
Permiti-me, Senhor, que empregue convosco as fórmulas usadas na vossa língua, como
mais cômodas, mais simples, mais verdadeiras, mais dignas por isso de um filósofo
como vós. Permiti-me, igualmente, que me sirva de um copista, por ser a carta que vos
escrevi muito pouco legível. A mais profunda estima, o maior reconhecimento, a mais
terna amizade, são os sentimentos que fez nascer em mim a carta encantadora que vos
dignastes escrever-me. Eu não saberia exprimir-vos quanto me honra ver minha obra
traduzida na língua de uma nação que esclarece e instrui a Europa. Tudo devo, eu
mesmo, aos livros franceses. Foram eles que desenvolveram em minha alma os
sentimentos de humanidade sufocados por oito anos de educação fanática. Eu já
respeitava vosso nome pelos excelentes artigos que inseristes na obra imortal da
Enciclopédia(54); e foi para mim a mais agradável surpresa saber que um homem de
letras da vossa reputação dignava-se de traduzir o meu tratado Dos Delitos. Agradeço-
vos, de todo o meu coração, o presente que me fizeste de vossa tradução, assim como
vossa atenção em satisfazer o interesse que eu tinha em lê-la. Li-a com um prazer que
não posso exprimir-vos, e achei que embelezastes o original. Protesto-vos com a maior
sinceridade que a ordem que seguistes parece-me, a mim mesmo, mais natural e
preferível à minha, e que lamento que a nova edição italiana esteja quase terminada,
porque do contrário eu me poria inteira ou quase inteiramente de acordo com o vosso
plano.
Minha obra nada perdeu de sua força em vossa tradução, exceto nos lugares em que o
caráter essencial a uma e a outra língua estabeleceu certa diferença entre vossa
expressão e a minha. A língua italiana é mais maleável e dócil, e talvez, por ser menos
cultivada no gênero filosófico, possa adotar expressões que a vossa recusaria empregar.
Não vejo solidez na objeção que vos fizeram, de que a mudança da ordem poderia fazer
perder a força. A força consiste na escolha das expressões e na aproximação das idéias;
e a confusão só pode prejudicar esses dois efeitos.
O receio de ferir o amor-próprio do autor não devia deter-vos mais. Primeiro, porque,
como vós mesmo o dissestes com razão em vosso excelente prefácio, um livro em que
se defende a causa da humanidade, uma vez tornado público, pertence ao mundo e a
todas as nações; e, relativamente a mim em particular, eu teria feito muito poucos
progressos na filosofia do coração, que coloco acima da do espírito, se não tivesse
adquirido a coragem de ver e amar a verdade. Espero que a quinta edição, que deve
aparecer breve, esteja logo esgotada; e asseguro-vos que na sexta observarei
inteiramente, ou quase inteiramente, a ordem de vossa tradução, que dá maior relevo às
verdades que tratei de coligir. Digo quase inteiramente, porque, segundo uma leitura
única e rápida que fiz até este momento não posso decidir-me com inteiro conhecimento
de causa sobre as particularidades como já o fiz sobre o conjunto.
A impaciência que meus amigos têm de ler vossa tradução forçou-me, Senhor a deixá-la
sair de minhas mãos logo depois de a ter tido, e sou obrigado a dar em outra carta a
explicação de certas passagens que julgastes obscuras. Devo dizer-vos, porém, que tive,
ao escrever, os exemplos de Machiavelli(55), de Galileu(56) e de Giannone ante os
meus olhos. Ouvi o ruído das cadeias firmar a superstição, e os gritos de fanatismo
abafar os gemidos da verdade. A visão desse espetáculo medonho determinou-me,
algumas vezes, a envolver a luz de nuvens. Quis defender a humanidade sem ser mártir.
Essa idéia, de que eu devia ser obscuro, tornou-me às vezes tal, sem necessidade.
Acrescentai a isso a inexperiência e a falta de hábito de escrever, perdoáveis num autor
que tem apenas vinte e sete anos e que há somente cinco anos entrou na carreira das
letras.
Ser-me-ia impossível pintar-vos, Senhor, a satisfação com a qual vejo o interesse que