que não existem. Porque será preciso que estes tragam ainda, pela sua insuficiência, o caráter dos
remédios ordinários? Tantos estabelecimentos feitos para vantagem dos sábios só servem para os impor
acima dos objetos das ciências e voltar os espíritos para a cultura. Parece, pelas precauções que se
tomam, que se têm lavradores demais e que se receia que faltem filósofos. Não quero, aqui, ousar fazer a
comparação entre a agricultura e a filosofia; ninguém a suportaria. Perguntarei somente: Que é a
filosofia? que contêm os escritos dos filósofos mais conhecidos? quais são as lições desses amigos da
sabedoria? Quando os ouvimos, não os tomamos por uma tropa de charlatães, gritando cada um de seu
lado em uma praça pública: Vinde a mim, sou o único que não engano ninguém? Um pretende que não
há corpo e que tudo é representação; outro, que não há outra substância além da matéria, nem outro deus
além do mundo. Este avança que não há virtudes nem vícios, e que o bem e o mal moral são quimeras;
aquele, que os homens são lobos e se podem devorar em segurança de consciência. Oh grandes filósofos!
que não reservais para os vossos amigos e para os vossos filhos com essas proveitosas lições! em breve,
recebereis o prêmio disso, e não temeremos encontrar entre os nossos alguns dos vossos sequazes.
Eis, pois, os homens maravilhosos aos quais a estima dos seus contemporâneos foi prodigalizada
durante a sua vida, e a imortalidade reservada depois da sua morte. Eis as sábias máximas que deles
recebemos e que de idade em idade transmitimos aos nossos descendentes! O paganismo, entregue a
todos os desvarios da razão humana, deixou à posteridade alguma coisa que se possa comparar aos
monumentos vergonhosos que lhe preparou a imprensa sob o reinado do Evangelho? Os escritos ímpios
de Leucipo e Diágoras morreram com eles; ainda não se havia inventado a arte de eternizar as
extravagâncias do espírito humano; mas, graças aos caracteres tipográficos (13) e ao uso que deles
fazemos, os perigosos desvarios dos Hobbes e dos Spinoza permanecerão para sempre. Ide, escritos
célebres, para os quais a ignorância e a rusticidade dos nossos pais não seriam capazes, acompanhai até
aos nossos descendentes essas obras mais perigosas ainda, donde se exala a corrupção dos costumes do
nosso século, e levai ao mesmo tempo aos séculos do porvir uma história fiel do progresso e das
vantagens das nossas ciências e das nossas artes. Se vos lerem, sobre a questão que agitamos hoje não
lhes deixarei nenhuma perplexidade; e, a menos que não sejam mais insensatos do que nós, levantarão as
mãos para os céus, e dirão, na amargura do seu coração: "Deus todo poderoso, tu, que tens nas mãos os
espíritos, livra-nos das luzes e das funestas artes dos nossos pais; restitui-nos a ignorância, a inocência e
a pobreza, os únicos bens que podem fazer a nossa felicidade e que são preciosos diante de ti."
Mas, se o progresso das ciências e das artes nada acrescentou à nossa verdadeira felicidade; se
corrompeu os nossos costumes e se a corrupção dos costumes chegou a atingir a pureza do gosto, que
pensaremos dessa multidão de autores elementares que afastaram do templo das musas as dificuldades
que lhes impediam o acesso e que a natureza ali espalhara para pôr à prova as forças dos que tivessem a
tentação de saber? Que pensaremos desses compiladores de obras que indiscretamente quebraram a porta
das ciências e introduziram no seu santuário uma populaça indigna de se aproximar dele, quando seria de
desejar que todos aqueles que não pudessem adiantar-se na carreira das letras fossem repelidos desde a
entrada e atirados nas artes úteis à sociedade? Aquele que, durante toda a sua vida, fosse um mau
versificador, geômetra subalterno, tornar-se-ia talvez um grande fabricante de tecidos. Nunca faltaram
mestres para aqueles que a natureza destinou a fazer discípulos. Os Verulam, os Descartes e os Newton,
esses preceptores do gênero humano, também os tiveram; e que orientadores os teriam conduzido até
aonde os seus gênios os levaram? Mestres vulgares só teriam podido restringir o seu entendimento,
apertando-o na estreita capacidade do seu. Foi pelos primeiros obstáculos que eles aprenderam a fazer
esforços, e que se exercitaram a transpor o espaço imenso que percorreram. Se é necessário permitir que
Discurso sobre as ciências e as artes.