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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Educando na vida com a dança: corporeidade e movimento
Helena Marinho
Março de 2005
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Educando na vida com a dança: corporeidade e movimento
Helena Marinho
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Profª Drª Iduína Mont’Alverne Chaves - Orientadora
Universidade Federal Fluminense
__________________________________________
Profª Drª Helena Amaral da Fontoura
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
___________________________________________
Profª Drª Clarice Nunes
Unversidade Federal Fluminense
NITERÓI
2005
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Educando na vida com a dança: corporeidade e movimento
Helena Marinho
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª
Iduína Mont’Alverne Chaves
Março de 2005
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AGRADECIMENTOS
À professora Iduína Mont’Alverne Chaves, por aceitar a orientação deste trabalho e
pela contribuição valiosa.
À professora Helena Amaral da Fontoura, a pessoa certa, no lugar certo, na hora
certa. O meu agradecimento, também, por aceitar fazer parte da Banca Examinadora.
À professora Clarice Nunes, pela contribuição no exame de qualificação e por aceitar
fazer parte da Banca Examinadora.
Ao CNPq, pelo suporte necessário ao meu trabalho.
À equipe da Secretaria da Pós-Graduação, pelo atendimento sempre atencioso.
À Jacyana pela dedicação com que participou ativamente do ensaio geral do meu
trabalho.
Aos colegas dos grupos de pesquisa e de orientação, que me apoiaram na travessia.
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DEDICATÓRIA
Aos meus pais que com amor me ensinaram
várias coreografias na dança da vida
.
À minha família de arquitetos que sempre me
ensinou a direcionar o olhar para a beleza das
cores e dos espaços nas cenas da vida.
À minha orientadora Iduína que com sua amizade
e confiança me recebeu para o palco da academia.
À grande amiga Tânia Cozzi, que com sabedoria
de irmã não me deixou perder o equilíbrio nas
piruetas da vida e da profissão.
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A Metafísica do Corpo
Em cada silêncio do corpo identifica-se
a linha do sentido universal
que à forma breve e transitiva imprime
a solene marca dos deuses e do sonho.
Carlos Drummond de Andrade, 2002
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RESUMO
Em linhas gerais, este estudo pretende compreender as relações entre movimento,
corporeidade e o fazer pedagógico do professor da Educação Infantil. Em termos específicos,
busca-se discutir a sua prática, com especial atenção para a utilização do movimento
espontâneo, aspectos da motricidade e das atividades lúdicas como
forma de promover, a
organização da sua corporeidade, de forma harmônica e equilibrada, refletindo no clima
educativo da escola. Esclarecemos que a corporeidade, neste trabalho, é entendida como uma
área relativamente nova, que tem o homem como objeto de estudo onde seu corpo é o centro
de experiências, sensações e criações, visando aspectos da globalidade do ser e seu auto-
conhecimento. O referencial teórico tem sua base na sócio-antropologia do cotidiano, tendo
como principais teóricos Edgar Morin e Michel Maffesoli e dos estudiosos da corporeidade
Angel Vianna, André Lapierre, Bernard Aucouturier, Esteban Levin, Jean Le Boulch e Vitor
da Fonseca, dentre outros. Como instrumentos metodológicos foram utilizadas a observação,
entrevistas e oficinas, nas escolas selecionadas realizadas, com os professores. As entrevistas
são apresentadas neste trabalho sob a forma narrativa, com vistas a evocar a experiência
humana de forma significativa, favorecer a reflexão sobre os relatos dos sujeitos; dar voz aos
sujeitos participantes do estudo; organizar percepção, pensamento, a memória e a ação tendo
como sujeitos da pesquisa, professores de duas escolas municipais e uma escola particular do
Rio de Janeiro. Através das práticas corporais, as professoras que participaram desta pesquisa,
foram mobilizadas para a realização das atividades pedagógicas à luz de um paradigma
complexo aberto para a vida, para a arte, para o lúdico e para o sensível e constataram que
quando o professor aprende a se expressar com o corpo, assume sua real identidade e
equilíbrio, relacionando-se efetivamente com seus alunos, em uma parceria tônica, afetiva,
lúdica.
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ABSTRACT
All in all, this study aims to understand the connections between movement, bodily
movement competence and the way teaching is applied in Infant Education. To be specific,
the objective of this study is to discuss its practice, focusing on the use of spontaneous
movement, aspects of motricity and playful a activities. The organization of bodily
movement competence is promoted through the topics mentioned above, in a harmonic and
balanced way, reflecting on the educational atmosphere of the school.
It’s imperative to state that the bodily movement competence, in this study, is seen as
a relatively new area, which has the human being body as the topic being studied, its
sensations and creations, aiming whole aspects of human beings and their self-awareness.
The theoretical referential is based on day to day socio-anthropology, having Edgar Morin
and Michel Maffesoli as the main theoreticians and Angel Vianna, Anddré Lapierre, Bernard
Acouturier, Esteban Levin, Jean Le Boulch and Vitor da Fonseca among others, as studious of
bodily movement ability.
As methodological instruments they used observation, interviews and workshops at
the schools where the study took place. The interviews are shown in narrative, aiming to
evoke human experience in a meaningful way, favor reflection on the subjects’ statements;
enable the subjects who took part in this study to speak, raise awareness, thoughts, memory
and action, using as subjects of this research, teachers of two state schools and a one private
school from Rio de Janeiro.
By means of these bodily practices, the teachers who participated in this research have
been mobilized to go through pedagogic activities conducted by a complex paradigm open to
life, to art, to playful and to sensibility. It has been concluded that when the teacher learns to
express himself using his body, he shows his real identity, connecting effectively with his
students, in perfect partnership, which in not only effective but also playful.
