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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Regina Helena Ribeiro Mendes
Diretor de dublagem e dublador
os co-autores da tradução para dublagem
Rio de Janeiro
2007
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Regina Helena Ribeiro Mendes
Diretor de dublagem e dublador
os co-autores da tradução para dublagem
Dissertação de Mestrado
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Interdisciplinar
de Lingüística Aplicada da Faculdade de Letras
da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Interdisciplinar
de Lingüística Aplicada.
Orientadora: Prof
a
Dr
a
Heloisa Gonçalves Barbosa
Rio de Janeiro
2007
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M538d
MENDES, Regina Helena Ribeiro
Diretor de dublagem e dublador : os co-autores da tradução
para dublagem / Regina Helena Ribeiro Mendes. Rio de Janeiro :
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Departamento de Letras,
2007.
223 p. : Il. Color. ; 31 cm. Capa dura.
Orientadora: Heloisa Gonçalves Barbosa
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Departamento de Letras, 2007.
Inclui lista de abreviaturas e lista de figuras.
1. Tradução - Dublagem. 2. Interação e Discurso. I. Barbosa,
Heloisa Gonçalves. II. UFRJ – Departamento de Letras. III. Título.
CDD 418.02
Regina Helena Ribeiro Mendes
Diretor de dublagem e dublador
os co-autores da tradução para dublagem
Rio de Janeiro, 15 de junho de 2007
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
Graduação em Interdisciplinar de Lingüística
Aplicada da Faculdade de Letras da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Interdisciplinar de Lingüística Aplicada.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof
a
Dr
a
Heloisa Gonçalves Barbosa
Orientadora
UFRJ
Prof
a
Dr
a
Aurora Maria Soares Neiva
UFRJ
Prof
a
Dr
a
Marcia do Amaral Peixoto Martins
PUC-Rio
A Heitor dos Santos Mendes, meu pai e estrela-guia (in
memoriam).
A Fernanda Amélia Ribeiro Mendes, minha mãe e minha
sempre razão de viver.
A Fabio Ferreira Neves, meu noivo e precioso amor.
Agradecimentos
Ao proprietário da empresa analisada e a toda a sua equipe, pelo cordial recebimento,
especialmente aos dubladores, à diretora de dublagem e ao técnico de áudio observados.
À diretora de dublagem Sumára Louise, que prontamente esclareceu minhas dúvidas
através de seu e-mail pessoal.
Ao técnico de áudio Ivo Dias, que me cedeu entrevistas.
A Luiza Elizabeth da Cunha, que sempre esteve pronta a me ajudar no que fosse
preciso.
A Fabio Ferreira Neves, pelo carinho e incentivo à conclusão do meu curso de
Mestrado.
À minha orientadora Heloisa Gonçalves Barbosa, por toda a ajuda prestada para a
realização deste trabalho e por suas valiosas sugestões.
Às professoras Aurora Maria Soares Neiva, Marcia do Amaral Peixoto Martins, Maria
José Pereira Monteiro e Solange Mello do Amaral, por terem aceito participar da minha banca
de defesa.
Resumo
O presente trabalho se insere na área da Tradução Audiovisual, mais especificamente,
na área da Tradução para Dublagem. Seu objetivo é mostrar como o diretor de dublagem e o
dublador interferem no roteiro traduzido e por que o fazem. Seu foco são as contribuições
feitas ao roteiro por esses profissionais e o papel que exercem como agentes dessa tarefa. Para
compreender este processo, foi feita uma investigação em uma empresa de dublagem do
processo de gravação da dublagem de dois episódios do seriado policial americano Cold Case
(2005), a ser exibido dublado em português por uma emissora de TV aberta no Brasil. A
observação in loco possibilitou fazer também uma descrição do processo de gravação da
dublagem e dos roteiros utilizados. Os dados colhidos na pesquisa de campo foram
interpretados com base nas argumentações dos sujeitos investigados e nas notas de campo.
Esta interpretação ainda incluiu a análise comparativa entre as falas do texto original em
inglês, do texto traduzido original do roteiro, do texto que foi efetivamente dublado e a
imagem e o som originais. Por fim, a descrição de estratégias de tradução apresentadas por
Baker (1992) e Harvey (1998) foi essencial para a análise do papel do diretor de dublagem e
do dublador como participantes ativos na produção da tradução que chega ao espectador do
seriado dublado.
Palavras-chave:
tradução audiovisual, tradução para dublagem, estratégias de tradução, gravação da dublagem,
roteiro, diretor de dublagem, dublador
Abstract
This is an investigation in the area of Audiovisual Translation, more specifically, in
the area of Translation for Dubbing. Its objective is to show how the dubbing director and the
dubbing actor interfere in the translated script and why they do so. Focus is on the
contributions made to the script by these individuals and the role they play in the dubbing
process. In order to understand this procedure, an investigation of the dubbing recording
process in a specialized company was carried out. The researcher observed the dubbing
sessions of two episodes of an American police series, Cold Case (2005), which were to be
broadcast by open TV, in Brazil. This in loco observation allowed the researcher to provide a
description of the dubbing process and of the scripts used. The data collected through this
field research were interpreted on the basis of comments of the investigated subjects and on
fieldnotes. This interpretation further included a comparative analysis between the character
lines in the original text in English, the original translated text of the script, the text that was
effectively dubbed, and the original sound and image. Finally, the description of translation
strategies presented by Baker (1992) and Harvey (1998) was essential for the analysis of the
role of the dubbing director and of the dubbing actor as active participants in the production
of the translation presented to the spectator of the dubbed series.
Keywords:
Audiovisual translation, translation for dubbing, translation strategies, dubbing recording,
script, dubbing director, dubbing actor
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 16
1 A TRADUÇÃO AUDIOVISUAL 19
1.1 Legendagem 21
1.1.1 Tipos de legendas 21
1.1.2 Normas da legendagem 22
1.2 Dublagem 24
1.3 Legendagem e dublagem — uma tradução visível e de volume de texto variável 25
1.4 As vantagens e desvantagens da legendagem e da dublagem 28
2 OS PROBLEMAS DA NÃO-EQUIVALÊNCIA NA TRADUÇÃO E AS
ESTRATÉGIAS DE TRADUÇÃO APRESENTADOS POR MONA BAKER
30
2.1 A falta de equivalência ao nível da palavra 31
2.1.1 As estratégias usadas pelos tradutores profissionais para solucionar problemas
pela falta de equivalência ao nível da palavra
35
2.1.1.1 Tradução através de uma palavra mais genérica 36
2.1.1.2 Tradução através de uma palavra mais neutra ou menos expressiva 36
2.1.1.3 Tradução através da substituição cultural 37
2.1.1.4 Tradução com o uso de um empréstimo ou de um empréstimo com uma
explicação
38
2.1.1.5 Tradução através de paráfrase utilizando uma palavra relacionada 39
2.1.1.6 Tradução através de paráfrase utilizando palavras não-relacionadas 39
2.1.1.7 Tradução através da omissão 40
2.1.1.8 Tradução através da ilustração 40
2.2 A equivalência acima do nível da palavra 41
2.2.1 Armadilhas e problemas em relação à colocação 41
2.2.2 Os problemas causados na tradução pelas expressões idiomáticas e expressões
fixas 44
2.2.3 As estratégias para a tradução de expressões idiomáticas e expressões fixas 46
2.2.3.1 Uso de uma expressão idiomática de forma e significado similares 46
2.2.3.2 Uso de uma expressão idiomática de significado similar, mas de forma diferente 47
2.2.3.3 Tradução por paráfrase 47
2.2.3.4 Tradução por omissão 48
2.2.3.5 Tradução pela compensação 48
2.3 Equivalência gramatical 50
2.3.1 Número 51
2.3.2 Gênero 52
2.3.3 Pessoa 54
2.3.4 Tempo e aspecto verbal 56
2.3.5 Voz 57
2.4 Equivalência textual: estruturas de informação e tema 59
2.4.1 A abordagem de Halliday 59
2.4.2 A abordagem da Escola de Praga 63
2.4.2.1 Estratégias para minimizar o deslocamento linear 65
2.4.2.1.1 Mudança de voz 65
2.4.2.1.2 Mudança de verbo 66
2.4.2.1.3 Substantivação 66
2.4.2.1.4 Extraposição 67
2.5 Equivalência textual: coesão 68
2.5.1 Referência 69
2.5.2 Substituição e elipse 70
2.5.3 Conjunção 71
2.5.4 Coesão lexical 72
2.6 Equivalência pragmática 74
2.6.1 Coerência 74
2.6.2 Implicatura 75
2.6.3 Coerência, implicatura e estratégias de tradução 76
3 METODOLOGIA DE PESQUISA 84
3.1 Contexto da pesquisa 85
3.2 Participantes 86
3.2.1 Os dubladores 86
3.2.2 A diretora de dublagem 88
3.2.3 O técnico de áudio 89
3.3 Instrumentos de pesquisa 90
3.3.1 Entrevistas 91
3.3.2 Diário de campo 92
3.3.3 Gravação em fitas cassetes 94
3.3.4 O texto dublado 94
3.3.5 O texto traduzido dos episódios (roteiro) 95
3.3.6 O vídeo dos episódios da série 96
3.3.7 O texto original 97
4 O PROCESSO DE GRAVAÇÃO DA DUBLAGEM 99
4.1 A produção da dublagem 99
4.2 O “loop 100
4.3 Os estúdios dos dubladores e da técnica 101
4.4 O Pro Tools 104
4.5 Os participantes 105
4.5.1 O dublador 106
4.5.1.1 Os ensaios dos dubladores 107
4.5.1.2 A participação do dublador no “vozeiro” 108
4.5.2 A diretora de dublagem 109
4.5.3 O técnico de áudio 111
4.6 O jargão usado na gravação 113
5 O ROTEIRO PARA DUBLAGEM 118
5.1 O manuseio do roteiro pelos dubladores 118
5.2 A primeira página e a anotação da “apresentação” 119
5.3 A indicação das personagens 120
5.4 A indicação da “legenda” 121
5.5 A indicação do “vozerio” 122
5.6 A indicação das “reações” 124
5.7 Anotação explicativa 125
5.8 A folha de elenco 125
5.9 Grafia de números 126
5.9.1 Grafia dos números cardinais 126
5.9.2 Grafia dos números ordinais 127
5.9.3 Grafia dos números fracionários 127
5.10 Grafia dos valores em dinheiro e do símbolo monetário 128
5.11 Grafia dos horários 129
5.12 Grafia das medidas 129
5.13 Grafia de siglas 129
5.14 Grafia das pontuações 130
5.15 Uso das reticências 130
6 MUDANÇAS INTRODUZIDAS NO TEXTO TRADUZIDO PELOS
DUBLADORES E PELA DIRETORA DE DUBLAGEM
139
6.1 Inclusão de palavras 142
6.1.1 Inclusão de apenas uma palavra 142
6.1.2 Inclusão de mais de uma palavra 150
6.2 Omissão de palavras 155
6.2.1 Omissão de apenas uma palavra 155
6.2.2 Omissão de mais de uma palavra 161
6.3 Substituição da “reação” por texto 164
6.4 Substituição de texto por “reação” 165
6.5 Eliminação de repetição excessiva 165
6.6 Deslocamento de palavras para outros pontos do texto 167
6.7 Compactação do texto através da reformulação de um trecho da fala ou de toda a
fala
167
6.7.1 Compactação de um trecho da fala 168
6.7.2 Compactação da fala inteira 170
6.8 Aumento do texto através da reformulação de um trecho da fala ou de toda a fala 171
6.8.1 Reformulação de um trecho da fala 171
6.8.2 Reformulação de uma fala inteira 174
6.9 Abreviação de itens lingüísticos para adequação à linguagem informal 174
6.10 Substituição de vocabulário para adequação à situação interpretada 176
6.11 Substituição de uma palavra ou de uma expressão por outra palavra ou por
outra expressão com a mesma idéia
177
6.12 Uso das diferentes estratégias em uma mesma fala 178
7 DIRETORA DE DUBLAGEM E DUBLADOR — OS CO-AUTORES DA
TRADUÇÃO PARA DUBLAGEM
185
7.1 Tradução com o uso de um empréstimo com uma explicação 187
7.2 Tradução através de paráfrase 187
7.2.1 Paráfrase da fala inteira 188
7.2.2 Paráfrase de um trecho da fala 189
7.3 Tradução através da omissão 191
7.4 Tradução adaptada de expressões idiomáticas 195
7.4.1 Uso de uma expressão idiomática de forma e significado similar 196
7.4.2 Uso de uma expressão idiomática de significado similar, mas de forma
diferente
196
7.5 Tradução pela compensação 197
7.5.1 Compensação pelo tipo 197
7.5.2 Compensação pelo deslocamento 200
7.5.3 Compensação pela junção 202
7.6 Equivalência gramatical 204
7.6.1 Interferência para melhorar a associação entre a fala e a cena 204
7.6.2 Interferência para evitar ambigüidade 205
7.7 Equivalência textual: coesão 206
7.7.1 Referência 206
7.7.2 Substituição 208
7.7.3 Elipse 209
7.7.4 Conjunção 210
7.7.5 Coesão lexical 211
CONSIDERAÇÕES FINAIS 214
REFERÊNCIAS 219
Lista de figuras
Figura 1 — Estúdio dos dubladores (p. 102)
Figura 2 — Estúdio da técnica (p. 103)
Figura 3 — Arrumação das folhas do roteiro feita pelos dubladores (p. 132)
Figura 4 — Marcação da “apresentação” no roteiro (p. 133)
Figura 5 — Marcação do “vozerio” no roteiro (p. 134)
Figura 6 — Folha de elenco (p. 135)
Figura 7 — Marcação de “reação” e de “risos” no roteiro (p. 136)
Figura 8 — Marcação da “anotação explicativa” no roteiro (p. 137)
Figura 9 — Grafia de números e de quantias monetárias no roteiro (p. 138)
Figura 10 — Repetição excessiva de palavras no roteiro (p. 184)
Lista de abreviaturas
LO — língua original
LA — língua-alvo
TO — texto original
TT — texto traduzido
TA — texto-alvo
TD — texto dublado
DD — diretora de dublagem
INTRODUÇÃO
No Brasil e no exterior, pesquisas referentes à tradução audiovisual vêm aumentando
os conhecimentos desse campo e a bibliografia a respeito da área desde o surgimento da TV a
cabo e dos modernos aparelhos de DVD que permitem ao espectador ter acesso ao produto na
língua original (doravante LO), na língua-alvo (doravante LA) e até em outras línguas
estrangeiras.
Entretanto, verifiquei que o processo da tradução para dublagem é um campo dos
Estudos da Tradução que ainda carece de pesquisas, principalmente no ambiente da gravação
da dublagem, que envolve outros profissionais e não mais apenas o tradutor. Por esse motivo,
interessei-me por investigar o processo de dublagem, acompanhando de perto o trabalho dos
profissionais da área, para entender o papel que exercem nesse processo.
O objetivo desta dissertação é, portanto, analisar exemplos, colhidos em pesquisa de
campo, que mostram as interferências realizadas pelos participantes do processo de gravação
da dublagem nos roteiros de dois episódios de um seriado americano, traduzidos do inglês
para o português, para exibição em TV aberta no Brasil. Com essa análise, pude verificar que
forma essas interferências tomam e compreender o papel desempenhado pelos participantes
no processo de dublagem.
As estratégias de tradução apresentadas nos estudos de Baker (1992) e de Harvey
(1998) constituem o referencial teórico que serviu de parâmetro para averiguar se as
estratégias usadas pelos profissionais investigados se assemelham com algumas das
estratégias de tradução descritas por esses autores e, assim, associar as estratégias de
manipulação do roteiro traduzido (para adaptá-lo às necessidades da dublagem) empregadas
17
pelos profissionais da área às estratégias reconhecidamente empregadas por tradutores para
superar problemas de não-equivalência durante o ato tradutório.
Esta dissertação divide-se em sete capítulos. No primeiro, faço uma abordagem à
tradução audiovisual, destacando os dois métodos mais usados: a legendagem e a dublagem.
Apresento os tipos de legendas existentes, faço um breve resumo de suas normas bem como
dos fatores envolvidos na dublagem. Além disso, aponto, entre outras coisas, as vantagens e
desvantagens mais discutidas a respeito desses dois métodos.
No segundo capítulo, apresento um resumo das estratégias tradutórias descritas por
Baker (1992), fazendo referência ao estudo de Harvey (1998) para preencher uma lacuna
referente à estratégia da “tradução pela compensação”, não-exemplificada por aquela autora.
O terceiro capítulo é dedicado à descrição da metodologia que conduziu a minha
pesquisa, a saber, a etnografia qualitativa. Faço apontamentos sobre pesquisa qualitativa de
acordo com a visão de alguns autores, entre eles Allwright e Baily (1991), McDonough e
McDonough (1997), Holmes (1986), e Spradley (1980). Descrevo o material audiovisual
analisado e explico como os profissionais observados colaboraram com minha pesquisa e de
que forma lidei com os instrumentos de pesquisa.
No quarto capítulo, mostro o que é uma produção de dublagem e de que modo pode
ser realizada, seguindo os critérios estipulados por lei. Descrevo os estúdios onde se realizou a
dublagem, a participação interativa dos profissionais envolvidos, o sistema de gravação usado
e o jargão da área.
No quinto capítulo, apresento os elementos que compõem o roteiro de um material
audiovisual para dublagem com base na análise que fiz dos roteiros do produto investigado e
com exemplos tirados deles. Mostro, também, como o roteiro é manuseado pelos dubladores e
como determinados itens são grafados para facilitar a leitura desses profissionais. No final do
18
capítulo, figuras que representam as páginas dos roteiros analisados ilustram alguns pontos
explicados.
A análise de dados é apresentada nos dois últimos capítulos. Os exemplos das
mudanças introduzidas no texto traduzido (doravante TT) pelos sujeitos investigados são
apresentados e discutidos no sexto capítulo. Finalmente, no sétimo capítulo, mostro como o
referencial teórico possibilitou estabelecer uma análise comparativa entre as estratégias de
tradução e as estratégias usadas pelos profissionais da dublagem e tecer considerações sobre o
papel que exercem ao colaborarem na tradução do material audiovisual.
1 A TRADUÇÃO AUDIOVISUAL
A tradução audiovisual corresponde ao processo da tradução, oral e escrita,
intralingual e interlingual, de um material audiovisual, tal como filmes, programas televisivos,
desenhos animados e documentários. Outros termos também têm sido usados para denominar
esse mesmo processo tradutório, como, por exemplo, tradução de filmes ou tradução fílmica,
tradução para as telas e tradução de multimídia, embora possam abranger vastas ou restritas
práticas de tradução audiovisual, conforme observa Carvalho (2005: 23-24).
Carvalho (2005: 23) explica que a existência de diferentes termos na literatura
relacionada à tradução audiovisual é conseqüência do vasto conjunto de práticas existentes na
atividade, e acrescenta que, por isso, ainda se está buscando uma terminologia que descreva
essa área de forma satisfatória. Talvez a falta de uma terminologia unânime também se deva
ao fato de a tradução audiovisual ser um campo recente de pesquisa, conforme relata Franco
(2002: 65), se “comparada a outros campos como a tradução literária e a tradução técnica”.
Para o autor Díaz Cintas (2003: 194-195), a variação terminológica é uma indicação clara de
mudanças que podem possibilitar aos estudiosos assimilarem e reconhecerem os novos
desenvolvimentos na prática dessa modalidade de tradução.
Carvalho (2005: 25) adotou o termo “tradução audiovisual” para se referir a esse
conjunto de práticas por ser este amplamente usado em várias partes do mundo, inclusive no
Brasil. Desta forma, optei por usar essa denominação no presente trabalho.
Por ser uma área que está em constante crescimento — segundo Araújo (2000: 71),
devido à grande quantidade de produções estrangeiras exibidas nas televisões e nos cinemas
do mundo inteiro — a tradução audiovisual deveria ser objeto de mais estudos,
principalmente no Brasil, e suas diferentes práticas e particularidades deveriam ser mais
20
investigadas para que os profissionais da área pudessem aperfeiçoar seu trabalho à luz das
contribuições científicas. Melhor ainda seria se, conforme recomenda Araújo (2002: 70-71),
as empresas que trabalham com a tradução audiovisual compartilhassem suas experiências
com os acadêmicos e vice-versa de tal maneira que profissionais e pesquisadores pudessem se
beneficiar com a troca de descobertas, dados e experiências. Segundo a autora, os estudiosos e
essas empresas fazem suas pesquisas separadamente e não compartilham seus resultados
(ARAÚJO, 2002: 70).
A pouca bibliografia existente no campo da tradução audiovisual, embora esteja
ganhando mais proeminência, pode ser conseqüência direta da falta de oferta de cursos na
área nas universidades no Brasil e no exterior. Entretanto, compartilho da mesma opinião do
autor Díaz Cintas (2003: 200) de que a tradução audiovisual deva ser ensinada em
universidades da mesma forma que outros tipos de tradução, apesar do alto custo de
manutenção de um curso nessa área. O autor aponta que é muito difícil para as universidades
arrecadarem fundos necessários para a compra de equipamentos e pacotes de software
especificamente projetados para a tradução audiovisual e investirem na atualização constante
desses equipamentos, visto que a tecnologia no ramo deste tipo de tradução está em rápido
desenvolvimento (DÍAZ CINTAS, 2003: 200-201).
A legendagem e a dublagem têm sido os dois métodos dominantes de tradução
audiovisual, conforme apontam Gottlieb (1998: 244), Baker e Hochel (1998: 74), Carvalho
(2005: 94) e Araújo (2000: 41-42). Carvalho (2005: 19) ressalta que, no Brasil, esses métodos
dão conta da tradução de quase a totalidade dos produtos audiovisuais veiculados nos
cinemas, pelos canais de televisão abertos e fechados, por VHS e DVD.
21
1.1 Legendagem
A legendagem é, segundo Gottlieb (1998: 244-245), a transcrição da narração ou
diálogos de filmes ou programas televisivos projetada simultaneamente na tela que, em geral,
consiste de uma ou duas linhas com extensão média de no máximo 35 caracteres. Como regra,
as legendas são colocadas na parte inferior da tela e podem ser centralizadas ou alinhadas à
esquerda (GOTTLIEB, 1998: 245). No Brasil, Araújo (2000: 140) diz que o tradutor dispõe
de, no máximo, 32 caracteres por linha e cada legenda pode ter, no máximo, duas linhas. É a
modalidade de tradução audiovisual que tem tido o maior crescimento, e que continuará
crescendo, principalmente por ser a mais rápida e a mais econômica de ser produzida,
conforme relata Díaz Cintas (2003: 199). Além dessas duas vantagens, a legendagem,
segundo este autor, pode ser usada para traduzir todos os produtos audiovisuais, tais como
filmes, notícias, entrevistas e séries de TV.
Os termos legendação e subtitulagem são, por vezes, usados em lugar de legendagem;
entretanto, segundo Souza (1999: 10), o termo legendagem, apesar de não estar dicionarizado,
é utilizado hoje pelos profissionais do meio. Legendista e legendador são os termos usados em
referência ao tradutor que confecciona as legendas.
1.1.1 Tipos de legendas
A legendagem tem diferentes aspectos lingüísticos e técnicos. Segundo Gottlieb
(1998: 247), a legenda pode ser: a) intralingual, também chamada de vertical, quando a LA é
a mesma da LO, como, por exemplo, a legenda de programas em língua nacional para
deficientes auditivos e de programas de língua estrangeira para aprendizes de línguas; e b)
interlingual, também chamada de diagonal, quando a LO é diferente da LA.
22
Díaz Cintas (2003: 199-200) diz que a legenda intralingual inclui as informações
textuais e sonoras que contribuem para o desenvolvimento da trama e para criar a
ambientação da cena, mas que os deficientes auditivos são incapazes de acessar, por exemplo,
o barulho de telefone tocando, de alguém batendo na porta etc.
No aspecto técnico, a legenda pode ser a) “aberta” (não opcional), como a legenda de
cinema, que é uma parte física do filme ou transmitida separadamente, como, por exemplo,
em projeções durante festivais, ou b) “fechada” (opcional), quando é transmitida como
teletexto (ou closed caption) para os deficientes auditivos. A legenda fechada, gerada por um
decodificador da televisão, é selecionada pelo espectador através do controle remoto. Nesta
modalidade, também estão incluídas as legendas de TV interlinguais, transmitidas por satélite,
permitindo que diferentes comunidades recebam diferentes legendas de um mesmo programa
simultaneamente (GOTTLIEB, 1998: 247).
1.1.2 Normas da legendagem
Nobre (2002: 78) aponta que a legenda não deve ter mais de duas linhas — Carvalho
(2005: 101) ressalta que essa regra é quase unânime nos meios — nem ocupar mais de dois
terços da largura da tela. “Nos filmes de 35 mm, cada linha deve ter um máximo de 32 a 40
caracteres (dependendo do sistema de projeção e do tipo de software utilizado na
legendagem), e nos filmes de 16 mm, até 24 ou até 27 caracteres por linha” (NOBRE, 2002:
78).
A cada legenda é imposta não somente a limitação do número de caracteres, como,
também, a limitação do tempo de exibição, que depende “da quantidade de texto, da
velocidade de leitura dos telespectadores e da necessidade de deixar aproximadamente ½
23
segundo de intervalo entre uma legenda e outra. Cada linha de legenda corresponde a até 2
segundos” (LUYKEN et al, 1991: 42
1
apud NOBRE, 2002: 78-79).
Os meios de transmissão do produto audiovisual que empregam legendas também
impõem suas próprias restrições à duração de exibição delas, o que, conseqüentemente,
implica em limitações no número de caracteres. Por exemplo, para o cinema, Carvalho (2005:
86) diz que “preferem-se legendas mais extensas e menos segmentadas enquanto para os
meios exibidos na televisão, como VHS e canais por assinatura, o tamanho das linhas é menor
e o texto tende a ser segmentado em um número maior de legendas”. A estimativa do número
de caracteres e tempo de exibição é feita para que o espectador adulto médio tenha tempo de
ler a legenda integralmente (CARVALHO, 2005: 101).
Como cada meio impõe suas próprias normas, Carvalho (2005: 102-112) descreve de
maneira detalhada as normas mais características dos quatro meios mais utilizados no Brasil:
cinema, VHS (no Brasil, o sistema é o NTSC), televisão por assinatura e o DVD.
O intervalo entre as legendas, como dito, também é uma norma que deve ser
respeitada. Carvalho (2005: 114) explica que esse intervalo costuma aproveitar as pausas
feitas no discurso oral: “geralmente, as pausas mais significativas ocorrem ao fim dos
períodos, nos quais muitas vezes são feitos cortes de cenas. No meio de um enunciado,
ocorrem pausas menores em função de respiração, hesitações e do próprio ritmo de fala de
cada pessoa” (CARVALHO, 2005: 114).
1
LUYKEN, G. M. et al. Overcoming Language Barriers in Television. Dubbing and Subtitling for the European
Audience. Manchester: The European Institute for the Media, 1991.
24
1.2 Dublagem
A dublagem é um método audiovisual também conhecido como revoicing. Baker e
Hochel (1998: 75) explicam que revoicing é um termo genérico usado para se referir a todos
os métodos de transferência lingüística oral. Segundo Carvalho (2005: 94-95), a dublagem,
em termos gerais, consiste em
substituir os canais de áudio correspondentes aos diálogos em língua estrangeira por
enunciados gravados por atores (chamados dubladores) da cultura de chegada. Estes
se baseiam numa tradução elaborada de modo a que a pronúncia das palavras na
língua-alvo fique o mais sincronizada possível com os movimentos labiais das
pessoas que aparecem na tela.
Clark e Spohr (2002: 196) lembram que, além do sincronismo labial, é importante
também haver a recriação das emoções da fala para carregar a mensagem adequada sobre o
que está acontecendo com as personagens e com o próprio filme. Para as autoras, se as
emoções dos atores não forem capturadas no processo da dublagem, o filme não causará o
mesmo impacto que sua versão original. Segundo as autoras, o dublador deve interpretar suas
personagens de modo que sua fala seja harmoniosa com o comportamento apresentado pelo
ator da tela.
Por se tratar também de um trabalho artístico, que envolve não só os dubladores, mas
também o diretor de dublagem e os técnicos de áudio, a dublagem aumenta os gastos da
produção audiovisual. O tempo de produção da dublagem acaba sendo maior do que o da
legendagem, sendo este um fator também responsável pelo aumento de custo e pela demora
no lançamento de um produto audiovisual em mercados estrangeiros. É possível encontrar,
com freqüência, registros sobre o alto custo da dublagem nos textos sobre tradução
audiovisual (DÍAZ CINTAS, 2003: 199; CLARK e SPOHR, 2002: 198; CRONIN, 1996: 195;
O’CONNELL, 1999: 214; BAKER e HOCHEL, 1998: 75; ARAÚJO, 2000: 53). Luyken et al
25
(1991: 105 apud GOTTLIEB, 1998: 248) assinalam que a dublagem pode ser 15 vezes mais
cara do que a legendagem, e Baker e Hochel (1998: 75) justificam a diferença nos custos
afirmando que é bem mais trabalhoso produzir dublagem do que qualquer outra forma de
tradução para as telas.
Apesar do custo elevado, a dublagem é preferida à legendagem para a tradução de
programas e filmes infantis de língua estrangeira, sendo a legendagem, segundo O’Connell
(1999: 214), raramente usada neste caso. O’Connell (1999: 214) explica que isso ocorre por
causa das habilidades e velocidades variáveis de leitura dos espectadores jovens. Rosenberg
(2003: 170) conta um episódio interessante, ocorrido em um cinema no Rio de Janeiro, por
causa das diferentes velocidades de leitura entre o público infantil e o público adulto: “o
gerente de um cinema teve que parar a projeção de um filme infantil, por este ser legendado.
Isso porque os pais tinham que ler as legendas para os filhos, o que acabou se tornando uma
grande bagunça, e ninguém mais conseguia acompanhar o filme”.
Para evitar que determinados públicos sejam prejudicados no entendimento e no
entretenimento de um filme, Rosenberg (2003: 170) defende o uso da dublagem para as
crianças e os deficientes visuais.
1.3 Legendagem e dublagem — uma tradução visível e de volume de texto variável
Em linhas gerais, a tradução tanto para a legendagem como para a dublagem está
sujeita a um conjunto de restrições lingüísticas para se obter sincronismo do TT com os
movimentos labiais do ator da tela, no caso da dublagem; e sincronismo do TT com a fala das
personagens, no caso da legendagem. O produto final é, segundo Fawcett (1996: 75), uma
tradução visível porque “podemos literalmente ver com nossos próprios olhos que estamos
lidando com um texto que não é original”. Na dublagem, diz o autor (FAWCETT, 1996: 75-
26
76), essa percepção ocorre quando há falta de sincronismo labial e, na legendagem, quando os
espectadores, que podem seguir a LO e as legendas, detectam que há uma seleção das
informações originais transmitidas a eles, e quando os espectadores, que não têm nenhum
conhecimento da LO, estão conscientes das discrepâncias, tais como o som sem nenhuma
legenda ou som durando mais que as legendas.
Segundo Nobre (2002: 79), o legendista precisa encontrar formas de transmitir a
mensagem do texto original (doravante TO) com menos palavras, às vezes, suprimindo
informações, mas pode até mesmo ter de acrescentar informações para não prejudicar o
entendimento do filme. Nobre (2002: 79) afirma que “o fato de ser uma tradução de um texto
oral para um escrito também pode resultar em redução textual, pois é comum utilizar-se
menos palavras quando se escreve do que quando se fala para transmitir uma mesma
mensagem”, o que é corroborado por Araújo (2000: 144).
A redução textual na legendagem se dá através de legendas breves para, segundo
Carvalho (2005: 97), poderem ser lidas na sua totalidade ao mesmo tempo em que o TO é
pronunciado. Trindade (2003: 182) ressalta que uma fala em um filme costuma durar de dois
a cinco segundos, lembrando que, além de respeitar o tempo de duração da fala, o tradutor
também precisa resumir essa fala a não mais de 64 caracteres.
Carvalho (2005: 97) diz que as legendas devem ser “de leitura simples e direta, de
modo a não demandarem mais atenção visual e cognitiva do que a estritamente necessária”. E
acrescenta que devem ser escritas
de acordo com o permitido pelo ritmo e entonação da fala. Na medida do possível,
tenta-se fazer com que uma legenda inclua um período completo ou uma oração.
Caso o período precise se estender por mais de uma legenda, procura-se manter
juntos os sintagmas de ordem mais alta na estrutura da sentença, de forma a que
cada legenda transmita uma idéia fechada e coerente. (CARVALHO, 2005: 114)
27
A dublagem requer menos redução textual do que a legendagem, o que constitui uma
vantagem, conforme comentam Baker e Hochel (1998: 75). Segundo Araújo (2000: 144), na
modalidade da dublagem, “as restrições de tempo e espaço são menores, já que não trabalha
com as mesmas limitações da legendagem”. O TT é reduzido na dublagem quando o tempo de
fala do dublador fica maior do que o tempo de fala do ator da tela. Essa redução pode ser feita
pelo tradutor, antes de o TT ser gravado, ou durante a gravação da dublagem, quando o diretor
de dublagem e/ou dublador percebe(m) que o ator acaba de falar antes da voz do dublador, ou
quando é necessário fazer ajustes na tradução para atingir maior sincronismo labial.
Fawcett (1996: 77) compara o volume de texto reduzido entre a legendagem e a
dublagem, ilustrando com um exemplo em inglês: “Besides, there’s a rumour that she’s
expecting a baby” (texto dublado) torna-se “And she’s expecting a baby” (texto legendado).
Como a dublagem pode ser mais longa do que a legendagem, o tradutor/diretor de
dublagem/dublador têm mais liberdade para acrescentar elementos inexistentes no TO,
conforme assinala Araújo (2000: 146), para preencher todas as aberturas labiais ou para dar
mais clareza ao texto traduzido. Por exemplo, as traduções apresentadas abaixo, feitas para a
legendagem e para a dublagem de um mesmo TO mostram não somente uma tradução mais
longa na dublagem, como também inserção de informações. O exemplo é fornecido por
Araújo (2000: 146):
Texto original:
I’m also attending a few classes at William and Mary College. But
that won’t interfere with my duties.
Texto legendado:
Freqüento o Colégio William e Mary. Mas não impedirá minhas
obrigações.
28
Texto dublado:
Eu também estudo Ciências Humanas na William e Mary College.
Mas isto não irá interferir nos meus deveres.
Araújo explica que o elemento não existente no TO (sublinhado no texto dublado) foi
incluído na dublagem porque, possivelmente, veio no roteiro original a informação de que a
personagem estuda Ciências Humanas, mas foi cortada durante as filmagens (ARAÚJO,
2000: 146).
1.4 As vantagens e desvantagens da legendagem e da dublagem
O dualismo da vantagem e da desvantagem existe tanto na legendagem quanto na
dublagem. Não se pode criticar uma modalidade de tradução sem considerar o seu lado
positivo. Barbash e Taylor (1997: 422) mostram bem essas duas facetas dessas modalidades.
Por exemplo, ressaltam que uma vantagem da legendagem é deixar a audiência ouvir as
pessoas falando com suas próprias vozes:
Muitos espectadores acreditam que as legendas os deixam mais próximos às
personagens na tela do que a dublagem. Nuances idiossincráticas de voz e de fala
fazem parte daquilo que define as pessoas como indivíduos e transmitem um
sentimento de respeito por elas ao permitir que a platéia ouça suas próprias palavras.
(BARBASH e TAYLOR, 1997: 422)
Carvalho (2005: 96) afirma que privar o espectador do acesso ao TO e à voz real dos
atores ou personalidades exibidos é a principal crítica feita à dublagem. Considerando que a
voz, com sua entonação, inflexões e carga emotiva, é parte essencial do desempenho artístico,
entende-se a afirmativa de Kawin (1992: 463), de que a dublagem destrói uma considerável
porção da performance original do ator.
29
Além de mencionarem a substituição das vozes originais pelas vozes dos atores
(dubladores) como a desvantagem da dublagem, Baker e Hochel (1998: 75) citam também a
desvantagem de excluir certas categorias, como turistas e outros visitantes, que podem não
falar a língua local, mas que poderiam seguir uma versão legendada de um filme inglês ou
francês, por exemplo. Os autores dizem que Herbst (1995: 257-258)
2
ainda discute uma outra
desvantagem: privar os espectadores da oportunidade de ouvirem uma língua estrangeira.
Por outro lado, a dublagem, em contraposição à legendagem, reduz a penetração de
línguas e valores culturais de sistemas estrangeiros dominantes em sociedades não
hegemônicas culturalmente, valoriza a língua doméstica e permite o acesso ao produto por
parte de parcelas não alfabetizadas da população (CARVALHO, 2005: 96). Kawin (1992:
463) alega que muitas audiências preferem a dublagem a ter de ler as legendas; ou seja,
apenas assistem ao audiovisual olhando e ouvindo, e não lendo também. Outra vantagem da
dublagem é apontada por Barbash e Taylor (1997: 425) quando lembram que, na vida real, as
pessoas geralmente falam ao mesmo tempo e que, se isto acontece em um documentário, até
mesmo na LO, ocasionalmente pode ser difícil ouvir tudo e perceber quem disse o quê.
“Ainda que a legenda de uma pessoa esteja em itálico e a legenda de outra pessoa esteja em
caixa alta, o espectador pode ter dificuldade em acompanhar quem está falando”. Por outro
lado, é difícil imitar as vozes das personagens na dublagem e o modo como uma pessoa fala
diz muito sobre quem ela é, revelando detalhes sobre sua nacionalidade e educação, “o que
nunca irá corresponder muito bem às diferenças internas de uma língua estrangeira,
especialmente de culturas não ocidentais” (BARBASH e TAYLOR, 1997: 425).
2
HERBST, Thomas. Linguistische Aspekte der Synchronisation Von Fernsehserien. Phonetik, Textlinguistik,
Übersetzungstheorie. Tübingen: Niemeyer, 1994.
2 OS PROBLEMAS DA NÃO-EQUIVALÊNCIA NA TRADUÇÃO E AS
ESTRATÉGIAS DE TRADUÇÃO APRESENTADOS POR MONA BAKER
O conceito de “equivalência” tem tido diferentes definições por parte de estudiosos da
Teoria da Tradução. Araújo (2000: 36) afirma que, para os estudiosos das teorias lingüísticas
da tradução, a equivalência poderia ocorrer tanto nas unidades de tradução quanto no texto
inteiro e que, apesar das divergências de opiniões, todos concordam que a simetria absoluta
ou igualdade não se sustenta. A autora (2000: 36) julga que a equivalência é apenas uma
ilusão, e afirma que esta opinião é corroborada por Snell-Hornby (1995: 18 apud ARAÚJO
2000: 36).
3
Para Baker (1992: 6), a equivalência, apesar de ser geralmente possível até certo
ponto, é influenciada por uma variedade de fatores lingüísticos e culturais e é, portanto,
sempre relativa.
Para minha análise investigativa, optei por utilizar as estratégias de tradução
apresentadas por Baker (1992) para a falta de equivalência entre os elementos do TO e os
elementos do texto da LA porque queria descobrir se o dublador e o diretor de dublagem
usam as mesmas estratégias para solucionar os problemas de tradução encontrados pelo
tradutor. Entretanto, em um dado momento (ver 2.2.3.5), precisei recorrer ao estudo de
Harvey (1998) para entender melhor a estratégia da “tradução pela compensação” porque, na
obra à qual faço referência aqui (BAKER, 1992), a autora não cita nenhum exemplo para essa
estratégia por considerar o assunto muito extenso. Contudo, a distinção das categorias de
compensação feita pelos autores Hervey e Higgins
4
(1992 apud Harvey, 1998: 38) serviu de
base para a análise de alguns exemplos (ver seção 7.5).
3
SNELL-HORNBY, M. Translation Studies: An Integrated Approach. Edição revisada. Philadelphia: John
Benjamins, 1995.
4
HERVEY, S.; HIGGINS, I. Thinking Translation: A Course in Translation Method: French to English.
London and New York: Routledge, 1992.
31
Baker (1992) mostra as estratégias utilizadas por tradutores de várias línguas, em
exemplos autênticos, e discute os prós e contras de cada estratégia. A autora opta por uma
organização hierárquica ao discutir a falta de equivalência entre os elementos da LO e os
elementos da língua em que deve ser feita a tradução, a LA, começando pelo nível mais
simples de análise — o nível da palavra, percorrendo até o nível mais complexo — a
pragmática. Acredita que esta forma seja a mais apropriada, por razões pedagógicas, para
aqueles que não tiveram nenhum aprendizado em lingüística devido à complexidade do
assunto. Inicia sua discussão pela equivalência ao nível da palavra, examinando, em seguida,
a equivalência acima do nível da palavra, a equivalência gramatical, a equivalência textual,
terminando com a equivalência pragmática.
Faço, aqui, um resumo das várias estratégias de tradução citadas por Baker (1992),
utilizando, como ilustração, os exemplos fornecidos pela autora sem, no entanto, oferecer uma
avaliação dos mesmos. Destaco também que os exemplos em árabe no TA não foram
apresentados aqui por causa da impossibilidade de reproduzi-los. os exemplos do TA em
japonês, chinês e russo, que representariam as traduções do TO em inglês, não foram
apresentados no presente trabalho porque tampouco foram oferecidos pela autora.
2.1 A falta de equivalência ao nível da palavra
Baker (1992: 20) explica que a falta de equivalência ao nível da palavra ocorre quando
a LA não possui um equivalente direto para uma palavra no TO e lembra que, além da não-
equivalência, o contexto e o propósito da tradução geralmente também influenciam na decisão
de qual estratégia usar para solucionar o problema tradutório.
Segundo Baker (1992: 21), uma palavra da LO pode expressar um conceito que é de
total desconhecimento na cultura-alvo, que pode ser abstrato ou concreto e se referir a uma
32
crença religiosa ou a um costume social. A autora o exemplo da palavra privacy como
expressão de um conceito abstrato da cultura inglesa que é raramente entendido por pessoas
de outras culturas. a expressão airing cupboard” é, segundo a autora, um conceito
concreto que também não é conhecido pelos falantes da maioria das línguas. Privacy e
airing cupboardsão exemplos de conceitos específicos de uma determinada cultura, que,
por assim serem, podem causar momentos de dificuldade para o tradutor.
Além do problema dos conceitos específicos de cultura, a autora considera que
também o problema de conceito da LO não ser lexicalizado na LA, mesmo sendo de
conhecimento da cultura-alvo. É o caso de savoury”, exemplo citado por Baker (1992: 21),
que, segundo a autora, não possui um equivalente em muitas línguas, embora expresse um
conceito de fácil entendimento.
Se a palavra da LO for semanticamente complexa, o tradutor pode se deparar com um
outro problema de não-equivalência porque, conforme aponta Baker (1992: 22), uma palavra
pode ser capaz de expressar mais significados do que uma sentença inteira. Segundo a autora,
a definição de “arruação”, em português, por exemplo, expressa essa complexidade.
