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A História Política do Brasil (1930-1946)
sob a ótica da imprensa gaúcha
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2
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Curso de Pós-Graduação em História
A História Política do Brasil (1930 -1946)
sob a ótica da imprensa gaúcha
Tese apresentada ao curso de Pós-graduação
em História da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, como
requisito parcial à obtenção do grau de
Doutora em História.
Área de concentração
: História das
Sociedades Ibéricas e Americanas
Orientador:
Prof.Dr. Earle Diniz Macarthy Moreira
Derocina Alves Campos Sosa
Porto Alegre, março de 2005.
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3
Agradecimentos
A Deus, porque sem ele nada seria possível;
Ao Prof. Dr. Earle Diniz Macarthy Moreira, pela orientação, pelo apoio, pela
confiança e extrema paciência em disponibilizar seu imenso conhecimento e
capacidade com meu trabalho;
Ao Prof. Dr. Francisco das Neves Alves, pela revisão criteriosa e pelo incentivo
que somente se espera dos grandes amigos;
À minha mãe Neli, meu marido Marcelo e meu filho Marcelinho a quem eu
dedico esse trabalho;
A ti meu pai que estás, com certeza, em algum lugar vendo o fim dessa
caminhada;
Ao curso de Pós-graduação em História da PUCRS pela estrutura oferecida
para a realização desse doutorado e a Capes pelo suporte financeiro que
possibilitaram a realização desse trabalho;
À minha família e amigos por todas as palavras de perseverança.
4
O povo pode fazer-se escravo. Pode ser injusto.
Pode cometer erros. Os líderes devem torná-lo
novamente livre; os governantes devem apontar as
suas injustiças; os doutrinadores devem corrigir
seus erros. Ao jornal cabe
Evitar
que o povo se
torne escravo, que o povo prestigie o crime, que o
povo cometa uma falta.
Diário Popular, 27-8-
1944.
5
Sumário
Introdução ........................................................................................................7
Capítulo I - Imprensa e História.......................................................................13
1.1- Os discursos construídos pelos jornais
......................................................18
1.2- Os discursos manipulados nos jornais
.......................................................25
1.3- As relações da imprensa escrita com o poder
.............................................33
1.4- A imprensa gaúcha e seus limites discursivos nas décadas de 1930 e 1940
......38
Capítulo II – O cenário Político Nacional de 1930 a 1934: os posicionamentos
da imprensa
gaúcha................................................................................................62
2.1- A Revolução de 1930, antecedentes históricos, os preparativos da Aliança Liberal e
as repercussões na imprensa escrita
............................................................... 63
2.2- O Movimento Constitucionalista de 1932: os enfoques dados pelos jornais
.........80
2.3- O ano de 1933, as eleições constitucionais, os debates parlamentares
.................95
2.4-A Constituição de 1934, os embates políticos, a visão da Carta Constitucional que as
imprensa gaúcha apresentava
.......................................................................102
Capítulo III - O projeto autoritário de governo: da Lei de Segurança Nacional
de 1935 à implantação do golpe de
1937....................................................108
3.1- A Lei de Segurança Nacional de janeiro de 1935 e os reflexos na imprensa
......114
3.2- As marchas e contra-marchas do ano de 1936
.............................................125
3.3- O golpe de 1937 e a implantação do Estado Novo
........................................135
Capítulo IV - Do Estado autoritário à Abertura Democrática: os caminhos que
percorreu a imprensa gaúcha.................................................................158
4.1- Os acontecimentos externos que marcaram o período de 1937 a 1945 e a
participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial
...................................................158
4.2- As resistências externas ao autoritarismo de Vargas
....................................170
4.3- Das apologias ao Estado Novo à oposição sistemática do regime
..................178
4.4- A abertura democrática do pós-45: A Constituição de 1946 e o coroamento
democrático
.............................................................................................179
6
Conclusão.......................................................................................................186
Bibliografia.....................................................................................................190
Outras Fontes de Pesquisa...............................................................................202
Locais de Pesquisa..........................................................................................203
7
INTRODUÇÃO
O estudo que propomos a seguir visa identificar o estudo da imprensa
escrita como fonte para a História, relacionando ambas e percebendo situações concretas de
aproximação entre os objetos focados.O título,
A História Política do Brasil (1930-1946) sob
a ótica da imprensa gaúcha pretende relacionar a história política desse período com os
vários enfoques que a imprensa escrita apresentava, de maneira que, a percepção se em
torno do tipo de discursividade feita pelos jornais e de como esses discursos vão sendo
gradativamente construídos.
A delimitação temporal foi feita tomando por base a continuação de uma
caminhada por esse período, adquirida anteriormente quando da defesa de nossa dissertação
de mestrado, que percorreu a década de 1930, expondo a questão central do federalismo
versus a centralização política que se processava naquele momento. Outra questão que
contribuiu para a escolha desse período foi a imposição de elementos que pretendemos
trabalhar ao longo dessa tese como:
o poder, a manipulação de idéias, a construção dos
discursos,a resistência subliminar da imprensa escrita.
Dessa forma, buscamos reconhecer
pontos de contato entre aquilo que a imprensa escrita apresentava em suas páginas diárias e
aquilo que se processava politicamente falando, no Brasil.
A escolha do enfoque deu-se em vista da já notória relevância da imprensa como
fonte histórica. No entanto, aquilo que aparece escrito deve ser lido em dois tempos: um
objetivo que interpreta o que está escrito efetivamente e outro subjetivo que precisa entender o
8
que não aparece escrito, mas é possível de identificar à luz do contexto histórico. Assim, o
estudo da imprensa necessita o reconhecimento do que está em torno dela, que ela está
invariavelmente atrelada ao seu tempo histórico.
A história política encontra na imprensa escrita, um campo fértil de trabalho,
visto que, ela pode ser identificada como fonte privilegiada em situações em que outras
fontes não conseguem dar conta de responder satisfatoriamente aos questionamentos do
investigador. Francisco das Neves Alves escreve que:
Em se tratando de pesquisas abordando a história política, o papel da
imprensa avulta em importância, tendo em vista o caráter em geral lacônico
que caracteriza muitos dos documentos oficiais no que tange às disputas e
aos confrontos de natureza político-partidária. Nos jornais, ao contrário,
esses conflitos encontram seu espaço de propagação, chegando o jornalismo
a servir como elo de ligação ou agente de combate entre diferentes
tendências político-ideológicas
1
.
A leitura literal que muitas vezes se faz pode levar à determinadas armadilhas
de interpretação. Por exemplo, jornais da época tratando da Lei de Segurança Nacional de
janeiro de 1935, entendiam a lei como necessária ao país naquele momento, mas faziam
ressalvas dos malefícios que podiam advir em função da aplicabilidade dessa mesma lei,
especialmente no que tange ao cerceamento das liberdades da imprensa.
A imprensa, portanto, respaldou o governo para que aplicasse a lei, mas ao
mesmo tempo lançou um alerta quanto aos resultados de suas imposições.
As possibilidades das interpretações tendenciosas também merecem atenção,
visto que, o jornalismo utilizou, como ainda utiliza, expedientes que visavam driblar a censura
para passar as suas mensagens.No período do Estado Novo (1937-1945) era comum a
1
ALVES, Francisco das Neves. O discurso político-partidário sul-rio-grandense sob o prisma da imprensa rio -
grandina (1868-1895). Rio Grande: Editora da FURG,2002. p.15.
9
utilização de referências a determinadas idéias, entre elas, a da democracia ser o regime ideal
e, inferia mais adiante que o Brasil deveria atingir também esse ideal. No início dos textos
parecia que a imprensa estava totalmente a favor do regime de exceção, mas o que se
vislumbrava era a resistência a esse regime.
O período analisado apresenta diferenças quanto ao desenvolvimento interno:
de 1930 a 1934 temos o chamado período do governo provisório de Vargas marcado pela
Revolução Constitucionalista de São Paulo(1932), assinalando o fim da Republica Velha e a
emergência das camadas médias urbanas e da burocracia civil no seu interior; de 1934-1937, o
período constitucional, em que houve o confronto das idéias democráticas e autoritárias no
Brasil, culminando com um processo desencadeado desde 1930, que visava a centralização
política no Brasil; de 1937-1942 em que houve a implantação do regime de exceção, abalado
com a entrada do Brasil na guerra Mundial, quando se tornou insustentável a defesa do
autoritarismo internamente,e quando o mundo capitalista fazia a apologia das idéias da
democracia liberal; de 1942-1946 temos a progressiva oposição ao regime e a abertura
democrática.
Nesses momentos todos, a imprensa escrita atuou de maneira ampla na
construção e manipulação de discursos que eram absorvidos pelo público leitor da época.
Os jornais elencados para a pesquisa foram: O Rio Grande e O Tempo ambos
de Rio Grande fundados no início do século XX e funcionavam como verdadeiros rivais
dentro da cidade;
O Diário Popular
e o
Opinião Pública
de Pelotas que, funcionavam, a
exemplo de Rio Grande, como jornais rivais que disputavam o público leitor;
Correio do
Povo
e
Diário de Notícias
de Porto Alegre, o primeiro fundado ainda no século XIX com
uma proposta de imparcialidade bem ao estilo das moderna empresas jornalísticas e o
segundo, no século XX, com alguma presença crítica mais marcante;
Gazeta de Alegrete
fundado no século XIX voltado para os interesses econômicos da agro-pecuária e políticos da
10
Frente-Única;
A Razão,
de Santa Maria, que também defendia a agro-pecuária e os interesses
políticos da Frente-Única;
Correio Rio-grandense
ou
Staffetta Rio-grandense
2
fundado em
Caxias do Sul no início do século XX e que acabou se transferindo para Garibaldi,retornando
na década de 1950 a Caxias do Sul.Até a década de 1940 era ele escrito em língua italiana
com o nome de
Staffetta Rio-grandense,
depois passou a se intitular
Correio Rio-grandense.
Optamos por fazer a transcrição dos textos por entender que seria mais preciso o contraponto
entre os jornais.Todos os jornais pesquisados levaram em conta a localização das cidades no
espaço sul-rio-grandense e a relevância do município em termos demográficos
3
, bem como a
regularidade dos periódicos, dentro do recorte temporal proposto.
A pesquisa que desenvolvemos pretendeu fazer um estudo regionalizado da
imprensa gaúcha, no período de 1930 a 1946, propondo o desenvolvimento da história política
do Brasil, as variações e intensidades com que as notícias percorriam as páginas dos jornais,
dentro de uma proposta de apresentação textual que considere a descontinuidade dos próprios
jornais, como, por exemplo, lacunas entre um exemplar e outro ou ainda quando da adoção da
censura que acabou interferindo na apresentação dos mesmos.
Para realizar esse trabalho pesquisamos na Biblioteca Rio-Grandense da cidade
de Rio Grande, na Biblioteca Pública de Pelotas, na Biblioteca Pública de Porto alegre, no
Museu dos Capuchinhos em Caxias do sul, no Solar dos Câmara em Porto Alegre, no Núcleo
de Pesquisa em História do Rio Grande do Sul da UFRGS e no Museu de Comunicação
2
O Correio Rio-grandense nasceu com esse nome na cidade de Caxias do Sul. Quando os padres capuchinhos
assumiram o controle do jornal o levaram para Garibaldi onde passou a chamar-se Staffetta Rio-grandense. Era
escrito em língua italiana e dirigia-se principalmente para as colônias. Na década de 1940 em função da política
de nacionalização do Estado Novo, passou a ser escrito em língua portuguesa e na década seguinte retornou a
Caxias do Sul onde circula até os dias atuais. Para efeito de preservação das denominações originais do jornal,
utilizamos nesta tese o nome Staffetta Rio-grandense até 1942 e, para o período posterior, passamos a descrevê-
lo como Correio Rio-grandense.
3
A escolha das cidades pautou-se pela localização geográfica, ou seja, as principais regiões do estado foram
destacadas: o Litoral, a Campanha, a Serra e a Depressão Central. A inclusão da região das Missões ficou
impossibilitada, tendo em vista a impossibilidade de acesso às fontes, a questão da densidade populacional destas
comunidades foi outro elemento que contribuiu para a seleção dos jornais.
11
Social Hipólito José da Costa. Todos os locais disponibilizaram prontamente seu acervo para
a pesquisa.
A divisão temática do trabalho obedeceu basicamente o critério da divisão
temática da História do Brasil, pontuando os principais acontecimentos do período de 1930 a
1937. A divisão, portanto, ficou da seguinte forma:
Capítulo I “Imprensa e História” estuda as relações entre a imprensa e a
História dissentindo teoricamente a construção dos discursos e sua manipulação, como a
imprensa escrita se relaciona com o poder e quais os limites discursivos que apresentava nas
décadas de 1930 e 1940.
Capítulo II - “O Cenário político Nacional de 1930 a 1934” estuda as
repercussões da Revolução de 1930 que a imprensa apontava; o movimento constitucionalista
de 1932 e a maneira como aparece nos jornais; a Constituinte de 1933 e a Constituição de
1934, os embates que se processaram e a visão que os jornais tiveram de movimentos de
esquerda como a ANL e de direita como a AIB.
Capítulo III “O Projeto Autoritário de governo 1935-1937” nele analisamos
como a questão da centralização política gestada desde 1930 acabou se confirmando a partir
da decretação da Lei de Segurança Nacional de 1935. Enfocamos também o desenvolvimento
político do ano de 1936 e de como o governo foi eliminando obstáculos para implantar um
sistema político calcado no regime de exceção. O golpe de 1937 e a implantação do Estado
Novo são destacados, salientando a maneira como os jornais se posicionavam diante dos
acontecimentos e a forma como passam a se comportar depois disso.
No capítulo IV - “Do Estado Autoritário à Abertura Democrática” procuramos
analisar a queda do regime de exceção e a maneira como o Brasil se encaminhava para a
democracia liberal, destacando os acontecimentos externos que marcaram o Estado Novo e a
participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial.Observamos as resistências internas que se
12
processaram contra o autoritarismo de Vargas e a oposição sistemática feita ao regime
principalmente depois de 1944, a abertura democrática do pós-45 e a Constituição de 1946,
que descortinam o fim do Estado Novo e a presença forte do retorno da idéia de democracia
liberal, ao estilo norte-americano.
As diferentes facetas que a imprensa oferece dos acontecimentos, nos permitem
revê-la com outros olhos. A linguagem apresentada destina-se a uma época em que as idéias
muitas vezes não têm a mesma relação com as idéias atuais. Exemplo disso é o tipo de
representação lingüística que se fazia da palavra
ditador
na década de 1930, que era visto
como um condutor necessário aos países em desordem.O termo adquiriu um caráter
eminentemente pejorativo ao final da Guerra Mundial, quando todas as mazelas da Europa
destruída foram mostradas ao mundo e a democracia liberal adquiriu novo impulso.A questão
dos conceitos está implicitamente/explicitamente trabalhada, pois sua identificação nos
permite redimensionar sua importância no espaço-tempo.
13
Capítulo I - Imprensa e História
Existem várias formas de relação da imprensa, no caso, imprensa escrita, com a
história, percebendo-se nelas situações concretas, que remetem às especificidades reveladoras
de sua ideologia
4
e de seus contatos com o poder.
Analisar um texto jornalístico de períodos de exceção, demanda a necessidade de
uma leitura que decodifique dois níveis discursivos, vias de regra presentes: um objetivo,
outro subjetivo; o primeiro, fazendo o registro possível, permitido ou imposto e o segundo
desvelando eventual resistência - subterrânea, sub-reptícia, às imposições do poder.
No âmbito deste trabalho, a imprensa em questão é a que se manifesta no
jornalismo, impresso, e é entendida:
não como um nível isolado da realidade social na qual se insere, mas que ela
representa, fundamentalmente, um instrumento de manipulação de interesses
e de intervenção na vida social, pensando ainda, como indicou Gramsci, que,
muitas vezes as funções desempenhadas por um jornal, atuando como uma
força dirigente ou orientadora, pode se equiparar, ou mesmo ultrapassar as
funções desempenhadas pelos partidos políticos.
5
A imprensa escrita, aqui, servirá de fonte para a história política e suas
implicações com outros campos do conhecimento. A história política tem sido resgatada ao
longo dos últimos cinqüenta anos e isso se deve em grande parte à história revisionista que
4
Ideologia entendida aqui como um sistema de idéias, de representações que domina o espírito de um homem ou
até um grupo social. (ALTHUSSER, Louis.Aparelhos Ideológicos do Estado. Rio de Janeiro: Graal,1992.p. 81).
5
CAPELATO,Maria Helena “Populismo na Imprensa: UH e NP” IN Populismo e Comunicação. José Marques
de Melo (org). São Paulo: Cortez, 1981.P.118. Cf. FARO,J.S “A Comunicação Populista no Brasil: O DIP e a
SECOM” IN Populismo e Comunicação.José Marques de Melo (org). São Paulo: Cortez,1981, quando esclarece
essa função da Imprensa ao analisar o Departamento de Imprensa e Propaganda no Brasil. Cf. GRAMSCI,
Antonio. Os intelectuais e a organização da Cultura. São Paulo: círculo do livro,1978, quando retrata o
jornalismo e as suas funções.
14
não a reduz como fazia a história tradicional, segundo a qual a história política devia apenas
representar o estudo da linearidade dos acontecimentos, da valorização dos mitos e dos heróis.
Essa visão revisionista abriu espaço, portanto, à compreensão da história política
como algo integrado socialmente, necessitando de uma explicação mais completa dos outros
elementos que compõem a sociedade como a economia e a cultura, por exemplo. Assim, a
história política passou a ser vista como o espaço onde poder e política assumem o status de
representações sociais em conexão com as práticas sociais, sendo que o estudo do político
demanda o reconhecimento também de outras representações sociais como a memória ou
memórias coletivas, as mentalidades, bem como outras práticas discursivas associadas ao
poder
6
.
O estado, a política e o poder dessa forma, se inter-relacionam. Não existe estudo
atual de história política que não parta de uma definição de poder e de uma análise desse
fenômeno
7
.
Os jornais estão localizados na encruzilhada desses elementos: estado, política e
poder, combinando-se com eles, ora endossando o discurso oficial
8
, ora opondo-se a ele.
O discurso jornalístico obedece, como já referendado anteriormente, às regras
históricas e é o resultado de uma posição sócio-histórica, na qual os enunciadores se revelam
substituíveis e o conteúdo apresentado está visceralmente ligado ao seu tempo. Dito de outra
forma, os discursos construídos pelos jornais estão balizados pelo contexto em que foram
criados
9
.
6
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder.Rio de Janeiro:Graal.10ª ed. 1992.
7
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília: Editora da UNB,1997.p76-
77.
8
Discurso é uma unidade do plano de conteúdo, é o nível do percurso gerativo de sentido, em que forma
narrativas abstratas são revestidas por elementos concretos quando um discurso é manifestado por um plano de
expressão qualquer, temos um texto.cf..FIORIN, José Luiz.Elementos de Análise do Discurso.São Paulo:
Contexto,1990.P.31
9
MAINGUENEAU,D. Novas Tendências em Análise do Discurso.Campinas, São Paulo: Pontes. Editora da
Universidade Estadual de Campinas,1993.P.14.
15
Percebe-se, portanto, e isso norteia o desenvolvimento desta tese, que o jornalismo
encontra-se, permanentemente, no ponto de encontro ou desencontro dos interesses de estado,
das manipulações políticas e da luta pelo poder, ou seja, por vezes afina-se com os interesses
do estado, em outras lhe faz oposição. Os posicionamentos assumidos pelos jornais implicam
em correr riscos patrimoniais e pessoais, por vezes fatais.
É preciso, outrossim, levar em conta, especialmente no jornalismo opinativo
10
, a
dimensão ideológica, nem sempre explícita, embora presente como ressalta Gouldner, quando
registra que:
entre a posterior difusão de um movimento social e a anterior formulação de
uma ideologia se produz a organização de um jornal. No período de
consolidação da época burguesa, ele era freqüentemente instrumento dos
partidos, e freqüentemente eram os partidos mobilizados pelos jornais, o
partido moderno, que é a organização estável de quadros e a elite de um
movimento social, é promovido pelo jornal
11
O uso de fonte jornalística como instrumento a ser utilizado em história política,
conseqüentemente, não tem como deixar de levar em consideração o viés ideológico, presente
ou na feitura do texto ou em sua leitura à época em que foi produzido. Isso conduz,
inapelavelmente, à pesquisa não só das peças textuais em si, como do momento histórico em
que foram produzidas e, dado o volume das mesmas, impõe-se ao pesquisador uma necessária
e clara delimitação de cenários e tópicos envolvidos no processo.
Maria Helena Capelatto
12
tem ressaltado a permanência da força opinativa do
jornalismo, ressaltando o fato de que “enquanto a gente não abrir espaço para partidos mais
fortes, partidos ideológicos, mais enraizados, a imprensa vai continuar usurpando esse espaço
10
RÜDIGER,Francisco Ricardo. Tendências do Jornalismo. Porto Alegre. Editora da
Universidade/UFRGS,1993.
11
GOULDNER,Alvin IN RÜDIGER.op cit,p29
12
CAPELATTO, Maria Helena. “Imprensa, Uma Mercadoria Política” IN História e Perspectiva Revista da
Universidade Federal de Uberlândia. MG,1991. v.4.P.131
16
que pertence aos partidos”.
13
Por outras palavras, é o que expressa muito claramente um dos
mais importantes homens de imprensa do século passado, Assis Chateaubriand
14
, segundo o
qual ela existia para conduzir a política, mais do que para dela participar. Aliás, o poder da
imprensa, no sentido que aqui se lhe dá, esteve presente nas preocupações de todos os literatos
e políticos desde o século XIX até o presente, quer por sua ação negativa - Balzac chega a
escrever em
Ilusões Perdidas
15
que se ela não existisse seria preciso não inventá-la; Gandhi,
em suas
Memórias
16
, compara-a a uma torrente em fúria, que submerge as planícies e devasta
as colheitas se o jornalista for irresponsável -, quer por sua ação positiva magistralmente
expressa por Ruy Barbosa, ele mesmo uma simbiose de político e jornalista, em texto célebre
-
A Imprensa e o Dever da
Verdade - publicado em 1920 na Bahia:
A imprensa é a vista da nação. Por ela é que a nação acompanha o que lhe
passa por perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe
ocultam e tramam, colhe o que sonegam ou roubam, percebe onde lhe
alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceia ou destroem, vela pelo que lhe
interessa, e se acautela do que a ameaça
17
O objetivo, portanto, de se fazer esse estudo está no reconhecimento da construção
discursiva como pólo norteador , ou seja, é necessário que identifiquemos o tipo de linguagem
associada ao discurso jornalístico e as formas como ela - a linguagem
18
- atua na apresentação
desse discurso. Aqui tratamos de construção discursiva, ao modo como os discursos vão
13
FRIAS,Otávio Frias. IN CAPELATO,1991,op cit P.131
14
CHATEAUBRIAND, Assis. “O dançarino da corda bem esticada” IN CAPELATO, 1991. op cit,p.134
15
BALZAC, Honoré. Ilusões Perdidas.Rio de Janeiro,Ediouro,1994
16
GANDHI.Memórias.Rio de Janeiro: Adersen,1930.p.171.Gandhi complementa dizendo que: “uma pena sem
controle serve somente para destruir, se o controle vem do exterior, o efeito é ainda mais nocivo que a falta de
controle, só pode ser aproveitável se for exercido interiormente”.
17
BARBOSA, Ruy. A Imprensa e o Dever da Verdade.Rio de Janeiro: Simões, 1957.
18
A linguagem é, aqui entendida como um componente da comunicação que tem como finalidade última não
apenas informar, mas persuadir o interlocutor a aceitar o que está sendo comunicado. Cf. FIORIN,op cit,p.52
17
sendo criados à luz do contexto histórico, não fazemos análise de discurso que demandaria
conhecimentos no campo da lingüística e que fugiria à proposta da análise dos próprios
jornais que dão ênfase aos aspectos políticos, ligações político-partidárias, relações com
outros jornais e identificação do público-leitor.
O estudo da construção discursiva
19
precisa dessa forma, levar em conta o tipo de
linguagem apresentada no jornal de modo que possamos aproximar o mais objetivamente
possível o texto de sua real significação.
A imprensa adquire assim a função de porta-voz da sociedade, e como os
acontecimentos são captados no momento mesmo que ocorrem, identificam uma época. Ao
historiador cabem os questionamentos às fontes para extrair um significado, retirando de sua
linguagem os elementos capazes de representarem um determinado momento histórico.
Maria Helena Capelatto ainda reitera que os grandes jornais brasileiros se
caracterizam pela veiculação de informações e também pelas articulações conspiratórias
20
. A
defesa e a oposição aos governos e aos governantes também são outro componente bastante
explorado pela imprensa. Mesmo naquelas situações em que é cassado o direito de expressão,
o discurso jornalístico encontra algumas formas mais sutis de se apresentar ao público leitor.
O jornalista, ao expressar suas opiniões está canalizando os anseios da sociedade e o contexto
da sua época.
A imprensa por ser uma instituição pública e privada atua nos dois campos,
enquanto empresa que enfrenta cotidianamente a concorrência, tentando de todas as formas
vender o seu produto, mas que por outro lado coloca no mercado uma mercadoria muito
particular que é a mercadoria política, mesclando-se aí o público e o privado, os interesses dos
19
Construção discursiva é entendida na definição de Foucault, ou seja, é a capacidade de se reconhecer:
“semelhantes sistemas de dispersão entre certo número de enunciados e uma regularidade do discurso entre os
objetos, os tipos de enunciação, os conceitos e as escolhas temáticas” cf. FOULCAULT, Michel. A arqueologia
do saber.4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1995.p.43 e 66.
18
cidadãos e os do dono do jornal. As relações que se estabelecem, portanto, na esfera privada,
não desaparecem na esfera pública.
A visão da imprensa como fiel refletora daquilo que está ocorrendo na sociedade,
no entanto, justifica apenas um dos componentes dessa mesma imprensa. O outro é aquele
ligado ao papel que a imprensa escrita vem desempenhando ao longo da História e mais
precisamente da História do Brasil, ou seja, o de espaço privilegiado de exercício da política,
como exposição de idéias ou ainda da política-partidária, responsável pela construção dos
discursos.
1.1 -Os discursos construídos pelos jornais
A identificação da construção discursiva apresentada pela imprensa escrita e na
imprensa escrita é uma tarefa complexa. Demanda antes de tudo, o conhecimento do
desenvolvimento dessa imprensa ao longo da História do Brasil, os vários momentos pelos
quais ela passou até chegarmos ao jornalismo
21
moderno que data sua criação do final do
século XIX. Assim o jornalismo gaúcho conheceu duas grandes fases de desenvolvimento,
como demonstra Rüdiger:
20
Os jornais apresentam-se dessa forma, ao público leitor como impessoais, imparciais, apartidários e apolíticos,
mas tem componentes ideológicos em seus discursos.
21
Aqui utilizamos o termo jornalismo para designar o tipo de atuação feita pela Imprensa no período que ora
estudamos (1930-1946), já que no dizer de Rüdiger Imprensa e jornalismo não significam a mesma coisa.
Imprensa é o veículo das manifestações sociais. Já o Jornalismo por seu turno representa o passo seguinte ou
ainda, Jornalismo é uma prática social componente do processo de formação da chamada opinião pública;
19
a primeira fase, comandada pelo conceito de jornalismo político-partidário,
foi dominante desde a sua formação, em meados do século passado até a
década de 30. A segunda, dominada pelos conceitos de jornalismo
informativo e indústria cultural, começou a se gestar lentamente no início do
século XX, quando surgiram as primeiras empresas jornalísticas, e se
consolidar com a formação das atuais redes e monopólios de comunicação.
22
A primeira fase trabalhava com doutrinas e idéias que estabeleciam uma luta nos
bastidores e nas páginas dos jornais e periódicos, percebidos, em geral, pelo tom forte do
vocabulário usado, pelas expressões agressivas ou laudatórias. Loiva Felix esclarece que:
os editoriais constituíram-se em tribuna política onde, muitas vezes, buscava-
se universalizar o particular e particularizar o universal.
23
A imprensa passava dessa forma a construir discursos e a estendê-lo a toda a
população de modo que as pessoas se identificassem com certos conceitos. Entidades como
pátria, nação brasileira, povo, povo rio-grandense
, etc..., criavam uma: identidade coletiva,
uma solidariedade social
e uma visão de mundo própria”
24
Ainda relacionado à primeira fase,
Rüdiger pronuncia-se da seguinte forma:
o jornalismo político-partidário desenvolveu a concepção de que o papel dos
jornais é essencialmente opinativo, visa veicular organizadamente a doutrina
e a opinião dos partidos na sociedade civil. Os jornalistas são os
responsáveis pela tarefa de transmitir de forma criteriosa a doutrina dos
partidos e dirigir a opinião pública.
25
prática que dotada de conceito histórico variável conforme o período pode se estruturar de modo regular nos
mais diversos meios de comunicação, da Imprensa à televisão” (Rüdiger, op cit,p.7).
22
Idem, p.16.
23
FELIX, Loiva Otero. “Imprensa, revolução e discurso: a construção de categorias” IN A Revolução
federalista e os Teuto-brasileiros. Artur Rambo e Loiva Felix (organizadores). São Leopoldo: Editora da
Unisinos; Porto Alegre: Editora da UFRGS,1995, p.183.
24
Idem,p.183-184
25
Rüdiger. Op cit.p.6
20
Os jornais caracterizavam-se pela responsabilidade com os conceitos externados e
uma série de excessos de linguagem, até porque quem respondia pelos crimes de imprensa não
eram os verdadeiros redatores da matéria, mas os diretores da publicação
26
.
No período anterior, de consolidação do II Reinado brasileiro houve a
possibilidade de desenvolvimento de um grande número de jornais que refletiam a chamada
fase da Conciliação (que duraria até 1859) entre conservadores e liberais que pretendiam a
pacificação do país
27
. No entanto a Conciliação no dizer de Sodré: “escondia os graves
problemas que se aprofundavam na estagnação da aparente tranqüilidade reinante”
28
.
No fim da cada de 70 do século XIX a rotina começaria a ser alterada com o
conflito militar platino de meados da década precedente e suas conseqüências na vida política
do país.A suspensão do tráfico negreiro dez anos antes criou um espectro social favorável às
lutas e agitações políticas. O jornalismo por sua vez, retomava o fio da sua história e passava à
fase da agitação em suas manifestações
29
.
A imprensa gaúcha não ficou alheia a esse movimento como foi anteriormente
destacado com a Revolução Federalista, mas não somente com ela. Outros temas também
foram explorados como, ainda anteriormente, a questão servil que:
ganhou autonomia dos
partidos na esfera pública, forçando os jornais a agirem como partidos, de modo que não
constitui exagero dizer que foram responsáveis em grande parte pela massa de alforrias
verificadas em 1884”
30
.
O tempo do jornalismo puramente opinativo cedia lugar ao jornalismo político-
partidário ou doutrinário que não deixava margem à não-tomada de posicionamento
partidário.
26
Idem, p.25-26.
27
SODRÉ, NelsonWerneck. História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Martins Fontes,1983.p188
28
Idem, p.188.
29
Ibidem, p.201.
30
RÜDIGER. Op cit,p.29
21
No Rio Grande do Sul o jornalismo político-partidário é contemporâneo da
Revolução Farroupilha e suas relações com o centro do poder. No final do século XIX, com a
Revolução Federalista, os jornais passaram a refletir as posições com relação a esse
movimento. Pica-paus e maragatos confrontavam-se também através das páginas dos jornais.
Assim
A
Federação
como folha representante da situação ou dos Republicanos construía um
discurso que criava um universo real cujo inimigo passava a ser diariamente atacado. Do lado
da oposição, jornais como
A Reforma
e o
Maragato,
por exemplo, utilizavam-se do mesmo
expediente.
Francisco Rüdiger ainda esclarece:
A Federação resumiu de fato o modelo do jornalismo político-partidário
vigente no Rio Grande do Sul até o Estado Novo. Lançada em 1884, a folha
teve significativo papel na articulação do movimento republicano da
Província, assumindo desde o princípio o cunho de órgão de combate e
propaganda. A empresa foi construída mediante subscrição feita pelos
membros do Partido (PRR) e a direção do jornal foi confiada a Júlio de
Castilhos
31
.
Assumiu ainda, a referida folha, defesas como a abolição da escravidão na
província e a questão militar.
32
A folha, portanto, tinha um papel fundamental na construção e
manutenção da nova hegemonia do Partido Republicano, guiando-se ideologicamente pela
tradução castilhista do positivismo comtiano. Os jornais político-partidários tinham
significativa participação na organização das forças políticas, constituíam clubes que serviam
de centros de reunião partidária, nas quais se elaborava a doutrina do partido
33
.
31
idem,p.31
32
A questão militar é também destacada por Sodré como sendo uma das bandeiras levantadas pelo jornal A
Federação, o que possibilitou a formação de uma opinião em favor dos militares.cf. SODRÉ,Nelson op
cit,p.230.
33
RÜDIGER. Op.cit. p. 32.
22
Os discursos vão, dessa forma, gradativamente sendo criados pela imprensa
escrita que como no século XIX, encampou a questão servil e a militar, tornando lugar-
comum a defesa dessas idéias, também o fez ao longo do século XX, criando com o público-
leitor uma identidade, capaz de reconhecer em situações como o regime de exceção do Estado
Novo, por exemplo, um componente de satisfação coletiva ou de aceitação do fato, criando a
perspectiva de que o modelo autoritário, melhor respondia aos anseios do coletivo da
sociedade.
A construção discursiva passa, portanto pela identificação com aquilo que está
sendo exposto de modo que o
eu
individual seja diluído no
nós
coletivo que deve estar acima
de todas as outras coisas.
A imprensa escrita e seu núcleo, o jornalismo, que inaugurou a década de 30 do
século XX modificaram-se quanto ao período precedente. A época da grande empresa
jornalística ou do jornalismo informativo moderno, representante da 2.ª fase do jornalismo na
definição de Francisco Rüdiger, perdeu um pouco o caráter combativo. Situações como a
Revolução de 32 (que coibiu a Imprensa Libertadora) e o golpe do Estado Novo objetivaram
atrelar a imprensa ao estado, mais precisamente quando da implantação desse último,
34
Rüdiger esclarece:
o regime aboliu oficialmente os partidos e decretou o fechamento de diversos
jornais, entre eles A Federação, o Estado do Rio Grande, o Libertador, o
Diário Liberal e o Echo do Sul. Os jornais sobreviventes procuraram se
adaptar à nova situação, adotando uma linha noticiosa, como foi o caso dos
dissidentes do novo regime, ou simplesmente adotando uma postura
34
O Estado Novo brasileiro tem sido muitas vezes descrito como Estado Totalitário em uma nítida comparação
aos Estados Fascistas Europeus. Nestes a sociedade civil é inteiramente absorvida pelo Estado, é um Estado sem
opinião pública, isto é, com uma opinião apenas oficial (Bobbio,op cit,p. 37). O Estado Totalitário caracteriza-se
ainda pela presença do partido único onipresente e onipotente ou uma “organização política, portanto, que
estende o próprio controle sobre cada comportamento humano, não deixando nenhum interstício no interior do
qual possa se desenvolver, a não ser ilicitamente, a iniciativa dos indivíduos e dos grupos (idem, p. 121). O
Estado Novo brasileiro não pode ser caracterizado de Totalitário devido à falta desse partido único e à
incapacidade dos grupos, que assumiram o poder com Vargas, de dominarem esse mesmo. Nessas condições
voltou-se às massas populares urbanas, única fonte de legitimidade possível do novo Estado brasileiro (Capelato,
1981,op cit,p. 117-118). Dessa forma o Estado Novo apresenta-se como autoritário e não totalitário.
23
oficialista, como se verificou na maior parte dos casos.O regime estabelecido
se encarregou de cuidar para que os primeiros se mantivessem estritamente
na nova linha editorial já os dissidentes sofressem duras represálias
35
.
No período do Estado Novo (1937-1945), a imprensa esteve sob rigorosa censura.
A situação foi-se modificando a partir de 1942 quando o Brasil declarou guerra aos países do
Eixo. Desde então, avultaram na imprensa escrita, artigos combatendo o fascismo europeu e o
autoritarismo brasileiro.
Com as modificações da década de 30 e o desenvolvimento da industrialização,
floresceram as empresas jornalísticas que passaram a lucrar mais comercializando seus
produtos típicos - o espaço publicitário e os exemplares avulsos. À época do jornalismo
político-partidário, sobrepõe-se o jornalismo informativo moderno.Os fatos são expostos no
jornal de uma forma mais distante das paixões políticas. As modernizações no parque gráfico
e no próprio conceito de jornalismo impuseram isso.
O novo jornalismo não se expunha como antes, mas não perdia o caráter político.
A metamorfose verificada no jornalismo não lhe tirou este aspecto, pois a conquista da
autonomia frente o campo político não significou sua perda, mas uma mudança de forma. A
nova empresa jornalística passa a ser uma agência política
36
O contexto do pós-30 e mais especificamente do pós-37 foi o responsável pelo
desenvolvimento desse tipo de jornalismo, cujo “caráter político foi se dissimulando ainda
mais, traduzindo-se em políticas ‘noticiosas’ extremamente sutis, mas eficazes no processo de
modelagem da opinião pública”.
37
35
RÜDIGER.op.cit,p.41.
36
idem,p.64.
37
ibidem,p.65.
24
O jornalismo, ao selecionar e transmitir a notícia, procede a uma manipulação do
conhecimento apreendido pelo público leitor. Os discursos construídos pela imprensa criam e
recriam o real ou como no dizer de Foucault: “o discurso constrói o real”.
38
A imprensa escrita atua desse modo, em um cenário com o qual interage o
discurso, fazendo parte de sua atividade e enquanto órgão de informação e de formação, é
capaz de manipular a opinião pública colocando-a ao lado de um ou de outro discurso.
39
Ela é um órgão político, que representa os anseios da sociedade e ao mesmo
tempo é responsável pela mudança de comportamento dessa mesma sociedade. Os discursos
que apresenta coadunam-se com essa postura. Nos momentos de crise ou de ameaça aos
direitos democráticos, ela recua no seu pronunciamento mais aberto, mas não deixa de
também apresentar por vezes opiniões contrárias ao sistema, de forma mais sutil.
O jornalismo informativo moderno, notadamente a partir da década de 30 o
perdeu o seu aspecto político como foi anteriormente colocado e é em função justamente
desse caráter político, que vai sofrendo metamorfoses ao longo da década de 30, que
propomos esse tipo de abordagem. Em todas as situações políticas do período de 1930 a 1946,
verifica-se uma tomada de posição, mesmo naquelas situações em que os jornais eram
penalizados e tinham que suprimir as informações de suas páginas, que apareciam muitas
vezes em branco. Mesmo nessas circunstâncias aparecia um discurso velado, mas eficiente.
Alguns acontecimentos como a Revolução de 30, a reação paulista de 1932, as
eleições de 1934, somente para citar alguns exemplos, demonstram como o discurso era
construído pelo jornal
40
, visando sua difusão junto à sociedade.
38
FOULCAULT,Michel,op cit,
39
Em um artigo intitulado Correio do Povo e Nacionalismo Popular, Andréa Torres discute as matérias
jornalísticas de indignação do Correio do Povo frente aos ataques alemães contra os navios brasileiros. Os artigos
do jornal falavam nos ataques covardes que serviam para canalizar os anseios de brasilidade. O jornal exaltava
assim esse sentimento de modo a incentivar a organização coletiva. Em outras matérias, o mesmo jornal
demonstrou sentimento de euforia quando o Brasil declarou guerra aos países do Eixo (Torres, Andréa . “Correio
do Povo e Nacionalismo Popular.1996: 44)
25
1.2- Os discursos manipulados nos jornais
Quando nos referimos à questão da manipulação estamos nos referindo à manobra
destinada a fraudar ou forjar algo. Dessa forma, a imprensa escrita utilizou e utiliza muito
desse expediente quando quer tornar eloqüente um discurso. Nesse ínterim, são os discursos
manipulados
pelos
jornais e
nos
jornais, de modo que, criam uma situação coerente com
aquilo que apregoam. Concorrem para a manipulação, bem como para a construção
discursiva, os intelectuais que escrevem os jornais. A eles, cabe o
status
da sapiência muitas
vezes inconteste, legitimadora de práticas sociais. Foucault em uma passagem de
Microfísica
do Poder
analisa a visão dos intelectuais que se arvoram o direito de conduzir as massas,
usando de um poder que lhes é confiado. Para o filósofo francês:
o que os intelectuais descobriram recentemente é que as massas não
necessitam deles para saber, elas sabem perfeitamente, claramente, muito
melhor do que eles, e elas o dizem muito bem. Mas existe um sistema de
poder que barra, proíbe, invalida esse discurso e esse saber. Poder que não
se encontra somente nas instâncias superiores da censura, mas que penetra
muito profundamente, muito sutilmente em toda a trama da sociedade os
próprios intelectuais fazem parte deste sistema de poder, a idéia de que eles
são agentes da “consciência” e do “discurso” também faz parte desse
sistema
41
.
Francisco Rüdiger percorrendo o mesmo caminho chama a atenção para os
fundamentos do jornalismo:
40
Quando nos referimos aos discursos constituídos pelos jornais estamos nos referindo aos editoriais, aos artigos
assinados pelos colaboradores e as notícias dos correspondentes políticos, bem como aquelas reproduzidas de
outros jornais brasileiros.
26
o jornalismo consiste basicamente numa prática social, ligada ao movimento
histórico da chamada esfera pública; ou seja, do processo de formação e
informação da opinião pública. Nessa perspectiva, ele não é, por princípio,
meio de manipulação ou esclarecimento social, mas uma forma de poder que
se reveste destes aspectos, dos quais não pode ser em hipótese nenhuma,
dissociado, em função das condições ditadas pela práxis de cada época
42
.
O autor deixa claro que o
princípio
da imprensa o é o de ser manipuladora, no
entanto, reconhece que ela enquanto forma de poder, não pode ser dissociada do elemento
manipulação em função das condições ditadas por cada época.
Sendo o jornalismo e o acesso às suas informações bastante elitizado, fica o poder
ainda menos possível de ser compartilhado por setores mais amplos da população.
A leitura, dessa forma, como prática que envolve apenas alguns setores da
sociedade impede a democratização do conhecimento e conseqüentemente uma
concentração de poder nas mãos daqueles que detém esse mesmo conhecimento, ou seja, as
camadas mais abastadas. José Marques de Melo chama a atenção para isso no seguinte trecho:
São as classes trabalhadoras as excluídas da leitura. A grande maioria das
pessoas não lê porque a leitura pouco (ou nada) significa no mundo do
trabalho. A ação produtiva, realizada através de operações mecânicas,
fragmentadas, repetitivas, impõe enorme dispêndio de energia física,
tornando a prática da leitura meramente casual ou residual. São essas
mesmas pessoas que não encontram na leitura fonte de prazer estético
43
.
Essa dificuldade com relação à leitura era maior em épocas mais distantes. Com
relação à década de 30, o forte componente ideológico do estado autoritário cerceou as
liberdades, impedindo que a progressiva politização de anos anteriores continuasse, o lugar
agora era ocupado por uma imprensa e um jornalismo atrelados ao estado. A oposição
41
FOULCAULT,Michel.op cit,p.71
27
precisava apresentar um discurso velado e carregado de informações nas entrelinhas para
expressar suas posturas.
Ainda com relação à leitura do jornal não devemos esquecer que ela representava
e representa um comportamento civilizado significativo. Quanto maiores o desenvolvimento
econômico e social de um país, maiores são as tiragens dos jornais.
44
Caracterizando ainda melhor o jornalismo escrito, José Marques de Melo
argumenta que: “o jornal, diferentemente do rádio e da televisão (veículos sintonizados em
busca de lazer), significa o laço que prende o cidadão à sociedade em que vive e atua.
Oferecendo cada dia o registro, ainda que parcial, do movimento da sociedade, o jornal,
permite, num primeiro instante, a participação abstrata do cidadão, conduzindo-o, num
segundo momento, à atuação concreta”
45
.
O cidadão plenamente integrado na sociedade mais, e quanto mais ele sente-se
partícipe de sua comunidade ou de seu país, mais ele recorre ao jornal para aprofundar a sua
identidade social, identificando-se com o meio no qual vive.
A informação obedece, assim, ao critério de uma seleção editorial, que por sua vez
está ligada ao espaço social. O discurso, pois, contido nessas informações segue às intenções
mais diversas, seja do autor da matéria, do editor do jornal, dos patrocinadores ou do governo.
Nenhuma informação por maior pretensão que tenha de ser imparcial consegue sê-lo. Mesmo
o jornalismo informativo moderno não perdeu o caráter político e suas inter-relações com o
poder que fazem da imprensa escrita o principal alvo dos governos autoritários
46
.
42
RÜDIGER,op.cit,p.81
43
MELO, José Marques. Para uma Leitura crítica da Comunicação. São Paulo: Edições Paulinas,1985.p.29.
44
idem, p.49.