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SUMÁRIO
OUVERTURE 11
1º Ato – Minha dança na vida 14
Cena 1 – A conquista e a surpresa 14
Cena 2 – Outro balé – A Brisa: movimento e emoção 15
2º Ato – Do palco da dança para o palco da escola 17
Cena 1 – O balé 17
Cena 2 – De Swanilda para Helena 18
Cena 3 – O corpo movimentando a emoção: experiência com
professores 20
Cena 4 – O corpo do professor no espaço de ensinar 23
3º Ato – Do Balé ao Mestrado 24
CAPÍTULO 1 - O BALÉ DA RELAÇÃO PEDAGÓGICA 29
Cena 1 – O movimento 29
Cena 2 – Variações sobre o corpo e movimento. O caminho da corporeidade 32
Cena 3 - Pas-de-deux – Corporeidade e Relação Educativa 38
CAPÍTULO 2 – PEQUENOS SOLOS 40
Cena 1 - O movimento de Clara 41
Cena 2 - O passo firme de Drika 46
Cena 3 – Desabrochando para os movimentos de Cris 51
Cena 4 – A construção de novas possibilidades no movimento de Gabi 56
Cena 5 – Mari brinca no movimento de ensinar 58
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CAPÍTULO 3 A COREOGRAFIA DA BRINCADEIRA 60
Cena 1 – O movimento 60
Cena 2 – Divertissements 63
CAPÍTULO 4 – PAS-DE-DEUX, PAS-DE-TROIS, PAS-DE-QUATRE 76
Cena 1 – Profª Manú – As alunos como partners da dança 77
Cena 2 – Profª Juju – Dançando conforme a música 81
Cena 3 – Profª Tetê – Brincar e Educar – A Dança da Vida 83
Cena 4 – Profª Dina – O corpo na brincadeira 82
Cena 5 – Profª Beth – Um novo enredo 84
Cena 6 – Profª Cacau (Educ. Física) – Vamos dançar e movimentar 85
O CORPO DE BAILE NA EDUCAÇÃO 87
BIBLIOGRAFIA 92
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OUVERTURE
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1° Ato – Minha Dança na vida
Minha infância teve cheiro de mato, de chuva e de roupa “quarada” no varal.
Nasci em Itaperuna, numa fazenda, e, mesmo morando no Rio, era para que ia nas
férias, e foi lá que tive experiências fantásticas com barro, palha de milho, correndo no
terreiro de café. Até hoje tenho grande sintonia com espaços abertos, sol, campos, gramado,
terra.
Era extremamente agradável ouvir o barulho do vento nas folhas, a cigarra cantando,
os diferentes barulhos de passarinhos e insetos. Tinha também cheiro de café com leite ou
suco de uva e massinha e lápis de cera no Jardim de Infância. E estas sensações, eu as vivi
intensamente, pois estão presentes em mim e servem de referência para momentos em que
busco um contato maior comigo mesma.
Nesta época, a dança me foi indicada para socialização e correção ortopédica, e com
ela, inaugurei novas sensações, agora experimentadas pelo meu corpo, em sua totalidade.
Inicia-se a montagem do meu quebra-cabeça movimentos opostos se
complementam, e assim, é a dança da vida dando início à vida na e para a dança.
Regras gidas de educação escolar nos anos 60 e 70, versus liberdade das
brincadeiras da fazenda. Movimentos livres da dança versus disciplina e rigor da técnica do
balé. Brincadeiras na rua versus uniformes impecáveis do colégio e do Corpo de Baile da
Academia Leda Yuqui. (foto abaixo)
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Quando falo da minha história, falo de um exemplo de construção da corporeidade, da
minha corporeidade, sob a luz de um novo paradigma, o paradigma da complexidade.
Integrar e unir para fazer o movimento do viver, sem esfacelar, sem desintegrar, sem
separar as partes do todo e o todo das partes, como nos aponta Morin (2001), no Paradigma da
Complexidade, foi o que senti e internalizei com a dança.
As contradições enfrentadas na minha educação, ajudaram-me a percebê-la como algo
a ser vivido para além da transmissão de conhecimentos. Só poderia, a partir de então,
concebê-la como algo incerto, imprevisível, pois, assim como a dança, ela é repleta de
movimentos e sinuosidades.
“Em toda a minha vida, eu jamais me resignei ao saber parcelado,
jamais isolei um objeto de estudo de seu contexto, de seus
antecedentes, de seu vir a ser. Sempre aspirei a um pensamento
multidimensional. Jamais eliminei a contradição interior. Sempre senti
que as verdades profundas, antagonistas eram para mim
complementares, sem deixarem de ser antagonistas. Jamais desejei
reduzir a força da incerteza e da ambigüidade”. (E. Morin, apud
Mont´Alverne, Chaves 2000:22)
Na Pedagogia aprendi as técnicas de ensinar, na Fonoaudiologia, técnicas para corrigir
distúrbios da comunicação, na Psicomotricidade, técnicas para corrigir distúrbios do
movimento, e essas técnicas tiveram sentido para mim quando compreendi, com Morin
(2001), que as regras e as normas podem conviver e se completar com o novo, com o desafio,
com o lúdico e com a arte. É surpreendente perceber o quanto as experiências da minha
infância e as experiências vividas com a dança, foram o ponto de partida para o trabalho que
desenvolvo hoje com a educação, o movimento, o ritmo e a arte. A dança e a música foram
fundamentais para a minha vida profissional.
Passei minha adolescência entre as atividades escolares e os ensaios de balé, e essa
convivência com o movimento do meu próprio corpo, na educação e na arte, ajudou-me a
perceber como é importante olhar a realidade de forma aberta, desafiadora e com curiosidade.
“A missão desse ensino é transmitir não o mero saber, mas uma
cultura que permita compreender nossa condição e nos ajude a viver, e
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que favoreça ao mesmo tempo um modo de pensar aberto e livre”.
(Morin, 2001:11).
Aos treze anos vivenciei, no balé, um desafio que, no meu ponto de vista, foi
norteador para todos os meus projetos profissionais futuros, reforçando em mim a idéia que
educar é dançar com a vida!