O quarto problema de tradução citado por Baker (1992: 22) é o fato de que a LA pode
fazer mais ou menos distinções quanto ao significado do que a LO. A autora destaca que
aquilo que uma língua considera como uma importante distinção em significado, uma outra
língua pode não perceber como relevante. Por exemplo, o indonésio faz uma distinção entre
sair na chuva não sabendo que está chovendo (“kehujanan”) e sair na chuva sabendo que está
chovendo (“hujan-hujanan”) (BAKER, 1992: 22).
Segundo a autora, outro problema ocorre quando a LA não possui um hiperônimo
(BAKER, 1992: 22-23). A LA pode possuir palavras específicas (hipônimos), mas não uma
palavra genérica (hiperônimo) para expressar um determinado campo semântico. Por
exemplo:
33
A língua russa não tem nenhum equivalente direto para facilities, significando
qualquer equipamento, construção, serviços etc. que o fornecidos para uma
atividade ou propósitos específicos. Entretanto, tem várias palavras e expressões
específicas que podem ser consideradas como tipos de facilities, por exemplo,
sredstva peredvizheniya (meio de transporte), naem (empréstimo), neobkhodimye
pomeschcheniya (acomodação básica), e neobkhodimoe oborudovanie (equipamento
básico). (BAKER, 1992: 22-23)
Se a inexistência de um hiperônimo na LA pode constituir uma dificuldade de
tradução, o mesmo pode ser dito sobre a inexistência de um termo específico (hipônimo) na
LA (BAKER, 1992: 23). Mais comumente, segundo a autora, as línguas tendem a ter palavras
genéricas, e não palavras específicas, visto que cada língua faz somente as distinções no
significado que forem relevantes para o uso em seu ambiente e, para este caso, incontáveis
exemplos de não-equivalência. A autora fornece o exemplo de uma palavra em inglês,
article”, que possui vários hipônimos (“feature”, survey”, report”, critique”,
commentary”, “reviewetc.), o que faz com que seja difícil encontrar equivalentes para essas
palavras em outras línguas.
Baker (1992: 23) aponta diferenças na perspectiva física ou interpessoal como mais
um problema para o trabalho de tradução, e explica que a perspectiva sica diz respeito ao
lugar onde coisas ou pessoas se encontram em relação umas com as outras ou a um lugar,
dando os exemplos dos verbos come/go”, take/bring”, e “arrive/depart”. A perspectiva
também pode incluir a relação entre os participantes no discurso, a perspectiva interpessoal:
“Por exemplo, o japonês tem seis equivalentes para give, dependendo de quem para quem:
yaru, ageru, morau, kureru, itadaku, e kudasaru” (McCREARY, 1986 apud BAKER, 1992:
23).
5
Segundo a autora, diferenças no significado expressivo, na forma, na freqüência e no
objetivo do uso de formas específicas também requerem estratégias específicas de tradução.
Baker (1992: 23-24) diz que uma palavra da LA pode ter o mesmo significado proposto da
5
McCREARY, D. R. Improving bilingual Japanese-English and English-Japanese dictionaries. Papers in
Linguistics, 19, 1; 1986, p. 55-66.
34
palavra da LO, mas ter um significado expressivo diferente. O significado proposto (BAKER,
1992: 13) de uma palavra ou uma locução surge da relação entre o significado e aquilo a que
esse significado se refere ou descreve num mundo real ou imaginário. A autora ilustra essa
definição com a palavra shirt”, comentando que não seria adequado usá-la para se referir a
socks”, por exemplo, pois são tipos de vestimentas que atendem a propósitos diferentes. O
significado expressivo, segundo a autora, se refere aos sentimentos ou à atitude do falante e
não àquilo a que as palavras e locuções se referem. Dentre vários exemplos de significado
expressivo, apresenta os enunciados Don’t complaine Don’t whinge”, elucidando que a
diferença entre eles não está em seus significados propostos, mas na expressividade de
whinge”.
Diferenças no significado expressivo são geralmente mais difíceis de traduzir quando
o equivalente da LA tem uma carga emocional maior, o que ocorre com assuntos como
religião, política e sexo. A autora cita duas palavras como exemplo: “homosexuality e
homosexual” (BAKER, 1992: 23-24).
Segundo Baker (1992: 24), geralmente não um equivalente na LA para uma
determinada forma no TO, como, por exemplo, certos sufixos e prefixos. Isto gera uma
grande dificuldade de tradução, especialmente quando tais afixos são usados criativamente
para criar novas palavras ou criar humor.
Até mesmo quando uma determinada forma tem um equivalente direto na LA, pode
haver uma diferença na freqüência com a qual é usada ou com o propósito para qual é usada
(BAKER, 1992: 25). A autora mostra que, no inglês, por exemplo, a forma contínua -ing
une orações com muito mais freqüência do que outras línguas que têm equivalentes para ela,
como as línguas alemã e escandinava. Entretanto, a repetição do equivalente da forma do
ing” nessas línguas tiraria a naturalidade do texto-alvo (doravante TA).
35
Por fim, Baker (1992: 25-26) afirma que o uso de empréstimos no TO apresenta um
outro problema de não-equivalência ao vel da palavra. O uso de empréstimos no TO ocorre
devido ao seu valor de prestígio, por exemplo, e podem dar um ar maior de sofisticação ao
texto, como au fait”, chice alfrescoem inglês. Entretanto, isto pode gerar um problema
porque nem sempre é possível achar um empréstimo com o mesmo significado na LA, diz a
autora, esclarecendo que dilettante é empréstimo em inglês, russo e japonês, mas em árabe
não há um empréstimo equivalente (BAKER, 1992: 25-26). Falsos cognatos, acredita a
autora, podem confundir o tradutor, que ressalta, porém, que falsos cognatos tão óbvios,
por causa da diferença de significados que apresentam no texto, que somente um tradutor
muito inexperiente não os notaria, como, por exemplo, sensible”, em inglês e sensibel, em
alemão.
2.1.1 As estratégias usadas pelos tradutores profissionais para solucionar problemas
pela falta de equivalência ao nível da palavra
Baker (1992: 26-42) mostra vários exemplos de estratégias usadas por profissionais
para resolver a não-equivalência ao nível da palavra: tradução através de uma palavra mais
genérica; tradução através de uma palavra mais neutra ou menos expressiva; tradução através
da substituição cultural; tradução com o uso de um empréstimo ou de um empréstimo com
uma explicação; tradução através de paráfrase utilizando uma palavra relacionada; tradução
através de paráfrase utilizando palavras não-relacionadas; tradução através da omissão; e
tradução através da ilustração.
36
2.1.1.1 Tradução através de uma palavra mais genérica
Para Baker (1992: 26), a tradução através de uma palavra mais genérica é uma das
estratégias mais comuns usadas para a solução da falta de equivalência, especialmente para o
significado proposto, e funciona bem em quase todas as línguas, senão em todas. A autora
mostra como foi feita a tradução de um texto em inglês para o espanhol, destacando a palavra
que causou problema no TO e a palavra genérica que foi usada pelo tradutor para superar o
problema da falta de especificidade da palavra na LA. O TO é sobre o procedimento do uso
de um xampu (BAKER, 1992: 26-27):
TO: Shampoo the hair with a mild WELLA-SHAMPOO and lightly
towel dry.
TA: Lavar el cabello con un champú suave de WELLA y frotar
ligeramente con una toalla.
A palavra genérica lavar transmite o principal significado proposto de shampoo”,
já que não há nenhuma palavra com a mesma especificidade desta em espanhol. Baker (1992:
28) explica que a especificidade do verbo “shampoo” está no fato de ser um tipo de lavagem.
2.1.1.2 Tradução através de uma palavra mais neutra ou menos expressiva
Ao falar da tradução através de uma palavra mais neutra ou menos expressiva, Baker
(1992: 28-29) cita o texto de um folheto de propaganda de uma empresa de cerâmica chamada
Morgan Matroc, traduzido do inglês para o italiano:
37
TO: [...] So is this brochure necessary; isn’t the ceramic market
already over-bombarded with technical literature; why should Matroc
add more?
Because someone mumbles, “Our competitors do it.” But why should
we imitate our competitors when Matroc probably supplies a greater
range of ceramic materials for more applications than any other
manufacturer?
TA: Qualcuno suggerisce: “i nostri concorrenti lo fanno”.
Apesar de mugugnare ser o equivalente italiano mais próximo para o significado
expressivo de mumble”, Baker (1992: 29) aponta que mumble sugere confusão ou
constrangimento, enquanto que “mugugnare” tende a sugerir descontentamento. Para a autora,
possivelmente o tradutor optou por uma palavra mais geral, suggerisce”, em inglês,
suggest”, para evitar transmitir o significado expressivo errado.
2.1.1.3 Tradução através da substituição cultural
Substituir o termo específico da LO por um da LA que não transmite o mesmo
significado proposto, mas que pode ter um impacto similar na LA, é uma estratégia que,
segundo Baker (1992: 31), ao público um conceito com o qual pode se identificar.
Newmark (1991: 3) parece concordar com o bom resultado dessa estratégia porque, segundo o
autor, apesar dos equivalentes culturais serem geralmente inexatos, são coesos, têm força
emocional, são úteis para um efeito imediato no receptor, por exemplo, no teatro e no cinema
(dublagem ou legendagem), e transportam o público de forma não-crítica para a cultura da
LA.
Baker (1992: 31-33) mostra como três tradutores lidaram com o problema da diferença
cultural entre os países da LO e da LA. O primeiro exemplo é um texto em inglês, extraído de
38
A Brief History of Time (HAWKING, 1988 apud BAKER, 1992),
6
que começa com a
seguinte frase:
TO: A well-known scientist (some say it was Bertrand Russell) once
gave a public lecture on astronomy.
O tradutor que traduziu o texto para o grego optou por traduzi-lo com elementos
culturais que fossem chamar a atenção imediata do leitor, por serem interessantes e familiares,
ao invés de manter o personagem estrangeiro com o qual o leitor poderia não se identificar
(BAKER, 1992: 31-32). Assim, o tradutor escolheu a personagem Alice do livro “Alice no
País das Maravilhas”
7
por ser bem conhecida na Grécia, assim como a sua história:
TA (traduzido do grego para o inglês): Alice in Wonderland was once
giving a lecture about astronomy.
2.1.1.4 Tradução com o uso de um empréstimo ou de um empréstimo com uma
explicação
A tradução com o uso de um empréstimo ou de um empréstimo com uma explicação,
segundo Baker (1992: 34), é geralmente usada com itens específicos de cultura, conceitos
modernos e modismos lingüísticos. A autora explica que o empréstimo seguido de uma
explicação é muito útil quando for repetido várias vezes no texto porque, uma vez explicado,
sempre que aparecer sozinho, o leitor saberá o que quer dizer. Para exemplificar, cita o
texto a seguir, que foi traduzido do inglês para o árabe:
TO: For maximum effect, cover the hair with a plastic cap or towel.
6
HAWKING, S. W. A Brief History of Time from the Big Bang to Black Holes. London and Auckland: Bantam
Press (tradução em espanhol de Miguel Ortuño; tradução em grego de Konstantinos Harakas), 1988.
7
Obra de Lewis Carroll, de 1865. O título original é “Alice's Adventures in Wonderland”.
39
Na tradução árabe, cap aparece entre aspas, diferenciada como uma palavra
estrangeira, e o seu significado é explicado em seguida. Baker (1992: 36) mostra como ficaria
a tradução árabe em inglês:
TA: For obtaining maximum effectiveness, the hair is covered by
means of a ‘cap’, that is a plastic hat which covers the hair, or by
means of a towel.
2.1.1.5 Tradução através de paráfrase utilizando uma palavra relacionada
A tradução através de paráfrase utilizando uma palavra relacionada é utilizada quando
o conceito da LO está lexicalizado na LA, mas numa forma diferente, e quando a freqüência
com a qual uma certa forma é usada no TO é significantemente maior do que seria natural na
LA (BAKER, 1992: 37).
Abaixo, na versão traduzida do texto árabe para o inglês, Baker (1992: 37) mostra a
estratégia da paráfrase com o uso de uma comparação, a qual, segundo a autora, pode ser
usada para resolver outros tipos de não-equivalência:
TO: The rich and creamy KOLESTRAL-SUPER is easy to apply and
has a pleasant fragrance.
TA: Kolestral-super is rich and concentrated in its make-up which
gives a product that resembles cream…
2.1.1.6 Tradução através de paráfrase utilizando palavras não-relacionadas
A tradução através de paráfrase que emprega palavras não-relacionadas é utilizada
quando o conceito da LO não está lexicalizado na LA e, especialmente, quando o item em
questão é semanticamente complexo (BAKER, 1992: 38). O exemplo a seguir mostra esta
40
estratégia utilizada pelo tradutor para resolver o problema da falta de equivalência para a
palavra “accessible” no chinês:
TO: . . . the lower mixed broadleaf forests . . . are the areas most
accessible to and disturbed by Man.
TA (traduzido do chinês): . . . the mixed broadleaf forests of the
lowland area . . . are the places where human beings enter most easily
and interfere most (BAKER, 1992: 40).
2.1.1.7 Tradução através da omissão
A tradução através da omissão é usada, segundo Baker (1992: 40), quando o
significado transmitido por um determinado item ou expressão não é vital o suficiente para o
desenvolvimento do texto para justificar o uso de explicações extensas. Exemplo:
TO: This is your chance to remember the way things were, and for
younger visitors to see in real-life detail the way their parents, and
their parents before them lived and travelled.
TA (traduzido do francês): Here is the chance to rediscover your
youth (who knows?) and for the younger ones to see how their parents
and grandparents used to live and travel (BAKER, 1992: 41).
2.1.1.8 Tradução através da ilustração
Baker (1992: 42) relata que a estratégia da tradução através da ilustração é útil quando
não existe um equivalente na LA para uma palavra que se refere a uma entidade física que
pode ser ilustrada, em particular quando restrições quanto ao espaço e o texto tem de ficar
pequeno, conciso e objetivo. A autora mostra como exemplo a figura de um tagged teabag”,
usada como ilustração num pacote de chá feito para o mercado árabe. A autora explica que,
41
como não existe uma forma fácil de traduzir tagged”, como em tagged teabags”, para o
árabe, sem recorrer a longas explicações, a ilustração é usada ao invés da paráfrase.
2.2 A equivalência acima do nível da palavra
Nesta seção, serão analisados os problemas quando falta de equivalência acima do
nível da palavra, ou seja, quando as palavras começam a se juntar com outras para formar
trechos de linguagem. Segundo Baker (1992: 46), as palavras raramente ocorrem sozinhas;
quase sempre estão na companhia de outras palavras, mas há sempre restrições no modo como
são arranjadas para transmitir significado. Por isso, os tradutores encontram dificuldades em
achar equivalências para determinados trechos da LO que possuem modelos lexicais
diferentes na LA. Baker (1992: 47-78) analisa o modelo lexical através da colocação e das
expressões idiomáticas e expressões fixas.
2.2.1 Armadilhas e problemas em relação à colocação
Segundo Baker (1992: 54), as colocações da LO e da LA podem ter os mesmos
significados ou significados parecidos; entretanto, armadilhas que podem pegar o tradutor
caso este não se dê conta de que pode estar combinando uma palavra com outra erroneamente,
fazendo uma associação nada natural na LO. O erro pode ser por decorrência da interferência
da sua língua materna quando a colocação lhe parece familiar uma vez que possui uma forma
correspondente na LA. Baker (1992: 55-56) mostra como um tradutor caiu nesta armadilha ao
traduzir para o árabe a frase abaixo, parte do texto de A Hero from Zero (Lonrho, p. 59 apud
BAKER, 1992: 55-56).
42
TO: […] The industrialist had been struck by his appearance as
someone with modest means. […]
TA (traduzido do árabe para o inglês): The industrialist saw in him a
person whose appearance suggests modesty and simplicity.
O tradutor errou na tradução porque, conforme aponta Baker (1992: 56), a colocação
modest meanssugere, em inglês, “falta de afluência” (lack of affluence). No entender da
autora, o equivalente de “modest, em árabe, “mutawaadi, pode sugerir um significado
semelhante em algumas colocações, como em dakhl mutawaadi(small income). Todavia,
ainda segundo a autora, tanto o adjetivo mutawaadi (modest) quanto o substantivo
tawaadu (modesty), quando usados com referência a uma pessoa, usualmente significam
que é despretensiosa.
Baker (1992: 56) comenta que seria ideal o tradutor fornecer uma colocação que fosse
típica na LA, preservando, ao mesmo tempo, o significado associado à colocação da LO.
Contudo, a autora afirma que este ideal nem sempre pode ser alcançado, pois a tradução
envolve uma “tensão”, em outras palavras, uma escolha difícil entre o que é típico (natural) e
o que é preciso (exato). Para a autora, a colocação mais próxima na LA geralmente envolverá
alguma mudança no significado, que pode ser mínima ou não-significante em um determinado
contexto. Essa mudança também pode ser muito significante, pois, por exemplo, a colocação
mais próxima aceitável que pode substituir hard drink em árabe, afirma a autora, é
alcoholic drinks; entretanto, “hard drinkse refere somente, em inglês, a bebidas tais como
uísque, gim e conhaque, e não a outras bebidas alcoólicas como cerveja ou vinho, enquanto a
colocação árabe, por sua vez, se refere a qualquer tipo de bebida alcoólica.
A escolha entre a precisão ou a naturalidade da palavra vai depender, segundo Baker
(1992: 57), da relevância de seu significado no texto, mas a autora deixa claro que uma certa
perda ou ganho ou inclinação de significado é, geralmente, inevitável porque os sistemas de
linguagem tendem a ser tão diferentes que não permitem a produção de réplicas exatas na
43
maioria dos casos, ao mesmo tempo em que ressalta que tanto a naturalidade quanto a
precisão na tradução são importantes.
Ainda segundo a autora, se a colocação na LO reflete uma cultura desconhecida na
LA, este é um outro motivo para o tradutor ficar na difícil dúvida entre optar pela naturalidade
ou pela precisão da colocação. Baker (1992: 61) critica os tradutores que optam pela precisão
do significado acima de tudo, especialmente quando as colocações na LO podem soar
estranhas para o leitor da LA.
A autora aponta que combinações incomuns de palavras são algumas vezes usadas no
TO a fim de criar novas imagens, acrescentando que, idealmente, a tradução de uma
colocação marcada deverá ser similarmente marcada na LA. Entretanto, estará sujeita a
restrições da LA e à finalidade da própria tradução. A autora mostra como um tradutor lidou
com a tradução de uma colocação marcada em inglês para o francês. O texto que utiliza como
exemplo foi retirado de um jornal bilíngüe publicado no Canadá (LANGUAGE AND
SOCIETY apud BAKER, 1992: 61):
8
TO: Canada has chosen to ‘entrench’ its dual cultural heritage in its
institutions and, as a result, official translation has taken firm root.
TA: Canada a choisi «d’enchasser» - le mot est hélas! à la mode
son double héritage culturel dans ses institutions et la traduction
officielle y est, par conséquent, solidement enracinée.
Baker (1992: 62) aponta que o leitor do TO está consciente do desejo do autor de
comunicar uma imagem não comum através das aspas em “entrench” e que, no caso do TA, a
colocação marcada é ainda enfatizada com o uso de uma interjeição pelo tradutor (le mot est
hélas! à la mode").
8
LANGUAGE AND SOCIETY, n. 15, 1985, p. 8.
44
2.2.2 Os problemas causados na tradução pelas expressões idiomáticas e expressões fixas
Segundo Baker (1992: 63-64), as expressões idiomáticas e as expressões fixas são
modelos de linguagem que permitem pouca ou nenhuma variação na forma. Por exemplo, em
uma expressão idiomática, o autor ou locutor não pode, geralmente, a não ser que queira fazer
uma brincadeira, mudar a ordem das palavras, omitir ou adicionar uma palavra, substituir uma
palavra por outra ou mudar a estrutura gramatical. A autora frisa que as expressões fixas,
como o próprio nome sugere, assim como os provérbios, permitem pouca ou nenhuma
variação na forma.
As principais dificuldades que as expressões idiomáticas e as expressões fixas podem
apresentar para o tradutor se referem à habilidade deste de reconhecê-las e interpretá-las
corretamente. Essas dificuldades ocorrem com muito mais freqüência com as expressões
idiomáticas do que com as expressões fixas (BAKER, 1992: 65).
A primeira dificuldade do tradutor em relação à expressão idiomática é ser capaz de
identificá-la como tal, o que geralmente não é tão óbvio. As expressões idiomáticas
facilmente identificadas como tais são aquelas que contradizem a realidade, como it’s
raining cats and dogs”, ou que não seguem regras gramaticais, como “blow someone to
kingdom come”, ou, em inglês, que começam com like”, como like water off a duck’s
back”. Baker (1992: 65) conclui que, quanto mais difícil for entender a expressão, e quanto
menos sentido fizer em um determinado contexto, maior é a chance de o tradutor reconhecê-la
como uma expressão idiomática.
Baker (1992: 66) afirma que há dois casos em que é fácil entender mal uma expressão
idiomática: quando parece transparente porque oferece uma interpretação literal razoável e
seu significado idiomático não é necessariamente sinalizado no texto. Muitas expressões
idiomáticas em inglês têm tanto um significado literário quanto idiomático, por exemplo, go
45
out with e take someone for a ride”. Essa ambigüidade permite que falantes da LO
brinquem com os significados das expressões. Para a autora, o tradutor que não conhece a
expressão idiomática pode somente enxergar o seu significado literal, deixando de perceber a
brincadeira nela contida.
O outro caso em que uma expressão idiomática pode ser mal entendida é quando a LA
tem uma expressão que parece equivalente a ela, na LO, mas, na realidade, possui um
significado total ou parcialmente diferente (BAKER, 1992: 66-67). A autora cita, entre alguns
exemplos, a expressão to pull someone’s leg, que pode ser confundida com uma expressão
que parece similar, usada em diversos dialetos árabes: “yishab rijlu”. Diferentemente da
expressão to pull someone’s leg”, a expressão árabe quer dizer enganar uma pessoa para que
diga algo que preferiria guardar em segredo.
Depois que o tradutor consegue interpretar uma expressão idiomática ou uma
expressão fixa, o passo seguinte é saber como traduzi-las. As principais dificuldades nessas
traduções podem ser resumidas, segundo Baker (1992: 68-71), da seguinte forma:
a) uma expressão idiomática ou expressão fixa pode não ter nenhum equivalente na
LA;
b) uma expressão idiomática ou expressão fixa pode ter um equivalente na LA, mas
seu contexto de uso pode ser diferente; as duas expressões podem ter conotações
diferentes, por exemplo, ou podem não ser pragmaticamente transferíveis;
c) uma expressão idiomática pode ser usada na LO tanto no seu sentido literal quanto
no seu sentido idiomático, ao mesmo tempo, portanto, a brincadeira com a expressão
pode não ser bem reproduzida no TA;
d) a convenção do uso de expressões idiomáticas no discurso escrito, os contextos nas
quais podem ser usadas, e a sua freqüência de uso podem ser diferentes na LO e na
46
LA. Baker (1992: 71) explica que o inglês usa expressões idiomáticas em quase todos
os tipos de textos. As línguas árabe e chinesa fazem uma clara distinção entre o
discurso oral e o discurso escrito e tendem a evitar o uso de expressões idiomáticas em
textos escritos.
2.2.3 As estratégias para a tradução de expressões idiomáticas e expressões fixas
Baker (1992: 72) apresenta algumas estratégias para solucionar os problemas causados
pela não-equivalência das expressões idiomáticas e das expressões fixas, mas enfatiza que a
aceitabilidade ou não de seus usos depende do contexto no qual são traduzidas, e acrescenta
que questões de estilo, registro e efeito retórico também devem ser levadas em conta.
2.2.3.1 Uso de uma expressão idiomática de forma e significado similares
O uso de uma expressão idiomática de forma e significado similares é uma estratégia
que envolve o uso de uma expressão idiomática na LA que transmita aproximadamente o
mesmo significado da expressão idiomática na LO e que também consista de itens lexicais
equivalentes. O exemplo oferecido pela autora foi retirado do texto A Hero from Zero (p. 21
apud BAKER, 1992: 72-73):
TO: The Sultan’s magnificent income was distributed impulsively at
his command. The rain fell on the just and on the unjust.
TA: Le revenue fabuleux du Sultan était distribué sur un simple ordre
de sa part. La pluie tombait aussi bien sur les justes que sur les
injustes.
47
TA (traduzido do francês para o inglês): The fantastic income of the
Sultan was distributed on a simple order on his part. The rain was
falling on the just as well as on the unjust.
2.2.3.2 Uso de uma expressão idiomática de significado similar, mas de forma diferente
De acordo com Baker (1992: 74), geralmente é possível achar uma expressão
idiomática ou expressão fixa na LA que pode ter um significado semelhante àquela da LO,
mas que contenha itens lexicais diferentes. A autora fornece o seguinte exemplo (BAKER,
1992: 74):
TO: (Masters of the Universe): Feel the force of my fist, frozen fiend!
TA: Dir werde ich einheizen, du Scheusal!
TA (traduzido do alemão para o inglês): I will make things hot for you,
monster!
2.2.3.3 Tradução por paráfrase
Segundo Baker (1992: 74), a tradução por paráfrase é a maneira mais comum de se
traduzir expressões idiomáticas quando não é possível uma equivalência na LA, ou quando
parece inapropriado usar uma linguagem idiomática na LA por causa de diferenças nas
preferências estilísticas entre a LO e a LA. A autora fornece o seguinte exemplo (BAKER,
1992: 76-77):
TO (Language and Society, no. 16 (1985), p. 4 apud BAKER, 1992:
76-77): One frequent criticism of the Manitoba Government
throughout the language controversy was that it never seemed to get a
handle on the issue.
48
TA: Tout au long de la controverse linguistique, on reprocha
fréquemment au gouvernement du Manitoba de ne pas réussir, selon
toute apparence, à maîtriser la situation.
TA (traduzido do francês para o inglês): For the whole length of the
linguistic controversy, the government of Manitoba was reproached
frequently for not succeeding, by all appearances, in mastering the
situation.
2.2.3.4 Tradução por omissão
Baker (1992: 77) explica que, assim como acontece com palavras isoladas, uma
expressão idiomática pode ser omitida totalmente no TA porque, simplesmente, não há um
equivalente próximo para ela ou o seu significado pode não ser parafraseado facilmente, ou
por questões de estilo. A autora cita um outro texto de A Hero from Zero (p. vi apud BAKER,
1992: 77):
TO: It was bitter, but funny, to see that Professor Smith had doubled
his own salary before recommending the offer from Fayed, and added
a pre-dated bonus for good measure.
TA (traduzido do árabe para o inglês): It was regrettable, even funny,
that Professor Smith had been able to double his salary twice before
offering his recommendation to accept Fayed’s offer, and that he
added to this a bonus, the date of which had been previously decided
on.
2.2.3.5 Tradução pela compensação
A estratégia da compensação, segundo Baker (1992: 78), significa, resumidamente,
que o tradutor pode omitir um elemento do TO no ponto onde ocorre e introduzi-lo em algum
outro ponto no TA. A autora elucida que esta estratégia não se limita a expressões idiomáticas
ou expressões fixas, mas pode ser usada também para compensar qualquer perda de
49
significado, força emocional, ou efeito estilístico que não pode ser reproduzido diretamente
em um determinado ponto do TA.
A autora não cita exemplos para essa estratégia, por considerar que isto ocuparia muito
espaço. De fato, o próprio tema da estratégia da compensação abre caminho para muitas
discussões e diferentes visões. Harvey
9
(1995 apud HARVEY, 1998: 39) discute as opiniões
de outros estudiosos sobre a compensação tais como Hatim e Mason
10
(1990: 202 apud
HARVEY, 1998: 39), e diz que esses autores consideram que mais importante do que onde
exatamente a impressão é transmitida no TA é até que ponto a equivalência é transmitida. Já
Newmark
11
(1998: 90 apud HARVEY, 1998: 39) é mais específico ao sugerir que a
compensação ocorra perto do ponto da perda. Por causa desses diferentes pontos de vista,
Harvey (1995 apud HARVEY, 1998: 39) apresenta sinteticamente três características da
compensação de maior importância em relação à ocorrência da perda, dentre outras possíveis:
compensação paralela (parallel); compensação contígua (contiguous); e compensação
deslocada (displaced).
Harvey (1998: 38) ressalta que estudiosos que tentaram definir a compensação com
mais rigor, alguns deles sendo Hervey e Higgins (1992: 34-40 apud HARVEY, 1998: 38), que
distinguem quatro categorias de compensação: compensação pelo tipo (compensation in kind),
onde diferentes elementos lingüísticos são empregados no TA a fim de recriarem um efeito do
TO; compensação pelo deslocamento (compensation in place), onde o efeito no TA está em
um lugar diferente daquele do TO; compensação pela junção (compensation by merging),
onde as características do TO são condensadas no TA; e compensação pela separação
(compensation by splitting), onde o significado de uma palavra do TO tem de ser expandido
em um trecho mais longo do TA.
9
HARVEY, K. A Descriptive Framework for Compensation. In: The Translator 1 (I) 1995, p. 65-86.
10
HATIM, B.; MASON, I. Discourse and the Translator. London and New York: Longman, 1990.
11
NEWMARK, Peter. A Textbook of Translation. New York; London: Prentice Hall, 1988.
50
2.3 Equivalência gramatical
Fazendo uma abordagem geral sobre as dificuldades impostas à tradução ao nível
gramatical, Baker (1992: 83-87) aponta que as diferenças nas estruturas gramaticais entre a
LO e a LA geralmente resultam em alguma mudança no conteúdo de informação da
mensagem durante o processo tradutório. Isto pode acontecer quando a LA tem uma categoria
gramatical não existente na LO. Outro problema é quando detalhes que são deixados de lado
na LO têm de ser especificados na LA.
Segundo a autora (BAKER, 1992: 86), a mudança no conteúdo de informação da
mensagem pode ocorrer sob a forma da omissão de informações especificadas no TO. Se a
LA não possui uma categoria gramatical que existe na LO, a informação expressa por aquela
categoria talvez tenha de ser abandonada. Baker cita Jakobson quando este autor afirma que
“a ausência de certos processos gramaticais na linguagem para a qual se traduz nunca
impossibilita uma tradução literal da totalidade da informação conceitual contida no original”
(JAKOBSON, 1974: 67), mas a autora ressalta que, na prática, essa ausência pode tornar a
tradução muito difícil (BAKER, 1992: 86-87).
Jakobson (1974: 68) também afirma que “é mais difícil permanecer fiel ao original
quando se trata de traduzir, para uma língua provida de determinada categoria gramatical, de
uma língua carente de tal categoria”, e que “quanto mais rico for o contexto de uma
mensagem, mais limitada será a perda de informação” (JAKOBSON, 1974: 69). O autor
acrescenta:
Em sua função cognitiva, a linguagem depende muito pouco do sistema gramatical,
porque a definição de nossa experiência está numa relação complementar com as
operações metalingüísticas o nível cognitivo da linguagem não admite mas
exige a interpretação por meio de outros códigos, a recodificação, isto é, a tradução.
A hipótese de dados cognitivos inefáveis ou intraduzíveis seria uma contradição nos
termos.
(JAKOBSON, 1974: 70)
51
Baker (1992: 87-110) mostra os tipos de dificuldades que os tradutores geralmente
encontram por causa das diferenças nas estruturas gramaticais entre a LO e a LA e as decisões
que tomam para solucionar o problema, analisando, separadamente, as principais categorias
gramaticais: número, gênero, pessoa, tempo verbal e aspecto, e voz.
2.3.1 Número
Nem todas as línguas utilizam numerais ou a flexão de número, e nem todas os
utilizam da mesma forma. Baker (1992: 87) esclarece a questão exemplificando como é feita a
distinção entre plural e singular em algumas línguas. O inglês, diz a autora, faz a distinção
numérica morfologicamente, adicionando um sufixo a um substantivo ou mudando a forma do
substantivo para uma outra diferente para indicar o singular ou plural, como, por exemplo,
student-students”; child-children”. Outras línguas, explica a autora, como a japonesa, a
chinesa e a vietnamita, preferem expressar a mesma noção numérica lexicalmente ou, na
maioria das vezes, nem a expressam, ou seja, a forma de um substantivo nessas línguas,
geralmente, não indica se está no singular ou no plural.
Baker (1992: 88-89) apresenta duas estratégias de solução para o tradutor que traduz
de uma língua que faz distinções numéricas para uma língua que não as faz: 1) omitir a
informação relativa do número ou 2) codificar essa informação por meio do léxico. A autora
mostra como essas duas estratégias foram usadas, respectivamente, em chinês e japonês:
TO: China’s Panda Reserves.
12
TA (traduzido do chinês para o inglês): China’s Panda Protection-
zone<s>.
13
12
Frase extraída do texto em inglês A World Wide Fund for Nature”, usado para acompanhar uma apresentação
de slide (apud BAKER, 1992: 88).
13
Baker (1992: 88) explica que o “s” entre colchetes não está especificado no TA, entretanto, não é rejeitado na
LA.
52
Sobre essa tradução, a autora comenta que o leitor fica sem saber se a China tem uma
reserva ou mais de pandas e acrescenta que os falantes de chinês e japonês não se preocupam
muito em estabelecer em cada caso se um ou mais de um determinado referente (BAKER,
1992: 88-89).
Abaixo, um exemplo em que o tradutor, ao traduzir do inglês para o japonês, optou por
adicionar uma palavra ao texto traduzido para especificar a pluralidade (BAKER, 1992: 89):
TO: The heads of the ministries created in 1869 were not directly
responsible for ‘advising and assisting’ (hohitsu) the emperor, though
they were to become so in 1889.
14
TA: (traduzido do japonês para o inglês): The head<s> of various
ministry<ies> created in Meiji 2nd are not directly responsible for
‘hohitsu’ the emperor.
A autora relata que a palavra japonesa que significa variousfoi incluída na tradução
para indicar que a referência é feita a mais de um ministério e, conseqüentemente, a mais de
um chefe do ministério. Baker (1992: 90) conclui sua abordagem sobre a tradução no nível da
informação numérica aconselhando os tradutores a terem cuidado para não especificar
desnecessariamente esse tipo de informação numa língua em que os numerais não sejam tão
relevantes, a não ser que o contexto exija essa especificação. Caso contrário, a tradução na LA
ficará estranha e nada natural.
2.3.2 Gênero
Baker (1992: 92) afirma que as distinções de gênero (feminino ou masculino) são mais
relevantes na tradução quando o referente do substantivo ou pronome é uma pessoa, e não um
14
TITUS, D. A. Palace and Politics in Prewar Japan. New York and London: Columbia University Press, 1974
(apud BAKER, 1992: 89).
53
animal ou um objeto inanimado, porque se pode acrescentar no TA elementos que qualificam
o gênero. Por exemplo, em francês, os artigos “la” e “une” seguidos do objeto “table
distinguem o substantivo como sendo do gênero feminino. Como as línguas diferem na
especificação do gênero dos elementos que se referem às pessoas a autora ilustra a questão
comparando o pronome pessoal em inglês they”, que pode se referir ao gênero masculino ou
feminino plural, com os pronomes pessoais em francês ils e elles”, o primeiro
especificamente para se referir ao gênero masculino plural e, o segundo, ao gênero feminino
plural —, a presença do gênero de referência humana no TO pode causar dificuldades para o
tradutor. Um dos exemplos apresentados pela autora consiste em uma frase em inglês como
parte das instruções de uso de um shampoo (do texto Kolestral Super”) que foi traduzida
para o árabe. As palavras que causaram problema estão sublinhadas no TO e as estratégias de
tradução usadas estão sublinhas no TA (BAKER, 1992: 92-93):
TO: Apply KOLESTRAL-SUPER directly onto the hair and massage
gently.
TA: (traduzido do árabe para o inglês): Kolestral-Super is put directly
on the hair and massaged with softness and gentleness.
A autora (1992: 93-94) explica que a distinção de gênero em árabe se aplica a segunda
e terceira pessoas, por isso “um falante ou escritor árabe precisa selecionar ‘you, masculine’
(anta) e ‘you, feminine’ (anti) no caso da segunda pessoa do singular.’” A dificuldade de
traduzir o texto acima para o árabe, com os verbos no imperativo, reside na necessidade de
escolher entre a forma masculina e feminina para cada verbo. Segundo Baker (1992: 94), o
gênero masculino na língua árabe pode funcionar de modo genérico, como ocorre com rias
outras línguas; entretanto, o produto que acompanha o texto das instruções é usado apenas por
mulheres. Assim, o uso do pronome masculino na tradução tornaria o texto marcantemente
direcionado para o público masculino. Contudo, é possível que o tradutor, segundo a autora
54
(1992: 94), não tenha optado por escolher a forma feminina porque esta poderia excluir, sem
necessidade, usuários masculinos em potencial. O tradutor usou a estratégia de evitar
especificar o gênero na tradução usando uma estrutura totalmente diferente: a voz passiva.
2.3.3 Pessoa
Baker (1992: 94-95) esclarece que, na maioria das línguas, os papéis dos participantes
estão sistematicamente definidos através de um sistema de pronomes que pode ser organizado
em várias dimensões. A autora dá exemplos de alguns pronomes adjetivos da língua russa e os
compara com os da língua inglesa:
O russo similarmente [a várias línguas faladas na América do Norte] usa uma forma
de pronomes adjetivos svoj (masculino), svoja (feminino), svojo (neutro), e svoi
(plural) para se referir a um participante já referido na mesma oração, mas, no russo,
isto não é restrito às formas da terceira pessoa; o participante referido pelo pronome
adjetivo pode ser de primeira, segunda ou terceira pessoa. Por exemplo, em I’m
meeting my teacher, my poderia ser traduzido por svoj ou svoja (dependendo do
gênero do substantivo que se segue). (BAKER, 1992: 95)
Além das variedades no sistema relativo à referência pessoal baseada no papel dos
participantes nas diferentes línguas, outras dimensões em que a referência se organiza,
como, por exemplo, na dimensão de número e de gênero, conforme ressalta a autora,
explicando que, em chinês, por exemplo, embora o número não seja uma categoria gramatical,
o sistema pronominal faz uma distinção numérica:
Wo I
Wo-men we
Ni You - singular
Ni-men you - plural
55
A autora elucida que a língua chinesa, entretanto, não faz distinção de gênero, e cita os
exemplos “Ta he/she/it”; “Ta-men they”.
O grau de formalidade também influencia o sistema de referência pessoal em muitas
línguas. O francês, por exemplo, usa o pronome pessoal vouspara mostrar formalidade e
tu” para mostrar informalidade; a italiana, lei (terceira pessoa do singular) voi
(segunda pessoa do plural) e tu”; a espanhola, ustede tu”; a alemã, Siee du”; a grega,
esi” e “esis”; e a russa, “vy” e “ty”, respectivamente (BAKER, 1992: 96).
Com frases extraídas de uma tradução francesa do romance de suspense Crooked
House
15
(1949 apud BAKER, 1992: 97), a autora exemplifica a dificuldade encontrada pelo
tradutor na hora de tomar decisões quando o TO apresenta dimensões não-explícitas. Segundo
a autora, o diálogo a seguir acontece entre um jovem casal que se tornou amigo há algum
tempo:
TO: Darling – don’t you understand? I’ve tried not to say I love you
— She stopped me.
I do understand Charles. And I like your funny way of doing things . . .
TA: (francês) Mais vous ne comprenez donc pas? Vous ne voyez donc
pas que je fais tout ce que je peux pour ne pas vous dire que je vous
aime et . . .
Elle m’interrompit.
J’ai parfaitement compris, Charles, et votre façon comique de
présenter les choses m’est très sympathique . . . (BAKER, 1992: 97)
O uso de vousna tradução francesa indica um grau de formalidade e de polidez que
não está claramente transmitido no TO, o que sugere que o tradutor francês teve de tomar uma
decisão consciente sobre a natureza do relacionamento das personagens na história (BAKER,
1992: 97).
15
CHRISTIE, A. The Crooked House. Tradução francesa de Michel Le Houie: La Maison biscornue, Paris:
Librairie Des Champs-Élysées, 1949, 1989.
56
2.3.4 Tempo e aspecto verbal
Baker (1992: 98-110) discute as dificuldades que os diferentes sistemas de tempo
(localização de um evento no tempo, geralmente no passado, no presente e no futuro) e
aspecto (distribuição temporal de um evento, por exemplo, se terminou ou não, ou se está em
transitoriedade) existentes entre as línguas podem causar ao tradutor. Segundo a pesquisadora,
esses sistemas, ou parte deles, em algumas línguas, podem ser precisamente representados na
localização ou distribuição temporal. Para esclarecer como o tempo e o aspecto podem ser
expressos com base nessa distinção, Baker mostra as peculiaridades do sistema em questão
em algumas línguas, dentre as quais destaco a balinesa:
Ao invés de indicar o passado, o presente e o futuro, cada referência do passado ou
do futuro é marcada para mostrar se o evento em questão é imediatamente
correlacionado ao presente, se é separado do presente por um período de tempo, mas
realizado no mesmo dia, ou se é separado do presente por pelo menos uma noite.
(1992: 98)
Enquanto umas línguas apresentam um sistema de categorização temporal ou de
aspecto mais complexo, outras não possuem um sistema formal, como a chinesa, a malaia e a
yurok. Nessas línguas, a referência temporal pode ser indicada através de várias partículas e
advérbios, como na frase em chinês ta xian-zai zai bei-jing gong-zuo que, traduzida
literalmente para o inglês, significa “he now in Peking work”, mas que, em inglês, se diria he
is working in Peking”. Portanto, se o advérbio o estivesse presente na frase chinesa, seria
necessário entender o contexto para saber qual o tempo da ação (BAKER, 1992: 99).
No exemplo da tradução chinesa apresentada abaixo, observa-se a estratégia da não-
conjugação dos verbos porque a menção do século já marca o tempo passado:
TO: Species like this mountain rhododendron were
collected by 19th
century botanists and then transported back to Europe for
horticultural collections.
57
TA (traduzido do chinês para o inglês): Species like this mountain
rhododendron collect<ed> by 19th century botanists and then
transport<ed> back to Europe for horticultural collections. (BAKER,
1992: 100)
2.3.5 Voz
Segundo Baker (1992: 102-110), traduzir textos que usam a categoria gramatical da
voz passiva ou da ativa requer discernimento por parte do tradutor para perceber se o TA deve
manter a forma existente no TO, ou se, ao contrário, deve substituir a voz passiva pela ativa,
ou vice-versa, dependendo da língua para qual está traduzindo assim como do estilo do texto
com que está trabalhando.
O uso da voz passiva, conforme a análise da autora, pode apresentar vários problemas
na tradução, dependendo da disponibilidade de estruturas similares, ou de estruturas com
funções similares, na LA. A autora elucida que as línguas que têm uma categoria de voz nem
sempre usam a passiva com a mesma freqüência; por exemplo, a língua alemã usa a voz
passiva com muito menos freqüência que a inglesa. A freqüência do uso da voz passiva
geralmente expressa uma escolha estilística e, em alguns casos, pode ser uma questão de pura
convenção. A autora lembra que a escrita científica e técnica em inglês, por exemplo, prefere
estruturas na voz passiva.