45
ibidem
46
Althusser, distinguindo os aparelhos repressivos, dos aparelhos ideológicos do estado, esclarece que os
primeiros funcionam predominantemente, através da repressão (inclusive a física) e, secundariamente, através da
ideologia. Exemplos: o exército e os partidos. Inversamente devemos dizer que os aparelhos ideológicos do
estado funcionam predominantemente através da ideologia, tanto para garantir sua própria coesão e reprodução,
como para divulgar os “valores” propostos por esse estado. Para o mesmo autor, a imprensa escrita estaria
inserida em um aparelho ideológico do estado, bem como o rádio e a televisão. Mesmo pertencendo ao espaço
28
Além disso, no Brasil, a partir da década de 30, com a emergência das classes
populares, houve o desenvolvimento de um fenômeno conhecido por populismo,
47
que
polarizou a imprensa escrita e as formas como essa passou a se apresentar. O governo
inspirado por essa prática, que não se restringiu ao Brasil, que foi observada também em
vários outros países como México e Argentina, assumiu a condição de manipulador de
massas, ou seja, os aspectos coletivos passaram a ser supervalorizados pelo governo. A década
de 30 foi, portanto, a década de expressão e de manipulação das classes populares. Os
termos-pivôs eram muito freqüentemente usados para abarcarem uma gama de informações e
legitimações. Um desses termos é
povo
48
,
de modo que:
os diferentes discursos procuram estabelecer um laço político entre
indivíduos que ocupam diferentes posições no processo produtivo
49
.
A utilização desse termo insinua ou propaga a necessidade de uma aliança de
classes e a definição do lugar que cada uma ocupa na aliança e na escala do poder. Assim, os
governantes desse período utilizam-se desse termo para demonstrar uma identificação entre o
poder instituído e seus subordinados. Maria Lúcia Montes faz o seguinte destaque:
privado, estão, de certa forma, condicionados ao Estado. Cf. ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do
estado. Rio de Janeiro: Graal,1992.p.70.
47
Para Guita Grim Debert: Populismo é um termo que apresenta uma serie de ambigüidade justamente pela
diversidade de fenômenos que domina se tem, por um lado, como referência movimentos sociais concretos,
certos tipos de ideologia ou certos tipos de Estado, por outro lado tem sido atualmente usado de maneira ainda
mais extensa e difusa, referindo-se às tentativas dos meios de comunicação de massa de ‘popularizar’ líderes
políticos, buscando estabelecer entre eles e seu público uma relação mais direta e pessoal (Debert, Guita
Grim.”A Questão do Populismo” IN Populismo e Comunicação. José Marques de Melo (org.). São Paulo:
Cortez,1981.p.53 in Melo, 1981: 53. (Grifo nosso).
48
Segundo Debert, povo não traduzia o conjunto da população, nem era sinônimo do conjunto de habitantes de
uma área geográfica, mas um termo que tem a ver com a esfera da política, seja para ampliá-la ou para restringi-
la (Idem, p. 55).
49
Ibidem,p.56.
29
se o discurso populista tem no “povo” a base de sua legitimação, no
momento mesmo em que a conquista ele cria e legitima a identidade do
“povo” como ator político, e nisso reside, para ambas as partes, seu poder,
isto é, a eficácia e os limites desse discurso que as constitui a ambas, e uma
para a outra. É nesse sentido que o discurso cria laço sociais
50
.
Diante do quadro da crise de hegemonia
51
na República Velha, a partir de
1930, o Estado tendeu a se sobrepor ao conjunto da sociedade, buscando a legitimidade de sua
existência na mobilização das massas populares urbanas. A prática do populismo representava
na época uma necessidade objetiva, diante da chamada
crise de hegemonia
. No primeiro
período de Vargas já foram utilizados os mecanismos de manipulação, mas o Estado Novo foi
o momento privilegiado dessa prática. O enaltecimento dos símbolos nacionais, a mitificação
e a apologia ao chefe - Getúlio Vargas - valorizaram o fortalecimento do Estado corporativo
que pretendia sobrepor objetivos nacionais aos interesses particularistas
52
. Essa corrente
ganhou força no Brasil dos anos 30, num quadro em que o padrão autoritário:
“era e é uma marca da cultura política do país. A dificuldade de
organização das classes, da formação de associações representativas e
de
partidos fez das soluções autoritárias uma atração constante. Isso ocorria
não entre os conservadores convictos como entre os liberais e a esquerda.
Esta tendia a associar liberalismo com o domínio das oligarquias; a partir
daí, não dava muito valor à chamada democracia formal. Os liberais
contribuíam para justificar essa visão. Temiam as reformas sociais e
aceitavam, ou até mesmo incentivavam, a interrupção do jogo democrático
toda vez que ele parecesse ameaçado pelas forças subversivas”.
53
50
MONTES,Maria Lúcia.” O Discurso Populista ou Caminhos Cruzados” IN Populismo e Comunicação.. José
Marques de Melo (org.).São Paulo:Cortez,1981.p.64.
51
crise de hegemonia é aqui entendida como a inexistência a partir de 1930 de um grupo social que fosse capaz
de assumir sozinho o controle do poder,nem burguesia urbana, nem partidos políticos,deixando dessa forma,
espaço para o governo populista agir e criar o estereótipo de governo legitimamente instaurado e apoiado pelo
povo.cf CAMARGO, Aspásia.”A Revolução das elites :conflitos regionais e centralização política” In Revolução
de 30, seminário internacional. Porto alegre: Erus,1983.
52
FARO,op cit,p.86.
53
idem.
30
O DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) foi criado em 27 de dezembro
de 1939 e a partir daí o aperfeiçoamento dos meios de intervenção do estado na área da
comunicação ocorreu paralelo com o fechamento institucional
54
. Enquanto braço censor do
estado, o DIP atuava em todos os meios de comunicação. Em contrapartida o estado
“desarticula as lideranças regionais, formula planos econômicos, cerca-se do aparato militar,
controla os sindicatos, hipertrofia-se e mobiliza intensamente os elementos da propaganda”
55
.
Conforme Faro:
não apenas a estrutura do DIP, mas também o conteúdo de sua ação, se
estabelecem no sentido de assegurar essa montagem, mascarando os conflitos
sob o peso da propaganda de uma suposta unanimidade em torno do governo,
tarefa na qual a instituição se empenhará de forma avassaladora: 60 por
cento das matérias dos jornais, por exemplo, eram previamente fornecidas
pelo DIP através da Agência Nacional
56
.
O ato de sua criação dá-lhe poderes para fazer censura ao teatro, cinema,
radiodifusão, imprensa, além de
censurar, organizar, patrocinar festas populares com intuito
patriótico, educativo ou de propaganda turística
.
O sistema, como uma unidade perfeita fora aperfeiçoado graças à propaganda, que
convencia
as massas da necessidade de reformas, envolvendo os indivíduos com as
instituições.
Nesse contexto, a imprensa era muito visada e passava a ser vista como se fosse
coisa blica, sendo sua ação de interesse da coletividade, abrindo perspectivas à propaganda
oficial e afastando os objetivos particularistas.
A questão da manipulação do jornal passava a fazer parte desse contexto:
54
Idem,p.87.
55
ibidem,p.87.
56
ibidem,p.87.
31
Nesse quadro de absoluto controle dos meios de comunicação pelo Estado, a
imprensa atravessaria dias difíceis. Aliás, a estrutura de funcionamento que o
DIP organizou para esse setor articulava-se com uma ameaça permanente de
repressão física que, em alguns casos, chegou a se concretizar, como ocorreu
com o jornal o Estado de São Paulo em 1940 que permaneceu nas mãos do
Estado até 1945. As regras ditadas pelo DIP aos jornais, portanto,
adquiriram assim um significado diverso, na medida em que a Imprensa, até
pelo menos 1945, havia refletido intensamente as lutas políticas que o país
assistiu. Para o setor, portanto, as atividades do DIP se desdobravam com a
exigência, em primeiro lugar, do registro junto ao Departamento tanto dos
jornais como dos jornalistas. Em segundo, a presença física do censor em
cada redação. Em terceiro, a distribuição dos boletins de Informações do
Departamento, que tinham sua publicação garantida nos jornais pelo próprio
decreto que havia criado o DIP
57
.
A manipulação da e na imprensa, portanto, demanda um controle direto do poder
quer pelo estado, quer pelos donos do jornal. Mesmo não se sabendo muitas vezes quem é o
titular do poder, ele se exerce em determinada direção, com uns de um lado e outros do
outro
58
. O custo do exercício do poder pode ser muito alto. Assim: “se a violência foi grande,
o risco de provocar revoltas, ou, se a intervenção foi muito
descontínua, o risco de
permitir o desenvolvimento, nos intervalos, dos fenômenos de resistência, de desobediência,
de custo político elevado”
59
.
Dessa maneira o jogo do poder e a manipulação exercida para manter esse poder
encontrará, como encontrou, nos discursos jornalísticos, o espaço necessário para se
desenvolver. Durante as décadas de 30 e 40, o tom do discurso as vezes mudou, mas nunca
deixou de existir manipulação.
Assim como entendemos a construção discursiva como a legitimação de
conceitos, (idéias que seriam posteriormente encampados pela sociedade), decodificamos a
manipulação enquanto elemento presente nos discursos, de forma a modificar aquilo que
57
FARO, op cit, p.90.
58
FOULCAULT,op cit,p.75.
32
poderia ser entendido de uma outra forma. Isso ocorreu quando, por exemplo, da oposição
feita por Flores da Cunha, a partir de 1935, ao governo federal. Alguns jornais, entre eles o
Rio Grande
assumiu a defesa do governador gaúcho até a sua derrota em 1937, através da
transcrição dos discursos jornalísticos da imprensa escrita do eixo Rio-São Paulo,
manipulando, de modo a justificar as atitudes do governador. Construção e manipulação
interseccionam-se em alguns momentos, que aquilo que é manipulado em certo momento
passa a construir no momento seguinte e vice-versa. A manipulação, desta forma, pode ser
feita nos jornais e pelos jornais, apresentando uma gama muito rica de argumentações em
favor ora de um, ora de outro discurso.
Imprensa escrita e poder dessa forma estão entrelaçados, reforçando a
manipulação e um se beneficiando do que o outro pode proporcionar. Durante o Estado Novo,
a liberdade de expressão praticamente inexistiu. Ocorreu um processo de abertura da imprensa
a partir da entrada do Brasil na 2.ª Guerra como foi explanado. Segundo Nelson Werneck
Sodré:
A eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939, teria reflexo muito profundo
no Brasil: na fase inicial, de avanço vitorioso e irresistível das forças
nazistas, fascistas e nipônicas, esses reflexos foram no sentido de fortalecer o
regime totalitário aqui dominante; o Brasil adotou posição neutra, o
noticiário da Imprensa e do rádio mostrava isso; a partir da entrada dos EUA
no conflito, em 1941, aqueles reflexos se fizeram em sentido oposto; a entrada
do Brasil na guerra, no segundo semestre de 1942, foi, realmente, a
consolidação dessa mudança: o Estado começou a deteriorar-se rapidamente.
No decorrer dessa evolução, a Imprensa teve condições para desafogar
progressivamente as suas manifestações. A maioria dos jornais tomou o
partido dos países que combatiam o nazi-fascismo: a propósito do que
ocorria no exterior, as críticas visavam o que acontecia no próprio Brasil
60
.
59
Idem,p.217
60
SODRÉ,op.cit,p.383.
33
Apesar da colocação do autor de que o regime aqui dominante era
totalitário
, o
que discordamos pelo que foi anteriormente exposto no presente capítulo, suas considerações
são bastante pertinentes porque falam de uma imprensa que foi readquirindo seu espaço de
luta e oposição. As opiniões contrárias ao regime não cessaram de todo, portanto, durante esse
período, mas a partir de 1943 com o manifesto dos mineiros, dos estudantes e dos advogados,
tornaram-se mais intensas.
Resumindo então, a questão da manipulação do discurso ocorreu no período de
1930 a 1946, condicionando comportamentos e opiniões de acordo com as vicissitudes da
vida nacional. A imprensa escrita, e mais especificamente o jornalismo, enquanto aparelho
ideológico do estado usava a construção e a manipulação discursivas para influenciar a
opinião pública.
1.3- As Relações da Imprensa escrita com o Poder
A questão do relacionamento da imprensa escrita com o poder sempre foi motivo
de preocupação. Desde o nascimento da imprensa no Brasil sob a égide do estado até os dias
atuais, os temores giraram em torno da capacidade dessa em gerir opiniões. Enquanto
aparelho ideológico do estado esteve ela a mercê dos mandos e desmandos do poder. Tal
como se referia Assis Chateaubriand aos jornalistas, caracterizando-os como os dançarinos da
corda bem esticada, assim equilibrava-se a imprensa, ora assumindo o poder instituído, ora
apoiando um poder que ainda não estava amadurecido. Temos como exemplo a campanha da
Aliança Liberal, que foi progressivamente sendo encampada pela imprensa escrita até
desembocar na Revolução de 1930.
34
Durante a implantação de governos autoritários o controle da imprensa tornou-se
prioritário, na medida em que legitimava aqueles valores que o estado queria repassar à
sociedade.
Enquanto aparelho ideológico do estado, a imprensa escrita interage com o poder,
utilizando meios eficazes para representá-lo:
o poder ideológico é aquele que se vale da posse de certas formas de saber,
doutrinas, conhecimentos, às vezes apenas de informações, ou de códigos de
conduta, para exercer uma influência sobre o comportamento alheio e induzir
os membros do grupo a realizar ou não realizar uma ação. Deste tipo de
condicionamento deriva a importância social daqueles que sabem, sejam eles
os sacerdotes nas sociedades tradicionais, ou os literatos, os cientistas, os
técnicos, os assim chamados “intelectuais”, nas sociedades secularizadas,
porque através dos conhecimentos por eles difundidos ou dos valores por eles
afirmados e inculcados realiza-se o processo de socialização do
qual todo
grupo social necessita para poder estar junto
61
.
O poder político é definido como aquele que está em condições de recorrer em
última instância à força (e está em condições de fazê-lo porque dela detém o monopólio). A
caracterização, portanto, de poder político, econômico ou ideológico depende da intensidade
e do meio pelo qual cada um dos poderes se utiliza para se apresentar.
o que tem em comum estas três formas de poder, é que elas contribuem
conjuntamente para instituir e para manter sociedades desiguais divididas em
fortes e fracos com base no poder político, em ricos e pobres, com base no
poder econômico, em sábios e ignorantes com base no poder ideológico,
genericamente em superiores e inferiores
62
.
61
BOBBIO,op.cit,p.82-83.
62
Idem,p.83.
35
Aqueles que detêm a informação, desta feita, estão associados ao poder político.A
linguagem política é a linguagem do poder, a linguagem da decisão, que registra e modifica
decisões, é o grito de guerra, o veredicto e a sentença, são as normas, os decretos e
regulamentos, o juramento de posse, as notícias controversas, os comentários e debates”
63
.
Quanto aos jornais, é necessário atenção à maneira como estão inseridas neles, as
notícias, decodificando um maior ou menor envolvimento com o poder instituído.
Precisamos estudar a composição gráfica do jornal para que possamos entender o valor
relativo de todas as informações no seu interior
64
.
Os títulos grandes, a forma de destacá-los, a relação de idéias no mesmo espaço,
demonstram, como esse jornal interage com o poder ou com os vários poderes identificados
nos aparelhos do estado e da iniciativa privada.
Quando se abrem espaços para a oposição, a imprensa escrita aparece como
mediadora de uma nova situação que é responsável pela reorganização do poder.
A imprensa representa também um instrumento de dominação
:
os instrumentos
modernos e sofisticados criados com essa finalidade aparecem hoje principalmente através
dos meios de comunicação, como o rádio, o jornal, a televisão e o computador”
65
).
Destacando ainda o poder que a imprensa exerce, Regina Maria Santos enfatiza também a
questão da chamada violência simbólica exercida pelos meios de comunicação:
A violência simbólica é outro aspecto que pode ser abordado, quando se
discute a capacidade dos meios de comunicação na imposição de uma certa
forma de pensar e compreender o mundo. Herry Pross a define como uma
força que, por meio dos signos, impõe-se com a finalidade de que os
destinatários se identifiquem com o sentido afirmado(...)nesse sentido, a
comunicação se converteu num setor estratégico no plano psicológico
66
63
LASSWELL.Harold. A linguagem da política
.Brasília:Universidade de Brasília,1979.p.18.
64
MORIN,Violette.Aplicação de um Método de Análise da Imprensa.São Paulo:Departamento de Jornalismo e
Editoração, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo,1970.P.70
65
SANTOS,Regina Maria ,
36
Nas afirmações acima, existe uma relação muito forte entre os meios de
comunicação - particularmente a imprensa escrita aqui estudada - com o poder, alimentando
sua manutenção ou contribuindo para sua destruição do, ou ainda, exercendo um poder em
nível simbólico, cuja violência psicológica fica aí evidenciada. A linguagem é um dos
principais instrumentos da violência simbólica. As palavras e os conceitos podem ser
conscientemente utilizados para confundir e/ou impor novos significados às coisas. Conforme
Nélson Werneck Sodré:
Jornais e revistas-só para examinar o caso da imprensa- são submetidos a
condicionamentos os mais diversos: ao poder público, no que diz respeito aos
fornecimentos de papel e outros produtos importados, como as máquinas em
particular, sem falar no que diz respeito aos empréstimos, aos
financiamentos, às isenções de impostos, aos favores fiscais e cambiais etc.- e
sem mencionar o problema da censura; aos próprios proprietários das
empresas, particularmente as brasileiras de tipo familiar, de jornais
herdados, com as ligações pessoais desses proprietários no mundo dos
negócios no mundo político, além daquilo que caracteriza tais chefes de
empresa como situação de classe; às agências de notícias, todas estrangeiras,
de que dependem inteiramente para a informação do exterior; às agências de
publicidade, também estrangeiras, que distribuem a propaganda dos grandes
monopólios, também estrangeiros que operam no país”
67
.
Sodré ainda argumenta que: “a imprensa, realmente torna-se o contrário do que
era, e particularmente do que deveria ser, na medida em que se desenvolve, na sociedade
capitalista. O jornal é menos livre quanto maior é como empresa”
68
.
O
que chama a atenção aqui, é a questão da imbricação da imprensa ou do jornal
às mais variadas manifestações de poder. O jornal age assim, tendo conhecimento dessa
relação, quando possui uma maior liberdade - dado o momento político - constrói mais os
66
Idem.
67
SODRÉ op cit, p.448.
37
discursos, manipula as consciências; quando ao contrário, está completamente cerceado,
sobrando pouco ou nenhum espaço às manifestações autônomas, os discursos são
manipulados de fora para dentro. As resistências, no entanto, se fazem sentir como, por
exemplo, na apresentação de notícias incompletas ou na linguagem dúbia, entre outras
69
.
Analisando a imprensa em um país como o Brasil cuja prática democrática esteve
dificultada por vários elementos, Lacerda escrevia em 1950 que:
A tenuidade das elites, a escassez, a falta de densidade delas, eis o que
facilita a crise moral que grassa num país destituído de uma base material
capaz de permitir o desenvolvimento numérico e qualitativo de sua gente (...)
isto não significa que haja uma fatalidade condenando a Imprensa a ser ruim,
num país cujas elites sejam escassas, tênues as camadas morais de proteção,
imensa a massa de analfabetos. Não se culpa desta vez o analfabetismo, pois
os analfabetos o lêem nem jornal; portanto, não lhes cabe a
responsabilidade do padrão moral do jornal no Brasil. Se a nossa Imprensa
está ruim, a culpa não é dos que não a lêem e sim,precisamente, das elites
que lêem, que escrevem, que pagam, que anunciam, que temem, que se
ausentam, que se esquivam, que se furtam- e que furtam
70
.
Essas apreciações precisam ser balizadas pela época em que foram escritas - ainda
sob a influência do que fora o Estado Novo e da sua própria figura política. Lacerda foi
contemporâneo de nosso objeto de estudo (1930 - 1946).
Autonomia e dependência são, portanto, palavras bastante familiares ao universo
da imprensa escrita e os próprios jornais registraram esses dois conceitos.
68
Ibidem,p.448-449.
69
Lacerda em seu estudo sobre a Missão da Imprensa e suas motivações em relação ao poder argumenta que foi
essa Imprensa que, com variações de boa ou vontade, tratou de convencer o povo que o ditador era um
grande homem (referência aqui a Getúlio Vargas) e a ditadura um regime de maravilhas(...) se depois,
subitamente, os mesmo jornais passaram a atacar e, até, a injuriara o ditador, ou antes o homem Vargas,
decadente e pronto a mergulhar em merecido apróbrio, a reviravolta pareceu, ao povo que por tanto tempo havia
lido os ditirambos da Imprensa, e que neles acreditou, viu nesse inesperado apedrejamento do ditador, em seu
crepúsculo, uma ingratidão , uma injustiça inominável .cf. LACERDA, Carlos. A Missão da Imprensa. São
Paulo: Edusp,1990.p.38-39)
70
LACERDA, Carlos,op cit,p.40.
38
As abordagens feitas até aqui entre as várias possibilidades de cruzamento dos
discursos jornalísticos com a História mostram como uma análise mais acurada é necessária,
na medida em que, a compreensão literal pode ocasionar muitos erros. Discursos manipulados
e discursos construídos são freqüentes, forçando o historiador , que utiliza o jornal como
fonte, a constantes reinterpretações dos conceitos empregados, das épocas históricas
estudadas, bem como da ideologia adotada. A relação da imprensa escrita com o
poder
é
incontestável, não porque ela representa um dos tentáculos do próprio poder, acoplado ao
estado, como também necessita sobreviver, enquanto poder privado que se confronta
constantemente com o mesmo estado. Os discursos são selecionados e nessa seleção, o
componente ideológico do poder está presente dizendo aquilo que deve e o que não deve ser
escrito, porque o jornal se reconhece certamente como condutor de idéias e ações.
1.4-
A Imprensa gaúcha e seus limites discursivos nas décadas de
1930 e 1940
As décadas de 1930 e 1940 foram como, já anteriormente colocado, tempos de
profundas transformações na sociedade brasileira. A política não fugiu à regra, ocupando
espaço privilegiado nas relações humanas, intercambiando uma situação herdada da República
Velha, com todos os vícios daqueles que detinham o poder, com uma nova correlação de
forças, onde a prática liberal era a tônica.O mandonismo puro e simples foi substituído pela
prática do aliciamento em que os meios de comunicação tiveram papel extremamente
importante, funcionando como mediadores das relações entre o governo e as novas forças que
39
iam se formando, notadamente as classes médias urbanas, responsáveis pela afirmação do
novo modelo político configurado no chamado populismo.
Diante dessa nova situação, os meios de comunicação mais difundidos, como o
jornal e posteriormente o rádio exerceram sobre a opinião blica influência, fazendo com
que situações como a implantação do golpe de 1937, por exemplo, fossem encaradas dentro
de um contexto normal. A tônica dos discursos jornalísticos e radiofônicos apontava o
caminho a ser seguido, de maneira que, pudesse o Brasil, fugir da iminente “baderna”
representada por teorias consideradas exóticas, como por exemplo o comunismo, tido como o
grande “monstro” a ser combatido, caso contrário, as “instituições democráticas” iriam
sucumbir. Para isso, o governo utilizou-se de práticas repressivas, cuja contestação foi diluída
dentro de um processo que propugnava a incorporação de toda a sociedade a partir de um
ideário de modernidade e progresso.
Para isso, o estado utilizava-se da polícia para operar em duas perspectivas
diferentes como observa Cancelli:
A primeira delas, a mais visível e mais direta, era a repressão de tudo e de
todos que se opusessem ou que haviam se transformado em inimigos
potenciais ou objetivos do regime e de seu líder, Getúlio Vargas. A segunda
perspectiva fazia parte de uma ação pretensamente secreta, mas que levava
todos na sociedade a conhecer ou imaginar os perigos e a violência a que
poderiam ser expostos através da exclusão impetrada pela polícia aos
considerados inoportunos pelo Estado
71
Ainda segundo Elizabeth Cancelli, o governo usava instrumentos de violência
que asseguravam sua existência legal. Era, portanto, “um estado forte, uno e idealista, que de
uma maneira repetitiva forjava um projeto político calcado em postulados incontestáveis e que
71
CANCELLI, Elizabeth. O Mundo da Violência “A política da Era Vargas. Brasília: UNB,1993.p.50
40
pretendeu transformar todos - ricos, pobres, burgueses e operários, homens, mulheres,
crianças, brasileiros ou estrangeiros - em guardiões deste ideário
72
”.
Todos esses recursos eram fartamente explorados sem que a voz da contestação
pudesse sobrepujá-los, pelo menos até os dois últimos anos do Estado Novo, quando então o
cenário nacional e internacional foram alterados, gerando a necessidade de alinhamento com
a idéia de democracia defendida pelos Estados Unidos, incompatível com o autoritarismo
interno vigente.
O jornalismo, como outros meios de comunicação, sofria com essa castração da
liberdade de expressão. Gilberto Dimenstein acrescenta:
O jornalismo independente significa permanente incômodo, sempre
enfrentando atritos com quem manipula a informação, esteja esse
manipulador no governo ou na oposição. Quando o poder e a Imprensa se
dão muito bem, o leitor se dá mal
73
Quando ao contrário, a imprensa apresenta certa liberdade em relação ao poder,
os homens públicos, quando não convergem com as aspirações reinantes, não se sustentam.
Foi o caso do próprio presidente Getúlio Vargas que em 1945 teve re renunciar devido às
pressões políticas. Quando imprensa e poder instituído não estão afinados, ela é responsável
pela destituição dos próprios governantes, como ocorreu posteriormente na história do Brasil.
Os acontecimentos das décadas de 1930 e 1940 repercutiram na imprensa de
forma heterogênea, ou seja, houve momentos em que existiram discursos convergentes de
apoio, por exemplo, o movimento de 1930 que repercutiu na imprensa gaúcha de maneira
avassaladora. Os jornais trabalhados assumiram a bandeira da revolução como necessidade
72
Idem.
41
salvadora das instituições democráticas. Os tons dos discursos é que apresentavam matizes
mais ou menos fortes, mas a idéia era a mesma. Já em relação à Lei de Segurança Nacional de
janeiro de 1935, alguns a consideraram necessária para manter a ordem e outros
questionaram o seu objetivo e o cerceamento das liberdades que advieram dela.
As posições assumidas pelos jornais do Rio Grande do Sul variaram de acordo
com as orientações político-partidárias predominantes em cada uma, por exemplo a campanha
onde era fortemente enraizado o Partido Republicano Rio-Grandense que tomou posições ao
longo da década de 1930, de acordo com alinhamento ao governo federal em certos
momentos e não-alinhamento em outros.
Nesta tese, buscamos entender um pouco mais as relações da imprensa com o
poder através de seu estudo em cidades gaúchas que apresentavam à época uma densidade
populacional capaz de caracteriza-las como centros irradiadores de informação.
Analisando o Censo Demográfico de 1940 verificamos que as cidades, cujos
jornais arrolamos, apresentavam as seguintes populações: Porto Alegre- 272.232, Rio Grande-
60.802, Pelotas- 104.553, Santa Maria- 75.597, Caxias-39.677, Alegrete-38.949 (Censo
Demográfico População e Habitação, Rio de Janeiro, 1950). Esses números correspondem, à
população absoluta das cidade. Cada uma delas detinha pelo menos um jornal do período
destacado, sendo que, Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre que correspondem ao tripé principal
do eixo de nossa pesquisa tinham até dois periódicos, normalmente com uma certa rivalidade.
A área de abrangência desses jornais ficava normalmente restrita à própria
cidade e arredores, excetuando-se os jornais maiores como de Rio Grande, Pelotas, Santa
Maria, bem como de Porto Alegre, cuja circulação era mais ampla. Santa Maria por localizar-
73
DIMENSTEIN, Gilberto. As Armadilhas do Poder: “bastidores da Imprensa”. São Paulo: Summus,1990.
p.154.
42
se estrategicamente no centro do estado, Porto Alegre por ser a capital e Pelotas e Rio Grande
pela grande movimentação comercial.
A imprensa escrita significou muito para as décadas de 1930 e 1940, levando-
se em conta a precariedade das comunicações. As notícias chegavam com dois ou três dias de
atraso, o que hoje em dia parece inconcebível. Esses atrasos de certa forma facilitavam a
pouca ou quase nenhuma mobilização por parte da população em golpes ou contra-golpes. Até
mesmo naquelas situações onde a imprensa apresentava consenso nas opiniões emitidas, havia
retardo nas informações
74
.
A partir de meados da década de 1930 , o rádio de nascimento oficial em 1922
começava a se destacar e iria atingir cada vez mais a população brasileira. Depois de 1930, o
rádio no Brasil evoluiu, ficando o estado do Rio Grande do Sul em posição bastante destacada
com relação a ele. O ano de 1930 ficou marcado pelo controle oficial sobre o rádio, sendo
permitida apenas a divulgação de comunicados que interessassem ao governo revolucionário,
como por exemplo, os assinados por Góes Monteiro O rádio também participou de momentos
importantes da história brasileira, como em 1932, por exemplo, quando os estudantes
paulistas invadiram a Rádio Record e conclamaram o povo a mudar a situação política do
país ou ainda como em 1934 quando reagiram contra o DIP. Vampré faz a seguinte
observação:
O rádio reagiu valorosamente mesmo com riscos de represália. O protesto
manifestou-se quando as rádios brasileiras saíram do ar entre as 20:30 às
21:30 horas prevista para a transmissão da Hora do Brasil, alegando
problemas técnicos
75
.
74
Essa situação se verifica quando do movimento de 1930 que a Imprensa do interior passa a noticiar entre os
dias 5 e 7 de outubro quando o movimento já havia eclodido no dia 3 do mesmo mês. O movimento de 1930 era
amplamente defendido pela Imprensa.
75
VAMPRÉ,Octávio Augusto. Raízes e Evolução do Rádio e da Televisão. Porto Alegre: Feplan-RBS. Fundação
Educacional Padre Landell de Moura, 1979. p.57.
43
O presidente aceitou então reduzir o horário do programa e antecipar a sua
apresentação. Esse protesto, todavia, nunca mais foi esquecido tanto que o rádio teve de se
submeter a uma legislação específica, além de assumir uma postura empresarial, calcada no
modelo norte-americano. A partir de 1940, o governo estendeu mais o seu poder de força
sobre o rádio, estatizando a Rádio Nacional. Vampré reitera ainda:
O regime ditatorial de Getúlio Vargas cassou concessões, fechou jornais,
instituiu, através do sue famigerado Departamento de Política e Propaganda,
a rolha que por sete anos, obscureceu a Imprensa escrita e falada.E foi por
um desses atos arbitrários que a Rádio Nacional, o vespertino A Noite”,
A Noite Ilustrada”, a revista “ Carioca” e seu moderníssimo sistema de
impressão em off-set, então o único no país, passaram a constituir com
algumas outras, também desapropriadas pelo governo conhecido por Estado
Novo, as chamadas “Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional
76
.
Quando a Segunda Guerra avançou e a notícia do torpedeamento dos navios
mercantes brasileiros foi divulgada entre os rádio-ouvintes, a exemplo do que ocorria com os
jornais, a opinião pública foi sendo estimulada a defender a democracia apregoada pelos
Estados Unidos, forçando: “Vargas a abrir mão de sua tendência pró-nazi-fascista e, mais,
integrar o país nas forças aliadas”
77
.
O rádio passou então, a ser amplamente explorado pelo Estado Novo no seu
programa a Hora do Brasil. Vargas começava sua fala com o chamamento: Trabalhadores
do Brasil...”, onde através de um discurso populista defendia a sua prática de governo.
Vampré conclui escrevendo que em 1945:
76
Idem.p.78.
77
Ibidem.
44
Verificou-se, no Brasil a queda do regime ditatorial de 1937, com a
deposição de Getúlio Vargas. Mas o governo deposto e que tanto incentivara
o trabalhismo como expressão política, deixou, na radiodifusão, a sua marca
ideológica. Primeiro, a criação da Fundação Mauá, no Ministério do
Trabalho e, com essa fundação, o surgimento da rádio Mauá” A Emissora do
Trabalhador”, confiada a Gilson Amado e inaugurada a 13 de março
78
.
A radiofonia constituiu um meio de comunicação que avançou ao longo da
década de 1930 e se consolidou na década de 1940 , não chegando a substituir o jornal, mas
tomando alguns espaços significativos e tendo a seu favor a maior rapidez nas informações.
Quanto ao aparelho em si, sua evolução técnica foi acelerada e forçou a adaptação de novas
concepções de
design
que o tornassem de fácil assimilação e que o transformaram em uma
peça da vida familiar, adaptado a um móvel de madeira em formato de capelinha e: “nessa
versão afetiva ele logo se tornaria o centro articulador do cotidiano, do consumo dos valores,
das conversas, do imaginário e dos rituais familiares”
79
Quando optamos pelo estudo da imprensa rio-grandense, estávamos pensando
na importância da mesma, bem como na quantidade de informações que essa mesma imprensa
foi capaz de elaborar e qual a relação ou relações que os jornais do interior do estado tinham
com a imprensa da capital. Tomando ainda por parâmetro, o envolvimento político-partidário
que esses jornais apresentavam, denota-se a preferência das informações políticas presentes
ou às vezes ausentes fisicamente, mas sublinarmente presentes nos jornais- note-se que muitas
vezes as informações foram suprimidas em momentos críticos da política nacional.
Como representante de sua época
,
a imprensa está também condicionada às
imposições legais, mas ainda é uma fonte considerável para a reconstrução da história como
destaca Schneider:
78
VAMPRÉ.op cit,p.96.
45
se afirmou que cada época, em país civilizado, dispõe de Imprensa que a
reflete, nas opiniões e nas tendências, visando a informar e esclarecer, a
instruir e orientar. Assim acontece, de fato em todas as sociedades
politicamente organizadas, onde mais verossímeis são os meios de expressão
quanto maiores as garantias de liberdade, conferidas ao jornalista devotado
ao seu ofício
80
.
O autor ainda complementa:
O jornal é um testemunho redivivo, sobranceiro às gerações que se sucedem,
à roda dele, gravitam os acontecimentos remotos, ao sabor da época.é
através do periódico,fiel a si mesmo, que se faz a história, sem preconceitos e
com a realidade à vista
81
Reverbel chama a atenção ainda, para o aspecto ético que envolve a
imprensa rio-grandense à seguir:
O panorama ético em que situa a imprensa rio-grandense não é,
evidentemente, resultado de um fenômeno de geração espontânea, que tenha
vindo a furo de uma hora para outra.É resultado de todo um processo
evolutivo, cujas raízes remotas e profundas se confundem com as de nossa
própria formação social, pois se é verdade que a Imprensa influi sobre a
sociedade, não é menos exato que a sociedade também influi sobre a
Imprensa, numa escala talvez mais determinante, já que os jornais, em última
análise, são tanto um produto dos leitores e anunciantes, que os compram e
sustentam, como dos proprietários que os administram e orientam, e dos
profissionais que os elaboram tecnicamente
82
.
Ana Maria Camargo chama a atenção, no entanto, para um perigo que esse tipo
de fonte pode representar.
79
SEVCENKO, Nicolau. “República: da belle Époque à Era do Rádio” IN História da Vida Privada no
Brasil.vol.3. Nicolau Sevcenko (org.). São Paulo: Companhia das Letras,1998.p.586.
80
SCHNEIDER,Edgar Luiz. “Imprensa Sul-rio-grandense nos séculos XIX e XX” In Fundamentos da Cultura
Rio-grandense. Porto Alegre: Editora da UFRGS,1962.p.83.
81
Idem.
82
REVERBEL, Carlos. “Tendências do Jornalismo Gaúcho” In Fundamentos da Cultura Rio-grandense. Porto
Alegre: Editora da UFRGS,1956.p.114.
46
Tomando como fonte esse tipo de documento, teremos sempre uma visão
parcial e subjetiva da realidade, distorção provocada não pela
proximidade dos homens com os fatos que apareciam no dia-a dia, mas
também, e principalmente, por seu comprometimento com as coisas. É
preciso não esquecer, porém, que a realidade inclui o que se pensa sobre ela
83
.
Camargo ainda enfatiza que:
Se admitirmos que a problemática não se reduz à busca da veracidade das
informações, pode-se ir mais longe; o jornal é um documento a ser usado com
o máximo cuidado; os perigos de distorção (comuns, aliás, a todos os textos -
onde geralmente se encontra aquilo que procuramos) são bem mais
freqüentes, principalmente quando se trata de jornais do século XIX, em sua
maioria formativos, doutrinários, apaixonados. Corremos o grande risco de ir
busca num periódico precisamente aquilo que queremos confirmar, o que em
geral acontece quando desvinculamos uma palavra, uma linha ou um texto
inteiro de uma realidade maio
84
.
A mesma autora faz uma análise do século XIX, mas quando observamos o
século XX, também não deixamos de correr alguns riscos. Até a década de 1930, os jornais
que haviam entrado naquela fase moderna com características mais empresariais, assumem
características diferentes. Nessa fase o jornal tenta se apresentar de forma mais isenta,
retratando a notícia sem grandes arroubos de parcialidade política. No entanto, quando
avançamos nossa pesquisa em direção à década de 1930, temos o fator censura a considerar.
Com ele, a imprensa independente perdeu muito espaço, criando-se com o advento do Estado
Novo uma espécie de cumplicidade forçada com o modelo político implantado. A imprensa,
aliás, para continuar seu trabalho precisavou se adaptar às novas regras ou corria o risco de
ter suas publicações interditadas. Os jornalistas tiveram que elaborar verdadeiros
83
CAMARGO, Ana Maria. “A Imprensa periódica como fonte para a História do Brasil”. In: Simpósio Nacional
de Professores Universitários de História. São Paulo: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo,1971.p.225.
84
CAMARGO,op cit,226.
47
malabarismos para passarem as suas mensagens de maneira que não se comprometessem, nem
comprometessem os jornais. Existiram perseguições e prisões até a primeira metade da década
de 1940, quando então, a política do Estado Novo tendeu a sofrer várias formas de pressão
externa e interna, revertendo a tendência em favor da democracia liberal.
Para Schneider:
São os profissionais rio-grandenses hoje sindicalizados e se entregam de fato
ao exercício do nobre mister, empenhados em desenvolver e aprimorar, a
serviço da opinião pública, todos os seus esforços. Longe de os extremar, eis
que a sua atividade, sobre não revestir um caráter acidental, converge a
definir vocações e a ensejar um roteiro, que a todos oriente e não deixa de
fascinar os noviços do ofício, à sombra de interesses comuns(...)foi o que
determinou a fundação da Associação Rio-Grandense de Imprensa, em 19 de
dezembro de 1935(...)não mais são autodidatas todos os que ingressam nas
folhas impressas, por isto que uma grande parte tende a adquirir, através de
estudos de ensino superior, uma formação especializada
85
.
Referindo-se ainda, ao progresso da imprensa contemporânea, aquela que é
objeto de nosso estudo, o autor acrescenta:
Graças ao surto diluvial de inovações, que interessam hoje todas as
atividades, variam e aperfeiçoam-se, a cada passo, a técnica e os processos
da imprensa moderna. Embora a ética jornalística não conheça distorções, é
certo que a feição material do periódico sofre mutações constantes e até
mesmo surpreendentes. A preocupação em agradar ao público, visando a
descobrir o seu gosto, a fixar as suas necessidades e a satisfazer as suas
inclinações, resume a própria condição de sobrevivência do jornal, sob o
império da evolução humana. Tudo se moderniza, nos meios de comunicação
às massas, o noticiário, a reportagem, a entrevista, o editorial(...)felizmente
outra não tem sido, entre nós, nas suas folhas quotidianas, da manhã ou da
tarde, a crescente adaptação às conquistas hodiernas. O Rio Grande do Sul
tem por que se rejubilar da difusão que o jornalismo adquiriu nas cidades
do interior e nesta metrópole, onde a arte de escrever e de vulgarizar por
meio da folha volante não tem segredos
86
.
85
SCHNEIDER,Edgar Luiz. Imprensa Sul-rio-grandense nos séculos XIX e XX In Fundamentos da Cultura Rio-
grandense. Porto alegre: Editora da UFRGS,1962.p.100.
86
Idem.
48
O autor destaca também, que os jornais tem a seu dispor todos os meios
informativos, obtidos com rapidez, através do avião e do rádio, entre outros. Lado a lado
se encontram entre nós, a imprensa escrita e a imprensa eletrônica, que se interpenetram e
atuam conjugadas (...) as tiragens aumentam e a circulação quase realiza o milagre da
ubiqüidade, pois as distâncias se encurtam e a presença do jornal lembra ao leitor, não raro, a
máquina que o imprimiu”
87
.
À medida que avançavam as décadas de 1930 e 1940, houve uma certa
complexidade dos meios de comunicação, como um todo, o jornal acompanhou essa tendência
da busca pelo público leitor e a concorrência tornou-se uma constante, principalmente como já
foi dito, naquelas cidades onde existiam no mínimo dois jornais. Nas capitais, a concorrência
era muito maior.No sudeste, por exemplo, os jornais entravam em luta diária pela divulgação
das notícias e pela disputa do público leitor.
Seguindo nossa linha de estudo, a análise dos jornais citados contou
principalmente com a bibliografia consultada, além dos próprios jornais, no entanto, nos
parecia que faltava um conhecimento mais íntimo dos próprios jornais ou de quem participou
ativamente da publicação dos mesmos. Como o período histórico nos impossibilitou
fazermos grandes contatos com pessoas da época, pelo simples motivo que alguém que
tivesse trabalhado em um jornal na década de 1930, por exemplo, teria hoje seguramente mais
de oitenta anos de idade, tivemos de buscar outra alternativa. Devido a muitas dessas pessoas
serem falecidas ou estarem com a saúde comprometida, nos dificultou a pesquisa. No
entanto, como sentimos a necessidade de conhecer um pouco mais do outro lado da notícia,
como dissemos, de quem participava da sua publicação, contatamos em Rio Grande um
antigo redator e diretor do
Rio Grande
que nos falou da sua relação com o jornal, suas
experiências, as dificuldades que encontrou na época de seu trabalho, além da sua percepção
87
Idem.p.101.
49
da imprensa da região, exemplificando-se, assim, com uma perspectiva sobre nosso objeto de
estudo
88
.
O nosso entrevistado Sr. Gilberto Centeno Cardoso, nasceu no ano de 1926 em
Rio Grande onde reside atualmente. Sobre suas relações com o jornal Rio Grande esclarece o
seguinte:
As minhas relações com o jornal Rio Grande são de duas espécies, a primeira
como leitor, a segunda como redator e diretor. Como leitor da década de 30 e
da década de 40. Redator e diretor, nas décadas de 50 e 60
89
.
Referindo-se a importância política do jornal Rio Grande, nosso entrevistado
acrescenta que:
88
Trabalhamos pontualmente com a História Oral, por isso ela não aparece como metodologia de todo o trabalho
e sim como um momento específico dentro da tese.O entrevistado trabalhou no Rio Grande na década de 1950,
mas tem em suas lembranças informações como leitor das cadas anteriores, aquelas que particularmente nos
interessam, assim, nos apresenta um painel das características mais marcantes do periódico, seu relacionamento
com outros jornais da região e mesmo da capital. Utilizamos para essa forma de pesquisa os instrumentos
teóricos da História Oral e sua vertente chamada de História Oral Temática.Seguimos a leitura de alguns autores
entre eles, Meihy que esclarece: Como pressuposto, a História Oral implica uma percepção do passado como
algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado. A presença do passado no presente
imediato das pessoas é razão de ser da História Oral. Nesta medida, A História Oral não oferece uma
mudança para o conceito de História, mas, mais do que isto garante, sentido social à vida de depoentes e leitores
que passam a entender a seqüência histórica e a sentirem-se parte do contexto em que vivem. Sobre a História
Oral Temática, o autor ainda escreve que: “dado seu caráter específico, a História Oral Temática tem
características bem diferentes da História Oral de Vida. Detalhes da história pessoal do narrador apenas
interessam na medida em que revelam aspectos úteis à informação temática central”(MEIHY, José Carlos.
Manual de História Oral. o Paulo: Loyola,1998.p.10). Elaboramos então um questionário que levamos ao
nosso entrevistado e oportunizamos que a sua fala sofresse o mínimo de interferências, de maneira que, aquilo
que pode ser importante do ponto de vista do entrevistado, foi por ele colocado.A seguir estão esboçadas as
questões que foram propostas.Dados de Identificação. Especifique sua relação com o jornal Rio Grande (leitor,
redator, diretor)?Qual é, na sua opinião, a importância política e social do jornal Rio Grande para o público leitor
das décadas de 1930 e 1940 do século passado?Qual era a área de abrangência do jornal Rio Grande? Onde era
lido?Como o jornal se relacionava com outros jornais da mesma época?Quais eram?Havia reproduções de outros
periódicos?Tem informações a respeito da censura imposta ao jornal? Em caso afirmativo, como ocorria?Na sua
concepção, como o jornal Rio Grande pode ser caracterizado nas décadas de 1930 e 1940 e qual a percepção que
tinha da política nacional?Essas interrogações foram pensadas justamente para que pudéssemos completar aquela
lacuna que nos parecia descoberta, ou seja, da informação mais humanizada de quem participava ativamente do
trabalho jornalístico ou daquele que reconheceu a notícia na sua época, menos viciada do leitor de hoje que
descortina o passado com um outro olhar, mais crítico, filtrado inclusive, pelo julgamento histórico que sucedeu
esses acontecimentos. Mesmo que o entrevistado também tenha vivenciado os desdobramentos posteriores desses
acontecimentos, ele ainda guarda na memória as impressões que teve.