E como tudo na vida é inesperado, surgiu a oportunidade de candidatar-me ao cargo de
solista substituta. Desafio que aceitei ao ser incentivada por Júlia Quiroz (Dona Julinha),
reconhecedora do meu potencial, professora da Academia Leda Yuqui.
Estaria apta para tanto? Sentia-me despreparada para enfrentar o inesperado (Morin,
2002), mas, não perder o equilíbrio na ponta, rolar três ou quatro piruetas, ou realizar trinta e
seis fouettés
1
, também eram desafios enfrentados, cotidianamente, na dança.
A dança, definitivamente, com sua poesia e sua técnica faz parte da complexidade da
vida diante da idéia de superar nossos próprios limites.
Naquele ano, contei com a ajuda da minha grande amiga Jô Fontes, que me ensaiava.
Éramos oito solistas, muito unidas apesar da diversidade de nossas vidas: Jô, Soninha, Fafá,
Ana Elisa, Cristinona, Cordélia e Aninha (Ana Botafogo) que, como eu, era das mais novas
no nosso grupo.
Dou-me conta que não evoluções que não sejam desorganizadoras/organizadoras
(Morin,2002) em seu processo de transformação ou de metamorfose e, na sensação forte e
sofrida do exame, o futuro permaneceu aberto e imprevisivel (Morin, 2002). Eu queria
dançar! Meu coração estava aberto para conquistas ou derrotas. Eu não tinha nada a perder,
mas ganhar, sim. Sempre.
Dancei a “Fada Prateada”, uma das fadas-madrinhas da princesa Aurora, a “Bela
Adormecida” - do Ballet Bodas de Aurora, com todo o meu sentimento à flor da pele, mas
mantinha-me consciente das minhas possibilidades e limitações, compreensão desenvolvida,
também, a partir da corporeidade.
Cena 1: A CONQUISTA E A SURPRESA
O corpo ou um ideal de corpo? Para o balé é preciso um corpo ideal mas não como o
meu - não sou longelínea. No entanto, o corpo não é tudo, a expressão e a interpretação são
fundamentais, e isto a banca soube reconhecer.
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Dancei uma fada muito faceira, alegre e leve. A Banca delirou!
Naquele momento senti intensamente o prazer do simbolismo do brincar. A música de
Tchaikovsky, ligada aos movimentos de saltitar e rodar, me faziam sentir como se, de fato,
junto com as outras fadas, eu pudesse voar, dançar para alegrar a realeza. Eu realmente me
senti uma fada! Passei no exame!
A Banca decidiu que eu deveria ocupar o cargo mais alto das solistas. Solista demi-
charactère (pode-se dançar balés dramáticos ou românticos).“O inesperado surpreende-nos”.
(Morin, 2002:30).
Foi um grande momento em minha vida! Foi aberta uma vaga extra de solista demi-
charactère para uma mocinha de olhos grandes e sorriso largo, que ainda sabia brincar!
Não parei por aí. Dançar é poesia e movimento. Interpretar é minha vida. Acho que
em algum lugar ouvi que o professor é o ator de sua prática. Acredito nisto.
Ser solista demi-charactère me deu oportunidade de dançar um dos adágios mais
lindos que eu conheço o “Adágio de Giselle”, que conta sobre a paixão de um príncipe pela
alma de sua amada, uma camponesa plebéia.
Em meu exame para o Royal Ballet of London me coube dançá-lo. Mais uma vez meu
corpo vivenciou o simbolismo de uma história. Eu era a alma de Giselle!
Ganhei meu diploma do Royal Ballet e, por ter o termo “Highly Comended (bailarina
altamente recomendada), o recebi de Dame Margot Fonteyn. Foi a glória! (foto abaixo)
Certificado de exame: The Royal Academy of Dancing – julho/1970
Cena 2: OUTRO BALÉ - A BRISA: MOVIMENTO E EMOÇÃO
1
Passo de balé que consiste em fazer várias piruetas na ponta do pé.
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“E a Brisa vai brincando...”. Este balé faz parte da obra de Berliotz, “Carnaval dos
Animais”, que apresenta os fenômenos da natureza.
A mim coube este papel depois de grande disputa (no balé a competição é, também,
acirrada), pois como bailarina solista demi-charactère mostrei competência para incorporar,
realmente, a Brisa, suave e brincalhona.
Como? Com que atributos? Que exigências são feitas aos que se aventuram a
assumir personagens/papéis?
Sempre fui muito determinada em aprimorar minha técnica, já que meu físico, como já
mencionei, não era exatamente apropriado ao balé. Tirei partido de minha interpretação e
sensibilidade. “As artes levam-nos à dimensão estética da existência e conforme o adágio
que diz que a natureza imita a obra de arte ela nos ensina a ver o mundo esteticamente.”.
(Morin, 2001:45).
Até hoje vejo o mundo através da música e da dança movimento e emoção, que,
trazendo para a Educação, implica em compartilhar e vivenciar, entrar em sintonia com a
vida, com o novo.
Em minha prática como professora, percebo que a maioria dos colegas atua com o
rigidamente planejado, mas não com o novo e o inesperado, com a emoção e o prazer do
momento, que podem vir a ser um novo movimento para novas aprendizagens.
Pois bem, lembro até hoje de minha querida professora russa, Mme.Makarova, uma
velhinha empinadinha, de 80 anos de idade, e que falava em francês. Para ela, era uma
diversão assistir a minha Brisa... Lembro, com emoção saudosa, de suas palavras: - Sorrire,
Hélène. Très bien! Autre fois!”.
Sempre dançávamos em muitos lugares, Teatro Municipal do Rio e de São Paulo,
Teatro João Caetano, praças de Campo Grande e de Marechal Hermes no programa Balé nas
Praças, como forma de divulgarmos e popularizarmos a arte da Dança.