A autora esclarece ainda que, em alguns contextos, tradutores podem decidir substituir
estruturas passivas no TO por outras estilisticamente mais aceitas, como a ativa e a reflexiva
no caso da língua russa, por exemplo. Para ilustrar esse procedimento, destaco, abaixo,
trechos do texto em inglês Euralex Conference Circular (1987), apresentado por Baker
(1992: 104-105), e suas respectivas traduções em inglês, a partir das traduções feitas em
russo:
58
TO: Papers are invited for the EURALEX Third International
Congress [...]
TA: We invite you to take part in the Third International Congress of
EURALEX […]
TO: Papers are invited on all aspects of lexicography, theoretical and
practical, diachronic and synchronic. The main fields of interest
reflected in the Congress programme will be: […]
TA: The overall theme of the congress will include all the most
important aspects of lexicography. We intend to pay particular
attention to the following areas of lexicographical science: […]
TO: Abstracts (approximately 1,000 words) in any of the Congress
languages, English, French, German or Russian, should be sent to the
Lecture Programme Organizer, […]
TA: We ask for a short abstract of papers (up to 1000 words or up to
100 lines) by 15 November 1987, in any of the official languages of
the conference, i.e. Russian, English, French or German, to be sent at
the above address […]
TO: Any other correspondence should be addressed to the Congress
organizer, Ms Judit Zigany. […]
TA: We ask you to send further correspondence to Chief Editor Judit
Zigany. […]
Conforme aponta Baker (1992: 106-107), a principal função da voz passiva em inglês,
e em várias outras línguas, é evitar especificar o agente para dar uma impressão de
objetividade; entretanto, essa função não é necessariamente a mesma de todas as línguas que
têm a categoria de voz. Em algumas línguas, em especial a japonesa, a chinesa, a vietnamita e
a tailandesa, a principal função da voz passiva, ou de estruturas semelhantes, como no caso da
chinesa, é expressar adversidade. Nessas línguas, a tradição é usar a voz passiva para relatar
eventos infortunados.
Baker (1992: 108-109) mostra com alguns exemplos como os tradutores que
traduziram o TO em inglês para o chinês e para o japonês estão conscientes da diferença da
função da passiva em inglês e nas línguas-alvo, pois substituíram a voz passiva pela ativa no
59
TA para evitar conotações negativas. Apresento aqui um dos exemplos cujo TA é em japonês
e foi tirado do texto “A Study of Shamanistic Practices in Japan:
16
TO: . . . there is no barrier to be crossed, no mysteriously other kind
of being to be met and placated.
TA (traduzido do japonês para o inglês): There is no barrier that
<one> should go over, and <we> do not meet or placate a mysterious
different being.
2.4 Equivalência textual: estruturas de informação e tema
Baker (1992: 119) trata da ordem das palavras como estratégia textual e explora
inúmeras maneiras pelas quais o papel dessa ordem no controle do fluxo de informação pode
ser explicado. Diz que a oração como uma mensagem pode ser analisada em dois tipos de
estruturas: a temática e a informativa. Estas estruturas são tratadas separadamente pela
abordagem de Halliday.
17
Entretanto, lingüistas pertencentes à Escola de Praga geralmente
combinam as duas estruturas em uma mesma descrição (BAKER, 1992: 121). A autora
apresenta tanto a abordagem de Halliday quanto a abordagem da Escola de Praga nesse
capítulo, mas recomenda a leitura de Fries (1983)
18
para se obter uma boa noção de ambas.
2.4.1 A abordagem de Halliday
Segundo Baker (1992: 121-122), uma das maneiras de se explicar a organização
interativa das frases é sugerir que uma oração é composta de dois segmentos. O primeiro
16
BLACKER, C. The Catalpa Bow: a Study of Shamanistic Practices in Japan. London: George Allen &
Unwin, 1975.
17
Baker não referencia uma obra específica de Halliday. Em sua bibliografia, constam várias obras deste autor, o
que faz pensar que se trata de um estudo de todas essas obras.
18
FRIES, P. H. On the status of theme in English: arguments from discourse. In: J. S. Petöfi; E. Sözer (eds.).
Micro and Macro Connexity of Texts. Hamburg: Helmut Buske, 1983.
60
segmento é chamado de “tema”, que é o assunto da oração. Por exemplo, na frase Ptolemy’s
model provided a reasonably accurate system for predicting the positions of heavenly bodies
in the sky”, o tema é “Ptolemy’s model”. Na oração, o falante anuncia o tópico de sua
mensagem colocando-o em posição inicial.
O segundo segmento de uma oração é chamado de “rema”, que corresponde ao que o
falante diz sobre o tema; é o objetivo do discurso. Portanto, é o elemento mais importante na
estrutura da oração como uma mensagem porque representa a informação que o falante quer
transmitir para o ouvinte. Assim, o rema da frase acima é provided a reasonably accurate
system for predicting the positions of heavenly bodies in the sky”. A autora resume a
explicação desta classificação de organização frasal dizendo que, basicamente, toda a oração
tem a estrutura de uma mensagem: diz alguma coisa (rema) sobre alguma coisa (tema)
(BAKER, 1992: 122).
Baker (1992: 124) comenta que as noções de tema e rema podem ser usadas para
explicar a aceitabilidade de uma determinada seqüência e um determinado contexto,
ressaltando que, no contexto, a gramaticalidade não necessariamente assegura aceitabilidade e
coerência, ou seja, as orações de um texto podem estar corretas do ponto de vista gramatical,
mas não serem aceitáveis como um trecho de discurso.
Como as línguas podem apresentar diferentes estruturas temáticas, os tradutores,
segundo Baker (1992: 128-129), podem usar três estratégias principais:
a) preservar a estrutura temática do TO sem distorcer o conteúdo do TA. “Se os
elementos colocados na posição temática no TO podem ser facil e naturalmente
colocados na posição temática no TA, o método de desenvolvimento dos dois textos
será o mesmo ou muito similar”;
61
b) utilizar um método de desenvolvimento para o TA que mantenha um sentido de
continuidade caso a estrutura temática do TO não possa ser reproduzida de modo
natural no TA. Por exemplo, é gramaticalmente incorreto colocar verbos em inglês em
posição temática,
19
embora não o seja em árabe ou em espanhol;
c) utilizar o modelo da Escola de Praga (apresentado mais adiante), por considerar que
o modelo de análise temática de Halliday não se aplica à LA em hipótese alguma ou
não se aplica a algumas de suas estruturas frasais.
Baker informa que as noções de tema e rema podem ser muito úteis para as “estruturas
marcadas” (marked structures) e para as “estruturas não-marcadas” (unmarked structures).
Este aspecto particular de organização temática é de relevância especial na tradução porque
entendê-lo pode ajudar a aumentar a consciência de escolhas expressivas feitas por falantes e
escritores no curso da comunicação (BAKER, 1992: 129). A escolha temática envolve
selecionar um elemento da oração como tema. Os principais elementos da oração são: sujeito,
predicado, objeto, complemento e adjunto. Algumas escolhas são mais expressivas do que
outras porque são mais marcadas. Baker (1992: 130) exemplifica o assunto citando o caso da
posição dos adjetivos em inglês. Como vêm antes do substantivo, sua ocorrência nesta
posição tem pouco ou nenhum significado porque não é resultado de nenhuma escolha. Mas,
colocar um advérbio de tempo ou lugar em inglês, como todayou on the shelf”, no início
da oração, dá-lhe mais significado porque é resultado de uma escolha, já que há mais posições
onde pode ocorrer.
Baker também discursa sobre o grau de expectativa ou de falta de expectativa de uma
escolha. Quanto menos esperada for uma escolha, mais marcada será e mais significado terá;
quanto mais esperada for uma escolha, menos marcada será e menos significado terá. Por
19
No modelo de Halliday, o tema vem em posição inicial na oração (BAKER, 1992: 129).
62
exemplo, é possível, porém incomum, colocar um complemento em posição inicial em uma
oração em inglês, como em Beautiful were her eyes”, ao invés de Her eyes were beautiful”.
Um complemento é, portanto, altamente marcado na posição inicial e indica um esforço maior
e consciente do falante/escritor para realçar este elemento particular (BAKER, 1992: 130).
Baker (1992: 144-155) discorre sobre a estrutura da informação quanto ao que é
“novo” (new) e ao que é “dado” (given), alegando que a mensagem pode ser dividida em dois
segmentos: um segmento que transmite uma informação que o falante considera como de
conhecimento do ouvinte; e o segmento que transmite uma informação nova que o falante
deseja transmitir para o ouvinte. se pode decidir que parte de uma mensagem é “nova” e
que parte é “dada” dentro de um contexto lingüístico e situacional. Por exemplo, uma mesma
mensagem pode ser segmentada diferentemente em resposta a diferentes perguntas:
20
What’s happening tomorrow? We’re climbing Ben
Nevis.
NEW
What are we doing tomorrow? We’re climbing Ben
Nevis.
GIVEN NEW
What are we climbing tomorrow? We’re climbing Ben
Nevis.
GIVEN NEW
A organização da mensagem em unidades de informação “dado e “novo” —
reflete a sensibilidade do falante ao estado de conhecimento do ouvinte no processo de
comunicação. Baker (1992: 146-157) fornece inúmeros exemplos de como essas duas
unidades interagem, fazendo uma longa análise sobre as suas particularidades e funções na
oração, apoiando-se na abordagem de Halliday, e mostrando como são sinalizadas no
discurso, pois, segundo a autora, precisa-se de habilidade para determinar quando uma
20
Baker usou os exemplos de MORLEY, G. D. An Introduction to Systemic Grammar. Basingstoke: Macmillan,
1985, p. 75.
63
determinada informação pode ser considerada como “nova” ou “dada”, fator este que pode
causar problemas na tradução.
2.4.2 A abordagem da Escola de Praga
Baker (1992: 160) fala sobre a teoria FSP (functional sentence perspective) da Escola
de Praga, que avalia que uma mesma estrutura pode adquirir perspectivas diferentes,
dependendo do propósito da comunicação. Segundo a pesquisadora, essa teoria pode ser útil
para explicar a organização interativa das línguas, além do inglês, particularmente das línguas
livres ou relativamente livres de ordem de palavras. A intenção da autora é fornecer uma
ferramenta útil para os tradutores interessados em resolver ou, pelo menos, identificar,
problemas de tradução relativos ao fluxo da informação.
Jan Firbas (apud BAKER, 1992: 160-161),
21
um dos proponentes da abordagem da
teoria FSP, explica que a comunicação lingüística não é estática, mas um fenômeno dinâmico.
Essa é a noção do “dinamismo comunicativo” (communicative dynamism CD). Para Baker
(1992: 161-164), o pesquisador parece sugerir que o tema de uma oração consiste em itens
que dependem do contexto e, o rema, em itens que são independentes do contexto, e que o
tema normalmente antecede o rema. A autora exemplifica a abordagem do pesquisador
dizendo que, com exceção de contextos nos quais são apresentados de modo contrastivo, os
pronomes, sendo dependentes do contexto, sempre carregam um baixo grau de CD,
independentemente da ordem em que estejam na oração. Por exemplo, na oração I gave the
book to him ou I gave him the book”, him normalmente seria considerado, segundo a
abordagem de Firbas, item temático na teoria FSP. Da mesma forma, expressões definidas
seriam consideradas temáticas e as expressões indefinidas, remáticas na maioria dos
21
FIRBAS, J. On the interplay of prosodic and non-prosodic means of functional sentence perspective. In: V.
FRIED (ed.) The Prague School of Linguistics and Language Teaching. London: Oxford University Press, 1972.
64
contextos. A autora ilustra, a partir de uma adaptação dos exemplos de Firbars, a prioridade
dada ao contexto e não ao arranjo linear. Os elementos do rema estão sublinhados:
1) A heavy dew (Rh) had (TME) fallen (Th, TME).
2) The grass (Th) was (TME) blue (Rh).
3) Big drops (Rh) hung (TME) on the brushes (Th).
(Rh = rheme; TME = temporal modal exponent/transition; Th =
theme)
A autora conclui que a análise dos elementos da oração partindo da teoria FSP é
claramente uma tarefa complexa.
Para os teóricos da FSP, duas formulações alternativas de uma mesma mensagem
podem ter a mesma análise temática, segundo aponta Baker (1992: 165). A autora diz que, por
exemplo, as orações In China the book received a great deal of publicity e The book
received a great deal of publicity in Chinaseriam analisadas da mesma forma. “‘In China’
seria considerado remático em ambas as formulações (a não ser que ênfase seja dada para
marcar a diferença eu seu estado temático/remático)”, e conclui que “‘In China seria
considerado rema no segundo exemplo e tema marcado (marked theme) no primeiro
exemplo”.
A teoria FSP também aborda a tensão entre a ordem das palavras e sua função
comunicativa. “De acordo com os estudiosos da teoria FSP, as restrições impostas à ordem
das palavras em várias línguas resultam em um arranjo linear que pode ou não coincidir com
o arranjo interpretativo de uma elocução”, afirma Baker (1992: 166). A autora diz também
que, em termos gerais, a visão dessa abordagem implica dizer que, em línguas com uma
ordem de palavras relativamente livre, haverá menos tensão entre as exigências da sintaxe e
daquelas da função comunicativa. Por outro lado, em línguas com uma ordem de palavras
relativamente fixa, haverá mais exemplos de tensão entre a sintaxe e a função comunicativa.
65
2.4.2.1 Estratégias para minimizar o deslocamento linear
Para minimizar a tensão entre a sintaxe e a função comunicativa na tradução e na
aprendizagem de línguas, Baker apresenta algumas estratégias baseadas nas seguintes fontes:
Johns (1991)
22
e Papegaaij e Schubert (1998).
23
As estratégias são: mudança de voz,
mudança de verbo, substantivação e extraposição, as quais serão discutidas abaixo.
2.4.2.1.1 Mudança de voz
Segundo Baker (1992: 167), a estratégia da mudança de voz implica na mudança da
forma sintática do verbo para alcançar uma seqüência diferente de elementos. Um bom
exemplo desta estratégia se dá em línguas com uma categoria de voz. A autora apresenta um
exemplo fornecido por Johns (1991 apud BAKER, 1992: 167), no qual foi aplicada a
estratégia de mudar a voz ativa pela voz passiva, e assinala que o reverso é também possível.
O TO é de uma revista em língua portuguesa
24
e foi traduzido para o inglês. Abaixo da oração
do TO, a autora mostra como seria a tradução sem deslocamento linear. Dou diferentes
destaques aos fragmentos das orações no TO e na versão traduzida sem o deslocamento linear
para que a comparação paralela seja mais bem visualizada:
TO: Neste trabalho são apresentadas observações fenológicas sobre
Magonia pubescens St. Hil.
In this work are presented observations phenological about Magonia
pubescens St. Hil.
TT: This paper reports observations about the phenology of Magonia
pubescens St. Hil.
22
JOHNS, T. It is presented initially: linear dislocation & interlanguage strategies in Brazilian academic
abstracts in English and Portuguese, mimeograph, University of Birmingham, 1991.
23
PAPEGAAIJ, B.; SCHUBERT, K. Text Coherence in Translation. Dordrecht: Foris, 1998.
24
Ciência e Cultura 32, 7 (1980), 936.
66
2.4.2.1.2 Mudança de verbo
Conforme Baker (1992: 168), a estratégia da mudança de verbo envolve substituir o
verbo por um outro que tenha um significado similar, mas que possa ser usado em uma
configuração sintática diferente. A autora como exemplos dois pares de verbos usados em
perspectivas diferentes em inglês: give/get e like/please. “Isto geralmente permite reordenar a
seqüência de elementos em uma oração sem uma importante mudança de significado (cf. I like
it e It pleases me)”, conclui.
A autora acrescenta que não pode apresentar exemplos para essa estratégia por não ter
encontrado nenhum, explicando que tradutores relutam em usá-la, o que é compreensível para
ela, pois expressões como I like it e It pleases me são “equivalentes” somente na teoria.
Conforme suas palavras, “na vida real, uma das opções — neste caso, It pleases me — tende a
não ser nada natural” (BAKER, 1992: 168). No entanto, a autora diz existirem alternativas
mais naturais, como, por exemplo, pares do tipo I bought it from Johne John sold it to
me”, ou “I received/got a letter from John” e “John sent me a letter” (1992: 169).
2.4.2.1.3 Substantivação
Baker (1992: 169) começa apresentando a seção em que trata da estratégia da
substantivação argumentando que algumas línguas permitem a ordem verbo + sujeito e que,
se o tradutor desejar manter esta organização temática e, ao mesmo tempo, aderir a uma
ordem obrigatória de sujeito + verbo na LA, a substantivação pode provavelmente
proporcionar uma boa estratégia em muitos contextos. A autora explica que “a substantivação
consiste em substituir uma forma verbal por uma nominal, por exemplo, describe
description’”. A autora oferece um exemplo em português com a ordem verbo + sujeito e,
novamente aqui, mostra como seria a tradução em inglês sem deslocamento linear:
67
TO: Estudou-se o comportamento de Drosophila sturtevanti.
Were-studied
25
the behaviour of Drosophila sturtevanti.
A seguir, a autora mostra como a frase em português poderia ser traduzida para o
inglês:
TT: A study was carried out of the behaviour of . . .
A autora também não encontrou nenhum exemplo para essa estratégia, talvez pelo fato
de os tradutores, segundo seu entendimento, não a reconhecerem como uma opção viável de
solução entre sintaxe e função comunicativa, o que não significa que não seja mesmo viável,
mas apenas que tem sido deixada de lado.
A autora aponta que a substantivação oferece uma maneira de apresentar a informação
a partir de uma perspectiva similar àquela existente no texto em português e acrescenta que
isto não é uma questão de se aderir à estrutura do TO para a preservação de sua forma. A
colocação dos verbos em posição inicial no texto em português é, segundo a pesquisadora,
uma ordenação particularmente adequada para reportar pesquisa acadêmica e métodos
científicos (BAKER, 1992: 171).
2.4.2.1.4 Extraposição
A extraposição diz respeito à mudança da posição de uma oração inteira dentro da
frase através, por exemplo, da inserção de uma oração simples em uma frase complexa. Esta é
uma estratégia que, segundo Baker (1992: 171), resolve a tensão entre a ordem das palavras e
25
Provavelmente, a autora se equivocou ao escolher o verbo no plural were para se referir ao substantivo
singular “the behavior”, sendo o certo, a meu ver, o verbo no singular: Was-studied the behavior . . .”
68
a função comunicativa, já que dá mais liberdade ao tradutor na reestruturação do texto.
Entretanto, para a autora, a maioria dos tradutores prefere priorizar os princípios sintáticos da
LA a priorizar a estrutura comunicativa do TO. Contudo, a autora enfatiza que, de um modo
geral, a estratégia não parece interferir com o fluxo natural de informação no TA e, para
reforçar sua afirmativa, apóia-se nos estudos de Johns (1991): “Em seu estudo das versões em
português e em inglês dos resumos acadêmicos brasileiros, Johns (1991: 6 apud BAKER,
1992: 171) descobriu que abandonar a organização temática da LO, no caso do português,
‘geralmente produz um texto em inglês perfeitamente aceitável’”.
A autora afirma que também não encontrou exemplos claros dessa estratégia em
traduções autênticas, mas assinala que o tradutor não pode sempre seguir a organização
temática do TO, e que o importante é o TA ter alguma organização temática própria, fluir
naturalmente, não deturpando a informação do TO, preservar, onde for possível, qualquer
ênfase especial no TO e manter um ponto de vista coerente (BAKER, 1992: 172).
2.5 Equivalência textual: coesão
No capítulo da “equivalência textual: coesão”, a autora discute as dificuldades e
estratégias de tradução ao nível do texto, focando a coesão que, segundo ela, corresponde à
rede de relações lexicais, gramaticais, entre outras, que ligam as várias partes do
texto. Essas relações ou laços se organizam e, até certo ponto, criam um texto, por
exemplo, exigindo que o leitor interprete palavras e expressões através da referência
a outras palavras e expressões nas frases e parágrafos vizinhos (BAKER, 1992:
180).
A autora analisa a questão da coesão textual concentrando-se nos cinco principais
mecanismos que a compõem, identificados por Halliday e Hasan (1976 apud BAKER, 1992:
69
180),
26
a saber: referência, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical. Nas sub-seções
abaixo, farei uma breve exposição desses mecanismos.
2.5.1 Referência
Conforme explica Baker (1992: 181), a referência corresponde à relação de identidade
que se mantém entre duas expressões lingüísticas. Por exemplo, em Mrs. Thatcher has
resigned. She announced her decision this morning”, o pronome she refere-se à pessoa
Mrs. Thatcher”. Os itens de referência mais comuns em inglês e em várias outras línguas são
os pronomes. E além dos pronomes pessoais, o inglês também usa outros itens tais como
the”, this e those”, para estabelecer ligações similares entre expressões em um texto,
como em “Mrs. Thatcher has resigned. This delighted her opponents”.
Baker (1992: 183-185) compara as referências feitas em um texto em inglês e um texto
em português para mostrar que existem diferentes preferências entre as línguas para padrões
de referência. Aponta que, diferentemente do inglês, que tende a usar muito a referência
pronominal, o português brasileiro geralmente parece favorecer a repetição lexical e o
português flexiona verbos para pessoa e número. Este recurso gramatical fornece um meio a
mais de se relacionar processos e ações a participantes específicos sem o uso de pronomes
independentes.
26
HALLIDAY, M. A. K.; HASAN, R. Cohesion in English. London and New York: Longman, 1976.
70
2.5.2 Substituição e elipse
De acordo com Baker (1992: 187), a substituição e a elipse correspondem a relações
gramaticais. Na substituição, um item, ou mais, é ou são substituído(s) por um outro ou por
vários. Itens em inglês que comumente fazem essa substituição são do”, onee the same”,
como na frase apresentada por Halliday e Hasan (1976: 89; 105 apud BAKER, 1992: 187):
You think Joan already knows? — I think everybody does.” “Does” substitui “knows”.
A elipse, por sua vez, envolve a omissão de um item, ou seja, não a substituição de
um item. Algo não é dito porque é subentendido, como no exemplo de Halliday e Hasan
(1976: 143 apud BAKER, 1992: 186-187): Joan brought some carnations, and Catherine
some sweet peas.” O item da elipse aqui é “brought”.
Para mostrar como a substituição e a elipse são usadas para coesão textual, Baker
(1992: 188-189) compara um texto em árabe
27
(TO) e em inglês (TA). Ao fazer a análise dos
textos, Baker (1992: 190) relata que o inglês, como na maioria das línguas, tenta ao máximo
reduzir a ambigüidade ao se referir a participantes e, ao contrário do árabe, faz muito pouco
uso de distinção em termos de número, gênero e concordância verbal. Por isso, a repetição
lexical é uma repetição muito mais segura em casos onde a ambigüidade de referência pode
surgir e em contextos que não toleram ambigüidade em geral e, especialmente, ambigüidade
de referência.
Ainda comentando sobre o texto árabe e a sua tradução em inglês, Baker (1992: 190)
diz que o texto árabe faz uso considerável da referência pronominal e que não nenhum
exemplo de referência pronominal no texto em inglês. Acrescenta que, além da repetição
lexical, a versão inglesa também usa a substituição para estabelecer ligações coesivas, como
27
O texto é parte de um documento que explica procedimentos de arbitragem no Centro Internacional para
Arbitragem no Cairo (BAKER, 1992: 188).
71
neste trecho do texto destacado pela autora: if the nominated authority declines to appoint an
arbitrator or is unable to nominate one”.
2.5.3 Conjunção
Baker (1992: 190-191) considera que a conjunção corresponde ao uso de marcadores
formais para relacionar frases, orações e parágrafos entre si. A conjunção assinala a maneira
como o escritor quer que o leitor relacione o que está prestes a ser dito com o que foi dito
anteriormente. A conjunção pode expressar algumas relações gerais, as principais sendo as
aditivas (and, besides etc.), as adversativas (but, yet, however etc.), as causais (so,
consequently, because etc.), as temporais (then, next, after that etc.), e as continuativas (now,
of course, well etc.).
Baker (1992: 192-193) lembra que as línguas variam muito no tipo de conjunções que
preferem usar, assim como na freqüência com a qual as usam. Observa que algumas línguas,
tal como a alemã, tendem a expressar relações através da subordinação e estruturas
complexas. Outras, tais como a chinesa e a japonesa, preferem usar estruturas mais simples e
curtas e marcar as relações entre essas estruturas onde explicitamente necessário. Uma
diferença notável no uso de conjunções que é bem documentada na literatura é aquela entre o
inglês e o árabe. Comparado ao árabe, o inglês prefere apresentar informações em trechos
relativamente pequenos e sinalizar a relação entre esses trechos de forma que não haja
ambigüidade, usando uma grande variedade de conjunções para marcar relações semânticas
entre as orações, as frases e os parágrafos. O árabe tende a usar um número relativamente
pequeno de conjunções, cada qual com uma variedade enorme de significados que dependem
de suas interpretações no contexto. Assim sendo, cabe ao leitor ter a habilidade de deduzir
relações que são somente vagas alusões feitas pelo escritor.
72
Para ilustrar seus apontamentos, Baker (1992: 193-194) apresenta um texto em inglês
traduzido para o árabe. O TO não usa nenhuma conjunção, mas conta com os mecanismos da
pontuação. A versão traduzida está mais de acordo com as normas de coesão da língua árabe
do que com as da língua inglesa. Analisando a tradução, a autora conclui que as conjunções
incluídas, tipicamente usadas no discurso árabe, tornam o texto mais fácil (“smooth”). Por
causa dessa característica particular da língua árabe, a autora faz as seguintes perguntas:
Devido à maior generalidade semântica das típicas conjunções árabes, o que um
tradutor árabe faz ao encontrar várias conjunções explícitas no TO? A preferência
deve ser dada à produção de um texto fácil (“smooth”) com conjunções típicas,
porém semanticamente menos precisas, ou o tradutor deve dar prioridade ao
‘significado’, optando por um conjunto de conjunções igualmente variável com
significados precisos? (grifo da autora)
Baker (1992: 194) responde a essas questões, afirmando que o que acontece na prática
é geralmente algo entre os dois extremos e que a maioria dos tradutores irá tentar fazer um
pouco de cada.
2.5.4 Coesão lexical
A coesão lexical, segundo Baker (1992: 202), corresponde ao papel interpretado pela
seleção de vocabulário na organização de relações dentro de um texto. Ao encontrar um
pronome tal como he ou she”, o leitor automaticamente procura seu referente no texto,
mas não irá automaticamente procurar uma ligação entre um item como “socialismo” e outros
itens, como no texto abaixo:
28
Ready suppliers of fun throughout the thirties and forties were the decadent pseudo-
sovereign regimes of the West. More recently people have turned East for their
targets, reflecting the new contact with communist countries and also the growing
28
KISHTAINY, K. Arab Political Humour. London: Quartet Books, 1985.
73
disenchantment with socialism (KISHTAINY, sobrecapa, apud BAKER, 1992:
202).
Baker (1992: 202-203) explica que é possível reconhecer um tipo de cadeia lexical que
une socialism com comunism e East”, de tal forma que se pode dizer que a coesão
lexical cobre qualquer caso no qual o uso de um item lexical lembre o sentido de um item
anterior.
Para Baker (1992: 207), a falta de equivalentes irá, algumas vezes, exigir que o
tradutor recorra a estratégias tais como o uso do hiperônimo, da paráfrase ou do empréstimo,
o que naturalmente resulta em produzir cadeias lexicais diferentes no TA. Da mesma forma, a
estrutura gramatical da LA pode exigir que o tradutor adicione ou retire informações e
reescreva partes do TO de formas diversas.
Entretanto, a autora explica que qualquer que seja o problema gramatical ou lexical
encontrado na tradução, e quaisquer que sejam as estratégias usadas, um bom tradutor tem de
se certificar de que, no final, o TA mostra um nível suficiente de coesão lexical, pois, apesar
das mudanças, o tradutor deve sempre evitar produzir o que parece ser uma coleção de itens
aleatórios que não fazem sentido na cadeia lexical de um texto. Afirma também que, além dos
mecanismos discutidos por Halliday e Hasan (1976 apud BAKER, 1992: 211) para se
alcançar coesão (referência, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical), outros podem
existir, como, por exemplo, o uso da continuidade do tempo verbal, da consistência de estilo,
e da pontuação adequada.
74
2.6 Equivalência pragmática
Baker (1992: 217) aponta que, ao se analisar como um texto vem a fazer sentido para
um determinado grupo de leitores, o que se está buscando é algo além do vel textual de unir
frases e parágrafos e da identificação de várias características textuais. Na verdade, está-se
buscando entender como as elocuções são usadas em situações comunicativas e como se
procura entendê-las em um contexto área de estudo a qual se denomina “pragmática”.
Baker (1992: 217) define a pragmática “como o estudo da língua em uso, o estudo do
significado, não da maneira gerada pelo sistema lingüístico, mas da maneira transmitida e
manipulada pelos participantes de uma situação comunicativa”.
Baker (1992: 217-254) foca dois elementos essenciais da área de estudo da pragmática
para ajudar a explorar os pontos de dificuldades em uma comunicação intercultural: a
coerência e a implicatura, as quais serão discutidas nas sub-seções abaixo.
2.6.1 Coerência
Baker (1992: 218) começa sua abordagem do tema coerência X coesão comparando os
dois conjuntos de relações e afirmando que ambos se organizam de modo a criar um texto. No
caso da coesão, os trechos das línguas são ligados entre si por meio de dependências lexicais e
gramaticais. No caso da coerência, eles são ligados por meio de dependências de significado e
de conceitos tal como percebidos pelos usuários da língua.
Para explicar que a coerência de um texto é resultado da interação entre o
conhecimento apresentado no texto e o conhecimento de mundo adquirido pelo leitor, este
último influenciado por uma variedade de fatores tais como idade, sexo, raça, nacionalidade,
educação, ocupação e afiliações políticas e religiosas, Baker (1992: 219) esclarece que
75
diferentes sociedades, indivíduos e grupos de indivíduos dentro de uma mesma sociedade têm
experiências distintas do mundo, assim como distintos pontos de vista sobre a organização das
situações. “Uma rede de relações que é válida e faz sentido em uma sociedade pode não ser
válida em uma outra”, assinala a autora.
Dizer se um texto é ou não coerente depende da habilidade do leitor de entendê-lo ao
relacioná-lo com o que conhece ou com um mundo familiar, real ou fictício, conforme
sugere Baker (1992: 221). Um texto que é coerente para um leitor pode não sê-lo para outro, o
que leva Baker (1992: 222) a concluir que a bagagem cultural e intelectual do leitor é que
determina o quanto de sentido ele irá obter do texto e que, portanto, a coerência não é uma
característica do texto, pois depende do julgamento do leitor. Sendo assim, os escritores
autores escrevem suas mensagens de modo diverso, dependendo do tipo de público que têm
em mente, que pode ser composto de adultos ou crianças, especialistas ou não etc. Por isso, a
autora acredita que, como qualquer escritor, um tradutor deve estar ciente do nível de
conhecimento de seus leitores-alvo e das expectativas que provavelmente terão das coisas tais
como a organização do mundo, a organização da ngua em geral, a estrutura das relações
sociais etc. Todos esses fatores afetam a coerência de um texto “porque podemos entender
uma nova informação a partir de nosso próprio conhecimento, crenças e experiência prévia de
eventos lingüísticos e não-lingüísticos”, argumenta Baker (1992: 222).
2.6.2 Implicatura
Baker (1992: 223) afirma que a implicatura está na questão de como se pode entender
além do que está realmente dito e apóia-se na explicação de Grice
29
(1975 apud BAKER,
1992: 223) de que a implicatura se refere ao que o falante quer dizer ou sugere ao invés do
29
GRICE, H. P. Logic and conversation. In: COLE, L.; MORGAN, J. L. (eds) Syntax and Semantics, 3: Speech
Acts. New York: Academic Press, 1975.
76
que literalmente diz. Sendo assim, Baker (1992: 224) aborda a implicatura como sendo
inferências pragmáticas. Sob essa perspectiva, analisa pequenos diálogos, como o seguinte,
por exemplo:
A: Shall we go for a walk?
B: It’s raining.
E mostra como pode ser interpretado de diversas maneiras, dependendo do julgamento do
receptor da mensagem para entender o significado do que está implícito no contexto:
Como “A”, ou qualquer pessoa observando a cena, sabe relacionar a elocução It’s
raining um simples comentário sobre o tempo com a pergunta sobre dar um
passeio? Por que assumimos que It’s rainingsignifica a resposta para a pergunta?
[...] Como sabemos interpretar esta resposta? A resposta significa No, we’d better
not because it’s raining”, Ok, but we’d better take an umbrella”, ou Yes – we both
like walking in the rain”?
(BAKER, 1992: 224)
Portanto, conseguir perceber o que não foi dito em uma mensagem requer habilidade
do leitor/ouvinte para identificar as referências implícitas, assunto que continua a ser discutido
na seção que se segue.
2.6.3 Coerência, implicatura e estratégias de tradução
Baker (1992: 230) estende a sua análise às referências quando estas são participantes
ou entidades e comenta que a habilidade de identificá-las é essencial para se fazer inferências
e manter a coerência de um texto. Caso uma referência não seja entendida, ou não seja bem
interpretada, o leitor pode fazer associações erradas: “Um nome próprio ou mesmo uma
referência a um tipo de comida ou aparelho que seja desconhecido pelo leitor pode
interromper a continuidade do texto e obscurecer a relevância de qualquer afirmativa que seja
associada ao nome” (BAKER, 1992: 230).
77
Saber identificar uma referência é, para Baker (1992: 232), uma habilidade que está
além de ser capaz de identificar de modo aproximado quem ou o que é o referente, mas,
principalmente, de conhecer o suficiente sobre o referente para interpretar as associações
pretendidas no contexto.
Referentes m histórias específicas, características físicas e sociais, e estão
associados a contextos especiais. É a habilidade de interpretar a importância de uma
certa referência e a maneira como se relaciona com as demais características de um
contexto e co-texto que contribui para a continuidade do sentido ou coerência de um
texto e nos permite entender as implicaturas (BAKER, 1992: 232).
A pesquisadora faz esses comentários após analisar uma tradução feita do francês, a
partir do texto de A Hero from Zero, para o inglês (BAKER, 1992: 231):
TO: Il y avait nombre d’années qu’on avait pas entendu parler de lui.
[...] En vérité, il ferait pâlir Arsène Lupin.
TA: It’s been quite a few years since we have heard him mentioned.
[…] Indeed, he would frighten even Arsène Lupin. (A French version
of Boris Karloff.)
Baker (1992: 231-232) explica que Arsène Lupin é quase desconhecido para a maioria
dos leitores ingleses, de forma que o tradutor tentou construir uma ponte sobre a lacuna entre
o mundo textual e o mundo do leitor-alvo, explicando o que não era familiar (Arsène Lupin)
em termos do que era familiar (Boris Karloff). A autora concorda que a estratégia é boa, mas
argumenta que Arsène Lupin tem muito pouco em comum com Boris Karloff, expondo que as
diferenças são que Arsène Lupin é o herói de uma série de estórias francesas de detetives: um
ladrão, extravagante, desembaraçado e esquivo; e que Boris Karloff é um ator britânico
associado principalmente a filmes de terror.
Baker (1992: 234-235) aborda também a questão da polidez nas culturas que seguem
diferentes normas de comportamento e explica que sexo, religião e defecação são assuntos
78
considerados tabus em muitas sociedades, mas não necessariamente na mesma proporção, por
isso, em algumas traduções, ser polido pode ser bem mais importante do que ser exato. A
estratégia para o tradutor numa situação dessas pode ser omitir ou substituir trechos inteiros
do texto que vão contra as expectativas do leitor por lhe serem consideradas ofensivas.
Discutindo a variedade de implicaturas que podem derivar de uma elocução e
sugerindo que o contexto deve levar a uma interpretação apropriada para que o leitor possa
fazer inferências corretas, Baker (1992: 238-244) cita vários exemplos de textos que podem
fazer sentido em uma determinada língua, mas que podem não fazer sentido algum em outra,
ou causar estranheza, porque lidam com questões tratadas de diferentes maneiras nas
diferentes culturas. Por exemplo, cita a explicação de Rommel (1987 apud BAKER, 1992:
239),
30
de que o tamanho de uma casa ou apartamento é indicado na Grã-Bretanha pelo
número de quartos e, na Suíça, pelo número total de cômodos.
Baker (1992: 239-242) discute também a ordem seqüencial de eventos, estratégia
geralmente empregada para estruturação do texto. A autora comenta que, quando uma pessoa
faz uma descrição, narra um evento, ou faz uma lista de itens, normalmente segue uma
determinada seqüência ao invés de fazê-lo de modo aleatório. Por exemplo, ao narrar uma
série de eventos, a pessoa normalmente segue uma ordem temporal que não precisa
necessariamente começar pelo o que aconteceu primeiro, contanto que o texto apresente sinais
que esclareçam a ordem escolhida tais como marcadores de tempo verbal ou adjuntos de
tempo.
A pesquisadora lembra que a ordem temporal pode ser uma estratégia de ordenação
universal, mas aponta que outros tipos preferidos que tendem a ser específicos da
linguagem e da cultura. Fornece o exemplo de uma tradução que atende às expectativas do
30
ROMMEL, B. Market-orientated translation training. In: KEITH, H.; MASON, I. (eds). Translation in the
Modern Languages Degree. London: CILT, 1987.
79
leitor-alvo no que diz respeito à ordem natural de estruturação textual em sua cultura. O texto
original é em inglês e foi traduzido para o chinês:
TO: In the Devon study, 8,500 patients will carry the cards, which can
be both read and updated by GPs, a pharmacist, a local dentist, and
by hospital clinics at Exmouth and the Royal Devon and Exeter
Hospital.
31
TA (traduzido do chinês para o inglês): 8,500 patients will take part in
the Devon experiment, using the medical cards. Royal Devon and
Exeter Hospital, Exmouth Hospital clinic<s>, and doctor<s>,
pharmacist, and local dentist, may use a machine reader to read the
medical card’s content and store new information. (TSE, 1988 apud
BAKER, 1992: 240)
Segundo Baker (1992: 240), Tse (1988) explica que a ordem dos grupos nominais
sublinhados no TO foi modificada na tradução chinesa para atender às expectativas do leitor
chinês que está acostumado a listar entidades em ordem de tamanho, do maior para o menor.
No caso do exemplo supracitado, a autora indica que a ordem normal em chinês seria começar
pelas entidades maiores, ou seja, pelos hospitais. E acrescenta:
A mesma estratégia é usada para listar endereços. Um endereço em chinês, como em
russo, começaria com a entidade maior, o país, e a seqüência vai até chegar ao
município, cidade, área, rua, apartamento, nome etc. Em inglês, os endereços são
apresentados em ordem invertida, começando pelo nome e terminando pelo país de
destino. Qualquer desvio dessa ordem normal faria o leitor procurar por algum tipo
de implicatura ou reavaliar o contexto onde o texto se encontra. (BAKER, 1992:
240-241)
Fatores físicos e emocionais também influenciam as estratégias de ordenação, de
forma que é mais natural mencionar primeiro as entidades que estão mais próximas ao
ambiente da pessoa, conforme relata Baker (1992: 241). Este tipo de estratégia de ordenação
pode ser observado em um trecho do texto Euralex Circular(1987), usado como ilustração
pela autora:
31
The Independent. Patients test micro-chip medical record card, 28 de abril de 1988. Citado por TSE, Y. A
study of problems of coherence in translation, MA dissertation, University of Birmingham, 1988.
80
TO: Abstracts (approximately 1,000 words) in any of the Congress
languages, English, French, German or Russian, should be sent to the
Lecture Programme Organizer, . . .
TA (alemão): Abstracts (etwa 1000 Wörter bzw. 80-100 Zeilen) in
einer beliebigen Konferenzsprache (Deutsch, Englisch, Französisch,
Russisch) . . .
TA (traduzido do alemão para o inglês): We request abstracts (about
1,000 words or 80-100 lines) in any conference language (German,
English, French, Russian) . . .
Outro fator considerado pela autora, no que concerne ao contexto, é a percepção do
que é social e textualmente adequado ou normal para o usuário da língua, o que não tem a ver
com o que o leitor pensa a respeito do mundo, mas sim com o que o leitor está preparado para
aceitar como um comportamento adequado, lingüisticamente ou não, em uma dada situação.
Conforme a autora, esta adequação cobre uma variedade de fatores, até mesmo o uso de um
calendário específico, em um lugar onde o leitor tem acesso a mais de um tipo de calendário.
Baker (1992: 241-242) o exemplo do uso de um calendário japonês em Palace and
Politics in Prewar Japan” (1974), mostrado no TA abaixo:
TO: The heads of the ministries created in 1869 were not directly
responsible for ‘advising and assisting’ (hohitsu) the emperor, though
they were to become so in 1889. According to the 1871 reorganization
of the ministries, […]
TA (traduzido do japonês para o inglês): The heads of ministries
which were created in Meiji 2nd are not directly responsible for
‘hohitsu’ the emperor. It was in Meiji 22nd that it became so. For
example, according to the government reformation of the fourth year
of Meiji, […]
Como o texto se refere diretamente à cultura japonesa, o leitor japonês espera que
qualquer referência a datas seja baseada no calendário japonês ao invés do ocidental.
Entretanto, é aceitável para o leitor japonês usar o calendário ocidental em textos que se
relacionem diretamente ao mundo ocidental (BAKER, 1992: 242).
81
Uma outra área na qual o tradutor precisa estar atento às expectativas do leitor em um
determinado contexto refere-se aos modos de se dirigir aos outros, incluindo o uso de títulos
pessoais e ocupacionais, várias combinações de primeiros nomes e sobrenomes, o uso de
apelidos e de termos de afeto como dearou darling”, conforme lembra Baker (1992: 242-
243).
Baker (1992: 246) faz suas últimas considerações sobre a equivalência pragmática
relatando que é muito difícil para escritores e tradutores julgar o que o leitor, em geral, tem de
conhecimento prévio e que, na maioria dos casos, o tradutor pode não dominar o assunto tão
bem quanto o autor, mas pode saber mais que o leitor. Portanto, a autora sugere que o tradutor
deva informar-se a respeito dos conhecimentos adquiridos pelo seu leitor-alvo. O exemplo
seguinte, apresentado pela autora (1992: 246-247), transmite a preocupação do tradutor em
querer deixar claro para o leitor aquilo que poderia não ficar implícito para ele. O exemplo é
do texto Autumn of Fury: the Assassination of Sadat”, de Mohamed Heikal (1983). Falando
de Sadat, Heikal diz:
TO: While fully conscious of his shortcomings I hoped that the
responsibilities of office would strengthen the positive elements in his
character and enable him to overcome the weak ones. The example of
Truman was always present in my mind. I managed Sadat’s campaign.
. .
TA (traduzido do árabe para o inglês): I also believe that I was not
unaware of some of his shortcomings, but I imagined that the burden
of office and responsibility would strengthen all the positive elements
in his character and help him to overcome the areas of weakness in it.
In my mind there was always the example of the American President
Harry Truman, who succeeded Franklin Roosevelt towards the end of
World War II. At that time and after Roosevelt Truman seemed a
rather nondescript/bland and unknown character who could not lead
the great human struggle in World War II to its desired and inevitable
end. But Truman faced with the challenge of practical experience
grew and matured and became one of the most prominent American
presidents in modern times. I imagined that the same thing could
happen to Sadat. I imagined his campaign . . .
