PARTE I
1) INTRODUÇÃO .......................................................................................... 09
2) SUETÔNIO: VIDA, OBRAS E TRADIÇÃO .......................................... 13
- OBRAS ...................................................................................................... 14
- TRADIÇÃO .............................................................................................. 16
- DOS MANUSCRITOS ............................................................................. 26
PARTE II
3) LUCIANO: VIDA, OBRAS E TRADIÇÃO ............................................ 29
PARTE III
4) DE VITA CAESARVM PELO PRISMA DE COMO SE DEVE
ESCREVER A HISTÓRIA ........................................................................ 34
5) SUETÔNIO: UMA QUESTÃO DE ESTILO .......................................... 40
6) DISPOSIÇÕES FINAIS ............................................................................... 45
PARTE IV
7) TRADUÇÃO ............................................................................................... 48
8) NOTAS DA TRADUÇÃO .......................................................................... 90
9) BIBLIOGRAFIA ........................................................................................ 91
9
INTRODUÇÃO
Como bem disse Carlos Heitor Cony
1
a respeito da importância histórica do De
Vita Caesarum de Suetônio, Se a cultura latina tivesse produzido uma Bíblia, é certo
que A Vida dos Césares constituiria um de seus livros mais importantes e
historicamente falando — talvez o mais importante.
Não desprezaremos de forma alguma o valor lingüístico e literário da obra de
Suetônio, mas aquilataremos, principalmente, sua importância histórica. Longe de ser
um Tácito com sua essência clássica, um Tito Lívio com sua grandiloqüência verbal,
um Plínio de imparcialidade irredutível, Suetônio pertence ao grupo intermediário dos
escritores da segunda metade do séc. I e a primeira metade do séc. II: entre a era de
ouro – Virgílio, Horácio, Cícero, Ovídio – e a fase da decadência – Juvenal – situa-se o
nosso historiador.
O autor de A vida dos Césares resiste ao tempo. Suas doze biografias formam
um dos sólidos alicerces para aqueles que querem conhecer um pouco sobre a
antigüidade clássica romana e a vida daqueles que regeram esse grande reino. No
mundo ocidental, Suetônio terá sua sobrevivência histórica e literária garantida pelo
volume das informações que nos legou sobre algumas das personalidades mais
importantes de uma era realmente importante: aquela que dividiu o mundo em antes e
depois.
Os puristas de plantão irão apontar algumas incongruências na obra de Suetônio,
como é o caso da passagem em que ele narra a sucessão de Augusto por Tibério. O
autor, segundo PARATORE (1987), parece camuflar propositalmente algumas
1
Apresentação da tradução de Sady-Garibaldi de A vida dos doze Césares.
10
passagens, pois é bastante provável que Augusto, tendo perdido seus descendentes
diretos, tenha escolhido por livre e espontânea vontade o próprio Tibério. Suetônio,
entretanto, parece complicar, de tal forma deliberadamente, a passagem, que chega a
insinuar que Tibério tivesse adulterado o testamento do Imperador. É certo que até
mesmo uma velada acusação é deixada nas entrelinhas.
“recitauit per libertum. testamenti initium fuit: quoniam atrox fortuna
Gaium et Lucium filios mihi eripuit, Tiberius Caesar mihi ex parte
dimidia et sextante heres esto. quo et ipso aucta suspicio est opinantium
successorem ascitum eum necessitate”- De Vita Caesarum líber III, cap.
XXIII
2
De certo modo, parece faltar a Suetônio um maior aprofundamento de causa,
acerca de seus escritos. Sua linguagem, aqui e ali, adquire um tom maior, mas são
momentos escassos, predominando a narrativa direta, muitas vezes confusa. No entanto,
apesar das falhas do texto de Suetônio, é ainda hoje o mais popular e o mais reeditado
dos historiadores latinos.
3
É bem provável que Suetônio não compreendera os conflitos de alguns dos
homens que retratou. Distribuía, às vezes, méritos e crimes de acordo com as suas
conveniências ou simpatias. Seu entusiasmo por Augusto, por exemplo, impediu-lhe de
ver a realidade no governo anterior. sar por um lado, e Cícero por outro, haviam
preparado uma era, a qual recebeu o nome de Augusto, mas na realidade é ainda era de
César. Por sua vez, Tibério herdaria não um grande e forte governo, mas uma “era”
com os primeiros sinais de decadência, as primeiras rachaduras do colosso em marcha
para a ruína e para o colapso total.
De forma genérica, Suetônio não foi pior nem melhor que seus antecessores e
sucessores. E sua permanência, sua importância relevam as omissões e os erros. Sobra-
2
“Um liberto procedeu à leitura. O testamento começava assim: ‘já que uma sorte funesta arrebatou-me
os meus dois filhos, Caio e Lúcio, nomeio Tibério César meu herdeiro para a metade e mais uma sexta’.
Este fato aumenta ainda mais as suspeitas dos que pensam que Augusto o instituíra seu sucessor mais por
necessidade do que por preferência” (SUETÔNIO, 1985, pág. 202).
3
SUETÔNIO, 1985.
11
lhe um grande saldo, pois escreveu um livro que será lido sempre. Historiou alguns dos
fatos e homens mais importantes do mundo ocidental. Tal como Petrônio, ficou
conhecido como o autor de um livro só. Petrônio resiste ao tempo com o seu Satyricon,
um vasto painel da decadência e da corrupção deste mundo cujos mentores Suetônio
descreveu. Tanto o autor do Satyricon como o de A Vida dos sares sobrevivem na
cultura latina e ocidental, por assim dizer, não às custas de um grandioso texto, que se
utiliza de uma escrita lapidar exemplar, mas pelo assunto de que trataram
4
. Petrônio
escolheu as frivolidades de um tempo que as havia erguido a uma categoria de filosofia
e de virtude e Suetônio, com A vida dos Césares, elege um assunto, que por seu caráter
polêmico fê-lo conhecido até nossos dias.
No que concerne o uso da Língua Latina, principalmente no quesito inovação,
Petrônio supera Suetônio, mas a popularidade e a importância de seu livro ficam muito
aquém, pois a permanência e a validade de Suetônio residem, sobretudo, no assunto.
Fora ele, portanto, o único a encaixar num livro todo um período histórico limitado
pela ascensão e queda de doze homens.
Plutarco e outros escritores do mundo antigo e moderno escreveram livros
parecidos, mas em Plutarco, por exemplo, faltou este caráter de crônica, do dia-a-dia
quase oficial de um grande Império num grande período. Plutarco selecionou as
personalidades biografadas um tanto que aleatoriamente. Suetônio, diferentemente,
prendeu-se a um esquema, a uma dinastia. Não poderia eliminar um Galba, um Óton,
por mais mesquinhos e desimportantes que fossem. Teve de colocá-los lado a lado com
Júlio sar e Augusto. A disciplina do assunto manteve-o numa rigidez que, afinal,
revelou-se útil. E não seria esse o grande fim da História? A Utilidade
5
. Acompanhamos
os doze Césares passo a passo, seus ancestrais, as predições de seus nascimentos e os
4
Prefácio de Carlos Heitor Cony à Vida dos doze Césares da editora Ediouro.
5
Aristóteles. Poética 1451 b.
12
prestígios de suas mortes. Suas campanhas militares, suas deformações morais e
sexuais, enfim, todos os elementos que constituem um homem ou o processo de um
homem. Escravizando-se a seu assunto, Suetônio foi fiel a ele. E o assunto compensou-
lhe: deu-lhe merecida perenidade histórica e literária. Quem tem o prazer de se deleitar
com a leitura de A Vida dos Césares, na certa gostará de saber o depois. O de como se
processaram a História e o declínio romanos depois da morte do último César.
Propusemo-nos, portanto, trabalhar o capítulo referente à vida do Imperador
Nero, ressaltando as características descritas por Luciano de Samósata, em seu Como se
deve escrever a história, no fazer historiográfico de Suetônio. Para tanto analisaremos
se os itens citados por Luciano em seu libelo aparecem na obra de Suetônio: o excesso
de descrições desnecessárias, o apelo a mentiras, a dramatização da história, a
valorização de pequenos detalhes em detrimento do restante, as referências ao que não
foi visto pelo historiador, dentre outros.
13
SUETÔNIO: VIDA, OBRAS E TRADIÇÃO
De Caio Suetônio Tranquilo, ignoram-se a pátria e as datas exatas do nascimento
e da morte. Supõe-se que terá nascido entre o ano 70 e o ano 75, e falecido entre o ano
140 e o ano 150
6
. Ele próprio, na biografia do Imperador Óton, faz referência a seu pai,
Suetonius Laetus: Interfuit huic bello pater meus Suetonius Laetus, tertiae decimae
legionis tribunus angusticlauius”
7
, que, na guerra civil do ano 69, militou como oficial
no exército de Óton e foi testemunha da morte do Imperador.
Suetônio foi estudioso de retórica e advogado. Sem dúvida, um grande erudito.
Suspeita-se ainda que também exercera a profissão de gramático, pois essa informação
parece confirmada por passagens da carta de Plínio-o-Jovem, que lhe chama pela
alcunha de scholasticus:
Scholasticis porro dominis, ut hic est, sufficit abunde tantum soli, ut
relevare caput, reficere oculos, reptare per limitem unamque semitam
terere omnesque viteculas suas nosse et numerare arbusculas possint
8
.
Foi precisamente esse seu grande amigo que lhe abriu o caminho no campo das letras e
fez com que lhe fosse concedido por Trajano o ius trium liberorum:
Tuo tamen desiderio subscripsi et dedisse me ius trium liberorum
Suetonio Tranquillo ea condicione, qua assuevi, referri in commentarios
meos iussi
9
.
6
SUETÓNE, (1932).
7
“Meu pai, Suetônio Leto, tomou parte nessa campanha como tribuno augusticlavo da décima terceira
legião”. Livro VIII, cap. 10.
8
Ep., 1, 24.
9
Ep., 10, 94-95.
14
OBRAS:
Dentre as obras de Suetônio, destacam-se o De Viris Illustribus e De Vita
Caesarum. Acredita-se que o De Viris Illustribus tenha sido publicado em fascículos
assim distribuídos: De Poetis; De Oratoribus; De Historicis; De Philosophis; De
grammaticis et rhetoribus, separados e quem, vislumbrando, quer nas biografias que
sobreviveram ao tempo da seção De Poetis, quer nas da seção De Grammaticis et
Rhetoribus, o uso dos arquivos imperiais, segundo PARATORE (1987), ao menos estas
seções, foram publicadas ou retocadas para uma segunda edição do conjunto da obra.
Isso depois de Suetônio, na qualidade de secretário do Imperador Adriano, ter acesso
aos arquivos imperiais, ou seja, depois que compusera o De Vita Caesarum. Graças
também a algumas notícias contidas no De Grammaticis que ratificam as notícias acerca
da educação literária de certos Imperadores, contidas no De Vita Caesarum. Mas,
segundo PARATORE (1987), as biografias da seção De Poetis têm todo o aspecto de
um grau de evolução técnico-lingüística anterior ao De Vita Caesarum, e tal
consideração é confirmada pelo uso, no De Vita Caesarum, de alguns vocábulos ou
construções que não aparecem nas partes que nos restam do De Viris Illustribus.
Se este parece um vago argumento, dada à escassez daquilo que nos resta do De
Viris Illustribus, certifica-se que, ao retratar a vida de Augusto, Suetônio não fala sequer
de Virgílio e de Horácio, o que, de certa forma, nos leva a pensar que ao escrever o De
Vita Caesarum, Suetônio não terá tido muito cuidado com as notícias de caráter
literário, haja visto ser esta a referência a autores e a textos literários uma das
características mais típicas da Historiografia antiga
10
.
10
SUETÔNIO, 19_ _? Introducción de Olivieri Nortes Valls.
15
O De Viris Illustribus é a primeira coletânea de biografias, depois do particular
De Poetis, de Varrão, dedicado exclusivamente a homens de letras latinos. No De
Grammaticis et Rhetoribus, o proêmio é duplo, porque o proêmio sobre a retórica
insinua-se depois das biografias dos gramáticos e antes das dos retores. Parece que os
limites cronológicos variariam duma seção para outra, o que representou, para alguns,
uma confirmação da hipótese da composição da obra em tempos diversos.
11
Também o caráter sucinto das biografias dos gramáticos e dos retores, tão
diferente, em extensão, ao das biografias do De Poetis, encorajou a hipótese de esta
seção ter sido redigida mais tarde, como uma colagem anexada ao restante do texto.
Mas convém pensar que compor biografias de gramáticos e retores era precisamente a
novidade mais característica da obra suetonina.
Quanto à brevidade das biografias desta seção, convém pensar que, dada a sua
novidade revolucionária, Suetônio preferiu manter os escritos dentro dos limites mais
discretos, valorizando bem a importância diferente de um gramático em relação a um
poeta. Posteriormente, a técnica daquelas biografias é, proporcionalmente, a mesma que
a das biografias dos poetas. Alguns particulares que se encontram no De Grammaticis e
que aparecem esquecidos ou contraditos no De Vita Caesarum não parecem suficientes
para fazer datar esta seção do De Viris Illustribus depois do De Vita Caesarum, pois a
metodologia compilatória de Suetônio basta para explicar estas leves discrepâncias.
11
Cf. PARATORE. História da Literatura Latina, p. 772.
16
TRADIÇÃO:
Santra, Varrão, Cornélio Nepos foram os inspiradores e os modelos de Suetônio.
Mas a mentalidade puramente erudita é acompanhada, em Suetônio, por uma
curiosidade típica pelos aspectos humanos da personagem, que talvez não seja apenas
uma herança da biografia helenística, mas também a contribuição da sua época, tão
apegada à libelística escandalosa e à análise dos caracteres mais íntimos dos
biografados. A biografia helenística surgiu no séc. IV a.C. como produto da fusão de
um antigo costume exaltação das façanhas dos heróis nacionais com o
desenvolvimento simultâneo do individualismo e da prosa. Paralelamente em Roma, o
hábito autóctone que consistia no elogio do membro da gens recém falecido (laudatio
funebris) por seus descendentes foi impulsionado mais tarde pelas técnicas do discurso
dando lugar à oratória panegírica.
É típica, a frequência de particulares apetitosos e escandalosos acerca da vida
privada das personagens examinadas por Suetônio:
Post crepusculum statim adrepto pilleo uel galero popinas inibat
circumque uicos uagabatur ludibundus nec sine pernicie tamen,
siquidem redeuntis a cena uerberare ac repugnantes uulnerare
cloacisque demergere assuerat, tenebras etiam effingere et expilare.
Quintana domi constituta ubi partae et ad licitationem diuidendae
praedae pretium absumeretur
12
.
Também a biografia implicava a obrigação de se levar em conta prodígios e
presságios, tudo aquilo que fosse singular ou extraordinário na vida de uma
personagem. A esta norma Suetônio atem-se prontamente. É sua característica principal
elencar, primeiro, uma série de particulares e depois, uma série de outros pormenores.
A meticulosidade sempre atenta do autor revela-se também no acréscimo de
historietas de primeira mão e de anedotas pessoais.
12
NERO, XXVI, 2.
17
Additum fabulae eosdem dracone e puluino se proferente conterritos
refigisse. Quae fabula exorta est deprensis in lecto eius circum
ceruicalia serpentis exuuiis; quas tamen aureae armillae ex uoluntate
matris inclusas dextro brachio gestauit aliquamdiu ac taedio tandem
maternaeque memoriae abiecit rursusque extremis suis rebus frustra
requisiit
13
Aparentemente, nas biografias dos Imperadores, Suetônio abstém-se de um juízo
preciso, de natureza histórica e política das particularidades boas e más dos biografados.
É difícil, muitas vezes, deduzir também o seu juízo de ordem moral que, contudo,
segundo a tradição da biografia helenística, era para ele o mais importante.
O De Vita Caesarum é a obra da sua maturidade, a sua obra-prima. Compreende
as biografias dos Imperadores desde César a Domiciano, de forma que é chamada
vulgarmente As vidas dos Doze Césares. Chegou até nós mutilada do início, isto é, da
dedicatória supostamente dedicada a Septício Claro, prefeito do pretório de Adriano, a
quem são dedicadas também as Cartas plinianas.
A amizade de Septício por Suetônio e o apoio que dera ao historiador a fim de
que ocupasse um cargo na secretaria do Imperador talvez sejam consequência da
amizade de ambos por Plínio-o-Jovem.
O De Vita Caesarum reparte-se em oito livros, um para cada um dos
Imperadores da casa Júlio-Cláudia, um para os três Imperadores do ano da anarquia
(Galba, Óton e Vitélio) e um para os três Imperadores da casa Flávia; por isso, segundo
PARATORE (1987), alguns comentadores supuseram que como Tácito começou a
narrar, com as Historiae, a História mais recente, e remontou, com os Annales, à
História mais remota Suetônio teria começado com as biografias dos Imperadores
mais próximos, que são intermediárias, em extensão, entre as do De Poetis e as de César
e de Augusto, e depois teria escrito as biografias dos Imperadores da dinastia Júlio-
Cláudia.
13
De Vita Caesarum, Livro IV, cap. 8.
18
Também Suetônio sentiu-se na necessidade vivíssima da época de Trajano de
fazer luz sobretudo acerca dos motivos da grande desilusão que constituiu, para as
classes elevadas de Roma, a casa Flávia.
Sobre a dedicatória a Septício Claro sabemos pelo De Magistratibus, a obra em
grego de João Lido, do culo VI. Dado que o De Vita Caesarum é dedicado a Septício
ainda no cargo e manifesta um evidente e longo uso dos arquivos imperiais, com
transcrições de passagens de cartas do Imperador e de acta públicos, deduz-se daí que
foi composto entre 119 e 121 d.C., naquele triênio em que Suetônio fora secretário
(epistularum magister) de Adriano.
Septício Claro, Suetônio e outros da casa militar e civil do Imperador foram
destituídos de seus cargos por Adriano, pois, como diz a Historia Augusta na biografia
de Adriano atribuída a Élio Esparciano, durante uma ausência do Imperador, eles se
permitiram, com a imperatriz Sabina, uma familiaridade não consentida pela etiqueta
agora toda oriental e pré-bizantina que se introduzira na corte imperial com a rápida
transformação do regime. Mas, por outro lado, sabemos que, precisamente a partir
daquele momento, tiveram início os dissabores entre Adriano e Sabina. PARATORE
(1987) afirma que, na realidade, Septício e Suetônio mantinham confidências com
Sabina, porque pertenciam ao partido dela e, por isso, teriam sido afastados por Adriano
com o pretexto de não terem observado junto a imperatriz as normas protocolares. Ou
ainda é possível que Septício e Suetônio representariam, na casa de Adriano, o partido
adverso às mulheres, isto é, a Platina e a Matídia, mãe de Sabina, que havia contribuído
para elevar Adriano ao trono, proclamando que Trajano, ao morrer, o havia designado
para a sucessão. Adriano, depois da morte de Plotina, quis afastar de si o peso da
gratidão para com as mulheres da família e dar rédeas à sua ardente inclinação por
Antínoo e astutamente sacrificou, ante à imperatriz os adversários dela, para deixar
19
transparecer que lhe testemunhava o máximo respeito, para poder depois infringir-lhe
infortúnio.
Mas Suetônio prestara a Adriano um importante serviço com as biografias dos
seus predecessores, que constituem o último e mais decisivo esforço para deprimir a
figura e a obra dos fundadores do regime imperial, no período em que o sistema
governamental, por obra de Adriano, se encaminhava, definitivamente, para a mais
severa autocracia. Suetônio pretendia, ainda, ofuscar, com fim propagandístico, a
memória dos Imperadores que se haviam esforçado, uns mais, outros menos, por
conservar com o Senado as relações instituídas por Augusto, e intentava apresentá-los,
antes, como tiranos e monstros de crueldade e de corrupção.
Essa consequência política de grande alcance foi, sobretudo, a grande
caracterísitca da biografia helenística, absorvida e levada às extremas consequências
pelo temperamento curioso e minuciosamente presunçoso de Suetônio.
Também nestas biografias, apesar de muito mais extensas e mais bem
organizadas que as do De Viris Illustribus, se segue o esquema habitual de enumerar
notícias, mais ou menos apetitosas, em volta de pontos fixos: a família, o nascimento,
subida ao trono, a atividade militar e legislativa, a educação literária, a vida moral e a
morte dos biografados.
Sobre cada item, acumulam-se, por um lado, as notícias favoráveis, e por outro,
logo a seguir e sem gradações, as desfavoráveis. Acerca de certos Imperadores mais
alvejados pelo ódio das fontes, as notícias favoráveis são em menor número, ou recorre-
se ao critério de apresentar a sua vida como dividida em duas, a vida particular e a vida
pública. Como podemos perceber abaixo nas citações, na primeira Nero é descrito de
forma positiva, apresentando um bom caráter, na segunda citação, Suetônio expõe
todas as características sádicas do Imperador:
20
Atque ut certiorem adhuc indolem ostenderet, ex Augusti praescripto
imperaturum se professus, neque liberalitatis neque clementiae, ne
comitatis quidem ex hibendae ullam occasionem omisit
14
Ac ne cuius alterius hieronicarum memoria aut uestigium exstaret
usquam, subuerti et unco trahi abicique in latrinas omnium statuas et
imagines imperauit
15
As fontes, além dos documentos oficiais, são muito restritas. São, em grande
parte, as mesmas de Tácito. Em princípio, os dois escritores concordam na apresentação
dos fatos e no juízo; e, para os períodos sobre os quais nos falta a obra tacitiana, por
exemplo, o reinado de Calígula, a obra de Suetônio faz-nos entrever o que poderá ter
sido a narrativa de Tácito
16
. Mas, relativamente a Tácito, Suetônio manifesta, um pouco
graças ao caráter tradicional da sua obra e um pouco devido ao seu temperamento
pessoal, uma propensão mais ávida e fiel pela literatura escandalosa, que floresceu com
tanta abundância no primeiro século do Império.
O início da biografia de Calígula, por exemplo, demonstra o quanto nosso autor
se deixa submeter a esta libelística, que teve uma das mais fortes expansões graças à
casa de Germânico e em sentido anti-tiberiano. O excerto mostra um caloroso elogio de
Germânico, o único do gênero para uma personagem da casa Júlio-Cláudia:
Omnes Germanico corporis animique uirtutes, et quantas nemini
cuiquam, contigisse satis constat: formam et fortitudinem egregiam,
ingenium in utroque eloquentiae doctrinaeque genere praecellens,
beniuolentiam singularem conciliandaeque hominum gratiae ac
promerendi amoris mirum et efficax studium.
17
Ao aproximarmos Tácito e Suetônio, segundo PARATORE (1987), aquele
avança com dignidade e direito com sua severidade lapidar, enquanto Suetônio afunda-
se em um palavreado colorido. Os rumores, que Tácito apresenta com tanta austeridade
14
De Vita Caesarum, Livro IV, cap. X, 1.
15
De Vita Caesarum, Livro IV, cap. XXIV, 3.
16
Cf. PARATORE. História da Literatura Latina, p. 777
17
Está bem determinado que Germânico, em escala jamais alcançada por pessoa alguma, reunia todas as
qualidades de corpo e alma; beleza e valor incomparáveis, eloqüência e cultura superiores tanto no Grego
quanto no Latim, bondade admirável, o mais vivo desejo, e o talento maravilhoso de conquistar simpatias
e merecer a afeição. Livro IV, cap. 3.
21
e com tanto poder de esboços e de observações poéticas, a ponto de fazer deles
elementos essenciais da sua reconstrução psicológica; em Suetônio perdem-se o brilho,
para o nível da “fofoca” de um confidente íntimo, que diz abertamente, num canto
discreto da sala, todos os boatos mais frescos e mais curiosos acerca desta ou daquela
personagem ilustre. Se analisamos, por exemplo, a sua narração da morte de Vitelo,
substancialmente tão análoga à de Tácito, vemos que ele se apressa a referir-se ao lugar
ignóbil em que Vitelo se escondera:
Postridie responsa opperienti nuntiatum est per exploratorem hostes
appropinquare. continuo igitur abstrusus gestatoria sella duobus solis
comitibus, pistore et coco, Auentinum et paternam domum clam petit,
ut inde in Campaniam fugeret; mox leui rumore et incerto, tamquam
pax impetrata esset, referri se in Palatium passus est. ubi cum deserta
omnia repperisset, dilabentibus et qui simul erant, zona se aureorum
plena circumdedit confugitque in cellulam ianitoris, religato pro foribus
cane lectoque et culcita obiectis
18
.
e, no momento de recordar os insultos a que a plebe sujeitava o Imperador exposto na
berlinda, não se esquece de enumerar também os defeitos físicos que o tornavam mais
grotesco e desprezível na sua condição humilhante:
erat enim in eo enormis proceritas, facies rubida plerumque ex
uinulentia, uenter obesus, alterum femur subdebile impulsu olim
quadrigae, cum auriganti Gaio ministratorem exhiberet
19
Do aspecto físico, das pequenas manias, dos vícios ocultos, dos instintos mais
imundos de cada Imperador, não lhe escapam as particularidades íntimas. A sua
composição é o exemplo mais típico daquilo que se costuma chamar a História do
grande homem, vista pelo seu criado de quarto:
18
No dia seguinte, enquanto aguardava a resposta, um batedor anunciou-lhe que o inimigo se
aproximava. Imediatamente escondeu-se numa liteira, e depois, acompanhado apenas por duas pessoas,
seu padeiro e seu cozinheiro, alcançou secretamente o Aventino e a casa paterna, de onde contava
escapar-se para a Campânia; mas crendo, segundo um rumor vago e incerto, que a paz fora concedida,
deixou-se levar de volta ao Palácio. Encontrando-o completamente deserto e vendo que os próprios
companheiros se esquivavam, muniu-se de um cinto abarrotado de moedas de ouro e refugiou-se no
cubículo do porteiro, após amarrar o o diante da porta e barricá-la com uma cama e um colchão. Liber
VII, 16 – Vitellius. (Tradução de Sady-Garibaldi).
19
Tinha, com efeito, talhe desmesurado, rosto quase sempre congestionado embriaguez, ventre
proeminente e uma coxa fraca devido a um acidente com uma quadriga ocorrido quando era o servidor de
Caio nas corridas de carro. Liber VII, 17 – Vitellius. (Tradução de Sady-Garibaldi).
22
Statura fuit prope iusta, corpore maculoso et fetido, subflauo capillo,
uultu pulchro magis quam uenusto, oculis caesis et hebetioribus, ceruice
obesa, uentre proiecto, gracillimis cruribus, ualitudine prospera; nam
qui luxuriae immoderatissimae esset, ter omnino per quattuordecim
annos languit, atque ita ut neque uino neque consuetudine reliqua
abstineret
20
Vale ressaltar a desenfreada e fluente chuva de palavras com que descreve
Calígula.
21
A escolha pela literatura libelística dos ambientes mais rigidamente
senatoriais, de preferência aos documentos oficiais, reside, por um lado, no efeito da
atração constituída por um material mais em consonância com os caracteres da biografia
helenística, mas reside também na sugestão de um ambiente que intentava colocar em
maus lençóis toda uma tradição incômoda para os Imperadores de origem estrangeira,
que visavam instituir a autocracia.
Para o caráter das suas biografias, quis-se ver em Suetônio a aportação típica de
um ambiente, já longínquo do da época de Tácito, já embebido da mentalidade
mesquinha dos gramáticos e dos retores, que surgiram na época dos Antoninos. Mas
Suetônio aproxima-se muito do assunto das obras maiores de Tácito. Revela contudo, à
sua maneira, a urgência ainda viva de resolver os problemas deixados de herança pelo
atormentadíssimo primeiro culo do Império ainda que seus ombros não suportem o
peso da pesada tarefa de historiografar o momento.
A mentalidade e a educação de gramático e de erudito não o impediram de quase
desvanecer-se em banal crônica mundana, diferentemente de Tácito, especialmente nos
Annales, que escrevia de forma grave e contínua. Ainda que, os interesses espirituais de
Suetônio são ainda os da época tacitiana, na qual, aliás, vivia um homem como Plínio-o-
Jovem, também ele levado a julgar as tragédias passadas com espírito de retor e de
conversador de salão.
20
De Vita Caesarum, Livro IV, cap. LI, 1.
21
De Vita Caesarum, Livro IV, cap. XIII – XXXIV
23
Depois, a biografia suetoniana não é um compêndio indiscriminado de notícias.
Delas também se pode deduzir uma atitude toleravelmente constante: a do intelectual
romano que acabou por adotar a mentalidade do plebeu zombeteiro da metrópole. É
característica, neste sentido, a biografia de Tito, em que, tirada a repressão das delações,
cujo mérito, Plínio, no Panegírico, atribuiu a Trajano, todas as benemerências pelas
quais Tito é exaltado são as que poderiam deliciar o vulgo que reclamava Panem et
Circenses. Já que o seu amigo Plínio exaltava Trajano pela extensão demagógica das
distribuições de cereais, assim também Suetônio celebra Tito pela magnificência dos
espectáculos e pela frequência dos donativos e das ofertas:
et tamen nemine ante se munificentia minor, amphitheatro dedicato
thermisque iuxta cele[b]riter extructis munus edidit apparatissimum
largissimumque; dedit et nauale proelium in ueteri naumachia, ibidem et
gladiatores atque uno die quinque milia omne genus ferarum
22
Nas três biografias dos Imperadores Flávios estão expostos os aspectos mais
sinceros e espontâneos do espírito de Suetônio, pois dessa dinastia ele pôde criar para si
uma opinião pessoal:
Rebellione trium principum et caede incertum diu et quasi uagum
imperium suscepit firmauitque tandem gens Flauia, obscura illa quidem
ac sine ullis maiorum imaginibus
23
Esta torna cada vez mais provável a hipótese de estas três biografias
constituírem o feliz ponto de partida da nova obra suetoniana, depois coberta de areia
debaixo do peso do material abundante, quando se tratou de falar dos Imperadores mais
distantes, para os quais faltava a Suetônio o eco ainda vivo de uma tradição oral e duma
experiência direta que o ajudassem a enquadrar harmonicamente as figuras descritas.