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Foto do Jornal O Globo – 13.02.72
Certa vez, dançando “Brisa”, no Teatro Municipal, novamente, enfrentei o
inesperado - um corte no dedo e, como o rápido frescor da “brisa”, veio o improviso e a
superação do problema. Em cena, o prazer transcende da dor. O enfrentamento do inusitado, a
dinâmica de criar novas situações, com criatividade, me encanta.
Não será o que devemos fazer como atores/dançarinos/professores e como
professores/dançarinos/atores que somos? Os deuses nos inventam muitas surpresas: o
esperado não acontece, e um Deus abre caminho ao inesperado”. (Eurípedes, final de
Medéia, in Morin, 2001:55).
Fui incorporando essa plasticidade em relação ao novo e ao inesperado através
da dança. Hoje reconheço que fui aprendendo a olhar a Educação através de um paradigma,
também para a vida. De alguma forma, essas vivências e lembranças estão impregnadas em
mim e traduzem a forma como vejo “a arte de ensinar” nos dias de hoje.
“Conhecimento é a navegação em um oceano de incertezas, entre arquipélagos de
certezas”. (Morin, 2002:91)
2°Ato - Do palco da dança para o palco da escola: uma experiência inesquecível
Cena 1 – O BALÉ
Boa parte da minha juventude passei dançando. Foram inúmeras as apresentações no
Teatro Municipal e outros teatros do Brasil. Interpretar personagens dos balés representou
uma grande experiência, teve uma significação importante em minha vida.
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Pude conviver com a disciplina da técnica mas, também, com o prazer do movimento
e a sensibilidade da música. Cada balé, contado aqui, representou um acréscimo de
experiência, um enriquecimento em meu olhar para a arte da música e da dança e mais,
aprendi a estabelecer relações entre os personagens e minha vida buscando mudanças.
Um dos balés que me deu mais prazer de dançar foi “Coppélia - a moça dos olhos de
esmalte”, e foi também do qual extraí grandes aprendizagens, sensações e experiências.
Coppélia é apenas uma boneca e, Swanilda, a moça que toma o seu lugar a fim de
salvar a vida do seu namorado, seu grande amor. A boneca, de corpo rígido e mecânico,
ganha vida através de Swanilda que começa, cheia de truques e engenhos, a dançar. Executa
danças espanholas e escocesas. Dr. Coppélius, criador da boneca, ao perceber que não
controlava mais a sua suposta criação, tenta ordenar e controlar as atitudes da sua boneca
Coppélia, encarnada em Swanilda, em vão, e ela, endiabrada, mexe em tudo, fazendo um
grande alvoroço. (Botafogo, 1993:62-3) ( Foto abaixo -As solistas de Coppélia)
Teatro Municipal, Rio de Janeiro – Coppelia , Dez/1973
Cena 2 – DE SWANILDA PARA HELENA
Durante todo o 2
o
ato, enquanto eu representava a boneca com vida brincando com os
bonecos e com o próprio Coppélius, tudo era inesquecível.
Imitando uma boneca com vida dancei a dança espanhola, a dança escocesa e a dança
chinesa.
Assumir o papel de boneca e, ao mesmo tempo, transformar-me em gente, era um
grande divertimento. O corpo da boneca, dura e manipulada por Coppélius, tornava-se
flexível e suave.
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Havia tanta emoção em meus movimentos que sempre, ao final do balé, podia ver na
primeira fila crianças vibrando com o casamento dos personagens e, ao mesmo tempo, se
emocionando com o pobre Coppélius abraçado com sua boneca.
Quando estou em sala de aula, o mesmo sentimento me invade, pois apesar da
seriedade que é educar e ensinar, faço isso com grande prazer, compartilhando com meus
alunos a alegria de me movimentar, brincar, criar.
Hoje vejo que a sensação de bem-estar, aliada aos movimentos lúdicos e à técnica da
dança clássica, pode ser comparada ao prazer infantil de brincar. A emoção tem grande
influência nas posturas e no fazer pedagógico.
Quando comecei a trabalhar em uma escola de Educação Infantil, um fato inesquecível
marcou minha mudança de atitude no trabalho e me instigou a questionar a corporeidade do
professor.
Trago da memória o meu o meu primeiro trabalho, como auxiliar de professora em
uma turma de alfabetização
Na primeira semana, apenas observava a turma e a professora e confesso que me
sentia meio deslocada no grupo. A sensação que lembro era de me movimentar meio
desajeitada.
Na segunda semana, na 2
a
feira estava combinado que o pai de um dos alunos
(produtor de filmes) iria fazer uma filmagem das turmas da escola para um documentário.
No dia combinado, a professora da turma que eu auxiliava faltou e a coordenadora
pediu que eu a substituísse. “Congelei”. Ainda falando de sensações, recordo que meus
movimentos eram duros e travados como os da boneca Coppélia. Foi realizada a filmagem!
Quando o filme foi apresentado à equipe, não foi surpresa para mim ouvir o
comentário, extremamente construtivo, da Coordenadora: Helena, o que houve? Você estava
com frio? Passou parte do tempo de braços cruzados e com movimentos muito contidos!”.
Realmente não estava à vontade em meu corpo! Era a própria boneca Coppélia...
Desde então, comecei a buscar cada vez mais atividades que me propiciassem uma
consciência corporal maior.
Nessa caminhada, fui me interessando pela importância do professor estar bem e
conhecendo seus limites e possibilidades corporais. Acredito que isto o levará cada vez mais
a melhorar seu desempenho acadêmico com as crianças, culminando em um clima educativo
facilitador da aprendizagem. Esta aprendizagem está apoiada nas experiências vivenciadas
com crianças, experiências estas que as levam às aquisições necessárias para desenvolverem a
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área cognitiva e para as linguagens (enfatizada aqui pela sua importância no estudo) de forma
plena e criativa.
