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Novas Bases para o Ensino da História da África no Brasil
AS CATEGORIAIS SERVIS
Apesar da enorme produção analítica sobre a escravidão no mundo
inteiro,
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não se chegou até hoje a uma teoria geral sobre a escravidão que
seja suficientemente abrangente e flexível para permitir o desmembramento
tipológico desse sistema particular de trabalho opressor atendendo às
especificidades de épocas e sociedades.
A África, no seu percurso de estruturação de diferentes formas de relações
sociais, conheceu diversos modelos de relações de trabalho e de produção
baseados no trabalho servil escravo.
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A questão que continua sendo o problema
é: de que tipo de escravatura se trata? Como conceber uma tipologização de
formas especificamente africanas de trabalho servil à base de escravos?
A escravização de um ser humano por outro ser humano, seja qual for a razão
ou ocupação à qual estaria destinada tal força de trabalho, é sempre uma das
expressões mais cruéis da dominação na história da humanidade. Certamente,
essa forma de exploração, que arranca do ser humano o direito à sua dignidade
inata, é odiosa e condenável sem apelo.
A escravatura existente na África, principalmente no período pré-islâmico e
pré-colonial, continua a desafiar as tentativas de tipologização, sendo motivo
das mais divergentes e contraditórias análises.
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Todo o assunto gira em torno
da questão: houve escravatura sem sistema escravista que englobasse a totalidade
da sociedade na África? Com base nas pesquisas cada vez mais precisas que estão
sendo realizadas pelos especialistas africanos, começa a emergir uma visão que
remete a uma complexidade maior do que se pensava.
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Com relação à escravidão em geral, ver: VERLINDEN, Charles, L’Esclavage dans l’Europe Médiévale.
Bruges: De Tempel, 1955. Ver também: DAVIS, David Brion, O Problema da Escravidão na Cultura
Ocidental. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001; FINLEY, Moses I., Escravidão Antiga e Ideologia
Moderna
. Rio de Janeiro: GRAAL Editora, 1991; BAKIR, Abd el-Mohsen, Slavery in Pharaonic Egypt.
Cairo, 1952; CHANANA, Dev Raj, Slavery in Ancient Índia: as Depicted in Pali and Sanskrit Texts. New
Delhi, 1960; MENDELSOHN, Isaac, Slavery in the Ancient Near East: a Comparative Study of Slavery
in Babylonia, Assyria, and Palestine, from the Middle of the Third Millennium to the End of the First
Millennium. Nova York: Oxford University Press, 1949;
WESTERMANN, William L., The Slave. Systems
of Greek and Roman Antiquity. Philadelphia: American Philosophical Society, 1974. Sobre a Ásia, ver:
WILBUR, C. Martin, Slavery in China during the Former han Dynasty, 206B.C.-A.D. 25. Chicago: Field
Museum of Natural History, 1943; WATSON, James (org.), Asian and African Systems of Slavery, New
York: Oxford Press, 1980.
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Sobre a escravatura africana, ver o excelente trabalho: MEILLASSOUX, Claude, Antropologia da escravidão:
o ventre de ferro e dinheiro. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995.
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Ver: MEILLASSOUX, Claude, L´esclavage en Afrique précoloniale. Paris: Maspéro, 1975; BARRY, Boubakar,
Le royaume du Wallo, Paris: Karthala, 1985; Le Senegal avant la conquête. Paris: Karthala, 1985; e CISSOKO
,
Sekene Mody, Tombouctou et l´Émpire Songhay. Dakar: Nouvelles Editions Africaines (NEA), 1975.