50
O jornal Rio Grande teve uma importância política muito grande para a
cidade. O Rio Grande era para a cidade do Rio Grande o que a Federação
era para o estado do Rio Grande do Sul, o jornal oficial. Nele se publicavam
todos os atos oficiais. Ele era na realidade, um diário oficial e assim ele se
conservou desde a época da sua fundação 1913, de dezembro de 1913,
portanto era um jornal governista.Teve diversos diretores, todos eles
militando na política. Eu conheci pessoalmente um dos diretores que foi
nessas décadas de 30 e 40 que foi o professor Carlos Santos, o gerente era o
seu Alves, também um grande batalhador da Imprensa, o nome era Augusto
Alves. Posteriormente na época em que eu fui diretor do jornal, o filho dele
trabalhou conosco que era o Alberto Alves. Portanto, era um jornal do
município, todos os atos do município eram publicados no jornal Rio Grande
e as assinaturas eram feitas pelo comércio pela indústria e pela população,
principalmente
pelo comércio pela indústria e pelas classes produtoras, como
se dizia, porque era o jornal que trazia a palavra do município.
Com relação a questão da abrangência do jornal Rio Grande e dos locais onde
era lido, o Sr. Gilberto nos declarou que:
A abrangência do jornal Rio Grande foi nessa década a cidade do Rio
Grande e os distritos, Quinta, Povo Novo. O Rio Grande nunca teve uma
amplitude assim como o Correio do Sul de Bagé era vendido, circulava no
limite de Rio Grande, um jornal muito bom,dirigido pelo Fanfa Ribas, um
jornal respeitado, o Correio do Sul (eu pretendo trabalhar com ele -
intervenção nossa), pois é era um jornal muito lido, inclusive porque a
colônia bageense era muito grande, é lógico que mandavam o Rio Grande
para familiares em Porto Alegre.
Cabe salientar que fizemos algumas interferências durante a exposição do
nosso entrevistado somente à título de esclarecimento sobre alguma colocação ou afirmação.
As poucas interferências, no entanto, tiveram o cuidado de não seccionar o pensamento do
nosso entrevistado, antes sim estimular as colocações que estavam sendo feitas. Sobre a
questão seguinte que tratava do relacionamento do jornal Rio Grande com outros da mesma
época e sobre as possíveis reproduções feitas de outros periódicos, nosso entrevistado nos
respondeu:
89
Gilberto Centeno Cardoso. Entrevista realizada em 24-10-2002.
51
Na mesma época existia em Rio Grande, nas décadas de 30 e 40. Na década
de 30 existia o Echo do Sul e o Tempo. O Echo do Sul terminou em 34 e O
Tempo se prolongou até... acho que até 60, um jornal fundado pelo Cadaval,
bem, olha no meu tempo, houve uma divergência entre o jornal Rio Grande e
O Tempo, porque nessa época não mais se falava em jornal
oficial, então
O Tempo publicava os atos do município, os atos do município eram
distribuídos de acordo com o governo do
município e as tendências do
mesmo, então o diretor no tempo que era o Saul Porto que era do PTB, então
ele tinha facilidade de penetrar no governo que era o governo do PTB. O Rio
Grande não tinha porque era independente e era jornal de oposição, bem
posteriormente, na década de 40 havia O Tempo, Gazeta da Tarde e o Rio
Grande e havia um órgão que era de confissão católica que era o Cruzeiro do
Sul, mas o Cruzeiro do Sul era um semanário, dirigido pelo padre Eurico
Magalhães e, posteriormente ainda no tempo em que eu dirigia o Rio Grande,
existia o Agora e o Peixeiro, o Agora existia-eram jornais separados
então?(pergunta nossa). Não, o Peixeiro começou como uma distribuição
gratuita no cinema e até hoje ele ainda sobrevive como um encarte do jornal
Agora, mas ele era um jornal que se distribuía na entrada do cinema,
distribuição gratuita.
Em relação à censura, tendo em vista que a segunda metade da década de 1930
e a primeira década de 1940 ficaram marcadas por ela, os jornais precisaram se enquadrar na
lógica da política populista. Aquele que o se submetesse, tinha as suas publicações
cerceadas. Especificamente sobre esse ponto, nosso entrevistado esclareceu o seguinte:
Censura imposta ao jornal. Nós, nunca tivemos censura, apesar mesmo do
meu período preencher a Revolução de 64. Nunca houve, nunca houve
censura - e dessa época assim do Estado Novo?(interferência nossa). Não
houve, porque o jornal Rio Grande era um jornal do governo, era até
interessante, porque nessa época de 30, no Tempo existia uma corrente
integralista que era liderada pelo professor Carlos Loréa Pinto, mas eu acho
que nem no Tempo houve essa censura, teve uma leve coloração verde, a cor
do Partido Integralista Brasileiro- eu percebi fazendo o levantamento que
mais para o final do Estado Novo, ali quando tem a entrada do Brasil na
guerra, a partir de 42 se percebe, não uma crítica assim muito direta ao
Estado Novo, mas se percebe alguma contrariedade, não é muito explícita
a relação, mas se levantam algumas coisas, como por exemplo a situação
do Brasil, a necessidade do alinhamento com os países aliados (intervenção
nossa). Mas isso, a partir de 40 foi defendido pelo governo, tanto que houve
um perfeito entrosamento entre os Estados Unidos e o Brasil. Não era porque
em primeiro lugar, o Carlos Santos era trabalhista, ou melhor era getulista,
toda a redação do jornal era getulista, quer dizer não acredito que tenha
havido uma censura ao jornal, nem que o jornal tenha agredido o Estado
Novo, talvez tenha existido alguma crítica esparsa, alguma voz isolada, mas
como orientação não houve. O jornal continuava nessa época, o prefeito era
o Dr. Roque Aita Júnior. Ele surgiu, o Rio Grande surgiu na época do
prefeito, do intendente Dr. Nascimento, não foi o Nascimento foi o Trajano
52
Lopes e o Rio Grande era continuidade de um outro jornal governista que
existia, também não me lembro bem se era o Artista ou um
outro jornal.
O
Rio Grande continuou a orientação governista desse jornal e o Echo do Sul
não, o Echo do Sul foi sempre
oposição, oposição e
mentiroso, esse sofreu os
efeitos da censura, principalmente na Revolução de 93, terminou em 34. Eu
me lembro do Echo do Sul, ele era impresso no mesmo papel do correio do
Povo, era róseo, papel róseo. Era também considerado o róseo da cidade do
Rio Grande e havia uma ligação íntima entre o Echo do Sul e o Correio do
Povo, porque o Correio do Povo por debaixo do poncho também era
maragato, era Federalista, então, veja bem, essa censura não existiu durante
esse período.
Chamando atenção também para o formato dos jornais, o entrevistado
esclareceu que todos os jornais dessa época tinham o formato grande e que o primeiro jornal
em formato pequeno foi a Gazeta da Tarde.
A imprensa, segundo o entrevistado era facciosa, ou era contra ou era a favor,
não havia independência nenhuma, a
independência era pró-forma
. De acordo com ele o
Opinião Pública
de Pelotas era da oposição e o Diário Popular tinha a mesma situação do Rio
Grande
, era um jornal oficial ou semi-oficial, era patrão da Federação
90
.
Reafirmei-lhe a pergunta sobre as reproduções que os jornais faziam das
notícias do centro do país ao que o Sr. Gilberto respondeu:
As reproduções eram muito comuns e o principal elemento era a tesoura, era
tudo na base da tesoura, serviço telegráfico eu acredito que o governo nunca
teve serviço telegráfico. A Opinião Pública, me lembro bem tinha até um
parente que trabalhou na Opinião Pública nessa época, década de 40, ele
ouvia o repórter Esso e ele ainda dizia que era papa-notícia do repórter Esso
e publicava depois na Opinião Pública. A tesoura é que funcionava, aliás, eu
tenho, até, a viúva do último dono do Echo do Sul me deu de presente a
tesoura do Echo, era a tesoura que cortava as notícias dos outros. Com
relação às pessoas que trabalharam nesses outros jornais, o senhor tem
alguma informação?(pergunta nossa)- Olha, no Rio Grande, eu tinha um
corpo de redatores muito bom, o Carlos Santos que era o redator-chefe.
Depois tinha os colaboradores, por exemplo, o professor Beirão que era um
português que residia em Rio Grande, o seu Monteiro, Antenor de Oliveira
Monteiro.
90
O nosso entrevistado aqui apresenta uma visão de que na época não existiam jornais independentes, os que
haviam acabavam tomando posição contra ou a favor do governo em determinados momentos.
53
O entrevistado declarou ainda que algumas notícias vinham por telégrafo, mas
a maioria era recortada de outros jornais.
Assim, conseguimos junto a nosso entrevistado, várias informações da época
que nos possibilitaram ter uma melhor visão do período estudado e conseguimos esboçar mais
claramente o lado humano da imprensa gaúcha, de quem trabalhou diretamente, das
dificuldades de se fazerem as reportagens, a questão da transcrição de outros jornais. Mais do
que analisar friamente as notícias dos próprios jornais precisávamos de informações mais
vivas para que pudéssemos alcançar os nossos objetivos que são reconhecer a importância da
imprensa gaúcha nesse período e de como ela se comportou diante de todos os acontecimentos
políticos de então.
Neste exemplificado contexto do jornalismo da época, os jornais foram
adquirindo novas feições e características próprias. De acordo com Jandira Silva:
É o momento do aperfeiçoamento técnico e editorial de nossos jornais. Os
principais mostram uma feição moderna, utilizando a fotografia e
buscando novas formas de apresentação das matérias, através dos títulos e
chamadas... no interior do estado, fundam-se os primeiros jornais que terão
circulação regional...fator apreciável é que o jornal desperta a curiosidade e
se alastra pelos municípios, na medida em que grandes jornais estão se
alastrando na capital
91
.
Esses elementos significavam uma nova maneira de apresentar a mensagem
,
induzindo o leitor à formação de opinião prévia sobre os diversos assuntos.
Os jornais foram estudados a partir da análise da densidade populacional de
suas cidades à época e da sua localização no espaço geográfico rio-grandense, levando em
conta suas principais regiões, como segue:
91
SILVA, Jandira et alii. Breve História da imprensa Sul Rio-grandense. Porto Alegre: Corag,1986.p.239.
54
JORNAL
CIDADE
Rio grande Rio Grande
O Tempo Rio Grande
Correio do Povo Porto Alegre
Diário de Notícias Porto Alegre
Diário Popular Pelotas
Opinião Pública Pelotas
Gazeta de Alegrete Alegrete
A Razão Santa Maria
Correio Rio-Grandense
Caxias do Sul/Garibaldi
Localização das cidades – sede dos jornais pesquisados
55
Rio Grande
Órgão do Partido Republicano até 1932 quando passou a se
apresentar como Órgão do Partido Republicano Liberal, devido ao rompimento do então
interventor federal, General Flores da Cunha com o Partido Republicano. Era, portanto, um
jornal situacionista que reproduzia muitas informações do centro do país e também da capital
do estado
92
.Depois da renúncia do general Flores da Cunha e sua posição contrária ao governo
92
Essa questão da reprodução de notícias era comum na época, devido ao pouco número de correspondentes que
os jornais tinham e os altos custos que eles implicavam. Dessa forma, notícias do tipo: conforme o Correio da
56
federal, o jornal assumiu a postura de defensor do regime implantado por Vargas em 1937,
justificando a necessidade de salvaguardar a lei e a ordem.O órgão foi fundado em de
dezembro de 1913. De acordo Com Francisco das Neves Alves:
O periódico argumentava que refletia o pensamento de uma época,
constituindo um esforço ‘todo construtor’, ao batalhar por seus princípios
políticos e pelejando pelos interesses gerais, pretendia inspirar-se
devotadamente no direito, na verdade e na razão, fazendo da sinceridade a
sua égide, sendo respeitoso, leal e tolerante e exigindo do antagonista a
permuta do respeito, da lealdade e da tolerância. Intentando ratificar uma
postura séria, o jornal confirmava ser órgão do Partido Republicano do
município, de modo que estava política e administrativamente confinado a
energias orientadas e a dedicações modelares no serviço do público
interesse, pois a sua palavra jamais refletiria o rancor, em qualquer de suas
mesquinhas expansões
93
.
O jornal apresentou-se como republicano e depois como republicano liberal.
Durante o Estado Novo o mais se intitulou como órgão partidário. Na década de 1940,
quando comemorou o trigésimo aniversário, fez referências às suas primeiras décadas de
existência:
Lembrando os momentos em que representava uma folha de filiação
partidária. Argumentava que a missão social do jornal, a função de caráter
eminentemente político, no melhor sentido do vocábulo, da função da
imprensa, dentro da hora histórica, em que lhe coubera viver, numa hora
inquieta e sombria de transição dos destinos do homem sobre a terra,
procurava cumpri-la com honesto zelo e sincera dedicação. Destacava que as
simpatias e a confiança de que sempre e invariavelmente teria estado cercado
pela sociedade, representariam o testemunho do acerto de suas atitudes e a
utilidade de seus esforços, constituindo a fonte perene de diuturna renovação
das forças biológicas e das virtudes psíquicas para o desdobramento da obra
a que se propusera. O jornal declarava estar confortado por aquelas
simpatias e honrado por aquela confiança, garantindo que prosseguiria a
Manhã..., ou ainda O Correio do Povo publicou que..., eram comuns, sendo que é preciso fazermos um trabalho
de garimpagem para detectarmos a verdadeira posição do jornal.
93
ALVES, Francisco das Neves. “Biblioteca Rio-Grandense: textos para o estudo de uma instituição a serviço da
cultura”. Coleção pensar a história sul-rio-grandense,30. Francisco das Neves Alves(org.). Rio Grande: Editora
da FURG,2005.p.84.
57
jornada traçada, tendo, no próprio título, o seu singelo programa, ou seja,
servir à cidade que era o seu nome e a sua bandeira
94
.
O Tempo
- Órgão fundado em Rio Grande a de dezembro de 1906, sob a
responsabilidade de Paulo Pacheco, Alípio Cadaval e outros, apresenta-se por vezes de
maneira mais independente das orientações do governo federal. Essa independência está
obviamente condicionada aqueles momentos em que a censura estava mais arrefecida, nos
outros precisou se submeter às ordens impostas. Sobre O Tempo, Jandira Silva comenta :
Encontramos informação de que o jornal tenha se iniciado bem antes, ou
houve na cada de 1870-1880, um outro com o mesmo nome, pois o
primeiro número consta em 1906.Teve longa duração e está relacionado
ainda de 1944 a 1959, na coleção Agostinho José Lourenço(existente na
Biblioteca Rio-Grandense de Rio Grande), com a observação de que foi
suspensa a publicação em 1960
95
.
O jornal era publicado com um número de quatro páginas, podendo chegar a
mais em épocas de edições comemorativas ou aos finais de semana. Existia entre ele e o
Rio
Grande
uma certa rivalidade, típica de cidades onde a imprensa escrita estava dividida entre
dois periódicos
.
Diário Popular - jornal pelotense fundado em 27 de agosto de 1890. Iniciou
com o coronel Pedro Osório, do Partido Republicano local. Teve ainda como colaborador, o
coronel Massot e como primeiro diretor Theodosio Menezes. Esse jornal existe até os nossos
dias. Destoa um pouco da imprensa rio-grandina da época, pelo cunho mais ousado de suas
94
idem.p.89.
95
Idem, p.238.
58
chamadas e matérias, como em 18 de outubro de 1936, quando abriu o jornal com a chamada
Censurada a imprensa de Pelotas”
ou ainda em julho do mesmo ano quando lançou a
seguinte previsão:
“Desceram as trevas da noite sobre o cadáver da
Democracia brasileira”
,
referindo-se às constantes prorrogações do estado de sítio que, posteriormente, foi substituído
pelo estado de guerra até o golpe do Estado Novo. O período de exceção impôs a censura ao
jornal como fez com os demais. A partir de 1943, passou a defender vigorosamente a
democracia:“entendemos que Democracia não é Demagogia, como liberdade não é licença,
nem anarquia
96
.”
Opinião Pública
jornal pelotense fundado em maio de 1896
97
. Apresenta-se
também como jornal independente, acusando a possibilidade por parte do governo federal de
implantar a ditadura em meados de 1937, no entanto, precisou também se submeter ao crivo
do DIP. Em dezembro de 1937 apresentava matéria jurídica, justificando o Estado Novo com
a chamada
“Ditadura
Constitucional Corporativa”
.
Correio do Povo
periódico porto-alegrense fundado em de outubro de
1895 sob a responsabilidade de Francisco Antônio Vieira Caldas Júnior seguido depois por
outros. Com a fundação do Correio do Povo, se inicia a fase moderna do jornalismo no Rio
Grande do Sul, consolidada em moldes capitalistas.O ano da fundação do jornal coincide com
a comemoração do Cinqüentenário da Revolução Farroupilha.O jornal, que existe até hoje, se
apresentava como imparcial principalmente naqueles momentos de maior tensão na política
nacional.Essa situação possibilitou-lhe a permanência nos períodos críticos da história
nacional. Borges Fortes refere-se a ele da seguinte maneira:
96
Diário Popular, 23-12-1943.
97
Existem dúvidas quanto ao dia da primeira edição, se 5 ou 6 de maio de 1896.
59
Grande parcela da população rio-grandense, cansada então da violenta
imprensa partidária, recebeu com satisfação o novo quotidiano. Embora isso,
não foram fáceis os primeiros anos do ‘róseo’, como era conhecido o
Correio, devido a que era impresso em papel de cor rosada. Dificuldades
muitas se apresentaram. Estado então essencialmente pastoril e agrícola,
´não oferecia os recursos da publicidade para a imprensa. Sem o apoio
oficial e de qualquer grei política, deveria manter-se com as assinaturas e os
parcos meios pecuniários auferidos com a publicação limitada dos reclames e
de pequenos anúncios.Árduos os anos iniciais, mas foram superados muito
bem pela tenacidade e competência de Caldas Júnior e do valoroso grupo de
auxiliares que soube escolher
98
.
Diário de Notícias
- Jornal porto-alegrense fundado em de março de 1925,.
sob a direção de Adroaldo Mesquita da Costa, Francisco de Leonardo Truda, José Pedro
Moura e outros. Foi publicado até dezembro de 1979. O jornal tinha uma postura mais
independente que o
Correio.
Anunciou situações que foram sendo percebidas no cenário
nacional antes dos demais. Isso ocorreu, por exemplo, quando abriu a seguinte manchete:
Anuncia-se que o governo federal decretará, em breve, a extinção dos partidos políticos. Será
decretada a extinção dos
antigos partidos políticos?
99
.
Efetivamente foram extintos os
partidos no dia seguinte conforme havia anunciado o jornal.
Gazeta de Alegrete
- Jornal da mesma cidade fundado em de outubro de
1882, circula até nossos dias. Foram responsáveis Luís de Freitas Vale (Barão de Ibirocaí),
Jesuíno Melquíades de Souza, José Celestino Prunes e outros. Por ser um jornal da região da
campanha e de quase fronteira teve um cunho marcadamente frente-unista, ligado mais ao
PRR e a defesa do latifúndio. Nas décadas de 1930 e 1940, a família Prunes passou a ser
responsável pela direção e gerenciamento do jornal. Nos momentos de maior tensão entre a
Frente Única e o PRL, o jornal saiu em defesa do PRR, partido que compunha também a
Frente Única. Quando o governador Flores da Cunha não atendeu prontamente aos reclamos
98
FORTES, Gabriel Borges. Imprensa Gaúcha: “150 anos”. Porto Alegre:SAMRIG, 1976.
99
Diário de Notícias, 1º-12-1937.
60
dos pecuaristas, a
Gazeta
fez críticas conclamando à lembrança das tradições do estado nesse
quesito
A Razão
- Órgão de Santa Maria, fundado em 9 de outubro de 1934
100
,
dirigido por Clarimundo Flores, Rivadávia de Souza, João Flores, Brinckmann e outros.
Também defendia os interesses da Frente Única e da agro-pecuária. Colocava-se a favor ou
contra as atitudes do presidente Getúlio Vargas dependendo de como estavam as relações
deste com a Frente Única e os partidos que a compunham.
Correio Rio-Grandense
- Órgão fundado em 13 de fevereiro de 1909, sob a
direção de Décio Bombassaro e Aldo Colombo. Os padres capuchinhos assumiram o controle
do jornal em 1921 e o dirigem até hoje. O jornal tinha circulação semanal e se dirigia
principalmente para o interior e arredores de Caxias. Conforme já explanado na introdução, o
jornal foi transferido para Garibaldi e retornou depois a Caxias do sul. Como semanário da
serra, volta-se para as questões relacionadas aos imigrantes italianos, bem como à economia
da região.
A partir dessa apresentação, procuraremos demonstrar como a imprensa do Rio
Grande do Sul apresenta riqueza de caracteres, de acordo com cada região, suas economias,
formação histórica e política. Os jornais do litoral são mais volumosos, em termos de
informação, as suas publicações são diárias e a ligação com o setor de comércio e de
exportação é mais evidente. Os assuntos, portanto, relacionados com a agro-pecuária são
tratados nos periódicos, mas não com a mesma intensidade como naqueles da região da
campanha. Politicamente, identificam-se mais com a vertente republicana liberal que depois
de 1932 passou a predominar no estado. Com o golpe do Estado Novo, os jornais dessa região
100
A Razão teve o seu ano de fundação em 1934, portanto depois de 1930, mas foi destacado pela nossa pesquisa
por tratar-se de jornal extremamente representativo. Nas datas comemorativas da Revolução de 1930 ou de 1932,
o jornal faz referências, mostrando qual é a sua opinião sobre esses dois momentos.
61
são obrigados a se enquadrarem através da censura à imprensa. Em 1946, com a abertura
democrática, a imprensa passou a ter maior liberdade de expressão.
A análise dos jornais recaiu sobre alguns dos principais elementos constitutivos
que demarcaram a evolução da história política brasileira no período entre 1930 e 1946, como
destacamos no quadro a seguir:
PERÍODOS ESTUDADOS
PRINCIPAIS ELEMENTOS
CONSTITUTIVOS ANALISADOS
1930 – 1934
Aliança Liberal
Revolução de 1930
Revolução de 1932
Constituinte de 1933
Constituição de 1934
1935 – 1937
Lei de Segurança Nacional
Acontecimentos de 1936
1937 – 1946
2ª Guerra Mundial
Democratização
Capítulo II - O Cenário Político Nacional de 1930 a 1934: os
posicionamentos da imprensa gaúcha
62
O período que abrange os anos de 1930 a 1934 foi bastante rico em
acontecimentos políticos. O Marco inicial desse processo, a Revolução de 1930 encerrou um
dos episódios mais controversos da nossa historiografia, não só pelo fato em si, mas pelo que
passou a representar para os anos subseqüentes. A Revolução que marcou a derrocada da
oligarquia cafeeira, detentora do poder desde o início da República, assinalou um divisor de
águas na História do Brasil. As novas oligarquias que passaram a dividir o poder, tiveram
pela frente as dificuldades da manutenção desse mesmo poder, capitaneado pelo uso
discricionário da autoridade governamental, que os anos que se seguiram à Revolução
101
foram anos de uso do poder de forma bastante autoritária.
Na seqüência, o desenrolar de movimentos como a Revolução de 1932, a
Constituinte de 1933 e Constituição de 1934, bem como as imposições da Lei de Segurança
Nacional serviram para criar na imprensa escrita da época um ambiente de profunda agitação,
com os jornais gaúchos, apoiando por vezes e por outras fazendo oposição aos governos
estadual e federal.
2.1- A Revolução de 1930, antecedentes históricos, os
preparativos da Aliança Liberal e as repercussões na imprensa
escrita.
101
Aqui o termo Revolução é utilizado em função do que ficou sendo lugar-comum na historiografia desse
acontecimento, não levando, portanto, em conta o conceito marxista de transformação das estruturas, o que aí não
se aplicaria à Revolução de 1930.
63
O remonte do universo da década de 1930 implica, necessariamente, o
reconhecimento do que foi a década anterior em termos de efervescência política, cujos
reflexos a revolução trouxe consigo. Hélio Silva nos esclarece:
a crise do mundo moderno se apresenta bruscamente, ao deflagrar a primeira
Guerra Mundial
.
Serve de divisor de águas, separando duas épocas,
marcando o ocaso de uma civilização e o nascimento difícil e demorado de
outra forma de sociedade. A partir desse marco abre-se uma fase de
transformação intensa, com a Revolução Russa, a reação fascista, a
derrocada brusca dos antigos valores, a busca de novos caminhos. No Brasil,
a Revolução se instala em 1922, em três manifestações sucessivas: a revolta
cultural com a Semana de Arte Moderna; a revolta social, com a fundação do
Partido Comunista Brasileiro; a revolução militar, com o Primeiro Cinco de
Julho
102
.
No trecho acima, Hélio Silva identifica como marco de todos os
acontecimentos da década de 20 que desembocarão em 1930, a Primeira Guerra Mundial a
partir da qual o mundo moderno começou a adquirir uma nova feição.
No início dos anos 20, a questão social começou a marcar presença e as
revoltas tenentistas do período tornaram, o novo grupo, as camadas médias urbanas, onde os
tenentes estavam inseridos, importantes elementos de decisão no cenário político
nacional.Referindo-se ainda, à ligação entre as revoltas tenentistas de 1922 e a Revolução de
1930, o autor ainda enfatiza:
a fraude, invalidando o resultado das eleições, é o fato político que
desencadeia a Revolução de 30. O processo, porém, começou naqueles
acontecimentos de 1922 e continuará, depois da crise que encerra a Primeira
República
103
.
102
SILVA, Hélio. O Primeiro Século da República. Rio de Janeiro: Zahar,1987.p.5.
103
Idem.
64
Os levantes tenentistas que se iniciaram em 1922, colocando a descoberto a
corrupção política que se praticava, motivou outros elementos da sociedade a agirem no
sentido de destruírem a máquina do Estado, impregnada de subornos e outras mazelas
políticas.Todo o período da República Velha esteve condicionado a um arranjo entre o poder
central e os poderes estaduais. Esse acordo conhecido como Política dos Governadores,
inaugurado no governo de Campos Sales, predispôs algumas elites regionais, notadamente
São Paulo e Minas Gerais a dividirem o poder. Estados como Rio Grande do Sul, Bahia e
Pernambuco, participavam também, por vezes, desse consórcio. O Rio Grande do Sul, no
dizer de Joseph Love
104
foi uma espécie de exportador de políticos que influíram em
momentos decisivos da República Velha, entre eles, a campanha Civilista de 1910, quando o
PRR apoiou Hermes da Fonseca, nascido no Rio Grande do sul, que seria o futuro presidente,
em detrimento de Rui Barbosa , defendido por São Paulo. Em 1922 quando da eleição de
Artur Bernardes, Borges de Medeiros levantou bandeira contrária ao candidato do Catete.Em
1930 quando da cisão entre São Paulo e Minas Gerais, o Rio Grande do Sul acabou de vez
com a República Velha através da Revolução de 1930.
Os acontecimentos de 1922 e 1924, em que os militares e os civis cerraram
fileiras em torno da pureza do regime, impulsionaram uma redefinição de novos valores em
termos de política nacional, sem, contudo, pleitear transformações estruturais. Questões como
a reforma agrária, por exemplo não fizeram parte do ideário tenentista. A democratização do
voto, com uma maior participação popular era seu baluarte.
Em 1924, o segundo levante tenentista que acabou desembocando na Coluna
Prestes não obteve êxito. Serviu, porém, para engrossar as fileiras dos contestadores.Em
1930, a maioria dos elementos que haviam participado dos movimentos anteriores aliaram-se
104
Joseph love assegura que politicamente não foi nem um estado dominante, nem um estado satélite, devido
ao número de políticos e militares que forneceu à República.cf. LOVE, Joseph. “O RS como fator de
65
às Oligarquias dissidentes de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba e derrotaram o poder
constituído. Contribuiu muito para isso a Crise de 1929, que enfraqueceu o capitalismo dando
ensejo ao aparecimento de regimes autoritários, entre eles os fascismos europeus,
supervalorizando o papel do estado.
No cenário constituído pela década de 1930, o estado se valorizou, a indústria
foi impulsionada, os interesses das elites emergentes passaram a ditar as regras.A
centralização do poder, apontando na direção de um estado autoritário, passou a ser uma
constante até a implantação do Estado Novo em 1937.
O grupo que se formou em torno da Aliança Liberal reuniu diferentes
elementos da sociedade em um programa amplo de governo:
O programa da Aliança Liberal refletia as aspirações das classes dominantes
regionais não associadas ao núcleo cafeeiro e tinha por objetivo sensibilizar
a classe média. Defendia a necessidade de se incentivar a produção nacional
em geral e não apenas o café;combatia os esquemas de valorização do
produto em nome da ortodoxia financeira e por isso mesmo não discordava
nesse ponto da política da Washington Luís. Propunha algumas medidas de
proteção aos trabalhadores, como a extensão do direito à aposentadoria a
setores ainda não beneficiados por ela, a regulamentação do trabalho do
menor e das mulheres e aplicação da lei de férias
105
.
O programa da Aliança refletiu, portanto, um conjunto heterogêneo de
apoiadores e pressupôs algumas garantias aos trabalhadores que seriam posteriormente
encampadas pela legislação trabalhista de Getúlio Vargas, bem como uma preocupação com o
desenvolvimento do mercado interno.Boris Fausto relativisa a importância da participação da
classe média no movimento:
instabilidade na República Velha” In História Geral da Civilização Brasileira.Boris Fausto (org.)-O Brasil
Republicano: estrutura de poder e economia(1889-1930).2ª ed.São Paulo: Difel,1977p.99.
105
FAUSTO, Boris.História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,1998.p.319-320.
66
A Revolução de 1930 não foi feita por representantes de uma suposta nova
classe social: a classe média ou a burguesia industrial. A classe média deu
lastro à Aliança Liberal, mas era por demais heterogênea e dependente das
forças agrárias para que, no plano político, se formulasse um programa em
seu nome
106
.
Segundo essa ótica, o estado a partir de 1937 favoreceu o capitalismo nacional.
A base de sustentação do que se chamou de getulismo” foi constituída pelo Exército, pelos
industriais e pelos trabalhadores urbanos.
A imprensa escrita deu ampla cobertura às atividades da Aliança Liberal. O que
se diferenciava era por vezes o tamanho das notícias, mas o conteúdo era sempre o de defesa
do programa da Aliança.
Na manchete do
Correio do Povo
de 4 de janeiro de 1930 lê-se que “todos os
órgãos da imprensa carioca, ocupando-se da plataforma liberal, frisam que ela representa,
antes de tudo, um documento de verdadeira democracia.Ruy Barbosa- diz o
Jornal do
Comercio:
era aplaudido por seu gênio; Getulio Vargas é aplaudido porque diz o que nós
todos sentimos e dizemos. Os jornais prestistas, estonteados pelas delirantes aclamações e
pelas idéias concretizadas no programa da Aliança, procuram encontrar explicações para o
fato” e prossegue:
O Jornal do Comercio comentando a plataforma liberal, diz que se pode
afirmar que, para a opinião liberal, ela é perfeitamente satisfatória diante do
programa reacionário do sr. Julio Prestes. A plataforma é confortadora,
nitidamente liberal e democrática.
O jornal destacou também as informações contidas em outros órgãos como
O
Correio da Manhã, O Jornal e O Globo todos do Rio de Janeiro. Em uma outra chamada na
106
Idem.p.325.
67
mesma página, relatou a análise feita pelo
Diário Carioca
das plataformas de governo de
Júlio Prestes e de Getúlio Vargas designando a segunda de liberal e a primeira de reacionária.
Para o
Diário Carioca
citado pelo
Correio do Povo
107
:
Os candidatos liberais mostram-se infinitamente melhor orientados no
caminho que convém seguir. A plataforma do Sr. Getúlio Vargas é do ponto
de vista das necessidades do país e dos meios de realizar as aspirações
populares, um documento do mais sabido valor, no qual transparece uma
sinceridade, que, desde logo impõe as maiores simpatias.
na matéria do dia 5 de janeiro do mesmo ano, o
Correio do Povo
estampou
a frase
Rumo à Victoria
demonstrando um grande otimismo com relação à campanha da
Aliança Liberal e à leitura de sua plataforma feita pelo candidato Vargas. Para o jornal:
O lançamento prévio do programa, em torno do qual se deveria reunir a
nacionalidade, ansiosa pela libertação moral e material que se lhe de e cujo
advento não se poderá impunemente procrastinar; a agitação parlamentar,
com alcance incontestável, mesmo sobre a marcha dos serviços públicos, que
mereceram, como é do próprio espírito do regime, a sua critica oportuna e
cotidiana;a propaganda, mais estritamente eleitoral, promovendo, em toda
parte, o alistamento cívico dos cidadãos- eis os pontos de maior culminância
percorridos pela Aliança, antes de alcançar o período definitivo que lhe
abriram a excursão do sr. Getulio Vargas ao centro do país e o conhecimento
amplo das suas idéias de governo, que essa viagem triunfal acaba de
proporcionar
108
.
No mesmo artigo, o jornal conclamou a corrente liberal a manter-se vigilante,
fiscalizando o pleito “promovendo, pela sua presença em cada mesa eleitoral, a moralização
dos sufrágios e a conseqüente valorização do voto e do eleitor”.
107
a citação dos jornais de outros estados principalmente de São Paulo e do Rio de Janeiro é muito comum na
Imprensa que ora estamos analisando. A identificação da linha de pensamento do jornal passa portanto,pelo
conhecimento da visão desses jornais que o citados. Ao serem dados maiores espaços a determinados
posicionamentos, é possível identificar o que pensa o jornal que queremos observar.
68
Ainda sobre as eleições posiciona-se o
Correio
com a matéria
Manobras
indecorosas em 16 de janeiro de 1930:
Com muita dificuldade de encontrar-se quem desdenhe a campanha
empreendida, em um momento oportuno e feliz contra o aviltamento político
que infelicita o Brasil e destrói as mais belas iniciativas dos que, ciosos de
seu futuro, trabalham e se sacrificam pelo acréscimo da riqueza pública e
aplicação e desenvolvimento de todas as energias realizadoras.
Nesse artigo, o jornal chamava a atenção para a situação política da República
Velha, destacando as figuras dos
bons
políticos que estavam se sacrificando pela riqueza
pública e o desenvolvimento de todas as realizações republicanas e democráticas palavras
que aparecem mais adiante no texto.
Mais adiante no mesmo artigo o jornal colocava a questão da soberania e,
sublinarmente, a legitimidade oriunda do sufrágio:
Num regime que se funda principalmente, no sufrágio como fonte de toda
soberania, qualquer autoridade que não promova, direta ou indiretamente,
traz já, só por isso, dentro de si, os elementos mesmos da sua invalidade.
Sobre a questão das intervenções, o
Correio
posicionou-se enfaticamente da
seguinte maneira:
É esse abuso, a que chegou, entre nós, o recurso às intervenções, que explica
em grande parte, o abastardamento político em que jaz o país, com a maioria
dos oficialismos estaduais comprometidos, subservientemente, com a
denominação política dos governadores’ eufemismo soez, de tempos em
108
Correio do Povo,5-1-1930
69
tempos restaurado, por meio do qual apenas se mascara o pavor que inspira
a bota do Catete e o seu sinistro poder de ir esterilizando, à sua passagem, o
solo desventurado em que venha, desgraçadamente, a pisar.
109
Mais uma vez é feita alusão ao quadro de fraudes que imperava na República
Velha, onde as intervenções eram uma constante, encobertas pela aura da política dos
governadores
, que dava a falsa impressão de que os estados possuíam, de fato autonomia.
Em outro artigo de 9 de março de 1930, o
Correio do Povo
alertava para as
irregularidades do pleito ocorrido no dia primeiro do mesmo mês.Nos períodos seguintes até a
eclosão da Revolução, destacou os acontecimentos da Paraíba, onde a morte de João Pessoa
representou o estopim para o início do movimento. Após o assassinato, cuja motivação,
posteriormente, soube-se nada ter a ver com os acontecimentos nacionais, o periódico
explorou, como os demais, o acontecimento, insuflando a opinião pública a apoiar um
movimento de revolta contra o governo federal. A 13 de setembro conclamava o jornal:
Levanta-te, Rio Grande
em uma clara alusão ao que havia acontecido na Paraíba. A adesão,
portanto, à propaganda liberal e ao movimento revolucionário que se seguiu foi amplamente
defendido pelo Correio do Povo.
O
Diário de Notícias
seguiu a mesma linha do Correio na defesa dos
postulados da Aliança e do movimento revolucionário. A 9 de março de1930, o jornal com a
manchete
A unanimidade Rio-grandense
assim se posicionava:
... a nossa unanimidade é resultante de um movimento irresistível de opinião,
de um invencível impulso coletivo. Ela se fez antes, pode-se bem afirma-lo,
nas multidões, na totalidade dos espíritos, não para acabar impondo-se aos
dirigentes das agremiações partidárias, visto que o seu sentir não divergia
do da multidão, mas para receber a sua sanção, o seu assentimento
entusiástico, a sua orientação esclarecida.E nisso, precisamente está a
109
Correio do Povo, 8-1-1930.
70
característica diferencial, que distingue inconfundivelmente a unidade rio-
grandense, das unidades servis dos estados em que os mandões
discricionários monopolizam o direito de opinar pelas populações
escravizadas e onde toda veleidade de reivindicações liberais provoca o
castigo feroz dos espigardeamentos em massa.
Mais adiante, o jornal continuava da seguinte forma:
...essa unanimidade precisa e se de manter até o termo da jornada. A
união dos partidos rio-grandenses tem de perdurar até o final da realização
do objetivo comum. Rompe-la agora seria renunciar à Victoria, retroceder no
caminho andado, sacrificar a dignidade do Rio Grande. E não pode haver
rio-grandense digno desse nome, que deseje ver a sua terra, pela divisão de
seus filhos exposta a ser humilhada, espezinhada, ferida nos seus brios e nos
seus direitos que a infrangível união do povo gaúcho ha de saber fazer
respeitar e valer.
Esse artigo foi veiculado em 9 de março, oito dias após o pleito que deu a
vitória a Júlio Prestes. Nos meses que se seguiram, o jornal informou também sobre os
acontecimentos da Paraíba que culminaram com a morte de João Pessoa. Chamou a atenção
para o descaso do governo federal com esses acontecimentos e o fato de manter o estado
isolado, tendo que enfrentar sozinho os opositores
110
. O jornal referendando artigo do
Diário
do Rio de Janeiro
acusava o governo federal, que a Paraíba, na pessoa de seu
presidente posicionou-se contrária ao candidato oficial às eleições de 1930.
110
A luta de grupos na Paraíba vinha de longe e o seu desenrolara culminou com a morte de João Pessoa que
“eleito governador tentou realizar uma administração modernizante, submetendo a seu comando os ‘coronéis’
do interior. Uma de suas operações consistiu em canalizar as transações comerciais pelos portos da capital e de
Cabedelo, com dois objetivos: garantir o recebimento dos impostos devidos e diminuir a dependência comercial
e financeira em relação ao Recife. Suas iniciativas se chocaram com os interesses dos produtores do interior-
sobretudo de algodão-, os quais negociavam por terra com o Recife e escapavam facilmente à tributação. A
divergência de interesses resultou na revolta de Princesa- uma cidade do sudoeste da Paraíba- sob o comando do
coronel José Pereira. A família Dantas colocou-se a seu lado. Em meio a violências recíprocas, a polícia invadiu
o escritório de advocacia de João Dantas na capital do Estado e retirou de um cofre alguns papéis. Entre eles,
existiam cartas de amor trocadas entre Dantas e uma jovem professora primária Anaíde Beiriz. Ambos eram
solteiros. O jornal governista A União completou a obra atribuindo a Dantas a narrativa de atos amorais, em
documentos que a decência impedia de publicar mas que se encontravam na polícia para quem quisesse lê-los.
Anaíde caiu em desgraça e, abandonada pela família, fugiu para o Recife. Dantas ‘lavou a honra’ assassinando
João Pessoa”(Fausto,1998,op cit.p.323-324).
71
Em 17 de abril do mesmo ano, com a manchete:
A Supressão da autonomia
estadual
, o jornal destacou a falta de autonomia que os estados estavam enfrentando,
notadamente a Paraíba porque lhe fora negado pelo governo federal “a autorização necessária
ao recebimento de elementos indispensáveis à manutenção da ordem” e continuava da
seguinte forma:
(...), mas é de notar que o caso não afeta somente a Paraíba. Seria doloroso
ver sucumbir o heróico Estado nordestino. Seria profundamente humilhante
para o nosso amor próprio patriótico assistir ao triunfo de uma horda de
cangaceiros, de um bando criminoso posto a serviço da mais baixa política
de ódio e de vingança, sobre um governo constitucional, legitimo, legalmente
organizado. A conseqüência pior, porém, e mais grave: será a do precedente
perigosíssimo que a atitude do governo da Republica deixará assentado. Se
ele prevalecer, a autonomia dos Estados ficará para sempre à mercê do
poder central. Este é que decidirá quando e como as unidades federativas
poderão usar e gozar dela. E a permanência de governos estaduais, como da
paz e da ordem nos Estados ficará na dependência de qualquer bando de
trabuqueiros a que conveniências partidárias de momento permitam obter o
apoio do governo federal
Conclui assim:
(...) isso e não outra cousa é o que se hoje com a Paraíba. Mas é o que
pode repetir-se com qualquer outro Estado amanhã. Aceitar passivamente a
temerária doutrina que o governo federal está sustentando é admitir a
supressão da autonomia estadual e renunciar à garantia máxima estatuída
na Constituição Federal;é preparar, a repetição, amanhã, em qualquer outro
ponto do território nacional---em Minas, no Rio grande, em qualquer
Estado- do que hoje se passa na terra do sr. João Pessoa.
Após o assassinato de João Pessoa, o
Diário de Notícias
passou a fazer uma
campanha insistente para que a opinião pública reagisse contra aquilo que considerava uma
fronta aos estados, que era o cerceamento da sua autonomia pelo poder federal. Como toda a
imprensa oposicionista, o periódico também explorou muito o crime dando a ele uma
dimensão política que não tinha. Depois do assassinato ocorrido a 26 de julho, o jornal
72
perguntava em manchete do dia 31 do mesmo mês
Onde estás Rio Grande?.
Inquirindo sobre
a atitude que o estado deveria ter com relação ao episódio. Destacava ainda no dia 8 de agosto
o papel da censura no país e como ela agia. Depois da eclosão do movimento, em um artigo
intitulado:
Pátria reconquistada,
o jornal fazia alusão ao movimento, justificando a
necessidade do mesmo.Curioso é que as acusações que o
Diário
lançava ao governo federal
no que tangia ao cerceamento da autonomia dos estados foi se concretizando com Getúlio
Vargas quando esse assumiu o poder a partir de 1930.Comparativamente com o
Correio do
Povo
, o
Diário de Notícias
foi mais parcial, tanto nas chamadas de suas matérias como nos
seus conteúdos.
O jornal O Tempo de Rio Grande também fez campanha pelos candidatos da
Aliança Liberal, dando ampla cobertura às eleições de março de 1930, não fugindo à regra dos
demais jornais no que referia-se à Revolução de outubro. Em janeiro do mesmo ano,
convocava os eleitores às urnas.Em 11 de janeiro no artigo
Atualidade Política
aparecia:
O próximo pleito em que se deve escolher o supremo magistrado da
República está se caracterizando por um desusado movimento cívico,
jamais visto neste país. Nada mais louvável que esta sadia agitação
quando cada qual preocupa organizar, disciplinar e aguerrir as
respectivas hostes partidárias para o assalto pacífico às urnas em coluna
cerrada à de março(...) organizemos em regra nossas forças eleitorais e
concorramos às urnas em massa sem discrepância.
Do período entre as eleições e a revolução diluiu-se qualquer possibilidade de
recurso às armas. Quando eclodiu o movimento, no entanto,
O Tempo
deu ampla divulgação.
A 28 de outubro de 1930 estava escrito no jornal:
73
Está cumprida e vitoriosamente a jornada que se iniciou a 3 de outubro,
quando a alma rio-grandense vibrou para a grande campanha, acendendo
da mesma chama guarnições militares inteiras e propagando-se por todo o
país. Nós éramos pela paz e pela concórdia da família brasileira, pregamo-
las e defendemo-las com a maior sinceridade, ao serviço de magnos
interesses nacionais(...)pregamos,porém, a paz e a concórdia enquanto foi
possível fazê-lo, enquanto elas não pudessem exprimir perda de brio ou
agachamento de covardia que, mercê de Deus, nunca houve quem o
aconselhasse destas colunas. O cálice de amargura, entretanto, enchera
demasiado e estava a transbordar. Insistiram com a provocação, o insulto, os
desafios.A prepotência governamental esquecera a lição da historia, a
ensinar que a violência gera a violência, não prevista senão quando os seus
efeitos entram a afligir a sociedade e a impressionar os governos(...)era
tempo de reagir e reagiu-se, numa afirmação soberana de energias cívicas.
Venceu a Revolução! Aos homens que a planejaram, que a acenderam e
chefiaram resta que,pela mesma nobreza do seu ideal agora triunfante,
conduzam o Rio Grande do Sul e conduzam a pátria a melhores destinos.
A Revolução passou a ser vista então pelo jornal como absolutamente
necessária para restabelecer a ordem que o governo de Washington Luís havia perdido. No
que se referia, portanto, ao movimento de outubro tanto
O Tempo
como o seu rival na cidade,
o
Rio Grande
, tinham o mesmo pensamento, com
O Tempo
sendo mais tardio na adesão ao
movimento armado.