82
As informações adicionais sobre Truman, segundo Baker (1992: 247-248), estão
presentes na versão árabe para beneficiar o leitor árabe que pode conhecê-lo como um ex-
presidente da América, mas não o suficiente para ser capaz de traçar uma analogia com Sadat.
“O que está amplamente implícito na versão inglesa está descrito em detalhe na versão árabe”,
ressalta Baker (1992: 248), assinalando também que o tradutor poderia ter incluído a
informação extra em uma nota de rodapé ao invés de no corpo do texto. A autora lembra que
o tradutor pode, além de expandir um texto para fornecer informações necessárias, retirar as
informações que já podem ser de conhecimento do leitor-alvo.
Apesar de mostrar, através de seus comentários e de vários exemplos, que o
autor/tradutor deve estar sempre atento aos conhecimentos do leitor-alvo para que seu
texto/sua tradução possa ser elaborado(a) de tal forma que possa atender a todas as
expectativas desse leitor, Baker (1992: 249) faz ressalva aos casos em que é desnecessário
fazer essa adequação visto que as expectativas do leitor podem ser desafiadas sem que a
coerência do texto seja afetada, contanto que o desafio seja motivado e o leitor esteja
preparado para isso. Por isso, Baker (1992: 254) recomenda que os tradutores, ao tentarem
preencher as lacunas do conhecimento dos seus leitores e atender às suas expectativas do que
é normal ou aceitável, tomem cuidado para não exagerarem ao explicarem demais, não
deixando nada para o leitor fazer.
Ao concluir seu capítulo, Baker (1992: 253) reconhece que a coerência é uma noção
problemática devido a uma diversidade de fatores, lingüísticos e não-lingüísticos, que podem
afetá-la em um texto, pois mesmo um único item lexical, se mal traduzido, pode ser
responsável por isso. Diz também que os exemplos apresentados sugerem que, para manter
coerência, os tradutores geralmente precisam minimizar as discrepâncias entre o modelo do
mundo apresentado no TO e o daquele com o qual o leitor provavelmente está familiarizado.
83
Uma vez feito este resumo das reflexões de Baker (1992) a respeito das estratégias de
tradução, no capítulo sete da presente dissertação, analiso as estratégias usadas pelos
participantes do processo de gravação da dublagem, comparando-as com as estratégias de
tradução que foram aqui apresentadas. Foco também as dificuldades encontradas para que
decisões precisassem ser tomadas pela diretora de dublagem (doravante DD) e pelos
dubladores para a escolha de um determinado tipo de estratégia.
3 METODOLOGIA DE PESQUISA
Pesquisa, em uma definição simples, é um processo sistemático de investigação que
consiste de três elementos: 1) uma pergunta, problema ou hipótese, 2) dados, 3) análise e
interpretação de dados (NUNAN, 1992: 3). Tendo uma pergunta de pesquisa “como se o
processo de dublagem” complementada por “qual é o papel de cada um dos participantes deste
processo”, constatei que a metodologia etnográfica qualitativa era a que melhor propiciaria
subsídios para a realização da minha investigação, pois o enfoque não seria em resultados
numéricos ou análises estatísticas, mas na observação, no questionamento e na análise
interpretativa (SOUZA, 1999: 30-31).
Allwright e Baily (1991: 36-38)
32
apontam que as perguntas de pesquisa também
podem surgir após a coleta de dados, mas afirmam que, de uma forma ou de outra, é
importante que se tenha um assunto específico em mente, porque um grande risco de o
pesquisador desperdiçar o seu próprio tempo e o de todos os demais sujeitos se começar um
projeto de pesquisa sem nenhuma idéia clara do que irá fazer. Esses autores explicam que,
geralmente, existe um desejo dos pesquisadores novatos de começar a colher os dados antes
de fazer as perguntas. Acrescentam que a seqüência da pesquisa começada pela coleta de
dados pode funcionar bem, mas algumas questões que vêm à mente podem não ser possíveis
de explorar de modo adequado com os dados originais, obrigando o pesquisador a começar de
novo a colher dados para conseguir informações verdadeiramente relevantes.
Uma vez de posse de minha pergunta de pesquisa e tendo definido o que iria observar,
determinei o contexto da pesquisa, os participantes a serem nela envolvidos e os instrumentos
32
Os autores discutem a pesquisa em sala de aula, mas seus apontamentos, a meu ver, são pertinentes a qualquer
pesquisa na área de ciências humanas.
85
que utilizaria para a coleta de dados. Analisar a gravação de dublagem seria essencial, ao
invés de simplesmente analisar um material audiovisual pronto, porque, assim, seria possível
averiguar como os dubladores e o diretor de dublagem, os principais participantes de minha
investigação, lidam com os problemas de tradução, e verificar de que modo esses profissionais
cooperam para encontrar estratégias de solução, tendo, assim, influência no produto final.
Dessa forma, mantive a minha pesquisa aberta à descoberta contínua, um dos propósitos da
pesquisa qualitativa.
3.1 Contexto da pesquisa
Para obter respostas para minhas perguntas de pesquisa, foi necessário investigar o
trabalho daqueles que participam da gravação de dublagem: dubladores, diretor de dublagem e
técnico de áudio. Com o consentimento, em primeiro lugar, do proprietário da empresa de
dublagem, situada no Rio de Janeiro, e, posteriormente, da DD, acompanhei toda a gravação
da dublagem de dois episódios (7 e 8 nos Estados Unidos, Start up e Honor, respectivamente)
de uma série policial, Cold Case (2005), falada originalmente em inglês, que em português
recebeu o nome de Arquivo Morto e que ainda seria exibida pelo Sistema Brasileiro de
Televisão (SBT). A observação da dublagem desta série foi devida ao fato de ser este o
material que estava para começar a ser gravado no momento da minha pesquisa.
86
3.2 Participantes
No total, foram trinta e dois participantes investigados durante a gravação da
dublagem: trinta dubladores, a DD e o técnico de áudio. Todos eles estiveram envolvidos no
processo de dublagem dos dois episódios da série Cold Case (2005). Os participantes
trabalharam em conjunto e simultaneamente, mostrando que suas tarefas são interligadas e
dependentes entre si. Foram raras as ocasiões em que a DD e o técnico de áudio trabalharam
sem a presença do dublador, o que acontecia quando este, após gravar todas as suas cenas e
obter a aprovação da DD, precisava deixar a empresa por causa de algum compromisso e,
portanto, não podia esperar pelos últimos ajustes técnicos da sua gravação.
3.2.1 Os dubladores
Os dubladores são profissionais que interpretam os atores da tela usando a sua voz e
sincronizando a sua fala com os movimentos labiais dos atores. Como devem ter a habilidade
de interpretar personagens, a legislação brasileira exige que tenham o registro profissional de
ator, emitido pelo Ministério do Trabalho e Emprego. O exercício da profissão de ator é
regulado pela Lei n
o
6.533,
33
de 24 de maio de 1978, que dispõe sobre a regulamentação das
profissões de artista e de técnico em espetáculos de diversões. De acordo com o Art. 2º, é
considerado artista
o profissional que cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural de qualquer
natureza, para efeito de exibição ou divulgação pública, através de meios de
comunicação de massa ou em locais onde se realizam espetáculos de diversão
pública.
87
Flavio Dias, ex-diretor e presidente da extinta Sociedade Nacional dos Atores
(SONAT), em São Paulo, explica que essa lei existe porque a dublagem é “uma
‘reinterpretação’ na língua portuguesa. Assim, por questão de ‘Direitos de Intérprete’,
somente atores profissionais podem dublar.” Portanto, não existe a profissão “dublador”,
apesar de ser um termo usado, conforme explica Flavio Dias, mas, sim, a profissão ator.
Tecnicamente falando, entretanto, a terminologia certa, segundo Flavio Dias, é “ator em
dublagem” (DIAS, F., 2006).
Segundo Sumára Louise
34
(2006), líder da categoria dos dubladores desde 1978 e
responsável pela área da dublagem no Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de
Diversões (SATED), o registro de ator pode ser obtido comprovando-se a freqüência e
aprovação em um curso profissionalizante de ator, faculdade de Teatro ou de Artes Cênicas.
Existem vários cursos de dublagem para a especialização na área, mas estes não facultam o
acesso ao registro de ator. Louise (2006) explica, porém, que os dubladores com até quatorze
anos de idade, no Rio de Janeiro, não precisam de registro profissional, assim como os
dubladores com até dezessete anos, em São Paulo.
Para entender como se o trabalho dos dubladores, acompanhei a dublagem feita por
trinta desses profissionais para os dois episódios investigados, inclusive aqueles que gravaram
somente um loop
35
e aqueles que participaram somente do vozerio.
36
Os dubladores foram os únicos participantes que não foram entrevistados durante a
minha observação investigativa. Não havia possibilidade de fazê-lo sem interromper a
dinâmica do trabalho de dublagem, o que não foi autorizado pela empresa. Tampouco seria
possível entrevistá-los durante pausas (por serem curtas demais) ou após a sessão de
33
Esta lei pode ser lida na íntegra através do site https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6533.htm.
34
Sumára Louise é dubladora desde 1973 e DD desde 1979.
35
Um loop é uma cena de 20 segundos. Em 4.2, mostro a importância do loop na dublagem e traço a origem
deste termo.
36
Dublagem feita com vários dubladores, gravando ao mesmo tempo, para simular o barulho de pessoas
88
dublagem, pois os dubladores trabalham isoladamente e deixam o recinto tão logo terminam
seu trabalho, quando outro segmento começa a ser gravado por outro dublador, sem quebra
de continuidade. Ao mesmo tempo, recebi orientação da empresa investigada de que ela
mesma é que obteria consentimento dos dubladores para a pesquisa.
Para complementar as informações a respeito do trabalho dos dubladores, utilizei as
entrevistas realizadas com a DD investigada, visto que esta ainda exerce paralelamente a
profissão de dubladora e tem uma vasta experiência de dezessete anos de trabalho na área.
3.2.2 A diretora de dublagem
Para ser diretor de dublagem, é preciso ser ator, conforme explica Louise (2006), pois
esse profissional tem de ter passado pela experiência de ser dublador, mesmo que não mais
atue na profissão. De acordo com a Convenção Coletiva de Trabalho de 1
o
de outubro de
2005,
37
“para o exercício da função de diretor de dublagem será necessário o respectivo
registro profissional, salvo na hipótese de autorização especial a ser concedida pelo
SATED/RJ”. Ainda de acordo com o parágrafo segundo desta convenção,
cabe ao diretor(a) de dublagem assistir à produção, participar da escalação, orientar
a interpretação e o sincronismo dos atores. Se, de acordo com o combinado com a
empresa, o diretor esquematizar e/ou minutar a produção e programar os horários de
trabalho, terá a denominação de “diretor com esquema”, com remuneração
específica.
A DD investigada, que tem quatro anos de experiência como diretora, colaborou com a
minha pesquisa respondendo às minhas dúvidas nos intervalos das gravações e fazendo
conversando simultaneamente, como em festas, jogos etc. Ver 4.5.1.2.
37
Disponível na página virtual de leis e convenções do SATED/RJ:
http://www.satedrj.org.br/leis_e_convencoes_convencoes4.asp
89
comentários, quando, por vontade própria, interrompia o seu trabalho para este fim. Os
comentários eram referentes aos problemas surgidos no roteiro traduzido e às estratégias de
solução adotadas por ela e pelos dubladores.
3.2.3 O técnico de áudio
O técnico de áudio ou, mais especificamente, o técnico de gravação da dublagem, é o
profissional que opera todo o sistema de áudio de uma gravação, o que consiste, basicamente,
em gravar as falas dos dubladores e editá-las. Para isso, o técnico de áudio tem de estar
presente em todas as gravações de dublagem, não somente enquanto o material audiovisual
está sendo dublado, mas também antes de os dubladores entrarem no estúdio, para aprontar o
equipamento de áudio para o início da gravação. Depois que acabam as gravações, o técnico
de áudio é responsável por fazer os últimos ajustes de som necessários, que, geralmente, são a
edição das vozes para um melhor sincronismo labial.
Para tirar dúvidas em relação às tarefas do técnico de áudio que trabalhou durante a
observação de minha pesquisa, fiz-lhe algumas perguntas durante os intervalos das gravações
da dublagem.
90
3.3 Instrumentos de pesquisa
Segundo McDonough e McDonough (1997: 53), a pesquisa qualitativa geralmente
reúne observações por meio de entrevistas, registros em diário de campo e questionários, entre
outros instrumentos. Segundo Holmes (1986: 41), na metodologia qualitativa, o objetivo não é
tanto saber medir o fenômeno, mas ser capaz de descrevê-lo e depois entendê-lo ou interpretá-
lo. Uma das palavras-chave desta metodologia é a compreensão, pois o pesquisador procura
compreender tanto os sujeitos envolvidos na investigação quanto o contexto e o processo de
coleta de dados (FREITAS, 2003: 27-28).
Seguindo essa orientação, julguei relevante fazer uso desses instrumentos e, assim,
colher uma variedade de dados para ter recursos suficientes para responder à pergunta de
pesquisa. Para dialogar com os participantes sobre as questões levantadas durante o processo
de observação, foi preciso contextualizar-me. Com este fim, procurei informar-me a respeito
da rotina de trabalho dos participantes, entender a importância de seus instrumentos de
trabalho e colocar-me no lugar deles para viver sua realidade. Freitas (2003: 37) diz que a
inserção do pesquisador no campo de investigação significa de fato sua penetração numa outra
realidade, para dela fazer parte, levando para esta situação tudo aquilo que o constitui como
um ser concreto em diálogo com o mundo em que vive.
Optei por fazer as minhas observações, anotações, gravações e questionamentos no
estúdio da técnica, que é separado do estúdio dos dubladores por um vidro, para não intimidar
os dubladores e para poder manter um diálogo com a DD e o técnico de áudio no momento
em que tivesse alguma dúvida, não atrasando o trabalho dos dubladores.
91
3.3.1 Entrevistas
Durante os três dias de investigação no estúdio, entrevistei a DD e o técnico de áudio.
Formulei as perguntas em duas etapas: durante as gravações e ao término do segundo dia de
gravação.
Enquanto observava as gravações, anotei todas as minhas dúvidas sobre a técnica de
gravação e a atuação dos participantes. Quando existia um intervalo de tempo maior entre as
gravações, aproveitava a oportunidade para tirar essas dúvidas tanto com a DD quanto com o
técnico de áudio. Decidi não interromper as gravações para não interferir no processo e para
não atrasar o trabalho desses profissionais. Se o trabalho deles fosse atrasado, o dos
dubladores também seria e, conseqüentemente, a meta de produção do dia não seria cumprida.
As perguntas elaboradas depois da última gravação do segundo dia de investigação
emanaram de uma recapitulação de tudo o que eu tinha observado até então, com a ajuda das
anotações de campo, das fitas cassetes, das respostas obtidas nas entrevistas durante os
intervalos de gravação, e do roteiro traduzido. As perguntas desta etapa foram agrupadas em
uma breve entrevista, devido ao pouco tempo disponível da DD e do técnico de áudio, e
respondidas em etapas intercaladas, também em intervalos de gravação oportunos, no terceiro
(último) dia de gravação.
Acompanhar o ofício dos participantes em seu ambiente de trabalho foi fundamental
para saber que perguntas fazer e para a condução da pesquisa qualitativa, pois esta “exige
contato direto do pesquisador com o cotidiano dos participantes da pesquisa no cenário onde a
mesma acontece” (CARRANCHO, 2005: 58). Sem dúvida, através desse contato, pude
perceber nuances que não seriam possíveis de detectar caso eu tivesse observado somente o
produto final.
É importante relatar que precisei entrevistar mais uma DD e mais um técnico de áudio,
92
além daqueles envolvidos na observação investigativa, para entender algumas outras questões
pertinentes à minha pesquisa. O ocorrido se deve ao fato de que tanto a DD quanto o técnico
de áudio observados não dispunham de tempo, além do que me foi concedido durante os
intervalos das gravações, para esclarecer-me sobre dados específicos das suas profissões e do
sistema de áudio utilizado no estúdio o Pro-Tools —, que será descrito em detalhe no
próximo capítulo.
3.3.2 Diário de campo
As anotações em um diário de campo permitiram registrar os caminhos percorridos
pelos participantes, principalmente pelo dublador e pela DD, o que me possibilitou
compreender cada passo que deram. As anotações foram datadas, conforme sugerem
McDonough e McDonough (1997: 53) e nelas foram registrados os contextos problemáticos,
estratégias de solução, indagações, confusões e descobertas.
Fiz as anotações no diário de campo conforme recomenda Spradley (1980: 69-72),
com relatos condensados, que o autor considera como a melhor maneira de rapidamente
registrar frases-chave e de identificar eventos importantes. Fiz também os relatos estendidos,
que representam uma expansão da versão condensada, segundo o autor.
Spradley (1980: 69-70) ressalta que, quanto mais rápido o pesquisador registrar os
relatos condensados, mais realistas e detalhados serão. Por várias vezes precisei desviar a
minha atenção do papel onde fazia as minhas anotações para a cena do filme, que exigia uma
reação específica do dublador. Entretanto, nos intervalos de gravação entre um dublador e
outro, fiz os relatos condensados para me servirem de lembrete. Ao deixar o estúdio, quando
não mais precisava prestar atenção ao ambiente de trabalho, fiz as anotações estendidas, a
93
partir das condensadas, para incluir detalhes sobre os aspectos que me chamaram a atenção.
Foi relevante fazer anotações sobre todos os tópicos de interesse para que eu pudesse
confiar na interpretação dos dados, sem o receio de alguma coisa ter escapado da minha
memória e de essa omissão fazer diferença na validade da interpretação. Além disso, tinha a
preocupação de ter dados suficientes para responder à pergunta de pesquisa. Segundo
Erickson (1986 apud BORG, 1997: 1),
38
os relatórios qualitativos devem fornecer dados que
sustentem as asserções do pesquisador para que o leitor possa funcionar como um co-analista
desses dados.
Spradley (1980: 74) argumenta que a unidade básica de toda investigação etnográfica é
a pergunta-observação, sendo que esses dois fatores não existem isolados um do outro. Cada
elemento que o etnógrafo e registra é influenciado pelas perguntas que tem em mente. De
fato, como relatado, comecei minha pesquisa com perguntas previamente concebidas, as quais
conduziram meu foco de análise. Todavia, no decorrer de minha observação, fui levantando
novas questões à medida que as novidades surgiam, o que, de acordo com Allwright e Baily
(1991: 36-38), é comum acontecer. Os autores dizem que o pesquisador, mesmo quando
começa com uma pergunta de pesquisa específica, pode precisar modificar, refinar e
reformular a sua pergunta progressivamente, e até mesmo levantar outras à medida que se
familiariza com a situação investigada.
No primeiro dia de investigação, deparei-me com uma grande variedade de coisas para
observar. Entretanto, nos dois últimos dias, os tipos de anotações que fazia no diário de campo
se repetiam, de tal forma que, em diversos momentos, não mais precisei fazer observações
descritivas. Para Spradley (1980: 73), essas observações são as primeiras a serem feitas e as
mais importantes. Segundo o autor, sempre acontecem quando uma nova situação se apresenta
38
ERICKSON, F. Qualitative methods in research on teaching. In: WITTROCK, M. C. (ed.). Handbook of
Research on Teaching. New York: Macmillan, 1986.
94
e o etnógrafo registra o máximo que pode a respeito dela, sem uma pergunta específica em
mente, mas tendo apenas uma pergunta geral: “O que está acontecendo aqui?”
Progressivamente, as observações descritivas foram dando espaço no diário de campo às
observações focadas e às seletivas (SPRADLEY, 1980: 73), ou seja, buscavam respostas à
minha pergunta de pesquisa inicial, a mais importante.
3.3.3 Gravação em fitas cassetes
Para evitar que qualquer item importante escapasse ao registro de dados, gravei em
fitas cassetes o diálogo dos participantes pertinente ao meu estudo, incluindo seus dilemas,
ponderações, ensaios e, na decorrência, a dublagem final. Para este fim, foram usadas onze
fitas cassetes, com 60 minutos de duração cada, o que me forneceu, portanto, 11 horas de
gravação para serem examinadas na análise de dados.
Para organizar as fitas cassetes, etiquetei-as com numeração, nome do episódio, data
da gravação e referência das cenas e personagens, o que agilizou a transcrição dos dados.
Entretanto, mais do que transcrever as observações, transpus também todo o áudio dublado
para um texto escrito para facilitar a comparação entre o texto que foi dublado e o texto
traduzido do roteiro. O material gravado foi utilizado unicamente para fins de estudo e
exclusivamente para o presente trabalho.
3.3.4 O texto dublado
Conforme explicado, o texto dublado (doravante TD) dos episódios observados foi
obtido com as gravações em fitas cassetes feitas no estúdio, ou seja, foi através do áudio que
95
pude dispor do TD em forma escrita. O TD foi um instrumento de pesquisa tão importante
quanto o TT para averiguar as interferências feitas pelos dubladores e pela DD no roteiro,
visto que podem usar estratégias diferentes daquelas que foram usadas pelo tradutor.
3.3.5 O texto traduzido dos episódios (roteiro)
O TT dos episódios usado por todos os participantes serviu como um importante
instrumento de pesquisa como fonte de consulta, tanto durante a observação do processo de
dublagem quanto após a coleta de dados, pois guiou as minhas transcrições do material
gravado em fitas cassetes e a análise de dados.
Durante a gravação das dublagens, quando a DD ou o dublador levantava alguma
questão sobre o TT, eu acompanhava nesse texto o que estava causando problema, o que
tornava mais rápido o processo de minhas anotações no diário de campo, visto que não
precisava anotar toda a frase ou o diálogo correspondente ao problema. Consultando o TT, foi
necessário somente anotar o trecho da frase problemática, o nome da personagem que o
interpretou, o número do loop correspondente, o texto em inglês correspondente, a estratégia
usada, e outras questões que serviriam como lembretes e referências para uma consulta
posterior ao TT, especialmente durante o processo de análise de dados. Sem o acesso ao TT
no processo de gravação da dublagem, as minhas anotações acabariam sendo muito longas, o
que poderia tirar a minha atenção de outros acontecimentos ou, simplesmente, vários fatos
poderiam passar despercebidos.
96
3.3.6 O vídeo dos episódios da série
O estúdio da técnica, de onde conduzi minha pesquisa, dispõe de dois monitores de
TV, um para o técnico de áudio e outro para a DD. As cenas são repetidas ao mesmo tempo
nesses dois monitores por uma média de quatro vezes. As duas primeiras exibições da cena a
ser gravada são para o dublador, que tem o seu próprio monitor em seu estúdio (ver figura 1
em 4.3), ensaiar ouvindo o TO. Na terceira repetição, o dublador grava a sua dublagem. Na
quarta, a DD checa no replay a qualidade da dublagem, levando em conta a interpretação, a
dicção e o sincronismo labial, e avalia a necessidade de uma regravação. Entretanto, o
dublador pode assistir a uma determinada cena quantas vezes achar necessário antes de gravar
a sua voz e deve regravar tantas vezes quanto necessário até chegar a um resultado que a DD
julgue satisfatório.
Não gravação de voz, checagem de gravação, nem regravação sem que a imagem
esteja sendo exibida no vídeo. Portanto, a repetição das cenas, tanto em áudio original quanto
em áudio dublado me deu a oportunidade de rever várias vezes a interpretação dada às falas e
a forma como o dublador e o ator na tela as articulavam. Em cada regravação era possível
também perceber o resultado das estratégias usadas.
Tendo-me sido possível ouvir o som original por no mínimo duas vezes, durante os
ensaios dos dubladores, pude transcrever as falas originais que despertaram maior interesse
para a pesquisa e analisá-las juntamente com as falas traduzidas no roteiro de que dispunha.
Por uma questão de fidelidade ao contrato da distribuidora do seriado, a Warner Bros, a
empresa de dublagem não pôde me fornecer o TO. Devido a este fato, tive acesso ao TO,
enquanto estive no estúdio, durante a observação do vídeo, e através do som original, e não
através de um script escrito na LO.
Posteriormente à observação do processo de gravação da dublagem, quando os
97
episódios observados foram transmitidos, em reprise, nos Estados Unidos, pela Warner Bros,
por meio da TV aberta, tive novamente acesso ao som original, desta vez com a oportunidade
de obter, domesticamente, o seriado gravado em DVD. Isto me possibilitou fazer a transcrição
de todas as falas na LO dos episódios observados no estúdio e analisar de maneira mais
acurada as estratégias que foram usadas tanto pelo tradutor quanto pelos participantes do
processo de gravação da dublagem investigados.
Portanto, com novo acesso às imagens e ao som original, tornou-se mais cil analisar
os dados levantados durante as observações no estúdio, pois pude constatar, entre outras
coisas, revendo várias vezes as cenas, como as mudanças realizadas no TT pelos sujeitos
investigados podem proporcionar um melhor sincronismo labial.
3.3.7 O texto original
Conforme mencionado acima, com a obtenção de todo o TO, através de DVD, pude
dar continuidade à minha análise de dados, observando com mais precisão os fatores que
levaram a DD e os dubladores a interferirem no TT. Como possuía o TT dos episódios
assim como o TD, este último obtido através da transcrição das falas dubladas gravadas
juntamente com as anotações no diário de campo, julguei relevante ter também o TO, o que só
foi possível com a transcrição das falas originais.
A transcrição das falas originais e das falas dubladas foi uma tarefa que demandou
muitas horas de meu tempo de pesquisa e muita disciplina. Possivelmente, por este trabalho
de transcrição de falas originais (e de suas traduções para dublagem ou para legendagem)
devem passar muitos pesquisadores de tradução audiovisual, devido à dificuldade de se
conseguir o roteiro original (ou traduzido) com a produtora do material audiovisual. A
pesquisadora Joia, por exemplo, que fez um estudo de caso da tradução para legendagem e
98
para dublagem a partir do roteiro em inglês do longa animado Hércules, passou por essa
trabalhosa tarefa. A autora afirma que “na impossibilidade de obter junto à representação dos
estúdios Disney o roteiro original, as falas em inglês foram trabalhosamente levantadas por
[ela], assim como os textos da tradução legendada para exibição em vídeo” (JOIA, 2004: 83).
Com posse dos três textos (TO, TT e TD), consegui confrontá-los paralelamente e
estabelecer categorias de análise para os tipos de interferência mais realizados no TT pela DD
e pelos dubladores.
Ter estabelecido a priori a metodologia de pesquisa foi importante, pois iniciei a
investigação consciente da forma como deveria observar o objeto de estudo e munida dos
instrumentos específicos para a coleta de dados, no meu caso, o gravador, as fitas cassetes e os
blocos de anotação.
No capítulo seguinte será descrito em detalhe o processo de gravação da dublagem,
com base nas observações e anotações feitas durante a pesquisa em campo e a partir de dados
obtidos através de entrevista após a observação investigativa e da análise comparativa entre os
textos entre si (original, traduzido e dublado) e entre estes e o vídeo.
4 O PROCESSO DE GRAVAÇÃO DA DUBLAGEM
Neste capítulo, mostro o que é uma produção de dublagem, o sistema de gravação
digital nela utilizado, o Pro Tools, e traço a origem do termo “loop” ou “anel”. Descrevo,
utilizando ilustrações, os estúdios dos dubladores e da técnica e assinalo as atividades
exercidas pelos participantes do processo de gravação da dublagem que foram observadas
enquanto conduzia minha pesquisa. No final, faço uma listagem do jargão usado pela DD para
apontar ao dublador os erros cometidos em sua dublagem.
4.1 A produção da dublagem
A gravação de dublagem é feita em “produções”. Em uma “produção” podem ser
gravados todos ou vários loops (ver 4.2) de um mesmo episódio, ou vários loops de diversos
episódios, não ultrapassando o número máximo de vinte e quatro episódios de cinco minutos
cada. Ou seja, ao contrário do que se poderia imaginar, nem sempre é gravado um episódio
inteiro por sessão, de início ao fim. Na empresa pesquisada, em cada produção, trabalham-se,
no máximo, dois episódios de aproximadamente quarenta minutos cada, ou quatro episódios
de aproximadamente vinte e cinco minutos cada.
A determinação do número máximo de episódios ou de horas a ser gravado por
produção é estipulada por lei. De acordo com o parágrafo terceiro da Cláusula Quinta da
Convenção Coletiva de Trabalho, da qual participou, entre outros sindicatos, o Sindicato dos
Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio de Janeiro (SATED-RJ),
vigorando de 1
o
de outubro de 2005 a 30 de setembro de 2006,
100
Para seriados/novelas, será permitido às Empresas programar 4 (quatro)
episódios/capítulos de 30 minutos, 2 (dois) episódios/capítulos de 60 minutos, 8
(oito) episódios/capítulos de 15 minutos, 24 (vinte e quatro) episódios/capítulos de 5
minutos, etc., desde que perfazendo o total máximo de 120 minutos por
programação. (SATED-RJ, 2005)
No caso de seriados com número ímpar de episódios na sua totalidade, o parágrafo
quarto estabelece que “será permitido apenas no fechamento da programação de dublagem, o
acréscimo de 1 (um) episódio” (SATED-RJ, 2005).
O critério de trabalho de se gravar por produção é utilizado para diminuir os custos da
dublagem, pois em um mesmo dia o dublador pode gravar todas as falas de sua personagem,
ou tantas quantas seja possível, de um mesmo episódio ou de episódios diferentes, evitando
que precise retornar à empresa de dublagem para gravar um número pequeno de loops. Na
empresa analisada, cada dublador grava suas falas separadamente dos outros (exceto no
“vozerio”), em horários pré-determinados em esquema de escala.
4.2 O “loop”
O loop, chamado em São Paulo de “anel”, é uma cena de 20 segundos de duração. O
loop serve de parâmetro para pagamento do dublador, uma vez que este é contratado para
gravar um determinado número de loops por jornada de trabalho. É possível fazer, também,
um cálculo prévio dos custos a serem feitos com todos os dubladores para uma determinada
produção, calculando-se o número total de loops que contém. Figueira Junior
39
(2006) conta
que o termo “anel” ou “loop” originou-se da união das duas pontas de um trecho de um filme
que era projetado para a realização da gravação da dublagem pelo dublador. Segundo o
dublador, “o filme em ‘celulóide’ era cortado em pequenos pedaços (cenas) e colavam-se as
pontas de cada pedaço com durex, formando assim o Anel”. Esse anel (ou “loop”) de filme,
39
Figueira Junior é dublador de renome que atua na área desde 1987. Ver: www.figueirajunior.hpg.ig.com.br
101
uma vez inserido na máquina de projeção, permitia que a cena escolhida fosse exibida quantas
vezes fosse necessário até se obter uma dublagem satisfatória. Hoje em dia, a cena é isolada
eletronicamente por meio do “time code”, que gera uma numeração eletrônica que, em geral,
fica na parte superior da tela e que registra o local exato onde a cena ocorre (em horas,
minutos, segundos e nos quadros
40
do filme). Araújo (2000: 50) ressalta que a numeração do
time code, “além de ser utilizada pelo tradutor na marcação, também é instrumento de
trabalho do diretor de dublagem e dos dubladores para mostrar quando uma fala deve começar
e terminar”.
4.3 Os estúdios dos dubladores e da técnica
O estúdio onde gravam os dubladores é separado do estúdio onde a DD e o técnico de
áudio trabalham, este último sendo o estúdio da técnica. Há um vidro no meio da parede que
separa os dois estúdios, tornando-os dois “aquários”, como são chamados. Através desse
vidro, a DD, o técnico de áudio e o dublador podem se ver. Os estúdios são revestidos com
material acústico que isola barulhos externos e evitam, assim, possíveis ruídos na gravação.
Toda vez que a DD precisa falar com o dublador, liga um microfone e desliga-o logo após a
comunicação. Entretanto, de seu estúdio, a DD tem o recurso eletrônico de ouvir os ensaios
do dublador, suas ponderações, suas dificuldades e comentários, sem que este ouça as
conversas no estúdio da técnica, evitando que se desconcentre. A DD usa esse recurso para já
poder ir corrigindo falhas nos ensaios do dublador, advertindo-o para possíveis erros, e
chamando a atenção para a pronúncia certa de determinadas palavras, em especial as de
nomes próprios em inglês. A DD faz essas interferências também quando o dublador já está
gravando e identifica algum problema, mas a contribuição dela durante o ensaio é uma
maneira de ganhar tempo.
40
Também chamados de “frames”. O termo é ligado aos fotogramas do filme de 35 mm.
102
No estúdio dos dubladores, há uma bancada em curva com a quantidade necessária de
fones, por onde ouvem o som original, e um microfone à frente deles, para onde emitem a voz
(figura 1). Quando dois ou mais dubladores gravam juntos, posicionam-se um ao lado do
outro, podendo ser em volta de toda a bancada, caso estejam gravando um vozerio, por
exemplo. O monitor de TV que transmite as cenas do vídeo fica de frente para os dubladores e
o roteiro com o TT fica também à sua frente, acima da bancada. A figura 1,
41
a seguir, mostra
o estúdio dos dubladores da empresa analisada:
Figura 1 — Estúdio dos dubladores
41
O uso das imagens dos estúdios neste trabalho foi autorizado pela empresa analisada.
103
No estúdio da técnica da empresa analisada, trabalham a DD e o técnico de áudio, mas
existem estúdios onde o diretor de dublagem trabalha em local distinto da técnica, ocupando o
mesmo espaço que os dubladores. Dois monitores de TV, um para a DD e outro para o técnico
de áudio, e um computador com o sistema de gravação Pro Tools
42
e toda a aparelhagem
necessária para a realização da gravação compõem o equipamento do estúdio da técnica. A
foto a seguir mostra parcialmente um desses estúdios na empresa:
Figura 2 — Estúdio da técnica
42
Em 4.4 explico o que é Pro Tools e, em 4.5.3, mostro a importância desse sistema para o trabalho do técnico
de áudio.
104
4.4 O Pro Tools
O Pro Tools é um sistema de produção de áudio digital utilizado em estúdios
profissionais pela sua qualidade e versatilidade. É uma marca da Digidesign,
43
uma indústria
canadense que é líder nesta área há vinte anos.
O técnico de áudio Ivo Dias
44
(2006), em entrevista pessoal, esclarece que o Pro Tools
é um sistema, e não um programa, porque é composto de software e hardware. Segundo o
técnico, o sistema, utilizado tanto para filmes como para música, reúne uma série de
ferramentas para gravação, edição, mixagem
45
e masterização,
46
o que faz com que seja o
principal investimento a ser feito em um estúdio comercial de médio e grande porte. Ivo Dias
acrescenta que, se a empresa não tiver muitos recursos, é possível fazer economia utilizando
um sistema Pro Tools mais simples, o LE. O sistema HD é de custo bem mais alto, porém é o
mais completo.
O Pro Tools HD inclui um computador e o sistema TDM, que contém várias versões
de configuração e roda em seu próprio hardware. Este Pro Tools acompanha, entre outros
itens, plug-ins, placas aceleradoras e chips DSP, que possibilitam um melhor processamento
do sistema.
43
No site da Digidesign — <www.digidesign.com> —, é possível conhecer as inovações realizadas por essa
empresa, assim como seus serviços e produtos que comercializa. É possível também obter informações mais
técnicas, especialmente direcionadas aos profissionais de áudio, sobre os diferentes sistemas do Pro Tools
(TDM, HD3 Accel etc.).
44
Ivo Dias não foi o técnico de áudio observado no estúdio, pois, conforme explicado, precisei entrevistar um
outro profissional da mesma área visto que o profissional investigado não dispunha de tempo para responder a
todas as minhas indagações. Ivo Dias tem vinte e um anos de experiência no ramo, já tendo trabalhado como
técnico de gravação para dublagem na empresa Herbert Richers, no Rio de Janeiro, por cinco anos. Trabalha
dezesseis anos como técnico de gravação e sonoplasta nos estúdios da Waldyr Lima Editora, no Rio de Janeiro.
45
A mixagem reúne todas as falas gravadas em um único canal.
46
A masterização é feita para corrigir problemas sonoros, ocorrendo após a mixagem. Durante a masterização,
os níveis de áudio (alto e baixo) são ajustados, os ruídos que passaram despercebidos na mixagem são
eliminados, a equalização (grave, médio e agudo) também é ajustada, entre outros procedimentos.
Resumidamente, a masterização é o acabamento da mixagem.
105
O Pro Tools LE é a versão básica e mais barata, mas depende de um computador que
tenha capacidade compatível. Por não possuir chips DSP, este sistema limita as operações de
áudio, não sendo, portanto, o ideal para estúdios de grande porte, segundo Ivo Dias.
Apesar de o sistema rodar em Windows, Ivo Dias afirma que os computadores da
marca Macintosh, do fabricante Apple, são preferidos para o processamento por serem mais
completos, permitindo uma maior compatibilidade com o hardware do Pro Tools.
4.5 Os participantes
Os participantes investigados — dublador, DD e técnico de áudio — trabalham ao
mesmo tempo, sendo a única exceção quando, após a gravação de todos os loops, o dublador
precisa deixar o estúdio para gravar em outro estúdio da mesma empresa ou de outra, pois
trabalha com hora marcada. Neste momento de ausência do dublador, a DD e o técnico de
áudio fazem os últimos acertos técnicos de som para a obtenção de um melhor sincronismo
labial, sendo que a DD orienta como e onde devem ocorrer estes acertos e o técnico executa-
os. Na maioria das vezes, os acertos técnicos ocorrem com a presença do dublador no estúdio.
Quando o dublador acaba de gravar o seu último loop do dia, a DD pede para que aguarde
alguns minutos até que seja finalizada a edição de suas falas porque, caso quaisquer falhas
sejam evidenciadas, o dublador pode refazê-las imediatamente, não precisando voltar à
empresa em outro dia para este fim, o que evita aumento no custo da produção.
A seguir, faço, separadamente, uma descrição das atividades que foram executadas por
cada participante durante a minha pesquisa.
106
4.5.1 O dublador
Para entender a atuação do dublador, observei os trinta que participaram da gravação
dos episódios analisados do seriado Cold Case — um número que, segundo a DD, é atípico
quando se trata de gravar dois episódios de um seriado, pois, geralmente, precisa-se de mais
dubladores devido à quantidade de personagens existentes neste seriado especificamente. No
caso dos episódios investigados, o número de dubladores foi menor do que o costume porque,
neles, algumas personagens, que aparecem em diferentes épocas, não envelheceram muito.
47
Neste caso, um mesmo dublador pode dublar a mesma personagem, em idades distantes,
apenas mudando o seu timbre de voz de acordo com a idade atual da personagem.
Para interpretar o ator da tela, o dublador mostrou ter de saber colocar a emoção na
voz e ter boa dicção, boa emissão de voz, e bons reflexos para alternar o olhar rapidamente
entre o roteiro (o TT) e o monitor de TV, perceber a importância da cena e o perfil da
personagem. O dublador procurava fazer com que sua interpretação ficasse bem próxima à
original para que não entrasse em desarmonia com a imagem da atuação do ator da tela. Para
isso, transportava-se para o outro (personagem); quando não o conseguia satisfatoriamente,
praticava esse mesmo exercício mais vezes, nos ensaios, até sentir que havia incorporado a
personagem, desenvolvendo a capacidade de interpretar em poucos minutos o que o ator da
tela ensaiou várias vezes. Aliava a emoção vivida pela interpretação à razão para compreender
e fazer compreensível o texto transmitido e sabia improvisar quando necessário.
Pelo exercício que pratica, vê-se que o trabalho do dublador equipara-se a do ator, o
que explica a obrigatoriedade de obter o registro de ator profissional para poder dublar. Pela
47
Cold Case é sobre uma divisão policial que abre novos inquéritos a partir de casos de crimes já arquivados
porque não foram resolvidos pela polícia. Como o caso pode ser retomado após alguns ou vários anos, as
personagens investigadas aparecem em cenas de diferentes épocas: mais jovens na época do crime e mais velhas
na atualidade, ou seja, quando estão sendo interrogadas pelos detetives da série.
107
descrição das funções do ator, no site do Sindicato dos Artistas do Rio de Janeiro (SATED),
evidencia-se a prática do dublador:
Ator: Cria, interpreta e representa uma ação dramática, baseando-se em textos,
estímulos visuais, sonoros ou outros, previamente concebidos por um autor ou
criados através de improvisações individuais ou coletivas; utiliza-se de recursos
vocais, corporais e emocionais, apreendidos ou intuídos, com o objetivo de
transmitir, ao espectador, o conjunto de idéias e ações dramáticas propostas; pode
utilizar-se de recursos técnicos para manipular bonecos, títeres e congêneres; pode
interpretar sobre a imagem ou voz de
outrem; ensaia buscando aliar a sua
criatividade à do Diretor.
48
(SATED-RJ, 2006).
4.5.1.1 Os ensaios dos dubladores
Cada dublador grava a sua fala separadamente dos outros porque são escalados de
acordo com a sua disponibilidade de horário. O dublador chega à empresa dentro do horário
marcado e vai para o seu estúdio receber a orientação da DD sobre o perfil e a história da
personagem que vai dublar. No roteiro, deve achar o primeiro loop a ser gravado, cuja
numeração é informada pela DD. Assiste ao loop no monitor por uma média de três vezes. Na
primeira vez, ensaia assistindo ao vídeo para entender o que se passa na história e para fazer
as suas marcações na sua cópia do TT, como pausas e inflexões, ou para interferir na
tradução, fazendo cortes, incluindo palavras ou reformulando sentenças. Na segunda vez,
ensaia novamente, para se sentir mais seguro, aumentando a sua atenção para o sincronismo
labial, e, na terceira vez, grava. Essa média de repetição de exibição do loop no vídeo durante
o ensaio do dublador varia dependendo do grau de dificuldade da dublagem da cena e da
experiência do dublador. Os dubladores mais experientes ensaiam, muitas vezes, somente
uma vez, e, quando já dublaram o mesmo ator em episódios anteriores de uma mesma série,
chegam até a gravar sem ensaiar, dependendo do loop, porque já conhecem o jeito e o ritmo
de fala do ator.
48
Quadro anexo ao Decreto n 82.385, de 05 de outubro de 1978.
o
108
Os ensaios do dublador já fazem parte do trabalho de supervisão da DD, conforme dito
em 4.3. Enquanto ela o ouve, percebe suas dificuldades e propõe soluções. Este já pode ser o
primeiro momento em que a DD interfere no TT. Por exemplo, quando visualiza que o texto
lido ficou mais curto ou mais longo do que deveria, avisa o dublador, e este, por sua vez,
providencia a alteração, podendo simplesmente pronunciar as palavras mais lentamente, caso
tenha deixado a personagem movimentando os lábios sem voz, ou podendo falar o texto com
mais velocidade, caso a personagem já tenha fechado a boca e a fala dublada tenha
continuado. Quando esses recursos não bastam para resolver o problema de sincronismo
labial, ou quando o texto pode causar estranheza, há a necessidade de mudar a tradução. Neste
processo de interferência na tradução, tanto a DD quanto os dubladores dão sugestões.
