
última fase do medievo europeu, que prenunciam já o teatro moderno
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. A dança e o
canto são enriquecidos pelo acréscimo de novos instrumentos e modismos, frutos do
intercâmbio mercantilista; as roupas são ricas, exuberantes e suntuosas; jogos, torneios,
justas
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, uma infinidade de entretenimentos assistidos e comparticipados pela família
real, pelos cortesãos e pelo povo. Tudo é fausto, brilho e ostentação, permeado pela
etiqueta e galanteria, nesses grandes espaços propícios a apresentações, que são as salas,
adornadas com pompa e exuberância
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.
O que antes era feito a céu aberto, quando o espaço público conclamava ao
gregarismo, ao viver em coletividade, agora se desenvolve nos espaços fechados –
amplos, mas restritos à perscrutação do olhar individual. A vida social agora, no dealbar
da Idade Média se desenrola na
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Em Festa, teatralidade e escrita. Esboços teatrais no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende.
(2003b), Maria Isabel Morán Cabanas desenvolve um extenso estudo sobre o nascimento do teatro
português, cujo embrião se encontra na coleção de poemas de Garcia de Resende.
Quanto à teatralidade na poética da Idade Média, escreve Paul Zumthor: “A ritualidade – a ‘teatralidade’
– poética termina, certamente, em longa duração, por atenuar-se, mas não em suas manifestações
concretas, porque, até o século XV e, principalmente, até o XVII, o corpo ficou aí totalmente
comprometido. Foi seu objeto que se deslocou pouco a pouco (na medida da difusão da escritura), ao
ponto que, passado 1500, em todo o Ocidente, a poesia aparece como um empreendimento, a partir de
então laicizado e metaforizado, de teatralização do cotidiano.” (In: A letra e a voz. A literatura medieval.
São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 260). Em outra obra, afirma o mesmo estudioso: “Le
caractère général le plus pertinent peut-être de la poésie médievale est son aspect dramatique. Tout au
long du moyen âge les textes semblent avoir été, sauf exceptions, destinés à fonctionner dans les
conditions theâtrales: à titre de communication entre un chanteur ou récitant ou lecteur, et un auditoire.
Le texte a, littéralement, un ‘rôle à jouer’ sur une scène”. (In: Essai de poétique médiévale. Paris: Seuil,
1972. [Collection Poétique], p. 37).
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“Eram as justas e os torneios passatempos favoritos da nobreza, que por eles pretendia manifestar a
valentia e o denodo, a honra e brio dos cavaleiros, através de perfeita e destra agilidade no manejo das
armas, aliados a um aparato externo, que incidia fundamentalmente no porte e no vestuário. Eram (...) as
justas e os torneios um espetáculo deslumbrante para os olhos, onde cada um primava por ser primus
inter pares, tanto no espírito combativo como na galanteria e na elegância do traje. Com origem nos
antiquissimos jogos de gladiadores romanos, os torneios e as justas difundiram-se largamente por toda a
parte, com período de grande esplendor na Idade Média, em muitos casos organizados para comprazer a
príncipes e damas.” (DIAS, op. cit., 1998b, p. 227).
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Baseei-me no seguintes estudos sobre esse a descrição do fausto e da suntuosidade dos reinados
portugueses do final do século XV e início do XVI: CIDADE, Hernâni. Os alvores do Renascimento e do
Humanisno. In: O conceito de poesia como expressão da cultura. Sua evolução através das literaturas
portuguesa e brasileira. 2 ed. Coimbra: Arménio Amado Ed., 1957. p. 55; DIAS, op. cit., 1998b, p. 23-
24; ROCHA, Andrée Crabbé. Garcia de Resende e o Cancioneiro Geral. 2 ed. Lisboa: Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa, 1987. Volume 31, p. 57; SARAIVA e LOPES, op. cit., p. 157; e SIMÕES,
João Gaspar. Lirismo Medieval. In: História da Poesia Portuguesa (Das origens aos nossos dias,
acompanhada de uma antologia). Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, 1955. Volume I, p. 110.
Também na revista da Fundação Calouste Gulbenkian, História e Antologia da Literatura Portuguesa.
Século XV, Rita Costa Gomes dedica um longo artigo, “Os tempos da corte”, sobre o cotidiano da
monarquia palaciana. Lisboa, n. 5, março de 1998, p. 29-35.
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