O Rio Grande defendia apaixonadamente a causa da Revolução de outubro.
Podemos ler em 28 de fevereiro de 1930:
Cumpre, cidadão, o teu dever cívico, cumpre, brasileiro, o teu dever de
patriotismo, cerrando fileiras em torno das urnas de amanhã na defesa da tua
soberania, pela honra da pátria brasileira.
A manchete conclama o povo ao voto. Palavras como
cidadão, dever e
patriotismo
preparam o leitor, tornando-o alvo principal de um processo cuja legitimidade
passava pela afirmação de uma
pátria soberana e honrada.
Já em outro artigo do dia 7 de março de 1930 lemos:
74
A Aliança Liberal, segura do seu triunfo,sente-se na necessidade de declarar
que, assim como se submetera ao veredicto das urnas,não aceitará,
entretanto, os resultados conquistados pela fraude ou pela violência.
Nesse pronunciamento, o jornal além de se colocar ao lado da Aliança Liberal
que lançou o candidato Getúlio Vargas à eleição daquele ano, lançava uma acusação aos
fraudadores, em uma alusão ao ambiente característico da República Velha que a própria
Revolução de 1930 contribuiu para acabar.
Quando da morte de João Pessoa o articulista Da Costa Aguiar escrevia no
jornal:
A republica esta de luto e debulhada em comovido pranto ante o cadáver
desse notável brasileiro cujo único crime foi discordar da vontade palaciana
do sr. Washington Luis. É, portanto o sr. Presidente da Republica o
responsável moral por essa hecatombe que desabou no país
111
.
Em outubro do mesmo ano, logo após a eclosão da Revolução,
O Rio Grande
chamava a atenção dos leitores com a manchete
Pela Salvação da Pátria
e assim se
posicionava:
O momento é de jubilo, de um jubilo tão intenso quanto penosas foram as
angustias da espera que martirizou a alma nacional.Por todo o país, o fogo
sagrado do patriotismo, cuja chama ardente foi sempre acalentada com o
sopro potente das hostes gaúchas, a revolução leva de vencida as ultimas
resistências, podendo pronunciar-se como certo que, mesmo antes das
falanges libertadoras atingirem o derradeiro reduto do mandonismo, este
haverá caído completamente abandonado e repudiado por todos que se
orgulham de ter, no peito, pulsando, um coração brasileiro
112
.
111
Rio Grande, 8-8-1930
112
Rio Grande, 6-10-1930.
75
Durante o mês de outubro lê-se muito no jornal o título
A Revolução
Triunfante
abrindo várias matérias referentes aos acontecimentos da própria
Revolução.Washington Luis era também alcunhado de déspota pelo jornal e Getúlio Vargas
de salvador. Depois da junta governativa ter assumido, com o título
O Brasil Redimido,
o
jornal entendeu aquele momento como de um verdadeiro resgate da honra nacional.
O
Diário Popular
de Pelotas seguia a mesma linha dos demais no apoio ao
movimento de 1930 e chamava a atenção em janeiro de 1930 à questão da anistia que a
plataforma da aliança Liberal vinha contemplar. Para o jornal:
O primeiro capítulo da notável plataforma com que o precalo presidente
Getulio Vargas se apresenta aos sufrágios do país refere-se à concessão da
anistia. Os termos de que se vale o candidato liberal revelam sentimento
muito enraizados na consciência do povo brasileiro, aspirações que vivem,
permanentes, no seu espírito e que são ainda uma prova decisiva da sua
índole generosa. Cessados os dissídios que separaram em duas correntes as
populações do país; abandonadas as trincheiras da luta armada; re-
entregues os homens ao curso da sua atividade normal, se para o
amortecimento definitivo das paixões das paixões se quer realizar um
trabalho leal e honesto, eficaz e duradouro, é necessário que a ação dos
poderes públicos corresponda rigorosamente aos pronunciamentos da
opinião coletiva
113
.
Mais adiante o
Diário Popular
retratava as palavras do próprio Vargas
quando dizia:
a convicção da imperiosa necessidade da decretação da anistia, está hoje,
mais do que nunca, arraigada na consciência nacional. Não é, apenas, esta ou aquela
parcialidade que a solicita.É o país que a reclama.
O jornal assim, destacava, a importância
da anistia como forma do país reencontrar-se com a democracia, acabando com antigos
dissídios. Sobre a campanha da Aliança Liberal lemos:
113
Diário Popular, 15-1-1930.
76
A aliança Liberal, dia a dia, conquista novas e numerosas adesões. O
eleitorado apresta-se, com inexcedível entusiasmo, para sagrar nas urnas os
nomes aureolados dos seus autênticos e legítimos candidatos. Um largo e
generoso anseio de liberdade empolga, nesta cruzada, o povo brasileiro, no
qual renascem luminosamente a esperança e a fé. E um povo que tem
esperança no seu futuro, e confiança no seu direito, é um povo vitorioso.
Sobre as eleições, o jornal chamava de
compromisso de honra
o concurso às
urnas e que todos deveriam comparecer para votar.Assim colocava:
Honrado o compromisso solene tomado à face do país, vai, amanhã, o partido
republicano sufragar, com exemplar denodo cívico, os candidatos da Aliança
Liberal, drs. Getulio Vargas e João Pessoa. Organização de modelar civismo,
escolha sem par de amor e devotamento à Republica , tendo por guieiros
figuras com fulgor de legenda, o partido republicano reafirmará, ainda
agora os seus propósitos de lutar pela verdade do regime, pela sua pureza e
prestigio
114
O
Diário Popular
assumia como os demais órgãos, a defesa da Aliança Liberal
como verdadeira redentora da salutar política que se queria ver no país. Ainda sobre a
participação do Rio Grande do Sul nessa verdadeira cruzada escrevia:
No Rio Grande do Sul republicano, vitoriosa a cruzada liberal, se afirmará
perante o país como a melhor das suas reservas morais, como o mais puro
núcleo da sua idealidade cívica, como a mais viva célula da sua vitalidade
política. Quem não concorrerá de coração em festa para a maior glória da
terra gaúcha?Os republicanos que diuturnamente devotamos os nossos
melhores pensamentos e o nosso dinamismo construtor à felicidade e
opulência da gleba querida, não fugiremos, agora, a mais este reclamo da
sua dignidade cívica e da sua aureola nacional. Obedecendo às inspirações
do fundador imortal do nosso partido e às lições de austeridade patriótica de
Borges de Medeiro, republicanos às urnas para levarmos à presidência do
país o nosso eminente correligionário dr. Getulio Vargas.
115
114
Idem, 28-2-1930.
115
Diário Popular,4-10-1930.
77
Depois do pleito, com a vitória do candidato do governo, o jornal
aparentemente aceitou a decisão das urnas, no entanto, quando eclodiu o movimento
revolucionário, tomou partido imediato pela revolução, resgatando os
antigos heróis
rio-
grandenses para justificar a luta. Em 5 de outubro de 1930 assim se manifestava:
O brado glorioso do Rio Grande, a voz altissonante da nossa brava gente
ecoou na consciência nacional como um toque marcial de clarim,
conclamando todos os patriotas para a grande obra da regeneração do país,
afim de liberta-lo do jogo dos seus exploradores. A estas horas a figura
nefanda de Washington Luis, que se havia transformado de mais alto
magistrado da nação em verdugo cruel de um povo inteiro, a estas horas deve
estar amargando o ressabio forte de todos os males, de todos os sofrimentos,
que infligiu ao povo brasileiro, e os quais voltam-se agora contra ele próprio,
como o ‘bomerang’ dos indígenas, que geralmente fere de morte aquele que o
maneja.
Em outro trecho, o jornal chamava Washington Luis de tirano, dizendo que não
teria condições de se manter por muito mais tempo no poder, o que acabou ocorrendo quando
a Revolução foi vitoriosa e o presidente deposto em 24 de outubro de 1930.
Sobre os homens que fizeram a Revolução, estava escrito:
Aqui dentro do Rio Grande assistimos à valentia de um pugilo de bravos, sob
o comando das figuras empolgantes de Octacílio Fernandes e Alcides Souza
obrigando a render-se o ultimo reduto do re0ccionarismo enquanto em Porto
Alegre, a causa liberal atinge o apogeu da sua beleza e da sua
inquebrantável nos destinos da Pátria, com a atuação de Getulio Vargas, de
Lindolfo Collor, de Flores da Cunha, de Oswaldo Aranha.Por todo o Estado e
pelo Brasil brota e se propaga incoercitivelmente um rastilho de entusiasmo e
de ardor patriótico. Ninguém recusa o seu concurso à grande causa, que
sacode em vibrações de civismo, a alma pampiana, palpitando
triunfantemente de sentimentos épicos dentro da alma nacional. Estamos na
grande hora da redenção da Pátria. É chegado o momento em que o tirano há
de ruir do poder, em que as oligarquias, o profissionalismo político, a
concussão dos dinheiros públicos, o aulicismo e o agachamento moral
deixarão de ser meios de elevação para os postos mais altos do país, para
tornarem-se, como é natural, expressões de rebaixamento em face da
sociedade honesta. É chegada a hora da queda da tirania! O Rio Grande do
Sul exulta na grande obra redentora. Para frente e para cima, Rio-
grandenses!
78
A causa revolucionária passou a ser encampada pelo jornal pelotense como
pelos demais de maneira escancarada e a exaltação dos princípios
que nortearam o
movimento, uma constante.Palavras como
tirano, usurpador e criminoso
passavam a ser uma
constante no vocabulário desses jornais para definir Washington Luis, de maneira que a
opinião pública foi bombardeada com esses termos, vindo a enxergar o presidente exatamente
assim.
O
Opinião Publica
também de Pelotas lançou em sua páginas, discursos de
apoio à revolução. Em janeiro de 1930 lemos que:
Enquanto o sr. Julio Prestes levou as hipócritas e cínicas promessas, ante
uma meia dúzia de falsos admiradores, num ambiente prenhe dum esoterismo
reacionário, como se fosse uma seita de perigosos intuitos, Getulio Vargas
tendo a terra carioca por tribuna e o céu brasileiro por anfiteatro, falou à
nação
116
.
Após as eleições de março, o jornal com a manchete:
Covardes Não!
Assim se
referia ao pleito:
Aceitamos o resultado dado pelo governo federal, obtido pela compressão,
pelo suborno e pela fraude. Seria reconhecer, dum lado que a fraude, o
suborno e a compressão são figuras ‘legalizadas’e por outro, que realmente,
o seu ‘Julinho’ tem ao seu lado a maioria da Nação que o quer, que o chama
, que o impõe à máxima opinião nacional
117
.
Aludindo aos elementos que estavam no poder, notadamente aqueles que
segundo o jornal continuavam perpetuando a fraude, argumentava:
116
Opinião Pública, 3-1-1930.
79
Aqueles que se acham contra a vontade do povo no poder, são guiados por
um espírito de facção mesquinho e odioso, e não respeitam nem reconhecem
os direitos do povo que eles vem sacrificando, quando não são mais que
mandatários desse mesmo povo, quando não passam na realidade, de
prepostos de cada um de nós, para cumprir determinadas funções que dizem
respeito aos interesses públicos.Conformarmo-nos com o resultado que eles
reclamam, com o esbulho que eles preparam, é o mesmo que proclamarmos
em alto e bom som, que não possuímos a coragem bastante de fazermos
valer os nossos direitos e que somos um povo que se deixa espezinhar com
uma humilhação sem precedentes
118
.
Nesse ponto, o resultado das eleições, o
Opinião Pública
é mais enfático que
nos demais jornais ao destacar claramente não pretender se conformar com esse resultado e,
portanto também será mais duro nos momentos posteriores. Antes mesmo do assassinato de
João Pessoa, lia-se em 16 de julho a manchete
Mussolini ou Washington Luís?
Para aludir o
episódio em que o intelectual Mario Mariani é extraditado a pedido do governo italiano. Na
sua despedida escrevia que o povo brasileiro não era livre ao que o jornal reafirmava:
Mario Mariani tem razão: não somos um povo liberto. Pesa sobre nós amais
humilhante das escravidões: a que se acoberta na hipocrisia. A escravidão
declarada é uma desventura. A que se disfarça na legalidade, como a nossa, é
mais do que isso: é uma abjeção
119
.
Com o assassinato de João Pessoa, o jornal se posicionava de maneira mais
agressiva. Em 28 de julho de 1930 trazia a seguinte manchete:
Gaúcho, onde estão os
lanceiros de 35?
numa clara provocação aos brios do povo gaúcho que deveria reagir ao
117
Opinião Pública 13-3-1930.
118
Idem.
119
Opinião Pública, 16-7-1930.
80
acontecido. Em 20 de outubro de 1930, antes mesmo de a junta governativa tomar
definitivamente o poder, lia-se no jornal:
Washington Luis, o ex-presidente da República
e em
11 de novembro perguntava:
Que castigo daremos ao Washington Luis?
.
Todas essas manchetes vinham carregadas de forte conteúdo doutrinário capaz
de mexer fortemente com a opinião dos leitores. É de destacar também que nessa fase o jornal
se apresentava como
independente
, o que talvez lhe conferisse essas atitudes.
2.2-O Movimento Constitucionalista de 1932: os enfoques
dados pelos jornais.
Passados quase dois anos da implantação do Governo Provisório, a oposição
em São Paulo levantou-se em armas contra o governo em torno da bandeira da
reconstitucionalização do país, visto que o mesmo governo havia assumido o poder com a
intenção de defender as instituições democráticas contra as arbitrariedades ocorridas na
República Velha. Assim, a revolta paulista de 1932 representou o primeiro desafio do
Governo Provisório, pois demonstrou o quanto a oligarquia, detentora de poder decisório
durante a República Velha e agora alijada do poder, era suficientemente capaz de arregimentar
forças.A Revolução significou basicamente a medição de forças entre São Paulo e o centro de
decisão política do país (o Governo Provisório de Getúlio Vargas) em torno da nomeação de
um interventor militar e pernambucano, João Alberto Lins de Barros, para governar o Estado.
Como a Revolução de 1930 havia sido feita para depurar o regime e atualizar o país, a demora
na elaboração de uma nova Constituição, fez com que as lideranças civis começassem uma
81
luta armada contra o governo, que ao assumir o poder em 24 de outubro de 1930, Getúlio
não atendeu à solicitação do Partido Democrático de entregar a interventoria de São Paulo a
seu presidente Francisco Morato, preferindo oferecê-la ao capitão João Alberto Lins de
Barros, tenente e pernambucano, atributos imperdoáveis para os paulistas. Com isso,
democratas e perrepistas (elementos do Partido Republicano Paulista) uniram-se numa frente
única que cooptaria parte da população paulista, insuflada pelas elites do estado numa ampla
propaganda contra o interventor e contra o próprio Vargas, dizendo-se humilhada com a
ocupação militar e a direção dos negócios públicos entregues a forasteiros.
A historiadora Sandra Pesavento chama a atenção também para a “crise de
hegemonia”, o período existente entre a Revolução de 1930 e a de 1932, devido a inexistência
de um grupo político que fosse capaz de monopolizar o poder, abrindo brechas que
favoreceram o projeto de centralização política desenvolvido por Vargas. Esse período que a
autora estende até 1934 ficou marcado por uma série de concessões que o próprio Vargas
precisou fazer para manter o poder
120
.
São Paulo na sua luta contra o poder federal ficou sozinho empunhando a
bandeira da reconstitucionalização que acabou vindo apenas mais tarde em 1934.Sobre o
episódio escreve Bóris Fausto:
Afinal, a 9 de julho de 1932, estourou em São Paulo a revolução contra o
governo federal. O esperado apoio do Rio Grande do Sul e de Minas não
veio. O interventor gaúcho Flores da Cunha, que hesitava, decidiu apoiar
Getúlio e enviou tropas contra São Paulo. Houve apenas uma rebelião no sul,
logo derrotada. Em Mato Grosso, o general Bertoldo Klinger envolveu-se na
articulação revolucionária, prometendo uma significativa ajuda em homens e
munição. Mas chegou a São Paulo com apenas algumas centenas de
soldados, assumindo o comando das operações militares a partir de 12 de
julho. O plano dos revolucionários era realizar uma ataque fulminante
contra a capital da República, colocando o governo federal diante da
necessidade de negociar ou capitular. Mas o plano falhou. Embora ‘a guerra
120
Cf.PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980.
82
paulista’ despertasse muita simpatia na classe média carioca, ficou
militarmente confinada ao território de São Paulo
121
Logo em seguida o autor ainda esclarece que apesar das divergências com o
poder central “as elites regionais do Rio Grande do Sul e de Minas não se dispunham a correr
o risco de enfrentar, pelas armas, um governo que haviam ajudado a colocar no poder
menos de dois anos. São Paulo ficou praticamente sozinho, contando, sobretudo com a Força
Pública e uma intensa mobilização popular para enfrentar as forças federais”. Apesar da
derrota, o movimento paulista teve ampla repercussão na história posterior do Brasil, na
medida em que demonstrou a fragilidade do regime em evitar o levante do estado paulista que
durou quase três meses. Ainda de acordo com Boris Fausto:
A guerra paulista’ teve um lado voltado para o passado e outro para o
futuro. A bandeira da constitucionalização obrigou tanto os que esperavam
retroceder às formas oligárquicas de poder como os que pretendiam
estabelecer uma democracia liberal no país.O movimento trouxe
conseqüências importantes. Embora vitorioso, o governo percebeu mais
claramente a impossibilidade de ignorar a elite paulista. Os derrotados, por
sua vez, compreenderam que teriam de estabelecer algum tipo de
compromisso com o poder central.
122
Para a historiadora Ângela Maria de Castro Gomes, o governo federal
conseguiu enfraquecer as forças paulistas:
121
FAUSTO, Boris, op cit,p.346.
122
a revolta paulista não teve efetivamente vencedores no sentido pleno da palavra, que quem teoricamente
venceu que foi o governo federal,cedeu uma série de privilégios aos revoltosos de São Paulo.
83
A vitória governamental sobre a Revolução Constitucionalista pode ser
entendida quando levamos em conta as divisões internas entre as principais
facções regionais oligárquicas que dela deveriam participar. Nesse quadro, o
governo provisório, utilizando todos os seus recursos do poder, estimula tais
cisões, permitindo o isolamento dos paulistas e sua posterior derrota militar.
A não-adesão do Rio Grande do Sul e a participação ativa de Minas Gerais
nos combates aos constitucionalistas (...) ilustram bem a alteração
substancial ocorrida nas relações entre o poder centra e estadual (via
interventores). O tenentismo, que inegavelmente ainda dispunha dos
principais cargos da administração pública, apresentava-se igualmente
cindido, principalmente no que dizia respeito as suas relações com a
oligarquia
123
.
A autora conclui seu raciocínio sobre a revolta paulista da seguinte forma:
Por tudo isso, a campanha pela constituinte acaba por transformar-se na
ponta de lança de contestação ao regime, tendo o efeito de feri-lo e obriga-lo
a toda uma reestruturação. O período da constitucionalização, que se
inaugura a partir dos meses finais de 1932, vai estabelecer uma série de
alterações nas alianças do poder e, principalmente, estimular esforços de
mobilização e organização política, tendo em vista a instalação dos trabalhos
de uma Assembléia Nacional Constituinte
124
Terminado o episódio, o governo federal empreendeu esforços no sentido de
acalmar os ânimos em São Paulo, estimulando as elites derrotadas a se reintegrarem ao
governo. A Constituição representava os anseios da sociedade civil, já para os militares
significava o retorno aos antigos vícios da República Velha. O processo, no entanto,
caracterizava uma experiência importante da liberal-democracia. A carta, porém, teve duração
efêmera, visto que promulgada em meados de 1934, esbarrou com a Lei de Segurança
Nacional de janeiro de 1935, que restringia as liberdades civis. Ainda tratando da
Constituinte, Ângela de Castro Gomes complementa, escrevendo que:
123
GOMES, Ângela Maria de Castro. “Confronto e Compromisso no processo de Constitucionalização( 1930-
1935)” In O Brasil Republicano III- Sociedade e Política. Boris Fausto (dir.)6ª ed . Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1996.p.27.
84
Sem dúvida, a Constituinte era uma imposição que o Governo Provisório
procurava absorver, tentando tirar dela os maiores benefícios, com as
menores perdas. O sucesso neste empreendimento estava, portanto,
diretamente vinculado à capacidade de o príncipe colocar sob seu controle os
rumos do processo de organização política. Havia, de fato, até uma
possibilidade de fortalecimento do poder de Vargas, que o momento de
abertura política poderia trazer um relativo compromisso entre as principais
forças em confronto, eliminando as tendências mais radicais e passíveis de
comprometer o equilíbrio e a ordem vigente. É claro que tal possibilidade
implicava uma estreita participação do príncipe em todos os arranjos
políticos do período pré-eleitoral e também do período do período de
funcionamento da Constituinte; em outras palavras implicava uma verdadeira
condução do processo constitucional por parte do chefe do governo
provisório
125
.
Com relação à revolta paulista
126
, a imprensa escrita teceu diversos
comentários. Aqueles jornais nas cidades analisadas, mais ligados ao governo federal, logo
atacaram o movimento, considerando-o subversivo, perturbador da ordem. Já os jornais de
oposição a esses, viam com certa simpatia e justiça o levante paulista. A participação do Rio
Grande do Sul no episódio respaldava essa idéia, pois enquanto o estado sulino, na figura de
seu interventor Flores da Cunha, esteve a favor do levante, os jornais legalistas do estado,
ligados ao Partido Republicano Liberal do interventor consideravam legítimas as
reivindicações em torno da reconstitucionalização do país que os paulistas pleiteavam, no
entanto, quando o chefe do governo provisório obteve o apoio do interventor na luta contra
São Paulo, os órgãos ligados ao PRL, passaram a criticar o movimento, defendendo a
contenção necessária para o fim do mesmo.A imprensa escrita passou então a condenar a
124
Idem.
125
Ibidem.
126
O termo revolta aqui, é utilizado para designar o movimento de 1932, no entanto, utilizo também a palavra
revolução com o mesmo sentido dado ao movimento de 1930, devido à facilidade na identificação do fenômeno,
sem entrar todavia no terreno do debate conceitual.
85
subversão da ordem.
Jesiel de Paula em seu estudo sobre 1932 assim se refere à importância
dos meios de comunicação na apresentação dos fatos:
A Imprensa, o rádio, as imagens não agem apenas como meios dos quais os
acontecimentos seriam relativamente independentes, mas como a própria
condição de sua existência. A publicidade forma à sua própria
produção.Acontecimentos capitais podem ter lugar sem que se fale deles. É o
fato de apreendê-los retrospectivamente que constitui o acontecimento. O fato
de terem acontecido não os torna históricos. Parar que haja acontecimento é
necessário que seja conhecido
127
.
O autor reitera as observações descritas nesse trabalho a respeito da
importância dos meios de comunicação, notadamente a imprensa escrita, na salvaguarda da
informação, o que proporciona o conhecimento da real dimensão da mesma.
Os jornais que estamos trabalhando referem-se 1932 com algumas diferenças.
Como O Rio Grande do Sul na figura de seu interventor Flores da Cunha assumiu posição
favorável a São Paulo e acabou mudando de lado posteriormente, a imprensa escrita
governista seguiu a mesma tendência, os jornais da oposição reconhecem como legítima a
bandeira levantada pelos paulistas em torno da reconstitucionalização do país.
O Tempo
se posicionava da seguinte maneira:
Não pode haver crime mais grave do que retardar assim uma obra que é
indispensável fazer, que tem de ser feita por bem ou por mal. Tão imperativa
está se tornando a urgência de novos alicerces à nossa casa que o instinto de
conservação do povo se desdobra em manifestações multiformes de norte a
sul (...) alegam os inimigos da constitucionalização que a nova Constituição
deve vir depois da obra revolucionaria estar completa. Mas se a nova
Constituição vai ser o coroamento final da revolução, quanto antes ela venha
tanto mais depressa a revolução se consolidará (...) nada existe que
justifique demora, ainda mais estando feita a prova que sem esse alicerce de
127
PAULA, Jesiel.
86
leis básicas a vida dos negócios não retomará o seu curso(O Tempo, 15-3-
1932).
em 17 de fevereiro do mesmo ano trazia um artigo assinado pelo político
José Maria dos Santos em que este considerava dever do então governo federal, convocar no
mínimo prazo possível uma Constituinte.Alfinetava no artigo escrevendo que: “(...) o povo
brasileiro é um povo sério, é preciso não pilheriar com ele muito além de uma justa
medida”.Em um outro artigo de março de 1932, lê-se no jornal:
De norte a sul,mercê dos bons fatos,vibra o povo em anseios de são
patriotismo real amando da Revolução o que ela lhe prometeu: o prestigio da
lei, que os erros passados espezinharam e os presentes estão continuando.
agora não há outro rumo a tomar. Ou a Ditadura
128
convoca imediatamente a
Constituinte ou fará desencadear a própria impopularidade. A Frente Única
de São Paulo é sintomática no caso.Cumpre, porém, deixar claro que os
dois partidos políticos que acabam de unir-se não pretendem combater a
revolução como maldosamente se disse em telegramas ao chefe do governo
provisório ,mas isto sim -trabalhar pela grandeza do Brasil,promovendo uma
arrancada nobre de esplendido vigor patriótico e intenso civismo que é a sua
imediata constitucionalização
129
.
O
Tempo
assim, assumia a bandeira da reconstitucionalização como
fundamental para o país. Ainda em março do mesmo ano o artigo de Romero Rothier Duarte
destacava a questão da liberdade da imprensa escrita e de como alguns governos
desrespeitavam esse órgão de comunicação. O artigo colocado no jornal nesse momento de
intensas discussões em torno da reconstitucionalização do país é absolutamente sintomático,
128
É importante observar a conotação que tem à época a palavra Ditadura diferentemente da visão pejorativa que
temos hoje.Para Paula no Diccionario Contemporâneo de Língua Portugueza de Caldas Aulete, o mais
conceituado do período, a palavra ‘ditador’ representava todo indivíduo que, temporariamente, detinha o poder
absoluto. “Ditadura:O Governo, a autoridade do Ditador.Nos modernos Governos Representativos, o exercício
temporário e anormal do Poder Legislativo pelo Ministério ou Poder Executivo”.Tudo leva a crer que oi termo
87
porque não deixa de representar a opinião do próprio jornal sobre a sua atividade que é a de
veicular as notícias. Para Romero Duarte:
No Brasil, a mania de mandar é quase uma doença. De modo que um
indivíduo qualquer, guindado por faz ou por nefasto às alturas
administrativas, entende logo, por falta de compreensão do que seja a boa
política que esses quarenta milhões de brasileiros malmente distribuídos por
todo um território imenso,sem vias de comunicação, sem escolas e sem
conforto na vida,lhe devem vassalagem irrestrita e obediência cega. Por
isso é que de vez em quando surge a tolice da rolha aos jornais
independentes, como se fosse possível tapar o sol, com a peneira
130
Dessa forma, mesmo através de um artigo alheio à editoria do jornal existe
uma mensagem sendo passada que o leitor e analista dessa imprensa precisa observar, ou seja,
a da crítica veemente à coerção dos órgãos de imprensa.
O
Rio Grande
reproduz o artigo da
Federação
intitulado
Ainda é tempo
que
diz:
Não é possível que a Nação continue a padecer, por mais tempo as vacilações
em que vivemos. Os justos interesses do povo exigem e impões que se
estabeleça, finalmente um paradeiro a essa situação de angustia e tortura
generalizada em que meses nos debatemos, presos neste imensurável e
famoso deserto de idéias e de homens, à miragem de uma transformação
sempre próxima e sempre fugidia
131
.
Em outro artigo do mês de junho lemos:
Digamos as coisas com franqueza e clareza que a gravidade do momento
impõe.Até agora as ponderações do Rio Grande não foram ouvidas pelo chefe
do governo provisório. O que se quer de nós é a adesão à pessoas. O que nos
queremos dar e daremos é o nosso apoio militante a uma definição de
Ditadura não possuía na época a conotação pejorativa,depreciativa e consensualmente indesejável que
atualmente emprestamos ao termo(PAULA, op cit,p.68)
129
O Tempo, 29-3-1932.
130
O Tempo, 23-3-1932.
131
Rio Grande, 27-6-1932.
88
princípios dentro da qual se aquiete o espírito público e o país para retornar
o ritmo da sua vida normal
132
.
O
Rio Grande
aparecia como sendo o mais enfático defensor da campanha pela
reconstitucionalização e isso se devia à sua defesa do governo do estado na figura de Flores da
Cunha. As posições do jornal seguiam as do interventor quando esse se colocava
favoravelmente aos paulistas e a causa levantada por eles, depois quando recuou na sua
posição e se colocou ao lado do Governo Provisório, atacou a revolta.Passado o episódio, o
jornal passou a se intitular
Órgão do Partido Republicano Liberal
, partido esse criado por
Flores da Cunha e Oswaldo Aranha no estado para dar sustentação ao governo federal.
O
Rio Grande
passou dessa forma, a reproduzir as nuances da política. Apoiou
o interventor Flores da Cunha em defesa da campanha pela reconstitucionalização do país,
ficou ao lado do governo provisório quando o estado voltou a apoiá-lo. Apresentou-se como
órgão do partido do situacionismo gaúcho depois de 1932 para mais adiante, com o advento
do golpe de 1937 ser, como os demais órgãos,
enquadrado
pela política repressora do Estado
Novo. Diferentemente de outros jornais do estado, que tinham vinculação com o PRR (Partido
Republicano Rio-grandense) e PL (Partido Libertador) entre eles a
Gazeta do Alegrete
e
o
Correio do sul
de Bagé respectivamente,
O Rio Grande
logo adotou o novo partido e isso de
deveu principalmente ao fato de que tanto em Bagé quanto em Alegrete, cidades da região da
campanha, o reduto político dos antigos partidos era mais forte, enquanto que Rio Grande,
cidade de grande trânsito portuário, o poder desses partidos era mais fluído.
Num quadro regional, podemos traçar um panorama do estado em que as
regiões mais tradicionais são a região da campanha pela forte ligação com os antigos partidos,
PRR e PL, a Serra por ter um desenvolvimento mais à parte do resto do estado em que o
Staffetta Rio-grandense
de Caxias do Sul-Garibaldi, continuou, na década de 30, a ser escrito
132
Rio Grande, 30-6-1932.
89
em língua italiana e a região central com a cidade de Santa Maria e seu jornal
A Razão,
também ligada aos antigos núcleos partidários. A região sul do estado, por outro lado
absorveu mais rapidamente a idéia de defender um novo partido que atendesse aos reclamos
da política que se apresentou depois de 1932, refiro-me ao Partido Republicano Liberal (PRL)
e isso fez muito claramente o Rio Grande.
O
Correio do Povo
por sua vez, destacava em de março de 1932 o
empastelamento do
Diário Carioca
por um grupo de tenentistas que se sentiam ameaçado
pelos artigos do jornal. Lê-se na chamada:
Generaliza-se por todo o país um movimento de
protesto ao vandálico assalto do dia 25, uma crítica ao
fato. Referindo-se ao protesto da
Associação Brasileira de Imprensa sobre o acontecido, o jornal esclarecia:
A diretoria da Associação Brasileira de Imprensa reunida em sessão
permanente depois das soluções que adotou, redigiu a seguinte nota que foi
distribuída aos jornais: a Associação Brasileira de Imprensa, que tem por
dever precípuo e indeclinável defender e sustentar a liberdade de imprensa,
sem prejuízo das responsabilidades legais pelos abusos praticado, condena
com veemência o inqualificável atentado contra o Diário Carioca e espera
que as medidas tomadas pelos responsáveis pelas liberdades publicas
resultem no sentido de ser reparada semelhante afronta à consciência
jurídica nacional- Em conseq6uência positivando a sua mágoa e a sua
revolta, resolve, unanimemente, a diretoria de A.B manter-se em sessão
permanente, hastear a sua flâmula a meio pau, representar ao chefe do
Governo Provisório protestando, contra o atentado e à Imprensa em geral
especialmente aos diretores do Diário Carioca, expressando toda a censura
pelo ato de violência ao mesmo tempo que lhes hipoteca inteira
Solidariedade, extensiva aos seus redatores e demais auxiliares.
Chamava a atenção sobre as atitudes dos acadêmicos cariocas, da imprensa
paulista e dos gráficos baianos sobre o atentado que significou uma chama acesa para e
eclosão da revolta paulista.No período que se seguiu, o jornal destacava a necessidade da
pronta reconstitucionalização, destacando a exemplo de
O Tempo
a questão do problema
federalista no Brasil ou do perigo que a demora em implantar o processo constitucional
90
representava para os estados.Considerava importante a formação de um partido nacional em
matéria do dia 6 de abril de 1932, comentava a lentidão do processo constitucional em artigo
intitulado
Constituição por prestações
em trinta de abril de 1932.
Quando ocorreu a revolta, o jornal passou a descrever diariamente os
acontecimentos do campo de batalha e quando desenvolveu-se o processo constitucional, o
periódico deu ampla cobertura às discussões que a Constituinte travou como: a representação
de classes, o Código Penal e o voto feminino. Dessa forma, o
Correio do Povo
manteve uma
linha bastante parecida com a que tem atualmente, ou seja, a tentativa de imparcialidade,
quebrada em termos naqueles momentos de maior turbulência política.
O jornal
Diário de Notícias
fez referências mais diretas ao governo federal
através de seus editoriais ou dos elementos que escreviam nele.No artigo intitulado
Ditadura
Beócia
do dia 3 de julho de 1932, o político Macedo Soares escrevia assim:
Ninguém contesta a inteligência e perspicácia e a malicia do sr. Getulio
Vargas que ganhou o campeonato de certos jogos de espírito postos na
moda pela Revolução, denominados generosamente de confucionismo,
tapeação,etc.Entre os recursos intelectuais do nosso ditador não se
conta,porém, o humor dos ingleses ou o ‘pince sans rire’ dos franceses.O sr.
Getulio Vargas confunde, tapeia, é certo, mas é sério.É que o ditador não
tapeia e confunde para divertir o publico, mas para tirar proveito certo da
política.Quando os leitores de jornais encontram em suas folhas preferidas
um dos números do sr. Getulio Vargas,podem ficar certos que os elementos
do golpe foram estudados meticulosamente, nada se deixando correr à
revelia. Todas essas considerações excluem, portanto, um erro grosseiro,
uma infantilidade ou um simples deslize no jogo de mão do ditador Getulio
Vargas que se respeita suficientemente para não se perder com uma
declaração extravagante e monstruosa, capaz de provocar hilaridade
Na seqüência do artigo Macedo Soares aponta os rumos que tomou a ditadura
de Vargas e porque acabou gerando a revolta paulista. Para ele:
91
Há, porém, em certos malabaristas políticos um excesso de confiança na
própria habilidade que acaba por se constituir num ‘forte-fraco’ ameaçando
perde-la. À força de embrulhar e tapear o sr. Getulio Vargas concluiu
considerando-se um ditador beócio. Na nossa inteligência e na nossa
sutileza, a perspicácia do chefe do governo perdeu-se toda, até permitindo
abusos que chegam a ser verdadeiras impertinências.. O sr. Getulio Vargas
está farto de saber que o grave dissídio entre a opinião nacional e o
governo, que levou os grandes Estados como o Rio Grande do Sul, Minas
Gerais e São Paulo a retirarem o seu apoio à Ditadura, originou-ser do
privilégio da influencia militarista a que se submeteu inexplicavelmente o
sr. Getulio Vargas, faltando a todos os solenes compromissos da Revolução
que os homens políticos de fato fizeram, transviada nos atalhos da
ignorância e da inexperiência de uma rapaziada extremista. A Revolução
perdeu o contato com as reivindicações que lhe deram corpo, com os ideais
que a impulsionaram, com as aspirações que lhe serviram de programa
133
.
Mais adiante o autor enfatizava que com essa atitude Vargas provocou um
incêndio de ambições, rebaixando as funções políticas e administrativas, bem como os
conselhos do governo. Através desse artigo, o jornal estampava a posição de um político
influente como era Macedo Soares, assumindo todas as possíveis conseqüências que
pudessem advir dessa atitude. Nos meses seguintes, o jornal seguiu descrevendo os
desdobramentos da revolta e o seu desfecho. A Constituinte de 1933 e Constituição de 1934
também ocuparam amplo espaço no periódico que não deixou de dar destaque aos futuros
atos de censura à imprensa escrita. Comparativamente com o
Correio do Povo
,
O Diário de
Notícias
era mais direto nas suas informações e bem mais crítico em seus posicionamentos,
não deixando porém, de realinhar-se às diretrizes que a própria política apontava depois,
visto que, como os demais dependia da concordância do governo para continuar existindo
em momentos de exceção como no pós-37 por exemplo.
O
Opinião Pública
relatava os acontecimentos referentes á revolta paulista de
maneira mais cnica não aprofundando muito a discussão em torno das razões dos
133
Idem.
92
paulistas.Considera, no entanto, que a revolta teria sido agitada por elementos comunistas.Em
agosto de 1932, assim se manifestava :
Informações aqui chegadas de Belo Horizonte confirmam a grave situação da
capital paulista, agitada por elementos comunistas. Viajantes recentemente
entrados na capital mineira, com procedência de São Paulo, confirmam,
também, a decretação da lei marcial, na Paulicéia.O bairro industrial do
Braz foi ocupado militarmente por numerosos contingentes de acadêmicos e
voluntários do interior do Estado, com o objetivo de prevenir qualquer
manifestação hostil do operariado, que parece se realizou efetivamente, a
pesar daqueles preparativos .Na cidade, entre outros gêneros, faltam
gasolina, sal e açúcar. As fabricas não trabalham, nem mesmo para o
governo revolucionário, achando-se todas fechadas
134
.
Note-se que a partir de julho de 1932, o jornal passou a se apresentar como
Órgão dos interesses gerais
demonstrando objetivamente se mostrar isento de qualquer
posição política. Durante o mês de agosto, apenas relatou os acontecimentos do front e
tratou da futura constituição, dando ênfase aos trabalhos da comissão que elaborou o ante-
projeto constitucional. Destacou um artigo do
Correio da Man
do Rio de Janeiro que
escrevia que: ao assinar o decreto sobre a convocação da Constituinte, o Governo
Provisório cessará os direitos políticos de grande numero de representantes das oligarquias
posta abaixo pela revolução, bem como dos chefes do movimento de São Paulo, parecendo
que o numero atingira a mais de 6 centenas”.
135
O levante paulista não era visto como bons olhos pelo
Opinião Pública
e isso
percebemos pelas reservas com que se referia ao movimento. Logo após a eclosão desse, em
11 de julho de 1932 podemos ler
O Governo Provisório, prestigiado pelas forças armadas e
pelos Estados conta dominar a situação.
Nos acontecimentos seguintes relacionados à
Constituinte e futura Constituição, o jornal voltou a ter uma posição mais crítica,
questionando em junho de 1933,o papel da imprensa na Nova República e em janeiro de 1934
93
com a manchete
Voltou a Censura,
à falta de liberdade com que a imprensa passou a se
deparar, sendo essa atitude do governo, atacada veementemente pelo periódico.
O
Diário Popular
por sua vez, tratou da questão através da ótica do jornal
porto-alegrense
A Federação
. Seus artigos
A Revolução e a Ordem, O Constitucionalismo,
Pela Constitucionalização do País
versam sobre a necessidade da imediata
reconstitucionalização.Nesse último lemos:
A formosa oração proferida, no Rio de Janeiro, pelo ilustre ministro Oswaldo
Aranha, é um documento à altura das inteligências, da cultura e do
patriotismo do valoroso republicano(...)o sr. Oswaldo Aranha,coordenador
infatigável e eficiente das forças que se conjugaram para o levante armado,
aparece no período de reconstrução nacional como um espírito forte que,
com boa claridade, e de animo resoluto, põe as questões em seus termos
precisos, valendo a sua atitude de agora, como o foi a de ontem, por um
nobre estimulo para que governos e governadores prossigam sem
desfalecimentos nas realizações por que aspira o povo brasileiro
136
.
O jornal com essa entrevista do ministro Oswaldo Aranha apoiava a questão da
reconstitucionalização do país, mas como outros periódicos não demonstrava simpatias pela
causa paulista e isso se devia à histórica rivalidade entre os dois estados que remontava à
República Velha. A questão constitucional, no entanto, era vista como sendo passível de
discussão.
o
Staffetta Rio-grandense
relatou os acontecimento de são Paulo de uma
maneira distante, reproduzido as notícias dos jornais do sudeste do país e do Correio do Povo.
Podemos ler no jornal em 20 de julho de 1932:
134
Opinião Pública, 23-8-1932.
135
Correio da Manhã, 27-10-1932.
136
Diário Popular, 30-12-1931.
94
É iniciada uma nova revolução em São Paulo. A revolta é comandada pelo
general Isidoro Dias Lopes e pelo coronel Euclydes de Figueiredo(...) no
nosso estado o movimento não teve repercussão. As altas autoridades civil e
militar, general Flores da Cunha e general Andrade Neves se mantém fiéis ao
governo Provisório , com ao apoio absoluto da força armada da união e do
Estado. Forças rio-grandense do Exército e da Brigada estão avançando pelo
Paraná seguindo ordens diretas do comando desta região .
O jornal publicou ainda, um manifesto do general Flores da cunha em que esse
se dizia surpreso com o movimento paulista e declarava-se fiel aos deveres de delegado do
governo Provisório
137
.
A crise paulista atingiu fortemente a imprensa escrita de modo que os jornais
de fora do eixo Rio - São Paulo tiveram com o movimento atitudes menos apaixonadas. Em
outras palavras podemos dizer que a causa era nobre, a maneira como São Paulo agiu fez com
que os outros estados abominassem a causa revolucionária, até porque o grande temor era o do
retorno à política da República Velha. Entre apoiar um governo, mesmo sem respaldo
constitucional e ficar ao lado dos paulistas numa revolta que pudesse descambar para o
retorno da política dos grandes estados, a ampla maioria preferiu a primeira opção. A
imprensa do Rio Grande do Sul, portanto, permaneceu ao lado do governo Provisório.
2.3. O ano de 1933, as eleições constitucionais, os debates
parlamentares.
137
Note-se que o general Flores da Cunha apoiou São Paulo na sua luta pela pronta reconstitucionalização do
país, mas quando o processo descambou para a luta armada preferiu ficar ao lado do governo Vargas. Cf.
CARAVANTES, Rejane. A crise política de 1932 no RS: o papel de Flores da Cunha. Dissertação apresentada
ao curso de Pós-graduação em História da PUCRS,1988.
95
Depois de derrotado o movimento paulista, o governo provisório decretou a
data da realização de eleições para a Assembléia Nacional Constituinte para maio de 1933, o
que de fato ocorreu, impulsionando a participação popular e a organização partidária.
Surgiram muitos partidos nos Estados, alguns com bases reais e outros sem qualquer
consistência. Com exceção dos comunistas na ilegalidade e da Ação Integralista, não se
chegou a formar partidos nacionais.
138
Com relação ao ano de 1933:
O Tenentismo foi-se desagregando como movimento. Não conseguira
transformar o Estado no seu partido, fracassara ou fora cortado nas
tentativas de obter uma base social, perderas forças no interior do Exército,
onde ameaçava a hierarquia. Entre 1932 e 1933, vários interventores
tenentistas do Nordeste se demitiram. O clube 3 de outubro- principal centro
de organização dos “tenentes”- tendeu a transformar-se em um “órgão
doutrinário, livre de demagogia”, como disse com satisfação o general Góis
Monteiro. Uma parte dos “tenentes” subordinou-se ao governo Vargas,
enquanto outros foram engrossar os partidos de direita e de esquerda
139
.
As elites regionais viram nesse processo a possibilidade de retornarem ao poder
como força que eram antes de 1930. Suas expectativas, entretanto, malograram, pois a
sonhada Constituição foi sendo aniquilada a partir do início do ano de 1935.Sobre a
Constituinte, Ângela de Castro Gomes afirma:
Que para a convocação da Constituinte de 1934 influíram decisivamente as
pressões de setores que, mesmo tendo realizado a revolução de 1930,
encontravam-se marginalizados do aparelho de estado. Transcorridos dois
anos do governo de ‘arbítrio’, diversas facções políticas radicalizaram suas
demandas pela constitucionalização, levando o país a uma guerra civil.Desta
forma poderíamos caracterizar a Constituinte de 1934 não como um fruto
da revolução e sim como uma exigência da contra-revolução. Num primeiro
momento, portanto, a luta pela constituinte vai funcionar como pólo
aglutinador, reunindo desde elementos explicitamente contrários à Revolução
138
FAUSTO,op cit,p.351.
139
Idem,
96
de 1930, até elementos nitidamente revolucionários, dentre os quais
figuravam até mesmo partidários do governo Vargas. Somente num segundo
momento é que o governo provisório encampa esta proposta, esvaziando-a de
seu conteúdo oposicionista e colocando-a como intenção legítima de toda a
nação, defendida e encaminhada por aqueles que estão no poder,
particularmente o próprio Vargas
140
.
A Constituição de 1934 foi assim, o coroamento das aspirações da liberal-
democracia, mas o processo rumo à centralização política estava em franco
desenvolvimento.