Morin (2001) expande o conceito de educação e ensino para além dos sentidos de
moldagem. Relacionando saber e vida, aposta na educação como algo que assume a parte
prosaica e integra a parte poética de nossas vidas. Aposta no que traz, sem dúvida, um
sentimento de revigoramento, de coragem para ir além, para buscar novos conhecimentos,
para entender melhor a cultura, ou seja, os modos de pensar, sentir e agir dos professores com
os quais lidamos, para enriquecer a nossa relação.
Analisando as dificuldades mais urgentes e importantes no campo do saber, Morin
(2001) remete-nos à questão da fragmentação dos saberes. Ou seja, uma inadequação cada
vez mais ampla e profunda entre os saberes separados, compartimentalizados, em disciplinas
que não se comunicam. Tal fragmentação impede o ver global que se parcelariza, tornando
invisível os conjuntos complexos, as interações e as retrações entre as partes e o todo.
O pensamento de Edgar Morin pretende uma educação de modo mais sistêmico, o que
implica formar profissionais da educação abertos, capazes de refletir sobre a cultura em
sentido amplo. Em outras palavras, uma forma de pensar que alimente interrogações sobre o
mundo, a ciência e a vida.
Ivaldo Bertazzo (2004) afirma que o professor deve trabalhar com o movimento
procurando o equilíbrio da razão e da emoção. Deve trazer o ritmo, a arte, a poesia, para a
vida. Aprender a ver através do corpo organizar o seu ombro, juntar suas mãos, focar seu
olhar, organizar sua respiração. Corpo, emoção e integração, facilitam as aprendizagens. É
assim que Ivaldo vê a Educação.
Cena 3: O CORPO MOVIMENTANDO A EMOÇÃO: EXPERIÊNCIA COM PROFESSORES
Ano passado, precisei encantar uma platéia de professores numa reciclagem.
Inicialmente me espantei ao ver a expressão “amuada” dos assistentes, afinal,
estávamos a uma semana do Carnaval! Foi necessário usar minha criatividade.
Este fato fez-me lembrar de meu partner em o “Pássaro Azul”, uma história contida
dentro do balé “A Bela Adormecida”. Foram muitos ensaios e nós costumávamos brincar em
cena. Jogava-me nos seus ombros, até que certa vez caímos no chão. E se por acaso esta
situação se repetisse no palco, em plena apresentação? O que faríamos? Também usaria a
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minha criatividade e deixaria que meu corpo me levasse a alguma posição que lembrasse um
pássaro no chão. Mas não caímos!
Pas-de-deux Pássaro Azul – Helena Marinho e Jorge Moura – Teatro Municipal, Rio de Janeiro – Dez/1972
Meu rosto sempre se ilumina quando danço e foi através das cantigas de roda e suas
coreografias, que consegui “descongelar” o grupo e todos nós nos divertimos e aprendemos
com ritmos e movimentos tão agradáveis.
“O brinquedo ou cantiga de roda é, sem dúvida, uma atividade de
grande valor educativo. É modalidade de jogo muito simples e, por
incluir tradição, música e movimento, contribui para o
desenvolvimento das coordenações sensório-motoras.” (Novaes,
1986:7).
O comentário de uma das professoras fez o grupo dar gargalhadas. Eu poderia dizer
que estavam com o riso solto: “Hoje, brincando de roda, desopilei meu fígado. Adorei!”.
Acredito que mais um grupo descobriu o prazer corporal do movimento livre e do
brincar. Ouviu as “vozes de infância” tão bem lembradas pelo poeta Manoel Bandeira:
“Ah! Vozes de infância, que ainda me soam no timbre desta ou
daquela Menina do Recife!
Roseira dá-me uma rosa; Carneirinho, Carneirão; Capelinha de
Melão; Ciranda, Cirandinha; Nesta Rua, Nesta Rua....
Quando estou amolado da vida sei bem como me retemperar: é ir
a uma certa rua e entrar em certo bosque que se chama solidão”
(apud Novaes, 1986:3).
Posso afirmar que hoje, trabalhando com Educação a partir da união dos opostos que
vivi, é possível aliar em minha prática, a técnica, o lúdico, o movimento e a expressão
corporal.
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Fazem muito sentido, aqui, as palavras de Myrthes Wenzel (Marinho, 1993:2) quando
ela faz um apelo para Que todos nós possamos ouvir a voz dos nossos alunos, filhos ou
netos”, e nos pede: Venham brincar conosco, pois é através das atividades lúdicas que eu
crescerei harmonicamente e desenvolverei melhor as minhas capacidades físicas e mentais.
Vocês, adultos, brincando conosco, reencontrarão, também, a imensa alegria de brincar”
Houve ainda um convite para dinamizar um encontro de doze professores, reunidos
numa sala de aula de uma escola de nossa cidade.
Respirei fundo, entrei e, saudando os professores, expliquei que teriam uma tarde
diferente. Ao invés de palestras, dançaríamos. A platéia reagiu com sorrisos nervosos.
Então, pedi que todos ficassem de e que andassem pela sala explorando o espaço, olhando
uns para os outros. Alonguem”, disse eu. Agora, cada um vai lembrar uma cantiga de roda
brincada na infância.”
Foi uma surpresa quando descobriram que todas as cantigas citadas, com suas
coreografias, eram um excelente material de trabalho para estimular os elementos da
motricidade – lateralidade, organização espaço -temporal, esquema corporal, dentre outros.
Cantamos e dançamos Mazu, Mazu; Escravo de Jó; Ai Bota Aqui o Meu Pezinho;
A Canoa Virou; Tango, Tango; Periquito Maracanã; Mestre André; Formiguinha da
Roça.
Através do movimento, do ritmo e das atividades lúdicas, seus corpos vivenciaram o
prazer sensório-motor tão importante para reconhecerem as necessidades da criança para
aprendizagem.Um encontro de professores prazeroso.
Mais uma vez registro a fala de uma das professoras:
“Helena, gostei muito. No início achei que teria vergonha de brincar de roda. Agora me dou
conta de como é bom unir ritmo, movimento e folclore. Estou me sentindo leve, igual a uma
criança. E quantos objetivos importantes aprendemos!”.
