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exemplo, no caso da declaração publicada pela revista Visão
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na qual seu posicionamento a
favor dos militares colocou sob suspeita sua imagem de artista revolucionário.
Polêmicas como essa, apesar de preservarem sua ligação com o Brasil evitando que sua
figura caísse no esquecimento, vão pesar muito em sua volta dificultando sua reintegração aos
meios artísticos e conseqüentemente seus planos em relação a novos filmes. De resto, em seu
retorno, Glauber encontra um país muito diferente daquele que deixara em 1971:
... o Rio acabou, não tem mais aquele ouriço de antes, o centro do país é São
Paulo, Brasília. No norte, a Bahia. O Rio é um balneário, escroto... não existe
mais motivação coletiva... jornais ruins, vida cultural pobre etc. Acho que você
não suportaria viver aqui, e não se tem o que fazer, e o dinheiro é pouco e o
desinteresse geral é grande. Miséria espantosa nas ruas... Logo que possa
voltarei...
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No campo cinematográfico, Glauber realiza mais três filmes após sua volta ao Brasil: o
curta-metragem Di Cavalcanti, filmado durante o enterro do pintor no Rio de Janeiro, Jorjamado
no cinema, documentário de 50 minutos encomendado para ser exibido na televisão e, por último,
A idade da terra no qual o cineasta se vale das experiências realizadas durante as filmagens de Di
Cavalcanti:
Penso que esse filme é uma revolução na história do cinema. Há uma montagem
nuclear (você viu Di Cavalcanti meu curta-metragem que ganhou o prêmio do
Júri de Cannes em 1977?) – que produz uma nova mise-en-scène... O segredo
dos meus filmes é a prática da montagem dialética. Um método científico. Mas
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« Acho que Geisel tem a possibilidade de fazer do Brasil um país forte, justo e livre. Estou certo de que os
militares são os legítimos representantes do povo. Chegou a hora de reconhecer a evidência, sem recorrer a
mistificações e a estúpidos moralismos : Cosa [e Silva – NdA] era quente, frias eram as consciências em transe que
não desejaram pintar as contradições sobre o espelho da História. [...] Veja-se como estão as coisas : neste momento
a História recomeça. O fato de que Geisel seja um luterano e que meu aniversário seja a cada 14 de março, quando
completarei meus 35 anos, deixa-me absolutamente certo de que caiba a ele responder às reivindicações do Brasil,
falando por todos. Não existe arte revolucionária sem poder revolucionário. Não me interessa discutir estilo : quero ir
às raízes. Comecemos pela economia política e vejamos como se articula o desenvolvimento da superestrutura sobre
o subdesenvolvimento da infra-estrutura etc. [...]. Entre a burguesia internacional-imperialista e o militarismo
nacionalista, eu estou, sem qualquer outra possibilidade de escolha, com o segundo. E a propósito do Cinema Novo ?
O novo é sempre vivo e perene, e São Bernardo ainda surpreendeu os incrédulos da geração dos anos 50. Não tenho
nada de pessoal contra os tropicanalistas : detesto a sutileza refinada dos machadianos, a revisão time-life da
juventude "bem". Sou um homem do povo, seu intermediário e ao seu serviço. Força total para a Embrafilme. Ordem
e Progresso » em Glauber Rocha. « Abaixo a mistificação » in Revista Visão. São Paulo, 11 de março de 1974, p
154-155 trecho citado por Cláudio M. Valentinetti. Op.cit., p 170.
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Trecho da carta enviada do Rio de Janeiro em setembro de 1976 por Glauber Rocha a Marcos Medeiros in Ivana
Bentes. Op.cit., 1997, p 615.