Contudo, os dubladores podem ou não obter êxito com o texto sugerido pela DD porque cada
um tem um timbre de voz e um ritmo diferente. Quando isso acontece, o dublador negocia
com a DD uma outra forma de dizer o TT.
4.5.1.2 A participação do dublador no “vozerio”
Observei a dublagem do vozerio ao final do último dia de gravação da produção, em
um horário escalado em que vários dubladores se reuniram no estúdio para gravarem algumas
cenas deste tipo. Começaram dublando a abertura do episódio Honor, que é feita com a cena
de recepção na casa do ex-prisioneiro de guerra, Carl, onde a família e amigos o esperam
ansiosamente e fazem vários comentários sobre ele. A DD relatou essa introdução aos
dubladores e explicou o que aconteceu enquanto Carl esteve ausente para que tivessem noção
do tipo de conversa que poderiam ter.
Com o resumo da história em mente, os dubladores se organizaram em volta da
bancada e ensaiaram o vozerio da mesma forma que os outros dubladores, em geral,
109
ensaiaram os seus loops: na primeira vez, observaram a imagem na tela do monitor de TV; na
segunda, ensaiaram as falas e, na terceira, gravaram. Não há um texto a ser lido pelos
dubladores nas cenas de vozerio; a DD dá sugestões de falas e os dubladores vão
desenvolvendo e improvisando os diálogos, dando seqüência aos comentários e perguntas dos
colegas. Criaram falas do tipo, “Já experimentou este salgado?”; “Hum, muito bom, né?”;
“(risos) Essa piada é muito boa!”; “Será que Carl mudou muito?”, “Deve ter sido muito duro
lá, não acha?” etc., transmitindo um ambiente de descontração. Percebi que os dubladores
aleatoriamente se dirigiam aos outros em diálogo, formando pequenos grupos e encenando
como se estivessem interpretando em um palco.
As demais cenas de vozerio foram gravadas nos mesmos moldes da primeira: ensaios,
improvisação e dramatização.
4.5.2 A diretora de dublagem
A direção de dublagem da produção investigada de Cold Case contou com a vantagem
de ser realizada por uma profissional com dezessete anos de experiência como dubladora.
Essa experiência permite à DD prever que tipos de dificuldade o dublador terá ao gravar um
determinado loop, tanto no que se refere à dicção quanto à sincronização labial. Por exemplo,
algumas vezes, registrei comentários feitos pela DD aos dubladores, baseados em sua
experiência como dubladora, quando estes diziam que “não dava” para fazer uma determinada
mudança no TT, sugerida por ela, para alcançar o sincronismo labial desejado. A DD soube
avaliar a dificuldade da mudança que havia pedido, insistiu em manter a sua sugestão e
explicou ao dublador de que modo seria possível dublar com a interferência sugerida.
Para poder orientar a interpretação dos atores, que só vêem o vídeo na hora em que
estão dublando, a DD assiste ao material audiovisual antes de dirigir a sua dublagem. Depois
110
disso, escala os dubladores de acordo com o perfil de cada um e, no caso de seriados, tem o
cuidado de não trocar o dublador que já dublou uma determinada personagem em episódios
anteriores. Antes da gravação da produção, a DD já dispõe da relação dos dubladores
escalados por ela, com o número total de loops que cada um irá dublar e os seus horários.
Também já possui o TT dos episódios com a marcação e a numeração dos loops.
49
A orientação que a DD dá para cada dublador que chega ao estúdio é a mesma: fala
sobre o perfil da personagem e a história em que está envolvida. Esse é um dos motivos pelos
quais a DD deve assistir ao vídeo antes de dirigir a dublagem. Quando o dublador acaba de
gravar um loop, a DD risca na tabela o número correspondente a esse loop, realizando um
controle do tempo já trabalhado e do tempo ainda restante. Pelo número de loops riscados na
tabela, a DD tem uma noção do ritmo do dublador, ficando mais confortável sobre o tempo
que ainda lhe é disponível antes do horário de gravação do próximo dublador, ou mais
preocupada com o pouco tempo restante, o que lhe força a pedir ao técnico de áudio que anote
em sua tabela o loop que precisa ser corrigido no Pro Tools num momento posterior.
Antes de o dublador começar a gravar o loop seguinte, a DD dialoga com o técnico de
áudio sobre as falas desse dublador já gravadas no Pro Tools e, quando julga necessário, pede
para o técnico de áudio repetir a cena dublada no monitor de TV. Isto é feito quase como
regra porque, caso a DD perceba que a dicção de alguma palavra não ficou boa, ou que a
interpretação esteja errada ou não-convincente, ou que o sincronismo labial não ficou do seu
agrado, mesmo com a ajuda do Pro Tools, pede para o dublador gravar novamente o trecho
que causou problema. Caso este trabalho seja feito no final do dia, por exemplo, corre-se o
risco de a DD detectar uma falha na gravação e ter de chamar o dublador para voltar à
empresa para uma regravação, o que aumenta o custo da produção.
A DD observada considera ter um bom conhecimento da língua inglesa, o que lhe
49
A marcação dos loops pode ser feita pelo diretor de dublagem ou por outro profissional estipulado pela
empresa de dublagem. Na empresa analisada, a DD não é incumbida de fazer a marcação dos loops.
111
ajuda a perceber quando há alguma tradução inadequada, ou até mesmo errada. Algumas
vezes encontrou palavras no TT que lhe causaram estranheza e, para ter a certeza de que não
houve um descuido na tradução, pediu ao técnico de áudio que repetisse a cena
correspondente à tradução que lhe causou dúvida e ouviu o som original. Quando discordava
do que estava escrito, interferia no TT. Em uma dessas ocasiões, interferi no seu processo de
trabalho para lhe perguntar se é importante ter conhecimento da língua inglesa em sua
profissão. Segundo ela, tanto o diretor de dublagem quanto o dublador devem saber inglês,
apesar de não ser um quesito obrigatório para se atuar em uma dessas carreiras. A DD
explicou que é possível que o tradutor tenha errado em algum momento na tradução, mas esse
erro pode não ser passado para o público caso o diretor de dublagem ou o dublador percebam
o equívoco e solucionem o problema.
Portanto, interferir no TT toda vez que se faz necessário para que a dublagem atenda
às expectativas do público é uma das principais funções da DD, sendo que as causas e formas
dessas interferências serão analisadas com exemplos colhidos durante a observação no estúdio
da técnica nos dois últimos capítulos.
4.5.3 O técnico de áudio
Segundo Ivo Dias (2006), para se tornar apto a trabalhar como técnico de áudio, é
preciso fazer um curso profissionalizante e se especializar na área desejada, por exemplo, em
dublagem ou mixagem. Na dublagem, a mixagem ocorre quando as falas, as músicas e os
efeitos sonoros são integrados (mixados) em um único canal de áudio para formar o produto
final. Ivo Dias cita o Instituto de Artes e Técnicas em Comunicação (IATEC), no Rio de
Janeiro,
50
e o Instituto de Áudio e Vídeo (IAV), em São Paulo,
51
como opções de cursos que
50
Ver: http://www.iatec.com.br/escola/index.php. IATEC Av. Érico Veríssimo, 999 Cobertura 302 Barra da
Tijuca - Rio de Janeiro - RJ CEP 22621-180 Tel.: (21)2493-9628 / (21)2486-0629.
112
preparam o aluno a se tornar um profissional de áudio com capacitação para entrar no
mercado de trabalho. Estes institutos oferecem, inclusive, o curso de Pro Tools, que, segundo
Ivo Dias, todos os técnicos de gravação de dublagem devem conhecer por ser este sistema
uma ferramenta indispensável em qualquer estúdio de dublagem que prima pela qualidade de
som.
O técnico de áudio investigado em nenhum momento interferiu no TT, limitando-se
apenas a operar o processo técnico de gravação. Entretanto, usa o TT para acompanhar esse
processo. Assim como a DD, vai riscando os loops que estão sendo gravados, o que lhe
permite ter uma noção de quanto tempo de gravação ainda resta até o final do dia. Também
faz anotações no roteiro sobre pontos onde precisará fazer edições posteriormente.
Como o meu foco de pesquisa era a cooperação dos participantes na produção final do
TT, a minha atenção esteve mais voltada para a DD e para os dubladores do que para o
técnico de áudio. Contudo, observei como este profissional interage com os demais
participantes, resumidamente, exibindo as cenas em áudio original e, quando necessário,
também em áudio dublado para os dubladores e para a DD, e editando as falas gravadas sob a
orientação da DD. Usa como instrumentos de trabalho um computador com o sistema Pro
Tools, um televisor e o roteiro do seriado com a divisão dos loops. Trabalha durante todo o
processo da gravação da dublagem: antes, durante e depois do trabalho dos dubladores.
Antes de o dublador chegar, o técnico de áudio abre o canal de gravação para o
dublador, nomeia o canal, por exemplo, com o nome do dublador que está gravando no
momento, verifica a qualidade do som, seleciona no Pro Tools o primeiro loop a ser dublado e
o projeta no monitor de TV do estúdio dos dubladores.
Durante os ensaios, o técnico de áudio passa o loop no monitor repetidas vezes para o
dublador, grava e apaga as falas e detecta ruídos, primeiramente ouvindo-os e, depois,
51
Ver http://www.iav.com.br/. Instituto de Áudio e Vídeo — Rua Humberto I, 180 CEP 04018-030 — Tel/Fax:
0xx11-5573.3818[email protected].
113
identificando-os no gráfico na tela do computador para poder apagá-los. Os ruídos podem ser
barulho de sopro no microfone do dublador (quando as “sílabas de impacto” — as que têm os
sons de [b] e [p] — são pronunciadas, porque emitem muito ar), barulho na bancada dos
dubladores, e barulho de “batidinhas de boca”, o que ocorre quando a boca do dublador está
seca e, portanto, precisa beber água. O técnico de áudio também edita as falas enquanto ainda
na presença dos dubladores no estúdio, adiantando ou atrasando-as. Embora se espere que o
dublador sincronize a sua fala com os movimentos labiais dos atores da tela, geralmente é
muito difícil que não se adiante ou não se atrase em algumas frações de segundos. Quando
isto acontece, o técnico de áudio, sob a orientação da DD, edita no Pro Tools as gravações,
através de ajustes de frames, para um melhor sincronismo labial.
Os “frames” do time code são subdivisões (frações) de segundos. Um segundo no Pro
Tools equivale a 29 frames. Para se ter uma idéia da precisão do sincronismo labial que se
deve ter para uma boa qualidade de dublagem, às vezes, a DD pedia para o técnico de áudio
atrasar ou adiantar somente um único frame de uma fala.
Feita a gravação da última fala do dublador, o técnico faz os ajustes finais de frames,
se possível, ainda com a presença do dublador no estúdio conforme explicado acima, e repete
todo o processo de preparação de gravação para o próximo dublador que irá entrar no estúdio.
4.6 O jargão usado na gravação
Durante a gravação, os participantes utilizam diversos termos que constituem o jargão
da área. Entre estes, estão:
Batida de boca refere-se a cada um dos movimentos labiais dos
atores
114
Boneco refere-se ao ator na tela
Estar em off quando a voz de um ator é ouvida sem que ele apareça
em cena
Ficar batendo boca quando um ator move os lábios sem emitir som
A DD utiliza esse jargão com freqüência. Isso ocorre muitas vezes durante a gravação
e serve para agilizar a comunicação entre ela e os dubladores. Para informar-lhes de que
houve uma falha no sincronismo labial ou na interpretação, a DD interrompe a gravação e,
usando o jargão da área, pode dizer:
1) curto!” — ordem para que o dublador coloque mais palavras
no TT para poder preencher todas as aberturas labiais do ator;
2) grande!” — ordem para que o dublador retire palavras ou
condense trechos do TT para não ultrapassar o tempo de fala do ator;
3) “O boneco batendo boca!” — ordem para que o dublador
regrave a fala, prestando mais atenção à boca do ator para não deixá-lo
falando sem som (batendo boca), ou seja, para que a dublagem da fala
não termine antes da(s) última(s) “batida(s) de boca” do ator;
4) “Bota uma reação naquela boca!” — ordem para que o dublador
coloque uma reação em uma determinada “batida labial” que, por ser
pequena, não há como encaixar palavras nela, mas pode ser
sincronizada com uma interjeição, um suspiro, um gemido etc. Há
ocasiões, entretanto, que o ator “bate boca” e não emite som, mas o
dublador e a DD preferem preencher essas batidas com som para não
passar ao espectador a impressão de que a dublagem foi mal feita,
deixando a personagem falar sem voz;
5) “Enche aquela boca!” — ordem para que o dublador coloque
palavras na boca do ator, ou porque sua fala ficou curta, ou porque o
ator fez um movimento pequeno com os lábios, mas nada pronunciou,
e a DD julga necessário encaixar alguma reação naquele movimento
labial, tal como uma interjeição, por exemplo, pelo mesmo motivo
exposto acima;
6) “Fala essa frase mais mastigadinha!” — ordem para que o
dublador articule melhor as palavras do TT para que as pequenas
aberturas labiais do ator possam ser preenchidas com o som das
palavras;
115
7) “Não deixa ele/ela te ganhar!” — ordem para que o dublador não
deixe o tempo de fala do ator durar mais que o tempo da fala dublada.
Se o ator da tela “ganha” do dublador, a personagem vai continuar
movendo os lábios sem o som da dublagem;
8) “Entrou atrasado!” — ordem para que o dublador volte ao início
da fala, começando a falar ao mesmo tempo que o ator para que este
não comece a mover os lábios antes de a voz dublada ser ouvida;
9) “Entrou adiantado!” — ordem para que o dublador volte ao início
da fala, começando a falar ao mesmo tempo que o ator para que este
não continue a movimentar os lábios depois que a voz dublada
termina de ser ouvida;
10) “Não corra!” — ordem para que o dublador não acelere o ritmo
da fala, temendo que não dê tempo de acabar de falar junto com o
ator;
11) "Mais adiante você ganha dele/dela!” — ordem para que o
dublador comece a falar em um ritmo mais lento, por conta do
sincronismo labial, e depois compense o atraso inicial acelerando com
o restante do texto para poder acabar de falar junto com o ator;
12) “Você pode ganhar dele/dela em off!” — ordem para que o
dublador não corra no início do texto, prejudicando o sincronismo
labial, por temer não conseguir acabar de falar junto com o ator. O
dublador pode compensar o atraso inicial, falando mais rápido no final
do texto sem se preocupar com o sincronismo labial, podendo
inclusive exceder o tempo de fala original, pois o ator fala em off;
13) “Ganhou dele/dela!” — ordem para que o dublador diminua o
ritmo da fala ou reduza o TT, pois falou mais rápido ou pronunciou
um texto mais longo do que o ator;
14) “Passou!” — ordem para que o dublador diminua o ritmo da fala
ou reduza o TT, pois o ator já parou de falar, mas a voz dublada
continua na tela sem que o ator esteja movendo os lábios. A situação
aqui é a igual à anterior;
15) “Não ralenta!” — ordem para que o dublador não “estique” o
tempo de pronúncia do texto, temendo terminar de falar antes do ator.
Quando isto acontece, a voz do dublador fica “arrastada” e revela que
foi “forçada”, tornando a interpretação não-convincente. O espectador
pode prestar mais atenção para o tom distorcido da voz do que para a
mensagem do texto;
16) sujo/Sujou!” — ordem para que o dublador “limpe” (corrija
falhas de dicção) o seu texto dublado. O dublador pode errar na
pronúncia de uma ou várias palavras de uma mesma fala se estiver
116
tenso ou apressado para conseguir acabar de falar a tempo. Por conta
disso, algumas palavras podem não soar inteligíveis ou ser mal
articuladas. Por exemplo, o som de [s] que marca o plural pode não
ser emitido ou pode sair tão baixo que quase não é ouvido, assim
como o som de outras consoantes e de vogais;
17) “Acha o tom!” — ordem para que o dublador perceba o perfil da
personagem (agressiva, autoritária, frágil, delicada etc.) e reflita essa
característica em seu tom de voz. Há situações também em que o
dublador precisa mudar o seu timbre de voz para interpretar
personagens bem mais velhas ou bem mais jovens. Por exemplo, no
episódio Honor, a dubladora que interpretou a personagem Janet
precisou deixar a sua voz mais grave ao dublá-la mais velha. Uma
outra personagem do mesmo episódio que obrigou o dublador a mudar
o seu timbre de voz foi Ned, de aproximadamente seis anos de idade.
O dublador, já adolescente, teve de infantilizar um pouco a voz com o
cuidado de não deixar transparecer que esta não era a sua voz natural;
18) “Não perde o tom!” — ordem para que o dublador não se
distraia, dando um tom diferente ao primeiramente dado à
personagem, descaracterizando-a. Esta falha pode acontecer, por
exemplo, quando o dublador marca o perfil da personagem com uma
voz bem firme para mostrar que ela é uma pessoa determinada, mas,
por um momento, acaba se descuidando e suavizando o tom da voz.
Uma outra situação na qual o dublador pode “perder o tom” é quando
tem que “rejuvenescer” ou “envelhecer” a voz para adequá-la à idade
da personagem e, acidentalmente, acaba trocando o tom da voz
dublada para o tom natural da sua voz;
19) “Não perde o ritmo!” — ordem para que o dublador não aumente
ou não diminua muito o ritmo em que vinha dublando a fala, ou seja,
quando, por exemplo, começa falando devagar e, de repente, acelera o
ritmo ou vice-versa;
20) “Não perde a intenção!” — ordem para que o dublador não deixe
de continuar transmitindo a “intenção”
52
do texto, quer pela
interpretação quer pelo tom de voz. Exemplificando: na cena, a
personagem sente-se insegura e temerosa; o dublador começa
gravando a fala expressando esse sentimento, mas, em um certo ponto
e inadvertidamente, atenua a emoção que estava sendo passada;
21) “Não valeu!” — ordem para que o dublador regrave a fala toda
ou um trecho da fala devido a algum problema ocorrido. Para o
dublador ficar sabendo a partir de que ponto deve corrigir a sua
dublagem, a DD diz a última palavra dublada que pôde ser
aproveitada. Isto quer dizer que tudo o que o dublador gravou até
aquela palavra foi aprovado, devendo ele, portanto, começar a
regravar a partir da palavra seguinte. A DD pode usar o jargão “valeu”
52
“Intenção” do texto, aqui, refere-se à interpretação que a DD faz do sentimento ou comportamento da
personagem.
117
ou “está valendo” depois de repetir a última palavra aproveitada, para
o dublador poder se localizar no TT. Por exemplo, o dublador termina
de gravar a seguinte fala:
TT: Me deixa fingir! Meus braços foram quebrados quatro vezes,
estão... acabados, sempre estarão. Eu não consigo levantá-los, não
consigo dançar. Me desculpe. (Honor)
Imagine-se que o trecho a partir da palavra “sempre” não tenha sido
aprovado pela DD, devendo, portanto, ser regravado. Para sinalizar o
fato ao dublador, a DD pode dizer:
a) “Acabados”; b) “‘Acabados’ valeu/está valendo”.
No próximo capítulo, assinalo as principais características do roteiro da dublagem,
mostrando os elementos que o compõem e suas funções.
5 O ROTEIRO PARA DUBLAGEM
Os roteiros para as dublagens dos episódios Start up e Honor contêm o TT digitado
em caixa alta, de todo o áudio falado, além de várias anotações que orientam a direção da
dublagem e facilitam a leitura dos dubladores, como mostro nas seções subseqüentes com
apontamentos explicativos baseados em minha investigação do processo de gravação da
dublagem do seriado, nos comentários feitos pela DD durante esse processo, na minha
observação dos vídeos e na análise dos roteiros.
Primeiramente, explico como o roteiro é manuseado pelos dubladores para depois
voltar a atenção aos componentes que caracterizam o roteiro. Mostro, inclusive, como
determinados itens são grafados para facilitar a leitura dos dubladores. Exponho vários
exemplos para ajudar nas explicações dos itens discutidos, seguidos do nome dos episódios
entre parênteses para que se saiba de onde se originaram. Ao final, apresento algumas
ilustrações tiradas dos roteiros analisados.
5.1 O manuseio do roteiro pelos dubladores
O TT não é impresso no verso da folha, somente na página da frente, para permitir que
os dubladores leiam o roteiro sem ter de virar a folha para ler o outro lado, pois o ruído feito
por esse movimento interferiria na gravação. A norma é sempre digitar num lado só da folha.
É por esse motivo que os dubladores não manuseiam o roteiro quando estão gravando,
podendo fazê-lo somente nos ensaios. O roteiro é colocado à altura de seus olhos, a uma
distância de cerca de quarenta centímetros, sobre uma prancheta por cima da bancada do
estúdio (figura 1, em 4.3). Precisando ler a continuação do loop na página seguinte do roteiro,
119
o dublador, durante o ensaio, anexa a folha que contém o texto restante do loop à página que
está lendo (com um prendedor de papel, por exemplo), formando, assim, uma só página. O
modo como essas folhas podem ser anexadas está apresentado na figura 3.
5.2 A primeira página e a anotação da “apresentação”
A primeira página do TT da dublagem (ver figuras 5 e 9) contém, antes da relação dos
diálogos, o nome e ano do seriado, o número
53
e o nome do episódio na LO e na LA.
A “apresentação” do seriado, que é a gravação da abertura igual para todos os
episódios, com imagens, música-tema, o nome do seriado, os créditos dos atores principais e
do escritor, não aparece na primeira página dos roteiros investigados porque a abertura dos
episódios acontece após alguns minutos de exibição da história a ser contada, ou seja, é feita
antes da apresentação uma introdução da história do episódio atual para criar uma expectativa.
Em Honor, a “apresentação” aparece somente após quatro minutos e trinta e quatro segundos
de exibição da história e, em Start up, após quatro minutos.
No momento em que ocorrem tais cenas de abertura, aparece no TT a palavra
“APRESENTAÇÃO”, conforme feito na terceira página do roteiro do episódio Start up, que
mostro na figura 4, dando destaque à entrada em negrito. A marcação ajuda os participantes
do processo de gravação da dublagem a acompanharem as cenas do vídeo e a leitura do TT.
53
O número do episódio pode ser diferente no país de chegada, pois a seqüência dependerá dos episódios da
temporada que foram escolhidos para serem transmitidos.
120
5.3 A indicação das personagens
Os nomes das personagens são registrados na margem esquerda do papel para cada
fala a ser dublada. Quando não há nome da personagem, há a identificação dela uma vez que
algumas personagens não têm nome próprio por não fazerem parte da trama; têm apenas uma
pequena participação em algumas cenas. Entretanto, são personagens essenciais para a
composição do cenário, que podem ser um garçom, uma criança, um transeunte, um porteiro,
uma camareira etc. Nos episódios investigados, essas personagens foram indicadas no TT
como “trabalhadores”, “vizinha”, “prisioneiro” e “moça” e também constam da folha de
elenco (ver figura 6 com a folha de elenco de Honor), que é a última do roteiro.
A anotação das personagens no TT é feita para indicar ao dublador o momento em que
as falas da personagem que assume começam e terminam. Serve também para mostrar ao
diretor de dublagem que tipo de participação uma determinada personagem terá, se pequena,
média ou grande, o que é visto pelo número de vezes que seu nome aparece no roteiro. O
diretor de dublagem também precisa da orientação de qual personagem está falando porque,
às vezes, marca em suas falas itens que lhe chamam a atenção ou que causam dúvida, tais
como a forma como a personagem pronuncia uma determinada palavra (para lembrar ao
dublador que deve pronunciá-la da mesma forma caso apareça novamente mais adiante no
texto) ou o modo como se refere a uma determinada coisa ou pessoa. Em um momento mais
adiante no roteiro, o diretor de dublagem pode precisar lembrar-se de como foram gravadas as
falas que causaram dúvida e, para isso, vai ter de voltar à página onde fez a marcação no
nome da personagem e no texto que esta interpretou. O técnico de áudio pode também usar a
sua cópia do roteiro para fazer essas mesmas anotações e ajudar o diretor de dublagem.
Na figura 5, mostro uma página do roteiro de Honor com o TT e a indicação de qual
personagem está falando. Observa-se a indicação de duas personagens jovens, que, embora
121
sejam as mesmas pessoas da história, receberão um outro nome (sem a letra J) mais adiante no
roteiro, quando estiverem em uma faixa etária mais elevada. Ou seja, a mesma pessoa da
história pode receber nomes distintos de personagens no roteiro da dublagem para deixar o
diretor de dublagem ciente de que precisará escalar dois dubladores para interpretarem as
diferentes faixas etárias, ou um mesmo dublador que terá de mudar o seu timbre de voz.
5.4 A indicação da “legenda”
A “legenda” é incluída no roteiro traduzido toda vez que o vídeo exibe texto escrito
para informação do espectador e não faz parte da fala das personagens. A legenda pode ser
um texto de um letreiro, de um cartaz, de uma manchete de jornal, ou de identificação de um
estabelecimento, ou referente a qualquer texto que ajude o entendimento daquele espectador
que não domina a língua estrangeira ou daquele que é deficiente visual.
As legendas fazem parte, também, da folha de elenco da dublagem, listadas
juntamente com as personagens, indicando ao diretor de dublagem a necessidade de escalar
um dublador para ser o “anunciante” da(s) legenda(s), já que o dublador simplesmente lê a(s)
legenda(s), não se preocupando com o sincronismo labial, que é inexistente neste caso.
As legendas apareceram poucas vezes nos dois roteiros investigados — três vezes no
episódio Start up e quatro vezes no episódio Honor. Em Start up, por exemplo, há a indicação
de uma legenda porque, na cena, um homem, provavelmente um redator de um departamento
policial, após redigir um documento em uma máquina datilográfica, coloca a folha impressa
em um envelope que contém uma anotação de identificação. A câmera mostra o envelope em
close passando lentamente pelo texto: “LIND, AMY - SUDDEN DEATH”. O tradutor traduziu
esse texto e o transpôs para o TT como legenda:
122
LEGENDA: LIND, AMY — MORTE SÚBITA
Em Honor, um dos exemplos de legenda ocorre porque em uma das cenas um
empregado coloca uma caixa em uma estante de depósito, presumidamente de um
estabelecimento da Polícia, com a seguinte informação anotada à caneta, focalizada pela
câmera: “Apr. ’73 Burton, Carl”. Esse texto transformou-se em legenda no roteiro
traduzido:
LEGENDA: BURTON, CARL — ABRIL DE 1973
Ambos os episódios Start up e Honor mostram duas legendas no início do vídeo. A
primeira é para informar que a obra é fictícia — “The following story is fictional and does not
depict any actual person or event” (Start up e Honor), e, a segunda, para situar o espectador
na época da história — “August 16, 1972” (Honor).
54
Na versão original dos dois episódios
essas legendas são transmitidas somente textualmente, isto é, sem o áudio da narração na LO.
5.5 A indicação do “vozerio”
Quando uma cena mostra várias pessoas falando ao mesmo tempo, como em eventos
públicos e comemorações, ou em situações de balbúrdia, como em acidentes de trânsito, que
reúnem aglomerações de curiosos, ou seja, quando há vários diálogos ou comentários que se
sobrepõem, o tradutor para dublagem não traduz cada palavra ou trecho de diálogo que
consegue ouvir; ao invés, anota no roteiro “VOZERIO”.
Antes da gravação da dublagem, o diretor de dublagem assiste ao vídeo,
acompanhando os diálogos na tela e no roteiro traduzido. Na indicação do vozerio no TT, o
123
diretor de dublagem pode fazer anotações sobre o tema e uma estimativa de quantos
dubladores e de quantas vozes masculinas e femininas precisará para gravar aquele
determinado vozerio, que é dublado com alguns ou vários dubladores, dependendo da
situação, em conjunto, para dar um maior efeito de realidade à cena.
A marcação do vozerio no TT também é importante para o diretor de dublagem
durante a gravação da dublagem, pois nesta fase pode ir marcando no roteiro onde os vozerios
se encontram para deixar para gravá-los por último de uma só vez — como foi feito com os
episódios investigados — ou para um outro momento estipulado.
O tradutor anota o vozerio também na folha de elenco, o que foi feito uma única vez
para cada um dos dois episódios investigados, mesmo havendo mais de um no roteiro, o que
facilita o diretor de dublagem na hora de planejar a escalação dos dubladores, já ciente que
precisará convocar alguns dubladores só para interpretar o vozerio. Geralmente, para reduzir
tempo e custos, o diretor de dublagem separa as cenas de vozerio e marca um mesmo horário
com os dubladores para gravar de uma só vez todos os vozerios existentes naquela produção.
Na figura 5, destaco em negrito o “VOZERIO” em uma página do roteiro de Honor,
mostrando como é feita essa anotação. O tradutor fez o registro logo após a legenda porque o
episódio começa com uma cena de festa, em que várias pessoas conversam enquanto estão na
expectativa da chegada de Carl, um prisioneiro de guerra que volta para casa após passar
cinco anos no Vietnã.
55
54
Ilustração com a tradução dessas legendas na figura 5.
55
No capítulo 4, expliquei como os dubladores gravaram essa cena de vozerio e que diálogos criaram.
124
5.6 A indicação das “reações”
“Reação” é um termo técnico em dublagem que aparece sempre no roteiro entre
parênteses ou com o símbolo “(R)” toda vez que uma personagem esboça alguma reação não-
verbalizada, mas emite um som, através, por exemplo, de um sorriso, um choro, um sopro, um
estalo entre os dentes, um espirro etc., ou quando usa uma interjeição. Essas reações são
registradas no roteiro pelo tradutor porque são gravadas pelo dublador para dar mais realidade
às cenas. O dublador interpreta o ator da tela incorporando todas as suas ações e sentimentos
e, por isso, todas as reações da personagem devem ser transmitidas.
A indicação dos risos das personagens também pode ser feita com a marcação
“(RISOS)” — uma forma de assinalar de maneira mais explícita a reação do ator e de ajudar o
dublador na leitura do texto nos momentos em que esta reação aparece repetidas vezes em
uma mesma fala ou em falas consecutivas, ou quando a personagem está em off.
A página do roteiro de Start up mostrada na figura 7 exemplifica a marcação de
reações e risos (destacada em negrito). A “reação” na primeira fala de Coleman foi anotada
pelo tradutor porque a personagem usa uma interjeição que exprime dúvida (“Hã”). A
“reação” em sua segunda fala ocorre porque Coleman começava a rir em off. A marcação dos
risos antes da fala de Coleman impede o dublador de esquecer que deverá iniciar a sua
gravação com a reação, principalmente nesta situação em que o riso inicial não aparece com a
personagem no vídeo. Quando Coleman surge enquadrado no vídeo, ainda está rindo, por
isso, o tradutor marcou a continuação do riso com o aviso “(REAÇÃO)”. Coleman, então,
começa a falar, “Boa bagagem, admito. Mas...”, sorri (por isso a indicação da reação
novamente), e conclui seu pensamento, “Não é uma resposta”.
A participação seguinte de Coleman na cena é registrada no roteiro somente com
“(REAÇÃO)”, quando apenas expressa entendimento com a interjeição “Hã hã”. As demais
125
reações marcam novamente os risos de Coleman, com exceção da última, que foi anotada por
causa de um suspiro dado pela personagem antes de falar, “Tô dentro”.
5.7 Anotação explicativa
O roteiro de Start up apresentou um item que poderia não ser entendido pela DD e/ou
pelos dubladores. A ausência de uma anotação explicativa no roteiro poderia causar uma
interrupção durante a gravação da dublagem devido ao desentendimento. A página do
episódio exibe a anotação,
56
adicionada ao TT pelo tradutor, ao lado da sigla “C-V-M”,
57
entre parênteses e em caixa baixa para o dublador não confundir com o texto a ser dublado.
5.8 A folha de elenco
Na folha de elenco, encontra-se a relação de todas as personagens que participam
daquele episódio, inclusive as que são identificadas apenas pela sua ocupação e as que têm
outras identificações (vizinha, moça etc.), as legendas
58
e o vozerio (somente a menção é
feita, sem enumeração e distinção de temas). Essa relação, escrita pelo tradutor, mas também
existente no roteiro original, orienta o diretor de dublagem na escalação dos dubladores,
podendo já saber de quantos dubladores precisará para a gravação do vídeo e de quantas vozes
masculinas e femininas terá que dispor.
A folha de elenco de Honor,
59
anexada ao final de todas as falas, mostra como é feita
a distribuição das personagens.
56
Na figura 8, destacada em negrito.
57
Tradução para “SEC”: Securities and Exchange Commission.
58
Na folha de elenco do episódio Honor, provavelmente o tradutor se esqueceu de fazer a anotação das legendas.
Entretanto, o diretor de dublagem, que também assiste ao vídeo antes de dirigi-lo, pode anotar na sua cópia do
roteiro onde ocorrem as legendas (caso sejam esquecidas também na relação dos diálogos, o que não foi o caso
com os episódios investigados) e acrescentar uma anotação na sua cópia da folha de elenco.
59
Apresentada na figura 6.
126
5.9 Grafia de números
Os números que fazem parte do texto a ser dublado são, geralmente, representados
com palavras, ou seja, não são grafados com algarismos, frações ou outras simbologias. Essa
forma também ajuda na dicção do dublador que pode se atrapalhar ao ler muitos números
juntos, principalmente os compostos de vários dígitos. Lembra-se, aqui, que o dublador
precisa se compenetrar em diversos fatores nos poucos minutos de que dispõe para ensaiar e
gravar um loop: leitura do roteiro, sincronismo labial, interpretação, dicção, entre outros. Por
isso, os números grafados por extenso dão mais segurança ao dublador na leitura, diminuindo
as suas chances de cometer “tropeços”, principalmente quando representam grandes
quantidades e quando podem ser flexionados no feminino ou no masculino. A seguir,
exemplos de grafias de diversas categorias numéricas encontradas nos episódios investigados.
5.9.1 Grafia dos números cardinais
Números cardinais grafados por extenso foram encontrados em quase todas as falas
traduzidas nos dois episódios. As exceções, embora não constituam uma regra, ocorreram
com datas (dia e ano) e idades (marcados abaixo com *). A seguir, alguns exemplos:
TT: TÁ BRINCANDO COMIGO, HERÓI? ESSE LETREIRO VALE
PELO MENOS DOIS CARROS POR MÊS. TRÊS SE EU PUDESSE
ENSINAR UMAS COISINHAS A VOCÊ. (Honor)
TT: NOVIDADES DA PERÍCIA. O CORPO DE AMY TINHA OITO
VEZES MAIS QUE O NÍVEL NORMAL DE CLORETO DE POTÁSSIO.
(Start up)
TT: É, E UM GAROTO DE
QUINZE ANOS QUE ACABOU DE
PERDER O PAI? (Honor)
127
TT: MORRE DE ATAQUE CARDÍACO. 24 ANOS. (Start up) *
TT: WESTLIN PASSOU QUATRO MESES EM TEXAS EM 71
AGUARDANDO SER EMBARCADO. (Honor) *
5.9.2 Grafia dos números ordinais
Os números ordinais também são grafados por extenso no TT, principalmente porque
podem representar grandes escalas e dificultar a pronúncia devido à complexidade das
palavras: quadragésimo, qüinquagésimo, septuagésimo etc. Exemplos de falas encontradas no
TT de Honor que contêm numeração ordinal:
TT: E POR QUE ESTAVAM NA SUA CASA EM PRIMEIRO LUGAR?
TT: ATINGIDO NA VIGÉSIMA TERCEIRA MISSÃO DE
BOMBARDEIO SOBRE HANÓI.
5.9.3 Grafia dos números fracionários
Os números fracionários também foram grafados por extenso nos roteiros
investigados. “Meio” e “meia”, ao invés de “½”, foram exemplos de grafia de fração em
referência a horas, dinheiro e distância:
TT: SABE QUEM PODE TER ESTADO COM ELA? ÀS SEIS E MEIA
DA MANHÃ? (Start up)
TT: ANÚNCIO NO SUPERBOWL. UM MILHÃO E MEIO POR TRINTA
SEGUNDOS. (Start up)
TT: ARMA FOI ENCONTRADA A UM METRO E MEIO DO CORPO.
(Honor)
128
5.10 Grafia dos valores em dinheiro e do símbolo monetário
Os valores em dinheiro e o símbolo monetário “U$” foram grafados no TT da mesma
forma que as categorias numéricas apresentadas aqui, ou seja, por extenso, e pelo mesmo
motivo: para facilitar a leitura do dublador e, assim, lhe dar mais segurança. Observa-se que a
transcrição abaixo poderia fazer o dublador parar para pensar duas vezes antes de ler o valor
para não cometer erros. Isso atrapalha o dinamismo do trabalho do dublador, que mantém
“um olho no roteiro e o outro na tela” para não perder o conteúdo do TT, tampouco o
sincronismo labial. O exemplo abaixo é do episódio Start up:
TT: [...] EU TENHO... VINTE E DOIS MIL E TRINTA E SETE
DÓLARES NO BANCO. E UMA APOSENTADORIA.
As pontuações existentes nas quantias de dinheiro (“ponto”; “vírgula”) também são
representadas textualmente quando se quer indicar que o dublador deve gravá-las:
TT: [...] UMA CERTA SECRETÁRIA INTELIGENTE COM UM PÉ DE
MEIA DE NOVE
VÍRGULA OITO MILHÕES. (Start up)
TT: HG FRIDAY. UMA CONTROLADORA COM NOVE
PONTO OITO
MILHÕES. (Start up)
Na figura 9, encontra-se a primeira página do roteiro de Start up, que mostra como
algumas representações numéricas, inclusive referentes a dinheiro, foram grafadas (em
negrito).
129
5.11 Grafia dos horários
Os horários são grafados sem algarismos e símbolos, também para ajudar o dublador a
ler com precisão e sem titubeios, como feito na seguinte fala:
TT: CINCO PRAS SEIS. SE EXERCITAVA COMO PODIA.
COMEÇAVA O DIA. (Honor)
5.12 Grafia das medidas
As unidades usadas para expressar medidas de comprimento (metro e quilômetro) não
são grafadas no TT em forma de abreviações (m; km), mas por extenso, por todos os motivos
expostos para ajudar na leitura. Abaixo, alguns exemplos encontrados no TT do episódio
Honor:
TT: O CORPO DO CARL FOI ENCONTRADO A UM QUILÔMETRO
DA RECEPÇÃO. A ARMA ESTAVA PERTO, MAS A CHUVA ACABOU
COM AS DIGITAIS.
TT: (REAÇÃO) A ARMA FOI ENCONTRADA A UM METRO E MEIO
DO CORPO.
5.13 Grafia de siglas
A sigla é anotada no TT com cada letra separada por um hífen, para indicar que cada
uma deve ser pronunciada, evitando que o dublador “tropece” na leitura da sigla, pois pode
pensar que é uma palavra para ser pronunciada sem ser soletrada (diferentemente de “ONU” e
“CIA”, por exemplo). As falas com exemplos de siglas foram encontradas no episódio Start
up:
130
TT: NA U-T-I. ESTAVA BEM MACHUCADA. FOI ACHADA QUASE
NO MESMO LUGAR QUE ELISA.
TT: BELO MOMENTO TIVERAM. ACABARAM O M-B-A EM 97,
FUNDARAM A EMPRESA EM 98.
TT: LIGANDO PRA C-V-M.
5.14 Grafia das pontuações
Pontuações (vírgula, ponto etc.) existentes em valores monetários são transferidas para
o TT através de palavras, como visto na seção 5.10. O mesmo procedimento é seguido em
outros contextos, como para identificar endereços eletrônicos, e para atingir os mesmos
objetivos já discutidos:
TT: OFERTA INICIAL EM DEZEMBRO DE 98. PICO DO BOOM DAS
PONTO COM. (Start up)
5.15 Uso das reticências
As reticências aparecem nos roteiros investigados representando uma pequena pausa
(alguns segundos) durante a fala da personagem. O exemplo abaixo mostra a personagem
Rush (Start up) contracenando com Geraldine. Rush interrompe a sua fala por um instante de
silêncio (após a palavra “são”), aparentemente pensando em que palavra escolher para dizer
que tipo de mulheres Geraldine odeia:
TT: QUE ISSO, GERALDINE. VOCÊ ODIAVA A AMY. COMO ODEIA
TODAS AS MULHERES QUE SÃO... DECIDIDAS.
131
No próximo capítulo, mostro como a DD e os dubladores interferiram nas falas dos
roteiros aqui descritos, focando suas colaborações para atender às restrições impostas pela
dublagem e explicando o motivo da interferência.
132
132
Figura 3 — Arrumação das folhas do roteiro feita pelos dubladores
133
Figura 4 — Marcação da “apresentação” no roteiro
VERA ESTÁ TUDO DATADO. PARECE UM DIÁRIO.
VALENS BOM, PODERIA SER UMA PEÇA.
TAYLOR FOI O QUE EU PENSEI. MAS AÍ PESQUISEI O NOME. AMY
LIND É UMA PESSOA DE VERDADE. QUE ESTÁ MORTA.
VALENS "O VENENO FECHA OS OLHOS DELA. PARALISA A LÍNGUA.
FAZ PARAR O CORAÇÃO “GHASTY". “GHASTY”?
VERA O AUTOR NÃO QUIS PARAR DE ESCREVER E REVISAR O
TEXTO?
VALENS "VAI PRO INFERNO, AMY LIND."
VERA MORRE DE ATAQUE CARDÍACO. 24 ANOS.
VALENS "FAZ PARAR O CORAÇÃO".
NANCY VOCÊS ASSUMEM DAQUI? VAMOS.
TAYLOR PODEM PRECISAR DE MIM.
VALENS FOI UM BOM TRABALHO. SE TIVERMOS PERGUNTAS,
FALAMOS COM VOCÊ. OBRIGADO.
VERA ERA MUITO JOVEM PRA TER CORAÇÃO RUIM.
VALENS ACHO QUE ACONTECE. MAS... (REAÇÃO) O VENENO
TAMBÉM.
VERA BOM, VAMOS DESCOBRIR QUEM ODIAVA TANTO A AMY.
VALENS VER SE ELE PASSOU (REAÇÃO) DE AUTOR A ASSASSINO.
APRESENTAÇÃO
VALENS MAYES, E AÍ?
MAYES EI, SCOTTY.
VALENS MANNY FERNANDEZ ME LIGOU.
134
Figura 5 — Marcação do “vozerio” no roteiro
COLD CASE - ANO 03
EP. 08 - HONOR - HONRA
LEGENDA ESSA HISTÓRIA É FICTÍCIA, COM PESSOAS E EVENTOS
FICTÍCIOS.
VOZERIO
LEGENDA 16 DE AGOSTO DE 1972
VIZINHA O QUE É ISSO AÍ, NED?
NED J É PRO MEU PAI.
JANET J NEDDY! NEDDY, PODE LEVAR ESSAS BATATAS PARA A
SALA? ESTOU COM A MÃO SUJA.
NED J MÃE. FIZ UM DESENHO DO AVIÃO DO PAPAI COM A
DECORAÇÃO DAS ASAS IGUALZINHA, TÁ?
JANET J TÁ, NEDDY.
NED J PORQUE VOCÊ DISSE QUE ELE NÃO VAI MAIS VOAR, ENTÃO
PRECISA DE ALGO PRA LEMBRAR.
JANET J (REAÇÃO) MÃE! PRECISO DA SUA AJUDA AQUI!