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Oficina com professoras na Escola Dinâmica
Rio de Janeiro, Botafogo/2003
Esses encontros foram me dando pistas que aguçaram minha curiosidade e o poder de
afirmar que o professor que está bem em seu próprio corpo e entende e vivencia o prazer do
movimento lúdico, é capaz de ensinar de forma dinâmica, livre e criativa.
Os inúmeros acontecimentos nesta caminhada, culminaram em um momento da minha
vida em que depois de ter tido dois filhos - e plantado uma árvore! - , escrevi um livro sobre a
importância das atividades lúdicas e folclóricas. Intitulado Brincar e Reeducar (1993)
apresenta o universo das brincadeiras tradicionais fazendo parte da prática de profissionais
que trabalham na área da saúde e da educação. Com material lúdico e criativo, pouco
divulgado no atual universo infantil, é um canal propagador de tradição, cultura e poesia. Com
o auxílio de Câmara Cascudo (1988), relaciono o folclore aos movimentos do
desenvolvimento infantil que estão presentes nas brincadeiras.
Cena 4: O CORPO DO PROFESSOR NO ESPAÇO DE ENSINAR
Quando falamos de um olhar na Educação Infantil sob o novo paradigma
(complexidade), abordamos aspectos do fazer pedagógico que digam respeito a
conhecimentos científicos, mas, também, que estejam conectados com a emoção, o corpo e
com a criação, abertos para a vida em que a tecnologia e a humanidade se completam. Morin
(2002:51) afirma que:
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“A hominização é fundamental para uma educação voltada para a
condição humana, porque nos mostra como a animalidade e
humanidade constituem, juntas, nossa condição humana
reproduzimos movimentos. Nova consciência começa a surgir: o
homem, confrontando de todos os lados das incertezas, é levado em
nova aventura. E, enfrentando as incertezas ligadas ao conhecimento,
o homem vive épocas de mudanças características da educação do
futuro.”
Quando enfocamos o estabelecimento educacional como lugar de agir, facilitando
interações, lugar de confronto criança/criança, criança/adulto (em que ambos são mestres e
aprendizes), adulto/adulto, o lugar do adulto/professor é redimensionado
Nesse lugar, o profissional da Educação Infantil contempla tanto elementos
relacionados aos saberes científicos, como elementos relacionados à emoção, ao corpo e à
criação. Sua formação cresce banhada na cultura: cinema, museus, literatura, dança, dentre
outros tantos.“Se as crianças entram em casa com modificações, elas modificam o
ambiente”. (Bertazzo, 2004).
O desafio que se apresenta, em relação aos elementos culturais, é como pensá-los de
forma ampla e plural, entendendo que se tratam de atividades sócio-históricas que congregam
as marcas do nosso tempo.“A reforma do pensamento é que permitiria o pleno emprego da
inteligência para responder a esses desafios e permitiria a ligação da cultura humanista e da
cultura científica dissociadas”. (Morin, 2001:20).
Instituir relações de escuta e reciprocidade com as crianças, re-descobrindo a criança
que se tem dentro de si, refletir sobre essas interações cotidianas, a fim de não robotizá-las ou
enrijecê-las, sem deixar de ocupar o lugar de adultos organizadores de oportunidades para
aprendizagens, com experiências específicas, é o grande desafio do paradigma da
complexidade, que adotamos como base teórica deste estudo.
Para Morin (2001), é de grande importância à contribuição da cultura das
humanidades, na arte, na literatura e na poesia, para o ensino da condição humana e de suas
dimensões poética e estética. Ele observa que é através da arte que nos sensibilizamos para as
dimensões objetivas e subjetivas e nos aproximamos de outras dimensões que na vida comum
não nos é possível atingir.
Se na dança, como acredito, o conhecimento é vivido, no movimento das atividades
lúdicas, através do folclore, esse conhecimento também é vivido pelo corpo do professor e do
aluno. Como educadores, somos convidados a criar um novo tipo de sensibilidade e atitude
pedagógica” (Nunes, apud Calazans et al, 2003:41).
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3°Ato - Do Balé ao Mestrado
Atualmente trabalho como fonoaudióloga e psicomotricista, mas sou, também,
pedagoga e bailarina, e já trabalhei com Educação Infantil.
Nos anos oitenta, atuando como professora da Educação Infantil, em uma escola no
Leblon, atuava de forma diferenciada. Com isso, a movimentação de minha turma, assim
como seu desempenho, fluía de forma equilibrada e tranqüila. Ensinar, para mim, significava
dançar, brincar e inventar muitas atividades, a partir de cantigas de roda e de brincadeiras.
Hoje ainda freqüento essas escolas, realizando oficinas com os professores, voltadas
para a organização da corporeidade e das atividades lúdicas.
Refletindo sobre minha trajetória, percebo que a dança, como pano de fundo, foi a
atividade propulsora para a minha caminhada profissional.Mas eu queria mais, pois sabia que
não parariam por as inúmeras “piruetas” que ainda daria na busca de novos horizontes e
conhecimentos. Então, vislumbrando o Mestrado, fui tomada pela curiosidade e o desejo de
unir Educação, Cultura e Corporeidade.
O mais recente desafio que vivi, intensamente, foi a expectativa de ultrapassar uma
barreira, a minha entrada no Mestrado.
Uma vontade de voltar às leituras me aguçou a curiosidade e o desejo de unir
Educação, Cultura e Corporeidade.
As provas de seleção que realizei, para ser aceita no Programa de Pós-Graduação em
Educação, na UFF, eu as comparo com meu exame de balé para solista: um grande desafio,
uma grande expectativa.