22
Contudo, não ficou abaixo em munificência a nenhum de seus predecessores, pois, após inaugurar um
anfiteatro ao qual acrescentou termas rapidamente construídas, ali celebrou com grande aparato um
espetáculo magnífico; ofereceu também um combate naval na antiga naumaquia, onde fez aparecer
igualmente gladiadores e, numa única jornada, cinco mil feras de todo o gênero. Liber VIII, 7 Titus.
(Tradução de Sady-Garibaldi).
23
O Império, que a revolta e o assassinato de três príncipes haviam por muito tempo tornado instável e
como que vacante, foi enfim recolhido e consolidado pela família Flávia – a qual, sem dúvida, era
obscura e não possuía imagens de ancestrais. Liber VII, 1 - Vespasianus
24
A biografia de Vespasiano é a melhor prova das qualidades artísticas de
Suetônio. Com seu temperamento de rude sabino, reservado e ao mesmo tempo cômico,
Suetônio parece se encontrar, pois apresenta agora um texto mais sóbrio e harmônico.
Na biografia de Domiciano, em que aparecem mais evidentes os vestígios de
recordações pessoais, diretas ou indiretas, até mesmo as notícias acerca dos prodígios e
dos prenúncios, habitualmente fastidiosos, na sua implacável freqüência, são graduadas
num crescente e ansioso afeto sugestivo, de forma a tornar vivamente dramática toda a
parte final, relativa ao assassinato do Imperador:
Ante paucos quam occideretur menses cornix in Capitolio elocuta est:
“estai panta kalós”, nec defuit qui ostentum sic interpretaretur
nuper Tarpeio quae sedit culmine cornix “est bene” non potuit dicere,
dixit: “erit”ipsum etiam Domitianum ferunt somniasse gibbam sibi pone
ceruicem auream enatam, pro certoque habuisse beatiorem post se
laetioremque portendi rei publicae statum, sicut sane breui euenit
abstinentia et moderatione insequentium principum
24
É precisamente a biografia suetoniana sobre este monarca execrado que contém
uma colheita apreciável de notícias, que servem para restabelecer o equilíbrio no juízo
sobre o biografado.
Entre as fontes do primeiro século do Império, o historiador grego Cássio Díon
apresenta o mesmo caráter implacavelmente pessimista, que está presente em Tácito.
Suetônio, pelo contrário, apesar de concordar com eles, em princípio, permite, vez por
outra, uma mudança no ponto de vista e se envereda pela tradição oposta. Em primeiro
lugar, os documentos oficiais, embora não conseguindo prevalecer no seu espírito sobre
a literatura libelista, devem ter representado para ele um modesto retorno à voga comum
difamatória, mas certamente, nenhuma outra biografia é tão rica em elementos
favoráveis ao biografado como a de Domiciano.
24
Alguns meses antes de seu assassinato, uma gralha fez ouvir no Capitólio as seguintes palavras: “Tudo
irá bem”, e houve pessoas que assim interpretaram esse presságio: A gralha que pouco se empoleirou
no alto da rocha Tarpéia, o podendo dizer: “Tudo vai bem”, disse: “Tudo irá bem”. Além disso, pelo
que se conta, o próprio Domiciano sonhou que uma bossa de ouro lhe crescia na nuca e persuadiu-se de
que isso pressagiava para o Estado um período mais feliz e mais próspero após a sua morte, o que de fato
25
Contudo, também nas biografias dos outros livros, se encontram algumas
passagens, em que o biógrafo, talvez estimulado pelas fontes, se abandonou à alegria do
narrador extenso. Assim, por exemplo, parece escrita intuitivamente e com mão firme a
primeira parte da biografia de Calígula. Referimo-nos à cena da morte de Nero, até
porque ela nos faz entrever o que teria sido a provável cena tacitiana correspondente, na
parte perdida do livro XVI dos Annales.
25
Um escritor que pode compor páginas como essas, que descrevem a cena da
morte de Nero, como podemos notar nos capítulos XLVII até XLIX, e, depois,
fragmenta as suas narrações em tantas minúcias, está evidentemente subjugado às suas
fontes, mesmo sob o ponto de vista estilístico. De fato, sob este aspecto, Suetônio leva
para as biografias das grandes personagens a forma mentis
26
do gramático, a
impessoalidade cinzenta dos seus modos expressivos.
Segundo PARATORE (1987), a maior parte dos outros escritos de Suetônio, de
que nos chegaram apenas notícias ou fragmentos, foi composta depois da sua retirada da
corte de Adriano. E nesse ócio forçado de sua nova condição, deixa à posteridade as
suas obras. Provam-no também o fato de alguns destes escritos terem sido
provavelmente compostos em grego, sob a influencia da helenofilia
27
de que Adriano
dera exemplo e que se agigantava com o avançar do século.
logo se realizou graças ao desprendimento e à moderação dos Imperadores que lhe sucederam. Liber VIII
,23 - Domitianus
25
Ver capítulos XLVII até XLIX, do Livro VI, “da morte” de Nero.
26
Forma Mestis é uma locução latina que significa literalmente a forma/idéia/formulação da mente.
27
Aversão à inclusão e valorização de outras culturas e outras maneiras de pensar em Roma, que não
fosse a Grega.
26
DOS MANUSCRITOS:
Entre os manuscritos, deduzimos os títulos de uns bons catorze outros escritos de
Suetônio. Dentre eles, recordam-se escritos referentes às festas e aos jogos de Roma, ao
ano, aos usos e costumes dos Romanos, às vestes romanas; certamente estes escritos
devem ter constituído a primeira das duas grandes enciclopédias suetonianas de que nos
foi transmitida notícia, a intitulada Roma. À segunda, em nove ou dez livros, intitulada
Prata, título que talvez aluda à variedade dos assuntos, mas talvez, como no Limon de
Cícero, sempre referentes ao campo da literatura, devessem pertencer ao escrito acerca
das más palavras, o De Rebus Variis e o De Notis Scripturarum, a que pertence, se é
que é seguramente de Suetônio, o fragmento do Anecdoton Parisinum, que volta, quase
ad verbum, nas Etymologiae de Santo Isidoro de Sevilha, no século VII
28
.
Segundo PARATORE (1987), alguns críticos tendem a considerar os Prata,
devido à sua extensão e ao seu caráter enciclopédico, não somente como sendo um
compêndio limitado a assuntos ligados à Língua Latina e a questões gramaticais, mas
também querem atribuir-lhes também outros trabalhos de que possuímos os títulos e que
dizem respeito às ciências naturais (por exemplo, o De Vitiis Corporalibus), aos
costumes humanos (De Institutione Officiorum) e aos cálculos do tempo, a assuntos de
cultura grega, como um escrito sobre os jogos gregos e um outro sobre as heteras, no
qual, segundo o testemunho de João Lido, a esta categoria eram descritas Vênus e as
Sereias segundo os preceitos do evemerismo
29
.
28
Cf. PARATORE. História da Literatura Latina, p. 781.
29
Doutrina desenvolvida por Evêmero (340-260 a.C.), isto é, a crença de que os deuses mitológicos
foram personagens humanas, divinizadas pelos homens.
27
Entre os escritos estranhos às duas enciclopédias, recorda-se uma defesa do De
Republica de Cícero, das críticas, quanto parece, de Dídimo Calcéntero, famoso erudito
grego do fim do século I a.C., indício sintomático acerca das simpatias de um homem
que tivera como seu melhor amigo, o ciceroniano Plínio, e que, em suas biografias,
tomara a atitude de juiz pouco benévolo dos Imperadores que tendiam para a autocracia.
PARATORE (1987) afirma que Suetônio recebeu a fama de gramático e de
compilador devido às biografias dos Imperadores e de amador por causa dos escritos
científicos e sobre as antiguidades. De Varrão tinha a tendência a perder-se nas
minúcias eruditas, mas o o espírito atento e desconfiado de romanidade, que dava
ímpeto às suas pesquisas e uma certa identidade à sua obra.
Ainda assim, as biografias suetonianas constituíram o modelo predileto para as
pesquisas historiográficas dos séculos seguintes.
O De Vita Caesarum foi muito conhecido na Idade Média, ao passo que o De
Viris Illustribus e os outros escritos menores vão perder o reconhecimento na Alta Idade
Média. Isso porque o Suda, léxico grego do século X, depende de Hesíquio, lexicógrafo
grego do século VI sobre aquilo que nos testemunha a respeito Suetônio.
O De Grammaticis et Rhetoribus foi descoberto no século XV, no códice de
Hersfeld, que nos restituiu as obras menores de Tácito. O De Vita Caesarum contribuiu,
com as Historiae e os Annales de Tácito, para perpetuar nos séculos a visão
convencional da política imperial no primeiro século d.C. e, por isso, também sentiu os
efeitos da revisão crítica levada a cabo nos últimos tempos, relativamente àquele
período histórico.
No que diz respeito à transmissão do texto, todos os códices hoje existentes do
De Vita Caesarum procedem, de modo mais ou menos imediato, de apenas um,
custodiado na biblioteca da abadia de Fulda, na Alemanha. Esse exemplar permitiu que
28
o texto suetoniano chegasse até a Idade Média. Este manuscrito é um primeiro caderno
da obra original, na qual se encontrava uma dedicatória a Septício Claro e o início da
biografia de Caio Júlio César desde seus quinze anos de idade, trechos que
posteriormente se perderam do restante da obra. Tem-se notícia deste códice devido a
uma carta que Servatus Lupus, abade de Ferrière, dirigida no ano de 884 ao monastério
alemão, solicitando que se lhe enviassem a obra em questão. Servatus conseguiu uma
cópia, da qual, por sua vez, procedem outras posteriores, de modo que a difusão do De
Vita Caesarum aconteceu entre os séculos X e XI, mas com uma progressiva
degradação desse primeiro texto, uma vez que passara pelas mãos de inúmeros copistas.
Tanto o códice de Fulda como o manuscrito enviado a Servatus Lupus estão,
hoje, perdidos, mas por sorte se conservou uma das primeiras cópias deste último,
produzida no século XII: é o códice Memmianus (hoje na biblioteca Nacional de Paris,
num. 6.115), que recebeu seu nome de Henri Mesmes, que o conseguira no século XVI,
logo após ter pertencido ao monastério de San Martin de Tours. Este manuscrito
apresenta, assim como o de Fulda, a divisão originária em oito livros e falta-lhe a
dedicatória e o início da biografia de Caio Júlio César, além de haver várias correções,
assim como interpolações e lacunas. De todos os modos, é considerado um bom códice
e no qual se baseiam as edições modernas dentre elas a que é utilizada em nosso
presente trabalho: Les Belles Lettres. Depois do Memmianus, o mais confiável, segundo
a opinião dos estudiosos. Vale ressaltar também uma edição produzida pelo humanista
Erasmo de Roterdã – (Basilea, num. 1518) – da qual procede a atual divisão em
capítulos ou livros, um para cada Imperador
30
.
30
SUETÔNIO, 1932, Introduction, p. XLII
29
LUCIANO: VIDA, OBRAS E TRADIÇÃO
Sobre Luciano de Samósata sabemos poucas coisas. A sua biografia pode ser
percebida em sua obra. Como, por exemplo, sua escolha por uma carreira voltada às
letras, contrariando o desígnio, proposto por sua família, de que se tornasse escultor,
uma vez que seu tio o era. Mas a fronteira entre realidade e ficção é muito estreita em
suas obras. Sabemos com certeza apenas o que nos diz seu nome, que era de Samósata,
uma cidade Síria, e que ele tinha um nome latino. Acredita-se que terá nascido no ano
125 e falecido no ano 185 de nossa era. Teve sua maturidade intelectual no governo de
Marco Aurélio entre os anos 162 e 180. Foi professor de retórica em várias cidades do
Império Romano
31
Grande erudito, sua obra faz constantes referências aos principais autores da
Antigüidade como os filósofos Platão (427-347 a.C.), Heráclito (550-480 a.C.),
Aristóteles (384-322 a.C.); aos grandes poetas, como Homero (séc. IX a.C.) e Hesíodo
(séc VIII a.C.); e principalmente, aos historiadores, como Heródoto (486-420 a.C.),
Xenofonte (430-355 a.C.) e Tucídides (465-395 a.C.). Sua obra é de grande influência
para o pensamento ocidental, visto que foi muito apreciado por grandes nomes, como o
Imperador Juliano, o Apóstata (331-363), Thomas More (1478-1535), Voltaire (1694-
1778) e Machado de Assis (1839-1908)
32
.
Como se deve escrever a História é considerado um libelo panfletário destinado
à crítica da Historiografia feita no segundo século d.C. e que Luciano não via com bons
olhos. Dos 63 parágrafos do texto, Luciano dedica quase um terço da obra, a exemplos
31
BRANDÃO (2001), p. 11
32
MURACHO (1996), p. 9-40
30
de maus historiadores parágrafos 14-32 –. Essa mesma técnica "como não fazer" e
"como fazer" – foi usada por Luciano em diversos outros textos como, por exemplo, em
Mestre de Retórica, cujo assunto é "como não ser bem-sucedido na retórica e como -
lo"; e em Lexífanes "como não reviver palavras áticas e como fazê-lo". Entretanto,
Como se deve escrever a História se destaca dentre todos, pois apenas nele nota-se algo
mais que uma intenção caricatural. Podemos dizer que um certo equilíbrio entre a
crítica e a sugestão proposta pelo autor sobre como se tornar um bom historiador. São
19 parágrafos dedicados à crítica dos maus historiadores e 27 são destinados aos
ensinamentos prescritivos sobre História, entre os quais se agrupam os parágrafos 34 ao
60.
Por apresentar-se como uma obra de crítica literária, Como se deve escrever a
História estava, portanto, vivamente inserida na prática historiográfica do século II d.C.,
o que não significa necessariamente que os vários exemplos ridículos de Histórias e
historiadores citados por Luciano tenham realmente existido. Supor que um texto crítico
de Luciano de Samósata possa nos fornecer dados biográficos ou históricos inteiramente
confiáveis seria prova de infeliz ingenuidade: o lógos Luciânico é por demais irônico.
Nele, o verdadeiro aparece na medida em que um escrito polêmico tem necessidade
de coincidir, às vezes, com a verdade. O próprio Luciano parece extremamente
sarcástico ao garantir a veracidade das Histórias por ele criticadas.
Além de um texto com propostas de crítica literário-historiográfica, Como se
deve escrever a História é também um texto panfletário com ideologias anti-romanas,
no sentido de que, o Império estava de tal forma poderoso que era difícil um historiador
relatar os fatos acontecidos colocando-se contra os ideais Romanos, ou seja, a História
romana nos é contada sempre sob o olhar do vencedor, sendo assim, apresenta somente
um lado, o dos vencedores, nunca o dos vencidos. Entretanto, podemos perceber o sutil
31
estratagema de Luciano, pois criticando a Historiografia da época, critica também a
própria política imperialista.
Luciano oferece em Como se deve escrever a História a receita que dissera curar
a “doença” dos maus historiadores, e dessa forma conclui: “Aí tem você o cânon e o
prumo de uma História justa. Se alguns aprumarem com ele, estará bem e o que está
escrito é oportuno. Se não, no Crânio rolou o tonel”
33
. Com a proposta de se tornar
médico dos abderitas
34
, torna-se também dico dos intelectuais que escreviam
Histórias mirabolantes.
Desse modo, a única ação possível para Luciano contra a onipotência de Roma e
seus bajuladores era a crítica. Em diversas obras de Luciano, filósofos cínicos, como
Diógenes, Crates, Menipo e outros, são encarregados da crítica mordaz, cômica e
caricatural. Eles o os “médicos das paixões”, e o próprio Luciano, na persona de
Diógenes, nos diz qual a função do crítico cínico: "Sou um libertador de homens e um
médico de suas paixões; para dizer tudo, quero ser um profeta da verdade e da
franqueza."
35
Podemos, dessa forma, vislumbrar, em Luciano, uma forte oposição entre a
verdade que a História deveria possuir e a bajulação que, na maior parte dos casos, era o
que se lia nas narrativas dos historiadores. A oposição central de Como se deve escrever
a História não é, portanto, entre verdade e mentira, como poderíamos pensar
inicialmente, e sim entre verdade e bajulação, pois a História deve ser um assunto
político que exige imparcialidade e justiça.
De tal modo, o historiador, segundo Luciano, deve ser uma espécie de filósofo
33
Como se deve escrever a História, 63 / (Tradução de Jacyntho Lins Brandão).
34
Os habitantes de Abdera, depois de uma apresentação de Andrômeda de Eurípides, saíram do teatro
com febre, e no dia seguinte, recitavam, alucinados, os versos dessa tragédia pelas ruas da cidade; Como
se deve escrever a História , 1.
35
O leilão dos filósofos, 8.
32
cínico. Um crítico ferrenho que não tem medo de ser sincero, livre de qualquer
possibilidade de coerção por meio da pessoa criticada. Mais uma vez, é possível ligar
essa passagem ao problema da bajulação, pois, se o historiador comete o erro de bajular
os poderosos, está abdicando-se de sua liberdade e de sua auto-suficiência.
“descuidando-se de narrar o que aconteceu, demora-se em elogios aos
comandantes e generais, elevando os seus às alturas e rebaixando os
inimigos além da medida”.
36
A primeira distinção feita por Luciano em Como se deve escrever a História é
entre a História e o encômio. Segundo o autor, alguns historiadores “ignoram a imensa
fronteira que delimita e separa a História do encômio”
37
.
No entanto, Luciano não nega a possibilidade de que haja lugar para elogios em
uma obra historiográfica, desde que eles sejam controlados pelo interesse da posteridade
e pela utilidade. Tanto os elogios quanto as censuras devem ser “muito parcimoniosos,
cuidadosos, não caluniosos, acompanhados de demonstrações, rápidos e não
inoportunos, que se encontram fora do tribunal”.
38
Luciano afirma que o historiador
deve “ordenar os acontecimentos de forma bela e mostrá-los da maneira mais clara
possível”
39
. Deve ainda evitar o excesso de liberdade para fugir à embriaguez e não
transformar a História em poesia, pois Luciano adverte:
“defeito é se alguém não sabe separar o que é da História daquilo que
pertence à poesia, mas introduz na História os adornos da outra o
mito, o encômio e os exageros que neles como se vestisse um
desses atletas fortes e completamente resistentes com uma túnica de
púrpura e outros enfeites de cortesãs e lhe esfregasse no rosto ruge e pó-
de-arroz: “na poesia, com efeito, pura liberdade e uma única regra: o
que parece ao poeta”
40
.
A pura liberdade que encanta os ouvintes é premissa da poesia, mas o da
História. Assim como o homem sábio deve evitar o vinho puro, não diluído, o
historiador deve evitar o uso de palavras, expressões e assuntos referentes ao campo da
36
Como se deve escrever a História, 7 / (Tradução de Jacyntho Lins Brandão).
37
Como se deve escrever a História, 7 / (Tradução de Jacyntho Lins Brandão).
38
Como se deve escrever a História, 59 / (Tradução de Jacyntho Lins Brandão).
39
Como se deve escrever a História, 51 / (Tradução de Jacyntho Lins Brandão).
33
poesia, pois somente o poeta tem direito à pura liberdade. Assim como os governantes
democratas devem limitar a liberdade do povo para evitar os excessos, a verdade
censura a liberdade do historiador, que deve sacrificar tudo a ela. A única tarefa do
historiador é contar o que aconteceu. Quando um homem vai escrever História, deve
ignorar todo o resto
41
. E nunca deve esquecer-se de que “um é o produto da História
e sua finalidade: o útil, que apenas da verdade decorre”
42
.
A importância dessa obra de Luciano se afirma devido ao enorme silêncio dos
pensadores antigos sobre a Historiografia. Mesmo Aristóteles, tão prolixo a respeito de
todos os campos do conhecimento, ignora a Historiografia em toda a sua extensa obra.
A única referência à História no extenso corpus do filósofo grego é uma passagem da
Poética na qual esta é rejeitada em favor da poesia:
Com efeito, não diferem o historiador e o poeta, por escreverem verso
ou prosa (pois que bem poderiam ser postas em verso as obras de
Heródoto, e nem por isso deixariam de ser História, se fossem em verso
o que eram em prosa) – diferem sim, em que diz um as coisas que
sucederam, e outro as que poderiam suceder.
43
Encontramos algumas reflexões sobre a Historiografia nas obras dos próprios
historiadores. Mas, na maior parte das vezes, essas reflexões são fragmentárias, estão
inseridas em polêmicas com outros historiadores ou trata-se de simples elogios retóricos
da Historiografia. Na verdade, a mais completa investigação antiga sobre a
Historiografia encontra-se nesse tratado de Luciano de Samósata, podemos dizer ainda
que se trata da única obra antiga inteiramente dedicada à Historiografia de um ponto de
vista teórico, como afirma HARTOG (1999) “Luciano é o autor da única obra sobre a
História que nos chegou da Antiguidade!”
44
40
Como se deve escrever a História, 8 / (Tradução de Jacyntho Lins Brandão).
41
Como se deve escrever a História, 39-40 / (Tradução de Jacyntho Lins Brandão).
42
Como se deve escrever a História, 9 / (Tradução de Jacyntho Lins Brandão).
43
Aristóteles, Poética 1451 b / (Tradução de Eudoro de Souza).
34
DE VITA CAESARVM PELO PRISMA DE COMO SE DEVE
ESCREVER A HISTÓRIA:
Estudar Suetônio e Luciano tem como prerrogativa a necessidade de
revalorização das obras desses dois autores tão injustiçados no meio dos Estudos
Clássicos, pelo menos assim afirma BRANDÃO (2001), a respeito de Luciano:
Escritor pós-antigo. Ilustre, sem dúvida, mas cuja obra tem atravessado
os séculos marginalmente. Isso élido tanto para a Modernidade,
quanto para a própria Antiguidade.
45
E como dissemos anteriomente: Suetônio faz parte da grande leva de escritores
medianos que estão entre a idade de ouro e a fase da decadência, dentro da Literatura
Latina.
A escolha por Luciano justifica-se por causa de ser ele o único autor antigo
46
a
dedicar à História todo um tratado: Como se deve escrever a História.
Logo no início de Como se deve escrever a História, o narrador, dirigindo-se ao
seu interlocutor, Fílon, tece alguns preceitos sobre o fazer historiográfico:
Mas você sabe, o bem quanto eu, ó colega, que não se trata de algo
fácil de manejar nem que se possa compor com negligência, mas que
necessita, como tudo mais nos discursos, de muita reflexão, caso se
queira, como diz Tucídides, fazer algo que seja um patrimônio para
sempre
47
.
Acerca dessa afirmação podemos pensar: como uma obra, como o De Vita
Caesarum, que não é vista com bons olhos por inúmeros estudiosos, da área quer por
questões lingüísticas, quer por questões literárias sobreviveu aos dias de hoje? Não
acredito que um livro que não tenha uma importância, seja ela qual for, sobreviva a todo
esse tempo. Alguns estudiosos, como é o caso de PARATORE (1987), afirmam que a
44
A História de Homero a Santo Agostinho, p.9 (Tradução de Jacyntho Lins Brandão)
45
A Poética do Hipocentauro, p. 11.
46
BRANDÃO, na Poética do Hipocentauro chama Luciano de escritor pós-clássico.
47
Como se deve escrever a História, 5.
35
importância dessa obra de Suetônio está na escolha do tema. Mesmo que o autor peque
lingüisticamente falando, não apresente um uso sublime da Língua Latina, ele se
perpetua através do assunto, isto é, a História da vida de doze Césares.
Suetônio, podemos dizer então, é aprovado nesse primeiro critério proposto por
Luciano, sob o olhar austero de Tucídides
48
, pois, que o De Vita Caesarum tornou-se
“um patrimônio para sempre” ninguém nega, que, ainda hoje, esta obra é uma das
mais reeditadas do gênero.
No capítulo 7 de Como se deve escrever a História, Luciano traça sua primeira
premissa acerca daquilo que os historiadores devem evitar: pois a maioria,
descuidando-se de narrar o que aconteceu, demora-se em elogios aos comandantes e
generais”
49
. Suetônio, novamente, o infringe essa cláusula avaliativa proposta por
Luciano a respeito do bem compor Histórias. Se momentos em que Suetônio faz
elogios a Nero, são raros:
Atque ut certiorem adhuc indolem ostenderet, ex Augusti praescripto
imperaturum se professus, neque liberalitatis neque clementiae, ne
comitatis quidem ex hibendae ullam occasionem omisit
50
.
Aliás, pelo contrário, o autor parecer demonstrar mais claramente os vícios e
degenerações morais do Imperador.
Petulantiam, libidinem, luxuriam, auaritiam, credulitatem sensim
quidem primo et occulte et uelut iuuenili errore exercuit, sed ut tunc
quoque dubium nemini foret naturae illa uitia, non aetatis esse
51
E, agindo dessa forma, o historiador romano não caminha pelas alamedas do
encômio. Se fôssemos escolher um lugar específico dentro da teoria dos gêneros, talvez
48
Como se deve escrever a História, 5 / (Tradução de Jacyntho Lins Brandão).
49
Como se deve escrever a História, 7 / (Tradução de Jacyntho Lins Brandão).
50
A fim de ostentar ainda mais suas boas intenções, declarou que governaria conforme os princípios de
Augusto e não deixou passar a oportunidade de mostrar generosidade e clemência, ou inclusive
amabilidade. Revogou ou suavizou os impostos excessivamente pesados. De Vita Caesarum, Liber VI,
cap. X, 1.
51
Foram se manifestando nele, aos poucos, a libertinagem, a lubricidade, o amor ao luxo, a cupidez e
crueldade de maneira clandestina, como erros de juventude; no entanto, já então ninguém duvidava que
aqueles vícios pertenciam antes ao seu caráter que à sua idade. De Vita Caesarum, Liber VI, cap. XXVI,
1
36
Suetônio estivesse mais próximo de uma Historiografia que privilegiasse a sátira haja
visto a quantidade de passagens cômicas narradas pelo nosso autor sobre a vida dos
Césares – do que do panegírico:
Cantante eo ne necessaria quidem causa excedere theatro licitum est.
Itaque et enixae quaedam in spectaculis dicuntur et multi taedio audendi
laudandique clausis oppidorum portis aut morte simulata funere elati
52
A afirmação se apóia em todas as ações descritas pelo nosso autor a respeito do
biografado, as atrocidades, matricídio, e assassinatos cometidos por Nero, e apontam o
seu caráter sádico e desprezível.
Ao comparar a História à poesia, “defeito é se alguém não sabe separar o que é
da História daquilo que pertence à poesia, mas introduz na História os adornos da outra
o mito, o encômio e os exageros que neles há”
53
, Luciano avança um pouco mais na
estruturação de sua teoria. Nesse aspecto Suetônio parece enquadrar-se, uma vez que
seu texto, em determinadas ocasiões, apresenta nitidamente, algumas passagens, que,
dadas às circunstâncias, principalmente por causa do riso contido nelas, são dignas de
dúvida, e levam o leitor a suspeitar da veracidade dos seus depoimentos:
Et cum de supplicio cuiusdam capite damnati ut ex more subscriberet
admoneretur: “Quam uellem,” inquit, “nescire litteras”
54
Além disso, o escritor utiliza uma variedade de verbos que conforme a tradução,
sugerem estar muito próximas da narrativa fabulística, como podemos notar em
(NERO, XXXVII, 4):
Creditur etiam polyphago cuidam Aegypti generis crudam carnem et
quidquid daretur mandere assueto, concupisse uiuos homines laniandos
absumendosque obicere
55
.
52
Enquanto cantava não era permitido sair do teatro, mesmo em caso de necessidade. Desse modo, ao que
parece, mulheres deram à luz durante o espetáculo e inúmeras pessoas, cansadas de ouvir e aplaudir, mas
dando com as portas fechadas, saltaram furtivamente os muros ou fizeram-se carregar como se estivessem
mortas. De Vita Caesarum, Liber VI, cap. XXIII, 3.
53
Como se deve escrever a História, /. (Tradução de Jacyntho Lins Brandão).
54
Certa vez, conforme o costume, foram lhe pedir para assinar uma sentença de morte, suspirou: “Ah,
como gostaria de não saber escrever”. De Vita Caesarum, Líber VI, cap. X, 3.
55
Acredita-se mesmo que quis dar homens vivos a dilacerar e a comer a um polífago egípcio habituado a
ingerir carne crua e tudo o que lhe fosse apresentado. De Vita Caesarum, Líber VI, cap. XXVII, 4.
37
O uso do verbo creditur, uma vez que usado com o significado de “acreditar-
se”, “dar crédito”, força a crença naquilo que está sendo historiado. Parece-nos que a
narração da História que foge ao simples ato espontâneo de contá-la, e necessita de
acrescentar à narrativa palavras e expressões que forçam leitor/ouvinte a acreditar no
fato, pode gerar vidas quanto à veracidade das notícias que estão sendo ditas, além
de parecer com o discurso dos contos de fadas: era uma vez.
