somos pintores. Para nós, a montanha é forma, cor, volume, linhas,
profundidade – não é uma coisa, mas um campo de visibilidade.
“Não se trata de supor que há, de um lado, a ‘coisa’ física ou material e,
de outro, a ‘coisa’ como idéia ou significação. Não há, de um lado, a
coisa-em-si, e, de outro lado, a coisa para-nós, mas entrelaçamento do
físico-material e da significação, a unidade de um ser e de seu sentido,
fazendo com que aquilo que chamamos ‘coisa’ seja sempre um campo
significativo. O Monte Olimpo, o Monte Sinai são realidades culturais
tanto quanto as Sierras para a história da revolução cubana ou as
montanhas para a resistência espanhola ou francesa, ou a Montanha Santa
Vitória, pintada por Cézanne. O que não impede ao geólogo de estudá-las
de modo diverso, nem ao capitalista de reduzi-las a mercadorias (seja
explorando seus recursos de matéria-prima, seja transformando-as em
objeto de turismo lucrativo)”. (1994: 17-18)
Acredito que o teor de toda argumentação de Marilena Chauí, correspondendo com
a da fenomenologia, é nos mostrar que o mundo vivido pelo indivíduo terá papel essencial
na consolidação daquilo que esse indivíduo vai dizer sobre os fenômenos que a ele se
apresentam. Por isso, não dá para afirmar a verdade universal sobre o que se deve entender
sobre o que é montanha, ou o que é história, ou o que é dinheiro, o que é felicidade, o que é
o número 4, o que é linguagem, o que é melhor, o que é verdade...
Ao analisar como esse processo se materializa na reflexão científica sobre o
conceito de natureza, Marcos B. de Carvalho nos oferece a seguinte contribuição:
“A resposta da natureza está na própria história dos homens.
“Produzir idéias, concepções, modos de vida, hábitos de convivência, ou,
numa palavra, produzir cultura, faz parte da natureza do homem. Neste
sentido é natural que a natureza também mude, toda vez que, a partir da
adoção de novas regras de convivência social, as pessoas sejam capazes
de produzir novas culturas e, portanto, novas concepções do mundo e de
sua natureza (...)
“Assim, não é possível entender nem a natureza nem o homem, a não ser
que os encaremos como partes integrantes e indissociáveis, que em cada
um dos momentos históricos constituem um mesmo e único mundo, onde
as ‘coisas’ da natureza e as idéias dos homens compõem uma mesma
realidade...” (2003: 61-62)
Essa citação ilustra o caráter relacional do conhecimento científico, que não pode
ser compreendido nas suas implicações e razões mais profundas, se não se considerarem os
diversos fatores sociais, econômicos, políticos, culturais, psicológicos, biográficos etc, que
envolveram o seu processo de elaboração.
No âmbito do mundo vivido, o mundo nos faz infinitas solicitações. Chega a nós
permanentemente sem que possamos dar conta de todos esses elementos que vêm até nós.
Como, na fenomenologia existencial, a consciência está encarnada no mundo, toda a sua
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