No Mestrado busquei compreender algumas questões relacionadas à corporeidade e a
educação, como:por que a corporeidade do professor é pouco valorizada no seu fazer
pedagógico? Seria possível afirmar que a corporeidade, o movimento livre, a arte, a
brincadeira,o folclore, influenciam no fazer pedagógico? E a partir da minha
vivência,questiono: assim como eu, os professores da Educação Infantil poderiam transformar
sua forma de trabalhar,tornando-a mais criativa e menos rígida,a partir de uma melhor
organização de sua corporeidade?Como construir/criar um novo tipo de sensibilidade e atitude
pedagógica? Enfim, de trabalhar e complementar os opostos: a temporalidade no espaço, a
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ordem na desordem, a técnica na improvisação, o lúdico no formal. Estas questões nortearam
o meu estudo.
Assim, objetivando compreender como as histórias e experiências vividas com o
corpo e a partir do corpo, pelo professor da Educação Infantil,podem (ou não) favorecer a
construção de práticas pedagógicas mais sensíveis e promovedoras de aprendizagem, visitei
escolas de Educação Infantil e colhi informações, através de entrevistas, observações e
oficinas com professoras e outros profissionais que de alguma forma, estavam trabalhando na
escola.
Além disso, ao longo do ano, tive encontros com as professoras da escola E
2
,
realizando um trabalho prático através de oficinas, a fim de proporcionar um espaço para a
vivência corporal, onde pudessem perceber a importância da relação entre movimento,
corporeidade e educação.Assim, seria possível conhecer com estes professores vivenciaram e
vivenciam nas suas práticas, as experiências relativas a sua corporeidade.
Dando-lhes a voz, pude ir conhecendo como pensam e vivem as suas corporeidades,
obtendo assim, mais elementos para perceber e compreender como constroem suas práticas a
partir da corporeidade.
Além da delimitação do campo (duas escolas públicas e uma escola particular de
Educação Infantil) e da escolha dos sujeitos da pesquisa, (professores que valorizam e
trabalham com a corporeidade no campo da educação) fui estabelecendo quais os objetivos
específicos que me permitiriam conhecer melhor os aspectos relativos à corporeidade, ao
movimento, a ludicidade e às práticas corporais,na Educação Infantil,relevantes para a
pesquisa. Dentre eles:
Relacionar a Educação Infantil e a organização da corporeidade da criança e
como ela se estrutura a partir da corporeidade do professor.
Narrar as lembranças corporais vividas pelos professores e como estas se
traduzem em suas experiências profissionais com a Educação Infantil.
Apresentar a importância da necessidade do professor conhecer seus limites e
possibilidades corporais na sua prática pedagógica com crianças
Conhecer como o professor entende e vivencia o movimento lúdico e suas
sensações no que diz respeito ao prazer (ou não), e como ele utiliza este na sua
prática pedagógica.
2
A descrição desta escola encontra-se no capítulo 3
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Analisar as relações de escuta e de reciprocidade entre professor e alunos da
Educação Infantil e refletir sobre essas interações cotidianas/experiências
instituintes, a fim de perceber as oportunidades criadas para a aprendizagem e
para a formação da sensibilidade do professor.
Optei pela Socioantropologia como solo paradigmático para orientar a minha
pesquisa, tendo como referência o “Paradigma da Complexidade” de Edgar Morin e a
“Sociologia do Cotidiano”de Michel Maffesoli .
O pensamento complexo de Edgar Morin (2001 a, 2001 b, 2001 c 2002 a, 2002 b,
1999) se apresenta como uma das contribuições para a compreensão deste estudo, pois
contempla alguns princípios, fundamentais, para a compreensão dos antagonismos,
concorrências e complementaridades existentes na constituição da corporeidade dos sujeitos.
Tendo isto em vista, concordamos com Morin (2001a) que a formação de professores
deveria caminhar na perspectiva de formar “cabeças bem-feitas”, capazes de colocar e tratar
problemas, ligar saberes e lhes dar sentido, ao invés de acumular saberes sem saber como
selecioná-los e investi-los de significado.
É preciso, portanto, um novo espírito científico, que rompa com o dogma
reducionista da ciência clássica que em seu ideário ergueu escolas que reduziram o
complexo ao simples, separaram o que estava ligado, o espírito da razão, e tornou único
aquilo que é múltiplo, eliminando tudo que provoque desordens ou contradições. Nesta
lógica projeta sobre a sociedade e as relações humanas as restrições e os mecanismos
inumanos da máquina artificial com uma visão determinista, mecanicista, quantitativa,
formalista, que ignora, oculta e dissolve tudo o que é subjetivo, afetivo livre e criador”.
(Morin, 2002:16)
De acordo com a perspectiva socioantropológica, a escola-instituição é considerada
como um sistema simbólico, constituído por grupos com uma vivência real e relacional de
códigos e sistemas de ação. Entende que, a cultura torna possível os contatos entre os
homens em sociedade e a própria vida social. Em suma, a cultura é o circuito que liga os
sistemas “simbólicos-códigos-normas” e as “práticas simbólicas da vida cotidiana”. Cultura,
nesse sentido é a “norma” (modelos de comportamento) e a vida (o dia-a-dia). E, nas
palavras de Morin, cuja noção será adotada neste trabalho, Cultura é um sistema que faz
comunicarem-se dialetizando-se um saber constituído e uma experiência existencial (apud
Mont` Alverne Chaves, 2000:17).
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A Sociologia do Cotidiano entende que o vivido expressa sua força de afirmação a
partir da multiplicidade de experiências coletivas, nas quais a “vida e sua fecundidade
ultrapassam, e muito, os mecanismos de redução e de identidade” (Teixeira, 1990:103). No
entanto, só pode ser captado no cotidiano, lugar privilegiado para apreender o não-racional, a
desordem, o acaso e a diferença, lugar onde se constitui a socialidade entendida como a
expressão tangível da solidariedade de base. (Maffesoli, 1985:17)
Na perspectiva da complexidade de E. Morin (2001 c), cada indivíduo singular
contém de maneira hologramática o todo do qual faz parte e que ao mesmo tempo faz
parte dele, ou seja, o indivíduo está na sociedade que está no indivíduo, e esta relação é
recursiva, na medida em que a emergência social depende da organização mental dos
indivíduos, mas a emergência mental depende da organização do social”.