Outras aparições de expressões usadas por Suetônio de modo a dar
credibilidadee ao que está sendo narrado são encontradas em:
Gratia quidem et potentia reuocatae restituaeque matris usque eo floruit,
ut emanaret in uulgus missos a Messalina uxore Claudi, qui eum
meridiantem, quasi Britannici aemulum, strangularent
56
(grifo nosso)
Ferunt Senecam proxima nocte uisum sibi per quietem C. Caesari
praecipere, et fidem somnio Nero breui fecit prodita immanitate naturae
quibus primum potuit experimentis
57
(grifo nosso)
Em (NERO, XXX, 8) ocorre algo semelhante. O verbo traditur, que pode ser
traduzido como conta-se, lembra-nos uma daquelas fórmulas muito utilizadas na
divulgação de Histórias orais, e funciona como artimanha de modo a dar mais
veracidade ao texto, porém, parece aqui, soar como um instrumento que vai inocentar o
narrador-historiador de julgamentos futuros, acerca dos dados descritos, uma vez que,
agindo dessa forma, o autor se distancia de seu texto. Ele narra as historias, mas ao
mesmo tempo o foi ele quem disse, pois contaram para ele. Caso haja alguma coisa
de errado com o que essendo historiado, o problema não é do historiador, e sim da
fonte que lhe contara a História.
Continuando seu estudo, o autor de Como se deve escrever a História, adverte
que:
56
Depois, a credibilidade e o poder de sua mãe, que fora revogada e restabelecida em seus direitos,
engrandecerem-no a um ponto tal que, segundo um boato, Messalina, a Mulher de Cláudio, considerando-
o rival de Britânico subornou assassinos para estrangulá-lo durante a sesta. De Vita Caesarum, Líber VI,
cap. VI, 7.
38
Quantos julgam dividir a História em dois, o prazeroso e o útil, e por
isso introduzem nela também o encômio como algo prazeroso e
agradável para os ouvintes, você vê o quanto se desviam do verdadeiro?
Em primeiro lugar, por utilizar uma falsa divisão, pois um é o
produto da História e sua finalidade: o útil, que apenas da verdade
decorre
58
Sob o prisma dessa fala de Luciano, acredito que Suetônio o se enquadra
terminantemente, uma vez que suas descrições a respeito de Nero, em algumas
passagens, são tão hilárias, que nos levam a dar gargalhadas, mesmo diante das
barbaridades e atitudes excêntricas cometidas pelo biografado. Principalmente, quando
temos a representação direta da fala de Nero através do discurso direto. No capítulo
XLVII, 5, por exemplo, diante de uma delicada situação – a revolta que pretendia
derrubar Nero –, o Imperador, ao despertar, se viu sozinho, saiu a bater às portas
buscando auxílio, mas ninguém lhe ajuda, e no meio de tal devaneio grita: “ergo, ego,
inquit, nec amicum habeo, nec inimicum?”.
59
Apesar da trágica situação que envolve o
personagem, essa situação soa muito engraçada. Sinto que Suetônio, misturadas à
“utilidade” da História, acrescenta pitadas de um humor sarcástico sem igual, o que, de
certa forma infringe a cláusula proposta por Luciano, pois o prazeroso une-se ao útil.
Entretanto, penso que Suetônio utiliza como estratagema em sua História a imbricação
da parte útil à fábula, a parte prazerosa
60
. E talvez, seja esse o fato da perpetuação ou
não de uma História. Gostamos mesmo é de uma boa História exagerada, temos uma
preferência muito maior pelo mito do que pela História por assim dizer. Acredito ainda,
que se o fosse o mito, misto à História nas grandes epopéias, como na Ilíada e na
57
Na noite seguinte, parece que, neca sonhou que lecionava para Cáio César, e Nero logo se
encarregou de realizar esse sonho, traindo, desde que o pôde, a crueldade de sua natureza. De Vita
Caesarum, Líber VI, cap. VII, 3.
58
Como se deve escrever a História, 9 / (Tradução de Jacyntho Lins Brandão)
59
Mas então já não tenho nem amigo nem inimigo?
60
No filme “Narradores de Javé” (2003) da cineasta Eliane Caffé, um personagem escolhido para
escrever as Histórias de fundação da pequena cidade de Javé, ao captar as Histórias da população, não
aceita o depoimento seco”, sem graça de uma das personagens, e diz que “o fato tem que ser floreado,
para que no futuro as pessoas acreditem no que aconteceu no passado”.
39
Odisséia, é bem provável que essas grandes obras não teriam sobrevivido, com o teor e
a importância literária e filosófica que têm, até nossos dias.
40
SUETÔNIO: UMA QUESTÃO DE ESTILO
Segundo CIZEK (1977), Suetônio divide suas biografias em duas partes. A
primeira engloba características de seu governo e de sua vida consideradas positivas,
enquanto a segunda parte retrata os caracteres negativos do Imperador. Entretanto, essa
divisão apresenta ainda subdivisões, as quais podemos enumerá-las da seguinte forma:
a) Antepassados (origem de Nero) (Capítulos 1/5);
b) Nascimento, infância e juventude (Capítulos 6/7);
c) Subida ao poder (Capítulos 8/9);
d) Gerenciamento da cidade (Capítulos 10/17);
e) Política externa (Capítulos 18/19);
f) Exercícios artísticos de Nero (Capítulos 20/25);
g) Deformidade moral de Nero (Capítulos 26/38);
h) Prodígios e crítica aos princípios artísticos de Nero (Capítulo 39);
i) Revolta do povo e queda de Nero (Capítulos 40/50);
j) Caracteres físicos e propensão artística de Nero (Capítulos 51/56);
k) Acontecimentos posteriores à morte de Nero (Capítulo 57).
Importante firmar que, diferentemente do povo que costumava reverenciar os
Imperadores como deuses, Suetônio tendia a explicitar antes as deformidades morais
dos biografados que exaltar suas qualidades:
Post crepusculum statim adrepto pilleo uel galero popinas inibat
circumque uicos uagabatur ludibundus nec sine pernicie tamen,
siquidem redeuntis a cena uerberare ac repugnantes uulnerare
cloacisque demergere assuerat, tenebras etiam effingere et expilare.
Quintana domi constituta ubi partae et ad licitationem diuidendae
praedae pretium absumeretur
61
.
61
Ao cair da noite, apanhando uma carapuça ou um gorro, entrava nas tabernas, vagava pelos bairros
fazendo tropelias, nem sempre inofensivas, pois consistiam em golpear pessoas que saíam de uma ceia,
41
Vale ressaltar que o historiador relata os aspectos positivos da vida de Nero
quando este age como Imperador perante os negócios da pólis, enquanto os atos
vergonhosos o descritos quando o Imperador aparece diante do público como uma
“homem qualquer”, agindo a fim de satisfazer seus interesses pessoais, sobretudo
artísticos, e que transmitia uma imagem que não era bem vista pelo Senado, ou seja,
pelo cenário político.
A Estrutura textual utilizada por Suetônio, na biografia de Nero, de primeiro
notificar as questões positivas e posteriormente as negativas remete-nos à idéia de que, a
princípio, o historiador queria mostrar-se isento de qualquer juízo de valor, entretanto, a
própria escolha dessa organização parece-nos intencional e provocativa, uma vez que as
últimas partes da biografia são as que mais se revelarão na memória do
espectador/leitor.
Na obra de Suetônio, podemos notar ainda uma intenção metalingüística a
respeito do “escrever Histórias”. No capítulo I, 6 o autor de De Vita Caesarum,
dialogando com o seu leitor diz: “Pluris e familia cognosci referre arbitror”
62
. O verbo
depoente arbitror, traduzido por crer, demonstra uma vontade de explicar o seu
processo de criação, uma vez que o próprio Suetônio julga importante apresentar um
devido assunto ao seu leitor, e, agindo dessa forma, o historiador questiona o próprio
fazer historiográfico.
No capítulo VI, 8, Suetônio narra uma fábula e faz questão de deixar bem claro
para o seu leitor que o que narra nesse momento em suas Histórias é uma mentira:
Additum fabulae eosdem dracone e puluino se proferente conterritos
refugisse. Quae fabula exorta est deprensis in lecto eius circum
ceruicalia serpentis exuuiis; quas tamen aureae armillae ex uoluntate
matris inclusas dextro brachio gestauit aliquamdiu ac taedio tandem
feri-las e atirá-las nos esgotos quando resistiam, e até em forçar as portas das lojas para saqueá-las.
Inaugurou no palácio um mercado onde se dispersava o produto desses roubos, postos por ele em leilão.
De Vita Caesarum, Líber VI, cap. XXVI, 2.
62
“Eu creio ser importante apresentar vários membros desta família”
42
maternaeque memoriae abiecit rursusque extremis suis rebus frusra
requisiit
63
.
Tal passagem tem por motivo dar veracidade ao restante da obra. Explico. Em
passagens como essa, o autor crédito ao resto de seu texto, é como se ele desse uma
pausa para contar uma anedota, valorizando a sua História e conferindo ao restante da
obra o estatuto de verdadeira.
Em outro trecho do De Vita Caesarum, Suetônio mais uma vez parece dialogar
com o leitor, informando-lhe o porquê do uso de alguns recursos estilísticos:
Haec partim nulla reprehensione, partim etiam non mediocri laude
digna in unum contuli, ut secernerem a probris ac sceleribus eius, de
quibus dehinc dicam
64
Entendemos que essa afirmação de Suetônio “todos esses atos dos quais posso
falar” tranquiliza o leitor quanto à veracidade dos fatos noticiados. Nosso historiador
sabia, como parece óbvio, que o estatuto da História concentra-se na verdade dos fatos:
“aquilo que realmente aconteceu”, por isso evidencia que sobre determinados assuntos
ele pode falar, ou seja, no jogo da consciência, faz um pacto com seu leitor, dizendo-lhe
que pode confiar em suas palavras porque elas representam a verdade.
Um episódio interessante narrado por Suetônio é o parágrafo 6 do capítulo XXI:
In qua fabula fama est tirunculum militem positum ad custodiam aditus,
cum eum ornari ac uinciri catenis, sicut argumentum postulabat, uideret,
accurrisse ferendae opis gratia
65
.
Ao ler a passagem, lembramo-nos da fala de Platão na República, quando
argumenta sobre a necessidade de se expulsar os poetas da cidade, uma vez que o
63
Acrescenta a lenda que esses homens, vendo uma serpente alçar-se à cabeceira da cama, fugiram
apavorados. A origem da mentira é que, realmente, foi encontrada uma serpente morta junto ao
travesseiro de Nero, que Agripina mandou encravar num bracelete de ouro; Nero usou-o por muito tempo
no braço direito, mas, quando a imagem da mãe se lhe tornou incômoda, jogou-o fora, para
posteriormente procurá-lo em vão nos tempos da desventura. NERO, VI, 8.
64
Todos esses atos alguns irrepreensíveis, outros francamente dignos de encômios, eu os agrupei em um
único desenvolvimento para distingui-los de suas façanhas vergonhosas e de seus crimes, dos quais passo
a falar. De Vita Caesarum, Liber VI, cap. XIX, 5.
65
Conta-se que, quando desta última representação, um soldado muito jovem que guardava a porta, vendo
Nero ser preparado para o sacrifício e algemado conforme exigia o papel, correu a socorrê-lo. De Vita
Caesarum, Liber VI, cap. XXI, 6.
43
cidadão comum o concebia a idéia de mimese, ou seja, tomava como verídicos os
fatos encerrados num lógos dito ficcional. Aqui, no caso, a passagem mostra um
soldado que não sabe distinguir o fantasioso da peça teatral, da realidade, isto é, não
conhece a experiência do ficcional.
No capítulo XXIII, é interessante mostrar o estilo suetoniano. Numa fala de
Nero, ao representar o discurso do Imperador, fato notório é a imbricação da 3ª com a 1ª
pessoa. Nero, estando afastado de Roma por causa de um concurso de música em
Olímpia, recebe uma carta oriunda de Roma, requisitando-lhe a presença. Em resposta a
essa carta, Nero discursa:
Quamuis nunc tuum consilium sit et uotum celeriter reuerti me, tamen
suadere et optare potius debes, ut Nerone dignus reuertar
66
.
Esse embaraçamento da pessoa com a 1ª pompas ao emissor da fala,
coloca-se a si mesmo num patamar acima dos demais. Aqui temos um problema: até
que ponto essa utilização da ngua é um modo caricatural que Suetônio elege para
expressar seu biografado, dando à pessoa do Imperador um tom pedante e pejorativo, ou
realmente esse era o modo utilizado por Nero ao falar de si próprio?
Um outro exemplo do De Vita Caesarum que, de certa forma, enfraquece o teor
de verdade que a História do livro possa ter é a utilização do perfeito do verbo
comperio, no capítulo XXIX. Traduzido com o sentido de “ter ficado sabendo”, ao
nosso ver, desfaz o pacto anteriormente feito com o leitor. Aquilo que alguém nos conta
tem um caráter de verdade inferior em relação ao fato presenciado por nós. É óbvio que
a representação lingüística do acontecimento está longe de ser o fato real, mas um
sucesso que tenha sido presenciado por nós tem uma carga superior de verdade àquele
que nos foi contado.
66
És de parecer que eu me apresse a voltar, quando deverias aconselhar-me o contrário e desejar que eu
reaparecesse de uma forma digna de Nero. De Vita Caesarum, Líber VI, cap. XXIII, 1.
44
No capítulo XXXIX, Suetônio elenca assuntos, como ele mesmo diz, “dignos de
serem contados”. Ao fazer isso, teoriza sobre seu próprio trabalho. Mostra que tem uma
certa preocupação sobre o que historizar:
Mirum et uel praecipue notabile inter haec fuerit nihil eum patientius
quam maledicta et conuicia hominum tulisse, neque in ullos leniorem
quam qui se dictis aut carminibus lacessissent exstitisse
67
A passagem pode parecer bajulação, aliás, o é, mas trechos como esse são muito
raros, o que prevalece mesmo são as críticas a Nero: “Presunçoso, pródigo e cruel”
68
.
Uma outra questão interessante do estilo suetoniano é que o historiador
preocupa-se com “o que” historiografar:
Pluris e familia cognosci referre arbitror, quo facilius appareat ita
degenerasse a suorum uirtutibus Nero, ut tamen uitia cuiusque quasi
tradita et ingentia rettulerit
69
.
Haec partim nulla reprehensione, partim etiam non mediocri laude
digna in unum contuli, ut secernerem a probris ac sceleribus eius, de
quibus dehinc dicam
70
.
Poderíamos afirmar que se trata da tentativa de elaboração da própria teoria
literária. Como dissemos anteriormente, a preocupação metalingüística de Suetônio
demonstra sua consciência perante seu ofício. Nosso autor não apenas escreve História,
ele faz toda uma reflexão teórica acerca do historiografar. É como se Suetônio, assim
como o fez Luciano, ditasse algumas regras básicas, ainda que humildes, pois parece-
nos claro que sua proposta era escrever história, e não teoria sobre o fazer
historiográfico do século II d.C.
67
Em meio a tudo isso, o que pode parecer extraordinário e especialmente digno de nota é o fato de
suportar com a xima paciência as sátiras e as injúrias, dando prova de extrema tolerância para com as
pessoas que o criticavam com palavras ou versos. De Vita Caesarum, Liber VI, cap. XXXIX, 2.
68
De Vita Caesarum, Liber VI, cap. IV, 2.
69
Eu creio ser importante apresentar vários membros desta família a fim de poder mostrar mais
facilmente, de que maneira, Nero tenha degenerado a virtude dos seus ancestrais, inversamente os vícios
se encontram nele, como se ele os tivesse herdado pelo sangue. De Vita Caesarum, Liber VI, cap. I, 6.
70
Todos esses atos alguns irrepreensíveis, outros francamente dignos de encômios, eu os agrupei em um
único desenvolvimento para distingui-los de suas façanhas vergonhosas e de seus crimes, dos quais passo
a falar. De Vita Caesarum, Liber VI, cap. XIX, 5.
45
DISPOSIÇÕES FINAIS:
Ao longo desse trabalho propusemo-nos discutir as questões sobre ficção e
História no Livro VI Nero – do De Vita Caesarum de Suetônio, além de ainda
apontar, segundo os preceitos de Luciano de Samósata, em seu Como se deve escrever a
História, congruências e incongruências entre a “teoria” proposta por Luciano acerca do
fazer historiográfico e a obra de Suetônio.
Com esse objetivo em mente, preocupamo-nos primeiramente em descrever
historicamente a vida e a obra de Suetônio, a vida e a obra de Luciano, para depois
avançarmos no aspecto estrutural, lingüístico e literário do De Vita Caesarum e de
Como se deve escrever a História. Concluímos que a teoria de Luciano se aplica, em
parte, à obra de Suetônio. Mesmo nos momentos em que Suetônio se enquadra dentro
das premissas propostas por Luciano em seu libelo, acerca dos maus historiadores,
poderíamos pensar que essa forma de escrever mesclando História e Ficção foram
estratégias textuais utilizadas pelo historiador a fim de que se tornasse conhecido na
posteridade. É provável que esse “erro” cometido por Suetônio, segundo os preceitos de
Luciano, é na verdade a garantia de longevidade da obra do historiador. Como afirma
BRANDÃO (2001):
A Historiografia não deve ser pois confundida com qualquer tipo de
retórica, o historiador não é orador, seu público o é constituído por
um auditório, mas por um universo de leitores. Isso quer dizer que a
história não se escreve para seu tempo, mas para o futuro: não pode ter a
intenção de louvar os contemporâneos, deve movê-la o critério de
utilidade, sobretudo da perspectiva dos vindouros
71
.
A definição de utilidade aqui proposta por Luciano é de que a História deve
retratar as coisas como realmente aconteceram, pois no futuro, as pessoas poderão, caso
46
ocorram coisas semelhantes, tirar bom partido do que ficou escrito. Entretanto
gostaríamos de ampliar essa definição de utilidade proposta por Luciano. Segundo
BRANDÃO (2001), “vê-se que o problema se impõe sobretudo na esfera da recepção
do pseûdos, que, ao contrário dos discursos verdadeiros, não aparenta nenhuma
utilidade, mas agrada muito à natureza humana”
72
. A respeito dessa afirmação
pensamos: não seria uma forma de utilidade, o fazer rir, o cômico, a própria ficção?
Aquilo que dá alento à alma humana não poderia ser visto como algo útil? Sem
respostas para o problema, divagamos a respeito, a não ser que proponhamos um novo
gênero literário: “o ficcional útil”. O estranhamento esexatamente na contradição. A
História, a bem da verdade, repudia a ficção. Entretanto, parece ser a própria ficção, o
elemento substancial que fará com que a História o pereça com o tempo. Tomamos
como exemplo as grandes epopéias, onde a perfeita imbricação entre ficção e História
parece ser o antídoto contra a efemeridade de todas as coisas.
Como citamos anteriomente, o personagem Antônio Biá uma espécie de
rapsodo do filme “Narradores de Javé” (2003), que ficou incubido de escrever os
grandes feitos da cidade de Javé, a fim de que ela não sucumbisse pelas águas de uma
represa que seria construída ao catalogar as histórias de fundação da cidade, contadas
pela população, afirma que a história deve ser floreada para que no futuro as pessoas
acreditem no ocorrido.
Vê-se que está questão é paradoxal. A ficção, antes proibida ao historiador é na
verdade, a sua redenção. É somente por ela que sua obra se perpetuará. Por isso
acreditamos que o ficional, assim como a verdade” tem o seu lado útil dentro da
história.
71
A Poética do Hipocentauro, p. 40
72
A Poética do Hipocentauro, p. 45
47
É bom deixarmos claro que não intentamos retirar o historiador latino de seu
posto desprivilegiado de marginal do corpus latino do século II d.C. no que concerne ao
uso da língua, mas argumentar que é possível, sob um outro olhar, valorizar sua obra
perante tantas outras, haja vista a sua importância histórica, uma vez que trata de um
tema bastante polêmico e de profundo interesse para o estudo da História – a ascensão e
queda de doze importantes homens, os césares.
Ainda dentro dessa questão sobre a boa ou má utilização da Língua Latina,
pensamos que Suetônio, em sua época, não poderia nunca escrever como o fez Cícero.
Cada época exige um modo especial de uso da Língua. Por isso pensamos ser
importante valorizar o caráter histórico e literário da obra de Suetônio e não estender-
nos acerca de minúcias lingüísticas.
Sob esse prisma, percebemos a obra de Suetônio. Jogados por terra todos os
embasamentos que hierarquizam os escritores e suas obras dentro de um cânon, o que
resta são as possibilidades de que seus escritos resistam ao tempo. Sob este aspecto,
Suetônio é intocável, pois é, ainda hoje, um dos historiadores mais lidos da antiguidade
clássica, mesmo que não seja tão valorizado.
48
TRADUÇÃO
De Vita Caesarum – NERO VI A Vida dos Césares – NERO VI
Capítulo I
(1) Ex gente Domitia duae familiae
claruerunt, Caluinorum et Aenobarborum.
Aenobarbi auctorem originis itemque
cognominis habent L. Domitium, cui rure
quondam reuertenti iuuenes gemini
augustiore forma ex occursu imperasse
traduntur, nuntiaret senatui ac populo
uictoriam, de qua incertum adhuc erat;
atque in fidem maiestatis adeo
permulsisse malas, ut e nigro rutilum
aerique similem capillum redderent.
(2) Quod insigne mansit et in posteris
eius, ac magna pars rutila barba fuerunt.
(3) Functi autem consulatibus septem,
triumpho censuraque duplici et inter
patricios adlecti perseuerauerunt omnes in
eodem cognomine.
(4) Ac ne praenomia quidem ulla
praeterquam Gnaei et Luci usurparunt,
eaque ipsa notabili uarietate, modo
continuantes per singulas.
(5) Nam primum secundumque ac tertium
Ahenobarborum Lucios, sequentis rursus
tres ex ordine Gnaeos accepimus, reliquos
non nisi uicissim tum Lucos tum Gnaeos.
(6) Pluris e familia cognosci referre
arbitror, quo facilius appareat ita
degenerasse a suorum uirtutibus Nero, ut
tamen uitia cuiusque quasi tradita et
ingenita rettulerit.
Capítulo II
(1) Vt igitur paulo altius repetam, atauus
eius Cn. Domitius in tribunatu
pontificibus offensior, quod alium quam
Capítulo I
(1) Da estirpe Domícia duas famílias tornaram-
se célebres, a dos Calvinos e a dos Enobarbos.
Os Enobarbos têm como autor de sua origem e
também de seu sobrenome L. Domício, que,
segundo a tradição, um dia, quando retornava do
campo, encontrou dois jovens gêmeos de
majestosa beleza
1
, que lhe ordenaram anunciar
ao senado e ao povo uma vitória
2
que era ainda
incerta e, para comprovarem sua divindade,
acariciaram-lhe as faces de forma que deram a
seus pêlos negros uma coloração ruiva igual à
do bronze.
(2) Este sinal particular transmitiu-se também a
seus descendentes, e grande parte deles teve a
barba ruiva.
(3) Desempenhando, no entanto sete consulados
e, além disso, um triunfo e duas censuras
3
e eles
se elevaram à ordem dos patrícios. Eles não
aspiraram mais outro sobrenome.
(4) A não ser esses de Cnéio e de Lúcio, de mais
particularidade a assinalar ora cada um dos
sobrenomes era usado sucessivamente por três
dentre eles, ora alternadamente um ou outro.
(5) Com efeito, o primeiro, o segundo e o
terceiro dos Enobarbos se chamaram Lúcio, os
três seguintes, um depois do outro Cnéio, e
outros alternadamente Lúcio e Cnéio.
(6) Eu creio ser importante apresentar vários
membros desta família a fim de poder mostrar
mais facilmente, de que maneira, Nero tenha
degenerado a virtude dos seus ancestrais,
inversamente os vícios se encontram nele, como
se ele os tivesse herdado pelo sangue.
Capítulo II
(1) Sem voltar excessivamente no tempo, eu
assinalarei que seu trisavô, Cn. Domício,
quando tribuno, ficou demasiadamente
49
se in patris sui locum cooptassent, ius
sacerdotum subrogandorum a collegiis ad
populum transtulit; at in consulatu
Allobrogibus Aruernisque superatis
elephanto per prouinciam uectus est turba
militum quasi inter sollemnia triumphi
prosequente.
(2) In hunc dixit Licinius Crassus orator
non esse mirandum, quod aeneam barbam
haberet, cui os ferreum, cor plumbeum
esset.
(3) Huius filius praetor C. Caesarem
abeuntem consulatu, quem aduersus
auspicia legesque gessisse existimabatur,
ad disquisitionem senatus uocauit; mox
consul imperatorem ab exercitibus
Gallicis retrahere temptauit successorque
ei per factionem nominatus principio
ciuilis belli ad Corfinium captus est.
(4) Vnde dimissus Massiliensis obsidione
laborantis cum aduentu suo confirmasset,
repente destituit acieque demum
Pharsalica occubuit; uir neque satis
constans et ingenio truci in desperatione
rerum mortem timore appetitam ita
expauit, ut haustum uenenum paenitentia
euomuerit medicumque manumiserit,
quod sibi prudens ac sciens minus noxium
temperassent.
(5) Consultante autem Cn. Pompeio de
mediis ac neutram partem sequentibus
solus censuit hostium numero habendos.
Capítulo III
(1) Reliquit filium omnibus gentis suae
procul dubio praeferendum.
(2) Is inter conscios Caesarianae necis
quamquam insons damnatus lege Pedia,
cum ad Cassium Brutumque se propinqua
sibi cognatione iunctos contulisset, post
utriusque interitum classem olim
comissam retinuit, auxit etiam, nec nisi
partibus ubique profligatis M. Antonio
descontente com os pontífices que haviam
escolhido outro que não ele para o lugar de seu
pai e, por isso, retirou aos diversos colégios o
direito de eleger os sacerdotes, passando-o ao
povo. Além do mais, durante seu consulado,
tendo superado os Alobroges e os Arvernos,
montado num elefante, percorreu a província, e
como num triunfo, foi seguido pela multidão de
soldados.
(2) Foi a seu respeito que o orador Licínio
Crasso disse que não é de admirar que sua barba
seja de bronze, pois tem uma boca de ferro e um
coração de chumbo.
(3) Quando pretor, seu filho citara Caio César,
logo que este, conforme se acusava,
desempenhara seu consulado negligenciando os
auspícios e as leis; logo após, cônsul, tentou
tirá-lo do comando dos exércitos das Gálias e,
nomeado seu sucessor pelo partido contrário,
deixou-se apanhar em Corfínio no princípio da
guerra civil.
(4) Desse lugar, libertado por César, foi para
Marselha, onde incendiou a coragem de seus
habitantes, cansados do assédio, e deixou-os
ddpois repentinamente, para em seguida
sucumbir no campo de batalha de Farsália.
Homem sem caráter e dotado de um gênio feroz,
tão logo percebeu que sua situação era
desesperadora, buscou a morte, entretanto,
sentiu-se tão apavorado ao enfrentá-la que,
reclamando haver engolido o veneno, provocou
o vômito e libertou seu médico, o qual, por
prevenção, conscientemente diluira a força do
tóxico.
(5) Além do mais, quando Cn. Pompeu
deliberava acerca das pessoas que hesitavam
entre os dois partidos, sem escolher algum,
apenas ele opinou que se devia contá-las no
número dos inimigos.
Capítulo III
(1) Deixou um filho que, sem dúvida, dever ser
considerado o preferido de todos os membros da
família.
(2) Condenado pela lei Pedia
4
como mplice
do assassinato de César, embora inocente fosse,
juntou-se a ssio e Bruto, aos quais estava
ligado intimamente por parentesco; logo depois
que ambos morreram, conservou e até ampliou a
frota que lhe fora confiada, a qual entregou a
Marco Antônio depois da incontestável derrota
de seu partido e assim o fez por sua própria
50
sponte et ingentis meriti loco tradidit.
(3) Solusque omnium ex iis, qui pari lege
damnati erant, restitutus in patriam
amplissimos honores percucurrit, ac
subinde redinte grata dissensione ciuili,
eidem Antonio legatus, delatam sibi
summam imperii ab iis, quos Cleopatrae
pudebat, neque suscipere neque recusare
fidenter propter subitam ualitudinem
ausus, transiit ad Augustum et in diebus
paucis obiit, nonulla et ipse infamia
aspersus.
(4) Nam Antonius eum desiderio amicae
Seruiliae Naidis transfugisse iactauit.
Capítulo IV
(1) Ex hoc Domitius nascitur, quem
emptorem familiae pecuniaeque in
testamento Augusti fuisse mox uulgo
notatum est, non minus aurigandi arte in
adulescentia clarus quam deinde
ornamentis triumphalibus ex Germanico
bello.
(2) Verum arrogans, profusus, immitis
censorem L. Plancum uia sibi decedere
aedilis coegit; praeturae consulatusque
honore equites R. matronasque ad
agendum mimum produxit in scaenam.
(3) Venationes et in Circo et in omnibus
urbis regionibus dedit munus etiam
gladiatorium, sed tanta saeuitia, ut necesse
fuerit Augusto quam frustra monitum
edicto coercere.
Capítulo V
(1) Ex Antonia maiore patrem Neronis
procreauit omni parte uitae detestabilem,
siquidem comes ad Orientem C. Caesaris
iuuenis, occiso liberto suo, quod potare
quantum iubebatur recusaret, dimissus e
cohorte amicorum nihilo modetius uixit;
sed et in uiae Appiae uico repente puerum
citatis iumentis haud ignarus obtriuit et
Romae medio Foro cuidam equiti Romano
liberius iurganti oculum eruit;
decisão, o que fora considerado um grandioso
serviço.