A imprensa escrita trata a questão da constituinte e Constituição de 1934 de
maneira relativamente ampla. Os jornais do período dão amplo destaque aos debates
parlamentares. Todos os jornais aqui pesquisados são unânimes na defesa da Constituição, o
que mudou foi o maior ou menor espaço dado a questões como a eleição do presidente, a
representação classista entre outros temas. A imprensa do interior continuou reproduzindo
artigos da imprensa da capital que por sua vez trazia artigos dos jornais da imprensa do Rio de
Janeiro e de São Paulo. A percepção da linha editorial dos jornais do Rio Grande do Sul e do
interior passou dessa forma, pela identificação dos artigos e da divulgação dada a eles, já que
um maior ou menor espaço a determinada notícia por exemplo, é um indício do pensamento
que permeia a editoria do jornal. No que tange aos debates parlamentares o foco maior ficou
por conta da eleição para presidente da República, que os trabalhos da Constituinte
acabaram invertidos para priorizar a eleição de Vargas. Outros pontos também foram muito
visados como a lei de imprensa que atingia diretamente os jornais e a discussão em torno das
ditaduras que alguns periódicos apontavam, davam o tom da discussão daquela constituinte
que gerou uma Constituição liberal-democrática inserida em um contexto político
internacional que apontava para a germinação dos fascismos europeus como forma de
responder ao quadro de falência da mesma liberal-democracia após a crise de 1929
140
Gomes, Ângela de Castro, op cit,p.12-13.
97
O
Correio do Povo
não fugiu ao seu estilo de tentar ser o mais imparcial
possível nas questões de política nacional, No entanto, algumas chamadas fazem
questionamentos que alfinetam o governo como, por exemplo, a de 12 de janeiro de 1933 com
o título
Vai ser adiada a convocação da Constituinte?
Em que denotava o ambiente de
agitação depois da Revolução Constitucionalista de 1932 em que os olhares se voltaram para
o governo esperando dele que cumprisse a promessa feita de pronta reconstitucionalização do
país. Ainda lê-se na referida nota:
Desde alguns dias vem se falando na possibilidade de ser prorrogada a data
para as eleições à Constituinte, em virtude da escassez de tempo necessário
ao alistamento de um número de eleitores que possa exprimir, naquele pleito,
a vontade da nação, na escolha de seus legítimos delegados. Hoje tivemos
ensejo de nos aproximar de pessoas que privam nas altas rodas
governamentais e ouvimos que o governo se havia capacitado da
impossibilidade de conseguir-se um número de eleitores que expressassem o
sentimento nacional, se as eleições se realizarem na data pré-fixada e, por
isso, acrescentou o nosso informante, o Sr. Getúlio Vargas teria
providenciado no sentido de ser provisoriamente revigorada, em parte a
Constituição de 91.Disse ainda o referido informante que, uma vez adotada
pelo governo essa resolução, seria logo baixado decreto prorrogando por seis
meses à época daquelas eleições.Alguém do mesmo grupo em que nos
achávamos observou que talvez essa prorrogação fosse demasiada achando
que três meses, no máximo quatro, bastariam para formar uma massa
eleitoral significativa. Ao sairmos dali obtivemos outra notícia a esse
respeito, segundo a qual já estaria em mãos do senhor Maciel júnior o
projeto da Constituição provisória, que ele próprio anunciou ao assumir a
pasta e que, em breve, mandaria publicá-lo para receber sugestões.
As eleições acabaram ocorrendo na data prevista, visto que, uma prorrogação
acabaria caindo muito mal para o governo.O articulista Waldemar de Vasconcellos que
costumava escrever para o jornal destaca em um artigo o livro de Francisco Cambó,
As
Ditaduras
onde este escrevia um capítulo intitulado
Origens e males das Ditaduras
em que
fazia uma análise dos prejuízos deste regime político para os povos que tinham de suportá-
lo.É, dessa forma, sintomático e importante esse artigo para a percepção do ambiente político
98
que cercou a Constituição de 1934 ou seja, de apego incondicional à Democracia como forma
de responder aos anseios da sociedade isso no plano interno pois internacionalmente os
ânimos estavam começando a respirar os ares dos autoritarismos tão em voga na segunda
metade dessa mesma década. Ainda sobre o artigo, Vasconcellos assim se manifestava:
As Ditaduras, livro de cultura de que damos notícia neste artigo, reúne as
aprofundadas meditações do seu autor à margem do panorama mundial
hodierno. Não é polêmica, é estudo imparcial e de mestre. Trabalho de
doutrina tem por objetivo esclarecer e educar. O pensador que o redigiu crê
nos benefícios da Democracia, renovada, segundo as exigências da
atualidade política. Não exita em concluir que até as boas ditaduras são
nocivas, e, quanto mais prolongadas, mais pesada a herança que elas deixam.
Remédio heróico e excepcional devem ser, quando de todo inevitáveis,breves
como as operações cirúrgicas. Mas, felizes dos povos que delas não
precisam
141
.
O
Correio do Povo
foi percebendo o ambiente de agitação em torno da
Constituinte bem como a quantidade de boatos que eram criados em volta de seus trabalhos,
no entanto, utiliza-se como os demais jornais do estado, do expediente de referendar os
jornais do Rio e de São Paulo para apresentar os fatos como por exemplo: “
O jornal A Nação
do dia tal escreveu que ... , Conforme o jornal do comércio de ontem... ou ainda O Diário
Carioca escreve nas suas páginas que...” Os jornais seguem dessa maneira apresentando
através dos seus correspondentes as notícias veiculadas em outros jornais, no entanto, a
análise que se fazia de cada um não ficava invalidada na medida em que a própria seleção do
que aparecia no jornal demonstrava um juízo de valor, ou dito de outra forma, o jornal
acabava expondo o seu ponto de vista capitaneado pelo outro, ou ainda, quando não
concordava com ele, argumentava na apresentação da notícia. Em 25 de julho de 1933, com a
141
Correio do Povo, 14-7-1933.
99
chamada
Temores infundados
, o
Correio do Povo
aludia o jornal
A Nação
do Rio de Janeiro
que fazia a defesa do chefe do governo Provisório contra os boatos sobre divergências
políticas, movimentos armados e dissidências militares, observando que Vargas estaria com o
controle da situação, referência à interventoria paulista que havia demandado deflagração
de um movimento armado. Daí para frente os jornais iriam se ocupar da Lei de Imprensa que
aparecia em vários deles. O Diário de Notícias em fevereiro de 1934 apresentava a seguinte
chamada
Avoluma-se o movimento contra a censura à Imprensa
onde o deputado constituinte
Henrique Dadsworth relembrava a defesa antiga dos políticos gaúchos entre eles Getúlio
Vargas contra a censura à imprensa quando ocorreu no Rio Grande do Sul o fechamento do
jornal
O Libertador
. Outro assunto bastante em voga era a escolha do presidente da República
que acabou sendo feita pelos Constituintes antes mesmo da promulgação da futura
Constituição. O
Correio do Povo
destacava em abril de 1934 a agitação em torno da escolha
do presidente e do pré-lançamento da candidatura Góis Monteiro. Acabou, entretanto,
prevalecendo a fórmula dos políticos mais influentes, ou seja, a da retirada das candidaturas e
o lançamento da candidatura de Vargas à presidência. Em julho do mesmo ano apresentava
um artigo do
Diário de Notícias
do Rio de Janeiro intitulado
Primeiras Decepções
em que
transcrevia os seguintes trechos:
Nestes poucos dias, a partir da sua posse, o senhor Getúlio Vargas está
confirmando que não era o presidente que a República
exigia.Constitucionalizando o Brasil, caberia ao governo entregar-se
imediatamente ao trabalho, regularizando a situação nacional gravemente
comprometida pela ditadura. Deveríamos ter um governo de linhas definidas,
propósitos firmes, ação pronta. Completamente exausto em razão de
sucessivas crises, colapsos deprimentes, abalos constantes, frouxidões e
capitulações intermitentes, tudo denotando autoridade fraca e competência
nula, no chefe decorativo do poder, o país reclamava alguém que, pra tomar-
lhe a direção, enfeixasse em si os atributos de energia e de caráter urgidos
pelas circunstâncias desta hora ainda dominada por incertezas e riscos
142
142
Correio do Povo, 25-7-1934.
100
Mais adiante, o jornal continuava tecendo comentários a respeito da situação
nacional e o
Correio do Povo
assim transcrevia:
O ministério deveria estar organizado desde o dia da eleição. Conviria que o
formassem, sem discrepância, homens cuja capacidade e experiência à Nação
conhecesse. Far-se-ia necessário renomear interventores, substituindo
alguns, de tradições facciosas. O país imediatamente sentiria que havia
governo realmente novo e que os rumos racionais da administração e na
política podiam ser, enfim, seguidos sem os hiatos, as confusões e os
atropelos que marcaram o nosso áspero calvário sob a ditadura. Preferiu,
porém, conservar o sr. Getúlio Vargas no ápice do poder público, sem
considerar que era um homem gasto, roído, batido, sovado por hábitos
condenáveis, processos inferiores e idiossincrasias enervantes no exercício
da função política e administrativa, na qual em três anos revelou aptidões
para atrapalhar a vida no Brasil
143
O jornal carioca chamava a atenção para as mudanças necessárias a um Brasil
constitucional que deveria expulsar de vez todos os resquícios da ditadura, mudando para isso,
pessoas e hábitos e ingressar em uma nova era de democracia. O
Correio
ao referendar tal
pronunciamento, sem uma explicação em contrário, acabou assumindo essa mesma postura.
Ainda em junho de 1933 um artigo do jornal
Opinião Pública
chamava a
atenção para a liberdade de imprensa em ambiente bastante propício para isso, ou seja, o da
preparação da Constituição de 1934. Lê-se nele:
Alguns jornais reclamam da falta de liberdade. Citam o manifesto de
setembro como também a plataforma do Sr. Getúlio Vargas que diziam que as
leis compressoras seriam revogadas porque a anistia sem elas seria uma
medida incompleta. A campanha cívica contra os candidatos de Washigton
Luís, liderada pelo Rio Grande, Minas e Paraíba, recebeu o amparo da
Imprensa e a Revolução de 1930 deve aos jornalistas o dinamismo de sua
143
Idem.
101
vitória. Sem eles o movimento seria um fracasso ridículo... o sr. Getúlio
Vargas, no discurso que pronunciou no banquete que lhe ofereceu a
Imprensa, enalteceu- O sr. Oswaldo Aranha, quando ministro da Justiça,
reunindo no gabinete do sr. Batista Luzardo os representantes da Imprensa,
disse que cada jornalista deveria se considerar membro do governo e que este
não dispensaria a colaboração nobre e eficaz dos homens da pena. Mas as
palavras passam e os fatos ficam.... A imprensa continua ser membro do
governo e a Associação Brasileira de Imprensa já solicitou ao chefe do
governo liberdade para a nossa profissão. Continuamos, porém, a ser uma
espinha na garganta dos revolucionários em pagamento do muito que fizemos
pela vitória da Revolução
144
Já em 30 de janeiro de 1934, o jornal recebia o ofício:
Ilmo.sr. diretor da opinião Pública. De acordo com instruções do sr. Chefe de
polícia, comunico o restabelecimento da censura para esse jornal. Esta
delegacia determinou ficar o serviço de censura a cargo do sr. José
Bernardino de Souza, o qual transmitirá a esse jornal o modo pelo qual se
deverá conduzir. Saúde e fraternidade. Demócrito Alves Sattamini, Delegado
de Polícia.
Obviamente ao jornal estava o governo, respondendo aos ataques sofridos.
Porém, 1934 ainda não era, o ano crítico da censura à imprensa como se verificaria mais tarde.
2.4- A Constituição de 1934, os embates políticos, a visão da
Carta Constitucional que a imprensa gaúcha apresentava.
144
Opinião Pública, 28-6-1933.
102
O processo histórico que gerou a Constituição de 1934 apresentou algumas
nuances importantes que foram desde as discussões em torno da nova carta constitucional até
a finalização dos trabalhos que deram origem a um texto marcado por algumas contradições.
A marca inicial que desencadeou esse movimento pode ser detectada na
Revolução de 30 e em seus objetivos, dos quais destaca-se a moralização do sistema político
matizado pelas fraudes eleitorais, voto a descoberto, verificação de poderes, entre outras
coisas. A Liberal-Democracia pretendia reenquadrar a política nacional, bem como a ordem
jurídica abalada por uma estrutura recheada de arbitrariedades em que uma coalizão entre os
maiores estados da federação, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do sul e Bahia ditava as
regras do jogo. Dessa Forma, falar em exercício democrático durante a República Velha
(1989-1930), significava não levar em conta a grande massa da população marginalizada do
processo político.
Na década de 20, o Brasil passou por modificações profundas que abalaram
sua dinâmica de organização. A eclosão do Movimento Tenentista, a incorporação das
camadas médias urbanas da sociedade ao conjunto da política nacional e a crise econômica
que se seguiu à queda da Bolsa de Nova Iorque fizeram com que a política nacional,
influenciada pelo contexto internacional, adotasse padrões de comportamento que se
inclinassem mais para o autoritarismo como forma de responder satisfatoriamente a um
modelo de Liberalismo que foi incapaz de absorver as crises econômicas mundiais.
O que se verificou a partir de então foram os recrudescimentos dos
autoritarismos na Europa e América onde a tônica passou a ser a intervenção cada vez maior
dos Estados em suas economias, de forma a salvaguardar as sociedades de outros choques
iguais ou piores aos de 1929.
No Brasil mais precisamente, a década de 30 iria conhecer uma crescente
centralização política que desembocou no Golpe de 1937, que desde o início da mesma
103
década foram tomadas medidas no sentido de reconhecer a existência do proletariado,com leis
trabalhistas posteriormente propagandeadas pelo governo. Dessa forma, a questão operária era
agora assunto do governo que ditava as regras tanto para patrões como para operários. Os
primeiros concordavam devido à necessidade de “controlar” as massas, suas aspirações e lutas
latentes desde a fundação do PCB em 1922.
Quando se abriram os debates em torno da Constitucionalização do país
como forma de legitimar os princípios da Revolução de 30, o cenário político estava bastante
conturbado com as várias tendências querendo abocanhar para si as maiores parcelas de poder.
As oligarquias tradicionais alijadas com a revolução, disputavam espaço com os tenentes que
dominaram o mesmo cenário de 1930 a 1932 . Vargas que na época ocupava o governo
provisório inclinou-se para o grupo tenentista até a Revolução Constitucionalista de 1932
para, em seguida voltar-se para o lado das oligarquias. Mantinha-se assim no poder, graças a
impossibilidade desses grupos em responderem satisfatoriamente à ocupação do poder. O
presidente interferia nos trabalhos da assembléia Constituinte e elegeu-se com o voto da
mesma em 1934.
A carta Constitucional apresentou inovações como o voto universal
direto e secreto, responsabilidade dos ministros de Estado perante a Assembléia, mas por
outro lado continha dispositivos que delegavam grandes poderes ao Executivo como a
intervenção federal nos negócios estaduais. Um ponto polêmico nos debates foi a questão da
representação classista defendida pelos tenentes que acabou incorporada ao texto
constitucional apesar da contrariedade dos setores dominantes. Devido à multiplicidade de
interesses envolvidos na Constituinte de 33-34, o que resultou foi uma Constituição que
pretendia atender a todos sem conseguir seu intento. Abria formalmente espaços aos setores
da sociedade marginalizados, coibindo-lhes imediatamente a ação.
104
A Constituição de 1934 teve duração efêmera, visto que no início do ano de
135 foi decretada a Lei de Segurança Nacional que foi o mecanismo utilizado pelo governo
para “conter” os excessos dos grupos de oposição. A partir de então, sucessivos estados de
sítio iriam marcar o cenário político definitivamente fechado com o Golpe de 1937.
Depois de promulgada a Constituição, a euforia para a escolha dos
representantes estaduais e federais tomou conta do cenário político gaúcho e as antigas
facções trataram de retornar ao poder nos municípios. Em Alegrete a
Gazeta
conclamou os
eleitores a voarem na Frente
Única. Podemos ler no jornal:
Ao dirigir-nos ao valoroso povo de Alegrete, pedindo os seus votos para os
candidatos da Frente-Única, sabemos de antemão que o nosso apelo
encontrará eco em todas as consciências livres, ainda não contaminadas
pelos germens que tentaram desagregar os partidos tradicionais do Rio
Grande . A certeza desta afirmativa repousa na convicção em que estamos
que o povo rio-grandense compreende perfeitamente as razões da atitude da
Frente-Única, após os dramáticos sucessos que se seguiram ao 9 de julho de
1932. Responsáveis que eram os Partidos Libertador e Republicano pelo
advento do governo oriundo da revolução de outubro, não podiam os seus
dirigentes concordar com os desvios do programa anteriormente traçado, sob
pena de passarem aos olhos da Nação como mistificadores vulgares da
opinião pública
145
.
O jornal fazia, assim referência ao Partido Republicano Liberal fundado por
Flores da Cunha no Estado após a revolução de 1932.A atitude hostil da FUG foi parcialmente
apaziguada com um acordo em 1936. No entanto, a cooptação política do governo federal
logo depois, fez da FUG um aliado do mesmo até para calar-se ao golpe de 1937.
A imprensa escrita recebeu a carta constitucional com muita satisfação pelo
tempo que havia esperado por ela e pala conotação que uma constituição tinha e tem no
processo de coroamento democrático. Todos os jornais foram unânimes em afirmar os
145
Gazeta de Alegrete, 2-10-1934.
105
benefícios que a constituição traria ao país. Os debates parlamentares foram amplamente
destacados e a Constituição de 1934, liberal-democrata assinalou para muitos a entrada do
Brasil em uma fase de amplo progresso material e moral.
O
Staffetta Rio-grandense
fazia referências à promulgação da Constituição de
1934 e da eleição de Vargas da seguinte maneira:
O Dr. Getúlio Vargas em uma última entrevista como chefe do governo
Provisório confessa a um jornal do Rio, a decisão iminente da criação do tão
necessário banco Rural e de uma cooperativa. Um dos principais objetivos do
banco será o financiamento da organização econômica profissional da
atividade rural em conjunto com uma cooperativa municipal
146
.
Podemos observar o quanto representava a criação do banco Rural para aquela
comunidade e como o presidente Vargas adquiriu simpatias com essa atitude.
A constituição foi dessa maneira, recebida com euforia pela imprensa do
estado, porque representava a retomada dos postulados do movimento de 1930 e da defesa dos
ideais democráticos.
Os acontecimentos que marcaram os anos de 1930 a 1934 foram destacados
pela imprensa gaúcha de maneira ampla com algumas unanimidades como a Revolução de
1930 e algumas divergências como o movimento de 1932. O processo constitucional foi, a
princípio, apresentado com alguma desconfiança por parte de alguns jornais como o
Diário
Popular
, a
Gazeta de Alegrete , O Tempo,
mas logo que foi promulgada a constituição as
opiniões convergiram para engrandecer a carta que havia sido elaborada. A síntese a seguir
demonstra uma visão geral sobre as reações dos jornais gaúchos:
146
Staffetta Rio-grandense 18-7-1934.
106
ELEMENTOS
CONSTITUTIVOS
SÍNTESE DA REPERCUSSÃO NOS JORNAIS
Aliança Liberal
Rio Grande
: apoio à Campanha;
O Tempo
: posicionou-se favoravelmente;
Correio do Povo: apoiou mais intensamente no decorrer da
campanha;
Diário de Notícias
: tomou partido do movimento;
Diário Popular
: posicionou-se enfaticamente pelo movimento;
Opinião Pública: foi intensificando seu apoio;
Gazeta de Alegrete
: destacou com alarde os comícios da Aliança;
A Razão
: nessa época o jornal ainda não existia;
Staffetta Rio-grandense
: Fez referências esparsas ao movimento.
Revolução de 1930
Todos os jornais apoiaram a Revolução sendo que o Staffetta o fez
de forma mais discreta e A Razão referia-
se a ela nas edições
comemorativas do jornal a partir de 1934, fazendo-lhe apologia.
Revolução de 1932
Rio Grande
: tomou posição ligeiramente
favorável no início, mas
contrária depois;
O Tempo
: foi contra o movimento;
Correio do Povo
: procurou demonstrar imparcialidade até a derrota
dos paulistas;
Diário de Notícias
: foi mais enfático na sua oposição ao
movimento;
Diário Popular
: procurou chama
r a atenção para as causas da guerra
civil;
Opinião Pública
: se opôs mais diretamente ao movimento;
Gazeta de Alegrete
: também fez oposição direta à Revolução;
A Razão
: procurou ser mais objetiva na apresentação da matéria;
Staffetta Rio-grandense
: apresen
tava as notícias em língua italiana
como ‘notícias do Brasil’.
Constituinte de 1933
Os jornais apresentaram as notícias da constituinte e seus trabalhos,
destacando a importância daquele momento para a vida política do
país.
Constituição de 1934
A consti
tuição de 1934 foi saudada pela imprensa gaúcha com
intensa euforia. A discussão em torno da inversão dos trabalhos
durante a constituinte, o que permitiu a eleição de Vargas foi o
ponto de maior conflito até que fosse efetivada a elaboração da
carta. A ce
nsura aos meios de comunicação passou a ser questionada
pelos jornais diante do novo quadro constitucional.
107
Capítulo III - O projeto Autoritário de governo: da Lei de
Segurança Nacional de 1935 à implantação do golpe de 1937
Depois de promulgada a Constituição de 1934, o governo passou a ser cada vez
mais pressionado pelos movimentos sociais que surgiam, dando a exata dimensão de que o
projeto autoritário que se esboçava desde 1930 estava sendo abalado. Tanto as oligarquias
quanto os elementos de oposição inseridos no partido comunista, tiveram certa mobilidade de
ação ao que o governo foi respondendo com mecanismos cada vez mais repressores. Segundo
Luiz Roberto Lopes:
A constituição aprovada em 1934 mostrou às oligarquias que Getúlio Vargas
não era um elemento tão perigoso para elas como parecera inicialmente.
Nela, se encontrava uma série de dispositivos que eram herança do Estado
anterior a 1930: manteve o federalismo, garantiu a anistia, deu poderes ao
Legislativo para tolher o executivo, garantiu as eleições diretas e criou o
mandado de segurança
147
.
Ainda sobre a fragilidade da Constituição de 1934 e da atuação do governo,
completa o autor:
147
Lopez, Luiz Roberto.História do Brasil contemporâneo. Porto alegre: Mercado Aberto,1997.p.75.
108
Talvez não tenha sido intenção de Getúlio permitir a promulgação de uma
Constituição na expectativa de se aproveitar politicamente de seu fracasso
previsível. Mas não resta dúvida de que este documento de 1934, frágil em
seu conteúdo jurídico, acabou por não se adaptar à realidade de uma época
que vivia graves impasses, quer em termos nacionais, quer em termos
internacionais. Tornada virtualmente letra morta já desde os fins de 1935,
com a imposição do estado de sítio para reprimir a ‘ Intentona Comunista’, A
Constituição de 1934 arrastou uma existência fictícia até 1937, quando o
golpe do Estado Novo a enterrou sem nenhuma glória, conseqüência lógica
da ineficácia demonstrada
148
.
Diante dessas observações, o que aconteceu durante o ano de 1935 foi um
desdobramento das possibilidades que a oposição percebeu nos seus ataques ao governo, ou
seja, a euforia democrática inaugurada com a constituição fez com que se fortalecessem os
movimentos de repúdio ao governo e a resposta desse mesmo governo não tardou em forma
de uma repressão cada vez mais avassaladora, contribuindo e fermentando os alicerces do
Estado Novo. Eli Diniz estabelece a seguinte definição desse período:
Podemos verificar que existe um certo consenso quanto à caracterização das
condições sob as quais emerge o Estado Novo, em termos dos
desdobramentos de uma situação de crise de hegemonia em que os diferentes
setores da classe dominante soa incapazes de controlar a máquina política,
criando-se, assim condições favoráveis à formação de um Estado forte
149
.
Todo o desenrolar dos episódios dos anos de 1935 e 1936 deu ao governo as
armas necessárias para o fechamento político, de modo que o Estado Novo foi recebido por
grande parcela da sociedade como algo benéfico ou dito de outro modo, como o único
remédio capaz de curar a doença chamada comunismo tão monstruosamente apresentada pelo
governo. O poder público seria dessa maneira supervalorizado em detrimento dos interesses
privados, pois o que importava eram os interesses do coletivo de acordo com os interesses do
estado. Para Diniz:
148
Idem,p.76.
149
DINIZ, Eli. “Estado Novo: estruturas de poder e relações de classes” In O Brasil Republicano III: sociedade e
política. Boris Fausto (dir) (1930-1964). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1996.p.84.
109
O Estado corporativo representaria, portanto, um meio de assegurar o
predomínio e a expansão da esfera de influência do poder público em dois
sentidos. De um lado, porque possibilitaria a integração das diferentes
classes e grupos sociais no sistema político, mediante um mecanismo de
participação controlada, sob a direção do Estado, que preservaria, assim
liberdade de ação suficiente para agir como árbitro do conflitos em nome dos
interesses gerais da nação. De outro lado, porque o fortalecimento do poder
de Estado agiria como poderoso instrumento de subordinação dos interesses
restritos, regionais e locais, ao interesse maior da coletividade, representado
pelo governo centra
150
.
Esse contexto político foi acompanhado pela imprensa de maneira particular,
ou seja, os acontecimentos que levaram à efetivação do Estado Novo foram vistos por alguns
jornais como francamente dirigidos e manipulados pelo governo, já outros entendiam os
desdobramentos como necessários à manutenção da ordem. Obviamente, esse interregno
durou apenas à efetiva concentração de poder nas mãos do governo, depois disso a liberdade
de imprensa foi cerceada e alguns reclamos esporádicos deram-se de maneira muito
localizada. Todos os setores da sociedade foram sendo englobados e a imprensa utilizada
como instrumento de propaganda do estado, reintroduzindo a idéia desde os tempos da
Monarquia, do líder capaz de conduzir as massas ao seu apogeu político-econômico, cuja
moralidade passava pela extirpação dos elementos perniciosos. Assim: “o Estado forte e
altamente centralizado iria absorvendo o sistema decisório, desestruturando suas bases
regionais, num esforço de nacionalização das decisões estratégicas do ponto de vista do
funcionamento global da economia”
151
.
O Estado Novo suprimiu os partidos, suspendeu as
funções do poder Legislativo, estabeleceu o controle policial, além da censura às
manifestações intelectuais anteriormente citadas coibindo desta feita todas as liberdades civis.
A estrutura organizacional do Estado Novo compreendia depois do presidente, a alta
150
Idem, p.80-81.
151
Ibidem, p.107.
110
burocracia civil, os ministros de Estado, os setores técnicos e a alta cúpula militar. A
burocracia ainda compreendia
o
Conselho Federal do comércio Exterior, que teve importante
papel nas decisões acerca da política do aço e do petróleo, o Conselho Técnico Econômico e
Financeiro do ministério da Fazenda, o Departamento de Imprensa e Propaganda(DIP), que
organizava a publicidade governamental e censurava livros, publicações e diversões públicas e
o Departamento Administrativo do Serviço Público, criado em 1938, órgão que impôs uma
rigorosa centralização às funções burocráticas e administrativas
.
A burocracia, dessa, forma
se confundia com o próprio poder usufruindo os benefícios que esse mesmo poder pudesse
proporcionar.
Para efetivar esse plano do governo foi elaborada a constituição de 1937,
outorgada pelo presidente da República que serviu de instrumento para a censura.
Considerada ampla nas suas diretrizes, continha elementos favoráveis à ditadura. Bóris Fausto
comenta:
Uma leitura superficial da Carta de 1937 não nos daria a chave do Estado Novo.
Seu corpo continha muitos dispositivos que nunca foram aplicados. O segredo estava
nas ‘disposições finais e transitórias’. O presidente da República aí recebia poderes
para confirmar ou não o mandato dos governadores eleitos, nomeando interventores
nos casos de não-confirmação. A Constituição entrava em vigor imediatamente e
devia ser submetida a um plebiscito nacional. O Parlamento, as assembléias
estaduais e as Câmaras Municipais eram dissolvidas, devendo realizar-se eleições
para o Parlamento somente depois do plebiscito. Enquanto isso, o presidente tinha o
poder de expedir decretos-lei em todas as matérias de responsabilidade do governo
federal
152
.
Mais adiante se referindo a alguns artigos da Carta, ainda relata:
111
O artigo 186 das ‘disposições finais e transitórias’ declarava em todo o país o
estado de emergência, suspendendo assim as liberdades civis garantidas
formalmente pela própria Carta Constitucional.Outro preceito transitório, mais
tarde prolongado indefinidamente, autorizava o governo a aposentar funcionários
civis e militares, ‘no interesse do serviço público ou por conveniência do regime’.
Na realidade o presidente ficaria durante todo o Estado Novo com o poder de
governar através dos decretos-leis, pois não se realizaram nem o plebiscito nem as
eleições para o Parlamento. Os governadores dos Estados se transformaram em
interventores e na maioria dos casos foram substituídos. O estado de emergência
não foi revogado
153
.
O Estado Novo dessa forma significou uma aliança de interesses entre a
burocracia civil e militar e a burguesia industrial, cujo objetivo era promover o
desenvolvimento industrial sem transformações sociais. Boris Fausto ainda completa:
a
burocracia civil defendia o programa de industrialização por considerar que era o caminho
para a verdadeira independência do país; os militares porque acreditavam que a instalação de
uma indústria de base fortaleceria a economia - um componente importante de segurança
nacional; os industriais porque acabaram se convencendo de que o incentivo à industrialização
dependia de uma ativa intervenção do estado”
154
.Assim, a burguesia tolerou muita das atitudes
do estado porque este lhe garantia as condições necessárias à execução do projeto da
modernização conservadora, ou seja, avançava em setores estratégicos para o
desenvolvimento sem, no entanto, abrir mão do controle sobre a classe operária bem como
sobre as correntes ideológicas que estavam em voga na época, entre elas o socialismo e o
comunismo.
Do lado das imprensas principalmente as escritas, havia um controle mais do que
esperado de modo que, o edifício estadonovista estava alicerçado na construção de
estereótipos bem definidos em que a função a Imprensa foi obrigada e exercer. Em artigo
sobre a Imprensa e o Estado Novo, Andréa Torres assim se expressa:
152
FAUSTO, Boris, op cit,p.365.
153
Idem, p.365-366.
112
Os meios de comunicação foram os grandes patrocinadores da expansão dos ideais
nacionalistas do Estado Novo. A Imprensa escrita exerceu o papel fundamental de
mediação entre o governo de Getúlio Vargas e a população na construção de uma
unidade nacional, a partir de um projeto político
155
.
Mais adiante fazendo referência direta a dois jornais por ela pesquisados aqui
no Rio Grande do Sul e também aqui destacados, a autora enfatiza que:
A análise do discurso nacionalista, veiculado pelo Correio do Povo e Diário de
Notícias permite observar a preocupação central dos sujeitos enunciadores, no caso
os próprios jornais ou articulistas comprometidos com a linha editorial dos veículos,
em construíres os sujeitos enunciados e a que pretendem sujeitar. Esse
encaminhamento demonstra a trajetória do discurso estado-novista que desconstrói
e reconstrói posições políticas de discursos anteriores ou antagônicos com os ideais
de unidade nacional, durante o Estado Novo. Permite ainda a identificação dos
elementos que favorece o esvaziamento desse discurso e incrementa a emergência da
democratização do Brasil
156
.
O projeto autoritário foi sendo gradativamente construído a partir da
Constituição de 1934 e alguns momentos foram marcantes dentro desse processo como a
implementação de Lei de Segurança Nacional de janeiro de 1935 que teve como objetivo
cercear os direitos políticos dos cidadãos.
154
Ibidem.
113
3.1- a Lei de Segurança Nacional de janeiro de 1935 e os
reflexos na imprensa.
Durante o ano de 1934 ocorreram muitas manifestações da classe operária com
uma série de greves no Rio de Janeiro, São Paulo, Belém e Rio Grande do Norte com
paralisações em diversos setores como transportes, comunicações e bancos. Houve um choque
entre integralistas e anti-fascistas em são Paulo em outubro de 1934, ao que o governo
respondeu solicitando ao Congresso a promulgação de uma lei que reprimisse esse tipo de
manifestação, a famosa Lei de Segurança Nacional (LSN). O Congresso então, aprovou um
substitutivo ao projeto inicial da LSN que acabou se convertendo em lei em abril de 1935.A
lei: “definiu os crimes contra a ordem política e social, incluindo entre eles: a greve de
funcionários públicos; a provocação de animosidade nas classes armadas; a incitação de ódio
entre as classes sociais; a propaganda subversiva; a organização de associações ou partidos
com o objetivo de subverter a ordem política ou social, por meios não permitidos em lei”
157
.
Juntando-se a isso, os comunistas e os chamados tenentes de esquerda
preparavam o lançamento da Aliança Nacional Libertadora a 30 de março de 1935 quando
Luís Carlos Prestes foi aclamado presidente de honra. O recrudescimento dos debates e dos
embates ao logo do ano de 1935 acabaram dando munição ao governo Vargas para fechar a
agremiação em 11 de julho de 1935. Sobre a Aliança, Bóris Fausto escreve:
155
Torres, Andréa.”Imprensa e Estado Novo: do discurso nacionalista ao discurso democrático”. In Imprensa e
História. Francisco das Neves Alves e Luiz Henrique Torres (orgs) APGH/PUCRS.Porto Algre,1997
156
Idem,p.59.
157
FAUSTO,op cit,p.359.
114
O programa básico da ANL tinha conteúdo nacionalista, sendo curioso
observar que nenhum de seus cinco itens tratava especificamente dos
problemas operários.Eram eles: a suspensão definitiva do pagamento da
dívida externa; a nacionalização das empresas estrangeiras; a reforma
agrária;a garantia das liberdades populares; e a constituição de um governo
popular, do qual poderia participar ‘qualquer pessoa na medida da eficiência
de sua colaboração”
158
.
A ANL se ajustou dessa maneira, à nova orientação do Partido Comunista que
era a de apoiar a formação de frentes populares em cada país capitalista. Outro ponto
favorável à Aliança foi a sua composição social mais variada com um matiz mais forte na
questão nacional em detrimento da questão de classe. A ANL ganhou bastante projeção.
Dados indicam que em julho de 1935 ela contava com 70 mil a 100 mil pessoas. Na condução
do movimento, seus dirigentes oscilaram entre a tentativa de consolidação de uma aliança de
classes e a perspectiva de insurreição para chegarem ao poder. A tendência insurrecionista
acabou prevalecendo. Na comemoração de 5 de julho de 1935, Carlos Lacerda leu uma
manifesto de Prestes que se encontrava clandestino no Brasil, o qual apelava para a derrubada
do governo de Vargas e a tomada do poder por um governo popular, nacional e
revolucionário.
O governo com isso, encontrou uma razão para acabar com o movimento o que
o fez por decreto. Depois, sucederam-se muitas prisões, o PCB começou os preparativos para
uma insurreição que culminou com o golpe militar de novembro de 1935. O golpe acabou
fracassando e a repressão foi intensificada. Luiz Roberto Lopes acrescenta:
158
Idem,p.359.
115
A ‘Intentona Comunista” refletiu, em princípio, algo importante: que os
conflito sociais no Brasil haviam atingido o nível de propiciar a formação de
ideologias políticas radicais e de esquerda ao ponto de se manifestarem
ostensivamente em busca de transformações mais profundas. Consistiu num
lance dramático e desesperado de um restrito grupo político, sem apoio das
bases sociais. O comunismo cresceu no Brasil na medida do aguçamento da
luta interna de classe e da influência externa, mas na hora em que teve
oportunidade de tomar o poder, fracassou completamente. O resultado foi
que aquilo que poderia ter sido um movimento de proporções acabou se
reduzindo a um levante feito por militares e terminou servindo de pretexto
para o fechamento político e para o início de uma era de repressão e
violências praticadas pela Polícia, então sob a chefia de Filinto Muller.Os
dois anos que se seguiram aos eventos de 35 marcaram a segura e gradual
transição para uma ditadura de características fascistas: temerosos do
fantasma comunista, a classe dominante e o alto oficialato preferiram apoiar
Getúlio Vargas e este implantou o Estado Novo em 1937. Não deixa de ser
contraditório portanto, embora dialeticamente explicável, que a antítese do
comunismo, isto é, o modelo fascista, tivesse sido imposto ao Brasil
justamente em decorrência da ‘Intentona Comunista
159
.
Esses acontecimentos se refletiram na imprensa escrita com bastante
estardalhaço, quando da criação da Aliança alguns jornais acharam interessante por contar
com objetivos sociais amplos e porque o momento era propício às manifestações de cunho
democrático.Quando ocorreram os levantes a população foi bombardeada pelo governo com
informações de que eles poderiam descambar para a implantação do comunismo no Brasil, o
grande terror, com isso, os jornais passaram a apoiar as atitudes do governo. Passaram então, a
ser bombardeados com informações alarmantes a respeito da tomada do poder pelos
comunistas.Sobre a referida lei assim se posiciona o Diário de Notícias de Porto Alegre:
Contra a Lei de Segurança
Nacional. Iniciou-se anteontem, no Rio, um
movimento grevista entre o operariado gráfico dos jornais. Uma comissão de
operários esteve ontem à noite, nas oficinas dos jornais matutinos,
procurando conseguir adesão do respectivo pessoal para um movimento
grevista de protesto contra a Lei de Segurança Nacional. Os gráficos
ficaram, entretanto em expectativa, aguardando o resultado dos
acontecimentos. Quando saíam das oficinas de um matutino, depois de se
entenderem com os seus colegas, os membros da comissão, os membros da
comissão foram detidos pela polícia.Sabedores da ocorrência, os operários
de diversos jornais abandonaram o trabalho em sinal de protesto, contra a
159
LOPEZ, Luiz Roberto, op cit,p.84-85.
116
prisão dos colegas. Permaneceram afastados os operários de quase todos os
matutinos, que resolveram, assim, aguardar a liberdade dos membros da
comissão.Como medida de precaução, os oficinas de alguns jornais estão
guardadas por praças da Polícia Militar e Investigadores
160
.
O jornal chama a atenção para a censura que começava a ser imposta aos
periódicos como forma de coibir qualquer manifestação considerada subversiva. Em uma
outra chamada, destacou a posição do general Miguel Costa:
Essa infâmia está amparada, ao que dizem, pelos representantes do idealismo
da mocidade paulista que sucumbiu nas trincheiras em julho de 1932. Isso
vem provar que os mártires da revolução paulista foram conduzidos a um
matadouro por velhas raposas que nada tinham de idealismo constitucional.
Essa lei é uma torpeza. E como eu, embora com a melhor das intenções,
tenha concorrido para que se instalasse no país o governo que vai decreta-lo,
sinto-me envergonhado-se esse monstro vingar- de haver contribuído para a
vitória de 1930. Consumado o crime tenho um recurso: disputar a honra
de ser a primeira vítima
161
.
o
Correio do Povo
também apresentava alguns pronunciamentos a respeito.
Em 26 de março de 1935 aparecia a seguinte chamada:
Contra a Lei de Segurança Nacional
onde fazia as seguintes apreciações:
Conforma antecipávamos, vários oficiais do Exército e da Marinha reuniram-
se, anteontem, no Clube Militar, afim de ouvir o relatório dos trabalhos da
comissão designada em reunião anterior, para obter a retirada da proposta
da lei de segurança...é a seguinte a íntegra do manifesto aprovado na reunião
de sábado no Clube Militar. Os oficiais do Exército e da Armada reunidos no
Clube Militar m perante a nação exprimir seu pensamento em face da Lei
de Segurança Nacional. As ameaças às liberdades públicas, encerradas no
bojo desse projeto de lei com a qual se pretende amordaçar a consciência
nacional exigem das classes armadas uma atitude...É que os mártires de 22 e
os heróis de 24 não compreendiam a República sem a agitação das massas,
como não se compreende o mar sem a ondulação das vagas. Daí a harmonia
das classes armadas com a grandeza dos seus sonhos. Daí este manifesto dos
oficiais do Exército e da Armada reunidos no Clube Militar contra a Lei de
Segurança Nacional que, negando a própria essência do regime, pelos
160
Diário de Notícias, 2-2-1935.
161
Idem.
117
esmagamento dos anseios de liberdade do povo que sangra e sofre, virá
lançar a República do caos, das desordens e das revoltas de rua.
Como se sabe, a lei acabou sendo implantada, as resistências abafadas e os
movimentos armados do final do ano de 1935 acabaram contribuindo para a propaganda em
torno da necessidade da centralização política.
Em uma reportagem de julho de 1935 do
Correio do Povo
, lê-se a nota de que
o governo estaria disposto a fechar todas as sedes da Aliança Nacional Libertadora o que
acabou acontecendo logo em seguida. Dizia a reportagem:
Em sua quinta edição de ontem o Diário da Noite’ adiantava a notícia de
que, em reunião das altas autoridades do país, ficara assentado o fechamento
da aliança Nacional Libertadora em todo o Brasil. Isso fora o pensamento
dominante ao fim do conclave que tiveram o presidente da República, o
ministro da Justiça e o chefe de polícia. A medida vai ser tomada pelo
governo sob a alegação de que aquela agremiação vem incidindo em
preceitos da Lei de Segurança, cujas sanções serão aplicadas no caso. A
reunião a que se referiu aquele vespertino realizou-se de fato, tendo sido
conseqüência da última conferência entre os membros de todo o ministério.
Em vista do resolvido, as medidas a tomar sobre o assunto serão imediatas. O
ministro da Justiça ordenará aos chefes de polícia dos Estados a agir nesse
sentido.
162
A notícia trazia a informação do fechamento que já havia ocorrido no dia
anterior. Em manifesto transcrito a seguir, em parte convocava o povo para a execução de
greves como única forma de responder ao avanço fascista.
162
Correio do Povo, 12-7-1935.
118
Pelo Brasil inteiro levanta-se o grito popular contra a exploração
imperialista, contra a tirania e as ditaduras que se esboçam no país pela
emancipação nacional de nossa pátria, miseravelmente explorada pelos
magnatas estrangeiros, por pão, terra e liberdade...os magnatas
imperialistas se moveram para uma ofensiva contra o Brasil. As
crescentes dificuldades econômicas e financeiras exigem cada vez mais, a
imediata suspensão dessas ‘dívidas’ externas muitas vezes pagas, a
nacionalização das empresas imperialistas, a emancipação econômica do
Brasil...operários, vós que vos ergueis pela melhoria das vossas condições de
vida, lembrai-vos que o fechamento e a ‘ilegalidade’ da ANL e dos vossos
sindicatos será a mais negra opressão e a mais terrível miséria, lembrai-vos
também que, pela greve e pela greve podereis deter os passos da
reação.De pé, companheiros, contra os bandidos imperialistas, em defesa da
Pátria e da Aliança Nacional Libertadora. Focas armadas do Brasil,
herdeiros das tradições gloriosas do Exército Nacional, o vosso dever
supremo é a defesa do povo e da liberdade. Povo brasileiro, a reação
fascista está pronta para o bote. Na defesa de nossa pátria, de nossa
liberdade, todos os postos, como demonstrações de protesto, com greve em
massa. ‘No Brasil de haver liberdade, conquistada na rua por nós’ O
diretório Nacional
163
.
As manifestações da Aliança, no entanto, não surtiram efeito, o governo não
voltou atrás e os levantes do final do ano de 1935 serviram de pretexto para o acirramento do
autoritarismo bem como justificaram o processo em curso que levou ao Estado Novo.
Ainda sobre a referida lei, o jornal
Opinião Pública
publicou informações em
23 de janeiro de 1935 que davam conta de certa aceitação por parte da imprensa, por entender
essa, ser necessário tal mecanismo para conter os abusos.Mais tarde, quando o governo
cometeu arbitrariedades com essa lei, os periódicos acabaram escrevendo diferente sobre ela.
Escreveu o
Opinião
:
Sobre a lei de Segurança Nacional não tem fundamento o alarme que se está
levantando, pois a referida lei nada tem de liberticida, limitando-se a regular
as disposições constitucionais contra o extremismo. Para corroborar as
nossas informações, transmitimos a seguir, as palavras que ainda hoje o
general Flores da cunha, disse ao Globo. Declarou o general Flores da
163
Idem.
119
Cunha:’há muito exagero por aí. A lei de Segurança Nacional visa
combater o extremismo. Não tem outros fins, nem poderá ser utilizada como
arma contra os inimigos. Quanto à Imprensa, fiquem tranqüilos , cogita-se da
Imprensa extremista e os casos serão entregues ao Judiciário. Não poderá
haver critério faccioso’. Concluindo diz:’ tudo o que se diz é injustificado. A
lei é muito oportuna e liberal. Não há motivos para alarmes’.
Aos poucos as opiniões foram adquirindo outras nuances, Flores da Cunha foi
cada vez mais se indispondo com o governo e os jornais cerceados no seu direito de
expressão pela lei, passaram a vê-la com outros olhos. Em 30 de março de 1935, assim
pronunciava-se a
Gazeta de Alegrete:
Não negamos ao governo o direito de criar órgãos de defesa das instituições.
Diante do movimento dissolvente da esquerda ou da direita, que prega a
instauração de regimes ditatoriais, a democracia pode servir-se da força para
malograr-lhe os planos. A atual lei de Segurança, porém, é um perigoso
instrumento de defesa governamental. Tem gumes por todos os lados. Corta
em todas as direções. É capaz até de ferir quem o maneja. A nova lei que foi
aprovada apesar dos protestos que brotaram de várias procedências, sugere
comentários de toda índole.