NED J QUEM É VOCÊ?
CARL QUEM É VOCÊ?
NED J SOU O NED.
CARL BOM, ENTÃO SOU SEU PAI, NED.
NED J NÃO SE PARECE COM MEU PAI. TENHO A FOTO DELE.
135
Figura 6 — Folha de elenco
1. RUSH
2. VALENS
3. JEFFRIES
4. STILLMAN
5. VERA
6. VIZINHA
7. NED J
8. NED
9. JANET J
10. JANET
11. CARL
12. MILLER
13. KEN
14. KEN J
15. WES
16. DANIEL J
17. DANIEL
18. ROGER
19. ROGER J
20. PRISIONEIRO
21. RUTH
22. MOÇA
136
Figura 7 — Marcação de “reação” e de “risos” no roteiro
VERA CHEGOU A VER OS DOIS EM AÇÃO?
ALORA EU ESTAVA LÁ NA FUNDAÇÃO. O MUNDO DELES MUDOU EM
UM DIA.
COLEMAN BOM, IDÉIA INTERESSANTE. MAS... (REAÇÃO) COMO VAI
FUNCIONAR EXATAMENTE?
SCOTT DOIS FORMADOS DE WHARTON, SUMMA CUM LAUDE,
ACHAMOS UM JEITO.
COLEMAN (RISOS) (REAÇÃO) BOA BAGAGEM, ADMITO. MAS...
(REAÇÃO) NÃO É UMA RESPOSTA.
AMY SÃO TRÊS DA MANHÃ. SEU FILHO ESTÁ PASSANDO MAL.
ESTÁ DELIRANDO. VOCÊ PRECISA DE AJUDA.
COLEMAN (REAÇÃO)
AMY VOCÊ ENTRA ONLINE. O QUE ACONTECE COM O GAROTO?
E ENTRAMOS AÍ.
COLEMAN LIONSTAFF.
AMY DIGITA OS SINTOMAS, TEM AS RESPOSTAS EM SEGUNDOS.
E INSTRUÇÕES. COMO AJUDÁ-LO.
COLEMAN É UM OBJETIVO NOBRE. AJUDAR PESSOAS.
AMY E UMA ÓTIMA IDÉIA DE NEGÓCIOS. OS USUÁRIOS VÃO
ESTAR DESESPERADOS. GENTE DESESPERADA PAGA.
COLEMAN (RISOS) (REAÇÃO) BOM. (REAÇÃO) TENHO QUE DIZER,
QUANDO EU TINHA A IDADE DE VOCÊS, A ÚNICA COISA QUE
EU TINHA NA GARAGEM ERA... UMA BANDA.
AMY O QUE ACHA?
COLEMAN (REAÇÃO) TÔ DENTRO.
SCOTT QUANTO?
137
Figura 8 — Marcação da “anotação explicativa” no roteiro
MALVINDER SÓ EU. ERA UMA VIA DE MÃO ÚNICA.
VALENS (REAÇÃO) ACHEI QUE A ODIAVA, MAL. POR NÃO TER SIDO
SÓCIO.
MALVINDER ISSO FOI ANTES DE TRABALHAR COM ELA. PASSAR TEMPO
COM ELA.
JEFFRIES E SUA ESPOSA?
MALVINDER MEU CASAMENTO FOI ARRANJADO.
VALENS AINDA FAZEM ISSO?
MALVINDER MINHA FAMÍLIA É TRADICIONAL.
JEFFRIES ENTÃO... VOCÊS ERAM PRATICAMENTE ESTRANHOS.
MALVINDER (REAÇÃO) MINHA CASA ERA UM LUGAR ESTRANHO. EU
FICAVA MAIS À VONTADE COM AMY.
VALENS ELA SABIA DO SEU SENTIMENTO?
MALVINDER AMOR. É DIFÍCIL GUARDAR PRA SI...
MALVINDER TEM ALGUÉM AQUI?
AMY ALGUÉM ESTÁ NOS VENDENDO A DESCOBERTO.
APOSTANDO CONTRA.
MALVINDER PRECISO FALAR UMA COISA COM VOCÊ.
AMY VOU DESCOBRIR QUEM. SE FOR ALGUÉM INTERNO, EU
LIGO PRA C-V-M. (comissão de valores mobiliários)
MALVINDER TEM UM LIVRO. SE CHAMA “ENTRE DOIS AMORES”.
AMY OBRIGADA, MALVINDER.
MALVINDER É SOBRE UMA JOVEM, OBRIGADA A SE CASAR E A IR PRA
LONGE DE CASA.
AMY FOI UM FILME, NÉ?
138
Figura 9 — Grafia de números e de quantias monetárias no roteiro
COLD CASE/ARQUIVO MORTO- ANO 03
EP. 06 - START UP – CAPITAL DE RISCO
LEGENDA ESSA HISTÓRIA É FICTÍCIA, COM PESSOAS E EVENTOS
FICTÍCIOS.
LEGENDA 6 DE DEZEMBRO DE 1998
TRABALHADORES DEZ... NOVE... OITO... SETE... SEIS... CINCO... QUATRO...
TRÊS... DOIS... UM... (REAÇÃO)
AMY TÁ, PESSOAL! VALOR FINAL DA OFERTA PÚBLICA INICIAL DA
LIONSTAFF... PREÇO DE ABERTURA, ONZE DÓLARES POR
AÇÃO... PREÇO FINAL, TRINTA E UM! (REAÇÃO)
SCOTT CAVALHEIROS, ESTÃO OFICIALMENTE RICOS! É A ÚLTIMA
PIZZA GRÁTIS QUE VÃO TER DE MIM.
AMY SCOTT. TRINTA E UM... SÃO UNS QUINZE MILHÕES.
SCOTT PARA A COMPANHIA. QUANTO PRA MIM, PESSOALMENTE?
AMY NÃO SEI, MIDAS. O BASTANTE?
COLEMAN SCOTT, AMY! MENINOS! CONSEGUIMOS! O PESSOAL NO
CLUBE DISSE QUE AS AÇÕES DE TECNOLOGIA ERAM
RUINS.
SCOTT BOM, JUVENTUDE É O FUTURO. E ESTÃO VELHOS.
AMY QUE BOM QUE GOSTOU.
COLEMAN GOSTEI? VAMOS FAZER UMA FESTA! JÁ PREPARARAM
ALGUMA COISA?
GERALDINE SENHOR COLEMAN. OS CORRETORES ESTÃO QUERENDO
UMA FOTO COM O SENHOR.
6 MUDANÇAS INTRODUZIDAS NO TEXTO TRADUZIDO PELOS DUBLADORES
E PELA DIRETORA DE DUBLAGEM
Neste capítulo, serão discutidas as mudanças introduzidas no TT pelo dublador e pela
DD, através de exemplos coletados por mim durante a etapa de observação investigativa desta
pesquisa. É relevante apontar que as categorias de análise presentes aqui emergiram da
primeira análise que fiz a partir das minhas anotações no diário de campo, quando ainda não
questionava o papel dos sujeitos investigados enquanto agentes ativos do processo tradutório
para a dublagem, mas somente me atinha a querer entender como modificavam o TT para
atingirem seus objetivos. Essas categorias de análise é que vieram a constituir a base para a
investigação do papel que esses sujeitos exercem em uma gravação de dublagem, assunto que
discuto no capítulo 7, a seguir.
Considero que, para o pesquisador entender o resultado final da tradução de um
material audiovisual dublado, não lhe basta ter o domínio da LO e da LA, tampouco ter
experiência em comparar o TD transmitido pela TV ou outro veículo de comunicação com o
TT e com o som original. Após ter observado a gravação de uma produção de dublagem,
posso reiterar a afirmação de Renato Rosenberg, tradutor para dublagem de filmes para
televisão e cinema no Brasil, de que o tradutor para dublagem deve começar na área passando
“um bom período dentro do estúdio, para acompanhar os principais problemas que as
traduções literais ocasionam, e para que possam ver como os dubladores costumam ‘cortar o
texto para poder caber na boca’” (ROSENBERG, 2003: 166) e estender a sua recomendação
aos pesquisadores da área.
Minha observação investigativa atesta que a gravação de dublagem não é uma tarefa
mecânica, um simples ato de leitura por parte dos dubladores e nem mesmo se restringe a um
140
ato de interpretação teatral. Ao contrário, a todo momento, o dublador se depara com
dificuldades para produzir a fala do TT e, por isso, faz anotações no roteiro de sua própria
autoria e/ou induzidas pelo diretor de dublagem —, troca, corta ou insere palavras, faz
comentários, sugestões, levanta questões, dialoga com o diretor de dublagem, ensaia as
alterações que fez, descarta as que não deram certo, reflete sobre outras, num ciclo constante
(sob orientação, supervisão e aprovação do diretor de dublagem) até chegar ao texto que será
efetivamente gravado.
Durante a minha pesquisa in loco, percebi que pequenas mudanças puderam ser feitas
no TT pelos dubladores sem que precisassem ser comunicadas à DD, até porque muitas não
ocorrem durante os ensaios, mas na hora da gravação, quando os dubladores sentem
necessidade de inserir mais palavras no TT para preencher todas as aberturas labiais da
personagem, ou de omitir palavras para não acabarem de falar depois da personagem. Essas
pequenas mudanças são relativas à omissão e/ou inclusão de pronomes pessoais, de
interjeições e de conjunções. as mudanças de peso maior, como por exemplo, a
compactação do texto através da reformulação de um trecho da fala ou de toda a fala ou o
aumento do texto através da reformulação de um trecho da fala ou de toda a fala, foram, na
maioria das vezes, sugeridas pela DD. Quando propostas pelos dubladores, puderam ser
feitas após a autorização dela. A DD pode avaliar melhor se a mudança sugerida pelo
dublador vai alterar ou não o sentido da fala, pois assiste ao filme inteiro antes de dirigir a
dublagem, ao contrário do dublador, que conhece a sua personagem na hora em que a está
dublando.
Na maioria das vezes, foi a DD que pediu que o dublador modificasse o TT com as
alterações feitas por ela, conforme será visto nos exemplos oferecidos nas seções que se
seguem. Isto ocorreu quando a DD já havia verificado que o TT iria: a) ter seu tempo de
dublagem maior ou menor do que o tempo de fala da personagem no som original; b) deixar
141
de preencher algumas aberturas labiais, o que impediria um bom sincronismo labial; c) causar
dúvida no espectador por falta de maior clareza textual e/ou d) deixar de interagir com a
imagem.
Uma análise acurada dos roteiros dos dois episódios investigados revelou que as
alterações feitas no TT pelos dubladores e pela DD no intuito de sanar os problemas descritos
acima tomam as seguintes formas: inclusão de palavras, omissão de palavras, substituição da
“reação” por texto, substituição de texto por “reação”, eliminação de repetição excessiva,
deslocamento de palavras para outros pontos do texto, compactação do texto através da
reformulação de um trecho da fala ou de toda a fala, aumento do texto através da
reformulação de um trecho da fala ou de toda a fala, abreviação de itens lingüísticos para
adequação à linguagem informal, substituição de vocabulário para adequação à situação
interpretada, e substituição de uma palavra ou de uma expressão por outra palavra ou por
outra expressão com a mesma idéia. Observei, da mesma forma que, muitas vezes, mais de
uma dessas alterações são feitas simultaneamente em uma mesma fala.
Nos exemplos, é apresentado o TO, junto ao qual é indicado o nome da personagem
60
que enunciou a fala, bem como o nome do episódio onde ocorreu a cena. Segue-se o TT e,
finalmente, o TD com os trechos relevantes sublinhados. Este último mostra a fala com as
mudanças realizadas e aprovadas para a gravação da dublagem. Em cada exemplo relato qual
o participante a DD e/ou o dublador
61
que tomou a decisão de fazer a alteração no TT e
explico qual a forma que essa interferência tomou. Algumas vezes, farei as minhas próprias
deduções das causas das interferências visto que nem sempre os participantes manifestavam
explicações antes de fazê-las e, outras vezes, explicavam-se, mas não satisfatoriamente para a
minha análise de dados. No entanto, a minha conduta como pesquisadora não me permitia
60
Apesar de o nome da personagem aparecer nos exemplos ao lado do TO, deixa-se claro que foi retirado do TT
porque não tive acesso ao roteiro original, conforme expliquei no capítulo 3.
61
Entende-se aqui que sempre que usar a palavra “dublador”, estarei fazendo referência ao gênero feminino
também. A distinção do sexo não será feita porque não será levada em conta na análise de dados.
142
interromper a gravação da dublagem em todos esses momentos para fazer interrogações aos
participantes.
62
Por isso, nesses casos, não poderei relatar se as alterações foram feitas a partir
do TO ou do TT ou a partir do confronto entre os dois textos, mas acredito que nenhuma
interferência foi feita aleatoriamente.
6.1 Inclusão de palavras
A inclusão de palavras no TT geralmente ocorre quando o tempo da fala dublada está
menor do que o tempo da fala original. Pode ser preciso desde a inclusão de uma única
palavra para preencher uma abertura labial, e assim proporcionar um melhor sincronismo
entre a fala original e a fala dublada, até a inclusão de várias palavras para não deixar a
personagem “batendo boca”. Mas, às vezes, pode ocorrer para proporcionar mais clareza ao
texto.
6.1.1 Inclusão de apenas uma palavra
Nos casos de interferência no TT para a inclusão de uma única palavra, observei que
tal fato ocorreu com o uso de um pronome, uma preposição, uma interjeição, um artigo, uma
conjunção, um advérbio, um adjetivo, um verbo, um substantivo ou um nome próprio,
conforme mostro, abaixo, nos exemplos selecionados para cada caso respectivamente. Essas
pequenas inclusões não acrescentaram significado relevante às falas e, na maioria das vezes,
foram explicitados pronomes pessoais onde estes estavam ocultos porque a terminação do
verbo conjugado já indicava a referência ou quando o contexto do diálogo permitia ao
espectador entender qual era a personagem referida. É importante ressaltar que aqui me refiro
62
No capítulo 3, expliquei que optei por não interferir no processo de gravação da dublagem, salvo em raras
exceções, para não quebrar a rotina de trabalho dos participantes e para não atrasá-los.
143
à análise das falas que tiveram como única interferência a inserção de uma palavra apenas,
quero dizer, o TT ficaria “intacto” se não fosse pela inclusão dessa palavra.
a) Inclusão de pronomes
Analisando as falas do TT que se modificaram na gravação da dublagem apenas pela
inserção de uma única palavra, constatei que a escolha por um pronome pessoal era recorrente
(22 casos em um total de 70). Entretanto, após ter identificado todas as interferências deste
tipo, nos dois episódios, verifiquei também o uso de pronomes demonstrativos, mas em
número bem menor, somente em três falas. Foram encontrados também casos de acréscimo de
pronomes (indefinido e possessivo).
a
1
) Uma das ocorrências com o pronome pessoal
A fala a seguir aparece no TT como uma interrogativa com o sujeito oculto “eu”, mas
a conjugação do verbo da primeira pessoa do singular — “estou” — permite que o espectador
faça a inferência certa sobre o sujeito da ação. A decisão da DD de incluir o pronome pessoal
no TT não foi, portanto, para reforçar o entendimento da referência pessoal, mas para
melhorar o sincronismo labial do início da fala. Pronunciando a primeira palavra das três
versões do texto abaixo, é possível perceber que “eu” parece, como se diz no jargão da
dublagem, “bater”
63
melhor com I do que com “fi”, a primeira sílaba da palavra
“finalmente”, devido à movimentação labial.
Exemplo 1:
TO: Janet J: I'm finally looking good? (Honor)
TT: Finalmente estou bem?
TD: Eu
finalmente estou bem?
63
“Bater” é um termo usado pelos profissionais da área no sentido de “ficar parecido”.
144
a
2
) Uma das ocorrências com o pronome demonstrativo
O exemplo a seguir mostra que as palavras north e that”, do TO, tiveram suas
traduções omitidas no TT, tornando a fala curta demais para sincronização com o TO. Para
corrigir o problema, a DD optou por acrescentar um pouco mais de tempo e ênfase à fala
dublada com a inserção do pronome demonstrativo “isso”, que corresponderia à palavra
that” ouvida no som original.
Exemplo 2:
TO: Carl: He's an American soldier. To the North Vietnamese that's a crime.
(Honor)
TT: É um soldado americano. Para os Vietnamitas, é um crime.
TD: É um soldado americano. Para os Vietnamitas, isso é um crime.
a
3
) A ocorrência com o pronome indefinido
O pronome indefinido “tudo” foi incluído no TT da fala seguinte porque o dublador,
enquanto gravava, percebeu que sua voz iria terminar de ser ouvida antes das últimas “batidas
labiais”
64
do ator
65
e, por isso, improvisou com o pronome cuja referência estava implícita,
pois a cena mostrava a detetive Rush dando continuidade à sua investigação sobre o dia do
desaparecimento da personagem Carl.
Exemplo 3:
TO: Rush:
Is that when this started? (Honor)
TT: Foi quando começou?
TD: Foi quando tudo começou?
64
Conforme visto, “batida labial” é um movimento labial.
65
Usarei a palavra “ator” para referir-me também à “atriz”, quando for o caso, por uma questão de
generalização.
145
a
4
) A ocorrência com o pronome possessivo
A inclusão do pronome possessivo, apesar de inexistente no TO, deu-se a partir da
iniciativa do dublador que, ao que me pareceu, não quis ficar preso à leitura do TT, deixando
que a sua interpretação fluísse naturalmente ao experimentar um momento de angústia da
personagem Scott — a dúvida se deveria ou não cometer um homicídio contra sua sócia.
Exemplo 4:
TO: Scott: Oh, God, I can’t. (Start up)
TT: Ah, Deus, não posso.
TD: Ah, meu Deus, não posso.
b) Inclusão de preposição
A preposição “por”, no exemplo selecionado, foi introduzida no TT porque a DD
julgou que, assim, o TD ficaria mais fácil de entender uma vez que a personagem Amy estava
respondendo a um comentário de Scott (sócio de Amy) e explicando a ele que a causa da sua
tristeza não era o que ele pensava. Na cena, Scott lhe diz para não se preocupar porque a
empresa em que trabalham irá ajudar pessoas, portanto, não é para ganhar dinheiro. A DD
acreditou que o complemento da resposta “não é por isso” deixaria implícito o
significado “não é por causa disso”.
Exemplo 5:
TO: Amy: Thanks, but that's not it. (Start up)
TT: Obrigada, mas... não é isso.
TD: Obrigada, mas não é por isso.
146
c) Inclusão de interjeição
Neste exemplo, o dublador conseguiu o tempo satisfatório para a sua fala incluindo
apenas uma interjeição no início dela. Com a interjeição, além do sincronismo labial, o
dublador conseguiu dar à fala um tom bem natural, ajustado à imagem da personagem
(Valens) ao mostrar-se surpresa pela habilidade da personagem Taylor em lidar com o
computador.
Exemplo 6:
TO: Valens: Sounds like you're good at this. (Start up)
TT: Parece que você é bom nisso.
TD: É, parece que você é bom nisso.
d) Inclusão de artigo
A inclusão de artigos parece ser uma estratégia muito útil e prática quando se quer
acrescentar apenas um pouco de tempo à fala dublada, mas também pode ser utilizada para
proporcionar clareza textual, ou para atender aos dois propósitos.
d
1
) Artigo definido
Quando necessários para adicionar um pouco mais de tempo ao TT, os artigos
definidos são geralmente usados antes de nomes próprios, por exemplo, em “Depois que Gage
morreu...”
“Depois que o Gage morreu...” (Start up). Entretanto, os artigos definidos
também podem ser adicionados ao TT para melhorar a sonoridade da fala. No exemplo que se
segue, a DD preferiu inserir o artigo definido “o entre a conjunção “com” e o pronome
possessivo “meu” para evitar a cacofonia “com meu”
“comeu”.
147
Exemplo 7:
TO: Ned J: You don't look like my dad. I have his picture. (Honor)
TT: Não se parece com meu pai. Tenho a foto dele.
TD: Não se parece com o meu pai. Tenho a foto dele.
d
2
) Artigo indefinido
Para ajudar o dublador a terminar a sua fala junto com a fala original, a DD incluiu, no
TT, o artigo indefinido “uma” antes da palavra “foto”.
Exemplo 8:
TO: Geraldine: If you really want your picture taken dressed like that. (Start
up)
TT: Se realmente quer tirar foto vestido desse jeito.
TD: Se realmente quer tirar uma foto vestido desse jeito.
e) Inclusão de conjunção
A conjunção mais usada para ajudar a aumentar o tempo da fala dublada ou para
preencher uma pequena abertura labial é a conjunção “e”, possivelmente porque pode unir
idéias sem alterar o significado delas. No exemplo a seguir, o dublador melhorou o
sincronismo labial da dublagem juntando os dois períodos da segunda frase com a conjunção.
Exemplo 9:
TO: Ned: Marched me home, went down to the basement for a while, then left.
(Honor)
TT: (Reação) Me levou pra casa. (Reação) Ficou um tempo no porão, aí saiu.
TD: (Reação) Me levou pra casa. (Reação) Ficou um tempo no porão e aí saiu.
f) Inclusão de advérbio
No exemplo abaixo, a DD aumentou o tempo da fala dublada incluindo o advérbio “mais” no
TT e reforçou a idéia transmitida.
148
Exemplo 10:
TO: Alora: After that they rented the office and she was pretty much gone.
(Start up)
TT: Depois disso, eles alugaram o escritório, e ela não parava em casa.
TD: Depois disso, eles alugaram o escritório, e ela não parava mais em casa.
g) Inclusão de adjetivo
Adjetivos podem ser introduzidos no TT para ajudar no sincronismo labial e, ao
mesmo tempo, colaboram para dar mais ênfase ao substantivo a que se referem, como no caso
abaixo. Observa-se que não também correspondente para o adjetivo “grande” do TD no
TO.
Exemplo 11:
TO: Coleman: Heart failure. The loss of my life. (Start up)
TT: Falência cardíaca. A perda da minha vida.
TD: Falência cardíaca. A grande perda da minha vida.
h) Inclusão de verbo
Quando um verbo não aparece no TT, porém está subentendido, pode vir a ficar
explícito na fala dublada. Por exemplo, antecedendo o texto a seguir, Ken relata a Valens o
comportamento de Carl: “Carl não estava fazendo amigos e influenciando pessoas” (TD).
Sem entender direito o que foi dito, Valens indaga: “Como assim? (TT e TD). Como a
resposta dada a essa pergunta ficou curta no TT porque a personagem, antes de começar a
falar, mexeu um pouco a boca sem produzir nenhum som, a DD preferiu preencher esse
pequeno movimento labial com uma palavra para não parecer que foi uma “reação” que não
foi dublada. A palavra escolhida foi o verbo que já havia sido usado na fala anterior de Ken.
149
Exemplo 12:
TO: Ken:
A little unstable. (Honor)
TT: Um pouco instável.
TD: Estava um pouco instável.
i) Inclusão de substantivo
A inserção de um substantivo no TT como a única interferência feita no roteiro foi um
recurso pouco usado: nenhum caso no episódio Honor e somente dois casos no episódio Start
up. A fala abaixo mostra que o pronome pessoal “ela”, que corresponderia ao pronome em
inglês she do TO, não foi usado no TT, o que provavelmente prejudicou o dublador na
sincronização das falas. Para solucionar esse problema, a DD tomou a decisão de colocar o
substantivo “garota” no lugar do sujeito oculto.
Exemplo 13:
TO: Coleman: We both know there's no talking to her. She's so damned
stubborn. (Start up)
TT: Sabemos que não tem conversa com ela. É muito teimosa.
TD: Sabemos que não tem conversa com ela. Garota é muito teimosa.
j) Inclusão de nome próprio
A estratégia de incluir no TT o nome próprio da pessoa a quem se dirige a personagem
ajuda o dublador a prolongar um pouco mais a sua fala. No exemplo que se segue, observa-se
que o TO é composto de três palavras enquanto que o TT de apenas duas, o que fez a DD
optar por usar um vocábulo no TT que fosse monossilábico como o vocábulo now”, do TO.
No exemplo, a personagem Janet J conversa com Carl.
150
Exemplo 14:
TO: Janet J: Come on, now. (Honor)
TT: (Risos) Que isso...
TD: (Risos) Que isso, Carl.
6.1.2 Inclusão de mais de uma palavra
Para poder aumentar o tempo da fala ou melhorar o sincronismo labial ou o
entendimento do texto, muitas vezes, inserir uma única palavra no TT não é o suficiente.
Dependendo da situação, pode ser preciso introduzir vários vocábulos no roteiro, podendo
estes pertencer a qualquer dos tipos analisados e/ou serem qualquer expressão ou locução
cabível.
A seguir, apresento alguns exemplos de falas nas quais a inserção de mais de uma
palavra foi a única estratégia usada, ou seja, nenhum item lexical da fala foi omitido ou
substituído. Toda a fala foi aproveitada, porém acrescida de elementos textuais.
a) Inclusão de pronomes pessoais
Ao perceber que o dublador gravara deixando algumas aberturas labiais sem voz, a
DD interferiu no TT incluindo os pronomes pessoais “eles” e “eu” para ajudar a preencher
essas “batidinhas” de boca, conforme palavras da DD. A escolha pela inclusão desses
pronomes pessoais parece ter sido uma estratégia ideal devido ao curto tempo que requerem
para serem pronunciados. Os pronomes conseguiram, por um lado, sincronizar as aberturas
labiais que tinham ficado sem voz e, por outro, mantiveram o significado da fala, visto que as
referências estavam implícitas: “eles” para “meus braços” (they) e “eu” para “I”.
151
Exemplo 15:
TO: Carl: Let me pretend! My arms have been broken four times. They're
busted. They'll always be. I, I can't lift 'em, I can't dance. Sorry. (Honor)
TT: Me deixa fingir! Meus braços foram quebrados quatro vezes, estão...
acabados, sempre estarão. Eu não consigo levantá-los, não consigo dançar. Me
desculpe.
TD: Me deixa fingir! Meus braços foram quebrados quatro vezes, eles estão...
acabados, sempre estarão. Eu não consigo levantá-los, eu não consigo dançar.
Eu, me desculpe.
b) Inclusão de pronome pessoal e de pronome relativo
No caso da fala abaixo, foi o dublador quem tomou a decisão de intervir no TT,
enquanto ensaiava, para aumentar o tempo de sua fala. A mudança foi prontamente aceita pela
DD sem que precisasse fazer qualquer comentário. Possivelmente, o tradutor, com o intuito de
não tornar a fala dublada mais longa que a fala original, omitiu o pronome pessoal “eu”,
porque estaria implícito no texto, assim como o pronome relativo “que”, que o
correspondente em inglês that foi omitido no TO. Entretanto, o dublador necessitou
recuperar esses elementos lingüísticos no TT para melhor sincronizar a sua fala com a fala
original.
Exemplo 16:
TO: Scott: I came to say the Superbowl ad was dumb. (Start up)
TT: Vim dizer…o anúncio no Super Bowl foi idiota.
TD: Eu vim dizer que o anúncio no Super Bowl foi idiota.
c) Inclusão de pronome pessoal e de preposição
Nesta situação, o dublador percebeu que o TT tinha ficado curto. O trecho when they
first got funded do TO ficou visivelmente grande para o correspondente do TT “na
fundação”. A tradução da segunda parte do TO, Their whole world changed in a day”,
também ficou curta porque foi omitido o correspondente da palavra whole”. Entretanto, o
152
dublador resolveu o problema incluindo apenas um pequeno fragmento textual “com eles”
—, informação implícita na história.
Exemplo 17:
TO: Alora: I was here when they first got funded. Their whole world changed
in a day. (Start up)
TT: Eu estava lá na fundação. O mundo deles mudou em um dia.
TD: Eu estava lá com eles na fundação. O mundo deles mudou em um dia.
d) Inclusão de pronome pessoal, de preposição e de verbo
Aqui, a DD e o dublador negociaram a forma como iriam interferir no TT porque a
fala traduzida estava curta para sincronizar com a fala original, e, então, decidiram a) incluir o
sujeito oculto “você” do TT; b) unir as duas últimas frases da fala com a preposição “de”; e c)
inserir mais uma palavra o verbo “poder”. Na cena abaixo, a personagem Amy explica
como funciona o serviço de ajuda a pessoas pela Internet.
Exemplo 18:
TO: Amy: Type in the symptoms, get answers in a matter of seconds. And
instructions how to help him. (Start up)
TT: Digita os sintomas, tem as respostas em segundos. E instruções. Como
ajudá-lo.
TD: Você digita os sintomas, tem as respostas em segundos. E instruções de
como pode ajudá-lo.
e) Inclusão de pronome reflexivo e de advérbio
No caso a seguir, o dublador e a DD optaram por prolongar o tempo do TT com o
pronome reflexivo para combinar com o verbo “lembrar”, sem, assim, alterar o sentido do
texto, e com o advérbio de intensidade “bem” que, apesar de não ter um correspondente no
TO, seu uso enfático não deu à fala uma interpretação conflitante com a do ator.
153
Exemplo 19:
TO: Ned: Yeah, I remember it. (Honor)
TT: É. Eu lembro.
TD: É. Eu me lembro bem.
f) Inclusão de verbos e de artigo definido
A DD aproveitou o fato de a personagem abaixo (Scott) estar falando com duas outras
personagens (Alora e Vera) para incluir no TT dois verbos “querem saber” e incluiu,
também, o artigo definido “a” antes do nome próprio “Amy”. Ou seja, o TT foi alterado, mas
sincronizado com a imagem e com a movimentação labial do ator.
Exemplo 20:
TO: Scott: My true feeling, Amy died of a broken heart. She never got over
Gage. (Start up)
TT: O que eu acho mesmo? Amy morreu de tristeza. Não superou a perda do
Gage.
TD: Querem saber o que eu acho mesmo? A Amy morreu de tristeza. Não
superou a perda do Gage.
g) Inclusão de verbo e de preposição
O dublador, ao perceber que sua fala iria terminar antes da fala original, improvisou,
na hora da gravação, o final do TT, completando-o com o que faltava para complementar a
expressão coloquial em português, o que deu um tom bem natural à fala sem mudar o sentido
da pergunta.
Exemplo 21:
TO: Scott: Excuse me? (Start up)
TT: Como é?
TD: Come é que
é?
154
h) Inclusão de locuções
Para sincronizar melhor o final da fala dublada com o final da fala original, a DD
acrescentou a locução de concordância “tá bom ao final do TT, o que não prejudicou o
sentido do TO.
Exemplo 22:
TO: Carl: Leave this alone. (Honor)
TT: Deixa isso pra lá.
TD: Deixa isso pra lá, tá bom?
i) Inclusão de locução e de artigo definido
No início da fala abaixo, o ator é visto de costas com sua boca aparecendo de perfil,
como se estivesse falando alguma coisa. No entanto, era uma reação sem som. Para não
passar ao espectador a impressão de que a dublagem foi mal feita, pois este poderia pensar
que essas “batidas de boca” faziam parte da fala, a DD preferiu fazer inserções no TT a
locução “não mesmo” e o artigo “a” repetido duas vezes para sincronizar com a reação
tácita.
Exemplo 23:
TO: Scott: Amy had the ideas. I did the dog and pony show, she did the
headwork. (Start up)
TT: Amy tinha as idéias. Eu fazia o show, ela fazia o trabalho em si.
TD: Não mesmo. A, a Amy tinha as idéias. Eu fazia o show, ela fazia o
trabalho em si.
155
6.2 Omissão de palavras
Os participantes podem precisar encurtar a extensão de uma determinada fala do TT
com uma ou mais palavras para que esta, ao ser dublada, não ultrapasse o tempo da fala
correspondente na versão original. Sempre que possível, preferem omitir palavras que
consideram não relevantes ou pouco relevantes, como pronomes pessoais, artigos,
interjeições, conjunções ou outras que não impedem o entendimento do texto quando
extraídas. Algumas interjeições também podem ser cortadas do TT porque se repetem muitas
vezes,
66
e não, exclusivamente, porque fazem a fala exceder o tempo desejado para a sua
dublagem.
6.2.1 Omissão de apenas uma palavra
Assim como os participantes podem inserir uma única palavra no TT, podem também
omitir uma única palavra do texto, sendo esta estratégia muitas vezes suficiente para
solucionar o problema encontrado. Os elementos lingüísticos utilizados nessa estratégia foram
pronomes, conjunções, interjeições, advérbios, artigos, verbos, preposições, nomes próprios e
substantivos. Seguem-se os exemplos mostrando cada um desses elementos respectivamente.
a) Omissão de pronomes
Pronomes são freqüentemente omitidos do TT quando se quer usar a estratégia da
omissão de uma palavra, em especial um pronome pessoal, quando o entendimento da fala
não fica prejudicado com a ausência deste item lingüístico. A seguir apresento um exemplo
para cada tipo de pronome retirado do TT.
66
As estratégias usadas para resolver o problema de repetições excessivas de interjeições no TT serão discutidas
em 6.5.
156
a
1
) Omissão de pronome pessoal
Na fala abaixo, o dublador não conseguiu sincronizar o TT com o TO. Precisou,
portanto, diminuir um pouco a duração da fala traduzida e optou por omitir o pronome pessoal
“você”, explicando que a ausência desse pronome não iria afetar o entendimento da fala visto
que estava claro, na cena, que a personagem Amy estava se referindo diretamente à pessoa
com que conversava no momento, ou seja, o verbo “ia” não poderia ser confundido com uma
referência a uma terceira pessoa.
Exemplo 24:
TO: Amy: I thought you were gonna sell that. (Start up)
TT: Pensei que você ia vender isso.
TD: Pensei que ia vender isso.
a
2
) Omissão de pronome possessivo
A situação que se segue é semelhante à anteriormente apresentada no sentido de que,
por necessidade de encurtar a sua fala, o dublador preferiu omitir um elemento não relevante
para a interpretação correta do texto, uma vez que lhe estava claro na cena que a personagem
Amy fazia um agradecimento à pessoa a quem se dirigia.
Exemplo 25:
TO: Amy: Yeah. So, thanks for stickin' with me. (Start up)
TT: É. Então… obrigada pelo seu apoio.
TD: É. Então… obrigada pelo apoio.
a
3
) Omissão de pronome indefinido
Aqui, a DD omitiu o pronome indefinido “mais” do TT porque estava um pouco
grande para o sincronismo labial. Esta omissão não alterou o sentido do TT.
157
Exemplo 26:
TO: Stillman: Maybe someone else didn't see it that way. Came back angry,
wanting to settle a score. (Honor)
TT: (Risos) Talvez alguém mais não pensasse assim. Voltou com raiva.
Querendo acertar as contas.
TD: (Risos) Talvez alguém não pensasse assim. Voltou com raiva. Querendo
acertar as contas.
a
4
) Omissão de pronome reflexivo
A DD percebeu que o tempo de pronúncia da expressão I’m sorry do TO estava
maior do que o tempo levado para o dublador pronunciar a expressão “Me desculpe”, do TT.
Para não mudar a intenção da fala, a DD optou por somente omitir o pronome reflexivo “me”
da expressão em português, o que proporcionou um sincronismo labial muito melhor.
Exemplo 27:
TO: Carl: Daniel, I’m sorry. (Honor)
TT: Daniel. Me desculpe.
TD: Daniel. Desculpe.
b) Omissão de conjunção
A DD interferiu no TT porque alegou que o tempo da fala original estava maior do que
o tempo da fala que o dublador acabara de gravar. Optou, então, por omitir a conjunção
“porque” do TT e pediu para o dublador dar à fala dublada o mesmo sentido da conjunção
omitida com a entonação da voz.
158
Exemplo 28:
TO: Coleman: Oh, that. The reason I was so mad at Amy was she knew better.
(Start up)
TT: Ah, isso. (Reação) Eu estava muito zangado com Amy. Porque ela tinha
que saber.
TD: Ah, isso. (Reação) Eu estava muito zangado com Amy. Ela tinha que
saber.
c) Omissão de interjeição
Durante o ensaio, o dublador omitiu a interjeição “Bom do TT e a DD,
acompanhando o ensaio e o vídeo com o som original portanto, ciente das alterações que
estavam sendo feitas no texto pelo dublador não interferiu na sua decisão. Provavelmente,
o dublador optou por essa omissão e a DD aceitou-a logo porque o som original não
apresentava um correspondente em inglês para a interjeição “bom” do TT.
Exemplo 29:
TO: Rush: How about you? (Start up)
TT: Bom, que tal vocês?
TD: Que tal vocês?
d) Omissão de advérbio
Durante o ensaio, o dublador teve dificuldade de terminar sua fala sem ultrapassar o
tempo. Por isso, perguntou à DD se podia omitir o advérbio finalmente” e recebeu seu
consentimento. Possivelmente, o dublador preferiu omitir esse advérbio para encurtar a fala
porque o contexto já podia transmitir a idéia de “enfim”.
159
Exemplo 30:
TO: Malvinder: She talked, and I listened. After four months of marriage we
finally met. (Start up)
TT: (Reação) Ela falou. Eu ouvi. Depois de quatro meses de casamento,
finalmente nos conhecemos.
TD: (Reação) Ela falou. Eu ouvi. Depois de quatro meses de casamento, nos
conhecemos.
e) Omissão de artigo indefinido
O dublador interferiu no TT omitindo o artigo indefinido enquanto sua voz era
gravada e, sem que precisasse explicar o motivo para tal, a DD não contestou. O dublador
pode ter percebido, no momento da gravação, que a sua voz não iria terminar junto com a voz
original e, por isso, encurtou o final de sua fala.
Exemplo 31:
TO: Valens: Carl Burton's military service record. I don't see anything in there
that could make the guy call himself a coward. (Honor)
TT: A ficha de serviço militar de Carl Burton. Não vejo nada aqui que pudesse
fazê-lo se achar um covarde.
TD: A ficha de serviço militar de Carl Burton. Não vejo nada aqui que pudesse
fazê-lo se achar covarde.
f) Omissão de verbo
No caso seguinte, foi o dublador quem interferiu no TT e, assim como na situação
apresentada no exemplo anterior, omitiu uma palavra do texto enquanto gravava nesta fala
o verbo “é” e não precisou explicar o motivo para a DD. Pode ter sido uma interferência
consciente (para obter sincronismo labial) ou não-intencional: como era uma fala bastante
curta, pode tê-la internalizado durante o ensaio; assim, não precisando ler o roteiro na hora de
gravar, o texto sem o verbo foi o que lhe saiu de forma mais natural.
160
Exemplo 32:
TO: Valens: What's his name? I'll read up. (Start up)
TT: Qual é o nome dele? Eu vou pesquisar.
TD: Qual o nome dele? Eu vou pesquisar.
g) Omissão de preposição
A interferência no TT abaixo foi feita unicamente para proporcionar mais clareza
textual, conforme justificou a DD, argumentando que, com a omissão da preposição “de”, o
português estaria mais adequado.
Exemplo 33:
TO: Coleman: Good of you to give me a second chance. (Start up)
TT: Bom de você me dar uma segunda chance.
TD: Bom você me dar uma segunda chance.
h) Omissão de nome próprio
A DD pediu ao dublador que omitisse o nome “Ned” do TT para que o “ganhasse
do boneco”, conforme explicou. Provavelmente porque a segunda pergunta no TT é maior do
que a pergunta correspondente no TO, o que pode ter sido um problema para o sincronismo
labial. A palavra Why”, de uma sílaba, é pequena para “bater” com “Por que”. A omissão do
nome próprio não alterou o sentido da fala porque a cena mostrava bem a personagem Carl
conversando diretamente com a personagem Ned, esta última conhecida pelo espectador
desde o início do episódio.
Exemplo 34:
TO: Carl: And you let him? Why, Ned? (Honor)
TT: E você deixou? Por que, Ned?
TD: E você deixou? Por quê?
161
i) Omissão de substantivo
A DD explicou ao dublador que, para o texto “caber na boca” da personagem
Coleman, seria preciso encurtar o TT. Pediu que experimentasse dublar a fala sem o
substantivo “querida” do TT. A estratégia de dublar sem o vocativo, o item lingüístico menos
relevante da fala, deu certo.
Exemplo 35:
TO: Coleman: Honey, that's sentiment, this is business. (Start up)
TT: Querida, está sendo sentimental. Isso é negócio.
TD: Está sendo sentimental. Isso é negócio.
6.2.2 Omissão de mais de uma palavra
Omitir uma única palavra do TT pode não bastar para reduzir o tempo que se deseja da
fala. Por isso, os participantes podem decidir omitir dois ou mais dos elementos apresentados
em 6.2.1 simultaneamente e/ou uma locução, o que mostro a seguir.
a) Omissão de verbo e preposição
A DD explicou ao dublador que iria omitir o trecho “Morre de” (verbo + preposição)
do TT alegando que o ator pronunciava essa fala “meio de boca fechada” e, por isso, não
havia aberturas labiais para todas as palavras do TT.
Exemplo 36:
TO: Vera: Dies of a heart attack, 24 years old. (Start up)
TT: Morre de ataque cardíaco. 24 anos.
TD: Ataque cardíaco. 24 anos.
162
b) Omissão de preposição, artigo indefinido e substantivo
Ao perceber que a fala do TT estava grande demais para haver sincronismo labial, a
DD ajudou o dublador a reduzir o TT sugerindo-lhe a omissão do trecho “em um documento”
(preposição + artigo indefinido + substantivo), afirmando que esta informação já estaria
implícita no texto, sendo, portanto, desnecessária.
Exemplo 37:
TO: Nancy: Death threats in a document on the computer. Donated to the
school. (Start up)
TT: Ameaças de morte em um documento no computador. Doado para a
escola.
TD: Ameaças de morte no computador. Doado para a escola.
c) Omissão de advérbios e verbo
Após o dublador tentar, sem sucesso, gravar a sua fala dentro do tempo desejado, a
DD analisou o TT à procura de uma maneira de reduzi-lo. Decidiu, após uma breve reflexão,
omitir o advérbio “só”, que estava apenas dando ênfase à frase, e a locução “escondido lá”
(verbo + advérbio) porque o texto dava a entender que o objeto em questão (os braceletes
de guerra da personagem Carl) estava escondido por estar atrás do aquecedor de água.
Exemplo 38:
TO: Miller: Behind the water heater in the cellar. I just thought that was off.
Something sentimental to a murder victim being stuffed down there. (Honor)
TT: Atrás do aquecedor de água no porão. achei que podia ser algo
sentimental pra uma vítima de assassinato, escondido lá.
TD: Atrás do aquecedor de água no porão. Achei que podia ser algo
sentimental pra uma vítima de assassinato.
163
d) Omissão de preposição e de substantivo
Para diminuir um pouco o TT com o cuidado de não mudar a interpretação da fala, a
DD omitiu o trecho “pra casa” (preposição + substantivo) porque, pouco antes da fala abaixo,
a personagem Valens diz que Carl, a personagem referida no TT, foi morto perto de casa,
portanto, o espectador já estava ciente da informação omitida na dublagem.
Exemplo 39:
TO: Jeffries: He scores, gets shot on the way home, being in the wrong
neighborhood. (Honor)
TT: (Reação) Ele vai comprar. Leva um tiro no caminho pra casa, estava na
vizinhança errada.