(3) Sendo assim, em razão dessa lei, de todos os
condenados, foi o único que pôde regressar à
pátria, onde consecutivamente ocupara os mais
importantes cargos. Imediatamente depois que
se agravaram as discórdias civis, Antônio
nomeou-o tenente, mas, quando o supremo
comando foi oferecido a ele por aqueles que não
suportavam Cleópatra, não ousou nem aceitar
nem recusar, por motivo de uma repentina
doença; aliou-se a Augusto e morreu alguns dias
depois, também ele mal quisto de certa forma.
(4) De fato, Antônio proferiu que desertara de
seu acampamento com saudades de sua amiga,
5
Sevília Naide.
Capítulo IV
(1) Deste nasce Docio, o qual depois que o
testamento de Augusto fez conhecer como
executor de todo o patrimônio
6
, destacou-se na
adolescência tanto por ser astuto condutor de
carros quanto por conseguir, logo depois, os
ornamentos do triunfo, da guerra da Germânia.
(2) Verdadeiramente presunçoso, pródigo e
cruel, quando o edil obrigou o censor L. Planco
a transferir-lhe o lugar; pretor e cônsul encenou
no teatro, como autores de mimos, cavaleiros
romanos e matronas.
(3) Fomentou caçadas não apenas no circo mas
também em outros locais de Roma, e uma luta
de gladiadores tão sangnolenta que Augusto,
não conseguindo dissuadi-lo com recriminações
em particular, viu-se obrigado a reprimi-lo por
meio de um edito.
Capítulo V
(1) De seu matrimônio com Antônia, a velha,
nasceu o pai de Nero, homem que em tudo se
dirigiu de modo deplorável. Acompanhando o
jovem Caio César ao oriente, matou-lhe um dos
libertos que se recusara a beber tanto quanto ele
ordenara, e, já que expulso da corte de seus
amigos por César, nem por isso se mostrou mais
comportado; pelo contrário, lançando sua
parelha desgovernada num arrebalde da via
Ápia, atropelou uma criança, em Roma,
arrancou um olho de um cavalheiro romano que
rispidamente lhe censurava.
51
(2) perfidiae uero tantae, ut non modo
argentarios pretiis rerum coemptarum, sed
et in praetura mercede palmarum
aurigarios fraudauerit, notatus ob haec et
sororis ioco, querentibus dominis
factionum repraesentanda praemia in
posterum sanxit.
(3) Maiestatis quoque et adulteriorum
incestique cum sorore Lepida sub excessu
Tiberi reus, mutatione temporum euasit
decessitque Pyrgis morbo aquae intercutis,
sublato filio Nerone ex Agrippina
Germanico genita.
Capítulo VI
(1) Nero natus est Anti post IX. mensem
quam Tiberius excessit, XVIII. Kal. Ian.
tantum quod exoriente sole, paene ut
radiis prius quam terra contingeretur.
(2) De genitura eius statim multa et
formidolosa multis coniectantibus
praesagio fuit etiam Domiti patris uox,
inter gratulationes amicorum negantis
quicquam ex se et Agrippina nisi
detestabile et malo publico nasci potuisse.
(3) Eiusdem futurae infelicitates signum
euidens die lustrico exstitit; nam C.
Caesar, rogante sorore ut infanti quod
uellet nomen daret, intuens Claudium
paruum suum, a quo mox principe Nero
adoptatus est, eius se dixit dare, neque
ipse serio sed per iocum et aspernante
Agrippina, quod tum Claudius inter
ludibria aulae erat.
(4) Trimulus patrem amisit; cuius ex parte
tertia heres, ne hanc quidem integram
cepit correptis per coheredem gaium
uniuersis bonis.
(5) Et subinde matre etiam relegata paene
inops atque egens apud amitam Lepidam
nutritus est sub duobus paedagogis
saltatore atque tonsore.
(6) Verum Claudio imperium adepto non
solum paternas opes reciperauit, sed et
(2) Além de tudo isso, era tão desonesto que se
recusara a pagar aos banqueiros o preço de
alguns objetos comprados em leilão público e as
premiações das vitórias aos condutores.
Marcado por essas duas ações, que provocaram
mesmo um chiste de sua ir diante dos
queixumes dos chefes de equipes, decretou que
daquele momento em diante as premiações
seriam pagas imediatamente.
(3) Antes da morte de Tibério, foi também
acusado de lesa-majestade, de adultérios e de
relações incestuosas com sua irmã Lépida;
porém, graças à mudança de governo, morreu de
hidropisia em Pirgos. Deixou um filho, Nero, de
Agripina, filha de Germânico.
Capítulo VI
(1) Nero nasceu em Âncio, depois de nove
meses da morte de Tibério, dezoito dias antes
das calendas de janeiro tão logo o sol nasceu, de
modo que seus raios o tocaram antes mesmo que
tocassem a terra.
(2) Muitas pessoas tiraram várias predições
assustadoras de seu horóscopo, observando-se,
de fato, nas palavras de seu pai Domício, ao
responder às felicitações, um presságio: “De
Agripina e de mim nada pode nascer que não
seja digno de ódio e detestável ao Estado”.
(3) O funesto destino de Nero foi também
anunciado de maneira muito clara no dia da
purificação
7
; de tal forma, Caio César rogado
pela irmã a dar nome à criança, voltou os olhos
para Cláudio, seu tio, que mais tarde,
Imperador, iria adotar aquele menino e falou:
“dou-lhe o nome dele”. E não disse a sério, mas
por brincadeira, nem Agripina fizera caso da
sugestão, pois Cláudio, na época era apenas um
bobo da corte.
(4) Perdeu o pai quando tinha três anos e herdou
um terço de seus bens, mas nada recebeu porque
Caio tomou posse de tudo.
(5) De modo que, como logo depois sua mãe
fosse exilada, viu-se praticamente sem recursos
e teve de ser criado na casa de sua tia Lépida,
sob a educação de dois professores, um
dançarino e um barbeiro.
(6) Logo depois que Cláudio ascendeu ao
Império, não só obteve de volta o patrimônio
52
Crispi Passini uitrici sui hereditate ditatus
est.
(7) Gratia quidem et potentia reuocatae
restituaeque matris usque eo floruit, ut
emanaret in uulgus missos a Messalina
uxore Claudi, qui eum meridiantem, quasi
Britannici aemulum, strangularent.
(8) Additum fabulae eosdem dracone e
puluino se proferente conterritos refigisse.
Quae fabula exorta est deprensis in lecto
eius circum ceruicalia serpentis exuuiis;
quas tamen aureae armillae ex uoluntate
matris inclusas dextro brachio gestauit
aliquamdiu ac taedio tandem maternaeque
memoriae abiecit rursusque extremis suis
rebus frusra requisiit.
Capítulo VII
(1) Tener adhuc necdum matura pueritia
circensibus ludis Troiam constantissime
fauorabiliterque lusit.
(2) Vndecimo aetatis anno a Claudio
adoptatus est Annaeoque Senecae iam
tunc senatori in disciplinam traditus.
(3) Ferunt Senecam proxima nocte uisum
sibi per quietem C. Caesari praecipere, et
fidem somnio Nero breui fecit prodita
immanitate naturae quibus primum potuit
experimentis.
(4) Namque Britannicum fratrem, quod se
post adoptionem Ahenobarbum ex
consuetudine salutasset, ut subditiuum
apud patrem arguere conatus est.
(5) Amitam autem Lepidam ream
testimoni coram afflixit gratificans matri,
a qua rea premebatur. Deductus in Forum
tiro populo congiarium, militi donatiuum
proposuit indictaque decursione
praetorianis scutum sua manu praetulit;
exin patri gratias in senatu egit.
(6) Apud eundem consulem pro
Bononiensibus Latine, pro Rhodiis atque
Iliensibus Graece uerba fecit.
como recebeu a rica herança de seu sogro,
Crispo Passieno
8
.
(7) Depois, a credibilidade e o poder de sua
mãe, que fora revogada e restabelecida em seus
direitos, engrandecera-no a um ponto tal que,
segundo um boato, Messalina, a Mulher de
Cláudio, considerando-o rival de Britânico,
subornou assassinos para estrangulá-lo durante a
sesta.
(8) Acrescenta a lenda que esses homens, vendo
uma serpente alçar-se à cabeceira da cama,
fugiram apavorados
9
. A origem da fábula é que,
realmente, foi encontrada uma serpente morta
junto ao travesseiro de Nero, que Agripina
mandou encravar num bracelete de ouro; Nero
usou-o por muito tempo no braço direito, mas,
quando a imagem da e se lhe tornou
incômoda, jogou-o fora, para posteriormente
procurá-lo em vão nos tempos da desventura.
Capítulo VII
(1) Muito jovem ainda, em plena infância,
representou muitas vezes e com grande êxito
nos jogos circenses em honra de Tróia.
(2) Com onze anos foi adotado por Cláudio e
confiado ao já então senador Aneu sêneca, como
discípulo.
(3) Na noite seguinte, parece que Sêneca sonhou
que lecionava para Caio César, e Nero logo se
encarregou de realizar esse sonho, traindo, desde
que o pôde, a crueldade de sua natureza.
(4) Exemplo disso é que, como Britânico, após a
adoção pelo nome de Enobarbo, o saudasse,
segundo seu costume, esforçou-se para dissuadir
Cláudio
10
de que aquele não era seu filho.
(5) Destruiu com seu testemunho a tia, Lépida,
que fora acusada em juízo, agradando à mãe,
pela qual a ré fora acusada. Ao iniciar-se no
Fórum, ofereceu presentes ao povo romano e
donativos aos soldados e, passando em revista
os pretorianos, apresentou-lhes o escudo com as
próprias mãos; depois rendeu graças ao pai no
Senado.
(6) Defendeu em latim junto a Cláudio, então
cônsul, a causa dos cidadãos Bolonheses e em
grego a dos Ródios e Troianos.
53
(7) Auspicatus est et iuris dictionem
praefectus urbi sacro Latinarum,
celeberrimis patronis non tralaticias, ut
assolet, et breuis, sed maximas
plurimasque postulationes certatim
ingerentibus, quamuis interdictum a
Claudio esset.
(8) Nec multo post duxit uxorem
Octauiam ediditque pro Claudi salute
circenses et uenationem.
Capítulo VIII
Septemdecim natus annos, ut de Claudio
palam factum est, inter horam sextam
septimamque processit ad excubitores,
cum ob totius diei diritatem non aliud
auspicandi tempus accommodatius
uideretur; proque Palati gradibus
imperator consalutatus lectica in castra et
inde raptim appellatis militibus in curiam
delatus est discessitque iam uesperi, ex
immensis, quibus cumulabatur, honoribus
tantum patris patriae nomine recusato
propter aetatem.
Capítulo IX
(1) Orsus hinc a pietatis ostentatione
Claudium apparatissimo funere elatum
laudauit et consecrauit.
(2) Memoriae Domiti patris honores
maximos habuit.
(3) Matri summam omnium rerum
priuatarum publicarumque permisit. Primo
etiam imperii die signum excubanti
tribuno dedit "optimam matrem" ac
deinceps eiusdem saepe lectica per
publicum simul uectus est.
(4) Antium coloniam deduxit ascriptis
ueteranis e praetorio additisque per
domicilii translationem ditissimis
primipilarium; ubi et portum operis
sumptuosissimi fecit.
(7) Durante as festas latinas, pela primeira vez,
distribuiu justiça como prefeito de Roma; e os
mais importantes advogados duelaram entre si
para apresentar no tribunal, conforme era usual,
não as causas comuns e de fácil solução, mas
uma série de processos importantíssimos apesar
da proibição de Cláudio.
(8) Logo após, desposou Otávia e ofereceu em
honra do Imperador caçada e jogos circenses.
Capítulo VIII
Aos dezessete anos, promulgou a morte de
Cláudio
11
, reuniu-se aos soldados da guarda
entre a sexta e a sétima hora, já que, visto o
tempo ruim que reinava, nenhum outro
momento parecia mais favorável à tomada dos
auspícios. Agraciado Imperador nos degraus do
Palácio, seguiu de liteira para o acampamento
dos pretorianos, discursou brevemente aos
soldados, dirigiu-se à cúria e dali somente saiu à
tardinha, depois de aceitar todas as exageradas
honras que lhe concediam, com exceção do
título de pai da pátria, pois não tinha idade para
isso.
Capítulo IX
(1) Logo depois, a fim de ostentar piedade filial,
celebrou os funerais de Cláudio de forma
magnífica, fez-lhe o elogio fúnebre e elevou-o
ao número dos deuses.
(2) Outorgou grandes honras à memória de seu
pai Domício.
(3) Deixou a alta direção de todos os negócios
públicos e privados à mãe. No seu primeiro dia
de Império, deu como senha ao tribuno em
serviço a frase: “a melhor das mães”. Era visto
sempre a passear com ela em público, na liteira.
(4) Instituiu em Âncio uma colônia de veteranos
pretorianos, aos quais ajuntou os mais ricos
primipilários, que abandonaram a antiga
residência; além do mais, ergueu um porto ali,
ao preço de valores incalculáveis.
54
Capítulo X
(1) Atque ut certiorem adhuc indolem
ostenderet, ex Augusti praescripto
imperaturum se professus, neque
liberalitatis neque clementiae, ne comitatis
quidem ex hibendae ullam occasionem
omisit.
(2) Grauiora uectigalia aut aboleuit aut
minuit. Praemia delatorum Papiae legis ad
quartas redegit. Diuisis populo uiritim
quadringenis nummis senatorum
nobilissimo cuique, sed a re familiari
destituto annua salaria et quibusdam
quingena constituit item praetorianis
cohortibus frumentum menstruum
gratuitum.
(3) Et cum de supplicio cuiusdam capite
damnati ut ex more subscriberet
admoneretur: "Quam uellem," inquit,
"nescire litteras".
(4) Omnes ordines subinde ac memoriter
salutauit. Agenti senatui gratias respondit:
"Cum meruero".
(5) Ad campestres exercitationes suas
admisit et plebem declamauitque saepius
publicae; recitauit et carmina, non modo
domi sed et in theatrum, tanta
uniuersorum laetitia, ut ob recitationem
supplicatio decreta sit eaque pars
carminum aureis litteris Ioui Capitolino
dicata.
Capítulo XI
(1) Spectaculorum plurima et uaria genera
edidit: iuuenales, circenses, scaenicos
ludos, gladiatorium munus.
(2) Iuuenalibus senes quoque consulares
anusque matronas recepit ad lusum.
(3) Circensibus loca equiti secreta a
ceteris tribuit commisitque etiam
camelorum quadrigas.
Capítulo X
(1) A fim de ostentar ainda mais suas boas
intenções, declarou que governaria conforme os
princípios de Augusto e não deixou passar a
oportunidade de mostrar generosidade e
clemência, ou mesmo amabilidade. Revogou ou
suavizou os impostos excessivamente pesados.
(2) Reduziu a um quarto as recompensas
concedidas aos que denunciavam infrações à lei
Pápia
12
. Distribuiu ao povo quatrocentos
sestércios por pessoa e logo depois decidiu que
todos os senadores vindos de famílias da alta
nobreza, que estivessem arruinadas, teriam
ajuda de custo anual, que em alguns casos
chegava a quinhentos mil sertércios. E
igualmente às coortes pretorianas, cotas
gratuitas de trigo mensalmente.
(3) Certa vez, conforme o costume, quando
foram pedir-lhe para assinar uma sentença de
morte, suspirou: “Ah, como gostaria de não
saber escrever”.
(4) Tinha o costume de cumprimentar as pessoas
pelo nome e de memória. Ao Senado, quando
lhe apresentavam agradecimentos, respondia:
“Esperem até quando eu os merecer”.
(5) Admitiu também a plebe em seus exercícios
militares e com freqüência declamava em
público: ofereceu também leituras de seus
poemas, tanto no palácio quanto no teatro, e os
ouvintes mostraram-se de tal forma seduzidos
que, depois de uma sessão desse gênero,
decretaram-se ações de graça aos deuses e
esculpiram-se os versos lidos por ele em letras
de ouro, dedicadas a Júpiter Capitolino.
Capítulo XI
(1) Promoveu numerosos e variados
espetáculos: jogos juvenis, circenses,
representações cênicas e combate de
gladiadores.
(2) Por ocasião dos jogos juvenis, como atores,
aceitou inclusive ex-cônsules no papel de velhos
e matronas no de velhas.
(3) Por ocasião dos circenses, reservou
camarotes
13
aos cavaleiros e apresentou
quadrigas puxadas por camelos.
55
(4) Ludis, quos pro aeternitate imperii
susceptos appellari "maximos" uoluit, ex
utroque ordine et sexu plerique ludicras
partes sustinuerunt; notissimus eques R.
elephanto supersidens per catadromum
decucurrit; inducta Afrani togata, quae
"Incendium" inscribitur, concessumque ut
scaenici ardentis domus supellectilem
diriperent ac sibi haberent; sparsa et
populo missilia omnium rerum per omnes
dies: singula cotidie milia auium cuiusque
generis, multiplex penus, tesserae
frumentariae, uestis, aurum, argentum,
gemmae, margaritae, tabulae pictae,
mancipia, iumenta atque etiam mansuetae
ferae, nouissimae naues, insulae, agri.
Capítulo XII
(1) Hos ludos spectauit e proscaeni
fastigio.
(2) Munere, quod in amphitheatro ligneo
regione Martii campi intra anni spatium
fabricato dedit, neminem occidit, ne
noxiorum quidem.
(3) Exhibuit autem ad ferrum etiam
quadringentos senatores sescentosque
equites Romanos et quosdam fortunae
atque existimationis integrae, ex isdem
ordinibus confectores quoque ferarum et
uaria harenae ministeria.
(4) Exhibuit et naumachiam marina aqua
innantibus beluis; item pyrrichas quasdam
e numero epheborum, quibus post editam
operam diplomata ciuitatis Romanae
singulis optulit.
(5) Inter pyrricharum argumenta taurus
Pasiphaam ligneo iuuencae simulacro
abditam iniit, ut multi spectantium
crediderunt; Icarus primo statim conatu
iuxta cubiculum eius decidit ipsumque
cruore respersit.
(6) Nam perraro praesidere, ceterum
accubans, paruis primum foraminibus,
deinde toto podio adaperto spectare
consueuerat.
(4) No desenrolar das representações que
ofereceu pela eternidade do Império, nomeadas,
por causa disso, “os jogos”, muitas pessoas das
duas ordens e dos dois sexos desempenharam
papéis divertidos; um cavaleiro romano muito
popular surgiu montado às costas de um elefante
e desceu ao chão através de uma corda;
encenou-se a comédia de Afrânio, intitulada “O
incêndio”, permitindo-se aos atores pegar e
carregar os móveis da casa em chamas;
diariamente, variados presentes choviam sobre
os espectadores: pássaros de todas as espécies,
víveres, vales que davam direito a trigo, roupas,
ouro, prata, pedras preciosas, pérolas, quadros,
escravos, bestas de carga e mesmo a feras
domesticadas, navios, casas e terras.
Capítulo XII
(1) Nero acompanhava do alto do proscênio,
esses jogos.
(2) Não permitiu que ninguém fosse morto, nem
mesmo os condenados, quando de um combate
de gladiadores que deu num anfiteatro de
madeira erguido em menos de um ano próximo
do campo de Marte.
(3) Figuraram quatrocentos senadores e
seiscentos cavaleiros romanos no número dos
combatentes, alguns dentre eles gozavam de
fortuna e reputação intactas. A essas duas ordens
pertenciam também os bestiários e os diversos
operários da arena.
(4) Promoveu também uma naumaquia
14
, onde
se viram monstros marinhos nadando e danças
pírricas executadas por efebos, os quais, após o
espetáculo, receberam diplomas de cidadania
romana.
(5) Entre essas danças pírricas, um touro montou
uma novilha de madeira, na qual acreditaram
muitos espectadores, estar Pasífae
15
encerrada, e
Ícaro, à primeira tentativa, caiu perto do
camarote imperial, polvilhando-o de sangue.
(6) De fato, Nero raramente dirigia os
espetáculos: observava-os em geral, nos
primeiros tempos, por pequenas aberturas,
espichado no leito, e, mais tarde, do alto do
pódio
16
, que mandou descobrir por completo.
56
(7) Instituit et quinquennale certamen
primus omnium Romae more Graeco
triplex, musicum gymnicum equestre,
quod appellauit Neronia; dedicatisque
thermis atque gymnasio senatui quoque et
equiti oleum praebuit.
(8) Magistros toto certamini praeposuit
consulares sorte, sede praetorum. Deinde
in orchestram senatumque descendit et
orationis quidem carminisque Latini
coronam, de qua honestissimus quisque
contenderat, ipsorum consensu concessam
sibi recepit, citharae autem a iudicibus ad
se delatam adorauit ferrique ad Augusti
statuam iussit.
(9) Gymnico, quod in Saeptis edebat, inter
buthysiae apparatum barbam primam
posuit conditamque in auream pyxidem et
pretiosissimis margaritis adornatam
Capitolio consecrauit.
(10) Ad athletarum spectaculum inuitauit
et uirgines Vestales, quia Olympiae
quoque Cereris sacerdotibus spectare
conceditur.
Capítulo XIII
(1) Non immerito inter spectacula ab eo
edita et Tiridatis in urbem introitum
rettulerim.
(2) Quem Armeniae regem magnis
pollicitationibus sollicitatum, cum
destinato per edictum die ostensurus
populo propter nubilum distulisset,
produxit quo opportunissime potuit,
dispositis circa Fori templa armatis
cohortibus, curuli residens apud rostra
triumphantis habitu inter signa militaria
atque uexilla.
(3) Et primo per deuexum pulpitum
subeuntem admisit ad genua
adleuatumque dextra exosculatus est, dein
precanti tiara deducta diadema inposuit,
uerba supplicis interpretata praetorio uiro
multitudini pronuntiante; perductum inde
in theatrum ac rursus supplicantem iuxta
se latere dextro conlocauit.
(7) Instituiu um concurso qüinqüenal, coisa
inédita em Roma, triplo, à moda dos gregos
(musical, gímnico e hípico)
17
, ao qual deu o
nome de “Neroniano”; ofereceu óleo aos
senadores e cavaleiros, após inaugurar umas
termas e um ginásio
18
.
(8) Fez com que esse concurso fosse dirigido
por consulares sorteados, no lugar dos pretores.
Depois, desceu para a orquestra, para juntar-se
aos senadores. Aceitou a coroa de eloqüência e
poesia latinas, que os mais prestigiados cidadãos
disputavam e lha cederam de comum acordo;
quando os juízes lhe outorgaram a dos tocadores
de lira, ajoelhou-se e mandou colocá-la diante
da estátua de Augusto.
(9) Em pleno concurso de ginástica, apresentado
no recinto das eleições, fez a barba pela primeira
vez, enquanto se desenrolava um solene
sacrifício, e encerrou-a num estojo de ouro
ornado de pérolas caríssimas, que consagrou no
Capitólio.
(10) Convidou as virgens Vestais para as lutas
atléticas, já que em Olímpia mesmo as
sacerdotisas de Ceres
19
são admitidas a esse
espetáculo.
Capítulo XIII
(1) Devo ressaltar também, entre os espetáculos
dados por Nero, a entrada de Tiridates em
Roma.
(2) Era ele o rei da Armênia, atraído com
promessas magníficas. Nero fixou por édito a
data de sua apresentação ao público, mas, como
o dia amanhecesse coberto, esperou ocasião
mais apropriada. Coortes armadas perfilaram-se
ao lado dos templos do rum e o Imperador
tomou assento numa cadeira curul nos
frontispícios, vestindo trajes triunfais, todo
cercado de insígnias e estandartes.
(3) Tiridates subiu por uma rampa e foi ajoelhar-
se diante de Nero, que o reergueu com a mão
direita e abraçou-o; em seguida, a seu pedido,
removeu-lhe a tiara e coroou-o com um
diadema, enquanto um ex-pretor repetia à
multidão, em latim, as palavras do suplicante.
Depois disso, conduziu-o ao teatro, acolheu-lhe
de novo as súplicas e instalou-o à sua direita.
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(4) Ob quae imperator consalutatus, laurea
in Capitolium lata, Ianum geminum
clausit, tamquam nullo residuo bello.
Capítulo XIV
Consulatus quattuor gessit: primum
bimenstrem, secundum et nouissimum
semenstres, tertium quadrimenstrem;
medios duos continuauit, reliquos inter
annua spatia uariauit.
Capítulo XV
(1) In iuris dictione postulatoribus nisi
sequenti die ac per libellos non temere
respondit.
(2) Cognoscendi morem eum tenuit, ut
continuis actionibus omissis singillatim
quaeque per uices ageret.
(3) Quotiens autem ad consultandum
secederet, neque in commune quicquam
neque propalam deliberabat, sed et
conscriptas ab uno quoque sententias
tacitus ac secreto legens, quod ipsi
libuisset perinde atque pluribus idem
uideretur pronuntiabat.
(4) In curiam libertinorum filios diu non
admisit; admissis a prioribus principibus
honores denegauit.
(5) Candidatos, qui supra numerum
essent, in solacium dilationis ac morae
legionibus praeposuit.
(6) Consulatum in senos plerumque
menses dedit defunctoque circa Kal. Ian.
altero e consulibus neminem substituit
improbans exemplum uetus Canini Rebili
uno die consulis.
(7) Triumphalia ornamenta etiam
quaestoriae dignitatis et nonnullis ex
equestri ordine tribuit nec utique de causa
militari.
(4) Saudado por isso Imperador, Nero levou ao
Capitólio uma coroa de louros e fechou o templo
de Jano Bicéfalo, considerando que já não havia
guerras.
Capítulo XIV
(1) Exerceu quatro consulados: o primeiro por
dois meses, o segundo e o último por um
semestre, e o terceiro por quatro meses; o
segundo e o terceiro foram consecutivos, mas
cada um dos outros dois distou destes num
intervalo de um ano.
Capítulo XV
(1) Quando distribuía justiça, quase sempre
respondia aos pleiteantes no dia seguinte e por
escrito.
(2) Nas investigações imperiais, tomou por
norma proibir os discursos seguidos e fazer com
que as partes apresentassem alternadamente os
pormenores da causa.
(3) Toda vez que se retirava para deliberar, em
nenhum ponto consultava seus assessores em
grupo e abertamente, mas, lendo em silêncio e a
sós as sentenças escritas por cada um deles,
pronunciava o julgamento que lhe agradava,
como se decidido pela maioria.
(4) Por muito tempo não admitiu filhos de
libertos no Senado e recusou magistraturas
àqueles que seus predecessores para ali haviam
feito entrar.
(5) Como forma de consolar os candidatos
excedentes da demora que teriam de enfrentar,
deu-lhes comandos de legiões.
(6) O consulado foi, na maioria das vezes,
conferido por seis meses. Como um dos
cônsules morresse nas calendas de janeiro, não
lhe deu substituto e condenou o precedente de
Canínio Rébilo
20
, que fora outrora cônsul por
um dia.
(7) Concedeu, até a pessoas que tinham apenas a
dignidade de questor e a alguns cavaleiros, os
ornamentos do triunfo, mas nem sempre
unicamente por mérito militar.
58
(8) De quibusdam rebus orationes ad
senatum missas praeterito quaestoris
officio per consulem plerumque recitabat.
Capítulo XVI
(1) Formam aedificiorum urbis nouam
excogitauit et ut ante insulas ac domos
porticus essent, de quarum solariis
incendia arcerentur; easque sumptu suo
extruxit.
(2) Destinarat etiam Ostia tenus moenia
promouere atque inde fossa mare ueteri
urbi inducere.
(3) Multa sub eo et animaduersa seuere et
coercita nec minus instituta: adhibitus
sumptibus modus; publicae cenae ad
sportulas redactae; interdictum ne quid in
propinis cocti praeter legumina aut holera
ueniret, cum antea nullum non obsonii
genus proponeretur; afflicti suppliciis
Christiani, genus hominum superstitionis
nouae ac maleficae; uetiti quadrigariorum
lusus, quibus inueterata licentia passim
uagantibus fallere ac furari per iocum ius
erat; pantomimorum factiones cum ipsis
simul relegatae.
Capítulo XVII
Aduersus falsarios tunc primum repertum,
ne tabulae nisi pertusae ac ter lino per
foramina traiecto obsignarentur; cautum ut
testamentis primae duae cerae testatorum
modo nomine inscripto uacuae signaturis
ostenderentur, ac ne qui alieni testamenti
scriptor legatum sibi ascriberet; item ut
litigatores pro patrociniis certam
iustamque mercedem, pro subsellis nullam
omnino darent praebente aerario gratuita;
utque rerum actu ab aerario causae ad
Forum ac reciperatores transferrentur et ut
omnes appellationes a iudicibus ad
senatum fierent.
(8) Quando se dirigia ao Senado com respeito a
esta ou aquela questão, em geral mandava que
um cônsul a lesse, não um questor.
Capítulo XVI
(1) Pensou em dar uma nova forma aos edifícios
de Roma e quis que houvesse diante das
habitações coletivas e das casas particulares
pórticos com terraços, de onde fosse possível
combater os incêndios. Esses pórticos, ele os
ergueu à sua própria custa.
(2) Resolvera estender os muros de Roma até
Óstia e trazer as águas do mar para os antigos
bairros de Roma através de um canal que
partiria daquela antiga cidade.
