
desnaturados nos espíritos corruptos, ou pela maldade humana, ou pelas falsas religiões,
ou pelas idéias arbitrárias da virtude e do vício, deve parecer necessário examinar
(pondo de lado quaisquer considerações estranhas) os resultados das simples
convenções humanas, quer essas convenções tenham sido feitas realmente, quer se
suponham vantajosas para todos. Todas as opiniões, todos os sistemas de moral devem
reunir-se necessariamente nesse ponto, e nunca se louvariam bastante os louváveis
esforços tendentes a reconduzir os mais obstinados e os mais incrédulos aos princípios
que levam os homens a viver em sociedade.
Podem, pois, distinguir-se três espécies de virtudes e de vícios, cuja fonte está
igualmente na religião, na lei natural e nas convenções políticas. Jamais devem essas
três espécies estar em contradição entre si; não alcançam, contudo, os mesmos
resultados e não obrigam aos mesmos deveres. A lei natural exige menos que a
revelação, e as convenções sociais menos que a lei natural. Assim, é muito importante
distinguir bem os efeitos dessas convenções, isto é, dos pactos expressos ou tácitos que
os homens se impuseram, porque nisso deve residir o exercício legítimo da força, nessas
relações de homem a homem, que não exigem a missão especial do Ser supremo.
Pode dizer-se, portanto, com razão, que as idéias da virtude política são variáveis. As da
virtude natural seriam sempre claras e precisas se as fraquezas e as paixões humanas não
empanassem a sua pureza. As idéias da virtude religiosa são imutáveis e constantes,
porque foram imediatamente reveladas pelo próprio Deus, que as conserva inalteráveis.
Pode, pois, aquele que fala das convenções sociais e dos seus resultados ser acusado de
mostrar princípios contrários, à lei natural ou à revelação, por nada dizer a respeito?...
Se diz que o estado de guerra precedeu a reunião dos homens em sociedade, é o caso de
compará-lo a Hobbes(5), que não supõe para o homem isolado nenhum dever, nenhuma
obrigação natural?... Não se pode, ao contrário, considerar o que ele diz como um fato,
que foi tão somente a conseqüência da corrupção humana e da ausência das leis? Enfim,
não é um erro censurar um escritor, que examina os efeitos das convenções sociais, por
não admitir antes de tudo a existência mesma dessas convenções?
A justiça divina e a justiça natural são, por sua essência, constantes e invariáveis, porque
as relações existentes entre dois objetos da mesma natureza não podem mudar nunca.
Mas, a justiça humana, ou, se se quiser, a justiça política, não sendo mais do que uma
relação estabelecida entre uma ação e o estado variável da sociedade, também pode
variar, à medida que essa ação se torne vantajosa ou necessária ao estado social. Só se
pode determinar bem a natureza dessa justiça examinando com atenção as relações
complicadas das inconstantes combinações que governam os homens.
Se todos esses princípios, essencialmente distintos, chegam a confundir-se, já não é
possível raciocinar com clareza sobre os assuntos políticos.
Cabe aos teólogos estabelecer os limites do justo e do injusto, segundo a maldade ou a
bondade interiores da ação. Ao publicista cabe determinar tais limites em política, isto é,
sob as relações do bem e do mal que a ação possa fazer à sociedade.
Esse último objeto não pode acarretar nenhum prejuízo ao outro, porque todos sabem
quanto a virtude política está abaixo das virtudes inalteráveis que emanam da
Divindade.
Repito, pois, que, se quiserem dar ao meu livro a honra de uma crítica, não comecem