2. Cultura, Cultura Popular, Folclore e Cultura Caiçara
Segundo O'Sullivan et al. (2001, pp. 64-66, grifo do autor),
o termo cultura é multidiscursivo. [...] Isso significa que não se pode importar
uma definição fixa em qualquer e todo contexto, esperando que ela faça
sentido em outro. O que se tem a fazer é identificar o próprio contexto
discursivo. [...] Em cada caso, o sentido de cultura é determinado de forma
relacional, ou negativamente, por sua diferenciação com relação a outros
naquele discurso, mas não de maneira positiva, ou seja, por referência a
qualquer propriedade intrínseca ou patente, eternamente fixa como sendo
essencialmente cultural. Além do mais, o conceito de cultura não pode ser
'verificado' com referência ao seu sentido em fenômenos, ações ou objetos que
se encontram além do discurso. O que o termo indica (seu referente, ao invés
de seu significado) é determinado pelo próprio termo em seu contexto
discursivo, e não o contrário. [...] A cultura é vista como a parte determinante,
e não só como a parte determinada da atividade social, constituindo, portanto,
uma esfera significante para a reprodução de desigualdades de poder social.
Na obra Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo II: Necrose, Edgar
Morin retrata o léxico “cultura” como sendo uma palavra armadilha. Assim, de acordo com
este autor, o termo cultura seria "uma falsa evidência, palavra que parece uma, estável, firme,
e, no entanto, é a palavra armadilha, vazia, sonífera, minada, dúbia, traiçoeira. Palavra mito
que tem a pretensão de conter em si a completa salvação: verdade, sabedoria, bem-viver,
liberdade e criatividade" (MORIN, 1977, p. 75).
Ainda segundo ele, a noção de cultura não é menos obscura. Existe nela um sentido
antropológico que engloba tudo o que não é inato e dotado de sentido, ou seja, que depende de
organização, estruturação e programação social, um sentido etnográfico, no qual são
reagrupadas crenças, ritos, normas, valores e modelos de comportamento e, por fim, um
sentido sociológico que envolveria o domínio psicoafetivo, a personalidade e a sensibilidade.
Dando continuidade a seu raciocínio, Morin (idem, pp. 77-79) alerta que:
Precisamos, então, considerar a cultura como um sistema que faz comunicar -
em forma dialética - uma experiência existencial e um saber constituído.
Tratar-se-ia de um sistema indissociável em que o saber, estoque cultural,
seria registrado e codificado, assimilável apenas pelos detentores do código,
os membros de uma dada cultura [...]; o saber seria, ao mesmo tempo,
constitutivamente ligado a padrões-modelos que permitem organizar, canalizar
as relações existenciais, práticas e/ou imaginárias. Assim, a relação com a
experiência é bivectorizada: de uma parte, o sistema cultural extrai da
existência a experiência que permite assimilar e eventualmente estocar; de
outra parte, fornece à existência os quadros e estruturas que assegurarão,
dissociando ou misturando a prática e o imaginário, seja a conduta
operacional, seja a participação, a fruição, o êxtase. [...] Uma cultura, mesmo
estreita e limitada, engloba em seu campo particular, uma parte da relação