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CADERNOS SECAD 2
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
Brasília – DF março de 2007
Educação do Campo:
diferenças mudando
paradigmas
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Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Secretário Executivo
José Henrique Paim Fernandes
Secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
Ricardo Henriques
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC)
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, sala 700
CEP 70097-900, Brasília, DF
Tel: (55 61) 2104-8432
Fax: (55 61) 2104-8476
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CADERNOS SECAD
Educação do Campo:
diferenças mudando
paradigmas
Brasília, Fevereiro de 2007
Organização:
Ricardo Henriques
Antonio Marangon
Michiele Delamora
Adelaide Chamusca
©2007. Secad/MEC
Ficha Técnica
Realização
Departamento de Educação para a Diversidade e Cidadania
Armênio Bello Schmidt
Coordenação-Geral de Educação do Campo
Antônio Marangon
Redação
Coordenação: Marize Souza Carvalho
Pesquisa: Yonaré Flávio de Melo Barros
Eduardo D’Albergaria Freitas, Gildete Dutra Emerick, Joana Célia dos Passos,
Raquel Alves de Carvalho
Edição
Coordenação: Ana Luiza de Menezes Delgado
Carolina Iootty de Paiva Dias, Christiana Galvão Ferreira de Freitas, Shirley Villela
Projeto Gráfico
Carmem Machado
Diagramação
José dos Santos Pugas
Educação do Campo
5
Apresentação
Os Cadernos Secad foram concebidos para cumprir a função de documentar as
políticas públicas da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
do Ministério da Educação. O conteúdo é essencialmente informativo e formativo, sen-
do direcionado àqueles que precisam compreender as bases históricas, conceituais,
organizacionais e legais – que fundamentam, explicam e justifi cam o conjunto de pro-
gramas, projetos e atividades que coletivamente compõem a política posta em anda-
mento pela Secad/MEC a partir de 2004.
Procuramos contemplar informações úteis a gestores, professores e profi ssionais
da educação que atuam nos Sistemas de Ensino e a parceiros institucionais, tais como o
Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), a União Nacional dos Dirigen-
tes Municipais de Educação (Undime) e demais organizações com as quais a Secad/MEC
interage para consolidar suas ações.
Os temas abordados compreendem as questões da diversidade – étnico-raciais,
de gênero e diversidade sexual, geracionais, regionais e culturais, bem como os direitos
humanos e a educação ambiental. São analisados do ponto de vista da sustentabilidade
e da inclusão social por meio de uma educação que seja efetivamente para todos, de
qualidade e ao longo de toda a vida. Para isso, pressupõe-se que: i) a qualidade é
possível se houver eqüidade isto é, se a escola atender a todos na medida em que
cada um precisa; e ii) todas as pessoas têm direito de retornar à escola ao longo de sua
vida, seja para complementar a Educação Básica, seja para alcançar níveis de escolari-
dade mais elevados ou melhorar sua formação profi ssional.
O grau de envolvimento dos movimentos sociais nessas temáticas é intenso e,
em muitos casos, bastante especializado, tendo em vista que o enfrentamento da dis-
criminação, racismo, sexismo, homofobia, miséria, fome e das diversas formas de vio-
lência presentes na sociedade brasileira foi protagonizado, por muito tempo, por tais
movimentos. Assim, o Estado, ao assumir sua responsabilidade em relação ao resgate
das imensas dívidas sociais, dentre elas a educacional, precisa dialogar intensamente
com esses atores a fi m de desenvolver políticas públicas efetivas e duradouras.
As políticas e ações relatadas nesses Cadernos estão em diferentes patamares
de desenvolvimento, uma vez que algumas dessas agendas estavam incluídas, pelo
menos, nos instrumentos normativos relacionados à educação (e.g. Educação Escolar
Indígena e Educação Ambiental), enquanto outras ainda estavam em estágio inicial de
discussão e desenvolvimento teórico-instrumental (e.g. Relações Étnico-Raciais e Educa-
ção do Campo). No caso da Educação de Jovens e Adultos, as intervenções necessárias
eram – e ainda são – de ordem estratégica, abrangendo escala, metodologia e amplia-
ção do investimento público em todos os níveis de governo.
Esperamos, com esses registros, contribuir para o enraizamento e o aprofunda-
mento de políticas públicas que promovam a igualdade de oportunidades na educação,
a inclusão social, o crescimento sustentável e ambientalmente justo, em direção a uma
sociedade menos desigual, mais compassiva e solidária.