O jornal ia dissertando alguns aspectos da lei que mostravam contrariedade
como, por exemplo, o tratamento rigoroso dado aos civis em contraposição aos militares. Ele
mostrava como a força era utilizada contra os civis de forma mais intensa. Quanto aos
comunistas, mostrava como o artifício de alcunhar todos de comunistas, serviu ao governo
naquele momento como serviu a outros em épocas distantes. Dizia o jornal:
“se a mania
continuar, estaremos diante de um perigo. Antes era inofensivo o epíteto; os efeitos da
acusação se limitavam a incompatibilizar os incriminados com a chamada ‘opinião pública’e a
ala conservadora da sociedade. Já, agora, com a lei, não acontecerá o mesmo. As prisões, as
enxovias, as colônias, a expulsão, estão para receber, sacramentadamente, todos os
120
suspeitos, ou não à ordem pública e social...”
164
.O jornal referia-se
ainda, à liberdade de
cátedra que sofreu também com a lei, escrevendo que os professores eram escravos das
matérias que lecionavam e que os alunos ao final transformavam-se em
pobres produtos
mirrados, que ao fim do curso recebem o rótulo de um título, e ambicionam, como suprema
recompensa, a calma remunerada de um cargo público”
165
. Esse artigo da Gazeta é assinado
por Lourenço Mário Prunes da família responsável pela direção do jornal.Em 2 de fevereiro de
1935, o jornal trouxe a seguinte manchete:
Greve da Imprensa
com a chamada seguinte:
por
motivo de serem contra a lei de Segurança Nacional foram presos diversos
jornalistas
cariocas.
As palavras jornalistas cariocas foram grafadas no jornal em tipos maiores para
justamente destacar o que vinha sendo feito contra a imprensa. Dizia a notícia:
Ontem um grupo de gráficos percorreu as oficinas e os jornais pedindo a
adesão para o meeting de protesto contra a lei de segurança nacional. Por
esse motivo os gráficos decidiram abandonar o serviço enquanto estiverem
presos os companheiros. Os gráficos presos são os de nome Lourival
Coutinho, Raimundo Santos, Benjamin Borges, José Antunes de Almeida (rio-
grandense) e José Vieira da silva. Por motivo da greve hoje apenas
apareceram o “jornal do Comércio” e o “Correio da Manhã”. Os outros
matutinos saíram. Todavia há quem espere que os vespertinos apareçam.
Em 9 de julho de 1935, o jornal
A Razão
de Santa Maria destacava na
manchete
Um interessante joguinho do sr. Getúlio Vargas,
as artimanhas do governo para
acabar com as oposições. Para isso, o jornal dizia que o presidente Getúlio Vargas queria
mandar o presidente da Aliança Nacional Libertadora, Hercolino Cascardo para a Europa.
Falava o jornal da seguinte maneira:
os inimigos do presidente dizem que...; os observadores
164
Idem.
121
da política nacional notam que...”, realizando dessa forma, a política
de
tirar o corpo fora
e
sublinarmente expressar sua opinião. Sobre Vargas mandar Hercolino para a Europa, escrevia
o jornal:
Os observadores políticos, inimigos do Sr. Getúlio Vargas, afirmam que o
fato obedece à orientação política do presidente da República, pois que este
deixou o sr. Hercolino Cascardo fundar a aliança Nacional Libertadora para
conseguir as adesões das oposições estaduais e desmoraliza-las, obrigando-
as, assim, a unirem-se aos governos regionais para a defesa do regime. O
outro objetivo do Sr. Getúlio Vargas, ao dar carta branca ao comandante
Cascardo era combater o integralismo que vinha tomando vulto. Conseguido
o primeiro objetivo -dizem os observadores da política nacional- a união dos
Estados, que se formaria para combater o extremismo, garantiria ao senhor
Getúlio Vargas um governo tranqüilo e cômodo,pois seria fácil debelar as
esquerdas, uma vez que houvesse união de vistas entre todos os partidos
políticos que se agitam à sombra da democracia liberal. Parece, porém. Que
o Sr. Getúlio Vargas desta vez errou na profecia...Segundo todas as
aparências e devido às fundas divergências notadas entre a orientação dos
ministros, parece que o presidente da República está inclinado a não mais
permitir que o comandante Hercolino Cascardo tome parte nas atividades
políticas e pretende confiar-lhe uma missão na Europa. Depois disso - dizem
os inimigos políticos do sr. Getúlio Vargas- a Aliança Nacional libertadora e
o integralismo serão considerados fora da lei.
O jornal antecipou assim, o que veio a ocorrer mais tarde com a ANL sendo
considerada subversiva e posta na ilegalidade. Esse ambiente foi sendo percebido também por
outros jornais. Os matizes é que mudaram, isso devido à localização geográfica da cidade sede
do jornal - Santa Maria - estar no centro do Estado, às suas ligações políticas, mais ou menos
comprometidas com o poder federal e o próprio histórico do jornal que apresentava tendência
mais crítica. Em artigo ainda da
Razão
de 16 de julho do mesmo ano a analisando o
aniversário de um ano da Constituição, o jornal destacava as tendências
genuinamente
democráticas da carta,destacando a representação das minorias, a representação classista, o
voto secreto e a proibição das reeleições entre outro pontos e ao final conclamava a todos para
165
Ibidem.
122
que: “sejamos capazes de manter a sua estabilidade e a sua intangibilidade, para a consecução
de um Brasil sempre maior e sempre melhor”.
Essa visão foi sendo absorvida pelo pânico geral que se instalou em função do
chamado
perigo comunista,
e no final do ano de 1935, o cenário era outro com os levantes
que acabaram dando ao governo todas as armas para justificar o acirramento da censura. Na
prática, a constituição de 1934 havia sido atropelada pela LSN, mas formalmente ainda era
o documento máximo que regia o estado e a sociedade.
Os debates que se processaram em torno da liberdade ou da falta de liberdade
da imprensa foram constantes.Em 10 de setembro de 1935, o
Diário Popular
destacava seu
dia e do quanto a imprensa representava para os povos. Lê-se nele:
Comemora-se, hoje, o dia da Imprensa. É, pois, a data festiva de todos os
que mourejam nas agitações e incertezas do jornalismo, labutar trepidante e
dinâmico, tumultuário e exaustivo. Obreiro infatigável do progresso, porta
voz dos anseios populares, tribuna de concitamentos cívicos, é o jornal fator
proeminente na vida das coletividades. Em nosso país, a sua situação ficou
assinalada, de forma indelével, nas grandes conquistas nacionais - a
Independência, a formação constitucional, a Abolição e a República. E na
hora vacilante que atravessamos, prossegue na sua gloriosa prédica, em prol
das liberdades públicas, de cujo estrangulamento é, sempre, a primeira
vítima. À Imprensa, neste instante confuso e dúbio, está reservada, sem
dúvida, função relevantíssima, como orientadora da opinião nacional,
desfazendo sombras e indicando rumos. Congratulemo-nos, pois, com o dia
de hoje, que é nosso e que é de todos, porque a verdadeira Imprensa foi, em
todos os tempos, o aliado do povo, o intérprete dos seus sentimentos e a
vanguardeira das conquistas nobres.
Esse sentimento de defesa da liberdade de imprensa e, por conseguinte da
democracia apareceu nos jornais com certa freqüência até ocorrerem os levantes comunistas.
Em 12 de setembro de 1935 lemos no mesmo jornal a seguinte chamada
Minas altiva repudia
123
a visita do Ditador
junto a uma transcrição da oração parlamentar do deputado Pinheiro
Chagas na Assembléia Legislativa de Minas Gerais da qual retiramos os seguintes trechos:
Conforme tem sido anunciado com abundância nesta tribuna, a viagem do
sr. Getúlio Vargas à Minas é uma afronta e um insulto à dignidade do povo
mineiro. Porque, em verdade, o povo mineiro deve receber em crepe aquele
que tem sido o despistador de seus brios. Pouco importa que os eternos
cortesãos do oficialismo lá estejam, na hora fatídica, aplaudindo, com palmas
fáceis, o poder que se desmandou. Pouco importa, povo de Minas Gerais,
porque tua alma, intrépida e generosa, não habita o peito daqueles de onde
desertou a memória de seus sacrifícios. Povo mineiro tu não podes pactuar
com as forças do despistamento. Tu és a mais elevada expressão da verdade
republicana; e ele, o caudilho das violências inconstitucionais. Tu és, o
prestígio da ordem civil, e ele, o incentivador sem brilho de todas as
intentonas demagógicas(...) tu és, a liberdade de Imprensa assegurada, em
Ouro Preto, ao tempo da ditadura Floriano; e ele, o cúmplice dos
empastelamentos inconfessáveis...
Notamos que o momento era propício a esse tipo de manifestação, bem como
aquelas ligadas à intervenção na política interna do Estado do Rio de Janeiro que também
tiveram por arte da imprensa, comentários mais críticos sobre o governo federal. O quadro, no
entanto, como vimos, mudou substancialmente depois dos levantes, pois, os periódicos
passaram a se manifestar de outra maneira, absolutamente favorável às intervenções do
governo, bem como a tomada de atitudes mais drásticas para conter o avanço comunista.
O
Correio Rio-grandense
relatava em 6 de março de 1935 a existência de
complôs comunistas de acordo com informações colhidas de outros jornais. Com o título
Complô Comunista,
escrevia:
Está descoberto um complô de características subversivas que tende a
dinamitar a estrada de ferro, inutilização das máquinas geradoras de energia,
124
a destruição da rede telefônica subterrânea e aérea e incêndio de trens da
empresa light.
Outras notícias de complôs aparecem no mesmo dia demonstrando que o jornal
estava acorde com a tendência dos demais, ou seja, identificar em todos os cantos perigos
comunistas que acabaram servido de justificativa mais tarde para a implantação do Estado
Novo.
A Lei de Segurança Nacional foi alardeada por alguns como o
Opinião
Pública, A Razão, A gazeta de Alegrete, O Tempo
de maneira desfavorável, mas na medida
que o medo comunista se espalhou por todos os cantos, eles acabaram acatando a necessidade
de um maior autoritarismo por parte do governo. Essas opiniões, o público leitor ia digerindo
e moldando às suas emoções e ações em prol da bandeira da
ordem
defendida pelo governo.
3.2- As marchas e contra-marchas do ano de 1936
O ano de 1936 foi marcado pelos embates entre o governo e a sociedade civil
organizada em núcleos de oposição. A ANL mesmo na clandestinidade não deixou totalmente
de atuar. As rebeliões que se instalaram no país no final do ano de 1935 confirmavam tal
afirmação. Mesmo fracassados, os levantes
166
serviram de estopim para acirrarem os ânimos.
No ano seguinte foram feitas algumas tentativas de conciliação entre o governo do Rio Grande
166
Boris Fausto chama a atenção para esses levantes: em si mesmo, o levante de 1935-que lembra as revoltas
tenentistas da década de 1920-foi um fracasso. Começou a 23 de novembro no Rio Grande do Norte,
antecipando-se a uma iniciativa coordenada a partir do Rio de Janeiro. Uma junta de governo tomou o poder em
Natal por quatro dias, a ser dominada. Seguiram-se rebeliões no Recife e no Rio, esta última de maiores
125
do Sul na figura do governador Flores da Cunha e o governo federal que também não tiveram
bons resultados.
Durante o ano de 1936, o Congresso aprovou as medidas excepcionais enviadas
pelo Executivo. O estado de sítio foi substituído pelo Estado de guerra e sucessivamente
prorrogado até junho de 1937. Em março de 1936, a polícia invadiu o Congresso e prendeu
cinco parlamentares que tinham apoiado a ANL. O congresso aceitou as justificativas para as
prisões e autorizou o processo contra os presos. Paralelamente a isso foram criados os órgãos
que deram sustentação à repressão com a formação da Comissão Nacional de Repressão ao
Comunismo, encarregada de investigar a participação de funcionários públicos e outros em
crimes contra as instituições políticas e sociais. O chefe de polícia da capital federal, Filinto
Müller teve seu poder aumentado. Boris Fausto relata a situação:
A criação de um órgão judiciário específico, estritamente subordinado ao
governo, era uma medida necessária para garantir a punição dos presos, sem
grande consideração pelos princípios jurídicos vigentes. Com esse objetivo, o
Congresso aprovou uma lei que instituía o Tribunal de Segurança Nacional,
que começou a funcionar em fins de outubro de 1936. A princípio esse
tribunal se destinava apenas a julgar os comprometidos na insurreição de
1935, mas acabou se transformando em um órgão permanente, que existiu
durante todo o Estado Novo, instituído em 1937
167
.
Até o fechamento político de novembro de 1937, Getúlio Vargas deparou-se
com uma oposição bastante resistente, o General Flores da Cunha, seu antigo aliado na
Revolução de 1930 e na Constitucionalista de 1932. Aos poucos, no entanto, as posições e
atitudes políticas de ambos foram se afastando devido a não concordância do governador com
proporções. Houve um confronto entre os rebeldes e as forças legais do qual resultaram várias mortes, até a
rendição”FAUSTO, Boris, op cit,p.361.
167
FAUSTO, Boris, op cit,p.362.
126
os atos do governo. Em dissertação de Mestrado defendida por mim com o título
Flores da
cunha x Getúlio Vargas: Da União ao Rompimento
faço uma análise do comportamento de
ambos e de como esse processo de deterioração política, azedado pelas intromissões de Flores
em assuntos de política nacional resultou no exílio do governador em outubro de 1937 e no
golpe em novembro seguinte.O estremecimento da relação Flores - Vargas no contexto
nacional está marcado por duas questões que levam à rivalidade e posteriormente ao
rompimento: a polêmica criada devido à aprovação da Lei de Segurança Nacional em janeiro
de 1935 e a discussão em torno da eleição ao governo do Rio de Janeiro, em meados do
mesmo ano.Estas duas questões foram amplamente utilizadas tanto por Vargas como por
Flores, na medida em que o primeiro acusava o segundo de querer transpor sua autoridade
estadual ao plano federal, enquanto que este culpava o presidente de arbitrariedades à frente
do governo federal
168
. A grande
espinha dorsal
do período foi a questão da Centralização
pretendida por Vargas contra o Federalismo advogado por Flores. As características
caudilhescas do governador deram o tom do enfrentamento que embora não tivesse derramado
sangue foi bastante acirrado.
Em 1936 a oposição no Rio Grande do Sul ao governador já se fazia sentir em
torno da Frente Única Gaúcha que congregava os antigos elementos do PRR( Partido
Republicano Rio-Grandense) e do PL(Partido Libertador).Essa oposição foi formada a partir
da criação do PRL(Partido Republicano Liberal) em 1932 quando Flores resolveu ficar ao
lado de Vargas contra os paulistas, PRR e PL apoiaram São Paulo contra o Governo federal e
acabaram derrotados. Diante desse quadro de hostilidades, foi proposto por Raul Pilla
presidente do PL um pacto de entendimento conhecido como
Modus Vivendi
que era uma
tentativa de entendimento entre a FUG e o governo estadual. Segundo Maria Isabel Noll:
168
CAMPOS, Derocina Alves. “Federalismo x Centralização: a década de 1930 no Rio Grande do Sul”. Coleção
Pensar a História Sul-rio-grandense.Francisco das Neves Alves (coord.).Rio Grande: Editora da
FURG,2001.p.37.
127
A solução buscada, tanto pela FUG, como por Flores tem sentido na medida
em que a agregação das forças políticas significa, também, o aumento de
poder. Para a FUG apresentavam-se garantias mais concretas para o seu
funcionamento e a possibilidade de alguma ingerência mais direta no
aparelho de Estado com a posse de duas secretarias. Para Flores,
fortalecendo militarmente a coesão política interna agregava mais elementos
para a resistência ao avanço do poder central
169
.
O acordo, no entanto, não teve os efeitos esperados, pois além do governador
não conseguir administrar a fórmula da divisão de poder com a oposição, o governo federal
fez de tudo para miná-lo, chamando a oposição gaúcha para o seu lado. O referido acordo que
em 1935 foi percebido pelo governo federal como interessante porque limitava o poder do
governador, acabou se tornando incômodo em1936, que dava a idéia de que o governador
aceitava a colaboração da oposição ao contrário de Vargas que a repudiava no plano federal.
A imprensa igualmente retrata o desenrolar desses acontecimentos e
sistematicamente chama a atenção para o chamado caso fluminense
170
em que o governo
federal toma partido em várias oportunidades caracterizando intromissão nos negócios
internos da política fluminense. O
Diário de Notícias
chama a atenção para a divergência
entre Flores e Vargas no final de 1935.Escreveu o jornal:
169
NOLL, Maria Isabel . “Partidos e Política no RS(1928-1937)”.Dissertação apresentada ao curso de Ciência
Política da Universidade Federal do Rio Grande dom Sul. Porto Alegre,1980.p.181.
170
O caso do Rio de Janeiro ocorreu da seguinte maneira: “em dezembro de 1931, Vargas havia nomeado
interventor do estado do Rio de Janeiro, o almirante Ary Parreiras, que fez uma administração honesta e
eficiente. Contudo, não aceitou concorrer em 1935, quando o poder passou então à oposição. Os deputados
vitoriosos tiveram de se refugiar nos quartéis e agentes do RS ofereceram apoio financeiro contra o governo,
ainda no poder. Estava formada a briga: a oposição vitoriosa respaldada pelo governo gaúcho encontrava-se
impedida de assumir, pois a situação derrotada nas eleições de 1935, alegando fraudes, não aceitava entregar o
poder. Os políticos da situação pedem, então, apoio ao governo federal que interveio prontamente, acuando os
oposicionistas e prorrogando uma decisão até que houvesse um acordo”. O governo federal acabou protelando
uma decisão sobre o caso anovembro de 1935 quando então fez eleger o almirante Protógenes Guimarães em
detrimento de permitir a posse de Cristóvão Barcellos que havia sido eleito antes e era apoiado pela oposição.
128
Em uma conferência telegráfica, ontem mantida com o ministro Artur Costa,
o governador do Estado teria assegurado não desejar romper como o
presidente da República, sugerindo, porém, a reorganização do ministério,
com o afastamento do Sr. Vicente Ráo
171
.
Vicente Ráo a que se refere a nota era o ministro da Justiça, acusado pelo
governador de executar as ordens de intromissão nos estados a mando de Vargas. Em outra
nota, o jornal destacava uma notícia do
Diário Carioca
do Rio de Janeiro, onde o general
Flores da Cunha teria telegrafado ao líder da bancada liberal na Câmara, deputado João Carlos
Machado concitando-o a atacar o governo federal e o Partido Radical Fluminense em face da
solução dada ao caso do Estado do Rio. Escreveu o
Diário da Noite
:
O Sr. João Carlos Machado deu conhecimento aos seus pares de um
telegrama do general Flores da Cunha concitando-o a pronunciar um
discurso de rompimento com o governo federal e de ataque ao ministro
Vicente Ráo e ao Partido Radical Fluminense. O telegrama caiu como uma
bomba no conclave, tendo despertado os mais vivos comentários, chegando-
se, após quatro horas seguidas de reunião, ao resultado de passr-se um
telegrama ao general Flores da Cunha pedindo que S.s meditasse melhor
sobre a sua atitude, pois que como conseqüência traria a renúncia ao Sr.
Getúlio Vargas, que em hipótese alguma, concorda no rompimento com o
situacionismo do seu Estado Natal, como o próprio Sr. Getúlio Vargas
declarara particularmente ao Sr. João Carlos Machado
172
.
O enfrentamento entre ambos acabou com o desfecho comentado
anteriormente, ou seja, com a renúncia do governador e o exílio no Uruguai.Transposto o
último obstáculo, o governo federal pode implantar o regime de força.Quanto ao acordo
gaúcho, os jornais chamavam a atenção enfocando a tentativa de conciliação da oposição
gaúcha com o governo federal e as tentativas que esse fez no sentido de chamar para o seu
171
Diário de Notícias, 15-11-1935.
172
Idem
129
lado essas mesmas oposições. O
Diário de Notícias
trazendo reportagem do
Correio da
Manhã
do Rio de Janeiro destacava:
O Correio da Manhã publica a seguinte entrevista com o Sr. Antunes Maciel
que regressa do Rio Grande “... o entendimento entre o Sr. Flores da Cunha
e a oposição têm sido mal interpretados pela Imprensa carioca. Os
comentadores se tem apegado mais à fórmula, que consideraram esdrúxula,
do que à substância do acordo.Outros tem chegado à conclusões temerárias,
atribuindo ao chefe do Partido Liberal gaúcho propósitos de hostilidade ao
governo da união. Posso afiançar que não nada disso. O presidente da
República, prevenido previamente, em carta do Sr. Flores da Cunha,
assentiu, como o comprova o telegrama de S .Excelência. De 17 de janeiro,
lido, agora, por ocasião da posse do secretariado. A fórmula boa ou má,
pouco importa. Ela é apenas a parte adjetiva do acordo, o ponto neutro que
se pôde encontrar para se tornar efetivo o entendimento. O que importa é a
substância deste. A substância é o apaziguamento. Este foi alcançado,
permitindo que colaborem na administração elementos das oposições
conjugadas, como , aliás,o Sr. Flores da Cunha desejara desde que foi eleito
governador e por isso mesmo convidara, então, o Sr. Raul Pilla para uma das
secretarias de Estado
173
.
O periódico apresentava essas informações colocando em letras maiores uma
determinada frase do pronunciamento e depois em letras menores a explicação de quem seja
aquele pronunciamento e o jornal que o destacava. A idéia principal é, pois, passar aquela
mensagem que acabava sendo referendada pelo próprio jornal .Em 18 de fevereiro de 1936
escrevia o
C
orreio
do Povo
com o título
A tática do Sr. Getúlio Vargas
a seguinte matéria:
O Diário de Notícias, em nota destacada de sua seção política, escreve hoje o
seguinte lê-se num telegrama de Vitória - embarcou para o Rio o Dr. Artur
Caetano que, hóspede oficial do Estado, teve concorrido bota-fora, achando-
se presente o governador Plunaro Bley e outras autoridades. Naturalmente o
leitor indagará:- Quem é esse Dr. Artur Caetano... o dr. Artur Caetano é
emissário do presidente da República’. Queira agora o leitor ligar esse fato
com o seguinte: depois de repetidas conferências, em palácio, com o
emissário Caetano, o governador Bley firmou o anunciado cambalacho com a
oposição capixaba, representada pelos srs. Asdrúbal Soares , Abnner Mourão
173
Diário de Notícias, 8-2-1936.
130
e Geraldo Vianna. Nesse momento, diversos outros drs. Caetanos percorrem
os Estados onde ainda oposições aos governos locais, com a presidencial
incumbência de acabar com as ditas oposições, incorporando-as aos
situacionismos. Esse trabalhinho é preparatório da luta da sucessão e vem
completar os primeiros entendimentos do consistório de Petrópolis , a serem
coroados pelas grandes decisões do próximo conclave de Poços de Caldas.
Os que negam perspicácia política ao sr. Washington Luís tem razão. Tendo
candidato à sua sucessão, ele, em vez de fazer o que o seu primeiro ministro
da Fazenda está realizando, isto é, em lugar de meter as oposições no saco
das situações,livrando-se de aborrecimentos no momento oportuno, não
manteve os adversários que encontrou, como criou novos. O resultado dessa
inépcia foi o 3 de outubro. Com o seu antigo ministro, a coisa pia mais fino.
Mobilizando os seus caetanos através do país. S.Excelência. limpa o terreno
dos tocos oposicionistas e argamassa com antecedência a sua frente
partidária, para reformar a Constituição como bem entender e até mesmo
para candidatar-se a um consulado vitalício. Talvez que o Sr. Washington
ainda estivesse no Catete se tivesse tido a genial de espalhar pelos Estados
uma dúzia de Caetanos como esse que meteu no papo do Sr. Bley a austera
oposição capixaba...
O jornal fazia referência à figura do presidente Washington Luís e a sua
incapacidade política comparada à de Vargas que soube cativar as oposições nos Estados no
momento certo e isolar aqueles governadores hostis como Flores da Cunha, de modo que foi
mais fácil proceder com o fechamento político.
Trazendo ainda à baila a oposição que o governador Flores da Cunha fazia ao
governo Vargas, podemos ler, no
Diário de Notícias
do dia 15 de setembro de 1936
reproduções feitas das folhas da
Manhã
e da
Noite
de São Paulo que traziam uma entrevista
com o general Flores, o seguinte:
Não tendo candidato,o rio Grande deseja ver o Brasil unido em torno de um
nome nacional, que seja a garantia de um governo de paz, de justiça e de
progresso em todos os setores da nossa vida pública, que se torna cada vez
mais exigente e complexa.
E fazendo referência especificamente a possibilidade de união com São Paulo
tendo em vista a sucessão presidencial, esclarece o governador:
131
Fique bem claro que não há, da minha parte e com referência à São Paulo,
qualquer ação. simplesmente uma opinião, um ponto de vista, digamos
mesmo, um afetuoso conselho. Pudesse tal opinião ser ouvida e seria pela
união política dos partidos, sem quebra da fisionomia que cada um possui,
pode e deve guardar. Esta união apenas facilitaria movimentos de conjunto
em relação aos grandes problemas do estado e do país. Não haveria fusão,
mas uma colaboração inteligentemente estabelecida(...) e num caso destes, o
Rio Grande do Sul, numa sincera homenagem ao maravilhoso
desenvolvimento e ao alto civismo do grande estado, com prazer lembraria e
sustentaria um nome ilustre de São Paulo unido para a sucessão do sr.
Getúlio Vargas. Nomes de tal natureza e de projeção nacional ão faltam ali,
felizmente.
Daí em diante até o golpe do Estado Novo, as atitudes de Flores
encaminharam-se no sentido de apoiar o nome do governador de São Paulo, Armando de
Salles Oliveira contra o candidato oficial José Américo de Almeida.
Ainda voltando à questão do acordo político, em 26 de março de 1935 a
Gazeta
de Alegrete
referia-se a ele da
seguinte maneira:
Não atinados com as razões do falado acordo na política rio-grandense. Se a
pacificação visa o silêncio da oposição, a passividade para olhar e julgar
tudo, o acumpliciamento diante de todas as atitudes-então estamos à beira da
estagnação, do pântano. Se a situação é de calamidade nacional iminente, a
oposição, por certo não concorrerá para a anarquia, açulando extremismos
ou apoiando os que pretendem a instauração de um regime de força. Não se
faz necessário, portanto, a sua participação nos conselhos oficiais do
governo. Se, porém, pactuam um arranjo em torno de posições ou de
empregos, o que não podemos crer- o acordo é uma imoralidade. Soaria a
hora propícia aos fracos, aos aproveitadores retardados, que ainda não se
bandearam por falta de coragem. Nas verdadeiras democracias, a oposição
colabora, dentro do jogo do regime, com os governos, mas não se funde com
eles. Os partidos são organizações metódicas das massas eleitorais, que tem
funções a cumprir, se não as desempenham, deixam de ser partidos. Estes
se eclipsam diante das grandes calamidades, nas ocasiões em que o instinto
de conservação, reagindo, confere a um só órgão a defesa do todo ameaçado.
Os sistemas de governo pressupõem a existência de dois ou mais partidos. Só
a ditadura ou o absolutismo, os regimes sem leis e sem garantias, exigem a
ausência de entidades fiscalizadoras. Só os regimes de arbítrio e de força não
132
admitem as organizações que definem, canalizam e guiam a opinião pública.
Se o visam é o desaparecimento da função dos partidos, dentro do Estado-
somos contra. Soldados de uma facção política, aguardamos o momento em
que ela tomará um rumo firme, no sentido de abrigar, no seu programa, a
solução de todos os problemas sociais, gritante, que aí estão, relegando, para
plano secundário, os de natureza política. Agora, se tudo vai se confundir,
voltar à nebulosa de antes- então está tudo perdido.
É interessante observar a posição firme da
Gazeta
e ligá-la à histórica posição
do jornal e da própria cidade à Frente Única Gaúcha. Marcando território ao dizer que os
partidos podem apoiar o governo, mas nunca se fundir com ele, o órgão estava deixando claro
a sua insatisfação com o governo estadual que na sua fase modernizante estava se voltando
mais para a industrialização do estado em detrimento dos antigos interesses da pecuária que
era o estandarte econômico da região.
Em 4 de julho de 1935, o jornal
A Razão
assim se referia ao acordo:
Pelo que se infere das notícias propaladas através do nosso serviço
telegráfico e dos comentários surgidos, teria fracassado, mais uma vez, a
tentativa de acordo político no Rio Grande. Assunto que tem interessado
vivamente à opinião pública, pelos reflexos que a sua realização traria e pela
repercussão que teria no ambiente administrativo, são-lhe as demarches
seguidas e acompanhadas pelos que desejam o acordo em questão, vendo
nele um motivo de júbilo e de advento de uma nova era de progresso e de bem
estar coletivo.Sempre nos temos batido, baseados em princípios rudimentares
de amor à nossa terra, por um acordo honroso, dentro do qual se fizesse o
aproveitamento de capacidades reconhecidas e de valores inegáveis que
seriam chamados a colaborar na administração, sem a prévia indagação dos
seus credo políticos e das suas convicções partidárias(...)A oferta , ao que se
afirma, de três secretarias de Estado à oposição, pareceu, de momento,
resolver o problema ou, pelo menos, encaminha-lo para uma solução
satisfatória. Ignoram-se, ainda, os motivos, sem dúvida poderosos, que teriam
levado a Frente Única à não aceitação da proposta. E preferimos supor que
eles tenham sido de tal monta que impediram a oposição rio-grandense de
receber o convite, sem abrir mão dos seus princípios e dos seus
postulados(...)em vista das diversas tentativas feitas e iniciadas para o
congraçamento definitivo dos sul-rio-grandenses, no terreno político, é
permitido crer que a pacificação se fará, dependendo tão somente de ser
encontrada uma formula que satisfaça plenamente às aspirações gerais ou do
aparecimento de um motivo relevante que venha determinar inapelavelmente
à fusão dos partidos, como garantia da estabilidade constitucional e como
barreira á pretensa invasão de ideologias exóticas.
133
A Razão
destacava o motivo apontado pela oposição para romper mais tarde
com o acordo, ou seja, a cedência por parte do governo estadual de três secretarias, não
atendeu ao princípio geral do acordo que era dividir o poder com a oposição em uma
chamada fórmula parlamentarista
174
. No entanto, o acordo teve duração efêmera, aoutubro
de 1936. A oposição acusou o governador a não cumpri-lo.
O
Diário Popular
se ocupava também do acordo em suas páginas e destacava
um artigo do político Macedo Soares fundador e ex-diretor do jornal
Diário Carioca
onde
esse falava do acordo da seguinte maneira:
Estamos diante de dois textos do acordo, absolutamente opostos. A um
chama’ do doutor Flores’ ao outro denomina dos srs. Raul Pilla, Lindolfo
Color e José Maria dos Santos. Pelo primeiro estes ‘ainda não engoliram o
bravo dr. Flores’. Acrescenta o articulista”se além de deixarem intacta a
autoridade do sr. Flores, os heróicos drs. Frente-unistas também desistirem
de afrontar a autoridade do sr. Getúlio Vargas, então deixem-nos rir do novo
acordo camboim’
175
.
Em 20 de março do mesmo ano, o jornal questionava se seria prorrogado o
estado de sítio, destacando a posição do presidente do Senado de que o pedido de prorrogação
deveria vir acompanhado de: “uma mensagem governamental fundamentada e que os
membros do Legislativo farão atento exame das razões e, justificativas que forem expostas.
Feito isso, emitirão um voto de consciência que, esclarecida ao espírito público, anima a
defesa em salvaguarda dos superiores interesses da Nação”.O pedido acabou vindo e o
Legislativo não impediu o avanço do projeto autoritário de governo.
174
Para Hélgio Trindade, o Modus Vivendi implicava na valorização do Legislativo, condicionando a atuação do
Secretariado de Estado à aprovação dos respectivos partidos e dando à Assembléia o direito de convocar os
secretários para elucidar problemas e prestar contas. O acordo também instituía a figura do presidente do
secretariado que coordenava as atividades das várias secretarias. O autor destaca ainda que o governador deveria,
segundo o acordo, consultar os secretários para tomar alguma decisão.cf TRINDADE, Hélgio. Poder Legislativo
e Autoritarismo no RS :1882-1937. Porto Alegre: Sulina,1980. p.308..
175
Diário Popular, 18-1-1936.
134
Ainda em 29 de março, o jornal apontava o restabelecimento da censura à
imprensa e de como os serviços jornalísticos ficaram cerceados. No entanto, o pânico geral em
função dos levantes comunistas de novembro do ano anterior
aquietaram
as lamúrias da
imprensa que passou a reproduzir aqueles medos e justificando consciente ou
inconscientemente as atitudes do governo.
O acordo político passou para a imprensa como tendo os seus méritos, porém
frustrante na medida em que a fórmula parlamentarista que propugnava não ocorreu na
prática. Os jornais ligados ao PRL ficaram solidários com o governador e os de oposição
trataram de focalizar o que chamaram de falta de interesse de Flores da Cunha em concretizar
a fórmula parlamentarista.
3.3- O Golpe de 1937 e a implantação do Estado Novo
Como abordado na abertura desse capítulo, o Golpe de 1937 havia sido
gestado a partir da Lei de Segurança Nacional de janeiro de 1935 e o próprio autoritarismo
tinha começado a dar seus passos desde a Revolução de 1930. Esse processo freado pela
Constituição de 1934 foi reativado após 1935. Luiz Roberto Lopes escreve:
Por um momento em 1937, a repressão que o país vinha sofrendo desde 1935,
afrouxou. O Congresso, considerando que se estava às vésperas de eleições,
recusou uma nova prorrogação do estado de sítio. Getúlio Vargas numa
atitude de represália destinada a colocar em pânico os setores conservadores
civis e militares, abriu as portas das prisões para presos políticos. Ao mesmo
tempo que esses fatos aconteciam, o dispositivo militar golpista,
indispensável no momento da ação, se fortalecia. O Exército estava
135
descontente com o Congresso por ter este aprovado leis que retiravam aos
militares tradicionais privilégios, conforme, aliás uma sugestão esperta do
próprio Getúlio. Além disso, Góes Monteiro, o principal articulador militar
do golpe de 1937, efetuou, naquele ano agitado, a intervenção Rio Grande do
Sul. O General Daltro Filho assumiu o comando local da situação, Flores da
Cunha fugiu, ‘os corpos provisórios’ foram desmobilizados e a Brigada
Militar foi federalizada. Foi, em suma, um mini-golpe regional contra uma
oposição em perspectiva.À medida que o ano de 1937 se aproximava do fim,
a ditadura ia ganhando contorno nítidos. Em determinado momento, o
governo anunciou ter ‘descoberto’ um plano comunista de subversão - o
Plano Cohen. Na verdade, este plano foi uma fraude do governo para manter
acesa a chama anticomunista, o suporte principal do golpe que se
tramava
176
.
Os meios de comunicação transmitiam aquilo que o Estado queria e a imagem
do presidente era muito trabalhada no sentido de fazer com que o vissem como o condutor das
massas, o líder capaz de
conduzir o Brasil ao seu destino de progresso econômico e social
.
Boris Fauto referindo-se a essa visão de governo escreve:
Nas várias manifestações dirigidas ao grande público ou nas páginas de
publicações como Cultura Política, destinadas a um Círculo mais restrito, o
Estado Novo procurou transmitir sua versão da história do país. No âmbito
da história mais recente, ele se apresentava como a conseqüência lógica da
Revolução de 1930. Fazia um corte radical entre o velho Brasil desunido,
dominado pelo latifúndio e pelas Oligarquias, e o Brasil que nasceu com a
revolução. O Estado Novo teria realizado os objetivos revolucionários,
promovendo através da busca de novas raízes, da integração nacional, de
uma ordem não dilacerada pelas disputas partidárias a entrada do Brasil nos
tempos modernos
177
.
O jornal
Correio do Povo
manifestou-se de forma bastante técnica no que se
referiu à implantação do Golpe do Estado Novo. Seguindo a forma anterior de destacar as
notícias dos periódicos do sudeste do país, apresentava as notícias com pouca tendência à
176
Lopez, Luiz Roberto,op cit,p.89.
136
tomada de posição.Essa, quando ocorria deveria ser observada nas entrelinhas. Em notícia de
11 de novembro de 1937 trazia a seguinte chamada:
o presidente da República dissolveu a
Câmara dos Deputados e o Senado e promulgou nova Constituição
onde fazia as seguintes
referências:
Decidida pelo governo federal a dissolução de todas as Assembléias
legislativas estaduais. Será mantida a autonomia dos Estados. O Novo texto
constitucional. Renunciaram os governadores Lima Cavalcanti e Juracy
Magalhães. Foi preso o sr. Armando de Salles Oliveira.
Sobre A prisão de Armando de Salles, assim expunha o jornal:
Foi, preso, hoje nesta capital, o sr. Armando de Salles Oliveira, ex-
governador de São Paulo e candidato da U.D.B à presidência da República,
por ter incitado o Exército à rebelião, através de boletins que tentou
distribuir nos quartéis
.
O jornal destacava ainda, uma nota do gabinete do Chefe de Polícia
em que
esse
dizia que a Constituição foi promulgada: “que a transformação se operou de modo
pacífico e teve por fim assegurar a paz à Nação. A Constituição será submetida a Plebiscito
Nacional. A nova Constituição assegura de modo mais completo, a autoridade da União e
arma o governo de meios normais para a defesa da ordem. Haverá o Parlamento e um
Conselho consultivo de economia nacional. São garantidos todos os direitos e contratos”
178
.
177
FAUSTO, Boris, op cit,p.376.
178
Idem.
137
O plebiscito como se sabe, nunca chegou a ocorrer, a censura foi intensificada e
as brechas que levaram à oposição ao Estado Novo somente foram possíveis com a entrada do
Brasil na Segunda Guerra Mundial em 1942, quando então foram expostas as contradições do
regime que externamente lutava contra os fascismos europeus e internamente impunha ao país
um autoritarismo sem precedentes. A censura à imprensa tão amplamente discutida pelos
jornais desde 1930 foi imposta verticalmente, com o chefe do Executivo assumindo todas as
funções de Estado.Sobre a extinção dos partidos políticos, os jornais faziam referências
chamando a atenção para o ambiente de instabilidade criado pela ameaça comunista, o que
acabaria justificando em última instância tal atitude.Sobre isso, o jornal
A Razão
de Santa
Maria no artigo
Extintos os Partidos Políticos
assim se manifesta:
O presidente da República assinou decreto, hoje, na pasta da Justiça,
dissolvendo todos os partidos políticos baseado nas atribuições que lhe
confere o artigo 180 da Constituição de 10 de novembro último. O decreto é
precedido de diversos considerandos nos quais fica provada exuberantemente
a incompatibilidade existente entre as agremiações políticas e o Estatuto
Magno em vigor. Depois desses considerandos, vem os artigos do decreto que
são os seguintes. Artigo - Ficam dissolvidos nesta data todos os partidos
políticos. Artigo - É vedado o uso de uniformes, estandartes, distintivos e
outros símbolos dos partidos políticos e organizações auxiliares
compreendidos no artigo 1. Artigo 3º- Fica proibida até a promulgação da lei
eleitoral a organização de partidos políticos seja qual for a forma de que se
revista a sua constituição ainda que de sociedade civil destinada
ostensivamente a outros fins uma vez que se verifique haver na organização,
o propósito próximo ou remoto, de transforma-la em instrumento de
propaganda de idéias políticas. Artigo - Aos políticos compreendidos no
artigo é permitido continuarem a existir como sociedade civil para fins
culturais, beneficentes ou desportivos, desde que o não façam com a mesma
denominação com que se registraram como partidos políticos. Artigo 5º- Não
será permitido aos militares de terra e mar, assim como aos membros de
outras corporações de caráter militar, pertencerem ás sociedades civis em
que transformarem os partidos político a que se refere o artigo . Artigo -
As contravenções a esta lei serão punidas com a pena de prisão de 2 a 4
meses e multa de 5 a 10 contos de réis. Artigo 7º- Revogam-se as disposições
em contrário
179
.
179
A Razão, 4-12-1937.
138
Em uma outra chamada nesse mesmo dia, o jornal salientava que a Ação
Integralista Brasileira também passava a ser considerada fora da lei por enquadrar-se nos
artigos do decreto exposto acima. Sabe-se que a Ação Integralista serviu de suporte ao plano
de governo para a implantação do Estado Novo. Depois de conseguido seu intento, acabou se
descartando desse movimento, que organizou um outro contrário em 1938, mas não obteve
sucesso.É interessante observar que o projeto do Estado Novo foi muito bem planejado de
maneira que as oposições nos estados acabaram eliminadas e os antigos líderes locais
arregimentados para o lado do governo, temendo a possibilidade de ataques comunistas. No
RS, as antigas agremiações, PRR e PL, que vinham sendo cooptadas pelo governo, após o
exílio de Flores da Cunha assumiram de certa forma a necessidade do estado de exceção. Os
jornais, ligados a essas correntes políticas também.Obviamente dizemos isso, sem
esquecermos o componente coercitivo que acabava
convencendo
os mais renitentes.Em nota
de 23 de abril de 1938, a
Gazeta de Alegrete
assim se manifestava:
O Sr. Getúlio Vargas concedeu importante entrevista coletiva à Imprensa.
Reunindo especialmente os representantes dos jornais cariocas. S. Excia.
Abordou os mais importantes e palpitantes temas sobre a administração e a
economia brasileira. O chefe da Não afirmou que procedem desonestamente
aqueles que afirmam que o regime que o regime vigente no Brasil será
alterado sob a influência de idéias vindas de fora.Disse que findou o regime
oligárquico, no qual imperavam o cecequismo, o parasitismo político, o
regionalismo e caudilhismo e eram alentados os extremismos da esquerda e
da direita. O Sr. Getúlio a certa altura da sua palestra declarou que o regime
do Brasil é a verdadeira democracia, pois foi conservado o sistema
representativo presidencialista e o corporativismo instituído pela
Constituição e é expressão mais fiel das aspirações populares e o órgão mais
adequado para a manifestação das opiniões. Disse que o fortalecimento do
poder executivo é um fenômeno corrente em todo o mundo, tanto que os
próprios países que adotam o parlamentarismo em certos momentos recorrem
ao mesmo expediente para poderem enfrentar as crises mais sérias.
139
Os jornais foram sendo assim articulados com o novo projeto e fizeram extensa
propaganda do regime através de suas páginas, aquelas notícias ou comentários considerados
impróprios eram eliminados e é comum ocorrerem nesse período a apresentação de páginas
completamente em branco. Isso, no entanto, acabava servindo a dois propósitos: ao governo
que via suas determinações serem seguidas e ao jornal que através dessa atitude fazia oposição
ao regime, pois uma ou mais páginas em branco deixava na cabeça do leitor muitas
interrogações. Pouco antes do golpe, os jornais chamavam a atenção para as atitudes
articuladoras do presidente em relação ao lançamento de um candidato oficial à presidência da
República como mostrava artigo do jornal
Opinião Pública
de 16 de março de 1937 sob o
título
O sr. Flores da Cunha e as oposições nacionais
que trouxe matéria do
Diário de
Notícias do Rio de Janeiro:
O Diário de Notícias faz em sua edição de hoje os seguintes comentários.
Tudo indica que dentro de poucos dias as correntes políticas que se
defrontam no exame do problema presidencial dêem um passo à frente
tornando públicas as suas divergências. A ação política desenvolvida pelo
Catete já está perfeitamente definida com a intervenção federal em Mato
Grosso e a iminente intervenção no Distrito Federal. O presidente da
República, ao mesmo tempo que combina, em segredo de estado, o
lançamento da candidatura oficial, retardando, por amor ao fator tempo, a
articulação das forças que o apóiam em torno de um nome, uma
demonstração de força. Com isso,S. excia, pretende não mostrar que está
forte, mas, também, que se alheia das competições partidárias para a escolha
do candidato oficial. Não se acredita, porém, nem numa coisa nem na outra.
O sr. Getúlio Vargas entrou evidentemente numa fase aguda de azar. Aliás,,
não era sem tempo, porque até nas arbitrárias leis do acaso observa-se
uma certa lógica. Por mais absurdo que pareça, ao azar também é justo. É
natural, destarte que tenha chegado a vez do sr. Getúlio Vargas.
O artigo seguia condenando as atitudes de Vargas, que com seus atos insuflava
as atitudes de Flores da Cunha que reagia contra as arbitrariedades do catete.
140
Como se sabe, o sr. Flores da Cunha é radicalmente contrário à prática de
qualquer ato inconstitucional, a começar pela prorrogação do mandato do
atual presidente da República. A julgar-se pela atitude decisiva que assumiu,
condenando a intervenção no Distrito Federal, não pode ter agradado ao
governador gaúcho a deposição do governador de Mato Grosso. Ora, à
intervenção em Mato Grosso seguirá a cassação da autonomia do Distrito
Federal fatos que, pela sua própria natureza, levarão o general Flores da
Cunha, a restabelecer as suas ligações com as oposições nacionais, como
força ponderável, no bloco partidário que deseja resolver o problema
presidencial fora da esfera de ação do Catete. Mais dia,menos dia- é de
acreditar-se, São Paulo e Rio Grande estarão unidos, para enfrentar,
justamente com as oposições nacionais, a política de golpes e contra- golpes
que caracteriza a ação do Catete.