As entrevistas seguiram um “fluir” caracterizado pela abertura às questões
emergentes, isto é, embora a direção pré-estabelecida existisse, elas (as entrevistas)
tornaram-se “conversas” vivas, em que a fala dos entrevistados despertava em mim novas
perguntas, novas reflexões durante o próprio momento vivido. A dinâmica própria da
pesquisa narrativa (Mont`Alverne Chaves, 1999) e a saborosa oportunidade de comunicação-
reflexão-ação. As entrevistas são apresentadas neste trabalho sob a forma narrativa. Tal
metodologia possibilita: “evocar a experiência humana de forma significativa; tornar o
pesquisador mais intimamente ligado ao processo investigativo; favorecer a reflexão sobre
os relatos dos sujeitos; dar voz aos sujeitos participantes do estudo; organizar percepção,
pensamento, a memória e a ação” (Mont`Alverne Chaves, 1999:126- 131).
Ao centrar a atenção nas narrativas dos professores, sustentamos que elas nos
permitem entender como eles interpretam e dão significados às suas experiências a partir do
contar e recontar suas histórias, explicitando e dando sentido ao seu processo passado e
presente, criando expectativas e uma visão prospectiva de profissão. É possível compreender
sobre seus saberes a partir de suas experiências e de seus conhecimentos.
Assim, é com esta base socioantropológica que busquei compreender os aspectos da
cultura, na utilização da brincadeira folclórica na Educação Infantil, corporeidade,
movimento, cognição e aprendizagem.
Este trabalho está assim constituído: Ouverture, “Minha dança na Vida”, que
apresenta os aspectos da minha história de vida, o interesse pelo tema, a problemática do
estudo e seu objetivo; o capítulo 1, “Movimento, Corporeidade: o Balé da relação
pedagógica”, constitui a base teórica do estudo; o capítulo 2, “Pequenos Solos”, relata as
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entrevistas com as professoras e outras profissionais da Educação; o capítulo 3, “A
Coreografia da brincadeira”, fala do processo da pesquisa em si, e apresenta as oficinas
realizadas com as professoras e seus comentários; o capítulo 4, “Pas-de-deux, Pas-de- Trois,
Pas-de-Quatre”
2
, retrata as atividades corporais realizadas pelas professoras com seus alunos;
o “O Corpo de Baile na Educação”, fala do final deste “balé acadêmico”, as principais
conclusões, sugerindo novos caminhos para a prática pedagógica do professor da Educação
Infantil.
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As expressões referem-se a danças em grupos de dois, três ou quatro bailarinos.
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CAPÍTULO 1
O BALÉ DA RELAÇÃO PEDAGÓGICA
Cena 1: O MOVIMENTO
Quando tinha um ano e oito meses, queimei as duas pernas, da virilha para
baixo. Caí dentro de um buraco de cinza, cheio de brasas do fogão a lenha da
fazenda, fechado com palha e sabugo. Só fui aprender a andar com cinco anos
de idade. As primeiras lembranças que tenho o muito angustiadas por não
ter a mesma mobilidade que meus irmãos. Ficava na varanda da fazenda,
observando o movimento da natureza, das garças, o carneiro chegando, a
hora de tirar o leite etc. Trouxe como bagagem dois sentidos muito apurados:
a audição e a visão. E desde pequeno, desenvolvi muito a imaginação como
conseqüência desta imobilidade. (Gabriel Villela, 1995:5)
O movimento é deslocamento, mas também é emoção como afirma Wallon (1987).
Esses dois componentes são peças indispensáveis quando o ser humano brinca. Através do
movimento e do brincar é possível organizar a corporeidade. É através dela que as pessoas se
relacionam com os objetos e com os outros. Aprendem primeiro com o corpo e depois
transferem para o que Piaget (1990) chama de simbólico e de representações. O que se
vivencia através da corporeidade, possibilita a abertura de estruturas para o desenvolvimento
cognitivo e a aprendizagem.
Movimento é uma variação em função do tempo, das coordenadas de um corpo em
relação a um referencial. É um deslocamento de um ponto. Na vida intra-uterina o embrião
já é ativo, pois a ontogênese da motricidade precede a da sensibilidade.
“A motricidade possibilita ao homem o confronto com o meio ambiente. É o
primeiro processo humano de aprendizagem e apropriação do real. Meio
através do qual a inteligência humana se desenvolve, se materializa e se
constrói. É a grande arquiteta da civilização.” (Fonseca, 1988:109)
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A Evolução Humana
(Keleman, 1992:39)
Essa evolução será a responsável pela construção da corporeidade e
pela realização de movimentos bem mais elaborados da criança como,
por exemplo, ter boa coordenação visomotora, andar ou correr sem
esbarrar, realizar movimentos oculares coordenados.
Vimos, assim, a importância dos profissionais da educação estarem
atentos a esse desenvolvimento. Acompanhando cada uma dessas fases
e oferecendo atividades que as estimulem, estarão contribuindo para
esta nova atitude em educação.
A evolução de determinados movimentos tem repercussões importantes
na construção da corporeidade.
Para autores como Vitor da Fonseca (1988), a função tônica, que faz
parte do desenvolvimento, é o movimento mais complexo e
aperfeiçoado do ser humano. Ela se encontra organizada
hierarquicamente no sistema integrativo reticulado e toma parte em
todos os comportamentos de postura e atitudes, através de uma
maturação progressiva.
A capacidade de adaptação motora do ser humano é dependente do
melhor ou pior ajustamento tônico. Qualquer tipo de motricidade
automática ou voluntária está profundamente dependente da melhor ou
pior integração dos dados exteroceptivos (espaço/tempo) e dos dados
proprioceptivos (esquema corporal), organizados, codificados e