TD: (Reação) Ele vai comprar. Leva um tiro no caminho, estava na vizinhança
errada.
e) Omissão de locução
A DD considerou a fala traduzida longa para sincronizar com a fala original. Assim,
para diminuí-la, aproveitou que a personagem dizia em off o trecho do TO I’m surepara
omitir o trecho correspondente em português “Tenho certeza de que”. Dessa forma, conseguiu
proporcionar um ótimo sincronismo labial entre o TO e o TT: parte da primeira frase original
it was this little boy with sincronizando com a tradução “era esse menininho com” e a
pergunta original “Who was that?” sincronizando com “quem era mesmo?”
Exemplo 40:
TO: Moça: I'm sure it was this little boy with ... Who was that? (Honor)
TT: Tenho certeza de que era esse menininho com... quem era mesmo?
TD: Era esse menininho com... quem era mesmo?
164
6.3 Substituição da “reação” por texto
Para melhorar o sincronismo labial ou para dar mais sentido à fala, os participantes,
algumas vezes, substituíram a reação do TT por uma ou mais palavras. Destaco abaixo dois
exemplos.
a) Substituição da “reação” por um verbo e por um pronome demonstrativo
Ao invés de fazer uma respiração mais ofegante para a reação da personagem, que
estava visivelmente transtornada, ou de usar uma interjeição, o dublador introduziu o texto
“Faziam isso”, a pedido da DD, por causa de umas “batidinhas de boca” sem som do ator. A
escolha desse texto para a reação serviu para dar seqüência à discussão que a personagem
Daniel J mantinha com a personagem Carl. O TD de Carl, que é o que antecede o TD abaixo,
é o seguinte: “Porque eles me quebraram! Eles nos amarravam, e chutavam nossos dentes,
matavam nossos amigos. Era isso o que eles faziam!”
Exemplo 41:
TO: Daniel J: To my dad? (Honor)
TT: (Reação) Com meu pai?
TD: Faziam isso com meu pai?
b) Substituição da “reação” por conjunção
Um curto ofego marca a reação do início da fala original de Rush, que é ouvido
quando a personagem está em off, juntamente com o trecho “One of those POWs thinks maybe
he”. O rosto da atriz aparece em cena quando ela diz o restante do texto. Desta forma, o
dublador só interferiu na “reação” do TT, substituindo-a por uma conjunção e, assim, obtendo
um melhor sincronismo labial com a respiração da reação. O dublador pode ter interferido de
maneira instintiva decorrente da interpretação que deu à fala.
165
Exemplo 42:
TO: Rush: One of those POWs thinks maybe he couldn't take it any longer.
(Honor)
TT: (Reação) Algum deles pode ter achado que ele não agüentaria mais.
TD: E algum deles pode ter achado que ele não agüentaria mais.
6.4 Substituição de texto por “reação”
Substituir texto por uma “reação” foi uma estratégia de dublagem que observei sendo
usada uma única vez, pela DD, para um melhor efeito de sincronismo labial.
Exemplo 43:
TO: Amy: You know, when I first started coming here it was for Gage. To
think about him. [...] (Start up)
TT: É... sabe, quando eu comecei a vir aqui, era pelo Gage. Pra pensar nele.
[...]
TD: (Reação) Quando eu comecei a vir aqui, era pelo Gage. Pra pensar nele.
[...]
6.5 Eliminação de repetição excessiva
As palavras “bom” e “então” apareceram com uma certa freqüência no TT dos dois
episódios analisados, na maioria das vezes como traduções para as interjeições welle so”.
Para amenizar essa repetição, a DD e o dublador ora optaram por omiti-las, ora por substituí-
las por palavras que não alterassem o sentido do texto. Na figura 10, no final deste capítulo,
mostro em negrito a palavra “bom” repetida cinco vezes em uma mesma página do roteiro de
Honor, e, sublinhada, a palavra “então” repetida quatro vezes. Para algumas dessas repetições,
foram adotadas as duas estratégias observadas para este tipo de problema — omissão e
substituição da palavra repetida.
166
Abaixo, mostro dois exemplos, cada um com uma dessas estratégias, sublinhando a
palavra que causou problema, ou seja, que se repetia excessivamente no TT.
a) Eliminação da repetição através de sua omissão
A DD omitiu a interjeição então” porque se repetia em falas próximas (vide figura
10).
Exemplo 44:
TO: Stillman: So, I hear you're doin' well over in Narcotics. (Honor)
TT: Então, soube que está indo bem na Narcóticos.
TD: Soube que está indo bem na Narcóticos.
b) Eliminação da repetição através de sua substituição
A substituição da repetição excessiva no TT poderia ocorrer por uma interjeição,
conjunção, advérbio ou uma pequena expressão que fossem adequados à fala. No exemplo
abaixo, a DD quis enfatizar a intenção da fala com a conjunção “nem”, e preferiu introduzi-la
no TT em substituição à palavra “bom”, já que esta aparecia excessivamente no TT.
Exemplo 45:
TO: Stillman: Well, not under honorable circumstances. The code of conduct
among POWs is that the sickest and longest serving go first. (Honor)
TT: Bom, sob circunstâncias honrosas, não sairia; um código de conduta entre
prisioneiros beneficia os mais doentes e os mais antigos.
TD: Nem sob circunstâncias honrosas, não sairia; um código de conduta entre
prisioneiros beneficia os mais doentes e os mais antigos.
167
6.6 Deslocamento de palavras para outros pontos do texto
O deslocamento de uma ou mais palavras para um outro ponto do texto de uma
determinada fala ocorre para ajuste de sincronismo labial, o que é feito quando o
entendimento do texto não fica comprometido. Abaixo, um exemplo onde será discutida
somente a estratégia do deslocamento de palavras, apesar de outras terem sido usadas.
Exemplo 46:
A DD pediu para o dublador inverter as posições do advérbio “aqui” e do verbo “diz”,
acreditando que, assim, a movimentação labial do início do TT “Aqui diz que Carl”
ficaria mais próxima à do TO — “Says here Carl”.
TO: Rush: Says here Carl was at Rex Potter's funeral reception. (Honor)
TT: Diz aqui que o Carl esteve na recepção do funeral de Rex Potter.
TD: Aqui diz que Carl esteve na recepção do enterro de Rex Potter.
6.7 Compactação do texto através da reformulação de um trecho da fala ou de toda a
fala
Para o texto “caber na boca do boneco”, os participantes precisaram, por vezes,
reescrevê-lo, encurtando-o, de modo a fazer com que a personagem e o dublador terminassem
de falar ao mesmo tempo. A interferência ocorreu de duas maneiras: compactando um trecho
da fala ou compactando a fala inteira.
168
6.7.1 Compactação de um trecho da fala
Os participantes podiam escolher um trecho da fala que melhor proporcionasse
possibilidade de redução. Feito isso, optavam por compactá-lo substituindo-o por um outro
fragmento textual que transmitisse a mesma idéia ou por um outro que transmitisse mais ou
menos a mesma idéia, o que será visto a seguir.
a) Substituição de um trecho da fala por outro que transmitisse a mesma idéia
Na fala abaixo, a DD percebeu que, durante o ensaio, o dublador ainda estava
gravando o seu texto depois de a personagem já ter terminado de falar. Por isso, analisou o TT
e compactou a primeira pergunta de modo que a idéia da fala não perdesse o sentido original.
Exemplo 47:
TO: Rush: Know who would've been with her? Six-thirty that morning? (Start
up)
TT: Sabe quem pode ter estado com ela? Às seis e meia da manhã?
TD: Quem teria estado com ela? Às seis e meia da manhã?
Analisando todas as ocorrências deste tipo de interferência, consegui perceber que a
redução de alguns trechos textuais era feita através da troca do tempo verbal do TT por outro
que ocupasse menos espaço de texto ou da troca do substantivo do TT pelo verbo
correspondente, caso o verbo ocupasse menos espaço textual também. Segue um exemplo
para cada uma dessas estratégias.
a
1
) Troca do tempo verbal
A DD pediu para o dublador trocar o tempo verbal do verbo “achar” do presente
contínuo para o presente do indicativo porque alegou que o TT estava grande demais para
169
sincronizar com o TO. Possivelmente, as abreviações “’cause e meds”, e a ausência do
pronome relativo thatno TO contribuíram para o TT ficar mais extenso do que deveria. Em
português, não há uma abreviação para “porque”, como há “’cause” para “because” em
inglês, nem para “medicamentos”, assim como meds para medicines”. E o pronome
relativo “que”, em português, não pode ser omitido do texto, diferentemente do que pode
acontecer em inglês.
Exemplo 48:
TO: Jeffries: Really? ‘Cause I'm guessing Coleman's fancy lawyers are gonna
be saying you stole his meds. (Start up)
TT: Mesmo? Porque achando que os advogados chiques do Coleman vão
dizer que você roubou os medicamentos.
TD: Mesmo? Porque acho que os advogados chiques do Coleman vão dizer
que você roubou os medicamentos.
a
2
) Troca do substantivo pelo verbo correspondente
Para encurtar o TT e não mudar o significado original, a DD diminuiu a extensão do
trecho final, substituindo-o por outro de significado semelhante ao transformar o substantivo
“sentimento”, palavra de quatro sílabas, pelo verbo correspondente e devidamente conjugado
— “sentia” —, palavra de duas sílabas. O restante do trecho foi modificado em decorrência da
estratégia usada.
Exemplo 49:
TO: Valens: She knows how you feel? (Start up)
TT: Ela sabia do seu sentimento?
TD: Ela sabia o que sentia?
170
b) Substituição de um trecho da fala por outro que transmitisse mais ou menos a mesma
idéia
A substituição de um trecho da fala por outro com menos palavras podia, às vezes, não
transmitir a mesma idéia do TT, mas não deixava, entretanto, de fazer uma alusão à história
do episódio. Na fala abaixo, por exemplo, apesar de o trecho “é sempre difícil” do TD não ser
a tradução literal para o trecho it had to be hard to adjustdo TO, a DD precisou substituir a
tradução original do roteiro por esta porque a original tinha mais palavras do que deveria ter.
A DD fez uma interpretação pessoal daquilo que seria a experiência de voltar para casa para
um ex-prisioneiro de guerra e, ao invés de transmitir na fala a idéia da probabilidade de esta
experiência ser difícil, preferiu passar a idéia da certeza dessa dificuldade.
Exemplo 50:
TO: Stillman: Comin' home, it had to be hard to adjust. (Honor)
TT: Voltar pra casa, devia ser difícil se adaptar.
TD: Voltar pra casa, é sempre difícil.
6.7.2 Compactação da fala inteira
A compactação da fala inteira ocorreu quando a DD e/ou o dublador desejava(m)
diminuir o tamanho do TT como um todo (para melhorar o sincronismo labial) e, para isso,
substituíam a fala do TT por outra menor e que transmitisse a mesma idéia. Os dois exemplos
a seguir mostram o uso dessa estratégia. No exemplo 51, a DD recriou a fala da personagem
Janet, que queria saber se os detetives foram procurá-la para trazer notícias sobre a morte do
seu marido, ou seja, queria saber se tinham novidades a esse respeito. No exemplo 52, a DD
usou a estratégia da recriação do TT, a mesma usada no exemplo 51. A cena apresenta Ruth
171
ofendendo Carl durante a cerimônia de velório de seu marido Rex. Roger procura acalmar as
pessoas e explica que o motivo de estarem lá é para homenagear Rex.
Exemplo 51:
TO: Janet: Something come up? (Honor)
TT: Apareceu alguma coisa?
TD: Tem novidades?
Exemplo 52:
TO: Roger J: Let's calm down. We're here for Rex. (Honor)
TT: Vamos nos acalmar, estamos aqui pelo Rex.
TD: Calma, gente. Viemos pelo Rex.
6.8 Aumento do texto através da reformulação de um trecho da fala ou de toda a fala
Quando o tempo da fala original era maior do que o tempo da fala dublada, ou seja,
quando o ator da tela aparecia falando sem voz, pois o dublador havia acabado de
interpretar o seu texto, a DD e o dublador reescreviam o TT para aumentar o tempo de fala.
Faziam isso reformulando um trecho da fala ou a fala inteira.
6.8.1 Reformulação de um trecho da fala
A reformulação de um trecho da fala para haver aumento de número de palavras
ocorria através da substituição do texto por um outro que transmitisse a mesma idéia ou por
um outro que transmitisse mais ou menos a mesma idéia, assim como ocorria para reduzir um
trecho da fala, conforme visto em 6.7.1. A seguir, são apresentados exemplos que mostram as
172
estratégias e somente essas serão analisadas, mesmo que outras tenham sido usadas
simultaneamente no TT.
a) Substituição de um trecho da fala por outro que transmitisse a mesma idéia
Para aumentar o TT abaixo, a DD precisou reformular o trecho “o lugar de sempre”,
mas preservando o significado da frase, o que conseguiu fazer com o trecho “o lugar que eu
costumava freqüentar”. A personagem Ken poderia sempre ser encontrada neste lugar, no
Smoky”, e foi essa a idéia transmitida.
Exemplo 53:
TO: Ken: I was at Smoky's, my regular night spot, sheesh! I stole from the guy
I did not wish him to be dead. (Honor)
TT: Eu estava no Smoky, o lugar de sempre. Nossa. Eu roubei do cara, não
queria vê-lo morto.
TD: Eu estava no Smoky, o lugar que eu costumava freqüentar. Nossa.
roubei o cara, eu não queria vê-lo morto.
Também foi possível identificar algumas estratégias aplicadas para fazer um
determinado trecho da fala aumentar de tamanho, a saber: troca do tempo verbal e
substituição do verbo pelo seu substantivo correspondente, cada uma mostrada nos exemplos
a seguir.
a
1
) Troca do tempo verbal
A DD e o dublador negociaram a intervenção no TT para aumentá-lo. Decidiram
trocar o tempo verbal de um trecho do TT, do pretérito imperfeito “pensava” para o tempo
passado contínuo — “estava pensando” e, então, conseguiram o resultado desejado.
173
Exemplo 54:
TO: Malvinder: She was new to the country, all alone. She could see I was
thinking about someone else. (Start up)
TT: Ela era nova no país, estava sozinha. Ela percebeu que eu pensava em
outra pessoa.
TD: Ela era nova no país, tava sozinha. E percebeu que eu estava pensando em
outra pessoa.
a
2
) Substituição do verbo pelo seu substantivo correspondente
O TT abaixo, pequeno para o TO, segundo a DD e o dublador, teve a sua segunda
frase (depois das reticências) modificada. A DD substitui o verbo “importou” do TT pelo
substantivo “importância” porque tem uma sílaba a mais. Com isso, conseguiu uma frase
maior do que a do TT.
Exemplo 55:
TO: Vera: And the millions they cost you? No feelings about that? (Start up)
TT: E os milhões que custaram... Não se importou?
TD: E os milhões que lhe custaram... Não teve importância?
b) Substituição de um trecho da fala por outro que transmitisse mais ou menos a mesma
idéia
O final do TT foi alterado pela DD e pelo dublador, após negociação, porque a
dublagem estava curta para a fala original. Por isso, estenderam o trecho “fazendo uma
aposta” mudando-o para “entrando num, entrando num jogo”. A repetição das palavras
“entrando num” ajudou a aumentar o TT. Apesar de o trecho substituto não ser sinônimo do
trecho original, o entendimento da fala não foi prejudicado porque a mudança foi feita de
modo adequado à história.
174
Exemplo 56:
TO: Coleman: Venture capital is gambling and I knew standing in that
garage, I was just laying a bet. (Start up)
TT: (Reação) Capital de risco é aposta. Eu sabia naquela garagem que (reação)
estava só fazendo uma aposta.
TD: (Reação) Capital de risco é aposta. Eu sabia naquela garagem que (reação)
estava só entrando num, entrando num jogo.
6.8.2 Reformulação de uma fala inteira
A reformulação de uma fala inteira para aumento de tempo acontecia quando era
preciso melhorar o sincronismo labial do texto como um todo e não somente parte dele, fato
ocorrido no exemplo abaixo, que teve a interferência da DD. A escolha das palavras “intuição
ótima” para substituir “bom palpite” ocorreu também para melhor sincronizar com as
aberturas labiais do ator da tela.
Exemplo 57:
TO: Scott: And we've grown. I have a good feeling about this. (Start up)
TT: E crescemos. Eu tenho um bom palpite.
TD: Mas, nós crescemos. Eu tô com uma intuição ótima.
6.9 Abreviação de itens lingüísticos para adequação à linguagem informal
Por algumas vezes, foi observada a interferência dos participantes no TT para
substituírem “para” por “pra”, “está” por “tá”, “estou” por “tô” e “para o” por “pro”, entre
outros. Como a linguagem falada no seriado investigado era a coloquial, esse tipo de
interferência ocorria não somente quando era preciso sincronismo labial, mas também para
dar um caráter mais informal ao texto. Como diz Rosenberg (2003: 164),
175
enquanto na legendagem ele [o texto traduzido] é apresentado diretamente ao
público, e, portanto, tem de ser escrito segundo a norma culta, na dublagem ele serve
de base para que o ator o interprete, o que nos deixa mais à vontade para escrever
como cada personagem falaria: misturando “tu” com “você”, grafando “tá” em vez
de “está”, “prum” no lugar de “para um”, e até cometendo os erros do português que
somente aquele personagem cometeria. (ROSENBERG, 2003: 164)
Destaco, a seguir, três exemplos onde foi identificada a interferência no TT para
abreviação de palavras.
a) Substituição de “está” para “tá”
O dublador substituiu o verbo “está” para a forma contrata “tá” na fala abaixo
possivelmente para dar um tom mais natural ao TT e/ou para melhorar o sincronismo labial.
Exemplo 58:
TO: Amy: It's three a.m., your child's having a seizure, you're speaking
gibberish, you need help. (Start up)
TT: São três da manhã. Seu filho está passando mal. Está delirando. Você
precisa de ajuda.
TD: São três da manhã. Seu filho passando mal. delirando. Você precisa
de ajuda.
b) Substituição de “estava” para “tava”
O dublador gravou a fala contraindo o verbo “estava” para “tava” sem explicar por que
estava executando essa mudança no TT, presumidamente, também, para dar um tom mais
natural ao TT e/ou para melhorar o sincronismo labial.
Exemplo 59:
TO: Valens: Or troubled. Ever get the feeling he really meant that, Daniel?
(Honor)
TT: Ou perturbado. Acha que ele estava sendo sincero, Daniel?
TD: Ou perturbado. Acha que ele tava
sendo sincero, Daniel?
176
c) Substituição de “para a” para “pra” e de “estou” para “tô”
A interferência na fala a seguir foi feita pela DD, provavelmente para atingir os
mesmos objetivos nos dois exemplos anteriores. Observa-se, aqui, que uma outra interferência
foi realizada: a inclusão do trecho “pra mim” no TT talvez para aumentar o tempo de fala,
que acabou sendo reduzido com as contrações.
Exemplo 60:
TO: Janet J: Neddy! Neddy, could you take that bowl of potato chips into the
family room? (Honor)
TT: Neddy! Neddy, pode levar essas batatas para a sala? Estou com a mão suja.
TD: Neddy! Neddy, pode levar essas batatas pra sala pra mim? Eu com a
mão suja.
6.10 Substituição de vocabulário para adequação à situação interpretada
Para que a fala do ator harmonizasse com a cena que estava interpretando no momento
ou com o diálogo em que estava envolvido, a DD e o dublador precisaram, às vezes, fazer
pequenas mudanças no TT, conforme mostro no exemplo abaixo.
A fala da cena é da personagem Miller (detetive), dirigida à personagem Stillman
(tenente), após um encontro casual. A fala antecedente no TT, a de Stillman, é “Miller. Como
vai?” e no TO Miller, how are you doing?A DD julgou que o texto fluiria melhor, e
mais naturalmente, se Miller respondesse à pergunta de Stillman e, por isso, precisou
interferir no TT para incluir a palavra “Bem”, mas compensou este acréscimo de tempo
substituindo o trecho “Acabei de” por um outro menor — “Eu vim”.
177
Exemplo 61:
TO: Miller: Just dropped a guy in lock up. How's the Burton case pannin' out?
(Honor)
TT: Acabei de trazer um cara. Como vai o caso Burton?
TD: Bem. Eu vim trazer um cara. Como vai o caso Burton?
6.11 Substituição de uma palavra ou de uma expressão por outra palavra ou por outra
expressão com a mesma idéia
Outra estratégia para sincronismo entre fala original e fala dublada é substituir apenas
uma palavra do TT por outra palavra ou por uma expressão (dependendo de quanto se quer
aumentar ou diminuir o tempo de fala naquele ponto específico) com significado similar. Uma
expressão no TT também pode ser substituída por uma palavra ou por uma outra expressão
com a mesma idéia para atingir os mesmos objetivos. A seguir, apresento três casos distintos.
a) Substituição de uma palavra por outra
Com o intuito de ajudar o dublador a melhorar o sincronismo labial, sem mudar o
sentido da fala, a DD substituiu o adjetivo “típico” do TT pelo substantivo “coisa”.
Exemplo 62:
TO: Valens: Not junkie behavior. (Honor)
TT: Não é típico de viciado.
TD: Não é coisa de viciado.
b) Substituição de uma palavra por uma expressão
Para tornar a fala dublada simultânea com as “batidas de boca” do ator, o dublador
resolveu substituir o substantivo “algo” por uma expressão equivalente — “alguma coisa”.
178
Exemplo 63:
TO: Ned J: Because, you said he's not flying in that anymore so he needs
something to remember it by. (Honor)
TT: Porque você disse que ele não vai mais voar, então precisa de algo pra
lembrar.
TD: Porque você disse que ele não vai mais voar, então precisa de alguma
coisa pra lembrar.
c) Substituição de uma expressão por outra
Como o final do TT não estava acompanhando harmoniosamente as “batidas de boca
do ator, o dublador substituiu a expressão final por uma outra com significado similar, porém
mais informal e apropriada para a cena.
Exemplo 64:
TO: Carl: I told you to beat it. (Honor)
TT: Eu disse pra ir embora.
TD: Eu disse pra cair fora.
6.12 Uso das diferentes estratégias em uma mesma fala
Duas ou mais estratégias até aqui descritas podem ser aplicadas em uma mesma fala
para alcançar objetivos específicos com cada uma delas. São muitas as falas dos roteiros que
poderiam ser citadas aqui, porém selecionei sete delas para explicar como foram tratadas pela
DD e pelo dublador.
a) Omissão e inclusão de palavras
Para sincronizar melhor a sua fala com a fala original, o dublador precisou omitir a
palavra “porque”, não muito relevante no TT e, depois, decidiu omitir a expressão “àquela
179
altura”. Entretanto, necessitou inserir as palavras “é que” depois da expressão “na verdade”
por causa da “labial”, ou seja, para o texto se ajustar às aberturas labiais do ator.
Exemplo 65:
TO: Ned: Guess I was a little messed up about the dueling father figures.
Because truthfully, I knew Ken a lot better than my dad at that point. (Honor)
TT: Acho que eu estava um pouco confuso a respeito de figuras paternas.
Porque, na verdade, eu conhecia bem mais o Ken do que meu pai àquela altura.
TD: Acho que eu estava um pouco confuso a respeito de figuras paternas. Na
verdade, é que eu conhecia bem mais o Ken do que meu pai.
b) Aumento do texto através da reformulação de um trecho da fala e compactação do
texto através da reformulação de um trecho da fala
A DD precisou aumentar o início do TT e conseguiu fazê-lo trocando o tempo verbal
do verbo “entender” do presente do indicativo para o presente contínuo, além de incluir o
pronome pessoal “eu” que estava oculto no TT. Essa estratégia, entretanto, não foi suficiente
para “ajustaro texto, por isso, a DD teve de encurtar o trecho inicial da segunda frase
“podem falar” —, substituindo-o por outro “falem”. Ou seja, ao invés de usar dois verbos
juntos (“poder” e “falar”), decidiu manter somente o segundo, mas conjugado no mesmo
modo que o primeiro, isto é, no imperativo.
Exemplo 66:
TO: Geraldine: I don't understand. You can talk to my accountant. Stephen
Franklin. (Start up)
TT: Não entendo. (Reação) Podem falar com meu contador. Stephen Franklin.
TD: Eu não estou entendendo. (Reação) Falem com meu contador. Stephen
Franklin.
180
c) Substituição de vocabulário para adequação à situação interpretada e inclusão de
palavra
A cena abaixo mostra Carl e seu filho Ned em um velório quando a personagem Ruth
os e insulta Carl, que pega seu filho pela mão, retirando-o de lá, após Ned lhe dizer
assustado: “Pai?(TT) / “Daddy?(TO). A DD acreditou que o verbo “Vamos” iria interagir
melhor com a imagem do vídeo, devido ao movimento de Carl. Por isso, substituiu a
expressão “tudo bem” do TT, tradução para OK”, pelo verbo. Como a substituição fez com
que o TT ficasse com um pequeno decréscimo de tempo em comparação ao TT anterior, a DD
acrescentou um pouco mais de tempo à fala com a inclusão do pronome pessoal “eu” antes do
verbo “sinto”.
Exemplo 67:
TO: Carl: OK, Ned. I'm sorry, Ruth. (Honor)
TT: Tudo bem, Ned. Sinto muito, Ruth.
TD: Vamos, Ned. Eu sinto muito, Ruth.
d) Aumento do texto através da reformulação de um trecho da fala, substituição de
expressão por outra com a mesma idéia transmitida, omissão e inclusão de palavras
Para solucionar o problema de sincronismo labial, a DD primeiramente reformulou o
primeiro trecho da fala, tornando-o mais longo e enfático com a inclusão das palavras “o que”
antes de “eu confesso” e “é” depois. Mais adiante, substituiu a expressão “tá bem” pela
expressão equivalente “tá legal”. Depois, omitiu o artigo “o” antes da palavra “dia” e inseriu
no lugar a preposição “no” para tornar o texto mais claro. Inseriu também o pronome pessoal
“eu” (não alterando o sentido da frase porque o pronome estava apenas oculto) e o verbo
conjugado no passado “foi” antes de “baixo” porque estava implícito tanto no TT quanto no
TO (“it was...”).
181
Exemplo 68:
TO: Ken: I'm confessin' to the act of a heart-sick young man, ok? I took 'em
the day she broke up with me. To make myself feel better, I snatched the
bracelets. Low, I know. (Honor)
TT: Eu confesso o delito de um jovem magoado, bem. Eu peguei. O dia em
que ela terminou comigo. Pra me sentir melhor, peguei os braceletes. Baixo, eu
sei.
TD: O que eu confesso é o delito de um jovem magoado, legal. Eu peguei.
No dia em que ela terminou comigo. Pra me sentir melhor, eu peguei os
braceletes. Foi baixo, eu sei.
e) Eliminação de repetição excessiva, inclusão de palavra e compactação de um trecho
da fala
A DD eliminou a repetição excessiva da interjeição “Bom”, substituindo-a por outra
interjeição “tá” e incluiu a conjunção e” na primeira pergunta do TT. A interferência
feita até então não bastou para sincronizar bem as falas dublada e original. A DD precisou
ainda diminuir um pouco o tamanho da segunda pergunta do TT através de uma reformulação
que expressasse a mesma idéia.
Exemplo 69:
TO: Rush: No boyfriend, anyone who stayed over? (Start up)
TT: Bom, namorados? Alguém com que dormisse?
TD: Tá, e namorados? Ela dormia com alguém?
f) Compactação de um trecho da fala e omissão de palavra
A primeira frase do TT foi reformulada porque precisava ficar menor para poder haver
sincronismo labial. A DD compactou-a transmitindo a mesma idéia com outras palavras. A
segunda frase também precisou ser diminuída, bastando à DD apenas omitir a conjunção
“porque”.
182
Exemplo 70:
TO: Scott: He told me I'd be a natural. Said all I had to do was talk. (Start up)
TT: Ele me disse pra agir normalmente. Porque eu só precisaria falar.
TD: Ele mandou eu ser natural. Eu só precisaria falar.
g) Compactação de um trecho da fala, omissão de palavras, inclusão de palavras,
substituição de uma palavra por outra com a mesma idéia e texto no lugar da “reação”
A DD constatou que o trecho do TT “Mas está se aproximando de uma montanha”
estava grande para sincronizar com o trecho original But it's coming to a mountaine, por
isso, substituiu-o por outro menor e com significado similar “Mas chegando numa
montanha”. O restante do texto precisou, no entanto, ser aumentado para poder caber na
labial”, conforme explicou a DD. Então, incluiu os advérbios “lá” e “mas”, e substituiu o
verbo “despencando” pelo verbo “caindo”. Precisou, ainda, inserir um texto na “reação” — “o
balão”. Além de tudo isso, para moldar melhor o TT às aberturas labiais do ator, omitiu a
interjeição “é”.
Exemplo 71:
TO: Coleman: Amy, your company is like a hot air balloon. It's rising, it's way
up. But it's coming to a mountain. You cut a sandbag, it could stay up in the
sky. You keep that sandbag and it brings the whole thing crashing down. (Start
up)
TT: Amy, sua empresa é como um balão de ar quente. subindo. Bem no
alto. Mas está se aproximando de uma montanha. É, se cortar o saco de areia,
pode ficar no céu. Se continua com ele... (reação) vai acabar caindo.
TD: Amy, sua empresa é como um balão de ar quente. subindo. Bem no
alto. Mas chegando numa montanha. Se cortar o saco de areia, pode ficar
no céu. Mas, se continua com ele... o balão vai acabar despencando.
A partir dos exemplos aqui expostos, constata-se que a DD e o dublador, no momento
da gravação das falas, não necessariamente utilizaram o TT conforme lhes foi enviado pelo
183
tradutor. Precisaram, por diversas vezes, usar diferentes estratégias para obter sincronismo
labial, clareza textual e harmonia entre a fala e a imagem da cena.
Segundo a DD, é natural que tantas alterações ocorram no TT durante a gravação da
dublagem porque o tradutor não pode prever todas as dificuldades particulares do dublador
que, por causa de seu timbre de voz e de seu ritmo de fala, pode não conseguir dizer seu texto
com a mesma velocidade e expressividade do ator da tela. Além disso, mesmo o tradutor
procurando ajustar a sua tradução às restrições impostas pelo tempo de fala do ator da tela,
não lhe é possível avaliar se o seu texto é o que proporciona o melhor sincronismo labial
porque somente o diretor de dublagem e os dubladores conseguem, efetivamente, perceber
isso nos ensaios e com o equipamento utilizado na gravação.
Ao interferirem no TT, a DD e o dublador cooperaram na elaboração de um texto que
melhor se ajustasse na fôrma moldada pelas restrições da dublagem.
No próximo capítulo, as estratégias que esses participantes usaram para resolverem
problemas do TT, mostradas aqui, serão analisadas em comparação com estratégias de
tradução.
184
Figura 10 — Repetição excessiva de palavras no roteiro
MILLER ACABEI DE TRAZER UM CARA. COMO VAI O CASO BURTON?
STILLMAN (REAÇÃO) NICK VERA, KAT MILLER. ELA ACHOU AQUELES
BRACELETES.
VERA BOM TRABALHO.
MILLER OBRIGADA. ENTÃO?
STILLMAN BOM, ESTAMOS INVESTIGANDO SE CARL COMETEU
SUICÍDIO.
MILLER BOM, TIRO À QUEIMA-ROUPA DEIXARIA RESÍDUOS NAS
ROUPAS, CERTO?
VERA ESTÃO ANALISANDO.
STILLMAN ENTÃO, SOUBE QUE ESTÁ INDO BEM NA NARCÓTICOS.
MILLER AH. BOM. EU GOSTO, ENTÃO...
STILLMAN É A ÁREA QUE VOCÊ SEMPRE QUIS?
MILLER NUNCA PENSEI EM SER POLICIAL, ENTÃO... EU FAÇO O QUE
VIER PELA FRENTE.
VERA ACHEI QUE SER POLICIAL ERA O SONHO DE TODA GAROTA.
TINHA OUTRA COISA EM MENTE?
MILLER É UMA LONGA HISTÓRIA. MAS, AQUI ESTOU. MINHAS
OPÇÕES ESTÃO EM ABERTO.
STILLMAN É BOM SABER.
VALENS KEN WESTLIN ASSUMIU QUE PEGOU OS BRACELETES.
NED O KEN? MESMO?
RUSH (REAÇÃO) UMA REAÇÃO BOBA QUANDO SUA MÃE O
DISPENSOU.
7 DIRETORA DE DUBLAGEM E DUBLADOR — OS CO-AUTORES DA
TRADUÇÃO PARA DUBLAGEM
A análise de dados que fiz neste capítulo surgiu do meu interesse em investigar se a
DD e os dubladores estavam também exercendo, em parte, o papel de tradutores ao realizarem
todas aquelas mudanças no roteiro da tradução conforme expus no capítulo anterior. Para tal,
precisei me apoiar em um estudo realizado na área da Tradução que mostrasse quais
estratégias o tradutor geralmente usa quando se depara com algum problema quando traduz.
Dessa forma, poderia comparar essas estratégias de tradução com as estratégias usadas pela
DD e pelos dubladores para solucionar problemas causados pela tradução apresentada no
roteiro e constatar se esses participantes agem ou não como tradutores.
O estudo de Baker (1992) e o artigo “Compensation” de Hervey e Higgins (1998)
conseguiram fornecer, satisfatoriamente, uma série de estratégias de tradução, permitindo-me
constatar que várias delas coincidem com as estratégias usadas no roteiro traduzido para
dublagem pela DD e pelos dubladores: tradução com o uso de um empréstimo com uma
explicação, tradução através de paráfrase, tradução através da omissão, tradução
adaptada de expressões idiomáticas, tradução pela compensação, tradução para haver
equivalência gramatical e tradução para haver equivalência textual: coesão.
Os exemplos expostos neste capítulo refletem, portanto, essas estratégias em comum e
somente essas são analisadas, mesmo que outras estejam presentes em um mesmo exemplo.
Para que haja um melhor entendimento da estratégia discutida, os elementos relevantes do
TO, do TT e do TD estão sublinhados e os exemplos estão acompanhados da descrição do
problema surgido e da decisão tomada pela DD e/ou pelo dublador para solucioná-lo.
186
É importante ressaltar aqui que as estratégias usadas pelos sujeitos investigados
vieram a atender objetivos bem específicos para alcançar resultados satisfatórios na gravação
da dublagem, contexto este que não foi abordado por Baker (1992), mas que, nem por isso,
deixam de apresentar a finalidade que têm em comum com as estratégias apresentadas pela
autora: resolver problemas de tradução.
Da mesma forma como se apresentaram no capítulo anterior, nem todos os exemplos
deixam claro se as mudanças introduzidas no roteiro foram realizadas com base no TO ou no
TT ou em ambos. Entretanto, há certos exemplos que indicam que a interferência na tradução
ocorreu primordialmente por meio de ajuste do TT ao sincronismo labial, ou seja, seria
possível dizer que houve, nesses casos, uma tradução intralingual. Nos demais casos, pode-se
sugerir a hipótese de que pelo menos a DD tenha-se baseado no TO (ao qual tinha acesso pelo
áudio), embora não seja possível comprovar se esta foi sua motivação primordial para tomar
decisões na hora de interferir no TT. Em favor dessa probabilidade, tem-se o fato de que a DD
acredita que tem um bom conhecimento de inglês, como também o fato de ter pedido ao
técnico de áudio, em várias situações durante a gravação da dublagem, que repetisse o áudio
original de uma determinada cena para entender uma fala específica. Além disso,
acompanhava a fala original com sua respectiva imagem a cada ensaio do dublador.
67
67
Nem a DD nem os dubladores dispunham do TO impresso.
187
7.1 Tradução com o uso de um empréstimo com uma explicação
A estratégia de usar um empréstimo acompanhado de uma explicação para traduzir um
determinado texto foi usada uma vez pela DD no episódio Start up, como mostra o exemplo
abaixo. O tradutor manteve o termo em inglês do TO — “His Girl Friday” — porque era um
código da história que deveria ser decifrado pelos detetives responsáveis pela investigação de
um crime. Entretanto, a DD resolveu intervir na tradução para melhorar o entendimento do
texto, pensando nos espectadores que não falam inglês e que, por isso, poderiam estranhar a
expressão gravada pelo dublador. Para indicar que o código estava nesse idioma, a DD pediu
para o dublador inserir antes do empréstimo, aproveitando um momento em que a
personagem falava em off, a expressão “em inglês”.
Exemplo 1:
TO: Rush: Who that is. His Girl Friday? A certain secretary with a 9.8 million
nest egg. (Start up)
TT: Quem... é. “His girl Friday”? Uma certa secretária inteligente com um pé
de meia de nove vírgula oito milhões.
TD: Quem é isso. Em inglês, “His girl Friday”. Uma certa secretária inteligente
com um pé de meia de nove vírgula oito milhões.
7.2 Tradução através de paráfrase
A tradução através de paráfrase foi uma das estratégias mais usadas para a solução de
problemas que as falas do roteiro apresentavam à dublagem. Com uma tradução mais livre, a
DD e o dublador podiam alterar o TT de forma a “ajustá-lo” à dublagem, porém sempre com
o cuidado de preservarem a intenção das falas das personagens.
188
Dependendo dos problemas que apresentavam, algumas falas do TT eram inteiramente
parafraseadas, estratégia pouco freqüente, ou apenas um trecho era parafraseado, estratégia
recorrente.
7.2.1 Paráfrase da fala inteira
Às vezes, todo o texto da fala era parafraseado, desenvolvido com palavras que melhor
se encaixassem à movimentação labial do ator da tela. Abaixo, dois exemplos que esclarecem
o uso dessa estratégia.
Exemplo 2:
Verificando que o TT estava um pouco pequeno para sincronizar satisfatoriamente
com o TO, a DD resolveu aumentá-lo por meio de uma paráfrase. Dialogando com o
dublador, argumentou que estaria transmitindo a mesma idéia do TT — “A casa estava vazia
quando chegamos” se o mudasse para “Não tinha ninguém aqui quando chegamos”. A
personagem que emitiu a fala foi a agente da “Narcóticos”, Miller, que no momento estava
vasculhando uma casa fazendo uma investigação — a mesma casa referida no TT —, por isso,
a inclusão da palavra “aqui” na paráfrase do TD. A fala é dirigida à detetive Rush, que acaba
de chegar à casa.
TO: Miller: House was empty when we hit it. (Honor)
TT: A casa estava vazia quando chegamos.
TD: Não tinha ninguém aqui quando chegamos.
Exemplo 3:
A DD precisou reformular o TT para melhorar o sincronismo labial e alcançou esse
objetivo parafraseando o texto inteiro. Rush está conversando com Coleman, que está
189
justificando o fato de ter quebrado com um taco de golfe a janela do carro que Scott, o sócio
de Amy, havia acabado de comprar. Coleman diz à detetive que “estava muito zangado com
Amy”. Aproveitando essa fala de Coleman, a DD reescreveu o TT com o pronome “isso” e,
com o resto das modificações para criar a paráfrase, conseguiu um efeito melhor na sincronia
entre as falas.
TO: Rush: And the golf club, that was your way of saying it? (Start up)
TT: E o taco de golfe foi seu modo de dizer.
TD: E falou isso através do seu taco de golfe?
7.2.2 Paráfrase de um trecho da fala
Trechos de falas eram comumente parafraseados para que determinados pontos do TT
se ajustassem ao sincronismo labial. Como foram várias as ocorrências, apresento aqui um
número maior de exemplos em comparação aos expostos acima.
Exemplo 4:
Para diminuir o TT, a DD usou como uma das estratégias para alcançar esse fim a
substituição do trecho final “vamos em frente” por um outro que conservou a idéia original —
“vamos seguir”.
TO: Stillman: He's a POW, Scotty. We got anything, we're gonna go with it.
(Honor)
TT: Ele foi prisioneiro de guerra, Scotty… Temos uma pista, vamos em frente.
TD: Ele foi prisioneiro de guerra... Temos uma pista, vamos seguir.
Exemplo 5:
A DD e o dublador constataram que o TT estava um pouco grande para sincronizar
com o TO, por isso, negociaram a redução de um dos trechos do TT e optaram por reformular
“Eu devo ter”, o que resultou na tradução parafraseada “Talvez tenha”.
190
TO: Ken: Whoa, Carl's bracelets. I must've left those when I moved. (Honor)
TT: (Reação) Os braceletes do Carl. Eu devo ter deixado lá quando me mudei.
TD: (Reação) Os braceletes do Carl. Talvez tenha deixado lá quando mudei.
Exemplo 6:
Para compactar um pouco o TT, a DD sugeriu ao dublador que a frase que iniciava a
fala — “Não tem muita comida” — fosse substituída por uma menor e de mesma
significação, e ambos participantes concordaram em usar a paráfrase “Tem pouca comida”.
TO: Carl: There's not a lot to eat. Water makes you sick. [...] (Honor)
TT: Não tem muita comida
. A água deixa você doente. [...]
TD: Tem pouca comida
. A água deixa você doente. [...]
Exemplo 7:
O início do TT precisava ser reformulado porque as palavras que constavam não
estavam sincronizando com o TO, conforme verificou a DD. Portanto, explicou o que a
personagem quis dizer com “Todos têm um ponto máximo” através de um outro texto —
“Todo mundo tem um limite” —, ou seja, substitui o trecho “Todo mundo” por um que lhe
fosse equivalente — “Todos” — e fez o mesmo com o trecho “um ponto máximo” ao mudá-
lo para “um limite”.
TO: Roger: Everyone has a breaking point. Carl reached his over there. [...]
(Honor)
TT: Todos têm um ponto máximo... Carl atingiu o dele lá. [...]
TD: Todo mundo tem um limite. Carl atingiu o dele lá. [...]
Exemplo 8:
No exemplo a seguir, a estratégia usada pela DD para diminuir o tamanho do TT foi a
compactação da frase final com o uso de uma paráfrase, na qual “a gente morava”
representaria a tradução original “morávamos” e “um perto do outro” representaria “a seis
quarteirões de distância”. Observa-se que a medida de distância não foi explicitada na
191
paráfrase, entretanto, a idéia que se teria da proximidade entre as casas das personagens foi
mantida.
TO: Valens: There were no other girls. Elisa didn't drive, she never had a car.
We lived six blocks from each other. (Start up)
TT: Não houve outras garotas. Elisa não dirigia. Nunca teve carro. Morávamos
a seis quarteirões de distância.
TD: Não houve outras garotas. Elisa não dirigia. Nunca teve carro. A gente
morava um perto do outro.
Exemplo 9:
No exemplo abaixo, o dublador preferiu gravar a sua fala, substituindo a pergunta do
TT “Quer se juntar a mim?” por uma outra que lhe pareceu mais natural — “Quer fazer
comigo?” e que interagia melhor com o diálogo entre Amy e Scott. A fala de Amy é uma
resposta à pergunta de Scott — “Ainda faz isso todas as manhãs?” Scott estava se referindo ao
hábito de Amy de remar todas as manhãs. O dublador provavelmente parafraseou o TT com o
verbo “fazer” porque foi com este verbo que Scott fez a pergunta a Amy.
TO: Amy: Why? Did you think about joining me? (Start up)
TT: Por quê? Quer se juntar a mim?
TD: Por quê? Quer fazer comigo?