(3) Sob seu governo foram publicadas muitas
condenações rigorosas e medidas repressivas,
mas também regulamentos novos; impôs-se
limite ao luxo; reduziram-se os festins públicos
a distribuições de víveres; foi proibido vender
nas tabernas qualquer espécie de alimento
cozido, exceto legumes e hortaliças, quando
antes todos os tipos de pratos eram ali servidos;
lançaram-se às feras os cristãos, gente dada a
uma superstição inédita e perigosa; proibiram-se
os descansos dos condutores de quadrigas, que
um antigo uso autorizava a vagar pela cidade
21
enganando e roubando os cidadãos para se
divertirem; e foram banidos ao mesmo tempo os
pantomimos e suas facções.
Capítulo XVII
Contra os falsários, tomou-se a precaução nova
de só lacrar as tabuinhas depois de fazer-lhes
furos por onde o fio passaria três vezes;
prescreveu-se que as duas primeiras tabuinhas
dos testamentos seriam apresentadas aos
signatários quando ainda trouxessem
unicamente os nomes dos testadores, proibindo-
se àqueles que redigissem testamentos de outros
inscrever-se ali como legatários; prescreveu-se
que os litigantes pagariam aos advogados
honorários justos, mas absolutamente nada pelo
procedimento judiciário, gratuito e a cargo do
tesouro; enfim, na administração da justiça, que
os processos intentados pelo tesouro seriam
apresentados não ao fisco, mas a juízes
recuperadores no Fórum, sendo que as apelações
deveriam ser encaminhadas ao Senado.
59
Capítulo XVIII
(1) Augendi propagandique imperii neque
uoluntate ulla neque spe motus umquam,
etiam ex Britannia deducere exercitum
cogitauit, nec nisi uerecundia, ne
obtrectare parentis gloriae uideretur,
destitit.
(2) Ponti modo regnum concedente
Polemone, item Alpium defuncto Cottio
in prouinciae formam redegit.
Capítulo XIX
(1) Peregrinationes duas omnino suscepit,
Alexandrinam et Achaicam; sed
Alexandrina ipso profectionis die destitit
turbatus religione simul ac periculo.
(2) Nam cum circumitis templis in aede
Vestae resedisset, consurgenti ei primum
lacinia obhaesit, dein tanta oborta caligo
est, ut dispicere non posset.
(3) In Achaia Isthmum perfodere
adgressus praetorianos pro contione ad
incohandum opus cohortatus est tubaeque
signo dato primus rastello humum effodit
et corbulae congestam umeris extulit.
(4) Parabat et ad Caspias portas
expeditionem conscripta ex Italicis senum
pedum tironibus noua legione, quam
Magni Alexandri phalanga appellabat.
(5) Haec partim nulla reprehensione,
partim etiam non mediocri laude digna in
unum contuli, ut secernerem a probris ac
sceleribus eius, de quibus dehinc dicam.
Capítulo XX
(1) Inter ceteras disciplinas pueritiae
tempore imbutus et musica, statim ut
imperium adeptus est, Terpnum
citharoedum uigentem tunc praeter alios
arcessiit diebusque continuis post cenam
canenti in multam noctem assidens
paulatim et ipse meditari exercerique
Capítulo XVIII
(1) Nero nunca sentiu o desejo ou a esperança
de ampliar o Império: pelo contrário, pensou
mesmo em retirar as tropas da Bretanha, e
não o fez por conveniência, para não parecer
insultar a glória de seu pai.
(2) Reduziu o reino do Ponto e o dos Alpes ao
posto de província, com o assentimento de
Polemon, após a morte de Cótio.
Capítulo XIX
(1) Não projetou mais que duas viagens, para
Alexandria e a Acaia; mas à primeira renunciou
no próprio dia da partida, perturbado ao mesmo
tempo por um escrúpulo religioso e pela ameaça
de uma inconveniência.
(2) De fato, tendo após a ronda dos templos se
assentado no de Vesta, ao querer levantar-se foi
vedado pelo tecido da toga e depois levantou-se
uma bruma tão densa que ele não podia ver mais
nada.
(3) Na Acaia, projetando atravessar o istmo,
discursou aos pretorianos, para encorajá-los à
tarefa, e, em seguida, ao som da trombeta, deu
pessoalmente as primeiras enxadadas, encheu
um cesto de terra e carregou-o aos ombros.
(4) Preparava também uma expedição às Portas
Cáspias, para a qual reuniu na Itália uma nova
legião composta exclusivantente por recrutas de
seis pés de altura, que ele chamava de falange de
Alexandre, o Grande.
(5) Todos esses atos alguns irrepreensíveis,
outros francamente dignos de encômios, eu os
agrupei em um único desenvolvimento para
distingui-los de suas façanhas vergonhosas e de
seus crimes, dos quais passo a falar.
Capítulo XX
(1) Na infância, além dos outros estudos, fora
iniciado na música, de tal forma que, mal
tornou-se Imperador, chamou para junto de si
Terpno, o citaredo mais famoso, nessa ocasião, e
ficou vários dias seguidos, após a ceia, a ouvi-lo
cantar até horas avançadas da noite. Depois, aos
poucos, começou ele próprio a exercitar-se, sem
negligenciar nenhuma das prevenções que os
60
coepit neque eorum quicquam omittere,
quae generis eius artifices uel
conseruandae uocis causa uel augendae
factitarent; sed et plumbeam chartam
supinus pectore sustinere et clystere
uomituque purgari et abstinere pomis
cibisque officientibus;
(2) donec blandiente profectu, quamquam
exiguae uocis et fuscae, prodire in
scaenam concupiit, subinde inter
familiares Graecum prouerbium iactans
occultae musicae nullum esse respectum.
(3) Et prodit Neapoli primum ac ne
concusso quidem repente motu terrae
theatro ante cantare destitit, quam
incohatum absolueret nomon.
(4) Ibidem saepius et per complures
cantauit dies; sumpto etiam ad
reficiendam uocem breui tempore,
impatiens secreti a balineis in theatrum
transiit mediaque in orchestra frequente
populo epulatus, si paulum subbibisset,
aliquid se sufferti tinniturum Graeco
sermone promisit.
(5) Captus autem modulatis
Alexandrinorum laudationibus, qui de
nouo commeatu Neapolim confluxerant,
plures Alexandria euocauit.
(6) Neque eo segnius adulescentulos
equestris ordinis et quinque amplius milia
e plebe robustissimae iuuentutis undique
elegit, qui diuisi in factiones plausuum
genera condiscerent (bombos et imbrices
et testas uocabant) operamque nauarent
cantanti sibi, insignes pinguissima coma
et excellentissimo cultu, puris ac sine
anulo laeuis, quorum duces quadringena
milia sestertia merebant.
Capítulo XXI
(1) Cum magni aestimaret cantare etiam
Romae, Neroneum agona ante
praestitutam diem reuocauit
flagitantibusque cunctis caelestem uocem
respondit quidem in hortis se copiam
artistas desse gênero costumam tomar para
conservar ou amplificar sua voz. Chegou ao
ponto de sustentar sobre o peito uma placa de
chumbo, mantendo-se deitado de costas,
submeter-se a lavagens e vomitórios para purgar
o corpo, a abster-se de frutas e petiscos nocivos
à garganta.
(2) Finalmente, satisfeito com os progressos,
embora tivesse voz aguda e fraca, ardeu em
desejos de apresentar-se ao público, repetindo
várias vezes aos familiares o provérbio grego:
“Música oculta não inspira respeito”.
(3) Propagou em Nápoles, e, ainda que um
tremor de terra abalasse o teatro, parou de
cantar depois de terminar seu excerto.
(4) Fez-se ouvir ali, muitas vezes, durante vários
dias. Não bastasse isso, estando a descansar um
pouco para refazer a voz, não pôde suportar o
isolamento e voltou ao teatro logo depois do
banho; jantando no meio da orquestra, na
presença de uma considerável multidão,
prometeu em grego que faria ouvir um som
incrível, tão logo tivesse bebido alguma coisa.
(5) Satisfeito com os elogios musicados feitos
pelos habitantes de Alexandria recentemente
desembarcados em grande número em Nápoles,
mandou vir ainda mais gente daquela cidade.
(6) Rapidamente colocou-se a recrutar por toda
parte jovens descendentes de famílias eqüestres,
além de cinco mil jovens plebeus, os mais
fortes, a fim de instruí-los, dividindo-os em
grupos, nos diferentes tipos de aplausos
conhecidos como “zumbidos”, ruídos de telhas e
de carapaças; esperava, assim, ser apoiado por
eles enquanto cantasse. Esses rapazes eram
reconhecidos pela vasta cabeleira, pela
vestimenta suntuosa e pela ausência de anéis na
mão esquerda, sendo que seus chefes recebiam
quatrocentos mil sestércios.
Capítulo XXI
(1) Almejando demasiadamente cantar em
Roma, recomeçou os jogos neronianos antes da
data prevista e, como todos os espectadores
reclamassem sua voz celeste, disse de início que
realizaria o desejo deles em seus jardins. Porém
os soldados da guarda juntaram suas súplicas às
61
uolentibus facturum, sed adiuuanti uulgi
preces etiam statione militum, quae tunc
excubabat, repraesentaturum se pollicitus
estlibens; ac sine mora nomen suum in
albo profitentium citharoedorum iussit
ascribi sorticulaque in urnam cum ceteris
demissa intrauit ordine suo, simul
praefecti praetorii citharam sustinentes,
post tribuni militum iuxtaque amicorum
intimi.
(2) Vtque constitit, peracto principio,
Niobam se cantaturum per Cluuium
Rufum consularem pronuntiauit et in
horam fere decimam perseuerauit
coronamque eam et reliquam certaminis
partem in annum sequentemque distulit, ut
saepius canendi occasio esset. Quod cum
tardum uideretur, non cessauit identidem
se publicare.
(3) Dubitauit etiam an priuatis spectaculis
operam inter scaenios daret quodam
praetorum sestertium decies offerente.
(4) Tragoedias quoque cantauit personatus
heroum deorumque, item heroidum ac
dearum, personis effectis ad similitudinem
oris sui et feminae, prout quamque
diligeret.
(5) Inter cetera cantauit Canacen
parturientem, Oresten matricidam,
Oedipodem excaecatum, Herculem
insanum.
(6) In qua fabula fama est tirunculum
militem positum ad custodiam aditus, cum
eum ornari ac uinciri catenis, sicut
argumentum postulabat, uideret,
accurrisse ferendae opis gratia.
Capítulo XXII
(1) Equorum studio uel praecipue ab
ineunte aetate flagrauit plurimusque illi
sermo, quanquam uetaretur, de circensibus
erat; et quondam tractum prasinum
agitatorem inter condiscipulos querens,
obiurgante paedagogo, de Hectore se loqui
do povo, de sorte que ele prometeu,
prazerozamente, exibir-se naquele momento.
Depois, sem demora, inscreveu-se na lista dos
citaredos que disputavam, depositou como eles
sua ficha na urna e entrou junto com os prefeitos
do pretório que carregavam sua lira, seguido dos
tribunos militares e dos amigos mais íntimos.
(2) Em seu posto, depois de executar um
prelúdio, fez anunciar pelo consular Clúvio
Rufo
22
que apresentaria uma Níobe, e parou
por volta da décima hora, adiando para o ano
seguinte a atribuição daquela coroa e o fim do
concurso, pois assim teria outras ocasiões de
cantar. Entretanto, como o intervalo lhe
parecesse longo demais, fez-se ouvir várias
vezes em público.
(3) Pensou mesmo em abrilhantar, na
companhia de profissionais, espetáculos
privados, quando um pretor lhe ofereceu um
milhão de sestércios.
(4) Também interpretou papéis trágicos de
heróis e deuses, heroínas e deusas, com
máscaras que reproduziam suas próprias
feições ou as das mulheres que então
gozassem seu favor.
(5) Cantou, entre outras coisas, O Parto de
Canaces, Orestes Matricida, Édipo Cego e
Hércules insano
73
.
(6) Conta-se que, quando desta última
representação, um soldado muito jovem que
guardava a porta, vendo Nero ser preparado para
o sacrifício e algemado conforme exigia o papel,
correu a socorrê-lo.
Capítulo XXII
(1) Teve desde os mais verdes anos uma paixão
especialmente viva pelos cavalos, e a maior
parte de suas conversas girava em torno de jogos
circenses, embora isso lhe fosse proibido. Um
dia, lamentava a sorte, em meio aos
condiscípulos, de um cocheiro da equipe verde
que fora arrastado pelos cavalos mas, como
73
Hercules Furens
62
ementitus est.
(2) Sed cum inter initia imperii eburneis
quadrigis cotidie in abaco luderet, ad
omnis etiam minimos circenses e secessu
commeabat, primo clam, deinde
propalam, ut nemini dubium esset eo die
utique affuturum.
(3) Neque dissimulabat uelle se palmarum
numerum ampliari; quare spectaculum
multiplicatis missibus in serum
protrahebatur, ne dominis quidem iam
factionum dignantibus nisi ad totius diei
cursum greges ducere.
(4) Mox et ipse aurigare atque etiam
spectari saepius uoluit positoque in hortis
inter seruitia et sordidam plebem
rudimento uniuersorum se oculis in Circo
Maximo praebuit, aliquo liberto mittente
mappam unde magistratus solent.
(5) Nec contentus harum artium
experimenta Romae dedisse, Achaiam, ut
diximus, petit hinc maxime motus.
(6) Instituerant ciuitates, apud quas musici
agones edi solent, omnes citharoedorum
coronas ad ipsum mittere.
(7) Eas adeo grate recipiebat, ut legatos,
qui pertulissent, non modo primos
admitteret, sed etiam familiaribus epulis
interponeret.
(8) A quibusdam ex his rogatus ut cantaret
super cenam, expectusque effusius, solos
scire audire Graecos solosque se et studiis
suis dignos ait.
(9) Nec profectione dilata, ut primum
Cassiopen traiecit, statim ad aram Iouis
Cassii cantare auspicatus certamina
deinceps obiit omnia.
seu mestre o censurasse, disse estar falando de
Heitor.
(2) No início do principado, divertia-se
diariamente fazendo evoluir sobre uma mesa de
jogo quadrigas de marfim e deixava a casa para
ir assistir aos jogos circenses mais
insignificantes, primeiro escondido, depois às
claras, tanto que nesses dias todos sabiam que
ele estaria presente.
(3) Por outro lado, não dissimulava que gostaria
de aumentar o número dos prêmios: e, assim,
como se multiplicassem os páreos, o espetáculo
se prolongava até altas horas; e então os
próprios chefes das equipes não desdenhavam
utilizá-las por um dia inteiro.
(4) Logo o próprio príncipe queria guiar
pessoalmente os carros e, o que é mais,
apresentar-se com freqüência em público. Fez
seu aprendizado nos jardins da casa, no meio
dos escravos e do populacho, e depois ofereceu-
se a todos os olhares no Circo Máximo, com um
de seus libertos dando o sinal com o lenço do
lugar onde habitualmente o fazem os
magistrados.
(5) Não contente com dar a Roma a prova cabal
desses talentos, foi-se para a Acaia, conforme já
dissemos. Eis o motivo principal de sua partida.
(6) As cidades daquela província, onde
acontecem regularmente concursos de música,
haviam resolvido enviar-lhe todas as coroas dos
citaredos.
(7) Nero as aceitou com tamanho
reconhecimento que, não se contentando em
receber em primeiro lugar os delegados que as
traziam, admitiu-os em suas ceias íntimas.
(8) Como alguns deles o incitassem a cantar e
depois se derramassem em elogios, declarou que
apenas os gregos sabiam ouvir, eram os únicos
ouvintes dignos de Nero e de sua arte.
(9) Partiu, pois, sem demora, e, logo ao
desembarcar em Cassíope, estreou diante do
altar de Júpiter Cássio. A partir desse momento,
apresentou-se em todos os concursos.
63
Capítulo XXIII
(1) Nam et quae diuersissimorum
temporum sunt, cogi in unum annum,
quibusdam etiam iteratis, iussit et
Olympiae quoque praeter consuetudinem
musicum agona commisit.
(2) Ac ne quid circa haec occupatum
auocaret detineretue, cum praesentia eius
urbicas res egere a liberto Helio
admoneretur, rescripsit his uerbis:
"Quamuis nunc tuum consilium sit et
uotum celeriter reuerti me, tamen suadere
et optare potius debes, ut Nerone dignus
reuertar."
(3) Cantante eo ne necessaria quidem
causa excedere theatro licitum est. Itaque
et enixae quaedam in spectaculis dicuntur
et multi taedio audendi laudandique
clausis oppidorum portis aut morte
simulata funere elati.
(4) Quam autem trepide anxieque
certauerit, quanta aduersariorum
aemulatione, quo metu iudicium, uix credi
potest.
(5) Aduersarios, quasi plane condicionis
eiusdem, obseruare, captare, infamare
secreto, nonnumquam ex occursu
maledictis incessere ac, si arte
praecellerent, conrumpere etiam solebat.
(6) Iudices autem prius quam inciperet
reuerentissime adloquebatur, omnia se
facienda fecisse, sed euentum in manu
esse Fortunae; illos ut sapientis et doctos
uiros fortuita debere excludere; atque, ut
auderet hortantibus, aequiore animo
recrdebat, ac ne sic quidem sine
sollicitudine, taciturnitatem pudoremque
quorundam pro tristitia et malignitate
arguens suspectosque sibi dicens.
Capítulo XXIII
(1) Insatisfeito em ter que agrupar num único
ano aqueles que ocorriam em datas muito
diferentes, fazendo mesmo recomeçar alguns
deles, organizou contrariamente ao uso um
concurso de música na própria Olímpia.
(2) Não desejando ser perturbado nem distraído
pelo que quer que fosse em meio a semelhantes
ocupações, respondeu nos seguintes termos a
uma carta onde o liberto Hélio advertia-o de que
os negócios de Roma reclamavam sua presença:
“És de parecer que eu me apresse a voltar,
quando deverias aconselhar-me o contrário e
desejar que eu reaparecesse de uma forma digna
de Nero”.
(3) Enquanto cantava não era permitido sair do
teatro, mesmo em caso de necessidade. Desse
modo, ao que parece, mulheres deram à luz
durante o espetáculo e inúmeras pessoas,
cansadas de ouvir e aplaudir, mas dando com as
portas fechadas, saltaram furtivamente os muros
ou fizeram-se carregar como se estivessem
mortas.
(4) Entretanto, quando concorria, mostrava-se
tão emocionado e ansioso, tão ciumento dos
adversários, tão receoso em relação aos juízes,
que mal se pode acreditar em tudo isso.
(5) Dirigindo-se aos adversários como se fossem
absolutamente seus iguais, espreitava-os,
pregava-lhes peças, desnudava-os pelas costas e
às vezes ofendia-os quando os encontrava,
procurando mesmo corrompê-los, se tinham
talento superior ao seu.
(6) Aos juízes, antes de começar, dizia-lhes
humildemente que fizera todo o possível, mas o
sucesso estava nas mãos da Fortuna e que em
sua sabedoria e competência deviam fazer “vista
grossa” ao que concerne ao acaso. Os juízes
convidavam-no então a recuperar a confiança e
ele se ia mais tranqüilo, mas ainda assim um
tanto inquieto, atribuindo o silêncio e a reserva
de alguns deles a disposições adversas e
tendenciosas, declarando então que lhe eram
suspeitos.
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Capítulo XXIV
(1) In certando uero ita legi oboediebat, ut
numquam exscreare ausus sudorem
quoque frontis brachio detegeret; atque
etiam in tragico quodam actu, cum
elapsum baculum cito resumpsisset,
pauidus et metuens ne ob delictum
certamine summoueretur, non aliter
confirmatus est quam adiurante hypocrita
non animaduersum id inter exsultationes
succlamationesque populi.
(2) Victorem autem se ipse pronuntiabat;
qua de causa et praeconio ubique
contendit.
(3) Ac ne cuius alterius hieronicarum
memoria aut uestigium exstaret usquam,
subuerti et unco trahi abicique in latrinas
omnium statuas et imagines imperauit.
(4) Aurigauit quoque plurifariam,
Olympiis uero etiam decemiugem,
quamuis id ipsum in rege Mithradate
carmine quodam suo reprehendisset; sed
excussus curru ac rursus repositus, cum
perdurare non posset, destitit ante
decursum; neque eo setius coronatus est.
(5) Decedens deinde prouinciam
uniuersam libertate donauit simulque
iudices ciuitate Romana et pecunia grandi.
Quae beneficia e medio stadio Isthmiorum
die sua ipse uoce pronuntiauit.
Capítulo XXV
(1) Reuersus e Graecia Neapolim, quod in
ea primum artem protulerat, albis equis
introiit disiecta parte muri, ut mos
hieronicarum est; simili modo Antium,
inde Albanum, inde Romam; sed et
Romam eo curru, quo Augustus olim
triumphauerat, et in ueste purpurea
distinctaque stellis aureis chlamyde
coronamque capite gerens Olympiacam,
dextra manu Pythiam, praeeunte pompa
ceterarumcum titulis, ubi et quos
cantionum quoue fabularum argumento
uicisset; sequentibus currum ouantium ritu
Capítulo XXIV
(1) Levava tão a sério a regra dos concursos que
não ousava cuspir, chegando a enxugar com o
punho o suor do rosto. Mais que isso, certa vez,
durante uma cena trágica, deixou escapar o
cetro, que se apressou a apanhar, e ficou
apavorado com a possibilidade de aquela falha
exclui-lo, se acalmando ao ouvir seu
pantomimo jurar-lhe que a coisa passara
despercebida em meio ao entusiasmo e às
aclamações do povo.
(2) Era ele próprio quem se declarava vencedor
e por isso concorreu em toda parte, até como
arauto.
(3) E para que o sobrasse em lugar algum
sequer a lembrança dos antigos vencedores dos
jogos sagrados, mandou derrubar e arrastar às
latrinas suas estátuas e retratos.
(4) Em várias disputas, dirigiu também carros,
tendo aparecido nos jogos olímpicos com uma
carruagem de dez cavalos, embora num de seus
poemas houvesse censurado o rei Mitridates
precisamente por esse fato. A verdade é que caiu
do carro e, reposto no lugar, precisou parar antes
do fim da corrida, o que o não impediu de ser
coroado.
(5) Logo depois, deixando a Grécia, deu a
liberdade a toda a província, e aos juízes, além
da cidadania romana, valores consideráveis. Ele
próprio proclamou essas recompensas, no meio
do estádio, no dia dos jogos ístmicos.
Capítulo XXV
(1) Voltando da Grécia para Nápoles, como fora
naquela cidade que pela primeira vez exibiu
seus talentos, entrou sobre um carro puxado por
cavalos brancos, por uma abertura nas muralhas,
como costumam fazer os vencedores dos jogos
sagrados; repetiu o espetáculo em Áncio, depois
em sua propriedade de Alba, e por fim, em
Roma; mas, em Roma, além do mais, apareceu
no carro que outrora servira ao triunfo de
Augusto, vestido de púrpura, uma clâmide
semeada de estrelas de ouro, coroa olímpica à
cabeça e coroa pítica na mão direita, precedido
de um cortejo que levava os outros, com
cartazes informando onde, em que concurso,
contra quais concorrentes, e por que canto ou
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plausoribus, Augustianos militesque se
triumphi eius clamitantibus.
(2) Dehinc diruto Circi Maximi arcu per
Velabrum Forumque Palatium et
Apollinem petit.
(3) Incedenti passim uictimae caesae
sparso per uias identidem croco
ingestaeque aues ac lemnisci et bellaria.
(4) Sacras coronas in cubiculis circum
lectos posuit, item statuas suas
citharoedico habitu, qua nota etiam
nummum percussit.
(5) Ac post haec tantum afuit a remittendo
laxandoque studio, ut conseruandae uocis
gratia neque milites umquam, nisi abens
aut alio uerba pronuntiante, appellaret
neque quicquam serio iocoue egerit, nisi
astante phonasco, qui moneret parceret
arteriis ac sudarium ad os applicaret;
multisque uel amicitiam suam optulerit
uel simultatem indixerit, prout quisque se
magis parciusue laudasset.
Capítulo XXVI
(1) Petulantiam, libidinem, luxuriam,
auaritiam, credulitatem sensim quidem
primo et occulte et uelut iuuenili errore
exercuit, sed ut tunc quoque dubium
nemini foret naturae illa uitia, non aetatis
esse.
(2) Post crepusculum statim adrepto pilleo
uel galero popinas inibat circumque uicos
uagabatur ludibundus nec sine pernicie
tamen, siquidem redeuntis a cena
uerberare ac repugnantes uulnerare
cloacisque demergere assuerat, tenebras
etiam effingere et expilare. Quintana domi
constituta ubi partae et ad licitationem
diuidendae praedae pretium absumeretur.
(3) Ac saepe in eius modi rixis oculorum
et uitae periculum adiit, a quodam
laticlauio, cuius uxorem adtrectauerat,
peça triunfara. O carro era seguido, como nas
ovações, de pessoas que aplaudiam e não
paravam de gritar, que eram os augustinos e os
soldados de seu triunfo.
(2) Transitou pelo Circo Máximo, do qual fora
demolido uma arcada, atravessou o Velabro, em
seguida o Fórum, e encaminhou-se ao templo de
Apolo, no Palatino.
(3) Imolavam-se vítimas à sua passagem,
espalhava-se açafrão pelas ruas, ofereciam-se
pássaros, fitas e doces ao Imperador.
(4) Nos quartos do palácio, ordenou em volta
dos leitos suas coroas sagradas e as estátuas que
o representavam na postura de citaredo,
mandando mesmo cunhar uma moeda com essa
efígie.
(5) A partir de então, longe de abandonar aquela
arte ou desleixá-la, a fim de conservar a voz,
não discursava aos soldados, a não ser ausente
ou por boca de outra pessoa, e jamais tratou
qualquer assunto, sério ou jocoso, sem ter ao
lado o mestre de declamação sempre a adverti-lo
para “poupar os brônquios e manter um lenço
diante da boca”. Muitas pessoas alcançaram sua
amizade ou atraíram seu ódio por lhe haver
prodigalizado ou economizado elogios.
Capítulo XXVI
(1) Foram se manifestando nele, aos poucos, a
libertinagem, a lubricidade, o amor ao luxo, a
cupidez e a crueldade de maneira clandestina,
como erros de juventude; no entanto, já então
ninguém duvidava que aqueles vícios
pertenciam antes ao seu caráter que à sua idade.
(2) Ao cair da noite, apanhando uma carapuça
ou um gorro, entrava nas tabernas, vagava pelos
bairros fazendo tropelias, nem sempre
inofensivas, pois consistiam em golpear pessoas
que saíam de uma ceia, feri-las e atirá-las nos
esgotos quando resistiam, e até em forçar as
portas das lojas para saqueá-las. Inaugurou no
palácio uma cantina onde se dispersava o
produto desses roubos, postos por ele em leilão.
(3) De vez em quando, no curso dessas
desavenças, arriscava-se a perder os olhos ou até
a vida: um cavalheiro da ordem senatorial, cuja
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prope ad necem caesus.
(4) Quare numquam postea publico se
illud horae sine tribunis commisit et
occulte subsequentibus.
(5) Interdiu quoque clam gestatoria sella
delatus in theatrum seditionibus
pantomimorum e parte proscaeni
superiore signifer simul ac spectator
aderat. Et cum ad manus uentum esset
lapidibusque et subselliorum fragminibus
decerneretur, multa et ipse iecit in
populum atque etiam praetoris caput
consauciauit.
Capítulo XXVII
(1) Paulatim uero inualescentibus uitiis
iocularia et latebras omisit nullaque
dissimulandi cura ad maiora palam erupit.
(2) Epulas a medio die ad mediam noctem
protrahebat, refotus saepius calidis
piscinis ac tempore aestiuo niuatis;
cenitabatque nonnumquam et in
publico,naumachia praeclusa uel Martio
campo uel Circo Maximo, inter scortorum
totius urbis et ambubaiarum ministeria.
(3) Quotiens Ostiam Tiberi deflueret aut
Baianum sinum praeternauigaret,
dispositae per litora et ripas diuersoriae
tabernae parabantur insignes ganea et
matronarum institorio copas imitantium
atque hinc inde hortantium ut appelleret.
(4) Indicebat et familiaribus cenas,
quorum uni mitellita quadragies
sestertium constitit, alteri pluris aliquanto
rosaria.
Capítulo XXVIII
(1) Super ingenuorum paedagogia et
nuptarum concubinatus Vestali uirgini
Rubriae uim intulit.
(2) Acten libertam paulum afuit quin iusto
sibi matrimonio coniungeret, summissis
mulher Nero tomara nos braços, quase o matou
a pancadas.
(4) Por isso, depois dessa aventura, não mais se
arriscou pelas ruas da cidade àquelas horas, sem
ser discretamente seguido à distância por
tribunos.
(5) Durante o dia ia às escondidas para o teatro
de liteira, e ali ficava assistindo, do alto do
proscênio, às disputas dos pantomimos,
chegando a dar o sinal para que começassem.
Uma vez, como houvessem chegado a ponto de
atirar pedras e dar golpes de bancos quebrados,
ele próprio passou a atirar projéteis contra o
povo, ferindo gravemente um pretor na cabeça.
Capítulo XXVII
(1) Na verdade aos poucos, à medida que seus
vícios iam se agravando, renunciou às evasivas
e, sem dar-se o trabalho de dissimular, entregou-
se descomedidamente aos maiores excessos.
(2) Alongava os festins do meio-dia à meia-
noite, tomando às vezes de quando em quando
banhos quentes, ou, no verão, refrescados com
neve. Costumava também comer em público,
tanto na naumaquia fechada quanto no Campo
de Marte, ou ainda no Circo Máximo, fazendo-
se servir por todas as cortesãs e flautistas de
Roma.