O
Diário de Notícias
de Porto Alegre também fez referências ao lançamento
do candidato oficial em nota do dia 25 de maio de 1937:
Apesar de feriado nacional, não funcionado portanto, a Câmara, sentiu-se,
durante todo o dia, redobrar o interesse nos círculos políticos pelo desfecho,
amanhã,da coordenação oficial do sr. Benedito Valadares, para ea escolha
do candidato das maiorias à sucessão.Não resta a menor dúvida de que o
nome a ser proclamado é o do sr. José Américo, cuja indicação ficara
acertada nas conferências promovidas pelo governador mineiro, em Belo
Horizonte, depois de contra-marchar na combinação feita, segunda-feira
última, com os representantes de o Paulo e Rio Grande(...)à tarde será
proclamado o nome do sr. José Américo como candidato oficial á presidência
da República, em oposição à candidatura democrática do sr. Armando de
Salles Oliveira, esperando os interessados na indicação do ex-ministro da
Viação que o seu nome será recebido pela unanimidade dos representantes
dos estados presentes à Convenção.
Essa clarividência dos acontecimentos permeava todos os jornais, com maiores
ou menores matizes, ou seja, alguns falavam abertamente sobre a política intervencionista do
governo, entre eles
O Tempo, Opinião Pública, A Razão, Diário de Notícias, Gazeta de
Alegrete.
Outros como
O Correio do Povo, Rio Grande, Diário Popular,
se referiam de
forma mais branda, isso porque representam as situações locais e não podiam se indispor com
141
o governo.O
Staffetta Rio-grandense
por estar ligado a uma cultura própria pôde por vezes
estar mais livre das pressões políticas.
Em 25 de março de 1936,
A Razão
chamava a atenção para a prisão do senador
Abel Chermont, dos deputados Otávio Silveira, Domingos Velasco, Abguar Bastos e do
advogado João Mangabeira por serem considerados subversivos e de estarem envolvidos junto
com Harri Berger(agente comunista no Brasil) e Luís Carlos Prestes nos levantes comunistas
ocorridos em novembro de 1935. Escrevia o jornal:
Por determinação da chefia de polícia do Distrito Federal foram presos,
ontem, o senador Abel Chermont, deputado Otávio Silveira, Domingos
Velasco, Abguar Bastos e o advogado João Mangabeira. A prisão daqueles
parlamentares foi recebida com surpresa. O Sr. Abel Chermont vinha, no
senado, proferindo discursos, que bem poderiam comprometer, porém não se
esperava a sua prisão. Os deputados Otávio Silveira, Domingos Velasco e
Abguar Bastos sempre se mostraram contrários. Quanto ao advogado João
Mangabeira havia ele, pouco, impetrado uma hábeas corpus’ em favor
dos intelectuais presos no Pedro I, o que lhe valeu fortes ataques de alguns
jornais. Em nota que divulgou hoje, o chefe de Polícia, capitão Felinto Müler,
diz que essas prisões foram efetuadas porque o senador Chermont, os três
deputados e o advogado Mangabeira estão seriamente comprometidos nos
documentos encontrados em poder de Harri Berger e general Luís Carlos
Prestes.
A tática do governo em explorar ao máximo os levantes de novembro surtiu
efeito, tanto que, a imprensa acompanhou a idéia da necessidade de conter o avanço
comunista. As oposições foram então abafadas.Mesmo a declaração do Estado de Guerra que
se seguiu foi entendido a princípio pelas oposições e pela imprensa como necessário diante do
caos
que se instalara.
Durante todo o ano de 1936, os debates se intensificaram em torno da
manutenção do Estado de Guerra e rumo à sucessão presidencial. A imprensa cada vez mais
cerceada abria algumas brechas para discutir a sua própria função. Vargas por outro lado, ia
142
insuflando as oposições e dando a impressão de que se estava diante de um cenário pré-
eleitoral aberto e que a sucessão aconteceria sem maiores traumas, o que na verdade não
ocorreu.. Em 19 de dezembro de 1936, o jornal
A Razão
com a manchete
O desvirtuamento
das funções da Imprensa
destacava:
A função social da imprensa, no Brasil, nestes últimos tempos, vem sofrendo
restrições inacreditáveis. Reduziu-se o campo de ação dos jornais ao registro
mecânico das informações que convêm ao oficialismo. E transformou-se a
imprensa numa instituição perfeitamente dispensável. As próprias atividades
parlamentares que, pela sua natureza, deveriam ser amplamente divulgadas,
passam aos olhos do público depois de sofrerem o contato da tesoura
oficial. Fatos indesmentíveis, ocorrências palpáveis, acontecimentos de todos
conhecidos são proibidos de figurarem nas colunas dos jornais, mesmo a
simples título de informação. E assim vai a imprensa brasileira vegetando
nesse marasmo criado e alimentado pelos poderes públicos. Aqui no Rio
Grande, em São Paulo, no Amazonas, onde quer que a opinião pública
precise de orientação definida e sincera, a tesoura oficial penetra nas
redações e reduz os jornais à expressão das coisas sem expressão.
O editorial foi elencando uma série de elementos que fizeram da imprensa um
baluarte em defesa da democracia desde a revolução de 1930. O tom é agressivo.Vejamos:
Entretanto, para a implantação do estado de coisas que vigora desde trinta, a
imprensa concorreu decisivamente, pregando, desbravando, combatendo.
Foi-lhe reservado o setor mais importante da questão: a orientação da
opinião pública. O movimento, com tal colaboração, só poderia apresentar os
resultados que todos conhecemos: a vitória integral. De Norte a Sul os ideais
de trinta iluminaram a consciência brasileira. Era natural que, logo após a
vitória, uma vontade de ferro controlasse o entusiasmo natural e procurasse
orientar as atividades da imprensa para os rumos necessários, isto é, para a
reconstrução daquilo que o valho regime havia malbaratado. Foi o que fez
durante o período ditatorial. Reposto o Brasil nos quadros legais,
restabelecidas as prerrogativas da lei era natural que a imprensa reentrasse
nas suas altas funções sociais, orientando a opinião pública, examinado os
problemas de natureza coletiva e procurando estabelecer, entre nós, o sentido
da verdadeira democracia. Tudo isso não dependia da própria imprensa, que
sempre se manteve fiel ao seu princípio de sinceridade e patriotismo. O que
assistimos, entretanto, é bem triste e bem diverso. Atualmente a imprensa
brasileira vive num verdadeiro círculo de ferro, à mercê da vontade despótica
143
da política facciosa e dos políticos profissionais(...) a manopla da censura,
pesada e inconsciente, arrasa tudo e tudo transforma, mantendo a opinião
pública ao largo dos fatos que interessam à reconstrução do Brasil e
reduzindo a função social da imprensa ao registro mecânico das informações
facciosas.
O mesmo jornal chamava a atenção em 18 de maio de 1937, à falta de partidos
nacionais, o que acabava dificultando a escolha do sucessor de Vargas. Para
A Razão:
As tremendas dificuldades com que estamos lutando para a escolha pacífica
do candidato à sucessão presidencial da República, nada mais são do que os
resultados da falta de partidos nacionais, coordenadores, patriotas imbuídos
do verdadeiro espírito de brasilidade. As organizações partidárias existentes,
de norte a sul do país, apenas refletem interesses regionais ou de grupos
políticos, armados para o assalto ao poder(...) infelizmente, o Brasil ainda
não tem um objetivo claramente definido nas agitações das suas forças
partidárias. Nas ocasiões precisas, de graves reflexos para a vida e
tranqüilidade nacionais, os partidos políticos se entregam à uma discussão
que nada tem a ver com os interesses do país. Conflitos de interesses
pessoais, desejos inconfessáveis de predomínio e essa vontade doentia que
domina os homens inferiores, é o que se verifica nas cogitações que o Brasil
vem assistindo através da atividade de seus partidos. Daí a razão dessa
ausência de compromissos políticos que se nota nos meios populares. o
temos afirmado mais de uma vez que no Brasil ninguém tem compromissos
políticos pela simples razão de que não existem agremiações nitidamente
ideológicas. O que existe, o que se verifica infelizmente é a existência de
agrupamentos formados ou à sombra dos cofres públicos ou partidos que se
transformaram de organizações idealistas em meros caçadores das boas
graças oficiais.
O arranjos ou rearranjos políticos feitos pelo governo foram possíveis em parte
por essa falta de coordenação e a extinção dos partidos em dezembro de 1937 corroborou essa
premissa de faltavam partidos nacionais fortes capaz de barrarem o avanço do autoritarismo.
Quando o assunto da sucessão presidencial foi ganhando força, as discussões se
polarizaram em torno dos nomes de Armando de Salles Oliveira (governador de São Paulo) e
144
do paraibano José Américo de Almeida tido como o candidato oficial do Catete. Sobre a
sucessão,
A Gazeta de Alegrete
assim se manifestava em 2 de março de 1937:
A atitude do sr. General Flores da Cunha, cuja atividade e inteligência
estiveram mais uma vez em evidência nestes últimos dias procurando
coordenar elementos em torno de um nome nacional para candidato à
sucessão presidencial, esteve voltada para a candidatura do sr. Armando de
Salles que s.s prometeu apoiar com o Partido Liberal.
Flores ao que se sabe acabou apoiando Armando de Salles mesmo existindo a
contrariedade de certos elementos do partido. Essa atitude junto com outras condenou o
governador mais tarde ao exílio forçado.Assim o ano de 1937 foi de intensas idas e vindas em
torno da questão da sucessão e a imprensa por seu turno, pode se manifestar. Destacando a
censura, o jornal
Opinião Pública
no editorial
Um amigo da Imprensa
esclarecia:
O senador Alcântara Machado, em declarações a uma folha, a propósito da
sucessão presidencial, manifestou-se a favor da abolição à censura à
Imprensa, afim de que o povo seja amplamente esclarecido, acerca da eleição
do futuro presidente(...) em nenhuma das unidades da Federação, a censura
aos jornais tem sido mais arbitrária do que em São Paulo. Durante o governo
dos interventores, ela praticou insólitos abusos(...)como retorno do país à
normalidade constitucional, a Imprensa recuperou a liberdade- isto é,
desapressou-se da censura, porque a sua liberdade, desde que entrou em
vigor a lei de Imprensa decretada pelo sr. Getúlio Vargas, ficou a mercê dos
caprichos dos governantes. Bastou, todavia que, em conseqüência do levante
comunista de novembro de 1935, o governo federal recorresse, para solidar a
ordem e resguardar as instituições, ao estado de sítio, mais tarde substituído
pelo estado de guerra, sob o qual se conserva o Brasil até hoje-bastou isso,
para que, restabelecida a censura aos jornais, a polícia de São Paulo, de
novo, começasse a trata-los com rigorosidade bravia, havendo folhas de
outros pontos do país, de quando em quando, protestado contra desmandos
dos censores, naquele Estado.
145
Os reclamos eram uma constante na imprensa nesse período, mas em
novembro do mesmo ano tiveram de silenciar pela convicção da necessidade do golpe ou pela
coerção imposta pelo governo.
O caso do Rio de Janeiro também serviu de estopim para a oposição reunida
em torno do general Flores da Cunha As disputas eleitorais naquele estado deram a necessária
munição ao governo para medir sua força e decretar a intervenção no estado. O
Diário de
Notícias
chamou a atenção para o fato em 17 de março de 1937, onde destacou ainda os
reclamos do Partido Autonomista contra tal medida como mostra o manifesto assinado pela
maioria da Câmara municipal, por dois senadores e por três deputados federais:
Presidente Getúlio Vargas - No momento em que a imprensa, baseada em
informes obtidos nos meios políticos e, mesmo, depositários do pensamento
governamental noticiam a possibilidade da intervenção no Distrito Federal-
sua população através das forças eleitorais representados pelos signatários
desta, vem ainda uma vez, à presença de v.ex. num caloroso apelo, oferecer
ponderações contrárias à decretação da referida providência.
Quanto aos movimentos extremistas, os jornais adotaram posturas contrárias a
eles tanto os de esquerda quanto os de direita e com isso, acabaram respaldando as
intervenções constantes do governo.Em de agosto de 1936 assim se posicionava o
Diário
Popular
:
Pela Democracia e contra o Integralismo. Os acadêmicos de Pelotas
secundam o movimento iniciado pelos seus colegas paulistas. Um grupo de
estudantes da nossa Faculdade de Direito, secundando o movimento iniciado
pelos estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo, de combate ao
Integralismo e de defesa da Democracia, organizou-se em agremiação e
lançou o seguinte manifesto que publicamos em primeira mão’ secundando o
movimento iniciado pelos acadêmicos paulistas, de combate ao Integralismo,
146
os abaixo firmados, acadêmicos de Direito da Faculdade de Pelotas,
convocados pela comissão provisória de organização do núcleo desta cidade,
constituída do acadêmicos Djalma P. de Matos, Guilherme Schultz F. e
Aristimundo Mendes de Oliveira, em reunião prévia verificada em uma das
salas daquela Faculdade resolveram, por unanimidade de votos, lançar o
presente manifesto, concitando a mocidade pelotense a tomara atitude nesta
patriótica campanha de salvaguarda dos princípios liberais democráticos,
regime sob cujo amparo vivemos, das instituições pátrias, da consciência de
povo independente e soberano que somos, e de franca e honesta reação à
ditadura fascista.
Outras manifestações como essa apareceram nos demais jornais de maneira
que, o integralismo foi sendo associado à idéia de regime nocivo à Democracia Liberal.
Quando foi promulgada a Constituição de 1937, o jornal comportou-se como os outros, ou
seja, acatou o novo regime como necessário ao restabelecimento da ordem no país. Sob o
título A Nova Situação Política lemos:
Proclamação ao Exército:’ O ministro da Guerra, em proclamação ao
Exército, declarou que cabe às classes armadas acatar a nova situação’. Fala
o presidente da República: às 20 horas, o sr. Getúlio Vargas falou à Nação
pelo rádio na Hora do Brasil e declarou que a Constituição de 1934 tinha
falhado no seu mecanismo; que se impunha estabelecer uma nova estrutura
do Estado, dentro do regime democrático; fez uma apreciação do seu governo
e traçou novas normas. Reina ordem no país’.
Em tempo, o jornal
Diário Popular
intitulava-se órgão do Partido Republicano
e as suas manchetes estiveram atreladas aos vários momentos que esse partido vivenciou ora
contra, ora a favor do governo Vargas de acordo com os conchavos que se processavam entre
a situação e a oposição no Brasil dos anos 30.Ainda sobre o comunismo, o articulista Américo
Palha do jornal
O Tempo
chamava a atenção na manchete
O Brasil e o Comunismo
:
147
A sentença do juiz Ribas Carneiro dissolvendo a Aliança Nacional
Libertadora é um desses documentos que se fixam na história de uma nação,
como um princípio de ordem na defesa da estabilidade social, da religião, da
família e do bem coletivo
180
.
Existiu a partir daí uma série de críticas ao comunismo no jornal. Durante o
ano de 1937 o órgão assumiu a candidatura de José Américo de Almeida e rechaçou o nome
de Armando de Salles Oliveira que passou a ser apontado com desdém e acusado de não ser
nacionalista. O momento que marcou o início das atitudes mais agressivas do jornal contra o
armandismo e por conseqüência ao florismo, foi quando da questão da dissidência dos
próceres liberais que abandonaram o partido, criticando Flores da Cunha a quem acusavam de
ter rompido o
Modus Vivendi
. O rompimento com o governador, como se sabe, foi insuflado
pelo próprio Vargas.Sob o título
A dissidência do Partido LiberaL em face do momento
político
lemos:
Desde que se verificou o rompimento do ‘Modus Vivendi’ firmado pelos
partidos rio-grandenses . o PRL entrou em grave crise dividindo-se em duas
alas distintas: uma solidária com o sr. Flores da Cunha. Governador do
Estado, outra de apoio ao sr. Getúlio Vargas, atual chefe da Nação. Essa
crise, contudo, como a opinião pública está lembrada, não se circunscreveu
apenas na divisão do PRL, pois que determinou imediatamente um golpe
decisivo contra o prestígio do situacionismo, que ficou em minoria na
Assembléia Legislativa do Estado, pois que nove deputados liberais entraram
em dissidência, e, em direta cooperação com as bancadas que integram a
representação da Frente Única. Iniciaram uma intensa campanha de combate
à administração do sr. Flores da Cunha. A chefia do PRL convocou, então, os
seus representantes, realizando-se uma convenção nesta capital, que teve por
objetivo desligar os deputados dissidentes e os próceres graduados em
oposição às diretrizes traçadas pelo sr. Flores da Cunha, assim como para
ratificar a escolha da candidatura Armando de Salles Oliveira à sucessão
presidencial da República no próximo pleito.
181
180
O Tempo, 3-1-1936.
181
O Tempo, -7-1937.
148
Em outra chamada de 3 de julho de 1937 destacava que o eixo da política
nacional deslocava-se de São Paulo e Minas Gerais para se concentrar no RS devido ao apoio
do Estado ao candidato Salles Oliveira e depois em 18 de agosto do mesmo ano até a
proclamação do Estado Novo, passou a estampar a seguinte frase na parte superior :
Para
presidente da República: José Américo de Almeida. Essa frase vinha por vezes acompanhada
de palavras do próprio José Américo como estas de 27 de agosto:
no Rio Grande governarei
com a FUG e com a Dissidência Liberal ( palavras do futuro presidente da República em
comício no teatro João Caetano).
Paralelo a isso, o jornal foi sistematicamente ironizando a figura de Flores da
Cunha, desdenhando a sua administração e focando as suas críticas no número de bens que o
governador adquiriu desde que assumiu o cargo.
Quando o governador foi forçado ao exílio, o jornal estampou com certo alívio
a notícia e o golpe de 1937 foi encarado como necessário ao país. Depois chamou a atenção
em manchetes que tanto Borges de Medeiros quanto o Partido Libertador passaram a apoiar o
novo regime.
Salientando ainda, a questão do fechamento da ANL, o
Rio Grande
também
apoiou tal medida por entendê-la necessária diante daquele contexto. O jornal
182
por intitular-
se Órgão do Partido Republicano Liberal foi o responsável pela defesa do governo do general
Flores da Cunha e quando aconteceu o golpe foi obrigado como os demais a curvar-se diante
do inevitável. Sob o título
Medida Profilática
lê-se:
O governo federal ordenou que fossem fechadas as sedes e núcleos da ANL
existentes no território brasileiro. O decreto, que, determina essa medida
fundamenta-se nas atividades subversivas desenvolvidas por aquela
182
Note-se que a maioria dos editoriais do Rio Grande eram retirados do jornal porto-alegrense A Federação que
também tinha, naquela época, por premissa a defesa do PRL e do governo do general Flores da Cunha.
149
organização, agora suficientemente demonstradas mediante farta
documentação apresentada pelo espião Felinto Muller, chefe de polícia do
Distrito Federal. Telegramas do Rio adiantam ainda que, está nas cogitações
do governo decretar, da mesma forma, a dissolução de todas as milícias
integralistas do país. Já se fazia necessário, sem dúvida, que o governo
tomasse essas medidas acauteladoras da ordem, a fim de tranqüilizar
definitivamente o país, agitado por contínuos sobressaltos( Rio Grande,19-7-
1935)
Sobre o fracassado movimento extremista referia-se o jornal em 30 de
novembro de 1935:
o fracassado movimento extremista. Um episódio de bravura
brasileira.os recursos ignóbeis e covardes de que lançaram mão os revoltosos sob o comando
do capitão Agildo Barata”.Em 6 de dezembro do mesmo ano, chamava ainda a atenção no
editorial
O Rio Grande pela defesa da Democracia:
Na defesa do regime e da Revolução, o Rio Grande tem dado mais do que
cabia faze-lo. Se periclita a ordem ou se avolumam os interesses contrários
ao bem estar social é, ao Rio Grande que recorrem os responsáveis pelos
destinos do país certo de que daqui, celeiro do civismo da República se
erguem os peito leoninos dos rio-grandenses como escudo às investidas dos
inimigos da Pátria.
Ainda sobre a disseminação das idéias comunistas, o jornal em 12 de dezembro
de 1937 destacava:
Dizíamos ontem, que uma das faces do problema de combate às idéias
comunistas desencadeadas agora num sopro de violência e de morte sobre a
índole pacífica e conservadora das nossas populações, estava justamente na
mobilização ativa de nossas forças intelectuais arregimentadas no sentido
prático de mostrar, por uma ação constante e ininterrupta, os inconvenientes,
os males e as desgraças que fatalmente adviriam ao Brasil sob a dominação
de um regime que é profundamente antagônico às suas verdadeiras
tendências espirituais.Combateríamos, desta forma, a propaganda extremista,
com a própria armas de que ela se vale para difundir suas idéias e com
indiscutíveis vantagens para a nossa causa.
150
Sobre o fato, de o jornal ser órgão do PRL lemos em 6 de novembro de 1935
uma verdadeira conclamação em favor dos candidatos do partido como se observa:
Nos municípios vai a agremiação de Flores da Cunha pleitear as eleições
para prefeito e vereadores com cidadãos dignos, trabalhadores e capazes de
um governo dinâmico, progressista e honesto. Valem, agora, suas
plataformas e as promessas do eleitorado como um compromisso não só
pessoal, mas também do PRL e do seu chefe. O governador do Estado e chefe
do PRL, endossam as plataformas de seus candidatos e na medida das
possibilidades de cada município hão de trabalhar por melhorar as condições
locais dando estradas, escolas e higiene às suas populações, fomentando a
indústria, a agricultura e o comércio, abrindo válvulas à expansão de todas
as fontes geradoras do progresso e do bem estar locais.
Os benefícios aparecem grafados no texto, de maneira, a salientar bem o
partido e as suas realizações.
Depois do exílio de Flores da Cunha, o jornal passou a se dizer independente,
não assumindo mais a bandeira do PRL. O período do Estado Novo não pode ser analisado
como sendo um período homogêneo na sua apresentação, isso porque, de 1937 a 1942 nós
tínhamos uma política e uma imprensa censurada, mas por outro uma opinião pública que
acolhia esse momento como necessário ao país. A partir de 1942, o modelo autoritário passou
a ser questionado e a imprensa escrita foi a responsável por colocar aos leitores o fracasso
desse mesmo modelo, alicerçado nas restrições às liberdades individuais. Portanto, os jornais
nesse interregno, tiveram de driblar a censura para apresentar suas notícias e o advento da
Guerra Mundial foi a alavanca propulsora que abriu espaço às oposições ao regime e à defesa
da democracia que gradativamente passou a ser encampada pela imprensa.
Ainda sobre a questão da implantação do Estado Novo, o C
orreio do Povo
destacou a dissolução dos partidos políticos a 2 de dezembro de 1937 que o jornal anunciou
no dia quatro do mesmo mês. O decreto apresentava oito artigos precedidos por quatro
151
considerandos
que justificavam a necessidade de tal medida devido: a multiplicidade de
arregimentações partidárias, com objetivos meramente eleitorais que ao invés de atuar como
fator de esclarecimento e disciplina da opinião, serviam para criar uma atmosfera de excitação
e desassossego permanentes, nocivos à tranqüilidade pública e sem correspondência nos reais
sentimentos do povo brasileiro”
183
.O jornal trazia ainda, um pronunciamento do professor
Nicholas Spikman da universidade de Yale sobre o regime brasileiro:
É supérflua a preocupação com o governo fascista do Brasil(...) a América do
Sul tem tido ditaduras desde os tempos dos Incas e continuaa -las por
meio século.Esta é a forma política melhor adaptada ao clima. A única coisa
que aconteceu no Brasil é que a sua última importação cultural da Europa é
uma ideologia muito mais adaptada aos costumes sul-americanos do que a
prática anterior da democracia e das Constituições escritas(...) se uma
potência européia tentasse uma intervenção militar, acho que seria tratada
como qualquer invasor, sem consideração de ideologia, isto é, por uma frota
americana e nas costas do Brasil e não da Europa
184
.
Note-se que a visão do professor de Yale reproduz de certa forma, a própria
visão dos EUA que não teve nem em relação à Europa temor em relação aos regimes fascistas,
por isso eles puderam se desenvolver. O conceito de país atrasado e melhor condicionado ás
ideologias autoritárias permeia esse discurso. O desenrolar dos acontecimentos, no entanto,
mostrou que os fascismos deveriam, como foram, ser combatidos e que países
economicamente dependentes como o Brasil acabaram seduzidos pelos investimentos
externos.No período imediatamente posterior à implantação do Estado Novo, os jornais
assimilavam a idéia de que aquilo que se estava vivendo era um regime
democrático
na
medida do possível, ou seja, compravam o pensamento oficial que passava para a opinião
pública que aquele regime era o melhor para o país naquele momento de pura agitação e
presença de ideologias exóticas. Em 13 de julho de 1938 podemos ler no
Correio do Povo
183
Correio do Povo, 4-12-1937.
184
Idem.
152
um artigo de André Carrazzoni, conhecido articulista do jornal, em que esse fazia referências
abonadoras ao relacionamento da imprensa com o governo e referia-se ao fracassado golpe
desfechado pelos Integralistas em maio de 1938. Segundo Carrazzoni:
Tal como em novembro de 1935, em maio de 1938, o país encontrou na
imprensa o eco poderoso da sua própria voz e nela o governo teve a mais
lúcida colaboração. Isso quer dizer simplesmente que os jornais refletiram a
enérgica reação do sentimento brasileiro, mobilizado em torno do mais alto
ponto de resistência material e moral das instituições, e os jornalistas
souberam empregar a grande força de que dispões não só com extremo
patriotismo, mas ainda com extrema dignidade(...) do freqüente contato do
presidente Getúlio Vargas com os nossos homens de imprensa muitos
equívocos já nos foram poupados,- que teriam deplorável repercussão sobre a
vida política brasileira. Nos regimes democráticos como o atual, isto é, nos
regimes que se fundam sobre a adesão permanente e a confiança cotidiana
das massas, torna-se vital o ambiente de largo estímulo à formação do
espírito público, ao interesse das classes e dos indivíduos no debate dos
problemas do Estado
185
.
Sobre a questão da extinção dos partidos políticos,
o
Diário de Notícias
publicou em de dezembro de 1937 reproduzindo matéria do Correio da Manhã do Rio de
Janeiro a seguinte nota que vinha com uma interrogação
Será decretada a extinção dos
antigos Partidos Políticos?
Como se lê:
A transformação política do país vem dia-a-dia caracterizando-se pela
incidência sucessiva nas várias faces da vida nacional. Os partidos que se
haviam registrado, sob a vigência do Código Eleitoral, estão em sua última
fase. E somente se aguarda um decreto do governo declarando inexistentes
todos esses partidos. Assim passarão definitivamente à história, os partidos
gaúchos,os catarinenses, os paranaenses, os paulistas, os mineiros, os
cariocas e assim por diante. Também será declarada inexistente a Ação
Integralista Brasileira que estava inscrita como partido político nacional.
185
Correio do Povo, 13-7-1938.
153
A decretação realmente ocorreu no dia seguinte e a censura foi num crescendo
até a implantação do DIP em 1939 que fez extensa propaganda do regime, alardeando que
representava a democracia.
A idéia de democracia que muitos dos homens de jornal referenciavam estava
de acordo com as premissas do regime e o golpe frustrado dos Integralistas sedimentou em
muitas pessoas a defesa desse tipo de conceito. No entanto, não podemos esquecer que
existiam pessoas que percebiam a real dimensão do que estava acontecendo, mas a censura foi
pouco a pouco sendo imposta sobre elas.
O
Correio Rio-grandense
também se pronunciou sobre a possibilidade da
implantação do comunismo no Brasil e podemos ler várias alusões que o jornal fez a esse
sistema. Em 20 de outubro de 1937 aparecia uma
Carta Pastoral e Mandamento do
Episcopado Brasileiro sobre o Comunismo Ateu
onde a Igreja Católica
alertava
os fiéis do
perigo que estavam correndo e da possibilidade do desaparecimento total do Estado. Fazendo
referência direta aos malefícios do comunismo à religião, o
Correio Rio-grandense
ainda
escrevia:
Quanto à religião vota-lhe o Comunismo ateu um ódio implacável de
extermínio. O mundo transcendente e sobrenatural, com a grandeza de seus
valores espirituais é, para ele, inexistente. Fruto de uma organização
econômica em declínio, a religião, que nela teve sua origem, dela é solidária
e com ela deve desaparecer. Sua ação nefasta, no presente, é aumentar a
inércia das causas trabalhadoras, na aceleração da grande crise
revolucionária mundial. Por isso foi chamada o ‘ópio do povo’. Combate-la
sem trégua e destruí-la por todos os meios, constitui para o Comunismo ateu,
tarefa urgente e inevitável. Nunca a história da humanidade assistiu a
conjuração tão vasta e tão organizada das paixões humanas contra a
soberania de Deus e o reinado de Cristo nas almas resgatadas pelo seu
sangue precioso. Desta concepção materialista da vida resulta, espontâneo e
explicitamente aceito e proclamado o mais absoluto amoralismo. não
bem nem mal. não lei superior ao homem e norma de sus atos. não
há dever nem sanção. O partido e seus interesses elevam-se absolutos sobre a
destruição de todos os valores morais. É lícito tudo quanto pode apressar a
instalação do Comunismo; tudo o que se lhe opõe é mau e deve ser destruído
sem escrúpulos na escolha dos meios.
154
Não podemos esquecer que também a questão religiosa era importante para a
região de Caxias do Sul - Garibaldi e de como essas pregações do comunismo eram mal
vistas. Em uma outra reportagem do mesmo dia, o jornal fazia alusão a um plano do
Komintern para provocar uma revolta no Brasil com o objetivo de instalar o comunismo.
Quando foi implantado o Estado Novo, o
Staffetta Rio-grandense
colocou-se
ao lado do governo na luta para combater esse sistema, o comunismo. Obviamente o histórico
da comunidade de imigração italiana influenciou na medida em que, existia uma ligação
muito forte entre os interesses dessa comunidade e as ordens do governo, dito isso em outras
palavras, eles raramente faziam oposição às determinações oficiais, até mesmo por uma
questão de sobrevivência. A ação do governo fez-se sentir logo no início da implantação do
golpe como relata Gertz:
A ação nacionalizadora no campo da educação se desencadeou de forma
generalizada logo após a implantação do Estado Novo: a ação repressiva foi
inicialmente mais seletiva, visando preferencialmente, aos nazistas e parte
dos integralistas, mas depois de 1942 se voltou de forma generalizada contra
tudo o que fosse “alemão” ou relacionada com o “Eixo”
186
.
Podemos concluir esse capítulo dizendo que o período que foi de 1935 a 1937
foi decisivo para solidificar a idéia da necessidade da implantação de um regime de força no
Brasil, capaz de conter o comunismo que vinha de fora e barrar o avanço do Integralismo
internamente. Os jornais manifestaram essa tendência. No cômputo geral podemos afirmar
que realmente não quiseram correr o risco de apoiarem as chamadas ideologias exóticas e por
outro lado preferiram continuar existindo diante de um cenário que descortinava muito pouco
186
GERTZ, René. O perigo alemão. Porto Alegre: Editora da UFRGS,1991.p.65.
155
espaço às manifestações da imprensa. A perspectiva sintética a seguir representa esse universo
de reações:
ELEMENTOS
CONSTITUTIVOS
SÍNTESE DA REPERCUSSÃO NOS JORNAIS
Lei de Segurança
Nacional
Rio Grande: apresentou a lei com certa reserva;
O Tempo: Referia-
se à lei com desconfianças sobre seus
propósitos;
Diário Popular
: Repudia a lei e o que ela podia representar;
Opinião Pública
: destaca a lei de forma mais técnica;
Correio do Povo
: apresenta o projeto da lei de segurança e mostra
a reação das oposições a ela;
Diário de Notícias
: repudia a lei e a censura advinda dela;
Gazeta de Alegrete
: destaca o que representa a lei e rep
udia a
censura à imprensa;
A Razão
: chamava a atenção para os ideais democráticos do povo
brasileiro e posicionava-se contrário à lei;
Staffetta Rio-grandense
: apresenta de forma técnica a lei, mas
também repudia a censura à imprensa.
Os acontecimentos do
ano de 1936
Rio Grande
: apóia as atitudes do general Flores da Cunha na
defesa do federalismo;
O Tempo
: opõe-
se ao intervencionismo do governo federal na
política
dos estados;
Diário
Popular: defende ardorosamente a democracia e questiona o
estado de sítio;
Opinião Pública
: destaca o acordo das oposições no Rio Grande
do Sul e critica o estado de sítio;
Correio do Povo
: critica o estado de sítio e também faz oposição
ás intervenções nos estados;
Diário de Notícias
: chama a atenção para o acordo gaúcho e
reclama abertamente da censura à imprensa;
Gazeta de Alegrete
: repudia a censura e defende as eleições livres;
A Razão
: defende a pacificação nacional e questiona os propósitos
do governo federal;
Staffetta Rio-grandense
: refere-se à pacificação nacional e
do Rio
Grande do Sul com o acordo político(Modus Vivendi)
Estado Novo
Os jornais receberam com surpresa o golpe, alguns chamaram a
atenção para a necessidade da pacificação nacional diante do
perigo comunista. A tônica predominante foi a de acatar as ord
ens
emanadas do governo federal. Aquele jornal que não acatasse seria
proibido de circular.
156
Capítulo IV Do Estado autoritário à Abertura Democrática:
os caminhos que percorreu a imprensa gaúcha.
157
A passagem pelo Estado Novo até a abertura democrática envolveu uma série
de acontecimentos marcantes em que as informações vindas da Europa trazidas pelos ventos
da guerra serviram para fermentar as ações da oposição que foi crescendo e acabou com a
renúncia de Vargas em 1945.
4.1- Os acontecimentos externos que marcaram o período de
1937 a 1945 e a participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial.
O período que foi de 1937 a 1945 não se apresentou homogeneamente como
observamos. Contribuiu sobremaneira para essa percepção, o advento da guerra que acabou
colocando em campos opostos duas visões de mundo: uma a que defendia a intervenção do
estado em todos os setores da vida social; outra forjada na liberal-democracia entendia ser a
liberdade, calcada no livre jogo das forças econômicas, o caminho a ser seguido. A partir da
tomada de posição do Brasil em favor dos Aliados, tornou-se inconcebível a perpetuação de
um modelo autoritário internamente. A presença forte dos EUA, os subsídios econômicos que
proporcionou garantiram a incorporação do Brasil ao projeto de desenvolvimento da América
Latina, que incluía a intromissão desse país nos negócios internos dos países economicamente
dependentes.
A decisão do Brasil em tomar o partido dos Aliados decretou a falência do
modelo autoritário e o namoro do governo brasileiro com a política do Eixo. Internamente os
reflexos se fizeram sentir em seguida com o crescente surgimento de notícias a favor dos EUA
e contrárias às políticas autoritárias. O desconforto era visível com aquilo que se processava
158
aqui, ou seja, o cerceamento das liberdades ao que a imprensa escrita precisava driblar
constantemente. Luiz Roberto Lopez escreve sobre esse período:
O Brasil não pôde, evidentemente, manter-se omisso por ocasião da II
Guerra Mundial, visto que as contingências que haviam levado à hecatombe
estavam presentes em nosso país através de um modelo especial de fascismo
sem base partidária. No começo da guerra, as vitórias alemãs incentivaram o
grupo fascista interno a se manifestar simpaticamente em relação ao Eixo e o
próprio Vargas sentiu-se bastante respaldado para fazer um discurso
discretamente favorável ao nazismo(...)Getúlio Vargas, porém, não era tão
ingênuo a ponto de se ligar ostensivamente à Alemanha, quando isso
incomodava o poderoso vizinho do norte. Vargas, no fundo estava jogando
com as rivalidades interimperialistas com vistas a obter recursos para a
construção da Usina de Volta Redonda, recursos que, como vimos,
acabaram vindo dos Estados Unidos
187
.
A ajuda americana para a construção da usina de Volta Redonda teve um peso
significativo, que o Brasil vinha desenvolvendo políticas públicas voltadas para o
incremento da indústria de base com vistas à substituição das importações. Diante desse aceno
norte-americano, o Brasil assumiu a bandeira dos Aliados, com isso, a burguesia nacional
aglutinada em torno da UDN (União Democrática Nacional) forçou a opinião pública a adotar
os princípios norte-americanos. Sobre essa questão da mudança de posição do Brasil em
relação ao Eixo, Luiz Roberto Lopez ainda escreve:
A mudança de posição do Brasil em face do Eixo ocorreu durante os anos de
1941/1942. A ajuda americana na construção da usina de Volta Redonda e o
começo da derrota germânica na Europa tiveram peso decisivo na guinada
que a nossa política interna sofreu então,. A neutralidade, com certas
simpatias pelas forças do Eixo, transformou-se num antinazismo decidido e o
país foi cada vez mais abandonando a neutralidade. Em 1942, culminando
187
LOPEZ, Luiz Roberto, op cit, p.96-97. Sobre essa questão da duplicidade de pensamentos e ações do
presidente brasileiro cf. GAMBINI, Roberto. O duplo jogo de Getúlio Vargas: “influência americana e alemã no
Estado Novo”. São Paulo: Símbolo, 1977.
159
com este processo, o Brasil, sob o impacto de intenso clima emocional,
declarou guerra à Alemanha.
188
Do ponto de vista político, a eclosão da Guerra Mundial redefiniu os rumos
do Estado Novo brasileiro na medida em que, o contexto internacional obrigava a uma tomada
de posição e o Brasil não poderia se furtar a isso. As facções políticas em jogo se digladiavam
e buscavam impor a sua visão do processo. Aqueles ligados visceralmente ao projeto do
Estado Novo eram mais simpáticos à causa alemã. Já os oposicionistas, na defesa da liberdade
voltavam-se para os Aliados que em contra-partida acenavam com benefícios econômicos. A
burguesia nacional alvoroçou-se com essa perspectiva e criou no imaginário coletivo a
necessidade de identificação com o referencial democrático.Some-se a isso, a crise
econômica, geradora de alto grau de inflação que serviu de fermento às idéias e ações da
oposição.
A imprensa escrita reproduziu esse momento de alargamento das posições
políticas e começaram a aparecer notícias sobre os EUA, bem como textos de articulistas
defendendo a democracia e por conseguinte mostrando à opinião pública a contradição maior,
ou seja, a democracia externa e o autoritarismo interno. Gradativamente vai se formando uma
onda oposicionista maior, que tende a sufocar a permanência desse regime.
Em março de 1941, o
Correio do Povo
esboçava um texto do presidente
Roosevelt em que esse atacava os sistemas políticos totalitários, defende a Democracia e o
bipartidarismo. Segundo ele:
A ameaça para a nossa Democracia atualmente não é o separatismo. Vem de
uma grande parte do mundo que nos cerca e que cada vez mais fecha seu
188
LOPEZ, op cit,p.97.
160
cerco.Novamente os americanos, a este respeito, estão quase totalmente
acima de considerações de partido.Muito antes de Jackson tornar-se
presidente, dois sistemas partidários de governo entrincheiraram-se
fortemente na vida política dos Estados Unidos. Eles vieram mostrar seus
valores conseguindo métodos de discussão livre e aberta sobre assuntos de
interesse público, formulando novas políticas e encontrando novas condições
para fixar as responsabilidades dos negócios de governo, como parte
indispensável para as eleições livres. Os ditadores parecem não parecer
compreender como na América nosso povo pode manter dois partidos e ao
mesmo tempo manter inviolável a unidade da nação. A mentalidade
totalitária é demasiadamente estreita para compreender a grandeza de uma
política que pode dividir o povo em tempo de eleições, mas, que o faz
permanecer unido na devoção ao seu país e aos ideais da Democracia em
todas as ocasiões(...)A história das nações conquistadas durante o ano
passado mostrou ao resto do mundo o que seria viver num mundo organizado
e dirigido pela Gestapo
189
.
A partir da presença de Roosevelt e seus discursos na imprensa, as contradições
internas começaram a ficar mais latentes. Em contrapartida, o presidente Vargas também
começou a fazer discursos em favor da cooperação continental e da necessidade do Brasil em
se empenhar nessa colaboração. Essas duas situações eram indícios de que as atitudes do
governo brasileiro deveriam mudar ou que pelo menos o discurso deveria ser mais brando em
favor da idéia de democracia. Em entrevista ao jornal
La Prensa
de Buenos Aires
reproduzida pelo
Correio do Povo
de 27 de junho de 1941, Vargas defendia abertamente a
cooperação continental e a união entre os EUA, o Brasil e a Argentina. Assim se pronunciava:
A política de cooperação da América precisa, naturalmente, ser iniciada
pelos países de desenvolvimento econômico mais acentuado e pelos vizinhos,
em permanente contato e inter-dependência. É o que vem acontecendo com os
EUA, Argentina e Brasil. Não me parece suficiente porém, a cooperação das
três nações para assegurarem a prosperidade e a vida de todos os povos do
hemisfério, porque o ideal só pode ser de uma comunidade continental,
baseada em fatores mais sólidos e profundos, de ordem econômica e cultural.
Esses três povos, se continuarem colaborando com o máximo de
compreensão, darão certamente um saudável exemplo de solidariedade e
estímulo aos demais países, para que atuem de forma idêntica.
189
Correio do Povo, 30-3-1941.
161
Inquirido sobre a possibilidade de uma união aduaneira entre os povos do
continente, o presidente respondeu que apesar de algumas diferenças de entendimento que
cada país pudesse ter, achava possível sim que os povos da América pudessem pensar em
formar uma federação econômica. O presidente brasileiro foi questionado sobre o que era o
Estado Novo brasileiro ao que respondeu da seguinte forma:
Ante esta pergunta, sobre o conceito de regime que denominamos Estado
Novo ou Estado Nacional, parece-me muito oportuno dizer-lhe que ao
instituí-lo, não tivemos em vista copiar este ou aquele modelo. Procuramos
apenas a maneira de dar forma política às tendências sociais e econômicas
da vida brasileira. Qualquer pessoa culta, ou um observador avisado , que
examine sem prevenções a nova estrutura política do Brasil,reconhecerá,
desde logo, que ela se assenta sobre princípios legitimamente democráticos.
Dentro de nossas realidades, instituímos uma democracia realista e
funcional.Certamente por suas características, difere de muitas organizações
americanas, porém, representa a forma necessária de concentração de
autoridade, que permite a uma nação de vasto território, com um passado de
regionalismo estreitos, adquirir estrutura capaz de resistir às crises do seu
próprio crescimento e as graves perturbações porque atravessa o mundo.
Neste caso, argumento, é uma democracia distanciada dos modelos de
liberalismo clássico?(perguntou o repórter)- É verdade, respondeu o
presidente- afasta-se dos modelos do liberalismo do Liberalismo e prescinde
das grandes assembléias e das discussões estéreis, para concentrar o seu
esforço na ação construtiva e rápida.
Esse trecho é bastante elucidativo pela maneira como o governo fazia a defesa
do regime e de como essa dita verdade era repassada à opinião pública de modo a entender um
regime autoritário, extremamente discricionário, como uma democracia possível para um país
como o Brasil.Em vários outros momentos, o repórter perguntou ao presidente, questões
relacionadas à democracia, que ele respondeu de forma lacônica, como por exemplo, se a
Constituição de 1937 seria realmente submetida a uma plebiscito ao que Vargas respondeu:
A
Constituição de 1937 deverá ser submetida a um plebiscito, oportunamente.
Mais adiante,
Vargas bem ao gosto de seu estilo carismático tece elogios ao povo argentino e reitera a
162
necessidade da conjugação de esforços no sentido da integração total entre os dois povos
como segue:
O governo e o povo brasileiro desejam a união cada vez maior com os povos
americanos e tem a firme convicção de que é necessário caminharmos
unidos, porque o perigo pode ameaçar, e, ameaçando um, ameaça a todos.
Pelo consenso geral, pela identidade de vistas e unidade de ação poderemos
conjura as crises e os perigos comuns, viver prósperos e alcançar o nível de
riqueza e cultura a que temos direito neste solo privilegiado da América.
O
sentimento
agora corrente era o da identificação cada vez maior com os
povos americanos sendo os EUA o líder desse novo Pan-americanismo . Daí por diante vão
se proliferaram no
Correio do Povo
as mensagens que defendiam a democracia. Em artigo do
dia 7 de outubro de 1942, o articulista Otto Alcides Ohlweiler escrevia sobre a
Consciência
Democrática:
A guerra que a política expansionista de Hitler deflagrou, veio acelerar de
forma inesperada o desfecho de um longo e acidentado ciclo histórico, cujas
origens remontam à Revolução Industrial e à Grande Revolução Francesa. A
princípio, o conflito desencadeado pela Alemanha e pela Itália tinha o
simples aspecto de uma luta econômica. Porém, com o desenrolar dos
acontecimentos, foi-se evidenciando que a guerra havia adquirido, contra a
vontade de muitos dos próprios adversários do chefe do movimento nazista,
uma feição eminentemente política e ideológica(...) de um lado a
Democracia, do outro a reação fascista. Daí, porque a importância da
presente guerra transcende os estreitos limites impostos pelas fronteiras das
nacionalidades, e assume o aspecto de uma autêntico conflito de idéias, de
duas orientações filosóficas, de duas concepções de mundo
Adiante, o autor apontou a posição do Brasil diante daquele cenário,
conclamou para a tradição eminentemente democrática do povo brasileiro que o deveria se
furtar de tomar posição em favor dos Aliados naquela guerra, apontava inclusive, a
contradição de pensamentos corrente na sociedade da época, que de um lado falava em
163
democracia e de outro simpatizava com as idéias fascistas. O discurso antagônico presente na
sociedade refletia assim, a retórica do próprio governo envolto em um emaranhado de
situações que se apresentavam, ou seja, tomar o partido da democracia e expor as mazelas do
regime ou continuar adotando práticas autoritárias e se indispor frontalmente com o governo
norte-americano.