7.3 Tradução através da omissão
Baker (1992: 40) explica que a tradução através da omissão pode ser feita quando o
significado transmitido por um determinado item ou expressão não é essencial para o
desenvolvimento do texto. Esse tipo de tradução se refletia no TD quando era resultado de um
TT que teve palavras omitidas pela DD e pelo dublador. Como foi relatado no capítulo
anterior, os elementos mais escolhidos para serem retirados do TT eram os pronomes pessoais
quando a falta desses não levaria a uma interpretação errada da referência pessoal.
192
Sendo a tradução através da omissão uma das estratégias mais usadas na gravação da
dublagem para se obter sincronismo labial, há vários outros exemplos que poderiam ser
citados aqui, além daqueles já expostos no capítulo anterior. Entretanto, para que este capítulo
não se estenda muito, apresento somente mais seis exemplos que evidenciam o cuidado
tomado pela DD e pelo dublador para não distorcerem a mensagem das falas das personagens
ao omitirem palavras do TT. Os exemplos estão distribuídos em seções de “a” a “f” e
mostram quais elementos lingüísticos foram omitidos.
a) omissão de advérbio de intensidade
Para diminuir o tempo de fala do TT, a DD decidiu omitir o advérbio “bem” que
enfatizava o trecho textual “na sua frente” e que era a tradução correspondente à palavra
right” do TO. Comparando o TT e o TD, verifica-se que a ausência do advérbio não alterou
o significado do TT, apenas diminuiu um pouco o seu caráter enfático, pois a frase por si só já
era enfática. Contudo, a entonação dada pelo dublador ressaltou a intenção pretendida com o
advérbio para compensar a sua omissão.
Exemplo 10:
TO: Janet: I didn't know where Carl was, truly. Even when he was right
in
front of me. (Honor)
TT: Eu não sabia onde Carl estava, ainda que ele estivesse bem na minha
frente.
TD: Eu não sabia onde Carl estava, ainda que ele estivesse na minha frente.
b) omissão de aposto
Para melhorar o sincronismo labial da fala dublada, a DD optou por omitir o aposto do
TT — “pensando bem” —, o que era a tradução equivalente à expressão do TO “looking
back”. Possivelmente a escolha se deu porque, quando um aposto é omitido, a frase continua
193
fazendo sentido, e o aposto não acrescentava nenhuma informação essencial para o
entendimento da cena.
Exemplo 11:
TO: Valens: You remember anything that looking back makes you think he was
usin'? (Honor)
TT: Lembra de alguma coisa que, pensando bem, faz você achar que ele podia
estar usando?
TD: Lembra de alguma coisa que faz você achar que ele podia estar se
drogando?
c) Omissão de substantivo
Para sincronizar as falas original e dublada, a DD interferiu no TT e omitiu o
substantivo “teoria”. Apesar da falta desse substantivo no TD, não houve prejuízo para o
entendimento da cena. Antes da fala abaixo, Scott diz que Amy morreu de tristeza por não ter
superado a morte de Gage. Portanto, já estava implícito que Vera, a personagem que enunciou
a fala abaixo, queria dizer que o que era conveniente era a explicação (teoria) de Scott para a
morte de Amy.
Exemplo 12:
TO: Vera: Convenient theory
for you. (Start up)
TT: Teoria
conveniente pra você.
TD: Conveniente pra você, né?
d) omissão de verbos, conjunção e nome próprio
No exemplo a seguir, por se tratar de uma fala grande a ser dublada, a DD precisou
usar mais de um tipo de estratégia para resolver problemas de sincronismo labial, entre elas, a
da omissão de palavras. O fragmento do TT, composto de dois verbos e uma conjunção —
“vamos conversar e” —, referente ao trecho do TO “we’re talkin’ and”, foi omitido porque a
194
intenção maior da personagem emissora da fala era a de fazer com que a personagem
receptora contasse a verdade, informação que foi mantida no TD. O final do TT precisou
também ser “ajustado” à dublagem, exigindo que a DD omitisse o nome da personagem a
quem Daniel J. se dirigia — “Carl” —, mudança que não trouxe nenhum prejuízo ao
espectador porque o nome da personagem já tinha sido repetido várias vezes no episódio.
Exemplo 13:
TO: Daniel J: Shut up! This time we're talkin'
and you're gonna answer me for
real. After you left today, the other POWs told me that you gave up. Said things
you should be ashamed of and then left my dad to die. Is that true? Is it true,
Carl? (Honor)
TT: Cala a boca! Dessa vez vamos conversar e
você vai me dizer a verdade.
Depois que você saiu, os outros prisioneiros me disseram que você desistiu.
(Reação) Disseram que devia se envergonhar, então deixou meu pai pra
morrer. É verdade? É verdade, Carl?
TD: Cala essa boca! Dessa vez você vai me dizer toda verdade. Depois que
você saiu, os outros prisioneiros me disseram que você desistiu. (Reação)
Então, disseram que devia se envergonhar porque deixou meu pai pra morrer. É
verdade? É verdade?
e) Omissão de artigo indefinido e substantivo
O dublador necessitou encurtar o TT e decidiu omitir o trecho composto de um artigo
indefinido e de um substantivo — “uma coisa” —, possivelmente porque o significado
proposto pela fala não seria alterado.
Exemplo 14:
TO: Malvinder: I have something I must tell you. (Start up)
TT: Preciso falar uma coisa
com você.
TD: Eu preciso falar com você.
195
f) Omissão de artigo indefinido, substantivo e preposição
O trecho “um tanto do” (artigo indefinido + substantivo + preposição) foi omitido do
TT pela DD para melhorar o sincronismo labial da dublagem e a estratégia pareceu ter partido
de uma escolha por um conjunto de palavras que não alterasse o entendimento da cena. Dizer
que a personagem Amy ingeriu “um tanto do cloreto de potássio” significa dizer que uma
quantidade indeterminada da substância foi consumida. A mesma idéia foi transmitida no TD
com a ausência da expressão “um tanto de” porque a quantidade de cloreto de potássio
continuou indeterminada.
Exemplo 15:
TO: Valens: And when Amy caught on to it, you slipped her some of Coleman's
potassium chloride. (Start up)
TT: E quando Amy descobriu... fez com que ela ingerisse um tanto do cloreto
de potássio do Coleman.
TD: E quando Amy descobriu... fez com que ela ingerisse cloreto de potássio
do Coleman.
7.4 Tradução adaptada de expressões idiomáticas
Algumas expressões idiomáticas tiveram de ser adaptadas à dublagem pela DD e pelo
dublador para que se adequassem ao sincronismo labial ou ao contexto visual. Para tal, os
participantes tiveram de trocá-las por expressões idiomáticas de forma e significado similar
ou por expressões idiomáticas de significado similar, mas de forma diferente, conforme
exponho a seguir.
196
7.4.1 Uso de uma expressão idiomática de forma e significado similar
A DD e o dublador precisaram negociar uma mudança no TT para obter sincronismo
labial e decidiram parafrasear a expressão idiomática “ido em cima dele”. O resultado desta
estratégia foi o uso de uma expressão idiomática — “partido pra cima” — de mesmo
significado da expressão idiomática do TT e com elementos lexicais equivalentes. A palavra
“dele” foi omitida na interferência realizada, pois o diálogo precedente já deixava implícita a
referência pessoal.
Exemplo 16:
TO: Vera: So maybe Amy finds out, calls him on it. (Start up)
TT: Talvez Amy tenha descoberto e ido em cima dele.
TD: Amy pode ter descoberto e partido pra cima.
7.4.2 Uso de uma expressão idiomática de significado similar, mas de forma diferente
A DD interferiu no TT para substituir a expressão idiomática — “ficar de fora” — por
uma outra que interagisse melhor com a interpretação do ator da tela ao pronunciar a
expressão. Coleman faz um gesto com a mão junto ao pescoço com a intenção de mostrar que
a pessoa a quem se refere merece ter o seu pescoço cortado. A expressão substituta é de
significado similar à expressão idiomática do TT porque Coleman quer dizer que Scott
(personagem referida) merece ser retirado, ou, informalmente falando, ser “cortado” da
sociedade que compartilha com Amy.
197
Exemplo 17:
TO: Coleman: [...] He's seduced by trappings, he deserves to be cut out. (Start
up)
TT: […] Se deixa seduzir por armadilhas. Merece ficar de fora.
TD: […] Se deixa seduzir por armadilhas. Merece ser cortado.
7.5 Tradução pela compensação
Nesta seção, mostro como a estratégia da tradução pela compensação, conforme
categorizada pelos autores Hervey e Higgins (apud Harvey, 1998: 38), foi usada pela DD e
pelo dublador. Os autores distinguem quatro tipos de compensação, dentre as quais destaco as
três mais usadas pelos participantes:
68
compensação pelo tipo, compensação pelo
deslocamento e compensação pela junção.
7.5.1 Compensação pelo tipo
A compensação pelo tipo ocorre quando o tradutor utiliza diferentes itens lingüísticos
no TA para conseguir um efeito diferente do TO, ou seja, o efeito do TO é recriado. A seguir,
mostro como a DD e o dublador recriaram determinados trechos do TT e, conseqüentemente,
do TO, e que motivos os levaram a empregar essa estratégia.
Exemplo 18:
Para se entender o TD abaixo, é preciso que se saiba que a cena correspondente
envolve Carl explicando ao seu filho Ned que, quando ele foi prisioneiro de guerra no Vietnã,
só conseguia se comunicar com seus amigos através de um código secreto que eles mesmos
68
O outro tipo é a “compensação pela separação”, conforme visto em 2.2.3.5.
198
inventaram. Carl comenta que cada letra tinha um certo número de batidas e que eles
soletravam as palavras nas paredes entre os quartos. Logo, então, Carl mostra para o seu filho,
batendo com a mão em uma mureta, como se escreve “Ned” nesse código. A segunda palavra
que Carl representa com o código, para Ned adivinhar, é “urso”, mas Ned diz não ter
entendido. Daí a resposta de Carl no TO abaixo. O que se lê no TT é uma tradução literal para
a fala da personagem, entretanto, para dar um tom mais natural e descontraído ao diálogo, a
DD pediu para o dublador mudar a resposta de Carl para “Fácil. Urso, Ned” e gravar a fala
com uma entonação que transmitisse a sensação de que Carl estava brincando com seu filho.
A interferência na tradução foi motivada pela impressão que a cena causou à DD, que
entendeu que uma resposta mais espontânea naquela situação de brincadeira que envolvia
uma criança iria harmonizar melhor com a imagem.
TO: Carl: I said bear. Wanna go see the bears? (Honor)
TT: Eu disse urso. Quer ir ver os ursos?
TD: Fácil. Urso, Ned. Quer ver os ursos?
Exemplo 19:
A cena da qual faz parte a fala abaixo mostra Carl tendo uma discussão com Daniel.
Visivelmente enraivecido e impaciente, Carl ordena que Daniel vá embora, mas este insiste
em querer fazer perguntas, provocando Carl. No momento da fala abaixo, Carl tenta encerrar
a discussão, pedindo pela última vez para Daniel se retirar. Como esta fala de Carl foi o auge
de sua irritação, a DD resolveu substituir o verbo “Acredite” do TT por uma interjeição que
expressasse um sentimento de irritabilidade, que “combinasse” com o comportamento da
personagem. Entretanto, a recriação da parte do TT correspondente a “Acredite” e a “Believe
me” do TO aconteceu não somente para reforçar um efeito visual, mas também para haver um
melhor sincronismo labial. A locução de duas palavras “Escuta aqui” sincronizou melhor com
a locução em inglês “Believe me”, esta também composta de duas palavras. A recriação do TT
199
foi, então, um recurso para atingir dois objetivos: ajustar o TT à imagem e aos movimentos
labiais do ator da tela.
TO: Carl: Believe me, there are some things you don't wanna know. Now get
outta here! (Honor)
TT: Acredite, tem umas coisas que você não vai querer saber. Agora vai
embora!
TD: Escuta aqui, tem umas coisas que você não vai querer saber. Agora cai
fora daqui!
Exemplo 20:
Para melhorar o sincronismo labial da dublagem de parte do TT abaixo,
correspondente a “e segure os telefonemas”, a DD e o dublador sugeriram alguns arranjos de
palavras e acabaram por escolher uma locução que, embora não fosse a tradução equivalente,
preservava o desejo da personagem: não ter a sua conversa em particular interrompida. A
opção de usar elementos lingüísticos diferentes daqueles empregados naquela parte do TT e
do TO surgiu da necessidade de recriar o texto após outras tentativas com itens lexicais
semelhantes aos do TT terem fracassado.
TO: Coleman: Geraldine, thank you, and hold all calls. (Start up)
TT: Geraldine, obrigado e segure os telefonemas
.
TD: Geraldine, obrigado. Não estou pra ninguém
.
Exemplo 21:
A DD recriou uma parte do TT abaixo para melhor adequar o texto à oralidade e para
torná-lo mais claro. Para a DD, o trecho “deve ter sido uma cena”, tradução dada ao trecho do
TO “It must've been quite a scene”, não representava o modo usual de se relatar uma situação
de desentendimento e irritabilidade. Por isso, precisou recriar aquela parte do TT usando uma
expressão que fosse mais natural e que melhor descrevesse o pensamento de Valens quando
enunciou a fala.
200
TO: Valens: It must've been quite a scene when you found out what she wrote.
(Start up)
TT: Bom, deve ter sido uma cena quando você descobriu o que ela escreveu.
TD: Deve ter rolado um estresse quando descobriu o que ela escreveu.
7.5.2 Compensação pelo deslocamento
A compensação pelo deslocamento ocorre quando o efeito no TA se encontra em um
ponto diferente do TO. Na dublagem, essa estratégia ocorria quando a DD e o dublador
precisavam transferir uma palavra ou um trecho da fala do TT para um outro ponto do texto
para melhorar o sincronismo labial. Assim, a informação do TT que precisou ser deslocada
não deixou de ser transmitida, somente mudou de posição no texto. Essa estratégia, usada com
freqüência no TT, se verifica nos cinco exemplos a seguir, como também naqueles expostos
no capítulo anterior, em “Deslocamento de palavras para outros pontos do texto”.
Exemplo 22:
A DD interferiu na segunda frase do TT deslocando a palavra “ainda” para o início do
texto “por conta da labial”, segundo sua justificativa. Argumentou que a palavra “yet” no final
da fala original não estava “batendo” bem com a palavra “real” do final do TT.
TO: Amy: It's all in paper, it's not real yet
. (Start up)
TT: É só no papel. Ainda
não é real.
TD: É só no papel. Não é real ainda
.
Exemplo 23:
A DD usou algumas estratégias no TT, entre elas, o deslocamento do trecho “essas
coisas” para o meio da frase para proporcionar batidas de boca mais parecidas com a fala
dublada.
201
TO: Scott: I admit, I leaned on her for the bad cops. I don't enjoy saying no.
(Start up)
TT: Admito que deixava por conta dela essas coisas, eu não gosto de dizer não.
TD: Eu admito, eu deixava essas coisas por conta dela. Eu não gosto de dizer
não.
Exemplo 24:
O dublador transferiu o trecho “o que” do TT para o final da pergunta para sincronizar
melhor com o final da fala original.
TO: Scott: So what do we do? (Start up)
TT: E o que
fazemos?
TD: E fazemos o quê
?
Exemplo 25:
Precisando melhorar o sincronismo labial do trecho final do TT, a DD decidiu deslocar
a palavra “disso” para o meio desse trecho para que a fala pudesse terminar com “muito bem”.
TO: Scott: You don't have to tell me how much better than me Amy was. That's
something I knew all about. (Start up)
TT: Não tem que me dizer como Amy era melhor do que eu. Eu sei muito bem
disso.
TD: Não tem que me dizer como a Amy era melhor do que eu. Eu sei disso
muito bem.
Exemplo 26:
A DD transferiu o pronome “você” para antes do verbo “encontraria” para a dublagem
harmonizar melhor com a “labial” do ator da tela. A interferência resultou no uso do pronome
“te”.
TO: Mayes: I know. I asked if I could catch you
out here. (Start up)
TT: Eu sei. Perguntei a ele se encontraria você
aqui.
TD: Eu sei. Perguntei se te
encontraria aqui.
202
7.5.3 Compensação pela junção
A compensação pela junção ocorre quando elementos do TO são condensados no TA
— estratégia também usada com freqüência pela DD e pelo dublador em situações em que
precisavam diminuir um determinado trecho da tradução original para que ficasse
sincronizado com a movimentação labial do ator da tela. Para condensar um trecho do TT, os
participantes reformulavam-no com menos palavras, de acordo com a interpretação que
faziam da intenção da personagem. Os exemplos abaixo mostram os trechos das falas que
causaram problemas na sincronização labial e o que os participantes fizeram para condensá-
los.
Exemplo 27:
Uma das formas que a DD encontrou para melhorar o sincronismo labial entre as falas
original e dublada foi compactar a última frase do TT, preservando o sentido. O texto
substituto — “Nossos funcionários” — foi adequado à situação porque Scott se referia aos
funcionários que ele e Amy tinham em sua empresa.
TO: Scott: You mean, did she have enemies? Yeah. We called them employees.
(Start up)
TT: Tipo, se ela tinha inimigos? Sim. Chamávamos de funcionários
.
TD: Se ela tinha inimigos? Claro. Nossos funcionários
.
Exemplo 28:
Para diminuir o tempo da fala dublada, a DD condensou os elementos da primeira
pergunta do TT em uma outra pergunta que resumiu o que a personagem pretendia saber: se a
pessoa com quem conversava estava se referindo ao inverno passado.
203
TO: Valens: Are we talking last winter? You see her and decided she had to
go? (Start up)
TT: Estamos falando do inverno passado? Você a viu e decidiu que ela tinha
que ir?
TD: Foi no inverno passado? Você a viu e decidiu que tinha que sumir?
Exemplo 29:
Para diminuir o TT, a DD resumiu o trecho final “do campo de prisioneiros” usando
um texto equivalente — “de lá” —, visto que a personagem se referia essencialmente a um só
lugar: a prisão, palavra que já tinha sido usada no início do TT.
TO: Stillman: He was a Roxborough guy same as Carl, didn't make it out of
the prison camp. (Honor)
TT: Ele ficou na mesma prisão que Carl. Mas não conseguiu sair do campo de
prisioneiros.
TD: Ele ficou na mesma prisão que Carl. Mas não conseguiu sair de lá.
Exemplo 30:
Depois de ter constatado que o TT estava grande para sincronizar com o TO, o
dublador sugeriu à DD que o trecho final do TT — “terminou com você” — fosse resumido
para “terminamos”. Embora a mudança não tenha explicitado a pessoa que executou a ação,
como assim está no TT e no TO, tendo generalizado o sujeito (“nós”), o espectador toma
conhecimento de quem foi responsável pelo término da relação na fala seguinte, de Janet, que
é a resposta dada a Carl: “Deixou um bilhete ridículo na caixa de correios. ‘Preciso ser livre.’”
Ou seja, a informação suprimida com a interferência do dublador logo pôde ser recuperada na
fala seguinte. A perda de significado do TT abaixo após a interferência do dublador ocorreu,
portanto, somente nesta fala, mas não no diálogo.
TO: Carl: Remember when I broke up with you? (Honor)
TT: (Reação) Lembra de quando terminei com você?
TD: (Reação) Lembra de quando terminamos?
204
7.6 Equivalência gramatical
As diferenças nas estruturas gramaticais entre a LO e a LA geralmente demandam uma
mudança no conteúdo de informação no TO, conforme argumenta Baker (1992: 83-87). A
diferença gramatical entre o inglês e o português relativa à referência pessoal algumas vezes
fez a DD e o dublador interferirem no TT para retirar um pronome ambíguo, assim evitando
uma possível interpretação equivocada por parte do espectador, ou para fazer uma melhor
associação entre a fala e a cena. O pronome pessoal “you” e os adjetivos possessivos “his” e
her” das falas originais foram os elementos gramaticais que, nesses casos, receberam uma
tradução diferente à do TT por parte da DD e/ou do dublador porque a tradução não era a
mais adequada, conforme explicara a DD.
A seguir, mostro por que a tradução no roteiro para esses elementos de referência
pessoal em inglês não foi a ideal para esses participantes e que estratégias usaram para
resolverem os problemas daí decorrentes.
7.6.1 Interferência para melhorar a associação entre a fala e a cena
Segundo a DD, o pronome em inglês “you” deve ser traduzido com base na cena em
que está sendo usado, portanto, é imprescindível que o tradutor assista ao que está se passando
na tela para fazer a tradução certa do pronome — no singular ou no plural — e,
conseqüentemente, do verbo correspondente também. Julgando que a melhor tradução para
you” no exemplo a seguir seria “vocês”, e não “você”, a DD interferiu no TT.
A cena envolve quatro personagens: Taylor, Nancy, Valens e Vera. Taylor é um
menino que está fazendo uma pesquisa em um computador da escola para mostrar aos
detetives Valens e Vera um texto com ameaças de morte que encontrou no disco rígido. Os
205
detetives e a mãe do menino (Nancy) estão atrás dele, enquanto ele observa a tela do
computador e diz que eles já podem olhar. A DD apontou que o pronome “you” do TO dessa
cena pode ser entendido como “vocês” e, portanto, uma tradução que concordasse com o
pronome pessoal no plural, como, por exemplo, “já podem olhar”, auxiliaria o espectador a
compreender que todos as personagens da cena estão englobadas pelo pronome.
Exemplo 31:
TO: Nancy: No. I just can't do PE. It's up. You can look
. (Start up)
TT: Não. Só não posso fazer educação física. Pronto, já pode
olhar.
TD: Não. Só não posso fazer educação física. Pronto, já podem olhar.
7.6.2 Interferência para evitar ambigüidade
Para beneficiar o entendimento do espectador, o tradutor evita empregar termos
ambíguos — uma importante estratégia de tradução segundo a DD, que apontou os adjetivos
possessivos em português “seu”, “sua”, “seus” e “suas” como bons exemplos de palavras que
podem ser mal interpretadas. Assinalou acreditar que os adjetivos “his”, “her” e “their
devem, de preferência, ser traduzidos para “dele”, “dela” e “deles/delas”, respectivamente, em
falas que podem fazer o espectador pensar, mesmo que por um momento, que a personagem
se refere à pessoa com que está falando, e não a uma terceira pessoa.
No exemplo abaixo, a DD e o dublador negociaram a forma de intervir no TT para
melhorar o sincronismo labial e o entendimento do texto. Para resolverem esse último
problema, substituíram o pronome “seu” pelo pronome “dele” para deixar claro que a
personagem Carl estava se referindo a uma terceira pessoa: seu filho que estava sentado à sua
frente em um restaurante. No exemplo a seguir, Carl está falando diretamente com a
garçonete.
206
Exemplo 32:
TO: Carl: I'm his dad. Carl Burton. Hi. (Honor)
TT: Sou seu pai. (Risos) Carl Burton. Oi.
TD: Eu sou o pai dele. Carl Burton. Oi.
7.7 Equivalência textual: coesão
Estratégias de tradução para obter equivalência textual através da coesão também
compuseram o conjunto de modificações feitas no TT pela DD e pelo dublador. Esses
participantes constantemente tomavam decisões para melhorar as relações entre as falas
vizinhas do TT ou entre itens lingüísticos dentro de uma mesma fala, com o objetivo de evitar
uma interpretação errada ou de acertar o sincronismo labial.
Relaciono abaixo os cinco principais componentes da coesão lexical citados por Baker
(1992: 180), trabalhados pela DD e pelo dublador, com exemplos para cada um deles:
referência, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical.
7.7.1 Referência
Quando a DD e o dublador interferiam no TT por causa de um problema relativo à
referência, na maioria das vezes, incluíam ou omitiam um pronome pessoal para conseguir
sincronismo labial entre as falas original e dublada, conforme mostrei em 6.1 e 6.2,
respectivamente. Outras vezes procuravam evitar uma interpretação ambígua substituindo a
palavra relativa à referência ou incluindo um pronome pessoal que estava oculto e que, por
isso, poderia deixar o espectador confuso. Os exemplos abaixo mostram este último caso.
207
Exemplo 33:
Na cena abaixo, o detetive Vera quer saber de Coleman se o fato de ter perdido o
capital que investiu na empresa de Amy e Scott não teve importância para ele. Como a
referência do verbo “custar” não está especificada no TT, a DD introduziu no texto o pronome
“lhe” para deixar claro que esse investimento era de Coleman e que, portanto, poderia tê-lo
deixado furioso. A DD quis que o pronome pessoal relativo ao verbo fosse explicitado assim
como foi na fala original de Vera com o pronome “you”.
TO: Vera: And the millions they cost you
? No feelings about that? (Start up)
TT: E os milhões que custaram... Não se importou?
TD: E os milhões que lhe
custaram... Não teve importância?
Exemplo 34:
Percebendo que o objeto do verbo “puxar” não existia no TT abaixo, o que fez a frase
ficar incoerente, a DD incluiu o pronome pessoal “você” após o verbo depois de conferir na
fala original que o pronome que estava sendo usado era “you”.
TO: Coleman: And what did you say you would do if anything got in your
way? If any sandbag started dragging you down? (Start up)
TT: E o que disse sobre o que faria se alguém tentasse atrapalhar? Se um saco
de areia começasse a puxar pra baixo?
TD: E o que disse sobre o que faria se alguém atrapalhasse? Se um saco de
areia começasse a puxar você pra baixo?
208
7.7.2 Substituição
A estratégia da substituição, conforme descrita por Baker (1992: 186-187), foi usada
pela DD e pelo dublador quando precisavam reduzir o tamanho do TT para conseguirem
sincronismo labial. Essa estratégia era rapidamente lembrada pelos participantes e, em geral,
era bem eficaz, quer dizer, não precisavam desistir dessa estratégia, por não ter sido bem-
sucedida, para tentarem outra que resolvesse o problema.
Exemplo 35:
Precisando trocar a palavra “desesperada” do TT por uma outra mais curta para poder
encaixá-la melhor nas “batidas de boca” do ator da tela, o dublador interferiu na tradução e
substituiu a palavra por uma outra equivalente e de menos sílabas — “assim”.
TO: Amy: And a sound business idea. The users will be desperate. Desperate
people pay. (Start up)
TT: E uma ótima idéia de negócios. Os usuários vão estar desesperados. Gente
desesperada paga.
TD: E uma ótima idéia de negócios. Os usuários vão estar desesperados. Gente
assim
paga.
Exemplo 36:
Para conseguir um TT menor, a DD substituiu o trecho repetido “não agüentaria” do
TT por uma única palavra, a conjunção “nem”, que foi um equivalente naquele ponto da fala.
Portanto, o TD continuou transmitindo o mesmo significado que o TT.
TO: Scott: No. I was trapped. I couldn't face jail. And I couldn't face
her
finding out. […] (Start up)
TT: Não. Foi uma cilada. Eu não agüentaria a cadeia. E não agüentaria que ela
descobrisse. [...]
TD: Não. Foi uma cilada. Eu não agüentaria a cadeia. E nem que ela
descobrisse. [...]
209
7.7.3 Elipse
A elipse foi muitas vezes usada pela DD e pelo dublador para obter coesão textual
visto a necessidade que tinham de diminuir a extensão do TT para que a fala dublada ficasse o
mais sincronizada possível com a fala original. Os itens lingüísticos omitidos eram,
geralmente, repetições desnecessárias e palavras não relevantes à compreensão da fala porque
não acrescentavam nenhum significado importante à fala ou porque estavam implícitas no
contexto ou porque poderiam ser reproduzidas através da entonação do dublador. Em 6.2,
mostrei essa estratégia como uma das mudanças introduzidas no TT para a dublagem, sob o
título de “Omissão de palavras”. Aqui, entretanto, a intenção do enfoque a essa estratégia é
relacioná-la com a citação de Baker (1992: 180), que a incluiu como uma das ferramentas do
tradutor para quando deseja obter coesão textual. Relembro essa estratégia usada na gravação
da dublagem citando mais três exemplos.
Exemplo 37:
O pronome “ele” sublinhado no TT abaixo não estava sincronizando com as aberturas
labiais do ator da tela. Para melhorar o sincronismo labial, a DD optou por omitir o pronome
porque estaria implícito na elipse tanto pelo fato de esse pronome já estar iniciando a fala
quanto pelo fato do verbo “deixar-se” estar conjugado na segunda pessoa do singular e estar
seguindo o exemplo do verbo “querer” na locução anterior, também com o pronome oculto. O
uso da elipse foi suficiente para acertar as “batidas de boca”.
TO: Coleman: He's dead weight. He's showing off. He's seduced by trappings.
He deserves to be cut out. (Start up)
TT: Ele é peso morto. Quer aparecer. Ele... (reação) se deixa seduzir por
armadilhas. Merece ficar de fora.
TD: Ele é peso morto. Quer aparecer. (Reação) Se deixa seduzir por
armadilhas. Merece ser cortado.
210
Exemplo 38:
Precisando melhorar o sincronismo labial entre a fala dublada e a fala original, a DD
quis diminuir um pouco o final do TT e, como o substantivo “ano” estava sendo repetido na
oração, resolveu omiti-lo, já que seu uso naquele ponto do texto seria desnecessário. A
referência ficou implícita porque a palavra “ano” está muito perto do ponto onde ocorreu a
elipse.
TO: Stillman: Oh, Scotty, you're not gonna know. Not next year, not the year
after. (Start up)
TT: (Reação) Scotty, você não vai fazer. Nem no próximo ano, nem no ano
seguinte.
TD: (Reação) Scotty, você nunca vai fazer. Nem no próximo ano, nem no
seguinte.
Exemplo 39:
Para sincronizar melhor as falas original e dublada, o dublador desfez a repetição
contínua da referência pessoal do TT, omitindo a referência na segunda vez que foi usada,
pois não acrescentava nenhum significado à fala.
TO: Carl: So these people, they
made me stay over in Vietnam. (Honor)
TT: Então, essas pessoas, elas
me fizeram ficar no Vietnã.
TD: Então, essas pessoas, me fizeram ficar no Vietnã.
7.7.4 Conjunção
Conjunções foram incluídas no TT não somente para melhorar o sincronismo labial,
mas também para tornar o texto mais coeso e mais fácil de ser entendido. O uso de uma
conjunção adequada ajuda o espectador a estabelecer uma relação mais correta entre as frases
de uma mesma fala ou com a fala anterior.
A seguir, dois exemplos mostram como a inserção de uma conjunção pôde, segundo a
DD e o dublador, tornar as falas mais claras.
211
Exemplo 40:
Para a intenção da personagem no trecho da fala abaixo ficar mais clara, a DD e o
dublador combinaram introduzir entre as duas orações do TT uma conjunção de adição no
lugar da vírgula. Dessa forma, a segunda oração estabeleceria uma relação de seqüência com
a oração anterior. Segundo esses participantes, com a conjunção, o espectador entenderia mais
facilmente que a personagem referida estava desesperada (para comprar drogas) e, por isso,
precisou penhorar os seus braceletes para conseguir dinheiro.
TO: Valens: [...] Maybe he got desperate, tried to pawn the bracelets. (Honor)
TT: [...] Talvez tenha ficado desesperado, tentou penhorar os braceletes.
TD: [...] Talvez tenha ficado desesperado e tentou penhorar os braceletes.
Exemplo 41:
Ken, personagem que enunciou a fala abaixo, respondeu à seguinte fala de Stillman:
“Carl aparece na recepção do enterro a que foi desconvidado. Como ele está?” Conforme
explicação da DD, Ken quis dizer que Carl não era bem-vindo nessa recepção e era visto
como uma pessoa adversária, agindo da mesma maneira que um antagonista, por esse motivo,
incluiu no início da fala de Ken a conjunção “como” para ficar mais evidente que a resposta
estava relacionada com a pergunta e para o significado da fala ficar mais claro.
TO: Ken: Antagonistic. He's looking for trouble. (Honor)
TT: Antagonista. Procurando problemas.
TD: Como antagonista. Atrás de problemas.
7.7.5 Coesão lexical
A DD e o dublador, às vezes, tiveram de incluir no TT uma palavra, como uma
preposição, por exemplo, para ajudar o espectador a lembrar de um ou mais itens da fala
anterior. Essa união das falas, através dos elementos de relação, tornava o diálogo mais coeso
e mais fácil para o espectador fazer as referências certas.
212
Os três exemplos abaixo mostram o que a DD e o dublador fizeram para tornar as falas
mais lexicalmente coesas.
Exemplo 42:
A fala de Valens abaixo ocorreu logo após a fala de Daniel — “Achei que o Carl
pudesse me ajudar.” Segundo a DD, a fala de Valens deveria começar com a preposição “a”
para concordar com o verbo “ajudar” usado na fala de Daniel. Como a intenção de Valens era
completar a frase de Daniel, a DD julgou que a preposição tornaria as duas falas mais
interligadas.
TO: Valens: Fill in the gap. (Honor)
TT: Preencher as lacunas.
TD: A preencher as lacunas.
Exemplo 43:
Taylor, personagem da fala abaixo, é um menino que está pesquisando em um diário
armazenado em um computador o que é ou quem é “Amy Lind”. Primeiramente pensou que
pudesse ser o nome de uma peça teatral, mas acabou descobrindo que “Amy Lind” era uma
pessoa, mas que já tinha morrido. Para fazer referência à idéia de adversidade entre essas duas
conclusões sobre Amy Lind, a DD inseriu a palavra “só” antes da frase final “que está morta”.
TO: Taylor: That's what I thought. But then I looked up the name. Amy Lind's
an actual person. Who's like, actually dead. (Start up)
TT: Foi o que eu pensei. Mas aí pesquisei o nome. Amy Lind é uma pessoa de
verdade. Que está morta.
TD: Foi o que eu pensei. Mas aí pesquisei o nome. Amy Lind é uma pessoa de
verdade. Só que tá morta.
Exemplo 44:
A fala seguinte, de Malvinder, é uma resposta à pergunta de Valens — “A amizade
entre Scott e Amy também afundou?” Com o intuito de deixar as duas falas mais
213
coerentemente ligadas, a DD trocou a preposição “ao” do TT pela preposição + artigo “num”
para dar o sentido correto ao verbo “afundar” e ao resto da frase.
TO: Malvinder: Into silence. Like a shout. (Start up)
TT: Ao silêncio. Que gritava.
TD: Num silêncio. Que gritava.
Com os exemplos deste capítulo, procurei mostrar que a DD e o dublador usam
estratégias de tradução para resolverem os problemas que o TT por vezes lhes apresenta.
Esses problemas lhes surgem em duplo desafio: agrupar os signos lingüísticos de modo que a
fala da personagem fique coerente, significativa e de fácil assimilação por parte dos
espectadores e, ao mesmo tempo, integrar esse texto harmoniosamente com a imagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O propósito desta dissertação foi verificar de que modo os participantes do processo
de gravação da dublagem interferiram na tradução dos roteiros dos episódios Honor e Start
up, da série policial Cold Case, e analisar as estratégias que usaram para alterar as falas das
personagens tal como apareciam nos roteiros traduzidos para atender às exigências da
dublagem.
Inicialmente, fiz uma introdução à Tradução Audiovisual, onde expliquei, entre outras
coisas, o que são a dublagem e a legendagem. Além disso, argumentei que este campo de
estudo deveria ser mais investigado no Brasil e que profissionais de empresas especializas na
produção de métodos audiovisuais e pesquisadores se beneficiariam com a troca de suas
experiências na área. Indiquei, também, ser oportuno o ensino da Tradução Audiovisual
devido à grande demanda por esta modalidade na mídia atual no Brasil.
Após essa introdução, fiz um resumo do estudo de Baker (1992) sobre o problema da
não-equivalência na tradução e estratégias de tradução utilizadas quando da ocorrência desse
problema. Fiz referência, também, ao estudo de Harvey (1998) a respeito da estratégia da
compensação. Esse foi o referencial teórico que norteou a análise de dados, apresentada no
capítulo sete, e que ajudou a compreender melhor as estratégias empregadas pela DD e pelo
dublador.
Em seguida, discorri sobre a prática metodológica que orientou minha pesquisa — a
etnográfica qualitativa —, justificando por que foi a que melhor propiciou subsídios para a
sua realização. Descrevi o contexto da pesquisa (verificação do processo de gravação da
dublagem em uma empresa especializada), os participantes (DD, dubladores e técnico de
áudio) e os instrumentos (entrevistas, diário de campo, gravação em fitas cassetes, TT, TD,
vídeo e TO). Expliquei, por exemplo, por que decidi observar as sessões de dublagem no
estúdio da técnica, em que momentos dialoguei com a DD, por que a empresa de dublagem
215
não me concedeu o vídeo dos episódios observados, tampouco o TO, e como, posteriormente,
os obtive.
Dando seqüência à metodologia de pesquisa, mostrei como se dá o processo de
gravação da dublagem, baseando-me nas observações da pesquisa in loco. Expliquei o que é
uma produção de dublagem, a importância do sistema de gravação Pro Tools e quais as
atividades exercidas pelo técnico de áudio, pela DD e pelo dublador. Fiz também uma
descrição dos estúdios de gravação da técnica e dos dubladores, apresentando, inclusive,
ilustrações desses locais de trabalho. Por fim, apresentei uma lista das expressões usadas no
jargão da área.
Depois da descrição do processo de gravação da dublagem, expliquei como o roteiro
da dublagem é manuseado pelos dubladores e como é constituído, com exemplos e ilustrações
extraídos dos roteiros dos episódios observados. Foi mostrado, por exemplo, de que forma as
personagens, as legendas, os vozerios e as reações são indicados no roteiro, e como números,
horários, medidas, siglas e pontuações são grafados para evitar erros de leitura do dublador.
Após a apresentação do roteiro, expus, nos dois últimos capítulos, a análise das
interferências feitas pelos profissionais da dublagem nos roteiros de Honor e Start up, com
base nos exemplos colhidos em campo. A razão de ter apresentado vários exemplos foi para
fornecer dados suficientes para sustentar minhas asserções. Os tipos de estratégias
identificados constituíram as categorias de análise dos dados colhidos. São a essas estratégias,
portanto, que dedico minhas considerações finais.
As estratégias usadas pelo diretor de dublagem e pelo dublador visam a atender a uma
exigência primordial da dublagem: adequar o texto do roteiro à imagem. Essa adequação
inclui sincronizar o TT com a movimentação labial do ator da tela e realizar uma melhor
interação entre o TT e outras imagens.
216
Estratégias para proporcionar a sincronização do TT com a movimentação labial do
ator da tela são usadas no roteiro pelos profissionais da dublagem quando o tempo de fala do
TT está maior ou menor do que o tempo de fala do TO ou quando a articulação do TT não se
assemelha com a articulação do TO. No primeiro caso, o dublador pode interpretar a sua fala
omitindo ou incluindo palavras (estratégias recorrentes) e, assim, pode conseguir um texto
(TD) que termine simultaneamente com o texto do ator da tela (TO). Ou seja, os profissionais
da dublagem interferem no TT para que a voz do dublador não continue a ser ouvida depois
do ator da tela ter acabado de falar (exemplo 30, seção 6.2.1, entre outros) ou para que o ator
da tela não continue falando sem som, isto é, sem texto (exemplo 16, seção 6.1.2, entre
outros).
Outras estratégias para reduzir ou aumentar o volume textual do roteiro podem ser
usadas, conforme mostrei no capítulo seis, entre elas, compactação do texto através da
reformulação de um trecho da fala ou de toda a fala (seção 6.7) e aumento do texto através da
reformulação de um trecho da fala ou de toda a fala (seção 6.8).
No segundo caso, quando o TT e o TO não se assemelham na articulação, os
profissionais da dublagem interferem na tradução do roteiro para que haja sincronismo labial
e para dar a ilusão de que os atores da tela estão interpretando na LA. Este tipo de
interferência ocorreu na fala do exemplo 15, da seção 6.1.2, entre outras.
Os profissionais da dublagem também podem querer alterar o TT para colocar texto
“na boca” do ator da tela mesmo quando não há nenhum som original. Para preencher certas
aberturas labiais, inserem uma ou mais palavras no TT e, dessa forma, evitam que fique a
impressão no espectador de que a dublagem foi mal feita. O uso dessa estratégia pode ser
observado no exemplo 12, da seção 6.1.1, entre outros.
A adequação do texto a outras imagens para uma melhor interação é realizada quando
os profissionais da dublagem acreditam que a fala e a reação da personagem podem ficar mais
217
interligadas, tornando a situação interpretada mais autêntica. Este tipo de adequação foi feito
na fala do exemplo 67, da seção 6.12, entre outras, quando a DD decidiu trocar o trecho da
fala “Tudo bem” (“OK”) de Carl para “Vamos”. Porque, na imagem, a personagem pegava
seu filho pela mão para levá-lo embora.
Percebe-se que a imagem e o TT são instrumentos de trabalho sempre confrontados
pelos profissionais da dublagem, sendo indissociáveis e, portanto, são examinados pelos
profissionais da dublagem simultaneamente.
A interferência do diretor de dublagem e do dublador no roteiro também pode ocorrer
para tornar o texto mais claro, como observado no exemplo 21, da seção 7.5.1, livre de
ambigüidades, como observado no exemplo 32, da seção 7.6.2 e mais natural, como
observado no exemplo 9, da seção 7.2.2.
Ao interferirem no roteiro para conseguir sincronismo audiovisual e um texto mais
claro e natural quando as possibilidades de se preservar a tradução original se extinguem, os
profissionais da dublagem refletem a respeito das estratégias que pretendem usar, pesam suas
decisões, avaliam o resultado, cientes de que podem comprometer o entendimento de uma
situação ou dar-lhe outro sentido, se não tomarem o cuidado de levar em consideração
questões lingüísticas e culturais. Dessa forma, se “apoderam” do exercício da criação à
procura de equivalência e de contextualização. Portanto, deixam no produto final as marcas de
sua percepção, tendo-se apropriado de uma nova autoria.
Todas essas considerações a respeito do trabalho dos profissionais da dublagem
fizeram-me entender o papel que, por vezes, exercem: o de tradutores. Além do mais,
empregam estratégias no roteiro que são equiparadas àquelas usadas por tradutores, que foram
apresentadas na revisão da literatura de Baker (1992) e Harvey (1998) e retomadas no
capítulo sete.
218
Concluindo, a dublagem não é o resultado apenas da tradução feita pelo tradutor, mas
também de um processo de negociações, testagens e decisões tomadas em comum acordo
entre o diretor de dublagem e o dublador. A participação destes profissionais na tradução para
dublagem é necessária porque, estando o tradutor ausente nas gravações, este não poderá dizer
ao dublador que estratégia de tradução usar quando o texto do roteiro apresentar algum
problema à dublagem. Ou seja, a autoria da tradução do material audiovisual não termina nas
mãos do tradutor, mas na orientação do diretor de dublagem e na voz do dublador.
Com esta constatação, acredito poder sugerir que o diretor de dublagem e o dublador
são os co-autores da tradução para dublagem. Dada a importância do papel exercido por estes
profissionais, espero, com o presente estudo, ter colaborado para valorizar o trabalho que
executam, ainda pouco conhecido em sua plenitude pelo público em geral.
Espero, também, ter aberto um caminho que outros pesquisadores possam trilhar para
desenvolver futuros estudos de questões ainda pouco exploradas no campo da Tradução
Audiovisual.
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