Ricardo Henriques
Secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
Ministério da Educação
Educação do Campo
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Índice
1. INTRODUÇÃO 9
2. MARCOS INSTITUCIONAIS 10
2.1. Um breve histórico sobre a Educação do Campo 10
2.2. Educação do Campo: conceitos e princípios envolvidos 13
2.3. Organizações que marcaram a Política Educacional para o Campo 14
2.4. A legislação brasileira e a Educação do Campo 15
3. A EDUCAÇÃO NO MEIO RURAL BRASILEIRO: DIAGNÓSTICO 18
4. ESTRATÉGIAS PARA O FORTALECIMENTO DA POLÍTICA NACIONAL DE
EDUCAÇÃO DO CAMPO 24
5. PROGRAMAS, PROJETOS E AÇÕES DA SECAD PARA A EDUCAÇÃO DO
CAMPO 27
5.1. Saberes da terra 27
5.2. Plano nacional de formação dos profi ssionais
da Educação do Campo 34
5.3. Revisão do Plano Nacional de Educação - Lei nº 10.172/2001 38
5.4. Fórum permanente de pesquisa em Educação do Campo 40
5.5. Apoio à Educação do Campo 42
5.6. Licenciatura em Educação do Campo 45
ANEXO 1 - Parecer CEB 36/2001 e Resolução CEB 01/2002 50
Institui as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo
ANEXO 2 - Parecer CEB 01/2006 71
Recomenda a Adoção da Pedagogia da Alternância em
Escolas do Campo
CADERNOS SECAD
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Anotações
Educação do Campo
9
1. INTRODUÇÃO
O reconhecimento de que as pessoas que vivem no campo têm direito a uma
educação diferenciada daquela oferecida a quem vive nas cidades é recente e inovador,
e ganhou força a partir da instituição, pelo Conselho Nacional de Educação, das Diretri-
zes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo
1
. Esse reconhecimento
extrapola a noção de espaço geográfi co e compreende as necessidades culturais, os
direitos sociais e a formação integral desses indivíduos.
Para atender a essas especifi cidades e oferecer uma educação de qualidade, ade-
quada ao modo de viver, pensar e produzir das populações identifi cadas com o campo
agricultores, criadores, extrativistas, pescadores, ribeirinhos, caiçaras, quilombolas,
seringueiros – vem sendo concebida a Educação do Campo.
Os dados ofi ciais disponibilizados pelas instituições federais de pesquisa – IBGE,
INEP e IPEA, entre outras – demonstram uma diferença acentuada entre os indicadores
educacionais relativos às populações que vivem no campo e as que vivem nas cidades,
com clara desvantagem para as primeiras. Isto indica que, no decorrer da história, as
políticas públicas para essas populações não foram sufi cientes para garantir uma eqüi-
dade educacional entre campo e cidade.
Esse documento se destina a contribuir com o debate e a compreensão dos
mecanismos e implicações que têm caracterizado as intervenções do Estado e as ações
da sociedade civil para a educação dos povos do campo. Parte da compreensão das
nuances conceituais e metodológicas intrínsecas à sua natureza político-pedagógica
e tem por nalidade informar e esclarecer os gestores públicos sobre a sua dimensão
política.
Apresenta-se organizado sob os aspectos considerados relevantes para a com-
preensão do que denominamos Educação do Campo. Primeiramente, é apresentado
um breve relato histórico sobre o tema, em seguida são identifi cadas as principais re-
ferências conceituais e organizações públicas e populares relacionadas à educação vol-
tada para as populações identifi cadas com o campo; bem como os marcos legais e
legislação em vigor.
Na seqüência é apresentado um diagnóstico que trata da relação entre a deman-
da e o atendimento educacional dessas populações, tanto nos seus aspectos quantita-
tivos quanto qualitativos. São apresentadas as principais difi culdades enfrentadas pelas
escolas, tais como: infra-estrutura, formação e remuneração de professores, acesso e
permanência dos alunos na escola, entre outros.
Por m, são apresentados os programas e ações desenvolvidos pelo Ministério
da Educação (MEC) para implementar uma Política Nacional de Educação do Campo,
por intermédio da Coordenação-Geral de Educação do Campo (CGEC), vinculada ao
Departamento de Educação para a Diversidade e Cidadania (DEDC) da Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad).
1 Resolução CNE/CEB nº 1, de 03/04/2002.
CADERNOS SECAD
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Anotações
2. MARCOS INSTITUCIONAIS
2
2.1. Um breve histórico sobre
a Educação do Campo
No âmbito das políticas públicas para a educação, pensava-se - e muitos pensam
ainda - que o problema a ser resolvido para a educação das populações que vivem fora
das cidades decorria apenas da localização geográfi ca das escolas e da baixa densidade
populacional nas regiões rurais. Isso implicava, entre outras coisas, a necessidade de se-
rem percorridas grandes distâncias entre casa e escola e o atendimento de um número
reduzido de alunos, com conseqüências diretas nos gastos para a manutenção do então
denominado ensino rural.
Paralelamente, o modelo escravocrata utilizado por Portugal para colonizar o
Brasil e, mais tarde, os adotados pelos próprios brasileiros para a colonização do interior
do país - de exploração brutal pelos proprietários de terra dos trabalhadores rurais, aos
quais eram sistematicamente negados direitos sociais e trabalhistas - geraram um forte
preconceito em relação aos povos que vivem e trabalham no campo, bem como uma
enorme dívida social.
Ao mesmo tempo, a suposição de que o conhecimento “universal”, produzido
pelo mundo dito civilizado deveria ser estendido ou imposto - a todos, de acordo
com a “capacidade” de cada um, serviu para escamotear o direito a uma educação
contextualizada, promotora do acesso à cidadania e aos bens econômicos e sociais,
que respeitasse os modos de viver, pensar e produzir dos diferentes povos do campo.