(3) Sempre que descia o Tibre em direção a
Ostia, ou bordejava de barco o golfo de Baias,
eram instalados a espaços, nas margens ou na
praia, albergues onde se podiam ver matronas
prontas à intemperança e transformadas em
atendentes, imitando as dançarinas e às vezes
mesmo exortando-o a desembarcar.
(4) Convidava-se para cear em casa de amigos,
tendo um deles gasto quatro milhões de
sestércios num banquete com diademas e outro
ainda mais num festim de rosas.
Capítulo XXVIII
(1) Além de suas licenciosidades com jovens
livres e de seu negócio com mulheres casadas,
violentou a vestal Rúbria.
(2) Faltou pouco para que não tomasse por
esposa legítima sua liberta Actéia, pois
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consularibus uiris qui regio genere ortam
peierarent.
(3) Puerum Sporum exsectis testibus
etiam in muliebrem naturam transfigurare
conatus cum dote et flammeo per
sollemnia nuptiarum celeberrimo officio
deductum ad se pro uxore habuit;
exstatque cuiusdam non inscitus iocus
bene agi potuisse cum rebus humanis, si
Domitius pater talem habuisset uxorem.
(4) Hunc Sporum, Augustarum
ornamentis excultum lecticaque uectum,
et circa conuentus mercatusque Graeciae
ac mox Romae circa Sigillaria comitatus
est identidem exosculans.
(5) Nam matris concubitum appetisse et
ab obtrectatoribus eius, ne ferox atque
impotens mulier et hoc genere gratiae
praeualeret, deterritum nemo dubitauit,
utique postquam meretricem, quam fama
erat Agrippinae simillimam, inter
concbinas recepit.
(6) Olim etiam quotiens lectica cum matre
ueheretur, libidinatum inceste ac maculis
uestis proditum affirmant.
Capítulo XXIX
(1) Suam quidem pudicitiam usque adeo
prostituit, ut contaminatis paene omnibus
membris nouissime quasi genus lusus
excogitaret, quo ferae pelle contectus
emitteretur e cauea uirorumque ac
feminarum ad stipitem deligatorum
inguina inuaderet et, cum affatim
desaeuisset, conficeretur a Doryphoro
liberto; cui etiam, sicut ipsi Sporus, ita
ipse denupsit, uoces quoque et heiulatus
uim patientium uirginum imitatus.
(2) Ex nonnullis comperi persuasissimum
habuisse eum neminem hominem
pudicum aut ulla corporis parte purum
esse, uerum plerosque dissimulare uitium
et callide optegere; ideoque professis apud
subornara consulares encarregados de
testemunhar mediante falso juramento que ela
descendia de reis.
(3) Depois de mandar castrar um menino
chamado Esporo, quis transfigurá-lo em mulher,
fê-lo vir com seu dote e seu véu, num grande
cortejo que seguia o ritual comum dos
casamentos, e tratou-o como sua esposa. Isso
inspirou a alguém este gracejo por demais
espirituoso; que felicidade para o mundo se seu
pai Domício houvesse tomado uma tal mulher.
(4) Esse Esporo, enfeitado como uma imperatriz
e carregado de liteira, seguia-o a todos os
tribunais e mercados da Grécia e, depois de
Roma, passeou pelas Sigilárias, enchendo-o de
beijos a todo momento.
(5) Desejou mesmo possuir a própria mãe, mas
foi dissuadido pelos inimigos de Agripina, que
temiam ver aquela mulher altaneira e tirânica
dominar tudo graças a essa nova espécie de
favor. Ninguém duvida do fato, principalmente
quando se sabe que Nero admitiu no número de
suas concubinas uma cortesã que, segundo se
dizia, tinha notável semelhança física com
Agripina.
(6) Assegura-se, além disso, que outrora, todas
as vezes que saía de liteira com a mãe,
abandonava-se à sua paixão incestuosa, sendo
denunciado por manchas nas roupas.
Capítulo XXIX
(1) Corrompeu seu pudor a um tal ponto que,
depois de prostituir quase todas as partes do
corpo, imaginou enfim este novo tipo de jogo:
vestido com uma pele de fera, lançava-se de
uma jaula, precipitava-se sobre as partes dos
homens e mulheres amarrados a postes e, após
aguçar sua luxúria, entregava-se ao liberto
Doríforo. Fez-se mesmo desposar por esse
liberto, tal como desposara Esporo, indo ao
cúmulo de imitar os gritos e gemidos de virgens
violentadas.
(2) Pelo que ouvi de diversas pessoas, estava
absolutamente persuadido de que nenhum
homem respeitava o pudor ou conservava pura
qualquer parte do corpo, mas a maior parte
disfarçava esse vício com o máximo cuidado,
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se obscaenitatem cetera quoque
concessisse delicta.
Capítulo XXX
(1) Diuitiarum et pecuniae fructum non
alium putabat quam profusionem,
sordidos ac deparcos esse quibus
impensarum ratio constaret, praelautos
uereque magnificos, qui abuterentur ac
perderent.
(2) Laudabat mirabaturque auunculum
Gaium nullo magis nomine, quam quod
ingentis a Tiberio relictas opes in breui
spatio prodegisset.
(3) Quare nec largiendi nec absumendi
modum tenuit.
(4) In Tiridatem, quod uix credibile
uideatur, octingena nummum milia diurna
erogauit, abeuntique super sestertium
milies contulit.
(5) Menecraten citharoedum et Spiculum
myrmillonem triumphalium uirorum
patrimoniis aedibusque donauit.
(6) Cercopithecum Panerotem
faeneratorem et urbanis rusticisque
praediis locupletatum prope regio
extulitfunere.
(7) Nullam uestem bis induit.
Quadringenis in punctum sestertiis aleam
lusit. Piscatus est rete aurato et purpura
coccoque funibus nexis.
(8) Numquam minus mille carrucis fecisse
iter traditur, soleis mularum argenteis,
canusinatis mulionibus, armillata
phalerataque Mazacum turba atque
cursorum
Capítulo XXXI
(1) Non in alia re tamen damnosior quam
in aedificando domum a Palatio Esquilias
usque fecit, quam primo transitoriam, mox
incendio absumptam restitutamque
razão pela qual sempre perdoava aqueles que lhe
confessavam sua obscenidade.
Capítulo XXX
(1) Quanto às riquezas e ao dinheiro, achava ele
que a única maneira de usufruí-los era gastá-los
desenfreadamente. Considerava avaros e
sórdidos os indivíduos que mantêm registros de
suas despesas, e verdadeiramente magníficos os
que abusam da fortuna e a esbanjam.
(2) Se por acaso admirava e celebrava seu tio
Caio
23
, era porque ele dizimara em pouco tempo
as riquezas imensas deixadas por Tibério.
(3) Desse modo, o tinha medidas em seus
gastos e liberalidades.
(4) A fim de receber Tiridates, e isso pode
parecer incompreensível, arrancou do tesouro
oitocentos mil sestércios por dia, dando ao rei,
quando partiu, mais de cem milhões.
(5) Menecrates, o citaredo, e Espículo, o
mirmilão, receberam patrimônios e edificações
de vencedores.
(6) Depois de enriquecer o usurário Panero
Cercopiteco com propriedades situadas na
cidade e no campo, concedeu-lhe funerais quase
principescos.
(7) Não usava jamais o mesmo traje duas vezes.
No jogo de dados, arriscava quatrocentos mil
sestércios por lance. Pescava com uma rede de
ouro, amarrada com cordas tecidas de púrpura e
quermes.
(8) Conta-se que viajava levando pelo menos
mil viaturas, mulas ferradas de prata e
condutores que trajavam de Canúsio, assim
como uma multidão de Mazacos e batedores
cobertos de enfeites e braceletes.
Capítulo XXXI
(1) Mas foi sobretudo em construções que
desperdiçou dinheiro. Edificou uma casa que ia
do Palatino ao Esquilino, chamando-a
inicialmente “A Passagem”; depois, como um
69
auream nominauit. De cuius spatio atque
cultu suffecerit haec rettulisse.
Vestibulum eius fuit, in quo colossus
CXX pedum staret ipsius effigie; tanta
laxitas, ut porticus triplices miliarias
haberet; item stagnum maris instar,
circumsaeptum aedificiis ad urbium
speciem; rura insuper aruis atque uinetis et
pascuis siluisque uaria, cum multitudine
omnis generis pecudum ac ferarum.
(2) In ceteris partibus cuncta auro lita,
distincta gemmis unionumque conchis
erant; cenationes laqueatae tabulis
eburneis uersatilibus, ut flores, fistulatis,
ut unguenta desuper spargerentur;
praecipua cenationum rotunda, quae
perpetuo diebus ac noctibus uice mundi
circumageretur; balineae marinis et albulis
fluentes aquis. eius modi domum cum
absolutam dedicaret, hactenus
comprobauit, ut se diceret quasi hominem
tandem habitare coepisse.
(3) Praeterea incohabat piscinam a Miseno
ad Auernum lacum contectam
porticibusque conclusam, quo quidquid
totis Bais calidarum aquarum esset
conuerteretur; fossam ab Auerno Ostiam
usque, ut nauibus nec tamen mari iretur,
longitudinis per centum sexaginta milia,
latitudinis, qua contrariae quinqueremes
commearent. Quorum operum
perficiendorum gratia quod ubique esset
custodiae in Italiam deportari, etiam
scelere conuictos non nisi ad opus
damnari praeceperat.
(4) Ad hunc impendiorum furorem, super
fiduciam imperii, etiam spe quadam
repentina immensarum et reconditarum
opum impulsus est ex indicio equitis R.
pro comperto pollicentis thesauros
antiquissimae gazae, quos Dido regina
fugiens Tyro secum extulisset, esse in
Africa uastissimis specubus abditos ac
posse erui paruula molientium opera.
incêndio a tivesse destruído, reergueu-a com o
nome de Domus Aurea. Para dar uma idéia de
sua extensão e esplendor, basta isto: no
vestíbulo, fora possível erguer uma estátua
colossal de Nero, com cento e vinte pés de
altura; a casa era tão vasta que encerrava
pórticos de três colunatas com mil passos de
comprimento, um lago semelhante a um mar,
rodeado de edifícios parecidos a vilas e, ainda
por cima, um trato de campo onde se viam
plantações, vinhedos, pastagens e florestas
cheias de animais selvagens e domésticos de
todas as espécies.
(2) O resto da construção era revestido de
dourado, pedras preciosas e madrepérola. O teto
das salas de refeições apresentava placas de
marfim móveis e perfuradas, para se poder
esparzir do alto, sobre os convivas, flores e
perfumes. A principal era redonda e girava dia e
noite sobre si mesma, como o mundo. Nas salas
de banho corriam águas do mar e de Álbula.
Quando esse palácio foi terminado e Nero o
inaugurou, todos os seus elogios se resumiram
na seguinte frase: “Agora, finalmente, vou
morar como um homem”.
(3) Idealizou também a construção de uma
piscina que se estenderia do Miseno ao lago
Averno, inteiramente coberta e rodeada de
pórticos, para a qual deveriam convergir todas
as águas termais de Baias; um canal desde
o Averno até Ostia, o qual permitiria ir até essa
cidade de barco, evitando-se o mar: o
comprimento seria de cento e sessenta milhas e
a largura suficiente para a passagem de duas
galeras de cinco bancadas de remos navegando
em sentido contrário. A fim de executar tão
grandiosas obras, mandou transportar para a
Itália todos os prisioneiros do Império e
condená-los a trabalhos forçados por qualquer
crime.
(4) O que o arrastou a esse fernesi de despesas
foi, além de sua confiança nos recursos do
Império, a esperança súbita de descobrir
imensas riquezas soterradas, conforme lhe
garantia um cavaleiro romano segundo o qual o
antigo tesouro levado pela rainha Dido quando
ela fugira de Tiro achava-se na África, oculto
em fundas cavernas, podendo-se recuperá-lo
com um mínimo de esforço.
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Capítulo XXXII
(1) Verum ut spes fefellit, destitutus atque
ita iam exhaustus et egens ut stipendia
quoque militum et commoda ueteranorum
protrahi ac differri necesse esset,
calumniis rapinisque intendit animum.
(2) Ante omnia instituit, ut e libertorum
defunctorum bonis pro semisse dextans ei
cogeretur, qui sine probabili causa eo
nomine essent, quo fuissent ullae familiae
quas ipse contingeret; deinde, ut
ingratorum in principem testamenta ad
fiscum pertinerent, ac ne impune esset
studiosis iuris, qui scripsissent uel
dictassent ea tunc ut lege maiestatis facta
dictaque omnia, quibus modo delator non
deesset, tenerentur.
(3) Reuocauit et praemia coronarum, quae
umquam sibi ciuitates in certaminibus
detulissent.
(4) Et cum interdixisset usum amethystini
ac Tyrii coloris summisissetque qui
nundinarum die pauculas uncias uenderet,
praeclusit cunctos negotiatores.
(5) Quin etiam inter canendum
animaduersum matronam in spectaculis
uetita purpura cultam demonstrasse
procuratoribus suis dicitur detractamque
ilico non ueste modo sed et bonis exuit.
(6) Nulli delegauit officium ut non
adiceret: "Scis quid mihi opus sit," et:
"Hoc agamus, ne quis quicquam habeat."
(7) Vltimo templis compluribus dona
detraxit simulacraque ex auro uel argento
fabricata conflauit, in iis Penatium
deorum, quae mox Galba restituit.
Capítulo XXXIII
(1) Parricida et caedes a Claudio exorsus
est, cuius necis etsi non auctor, at conscius
fuit, neque dissimulanter, ut qui boletos,
in quo cibi genere uenenum is acceperat,
Capítulo XXXII
(1) Entretanto, depois, desencorajado pela ruína
dessas esperanças, vendo-se tão desprovido de
recursos que precisou adiar o pagamento dos
soldados e a regulamentação das pensões dos
veteranos, recorreu à chicana e à rapina.
(2) Antes de qualquer coisa, estabeleceu que lhe
deixariam não a metade, mas cinco sextos dos
bens deixados em herança pelos libertos que
ostentassem, sem motivo válido, o nome de uma
das famílias às quais ele era aparentado; em
seguida, que a sucessão das pessoas que se
haviam mostrado, por ocasião da morte, ingratas
para com o Imperador reverteria ao fisco, não se
deixando impunes os jurisconsultos que
ditassem ou escrevessem semelhantes
testamentos; enfim, que a lei de lesa-majestade
seria aplicável a toda ação ou palavra
simplesmente denunciada por um delator.
(3) Exigiu mesmo o reembolso do preço de
todas as coroas que as cidades lhe haviam
conferido nos concursos, sem importar a data.
(4) Tendo proibido o uso de tinturas violeta e
púrpura, encarregou alguns de seus agentes de
vender certa quantidade delas num dia de feira e
mandou prender todos os comerciantes.
(5) E mais: estando a cantar um dia, avistou na
multidão uma matrona vestida com essa púrpura
proibida, assinalou-a, diz-se aos intendentes do
fisco e despojou-a, não apenas da roupa, mas
dos bens.
(6) Nunca dava um ofício a alguém sem
acrescentar: “Já sabes do que preciso” ou
“Façamos de modo a não deixar nada a
ninguém”.
(7) Descontente, despojou os templos de suas
oferendas e fez fundir as estátuas de ouro e
prata, entre outras as dos dois Penates, mais
tarde restabelecidas por Galba.
Capítulo XXXIII
(1) Seus crimes e parricídios começaram pelo
assassinato de Cláudio, pois, se não foi o seu
autor, foi pelo menos seu cúmplice; e, longe de
disfarçar, tomou a partir desse dia o hábito de
citar um provérbio grego que celebrava como
71
quasi deorum cibum posthac prouerbio
Graeco conlaudare sit solitus. Certe
omnibus rerum uerborumque contumeliis
mortuum insectatus est, modo stultitiae,
modo saeuitiae arguens; nam et morari
eum desisse inter homines producta prima
syllaba iocabatur multaque decerta et
constituta, ut insipientis atque deliri, pro
irritis habuit; denique bustum eius
consaepiri nisi humili leuique maceria
neglexit.
(2) Britannicum non minus aemulatione
uocis, quae illi iucundior suppetebat,
quam metu ne quandoque apud hominum
gratiam paterna memoria praeualeret,
ueneno adgressus est.
(3) Quod acceptum a quadam Lucusta,
uenenariorum indice, cum opinione
tardius cederet uentre modo Britannici
modo, accersitam mulierem sua manu
uerberauit arguens pro ueneno remedium
dedisse, excusantique minus datum ad
occultandam facinoris inuidiam: "Sane"
inquit, "legem Iuliam timeo," coegitque se
coram in cubiculo quam posset
uelocissimum ac praesentaneum coquere.
(4) Deinde in haedo expertus, postquam is
quinque horas protraxit, iterum ac saepius
recoctum procello obiecit; quo statim
exanimato inferri in triclinium darique
cenati secum Britannico imperauit.
(5) Et cum ille ad primum gustum
concidisset, comitiali morbo ex
consuetudine correptum apud conuiuas
ementitus postero die raptim inter
maximos imbres tralaticio extulit funere.
(6) Lucustae pro nauata opera
impunitatem praediaque ampla, sed et
discipulos dedit.
petisco divino os cogumelos utilizados para
envenenar aquele príncipe. Em todo caso, não
poupou insultos à memória dele, fosse em
palavras, fosse em atos, recriminando-lhe ora a
estupidez, ora a crueldade. Dizia, por exemplo,
que Cláudio deixara de viver entre os homens,
jogando com a palavra morari, mas alongando a
primeira sílaba de sorte que ela passava a
significar que deixara de fazer-se de tolo.
Revogou, a pretexto de loucura e extravagância,
bom número de seus decretos e regulamentos;
por fim, a cerca que deitou à volta do sepulcro
do antecessor não passava de um muro delgado.
(2) Tinha ciúmes de Britânico, o qual tinha voz
mais agradável que a sua, e temendo ainda ser
por ele sobrepujado na condição pública devido
à lembrança do pai, administrou-lhe veneno.
(3) Esse veneno fora preparado por uma tal de
Locusta, que os fabricava de todos os tipos; mas,
como agia mais lentamente do que o esperado,
provocando na vítima uma simples disenteria,
mandou vir aquela mulher e golpeou-a com as
próprias mãos, dizendo que ela lhe mandara um
remédio e não um veneno. Locusta replicou que
havia preparado uma dose fraca para dissimular
um crime tão odioso, ao que ele respondeu: “Oh
sim, tenho medo da lei Júlia!” e obrigou-a a
destilar diante de seus olhos, no seu próprio
quarto, a droga mais rápida possível, ou mesmo
fulminante.
(4) Testou-a num cabrito, mas como o animal
ainda vivesse por cinco horas, fez com que
Locusta o recozesse várias vezes e o
administrasse a um leitão; tendo este morrido
imediatamente, ordenou que levassem o tóxico
para a sala de refeições e o dessem a Britânico,
que ceava com ele.
(5) E, como ele tombou logo depois de ingerir a
bebida , Nero dizendo aos convivas que aquilo
não passava de uma de suas crises habituais de
epilepsia, no dia seguinte, a fim de que fosse
sepultado, providenciou às pressas e sem
nenhuma suntuosidade, debaixo de uma chuva
torrencial.
(6) Quanto a Locusta, como pagamento dos seus
serviços, concedeu-lhe a impunidade, vastos
domínios e até mesmo discípulos.
72
Capítulo XXXIV
(1) Matrem facta dictaque sua
exquirentem acerbius et corrigentem
hactenus primo grauabatur, ut inuidia
identidem oneraret quasi cessurus imperio
Rhodumque abiturus, mox et honore omni
et potestate priuauit abductaque militum et
Germanorum statione contubernio quoque
ac Palatio expulit; neque in diuexanda
quicquam pensi habuit, summissis qui et
Romae morantem litibus et in secessu
quiescentem per conuicia et iocos terra
marique praeteruehentes inquietarent.
(2) Verum minis eius ac uiolentia territus
perdere statuit; et cum ter ueneno
temptasset sentiretque antidotis
praemunitam, lacunaria, quae noctu super
dormientem laxata machina deciderent,
parauit.
(3) Hoc consilio per conscios parum
celato solutilem nauem, cuius uel
naufragio uel camarae ruina periret,
commentus est atque ita reconciliatione
simulata iucundissimis litteris Baias
euocauit ad sollemnia Quinquatruum
simul celebranda; datoque negotio
trierarchis, qui liburnicam qua aduecta
erat uelut fortuito concursu confringerent,
protraxit conuiuium repetentique Baulos
in locum corrupti nauigii machinosum
illud optulit, hilare prosecutus atque in
digressu papillas quoque exosculatus.
(4) Reliquum temporis cum magna
trepidatione uigilauit opperiens coeptorum
exitum.
(5) Sed ut diuersa omnia nandoque
euasisse eam comperit, inops consilii L.
Agermum libertum eius saluam et
incolumem cum gaudio nuntiantem,
abiecto clam iuxta pugione ut
percussorem sibi subornatum arripi
constringique iussit, matrem occidi, quasi
deprehensum crimen uoluntaria morte
uitasset.
Capítulo XXXIV
(1) Cansado de ver sua mãe controlar e criticar
rigidamente seus atos e palavras, Nero de início
se limitou a ameaçá-la por diversas vezes com o
ódio público, fingindo querer abdicar do
Império e ir para Rodes; em seguida, privou-a
de todas as honras e de todo o poder, tirou-lhe a
guarda pessoal de soldados e germanos, para
acabar banindo-a de sua presença e do Palatino;
daí por diante, nada descuidando que a pudesse
transtornar, subornou pessoas que lhe moviam
processos quando ela estava em Roma e, se
buscava refúgio fora, perseguiam-na com
zombarias e injúrias, passando à frente de sua
casa por terra ou mar.
(2) Porém, preocupado com suas ameaças e
transbordamentos, decidiu-se a eliminá-la; por
três vezes tentou dar-lhe veneno, mas,
percebendo que Agripina se munira de
antídotos, mandou soltar as vigas de seu teto de
um modo tal que a ação de um mecanismo o
faria tombar sobre ela enquanto dormisse.
(3) Os cúmplices, no entanto, guardaram mal o
segredo, e Nero pensou em um barco
desmontável, no qual a mãe sucumbiria por
naufrágio ou por queda do passadiço; em
seguida, fingindo querer reconciliar-se,
convidou-a mediante uma carta das mais
afetuosas a vir celebrar com ele, em Baias, as
solenidades Quinquátrias
24
; ali, confiando aos
comandantes dos navios a missão de
estraçalharem como por um choque fortuito a
nau libúrnea que a trouxera, prolongou o festim
e ofereceu-lhe, para o retomo, o navio sabotado
em lugar do que ficara imprestável.
Acompanhou-a e chegou a beijar-lhe o peito no
momento de deixá-la.
(4) Passou o resto da noite a velar, muito
agitado, aguardando o desfecho da empresa.
(5) Mas, quando soube que tudo saíra mal e que
Agripina se salvara a nado, ficou decepcionado.
E quando Lúcio Agermo, liberto de sua mãe,
apareceu cheio de alegria a anunciar-lhe que ela
estava e salva, ocultou um punhal a seu lado
e, alegando que Agermo fora enviado por
Agripina para assassiná-1o, ordenou que o
prendessem e executassem sua mãe, que
passaria por ter-se suicidado quando a tentativa
de crime foi descoberta.
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(6) Adduntur his atrociora nec incertis
auctoribus: ad uisendum interfectae
cadauer accurrisse, contrectasse membra,
alia uituperasse, sitique interim oborta
bibisse.
(7) Neque tamen conscientiam sceleris,
quamquam et militum et senatus
populique gratulationibus confirmarentur,
aut statim aut umquam postea ferre potuit,
saepe confessus exagitari se materna
specie uerberibusque Furiarum ac taedis
ardentibus.
(8) Quin et facto per Magos sacro euocare
Manes et exorare temptauit.
Peregrinatione quidem Graeciae et
Eleusinis sacris, quorum initiatione impii
et scelerati uoce praeconis summouentur,
interesse non ausus est.
(9) Iunxit parricido matris amitae necem.
Quam cum ex duritie alui cubantem
uisitaret, et illa tractans lanuginem eius, ut
assolet, iam grandis natu per blanditias
forte dixisset: "Simul hanc excepero, mori
uolo," conuersus ad proximos confestim
se positurum uelut irridens ait,
praecepitque medicis ut largius purgarent
aegram; necdum defunctae bona inuasit
suppresso testamento, ne quid abscederet.
Capítulo XXXV
(1) Vxores praeter Octauiam duas postea
duxit, Poppaeam Sabinam quaestorio
patre natam et equiti Romano antea
nuptam, deinde Statiliam Messalinam
Tauri bis consulis ac triumphalis
abneptem.
(2) Qua ut poteretur, uirum eius Atticum
Vestinum consulem in honore ipso
trucidauit.
(3) Octauiae consuetudinem cito
aspernatus corripientibus amicis sufficere
illi debere respondit uxoria ornamenta.
(6) Acrescentam-se, e não sem base, certos
detalhes ainda mais atrozes: Nero teria acorrido
para examinar o cadáver da mãe, apalpado seus
membros, vituperado algumas partes, elogiado
outras, tudo isso enquanto bebia.
(7) Mas, apesar de reconfortado pelas
felicitações dos soldados, dos senadores e do
povo, não conseguiu jamais, nem nesse
momento nem mais tarde, estancar os remorsos;
freqüentemente desabafava que era perseguido
pelo fantasma da morta, pelo açoite e pelas
tochas inflamadas das Fúrias.
(8) Tentou, de fato, recorrendo aos cultos dos
magos, evocar e aplacar os manes de Agripina.
Durante sua viagem à Grécia, não ousou assistir
aos mistérios de Elêusis porque a voz do arauto
proibia a iniciação dos ímpios e criminosos.
(9) Acrescentou ainda ao matricídio o
assassinato de sua tia. Indo visitá-la quando ela
guardava o leito em virtude de uma constipação
obstinada, a enferma acariciou-lhe a barba
nascente e, para adulá-lo com um gesto comum
às pessoas idosas, murmurou: “Depois que eu a
tiver recebido, poderei morrer”. Então Nero,
voltando-se para seus acompanhantes, declarou,
como se brincasse, que “logo a rasparia” e
ordenou aos médicos que ministrassem à tia um
purgante enérgico. Sem esperar que ela
morresse, apossou-se de seus bens e deu sumiço
a seu testamento, a fim de que nada lhe
escapasse.
Capítulo XXXV
(1) Teve depois de Otávia, duas outras esposas;
Popéia Sabina, filha de um ex-questor, antes
casada com um cavaleiro romano e, em seguida,
Estatília Messalina, bisneta de Tauro, que foi
duas vezes nsul e mereceu as honras do
triunfo.
(2) A fim de poder desposar esta última,
mandou matar-lhe o marido, Ático Vestino, em
pleno exercício do consulado.
(3) Tendo-se desgostado logo de Otávia,
respondeu aos amigos que o censuravam: “Ela
deve contentar-se com os ornamentos do
matrimônio”.
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(4) Eandem mox saepe frustra strangulare
meditatus dimisit ut sterilem, sed
improbante diuortium populo nec parcente
conuiciis etiam relegauit, denique occidit
sub crimine adulteriorum adeo impudenti
falsoque, ut in quaestione pernegantibus
cunctis Anicetum paedagogum suum
indicem subiecerit, qui fingeret et dolo
stupratam a se fateretur.
(5) Poppaeam duodecimo die post
diuortium Octauiae in matrimonium
acceptam dilexit unice; et tamen ipsam
quoque ictu calcis occidit, quod se ex
aurigatione sero reuersum grauida et aegra
conuiciis incesserat.
(6) Ex hac filiam tulit Claudiam
Augustam amisitque admodum infantem.
(7) Nullum adeo necessitudinis genus est,
quod non scelere perculerit. Antoniam
Claudi filiam, recusantem post Poppaeam
mortem nuptias suas quasi molitricem
nouarum rerum interemit; similiter ceteros
aut affinitate aliqua sibi aut propinquitate
coniunctos; in quibus Aulum Plautium
iuuenem, quem cum ante mortem per uim
conspurcasset: "Eat nunc", inquit, "mater
mea et successorem meum osculetur",
iactans dilectum ab ea et ad spem imperii
impulsum.
(9) Priuignum Rufrium Crispinum
Poppaea natum impuberem adhuc, quia
ferebatur ducatus et imperia ludere,
mergendum mari, dum piscaretur, seruis
ipsius demandauit.
(10) Tuscum nutricis filium relegauit,
quod in procuratione Aegypti balineis in
aduentum suum exstructis lauisset.
(11) Senecam praeceptorem ad necem
compulit, quamuis saepe commeatum
petenti bonisque cedenti persancte iurasset
suspectum se frustra periturumque potius
quam nociturum ei.
(4) Logo depois, após determinar por diversas
vezes, sem êxito, que a estrangulassem,
repudiou-a a pretexto de esterilidade; todavia,
como o povo reprovasse esse divórcio e não lhe
poupasse injúrias, expatriou-a e, por fim,
mandou executá-la alegando adultério. A
acusação era tão impudente e tão caluniosa que,
na instrução, todas as testemunhas persistiram
na negativa, obrigando-o a subornar o
depoimento de seu pedagogo Aniceto, que a si
próprio se acusou, falsamente, de a ter estuprado
recorrendo à astúcia.
(5) Onze dias após seu divórcio com Otávia,
desposou Popéia, a quem amava acima de tudo;
ainda assim a matou com um pontapé, porque,
grávida e doente, ela o censurara uma noite em
que ele voltara tarde de uma corrida de carros.