No quadro político mundial assim configurado, o Brasil não poderia deixar
de tomar a posição que a nossa tradição de povo livre estava a exigir. O
governo brasileiro, bem interpretando os sentimentos populares, que se
haviam feito idéia-força, colocou a nação definitivamente ao lado das
potências que combatem o fascismo internacional e pugnam pela total
implantação da Democracia no mundo. Já que a própria guerra tomou, como
acabamos de ver, um caráter nitidamente ideológico, não poderia, é lógico, a
atitude do Brasil deixar de ter o valor de uma definição ideológica. E
realmente o tem. O Brasil está agora lutando em prol dos ideais
democráticos. Compreende-se, pois, porque não se pode, neste momento, se,
simultaneamente, pelo Brasil e contra a Democracia. É que na verdade,
existe apenas um único Brasil: este que se colocou contra o fascismo. Este
mesmo Brasil que, solidário com o pensamento livre do mundo, alimenta um
único desejo: a vitória plena dos princípios de igualdade, fraternidade e
justiça. Qualquer pensamento, intenção ou ato, que não condigam com essa
orientação política traçada pelo nosso governo e aprovada pelo consenso
unânime do povo brasileiro, importa em atentado à segurança nacional.é
óbvio, que não se pode estar com o Brasil e pensar sentir em termos fascistas.
As circunstâncias não permitem essa coisa contraditória, o mesmo tempo
que paradoxal.
Depois, o autor reitera a questão da consciência democrática do povo brasileiro,
num verdadeiro espírito de conclamação e as frases a seguir demonstram isso:
Cada
brasileiro tem de sentir-se, neste momento, tal qual uma peça na grande máquina anti-
totalitária(...)A Consciência democrática do povo brasileiro será a mais firma garantia da
estabilidade do nosso front interno e o mais forte esteio da unidade nacional.
Em matéria do dia 12 de janeiro de 1943, o
Correio do Povo
reproduziu
matéria do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro onde este chamava, novamente, a atenção
164
para a
vocação democrática do povo brasileiro
e da necessidade de todos estarem
empenhados neste ideal. Lemos no jornal:
Desde os acontecimentos internacionais começaram a repercutir mais
diretamente na vida interna do país, primeiro pelos compromissos morais que
nos levaram a proclamar, no terreno dos fatos, a nossa solidariedade com os
estados unidos, depois pela declaração do estado de beligerância contra os
países que nos agrediram, levando o Brasil a enfileirar-se entre as nações
unidas contra o eixo, desde que saímos da normalidade da paz para o
imprevisto da guerra, começou a formar-se no país um ambiente estranho de
nervosismo que se reflete em todas as atividades nacionais e determina um
constante mal-estar prejudicial à serenidade necessária à vida pública, neste
momento de tanta gravidade para a nação brasileira(...)por mais paradoxal
que possa parecer, raras vezes o sentimento nacional logrou impor-se, como
nesta crise histórica, à vontade dominante, para encontrar, na ressonância
superior dos dirigentes a satisfação dos seus anseios por respeito das
aspirações da maioria. O povo brasileiro, com reação vibratória que lhe é
peculiar,manifestou, desde a primeira hora, a sua vocação democrática, na
luta, desencadeada na Europa, pelos regime contrários à liberdade e
deprimentes para a dignidade humana.
Em 3 de fevereiro de 1944, o
correio do Povo
com a manchete,
o aparelho
respiratório da democracia
defendia
:
Se a democracia é um regime de opinião e, se na interrupção ocasional e
transitória do mecanismo representativo, ela deve conservar a sua constante,
que consiste na sintonização e concordância da atividade governamental com
as necessidades, os interesses e as aspirações do povo, à imprensa é
absolutamente necessária a subsistência e a verificação desse regime, pois é
ela por excelência, na vida social moderna, o órgão de expressão da vontade
e dos sentimentos coletivos (...) a imprensa é, na verdade, o aparelho
respiratório da democracia.
Mais adiante o jornal posicionou-se enfaticamente:
Nenhum governo pode ser dignamente exercido sem a liberdade de crítica
honesta e independente. A imprensa é por assim dizer, o tribunal da opinião
165
pública onde as manifestações e os atos do poder devem ser examinados,
discutidos e julgados. A crítica justa ou injusta, é uma contingência a que
está sujeito o homem público. Admiti-la, aceita-la e compreender-lhe a
necessidade, deve fazer parte de sua própria educação política (...) quando os
agentes da autoridade se conduzem com honestidade e retas intenções, não
podem ser motivo para recear a crítica. Será ela sempre mais útil do que o
aplauso encomendado ou interesseiro e sempre mais decente do que o elogio
que se remunera como o anúncio de uma droga em cuja virtude ninguém
acredita
A imprensa de 1944 era mais livre, podia se posicionar de forma mais aberta,
opinando sobre todos os assuntos, afinal de contas o Estado Novo já estava nos estertores da
morte. O próprio jornal assumia a responsabilidade de guiar a opinião pública, pois segundo
ele:
Nunca a missão da imprensa foi tão relevante, e ao mesmo tempo tão
delicada como no momento atual da vida do país, nunca foi maior a sua
responsabilidade na função de informar, esclarecer e orientar a opinião
pública (...) sabemos constituir verdade para a grande maioria dos cidadãos
o que a imprensa afirma ou noticia. Eis porque a imprensa não deve nunca
faltar à verdade e eis porque representa ela um precioso instrumento de
educação e de orientação das massas e, ao mesmo tempo uma poderosa arma
de preservação e de combate ao erro, à iniqüidade, aos abusos e à
corrupção
190
.
A missão da imprensa é novamente referendada: a questão da verdade aparece
agora como prioritária e os abusos do poder são abominados. Ainda com relação à sua
missão, salienta o jornal que:
cabe precipuamente à imprensa a tarefa de preparação psicológica para as
reformas que hão de trazer melhores dias para a humanidade; para as
reformas que, sem desfazer a comodidade de uns, tenham por mira o bem
estar de todos. Incumbe à imprensa pregar e difundir os princípios de
organização política, social e econômica onde cada criatura humana tenha
assegurado os seus direitos fundamentais e uma justa parcela nos bens da
cultura e da civilização
191
.
190
Idem.
191
Ibidem.
166
O jornalismo assumia às claras a função de guia intelectual do povo. Aquelas
referências ao ditador, à forma correta como administrava o país durante o Estado Novo,
cedem lugar a um discurso que privilegia a democracia, no sentido em que hoje a entendemos,
ou seja, de uma maior participação popular nas decisões políticas do país. Mesmo ainda
durante o Estado Novo, na sua fase final, as referências a uma nova maneira de encarar a
questão da liberdade, por exemplo, era uma constante. A própria Constituição de 1937, tida
como a encarnação perfeita das aspirações populares, passava a ser questionada. A política e a
opinião pública, refletidas nos jornais, encaminhavam os acontecimentos para a promulgação
de uma nova Constituição, o que acabou ocorrendo em 1946.
O jornal deu a entender que a vontade do povo em defender a democracia
deveria ser respeitada pelos dirigentes nacionais e que cabia à imprensa dirigir a caminhada
nesse sentido.
Voltando à questão do presidente americano o
Diário Popular
também destacou
suas palavras contrárias à ditadura. O jornal apresentava a seguinte manchete:
Não tenho a menor inclinação para ser ditador. Não possuo nenhuma dessas
qualidades que poderiam fazer de mim um ditador bem sucedido. Eu possuo
demasiado conhecimento sobre as ditaduras existentes, para que possa
desejar, de qualquer forma, a ditadura para uma democracia como a dos
Estados Unidos
192
.
Posteriormente a opinião pública começou gradativamente a acatar essa idéia.
A entrada do Brasil na guerra ao lado dos aliados acabou sendo decisiva para isso. Em 16 de
167
janeiro de 1942, o
Diário
apresentava um pronunciamento de Vargas onde esse reafirmava os
propósitos pan-americanistas
que animavam o Brasil.O governo assim, resistiu o quanto
pode, mas diante da presença forte dos Estados Unidos teve de sucumbir à nova onda
democrática.
Em 6 de março de 1942, o jornal apresentava a seguinte frase:
Mobilização
espiritual do povo contra o nazismo, integralismo e fascismo
onde fazia a seguinte
conclamação:
Mobilizem-se as classes conservadoras, com a cooperação intelectual; dêem
vida às rádios, aos jornais, convocando-os para um trabalho mais operoso a
favor da mobilização espiritual do nosso povo. Do contrário, mais do que
qualquer nazista, qualquer integralista, qualquer fascista, qualquer japonês e
qualquer quinta-colunista, seremos, nós mesmos, os nossos maiores inimigos.
O Diário Popular, como os demais jornais, assumiu a bandeira da democracia liberal e
condenou as práticas ditatoriais tão comuns no Brasil daquela época.
Seguindo nessa mesma linha de assumir a defesa da liberal-democracia e de
rompimento com os países do Eixo podemos ler no Rio Grande:
O Brasil, honrando as tradições da política de solidariedade continental que
esmalta a história da sua independência e soberania e dignificando-se no
destemido cumprimento dos compromissos assumidos, com o ânimo decidido
de aceitar e vencer todos os sacrifícios que lês possam custar rompeu ontem,
às 18 horas, relações com o Japão, Alemanha e Itália
193
.
192
Diário Popular,1º-4-1938.
193
Rio Grande, 29-01-1942.
168
Em outra matéria do dia 21 de fevereiro de 1942 estava escrito também no
Rio
Grande:
A agressão com que esse charlatão internacional, que é Adolf Hitler, inicia as
suas hostilidades diretas contra o Brasil, só poderia caracterizar-se pela
legenda do bando de criminosos que reúne em partido covardia e traição.
E um pouco antes em 19 de janeiro de 1942:
Deixemos de ser neutros, o presidente Getúlio Vargas definiu a nossa atitude:
‘Enquanto a guerra se desenvolvia em outros continentes, atitude do Brasil
era neutral. Desde que, porém, ela atingiu o nosso hemisfério, deixamos de
ser neutros’.
Essa atitude do Brasil frente à situação de guerra foi percebida pela imprensa
que imediatamente formou bloco apoiando a atitude do governo brasileiro e passando a
enxergar o nazismo como o causador de todos os males da humanidade. Retomando o que
foi dito anteriormente, esse marco decisivo em direção à guerra e à democracia liberal,
marcaram o fim do regime de exceção.
4.2- As resistências internas ao autoritarismo de Vargas.
169
Quando nos referimos ao Estado Novo anteriormente destacamos que esse
período da História do Brasil não se constituiu de forma homogênea como frisamos e o
advento da guerra contribuiu sobremaneira, para essa caracterização. A partir de 1942 quando
o Brasil tomou o partido dos Aliados a situação internamente se tornou insustentável e vários
episódios contribuíram para isso como aparece no trecho a seguir:
Os problemas do regime resultaram mais da inserção do Brasil na quadro
das relações internacionais do que das condições políticas internas do país.
Essa inserção impulsionou as oposições e abriu caminho a divergências no
interior do governo.Após a entrada do Brasil na guerra e os preparativos
para enviar à FEB à Itália, personalidades da oposição começaram e
explorar a contradição existente entre o apoio do Brasil às democracias e a
ditadura de Vargas. A primeira manifestação ostensiva nesse sentido foi o
Manifesto dos Mineiros, datado de 24 de outubro de 1943. Não por acaso a
data comemorava a vitória da Revolução de 1930. Com isso, os assinantes do
manifesto queriam demonstrar que não pretendiam voltar às práticas
políticas existentes na Primeira República, assinalando ao mesmo tempo, sua
percepção de que a Revolução de 1930 fora desviada de seus objetivos
democráticos
194
.
O manifesto vinha assinado por figuras importantes da elite política de Minas
Gerais como Afonso Arinos, Virgílio de Melo Franco, Artur Bernardes, Milton Campos,
Pedro Aleixo e Odilon Braga. O manifesto defendia a instalação de uma democracia liberal e
a instalação de um
verdadeiro
regime democrático no Brasil. A idéia de
verdadeiro
confrontava-se frontalmente com aquilo que o governo do presidente Vargas dizia existir no
Brasil durante o Estado Novo.
No seio do próprio governo, o ministro das relações exteriores, Oswaldo aranha
apoiava a abertura democrática, aliás, Aranha sempre esteve favorável a aproximação do
Brasil com os EUA e enfrentou fortes opositores.. Em agosto de 1944, Aranha foi escolhido
194
FAUSTO,op cit, p.383.
170
para presidir a Sociedade Amigos da América que reunia civis e militares da oposição, mas o
clube foi fechado pelo chefe de polícia Coriolano de Góis antes da posse do ministro que
acabou pedindo demissão do governo
195
.
Outro momento importante ocorreu em dezembro de 1943 quando uma
passeata de estudantes paulistas, organizada pela UNE (União Nacional dos Estudantes) foi
dissolvida violentamente pela polícia. Houve a morte de duas pessoas e dezenas ficaram
feridas.O episódio causou indignação e fomentou ainda mais a onda de oposição. Do lado do
governo, houve resistência na medida do possível, com o governo procurando: enfrentar as
diferentes pressões, justificando a continuidade da ditadura pela existência da guerra. Ao
mesmo tempo prometia realizar eleições quando a paz voltasse”
196
.
O governo então, tomou medidas cada vez mais coercitivas, contribuindo cada
vez mais para o desnudamento do regime.
O número excessivo de pessoas encarceradas dava margem à Polícia para
operar em duas perspectivas diferentes. A primeira delas, a mais visível e a
mais direta, era a repressão de tudo e de todos que se opusessem ou que
haviam se transformado em inimigos potenciais ou objetivos do regime e de
sue líder, Getúlio Vargas. A segunda perspectiva fazia parte de uma ação
pretensamente secreta, mas que levava todos na sociedade a conhecer ou
imaginar os perigos e a violência a que poderiam ser expostos através da
exclusão impetrada pela polícia aos considerados inoportunos pelo Estado
197
.
O governo usava assim, instrumentos de violência que assegurava a sua
existência.Era um Estado forte, uno e idealista, que de uma maneira repetitiva forjava um
projeto político calcado em postulados incontestáveis e que pretendeu transformar todos -
ricos, pobres, burgueses, operários, homens, mulheres, crianças, brasileiros ou estrangeiros -
195
idem.
196
Ibidem,p.385.
171
em guardiões deste ideário
198
.Elizabeth Cancelli esclarece que a ação policial caminhava
como se fosse um poder independente, paralelo e despersonificado. A repressão e o
sofrimento não eram atribuídos ao presidente ou ao chefe de polícia, brotavam como fruto de
uma ação impessoal, como algo que acontecesse por si, à revelia de qualquer fato ou vontade.
À medida que avançava o fim do Estado Novo, a imprensa cada vez mais
burlava a censura, o que indicava perda de poder.Em 22 de fevereiro de 1945, o
Correio da
Manhã
publicou uma entrevista com José Américo de Almeida em que esse, fazia, violentas
críticas ao governo.
O ano da reabertura política foi 1945. A censura desapareceu quase que
bruscamente depois de uma entrevista ousada de José Américo de Almeida,
cuja publicação não foi possível impedir. Além disso, Getúlio foi
constrangido a marcar eleições para a presidência e parar um Assembléia
Constituinte. Surgiram então novos partidos políticos: a UDN ou união
Democrática Nacional, Partido da burguesia financeira urbana, ligada ao
capital estrangeiro e herdeira do velho capitalismo liberal, o PSD ou Partido
Social Democrático, aglutinador da velhas oligarquias agrárias e o PTB ou
Partido Trabalhista Brasileiro, criado por Vargas e representativo do
nacionalismo econômico e das massas operárias citadinas
199
.
Vargas anunciou então que não se candidataria ás eleições e nasceu no interior
do governo a candidatura do general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra que passou
aglutinar a tendência moderada que temeu pelo fim do Estado Novo e daquilo que pudesse
advir a partir de então.
Do lado dos jornais gaúchos, a tendência democratizante apareceu
gradativamente e o manifesto dos Mineiros, bem como a passeata estudantil, foram
197
CANCELLI, Elizabeth. “O poder da Polícia e o mundo da prisão na Era Vargas (1930-1945)”in História e
Perspectivas. Uberlândia.:Universidade Federal de Uberlândia, 1992.nº 7.p.50.
198
idem.
199
LOPEZ, op cit,p.97-98.
172
destacados pelos jornais, em franco clima de pressão da opinião pública, cujos olhos não
podiam mais ser fechados diante da repressão.Em de março de 1945 o
Correio do Povo
publicou a seguinte chamada:
Promulgada, ontem, a Lei Constitucional, integra-se o país no
regime democrático
em que aparecia o seguinte:
A secretaria da presidência da República acaba de entregar à Agência
Nacional, para ser distribuída à imprensa de todo o país, a Lei Constitucional
9 de 28 de fevereiro de 1945.
A lei, precedida por uma série de considerandos onde o presidente a justificava
dizendo que naquele momento existiam as condições necessárias para o funcionamento dos
sistemas de órgão representativos previstos na Constituição, apresentava tecnicamente as
atribuições da Câmara dos Deputados e do Conselho Federal que substituiria o antigo Senado,
discriminava as novas atribuições do presidente da República, bem como impedia distinções
entre brasileiros natos e naturalizados, os estados entre si e também os municípios entre si.Os
princípios constitucionais como a forma republicana e representativa de governo, o governo
presidencial e os direitos e garantias assegurados pela Constituição foram também destacados.
A deposição de Vargas em outubro de 1945 foi destacada pelo
Correio do
Povo
como
A restituição do Brasil ao domínio da lei
reproduzida do
Globo
do Rio de
Janeiro:
A súbita mutação do quadro da política nacional, operada na noite de ontem
pelas forças armadas, deve ser considerada como uma solução inspirada no
patriotismo pelos supremos responsáveis pela ordem pública, tão nobre e
exemplar a maneira porque ela se processou, resguardando, acima de tudo as
prerrogativas da justiça(...) é inquestionável que seria mais edificante se o sr.
Getúlio Vargas se mantivesse nos termos de sua própria promessa, e,
presidisse, com serenidade e isenção, ao pleito para o qual convocou o Brasil
173
à alusão, a cujas perspectivas premeditou ir sacrificando, gradualmente, no
intento visível de atender à idéia tardia de seus partidários
O Opinião Pública em 2 de julho de 1945 referia-se à homologação da
candidatura de Eurico Gaspar Dutra como os demais jornais. Fez apologia do general como
candidato que iria fazer a transição para um novo governo de forma organizada e sem
traumas para o país. Podemos ler:
Constituiu um imponente espetáculo a grande solenidade, sábado último, no
teatro Municipal, para a instalação da primeira convenção do Partido Social
Democrático, no distrito federal, com a homologação da candidatura do
general Dutra. A numerosa assistência acompanhou, com verdadeiro
entusiasmo, o desenrolar da cerimônia. Todos os detalhes da reunião foram
irradiados e transmitidos ao povo através de alto-falantes.
Mais adiante em 16 de outubro do mesmo ano com o título:
O povo consagra
o seu candidato
fazia referência ao mesmo título do jornal
Brasil- Portugal
em que fazia
alusão ao comício da praça da em que um grande número de pessoas compareceu para
prestigiar a candidatura Dutra. O Opinião Pública assumiu ele também a candidatura do
general e acusava a
UDN
de congregar
tipos heterogêneos de demagogos, politiqueiros
despeitados e saudosistas
. Obviamente, o periódico seguia a linha dos demais de apresentar as
idéias encobertas pela autoria de outro jornal, no entanto, a mensagem podia ser decodificada
em outras matérias. Aliás, diga-se de passagem, o jornal até o final do Estado Novo continuou
se referindo a Vargas de maneira elogiosa.As manifestações contrárias ao governo que
percebemos em outros jornais não tiveram no
Opinião
muita ressonância, estando o jornal
sempre no encalço da chamada
preservação da ordem.
174
O Diário Popular
por outro lado, em 27 de agosto de 1944 quando
comemorava cinqüenta e quatro anos de fundação chamou a atenção para a missão da
imprensa e particularmente da sua própria missão. O artigo foi assinado por Vítor Russomano
e assim se apresenta:
O jornal é um campo de luta. Mais do que o livro (reservado às elites) ele
fecunda o óvulo virgem das agitações populares. Desdobra-o Fá-lo
crescer(...) predispõe pela informação, os ânimos para aquela ou esta
opinião. Ratifica, doutrinado, este ou aquele pensamento. A imprensa pode só
fotografar a hora presente. Deve, porém, procurar o futuro. E tão importante
é a missão do jornal modernamente, que as plataformas do pós-guerra
começam a se preocupar com a sua liberdade, hoje restringidas pelas
circunstâncias excepcionais do momento.É preciso que, em condições
normais, seu poderio corra com independência. Canaliza-lo, dirigi-lo, vigia-
lo será trair seu mandato. Na imprensa, como em todos os setores da
atividade política e cultural, reflete-se a causa da deflagração. De um lado, o
dirigismo fascista. De outro lado, a liberdade democrática. Para
conquistarmos o segundo objetivo, foi preciso esmagarmos o primeiro, mas
para liquidarmos a infiltração nazista, foi preciso usarmos do jornal como
arma do povo. Não meio termo entre a liberdade e a escravidão. Não
ponto intermediário entre o justo e o injusto.
O
Diário Popular
através de seu articulista refletia a opinião corrente à época,
ou seja, a da necessária defesa da liberdade de imprensa como única forma de salvaguardar as
instituições democráticas e as impressões que apresenta que o jornal é capaz de moldar a
opinião pública é absolutamente recorrente na medida em que percebemos a força que
determinada informação e a maneira como é colocada ao público leitor, pode modificar toda
uma percepção que esse mesmo público leitor tenha de determinado acontecimento.
Em outra matéria do dia 21 de fevereiro de 1945 o presidente da Associação
Pelotense dos Funcionários Públicos de Pelotas, Dario da silva Tavares concedeu entrevista
onde dizia julgar inadiável a volta do país ao regime democrático, sinal claro de que o regime
já dava sinais de esmorecimento e queda que logo viria a se confirmar. Podemos ler:
175
Julgo inadiável a volta do país ao regime democrático,.Entretanto, para que
se proceda a um pleito livre, seria necessário, a meu ver, uma série de
medidas, no sentido de proporcionar ao povo brasileiro a oportunidade de
realizar as suas aspirações. Os debates que se verificarão devem girar em
torno de princípios, terminando-se de uma vez para sempre com a política
individualista.
Dario Tavares se referia ao pleito que se aproximava e que deveria ser o mais
livre possível.A edição comemorativa teve, portanto, caráter eminentemente político e o jornal
o fez deliberadamente em um momento em que a democracia liberal entrou na ordem do dia
no Brasil e no mundo.
O
Rio Grande
salientando a questão da abertura democrática destaca em 5 de
fevereiro de 1945 entrevista com o general Góis Monteiro:
Da entrevista do atual representante do Brasil no Comide Emergência de
Defesa Política do continente, com sede em Montevidéu, destacamos os 15
seguintes pontos: 1. é fundamental a contribuição soviética na luta pela
liberdade e o Brasil deve estabelecer relações diplomáticas com esse país
(...) 6. o Brasil e os EUA devem continuar estreitando suas relações (...);8. o
‘golpe de estado’ de 37 no qual tiveram grande responsabilidade as forças
armadas, era destinado a melhor garantir a unidade nacional.
Percebe-se que no discurso acima toda uma manipulação da opinião pública
feita pelo general Góis em favor da União Soviética ( agora valorizada como elemento
partícipe da luta contra o Nazismo). A manutenção da idéia de que o golpe de 1937, fora a
melhor solução para garantir a unidade nacional, continha a mesma idéia. Mais adiante
continua dizendo o general:
176
9. as circunstâncias atuais são bem diferentes das de 1937. Findo o conflito,
forçosamente o Brasil tem de acompanhar as profundas modificações que se
operarão em todos os países;10.somente pelo voto geral e direto se poder[á
exprimir a sansão ou não às atuais instituições políticas e sociais do país
(...);13. os oito anos de prática do atual regime deram aos brasileiros tempo
suficiente para poder, hoje reconhecer os malefícios ou benefícios dessa
situação (...) 15. a censura da imprensa só se justifica como medida de
emergência. Como nos tempos de guerra, por exemplo.
O discurso acima fala de um cenário de 1945, diferente do de 1937, reitera a
necessidade do voto geral e direto para sancionar as instituições vigentes, opõe-se à prática da
censura em tempo de paz, ou seja, manipula a opinião pública que estava desde 1937,
acostumada a reconhecer esses elementos como perfeitamente legítimos.
4.3- Das apologias ao Estado Novo à oposição sistemática do
regime.
O Estado Novo teve como observamos muitos defensores entre os homens
de imprensa, por livre e espontânea vontade ou por pressão, o fato é que os jornais referiam-se
a ele até 1942 de maneira bastante favorável. Passado esse período é que então as opiniões
mudaram. Alguns jornais como
o Diário de Notícias, o Diário Popular, A Gazeta de
Alegrete e A Razão
foram mais enfáticos em perceber a degradação que gradativamente foi
corroendo o regime.Outros não perceberam tão rapidamente esse processo.
177
Em artigo do dia 11 de novembro de 1942 sob o tulo
O sentido brasileiro de
nossa democracia, o Opinião Pública
referia-se à democracia da seguinte forma:
Tiveram grandiosidade e conteúdo político as festas comemorativas do
primeiro qüinqüênio do Estado Nacionalista. A manifestação obedeceu ao
propósito de despertara compreensão do povo, a análise da extensão dos
melhoramentos e a visão do sistema de reformas no entendimento das
orientações da solidez e do sentido brasileiro de nossa democracia. Os
banquetes nos ministérios da Marinha e da Guerra, o desfile das tropas
mecanizadas, a parada das crianças das escolas, a inauguração da
formidável avenida, primeira e principal marca da revolução urbanística que
surgira o Rio de Getúlio Vargas, o batimento da quilha de um caça
submarino na ilha do Viana, a cerimônia simples e emocionante dos ‘bônus
de guerra’, tudo isso teve coroamento esplendido com a comemoração do
qüinqüênio do Estado Nacional, organizado pelo Departamento de Imprensa
e Propaganda e inaugurado no fim da tarde de ontem.
A forma como eram apresentadas as notícias referentes ao Estado Novo
demonstravam a maneira como a imprensa estava formando a opinião pública para aceitar o
regime de exceção como sendo uma
democracia à moda brasileira
possível diante daquele
ambiente hostil cujo expoente máximo era o Nazi-fascismo. Manifestações de Getúlio Vargas
estavam sempre presentes nas páginas dos jornais demonstrando a força coercitiva e
ideológica do governo. Todos os aniversários do Estado Novo eram comemorados com
grande alarde na imprensa e as realizações desse, fartamente comentadas numa pica
manifestação de força que procurava mostrar o quanto o Brasil estava vivendo um período de
modernidade.
4.4- A Abertura democrática do pós-45: A Constituição de 1946
e o coroamento democrático.
178
O Estado Novo durou a exata dimensão da sua possibilidade de coerção interna
aliado a um quadro político externo que acabou colocando por terra os regimes autoritários na
Europa e condenando nos outros países, entre eles, o Brasil, o seu fim.
Sobre a eleição do general Eurico Gaspar Dutra, Bóris Fausto esclarece que ela
não chegou a empolgar devido ao número de pessoas presentes aos comícios, a campanha do
brigadeiro Eduardo Gomes, seu adversário, atraiu setores da classe média dos grandes centros
urbanos, em torno da bandeira da democracia e do liberalismo econômico e ela ficou
conhecida como a campanha dos lenços brancos, um símbolo agitado pelos participantes dos
comícios
200
.
A vitória do general mostrou o prestígio que Vargas ainda dispunha e a
associação que foi feita do seu nome com o trabalhismo. Sobre a vitória de Dutra, Fausto
ainda escreve:
Em uma época em que não existiam pesquisas eleitorais, a oposição foi
surpreendida pala nítida vitória de Dutra. Tomando-se como base de cálculo
os votos dados aos candidatos, com exclusão dos nulos e brancos, o general
venceu com 55% dos votos contra 35% atribuídos ao brigadeiro. O resultado
mostrava a força da máquina eleitoral montada pelo PSD(partido criado por
Vargas) a partir dos interventores e o prestígio de Getúlio Vargas entre os
trabalhadores. Mostrava também o repúdio da grande massa ao
antigetulismo, associado aos interesses dos ricos. Não por acaso o brigadeiro
recebeu o apelido de ‘candidato pó-de-arroz’
201
.
200
FAUSTO,op cit, p 397.
201
Idem p.398.
179
O processo todo representou uma mudança, mas a semente do getulismo ainda
continuava existindo
na
cabeça da maioria da população acostumada com os arroubos de
exaltação e o palavreado populista.
As eleições legislativas para a Câmara e o Senado foram razoavelmente
tranqüilas, as duas casas acabaram se reunindo para formarem o congresso constituinte até ser
aprovada a nova Constituição. O PSD acabou garantindo maioria nas eleições, tanto na
Câmara quanto no Senado, seguido depois pela UDN.
Os trabalhos que deram origem à nova Constituição foram concluídos com a
sua promulgação em 18 de setembro de 1946. Sob o ponto de vista ideológico, a Constituição
de 1946 tinha cunho marcadamente liberal-democrático. Em alguns ponto abria caminho para
a continuidade do modelo corporativo, o Brasil foi definido como um República federativa,
estabelecendo-se as atribuições da União, Estados e Municípios e os poderes assim
distribuídos:o poder executivo seria exercido pelo presidente da República, eleito por voto
direto e secreto para um período de cinco anos; o Legislativo caberia ao Congresso Nacional,
composto da Câmara dos Deputados e Senado.A eleição para a Câmara deveria ser realizada
segundo o princípio da representação proporcional, ou seja, os deputados seriam eleitos na
proporção dos votos dados a eles no âmbito de cada partido a que pertenciam. A eleição para
o Senado obedeceria ao princípio majoritário, ou seja, seriam eleitos aqueles que obtivessem o
maior número de votos. Cada Estado e o Distrito Federal deveriam escolher três senadores
202
.
A Constituição de 1946 passou também a reconhecer o direito de greve, mas
com a ressalva de que a sua execução seria regulada pela lei.Isso acabou de certa forma
coibindo a sua manifestação.
Do ponto de vista da imprensa, houve muito alarde em torno da
reconstitucionalização do país e os jornais pesquisados deram ampla divulgação à candidatura
180
Dutra como aquele que melhor responderia ao período de transição que se vivia no país, ou
seja caminhava-se para a democracia, mas sem abrir espaços à chamada desordem que
pudesse advir desse novo contexto. O
Rio Grande
nessa época apresentava muitas reportagens
sobre a candidatura Dutra e a necessidade do povo em acorrer às urnas para votar nesse
candidato que segundo o jornal melhor responderia aos anseios populares.Em matéria do dia
2 de maio de 1945 já chamava a atenção para o significado do voto que transformava homens
comuns em cidadãos responsáveis pelos destinos do seu país. Quanto à figura de Getúlio
Vargas, o
Rio Grande
continuou dando cobertura ao agora senador eleito naquele pleito e
também futuro constituinte.
O Tempo
também manifestou-se sobre a nova situação política
de maneira positiva, chamando a atenção para a conjuntura que se formava e a defesa da
democracia. Em matéria do dia 7 de novembro de 1945 trouxe uma entrevista com Luiz
Carlos Prestes onde esse analisava o momento político como segue:
Concedeu importante entrevista à imprensa carioca, o líder comunista sr.
Luiz Carlos Prestes, da qual destacamos pontos interessantes merecedores de
ampla divulgação, pois indiscutivelmente o sr. Prestes em sua entrevista
abordou o assunto com energia e procurou coloca-lo dentro dos seus
princípios doutrinários no seu devido lugar. Eis o que disse o líder
comunista: De início perguntamos ao secretário geral do PCB como esse
partido encarava a nova situação e ele nos respondeu: o partido comunista
durante os últimos meses preveniu sistematicamente o proletariado e o povo
contra os riscos de golpes armados e da guerra civil, lutando
intransigentemente pela manutenção da ordem e da tranqüilidade
indispensáveis á marcha para a democracia- E quanto ao governo que acaba
de ser formado?- O novo governo é um governo de fato como o anterior, com
a diferença de que suas contradições internas são ainda maiores, donde ainda
existem ameaças ainda maiores de golpes e perturbações. O partido
comunista do Brasil não faz política em torno de homens. Apoiou os atos
democráticos do sr. Getúlio e apóia todos os atos democráticos do atual
governo.
202
ibidem, p.400.
181
A situação política do país permitia esse tipo de manifestação e mesmo o
partido comunista, tão crítico em outras épocas agora se rendia aos chamados
princípios
democráticos
do cenário que se vislumbrava ao final do ano de 1945. Em outra matéria do dia
25 de dezembro do mesmo ano,
o Tempo
destacava a figura de Vargas considerado
Um
Estadista Ímpar
, ou seja, um político capaz de congregar à sua volta : “grupos heterogêneos e
antagônicos, católicos, ateus, comunistas e integralistas”. O
Correio do Povo
por sua vez
divulgou amplamente as eleições constituintes e a nova Constituição. Em relato sobre os
trabalhos constituintes do dia 31 de julho de 1946 destacou a fala dos oradores que
relembraram a prisão dos parlamentares em 1937, bem como os ataques feitos a Getúlio
Vargas. Em 7 de novembro do mesmo ano sob o título: Os inimigos da Imprensa reafirmava a
necessidade de defesa da liberdade de expressão e de como a imprensa deveria continuar
lutando pelo seu espaço.
O Diário Popular
e o
Opinião Pública
também se manifestaram
prontamente com relação à volta do país ao regime democrático, fazendo grande alarde do
acontecimento.Os demais,
A Razão, a Gazeta de Alegrete e o Correio Rio-grandense
enalteceram o retorno do Brasil à democracia. O Correio Rio-grandense saudou o novo
momento político, mas não deixava de prevenir o eleitorado quanto ao perigo comunista que
ainda rondava o país. Como jornal eminentemente católico, entende-se a sua postura diante
desse sistema político.
Podemos depreender que a abertura democrática foi saudada com entusiasmo
por todos os jornais e as críticas a tudo que tinha representado o Estado Novo ficaram por
conta daqueles que se sentiram mais a vontade diante do novo cenário que estava surgindo. A
censura caiu e com ela as amarras que mantinham os jornais presos ou com pouca capacidade
de mobilização.
Sobre as eleições de outubro de 1945, o
Correio do Povo
no dia 3, assim se
manifestou:
182
Convida-se o povo a reafirmar em praça pública na maior manifestação
cívica de toda a sua história a sua vontade soberana de que seja convocada,
imediatamente, em eleições livres e honestas, uma
Assembléia
Constituinte
. (grifo do jornal).
O
povo
era chamado a
reafirmar a sua vontade soberana
de convocação de
uma Constituinte. O mesmo jornal, sob a égide do autoritarismo, havia desqualificado essa
possível aspiração do povo. Em uma outra manchete do mesmo dia, o jornal esclarecia:
Depois do comício, terá lugar a
Marcha Luminosa
do povo em direção á
sede do governo a fim de encaminhar ao chefe da Nação o seu pedido de uma
Assembléia Constituinte como único caminho para a democracia, a liberdade
e o progresso! (grifo do jornal).
A marcha luminosa do povo é colocada no discurso como um acontecimento
certo, que o jornal apenas estava relembrando.
Em 1946 quando já se podia falar abertamente em democracia sem se correr o
risco de ser coibido, o
Rio Grande
apresentava o seguinte discurso:
Revestiu-se de excepcional brilhantismo a posse do 16º presidente da
República. E com esse magnífico, solene e expressivo cerimonial, o Brasil
entrou no seu período constitucional iniciado sob a simpática expectativa
geral, uma era democrática com que de realizar seus grandes destinos
dentro do novo mundo de Liberdade, Justiça e de Democracia que os povos
livres vão constituir por sobre os escombros do Totalitarismo esmagado pela
força construtora das Nações Unidas
203
.
203
Rio Grande,-2-1946.
183
Todo o discurso que apontava para a necessidade da manutenção da política do
Estado Novo se transformava agora em repúdio àquela situação. Poderíamos pensar da
seguinte maneira: seria óbvio que antes se fazia a defesa do autoritarismo porque, afinal de
contas, vivia-se em regime de exceção. Essa seria a primeira impressão; no entanto, é possível
falar-se em construções discursivas contrárias, nos dois casos, ou seja, no Estado Novo e no
pós-Estado Novo. Construção e manipulação discursivas são aqui faces de uma mesma
moeda, porque mesmo o discurso manipulado na imprensa escrita naquela época, também era
um discurso construído, que fazia passar por legítima uma situação de excepcionalidade
política.
A abertura ocorreu e com ela a perspectiva da democratização do país, sem
riscos à chamada ordem instituída.
ELEMENTOS
CONSTITUTIVOS
SÍNTESE DA REPERCUSSÃO NOS JORNAIS
2ª Guerra Mundial
Rio Grande: destaca guerra e a necessidade do Brasil em defender-
se;
O Tempo
: noticia os acontecimentos da guerra e a necessidade do
Brasil em ficar ao lado dos Aliados;
Diário Popular
: trata a guerra como um mal necessário para
restabe
lecer a democracia no mundo e defende a democracia dos
EUA;
Opinião Pública
: rechaça a tentativa de implantação das ditaduras
fascistas no mundo;
Correio do Povo
: alinha-se à política norte-
americana e repudia as
ditaduras fascistas;
Diário de Notícias
:
repudia também as ditaduras e defende a
democracia estadunidense;
Gazeta de Alegrete
: destaca a importância de se defender a
democracia e a necessidade da guerra;
A Razão
: ataca as ditaduras fascistas e questiona internamente o
regime;
Staffetta Rio-grandense
: durante a guerra e por conta da política de
nacionalização do Estado Novo começa a escrever em língua
portuguesa e apenas relata os acontecimentos da guerra.
Democratização
Os jornais enfaticamente defendem a abertura democrática
184
principalmente depo
is da tomada de posição do Brasil a favor dos
aliados.O Diário de Notícias, o Diário Popular,a Gazeta de
Alegrete,A Razão e O Tempo fazem mais alarde em relação à
democracia e expõem de formam mais clara a contradição existente
entre o fato do Brasil estar
ao lagdo dos Aliados defendendo a
democracia liberal e internamente continuar sustentando um regime
ditatorial.
185
CONCLUSÃO
Este trabalho tem, entre outros, o propósito de enfatizar a história política como
referencial teórico, passível de contribuir para a comprovação de uma sociedade e de sua
organização.Nesse sentido, o estudo da história política adquire o status que foi proposto pela
história revisionista , ou seja, de que ela deve ser entendida como o confronto das várias forças
sociais que tentam se organizar.
A visão da história política tradicional, que enquadrava figuras e fatos com uma
certa regularidade sistêmica cede lugar ao conhecimento que permeia idéias mais
amplas,descortinando a política como elemento importante no reconhecimento e evolução da
sociedade.
A via de acesso escolhida para operacionalizar o estudo da história política no
período de 1930-1946- rico em movimentação política - deu-se pelo estudo de periódicos
escolhidos por sua importância regional no Rio Grande do Sul.
O desenvolvimento desta tese a partir de jornais que envolvem regiões de
importante significação sócio-econômica do estado permitiu identificar os vários graus de
aproximação dos mesmos com o centro do poder. Na medida em que a situação ia se
modificando, os jornais variavam em suas posições políticas.
Foi possível observar ao longo da elaboração deste trabalho as variações que
ocorreram na política do Brasil de 1930 a 1946, sob o ponto de vista da imprensa gaúcha,
percebendo que os jornais em tela, mesmo reproduzindo muitas vezes matérias dos periódicos
186
do sudeste do país, apresentavam peculiaridades de acordo com as regiões em que estavam
inseridos.
O capítulo I analisou questões teóricas ligadas ao estudo da imprensa e sua
utilização como fonte para a história, a questão do poder e a relação que os jornais tinham com
ele.
O capítulo II que tratou do período de 1930 a 1934, reconheceu a criticidade dos
jornais em relação ao momento político que estavam vivendo. Em relação à Revolução de
1930, por exemplo, todos eles aplaudiram-na por significar o fim da política dos governadores e
por representar a ascensão do Rio Grande do Sul.
A Revolução Constitucionalista de 1932 foi tratada diferentemente de acordo
com a posição de cada jornal, ou seja, situacionista, a favor do governo estadual, na figura
emblemática de Flores da Cunha, que apoiou o movimento até um determinado ponto, mas
depois o repudiou; ou contrário ao movimento revolucionário paulista desde seu início.
Estiveram ao lado do governo estadual, o
Rio Grande
e o
Diário Popular;
os demais
assumiram uma posição favorável ao governo federal . Questões políticas ligadas às rivalidades
partidárias do PRR-PL, de um lado, e do grupo que acabaria fundando o PRL, explicam essa
questão.
A Constituinte e Constituição de 1934 não apresentaram diferenciações nos
enfoques dos jornais. Todos aplaudiram a nova Constituição e alguns, entre eles
A Razão,
o
Opinião Pública
e a
Gazeta de Alegrete,
perceberam, os passos que o governo dava em
direção ao fechamento político, culminando com a Lei de Segurança Nacional de janeiro de
1935..
O Capítulo III trata dos acontecimentos que levaram ao golpe de 1937.O Rio
Grande, A Gazeta de Alegrete,
o
Opinião Pública,
o
Diário Popular, A Razão,
o
Diário de
Notícias,
O
Tempo,
o
Correio do Povo
assumiram, de início uma posição crítica , mas
187
acabaram tendo que se submeter às imposições do Governo Federal, que utilizou-se, como
instrumento de pressão, dos levantes comunistas do final do ano de 1935. O
Correio Rio-
grandense
voltou-se nessa época ao enfoque de questões mais locais ou apresentava os lances
da política nacional, mais como um observador à distância do que como participante.Escrevia
na língua italiana e trazia títulos como
“Notícias do Brasil”.
O capítulo IV trata do Estado Novo e seu fim. Durante sua vigência os jornais
foram obrigados a acatar as diretrizes do Governo Federal, caso contrário seriam fechados. A
censura, no entanto, começou a ser burlada, quando o Brasil assumiu a defesa dos interesses
dos Aliados na guerra contra o Eixo e o
Diário de Notícias, o Diário Popular, O Tempo, A
Razão, a Gazeta de Alegrete, o Opinião Pública
e o
Correio do Povo
passaram a dar ênfase ao
modelo de governo democrático vigente nos EUA. Por essa via, implicitamente, criticavam o
modelo autoritário do Estado Novo.
O
Correio Rio-grandense
é um exemplo acabado de submissão por questão de
sobrevivência. Na década de 1940 foi obrigado a escrever em língua nacional e na medida em
que, pressentia a aproximação do fim do Estado Novo liberou-se algo mais, mas foi somente
depois de seu final, que escreveu, abertamente sobre a questão do cerceamento político que
sofrera.
O ano de 1946 foi aberto pela imprensa com o registro da intensa movimentação
nos bastidores da política.A eleição do general Dutra e a nova Constituição mostravam um
Brasil mais aberto e em conseqüência uma imprensa mais. Os jornais foram mais duros nas
críticas ao regime patrocinado por Getúlio Vargas. O
Diário de Notícias, o Diário Popular, a
Razão, Gazeta de Alegrete
e o
Opinião Pública
foram destaques nessa questão. Os demais,
como o
Correio do Povo,
o
Rio
Grande e o
Tempo,
fizeram referências mais amenas aos oito
anos de regime que havia findado.
188
Em suma: a pesquisa levou a concluir que a imprensa gaúcha, na sua
amostragem representativa escolhida, no período de 1930 a 1946, sofreu a influência dos
interesses locais e/ou regionais, conforma sua área de abrangência. Por outro lado, foi em
grande parte subsidiária dos grandes pólos de comunicação nacional, do Rio de Janeiro e de
São Paulo.
Os temas da política nacional, regional e local, por conseguinte, permeiam suas
páginas, permitindo avaliar o peso de cada um e sua abrangência na sociedade.
Sofreu, com de resto toda a imprensa nacional com as vicissitudes políticas de
uma época de grandes transformações, tanto no plano nacional como no internacional.
Pontualmente, é possível acompanhar nesses jornais a reprovação dos fatos, nas
três escalas - local, regional, nacional - e, simultaneamente, o desenrolar dos mesmos no marco
temporal escolhido.
São jornais representativos de um contexto dinâmico que agem providos pelas
circunstâncias da vida política nacional e/ou internacional, além dos fatores da economia
interna de cada um.
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VERGARA, Pedro. Flores da Cunha na opinião de seus contemporâneos. Porto Alegre:
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VIZENTINI, Paulo Fagundes. História do Século XX. Porto alegre: Novo Século, 2000.
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KOVAL, Boris. História do Proletariado Brasileiro: 1857 a 1967. São Paulo. Alfa-Ômega,
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WEBER, MAX. Ciência e Política:duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1968.
201
Outras Fontes de Pesquisa:
Arquivo de Getúlio Vargas
Arquivo de Oswaldo aranha
Arquivo de Flores da Cunha
Arquivo de Raul Pilla
202
Locais de Pesquisa:
Arquivo Municipal de Porto Alegre
Biblioteca Central da PUCRS
Biblioteca Rio-Grandense
Biblioteca Pública de Pelotas
Núcleo de Pesquisa e Documentação em História do RS (UFRGS)
Solar dos Câmara em Porto Alegre
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