Ao invés disso, se ofereceu, a uma pequena parcela da população rural, uma educação
instrumental, reduzida ao atendimento de necessidades educacionais elementares e ao
treinamento de mão-de-obra.
Em 1932, foi lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
3
, que buscava
diagnosticar e sugerir rumos às políticas públicas de educação e preconizava a organiza-
ção de uma escola democrática, que proporcionasse as mesmas oportunidades para to-
dos e que, sobre a base de uma cultura geral comum, possibilitasse especializações para
as atividades de preferência intelectual (humanidades e ciências) ou de preponderância
anual e mecânica (cursos de caráter técnico) agrupadas em: extração de matérias-pri-
mas - agricultura, minas e pesca; elaboração de matérias-primas - indústria; distribuição
de produtos elaborados - transportes e comércio. Nessa proposta, as demandas do
campo e da cidade eram igualmente consideradas e contempladas.
2 Esta seção do Caderno Temático foi baseada no Relatório da Conselheira Edla de Araújo Lira Soares, que funda-
menta as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, aprovado em 4 de dezembro de
2001.
3 Escola Nova é um dos nomes dados a um movimento de renovação do ensino que foi especialmente forte na Euro-
pa, nos Estados Unidos e no Brasil, na primeira metade do século XX. Os primeiros grandes inspiradores do movi-
mento foram o escritor Jean-Jacques Rousseau e os pedagogos Heinrich Pestalozzi e Freidrich Fröebel. No Brasil, as
idéias da Escola Nova foram introduzidas já em 1882 por Rui Barbosa e ganharam especial força com a divulgação
do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, quando foi apresentada uma das idéias estruturais do
movimento: as escolas deviam deixar de ser meros locais de transmissão de conhecimentos e tornar-se pequenas
comunidades, onde houvesse maior preocupação em entender e adaptar-se a cada criança do que em encaixar
todas no mesmo molde. O documento foi assinado por: Fernando de Azevedo, Afrânio Peixoto, A. de Sampaio
Doria, Anísio Spinola Teixeira, M. Bergstrom Lourenço Filho, Roquette Pinto, J. G. Frota Pessoa, Julio de Mesquita
Filho, Raul Briquet, Mario Casassanta, C. Delgado de Carvalho, A. Ferreira de Almeida Jr., J. P. Fontenelle, Roldão
Lopes de Barros, Noemy M. da Silveira, Hermes Lima, Attilio Vivacqua, Francisco Venâncio Filho, Paulo Maranhão,
Cecília Meirelles, Edgar Sussekind de Mendonça, Armanda Álvaro Alberto, Garcia de Rezende, Nóbrega da Cunha,
Paschoal Lemme e Raul Gomes.
Educação do Campo
11
Entretanto, a separação entre a educação das elites e a das classes populares não
só perdurou como foi explicitada nas Leis Orgânicas da Educação Nacional, promulga-
das a partir de 1942. De acordo com essas Leis, o objetivo do ensino secundário e nor-
mal seria “formar as elites condutoras do país” e o do ensino profi ssional seria oferecer
“formação adequada aos lhos dos operários, aos desvalidos da sorte e aos menos
afortunados, aqueles que necessitam ingressar precocemente na força de trabalho”.
4
Na década de 60, a m de atender aos interesses da elite brasileira, então preo-
cupada com o crescimento do número de favelados nas periferias dos grandes centros
urbanos, a educação rural foi adotada pelo Estado como estratégia de contenção do
uxo migratório do campo para a cidade. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal de 1961, em seu art. 105, estabeleceu que “os poderes públicos instituirão e ampa-
rarão serviços e entidades que mantenham na zona rural escolas capazes de favorecer
a adaptação do homem ao meio e o estímulo de vocações profi ssionais”.
O mesmo enfoque instrumentalista e de ordenamento social veio a caracterizar a
formação de técnicos para as atividades agropecuárias. Em meados da década de 1960,
por ocasião da implantação do modelo Escola-Fazenda no ensino técnico agropecuário,
os currículos ofi ciais foram elaborados com enfoque tecnicista para atender ao processo
de industrialização em curso.
No mesmo período, ocorreu um vigoroso movimento de educação popular. Pro-
tagonizado por educadores ligados a universidades, movimentos religiosos ou partidos
políticos de orientação de esquerda. Seu propósito era fomentar a participação política
das camadas populares, inclusive as do campo, e criar alternativas pedagógicas identi-
cadas com a cultura e com as necessidades nacionais, em oposição à importação de
idéias pedagógicas alheias à realidade brasileira. (RIBEIRO, 1993:171)
Em 1964, com a instauração do governo militar, as organizações voltadas para a
mobilização política da sociedade civil entre elas o Centro Popular de Cultura (CPC),
criado no ano de 1960 em Recife-PE; os Centros de Cultura Popular (CCP), criados
pela União Nacional dos estudantes em 1961 e o Movimento