(6) De Popéia teve uma filha, Cláudia Augusta,
que faleceu ainda criança.
(7) Não houve parentes diante de quem seus
crimes recuaram. Como Antônia, a filha de
Cláudio, se recusasse a desposá-lo após a morte
de Popéia, fê-la perecer alegando que ela
incitava uma revolução; de igual modo tratou as
pessoas a ele ligadas ou aparentadas num grau
qualquer, entre outras o jovem Aulo Pláucio:
antes de enviá-lo ao suplício, violentou-o e
bradou: “Agora, que venha minha mãe e beije
meu sucessor”, querendo dizer com isso que
Agripina estimava Pláucio e animara-o a esperar
o Império.
(9) Informado de que seu enteado Rúfrio
Crispino, filho de Popéia, nos folguedos
infantis, dava-se o papel de general e Imperador,
ordenou aos próprios escravos dele que o
afogassem no mar, enquanto pescava.
(10) Desterrou Tusco, seu irmão de leite,
porque, sendo procurador no Egito, banhara-se
nas termas construídas para a chegada do
Imperador.
(11) Forçou Sêneca, seu preceptor, a suicidar-se,
embora ele houvesse jurado, quando insistia em
aposentar-se deixando a Nero todos os seus
bens, que as suspeitas deste eram infundadas e
que preferiria morrer a causar-lhe algum mal.
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(12) Burro praefecto remedium ad fauces
pollicitus toxicum misit. Libertos diuites
et senes, olim adoptionis mox
dominationis suae fautores atque rectores,
ueneno partim cibis, partim potionibus
indito intercepit.
Capítulo XXXVI
(1) Nec minore saeuitia foris et in exteros
grassatus est. Stella crinita, quae summis
potestatibus exitium portendere uulgo
putatur, per continuas noctes oriri
coeperat.
(2) Anxius ea re, ut ex Balbillo astrologo
didicit, solere reges talia ostenta caede
aliqua illustri expiare atque a semet in
capita procerum depellere, nobilissimo
cuique exitium destinauit; enimuero multo
magis et quasi per iustam causam duabus
coniurationibus prouulgatis, quarum prior
maiorque Pisoniana Romae, posterior
Viniciana Beneuenti conflata atque
detecta est.
(3) Coniurati e uinculis triplicium
catenarum dixere causam, cum quidam
ultro crimen faterentur, nonnulli etiam
imputarent, tamquam aliter illi non
possent nisi morte succurrere dedecorato
flagitiis omnibus.
(4) Damnatorum liberi urbe pulsi
enectique ueneno aut fame; constat
quosdam cum paedagogis et capsaris uno
prandio pariter necatos, alios diurnum
uictum prohibitos quaerere.
Capítulo XXXVII
(1) Nullus posthac adhibitus dilectus aut
modus interimendi quoscumque libuisset
quacumque de causa.
(2) Sed ne de pluribus referam, Saluidieno
Orfito obiectum est, quod tabernas tres de
domo sua circa Forum ciuitatibus ad
(12) A Burro, prefeito do pretório, prometeu um
remédio para a garganta e enviou-lhe um
veneno. Quanto a seus libertos, ricos e velhos,
que haviam preparado sua adoção, ajudaram-no
a ascender ao Império e foram seus mentores,
fê-los desaparecer a todos, envenenando-lhes a
comida ou a bebida.
Capítulo XXXVI
(1) Investiu com a mesma crueldade fora de casa
e para com os estranhos. Um cometa, um astro
que, segundo a crendice popular, anuncia a
ruína dos poderosos, apareceu diversas noites
seguidas.
(2) Amedrontado com essa ameaça, ao ouvir do
astrólogo Balbilo que em geral os reis
conjuravam semelhantes presságios imolando
alguma vítima ilustre e transferindo-os para os
grandes personagens, resolveu eliminar todos os
cidadãos da nobreza; o que, seguramente,
confirmou-o nessa decisão e de certa forma a
legitimou foi o desmascaramento de duas
conjuras, das quais a primeira, e mais
importante, a de Pisão, tinha sido tramada em
Roma, e a segunda, a de Vinício, em Benevento.
(3) Os conjurados defenderam sua causa
cobertos de tríplices cadeias. Alguns
confessaram espontaneamente seu projeto,
outros até se orgulharam da empresa,
pretendendo que podiam ajudá-lo matando-o,
pois o Imperador se emporcalhou com todas as
vergonhas.
(4) Os filhos dos condenados foram expulsos de
Roma, acabando por morrer de fome ou
envenenados. Sabe-se que alguns receberam o
veneno quando de um repasto, ao mesmo tempo
que seus pedagogos e os escravos que
carregavam suas caixas de livros, e que outros
se viram impedidos de procurar o alimento
cotidiano.
Capítulo XXXVII
(1) Daí por diante, sem nenhum critério, sem
observar nenhuma medida, ao sabor unicamente
de seus caprichos e por qualquer pretexto,
multiplicava as condenações à morte.
(2) Para ater-me a alguns exemplos: Salvidieno
Orfito foi acusado de ter alugado, em caráter
eventual, aos deputados das cidades, três lojas
que faziam parte de sua casa vizinha ao Fórum;
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stationem locasset, Cassio Longino iuris
consulto ac luminibus orbato, quod in
uetere gentili stemmate C. Cassi
percussoris Caesaris imagines retinuisset,
Paeto Thraseae tristior et paedagogi
uultus.
(3) Mori iussis non amplius quam
horarum spatium dabat; ac ne quid morae
interueniret, medicos admouebat, qui
cunctantes continuo curarent; ita enim
uocabatur uenas mortis gratia incidere.
(4) Creditur etiam polyphago cuidam
Aegypti generis crudam carnem et
quidquid daretur mandere assueto,
concupisse uiuos homines laniandos
absumendosque obicere.
(5) Elatus inflatusque tantis uelut
successibus negauit quemquam principum
scisse, quid sibi liceret, multasque nec
dubias significationes saepe iecit, ne
reliquis quidem se parsurum senatoribus,
eumque ordinem sublaturum quandoque e
re publica ac prouincias et exercitus equiti
Romano ac libertis permissurum.
(6) Certe neque adueniens neque
proficiscens quemquam osculo impertiit
ac ne resalutatione quidem; et in
auspicando opere Isthmi magna frequentia
clare, ut sibi ac populo Romano bene res
uerteret, optauit dissimulata senatus
mentione.
Capítulo XXXVIII
(1) Sed nec populo aut moenibus patriae
pepercit.
(2) Dicente quodam in sermone communi:
"Emou thanontos gaia michtheto pyri"
"Immo", inquit, "emou zontos," planeque
ita fecit.
(3) Nam quasi offensus deformitate
ueterum aedificorum et angustiis
flexurisque uicorum,incendit urbem tam
palam, ut plerique consulares cubicularios
eius cum stuppa taedaque in praediis suis
Cássio Longino, jurista cego, por ter deixado
num antigo quadro genealógico de sua família a
imagem de Caio Cássio, um dos assassinos de
César; Peto Traséias, de ter o rosto triste de um
pedagogo.
(3) Concedia umas poucas horas aos que deviam
morrer; e, para evitar atrasos, enviava-lhes
médicos encarregados, na eventualidade de
hesitações, de cuidar deles imediatamente; assim
se referia ao ato de abrir-lhes as veias para
provocar a morte.
(4) Acredita-se mesmo que quis dar homens
vivos a dilacerar e a comer a um polífago
egípcio habituado a ingerir carne crua e tudo o
que lhe fosse apresentado.
(5) Exaltado de orgulho por esses brilhantes
“sucessos”, declarou: “Nunca outro Imperador
soube tudo o que lhe fora permitido”.
Freqüentemente dava a entender, mediante
alusões bastante claras, que não pouparia o resto
do Senado e que um dia eliminaria essa ordem
da República para confiar as províncias e os
exércitos a cavaleiros romanos ou libertos.
(6) É certo que, ao entrar ou sair da cúria jamais
abraçava alguém, nem respondia a saudações.
Antes de iniciar as obras do Istmo, disse em voz
alta, diante de considerável multidão, que
ansiava pelo êxito da empresa, para ele próprio e
o povo romano, sem mencionar o Senado.
Capítulo XXXVIII
(1) Nem o povo nem as próprias muralhas de
sua pátria poupou.
(2) Como alguém dissesse, em meio a uma
conversação generalizada: Após minha morte,
que desapareça em chamas a terra”, atalhou:
“Oh não, que desapareça estando eu vivo!” e
de fato realizou esse sonho.
(3) Alegando estar chocado com a aparência
dos velhos edifícios, com a estreiteza e
sinuosidade das ruas, atiçou fogo a Roma. E
disfarçou tão pouco que diversos consulares,
surpreendendo em suas propriedades escravos
imperiais munidos de estopa e tochas, não
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deprehensos non attigerint, et quaedam
horrea circum domum Auream, quorum
spatium maxime desiderabat, ut bellicis
machinis labefacta atque inflammata sint
quod saxeo muro constructa erant.
(4) Per sex dies septemque noctes ea clade
saeuitum est ad monumentorum
bustorumque deuersoria plebe compulsa.
(5) Tunc praeter immensum numerum
insularum domus priscorum ducum
arserunt hostilibus adhuc spoliis adornatae
deorumque aedes ab regibus ac deinde
Punicis et Gallicis bellis uotae
dedicataeque, et quidquid uisendum atque
memorabile ex antiquitate durauerat.
(6) Hoc incendium e turre Maecenatiana
prospectans laetusque "flammae", ut
aiebat, "pulchritudine", Halosin Ilii in illo
suo scaenico habitu decantauit.
(7) Ac ne non hinc quoque quantum posse
praedae et manubiarium inuaderet,
pollicitus cadauerum et ruderum gratuitam
egestionem nemini ad reliquias rerum
suarum adire permisit; conlationibusque
non receptis modo uerum et efflagitatis
prouincias priuatorumque census prope
exhausit.
Capítulo XXXIX
(1) Accesserunt tantis ex principe malis
probrisque quaedam et fortuita: pestilentia
unius autumni, quo triginta funerum milia
in rationem Libitinae uenerunt; clades
Britannica, qua duo praecipua oppida
magna ciuium sociorumque caede direpta
sunt; ignominia ad Orientem legionibus in
Armenia sub iugum missis aegreque Syria
retenta.
(2) Mirum et uel praecipue notabile inter
haec fuerit nihil eum patientius quam
maledicta et conuicia hominum
tulisse,neque in ullos leniorem quam qui
se dictis aut carminibus lacessissent
exstitisse.
ousaram detê-los; além disso alguns depósitos
de trigo, situados perto da Domus Aurea e por
ele cobiçados, foram abatidos por máquinas de
guerra e incendiados, pois eram de pedra.
(4) Por seis dias e sete noites, a calamidade
assolou, obrigando a plebe a abrigar-se nos
monumentos públicos e nos sepulcros.
(5) Depois de devastar incontáveis habitações
coletivas, as chamas devoraram as casas dos
antigos generais, ainda ornamentadas com os
despojos inimigos, os templos dos deuses
votados e consagrados pelos reis e, quando das
guerras Gálicas e Púnicas, enfim, todos os
monumentos curiosos e memoráveis que
restavam do passado.
(6) Saboreava esse espetáculo do alto da coluna
de Mecenas e, fascinado, segundo dizia, “pela
beleza das chamas”, cantou a ruína de Tróia em
vestes de teatro.
(7) Para não perder aquela oportunidade de
reunir a maior quantidade de espólio que
pudesse, prometeu remover gratuitamente os
cadáveres e os escombros, não deixando
ninguém aproximar-se do resto de seus bens.
Em seguida, não contente em aceitar
contribuições pecuniárias, passou a exigi-las, o
que quase reduziu à falência as províncias e os
particulares.
Capítulo XXXIX
(1) A o grandes males, a tão inigualáveis
vergonhas, provocadas pelo Imperador, vieram
juntar-se inúmeras calamidades devidas ao
acaso: uma peste que fez inscrever num único
outono o nome de trinta mil vítimas por
registros de Libitina; um desastre na Bretanha,
onde o inimigo saqueou duas praças
importantes, massacrando uma multidão de
cidadãos e aliados; no Oriente, uma derrota
vergonhosa, que obrigou nossas legiões a passar
sob o jugo em terras armênias e quase nos
custou a Síria.
(2) Em meio a tudo isso, o que pode parecer
extraordinário e especialmente digno de nota é o
fato de suportar com a máxima paciência as
sátiras e as injúrias, dando prova de extrema
tolerância para com as pessoas que o criticavam
com palavras ou versos.
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(3) Multa Graece Latineque proscripta aut
uulgata sunt, sicut illa:
Neron Orestes Alkmeon metroktonos.
Neopsephon; Neron idian metera
apekteine
Quis negat Aeneae magna de stirpe
Neronem?
Sustulit hic matrem, sustulit ille patrem.
Dum tendit citharam noster, dum cornua
Parthus,
Noster erit Paean, ille Hecatebeletes.
Roma domus fiet; Veios migrate, Quirites,
Si non et Veios occupat ista domus.
(4) Sed neque auctores requisiuit et
quosdam per indicem delatos ad senatum
adfici grauiore poena prohibuit.
(5) Transeuntem eum Isidorus Cynicus in
publico clara uoce corripuerat, quod
Naupli mala bene cantitaret, sua bona
male disponeret; et Datus Atellanarum
histrio in cantico quodam
ygiaine pater, ygiaine meter
ita demonstrauerat, ut bibentem
natantemque faceret, exitum scilicet
Claudi Agrippinaeque significans, et
nouissima clausula,
Orcus uobis ducit pedes,
senatum gestu notarat.
(6) Histrionem et philosophum Nero nihil
amplius quam urbe Italiaque summouit,
uel contemptu omnis infimiae uel ne
fatendo dolorem irritaret ingenia.
Capítulo XL
(1) Talem principem paulo minus
quattuordecim annos perpessus terrarum
orbis tandem destituit, initium facientibus
Gallis duce Iulio Vindice, qui tum eam
prouinciam pro praetore optinebat.
(2) Praedictum a mathematicis Neroni
olim erat fore ut quandoque destitueretur;
unde illa uox eius celeberrima: "To
technion hemas diathrephei", quo maiore
(3) Afixavam-se ou divulgavam-se epigramas
gregos e latinos como estes:
Nero, Orestes, Alcmeon: matricidas.
A última notícia: Nero matou a própria mãe.
Então não é Nero da estirpe ilustre de Enéias?
Este carregou o pai, aquele carregou com a
mãe.
Este afina a lira, o parta afina o arco.
Um será Peã, o outro Hecatebeletes.
Roma se tornará sua casa: emigrai para
Veios,Ó Quirites,
Se essa casa também Veios não ocupar.
(4) Não tentou descobrir os autores desses
epigramas, e até, tendo alguns deles sido
denunciados, proibiu aos senadores infligir-lhes
penas demasiado severas.
(5) Certa vez, vendo-o passar, Isidoro, o Cínico,
censurou-o em altos brados por cantar bem as
desgraças de Náuplios e administrar mal os
próprios bens. Dato, ator de atelanas, recitando
este verso de uma passagem lírica:
Saúde, pai, saúde, mãe!, fizera os gestos de
beber e nadar, alusão transparente à morte de
Cláudio e de Agripina; depois, chegado ao verso
final: O Inferno te puxa pelos pés, apontou para
o Senado.
(6) Nero, entretanto, contentou-se em banir o
ator e o filósofo de Roma e da Itália, fosse por
depreciar completamente a opinião pública,
fosse por temer, se mostrasse ressentimento,
irritar ainda mais os espíritos.
Capítulo XL
(1) O mundo, após suportar semelhante
Imperador por pouco menos de catorze anos,
depô-lo enfim, e foram os gauleses que deram o
sinal, sob o comando de Júlio Víndice, que
então governava aquela província como pretor.
(2) Certa feita, os astrólogos haviam previsto a
Nero que ele seria deposto; por isso, costumava
dizer: “A arte nos sustentará”, evidentemente
para se desculpar do cultivo da arte dos
citaredos, agradável a um príncipe, mas
necessária a um simples particular.
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sciliet uenia meditaretur citharoedicam
artem, principi sibi gratam, priuato
necessariam.
(3) Spoponderant tamen quidam destituto
Orientis dominationem, nonnulli
nominatim regnum Hierosolymorum,
plures omnis pristinae fortunae
restituionem.
(4) Cui spei pronior, Britannia
Armeniaque amissa ac rursus utraque
recepta, defunctum se fatalibus malis
existimabat.
(5) Vt uero consulo Delphis Apolline
septuagensimum ac tertium annum
cauendum sibi audiuit, quasi eo demum
obiturus, ac nihil coniectans de aetate
Galbae, tanta fiducia non modo senectam
sed etiam perpetuam singularemque
concepit felicitatem, ut amissis naufragio
pretiosissimis rebus non dubitauerit inter
suos dicere pisces eas sibi relaturos.
(6) Neapoli de motu Galliarum cognouit
die ipso quo matrem occiderat, adeoque
lente et secure tulit ut gaudentis etiam
suspicionem praeberet tamquam
occasione nata spoliandarum iure belli
opulentissimarum prouinciarum;
statimque in gymnasium progressus
certantis athletas effusissimo studio
spectauit.
(7) Cenae quoque tempore interpellatus
tumultuosioribus litteris hactenus
excanduit, ut malum iis qui descissent
minaretur.
(8) Denique per octo continuos dies non
rescribere cuiquam, non mandare quid aut
praecipere conatus rem silentio
oblitterauit.
Capítulo XLI
(1) Edictis tandem Vindicis contumeliosis
et frequentibus permotus senatum epistula
in ultionem sui reique publicae adhortatus
(3) Contudo, houve quem lhe predissesse
também que, após a deposição, seria senhor do
Oriente, mais exatamente do reino de Jerusalém,
especificavam alguns, não faltando aqueles que
lhe garantiam a restituição de todo o antigo
poder.
(4) Enquanto se apegava a essa esperança, a
Bretanha e a Armênia foram perdidas e logo
depois reconquistadas, de sorte que Nero se
julgou quite com as desgraças fixadas pelo
destino.
(5) E quando Apolo, que ele consultara em
Delfos, recomendou-lhe cuidado com o
septuagésimo terceiro ano, persuadido de que
viveria até essa idade e sem sequer pensar na de
Galba, passou a contar não apenas com a
velhice, mas também com uma felicidade
constante e sem igual, a ponto de, tendo perdido
num naufrágio objetos preciosíssimos, não
hesitar em dizer aos amigos que Os peixes lhe
devolveriam tudo.
(6) Estava em Nápoles quando soube da rebelião
das Gálias, no mesmo dia em que mandara
matar sua mãe; entretanto, recebeu a notícia com
tamanha indiferença e tranqüilidade que parecia
até regozijar-se com ela, pela oportunidade de
saquear, segundo o direito da guerra, aquelas
ricas províncias. Dirigindo-se imediatamente ao
ginásio, assistiu com efusivo interesse a uma
luta atlética.
(7) Transtornado à mesa por uma carta
inquietante, limitou-se a ameaçar de morte os
revoltosos.
(8) Por fim, durante os oito dias que se
seguiram, não se deu nem o trabalho de
responder a carta, nem de enviar ordens, nem de
ordenar coisa alguma, deixando que o silêncio
caísse sobre o assunto.
Capítulo XLI
(1) Finalmente atingido pelas proclamações
ultrajantes de Víndice, escreveu ao Senado
pedindo vingança para si e para o Estado,
80
est, excusato languore faucium, propter
quem non adesset.
(2) Nihil autem aeque doluit, quam ut
malum se citharoedum increpitum ac pro
Nerone Ahenobarbum apellatum; et
nomen quidem gentile, quod sibi per
contumeliam exprobaretur, resumpturum
se professus est deposito adoptiuo, cetera
conuicia, ut falsa, non alio argumento
refellebat, quam quod etiam inscitia sibi
tanto opere elaboratae perfectaeque a se
artis obiceretur, singulos subinde rogitans,
nossentne quemquam praestantiorem.
(3) Sed urgentibus aliis super alios nuntiis
Romam praetrepidus rediit; leuiterque
modo in itinere friuolo auspicio mente
recreata, cum adnotasset insculptum
monumento miltem Gallum ab equite R.
oppressum trahi crinibus, ad eam speciem
exsiluit gaudio caelumque adorauit.
(4) Ac ne tunc quidem aut senatu aut
populo coram apellato quosdam e
primoribus uiris euocauit transactaque
raptim consultatione reliquam diei partem
per organa hydraulica noui et ignotis
generis circumduxit, ostendensque
singula, de ratione et difficultate cuiusque
disserens, iam se etiam prolaturum omnia
in theatrum affirmauit, si per Vindicem
liceat.
Capítulo XLII
(1) Postquam deinde etiam Galbam et
Hispanias desciuisse cognouit, conlapsus
animoque male facto diu sine uoce et
prope intermortuus iacuit, utque resipiit,
ueste discissa, capite conuerberato, actum
de se pronuntiauit consolantique
nutriculae et aliis quoque iam principibus
similia accidisse memoranti, se uero
praeter ceteros inaudita et incognita pati
respondit, qui summum imperium uiuus
amitteret.
(2) Nec eo setius quicquam ex
consuetudine luxus atque desidiae omisit
et inminuit quin immo cum prosperi
alegando uma dor de garganta como motivo de
sua ausência.
(2) No entanto, nada neste mundo o afetava
tanto quanto ser considerado um mau citaredo
ou ser chamado de Enobarbo ao invés de Nero;
relativamente ao nome de família, declarou que,
se lhe atiravam como insulto, então iria retomá-
lo, abandonando o do pai adotivo; quanto às
outras imputações, para provar sua falsidade,
bastava-lhe um argumento: era que lhe
reprovavam a ignorância justamente numa arte
que cultivara com tanto zelo e elevara à
perfeição; por isso vivia perguntando a qualquer
um se conheciam algum artista maior que ele.
(3) Entretanto, como as notícias inquietantes se
sucediam, voltou a Roma, todo trêmulo. se
sentiu um pouco tranqüilizado no caminho,
graças a um presságio frívolo: com efeito, tendo
notado num monumento um baixo-relevo que
representava um soldado gaulês abatido por um
cavaleiro romano e arrastado pelos cabelos,
pulou de alegria e deu graças aos céus.
(4) Mesmo diante dessas circunstâncias não
falou diretamente nem ao povo nem ao Senado,
mas mandou chamar alguns dos principais
cidadãos e aconselhou-se rapidamente com eles;
em seguida, passou o resto do dia a mostrar-lhes
órgãos hidráulicos de um modelo novo, dos
quais comentou todos os detalhes, explicando o
mecanismo de cada um e as dificuldades que
apresentavam à execução; para terminar,
assegurou-lhes que logo iria apresentar tudo
aquilo, no teatro, se Víndice lho permitisse.
Capítulo XLII
(1) Logo que soube que Galba e as Espanhas
também se revoltavam, caiu desmaiado e ficou
por muito tempo sem voz, semimorto; ao voltar
a si, rasgou as vestes, golpeou-se rudemente na
cabeça e declarou que estava perdido. Quando
sua ama tentou consolá-lo, dizendo que
semelhantes desgraças já tinham acontecido a
outros príncipes, replicou que sua desgraça
ultrapassa as deles, era espantoso e sem
exemplo, pois escapava-lhe o poder ainda em
vida.
(2) Nem por isso, entretanto, renunciou aos
hábitos luxuosos e à ociosidade; ao contrário,
quando recebeu das províncias a notícia de uma
81
quiddam ex prouinciis nuntiatum
essethsuper abundatissimum cenam
iocularia in defectionis duces carmina
lasciueque modulata,quae uulgo
notuerunt, etiam gesticulatus est; ac
spectaculis theatri clam inlatus cuidam
scaenico placenti nuntium misit abuti eum
occupationibus suis.
Capítulo XLIII
(1) Initio statim tumultus multa et
inmania, uerum non abhorrentia a natura
sua creditur destinasse; successores
percussoresque summittere exercitus et
prouincias regentibus, quasi conspiratis
idemque et unum sentientibus; quidquid
ubique exsulum, quidquid in urbe
hominum Gallicanorum esset
contrucidare, illos ne desciscentibus
adgregarentur, hos ut conscios popularium
suorum atque fautores; Gallias exercitibus
diripiendas permittere; senatum
uniuersum ueneno per conuiuia necare;
urbem incendere feris in populum
immissis, quo difficilius defenderentur.
(2) Sed absterritus non tam paenitentia
quam perficiendi desperatione credensque
expeditionem necessariam, consules ante
tempus priuauit honore atque in utriusque
locum solus iniit consulatum, quasi fatale
esset non posse Gallias debellari nisi a
consule.
(3) Ac susceptis fascibus cum post epulas
triclinio digrederetur, innixus umeris
familiarium affirmauit, simul ac primum
prouinciam attigisset, inermem se in
conspectum exercituum proditurum nec
quicquam aliud quam fleturum,
reuocatisque ad paenitentiam defectoribus
insequenti die laetum inter laetos
cantaturum epinicia, quae iam nunc sibi
componi oporteret.
Capítulo XLIV
(1) In praeparanda expeditione primam
curam habuit deligendi uehicula portandis
scaenicis organis concubinasque, quas
vitória, no curso de um festim magnífico, cantou
com semblante alegre e mesmo com gestos
apropriados alguns versos cômicos dirigidos
contra os chefes da rebelião, que se espalharam
entre o público; depois, indo às ocultas para o
teatro, mandou dizer a um ator muito aplaudido
que estava lhe distraindo de suas ocupações.
Capítulo XLIII
(1) Desde o começo da revolta, acredita-se que
ele concebera uma série de projetos
abomináveis, mas em nada contrários a seu
caráter: enviar sucessores e assassinos aos
governadores de província e aos comandantes de
exército, que tinha por conspiradores decididos
de um e mesmo espírito; massacrar todos os
exilados onde quer que estivessem e todos os
gauleses presentes em Roma, os primeiros, para
impedir sua união com os revoltosos, e os
segundos, como cúmplices e partidários dos
compatriotas; envenenar todos os senadores em
festins; incendiar Roma e atiçar contra o povo
animais selvagens, para dificultar o salvamento.
(2) Mas abandonou esses projetos, menos por
escrúpulo do que pelo receio de não conseguir
realizá-los. Julgando necessária uma expedição,
privou os cônsules de seu cargo antes do prazo
legal e pôs-se imediatamente no lugar deles, a
pretexto de que, por ordem do destino, os
gauleses podiam ser derrotados por um
cônsul.
(3) Tomou, pois, os fasces
25
e, ao sair da sala de
refeições após um banquete, apoiado sobre os
ombros de seus íntimos, declarou-lhes que tão
logo colocasse os pés na província, apresentar-
se-ia desarmado aos soldados e apenas
derramaria algumas lágrimas. Os revoltosos
então se arrependeriam, e no dia seguinte, alegre
no meio da alegria geral, cantaria um hino de
vitória que começaria imediatamente a compor.
Capítulo XLIV
(1) Ao preparar a expedição, o primeiro cuidado
foi escolher carretas para o transporte de seus
órgãos de teatro, cortar como a homens os
cabelos das concubinas que pretendia levar
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secum educeret, tondendi ad uirilem
modum et securibus peltisque Amazonicis
instruendi.
(2) Mox tribus urbanas ad sacramentum
citauit ac nullo idoneo respondente certum
dominis seruorum numerum indixit; nec
nisi ex tota cuiusque familia
probatissimos, ne dispensatoribus quidem
aut amanuensibus exceptis, recepit.
(3) Partem etiam census omnes ordines
conferre iussit et insuper inquilinos
priuatarum aedium atque insularum
pensionem annuam repraesentare fisco;
exegitque ingenti fastidio et acerbitate
nummum asperum, argentum pustulatum,
aurum ad obrussam, ut plerique omnem
collationem palam recusarent, consensu
flagitantes a delatoribus potius reuocanda
praemia quaecumque cepissent.
Capítulo XLV
(1) Ex annonae quoque caritate lucranti
adcreuit inuidia; nam et forte accidit, ut in
publica fame Alexandrina nauis
nuntiaretur puluerem luctatoribus aulicis
aduexisse.
(2) Quare omnium in se odio incitato nihil
contumeliarum defuit quin subiret.
(3) Statuae eius a uertice cirrus appositus
est cum inscriptione Graeca, "nunc
demum agona esse, et traderet tandem!".
(4) Alterius collo ascopera deligata
simulque titulus: "Ego egi quod potui. Sed
tu cullum meruisti." Ascriptum et
columnis, etiam Gallos eum cantando
excitasse.
(5) Iam noctibus iurga cum seruis plerique
simulantes crebro Vindicem poscebant.
consigo e armá-las, à moda das Amazonas, de
machados e escudos.
(2) Em seguida, convocou as tribos urbanas para
fazê-las prestar o juramento militar; mas, como
nenhum cidadão apto ao serviço respondesse ao
apelo, exigiu dos donos um determinado número
de escravos, só aceitando homens escolhidos,
inclusive intendentes e secretários.
(3) Ordenou também aos cidadãos de todas as
ordens que fornecessem, a título de
contribuição, parte de seu capital; não bastasse
isso, exigiu dos locatários de casas particulares
ou habitações coletivas o depósito imediato, no
fisco, de um ano inteiro de aluguel. Mostrando-
se difícil e meticuloso, queria moedas novas de
prata purificada ao fogo e ouro sem mácula. A
maioria das pessoas, entretanto, recusou
abertamente toda contribuição, sugerindo de
comum acordo que se pedisse aos delatores as
recompensas que haviam recebido.
Capítulo XLV
(1) A ira que Nero despertara especulando até
mesmo sobre o preço do trigo aumentou ainda
mais quando quis o acaso que se anunciasse, em
plena carestia, a chegada de um navio de
Alexandria trazendo areia para os lutadores da
corte.
(2)E como a cólera geral se levantara contra ele,
não houve ultraje que lhe não fizesse acreditar.
(3) Uma de suas estátuas apareceu com uma
trança aplicada à cabeça e a seguinte inscrição
em grego: “É agora que começa a luta: trata de
desaparecer!”
(4) Ao pescoço de outra, atou-se um alforje
onde se lia: Que mais eu poderia fazer? Tu,
porém, mereceste o saco”. Também se escreveu
em algumas colunas: “Suas cantorias
despertaram até os gauleses”.
(5) Por fim, costumava-se ouvir à noite pessoas
que fingiam discutir com os escravos e
reclamavam com insistência um “Víndice”.
83
Capítulo XLVI
(1) Terrebatur ad hoc euidentibus
portentis somniorum et auspiciorum et
omnium, cum ueteribus tum nouis.
(2) Numquam antea somniare solitus
occisa demum matre uidit per quietem
nauem sibi regenti extortum
gubernaculum trahique se ab Octauia
uxore in artissimas tenebras et modo
pinnatarum formicarum multitudine
oppleri, modo a simulacris gentium ad
Pompei theatrum dedicatarum circumiri
arcerique progressu; asturconem, quo
maxime laetabatur, posteriore corporis
parte in simiae speciem transfiguratum ac
tantum capite integro hinnitus edere
canoros.
(3) De Mausoleo, sponte foribus
patefactis, exaudita uox est nomine eum
cientis.
(4) Kal. Ian. exornati Lares in ipso
sacrificii appraratu conciderunt; auspicanti
Sporus anulum muneri optulit, cuius
gemmae sculptura erat Proserpinae raptus;
uotorum nuncupatione, magna iam
ordinum frequentia, uix repertae Capitolii
claues.
(5) Cum ex oratione eius, qua in Vindicem
perorabat, recitaretur in senatu daturos
poenas sceleratos ac breui dignum exitum
facturos, conclamatum est ab uniuersis:
"Tu facies, Auguste."
(6) Obseruatum etiam fuerat nouissimam
fabulam cantasse eum publice Oedipodem
exsulem atque in hoc desisse uersu:
Thanein m' anoge syggamos, meter, pater.
Capítulo XLVII
(1) Nuntiata interim etiam ceterorum
exercituum defectione litteras prandendi
sibi redditas concerpserit, mensam
subuertit, duos scyphos gratissimi usus,
quos Homericos a caelatura carminum
Capítulo XLVI
(1) Além do mais, estava sobressaltado com
advertências muito claras provenientes de
sonhos, augúrios e presságios, antigas e
recentes.
(2) Embora jamais sonhasse antes do assassinato
da e, o que depois pareceu-lhe, quando
dormia, que lhe arrebatavam o timão de um
barco por ele dirigido; que sua esposa Otávia o
arrastava para trevas espessas; que estava
coberto de formigas aladas; que as estátuas das
nações, inauguradas perto do teatro de Pompeu,
rodeavam-no e impediam-lhe o caminho; enfim,
que seu estimadíssimo cavalo asturiano lhe
aparecia metamorfoseado inteiramente em
macaco, com exceção da cabeça, relinchando
com estardalhaço.
(3) Do fundo do Mausoléu, cujas portas se
abriram por si mesmas, ecoou uma voz que o
chamava pelo nome.
(4) No dia das calendas de janeiro, os deuses
Lares, ornados de flores, caíram no meio dos
aprestos do sacrifício. Quando tomava os
auspícios, Esporo presenteou-o com um anel
onde se via gravada a cena do rapto de
Prosérpina. Ao se fazerem as preces pelo
Imperador, estando já reunidos os cidadãos das
diversas ordens, com dificuldade foram
encontradas as chaves do Capitólio.
(5) Depois que se leu no Senado a passagem de
seu discurso contra Víndice na qual declarava
que os criminosos seriam castigados e teriam
logo um fim digno de seus atos, todos gritaram
em coro: “Isso caberá a ti, Augusto!”
(6) Observara-se que, da última vez que cantou
em público, a peça versava sobre o exílio de E
Édipo e ele terminou com este verso:
Esposa, mãe e pai ordenam-me morrer;
Capítulo XLVII
(1) Nesse momento, entregaram-lhe à ceia uma
carta anunciando que os outros exércitos
também haviam aderido à revolta. Nero fê-la em
pedaços, derrubou a mesa, atirou ao chão duas
taças das quais gostava especialmente de servir-
se e a que chamava homéricas porque tinham
84
Homeri uocabat, solo inlisit ac sumpto a
Lucusta ueneno et in auream pyxidem
condito transiit in hortos Seruilianos, ubi
praemissis libertorum fidissimis Ostiam
ad classem praeparandam tribunos
centurionesque praetorii de fugae societate
temptauit.
(2) Sed partim tergiuersantibus, partim
aperte detrectantibus, uno uero etiam
proclamante: Vsque adeone mori miserum
est? uarie agitauit, Parthosne an Galbam
supplex peteret, an atratus prodiret in
publicum proque rostris quanta maxima
posset miseratione ueniam praeteritorum
precaretur, ac ni flexisset animos, uel
Aegypti praefecturam concedi sibi oraret.
(3) Inuentus est postea in scrinio eius hac
de re sermo formatus; sed deterritum
putant, ne prius quam in Forum perueniret
discerperetur.
(4) Sic cogitatione in posterum diem dilata
ad mediam fere noctem excitatus, ut
comperit stationem militum recessisse,
prosiluit e lecto misitque circum amicos,
et quia nihil a quoquam renuntiabatur,
ipse cum paucis hospitia singulorum adiit.
(5) Verum clausis omnium foribus,
respondente nullo, in cubiculum rediit,
unde iam et custodes diffugerant, direptis
etiam stragulis, amota et pyxide ueneni; ac
statim Spiculum myrmillonem uel
quemlibet alium percussorem, cuius manu
periret, requisiit et nemine reperto: "Ergo
ego", inquit, "nec amicum habeo, nec
inimicum?'' procurritque, quasi
praecipitaturus se in Tiberim.
Capítulo XLVIII
(1) Sed reuocato rursus impetu aliquid
secretioribus latebrae ad colligendum
animum desiderauit, et offerente Phaonte
liberto suburbanum suum inter Salariam et
Nomentanam uiam circa quartum
miliarum, ut erat nudo pede atque
tunicatus, paenulam obsoleti coloris
superinduit adopertoque capite et ante
faciem optento sudario equum inscendit,
cenas de Homero gravadas e, depois de pedir a
Locusta um veneno que encerrou num estojo de
ouro, foi para os jardins de Servílio. Lá, enviou
para Óstia seus mais devotados libertos com a
missão de preparar uma frota e perguntou aos
tribunos e centuriões do pretório se o
acompanhariam na fuga.
(2) Mas uns inventaram desculpas, outros se
negaram decididamente, tendo um deles
chegado a gritar: Será tão grande desgraça
morrer?
26
Então, remoendo diversos projetos,
pensou em apresentar-se como suplicante aos
partas ou a Galba; ao suplicar ao povo, do alto
dos frontispícios, vestindo roupas negras e no
tom mais miserando, perdão pelo passado: e, se
conseguisse comovê-los, solicitar ao menos a
prefeitura do Egito.
(3) Mais tarde, foi encontrada em seu escritório
uma elocução nesse sentido. Mas acabou
renunciando ao projeto, ao que parece por medo
de ser despedaçado antes de chegar ao Fórum.
(4) Adiou, pois, a decisão para o dia seguinte.
Acordou no meio da noite e soube que a guarda
se havia retirado; saltando então do leito,
mandou procurar seus amigos e, como ninguém
lhe respondesse, foi em pessoa, com alguns
companheiros, pedir hospitalidade a cada um
deles.
(5) Não obtendo resposta, e encontrando todas
as portas fechadas, voltou para seu quarto, de
onde os guardas também haviam desertado,
levando consigo até as cobertas e roubando o
estojo onde estava encerrado o veneno. Ordenou
que se fosse procurar o mirmilão Espículo ou
quem quer que o quisesse matar; e ao saber que
ninguém fora encontrado, gritou: “Mas então
não tenho nem amigo nem inimigo?” e pôs-se a
correr como que para lançar-se ao Tibre.
Capítulo XLVIII
(1) Reanimando-se, mostrou desejar um retiro
onde colocaria o espírito em ordem. Faonte, seu
liberto, propôs-lhe sua vila, situada entre a via
Salária e a via Nomentana, à altura do quarto
marco miliário. Assim mesmo como estava,
descalço e envergando apenas a túnica, lançou
aos ombros um manto surrado, cobriu a cabeça,
segurou um lenço diante do rosto e saltou para o
cavalo, acompanhado apenas por quatro pessos,
entre as quais estava Esporo.
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quattuor solis comitantibus, inter quos et
Sporus erat.
(2) Statimque tremore terrae et fulgure
aduerso pauefactus audiit e proximis
castris clamorem militum et sibi aduersa
et Galbae prospera ominantium, etiam ex
obuiis uiatoribus quendam dicentem: "Hi
Neronem persequuntur", alium
sciscitantem: "Ecquid in urbe noui de
Nerone?"
(3) Equo autem ex odore abiecti in uia
cadaueris consernato detecta facie agnitus
est a quodam missicio praetoriano et
salutatus.
(4) Vt ad deuerticulum uentum est,
dimissis equis inter fruticeta ac uepres per
harundineti semitam aegre nec nisi strata
sub pedibus ueste ad auersum uillae
parietem euasit.
(5) Ibi hortante eodem Phaonte, ut interim
in specum egestae harenae concederet,
negauit se uiuum sub terram iturum, ac
parumper commoratus, dum clandestinus
ad uillam introitus pararetur, aquam ex
subiecta lacuna poturus manu hausit et:
"Haec est", inquit, "Neronis decocta."
(6) Dein diuolsa sentibus paenula traiectos
surculos rasit, atque ita quadripes per
angustias effossae cauernae receptus in
proximam cellam decubuit super lectum
modica culcita, uetere pallio strato,
instructum; fameque et iterum siti
interpellante panem quidem sordidum
oblatum aspernatus est, aquae autem
tepidae aliquantum bibit.
Capítulo XLIX
(1) Tunc uno quoque hinc inde instante ut
quam primum se impendentibus
contumeliis eriperet, scrobem coram fieri
imperauit dimensus ad corporis sui
modulum, componique simul, si qua
inuenirentur, frustra marmoris et aquam
simul ac ligna conferri curando mox
cadaueri, flens ad singula atque identidem
(2) Nesse instante, assustado com um tremor de
terra e um raio que quase lhe caiu aos pés,
ouviu, vindo do acampamento vizinho, os gritos
dos soldados que formulavam votos contra ele e
a favor de Galba. Um dos passantes com quem
toparam chegou a dizer: “Lá vão os
perseguidores de Nero”. Outro perguntou: “Que
há de novo em Roma, a propósito de Nero?”
(3)Como seu cavalo se assustasse com um
cadáver abandonado na estrada, teve de
descobrir o rosto e foi reconhecido por um
pretoriano em licença, que o saudou.
(4) Quando chegaram a um caminho transversal,
deixaram os cavalos e, passando pelo meio de
umas sebes, tomaram por uma trilha ladeada de
rosas. Assim pôde, com imensa dificuldade e
não sem estender suas roupas sob os s,
alcançar o muro de trás da vila.
(5) Como Faonte o aconselhasse a esconder-se
num buraco na areia, declarou que não ia
enterrar-se vivo e, parando por um momento a
fim de esperar que lhe preparassem uma entrada
secreta na casa, tomou na concha das mãos um
pouco de água de uma poça e lamentou: “Eis o
refresco de Nero!”.
(6) Logo depois, com seu pequeno manto
rasgado pelos espinhos, abriu caminho por entre
os arbustos e entrou engatinhando no reduto
mais próximo, servindo-se de uma galeria que
haviam acabado de abrir para ele. Ali se deixou
cair num leito, guarnecido de um mau colchão e
de um manto esfarrapado servindo de cobertor
Atormentado pela fome e pela sede, repeliu o
pão grosseiro que lhe ofereceram, mas tomou
uma grande quantidade de água morna.
Capítulo XLIX
(1) Logo depois, como seus companheiros o
persuadissem, um por um, a subtrair-se aos
ultrajes que o esperavam, ordenou que abrissem
uma fossa na medida de seu corpo, dispusessem
ao lado alguns pedaços de mármore, se
pudessem encontrá-los, e depois trouxessem
água e madeira para prestar sem demora as
derradeiras honras a seu cadáver. A cada um
desses preparativos, chorava e repetia a todo
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dictitans: "Qualis artifex pereo!"
(2) Inter moras perlatos a cursore Phaonti
codicillos praeripuit legitque se hostem a
senatu iudicatum et quaeri, ut puniatur
more maiorum, interrogauitque, quale id
genus esset poenae; et cum comperisset
nudi hominis ceruicem inseri furcae,
corpus uirgis ad necem caedi, conterritus
duos pugiones, quos secum extulerat,
arripuit temptataque utriusque acie rursus
condidit, causatus nondum adesse fatalem
horam.
(3) Ac modo Sporum hortabatur, ut
lamentari ac plangere inciperet, modo
orabat, ut se aliquis ad mortem
capessendam exemplo iuuaret; interdum
segnitiem suam his uerbis increpabat:
"Viuo deformiter, turpiter" - "ou prepei
Neroni, ou prepei" - nephein dei en tois
toioutois" - "age egeire seauton".
(4) Iamque equites appropinquabant,
quibus praeceptum erat, ut uiuum eum
adtraherent.
(5) Quod ut sensit, trepidanter effatus:
"Ippon m' okupodon amphi ktupos ouata
ballei", ferrum iugulo adegit iuuante
Epaphrodito a libellis.
(6) Semianimisque adhuc irrumpenti
centurioni et paenula ad uulnus adposita in
auxilium se uenisse simulanti non aliud
respondit quam "Sero" et "Haec est fides".
(7) Atque in ea uoce defecit, exstantibus
rigentibusque oculis usque ad horrorem
formidinemque uisentium.
(8) Nihil prius aut magis a comitibus
exegerat quam ne potestas cuiquam capitis
sui fieret, sed ut quoquo modo totus
cremaretur.
(9) Permisit hoc Icelus, Galbae libertus,
non multo ante uinculis exsolutus, in quae
primo tumultu coniectus fuerat.
instante: “Que artista vai morrer comigo!”
(2) Ao passo que ia assim perdendo tempo,
apareceu um correio com um bilhete para
Faonte: arrancando-lho das mãos, Nero leu que
o Senado o declarava inimigo público e estava à
sua procura para puni-lo conforme o costume
dos ancestrais. Perguntou qual era esse tipo de
suplício e soube que consistia em despir o
condenado, meter-lhe a cabeça numa forca e
torturá-lo até a morte. Assustado, Nero apanhou
dois punhais que trouxera consigo e
experimentou-lhes a ponta, devolvendo-os logo
à bainha a pretexto de que a hora marcada pelo
destino ainda não chegara.
(3) Ora convidava Esporo a começar as
lamentações e prantos, ora suplicava que alguém
o encorajasse com o próprio exemplo a matar-
se. Por vezes, censurava a própria covardia nos
seguintes termos: “Minha conduta é desprezível,
desonrosa”; “Isto é indigno de Nero,
27
sim,
indigno”; E preciso sangue-frio em
semelhantes momentos”; “Vamos, acorda!”
(4) Já se aproximavam os cavaleiros
encarregados de apanhá-lo vivo.
(5) Ao ouvi-los, disse a tremer:
O galope dos cavalos de pés velozes fere-me o
ouvido.
28
Depois, mergulhou a lâmina no
pescoço com a ajuda de Epafrodito
29
, seu
secretário particular.
(6) Respirava ainda quando um centurião
chegou precipitadamente e, fingindo vir em seu
socorro, atirou o manto sobre a ferida. Nero
limitou-se a murmurar: “É tarde” e “Eis o que é
fidelidade!”
(7) Dizendo essas palavras, expirou, e seus
olhos esbugalhados adquiriram tal fixidez que
inspiravam horror e espanto aos que os
contemplavam.
(8) A primeira e principal promessa que exigira
dos companheiros foi não deixarem ninguém
dispor de sua cabeça, mas queimarem seu corpo
inteiro, fosse como fosse.
(9) Isso lhe foi concedido por Icelo, liberto de
Galba, preso no início da insurreição e recém-
libertado.
87
Capítulo L
(1) Funeratus est impensa ducentorum
milium, stragulis albis auro intextis,
quibus usus Kal. Ian. fuerat.
(2) Reliquias Egloge et Alexandria
nutrices cum Acte concubina gentili
Domitiorum monimento condiderunt quod
prospicitur e campo Martio impositum
colli Hortulorum.
(3) In eo monimento solium porphyretici
marmoris, superstante Lunensi ara,
circumsaeptum est lapide Thasio
Capítulo LI
(1) Statura fuit prope iusta, corpore
maculoso et fetido, subflauo capillo, uultu
pulchro magis quam uenusto, oculis caesis
et hebetioribus, ceruice obesa, uentre
proiecto, gracillimis cruribus, ualitudine
prospera; nam qui luxuriae
immoderatissimae esset, ter omnino per
quattuordecim annos languit, atque ita ut
neque uino neque consuetudine reliqua
abstineret;
(2) circa cultum habitumque adeo
pudendus, ut comam semper in gradus
formatam peregrinatione Achaica etiam
pone uerticem summiserit ac plerumque
synthesinam indutus ligato circum collum
sudario in publicum sine cinctu et
discalciatus.
Capítulo LII
(1) Liberalis disciplinas omnis fere puer
attigit. Sed a plilosophia eum mater auertit
monens imperaturo contrariam esse; a
cognitione ueterum oratorum Seneca
praeceptor, quo diutius in admiratione sui
detineret.
(2) Itaque ad poeticam pronus carmina
libenter ac sine labore composuit nec, ut
quidam putant, aliena pro suis edidit.
Capítulo L
(1) Nos funerais, que custaram duzentos mil
sestércios, envolveram-lhe o corpo em panos
brancos bordados a ouro, que lhe tinham servido
no dia das calendas de janeiro.
(2) Os restos foram encerrados por suas amas
Égloga e Alexandria, ajudadas pela concubina
Actéia, no túmulo da família Domícia, que se
pode avistar do Campo de Marte sobre a colina
dos Jardins.
(3) Seu sarcófago era de pórfiro, ostentado por
um altar de mármore de Luna e rodeado por
uma balaustrada de pedra de Tasos.
Capítulo LI
(1) Possuía estatura mediana, seu corpo era
coberto de manchas e malcheiroso, os cabelos
tendiam para o louro, o rosto era antes
belo que gracioso. Os olhos eram azuis e
míopes, o pescoço grosso, o ventre saliente e as
pernas magras. Tinha boa saúde: apesar
das irregularidades cometidas em catorze anos,
caiu doente três vezes, sem precisar abster-se
de vinho e de seus outros hábitos;
(2) Na postura e nos trajes carecia a tal ponto de
dignidade que diariamente arranjava o cabelo
em camadas e deixava-o mesmo cair para a
nuca, como durante a viagem à Acaia, e não raro
aparecia em público vestido com uma camisola,
trazendo um lenço amarrado ao pescoço.
Capítulo LII
(1) Os estudos liberais, quase todos, cultivou
desde a infância. Mas foi afastado da filosofia
pela mãe, que a classificou de prejudicial a um
futuro soberano, e dos antigos oradores por seu
mestre Sêneca, desejoso de captar-lhe por mais
tempo a admiração exclusiva.
(2) Apresentando uma queda à poesia, compôs
versos por prazer e sem dificuldade, e nunca
publicou em seu nome os de outrem, como
pensam alguns.
88
(3) Venere in manus meas pugillares
libellique cum quibusdam notissimis
uersibus ipsius chirographo scriptis, ut
facile appareret non tralatos aut dictante
aliquo exceptos, sed plane quasi a
cogitante atque generante exaratos; ita
multa et deleta et inducta et superscripta
inerant. Habuit et pingendi fingendique
non mediocre studium.
Capítulo LIII
(1) Maxime autem popularitate
efferebatur, omnium aemulus, qui quoquo
modo animum uulgi mouerent.
(2) Exiit opinio post scaenicas coronas
proximo lustro descensurum eum ad
Olympia inter athletas; nam et luctabatur
assidue nec aliter certamina gymnica tota
Graecia spectauerat quam brabeutarum
more in stadio humi assidens ac, si qua
paria longius recessissent, in medium
manibus suis protrahens.
(3) Destinauerat etiam, quia Apollinem
cantu, Solem aurigando aequiperare
existimaretur, imitari et Herculis facta;
praeparatumque leonem aiunt, quem uel
claua uel brachiorum nexibus in
amphitheatri harena spectante populo
nudus elideret.
Capítulo LIV
(1) Sub exitu quidem uitae palam uouerat,
si sibi incolumis status permansisset,
proditurum se partae uictoriae ludis etiam
hydraulam et choraulam et utricularium ac
nouissimo die histrionem saltaturumque
Vergili Turnum.
(2) Et sunt qui tradant Paridem histrionem
occisum ab eo quasi grauem aduersarium.
Capítulo LV
(1) Erat illi aeternitatis perpetuaeque
famae cupido, sed inconsulta. Ideoque
(3) Vieram às minhas mãos certas notas e
esboços de versos compostos por ele, bastante
conhecidos: percebia-se que não tinham sido
copiados nem ditados, mas indubitavelmente
compostos por um homem que media e cria,
tantas eram as rasuras, adições e substituições.
Tinha também vivo gosto pela pintura e pela
escultura.
Capítulo LIII
(1) A popularidade era, no entanto, sua maior
paixão. Insistia em rivalizar com todos aqueles
que, a um título qualquer, gozavam do favor da
multidão.
(2) Depois de seus sucessos no teatro, espalhou-
se o boato de que no lustro seguinte ele desceria
à arena juntamente com os atletas, durante os
jogos olímpicos. Com efeito, exercitava-se
regularmente na luta e, em toda a Grécia, jamais
assistira aos concursos gímnicos sem ficar
sentado no chão do estádio, à maneira dos
árbitros, por vezes reconduzindo com as
próprias mãos, para o meio da arena, as duplas
que se afastavam demasiado.
(3) Vendo que o comparavam a Apolo no canto
e ao Sol na condução de carros, resolvera imitar
também os feitos de Hércules: e diz-se que
andara a preparar um leão que ele, surgindo nu
na arena do anfiteatro, derrubaria a golpes de
clava ou sufocaria entre os braços, diante dos
olhos dos espectadores.
Capítulo LIV
(1) Ele prometera, nos últimos anos,
publicamente, que, se sua fortuna se conservasse
inalterada, tomaria parte nos jogos a serem
celebrados em honra de sua vitória, como
tocador de órgão hidráulico, flautista ou
gaiteiro; no último dia, apareceria como histrião,
imitando com passos de dança o Turno de
Virgílio.
(2) Alguns dizem mesmo que mandou matar o
histrião Páris por considerá-lo um rival temível.
Capítulo LV
(1) Desejava perpetuar, eternizar sua memória,
mas essa era uma ambição desmedida. Para
tanto, tirou a uma série de coisas e lugares seus
89
multis rebus ac locis uetere appellatione
detracta nouam indixit ex suo nomine,
mensem quoque Aprilem Neroneum
appellauit; destinauerat et Romam
Neropolim nuncupare.
Capítulo LVI
(1) Religionum usque quaque contemptor,
praeter unius Deae Syriae, hanc mox ita
spreuit, ut urina contaminaret, alia
superstitione captus in qua sola
pertinacissime haesit, siquidem
imagunculam puellarem, cum quasi
remedium insidiarum a plebeio quodam et
ignoto muneri accepisset, detecta
confestim coniuratione pro summo
numine trinisque in die sacrificiis colere
perseuerauit uolebatque credi monitione
cius futura praenoscere. Ante paucos
quam periret menses attendit et extispicio
nec umquam litauit.
Capítulo LVII
(1) Obiit tricensimo et secundo aetatis
anno, die quo quondam Octauiam
interemerat, tantumque gaudium publice
praebuit, ut plebs pilleata tota urbe
discurreret.
(2) Et tamen non defuerunt qui per
longum tempus uernis aestiuisque floribus
tumulum eius ornarent ac modo imagines
praetextatas in rostris proferrent, modo
edicta quasi uiuentis et breui magno
inimicorun malo reuersuri.
(3) Quin etiam Vologaesus Parthorum rex
missis ad senatum legatis de instauranda
societate hoc etiam magno opere orauit, ut
Neronis memoria coleretur.
(4) Denique cum post uiginti annos
adulescente me exstitisset condicionis
incertae qui se Neronem esse iactaret, tam
fauorabile nomen eius apud Parthos fuit,
ut uehementer adiutus et uix redditus sit.
antigos nomes e deu-lhes outros, baseados no
seu: chamou neroniano ao mês de abril e
planejava dar a Roma o nome de Nerópolis.
Capítulo LVI
(1) Desprezava todos os tipos de religião, só
cultuava uma Deusa Síria. Mas depois passou a
desdenhá-la a tal ponto que urinou em sua
imagem, quando se abandonou a outra
superstição, a única a que permaneceu
inquebrantavelmente ligado: um homem do
povo, que ele não conhecia, presenteara-o com
uma estatueta na forma de uma jovem, a qual
deveria preservá-lo de armadilhas; como logo
depois se desmascarara uma conspiração,
honrou-a até o fim como uma divindade todo-
poderosa, oferecendo-lhe diariamente sacrifícios
e dando a entender que ela lhe desvendava o
futuro. Alguns meses antes de sua morte,
consultou também as entranhas das vítimas, mas
nunca obteve presságios favoráveis.
Capítulo LVII
(1) Morreu no mesmo dia em que outrora
assassinara Otávia, aos trinta e dois anos de
idade. Tamanha foi a alegria pública que os
plebeus correram por toda a cidade trazendo à
cabeça chapéus Erígios.
(2) Não obstante, houve pessoas que, por anos a
fio, enfeitaram seu jazigo de flores, na
primavera e no verão, e que expuseram nos
frontispícios, ora imagens suas trajando a
pretexta, ora éditos em que ele anunciava, como
se estivesse vivo, sua próxima volta para
arruinar os inimigos.
(3) Ainda mais, Vologeses, rei dos partas, tendo
enviado embaixadores ao Senado para renovar
seu tratado de aliança, mandou
pedir insistentemente que se tributasse um culto
à memória de Nero.
(4) Por fim, vinte anos após sua morte, durante
minha adolescência, apareceu um personagem
de condição dúbia que pretendia ser Nero: e esse
nome lhe valeu tamanho favor entre os partas
que eles o ampararam energicamente, o
devolvendo a nós a duras penas.
90
1
Os Dióscuros, castor e Pólux.
2
Uma vitória perto do Lago Regillus, em 498 a.C.
3
Entre 115 e 92 a.C.
4
Lei elaborada por Otávio, cujo objetivo era condenar os envolvidos da conjuração contra César.
5
Amante.
6
Como se fosse testamenteiro dele. O fabricante de um testamento escolhe um homem a quem ele faz
uma venda simbólica (veja o agosto. LXIV 1) de todos os seus bens na presença de uma testemunha. O
comprador faz então para ele o pagamento designado aos herdeiros e legatários.
7
Meninos no nono dia depois de nascimento, e meninas no oitavo, eram purificados por um sacrifício e
recebiam seus nomes; a cerimônia foi chamada lustratio.
8
Caio Salústio Crispo Passieno, orador abastado de Roma.
9
Ter a vida poupada pela serpente, sugere que realmente, nessa ocasião houve uma intervenção divina.
10
Na verdade, Nero era filho adotivo de Cláudio.
11
13 de outubro de 54 d.C.
12
Expulsão dos extrangeiros ilegais que se fixavam em Roma.
13
Cláudio firma um decreto reservando aos senadores, assentos especiais, geralmente na primeira fila dos
teatros e dos circos.
14
Combate naval.
15
Na mitologia grega, filha de Apolo e mulher de Minos.
16
O pódio no anfiteatro era uma plataforma elevada perto da arena na qual a família imperial, os
magistrados e as virgens Vestais se sentavam para assistirem os espetáculos. Nero reclinava em um
sofá.
17
Inclusive poesia e oratória.
18
O Ginásio, primeiro edifício permanente do tipo em Roma, foi construído junto à Thermae Neronianae,
no Campus Martius.
19
Ceres é a mesma Deméter dos gregos, divindade identificada com a agricultura e a fecundidade da
Terra.
20
Tenente de uma das legiões do exército romano
21
Por causa da conduta desordenada deles; veja Tac. Ann. 13. 25.
22
Amigo próximo de Nero, escreveu uma” História que cobria desde o incío até o fim do principado de
Nero
23
Calígula.
24
Festas em hora de Minerva, realizadas cinco dias depois dos idos de março.
25
Feixe de varas com um machado no meio, insígnia carregada pelos lictores.
26
É um hemistíquio do verso 646 do livro XII da Eneida, no qual Turno exprime a sua disposição para
morrer.
27
A partir dessa palavra, até o fim do discurso de Nero, o texto é em Grego.
28
É o verso 535 do livro X da Ilíada.
29
Suetônio narra que, depois, Domiciano, agitado por maus presságios, mandou matar Epafrodito para
puni-lo, por ter ajudado Nero a morrer e para, assim, desencorajar quem quer que fosse de pensar em
matar o Imperador.
91
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